MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos

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MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL Aspectos
MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL
Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais
ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE
VIOLÊNCIA SEXUAL
PERSPECTIVAS E EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES
Brasil
1
2
MAGNITUDE DO ABORTO
NO BRASIL
Aspectos Epidemiológicos
e Sócio-Culturais
ABORTAMENTO PREVISTO
EM LEI EM SITUAÇÕES DE
VIOLÊNCIA SEXUAL
Perspectivas e Experiências
das Mulheres
Pesquisa realizada em 2006
3
Ministério da Saúde
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Ficha Catalográfica
4
Sumário
Autores e Colaboradores.......................................................................................07
Produtos do Projeto Magnitude do Aborto no Brasil ........................................09
MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL:
Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais............................................................11
RELATÓRIO SOBRE A MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL..........................12
1 - Introdução...........................................................................................................12
2 - Internações por abortamento registradas no Sistema de Informações
Hospitalares do SUS...........................................................................................16
3 - Diferenças regionais no número de internações no SUS por abortamento............18
4 - Municípios com maior número de internações do SUS por abortamento.............19
5 - Diferenças no número de internações no SUS por abortamento
segundo a faixa etária..........................................................................................22
6 - Estimativas do número de abortos induzidos de 1992 a 2005..............................23
7 - Estimativa da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos.................25
8 - Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres
de 15 a 49 anos................................................................................................26
9 - Diferenças regionais das taxas anuais de abortos induzidos por
100 mulheres de 15 a 49 anos............................................................................27
10 - Mapa das taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres.............................28
10.1 -Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres de
10 a 49 anos por Unidade da Federação .......................................................28
10.2 - Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres segundo
grupos de idade por Unidade da Federação..................................................30
10.3 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de
20 a 29 anos por Unidade da Federação .........................................................31
10.4 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de
30 a 39 anos e de 40 a 49 anos por Unidade da Federação ...........................32
11 - Aborto como causa de mortalidade materna e diferencial por etnia.....................33
12 - A carga do aborto na mortalidade materna no período de 2000 a 2004.................36
12.1 - Entrada dos dados......................................................................................36
13 - Repercussão do projeto na mídia ............................................................................38
14 - Considerações finais e recomendações.............................................................42
15 - Referências........................................................................................................45
ANEXO 1 - Municípios com mais de 500 e menos de 1.000 internações do
SUS por abortamento..................................................................................47
5
ANEXO 2 - Municípios com 100 a 500 internações do SUS por abortamento.............49
ANEXO 3 - Programa do seminário sobre “Riscos à saúde da Mulher”.......................56
ANEXO 4 - “Estimativas indiretas de aborto clandestino:
Uma realidade brasileira”........................................................................57
ANEXO 5 - Mesa Redonda - Aborto no Brasil: atualizando Informações..................58
ANEXO 6 - As informações sobre abortamentos no SIH/SUS..................................61
ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Perspectivas e Experiências das Mulheres......................................................................79
1. APRESENTAÇÃO …….....…………………..............…………..…..........................80
2. INTRODUÇÃO …....…………………....................................................................83
abortamento como problema de saúde pública ....….............................83
dimensão da violência sexual ..............…….....................................…...85
violência sexual e anticoncepção de emergência ........…......................91
aspectos éticos e legais .........………………………..........................…. 93
abortamento seguro .........……………………........................…............102
abortamento e direitos sexuais e reprodutivos .................................….107
3. PROPOSIÇÃO ......................................................…………...................….......109
4. CASUÍSTICA ...............................................................................….................110
5. MÉTODO ......................................………................…..............…......................114
variáveis de estudo ..............……....................…...................................114
instrumentos ............................……………...............................................123
entrevistas .............………..............………….....................................…123
informatização dos dados ...........……...............…….........................…124
aspectos éticos ............………..............……....................…..................124
análise dos dados e método estatístico ................................…............126
6. RESULTADOS...................................................................................................126
dados sobre a entrevistada .......................…............................................126
dados sobre a violência sexual ........………..............………....................128
dados sobre a gravidez ..........................………………...........................131
dados sobre o abortamento .......................……..................…...............137
comportamentos e opiniões da entrevistada ............…….....................…143
perspectivas sobre o abortamento medicamentoso .................................153
7. CONCLUSÕES .......................................................……….................................154
8. ANEXOS .....................................…….................……...........................................161
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................……............................................166
6
Autores e Colaboradores
MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL
Aspectos Epidemiológicos e Sócio-Culturais
Leila Adesse
Diretora do programa de Ipas no Brasil
Mário F. G. Monteiro
Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ
ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI EM
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Perspectivas e Experiências das Mulheres
Elaboração:
Daniela Pedroso
Edlaine de Campos Gomes
Jefferson Drezett
Leila Adesse
Maria José Araújo Oliveira
Pesquisa realizada em 2006
7
8
PRODUTOS DO PROJETO MAGNITUDE DO
ABORTO NO BRASIL
Neste projeto, realizado numa parceria de IPAS e Instituto de
Medicina Social da UERJ, com o apoio da Área Técnica de Saúde
da Mulher do Ministério da Saúde, além de uma revisão bibliográfica
sobre a magnitude do aborto no Brasil, foram desenvolvidas as
seguintes etapas:
1 Identificação de metodologias para estimar o número de abortos
induzidos.
2 Realização de um seminário sobre “Riscos à saúde da Mulher”,
cujo programa está reproduzido no Anexo 1. Até o fim deste ano,
alguns destes trabalhos serão publicados na Série Estudos em
Saúde Coletiva, do Instituto de Medicina Social da UERJ (já existe
um acordo para sua publicação no sítio http://www.ims.uerj.br/
sesc/
3 Apresentação do trabalho “Estimativas indiretas de aborto
clandestino: Uma realidade brasileira” no 8º Congresso Brasileiro
de Saúde Coletiva e 11º Congresso Mundial de Saúde Pública
(Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006). Este trabalho está
reproduzido no Anexo 2.
4 Apresentação do trabalho “Estimativas de aborto induzido no
Brasil e Grandes Regiões. 1992-2005” no XV Encontro Nacional
de Estudos Populacionais, ABEP (Caxambu, 18 a 22 de setembro
de 2006). Este trabalho foi apresentado na Mesa Redonda 12 Aborto no Brasil: atualizando Informações, cujo resumo está
reproduzido no Anexo 3 e está disponível no sítio:
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/
ABEP2006_252.pdf
5 Produção do relatório final.
6 Documento sobre as informações sobre abortamentos no SIH/
SUS, produzido por Jacques Levin ([email protected]),
Analista de Sistemas de Informação do Ministério da Saúde/
Departamento de Informática do SUS.
9
Neste documento são descritas as principais características do
Sistema de Informações Hospitalares do SUS, as informações
disponíveis relacionadas com os abortamentos, a forma de acesso
a elas e discute os critérios de seleção dos casos em estudo (Anexo
6).
10
MAGNITUDE DO ABORTO
NO BRASIL
Aspectos Epidemiológicos
e Sócio-Culturais
11
RELATÓRIO SOBRE A MAGNITUDE DO ABORTO NO BRASIL
1 - Introdução
O abortamento representa um grave problema de saúde pública
e de justiça social em países em desenvolvimento – como é o caso
do Brasil – de grande amplitude e com complexa cadeia de aspectos
envolvendo questões legais, econômicas, sociais e psicológicas.
Um reflexo disso é que, enquanto o numero de abortos inseguros
na Europa Ocidental é de zero, na América do Sul esta estimativa
chega a três milhões (Cook, Dickens & Fathalla, 2004).
Grande parte dos sistemas de saúde nos países em
desenvolvimento, independentemente da sua política em relação
ao aborto induzido, não planeja sistematicamente ou fornece
atenção médica de emergência de maneira eficaz, para mulheres
que sofrem de complicações relacionadas ao aborto. Como
resultado, o tratamento freqüentemente é postergado e ineficaz,
com graves conseqüências e riscos à saúde da mulher (JHU –
Population Information Program, 1997).
O documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Mulher - Plano de Ação 2004 – 2007, elaborado pelo Departamento
de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, cujo
objetivo específico 3 é “Promover a Atenção Obstétrica e Neonatal
Qualificada e Humanizada, Incluindo a Assistência ao Abortamento
Em Condições Inseguras, para Mulheres e Adolescentes”, mostra
preocupação e reconhece a gravidade dos riscos associados com
o abortamento (Ministério da Saúde, 2004).
No Brasil, o abortamento é permitido pela lei penal somente em
duas circunstâncias: no caso de violência sexual (estupro) ou riscos
à vida da mulher. Vale ressaltar que o aborto legal requer “uma
atenção técnica adequada, segura e humanizada” (Ministério da
Saúde, 2004). No entanto, o abortamento é amplamente praticado
em todo o país, principalmente por meios inadequados que podem
levar a danos à saúde e provocar a morte da mulher, e as mulheres
em situação de abortamento, geralmente sentem constrangimento
12
e/ou medo em declarar seus abortamentos, o que proporciona uma
grande dificuldade em relação aos cálculos e números exatos da
magnitude do aborto no Brasil. Neste sentido, os estudos e pesquisas
dessa temática apontam, principalmente, para estimativas, que se
baseiam nos dados de internação no SUS, que incluem atenção
pós-abortamento, aborto previsto em lei, abortos espontâneos,
dentre outros, ficando de fora os realizados em clínicas privadas e
em outros procedimentos, que prescindem do sistema de saúde. O
Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher das
Nações Unidas (Comitê CEDAW) estabeleceu que a tipificação do
aborto como um delito em si não desestimula as mulheres de se
submeter ao aborto mas, pelo contrário, incentiva as práticas de
risco.1
A prática do aborto ilegal, especialmente, evidencia as diferenças
sócio-econômicas, culturais e regionais diante da mesma ilegalidade
do aborto. Mulheres com mais condições financeiras, geralmente
nos grandes centros urbanos, têm acesso aos métodos e clínicas
de abortamento ilegais de maior higiene e cuidado. Já as mulheres
mais carentes – a grande maioria da população feminina brasileira
– recorrem aos métodos mais perigosos, com pouca precaução,
resultando num alto índice de agravos à saúde. Tal fato é
demonstrado pelo número de internações no Sistema Único de
Saúde para procedimentos cirúrgicos pós-abortamento. Segundo o
SUS, nos últimos três anos, a média dos procedimentos de
esvaziamento uterino pós-aborto por curetagem e por aspiração
manual intra-uterina (AMIU) atingiu 245.786,33 (DataSUS, 2004).
O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH)
estabeleceu que o respeito ao direito à vida das mulheres inclui o
dever dos Estados de adotar medidas para evitar que elas recorram
a abortamentos inseguros e clandestinos que ponham em risco a
sua vida e a sua saúde, especialmente quando se tratar de mulheres
Observações Finais do Comitê CEDAW: Peru, 8 de julho de 1998,
Doc.U.N.CEDAW/C/1998/II/L.1/Add.7, parágrafo 6.
1
13
pobres e afrodescendentes.2 Deste modo, faz-se necessário delinear
a magnitude do abortamento em seus aspectos epidemiológico,
sócio-econômico, cultural, ético e jurídico, através de um estudo
mais apurado dos dados existentes. A partir da realização de
cruzamentos de dados de diferentes naturezas, buscamos fornecer
subsídios para apoiar a formulação e a implementação de políticas
públicas voltadas para a reversão do quadro de abortos ilegais,
morbidade e mortalidade feminina no Brasil.
Neste projeto delineamos a magnitude do abortamento no Brasil,
produzindo fundamentação teórica e empírica a fim de contribuir
para o desenho e implementação de políticas públicas eficazes. A
dimensão crítica do abortamento é notória, justificando a relevância
de fornecermos subsídios e informações consistentes aos gestores
e profissionais da área da saúde para que possam prestar “atenção
técnica adequada, segura e humanizada” às mulheres em situação
de abortamento e incentivar o uso de alternativas contraceptivas,
evitando o recurso a abortos repetidos. É fundamental para a
formulação e implementação de políticas públicas, o aprofundamento
da problemática do abortamento de forma a criar um ambiente
favorável para a atenção ao abortamento, diminuindo seu estigma
e, estimulando os profissionais, independente dos seus preceitos
morais e religiosos, a preservarem uma postura ética, garantindo o
respeito aos direitos humanos das mulheres.
Singh e Wulf em seu trabalho sobre a prática do aborto no Brasil,
Colômbia, Chile, Republica Dominicana, México e Peru, relacionam
algumas destas práticas de maior risco: trauma voluntário (quedas,
socos, atividade físicas excessivas, etc.), substâncias cáusticas
inseridas na vagina (cloro, cal, sais de potássio), objetos físicos
inseridos no útero (cateter e objetos pontiagudos, tais como arame,
agulhas de tecer e cabides), entre outras práticas (Singh e Wulf,
1994).
2
14
CDH, Observação Geral número 28, parágrafo 10.
No entanto, apesar de sua importância e dos riscos à saúde da
mulher que estão associados com algumas práticas de indução do
aborto, o estudo da magnitude do “aborto” tem sido dificultado devido
a preconceitos políticos e religiosos e à ilegalidade do aborto, que
certamente não têm contribuído para melhorar a atenção médicohospitalar que seria necessária para diminuir os riscos, resultando
num efeito perverso de dificultar o atendimento a mulheres que
suportam os maiores riscos.
Até 1994 o desconhecimento sobre o tema era tão grande que
em 1991 as estimativas do número de abortos no Brasil variavam
entre 300.000 e 3,3 milhões de abortos ilegais feitos a cada ano.
(Fonseca et al, 1996 ; Singh& Wulf, 1991).
Em 1994, o Alan Guttmacher Institute publicou os resultados de
uma investigação sobre aborto clandestino na América Latina,
incluindo o Brasil, estimando para 1991 um total de 1.443.350
abortamentos induzidos no Brasil, e uma taxa anual de 3,65
abortamentos por 100 mulheres de 15 a 49 anos. A repercussão
nacional e internacional da investigação sobre aborto clandestino
na América Latina foi tão grande que recolocou esta discussão em
pauta e hoje é difícil um estudo sobre aborto clandestino que não o
referencie.
Assim um dos principais objetivos deste trabalho é atualizar as
estimativas para uma série histórica de 1992 a 2005 para o Brasil e
Grandes Regiões, discutindo a validade e atualização deste método,
mostrar a importância do problema e identificar áreas e grupos
populacionais mais expostos aos riscos de seqüelas e de mortalidade
em conseqüência do aborto clandestino.
15
2 - Internações por abortamento registradas no Sistema de
Informações Hospitalares do SUS
O abortamento ilegal - provocado3 - pode ser resultado de
diferentes fatores, como: 1 - falta de informação e conhecimento
sobre o planejamento reprodutivo; 2 - dificuldade de acesso aos
métodos contraceptivos, seja pelo fator econômico, seja pela
ausência de informação sobre os métodos existentes; 3 - falta de
acompanhamento dos serviços públicos às mulheres
reprodutivamente ativas4; 4 – assim como o abortamento também
pode ser resultante de violência sexual como o estupro dos próprios
parceiros ou de terceiros.
A gravidez indesejada, que ocorre no Brasil devido à baixa
utilização de práticas anticoncepcionais, tem como conseqüência
uma elevada taxa de abortamentos induzidos. O aborto provocado
é reconhecido como um importante problema de saúde pública no
Brasil, onde várias técnicas para interromper a gravidez são
utilizadas, desde procedimentos médicos modernos, eficazes e
seguros (como a dilatação cirúrgica e a curetagem e a aspiração a
vácuo, realizadas em consultórios médicos e clínicas especializadas)
até uma ampla variedade de procedimentos populares praticados
pelas próprias mulheres ou por pessoal não capacitado, que resultam
em sérios riscos à saúde destas mulheres, levando muitas vezes
ao óbito materno.
As internações por abortamento registradas no Sistema de
Informações Hospitalares do SUS, de 1992 a 2005 para o Brasil e
Grandes Regiões, foram obtidas no sítio www.datasus.gov.br
acessado em 22 de abril de 2006. Estas internações foram
desagregadas por grandes regiões do Brasil e faixa etária. A
população residente e o número de mulheres de 15 a 49 anos
Temos também um outro tipo de abortamento, o espontâneo, que “ocorre em
aproximadamente 10% das gestações, envolvendo sentimentos de perda, culpa pela
impossibilidade de levar a gestação a termo, além de trazer complicações para o
sistema reprodutivo” (Ministério da Saúde, 2004: 2).
3
O IBGE em 2003 estimou a existência de 57 milhões de mulheres em idade
reprodutiva no Brasil (Araújo, 2003:3)
4
16
também foram obtidos no sítio www.datasus.gov.br e o número de
nascidos vivos foi estimado com as taxas anuais de natalidade
divulgadas pelo IBGE .
A série histórica de 1992 a 2005 apresentada no Gráfico 1 mostra
que o número de internações no SUS por abortamento reduziu-se
rapidamente, passando de 344.956 internações em 1992 para
252,917 em 1996 (uma redução de 26,7 % em 4 anos), mantendose com valores próximos a 250.000 até 2005.
Gráfico 1
Número de internações no SUS por abortamento (em milhares)
Brasil - 1992 a 2005
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Nas discussões com pesquisadores, após apresentação destes
resultados em Congressos, Seminários e reuniões de IPAS, foi
sugerido que pode ter havido um aumento na utilização de misoprostol
na indução do aborto, reduzindo a freqüência de complicações e
conseqüentemente necessitando um número menor de internações,
o que poderia explicar esta redução entre 1992 e 2005. Esta sugestão
será levada em conta mais adiante para estimarmos o número de
abortos induzidos em 2005.
17
3 - Diferenças regionais no número de internações no SUS por
abortamento
Em 2005 a grande maioria (3 em cada 4) das internações no
SUS por abortamento ocorreram nas duas grandes regiões com
maior população, Nordeste e Sudeste. Observa-se, no entanto, que
enquanto houve uma redução de internações nas três regiões mais
populosas (mas com menor crescimento), o número de internações
na Região Centro-Oeste permaneceu praticamente o mesmo e
cresceu na Região Norte.
Estas diferenças na evolução das internações por abortamento
podem ser explicadas pelo ritmo mais rápido de crescimento da
população feminina de 15 a 49 anos na Região Norte, que aumentou
59% de 1992 a 2005. Nas outras regiões este crescimento foi de
47% na Região Centro-Oeste, cerca de 30% nas Regiões Nordeste
e Sudeste, e de 26% na Região Sul.
Gráfico 2
Número de internações no SUS por abortamento
Grandes Regiões - 1992 e 2005
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
18
4 - Municípios com maior número de internações do SUS por
abortamento
Para fins de planejamento e administração de serviços de saúde
é importante saber o número de internações do SUS por
abortamento. Por isso, utilizando a Lista de Morbidade CID-10 e
agregando Aborto espontâneo, Aborto por razões médicas e Outras
gravidezes que terminam em aborto, produzimos tabelas com dados
de Morbidade Hospitalar do SUS para mulheres de 10 a 49 anos
em 2005, por Município de residência divididos em três categorias:
1 - Municípios com mais de 1.000 de internações do SUS por
abortamento
2 - Municípios com menos de 1.000 e mais de 500 internações
do SUS por abortamento (Anexo 1)
3 - Municípios com 500 a 100 internações do SUS por
abortamento. (Anexo 2)
Os dez municípios com maior número de internações em
conseqüência de abortamento por local de residência, em ordem,
são: São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília,
Manaus, Belém, São Luís, Belo Horizonte e Recife.
19
Municípios com mais de 1.000 de internações do SUS por
abortamento em 2005
Município
355030 São Paulo
292740 Salvador
330455 Rio de Janeiro
230440 Fortaleza
530010 Brasília
130260 Manaus
150140 Belém
211130 São Luís
310620 Belo Horizonte
261160 Recife
221100 Teresina
270430 Maceió
410690 Curitiba
431490 Porto Alegre
330170 Duque de Caxias
520870 Goiânia
351880 Guarulhos
280030 Aracaju
330350 Nova Iguaçu
291080 Feira de Santana
330490 São Gonçalo
120040 Rio Branco
260790 Jaboatão dos
Guararapes
350950 Campinas
160030 Macapá
250750 João Pessoa
20
10 a 14
anos
108
88
101
56
51
69
40
31
16
37
13
33
18
17
16
10
13
10
10
12
14
18
8
8
8
6
15 a 19
anos
2253
1611
1519
1110
805
1142
731
635
437
547
514
507
363
319
346
303
279
285
283
294
243
280
214
189
218
184
20 a 29 30 a 39
anos
anos
7480
4193
5623
2223
4416
2067
3109
1486
3070
1486
3009
1030
1911
566
2031
502
1653
837
1636
657
1729
465
1302
472
1077
601
975
584
887
406
973
351
802
484
912
403
862
363
855
365
816
320
694
218
672
557
576
563
256
281
204
220
40 a 49
anos
880
265
410
280
321
104
84
60
165
87
53
50
132
159
67
43
101
43
83
57
42
40
24
48
39
30
Total
14914
9810
8513
6041
5733
5354
3332
3259
3108
2964
2774
2364
2191
2054
1722
1680
1679
1653
1601
1583
1435
1250
1174
1083
1045
1003
MAPA DAS INTERNAÇÕES POR ABORTO NO SUS (POR
MUNICÍPIO)
O mapa a seguir mostra que são poucos os municípios que não
tiveram nenhuma residente, de 10 a 49 anos, internada em
conseqüência de abortamento.
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
21
5 - Diferenças no número de internações no SUS por
abortamento segundo a faixa etária
A maior parte das internações ocorreu na faixa de 20 a 29 anos,
mas a redução no número de internações no SUS por abortamento
ocorreu em todas as faixas de idade (Gráfico 3).
Gráfico 3
Número de internações no SUS por abortamento segundo grupos de idade
Brasil - 1992 e 2005
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
A tabela 1 mostra que houve um aumento principalmente
em mulheres com menos de 40 anos na Região Norte e um aumento
importante destas internações entre as mulheres de 25 a 49 anos
na Região Centro-Oeste.
22
Tabela 1
Número de internações no SUS por abortamento segundo a faixa etária
Brasil e Grandes Regiões – 1992 e 2005
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
6 - Estimativas do número de abortos induzidos de 1992 a 2005
As internações por abortamento registradas no Sistema de
Informações Hospitalares do SUS, de 1992 a 2005 para o Brasil e
Grandes Regiões, foram obtidas no sítio www.datasus.gov.br
acessado em 22 de março de 2006. Estas internações foram
desagregadas por grandes regiões do Brasil e faixa etária. A
população residente e o número de mulheres de 15 a 49 anos
também foram obtidos no sítio www.datasus.gov.br e o número de
nascidos vivos foi estimado com as taxas anuais de natalidade
divulgadas pelo IBGE .
Apenas para 2005 o número de abortos induzidos foi
estimado por intervalo, a partir de três hipóteses:
1 - Aceitando-se a hipótese, proposta na investigação do Alan
Guttmacher Institute (Alan Guttmacher Institute, 1994), que, no Brasil,
20% das mulheres que induziram um aborto tiveram que ser
hospitalizadas em conseqüência de complicações, e assim
multiplicando-se por cinco o número de internações por abortamento
registradas no SIH-SUS.
2 – Considerando a hipótese proposta por Sônia Correa, em seu
trabalho, de que o número estimado pelo método proposto na
23
investigação do Alan Guttmacher Institute estava superestimando o
número de abortamentos induzidos, e que cada internação seria
resultante de 3,5 abortamentos.
3 – Considerando que pode ter havido um aumento na utilização
de misoprostol na indução do aborto, o que reduziria a freqüência
de complicações, necessitando um número menor de internações,
assumimos também a hipótese de que cada abortamento resultaria
em 6 internações, aumentando a estimativa do número de
abortamentos induzidos.
Com estas três hipóteses podemos gerar estimativas por
intervalo, com um ponto médio gerado a partir da relação de 5
abortamentos por internação, um limite superior estimado pela
relação de 6 abortamentos por internação e um limite inferior
estimado pela relação de 3,5 abortamentos por internação.
Foram também utilizados como fatores de correção um subregistro de 12,5% e descontada uma proporção de 25% de abortos
espontâneos. Assim a estimativa por intervalo foi obtida aplicandose as seguintes equações:
Ponto médio das estimativas do número de abortos induzidos
= número de internações por abortamento x 5 x 1,125 x 0,75
(Metodologia do Instituto Allan Guttmacher)
Limite superior das estimativas do número de abortos induzidos
= número de internações por abortamento x 6 x 1,125 x 0,75
(Levando-se em conta a possibilidade de que o uso de misoprostol
tenha reduzido a necessidade de internações em conseqüência de
abortamento)
Limite inferior das estimativas do número de abortos induzidos
= número de internações por abortamento x 3,5 x 1,125 x 0,75
(admitindo a hipótese proposta por Sônia Correa)
24
Gráfico 4
Estimativas do número de abortos induzidos
Brasil - 2005
Fontes dos dados primários: (SIH/SUS)
7 - Estimativa da razão de abortos induzidos por 100
nascimentos vivos
Para estas estimativas (7, 8 e 9) utilizamos a metodologia
proposta pelo Instituto Allan Guttmacher em 1994 (AGI, 1994). As
estimativas da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos
foram obtidas pela razão: estimativa do número de abortos
induzidos X 100 / (taxa anual de natalidade estimada X
população residente estimada) e as estimativa das taxas anuais
de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos foram obtidas
pela razão: estimativa do número de abortos induzidos X 100 / o
número de mulheres de 15 a 49 anos.
Quando comparamos o número de abortos induzidos com o
número de nascimentos vivos, podemos ter uma idéia da alta
proporção de abortos realizados no Brasil.
O número estimado de abortos induzidos, em 1992, era
equivalente a 43% dos nascimentos vivos, mostrando que uma
elevada proporção das gravidezes não foram desejadas, levando
estas mulheres a recorrer ao abortamento.
25
Gráfico 5
Estimativas da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos
Brasil - 1992 a 2005
Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto
registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e o número de
nascimentos foi estimado pela Taxa Bruta de Natalidade divulgada pelo IBGE.
Esta proporção cai para 31% em 1996, mas apesar de terem
diminuído na década de 1990, ainda correspondem a cerca de 30%
dos nascimentos em 2005. Isto consolida também a idéia de que a
anticoncepção no Brasil ainda não atingiu um volume suficiente para
evitar a elevada proporção de gravidezes indesejáveis.
8 - Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100
mulheres de 15 a 49 anos
Aqui também utilizamos a metodologia proposta pelo Instituto
Allan Guttmacher em 1994 (AGI, 1994) para estimar o número de
abortamentos induzidos.
Este indicador avalia o risco anual de abortamento induzido entre
a população feminina em idade fértil no Brasil, que era de 3,69
abortos por 100 mulheres de 15 a 49 anos em 1992.
No período analisado, há uma clara redução neste risco, mais
acelerada até 1998. A partir de 1999 mantém-se a diminuição do
risco, mas num ritmo mais lento, chegando a 2,07 abortos por 100
mulheres de 15 a 49 anos em 2005.
26
Gráfico 6
Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a
49 anos
Brasil - 1992 a 2005
Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto
registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).
9 - Diferenças regionais das taxas anuais de abortos induzidos
por 100 mulheres de 15 a 49 anos
O gráfico 7 a seguir mostra uma diversidade regional grande no
risco de aborto induzido entre a população feminina em idade fértil.
Em 1992, este risco era bem maior na Região Nordeste (5,41
abortos/ 100 mulheres), e na Região Sul (1,97 abortos/ 100
mulheres) era quase 3 vezes menor (Nordeste/Sul = 2,7).
Em 2005 o risco anual de abortos induzidos por 100 mulheres
de 15 a 49 anos cai para 2,73 na Região Nordeste (uma redução de
50%) e para 1,28 na Região Sul (uma redução de 35%), e a
proporção deste risco entre as Regiões Nordeste e Sul cai para um
pouco mais que o dobro (Nordeste/Sul = 2,1)
Além desta diminuição da diferença Nordeste/Sul, agora em 2005,
é a Região Centro-Oeste que apresenta o maior risco: 2,81 abortos/
100 mulheres.
27
Gráfico 7
Estimativa das taxas anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a
49 anos
Grandes Regiões - 1992 e 2005
Fontes dos dados primários: o número de abortos induzidos foi estimado a partir das internações por aborto
registradas pelo Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
10 - Mapa das taxas anuais de aborto induzido por 100
mulheres
10.1 -Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres de
10 a 49 anos por Unidade da Federação
A distribuição dos riscos de abortamento induzido por Unidades
da Federação mostra uma desigualdade marcante, com uma linha
de clivagem quase perfeita, onde os Estados das Regiões Sudeste
(menos Rio de Janeiro), Sul e Centro-Oeste (menos o Distrito
Federal) apresentado taxas inferiores a 20,4 abortamentos/1000
mulheres de 10 a 49 anos. Nos Estados do Norte (menos Rondônia)
e Nordeste (menos Rio Grande do Norte e Paraíba) estas taxas
são maiores que 21,1/1000 (Estado do Rio de Janeiro) e chegam a
mais de 40 abortamentos/1000 mulheres de 10 a 49 anos nos
Estados do Acre e Amapá (ver tabela 2 a seguir).
28
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Tabela 2
Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres
por Unidade da Federação – 2005
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
29
10.2 - Taxas anuais de aborto induzido por 1000 mulheres
segundo grupos de idade por Unidade da Federação
Mulheres de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos
Apesar de serem mais baixas que para outras idades (maiores
de 15 anos), e estarem concentradas entre mulheres (crianças?)
de 14 anos, as taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres
de 10 a 14 anos não são desprezíveis, chegando a 2,66/1000 no
Amapá e 2,40/1000 no Acre.
Também entre as adolescentes de 15 a 19 anos a distribuição
geogáfica aponta para as Regiões Norte e Nordeste com as que
aprsentam maiores riscos de aborto induzido, junto com o Distrito
Federal e os Estados do Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro.
30
10.3 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 20
a 29 anos por Unidade da Federação
O grupo de mulheres de 20 a 29 anos é o de maior fecundidade,
e também onde estão as maiores taxas de aborto induzido.
31
10.4 - Taxas anuais de aborto induzido por 100 mulheres de 30
a 39 anos e de 40 a 49 anos por Unidade da Federação
Entre as mulheres de 30 anos ou mais, a distribuição regional do
risco de aborto induzido muda significativamente, perdendo a
separação nítida Norte/Sul para incluir alguns Estados da Região
Sudeste e mesmo um da Região Sul entre as mulheres de 40 a 49
anos. A principal característica deste grupo em relação à ocorrência
de gravidezes indesejadas é que, em grande parte, estas mulheres
já atingiram o número de filhos desejados, tendo ocorrido uma
gravidez no momento em que já haviam terminado seu projeto
reprodutivo.
32
11 - Aborto como causa de mortalidade materna e diferencial
por etnia
É notório o fato de que o abortamento é uma das principais
causas da mortalidade materna. Nas regiões mais carentes, como
o Norte e o Nordeste do Brasil, é grande o índice de mortes
decorrentes do aborto inseguro. Segundo Ministério da Saúde
(2004), desde o início da década de 90, Salvador tem registrado
como causa primeira da mortalidade materna, o abortamento ilegal.
Assim, os serviços de saúde públicos registram como o segundo
procedimento cirúrgico mais realizado nas unidades de internação,
a curetagem pós-abortamento. Tal dado aponta o grande número
de abortos inseguros que produzem agravamentos à saúde da
mulher, incluindo complicações físicas, infecções, infertilidade e até
mesmo a morte.
33
O gráfico 8 mostra que, entre as causas de mortalidade materna,
as mulheres pretas e pardas estão submetidas a uma proporção
maior de óbitos por dois grupos que deveriam ser mais facilmente
preveníveis: 1 - Edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na
gravidez, no parto e no puerpério, e 2 - Gravidez que termina em
aborto
Gráfico 8
Participação proporcional das causas de mortalidade materna
Brasil – Triênio 2002 a 2004
Quando examinamos (Gráfico 9) as taxas de mortalidade
materna por 100.000 nascimentos vivos, aparece melhor o risco
adicional a que estão submetidas as mulheres pretas, que
apresentam para todas as causas uma taxa de 77,9 óbitos/100.000
Nascidos Vivos, enquanto para as brancas esta taxa é de 38,2
óbitos/100.000 Nascidos Vivos. Mais especificamente, a gravidez
que termina em aborto como causa de mortalidade materna
apresenta um diferencial de taxas bem evidente: 9,4 óbitos/100.000
Nascidos Vivos entre as pretas e 3,2 óbitos/100.000 Nascidos Vivos
entre as brancas.
34
Gráfico 9
Taxas de mortalidade materna por 100.000 nascidos vivos segundo a causa,
para três grupos etnicos - Brasil, triênio 2002 a 2004
As estimativas de riscos relativos para estas causas específicas,
comparando mulheres pretas com mulheres brancas mostra bem o
risco adicional a que estão submetidas as mulheres prestas em todas
as causas específicas de mortalidade materna, com destaque para
a “Gravidez que termina em aborto” e para o grupo “Edema,
proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez, no parto e no
puerpério”, com aproximadamente o triplo de risco relativo.
Gráfico 10
Riscos relativos de mortalidade materna comparando preta/branca
35
12 - A carga do aborto na mortalidade materna no período de
2000 a 2004
Desenvolvemos para este projeto uma planilha EXCEL para
medir a carga do aborto na mortalidade materna, que será estimada
para o período de 2000 a 2004 através dos Anos Potenciais de Vida
Perdidos (APVP) em conseqüência de óbitos durante a gravidez
que termina em aborto.
Esta planilha está reproduzida a seguir e é disponível em
arquivo Excel.
12. 1 - Entrada dos dados
12.1.1 Com dados do IBGE sobre a esperança de vida à idade
exata x, publicados na tabela “BRASIL: Tábua Completa de
Mortalidade - Sexo feminino – 2004”, obtido no site <http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2004/
feminino.pdf> produzimos a tabela a seguir:
Grupos etários
Ponto médio do
grupo etário (x)
e(x) - esperança de vida para
mulheres na idade x
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
15
25
35
45
62,9
53,2
43,8
34,6
12.1.2 Com dados do Datasus sobre mortalidade por aborto e
grupo etário produzimos a tabela de óbitos a seguir em conseqüência
de gravidez que termina em aborto.
36
grupos de idade
óbitos por aborto (2000 a 2004)
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
119
323
219
36
12.1.3 Estimativas do número de Anos de Potenciais de Vida
Perdidos (APVP) em conseqüência de gravidez que termina em
aborto por grupos de idade no qüinqüênio 2000 a 2004.
As estimativas de APVP são baseadas na esperança de vida à
idade em que ocorreu o óbito por aborto.
Anos de Potenciais de
grupos de idade
Vida Perdidos (APVP)
10 a 19 anos
7485
de 2000 a 2004
20 a 29 anos
17184
30 a 39 anos
9592
40 a 49 anos
1246
TOTAL de APVP
35506
O grupo mais atingido é o de 20 a 29 anos, que de 2000 a 2004
perdeu 17.184 anos em consequencia de óbitos por aborto. Esta
perdas nos grupos de 30 a 39 e 10 a 19 anos também não foram
pequenas, correpondendo respectivamente a 9.592 e 7.485 Anos
Potenciais de Vida Perdidos.
Ao todo, as mulheres de 10 a 49 anos perderam 35.506 Anos
Potenciais de Vida em conseqüência de gravidez que termina em
aborto no período de 2000 a 2004.
Na continuação deste projeto examinaremos diferenciais de APVP
por etnia, região e nível de educação.
37
13 - Repercussão do projeto na mídia
A mídia eletrônica (internet) repercutiu bastante alguns resultados
deste projeto, a partir de uma reportagem do jornalista Antônio Gois,
publicada na Folha de São Paulo em 22 de setembro de 2006,
reproduzida a seguir, acessado em 20/10/2006 e disponível no site:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126219.shtml
22/09/2006 - 09h40
Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos
ANTÔNIO GOIS
enviado especial da Folha de S.Paulo a Caxambu (MG)
Nos últimos 13 anos, o número de abortos clandestinos no país
caiu 28%. Em 1992, a estimativa era que 1,455 milhão de mulheres
abortaram por razões não-naturais. No ano passado, o número
estimado foi de 1,054 milhão. O dado foi divulgado ontem no 15º
Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que aconteceu nesta
semana em Caxambu (MG).
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a mesma técnica desenvolvida pelo
instituto norte-americano Allan Guttmacher para tentar estimar o
número de abortos induzidos em países da América Latina. A
pesquisa teve apoio da área técnica de saúde da mulher do Ministério
da Saúde.
A variação do número de abortos induzidos ano a ano desde 1992
mostra que a queda aconteceu principalmente até 1997, quando, a
partir de então, o patamar ficou estabilizado em torno de 1 milhão.
A principal explicação é a melhoria no acesso a métodos
contraceptivos das mulheres. Eles lembram também que nesse
período houve melhoria significativa na escolaridade feminina.
38
Como a educação é o fator que mais influencia nas taxas de
fecundidade —quanto mais instruída é a mulher, menor o número
de filhos—, a hipótese é que uma geração mais escolarizada teve
mais condições de evitar uma gravidez.
Monteiro destaca que essa prática —feita muitas vezes em situação
de risco para a saúde da mulher— continua tendo um efeito
importante na redução na taxa de fecundidade da brasileira, que
desde 2003 atingiu o nível de 2,1 filhos, o que indica tendência de
mera reposição populacional. Para chegar a essa conclusão, basta
comparar o número estimado de aborto com o de registro de
nascimentos a cada ano. Em 2005, essa relação era de 29 abortos
para cada 100 nascimentos. Em 1992, chegava a 43 por 100.
Quando se leva em conta o número da taxa de abortos em relação
à população feminina de 15 a 49 anos, a queda da prática de abortos
desde 1992 fica ainda mais expressiva. Em 1992, 3,69% das
mulheres praticaram aborto induzido. Em 2005, essa proporção caiu
para 2,07%, o que significa uma redução na taxa de cerca de 44%.
Para a médica Fátima de Oliveira, da Rede Feminista de Saúde, as
complicações por aborto têm diminuído graças ao uso do Cytotec,
abortivo vendido clandestinamente.
Metodologia
Como a prática do aborto é ilegal no Brasil —exceto em casos de
estupro ou de risco à saúde da mulher—, os registros oficiais na
rede de saúde legal são insuficientes para chegar a um número
próximo da realidade. Por isso o instituto Alan Guttmacher (ONG
americana que atua na área de direitos da mulher) elaborou em
1994 uma metodologia que levasse a um patamar mais realista.
39
Após pesquisar a questão, o instituto concluiu que o número de
mulheres que procuravam a rede legal de saúde por causa de um
aborto malfeito variava segundo o grau de criminalização da prática
no país.
Para o Brasil, foi estimado que uma em cada cinco mulheres que
faziam aborto procurava a rede legal de saúde. Em países com
legislação mais liberal, esse número chega a uma em três e, em
menos liberais, a uma em cada sete.
Também o Jornalista Gilberto Dimenstein deu destaque ao nosso
trabalho em sua coluna “Jornalismo Comunitário” da Folha de São
Paulo. (disponível no site <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
dimenstein/cbn/capital_220906.shtml> acessado em 10/10/2006)
capital humano
22/09/2006
Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos
Gilberto Dimenstein - “Jornalismo Comunitário”
Segundo pesquisa, em 2005, houve 1,05 milhão de abortos
clandestinos, contra 1,45 milhão em 92; razão está em acesso à
contracepção
A maior queda do número de abortos ocorreu até o ano de 1997,
quando o patamar se estabilizou em cerca de 1 milhão, segundo
pesquisa
Nos últimos 13 anos, o número de abortos clandestinos no país
caiu 28%. Em 1992, a estimativa era que 1,455 milhão de mulheres
abortaram por razões não-naturais. No ano passado, o número
estimado foi de 1,054 milhão. O dado foi divulgado ontem no 15º
40
Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que aconteceu nesta
semana em Caxambu (MG).
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a mesma técnica desenvolvida pelo
instituto norte-americano Allan Guttmacher para tentar estimar o
número de abortos induzidos em países da América Latina. A
pesquisa teve apoio da área técnica de saúde da mulher do Ministério
da Saúde. A variação do número de abortos induzidos ano a ano
desde 1992 mostra que a queda aconteceu principalmente até 1997,
quando, a partir de então, o patamar ficou estabilizado em torno de
1 milhão.
Outros sites que repecutiram esta notícia foram:
1 - The United Nations Population Fund - UNFPA - w
Mario Francisco Giani Monteiro (UERJ), Leila Adesse (IPAS Brasil):
Estimativas de Aborto Induzido no Brasil por Grandes Regiões (19922005) ...
http://cst.mexicocity.unfpa.org/publicaciones_3196.asp
2 - Colégio Brasileiro de Ciruirgiões CBC-SP
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ...
http://www.cbcsp.org.br/redator/item14967.shtml
3 - Nº de abortos ilegais cai 28% em 13 anos Aprendiz.uol.com.br
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco
Giani Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ...
http://aprendiz.uol.com.br/
content.view.action?uuid=d69581c90af4701001ce669e9a358a17
4 - Sistema Difusora de Comunicação - SBT
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
41
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ...
http://www.sistemadifusora.com.br/noticias.php?news=12754
5 - [DOC] Edição número 510 CUT São Paulo
Formato do arquivo: Microsoft Word
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ...
http://www.cutsp.org.br/clipping/clipping%2022092006.doc
6 - :: Cidade Verde.com :: TV Cidade Verde _ Afiliada SBT em
Teresina
Para chegar a esses dados, os pesquisadores Mario Francisco Giani
Monteiro, da Uerj, e Leila Adesse, da organização nãogovernamental Ipas, utilizaram a ...
http://www.cidadeverde.com/noticiasdasaude.asp?index=1
42
14 - Considerações finais e recomendações
As estimativas deste trabalho para 1992 estão muito próximas
das estimativas realizadas pelo Alan Guttmacher Institute (AGI) para
1991, mostrando que podemos aceitar os resultados aqui
apresentados como uma atualização parcial do estudo sobre aborto
clandestino no Brasil realizado pelo AGI em 1993.
É evidente uma redução no número de internações por
abortamento registradas pelo SUS entre 1992 (344.956 internações)
e 2005 (250.447) abrangendo todos os grupos etários de 15 a 49
anos, o que reduziu também a estimativa do número de abortos
induzidos (de 1.455.283 para 1.056.573), da razão de abortos
induzidos por 100 nascimentos vivos (de 43% para 29%) e das taxas
anuais de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos (de
3,69 para 2,07).
Observamos uma diferença regional importante, sendo o risco
de abortos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos nas Regiões
Nordeste e Centro-Oeste maior que o dobro deste risco na Região
Sul. Provavelmente parte destas diferenças pode ser atribuída a
uma utilização maior e mais eficaz de medidas anticoncepcionais
pelas mulheres na Região Sul, o que diminui a ocorrência de
gravidezes indesejadas e conseqüentemente a necessidade de
recorrer à indução do aborto.
Apesar de haver uma redução no risco de abortamento induzido,
ele é ainda muito alto no Brasil, e apresenta diferenças regionais
importantes em conseqüência da baixa utilização de medidas
anticoncepcionais nas Regiões Norte e Nordeste.
A carga do aborto na mortalidade materna mostrou que o grupo
mais atingido é o de 20 a 29 anos, que de 2000 a 2004 perdeu
17.184 anos em consequencia de óbitos por aborto. Esta perdas
nos grupos de 30 a 39 e 10 a 19 anos também não foram pequenas,
correpondendo respectivamente a 9.592 e 7.485 Anos Potenciais
de Vida Perdidos.
43
Ao todo, as mulheres de 10 a 49 anos perderam 35.506 Anos
Potenciais de Vida em conseqüência de gravidez que termina em
aborto no período de 2000 a 2004.
Alguns pontos precisariam ter continuidade em um novo projeto
para detalhar e aprofundar mais algumas questões que surgiram
durante a execução deste projeto, como:
- utilização de misoprostol para indução do aborto;
- diferenciais regionais, étnicos e economico-sociais dos riscos
de aborto e de mortalidade materna por aborto;
- qual é a melhor metodologia para estimar o número de abortos
induzidos no Brasil?
44
15 - Referências
Alan Guttmacher Institute, Clandestine Abortion: A Latin American
Reality, New York, 1994;
Araújo, Maria José de Oliveira, O Impacto da Gravidez Não Desejada
na Saúde da Mulher, CEPIA/Fórum da Sociedade Civil nas
Américas, Rio de Janeiro, 19 a 21 de setembro de 2003.
Cook, Rebecca; Bernard, Dickens & Fathalla, Mahmoud, Saúde
Reprodutiva e Direitos Humanos: integrando medicina, ética
e direito. Tradução de Romani, ª & Perrone, R, Rio de Janeiro:
Cepia, 2004.
DataSUS – http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/
piuf.def, pesquisado em 20 de Setembro de 2004
Fonseca, W. et al Determinantes do aborto provocado entre
mulheres admitidas em hospitais em localidade da região
Nordeste do Brasil* Rev. Saúde Pública v.30 n.1 São Paulo
fev. 1996
JHU – Population Information Program. O Planejamento da Atenção
Médica para Salvar a Vida da Mulher. Population Reports Série L - Nº 10 - pag 7-11, 1997
Martins, Alaerte L. - Maior Risco para Mulheres Negras no Brasil.
Jornal da Rede Feminista de Saúde - nº 23 - Março 2001
Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
da Mulher - Plano de Ação 2004 – 2007. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde,
Série C. Projetos, Programas e Relatórios. Brasília – DF, 2004.
Ministério da Saúde, Norma Técnica de Atenções Humanizadas ao
Abortamento, 2004.
Perpétuo, Ignez Helena O. Raça e acesso às ações prioritárias na
agenda da Saúde Reprodutiva. Jornal da Rede Feminista de
Saúde - nº 22 – Novembro 2000
Singh, Susheela e Monteiro, Mário. Levels of cildbearing,
contraception, and abortion in Brazil: differentials by poverty
status. In: GARCÍA, Brígida. (Org.). Women, poverty, and
45
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113-142.
Singh, S. e Wulf, D. Estimating abortions levels in Brazil, Colombia
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Int. Fam. Plan. Persp., 17(1):8-13, 1991.
Singh, S. e Wulf, D. Estimated Levels of Induced Abortion in Six
Latin American Countries. International Family Planning
Perspectives, 20:4-13, 1994.
World Health Organization, Unsafe Abortion: Global and regional
Estimates of Incidence of Unsafe Abortion and Associated
Mortality in 2000. Geneva: 2004
46
ANEXO 1
Municípios com mais de 500 e menos de
1.000 internações do SUS por abortamento
47
Municípios com mais de 500 e menos de 1.000 internações
do SUS por abortamento
Período:2005
Município
353440 Osasco
250400 Campina Grande
500270 Campo Grande
314330 Montes Claros
290570 Camaçari
313670 Juiz de Fora
261110 Petrolina
330100 Campos dos Goytacazes
311860 Contagem
293330 Vitória da Conquista
260960 Olinda
110020 Porto Velho
150080 Ananindeua
420540 Florianópolis
510340 Cuiabá
520140 Aparecida de Goiânia
351380 Diadema
354780 Santo André
310670 Betim
260410 Caruaru
291480 Itabuna
410830 Foz do Iguaçu
150420 Marabá
317020 Uberlândia
230765 Maracanaú
330510 São João de Meriti
354870 São Bernardo do Campo
230370 Caucaia
320500 Serra
420910 Joinville
351870 Guarujá
150680 Santarém
330045 Belford Roxo
430460 Canoas
291840 Juazeiro
140010 Boa Vista
351060 Carapicuíba
330330 Niterói
320520 Vila Velha
350570 Barueri
320130 Cariacica
291920 Lauro de Freitas
240800 Mossoró
172100 Palmas
330390 Petrópolis
354990 São José dos Campos
355280 Taboão da Serra
48
10 a 14
anos
15 a 19
anos
20 a 29
anos
30 a 39
anos
40 a 49
anos
Total
8
13
10
9
6
3
8
5
3
10
8
14
7
6
7
9
5
7
0
8
6
9
8
7
13
5
4
9
4
5
9
10
12
8
8
10
3
2
5
1
10
4
5
5
3
2
4
169
165
188
155
200
128
175
166
106
134
151
159
174
97
162
142
130
122
118
222
143
116
153
150
111
110
104
115
122
101
119
147
127
84
131
108
89
117
99
100
103
106
106
93
76
84
91
502
490
495
506
501
454
491
488
425
473
452
490
418
388
426
435
388
377
353
331
395
362
400
332
335
362
327
337
340
321
320
342
331
295
344
340
304
291
296
289
281
323
292
342
260
248
258
263
223
207
215
180
248
176
176
247
158
167
121
146
213
140
138
190
190
214
112
121
163
109
140
160
147
186
160
143
167
162
100
134
174
107
110
170
154
135
148
149
109
118
83
153
138
142
52
57
37
46
21
52
28
32
51
33
25
13
17
55
21
31
37
44
38
35
28
43
14
40
47
31
33
32
38
47
24
28
23
47
11
20
22
22
35
31
24
11
31
12
35
47
22
994
948
937
931
908
885
878
867
832
808
803
797
762
759
756
755
750
740
723
708
693
693
684
669
666
655
654
653
647
641
634
627
627
608
601
588
588
586
570
569
567
553
552
535
527
519
517
ANEXO 2
Municípios com 100 a 500 internações do
SUS por abortamento
49
Municípios com 100 a 500 internações do SUS por
abortamento
Período:2005
Município
352940 Mauá
521250 Luziânia
354850 Santos
270030 Arapiraca
352310 Itaquaquecetuba
230730 Juazeiro do Norte
353060 Mogi das Cruzes
355220 Sorocaba
291360 Ilhéus
421660 São José
280480 Nossa Senhora do Socorro
350600 Bauru
315780 Santa Luzia
351500 Embu
211220 Timon
355250 Suzano
231290 Sobral
170210 Araguaína
290320 Barreiras
320530 Vitória
315460 Ribeirão das Neves
354980 São José do Rio Preto
291800 Jequié
150553 Parauapebas
330070 Cabo Frio
290070 Alagoinhas
354100 Praia Grande
317010 Uberaba
261640 Vitória de Santo Antão
355100 São Vicente
330190 Itaboraí
432300 Viamão
430060 Alvorada
353870 Piracicaba
330414 Queimados
520110 Anápolis
510840 Várzea Grande
261070 Paulista
330250 Magé
430920 Gravataí
260290 Cabo de Santo Agostinho
351620 Franca
420240 Blumenau
291470 Itaberaba
411990 Ponta Grossa
160060 Santana
312770 Governador Valadares
351300 Cotia
292400 Paulo Afonso
352250 Itapevi
50
10 a 14
anos
9
12
3
6
8
6
4
3
5
1
5
10
3
3
5
2
7
6
6
4
1
7
1
6
6
6
3
5
5
3
7
3
5
3
3
1
9
0
2
1
8
2
3
2
3
5
5
1
11
0
15 a 19
anos
20 a 29
anos
30 a 39
anos
74
83
71
90
86
99
79
78
110
65
76
63
62
67
100
80
73
95
92
72
57
66
96
94
75
73
76
61
83
58
84
56
63
77
55
62
73
77
72
45
66
63
50
91
61
59
51
56
62
65
265
256
254
248
230
246
222
183
251
211
226
235
216
225
244
198
234
240
233
201
211
200
229
247
204
201
192
224
204
203
162
159
186
172
223
213
208
193
178
152
212
159
163
177
154
188
165
157
154
138
126
117
131
114
127
93
111
153
57
126
103
102
117
107
61
113
83
64
66
103
111
112
60
41
87
98
88
72
77
99
103
118
95
96
68
76
65
78
81
114
58
96
90
49
81
60
70
88
73
92
40 a 49
anos
26
25
31
25
28
15
35
29
13
30
19
17
26
21
8
24
13
4
10
26
22
17
15
6
21
10
29
18
9
14
20
38
23
22
20
17
8
9
24
42
6
23
32
15
25
11
25
13
14
16
Total
500
493
490
483
479
459
451
446
436
433
429
427
424
423
418
417
410
409
407
406
402
402
401
394
393
388
388
380
378
377
376
374
372
370
369
369
363
357
357
354
350
343
338
334
324
323
316
315
314
311
354340 Ribeirão Preto
410480 Cascavel
210300 Caxias
355410 Taubaté
421190 Palhoça
313130 Ipatinga
290980 Cruz das Almas
330010 Angra dos Reis
316720 Sete Lagoas
150240 Castanhal
352220 Itapecerica da Serra
431440 Pelotas
352590 Jundiaí
260345 Camaragibe
292870 Santo Antônio de Jesus
420420 Chapecó
510250 Cáceres
352900 Marília
260110 Araripina
330630 Volta Redonda
420460 Criciúma
412550 São José dos Pinhais
431340 Novo Hamburgo
355240 Sumaré
520025 Águas Lindas de Goiás
312230 Divinópolis
330580 Teresópolis
210330 Codó
330320 Nilópolis
351570 Ferraz de Vasconcelos
351630 Francisco Morato
230410 Crateús
293010 Senhor do Bonfim
280290 Itabaiana
411520 Maringá
210005 Açailândia
431870 São Leopoldo
290650 Candeias
320320 Linhares
312980 Ibirité
411820 Paranaguá
510760 Rondonópolis
351907 Hortolândia
316860 Teófilo Otoni
351640 Franco da Rocha
330340 Nova Friburgo
510790 Sinop
150130 Barcarena
521760 Planaltina
500320 Corumbá
352390 Itu
280670 São Cristóvão
320490 São Mateus
280210 Estância
150810 Tucuruí
352050 Indaiatuba
260600 Garanhuns
150550 Paragominas
3
1
2
4
1
0
2
2
3
4
4
5
2
3
1
3
2
1
1
0
0
3
3
3
1
3
6
4
4
4
1
1
1
0
1
4
2
3
1
3
7
2
1
0
2
4
6
2
1
4
2
3
2
2
4
3
1
1
36
49
76
48
55
44
45
35
41
64
40
40
44
45
62
43
61
32
53
43
45
53
33
37
37
32
30
58
41
41
45
58
55
39
38
78
44
45
45
29
35
52
40
45
33
36
39
53
36
39
34
31
39
27
60
31
42
58
169
153
161
136
123
156
164
156
145
156
141
137
146
161
143
130
133
140
144
145
130
117
126
140
143
117
134
132
129
110
116
112
124
125
123
119
106
137
126
125
111
129
109
104
106
112
107
115
100
106
107
110
109
110
106
94
96
102
90
84
45
97
85
81
77
84
83
50
75
73
65
54
56
77
58
81
60
64
75
69
82
71
61
89
73
45
63
85
70
54
54
73
61
34
64
47
51
65
64
43
63
61
65
53
45
32
58
47
51
49
46
53
21
54
45
22
8
17
17
16
35
17
8
19
22
10
21
25
19
10
9
17
16
15
10
15
16
23
20
11
15
15
13
14
16
13
20
22
13
9
20
7
25
6
13
13
18
8
13
9
12
11
11
4
10
8
9
7
4
7
7
15
10
7
306
304
301
301
299
298
296
296
294
284
281
280
276
273
271
270
270
269
268
267
266
265
264
262
257
256
256
253
253
253
252
247
247
246
243
242
241
238
236
235
235
234
226
219
218
216
208
206
205
204
203
200
200
199
198
197
194
190
51
Período:2005
Município
280350 Lagarto
432000 Sapucaia do Sul
231130 Quixadá
251370 Santa Rita
230550 Iguatu
352440 Jacareí
291460 Irecê
352530 Jaú
260005 Abreu e Lima
130120 Coari
315670 Sabará
210750 Paço do Lumiar
330270 Maricá
261370 São Lourenço da Mata
500660 Ponta Porã
350280 Araçatuba
130250 Manacapuru
292880 Santo Estêvão
410940 Guarapuava
411915 Pinhais
290600 Campo Formoso
317070 Varginha
350320 Araraquara
350750 Botucatu
310560 Barbacena
314800 Patos de Minas
354890 São Carlos
330420 Resende
410040 Almirante Tamandaré
430930 Guaíba
150470 Moju
293070 Simões Filho
210990 Santa Inês
220770 Parnaíba
330227 Japeri
354880 São Caetano do Sul
520800 Formosa
355540 Ubatuba
150210 Cametá
291750 Jacobina
500370 Dourados
230640 Itapipoca
313170 Itabira
150010 Abaetetuba
350160 Americana
130406 Tabatinga
211120 São José de Ribamar
410180 Araucária
320240 Guarapari
421870 Tubarão
311940 Coronel Fabriciano
291640 Itapetinga
150360 Itaituba
290460 Brumado
52
10 a 14
anos
2
1
1
0
4
1
3
0
3
3
3
2
1
3
4
2
2
3
3
2
2
1
0
2
0
1
1
0
3
1
5
2
3
1
2
2
1
4
5
5
2
2
0
4
0
2
6
0
1
0
0
0
0
2
15 a 19
anos
28
23
33
40
53
25
42
38
29
37
26
32
33
26
37
31
34
35
33
32
48
27
38
30
19
26
30
37
24
30
50
27
43
28
29
18
35
23
40
43
28
28
19
44
25
33
30
28
32
27
17
37
36
24
20 a 29
anos
96
86
87
109
88
100
105
93
106
99
101
114
89
106
81
84
97
88
71
84
89
88
88
91
82
77
85
83
96
62
74
97
90
91
102
91
89
72
75
72
73
75
79
78
83
82
96
76
77
73
80
81
91
70
30 a 39
anos
50
58
52
36
33
43
30
41
38
33
45
28
43
36
40
52
32
34
51
45
25
43
35
40
52
55
36
37
34
52
30
32
23
36
21
40
27
54
27
29
46
35
45
21
36
33
16
40
35
42
41
28
19
43
40 a 49
anos
14
22
16
4
10
18
6
14
7
10
7
4
10
3
12
4
7
11
12
7
5
10
8
6
15
9
14
8
8
20
4
5
3
6
8
11
8
6
11
8
7
15
12
7
10
3
5
9
7
10
13
3
2
9
Total
190
190
189
189
188
187
186
186
183
182
182
180
176
174
174
173
172
171
170
170
169
169
169
169
168
168
166
165
165
165
163
163
162
162
162
162
160
159
158
157
156
155
155
154
154
153
153
153
152
152
151
149
148
148
330600 Três Rios
231140 Quixeramobim
293135 Teixeira de Freitas
260720 Ipojuca
352500 Jandira
110012 Ji-Paraná
150530 Oriximiná
353070 Mogi Guaçu
521880 Rio Verde
315180 Poços de Caldas
353650 Paulínia
353800 Pindamonhangaba
420890 Jaraguá do Sul
431410 Passo Fundo
430040 Alegrete
522140 Trindade
171820 Porto Nacional
317120 Vespasiano
150613 Redenção
261220 Salgueiro
411850 Pato Branco
430770 Esteio
320150 Colatina
210360 Coroatá
241200 São Gonçalo do Amarante
251080 Patos
330020 Araruama
351350 Cubatão
350760 Bragança Paulista
292860 Santo Amaro
311830 Conselheiro Lafaiete
150480 Monte Alegre
220840 Piripiri
350410 Atibaia
210320 Chapadinha
270670 Penedo
351050 Caraguatatuba
355070 São Sebastião
500830 Três Lagoas
521523 Novo Gama
330520 São Pedro da Aldeia
170950 Gurupi
230523 Horizonte
260120 Arcoverde
431990 Sapiranga
330550 Saquarema
150220 Capanema
352720 Lorena
230770 Maranguape
320120 Cachoeiro de Itapemirim
210540 Itapecuru Mirim
261390 Serra Talhada
110002 Ariquemes
230760 Limoeiro do Norte
314710 Pará de Minas
315120 Pirapora
353980 Poá
231180 Russas
1
1
2
1
0
0
1
2
1
1
3
1
0
2
3
1
1
1
8
0
0
2
0
4
1
1
1
1
1
1
0
2
2
2
2
1
3
0
1
0
2
3
1
2
0
2
1
2
1
1
2
2
1
2
2
1
1
3
26
25
37
39
29
39
39
28
32
21
24
21
21
27
27
27
32
15
40
27
28
21
24
42
29
24
16
18
26
32
12
30
34
27
40
31
24
27
31
24
26
35
24
27
21
19
27
21
18
19
33
25
30
23
17
34
14
21
82
80
78
81
64
81
79
56
84
70
65
64
61
62
69
80
79
81
72
69
57
54
71
71
72
84
78
61
62
60
54
84
71
60
73
78
69
59
66
68
73
69
73
60
47
75
71
53
65
59
67
76
71
66
65
67
74
60
36
35
28
23
42
21
24
48
24
41
44
45
47
42
33
32
23
32
13
37
44
51
36
15
30
25
33
42
40
35
56
18
24
34
15
19
29
41
30
36
23
19
24
33
50
26
24
44
37
40
20
20
20
29
30
21
31
27
3
6
2
2
11
4
2
10
3
10
7
12
14
10
10
2
6
12
7
7
11
12
7
5
5
3
9
15
7
7
13
0
3
11
3
4
8
6
5
5
8
5
9
8
12
7
5
8
6
8
4
3
3
5
11
2
5
13
148
147
147
146
146
145
145
144
144
143
143
143
143
143
142
142
141
141
140
140
140
140
138
137
137
137
137
137
136
135
135
134
134
134
133
133
133
133
133
133
132
131
131
130
130
129
128
128
127
127
126
126
125
125
125
125
125
124
53
Período:2005
Município
110010 Guajará-Mirim
210860 Pinheiro
240810 Natal
351970 Ibiúna
410140 Apucarana
230110 Aracati
270930 União dos Palmares
293320 Vera Cruz
313510 Janaúba
330040 Barra Mansa
352670 Leme
312090 Curvelo
313820 Lavras
317040 Unaí
261090 Pesqueira
352230 Itapetininga
313520 Januária
313940 Manhuaçu
320510 Viana
354730 Santana de Parnaíba
410580 Colombo
160027 Laranjal do Jari
291390 Ipiaú
310730 Bocaiúva
313380 Itaúna
314790 Passos
355170 Sertãozinho
410765 Fazenda Rio Grande
430160 Bagé
150060 Altamira
250320 Cabedelo
260620 Goiana
270630 Palmeira dos Índios
291400 Ipirá
411840 Paranavaí
431560 Rio Grande
220800 Picos
330030 Barra do Piraí
352240 Itapeva
150180 Breves
411370 Londrina
250180 Bayeux
316250 São João del Rei
330240 Macaé
231340 Tianguá
270800 Santana do Ipanema
291072 Eunápolis
420230 Biguaçu
290750 Catu
350400 Assis
354910 São João da Boa Vista
130340 Parintins
54
10 a 14
anos
3
0
0
1
0
2
2
2
0
1
1
0
0
4
3
1
1
2
2
1
0
3
3
0
2
1
3
0
2
1
0
3
1
1
0
1
2
1
0
5
0
2
0
2
1
1
2
0
0
2
0
0
15 a 19
anos
38
35
14
24
17
28
30
17
28
17
18
15
8
21
32
26
24
25
26
18
17
33
30
20
15
19
20
21
24
22
27
28
28
15
19
22
23
18
29
19
19
27
15
22
21
23
20
22
21
19
20
30
20 a 29
anos
30 a 39
anos
61
65
54
63
61
65
58
68
70
67
70
61
64
59
51
55
59
59
47
58
59
55
65
55
59
48
64
50
51
71
58
65
56
61
56
56
67
54
57
60
58
47
49
65
52
42
62
45
68
50
49
57
19
18
48
26
36
24
26
30
17
32
25
33
38
29
27
25
26
27
33
31
30
20
17
29
36
42
24
34
30
18
20
15
26
29
35
29
16
32
21
22
33
31
38
19
27
33
20
34
17
33
27
18
40 a 49
anos
Total
1
4
6
8
8
2
5
4
6
4
7
11
10
7
6
12
8
5
9
9
11
5
1
12
4
6
5
11
9
3
9
3
3
8
4
6
5
8
6
6
2
4
9
2
8
10
5
8
2
4
12
2
122
122
122
122
122
121
121
121
121
121
121
120
120
120
119
119
118
118
117
117
117
116
116
116
116
116
116
116
116
115
114
114
114
114
114
114
113
113
113
112
112
111
111
110
109
109
109
109
108
108
108
107
354260 Registro
6
430300 Cachoeira do Sul
0
430310 Cachoeirinha
0
431680 Santa Cruz do Sul
3
240325 Parnamirim
2
354680 Santa Isabel
1
500110 Aquidauana
3
316870 Timóteo
1
350650 Birigui
0
353760 Peruíbe
0
521975 Santo Antônio do Descoberto 3
260680 Igarassu
0
522045 Senador Canedo
4
240200 Caicó
1
260890 Limoeiro
2
280130 Capela
2
313620 João Monlevade
1
230190 Barbalha
0
260990 Ouricuri
1
315250 Pouso Alegre
2
150442 Marituba
2
230100 Aquiraz
2
240710 Macaíba
2
330080 Cachoeiras de Macacu
1
330200 Itaguaí
2
412240 Rolândia
2
310400 Araxá
2
314480 Nova Lima
0
354140 Presidente Prudente
1
20
9
12
9
14
19
26
12
13
19
15
23
21
15
24
20
17
21
16
15
29
15
28
22
12
11
19
14
15
59
44
53
49
56
50
56
50
49
51
52
58
56
54
50
52
45
56
48
37
55
54
43
51
53
52
54
41
37
21
35
34
34
31
27
18
32
37
31
31
16
21
28
24
25
28
21
31
34
14
24
21
23
27
25
21
38
39
1
19
8
12
3
9
3
10
6
4
4
7
2
5
3
4
12
4
6
14
1
6
7
4
7
11
4
7
8
107
107
107
107
106
106
106
105
105
105
105
104
104
103
103
103
103
102
102
102
101
101
101
101
101
101
100
100
100
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
55
ANEXO 3
Programa do seminário sobre “Riscos à
saúde da Mulher
56
ANEXO 4
“Estimativas indiretas de aborto clandestino:
Uma realidade brasileira”.
Trabalho apresentado no 8º Congresso Brasileiro de Saúde
Coletiva e 11º Congresso Mundial de Saúde Pública
(Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006).
57
ANEXO 5
Mesa Redonda - Aborto no Brasil:
atualizando Informações
Coordenadora/Debatedora: Sonia Corrêa
Expositores:
I - Maria Isabel Baltar da Rocha (Núcleo de Estudos de População/
Unicamp) – A Discussão Política sobre Aborto no Brasil: uma
síntese.
II - Rulian Emmerick (Advogado Consultor da ADVOCACI –
Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos - Aborto e Direitos
Humanos: Ações Estratégicas e Jurídicas de Proteção dos
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
III - Antônio L Tavares Thomé (BEMFAM ), Mônica Almeida
(BEMFAM), Ney Costa (BEMFAM), Keitt Lomiento (BEMFAM) Satisfação de Usuárias de Serviços de Aborto Legal em Três
Municípios do Nordeste.
IV - Mario Francisco Giani Monteiro (UERJ) e Leila Adesse (IPAS
Brasil) - Estimativas de Aborto Induzido no Brasil por Grandes
Regiões (1992-2005)
Disponível no sítio: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/
docspdf/ABEP2006_252.pdf
58
Estimativas de aborto induzido no Brasil e Grandes Regiões
(1992-2005)1
Mario Francisco Giani Monteiro2
Leila Adesse 3
Palavras-chave: Magnitude do aborto no Brasil; Saúde da mulher;
Complicações da gravidez.
Resumo
Em 1994, o Alan Guttmacher Institute publicou os resultados da
investigação sobre aborto clandestino em seis países da América
Latina, inclusive o Brasil. São utilizadas diversas técnicas para
interromper a gravidez, incluindo também uma ampla variedade de
procedimentos populares praticados pelas próprias mulheres ou por
pessoal não capacitado, que resultam em sérios riscos à saúde
destas mulheres, levando muitas vezes ao óbito materno. Na
investigação do Alan Guttmacher Institute, foram estimados para
1991 um total de 1.443.350 abortamentos induzidos no Brasil,
correspondendo a uma taxa anual de 3,65 abortamentos por 100
mulheres de 15 a 49 anos. Utilizando a mesma metodologia, o
objetivo deste trabalho é atualizar as estimativas para uma série
histórica de 1992 a 2005 nas Grandes Regiões do Brasil.
O método consiste em utilizar, como fonte dos dados, as internações
por abortamento registradas no SIH-SUS, e utilizar um multiplicador
baseado na hipótese proposta na investigação do Alan Guttmacher
Institute que, no Brasil, 20% das mulheres que induziram um aborto
tiveram que ser hospitalizadas em conseqüência de complicações.
Foram também utilizados como fatores de correção um subregistro
de 12,5% e uma proporção de 25% de abortos espontâneos. Os
resultados mostram que houve uma redução de 38% no número de
abortamentos induzidos no Brasil: de 1.455.283 abortamentos
induzidos em 1992 (estimativa muito próxima à do Alan Guttmacher
Institute em 1991) para 1.066.993 em 1996, mantendo-se neste
patamar até 2005 (1.054.242 abortamentos induzidos). A grande
maioria (3 em cada 4 em 2005) destes abortamentos induzidos
ocorreu nas regiões Nordeste e Sudeste. A taxa anual de
abortamentos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos no Brasil
se reduz de 3,69 em 1992 para 2,07 em 2005, e o maior risco ocorre
59
na Região Nordeste com uma taxa de 2,73 em 2005,
correspondendo, no entanto, a uma redução de 50% em relação a
1992. A taxa mais baixa em 2005 (1,28/100) ocorre na Região Sul.
1
Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP,
realizado em Caxambú- MG –
Brasil, de 18 - 22 de Setembro de 2006, realizado com financiamento da Área Técnica
de Saúde da Mulher - Ministério Da Saúde.
2
Instituto de Medicina Social da UERJ.
3
IPAS Brasil.
60
ANEXO 6
As informações sobre abortamentos no SIH/
SUS
Jacques Levin
Ministério da Saúde/Departamento de Informática do SUS
[email protected]
Este documento descreve as principais características do Sistema
de Informações Hospitalares do SUS, as informações disponíveis
relacionadas com os abortamentos, a forma de acesso a elas e
discute os critérios de seleção dos casos em estudo.
As informações sobre os abortos induzidos no Brasil são, de uma
maneira geral, de difícil obtenção, devido à ilegalidade de sua prática,
excetuando-se por práticas médicas muito específicas (AGI, 1994).
Também aspectos culturais e religiosos inibem as mulheres
declararem seus abortamentos, dificultando o cálculo de sua magnitude (Brasil, 2005). Representam, no entanto, um importante
problema de saúde pública: por ser realizado, na maior parte das
vezes, em condições inseguras ou por pessoal inabilitado, ou mesmo
pela própria mulher, pode acarretar conseqüências danosas à saúde,
podendo, inclusive, levar à morte.
A Norma Técnica da Atenção Humanizada ao Abortamento (Brasil,
2005) apresenta algumas estimativas da dimensão do problema:
· O abortamento espontâneo ocorre em aproximadamente 10% das
gestações.
· Para a América Latina e Caribe, estima-se que 52% das gestações
não foram planejadas, sendo que 23% terminam em abortamento.
· Para o Brasil, estima-se a taxa de 3,7 abortos por 100 mulheres
de 15 a 49 anos.
· Em países em que as mulheres têm acesso a serviços seguros,
suas probabilidades de morrer em decorrência de abortamento
realizado com métodos modernos não é maior do que uma para
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cada 100.000 procedimentos.
· Em países em desenvolvimento, o risco de morte por
complicações de procedimentos de abortamento inseguro é várias
vezes mais alto do que de abortamento realizado por profissionais
e em condições seguras.
A maior parte dos valores apresentados é obtida a partir de inquéritos
amostrais, utilizando diferentes metodologias, como as apresentadas
no estudo do AGI, 1994.
Dos sistemas nacionais de informações de saúde, dois
especificamente registram informações detalhadas sobre
determinadas situações de aborto: o Sistema de Informações de
Mortalidade (SIM), quando a mulher vem a falecer tendo como causa
básica o aborto, e o Sistema de Informações Hospitalares do SUS
(SIH/SUS), quando a mulher necessita ser internada por
complicações do aborto, seja ele espontâneo ou induzido. O estudo
citado (AGI, 1994) destaca que, mesmo no caso de complicações
do aborto induzido, apenas uma fração das mulheres são atendidas
em hospital, seja por dificuldade de acesso, por medo de
conseqüências pessoais ou legais ou por complicações menos
sérias, sem sinais de infecção. Para o Brasil, foi estimado que uma
em cada 3,5 mulheres que tiveram aborto induzido era hospitalizada
para tratamento das complicações.
Com a grande abrangência, cobertura e disponibilidade dos dados
do SIH/SUS, esse pode ser uma importante fonte de dados
secundários para analisar o fenômeno, em aspectos demográficos,
espaciais e mesmo de custos.
Métodos
É feito um breve histórico do Sistema de Informações Hospitalares
do SUS (SIH/SUS), destacando sua abrangência e cobertura. São
apresentadas também as informações disponíveis no sistema. Entre
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elas, consideramos, para selecionar os abortamentos, os
procedimentos realizados e o diagnóstico principal. Não foram
tratados, neste trabalho, os atos médicos realizados e o diagnóstico
secundário, por trazerem pouca informação adicional para a situação
em análise.
A partir destas premissas, foram realizadas tabulações sobre os
arquivos Reduzidos de AIH (RD), distribuídos pelo Datasus em CDROM (BRASIL, 2004) ou acessíveis pela Internet, através do MSBBS, disponível em http://www.datasus.gov.br/bbs/bbs_down.htm ou
http://msbbs.datasus.gov.br; acesso em 06 jun. 2006. O conteúdo
destes arquivos pode ser obtido no arquivo de ajuda (em formato
Help para Windows) RD.HLP, contido no arquivo compactado
RDTAB.ZIP, disponível em http://www.datasus.gov.br/tabwin/
rdtab.zip; acesso em 06 jun. 2006. Foram utilizados os dados das
internações das competências de janeiro de 1998 a dezembro de
2005, todos codificados segundo a 10ª Revisão da Classificação
Internacional de Doenças – CID-10.
As tabulações e tratamento dos dados foram feitos com os softwares
Tabwin (programa tabulador de informações, distribuído pelo
Datasus, disponível em http://www.datasus.gov.br/tabwin/tabwin.htm;
acesso em 06 jun. 2006) e Microsoft Excel.
Resultados
O Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) tem sua
origem no Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência
Social (SAMHPS), implantado a partir de 1981 com o objetivo de
efetuar o pagamento das contas dos hospitais conveniados com a
Previdência Social no atendimento aos segurados (LEVIN, 2006).
A partir de 1986, são tomadas medidas que estendem a assistência
médico-hospitalar previdenciária a parcela mais ampla da população
brasileira: equiparação urbano-rural, abolição da exigência de vínculo
com a Previdência Social na rede própria do INAMPS e convênios
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com entidades filantrópicas e beneficentes, assegurando que
atendimentos prestados a não-segurados também fossem
remunerados pelo SAMHPS (NORONHA, LEVCOVITZ, 1994).
Posteriormente, como expõem os mesmos autores, é implantada a
modalidade de remuneração pelo sistema SAMHPS nos hospitais
de ensino.
Com a Constituição Federal de 1988, é garantido o acesso universal
à saúde, criando-se, então o Sistema Único de Saúde – SUS. No
processo de sua regulamentação, o INAMPS, gestor do SAMHPS,
é transferido para o Ministério da Saúde, sendo esse sistema
transformado em SIH/SUS, tendo a AIH como instrumento para toda
a rede hospitalar própria, federal, estadual, municipal, filantrópica e
privada lucrativa (LEVIN, 2006).
Com isso, o SIH/SUS passa a coletar informações de todas as
internações hospitalares realizadas pelo sistema público de saúde.
Estas internações correspondem de 60 a 70% do total de internações
hospitalares realizadas no país (RIPSA, 2002), variando de acordo
com o local e a complexidade dos procedimentos, podendo atingir
valores mais elevados em regiões mais dependentes do SUS. No
caso específico de partos, comparando o número de partos
realizados no SUS e o número total de nascimentos, podemos
observar que o primeiro corresponde a 68% ou mais do segundo,
ao longo de 10 anos (Tabela 1) 1.
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Tabela 1 – Número de partos realizados no SUS, número de nascidos vivos
e razão entre partos SUS e nascidos vivos, segundo ano.
Brasil, 1994 a 2003.
Ano
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Número de partos
realizados no SUS
Número de
nascidos vivos
Razão (%)
2.852.834
2.821.511
2.743.141
2.718.265
2.621.353
2.652.550
2.505.739
2.403.885
2.343.760
2.261.513
2.243.779
3.421.951
3.423.416
3.417.847
3.545.522
3.527.026
3.583.891
3.575.971
3.420.134
3.349.646
3.296.909
n.d.
83,4
82,4
80,3
76,7
74,3
74,0
70,1
70,3
70,0
68,6
n.d.
Fonte: Indicadores e Dados Básicos 2005 – IDB2005, www.datasus.gov.br/idb2005, acesso em 21 set. 2006.
Notas:
1. Número de partos realizados no SUS obtido a partir do indicador F.9 –
Proporção de partos cesáreos (SUS).
2. Número de nascidos vivos obtido a partir dos indicadores A.7 – Taxa bruta de
natalidade e A.1 – População total. É proveniente da composição de estimativas
feitas pelo IBGE para o número de nascidos vivos com o número coletado pelo
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).
Para a discussão sobre abortos, estes números não se aplicam diretamente, pois
se referem a partos, mas permitem ter uma idéia da cobertura do sistema em
relação a procedimentos obstétricos.
Das bases de dados do SIH/SUS, as principais informações disponíveis podem
ser observadas no Quadro 1.
Quadro 1 – Informações disponíveis no SIH/SUS
Entidade
Informações disponíveis
Hospital
Processamento
Paciente
Estabelecimento, local, natureza, regime.
Período de competência, gestão.
Sexo, idade, município de residência, ocupação, vínculo
previdenciário.
Especialidade, caráter de internação, UTI, data de
internação, data de alta, dias de permanência, motivo da
alta/cobrança, diárias de UTI e de acompanhante.
Procedimento realizadoDiagnóstico principal e secundário
Valor total, serviços hospitalares, serviços profissionais,
SADT, recém-nato, acompanhante, órtese/prótese, sangue,
transplantes, analgesia obstétrica, UTI.
Programa de pré-natal, informação complementares para
esterilização etc.
Internação
Pagamento
Outros
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Informações que identificam o paciente e seu endereço são de
acesso restrito, para manter a privacidade do paciente.
A abrangência, cobertura, grande acervo e facilidade de acesso
permitem que múltiplas análises possam ser feitas. A disponibilidade
das informações do SIH/SUS é bastante ampla, permitindo que
sejam feitos vários recortes, segundo a necessidade, como
destacam Bittencourt, Camacho e Leal (2006).
O acesso às informações do SIH/SUS tem duas principais vertentes:
· Tabulações executadas diretamente pela Internet, através do
software Tabnet, do Datasus; e
· Acesso as microdados, que podem ser baixados da Internet ou
recebidos em CD-ROM, distribuídos pelo Datasus. Os microdados
podem ser tabulados pelo software Tabwin, também distribuído pelo
Datasus, ou processados por outros softwares, pois estão
distribuídos em formato DBF, facilmente tratados e convertidos por
estes outros softwares.
Nas tabulações pela Internet, em www.datasus.gov.br (acesso em
06 jun. 2006), as informações são apresentadas agregadamente,
em nível de município, com as principais variáveis, segundo a
morbidade hospitalar ou os procedimentos realizados, ambos por
local de internação ou por local de residência. A grande vantagem
desta forma de acesso é a facilidade de acesso e de uso, rapidez
da resposta e disponibilidade dos dados. Como desvantagem, nem
todas as variáveis podem ser trabalhadas e há menor detalhamento
de algumas delas. Os diagnósticos, por exemplo, estão agrupados
segundo a Lista de Tabulação de Morbidade, constante na CID-10
(OMS, 2003), com aproximadamente 300 subdivisões, contra mais
de 12.000 subcategorias da classificação original. Além disso, as
informações não podem ser trabalhadas em nível de
estabelecimento e alguns cruzamentos não podem ser obtidos, como
local de internação x local de residência ou procedimento realizado
x diagnóstico principal.
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Já nas tabulações pelos microdados, as informações estão
detalhadas para cada internação (não identificada), há todo o elenco
de variáveis, no seu maior detalhamento, permitindo seleções e
cruzamentos mais amplos e completos. Em compensação, o volume
de dados é bem maior, necessitando de maior espaço de
armazenamento e tempo de processamento. Os microdados devem
ser baixados da Internet (média de 40 megabytes compactados,
por mês), ou obtidos dos CD-ROM, os quais estão com a produção
interrompida.
Para este trabalho, foram utilizados os microdados, por permitir uma
análise exploratória mais detalhada, principalmente em relação ao
diagnóstico e seus cruzamentos com os procedimentos.
Para selecionar as internações de interesse, no caso, aborto, temos
duas estratégias: pelo diagnóstico da internação ou pelo
procedimento realizado.
O diagnóstico principal é codificado segundo a Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à
Saúde, 10ª Revisão, mais conhecida como Classificação
Internacional de Doenças – CID-10 (OMS, 2003). Esta classificação
é utilizada desde 1998. Até então, era usada a 9ª Revisão.
Trabalhamos apenas com a CID-10, porém a mesma metodologia
pode ser utilizada para os dados anteriores.
Na CID-10, os abortamentos estão contidos no Capítulo XV –
Gravidez, Parto e Puerpério, no grupo O00-O08 – Gravidez que
termina em aborto, conforme o Quadro 2.
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Quadro 2 – Categorias do Grupo O00-O08 - Gravidez que termina em aborto
Código
O00
O01
O02
O03
O04
O05
O06
O07
O08
Descrição
Gravidez ectópica
Mola hidatiforme
Outros produtos anormais da concepção
Aborto espontâneo
Aborto por razões médicas e legais
Outros tipos de aborto
Aborto não especificado
Falha de tentativa de aborto
Complicações conseqüentes a aborto e gravidez ectópica ou molar
Estas categorias contêm subdivisões, num total de 72 subcategorias.
No Capítulo XIV – Doenças do Aparelho Geniturinário, encontra-se
a categoria N96 – Abortamento Habitual. Esta categoria não deveria
ser considerada para o estudo de abortamentos ocorridos, por tratar
de investigações ou cuidados em mulheres não grávidas ou de
infertilidade relativa, excluindo explicitamente aborto atual e gravidez
no momento (OMS, 2003, p.689). No entanto, devido à alta proporção
encontrada de procedimentos de aborto com este diagnóstico (3,4%
em 2005, Tabela 4), as internações com este diagnóstico também
foram tratadas como abortamento.
A tabela de procedimentos foi instituída no sistema antecessor ao
SIH/SUS, o Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência
Social, no início da década de 1980, tendo sido organizada segundo
a Classificação Internacional de Procedimentos da Organização
Mundial de Saúde (LEVCOVITZ e PEREIRA, 1993). Desde então,
tem sido continuamente modificada, para adequar-se à evolução
da medicina e ao atendimento às políticas de saúde (LEVIN, 2006).
Analisando-se a tabela, em sua versão de março/20062, agregando
também os procedimentos que foram válidos em algum momento
desde 1998, foram selecionados os procedimentos relacionados a
abortamentos, conforme o Quadro 3.
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Quadro 3 - Procedimentos relacionados com aborto
Grupo Cirurgia do Útero – I:
34.020.03.9
Curetagem Uterina por Mola Hidatiforme
Grupo Cirurgia Obstétrica – I:
35.014.01.6
Curetagem Pós-Aborto
35.088.01.0
Esvaziamento Uterino Pós-Aborto
Por Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU)
Grupo Cirurgia Obstétrica – III:
35.008.01.6
Cirurgia da Prenhez Ectópica
Grupo Tratamento Clínico em Obstetrícia:
69.000.13.1
Gravidez Molar sem Parto
Como na situação do diagnóstico N96, o procedimento 69.000.13.1
– Gravidez Molar sem Parto, não deveria ser considerado, por se
encontrar no grupo de tratamento clínico e não de tratamento
cirúrgico. Optamos, porém, em incluí-lo, por estar diretamente
relacionado aos abortamentos.
Em 2001, através da Portaria MS/SAS nº 579, de 20 de dezembro,
foi instituída a Tabela de Compatibilidade entre o Procedimento
Realizado e o Diagnóstico Principal, para aplicação no SIH/SUS a
partir da competência de abril de 2002. Esta tabela3 lista, para cada
item da Tabela de Procedimentos, as subcategorias da CID-10 que
poderiam ser utilizadas como diagnóstico principal. Para os
procedimentos não constantes na Tabela de Compatibilidade,
qualquer subcategoria da CID-10 é aceita (procedimentos de primeiro
atendimento, por exemplo). O objetivo da implantação desta tabela
foi evitar o registro de ocorrências onde o diagnóstico apresentado
não tinha relação com o procedimento realizado, seja por erros de
codificação, transcrição ou digitação, por mudança de condição
durante a internação, falta de cuidado no preenchimento ou por
desconhecimento da correta utilização da CID-10 (LEVIN, 2006).
A crítica da compatibilidade entre o diagnóstico principal e o
procedimento realizado é feita momento da entrada de dados no
estabelecimento hospitalar, não havendo possibilidade de
autorização superior ou a posteriori. Observe-se que o programa de
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entrada exibe os diagnósticos compatíveis com o procedimento
realizado, permitindo que o operador do sistema escolha o
diagnóstico a ser preenchido nesta lista.
Ainda segundo Levin (2006), a implantação da tabela de
compatibilidade trouxe os seguintes resultados:
· Eliminação de situações absurdas, tais como internações
obstétricas com diagnósticos totalmente incompatíveis;
· Eliminação de dubiedades, principalmente decorrentes do uso
incorreto da CID-10, como na troca de códigos aplicáveis à
parturiente ou ao feto;
· Desconcentração dos diagnósticos para os procedimentos,
indicando, talvez, melhor codificação;
· Impossibilidade de registro de situações não previstas;
· Provável uso excessivo e indevido dos primeiros códigos de
diagnósticos compatíveis para os procedimentos;
· A existência de falhas na tabela provoca registros incorretos em
determinados casos, alguns até bastante comuns, como na
amputação de membros inferiores em pacientes diabéticos, em que
o diagnóstico de diabete não é aceito
O autor observa ainda que, em várias situações, o uso excessivo e
indevido dos primeiros diagnósticos compatíveis para os
procedimentos é muito superior aos códigos claramente
incompatíveis que ocorreram em anos anteriores. Por exemplo, em
2001, o número de internações para partos cesáreos com
diagnósticos posteriormente considerados incompatíveis foi de 2.586
(LEVIN, 2006, p. 80), representando 0,4% de todas as cesarianas.
As verrugas anogenitais, que foram o diagnóstico de 14 partos
cesáreos em 2001, passam para 17.708 casos em 2003 e 14.464
em 2004, representando 3 e 2,4% dos partos cesáreos,
respectivamente. Isto sugere que, nestas situações, o erro
introduzido pelo uso da Tabela de Compatibilidade é maior que o
existente anteriormente.
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A Tabela 2 permite observar a diferença entre o número de
internações de aborto considerando o procedimento realizado ou o
diagnóstico principal. Pode ser notado que o número de internações
com diagnósticos de aborto é ligeiramente maior que o de
procedimentos de aborto, a não ser em 1998. Neste ano, devido a
problemas na distribuição do livro da CID-10, aceitaram-se, durante
os dois primeiros meses, internações sem diagnóstico definido, pela
impossibilidade de sua codificação nos estabelecimentos que não
haviam recebido o material.
Tabela 2 – Internações por procedimentos e diagnósticos de abortamento,
segundo ano de competência
Brasil, 1998 a 2005.
Ano
Procedimentos Diagnósticos Diagnósticos
de aborto (A) de aborto (B) de aborto (C)
Diagnósticos
de aborto (B+C)
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
235.878
242.564
245.860
248.918
246.688
247.704
256.404
254.567
230.574
245.548
248.364
249.954
249.118
251.165
260.752
259.131
229.672
244.491
247.884
249.627
247.156
242.819
252.825
250.447
902
1.057
480
327
1.962
8.346
7.927
8.684
Proporção
de (A) sobre
(B+C) (%)
102,3
98,8
99,0
99,6
99,0
98,6
98,3
98,2
Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS
Notas:
A. Procedimentos de abortamento: os constantes do Quadro 3
B. Diagnósticos de abortamento: os constantes do Quadro 2 (O00-O08)
C. Diagnóstico de abortamento habitual (N96).
Analisando os procedimentos que apresentaram diagnóstico de abortamento,
podemos dividi-los em quatro grupos:
1. Procedimentos de abortamento (relacionados no Quadro 3).
2. Procedimentos não de abortamento, mas aceitos pela tabela de compatibilidade
para alguns diagnósticos de abortamento (relacionados no Quadro 4).
3. Procedimentos não de abortamento, mas que, pela tabela de compatibilidade,
podem aceitar qualquer diagnóstico (também relacionados no Quadro 4).
4. Outros procedimentos, não aceitos pela tabela de compatibilidade.
Sua distribuição pode ser vista na Tabela 3. Os procedimentos do grupo 4 não mais
aparecem a partir da implantação da Tabela de Compatibilidade, em 2002. Os dos
grupos 2 e 3 representam uma participação percentual média de 1,3% e 0,4%,
respectivamente, no período analisado.
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Tabela 3 – Distribuição percentual dos procedimentos em internações com
diagnóstico de abortamento, por ano, segundo grupos de procedimentos.
Brasil, 1998-2005.
GRUPO DE PROCEDIMENTOS
GRUPO 1
CURETAGEM PÓS-ABORTO
ESVAZIAMENTO UTERINO PÓS
-ABORTO POR AMIU
CIRURGIA DA PRENHEZ
ECTÓPICA
CURETAGEM UTERINA POR
MOLA HIDATIFORME
GRAVIDEZ MOLAR SEM PARTO
GRUPO 2
GRUPO 3
GRUPO 4
1998
94,4
92,0
1999 2000
95,2 95,9
92,8 93,4
2001
96,2
93,7
2002
97,9
94,1
2003 2004 2005
98,4 98,3 98,1
94,0 93,6 93,0
-
-
-
0,1
1,2
1,6
1,8
2,0
2,0
2,0
2,0
1,9
2,0
2,2
2,3
2,5
0,2
0,1
1,6
0,5
3,5
0,3
0,1
1,4
0,4
3,0
0,4
0,1
1,4
0,4
2,4
0,4
0,1
1,4
0,4
2,0
0,5
0,1
1,0
0,4
0,7
0,6
0,1
1,2
0,4
0,0
0,5 0,6
0,1 0,1
1,3 1,4
0,4 0,5
0,0 0,0
Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS
Quadro 4 – Principais procedimentos não de abortamento que apresentaram
diagnósticos de abortamento
Cirurgias obstétricas
* 35.009.01.2 Cesariana
* 35.031.01.8 Intercorrência obstétrica na gravidez em gestante de alto risco
* 35.032.01.4 Intercorrência obstétrica em atendimento secundário a gestante de alto risco
Cirurgias ginecológicas
* 34.009.02.7 Colpotomia
* 34.005.03.0 Curetagem semiótica com ou sem dilatação do colo uterino
* 34.001.04.2 Salpingectomia uni ou bilateral
* 34.003.04.5 Salpingectomia videolaparoscópica
* 34.004.04.1 Salpingoplastia videolaparoscópica
Clínica Obstétrica
* 69.000.14.0 Hemorragias da gravidez
Diagnóstico e/ou primeiro atendimento
** 43.000.00.2 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica cirúrgica
** 71.300.00.7 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica pediátrica
** 72.500.00.0 Diagnóstico e/ou primeiro atendimento em clínica médica
Demais procedimentos
* 33.016.11.9 Laparotomia exploradora
** 31.000.00.2 Cirurgia múltipla
Notas:
*: Procedimentos não de abortamento compatíveis com diagnósticos de abortamento
**: Procedimentos que aceitam qualquer diagnóstico.
Na situação inversa – diagnósticos que constam em procedimentos de abortamento
– encontramos situação análoga:
1. Diagnósticos de abortamento (relacionados no Quadro 2);
2. Diagnósticos não de abortamento, mas aceitos pela tabela de compatibilidade
para alguns procedimentos de abortamento (N96 – Abortamento habitual, D39.2 –
72
Neoplasia de comportamento incerto ou desconhecido da placenta; e O73.0 –
Retenção da placenta sem hemorragia); e
3. Outros diagnósticos, não aceitos pela tabela de compatibilidade.
Sua distribuição pode ser vista na Tabela 4. Os diagnósticos do grupo 2 passam de
0,7% dos casos em 1998 para 3,5% em 2005 (principalmente o N96, que corresponde
a 3,4% neste último ano), enquanto que os do grupo 3 não mais aparecem, a partir
da implantação da Tabela de Compatibilidade.
Tabela 4 – Distribuição percentual dos dianósticos em internações com
procedimento de abortamento, por ano, segundo grupos de diagnósticos.
Brasil, 1998-2005.
Grupo de diagnósticos
Grupo 1
O03 Aborto espontâneo
O02 Outros produtos anormais
da concepção
O06 Aborto não especificado
O00 Gravidez ectópica
O05 Outros tipos de aborto
O01 Mola hidatiforme
O08 Compl aborto gravidez
ectópica ou molar
O04 Aborto por razões
médicas e legais
O07 Falha de tentativa de aborto
Grupo 2
N96 Abortamento habitual
D39 Neopl comp incert/desconh
órg gen fem
O73 Retenção placent membran
s/hemorragias
Grupo 3
1998
95,5
37,6
1999
96,0
38,6
2000
96,7
39,2
2001
96,5
38,3
2002
98,1
45,0
2003
96,5
47,7
2004
96,8
49,4
2005
96,5
50,0
16,7
12,8
1,8
8,7
0,5
16,0
11,9
1,8
8,6
0,6
15,0
11,9
1,7
8,3
0,6
15,6
12,3
1,6
8,1
0,5
19,2
20,6
1,9
2,9
3,2
19,5
19,5
2,1
2,7
2,1
19,5
18,8
2,2
2,5
1,8
20,0
17,5
2,4
2,4
1,8
15,7
17,8
19,3
19,7
4,9
1,9
1,9
1,4
1,0
0,6
0,7
0,4
0,5
0,2
0,7
0,4
0,3
0,3
0,5
0,2
0,3
0,2
0,7
0,1
0,4
0,1
1,0
0,8
0,8
0,3
3,5
3,4
0,6
0,2
3,2
3,1
0,7
0,2
3,5
3,4
0,0
0,0
0,0
0,0
0,1
0,1
0,1
0,1
0,3
3,8
0,3
3,3
0,3
2,8
0,6
2,8
0,2
0,9
0,0
0,0
0,0
-
0,0
-
Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS
Nota: As proporções não incluem as internações sem diagnóstico.
Na mesma tabela, assim como no Gráfico 1, é detalhada a distribuição proporcional
das internações por abortamento segundo as principais categorias do diagnóstico
(CID-10 a 3 caracteres). Pode ser observada a mudança de perfil a partir da
implantação da Tabela de Compatibilidade: há uma grande diminuição na proporção
de internações pela categoria O08 – Complicações conseqüentes a aborto, gravidez
ectópica ou molar, de 15,7% para 1,4%, assim como pela categoria O05 – Outros
tipos de aborto e pelos demais diagnósticos, de 8,7% para 2,4%. As categorias que
têm maior acréscimo na participação são O03 – Aborto espontâneo, de 37,6% para
50,0%, O02 – Outros produtos anormais da concepção, de 16,7% para 20,0% e O06
– Aborto não especificado (de 12,8% para 17,5%). Deve ser observado que a
categoria N96 – Abortamento habitual passa de 0,4% para 3,4%, com aumento de
9,6 vezes no número de casos.
73
O número de casos relatados de aborto espontâneo (O03) atingiu 127.295 casos
em 2005. Este número corresponde a 5,1% das internações por parto (2.243.779) e
de procedimentos de aborto (256.404). Considerando a estimativa que 10% das
gestações terminam em aborto (Brasil, 2005), o valor de 5,1% aparenta estar
coerente, porém devemos considerar que este número representa apenas aqueles
casos que necessitaram de hospitalização posterior. Utilizando o fator de 3,5
complicações necessitando hospitalização para cada aborto (AGI, 1994) o valor de
5,1% sobe para 17,8%, o que é um indicativo que o número de casos de aborto
espontâneo está sobre-enumerado.
Gráfico 1
Distribuição de internações por aborto segundo o diagnóstico por ano.
Brasil, 1998-2005.
Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS
Na distribuição das internações por procedimento realizado, a
esmagadora maioria é de curetagem pós-aborto (Tabela 3). No
gráfico correspondente (Gráfico 2), podemos observar que não há
muitas alterações nesta distribuição, a não ser o crescimento do
esvaziamento uterino pós-aborto por AMIU, que passou a ser
executado no SUS a partir de 2001. Observamos também a
diminuição dos casos de abortos por outros procedimentos
ginecológicos, obstétricos e de outras clínicas.
74
Gráfico 2 – Distribuição das internações com diagnóstico de abortamento
segundo o procedimento realizado.
Brasil, 1998-2005.
Fonte: MS/SE/Datasus - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS
Conclusões
Apesar das limitações apresentadas, podemos observar que as
informações sobre abortamentos no SIH/SUS podem ser utilizadas,
com grande facilidade, para analisar a situação deste fenômeno,
mesmo que indiretamente. São de grande importância, também, os
dados demográficos nele contidos, permitindo traçar um perfil das
mulheres que sofreram hospitalização por aborto.
Uma das principais limitações é que o sistema só capta os abortos
que levam a hospitalização; no caso de abortos clandestinos, só
aparecem, então, quando há complicação.
Ajustes devem ser feitos: a maior parte dos casos está registrada
como aborto espontâneo num nível superior ao esperado, como
75
vimos. Também devem ser observados os problemas da qualidade
do preenchimento da informação, principalmente quanto ao
diagnóstico. A CID-10 é complexa, podendo induzir o codificar a
erro, principalmente pela falta de treinamento no seu uso. A
implantação da Tabela de Compatibilidade procurou corrigir
distorções, mas forçou uma homogeneização dos dados. Eliminou
algumas situações claramente incompatíveis ou mesmo absurdas,
mas introduziu erros, seja por falhas na sua construção como
também por induzir o codificador ao uso de diagnósticos préestabelecidos. Há uma quebra nos padrões da série histórica após
a implantação da Tabela de Compatibilidade, o que deve ser
considerado nos estudos feitos.
A decisão quanto ao uso do diagnóstico ou do procedimento para
selecionar os casos de abortos é relevante. Apesar dos números
finais serem semelhantes, o uso da seleção pelo diagnóstico
consegue capturar mais casos, permitindo, dentro de certos limites,
discriminar o motivo da internação, o que não é possível no caso
dos procedimentos, pela concentração de casos na classificação
de curetagem pós-aborto. Deve ser notado que, a partir da
implantação da Tabela de Compatibilidade (abril de 2002), deve ser
também considerado o diagnóstico N96 – Abortamento habitual, além
dos tradicionais do grupo O00-O08 – Gravidez que termina em
aborto. No acesso às tabulações pela Internet – Morbidade
Hospitalar, este código não está, no momento, discriminado, é
apresentado em “Outros transtornos do aparelho geniturinário”, que
agrupa as causas N82, N84-N90, N93-N94, N96 e N98-N994,
dificultando, portanto, o seu uso.
Notas
1. Devemos ter em conta as limitações destes números, pois:
· Um parto pode gerar mais de um nascido vivo (partos múltiplos)
ou natimortos;
76
· O número de partos apresentados pode estar subestimado, pelas
limitações de tetos físicos e financeiros ou mesmo pelo subregistro,
principalmente em hospitais públicos;
· O número de nascidos vivos é resultado da composição de
estimativas, que têm o seu natural grau de imprecisão, e do número
coletado de nascimentos do Sistema de Informações sobre Nascidos
Vivos (SINASC), que, mesmo nos estados considerados, pode
apresentar deficiências de cobertura.
2. Arquivo PROC0603.DBF, contido no arquivo compactado
PROC0603.ARJ, disponível em ftp://msbbs.datasus.gov.br/
Arquivos_Publicos/tabelas_sus/00_index.htm; acesso em 05 jun.
2006. As tabelas dos períodos anteriores podem ser obtidas no
mesmo endereço.
3. As pesquisas na Tabela de Compatibilidade foram efetuadas
nos arquivos PROCDIAG.DBF, disponíveis nos CD-ROM do SIH/
SUS distribuídos pelo Datasus e no relatório disponível em http://
dtr2001.saude.gov.br/sas/download/download.htm, acesso em 05
jun. 2006.
4. Conforme as notas técnicas, disponíveis em http://
tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/mxcid10lm.htm, acesso em 21 set.
2006.
77
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2002.
78
ABORTAMENTO PREVISTO
EM LEI EM SITUAÇÕES DE
VIOLÊNCIA SEXUAL
Perspectivas e Experiências
das Mulheres
79
1. Apresentação
O abortamento é crime tipificado pelo Código Penal brasileiro, com
exceção das situações previstas pelos incisos I e II do artigo 128,
que estabelecem o direito de interrupção da gravidez em casos de
gravidez decorrente de estupro, abortamento sentimental, ou
quando existe risco de morte para a gestante, abortamento
necessário (Oliveira 1987). Mais recentemente, como conseqüência
da evolução da propedêutica fetal, o Poder Judiciário passou a
conceder autorização específica para o abortamento em casos de
gestações que cursam com anomalias fetais graves e incompatíveis
com a vida extra-uterina (Frigério, 2002). Apesar do Código Penal
estabelecer as situações de exclusão de ilicitude para o abortamento
desde 1940, por quase 50 anos esse direito das mulheres
permaneceu ignorado pelos serviços de saúde. Sem políticas
públicas claras e sem normas seguras que definissem os
procedimentos necessários, negar o abortamento previsto em Lei
tornou-se quase uma regra para evitar o envolvimento com tema
desconhecido e complexo. Como conseqüência, os motivos
alegados para negar a interrupção dessas gestações freqüentemente
se mostravam inconsistentes pela perspectiva médica, ou
insustentáveis do ponto de vista jurídico (Drezett, 2005).
De certa forma, a situação enfrentada pelas mulheres sempre se
mostrou mais difícil e complexa nas situações de abortamento
quando a gravidez decorre da violência sexual. Nesses casos, a
recusa em realizar o abortamento não raro refletia exclusivamente
o posicionamento pessoal de gestores ou profissionais de saúde
pautados em valores morais ou religiosos, impedindo o livre exercício
dos direitos das mulheres (Drezett, 2005). Ao mesmo tempo,
investigações em todo o mundo acumularam sólidas evidências
sobre o impacto da violência sexual para a saúde das mulheres.
Nesse sentido, a gravidez decorrente da violência sexual se destaca
pela complexidade e pela severidade das reações que determina,
seja na esfera emocional, familiar, social ou biológica. Para muitas
80
mulheres essa gestação, forçada e indesejada, é sentida como uma
segunda e intolerável forma de violência, muitas vezes impossível
de ser mantida até o término (Faúndes, 1997). No entanto, o exato
destino dessas gestações ainda é incerto. Na opção pela interrupção
da gravidez, a forma e segurança desse procedimento se mostram
fortemente vinculados ao tipo de legislação de cada país. Nos países
com Leis proibitivas a busca por serviços clandestinos conduz
milhares de mulheres ao abortamento inseguro como forma de
resolver sua situação. O mesmo ocorre nos países cujas legislações
permitem o abortamento nos casos de gravidez decorrente de
violência sexual, mas que não disponibilizam serviços seguros e
acessíveis para as mulheres (Holmes, 1996).
No Brasil, embora a interrupção da gestação que resulta da violência
sexual constitua um direito previsto em Lei, parte expressiva das
mulheres ainda não tem acesso a serviços de saúde que realizem o
abortamento de maneira segura e humanizada. Somente no final
da década de 80 é que os primeiros serviços públicos de saúde
passaram a oferecer esse tipo de atendimento (Talib, 2005). Por
falta de informação sobre seus direitos ou por falta de acesso a
serviços de saúde que concordem em realizar o procedimento muitas
mulheres, decididas em interromper a gestação, ainda recorrem ao
abortamento clandestino, quase sempre praticado de forma insegura
e com graves conseqüências. Por outro lado, muitas mulheres optam
por manter a gravidez até o seu término por escolha ou mesmo por
falta de alternativas viáveis, com desdobramentos e conseqüências
ainda menos conhecidas (Brasil, 2005e).
Desde a implantação dos primeiros serviços públicos de saúde que
realizam o abortamento no Brasil, o perfil das mulheres que escolhem
e realizam a interrupção da gravidez vem sendo gradativamente
delineado. Diversas investigações têm colaborado para construir
indicadores sociais e epidemiológicos consistentes, contribuindo
para a melhor compreensão dos mecanismos da violência sexual,
da tipificação do agressor, e dos resultados técnicos do abortamento.
81
No entanto, pouco ainda se conhece sobre o processo que essas
mulheres enfrentam durante sua escolha pelo abortamento e os
possíveis efeitos que o mesmo tem em suas vidas. Nesse aspecto,
são escassas as informações que contemplem a perspectiva dessas
mulheres, suas opiniões e suas vivências.
Considerando-se esse contexto, a proposta principal desta
investigação foi buscar, entre as mulheres que realizaram o
abortamento na situação de gravidez decorrente de violência sexual,
algumas respostas sobre como se deram suas escolhas, quais
dificuldades encontraram durante esse processo e, principalmente,
como analisam essa decisão enquanto os possíveis impactos em
suas vidas. Para tentar alcançar esses objetivos, adotou-se o
desenho de pesquisa qualitativa, retirando a mulher que realiza o
abortamento da condição de passividade da análise. Para tanto, foi
realizada a escuta qualificada de vinte mulheres que realizaram o
abortamento previsto por Lei em situação de gravidez decorrente
de violência sexual em um serviço público de saúde. Essa escuta
se fez por meio de entrevista abrangendo diferentes blocos
temáticos, permitindo que cada uma das participantes expressasse,
da maneira mais ampla e legítima possível, o que pensam e o que
sentem ao atravessar essa difícil experiência. Nesse sentido, esta
investigação certamente não esgota o tema, não formula todas as
perguntas, nem encontra todas as respostas ainda necessárias. Mas
pretende-se, considerando-se sua condição inédita em nosso meio,
que ela estimule novas e diferentes investigações. Elas são
fundamentais para a construção do conhecimento necessário para
aprimorar as políticas públicas que atendam as reais expectativas e
necessidades dessas mulheres. E para resgatar essa parte
importante dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
82
2. Introdução
A questão da interrupção da gravidez decorrente de violência sexual
envolve diversos aspectos importantes, com interseções específicas
e complexas. O abortamento constitui um grave problema de saúde
pública, que necessita ser entendido de maneira isenta e qualificada.
Ao mesmo tempo, a interrupção da gravidez, nesses casos, decorre
da particular condição da violência de gênero, tema igualmente
complexo. A convergência dessas duas condições tem importantes
implicações éticas e legais, o que torna necessária a observância e
o cumprimento do ordenamento jurídico do país. Reunir, articular e
praticar esses diferentes aspectos e perspectivas é algo fundamental
para garantir que os mesmos cheguem até as mulheres que se
encontram nessas circunstâncias. Para gestores e profissionais da
saúde implica na responsabilidade adicional de implementar e
aprimorar políticas públicas para as mulheres que diminuam os
danos provocados pela violência sexual e que, ao mesmo tempo,
garantam o acesso ao abortamento previsto em Lei de maneira ética,
segura e humanizada. Essas premissas fundamentais são tratadas
a seguir.RTA
2.1 - ABORTAMENTO COMO PROBLEMA DE SAÚDE
PÚBLICA
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o abortamento inseguro
representa um importante problema de saúde pública em todo
mundo, particularmente mais grave para os países em
desenvolvimento. O abortamento também representa uma questão
de justiça social, de grande amplitude e com complexa cadeia de
aspectos envolvendo fatores legais, econômicos, sociais e
psicológicos. Estima-se que cerca de 210 milhões de gestações
ocorram no mundo a cada ano. Desse total, 75 milhões de gestações
não são planejadas ou são indesejadas, levando a quase 46 milhões
de abortamentos induzidos a cada ano (Alan Guttmacher Institute,
83
1999). Dessas interrupções de gestação, 20 milhões são praticadas
em condições inseguras, implicando em graves riscos para a vida e
para a saúde da mulher. Cerca de 95% dos abortamentos inseguros
são realizados em países em desenvolvimento com restrições legais
para o abortamento. Quase 13% das mortes maternas no mundo
estão relacionadas com o abortamento inseguro, resultando em 67
mil mortes de mulheres a cada ano (WHO, 1998). Na América Latina,
calcula-se que 36% das gestações não são planejadas, resultando
em quatro milhões de abortamentos induzidos. Em países do Caribe
e da América Latina ocorre um abortamento inseguro para cada
três nascimentos vivos, implicando em 24% da mortalidade materna
(WHO, 2003).
No Brasil, as estimativas mais recentes apontam para 728.100 a
1.039.000 abortamentos a cada ano. Embora se verifique decréscimo
desses números na última década, a taxa atual de 3,7 abortamentos
por 100 mulheres em idade reprodutiva ainda é muitas vezes superior
às taxas observadas nos países da Europa Ocidental, onde o
abortamento é legal, seguro e acessível. Além disso, os indicadores
sobre o problema do abortamento no país revelam fortes
desigualdades sociais e regionais. Estados das regiões Norte e
Nordeste do país apresentam taxas de abortamento mais elevadas
e menores índices de redução. Em algumas capitais desses Estados
o abortamento segue como primeira causa de morte materna há
mais de uma década. A morbidade relacionada ao abortamento
também se reflete nos números de internações hospitalares. O
esvaziamento uterino por abortamento é o segundo procedimento
obstétrico mais freqüente na rede pública de saúde. No país, são
realizadas cerca de 240 mil internações anuais no Sistema Único
de Saúde para tratamento de complicações do abortamento, gerando
gastos anuais da ordem de 45 milhões de reais (Brasil, 2005d).
84
2.2 - A DIMENSÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL
A questão da violência tem crescentemente chamado a atenção
dos organismos internacionais que, cada vez mais, identificam os
efeitos das relações e situações de violência como um grande
impeditivo para o desenvolvimento humano. Com esse
entendimento, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define
violência como:
“O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça
contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em
lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou
privação de liberdade”.
Contudo, homens e mulheres são atingidos pela violência de
maneiras diferentes, principalmente em razão das especificidades
de gênero. Enquanto o homicídio prevalece para o sexo masculino
nos espaços públicos, o abuso sexual e a violência doméstica
predominam para no sexo feminino, geralmente dentro de espaços
privados (Brasil, 2004). A Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (OEA, 1995), conhecida
como “Convenção de Belém do Pará”, considera por violência
contra a mulher:
“... todo ato baseado no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
pública como privada”.
Nesse sentido, a violência sexual constitui uma das mais antigas e
amargas expressões da violência de gênero, além de representar
uma brutal violação de Direitos Humanos e de Direitos Sexuais e
Reprodutivos (Drezett & Del Pozo, 2002). O peso da questão de
85
gênero faz com que as mulheres sejam as principais atingidas pela
violência sexual, na medida que 85% a 90% dos crimes sexuais
são contra elas praticados (Pedersen & Skrondal, 1996).
A fundamentação da violência como problema de saúde pública não
se faz somente pela magnitude das estatísticas envolvidas, mas
considera os agravos para a saúde das pessoas por ela atingidas
(Aiken, 1993). O impacto do abuso sexual para a saúde sexual e
reprodutiva decorre das conseqüências dos traumatismos físicos,
das seqüelas das doenças sexualmente transmissíveis, da
morbidade da infecção pelo HIV, e da complexidade da situação de
gravidez decorrente do abuso sexual. Os danos psicológicos,
embora mais difíceis de mensurar, produzem efeitos intensos e
devastadores, por vezes irreparáveis (Beebe, 1998; Drezett, 2003).
Assim como vem ocorrendo com o abortamento inseguro, a violência
de gênero crescentemente é remetida à área da saúde, resultado
da melhor compreensão dos agravos causados para a saúde física
e mental, e da percepção do setor saúde como espaço privilegiado
para tratar desse tema (D’Oliveira & Schraiber, 1999).
A violência sexual deve ser entendida como fenômeno que atinge,
indistintamente, mulheres de todas as classes sociais, etnias,
religiões e culturas. Ocorre em populações de diferentes níveis de
desenvolvimento econômico e social, e em qualquer etapa da vida
da mulher (Saffioti & Almeida, 1995). Estima-se que a violência sexual
atinja 12 milhões de pessoas a cada ano no mundo (Beebe, 1998).
Nos EUA, o estupro é considerado o crime violento que mais
rapidamente avança em incidência, com um caso a cada 6,4 minutos
(Petter & Whitehill, 1998). Acredita-se que 25% das mulheres adultas
americanas experimentaram um contato sexual não consentido
durante a infância ou a adolescência, e que 13% delas já foram
estupradas (Holmes, 1996; Russel, 1986). Em Boston, 20% das
alunas universitárias declaram terem sofrido abuso sexual antes
dos 18 anos (Wyatt, 1999). Dados semelhantes foram encontrados
entre alunas canadenses (Newton-Taylor, 1998). O National Victim
86
Center, Crime Victims Research and Treatment Center (NVCCVRTC,
1992) calcula que ocorreram 683 mil estupros nos EUA, durante o
ano de 1991. Estimativa semelhante é feita pelo United States
Departament of Justice, na ordem de 500 mil crimes sexuais
(Lathrope, 1998).
Nos países em desenvolvimento as taxas de violência sexual são
igualmente expressivas. Na Etiópia, há referência de que o estupro
atinge 5% das estudantes secundárias e que outros 10% delas já
sofreu uma tentativa de estupro não consumada (Mulugeta, 1998).
Na Malásia, 8,3% das estudantes de medicina experimentaram o
abuso sexual durante a infância (Singh, 1996). Estudo realizado na
Colômbia encontrou 20% das mulheres com antecedente de
violência sexual (Heise, 1994). No entanto, as maiores taxas de
violência sexual são registradas nos países em conflito armado,
como na guerra da Bósnia-Herzegovina, na Croácia ou no conflito
civil da Libéria. Embora constitua crime de guerra, mulheres
capturadas são violadas, muitas vezes de forma múltipla e repetida
e, não raro, submetidas à tortura, mutilação e execução. A exemplo,
a ONU acredita que foram estupradas cerca de 50 mil mulheres na
antiga Iugoslávia com o objetivo de provocar a gravidez forçada e
promover a eliminação étnica (Kozaric-Kovacic, 1995).
A violência sexual não poupa as mulheres mesmo em momentos
específicos de suas vidas, como no ciclo gravídico-puerperal.
Acredita-se que 20 a 25% das mulheres sofram violência física ou
sexual durante a gestação, e que a condição de gravidez e de
puerpério não as protejam da violência (Convington, 2001). Ao
contrário, 25% dos casos de violência durante a gravidez persistem
durante seis meses após o parto (Satin, 1992). Para outros 13%,
ocorre agravo da violência durante esse período, seja em freqüência
ou em intensidade (Muhajarine, 1999). Pesquisa realizada com 2.404
puérperas revelou que 5% delas foram sexualmente agredidas
durante a gravidez (Satin, 1992). Acredita-se que 8% das
adolescentes sofram abuso sexual durante a gestação, a maioria por
87
agressores conhecidos (Berenson, 1992). No Peru, 90% das
grávidas com idade entre 12 e 16 anos referiram terem sofrido abuso
sexual, geralmente praticado por membros da família (IPPF, 1995).
De fato, as estatísticas apontam que a violência pode ser condição
mais comum para a gestante do que a pré-eclampsia, o diabete
gestacional, a hipertensão arterial, ou a placenta prévia (Jonhson,
2003). A violência durante a gravidez também acarreta em fatores
específicos de morbidade. Há indicadores de que essas gestantes
postergam o início do pré-natal e que realizam menor número de
consultas, com maiores taxas de ganho de peso insuficiente,
abortamento espontâneo, parto prematuro, infecções genitais e
urinárias, óbito fetal, prematuridade e baixo peso ao nascer
(Rachana, 2002).
No Brasil, os registros das Secretarias de Segurança Pública
apontam para 8,78 estupros e 7,13 casos de atentado violento ao
pudor por 100 mil habitantes. As regiões Norte e Centro Oeste
apresentam taxas de violência sexual 40% superiores a média
nacional, com 11,94 e 11,96 estupros por 100 mil habitantes,
respectivamente (Souza & Adesse, 2005). Os dados oficiais,
entretanto, expressam precariamente a magnitude do problema.
Estudo envolvendo 2.645 mulheres em idade reprodutiva verificou
que cerca de 10% das mulheres da região metropolitana de São
Paulo e 14% das residentes na Zona da Mata, relatam terem sido
forçadas, alguma vez, a praticar atos sexuais que não queriam, terem
sentido medo de se negar a ter relações sexuais, ou terem sido
submetidas a práticas sexuais degradantes e humilhantes (Couto,
2004).
Embora existam numerosas investigações quantificando o problema,
a exata prevalência do abuso sexual e de suas conseqüências ainda
é desconhecida. Apenas 16% dos estupros são comunicados às
autoridades nos EUA e, em casos de incesto, estes percentuais
não atingem os 5% (Sánchez, 1989). A subnotificação também é
maior nas ocorrências de violência sexual contra o sexo masculino,
88
com taxas que sequer atingem 5% (King & Woollett, 1997). Em
diferentes países se constata que expressiva parcela de mulheres
não busca nenhum tipo de ajuda após a violência sexual. Essas taxas
são de 68,7% no Haiti; 62% na Colômbia; 58,8% na República
Dominicana; 57,8% no Peru; e 40,5% na Nicarágua. O percentual
de mulheres que procura pela polícia varia de 1,6% no Haiti, até
15,6% na Colômbia (OPS, 2005). No Brasil a situação é semelhante,
com apenas 10 a 20% de denúncias do ocorrido para a Autoridade
Policial (Faúndes, 1998).
A falta de mecanismos eficientes de notificação e registro soma-se
ao fato de que a maioria das mulheres e adolescentes não revela o
ocorrido para as autoridades competentes. Ameaça, vergonha, ou
humilhação são fatores decisivos para ocultar a violência sexual
sofrida. O problema da subnotificação também se agrava quando o
agressor é conhecido ou próximo, como ocorre no abuso sexual
intrafamiliar, particularmente durante a infância ou a adolescência.
Nesses casos, o perpetrador se vale de sua posição privilegiada no
núcleo familiar, da autoridade, e do temor reverencial de que é
investido para garantir que o abuso permaneça oculto por longo
período, mecanismo conhecido por conspiração do silêncio (HRW,
1992). Parte da resistência em revelar os fatos também se deve à
baixa expectativa com os resultados da Justiça. Além de temer o
interrogatório policial e o exame pericial, há o constrangimento de
enfrentar o agressor no Tribunal e o risco de ter sua história
desqualificada ou desacreditada. Assim, essas mulheres terminam
isoladas e invisibilizadas, distantes de seus direitos constitucionais
de proteção à saúde e acesso à Justiça (Drezett, 2003).
Parte pequena dos crimes sexuais pode se associar com danos
físicos severos que terminem em morte. Grande parte desses
homicídios resulta da asfixia mecânica, sendo pouco freqüente
decorrerem de ferimentos causados por arma de fogo ou arma
branca, embora sejam essas as formas mais freqüentes de
89
intimidação (Deming, 1983). Contudo, o impacto dessas mortes não
pode obscurecer o fato de que a maioria das vítimas da violência
sexual não apresenta danos físicos severos. Estudo envolvendo 554
vítimas de estupro e de atentado violento ao pudor, com penetração
anal, encontrou lesões genitais em 2,7% das adolescentes e trauma
extragenital em 11% (Drezett, 2001). A baixa ocorrência de lesões
físicas pode ser explicada pela forma de constrangimento utilizada
pelo agressor, mais pautada na ameaça e menos na força física.
A questão dos traumatismos físicos não constitui o problema principal
do atendimento para as mulheres em situação de violência sexual.
A maioria delas recebe tratamento adequado para essas condições.
No entanto, ainda se observa resistência dos serviços de saúde em
examinar e cuidar daquelas que não apresentam lesões físicas. Para
agravar a situação, há indicadores de que mulheres que apresentam
danos físicos decorrentes da violência recebem melhor atenção nos
serviços de saúde, nos departamentos médico-legais, ou nas
delegacias de polícia, atribuindo-se a elas o estereótipo de vítimas
ideais. Nesses casos, as marcas da violência garantem menor risco
de ter sua história questionada ou duvidada (Lourenço, 2001).
Ao mesmo tempo, ainda persiste para parte da sociedade o
estereótipo de que a mulher, de alguma forma, se expõe ou facilita
a abordagem do agressor, restando a ela alguma parcela de culpa
pela violência sexual sofrida. Os indicadores, no entanto, tem
derrubado esse mito. Em se tratando de agressores desconhecidos,
na maioria dos casos as mulheres encontram-se no exercício de
atividades habituais e cotidianas, geralmente na proximidade de sua
residência, ou no percurso do trabalho ou da escola. Por outro lado,
quando se analisa a mesma questão considerando-se somente
agressores conhecidos, prevalece a ocorrência dentro de espaços
privados, apontando para a importância da violência sexual
intrafamiliar (Drezett, 2001).
90
São muitas as referências quanto aos crimes sexuais cometidos
pelos companheiros ou parceiros íntimos. Todas apontam para taxas
elevadas de prevalência e baixos índices de denúncia, independente
da condição social, educacional ou econômica da mulher (HRW,
1992). Essa situação é reportada por 58% das mulheres em Porto
Rico; 52% na Nicarágua; 46% na Bolívia; 42% no Quênia; 40% na
Colômbia; 38% no Brasil; 29% no Canadá; 26% no Chile; e 20% na
Suíça e na Nova Zelândia (Heise, 1994). Na violência sexual o
fenômeno se repete e acumulam-se evidências de que o agressor
sexual, na maioria dos casos, trata-se de alguém conhecido e
próximo da mulher. Entre crianças e adolescentes o problema se
assevera, e o perpetrador da violência sexual é identificável entre
70 e 95% dos casos (Drezett, 2004; Garza-Aguilar & Diaz-Michel,
1994). O agressor desconhecido assume maior freqüência entre
mulheres adultas, em cerca da metade das ocorrências (Muram,
1995).
2.3 - VIOLÊNCIA SEXUAL E ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
Mais da metade dos casos de violência sexual ocorre durante o
período reprodutivo da vida da mulher e a taxa de gravidez oscila
entre 1 e 7% (Holmes, 1996; Faúndes, 1998). A anticoncepção de
emergência constitui medida crítica para evitar grande parte das
gestações decorrentes de violência sexual. Deve ser prescrita para
todas as mulheres expostas à gravidez através de contato certo ou
duvidoso com sêmen, independente do período do ciclo menstrual
em que se encontrem, e que se estejam em idade reprodutiva
(Drezett, 1998).
A anticoncepção de emergência hormonal é o método de eleição
devido seu baixo custo, tolerabilidade, eficácia e ausência de contraindicações absolutas, utilizando compostos hormonais concentrados
e por curto período de tempo, em dois diferentes métodos (WHO,
1998). O método do levonorgestrel exclusivo deve ser a primeira
escolha, sempre que possível, devido sua maior eficácia e
91
tolerabilidade, e por não apresentar interação com alguns antiretrovirais, geralmente utilizados de forma concomitante para a
profilaxia do HIV nos casos de violência sexual (Brasil, 2005b). A
mulher que recebe a anticoncepção de emergência deve ser
orientada a procurar pelo serviço de saúde se ocorrer atraso
menstrual. Devem ser informadas que, na maioria das vezes, pouca
ou nenhuma alteração significativa ocorrerá no ciclo menstrual
(Brasil, 2005e). A anticoncepção de emergência não provoca
sangramento imediato após o seu uso, e cerca de 60% das mulheres
terão a menstruação seguinte ocorrendo dentro do período esperado,
sem atrasos ou antecipações. Em 15% dos casos a menstruação
poderá atrasar até sete dias e, em outros 13%, pouco mais de sete
dias (WHO, 1998).
Todas as mulheres podem usar a anticoncepção de emergência
com segurança, mesmo aquelas que, habitualmente, tenham contraindicações ao uso de anticoncepcionais hormonais orais combinados
(WHO, 1998). A eficácia da anticoncepção de emergência é elevada,
com Índice de Efetividade médio de 75% e Índice de Pearl (índice
de falha) de cerca de 2%. Isso significa que a anticoncepção de
emergência pode evitar, em média, três de cada quatro gestações
que ocorreriam após a violência sexual. No entanto, a eficácia da
anticoncepção de emergência se modifica drasticamente em função
do número de horas entre a violência e sua administração. As taxas
de falha do levonorgestrel, por exemplo, variam de 0,4% (0-24 horas)
até 2,7% (49-72 horas). Entre o 4° e o 5° dia da violência sexual a
anticoncepção de emergência ainda oferece alguma proteção,
embora com taxa de falha expressivamente maior (Faúndes, 2003;
Trussel, 1998).
Embora a eficácia da anticoncepção de emergência apresente taxas
consideráveis, ela ainda não é utilizada para grande parte das
mulheres que sofrem violência sexual. Embora isso resulte de
diferentes fatores, uma das barreiras mais significativas é a
92
equivocada convicção de que a anticoncepção de emergência é
“abortiva”. De fato, parte dos gestores e dos profissionais de saúde
mantém essa posição, mesmo com ampla documentação científica
que garante o contrário. Não há, decididamente, qualquer indicador
de que a anticoncepção de emergência exerça efeitos após a
fecundação, que atue impedindo a nidação, ou que implique na
eliminação precoce do embrião (Brache, 2003; Brasil, 2005b;
Faúndes, 2003; Piaggio, 1999; WHO, 1998). Contudo, muitas
mulheres ainda não recebem a anticoncepção de emergência nos
serviços de emergência, mesmo quando em condições de risco para
gravidez. A prevenção da gravidez é ignorada e, não raramente,
omitida por alegações injustificáveis, mesmo frente suas possíveis
conseqüências (Drezett, 2003).
2.4 - ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS
Com poucas exceções, quase todos os países do mundo têm Leis
que permitem que o abortamento seja realizado para salvar a vida
da mulher. Em cerca de 60% dos países a legislação também permite
que o abortamento seja praticado para preservar a saúde física ou
mental. Quase 40% não punem o abortamento quando a gravidez
resulta de violência sexual, ou quando cursa com anomalia fetal
grave. Motivos sociais ou econômicos têm autorização para o
abortamento em 30% das legislações. O abortamento voluntário,
por exclusiva solicitação da mulher, é garantido por cerca de 30%
dos países, a maioria países desenvolvidos (WHO, 2003).
No Brasil, a legislação sobre o abortamento encontra-se entre as
mais restritivas. O abortamento é crime previsto pelo Código Penal
nos artigos 124, 125 e 126, com penalidades para a mulher e para o
médico que o praticam (Oliveira, 1987). No entanto, de acordo com
o Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940, incisos I e II do
artigo 128 do Código Penal brasileiro, não é crime e não se pune o
aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a
93
vida da gestante, ou quando a gravidez resulta de estupro ou, por
analogia, de outra forma de violência sexual (Brasil, 2005c). O aborto
deve ser precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal (Oliveira, 1987). Além disso,
mediante solicitação e consentimento da mulher, o Poder Judiciário
também tem autorizado a interrupção da gravidez em casos de
anomalias fetais graves com inviabilidade de vida extra-uterina
(Brasil, 2005d; Frigério, 2002).
Nessas três situações de exceção, o abortamento no Brasil é um
inequívoco direito da mulher, que tem garantido, pela Constituição
Federal e pelas Normas Internacionais de Direitos Humanos, o direito
à integral assistência médica e à plena garantia de sua a saúde
sexual e reprodutiva. Cabe ao Estado garantir que a interrupção
dessas gestações seja realizada de maneira ética, humanizada e
segura (Brasil, 2005c). Nesse sentido, o Ministério da Saúde
normatizou, desde 1998, os procedimentos a serem adotados por
gestores e profissionais de saúde para o atendimento ao
abortamento previsto em Lei, por meio da Norma “Prevenção e
Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra
Mulheres e Adolescentes”, e da norma técnica “Atenção Humanizada
ao Abortamento” (Brasil, 2005d; Brasil, 2005e).
O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os
serviços de saúde afirmando ter sofrido violência deve ter
credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como
presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir
o exercício do direito à saúde. Seus procedimentos não devem ser
confundidos com os procedimentos reservados a Polícia ou Justiça.
O médico e demais profissionais de saúde não devem temer
possíveis conseqüências jurídicas, caso revele-se posteriormente
que a gravidez não foi resultado de violência sexual. Segundo o
Código Penal Brasileiro (Oliveira, 1987), artigo 20, § 1º:
94
“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria
a ação legítima”.
Se todas as cautelas procedimentais foram cumpridas pelo serviço
de saúde, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da
alegação somente a gestante, em tal caso, responderá
criminalmente (Brasil, 2005c; Oliveira, 1987). Por outro lado, o artigo
7 do Código de Ética Médica (CFM, 1998) assegura que:
“O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não
sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não
deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de
urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos
irreversíveis ao paciente”.
Além disso, o artigo 28 do Código de Ética Médica define claramente
a possibilidade do(a) médico(a) manifestar objeção de consciência
nos casos de abortamento, recusando-se a realizar o procedimento.
Segundo o Código é direito desse(a) profissional:
“Recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos
por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência”.
A posição do médico que manifesta objeção de consciência deve
sempre ser respeitada. Esses profissionais não devem sofrer
nenhuma forma de coerção, ameaça, intimidação ou discriminação
por se recusarem a praticar o abortamento legal. Nesses casos,
recomenda-se que o médico declare sua condição de objeção de
consciência para a mulher ou seu representante legal de forma
franca e clara, encaminhado-a para outro profissional ou serviço de
saúde que concorde em realizar o abortamento (Brasil, 2005d;
CREMESP, 2002). No entanto, o Código de Ética Médica também
estabelece que, em algumas situações específicas, o médico não
95
tem direito de objeção de consciência, prevalecendo o direito da
mulher ao abortamento (CFM, 1988): 1) nos casos em que o
abortamento é necessário por motivo de iminente risco de morte
para a mulher; 2) na ausência de outro médico que realize o
abortamento em qualquer condição juridicamente permitida; 3) nas
situações em que possa haver danos ou agravos à saúde da mulher
em razão da omissão ou recusa do atendimento do profissional.
Estudo recente problematiza, através de análise de entrevistas com
profissionais de serviços de referência, a questão da objeção de
consciência. Confirmou-se a existência de duas barreiras para a
atenção aos casos de abortamento previsto em Lei: a desconfiança
sobre a veracidade do fato narrado pelas mulheres e o receio de
sofrer penalidades. Desconfiança e desconhecimento das normas
legais, são destacados como aspectos significativos dos argumentos
que evocam a objeção de consciência em casos de atenção ao
abortamento previsto em lei (Galli & Gomes, 2006).
Apesar das definições legais sobre o abuso sexual variarem de
acordo com a legislação de cada país, a maioria delas considera o
uso da força física ou da intimidação, e o dissenso da vítima (Heirich,
1989). Dessa forma, para que um contato sexual seja classificado
como crime sexual é fundamental que o mesmo não tenha o
consentimento da mulher e que, ao mesmo tempo, o agressor
desrespeite esse dissenso. Requer, ainda, que para subjugar a vítima
e concretizar a violência sexual, o agressor utilize um ou mais
mecanismos de intimidação. Ou, ainda, que a situação corresponda
aos quesitos da violência presumida. Dentro do contexto legal, o
Código Penal brasileiro classifica a violência sexual no título de
Crimes Contra os Costumes, capítulo dos Crimes Contra a
Liberdade Sexual. Esses crimes são considerados de ação privada
e que dependem exclusivamente da iniciativa da mulher pela
abertura e mobilização do processo criminal (Oliveira, 1987), com
poucas exceções. Atualmente, os crimes sexuais agrupam-se na
Lei nº 8072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes
96
hediondos. Além do aumento da pena, o agressor perde o direito à
fiança, liberdade provisória, anistia, graça ou indulto, e a pena deve
ser cumprida integralmente em regime fechado (Torres, 1999).
Embora os termos violência, abuso ou agressão sexual sejam
utilizados no cotidiano pelos profissionais de saúde, a Lei Penal
define os crimes sexuais de maneira específica. Assim, o estupro é
caracterizado pelo artigo 213 do Código Penal como:
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça”.
Entende-se por violência o uso de força física suficientemente capaz
de vencer a resistência da mulher. A grave ameaça se configura
como a promessa de efetuar tamanho mal, capaz de impedir a
resistência da vítima. A conjunção carnal corresponde ao coito
vaginal, limitando esse crime ao sexo feminino. No artigo 214, é
abordado o atentado violento ao pudor, crime de:
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso
da conjunção carnal”.
Aqui se incluem todas as situações diferentes do coito vaginal, como
a sucção das mamas, manobras digitais eróticas ou a cópula anal
ou oral. O atentado violento ao pudor pode ser praticado contra
ambos os sexos, sob as mesmas formas de constrangimento válidas
para o estupro (Oliveira, 1987). Importante ressaltar que o crime
sexual cometido pelo esposo ou companheiro não se encontra
ressalvado no Código Penal, nem nos casos em que a mulher
mantenha situação de união formal ou estável com o agressor
(Torres, 1999).
Outro aspecto jurídico relevante se refere à presunção da violência,
artigo 224 do Código Penal. Trata-se de um conjunto de condições
97
nas quais não ocorre o constrangimento pelo uso de força ou de
grave ameaça, mas que caracterizam, igualmente, o estupro e o
atentado violento ao pudor. Assim, presume-se que houve violência
quando:
“A vítima é menor de 14 anos; é alienada ou débil mental e o
agressor conhece esta circunstância; ou quando não pode, por
qualquer outra causa, oferecer resistência”.
Entre as principais condições de violência presumida durante a
adolescência, destacam-se o temor do agressor (59%) e a deficiência
mental (35%). O uso de substâncias hipnóticas ou embriaguez
correspondem a 5% dos casos (Drezett, 2001). Nos EUA, particular
atenção tem sido dada ao uso de hipnoanalgésicos ou de drogas
de ação similar sobre o sistema nervoso central. Essas substâncias
são misturadas em bebidas sem o conhecimento da mulher ou da
adolescente, com o intuito de neutralizar a oposição ou a resistência
ao abuso sexual. Embora os padrões desse uso ilícito ainda sejam
pouco conhecidos, mais de 20 substâncias para esse fim estão
catalogadas (Saum & Inciardi, 1997). No Brasil, o Código Penal
considera como presunção de violência tanto os estados de
inconsciência decorrentes da ação voluntária da vítima, quanto os
provocados pelo agressor (Pinho, 1979).
O atendimento de situações de violência sexual, incluindo-se os
casos que envolvam gravidez, exige o cumprimento dos princípios
de sigilo e segredo profissional (Brasil, 2005a). A Constituição Federal
(Brasil, 2006b), artigo 5, garante que:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito à indenização material ou
moral decorrente de sua violação”.
98
A revelação de informações durante o exercício profissional é prevista
pelo Código Penal e caracterizada como crime pelo artigo 154,
restando claro que:
“Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência
em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem”.
Alinhando-se com a legislação, o Código de Ética Médica (CFM,
1988), no artigo 103, estabelece que:
“É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a
paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis
legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu
problema e de conduzir-se por seus próprios meios para
solucioná-los, salvo quando a não revelação possa acarretar
danos ao paciente”.
A Lei 10.778/03, de 24 de novembro de 2003, estabelece a
notificação compulsória, no território nacional, dos casos de violência
contra a mulher, atendidos em serviços públicos e privados de saúde.
Até a presente data, a ficha de notificação desenvolvida pelo
Ministério da Saúde encontra-se em processo de implantação,
restrita a serviços de saúde selecionados por características
específicas. No entanto, deve-se observar que alguns Estados têm
Leis que determinam a notificação compulsória e que devem ser
respeitadas pelos serviços de saúde (Brasil, 2006a).
O consentimento da mulher ou de seu representante legal é
necessário para realizar o abortamento nas situações previstas pela
Lei, com exceção dos casos de risco de morte quando a mulher
esteja impossibilitada de expressar seu consentimento (Brasil,
2005d). O novo Código Civil brasileiro, de 2003, estabelece em seus
artigos 3º, 4º, 5º, 1631, 1690, 1728 e 1767 que: 1) a mulher com 18
99
anos de idade ou mais é considerada plenamente capaz de consentir
sozinha; 2) a partir dos 16 anos e antes dos 18 anos, o consentimento
da adolescente deve ser assistido pelos pais ou representante legal,
que se manifestam e assinam o consentimento com ela; 3) antes
dos 16 anos, a criança ou a adolescente devem ser representados
pelos pais ou por seu representante legal, que se manifestam e
assinam o termo de consentimento por ela (CCB, 2003).
O consentimento do representante legal também se faz necessário
em situações onde a mulher, em qualquer idade, não possa expressar
sua vontade ou não tenha condições de discernimento, a exemplo
das deficientes mentais graves (Brasil, 2005c). Cabe considerar,
quando houver conflito de interesses, que as adolescentes devem
ter sua vontade respeitada caso não queiram realizar o abortamento,
que não deverá ser praticado, ainda que os seus representantes
legais assim o queiram (Brasil, 2005a; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e).
A realização do abortamento nos casos de gravidez decorrente de
violência sexual não necessita de decisão judicial, ou a sentença
final do processo, caso houver. Portanto, a Lei penal brasileira não
exige alvará ou autorização judicial para a realização do
abortamento em casos de gravidez decorrente de violência sexual
(Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e; Faúndes, 1997; Faúndes,
1998; FEBRASGO, 2004). A mulher que sofre violência sexual não
tem o dever legal de noticiar o fato à polícia e, portanto, não tem
obrigação de realizar o Boletim de Ocorrência Policial. Ela deve
ser orientada pelos profissionais de saúde a tomar as providências
policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe pode
ser negado nem o atendimento, nem o abortamento. A realização do
abortamento não está juridicamente vinculada à apresentação desse
documento, e não há base legal para que os serviços de saúde
neguem o abortamento caso a mulher, por motivo justificável, não
possa realizá-lo (Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil, 2005e; Oliveira,
1987; Talib, 2005). O mesmo cabe para o Laudo do Exame de Corpo
100
de Delito e Conjunção Carnal, do Instituto Médico Legal. Embora
esse documento seja desejável em algumas circunstâncias, a
realização do abortamento também não se vincula a apresentação
do resultado do exame pericial (Brasil, 2005c; Brasil, 2005d; Brasil,
2005e; FEBRASGO, 2004).
A Portaria MS/GM n° 1.508, do Ministério da Saúde, de 1° de
setembro de 2005, estabelece os Procedimentos de Justificação
e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos no
âmbito do Sistema Único de Saúde. Esses procedimentos devem
ser adotados pelos serviços de saúde para a realização do
abortamento decorrente de violência sexual, e incluem diferentes
documentos: 1) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; 2)
Termo de Parecer Técnico; 3) Termo de Responsabilidade; 4) Termo
de Relato Circunstanciado; e 5) Termo de Aprovação de
Procedimento de Interrupção de Gravidez. A inclusão em prontuário
hospitalar de cópia do Boletim de Ocorrência Policial e do Laudo do
IML, embora não seja obrigatória, é considerada desejável (Brasil,
2006a).
No abortamento é necessário que amostras de material embrionário
ou do cordão umbelical sejam preservadas para eventual
investigação de DNA do agressor (Teste de Paternidade), mediante
solicitação do Poder Judiciário. A obtenção de provas médico-legais
é de grande importância nas situações de violência sexual, com
papel crítico na identificação do autor da violência e sua
responsabilização criminal. O material deve ser acondicionado em
papel filtro estéril e mantido em envelope lacrado, se possível em
ambiente climatizado. A congelação desse material é alternativa nos
serviços onde há equipamento disponível. O material não deve ser
colocado em sacos plásticos que mantenham a umidade, por facilitar
a proliferação bacteriana com conseqüente destruição de células e
do DNA. Deve-se abolir completamente o uso de fixadores, incluindose álcool e formol, por resultar na desnaturação do DNA. Também
101
se recomenda que parte do material do abortamento seja submetida
a exame de anatomia patológica para afastar a possibilidade de
gestação molar (Brasil, 2005e; Faúndes, 1998).
2.5 - ABORTAMENTO SEGURO
A Organização Mundial de Saúde define por abortamento a
interrupção da gravidez até a 20ª - 22ª semana, com produto da
concepção pesando menos que 500 gramas. Por aborto, entendese o produto da concepção eliminado pelo abortamento (WHO,
1992). O abortamento é considerado inseguro quando praticado
em condições precárias e inadequadas, por pessoal com insuficiente
capacitação técnica, ou ambas as condições. Nesses casos, o
abortamento relaciona-se com taxas elevadas de mortalidade e de
morbidade. Por outro lado, quando realizado em ambiente
apropriado, com técnicas adequadas, e por profissionais de saúde
capacitados, o abortamento é procedimento seguro, com riscos
reduzidos se comparado com outros procedimentos médicos (WHO,
2003).
A maior parte das mortes maternas e das graves complicações
decorrentes do abortamento poderia ser evitada utilizando-se
técnicas seguras para a interrupção da gravidez (WHO, 2003). Nos
países em que as mulheres têm acesso a serviços seguros, a
probabilidade de morte em decorrência do abortamento é da ordem
de 1 para 100.000 procedimentos. Esses números contrastam com
o risco de morte de 1 para 100 interrupções, geralmente verificado
nos países em desenvolvimento onde o abortamento é proibido e,
portanto, realizado de forma clandestina e insegura (Alan Guttmacher
Institute, 1999).
A aspiração a vácuo intra-uterina constitui a técnica de escolha para
a interrupção da gestação de primeiro trimestre, recomendada pela
Organização Mundial da Saúde, pela Federação Internacional de
102
Ginecologia e Obstetrícia, pelo Ministério da Saúde, e pela
FEBRASGO - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia
e Obstetrícia (Brasil, 2005d; FEBRASGO, 2004; WHO, 2003). A
aspiração a vácuo é procedimento simples, seguro, rápido e eficaz.
As taxas de complicação são significativamente menores quando
comparadas com a dilatação e curetagem e, raramente, de maior
gravidade. Entre as alternativas disponíveis de aspiração a vácuo,
destaca-se a Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU) que utiliza
cânulas flexíveis de Karman com diâmetros entre 4 e 12 mm,
acopladas a seringa com vácuo de 60cc, promovendo a raspagem
e a aspiração simultânea da cavidade uterina. O equipamento tem
menor custo e não depende de fonte de energia (Brasil, 2005d;
Faúndes, 1999; Turner, 2005; WHO, 2003). A curetagem uterina
tradicional utiliza curetas metálicas de diferentes formas e dimensões
para raspar e esvaziar a cavidade uterina, geralmente após a
dilatação do colo de útero, com dilatadores de Deniston ou Velas de
Hegar. Outros instrumentos específicos, como a pinça de Winter,
podem ser necessários para auxiliar a extração do conteúdo uterino.
Por terem diâmetro variável e serem de material rígido, curetas e
pinças oferecem maior risco de acidentes cirúrgicos imediatos,
principalmente de perfuração, e maior probabilidade de sangramento
excessivo durante o procedimento. A curetagem uterina deve ser
usada somente quando a aspiração a vácuo não estiver disponível.
A aspiração intra-uterina e a curetagem não são técnicas
recomendadas para a interrupção com mais de 12 semanas (Brasil,
2005d; Faúndes, 1999; WHO, 2003).
Outra opção segura para a interrupção da gravidez de primeiro
trimestre é o abortamento medicamentoso com misoprostol. Nesses
casos, o procedimento de interrupção é possivelmente mais
demorado e mais desconfortável, e com efeitos gastrintestinais mais
freqüentes. A escolha da dose e forma de administração do
misoprostol varia em diferentes experiências. As evidências mais
recentes recomendam o uso de 800 microgramas por dia, via vaginal,
durante até dois dias, em três possíveis esquemas: a) 800
103
microgramas, dose única diária; b) 400 microgramas cada 12 horas;
e c) 200 microgramas cada 6 horas. A Federação Latinoamericana
de Obstetrícia e Ginecologia recomenda dose de 800 microgramas
repetida cada 12 horas até três doses (Boza, 2005). Embora outras
vias de administração possam ser empregadas, como a oral ou a
sublingual, recomenda-se a via vaginal umedecendo-se os
comprimidos com água, aplicando-os nos fundos de saco laterais
da vagina. A mulher que eventualmente decida por este método de
interrupção deve ser informada de suas limitações e efeitos,
particularmente sobre cuidados com eventual sangramento
excessivo. Ela poderá aguardar pela conclusão do abortamento até
24 horas depois da última dose, em regime de internação ou em
sua residência. Na falha do método medicamentoso deve-se optar
pela aspiração ou curetagem, dependendo da decisão da mulher,
das condições clínicas e dos recursos disponíveis no serviço de
saúde (Brasil, 2005d; Faúndes, 1999; FLASOG, 2005).
Embora pouco difundido em nosso meio, o abortamento
medicamentoso pode ser realizado com o metotrexate. As evidências
recomendam seu uso em associação com o misoprostol, em dose
única de 50 mg, via oral. Essa administração deve ser feita três a
sete dias antes do início do misoprostol nas doses descritas
(FLASOG, 2005). O mifepristone não se encontra disponível para
uso no Brasil (Brasil, 2005d).
Nas gestações de segundo trimestre, o abortamento
medicamentoso constitui método de eleição, recomendando-se a
utilização de misoprostol para a dilatação cervical e a expulsão ovular.
Assim como ocorre na interrupção de gestações iniciais, existe um
grande número de protocolos que utilizam diferentes doses e vias
de administração do misoprostol. Entre os esquemas disponíveis,
há evidências para indicar 200 microgramas, via vaginal, cada 12
horas, durante 48 horas (Brasil, 2005d). O tratamento pode ser
repetido após intervalo de três a cinco dias, em caso de insucesso.
104
A mulher deve permanecer internada até a conclusão da interrupção.
O esvaziamento uterino pode ser completado com curetagem ou
aspiração a vácuo, nos casos de abortamento incompleto (Brasil,
2005d; FEBRASGO, 2004; WHO, 2003). O procedimento pode ser
precedido de injeção letal intracardíaca ou intracordonal de cloreto
de potássio, nos serviços onde esta medida esteja disponível
(Frigério, 2002).
Procedimentos cirúrgicos maiores, como a microcesárea, devem
ser reservados para situações excepcionais e geralmente após a
16ª semana de gestação (Brasil, 2005e). A indução com ocitocina,
mesmo que precedida da preparação do colo de útero com
misoprostol ou com outra prostaglandina, apresenta elevadas taxas
de falha. O método de Aburel, que utiliza a injeção intra-amniótica
de solução hipertônica, deve ser ao máximo evitado pela
possibilidade de acidentes maternos graves e letais (Mariani-Neto,
1994). Nos casos de gravidez decorrente de violência sexual com
mais de 20 semanas o abortamento não deve ser realizado. Nessas
situações, a mulher deve ser esclarecida da impossibilidade de
atender sua solicitação e aconselhada a iniciar acompanhamento
pré-natal. Deve, ainda, ser informada das alternativas disponíveis
após o nascimento, incluindo a criança nascida no núcleo familiar,
ou colocando-a em doação para procedimento regular de adoção
(Brasil, 2005e).
O misoprostol é um análogo sintético da prostaglandina E1,
desenvolvido na década de 80 como alternativa para o tratamento
da úlcera gástrica. Diferente da prostaglandina F2alfa, o misoprostol
apresenta adequada estabilidade térmica, fácil armazenamento,
praticidade de manipulação, boa tolerabilidade e custo acessível.
Por essas características, foi rapidamente incorporado para uso em
ginecologia e obstetrícia, tornando-se o medicamento de escolha
para a maturação do colo de útero, indução do trabalho de parto e
abortamento medicamentoso (Cecatti & Moares-Filho, 2005).
105
No final da década de 80, o conhecimento da efetividade do
misoprostol para interromper a gravidez se difundiu entre mulheres
de diversos países, particularmente no Brasil. Desde então, passou
a ser amplamente utilizado como método de abortamento
clandestino, principalmente em países com leis restritivas, com
evidências que relacionam sua utilização com a diminuição da
mortalidade e morbidade decorrentes do abortamento (Viggiano,
1996). No entanto, o misoprostol ainda não se encontra aprovado
para uso em ginecologia e obstetrícia em muitos países da América
Latina e, em alguns deles, sofreu inúmeras interrupções e proibições
de comercialização. No Brasil, a aquisição regular do misoprostol
passou a ser controlada por órgão públicos de vigilância, que
restringem sua compra aos serviços de saúde cadastrados e
devidamente autorizados, mediante justificativa de uso (FLASOG,
2005). Essas medidas, no entanto, não foram suficientes para coibir
um grande mercado clandestino de misoprostol utilizado por
mulheres em situação de gravidez indesejada.
As mulheres têm o direito à vida e à saúde, assim como aos
benefícios do progresso científico. O abortamento medicamentoso
tem contribuído para aumentar as opções às mulheres em relação
ao exercício de suas escolhas reprodutivas. O procedimento deve
ser visto como um componente integral do cuidado à saúde
reprodutiva. No entanto, o abortamento medicamentoso ainda não
é acessível para muitas mulheres que poderiam se beneficiar com
seu uso (ICMA, 2004). Nesse sentido, a publicação em 2005 da
segunda edição revisada e ampliada pelo Ministério da Saúde da
Norma Técnica Prevenção e Tratamento da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes estabelece diretrizes quanto o
oferecimento do abortamento medicamentoso com misoprostol para
a interrupção de gestações decorrentes de violência sexual no
primeiro trimestre. Na primeira edição dessa norma, o abortamento
106
medicamentoso estava restrito aos casos com mais de 12 semanas
de idade gestacional (Brasil, 2005e).
2.6 - ABORTAMENTO E DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Tanto a Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (ICPD), realizada no Cairo em 1994, como a 4ª
Conferência Internacional sobre a Mulher (FWCW), ocorrida em
Beijing em 1995, reconhecem e afirmam os direitos humanos das
mulheres no campo da saúde sexual e reprodutiva. A Conferência
do Cairo declara que os todos os casais têm direitos sexuais e
reprodutivos fundamentais. Esses direitos incluem a decisão livre e
responsável pelo número, espaçamento e momento de terem filhos,
bem como o direito de receberem informação e os meios necessários
para que alcancem a mais elevada qualidade de saúde sexual e
reprodutiva (United Nations, 1994). Em Beijing, os governos dos
países participantes reconheceram o direito das mulheres de decidir
livremente sobre a regulação de sua fertilidade e sua sexualidade,
livres de coerção, da discriminação e da violência sexual. Acrescenta
que o relacionamento entre homens e mulheres deve ser
fundamentado nos princípios da eqüidade, do respeito mútuo, do
consentimento, e da responsabilidade compartilhada no
comportamento sexual e suas conseqüências (United Nations, 1995).
Na Conferência do Cairo, os governos reconheceram o abortamento
como um grave problema de saúde pública e comprometeram-se
em reduzir a necessidade das mulheres de interromper a gravidez
por meio de medidas da melhoria do acesso e da qualidade do
planejamento reprodutivo. Ao mesmo tempo, estabeleceram que nas
circunstâncias em que não contrarie a legislação de cada país, devese garantir que as mulheres tenham acesso ao abortamento em
condições seguras e humanizadas. No entanto, é preciso ressaltar
que esse princípio não tem, por intenção ou finalidade, promover o
107
abortamento como método de planejamento reprodutivo. Nesse
sentido, o parágrafo 8.25 do Programa de Ação da Conferência do
Cairo é suficientemente claro ao advertir que:
“Em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de
planejamento familiar...”.
Poucos anos depois, em 1999, a Assembléia Geral das Nações
Unidas (United Nations, 1999) aprovou a implementação do IPCD +
5. Na oportunidade, os governos participantes assumiram a
necessidade de implementar políticas públicas de saúde para
enfrentar o abortamento, destacando a responsabilidade do sistema
de saúde em substituir processos ultrapassados de atendimento e
em reduzir o impacto do abortamento para a saúde das mulheres:
“Nas circunstâncias em que o aborto não contrarie a lei, o sistema
de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviços de
saúde e tomar outras medidas necessárias para assegurar que
esses abortos sejam seguros e acessíveis”.
O Brasil, enquanto país participante, é signatário dos documentos
dessas Conferências, assim como de outros Tratados Internacionais
de Direitos Humanos, assumindo o compromisso com as questões
relativas ao abortamento. Essas referências estão incorporadas pela
legislação brasileira com princípios éticos e jurídicos que contemplam
a prevenção da gravidez indesejada e o abortamento seguro
(Advocaci, 2003). A Constituição da República Federativa do Brasil,
em seu artigo 226, § 7º, estabelece que:
“Fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
108
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas”.
O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher das
Nações Unidas (Comitê CEDAW) compreende que a tipificação do
abortamento como um delito é insuficiente e não desestimula as
mulheres de se submeterem à sua prática. Ao contrário, a
criminalização termina restringindo as alternativas das mulheres,
colocando-as na rota de práticas clandestinas e inseguras.
3. Proposição
Pretende o Ministério da Saúde, por meio da presente investigação,
conhecer de maneira mais aprofundada e mais adequada as
opiniões e perspectivas das mulheres que realizaram o abortamento
previsto em Lei nas situações de violência sexual, incluindo-se sua
percepção sobre o atendimento recebido em um serviço público de
saúde, e suas reflexões sobre como essa vivência interferiu ou não
em suas vidas. Pretende-se contribuir para a construção de uma
análise crítica da situação do abortamento previsto em Lei no país e
suas implicações na rede de saúde pública, a partir da escuta
qualificada das próprias mulheres.
A Área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, dentro
das ações programáticas de redução da mortalidade materna e da
promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, considera essas
informações fundamentais para o aprimoramento do atendimento
às mulheres que recorreram aos serviços públicos de saúde. O
reconhecimento da perspectiva e vivência dessas mulheres é parte
importante de um processo de garantia do direito de acesso ao
abortamento em condições éticas, humanizadas e seguras. Além
disso, pretende-se conhecer a percepção das mulheres sobre a
adoção das novas diretrizes sobre abortamento medicamentoso,
formuladas pelo Ministério da Saúde. As variáveis de estudo foram
109
desenhadas em modelo qualitativo, e analisadas nos seguintes
grupos temáticos:
†
†
†
†
†
†
Dados sobre a entrevistada.
Dados sobre a violência sexual.
Dados sobre a gravidez.
Dados sobre o abortamento.
Comportamentos e opiniões da entrevistada.
Perspectivas sobre o abortamento medicamentoso.
4. Casuística
A escolha do Centro de Referência da Saúde da Mulher (CRSM),
em São Paulo, como instituição para participar deste estudo se deu
por ser uma das referências nacionais na área de abortamento
previsto em Lei, bem como pelo significativo número de casos de
interrupção de gravidez já realizados, fatores críticos para o acesso
aos casos de inclusão no estudo. A escolha de instituição participante
única foi devida ao pequeno número de casos necessários,
estabelecido pelo desenho qualitativo do projeto. Todos os
abortamentos realizados pelo CRSM incluídos neste estudo foram
fundamentados no Decreto-Lei 2848, inciso II do artigo 128 do
Código Penal brasileiro. Os procedimentos adotados para a
interrupção da gravidez obedeceram rigorosamente ao ordenamento
jurídico vigente e às normas e procedimentos de aprovação definidos
pelo Ministério da Saúde (Oliveira, 1987; Brasil, 2005).
No período de agosto de 1994 a dezembro de 2005 foram atendidos
pelo Serviço de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência
Sexual, do CRSM, 12.651 casos de violência sexual. No mesmo
período, foram realizados 505 abortamentos previstos em Lei. Para
a inclusão neste estudo foram selecionados os casos de interrupção
110
da gravidez realizados há pelo menos um ano, elegendo-se,
inicialmente, as ocorrências entre janeiro de 2000 e junho de 2005.
Nesse período, foram atendidos pelo CRSM 10.264 casos novos de
violência sexual, com 211 abortamentos previstos em Lei. A
identificação desses casos foi feita por meio de consulta dos arquivos
do Núcleo de Serviço Social do CRSM, onde constam os dados de
identificação das pacientes que realizaram a interrupção da gravidez,
incluindo-se data, logradouro e número de telefone pessoal,
profissional, ou para contato.
Dos 211 casos inicialmente identificados, 156 mulheres (73,9%) não
foram localizadas por mudança de telefone e/ou endereço. Nesse
aspecto, cabe considerar as alterações realizadas pela Companhia
Telefônica de São Paulo que, nos últimos anos, modificaram a maioria
dos prefixos dos telefones da Região Metropolitana de São Paulo,
inviabilizando os números de telefone constantes nos registros do
CRSM. A consulta e utilização dos novos prefixos, disponibilizada
pela Companhia Telefônica de São Paulo, foi insuficiente para
localizar o número de telefone atual dessas 156 mulheres. Da mesma
forma, a tentativa de identificação do novo número de telefone por
meio do endereço constante nos registros do CRSM mostrou-se
ineficaz, devido mudança de residência da mulher. Essas duas
medidas foram tomadas após pelo menos três tentativas de contato
telefônico utilizando-se os registros disponibilizados pela instituição.
4.1 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Foram considerados critérios de inclusão no estudo:
† Realização de abortamento previsto em Lei há pelo menos
um ano devido situação de gravidez decorrente de violência sexual,
abortamento sentimental, em conformidade com o Decreto-Lei
2848, inciso II do artigo 128 do Código Penal brasileiro (Oliveira,
1987).
111
† Caracterização da gravidez decorrente de violência sexual
preenchendo-se os critérios estabelecidos para o crime de estupro,
conforme artigo 213 do Código Penal brasileiro (Oliveira, 1987).
† Idade igual ou maior que 18 anos no momento da entrevista,
independente da idade no momento de realização do abortamento
previsto em Lei.
4.2 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Quanto aos critérios de exclusão foram considerados os seguintes
itens:
†
†
†
†
†
†
Idade menor que 18 anos no momento da entrevista.
Condição de deficiência mental de qualquer natureza ou
gravidade, estabelecida por profissional da área de saúde mental.
Abortamento previsto em Lei realizado há menos de um ano da
data da entrevista.
Abortamento previsto em Lei realizado por condição de risco de
morte para a gestante, abortamento necessário, previsto pelo
inciso I do artigo 128 do Código Penal brasileiro.
Abortamento realizado mediante alvará judicial devido situação
de gravidez associada à anomalia fetal grave e incompatível com
a vida extra-uterina.
Gravidez no momento da entrevista, em qualquer idade
gestacional.
Na busca ativa realizada 55 mulheres (26,1%) foram localizadas e
efetivamente contatadas para participação na pesquisa. Deste total,
27 casos (49,1%) foram excluídos pelos critérios adotados:
†
†
112
Catorze casos (25,4%) eram menores de 18 anos de idade;
Seis mulheres (10,9%) relataram não residir na cidade de São
Paulo, o que as impossibilitava de participar do estudo. Dessas
seis mulheres, duas delas mudaram-se para o Estado da Bahia
†
†
†
e uma transferiu residência para outro país. As demais residiam
em outras cidades relativamente distantes (Guarujá, Lins, e
Sorocaba), e apenas realizaram o abortamento em São Paulo,
devido ausência de serviços especializados em suas cidades;
Quatro mulheres (7,3%) eram portadoras de deficiência mental,
em diferentes níveis de severidade;
Duas mulheres (3,6%) afirmaram não poder participar da
entrevista por se encontrarem grávidas e próximas do momento
do parto;
Uma mulher (1,8%) realizou o abortamento previsto em Lei, mas
por motivo de risco de morte materna decorrente da associação
de câncer de mama e gravidez de primeiro trimestre.
Considerando-se os casos compatíveis com critérios de exclusão
ou casos onde foi declarada impossibilidade justificada de
participação, dos 55 casos inicialmente contatados 28 casos (50,9%)
puderam ser considerados dentro dos critérios de inclusão para
participação no estudo. Desse total, 20 mulheres (71,4%)
concordaram em participar. A negativa ao convite foi expressa por
seis mulheres (21,4%). Dentre estas, cinco mulheres justificaram
sua decisão pela falta de desejo de rememorar sua experiência de
violência sexual, embora se dissessem satisfeitas com o atendimento
recebido na época do abortamento previsto em Lei. Houve um caso
em que, apesar de preliminarmente concordar em participar do
estudo, a possível entrevistada desistiu momentos antes de iniciar
a entrevista sem, no entanto, declarar o motivo de sua decisão. Duas
mulheres (7,1%) concordaram em participar da entrevista, mas
faltaram na data agendada. Após o ocorrido, as mesmas não foram
mais encontradas nos números de telefone em que foram realizados
os primeiros contatos.
Entre as entrevistadas, 15 mulheres (75%) preferiram realizar a
entrevista nas dependências do CRSM. Apenas uma mulher (5%)
optou em realizar a entrevista em sua residência. Três entrevistadas
(15%) escolheram responder à pesquisa em seu local de trabalho.
113
Uma mulher (5%) optou por fazê-lo na praça de alimentação de um
shopping center próximo à sua residência.
5. Método
5.1 - VARIÁVEIS DE ESTUDO
As variáveis de estudo foram divididas em seis blocos temáticos,
conforme o que se segue. Cada variável foi estudada considerandose apenas a categoria de inclusão encontrada entre os dados
registrados na ficha de entrevista e/ou nas informações presentes
no prontuário hospitalar.
5.1.1 - BLOCO I - DADOS SOBRE A ENTREVISTADA
Dados sobre o perfil pessoal, social, e econômico das mulheres
incluídas no estudo, abrangendo as seguintes variáveis: idade;
religião; estado civil; raça / cor; escolaridade; ocupação; profissão e
renda familiar.
„
IDADE: em anos completos no momento da entrevista, incluindose variação e média etária.
„
RELIGIÃO: declarada pela mulher no momento da entrevista,
classificada nas seguintes categorias encontradas: a) católica;
b) evangélica; c) espírita; d) sem religião; e e) sem resposta.
„
ESTADO CIVIL: correspondente à situação conjugal declarada
pela mulher no momento da entrevista, considerando-se as
seguintes categorias: a) solteira; b) casada ou em união
consensual; c) separada judicialmente, divorciada ou
desquitada; e d) viúva.
114
„
RAÇA / COR: conforme classificação da Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 1996, considerandose a auto-determinação da entrevistada, nas seguintes categorias:
a) branca; b) preta; c) parda; d) amarela; e f) indígena.
„
ESCOLARIDADE: análise da escolaridade declarada pela
entrevistada, nas seguintes categorias: a) não alfabetizada; b)
ensino fundamental incompleto; c) ensino fundamental
completo; d) ensino médio incompleto; e) ensino médio
completo; f) superior incompleto; e g) superior completo.
„
OCUPAÇÃO: atividade laboral exercida pela entrevistada, nas
seguintes categorias: a) trabalho formal; b) trabalho informal;
c) sem ocupação; d) estudante; e) desempregada; e f) sem
resposta.
„
PROFISSÃO: profissão declarada pela entrevistada.
„
RENDA FAMILIAR: renda familiar em número de salários
mínimos, nas seguintes categorias: a) menos que 1 salário
mínimo; b) entre 1 e 2 salários mínimos; c) entre 3 e 5 salários
mínimos; d) entre 6 e 10 salários mínimos; e) entre 11 e 20
salários mínimos; f) 21 salários mínimos ou mais; e g) sem
resposta.
5.1.2 - BLOCO II - DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL
Dados sobre as condições e mecanismos da violência sexual
perpetrada contra as mulheres incluídas no estudo, a qual resultou
na situação de gravidez.
„
AUTOR DA VIOLÊNCIA SEXUAL: tipificação do agressor sexual
apontado pela entrevistada como o responsável pela gravidez
interrompida, classificado nas possíveis categorias: a)
desconhecido; b) pai biológico; c) padrato; d) avô; e) tio
115
materno ou paterno; f) irmão; g) primo; h) vizinho ou morador
da comunidade; i) parceiro íntimo na época; j) ex-parceitro
íntimo; k) sem resposta; e l) outro.
„
TIPO DE INTIMIDAÇÃO: mecanismo utilizado pelo agressor para
a intimidação da entrevistada, considerando-se o previsto pelos
artigos 213 e 224 do Código Penal brasileiro (Oliveira, 1987),
nas seguintes categorias: a) grave ameaça; b) força física; c)
grave ameaça associada à força física; d) e violência
presumida.
„
SITUAÇÃO OU ATIVIDADE NO MOMENTO DA ABORDAGEM
DO AGRESSOR: definida pela atividade ou situação declarada
pela entrevistada no momento da abordagem do agressor. As
situações foram classificadas em: a) percurso da escola; b)
percurso do trabalho; c) local de trabalho; d) residência da
entrevistada; e) residência do agressor; f) outro local; e g)
sem resposta.
„
NÚMERO DE AGRESSORES: número de agressores sexuais
que efetivamente participaram da violência sexual que resultou
em gravidez, dividido em: a) agressor único; b) dois
agressores; c) três agressores; d) quatro agressores; e)
cinco ou mais agressores; e f) sem resposta.
„
ATENDIMENTO IMEDIATO APÓS A VIOLÊNCIA SEXUAL:
procura ou não da entrevistada por atendimento imediato após
a violência sexual em algum serviço de saúde, público ou privado,
no prazo de até 72 horas. Nos casos afirmativos, se recebeu
anticoncepção de emergência para a profilaxia da gravidez e se
a gravidez resultou ou não de falha do método anticonceptivo.
116
5.1.3 - BLOCO III - DADOS SOBRE A GRAVIDEZ
Informações sobre o processo de identificação da gravidez, suas
repercussões emocionais imediatas, e condições de informação e
acesso ao abortamento previsto em Lei.
„
IDENTIFICAÇÃO DA GRAVIDEZ: forma de conhecimento da
gravidez decorrente da violência sexual, classificado nas possíveis
categorias: a) teste de gravidez adquirido em farmácia; b) teste
de gravidez realizado em serviço de saúde; c) teste de
gravidez realizado em laboratório privado; d) atraso
menstrual; e) ultra-sonografia; e f) outro.
„
SENTIMENTOS AO SABER DA GRAVIDEZ: sentimentos
expressos ou não pela entrevistada no momento do diagnóstico
da gravidez decorrente de violência sexual, nas seguintes
categorias: a) castigo; b) desmoralização; c) humilhação; d)
adoecimento; e) desproteção; f) risco; g) medo; h) ausência
de alternativas; i) outro; e j) não respondeu.
„
ATITUDE FRENTE AO DIAGNÓSTICO DE GRAVIDEZ: atitude
inicial da entrevistada após conhecer o diagnóstico da gravidez
decorrente da violência sexual, nas seguintes categorias: a)
procura pela Autoridade Policial; b) procura por serviço de
saúde; c) outro; e d) não respondeu.
„
SOBRE RELATAR O OCORRIDO: relato ou não da entrevistada
sobre o ocorrido para pessoa(s) de sua confiança, nas seguintes
categorias: a) não relatou o ocorrido; b) relatou o ocorrido; e
c) não respondeu. Nos casos em que foi compartilhado o
ocorrido, para qual ou quais pessoas o fez.
„
SENTIMENTOS AO COMPARTILHAR O OCORRIDO:
sentimentos experimentados ou não pela entrevistada após
117
compartilhar o ocorrido com pessoa(s) de sua confiança, nas
seguintes categorias: a) acolhimento; b) proteção; c)
abandono; d) culpabilização; e) castigo; f) humilhação; g)
desmoralização; h) crítica; i) outro; e j) não respondeu.
„
INFORMAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE RECORRER
AO ABORTAMENTO PREVISTO EM LEI: oferecimento ou não
da informação sobre a possibilidade de solicitar o abortamento
previsto em Lei antes de ingressar para atendimento no CRSM,
considerando-se as seguintes possibilidades: a) Delegacia de
Polícia; b) serviço de saúde; c) Instituto Médico Legal; d)
amigos e/ou parentes; e) outro; e f) não respondeu.
„
ENCAMINHAMENTO PARA ATENDIMENTO: relação de órgãos
públicos ou privados, governamentais ou não governamentais,
que referenciaram a entrevistada segundo a declaração da
mesma. Foram considerados formulários de encaminhamento,
ofícios, cartas de apresentação, contatos telefônicos ou
mecanismos similares. No caso de mais de um órgão a
encaminhar a mesma entrevistada considerou-se para fim de
registro o primeiro a realizá-lo. Os casos foram alocados nas
seguintes categorias: a) Delegacia de Polícia; b) Instituto
Médico Legal; c) serviço público de saúde; d) serviço privado
de saúde; e) Poder Judiciário; f) demanda espontânea; g)
outro; h) não respondeu.
„
ALTERNATIVAS FRENTE A GRAVIDEZ DECORRENTE DA
VIOLÊNCIA SEXUAL: se recebeu ou não a entrevistada
esclarecimento e informação suficiente sobre a possibilidade e o
direito de manter a gestação até o término e, nesse caso, proceder
com a doação da criança para processo regular de adoção, ou
incluí-la no núcleo familiar.
118
„
ACESSO À INFORMAÇÃO E ORIENTAÇÃO: se a entrevistada
considera que encontrou ou não dificuldade(s) para ter acesso à
informação sobre o direito de escolha pelo abortamento previsto
em Lei.
5.1.4 - BLOCO IV - DADOS SOBRE O ABORTAMENTO
Dados sobre o processo pessoal de decisão pelo abortamento,
características do procedimento de interrupção realizado, e
qualificação do atendimento recebido.
„
DECISÃO PELO ABORTAMENTO: se a entrevistada
compartilhou ou não a decisão do abortamento previsto em Lei,
entre as seguintes alternativas: a) pais; b) parceiro ou parceira;
c) amigo ou amiga; d) orientador religioso; e) profissional
de saúde; f) outro; e g) não respondeu.
„
MOTIVO DA DECISÃO PELO ABORTAMENTO: pergunta
aberta e não estimulada, sem alternativas pré estabelecidas.
„
TEMPO DECORRIDO DO ABORTAMENTO: em anos e meses
completos.
„
IDADE DA ENTREVISTADA AO RELIZAR O ABORTAMENTO:
em anos completos.
„
IDADE GESTACIONAL NO MOMENTO DO ABORTAMENTO:
semanas completas de gestação no momento da interrupção da
gravidez. (dado de pontuário hospitalar)
„
MÉTODO DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ: técnica utilizada
para realizar o abortamento previsto em Lei, considerando-se as
seguintes possibilidades: a) Aspiração Manual Intra-Uterina AMIU; b) abortamento medicamentoso com misoprostol; c)
microcesareana; e d) outro. (dado de pontuário hospitalar).
119
„
COMPLICAÇÕES: análise das complicações ou intercorrências
decorrentes do procedimento de interrupção da gravidez,
considerando-se as seguintes possibilidades: a) intercorrências
anestésicas; b) intercorrências clínicas; c) intercorrências
cirúrgicas; e d) outro. (dado de pontuário hospitalar)
„
ACOMPANHAMENTO MÉDICO APÓS O ABORTAMENTO: se
a entrevistada realizou ou não aconpanhamento médico após o
abortamento. Nos casos negativos, especificação do motivo para
não realizar o acompanhamento.
„
ACOMPANHAMENTO
PSICOLÓGICO
APÓS
O
ABORTAMENTO: se a entrevistada realizou ou não
aconpanhamento psicológico após o abortamento. Nos casos
negativos, especificação do motivo para não realizar o
acompanhamento.
„
OPINIÃO DA ENTREVISTADA SOBRE O ATENDIMENTO
RECEBIDO: avaliação da entrevistada nas categorias excelente,
bom, razoável, ruim, ou péssimo sobre os seguintes atendimentos
recebidos: a) serviço social; b) psicologia; c) ginecologia; d)
anestesiologia; e) enfermagem; f) recepção; g) segurança;
h) ambulatório; i) enfermaria; j) laboratório; k) serviço de
ultra-sonografia; l) centro cirúrgico; e m) não respondeu.
5.1.5 - BLOCO V – COMPORTAMENTOS E OPINIÕES DA
ENTREVISTADA
Dados sobre o comportamento da entrevistada após a realização
do abortamento, incluindo-se a opinião das mulheres sobre a
qualidade do procedimento.
120
„
SENTIMENTOS APÓS O ABORTAMENTO: sentimentos
experimentados pela entrevistada imediatamente após a
realização do abortamento. Pergunta aberta, não estimulada.
„
SOBRE RELATAR O ABORTAMENTO REALIZADO: relato ou
não da entrevistada sobre o abortamento realizado para pessoa(s)
de sua confiança, nas seguintes categorias: a) não compartilhou
o ocorrido; b) familiares; c) parceiro ou parceira; d) colega
de trabalho; e) amigo ou amiga; f) membros de sua religião;
g) pessoas da escola; h) outro; e i) não respondeu.
„
OPINIÃO DA ENTREVISTADA SOBRE SUAS RELAÇÕES
PESSOAIS APÓS O ABORTAMENTO: relacionamento da
entrevistada com família; parceiro; trabalho; sexualidade; amigos;
escola; religião ou outro, com opinião da mesma sobre se cada
um desses relacionamentos sofreu ou não mudanças após o
abortamento, classificando-as entre as alternativas: a) não
alterou; b) melhorou, c) piorou; d) não sabe definir; e) não se
aplica; e f) não respondeu.
„
PENSAMENTOS RECORRENTES: pensamento(s) recorrente(s)
experimentado(s) ou não pela entrevistada após a realização do
abortamento, incluindo-se as seguintes alternativas: a) sobre a
violência sexual; b) sobre o abortamento, c) suicídio; d)
reencontrar o agressor; e) outro; e f) não respondeu.
„
MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO: percepção da
entrevistada sobre mudanças ou não em seu corpo ou
comportamento após a realização do abortamento, avaliando-se
as seguintes possibilidades: a) hábitos alimentares; b) sono,
c) outro; e d) não respondeu.
„
ARREPENDIMENTO: se a entrevistada se sente ou não
arrependida por ter realizado o abortamento e, em caso afirmativo,
121
o eventual motivo de seu arrependimento. Se a entrevistada
repetiria ou não o abortamento, caso pudesse retornar ao
momento de sua decisão. Pergunta aberta e não estimulada.
„
ASPECTOS FAVORÁVEIS DO ATENDIMENTO: opinião da
entrevistada sobre os pontos favoráveis do atendimento recebido
pelo serviço de saúde. Pergunta aberta e não estimulada.
„
ASPECTOS DESFAVORÁVEIS DO ATENDIMENTO: opinião da
entrevistada sobre os pontos desfavoráveis do atendimento
recebido pelo serviço de saúde. Pergunta aberta e não
estimulada.
5.1.6 - BLOCO VI – PERSPECTIVAS SOBRE O ABORTAMENTO
MEDICAMENTOSO
Informações sobre o abortamento medicamentoso com uso de
misoprostol, específico para as entrevistadas com gestações entre
13 e 20 semanas de idade gestacional.
„
TEMPO NECESSÁRIO PARA O ABORTAMENTO: período
mensurado em horas ou dias completos desde a primeira dose
do misoprostol até a expulsão fetal (dado de pontuário hospitalar).
„
OPINIÃO SOBRE EVENTOS DO ABORTAMENTO
MEDICAMENTOSO: opinião da entrevistada sobre os eventos
produzidos pelo abortamento medicamentoso quanto a
sangramento; dor; tempo de espera ou outro evento por ela
apontado; classificando-os nas seguintes categorias: a)
indiferente; b) aceitável; c) muito incômodo; d) inaceitável;
e) não opina; f) não respondeu. Opnião da mulher sobre qual
evento considerou mais incômodo e se considera sua experiência
com o abortamento medicamentoso aceitável.
122
5.2 - INSTRUMENTOS
Para a coleta de dados foi utilizado questionário estruturado
denominado Roteiro de Entrevista - Abortamento Previsto em
Lei em Situações de Violência Sexual (Anexo I), dividido em seis
blocos temáticos. O instrumento de coleta de dados foi pré-testado,
corrigido e modificado nas questões necessárias. Para algumas
variáveis técnicas foram utilizadas informações contidas no
prontuário hospitalar da entrevistada, conforme descrição em
metodologia. Nesses casos, utilizaram-se os dados registrados na
Ficha de Atendimento do Serviço de Atenção Integral à Mulher em
Situação de Violência Sexual, do CRSM.
5.3 - ENTREVISTAS
Para conduzir as entrevistas dentro dos princípios propostos, a Área
Técnica da Saúde da Mulher, Ministério da Saúde, contou com a
participação de Ipas Brasil, responsável pela entrevista dessas
mulheres. Ipas é uma organização não governamental com status
de órgão consultivo conferido pela Organização das Nações Unidas
(ONU) e que atua em vários países, inclusive no Brasil, há mais de
10 anos, com o objetivo de contribuir de forma ativa para a melhoria
das condições de assistência à saúde reprodutiva da mulher,
inclusive aos serviços de abortamento previsto pela Lei. O Roteiro
de Entrevista - Abortamento Previsto em Lei em Situações de
Violência Sexual (Anexo I) e o Termo de Consentimento
Informado e Esclarecido (Anexo II), foram desenvolvidos por
técnicos de Ipas Brasil envolvidos com o estudo, contando com
profissionais com formação nas áreas de ginecologia; psicologia,
saúde pública e sociologia. Quanto ao profissional responsável pela
aplicação das entrevistas para as participantes do estudo, optou-se
pela escolha de um psicólogo em atividade no Serviço de Atenção
Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, do CRSM. A
escolha se pautou na experiência desse profissional com situações
123
de violência sexual e de abortamento previsto em Lei. O psicólogo
responsável pelas entrevistas foi previamente capacitado para o
manejo do instrumento da entrevista, incluindo-se a participação no
pré-teste. Esse psicólogo também foi responsável pelo contato
telefônico inicial com cada potencial entrevistada, pela proposta de
participação no estudo, e pelo acordo sobre local e data da entrevista.
5.4 - INFORMATIZAÇÃO DOS DADOS
Por se tratar de estudo de desenho metodológico qualitativo os dados
não foram pré-codificados e informatizados. Parte dos dados obtidos
no Roteiro de Entrevista - Abortamento Previsto em Lei em
Situações de Violência Sexual e dos registros dos Prontuários
Hospitalares foram transferidos para programa Microsoft Excel, com
o intuito de facilitar o manejo e a análise das informações.
5.5 - ASPECTOS ÉTICOS
O estudo recebeu autorização da Direção do Centro de Referência
da Saúde da Mulher, mediante solicitação escrita formulada pela
Área Técnica da Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde. A
participação de cada entrevistada se deu mediante sua concordância
em participar do estudo e assinatura do Termo de Consentimento
Informado e Esclarecido (Anexo II), após exposição dos propósitos
do estudo e após suficiente esclarecimento de todas as dúvidas
apresentadas pela participante. Foram obedecidos irrestritamente
os princípios éticos e legais da confidencialidade e do sigilo da fonte
de dados, conforme previsto pela Legislação Brasileira e pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Nenhuma participante
deste estudo foi por qualquer meio identificada, direta ou
indiretamente, nem seu nome revelado. Cada entrevista foi registrada
somente por meio de números e de iniciais alfabéticas. O instrumento
de entrevista e o prontuário hospitalar de cada entrevistada foram
manipulados exclusivamente pelos profissionais envolvidos e
124
mantidos em condição de acesso restrito. Não foram utilizados
quaisquer outros meios de registro da entrevista ou da entrevistada,
como gravação de voz, filmagem, fotografia ou declarações escritas
de próprio punho da entrevistada. Frases espontaneamente
colocadas pela entrevistada, consideradas relevantes para o estudo,
foram registradas no instrumento de entrevista de maneira integral
e entre parênteses, sem correções, acréscimos, interpretações,
adaptações ou modificações, sempre após o pedido verbal da
entrevistadora e mediante a expressa autorização da entrevistada,
respeitando-se as normas de sigilo e confidencialidade. As
entrevistas foram feitas individualmente e sem qualquer forma de
contato com as demais participantes do estudo, em local e ambiente
definido pela entrevistada, e em dia e horário acordados com o
entrevistador. Para cada entrevistada foi oferecida, inicialmente, a
possibilidade de realizar a entrevista em espaço cedido pelo CRSM,
com condições apropriadas de conforto e privacidade. Nos casos
em que a entrevistada recusou este oferecimento, procedeu-se com
a entrevista em local e horário da escolha da entrevistada,
respeitando-se igualmente os princípios de privacidade e
confidencialidade. A entrevistada teve garantido o direito de
interromper e cancelar sua participação em qualquer momento da
entrevista, mesmo após o seu término, sem se fazer necessário
apresentar justificativa para sua decisão. Nesse caso, o instrumento
de entrevista foi destruído pelo entrevistador na presença da
entrevistada. Da mesma forma, foi garantido o direito para a
entrevistada de recusa em responder as questões que entendesse,
por qualquer motivo, que não poderia ou deveria fazê-lo, sem
necessidade de prestar justificativa ou motivo para o entrevistador.
A participação da entrevistada foi voluntária, não envolvendo
qualquer forma direta ou indireta de pagamento, benefício ou
vantagem.
125
5.6 - ANÁLISE DOS DADOS E MÉTODO ESTATÍSTICO
Por se tratar de estudo de desenho metodológico qualitativo, a
maioria das informações obtidas pelo Roteiro de Entrevista Abortamento Previsto em Lei em Situações de Violência Sexual e
pelos registros dos Prontuários Hospitalares não recebeu tratamento
estatístico ou outras formas de análise comparativa. As variáveis de
estudo foram apenas submetidas à distribuição percentual.
6. Resultados
Os resultados foram divididos obedecendo-se a disposição dos seis
blocos temáticos. Em cada bloco encontram-se os resultados de
cada variável de estudo definida no capítulo método, mantendo-se
a ordem das entrevistas.
6.1 - BLOCO I - DADOS SOBRE A ENTREVISTADA
Dos 211 casos inicialmente identificados, 156 mulheres (73,9%) não
foram localizadas por mudança de telefone e/ou endereço. O
expressivo número de mulheres que mudaram seus dados de
contato pode ser explicado, em parte, pela chamada deterioração
do sentimento de segurança, condição habitualmente encontrada
em pessoas que experimentaram situações de violência sexual,
fundamentada, particularmente, no temor de serem reencontradas
pelo agressor sexual. Outra possibilidade é que parte dessas
mulheres tenha mudado de residência ou de número de telefone
por outras circunstâncias não relacionadas com a violência sexual.
A maior parte das entrevistadas utilizou seu dia de folga no trabalho
para realizar a entrevista, ou o fizeram nos sábados ou domingos.
O fato de essas mulheres preferirem serem entrevistadas no serviço
126
de saúde pode sugerir que elas não gostariam de ter a realidade de
sua problemática estendida à sua vida particular, extrapolando sua
intimidade, o que possivelmente faria com que se sentissem expostas
e mais vulneráveis. Muitas das entrevistadas manifestaram espanto
ou certa perplexidade no momento do primeiro contato telefônico,
afirmando que não imaginavam que o hospital as procurasse
novamente.
A idade das mulheres entrevistadas variou entre 18 e 44 anos, com
média de 28,9 anos. Em relação à religião, nove mulheres (45%)
se declararam católicas; cinco mulheres (25%) evangélicas e outras
quatro entrevistadas (20%) como espíritas. Duas mulheres (10%)
responderam não professar nenhuma religião. Quanto ao estado
civil, 13 mulheres (65%) eram solteiras; seis mulheres (30%)
declararam serem casadas ou em união estável, e uma mulher (5%)
declarou ser divorciada. Não ocorreram casos de viúvas. No que
tange à raça / cor, 12 mulheres (60%) se disseram brancas, cinco
mulheres (25%) declararam ser pretas e outras três entrevistadas
(15%) declararam serem pardas. Não foram entrevistadas mulheres
amarelas ou indígenas. Questionadas sobre sua ocupação, sete
entrevistadas (35%) referiram não ter ocupação. Outras 13 mulheres
(65%) disseram possuir as seguintes ocupações: auxiliar de
produção; assessora de imprensa; assistente de faturamento;
trabalhadora manual em laboratório; cabeleireira; recepcionista;
professora; funcionária pública; bilheteira de cinema; repositora de
restaurante; autônoma; e secretária. Quanto à profissão sete
entrevistadas (35%) disseram não ter profissão. Treze entrevistadas
(65%), referiram as seguintes profissões: jornalista; assistente;
administradora; inspetora de alunos; encapsuladora; vendedora;
cabeleireira; recepcionista; professora; secretária; relações públicas;
auxiliar de telemarketing; e publicitária. A renda familiar dessas
mulheres foi assim distribuída: até 1 salário mínimo – uma mulher
(5%); de 1 a 2 salários mínimos – 11 mulheres (55%); 3 a 5 salários
mínimos – três mulheres (15%); 6 a 10 salários mínimos – quatro
127
mulheres (20%); e de 11 a 20 salários mínimos – uma mulher (5%).
A escolaridade das entrevistadas mostrou 11 mulheres (55%) com
ensino médio completo; cinco mulheres (25%) com curso superior
completo; duas entrevistadas (10%) declararam possuir ensino
fundamental completo. Apenas uma mulher (5%) disse possuir
ensino médio incompleto e outra (5%), declarou ter curso superior
incompleto, cursando faculdade de Letras.
Neste bloco, chama a atenção a questão da religião declarada pelas
entrevistas. Embora não seja possível estabelecer qualquer relação
entre a religião da mulher e sua decisão de solicitar o abortamento
previsto em Lei, é interessante notar que a maioria das mulheres
declarou ter orientação religiosa, geralmente contrária ao
abortamento mesmo nessa dramática circunstância. Mesmo assim,
essa condição não foi impeditiva para que as mesmas solicitassem
a interrupção da gravidez.
6.2 - BLOCO II - DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL
Sobre o autor da violência sexual perpetrada, 16 mulheres (80%)
referiram se tratar de um indivíduo desconhecido. Os agressores
apontados como identificáveis pelas entrevistadas corresponderam
a 20% dos casos: duas mulheres (10%) referiram que o agressor foi
um ex-parceiro íntimo; uma mulher (5%) apontou como agressor o
namorado de uma amiga; e uma mulher (5%) alegou ter sofrido
violência sexual por pessoa do relacionamento de um amigo. Não
foram declarados outros tipos de agressores sexuais entre as
entrevistadas. Neste estudo, prevaleceu o apontamento de um
agressor de identidade desconhecida entre as mulheres
entrevistadas. Apesar do restrito número de mulheres, a participação
de ex-parceiro íntimo pode ser considerada relevante. Analisandose o número de agressores efetivamente envolvidos no crime
sexual, 19 entrevistadas (95%) referiram terem sido violentadas por
128
agressor único. Apenas uma entrevistada (5%) declarou ter sofrido
violência sexual, ao mesmo tempo, por dois perpetradores.
Quanto ao tipo de intimidação utilizado pelo agressor para praticar
a violência sexual, sete mulheres (35%) relataram o uso de força
física; sete entrevistadas (35%) declararam o uso de grave ameaça;
cinco entrevistadas (25%) referiram uso de força física associada
com a grave ameaça; e apenas uma delas (5%) declarou ter sido
vítima de violência presumida.
A Situação ou Atividade da mulher no momento da abordagem do
agressor revelou que em oito casos (40%) ela ocorreu durante
atividade de lazer. Outras seis mulheres (30%) se encontravam no
percurso do trabalho; duas entrevistadas (10%) estavam-se em sua
própria residência; e duas mulheres (10%) realizavam atividades
cotidianas, ambas no percurso do posto de saúde. Uma mulher (5%)
foi abordada no percurso da escola e uma outra (5%) foi vitimada
na residência do agressor. As soma das ocorrências dentro de
espaços privados (15%), encontrada neste estudo, pode ser
explicada pelo perfil do agressor, apontado como desconhecido para
a maioria dos casos. Dessa forma, entende-se o elevado número
de casos onde a abordagem do agressor se deu nos espaços
públicos (75%), principalmente durante o exercício de atividades
cotidianas.
Questionadas quanto ao atendimento imediato após a violência
sexual, 15 mulheres (75%) negaram procura por auxílio nos serviços
de saúde. Entre os motivos apresentados pelas mulheres
entrevistadas, destaca-se a falta de reconhecimento dos impactos
da violência sexual para a saúde. Essa baixa percepção de sua
condição de risco, particularmente quanto à possibilidade de gravidez
decorrente da violência sexual, pode ser interpretada tanto como
resultado do desconhecimento das mulheres, como conseqüência
129
dos transtornos emocionais provocados pela violência. A fala de
uma dessas mulheres exemplifica essa situação, quando diz:
“... porque eu achei que não ia dar em nada, que não ia acontecer
nada. Nunca pensei que fosse ficar grávida”.
Outra condição relevante que justifica a escassa procura pelos
serviços de saúde foi a dificuldade das mulheres em revelar o que
lhes ocorreu. De fato, a maioria das mulheres não revela a violência
sexual sofrida, seja por se sentirem ameaçadas, por vergonha, por
medo da reação de quem a escuta, ou pelo sentimento de
humilhação (HRW, 1992; Pimentel, 1998). Nesse sentido, uma das
entrevistadas, embora percebesse o risco para a saúde imposto
pela violência sexual, diz que não procurou pelos serviços de saúde
justificando-se ao dizer:
“... mas você, contar o que aconteceu, é muito difícil...”.
Outras justificativas foram observadas entre as mulheres para a
recusa em procurar pelos serviços de saúde, embora com menor
freqüência. Uma dessas mulheres (5%) declarou que acreditava,
na época dos fatos, que nunca engravidaria do estupro, o que pode
ser compreendido como mecanismo psicológico de negação frente
à violência sexual. Essa negação também foi identificada na
expressão de uma das mulheres, quando assim diz:
“Porque eu queria esquecer... Não queria mais falar daquilo, pra
ninguém...”.
Uma das pacientes não acessou nenhum serviço de saúde por receio
da reação do marido se fosse revelado o estupro, acreditando que
o mesmo não fosse entendê-la ou apoiá-la. O temor de represália
do agressor foi marcado pela fala de uma entrevistada, onde a
mesma destaca:
130
“... fiquei com medo de falar, mesmo que fosse para o médico.
Porque tinha sofrido ameaça”.
Essas situações encontradas entre as entrevistadas sugerem que
ainda persistem importantes barreiras emocionais e sociais que
dificultam o acesso aos serviços de saúde. Com isso, muitas
mulheres em situação de violência sexual não têm oportunidade de
receber medidas de profilaxia necessárias para as doenças
sexualmente transmissíveis, HIV, hepatite B e, especialmente, a
prevenção da gravidez. Por outro lado, foram identificadas cinco
mulheres (25%) que buscaram atendimento imediato dentro das
primeiras 72 horas. Dessas mulheres, quatro acessaram um serviço
público de saúde e uma procurou por serviço privado de saúde. No
entanto, três mulheres (60%) declararam não terem recebido
anticoncepção de emergência. As outras duas mulheres (40%)
embora tenham recebido profilaxia da gravidez apresentaram falha
do método empregado.
6.3 - BLOCO III - DADOS SOBRE A GRAVIDEZ
Sobre a questão de identificação da gravidez, oito mulheres (40%)
declararam que o conhecimento da condição de gravidez decorrente
de violência sexual se deu através de um serviço de saúde. Para
quatro entrevistadas (20%) a descoberta se deu por meio de teste
adquirido em farmácia. Três mulheres (15%) referiram realização
de teste em laboratório privado. Duas entrevistadas (10%)
reconheceram a situação pelo atraso menstrual e uma delas (5%)
pela percepção de alterações corporais semelhantes às de gestação
prévia. Uma das entrevistadas (5%) constatou a gravidez durante
exame de rotina. Apenas uma mulher (5%) relatou ciência da
gravidez por meio de exame de ultra-sonografia.
Indagadas acerca de seus sentimentos ao saber da gravidez
decorrente da violência sexual, a entrevistadora apresentou
131
diferentes alternativas para que as mulheres afirmassem se
experimentaram ou não diferentes sentimentos. Como resultado,
18 mulheres (90%) disseram terem se sentido amedrontadas e sem
alternativas. O sentimento de risco esteve presente para 17 mulheres
(85%). A sensação de se encontrar desprotegida foi relatada por 16
entrevistadas (80%). Sentimento de humilhação foi apontado por
16 entrevistadas (80%). Outras 14 mulheres (70%) experimentaram
a sensação de desmoralização. Em 12 casos (60%) foi referido o
adoecimento e em outros oito casos (40%) o sentimento de castigo.
As entrevistadas, quando estimuladas a relatar outros sentimentos
não perguntados, acrescentaram o medo, impotência, raiva,
depressão, ódio, culpa e ideação suicida. Uma mulher referiu ter
sentido a gravidez como uma segunda violência:
“Não terminou... depois de tudo que me aconteceu, foi acontecer
isso...”.
Outra entrevistada se expressou de forma crítica, refletindo sobre a
questão da maternidade e impossibilidade de escolha que lhe foi
imposta, sem, no entanto, deixar de manifestar o peso da situação
vivenciada, do seguinte modo:
“Eu acho que senti tudo de pior na minha vida.
De ter uma coisa que não foi da minha escolha. Acho que o
sentimento maior foi esse.
A gravidez você escolhe, o momento de ser mãe, e não dessa
maneira”.
Ao serem questionadas sobre a primeira atitude frente ao
diagnóstico de gestação, muitas mulheres referiram terem tido crise
de choro, episódios depressivos, reclusão, e abandono das
atividades cotidianas. Para uma entrevistada esses efeitos se
mostraram acentuados, refletindo na dificuldade de manter os
132
cuidados habituais com sua filha de cinco anos de idade. Mesmo
frente a essas dificuldades, dez mulheres (50%) procuraram pela
polícia ao tomarem conhecimento da gravidez, enquanto oito
mulheres (40%) procuraram por um serviço de saúde. Uma mulher
(5%) se refugiou na Igreja em busca de uma solução:
“Eu fui na Igreja.
Eu não podia ter aquele filho daquele jeito.
Porque era parte de mim, mas era fruto de uma violência”.
Para outra entrevistada, os efeitos da depressão decorrente do
conhecimento da violência, associados ao sentimento de falta de
perspectivas, alcançaram níveis paralisantes:
“Me tranquei em casa, não falava com mais ninguém. Acho que
fiquei quase dois meses na cama...”.
Os dados sobre o relato do ocorrido para outras pessoas
corroboraram com a dificuldade das mulheres em falar sobre a
violência sexual e sobre a gravidez dela resultante, na medida que
quatro entrevistadas (20%), não relataram o que lhes ocorreu para
outras pessoas:
“Eu não conseguia falar com ninguém.
Continuei me sentindo um nada, foi aí que eu quis mesmo sumir.
Eu só queria sumir”.
Outras 16 entrevistadas (80%), compartilharam sua situação com
alguma pessoa. Dessas mulheres, nove disseram ter revelado para
a mãe; sete para o pai; seis para amigos ou amigas; e cinco para
irmã. Namorado, tio ou colega de trabalho foram pessoas escolhidas
pela mulher para compartilhar o ocorrido em um caso cada. Entre
as entrevistadas que revelaram sua história, o sentimento de
acolhimento surgiu em 11 casos (55%), enquanto a sensação de
133
proteção apareceu para metade das mulheres. Esses dados
permitem estabelecer a hipótese de impacto positivo para parte das
mulheres que consegue compartilhar sua vivência com pessoas de
sua confiança. Algumas das entrevistadas falaram do alívio que
sentiram, como se segue:
“Eu me senti mais aliviada, muito melhor. Como se tivesse tirado
um peso”.
Chamou a atenção uma entrevistada que referiu, com veemência, o
apoio recebido pelo marido durante toda a entrevista. Receosa de
contar o que lhe aconteceu, em um primeiro momento, declarou a
importância da posição solidária do esposo e o quanto isso lhe trouxe
segurança:
“Eu me senti aliviada, apoiada, mas me senti mal por não ter
contado antes.
Me senti bem por poder perceber o marido que eu tinha”.
Entretanto, outras entrevistadas relataram aspectos negativos ao
compartilhar sua situação, mesmo entre aquelas que se declararam
acolhidas e protegidas. Sete mulheres (35%) se sentiram
culpabilizadas e desmoralizadas; seis casos (30%) relataram
sentimento de castigo ou crítica; e quatro mulheres (20%) se sentiram
abandonadas. Algumas mulheres enfatizaram o quanto se sentiram
desacreditadas ou vítimas de preconceito, como se expressa nas
falas:
“Envergonhada... eu me senti um lixo perto das pessoas. Tem
coisas que não têm palavras que confortem a gente”.
Na questão que aborda o oferecimento de informação sobre a
possibilidade de recorrer ao abortamento previsto em Lei, em
nove casos (45%) a entrevistada soube do direito ao abortamento
134
por meio de esclarecimentos prestados pela Delegacia de Polícia.
Esse dado merece destaque, na medida que das dez mulheres que
procuraram pela Policia como primeira atitude, após conhecer a
gravidez, nove delas (90%) receberam a informação sobre a
possibilidade de acesso ao abortamento previsto pela Lei. Cinco
mulheres (25%) receberam essa informação nos serviços de saúde,
proporção menor que a observada para as Delegacias de Polícia,
com cinco casos (62,5%) entre oito mulheres atendidas. Em quatro
casos (20%) a informação foi conseguida através de amigos ou
parentes e em 3 casos (15%) as entrevistadas foram orientadas
pelo Instituto Médico Legal. Cabe considerar que a fonte de
informação sobre a possibilidade de realizar o abortamento previsto
em Lei nem sempre correspondeu a quem realizou efetivamente o
encaminhamento para o hospital. Nesse caso, as Delegacias de
Polícia foram os principais órgãos de encaminhamento, com 14
casos (70%). Os serviços públicos de saúde foram responsáveis
por três encaminhamentos (20%) e um caso (5%) foi referenciado
por serviço privado de saúde. Duas entrevistadas (10%) procuraram
o hospital espontaneamente. A participação expressiva das
Delegacias de Polícia no encaminhamento aponta para a importância
decisiva do trabalho articulado e em rede na assistência integral
dessas mulheres, muitas vezes com escassa ou nenhuma
orientação sobre o direito ao abortamento previsto em lei e,
principalmente, aonde e como consegui-lo.
Da mesma forma, solicitou-se das entrevistadas se receberam
suficiente e clara informação sobre as diferentes alternativas frente
a gravidez decorrente da violência sexual, incluindo-se a
possibilidade e o direito de manter a gestação até o término e, nesse
caso, proceder com a doação da criança para processo regular de
adoção, ou incluí-la no núcleo familiar. Nesse aspecto, 19
entrevistadas (95%) declararam que receberam essa informação
antes de realizar a interrupção da gravidez. Apenas uma mulher
(5%) disse não se lembrar se recebeu ou não esse esclarecimento,
135
embora se encontre anexado ao seu prontuário hospitalar termo de
solicitação e autorização da interrupção da gravidez, assinado pela
entrevistada, onde consta essa informação. Não foram registrados
casos em que alguma entrevistada negue ter recebido essa
informação.
Terminando este bloco temático, as entrevistadas foram convidadas
a dizer se consideraram que encontraram ou não dificuldade de
acesso à informação e orientação sobre o direito de escolha pelo
abortamento previsto em Lei. A maioria delas, 19 mulheres (95%),
disse que não enfrentou dificuldades para receber informação. Esse
resultado pode ser considerado bastante positivo e, certamente,
decorre de um conjunto de fatores favoráveis. Entre eles, cabe
destacar que São Paulo concentra o maior número de serviços
especializados que oferecem o abortamento previsto em Lei, parte
deles em funcionamento há mais de uma década. Além disso, a
participação expressiva das Delegacias de Polícia e dos serviços
de saúde reflete os esforços de capacitação dos profissionais
envolvidos e o aprimoramento das ações em rede.
Contudo, é preciso admitir que a situação encontrada para as
mulheres incluídas neste estudo reflete, possivelmente, apenas uma
restrita realidade local. A maioria das mulheres ainda encontra
grandes dificuldades ou impedimentos para receber orientação sobre
seus direitos nessas circunstâncias. Essa situação é expressa por
uma das entrevistadas, quando declara:
“Ninguém dizia nada, nem sabia o que eu tinha que fazer. Porque,
se eu soubesse, tinha vindo direto para cá (hospital), no dia que
aconteceu”.
136
6.4 - BLOCO IV - DADOS SOBRE O ABORTAMENTO
O processo de decisão pelo abortamento foi realizado de maneira
isolada por nove entrevistadas (45%) que preferiram não
compartilhar sua decisão com outra pessoa. As demais 11
entrevistadas (65%) procuraram por pessoas de sua confiança em
busca de aconselhamento. Considerando que as entrevistadas
poderiam buscar apoio de uma ou mais pessoas, os pais foram os
mais freqüentemente procurados, em seis casos. Seguiu-se a
escolha da irmã, em três casos. Amiga ou orientador religioso
corresponderam a dois casos cada. Somente uma entrevistada
procurou por apoio de profissional da saúde, médico de sua família.
A seguir, as mulheres foram perguntadas sobre o motivo da decisão
pelo abortamento. A questão foi realizada de forma aberta,
permitindo que cada mulher se manifestasse livremente. Parte das
falas das mulheres apresentou em comum o sentimento de intenso
repúdio pela gestação forçada, predominando, para elas, a questão
da impossibilidade de escolha a da violação de seu direito de decidir
livremente sobre a maternidade. Segundo essas mulheres, a decisão
por elas tomada foi a melhor opção que tinham naquela ocasião.
Isso foi percebido, principalmente, nas seguintes falas:
“Porque eu não ia estar carregando uma coisa que eu não quis.
Foi um ato de violência. Por quê eu ia estar gerando esse ser?”.
“Fiz o aborto por ser fruto de uma violência. Meu marido falou que
não ia não conseguir aceitar. E porque é muito triste a violência
que eu senti”.
A maior parte dessas entrevistadas também procurou enfatizar que
realizou o abortamento pelo fato da gravidez ser decorrente da
violência sexual e que, acreditam, que não realizariam o abortamento
caso a gestação tivesse acontecido de outro modo:
137
“Pela forma como ocorreu. Porque se fosse de um namoradinho,
eu não ia optar pelo aborto. Dava pra cuidar. Mas como foi uma
coisa que eu não planejei... que eu não escolhi”.
Percebe-se, também, que esse repúdio pela gestação decorrente
da violência e sua distinção de outras situações de gravidez foi
fundamentado, em várias entrevistas, pela forte vinculação
estabelecida por algumas mulheres com a questão da violência
sexual. Para essas entrevistadas, torna-se impossível separar
emocionalmente a questão da violência sexual e da gravidez, como
eventos isolados. Assim, a gravidez termina como continuidade ou
parte interminável da violência sofrida:
“Porque estava crescendo uma coisa ruim dentro de mim, que
não foi planejada”.
“Porque eu não ia conseguir ver aquela criança como uma coisa
boa. Sempre ia lembrar do que aconteceu...”.
“Porque eu não podia carregar um filho de uma violência”.
Por outro lado, várias mulheres manifestaram que, para a tomada
de decisão, consideraram as dificuldades que enfrentariam para a
aceitação da gravidez, tanto no âmbito familiar como no social. Outras
expressaram sua preocupação com o futuro da criança,
questionando os efeitos das circunstâncias com que foi gerada para
os seus relacionamentos pessoais ou sociais. Para essas mulheres,
a decisão pelo abortamento parece ter sofrido mais influência de
certa racionalidade de pensamento sobre a situação que vivenciavam
e suas conseqüências, do que a influência do vínculo entre violência
sexual e gravidez:
138
“Você tem que pensar no futuro. Só no momento não dá para
pensar. Como é que vai ser meu relacionamento com essa
criança? Da forma como foi, como as coisas aconteceram, não
dava...”.
“Eu ia ter um filho de um desconhecido. Um dia, ele ia perguntar
para mim quem era o seu pai... Se eu tivesse tido esse filho, eu ia
perpetuar aquela lembrança para sempre”.
“Porque eu achei que ninguém ia aceitar”.
Em alguns casos, a decisão pelo abortamento se fundamentou no
reconhecimento da própria mulher da ausência de sentimentos
relacionados com o processo da maternidade. A falta de sentimentos
positivos que estabeleçam vínculos foi citada como elemento
importante para subtrair as perspectivas de manter a gestação até o
seu término. Nesse caso, a importância do amor foi colocada pelas
mulheres em várias oportunidades:
“Eu não amava aquela criança. Porque, para mim, ela era um
peso nas minhas costas”.
“Porque eu acho que uma criança tem que vir ao mundo com
amor”.
“Porque eu achei que não ia ter condições de ter um filho que não
foi feito com amor”.
Interessante notar que, para algumas dessas mulheres, observouse certa falta de vínculo entre a violência sexual e a gravidez. Nesses
casos, a questão da falta do sentimento de amor não apareceu de
forma isolada, como preocupação da mulher quanto a si mesma. Ao
contrário, o questionamento da mulher se manifesta em relação ao
139
feto ou à futura criança, expressando sua consideração e respeito
pelo seu futuro:
“Eu fiquei com medo de levar essa gravidez pra frente. Eu fiquei
com muito medo de rejeitar a criança. Será que ia amar como eu
amo minha família?”.
Um caso específico chamou a atenção pela particularidade de suas
circunstâncias. Grávida de um ex-parceiro íntimo com quem conviveu
por alguns anos, a entrevistada o descreveu como alguém
extremamente violento, com diversas passagens pela Polícia e pelo
sistema penitenciário. Em seu último período de liberdade concedida
por indulto, ele invadiu sua casa e a estuprou mediante grande
violência física, após mais de dois anos de separação. Receosa de
suas reações se soubesse da gestação, temendo por sua vida, e
preocupada em proteger sua filha de quatro anos, ela declarou:
“O aborto foi a minha única saída. Pelo pai ser violento e por eu
não ter condições financeiras, nem psicológicas, e nem de saúde.
Tirando um para salvar a outra”.
Outra experiência impactante foi a relatada por uma das
entrevistadas sobre as dificuldades encontradas na decisão pelo
abortamento. Essa entrevistada revelou que, antes da condição de
gravidez decorrente do estupro, se considerava decididamente
contrária ao abortamento em qualquer circunstância, mesmo nos
casos de gravidez decorrente de violência sexual. Essa posição,
segundo ela, se pautava principalmente em seus preceitos religiosos.
Ao vivenciar a condição de gravidez decorrente da violência sexual,
praticada por um desconhecido quando retornava do trabalho,
deparou-se com o desejo de interromper a gestação. Ao procurar
por orientação de sua liderança religiosa para discutir sua situação,
conta que se deparou com a forte condenação de sua escolha.
Contrariando a posição de sua religião e suas antigas convicções,
140
decidiu pelo abortamento de forma solitária e sem receber qualquer
apoio, justificando sua decisão:
“Como eu ia ter um filho de uma pessoa que eu nem conhecia ?
Ia ficar nove meses com aquela coisa?
Não era fruto de Deus e não ia fazer bem para mim”.
O tempo decorrido do abortamento até a entrevista variou de um
a quatro anos, com média de 20,1 meses. Em 13 casos (65%) o
abortamento foi realizado entre 12 e 23 meses; em cinco casos
(25%) entre 24 e 35 meses; e em dois casos (10%) entre 36 e 48
meses. A idade das entrevistadas ao realizar o abortamento variou
entre 16 e 43 anos, com média de 26,5 anos. Embora a violência
sexual possa ocorrer em qualquer idade da mulher, a maioria dos
registros existentes aponta para a predominância desses crimes
contra adolescentes e mulheres adultas jovens (Peipert &
Domagalski). Segundo Rickert & Wiemann (1998), a adolescente
apresenta risco quatro vezes maior de sofrer violência sexual que
os demais grupos etários. Quanto ao perfil de idade das
entrevistadas, os dados encontrados alinham-se a maioria das
investigações.
O indicador da idade gestacional no momento do abortamento,
extraído dos registros dos prontuários hospitalares das entrevistadas,
em semanas completas, variou entre cinco e 20 semanas, com média
de 11,6 semanas. Esses números apontam para a realização do
abortamento com até 12 semanas de idade gestacional em nove
casos (45%) contra onze casos (55%) entre 13 e 20 semanas. Nesse
sentido, a idade gestacional foi fator decisivo para a escolha do
método de interrupção da gravidez. Em conseqüência, os nove
casos (45%) com idade gestacional de até 12 semanas foram
submetidos à técnica de Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU).
Em oito casos (40%) foi realizado o abortamento medicamentoso
com misoprostol. A microcesareana foi técnica empregada para três
141
entrevistadas (15%), todas com idade gestacional entre 16 e 20
semanas e em situação refratária ao abortamento medicamentoso.
Não foram registradas em prontuário hospitalar ou nos relatos das
20 entrevistadas, complicações de qualquer natureza decorrentes
do abortamento, independente da técnica utilizada para o
procedimento.
Neste ponto, os dados encontrados merecem atenção. Embora a
maior parte das mulheres afirme não ter enfrentado dificuldades para
obter informação sobre o direito de escolha pelo abortamento
previsto em Lei, mais da metade delas ingressou no segundo
trimestre de gestação, exigindo técnicas de interrupção da gravidez
mais complexas e ainda menos disponíveis, mesmo nos serviços
que realizam esse tipo de atendimento. Essa constatação sugere
que, além da questão do acesso à informação, outros fatores
funcionam como impeditivos para a chegada precoce dessas
mulheres aos serviços de saúde. Os dados das entrevistas permitem
aventar que o impacto emocional da violência sexual e o processo
de decisão pelo abortamento possam constituir fatores importantes
para estabelecer o tempo necessário desde a percepção da gravidez
até a busca por assistência no setor saúde.
Os resultados encontrados quanto ao acompanhamento médico
e psicológico após o abortamento mostraram que 13 entrevistadas
(65%) mantiveram seguimento nessas áreas durante o período de
tempo recomendado pelos profissionais de saúde. Os motivos
alegados por sete mulheres (35%) para não completar o
acompanhamento médico incluíram o desejo de continuidade da
assistência no setor privado, dificuldades econômicas, mudança
temporária de cidade, pressão para não se ausentar do trabalho, e
dificuldade de recorrer sozinha ao hospital. A negativa de continuar
o atendimento psicológico foi justificada pelos mesmos motivos, mas
acrescida do temor do profissional de saúde fazê-las rememorar a
violência sexual, e a condição de paralisia emocional provocada
pela depressão.
Essas
dificuldades apresentadas para realizar o acompanhamento
142
aparentemente não se relacionaram com o nível de satisfação das
Quadro I – Avaliação das mulheres entrevistadas sobre o atendimento
recebido em diferentes setores do Centro de Referência da Saúde da Mulher
EXCELENTE
SETOR
GINECOLOGIA
SERVIÇO SOCIAL
PSICOLOGIA
ENFERMAGEM
SERVIÇO SOCIAL
SEGURANÇA
AMBULATÓRIO
ENFERMARIA
LABORATÓRIO
ULTRA-SOM
C. CIRÚRGICO
S. ANESTESIA
BOM
N
%
N %
15
14
13
14
10
7
11
12
10
12
13
9
75
70
65
70
50
35
55
60
50
60
65
45
5
5
5
4
6
9
7
7
7
4
6
8
25
25
25
20
30
45
35
35
35
20
30
40
REGULAR
RUIM
N
%
N
1
1
1
1
-
5
5
5
5
-
1
1
1
-
%
5
5
5
-
MUITO
RUIM
SEM
OPNIÃO
N %
N
1
1
3
-
3
4
1
1
2
1
3
5
5
15
-
%
15
20
5
5
10
5
15
6.5 - BLOCO V – COMPORTAMENTOS E OPINIÕES DAS
ENTREVISTADAS
Os sentimentos após o abortamento manifestados pelas
entrevistadas foram resultado de pergunta aberta, permitindo que
as mulheres se manifestassem livremente. Em comum, a maioria
das entrevistadas declarou ter experimentado uma considerável
sensação de alívio imediatamente após a realização do
procedimento. Muitas dessas mulheres associaram a questão da
gravidez decorrente da violência sexual como um “peso” em suas
vidas. Essa observação é presente em diversas falas, a exemplo
das que se seguem:
“Aliviada, resolvido o problema, solucionado...
como todas as mulheres que estavam no quarto diziam”.
“Eu me senti bem, como se tivesse tirado aquele peso dos meus
ombros”.
143
“Eu me senti livre. Livre de um mal que ia me assombrar pelo
resto da vida.
Que ainda me assombra, mas ia ser pior ainda”.
“É uma coisa meio estranha. Eu me senti aliviada, meio sem
explicação”.
Contrapondo-se ao sentimento de alívio, três mulheres (15%)
manifestaram relativo sentimento de culpa após o abortamento,
geralmente associado ao quadro depressivo. Algumas mulheres
foram explícitas em suas falas, a exemplo:
“Eu me senti péssima, em depressão. Por mais que você saiba,
você tem um sentimento materno, de culpa. Mesmo fazendo a
coisa certa. Pelo lado espírita eu pensava: será que eu estou
interrompendo a vida de alguém? Teve um certo alívio depois,
mas no começo foi muito difícil”.
“Senti culpa por ter tido essa opção que eu tomei. Acho que isso
não vai acabar nunca na minha vida”.
“Eu tive depressão depois. Depressão muito profunda. Eu fiquei
dois meses sem saber quem eu era”.
A sensação de culpa não se traduziu em arrependimento em
nenhum dos casos incluídos no estudo. No entanto, sua presença
reforça os achados encontrados em algumas mulheres que, de certa
forma, desvinculam a gravidez da violência sexual. Com uma
percepção mais objetiva da gravidez e menos obscurecida por outros
sentimentos, essas mulheres são aquelas que aparentemente
apresentam os mais intensos dilemas pessoais e éticos para decidir
pelo abortamento. Além disso, essas questões parecem
simplesmente não terminar com o abortamento, tanto pela ausência
de sentimento de alívio como pelos efeitos depressivos que
144
acarretaram. Dessa forma, é necessário admitir a importância das
medidas contínuas de apoio e de acolhimento para essas mulheres,
tanto na esfera profissional como na familiar e social. A fala de uma
das entrevistadas expressa essa situação quando assim diz:
“Eu só pensava no que estava acontecendo comigo. Me senti
muito sozinha...
nunca pensei que fosse passar por uma coisa dessas”.
Importante notar, entretanto, que em nenhum caso foi diagnosticado
a chamada “Síndrome Pós-Aborto”, mesmo entre aqueles que
manifestaram quadros mais severos de depressão. Apenas três
mulheres (15%) associaram livremente o abortamento realizado com
o que chamaram de “interrupção da vida”. Algumas expressaram
suas convicções e seu entendimento nesse aspecto, chegando a
tratar de forma diferenciada o produto da gravidez:
“Me senti aliviada, porém com dó, eu acho, do feto que tinha
morrido.
Se bem que não era um feto, era um embrião”.
“Eu me senti muito mal porque eu estava tirando uma vida. Mas
eu ia ficar lembrando...”.
“Na hora que saiu o feto, eu senti que estava tirando uma vida. Ao
mesmo tempo que eu não queria. Mas a única coisa que eu podia
fazer era isso”.
Parece fundamental compreender o significado dessas falas. A
percepção do ato que escolhem e que praticam, bem como o
sentimento de consideração pelo feto manifestado pelas mulheres
em diversos momentos, revela que o abortamento não é uma decisão
fácil de ser tomada, mesmo nessas circunstâncias. Expressa,
sobretudo, que o abortamento não tem qualquer significado de
satisfação para essas mulheres, ou que para elas seja um ato
permeado de indiferença ou descaso com o produto da concepção.
145
As mulheres que optam pelo abortamento não o fazem por egoísmo,
mas pelas dramáticas circunstâncias que vivenciam. Enfrentar
solitariamente todo esse processo ainda é uma questão para parte
das mulheres, que não encontra condições favoráveis para relatar
o abortamento realizado. É razoável admitir que, para elas, exista
maior peso da intolerância e da reprovação de parte da sociedade
nas questões relacionadas ao abortamento. De fato, essa situação
foi encontrada em três casos (15%), onde a realização do
abortamento não foi, até hoje, compartilhada com outras pessoas.
A maioria das mulheres, no entanto, entende como importante o ato
de compartilhar sua experiência com pessoas de sua confiança, o
que ocorreu em 17 casos (85%). Em metade dos casos um membro
da família foi o escolhido. Em menor número de casos as mulheres
revelaram os fatos para o parceiro íntimo, para um amigo ou amiga,
colega de trabalho, médico da família, ou superior hierárquico no
trabalho. Nenhuma entrevistada revelou acerca do abortamento para
membros de sua religião, supostamente pelo temor de provável
reprovação. Sob a perspectiva psicológica compartilhar sofrimentos,
angústias, temores e dúvidas têm, para a maioria dessas mulheres,
importante efeito no sentido de diminuir os danos psíquicos
decorrentes desse processo.
Um dos aspectos mais importantes deste estudo foi tentar conhecer
a opinião da entrevistada sobre suas relações pessoais após o
abortamento, tentando estabecer se as mesmas se modificaram
após o procedimento e de que forma isso ocorreu. O quadro II
resume a posição apresentada pelas entrevistadas:
146
Quadro II – Opinião da entrevistada sobre seus relacionamentos pessoais
após o abortamento.
NÃO
ALTEROU
MELHOROU
PIOROU
NÃO
SABE
SETOR
N
%
N
%
N
%
N %
FAMÍLIA
PARCEIRO
TRABALHO
SEXUALIDADE
AMIZADES
ESCOLA
RELIGIÃO
12
4
8
6
14
2
9
60
20
40
30
70
10
45
6
4
1
1
1
5
30
20
5
5
5
25
2
2
4
12
5
6
4
10
10
20
60
25
30
30
-
-
NÃO SE
APLICA
N
10
7
1
12
2
%
50
35
5
60
10
NÃO RESPONDEU
N %
-
-
As duas mulheres (10%) que referiram piora em seu relacionamento
com a família atribuíram o fato ao relacionamento materno. Uma
delas, pela recusa da mãe em tocar no assunto e compartilhar o
ocorrido, percebido pela entrevistada como afastamento ou
distanciamento de suas relações. A outra, pelo fato da mãe, em
diferentes momentos, verbalizar que acredita que a entrevistada
“provocou” o estupro, gerando forte sentimento de mágoa e
ressentimento. A piora nas relações de trabalho, declarada por quatro
entrevistadas (20%), se deu por queda do rendimento profissional.
Para uma delas, o problema foi asseverado pela característica de
seu trabalho, o qual envolve cuidados com crianças. Situação
semelhante ocorreu para as entrevistadas em relação ao
desempenho escolar, onde 30% das mulheres referiram dificuldades
de concentração e memorização. No entanto, o maior impacto foi
observado na esfera da sexualidade. Nesse campo, 12 entrevistadas
(60%) observaram piora, principalmente quanto ao desejo sexual.
Um caso específico chamou a atenção, onde a entrevistada, de
orientação homossexual, declarou que desde a violência sexual, há
quase dois anos, nunca mais permitiu que fosse tocada por sua
parceira. Manifestando certa vergonha e dificuldade em abordar o
tema e, possivelmente, a própria sexualidade, ela conta:
147
“Eu me fechei, me isolei.
Nunca mais consegui deixar minha parceira tocar meu corpo...”.
Considerando-se as diferentes alternativas de avaliação incluídas
nesta pergunta, dois fatos se tornam evidentes. O primeiro, é que a
dramática situação da violência sexual e do abortamento previsto
em Lei não atinge somente a mulher, mas envolve seus
relacionamentos e, de forma mais intensa, as relações com a família.
Nesse aspecto, os dados sugerem que a gravidade da situação
termina como catalizador em diversas relações, unindo seus
membros em um ambiente de proteção. A solidariedade e o
acolhimento, nesses casos, terminam, muitas vezes, melhorando o
relacionamento familiar. A segunda constatação, que se alinha com
diversas evidências científicas, é o impacto avassalador da violência
sexual sobre a sexualidade das mulheres. Neste estudo, a
observação de piora da sexualidade surgiu de maneira
expressivamente maior do que o encontrado em outras esferas de
relacionamento.
No entanto, a maioria das entrevistadas declarou que não acredita
que ocorreram modificações significativas em seus relacionamentos
após o abortamento. Para parte pequena das entrevistadas a
vivência motivou a melhora em alguns setores, principalmente nas
relações familiares, com o parceiro ou com sua religiosidade.
Independente do tipo de efeito observado para as áreas de
relacionamento, não foi possível estabelecer se as modificações
encontradas foram conseqüentes à violência sexual ou ao
abortamento. Exceção pode ser feita para dois casos (10%), onde
as entrevistadas relataram mudança de religião especificamente pela
questão do abortamento.
Entre os pensamentos recorrentes após a realização do
abortamento, 15 mulheres (75%) declararam sua ocorrência
relacionada com a experiência da violência sexual e sete mulheres
148
(35%) de reencontrar o agressor. Outras 13 entrevistadas (65%)
apresentaram pensamentos recorrentes sobre o abortamento.
Quanto ao suicídio, quatro mulheres (20%) relataram pensamentos
recorrentes ou ideações, embora nenhuma delas tenha efetivamente
tentado sua prática.
Questionadas acerca de uma ou mais mudanças de
comportamento, seis entrevistadas (30%) disseram que não
apresentaram quaisquer mudanças. Seis mulheres relataram
mudança nos hábitos alimentares, principalmente diminuição ou
aumento do apetite. Outras sete entrevistadas relataram alterações
no sono, destacando-se pesadelos, insônia, menor número de horas
de sono, ou sono mais agitado. Oito mulheres declararam outras
alterações, como queda de cabelo, alterações vaginais, nervosismo,
labilidade emocional, revolta, frieza e indiferença social.
Uma questão crítica foi colocada para as mulheres envolvendo a
hipótese de arrependimento ou não pelo abortamento realizado.
Todas as 20 entrevistadas declararam que não se sentem
arrependidas pela interrupção da gravidez. A ausência de
arrependimento, de certa forma, sugere que o abortamento previsto
em Lei foi a solução mais adequada encontrada por essa mulheres
entre as alternativas que possuíam na ocasião. Ao mesmo tempo,
foram perguntadas se repetiriam o abortamento se pudessem
retornar ao momento de sua decisão. Embora afirmassem não
estarem arrependidas, três mulheres (15%) declararam que não
repetiriam o abortamento. Uma dessas entrevistadas (5%) justificou
sua posição pelo sofrimento causado pelo longo período de
internação, nove dias, necessário para o abortamento
medicamentoso:
“Não repetiria. Pelo fato do sofrimento que eu passei no hospital.
Meu corpo estava pedindo ‘arrego’. Mas não que eu esteja
arrependida”.
149
Duas mulheres (10%) disseram que não repetiriam o abortamento
pensando na perda do feto, embora se declarem não arrependidas
do abortamento realizado. Para uma delas prevalece, ainda, a
percepção de castigo e a posição contraditória frente sua própria
decisão:
“Embora não seja crime, entendo que ninguém tem direito de tirar
uma vida. Entendo as coisas que estou passando como castigo
de Deus”.
Estimuladas a colocar livremente os pontos favoráveis do
atendimento, muitas pacientes teceram elogios aos profissionais
de saúde que as atenderam. De modo geral, todas se sentiram bem
atendidas e apoiadas pelos profissionais envolvidos em seu
atendimento. A questão do acolhimento, aspecto de grande
preocupação na dinâmica do atendimento, surgiu de maneira
espontânea em alguns relatos:
“O ponto positivo é a primeira vez que você chega e é atendida
pela assistente social. Nesse primeiro contato você se sente
acolhida pelo hospital”.
“Foi muito bom. Eu fiquei muito feliz porque as pessoas confiaram
em mim e me apoiaram”.
“O acolher, o entender, eu acho que a compreensão”.
Uma das entrevistadas destacou o quanto foi importante ter
encontrado um ambiente apropriado para tomar sua decisão final
sobre o abortamento. Destacou, ainda, a liberdade que sentiu para
fazê-lo, sem enfrentar julgamentos ou atitudes que a impelissem
fazer algo que não desejasse ou que não se sentisse realmente
preparada:
150
“Foi o atendimento, como eu fui acolhida. As pessoas me
passaram tranqüilidade para eu escolher o que eu queria. Eu me
senti amparada aqui. As pessoas me compreendiam, não me
julgavam”.
Poucas entrevistadas disseram ter observado ou enfrentado o que
consideraram pontos desfavoráveis do atendimento. Surgiram
críticas em relação ao Serviço de Enfermagem por ocasião da
Internação. A exemplo, uma entrevistada soropositiva para o HIV
declarou que se sentiu severamente discriminada por uma auxiliar
de enfermagem, a qual comentava com outras profissionais de sua
área sobre sua condição sorológica. Outra mulher se disse perplexa
com a atitude de uma auxiliar de enfermagem:
“Desde o início, na internação, eu não me sentia muito bem. E
quando o feto saiu, a enfermeira falou: ‘- Agora fica aí chorando,
depois que matou’ “.
Algumas das entrevistadas consideraram o processo de avaliação
e aprovação do abortamento previsto em Lei demorado e burocrático.
Referiram-se às avaliações do serviço social, da ginecologia e da
psicologia, aos exames laboratoriais, e aos retornos para receber
resposta sobre seu pedido e para a assinatura dos documentos.
Embora indispensáveis pelo ordenamento jurídico, pelas normas
do Ministério da Saúde e pela necessidade de cuidadosa avaliação
de cada caso, o tempo necessário para esses procedimentos, quase
sempre menor que uma semana, lhes pareceu como interminável:
“A demora. Muitas vezes voltava e era só para pegar um papel”.
Essa situação, de certa forma, reflete o escasso conhecimento das
mulheres e da população em geral sobre os procedimentos
necessários para realizar o abortamento previsto em Lei. O
151
atendimento nas diferentes áreas do setor saúde, como a
ginecologia, psicologia e serviço social, são medidas indispensáveis
para conhecer o contexto de cada caso e propor a melhor forma de
atenção. Ao mesmo tempo, o cumprimento das exigências
estabelecidas pela Lei é fundamental para garantir a licitude do
abortamento. Em todos os casos não houve exigência de
procedimentos desnecessários, a exemplo da obtenção de alvará
judicial, que postergassem o abortamento. Mesmo assim, muitas
mulheres entendem esse tempo como demasiadamente longo. Em
parte, isso se explica pela angústia em manter a gestação por mais
tempo, algo intolerável para muitas mulheres. Some-se a isso o fato
de que muitas mulheres chegam à instituição com a fantasia de que
o abortamento será realizado de maneira imediata, como na
internação para uma cirurgia de urgência ou procedimento
equivalente.
Outras mulheres apontaram como ponto desfavorável do
atendimento sua grande ansiedade pelo fato de não saberem se o
abortamento seria aprovado, ou quando o mesmo ocorreria de fato.
Nesse aspecto, as entrevistadas com mais de 13 semanas de idade
gestacional foram as que mais sentiram negativamente a falta de
definição sobre o tempo de espera pela conclusão do abortamento
medicamentoso. Uma vez iniciada a administração do misoprostol,
é impossível estabelecer quanto tempo durará a indução do
abortamento.
Uma paciente fez severa crítica ao serviço de ultra-sonografia. Além
do tempo de espera pelo exame, considerado elevado, a entrevistada
disse que colocaram o batimento cardíaco do feto para que ela
escutasse, sem perguntar para ela se assim o desejava, causando
constrangimento e sofrimento emocional:
“Acho que as mulheres que passam por isso não deveriam ser
obrigadas a escutar o coração do feto”.
152
Outra entrevistada considerou grave falha ocorrida no momento de
sua alta médica hospitalar, pois o resumo de internação, onde consta
o motivo da estada no hospital, foi entregue para a pessoa que veio
buscá-la, a qual não sabia do episódio de violência sexual, tampouco
do abortamento legal realizado.
6.6 - BLOCO VI – PERSPECTIVAS SOBRE O ABORTAMENTO
MEDICAMENTOSO
Este bloco temático foi aplicado exclusivamente para oito mulheres
(40%) que realizaram o abortamento entre 13 e 20 semanas de
idade gestacional, por meio do abortamento medicamentoso com
misoprostol. Sobre o tempo necessário para o abortamento (dado
extraído do prontuário hospitalar), considerou-se o tempo de indução,
intervalo entre a administração da primeira dose do misoprostol e a
eliminação fetal. Neste estudo o tempo de indução variou de um a
14 dias, com média de 4,8 dias.
A opinião sobre eventos do abortamento medicamentoso
considerou alguns indicadores objetivos, mas pela perspectiva da
entrevistada. Para cada item avaliado perguntou-se para a
entrevistada se o evento era por ela considerado indiferente;
aceitável; muito incômodo; inaceitável ou sem opinião. O
sangramento vaginal provocado pelo abortamento medicamentoso
foi considerado indiferente ou aceitável para a maioria das
entrevistadas (seis casos). As demais mulheres disseram não ter
opinião. O fenômeno doloroso provocado pelo procedimento foi
considerado aceitável para três mulheres, muito incômodo para
quatro entrevistadas, e inaceitável para apenas uma entrevistada.
O tempo de espera pela interrupção da gravidez foi tratado como
aceitável para pouco mais da metadae das entrevistadas (cinco
casos) e muito incômodo para outras três mulheres. Perguntadas
153
sobre o que consideraram mais incômodo no abortamento
medicamentoso, quatro mulheres disseram ser a dor e outras quatro
apontaram o tempo de espera. Na opinião da maioria das mulheres
(sete casos) o abortamento foi uma experiência aceitável. Apenas
uma entrevistada considerou o procedimento intolerável, devido o
grande número de comprimidos administrados por via vaginal.
7. Conclusões
Os resultados apresentados neste estudo permitem tecer algumas
conclusões e considerações sobre as mulheres entrevistadas:
†
O acesso às mulheres que realizaram o abortamento previsto
em Lei nas situações de gravidez decorrente de violência sexual
foi algo difícil de ser realizado, por diferentes motivos. Entre eles,
destacou-se a dificuldade de contato por motivo de mudança de
endereço e/ou de telefone. Embora esse problema possa ter
ocorrido por razões alheias à violência sexual sofrida ou ao
abortamento realizado, é preciso considerar a questão da
deterioração do sentimento de segurança, condição
freqüentemente encontrada nessas mulheres e condicionada ao
temor de reencontrar o agressor. Essa situação convida à reflexão
sobre a necessidade e a importância de aprimorar o processo
de seguimento e avaliação dessas mulheres, particularmente em
momentos mais tardios pós-abortamento.
†
A maioria das mulheres identificadas que se encontravam dentro
dos critérios de inclusão no estudo concordou em participar da
investigação. Nenhuma das entrevistadas negou-se a responder
alguma das perguntas formuladas nos diferentes blocos
temáticos, ou objetou que suas falas consideradas relevantes
fossem registradas e publicadas. Esses dados sugerem que a
amostra, embora pequena, seja representativa e os resultados
obtidos, confiáveis.
154
†
A opção da maior parte das mulheres por realizar a entrevista
nas dependências do hospital em que foram atendidas ou em
locais diferentes de sua residência, denota a importância atribuída
pelas mulheres em manter a questão da violência sexual e do
abortamento distante de suas redes de sociabilidade. Esse dado
permite pressupor a importância da adoção de espaços seguros
para atender a essas mulheres, tanto pelos serviços de saúde
como pelos demais atores da rede de assistência. Esses espaços
de confiança garantem a necessária privacidade e as condições
de sigilo exigidas pela situação, fundamentais para que as
mulheres busquem por auxílio qualificado nas diferentes esferas
a que têm direito.
†
O perfil das entrevistadas apontou para mulheres
predominantemente jovens, brancas, solteiras e com
escolaridade igual ou maior que o ensino médio completo. A
maioria delas possuía profissão e exercia alguma ocupação,
formal ou informal, no momento do estudo. A maior parte das
mulheres declarou professar alguma religião, embora essa
condição não tenha sido impeditiva para a escolha e a realização
do abortamento previsto em Lei.
†
A violência sexual sofrida pela maioria das entrevistadas se deu
por agressores únicos e desconhecidos, embora o percentual
de casos perpetrados por parceiros ou ex-parceiros íntimos tenha
sido relevante. As principais formas de intimidação utilizadas pelo
agressor, observando-se o estabelecido pelo Código Penal
brasileiro, foram a força física e a grave ameaça, ambas com
freqüência equivalente. Poucos casos foram relativos à
presunção de violência. A abordagem do agressor ocorreu
predominantemente em espaços públicos, dado concordante com
o perfil do agressor desconhecido predominante neste estudo.
155
†
A baixa percepção sobre os riscos para a saúde impostos pela
violência sexual, incluindo-se a exposição à gravidez, foi o
principal motivo para que a maioria das entrevistadas não
procurasse por atendimento nos serviços de saúde
imediatamente após a violência. Essa escassa busca de atenção
também se associou com a nítida dificuldade de muitas mulheres
em revelar o ocorrido, por diferentes e justificáveis motivos. Essas
situações sugerem fortemente que ainda existem importantes
barreiras emocionais, sociais e culturais que dificultam o acesso
dessas mulheres aos serviços de saúde. Em conseqüência,
muitas mulheres em situação de violência sexual não têm a
oportunidade de receber medidas de profilaxia necessárias para
as doenças sexualmente transmissíveis, para a infecção pelo
HIV, para a hepatite B e, particularmente, a prevenção da
gravidez.
†
Entre as poucas mulheres que buscaram atendimento nos
serviços de saúde imediatamente após a violência sexual, a maior
parte delas declarou não ter recebido a anticoncepção de
emergência, mesmo em evidente situação de risco para a
gravidez decorrente de violência sexual. Mesmo considerandose a limitação da amostra, esse dado reflete a necessidade de
capacitar o mais amplamente possível os serviços de saúde para
o atendimento qualificado das situação de violência contra a
mulher. Por outro lado, os casos de falha da anticoncepção de
emergência identificados neste estudo tornam importante
ressaltar que, a despeito da elevada eficácia do uso precoce
desse método anticonceptivo, ele é insuficiente para garantir a
prevenção da gravidez decorrente da violência sexual em todos
os casos.
†
Medo, falta de alternativas, sensação de risco, desproteção,
desmoralização, humilhação e adoecimento foram os sentimentos
mais comumente experimentados pelas mulheres ao saber da
156
condição de gravidez decorrente da violência sexual. As principais
reações dessas mulheres após o diagnóstico da gravidez
variaram desde crises de choro, episódios depressivos, reclusão,
ou abandono das atividades cotidianas. Embora a maior parte
das mulheres tenha compartilhado a situação com pessoas de
sua confiança, muitas vezes encontrando uma resposta
acolhedora e protetora, considerou-se relevante o número de
casos em que a entrevistada não consegiu fazê-lo. Isso se alinha
com outros indicadores que expressam a particular dificuldade
das mulheres em revelar o ocorrido. Essa dificuldade, em alguns
casos, se justifica. Algumas mulheres declararam que se sentiram
culpabilizadas, abandonadas, desmoralizadas ou desacreditadas.
†
A informação sobre a possibilidade de realizar o abortamento
previsto em Lei foi feita para a maioria das mulheres antes de
acessarem a instituição que realizou a interrupção da gravidez.
Isso ocorreu tanto para aquelas que procuraram pelas Delegacias
de Polícia como para as que buscaram algum serviço de saúde.
A participação das Delegacias de Polícia nesse processo pôde
ser considerada expressiva, apontando para a importância do
atendimento integral e em rede articulada de serviços. Além disso,
a maioria das mulheres declarou que não encontrou impeditivos
para obter essas informações. No entanto, a favorabilidade
encontrada nesta investigação deve ser observada com
ressalvas, na medida que foi conduzida apenas na cidade de
São Paulo, uma das mais antigas a tratar desse tema e a que
abriga o maior número de serviços dessa natureza. Os dados
encontrados não refletem necessariamente a situação da maioria
das cidades brasileiras, onde as mulheres ainda enfrentam
grandes dificuldades para receber informação correta e acessível
sobre seus direitos e, principalmente, como alcancá-los.
†
Parte significativa das mulheres decidiu pelo abortamento sem
buscar qualquer forma de aconselhamento, ajuda ou apoio,
157
preferindo não compartilhar sua decisão mesmo com pessoas
supostamente de sua confiança. Quando o fizeram, geralmente
compartilharam sua situação com pessoas da família ou amigos
íntimos. Poucas mulheres buscaram por auxílio com profissionais
de saúde ou orientador religioso.
†
Os motivos apresentados pelas mulheres para a escolha do
abortamento previsto em Lei foram variáveis, mas possíveis de
serem reunidos em determinados grupos. Dessa forma, parte
das entrevistadas apresentou em comum o sentimento de forte
repúdio pela gestação como principal fator para decidir pela
interrupção da gravidez. Para elas, não foi possível separar
emocionalmente a gravidez da violência sofrida, tornando-a
extensão e continuidade do abuso sexual. Outras mulheres
consideraram as dificuldades sociais e familiares para a aceitação
da gravidez. Algumas expressaram sua preocupação com o futuro
da criança, ponderando os problemas que a mesma enfrentaria
para a inserção social e familiar. Parte das entrevistadas decidiu
pelo abortamento por reconhecer e admitir a ausência de
sentimentos relativos à maternidade em relação à gravidez
decorrente de violência sexual. Independente do motivo que levou
à escolha do abortamento, todas as entrevistadas expressaram
forte sentido de responsablidade durante o processo de decisão.
†
Entre as mulheres entrevistadas a média de idade gestacional
no momento da interrupção da gravidez se mostrou elevada, com
mais da metade dos casos com tempo de gestação superior a
12 semanas. Esse dado concreto, de certa forma, contrastou
com a declaração da maioria das mulheres de que não
encontraram barreiras ou dificuldades para receberem informação
e orientação sobre a possibilidade de realizar o abortamento
previsto em Lei. Embora a questão da informação sobre o direito
ao abortamento nesses casos seja fundamental, os resultados
desta investigação sugerem decisivamente que existam outros
158
fatores que atuem como impeditivos para a chegada mais precoce
das mulheres aos serviços de saúde, particularmente os fatores
relacionados com o impacto emocional provocado pela violência
sexual.
†
Parte significativa das mulheres precisou ser submetida a
procedimentos de interrupção da gravidez relativamente mais
complexos e demorados como conseqüência da idade
gestacional mais elevada no momento de ingresso ao serviço.
Apesar disso, não houve registro em prontuário hospitalar e nas
entrevistas realizadas de complicações relativas ao abortamento
de qualquer natureza, independente da técnica empregada e do
tempo decorrido. Esse dado se alinhou com as afirmativas dos
principais organismos nacionais e internacionais na área da
saúde, que classificam o abortamento realizado em condições
humanizadas e tecnicamente apropriadas como procedimento
de elevada segurança, distingüindo-o do abortamento praticado
em condições clandestinas e inseguras.
†
O acompanhamento interdisciplinar após o abortamento previsto
em Lei se mostrou comprometido para parte menor das
entrevistadas. Os motivos alegados pelas mulheres foram
diversos, desde dificuldades econômicas até a paralisia
emocional provocada pela violência sexual. Essa condição
aparentemente não se relacionou com o nível de satisfação da
usuária em relação à qualidade de atenção recebida no serviço
público de saúde para a realização do abortamento.
†
O sentimento imediato de alívio predominou para a maioria das
mulheres após a realização do abortamento previsto em Lei.
Nenhuma das entrevistadas declarou arrependimento por
interromper a gestação e a maioria delas afirmou que realizaria
novamente o abortamento caso se encontrassem mais uma vez
frente a mesma tomada de decisão.
159
†
A maioria das entrevistadas declarou que seus relacionamentos
pessoais com a família, parceiro, trabalho, amigos e religião não
sofreu mudanças significativas após o abortamento ou, em menor
parcela de casos, apresentou alguma melhora. Entre as que
estudavam na época, a maior parte referiu ter experimentado
perda importante do desempenho escolar, principalmente no
período imediato após o abortamento. O impacto negativo mais
relevante foi constatado na esfera da sexualidade das mulheres,
onde a maior parte delas declarou ter enfrentado diferentes
problemas. No entanto, na maioria dos casos não foi possível
estabelecer se as mudanças apontadas foram decorrentes da
realização do abortamento ou da violência sexual sofrida,
considerando-se a limitação metodológica dos instrumentos
empregados no estudo.
†
Pensamentos recorrentes sobre a violência sexual e a
possibilidade de reencontrar o agressor, bem como sobre o
abortamento, foram freqüentes entre as entrevistadas. Muitas
mulheres experimentaram mudanças de comportamento em
relação aos hábitos alimentares e ao sono. Queda de cabelo,
alterações vaginais, labilidade emocional, nervosismo, revolta,
frieza e indiferença social foram outras alterações relatadas pelas
mulheres. Expressiva parte das entrevistadas declarou
pensamentos recorrentes ou ideações suicídas, embora
nenhuma delas tenha afirmado que efetivamente tentou sua
prática.
†
Entre os pontos favoráveis do atendimento ao abortamento
previsto em Lei declarados pelas mulheres, destacou-se a
importância do acolhimento. Essa constatação vem de encontro
com outros indicadores que reforçam a necessidade de adoção
de medidas que qualifiquem a assistência das mulheres em
situação de violência, incluindo-se a sensibilizção e a capacitação
160
dos diferentes profissionais envolvidos em todas as etapas do
atendimento integral, em todas as esferas de atenção. Isso
também foi corroborado na análise dos pontos desfavoráveis do
atendimento recebido, onde parte pequena das mulheres
relataram algumas situações onde se sentiram discriminadas,
desprotegidas ou culpabilizadas.
†
A opinião da maioria das mulheres que realizaram o abortamento
medicamentoso com misoprostol considerou o sangramento
vaginal indiferente ou aceitável, enquanto o tempo de espera pela
conclusão do abortamento e a dor provocada pelo procedimento
foram os pontos desfavoráveis para parte das mulheres. De forma
geral, a maioria das mulheres considerou o abortamento
medicamentoso uma experiência aceitável.
8. Anexos
8.1 - ANEXO 1
Roteiro de Entrevista
161
162
163
164
8.2 - ANEXO 2
Termo de Consentimento Informado e Esclarecido
165
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Editoração e Diagramação e Projeto Gráfico da Capa:
Alessandra Foelkel
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