doping x recursos ergogênicos
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Os valores e a ética, sob a ótica da crescente necessidade de aumento na performance: doping x recursos ergogênicos Alexandre Velly Nunes | [email protected] Academia Olímpica Brasileira 0 | Abstract Coubertin’s original idea has been changed. Some values have been added to Citius, Altius, Fortius and other values have lost their relevance. The objective of this research is to comment on the use of substances and methods to enhance sport performance. The study undertaken analyzed the differences between doping and the use of ergogenic aids, and described doping control procedures. Doping control started in 1968 and the World Anti-Doping Agency WADA was created in 1999 in Lausanne, Switzerland. Doping control today runs competition and out-of-competition testing on blood and urine samples. The control procedure has the following steps: selection, notification, escort, collection, process, lab sending, analyses, results, results evaluation and sanctions. It has been difficult to identify substances like EPO, hGH and the new method called “gene doping”. | 170 1 | Introdução Os valores e a ética de um grupo social são influenciados pela evolução dos costumes e outras alterações nos conceitos da sociedade como um todo. Com o passar do tempo é de se esperar que esses valores acompanhem esta evolução, tornando-se assim mais fáceis de serem aceitos e assimilados. Da recriação do Movimento Olímpico por Coubertin até os dias de hoje, o esporte mundial sofreu mudanças significativas, comparativamente à idéia original. Alguns valores foram agregados ao Citius, Altius e Fortius e outros perderam a sua relevância. Os motivos que levam os atletas a buscarem a vitória para as suas equipes, países ou empresas patrocinadoras os transformaram em uma espécie de mercadoria. As alternativas possíveis para alcançarem melhores performances e a grande evolução nas áreas do treinamento e da tecnologia obrigaram os organizadores do desporto internacional a estabelecerem certos limites. Limites estes que têm fundamentos éticos e técnicos e, por isto mesmo, vão se alterando com o passar dos anos. As grandes instituições que organizam o esporte no mundo, Comitê Olímpico Internacional (IOC), Federações Internacionais (IFs), Comitês Olímpicos Nacionais (NOCs) e os Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos (OCOGs) têm lutado para manter o esporte e seus valores educativos como um benefício para a sociedade (Nunes, 1997). A realidade, entretanto, aponta para um movimento em sentido contrário, que exige performances cada vez mais elevadas e que transforma os atletas em gladiadores do presente. 171 | A tentativa da ciência de resolver os problemas do sobretreinamento, (overtraining) como é conhecido internacionalmente, levou à descoberta de inúmeros recursos ergogênicos que oportunizam uma melhoria da performance nas competições e possibilitam suportar cargas de treinamento muito mais elevadas. Autores de diversas áreas têm desenvolvido esses recursos e criado alternativas para os atletas e seus treinadores, que propiciam performances inimagináveis há 30 ou 40 anos atrás. Infelizmente, a falta de alguns valores pessoais e a formação destes treinadores, médicos e dirigentes esportivos fez com que, na tentativa de melhoria da performance, a qualquer custo, a saúde dos atletas e dos seus adversários tenha sido colocada em risco, muitas vezes com o consentimento dos próprios atletas (IOC, 2005; Neto, 2001; Nunes, 1997). Em 1968, a Comissão Médica do IOC efetuou o primeiro controle de doping, nos Jogos Olímpicos do México, e iniciou uma luta sem tréguas contra o uso de métodos e substâncias proibidas pelos esportistas (Chevalier, 1992; De Rose et al., 2004). O grande crescimento de alguns esportes, sua divulgação internacional e a importância e interesse da sociedade fez com que nos últimos vinte anos, o esporte tenha recebido vultosas quantias para o seu desenvolvimento. A divulgação em todos os meios de comunicação e o interesse de grandes empresas em associar a sua marca ao nome dos “heróis”, campeões e suas modalidades fazem com que estas quantias tenham grande influência nas atuações e comportamentos dos atletas e seus treinadores, dirigentes esportivos e patrocinadores. | 172 Alguns escândalos nesta área, como o doping do atleta naturalizado canadense Ben Johnson, em Seoul-1988, e a morte da atleta norte-americana, Florence G. Joyner em 1998, entre tantos outros, indicam a necessidade de providências urgentes para obstaculizar essas performances alteradas por métodos e procedimentos questionáveis (IOC Medical Commission, 1999). “O doping e a dopagem têm sido alguns dos principais desafios e combates do ‘mundus sportivus’, no sentido de manter íntegros os princípios, os valores e o significado simbólico do verdadeiro desporto” (Puga, 2004, p.124). Em 1999, finalmente, foi criada a Agência Mundial Antidoping (Wada-Ama), cujo código foi assinado por federações internacionais e governos de diversos países, de forma a envolver toda a comunidade no combate ao uso de substâncias e métodos proibidos no esporte. O Código Mundial Antidoping foi aprovado por unanimidade em 2003, com validade a partir de janeiro de 2004 (De Rose et al., 2004; Renner, 2004; Atenas, 2004). Além da WADA alguns países preocupados com o tema criaram suas próprias agências de controle. Embora o Brasil seja um dos países pioneiros na América do Sul no controle de doping, criou a sua Comissão de Combate ao Doping, que atua dentro do Conselho Nacional do Esporte, somente em 2004. As primeiras reuniões trataram de elaborar as 173 | alterações na legislação nacional sobre o tema e este trabalho foi aprovado recentemente pelo Conselho Nacional do Esporte. A Comissão é composta por 17 membros, representantes das mais diversas áreas, que atuam ou estão diretamente envolvidos no sistema. Abaixo informamos como é constituída a Comissão de Combate ao Doping: 2 | Comissão Nacional Anti-doping do Conselho Nacional de Esportes “I - um representante da Secretaria Executiva do Ministério do Esporte; II - um representante da Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento; III - um representante da Comissão Nacional de Atletas; IV - um representante do Comitê Olímpico Brasileiro; V - um representante do Comitê Paraolímpico Brasileiro; VI - um representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária; VII - um representante do Conselho Nacional Antidrogas; VIII - um representante da Associação Brasileira de Estudos e Combate ao Doping; IX - um representante do Conselho Federal de Farmácia; X - um representante da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva; | 174 XI - um representante do Laboratório de Controle de Dopagem do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro; XII - um representante do Conselho Federal de Educação Física; e XIII - três membros de livre nomeação do Presidente do Conselho Nacional de Esporte - CNE.” (Ministério do Esporte, 2006) O COB sempre desempenhou um papel de destaque no combate ao doping, mantendo uma comissão de especialistas, sob a liderança do Dr. Eduardo Henrique De Rose, que, entre outras ações, avalia as seleções nacionais que participam dos Jogos Olímpicos e Pan-Americanos desde 1996. Os atletas classificados ou designados para representar o país são submetidos a exames fora de competição, ou seja, sem aviso prévio, antes de embarcar para os Jogos. Isto tem ajudado a orientar atletas e treinadores além de evitar casos de doping em atletas brasileiros nestes eventos. A Agência Mundial Antidoping (WADA-AMA) estabelece e atualiza anualmente, para todas as federações internacionais e todos os países, uma lista de substâncias e métodos proibidos e substâncias restritas. Ainda é função da WADA a uniformização das sanções, promovendo assim uma eqüidade de punições e desta forma eliminando as possíveis distorções e favorecimentos que poderiam ocorrer em algumas federações esportivas (Turin, 2006; Atenas, 2004). 175 | O código da WADA, que está em vigor desde 01/01/2004, assegura que, pela primeira vez, as regras e regulamentações do antidoping serão as mesmas para todos os atletas em todos os esportes e em todos os países. Todas as partes envolvidas no esporte, federações internacionais, governos, organizações esportivas, atletas e seu pessoal de apoio têm responsabilidades, de acordo com o código (WADA, 2004). Os controles de doping, hoje, podem ser feitos no sangue e/ ou na urina e divididos em: Controles em Competição e Fora de Competição. Por definição, os Controles em Competição são aqueles que se realizam durante um evento esportivo, logo ao final da atividade ou prova realizada pelo atleta e estão sujeitos a determinadas regras, entre as quais o processo de seleção que depende de regulamentação específica da federação internacional envolvida e os grupos de substâncias que serão analisados (De Rose et al., 2004; Renner, 2004). Os Controles Fora de Competição podem ocorrer “... a qualquer momento, durante um treinamento, na residência do atleta, e até mesmo algum tempo antes ou depois de uma competição esportiva” (De Rose et al., 2004, pg. 17). As substâncias controladas nos dois tipos de teste não são as mesmas, enquanto no exame “em competição” a lista de substâncias e métodos proibidos é completa, o exame “Fora de Competição” é mais específico, excluindo os grupos de: S1-Estimulantes, S2-Narcóticos, S3-Analgésicos e drogas sociais, que não são analisadas neste tipo de controle. | 176 Outra peculiaridade dos controles de doping são as substâncias proibidas apenas para determinadas modalidades ou disciplinas. Estas se encontram na lista de substâncias restritas. Algumas destas substâncias, como por exemplo, os beta-bloqueadores, são proibidas apenas para modalidades como Tiro, Tiro com Arco, Hipismo, e Saltos Ornamentais, em função da possibilidade de melhoria na performance que ali pode ser esperada. Os procedimentos de controle seguem um padrão internacional e visam em primeiro lugar, proteger o atleta. Ele deve ter a oportunidade de conhecer todo o processo e verificar se, em todos os momentos da coleta, a sua amostra não está sendo contaminada. Basicamente, um controle tem as seguintes fases: seleção, notificação, escolta, tomada de amostra (validação), processamento da amostra, envio para o laboratório, análise da amostra, resultado da análise, avaliação do resultado e sansões (quando for o caso). Nas ocasiões em que o laboratório identifica uma substância proibida, envia o “resultado analítico adverso” para análise da comissão responsável pelo controle de doping do evento, que por sua vez comunica os responsáveis pela federação envolvida e o respectivo país ou equipe do atleta analisado. Após as devidas explicações, com a confirmação ou não do consumo por parte do atleta, este pode solicitar a análise da amostra “B”, que contém, pelo menos, 25ml. A amostra “B” será submetida à mesma técnica de análise, na presença do atleta ou de seus representantes. O resultado é 177 | considerado analiticamente adverso quando o atleta abandonar o direito de análise da amostra B (CBAT, 2004). Os controles de sangue são solicitados apenas em modalidades cuja performance seja baseada na capacidade de resistência, normalmente, e não substituem o controle de urina e sim se somam a ele. O objetivo do teste também é o de denunciar a possível utilização de Eritropoietina recombinante humana (rhEPO) pelo atleta. De acordo com Renner, 2004 “... a rhEPO é um indutor de performance nas modalidades esportivas de predomínio aeróbico.” Durante os últimos Jogos Olímpicos de Inverno na Itália (Torino-2006) foram feitos muitos controles de sangue com o objetivo de identificar a presença do Hormônio do Crescimento (hGH). O hGh é proibido mas até o presente momento não tem havido casos positivos para essa substância. Possivelmente alguns atletas têm utilizado este hormônio como recurso ergogênico, no entanto, com a tecnologia disponível até o presente momento é muito difícil identificar essa substância no organismo com a necessária segurança que implique em uma administração exógena. Os controles fora de competição podem ser considerados os mais eficazes, pois são efetuados em situações inesperadas pelos atletas e suas comissões técnicas. Os Controles Fora de Competição podem ocorrer durante um treinamento, na residência do atleta, e até mesmo antes ou depois de uma competição esportiva” (De Rose, et al., 2004). Nos casos em que esses controles são efetuados | 178 durante uma competição, as agências responsáveis pela solicitação dos mesmos devem estar de acordo, de forma a não prejudicar os treinamentos ou o desempenho dos atletas e evitar a duplicidade de controles em um mesmo atleta. Basicamente o uso de doping se diferencia do uso de recursos ergogênicos pelo tipo de substância ou método utilizado. Caso esta esteja incluída na lista de proibições do IOC, WADA ou de sua respectiva federação, será considerada doping. O uso de doping, tanto quanto qualquer forma de recurso ergogênico utilizado no treinamento com vistas ao alto rendimento, o objetivo é mesmo: aumento da performance. Deve-se considerar também que o aumento da performance não é uma exclusividade das atividades esportivas e sim um comportamento comum da sociedade. Espera-se que os cientistas, treinadores e dirigentes no futuro utilizem as novas tecnologias para a melhora da performance levando em consideração as regras internacionais do desporto, a ética do Olimpismo e a saúde dos atletas de forma a servir de modelo para a sociedade. 3 | Referências Bibliográficas ATHENS-2004. PLAY TRUE. Montreal: WADA-AMA, v. 2, p.19, 2004. BARBOSA, J. Controle de dopagem: alguns aspectos. 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