Formosa Vassilissa

Transcrição

Formosa Vassilissa
Formosa Vassilissa
Há muito, muito tempo atrás, num reino distante, vivia um rico mercador com a mulher e a
única filha: Vassilissa. A beleza da menina era deslumbrante, mas ela cativava, igualmente,
pela meiguice e delicadeza. Ao completar oito anos, sua mãe adoeceu e, sentindo que não
viveria por muito tempo, presenteou Vassilissa com uma bonequinha mágica. “Filha, cuide
muito bem dela e ela sempre a protegerá. Nunca, jamais, fale dela a ninguém. Este será
nosso segredo. Promete?” “Ah…e tem outra coisa: sempre que você sentir-se em perigo,
dê-lhe de comer e de beber. Alimentada ela lhe dará sempre bons conselhos e a ajudará em
todas as dificuldades.”
Passado algum tempo a mãe de Vassilissa faleceu e seu pai, preocupado por não ter com
quem deixá-la, sempre que viajava, casou-se com uma viúva que tinha duas filhas.
Ele pensou que assim, Vassilissa ficaria amparada e protegida. Ledo engano! A madrasta e
suas filhas odiaram a menina. Tinham inveja de sua beleza e meiguice e, toda vez que o pai
viajava, a madrasta inventava mil trabalhos, na casa, para ocupá-la.
Não importava quanto, nem qual fosse o serviço. No tempo certo, tudo estava concluído.
Como isso era possível?
Simples! Quando ficava sozinha, Vassilissa pegava sua bonequinha mágica e a alimentava:
“Coma tudo, meu amor, e me ajude no que for!”
A boneca ouvia Vassilissa, dava-lhe conselhos e, enquanto ela dormia, o trabalho se fazia!
O tempo passou, e as meninas cresceram. Estava na hora de arrumar um bom partido.
Muitos pretendentes apareceram, mas todos tinham olhos apenas para a mais jovem:
Vassilissa! A madrasta, furiosa, decretou: “Você só se casará depois de suas irmãs, e se eu
permitir!” Ah! O ódio e a inveja consumiam as três malvadas!
Certo dia, quando seu pai precisou partir para mais uma longa viagem de negócios, a
madrasta exultou de felicidade! Era a oportunidade pela qual aguardara por longo tempo!
Com o pretexto de “mudar de ares”, desfez-se da casa em que moravam e mudou-se com as
filhas e a enteada para outra, que ficava próxima à floresta. Floresta onde morava a temida
Baba Yagá! A bruxa simplesmente devorava qualquer pessoa que se aproximasse de sua
cabana ( isbá) E que cabana! Ela foi construída em meio a uma clareira e se apoiava sobre
quatro enormes pés de galinha. Seu trinco era uma bocarra cheia de dentes afiados, que
arrancavam os dedos de quem ousasse tocá-lo…E a cerca era feita de longos ossos
humanos encimados por caveiras de enormes olhos esbugalhados, que à noite brilhavam
com uma luz vermelha, assustadora, na escuridão…
A madrasta, todos os dias, inventava alguma tarefa que Vassilissa precisava fazer na
floresta, na esperança de que a Baba Yagá logo a encontrasse e a comesse! Para espanto das
três malvadas, no entanto, Vassilissa sempre voltava sã e salva. Assim que saia de casa, ela
tirava a bonequinha, bem guardada no bolso do avental, e lhe dava de comer. A boneca,
então, lhe indicava caminhos pelos quais sempre contornava a isbá da temida bruxa.
Morrendo de raiva, a madrasta pensou e pensou e, certa noite, teve uma idéia. Apagou
todos os lampiões da casa e ordenou à enteada que fosse pedir fogo, lá na cabana da Baba
Yagá, que era a única que poderia ceder-lhe o lume.
Vassilissa, sem ter como escapar da tarefa, pegou sua trouxinha de comida, e, tão logo
afastou-se da casa, começou a alimentar sua boneca:
“Coma tudo, minha querida, e cuide da minha vida!”
“Não tenha medo, Vassilissa! Vá à casa de Baba Yagá, mas nunca se separe de mim! Eu
não deixarei que nada de mal lhe aconteça!”
E Vassilissa entrou na floresta. Andou, andou e andou na escuridão, até que, lá longe, viu
uma luz branca, muito brilhante, se aproximando: Era um cavaleiro branco, todo vestido de
branco, montado sobre um majestoso cavalo branco, que passou à sua frente à galope. E
começou a clarear!
Vassilissa caminhou mais algum tempo, quando viu uma luz vermelha se aproximando. Era
outro cavaleiro, todo vermelho, de cabelos cor de fogo, vestido com uma riquíssima
armadura vermelha, sobre um cavalo vermelho, que passou à sua frente, galopando. E o sol
surgiu, com todo o seu brilho, iluminando a floresta.
Vassilissa estava cansada de tanto andar…Logo a noite cairia de novo sobre a floresta, e
nada de chegar ao seu destino!
A pobre menina, cansada, tremia dentro de seu vestidinho leve, quando um terceiro
cavaleiro surgiu por entre as árvores. Ele era todo negro, vestido de negro, montando um
maravilhoso corcel negro, que, ao passar, trouxe consigo a noite sem estrelas…
E então ela viu: numa clareira que se abria à sua frente, de repente acenderam-se dezenas
de luzes vermelhas que brilhavam assustadoramente. Ela apurou a vista e conseguiu
enxergar, atrás da cerca, finalmente, a isbá de Baba Yagá! E…VRUUUMMM…com um
barulho ensurdecedor, surgiu a própria bruxa, montada em seu pilão voador, bramindo uma
vassoura!
(Baba Yagá, ilustração Vasnetsov)
“Quem é você, criatura, que ousa invadir a minha propriedade?” gritou a bruxa com sua
voz estridente, cuspindo as palavras com sua boca, onde só se via um dente enorme,
enquanto falava….O fedor que ela emitia era insuportável! Baba Yagá tinha um nariz
enorme, com uma verruga maior ainda, que quase alcançava o queixo. Seus cabelos
desgrenhados e cheios de gravetos estavam protegidos por um chapelão negro pontudo, e
sua mãos de dedos finos e compridos, terminavam em unhas horríveis que mais pareciam
garras!
“Sou Vassilissa, vovozinha. Eu não ia entrar em sua isbá sem a Senhora”! “Vim aqui a
mando de minha madrasta, pedir-lhe, por favor, que nos empreste um pouco de fogo!”
“E porque eu iria emprestar-lhe fogo? Heim? Me diga, me responda!”, grunhiu a bruxa,
chegando tão perto de Vassilissa com seus olhos esbugalhados, que a menina quase caiu no
chão!” “Você quer fogo? Quer fogo? Pois antes terá que ficar comigo o quanto eu quiser e
fazer todo o serviço que eu mandar!” “E já vou-lhe avisando…se eu não ficar
satisfeita…hahaha…você dará um belo almoço!”
E assim, a nossa Vassilissa ficou morando e trabalhando na casa de Baba Yagá! E, mais
uma vez sua bonequinha encantada veio em seu auxílio. Todo o serviço que a bruxa
ordenava, ela cumpria em tempo e sem reclamar!
Por mais que a bruxa se esforçasse, não conseguia entender como isso era possível.
Ninguém, mas ninguenzinho até então, conseguira fazer nem a metade das tarefas, e estava,
há muito tempo, dentro de seu barrigão!
Baba Yagá cumpria diariamente a mesma rotina. Acordava sempre de madrugada. Assim
que o Cavaleiro Branco passava, ela saía montada em seu pilão. Pelo caminho cruzava com
o Cavaleiro Vermelho, que trazia o sol, e regressava depois que o Cavaleiro Negro
trouxesse a noite. Voltava e não tinha nada do que reclamar. A sua isbá estava arrumada, o
pátio varrido, o fogo aceso, a mesa posta e o jantar, sempre delicioso, prontinho no panelão.
Vassilissa, já estava até começando a perder o medo da bruxa horrível, tanto que, uma bela
noite, durante o jantar, pediu licença para lhe fazer uma pergunta:
“Vovozinha…quem são os cavaleiros que sempre passam galopando por aqui? Um branco,
um vermelho e outro negro?”
“Eles são os meus vassalos; o Cavaleiro Branco é o meu dia claro! O Vermelho é o meu Sol
radiante, e o Negro é a minha noite escura! Eles estão a meu serviço!”
“E agora é a minha vez de lhe fazer perguntas: Diga-me, como você consegue dar conta de
todo o serviço que lhe dou?”
“Ah, vovozinha…minha mamãe que já partiu é que me ajuda. Eu sou uma filha
abençoada!”
Quando Vassilissa completou a frase, Baba Yagá pulou da cadeira, berrando: “Fora! Ponhase já para fora daqui! Gente abençoada me faz um mal danado! Fora, fora!”
Enquanto berrava, a bruxa foi empurrando Vassilissa para fora de sua cabana. Arrancou da
cerca uma caveira de olhos acesos, espetou-a num pedaço de pau e disse. “Aí está seu
pagamento, agora suma de minha vista e não se atreva a voltar!”
Assim que se viu livre, Vassilissa começou a correr, a correr, a correr com a caveira
iluminando seu caminho. Ao amanhecer, os olhos da caveira se apagaram e tornaram a
acender ao cair da noite. Na manhã do segundo dia, Vassilissa prosseguiu correndo e só
avistou a casa da madrasta ao anoitecer. Novamente os olhos da caveira se acenderam, e,
como a casa estava às escuras, Vassilissa apressou-se em entregar a chama à madrasta.
Qual não foi a surpresa quando o trio avistou Vassilissa! Fingindo alegria, elas correram a
fazer-lhe festa! A madrasta contou que ficaram sem fogo durante todo o tempo de sua
ausência. Qualquer chama que trouxessem para casa, logo se apagava. Ah! Agora sim!
Com o fogo dos olhos da caveira de Baba Yagá poderiam finalmente acender as velas e a
madeira do fogão.
E então, o inesperado aconteceu. Quando elas se aproximaram da caveira, ela lançou
chamas tão fortes que as três malvadas se incendiaram e num instante transformaram-se em
cinzas! Então, os olhos da caveira se apagaram. Vassilissa escapou sem um chamuscadinho
sequer. Pela manhã, ela trancou a casa, enterrou a caveira e voltou para a cidade, pedindo
abrigo na casa de uma boa velinha, até que seu pai voltasse.
Passado algum tempo, Vassilissa, sem ter com que ocupar seu tempo ocioso, começou a
ficar entediada, então, teve uma idéia:
Vovó, e se eu começasse a fiar? Nós poderíamos vender os tecidos e ganhar algum
dinheirinho… A velhinha, que gostava muito de Vassilissa, de pronto aceitou a idéia. Saiu
para encontrar a fibra de melhor qualidade, que comprou e trouxe para casa. A menina,
sempre com a ajuda de sua bonequinha, arrumou uma roca e elas teceram uma cambraia de
linho tão fina e delicada, como jamais se encontrara em todo o Reino. Em seguida, a
bonequinha arranjou um tear, e o tecido que produziram ficou tão maravilhoso, mas tão
maravilhoso, que a velhinha resolveu levá-lo para oferecer ao próprio rei, em pessoa.
Sua Majestade gostou tanto do tecido, mas tanto, que logo lhe encomendou uma dezena de
camisas reais.
À noite, com a sua bonequinha mágica devidamente alimentada, elas costuraram as mais
belas camisas que o Rei já vestiu. Encantado, o monarca pediu aos seus vassalos que
trouxessem à sua real presença aquela artesã tão talentosa, e assim foi feito.
Quando Sua Majestade pousou os olhos em Vassilissa, imediatamente apaixonou-se
perdidamente por ela, pediu-a em casamento e a transformou em sua rainha.
Algum tempo depois, o pai de Vassilissa retornou de sua longa viagem e mal pode acreditar
em toda a história que a filha lhe contou. Ele foi morar com ela no palácio, para onde
Vassilissa levou também a boa velhinha.
E a bonequinha mágica?
Ah…Vassilissa jamais separou-se de sua boneca. Ela sempre a trazia consigo, escondida
num dos muitos bolsos secretos de sua roupa de rainha e a boneca continuou a aconselhá-la
e a ajudá-la pelo resto de sua vida longa e feliz.

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