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Transtornos Globais do Desenvolvimento – Referencial Teórico
TEXTO 1 - INTRODUÇÃO AOS TGD
O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento. Ele não é um
distúrbio mental, ou seja, não é uma psicose ou esquizofrenia, nem constitui
um atraso no desenvolvimento, mas envolve um desvio do desenvolvimento.
Isto é, o desenvolvimento da criança se dá de forma atípica.
Foi descrito pela primeira vez em 1943, por Leo Kanner (1997), um
psiquiatra austríaco radicado nos EUA. Hoje, o autismo é classificado como um
dos cinco Transtornos Globais do Desenvolvimento descritos nos instrumentos
oficiais de diagnóstico – o DSM-IV-TR, elaborado pela Associação Americana de
Psiquiatria (APA,2002), e a CID 10, pela Organização Mundial de Saúde (OMS,
1998).
Os cinco Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), segundo o
DSM-IV-TR, são:
 Transtorno autista, autismo, autismo da infância, autismo de Kanner e
mais recentemente chamado pela literatura científica, Transtorno do
Espectro Autístico (TEA). Caracteriza-se por desenvolvimento anormal ou
alterado antes dos 3 anos de idade e perturbação no funcionamento de
três domínios em especial: interações sociais, comunicação e
comportamento focalizado e repetitivo.
 Transtorno de Asperger, síndrome de Asperger – pronuncia-se Ásperguer
- é caracterizada por problemas nas habilidades sociais e por
comportamentos ou interesses restritos e repetitivos. Embora não se
perceba atraso no desenvolvimento da linguagem, trata-se de uma
linguagem literal, e a pessoa com a síndrome de Asperger geralmente
não entende piadas, metáforas ou linguagem não verbal. Há grande
dificuldade para compreender as intenções e os sentimentos de outras
pessoas.
 Transtorno de Rett, síndrome de Rett é caracterizada por nascimento
sem intercorrências e desenvolvimento inicial aparentemente normal,
seguido de estágios de estagnação do desenvolvimento e de perda de
habilidades adquiridas. Afeta predominantemente crianças do sexo
feminino, e é bastante rara nas crianças do sexo masculino. Diferente
dos demais TGD, evolui com prejuízos motores, musculoesqueléticos,
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gastrointestinais e respiratórios muito graves. Caracteriza-se, ainda, por
apraxia manual e movimentos estereotipados constantes das mãos.
 Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGDSOE) é assim considerado por não atender aos critérios das demais
categorias. As características comumente vistas são problemas na
comunicação, na interação social e comportamentos incomuns.
 Transtorno Desintegrativo da Infância é o subtipo mais raro nos TGD,
caracterizado por desenvolvimento normal até os 5 ou 6 anos de idade,
quando inicia uma regressão no desenvolvimento seguida de perda das
habilidades já adquiridas.
Atualmente, tem sido proposto o termo Transtornos do Espectro do
Autismo (TEA) para referir-se ao autismo, à síndrome de Asperger e ao
TGD-SOE, por serem condições que partilham aspectos bastante
comuns, e bem diferentes daqueles observados na síndrome de Rett e
no transtorno desintegrativo da infância.
Lampreia, C. 2013
Nascimento, R.T. 2012
OBSERVAÇÃO: Nesta web vamos abordar
Transtornos do Espectro do Autismo – TEA.
especificamente
os
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TEXTO 2 - O DESENVOLVIMENTO DA COGNIÇÃO SOCIAL DE
ALUNOS COM TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO
NA ESCOLA
A conduta social é sustentada e elaborada por processos cognitivos
superiores. Compõem a Cognição Social a compreensão dos próprios
sentimentos e ações e sua correspondência nos indivíduos da mesma
espécie, bem como o reconhecimento de como as outras pessoas se
sentem.
A Cognição Social começou a ser pesquisada no início dos anos 70.
Lamb e Sherrod (1981) destacaram que a Cognição Social situa-se na
interseção de várias áreas: perceptiva, cognitiva, social, emocional e
desenvolvimento da personalidade. Durante o desenvolvimento humano,
desde as primeiras relações com o primeiro cuidador (na maioria das
vezes, a mãe), até aquelas estabelecidas em ambientes socialmente
mais amplos, dentro e fora da família, a criança vai acumulando
experiências sociais, afetivas e cognitivas que possibilitarão estruturar
sua conduta social de forma cada vez mais complexa. Por meio dessas
experiências, a criança vai adquirindo a capacidade de identificar e
reconhecer objetos sociais, de fazer inferências sobre os
comportamentos e emoções das outras pessoas, e de atribuir significado
às experiências sociais. O córtex pré-frontal encontra-se diretamente
implicado no desenvolvimento da Cognição Social e, portanto, na
conduta social. O estudo de pacientes lesionados revela que pacientes
com lesão pré-frontal têm dificuldades na tomada de decisões e no
raciocínio social.
Segundo Damásio (1994), [...] tomar decisões é escolher uma opção
de resposta entre as muitas possíveis num determinado momento e em
uma determinada situação. Supõe conhecer:
(1) a situação que exige tal decisão;
(2) as distintas opções de ação;
(3) as consequências imediatas ou futuras de cada uma das ações
(BUTMAN & ALLEGRI, 2001, p. 276).
A Cognição Social, a Função Executiva e a Teoria da Mente estão
mutuamente relacionadas. A conduta social pressupõe antecipação,
flexibilidade, destinação de significado e objetivos - próprios da Função
Executiva. Da mesma forma, é preciso inferir processos mentais,
pensamentos, intenções e emoções nas outras pessoas, para sustentar
uma conduta social eficaz, que tem relação direta com o que vimos em
relação à Teoria da Mente.
Uma vez definido o conceito de Cognição Social, é de fundamental
importância para o desenvolvimento do trabalho escolar com as crianças
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e adolescentes com TGD a compreensão de que a escola está
diretamente implicada no desenvolvimento dessa função mental de todos
os seus alunos.
A educação, por décadas, pautou suas práticas em uma concepção
de inteligência, resultante de uma compreensão incompleta do
desenvolvimento humano. Por mais que, entre os subsídios teóricos
utilizados para se compreender e se empreender os processos de ensino
e aprendizagem, houvesse aqueles que apontavam outros caminhos, tais
processos revelaram uma segmentação entre os aspectos emocionais,
sociais e intelectuais do desenvolvimento.
Por consequência, os
aspectos socializadores do ambiente escolar foram relegados ao campo
recreativo e espontâneo, nem sempre sendo mediados pela escola ou
tratados como objetivos de aprendizagem. Além disso, não foram
reconhecidos neles o desenvolvimento de funções cognitivas, que lhes
são inerentes e que são fundamentais para alicerçar todos os processos
de ensino e aprendizagem empreendidos pela escola. Prova disto é que,
atualmente, ouvimos de forma recorrente dos profissionais da escola, em
relação aos alunos com deficiência, questões como: "Este aluno está na
escola só para se socializar?". Ou constatações como: "na socialização
este aluno está bem, mas no cognitivo não desenvolveu nada!".
No desenvolvimento da maioria das crianças e adolescentes, a
aquisição das competências relativas à Cognição Social ocorre sem
dificuldades aparentes e nem sempre se torna objeto da reflexão,
mediação e intenção pedagógicas. Para as crianças e adolescentes com
TGD, os prejuízos na aquisição destas competências solicitam da escola
o reconhecimento da dimensão cognitiva da aquisição do conhecimento
social e dos processos que sustentam a conduta social no âmbito da
ação escolar. Não podemos deixar de mencionar que tal reconhecimento
provocará intervenções pedagógicas que favorecerão o desenvolvimento
da Cognição Social de todos os alunos, considerando que, em muitos
casos, a ausência de dificuldades é apenas aparente. Segundo Forgas
(2001 apud RAMIRES, 2003, p.409), o afeto não é uma parte incidental,
mas sim é parte inseparável de como nós vemos e representamos o
mundo em volta de nós.
Concordamos com este autor [Forgas] e também com Cicchetti e
Pogge-Hesse (1981), quando alertaram que para o estudo das emoções
é importante que os teóricos do desenvolvimento assumam algumas
posições com relação à determinação do papel da criança na construção
da realidade, no sentido de considerá-la como um construtor ativo ou
receptor passivo do ambiente e considerar como a criança representa a
informação que capta no ambiente. Também é necessário especificar o
papel que é atribuído ao ambiente no processo do desenvolvimento. E,
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sobretudo, é importante levar em conta que o relacionamento entre
cognição e emoção é crucial para a compreensão do desenvolvimento
em geral (RAMIRES, 2003, p. 409).
Os prejuízos nas áreas do compartilhamento social, da comunicação
e dos interesses apresentados pelas pessoas com TGD podem ser
compreendidos também na perspectiva de um prejuízo na Cognição
Social.
O fato de que a Cognição Social é um processo desenvolvido
por meio dos vínculos de apego, das experiências sociais e da exposição
ao meio social e a seus signos torna a inclusão escolar, para o aluno com
TGD, uma oportunidade de acesso sistemático às fontes de aquisição de
tal processo.
Mesmo permanecendo o transtorno, a criança ou
adolescente com TGD poderá ampliar suas possibilidades de lidar com o
meio social, com signos sociais e de apropriar-se de referências de
conduta e de interação, uma vez inseridos na escola comum. Para uma
parte significativa dos alunos com TGD, durante um período de tempo,
por ocasião do ingresso na escola, os esforços estarão concentrados na
apropriação do conhecimento social. A escola deverá mediar tal
apropriação, entendendo que se trata de um processo necessário para
que esta criança possa lidar posteriormente com os demais aspectos
pedagógicos. Por mediação da escola na apropriação do conhecimento
social, estamos nos referindo, por um lado, ao entendimento de seus
professores quanto ao papel pedagógico e ao caráter escolar desta
apropriação, assumindo tal processo como um objetivo da escola. Por
outro lado, nos referimos à criação de oportunidades em que o grupo de
alunos, do qual a criança com TGD faz parte, interaja com ela e assuma
responsabilidades, dentro e fora da sala de aula, na adesão desta criança
à rotina escolar, estando a escola atenta para dar as orientações
necessárias.
Nas escolas observadas, percebemos uma disponibilidade grande dos
colegas em cumprir este papel. No caso da criança com TGD, a
mediação de pares nesse processo é de fundamental importância por ser
mais eficaz do que a intervenção dos adultos. Nas escolas observadas, o
grupo de alunos se mostrou extremamente disponível, sendo preciso, em
uma delas, a organização de escalas para revezamento. É importante
que a mediação organizada se dê durante as aulas e que, durante o
recreio, o grupo se organize sozinho nesta mediação, permitindo o
estabelecimento de vínculos espontâneos e característicos da idade.
Belisário Fo. J.F. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: transtornos
globais do desenvolvimento. Ministério da Educação –SEE, UFCE, Brasília, 2010.
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TEXTO 3 – TEORIA DA MENTE
A Teoria da Mente pode ser considerada uma abordagem inatista
porque considera que a mente, ou o cérebro, é composta desde o
nascimento de diferentes faculdades psicológicas ou “módulos”
cerebrais. Seriam estruturas prontas que não se modificam. Haveria um
módulo para a linguagem, outro para o pensamento, outros para
diferentes tipos de aprendizagens, outro para uma teoria da mente,
dentre outros módulos. Seriam módulos separados uns dos outros mas
que poderiam interagir no sentido de, por exemplo, o pensamento poder
ser representado pela linguagem e a linguagem pode ser transformada
em pensamento (Chomsky, 1995).
A Teoria da Mente envolveria um mecanismo cognitivo que teria
como uma das suas funções, a habilidade de pensar sobre pensamentos
ou de imaginar o estado mental de outro indivíduo. Dizer que uma
pessoa possui uma teoria da mente significa dizer que ela tem a
habilidade inata de atribuir e interpretar estados mentais, tais como
intenções e crenças, e emoções aos outros e a si mesma. E compreender
as ações dos outros e as próprias em termos de agência e de estados
intencionais é central na socialização da criança e na capacidade dos
adultos de compreenderem-se uns aos outros de forma empática e
correta.
Segundo alguns autores, autistas não possuem essa habilidade inata.
Por isso, têm dificuldades em compreender as intenções dos outros e
seus sentimentos, o que dificultaria suas relações sociais (Happé, 1994;
Frith, 1997; Frith e Happé, 1999).
De acordo com Frith (1997), a habilidade automática de pessoas
normais para julgar estados mentais lhes permite ser “leitores da
mente”; em outras palavras, “ler” o que se passa na mente dos outros.
Com experiência suficiente, elas podem formar e usar uma teoria da
mente que lhes permita especular sobre os motivos psicológicos dos
outros. Porém, os autistas não possuiriam essa habilidade automática
para representar crenças e por isso também não possuiriam uma teoria
da mente.
Um dos principais pesquisadores da Teoria da Mente, Leslie (1987)
considera que os autistas não têm problemas quanto a formar
representações não-mentais, como fotos e desenhos, mas sim quanto a
representações mentais e a brincadeira de faz de conta. Neste caso, eles
não seriam capazes de formar metarrepresentações, isto é, de
representar representações. Como consequência, eles não seriam
capazes de se engajar em brincadeiras de faz de conta, nem de
compreender estados mentais dos outros. Desta maneira, os autistas
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apresentariam o que é chamado de “cegueira mental” significando que
não são capazes de compreender os estados mentais de intenção,
crenças e sentimentos dos outros.
Autismo: Manual ESAT e vídeo para rastreamento precoce. Carolina Lamprea – RJ: Ed.
PUC Rio; SP: Edições Loyola, 2013.
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TEXTO 4- AFETIVIDADE EM SALA DE AULA
Faz tempo que educadores valorizam as distintas habilidades de seus
alunos como forma de abrir caminhos para a aprendizagem. Tais
habilidades são grandemente influenciadas pelas cargas afetivas e são
inerentes ao ser humano, indissociáveis do seu caráter. Normalmente,
gostamos de fazer o que fazemos bem. Todos nascem com alguma
aptidão e com a condição de desenvolver novas habilidades e de
melhorar as já existentes. Em muitos casos, na educação do aluno com
autismo, é mais premente desenvolver determinadas habilidades para
lidar com diferentes situações na vida.
As pesquisas no campo da Neurociência trouxeram maior clareza a
respeito das múltiplas habilidades ou múltiplas inteligências. Foram
contribuições inegáveis para os educadores. Confirmam o que durante
anos foi objeto de estudo de Piaget, Montessori, Vygotsky e outros.
Howard Gardner disse que seus alvos eram as influentes teorias de Jean
Piaget, que via todo pensamento humano lutando pelo ideal do
pensamento científico. Certamente, todos reconhecem que a inteligência
humana é produto de uma carga genética, com influência também de
estímulos recebidos durante o desenvolvimento do ser. De fato, essa
inteligência nos leva a aprender e, inegavelmente, ela é grandemente
estimulada por cargas afetivas.
Quando amamos o que fazemos, nosso cérebro libera impulsos
eletroquímicos que produzem a sensação de prazer. Em momentos
assim, ficamos naturalmente mais aptos, para o bem-estar de nossas
vidas. Biologicamente, esses impulsos eletroquímicos resultam em
funções mentais, pensamentos, sentimentos, alegrias e movimentos. O
nosso interior liga-se à vida cotidiana transmitindo informações que,
posteriormente, transmutam-se em conhecimentos. Este mecanismo
natural da nossa inteligência possui um instrumento fundamental para
seu sucesso: o afeto.
O afeto é científico: ao consumar o afeto, o cérebro recompensa o
corpo por meio da sensação de prazer e de alegria. Ser afetivo não é ser
adocicado. Ser afetivo é trabalhar com as qualidades, as emoções, os
interesses e os sonhos que possuímos.
Utilizar-se dos afetos naturais do aluno com autismo para educá-lo é
canalizar suas emoções para o processo pedagógico. É trazer para o
campo da educação o seu interesse e amor. As emoções deflagram
mecanismos na memória que ajudam a conservação do aprendizado
escolar. Um aluno que ama aprender, aprende melhor; um professor que
ama ensinar, ensina melhor.
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A inteligência é uma constante adaptação. As modificações
anatômicas do cérebro acontecem ao longo da vida. Ainda que exista
severidade no quadro do transtorno, é possível aprender e desenvolver
habilidades. Isto se torna mais notório mediante estímulos emocionais.
As faculdades emocionais são propriedades de todo aprendente e
poderão ser desenvolvidas para auxílio do trabalho escolar.
Pesquisas no campo científico romperam com a ideia tradicional de
uma inteligência única, possível de ser aferida apenas em testes de QI e
nas avaliações tradicionais aplicadas na escola, em uma noção limitada
de inteligência, uma noção sem ligação com a verdadeira gama de
talentos e aptidões pertencentes à vida.
Não por coincidência, o teste de QI surgiu na escola que objetivava
saber prematuramente quais os alunos que iriam ter sucesso e os que
iriam fracassar nas séries primárias. Isso ocorreu nos anos de 1900, em
Paris. Todavia, quem atua na educação de alunos com autismo, com
deficiência,
transtornos
comportamentais
ou
dificuldades
de
aprendizagem descobre que tem mesmo uma pessoa com limitações
(Quem não as tem? Todos têm!) não é desprovida de talento natural. E
estimular esse talento, desenvolvê-lo, fazer relações educacionais entre
áreas carentes do indivíduo e habilidades é papel da escola. Este é um
ponto em que o trabalho pedagógico se revela afetivo, pois naturalmente
esses alunos são prodigiosos nas habilidades que mais amam.
Não é de bom tom que a prática escolar seja orientada pelo
conhecimento medido em testes, em uma sistematização do passado
com pouca inclinação à vida. Uma pedagogia assim faz com que o prazer
e a peculiaridade de cada um fiquem em segundo plano, quando
deveriam ter melhor destaque, porque são motores da aprendizagem.
No entanto, há uma busca, ainda que de forma fragmentada, para se
alcançar uma educação que contemple mais as necessidades de quem
aprende e menos os conhecimentos de quem ensina. Na verdade, buscase uma educação onde todos ensinam e todos aprendem. Uma educação
compartilhada, onde ninguém detém o saber, mas todos dividem as
experiências. Uma educação baseada no afeto, na esperança e no
trabalho de educador e educando.
Não é apenas utilizando computadores em sala de aula que
garantiremos uma educação conectada ao mundo contemporâneo. A
educação permanecerá tradicional, mesmo no universo da web.
Devemos começar a mudança de dentro para fora, isto é, começando
por nós, educadores. Na educação especial ou regular, o melhor modelo
de ensino é o que parte do aluno. Parece algo paradoxal, mas, se
estivermos no lugar do discente, estaremos, a partir dele, começando a
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mudança em nós. Considerando os afetos de cada um, o saber natural
ou adquirido e somando ao que aprendemos como professores, ao saber
formador da escola, construiremos um saber comum, um saber social.
Às vezes, o aluno não gosta da escola porque não sabe que irá amála. Não sabe, pois ainda não descobriu que poderá explorar seus afetos
no trabalho escolar. Alunos com autismo, de quando em vez,
desenvolvem resistência ao espaço escolar, pois não se atraem por ele.
Devemos lembrar que a inclusão não se refere apenas a pessoas com
necessidades educacionais especiais. Refere-se a todos nós, a toda
educação. Os verbos educar e incluir são conjugados juntos. Quando
incluímos, não incluímos apenas aspectos pedagógicos do sujeito, mas
todo o ser humano. Quando incluímos, educamos e, quando educamos,
incluímos.
E como funcionam os mecanismos afetivos em nossa inteligência?
Primeiramente, é preciso considerar que o aluno com o transtorno do
espectro autista precisa ser amado, aceito e acolhido. Isso já é uma ação
pedagógica inclusiva. Em segundo lugar, ele precisa ainda ser ouvido,
compreendido em seus desejos e curiosidades epistemológicas, que
precisam ser estimulados.
Um terceiro aspecto é a percepção objetiva do estágio de
desenvolvimento do aluno; seu andamento específico, seu ritmo e nível
de aprendizagem: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto
ou operatório formal. Um quarto fator é o tempo de trabalho nas
atividades pedagógicas que poderá ser mediado pelo afeto. Quanto
maior for o interesse do aluno, maior será o tempo dedicado.
O afeto é o motor da amizade, que leva à cooperação e à interação
social. Quando existe a cooperação, existe a inclusão. A classe deixa de
ser apenas uma soma de indivíduos e passa a ser uma sociedade.
Consequentemente, autodisciplina, o controle pessoal e a alteridade são
qualidades que surgirão a seguir, fomentadas pelo envolvimento do
estudante nas atividades pedagógicas.
Como mediador na aprendizagem do aluno com autismo, o professor
pode dispor efetivamente das atividades e dos materiais de
desenvolvimento pedagógico para estabelecer o que Freire chama de
“relação dialógica”. O interesse e o afeto suscitarão a atividade com a
qual devemos trabalhar. Feito isso, todo processo de correção dos
exercícios poderá ser feito pelo próprio discente, caso este tenha
condições para tal. Isto ajuda a romper com a história separação entre
“aquele que ensina” e “aquele que aprende”. Democratiza a educação. É
o primeiro passo para a auto avaliação; traz segurança ao educando.
Quanto ao coletivo de alunos, é fundamental que todos aprendam a
trabalhar em grupo. A convivência desenvolve a sociedade. Vivemos em
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um mundo tendente ao individualismo, que, muitas vezes, constitui as
coletividades e as formas de relacionamento. A coletividade da sala de
aula é uma ferramenta de ensino para o professor. É bom salientar que
o educando com o espectro autista precisa acreditar que o conhecimento
que se busca será conquistado. Tal sensação traz confiança.
A turma de alunos necessita compreender o ambiente de ensino em
uma perspectiva inclusiva, em que todos são participantes do grupo. O
aluno que tem autismo faz parte do grupo, pertence ao ambiente
escolar. Todos os que estão ali têm coisas parecidas e diferentes; todos
são importantes; ninguém é insubstituível, mas todos fazem falta. O
professor pode propor atividades e formas de comunicação que todos
compartilhem. Adaptar currículo, práticas pedagógicas e materiais de
desenvolvimento poderá ser um bom caminho para tal fim.
Autismo na escola: um jeito diferente de aprender, um jeito diferente de ensinar –
ideias e práticas pedagógicas/ Eugênio Cunha. – 2 ed. Rio de Janeiro: Wak Editora,
2013.

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