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nº 106 | setembro de 2005
CRISE POLÍTICA
RICARDO BERZOINI
FALA DA NECESSIDADE
DE INVESTIGAR TUDO
NEM PARECE BANCO
OS LUCROS CONTINUAM
EM ALTA, MAS A
IMAGEM...
CONTADORES DE HISTÓRIA
TRADIÇÃO MILENAR QUE
ENCANTA A CRIANÇADA
SAI DA
FRENTE
Sem alarde da mídia, a polícia
de São Paulo mata “em confronto”
durante um ano mais que toda
a polícia dos Estados Unidos
CARTAAOLEITOR
Publicação mensal do Sindicato dos
Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e
Região – Rua São Bento, 413, Centro, São Paulo,
CEP 01011-100, ☎ (11) 3188-5200.
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Telefones
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Osasco: 3682-3060. Centro: 3188-5295
Editores
Maria Angélica Ferrasoli - MTb 17.299
Frédi Vasconcelos (interino)
Vander Fornazieri - MTb 20.301
Impressão e CtP
Bangraf ☎ (11) 6947-0265
Capa
Foto de Jailton Garcia
Tiragem
100 mil exemplares. Distribuição domiciliar
gratuita aos associados
FLOR
NA MÃO
E DINHEIRO
NO BOLSO
VANDER FORNAZIERI
Presidente
Luiz Cláudio Marcolino
Diretor de Imprensa
Hugo Tome Aquino
Diretoria
Adozinda Praça de Almeida, Adriana Oliveira
Magalhães, Aladim Takeyoshi Iastani, Alexandre de
Almeida Bertazzo, Alexandro Tadeu do Livramento, Ana
Paula da Silva, Ana Tércia Sanches, André Luis
Rodrigues, Antonio Alves de Souza, Antônio Inácio
Pereira Junior, Antonio Joaquim da Rocha, Antonio
Saboia Barros Junior, Bruno Beneduce Padron, Camilo
Fernandes dos Santos, Carlos Miguel Barreto
Damarindo, Clarice Torquato Gomes da Silva, Claudio
Luis de Souza, Cleuza Rosa da Silva, Daniel Santos
Reis, Daniela Santana da Costa, Denis Helena Rivas,
Edison José de Oliveira, Edson Carneiro da Silva,
Edvaldo Rodrigues da Silva, Elaine Cutis Gonçalves,
Elias Cardoso de Morais, Ernesto Shuji Izumi, Fabiola
Bertosse de Lima, Flavio Ferraz Dutra, Flávio Monteiro
Moraes, Irinaldo Venancio de Barros, Ivone Maria da
Silva, Jackeline Machado, João de Oliveira, João Gomes
da Silva, João Paulo da Silva, João Vaccari Neto, José
do Egito Sombra, José Osmar Boldo, Jozivaldo da
Costa Ximenes, Juarez Aparecido da Silva, Juvandia
Moreira Leite, Karina Carla Pinchieri Prenholato,
Leandro Barbosa da Silva, Leonardo Martins Pereira,
Luiz Carlos Costa, Manoel Elidio Rosa, Marcelo Defani,
Marcelo Gonçalves, Marcelo Peixoto de Araujo,
Marcelo Pereira de Sá, Marco Antonio dos Santos,
Marcos Antonio do Amaral, Marcos Roberto Leal
Braga, Maria Cristina Castro, Maria Cristina Corral,
Maria do Carmo Ferreira Lellis, Maria Helena Francisco,
Maria Selma do Nascimento, Mario Luiz Raia, Marta
Soares dos Santos, Mauro Gomes, Neiva Maria Ribeiro
dos Santos, Nelson Ezidio Bião da Silva, Nelson Luis
da Silva Nascimento, Onísio Paulo Machado, Osmar
Rodrigues de Carvalho Junior, Paulo Roberto Salvador,
Paulo Rogério Cavalcante Alves, Rafael Vieira de
Matos, Raimundo Nonato Dantas de Oliveira, Raquel
Kacelnikas, Ricardo Correa dos Santos, Ricardo de
Almeida Sartori, Rita de Cassia Berlofa, Rogerio Castro
Sampaio, Roseane Vaz Rodrigues, Rubens Blanes
Filho, Sandra Regina Vieria da Silva, Tania Teixeira
Balbino, Vagner Freitas de Moraes, Valdir Fernandes,
Vera Lucia Marchioni, Walcir Previtale Bruno,
Washington Batista Farias, William Mendes de Oliveira
Diretores honorários
Ana Maria Érnica, José Ricardo Sasseron, Maria da
Glória Abdo, Sérgio Francisco da Silva
Os bancários
também
querem colher
sua parte nos
lucros que
estão fazendo
a alegria dos
banqueiros
estação em que a natureza se renova é também o momento de os
bancários buscarem, na campanha salarial, mais salário, PLR, direitos. E de participar em busca de algo que dura o ano todo. Para
isso a nova diretoria do Sindicato, que assumiu em julho, está criando diversos mecanismos para estimular ainda mais a interação com a categoria.
Participação também estimulada pelo Ministério Público Democrático,
que colabora para que as pessoas conheçam seus direitos, nem sempre
respeitados. Como no caso da polícia paulista, que mata primeiro para perguntar depois, principalmente quando a vítima é pobre e mora na periferia. Tudo sem a devida apuração e atenção da mídia.
Os mesmos veículos de comunicação que fazem seu papel de denunciar
escândalos, mesmo que na pressa em condenar cometam erros e nem sempre revelem os interesses por trás de cada notícia.
Mas cabe a todos, neste momento de grave crise política, exigir apurações e punições rigorosas para todos os envolvidos em irregularidades e
crimes. Para que o país também possa se renovar e buscar justiça, principalmente a justiça social esquecida por séculos.
A
A diretoria
[email protected]
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
3
D E S TA Q U E
CAMPANHA SALARIAL DOS BANCÁRIOS TOMA AS RUAS
FOTOS: GERARDO LAZZARI
A campanha salarial deste
ano começou com passeata
pelas ruas do Centro em 11
de agosto, data em que foram entregues as reivindicações da categoria aos banqueiros da Fenaban. Na pauta estão as 100 cláusulas da
convenção coletiva, entre as
principais estão reajuste de
11,77% (5,69% de inflação
projetada para o período e
5,75% de aumento real), PLR
melhor, emprego, condições
de trabalho e saúde. As reivindicações podem ser consultada no site do Sindicato,
www.spbancarios.com.br
“Queremos nossa parte na
lucratividade dos bancos e reconhecimento pelo esforço
que fazemos todos os dias”,
afirma Juvandia Moreira
Leite, secretária geral do Sindicato. “Optamos neste ano
por uma proposta que mescla aumento real e uma PLR
melhor para todos”, conclui.
“Vamos conquistar essa primavera” é o tema da campanha deste ano. Acima a passeata pelo Centro e a entrega da minuta de reivindicações à Fenaban
4
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
CONQUISTAR
A PRIMAVERA
Na primeira manifestação da
campanha salarial, os bancários
tomaram as ruas e divulgaram
o mote da campanha: “Vamos
conquistar essa primavera”. Para a população foi lembrado
também que “Banqueiro não é
flor que se cheire” e distribuída carta aos clientes, que destacava: “...Não estamos satisfeitos com essa realidade, na
qual uma política econômica
beneficia banqueiros em detrimento dos demais segmentos
da sociedade. Nós estamos ao
lado do povo, solidários na luta pela diminuição dos juros,
do desemprego, das tarifas bancárias e das filas nas agências.”
“Você pode não perceber,
NOSSA CAIXA PÁRA
GERARDO LAZZARI
NOVA PROPOSTA DE PLR
Cem por cento do salário
mais o valor fixo de R$ 788 mais
5% do lucro líquido das empresas a ser distribuído linearmente entre os funcionários.
Essa é a nova proposta de Participação nos Lucros e Resultados aprovada durante a 7ª Conferência Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro.
A justificava é que nos últimos anos vem aumentando o
lucro das empresas e caído o
percentual desembolsado para
os trabalhadores.
Se em 1995 ou 1996 os bancos gastavam cerca de 12% de
seu lucro líquido, no ano passado eles despenderam em média de 7% a 8%. Com a nova
regra, voltariam a se aproximar dos percentuais distribuídos na década passada e aumentaria a remuneração de todos os bancários.
Paralisação de um dia foi recado para a direção do banco
Cerca de trinta agências da
Nossa Caixa pararam no dia
12 de agosto em São Paulo.
Segundo a diretora do Sindicato Raquel Kacelnikas, “a direção da Nossa Caixa quer
atacar os nossos direitos. Tem
uma postura burra na forma
de direcionar seu projeto, valorizando quantidade em vez
de qualidade nos resultados.
mas a cada dia mais e mais
bancários sofrem para prestar
um atendimento digno aos
clientes. Em contrapartida, os
bancos oferecem a exploração
e a pressão insuportável para
cumprir metas igualmente insuportáveis”.
NEGOCIAÇÃO COM
BANCOS FEDERAIS
Para a discussão da pauta específica de reivindicações, os
representantes dos empregados da Caixa Federal reuniram-se no dia 10 de agosto
com a direção da Caixa Fede-
Por isso explora o bancário
não pagando hora extra e
quer apenas fazer número
com o suor dos trabalhadores”, diz. Nesta atividade, como na anteriores, a direção
do banco, acionou a PM de
Alckmin, que mostrou toda
a sua truculência. Mesmo assim os bancários deram seu
recado.
ral. Pelos bancários, participaram os membros do Comando Nacional, da Comissão Executiva dos Empregados da Caixa (CEE-Caixa) e o presidente
do Sindicato, Luiz Cláudio
Marcolino.
Foram entregues as reivindicações aprovadas pelo 21º
Congresso Nacional dos Empregados da Caixa (Conecef),
realizado em julho último. Pa-
ra o presidente da CNB/CUT,
Vagner Freitas, existe a necessidade de essas negociações
produzirem resultados efetivos, uma vez que as discussões
com a empresa, até aqui, não
correspondem às expectativas
das lideranças sindicais e, tampouco, às dos bancários da Caixa. A negociação específica
com a direção do Banco do
Brasil estava marcada para começar após o fechamento desta edição.
FGTS: R$ 22 MILHÕES
RECUPERADOS
Mais de 5,5 mil pessoas já se
beneficiaram da ação do FGTS
que garante o pagamento integral das perdas inflacionárias
dos planos Verão (42,72%) e
Collor (44,8%). No total de
onze lotes, a soma recuperada
já atingiu a casa dos R$ 22 milhões. A conquista obtida pelo
Sindicato na Justiça é histórica
para a categoria.
Para fazer a requisição é necessário preencher formulário
e apresentar cópias do PIS, RG
e das páginas da Carteira Profissional (nas quais constem foto, dados pessoais e registro dos
empregadores de 1989, 1990 e
1993). É necessário marcar horário junto à Central de Atendimento Telefônico, pelo 31885200. Para saber mais acesse
www.spbancarios.com.br
Não tem direito à ação quem
aderiu ao acordo de 2001 ou
que já tenha recebido em ação
individual.
Depois da discussão e aprovação em congressos estaduais
em todo o país e na sétima
Conferência Nacional dos
Bancários, a minuta de reivindicações desta campanha salarial foi aprovada na quadra
do Sindicato com a participa-
ção de cerca de 500 bancários.
Fora as cláusulas econômicas,
foi aprovada por ampla maioria a estratégia de negociação
conjunta com bancos públicos e privados, deixando apenas os pontos específicos para negociações separadas.
JAILTON GARCIA
ASSEMBLÉIA EM SÃO PAULO
Bancários aprovam minuta que foi entregue aos banqueiros
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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FOTOS: GERARDO LAZZARI
S I N D I C ATO
ENERGIA RENOVADA
Nova diretoria do Sindicato assume e dá início à campanha salarial
a campanha salarial e em todos os momentos dos próximos três anos, a prioridade da
diretoria que tomou posse em
julho passado é aproximar-se
cada vez mais do dia-a-dia do
local de trabalho para ajudar a resolver
problemas e fortalecer a categoria para novas conquistas. Para isso, conta com bancários de todos os bancos, distribuídos por
todas as regionais do Sindicato.
Além desse atendimento descentralizado,
outra possibilidade de entrar em contato é
por meio da página do Sindicato na internet (www.spbancarios.com.br), que foi reformulada e permite enviar mensagens a
todos os diretores. Basta ir à página principal, clicar em seu banco e, depois, na foto do diretor, para dar o seu recado.
“Todas essas medidas são para facilitar o
contato dos bancários com a diretoria, melhorar a interlocução com a categoria para
podermos saber seus problemas, ajudar a
resolvê-los e representar a todos da melhor
maneira possível”, afirma Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato. “Esse contato é importante na busca de nosso prin-
N
6
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
cipal objetivo, que é melhorar as condições
de trabalho e organizar a categoria para a
conquista de uma sociedade mais justa.”
O contato permanente também é importante neste momento de campanha salarial. Antes da definição das reivindicações, por exemplo, foi feita consulta à categoria para saber quais eram os princi-
Passeata pelas ruas do Centro no dia 11
de agosto: primeira atividade
pais pontos, como reajuste, proposta de
PLR etc. E a idéia é continuar com essas
enquetes em todos os momentos decisivos. “Queremos que os bancários participem e conheçam cada passo das negociações. Por causa das limitações que muitos
têm de tempo e deslocamento é necessário buscar novas formas de participação
para conquistarmos resultados melhores”,
diz Marcolino.
A nova diretoria mistura experiência
com renovação: cerca de 30% participam
pela primeira vez da entidade e praticamente metade são mulheres, que têm representação importante também na direção executiva. Há ainda bancários de todos os principais bancos públicos e privados. “Desde a formação da chapa, o objetivo foi termos a mais ampla representação possível. Mas o Sindicato não é só seus
diretores, é cada bancário em seu local de
trabalho, nas atividades promovidas pela
diretoria e nas lutas por novas conquistas
e melhores condições de trabalho, que faz
a diferença. Por isso queremos cada vez
mais a participação de todos”, conclui Luiz
Cláudio Marcolino. ❚
BANCÁRIOS DE TODOS OS BANCOS
Veja quem faz parte da nova diretoria do Sindicato
Banco do Brasil
Cláudio Luis de Souza
Ernesto Shuji Izumi
Fabíola Bertosse de Lima
José Ricardo Sasseron
Leandro Barbosa da Silva
Leonardo Martins Pereira
Osmar Rodrigues de Carvalho Júnior
Rafael Vieira de Matos
William Mendes de Oliveira
ABN Real
Karina Carla P. Prenholato
Marcelo Gonçalves
Maria do Carmo Ferreira Lellis
Roseane Vaz Rodrigues
Caixa Federal
Alexandro Tadeu do Livramento
Denis Helena Rivas
Edvaldo Rodrigues da Silva
Jackeline Machado
João Gomes da Silva
Sérgio Francisco da Silva (Cons. Funcef )
Banco Mercantil do Brasil
Ana Paula da Silva
Bradesco
Adozinda Praça de Almeida
Alexandre de Almeida Bertazzo
Antonio Joaquim Rocha
Edson Carneiro da Silva
Elaine Cutis Gonçalves
João Paulo da Silva
Jozivaldo da Costa Ximenes
Luiz Carlos Costa
Marcelo Defani
Marcelo Peixoto de Araújo
Marcos Antonio do Amaral
Marcos Roberto Leal Braga
Maria Cristina Corral
Neiva Maria Ribeiro dos Santos
Ricardo Correa dos Santos
Rubens Blanes Filho
Sandra Regina Vieira da Silva
Vagner Freitas (Pres. CNB-CUT)
Unibanco
Carlos Miguel B. Damarindo
Clarice Torquato
Elias Cardoso de Morais
José do Egito Sombra
Antonio Alves de Souza
Mauro Gomes
Nelson Ezidio Bião da Silva
Rogério Castro Sampaio
BankBoston
Marco A. dos Santos
HSBC
Cleuza Rosa da Silva
Nelson Luis da S. Nascimento
Paulo Rogério Cavalcante Alves
Valdir Fernandes
Nossa Caixa
Bruno B. Padron
Irinaldo Venâncio de Barros
Maria da Glória Abdo (honorária)
Raquel Kacelnikas
Ricardo de Almeida Sartori
Tania Teixeira Balbino
Washington Batista Farias
Safra
Flávio Monteiro Moraes
Itaú
Adriana Oliveira Magalhães
Aladim Takeyoshi Iastani
Antônio Inácio Pereira Junior
Juarez Aparecido da Silva
Maria Cristina Castro
Maria Helena F. dos Santos
Marta Soares dos Santos
Onísio Paulo Machado
Santander Banespa
Ana Maria Érnica
Camilo Fernandes dos Santos
Daniela Santana da Costa
Edison José de Oliveira
Flavio Ferraz Dutra
João Oliveira (Sec. Geral CUT-SP)
João Vaccari Neto (Pres. Bancoop)
José Osmar Boldo
Marcelo Pereira de Sá
Maria Selma do Nascimento
Mario Luiz Raia
Raimundo Nonato D. de Oliveira
Rita de Cássia Berlofa
Vera Lucia Marchioni
JAILTON GARCIA
Diretoria executiva
Presidente
Luiz Cláudio Marcolino (Itaú)
Secretária Geral
Juvandia Moreira Leite (Bradesco)
Secretária de Finanças
Ivone Maria da Silva (Unibanco)
Secretária de Organização e Suporte Administrativo
Rita de Cássia Berlofa (Santander Banespa)
Secretário de Imprensa e Comunicação
Hugo Tomé Aquino (Banco do Brasil)
Secretário de Formação Sindical
André Luis Rodrigues (Itaú)
Secretária de Estudos Sócio-Econômicos
Ana Tércia Sanches (Itaú)
Secretaria de Assuntos Jurídicos Individuais
Antonio Saboia Barros Junior (Nossa Caixa)
Secretário de Assuntos Jurídicos Coletivos
Daniel Santos Reis (Unibanco)
Secretário de Saúde e Condições de Trabalho
Walcir Previtale Bruno (Bradesco)
Secretário de Relações Sindicais e Sociais
Paulo Roberto Salvador (Santander Banespa)
Secretário Cultural
Manoel Elidio Rosa (Unibanco)
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
7
BANCOS
ESPELHO,
ESPELHO
MEU...
Para melhorar a imagem,
os bancos realmente
precisam parar de parecer
bancos. Precisam mesmo
ouvir mais a sociedade.
E, para isso, nem
precisam fazer mais
que o possível
Por Paulo Donizetti de Souza
Procon de São Paulo acaba de conseguir sensibilizar a Federação Brasileira
de Bancos (Febraban) a participar de
uma Câmara Técnica de Consumo para discutir como melhorar o atendimento aos clientes e usuários. O banco Itaú,
aos 60 anos, descobriu que pode ser bom “ouvir você”. O Real garante que é possível fazer “mais que o
possível”. Alguma coisa estranha está acontecendo.
Será que o sistema bancário brasileiro – um dos mais
sólidos, confiáveis, modernos, rentáveis e antipáticos
do mundo – resolveu se dispor, enfim, a “discutir a
relação”? Afinal, o setor nunca foi visto com bons
olhos pela sociedade. Um dos pontos mais altos dessa disposição à autocrítica pode ser visto na recente
estratégia de marketing do Unibanco: “nem parece
banco”.
O diretor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, Paulo Sérgio Quartiermeister, vê na estratégia ousadia e bom senso. “O banco não só está construindo uma nova identidade visual, buscando melhorar e humanizar sua aparência, como está assumindo compromissos e desafios. Fala em taxas menores, em prazo de cinco dias para ressarcir um segurado”, comenta. “É ousado porque, se não entregar o que promete, pode se dar mal. E tem bom senso porque encara o fato de a imagem dos bancos não
ser das melhores. As pessoas pagam para não ir a
banco. Na sociedade, banco é uma coisa negativa”,
O
8
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
avalia Quartiermeister, que também é professor de
gestão de marcas na ESPM.
E para cuidar das imagens e das marcas, haja maquiagem. O mundo dos negócios avalia, de acordo
com um estudo da empresa de consultoria inglesa
Interbrand, especializada em marcas, que somente a
marca do Itaú vale cerca de 1,3 bilhão de dólares. A
do Bradesco, 856 milhões. Do Banco do Brasil, 600
milhões. Unibanco, 235 milhões. Banco Real, 187 milhões de dólares.
A reportagem da RdB tentou ouvir a direção do
Unibanco sobre a abrangência da estratégia, mas
não obteve retorno. Segundo entrevista com o diretor de pessoas e comunicação corporativa, Marcos Caetano, publicada no site da revista Meio&Mensagem, as pesquisas mostram que os consumidores
têm percepções negativas com relação aos bancos:
“Achamos que era hora de encarar isso de frente.
Em vez de falar de coisas distantes da realidade do
usuário, vamos falar de problemas e assumir o compromisso de resolvê-los”. Já em matéria de O Estado de S.Paulo, no final de maio, o diretor explica
que o desafio – constituído após pesquisas sobre as
principais queixas junto a 2 mil clientes da instituição – é liderar toda a categoria a uma nova postura. “Isso só pode ser feito se admitirmos que os bancos têm problemas e assumirmos o desafio de resolvê-los”.
Missão impossível
As queixas apuradas pela pesquisa do Unibanco
– burocracia, tarifas pesadas, juros altos, atendimento melhor para quem tem dinheiro e péssimo
para quem tem pouco – podem também ser encontradas nas listas de reclamações do Procon, que
destaca ainda, nesse rol, problemas com as transações efetuadas por meios eletrônicos e o envio de
cartões sem solicitação do cliente. De acordo com
o chefe de gabinete do Procon-SP, Vinícius Zwarg,
os bancos são o segundo segmento mais reclamado, só perdem para telefonia. “A sociedade está mudando, as leis vão se aprimorando, mas o setor bancário apresenta muito pouca mobilidade e concorrência praticamente não há. E as pessoas estão mudando em termos de consciência de seus direitos e
de educação para o consumo”, acredita Zwarg. Para ele, o ranço da sociedade em relação ao sistema
financeiro decorre, em parte, também do fato de
que nem tudo que acontece no setor, apesar de legal, é bem visto, como os altos lucros e as altas tarifas. “O Brasil não tem política de crédito, as pessoas têm medo de tomar crédito e os bancos, por
exemplo, ganham muito com os juros. Nem sempre quem está sufocado pelo cheque especial é
orientado pelo banco sobre como diminuir ou eliminar seu endividamento.”
O chefe de gabinete do Procon lembra que os bancos ainda mantêm ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Fedeal para não ter de
responder ao Código de Defesa do Consumidor, mas
considera que essa tese está começando a ser superada na prática. “A própria disposição da Febraban
em participar da Câmara Técnica que discutirá co-
insaciáveis
A imagem dos bancos deixa a desejar, mas seus números são uma
beleza (em R$ milhões). Em vários deles as receitas com tarifas superam
as despesas com pessoal. No Itaú a relação chega a inacreditáveis 196%.
2000
2004
1º sem 2005*
BRADESCO
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
2.480
108,2%
1.740
21,5%
4.170
99,2%
3.060
20,1%
3.400
140%
2,621
34,9%
ITAÚ
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
2.172
158,3%
1.830
25,6%
6.165
185,7%
3.775
27,0%
3.645
196%
2.475
35%
UNIBANCO
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
910
114,0%
739
13,4%
1.559
104,6%
1.283
15,8%
1.560
170%
854
21,4%
BANESPA
Receita Tarifas
Rec/desp.pessoal
Lucro
Rentabilidade
469
20,6%
2.085
2,5%
1.270
95,5%
1.750
30,7%
778
878
32,4%
BANCO DO BRASIL
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
3.434
61,4%
974
12,2%
6.114
87,0%
3.024
21,4%
4.085
119,6%
1.979
29,6%
REAL
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
803
69,9%
257
5,5%
1.593
95,7%
625
7,3%
—
—
404
HSBC
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
837
83,5%
205
21,5%
1.370
99,9%
426
18,3%
—
—
435
—
NOSSA CAIXA
Receita Tarifas
Rec/desp. pessoal
Lucro
Rentabilidade
203
26,4%
190
16,8%
436
36,7%
358
16,6%
—
—
379
38,2%
* De acordo com resultados divulgados até 15/08
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
9
Sete
pecados
capitais
para a
imagem
dos
bancos
10
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
1 23
ORGULHO
INVEJA
GULA
Os onze maiores bancos do país, que haviam somado lucros de
R$ 1,3 bilhão em 1994,
encerraram 2004 com
R$ 16,3 bilhões. No primeiro semestre deste
ano, Bradesco, Itaú e
Unibanco já alcançaram 73% do lucro de todo o ano passado. Com
resultados assim, por
que iriam ouvir o que a
sociedade pensa sobre
sua imagem?
Assistir aos bancos brasileiros “nadarem de braçada”
aguçou o apetite dos estrangeiros nos últimos anos. O
HSBC terminou o século 20,
em 2000, com lucro de R$
205 milhões no Brasil, fechou
2004 com R$ 426 milhões e
o primeiro semestre deste
ano em R$ 453 milhões. O
Real ABN Amro, com R$ 257
milhões, R$ 625 milhões e R$
404 milhões, respectivamente. E ainda teve quem acreditasse que a chegada dos estrangeiros seria bom para trazer alguma concorrência ao
setor.
A base de correntistas do
Bradesco cresceu apenas
6,5% nos primeiros seis
meses deste ano em relação ao primeiro semestre de 2004. Apesar disso, as receitas de serviços e tarifas cresceram
quatro vezes mais: 27%.
Os R$ 3,4 bilhões cobrados dos clientes bancaram em quase uma vez e
meia todas as despesas
com pessoal (entre as
quais se incluem as com
indenizações pelas milhares de demissões).
mo melhorar essa relação de consumo já é um sinal de amadurecimento.”
No entanto, na opinião do presidente da consultoria Austin Rating, Erivelto Rodrigues, novidades
nas campanhas publicitárias ou em produtos não
bastam: a imagem dos bancos está longe de mudar.
Segundo Rodrigues, o preço dos produtos bancários
é muito elevado. “Nos empréstimos, os consumidores chegam a pagar em um mês toda inflação de um
ano inteiro.” Além disso, as receitas de serviços ganham cada dia mais peso no ganho total dos bancos. Em 1994, essas receitas, que incluem as tarifas
bancárias, representavam 4% do faturamento total.
Hoje, esse número saltou para 20%. Isso representa,
em média, mais de 110% da folha de pagamento dos
bancos.
Juros altos
O Tesouro Nacional também é uma fonte gorda
de recursos. Só para lembrar, o governo anterior
iniciou em janeiro de 1999 com a taxa Selic a 25%
ao ano e chegou ao pico de 45% em março daquele ano; atravessou os dois anos seguintes oscilando de 15,5% a 19%; e passou o “bastão” na casa
dos 25%. Já na atual gestão, bateu em 26,5% entre março e junho de 2003, chegou a ficar em 16%
de abril a agosto do ano passado e em 19,75% até
agosto último. É assim que os ganhos de tesouraria chegam a compor, em alguns casos, até um terço dos ganhos dos bancos. Negociando com títulos públicos, acabam botando menos dinheiro na
economia do país. E pouco dinheiro é sinônimo de
dinheiro caro.
“Acho que aí está um dos grandes fatores que provocam a indignação da sociedade em relação aos bancos. Eles cobram juros muito altos. O spread bancário médio no Brasil em 2004 era duas vezes maior
que o da Argentina, três vezes maior que o da Rússia e nove vezes o dos Estados Unidos”, diz o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Luiz Cláudio Marcolino. “As operações
são legais, mas o setor produtivo e mesmo as pessoas físicas se sentem roubados. Por isso o lucro no
setor financeiro tem impacto ruim na percepção da
sociedade.”
O Sindicato manifestou interesse em participar da
Câmara Técnica de Consumo junto com a Febraban. O chefe de gabinete do Procon, Vinícius Zwarg,
disse que a participação da entidade não foi vista como primordial no momento, já que não envolverá
questões trabalhistas, mas de relação de consumo. Já
para o presidente do Sindicato, os bancários vivem
o cotidiano das agências e teriam muito a contribuir
para melhorar a relação dos bancos com os consumidores. “O problema é que os trabalhadores são
tratados pelos bancos como máquinas de cumprir
metas, não como personagens vitais para a melhoria da qualidade do atendimento”, protesta. A reportagem da RDB tentou ouvir a Febraban, mas não
houve retorno.
“Por mais que os bancos tenham investido em tecnologias alternativas fora das agências (internet, telefone, terminais eletrônicos etc.), a solução preferida dos consumidores é o atendimento pessoal, e isso não é só aqui, é um fenômeno internacional. Os
bancos não vão melhorar sua imagem se não contratarem mais gente”, diz. Pesquisa da empresa KPMG
feita em 54 países detectou que lugar de fechar negócio é na agência. Tanto é que o HSBC, pioneiro
no funcionamento de agências das 9h às 18h no Brasil, já fala em abrir também aos sábados.
O Sindicato dos Bancários sempre defendeu a abertura de agências por um tempo maior, para melhorar a vida do cliente, com dois turnos de trabalho,
para gerar empregos no setor. Mas, aos sábados, não.
O fim do trabalho aos sábados foi conquistado pela categoria há mais de 40 anos e não seria moderno andar tão para trás. Os bancos podem perfeitamente respeitar a jornada de 6 horas, pagar melhores salários, distribuir melhor seus resultados e ainda oferecer mais e melhores empregos. Para isso, nem
precisam fazer mais que o possível. ❚
Negociando
com os
títulos
públicos,
os bancos
acabam
botando
menos
dinheiro na
economia do
país. E pouco
dinheiro
é dinheiro
caro
45 67
LUXÚRIA
IRA
AVAREZA
PREGUIÇA
A perspectiva de inflação
está um pouco acima de
5% – AO ANO. A taxa média de juros do cheque especial cobrada pelos bancos em junho ficou em
8,25%. AO MÊS. Ou 148%
ao ano. A possibilidade de
endividamento-sem-fim
de um cidadão que se enrola no especial é grande.
Porém, nem sempre os
bancos o orientam a sair
dessa situação. Já para
quem aplicou num fundo
de investimento, o banco
pagou pouco mais de 1%
no mês; na poupança,
0,8%. O negócio é bom.
Pesquisas (que muitos
bancos fazem e não divulgam) revelam que a
sua imagem não é das
melhores. Estão até fazendo os bancos cederem um pouco no pecado
1, o orgulho. O Unibanco,
por exemplo, decidiu: será melhor porque não
mais parecerá banco.
Mas com lucros de R$ 854
milhões no semestre (aumento de 47%), receita
com tarifas de R$ 1,56 bilhão, bancando 170% dos
gastos com pessoal... parece banco, sim.
O volume de dinheiro colocado pelos bancos à
disposição da sociedade
por meio do crédito corresponde, no Brasil, a
28% do PIB. Nos países
de emergentes a desenvolvidos, passa de 80%
do PIB. O Brasil tem
5.578 municípios. Destes, 1.759 não têm nem
um único posto de
atendimento, nem uma
agência. Afinal, por que
alguma das cerca de 180
instituições financeiras
moveria uma palha para
tentar proporcionar renda onde ela é escassa?
As operações com tesouraria do Banespa, ou seja, com títulos do Governo, correspondiam no final de 2004 a 51% dos
seus ativos, contra 21,9%
das operações de crédito
ao setor privado. O Grupo Santander gostou da
privatização, mas continua chegado em ancorar
dinheiro no Tesouro Nacional. A Nossa Caixa, então, nem se fala: escorou
mais de 68% dos ativos
nos títulos públicos. No
tempo do Banespa banco público, banco público era outra coisa.
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
11
ENTREVISTA RICARDO BERZOINI
A SAÍDA É
INVESTIGAR
TUDO
O deputado e ex-presidente do Sindicato,
Ricardo Berzoini, assume missão das mais
difíceis: dirigir a secretaria geral do PT neste
momento de crise Por Renato Rovai
ex-presidente do Sindicato, Ricardo Berzoini, tem nova missão difícil pela frente. Quando Lula assumiu o governo, foi
convidado para o Ministério da Previdência para coordenar a reforma do setor. Foi um processo duro e desgastante, em que teve de contrariar interesses de diferentes setores, dos mais poderosos aos mais coorporativos. Na seqüência, foi para o Ministério do Trabalho, que também tinha e ainda tem reformas a ser
realizadas e cujos projetos entregou prontos para o
Congresso. Decidido a disputar novo mandato de deputado federal, comunicou o fato ao presidente, que
determinou que todos os candidatos deveriam sair
na última reforma ministerial. Não só em abril de
2006, como exige a lei eleitoral.
Mal reassumiu o mandato de deputado, a direção
do PT viu-se envolvida numa enorme crise ética. Seu
nome passou a ser cogitado para a executiva do partido, indo para a secretaria geral. No cargo, está enfrentando talvez o maior desafio de todos os de sua
carreira política. O partido que ajudou, como tantos outros militantes, a criar, é hoje acusado de realizar um esquema de operações financeiras ilegais.
Nesta entrevista exclusiva para a Revista dos Bancários, Berzoini avalia a crise e aponta o que imagina
necessário para superá-la, tanto do ponto de vista
partidário como para a vida política do País.
O
Revista dos Bancários – Como o senhor está
analisando o atual momento político?
Ricardo Berzoini – Com extrema preocupação. O
povo brasileiro não esperava um escândalo dessas
proporções no primeiro governo de origem popular
da nossa história. O futuro do PT e o apreço pela
democracia por parte de boa parcela do povo brasileiro dependem da forma como vamos superar essa
12
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
crise. O governo Lula tem muitas realizações a mostrar e só poderá fazê-lo se superar de maneira digna essa turbulência.
RdB – O que o senhor achou do depoimento do
publicitário Duda Mendonça em relação a remessas de dinheiro ao exterior para pagamento de
campanha?
Berzoini – Primeiro é necessário apurar para verificar se o que ele disse é verdade inteira, parcial ou
mentira. Não podemos prejulgar a veracidade do que
ele declarou à CPI, porque ele também tem interesses jurídicos e financeiros. Em segundo lugar, se confirmado, é algo bastante grave. Agrava bastante a situação de ex-dirigentes do PT e de quem mais combinou de fazer esse tipo de eventual ilegalidade. A
crise atinge proporções muito elevadas, mas a melhor maneira de resolvermos isso dentro da democracia é apoiar integralmente as apurações pelas CPIs,
pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Precisamos ter tranqüilidade, não açodamento no julgamento do que foi praticado. O tempo correto é o
de conclusão das CPIs. A partir dessa conclusão a tipificação de cada crime e a responsabilização jurídica e política de todos os envolvidos.
RdB – Em relação ao pronunciamento do presidente em que ele diz que foi traído, mas sem dizer quem traiu, o que o senhor acha?
Berzoini – Acho que tem um erro de forma, que
foi o fato de ele ler um discurso escrito em lugar de
falar espontaneamente. Num discurso transmitido
pela TV, olhar diretamente para o telespectador passa mais credibilidade. Mas acho que o discurso avançou, pois o presidente reconhece erros, pede desculpas e diz que foi traído. Falta agora apurar ou o próprio presidente dizer, se souber, quem traiu.
GERARDO LAZZARI
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
13
RdB – O senhor vê alguma possibilidade de um
processo de impeachment do presidente da República? Enxerga alguma tentativa de golpe de
setores da oposição?
Berzoini – Alguns setores da oposição e da mídia estão tentando criar um ambiente propício ao
impedimento do presidente Lula, e o Brasil tem
uma sociedade muito dependente da mediação de
grandes meios de comunicação. Nós defendemos
as investigações e não podemos em hipótese alguma aceitar que se crie de forma artificial o clima
de radicalização.
RdB – Qual é a saída para o PT e para o governo?
Berzoini – A saída para o PT e para o País é investigar com tranqüilidade e responsabilizar quem
errou. Por exemplo, deputados ou dirigentes partidários que tenham recebido qualquer menção de
haver recebido recursos ilegais provenientes dos empréstimos do Marcos Valério devem começar explicando o que fizeram com o dinheiro. Até porque
aqueles que destinaram o dinheiro para campanha
cometeram uma irregularidade eleitoral, mas não
cometeram nenhum atentado contra a ética política do ponto de vista do enriquecimento ilícito, do
ponto de vista de criar uma estrutura à margem da
estrutura partidária. Agora, as pessoas que organizaram esse megaesquema têm outra responsabilidade do ponto de vista partidário e legal. Quero dizer claramente que, no momento em que falo, estou tratando dos senhores Delubio Soares e Marcos Valério, que, pelo que consta, organizaram um
esquema ilegal e absolutamente suprapartidário.
Nesse sentido, a CPI terá todo espaço e apoio do
PT para ir até o fim e responsabilizar quem organizou esse mecanismo.
Defendemos as
investigações
e não
podemos
aceitar que
se crie de
forma
artificial
o clima de
radicalização
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
RdB – A reforma política é realmente tão necessária quanto alguns têm insistido?
Berzoini – É necessária uma reforma política para que não se repita daqui a alguns anos um escândalo dessas proporções. As campanhas estão muito
caras e longas, e a presença dos chamados marqueteirios fazendo a mediação entre os candidatos e a
opinião publica é uma distorção que precisa ser corrigida. Isso aumenta muito o custo e faz com que as
lideranças políticas fiquem reféns de esquemas de
marketing. A meu ver, de imediato, para as próximas eleições, deve-se adotar as seguintes mudanças:
redução de tempo de campanha, que deve ser de dois
meses, com um mês de TV e rádio; proibição de
qualquer artifício publicitário na TV e rádio, permitir simplesmente que o candidato converse com o
eleitor; proibir “showmício” e propaganda de rua, exceto em imóveis particulares; além disso, aprovar a
fidelidade partidária e o financiamento público de
campanha.
RdB – O governo tem buscado uma aproximação com o movimento social nesses últimos dias.
Isso é positivo? Por que não foi feito antes e o
governo priorizou apenas interlocução com o
Congresso?
Berzoini – Em relação aos movimentos sociais, que
são, de fato, a origem genética do PT, acho que neste governo sempre houve grande diálogo e proximidade. E isso é muito positivo, mas a verdade é que
esse é um governo eleito por 53 milhões de brasileiros, mas que não tem maioria parlamentar, que, de
certa forma, não recebeu essa maioria parlamentar
no processo eleitoral. Portanto o governo buscou uma
estratégia de composição no Congresso Nacional com
outras forças. O governo atua na medida do possível, porém o importante agora é saber como trabalhar o aspecto programático para garantir a interlocução e ampliá-la no que for possível com esses setores originários do PT.
RdB – Houve avanços na área social?
Berzoini – É preciso registrar que a política macroeconômica, muitas vezes criticada de forma dura
e da qual eu também sou crítico em certos aspectos,
é, em muito, responsável pela estabilidade econômica. Na área de política social e distribuição de renda, obtivemos aumento real do salário mínimo, temos uma gestão mais estratégica do Fundo de Garantia e geramos mais de 3,1 milhões de empregos
com carteira assinada em apenas 30 meses, quase 12
vezes mais que o governo anterior gerou por mês em
média. Além de termos feito o Bolsa Família atingir
7,1 milhões de pessoas no momento em que falo
com você. Isso melhora a vida das pessoas, isso gera e distribui renda e tem a ver com o programa e
os compromissos da esquerda brasileira.
Mas, evidentemente, a rigidez da política monetária, que obriga a uma redução orçamentária, leva a
uma insuficiência na área social em alguns setores,
nos incomoda e também incomoda nossos aliados
históricos do movimento social. Até porque no nosso governo o setor financeiro continua lucrando mais
do que deve e isso acaba gerando certo constrangimento na militância. Eu, durante a minha campanha para deputado federal, sempre registrei que este seria um governo duro, que avançaríamos em alguns aspectos, mas que em outros acabaríamos obtendo pouco sucesso. Isso tem a ver com a herança
que recebemos, que era de fato maldita, mas também tem a ver com a composição política possível
para garantir governabilidade.
RdB – Sua previsão, porém, nada tinha a ver
com a atual crise.
Berzoini – De maneira alguma, nunca imaginei
que iríamos viver algo parecido. Imaginei outras
crises, mas não essa. Mas vamos superá-la, confio,
como já superamos outras. Decidi encarar o desafio de assumir a secretaria geral do PT num momento em que saía do Ministério do Trabalho e estava com o objetivo de tão-somente voltar à vida
parlamentar e me dedicar a percorrer o país para
debater com os bancários, por exemplo, propostas
para o Brasil.
Só aceitei assumir a secretaria geral do PT porque
me foi dada, como sempre no PT, autonomia total
para tocá-la. Sei da dureza da missão, mas ficar assistindo às coisas acontecerem de camarote não faz
RdB – Em que setor social o senhor acha que
o governo poderia ter investido mais e por algum
motivo ainda está devendo?
Berzoini – Um setor em que estamos devendo é o
da habitação popular. Para isso estamos elaborando
um programa que forneça capacitação e recursos para financiar os demais insumos. Imagino um programa que vincularia a capacitação nacional na construção civil com noções de cidadania e construções
em mutirão, tendo como objetivo a construção de
1,5 milhão de habitações populares. Dá tempo, neste governo, de começar. Mas a principal marca deste programa é que ataca o déficit habitacional com
geração de emprego e capacitação de mão-de-obra.
A idéia é que as pessoas que vão construir as casas
sejam formadas profissionalmente para poder tocar
a vida depois.
RdB – O senhor é uma das lideranças sindicais
mais importantes da década de 90. Como analisa o atual momento do sindicalismo brasileiro e
o que imagina deva ser a prioridade dos trabalhadores nos próximos anos, já que neste momento o senhor pode tratar desse tema com mais tranqüilidade por não estar mais no ministério?
Berzoini – As centrais sindicais, a CUT em especial, por sua abrangência, devem atualizar seu projeto organizativo. A estrutura sindical envelheceu
muito nos últimos dez anos. A representatividade
caiu, com raras exceções. Além disso, é preciso estabelecer metas claras de participação na renda nacional e na geração de emprego. É decisiva a capacidade de interferir nas negociações coletivas de forma
articulada, pois o capital se desloca com velocidade
cada vez maior, entre países e dentro do território
nacional.
RdB – Para os bancários, que balanço pode ser
feito de seu mandato como deputado e como ministro da Previdência e do Trabalho?
Berzoini – Primeiro, volto agora como deputado
com a perspectiva de retomar as bandeira que sempre defendi no Parlamento, a transparência nas relações econômicas do país, a defesa dos trabalhadores e de um sistema financeiro mais justo, que proporcione mais crédito e de melhor qualidade para a
produção e o consumo. Além de outros temas que
sempre defendo na minha vida.
Em relação ao trabalho nos ministérios fizemos,
com todas as limitações que nosso governo sempre
enfrentou, um trabalho sério de combate à corrupção. No caso da Previdência, realizar uma reforma
necessária para o país, restaurando o teto do INSS
para o valor acima de mil dólares, que é importan-
te para o sistema, estabelecendo novas regras para o
pagamento de benefícios e buscando combater as
fraudes e a sonegação.
No Trabalho, o melhor desempenho que tivemos
foi na articulação das decisões de governo em relação ao emprego. Sempre defendemos que o Ministério esteja presente em todas as decisões para enfocar a geração de emprego, seja a decisão sobre uma
norma, seja sua ação de fiscalização, seja nas empresas estatais em relação a investimentos e também na
gestão do Fundo de Garantia e do FAT.
Acho que esse foi o destaque, encerramos 30 meses de governo com a geração de 3,1 milhões de empregos, um recorde que valoriza o governo Lula, especialmente, e particularmente o que fizemos no Ministério do Trabalho.
RdB – Quais são as chances de o presidente Lula se reeleger? E se ele for candidato, por que a
sociedade brasileira deveria lhe dar o voto e qual
deveria ser a bandeira de um segundo mandato?
Berzoini – As chances são boas, pois as pesquisas
demonstram que há reconhecimento do esforço que
o governo fez para superar a tragédia financeira que
o governo do PSDB/PFL promoveu. No início de
2003, o risco de hiperinflação e crise cambial era
enorme, o que exigiu grande sacrifício do governo e
do povo. O País foi reorganizado e cresceu fortemente em 2004. Em 2005, o crescimento continua e o
emprego já alcança mais de 3,1 milhões em 30 meses. E, como já disse, os programas sociais deslancharam. Mas ainda há grandes desafios que o governo poderá superar com um segundo mandato. Parece-me que a grande bandeira deve ser a da redução da pobreza, os investimentos em infra-estrutura
e a continuidade do crescimento dos empregos. O
Brasil pode crescer vinte anos seguidos se completar
um processo de democratização da economia, pela
expansão do crédito e o apoio às exportações, com
a ampliação da base de consumo interno e o apoio
à economia solidária e ao microcrédito.
RdB – O senhor acha que a crise não pode contaminar a economia, mas ao mesmo tempo é crítico de parte dela, principalmente dos juros altos. No caso dos bancos, estamos começando a
campanha salarial e vendo novamente recordes
atrás de recordes de lucratividade.
Berzoini – O que disse foi que não podemos deixar contaminar o bom desempenho da economia.
Temos um crescimento econômico com várias origens. Uma parte é a gestão fiscal equilibrada por
parte do governo, mas defendo que a política econômica do governo erra quando exagera. Exagera
no superávit primário, na taxa de juros, isso faz com
que o Brasil cresça menos do que poderia crescer.
Defendo uma política econômica austera, responsável, com critérios fiscais exeqüíveis e acho que nosso governo peca pelo excesso. Tem praticado juros
mais altos que precisava e superávit primário alto
demais. ❚
Colaborou Frédi Vasconcelos
FOTOS: GERARDO LAZZARI
parte da minha personalidade. O PT é um partido
de 830 mil filiados, mas, além disso, há milhões de
pessoas que confiam e confiaram em nós. Assumi a
secretaria geral porque tenho compromisso de vida
e de história com os rumos do PT e vou lutar para
que volte a ser o que sempre foi: um instrumento
político para a transformação da sociedade brasileira e uma referência internacional.
É necessária
uma reforma
política para
que não se
repita daqui
a alguns
anos um
escândalo
dessas
proporções
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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CIDADANIA
DIREITO DE
SABER
Ministério Público Democrático ajuda
a entender funcionamento da Justiça
e trabalha para que mulheres e
comunidades carentes busquem
seus direitos Por Cida de Oliveira
emocratizar o acesso de toda
a população brasileira à Justiça e à plena cidadania. Foi
pensando nisso que, há 14
anos, promotores e procuradores de justiça criaram o Ministério Público Democrático (MPD). A
organização não-governamental sem fins
lucrativos, no entanto, está muito longe
de ser um canal de reclamação ou balcão
de atendimento ou encaminhamento gratuito de questões jurídicas para pessoas
que não podem arcar com o custo de um
advogado.
É, na realidade, voltada para o desenvolvimento de programas e projetos para
a conscientização da sociedade sobre as
funções do Ministério Público e direitos
humanos. “O MPD foi criado numa época em que havia muita pressão para que
as portas do Judiciário não fossem abertas para a imprensa”, lembra o procurador
de Justiça Airton Florentino de Barros,
presidente e um dos fundadores da entidade. “A idéia foi não só democratizar o
entendimento da linguagem própria da lei,
inacessível para a maioria, mas também
divulgar informações do Judiciário como
um todo”.
Na prática, essa vocação político-educativa da ONG está pautada por várias iniciativas. Algumas delas ainda pendentes. É
o caso da proposta de criação de uma lei
que introduz o estudo de direitos humanos como disciplina obrigatória no currículo do ensino médio. Por enquanto, a idéia
está sendo apresentada a diversas entidades da área, como a Ordem dos Advogados do Brasil, em busca de apoio. “O ideal
é que a disciplina se torne obrigatória em
âmbito federal”, explica o presidente. “Mas
se for introduzida por alguns Estados, já é
um bom começo.”
D
16
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
Outras, no entanto, caminham a passos
largos para se tornarem realidade. Atualmente, a diretoria do MPD está se articulando com representante dos ministérios
públicos de todos os países da América Latina. O objetivo é a criação de confederação inspirada no Medel, Magistrados Europeus para a Democracia e as Liberdades,
com sede em Roma. A entidade congrega
juízes e promotores dos países da Europa
em defesa da manutenção dos direitos.“Em
muitos países latino-americanos, como o
Chile, por exemplo, os ministérios públicos estão vinculados diretamente aos governos e, por isso, são subservientes a eles.
Precisamos ajudar essas instituições a se
tornarem independentes”, diz o presidente. O Medel, aliás, deu total apoio ao MPD
em junho do ano passado. Na ocasião, estava sendo muito discutida a redução de
poderes de investigação do Ministério Público no Brasil.
Comunicação
Para levar à sociedade o debate de questões relacionadas à justiça, a entidade conta com vários canais de comunicação. Um
deles é o programa de tevê Trocando Idéias,
exibido semanalmente, em rede nacional,
pela TV Comunitária da Cidade de São
Paulo e pela TV Justiça, ambos canais por
assinatura. Este ano, a atração completa
quatro anos no ar. O conteúdo é formado
essencialmente por entrevistas e debates
sobre temas ligados à Justiça e à cidadania, sempre mostrando diferentes pontos
de vista de membros do Ministério Público, da sociedade civil, de profissionais especializados, representantes de organizações não-governamentais e até do público,
através de links montados nas ruas para
ouvir a opinião das pessoas. Outro ramo
é a revista MPD Dialógico, publicação bi-
MULTIPLICADORA
A advogada Lenira repassa
suas experiências no
Promotoras Populares
mestral lançada no início de 2004. O site
da entidade, aliás, também merece uma visita: nele é possível acessar as principais
notícias relacionadas a temas como direitos humanos, discriminação racial e justiça, entre outros.
Além de suas ações diretas, a ONG atua
também em parceria com muitas outras entidades. Seus integrantes fornecem noções
da Constituição, da Justiça e, principalmente, de cidadania por meio de palestras, oficinas e até fóruns de debates solicitados pelas organizações atendidas pela Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança.
O CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo, e Fórum em Defesa da Vida Contra
a Violência, do Jardim Ângela, ambos localizados em bairros violentos da zona
sul da capital, também são parceiros. O
GERARDO LAZZARI
MPD atua diretamente na coordenação
de cursos de formação de orientadores
jurídicos populares do CDHEP. São programas nos quais são ministradas aulas
para pessoas das comunidades, que
aprendem noções básicas de direito e
atuam como multiplicadores nas localidades onde atuam ou residem. O Fórum,
composto de 250 entidades da sociedade
civil e de movimentos populares, participa do debate de diversos temas relacionados à defesa da cidadania e combate à
violência.
Ao lado do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da Associação Juízes para
a Democracia, eles participam ativamente
do curso para formação de promotoras legais populares da União de Mulheres de
São Paulo, que tem apoio de diversas outras associações e sindicatos. “Em conjun-
to, as três entidades coordenam o curso de
capacitação de mulheres para que elas reconheçam os seus direitos e saibam como
atuar na vida pública”, explica a promotora Elaine Caravelas, diretora do MPD. E
esse projeto já está fazendo escola.
No começo de agosto foi aberto oficialmente o curso Mulher Cidadã, parceria entre a Subprefeitura da Mooca, Ordem dos
Advogados do Brasil (seccional Tatuapé),
e a Universidade São Judas. A advogada
Lenira Domingues Ferreira, orientadora
social da subprefeitura, conta que a idéia
foi inspirada no Promotoras Populares, que
ela cursou no ano passado. “Nosso objetivo é o mesmo: capacitar mulheres para o
acesso à justiça e cidadania e torná-las multiplicadoras nos locais onde moram, trabalham ou atuam”, diz.
As aulas do curso gratuito recém-aber-
to acontecem nas dependências da Universidade São Judas, na Mooca, toda segunda-feira, das 9 às 11 horas, e são ministradas voluntariamente por advogados, juízes,
promotores e dirigentes dos principais movimentos sociais. Começou com 67 alunas
e muitas outras já procuraram a organização do curso para se matricularem. O período letivo será encerrado no final de novembro.
Lenira destaca que a participação no projeto Promotoras Legais Populares foi fundamental também para o aprimoramento
do que trabalho social que faz há mais de
quinze anos. “É muito rico poder trocar
experiências com mulheres com as mais
diversas formações profissionais, operárias,
donas de casa, líderes comunitárias, que
têm em comum o desejo de aprender mais
para compartilhar”, diz. ❚
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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C APA
Homicídios cometidos por policiais
no Estado de São Paulo alcançam números
alarmantes e intimidam, principalmente,
os mais pobres Por Glauco Faria
POLÍCIA QUE
ADO
: AGÊNCIA EST
REPRODUÇÃO
MATA
Q
SEM SENTIDO
Flávio Santana com a noiva:
atirar primeiro, investigar depois
18
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
uando o leitor ler esta matéria, provavelmente já saberá o
resultado do julgamento dos
cinco policiais militares que
assassinaram Flávio Santana,
em fevereiro de 2004. A morte do dentista, negro, aos 28 anos, é apenas um dos casos mais notórios, mas está
longe de ser uma exceção no dia-a-dia da
polícia paulista. Um mês antes, outra ocorrência policial chamou a atenção de todos.
Em São José dos Campos, o estudante e
ajudante-geral Ednilson da Silva, de 21
anos, foi morto com um tiro de submetralhadora na boca, disparado por policial militar. O motivo: o rapaz era gago e surdo
de um dos ouvidos e não teria conseguido
responder às perguntas do soldado, que alegou que o disparo foi acidental e que a vítima teria tentado “resistir à prisão”.
Homicídios praticados por policiais se
tornaram algo corriqueiro no Estado de
São Paulo. Somente no ano passado, foram 739 casos qualificados como “resistência seguida de morte”. Para ter idéia do que
significam esses números, nos Estados Unidos, entre 1998 e 2002, a média de mortes foi de 341, menos da metade das ocorrências só em São Paulo.
Mas por que a polícia paulista mata tanto? Alguns dados ajudam a chegar perto
das raízes dessa violência que, em geral, é
dirigida a um segmento específico da sociedade.“A violência policial tem raça (75%
são negros), sexo (a maioria são homens)
e idade (entre 18 e 25 anos)”, explica Frederico dos Santos, secretário-executivo do
Centro Santo Dias de Direitos Humanos.
“Pessoas de classe baixa e negras são alvos
de abordagens exageradas e até de assassi-
TIRO PELAS COSTAS
MÁRCIO FERNANDES/FOLHA IMAGEM
A PM paulista tem
armamento e viaturas
modernas. Falta
inteligência
natos todos os dias”, relata Francisco José
Taddei Cembranelli, promotor que está
atuando no caso da morte de Flávio Santana. “A maioria não tem como se defender, como se justificar para os policiais nem
quem as defenda naquele momento. Então, sobra apenas a versão trazida por eles,
nada existe que a derrube.”
Na ocasião da morte do dentista, os policiais que estiveram na ação mostraram
alguns dos vícios que corroem a corporação. A cena do crime foi alterada para que
passasse a impressão de ter havido um tiroteio, e não uma execução, mas o pai de
Flávio não aceitou a versão e conseguiu
desmontar a farsa. “Ele sabia o filho que
criou e fez com que a verdade viesse à tona”, conta o promotor. “Há outros casos
em que existe reação por parte da família,
mas isso nem sempre é suficiente. No epi-
sódio de Flávio Santana, tínhamos uma testemunha presencial que visualizou a execução e a orquestração da PM”, completa.
“Se não fosse por ela, é provável que ficássemos com duas versões antagônicas por
meses ou anos até.”
“A polícia de São Paulo é estruturalmente violenta e sofre ciclos de pico dessa tradição. Os dados chocam mesmo nos momentos de queda, em que a situação está
mais controlada”, aponta o deputado Renato Simões (PT). As estatísticass a respeito da violência praticada por policiais levaram à elaboração de um requerimento
para que fosse aberta uma CPI sobre a violência policial. A comissão não foi instalada, assim como outras 56 pedidas na Assembléia Legislativa desde o início do governo Geraldo Alckmin.
Se parte da polícia é historicamente vio-
lenta, algumas medidas adotadas pelo governador e por seu secretário de Segurança Pública, Saulo Abreu de Castro Filho,
contribuíram para que a situação se agravasse. “A Polícia Militar age rigorosamente de acordo com o comando. Dados da
PM no fim da década de 90 mostram que,
a partir do momento em que se adotou o
acompanhamento psicológico para policiais que participassem de ações com vítimas, o número de mortes causadas pela
famigerada ‘resistência seguida de morte’
caiu vertiginosamente”, explica o deputado estadual Ítalo Cardoso (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa.
O atendimento psicológico a que Cardoso se refere era feito pelo Programa de
Acompanhamento de Policiais Militares
Envolvidos em Ocorrência de Alto Risco
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
19
(Proar), criado em 1995 pelo governador
Mario Covas. O programa previa seis meses de reciclagem dos policiais que se envolvessem em confronto. A finalidade era
combater o estresse causado por esse tipo
de situação e diminuir o
uso de armas de fogo nas
ações. O programa conseguiu avanços em seu primeiro ano, os homicídios
praticados por policiais diminuíram de 592 em 1995
para 368 em 1996. No entanto, a forte resistência de
diversos setores da corporação e a “linha dura” adotada pelo governo Alckmin
levaram à desativação do
programa.
Outro ponto negativo
que pode ter contribuído
para o aumento nos números da violência policial foi
a desestruturação da Comissão de Controle do Índice de Letalidade por Armas de Fogo, um
grupo multidisciplinar que, junto com a PM,
estabelecia parâmetros para o treinamento
e acompanhamento de crimes cometidos
com armas de fogo. “A idéia era combater
a concepção de que se atira para matar, mas
o governo retirou o apoio oficial a essa ini-
ciativa”, lamenta Renato Simões.
“Há um problema grave de segurança
pública que se chama Saulo de Abreu”, acusa Frederico dos Santos. “À frente da Secretaria de Segurança há três anos e meio,
sabe-se comprovadamente por entidades de direitos humanos, pelo Ministério Público, que, desde
sua posse, os índices de
violência e homicídio vêm
aumentando, bem como o
número de envolvidos em
casos de corrupção e extorsão”, complementa.
“Saulo prefere apresentar
números de quantas pessoas foram mortas. No
ano passado, perto de 50%
morreram com tiro nas
costas e mais de 30% na
cabeça. Isso mostra a impossibilidade de reação”,
concorda Ítalo Cardoso.
Um dos episódios ocorridos no início da gestão do secretário dá
uma dimensão de como Abreu age. O governo estadual, paralisado por uma onda
de seqüestros e fugas de presídios, resolveu dar uma satisfação à opinião pública
com um espetáculo pirotécnico de violência. Em maio de 2003, no pedágio da ro-
A questionável
atuação do
comando da
segurança, que
incentiva as ações
truculentas, acaba
afastando ainda
mais a população
dos policiais, que
são encarados
com medo e
desconfiança
dovia que liga a Castelo Branco a Sorocaba, doze pessoas foram executadas em uma
ação que ainda pode resultar em condenação de Abreu na Justiça Federal. A “Operação Castelinho” teve a participação do
Gradi (Grupo de Repressão a Análise dos
Delitos e Intolerância) que, de acordo com
o Ministério Público, recrutava presos para participarem de ações policiais. “Tanto
no ‘massacre do Castelinho’ quanto na chacina da Favela do Coruja (seis pessoas mortas em fevereiro) fica clara a participação
da PM em ações de extermínio. No caso
Castelinho, o comando da polícia, inclusive do secretário, levou o Gradi a participar da ação”, denuncia.
A questionável atuação do comando da
segurança no Estado, que incentiva as ações
truculentas da polícia, acaba afastando ainda mais a população dos policiais, que são
encarados com medo e desconfiança. “Não
podemos correr o risco de colocar a culpa só nos policiais e tratá-los como se fossem bandidos. Isso só agrava o clima de
insegurança”, defende o padre Juarez Pedro Castro, do Movimento Nacional dos
Direitos Humanos. “Ele acaba sendo um
produto do meio, já que não possui condições dignas de salário. Isso não justifica
o erro, mas temos que entender os fatores
que facilitam a corrupção”, alerta.
Na prática, a situação dos policiais pouMÃO DE FERRO
LUIZ CARLOS MURAUSKAS/FOLHA IMAGEM
Saulo e Alckmin:
aumento da violência
e CPI engavetada
20
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
FILME DE TERROR
ANTÔNIO GAUDÉRIO/FOLHA IMAGEM
Os bandidos são violentos e a
polícia reage com mais violência: a
cidade dá o cenário e a população o
sangue. Aqui, nas escadarias da
estação Patriarca do Metrô
co mudou nos últimos anos. É o que afirma Gilberto Cintra Barra, vice-presidente
da Associação de Cabos e Soldados de São
Paulo. “Nossa reivindicação histórica é a
salarial. Estamos tentando conversar com
o governador para obter um reajuste decente desta vez”, afirma. Segundo Cintra,
os baixos salários levam a categoria a apelar para os famosos “bicos” na área de segurança, o que estressa ainda mais o policial. “Somos contra o ‘bico’, que é contra a lei, porém sabemos que 90% da PM
faz. O dado é informal, mas você pode colocar (sic) porque temos certeza dele.”
Reação da sociedade
Os constantes abusos praticados por policias levaram diversos setores da sociedade
a reagir. Os lugares mais atingidos, aqueles
localizados na região periférica das cidades
paulistas, já se organizam para combater a
violência policial. “As regiões pobres já sofrem com violências, desde a falta de saneamento básico, passando pela própria moradia e ausência de direitos elementares. Além
de todas elas, vai lá a polícia para dar sua
contribuição”, lastima Frederico dos Santos.
“O Estado se faz ausente em todas as áreas.
A única parte que chega, pra arrebentar (sic),
é a polícia”, denuncia.
Frederico e o Centro Santo Dias prestam assistência jurídica para moradores do
Parque Novo Mundo, local que constantemente apresenta casos de abuso policial.
“De tanto sofrerem com a violência, os moradores começaram um trabalho interno
para enfrentar a questão e
depois nos procuraram”,
lembra. A atitude acabou
gerando outros frutos. “Essa experiência rendeu uma
reportagem em nosso jornal interno e algumas lideranças de um outro bairro,
o Jardim Pantanal, leram e
entraram em contato conosco”, recorda.
Além da assistência jurídica, o centro Santo Dias também dá o que
Frederico chama de “apoio político”. “Isso
é o mais importante, o que dá mais resultados. É a organização popular que dá visibilidade para o que está acontecendo no
bairro, junto de um trabalho de educação
em direitos humanos, para que a população saiba sobre os seus direitos e a quem
recorrer quando acontecem determinadas
violações”, conta. “No Parque Novo Mundo conseguimos realizar audiências públicas em que estiveram, além da população
local, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Ouvidoria, a Corregedoria de Polícia, o Ministério Público e outras entidades. Assim, conseguimos alguns avanços,
como o afastamento de determinados policiais”, anima-se. Segundo ele, a comunidade atingiu uma organização tal que não permite
mais que a polícia invada
casas ou pare pessoas no
meio da rua para a famosa
“averiguação”.
“A polícia não precisa ser
letal para ser eficiente”, defende o ouvidor da Polícia
paulista Antônio Tanuri Filho. “Estamos em uma sociedade de classes e obviamente os mais pobres vão ser os mais atingidos por esse tipo de violência. Mas, se a
população se organiza, conseguimos afastar esses maus policiais e coibir essas
ações”, explica. “Na própria Ouvidoria, estamos dando mais atenção a denúncias
que vêm de entidades de classe como
ONGs, sindicatos e sociedades de bairro.
Precisamos aprofundar essa integração”,
defende. ❚
Os lugares
mais atingidos,
na periferia da
cidade, já
se organizam
para combater a
violência policial
Colaborou Anselmo Massad
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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CIÊNCIA
Sítios arqueológicos
revelam a história da
cidade e do estado
antes da colonização
portuguesa
Por Plínio Lima
SÃO PAULO
4
HÁ MIL ANOS
U
m terreno baldio, na esquina
das Ruas Jacunda com Zabumba, cercado por luxuosos condomínios e prédios de alto padrão, estava aparentemente
abandonado e vinha sendo
usado até como depósito de entulho. O que
os moradores do Morumbi, um dos mais
nobres bairros da capital paulista, não sabiam é que no local havia vestígios de que
seus primeiros vizinhos, num tempo remoto, não foram os índios Tupinambás, co-
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
mo indicavam as cartas dos jesuítas, há pouco mais de 500 anos. Mas sim caçadorescoletores (que sobreviviam da caça e da coleta de alimentos) que habitaram a região
2 mil anos antes de Cristo.
A descoberta é de pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), que se
debruçaram em três lotes de terra, num
total de 200 metros quadrados, e recolheram cerca de 100 mil lascas de pedras (silexito) e fizeram a descoberta. A área é con-
siderada de alta relevância, pois é a única
na cidade onde existem rastros de grupos
anteriores aos índios encontrados e descritos pelos portugueses.
O sítio arqueológico era uma espécie de
pedreira utilizada como fonte de matériaprima para a fabricação de utensílios e armas de caça usadas pelo homem pré-histórico. O arqueólogo Paulo Antônio de Blasis conta que esses grupos humanos chegavam a se deslocar até 40 quilômetros para
levar o material recolhido para suas aldeias.
2 MIL ANOS ANTES DE CRISTO
“O sítio do Morumbi fica a 2 quilômetros
do Rio Pinheiros e provavelmente os homens o utilizavam para transporte”, diz. Para Blasis essa comunidade de caçadores-coletores pode ter baseado sua economia na
circulação de bens, à base de trocas.
A descoberta do local ocorreu meio por
acaso. O engenheiro Casper Hans Luchsinger vez ou outra se arriscava como arqueólogo amador e, em 1964, achou que o tipo de rocha lascada encontrada no terreno pudesse ser algo interessante. Recolheu
trezentas amostras, fez relatório e enviou
ao extinto Instituto de Pré-História da
USP, onde se constatou tratar-se de algo
inédito para a cidade de São Paulo. A descoberta foi comunicada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Vestígios
No Estado, cerca de 650 sítios históricos
e arqueológicos já foram registrados pelo
Iphan, numa mostra de que o solo paulista é um terreno minado de cultura material, vestígios deixados por diversos povos.
Algumas dessas áreas são de importância
ímpar, como no Vale do Ribeira, onde os
arqueólogos localizaram a ossada humana
mais antiga do Estado, com 9,2 mil anos
de idade. Na ilha do Mar Virado, em Ubatuba, outra ossada, com idade entre 2 a 4
mil anos foi localizada em uma urna redonda, utilizada em cerimoniais fúnebres.
Os dezoito arqueólogos e dois etnólogos
do MAE – a maior equipe do país – são
sérios, minuciosos, pacientes, concentrados
e chegam a frustrar quem os imagina à semelhança do ator Harrison Ford e seu destemido Indiana Jones, personagem imortalizado nas telas do cinema. Não há buscas de grandes tesouros em terras hostis,
salvamentos de mocinhas, fuga dos vilões
e muito menos o encontro do Santo
Graal, o lendário cálice sagrado de Cristo. “O trabalho é voltado para a compreensão da evolução do gênero humano e de seus estilos de vida por meio
dos artefatos deixados pelos povos ao
longo do tempo ou pelo estudo de seus
restos mortais”, explica a historiadora e
educadora Carla Gibertoni Carneiro, de
32 anos, diretora do Serviço Técnico de
Musealização do MAE.
O professor Blasis, de 50 anos, explica que o Estado de São Paulo é uma
área de fronteira, por onde passaram
povos antigos vindos do Sul, ligados à tradição Itararé da população indígena Kaingang, e da cultura dos povos do Centro
Oriente, da tradição Itaparica. “As diferenças entre esses grupos são verificadas no
tipo de cerâmica que produziam, a pintura delas, cada qual feita de forma bem peculiar”, explica. Essas áreas, habitadas pelos dois grupos estão localizadas na região
PAULO PEPE
Explorações no terreno do Morumbi
em 2001. Hoje o local (abaixo) está
com uma obra embargada
EPITACIO PESSOA/AE
no do terreno permitiu o início de uma
exploração aprofundada quando descobriu
que sua casa não poderia ser construída.
Porém, hoje o novo proprietário recebeu
autorização para levantar um empreendimento imobiliário, sem que tenha sido realizado o resgate do material arqueológico,
gerando um entrave judicial. Em junho último, a procuradora do Ministério Público Federal, Ana Cristina Bandeira Lins fez
uma recomendação à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município que, antes de conceder alvará de
aprovação e execução da edificação, torne
obrigatória a consulta ao cadastro de registros do Iphan.
(Iphan), que cadastrou o sítio. Entretanto,
a área não foi tombada, apenas teve seu
uso restringido. Mas o que parecia um pontapé inicial para a pesquisa emperrou por
mais de três décadas.
Só em 1995, o Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura fez coleta
de material na superfície do terreno, mas
sem desenvolver o projeto. Em 2001, o do-
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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TRABALHO DE PACIÊNCIA
dos municípios de Serra Azul (vestígios de
2 mil anos atrás), Rio Claro (registros de
até 12 mil anos), Piraju (7 mil anos). Blasis também destaca a riqueza de cultura
material encontrada no litoral paulista, ligada à Tradição Sambaqui (que na língua
tupi significa monte de conchas). Na região denominada Baixada Cananéia/Iguape, no Litoral Sul, há registro material datado de cerca de 5 mil anos, antes da descoberta da escrita. Na Baixada Santista, os
vestígios são ainda mais antigos, 6 mil anos.
Os Sambaquis são os sítios arqueológicos mais comuns em todo o litoral brasileiro e consistem em montes de conchas
que variam de dois metros de altura e dez
de comprimento até 60 metros de altura
por 500 metros de comprimento. As camadas de conchas, entremeadas de terra
preta ou areia, são diferentes, o que sugere ocupação de vários povos, em épocas diversas. Além de alimentarem-se de
moluscos dessas conchas, as sociedades
sambaqueiras construíam esses montes
como verdadeiros monumentos. “Todos
os sambaquis em que eu trabalhei tinham
indícios de que eram também utilizados
em cerimônias fúnebres”, conta a arqueóloga Dorath Pinto Uchoa, de 78 anos, professora doutora de arqueologia e pré-história do Litoral da Universidade de São
Paulo.
Dorath coordena os trabalhos realizados
em um sítio arqueológico na Ilha do Mar
Virado, em Ubatuba, litoral de São Paulo.
Ela recorda que, no início da década de
1990, um assessor do engenheiro que se
diz dono da ilha, desabitada, encontrou um
artefato diferente e enviou para o então
Instituto de Pré-História da USP. As escavações foram iniciadas e as atividades estão a pleno vapor. Lá foram encontradas
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
FOTOS: WAGNER SOUZA E SILVA/DIVULGAÇÃO/MAE
Com pincéis e pequenas espátulas os
arqueólogos vão desvendando o passado
em sítios no litoral paulista
pontas de lanças, artefatos feitos com rocha lascada, ossos de animais, dentes, conchas. Também uma ossada humana dentro de uma urna funerária de forma oval.
“Certamente esses artefatos e vestígios
pertenciam a um grupo humano que viveu ali há mais de 2 mil anos”, diz. Dorath ressalta que o sítio, porém, não se trata de um sambaqui. “Encontramos indícios de que esses homens pré-históricos
tinham noções rudimentares de navegação, pois localizamos em um outro sítio,
na Rodovia Piaçaguera, perto da Cosipa
(Companhia Siderúrgica Paulista), material de solo encontrado na ilha. Isso nos
leva a deduzir que o grupo pode ter se
deslocado por meio de embarcações”, explica. Ela calcula que os homens que por
ali passaram tinham cerca de 1,60 metro
de altura. A mortalidade infantil era alta,
ocorrendo entre o período de nascimento até os 3 anos.
Nos sambaquis, sempre há indícios de
que os montes de conchas eram usados em
rituais fúnebres e normalmente os mortos
enterrados com algum artefato significativo”, lembra Dorath. Com o passar do tempo, as características nômades desses grupos foram cedendo espaço às ocupações sedentárias em aldeias. A economia forte passou a ser baseada em agricultura. “Os índios Tupi podem ter dizimado os homens
pré-históricos, mas também terem aculturado grande parte deles”, diz a professora.
Outra área arqueológica importante é o
Vale do Ribeira, no sul do Estado, próxima ao Paraná, uma das únicas no país onde existem em quantidade significativa os
sambaquis fluviais. E foi de um deles, batizado de Capelinha I, na bacia do Rio Jacupiranga, que os arqueólogos do MAE
localizaram um crânio com cerca de 9,2
mil anos, o mais antigo material humano
do Estado. A seu redor, conchas recolhidas confirmaram a idade do esqueleto préhistórico. O homem enterrado no sambaqui fluvial tinha cerca de 30 anos, 1,60 metro e traços físicos diferentes da maioria
dos habitantes da pré-história nacional,
normalmente de características orientais,
mais semelhantes aos mongóis. Esse homem tinha traços mais graciosos, era pequeno. Na região, as ossadas mais velhas
datavam de 8 mil anos e estavam em sambaquis costeiros.
Muitos estudiosos acreditam que o ser
humano chegou ao Brasil há 12 mil anos.
A recolha e o estudo de materiais arqueológicos terrestres e subaquáticos encontrados nas cidades de Cananéia, Iguape e Ilha
Comprida teve início há pouco mais de
uma década. Entre os vestígios encontrados estão os de um navio a vapor afundado em 1858, dois canhões de ferro e sobras
de um fortim do século XIX, além de inúmeros sambaquis. A necessidade de preservar a região exigiu que moradores e visitantes fossem bem informados a respeito
de sua riqueza cultural. Para tanto, o Museu de Iguape foi criado e remonta a história do município através do material recolhido em suas terras e águas. ❚
LIÇÕES PARA O FUTURO
FOTOS: PAULO PEPE
Murillo Marx, diretor do MAE:
trabalhos educativos, orientação
para professores e profissionais
requisitados por outros países.
Ao lado, Sandra e uma das bonecas
de argila dos índios Carajás
PRECIOSOS CAQUINHOS DO PASSADO
O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE) foi criado em 1989 e hoje conta com 140 mil itens arqueológicos e etnográficos. Localizado ao lado do prédio da prefeitura da
Cidade Universitária, funciona em instalações improvisadas e ainda
não tem a visibilidade pública merecida. Por ano, apenas 15 mil pessoas visitam suas instalações. Segundo a educadora Carla Gibertoni, 95% delas são de estudantes de escolas públicas e privadas.
O arquiteto, urbanista e professor Murillo Marx, de 60 anos, diretor do museu, explica que seus profissionais são requisitados para
realizar trabalhos até fora do país, como no Uruguai. “O MAE ainda
é um bebê de 16 anos, o irmão caçula dos quatro importantes mu-
seus de São Paulo”, diz.
Os artefatos do MAE são divididos em quatro categorias. Arqueologia Brasileira, Etnologia Brasileira (adquiridos em contato com tribos indígenas ainda existentes, como uma coleção de mil bonecas
de argila dos índios Carajás conseguidas pela antropóloga Sandra
Lacerda de Campos, algumas feitas no início do século passado), Etnologia Africana e Arqueologia Clássica. Murillo Marx explica que as
peças que ficam em exposição não chegam a 1% do acervo. O museu também tem trabalhos educativos na favela São Remo, vizinha
à USP, e para a terceira idade, além da orientação a professores e
da exposição permanente Formas de Humanidade.
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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PERFIL
UM CERTO
AGÊNCIA ESTADO
ERICO
O escritor gaúcho, cujo centenário de nascimento será
comemorado em dezembro, conseguiu conciliar literatura
de qualidade com alcance popular e luta por justiça social
Por Anselmo Massad
esmo nas tardes em que escrevia, ao
som do rádio ligado, dos filhos e, depois, dos netos brincando, Erico Verissimo era conhecido por manter as
portas de casa sempre abertas a visitantes, conhecidos ou não. Com
uma produção vasta de romances, biografias, traduções e livros infantis, o escritor cujo centenário de
nascimento se comemora neste ano (além dos 30
anos de sua morte) notabilizou-se como uma das
grandes figuras da literatura brasileira do século 20.
Com grande facilidade para criar empatia com as
pessoas, além de grande escritor, tornou-se referência e conselheiro de diversos aspirantes às letras.
O filho, Luis Fernando, também escritor, reforça o
traço da personalidade: “Meu pai dizia que o melhor
de ser escritor era a oportunidade de fazer amigos
M
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
através dos livros, que muitas vezes o autor nem fica conhecendo”, brinca. O fato é que poucos escritores brasileiros “conheceram” tanta gente do modo
como Erico, que experimentou grande sucesso de
vendas antes ainda do auge literário.
Erico Lopes Verissimo nasceu na cidade de Cruz
Alta, no interior do Rio Grande do Sul, a 400
quilômetros de Porto Alegre, em 17 de dezembro de
1905. A separação dos pais o levou a Porto Alegre
na juventude, onde tentou ser bancário, atividade
descrita em seu livro de memórias Solo de Clarineta: “Minha mãe me conseguira um emprego numa
casa bancária, onde, mediante um salário mensal de
oitenta mil-réis, me encarregaram de escriturar o
chiffrier, livro de importância menor, no qual cometi consideráveis erros e deixei inapagáveis borrões,
jamais conseguindo acertar um balancete na primei-
ra tentativa – coisa que deixava o nosso contador irritado. Sempre os números! Muito da literatura que
produzi naquele tempo (mas afinal de contas eu era
um desenhista ou um escritor?) me saiu em papéis
com o timbre do Banco Nacional do Comércio”.
Erico tentaria ainda uma empreitada no mundo
dos negócios em 1926, em uma sociedade na Pharmácia Central, em sua cidade natal, depois do fracasso no banco. Reforçava o orçamento com aulas
de inglês nos fundos da loja, já que a farmácia ia
mal. Com a falência do negócio, em 1930, voltou a
tentar a sorte na capital gaúcha. A publicação de alguns de seus contos em revistas rio-grandenses importantes e depois um emprego na Revista do Globo levaram-no a conviver com escritores como Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilhermino César e
outros, com os quais, à noite, freqüentava (“e contribuía para ela com meus silêncios”), a “rodinha de
chope” do Bar Antonello.
É na capital que Erico conseguiu se dedicar mais
à literatura e publicar. Fantoches é o primeiro livro,
uma compilação de contos de 1932, seguido de Clarissa, do ano seguinte. Esta última, assim como todas as doze de sua primeira fase, são um retrato do
Rio Grande do Sul, da transição de uma realidade
totalmente rural para a urbana. “A obra de Erico é
muito vasta e, como toda obra vasta, é irregular”,
avalia Flávio Chaves, professor de literatura brasileira da Universidade de Caxias do Sul-RS. “Alguns dos
livros da primeira fase envelheceram como crônica
de um determinado momento histórico”, avalia. Isso não quer dizer que sejam ruins. Chaves cita O
Resto é Silêncio e Olhai os Lírios do Campo como
obras de ótima qualidade, sendo que a última foi a
mais vendida da história da literatura brasileira à
época, com quase 1 milhão de exemplares comercializados em 1938.
Esse é um aspecto que diferencia Erico de outros
autores: a capacidade de criar personagens e tipos
de grande identificação popular, por parecerem extremamente reais. Para Flávio Aguiar, professor de
Literatura da USP e coordenador da reedição de toda sua obra pela Companhia das Letras, o recurso
utilizado consiste numa economia de descrições,
sempre apresentando paisagens e cidades por meio
do olhar dos personagens e de seus sentimentos, o
que os valoriza e os aproxima de quem lê. Assim
como outros autores da geração de 30, como João
Guimarães Rosa e José Lins do Rego, há um forte
traço regionalista nas narrativas, mas que tocam
questões universais. “O Rio Grande do Sul é o mundo de Erico”, lembra Aguiar. “Ele era discretamente apaixonado por sua terra de origem, mas veja
bem: era um gaúcho ‘cidadão do mundo’, que tinha horror a qualquer provincianismo ou bairrismo”, conta.
Em sua autobiografia, sobre sua relação com os
leitores, conta que encontrou um “gauchão simpático” na cidade de Uruguaiana. Leitor, ele confessou que, ao terminar o capítulo de O Continente,
uma das partes de O Tempo e o Vento em que é
descrita a morte do Capitão Rodrigo, “não pôde
conter o pranto, e naquele dia ficou em casa, de
luto, como se tivesse perdido um membro da própria família”.
Romance histórico
Esse é um dos aspectos que ganha espaço na segunda fase da produção, inaugurada com sua obraprima, O Tempo e o Vento. É um romance histórico
marco na literatura brasileira. A obra é dividida em
três partes, publicadas em sete volumes, no total: “O
Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago”. A história rio-grandense de meados do século 18 até a
queda do presidente Getúlio Vargas, em 1945, é pano de fundo para histórias pessoais ficcionais.
Os mais conhecidos são Ana Terra e Capitão Rodrigo Cambará, representantes das duas famílias que
conduzem toda a narrativa. De certo modo, ambos
são símbolos de gaúchos. Obstinada, Ana Terra passa por toda sorte de dificuldades. Estabelece a relação entre o vento (do título) e acontecimentos importantes, que lhe despertam a memória feminina.
Quanto ao Capitão, um sinal da fibra e da coragem podem ser notados em sua convicção em recusar se confessar a um padre quando parecia agonizar, depois de ferido em duelo: “Nunca acreditei em
padre, igreja, santo e essas coisas de religião. Veja
bem, amigo Juvenal. Se eu morresse sem me confessar e depois descobrisse que havia outra vida... bom,
eu sustentava a nota e agüentava os castigos porque
não havia outro remédio. Se eu me confessasse e não
morresse, ia ficar com uma vergonha danada de ter
me entregado só por medo da morte. Todo mundo
ia dizer que afrouxei o garrão, e isso, amigo, era o
diabo... (...) Agora, se eu me confessasse, tomasse a
comunhão e morresse... e se houvesse um outro mundo e Deus e mais essas lorotas todas, o que é que
acontecia? Acho que Ele logo ia ver que eu tinha me
confessado só por conveniência e aí não valia de nada o arrependimento. (...) E se eu morresse e não
encontrasse nada do outro lado, então... então nada
tinha importância e tudo estava muito bem”.
A influência de O Tempo e o Vento transcende a
literatura brasileira. O colombiano Gabriel García
Márquez declarou que a cidade imaginária de Macondo, em torno da qual se desenrola seu Cem Anos
de Solidão (1967), inspira-se na cidade imaginária de
Santa Fé, onde se passa grande parte da ação do romance. Junto de outros autores latino-americanos,
Erico e García Marquez fulguram entre escritores que
participaram de uma revisão da identidade histórica do continente por meio da literatura.
A partir dali, os livros tornaram-se mais e mais politizados. “O Prisioneiro (1970) discute tortura, e Incidente em Antares (1971) é um grito de liberdade, ambas em pleno regime militar”, aponta Chaves. O dito
incidente na fictícia cidade de Antares é uma greve de
coveiros. Não exatamente a greve, mas a conseqüência dela, após a morte de sete habitantes da cidade.
Sem ter quem os enterrasse, eles voltam para devassar
a vida política e moral da cidade, controlada por duas
famílias tradicionais que se unem apenas no combate
às lutas operárias. Sem nada a perder, ficam livres para revelar as mazelas e a podridão moral dos amigos
e poderosos. Metáforas muito atuais. ❚
A separação
dos pais
levou Erico
Verissimo a
Porto Alegre
na juventude,
onde tentou
ser bancário,
atividade
descrita em
seu livro de
memórias
Solo de
Clarineta
REVISTA DOS BANCÁRIOS |
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T R A D I C¿ Ã O
SENTA
QUE LÁ VEM
HISTÓRIA
A tradição de encantar crianças
não sai de moda e é retomada em
livrarias, teatros e hospitais com
interatividade e uso de objetos
cênicos Por Clara Quintela
28
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
tribo se reúne ao redor do fogo, enquanto os caçadores contam como foi o dia.
Milhares de anos depois, uma menina se
prepara para entrar no mundo dos sonhos ouvindo histórias fantásticas no colo da avó. Num sábado à noite, as televisões são desligadas e os computadores desconectados
para que, ao redor de uma pizza, o casal de amigos
conte como foi a viagem de férias. Separados por
dias, anos, séculos, os eventos relembram o fascínio
do ser humano de contar e ouvir histórias. Reais ou
fictícias, fantásticas ou dramáticas, tristes ou alegres.
De gente, de assombração, de bicho, de coisa. Há
sempre um gênero para cada gosto.
Há quem goste de lê-las. Outros preferem ver e
ouvir, no cinema ou no teatro. Mas o jeito primitivo, a forma oral, não sai de moda. Quando alguém
diz “era uma vez”, é hora de prestar atenção. E os
bons contadores procuram dar cor àquilo que des-
A
FOTOS: GERARDO LAZZARI
ERA
UMA VEZ
A atriz
Kiara Terra conta
histórias numa
livraria desde
2001
crevem. Mudam de voz, imitam os sons dos fenômenos atmosféricos e o rugido das feras. Atribuem significados a objetos. E se especializaram tanto que
criaram uma profissão.
É o caso da atriz Kiara Terra, 27, que conta histórias para crianças desde 1998. Tudo começou
acidentalmente, quando algumas pessoas de uma
editora a viram numa peça e a chamaram para fazer um teste. Kiara não parou mais. Desde 2001,
trabalha sozinha numa das lojas da Fnac, rede de
livrarias em São Paulo. Ela ressalta a importância
de contar histórias hoje. “A gente vive num mundo com poucos espaços públicos e pouca convivência. Antigamente as famílias eram mais numerosas. Além disso, havia mais praças, mais quintais, mais brincadeiras na rua. Hoje, o pouco espaço que sobra fica na escola. Daí, as sessões de
histórias que estimulam a criança a ouvir o outro, a trocar idéias”.
Funciona mesmo. Os pequenos mergulham tão
fundo na história que querem tomar parte da trama.
Em vez de apenas ouvirem, debatem e propõem soluções criativas para os personagens. Kiara chama de
“história aberta” esse método de contar um conto
com a participação do público. “O motivo da história é também ouvir o que as crianças têm para dizer. Às vezes elas inventam ou contam coisas da sua
própria experiência. E é comum a história final ficar
mais interessante do que a escrita no livro”.
Ela recorda respostas surpreendentes, dadas por
crianças menores de 10 anos:
– O que é o rio?
– É um caminho que vai.
– O que é o vento?
– É o que leva tudo para cima.
– Quem fez Deus?
– Foi o Mistério.
Manter o interesse de crianças com idades diferentes é outro desafio. “Eu costumo dizer que cada idade tem uma sabedoria. Mas nesse momento o maior
ouve a pergunta do menor, o pequeno pode se interessar pelo que o grande perguntou, todos riem juntos e a experiência fica mais rica”. Como a atenção do
público infantil se dispersa facilmente, Kiara usa objetos abstratos ou utensílios comuns de cozinha. A platéia atribui significados a eles à medida que se fazem
necessários à trama. “É uma cobra”, diz um menino
de 3 anos quando perguntado sobre um pedaço de
cano. Um fio de lã pode virar a vida e as memórias
de uma avó, onde estão amarradas diversas lembranças como um saquinho de pão e fitilhos de cetim.
Reais ou
fictícias,
fantásticas ou
dramáticas,
tristes ou
alegres.
De gente, de
assombração,
de bicho, de
coisa. Há
sempre um
gênero para
cada gosto
O tapete mágico
Outro método de contar histórias é o do grupo
de teatro carioca Os Tapetes Contadores, que prefere usar cenários de tecido, cheios de bolsos, por
onde os personagens passeiam e a história se desenvolve. Nascido em 1998, o grupo é formado por sete amigos que se conheceram na faculdade de Artes Cênicas da UniRio. Depois de algum tempo de
trabalho juntos, Os Tapetes se estruturaram como
grupo e ganharam o mundo, apresentando os trabalhos de contação de histórias. Além de apresenREVISTA DOS BANCÁRIOS |
29
FOTOS: GERARDO LAZZARI
ALEGRIA
E DISTRAÇÃO
Márcia (acima) e Maria
José, voluntárias da
Associação Viva e Deixe
Viver, contam histórias
para Tiago e Ben Hur
30
| REVISTA DOS BANCÁRIOS
tações no Brasil, também participaram de festivais
na América Latina.
“Contar histórias é importante porque o ser humano é ávido por experiências, principalmente a
criança, porque ela está descobrindo o mundo. A história é uma maneira de estabelecer uma relação entre o adulto e a criança para passar a sabedoria dos
mais velhos através da narrativa”, diz Warley Goulart, um dos integrantes do grupo.
O grupo reduz a interação e prefere que as crianças mais assistam que intervenham. Apesar disso e
da utilização de recursos cênicos, os atores garantem
que o resultado final está longe do teatro. “A gente
não mantém uma ‘relação espetacularizada’. Não usamos os recursos do teatro, como iluminação especí-
fica e trilha sonora, embora às vezes criemos músicas para contar determinada história. Tudo se baseia
numa relação bem simples, que é o ato de narrar e
sugerir uma animação com o material”, explica Warley. Ele também descarta qualquer semelhança com
o teatro de bonecos, visto que não existem diálogos
entre os personagens; é o narrador que promove a
comunicação entre eles enquanto a história se desenvolve.
Então, para que usar objetos? Assim como Kiara,
Warley diz que isso prende a atenção das crianças.
“A maneira como a gente trabalha com a palavra e
com o material faz com que elas fiquem mais mergulhadas no enredo. Por mais que queiram participar, sabem que escutar é muito importante”. Aí é
possível que a história cumpra sua função pedagógica, que é trabalhar valores. “Quando uma avó conta uma história, ela propõe uma questão para o neto”, diz Warley. “A história é um pretexto para tocar
num assunto de uma maneira abstrata e não falar
diretamente, ‘você não deve falar com estranhos porque é perigoso’ ”.
Há sempre a possibilidade de haver na platéia
uma criança mais dispersa, que demora a entrar no
clima. “Eu percebo que é uma questão sociocultural. Quando a gente se apresenta numa comunidade carente, normalmente a criança respeita o universo imaginário que se propõe para ela. Tem mais
abertura. O ser humano é ávido por novidades,
quando você propõe algo novo, ela compreende que
aquilo é um espaço misterioso, um lugar vivo e se
interessa. Ela se pergunta ‘o que é isso?’ e quer tomar parte. É uma maneira responsável de se relacionar com elas”.
gostam bastante. No hospital elas ficam ociosas e as
histórias levam um pouco de distração a elas”.
As crianças adoram. Ben Hur, 7 anos, está internado há quase quatro meses. A mãe, a professora
Marcklane Metzker, manteve a rotina de estudos
para que o filho não tivesse que repetir a 2ª série.
Mas nas tardes de quarta-feira há outra atividade.
As contadoras ficam 20 minutos com Ben Hur, que
no fim também lê uma história para elas. “É um
paliativo, mas ajuda. Ele passa por uma rotina pesada para um menino de sua idade e fica cabisbaixo na maior parte do tempo, mas a gente vê uma
mudança no humor quando elas chegam aqui”, diz
a mãe.
Tiago dos Santos Alves, 2, companheiro de quarto de Ben Hur, participa da agitação, mesmo sem
entender. Ele fica em pé na cama ao lado, segurando na grade e sorrindo com as duas visitantes coloridas. Depois é a vez dele. A história escolhida veio
num livro cheio de figuras em relevo sobre um papagaio. Ana Lina de Souza Alves, tia de Tiago, também é só sorrisos: “Distrai a gente, né?”.
Ela não foi a única adulta a se divertir naquela tarde. A agente de turismo Terezinha de Jesus Lopes
Santos, 54, estava internada há 11 dias quando recebeu as contadoras que lhe relembraram a lenda da
serpente adormecida no subsolo da sua terra natal,
São Luís, Maranhão. Depois foi a vez de Terezinha,
que, como boa agente de turismo, falou da história
de Ana Jansen, também personagem famosa do folclore local. No final da sessão, paciente e contadoras
enriqueceram suas histórias. “Foi muito bom, muito gratificante. Um momento de prazer. Quem está
passando por um problema como eu, sempre sente
aquela tristeza. Faz bem para a alma e para o físico
quando chega alguém para conversar com a gente”,
diz Terezinha. “Eu não pensei que ia rir tanto e ficar tão bem hoje.” ❚
Há sete anos
foi fundada a
Associação
Viva e Deixe
Viver, uma
ONG voltada
para a
formação de
contadores
de histórias,
que presta
serviços em
diversos
hospitais em
São Paulo
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Histórias para o coração
Prova de que sempre há espaço para uma boa história é o crescimento dessa atividade longe de espaços relacionados à educação e cultura. Há sete anos
foi fundada a Associação Viva e Deixe Viver, uma
ONG voltada para a formação de contadores de histórias, que presta serviços em diversos hospitais em
São Paulo. Os voluntários fazem curso que dura um
ano, em que são avaliadas a dinâmica e a assiduidade, até serem considerados aptos a contar histórias
mundo afora.
Uma das contadoras aprovada após a seleção foi
a professora Márcia Freitas. Mesmo com dois empregos, Márcia dedica as tardes das quartas-feiras para contar histórias para os pacientes da ala pediátrica do Hospital do Câncer. Formada em Pedagogia,
sempre deu importância ao hábito da leitura e colabora com esse projeto há quatro anos. “As histórias cativam as pessoas, grandes ou pequenas, porque assim você vive outras realidades”, diz.
Como o público-alvo são as crianças, o uniforme
é característico. Márcia usa um jaleco com bonecos
aplicados, tiara de plumas e uma sacola cheia de livros para faixas etárias diferentes. O trabalho com
pessoas doentes tem regras: nunca mencionar a doença, não perguntar há quanto tempo o paciente está
internado ou sobre o tratamento, nem falar em “semana que vem”. “O propósito é simplesmente contar histórias, não lê-las. O contador tem que envolver o ouvinte”, explica Márcia.
Outra contadora da Associação e parceira de Márcia nas tardes de quarta é a funcionária pública aposentada Maria José Limberto. Ela ficou sabendo do
trabalho desenvolvido pela ONG há dois anos pelo
rádio. Ao ouvir a história do Uirapuru contada por
outro voluntário, resolveu participar. Há dois meses,
Zezé, como ela prefere ser chamada, conta histórias
no hospital com auxílio de dobraduras. “As crianças
CENÁRIOS DE TECIDO
A turma carioca do Os Tapetes Contadores
prende a atenção da criançada com
objetos e personagens de pano
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VIAGEM
À
MODA
INGLESA
Lugar de onde se vê
o mar, Paranapiacaba
leva a um passeio pela
história e pelas trilhas
da Mata Atlântica
Por Luciana Mendes.
Fotos de Jailton Garcia
ercada pela Mata Atlântica, a Vila de Paranapiacaba encanta por
seu estilo europeu, com casinhas
avermelhadas de madeira, que
dão a sensação de conhecer uma
típica vila inglesa. No meio da
tarde, o forte nevoeiro reforça a impressão.
Construída a partir de 1860, surgiu como
acampamento para os trabalhadores das
obras da ferrovia, a São Paulo Railway. Mas
Paranapiacaba, que significa “lugar de onde se vê o mar”, hoje proporciona uma viagem no tempo e um retorno à natureza.
A vila tornou-se parte do patrimônio
histórico por decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) e tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São
Paulo (Condephaat). Paranapiacaba também está entre os 100 monumentos mais
importantes do mundo, de acordo com a
World Monuments Fund, uma organização não governamental norte-americana,
que atua na área de preservação do patrimônio histórico e cultural.
Tudo começou em 1856, quando o governo brasileiro concedeu autorização para que Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, buscasse no exterior uma
C
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
Castelinho:
preservação da
memória
Até no “fog”
a Vila remete
aos ingleses
companhia disposta a construir uma estrada de ferro de Jundiaí, importante ponto
de comunicação com o interior do Estado,
ao porto de Santos. Tempos depois surgiu
a SPR, financiada com capital nacional e
inglês, com direito a explorar o trecho por
90 anos. As dificuldades para a subida da
serra deram origem ao acampamento dos
operários formado por casas de pau-a-pique e sapê. Foram ocupados dois pontos,
um deles no Alto da Serra, embrião da futura Vila de Paranapiacaba.
Sem planejamento, o acampamento tinha traçado irregular e ficou conhecido como Vila Velha ou Varanda Velha, onde se
instalavam os trabalhadores e prestadores
de serviços. Em 1874, a partir da pressão
do governo imperial, a empresa transformou o antigo pátio de manobras local em
uma estação.
A partir de 1895, após a duplicação da estrada, a empresa construiu uma vila planejada para abrigar os trabalhadores. Foram
trazidos da Inglaterra muitos profissionais,
como engenheiros, técnicos e também os
materiais utilizados para a construção do local. Isso fez com que a vila, na época chamada de Alto da Serra, adquirisse um ar britânico e um relógio nos moldes do famoso
Big Ben, assim como o original, construído
Museu Funicular
na Inglaterra em 1888.
Em 1897, foi inaugurada a Vila Nova ou
Martin Smith, homenagem a um dos primeiros diretores da companhia. Dividida
em quadras, com as vias principais, secundárias e vielas, obedecendo a uma hierarquia. Acima de todas, a residência do engenheiro-chefe, o Castelinho, que tornouse restaurante e garante uma vista panorâmica. Abaixo, as casas dos engenheiros, seguidas das construções geminadas de duas
moradias, destinadas aos chefes da estação,
e as geminadas de quatro residências, ocupadas pelos ferroviários que tinham famílias. Finalmente, os alojamentos para solteiros, que tinham de dez a vinte quartos.
O Museu Castelinho hoje expõe objetos
e instrumentos de trabalho dos ingleses e
funciona como sede do Centro de Preservação da Memória de Paranapiacaba. Há
o Museu Funicular, instalado nos galpões
que abrigaram as máquinas para movimentar as locomotivas.
Ecoturismo
Localizada na região sudeste do município de Santo André, além das edificações
históricas, há também ótimas opções para
os amantes de ecoturismo. Em 2002, o município de Santo André comprou a vila e,
Residências foram
transformadas em
hospedarias
O Clube
Lyra foi todo
restaurado
Monitores estão em
todas as partes...
aos poucos, vem transformando o local.
Foi atrás de parceiros para trazer de volta
um pouco do antigo charme à vila, cenário do primeiro jogo de futebol do país,
promovido por Charles Miller, funcionário da São Paulo Railway. Entre as ações
estão a recuperação de prédios históricos
e o treinamento dos habitantes para receber os turistas.
Entre os imóveis reformados estão a Casa Fox, construída entre 1897 e 1901, o
Mercado Municipal, de 1899, o Clube
União Lyra Serrano, de 1938, o Castelinho,
de 1897, e o relógio, de 1898, fabricado em
Londres, que ainda mantém o mecanismo
interno original.
Atualmente são cerca de 1,5 mil moradores, sendo que muitos deles passaram
Tony
Gonzagto:
recebendo
em casa
...para atender ao renovado
interesse pela Vila
por programas de qualificação para trabalhar com os turistas, que são recebidos em
suas próprias casas. Nove das 13 hospedagens existentes oferecem pernoite e café da
manhã. Os preços são acessíveis. Também
há nove ateliês-residência, onde os artistas
abrem suas casas e expõem trabalhos.
É o caso do artista plástico Tony Gonzagto, de 59 anos, que há cinco mora em
Paranapiacaba. “É muito bom trabalhar e
morar no mesmo local. Receber os turistas dentro da minha casa. Estou sempre
conhecendo pessoas bacanas e expondo
minhas peças”, diz. O mesmo sistema foi
implantado na área de alimentação, onde
33 casas da vila servem comida caseira, quitutes, petiscos, lanches, chás e bolos. Boa
pedida é saborear na Flor da Benedetti o
croquete de jabá com provolone, além da
pinga de aquário, que leva gengibre e mel.
A cachaça fica exposta em um aquário vertical. O cliente mesmo pode se servir.
Outra opção é o passeio no Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, onde funciona o sistema de captação
de água da vila e são desenvolvidas atividades de educação ambiental com estudantes. São cerca de 4 milhões de metros quadrados de Mata Atlântica preservada. História e natureza se misturam. Há três tri-
Turistas tomam as ruas durante
o festival de inverno
lhas no parque com visitação controlada,
realizada com monitores ambientais, moradores da vila que foram capacitados pela prefeitura em conjunto com o Instituto
Florestal. O parque fica aberto à visitação
pública de terça a domingo, das 8h às 17h.
Na Trilha da Pontinha, com pouco mais
de 1 quilômetro, é possível apreciar muitas espécies da flora, como o manacá-daserra e as bromélias. Na Trilha da Água Fria,
o percurso é de 1,2 quilômetro pela mata
e dura cerca de 30 minutos, chegando à cachoeira do mesmo nome. Na Trilha da Comunidade, a caminhada é mais longa, 1h30
de subida, mas garante uma paisagem maravilhosa
do topo da serra. ❚
SERVIÇO
Como chegar de carro: seguir pela Via Anchieta até
o km 29 (placa para Ribeirão Pires), entrar na SP
148 (Estrada Velha de Santos) até o km 33 e pegar a Rodovia Índio Tibiriçá (SP 31) até o km 45,5.
Daí pegar a SP 122 direto a Paranapiacaba. Ônibus: do Terminal Rodoviário de Santo André (Tersa) a cada 30 minutos; ou de Rio Grande da Serra a cada hora. Trem e ônibus: a cada 20 minutos
saem da Estação da Luz, tendo como trecho final
a Estação de Rio Grande da Serra. Depois pegar o
ônibus da integração de uma em uma hora.
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ARTIGO
TRANSPARÊNCIA
NOS FUNDOS DE PENSÃO
Participação dos trabalhadores aumenta controle
na utilização e aplicação de recursos para que fundos
cumpram sua função Por José Ricardo Sasseron
s fundos de pensão brasileiros começaram a ser criados na década de 70 e
garantem aposentadoria complementar a quase 2,5 milhões de trabalhadores. Concebidos no regime financeiro
de capitalização, acumularam quase
300 bilhões de reais nesse período – soma que chama a atenção e desperta interesses poderosos.
De início, eram controlados exclusivamente pelas empresas patrocinadoras, que indicavam todos
os seus dirigentes. Como grande parte deles era patrocinada por empresas públicas, tornava-se muito
grande o poder de interferência de governos e de
empresários que viviam à sombra desses governantes. Assim acumularam-se denúncias de investimentos mal feitos e prejuízos aos participantes. Se,
nos fundos de estatais essas denúncias vinham à
luz, nas empresas privadas nem apareciam, pois a
imagem de caixa-preta se lhes aplicava muito bem.
Ao verem seu patrimônio em risco os trabalhadores, por meio de seus sindicatos e associações de
aposentados, passaram a reivindicar participação
nos organismos de gestão. Desde o início da década de 80 vieram conquistando o direito de eleger
diretores, conselheiros deliberativos e fiscais e dividiram o poder absoluto das empresas, até que o
Congresso Nacional reconheceu a importância desse espaço democrático em 2001. Os parlamentares
aprovaram a nova legislação, que obrigou os fundos de empresas estatais a cederem metade das vagas nos conselhos deliberativo e fiscal para participantes eleitos pelos trabalhadores e um terço das
vagas nos fundos de empresas privadas.
Com esse avanço, a transparência vai se implantando e os participantes firmam sua convicção de
que as reservas previdenciárias são de sua propriedade, e não da empresa que fez parte das contribuições. A fiscalização passa a ser uma preocupação central e permanente e as informações aos participantes são obrigatórias.
Esse movimento de democratização produziu
muitos frutos. Hoje todo participante tem, obrigatoriamente, de receber cópia de estatutos, regulamentos, balanços e balancetes, informações sobre investimentos e rentabilidade, valor de suas reservas, gastos com consultorias e advogados, entre
outras informações. Os investimentos devem ser
feitos segundo critérios técnicos e obedecem a pa-
JAILTON GARCIA
O
José Ricardo Sasseron
é presidente da
Associação Nacional
dos Participantes de
Fundos de Pensão
(Anapar) e conselheiro
deliberativo eleito
da Previ
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| REVISTA DOS BANCÁRIOS
râmetros estabelecidos em legislação, os fundos
têm de se submeter a auditoria interna e externa
e a fiscalização permanente da Secretaria da Previdência Complementar (SPC). São também obrigados a criar mecanismos de controles internos e
implantar processos de decisão que deixem claras
as responsabilidades de funcionários e dirigentes,
que podem ser punidos pessoalmente por eventuais irregularidades.
Até 2001, as penalidades por irregularidades praticadas nos fundos recaíam sobre as próprias entidades. A partir daquele ano, dirigentes, funcionários
e até consultores podem arcar com pesadas multas,
caso pratiquem algum ilícito ou serem inabilitados
para o exercício de atividades em fundos de pensão.
Mas mesmo com todo controle e fiscalização,
os fundos não estão imunes a perdas. Por exemplo, vários deles sofreram prejuízos no Banco Santos – em alguns casos por deficiência nos critérios de análise de risco; em outros, por má-fé de
dirigentes e funcionários; e, em outros, pela sedução das elevadas taxas pagas pelo banco em fase pré-falimentar.
Houve demissão de dirigentes e gerentes, multas
foram aplicadas pela SPC e processos de decisão
precisam ser revistos. As perdas aconteceram tanto
em fundos patrocinados por empresas privadas como por empresas públicas federais e estaduais. As
mais freqüentes aconteceram exatamente nos institutos de servidores públicos municipais e estaduais
– cujos participantes não conquistaram o direito de
eleger representantes.
Como efeito benéfico da transparência, podemos
citar outro exemplo: a derrota imposta pelos fundos de pensão ao banqueiro Daniel Dantas. No processo de privatização das empresas de telefonia do
governo FHC, dez fundos de pensão se tornaram
sócios de Dantas e do Citigroup na Brasil Telecom,
Amazônia Celular e Telemig Celular. Ajudado e protegido por FHC, Dantas montou uma complicada
teia de fundos de investimento e firmas de papel
para controlar as empresas, em prejuízo dos fundos. Liderados pela Previ, os fundos estão vencendo longas disputas judiciais, afastando Dantas do
controle das teles e recuperando o valor dos investimentos. E isso só foi possível graças à interferência decisiva de dirigentes eleitos pelos trabalhadores na Previ e em outros fundos. ❚