Aula 03 - Arist?teles e o Monote?smo

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Aula 03 - Arist?teles e o Monote?smo
CURSO 1980
HUBERTO ROHDEN
AULA 03 – 24/03
ARISTÓTELES E O MONOTEÍSMO
Geralmente se diz que o oriente é monista e que o ocidente é monoteísta. Monoteísta quer dizer
um só Deus. Isto é atribuído ao ocidente cristão. E o oriente é chamado monista, não aceita um Deus
pessoal. Porque monos indica um Deus pessoal, um Deus individual que resida em alguma zona do universo.
Mas como todo o oriente não aceita um Deus pessoal, mas aceita uma divindade universal; o oriente não
professa monoteísmo. Sobretudo a Ásia, a Índia, a China e o Japão chamam isto um Deus. Não no oriente
médio que seria Palestina, Arábia, porque o oriente médio ainda é monoteísta. O judaísmo é monoteísta, o
islã é monoteísta – mas passando ao ocidente europeu e através do oriente médio, nós entraremos no
monismo.
Monismo não fala em Deus, fala da Divindade. Não me confundam Deus com Divindade. Divindade é
um termo abstrato, neutro, ao passo que Deus é um termo concreto, masculino, um Deus - já vê que se trata
de um individuo. Afirma-se O. No oriente usa mais A, mas seja masculino ou feminino é individual. No
ocidente se entende Deus individual masculino. No monismo não aceita nenhuma individualidade. Aceita a
Divindade universal. Portanto não um Deus residente em alguma zona do universo. Isto não será aceito no
oriente. No oriente aceita a presença de um poder supremo universal existindo em toda parte. A
onipresença da Divindade, mas não dum Deus individual.
Por que o oriente professa monismo e não monoteísmo? Não é propriamente o oriente, vocês
podem ir à Índia e não encontrar monismo. Eu estive lá – é o que eles mais têm e que vocês podem
imaginar: está tudo cheio de deuses. Não de Divindades, de deuses individuais. Cada esquina tem um templo
dedicado àquele Deus e àquela deusa também. Quer dizer, isto é politeísta. O oriente não é monista, é
completamente politeísta. Poli = muitos. Theos= deus – muitos deuses. O que há no oriente são indivíduos,
que estão talvez mais que no ocidente, mas não é o povo que é monista. É uma ilusão pensar que a Índia
seja monista, que a China seja monista, que o Japão seja monista. Não são monistas, são politeístas. Têm
uma porção de deuses. Podia-se dizer do oriente o que um investigador grego disse da Grécia: em Atenas é
muito mais fácil encontrar um deus do que um homem.
Paulo de Tarso passou pela Grécia como vemos em Lucas, e viu tantas estátuas de deuses em cada
rua, em cada esquina... E Paulo de Tarso ficou horrorizado. Paulo de Tarso falou no Areópago, onde havia no
altar 3 estátuas – tinha um altar sem estátua nem de Júpiter, nem de Marte, nem de Venus, nem nada disto.
E na plataforma do altar estavam duas palavras em vez de estátuas, “Agnostô Theô” em nossa língua “ao
deus desconhecido”. Gravaram duas palavras ao deus desconhecido. Quer dizer, além do culto aos deuses
conhecidos, os gregos veneravam uma divindade desconhecida.
Paulo de Tarso ficou encantado. Subiu ao areópago – lugar de conferência, ponto mais alto de
Atenas – ao pôr do sol, e lá ele fez o mais grandioso discurso filosófico. Pela primeira vez ia falar em Atenas
no meio de filósofos e passou para o lado da teologia: “Andei pelas vossas ruas e vi tantas estátuas de
deuses e objetos de culto e encontrei também um altar onde está escrito ‘ao deus desconhecido’. Eu estou
vendo que vós sois um povo muito religioso porque venerais um deus desconhecido”. Que psicologia de
Paulo! “Vós não sois religiosos por causa de tantas estátuas de deuses” – isto para Paulo é falta de religião –
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“mas vós além de todos esses falsos deuses que vós conheceis, até adorais ao deus desconhecido”. Isto é
muita religiosidade! Paulo apesar de ser oficialmente monoteísta como um bom judeu, pessoalmente ele
aceitava um deus desconhecido. ... Um deus que não tem nome, que é anônimo, mas que ele adora – ao
deus desconhecido.
Quer dizer, isto é monismo. Quando alguém sabe que existe um poder supremo, uma divindade,
mas não um deus que rege todas as coisas do universo, e que está presente em qualquer lugar, nos
minerais, nos vegetais, nos animais, nos hominais, em todo o universo, este Deus invisível está presente e é
oniconsciente. Não é um objeto dos sentidos, não é um objeto da inteligência para ser analisado – está além
dos sentidos e além da inteligência, mas real. Quando alguém tem intuição já está mais perto da divindade.
Além dos sentidos já está na Divindade. A intuição é isto aqui:
Quando alguém não sabe nada da intuição racional, não sabe nada da Divindade, ele só conhece
Deus. Deus é uma coisa que se pode analisar. As teologias analisam Deus, desde os catecismos até nas altas
teologias, nós tivemos que analisar Deus. Que Deus é isto, que ele é bondoso, que ele é justo... Isto é análise.
A Divindade não é analisável. Deus é analisável, mas Deus não é a Divindade. Deus é aquilo até que se pode
ser atingido pela inteligência. Como a teologia intelectual é necessariamente monoteísta, mas uma intuição
transcendental é intuitiva.
Então eu traduzi umas palavras de Einstein sobre o monismo “Deus” – porque o monismo não é só
do oriente. O monismo é também do ocidente. Todos os grandes gênios são monistas. Todos os grandes
místicos são monistas. Nenhum gênio é monoteísta ou politeísta. Nenhum místico verdadeiro é nem
monoteísta aceitando um deus pessoal, nem politeísta aceitando muitos deuses pessoais. Tanto o
monoteísmo como o politeísmo aceita deus pessoal, individual. O gênio é a culminância da cultura espiritual
do homem. Quem não chegou até culminância da sua evolução humana, na sabe nada da Divindade, não
pode ser monista. Não pode ser gênio, não pode ser místico. Místico, gênio, monista são intuitivos, o ponto
culminante da cultura e da evolução humana.
Então tem uma página maravilhosa sobre o Deus desconhecido. Einstein não usa estas palavras, mas
é exatamente o que nós chamamos mística monista. “A fascinação do misterioso, da coisa mais misteriosa
que não se pode ver, nem ouvir, nem apalpar, nem analisar”. Isto ele chama misterioso – e por que isto nos
atrai? A fascinação é uma atração irresistível para uma coisa que não se pode ver nem ouvir, nem apalpar,
nem sequer analisar. Isto para Einstein é a Divindade. A Divindade é uma realidade, mas não é visível, nem é
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audível, não é tangível, nem é analisável – mas é absolutamente certa. Isto é intuição. Intuição monista ou
mística.
Einstein diz: “A coisa mais bela que o homem pode experimentar é o misterioso e esta emoção
fundamental está na raiz de toda ciência e de toda arte. O homem que desconhece este encanto incapaz de
admiração e estupefação, este já está por assim dizer, morto. O que fez nascer a ideia de Deus foi esta
vivência do misterioso, embora mesclado de terror, saber que existe algo impenetrável, sentir a presença de
algo profundamente racional e radiantemente belo, algo que compreendemos apenas em forma muito
rudimentar; é esta experiência que constitui a atitude genuinamente religiosa, esta experiência de algo
puramente racional. Ele não diz intelectual, porque racional é Logos, lá em cima. Então ele diz: Esta
realidade que nós podemos intuir, sentir e ter plena certeza é racional. Não é uma coisa irracional, não é uma
coisa inconsciente, é uma coisa supraconsciente. O racional é pleniconsciente. Então isto constitui a
quintessência de toda religiosidade, é uma experiência genuinamente religiosa. Neste sentido unicamente eu
pertenço aos homens profundamente religiosos. Eu sou um homem profundamente religioso, embora eu não
professe nenhuma religião eclesiástica, individual. Eu sou um homem profundamente religioso porque vejo
um poder supremo em todas as coisas do universo, tanto nos átomos como nos astros. Em tudo eu vejo um
poder supremo”.
Isto é um homem religioso, sem religião, mas muito religioso. Isto é monismo. Portanto aqui está
muito bem definido o que Einstein entende por religiosidade. Religiosidade é monismo puro, é mística, é
intuição da realidade que não se pode ver nem sentir, nem apalpar, nem analisar, mas que se tem plena
certeza.
Portanto, não é uma hipótese este poder supremo que ele fala. É uma certeza intuitiva que o gênio,
o místico, o monista têm. Então este é o ponto culminante da evolução humana. Se alguém não chega a essa
evolução humana não pode ser místico.
Por que é que nós dizemos que o monismo prevalece no oriente? - é uma coisa muito estranha – por
que não deve prevalecer no oriente, na filosofia oriental... Quero explicar o que nós entendemos por
oriente.
Nós podemos entender duas coisas por oriente: o oriente terra geográfico e o oriente interno.
Geralmente quando falamos oriente nós entendemos a Ásia, a China, a Índia, o Japão. Mas os livros sacros s
entendem por oriente outro sentido. Por exemplo, aqueles três magos do Evangelho, nós sempre dizemos
que eram os magos do oriente. Mas estou certo que o Evangelho não se refere a nenhum oriente geográfico.
O Evangelho se refere ao oriente dentro do próprio homem. Orientem - em latim quer dizer nascer, surgir,
origem. Quer dizer, lá onde a coisa nasce o nascedouro, a fonte, isto é oriente... Mas no Evangelho ninguém
disse que viera da Mesopotâmia, da Babilônia, vieram do oriente para a Palestina... Não vieram de lá. Por
que não? Porque se a estrela nascesse lá e fosse guiando os reis magos para Jerusalém... Isto é contra toda
astronomia. Uma estrela para guiar e depois desaparecer de vez... Se fosse uma estrela real, astronômica
ela havia de desaparecer? Tudo isto é improvável. É claro que não era uma estrela física. Era a estrela da
intuição. Eram três intuitivos que se guiaram pela sua estrela intuitiva, pela sua essência, pela sua intuição.
Um mês depois, e de repente acabou a intuição. Não funcionou mais.
Por que a intuição deles não funcionou mais? ...
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Aquele clima negativo de ódio que predominava a cidade toda naturalmente era péssimo para a
intuição. Saíram da cidade da Palestina. O oriente era a intuição deles, e não era nenhuma zona geográfica.
Este é o sentido do oriente quando se fala do monismo. O monismo só pode funcionar com nosso oriente
interior. Quando nosso oriente não funciona, a nossa consciência, o nosso Eu, então nós sentimos
derrotados.
Então tanto no oriente de verdade como no ocidente geográfico sempre houve monistas, místicos
orientais de seu próprio oriente interno. Isto funciona numa evolução humana muito adiantada. E por que
geralmente nós dizemos que as religiões vieram do oriente e a filosofia veio do oriente? Nenhuma grande
religião de projeção mundial nasceu no ocidente. Nenhuma grande filosofia de projeção internacional
nasceu no ocidente. Tudo que nós recebemos de espiritual e filosófico veio ou da Índia ou do Japão, ou da
China ou da Palestina. A Palestina é oriente médio, não é ocidente. O Evangelho veio da Palestina. A
Bhagavad Gita veio da Índia. O Tao Te King veio da China. Do Japão veio o zen-budismo. Tudo oriente! Por
quê? A humanidade começou no oriente, não há dúvida nenhuma. Pelo menos no oriente médio. E depois
veio para o ocidente, para o Egito no tempo do faraó. E depois passou do oriente para o ocidente.
Os egípcios não são orientais, tiveram grande intuição espiritual. Aliás, o monismo provavelmente
nasceu no Egito. Os hebreus e os hindus são todos muito antigos. Eles podem pelo menos 7000 anos de
cultura. O ocidente europeu tem 2500 anos de cultura... Porque a cultura europeia começou com o império
romano de 500 anos AC. Para cá do Atlântico, nós somos herdeiros da cultura europeia temos mais ou
menos 500 anos de cultura. A evolução começa com o mundo material, passa para o mundo intelectual e
culmina com o mundo espiritual, infalivelmente.
Na infância se interessa pelas coisas do corpo. A criança não pensa em outra coisa senão nas coisas
do corpo, comer e beber – para o corpo. Isto é o início da cultura.
Agora quando o corpo chega à maturidade evolutiva, ultrapassa o interesse pelas coisas materiais.
As coisas materiais são necessárias, mas não são o ideal. É uma maldita necessidade. Depois na 2ª fase a
evolução ultrapassa bios, (material) entre na zona intelectual (Noos), aí começa a ciência. Começa a se
interessar pela ciência, técnica... E quando a evolução prospera rumo às alturas, então os povos começam a
se interessar pelas coisas espirituais. A espiritualidade é a culminância da evolução. Não substitui isso. O
mundo material e o mundo intelectual formam a base para o mundo espiritual. Não substitui. Mas o
espiritual pode ser a culminância como a frutificação, a culminância da árvore. Primeiro são as raízes, depois
vem o tronco, depois vêm as flores e os frutos que são a culminância da evolução da árvore. A humanidade
então está baseada no material, depois vem o mental e finalmente termina no espiritual.
Isto os povos muito antigos, egípcios, hebreus, hindus já se tiveram 7000 anos pelo menos para a sua
evolução. Superaram o mundo material, em grande parte o mundo intelectual e já chegaram ao mundo
espiritual. E somente no mundo espiritual existe monismo. O monismo só pode nascer na intuição. Enquanto
nós não entrarmos na zona da intuição racional – uns já chegaram à intuição espiritual. O espiritual não é
filosófico, é apenas religioso... Quando quer receber algo misterioso, isto é puramente racional. A divindade
é uma experiência puramente racional e misterioso, e a racionalidade é a religiosidade.
A religião não é propriamente religiosidade. A gente pode ter religião sem ter nenhuma
religiosidade. Se você está indo nas igrejas e acredita em todas as normas, em todos os sacramentos e em
todos os ritualismos, você tem religião. E todo o mundo está satisfeito com você porque os chefes espirituais
o têm como ótimo filho desta igreja. Isto é ter religião, mas ter religião é coisa intelectual. A gente tem que
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aceitar a doutrina sem a menor religiosidade. Mas quando a gente ultrapassa a religião entra na
religiosidade... Muitas pessoas não se interessam mais pela religião porque entraram na religiosidade.
Outras continuam na sua religião, não por causa dele, mas por causa dos outros. Porque eles continuam a ir
às igrejas, aceitar os dogmas, as teologias para não hostilizar os outros.
É bom a gente entrar na zona da religiosidade e continuar na religião. Na religiosidade própria por
causa de si mesmo e na religião por causa dos outros, porque os outros não são capazes de entrar na
religiosidade. O homem atrasado não pode ser religioso, ele só pode ter religião. Mas como muitos têm
religião e poucos são religiosos, os poucos religiosos têm pena dos que apenas têm religião – não somente
toleram, mas até ajudam a ter religião mesmo os não tenham religiosidade.
Somente numa religiosidade é que desperta propriamente o nosso monoteísmo. O monoteísmo é
pura mística. O homem religioso é místico. O homem que tem religião não é necessariamente místico, ele
pode ser um bom filho duma igreja, mas não ter nenhuma experiência da divindade. Se ele aceita o que a
igreja manda aceitar, então ele é um bom filho dessa igreja, mas ele não é religioso. O inverso não é uma
coisa que vem de lá fora. Ninguém pode dar ordem para ser religioso. Eu sou religioso porque sinto a
necessidade interna de ter um poder supremo, invisível em todas as coisas da minha vida. Os homens
religiosos geralmente são controlados pelos outros que apenas têm religião. Porque ter religião é fácil, ser
religioso é uma coisa rara.
Então os homens profundamente religiosos são considerados como homens sem Deus, sem religião.
Porque o Deus deles não é um Deus individual como para aqueles que têm religião. E o que eles chamam
Deus não é uma individualidade. Não é uma entidade que reside em alguma parte do universo e manda suas
ordens para os homens. Não, isto é monoteísmo. Monoteísmo é ter religião. Monismo é ser religioso. Mas se
ele se interessa em ser religioso e não se interessa mais pela religião, então dizem que ele é ateu, ele é um
descrente, ele não aceita Deus, ele não tem religião. Mas, ele tem mais do que religião. Ser religioso é muito
mais do que ter religião. Ser é do Eu interno, ter é uma coisa externa. Eu posso ter religião sem ser religioso.
Não é de estranhar que todos os grandes gênios, todos os grandes místicos, todos os homens geralmente
monistas que tinham experiência da divindade sejam considerados como homens que apenas têm religião,
mas são religiosos, como ateus, como hereges. Isto aconteceu desde o princípio do mundo.
Muitos dos grandes místicos da idade média acabaram na fogueira. Giordano Bruno acabou na
fogueira porque era místico. Savonarola acabou na fogueira. Eram todos monistas. Eles tinham experiência
da divindade, mas não acompanhavam a religião do seu amigo. Quem tinha nas mãos o poder mandava
lançar na fogueira os que eram hereges. Eram hereges místicos, eram ateus místicos, mas na crença era
ateu. Isto é inevitável. O mais avançado não é compreendido pelo menos avançado. Os grandes gênios
foram considerados ateus, hereges.
Quer dizer, a relação entre o monismo e o monoteísmo é essa: no monismo não se contenta em ter
religião, mas no monoteísmo a gente se contenta com ter religião. Não importa saber se é religioso, mas o
principal é ter religião.
Agora, nós entendemos que todo ocidente cristão é monoteísta. Todo mundo pensa que aqui no
ocidente cristão europeu e americano impera o monoteísmo. Um só Deus: Mono = um. Não é verdade. O
nosso cristianismo monoteísta não é geralmente monoteísta. Ele é dualista. Porque todos aceitam um Deus
e um antideus. Todas as teologias aceitam um Deus e um antideus. O antideus está sempre brigando um
com o outro. O Deus briga com o diabo e o diabo briga com Deus. Isto não é monoteísmo, isto é dualismo.
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Não existe nenhum monoteísmo cristão. Existe um dualismo, porque toda teologia cristã aceita dois poderes
paralelos: um poder do bem e um poder do mal, um poder da luz (chamado Deus) e um poder das trevas
(chamado diabo). Isto é tão antigo como a religião a Pérsia. Na Pérsia, muito antes do grande Deus da
religião, Zaratrusta ou Zoroastro, - proclamavam que havia dois princípios externos na humanidade. O
(Arimã), Deus as trevas e (Aúra-Masda) que era o Deus a luz.
O nosso cristianismo ocidental era inteiramente dualista porque nós admitimos dois princípios que
sempre guiam: os positivos da luz e os negativos das trevas. O nosso cristianismo ocidental não é
propriamente monoteísta, ele é dualista e em grande parte politeísta. Nós usamos a imagem da mãe divina
que é a mãe de Deus. Se Deus tem uma mãe, então esta mãe naturalmente é uma deusa. E se Deus é o
verdadeiro Deus e se ele tem uma mãe verdadeira, então é evidente que essa mãe também é deusa. Então
uma mãe não poderia ter um filho Deus se ela mesma não fosse deusa. Toda teologia cristã fala da mãe de
Deus. Isto é politeísmo, é claro. Teoricamente não aceitamos o politeísmo pagão. Praticamente aceitamos.
Quer dizer, dualismo e politeísmo estão dominando no nosso chamado monoteísmo. Não existe um
verdadeiro monoteísmo no ocidente. E não existe monismo, existe politeísmo. O mundo está dominado pelo
dualismo ocidental e pelo politeísmo oriental.
Onde está a zona do monismo? A zona do monismo não é nem do oriente nem do ocidente. Não
existe uma zona geográfica para o monismo. O monismo não existe numa região. O monismo é uma atitude
da consciência. Há individuo que seja monista, mas não há uma escola, não há uma igreja, não há filosofia
chamada monismo. Há somente indivíduos que veem Deus em sua alma. Eles veem a divindade. Eles
transferem a essência – todo o poder supremo em todas as coisas. Esse é o pode supremo que nós
chamamos a essência. Transferem a essência invisível através de todas as existências visíveis. É como a alma
do universo de Espinosa.
Espinosa diz: a Divindade é a alma do universo e o universo é o corpo da Divindade. Deus é a alma do
universo e o universo é o corpo de Deus. A parte existencial vem da alma do universo que é Deus, a parte
essencial. A essência é invisível, e ele chama alma. A existência física é visível, é acessível aos nossos sentidos
e até analisada pela inteligência... Quando então alguém ultrapassa as coisas existenciais que são dos
sentidos e da mente e atinge a zona longínqua da consciência para além de todas as existências, então ele é
intuitivo; então ele percebe algo que os sentidos e a inteligência não percebem. Então ele entra na zona da
pura realidade. O místico não depende dos sentidos, também não depende da inteligência, ele se guia pela
razão. A razão é o ponto culminante da natureza humana. O espírito que nós chamamos razão. Em grego
logos. Quando o homem chega à razão evolução, então ele ultrapassa todo o politeísmo e ultrapassa
também o monoteísmo - também não aceita ismo. Um Deus individual ele não aceita. Aceita a divindade
universal. Então ele está à frente da sua evolução humana. Isto é raro nos homens de hoje. Existem tanto no
oriente como no ocidente os místicos muito intuitivos. Os que percebem a divindade em todas as coisas não
são politeístas.
Até o grande cientista moderno Teilhard de Chardin realizava as suas pesquisas e falava que via Deus
até nos esqueletos que ele desenterrou lá na China. Ele era geólogo, paleontólogo e desenterrava pedras e
esqueletos antigos. E dizia que Deus lhe revelou até na zoologia e na paleontologia que estava sob a terra.
Ele não era panteísta. Diz: “eu não sou panteísta. Eu não digo que Deus é tudo... Panteísmo. Que Deus é uma
pedra, que Deus é uma planta, que Deus é um animal. Eu digo que Deus está em tudo e tudo está em Deus.
Se isto é panteísmo então eu seria anticristão. Mas isto não é panteísmo, isto é o que chamamos monismo.
Pelo menos que o poder supremo está em tudo. Isto não é panteísmo. Eu não digo que esta pedra é Deus, eu
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digo que esta pedra está na essência divina. Ela é uma existência material que é uma revelação da essência
espiritual. A essência é invisível, as existências são visíveis”.
No século passado um filósofo alemão Hermann Keyserling quis criar uma palavra própria para este
panteísmo verdadeiro, este panteísmo cristão que nós chamamos monismo. Vamos dizer Pan-em-teísmo ao
que nós chamamos monismo – com uma sílaba em no meio. Quando eu digo pan-em-teísmo – eu digo tudo
em Deus. Tudo está em Deus e Deus está em tudo. Vamos dizer - isto é monismo. Pode chamar monismo e
pode chamar também pan-em-teísmo. Mas não panteísmo, dizendo que uma pedra é Deus, uma creatura é
Deus... Mas eu posso dizer que todos os finitos estão no infinito. O finito não é o infinito, mas está no
infinito. Está circundado e permeado pelo infinito, porque o infinito é onipresente. E se o infinito é
onipresente, se a divindade é onipresente, então é claro que todas as creaturas e todos os finitos estão
necessariamente dentro do infinito. Não vamos passar, homem nenhum pode. O infinito não tem limite. Não
é ultrapassável.
Todo finito está necessariamente dentro do infinito. Isto é monismo. Mas para compreender isto é
preciso uma evolução muito mais avançada do que nós esperávamos ter, as igrejas não ensinam isto, porque
as igrejas são influenciadas pelas massas. E as massas não podem compreender tal coisa. Então as igrejas
ficam no monoteísmo, no suposto politeísmo, que é geralmente dualismo. Mas, todos os indivíduos
avançados tanto no ocidente como no oriente podem ser monistas, que é muito além do politeísmo e muito
além do monoteísmo. Isto é todo programa da evolução humana.
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