864 A pesquisa investiga a educação primária pública e gratuita em
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864 A pesquisa investiga a educação primária pública e gratuita em
864 GRUPO ESCOLAR – O INGRESSO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NA ERA DA MODERNIDADE Miguel André Berger Universidade Federal de Sergipe RESUMO A pesquisa investiga a educação primária pública e gratuita em instituições educativas concebidas a partir dos princípios do ideário escolanovista, priorizando a documentação das imagens fotográficas, encontradas no arquivo escolar do Grupo Escolar Dr. Manoel Luís. A proposta de universalização do ensino básico, favorecendo o domínio dos processos da leitura e da escrita – critérios mínimos para garantir o exercício da cidadania, já defendida em inúmeros discursos e por vários educadores no decorrer da História, destacando dentre estes Anísio Teixeira, ainda não se concretizou. IMBERNÓN (1999) ressalta a importância de refletirmos sobre o presente e o futuro da educação para entrever os cenários sociais, políticos e educativos possíveis, saber com o que nos defrontamos, onde estamos e o que podemos (ou precisamos fazer). É necessária uma reflexão sobre os tempos passados, porque quando se buscam alternativas para o futuro, a compreensão das experiências já desenvolvidas é fundamental para não se cair nos mesmos problemas. O conhecimento do passado não deve se limitar a uma forma ou justificativa para explicar o presente. NUNES (1992) defende “o conhecimento do passado, reavivado pelas tintas do presente, um exercício vigoroso de comparação que tem um claro e preciso pressuposto: a ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente. Vai além. Compromete, no presente, a própria ação” Tais colocações ilustram a necessidade de revisitar a História da Educação no Brasil e, mais especificamente, em Sergipe, para compreender o caráter discriminatório do sistema educacional. As escolas de primeiras letras estavam sob a responsabilidade das depauperadas e atrasadas províncias, que pouco favoreciam o ensino das camadas populares. FILHO (2000) esclarece muito bem no que consistiam essas escolas. Eram escolas para fornecer os rudimentos do saber ler, escrever e contar para as classes inferiores da sociedade, as quais não tinham relação com outros níveis de instrução: o secundário e o superior. Funcionavam em estabelecimentos precários, em casas alugadas ou na própria residência da professora, não tendo um plano definido de ação, o que aumentava o contingente de analfabetos. É no início do Período Republicano que esse quadro começa a sofrer alterações. CARVALHO (2000) ressalta a ação dos governantes paulistas, “representantes do setor oligárquico modernizador que havia hegemonizado o processo de instauração da República, investem na organização de um sistema de ensino modelar” (p. 225). O ensino nesse sistema vai lograr êxito em um duplo sentido: na lógica que preside sua institucionalização e na influência que passa a exercer sobre outros Estados. Em relação ao primeiro aspecto, cria-se a Escola Modelo anexa à Escola Normal, quando os futuros mestres vão observar práticas pedagógicas inovativas e conviver com mestres formados no estrangeiro, usando moderno e profuso material importado, além de funcionar em estabelecimento apropriado para a tarefa de ensinar. É nessa concepção que surge o Grupo Escolar como uma instituição que condensa a modernidade pedagógica, valorizando o ensino seriado, classes homogêneas e reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção, bem como o uso de métodos pedagógicos modernos (método intuitivo e método analítico de ensino da leitura). Surge diante o interesse do Estado em favorecer o processo de escolarização primária e das pressões do movimento escolanovista, visando reformar o ensino e dar-lhe um caráter moderno e nacional, criando um espaço público para que a escola cumprisse sua função social específica. Outra característica foi a monumentalidade dos edifícios que sediam a instrução pública. No tocante ao segundo aspecto, vários responsáveis pela Instrução Pública de outros estados brasileiros empreendem viagens de estudos e passam a contratar técnicos paulistas para orientar as iniciativas escolares em seus estados na Primeira República. Essas inovações também ocorrem em Sergipe, com a criação do Regulamento da Instrução Pública em agosto de 1911 que enfatiza o ensino público gratuito e igual para ambos os sexos, a organização do ensino primário e a criação dos grupos escolares (NUNES, 1984). Dois grupos foram criados em Aracaju, no governo de General Manoel Oliveira Valadão (1914-1918), mas depois desativados, passando os prédios a sediarem repartições públicas. É na gestão de Maurício Graccho Cardoso (1922-1928) que a Instrução Pública ganha grande impulso e vários grupos escolares são criados, tanto na capital como nos municípios interioranos, em prédios identificados pela elegância e sobriedade das linhas arquitetônicas. Dentre estes, encontra-se o Grupo Escolar Dr. Manoel Luís, localizado na área central de Aracaju, que funciona até o momento atual. Mas como esses grupos funcionavam? Como era desenvolvido o ensino? Até que ponto os princípios do movimento escolanovista se faziam presentes? Como as classes eram organizadas? Como os professores eram orientados? Em busca de tais respostas, além de entrevistas com ex-professores e ex-alunos, o arquivo da escola – que se mantêm desorganizado, mas em perfeito estado de conservação, forneceram informações valiosas para reinterpretar o cotidiano escolar, envolvendo as práticas pedagógicas e administrativas, que muito se diferenciam do modelo organizacional anterior. 865 TRABALHO COMPLETO A pesquisa investiga a criação e o cotidiano dos grupos escolares como um espaço para concretização da educação pública e gratuita inspirada nos princípios do ideário escolanovista. A proposta de universalização do ensino básico, favorecendo o domínio dos processos da leitura e da escrita, critérios mínimos para garantir o exercício da cidadania, já defendida em inúmeros discursos e pôr vários educadores no decorrer da História, destacando dentre estes Anísio Teixeira, ainda não se concretizou. IMBERNÓN (1999) ressalta a importância de refletirmos sobre o presente e o futuro da educação para entrever os cenários sociais, políticos e educativos possíveis, saber com o que nos defrontamos, onde estamos e o que podemos (ou precisamos fazer). É necessário uma reflexão sobre os tempos passados, porque, quando se busca alternativas para o futuro, a compreensão das experiências já desenvolvidas é fundamental para não se cair nos mesmos problemas. O conhecimento do passado não deve se limitar a uma forma ou justificativa para explicar o presente. NUNES (l992, p.8) recorrendo a BLOCH, defende “o conhecimento do passado, reavivado pelas tintas do presente, um exercício vigoroso de comparação que tem um claro e preciso pressuposto: a ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente. Vai além. Compromete, no presente, a própria ação”. Com base em tais colocações, a questão da seletividade e do analfabetismo, que ainda vem influindo na democratização do saber, decorre da escola pautada no modelo burguês que não proporciona as condições de atendimento aos anseios das camadas populares, já que está atrelada aos interesses da classes dominantes. Segundo BOURDIEU, apud OLIVEN (1998, p. 54) “a escola não é neutra”. O que a escola usualmente rotulava como desigualdades individuais de dom, passou a ser visto como desigualdades sociais que a escola, através de ações diferentes, mantém e reforça a fim de atender aos interesses de certos grupos detentores do poder. Para esses grupos, não interessa a generalização da alfabetização, pois como coloca COOK-GUNPERZ (1991, p.33) “a alfabetização é um poder muito perigoso para a maioria das classes trabalhadoras”, pois uma população alfabetizada e consciente de sua situação de exploração pode ir travando lutas e conquistas afetando a concentração do poder por uma minoria. Remontando à História As colocações anteriores muito bem explicam o caráter discriminatório do sistema educacional brasileiro e sergipano. Remontando à História da Educação no Brasil e, mais especificamente, em Sergipe, pode-se verificar que desde o período colonial e imperial, a preocupação maior era com o ensino secundário e superior destinado às elites. Pelo Ato Adicional à Constituição de 1834, o Governo Imperial (União) se responsabilizava pelo ensino superior, cabendo os demais graus – entre eles as escolas de primeiras letras, às depauperadas e atrasadas províncias. Depois da proclamação da Independência, verifica-se em Sergipe um pequeno número de escolas públicas de primeiras letras, além do que era reduzido o número de alunos que conseguiam concluí-la para depois ingressar nas aulas de Latim. Além do mais, em muitas das escolas, a pobreza das instalações e a ausência de qualquer material didático era bastante visível, conforme se depreende da carta da professora Thereza de Jesus ao Presidente da Província de Sergipe, Zacarias de Gois e Vasconcelos que, ao chegar para ensinar não encontrou “nem bancos, nem mesas, nem cadeiras”(NUNES, 1984:71). 866 FILHO (2000) muito bem esclarece no que consistia as escolas de primeiras letras. Eram escolas para fornecer os rudimentos do saber ler, escrever e contar para as classes inferiores da sociedade, as quais não tinham relação com outros níveis de instrução: o secundário e o superior. Em 1860, funcionava em Sergipe 76 escolas; 72 de primeiras letras, sendo 10 sob a responsabilidade da iniciativa particular e 66 públicas (43 masculinas e 23 femininas), muitas das quais em situação precária. Atendiam 3.059 alunos de uma população estimada em 200.000 habitantes, privilegiando apenas 1,85% da população (NUNES, p. 100). Isso demonstra o descaso e a despreocupação dos governantes com a instrução pública das camadas populares, já que as elites mandavam seus filhos para estudar nos colégios particulares, existentes na própria ou em outras províncias, ou então, mantinham professores para seus filhos. Um fato ilustrativo desse descomprometimento se verifica quando houve a transferência da Capital da Província de São Cristóvão para Aracaju em 1855, quando o Presidente Inácio Joaquim Barbosa extinguiu o Liceu de São Cristóvão, na expectativa de fundar outro na nova Capital. Com sua morte prematura, a obra foi suspensa e os recursos utilizados pelos governos que o sucederam na construção de uma prisão, considerada “uma obra de verdadeira e palpitante necessidade”( NUNES, p. 92 e 93). Verifica-se, desde aquela época, a preocupação, não com a instrução, mas a punição, o controle do povo, pois um povo ignorante é mais dócil e sujeito à dominação (FOUCAULT, 1987). O Presidente Joaquim Jacinto de Mendonça, que assume o Governo de Sergipe em junho de 1861, é bem “incisivo na condenação à incompetência e à falta de uma instrução planificada”, o que em Aracaju, só vai ser estabelecida através do Decreto n°.27, de junho de 1890 que estabelece concretamente o ensino primário obrigatório. Mesmo assim, a precariedade dos estabelecimentos de ensino – muitos funcionando em prédios sem qualquer condição, em casas alugadas ou na própria residência da professora, e a falta de um plano definido, faziam com que o contingente de analfabetos aumentasse. Ao iniciar o Período Republicano, verifica-se uma preocupação na expansão das cadeiras do ensino primário bem como em implantar uma Reforma de Ensino, sendo que o presidente Dr. Felisbelo Firmo de Oliveira Freire, nomeia, em dezembro de 1889, uma comissão para assumir tal tarefa. Desentendimentos concorreram para a desintegração da Comissão em que Gumercindo Bessa defendia pontos importantes, como a obrigatoriedade do ensino elementar, a educação dos sentidos e a adoção do método objetivo, a valorização e elevação do nível intelectual dos professores. Alguns desses aspectos são contemplados no Regulamento de março de 1890, antecedendo à Reforma de Benjamin Constante em nível nacional. Daí a originalidade das idéias daquele sergipano (NUNES, 179). Esse regulamento, contudo, pouco impacto teve, pois Felisbelo Freire permaneceu um curto período de tempo à frente da administração do Estado, por questões políticas que se acentuaram no início do período republicano e a inconstância dos governantes no poder. Em 1892 era reduzido o número de escolas em Sergipe. Havia 114 escolas primárias, sendo 33 masculinas, 34 femininas e 47 mistas, as quais eram muito influenciadas por interesses clientelistas. Conforme coloca o Diretor Geral da Instrução, Manuel Francisco de Oliveira, em relatório encaminhado ao Presidente do Estado, Manoel Presciliano de Oliveira Valadão, em 1896, as escolas eram alvo de interesses políticos locais, elevando “à categoria de preceptores da infância indivíduos sem competência para exercer o magistério “(NUNES, 1975:190). A partir de 1900, o país começa a sensibilizar-se da necessidade como nação de combater um dos grandes males que era o analfabetismo, sendo que os governantes de vários Estados começaram a organizar um sistema de ensino. Em Sergipe, verifica-se um aumento pequeno e desordenado no número de escolas primárias públicas e da matrícula, apesar de 867 persistirem o clientelismo político e a precariedade dos estabelecimentos. Em seu estudo, NUNES destaca que “aumentava o número de escolas primárias, sem qualquer planificação...”(p. 197), além do que “em todo Sergipe apenas quatro escolas primárias funcionavam em prédios próprios do Estado, sendo precárias suas instalações, e a maioria deles não apresentava as mínimas condições de higiene” (p. 202) A queda na produção açucareira, uma das principais fontes da economia sergipana, o processo crescente de urbanização, o surto de desenvolvimento por que passou o Estado concorreram para o surgimento de vários colégios particulares, muitos sob a tutela do Igreja, funcionando como internatos na capital e nos municípios interioranos. Muitos diretores desses últimos estabelecimentos, com uma visão mais avançada e considerando a atração que a capital começava a exercer sobre os jovens, vão transferindo seus estabelecimentos das cidades interioranas para Aracaju. É o caso do Grêmio Escolar (transferido de Laranjeiras para Aracaju em 1909, funcionando até 1936); do Colégio Tobias Barreto (fundado em Estância em 1909, passou a existir em Aracaju a partir de 1913, em prédio adquirido pelo Estado). O Colégio Senhora Sant’Anna, estabelecido em Laranjeiras, também se transfere para Aracaju, no início do século, encerrando suas atividades em 1941. Entre os estabelecimentos mantidos por entidades religiosas, em Aracaju, destacam-se o Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora (iniciou as atividades em 1910) e o Colégio Nossa Senhora de Lourdes (funcionando no período de 1903 a 1971). Enquanto os estabelecimentos particulares vão surgindo nos primórdios da Primeira República, o ensino público em Sergipe passa por um processo de estagnação, só merecendo destaque a partir de 1914, no Governo de Oliveira Valadão. Diante do desenvolvimento econômico que o Estado passa a desfrutar, resultante da cultura do algodão, da cana, da indústria que requisitava mão-de-obra escolarizada, o Governo começou a investir, tanto nos serviços urbanos (esgoto, água e luz), como no ensino primário, se espelhando em planos adotados em São Paulo e Minas Gerais – Estados em que a ação dos pioneiros da Escola Nova começava a se fortalecer. Em seu artigo “Reforma da Instrução Pública”, CARVALHO (2000 ) ressalta a ação dos governantes paulistas, “representantes do setor oligárquico modernizador que havia hegemonizado o processo de instauração da República, investem na organização de um sistema de ensino modelar” (p. 225). O ensino nesse sistema vai lograr êxito em um duplo sentido: na lógica que preside sua institucionalização e na influência que passa a exercer sobre outros Estados. Em relação ao primeiro aspecto, cria-se a Escola Modelo anexa à Escola Normal, quando os futuros mestres vão observar práticas pedagógicas inovativas e conviver com mestres formados no estrangeiro, usando moderno e profuso material escolar importado, além de funcionar em estabelecimento apropriado para a tarefa de ensinar. É nessa concepção que surge o Grupo Escolar como uma instituição que condensa a modernidade pedagógica, valorizando o ensino seriado, classes homogêneas e reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção, bem como o uso de métodos pedagógicos modernos (método intuitivo e método analítico de ensino da leitura). Outra característica foi a monumentalidade dos edifícios que sediam a instrução pública. No tocante ao segundo aspecto, vários responsáveis pela Instrução Pública de outros Estados brasileiros empreendem viagens de estudo e passam a contratar técnicos paulistas para orientar as iniciativas escolares em seus Estados na Primeira República. No caso de Sergipe, o governador Rodrigues da Costa Dórea (1908-1911) convida o especialista em Educação, professor Carlos Silveira de São Paulo, que vem dar novos rumos à realidade educacional sergipana. Diante das críticas feitas sobre os processos obsoletos e condenados pela moderna Pedagogia ainda presentes no ensino primário bem como no ensino 868 normal, que não vem atendendo os fins a que foi criado, é lançado o Regulamento da Instrução Pública, aprovado pelo Decreto n°. 563, de 12 de agosto de 1911. O referido regulamento enfatiza o ensino público gratuito e igual para ambos os sexos, a organização do ensino primário em escolas isoladas e em grupos escolares em condições pedagógicas adequadas (NUNES,1984, p.213). Há uma preocupação em organizar também o Serviço de Estatística Escolar a fim de se ter dados sobre o sistema educacional dos municípios. O currículo também é objeto de normatização, sugerindo para as escolas públicas o ensino de Leitura, Escrita e Caligrafia, Instrução Cívica e Moral, Lições de Cousas, Ensino Prático da Língua Portuguesa, Arithmética (até regras de três), Desenho, Noções de Geografia Geral, especialmente do Brasil, História do Brasil, Ginástica, Trabalhos Manuais e Canto (p.213). Um dos primeiros grupos escolares foi inaugurado no Governo do General José de Siqueira Menezes (1911-1914), recebendo a denominação Grupo Escolar General Siqueira. Este estabelecimento, localizado na atual rua de Itabaiana, funcionou até 1925, passando o prédio a sediar o Quartel da Polícia Militar do Estado de Sergipe. É da iniciativa de Oliveira Valadão (1914-1918) a construção de vários Grupos Escolares, dois deles situados na Capital de Sergipe – o Grupo Escolar General Valadão e o Grupo Escolar Barão de Maruim. O primeiro estabelecimento funcionou, até certo tempo, no prédio onde se encontra instalado, atualmente, a Secretaria de Segurança Pública, na praça Tobias Barreto. O outro grupo escolar também de estilo arquitetônico eclético, localizava-se na Avenida Ivo do Prado, funcionando até 1950 no prédio onde se instalou depois a antiga Faculdade de Direito. Tais iniciativas, contudo, pouco contribuíram para atender às necessidades de instrução, já que o sistema primário não acompanhava o ritmo de crescimento demográfico do Estado. Em 1920, estimava-se o atendimento de 1,84% da população, constituída de 60,10% de analfabetos. É na gestão de Maurício Graccho Cardoso (1922-1926), natural de Estância e formado em Direito, que a instrução em Sergipe vai ganhar grande impulso. Esse governante empreendeu várias reformas buscando “transformar, cultural e economicamente, o Sergipe provinciano, atrasado, num Estado moderno e progressista” (NUNES, 239). Nessa empreitada, cercou-se de destacados intelectuais da classe média, como Abdias Bezerra, Florentino Menezes e Clodomir Silva, que lhe auxiliavam nas iniciativas empreendidas no campo educacional. Dentre estas estão a construção de grupos escolares, tanto na Capital como nos municípios interioranos, em prédios identificados pela elegância e sobriedade das linhas arquitetônicas, e encimados por uma águia. Dentre estes, encontram-se o Grupo Escolar Dr. Manoel Luís, situado na Avenida José Calazans, em frente a atual Praça da Bandeira, em Aracaju, que foi inaugurado em maio de 1924. Outros estabelecimentos também foram obra de Graccho Cardoso como o Colégio Atheneu Sergipense, ex-sede da Secretaria da Educação e Cultura, e o Hospital Cirurgia, nos quais a águia aparece como símbolo de seu governo. A representação simbólica da águia, recorrente pelos dirigentes educacionais, provavelmente deve-se a expressão de força e poder. A águia enquanto uma ave de belo porte, que simboliza ferocidade, valentia e nobreza (Enciclopédia Barsa, v. 2, p. 179), figura como emblema dos escudos na heráldica das nações, desde a Babilônia, como nos Estados Unidos. Também representa uma ave que voa alto, tendo condições de ter uma visão ampla, de espreitar à distância. Sua escolha como símbolo de governo pode ser atribuída à visão avançada de Graccho Cardoso, sua capacidade de prever o futuro e realizar obras para o bem comum e com grande alcance social, numa visão prospectiva de modernização. O Grupo Escolar Dr. Manoel Luiz. 869 Realizando um levantamento das escolas de educação fundamental em Aracaju, junto ao Setor de Inspeção Escolar da Secretaria de Estado e Educação de Sergipe e consultando o Catálogo das Escolas Municipais (GRAÇA, p.2000), têm-se que o Grupo Escolar Dr. Maneol Luiz constitui um dos estabelecimentos escolares mais antigos e em funcionamento, até o momento atual, sem alterar o estilo arquitetônico de seu prédio. Considerando nosso interesse em resgatar o cotidiano do ensino primário público em Aracaju, que começa a ser ministrado nos grupos escolares no período de 1910 e 1950, este estabelecimento insere-se no universo da pesquisa sobre a escola primária pública sergipana. O Grupo Escolar surge como uma alternativa diferente do modelo de escola de primeiras letras, destinada a generalizar os rudimentos do saber, ler, escrever e contar, escola essa voltada para os pobres. Constitui uma forma de organizar o ensino diferente das formas anteriores, usando espaços improvisados, na casa da professora ou em espaços alugados e/ou cedidos, sem qualquer comodidade. Surge diante do interesse do Estado em favorecer o processo de escolarização primária e das pressões do movimento escolanovista, visando reformar o ensino e dar-lhe um caráter moderno e nacional, criando um espaço público para que a escola cumprisse sua função social específica. Adentrando o Grupo Escolar Manoel Luiz e se atendo em observar a organização de seus espaços: diretoria, secretaria, salas de aula – amplas e com janelas grandes que permitem boa ventilação e iluminação natural-, pátio do recreio; e fazendo uma viagem remontando ao tempo, pode-se distinguir o quanto este se difere das escolas funcionando em casas alugadas ou do professor, muitas vezes sem qualquer condição higiênica, prejudicial à saúde e à aprendizagem da criança. Destaca-se também pelo estilo arquitetônico que impressiona o público, como uma forma de anunciar que o governo estava se voltando para a instrução pública, pois “neles, e por meio deles, os republicanos buscarão mostrar a própria República e seu projeto educativo exemplar e, por vezes, espetacular” (FILHO, 2000:147), como também estava aplicando no seu planejamento e criação “os saberes científicos, notadamente da medicina e, dentro dessa, da higiene”; preceitos médico-higienistas que começam a aflorar no discurso acadêmico do início do século XIX. Mas como esses grupos funcionavam? Como era desenvolvido o ensino? Até que ponto os princípios do movimento escolanovista se faziam presentes? Como as classes eram organizadas? Prevalecia o ensino misto ou havia distinção entre os sexos? Em busca de tais respostas, além de entrevistas com ex-professores e ex-alunos, o arquivo da escola – que se mantêm desorganizado, mas em perfeito estado de conservação, foi objeto de análise. O arquivo constitui uma rica fonte de informações, dispondo de :livros de matrículas e estatística escolar; livros de registro de freqüência dos alunos e professores; livro de controle da Caixa Escolar; livro de registro dos termos de visitas;.livro de registro das reuniões pedagógicas. Os documentos fotográficos também foram utilizados, apesar da dificuldade encontrada em dispor de um arquivo organizado e classificado. Foram encontradas, até o momento, dispersas imagens e retratos dispostos nas paredes da instituição referentes a exdiretores. A imagem é importante por constituir uma forma de registro da época e de reconstrução do período e expressão de significados e de linguagem. Através destas informações, tentou-se reinterpretar o cotidiano da escola, envolvendo as práticas pedagógicas adotadas, a forma de organização da instrução e da administração escolar, que muito se diferenciam do modelo organizacional anterior. No início funcionavam quatro turmas de 1ª a 4ª série do antigo ensino primário em dois turnos (o turno da manhã das 870 8h30 às 12h30, atendia o sexo feminino, e, o turno da tarde, das 12h30 às 15h30, era frequentado por crianças de ambos os sexos, em salas separadas). Durante o período de 1925 a 1943, verificou-se uma atuacão marcante dos inspetores de ensino Antonio Xavier de Assis, José Augusto da Rocha Lima e José de Alencar Cardoso que através das reuniões orientavam o corpo docente na concretização dos princípios e métodos do ensino ativo, envolvendo o desenvolvimento das excursões pedagógicas, os Centro de Interesse inspirado em Decroly, dos métodos e processos intuitivos, da aplicação de testes auditivos e visuais a fim de favorecer a aprendizagem da leitura e da escrita. Tais informações foram valiosas para compreender a instrução pública e o modelo de escola, cujas características ainda predominam no momento atual; de um dos grupos escolares da capital sergipana, considerado como um estabelecimento modelo e que impressionava os habitantes de Sergipe e de outros Estados, conforme registro no livro de visitas, transcrito a seguir. “Ao referir-me a este curso o faço sob a mais forte das impressões. Sergipe resolveu no norte do Brasil o problema da instrução popular. Seus grupos são verdadeiras revelações aos estudiosos dos materiais pedagógicos. Hoje visito este, que no momento me abriga, sob o patronato do nome do Dr. Manoel Luiz e direção da professora D. Leonor Telles Menezes, forte organização da dirigente e de preceptora. Oxalá o exemplo do glorioso Estado de Sergipe mostre na Federação Brasileira, diminuindo a chaga que nos acabrunha e atrapalha a boa marcha dos destinos do Brasil Sergipe ( Aracaju) , 12 de março de 1925". Ernesto de Assis, delegado escolar do Estado da Bahia. Ensaiando algumas conclusões... Atendo-se às observações do prédio e analisando os livros de termo de visitas, pode-se verificar o caráter inovativo no ensino público através da aplicação dos preceitos médicohigienistas presentes no discurso acadêmico do início do século XIX, tanto na construção do prédio, como também no funcionamento do estabelecimento. Em relação à organização das turmas, durante muito tempo, havia distinção entre os sexos: o turno da manhã se destinava ao sexo feminino, sendo que no turno vespertino havia classes para o sexo masculino, e, depois de algum tempo, classes diferentes para alunos dos dois sexos. O ensino misto só vai surgir a partir de 1936. Também se verifica, nos registros, o uso dos métodos ativos defendidos pelo movimento escolanovista e a ênfase no ensino de Canto Orfeônico e Educação Física, a fim de estimular o espírito nacionalista, bem como “melhorar nossa raça” (termo de inspeção de 16/11/1938). O ideário escolanovista era veiculado nos cursos de formação de professores, ministrado pela Escola Normal, bem como nas visitas de inspeção e reuniões pedagógicas. Nessas situações, bem como nas aulas de demonstração, divulgavam-se os princípios da psicologia, a aplicação dos métodos ativos e o uso de materiais didáticos, a fim de favorecer a aprendizagem da criança e a formação continuada dos professores. 871 Bibliografia CARVALHO, Marta M. Chagas. Reforma da Instrução Pública. In: LOPES, Eliane M. Teixeira (org.) 500 anos de Educação. Belo Horizonte, ª Autentica, 2000. COOK-GUMPERZ (coord.) A construção social de alfabetização. Porto ALEGRE, Artes Médicas, 1991. FIGUEIREDO, Ariosvaldo. 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