Exegese de Tt 1_1-4 - Exegese do Novo Testamento

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Exegese de Tt 1_1-4 - Exegese do Novo Testamento
EXEMPLO DE COMENTÁRIO EXEGÉTICO COMENTÁRIO EXEGÉTICO DENTRO DA ESTRUTURA QUIÁSTICA A estrutura proposta para este comentário seguirá o quiasmo observado na estrutura do texto1. Em cada perícope, dentro da estrutura quiástica, o leitor encontrará uma tradução2 proposta, discussões textuais disponíveis3, uma síntese exegética que situará o leitor na linha de raciocínio da perícope, discussões sintáticas dos termos mais relevantes4, considerações teológicas importantes5, análise léxica6, e abordagem histórico-­‐cultural pertinente. 1.1 (A) Saudação inicial (“av s pa, z omai”) 1:1-4
A primeira parte da carta introduz características de Paulo e o propósito de sua vida. O que auxiliaria Tito nas tarefas de estabelecer uma liderança piedosa e capaz (1.6-­‐9), e de ensinar o correto (2.1-­‐3.1-­‐8) enquanto combatia o ensino errado (1.10-­‐16 e 3.9-­‐11). 1.1.1
BYZ 1 Texto 1:1-4
Pau/loj( dou/loj qeou/( avpo,stoloj de. VIhsou/ cristou/( kata. pi,stin evklektw/n qeou/ kai.
evpi,gnwsin avlhqei,aj th/j katV euvse,beian(
qeo.j pro. cro,nwn aivwni,wn(
3 2 evpV evlpi,di zwh/j aivwni,ou( h]n evphggei,lato o` avyeudh.j
evfane,rwsen de. kairoi/j ivdi,oij to.n lo,gon auvtou/ evn khru,gmati o]
evpisteu,qhn evgw. katV evpitagh.n tou/ swth/roj h`mw/n qeou/(
4 Ti,tw| gnhsi,w| te,knw| kata. koinh.n
pi,stin\ ca,rij( @e;leoj#( eivrh,nh avpo. qeou/ patro,j( kai. @kuri,ou# VIhsou/ cristou/ tou/ swth/roj h`mw/nÅ Tradução 1 Paulo, que é servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para anunciar tanto a fé que os eleitos de Deus exercerão quanto o pleno conhecimento da verdade que conduz à piedade, 2 para a esperança que é a vida eterna, a qual Deus, que não é mentiroso, prometeu antes dos tempos eternos, 3 e manifestou a sua palavra em tempos oportunos por meio da pregação, a qual me 1
A Saudação inicial (“avspa,zomai”) 1:1-4
B Pôr em ordem o restante (evpidiorqwsh| ta. lei,ponta) 1:5a
C Estabelecer Presbíteros (katasth,sh|j presbu,terouj) 1:5b
C' Estabelecer Presbíteros (“katasth,sh|j presbu,terouj”) 1:6-9
B' Pôr em ordem o restante (“evpidiorqwsh| ta. lei,ponta”) 1:10-3:14
A' Saudação final (avspa,zontai) 3:15
2
O leitor encontrará em cada perícope o texto Bizantino com as ausências e outras diferenças do texto crítico entre colchetes para
que se possam visualizar as divergências entre os dois textos. A tradução de cada uma das perícopes refletirá as opções sintáticas
feitas no comentário.
3
As variantes abordadas aqui são as disponibilizadas em www.laparola.net/greco e serão alistadas na íntegra. Além disto, o
comentário das variantes abordadas em METZGER, B. M. “A Textual Commentary on the Greek New Testament”, estarão
disponibilizadas no comentário textual.
4
Apenas as palavras que acrescentam ou mudam o sentido do texto serão analisadas.
5
Cada aspecto teológico será discorrido em nível diferente, de acordo com a relevância entendida por este estudante.
6
Sempre que possível, os aspectos de um estudo diacrônico serão utilizados.
foi confiada por ordem de Deus, nosso salvador. 4 A Tito, genuíno filho segundo a fé comum, graça, misericórdia e paz da parte de Deus pai e de Jesus Cristo, nosso salvador. Observações Textuais7 χάάρις καὶ εἰρήήνη]8 ‫ א‬ C* D F G P Ψ 088 256 263 365 629 1175 (1739 1881 l883 l1156 l1443 omite καὶ) 2127 itar itb itc itd itdem itdiv ite itf itg ito itx itz vg (vgmss) syrp copbo goth arm (ethro εἰρήήνη σοι καὶ χάάρις) geo1 Ambrosiaster Chrysostom Jerome Theodorelat Augustine Cassiodorus John-­‐‑Damascus χάάρις ὑµμῖν καὶ εἰρήήνη]9 33 (copsa χάάρις σοι) χάάρις, ἔλεος, εἰρήήνη]10 (see 1Timothy 1:2; 2Timothy 1:2) A C2 K L 075 0150 6 81 88 104 181 326 330 424 436 451 459 614 630 1241 1319 1573 1852 1877 1962 2200 2495 Byz Lect (l422 εἰρήήνη καὶ ἔλεος) copbo(ms) (geo2) (ethpp εἰρήήνη σοι καὶ χάάρις καὶ ἔλεος) slav Origenlat Teodoret Ps-­‐‑Oecumenius John-­‐‑Damascustext Theophylact χάάρις, ἔλεος, καὶ εἰρήήνη]11 1984 1985 2492 syrh Metzger diz que12: “A saudação tipicamente epistolar Paulina, ca,rij kai. eivrh,nh, é fortemente
apoiada tanto por bons representantes dos tipos textuais alexandrinos quanto dos
ocidentais (a C* D G P Y it vg). A inserção de e;leoj (A C2 K 81 614 Byz Lect al e
o Texto Recebido) parece ser uma emenda proposta pela analogia da saudação
tríplice em 1 Tm 1.2 e 2 Tm 1.2. Outras variações menores, tais como a inserção
de u`mi/n (33) ou soi (copsa), são obviamente modificações de escribas.”
Embora Metzger pareça estar certo com respeito às inserções de u`mi/n e soi, a força alexandrina e ocidental nesta variante não é maior do que o texto bizantino13. A evidência externa, pelo contrário, é disputada, pois a distribuição geográfica está praticamente empatada; a data apóia levemente a omissão de “e;leoj” com um século de diferença. Já a solidariedade genealógica, principalmente por causa do texto Bizantino, apóia a inclusão de “e;leoj”; e a quantidade de manuscritos demonstra vantagem para a inclusão. Quanto à evidência interna, a saudação tríplice em 1 e 2 Timóteo, tendo em vista o uso de vocabulário peculiar e o foco comum contido nas “pastorais”, dá força suficiente para se optar por “ca,rij( e;leoj( eivrh,nh” em Tito. Χριστοῦ Ἰησοῦ] ‫ א‬ A C D* Ψ 088 0240 33 81 365 629 pc it vg Ambrosiaster Ἰησοῦ Χριστοῦ] 1739 1881 κυρίίου Ἰησοῦ Χριστοῦ] D2 F G Byz syr κυρίίου Ἰησοῦ] 1175 7
As notas de roda pé logo após cada leitura das diversas variantes indicarão sua tradução.
graça e paz (a ti)
9
graça e paz a vós
10
graça, misericórdia, paz
11
graça, misericórdia e paz
12
METZGER, B. M. “A Textual Commentary on the Greek New Testament”. BibleWorks 7 Software.
13
Perceba que Metzger não cita vários dos manuscritos alistados acima em sua discussão.
8
Na evidência externa a omissão de “kuri,ou” é fortemente apoiada com base numa data bastante antiga, melhor distribuição geográfica, e quase que unânime solidariedade genealógica. A quantidade de manuscritos é disputada, já que Byz está dividido. Assim, a evidência externa favorece a omissão de “kuri,ou”. A evidência interna demonstra que qualquer das opções se harmoniza com o texto e com o pensamento paulino, mas a omissão de “kuri,ou” é mais freqüente. A opção feita aqui é pela leitura que omite “kuri,ou”. Esboço e Análise A saudação de Paulo revela sua identidade, atividade e apreço por Tito (1:1-­‐4). Síntese Exegética Paulo escreve sua saudação a Tito demonstrando quem era e o propósito de seu ministério. Sua identidade de “servo -­‐ dou,loj” e “apóstolo -­‐ avpo,stoloj” (1:1a) demonstrava seu relacionamento com o Pai e o Filho, e ao mesmo tempo direcionava sua atividade ministerial, a saber, conduzir os eleitos à fé -­‐ pi,stin e ao pleno conhecimento da verdade -­‐ evpi,gnwsin avlhqei,aj (1.1b). Tal atividade havia sido ordenada por Deus (1.3) e produziria esperança -­‐ evlpi,di (1.2) naqueles a quem o evangelho e o ensino das Escrituras alcançassem. Por fim, Paulo demonstra seu desejo de graça, misericórdia e paz a Tito, seu filho na fé (1:4), pois precisaria da ação de Deus para o cumprimento de sua tarefa em Creta. A função desta perícope era prover exemplo, autorização e incentivo para Tito. A identificação de Paulo está intimamente ligada com a missão para a qual o Pai e o Filho o designaram (1:1-­‐3). A identificação de Paulo demonstra equilíbrio entre sua submissão e autoridade (1:1a). 1.1a -­‐ Servo de Deus (dou/ l oj qeou/ ) A palavra usada para “dou/loj -­‐ servo” é a palavra usada para escravos ou homens acorrentados no mundo antigo14. A idéia básica é de alguém que é subjugado, é obrigado à força e por isto deve obediência ao seu senhor/dono. Em Rm 6:6, 14, 16, Paulo usa a forma verbal da palavra com o sentido de ”estar sujeito a, servir”, da mesma forma como Aesquilus 14
Tucidides (V a.C.) demonstra este uso. Eurípedes (V a.C.) faz uso metafórico para um escravo do dinheiro. Sófocles (V a.C.) usa o
termo para uma “cidade subjugada”. E ainda usa a frase “corpo escravo” em oposição à frase “mente livre”. Persius (I d.C) diz que
“alguns não foram chamados escravos”. LIDDELL, Henry George & SCOTT, Robert. “A Greek-English Lexicon”. STERGIOU,
Costas. Op. Cit. Termo “dou/loj”.
(IV-­‐V a.C.)15. Basicamente, o termo descreve alguém controlado por algo ou alguém, e é usado no relacionamento entre Cristo e o homem. dou/ l oj implica oferecer a si mesmo para obedecer a Deus de coração (Ef 6:6, 1Co 7:22-­‐23). Assim, um dou/ l oj qeou/ lida com a motivação de fazer as coisas para agradar a Cristo e não pessoas (Gl 1:10). O significado do termo “dou/loj” em relação a Deus é intensificado quando se observa a ordem de Paulo para que os “dou/loi” considerassem seus senhores dignos de toda honra (1Tm 6.1). Quanto mais digno deveria ser o Senhor celestial! Grandes homens de Deus foram chamados de “dou/loj”16. Abraão (Gn 26:24; Sl 105:42); Moisés (Nm 17:7; Ne 9:14); Davi (Sl 89:4); Daniel (Dn 6:20); e os profetas (Jr 25:4; Ez 38:17; Am 3:7). Isto demonstra que d ou/ l oj qeou/, desde o AT, é um título de honra17 que se refere ao relacionamento especial de uma pessoa com Deus. Este título continuou tendo esta característica também no NT, no entanto, com uma conotação mais submissa que no AT. Quando usada para designar alguém fora da esfera espiritual, era considerado título desprezível18. Paulo sabia exatamente que a palavra carregava tal significado, pois a usou em contraste com “de,spothj -­‐ senhor” (Tt 2.9)19. A frase “dou/ l oj qeou/” é usada por Paulo somente em Tt 1:1. A frase similar é dou/ l oj
v I hsou/ Cristou/ (Rm 1:1; Gl 1:10; Fp 1:1). Talvez a mudança tenha sido feita porque o problema que Tito enfrentava em Creta era com os judeus (1:10), ou por Paulo entender que era um servo como no AT20. O substantivo “qeou/” deve ser entendido como genitivo de posse21, e não objetivo22, pois além de enfraquecer a declaração de Paulo23, colocaria sua ênfase no ministério e não na submissão24. Assim, o sentido de d ou/ l oj qeou/ dentro da perícope é que Paulo está disposto a submeter tanto suas vontades como o controle de sua vida a Deus. Isto serviria de exemplo a Tito, aos que se opunham à sã doutrina (1:11 cp. 2:1), e aos cristãos de Creta. 15
Ibid. termo “douleu,w”.
MOUNCE, William D. “Word Biblical Commentary, Pastoral Epistles”. P. 378.
17
Não que este título faça da pessoa alguém honrado perante a sociedade ou que dê a ela honra por merecimento próprio, pelo
contrário é uma honra ter o relacionamento de servo-Senhor com Deus.
18
Observe uso da palavra nos documentos antigos do V século a.C.
19
Veja que Euripedes (V a.C.) usa “dou/loj” em oposição a “de,spothj - senhor”. LIDDELL, Henry George & SCOTT, Robert. “A
Greek-English Lexicon”. STERGIOU, Costas. Op. Cit. Termo “dou/loj”.
20
MOUNCE, William D. Op. Cit. P. 378.
21
A idéia do genitivo de posse seria “servo que pertence a Deus”.
22
A idéia do genitivo objetivo seria: “servo que serve a Deus”.
23
A disposição de se submeter a Deus, demonstrada na segunda opção, também serviria de orientação para a igreja que tinha como
exemplo a disposição contrária dos falsos mestres. Este estudante acredita que a carta também deveria ser lida para os crentes
baseado em 2.15 (cp. 1Co 16.10-11).
24
Veja comentário de “av p o, s toloj” abaixo que aponta tanto para autoridade quanto para o ministério de Paulo. Assim, a palavra
“dou/ l oj” e a palavra “av p o, s toloj” formam um equilíbrio entre submissão e ministério.
16
e apóstolo de Jesus Cristo (av p o, s toloj de. VIhsou/ Cristou/ ) O verbo “avposte,llw -­‐ enviar”, palavra da mesma raiz do substantivo “av p o, s toloj”, foi usado na LXX para a pomba que Noé enviou com o fim de ver se as águas já tinham baixado (Gn 8:8); para os anjos que Deus enviou a fim de destruir Sodoma (Gn 19:13); para Moisés quando foi enviado por Deus a Faraó a fim de libertar Israel do Egito (Êx 3:10, 13-­‐15); no envio dos espias para observar a Terra de Canaã antes de conquistá-­‐la (Nm 13:2); e também foi usada na predição do envio do Messias a fim de restaurar os contritos e de proclamar libertação (Is 61:1 cp. Lc 4:18). No NT o verbo avposte,llw foi usado quando Jesus enviou os discípulos para pregarem Sua mensagem a Israel (Mt 10:1, 5, 16); para o envio de João Batista da parte de Deus (Mt 11:10); e para o dia que Jesus enviará seus anjos com o propósito de lançarem os que não creram no juízo eterno (Mt 13:41). Em suma, a palavra é usada para o envio de alguém (ou algo) com uma missão (Mc 3:14). Desta forma, a palavra avpo,stoloj é usada para designar alguém que foi enviado, com uma missão e autoridade25 (Mt 10:1, 5; At 3:43), ainda que tal autoridade não seja maior do que a autoridade daquele que o enviou (Jo 13:16). Há dois tipos de apóstolos no Novo Testamento, alguém enviado para uma tarefa ou ministério (2Co 8.23; At 14.1426), e alguém que foi designado para dar continuidade ao ministério de Cristo (Ef 4.11). É importante destacar, todavia, que há critérios específicos para fazer parte deste último (At 1:15-­‐23)27. avpo,stoloj VIhsou/ Cristou/ em Tito 1:1 significa que Paulo era apóstolo comissionado por Jesus Cristo para uma tarefa e recebeu autoridade suficiente para realizá-­‐la. A tarefa é abrangente, mas resumida pelo próprio apóstolo nas frases seguintes do texto (1.1-­‐2). O genitivo “VIhsou/ Cristou/” aqui é subjetivo e não de posse, e “de.” deve ser considerada conjunção aditiva e não adversativa28. As razões para diferenciar o uso sintático de duas palavras29 coordenadas neste texto são: 1) o significado inerente à palavra “avpo,stoloj”, e 2) a mudança do complemento de cada uma delas30. A implicação da frase dentro do livro é que Paulo tinha toda a autoridade para enviar alguém para uma missão e delegar sua autoridade para que esta missão fosse cumprida. Isto 25
É importante dizer que o grau de autoridade da pessoa enviada é proporcional ao grau de autoridade que lhe é conferido e de
acordo com a autoridade que tem aquele que o envia.
26
Quero destacar aqui somente a pessoa de Barnabé, pois Paulo é apóstolo nascido fora de tempo (1Co 15.8), que viu Jesus e foi
comissionado por Ele (At 9.1-6; 22.14-15; 26.15-18).
27
Cada um dos 12 homens que Jesus escolheu para serem seus seguidores e para lançarem as bases da Igreja (Mt 10.2-4; Ef 2.20).
Bíblia Online Software.
28
MOUNCE, William D. Op. Cit. P. 378.
29
As palavras são “dou/loj” e “avpo,stoloj”.
30
Para “dou/loj” o complemento é “qeo,j”, mas para “avpo,stoloj” o complemento é “VIhsou/ Cristou/”.
serviria de incentivo para Tito que era comissionado por Paulo (1:5) e de advertência para aqueles que porventura pensassem em se opor à autoridade de Tito (2:15). As palavras “dou/ l oj” e “av p o, s toloj” juntas sugerem um equilíbrio31 entre a humildade/submissão e a autoridade/missão de Paulo, o que nortearia Tito no cumprimento do legado que Paulo lhe deu. O propósito final da atividade de Paulo era produzir firme esperança na promessa de Deus anunciada por ele (1:1b-­‐3) 1.1b -­‐ para anunciar a fé que os eleitos de Deus exercerão (kata, pi, s tin ev k lektw/ n
qeou/ ) Os significados da preposição “kata.” na frase “kata. pi,stin kai. evpi,gnwsin” podem ser: 1) de acordo com (a fé… e o conhecimento… ARC), ou seja, a identidade (servo e apóstolo) de Paulo está em conformidade com a fé dos eleitos e o conhecimento da verdade. Ou 2) …para (a fé… e o conhecimento… ARA), ou seja, a identidade (servo e apóstolo) de Paulo tem como propósito levar os eleitos à fé e ao conhecimento da verdade. A opção por um “kata.” de conformidade torna a posição de servo e apóstolo dependente da fé e do conhecimento, ou igual a ela. Desta forma, esta frase significaria que tanto a posição (servo) quanto o ministério (apóstolo) de Paulo estão de acordo com o conjunto de crenças e o conhecimento da verdade que os crentes têm. Assim, a doutrina designa a norma que governa a vida e ações ministeriais de Paulo32. Neste sentido ainda, outra opção seria, como disse Calvino, que Paulo afirma haver “uma mútua concordância entre o apostolado e a fé dos eleitos de Deus”33. A explicação de Calvino se dá em termos de Paulo estar defendendo seu apostolado, no entanto, nenhum lugar da carta demonstra tal questionamento, pelo contrário, a única pessoa que poderia ser questionada era Tito, por isto Paulo escreveu 1.5 e 2.15, para que, com base em sua autoridade, a igreja e os falsos mestres aceitassem as palavras de Tito. Vincent também entende que a preposição indica “de acordo com”, mas com um resultado diferente. Ele argumenta dizendo que 1 Tm 1.1 direciona o uso da proposição em Tt 1.1, uma vez que naquela passagem está claro o uso do “kata.” de conformidade. Em suas palavras, ele afirma que a preposição significa “de acordo com, não para a fé, mas correspondendo à norma ou padrão da fé que é estabelecido para os eleitos de Deus”34. Vincent parece não fazer diferença entre “mandato de Deus” em 1Tm 1.1 e “fé” e “pleno conhecimento” em Tt 1.1. O fato é que em Timóteo Paulo usa uma frase designando algo que claramente já ocorreu no passado, ou seja, a ordem e designação de Deus para seu apostolado. 31
PINTO, Carlos Osvaldo. “Foco e Desenvolvimento do Novo Testamento”. São Paulo, Hagnos, 2008. P. 464.
Perceba que o ensino correto orienta ações corretas.
33
CALVIN, John “Calvin's commentary”. STERGIOU, Costas. Op. Cit.
34
VINCENT, Marvin R. “Marvin Vincent's Word Studies has been treasured”. STERGIOU, Costas. Op. Cit.
32
No caso de Tt 1.1 os complementos fé e conhecimento apontam para o futuro, pois fazem referência aos eleitos35, e quando isto acontece, Paulo designa direção, propósito (2Tm 2.10). Desta forma, 1Tm 1.1 pode e deve denotar conformidade, mas Tt 1.1 não. Tal pensamento faria sentido, mas teríamos de considerar as palavras pi,stij e evpi,gnwsin como sinônimas neste texto, o que é afirmado por Calvino ao entender a conjunção “kai.” com o sentido “‘isto é’. Pois ele [Paulo] está explicando a natureza da fé que ele mencionara”36. No entanto, esta conclusão não se harmoniza com o ministério de Paulo, já que ele desde o início até o fim de seu ministério se empenhou por proclamar o evangelho (ou seja, promover a fé) e fundamentar as igrejas com o ensino correto (ou seja, promover o pleno conhecimento da verdade)37. Além do mais, isto se harmoniza com o conteúdo da carta, que demonstra tanto a salvação de Deus aos homens (2.11; 3.4-­‐7), quanto o dever de entenderem corretamente a Palavra de Deus (1.11; 2.1) e assim viverem de acordo com ela. Robertson, por sua vez, afirma que este kata. “expressa o objetivo do apostolado de Paulo, não o padrão pelo qual ele foi escolhido”38. Fairbairn também afirma que a preposição, neste texto, “deve ser entendida no sentido de destino”39. O que parece mais razoável do que conformidade. Thayer's Greek Lexicon40, comentando sobre “kata,”, afirma que a preposição também tem o sentido de finalidade, de alvo, propósito para o qual alguém se move. Os seguintes exemplos são usados por ele: katV evpaggeli,an zwh/j -­‐ para promessa da vida (2 Tm 1:1); katV euvse,beian -­‐ visando à piedade (1 Tm 6:3; Tt 1:1); kata, pi,stin -­‐ despertar, produzir fé (Tt 1:1)41. É importante destacar que este não é um uso desconhecido por Paulo. (Fp 3.14; 2Co 11:2142). Além do mais, ele faz também sentido quando Paulo narra o propósito de sua conversão e ministério (1Tm 1:16, 2.7), pois Paulo foi estabelecido para o ministério “kata. th.n
dwrea.n th/j ca,ritoj -­‐ de acordo com o dom da graça” (Ef 3.7), e não de acordo com a fé e o 35
Calvino afirma que a palavra “evkle,ktwn - eleitos” faz referência aos eleitos “desde o princípio do mundo” demonstrando que Paulo
pretendia dizer que não ensinava “nenhuma doutrina” que não estivesse “em harmonia com a fé de Abraão e de todos os pais”.
CALVINO, João. “Pastorais: 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito e Filemom.” P. 298. Embora isto seja possível, não faz sentido na função da
perícope dentro da carta, pois deixaria de prover lembrança a Tito sobre o foco de seu ministério em Creta. Veja a função desta
perícope na síntese exegética.
36
Ibid. P. 299. Este pensamento só faria sentido na carta se fé significasse tanto a proclamação do evangelho quanto o profundo
entendimento das verdades das Escrituras, o que conduziria os leitores a uma vida correta.
37
Perceba-se que Paulo depois de anunciar o evangelho nas cidades por onde viajava, voltava confirmando (fundamentando na
verdade) as igrejas (At 15.41; 18.23). Além disto, o número de cartas escritas por pelo apóstolo demonstra sua preocupação não só
por pregar o evangelho, mas também por promover o pleno conhecimento da verdade. Qualquer outra passagem que aborde somente
a pregação do evangelho como missão de Paulo precisa ser entendida à luz da vida e dos escritos de Paulo como um todo, para que
sua missão não seja limitada, até mesmo 1Co 1.17 deve ser entendida à luz do contraste entre pregar o evangelho e batizar.
38
ROBERTSON, Archibald Thomas. “Word Pictures in the New Testament”. STERGIOU, Costas. Op. Cit.
39
FAIRBAIRN, Patrick. “Pastoral Epistles”. Pg. 256-257.
40
“Thayer's Greek Lexicon”. BibleWorks7 Software.
41
Exemplos deste uso em Liddell-Scott Lexicon são: kata. qe,an h[kein ter vindo com o propósito de ver, Tucidides (IV a.C); katV th,n
timh,n tou/ Qeou/ tou/to poiw/n, fazendo isto para a honra de Deus, Josephus (I d.C.), Antiguidades 3, 11, 4. STERGIOU, Costas. Op.
Cit.
42
“para desonra digo, kata. avtimi,an le,gw”. As versões traduzem de formas bem diferentes, no entanto, está claro que Paulo não usou
um kata. de conformidade, cuja tradução seria: “de acordo com a desonra digo”.
conhecimento. Em acréscimo a esta idéia, o apóstolo afirma que “evdo,qh h` ca,rij au[th( toi/j
e;qnesin euvaggeli,sasqai -­‐ esta graça foi dada para anunciar o evangelho aos gentios (Ef 3.8). Assim, percebe-­‐se que o apostolado de Paulo não é conforme a fé e o conhecimento, mas de acordo com o chamado, vontade, graça e mandato de Deus (Rm 1.1; 1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1; 1Tm 1.1; 2Tm 1.1). O uso de kata, neste sentido demonstra que Paulo tinha como propósito despertar a fé que os escolhidos por Deus exerceriam, ou seja, pregar a mensagem do evangelho, e promover o ensino da verdade. A palavra “evklektw/n -­‐ eleitos”43 foi usada para descrever Israel, o povo de Deus no AT (1Cr 16:13; Sl 105:6, 43; Is 43:20, 45:4)44. Além de descrever pessoas, ela é usada para anjos (1Tm 5.21). É uma palavra com característica seletiva (Mt 22.14), que faz referência aos salvos45, tanto os salvos da igreja (Rm 8:33; Cl 3:12; 1Pe 2:9), quanto os da grande tribulação46 (Mt 24.22, 24, 31). Tais pessoas, além de serem o alvo do ministério de Paulo (2Tm 2.10, Tt 1.1), são beneficiadas pela ação justificadora de Deus (Lc 18.7; Rm 8.33). Há claramente um propósito47 em ser um “evklekto,j -­‐ eleito”, o que implica tanto uma tarefa (1Pe 2:9) quanto um estilo de vida dentro de um padrão agradável a Deus (Cl 3.12). A palavra foi usada tanto para um grupo de pessoas como para indivíduos (Rm 16.13; 2Jo 1.1, 13), e também descreve Jesus (Lc 23.35; 1Pe 2.4, 6). Por fim, a palavra descreve aqueles que estarão com o Cordeiro na destruição do sistema mundial governante no fim dos tempos (Ap 17.14). A forma verbal é usada para os apóstolos que Jesus escolheu (Lc 6.13; Jo 6.70; At 1.2, 24), e para designar seletividade ao fazer diferença entre os 11 e Judas (Jo 13.18) e demonstrar a procedência da escolha apostólica (Jo 15.16). Tal escolha implica separação intrínseca (Jo 15.19), e por isto a possibilidade de resultados diversificados (Jo 15.20). É usado para escolha ministerial, quer sejam tarefas momentâneas ou não (At 6.5, 15.7, 22, 25). Reflete também o tipo de pessoa que Deus predominantemente escolheu para demonstrar Sua glória48 (1Co 1.27-­‐28; Tg 2.5). Designa a escolha do Filho pelo Pai (Lc 9.35), a escolha de Israel por Deus (At 13.17), e o Seu propósito na escolha das pessoas que compõem a igreja (Ef 1.4). Além disto, é usada para decisões cotidianas (Lc 10.42; 14.7). 43
O estudo desta palavra não tem o propósito de lidar com a chamada doutrina da eleição. É campo extenso e requer mais tempo e
espaço do que é proposto para este trabalho. Sugiro que o estudante lide com os seguintes versículos, mesmo entendendo que tais
versículos não refletem, nem de perto, a abrangência do assunto (Ef 1:4; Gl 1:15; 2Tm 2:10; 1Co 10:32-33; Jo 16:8; At 13:48, 2:47;
2Ts 3:2; 2Tm 1:9; Ef 1:11; 3:11; 1Tm 2:4; Mt 23:37; Mt 25:41; 1Pe 1:1-2). Veja também GUTHRIE, Donald. “New Testament
Theology”. Pg. 622-627.
44
MOUNCE, William D. Op. Cit. P. 379.
45
Aqueles que creram em Cristo como seu substituto, e por isto vão desfrutar do céu como herança eterna.
46
Este estudante entende que estes textos de Mateus 24 referem-se à tribulação. Cf. PINTO, Carlos Osvaldo. Op. Cit. P. 57.
47
O propósito é refletir as virtudes de Deus no mundo, quer por ações quer por palavras.
48
Com esta frase não especifico como é a participação destas pessoas nesta escolha.
O genitivo não poderia ser objetivo, porque a palavra “evkle,ktwn -­‐ eleitos” não é o objeto da fé49. Há possibilidade de ser genitivo de posse, designando a fé que pertence aos eleitos. Neste sentido, a fé seria dos eleitos por que eles a possuem e não por serem donos dela. No entanto, parece mais provável que seja um genitivo subjetivo, porque esta é a opção mais usada pelo genitivo quando acompanhado pela palavra “pi,stij”50, por causa da natureza da palavra “evkle,ktwn -­‐ eleitos” que é pessoal, e por “pi,stij” apontar para um dos propósitos do ministérios de Paulo (Cf. 1Tm 2.751; 2Tm 2.10). Além do mais, um genitivo de posse, excluindo o fato que os eleitos não são donos da fé, não teria sua força característica, e por isto teria o mesmo significado de um genitivo subjetivo. A idéia demonstrada por Paulo, então, parece ser como sugerido na tradução acima, a saber, “a fé que os eleitos de Deus exercerão52”. Neste sentido, aponta para o futuro iniciado na comissão de Paulo, e não para o passado, como afirma Calvino53. e pleno conhecimento da verdade que conduz à piedade (kai. ev p i, g nwsin
av l hqei, a j th/ j katV euv s e, b eian) Além de proclamar a fé, a missão de Paulo envolvia promover “evpi,gnwsij”. Isto significa que Paulo trabalhava para promover nos crentes um conhecimento profundo, pessoal e íntimo. evpi,gnwsin é usada por Paulo em Ef 4:13 relacionando-­‐a com a maturidade cristã. Este conhecimento é progressivo (Cl 1:10) e leva a uma vida plena e agradável a Deus (2Pe 1:3). Aqueles cujo estilo de vida desagrada a Deus desprezam tal conhecimento (Rm 1.28). E mesmo aqueles que têm zelo por Deus podem agir de maneira errada caso não possuam este conhecimento (Rm 10.2). Paulo orava para que os Efésios fossem cheios de “evpi,gnwsij” (Ef 1.17), a oração também buscava este conhecimento de modo que o amor deles fosse direcionado por “evpi,gnwsij” (Fp 1.9), e os colossenses eram também alvo deste desejo de Paulo (Cl 1.9-­‐10, 2.2, 3.10). Em Timóteo, como nas outras cartas, “evpi,gnwsij” produz estilo de vida agradável a Deus e está diretamente ligado com “avlh,qeia -­‐ verdade” (1Tm 2.4; 2Tm 2.25, 3.7). É interessante notar que o conhecimento da verdade não está desvinculado do conhecimento sobre Deus (1Tm 2.454). 49
Os seguintes exemplos demonstram genitivos como objetos da palavra “pi,stij” (Mc 11.22; Rm 3.26; Gl 2.16; Cl 2.12; 2Ts 2.12;
Tg 2.1; Ap 14.12).
50
WALLACE, Daniel B. “Gramática Grega: Uma Sintaxe Exegética do Novo Testamento”. P. 116.
51
Perceba que Paulo usa a mesma idéia de propósito do seu apostolado que Tito 1.1. Ele demonstra que seu ministério é ensinar os
gentios com relação à fé e á verdade.
52
O verbo suprido para a tradução está no tempo futuro por entender que Paulo tem em mente sua designação inicial para o
apostolado. Assim, contempla os eleitos da perspectiva do início de seu ministério. A tradução poderia estar no tempo presente ou no
futuro do pretérito. Talvez no tempo passado, caso fosse possível não excluir aqueles que exerceriam a fé no futuro.
53
Cf. acima.
54
Embora aqui ser salva e chegar ao pleno conhecimento da verdade possam ser nuanças diferentes do mesmo significado, em Tito
1.1 a palavra piedade demonstra que fé e pleno conhecimento são coisas relacionadas, mas diferentes.
A palavra avlh,qeia aqui parece fazer referência à Palavra de Deus, pois é um tipo de verdade que conduz à piedade (katV euvse,beian)55. A preposição kata, mais uma vez indica propósito, pois na mente de Paulo o pleno conhecimento tem como propósito produzir estilo de vida agradável a Deus (Cl 1.9-­‐10). Também é importante ressaltar que tal conhecimento só pode estar “em conformidade”56 com a imagem de Cristo (Cl 3.10), que é o padrão de tudo que agrada a Deus. Este pensamento, por sua vez, ecoa as palavras de Jesus em Jo 17:17, por quem Paulo foi ensinado pessoalmente (Gl 1:11-­‐12; 1Co 11:23). Isto se harmoniza com a carta no sentido de que o conhecimento correto (cf. sã doutrina em 2.1) deveria produzir ações corretas, pois o ensino errado dos falsos mestres estava produzindo ações erradas tanto em seus ouvintes (1.11), quanto nos próprios falsos mestres (1.16). Com a escolha da palavra euvse,beia, Paulo demonstra sua oposição ao ensino dos falsos mestres cretenses, que era caracterizado por ser danoso à igreja (Tt 1:10-­‐16). euvse,beia foi usada na LXX para traduzir a frase temor do Senhor (hw"hy> ta; r > y > -­‐ Is 11:2, 33:6) e o advérbio euvsebwj (piedosamente) para traduzir a palavra justo (qyDIc; -­‐ Pv 12:12), que indica alguém fiel à aliança feita com Yahweh (hw"hy>). No NT, a primeira ocorrência de “euvse,beia” é em At 3:12, onde Pedro declara que não foi por
seu poder ou piedade (euvse,beia) que curou um coxo de nascença. Em 1Tm 4:7-8 Paulo demonstra
que piedade traz recompensas nesta vida e na vida que há de vir. Ainda em 1 Timóteo, Paulo
relaciona a palavra com o ensino correto (1Tm 6:3-6). A ausência de perseguição parece contribuir
para uma vida piedosa (2Tm 3:12 cf. v.10-11). Quando usada por Pedro, o apóstolo demonstra que a
piedade está sempre vinculada com o procedimento correto, santo, de acordo com o caráter de Deus
(2Pe 3:11).
Em Tito 1.1, percebe-­‐se que euvse,beia é algo produzido pelo conhecimento da verdade. Em Tt 1.11 e 16, Paulo, ao reprovar tanto o ensino quanto o estilo de vida dos falsos mestres, afirma que eles são pessoas desviadas da verdade (Tt 1:14 cp. v. 12). Isto orienta o significado da palavra piedade para um estilo de vida que o conhecimento da verdade produz. E uma vez que verdade refere-­‐se aos ensinos da Palavra de Deus, tal estilo de vida é baseado no conhecimento do caráter, plano e vontade de Deus para o homem. Assim, seu sentido no texto é que o ministério de Paulo promoveria um conhecimento
profundo e prático acerca do caráter, plano e vontade de Deus para os homens, de modo que este
55
56
Veja comentário sobre piedade abaixo.
Este seria outro possível significado para a preposição.
conhecimento levasse os crentes a um estilo de vida reverente, devotado, consagrado a Deus, que é
baseado em Sua Palavra57.
1.2 -­‐ para esperança da vida eterna (ev p V ev l pi, d i zwh/ j aiv w ni, o u) O sentido da preposição evpi, expresso pela maioria das traduções é que, tanto a fé como o conhecimento estão fundamentados na esperança da vida eterna. Isto quer dizer que “evlpi,di -­‐ esperança” é a base da fé e do conhecimento promovidos por Paulo, ou ainda pode significar que a esperança é a motivação para o ministério de Paulo produzir fé e conhecimento. Calvino diz que a preposição significa “em virtude da esperança. [E] isso denota, sem dúvida, a causa, que é a força da preposição evpi,, portanto, pode ser traduzida assim: “Em razão da esperança”. “A verdadeira religião e a prática da piedade começam com a meditação sobre a vida celeste”58. Guthrie diz que a preposição “sugere que tal esperança é a base na qual o serviço cristão é edificado”59. Já algumas versões como “The New Jerusalem Bible”, “New Living Translation” (inglês), “Reina-­‐Valera Bible” (Espanhol) e “NVB San Paolo Edizione” (Italiana) fazem opção por uma frase que designa propósito, ou seja, “para a esperança da vida eterna”. Mounce60 entende que é o mesmo sentido e que a mudança de preposição, de kata, para evpi,, pode ser simplesmente questão de estilo, já que Paulo faz isto em 1Ts 4:7 com as preposições evpi, e evn, onde também indicam propósito. A opção de Mounce parece fazer mais sentido do que a de Calvino e Guthrie, pois as Escrituras demonstram a esperança como produto da fé (Rm 5.1-­‐4; Ef 1.17-­‐18; Cl 1.23) e do conhecimento (Rm 8.21-­‐24; Rm 15.4; 2Co 1.7; Ef 1.17-­‐18; 1Ts 4.13), e não como sendo a motivação ou a base. A própria carta de Tito demonstra que salvação (pela fé) vem antes da esperança do encontro com Cristo (Tt 2.11-­‐13). Além do mais, é possível entender a preposição evpi, como designando propósito, da mesma forma como kata,, já que evpi, também foi usada por Paulo desta forma (Gl 5:13; Ef 2:10; 1Ts 4:7; 2Tm 2:14). No sentido de propósito ou direção, há duas maneiras de se entender o fluxo do texto: 1) O propósito do ministério de Paulo era promover a fé, o conhecimento da verdade e a esperança da vida eterna, ou 2) o propósito era promover a fé e o conhecimento que por sua vez produziriam esperança da vida eterna. Este estudante prefere não considerar fé, conhecimento e esperança como três propósitos do ministério de Paulo. Parece que a 57
Veja que a frase “conhecimento da verdade conduz à piedade” demonstra doutrina e prática andando juntas. Um tema abordado em
Tito.
58
CALVIN, John “Calvin's commentary”. STERGIOU, Costas. Op. Cit.
59
GUTHRIE, Donald. “The Pastoral Epistles: an introduction and commentary”. P. 182.
60
MOUNCE, William D. Op. Cit. P. 380.
mudança de preposição foi intencional e não estilística já que não há um paralelo entre as duas preposições como no caso de evpi, e evn em 1Ts 4:7. Alem do mais, a fé e o conhecimento estão ligados à preposição kata,, e a esperança está ligada a evpi,. Assim, parece que Paulo pensou em fé e conhecimento como sub-­‐propósitos de um propósito maior, a esperança da vida eterna. Isto poderia ser visualizado da seguinte maneira: Ainda se pode observar que a missão de Paulo de promover esperança também é demonstrada em outras de suas cartas (Cf. Rm 8:24; 12:12; 15:13; Ef 2:12; Cl 1:5; 1Ts 5:8 fé e esperança juntos; Tt 3:7; Rm 15.4, 13; Ef 1.18, 2Ts 2.16; 1Pe 1.3). Deste modo, parece mais provável dizer que a missão de Paulo era promover fé e conhecimento da verdade que por sua vez conduziriam a um terceiro propósito, a esperança de vida eterna (1Tm 1.16). Na mente de Paulo, no entanto, não havia dúvida ou o mínimo de impossibilidade de tal esperança não se realizar (Rm 6.22-­‐23). Não se travava de uma expectativa duvidosa, mas da certeza de estar eternamente com o Senhor (Tt 2.13; 2Co 5.861; 1Ts 4.17). “zwh/j aivwni,ou” refere-­‐se, então, à vida que os cristãos certamente desfrutarão quando encontrarem com o Senhor. O genitivo pode ser de referência ou apositivo. Este último significaria a esperança “que é a vida eterna”. Assim, a esperança e vida eterna seriam consideradas sinônimos. O genitivo de referência, por sua vez, demonstraria que a esperança “diz respeito à vida eterna”. A diferença é apenas de foco. O genitivo apositivo focalizaria a vida eterna como um todo, o de referência apontaria para detalhes da vida eterna, o que seria mais provável, uma vez que tanto a fé quanto o pleno conhecimento da verdade promoveriam tal esperança62. É importante ainda perceber que tal esperança, na teologia paulina, deve promover três resultados: 1) A perseverança diante do sofrimento (Rm 8.17-­‐25; 2Co 4:16-­‐
18); 2) O crescimento em santidade (1Tm 4:7-­‐863); e 3) A dedicação no serviço do Senhor (1Co 15:50-­‐58). a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos eternos (h] n o`
av y eudh. j qeo. j e v p hggei, l ato pro. cro, n wn aiv w ni, w n) Ao falar sobre a esperança, Paulo traz à luz uma faceta do caráter de Deus. “avyeudh.j” é palavra formada por um “a -­‐ alfa” privativo e “yeudh.j -­‐ mentiroso”, o que demonstra a ausência de tal característica em Deus. “O que Deus diz tem que ser verdade. Ele nunca mente”64, pois Ele é fiel e não pode mentir (Hb 6.18, 10.23). O caráter de Deus é ressaltado aqui como garantia do cumprimento de Suas promessas e veracidade de Suas palavras. É de particular nota que 61
Perceba que tal era a certeza de estar com o Senhor que era sua preferência não permanecer neste mundo.
Para uma explanação sobre a vida por vir no pensamento de Paulo veja GUTHRIE, Donald. “New Testament Theology”. P. 881.
63
Confira a mesma idéia em 1Jo 3.2-3.
64
Ibid. P. 96.
62
avyeudh.j está em contraste com yeu/ s tai (Tt 1:12)65, um adjetivo dado aos cretenses. A implicação é que os cristãos cretenses deveriam não só acreditar nas palavras de Deus, mas também refletir Seu caráter em suas vidas e não imitar o mau exemplo dos falsos mestres de Creta. A promessa de Deus quanto à vida eterna foi planejada por Ele antes de tudo existir (pro.
cro,nwn aivwni,wn -­‐ cp. contraste com evfane,rwsen v. 3). Deus já havia decidido oferecer a vida eterna em Cristo antes de haver criado todas as coisas (Ef 1.4; 2Tm 1.9-­‐10; 1Pe 1.20)66. Kelly afirma que “esta é a exegese da maioria dos pais” e a entende como correta67. E Hendriksen demonstra que este pensamento não só é paulino como joanino68. Ward acrescenta que, uma vez que a graça foi concedida “em Cristo”69 (2Tm 1.9), já que ainda ninguém existia, “Deus fez a promessa a Cristo Jesus, que a recebeu em nosso lugar”70. Tal afirmação demonstra a eternidade de Deus. Ele não está sujeito ao tempo, e por esta razão é o único que pode prometer vida eterna. O aspecto planejador de Deus também é abordado no texto. Desde a eternidade Ele planejou a vida eterna, e não há nada que se possa fazer para surpreendê-­‐lO, impressioná-­‐lO, enganá-­‐lO, ou até mudar Seus planos (cf. Is 40-­‐48). 1.3 -­‐ e em tempos devidos manifestou sua palavra pela pregação -­‐ (ev f ane, r wsen de.
kairoi/ j iv d i, o ij to. n lo, g on auv t ou/ ev n khru, g mati) O ministério de Paulo de promover fé e conhecimento que levariam a esperança, só existia porque Deus decidira revelar Sua Palavra. A frase kairoi/j ivdi,oij significa o momento certo, apropriado, o melhor momento da história71. Isto demonstra que Deus preparou e escolheu o melhor momento para revelar Sua mensagem redentora ao mundo (to.n lo,gon
auvtou/). O Logos de Deus encarnado (Jo 1.1, 14), cuja continuidade da mensagem os apóstolos deveriam viabilizar (Mc 3.13-­‐19; At 2; Ef 2.20, 4.11), foi também anunciado por Paulo como um representante comissionado por Jesus Cristo (Tt 1.1; 2Tm 2:9, At 9.15-­‐16)72. O meio usado 65
Sobre a citação atribuída a Epimênedes, veja comentário abaixo.
Calvino entende a frase “pro. cro,nwn aivwni,wn” no sentido de que a vida eterna foi prometida ao homem muito tempo antes
(CALVINO, João. “Pastorais: 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito e Filemom.” Pg. 301-302.). Seu argumento é dizer que antes do início de
tudo não havia alguém para se fazer alguma promessa. No entanto, antes de haver qualquer pessoa Ele decidiu eleger Paulo e os
Efésios (Ef 1.4), bem como inseriu Paulo e Timóteo em Seu propósito e concedeu sua graça a eles antes da fundação do mundo (2Tm
1.9). Outra questão a ser considerada é que a preposição “pro,” em nenhum texto bíblico é usada desta forma sem alguma dúvida
(mesmo as passagens possíveis são poucas).
67
KELLY, J. N. D. “I e II Timóteo e Tito: Introdução e Comentário”. P. 227.
68
HENDRIKSEN, William. “New Testament Commentary: Exposition of The Pastoral Epistles”. P. 342.
69
Ou, por meio de Cristo, uma vez que Ele é o agente da graça divina.
70
WARD, Ronald A. “Commentary on 1 & 2 Timothy & Titus”. P. 235. Perceba que a idéia de Deus prometer algo a Cristo e Ele
por sua vez conceder aos homens não é desconhecida no NT (Lc 24.49; At 1.4, 2.33).
71
Ao passo que cro,noj focaliza o tempo ou a data do acontecimento, kairo,j se concentra no acontecimento de uma determinada
data. No entanto podem ser usados como sinônimos.
72
Embora Kelly, Fairbairn, Hendriksen e Mouce entendam “lo,goj” aqui como o evangelho, parece mais provável entendê-la tanto no
sentido de evangelho quanto no sentido do “Verbo encarnado”. As razões são: 1) A mensagem da vida eterna nunca foi pelos
apóstolos desvinculada do “lo,goj” encarnado, morto e ressurreto. Se Cristo não há evangelho, pois Ele é as boas novas; 2) O
contraste entre “prometeu antes dos tempos eternos” e “manifestou em tempos devidos” demonstra a relação eterna entre o Pai e o
Filho, bem como o momento escolhido para a encarnação, morte e ressurreição; 3) A promessa da vida eterna está, em todos os
66
por Deus para a propagação da mensagem foi “evn khru,gmati -­‐ pela pregação”73, e tal “khru,gma” seria anunciada por um instrumento humano74. O cognato de khru,gma, ou seja “kh/rux”, foi usado na literatura antiga para um mensageiro público75, o qual neste sentido anunciava tanto a presença como as declarações de um rei, e ainda foi usado para um mensageiro de guerra, o qual intermediava os acordos e propostas entre as nações76. Heródoto usou “kh/rux” intercabiavelmente com “avpo,stoloj”, o que demonstra uma possível associação das duas palavras por parte de Paulo77. “kh/rux” era um ofício de confiança em vista do alto valor da mensagem anunciada e de sua procedência. A mensagem do evangelho, revelada por Cristo e entregue aos Seus mensageiros autorizados, era de imenso valor para Paulo, não só pelo seu conteúdo, mas também e principalmente por sua procedência, o Deus eterno e o Logos encarnado. a qual eu fui confiado por mandato de Deus, nosso Salvador -­‐ o] ev p isteu, q hn ev g w.
katV ev p itagh. n tou/ swth/ r oj h` m w/ n qeou/ ” A voz passiva empregada no verbo evpisteu,qhn mais uma vez demonstra que o valor da mensagem e da missão está nAquele que confiou a mensagem a Paulo (tou/ swth/roj h`mw/n
qeou/). Além do mais, apresenta Paulo como representante autorizado da mensagem divina, o que demonstra a honra de sua missão. Como era de se esperar, uma missão honrosa implica grande responsabilidade, a qual é intensificada pela palavra evpitagh.n. A palavra significa mandamento, ordem (Rm 16.26; 1Co 7.6, 25), ou autoridade (Tt 2.15). A missão de Paulo não foi uma escolha pessoal, e sim ordenada pelo próprio Deus (Tt 1.3; 1Tm 1.1). A consciência de tal responsabilidade é percebida com clareza pelas próprias palavras do apóstolo em 1Co 9:16. O Deus que havia ordenado Paulo é chamado por ele de “swth/roj”. Isto destaca mais um aspecto do caráter do Pai. Ele é nosso salvador (swth/roj h`mw/n). Paulo, além de se incluir como objeto da obra salvadora de Deus, demonstra Sua participação ativa no processo redentor do homem (cp. Lc 1.47; 1Tm 1.1, 2.3, 4.10). Tanto o Pai quanto o Filho recebem esta designação (Tt 1.4), e mais ninguém no Novo Testamento recebe este título, o que sugere não só a íntima ligação de Jesus com Deus Pai, como também a divindade do Filho. sentidos, vinculada ao lo,goj de Deus; 4) A ordem que Paulo recebeu de Jesus foi: “levar o meu nome perante os gentios, e os reis, e
os filhos de Israel” (At 9.15).
73
Ward prefere que a preposição “evn” signifique “em” e não “por”. Isto por afirmar que tal “interpretação preserva Paulo de limitar
a manifestação ao seu próprio sermão” (WARD, Ronald A. “Commentary on 1 & 2 Timothy & Titus”. P. 236.). No entanto, o fato
de a pregação ter sido confiada a Paulo, não significa que ela está limitada a ele, mas que ele é um portador da mensagem. Veja o
comentário sobre a palavra “kh/rux” que demonstra um portador da mensagem e não o único detentor. A escolha do ou dos portadores
é feita pela pessoa de quem procedeu a mensagem.
74
Neste caso refere-se a Paulo.
75
LIDDELL, Henry George & SCOTT, Robert. “A Greek-English Lexicon”. STERGIOU, Costas. Op. Cit. Termo “kh/rux”.
76
Tucídides V a.C.
77
Isto não significa que Heródoto usou a palavra “apóstolo” no sentido que os doze ou Paulo foram chamados, mas demonstra que os
campos semânticos têm alguma ligação.
O desejo de Paulo a Tito foi a provisão de Deus e Jesus (1.4) O último versículo da saudação começa citando o nome de Tito78, um fiel e estimado companheiro de Paulo. Tal saudação não pode ser entendida simplesmente como mera formalidade, mas como o desejo real do apóstolo à luz das necessidades de Tito. Assim, as palavras do apóstolo estão intimamente relacionadas com a tarefa de Tito em Creta. 1.4 -­‐ Verdadeiro filho, segundo a fé comum (gnhsi, w | te, k nw| kata. koinh. n pi, s tin) A palavra gnhsi,w| faz referência a alguém genuíno, sincero (2Co 8:8) e também foi usada adverbialmente para demonstrar que o caráter de Timóteo era inquestionável, isento de dissimulação (Fp 2:20). Ao usar a palavra, Paulo faz um contraste entre o caráter de Tito e dos falsos mestres, demonstrando logo no início da carta a autoridade que a vida de Tito lhe conferia para ministrar em Creta. “pi,stin” aqui significa a confiança que tanto Paulo quanto Tito depositaram em Jesus para perdão de seus pecados. A palavra “te,knw| -­‐ filho” na frase te,knw| kata. koinh.n pi,stin pode demonstrar que Tito confiou em Cristo por intermédio de Paulo, ou que ele era seu discípulo (cp. Lc 11:19)79. De uma forma ou de outra, Paulo dá a entender seu íntimo relacionamento com Tito, o que reforça a autoridade delegada para o cumprimento das tarefas descritas no próximo versículo (Tt 1.5). graça, misericórdia80 e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus (ca, r ij( e; l eoj( eiv r h, n h
av p o. qeou/ patro. j kai. Cristou/ VIhsou/ ) O desejo de Paulo a Tito por “graça -­‐ ca,rij” demonstra que seu comissionado necessitava da intervenção divina para ser modelo (2.7-­‐8) e cumprir sua tarefa em Creta (1.5). O favor imerecido, tanto do Pai quanto do Filho, seria imprescindível para Tito. O mesmo pode ser afirmado com relação às palavras e;leoj e eivrh,nh. e;leoj demonstra a necessidade que Tito tinha de perdão e provisão diários para a tarefa, mesmo sem merecer (Lm 3:22), pois ele deveria ser modelo de um relacionamento sem barreiras com Deus, fruto de arrependimento e confissão constantes. Além disto, e;leoj deveria ser padrão usado por Tito nos relacionamentos. eivrh,nh, por sua vez, demonstra a tranqüilidade interior e prosperidade espiritual, que são fruto da ação divina sobre aqueles cuja confiança está completamente depositada em Deus. Tito careceria desta paz81 para pôr as coisas em ordem na igreja de Creta. 78
Um panorama da vida de Tito é apresentado acima em Tito, o destinatário.
PINTO, Carlos Osvaldo. Op. Cit. P. 461.
80
A palavra misericórdia foi alvo de discussão textual acima e entendida como parte do texto original.
81
É importante acrescentar que esta paz é obtida em sua plenitude à medida que o cristão deposita suas preocupações aos pés de
Deus e confia nEle como Alguém que tudo controla e opera em todos os momentos para produzir o caráter de Seu Filho nos que nEle
creram (Rm 8.28-29; Fp 4:6-7)
79
Mais uma vez o caráter do Pai e do Filho é destacado. Eles são a fonte82 de ca,rij( e;leoj(
eivrh,nh. A frase Cristou/ VIhsou/ tou/ swth/roj h`mw/n destaca Jesus como o Messias (Cristo) prometido, já que “Cristou/” ocorre junto com “swth/roj”83 (cf. Lc 2.11; Ef 5.23; Fp 3.20; 2Tm 1.10; Tt 2.13, 3.6; Ato 26.22-­‐2384). ACRÉSCIMOS AO SEU COMENTÁRIO NO ÚLTIMO PONTO DO TRABALHO •
Aplicações pessoais e para a igreja NO APÊNDICE DO TRABALHO •
Dois estudos léxicos (de vocábulos) •
Estudo teológico (resolução de problemas) 82
Perceba-se a preposição “avpo.” que comunica a procedência destes três conceitos.
Veja acima o comentário do versículo 3 para mais observações sobre a palavra “swth/roj”.
84
Neste texto as palavras Cristo e Salvador não aparecem juntas, mas Jesus é defendido por Paulo como o Cristo prometido.
83

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