Relatório Periódico sobre os Direitos Humanos em Timor

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Relatório Periódico sobre os Direitos Humanos em Timor
Relatório Periódico sobre os
Direitos Humanos em Timor-Leste
1 de Julho de 2010 – 31 de Dezembro de 2011
Cover photo:
Uma jovem estuda numa escolaem Suai,
distrito de Covalima. Timor-Leste registou
melhorias nalguns indicadores de igualdade
de género, incluindo o número de raparigas
que se inscreveram para o nível secundário.
UNMIT Foto/Martine Perret
Relatório Periódico sobre os
Direitos Humanos em Timor-Leste
1 de Julho de 2010 – 31 de Dezembro de 2011
UNMIT/Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Índice
Sumário executivo ..................................................................................... 3
Introdução ................................................................................................. 7
Metodologia .............................................................................................. 7
Respostas da HRTJS às alegações de violações de direitos humanos ........ 8
Participação nos mecanismos regionais e globais de direitos humanos ..... 9
Progresso no sentido do desenvolvimento nacional inclusivo ................. 11
Medidas legislativas e políticas ................................................................ 13
Principais desenvolvimentos no sector da segurança .............................. 15
Alegadas violações dos direitos humanos pelas forças de segurança ...... 20
Resumo das alegadas violações ...........................................................20
Padrões das alegadas violações ...........................................................22
Casos principais ....................................................................................... 24
Alegadas violações do direito à vida ....................................................24
Alegadas violações do direito à segurança e à integridade física ........26
Alegadas privações da liberdade e detenções arbitrárias ...................28
Alegadas violações da liberdade de expressão e de reunião pacífica .28
Alegadas violações durante operações especiais ................................29
Acesso à justiça ........................................................................................ 30
Violência baseada no género ...............................................................32
Expulsões ..............................................................................................35
Combate à corrupção ...........................................................................36
Justiça transicional ................................................................................... 37
Responsabilização por violações de direitos humanos durante e antes
de 1999..................................................................................................39
Direito à liberdade de religião e de crença .............................................. 40
Conclusões ............................................................................................... 42
Recomendações ....................................................................................... 43
Anexos ..................................................................................................... 49
Sumário executivo
Este relatório analisa os progressos e desafios dos direitos humanos em TimorLeste de 1 de Julho de 2010 a 31 de Dezembro de 2011. Sendo o quinto relatório
periódico dos direitos humanos da Secção de Direitos Humanos e Justiça
Transicional (HRTJS) da Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste
(UNMIT), fornece actualizações sobre tendências e incidentes anteriormente
observados relacionados com o registo da polícia e das forças militares a nível de
direitos humanos e o acesso à justiça.
Timor-Leste é uma nação em crescimento com um papel cada vez maior na
promoção dos direitos humanos a nível regional e global. Há lições a aprender a
partir dos seus esforços, que têm tido resultados positivos mas também enfrentaram
obstáculos, especialmente nos sectores da segurança e da justiça. Este relatório
inclui recomendações para apoiar a concretização das aspirações de Timor-Leste de
uma melhor situação dos direitos humanos.
Conclusões
• De 2010 a 2011, Timor-Leste cooperou com mecanismos regionais e
internacionais de direitos humanos, incluindo relatórios como parte da
Revisão Periódica Universal (UPR) e desempenhando um papel de liderança
em fora internacionais que promovem a igualdade de género e o direito ao
desenvolvimento.
• Há aparentemente um progresso no sentido do cumprimento dos direitos
sócio-económicos por meio de estratégias nacionais de desenvolvimento
inclusivo.
• A nova legislação e as reformas jurídicas criaram uma melhor estrutura para
o cumprimento dos direitos humanos, contudo, outra legislação fundamental
foi protelada ou não foi implementada. É necessária a aprovação ou
implementação prioritária das leis relativas aos direitos da criança, tráfico de
seres humanos, reparações e protecção de testemunhas, entre outras.
• O uso excessivo da força continua a ser a causa principal das violações
relatadas dos direitos humanos por parte das forças de segurança. Muitas
destas violações continuam a envolver armas de fogo, inclusive por parte de
policiais fora de serviço que não estão autorizados pela lei a mantê-las.
• Embora se tenham verificado progressos nos esforços envidados para tornar
claras as leis e políticas da PNTL, as alterações feitas ao sistema de certificação
da polícia requerem um reforço a fim de se melhorar os direitos humanos.
• As prisões ilegais por parte da polícia e das forças militares são uma
preocupação dos direitos humanos, especialmente no contexto das operações
especiais.
3
• O fracasso das F-FDTL na defesa da delimitação de papéis em matéria de
segurança interna contribuiu para as alegadas violações dos direitos humanos
por parte das forças militares, incluindo a prisão ilegal.
• O acesso à justiça foi melhorado através de mais recursos e de sensibilização,
mas dar uma resposta adequada à violência baseada no género, ao direito à
terra e ao alojamento, e à corrupção, constitui um desafio urgente.
• Apesar do julgamento e condenação de um ex-membro da milícia, as
reparações e a justiça formal para as vítimas de violações de direitos humanos
cometidas antes e durante 1999 ainda não foram suficientemente realizadas.
• O direito à liberdade de religião e de crença, embora protegido pela
Constituição, foi contestado por alguns grupos da igreja evangélica.
Recomendações prioritárias
Ao Governo
• Investigar o uso excessivo da força por parte das forças de segurança. Tomar
medidas para assegurar a responsabilização integral de todos os funcionários
públicos que tenham cometido violações dos direitos humanos, incluindo
militares e agentes da polícia.
• Tomar medidas para apresentar soluções e resolver a situação da comunidade
do complexo da ex-BRIMOB.
• Garantir que todos os funcionários públicos estão cientes dos seus deveres de
prevenir e combater a corrupção.
• Tomar medidas necessárias para assegurar a efectiva implementação de
legislação adoptada que promova os direitos humanos.
• Proteger e promover o direito à liberdade de religião e de crença de todas as
minorias religiosas.
• Aprovar e aplicar o plano de acção nacional sobre a violência baseada no
género.
Ao Parlamento
• Dar prioridade à aprovação de legislação de qualidade essencial para a
protecção dos direitos humanos, especialmente as leis sobre as reparações
e o Instituto da Memória, justiça juvenil, apoio judiciário, direitos de terra e
propriedade, trabalho e tráfico de seres humanos.
4
Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
• Dar prioridade à negociação da implementação das recomendações
das comissões de verdade, incluindo a criação de mecanismos de
responsabilização mais fortes, apoio para reparações e cooperação bilateral
de modo a resolver os casos de desaparecimento.
Ao Secretário de Estado da Segurança e a PNTL
• Enfrentar os desafios logísticos para concluir as investigações criminais e
disciplinares.
• Em relação aos 121 agentes que anteriormente não tinham certificação,
assegurar o prosseguimento de forma rápida e completa das investigações
criminais e disciplinares recomendadas.
• Aplicar uma política que estabeleça claramente a exigência para todos os
agentes da polícia activos de um registo limpo a nível criminal e em matéria de
direitos humanos.
• Reforçar as medidas disciplinares internas da PNTL de modo a garantir a
responsabilização por violações de direitos humanos cometidas por membros
da PNTL.
• Assegurar transparência e coerência na aplicação dos procedimentos
disciplinares da PNTL e na execução das penas aplicadas.
• Controlar com maior diligência o armazenamento, manutenção, posse e
utilização de armas de fogo.
• Tomar medidas imediatas para melhorar as respostas da linha directa 112.
• Melhorar a comunicação entre os funcionários da Unidade de Pessoas
Vulneráveis (UPV) e os magistrados do Ministério Público, e garantir respostas
rápidas, sensíveis e adequadas para as vítimas de violência baseada no
género.
• Aumentar os recursos e a formação da PNTL para a investigação e prevenção
da violência baseada no género.
Ao Secretário de Estado da Defesa e as F-FDTL
• Terminar o emprego ou acordos contratuais de qualquer tipo, de quaisquer
pessoas que tenham sido condenadas por crimes relacionados com as
recomendações feitas pela Comissão Especial Independente de Inquérito para
Timor-Leste das Nações Unidas (CEII) sobre a crise de 2006.
5
• Exigir formação intensiva em direitos humanos para todos os novos
recrutamentos de acordo com os padrões de profissionalismo delineados no
Plano Força 2020 e na legislação nacional.
• Reforçar os mecanismos disciplinares internos das F-FDTL de modo a garantir
a responsabilização por violações de direitos humanos cometidas por
membros das F-FDTL.
• Instituir medidas mais fortes para a transparência e coerência dos mecanismos
disciplinares internos e assegurar a execução das penas aplicadas.
Ao Ministério da Justiça
• Melhorar os mecanismos de protecção das vítimas, das pessoas que relatam
crimes e das minorias religiosas.
• Nos termos da Constituição, assegurar que qualquer legislação promulgada
relacionada com a liberdade religiosa garante protecção integral para todas as
religiões, incluindo as minorias, na realização das suas actividades religiosas.
• Garantir que as expulsões só ocorrem em circunstâncias excepcionais e que as
mesmas estão em plena conformidade com a legislação nacional e as normas
internacionais de direitos humanos. À Sociedade Civil
• Continuar a acompanhar e a participar nos esforços de fortalecimento da
supervisão civil das forças militares e policiais.
Aos Parceiros Internacionais
• Fornecer o apoio necessário para a Procuradoria-Geral da República concluir
as investigações de crimes graves cometidos em 1999, mesmo que a missão
da UNMIT termine antes da conclusão de todas as investigações pendentes
por parte da Equipa de Investigação de Crimes Graves (SCIT).
• Considerar o fornecimento de apoio à Procuradoria-Geral da República na
investigação de alegações de crimes graves cometidos em Timor-Leste entre
1975 e 1999.
• Antes da UNMIT se retirar, rever as recomendações feitas pela Comissão de
Peritos das Nações Unidas de 2005 de Revisão da Acusação de Violações
Graves dos Direitos Humanos em Timor-Leste, em 1999, e fazer uma avaliação
completa sobre se os mecanismos nacionais de responsabilização foram ou
não bem sucedidos e, caso não tenham sido, tomar as medidas adequadas.
• Aprovar mecanismos de controlo dos direitos humanos para todo o pessoal
militar e policial que participe em formações no estrangeiro, operações de
6
manutenção da paz ou outras formas de cooperação internacional.
• Garantir que o financiamento do desenvolvimento não é dirigido para
projectos que envolvem expulsões forçadas em violação das normas
internacionais de direitos humanos.
Um conjunto completo de recomendações está incluído no
final deste relatório.
I.Introdução
De 2010 a 2011 Timor-Leste continuou a tomar medidas no sentido de uma maior
estabilidade política, do Estado de direito e do crescimento sócio-económico. De
acordo com Resolução 1912 do Conselho de Segurança e a renovação do seu
mandato a 24 de Fevereiro de 2011 pela Resolução 1969 do Conselho de Segurança,
a UNMIT forneceu apoio contínuo ao Governo de Timor-Leste neste processo.
Através deste mandato, Timor-Leste e as Nações Unidas renovaram conjuntamente o
seu compromisso com a melhoria dos direitos humanos. Assim, este relatório analisa
os progressos realizados e os principais desafios para os direitos humanos em TimorLeste de 1 de Julho de 2010 a 31 de Dezembro de 2011. Sendo o quinto relatório
periódico dos direitos humanos, fornece actualizações sobre as tendências e
incidentes anteriormente observados, especialmente no que respeita à actuação das
forças policiais e militares em matéria de direitos humanos e ao acesso à justiça. As
recomendações são feitas para às várias partes interessadas para ajudar no esforço
comum de assegurar o respeito pelos direitos humanos.
II.Metodologia
Relatórios da Secção de Direitos Humanos e Justiça Transicional (HRTJS)1 sobre a
situação dos direitos humanos em Timor-Leste com base em informações recolhidas
em visitas semanais a esquadras e à sede da polícia, celas de detenção, prisões e
tribunais, entre outros locais pertinentes. A HRTJS recebe denúncias de violações
de direitos humanos directamente de indivíduos e acompanha os casos relatados
nos meios de comunicação e à polícia. Para confirmar a informação recebida
sobre os casos individuais e as tendências de direitos humanos relatadas, a HRTJS
realiza visitas no terreno e entrevista funcionários do Governo, intervenientes da
sociedade civil, peritos, testemunhas e vítimas. A análise da informação destas fontes
aplica as normas internacionais de direitos humanos e leis nacionais pertinentes.
1
A HRTJS é uma componente de direitos humanos de uma missão de manutenção da paz. Representa o Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), actuando sob o Departamento de Operações de Manutenção
da Paz das Nações Unidas.
7
Quando aplicável, também é consultado material de fontes secundárias. Durante
o período de relatório, a HRTJS abriu e acompanhou 292 novos processos de
alegados abusos ou violações dos direitos humanos que constituem o material-fonte
principal deste relatório (consulte o Anexo A).2 As alegadas violações por parte das
forças de segurança constituem a maior parte dos casos relatados e ocorreram em
quase todos os distritos. Por conseguinte, estes casos e o respectivo contexto são
examinados em mais pormenor neste relatório.
III. Respostas da HRTJS às alegações
de violações de direitos humanos
A metodologia da HRTJS requer respostas à informação recebida e relatada. De
2010 a 2011, para além de documentar os relatos de violações de direitos humanos
recebidos, a HRTJS deu assistência às vítimas na apresentação de queixas junto das
autoridades competentes. A HRTJS forneceu também informação solicitada para
controlo da polícia e para processos de avaliação institucional, e enviou contributos
para projectos legislativos, políticas e o currículo de ensino pertinentes para os
Funcionários dos Direitos Humanos da UNMIT avaliam as necessidades de protecção, através de entrevista a família e crianças
deslocadas depois da suas casas terem sido queimados durante um incidente em Zumalai, distrito de Covalima, em 2011. Foto
UNMIT/Martine Perret
2
8
O número de relatos de violações e abusos dos direitos humanos recebidos foi maior, mas nem todos os relatos resultam
na abertura de um processo, que depende da natureza da alegação, da disponibilidade de informação e de recursos e da
decisão das vítimas sobre pretenderem ou não prosseguir com um processo.
direitos humanos. Além disso, a HRTJS facilitou regularmente a protecção das
vítimas de violações dos direitos humanos a nível distrital e nacional.
De modo a melhorar a responsabilização e o acesso à justiça, através do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a HRTJS
financiou um procurador internacional para auxiliar no julgamento de processos da
Comissão de Inquérito (CI) de 2006. A HRTJS apoiou também iniciativas de justiça
transicional em Timor-Leste, fornecendo fundos e assistência técnica para a consulta
e debate sobre o projecto legislativo relativo a um programa nacional de reparações.
Para prevenir violações e promover os direitos humanos, a HRTJS proporcionou
acções de formação sobre direitos humanos. As acções de formação sobre direitos
humanos destinaram-se a pessoal novo da Polícia das Nações Unidas (UNPOL),
guardas prisionais e agentes da polícia e militares nacionais seleccionados. Os
fundos do ACNUDH suportaram as actividades de ONG parceiras nacionais nas
suas acções de divulgação, apoio e monitorização dos direitos humanos ao nível
da comunidade. De 2010 a 2011, a HRTJS também patrocinou a criação de quatro
Clubes de Direitos Humanos para alunos do ensino secundário nos distritos de
Covalima, Bobonaro, Díli e Baucau. Em cooperação com o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o ACNUDH, a HRTJS deu prioridade
ao apoio financeiro e técnico para a instituição nacional de direitos humanos - a
Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ).
IV. Participação nos mecanismos
regionais e globais de direitos
humanos
Entre 2010 e 2011, Timor-Leste integrou-se cada vez mais nos mecanismos regionais
e globais de direitos humanos. A 4 de Julho de 2011, Timor-Leste apresentou o seu
primeiro relatório ao Conselho de Direitos Humanos em Genebra, para a Revisão
Periódica Universal (UPR), demonstrando o seu crescente compromisso com as
obrigações do tratado internacional de direitos humanos. O relatório foi revisto pelo
Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos sobre a Revisão Periódica
Universal a 12 de Outubro de 2011.3 A HRTJS observou a concretização por parte
do Governo de consultas públicas generalizadas para informar sobre o processo de
comunicação.
Das 125 recomendações feitas durante a revisão para melhorar a situação dos
direitos humanos, Timor-Leste aceitou 46, incluindo recomendações para ratificar a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptar prioritariamente
3
Para informação mais pormenorizada sobre as discussões da UPR, recomendações e respostas de Timor-Leste às
recomendações, consulte a Assembleia Geral das Nações Unidas A/HRC/19/17, “Relatório do Grupo de Trabalho sobre a
Revisão Periódica Universal, Timor-Leste”, 3 de Janeiro de 2012.
9
o Código da Criança e aplicar efectivamente a Lei contra a Violência Doméstica
(LADV). Outras 42 recomendações foram aceites pelo Estado com base no facto de
já estarem implementadas, enquanto que 36 outras recomendações estavam em
fase de apreciação. Somente uma recomendação não teve o apoio do Governo, que
foi um pedido de revogação de legislação discriminatória em relação aos direitos
das mulheres à herança, propriedade de terras e capacidade jurídica. A posição
do Governo baseou-se na rejeição da noção de o quadro jurídico permitir tal
discriminação, que está expressamente excluída pela Constituição.
A instituição nacional de direitos humanos, PDHJ, e a sociedade civil também
estiveram activas durante o processo de Revisão Periódica Universal e apresentaram
um relatório sombra, indicando o desenvolvimento das capacidades e da
independência do sector dos direitos humanos em Timor-Leste.4 A PDHJ manteve
o seu estatuto A com o Comité Internacional de Coordenação (CII) das Instituições
Nacionais de Direitos Humanos (INDH), participou em fora com as Instituições
Nacionais de Direitos Humanos do Sudeste Asiático (SEANF) e tornou-se membro
permanente da Asian Ombudsman Association. A instituição foi reforçada pelo
aumento no orçamento e pela conversão de pessoal anteriormente temporário
para funções permanentes, continuando ao mesmo tempo o esforço de formação
do pessoal. Contudo, embora expandindo as suas capacidades especialmente nos
fóruns internacionais, a instituição esforçou-se pela aceitação e implementação das
suas recomendações por parte dos intervenientes estatais.
Timor-Leste contribuiu também a nível internacional para a igualdade de género.
A 10 de Novembro de 2010, Timor-Leste foi eleito para representar a região da
Ásia-Pacífico na Comissão Executiva do organismo de direitos humanos recémcriado - ONU Mulheres.5 Em 2010, uma timorense, Milena Pires, foi eleita como
representante do Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres
(CEDAW).
Além disso, durante o período do relatório, Timor-Leste recebeu representantes de
dois mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas - o Grupo de Trabalho
sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários e o Relator Especial sobre a
Pobreza Extrema e os Direitos Humanos.
Timor-Leste foi também participante activo em iniciativas globais de construção
da paz. Em 2010, a Ministra das Finanças, Emília Pires, começou a co-presidir o
Diálogo Internacional sobre Construção de Paz e Construção de Estados que apoia
o grupo de 19 países frágeis e afectados por conflitos, conhecido como g7+. TimorLeste teve um papel de liderança neste organismo que promove a eficácia da ajuda
internacional para se alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)
e o direito ao desenvolvimento.
4
5
Durante o período do relatório, a HRTJS realizou acções de formação e forneceu apoio técnico ao Ministério da Justiça
para o processo de Revisão Periódica Universal (UPR).
A ONU Mulheres é uma abreviatura do seu título completo, a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Género e
Empoderamento das Mulheres.
10
V.
Progresso no sentido do
desenvolvimento nacional
inclusivo
No ambito de um projecto piloto de direitos económicos, sociais e culturais conduzido pela UNMIT-HRTJS, uma aldeia em
Lontas distrito de Bobonaro foi equipada com meios de saneamento básico e recebeu formação na sua manutenção. Foto
UNMIT/Almerio L. Nope
Durante o período do relatório, Timor-Leste fez progressos no sentido do
cumprimento dos direitos sócio-económicos através das suas estratégias para gerar
o desenvolvimento nacional inclusivo. No Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) de 2010 do PNUD, Timor-Leste era a 120.º nação de 169, melhorando desde o
relatório de 2009.6 Em 2011 Timor-Leste era o 147.º país de 187 no IDH, embora esta
classificação não reflectisse a real melhoria geral de Timor-Leste no IDH devido à
alteração da metodologia estatística.
Todavia, a pobreza generalizada no país manteve-se com indicadores como as taxas
de subnutrição infantil e mortalidade maternal em níveis elevados,.7 A distribuição
equitativa dos benefícios do desenvolvimento também constitui uma preocupação,
já que grande parte do crescimento e da programação concentrava-se na capital, ou
seja, Díli.
6
7
As classificações de 2009 para Timor-Leste basearam-se em dados recolhidos em 2007. Para o Índice de Desenvolvimento
Humano de 2010 consulte: http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_EN_Tables_reprint.pdf. Quando o índice de 2010 é
ajustado pela desigualdade, Timor-Leste obtém classificações mais baixas, especialmente no domínio da educação.
Com base nos dados recolhidos em 2007, como parte do Estudo Demográfico e de Saúde de 2009-2010, quase 60 por
cento das crianças com menos de cinco anos têm atrasos de crescimento, e 33 por cento estão gravemente atrofiadas.
45 por cento das crianças sofrem de insuficiência ponderal. Embora tenham havido melhorias na taxa de mortalidade
materna, aproximadamente 660 mães em 100.000 morrem durante a gravidez e o parto todos os anos.
11
Em 2010, Timor-Leste não foi classificado no Índice de Desigualdade de Género
(IDG) global relativamente a outros países devido à falta de dados. No entanto, em
termos de indicadores específicos houve melhorias, tais como a taxa de matrícula de
raparigas no ensino secundário que é mais elevada do que a dos rapazes.8 TimorLeste manteve também 29,2 por cento dos assentos parlamentares ocupados por
mulheres, com uma classificação alta a nível global e em comparação com os seus
homólogos regionais. No entanto, as práticas de trabalho e as taxas de alfabetização
revelam desigualdades arraigadas. A violência contra as mulheres, que não se
encontra entre os indicadores do IDG, permaneceu um dos crimes mais relatados
e continua a representar um desafio para a obtenção da igualdade de género em
Timor-Leste.9
Como passo significativo para combater a pobreza e alcançar os Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio, o Conselho de Ministros aprovou em Junho de
2011 o Plano de Desenvolvimento Estratégico Nacional para 2011-2030, que foi
posteriormente aprovado pelo Parlamento. Foram também elaboradas e submetidas
à apreciação do Governo políticas nacionais sobre a educação inclusiva e a
deficiência, embora a aprovação destas políticas esteja consideravelmente atrasada.
Entre os programas do Governo que abordam os direitos sócio-económicos, o
alojamento teve prioridade. O Orçamento de Estado para 2011 atribuiu 65 milhões
de dólares americanos do Fundo das Infra-estruturas para um programa de melhoria
da realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, incluindo orçamento
para infra-estruturas de abastecimento de água e de saneamento e cerca de 44
milhões de dólares americanos destinados a resolver o direito ao alojamento ao
nível da aldeia. O programa procura fornecer alojamento a cerca de 55.000 famílias
vulneráveis em áreas rurais por todo o país até ao ano de 2015, com cinco novas
casas a serem construídas em cada aldeia. As mulheres, idosos e pessoas com
deficiência têm prioridade no alojamento. A HRTJS verificou que algumas habitações
já tinham sido atribuídas a estes grupos vulneráveis. Todavia, a implementação
deste programa tem sido controversa, conforme evidenciado pelas críticas públicas
de algumas ONG relativamente a atrasos do projecto e falhas no cumprimento do
orçamento atribuído.
Este programa surgiu na sequência da defesa do direito ao alojamento por parte da
sociedade civil. Em Dezembro de 2010, um relatório divulgado pela Housing Rights
Network (Rede Direitu ba Uma)10 baseado numa pesquisa de campo em oito distritos
diferentes alegou que cerca de 58 por cento da população de Timor-Leste vive
em condições de alojamento deficientes.11 O relatório destacou os problemas de
excesso de população, falta de reconstrução de habitações desde 1999, construção
em ambientes de elevado risco de desastres naturais e falta de acesso a materiais
de construção e instalações sanitárias sustentáveis. Os vários casos de expulsões
forçadas realçaram a necessidade de se dar uma maior atenção a esta área dos
direitos humanos.12
8UNDP, Timor-Leste Human Development Report 2011: Managing Natural Resources for Human Development, Developing
the Non-Oil Economy to Achieve the MDGs (United Nations: Díli, 2011) pág. 33.
9 Consulte mais aprofundadamente a discussão sobre a implementação da Lei Contra a Violência Doméstica, pág. 32.
10 A Housing Rights Network consiste em sete ONG locais distintas.
11Consulte Sumariu Relatorio Kona-Ba Situasaun Hela-Fatin iha Timor-Leste (Díli: Fórum Tau Matan, 2011).
12 Consulte em mais pormenor a discussão das expulsões, pág. 35 .
12
Os direitos das crianças também foram objecto de atenção relativamente aos
objectivos de desenvolvimento. A título de exemplo, em 2010 a Comissão
Nacional dos Direitos da Criança realizou consultas nos 13 distritos com crianças,
pais, professores e funcionários do Governo. Em Junho de 2011 lançou o seu
primeiro relatório público, explicando o processo e os resultados das consultas
públicas. A Comissão recomendou ao Governo que desse prioridade a acções que
aumentassem o acesso das crianças à educação, melhorassem os seus serviços
médicos, impedissem o trabalho infantil e combatessem a violência contra crianças
nas escolas e na comunidade.13
Noutra iniciativa para reforçar os direitos das crianças, os Ministérios da Justiça,
Administração Estatal, Saúde e Educação, bem como uma série de instituições
religiosas, assinaram um Memorando de Entendimento (ME) para aumentar o registo
de nascimentos em Timor-Leste. O Memorando de Entendimento foi implementado
em 2011 através de uma campanha que registou 63.300 crianças (49 por cento
do sexo feminino) com menos de cinco anos de idade, a nível local. Os chefes de
aldeia foram fundamentais para a realização desta campanha, e foram apoiados
pela UNICEF e pela UNPOL. Após esta campanha, a UNICEF estimou que 86 por
cento das crianças com menos de cinco anos foram registadas. Em Novembro e
Dezembro de 2011, a HRTJS, UNICEF e a Comissão Nacional dos Direitos da Criança
colaboraram para patrocinar um evento público, panfletos e um programa de rádio
que promoveram ainda mais o registo de nascimentos. No entanto, mais trabalho é
necessário para concluir o registo de nascimento de todas as crianças com menos de
cinco anos, de crianças mais velhas e da população em geral.14
VI. Medidas legislativas e políticas
A nova legislação e as alterações às leis criaram um quadro jurídico mais forte para o
cumprimento dos direitos humanos. Um exemplo disso é a Orgânica da Provedoria
dos Direitos Humanos e Justiça (Decreto Lei n.º 25/2011), que estabeleceu a
estrutura e estatuto jurídicos necessários para o planeamento e programas a longo
prazo sobre os direitos humanos.15
A 5 de Maio de 2011 foram adicionadas disposições às leis eleitorais que irão
facilitar o direito de voto das pessoas na prisão e em hospitais nas eleições de
2012,16 enquanto que outra disposição, que negava o direito de voto a pessoas
13 Apresentação sobre o “Relatoriu Konsulta Públiku Situasaun Labarik iha Timor-Leste”, Comissão Nacional dos Direitos da
Criança, Díli, 29 de Junho de 2011.
14 O registo do nascimento é a prova da identidade e nacionalidade de uma criança, o que pode melhorar o seu acesso à
educação e aos serviços de saúde, bem como aumentar a sua protecção contra crimes e abusos de direitos humanos,
tais como adopções ilegais, trabalho infantil e tráfico. O direito de uma criança a ter uma nacionalidade está coberto pelo
artigo 7.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, pelo n.º 2 do artigo 3.º e o artigo 18.º da Constituição de TimorLeste.
15 A lei foi aprovada pelo Conselho de Ministros a 13 de Abril de 2011, e foi promulgada a 31 de Maio de 2011.
16 As alterações prevêem também o voto de cidadãos timorenses no estrangeiro, contudo, no final do período de relatório
não era claro se esta disposição seria ou não implementada em 2012. Consulte “Cabral and Cardoso: Time is limited to
arrange election for Timorese abroad”, Televizaun Timor-Leste, 16 de Setembro de 2011; “CNE President: Difficult for
Timorese Abroad to Participate in Elections”, Suara Timor-Lorosae, 15 de Setembro de 2011; “Cabral: STAE will not hold
elections overseas”, Radio Timor-Leste, 5 de Setembro de 2011.
13
publicamente conhecidas como doentes mentais foi eliminada da legislação eleitoral
parlamentar.17 As alterações à legislação eleitoral também aumentaram a quota de
candidatos do sexo feminino nas listas dos partidos para as eleições parlamentares.
Além disso, o Parlamento aprovou três novas leis para combater a corrupção e
aumentar a protecção dos direitos humanos através da boa governação. Em Abril de
2011, o Parlamento aprovou a Lei sobre crimes conta a economia (Lei 4/2011).18 Em
Julho de 2011, o Parlamento aprovou a Lei sobre a Câmara de Contas (Lei 9/2011),
que estabelece a competência dos tribunais no controlo da despesa pública.19
O Parlamento aprovou mais legislação em Dezembro de 2011 para combater
o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.20 A Lei sobre a
Cooperação Judiciária Internacional Penal (Lei 15/2011) foi também aprovada pelo
Parlamento em Agosto de 2011, estabelecendo formas de cooperação judiciária
internacional penal, incluindo a extradição entre Timor-Leste e outros países e os
tribunais internacionais em que participa.21
A 23 de Agosto de 2011, o Parlamento aprovou o tão aguardado Código Civil.22 No
entanto, a HRTJS observou preocupações em relação a disposições específicas que
não parecem cumprir as normas internacionais sobre a igualdade de género,23 o
direito a uma família,24 a liberdade religiosa,25 os direitos da criança26 e das pessoas
com deficiência.27 As disposições actuais preocupantes colocam em causa outros
esforços de promoção da igualdade e da não discriminação.
A 17 de Agosto de 2011, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto-Lei n.º 43/2011
sobre o Regime Jurídico do Uso da Força que esclarece os princípios, deveres,
procedimentos de comunicação e investigação em relação ao uso da força por todos
os órgãos estatais e seus membros com permissão de porte de arma.28 Esta lei cita
e cumpre geralmente os princípios contidos no Código de Conduta das Nações
Unidas para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e os Princípios
Básicos das Nações Unidas para o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos Agentes
da Autoridade.
Muitas destas novas medidas legislativas reforçaram os direitos humanos, mas as
lacunas existentes no quadro legislativo continuam a ser uma preocupação. Durante
o período do relatório, alguma legislação vital para os direitos humanos estava
ainda em análise por parte das comissões parlamentares, tal como as leis sobre
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
Esta disposição ainda era aplicável na lei eleitoral presidencial. Consulte a alínea b) do artigo 5.º da Lei 7/2006.
A lei foi promulgada a 18 de Maio de 2011.
A lei foi promulgada a 12 de Agosto de 2011.
Lei sobre o Regime Jurídico da Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo
(Lei 7/2011). A lei foi promulgada a 15 de Dezembro de 2011.
A lei (Lei 10/2011) foi promulgada a 18 de Outubro de 2011.
A lei foi posteriormente promulgada pelo Presidente a 13 de Setembro de 2011.
Por exemplo, consulte o Código Civil de Timor-Leste (Lei 56/11) Livro I, artigos 55.º, 57.º, Livro IV, artigos 1475.º, 1490.º e
1494.º.
Ibidem Livro I, artigos 56.º e 57.º, Livro IV, artigo 1475.º.
Ibidem Livro IV, artigo 1475.º.
Ibidem Livro I, artigos 57.º, 118.º, 128.º, Livro IV, artigos 1490.º, 1500.º, 1757.º, 1759.º e 1859.º.
Ibidem Livro I, artigos 130.º, 144.º e 147.º.
A lei foi promulgada a 19 de Setembro de 2011. Aborda também o uso da força por elementos das F-FDTL quando,
mediante autorização legal, estes actuem numa função de segurança interna com a PNTL. Em 2011 o Conselho de
Ministros aprovou uma lei que também altera e clarifica os regulamentos disciplinares da PNTL, mas em Dezembro de
2011 esta lei não tinha sido promulgada.
14
reparações e o Instituto da Memória.29 Outra legislação relacionada com os direitos
de propriedade de terras,30 um sistema de justiça juvenil e um código da criança,
sistemas de justiça tradicional, apoio judiciário, imigração e asilo e tráfico de seres
humanos não tinha progredido para além de projectos no final do período de
relatório.31
VII. Principais desenvolvimentos no
sector da segurança
O Comissário da Polícia da Nações Unidas para Timor-Leste entrega a bandeira da polícia Timorense ao Comandante-Geral
da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) numa cerimônia comemorativa do retomar da responsibilidade de policiamento em
Timor-Leste pela PNTL. Foto UNMIT/Martine Perret
O reforço institucional policial e militar continuou com a ênfase colocada no
planeamento e no aumento dos recursos, especialmente ao nível da formação,
equipamento e instalações.
Entre os esforços políticos, concluiu-se o Force Development Plan de 2011-2017
para as F-FDTL. No entanto, outras medidas jurídicas e políticas são necessárias
para orientar o desenvolvimento das forças de segurança em conformidade com as
normas internacionais.
29 Consulte também a discussão da legislação sobre reparações na pág. 39.
30 Em Fevereiro de 2012 o Parlamento aprovou um pacote de leis de terras. Essas leis ainda não foram promulgadas.
31 A aprovação desta legislação foi objecto de uma série de recomendações em Revisão Periódica Universal.
15
As formações bilaterais ocuparam um lugar de destaque nas estratégias de
desenvolvimento das forças militares em preparação para a participação em missões
de paz no estrangeiro. A HRTJS, em coordenação com o Grupo de Ligação Militar
da UNMIT, também forneceu formação em direito humanitário internacional e em
direitos humanos, bem como alguma informação básica em matéria de género.
Uma importante conquista foi a criação do Instituto de Defesa Nacional (IDN),
que inaugurou as suas novas instalações em Dezembro de 2010. O IDN é um
instituto semi-público que vai fornecer formação em análise estratégica a oficiais
militares de alta patente e funcionários públicos seleccionados, bem como realizar
pesquisas sobre questões de segurança. O instituto foi perspectivado como um
mecanismo institucional de promoção da educação, pesquisa, supervisão civil e
responsabilização no sector da segurança.32
De 2010 a 2011, a sociedade civil tornou-se mais visível nos seus esforços de
promoção da supervisão das forças de segurança. A ONG Fundasaun Mahein emitiu
uma série de relatórios de acompanhamento da PNTL e das F-FDTL, e criou um sítio
Web para aumentar a supervisão civil do sector da segurança. A iniciativa do sítio
Web foi co-lançada com um representante da Comissão B do Parlamento para os
Negócios Estrangeiros, Defesa e Segurança Nacional.
Tanto a PNTL como as F-FDTL deram prioridade ao recrutamento de pessoal.
Em 2011, as F-FDTL recrutaram 645 novos elementos, enquanto a PNTL aceitou
Oficiais do Grupo de Ligação Militar da ONU entrevistam elementos das F-FDTL no distrito de Covalima no ambito de
uma formação a membros seleccionados das F-FDTL que incluiu informação sobre Direitos Humanos e Lei Humanitária
Internacional. Foto UNMIT/Bernardino Soares
32 A Lei 12/2010 estabeleceu o Instituto de Defesa Nacional em Agosto de 2010.
16
250.33 A PNTL tomou medidas específicas para incluir mulheres no seu processo
de recrutamento, exigindo que pelo menos duas mulheres fossem recrutadas por
distrito.34 Contudo, a preocupação é a existência e possível implementação de um
diploma ministerial que estipula que as recrutas da PNTL não podem ser casadas ou
estarem grávidas,35 em contradição com as normas de direitos humanos.36
A PNTL tomou medidas para fortalecer os seus mecanismos de responsabilização.
Em 2010, o Departamento de Justiça da PNTL, o mecanismo disciplinar da polícia,
realizou uma série de workshops com os seus agentes a nível distrital a fim de
melhorar a aplicação do processo disciplinar e dos regulamentos. Em 2011, o
Departamento manteve a sua iniciativa de desenvolvimento profissional dando
também formação a 48 agentes da PNTL em distritos fora de Díli. A partir de
Outubro de 2011 realizaram-se acções de formação geral para o pessoal da PNTL
sobre as regras disciplinares de modo a reforçar estas formações especializadas.
Todavia, apesar deste esforço de formação, a HRTJS observou inconsistências
contínuas no processo disciplinar. Por exemplo, nalguns gabinetes disciplinares a
nível distrital, somente as queixas directas das vítimas é que iniciariam um processo,
apesar de o processo disciplinar permitir a apresentação de queixas por parte de
outros intervenientes.
Em 2010, o Departamento de Justiça comunicou o número total de processos
tratados até à data. No final do ano, 456 processos estavam alegadamente em várias
fases de conclusão do processo disciplinar. Destes processos, concluiu-se que 136
estavam fundamentados e 49 foram encerrados como não fundamentados. As penas
recomendadas pelo Departamento para os processos fundamentados incluíam
repreensões verbais e escritas, multas, suspensões até 120 dias e transferências. Os
agentes tiveram a oportunidade de recurso das decisões. Não esteve disponível
informação pormenorizada sobre a situação final de 300 dos 456 processos.
Em 2011, 144 processos tinham sido registados pelo Departamento de Justiça
e estavam em curso (consulte o gráfico abaixo).37 Destes processos, até ao final
do período de relatório, 17 foram dados como fundamentados e dois foram
classificados como não fundamentados. Os restantes permanecem em várias fases
de investigação, aguardam uma decisão ou aguardam uma notificação. Este volume
de processos é inferior e a velocidade de tratamento dos mesmos é aparentemente
mais lenta comparativamente com 2010. Esta redução da velocidade de tratamento
dos processos poderá dever-se em parte a um mau funcionamento do sistema de
base de dados que não estava operacional desde Abril de 2011, coincidindo com o
período de entrega das responsabilidades de policiamento. Não é clara a razão pela
qual não houve reparações ou não se implementaram sistemas alternativos numa
33 Outras 250 pessoas passaram pelo processo de recrutamento mas foram colocadas numa lista, e o seu estatuto ainda não
é claro. Consulte “250 new PNTL report to National Parliament; It is suspected that training in Rairobo is discriminatory”,
Independente, 11 de Janeiro de 2011, pág. 1.
34 Rádio Timor-Leste, “250 Young Men Pass Police New Recruitment”, 17 de Outubro de 2011.
35 Consulte a alínea c) do artigo 25.º e o n.º 3 do artigo 16.º do Diploma Ministerial n.º 2/2011.
36 Por exemplo, consulte a Convenção n.º 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que diz respeito a Igualdade
de Oportunidades e de Tratamento para os Trabalhadores dos dois Sexos: Trabalhadores com responsabilidades
familiares (1981), n.º 1 do artigo 3.º. Também se pode argumentar que tais disposições poderiam interferir com o direito
de casamento consagrado no n.º 1 do artigo 16.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
37 Devido a problemas com a base de dados, estes dados podem não reflectir o número total de processos de má conduta
policial. Por exemplo, os dados podem não estar completos em relação aos processos comunicados ao nível do distrito,
em que os processos não graves possam ser resolvidos sem encaminhamento para o gabinete nacional.
17
fase inicial como medidas provisórias para assegurar a eficiência e transparência
contínuas do processo. Foram supostamente agendadas reparações e actualizações
da base de dados a serem implementadas com o apoio de assessores da UNPOL.
Estado dos processos disciplinares nacionais
da PNTL 2011
Outros
6%
Pendente de revisão
10%
Junção
2%
Encerrados
fundamentados
12%
Encerrados não
fundamentados
1%
Recurso
1%
Decisão
5%
Defesa
1%
Acusação
13%
Instrução dadav
49%
Os funcionários do Departamento de Justiça constataram que o seu acesso aos
recursos é limitado, o que afecta o ritmo de tratamento dos processos. O processo
burocrático, moroso e centralizado para obter o financiamento e a logística para a
realização de investigações, especialmente nos distritos, atrasa supostamente os
processos de forma significativa. São também necessários mais formação e recursos
para manter a base de dados e a consistência da aplicação dos regulamentos
disciplinares e da comunicação em todos os distritos.
Durante o período de relatório houve alterações no processo de avaliação e
certificação da polícia que, após a crise de 2006, avaliou a capacidade de serviço
individual dos agentes com base na sua formação e nos seus registos disciplinares
e relacionados com os direitos humanos.38 Até ao final de Dezembro de 2010, 199
agentes da PNTL não estavam certificados. Destes 199, uma parte significativa não
tinha sido certificada devido a investigações criminais e disciplinares pendentes.
A HRTJS observou que em Dezembro de 2010, pelo menos 31 dos agentes não
certificados tinha mais do que um processo penal pendentes, incluindo um agente
que tinha seis processos penais pendentes. Dois outros agentes tinham cada um
deles cinco processos penais pendentes. O actual Chefe do Departamento de
Justiça estava entre os 199 agentes.
38 Para mais informações, consulte a discussão sobre o Painel de Avaliação e o processo de certificação da PNTL em Facing
the Future: Periodic Report on Human Rights Developments in Timor-Leste: 1 July 2009-30 June 2010, UNMIT, 2010, pág.
15 a 16.
18
Apesar destes processos disciplinares e criminais pendentes, a 28 de Dezembro de
2010 o Secretário de Estado da Segurança comunicou a sua decisão de certificar
todos os restantes 199 agentes da PNTL. Todavia, o despacho a comunicar esta
decisão referia a necessidade de se continuar a investigar os processos disciplinares
e criminais destes agentes. Posteriormente, o Gabinete do Secretário de Estado
da Segurança recomendou que fossem levadas a cabo investigações criminais e
disciplinares contra 121 (dois deles mulheres) dos 199 agentes, e que nenhuma
medida fosse tomada contra os restantes 78. É de referir que este novo processo
difere substancialmente do anterior sistema cujos requisitos os outros 2.936 agentes
da PNTL tiveram de cumprir para serem certificados.
A mudança mais significativa no sector da segurança durante o período de relatório
foi a retoma da responsabilidade de policiamento em Timor-Leste pela PNTL.
Desde o final do período de relatório anterior, a UNPOL continuou a transferir
progressivamente a responsabilidade principal de policiamento para a PNTL em
sete distritos e nove unidades da polícia. A 27 de Março de 2011, este processo
culminou na retoma final da responsabilidade de todos os distritos e de todas as
unidades policiais e no comando e controlo de todas as operações policiais. A
HRTJS observou que a retoma prosseguiu em todos os distritos e unidades, embora
o distrito de Díli tenha sido avaliado por uma Equipa de Avaliação Conjunta no
Terreno (EACT), em Março de 2011, e não tenha sido recomendada a retoma devido
a problemas identificados ao nível das operações, da logística, da ética e noutras
áreas.39
Uma avaliação mais pormenorizada da actuação do sector da segurança em matéria
de direitos humanos é fornecida abaixo.
39 Tendo em consideração o relatório que a Equipa de Avaliação Conjunta no Terreno apresentou à Equipa Técnica Conjunta
(ETC), esta última recomendou a 24 de Março de 2011 que fossem tomadas todas as medidas necessárias no sentido
de colmatar todas as lacunas apontadas pela Equipa de Avaliação Conjunta no Terreno. Posteriormente, o Governo
e a UNMIT assinaram uma troca de cartas a 26 de Março de modo a influenciar a retoma das responsabilidades de
policiamento a 27 de Março de 2011.
19
VIII.Alegadas violações dos direitos
humanos pelas forças de
segurança
Resumo das alegadas violações
Entre 1 de Julho de 2010 e 31 de Dezembro de 2011, a HRTJS recebeu um total de
180 relatos de alegadas violações de direitos humanos por membros das forças de
segurança, incluindo o uso excessivo da força e outras alegações relacionadas com
o exercício das suas funções profissionais. Desses casos, 147 foram alegadamente
cometidos pela PNTL e 27 pelas F-FDTL. Houve também seis casos de alegadas
violações ou abusos de direitos humanos por parte de elementos da UNPOL. A
maior parte destas violações ocorreu no distrito de Díli, embora o uso excessivo da
força por elementos das forças de segurança tenha sido relatado em quase todos os
distritos.
Além disso, foram relatados 13 casos de alegada violência baseada no género,
incluindo actos de violência doméstica, por parte de elementos das forças de
segurança.40 Destes casos, 11 foram alegadamente cometidos pela PNTL41 e dois
foram cometidos pela UNPOL.42
A HRTJS constatou com preocupação que aumentou o número de denúncias contra
as forças de segurança.43 De 2010 a 2011, o aumento foi de cerca de 14,3 por cento,
e desde 2008 as alegações de violações aumentaram em cerca de 30,2 por cento.44
Os dados podem indicar um aumento real do número de violações, ou uma maior
disposição para comunicar violações. No entanto, também é importante notar
que não houve alterações significativas nos procedimentos ou métodos de relato
relativos aos direitos humanos.
Se os valores forem comparados puramente numa base anual de 2010 a 2011, houve
um aumento de aproximadamente 21,7 por cento no número de alegadas violações
por parte de elementos da PNTL e uma ligeira diminuição no número de alegadas
violações por parte das F-FDTL.45
40 Embora os casos relatados de violência doméstica em Timor-Leste seguidos de perto por este relatório sejam qualquer
forma de violência baseada no género, a violência doméstica também pode abranger actos que não são necessariamente
de violência baseada no género.
41 Vários casos foram de alegada violência doméstica, um caso foi uma alegada violação de uma mulher portadora de
deficiência, e outro caso foi uma alegada violação.
42 Um caso envolve uma alegada violência doméstica e outro envolve assédio sexual.
43 Estes cálculos não incluem os casos relacionados com a violência baseada no género.
44 Durante o período do relatório anterior, o número total de alegadas violações pelas forças de segurança reportadas foi 98.
De 1 Julho de 2010 a 31 Junho de 2011, o número total de alegadas violações pelas forças de segurança relativamente às
suas actividades profissionais foi 112. De 1 Julho de 2008 a 31 Junho de 2009, o número total de alegadas violações pelas
forças de segurança foi 86.
45 Em 2010 a HRTJS recebeu 83 casos de alegadas violações por parte da PNTL e 17 casos de violações por parte das
F-FDTL. Em 2011, a HRTJS recebeu 101 casos de alegadas violações por parte da PNTL e 16 pelas F-FDTL.
20
Alegadas violações de direitos humanos por parte das forças
de segurança em Timor-Leste relatadas à HRTJS
1 de Julho de 2010 a 31 de Dezembro 2011
18
16
14
12
10
N.º de alegadas
violações
8
UN
FFDTL
6
PNTL
4
2
Des-11
Nov-11
Oct-11
Sep-11
Aug-11
Jul-11
Jun-11
May-11
Apr-11
Mar-11
Feb-11
Jan-11
Des-10
Nov-10
Oct-10
Sep-10
Aug-10
Jul-10
0
Para uma análise comparativa mais exacta com os relatórios periódicos de direitos
humanos anteriores, o número total de alegadas violações por parte das forças de
segurança nacionais relatadas num espaço temporal de um ano (Julho a Junho de
um dado ano) é reflectido no gráfico abaixo. Este gráfico não inclui as alegadas
violações relatadas entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2011. Não estão
disponíveis dados comparáveis de alegadas violações cometidas antes de Julho de
2008 ou por pessoal das Nações Unidas. Os números abaixo reflectem as alegadas
violações por parte da PNTL e das F-FDTL em três períodos de relatório de igual
duração.46
46 Dada a inexistência de dados comparáveis de anos anteriores, não foram incluídos nesta análise os casos de violência
baseada no género.
21
Comparação de três anos de alegadas violações de direitos
humanos por parte da PNTL e das F-FDTL
relatadas à HRTJS
120
100
80
N.º de alegadas
violações
60
40
20
0
2008-2009
2009-2010
2010-2011
Ano
A análise comparativa dos dados revela que o número total de alegadas violações
relatadas tem aumentado de forma gradual e consistente. Em todos os anos parece
haver mais violações relatadas no período de Julho a Agosto, e em 2009 e 2010 de
Dezembro a Janeiro. Com os dados disponíveis não é possível comprovar as causas
exactas desse aumento geral.
Além disso, deve-se reconhecer que as estatísticas acima representam o número de
incidentes relatados, não o número de indivíduos que afirmam ter sido vítimas de
violações de direitos humanos. Nalguns casos, um único incidente implicou várias
vítimas. Se o volume de alegadas violações de direitos humanos fosse avaliado
pela contagem do número de indivíduos que foram afectados por cada incidente, o
número de casos e a avaliação global seriam maiores.
Padrões das alegadas violações por parte das forças
de segurança
A maioria dos alegados incidentes atribuídos à PNTL e às F-FDTL durante este
período de relatório, tal como anos anteriores, envolveu maus-tratos ou o uso
excessivo da força por parte de elementos das forças de segurança. As alegações
de maus-tratos envolveram com mais frequência agentes da PNTL a ameaçar e a
agredir os suspeitos no momento da prisão ou durante a detenção. Nalguns casos,
os maus-tratos de civis ocorreram quando os agentes estavam de folga, embora
utilizando o seu estatuto oficial. Tal como nos anos anteriores, a HRTJS observou
que alguns agentes da PNTL continuaram a agir em contradição com as exigências
22
das normas, leis e políticas nacionais de direitos humanos no que se refere ao uso da
força. A HRTJS constatou também com especial preocupação inúmeros incidentes
envolvendo a utilização indevida de armas de fogo por parte de elementos da PNTL
que ameaçaram a vida de civis e a segurança.
Os casos que envolveram elementos das F-FDTL implicaram ameaças e agressões
físicas em civis, por vezes, em áreas da jurisdição da polícia e não dos militares. Tal
como nos anos anteriores, a HRTJS recebeu alegações e casos documentados de
prisão e detenção de civis por parte das F-FDTL sem base jurídica. À semelhança
das alegações recebidas durante o Estado de Sítio em 2008, a HRTJS recebeu
informação credível sobre pelo menos dois incidentes de bloqueio de estrada pelas
F-FDTL que obrigaram civis a fazer flexões e a outros actos disciplinares. A natureza
das alegadas violações de direitos humanos revela que ainda há falta de distinção
entre as áreas de autoridade policial e militar o que, pelo menos a nível operacional,
tem um efeito negativo sobre os direitos humanos dos civis.
A HRTJS recebeu também uma série de relatórios sobre a falta de resposta da
linha de emergência 112. Num dos casos, os membros de uma comunidade local
testemunharam um dos oficiais das F-FDTL a espancar cruelmente numa mulher e
ligaram para o 112. Não houve resposta, e a mulher faleceu devido aos ferimentos.47
Ao longo do período em análise, a HRTJS recebeu relatórios não confirmados
de que o envolvimento da PNTL em grupos de artes marciais (GAMs) afectou a
neutralidade da polícia na resposta a incidentes e ao efectuar prisões. A 17 de
Dezembro em Comoro, no distrito de Díli, um violento incidente que resultou numa
morte, vários ferimentos e em bens danificados, trouxe esta questão para a linha
da frente do debate público. Após este incidente, a PNTL iniciou a investigação
das alegações relacionadas com o envolvimento da polícia em grupos de artes
marciais.48 A 22 de Dezembro de 2011, o Conselho de Ministros declarou uma
política de “tolerância zero” em relação à participação da PNTL e das F-FDTL
em GAMs. O Conselho aprovou ainda um documento que interditava algumas
actividades dos grupos de artes marciais (GAMs) e proibia o jogo sob a forma de
“bola guling” ou lotarias durante um ano.49 Embora a interdição relativa aos grupos
de artes marciais tenha sido bem recebida por algumas comunidades como uma
medida para aumentar a segurança e a neutralidade da polícia durante o período
eleitoral próximo, existem também preocupações quanto a base jurídica do decreto
do Conselho e à forma como este pode restringir indevidamente a liberdade de
associação.
Também é importante ter em conta que os casos relatados à HRTJS culminaram
muitas vezes em vários tipos de violações alegadas. Por exemplo, inicialmente foram
relatados casos individuais à HRTJS devido a alegações de violação da integridade
física, mas após uma investigação mais aprofundada, constatou-se por vezes a
violação de outros direitos, tal como a prisão ou detenção ilegal.
47 Para mais informações sobre este caso, consulte a pág. 25.
48 Consulte “Pedro Belo: Police will not tolerate criminals,” Televizaun Timor-Leste, 23 de Dezembro de 2011; “70 PNTL
Accused of Involvement in Comoro Conflict,” Suara Timor Lorosae, 23 de Dezembro de 2011.
49 Consulte o comunicado de imprensa “Reunião extraordinária do Conselho de Ministros de 22 de Dezembro de 2011”,
Sítio Web do Governo de Timor-Leste, http://timor-leste.gov.tl/?p=6303&n=1 (acedido a 11 de Janeiro de 2012).
23
As alegadas violações ou abusos dos direitos humanos por parte de pessoal das
forças de segurança das Nações Unidas deveria ser uma preocupação máxima.50 Para
efeitos de comparação, estas estatísticas foram comunicadas juntamente com as
relacionadas com as forças de segurança de Timor-Leste, no gráfico acima. Embora
os relatórios anteriores da HRTJS não tenham incluído estatísticas sobre alegadas
violações por parte de pessoal das Nações Unidas, foram relatados incidentes à
HRTJS noutros anos. Todos os casos em que as vítimas consentiram em apresentar
uma queixa foram comunicados à polícia e aos mecanismos disciplinares do pessoal.
Vários destes casos foram objecto de atenção dos meios de comunicação locais.
Especialmente o envolvimento de um agente da UNPOL, em Dezembro de 2010,
num incidente em que um guarda de segurança da APAC foi baleado. A questão
foi analisada por uma Comissão de Inquérito interna das Nações Unidas. O agente
foi repatriado com um pedido de que fosse impedido de serviço futuro com as
Nações Unidas. Outro caso, em Dezembro de 2010, envolveu um alegado incidente
de violência doméstica por parte de um agente da UNPOL, que fugiu do país no
seguimento de uma investigação criminal. O agente foi interceptado no posto
fronteiriço do seu país de origem, tendo sido alegadamente recomendado que fosse
impedido de serviço futuro com as Nações Unidas. Outro caso, em 2010, envolveu o
assédio sexual de uma jornalista estrangeira por parte de um agente da UNPOL. Na
sequência de um inquérito disciplinar, o agente foi repatriado e impedido de serviço
futuro com a ONU. Noutro caso, que envolveu alegadamente o uso excessivo da
força por agentes da UNPOL contra um funcionário público em Julho de 2010,
a investigação disciplinar determinou que não existiam provas suficientes que
fundamentassem outra acção disciplinar.
IX. Casos principais preocupantes
Abaixo apresenta-se uma amostra de casos envolvendo as forças de segurança que
ocorreram durante o período de relatório ou que foram abordados em relatórios
anteriores sobre os direitos humanos. Estes casos são levantados para ilustrar alguns
dos desafios persistentes em Timor-Leste em matéria de direitos humanos e para
reconhecer os esforços em curso no sentido da responsabilização.
Direito à vida
51
Durante o período de relatório ocorreram inúmeras violações cometidas pelas forças
de segurança, de forma consistente com relatórios anteriores, que ameaçaram o
direito à vida.
50 Alguns dos alegados casos ocorreram durante o período em que a UNPOL tinha autoridade policial executiva,
considerando-se como casos de violações de direitos humanos. Outros incidentes que ocorreram
51 O direito à vida é garantido pelo n.º 1 do artigo 6.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) de
que Timor-Leste é signatário. É também garantido pelo artigo 29.º do Título II da Parte I da Constituição da República
Democrática de Timor-Leste.
24
A 27 de Agosto de 2010, pessoal das F-FDTL ligado ao posto de Baucau respondeu
a um incidente no suco de Laivai, no distrito de Lautem, tendo-se envolvido depois
numa altercação com civis da qual resultou a morte de um civil. Outros quatro
ficaram gravemente feridos, incluindo um elemento das F-FDTL.
Foi aberta uma investigação criminal, tendo a Polícia Militar das F-FDTL realizado
a sua própria investigação. A 8 de Setembro de 2010, a PNTL concluiu a sua
investigação inicial e enviou os resultados ao Ministério Público. A 12 de Outubro
de 2010, um representante das F-FDTL informou que os resultados da investigação
interna das F-FDTL tinham sido entregues ao Ministério Público. Os elementos
suspeitos das F-FDTL continuaram supostamente no activo nos seus quartéis após o
incidente, mas não foram autorizados a realizar qualquer actividade fora do recinto.
Em Dezembro de 2011, tinham retornado alegadamente ao serviço. Nenhuma
acusação foi apresentada no final do período de relatório, mas a 31 de Janeiro de
2012 foi alegadamente apresentada uma acusação contra elementos das F-FDTL.
A 15 de Maio de 2011, noutro incidente que envolveu pessoal militar, um elemento
das F-FDTL maltratou gravemente e violou uma mulher de 65 anos de idade no
Distrito de Díli depois de supostamente a ter acusado de praticar bruxaria. A vítima
morreu dos seus ferimentos.
O incidente foi testemunhado por várias pessoas que supostamente tentaram ajudar
a vítima. Todavia, o elemento das F-FDTL terá alegadamente avisado essas pessoas
de que fazia parte do exército e que se elas tentassem intervir teriam o mesmo
tratamento. Várias pessoas terão tentado supostamente ligar para o número de
emergência 112, mas as suas chamadas não terão tido resposta.
Foi iniciada uma investigação criminal e o caso foi submetido à apreciação do
Parlamento Nacional. O elemento das F-FDTL foi inicialmente detido pela polícia
militar, supostamente, para realizarem uma investigação interna, tendo sido
posteriormente entregue à PNTL. A 17 de Junho de 2011 foi demitido das F-FDTL
numa cerimónia formal.
Na sequência de uma acusação apresentada em Junho de 2011, o elemento das
F-FDTL foi colocado em prisão preventiva. A 26 de Outubro de 2011, foi condenado
pelo Tribunal Distrital de Díli por homicídio agravado nos termos do artigo 139.º do
Código Penal de Timor-Leste e recebeu uma pena de prisão de 18 anos. Não houve
recurso. A rápida acusação e aplicação das medidas disciplinares militares, neste
caso, é louvável.
Outro caso preocupante ocorreu a 4 de Novembro de 2011, quando dois agentes da
PNTL, de folga, terão supostamente disparado e morto uma mulher civil de 19 anos
de idade na aldeia de Lourba, no distrito de Bobonaro.52 Segundo relatos, os dois
agentes da PNTL participaram numa festa de aniversário da família na aldeia. Os
relatórios indicam também que, apesar de estarem fora de serviço, os dois policias
estavam armados. Os processos criminais e disciplinares foram iniciados e os
elementos da PNTL estão em prisão preventiva.
52 Todos os casos que envolvem o uso de armas de fogo por agentes da PNTL referem-se ao uso de armas oficiais. Por lei,
os agentes da PNTL não estão autorizados a possuir armas particulares. Consulte o n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º
9/2009: “Os membros da PNTL não podem possuir armas a título privado”.
25
Em relação aos casos relatados em anos anteriores, não houve progressos nos casos
criminais de 2009 que envolveram o alegado assassinato de um homem espancado e
perseguido pelas F-FDTL no mar, que foi depois encontrado morto.53 O caso de 2007
que envolveu alegadamente elementos da PNTL a dispararem sobre civis, resultando
numa morte e numa pessoa ferida em Ossu, distrito de Viqueque, foi reaberto
para investigação em 2010, depois de ter sido arquivado.54 Em relação a este caso,
contudo, nenhuma acusação foi apresentada até à data.
Num desenvolvimento positivo, a 10 de Fevereiro de 2011 foi apresentada uma
acusação no caso de 2009 que envolveu o disparo sobre dois civis por parte da
PNTL, que matou um e feriu outro, no Delta Nova Reception Hall, em Díli.55 Um
elemento da PNTL foi acusado, embora os documentos judiciais sugiram que
mais pessoas na cena do incidente podiam ser responsabilizadas criminalmente.
O arguido foi acusado de homicídio nos termos do artigo 138.º e de tentativa de
homicídio nos termos dos artigos 23.º e 138.º do Código Penal de Timor-Leste. O
julgamento teve início a 24 de Novembro de 2011 e continuou em 2012.
Direito à segurança e à integridade física
56
Durante o período do relatório ocorreram inúmeras violações cometidas pelas forças
de segurança, de forma consistente com relatórios anteriores, que ameaçaram o
direito à segurança e à integridade física.
Num incidente ocorrido a 5 de Setembro de 2010, no distrito de Liquiçá, um
elemento das F-FDTL supostamente embriagado disparou alegadamente uma arma
de cano comprido sobre o veículo de agentes da PNTL que iam intervir num assalto
que envolvia a família do elemento militar. O elemento das F-FDTL foi detido pela
Polícia Militar e foi sujeito a um processo disciplinar. Como resultado, as F-FDTL
colaboraram com a polícia e com a Procuradoria-Geral da República na instauração
de um processo penal, que aparentemente está pendente. O elemento das F-FDTL
já teria sido supostamente demitido do serviço militar.
A 20 de Dezembro de 2010, um agente de folga da PNTL, alegadamente
embriagado, terá disparado vários tiros para o ar logo que chegou a um local onde
dois grupos de artes marciais lutavam entre si em Hali-Laran Market, Díli. Uma civil
que assistiu à luta em sua casa a determinada distância foi atingida por uma das
balas e ficou ferida. Foi apresentada uma acusação neste caso em Agosto de 2011,
e está marcado um julgamento para Março de 2012. Este caso é também objecto
de uma investigação disciplinar instaurada pela PNTL. Os privilégios do suspeito de
porte de arma de fogo foram suspensos enquanto se aguarda pelas investigações
criminais e disciplinares.
53 Consulte a UNMIT, “Rejecting Impunity: Accountability for Human Rights Violations, Past and Present, UNMIT Report
on Human Rights Developments in Timor-Leste, 1 July 2008-30 June 2009”, 2009, pág. 6 a 7, parág. 20; e o Relatório da
UNMIT de 2010 sobre os Desenvolvimentos relativos aos Direitos Humanos, pág. 11, parág. 32.
54 Ibidem, Relatório da UNMIT de 2010, pág. 10, parág. 27.
55 Ibid., Relatório da UNMIT de 2010, pág.9, parág. 25.
56 Este direito é garantido nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do PIDCP, e do artigo 30.º do Título II da Parte II da Constituição
de Timor-Leste.
26
Noutro caso, a 22 de Abril de 2011, um elemento da PNTL não fardado espancou
gravemente a sobrinha e o seu namorado, batendo várias vezes com a arma de
fogo na cabeça do homem. Durante a agressão, o policial terá alegadamente
retirado o namorado da casa e continuado a bater-lhe repetidamente, enquanto os
vizinhos testemunhavam o incidente. Um parente tentou intervir, mas foi ameaçado
pelo agente que alegadamente apontou a arma de fogo ao namorado. O agente
da PNTL terá também ameaçado disparar contra outros agentes da PNTL que
intervieram. O agente da PNTL terá ainda dito aos agentes e pessoal médico para
não prestarem assistência média à vítima masculina. A vítima foi gravemente ferida
e necessitou repetidamente de tratamento médico. A sua família relatou o incidente
à Comissão Parlamentar B. Uma acusação foi supostamente apresentada a 10 de
Dezembro de 2011 e o processo aguarda a marcação do julgamento.
Outro caso grave ocorreu a 4 de Junho de 2011, quando agentes da PNTL no
distrito de Díli terão alegadamente agredido, pontapeteado e pisado pelo menos
quatro homens após uma altercação entre grupos de jovens em Bidau, no distrito
de Díli. Durante o incidente, um agente dos serviços de informação da PNTL terá
supostamente ameaçado um chefe de aldeia com uma arma de fogo. A 5 de Junho,
o mesmo agente dos serviços de informação da PNTL terá supostamente voltado ao
local e batido e pontapeteado repetidamente um homem que ele suspeitava estar
envolvido no incidente de pedras atiradas entre jovens. Os agentes da PNTL terão
depois continuado a maltratá-lo durante o transporte e no interrogatório. O homem
foi libertado depois de ter sido mantido na cela de detenção durante várias horas.
A 7 de Junho, o chefe de aldeia que tinha sido ameaçado queixou-se à Comissão
Parlamentar B para os Negócios Estrangeiros, Defesa e Segurança Nacional, o que
resultou num inquérito parlamentar.
A 9 de Junho de 2011, um agente da PNTL bateu supostamente num agricultor,
aparentemente, pelo facto de o agricultor estar vestido com um T-shirt que indicava
afiliação num grupo de artes marciais. O agente da PNTL apertou alegadamente
o pescoço do agricultor, deu-lhe um murro no peito e tentou agredi-lo com um
bastão policial. O incidente foi relatado à Procuradoria de Suai. O agente da PNTL
é supostamente suspeito noutros três processos penais, e está entre os 199 agentes
da PNTL que não estavam certificados até Dezembro de 2010, mas supostamente já
terá sido certificado.57
A 27 de Agosto de 2011 quatro pessoas ficaram feridas, supostamente, quando um
agente da PNTL disparou diversas vezes a sua arma durante uma festa de casamento
na aldeia de Camenasa, distrito de Covalima. Ele terá supostamente disparado
contra um grupo de atiradores de pedras, acertando num deles. Mais tarde, o agente
da PNTL terá alegadamente disparado mais vezes, acertando noutra pessoa da
multidão e numa pessoa de uma casa próxima. Uma menina de 12 anos no interior
da casa ficou também ferida, supostamente ao ser atingida por um espelho que caiu.
Os seus ferimentos não implicaram perigo de vida e estas pessoas terão recebido
tratamento médico. Ambas as investigações, disciplinar e criminal, foram abertas
neste incidente, e os suspeitos terão sido supostamente desarmados e transferidos
para outro posto de serviço enquanto aguardaram pelo resultado das investigações.
57 Consulte a discussão do processo de certificação, pág. 18.
27
Em relação a casos anteriores a 29 de Março de 2011, uma vítima recebeu uma
indemnização ordenada pelo tribunal por parte da família de um agente da PNTL
que foi condenado por tentativa de homicídio em 2008. Após o pagamento e o
cumprimento de metade da pena, o agente da PNTL foi libertado da prisão. Em
contraste, um processo judicial contra um elemento da PNTL que disparou e feriu
um civil no distrito de Bobonaro, em 2009, foi invalidado devido a erros processuais
cometidos durante a investigação policial e a acusação. Não houve mais progressos
no caso de 2008 que envolveu uma ameaça de granada num mercado público por
parte de um elemento das F-FDTL.
Direito à liberdade contra a prisão arbitrária e a
privação da liberdade
58
Durante o período de relatório ocorreram inúmeras violações cometidas pelas forças
de segurança, de forma consistente com relatórios anteriores, que ameaçaram o
direito à liberdade contra a prisão arbitrária e a privação da liberdade.
A 27 de Fevereiro de 2011, as F-FDTL realizaram alegadamente uma detenção de um
civil em Tibar, no distrito de Liquiçá, relacionada com um alegado ataque anterior a
um comandante das F-FDTL. O civil foi supostamente detido durante cerca de sete
horas antes de a Polícia Militar das F-FDTL tentar entregá-lo à PNTL e à UNPOL. A
PNTL e a UNPOL não aceitaram ter o civil sob sua custódia e este saiu supostamente
da esquadra da polícia sob custódia da Polícia Militar das F-FDTL. O civil terá sido
libertado pouco depois. No dia seguinte, a Polícia Militar armada tentou prender e
interrogar outro jovem, mas após uma cooperação inicial a família do jovem recusouse a permitir que o filho deles continuasse a ser interrogado. Foi apresentada uma
queixa junto da PNTL.
Direitos de liberdade de expressão e de reunião
pacífica
59
Durante o período de relatório ocorreram algumas violações cometidas pelas forças
de segurança, de forma consistente com relatórios anteriores, que ameaçaram os
direitos de liberdade de expressão e de reunião pacífica.
A 31 de Agosto de 2011, agentes da PNTL terão alegadamente batido em cinco
pessoas, detido nove, disparado vários tiros com as suas armas e intimidado os
participantes numa manifestação pacífica de residentes e activistas da sociedade
civil no sub-distrito de Betano, distrito de Manufahi. Uma manifestante feminina foi
alegadamente ameaçada com uma arma por um elemento da PNTL que detinha
uma posição de comando. O mesmo elemento da PNTL terá alegadamente
insultado a manifestante com comentários sexuais indecentes. Os manifestantes
protestavam contra a atribuição de terras a uma empresa petrolífera por parte do
58 Este direito é garantido nos termos do artigo 9.º do PIDCP e dos n.ºs 2 e 3 do artigo -30.º do Título II da Parte II da
Constituição de Timor-Leste.
59 Estes direitos estão garantidos pelos artigos 19.º e 21.º do PIDCP, respectivamente, e pelos artigos 40.º e 42.º do Título II
da Parte II da Constituição de Timor-Leste.
28
Governo, a qual, segundo eles, tinha ocorrido sem a devida consulta da comunidade
local e sem transparência. Após um período de protesto calmo e pacífico, a PNTL
chegou e destruiu alegadamente as faixas que os manifestantes traziam ordenandolhes que cessassem as suas actividades. Os manifestantes terão supostamente
informado com antecedência a polícia dos seus planos de realizar uma manifestação
conforme exigido por lei. Os nove indivíduos detidos foram alegadamente
libertados na mesma noite com medidas restritivas mínimas. A HRTJS e uma ONG
local deram assistência a essas vítimas que queriam apresentar queixas na polícia.
Alegadas violações durante operações especiais
Durante o período do relatório, uma série de violações ocorreram alegadamente
durante operações especiais de uma forma consistente com os relatórios anteriores.
Em Dezembro de 2010, a PNTL com o apoio da UNPOL realizou operações especiais
em resposta aos ataques de um Grupo de Artes de marciais (GAM) nas aldeias de
Tunufahi e Lauwana, no subdistrito Letefoho do distrito de Ermera. Dos combates
deste grupo resultaram a morte de uma pessoa, 48 casas danificadas e 6.000 dólares
americanos roubados. Mais de 20 pessoas foram detidas pela PNTL no contexto da
violência, mas a base jurídica para algumas das prisões não foi clara uma vez que
nenhuma das pessoas capturadas pela polícia se recorda de lhe ter sido mostrado
um mandado de captura, e supostamente não terão sido presas a cometer o crime.
Pelo menos 10 das pessoas detidas foram alegadamente maltratadas.
Alguns dos suspeitos foram alegadamente espancados no escritório de um chefe de
aldeia local, onde foram detidos durante várias horas antes de serem levados para a
esquadra da polícia. Pelo menos um dos suspeitos, que era idoso, ficou gravemente
ferido nas costas. Outro suspeito foi ferido por um tiro. Mais preocupantes são
ainda os relatos de que pelo menos dois dos detidos não eram suspeitos, mas pais
dos suspeitos que a polícia deteve para coagir os filhos a renderem-se. Um processo
disciplinar da polícia foi supostamente apresentado em relação a alguns dos
espancamentos e ao tiro.
Entre aproximadamente 19 de Junho e 28 de Agosto de 2011, a PNTL realizou
outra operação especial, conhecida como “Operação 88”, no subdistrito de
Quelicai, distrito de Baucau, supostamente, em resposta a relatos de aumento da
criminalidade e de movimentações de grupos desconhecidos durante a noite. Cerca
de 38 pessoas terão sido detidas durante 12 a 36 horas no contexto da operação.
Aparentemente, as prisões foram efectuadas sem mandados de captura e a sua base
jurídica não é clara. Os agentes da PNTL, alegadamente, maltrataram pelo menos 20
pessoas durante as operações, incluindo espancamento, pontapés e pulverização de
gás lacrimogéneo nos olhos dos suspeitos.
A 14 de Agosto de 2011, um agente da PNTL, Augusto Paulo dos Santos (“Teki
Dias”), foi morto nas imediações da aldeia Galitas, no subdistrito de Zumalai, distrito
de Covalima, supostamente como consequência de um conflito entre grupos de
artes marciais. Após o assassinato, um total de 58 casas em Galitas foram queimadas
e outras 14 foram danificadas, supostamente, por grupos de artes marciais. Cerca de
29
748 moradores de Galitas fugiram da aldeia para procurarem refúgio. A pedido das
autoridades nacionais, foi destacado pessoal da UNPOL para reforçar a segurança.
Entre 16 e 18 de Agosto, durante as operações para prender os responsáveis pelas
mortes e pelas casas queimadas, a PNTL prendeu 26 pessoas. Dos detidos, após
uma audiência judicial, 15 foram colocados em prisão preventiva na prisão de
Becora. Os outros foram libertados.
Embora a resposta humanitária ao incidente, coordenada pelo Ministério da
Solidariedade Social, tenha sido positiva e eficaz, existem indícios da ocorrência de
uma série de violações de direitos humanos contra as pessoas detidas. As violações
incluíram supostamente maus-tratos, prisão sem mandado de captura, tempo de
detenção superior ao limite legal de 72 horas, detenção de uma pessoa com idade
inferior à da responsabilidade penal e não separação de detidos juvenis e adultos
durante os três primeiros dias de detenção. Além disso, o acesso aos detidos foi
inicialmente negado aos funcionários da HRTJS, pessoal da PDHJ e defensores de
direitos humanos da Asosiasaun HAK, embora tenha sido concedido posteriormente
o acesso às pessoas detidas na prisão de Becora.
X. Acesso à Justiça
Registaram-se progressos no sentido do reforço do sistema de justiça. Houve um
aumento no número de intervenientes judiciais timorenses, e estes estão a ter um
papel mais importante, inclusive em casos complexos. Em Maio de 2011, cinco juízes,
quatro magistrados do Ministério Público e cinco defensores públicos prestaram
juramento cinco dias depois de se formarem no Centro de Formação Jurídica.
Todavia, o recrutamento de novo pessoal judicial é aparentemente lento. A formação
de advogados privados e tradutores jurídicos está em curso. Os tribunais regionais
dos distritos de Baucau, Covalima, Díli e Oecusse estão a realizar audiências
regulares. Contudo, o acesso à justiça continua a ser restrito. Entre os obstáculos
no acesso ao sistema de justiça formal encontram-se a fraca consciencialização
pública dos mecanismos de justiça formal, os custos de transporte proibitivos e as
custas judiciais. Muitos casos são supostamente resolvidos através de mecanismos
consuetudinários mais acessíveis, mas que nem sempre estão de acordo com as
normas de direitos humanos.
Continua a existir um grande atraso, com 4.723 processos pendentes nas
Procuradorias à data de 31 de Dezembro de 2011. O atraso do Ministério Público
dever-se-á supostamente a um enorme volume de processos, investigações policiais
incompletas, falta de recursos, atrasos na tradução de documentos, dificuldades de
comunicação entre os magistrados do Ministério Público e a polícia e à falta de uma
gestão de processos eficaz.
A Lei sobre a Protecção de Testemunhas também ainda não foi implementada, o
que pode ser outro factor que afecta a qualidade e eficiência das acções penais.60
60 Consulte a HRTJS, “Facing the Future: Periodic Report on Human Rights Developments in Timor-Leste: 1 July 2009 – 30
June 2010”, pág. 20, parág. 54.
30
Cinco juizes, quatro procuradores e cinco defensores públicos prestaram juramento numa cerimônia em Dili depois de se terem
licenciado no Centro de Formação Jurídica em Maio de 2011, aumentando o número de intervenientes nacionais no sistema
jurídico. UNMIT Foto/Martine Perret
Os magistrados do Ministério Público, defensores públicos e advogados privados
pro bono lidam com volumes de processos que, por vezes, são impossíveis de gerir.
Para além da formação para advogados privados, estão a ser tomadas medidas
no sentido de facilitar a criação de uma Ordem dos Advogados. O atraso na
implementação do regime de formação para advogados privados estabelecido nos
termos da Lei 11/2008 suscitou preocupações, especialmente porque o Ministério
da Justiça ainda não concordou com uma proposta de extensão do prazo para a
conclusão da sua formação de Julho de 2012 a 2014. Estas decisões políticas podem
afectar negativamente o acesso à justiça uma vez que o número de advogados
privados elegíveis para a prática será reduzido significativamente.
O acesso à justiça dos detidos preventivamente também foi motivo de preocupação.
Vários detidos a título preventivo entrevistados pela HRTJS não sabiam o nome
do seu advogado ou como contactar um advogado. As visitas do defensor público
foram supostamente raras na prisão de Gleno e pouco frequentes na prisão de
Becora. Quando ocorreram visitas, as mesmas ter-se-ão limitado à consulta com
clientes específicos em vez de proporcionarem uma oportunidade à população
prisional em geral de acesso a aconselhamento.
Durante o período de relatório, as medidas de clemência do Presidente para os
presos continuaram a ser objecto de inquirição. A 20 de Agosto de 2010 comutou
as sentenças dos condenados pelo envolvimento no atentado de 11 de Fevereiro
de 2008 contra ele e o Primeiro-Ministro, bem como dos três soldados das F-FDTL
acusados de homicídio e tentativa de homicídio e condenados pela morte de oito
31
agentes da PNTL em 2006.61 A 23 de Dezembro de 2010, o Presidente comutou as
sentenças de outras 12 pessoas. As pré-condições para estas medidas eram que os
presos estivessem a cumprir penas de prisão inferiores a três anos por crimes que
não envolvessem assassinato ou violência sexual, e que o preso tivesse cumprido
pelo menos 10 meses da sua pena com bom comportamento. A 19 de Maio de 2011,
para comemorar a independência da nação no dia a seguir, o Presidente concedeu
clemência a mais três pessoas com penas de prisão de três anos por fogo posto no
decurso de uma manifestação política. A 28 de Dezembro, o Presidente da República
comutou as penas de nove pessoas. De acordo com o decreto presidencial,
os indivíduos que cometeram crimes contra a vida, crimes sexuais violentos ou
crimes sexuais contra menores, violência doméstica ou tráfico de drogas não eram
considerados para comutações. No entanto, o decreto observou uma excepção aos
critérios em relação a um indivíduo, Francisco Ximenes Alves, a quem foi concedida
uma redução de dois terços da sua pena. Ximenes Alves foi condenado pela sua
participação no atentado de 11 de Fevereiro de 2008 contra o Presidente RamosHorta. O Presidente actuou no âmbito dos seus poderes constitucionais e terá
consultado vários intervenientes sobre estas decisões, mas alguns observadores
temeram que a percepção pública fosse a de que os indivíduos envolvidos em
processos de alto nível teriam tratamento favorecido.
Violência baseada no género
A violência baseada no género, e especialmente a violência doméstica, continuam
a constituir uma preocupação grave. Uma das medidas mais importantes tomadas
até agora para abordar este problema foi a promulgação da Lei Contra a Violência
Doméstica (Lei 7/2010, ou LADV), que entrou em vigor a 7 de Julho de 2010. Em
relação a várias infracções delineadas no Código Penal que envolvem a violência
doméstica, a lei estabelece que as mesmas requerem investigação criminal, mesmo
que a vítima não apresente uma queixa formal. A lei prevê ainda a prestação de
diversos serviços à vítima, reabilitação para os agressores e a sensibilização do
público pelos chefes de suco, entre outras coisas. O Parlamento demonstrou o
seu compromisso com o apoio à implementação da lei a 28 de Janeiro de 2011 ao
atribuir 1 milhão de dólares americanos do Orçamento de Estado para iniciativas de
combate à violência doméstica.
O papel e as responsabilidades da PNTL na prevenção, investigação e comunicação
de casos de violência doméstica estão descritos no artigo 24.º da Lei Contra
a Violência Doméstica. Nos termos do artigo 24.º desta lei, um serviço policial
especializado, designado como Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV), funciona
sob o comando do Serviço de Investigação Criminal (SIC) para lidar com casos de
violência contra mulheres e crianças, violência sexual, violação e violência doméstica.
A UPV está presente em todos os distritos. A unidade destina-se a colaborar com o
Ministério da Solidariedade Social, que é o ministério encarregue de gerir uma rede
de centros de apoio a vítimas de violência doméstica para a prestação directa de
assistência, abrigo e aconselhamento.
61 Consulte também o pag. 38.
32
Em 2010, a Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV) registou 438 casos de violência
doméstica num total de 688 crimes que afectaram grupos vulneráveis, a maioria dos
quais eram formas de violência baseada no género. Esta é uma ligeira diminuição no
número de casos comunicados comparativamente com 2009. Em 2011, a Unidade
de Pessoas Vulneráveis (UPV) registou 589 casos de violência doméstica num total de
755 crimes que afectaram grupos vulneráveis, a maioria dos quais eram formas de
violência baseada no género. Estes valores reflectem um aumento significativo do
número de casos de violência doméstica comunicados ao sistema de justiça formal.62
A Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV) está supostamente limitada pela
insuficiência de recursos, tais como a falta de veículos para investigar os processos.
Em visitas semanais para acompanhar o andamento dos processos de violência
baseada no género, a HRTJS observou outras questões preocupantes, tais como
os grandes atrasos na instrução dos processos, muitas vezes, devido a uma
comunicação ineficaz entre os magistrados do Ministério Público e a polícia. A
HRTJS documentou vários casos nos quais as testemunhas principais não foram
entrevistadas até vários meses após o crime ter sido relatado, afectando a viabilidade
das provas físicas e dos testemunhos. A HRTJS observou ainda problemas com
os sistemas de gestão de processos da UPV: muitas vezes a polícia não conseguiu
localizar documentação básica de processos, geralmente, devido a um falha na
actualização dos sistemas de base de dados ou à ausência de pessoal que não tinha
entregue a informação dos processos.
Os casos acompanhados pela HRTJS ilustram algumas das lacunas nas respostas
da polícia em relação à violência baseada no género, bem como à falta de
serviços disponíveis para as vítimas. Por exemplo, num dos casos, uma mulher foi
imediatamente ao gabinete da UPV para denunciar a violação, na noite do ataque,
por volta das 20:00 horas. A mesma terá sido supostamente instruída pela polícia a
voltar lá no dia seguinte, uma vez que ninguém no hospital a iria ver durante a noite.
Não lhe foram dadas quaisquer instruções na noite do ataque para sua protecção ou
bem-estar psicológico, e não foram tomadas medidas para preservar a prova física
do ataque. Em pelo menos dois outros casos documentados pela HRTJS, as vítimas
estavam a viver em estreita proximidade com os alegados atacantes depois de
terem relatado os ataques à polícia. Não lhes foram dados alegadamente quaisquer
contactos ou informação por parte da polícia, e não foi tomada qualquer medida
de protecção. A HRTJS constatou também com preocupação que nalguns casos a
polícia não tomou medidas rápidas em relação aos relatos de violência doméstica ou
de violação porque não pensou que o caso fosse “grave”, ou porque a vítima não
tinha apresentado uma queixa, apesar desta não ser exigida por lei.
Os hospitais também desempenham um papel nos relatos de violência doméstica
e na prestação de serviços às vítimas, mas em entrevistas com a HRTJS, durante
Junho e Julho de 2011 em vários hospitais por todo o país, nenhum funcionário
nos hospitais disse ter recebido formação sobre a nova lei. O pessoal da polícia
e as vítimas afirmaram que não se dava prioridade às vítimas de violação quando
estas eram recebidas nalguns hospitais. Um hospital informou a HRTJS que não
62 Estes valores reflectem violações do artigo 154.º do Código Penal, que são os maus tratos a cônjuge. Segundo a Lei
Contra a Violência Doméstica, os maus tratos de pessoas que não sejam cônjuges também podem ser considerados
uma forma de violência doméstica, mas até à data não estão disponíveis dados estatísticos sobre o número de casos de
violência doméstica que envolvem maus tratos de pessoas que não sejam cônjuges.
33
forneceria relatórios médicos às vítimas, mas apenas ao pessoal da polícia mediante
requerimento judicial oficial. A maioria dos funcionários do hospital entrevistados
observaram a necessidade de mais pessoal especializado para os exames médicolegais e para o aconselhamento. Os hospitais referiram ainda a necessidade de mais
casas de abrigo para as vítimas em áreas rurais.
Desde a aprovação da lei, realizaram-se inúmeras formações sobre a questão. De
um modo geral, os agentes da PNTL parecem ter um melhor entendimento da
natureza pública do crime. As ONG fornecem serviços nas áreas da protecção,
abrigo e aconselhamento, mas a qualidade e disponibilidade de tais serviços variam.
Contudo, os casos acompanhados e o inquérito do pessoal hospitalar indicam
claramente que são necessários mais esforços para garantir uma investigação e
procedimento penal eficazes, bem como protecção e serviços de saúde imediatos
para as vítimas.
Os entraves ao sistema de justiça formal podem levar muitas vítimas a recorrerem
a mecanismos informais de justiça. Em Junho de 2011, a HRTJS realizou entrevistas
com uma amostra de 25 chefes de suco em vários distritos. Todos os chefes de
suco tinham participado em mais de uma formação sobre a lei contra a violência
doméstica, proporcionadas pela Secretaria de Estado para a Promoção da
Igualdade (SEPI),63 ONG locais ou o Ministério Público. Todos consideraram estas
formações úteis, mas muitos observaram ser necessária formação para os membros
das comunidades, especialmente nas áreas rurais, de modo a mudar atitudes e
comportamentos de violência contra as mulheres.
Casos de violência doméstica
relatados à UPV
0
200
400
2011
2010
600
800
2009
As entrevistas com os chefes de suco e as vítimas confirmaram que os mecanismos
de justiça tradicional continuam a ser amplamente utilizados nos casos de violência
doméstica e, por vezes, até mesmo nos casos de violência sexual. Estes nem sempre
defendem as normas ou abordagens dos direitos humanos. Por exemplo, as vítimas
não podem ter uma palavra a dizer no processo, e a maioria das pessoas com poder
de decisão são masculinas. Os autores dos crimes são muitas vezes penalizados com
o pagamento de indemnizações, mas estes são geralmente feitos à família da vítima
e não à vítima.
63 A 8 de Março de 2011, a SEPI realizou um workshop sobre a Lei Contra a Violência Doméstica com 400 chefes de aldeia
(10 eram mulheres) de todos os distritos.
34
Alguns chefes de suco relataram a aplicação de mecanismos tradicionais em
conjunto com o sistema jurídico como uma medida que poderia resolver o problema
localmente e com urgência enquanto aguardavam pelos demorados processos
penais. Estes chefes de suco descreveram os mecanismos de justiça tradicional como
uma forma de reintegrar o autor do crime na comunidade ou de proteger a vítima
contra mais violência durante o processo penal.
Expulsões
Durante o período de relatório, ocorreram várias expulsões forçadas.64 A questão
das expulsões é pertinente para várias áreas dos direitos humanos, incluindo o
direito a alojamento adequado e o direito à terra e à propriedade. Se não existir uma
representação legal, protecção e reparações adequadas quando ocorrem violações
destes direitos, as expulsões são também um problema de acesso à justiça.
Embora o direito ao alojamento esteja previsto claramente na legislação nacional
de Timor-Leste e em instrumentos jurídicos internacionais,65 ainda não existem leis
ou políticas adequadas sobre a terra e casa própria. O regime jurídico actualmente
existente para a propriedade da terra é controverso porque reclama para o Estado
toda a terra deixada pelos anteriores ocupantes portugueses, bem como outras
propriedades que possam incluir terras anteriormente utilizadas pelo Governo
indonésio.66 Na verdade, isso significa que a maioria das propriedades no país pode
ser reclamada pelo Governo. Um decreto-lei sobre o regime de regularização de
propriedade não-contestadas relacionado com as leis sobre terras foi aprovado pelo
Conselho de Ministros, mas tem sido vivamente criticado devido a uma suposta falta
de consulta pública, entre outros problemas. Esta lacuna legal, juntamente com a
longa história de conflitos e de deslocação maciça, deixou muitas comunidades na
incerteza sobre o seu direito de viver em terras ou em casas que ocuparam durante
muito tempo.67
O caso de expulsão forçada mais proeminente durante o período do relatório
envolveu a expulsão de residentes do complexo da ex-BRIMOB, embora tenham
ocorrido outras expulsões durante o período de relatório que também levantaram
questões sobre direitos humanos. A 20 de Janeiro de 2011 foi levada a cabo a
expulsão de cerca de 147 famílias, por volta das 6h00 da manhã, a que se seguiu
a demolição das suas casas localizadas no complexo da ex-BRIMOB no Bairo Pite,
distrito de Díli. A expulsão foi anunciada às 4h00, duas horas antes, por elementos
da PNTL. A expulsão terá supostamente ocorrido na sequência de cartas de
notificação que terão sido enviadas às pessoas em causa pela Direcção Nacional
64 A “expulsão forçada” é definida no direito internacional como a “a remoção permanente ou temporária de indivíduos,
famílias e/ou comunidades das casas e/ou terras que ocupam, contra a vontade dos mesmos e sem que lhes seja
oferecido recurso ou o acesso a formas apropriadas de protecção legal ou outra protecção”. (Comité de Direitos
Económicos, Culturais e Sociais das Nações Unidas, “The right to adequate housing (art 11.1): forced evictions,”
Comentário Geral n.º 7, Doc. Nações Unidas. HRI/GEN/1/Rev.7 (1997), parág. 3.
65 Na legislação nacional, consulte o artigo 54.º do Título III da Parte II da Constituição. No direito internacional, consulte
o artigo 11.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que estabelece o direito
a alojamento adequado e protege contra a expulsão forçada. A expulsão forçada também poderá ser considerada com
estando em contradição com os artigos 9.º e 17.º do PIDCP.
66 Consulte o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 1/2003.
67 Em 2012, o Parlamento aprovou leis relacionadas com a utilização da terra, mas no momento da redacção deste relatório,
essas leis ainda não tinham sido promulgadas.
35
de Terras, Propriedades e Serviços Cadastrais no âmbito do Ministério da Justiça
a 24 de Novembro de 2009 e 28 de Setembro de 2010. Estas cartas, no entanto,
não foram entregues a todos os residentes e o primeiro aviso de expulsão foi feito
apenas em português, uma língua que a maioria dos residentes não entendia.
Por conseguinte, a 25 de Janeiro de 2011, cerca de 80 pessoas expulsas foram
pedir apoio à PDHJ. Como resultado de uma reunião entre o Provedor, vários
representantes do grupo de desalojados e o Ministro da Justiça, foram tomadas
medidas no sentido de alojar temporariamente as pessoas afectadas e terá sido
acordado que seriam fornecidos alguns materiais de construção. Inicialmente, as
famílias foram transferidas para o complexo de uma ONG ligada aos direitos sobre
as terras no Distrito de Díli, mas depois foram transferidas para um local do Governo
em Aitarak Laran que não dispunha de instalações básicas de água e saneamento.
Entre as pessoas afectadas estavam 10 mulheres grávidas e vários menores. Embora
tenham havido vários protestos e reuniões entre funcionários do Governo em relação
a este caso, as famílias continuam deslocadas no local temporário, e não receberam
quaisquer materiais de construção ou subsídios de deslocalização. Foi apresentado
um processo judicial por um representante das pessoas expulsas, mas foi rejeitado,
supostamente devido a dois problemas processuais. No caso das expulsões
do complexo da ex-BRIMOB, a HRTJS preocupa-se com o facto de muitas das
protecções processuais delineadas nas normas internacionais de direitos humanos
não terem sido cumpridas.68
Combate à corrupção
O aumento da transparência e da responsabilização a todos os níveis da sociedade,
mas especialmente no sector público, é essencial para permitir uma adequada
administração da justiça, incluindo a garantia do Estado de Direito e a protecção
dos direitos dos acusados. Embora ainda haja muito trabalho por fazer, Timor-Leste
mostrou progressos nesta área. Até ao final do período de relatório, a Comissão
Anti-Corrupção (CAC) foi plenamente provida de pessoal. Tinha aberto 27
processos, 15 dos quais foram concluídos e 12 ainda estavam a ser investigados.69
Além disso, o Governo lançou o sítio Web Transparência do Orçamento de TimorLeste e um portal de compras electrónicas, para uma maior supervisão pública da
despesa pública.
Digna de nota foi a acção penal de funcionários do Governo por alegações de
corrupção. Em Abril de 2011, tiveram início os processos judiciais contra o VicePrimeiro-Ministro para os Assuntos Sociais perante acusações de enriquecimento
ilícito e de abuso de funções. A 9 de Maio de 2011 um Tribunal Distrital de Díli
68 Supra., Comentário Geral n.º 7, parág. 15: “1) uma oportunidade de consulta genuína com as pessoas afectadas; 2) aviso
suficiente e razoável às pessoas afectadas antes da expulsão; 3) informação sobre as expulsões propostas e, quando
aplicável, sobre a finalidade alternativa a que se destinam os terrenos ou a habitação, a fornecer atempadamente a todos
os afectados; 4) deverão estar presentes funcionários governamentais ou os seus representantes no decurso de uma
expulsão; 5) todas as pessoas que executam as expulsões devem estar devidamente identificadas; 6) as expulsões não
devem ter lugar durante intempéries ou à noite, a não ser que as pessoas afectadas dêem o seu consentimento para o
efeito, 7) acesso a recursos jurídicos, e 8) fornecimento de auxílio jurídico, quando possível, para as pessoas que dele
necessitem para procurarem reparação nos tribunais”.
69 Estas estatísticas abrangem o período de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Janeiro de 2012.
36
absolveu o réu por falta de provas conclusivas, e a 17 de Agosto de 2011 o Tribunal
de Recurso confirmou a sua decisão.
Os processos judiciais começaram após um amplo debate no Parlamento
sobre a possibilidade de se aprovar o levantamento da sua imunidade. Numa
resolução parlamentar separada, após o levantamento da imunidade parlamentar,
o Parlamento solicitou que a conduta do Procurador-Geral da República fosse
analisada em relação às acusações contra o alto funcionário.
Noutro caso, a 6 de Agosto de 2011, o Tribunal Distrital de Díli condenou o
Administrador Distrital de Díli a três anos e meio mediante acusações relacionadas
com o desvio de fundos públicos. O processo estava pendente de recurso no
final do período de relatório. Outros casos de corrupção envolvendo funcionários
públicos estarão supostamente a aguardar julgamento nos tribunais locais.
Os julgamentos dos funcionários do Governo revelam um sistema que funciona
quando à responsabilização, mesmo num contexto politizado. Contudo, uma vez
que os funcionários nacionais de combate à corrupção continuam a envolver partes
interessadas nacionais nos esforços de prevenção e combate à corrupção, as altas
expectativas do público de condenações rápidas constituem um desafio para as
autoridades nacionais. Satisfazer tais expectativas, tratando dos crimes de corrupção
de uma forma imediata, integral e imparcial, continua a ser uma tarefa exigente. É
necessária uma protecção equilibrada dos direitos do acusado, especialmente no
que respeita à presunção de inocência. Por outro lado, os envolvidos na investigação
e julgamento dos crimes necessitam de garantias para desempenharem as suas
funções de forma eficaz e sem obstáculos.
XI. Justiça transicional
Durante o período de relatório, o progresso no julgamento dos processos da
Comissão de Inquérito (CI) pelos tribunais continuou a ser lento. A 31 de Dezembro
de 2011, tinham sido proferidas decisões em sete processos, resultando em nove
condenações e 43 absolvições, enquanto quatro processos tinham sido encerrados.
Somente dois processos foram julgados durante o período de relatório. A 27 de
Julho de 2010, o Tribunal Distrital de Díli proferiu a sua decisão no Palácio do
Governo, que resultou na absolvição do único acusado, Ozorio Leki (também
conhecido como Mauleki). O processo dizia respeito aos acontecimentos de 28 de
Abril de 2006, em que irrompeu a violência na manifestação de peticionários em
frente ao Palácio do Governo, que causou a morte a dois civis, vários feridos e a
destruição de propriedades e veículos. Mauleki, antigo porta-voz do grupo Colimau
2000, foi acusado de “instigação à prática de crime” (art.º 189 do Código Penal). Na
sua decisão, o Tribunal Distrital de Díli determinou que o elemento subjectivo do
crime, ou a intenção, não tinha sido provado.
37
A 17 de Setembro de 2010, o Tribunal Distrital de Díli proferiu a sua decisão no
processo Fatu Ahi que envolveu 27 arguidos acusados de homicídio, utilização de
armas para perturbar a ordem pública e rebelião. Todos os acusados eram suspeitos
de participação com o Major Alfredo Reinado em atentados contra membros
das F-FDTL da PNTL em Fatu Ahi, entre 23 e 24 de Maio de 2006, e contra as
Forças de Estabilização Internacionais (ISF) no Distrito de Manufahi a 3 de Março
de 2007. O tribunal absolveu todos os acusados, decidindo que as acusações de
homicídio e utilização de armas não tinham sido suficientemente provadas durante
o julgamento. Quanto à acusação de rebelião (art.º 108 do Código Penal Indonésio),
o Tribunal decidiu que a acusação não era aplicável uma vez que o crime tinha sido
descriminalizado com a introdução do novo Código Penal.
Foi apresentada um nova acusação pela Procuradoria-Geral da República contra
15 indivíduos a solicitar a prisão de seis deles relacionados com o fogo posto da
casa da família De Silva, a 25 de Maio de 2006, do qual resultou na morte de seis
parentes do ex-Ministro do Interior, Rogério Lobato. Cinco desses indivíduos foram
presos a 11 de Novembro de 2010, estando actualmente em liberdade com medidas
restritivas e a aguardar julgamento marcado para Janeiro de 2012.
Os atrasos no julgamento destes processos podem estar relacionados com a sua
complexidade, bem como com uma questão de prioridades entre as instituições
envolvidas. A falta de apoio nas investigações também foi identificada como um
factor no tratamento dos processos. A taxa de absolvição é de 83 por cento, o que
é relativamente alta. A complexidade das investigações e a falta de disposição
das testemunhas ou das vítimas para deporem poderão ter contribuído para estes
resultados, entre outros factores.
Outro desenvolvimento relacionou-se com os quatro elementos das F-FDTL que
tinham sido condenados pelo assassinato de oito agentes da PNTL a 25 de Maio
de 2006. Estes elementos tiveram clemência presidencial e foram libertados: um
deles, em 2009, e os restantes três em 2010. Durante o período do relatório, as viúvas
das vítimas receberam a indemnização concedida pelo Tribunal, embora não dos
acusados, mas a partir de um fundo público não especificado. Os três elementos
das F-FDTL libertados em 2010 foram demitidos das F-FDTL em Maio de 2011, mas
alguns deles terão continuado a trabalhar para o Ministério da Defesa.
A falta de responsabilização por crimes passados tem um custo. Depois de
passarem um tempo considerável em prisão preventiva, o antigo comandante
da PNTL e o líder de artes marciais Abílio Mesquita (Mausoco) foram absolvidos
a 18 de Junho de 2010 relativamente à sua participação no ataque contra a casa
do comandante das F-FDTL entre 24 e 25 de Maio de 2006. A absolvição surgiu
no terceiro julgamento do mesmo processo, depois de o Tribunal de Recurso ter
ordenado um novo julgamento por duas vezes com base em erros processuais. As
testemunhas principais, especialmente membros das F-FDTL, recusaram-se a depor,
supostamente devido a fadiga processual e para bem da reconciliação, resultando
na absolvição de Mesquita e dos co-acusados. Menos de um ano depois, Mesquita,
que tinha sido demitido da PNTL, ter-se-á envolvido noutro incidente. A 23 de
Maio de 2011, entregou-se a polícia para ser preso e acusado do assassinato de um
homem no distrito de Liquiçá.
38
Responsabilização por violações de direitos humanos
durante e antes de 1999
Houve pouco progresso na luta contra a impunidade por crimes do passado durante
a ocupação indonésia.70 Contudo, um marco importante é o julgamento do primeiro
processo resultante das investigações da Equipa de Investigação de Crimes Graves
da UNMIT (SCIT), relativo aos ex-milicianos Alfonso de Jesus e Valentim Lavio. Os
processos judiciais tiveram início a 26 de Maio de 2011 no Tribunal Distrital de Díli.
Os dois homens foram acusados de homicídio como crime contra a humanidade
pelo assassinato de um homem no distrito de Liquiçá a 6 de Setembro de 1999, mas
somente um dos acusados, Lavio, esteve presente no tribunal. Pensa-se que De
Jesus se encontre na Indonésia. Sete audiências tiveram lugar até 17 de Junho, altura
da deliberação do processo pelo Tribunal. A Equipa de Investigação de Crimes
Graves (SCIT) deu apoio com a notificação e transporte de testemunhas para o
julgamento a pedido do Ministério Público.
A 8 de Julho de 2011, Lavio, um ex-membro da milícia Besi Merah Putih, foi
condenado a nove anos de prisão por crimes contra a humanidade cometidos em
1999. O seu advogado de defesa interpôs recurso no início de Setembro, mas este
foi rejeitado. O arguido, que permaneceu livre durante o julgamento e recurso, ainda
não foi preso para cumprir a pena. O seu paradeiro é desconhecido.
A 31 de Dezembro de 2011, a Equipa de Investigação de Crimes Graves (SCIT) tinha
concluído 250 investigações. Além disso, a SCIT, em colaboração com a HRTJS e a
Unidade de Suporte à Governança Democrática da UNMIT, levou a cabo acções de
sensibilização em todos os 65 subdistritos de Timor-Leste.
Em Setembro de 2010, o Parlamento debateu e votou geralmente a favor de um
projecto de lei para a criação de uma plataforma para um programa de reparações
destinado as vítimas de violações de direitos humanos. Para além da lei de
reparações, foi elaborada uma lei que estabelecia um Instituto da Memória para
implementar as recomendações das duas comissões da verdade - a Comissão de
Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) e a Comissão de Verdade e Amizade
(CVA). O instituto destinou-se a implementar as recomendações das comissões de
verdade relativas às reparações, pessoas desaparecidas, formação em matéria de
direitos humanos e à preservação de arquivos. Por duas vezes se adiou uma votação
posterior para se avançar com as duas leis devido a pedidos apresentadas por vários
deputados que queriam ver resolvidas questões relativas ao pagamento de pensões
a veteranos da resistência antes da questão das reparações às vítimas.
A conferência de encerramento do Diálogo de Consenso Nacional para a Verdade,
Justiça e Reconciliação teve lugar entre 21 e 23 de Outubro de 2010, co-presidida
pelo Presidente do Parlamento Nacional e pelo Enviado Especial da Noruega
para Timor-Leste, o bispo Gunnar Stålsett. A conferência facilitou o diálogo entre
o Governo, os deputados e outros líderes timorenses sobre questões de justiça e
reconciliação. Entre as questões abordadas estavam as reparações às vítimas de
70 Para mais informações sobre os crimes alegadamente cometidos durante a ocupação indonésia consulte, Chega! : The
Final Report of the Commission of Reception, Truth and Reconciliation, 2005.
39
violações de direitos humanos e de crimes graves cometidas em 1999. O Diálogo
de Consenso Nacional foi uma iniciativa que começou em 2009 orientada por
um comité directivo nacional composto por representantes de todos os partidos
políticos, com o apoio de organizações não-governamentais, a Igreja Católica, o
ACNUDH e a UNMIT.
De 7 a 14 Fevereiro de 2011, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre
Desaparecimentos Forçados ou Involuntários (WGEID) realizou uma visita a TimorLeste, a convite do Governo. O WGEID analisou os esforços do Governo no sentido
de lidar com os desaparecimentos forçados, com verdade, justiça, reparação e
reconciliação. Fez recomendações para reforçar a resposta da Justiça e a nível
médico-legal em relação aos desaparecimentos do passado e apoiou os esforços
do Parlamento no sentido da criação de programas de reparação e comemoração.
O WGEID tentou ainda esclarecer alguns dos 428 casos de desaparecimento
relacionados com Timor-Leste que foram comunicados ao WGEID.71
XII. Direito à liberdade de religião e
de crença
A liberdade de religião e de crença foi geralmente respeitada pelo Governo de
Timor-Leste durante o período de relatório, mas a falta de respeito deste direito
por parte de algumas comunidades nem sempre foi objecto de uma resposta
oficial forte. O artigo 45.º da Constituição da República Democrática de TimorLeste prevê, entre outras coisas, que “a toda a pessoa é assegurada a liberdade
de consciência, de religião e de culto”. Uma maioria significativa (cerca de 98 por
cento da população, segundo dados de 2005) dos timorenses são católicos romanos.
Inúmeros casos de hostilidade contra grupos minoritários como os protestantes e
os muçulmanos têm sido relatados nos últimos anos à HRTJS (consulte o mapa do
anexo B), apesar destas situações também terem ocorrido em fases anteriores à
presença das Nações Unidas em Timor-Leste.72
A HRTJS observou com particular preocupação incidentes de violência contra
membros de alguns grupos de igrejas protestantes durante o período de relatório. A
título de exemplo, a 23 de Agosto de 2010 um grupo de pessoas terá alegadamente
incendiado um barracão com materiais de construção destinados a uma igreja
evangélica no distrito de Manufahi. O incidente de fogo posto foi relatado à
polícia e a situação na aldeia terá melhorado posteriormente no seguimento de
um maior patrulhamento policial. A construção da igreja foi concluída e estava a
71 Para o relatório final da visita do WGEID a Timor-Leste consulte, A/HRC/19/58/Add.1, disponível em http://www2.ohchr.
org/english/bodies/hrcouncil/docs/19session/A.HRC.19.58.Add.1_English.pdf
72 Este mapa reflecte os casos relatados à HRTJS, podendo não incluir todos os incidentes de alegada intolerância religiosa.
Para mais informações sobre o direito à liberdade religiosa e outros incidentes relacionados em Timor-Leste, consulte o
Centro da Universidade de Columbia/Belun para a Resolução de Conflitos Internacionais, “Religious Identity and Conflict
in Timor-Leste”, Setembro de 2009 e “Reducing Tensions relating to Religious Identity through Shared Understanding”, 19
de Setembro de 2011, disponível em: http://www.cicr-columbia.org/practice/present/east timor (acedido a 12 de Fevereiro
de 2012).
40
ser utilizada. Contudo, a 20 de Fevereiro de 2011, um grupo de cerca de 200 a 300
pessoas, incluindo alegadamente o chefe de suco, marcharam até a mesma igreja.
A marcha teria ocorrido em resposta a uma carta enviada a 10 de Janeiro de 2011
pelo Ministério das Infra-estruturas que proibia qualquer construção adicional no
edifício. A PNTL respondeu e controlou a multidão. Foi feita uma mediação, mas
o resultado relatado foi o encerramento provisório da igreja pela PNTL. A igreja foi
posteriormente reaberta em Maio de 2011 por ordem do Procurador.
Também foram relatados casos de ameaças e de violência contra grupos
protestantes em Outubro de 2010 no distrito de Bobonaro, em Dezembro de 2010
no distrito de Oecusse, de Janeiro a Fevereiro de 2011 no distrito de Manatuto, em
Março e Junho de 2011 no distrito de Baucau e em Julho de 2011 nos distritos de
Díli e Manufahi.
Em muitos destes casos, a mediação comunitária foi facilitada pela polícia nacional,
pelas autoridades locais ou por entidades como ONG locais que tentaram resolver
os conflitos. Nalguns casos a mediação terá supostamente envolvido problemas
como uma participação significativamente maior de católicos do que protestantes ou
evangélicos, não ser dado um tempo igual à comunidade protestante ou evangélica
de exprimir a sua opinião no decurso da mediação, ou ser exigido aos protestantes
ou evangélicos por membros da comunidade que descontinuassem parcial ou
integralmente a sua actividade religiosa, incluindo a evangelização de membros da
comunidade católica. Em pelo menos dois dos incidentes a polícia terá ordenado
expressamente aos protestantes que não continuassem o seu culto, ou que
fechassem ou não reconstruíssem a sua igreja.
Embora a polícia tenha aumentado o patrulhamento das áreas onde ocorreram os
ataques e tenha sido iniciada uma investigação criminal de, pelo menos, um dos
incidentes de 2010, foi observado que as autoridades não tomaram uma posição
forte a favor das exigências constitucionais de liberdade religiosa e, nalguns
casos, demonstraram desaprovação da continuação das actividades religiosas dos
protestantes.
Em Junho de 2011, a ONG local Belun, em articulação com o Ministério da Justiça,
organizou um seminário sobre a identidade religiosa e a resolução de conflitos
em Díli. Participaram representantes da Igreja Católica, bem como de religiões
minoritárias como a Christian Vision. As recomendações incluíram o diálogo interreligioso futuro e legislação específica sobre a liberdade religiosa. A 19 de Julho de
2011, o Ministério da Justiça emitiu um comunicado de imprensa afirmando que iria
criar uma lei sobre a liberdade religiosa.
41
XIII.Conclusões
• De 2010 a 2011, Timor-Leste cooperou com mecanismos regionais e
internacionais de direitos humanos, incluindo relatórios como parte da
Revisão Periódica Universal (UPR) e desempenhando um papel de liderança
em fóruns internacionais que promovem a igualdade de género e o direito ao
desenvolvimento.
• Há aparentemente um progresso no sentido do cumprimento dos direitos
sócio-económicos por meio de estratégias nacionais de desenvolvimento
inclusivo.
• A nova legislação e as reformas jurídicas criaram uma melhor estrutura para
o cumprimento dos direitos humanos, contudo, outra legislação fundamental
foi protelada ou não foi implementada. É necessária a aprovação ou
implementação prioritária das leis relativas aos direitos da criança, tráfico de
seres humanos, reparações e protecção de testemunhas, entre outras.
• O uso excessivo da força continua a ser a causa principal das violações
relatadas dos direitos humanos por parte das forças de segurança. Muitas
destas violações continuam a envolver armas de fogo, inclusive por parte de
policiais fora de serviço que não estão autorizados pela lei a mantê-las.
• Embora se tenham verificado progressos nos esforços envidados para tornar
claras as leis e políticas da PNTL, as alterações feitas ao sistema de certificação
da polícia requerem um reforço a fim de se melhorar os direitos humanos.
• As prisões ilegais por parte da polícia e das forças militares são uma
preocupação dos direitos humanos, especialmente no contexto das operações
especiais.
• O fracasso das F-FDTL na defesa da delimitação de papéis em matéria de
segurança interna contribuiu para as alegadas violações dos direitos humanos
por parte das forças militares, incluindo a prisão ilegal.
• O acesso à justiça foi melhorado através de mais recursos e de sensibilização,
mas dar uma resposta adequada à violência baseada no género, ao direito à
terra e ao alojamento, e à corrupção, constitui um desafio urgente.
• Apesar do julgamento e condenação de um ex-membro da milícia, as
reparações e a justiça formal para as vítimas de violações de direitos humanos
cometidas antes e durante 1999 ainda não foram suficientemente realizadas.
• O direito à liberdade de religião e de crença, embora protegido pela
Constituição, foi contestado por alguns grupos da igreja evangélica.
42
XIV.Recomendações
Ao Governo:
• Investigar o uso excessivo da força por parte das forças de segurança. Tomar
medidas para assegurar a responsabilização integral de todos os funcionários
públicos que tenham cometido violações dos direitos humanos, incluindo
militares e agentes da policia.
• Insistir na recolha de dados relacionados com o género ao nível de todos
os programas do Governo e gabinetes de modo a haver um melhor
acompanhamento dos progressos nacionais em matéria de igualdade de
género e para existirem programas e um orçamento do Governo mais
inclusivos.
• Garantir a implementação plena e transparente do programa nacional de
alojamento, com prioridade para os grupos vulneráveis e com a consulta das
comunidades locais. Criar estratégias para que os projectos de alojamento a
longo prazo possam satisfazer as necessidades das pessoas vulneráveis por
regimes de propriedade incertos.
• Aumentar os esforços no sentido do reforço dos recursos da instituição
nacional de direitos humanos e demonstrar vontade de considerar a
implementação plena das recomendações da instituição.
• Levar a cabo acções de sensibilização sobre a importância do registo de
nascimentos. Visar a conclusão do registo de nascimento de todas as crianças
com menos de cinco anos e estabelecer planos para futuras campanhas de
registo de crianças mais velhas e da população em geral.
• Continuar a atribuir fundos para melhorar o acesso à justiça, com uma atenção
especial numa melhor prestação de serviços judiciais e sociais às vítimas de
violência baseada no género. Aprovar e aplicar o plano de acção nacional
sobre a violência baseada no género.
• Tomar medidas necessárias para assegurar a efectiva implementação de
legislação adoptada que promova os direitos humanos.
• Tomar medidas imediatas para propor soluções e resolver a situação dos
regimes de propriedade incertos das vítimas de expulsão forçada, incluindo a
comunidade do complexo da ex-BRIMOB.
• Garantir que os membros do Governo e os seus funcionários, especialmente
os funcionários públicos altamente expostos ao risco de corrupção, tais como
os agentes da polícia e os funcionários aduaneiros, estão cientes dos seus
deveres. Reforçar os mecanismos internos de responsabilização.
43
• Proteger e promover activamente o direito à liberdade de religião e de crença
de todas as minorias religiosas. Garantir que todos os funcionários públicos
estão cientes do seu dever de assegurar a liberdade religiosa nas suas
comunidades e nos seus locais de trabalho.
Ao Parlamento:
• Dar prioridade à aprovação de legislação de qualidade essencial para
a protecção dos direitos humanos, especialmente a legislação sobre as
reparações, justiça juvenil, apoio judiciário, direitos de terra e propriedade,
trabalho e tráfico de seres humanos.
• Considerar uma alteração do Código Civil de modo a abordar áreas que
possam não estar de acordo com as normas internacionais de direitos
humanos.
• Realizar consultas à sociedade civil e à PDHJ sobre legislação pertinente.
• Continuar a apoiar os esforços no sentido da supervisão civil das forças de
segurança, e realizar os inquéritos que sejam necessários sobre a má conduta
de elementos policiais e militares.
Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros:
• Continuando a criar laços bilaterais fortes com a Indonésia, dar prioridade à
negociação da implementação das recomendações das comissões de verdade,
que incluem a criação de mecanismos mais sólidos de responsabilização e de
apoio às reparações. Continuar a defender a cooperação bilateral no sentido
de resolver os casos de desaparecimento.
• Desempenhar um papel activo com os parceiros nacionais e internacionais na
criação de leis, políticas e vigilância sólidas relativamente ao tráfico de seres
humanos.
Ao Secretário de Estado da Segurança e a PNTL:
• Enfrentar os desafios logísticos para a conclusão das investigações
disciplinares sobre actos cometidos pelo pessoal da PNTL. Assegurar acesso
adequado a transporte e a equipamento de comunicações nas áreas fora de
Díli para que possam cumprir sempre os seus deveres.
• Garantir que as investigações criminais e disciplinares recomendadas para os
121 agentes, que anteriormente não eram certificados, prosseguem de forma
rápida e completa. Criar uma política que estabeleça claramente a exigência
para todos os agentes da polícia activos de um registo limpo a nível criminal e
em matéria de direitos humanos.
44
• Vigiar com maior diligência o armazenamento, manutenção, posse e utilização
de armas de fogo, especialmente a posse de armas de fogo quando os
agentes da polícia estejam de folga. Disciplinar com vigor e rapidez os
agentes que não cumpram plenamente as normas nacionais e internacionais
de direitos humanos.
• Exigir o relatório e investigação interna imediatos sobre qualquer disparo de
uma arma de fogo fora dos objectivos de formação da polícia. Aplicar penas
severas caso os agentes não informem sobre o disparo da sua arma. Assegurar
a estrita aplicação do regulamento que proíbe a posse de armas de fogo pelos
agentes quando estes estiverem de folga.
• Acompanhar o tratamento dos suspeitos no momento da prisão e durante
a detenção para garantir a plena conformidade com as normas de direitos
humanos. Tomar medidas imediatas para impedir o uso excessivo da força ou
detenções ilegais existentes, e relatar ao Departamento de Justiça qualquer
suspeita de violação.
• Rever as políticas de uso da força e praticar cenários que permitam aos
agentes fazer um juízo correcto sobre a aplicação necessária e proporcional da
força em consonância com a legislação nacional e as normas internacionais de
direitos humanos. Proporcionar formação à PNTL sobre quaisquer alterações
aplicáveis ao abrigo da nova legislação sobre o uso da força.
• Tomar medidas imediatas para melhorar as respostas da linha directa
112. Assegurar pessoal disponível para atender as chamadas e responder
operacionalmente à informação dada na linha directa numa base de 24 horas
por dia, sete dias por semana. Disciplinar os agentes que não comuniquem ou
respondam adequadamente à informação recebida através da linha directa.
• Continuar a reforçar os mecanismos disciplinares internos, incluindo melhorias
na gestão dos processos e da base de dados, e continuar a melhorar a
transparência institucional. Acompanhar e assegurar a harmonização de
métodos disciplinares em todos os distritos e unidades. Resolver problemas
persistentes de absentismo.
• Aumentar os recursos da Unidade de Pessoas Vulneráveis (UPV) para poder
fornecer serviços adequados às vítimas. Melhorar a comunicação entre os
magistrados do Ministério Público e a UPV, e garantir respostas rápidas,
sensíveis e adequadas para as vítimas de violência baseada no género.
Ao Secretário de Estado da Defesa e as F-FDTL:
• Terminar o emprego ou acordos contratuais de qualquer tipo, de quaisquer
pessoas que tenham sido condenadas por crimes relacionados com as
recomendações feitas pela Comissão Especial Independente de Inquérito para
Timor-Leste das Nações Unidas (CEII) sobre a crise de 2006.
45
• Exigir formação intensiva em direitos humanos para todos os novos
recrutamentos de acordo com os padrões de profissionalismo e as normas
de direitos humanos constantes do Plano Força 2020. Incluir na formação
um debate sobre a distinção entre o papel da polícia e o dos militares em
conformidade com a legislação nacional. Praticar cenários que permitam aos
agentes fazer um juízo correcto sobre a jurisdição adequada às suas funções
em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.
• Inspeccionar regularmente o armazenamento de armas e munições e verificar
por rotina a posse e utilização de armas por todo o pessoal das F-FDTL.
Estabelecer directrizes rígidas sobre a sua utilização e armazenamento
adequados em tempo de paz de acordo com as normas de direitos humanos.
Disciplinar de forma rigorosa e rápida os agentes que usem indevidamente a
sua arma a nível público ou privado.
• Instituir medidas mais sólidas de transparência e coerência internas dos
mecanismos disciplinares.
Ao Ministério da Justiça:
• Continuar a dar prioridade à conclusão das obrigações de relatório dos
tratados e à implementação das recomendações pelos órgãos dos tratados.
• Criar directrizes e sensibilizar o pessoal judicial para garantir que as expulsões
só ocorrem em circunstâncias excepcionais e que as mesmas estão em plena
conformidade com a legislação nacional e as normas internacionais de direitos
humanos. Abster-se da realização de expulsões forçadas, o que constitui uma
violação grave dos direitos humanos, especialmente do direito ao alojamento.
Partilhar estas directrizes com o público de modo a sensibilizá-lo no que
respeita aos direitos à terra e à propriedade. Assegurar que qualquer pessoa
que seja objecto de uma expulsão está plenamente informada dos seus
direitos e tem acesso a uma representação legal.
• Melhorar os mecanismos de protecção das vítimas, das pessoas que relatam
crimes e das minorias religiosas.
• Proporcionar formação a juízes nacionais, magistrados do Ministério Público
e investigadores sobre as normas e leis pertinentes para o esforço nacional e
internacional de combate à corrupção. Garantir a aplicação de medidas que
protejam os direitos dos acusados e das testemunhas ao longo do julgamento
de casos de corrupção.
• Aumentar a eficácia do Centro de Formação Jurídica, incluindo a selecção de
pessoal nacional para receber formação e ser orientado.
• Nos termos da Constituição, assegurar que qualquer legislação promulgada
relacionada com a liberdade religiosa garante protecção integral para todas as
religiões, incluindo as minorias, na realização das suas actividades religiosas.
46
À SEPI:
• Avaliar o impacto da acções de sensibilização da nova lei sobre a violência
doméstica para se estabelecer planos de acção futuros de promoção da
igualdade de género. Alargar os esforços de formação às mulheres rurais e a
funcionários hospitalares.
• Criar estratégias para abordar a necessidade de maior qualidade e
disponibilidade de serviços de aconselhamento e de exames médico-legais
nos distritos rurais.
À Sociedade Civil:
• Continuar a reforçar e a participar nos esforços de fortalecimento da
supervisão civil das forças militares e policiais.
• Acompanhar e melhorar a cooperação com os intervenientes estatais na
prestação de serviços às vítimas de violência baseada no género.
• Dotar as comunidades locais do conhecimento e da capacidade necessários
para defenderem eficazmente o respeito dos seus direitos de alojamento e de
terra.
• Promover a liberdade religiosa através de programas de sensibilização e
divulgação.
Aos Parceiros Internacionais:
• Fornecer o apoio necessário para a Procuradoria-Geral da República concluir
as investigações dos crimes cometidos em 1999, mesmo que a missão da
UNMIT termine antes da conclusão de todas as investigações pendentes por
parte da Equipa de Investigação de Crimes Graves (SCIT).
• Considerar o fornecimento de apoio à Procuradoria-Geral da República na
investigação de alegações de crimes graves cometidos em Timor-Leste entre
1975 e 1999.
• Antes de a UNMIT se retirar, rever as recomendações feitas pela Comissão
de Peritos das Nações Unidas de 2005 de Revisão da Acusação de Violações
Graves dos Direitos Humanos em Timor-Leste, em 1999, e fazer uma avaliação
completa sobre se os mecanismos nacionais de responsabilização foram ou
não bem sucedidos e, caso não tenham sido, tomar as medidas adequadas.
• Aprovar mecanismos de controlo dos direitos humanos para todo o pessoal
militar e policial que participe em formações no estrangeiro, operações de
manutenção da paz ou outras formas de cooperação internacional.
47
• Fornecer apoio contínuo para melhorar o acesso à justiça, exigindo o
acompanhamento da qualidade e a avaliação da prestação de serviços pelo
pessoal judicial. Dar prioridade a projectos que expandam os serviços para as
áreas rurais.
• Garantir que o financiamento do desenvolvimento não é dirigido para
projectos que envolvem expulsões forçadas em violação das normas
internacionais de direitos humanos.
• Apoiar os esforços de promoção da liberdade e tolerância religiosas.
48
Anexo A
Novos casos de alegadas violações de direitos
humanos relatadas à HRTJS
Distrito
Aileu
Ainaro
from 1 July 2010 to 31 December 2011
Total
Tipos de alegados incidentes
10
8
Uso excessivo da força por parte da PNTL; Violência sexual contra menor;
Punição corporal; Acesso à justiça de trabalhadores migrantes
Uso excessivo da força por parte da PNTL; incapacidade da PNTL de
proteger; Agressão de um aluno pelo professor; Intolerância religiosa;
Direito a julgamento justo; Protecção das crianças
30
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Prisão e detenção
ilegais; Intolerância religiosa; Violação dos direitos culturais; Violência sexual
contra menor; Detenção ilegal de uma pessoa portadora de deficiência;
Abuso de uma pessoa portadora de deficiência; Protecção das crianças
Bobonaro
16
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Prisão e detenção
ilegais; Busca ilegal; Violência sexual contra menor por professor; Violência
sexual contra menores; Abuso de pessoas portadoras de deficiência;
Intolerância religiosa
Covalima
21
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Punições corporais;
Prisão e detenção ilegais; Violência sexual contra menor; Agressão por um
chefe de aldeia
Dili
149
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Prisão e detenção
ilegais; Busca ilegal; Intolerância religiosa; Direito a alojamento e à terra;
Violência doméstica por parte da PNTL; Assédio sexual por pessoal das
Nações Unidas; Assédio sexual por chefe de suco; Abusos de pessoas
portadoras de deficiência; Violência baseada no género; Tráfico de crianças;
Acesso à justiça de trabalhadores migrantes; Abuso sexual de menor;
Liberdade de expressão; Violação de uma pessoa portadora de deficiência
por um agente da PNTL; Violação de pessoas portadoras de deficiência
Ermera
5
Uso excessivo da força por parte da PNTL; Fraude por parte da PNTL;
Acesso à justiça de mulheres presas; Abuso de pessoa portadora de
deficiência
Lautem
4
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Prisão e detenção
ilegais
Baucau
Likisá
15
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Violência sexual
contra menores; Abuso de pessoa portadora de deficiência; Punição
corporal
Manatuto
9
Uso excessivo da força por parte da PNTL e das F-FDTL; Violência doméstica
por parte da PNTL; Violação por parte da PNTL; Prisão e detenção ilegais;
Violação de uma pessoa portadora de deficiência; Intolerância religiosa
Manufahi
7
Violação de menor por parte da PNTL; Violência doméstica/Protecção das
crianças; Violência sexual contra menor; Direito à terra; Intolerância religiosa
Oecusse
12
Uso excessivo da força por parte da PNTL; Abuso sexual de menor por parte
da PNTL; Intolerância religiosa; Direito à saúde para pessoa portadora de
deficiência; Liberdade de pensamento e de expressão; Direito de disputa de
terras/limites
Viqueque
6
TOTAL
292
Uso excessivo da força por parte da PNTL; Abuso de pessoa portadora de
deficiência; Violência Sexual; Direito à terra
49
Annex B
50

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