artigo - Sinpro/RS

Transcrição

artigo - Sinpro/RS
O preço da
corrupção para o
Estado e para a
sociedade a partir
E T E M B R O
2 0 0 5 |
V O L
1 |
N
º 6
1 6 7 7 - 9 1 2 6
TextuaL
x
S
I S S N
Suborno
de estudos
internacionais
sobre o assunto
n Ócio
O aproveitamento
do tempo livre nem
w w w. s i n p r o r s . o r g . b r / t e x t u a l
sempre é encarado
com criatividade.
Uma reflexão sobre
o tema sob os
olhos da ciência
apoio
artigo
Educação inclusiva: os dilemas e as problemáticas relacionadas à inserção de portadores
de necessidades especiais nas escolas regulares
EXPEDIENTE
A Revista Textual é uma
publicação da Fundação
Cultural e Assistencial
Ecarta com apoio do
Sindicato dos Professores do
Estado do Rio Grande
do Sul – SINPRO/RS.
Avenida João Pessoa, 943
Porto Alegre / RS
CEP 90040-000
Tel 51 3226-1319
Textual / Fundação Cultural Assistencial Ecarta.
v.1, n.1 (nov./2002). – Porto Alegre: Fundação Ecarta, 2002.
v.: 22x26 cm
Semestral
ISSN 1677-9126
11. Educação-periódicos 2. Ensino privado-periódicos I.
Fundação Cultural e Assistencial Ecarta.
CDU: 37(05)
Bibliotecária responsável: Melissa Martins CRB10/1380
Indexada ao CIBEC/INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Redação
Fones: (51) 3211-1900
Fax: (51) 3211-2628
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Geral
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Fundação Cultural e Assistencial Ecarta
Diretoria Executiva
Presidente – Marcos Júlio Fuhr
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Clarice Bau Porto
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Conselho Curador:
Presidente – Sani Cardon
Vice-presidente – Clarice Bau Porto
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Conselho Curador
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Claudio Darci Gressler
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José Fortunati
Antonieta Mariante
João Ignácio Lucas
Conselho Fiscal
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Edição Executiva
Valéria Ochôa
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César Fraga
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Conselho
editorial
Instituída em dezembro de 2003, pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), a
Fernando Becker,
Jaime Zitkoski, Jorge
Campos, Dagoberto
Nunes de Ávila,
João Paulo Pooli,
Marcos Júlio Fuhr, César
Fraga, Valéria Ochôa,
Celso F. Stefanoski
Fundação Cultural e Assistencial Ecarta é uma organização jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e que tem como
Revisão
missão a formação de cidadãos competentes, críticos, criativos e solidários, por meio do efetivo exercício da cidadania. O
Gabriela Koza
lançamento público da entidade ocorreu em maio de 2004, em Porto Alegre.
Fotografia
A Fundação Ecarta tem entre suas finalidades a promoção e apoio de ações no campo da educação, cultura, recreação e
desporto, assistência, ciência e tecnologia. Para a concretização dos empreendimentos culturais e assistenciais, a Fundação
Ecarta conta com o apoio do Sinpro/RS, dos professores e da comunidade em geral. Informações da Fundação podem ser
obtidas pelo telefone 51.3226-1319.
Aos leitores
René Cabrales
Tânia Meinerz
SUMÁRIO
ensaios
10
ÓCIO tempo livre com criatividade
36
CORRUPÇÃO quanto custa para o país?
IEDA RHODEN
ECLEIA CONFORTO
dinâmica do meio educacional
6
INCLUSÃO alunos portadores de necessidades especiais
BENTO SELAU
Ilustrações
Eduardo Oliveira
Projeto Gráfico
e Edição Gráfica
Rogério Nolasco Souza
Editoração
o professor e o mundo da escola
22
MONITORAMENTO DO TRABALHO vigilância eletrônica
LUCIANE LOURDES WEBBER TOSS
EML Design
Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul
Os artigos assinados são de
exclusiva responsabilidade
de seus autores
28
CÂMERAS NAS ESCOLAS pedagogia da desconfiança
FERNANDO BECKER E TANIA BEATRIZ IWASZKO MARQUES
Envie suas cartas para [email protected] ou endereço vide expediente
questões
fundamentais
Martha
Soares
|
Estudante de Comunicação
e educadora
preconceito, que muitas
quiser ver. Não há melhor
Trabalho em EaD e gostaria
vezes parte dos próprios
laboratório do que a
que o tema fosse abordado
professores.
realidade.
Sexta edição
mais vezes em Textual. Por
Paulo Assunção Menezes
Pai de aluno portador de
necessidades especiais
– São Leopoldo
Cármen Gomez
Professora – São Paulo
diretoria colegiada | Sinpro/RS
tratar-se de uma modalidade
nova de educação, com
Tenho acompanhado a todas as edições da Revista Textual e gostaria
de saudar os artigos sobre a Saúde
do Professor e a Sobrecarga de Trabalho da última edição. José Outeiral e Dagoberto Nunes de Ávila
muito ainda a ser trilhado e
regulamentado, gostaria que
Acessei a Revista Textual
Tenho acompanhado a
o assunto fosse novamente
pela internet e fiz o
revista pela internet, porque
abordado a partir do projeto
download dos artigos. Muito
obviamente aqui em Minas
de Reforma Universitária.
interessante o ensaio da
Gerais ela não circula.
Ainda há muitas dúvidas
professora Darli Collares
sobre o futuro do setor.
Mesmo assim, gostaria de
sobre construtivismo na
parabenizá-los pela
última edição. A visão do
longevidade e pertinência
Margarete Alves
Monitora – Porto Alegre
professor como um
investigador me fez perceber
foram muito felizes ao levantar, reso tema da inclusão seja
fazemos, mesmo que de
qüentes na profissão do educador,
abordado nessa revista,
forma empírica, no nosso
como o desgaste emocional e a ex-
principalmente quando se
cotidiano. A bagagem de
trata da inclusão de alunos
experiência acumuladas,
portadores de necessidades
quando bem observadas e
ver, um certo avanço no que
res. Esses assuntos que a revista
vem aprofundando nos alerta de
que na maioria das vezes várias
questões não são levadas em conta
analisando profundamente a
Reforma Universitária que
está em curso. Há, a meu
analisadas, podem ser de
políticas, as escolas, mas na
uma riqueza ímpar. No texto
do setor privado diante da
prática o que se vê é um
da pesquisadora, o que mais
legislação vigente. Mas, por
despreparo da sociedade,
me chamou a atenção foi a
outro lado, me parece que
das escolas, dos governos,
possibilidade de o cientista
houve muto retrocesso no
que está proposto se
dos professores para
estar na sala de aula como
quando se fala dos problemas as-
enfrentarem esse problema
ator do próprio objeto a ser
sociados à profissão de educador.
de frente e sem hipocrisia.
pesquisado, o que
Não se trata de uma questão
infelizmente, aos olhos da
que pode ser resolvida com
academia, nem sempre é
canetaços como vem sendo
bem-visto. Mas afinal, o
feito, mas com ações
próprio Piaget partiu de sua
afirmativas e concretas. São
experiência com os filhos
conseguiu dar um perfil mais
a situação, justamente a proposta
milhares de crianças e
para muitos dos seus
privatista para o projeto?
deste meio que busca ser um espa-
jovens espalhados pelo
escritos, o que valida cada
Deixo para vocês essa
Em ambos os textos, os autores não
buscam uma resposta, mas sim
compartilhar preocupações sobre
versões anteriores
divulgadas na imprensa.
Será que o lobby das
instituições prevaleceu e
Brasil que sofrem com essa
vez mais esse raciocínio.
ço para a expressão. Mais uma vez,
ausência de condições para
Não raro a produção
ver esse debate nas páginas
Textual preocupa-se em agir como
o seu crescimento como
acadêmica restringe-se ao
de Textual, afinal ainda tem
cidadãos de forma integrada
cientificismo e ao labirinto
o trâmite no Congresso se a
poeira da crise política
blemáticas fundamentais e sérias
para o trabalho de quem está inserido no contexto educativo.
à sociedade. Não precisa
sem fim das referêncais
existir tratamento igual, mas
bibliográficas e citações,
adequado às necessidades
enquanto a realidade e seus
da cada um, com respeito
problemas estão vivos e
às diferenças e sem
pulsando lá fora para quem
Mas nem só de corrupção vive essa edição de Textual. As problemáticas da educação escolar inclusiva para alunos portadores de
necessidades especiais é tema de artigo em que o professor Bento
Selau expõe uma análise da questão a partir de uma abordagem
histórica, que mostra como a humanidade vê os portadores de
necessidades especiais em diferentes épocas até os dias de hoje.
Ainda no universo escolar, instituições vigiam eletronicamente seus
profissionais por meio de câmeras e computadores, transformando
escolas e universidades em verdadeiros big brothers. Inaugura-se
uma nova modalidade de constrangimento e intimidação aos
docentes. Dois artigos tratam do assunto, o primeiro é da advogada
trabalhista Luciane Webber Toss, que aborda questão jurídica, e o
segundo, de autoria do professor Fernando Becker e da psicóloga
Tania Beatriz Iwaszko Marques, refere-se à questão pedagógica.
compararmos com as
provocação e meu desejo de
fomentadora de debates sobre pro-
De acordo com o ensaio da economista Ecléia Conforto, publicado
nesta edição de Textual, a corrupção levou a China à estagnação
econômica, infestou a administração do Império Romano, dificultou o desenvolvimento político da Grã-Bretanha e dos EUA,
além de ter acelerado o colapso da ex-União Soviética. Porém, a
economista afirma, baseada em estudos recentes, que nas últimas
duas décadas é possível observar uma movimentação mundial em
busca de solução ou minoração desse problema. As iniciativas para
combater a corrupção são várias: tratados e convenções firmados
entre países e blocos econômicos, que compreendem preocupações sobre o impacto desse fenômeno na democracia, justiça
social, desenvolvimento econômico, comprometimento do Estado
e estabilidade política.
fosse feito um artigo
se refere à regulamentação
especiais. Há a Lei, as
C
dos assuntos abordados e
a pesquisa diária que
cessiva carga horária dos professo-
Escândalos envolvendo corrupção de políticos tomaram proporções nunca antes vistas, expondo um cenário que torna urgente a
teorização e entendimento desse fenômeno em seus vários
aspectos. Prática que está presente em maior e menor grau em
todos os sistemas políticos, seja autoritário ou democrático, a
corrupção se apresenta ao longo da história do mundo sempre
impactando a vida política, moral e econômica dos Estados. Muito
debatida do ponto de vista ético, legal e moral, ela nem sempre
é vista sob o olhar da economia, justamente a esfera motivadora
da corrupção.
deixar a sugestão de que
Acho fundamental que
pectivamente, questões que são fre-
O custo da corrupção
baixar.
Carlos Gonçalves Padilha
Professor universitário – Belo
Horizonte
O ócio construtivo é o tema do ensaio da psicóloga e doutora no
tema Ieda Rhoden. Ela se baseou em vasta bibliografia para resgatar a essência do conceito “tempo livre”.
Boa leitura!
dinâmica do meio educacional
Atualmente, debate-se sobre
firmaram-se algumas considerações, listadas e debatidas na
seqüência:
1. Crê-se na possibilidade de educação escolar inclusiva
para todos os alunos, na Educação Infantil e Séries
Iniciais do Ensino Fundamental, mas com estrutura
adequada;
2. Acredita-se que educação escolar inclusiva deve
pressupor fazer com que os alunos se envolvam nas
mais diversas atividades em grupos;
3. Deve-se ter atenção à afetividade nos grupos;
4. Acredita-se que brincar é momento oportuno para que
as crianças possam interagir em grupo.
uma proposta de educação
escolar inclusiva, que se
define por uma educação
escolar, na mesma sala
de aula, para todos os
alunos, independentemente
das diferenças que
possam apresentar
A possibilidade de educação escolar inclusiva
Educação escolar inclusiva:
atenção aos grupos
:: bento selau1 | professor
1
Mestre em
Educação pela
PUCRS.
Professor pela
Ufrgs e Colégio
Sévigné.
2
Educação escolar
inclusiva é opção
de terminologia
que se utilizou na
pesquisa.
REVISTA TEXTUAL setembro 2005
Escritos relacionados às pessoas que são
consideradas com necessidades especiais
não são recentes. Autores da Filosofia Clássica já mencionavam esta inquietação, como, por exemplo, Platão (2000), que admitiu o abandono ou a eliminação destes sujeitos, a fim de se conservar à raça humana
toda a sua pureza.
Através dos anos, a maneira de compreendermos deficientes, superdotados,
enfim, as pessoas ditas com necessidades
educativas especiais, tem se modificado,
porém, fala-se mais de inclusão hoje, mas
não se pode admitir que exclusão é algo que
passou, conforme afirmou Sassaki (1999,
p.31), como alguma situação que “ocorria”
6
na sociedade. Vê-se a enorme intenção
de incluir, mesmo na escola, mas se pensa
que nossa sociedade age de maneira ambígua e dupla, excluindo e incluindo ao
mesmo tempo.
Atualmente, debate-se sobre uma proposta de educação escolar inclusiva², que se
define por uma educação escolar, na mesma sala de aula, para todos os alunos, independentemente das diferenças que possam
apresentar. O texto oferecido é provocado
pela pesquisa que se realizou na PUCRS
(Selau, 2005), relacionada à questão dos
grupos em educação escolar inclusiva, no
contexto das Séries Iniciais do Ensino Fundamental. De acordo com estes estudos,
Os estudos indicam que a educação escolar inclusiva em
Educação Infantil e Séries Iniciais é possível, porém num
ambiente racionalmente estruturado, que se considera prérequisito para uma inclusão que quer ter sucesso.
A partir da pesquisa, notou-se que a presença de apenas
um professor em sala que tem aluno dito com necessidade
educativa especial deixava o trabalho docente exaustivo, o
que fazia com que suas operações produtivas fossem decaindo com o passar das horas, perdendo em motivação,
tanto professor quanto alunos. Mais de um professor seria
um auxiliar importante em educação escolar inclusiva. A
opinião vai ao encontro do pensamento de Hugo Bayer,
professor da Ufrgs, que, concordando com a idéia, chama-a
de Bidocência. Assim, um professor poderia conduzir o
grande grupo, e, dependendo da necessidade especial da
criança, outro poderia tutorar suas relações e aprendizagens, como se faz na Espanha.
Outro aspecto é a formação adequada dos professores.
E, para isto, um debate se apresenta: as instituições devem
propor a formação dos seus profissionais, ou os professores
devem procurar formação? Apesar de ainda não se ter resposta para o questionamento, acredita-se que não se pode
crer que sem formação o professor deve dar conta da tarefa de comandar uma turma com crianças que apresentam uma diversidade muito mais ampla daquela que teve
como formação.
Finalmente, uma educação escolar inclusiva que quer
ser positiva deve compreender a interação benéfica entre
professores, pais, coordenação, colegas de aula, formando
um conjunto preocupado com a educação escolar adequada
para todos.
Pelos grupos em educação escolar inclusiva
Neste estudo, entende-se por grupo uma situação de
interatividade de dois ou mais componentes, no mínimo,
uma criança considerada normal e uma dita com necessidade educativa especial. O significado do grupo no seu
papel de aproximação das pessoas parece estar de acordo
com a premissa de Vygotski (1997), que acreditava que as
aprendizagens que propiciam desenvolvimento se dão inicialmente entre as pessoas, para posteriormente acontecerem como processos internos individuais.
A educação escolar inclusiva não pode ser pensada
somente na colocação do aluno na sala de aula, mas se preocupar com que todos os alunos se envolvam, entre si e com
o professor. Os grupos têm papel fundamental porque se
efetivam em estratégias que produzem envolvimento entre
os participantes de uma turma.
A pesquisa mostrou que a maneira de distribuição da
turma na sala pôde influenciar para que os colegas estabelecessem, ou não, relações com os demais. A natureza da
tarefa (individual, competitiva ou cooperativa) esteve ligada a este fato, porém com menos intensidade do que influenciou a aproximação física das pessoas. Assim, a disposição das pessoas em grupos com quatro componentes
foi fator que facilitou a interação e a troca entre os alunos.
Para Vygotski (1997), a relação com o outro implica desenvolvimento, sendo possível se dizer que a diversidade em
educação escolar inclusiva enriquece, mas se ocorrer ação
e relação entre as pessoas.
Quando as crianças estavam dispostas em grupos, aconteceram várias situações de relacionamento: os componentes auxiliavam-se para a resolução de problemas, de tarefas, motivavam-se para o desenvolvimento das mesmas,
também para que as regras previamente definidas se fizessem valer, aconteciam intervenções de dúvida para com
os participantes, e tudo isto estava sendo vivenciado pela
criança dita com necessidade educativa especial. O fato de
7
setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
as crianças estarem em grupo auxiliava também na promoção de situações do convívio humano, em que as relações
possuem um papel único e fundamental. É importante dizer
que se viu que no grupo também ocorreram situações pelas
quais o aluno dito com necessidade educativa especial foi
muitas vezes deixado de lado, assim como aconteceram intervenções de explicações de tarefas ou retomada de combinações para com este que não tiveram sucesso, efetuadas
tanto pelo professor quanto pelos colegas de grupo.
Por uma educação escolar inclusiva afetiva
Crê-se que não é possível se falar de grupos em educação escolar inclusiva sem que se refira à questão da
afetividade. Os grupos são formados por pessoas. Pessoas
precisam de afeto, precisam do outro. Foi destacado pelas
professoras entrevistadas o valor da afetividade como
situação que deve ser ligada com o processo educativo, com
o fim de facilitar o trabalho de grupos, a aprendizagem, e,
inclusive, ressaltou-se que o professor também precisa de
afetividade, e que seu sentimento é determinante para o
bom desempenho de sua tarefa. Vygotski (1997) argumenta
que qualquer atividade pressupõe a presença de um estímulo afetivo, principalmente com crianças que tenham
atrasos mentais.
Afetividade pareceu uma necessidade de todos os alunos. O professor manifestava afeto, bem como os alunos, e
estes se demonstravam motivados para tal a partir do momento em que o docente aprovava a situação. O auxílio em
situações corriqueiras para com o aluno dito com necessidade educativa especial foi, muitas vezes, necessário,
tanto do professor quanto dos colegas, e representou uma
situação afetiva muito importante nos grupos.
Os relatos sobre o clima de trabalho entre os professores
apontaram que o ambiente de trabalho não é hostil, mas
poderia ser melhor, com mais momentos para que se estabelecessem trocas informais. Apareceu, ainda, o tema do
medo da demissão, sendo que este pode afetar o desem-
REVISTA TEXTUAL setembro 2005
8
penho docente. Segundo Mosquera e Stobäus (2003), o clima escolar pode influenciar o professor, e este os alunos,
mesmo que ele não se dê conta disto.
Os alunos ditos com necessidades educativas especiais
demonstraram precisar de amizade íntima. Entretanto, alguns dos colegas apresentavam uma certa aversão a ter
amizade com a aluna considerada com necessidade educativa especial, pois se percebeu, em alguns momentos, um
distanciamento por estar com a colega, além de se observar
situações em que os colegas a menosprezavam.
Afetividade também pode ser uma situação conflituosa
que ajuda educativamente, não podendo ser confundida
com hostilidade. Foi citado que afeto e conflito são situações humanas, e que ambas não podem ser negadas para o
aluno dito com necessidade educativa especial. Com isto,
afetividade parece estar ligada também à questão de limites.
Além disso, ficou demonstrado que, na medida em que o
aluno dito com necessidade educativa especial compreende, e tem capacidade de participar das regras das atividades,
ele deve ser cobrado para que as cumpra.
O brincar nos grupos
O brincar é atividade principal da criança. Não pode ser
considerado diferente em educação escolar inclusiva. Inicialmente se perceberam dificuldades entre as crianças no
momento do brincar, como: o aluno dito com necessidade
educativa especial não participava, pois os colegas, de tão
agradados que estavam com o seu brincar, não tinham intenção de mudar as regras para que ele pudesse ser incluído; as
crianças, em geral, procuravam mais os seus melhores amigos para brincar do que tentar inserir outros; o aluno dito
com necessidade educativa especial, muitas vezes, não tinha iniciativa para brincar com ninguém.
Convidar o colega para brincar pareceu um elemento
motivador, fundamental para o desenvolvimento da brincadeira em grupos. Professor e colegas convidavam o aluno
dito com necessidade educativa especial para brincar, e isto
foi positivo. Porém, apesar da boa influência do convite, nem sempre resultou em
sucesso, pois muitas vezes, a despeito do
convite do professor ou dos colegas, a criança não brincava.
Talvez o fato mais relevante nas observações do brincar coletivo foi a evidência
de que, independentemente das diferenças
que as crianças apresentavam, elas se envolviam numa mesma brincadeira. Assim,
em muitas aulas, se notou que o aluno dito
com necessidade educativa especial não
brincou sozinho em nenhum momento.
Entretanto, deve-se dizer que ficou evidente que os colegas de grupo também excluem durante o brincar. Isto foi percebido
quando o aluno dito com necessidade educativa especial não fazia bem a atividade e
era deixado de lado, ou quando os ditos normais desejavam praticar um jogo de rendimento com aqueles que eram considerados
melhores, sendo que os que não eram tão
bons ficavam de fora.
Percebeu-se também que, para que se
constatassem grupos no brincar, o professor apresentou papel de destaque. A tarefa
docente em educação escolar inclusiva
envolve também o cuidado para que se
desenvolvam atividades que contemplem
as diferenças.
De outra maneira, viu-se que o professor também pode ser excludente, principalmente quando organizava atividades
que não respeitavam as diferenças, ou
quando colocava a aluna considerada com
necessidade educativa especial a realizar
tarefas à parte, julgando que a estivesse incluindo.
Comentários finais
Salienta-se que o assunto da educação
escolar inclusiva merece grande atenção, pois parece que o tema ainda não é
tranqüilo.
Crê-se que, ao se optar pela proposta,
algo que deve ser inerente ao modelo pedagógico adotado em sala de aula é fazer
com que as pessoas possam se relacionar,
porque o fato de que estejam juntos alunos
considerados normais e alunos ditos com
necessidades educativas especiais não garante que troquem experiências.
Considera-se que a formação de grupos
entre as crianças para o trabalho pedagógico, e promover o brincar coletivo, é fundamental, inclusive para o desenvolvimento de relações afetivas entre alunos e
também professor.
9
setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
ENSAIO
ENSAIO
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
Resumo O presente ensaio resgata alguns conceitos como tempo livre, lazer e ócio,
relacionando-os com o estilo, a qualidade de vida e o potencial para o desenvolvimento
humano. Está baseado num aprofundado estudo bibliográfico e numa pesquisa de
campo realizada com aproximadamente 400 adultos de 30 a 60 anos, professores e
funcionários de uma instituição de ensino privado e católico. Os resultados apontam
para a realidade na qual os sujeitos pesquisados gostariam de ter mais tempo livre;
embora, quando o tem, não costumam diversificar muito suas práticas, prevalecendo a
realização de atividades típicas da intimidade do lar na busca do descanso e do entretenimento. Do ponto de vista da subjetividade, as experiências de ócio dos professores e funcionários participantes deste estudo se caracterizam basicamente pelo
desfrute e encontro interpessoal. Também confirmando a teoria, além destes atributos,
contata-se a presença da percepção de liberdade e da motivação.
1. INTRODUÇÃO
Parece-nos oportuno recordar um dos
princípios que nos acompanharam na realização deste trabalho: “Ora et labora”, cuja
autoria se atribui a São Benito (480-547
d.C.). Uma frase simples como esta representa antes de tudo o reconhecimento de
que não somos feitos somente para transformar a natureza, como se pensava nos primórdios do pensamento científico, ou para
10
trabalhar, como ainda se pensa, posto que a
vida nos convida também ao exercício da
contemplação e da autotransformação. Se
não cremos que existem outros verbos conjugáveis além de trabalhar, produzir, ensinar, controlar e possuir, será difícil compreender, valorizar e, principalmente, desfrutar
esta leitura.
Conhecendo algumas das concepções e
significados controvertidos que o ócio costuma ter no imaginário de cada um, sabemos que podemos encontrar em nosso meio
quem confunda ócio com ociosidade ou preguiça. Da mesma forma, não é difícil perceber que algumas pessoas sofrem de um
mal-estar, atualmente já reconhecido como
doença, a “enfermidade do tempo”, cujo sintoma tanto pode ser a sensação permanen-
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
1
ieda rhoden | doutora em ócio e potencial humano
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
te de que o tempo nunca é suficiente para o
que se deseja realizar, como também o desconforto ante o “vazio” do tempo livre quando ele existe.
Academicamente, encontramos tanto
conceitos que se contradizem como que se
complementam. O entendimento sociológico aponta para o sistema de organização do
trabalho e sua ideologia como o responsável pela realidade do tempo livre, do lazer e
do ócio na sociedade. Enquanto isso, a
Filosofia e a Psicologia sugerem múltiplas
possibilidades para o devir humano além
do trabalho e da família, como o são as experiências pessoais de ócio num tempo livre e pessoal.
No entanto, na cultura ocidental, a formação predominante esteve, e quem sabe
ainda está, centrada nos mercados de trabalho e de consumo. Não sabemos se o que
aprendemos sobre como viver bem é a melhor forma possível de se viver. Mas percebemos que não fomos educados para desfrutar o tempo livre através de experiências
de ócio, e algumas vezes estamos tão identificados ou envolvidos com nosso estilo de
vida, que já nem o questionamos. É nesta
direção que desenvolvemos este estudo, isto é, no intento de desvelar e valorizar um
âmbito da vida que merece e deveria – se
pensássemos em termos de saúde e qualidade de vida – ser mais e melhor vivido: o
ócio como experiência subjetiva e potencialmente construtiva.
2. CONCEITUALIZAÇÃO E
ESTADO DA QUESTÃO
O ócio é um fenômeno de natureza
humana quase tão antigo quanto sua
própria natureza. Entretanto, a evolução
social produziu modificações com respeito
à sua valorização e formas de manifestação.
Variáveis sociais, culturais e econômicas
têm tido um papel importante nestas mudanças. Encontramos na literatura muitas
concepções de ócio, que nem sempre se
opõem, mas revelam contextos históricos e
sociais diferentes, e, principalmente, distintas visões de homem.
Convém remarcar que a palavra ócio é
um termo adotado e aceito com mais força
na Espanha que em outros países. Estudar
o ócio implica, portanto, utilizar distintas denominações que podem ter ou não o mes-
mo significado, dependendo de quem o aplica e em que contexto. Neste estudo consideraremos sinônimas as palavras ócio, em espanhol; leisure, em inglês; loisir, em francês;
e lazer, em português, recordando que todas, exceto ócio, procedem do termo licere,
que em latim significa “ser permitido”, coincidindo, portanto, com uma das acepções do
ócio, quer dizer, o ócio como uma experiência permitida e que permite, seja o encontro,
o desfrute ou o desenvolvimento pessoal.
Em suas origens históricas, o ócio era
entendido pelos gregos como um tempo
desocupado, dedicado a si mesmo e vinculado à formação humana através da contemplação da sabedoria ou dos valores supremos: verdade, bondade e beleza. Desde aí
vem a palavra grega skolé, que mais tarde
deu origem ao termo escola. Esta contribuição histórica nos sugere uma primeira pergunta: seria o ócio uma experiência de autêntica aprendizagem?
Para os romanos, o ócio ou otium era um
tempo de não-trabalho com a finalidade de
restabelecer forças para o trabalho ou negotium, a negação do ócio. Ainda existe uma
diferença substancial entre o modelo de ócio
grego e o modelo de ócio romano: o primeiro
se apresenta como um fim em si mesmo, e
o segundo como um meio para alcançar
outro fim.
As três formas atuais de entendimento
do ócio mais reconhecidas no meio acadêmico e científico são:
A) o ócio como uma categoria de atividade que pressupõe algumas características pertinentes à própria atividade; em outras palavras, é a prática de uma particular
atividade (Horna, 1994), considerada social
e culturalmente como lazer ou recreação.
Por exemplo, o esporte, a arte, o turismo, as
festas, etc. Nesta concepção, o ócio se confunde com a atividade realizada, e qualquer
pessoa que esteja praticando futebol, pintando um quadro ou viajando, estaria teoricamente em situação de ócio. Este entendimento desconsidera o fato de que o indivíduo pode praticar estas atividades visando a
recompensas financeiras, ou o fato de que a
atividade pode gerar aborrecimento ou provocar danos à saúde.
B) o ócio como um espaço de tempo
na vida, separado e diferente do tempo de
trabalho ou do tempo comprometido com
outras obrigações (familiares, sociais, po11
ENSAIO
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
“Ócio se define como mais que um
conjunto de atividades, se define como
uma maneira de fazer e como uma
maneira de estar no tempo (...) o essencial do Ócio não o encontramos no
conteúdo da atividade, e sim na postura
com que esta se realiza (...)” (Trilla,
1984, p.24).
Entendemos, como Trilla e outros autores, que a dimensão pessoal é um fator determinante para a identificação e apreciação
de um ócio humanista ou construtivo, ainda
que reconheçamos que o indivíduo estabelece relações de interdependência e complementaridade com as condições sociais,
culturais e econômicas em que vive. Não
obstante, a concepção humanista de homem sustenta que o ser humano está potencialmente dotado de capacidades de superação e transformação de sua própria
realidade em direção à realização e autorealização (Maslow, 1976), desde que sejam
respeitadas as condições para uma vida
digna, na qual as necessidades básicas,
objetivas e subjetivas, estejam satisfeitas.
A partir deste referencial, chegamos a
um entendimento humanista e positivo do
ócio, tal como já propunha Aristótoles em
sua época, e mais recentemente retomado
por Huizinga (1987), Kriekemans (1973),
Csikszentmihalyi (1998) e Cuenca (2000).
Se compartirmos de um “dever ser” mais
humano e de uma sociedade mais íntegra,
estudar e valorizar as experiências pessoais
de ócio pode nos ajudar a renovar nossas
visões de homem e de mundo e aportar
novas formas de viver, evidentemente, com
mais qualidade humana. Neste sentido, a
idéia de um ócio construtivo é mais que um
espaço de tempo livre ou a realização de
uma atividade específica. O ócio entendido
assim é uma via de resgate do equilíbrio vital
já tão alterado pelo atual modus vivendi e
uma possibilidade de recuperação da dimensão humana, ética, social e ecológica
do cotidiano.
Neulinger (1984), primeiro autor a abordar o fenômeno a partir da Psicologia, define
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
12
complexidade, o estudo do ócio ainda permite que se faça uma leitura humanista do
tema, como intencionalmente fazemos neste trabalho.
Como disse Trilla acertadamente:
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
líticas, etc.). Nesta concepção, o ócio se
opõe ao trabalho e exige uma delimitação
temporal e espacial destinada à recreação,
entretenimento ou descanso. Para alguns
autores, qualquer tempo de não-trabalho é
um tempo de ócio. Para outros, é preciso
descontar os tempos utilizados nos deslocamentos, nas obrigações familiares e sociais e nos cuidados pessoais (higiene, saúde, etc.). Em qualquer destas concepções, o
ócio é sinônimo de tempo livre, portanto, define-se quantitativamente e caracteriza-se
por ter um começo, um meio e um fim estabelecidos cronologicamente e marcados pela não-obrigatoriedade e liberdade;
e finalmente
C) o ócio como uma experiência humana, de caráter pessoal e subjetivo, com
características psicológicas que a definem e
a diferenciam como fenômeno psicossocial.
Esta concepção não colide totalmente com
as apresentadas anteriormente, e sim complementa e amplia consideravelmente o entendimento do que é ou pode vir a ser o ócio.
O tempo disponível e as atividades realizadas são variáveis que intervêm na experiência, mas não a definem, nem a determinam.
Por exemplo, uma pessoa pode praticar
esporte ou alguma modalidade artística e
não estar em situação de ócio se o faz por
compromisso profissional ou sem experimentar determinadas sensações e sentimentos próprios de uma experiência de ócio.
Do mesmo modo, é possível estar em um
tempo de não-trabalho, como “estar em casa
assistindo à televisão” e não estar em situação de ócio construtivo, seja por associar-se
a um sentimento negativo como tédio ou
irritação, seja por não ter vontade de estar
fazendo exatamente isso. Além disso, uma
pessoa também pode vivenciar momentos
de liberdade e desfrute no trabalho ou no
cuidado dos filhos, de tal maneira que estes
momentos se configurem como autênticas
experiências de ócio.
É evidente que o ócio é um fenômeno
que pode ser entendido a partir de diferentes
disciplinas, como a Psicologia, a Pedagogia,
a Economia, etc., porém como objeto de
estudo se mostra propício a uma abordagem
transdisciplinar, na medida em que cada
uma das disciplinas oferece contribuições
importantes para a compreensão deste fenômeno e nenhuma delas pode dar conta
do fenômeno isoladamente. Apesar de sua
ENSAIO
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
o ócio como um “estado mental particular”
que se manifesta como um fenômeno psicossocial e de natureza subjetiva. Investigações dos últimos 20 anos (Argyle, 1987;
Csikszentmihalyi, 1988; Tinsley, 1988) confirmam a realidade fenomenológica do ócio,
seu caráter positivo e seus benefícios para a
qualidade de vida, para a promoção da saúde e para o desenvolvimento humano.
A vivência de ócio pode se dar no cotidiano ou em circunstâncias extraordinárias. Algumas vezes se traduz como “estados ótimos”, em que as capacidades humanas
atingem seus picos (Csikszentmihalyi, 1997;
Maslow, 1999), e, outras vezes, como estados de recuperação biopsicossocial (Argyle,
1987; Dumazedier, 1964; Mannell, 1980;
Neulinger, 1984; Tinsley, 1988). Como fenômeno psicológico, o ócio pode se manifestar em distintas idades, diferentes status socioeconômicos e distintas culturas. Entretanto, pode haver diferenças individuais
quanto aos atributos da experiência de ócio.
Isto significa dizer que, o que distingue a experiência de ócio de outro tipo de experiência humana, ou duas ou mais experiências de ócio entre si, são:
– as razões que a impulsionam (causas)
e as condições psicossociais nas quais
ocorrem;
– a vivência pessoal, isto é, os pensamentos, sensações, sentimentos e emoções implicados na experiência;
– os benefícios da experiência percebidos pelo próprio sujeito; e
– a extensão e profundidade da mesma.
Manell (1980) entende que a característica principal da experiência de ócio é a
implicação psicológica, e Tinsley (1986) afirma que a experiência pode variar “qualitativamente” quanto ao significado e “quantitativamente” em relação ao grau de intensidade ou potência. Muitos autores estão de
acordo com a idéia de que o ócio é uma experiência com características psicológicas
próprias, ainda que nem todos estejam de
acordo na identificação e descrição destas
características. A partir destas formulações
básicas da teoria do ócio, observamos que o
caráter subjetivo destas experiências exigia
que pensássemos nelas em termos qualitativos e que investigássemos algo mais que
a quantidade de horas dedicadas ao ócio e o
tipo de atividade realizada no tempo livre.
Percorrendo as referências disponíveis,
principalmente na Espanha e no Brasil, não
se encontram instrumentos adequados para
aprofundar o estudo das experiências pessoais de ócio, o que dificulta a confrontação
teórica e prática deste fenômeno em contextos latinos ou em realidades específicas
como a dos professores, por exemplo. Encontramos algumas ferramentas de avaliação do ócio de autoria norte-americana,
não traduzidas, nem validadas em outros
contextos, e que tão pouco permitem
um aprofundamento qualitativo do tema,
posto que são instrumentos de investigação com fundamentos metodológicos
quantitativos.
Por estas razões, desenvolvemos um
instrumento específico e mais flexível, que
nos permitisse penetrar no interior das experiências de ócio, a partir da percepção dos
próprios sujeitos, e extrair delas suas características ou qualidades psicológicas
essenciais. Nos referimos ao MICEO – Método de Identificação das Qualidades das
Experiências Pessoais de Ócio. O instrumento em questão não somente dá prioridade à dimensão subjetiva e psicológica do
ócio, como também parte de uma perspectiva positiva e humanista do fenômeno.
Assim sendo, passamos a considerar
como “qualidade” das experiências de ócio o
que se apresenta no campo cognitivo, sensorial e emocional dos sujeitos pesquisados
e espontaneamente atribuído à experiência
em si. Isto inclui as condições psicossociais
que a antecedem, os atributos que a caracterizam e os benefícios experimentados e
relatados pelos indivíduos como próprios da
experiência de ócio.
As condições prévias se referem aos
aspectos subjetivos ou concretos que geram
ou favorecem a experiência de ócio, isto é,
seus fatores causais. Os atributos aludem
aos pensamentos e sentimentos que ocorrem antes, durante ou depois da experiência
como conseqüência dela, isto é, a natureza
da experiência de ócio a partir da percepção
de seu protagonista. Os benefícios são as
conseqüências ou os resultados que a experiência proporciona ao sujeito, mesmo que,
ao começá-la, não estivesse buscando ou
colocando atenção sobre um provável benefício, como, por exemplo, o bem-estar, a melhora da saúde, a qualidade de vida ou o desenvolvimento pessoal. Todos os atributos e
benefícios se manifestam através de sen13
ENSAIO
14
zá-los, selecionamos os que pareciam ter
maior aceitação, além de alguma consistência e coerência do ponto de vista da Psicologia, ainda que não estivessem devidamente conceituados. Então, com a intenção de
facilitar a compreensão das experiências de
ócio, agrupamos algumas de suas qualidades ou atributos segundo suas interações
psicodinâmicas e seus possíveis efeitos
psicológicos sobre o sujeito protagonista
da experiência.
O resultado foi o destaque e aprofundamento teórico de 11 constructos ou conjunto
de qualidades: liberdade e percepção de
liberdade; motivação, significado intrínseco
e autotelismo; desfrute: estados afetivos e
emocionais positivos; desenvolvimento pessoal e auto-realização; relações interpessoais; descanso e relaxamento; ruptura, evasão e distração; ativação, desafio e esforço;
implicação psicológica e absorção; identidade, autoconceito e auto-expressão; e, finalmente, os estados introspectivos: o encontro consigo mesmo, com a natureza e com a
beleza. Na realidade, estes são os atributos
capazes de distinguir uma experiência de
outra quando o assunto é o ócio como experiência pessoal e construtiva, ou, em outras palavras, quando estivermos falando
do uso do tempo livre favorável a uma melhor qualidade de vida e ao desenvolvimento pessoal.
3. OBJETIVOS DO ESTUDO
Os objetivos deste estudo foram essencialmente:
n Provar empiricamente um instrumento desenvolvido para investigar qualitativamente os componentes subjetivos das experiências de lazer ou ócio: o Método de
Identificação das Qualidades das Experiências Pessoais de Ócio, e
n Diagnosticar o estado da questão do
ócio nas suas três concepções: tempo livre
de obrigações, atividades praticadas e qualidades das experiências pessoais de ócio
junto a professores e funcionários de uma
instituição de Ensino Superior.
Desde já anunciamos nosso particular
interesse em divulgar e discutir neste ensaio
os resultados relativos a este último objetivo:
o diagnóstico do lazer e do ócio de um contingente de professores e funcionários do
ensino privado.
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
Figura 1: Principais características sócio-demográficas da amostra
Sexo
Idade (anos)
Nível de
estudos
Origem
étnica
Ocupação
na universidade
Local de
residência
+
De 31 a 40
48%
De 41 a 50
34%
Médio
16%
Superior
14%
Docência
39%
Gestão
23%
Técnica
13%
Porto Alegre
39%
Vale dos Sinos
53%
Especialista
20%
Alemã
40%
Italiana
18%
Portuguesa
14%
Mestre
36%
Mista
20%
Doutor
14%
Outras
8%
55%
45%
De 51 a 60
18%
4. O MÉTODO
A pesquisa se desenvolveu apoiada na
triangulação metodológica, recebendo tratamento tanto qualitativo como quantitativo, dependendo dos objetivos de cada etapa. No estudo-piloto foi realizada uma extensa investigação teórica e uma aproximação empírica.
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
sações, sentimentos, emoções ou idéias derivadas e associadas às experiências de ócio.
Alguns autores se dedicaram à definição
e descrição do ócio como experiência pessoal, entre os quais se destacam: Iso-Ahola
(1980), Neulinger (1984), Tinsley e Tinsley
(1986), Shaw (1986), Mannell (1980), etc. A
maioria deles coincidem ao definir os principais atributos ou qualidades das experiências de ócio. Tinsley e Tinsley (1986) sugerem como principais qualidades do ócio a
absorção ou concentração no interior da
experiência; o foco fora do Self; os sentimentos de liberdade ou ausência de inibição; o
enriquecimento da percepção de objetos e
acontecimentos; o aumento da intensidade
das emoções; o aumento da sensibilidade
para com os sentimentos; e diminuição da
consciência do passar do tempo. Shaw
(1986) considera quatro fatores como determinantes no ócio: a percepção de liberdade,
a avaliação social (ou ausência desta), o
desfrute e a auto-expressão. Em um de seus
estudos, Shaw (1986) encontrou fatores
mais evidentes do significado conotativo do
ócio: o prazer, a percepção de liberdade e a
ausência de avaliação social, compreendendo que a presença da avaliação social é
importante na medida em que pode ser uma
barreira para a auto-expressão.
Observamos também que alguns estudos demonstram que a implicação e o desfrute no ócio estão relacionados com a percepção de competência (Csikszentmihalyi,
1997; Iso-Ahola, 1980), no sentido de que as
pessoas tendem a escolher atividades para
as quais se sentem capazes, e que quando
percebem que têm as habilidades requeridas experimentam sentimentos de controle
sobre si mesmas, de força, de liberdade, de
excitação, de sociabilidade e de prazer. Por
outro lado, se a atividade exigir muito mais
ou muito menos do que a pessoa é capaz, os
efeitos serão desastrosos. Do ponto de vista
psicológico, deve haver, portanto, um equilíbrio entre as exigências da experiência e as
capacidades do protagonista. Esta premissa
põe em relevo a necessidade das pessoas
se conhecerem e/ou serem conhecidas o
suficiente para que se proceda uma avaliação e adequação das atividades ou práticas enquanto opções de ócio.
De um leque de mais de 50 qualidades
ou atributos encontrados na literatura especializada, depois de identificá-los e organi-
ENSAIO
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
4.1 POPULAÇÃO E AMOSTRA
A pesquisa foi realizada numa instituição
de Ensino Superior, localizada na região
metropolitana do Rio Grande do Sul. Contamos com um total de 413 sujeitos voluntários de 30 a 60 anos de idade. Destes, 62
sujeitos tiveram participação na etapa-piloto
e 351, na etapa definitiva. A amostra final
contou com 351 sujeitos válidos ou 23% de
um universo de aproximadamente 1.400
pessoas adultas, vinculadas a uma universidade jesuíta na condição de professores
ou funcionários. A figura 1 detalha as características sócio-demográficas da amostra definitiva.
Administrativa
26%
Renda mensal
(R$)
Até 1.830
35%
1.831 a 3.675
23%
3.676 a 7.854
35%
Outras regiões
8%
mais de 7.854
7%
esta pesquisa a partir de modelos prévios
utilizados em outras investigações;
n Inventário de atividades de lazer/ócio
praticadas – elaborado especificamente para este estudo a partir de instrumentos utilizados em pesquisas anteriores sobre o
emprego do tempo livre e atividades de ócio
ou lazer;
n MICEO – relatos pessoais sobre as
experiências de ócio, instrumento qualitativo
desenvolvido ao longo deste estudo e testado na etapa definitiva da pesquisa;
n WHOQOL 100 – Questionário sobre a
Qualidade de Vida da Organização Mundial
de Saúde, instrumento internacional validado no RS por uma equipe de pesquisadores
da Ufrgs;
n Centralidade do Trabalho – instrumento sobre a importância do trabalho e outras
áreas da vida; ferramenta utilizada internacionalmente e validada para o Brasil por
uma equipe de pesquisadores da UnB.
Os referidos instrumentos foram aplicados no campus da universidade, em pequenos grupos, em duas sessões de aproximadamente uma hora de duração cada.
4.2 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS
Para a realização do estudo-piloto, fizemos Grupos Focais; aplicamos questionários sobre o tempo livre disponível e as atividades praticadas e solicitamos relatos sobre
as experiências pessoais de lazer ou de ócio.
Para a operacionalização da pesquisa
de campo em sua etapa definitiva, foram utilizados os seguintes instrumentos:
n Questionário de dados sócio-demográficos – elaborado especificamente para
esta pesquisa;
n Questionário sobre tempo livre de obrigações – elaborado especificamente para
4.3 TRATAMENTO DOS DADOS
Os dados receberam distintos tratamentos conforme os objetivos a serem alcançados. A partir do estudo-piloto, foi possível analisar qualitativamente os conteúdos dos
Grupos Focais e dos relatos pessoais e extrair daí elementos para definir e/ou adequar os instrumentos à realidade, bem como
proceder ajustes no MICEO.
Já no estudo definitivo, aplicamos técnicas de validação do instrumento desenvolvido, como, por exemplo, o julgamento
paralelo, com o qual cinco juízes analisaram
15
ENSAIO
paralelamente os relatos de 70 sujeitos escolhidos aleatoriamente entre os 351 da amostra. Ao final desta prova, observamos
que os coeficientes Kappa alcançados representavam níveis significativos de concordância entre os juízes. Com base em
Landis e Koch (1977), obtivemos índices de
concordância que variaram de moderado
(0,41 a 0,60) a substancial (0,61 a 0,80),
confirmando um bom grau de concordância
entre os juízes.
Além destes procedimentos, para conhecer a realidade no seu conjunto, foram
aplicadas ferramentas estatísticas descritivas, e, para verificar a existência de correlações entre variáveis, utilizamos estatísticas correlacionais.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 RESULTADOS SOBRE
A DISPONIBILIDADE DE TEMPO
LIVRE E A PRÁTICA DE ATIVIDADES
DE LAZER OU ÓCIO
A realidade em termos de tempo livre
de obrigações (qualquer atividade realizada
por obrigação ou senso de compromisso) na
percepção dos próprios sujeitos é de 3 horas
e 40 minutos em média por dia. Enquanto
isso, existe uma expectativa de poder contar
com aproximadamente 5 horas e 30 minutos
por dia livres de obrigações, além de dispor
de todos os sábados e domingos disponíveis. Evidentemente, os dados relativos
às expectativas chocam com a realidade
atual destes professores e funcionários, embora coincidam com os dados relativos ao
tempo livre disponível na população norteamericana.
Quanto ao período de férias, obtivemos
a informação de que o período efetivamente
gozado varia entre 11 e 20 dias por ano,
apesar da instituição à qual pertencem ga16
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
5.2 RESULTADOS SOBRE
AS ATIVIDADES PRATICADAS
NO TEMPO LIVRE
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
Este estudo, por sua extensão – quantidade de variáveis investigadas – e profundidade – conteúdo das informações coletadas –, possibilitou-nos uma gama de
reflexões e questionamentos que não caberiam neste ensaio. Aqui nos limitaremos a
apresentar e discutir algo dos resultados
relativos a realidades de tempo livre de obrigações, das atividades praticadas e das
qualidades subjetivas das experiências de
lazer ou ócio de nossa amostra.
rantir os 30 dias previstos pela legislação
trabalhista. As expectativas com respeito às
férias é de poder desfrutar de 21 a 30 dias ou
mais de férias por ano.
O tempo livre disponível para o ócio está
abaixo do que poderíamos esperar, considerando investigações anteriores realizadas
em outros países europeus ou norte-americanos. A conclusão que podemos extrair
destes dados é que ou as pessoas estão
bastante ocupadas ou se percebem
ocupadas. Assim mesmo, questionamos os
motivos de tanta ocupação: trata-se de uma
condição de vida determinada ou esta situação é conseqüência dos valores que determinam as prioridades de cada um?
De qualquer modo, percebe-se que as
mulheres, os doutores, os que recebem os
maiores salários e aqueles que realizam
outras atividades profissionais fora da instituição são os que apresentam menos tempo livre em comparação com os demais.
Especialmente para estas pessoas, mas
não só, o tempo para si mesmo é um bem
escasso e precioso na medida em que o
entendemos como um tempo vivido por decisão e vontade pessoal.
Está claro que a existência concreta de
um tempo livre cronológico não contempla
toda a complexidade da relação das pessoas com o tempo. Como bem nos recorda
Moreno (1994, p.94),“cada trabalhador produz mais coisas que não consome e consome mais coisas que não produz”. Este retrato sintético e atual do que estamos vivendo pode nos dar pistas para uma compreensão de por que as pessoas se percebem com
menos tempo do que gostariam, independentemente se por trás desta percepção
existem ou não elementos concretos que a
justificam. A pergunta que fica é: por que aceitamos ou escolhemos fazer tantas coisas
quando sabemos que nossa capacidade é limitada (está convencionado que um dia tem
24 horas, em qualquer lugar, época e para
todos)? Por que aceitamos ou escolhemos
fazer tantas coisas quando na realidade temos interesses específicos e prioritários que
não são atendidos ou facilitados por tudo o
que fazemos? Ou será que nos pensamos
onipresentes e ilimitados? Ou será que não
temos consciência de nossos reais interesses e prioridades e por isso nos deixamos
emaranhar de tal forma que tudo o que
fazemos consideramos de fato “necessário”?
ENSAIO
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
De 35 atividades ou grupos de atividades apresentadas no Inventário de Atividades de lazer/ócio, constatamos que as atividades habituais na vida destas pessoas,
professores e funcionários, são: ver televisão e vídeo; ler jornais e revistas; tomar chimarrão; navegar na internet e brincar com
crianças e/ou com animais de estimação.
Portanto, há um predomínio evidente de atividades que costumam ocorrer em ambientes interiores, que proporcionam entretenimento, evasão e recuperação de energias.
Este tipo de atividade parece ser apropriado para preencher o tempo livre sem
comprometer demasiadamente o corpo e a
mente. No caso específico do chimarrão, reconhecemos que pode favorecer também a
sociabilidade.
O que estes dados nos sugerem é que a
qualidade do lazer ou ócio destes professores está deixando a desejar em termos de
diversidade e riqueza de experiências, na
medida em que suas práticas mais freqüentes são aquelas que servem para um refazer
mínimo das energias e disposição para a
próxima jornada. Não estamos com isso negando o valor da recuperação da homeostase, apenas delatando que o equilíbrio
não se associa necessariamente com a mudança e o crescimento pessoal. Atividades
propícias ao descanso podem também servir para manter as pessoas iguais a como
eram no início do dia, da semana ou do mês.
Em termos de atividades físicas, as habitualmente praticadas costumam estar relacionadas com os cuidados para com a saúde e/ou com a imagem corporal: caminhar,
musculação, exercícios aeróbicos e de alongamento. Também são praticadas algumas
atividades que implicam deslocamentos, e
entre estas se destacam: as visitas a familiares ou amigos, ir ao cinema e as pequenas viagens de fim de semana rumo à praia
ou serra. Estas atividades servem tanto ao
propósito de romper com a rotina, como também para promover as relações humanas e
o desenvolvimento pessoal.
O predomínio da prática de atividades de
entretenimento e recuperação de forças pode significar a expressão de uma necessidade ou um imperativo de saúde para esta
população, além de revelar um estilo de vida
no mínimo questionável quanto ao seu conteúdo humano e social. Neste sentido, cabe
destacar que de 80% a 93% dos professores
e funcionários pesquisados não praticam:
relaxamento; atividades de autoconhecimento; expressão da criatividade e das habilidades artísticas; participação em grupos
amadores; associações; voluntariado; esportes de aventura e de equipe. Percebemos que as atividades menos praticadas
são aquelas que exigem mais implicação
pessoal e investimento de tempo. A rigor, as
possibilidades de experimentar um ócio
construtivo se vêem restringidas pela pouca
diversidade e pobreza de conteúdo das atividades mais praticadas.
5.3 SOBRE OS NÍVEIS DE SATISFAÇÃO
COM AS ATIVIDADES PRATICADAS
Curiosamente são as atividades mais
praticadas pelos sujeitos pesquisados (as
de entretenimento ou recuperação de energia) as que proporcionam os índices mais
baixos de satisfação na percepção dos próprios sujeitos, enquanto que as atividades
menos praticadas foram as que proporcionaram a seus praticantes os maiores índices de satisfação. Algo parece empurrar estes sujeitos em direção à prática de atividades mais cômodas, que servem para descansar o corpo e a mente. Esta pode ser a
manifestação de uma tendência, já identificada pela Psicologia Social, que é a tendência à repetição de atividades como se
fossem rituais em busca de uma sensação
de equilíbrio e numa tentativa de eliminar as
ansiedades e inseguranças típicas do cotidiano na contemporaneidade.
Os resultados gerais de tempo livre disponível e atividades praticadas nos remetem para o fenômeno do “paradoxo do ócio”:
as pessoas dizem que não dispõem de tempo livre ou tempo para si mesmas, e quando o têm não sabem bem a melhor forma
de utilizá-lo.
5.4 RESULTADOS SOBRE AS
EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DE ÓCIO
Neste tópico gostaríamos de recordar
que estamos trabalhando com um conceito
de ócio que pressupõe uma experiência
pessoal e subjetiva, mais ou menos enri17
Figura 2-Teste para a comparação dos resultados do WHOQOL de acordo com a classificação do relato
Média
EO
Desvio padrão
Média
EOC
Desvio padrão
t.
Valor de p
Facetas
Qualidade de Vida em geral
Atividade sexual
Atividades da vida cotidiana
Auto-estima
Energia e fadiga
Participação / oportunidades de ócio
Relações sociais
Segurança física e proteção
Sentimentos negativos
Sentimentos positivos
Domínios
Ambiente
Físico
Nível de independência
Psicológico
Relações sociais
15,20
14,83
15,35
15,29
13,83
12,48
15,85
11,95
11,18
14,89
2,45
3,10
2,43
2,38
2,71
2,99
2,14
2,22
2,95
2,32
13,26
13,09
14,13
14,09
12,43
10,38
14,72
11,19
12,60
13,00
2,91
3,46
2,61
2,82
3,06
2,74
2,54
2,21
3,03
1,82
3,25
2,16
3,27
3,03
5,36
4,92
3,49
4,54
3,19
3,16
0,00**
0,03*
0,00**
0,00**
0,00**
0,00**
0,00**
0,00**
0,00**
0,00**
13,98
13,68
16,42
14,66
15,26
1,62
2,26
1,99
1,96
1,99
13,44
12,66
15,59
13,50
14,10
1,63
2,13
2,17
1,92
2,34
2,14
2,92
2,64
3,79
3,65
0.03*
0,00**
0,00**
0,01**
0,03*
* Diferença significativa entre grupos ao nível de 5%
18
** Diferença significativa entre grupos ao nível de 1%
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
de dependência e menor qualidade em suas
relações humanas).
A qualidade geral do ócio ou a boa relação com este aspecto da vida aparece refletida na qualidade de vida. As pessoas que
apresentaram alguma dificuldade com respeito ao ócio alcançaram menores índices de
“qualidade de vida” como mostra a figura 2.
Como os relatos dos sujeitos versavam
sobre dois tipos de experiências de ócio
distintas – as experiências memoráveis e as
cotidianas –, foi possível observar que as
experiências de ócio memoráveis se apresentaram mais intensas e ricas e se diferenciaram pela presença de mais desafio/exigência, desenvolvimento pessoal, liberdade, apreciação estética e fusão com o
ambiente natural ou cultural.
Enquanto isso, as experiências significativas de ócio no cotidiano apresentaram
mais os atributos descanso e intimidade,
sendo que geralmente apareceram associadas à prática de atividades de sociabilidade e entretenimento (atividades em casa).
Um “novo” problema que identificamos é
a possibilidade do sujeito protagonista da
experiência de ócio entrar em contradição
com as necessidades de evasão e descanso, já que ao repetir este tipo de ócio se corre o risco de automatizar o comportamento
e desprovê-lo de singularidade, fazendo
do tempo livre um tempo condicionado,
ou, em outras palavras, transformando o
ócio em rotina.
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
quecida de atributos psicológicos e psicossociais. Para acessarmos estes atributos
aplicamos o MICEO – Método de Identificação das Qualidades das Experiências Pessoais de Ócio –, através do qual solicitamos
a cada um dos participantes da pesquisa
dois relatos pessoais: um sobre a experiência de ócio/lazer mais memorável de
sua vida adulta e outro sobre a experiência de ócio/lazer mais significativa no
seu cotidiano.
A primeira descoberta importante com
que nos deparamos se refere ao fato de que
as pessoas admitiram estabelecer relações
diferenciadas com o ócio, lazer ou tempo
livre. Isto nos permitiu classificar os relatos
pessoais quanto à facilidade ou dificuldade
com que as pessoas se relacionam com o
ócio, resultando na formação de dois grupos
representativos:
– os sujeitos cujos relatos de experiências não aparentavam dificuldades em relação ao ócio ou lazer, o qual denominamos os
EO – Experiência de Ócio –, e
– os sujeitos que expressaram explicitamente ter dificuldades com o ócio, os EOC –
Experiências de Ócio com Conflito –
(13,4%). Exemplos de dificuldades relatadas foram: sentimentos de culpa, ansiedade
ou desprezo frente a situações de lazer,
tempo livre ou ócio. Estes apresentaram
médias significativamente inferiores em
aspectos da qualidade de vida (dimensão
física, psicológica e ambiental; maior nível
Qualidade de Vida
ENSAIO
ENSAIO
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
Em termos gerais, o MICEO permitiu
identificar nos relatos sobre experiências de
ócio as seguintes qualidades subjetivas:
desfrute (73,5%), encontro interpessoal
(52%), desenvolvimento pessoal (34%), motivação ou significado intrínseco (32%), liberdade (32%) e desafio/exigência (29,5%).
A presença de desenvolvimento pessoal
em um terço da amostra confirma teorias de
fundo humanista e representa um potencial
a ser explorado por estes sujeitos.
A qualidade do desafio/exigência não
está presente na maioria das experiências
de ócio, porém o desfrute sim. Este dado
sugere que a presença de desafio pode ser
uma condição sine qua non para uma experiência ótima ou pico, como propõe a teoria, mas não necessariamente para caracterizar uma experiência de ócio do cotidiano. A presença de outras qualidades, como o
relaxamento ou descanso, a apreciação
estética, a ruptura e a absorção, sugere que
outros tipos de experiências constituem o
ócio das pessoas que não reconhecem a
presença de desafio ou algum grau de exigência em sua experiência de ócio.
De qualquer forma, é inegável que o ócio
desta amostra está “empapado” do atributo
descanso. Descansar, além de uma experiência prazerosa, serve para estas pessoas
como mecanismo de restauração de um
certo equilíbrio e de manutenção da saúde.
O MICEO não nos permite avaliar a qualidade do descanso destes sujeitos quando
o ócio se mostra caracterizado principalmente por este atributo, mas somos levados
a questionar a qualidade deste “descanso”
especialmente se este for impulsionado
pelos intensos ritmos de trabalho.
Mais uma característica da maioria das
experiências de ócio relatadas é a ausência
da qualidade da absorção. Este dado aponta
para a tendência a um estilo de lazer/ócio
que não chega a comportar mudanças pessoais importantes, ou dito de outra forma,
um ócio que não se caracteriza pela implicação psicológica (atenção concentrada,
esquecimento do próprio Eu, perda da noção de tempo, etc.) e que provavelmente
diz respeito a uma gama de experiências
mais superficiais.
Outro resultado interessante foi o fato de
que as qualidades identificadas pelo MICEO
apresentaram uma relação direta com as
médias de “qualidade de vida” em algumas
das facetas e domínios analisados pelo
19
WHOQOL, conforme pode-se observar na
figura 3.
Estes dados evidenciam o poder do
atributo “descanso/relaxamento” como forma de repor energia e restaurar o equilíbrio
psicológico ou físico (Fontcuberta, 1976;
Saint-Arnaud, 2002; Dumazedier, 1964).
Percebemos como uma experiência de
ócio pode diferenciar-se qualitativamente de
outra. E isso explica por que um ócio pode
exigir pouco física ou psicologicamente. Um
exemplo seria o “deitar-se num sofá e ver um
programa qualquer de televisão”. Trata-se de
uma experiência que não causa o mesmo
impacto nos níveis de “qualidade de vida”
que um ócio que desafia ou exige algum
esforço, seja físico, intelectual ou emocional.
Os resultados confirmam que, na
presença do atributo encontro interpessoal
no ócio cotidiano, observa-se uma maior
satisfação com as relações sociais,
confirmando que o ócio é uma fonte de
desenvolvimento da sociabilidade e do bemestar no campo afetivo (Tinsley, 1986; Ar-
6. CONCLUSÕES
Social
Físico
Ambiente
Nível de
independência
Qualidade de
vida geral
Atributo de ócio
Descanso
N
Média
Desvio
padrão
N
Média
174
14,43
1,99
130
14,97
1,89
Absorção
Desafio/exigência
249
15,38
1,95
55
14,75
2,09
272
13,58
2,27
32
14,58
1,93
Desenvolvimento pessoal
254
13,89
1,61
50
14,44
1,62
Desafio/exigência
Plenitude
Descanso
Desafio/exigência
272
13,89
1,58
32
14,79
1,77
275
16,51
1,98
29
15,66
1,94
173
14,94
2,59
130
15,56
2,21
271
15,10
2,46
32
16,13
2,20
t.
Valor
de p
2,38
2,13
2,40
2,25
3,01
0,02*
2,20
2,21
2,26
0,03*
0,02*
0,03*
0,00**
0,03*
0,03*
0,02*
Facetas:
Desafio/exigência
Energía vital
Sono e
repouso
Sentimentos
positivos
Capacidade
para aprender
e concentrar-se
Ruptura
Descanso
Oportunidades
adquirir novos
conhecimentos
e habilidades
Oportunidades
participar ócio
Relações
sociais
Ruptura
32
15,09
1,87
245 14,79
3,62
59
15,85
3,22
174 14,66
2,38
130
15,21
2,20
245 14,78
2,51
59
15,52
1,97
174 15,04
2,36
130
15,64
2,37
245 15,16
2,38
59
15,86
2,30
2,06
2,19
2,11
104 15,70
2,31
200
14,91
2,19
2,94
0,01*
*
0,04*
0,04*
0,03*
0,03*
0,04*
Desfrute
Desafio/exigência
Encontro
interpessoal
Descanso
Absorção
* Diferença significativa entre grupos ao nível de 5%
20
2,76
Ruptura
Descanso
Auto-estima
272 13,68
2,8
3
2,06
2,05
272 12,35
2,97
32
13,63
2,88
161 15,60
2,18
143
16,13
2,07
174 15,62
249 15,97
2,22
2,09
130
55
16,15
15,29
2,01
2,33
** Diferença significativa entre grupos ao nível de 1%
0,00**
0,02*
2,17
2,14
2,15
0,03*
0,03*
0,03*
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Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
Domínios:
Psicológico
Presente
Desvio
padrão
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España: Alianza
Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005
MICEO
sim experimentar um ócio caracterizado pela máxima riqueza de qualidades subjetivas
possíveis em função da personalidade, da atividade escolhida, da duração da experiência e das circunstâncias sociais onde ela se
insere. Entendemos, pois, que é imprescindível que a experiência não seja impulsiva nem
condicionada por fatores psicossociais, mas
que seja fruto do exercício da consciência de
si e de uma visão crítica da realidade.
Bibliografia
Através do MICEO identificamos, entre
muitas qualidades distintas de lazer ou de
ócio, experiências de ócio construtivo, isto é,
experiências ricas em qualidades psicossociais que promovem a pessoa, a família ou a
comunidade dentro de uma ética humanista.
Observamos também que determinadas
qualidades quando presentes no ócio
podem contribuir para melhorar a qualidade
de vida; ou seja, um ócio de qualidade
favorece uma vida com mais qualidade.
Neste sentido, as experiências de relaxa-
Ausente
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
mento ou descanso presentes no ócio cotidiano, assim como as de desafio no ócio memorável, são as que se destacam quanto à
sua relação com aspectos da qualidade de
vida destes sujeitos.
Pensamos que o caráter humanista do
ócio reside na maneira como a pessoa vive e
percebe cada momento de seu ócio. O ideal
de um ócio construtivo não é possuir atributos específicos, nem mais intensidade, e
gyle, 1992; Dumazedier, 1964; Iso-Ahola,
1979; Cuenca, 2000). Estes dados concordam com investigações anteriores que revelaram que a oportunidade de conhecer ou
aprofundar relações com pessoas, sejam
amigos(as) ou familiares, é uma das principais fontes de estados de ânimo positivos
e de felicidade (Handerson, Argyle e Furnham, 1984, em Argyle, 1992).
Figura 3 – Teste para a comparação dos resultados do WHOQOL de acordo com a
presença/ausência dos atributos do MICEO no ócio cotidiano
WHOQOL
ENSAIO
ENSAIO
A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida
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21
o professor e o mundo da escola
podem utilizar os avanços tecnológicos e os meios
informáticos no ambiente de trabalho para monitorar e vigiar seus empregados sem ferir o direito à intimidade e à liberdade de comunicação
destes. O que está em jogo aqui é a evidente
antinomia – colisão de direitos – entre o poder
fiscalizador do empregador garantido pelo art. 2º
da CLT e os direitos fundamentais do trabalhador
garantidos pelo art. 5º da C.F./88.
Monitoramento e vigilância
eletrônica do trabalho
:: luciane lourdes webber toss1 | advogada
2. Possibilidades de controle
Não alheias às novas
1. Meios de monitoramento e vigilância
Uma pesquisa realizada em 1998 na New York
American Management Association revelava que
35% das empresas americanas monitoravam seus
trabalhadores através de chamadas telefônicas, de
arquivos eletrônicos em seus computadores, de
seus e-mails ou videotapes do trabalho. Destas
empresas, 23% não informavam aos seus empregados a respeito da vigilância. Até 2000, este
índice pulou para 73,5%. No Brasil, pesquisas
realizadas em 2002, pela Symantec, apontaram
para um percentual de 75% de empresas que
monitoram e vigiam acessos à internet no ambiente de trabalho (Locks, 2004), sem o conhecimento de seus empregados.
Aliadas ao monitoramento informático de email e internet, as câmeras de vídeo, máquinas
fotográficas e gravações de conversas têm sido
utilizadas para controle e vigilância não só do
trabalho, mas de todas as atividades/posturas do
empregado no local de trabalho.
Alguns empregadores alegam má utilização
dos equipamentos de informática, sobretudo emails e internet, por seus empregados; outros alegam furtos, mau comportamento e baixa produção. Percebe-se que o trabalhador pode ser monitorado em todos os momentos em que permanecer
nas dependências de seu local de trabalho, independentemente do horário de sua atividade. Com
o computador, as câmeras de vídeo, as máquinas
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 22
possibilidades tecnológicas,
as instituições de ensino
começam a adotar, agora
explicitamente, meios de
monitoramento e fiscalização
do trabalho dos professores
fotográficas e os gravadores, o empregador pode
obter relatórios, não só do trabalho exercido, mas
também de como se comportam os empregados
no horário em que se encontravam no local de trabalho, seja no escritório, seja na sala de aula, no
laboratório, na sala de professores, refeitório, produção, enfim, em todos os lugares.
Não alheias às novas possibilidades tecnológicas, as instituições de ensino começam a adotar, agora explicitamente, meios de monitoramento e fiscalização do trabalho dos professores.
Os meios de controle mais freqüentes são o email, os programas de computador, sobretudo no
Ensino Superior, que pressupõem senhas específicas para acessos a bancos de dados que viabilizam monitorar o que o professor está acessando,
1
Advogada,
especialista em
Direito Privado pela
Unisinos e em
Direito Público,
pela Universidad
de Burgos –
Espanha,
mestranda em
Ciências Sociais
Aplicadas na
Unisinos e
assessora jurídica
do Sinpro/RS.
câmeras de vídeo, não só nas salas de aula, mas
nas salas dos professores, cantina, corredores e
demais dependências da escola, e máquinas
fotográficas – incluindo aqui as acopladas às cancelas dos estacionamentos. Cabe lembrar que
muitos destes aparatos já são há muito utilizados
pelas instituições, sob o argumento não menos legítimo, mas genérico, da segurança interna de
professores e alunos.
Resta saber até que ponto os empregadores
Do modelo fordista aos meios tecnoinformáticos da atualidade, o trabalho sempre foi monitorado e vigiado. Este olhar, antes visível e explícito através das portas ou paredes de vidro comuns nas instituições de ensino, tornou-se, a distância, impessoal e, portanto, passível de ser esquecido, mas é internalizado pelo empregado. A
constância no monitoramento e vigilância torna
qualquer ação do empregado a priori passível de
ser considerada um ato ilícito (Locks, 2004).
Convém observar, também, que o ônus do monitoramento acaba recaindo sobre a pessoa monitorada. Em outras palavras, diante de fatos ambíguos registrados por uma câmera ou lançados
em um registro de banco de dados, cabe ao monitorado provar sua inocência e demonstrar o contrário, correndo o risco de sofrer condenações
equivocadas e julgamentos de valores injustos,
sem sequer ter a certeza de que poderá liquidar,
definitivamente, todas as dúvidas a respeito de
tais fatos (Leonardi, 2004).
A legislação brasileira concede ao empregador
o poder diretivo, regulamentar, fiscalizador e disciplinar. Isso garante um conjunto de prerrogativas jurídicas no exercício do poder de mando do
empregador para o controle tanto da atividade laboral quanto do local de trabalho – é o chamado
controle empresarial. Obviamente, tal poder, exercido na relação de trabalho, é limitado sobretudo pela Constituição Federal, que veda quaisquer atitudes e atividades que agridam a liberdade
23 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
O empregado deve estar
consciente do caráter não
sigiloso de suas comunicações
no local de trabalho. A instituição
de ensino deve advertir seus
professores de que todas as
mensagens, inclusive as pessoais,
estão disponíveis para o
conhecimento do empregador.
Mas, o monitoramento legitima-se
na medida em que existem indícios
de má utilização, caso contrário,
ele é injustificado e condenável
e a dignidade do trabalhador (Delgado, 2005).
É dizer, o exercício do poder diretivo e fiscalizador do
empregador não pode servir em nenhum momento para a
produção de resultados inconstitucionais, lesivos dos direitos fundamentais do trabalhador, nem à sanção do exercício legítimo de tais direitos por parte daqueles. Na relação de trabalho devem ser respeitados os preceitos do art.
5º, X da C.F. – direito à intimidade, à vida privada, à honra
e à imagem. O contrato de trabalho não pode suportar, por
si mesmo, a renúncia destes direitos e sua restrição por
parte do empregador; deve ser objeto de justificação moral
e legal (Paiva, 2004).
Cabe lembrar que ao empregador é permitida a inserção, para exercício de seu poder legal de fiscalização no
local de trabalho, de meios, equipamentos e aparatos que
possibilitem este exercício. Mas, esta fiscalização não
pode ser exaustiva e injustificada.
A liberdade do empregador supõe o poder de decisão
sobre a estrutura e funcionamento da empresa ou da instituição. Quer dizer, sobre a disponibilidade dos meios de
produção e a direção da prestação de trabalho do pessoal
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 24
contratado de acordo com as condições pactuadas no
contrato de trabalho.
Mas há de considerar que os contratos de trabalho são
baseados em princípios como o da boa-fé e da diligência
profissional. O a priori da relação de emprego é o de que o
empregado cumprirá, zelosamente, os compromissos que
assumiu quando os firmou com o empregador. Não pode
o empregador partir do pressuposto de que tais atividades
serão negligenciadas pelo empregado (Rossal, 1996). Considerando isto, a autonomia organizativa do empresário
não é, e nem pode ser, ilimitada.
Consideremos dois exemplos: o caso da violação dos emails e o da instalação de câmeras de vídeo nas salas de aula.
O correio eletrônico, proporcionado pela empresa/instituição de ensino, em regra, é destinado ao uso profissional, como uma espécie de ferramenta de trabalho de propriedade da empresa, não podendo o empregado, a princípio, utilizá-lo para fins particulares. Em regra e a princípio,
porque o empregado deve ser comunicado formalmente a
respeito da restrição na utilização do e-mail. Valendo a
mesma regra para os acessos à internet pela conexão do
local de trabalho. Há um princípio de publicidade que limita a ação do empregador. Este princípio é prévio ao
poder fiscalizador do empregador.
O empregado deve estar consciente do caráter não
sigiloso de suas comunicações no local de trabalho. A
empresa/instituição de ensino deve advertir seus trabalhadores/professores de que todas as mensagens, de qualquer natureza, inclusive as pessoais, estão disponíveis para
o conhecimento do empregador. Bem como a utilização da
internet. Isso porque é razoável que o empregador monitore os acessos para evitar a má utilização, e até abuso, do
equipamento e das ferramentas de trabalho. Mas, o monitoramento legitima-se na medida em que existem indícios
de má utilização, caso contrário, ele é injustificado e,
portanto, condenável (Vargas, 2002).
Esses indícios devem ser baseados em critérios objetivos, como, por exemplo, a freqüência no número de
comunicações de caráter pessoal, ou o título próprio das
mensagens, no caso do correio eletrônico. Nesses casos, se
o empresário tiver um indício objetivo de que está sendo
produzida uma situação de abuso, deverá ser permitido o
controle, estabelecendo o mínimo de garantias exigíveis
por parte do trabalhador a respeito de seus direitos, como
informar ao representante de empregados, ao sindicato
profissional ou a um terceiro medidor a respeito da
fiscalização (Paiva, 2004).
A empresa/instituição de ensino detêm a faculdade de
controle, tanto em relação ao correio eletrônico quanto à
conexão à internet, desde que ambos sejam efetivamente
fornecidos pelo empregador, ressalvando-se assim a conta
pessoal do correio eletrônico, mesmo que acessada do
local de trabalho. Tal faculdade pode se legitimar, desde
que se comprove que a fiscalização do correio eletrônico
serviu para o fim a que se destinava – provar algumas ilicitudes ou desídia do empregado, sem maiores intervenções que pudessem revestir-se de ilegalidade e lesão a direitos do empregado. O simples fato de ser um correio eletrônico proporcionado pela empresa, uma ferramenta de
trabalho, não deve ser suficiente para permitir a interceptação do mesmo de forma arbitrária pelo empregador, sob
pena de ser considerada lesiva aos direitos fundamentais
do trabalhador (Paiva, 2004).
Quando um empregador instala um aparato de monitoramento e vigilância, ele está obrigado a captar somente
informações que tenham relação direta com o trabalho.
Qualquer captação de informações da vida privada das
pessoas envolvidas caracteriza a invasão da privacidade e
da intimidade. Isto serve tanto para câmeras de vídeo quanto para gravações em tape, máquinas fotográficas e controle de chamadas telefônicas.
O caso da câmera de vídeo em sala de aula é, todavia,
mais complexo e, por conseqüência, a restrição à sua
utilização é ainda maior. A câmera de vídeo captará imagens das ações dos professores e dos alunos. Se ela permanecer ligada durante os intervalos, captará, inclusive, o
momento de recreação dos alunos. Se ela estiver posicionada na sala dos professores, obterá imagens da relação
existente entre os profissionais. Se ela estiver nos corredores, toda movimentação será apreendida em imagens. O
limite entre o que é trabalho e o que é intimidade é tênue
nas relações que se dão dentro de uma instituição de ensino. Não raras vezes há manifestações de carinho e afeto,
por exemplo, que, se deslocadas do contexto original, podem suscitar equivocadas interpretações.
A regra da justificativa legal, moral e legítima serve
também para câmeras de vídeo em sala de aula. Deve o empregador dizer por que quer instalá-las, por que quer monitorar e vigiar alunos e professores e, sobretudo, como vai
utilizar as imagens captadas. Estas informações devem ser
difundidas tanto ao corpo docente quanto ao corpo discente. Em se tratando de crianças e adolescentes, é necessário o
conhecimento dos responsáveis legais.
Qualquer punição a professores e alunos obtida através
25 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
de captação de imagens sem o conhecimento dos mesmos, equivale, para associarmos um paradigma, à quebra
de sigilo telefônico. Só à guisa de exemplificação, quando o Estado ou a iniciativa privada instalam em espaços
públicos ou privados câmeras de vídeo, tomam o cuidado
de publicizar o ato e ainda fixar placas com a mensagem
“você está sendo filmado”. No caso do contrato de trabalho, além de público, o ato deve ser justificado.
Deve ser justificado caso a caso. Não basta, no momento da contratação do empregado, um aviso ou autorização genérica. O contrato de trabalho também considera a hipossuficiência do empregado, ou seja, sua impossibilidade material de negociar determinadas condições.
O contrato de trabalho é um contrato de adesão. A generalidade da autorização não significa que foram cumpridos os requisitos de publicidade e de justificação para utilização de meios de controle, monitoramento e vigilância.
No princípio da proporcionalidade entre os direitos do
empregador – de fiscalização e vigilância – e os direitos
do professor e dos alunos – à intimidade, à vida privada, à
liberdade de expressão e comunicação e à imagem–, temos que estes, por serem garantias constitucionais, direitos fundamentais, devem ser preservados em sua plenitude. É dizer, quando há risco de violação, deve-se optar pela não-inserção das câmeras de vídeo. Na ausência de
pressupostos legais específicos, aos direitos fundamentais
é atribuída uma posição superior aos direitos celetizados.
Em alguns países europeus – como a Espanha, por
exemplo – a inserção de câmeras de vídeo, máquinas
fotográficas e gravadores no local de trabalho depende de
autorização de uma comissão composta por sindicato de
empregados, empregador e um membro do Judiciário.
Dessa forma, para que o empregador controle determinado empregado, deve justificar suas razões e motivos,
e obter autorização formal para tanto. Caso contrário,
qualquer penalidade ao empregado proveniente de vigilância não autorizada reverte-se em indenização ao trabalhador (Velasco, 2002).
Portanto, pela legislação atual, para inserir meios de
controle, monitoramento e vigilância no local de trabalho
são recomendáveis dois requisitos preliminares: o da publicidade do ato e a justificativa para fazê-lo.
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 26
3. A negociação coletiva e seu
caráter normativo
As questões voltadas à inserção de meios eletrônicos de
controle do trabalho estão sendo levadas à Justiça do
Trabalho, sobretudo no que diz respeito ao poder punitivo
do empregador. É crescente o número de demissões por
justa causa que utilizam como prova de fundamentação a
quebra do sigilo de correspondência eletrônica, fiscalização de acessos à internet, gravações em tape e imagens
em câmeras de vídeo. No silêncio legal, em relação à
especificidade, o Judiciário muitas vezes olvida-se do fato
de que gravar imagens ou sons, bem como violar correspondência privada, sem autorização judicial, são meios
ilícitos de obtenção de prova.
A adoção de medidas de controle e vigilância pode ser
estabelecida através de negociação entre empregadores e
empregados. A especificidade normativa pode vir com as
negociações coletivas. Para viabilizar a inserção destes
aparatos, preservando tanto o direito de empregadores
quanto o de empregados, é imprescindível que seja estabelecida uma clara política por parte da empresa/instituição
de ensino a respeito. Tais medidas devem ser publicizadas
ou normatizadas, por exemplo, por intermédio da
Convenção Coletiva de Trabalho, ou através da formação de
uma comissão paritária entre sindicatos profissionais e
sindicatos econômicos.
Somente a transparência pode garantir que seja mantido
o direito do empregador – direção, vigilância, regulamentação e punição – e os direitos fundamentais dos
empregados – intimidade, comunicação, liberdade de
expressão, imagem.
Referências bibliográficas
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2005.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
LEONARDI, Marcel. “Vigilância tecnológica, bancos de dados, internet e privacidade”. Em:
www.jusnavegandi.com.br, acessado em julho de 2005.
LOCKS, Eliane Conceição Santos. Tecnologias de monitoramento e vigilância eletrônica no mundo do trabalho.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2004.
PAIVA, Mário Antônio Lobato da. “E-mail e invasão de privacidade”. Acórdão do tribunal Regional do Trabalho da
2ª Região. Em: www1.jus.com.Br/doutrina/texto.asp/id=3137, acessado em julho de 2005.
ROSSAL de ARAÚJO, Francisco. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996.
VARGAS, Luiz Alberto de. “Direito de privado do correio eletrônico no local de trabalho: o debate nos Estados
Unidos”. Revista Trabalhista. Ed. Forense e Anamatra, Vol. I, jan./fev./mar./2002.
VELASCO, José Ramón Perez. “Protección de datos de carácter personal”. Em: www.alfaredi.org/revista/data/28-6.asp, acessado em julho de 2005.
27 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
o professor e o mundo da escola
Uso de câmeras nas escolas
A direção da Escola Estadual Elói Lacerda, em Osasco, na grande São
Paulo, resolveu instalar três câmeras filmadoras nas dependências do
colégio, na tentativa de inibir a violência dos alunos. A decisão veio depois
que os estudantes Rafael Barbato da Silva, de 18 anos, e David Vieira da
Silva, de 19, foram feridos à bala durante o horário de aula, na noite da
última quarta-feira. No dia seguinte, as aulas foram canceladas.
As câmeras foram instaladas ontem no pátio, na secretaria e na entrada do
banheiro masculino. Hoje o colégio foi aberto, mas o clima ainda era de
tensão entre os alunos. [...]
[O pai de uma aluna de 13 anos lembrou que] no final do ano passado, um
jovem foi morto a tiros, por volta das 15 horas, em uma das esquinas do
colégio, um dos 65 mantidos pelo Estado em Osasco (O Estado de S.
Paulo, 16 abr. 2002).
As ações humanas são como as ondas. Depois de
cessada a causa que as gerou, elas continuam, durante muito tempo, a produzir efeitos. Uma pedra, jogada num lago
de águas tranqüilas, em segundos chega ao fundo; as ondas
que ela produz podem durar horas. Se podemos dizer isso
das ações individuais, com muito mais razão poderemos
afirmá-lo das ações institucionais. Elas têm efeitos poten-
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 28
cialmente mais poderosos do que as ações dos indivíduos.
Efeitos benéficos ou destruidores. A escola é uma instituição criada pela sociedade para produzir ações que, praticadas pelos seus sujeitos, causem efeitos benéficos sobre
os comportamentos; efeitos de longo alcance, que durem a
vida inteira.
Mudar o rumo de ações potencialmente prejudiciais não
é tarefa fácil. Por isso, as ações institucionais
devem ser pensadas à exaustão pela comunidade envolvida, para que não se corra o
risco de produzir ações que, em curto prazo,
possam parecer positivas mas que, em longo
prazo, mostram-se ainda mais prejudiciais
que os defeitos que visam a sanar. O nazismo, por um lado, e o stalinismo, por outro,
produziram ações que, decorridos mais de
cinqüenta anos, ainda produzem raiva, ódio,
náuseas, mal-estares; sua simples lembrança
provoca horror. Há quanto tempo a humanidade esforça-se, refletindo sobre tais experiências, para produzir seu oposto – já que
não pode reverter os efeitos perversos dessas nefastas ações.
O uso de câmeras nas escolas pode parecer novidade para alguns. Para outros já é
uma realidade. Alguns podem se horrorizar e
dizer que os tempos do Big Brother (não o da
televisão, e sim o de 1984, de George Orwell) chegaram. Outros podem alegar que
isso nos dá segurança. As argumentações a
favor e contra são amplas. Cabe-nos produzir reflexões que mostrem, com clareza, a
qualidade ética e pedagógica de tais ações.
Pensamos do ponto de vista de quem
acredita que as regras precisam ser internalizadas e não constituírem apenas instâncias
externas reguladoras dos comportamentos.
Além disso, precisamos aprender a lidar
com a frustração sob pena de nos vermos em
um mundo cada vez mais inseguro em que os
efeitos das ações perversas predominarão
sobre os das ações benéficas. Referimo-nos,
neste texto, ao uso de câmeras filmadoras no
interior das escolas. Apressamo-nos a dizer
O uso de câmeras
nas escolas pode
parecer novidade
para alguns. Para
outros já é uma
realidade. Alguns
podem se horrorizar
e dizer que os
tempos do Big
Brother (não o da
televisão, e sim o de
1984, de George
Orwell) chegaram
29 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
que somos a favor de seu uso até o portão da escola, não no seu interior. Tentaremos justificar o porquê.
Quando se pensa em vigiar, algumas questões podem ser levantadas.
Vigiar para quê, por quê, a quem, quando, como? Vigilância como cuidado
ou como ação ostensiva de controle
de comportamento?
Quando se diz que o porquê de vigiar é a segurança, pode-se perguntar:
segurança de quem? Dos que vigiam ou
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 30
dos que são vigiados? Ilude-se quem
pensa que controlando os comportamentos de quem está sendo vigiado
fará com que cesse seus atos causadores de insegurança e mal-estar. Se
alguém quer burlar a regra, podemos
dificultar essa ação, mas ele encontrará formas de fazê-lo. Poderá, eventualmente, ser flagrado; mas isso não
o demoverá de evitar atos ilícitos por
força da própria consciência – já que a
consciência ou não existe ou está
amordaçada.
Tudo que se faz na escola deve
visar a fins educativos. A escolha das
ações escolares deve mirar os objetivos da educação. Educar é, então,
treinar para não ser flagrado cometendo atos ilícitos? Ou educar é, entre outros, ajudar a construir uma consciência moral que leve o indivíduo a não
cometer atos ilícitos? Lembramos o
filme Laranja mecânica em que o
personagem principal recebe um tratamento para não cometer atos de violência. Ele não os comete porque passa mal, fisicamente, ao pensar em
cometê-los; foi treinado para isso.
Moralmente, continua acreditando na
correção de tais atos, uma vez que não
sente a mínima culpa ao cometê-los.
Assim que cessarem os efeitos do condicionamento e desaparecer o malestar, voltará a praticar a violência,
sem nenhuma culpa.
Quando pensamos em educação,
pensamos fundamentalmente nessa
questão. As ações praticadas pelos alunos, por decisão da escola (professores, direção, projeto político pedagógico, sistema educacional), visam a
formar estruturas de consciência, de
conhecimento e de afetividade – não
apenas estocar conteúdos. O manuseio de conteúdos deve ter por objetivo a formação de tais estruturas e não
apenas sua estocagem. É por isso que
as ações escolares não devem ser pensadas como treinamento – exercícios
repetitivos visando à formação de
comportamentos fixos –, mas como ações orientadas, desde sua origem, pela e para a autonomia.
A chamada escola tradicional é autoritária (Becker, 2005) no seu próprio
âmago. Vigora nela a heteronomia. Há
pouco lugar, no seu âmbito, para a autonomia. Por isso, ao primeiro sinal de
descontrole, instauram-se nela, por
iniciativa de suas direções, via de re-
gra legitimadas pela comunidade e até por
ações judiciais, medidas como blitz policiais, cães farejadores, câmeras filmadoras.
A escola que não identifica seu compromisso educativo com a busca sistemática da autonomia identifica seu compromisso educativo com o exercício sistemático da heteronomia. Realiza-se o objetivo da autonomia pela construção de relações de confiança e de respeito ativo (Becker, 2004). Realiza-se o objetivo da heteronomia pela imposição sistemática de
relações de submissão: do aluno ao professor, do professor à direção, da direção
à Secretaria de Educação... Autonomia
constrói-se com relações democráticas.
Com relações autoritárias criam-se ditadores e indivíduos subservientes. E é preciso tomar cuidado: indivíduos subservientes obedecem por temer um castigo e
não por força de uma consciência moral.
Logo, se puder evitar o castigo, nada o impedirá de cometer atos ilícitos.
No momento em que a escola precisa
adotar instrumentos de vigilância, como
câmeras intramuros, ela está dando um
atestado de que não está confiando na educação que pratica. Se ela própria não confia na educação que pratica, certamente
não serão os alunos que nela acreditarão.
Se a escola não acredita na sua autoridade,
não serão os alunos que nela acreditarão.
Ela está terceirizando a função da autoridade. O que há com a escola que tão rapidamente renuncia a sua responsabilidade
pedagógica entregando-a a juízes, a policiais e, até, a cães farejadores?
Acreditamos no direito à privacidade.
Porém, é importante não confundir direito
à privacidade com abandono. Há alguns
anos, um garoto americano de 15 anos matou colegas e professores e, em seguida,
suicidou-se. A polícia encontrou no seu
quarto um verdadeiro arsenal. A mãe disse
que não entrava no quarto do menino há
alguns anos porque respeitava sua priva-
31 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
cidade. Esclarecemos que isso não é privacidade. É abandono, descuido.
Câmeras na sala de aula, no corredor ou
no banheiro da escola, é cuidado? Comparemos a situação. Estabelecemos, com
nossos alunos, uma relação. Nosso comportamento muda, é claro, se alguém, com
a devida permissão, entra na sala para
filmar. Sabemos que aquelas imagens serão vistas também por pessoas que desconhecemos e que nada sabem do que
acontece nesse recinto. Portanto, cuidaremos para nos comportar de forma que
essas pessoas não façam um recorte descontextualizado, descaracterizando
o que aí acontece. Se, ao contrário, as
imagens colhidas forem destinadas aos
alunos daquela turma, a situação será diferente, porque eles conhecem seu contexto relacional.
Quando recebemos uma visita em casa,
procuramos tratá-la levando em conta suas
características. Estamos sendo falsos?
Não, estamos usando regras de convivência social, construídas ao longo de
gerações. Até por respeito a quem chega,
procuraremos recebê-lo ou recebê-la bem.
Da mesma forma, quando o professor está
em sala de aula, ele estabelece uma relação
particular com aqueles alunos. No dia em
que um determinado aluno falta ou algum
novo se integra à turma, um esforço
coletivo será feito para que se redesenhem
as relações nessa sala. É importante que
cada tempo de sala de aula constitua-se de
momentos de verdadeira relação, com
sujeitos reais, que se olham nos olhos e
REVISTA TEXTUAL setembro 2005 32
constroem relações de respeito e tolerância. Como construir relações de respeito e
tolerância se há olhos estranhos presentes,
observando o que ali acontece com finalidades divergentes aos objetivos da sala de
aula? Aliás, de quem são esses olhos?
Relações de respeito e tolerância constroem-se na medida em que se constroem relações significativas com alguém a
quem se procurará agradar para não perder
o afeto. O medo de estar sendo vigiado
impede que se formem relações significativas; antes, faz com que se busquem melhores estratégias para escamotear dispositivos de vigilância ou burlar a regra.
Na faculdade onde trabalhamos, não há
banheiros distintos para professores e alunos. Politicamente incorretos, às vezes
brincamos sobre a necessidade de haver
um espaço em que alunos possam falar mal
de professores e professores possam falar
mal de alunos. Entendemos que isso é mais
do que capricho; é necessidade. Isso significa que, ao fazê-lo, alunos desrespeitam
professores, ou professores desrespeitam
alunos? Não necessariamente. Falar mal é
reorganizar-se internamente, é envidar esforços para elaborar frustrações. Frustrações de alunos frente a cobranças de professores e frustrações de professores frente
a resistências ou críticas de alunos.
Há algo errado no fato de professores
falarem mal de alunos (ou no fato de pais
falarem mal dos filhos)? Não necessariamente. Há momentos em que os professores se sentem tocados com certas
questões que provocam raiva e precisam
33 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
elaborar tal sentimento. Igualmente,
alunos e, também, pais vivem conflitos
que precisam ser elaborados. Sentimentos negativos existem; não é recomendável negar sua existência. É admitindo sua existência que podemos
aprender a controlá-los, a recalcá-los,
realizando um processo interior, individual, que ninguém pode fazer por nós
– mas que precisamos da mediação dos
outros para fazê-lo.
Faz algum tempo, uma mãe contava,
muito contente, que na escola de Educação Infantil de sua filha podia-se
acompanhar a sala de aula via internet.
Somos absolutamente contra tal procedimento. Não que se tenha algo a esconder, mas por uma razão pedagógica
elementar: a partir do momento em que
os pais escolheram a escola, devem
passar ao filho a segurança de que estão
bem cuidados. Se os pais escolheram
aquela escola específica, estão deixando claro que entregam seu filho ou filha
porque acreditam que aquele é um lugar
muito bom. Se não confiam, então, por
que entregam? Se entregarem, sem
confiar, passarão aos filhos a idéia de
que aquele não é um lugar bom. Logo,
estão passando a mensagem de que os
filhos não devem adaptar-se e confiar.
Isso revela, por outro lado, a incapacidade do adulto de tolerar frustrações
ao não conseguir desconectar-se do filho. As crianças precisam aprender a lidar com a frustração e uma das formas
para isso é aprender que os pais não
estão disponíveis o tempo inteiro. Isso é
quase impossível para os filhos se os
pais ainda não aprenderam essa tolerância. Os pais têm de ajudar os filhos
a aprender que, se eles não estão disponíveis, há alguém que estará disponível para cuidá-los caso ocorra alguma
eventualidade. Ou seja, essa ausência
dos pais não significa descuido. Além
disso, o fato de os pais não conseguirem desconectar-se dos filhos mostra o
quanto os adultos não aprenderam a
tolerar frustrações; eles continuam a se
comportar como bebês que precisam de
satisfação imediata. Em vez de serem
referência indispensável à criança, competem com ela.
Exemplo. Professores de uma escola de Porto Alegre
pediram, em reunião com os pais, para que as crianças não
trouxessem celular para a escola; e, caso o trouxessem,
por julgar tratar-se de real necessidade, que o deixassem
no silencioso. Alguns pais manifestaram grande ansiedade só de imaginar que seus filhos não estariam, o tempo
todo, conectados.
Perguntamos pelos verdadeiros motivos da instalação
de câmeras no interior da escola porque não acreditamos
que eles tenham a ver com segurança. Embora tenham
ocorrido casos de violência no interior da escola, e eles
assustam, acreditamos que as verdadeiras razões são outras; razões ligadas à perda de identidade, de autoridade da
escola. Assim como se discute, há algum tempo, a respeito
da dificuldade da família em estabelecer limites, em encontrar o justo equilíbrio entre autoridade e respeito, devese pôr em discussão a crise de identidade da escola.
A escola, e também a família, estão longe de produzir uma
síntese que supere de vez o autoritarismo que tudo comandava e o também autoritário laissez-faire no qual caímos.
Não será a ambigüidade entre autoritarismo e laissez-faire
que leva a escola a apelar para recursos tecnológicos a fim
de recuperar o poder perdido?
Para alguns, é mais fácil viver sob um poder autoritário,
pois nele tudo se resume em disciplina; é muito mais fácil
que administrar conflitos, pôr as pessoas frente a frente,
olhando olho no olho, confrontando-se até chegar a consensos. Será que os educadores de uma escola precisam
realmente de uma câmera filmadora para saber quem é que
vai cometer infração? Por isso, não nos opomos à presença
de câmeras nas estradas, nas ruas, nos supermercados, nas
prisões, na entrada da escola e na entrada do prédio onde
moramos.
Pelos motivos expostos e, talvez, por outros ainda não
explorados, nos opomos, sem concessões, à presença de
câmeras dentro da escola! Por motivos similares, nos opomos à presença de câmeras dentro de nossa casa!
Referências bibliográficas
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2005. Tese de doutorado.
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Alegre: Artmed, 2002.
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desenvolvimento, tempo de gênese – a escola frente à complexidade do
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12.ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
MARQUES, Tania Beatriz Iwaszko. Do egocentrismo à descentração: a
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PIAGET, Jean. [1932] O juízo moral na criança. São Paulo: Mestre Jou,
1977.
PIAGET, Jean. [1969] Psicologia e pedagogia. 4.ed. Rio de Janeiro:
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PIAGET, Jean. [1971] Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: J.
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PIAGET, Jean. [1998] Sobre a pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1998.
35 setembro 2005 REVISTA TEXTUAL
ENSAIO
ENSAIO
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
fim, na última seção, procura-se analisar
os custos da corrupção sobre a economia brasileira.
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
1
Mestre em Economia
e doutoranda pela Ufrgs
Resumo O presente artigo procura analisar o fenômeno da corrupção destacando
aspectos teóricos e principalmente o custo desse fenômeno sobre a economia
brasileira. O artigo inicia procurando definir alguns parâmetros teóricos como o
conceito de corrupção, suas condicionantes, tipos e conseqüências sobre a sociedade. A última seção traz alguns números do impacto da corrupção sobre a economia
brasileira, deixando claro que o desvio de recurso de uma economia tão carente como
a brasileira poderia ser reinvestindo em benefícios sobre toda a sociedade.
Palavras-chave: Corrupção –
Economia Brasileira.
Introdução
A corrupção não é um fenômeno recente, bem pelo contrário. Se formos analisar alguns fatos históricos, podemos observar a sua presença. Ela levou a estagnação
econômica na China, infestou a administração do Império Romano, dificultou o desenvolvimento político da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos e acelerou o colapso da
Rússia. Porém, nas últimas duas décadas, é
possível observar uma movimentação
mundial em busca de solução ou pelo menos minoração desse problema. As iniciativas para combater a corrupção são
inúmeras, traduzidas em tratados e con10
36
venções firmados entre países e blocos
econômicos, que compreendem preocupações sobre o impacto desse fenômeno na
democracia, justiça social, desenvolvimento
econômico, comprometimento do Estado e
estabilidade política.
Contudo, o que é efetivamente corrupção? Quais os fatores que propiciam sua
ocorrência? Há tipos? Quais são suas conseqüências? E, principalmente, quanto custa ao Brasil a corrupção? Nesse ensaio, propõe-se, de maneira muito modesta, responder. Sendo assim, o ensaio está dividido em
quatro seções. Na primeira seção, faz-se
uma breve retomada e revisão dos principais conceitos sobre corrupção. A segunda
seção versa sobre os fatores que favorecem
a corrupção. A terceira seção busca identificar os principais tipos de corrupção e
suas conseqüências sobre a sociedade. Por
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
ecléia conforto | economista
1
1. Corrupção: as dificuldades
de definir um conceito
A corrupção é um fenômeno que pode
ser estudado cientificamente por diversas
áreas, por esse motivo o termo apresenta
uma série de definições dependendo da
área de estudos. A corrupção tem origem na
palavra ruptura, que pode significar o rompimento ou desvio de um código de conduta
moral ou social. Atualmente a corrupção é
vista como uma espécie de conduta através
da qual o agente motivado por alguma vantagem age desvirtuando as regras de determinado objetivo, contrariando o que a
sociedade considera como justo e moral.
O conceito acima descrito, embora possa parecer simples em um primeiro momento, traz uma série de problemas quando
procuramos defini-lo de forma mais exata. O
problema de sua definição está exatamente
em identificar as regras que foram desvirtuadas. Além disso, a proximidade das relações
sociais entre os agentes dificulta identificar
uma situação de corrupção ou apenas uma
situação socialmente aceitável. Isso em parte justifica a apreciação do termo corrupção
por diversos estudiosos.
Segundo Andving (2000), há diferença
entre a corrupção econômica e os outros
tipos de corrupção. A corrupção econômica
ocorre em uma determinada situação de
mercado relacionada à troca de dinheiro ou
mercadorias. A corrupção social, por sua
vez, pode valer-se de outras formas de
favorecimento como nepotismo, proteção,
clientelismo, entre outros.
Já Nye (1967) considera que a corrupção ocorre quando o comportamento de um
determinado agente desvia-se das obrigações formais do cargo público, buscando
vantagens pessoais, riqueza ou status. Com
o objetivo de evitar conotações moralistas
sobre o termo corrupção, Macrae (1982)
emprega a idéia de arranjo. Para ele um
arranjo significa uma troca privada entre
duas partes que têm influência na disponibilidade e alocação dos recursos, e que
envolve o uso de responsabilidades públicas
ou coletivas para fins privados.
De uma maneira geral, os conceitos de
corrupção compreendem a interação entre o
poder público e o setor privado na presença
de algo ilegal. Há um consenso que a
corrupção refere-se a situações nas quais o
poder do cargo público é usado para ganhos
pessoais de uma forma que transgride as
regras do jogo. Cabe ressaltar que o
conceito de corrupção antes de tudo depende da posição de cada observador ou do
padrão jurídico de cada nação. O conjunto
de regras moral e social do Brasil e do
Paquistão é diferente entre si em alguns aspectos e alteram a avaliação da sociedade
do que é ou não passível de corrupção.
2. As condicionantes da corrupção
Durante algum tempo, a teoria econômica e social considerou que a corrupção
apresentava aspectos benéficos. Entre
esses estudos, Nye (1967) considerava que
uma das vantagens da corrupção seria
contornar o excesso de regulação e burocratização pública, podendo com isso acelerar os procedimentos. As empresas, por
exemplo, poderiam dentro de um processo
de licitação reduzir seus custos e aumentar
suas eficiências subornando o agente do
governo para obter informações sobre o
processo. Nesse sentido, a corrupção servia
também como uma forma de aumentar a
produtividade dos agentes públicos.
Obviamente, essa visão benéfica da
corrupção não foi aceita nem pelo meio acadêmico e muito menos pela sociedade, e os
argumentos para combatê-la são muitos.
Segundo Rose (1975), é muito difícil limitar
essas práticas de corrupção em áreas onde
supostamente ela seria favorável. Além disso, uma vez aceita a cobrança de propinas
para agilizar tal procedimento, nada impediria que os agentes públicos dificultassem
os processo apenas para beneficiarem-se.
Soma-se a isso o problema da generalização da corrupção, que desvia pessoas capazes e talentosas para atividades ilegais,
deslocando toda a energia de determinados
agentes para ações que não geram ganho
social algum. Segundo Mauro (1995), quanto maior o nível de corrupção, menores são
as taxas de investimento interno e externo.
Não há nenhuma dúvida quanto aos
malefícios da corrupção, porém é um problema posto. Para que a corrupção ocorra,
algumas condições devem ser seguidas: (a)
a existência de poderes discricionários, (b) a
existência de rendas econômicas conside37
3. Corrupção: tipos e conseqüências
Há diversos tipos de corrupção e formas
38
32
de combatê-las. Para Naím e Gall (2005), é
possível classificar a corrupção em três
tipos: a corrupção empresarial competitiva,
a corrupção estimulada pelo crime organizado e a corrupção política.
A corrupção empresarial competitiva
inclui todas as atividades ilegais de uma
empresa com o objetivo único de se manter
competitiva no mercado. Essa é tipicamente
uma corrupção empresarial que busca garantir a sobrevivência da empresa em um
ambiente concorrencial. Essa situação é
muito comum nos grandes projetos de obras
públicas. Segundo Naím e Gall (2005), em
alguns países, é praticamente impossível
vencer um processo de licitação pública sem
que se tenha subornado um agente público.
Os regulamentos burocráticos dos governos
acabam por estimular essas práticas.
A corrupção estimulada pelo crime organizado é um pouco mais complexa de se
identificar. As empresas envolvidas no crime
organizado têm como foco, e são criadas
única e exclusivamente para, infringir a lei.
Conforme os lucros dessas atividades
ENSAIO
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
ráveis, e (c) uma percepção de impunidade
relativamente baixa. Quanto maior a quantidade de poderes do agente do governo,
maior poderá ser a chance deste oferecer,
ao setor privado, práticas ilícitas. A separação dos poderes entre os diversos agentes
permite diluir o poder de negociação. O item
(b) fala por si mesmo, quanto maior o volume
de recursos, maior será o estímulo para que
os proprietários busquem evitar a regulação
(Jain, 2001). Para a última condição, é necessário levar em consideração que o grau
de corrupção irá depender da existência e
abrangência das barreiras aos atos corruptos. Aqueles que optam pela corrupção
devem acreditar que o risco e os rendimentos esperados por meio do ato ilegal são
mais valiosos que os riscos ou inconvenientes de uma punição. O aumento da probabilidade de um determinado agente ser
flagrado na prática ilícita ou de uma punição
mais severa reduz o grau de corrupção.
ENSAIO
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
aumentam, principalmente aquelas relacionadas ao narcotráfico, o caminho natural
passa a ser a diversificação das atividades,
investindo em negócios legais de fachada.
O narcotráfico boliviano é um exemplo claro
dessa situação.
Por fim, a corrupção política abarca os
dois tipos anteriores e se manifesta por meio
do roubo do Tesouro Nacional por parte das
autoridades públicas ou através do financiamento ilegal de campanhas eleitorais.
Segundo Naím e Gall (2005), partidos políticos do Japão, entre outro países, costumam se aproveitar de pagamentos realizados por empresas privadas e estatais para
financiar suas atividades e seus estilos de
vida suntuosos.
A corrupção estimulada pelo crime organizado e a corrupção política são atualmente as duas formas mais correntes de
corrupção. A primeira facilitada pela integração informatizada dos mercados financeiros, a segunda, fruto da disseminação da
democracia que tornou as eleições mais
freqüentes e os custos de campanhas mais
elevados. Atualmente qualquer candidato a
eleições precisa de dois recursos básicos, o
dinheiro e o apoio público. A obtenção desses recursos faz com que os partidos políticos busquem contribuições de empresas,
abrindo espaço para uma possível relação
corrupta entre eles. Cabe lembrar que a
democracia oferece oportunidades mais
visíveis para a corrupção do que em regimes
autoritários. Nestes últimos, por sua vez, a
corrupção tende a ser institucionalizada,
controlada e previsível.
O grande problema da corrupção é que
seu resultado final não se limita apenas a
desviar recursos dos cofres públicos. Países
com índices de corrupção elevados ou
intermediários apresentam um menor
volume de investimentos tanto interno como
externo, em virtude do aumento da incerteza por parte dos agentes econômicos quanto ao custo e retorno de seus investimentos.
A corrupção passou a ser um dos fa-tores
relevantes na decisão do local do investimento. Segundo dados de Naím e Gall
(2005), as empresas chinesas gastam entre
3% e 5% de seus custos operacionais com
suborno de funcionários de outros países
para obter vantagens ou garantir contratos.
As menores empresas por sua vez sofrem
mais, pois não têm recursos nem contatos
suficientes para entrar na concorrência.
Além disso, surgem graves distorções no
estabelecimento de prioridades, principalmente em relação aos gastos públicos. Nesse sentido a corrupção impacta inclusive
sobre o crescimento e o desenvolvimento
econômico. Os estudos realizados pelo Banco Mundial demonstram claramente que os
países que apresentaram maiores quedas
no PIB em 2003 foram exatamente aqueles
com maiores índices de corrupção.
Segundo Al-Marhubi (2000), a corrupção impacta também sobre a inflação por
três motivos. Primeiro, porque, em governos
onde o custo de coleta dos impostos é elevado e a evasão fiscal é grande, a ampliação
de receitas é realizada por meio da senhoriagem. Cabe lembrar que em nações
corruptas a carga tributária é maior. Segundo, porque frente à corrupção há um
aumento na informalidade dos negócios,
ampliando sua dependência em relação à
inflação, e, por fim, aumentando as receitas
e elevando os gastos públicos. A corrupção
contribui para o déficit fiscal, influenciando
negativamente sobre a inflação. Além disso,
reduz a produtividade do capital e o produto
por trabalhador na economia, apresentando
efeitos diretos sobre a taxa de juros.
Contudo, a corrupção tem solução sim.
Qualquer ação no sentido de combater a
corrupção deve levar em consideração que
a mesma pode ser vista como decorrência
de um comportamento oportunista de um
agente econômico relacionado ao controle e
à regulamentação por parte do governo das
atividades econômicas. Sendo assim, as
ações direcionadas ao combate da corrupção devem, primordialmente, estabelecer regras sérias e justas, que garantam o
resultado esperado pela sociedade.
Os valores morais são fundamentais para que se compreenda a extensão da corrupção e a recrimine. A forma como a sociedade vê e aceita determinadas ações, como
a violação das leis de trânsito ou a compra
de produtos piratas/contrabandeados, é um
indicador sobre a aceitação de atos corruptos. Sociedades com valores mais frágeis tendem a ser mais corruptas. Além
disso, a probabilidade do indivíduo ser pego
conta no momento deste tomar sua decisão.
Desse modo, é necessário adotar sanções
pecuniárias, pois em grande parte dos
casos o objetivo do corrupto pode ser ampliar patrimônio. Logo, um prejuízo econômico
39
ENSAIO
ligado a uma perda patrimonial hoje e no futuro fará o agente reavaliar suas decisões.
Soma-se a isso a necessidade de simplificar os processos administrativos reduzindo os espaços para a corrupção, contando
com a participação de órgãos de fiscalização e controle das políticas públicas.
4. A corrupção no Brasil
Os mais honestos
40
Os menos honestos
Colegas do Brasil
1
Finlândia
65
Malauí
151
Turcomenistão
2
Suécia
66
Jordânia
152
Angola
3
Islândia
67
Barein
153
Iraque
4
Cingapura
68
Croácia
154
Somália
5
Holanda
69
Sri Lanka
155
Myanmar
6
Nova Zelândia
70
BRASIL
156
Papua Nova Guiné
7
Dinamarca
71
Letônia
157
Sudão
8
Canadá
72
Peru
158
Rep. Dem. do Gongo
9
Suíça
73
Jamaica
159
Burundi
10
Inglaterra
74
Bielo-Rússia
160
Afeganistão
32
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
A corrupção no Brasil, ao longo da
história, parece sempre ter estado presente
na administração pública, em maior ou
menor grau, influenciando a evolução do
nosso país e a melhoria de nossa sociedade. Isso possibilitou, de certa forma, que o
país estruturasse um sistema-norma capaz
de reprimir os desvios de conduta administrativa, os crimes de colarinho branco, os
desvios de verbas e a corrupção de modo
geral. A luta contra a corrupção fica a cargo
da Polícia Federal, do Ministério Público e do
Poder Judiciário, auxiliados pelo Tribunal de
Contas do Estado, o Ministério Público Estadual, Procuradoria Geral da República,
Secretaria da Receita Federal, Câmaras
Municipais e por que não dizer a imprensa,
que tem a obrigação de divulgar as denúncias desde que isentas de qualquer aspecto
ideológico ou interesses corporativos.
Além desse instrumento, poderíamos
citar as Comissões Parlamentares de Inqué-
rito que têm como principal função investigar
qualquer denúncia que envolva os membros
do Poder Legislativo, tendo poderes de
investigação assegurados pela Constituição. Cabe lembrar que não compete à Comissão julgar ou decidir, mas sim elaborar
relatórios completos que serão encaminhados ao Plenário da Casa Civil. Os parlamentares devem estabelecer mecanismos
transparentes de controle da atividade governamental e parlamentar que possam
conter o gasto público, assegurar a utilização dos recursos em prol da sociedade e
solidificar as instituições públicas.
O grande problema é que as instituições
brasileiras ainda são muito fracas, gerando
um enorme abismo entre o que pregam, a
norma/regras, e o que efetivamente é praticado. Isso reflete claramente quando observamos os resultados das pesquisas realizadas por dois economistas do Banco Mundial, Daniel Kaufmann e Art Kray, que elaboraram um banco de dados com indicadores de boa governança de 160 países e
incluíram como indicador o combate à corrupção. Conforme a pesquisa, o Brasil ocupa a septuagésima posição, encontrandose ao lado de países como Sri Lanka, Malauí, Peru, Jamaica, Cuba e Bielo-Rússia
(Tabela 1).
O gasto com corrupção no Brasil está
ENSAIO
Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
estimado em R$ 100 bilhões, cerca de 5,5%
do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004. Isso
significa um gasto anual per capita de R$
800,00 ou de R$ 67,00 por mês. Segundo
dados do Banco Mundial, caso a corrupção
fosse estancada, a renda per capita brasileira poderia passar dos R$ 9.743,00 para
R$ 16.394,80, o que representaria um crescimento de 68,72%. Em contrapartida, caso
a corrupção chegasse a patamares como o
de Angola, a renda per capita teria uma
queda de 75%, passando para R$ 2.435,75.
Além disso, calcula-se que o volume de investimentos de uma economia com grau de
corrupção como a brasileira é cerca de 2,6%
menor que uma economia com baixa corrupção, como o Chile. A corrupção pode significar, segundo o Banco Mundial, uma sobretaxa de 20% sobre os investimentos.
Para que se tenha uma idéia sobre o que
pode ser feito com os recursos desviados
pela corrupção, podemos comparar com alguns indicadores disponibilizados pelos
IBGE para o ano de 2004. Apenas para
lembrar, o Custo na Corrupção no Brasil em
2004 foi estimado em R$ 100 bilhões. Nesse
mesmo período, o volume de investimento
estrangeiro indireto foi de R$ 52,9 bilhões,
a amortização da dívida junto ao FMI² foi
de R$ 2,6 bilhões, os investimentos da
União ficaram na ordem de R$ 10 bilhões
em Habitação, R$ 5,64 bilhões na Agricultura e R$ 23,94 bilhões na Saúde.
Considerando que existe atualmente no
Brasil, conforme dados do IPEA, cerca de
41,8 milhões de pessoas que ainda não têm
acesso a serviços de saneamento básico e
17 milhões de pessoas que moram em
residências superlotadas, onde a densidade
populacional por dormitório é de três pessoas, o volume de investimento e o gasto
com a corrupção são uma afronta. Isso sem
considerar que um terço da população brasileira, o que equivale a dizer 53,9 milhões de
pessoas, são pobres.
Embora o Brasil esteja dentro do grupo de países intermediários no Ranking da
Corrupção, alguns dados revelam que o
problema pode ser mais sério do que se imagina. Um levantamento realizado pela Kroll
Associates, multinacional de gerenciamento
de risco, e pela Transparência Brasil, ONG
preocupada com a promoção da hones-
tidade, ajuda a dimensionar a relação do
setor privado com a corrupção.
Entre os seus resultados, um de cada
três entrevistados disse que a corrupção é
comum no ramo de negócios, 48% das
empresas brasileiras que participam de
licitações oficiais para obras e compras
receberam pedidos de propina e 31% das
empresas que dependem de licenças e
alvarás oficiais receberam pedidos para
pagar por fora. Dos agentes públicos com
maior possibilidade de serem corruptos,
segundo as empresas pesquisadas, são os
policiais, fiscais tributários, funcionários ligados a licenças, parlamentares entre outros. Do total de empresas pesquisadas,
69% gastam até 3% de seu faturamento com
a corrupção.
Ao comparar os três níveis de poder, a
esfera municipal parece com a mais corrupta. O Ministério Público estima que, entre
1993 e 2000, só a máfia de fiscais que agia
na Prefeitura de São Paulo impediu que R$
13 bilhões chegassem aos cofres públicos
em forma de impostos ou taxas. É importante ressaltar que nem sempre a moeda de
troca é o dinheiro. Funcionários corruptos
pedem presentes e mordomias, empregos a
parentes, bem como contribuições para
campanhas eleitorais. Seguindo a linha da
pesquisa, o imposto mais vulnerável à
corrupção é o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). Um exemplo disso foi a quadrilha de fiscais da Secretaria da Fazenda do Mato Grosso descoberta nos anos 90, que cobra 10% do
ICMS devido para deixar a mercadoria
entrar no Estado sem pagamento de impostos. Apenas um dos fiscais levava por mês
cerca de R$ 90 mil.
Em junho deste ano, o chefe da Delegação do Banco Mundial, Daniel Kaufmann
disse: “Há países que estão em crise de
corrupção. Esses estão na linha vermelha,
como no caso do Zimbábue e da Guiné
Equatorial. Depois, há os que estão na luz
verde, que estão muito bem, como os países
Bálticos e os países que acabam de ter
acesso à União Européia. Há também os
países que têm muitos desafios, são
alaranjados, e há os que estão no meio de
tudo, são os de luz amarela, como o Brasil”.
A questão aqui é sabermos se vamos
² Dados para o 4º trimestre de 2004
41
Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira
passar o sinal amarelo ou se ficaremos
presos no sinal vermelho. Essa decisão
dependerá de como a sociedade, o governo e o país vão responder aos processos
de corrupção.
Conclusão
AL-MARHUBI, Fahin A. “Corruption and inflation”. Economics
Letters, vol. 66, pp.199-202, 2002.
KRUEGER, Anne. “The political economy of the rent-seeking
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MAURO, Paolo. “Corruption and growth”. The Quarterly Journal of
Economics. Vol. 110, n 3 (Aug., 1995), pp.681-712.
42
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Textual: Corrupção: aspectos teóricos e seus resultados sobre a economia brasileira. Educ, Porto Alegre, v.1 n.6, p. 36-42, setembro 2005
A corrupção não é um problema único
e exclusivo do Brasil, toda a comunidade
mundial volta seus olhos para esse fenômeno e seus impactos sobre a sociedade
como um todo.
A análise econômica sobre a corrupção
não é completa e nem pretende ser. É muito
simplista considerar que o impacto da corrupção limita-se apenas à redução do investimento e a problemas na alocação de
talentos. O custo social é muito maior que o
econômico. Desviar recursos que poderiam
melhorar as condições de vida da popula-
ção é uma ofensa para aqueles que acreditam na democracia e na justiça social.
Entretanto, não podemos acreditar que a
corrupção está limitada ao universo público.
Muitas vezes, dentro das nossas próprias
casas incentivamos certas atitudes que
também são vistas como um ato de
corrupção. Comprando produtos piratas,
tendo pontos de TV a cabo não pagos ou
lendo o jornal do vizinho, contribuímos para
que essas atitudes sejam vistas como
normais. Temos a tendência a achar que o
corrupto é aquele que promove grandes
golpes aos Estados, carrega malas de
dinheiro e suborna políticos. Isso sem dúvida nenhuma é corrupção, principalmente
dentro da visão econômica, mas faz-se necessário analisar esse conceito sob a ótica
das demais áreas, como a Filosofia, a Sociologia e as Ciências Políticas.
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