Abílio Wolney Aires Neto
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Abílio Wolney Aires Neto
Abílio Wolney Aires Neto MOVIMENTO COMUNISTA –LIGA CAMPONESA, 1962– Dianópolis, 2006 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Casualmente, duas crianças brincam na Rua, de frente à Loja Póvoa em Dianópolis, pichada com a frase: Fora com Julião Mirim (A frase seria contra Gilvan Rocha, em referência indireta ao Dep. Francisco Julião). Quem são os meninos: Wellington Filho e Tânia Lustosa ou Ary e Selma? (Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62) 2 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ INTRODUÇÃO Na solidão de um aposento simples, mas aconchegante, decorado pela cultura de livros empoeirados, recorro a antigos jornais, digitalizados,1 que trazem fatos protagonizados por um grupo de jovens comunistas, que, como em outros pontos do País, se preparavam para uma guerrilha, fruto da articulação das Ligas Camponesas no início dos anos 60, cujo foco ficava na Fazenda Catingueiro, então município de Dianópolis e atual município de Rio da Conceição, no ponto fronteiriço entre ambos.2 Aguçou-me o interesse em estudar Karl Marx3 mais a fundo, porquanto dele nos eram conhecidos apenas fragmentos do seu 1 Na ocasião, o autor concluía as Memórias de João Rodrigues Leal e então teve a idéia de transcrever os Jornais de época, que dariam entrecho a este livro. No primeiro semestre de 2005, em meio ao azáfama da magistratura, com o apêndice da Justiça Eleitoral e da Diretoria do Foro da comarca, me sobravam as noites para ―descansar‖ escrevendo modestos trabalhos de pesquisa histórica. Por ocasião das férias de julho do mesmo ano, em Dianópolis, farto material de pesquisa me foi confiado pelo ex-Prefeito Dário Rodrigues Leal. Cuidava-se de acervo que lhe fora repassado por volta de 1967, por seu ilustre irmão, Dr. João Rodrigues Leal, agora posto em livro. 2 Antigo nordeste goiano, hoje sudeste do Tocantins. 3 No Mestrado, venho obtendo uma revisão geral do Positivismo (Augusto Comte e outros) e das regras do Método Sociológico de Durkheim, Economia e Sociedade de Weber para aprofundar no método dialético com Karl Marx, que publicou ―O Capital‖ em 31.03.1848. 3 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ pensamento, em apostilas lidas no primeiro período da Faculdade de Direito em Goiânia (1989-1993), onde não se respirava mais o ambiente revolucionário dos anos 60, quando as idéias comunistas prosperavam, com a ideologia da sua doutrina. Passando da meia idade e com uma consciência religiosa bem formada, depois de muita literatura espírita, suponho conhecer bem a antítese do materialismo histórico do grande pensador alemão. Não me convenceria mesmo a sua prospecção. Todavia, rendo-lhe respeito pela ideologia que revolucionou boa parte do mundo e fez tantos seguidores, especialmente no meio intelectual. Surge esta tiragem (2011), quando estou novamente a estudar as teorias sociais, como mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO, o que já vinha fazendo desde o ano passado. Os professores são ótimos, o ambiente acadêmico sugere empolgação, todavia a releitura dos clássicos do positivismo, com destaque para Augusto Comte e da Sociologia, sempre com âncora em Durkheim, Max Weber e apoteose em Karl Marx, me conduzem à conclusão de que continuamos estacionados com os formuladores do pragmatismo catedrático exclusivista. Há um ciclo vicioso de teorias impraticáveis, ao sabor da própria mentalidade, cultura e inclinações gestadas a partir do Século XIX, olvidando que a partir de 1857 também surgiram as estruturas concepcionistas do tríplice pensamento religioso, científico e filosófico anotado pelo cientista francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, pedagogo e poliglota, discípulo de Pestalozzi, que na codificação doutrinária passou a subscrever como Allan Kardec. Imagina-se o horror que acomete os teóricos da doutrina socialista falar em religião, que remete para Deus e Cristo. A idade média, com os seus abusos, criou a dicotomia entre ciência e religião. Demais, Aulas e textos de livros sobre a Escola de Frankfurt (Martin Jay), passando pela dialética do Esclarecimento (Adorno e Horkheimer). Só mais tarde a Revolução Bolchevista de 1917 teve sucesso na Rússia incendiando o horizonte pelo ideal marxista. Era a utopia da reforma exterior, fazendo emergir ditadores impiedosos, como os da Rússia e da Alemanha, em suas sinistras aventuras revolucionárias, como mostraram os fatos no tempo. 4 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ raramente nas rodas acadêmicas os estudiosos tem preparo suficiente – ou entusiasmo – para trabalhar com material comprometido com a incômoda realidade espiritual, como fazem os Centros de Estudos Espíritas ou aqui e ali uma Faculdade que tangencia o assunto de modo científico, na cadeira dos psicologistas. Albert Einstein afirmava: ―A ciência sem a religião é paralítica. A religião sem a ciência é cega...". A questão, simples, toma natureza complexa, pois em regra os teóricos filiam-se à metodologia esperada dos textos direcionados prioritariamente para o meio acadêmico especializado, como se ficassem a corresponder uns com os outros, mais atentos à preservação de seu status acadêmico do que ao labor de transferir uma visão nítida do que escrevem. Neste trabalho singelo, mero documentário em transcrição, sobrou-me a tribuna desta Introdução e das citações que faço na Reflexão final, mas vai aí o desabafo contra a pressão provinda do contexto acadêmico, que induz os estudiosos a levarem em conta os interesses culturais da Universidade. Comentários de erudição que, embora esclarecedores e competentes, aduzem leitura personalizada dos temas, em segunda mão, por falta de espaço para teorias como a kardequiana, filosofia que chega com vigor teórico-prático ao portal do III Milênio. Cumpre anotar que o socialismo científico tem sua matriz racional delineada principalmente na obra O Capital, mas o fato é que mostrou-se impraticável na URSS, na China e em Cuba, por exemplo. Uma utopia univocamente maravilhosa, mas equivocadamente plasmada na idéia da Revolução com a violência, na negação de Deus e na suposição de que poderia igualar as pessoas com o comunismo, quando as pessoas estão em faixas espirituais evolutivas diferentes, com pendores diversos. Enquanto uns querem estudar, trabalhar, outros querem a ilusão, a luxúria, a esbórnia. Há pobres do norte que vêm, lutam e vencem. Há pobres do norte e do sul tão preguiçosos que são alcançados pela miséria. Há também pobres – sabe-se – que o são porque não tiveram uma família, educação, condições de sobrevivência, filhos de pais alcoólatras ou lançados à orfandade, e estes são a maioria no Brasil. Outros doentes, mal nutridos, vicejando em ambiente moral abjeto, com mil dificuldades. As 5 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ casas de lonas pretas ou caixotes de tijolos com dois cômodos são bem o retrato a insultar a crueldade do nosso egoísmo. É fato que a miséria cresce. Apenas migrou da Europa para a África, Ásia, América do Sul. Marx já dizia que uma das características do capitalismo é a miséria crescente. No mundo já ultrapassam a casa de 1 bilhão e meio de miseráveis, sejam os viventes dos países ditos socialistas ou das vítimas do capitalismo selvagem. O século XX, que nos enriqueceu de tecnologia e de ciência, ampliando os horizontes do infinito e penetrando nas micropartículas, deixou-nos o legado individualista dos mais tormentosos, graças a cuja presença ainda experimentamos a angústia, o deslocamento emocional, o transtorno de conduta afetiva, as fugas pisocológicas, as incertezas. Poderíamos recordar que o eminente Soren Kierkegaard, o admirável teólogo dinamarquês, que abraça de alguma forma a filosofia pessimista, ensejou a outros pensadores notáveis de antes da 2ª Guerra Mundial como Émile Durkheim e depois John Paul Sartre, Madame de Beauvais, Albert Cammy, a infeliz oportunidade de tentarem demonstrar que a vida não tem sentido e que a criatura humana jornadeia em busca do próprio caos. Essa herança pessimista, que se iria concretizar no dito capitalismo selvagem ou que iria debandar no Socialismo perverso da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, deixou em nossos sentimentos profundas marcas, na área do comportamento sociológico, nas manifestações psicológicas e nos relacionamentos sociais. Por essas razões e outras tantas a nossa vida é feita de incertezas, somando-se ao planeta que habitamos e que ainda se encontra numa fase de desenvolvimento das suas potências.4 Então, fico pensando que a grande doutrina filosófica para a humanidade há de ter fulcro no Evangelho do Homem de Nazaré, enfeixando o maior tratado de humanidade a ser seguido na direção da alteridade entre os povos, pois a Terra é um só País e os seres humanos seus cidadão.5 Como dizia Martin Luter King, ―ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas‖. 4 Parágrafo construído com palavras de Divaldo Franco em palestra espírita. 5 Bahá‘u‘lláh. 6 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Auxiliemos o hipossuficiente, pois fora da caridade não há verticalidade com o Criador, nem horizontalidade na regra do amor ao próximo, e isso não é sectarismo religioso, senão regra para a convivência pacífica entre as gentes. Não é de se apregoar que hajam miseráveis para serem passivos da nossa esmola, pois esta às vezes queima a mão de quem recebe. Trata-se da caridade integral, moral e material em forma de remuneração, divisão, pois somos usufrutuários, depositários, não proprietários daquilo que a Providência nos confiou. O universo, o sistema gravitacional é muito bem organizado, demonstrando na criação, por dedução óbvia, que há um criador, o grande maestro que rege essa imensa orquestra. Os governos do mundo já estiveram mais distantes de socorrer o proletariado. Os governantes ainda praticam o assistencialismo, não por amor, pois muitos o fazem com o anelo de obter votos na próxima eleição. O capitalismo, está longe de equacionar o problema das diferenças, a base social dos explorados e dos que sequer despertam interesse dos exploradores, pois estão aquém disso. Tenho visitado o ―presídio‖ de Anápolis e constato que muitos dos presos do Brasil de hoje são egressos de regiões mais pobres do País, que vieram para os grandes Centros. Se tornaram ―bandidos‖, seja pelo padrão evolutivo espiritual, sem a necessária correção do meio e do País onde nasceram, seja porque continuaram excluídos. Na cadeia adoecem, se degradam, fazem motins, rebeliões, há os que morrem ou matam policiais. Protrai-se a revolução da classe esmagada da pobreza. Ao serem presos recebem o título de reeducandos, mas como se não foram educados antes, se às vezes não tiveram acesso às coisas mínimas? O bandido mesmo é diferente! Precisa ser preso para não se comprometer. Para não nos roubar ou nos matar etc. Todavia, as nossas cadeias não recuperam ninguém. São educandários do crime. E nos supomos impolutos... O Estado brasileiro é protagonista de uma distribuição de rendas injusta, com uma pirâmide tendo no topo os ricos e uma grande base esmagada. O egoísmo humano gerou o supérfluo, a introjeção de necessidades que não possuímos, enquanto há pessoas abaixo da linha da miséria. Esse quadro secularizado gerou a ideologia. 7 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ O anarquista Kropotkine idealizou o comunismo como um sistema sem governo. Feuerbach, seguidor de Hegel, contribuiu com tal pensamento, embora acreditasse que a idéia socialista, mesmo no extremo, não deveria se impor com a violência. Sonhava com a educação das massas de base do extrato social, que levariam o povo ao poder. Tolstoi, Gorki e Dostoievski já falavam dos direitos dos camponeses e sustentavam a liberdade de consciência para todos, independente da classe social ou cultural. Posterior, a teoria marxista deu outros rumos, na retórica do materialismo histórico e dialético, na perspectiva da mais-valia. Recentemente, filósofos da Igreja Católica Romana combateram o que consideravam os exageros de Marx, achando, mesmo assim, que seria possível uma conciliação entre o comunismo e a doutrina social da Igreja. Apoiados na Teologia da Libertação, militantes dissidentes do clero terminaram por organizar as Comunidades Eclesiais de Base, com destaque para o gênio do teólogo e antigo franciscano Leonardo Boff, inclusive com seu discurso contra o fundamentalismo religioso e sua memorável página que chamou de Sermão da Montanha do Corcovado: Naqueles dias, o Cristo do Corcovado, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, estremeceu e se reanimou. O que era cimento e pedra se fez carne e sangue. Estendeu os braços, querendo abraçar a cidade e o mundo, abriu a boca e disse: ―Sinto pena de vós, milhões e milhões de irmãs e irmãos, meus mais pequeninos, expulsos das terras, solitários, embrenhados nas selvas, amontoados nas periferias, caídos em tantos caminhos, sem nenhum samaritano para vos socorrer. Bem-aventurados sois todos vós, pobres, famintos, doentes e desesperados. Importam pouco vossas virtudes ou vícios. Importa muito o fato de serdes oprimidos, vítimas de uma sociedade perversa. Meu Pai que é doador de vida vos tem em seu coração. Ele vai inaugurar seu reino de vida, de justiça, de ternura e de liberdade começando por vós. Vossas blasfêmias não são para mim blasfêmias. São súplicas 8 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ lancinantes. Vosso individualismo não é para mim egoísmo. É vontade ferrenha de sobreviver. Vossa paixão dolorosa tem mais estações que a minha. Vós atualizais e perpetuais minha Paixão redentora pelos séculos afora. Ai de vós, donos do poder, que há mais de quinhentos anos sugais o sangue dos trabalhadores. Vós os reduzistes a combustível barato para vossas máquinas fabricarem riqueza injusta. Até meu santo nome vós usastes para legitimar vossa ordem que é desordem e não traz progresso para o povo. Geração perversa, até quando provocais a paciência destes meus servos sofredores? O juízo exterminador de Deus, que se realiza ainda nesta história, pesa sobre vossas empresas. Não serei eu nem será meu Pai que vos julgarão, mas as vítimas que fizestes. Olhai seus rostos! Guardai-lhes os traços. Eles serão vossos juízes. Só há para vós um caminho de salvação, um único: solidarizar-vos com as lutas dos oprimidos que visam pão, liberdade, ternura e beleza não só para si, mas também para vós e para todos! Assumam o projeto dos pobres, que é de transformação para haver mais vida e liberdade para todos. Bendita pátria grande latino-americana! Como que sejais no meio de todos os povos, que são igualmente povos de Deus, a expressão de minha hospitalidade, de minha jovialidade, de minha alegria de ser, de minha abertura sem cálculo e da graça humanitária de meu e vosso Pai celestial. Olhai as matas e os cerrados, a gigantesca Cordilheira e o Amazonas imenso, os rios caudalosos e os vales profundos, os animais selvagens e os pássaros sem conta. Eles são todos vossos irmãos e irmãs. Domesticais vossa ganância. Como meu Pais os cuida, cuida-os vós 9 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ também. Os seres todos do cosmos também herdarão o Reino. Serão transfigurados e existirão para sempre junto convosco, comigo e com o Espírito de vida no Reino do Pai.[...] Bem-aventurados os que lutam pela terra no campo para nela trabalhar e fazer do chão a mesa posta para as fomes do mundo inteiro. Felizes os que lutam pela terra na cidade para poder morar com a dignidade dos filhos e filhas de Deus. Maldito o latifúndio que rouba a terra que o Pai destinou a todos e que assassina meus irmãos e irmãs posseiros. Em verdade vos digo: ainda em vida sereis espoliados. Se não cuidardes, ficareis somente com a terra da campa, que será pesada sobre vosso cadáver. Bem-aventuradas sois vós mulheres do povo, que resistis contra toda subjugação e que lutais por uma sociedade nova na qual homens e mulheres juntos, com as diferenças, a reciprocidade, a complementaridade e a solidariedade, inaugureis uma fraterna aliança. Benditos sois vós, milhões de menores carentes e abandonados, meninos e meninas de rua, vítimas de uma sociedade de exclusão que o Pai abomina. Ele vos enxugará toda lágrima, vos apertará contra o peito e brincará eternamente convosco porque Seu filho Jesus também foi um dia criança, foi ameaçado de morte e teve de fugir para o Egito.[...] Felizes os movimentos que buscam a libertação de todos, a começar pelos oprimidos e marginalizados. Assumistes a mesma causa pela qual vivi, sofri, fui crucificado e ressuscitei: gestar um mundo novo no qual a luz tem mais direito que as trevas e a vida vale mais que os bens materiais. Que ninguém vos calunie por não pertencerem ao meu grupo e por não falarem de mim. Vós sois também meus discípulos e não estais longe do meu Reino. Bem-aventurados que buscam novos caminhos para a sobrevivência, novas formas de produzir, de distribuir comunitariamente, de consumir em partilha. Eu vos asseguro que caminharei convosco e achareis sempre novas formas de convivência. 10 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Bem-aventurados os que esperam entre lágrimas a grande aurora da libertação, fruto da graça divina e da luta humana, porque seu olhos verão o sol da justiça raiar. Bem-aventurados os que guardam a boa vontade, alimentam o fogo interior e sabem acreditar no sonho de um mundo novo. [...]‖ Depois de dizer essas palavras de admoestação, de consolo e de promessa, o Cristo voltou a ser novamente pedra, com os braços estendidos e o coração para fora. Todos devem saber que são alcançados por seus braços, para se sentirem livres e encerrados em seu coração porque são ternamente amados. E assim foi ontem, é agora, será amanhã no sol e na chuva, no vento e na noite, pelos séculos dos séculos amém‖6. Não se nega a sedução da filosofia socialista, no seu ideal de igualdade entre todos. Todavia, é fato que, com a derrocada da União Soviética, a queda do muro de Berlim e a ditadura em Cuba, a esquerda política mergulhou nas conveniências políticas de centro para sobreviver, negando a própria ideologia. É preocupante a extinção dos Partidos Comunistas, pois, embora equivocados de fundo, a nosso ver, representam uma oposição, uma crítica constante ao liberalismo sem fraternidade, à globalização, ao imperialismo do capital que vigora mascarado na nossa democracia de desiguais. Dizia Winston Churchil que a democracia é o pior dos regimes políticos... excetuando todos os outros. Tinha razão ao fazer esta afirmação. É que não há regimes ou sistemas perfeitos. Há, certamente, uns que são maus, outros menos maus e um que, pela sua própria natureza, procura a justiça tendo como base o respeito pela vontade do povo e que, por isso, se designa de democracia. A diferença entre este regime e todos os outros é que só este garante o exercício dos direitos humanos, o respeito pela dignidade humana e a prática da justiça e da liberdade. Mas não é um sistema perfeito porque simplesmente regimes perfeitos ainda não existem no mundo. Basta ver que o regime é democrático, mas o capitalismo levado a 6 BOFF, Leonardo. Ecologia, Munidialização e Espiritualidade. 11 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ efeito é ditatorial, selvagem, dentro da lógica competitiva e não cooperativa. Os governos têm encontrado mecanismos legais para a interferências nas leis do mercado, com algum controle do liberalismo, mesclando o capitalismo com aspectos do socialismo, buscando o menos grave em cada um para se fazer um amálgama das ideologias, ainda tão distantes do ideal. Como espírita, e portanto cristão, vejo as coisas sob outra ótica, como ascenado. A ideologia que há de preponderar na humanidade completa o seu sesquicentenário e não é uma utopia. Emmanuel7 nos faz uma retrospectiva da história e nos aponta um caminho. Diz ele, reportando-se ao surgimento do socialismo: Grandes idéias florescem na mentalidade de então. Ressurgem, aí, as antigas doutrinas da igualdade absoluta. Aparece o socialismo propondo reformas viscerais e imediatas. Alguns idealistas tocam a Utopia de Thomas More, ou a República perfeita, idealizada por Platão. Fundam-se as alianças de anarquismo, as sociedades de caráter universal. Uma revolução sociológica de conseqüências imprevisíveis ameaça a estabilidade da própria civilização, condenando-a à destruição mais completa. O fim do século que passou é o cenário vastíssimo dessas lutas inglórias. Todas as ciências sociais são chamadas aos grandes debates levados a efeito entre o capitalismo e o trabalho. Onde se encontram, porém, as forças morais capazes de realizar o grande milagre da elucidação de todos os espíritos? A Igreja Romana, que nutria a civilização ocidental desde o seu berço, era, por força das circunstâncias, a entidade indicada para resolver o grande problema. Todavia, após as afirmativas do Sílabo e depois do famoso discurso do bispo Strossmayer, em 1870, no Vaticano, quando Pio IX decretava a infalibilidade pontifícia, semelhante equação era muito difícil por parte da Igreja. Entretanto, Leão XIII vem ao campo da luta com a encíclica "Rerum Novarum", tentando conciliar o braço e o capital, apontando a cada qual os seus mais sagrados deveres. Se o efeito desse documento teve considerável importância para as classes mais cultas do Velho e do Novo 7 Emmanuel, A Caminho da Luz, FEB. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. 12 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Mundo, tanto não se deu com as classes mais desfavorecidas, fartas de palavras. O Espiritismo vinha, desse modo, na hora psicológica das grandes transformações, alentando o espírito humano para que se não perdesse o fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no esforço penoso da civilização. Com as provas da sobrevivência, vinha reabilitar o Cristianismo que a Igreja deturpara, semeando, de novo, os eternos ensinamentos do Cristo no coração dos homens. Com as verdades da reencarnação, veio explicar o absurdo das teorias igualitárias absolutas, cooperando na restauração do verdadeiro caminho do progresso humano. Enquadrando o socialismo nos postulados cristãos, não se ilude com as reformas exteriores, para concluir que a única renovação apreciável é a do homem intimo, célula viva do organismo social de todos os tempos, pugnando pela intensificação dos movimentos educativos da criatura, à luz eterna do Evangelho do Cristo. Ensinando a lei das compensações no caminho da redenção e das provas do indivíduo e da coletividade, estabelece o regime da responsabilidade, em que cada espírito deve enriquecer a catalogação dos seus próprios valores. Não se engana com as utopias da igualdade absoluta, em vista dos conhecimentos da lei do esforço e do trabalho individual, e não se transforma em instrumento de opressão dos magnatas da economia e do poder, por consciente dos imperativos da solidariedade humana. Despreocupado de todas as revoluções, porque somente a evolução é o seu campo de atividade e de experiência, distante de todas as guerras pela compreensão dos laços fraternos que reúnem a comunidade universal, ensina a fraternidade legítima dos homens e das pátrias, das famílias e dos grupos, alargando as concepções da justiça econômica e corrigindo o espírito exaltado das ideologias extremistas. Nestes tempos dolorosos em que as mais penosas transições se anunciam ao espírito do homem, só o Espiritismo pode representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à edificação do porvir. Enquanto os utopistas da reforma exterior se entregam à tutela de ditadores impiedosos, como (foram) os da Rússia e da Alemanha, em suas sinistras aventuras revolucionárias, prossegue ele, o Espiritismo, a sua obra educativa junto das classes intelectuais e das massas anônimas e sofredoras, preparando o mundo de amanhã comas luzes imorredouras da lição do Cristo 8. 8 Emmanuel, A Caminho da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, editora FEB. 13 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ De fato. A grande revolução não será com a violência dos que impõem. Não se dará por decretos. Muito menos com a negação de Deus e da religião, tachada por Karl Marx como o ―ópio do povo‖. Do livro Zanoni9: ―Distribua toda a riqueza do mundo em partes iguais entre os homens. Amanhã mesmo já teremos pobres...‖ Porque um multiplicará as dracmas. Outros, por pobreza de iniciativa, a enterrarão. Outros, estróinas, as gastarão. O verdadeiro socialismo é aquele deixado pelo filósofo da Galiléia. O seu Movimento ―revolucionário‖ partirá das individualidades para o todo, num caminho inverso do materialismo histórico, numa dialética diametralmente oposta aos sistemas postos, onde a tese será a da mudança interior de cada um, por misericórdia ou sob os aguilhões da justiça; a antítese será o destaque das personalidades dos estetas, dos pensadores, dos homens de bem, pois até pouco a humanidade vinha sendo conduzida por Generais. Depois, os redivivos Evangelhos do Cristo que são o Código doutrinário da Revolução da humanidade, porquanto encerram a gloriosa síntese de toda a evolução terrestre, fermento divino de todas as culturas, alma sublime de todo pensamento.10 Agora, vamos ao livro, um documentário. Dianópolis/Goiânia, 2006-2011. 9 Lutton, Edward Bulwer, Zanoni. Emmanuel, Francisco Cândido Xavier. 10 14 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62 15 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ I RIO DA CONCEIÇÃO Por volta de 1933 passavam uns homens por Dianópolis, rumo ao Rio da Conceição, procurando uma certa Cidade Subterrânea – mas não era isso o que eles queriam. O povo achava que era alguém sondando território para implantação de uma célula comunista.11 Em fevereiro de 1961 surgiu a Cia. de Investimentos do Nordeste, que dizia ter vindo plantar milho no areão dos gerais do então povoado de Rio da Conceição, mas fevereiro não era mês de chuvas. Todavia, aguardariam a estação. Era gente do ativista, advogado e Dep. Francisco Julião, que já era conhecido pela imprensa como o grande fenômeno das Ligas Camponesas. Seu nome ganhava as manchetes de jornais, causava temor nas elites e chagava aos ouvidos dos líderes da revolução cubana. Ele havia apoiado o Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT envidando meios para uma guerrilha no Brasil, ao modelo cubano. Em Goiás havia vários focos de guerrilha. Este trabalho destaca o da Fazenda Catingueiro, em Rio da Conceição. O antigo povoado de Rio da Conceição, bem próximo à Fazenda Catingueiro, onde os jovens ativistas das Ligas Camponesas fizeram seu 11 Contou Dário R. Leal em 2005. Hoje, aos 93 anos, ainda é lúcido. 16 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ núcleo, é hoje município emancipado, cuja área urbana é cortada pela caudal do Rio Manoel Alves, com balneários formidáveis. O município tem sua origem num aldeamento de índios ―Xerentes‖, conhecido inicialmente como Rio das Éguas, por haver criação de animais equinos. Conta-se que, em meados de 1870 a 1880, chegava em Rio da Éguas, descendentes de índios Xerentes, formando então o aldeamento ―Xerente‖. A denominação inicial se deu em razão da eqüinocultuta desenvolvida no lugar. Em 1899 foram chegando povos de outros lugares e os índios foram perdendo seu espaço. Os primeiros homens brancos chegaram ao local por volta de 1902, fugindo da seca da Bahia. Os fundadores de Rio da Éguas foram Manoel Ferreira de França com sua esposa Joana de França e seus irmãos, que se instalaram e constituíram família. Ao longo do tempo a população foi crescendo e outras pessoas foram também imigrando para o Rio das Éguas. O lugar somente recebeu o topônimo atual em razão do recebimento de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira. Os produtos agrícolas produzidos eram levados em carro de bois para serem vendidos em Barreiras-BA e lá comprados os produtos industrializados, o desenvolvimento foi chegando, aos poucos foram surgindo as primeiras famílias, tendo como primeiro educador do lugar o senhor Aurelino Rodrigues de Araújo. Transcorria o fim da década de 1930, Dianópolis, novo nome do velho Município de São José do Duro, ainda não soava legítimo aos ouvidos da maioria dos seus habitantes, acomodados à vida pacata e estática deste distante sertão goiano. São José do Duro, ou simplesmente Duro, continuava sendo o nome mais usado pela população do Município e da maioria absoluta dos que tinham tomado conhecimento de sua existência através dos tristes acontecimentos que aqui se desenvolveram no primeiro quartel do século XX. Foi por volta de 1939 que a firma Póvoa e irmãos, recém instalada na cidade, observando que o povoado do Rio da Conceição oferecia perspectivas de progresso, com o aproveitamento do Rio que atravessa o povoado e pelas matas abundantes e férteis que se estendiam 17 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ por suas margens, decidiu levar àquele isolado núcleo populacional, sua contribuição para o progresso do lugar. A firma constituída de três sócios: Francisco Liberato Póvoa, o mais velho, Benedito Costa Póvoa e Pery Costa Póvoa o mais novo dos três. Os dois primeiros, por uns tempos transferiram-se com suas famílias para àquele povoado, levando em carros de boi o necessário para o início do seu empreendimento lá, e nas suas mentes a disposição de construir naquele local uma usina de beneficiamento de arroz e algodão. Para isso tornou-se necessário construir um canal com cerca de dois quilômetros de comprimento, um metro de largura e profundidade variavam para conseguir queda suficiente para a instalação de uma roda d‘água que forneceria a força mecânica necessária ao movimento das duas máquinas. Peri, o outro irmão, ficou cuidando dos interesses da firma, na sede do Município. Naquele lugar pobre, mas de rico potencial, destacavam-se, entre os chefes principais, os irmãos Romão de Carvalho e Antônio Pedro de Carvalho, além de Virgílio Ferreira de França, cujas famílias se irmanavam a muitas outras do lugar. Uma grande parte das famílias ali residentes eram de origem baiana, de Formosa do Rio Preto. Nos quintais de quase todas as casas do povoado, havia muitas, limeiras cujos doces frutos faziam a delícia dos raros visitantes que por ali apareciam e as recém chegadas dos irmãos Póvoa, generosa e alegremente escolhidas pelos moradores do lugar, foram fartamente presenteados com dulcíssimos frutos das limeiras. Com a chegada dessas famílias com muitas crianças e adolescentes, foi necessário contratar um professor para transmitir os primeiros ensinamentos a esses jovens que se somavam aos do povoado. O professor Hermes Batista foi que por muito tempo, dois ou três anos ensinou as primeiras noções de linguagem e de aritmética àquela mocidade da qual eu fazia parte. A principal dificuldade a vencer na abertura do canal para desviar parte da água do rio, foram as grandes pedras encontradas no subsolo, quebradas com pólvora fabricada por Peri Costa Póvoa. As pedras eram furadas com brocas de aço de fabricação rústica e marretas pequenas. Os buracos com cerca de 20 cm de profundidade e 3,5 18 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ a 4 cm de diâmetro, eram carregados de pólvora, ficando de fora um estopim de mais ou menos 30 cm, suficiente para dar tempo de se afastar das proximidades, correndo, a pessoa encarregada do fogo. Depois de cerca de um ano de trabalho, ficou pronto o canal, que tinha início perto da cachoeira do Cavalo Queimado e terminava nas vizinhanças das primeiras casas do povoado. Daquele local, perto de outra cachoeira, que passou a ser conhecida como cachoeira da Usina, em terreno muito pedregoso, o pedreiro mestre Elias começou a erguer do prédio da Usina, que depois de estar com as paredes niveladas, caiu, por causa das infiltrações provocadas pelo rigoroso inverno. Com alicerces mais profundos e em tempo seco, o prédio foi reerguido, coberto e concluído, ficando pronto para receber as máquinas que pertenceram a Antônio Póvoa, irmão mais velho dos três e que chegaram a funcionar por algum tempo na fazenda progresso, nos primeiros anos da década de 1930, nas vizinhanças de Dianópiolis. Um aqueduto conduzia a água desde o canal até o despejar sobre a roda d‘água que foi construída por Benedito Costa Póvoa, que era mecânico, marceneiro e contador. Depois de algum tempo de funcionamento a roda d‘água foi substituída por uma turbina alemã, trazida de Salvador. A Usina entrou em funcionamento, a produção local de arroz cresceu, porque havia comprador certo, assim como o algodão exportados para Barreiras e Salvador. Foi muito difícil a realização desse trabalho. No povoado, tudo era difícil, até mesmo certos produtos de uso mais comum, como farinha de mandioca, sal, querosene e café, que, periodicamente tinham que ser trazidos de Dianópolis. O algodão beneficiado era enfardado por meio de uma prensa de madeira fabricada também por Benedito Póvoa. A prensa era constituída em sua essência por uma forma de pranchões de madeira resistente, por cuja parte superior era colocada o algodão em lã, no peso correspondente ao do fardo (60kg). Essa forma era forrada de um tecido de algodão resistente, para depois constituir a embalagem do algodão beneficiado. Sobre a parte superior da fôrma por onde era colocado o algodão, colocava-se uma prancha que servia de tampa da prensa, que descia sobre 19 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ o algodão e em cujo centro se apoiava a extremidade inferior de um grande parafuso de madeira que era movido manualmente com o auxílio de dois braços laterais. O giro desse parafuso prensava o algodão até chegar ao volume padrão (mais ou menos 60cmx70cmx30cm). Com as naturais cautelas as pranchas iam sendo retiradas e o forro de tecido ia sendo costurado até ficar pronto o fardo. A Usina se localizava na margem esquerda do Rio e na mesma margem ficava também a maior parte das casas do povoado. Quando a Usina começou a funcionar, a firma Póvoa e Irmãos montou uma pequena loja com sortimento variado de tecidos, armarinhos, sal, café e querosene etc., que foi a primeira casa comercial do lugar, que ficou sob a direção de Floriano Macêdo. Naquele tempo, já nos primeiros anos da década de 1940,todas as terras daquele região eram devolutas e os irmãos Póvoa, julgando que os moradores e que deviam ser os donos daquelas terras, não cuidaram de requerer sequer a área onde funcionava a Usina não pretendiam apenas ganhar dinheiro com aquele empreendimento industrial, nem tornarem-se proprietários de boas terras de cultura. Pretendiam, principalmente, levar um pouco de progresso àquela parte do Município. Foi com profunda decepção que aqueles irmãos tomaram conhecimento de que a valorização das terras causadas por aquele empreendimento industrial havia despertado a cobiça de outras pessoas, movidas por outros propósitos, que sigilosamente requereram as melhores áreas daquela região. Diante de tal desconsideração, os donos daquele empreendimento suspenderam as atividades da Usina que acabou caindo no esquecimento. O Rio da Conceição, por esse motivo, teve o seu progresso muito prejudicado, perdendo uma promissora indústria. Apesar desse transtorno, o trabalho que chegou a ser realizado foi indiscutivelmente um grande salto que veio tirar do isolamento em que vivia, a gente daquele povoado, onde, em 1950, foi construi a Igreja Católica e a primeira missa foi celebrada pelo Padre Magalhães com os festejos da padroeira, no dia 08 de dezembro, quando passou a se chamar Rio da Conceição. 20 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Foi ainda Benedito Póvoa, quando exercia o segundo mandato de Prefeito Municipal, iniciando em 1961, que estendeu as redes de transmissão de energia elétrica a esse povoado e instalou o Distrito de mesmo nome, construiu uma nova estrada e uma ponte sobre o Rio Manoel Alvinho, ligando a sede do Município ao Distrito que teve como primeiro subprefeito Otílio Alves de Carvalho sobrinho de Antonio Pedro de Carvalho.12 Rio da Conceição foi Município de Natividade-TO, mais tarde Município de Almas-TO, e Distrito de Dianópolis-TO, até o ano de 1990, sendo emancipado em 1991 através da lei 251/91 de 20 de fevereiro de 1991, tendo como divisa o Rio Manoel Alvinho. Foi aos 03 (três) de outubro de 1992 a primeira eleição para prefeitos e vereadores, instalando-se oficialmente em 1º de janeiro de 1993, Valdo Viana Barbosa e Vice-Prefeito Evanuir Rodrigues de França, com os respectivos Vereadores, sendo posteriormente mudada a sua nomenclatura para Rio da Conceição, que desde 1988 passou a integrar o então criado Estado do Tocantins. É uma atividade que faz parte do Município de Rio da Conceição, devido às suas belezas naturais é um dos mais promissores pólos turísticos do Estado. Há excelentes balneários, onde os visitantes ficam impressionados com a exuberância da fauna e flora, áreas de lazer, com água limpa e cabanas que protegem os turistas do sol forte, campo de futebol, quadra de volêi. No Rio, há ainda as Cataratas dos Pilões, Cachoeira do Cavalo-Queimado, Cachoeira do Cipó Grosso, Barra do Prata e o inesquecível e tradicional Córrego da Prata. possui belas cachoeiras e rios de água límpida. 12 Informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Turismo de Rio da Conceição – TO. 21 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Rio Manoel Alves – Local de rara beleza natural, neste trecho pode – se observar as águas límpidas e o espaço do Balneário Municipal, ocupado todos os finais de semana e feriados por turistas de Dianópolis, Porto Alegre, Almas e outras localidades deste e de outros Estados; sua estrutura física conta com um Salão de Eventos, Bar e Quiosques num total de 12 cada um com bancos de madeira para comodidade dos turistas. 22 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62 23 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ II MOVIMENTO COMUNISTA As Ligas Camponesas constituíam uma entidade que organizava os camponeses em torno da luta comunista pela reforma agrária, inicialmente no sertão pernambucano, entrando por Goiás com a proposta de organização popular de trabalhadores, exigindo direitos trabalhistas elementares e terra para trabalhar. O movimento emergia em pontos esquecidos do norte do Estado, com mínimas adesões nas cidades. A movimentação dos trabalhadores rurais, entretanto, somava-se à influencia da revolução cubana recém-vitoriosa, de modo que o Brasil era tomado por uma onda de movimentos proletários, cada dia mais radicais. Gilvan e um grupo de militantes do PCB exigiam da direção do partido uma posição mais à esquerda, mais firme, chafurdando no movimento das Ligas, idealizado pelo Deputado comunista Francisco Julião. Os dissidentes rompem com o Partido e fundam o Movimento Revolucionário Tirandentes – MRT. Dentre os militantes do MRT, destacaram-se Gilvan Rocha13, Carlos Montorroyo, Cleto da Costa 13 Gilvan Queiroz da Rocha, também conhecido como Clovis Pinheiro, nos concedeu breve entrevista pelo telefone, numa das ligação que fizemos a Fortaleza-CE em meados de 2005. Educado e fiel à ideologia, mostrou-se firme nos seus objetivos. Sobre Gilva, 24 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Campelo Neto, Tarzan de Castro, Clodomir dos Santos Morais, Joaquim Ferreira e outros. Fundam, com outros dissidentes do PCB o Movimento Guerrilheiro do Norte de Goiás. Narra Paulo Mamede14 que ―em 1962, dezenas de militantes do MRT e organizações afins deixam a cidade e espalham-se pelo país, para iniciar o que seriam ‗os focos guerrilheiros‘. Gilvan e companheiros eram escalados para um foco no norte de Goiás. Treinavam táticas de guerrilha, faziam trabalhos assistenciais ‗para ganhar a confiança do povo‘ e tinham acesso a alguma literatura. A aventura, no entanto, não demorou muito. Os erros infantis dos ‗guerrilheiros‘ fizeram com que a repressão militar facilmente localizasse e desbaratasse o grupo. O episódio é bastante explorado pelos conservadores que já avistavam o ‗perigo vermelho‘. A revista ‗O Cruzeiro‘, de 11 de dezembro de 1962, dá ampla cobertura ao caso, Gilvan é preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em pleno governo de João Goulart. A mesma facilidade encontrada pela repressão para desbaratar os ‗guerrilheiros‘ Gilvan encontrou para fugir. Com a ajuda de membros da maçonaria escapole para Brasília e – de lá – volta para o Nordeste, onde articula, em Pernambuco e na Paraíba, a vanguarda do grupo Leninista‖. sabe-se ainda que ―em 1963, articulou em Pernambuco e na Paraíba o grupo Vanguarda Leninista. A organização fez oposição ao governo de Miguel Arraes e passa a denunciar o ―reformismo do PCB‖. Alguns líderes foram presos durante o governo de Arraes. É ainda, em 1963, que a Vanguarda Leninista conhece e adere ao trotskismo. O grupo alerta sobre a iminência do golpe de 1964 e é visto pela esquerda monopolizada pelo PCB como lunático. O golpe não pega o grupo de surpresa e com uma simples operação consegue despistar a repressão ainda despreparada: os militantes de Pernambuco seguem para a Paraíba e os da Paraíba para Pernambuco. O grupo só é apanhado pela repressão no final de 64. Vários membros são presos, outros fogem na clandestinidade para outros Estados‖, segundo narra Paulo Mamede, no livro Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, de Gilvan Rocha, editado pela Expressão Gráfica – Aldeota, Fortaleza—CE, 1996. Conheça o livro Bye, Bye PT, do mesmo autor. 14 Veja o prefácio do livro Vermelho Cor de Esperança, de Gilvan Rocha. 25 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ POR QUE A II GUERRA TERIA INFLUÍDO? 15 Observemos o seguinte: a II Guerra Mundial foi desfechada contra a extrema-direita. A extrema-esquerda aderiu ao conflito como tábua de salvação. Na época, o nazi-facismo consistia no dilema decisivo: ou seria aniquilado ou imprimiria a derrota imediata das liberdades humanas. O comunismo internacional soube aproveitar a ocasião. No Brasil, seus agentes procuraram, com sutilezas, desviar para o integralismo batido em 1938 não apenas a ojeriza pela intentona de 1935, como acrescentar uma aparência de arbítrio aos rumores que a democracia renascente buscava, tonta com restos de sombras do Estado Novo. Concebeu-se, assim, a admissão de esquerdas perdoadas, esquerdas para as quais correram, impunes e sem escrúpulos, tantos homens da direita, favorecidos pela memória virgem de gerações privadas de liberdade por cinco lustros. Tratava-se de aproveitar o mercado de eleitores e, em nosso país de tamanhos paradoxos, não faltou mais o de ser pregado um socialismo justamente por figuras dos mais arraigados hábitos e condições burguesas! Tal coisa não deixou de atingir o então esquecido Goiás. Ludovico quando lá, ainda interventor, proporcionava acolhida a comunistas sem coragem de enfrentar os castigos da metrópole: depois, aqui, já membro da Assembléia Constituinte, nutria esperança de ser embaixador em Moscou, entusiasmando-se num contágio incontável, com o livro do Deão de Canterbury, espécie de “linha saco” da literatura socializante naquela quadra em que aliados podiam ser também inimigos cordiais. CUBA E O RESTO. 15 Jornal O Globo, de 26-01-65. 26 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Goiás foi palco de freqüentes episódios de retardamento político, feudo de oligarquia demorada e extravagante. Estado mediterrâneo, sacudiu-se nos seus alicerces, com a industrialização florescente do após guerra. Para maior impacto sócio-econômicopolítico, a estrada que Brasília abriu compensou a perspectiva das verbas diminuídas. Pela estrada, um revolucionário sistema de comunicações e de vida se estabeleceu. E, nesse sistema, o caminhão encurtou para quatro e até três dias o prazo de transporte dos cereais que antes abarrotavam armazéns de Goiânia e de Anápolis, dependendo de uma estrada de ferro absoleta que decidia da sobrevivência ou da morte dos negociantes. Os vagões carregavam até por seis meses a mercadoria, e na baldeação e na lerdeza registravam-se perdas que raro processo indenizava, não se falando no agravamento dos custos. Com válvulas de respiração econômica, o Estado nos últimos quinze anos, experimentou saltos extraordinários: a situação energética da ninharia de 12 mil kv, teve potencial bruscamente aproveitado, sobretudo na Cachoeira Dourada, que já nas primeiras etapas da previsão superior a 400.000 kv abasteceu Brasília e amparou, na escalada, várias cidades ávidas do benefício. A demografia, acanhada em umas oito centenas de milhares de almas, adquiriu outra feição estatística, com quase dois milhões e meio de habitantes. E em face dessa transformação, sem que se transformasse a concepção do socialismo destorcido pelos aproveitadores da II Guerra, olhos cúpidos enxergaram campo livre para batalhas políticopersonalistas. Em Goiás, como em outros Estados, os comunistas em maioria cumpriam missões quase românticas. Não exibiam violência, davam-se com todos. O pior que faziam era acoitar, vez por outra, algum correligionário corrido, como em Anápolis, Luís Carlos Prestes sempre foi encontrar teto para sono tranqüilo. O progresso, porém, alterou esse comportamento. E, sem se dar conta da importância de uma mistura estimuladora. Jânio Quadros, em sete meses, agiu na base da pirraça, animando com suas causas os efeitos que Jango não soube distinguir para evitar. 27 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ II O MOVIMENTO É DESBARATADO. A IMPRENSA NACIONAL ENTRA EM AÇÃO. Era o dia 03 de dezembro de 1962. O sonho dos jovens socialistas estava frustrado. As estratégias da guerrilha estavam esmagadas pela repressão do aparelho do Estado. O Jornal o O Globo, no Rio de Janeiro lançava a notícia: NÚCLEO COMUNISTA EM GOIÁS TREINAVA PARA GUERRILHAS16. Três oficiais de gabinete do Governo Mauro Borges estão entre os acusados de preparar guerrilheiros, segundo os métodos de “Che” Guevara, no seu livro “Guerra de Guerrilhas”. São eles: João Neder, contra o qual se executou mandado de prisão. Tarzan de Castro e Natal Zacarioti. Os nomes dos demais envolvidos não foram revelados. Sabe-se apenas que o Juiz João M. Marques decretou a prisão preventiva de todos eles, enquanto se realiza inquérito. 16 Jornal O Globo, Rio de Janeiro, de 03.12.62. 28 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ A polícia descobriu mais de 200 homens treinando com armas modernas, no Município de Dianópolis, norte de Goiás, fronteira com a Bahia. Apreendeu grande quantidade de metralhadoras portáteis e outras armas de guerra. Trinta e seis elementos estão envolvidos na organização do núcleo comunista e contra eles o Juiz João Marques expediu mandado de prisão que ontem mesmo começou a ser executado. Informa-se também que um elemento vindo de Pernambuco participava do treinamento dos guerrilheiros. O inquérito policial está a cargo do Delegado Geraldo Deusimar de Alencar. OFENSIVA EM GOIÁS. A terceira manifestação foi a invasão de uma das fazendas das Ligas, em Dianópolis, Goiás, em 23 de novembro de 1962. mais uma vez foram apreendidos planos de operações de guerrilhas. Foi decretada prisão preventiva contra 26 membros das Ligas pelo Juiz Moreira Marques. Entre esses 26 estavam Clodomir dos Santos Morais, Amaro Luís de Carvalho e Joaquim Ferreira Filho, todos os quais haviam freqüentado o curso de treinamento em Manágua. Além destes inclui-se também outro companheiro de treinamento em Cuba: Clóvis José Esteves de Sousa. O Jornal O Estado de São Paulo, também noticiava, pelo correspondente de Goiânia e da sucursal de Brasília: DETERMINADA A PRISÃO DE 24 AGITADORES COMUNISTAS17. Apesar de as primeiras informações chegadas sábado à noite a Goiânia afirmarem que eram 36 os mandados de prisão preventiva contra os implicados no plano de agitação de Dianópolis, soube-se hoje que o delegado Geraldo Deusimar de Alencar pediu 24 prisões preventivas 17 Jornal O Estado de São Paulo, de 04.12.62. 29 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ para os seguintes comunistas: José Jaime, João Nader, Tarzan de Castro, Benjamim Ferreira da Cunha, Clóvis José Esteve de Sousa, Gilvan Queiroz de Rocha, Valter Rodrigues Coelho, Marcolino dos Santos, Arlindo Alves de Sousa, Antonio Alves Dias, Luis Preto, Aiberê de Sá, Francisco de Cruz Botelho, Edmar de Amorim, Geraldo José de Lima, Antonio Jospe de Rocha, Leonardo Manuel Holanda Carneiro Cunha, Clodomiro dos Santos Morais, Amaro Luis de Carvalho, Carlos Montarroyos, Adauto Monteiro da Silva, João Meireles, Joaquim Ferreira Filo e Luis Inácio de Sousa. Clodomir dos Santos Morais, é o autor intelectual do plano. Trata-se de ex-deputado comunista de Pernambuco. O líder do grupo era Amaro Luis de Carvalho, conhecido agitador profissional no Nordeste. Até agora, as autoridades policiais conseguiram efetuar prisão apenas do sr. João Neder, que foi removido para um hospital desta capital sob a alegação de que seu estado de saúde é precário. Comentou-se ontem à tarde que a prisão de Tarzan de Castro havia sido feita em Brasília, mas ainda ontem as autoridades policiais de capital federal desmentiram a notícia. A polícia não confirmou também a participação do sr. João Batista Natal Zacarioti, oficial de Gabinete do sr. Mauro Borges, nas atividades subversivas de Dianópolis. O plano de agitação e subversão era organizado no lugar denominado Boqueirão de Conceição, distante de Dianópolis, oito léguas e só acessível a cavalo. Os elementos foram inicialmente, dispersados pelo coronel José Seixas, chefe do Serviço de Repressão ao Contrabando, setor de Goiás. Logo depois elementos do Conselho de Segurança nacional chegaram ao local, conseguindo apreender metralhadoras, mosquetões e grande quantidade de balas, além de muitos homens em treino para guerrilha. Informada da ocorrência a Polícia goiana mandou o delegado Geraldo Deusipar de Alencar para presidir o inquérito pó determinação de Secretaria de Segurança Pública. O delegado encontrou alguns livros de ensinamentos de técnicas de guerrilha, certa quantidade de munição e propaganda comunista que comprometia seriamente os indiciados. A delegacia de Vigilância e 30 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Capturas está incumbida de capturar os agitadores cujas prisões preventivas foram decretadas pelo Juiz de Dianópolis. O Diretório do Partido Socialista Brasileiro encaminhou oficio ao governador Mauro Borges “estranhando” a prisão do sr. João Neder, que foi candidato a deputado estadual por seu partido e integra sua comissão executiva regional. FATOS PRINCIPAIS. O Gabinete do Departamento Nacional de Segurança Pública informou esta noite que há cerca de 20 dias, o cel. Nicolau Seixas regressou de Dianópolis para onde fora enviado como observador federal, fazendo um amplo e minucioso relatório onde faz sentir ao chefe de polícia “a urgente necessidade de aquartelamento de tropa do Exército na localidade”. De tal fato o cel. Carlos Cairoli fez uma exposição ao Conselho de Segurança Nacional e outra para o governador Mauro Borges, de Goiás. Do relatório apresentado – até agora mantido em sigilo – os fatos principais podem ser assim relacionados: a) quero terras, onde grileiros são armados por posseiros para invasão permanente e respectiva garantia de posse; b) infiltração esparsa de elementos estranhos ao meio rural que exercem uma influência perigosa para uma luta de suposta reforma agrária, com inspiração nordestina, de cuja região procedem os responsáveis pelos movimentos; c) mina de ouro, que provoca disputas entre os grupos armados interessados na exploração de jazida e na grilagem de terras. De todos esses fatos, “acrescidos de interesses ocultos de poderosos que fizeram construir até campo de pouso para maior facilidade na operação de descarga de arma, material, pessoal e respectivo embarque, dos mineiros extraídos” – o cel. Seixas deu conhecimento por meio de seu relatório ao chefe de polícia do DFSP, ao governador Mauro Borges, cientificando-o de necessidade do envio 31 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ urgente de tropas do Estado para manter a ordem, evitar a perigosa infiltração de elementos havidos como comunistas, controlar e apurar a origem das armas ali chegadas e, judicialmente, garantir as decisões do juiz quanto à questão de terra. Aliás, fora o juiz de Dianópolis que solicitara auxilio na Polícia Federal e logo após as observações feitas dera ciência que o governador de Goiás “estava interessado em liquidar os movimentos aparentemente subversivos mas não dispunha de meios adequados”. Tal fato fez com que o cel. Cairoli, chefe do DFSP, mandasse outro relatório para o CSN, há menos de 15 dias, colocando-o a par das observações efetuadas pelo enviado especial e das dificuldades do governador Borges para enfrentar o “quisto em formação”. Neste último relatório é então sugerida “a urgente necessidade do envio de tropa federal preferencialmente do Exército, não só para aquela região, como para outras, onde iguais movimentos estão surgindo de origem desconhecida mas que afluíram no planalto goiano com expansão para Mato Grosso e Bahia”. TRAIÇÃO NAS MATAS18. O juiz de Dianópolis decretou prisão preventiva de 36 elementos responsáveis pelo treinamento e organização de guerrilhas na fronteira de Goiás com Bahia. Eram cerca de 200 homens equipados, praticamente, com metralhadoras e, teoricamente, com o livro especializado de Che Guevara. E, o mais espantoso, é que, entre eles, figuram dois oficiais de gabinete do governador Mauro Borges: os srs. Tarzan de Castro e Natal Iscariotes. E foi, aliás, a própria polícia do governador que desmontou o foco subversivo. O mais curioso é que o próprio sr. Mauro Borges veio ao Rio a fim de pedir a colaboração dos dólares de “Aliança para o Progresso”, com o objetivo de fomentar a exploração de riquezas do seu Estado. E 18 Jornal Correio da manhã, terça-feira, Rio, de 04.12.62. 32 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ nisso, provavelmente, reside o motivo de, seguindo o recente exemplo dos soviéticos em Cuba, haver desmantelado os seus mísseis em miniatura. Esperamos somente que, no caso de se efetivar a possível gorilização chinesa no Caribe, o sr. Mauro Borges não volte a soltar os srs. Tarzan e Iscariores pela mata a mongolizar o Brasil Central. A IMPRENSA GOIANA ACUSA O GOVERNO DE PROTEGER OS COMUNISTAS19. GOIANIA: A imprensa deste Estado acusa o governador de omitir-se ante a subversão da ordem no nordeste goiano, com a constituição de guerrilhas permanentemente treinadas. Denunciam os jornais ainda a infiltração de elementos reconhecidamente comunistas na administração estadual. “O Popular” em comentário intitulado “Ainda é tempo”, diz: “Dois dos auxiliares do governo estão sendo buscados pela Justiça, como incursos em crime contra a segurança nacional, ao tempo em que um terceiro, o secretário do Trabalho, sai em peregrinação pelo Interior levando a tiracolo um sacerdote que, apesar de sua batina, é um agitador sem nenhuma consistência intelectual e que prega abertamente a subversão de ordem constitucional”. Informa o jornal que o sacerdote, padre Alípio, recebe ampla cobertura do Estado, utilizando o Teatro de Emergência, do governo, para suas pregações. “O Popular” refere-se depois ao treinamento de guerrilheiros em Dianópolis, ajuntando que “dois auxiliares diretos do governo, os srs. João Neder (já preso) e Tarzan de Castro (que se encontra foragido) estão envolvidos na sua direção”. Acusa ainda esses elementos, de alta confiança do governo, pois foram oficiais de gabinete, de participarem de tumultos em Jussara, “onde foram vistos distribuindo folhetos subversivos em comícios de camponeses, que promoviam para usufruí-los”. 19 Jornal O Estado de São Paulo, quinta-feira, de 06.12.62. 33 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ O jornal lamenta a atitude do sr. Costa Paranhos, presidente do PSB, que protestou contra a prisão do sr. João Neder, “comunista confesso”. A “Folha de Goiás”, em “Apelo ao Chefe do Governo”, confirma, em linhas gerais, as informações divulgadas por “O Popular”. COMUNISTAS COMPRARAM FAZENDAS GOIANAS PARA TREINAR GUERRILHEIROS20. Dos enviados especiais. DIANÓPOLIS, Estado de Goiás, 5 – Os dois mil moradores desta cidade, pequeno núcleo do Nordeste goiano, na região amazônica, já não comentam os acontecimentos de que já não comentam os acontecimentos de que foi palco recente com a presença aqui de agitadores comunistas, afinal expulsos pela ação de forças do Exército e da Polícia. A cidade tem 500 casas e em algumas delas se podem ler dizeres hostis aos membros de Liga Camponesa que tentaram fundar as primeiras bases de agitação no Interior de Goiás. Afora esses dizeres, pintados com tinta branca, a cidade, que teve um passado bastante tumultuoso, prefere agora ignorar que serviu de centro de um plano previamente traçado, mas contra o qual soube residir. O dispositivo de agitação, que se instalou em três fazendas deste município, expandindo-se posteriormente para o município de Almas, comandava suas atividades do local denominado “Catingueiro”, nas proximidades do distrito de Rio de Conceição, a 40 quilômetros de sede municipal. As outras duas fazendas coordenavam o abastecimento e o armamento. Todas elas, contudo, foram abandonadas pelos membros de Liga, depois que, a pedido do juiz de Direito de Dianópolis, dr. J. 20 O Estado de São Paulo, quinta-feira, 06.12.62. 34 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Moreira Marques, realizou-se no local uma diligência de segurança nacional, sob o comando do tenente-coronel Nicolau José Seixas, chefe do Serviço Federal de Prevenção e Repressão de Brasília. A segunda e definitiva fuga deu-se um mês depois, a 23 de novembro, após uma batida feita pela guarnição de combates de polícia goiana. Dos 26 implicados, contra os quais o Juiz Moreira Marques decretou prisão preventiva (ver o “Estado” de ontem), apenas dois foram detidos em Dianópolis; o processo foi instaurado no Foro local na fase de interrogatórios, com a expedição de cartas precatórias e editais de citação. Os integrantes do “Dispositivo do Catingueiro” – como se chama – ao que se sabe, após a segunda fuga, embrenharam-se nas matas, apenas com a roupa de couro que vestiam, conseguindo alcançar a cidade de Barreiras, na Bahia, após uma exaustiva viagem a pé. De Barreiras, seguiram para Recife, numa perua “Rural”, segundo informações das autoridades bahianas. As duas intervenções militares contra o quartel-general do dispositivo resultaram na apreensão de grande quantidade de livros comunistas e obras de doutrina, algumas armas e outros apetrechos, além de um jipe Willys, com placa 1-28-10, de Recife. Documentos pessoais de identificação, fotografias, prospectos, manuscritos e anotações também estão incluídos entre os materiais apreendidos. Revelam tais documentos a tentativa de se constituir aqui um núcleo de agitação vermelha que deveria depois estender-se por todo o Estado de Goiás; os documentos revelam também certa ingenuidade de seus autores, o que poderia fazer crer que se tratava de um grupo de jovens, inclusive estudantes universitários, empenhados em mais uma aventura. Mais hpa certos fatos que destroem essa hipótese. Basta dizer que o grupo, em pouco mais de um ano, gastou certa de sete milhões e meio de cruzeiros num aglomerado de dez mil habitantes, que é a região compreendida pelos municípios de Dianópolis e Almas. O COMEÇO: CAMPANHA DE INVESTIMENTOS. 35 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Os fundadores da Liga Camponesa de Dianópolis chegaram à cidade em princípios do ano passado, dizendo-se representantes de “grande e conceituada companhia de investimentos do Nordeste brasileiro”. Seu objetivo declarado: a compra de terras no município, para cultura de cereais e criação de suínos. Alegavam que era desejo de empresa aplicar grandes somas no município, pois assim não pagariam quantias elevadas para o imposto de rendas. Inicialmente, a “Companhia Capitalista do Nordeste” adquiriu a fazenda “Catingueiro” próxima ao povoado Rio de Conceição, distante 40 quilômetros de sede municipal de Dianópolis. O local, de difícil acesso, fica a mil quilômetros de Brasília. No “Catingueiro”, iniciaram os membros de suposta empresa plantações de milho e feijão, oferecendo aos seus empregados salários superiores aos vigentes na região, que recebiam também assistência médica e dentária. Posteriormente, o grupo adquiriu duas outras fazendas: “Antônio Alves” e “Cascavel”, ambas nas proximidades de Catingueiro. No “Catingueiro”, ponto central do “dispositivo”, em pouco tempo as atividades agrícolas foram sendo relegadas a segundo plano. Na fazenda “Antonio Alves”, diversas casas e outros melhoramentos foram construídos e reservados para servir de futuro arsenal. Finalmente, “Cascavel” era a fazenda em que se localizava o serviço de abastecimento, onde grandes quantidades de provisões eram armazenadas. Os representantes da “Cia. Capitalista do Nordeste Brasileiro”, que adquirira as terras, em nenhum momento revelaram interesse pelos documentos de propriedade comuns em tais transações, embora tivessem feito os pagamentos à vista. Aos poucos, a companhia transformou-se em liga camponesa, sob a designação de Associação Goiana do Trabalhador do Campo; seus estatutos foram publicados a 9 de junho no “Diário Oficial de Goiás”. 36 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Constituída a liga – que, por seus membros, era chamada de “dispositivo de agitação” – passou-se à fase de pregação e propaganda e de organização de planos de guerrilhas. A Liga, depois de constituída, desenvolvia paralelamente as suas atividades no Catingueiro um programa de assistência médica, dentária e social aos seus associados. Quase diariamente, promovia festas, com ênfase sobretudo nas datas comemorativas de revolução cubana e de URSS. O esbanjamento de dinheiro era corriqueiro entre os integrantes de liga, que não se preocupavam com o vulto das despesas: era certo e garantido o recebimento de novos recursos financeiros procedentes do Recife. Mas, em Dianópolis, as atividades da liga começaram a encontrar a forte reação dos moradores; a isso juntaram-se as primeiras providências de caráter preventivo adotadas pelas autoridades. Isso forçou o desvio daquelas atividades, entre elas a promoção de festas, para o município de Almas, mais propício. Dianópolis, além de ostentar nível mais elevado de vida, guarda na lembrança um passado sangrento; seus habitantes tem uma natural aversão a qualquer tipo de agitação política. A cidade surgiu em torno de uma mina de outro, com o nome de Arraial de São José do Ouro, posteriormente mudado para São José do Ouro. Em 1919, [...] a polícia em represália executou reféns em praça pública; amarrados a troncos, os nove foram mortos a facadas. Uma inscrição, existente na pequena capela erguida no local das execuções, qualifica-as como “chacina oficial”. Esse tenebroso acontecimento provocou o êxodo da população de S. José do Duro, que procurou os municípios vizinhos para nova morada. Só muitos anos depois, começaram a voltar os habitantes, ainda desta vez atraídos pela mineração de ouro (atividade até hoje existente no município); em 1938, São José do Duro passou a chamar-se Dianópolis. PROCESSO. 37 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ As atividades do dispositivo passaram, posteriormente à execução de um plano de agitação, no povoado de Rio da Conceição, com instruções recebidas de Recife. No Catingueiro, construíram os seus membros diversos postos de vigia em elevações vizinhas para permitir segurança aos Exercícios de guerrilhas. Esses postos foram destruídos pela força policial do Estado de Goiás, em fins de novembro. Após a primeira batida militar ao Catingueiro, o promotor público de comarca de Dianópolis, sr. Antônio Alves França, ofereceu denúncia o juiz de Direito, instaurando-se o inquérito, com a decretação simultânea de prisão preventiva dos principais implicações, que são: Clodomir dos Santos Morais, que seria o autor intelectual do plano de agitação; Amaro Luís de Carvalho, chefe do grupo; Joaquim Ferreira; Cleto de Costa Campelo; Leonardo Manoel Holanda Carneiro Cunha; Gilvan Queiroz de Rocha; Walter Rodrigues Coelho; Marcelino Santos; Luís Preto; Antônio Alves Dias; Luis Inácio Souza; Aybire Sá; Edmar Amorim; Antônio José da Rocha; Adauto Monteiro da Silva; Geraldo Jorge de Lima; Benjamim Ferreira Cunha Júnior, todos do Estado de Pernambuco; João Meireles, do Rio Grande do Norte; Tarzan de Castro; Horácio de Oliveira; Clóvis José Esteves Souza; José Jaime; João Neder e Francisco da Cruz Botelho, todos de Goiás. Deste, estão presos em Dianópolis Francisco da Cruz Botelho (proprietário rural no município) e Horácio de Oliveira. MATERIAL APREENDIDO. O Serviço Federal de Prevenção e Repressão apreendeu no Catingueiro, além de documentos de identidade e manuscritos, mais os seguintes: 200 mil cruzeiros em dinheiro, um jipe “Willys” (licença de Recife 1-28-10), livros diversos, uma espingarda calibre 22, dois rifles calibre 44, três revolveres calibre 38, um revolver calibre 22, grande quantidade de balas, um binóculo do Exército, dois aparelhos de treinamento de telegrafia, rádios e malas. 38 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Entre os livros encontrados no acampamento citam-se: “Declaração de Recife” e “ABC do Camponês”, de Francisco Julião, e “A Guerra de Guerrilhas”, de “Che” Guevara. PROGRAMA. De acordo com alguns dos documentos apreendidos pelo Exercito no Catingueiro, os responsáveis pelo dispositivo consideravam suas três fazendas, “totalmente impraticáveis para qualquer treinamento militar, dada a proximidade de vila e a afluência de pessoas estranhas. Também impraticáveis para o desenvolvimento de guerrilhas pela excessiva pobreza estratégica”. PROGRAMA DE AGITACAO E PROPAGANDA. No Catingueiro, as atividades do dispositivo obedeciam a dois programas: Um era denominado “Programa de Agitação e de Propaganda”, que reúne oito artigos, a saber: 1. missa celebrada pela manhã; 2. realização de uma gincana e jogos; 3. churrasco e feijoada às 12 horas; 4. tarde esportiva; 5. apresentação teatral à noite; 6. baile às 22 horas; 7. viagens para muitos municípios goianos, levando assistência médica, dentária e profilática; 8. criação de um círculo de amigos, principalmente em Dianópolis. PROGRAMA POLÍTICO. O SEGUNDO, O POLÍTICO, É ESTE: 39 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 1. duas horas diárias de estudos teóricos para cada esquadra, estabelecida assim: num dia, aulas de politização e, no outro, aulas de teoria milita, acrescentando-se que as esquadras farão estudos em horários e turmas diferentes. Horários: Segundas, quartas e sextas, politização; terças, quintas e sábados, guerras e guerrilhas. 2. intensificar nas três escolas da Vila a exploração sutil do atraso nacional e regional, apontando as causa dos males do País, dizendo das possibilidades que o povo tem de superar, pela luta, esses males; 3. fundar uma sociedades de amigos em Rio de Conceição. PERFEITA REDE DE ESPIONAGEM VIGIAVA TODOS OS PASSOS DAS AUTORIDADES EM DIANÓPOLIS21. DIANÓPOLIS, 6 – Nos cinco meses que se seguiram à criação de Liga Camponesa de Dianópolis – surgida de primitiva Empresa Capitalista Nordestina que adquiriu terras no município – a população de cidade passou por momentos de inquietação, na iminência de um ataque organizado no “Catingueiro”, sede do dispositivo de agitação. Dianópolis tem de força policial apenas o delegado e um soldado; são quase nulas as possibilidades de defesa. Em nenhum momento, é verdade, os elementos do “Catingueiro” esboçaram qualquer tentativa desse tipo mas, em contrapartida, puseram em ação um perfeito sistema de espionagem, vigiando constantemente os passos das autoridades do município. A figura do juiz Moreira Marques era a mais visada pelos agitadores, que acompanhavam todos os seus passos. A rede de espionagem do “Catingueiro” estendia-se amplamente, a ponto de poder oferecer todas as minúcias de uma viagem do magistrado a Brasília e Goiânia, feita por via aérea. A riqueza de pormenores era impressionante: o QG do “Catingueiro” soube até com precisão de 21 Jornal O Estado de São Paulo, de 7.12.62. 40 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ horário, de substituição de bilhete de passagem na agência de “Cruzeiro do Sul”, de todos os locais percorridos pelo juiz e os nomes das pessoas com as quais teve contato. Tudo isso deixa intranqüila a cidade mas, por outro lado, constituiu-se no principal motivo da atitude de seus habitantes, que reagiram aos objetivos de Liga. FINANCIAMENTO. Havia fortes motivos para o temor em Dianópolis: a 40 quilômetros de cidade, os agitadores ensaiavam ataques de guerrilhas e procuravam armar-se e, ao mesmo tempo, com outras táticas, tentavam infiltrar-se entre a população. A cidade sabia que o dispositivo era financeiramente poderoso. Freqüentemente, um de seus integrantes desembarcava de um avião da “VASP” ou da “Cruzeiro”, procedente de Brasília ou de Barreiras, na Bahia, conduzindo pesadas bolsas com dinheiro. Não procuravam esconder o conteúdo de bolsa; pelo contrário, exibia-o. A fonte financiadora ainda é desconhecida. Sabe-se que o numerário procedia do Recife, mas se ignoram os fornecedores. Há quem suspeite venha o dinheiro de Cuba, embora nenhuma prova concreta existia até agora. REGIMENTO. Nas três propriedades do “dispositivo”, todas as atividades de seus membros estavam subordinadas a um regimento interno: 1. fica expressamente proibido aos membros do “Dispositivo” portarem armas de fogo, salvo: a) em marchas e treinamentos; b) à noite, dentro do dispositivo; c) à noite, em saídas para a Vila, quando deverão estar discretamente armados; d) a qualquer hora, quando de mobilização geral do dispositivo, obedecido um plano geral de ação. 41 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ As armas deverão estar em lugar seguro e sempre ao alcance dos membros do dispositivo. 2. fica expressamente proibido fazer disparo dentro do dispositivo, salvo: a) em casos de treinamento; b) quando de realização de caçadas, desde que haja permissão do Comando; c) em casos atentatórios à segurança do dispositivo ou à segurança individual dos seus membros, não se enquadrando neste caso as rixas ou divergências de caráter pessoal entre membros do dispositivo, ou com pessoas estranhas, casos que deverão ser resolvidos pelo Comando ou pelo Comitê. 3. fica expressamente proibida a entrada de bebidas alcoólicas no dispositivo, bem como fica expressamente proibindo o acesso às mesmas, salvo: a) nos casos excepcionais de festas, dentro ou fora do dispositivo, quando deverão os membros observar uma estrita moderação. Os casos excepcionais de entrada de bebidas no dispositivo deverão ter a permissão do comando. 4. fica expressamente proibido aos membros do dispositivo afastarem-se do mesmo sem permissão do comando, sem exceções. 5. os membros do dispositivos ficam obrigados a observar estrita pontualidade nos horários de entrada e saída no dispositivo, salvo em casos excepcionais, que deverão ser levados à aprovação do comando. 6. os membros do dispositivo ficam obrigados a usar de rigorosa reserva no falar e agir com pessoas estranhas ou na presença das mesmas. 7. os membros do dispositivo não ficam proibidos de exercer atividades externas, mesmo que estranhas à vida do grupo. Devem, entretanto, usar de moderação, devendo sempre encarar tais atividades como coisas secundárias, que não deverão influir em suas funções normais do dispositivo. 8. as compras que desejarem efetuar os membros do dispositivo só poderão ser realizadas mediante aviso aos encarregados do setor de abastecimento, para os quais deverá ser enviada a respectiva nota de compra, exceto nos casos urgentes, quando também não será dispensada 42 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ a referida nota de compra. Os casos de infração às normas estabelecidas neste regimento serão julgados devidamente pelo Comando ou pelo Comitê, de acordo com seu grau de gravidade, e são passiveis de: a) crítica; b) voto de confiança inserido entre as resoluções de reunião; c) perda de mandato, comando e direito. RELAÇÕES. O dispositivo “Catingueiro” mantinha estreitas relações de Pernambuco, de onde vieram os livros e o jipe “Willys” apreendidos pela polícia. Acredita-se que o veículo fora comprado com destinação específica para o grupo agitador de Dianópolis. Trata-se de um jipe novo, modelo 1962, cujo painel de instrumento marcava pouco mais de 3.000 quilômetros, que é mais ou menos a distância, por rodovia, que separa Recife do reduto dos comunistas. Além das relações mantidas com Recife, havia recomendação do comando do dispositivo para o estabelecimento de contatos com outras regiões. Um dos documentos apreendidos continha recomendações dessa natureza, indicando nomes de pessoas ou de entidades estudantis para as quais deveria ser dirigida a correspondência. Entre elas figuram o Centro Acadêmico de Faculdade de Direito de Goiânia e a União Brasiliense dos Estudantes Secundaristas. “São aliados nossos” – dizia o documento, acrescentando: “Tarefa: influenciar o movimento estudantil”. AUTOCRÍTICA. No relatório elaborado pelo comando dos agitadores em que se recomenda a transferência do centro de suas atividades para outra região mais favorável, é feita uma autocrítica sobre o comportamento do dispositivo estabelecido no município de Dianópolis. O documento é este: “Fazendo-se um balanço do tempo e do dinheiro gastos, chegase logo à conclusão de que a produtividade dos trabalhos não vem 43 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ correspondendo, resultando num inconteste prejuízo para o processo, o que obriga a examinar as razoes e descobrirmos as soluções, a fim de impedir esses descalabros e danos. A maneira pela qual foi fundado esse dispositivo, isto é, a Companhia Capitalista, veio despertar nos moradores de região o desejo de tirar o máximo de lucros, todas as vezes que alguém se fizer necessário a referida Companhia. Tomando um caráter excessivamente filantrópico (dentista, remédios, festas, presentes etc.) sem o mínimo de preparo político dos beneficiados, a Companhia ganhou caráter de instituição pública. O desmedido interesse em beneficiar os moradores da região veio despertar nos camponeses a idéia de que somos os únicos beneficiados e que temos segundas intenções (cego desconfia de esmola grande). A transformação de Companhia para Liga Camponesa veio fazer-nos desmerecedores da confiança dos moradores da confiança dos moradores locais, mesmo porque, quando ainda éramos Companhia defendiamo-nos renhidamente de acusação de que éramos Ligas Camponesas. Os elementos que constituem este dispositivo, além do baixo nível político, não tiveram o mínimo de assistência nesse sentido, sendo levados mesmo a distanciar-se do almejado, dada a maneira como foram dirigidos, orientados, assim como o falso conceito de igualdade que leva os companheiros à vaidade e ao liberalismo. Os novos companheiros, recrutados nesta região, não sofrem a influência desta mesma orientação, sendo levados a incorrerem nos mesmos erros, o que vem resultar em dificuldades ao bom andamento dos trabalhos. A falta de disciplina e a falha de visão, tanto no comando como nos comandados, que é o reflexo do passado, produziram o descontrole do dispositivo, repletindo no estouro do orçamento. Considerando tudo isso, achamos por bem adotar as mais imediatas e enérgicas medidas, no sentido de corrigir a todos os erros sob pena de permanecermos desta maneira, que é indubitavelmente prejudicial ao processo e a conseqüente contra-revolução. 44 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ SOLUÇÕES: 1. eliminar por completo qualquer benefício que não seja prestado por intermédio de Liga, ou seja, que não tenha caráter coletivo (dentista, remédios, cooperativa, etc.) 2. fazer sempre sentir os camponeses, por intermédio de panfletos, palestras ou comícios que o processo lhes pertence. 3. mudanças das atividades para outro local, menos afetado pelo esbanjamento de dinheiro, assim como pelo impacto de transformação de Companhia em Liga Camponesa. 4.palestras, discussões e leituras obrigatórias para todos os elementos que constituem o dispositivo, assim como a transferência de companheiros. 5. fazer funcionar o regimento interno, submetendo a punições dos companheiros que venham a desobedecer alguns itens do mesmo. 6. substituir as despesas, que em grande parte são suplerfulas, até mesmo prejudiciais, por materiais políticos, panfletos e jornais. 7. criar as devidas condições para que os companheiros desenvolvam melhor os trabalhos e não sejam emergidos na inércia que é peculiar aos dias atuais.” 45 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ III A VERSÃO DOS FATOS POR QUEM FOI PROTAGONISTA Num depoimento em livro de sua autoria22, o militante e escritor Gilvan Rocha dá a versão de quem foi protagonista dos fatos: “Em um dia qualquer, princípio de janeiro de 1962, um fato inesperado veio mudar substancialmente a minha vida. Em encontro casual o companheiro Carlos Montarroyos, me disse: “tenho um assunto muito sério a falar contigo, seríssimo. Espere-me, amanhã, em frente ao edifício Sul América para tratarmos desse assunto.” Conhecia muito bem o Carlos Montarroyos: jovem do meu bairro tinha como hábito maior estudar a fundo as questões políticas. Não raras vezes ele me alertou da necessidade imperiosa de estudar o socialismo, mas o ativismo e o volume de tarefas não permitiam. Afinal, sabíamos o “essencial”: nossos inimigos eram os restos feudais e o 22 Do livro Meio Século de Caminhada Socialista, de Gilvan Rocha, Ed. Expressão Gráfica-Fortaleza-CE, 2008. 46 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ imperialismo ianque, como repetidas vezes foi dito e isso parecia nos bastar em matéria de conhecimento político. Fiquei bastante curioso com o encontro proposto. Estava convencido de que se devia tratar de algo realmente muito sério, tendo em conta a personalidade do companheiro Carlos Montarroyos. No dia, local e hora combinamos, lá estava eu à espera do companheiro. Aliás, a ansiedade não me deixou chegar à hora combinada, senão bem antes do horário acertado. Montarroyos primou pela pontualidade, como sempre foi de seu costume. No início de breve conversa, ele perguntou se eu havia falado do encontro com mais alguém ao que lhe respondi taxativamente que não. Feitos os esclarecimentos iniciais, por exemplo de que não se podia repassar as informações recebidas, ele falou: “os cubanos estão muito insatisfeitos com o velho PCB e se voltaram para Francisco Julião e as Ligas Camponesas. A partir disso, Julião tornou-se o homem de Cuba e ficou acordado que fossem montados alguns focos de guerrilha, no Brasil, espalhados por diversas regiões e que eles seriam acionados sob um só comando e, assim, iniciaríamos o processo de guerra civil, pois o caminho da institucionalidade é uma fraude, uma armadilha para a nossa causa”. Chamava-se o projeto cubano de “revolucionário”, pois tudo se definiria pela simples opção de luta armada, ficando em segundo plano a formulação do programa da teoria socialista e a avaliação das condições objetivas e subjetivas. Fiquei profundamente sensibilizado com as informações fornecidas pelo companheiro Carlos Montarroyos, sob a jura de mantêlas no mais absoluto segredo. Ao final, ele me advertiu mais um vez de que se mantivesse o mais rigoroso sigilo, e mais: “ponha-se pronto e atento, desde que você concorde com o planejado e se disponha a participar. Dentro de poucos dias você deverá ser chamado para viajar e isso será o mais rápido possível. Com certeza você será avisado em tempo”. Desse modo terminou o nosso histórico encontro com mil recomendações, sobretudo de sigilo o que cuidei de cumprir com o maior rigor. 47 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Discretamente e com todo cuidado, comecei então os preparativos para a grande e histórica viagem. Aproveitei as relações estremecida entre mim e familiares e com uma história inventada (nada convincente) disse-lhes que eu iria viajar à revelia de todos para trabalhar e estudar em lugar bem longe de casa. Escrevi longa carta a respeito dessa decisão e aproveitei o episódio para fazer uma bela chantagem emocional: “sei que ninguém me estima” quando, na verdade, o que eles não estimavam eram minhas idéias revolucionárias e procuravam exercer uma desmedida pressão para que as abandonasse e entrasse nos “eixos” de uma vidinha pequeno-burguesa, por certo promissora e segura. Foi com bastante ansiedade que fiquei aguardando o dia da viagem para local em que não fazia a menor idéia. Era princípio de fevereiro, e lá estava eu no Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife, pronto para viajar. Minha atitude implicava rompimento unilateral com o Partido Comunista Brasileiro, na medida em que imaginava romper com suas postulações reformistas e pacificas. Não houve, entretanto, rompimento formal e sim de fato, posteriormente, referendado pelo partido em nota divulgada nas páginas do jornal oficioso “Novos Rumos”, que nos desautorizava, citando nominalmente, a falar em nome dos “comunistas” brasileiros. No comando da viagem rumo às guerrilhas, estava o advogado e economista, um dos fundadores da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, Joaquim Ferreira Filho. Os comandados eram: Cleto Campêlo, Leonardo Carneiro da Cunha e eu. Cleto, como eu, militante dissidente do PCB. Leonardo, o conheci na militância das Ligas Camponesas, jovem dotado de vontade férrea e seriedade sem limites. Aliás, seriedade e bons propósitos não nos faltavam. Joaquim Ferreira, com seus respeitáveis trinta anos e na condição de diretor da SUDENE, infundia-nos respeito como “veterano” e um dos dirigentes maiores das Ligas Camponesas. Em um avião DC-3, rumamos para Brasília. Era minha primeira viagem de avião e não posso deixar de registrar o fascínio. Em Brasília, em modestíssimo hotel, fizemos compras com orientação do comandante Ferreirinha: calças e camisas “faroeste”. Leonardo fez 48 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ providencial reparo dos dentes. Compramos também instrumentos musicais com o propósito de organizar um conjunto para a juventude e, é claro, não poderíamos esquecer duas ou três bolas de futebol e um se número de balas calibre 38,22 e 44, para treinamentos militares. Ficamos três dias na lamacenta Brasília e, no final, em avião DC-3, rumamos à cidade de Dianópolis, Norte de Goiás, hoje pertencente ao estado de Tocantins. [...] Cidade perdida dos campos gerais, Dianópolis, cidade das Dianas, nos surpreendeu pela energia elétrica 24 hs por dia, por conta de pequena cachoeira engenhosamente aproveitada. Outra característica marcante era a amabilidade do seu humilde povo. Em Dianópólis, passamos só um dia. Hospedamo-nos em modesto e único hotel, do senhor Gustavo Macedo, baiano e antigo garimpeiro. No dia seguinte, em jipe alugado, viajamos 40 Km por tortuosas e precárias estradas até o povoado do Rio da Conceição onde fomos festivamente recebidos por companheiros que lá já se encontravam. Instalamos-nos nesse povoado, distrito de Dianópolis, apoiados numa história fantástica: dizíamos ser da Companhia de Colonização que desenvolveria grande projeto agrícola na região. Contávamos essa história fantasiosa sem preocupação com questões óbvias, como a ausência de estradas para escoamento de hipotética produção. A ilusória história deixava as pessoas mais avisadas “com a pulga atrás da orelha”. O movimento guerrilheiro havia comprado, na região, pela Companhia de Colonização, três propriedades rurais, a preços módicos. A catingueira, muito próxima ao povoado de Ria da Conceição e outras duas mais distantes, josé alves e o Boqueirão de Cascavel. Logo deixamos de morar no povoado e fomos para Catingueira. Sistematicamente visitávamos as outras duas propriedades onde fazíamos treinamento militar. Além de duras caminhadas, aprendia-se a manejar armas e melhorar a pontaria, tendo em vista sempre o desfecho da luta armada. Na região, fui apresentado como enfermeiro, uma vez que era filho de um oficial de farmácia, treinado em aplicação de injeções, a 49 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ tratar alguns ferimentos e remediar algumas doenças. Leonardo foi apresentado como técnico agrícola, mesmo padecendo da mais completa ignorância sobre o assunto. Cleto, dissemos que era técnico em contabilidade. Os jovens recém chegados, Leonardo, Clero e eu, serviríamos, aos negócios da “Companhia de Colonização”. Nada mais natural a desconfiança da população quanto a nossa presença. Corria na cidade a conversa de que tínhamos grande quantidade de armas e as pressões foram tantas que, por orientação nacional do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT, ao qual pertencíamos resolvemos dizer que éramos das Ligas Camponesas e estávamos ali para organizar os “roceiros”. O povo mais letrado questionava: “ora, vocês chegaram aqui e disseram que iam montar uma companhia de colonização e essa conversa não era verdadeira como desconfiávamos. Como podemos, agora acreditar nos propósitos pacíficos que vocês dizem ter?” Ao questionamento, mais do que pertinente, respondíamos de forma na da convincente, enquanto acelerávamos os passos para maior aproximação com o povão, particularmente com roceiros que, a bem da verdade, pouco entendiam dos nossos propósitos. Próximo a Dianópolis, existia outra cidade que fazia jus ao nome: Almas, por parecer um povoado fantasma, para onde fui mandado com o objetivo de organizar as Ligas Camponesas. Devido às carências da população, a cada dia, crescia o número de doentes para serem atendidos, tamanha a falta de assistência médica na região. Além de enfermeiro tornei-me dentista. Adquiri seringas, boticões, alavancas, anestesias e, após receber noções do odontólogo Wilson Póvoa, de quem fui auxiliar, passei a extrair dentes se a sua aquiescência como era natural. Aqui e ali, havia que imobilizar braço ou perna fraturados e eu me aventurava a enfaixá-los por absoluta fato de quem o fizesse de forma minimamente competente. Dada a tarefa de fazer trabalho político, na cidade de Almas, levei nos meus alforjes, cordéis da Ligas Camponesas e meu indispensável jogo de ferramentas de dentista como instrumento de aglutinação. Num momento, era atender a fila, e noutro fazer uma roda 50 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ de homens e mulheres para proceder a leitura do cordel das Ligas Camponesas [...]. Um fato muito importante na nossa vida de pretensos guerrilheiros, foi que, além de exercício de tiro, caminhadas, acampamentos nas matas, houve a grande oportunidade de conhecer uma literatura que ia bem além da literatura nacional-reformista que tanto conhecíamos. Para a leitura e estudo do socialismo, contamos com a indispensável orientação do companheiro Carlos Montarroyos que veio da cidade para se juntar ao nosso grupo, no Rio da Conceição. A biblioteca que dispúnhamos era sofrível. Além dos livros específicos de guerrilha, como era o caso do manual básico do coronel Bayo, treinador dos primeiros guerrilheiros cubanos no México, tínhamos o manual de guerrilha de Che Guevara e muitos outros do gênero, como as obras de Mao Tsé Tung. Havia empenho, sim, no sentido de conhecer algumas técnicas de guerrilha. Ao mesmo tempo, estipulados por Carlos Montarroyos, mergulhávamos na literatura política de caráter socialista, até então praticamente desconhecida por nós. Ao lado de outros livros que abriam nossos horizontes, impressionou-nos livro do francês George Politzer, “Curso Básico de Filosofia”. Hoje, temos consciência das distorções que representam esses manuais mas, naquele momento, o “Curso Básico de filosofia”, apesar do esquematismo, parecia-nos obra de grande valor. Entretanto, é bom salientar a diferença substancial entre esse livro citado e o produzido pelo stalinismo ortodoxo, sob o título “Princípios Fundamentais de Filosofia”, obra de total perversão político-ideológica. Outro livro, este sim, que serviu muito para nossa formação, foi “O Estado e a Revolução” de Vladimir Lenine. Aí desvendamos o caráter de classe do Estado e isso bania por completo as ilusões quanto a um propalado “estado de direito” quando o que realmente existe no capitalismo é o Estado de Direita como força política para resguardar os interesses de uma classe social, no caso, a burguesia. Lenine nos ensinava que não deveríamos deixar pedra sobre pedra do Estado burguês e sobre seus escombros deveríamos construir algo qualitativamente diferente, ou seja, o Estado operário como forma 51 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ transitória para construção do mundo sem classes sociais, sem Estado e essa era uma lição essencial para um socialista de verdade. Outra questão que ficou clara para mim, lendo Vladimir Lenine naquele frutífero ano de guerrilha, foi a de que na Europa Ocidental, particularmente na Alemanha e na França, os socialistas, na véspera da Primeira Grande Guerra, curvavam-se diante do rolo compressor do discurso burguês e renegaram o conceito de Estado de classe, pondo-se ao lado da burguesia para levar avante a guerra imperialista, apesar dos protestos de uma minoria revolucionária que, desesperadamente, clamava contra a capitulação, contra a postura social-patriota dos que abandonaram os princípios revolucionários. O social-patriotismo foi o caminho da negação dos princípios do socialismo científico e causa maior do fracasso da revolução mundial com todas as consequências desastrosas que, até hoje, no levam a viver uma situação profundamente contraditória, qual seja, a de ter um capitalismo esgotado, exaurindo, sumamente predatório, porém, politicamente hegemônico ao lado da ausência de movimentos populares capazes de dar resposta a essa situação de tamanha gravidade. Retornemos, então, à nossa vida de guerrilheiro. Dianópolis, como vimos, tinha uma séria e justa desconfiança de nós. Não chegava a ter atitudes de hostilidade, mas discreta rejeição ao nosso comportamento, particularmente aquele de desfilar pelas ruas da cidade portanto armas, ostensivamente, como costumavam fazer nossos camaradas. Tratava-se, sem dúvida, de uma conduta antipática, desrespeitosa, acintosa, desnecessária. Tudo, no entanto, não se reduzia a uma simples antipatia. Existia uma reprovação em face da forte desconfiança de que pretendíamos levar adiante alguma forma de luta armada e a cidade tinha, como já foi dito, a sua história marcada por muitos e efetivos episódios de violência. Quanto a nós, existiam muitas interrogações que nos atormentavam. Nos vários livros de apologia a Cuba, ressaltava-se o feito revolucionário como obra de um dúzia de barbudos da Sierra Maestra. Tomando Cuba como modelo, tínhamos dois grandes problemas: por conta da nossa pouca idade, éramos imberbes e, por sua vez, onde estávamos não havia nenhuma serra. Sem serra e sem barba, ficávamos 52 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ distantes do modelo revolucionário cubano. Essas “deficiências”, porém, eram compensadas pela nossa desmedida e ardente vontade em tocar o projeto revolucionário à frente. Assim, tivemos a preocupação de procurar um serra e, nas andanças pelo município de Almas, pude observar que, um pouco além dali, havia uma serra, chamada Serra Negra que bem poderia se prestar a ser nossa Sierra Maestra. Nas constantes viagens ao município de Almas, não só descobrimos a Serra Maestra como, também, a existência de um cidadão que se enquadrava perfeitamente no nosso projeto de guerrilha. Era um excelente andarilho e excepcional atirador. Além desses predicados, ele havia conhecido e participado da Aliança Nacional Libertadora – ANL, no levante comunista de 1935. Era, enfim, para os nossos parâmetros, homem bastante politizado. Chamava-se José Meireles. Assim, em caráter rigorosamente sigiloso, informamos a José Meireles o motivo de estarmos ali e dos nossos propósitos insurrecionais, pedindo a sua efetiva adesão à nossa causa. Depois de poucos dias de convivência e de um provável processo de reflexão, Meireles terminou por aceitar o nosso convite. Tratava-se de um guerrilheiro nato, como costumávamos dizer. Atirava excelentemente bem, suportava longas caminhadas, tinha um excelente senso de direção, além de tudo, acalentava ódio mortal ao imperialismo ianque e admiração sem limites ao “camarada” Stalin. Esta, na sua cabeça, patrono da luta armada e exemplo inconteste de revolucionário. Meireles esta morado naqueles confins do mundo em decorrência de um drama pessoal. A sua mulher o havia traído e ele a matara e ao seu amante com o objetivo de “lavar sua honra” e, por essa razão, vivia confinado, levando uma vida discreta e cautelosa. Meireles nos levou a conhecer o baiano Joel, médico proprietário rural e exímio marceneiro. Na condição de proprietário rural dava guarida a alguns pistoleiros do Nordeste que buscavam a sua proteção. Joel era compadre de Meireles e este o tinha na conta de um dos nossos, assim como o seu irmão Vavá. Havia um outro cidadão, Francisco Botelho, que era latifundiário e dono de um rebanho razoável para os padrões da época. Apesar de sua condição social, Botelho era administrador confesso da Revolução Cubana. Então, Joel, Vavá, 53 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Botelho, Meireles e um certo cidadão chamado Clóvis, que se sustentava como curandeiro, passaram a constituir um núcleo unido em torno da simpatia pela revolução e do ódio incontido que moviam contra o prefeito de Almas, Ari Pereira Borges, apelidado de Tapuio. Tapuio era um homem enorme, grandalhão, falastrão e nutria por Joel e seu grupo, indisfarçável ódio, um tanto impotente. Essa contradição local entre o grupo de Joel e grupo de Tapuio nos favorecia. Além dessas animosidades, minha leitura emocionada e emocionante do discurso de Fidel, “A Segunda Declaração de Havana”, comovia os nossos aliados, notadamente Chico Botelho também dispensava admiração pelo arrojo e pelas posições do Leonel Brizola desde a Cadeia da Legalidade da qual devemos nos lembrar. A “Segunda Declaração de Havana”, proferida por Fidel Castro eram sempre lida e relida, dando-se maior destaque aquele trecho que dizia: “Não é revolucionário aquele que espera ver o cadáver do imperialismo passar, sentado na soleira de sua porta”. Esse trecho era um convite à ação armada e uma critica implícita aos Partidos Comunistas, em especial aos Partidos Comunistas dos países latino americanos que se negavam à luta armada, fieis que eram aos interesses de Moscou. Ao contrário desses partidos, estávamos ali, no então norte de Goiás, para cumprir os desejos políticos de Fidel e não ficar sentado nas soleiras de nossas portas. Tapuio, ou seja, Ari Pereira Borges, prefeito de Almas, indignava-se com minha presença, sobretudo, com as reuniões que fazíamos com os roceiros. Certo dia, o Sr. Tapuio arranjou um caminhão, um pequeno motor com gerador de luz que se prestava a fornecer energia necessária a um serviço de som, convidou o atabalhoado promotor de justiça da Comarca de Dianópolis, Dr. Antônio França e promoveu grande comício cujo propósito seria o de me declarar “persona non grata”da cidade. Joel, Meireles, Vavá e Chico Botelho ficaram furiosos com iniciativa do Tapuio, reacionário confesso, e armaram o seguinte plano: O “compadre” Clóvis, pessoa de toda confiança do Joel e mais ainda do Meireles, foi orientado a se inscrever como orador no dito comício. Depois de alguns discursos raivosos contra a figura “perigosa” que eu 54 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ era, chegou a vez do compadre Clóvis que, em eloquente discurso, disse achar muito estranha aquelas acusações que me eram feitas, afinal dizia ele: “tratava-se de um rapaz que trouxe benefícios à população, tratando dos enfermos, extraindo dentes e prestando tantos outros obséquios”. Clóvis não pôde prosseguir: O grandalhão Tapuio arrebatou-lhe o microfone das mãos, cassando-lhe a palavra. Foi o bastante para que o temível José Meireles, de arma em punho, gritasse: “quem tocar num fio de cabelo do compadre Clóvis, vai morrer agora!” Joel acompanhou Meireles e a turma do Tapuio recuou, cedeu, “amarelou”. O comício, que contava com a presença de quase todos os moradores da cidade, pois era uma festa, acabou e lodo Joel convidou o povo para um arrasta-pé regado a muito restilo, uma aguardente da região. Foi uma animação total. Parece que já existia um sanfoneiro de plantão e, de repente, tudo começou: lamparinas, faróis e música se juntaram à festa improvisada(?). Depois do incidente, os amigos recomendaram-me mais cautela, para não me expor em fazer longas viagens, sozinho, em lombo de burros nossa condução frequente ou, às vezes, a pé, como sempre acontecia no trecho Rio da Conceição e Dianópolis numa distância aproximadamente de quarenta quilômetros. Com essas recomendações, José Meireles tornou-se uma espécie de meu anjo da guarda. Somente a presença dele já afastava os mal-fazejos, visto que os inimigos iriam pensar muitas vezes antes de nos atacar, pois Meireles era exímio atirador e, além do mais, calmo e destemido, o que assustava por completo os nossos desafetos. Na cidade das Dianas, Dianópolis, o tratamento era sempre cortês. Um dos chefes políticos, o senhor Zeca Póvoa, fazia questão de nos tratar com toda amabilidade. Da minha parte fiz amizade com algumas pessoas especialmente com um grupo de maçons, gente muito interessante e de agradável conversa, detre os quais um meceeiro de nome Geraldo Farias, um pernambucano que veio parar em Dianópolis. Sua mercearia era sortidíssima. Ele era um apaixonado indisfarçável pela maçonaria. Entre os maçons da cidade existia, também, a figura tranquila e amiga do senhor Cantídio de Sena Moura, o Cantú, Tabelião do único 55 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ cartório de Dianópolis. Também conheci o agente da Cruzeiro do Sul, Benedito Póvoa, notável por uma inconfundível gentileza. Por outro lado, não sei se por sectarismo de minha parte ou do padre João Magalhães Cavalcante, pároco da cidade, nós não nos falávamos. Talvez fosse só por preconceito, afinal, era ele padre e eu comunista, ateu. Em Dianópolis, tive a satisfação de conhecer o respeitadíssimo e lendário Zeca Piauí de quem me tornei afetuoso amigo. A propósito, foi ele que fez o meu contato com o Meireles. Zeca Piauí tinha quatro filhos: Hagaús Araújo e seus irmãos Wilson, Antônio e Vilar e a filha Guiomar. Não sabia a história desse senhor quando conheci Guiomar, na movimentada sorveteria do Efraim, ponto de encontro da juventude local. Aproximei-me dele e iniciando uma animada conversa. Perto de 21 h, Guiomar me avisou que estava no horário de ir para casa e eu disse que iria levá-la até lá. Ela, espantada, perguntou: “você vai até a minha casa?” Respondi: “Claro, quero conhecer a sua família”. E assim fui parar na casa do austero e temido Sr. Zeca Piauí. Ele estava sentado numa cadeira de balanço e aos seus pés dormia um preguiçoso cão. Cheguei, cumprimentei a todos e a convite sentei-me um pouco para depois despedir-me da Guiomar com um sonoro “até amanhã”. Seu Zeca deve ter me julgado muito atrevido. O suposto atrevimento, porém, se coadunava muito bem com sua cultura machista e assim ficamos bons amigos. Quanto aos demais habitantes de Dianópolis, tínhamos boas relações, com exceção das freiras que, praticamente, não saiam de seu espaço que era o colégio onde estudavam as moças de Dianópolis e de outras cidades. Existia, porém, um tipo que fazia parte da nossa pequeníssima lista de desafetos: o pseudojornalista Milton Canto. Indivíduo totalmente desacreditado, com quem tive um bate-boca, ou melhor, disse-lhe merecidos desaforos. Para revidar, o covarde do Milton Canto, na calada da noite, pintou os muros da cidade com o dístico: “Fora o Julião Mirim”. Em alusão a mim. É digna de menção a figura do Flávio, jovem senhor, pacato e gentil que, por brincadeira, o chamávamos “Barão da Pedra Amarela”. 56 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Sua Conduta era totalmente diferente do sogro, Milton Canto, diga-se de passagem. O Sr. Francisco Ribeiro, que exercia as funções de advogado na cidade também era uma pessoa sumamente tratável. Digno de lembrança era o Sr. Gustavo Macedo, dono do pequenino hotel onde nos hospedávamos quando íamos para Dianópolis. Homem de fala mansa, gestos polidos e muito discreto. Está bem viva na minha mente, a figura gentil do Professor Osvaldo Póvoa que nos contestava de forma cordial e muito elegante. Fazia, a seu modo, uma pequena campanha anticomunista, sobretudo anticastrista por nos identificar como agentes do “perigo vermelho”. Ele não observa que éramos, a rigor, apenas nacionalistas e reformistas e o nosso objetivo era um governo popular que promovesse as Reformas de Base e implantasse uma política de independência nacional. O documento teórico que líamos e relíamos, era a Segunda Declaração de Havana e nele não havia nada que extrapolasse as fronteiras do nacionalismo. Não tínhamos compreensão disso, mas a verdade é que não íamos além de meros sociais-patriotas em busca da luta armada, embora todos (inclusive eu), insistissem em nos chamar de comunistas sem que houvesse razão consistente para isso, pois, não bastava torcer pelo êxito da URSS na tresloucada corrida pelo espaço sideral para justificar essa pretensão. Comunistas ou socialistas, seríamos de fato se encetássemos uma clara e objetiva campanha contra o capitalismo, o que não ocorria, muito pelo contrário, o que existia era o mais profundo silêncio a esse respeito, ficando tudo reduzido a um sonoro “Pátria ou morte venceremos”, não fossem as posteriores leituras. A disposição do professor Osvaldo Póvoa de nos enfrentar, na tentativa de desmontar nosso discurso, deu ensejo para que ao convidá-lo para um debate público, ele de pronto aceitasse. Desde então, passamos a fazer discussões bastante animadas, dia numa casa, outro dia em outra. Certa feita, aproveitei a presença do delegado de polícia da cidade e sugeri que se fizesse mais um debate em sua própria casa, e logo foi aceita a sugestão. Isso nos dava a nítida impressão de um trabalho dentro da legalidade, na medida em que não nos escondíamos e estávamos dispostos a confrontar nossos pontos de vista, publicamente. 57 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ No entanto, essa presumida legalidade era, de nossa parte, meia verdade, vez que continuávamos conspirando para levar à frente o nosso projeto de luta armada. Saíamos sempre muito bem dos debates, por estarmos preparados e com uma razoável capacidade de argumentação. “Um dia na vida do Brasilino”, “A Miséria é Nossa”, “Senhor Deus dos Desgraçados”, “Estudos Nacionalistas”, “O acordo de Roboré”, “A Ilusão Americana” e outros livros de conteúdo semelhante, davam sustentação ao nosso discurso nacional reformista. Ainda éramos bastante equivocados e repetíamos o discurso que a velha escola do PCB havia nos induzido com tanta eficácia. O caráter nacionalista e reformista do nosso discurso agradava de certa forma os participantes dos debates, mas havia o temor de que, por trás de nossas palavras, houvesse o propósito de seguir no rumo da união das Repúblicas Socialistas Soviéticas, da China ou de Cuba Revolucionária, apontadas, sem que fosse inverdades, como estados policiais, ditatoriais e onde não havia a menor sombra de liberdade democrática. Diziam alguns que éramos como melancia: vede e amarelo por fora e vermelho por dentro, o que era uma desmedida calúnia, visto estarmos ali com o firme propósito de morrer pela pátria, se preciso fosse, contanto que se libertasse o Brasil das garras do imperialismo ianque e os sertões dos restos feudais. É bem verdade que as incipientes leituras das obras de Lenine, Engels, Plekhánov começavam a mexer com nossas cabeças. Começávamos a perceber que a contradição maior e inconciliável era a existente entre classes sociais com objetivos históricos diametralmente opostos, a contradição inconciliável entre os interesses da burguesia e o dos trabalhadores. A burguesia tem a tarefa de manter de pé o capitalismo o que ela vem fazendo com admirável competência, apesar do caráter sinistro dessa tarefa. Enquanto isso, a outra classe – a classe dos trabalhadores – teria outro projeto histórico: o de desmontar o sistema capitalista e construir outro sistema sócio econômico – socialismo. Em outras palavras, começava a ficar claro para alguns de nós que a contradição principal era classe opressora versus classe oprimida e nunca nações opressoras versus nações oprimidas como nos dizia o velho 58 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Partido Comunista Brasileiro. Infelizmente, esse novo aprendizado davase a partir de um processo muito lento. Outro “ponto quente” de nossos amistosos debates era a questão da luta armada. A esse respeito dizia o professor Osvaldo Póvoa: “Vocês, das Ligas Camponesas, são partidários de Fidel Castro e Che Guevara e eles pregam a luta armada”. Respondíamos, sem muita convicção que, no Brasil, a situação era diferente. Aqui tínhamos toda liberdade política, enquanto o povo cubano, antes de Fidel, amargava sob o tacão da sanguinária ditadura de Fulgêncio Batista. Em Cuba, só restava o caminho da luta armada. No Brasil, diferentemente, tínhamos o Presidente João Goulart comprometido com o Programa das Reformas de Base e com uma política de independência nacional. Assim, o nosso caminho seria pacífico, argumentávamos. Tudo levava a crer que os nossos argumentos não lhes eram convincentes. Havia uma profunda desconfiança de todos. Os fortes indícios de que havia uma trama, alimentavam essas desconfianças e os nossos seguidos esforços em tentar desfazê-las não eram suficientes: o único jeito era conviver amistosamente com essa realidade e procurar ganhar tempo. Um Plano Conspirativo Já falei que, para nossos propósitos, nos faltavam barbas e, além disso, a Serra. Falei, também, que a Serra Negra, além da cidade de Almas, poderia prestar-se aos nossos propósitos guerrilheiros. José Meireles conhecia muito bem a região e dizia que a Serra Negra só tinha duas vias de acesso facilmente bloqueáveis. Nela seria fácil nos manter, por conta de suas matas, das águas que eram fartas, além de muita caça. Assim sendo armou-se um minucioso plano conspirativo. Era setembro de1962. A direção do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) formada, pelo ex-deputado estadual de Pernambuco e ex-componente do PCB, Clodomir Moraes e Francisco Julião, vinha se mostrando vacilante e confusa, deixando como única alternativa, o rompimento com essa direção, a fim de que pudéssemos iniciar o nosso processo de guerrilha. A 59 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ nosso juízo, outros guerrilheiros já montados seriam, assim, impedidos a acompanhar jornada insurrecional. O plano conspirativo que deveríamos executar havia sido objeto de muitas reflexões e iniciativas. As armas disponíveis deveriam ser transportadas para a Serra Negra depois de visitada pelos camaradas Meireles e Geraldão. Transferidas as armas para a serra, faríamos a transferência do pessoal e isso seria precedido de duas ações militares: uma contra a delegacia de polícia e a agência dos Correios e Telégrafos de Dianópolis, cujo agente era um discreto simpatizante da nossa causa, o companheiro Elizeu Cavalcante e a outra na cidade de Alma. Nessa ocasião, anunciaríamos ao povo de Dianópolis o nosso projeto “libertador”. Simultaneamente faríamos um assalto à cidade de Almas onde confiscaríamos as armas anunciando nossos propósitos nacionalreformista. Esse plano conspirativo contava com pleno apoio de nosso “assistente”, o goiano Tarzan de Castro que mantinha a ligação entre nosso “dispositivo militar” e a direção central do MRT, organização que agregava os guerrilheiros do campo e os militares urbanos, dirigida por Francisco Julião e Clodomir Moraes, seu inconteste orientador político. Em outubro de 1962, houve eleições em todo o Brasil para renovação do Parlamento e, em alguns Estados, essas eleições eram também para a escolha de governador, como foi o caso de Pernambuco, quando foi eleito o velho companheiro Miguel Arraes. Logo que passou o processo eleitoral, aceleramos mais ainda o nosso projeto de transferência para a Serra Negra. Eis, porém, que fomos surpreendidos com a chegada do Sr. Luiz Amaro de Carvalho, ao invés da tão esperada visita de Tarzan de Castro, conforme havíamos combinado. Luiz Amaro de Carvalho era um stalinista ortodoxo, intrigante e conspirador contumaz. Depois do golpe de 1964, sob o pseudônimo de Capivara, integrou-se ao Partido Comunista Revolucionário – PCR e promoveu algumas ações clandestinas no campo. Preso, Capivara negou-se a conviver com os outros presos políticos. Na prisão, foi estupidamente assassinado por um preso comum e nunca 60 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ ficaram claras as razões de sua morte, uma vez que era bastante encrenqueiro. Carlos Montarroyos havia participado de encontro com Francisco Julião quando denunciou o comportamento irresponsável e leviano de Clodomir Moraes, ao que Julião lhe teria respondido com toda ênfase dizendo ser Clodomir o sol e nós, os denunciantes, meros pirilampos. A verdade é que Clodomir Moraes nunca passou de um envolvente charlatão, não podendo sequer ser considerado um submarxista. Ao sair desse reunião, Montarroyos me telegrafou: “não aceite ordens do Carvalho, estamos rompidos”. Ocorreu, entretanto, que, ao chegar a Dianópolis, Luiz Amaro de Carvalho foi até a mercearia do Geraldo Farias que, por cortesia, se prestava a receber e repassar nossas correspondências. Apanhou o telegrama que Carlos Montarroyo havia me destinado e o leu sem que eu tivesse tomado conhecimento do seu conteúdo. Tinha eu acabado de chegar da cidade de Almas quando encontrei, em Dianópolis, o Carvalho acompanhado de dois outros companheiros, o José Dias, pintor e escultor e o outro de nome Adauto. Depois de alguns entendimentos rumamos para o Rio da Conceição, ou melhor, para a Fazenda Catingueiro, onde estávamos instalados. No dia seguinte à nossa chegada ao Rio da Conceição, Carvalho nos convocou para uma reunião. Nesse momento, ele falou em nome da direção nacional do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT e nos comunicou que o “dispositivo militar” de Dianópolis, ou melhor, do Rio da Conceição, deveria ser desativado e que todos nós nos preparássemos para viajar de volta às nossas origens. José Marcelino, Inácio e Luiz Preto, todos ex-militantes do Partido Comunista Brasileiro, foram os primeiros a viajar. Quando estávamos executando o plano de desmonte, Carvalho, estranhamente, pediu nossas armas de uso pessoal, quando, nos consultamos se deveríamos entregá-las ou não. Não entregar seria não acatar o comando nacional ali representado pelo Carvalho. Assim, optamos, disciplinadamente, por entregá-las. 61 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Carvalho convocou uma nova reunião do coletivo e, quando estávamos reunidos, ouvimos tiros de metralhadoras. Inicialmente julgamos se tratar de algum companheiro em treinamento, mas logo Miguel, um companheiro alagoano, integrante do grupo, vLeio correndo avisar que era um destacamento da polícia. Naquelas circunstâncias só nos restava fugir. Guerrilheiros treinados para surpreender o inimigo, nós é que fomos completamente surpreendidos. Eis uma subversão completa da lógica. A guerrilha, por definição, nutre-se da surpresa que impinge ao inimigo, mas, conosco ocorreu o oposto. Fomos tomados de total surpresa e não sabíamos sequer quem estava nos atacando. Pensávamos equivocadamente que era a polícia do Estado de Goiás. Somente depois é que fomos saber que se tratava de gente do Exército. A verdade é que corremos todos, mas não o fizemos de forma desordenada. Seguimos o mesmo rumo que, por sinal, era o único que nos restava para evitar o cerco completo. Corremos para um rio e o atravessamos às pressas. Depois da surpresa, Carvalho ficou possesso e, aos berros, dizia que aquilo era um absurdo, pois éramos simplesmente organizadores das Ligas Camponesas e elas eram uma instituição legal. Depois de uma rápida conversa, ficou decidido que eu iria voltar e enfrentar a “polícia”. Segundo a instrução dada pelo falastrão-Luis Amaro de Carvalho, eu deveria dizer ao chefe de polícia que estava fora e, de volta, havia encontrado tudo destroçado e devendo exigir com veemência uma explicação para tamanha truculência, desmando e arbitrariedade. Cheguei a mostrar que estava com a camisa manchada de sangue em decorrência de um corte que sofrera ao me chocar com um galho seco. Logo foi providenciada a troca da camisa e eu voltei para a fazenda Catingueira, local onde tínhamos sido surpreendidos. Não encontrei ninguém lá. Os militares tinham ido para o povoado do Rio da Conceição. Para lá marchei. Não foi difícil encontrá-los acampados e tomei chegada. O guia deles, um pedreiro e dedo duro chamado Pernambuco, tremia todo com minha aproximação e balbuciava: “estou debaixo de ordem , fale com o coronel”, mas o coronel não ouvia a sua voz trêmula, e então, obedecendo a orientação recebido, resolvi gritar: 62 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ “Sou das Ligas Camponesas e que saber o que está acontecendo”. Foi aí que se apresentou o coronel acompanhado de seus subalternos e em voz firme disse: “Primeiro, fale baixo! Segundo, o senhor está preso!”. Continuei argumentando que aquilo era uma ilegalidade, um ato de truculência contra as Ligas Camponesas, mas o coronel retirou-se e me deixou cercado de soldados sob o comando furioso do tenente Raul que gritava: “Vocês são uns frouxos, não deram um só tiro; vim aqui para brigar e vocês fogem. São três horas da tarde e não comi ainda hoje, desde cedo que me encontro pelos matos, mas você vai falar onde estão os outros e onde estão as armas. Olhe que eu já fiz mudo fazer discurso!”. Devo confessar que fiquei muito receoso com a fúria do tenente. Passei a fazer um grande esforço para manter uma aparência tranquila e segura. Essa minha postura de aparente coragem causou muita impressão ao tenente e aos seus subordinados, como também aos habitantes do Rio da Conceição que assistiram ao entrevero. Quando a temperatura ficou mais amena, o tenente Raul chegou-se a mim e perguntou: “menino, tu tens coragem de brigar?” Estufei o peito e lhe respondi com um bravata: “é só o senhor dividir as armas e a gente experimenta”. Diante da minha resposta ele deu uma risada e, depois disso, ficou bem mais tratável, menos furioso. O coronel, José Nicolau Seixas, voltou e me perguntou se eu sabia dirigir automóvel. Eu lhe respondi que sabia e ele me pediu que dirigisse um jipe ia eu dirigindo e um soldado sentado ao meu lado com uma metralhadora e outro, também armado, acomodado no banco traseiro. A recomendação era para eu dirigir devagar e com cuidado, pois eles temiam que os nossos guerrilheiros montassem uma emboscada no meio do caminho. A esperada emboscada não aconteceu e quando chegamos à cidade de Dianópolis, havia uma verdadeira multidão nas calçadas. Era toda a gente da cidade. Entrei dando a mão para todos, o que deixou o povo daquele lugar muito admirado pelo fato de não estar abatido com a derrota. Era mais uma das táticas minha que dava certo, pois esse respeito e essa simpatia que eu desfrutava no meio da população seriam muito importantes para o desfecho daquele episódio. Quando chegou a hora do coronel José Nicolau Seixas falar comigo, ele fez questão de dizer que não era um torturador e nem 63 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ forjador de vítimas como era o Sr. Carlos Lacerda, líder a extrema direita e então Governador de Estado da Guanabara. Mandou que eu tomasse um banho e que trocasse a camisa novamente manchada de sangue. Então não sei de onde me surgiu uma camisa limpa e engomada. Ordenou-me, ainda, o coronel que, após o banho, eu me recolhesse a um determinado aposento do pequeno hotel do nosso já conhecido Sr. Gustavo Macedo. Banho tomado, camisa limpa, estava preparado para o jantar quando se ouviu um barulho entre soldados que montavam guarda na frente do hotel. O barulho era de uma comissão de estudantes que queria me visitar. O coronel foi informado do impasse e ordenou a entrada da comissão e isso levou a que eu recebesse contínuas visitas até altas horas da noite. Muitos dos visitantes vinham por solidariedade, alguns por mera curiosidade. Do Colégio das Freiras, recebi bilhetes das internas dizendo que haviam rezado “um terço para mim”. O tenente raivoso chegou junto a mim e disse “você deve ser um cara muito legal. Todos falam bem de você, até o padre”. A partir daí, o tenente Raul, assim como sargentos, cabos e soldados passaram a ter comigo um tratamento ameno e, às vezes, até muito gentil. Era pelas altas horas da noite que o coronel José Nicolau Seixas gostava de me fazer seus interrogatórios que giravam em torno de uma só pergunta: “onde estão as armas?” Invariavelmente respondia: não sei. Algumas vezes eu fingia estar irritado e dizia: “eu já disse que não sei, eu nunca vi armas que não fossem cinco rifles calibre 22, uma dúzia de revólveres e algumas espingardas de cartucho, nada mais”. Mesmo assim, o coronel continuava a perguntar pelas armas e os interrogatórios pareciam intermináveis. Confesso que não sofri nenhuma violência física e quanto a uma presumida violência psicológica não ia além dos limites do suportável. O máximo que acontecia era o coronel irrita-se e levantar a voz com a ameaça de me entregar à polícia do Estado de Goiás, famosa pelos métodos truculentos, mas tudo não passava de ameaças. No centro de Dianópolis, havia uma mina de outro explorada por um certo senhor a quem chamavam de Dr. Macedo . Esse senhor tornou-se muito amigo do coronel e dizia-lhe que éramos apenas um 64 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ grupo de jovens imberbes e românticos e que não representávamos nenhum perigo à “nossa querida República”. Essas conversas do Dr. Macedo com o coronel José Nicolau Seixas ajudavam muito e ele já não me interrogava com tanta frequencia como fazia dantes. Estava muito mais sereno e calmo. Certo dia, o coronel Seixas me falou que seu trabalho estava terminando e ele me entregaria aos cuidados do Juiz de Direito da Comarca de Dianópolis., Dr. Marques e ao delegado de polícia cujo nome não me recordo, enquanto chegasse o pessoal da polícia política de Goiânia ou mais precisamente, o pessoal do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS. Houve um momento de despedida entre o coronel Nicolau Seixas e as autoridades locais, dentre elas, o Dr. Marques que, também, era informante da polícia. Nessa despedida, também estava presente um comerciante do Rio da Conceição, de nome Floriano, conhecido popularmente como Flori. A pretexto da recomendação que, paternalmente, me fazia o coronel Nicolau Seixas, indicando-me o uso de camisas “americanas”, então na moda, o Sr. Flori, bajulador emérito, virou-se para o militar e disse, referindo-se a mim: “ele não gosta de americanos, ou melhor, ele detesta americanos”. À essa provocação quem respondeu foi o zangado tenente Raul dizendo: “eu também detesto americanos e tenho raiva de quem gosta”. Pairou um silêncio embaraçoso cortador por iniciativa do sempre subserviente Dr. Marques em contar uma leve piada para desanuviar o ambiente que se tornara tenso, sobretudo, constrangedor. Depois da pertinente despedida, lá se foram o coronel e seus comandos. O tenente Raul, conforme havia me prometido, levou o “dedoduro” Pernambuco até a estrada e lá aplicou-se bela surra, em testemunho de que os delatores não são bem vistos, pois são inconfiáveis. À saída dos militares, sob o comando do coronel Nicolau Seixas, o Dr. Marques dirigiu-se a mim e disse que poderia me mandar para o xadrez da cidade, mas, por “generosidade”, não ia fazer isso. Eu ficaria apenas proibido de me ausentar da cidade sem a sua permissão. Fugir? Mas como? Praticamente só existia uma saída que seria por avião, pois as estradas eram fáceis de serem controladas visto 65 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ que eram poucas e de péssima qualidade. Aventurar-me em fugir a pé, sem ter dinheiro, era uma empreitada fora de cogitação e, assim, resolvi apostar todas as fichas na sorte e ficar ligado ao desenrolar dos acontecimentos. Não demorou muito e aterrisou, em Dianópolis, um avião do Estado de Goiás trazendo o delegado do Departamento da Ordem Política e Social – DOPS e o escrivão que bem me lembro chamar-se Sílvio. Então, tudo que havia feito o coronel foi considerado em vão pelo DOPS. Tudo teria que recomeçar. Instauraram outro inquérito e o Sr. Francisco Ribeiro foi nomeado meu curador por ser eu menor de 21 anos. Fizeram-me as mesmas perguntas: de onde era o grupo, quando chegamos, se havia algum plano de luta armada e, por fim, onde estavam as armas. Naturalmente, as respostas foram as mesmas: éramos de Pernambuco, havíamos escolhido o norte de Goiás para organizar as Ligas Camponesas e quanto às armas respondia desconhecer a sua existência. O escrivão tomava, cuidadosamente, nota das minhas respostas tentando formalizar o inquérito. Não sei por que razão os interrogatórios tomaram uns três ou quatro dias. Talvez pelo excesso de formalidades e pela lista de testemunhas que foram chamadas a depor. A verdade é que eu achava tudo aquilo muito maçante e totalmente sem graça. De que qualquer forma causava-me impressão a sisudez daqueles senhores: juiz, promotor, delegado, escrivão e do meu atencioso curador. A Fuga O último dia do interrogatório foi uma sexta-feira. No sábado, o Juiz de Direito, Promotor, Delegado e Escrivão se confraternizariam por ocasião de uma festa de casamento, para a qual todos eles foram convidados. Na mesma noite da sexta-feira, um portador pediu-me para ir até a casa do médico mineiro, radicado em Dianópolis, Dr. Augusto Pena, emérito boêmio e excelente profissional. Quando 66 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ cheguei à residência do Dr. Augusto, depois dos devidos cumprimentos, circunspecto, ele disse-me: “Tenho conversado bastante com o doutor Deusdeth, delegado do DOPS e com o juiz, Dr. Marques. O juiz disse-me que, segunda-feira, vai decretar sua prisão preventiva e o doutor Deusdeth irá lhe conduzir preso para Goiânia”. “Sim, doutor, mas o que eu posso fazer?” Ele replicou: “Você, meu jovem deve fugir”. “Mas como? Se Dianópolis praticamente assimelha-se auma ilha donde só se pode sair de avião?” “Isso mesmo!” exclamou aquele senhor. “Você já tem a passagem para um avião que, às seis horas da manhã está vindo da cidade de Porto Nacional. Você embarca nesse avião. A gente vai facilitar o seu embarque para Brasília e de lá você se manda. E escute bem: Faltando quinze minutos para as seis horas da manhã esteja na esquina do mercado para pegar o jipe do Hagaús. Não leve nenhuma bagagem. Tem que viajar com a roupa do corpo para não chamar a atenção do pessoal do mercado”. Depois desse breve diálogo entre mim e o Dr. Augusto Pena, ele tratou de me deseja felicidades e fazer muitas recomendações, porém, nenhuma delas de caráter político, nada que se parecesse com um “tome juízo”. Na noite do sábado recolhi-me mais cedo. A festa do casamento estava acontecendo. Eu esperava que o delegado do DOPS e o escrivão bebessem muito e virassem a noite acordados para que, quando despertassem, eu estivesse longe. Sem pregar olhos, aguardei a hora aprazada e, em quinze minutos para as seis horas, eu tomava o jipe rumo ao aeroporto. Embarquei sem nenhum problema. Até parecia que todos eram cúmplices da fuga, inclusive o piloto. Quando cheguei a Brasília, quis ser o primeiro a desembarcar. Apressadamente, dirigi-me para um ponto de táxi e pedi para ser conduzido até a Rodoviária. É que eu tinha um pouco de dinheiro entregue pelo Dr. Augusto Pena em nome do “nosso pessoal”. Quando cheguei na Rodoviária, procurei passagem para Goiânia e deparei-me com o tenente Raul que tinha vindo deixar uma filha para viajar. Ele abraçou-me efusivamente e perguntou: “e como foi 67 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ lá?” Respondi-lhe que tinha ido a Dianópolis um advogado da Ligas Camponesas e ele havia impetrado um “habes corpus” em nosso favor. Eu estava completamente livre. Diante do que falei, ele comentou: “Eu estava completamente livre. Diante do que falei ele comentou: “eu sabia que aquilo não ia dar em nada, agora tome juízo” e despediu-se desejando-me felicidades. Ufa! Passado o susto, fui tomar o ônibus para Goiânia. Lá chegando, procurei o único endereço que dispunha. Era de um companheiro do MRT, um advogado de no Reginaldo que morava na Alameda dos Buritis, nº 66. Quando cheguei ao endereço que tinha memorizado, fui informado de que o Dr. Reginaldo tinha viajado, no dia anterior, para o Rio de Janeiro e só voltaria terça ou quarta-feira da semana vindoura. Estava com pouco dinheiro e nenhum documento. Desolado, sentei-me no banco da praça do centro da cidade, sem saber, imediato, o que fazer quando passou em marcha lenta um jipe que de repente parou. Esta preste a correr quando ouvi uma voz me chamando: “Companheiro”, “companheiro”! Aproximei-me e logo reconheci o jornalista Djalma Lustosa que havia passado por Dianópolis no dia da eleição onde nos conhecemos. Ele também era do Movimento Revolucionário Tiradentes, MRT. De forma sucinta e objetiva coloquei-o a par dos acontecimentos. Ele me mandou entrar no carro para procurarmos outros companheiros. Fomos à casa do “Gaúcho” que era, também, do MRT. Lá, um companheiro, José Jaime, conhecido como Bacoroco, fez comigo um troca espetacular: trocou as minhas impróprias botas de sertanejo por um confortável sapato de camurça. Depois de um ligeiro bate-papo, ficou acertado que eu iria para a União Goiana dos Estudantes Secundaristas – UGES, que tinha hospedagem e restaurante para estudantes. Fiquei uns três dias na UGES que mais me parecia um formigueiro. Havia uma intimidade muito grande entre essa entidade e o Movimento Popular. Naquele ano de 1962, o Presidente da UGES era o Hélio Cabral que me dispensou o mais gentil e solidário tratamento. Após passar esses poucos dias na UGES, fui transferido para a casa de um companheiro, em Anápolis. Ali, só demorei dois ou três dias 68 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ por não suportar, a todo o momento, ser criticado pelo meu anfitrião que era do Partido Comunista Brasileiro – PCB. Ele não se cansava de nos acusar de aventureiros e divisionistas. Defendia com sofreguidão o discurso da coexintência pacífica de Nikita Kruschev tornando impraticável nossa convivência. Voltei a Goiânia e fiquei novamente na União Goiana dos Estudantes Securitarista – UGES. Consegui entrar em contato com Tarzan de Castro que estava em Brasília e combinamos que eu iria para lá e ele estaria me esperando junto com o companheiro Deodato Rivera. Chegndo em Brasília, Rivera levou-me a um apartamento do seu irmão, onde fiquei devidamente escondido. A essa altura, no seio do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT, tratava-se uma discussão muito acirrada. Os militantes da cidade acusavam Francisco Julião e, principalmente, Clodomir Moraes de estarem passando falsas informações sobre os preparativos da luta armada. O padre Alípio de Freitas, destacado dirigente do MRT, iria reuni-se com o pessoal de Brasília e Deodato combinou a minha ida à reunião para denunciar a fraude da luta armada. Foi muito duro e, com certeza, o padre Alípio não merecia tamanha crueldade. Ele mal terminara de dar um informe otimista e fantasioso dos “dispositivos militares” e o Deodato disse: “Padre, com todo o respeito, mas eu tenho aqui um dos nossos guerrilheiros. Vamos ouvir o seu depoimento”. Foi aí que expus os equívocos e o patético desfecho da experiência em Dianópolis. Terminei o meu depoimento “bomba” e um profundo silêncio se abateu sobre todos. Esse silêncio foi quebrado com a provocação de alguém que disse: “e aí, padre, como é que ficamos?”. Acossado, o reverendo balbuciou algumas desculpas, enquanto repetia que havia falado tão somente das informações que lhe haviam passado. Além de Deodato Rivera, lembro bem o quanto revoltado ficou um companheiro paulista, radicado em Brasília, Horaci, que sonhava com a sublevação iminente e acabava de se dar conta de que tudo não ia além da fantasia, apesar da seriedade e sacrifício de muitos. Outro que falou em tom de revolta, de forma pausada porém contundente, 69 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ foi o jornalista Almir Gajardone, importante militante do núcleo brasiliense do Movimento Revolucionário Tiradentes-MRT. Julião e Clodomir foram informados do que aconteceu em Brasília e passaram a nutrir ódio pelo grupo brasiliense e por mim, em particular, pois eu desempenhava um papel de destaque na campanha interna que estava em marcha denunciando a fraude da luta armada conduzida por esses dois senhores. Não demorou muito para que o episódio de Dianópolis ocupasse as manchetes dos jornais. A revista “O Cruzeiro”, de 22 de dezembro de 1962, estampou em sua capa: “Goiás, viveiro de guerrilha” referindo-se detalhadamente ao fracasso acontecimento. Os lacerdistas, ou seja, a extrema direita, encontraram ai um pretexto para dizer que a República estava ameaçada pelo perigo comunista, o que era absoluta mentira. Ainda escondido em Brasília, tive a oportunidade de receber a visita do então Ministro do Trabalho- Deputado Almino Afonso, que foi até meu esconderijo prestar solidariedade e a um guerrilheiro caçado e dar-lhe algumas informações consideradas preciosas, entre elas a de que seríamos enquadrados na LSN, Lei de Segurança Nacional. Dias depois da visita, fui com Deodato Rivera para o Rio de Janeiro. Lá, refugiei-me na casa da minha avó, em Madureira. Com minha avó, morava minha prima, Odete Queiroz que trabalhava na revista “ O Cruzeiro”. Ela me falou que o nosso primo Zeferino, que também trabalhava lá, queria me ver. Fui até ele muito assustado porque os jornais não deixavam de falar da guerrilha e dos implicados, citando sempre o meu nome Gilvan de Tal, perigoso “agitador”. Zeferino falou que o autor da reportagem da revista “O Cruzeiro”, o jornalista Ubiratan de Lemos, queria muito falar comigo e combinou para aquela tarde um encontro. Zeferino e eu chegamos primeiro e logo depois o jornalista. Passamos alguns minutos de conversa, Ubiratan Lemos perguntou: “sim, Zeferino, onde está o nosso guerrilheiro?” e Zeferino disse apontando-me: “eis ele aqui!”. O jornalista enorme, gordo e bonachão, não conseguiu evitar uma gostosa gargalhada acompanhada de uma cruel observação: “mas esses jovens, 70 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ quase meninos... Eu pensava em encontrar um homenzarrão, no entanto, o que vejo é um rapazinho franzino que sequer tem barbas”. Confesso que me senti muito humilhado, com os ombros nos calcanhares, diante das observações do famoso repórter, mas soube conter meu estado de ânimo e me propus a responder suas perguntas. Disse-lhe que tudo era fantasia do Lacerda e da extrema direita, que nós não tínhamos mais armas do que aquelas que foram fotografadas pela reportagem da revista. Ele fingiu acreditar na minha versão e depois se foi, enquanto voltei à minha condição de clandestino. Para complicar mais ainda a situação, ocorreu a prisão de Glodomir Moraes e da secretária Célia, pela política do Governador Carlos Lacerda. Além disso, para conturbar o cenário, o Presidente João Goulart, cedendo às histerias do bando lacerdista, resolveu, como já nos informara o ministro petebista Almino Afonso, nos enquadrar na Lei de Segurança Nacional – LSN. A prisão do Clodomir no Rio de Janeiro, seguida de torturas, prisão preventiva e Lei de Segurança Nacional, foram fatos que concorreram para que eu colocasse o orgulho de lado e entrasse em contato com meu pai que me mandou dinheiro como o qual comprei uma passagem aérea pela companhia PANAIR, a fim de retornar a Recife, o que fiz na noite de 31 de dezembro de 1962. Cabelo penteado para o lado e uma Bíblia Sagrada colada ao peito com aparência de um bom evangélico, tomei o avião no aeroporto Santos Dumont e cheguei ao Recife faltando poucos minutos para a virada do ano. Foi com muito sacrifício que consegui um taxi, mas, ao invés de ir direto à casa dos meus pais, fui rever velhas amigas, as irmãs Ruth e Maria Helena de Albuquerque Barros, onde eu comemoraria a já passada do ano. Estava amanhecendo o dia quando cheguei em minha casa. Lá encontrei apenas meu pai, visto que o restante da família, minha mãe e meus irmãos encontravam-se no sertão da Paraíba, na longínqua cidade de Tacima, hoje chama de Campos de Santana, fronteira com Rio Grande do Norte. As esperanças de meu pai eram que eu me afastasse da militância política. Imaginava ele que minha frustrante e dolorosa 71 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ experiência de guerrilheiro tivesse sido determinante para o desânimo e consequente desistência da luta, o que não ocorreu. Estava disposto a reiniciar um trabalho conforme havíamos combinado no Rio de Janeiro. Deodato Rivera faria um trabalho em Brasília e na Guanabara; Carlos Paixão Araújo e o Valter Bilro no Rio Grande do Sul. Ao Tarzan de Castro caberia a tarefa de organizar em Goiás. Carlos Montarroyos e eu ficamos a incumbência de trabalhar em Pernambuco e na Paraíba. Contudo, muita coisa havia acontecido nesse ano de 1962. Enquanto na brenhas do Norte de Goiás estávamos fazendo proselitismo e conspirando, em Pernambuco avançara o velho projeto do Partido Comunista Brasileiro-PCB que elegera Miguel Arrais ao Governo do Estado [...]”23 INFORMAÇÕES DE AGENTE COINCIDEM COM RELATÓRIO MILITAR24. FIDELISTA As informações contidas nos papéis do agente fidelista apreendidas na mala do sr. Raul Bonilla, delegado castrista morto no acidente com o avião da Varig nas proximidades de Lima, são extremamente coincidentes com os fatos narrados no relatório militar sigiloso ao Conselho de Segurança Nacional brasileiro. Publicamos hoje, em primeira mão, esse relatório. Esclareça-se em itens: 1. O relatório foi apresentado em 11 de novembro de 1962 pelo tenente-coronel Nicolau José Seixas, oficial de inteligência, agindo por ordem superior, sobre a infiltração fidelista e os acampamentos guerrilheiros no Brasil. 2. Tal documento, dada a sua gravidade, ficou em sigilo até hoje. Apenas uma notícia de Brasília deu o seu autor como – desapontado – em face de o governo federal haver minimizado sua denúncia. 23 24 Idem. Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, quarta-feira, 30 de Janeiro de 1963. 72 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 3. O relatório consta de quatro páginas datilografadas, espaço um, com dezesseis anexos, onde o oficial estuda a organização militar dos acampamentos e relata diligências do próprio coronel Seixas naquela área. 4. Não deixa dúvidas sobre a participação organizada (e não desorganizada como pretende o Itamarati) de agentes fidelistas cubanos e brasileiros. 5. Foi organizado, preparado e apresentado antes (e isto é importante) da própria data dos documentos mais tarde remetidos pelo governo peruano e que acabaram confirmando o coronel Seixas. 6. Dizer-se que os documentos transportados pelo sr. Raul Bonilla são falsos significa negar a importância ou a veracidade do próprio relatório militar brasileiro, o que não é possível, de vez que ele se baseou em fatos autênticos e apurados em diligência na região. 7. O IV Exército, por sua vez, já investigava as Ligas Camponesas e pusera a descoberto, em outro relatório, essas atividades subversivas. 8. O advogado Clodomir dos Santos é o mesmo preso pela polícia da Guanabara, quando conduzia armas para o Nordeste e um bilhete do adido soviético endereçado ao sr. Julião. 9. Os nomes dos srs. Tarzan de Castro e Montarroyos figuram também nos documentos apreendidos no Peru. RELATÓRIO MILITAR FAZ LEVANTAMENTO DE LIGAS E MOSTRA INFILTRAÇÃO COMUNISTA25. O Relatório do Tenente-Coronel Nicolau José de Seixas sobre a infiltração fidelista e os acampamentos de guerrilhas, que pela sua gravidade ficou em sigilo até hoje, está assim redigido: 25 Relatório da manhã de quinta-feira, 30 de Janeiro de 1963. 73 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ “Secreto. Ligas camponesas de Goiás (Dianópolis, Almas e Natividade). “SECRETO, LIGAS CAMPONESAS DE GOIÁS (DIANÓPOLIS, ALMAS E NATIVIDADE) 1. GENERALIDADES. 1.1. As Ligas Camponesas da região NE do Estado de Goiás, na transversal rodoviária Dianópolis e Almas – Natividade e ao norte de mesma, devem sua origem, criação e instalação às suas congêneres do Estado de Pernambuco, criadas, diretamente, pelo então deputado estadual Francisco Julião, bacharel em Direito, advogado de Recife, comunista de linha marxista chinesa (de Mao-Tsé-Tung) e cubana (de Fidel Castro, Ernesto “Che” Guevara). 1.2. Foram inicialmente reconhecidas para posterior instalação pelo dr. Clodomir dos Santos Morais, advogado de Juiz de Fora, MG, e lugar-tenente de Francisco (Chico) Julião. Era até os últimos dias do mês de outubro do corrente ano vice-presidente de Comissão Nacional de Movimento Radical Tiradentes, do Conselho Nacional das Ligas Camponesas de Francisco Julião. Julião foi demitido sumariamente dessa Comissão, da qual era presidente, por Clodomir dos Santos Morais (conhecido por Santos) assim como o Tarzan de Castro (estudante goiano) e Carlos Monteiro Montarroyos. Esse Santos, a partir de então, assumiu todos os poderes e iniciou uma limpeza (expurgo) dentro do organismo que passou a seguir a orientação do Partido Comunista (facção de João Amazonas) – Anexo n° 1 – Cópias de Telegramas. O dr. Santos quando chegou pela primeira vez na cidade de Dianópolis, visitou todas as autoridades locais, o padre, as freiras e as pessoas mais importantes, dizendo que iria fundar uma Companhia Agropecuária. Daí 74 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ a razão do povo ainda chamar a organização das Ligas Camponesas de Companhia. 1.3. Após os entendimentos do dr. Clodomir dos Santos Morais para a instalação da “Companhia” com caráter capitalista (isto é, de acordo com os Códigos Civil e Comercial) chegaram a Dianópolis os primeiros comunistas. Todos procedentes de Recife, estudantes secundaristas ou mesmo de curso superior. Foram recrutados pelo dr. Santos e por um professor da Universidade de Recife, dr. Lucena, engenheiro, para serem os primeiros elementos de um campo de treinamento de guerrilhas (de acordo com a doutrina de Estratégia Guerrilheira e Tática Guerrilheira – Capítulo I – nºs. 2 e 3 de “A Guerra de Guerrilhas”, de Ernesto “Che” Guevara”. (Livro apreendido pelas autoridades militares como subversivo – nota de redação.) 1.4. No início apareceram sete homens, todos “janistas” apaixonados sob as ordens do dr. Joaquim Ferreira, assessor de Celso Furtado na SUDENE. Após a saída do Ferreira, assumiu o comando Amaro Luiz de Carvalho, que ainda se encontra à frente do Dispositivo Militar do Campo de Treinamento de Guerrilhas da Vila Rio de Conceição (região do Catingueiro). Os membros da “Companhia” não tocavam em política ou ideologia e não gostavam que lhes chamassem de membros das Ligas Camponesas ou de comunistas. 1.5. Continuou a chegada de elementos após maio do corrente ano que vinham de avião ou por terra, passando por Barreiras – BA. Houve muitas substituições de pessoal, o que dava a impressão de que o contingente de comunistas já era inumerável. Todos os membros viviam mais ou menos na clandestinidade (com exceção de alguns encarregados de propaganda e agitação) e conduziam-se como ascetas – (“O revolucionário que vive na clandestinidade, preparando-se para uma guerra, precisa ser um perfeito asceta...” – Capítulo IV – n°. 1 de “A Guerra de Guerrilhas”). 75 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 1.6. Com o registro de criação da “Associação Goiana de Trabalhadores do Campo – AGTC”, cujo extrato e estatutos foram publicadas à pág. 4 do DO n°. 122, de 9-6-62, do Estado de Goiás, os “Diretores de Companhia” solicitaram ao juiz da Comarca de Dianópolis registro de 17 (dezessete) delegacias da AGTC, pedido este até o presente não atendido pelo referido juiz. 1.7. Há uns dois meses, os antigos membros da famigerada “Companhia” e das delegacias da AGTC passaram a dizer às claras ao povo que eram das Ligas Camponesas e começaram formar os Círculos de Amigos das mesmas (anexo n°. 2). Não ficaram nisso – passaram a coagir e a intimidar os sertanejos e outras populações pobres para entrarem nas Ligas Camponesas. Um programa de agitação e propaganda foi utilizado para atenuar a coação (anexo n°. 3). 1.8. Posteriormente, redigiram o “Regimento Interno no Dispositivo Revolucionário das Ligas Camponesas” dentro da doutrina de “A Guerra de Guerrilhas” de “Che” Guevara (Cap. I). O prefácio desse regimento está assim redigido: “Prezados companheiros da Direção Nacional – Saudações fraternais – O presente documento não revela nenhuma negação de nossa parte à grande tarefa que fomos chamados a cumprir: destruir pela luta armada o governo burguês decadente e criar o governo revolucionário”. (Anexo n°. 3) 2. O anexo n°. 4 trata de uma autocrítica dos membros das Ligas Camponesas, em revelação às atividades desenvolvidas pelos comunistas feitas pelo Comitê de Organização com 8 (oito) razões negativas prejudiciais ao processo revolucionário, bem como 7 (sete) conclusões, sendo que uma delas faz referência à mudança do local do Dispositivo de Catingueiro (Vila Rio de Conceição) para outra região. 3. O anexo n°. 5 é um estudo, do “Ponto de Vista Militar” no “Ponto de Vista Político” e da “Análise Interna” com suas conseqüências conclusões em caráter militar, político etc., visando a mudança do local do Dispositivo bem como a estratégia e tática política. E terminando com uma “exigência”: “Exigimos por à nossa disposição todo o material bélico que nos cabe”. Sem comentários... 76 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 4. Os anexos n°s. 6 e 7 tratam, respectivamente, de cópias de documentos encontrados durante a diligência realizada e referem-se também à doutrina de “Che” Guevara – Cap. I – n°s 3 e Cap. III de “A Guerra de Guerrilhas”, bem como de um código de Liga Camponesa com um elemento comunista do Rio de Janeiro – GB. 5. O anexo n°. 8 trata de um estudo sobre as Ligas Camponesas em geral com fundamento em informações obtidas de dois membros: Gilvan Queiroz da Rocha e Leonardo Carneiro de Cunha, que foram presos durante a diligencia realizada em Catingueiro no dia 23-10-62 e de dados encontrados em um mapa de Atlantic que se encontra em meu poder na escala de 1:2.500.000. 6. Os anexos nºs. 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 dizem respeito a estudos feitos por mim, informes e informações colhidas antes, durante e depois da “batida” realizada na madrugada de 23-10-62 pela equipe sob o meu comando, verdadeiro comando antiguerrilha, contra a sede e as instalações do Dispositivo Militar do Processo Revolucionário do Campo de Treinamento de Guerrilhas de Vila Rio da Conceição. No dispositivo, a instalação mais importante é de um posto de observação (PC) numa elevação e dentro de mata com dois pavimentos, com campo de visita que divisa qualquer movimento para o interior do Dispositivo, a uma distância de 2,5 léguas. 7. DIVERSOS. 7.1. Informes e informações sobre armamento. 7.1.1. Um dos membros da Liga que foi preso por nós, Leonardo Carneiro de Cunha, informou-nos, no dia 26-10-62, que era de seu conhecimento existir no Dispositivo do Catingueiro, que engloba as demais Ligas Camponesas, 4 (quatro) fuzis 7mm, 2 (duas) “Flaubet” calibre 22, 18 (dezoito) carabinas calibre 44, 2 (dois) revólveres calibre 32, 1 (hum) revolver calibre 38 e 400 (quatrocentas) balas de fuzil. 7.1.2. Uma carta do sr. Sólon, residente na cidade de Dianópolis e muito conhecido, dirigida ao sr. Flori (Floriano Machado da Vila Rio da Conceição) que está em meu poder, autoriza ao sr. Flori à 77 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ venda de um mosquetão tipo militar aos comunistas. O negócio foi realizado. 7.1.3. O sr. Guilherme Mota Diniz, vulgo Pernambuco, residente na cidade de Dianópolis e que trabalhou durante 4 meses nas obras das Ligas Camponesas na Vila Rio da Conceição, declarou-nos, na noite do dia 22-10-62, que chegou a ver com os comunistas 5 (cinco) metralhadoras de mão com carregadores, na região de Antônio Alves, e uma caixa comprida com alças que tinha no seu material muito pesado, na região de Catingueiro, junto ao PO do Dispositivo. 7.2. O Pernambuco acima referido ajudou-nos muito, prestando muitas informações sobre o terreno e guiou-nos na ação antiguerrilha realizada por nós na incursão e desbarramento do Dispositivo Militar das Ligas Camponesas do Catingueiro. É um ótimo elemento, corajoso e fiel. Os comunistas nunca conseguiram a sua adesão e tudo fizeram para conquista-los, inclusive, colocando seu nome no jornal “O Semanário”, para ver se ele se entusiasmava pelas Ligas Camponesas. 7.3. A região de Catingueiro, sede do quartel revolucionário do Dispositivo das Ligas Camponesas fica próximo de hidráulica de Dianópolis (barragem do Rio Manoel Alves). 7.4. Inúmeras pessoas de região da Dianópolis e Almas foram convidadas a visitar Cuba por meio das Ligas Camponesas; não aceitaram. Um dos que foi insistentemente convidado foi o sr. Hagahús Araújo e Silva, da Fundação do Instituto Agropecuário de Dianópolis. 7.5. Comunicando a ação realizada por nós contra o Dispositivo Revolucionário do Campo de Treinamento de Guerrilhas de Catingueiro, remeti telegramas informativos ao Exmo. Sr. Governador Mauro Borges, chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, ten.-cel. Carlos Molinari Cairoli e secretário de Segurança de Goiás, dr. Rivadávia Xavier Nunes, nos quais solicitava providências diversas, que dizem respeito aos interesses de Segurança Nacional e de Ordem Pública. 78 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 7.6. Só deixamos a cidade de Dianópolis depois de iniciado o inquérito policial pelo delegado de Polícia Municipal da cidade, orientando o MM. Dr. Juiz da Comarca (anexos n°s. 17 e 18). 8. CONCLUSOES. 8.1. As Ligas Camponesas dos Municípios de Dianópolis e Almas organizaram um campo de treinamento de guerrilhas do tipo recomendado pela doutrina “A Guerra de Guerrilhas” de “Che” Guevara (Cap. II – n°. 5), que desejavam ser as “Sierras Maestras” do Processo Revolucionário Marxista do Brasil pela linha dura, a estilo chinês e cubano, dentro de ortodoxia marxista-leninista. 8.2. Os comunistas aproveitaram-se da ignorância, de miséria, da fome e dos homens sem terra, acenando com uma reforma agrária radical, ponto de partida para o processo revolucionário. Usaram, no começo, os métodos burgueses para a sua infiltração. Posteriormente, após se consideraram donos da situação, começaram a agir pela coação, pela intimidação, lançando pânico nas populações das cidades, das vilas, dos povoados, dos sertões, etc. 8.3. Os dirigentes utilizavam-se, particularmente, de jovens estudantes de Recife, politizados e doutrinados pela filosofia dialética de Marx, Engels, Politzer etc., aproveitando-se desta juventude idealista, patriótica e desajustada para realizar, imprudentemente, treinamentos em campos de guerrilhas e logo após lançarem-se à luta revolucionária contra os poderes constituídos de República. 8.4. As Ligas Camponesas não receberam apoio do povo em geral, porém influíram na resistência democrática das pessoas mais corajosas e destemidas (anexo n°. 12). 8.5. As Ligas Camponesas jamais receberam apoio do Exmo. Sr. Governador Mauro Borges e Exmo. Sr. presidente de República, dr. João Goulart. Foi o que ficou constatado por todas as nossas diligências. 79 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 8.6. As Ligas Camponesas são organizações que ferem a Constituição Federal e o Código Civil pois pregam a guerra, a derrubada violenta das instituições com fundamento marxismo. Brasília, DF, 11 de novembro de 1962. – (a) Ten. Cel. Nicolau José de Seixas, chefe do SFPR – Seção de Brasília.” 80 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62 81 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ IV A IMPRENSA CONTINUA METRALHADORA E FUZIS APREENDIDAS A CAMINHO DE GOIÁS26. DAS LIGAS Um carregamento de armas de guerra e munições, peças de barracas para acampamentos e publicações subversivas foi apreendido ontem pela madrugada, por policiais da Subseção de Vigilância de Olaria, numa Rural Willys, verde-pérola, (SP 16-06-56), perto da estação de Parada de Lucas. A carga e o veículo, ao que foi constatado pelas autoridades, pertencem às Ligas Camponesas, vieram de Recife e se destinavam a Dianópolis, em Goiás, município em que As Ligas, recentemente, insuflaram homens do campo a invadir terras, formando acampamentos de muitas barracas e exigindo a intervenção de forças do Exército para restabelecimento da ordem. 26 O Globo, Rio, 14.12.6, ano XXXVII, nº. 11.231. 82 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ No carro se encontravam, além do motorista, José Francisco da Silva, o Sr. Clodomir Santos de Morais, advogado das Ligas Camponesas e que se diz jornalista, e Célia Lima, sua amante, os três foram detidos em flagrante, conduzidos para a delegacia de Olaria e, depois, para a Divisão de Polícia Política e Social. A APREENSÃO. Possibilitou a ação dos policiais Aladino Pereira, que chefiava a turma de ronda, José dos Santos Fernandes e Antônio Coutinho Guimarães, haver o motorista da camioneta se enganado no caminho: dirigindo-se inicialmente a Belo Horizonte deveria seguir a Rio – Petrópolis e ganhar a BR – 3, mas, em vez disso, entrou pela Rio – São Paulo. E quando se aprontava para retroceder, a ronda, que por coincidência passava, resolveu interrogar as três pessoas – dois homens e a mulher, ela de calças compridas – que estavam, mostrando-se assustados, ao lado do veículo. Ao acercar-se, o detetive Aladino notou vários volumes na camioneta e, de relance, observou objetos que lhe pereceram armas, para num exame mais rigoroso, constatar que não se enganara: havia, dissimulados em aniagem seis fuzis, uma metralhadora MP – 40, uma pistola Luger, uma faca peixeira; em outros volumes encontrou 234 peças de “nylon”, com ilhozes, destinadas a barracas, munições e dois panfletos intitulados “Manifesto à Nação – O Movimento Camponês face à situação Nacional”. Ao revistar os detidos, os policiais encontraram com Clodomir um revólver Taurus, calibre 38, carregado e mais 17 balas, e, com o motorista, um revólver Smith and Wesson, do mesmo calibre, também municiado. LIGAÇÃO COM OS RUSSOS. Segundo informaram as autoridades, da DPPS foi apreendido em poder de Clodomir Santos de Morais, um cartao de Anatole M. 83 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Chadrin, chefe da seção consular da Embaixada da URSS (Rua São Clemente, 253), endereçado ao Deputado Francisco Julião. O cartão é nos seguintes termos: “Sinto muito não houver (sic) entrevistado com você (sic), mas espero que terei essa possibilidade no futuro! Com mais elevada consideração e os mais amistosos sentimentos. Anatole.” Afirma o Delegado Cecil Borer, titular da DPPS, que o cartão vem provar a articulação das Ligas Camponesas nitidamente comunistas, com a URSS. E informou que, no relatório a ser enviado ao Governador Carlos Lacerda, pedirá que envie um enérgico protesto ao Governo Federal, alertando-o mais uma vez da ligação agora provada de comunistas brasileiros e russos. DEPOIMENTO DO ADVOGADO. Ao ser interrogado, Clodomir Santos de Morais, após confirmar ser advogado das Ligas, declarou que, há uns quinze dias, recebeu comunicado da chegada da camioneta com as armas, vindas de Recife e enviadas pelo líder camponês de Dianópolis, em Goiás, de nome Palmeira. A carga deveria ser transportada por Clodomir para o município goiano, mas ele pretendia ir só até Belo Horizonte, onde reside (Rua Magnólia, 463), e ali ensinar o caminho ao motorista. Anteontem à noite foi apanhado na casa onde se hospedava pelo advogado, Sinval Palmeira (não é o líder de Goiás) e Célia Lima já se encontrava no carro; o motorista foi o último a ser apanhado, assumindo imediatamente a direção, tendo Sinval deixado o carro e eles encetado a viagem, que correu normalmente até o engano de estrada. Clodomir admitiu que a passagem das armas pela Guanabara tenha sido para evitar inspeção de tropas do Exército, em Brasília ou em Dianópolis, pois, após as recentes agitações no município, ainda são mantidos soldados ali, e as cargas procedentes do Nordeste são mais rigorosamente fiscalizadas. AS ARMAS. 84 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ No auto de flagrante da apreensão constam os seguintes detalhes, que caracterizam as armas: um fuzil usado, marca “I-3404”; um fuzil nº 13.30; um fuzil com o número ilegivel, tendo gravadas as Armas da República; um fuzil nº “C-316”; um fuzil sem marca nem número; um fuzil nº “C-4922”; uma pistola tipo Luger, nº 1.842; uma metralhadora “MP-40”, nº 1.061; uma faca peixeira, com bainha de couro; o revolver “Taurus”, apreendido em poder de Clodomir, tem o nº 89.514 e o “Smith” encontrado com o motorista, o número 698.708; como os portadores não possuíssem porte de armas, foram autuados também por esse crime, além do flagrante sobre tráfico de armas de guerra. O que está sendo denunciado, com insistência, pelos homens de consciência democrática, como uma vasta conspiração contra a Democracia no Brasil, já vai um pouco além das simples palavras. Em Dianópolis, no Estado de Goiás, como em muitos outros pontos de nosso território, treinam-se guerrilheiros e trabalha-se, objetivamente, pela implantação de “um governo popular revolucionária”, moldado à semelhança do regime dos Castros e Guevaras. É uma conspiração que se arma, com os característicos de uma sublevação rural. O caso de Dianópolis mostra que Sierra Maestra está de mudança para o sertão brasileiro. POLÍCIA DO EXÉRCITO CAÇA “TREINADORES DE GUERRILHAS27”. DIANÓPOLIS, 14 (Meridional) – Enquanto prosseguem em Dianópolis as investigações promovidas pelo Exército para chegar à raiz do movimento subversivo organizado por comunistas pernambucanos. O repórter “Associado”Luiz de Ccarvalho da “Folha de Goiás”, vem revelando numa série de reportagens para seu jornal os episódios ocorridos antes, durante e depois de intervenção de justiça e do Exército 27 Correio Brasiliense, de 15 de dezembro de 1962. 85 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ para desbaratar o movimento de guerrilhas destinado a envolver todo o Estado de Goiás. Conhecidos os documentos, alguns dos quais que motivaram a decretação de prisão dos chamados “Treinadores de Guerrilhas” e já mandados para os leitores de “Folha de Goiás”, aluguei um jipe e me dispus a ir até a Vila da Conceição – onde moravam os rebeldes – conhecer o lugar e ouvir seus moradores. Não é empresa fácil chegar ao Rio da Conceição. Terreno pedregulho, por onde nunca passou um patrol, menos um trator. O jipe gemeu por seis horas seguidas com a reduzida nas quatro rodas, grande parte do terreno. Quem não tem negócios não vai por lá – terra onde Judas perdeu as botas. Os homens e mulheres de lá tem medo de comentar qualquer coisa a respeito de presença dos meninos por ali. A polícia tem feito muita malvadeza da qual darei notícia logo mais. Conversa vai, conversa vem, consegui alguma coisa. Em homenagem ao povo, ao medo do povo de lá, não darei nome a ninguém. O Carvalho, o Gilvan, o Tarzan e os outros eram boas pessoas. Desde que chegaram para ali há cerca de um ano, nunca deixaram o pobre sofrer muito. Davam dinheiro. Contrataram os serviços de roça a preço bom. Chegaram mesmo a mandar doentes para hospitais do Rio por conta deles. Não encontrei um só morador que falasse mal deles. Também ninguém me disse que eles tivessem pregado qualquer rebelião e, disse nunca – segundo eles – falaram a ninguém. “Se tinham esse ideal, não revelaram para nós”. E mais, “eram pessoas distintas. Homens, finos, educados. Homens assim deviam ficar por aqui”. “Uma roça, que estava produzindo bom feijão. Uma casa, grande, onde viviam juntos. Tinham uma empregada para os serviços domésticos. A Polícia queimou a casa, destruindo, quem sabe, outros documentos não apanhados pelo Exército e entregues ao Juiz de Dianópolis. Tinham eles, também, uma segunda casa, que o povo de Rio da Conceição chama de “Torre de Observação”. Era uma casa de cinco metros de diâmetro, parece que quadrada, com um primeiro andar. Lá em cima, segundo os moradores, há uns aparelhos onde eles observam o mundo. Outros dizem que eram grandes binóculos. Esse material, porém, 86 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ não foi encontrado porque também a Polícia goiana quando ali chegou atirou fogo em tudo, destruindo essa segunda casa ou a torre”. A Polícia não queimou um jipe dos pernambucanos com chapa do Recife, que eles deixaram no Rio da Conceição. O veículo está também apreendido em Dianópolis. “Ao que me contaram em Rio da Conceição e aqui em Dianópolis inclusive o próprio Juiz. Eles tinham espiões. Teriam sabido de aproximação do Exército e momentos antes dos militares atacaram, correram, embrenhando-se na mata. Soube-se depois que alguns tomaram avião em Barreiras e outros fretaram ali uma camioneta seguindo rumo a Pernambuco. Quando a Polícia cerco Rio da Conceição não encontrou mais rebelde algum, mas, mesmo assim, para não perdem a viagem e saciar a vontade de matar, fez das suas, batendo, prendendo, furtando, saqueando e ainda fazendo fogo uns contra os outros, tendo saído um sargento, atirado por um soldado, com uma perna inutilizada.”. “DN” DENUNCIOU A SUBVERSÃO DOS CAMPONESES. Há tempos, o “Diário de Notícias” publicou uma série de reportagens denunciando a existência de um vasto plano subversivo e localizando o seu cérebro na capital cubana. As atividades de Francisco Julião e de Clodomir Santos de Morais, desconhecido, então, de própria Polícia, foram analisadas em todos os seus ângulos, sobretudo entre os posseiros do Estado do Rio. Agora, as autoridades confirmaram tudo quanto publicamos, acrescentando que as armas de Clodomir vieram de Alemanha Ocidental. “DN” DENUNCIOU PLANO SUBVERSIVO DE CLODOMIR28. A prisão do advogado Clodomir Santos de Morais, conduzindo um carregamento de armas para camponeses goianos, veio confirmar a série de reportagens publicadas pelo “Diário de Notícias”, onde foi 28 Jornal Diário de Notícias de 19.12.62. 87 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ denunciada a existência de um plano subversivo no país e apontados elementos implicados num esquema revolucionário arquitetado em Havana. Foram, também, reveladas ali as atividades subversivas do deputado Francisco Julião e Clodomir (seu lugar-tenete), que incentivaram o movimento dos posseiros no Estado do Rio. Ontem, a Divisão de Polícia Política e Social revelou que as armas apreendidas em poder de Clodomir podiam ser utilizadas, com real proveito, numa guerra de guerrilhas. Eram fuzis, uma metralhadora, revólveres e pistolas. Os materiais de barracas, que, como o armamento, foram submetidos a exame pela DPS, são, segundo o perito Cassemiro, de procedência estrangeira. Embora mantido em sigilo o resultado do exame, soube-se, de fonte ligada ao Instituto de Criminalística, que essas barracas são de fabricação da Alemanha Oriental. ÁGUA FOI PRIMEIRA META. A primeira grande investida dos agentes comunistas foi contra os mananciais que abastecem de água o Estado de Guanabara, crime por nós denunciado. Os posseiros liderados por Simplício Rodrigues Rosa, haviam ameaçado envenenar a água do rio, caso fossem molestados pelas autoridades. Devido à gravidade do fato, nossa denúncia foi desmentida por alguns órgãos de informação mas logo depois confirmada pelas próprias autoridades guanabarianas. Após esse episódio, seguiu-se uma série de outros acontecimentos, inclusive sangrentas lutas no interior do Estado do Rio, e as reportagens que publicamos, a respeito deu origem a inquérito militar. ROTEIRO DE DENUNCIA. De nossa série de reportagens apresentamos esta síntese: 22.2.62: Sob o título Políticos incentivam posseiros a impedir abastecimento do Rio, denunciamos a ameaça dos posseiros de envenenar os mananciais que abastecem de água a Guanabara. Os posseiros eram 88 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ liderados por Simplício Rodrigues Rosa e contavam com o apoio de vários políticos fluminenses que mantinham células eleitorais em Tinguá, Xerém e Dio d‟Ouro. 23.6.62: Celso Peçanha é acusado de conivente com os posseiros, foi o título de reportagem em que nos referimos à omissão `do então governador fluminense nas questões de terra. 24.6.62: Nesse dia publicamos a seguinte reportagem: Guerra de água é tentativa de subversão na Guanabara. Autoridades do Ministério da Agricultura dispunham, inclusive, de provas que a invasão das reservas florestais de Tinguá, Xerém e Rio D‟Ouro fazia parte de um plano subversivo, orientado por agentes estrangeiros. 26.6.62: Sob o título “Posseiros tomam Lições de guerrilha: Exército atento”, complementamos nossas denuncias sobre a ação subversiva no Brasil. Todas as informações contidas nessa reportagem estão sendo agora confirmadas. Apresentamos os pontos estratégicos já em poder dos posseiros: Angra dos Reis, Mangaratiba, Itaguaí, Piraí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Cachoeiras do Macaco, Rio Bonito, São João da Barra, Cabo Frio, Rio Claro, Parati e, no Estado de São Paulo, Bananal e Cunha. Apresentamos, também, os principais elementos implicados no plano de perturbações no Estado do Rio: José Correia, dirigente da Sociedade Civil de Proteção aos Lavradores, com sede em Nova Iguaçu, na av. Governador Amaral Peixoto, 143, 2º andar; Clodomir Santos de Morais, lugar-tenente de Julião e agora preso no Rio, acusado de conduzir armas para Goiás; Mariano Beser, francês de nascimento e radicado no Brasil, atualmente presidente de União das Ligas Camponesas do Estado do Rio; e, ainda, José Salvador, Francisco de Assis e Francisco Cabral, todos filtrados à Federação dos Lavradores do Estado do Rio e que contavam com o apoio do sr. Irênio de Matos, executor do Plano de Reforma Agrária do Estado do Rio. 27.6.63: Denunciamos a invasão da fazenda Paraíso por um grupo de 150 homens armados. 28.6.62: Publicamos a reportagem: “Invasão de terras tem o comando de Julião”. Clodomir de Morais havia sido incumbido de organizar o movimento no Estado do Rio. 89 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ CONFIRMAÇÃO. Outras denúncias foram feitas noutra série de reportagens. O Ministro de Guerra, enviou então um oficial do I Exército às regiões de Tinguá, Xerém e Rio D‟Ouro, para fazer um levantamento de situação. Ainda nessa ocasião, nossas reportagens foram confirmadas e agora, estamos seguramente informados de que o Conselho de Segurança Nacional tem em seu poder um relatório secreto elaborado pelo Serviço Federal de Prevenção e Repressão sobre a ação subversiva no país. O relatório aponta o dispositivo de agitação de Dianópolis e regiões vizinhas de subversão e de preparo para a guerra revolucionária contra os poderes constituídos de nação. FINANCIADORES. A DPS anunciou, ontem, que está procedendo as investigações para identificar órgãos ou entidades que estariam financiando a subversão nos meios camponeses. Revelou saber que, só na instalação de um campo de treinamento, em Dianópolis, Goiás, foram aplicados Cr$ 10 milhões, e que as viaturas utilizadas para contrabando de armas foram compradas à vista. Sem citar nomes, as autoridades daquela divisão anunciaram diligência para apreensão de armas em casas de político importante. A diligência teria sido prejudicada pela prisão de Clodomir. Afirmam, contudo, que vão apreender mais armas. Por outro lado, fontes ligadas àquelas autoridades disseram à nossa reportagem que documentos importantes foram encontrados num cemitério de cidade. Clodomir, que será ouvido hoje, deverá ser removido para a Polícia Militar, uma vez que, como advogado, tem direito a prisão especial. ESPOSA VISITOU. A esposa de Clodomir, sra. Maria de Morais, esteve ontem na Polícia Central, onde obteve permissão para ver o marido, com quem 90 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ palestrou durante trinta minutos. Maria não quis falar à imprensa nem dar notícias de moça presa em companhia de Clodomir (Célia Lima), recolhida numa sala ao lado. Disse, somente, que não via o esposo há quatro meses, pois ele viaja muito, e que nada sabe quanto às suas atividades ou ideologias políticas. SEM ÊXITO A PROCURA DE ARMAS E MATERIAL SUBVERSIVO DAS LIGAS29. Não teve êxito, ontem, a diligência determinada pela Divisão de Polícia Política e Social, destinada, como fora noticiado, a apreender armas, documentos e material de propaganda vermelha, empregados no plano de subversão através das Ligas Camponesas. Agentes da DPPS vasculharam o local onde presumiam fosse o depósito, mas nada foi encontrado, admitindo as autoridades que o fracasso da diligência decorra do noticiário sobre a prisão do advogado Clodomir Santos de Morais. Este, advogado das Ligas detido e autuado quando conduzia armas para lavradores em Goiás, também não foi ouvido ontem, como era esperado, sendo o interrogatório para hoje. OUTRO DEPOIMENTO. O delegado Cecil Borer pretende tomar depoimento, também, da advogada Regina de Albuquerque. Como se recorda há três meses, fora ela envolvida no inquérito instaurado para apurar atividades das Ligas na Guanabara. Ontem, Regina de Albuquerque acompanhou a Sra. Maria de Morais, esposa de Clodomir, na visita de uma hora por ela feita ao marido, na Polícia Central. Abordada na ocasião, a Sra. Maria Morais limitou-se a dizer que há quatro meses não via o marido, o qual viaja muito, esclarecendo desconhecer as atividades comunistas de Clodomir. 29 Jornal O Globo de 19-12-62. 91 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ ATUAÇÃO VERMELHA. Na verdade, a atuação vermelha do advogado não é recente. De acordo com os registros da Secretaria de Segurança de Pernambuco, em 19.04.52 Clodomir se iniciava no comunismo, tendo lançado o livro “Aspectos de atividade do Comunismo em Pernambuco”. O livro constitui uma confissão do autor, relatando aspectos de sua formação doutrinária. Revela, por exemplo, que se tornou comunista após ler a biografia de Marx, na História da Filosofia, de Willian Durand, depois de outras leituras, como “Origem da prosperidade da Família e do Estado”, de Engels, e de absorver ensinamentos de Spencer, Lamarck e Hegel. Atuou ainda como estudante, em São Paulo, Salvador e no Recife. Diz, também, que em 1948, forçado por dificuldades financeiras, foi obrigado a se empregar, tendo entrado em março na Ford Motor C°., oficina de montagem, onde tomou parte na organização de uma greve, em protesto por demissões de operários, sob a alegação, de falta de pecas para montagem. Contudo, ao que afirma Clodomir, diante da traição de um companheiro, o movimento não foi deflagrado. OUTRAS ATIVIDADES. O advogado, no livro, conta também que em 1949 começou a trabalhar no jornal “A Hora”, tendo sido detido uma semana depois, quando fazia cobertura do empastelamento de “O Popular”, jornal que sucedeu o “Hoje”. Afirma Clodomir que, nessa manhã, ele e os então vereadores Jânio Quadros e Cid Franco e o fotógrafo Antônio Lúcio, de “A Hora”, foram agredidos. Faz alarde, também, de sua prisão, em 1950, na porta do Quartel General da 2ª Região Militar, por estar doutrinando, semanalmente, dentro do próprio quartel, o sargento Óton Cícero de Lima. E revela: “Dois anos depois, os jornais noticiaram o desaparecimento, ali, de um documento importante, sobre o „Acordo 92 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Militar Brasil-EUA‟, publicado no jornal “Hoje”. Óton foi transferido para o interior. Clodomir cita, ainda, atividades em cidades pernambucanas, sempre ligadas a problemas dos camponeses, que afirmam abandonados. E após declarar ter escrito, em 1950, um livro de poesia, que não teve repercussão, mas era cheio de poesia social e de ataque ao imperialismo e à burguesia, o advogado conclui: “Não fora o pedido de Paulo Cavalcanti, e eu não teria o menor prazer em dizer o que tenho feito pela causa comunista”. ARMAS. BELO HORIZONTE, 19 (Sucursal) – Enquanto o governo distribui nota tranqüilizando o povo ante as falas notícias de rebelião o fiscal aduaneiro Dermeval Ladeira apreendeu, na Pampulha, mala cheia de armas, munições e propaganda subversiva das “Ligas Camponesas”. Ao tomar conhecimento da apreensão, o dono da mala, que chegava de avião procedente de Alemanha, fugiu, às pressas, não sendo mais encontrado. O fato foi comunicado ao DOPS e a mala entregue aos policiais David Hazan e Tarcir Omar Menezes. Verificou-se, então, que o homem que fugiu esquecera a carteira de identidade e outros documentos no interior de mala, além de talão de cheques do Banco do Brasil, agência de Belo Horizonte, evidenciando-se pelo troco que grandes somas foram sacadas nos dias anteriores à sua prisão. A apreensão ocorreu a cerca de dois meses e até hoje o DOPS vinha guardando absoluto sigilo em torno do fato, a despeito de sua gravidade, agora revelado com a prisão, no Rio de Janeiro, do advogado das “Ligas Camponesas”, Clodomir Santos de Morais. Além do material em poder do DOPS, diversas outras malas de revistas comunistas e material subversivo já foram apreendidas em Belo Horizonte, todas procedentes do nordeste do País e destinadas a fomentar o movimento que se deflagrou no interior de Goiás. 93 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ A PALAVRA TRANQUILIZADORA DO GOVERNO30. O PRIMEIRO MINISTRO Hermes Lima, depois de ouvir o Conselho, julgou-se autorizado a emitir nota declarando carecerem de fundamento as notícias sobre um plano subversivo, que estaria sendo preparado para eclosão em janeiro. Folgamos, evidentemente, com a convicção ministerial. Nós, como toda a imensa maioria democrática desta Nação, não desejamos subversão de espécie alguma. Queremos, bem ao contrário, que as Instituições sejam respeitadas e se fortaleçam, inclusive pelo bom funcionamento dos órgãos governamentais. Quando divulgamos, porém – como a totalidade de Imprensa independência do País –, as informações relativas ao plano subversivo, não podíamos deixar de dar-lhes importância, visto coincidirem com a pregação revolucionária de certos demagogos semi-oficiais e com a apreensão de armas de guerra transportadas para Goiás por elementos que servem ao notório agitador Francisco Julião. Cumprimos, portanto, o nosso dever, mencionando o que nem sequer é feito às ocultas, pois os elementos subversivos são conhecidos e fazem questão de aparecer como tais. Menos mal se essa escandalosa franquia de que gozam para agitar a Nação e atacar o regime é mais aparente do que real, estando atento o Governo, que não se aflige porque se considera “em condições de garantir a ordem pública, assegurando o funcionamento normal das Instituições e as liberdades individuais”. Certamente para manter a sua fleuma e conservar tanta certeza, disporá o Governo, a respeito de subversão programada e do alcance e de capacidade dos inimigos da democracia, dados e informações que só ele conhece. Daí a sua tranqüilidade. Quem é obrigado a considerar, apenas, os fatos revelados, a audácia dos irresponsáveis à solta pelo território nacional e a infiltração dos agitadores em determinados setores (o sindical, por exemplo) não pode deixar de ficar preocupado. Não veja nisto, porém, o Conselho de Ministros, qualquer intuito alarmista. 30 O Globo, de 21.12.62. 94 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ O alarma só pode interessar aos que aproveitam com a intranqüilidade e a insegurança. Nunca àqueles que, como nós, acreditam que só em clima de paz e segurança, pelo trabalho e pela produção, encontraremos a solução para os graves problemas que estão ai, desafiando a capacidade dos que se incumbiram de conduzir os destinos da Nação. Esperamos, também, que, após o referendo de 6 de janeiro, normalize-se a vida institucional brasileira, para que o Governo, enfim, consiga dar início à obra administrativa que o povo reclama, recuperando as finanças públicas e restaurando a nossa economia, devastada por longa série de erros e sandices. Se isto acontecer, como ardentemente desejamos, então já não causarão temores as notícias sobre planos subversivos ou sobre o desmoronamento das instituições, uma vez que a Nação será atendida em seus justos ensejos de ordem e bem-estar social, não havendo margem para os que exploram contra o regime as atuais e terríveis dificuldades do País. ADVOGADA CONFESSA NA POLÍCIA QUE É DE DIREÇÃO DAS LIGAS CAMPONESAS31. Depondo ontem na Delegacia de Segurança Social, perante o delegado Denizar Correia, a advogada Regina Coeli Castro de Albuquerque confessou pertencer ao Conselho das Ligas Camponesas do Estado do Rio, com sede em Campos, e estar incumbida de organizar a sede do movimento na Guanabara. Informou que é amiga íntima do Deputado Francisco Julião e de sua esposa, aos quais hospeda, quando vem ao Rio. Acrescentou que Julião lhe envia, às vezes, importâncias que são distribuídas de acordo com as instruções do deputado. E que recebia também dinheiro remetido por Clodomir Morais. ORIGEM DO INQUÉRITO. 31 O Globo, de 21.12.62. 95 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ O inquérito em que está envolvida Regina de Albuquerque foi instaurado quando de prisão dos comunistas Ataualpa Alves de Lima, José Bartolomeu de Sousa e Rivadávia Brás de Oliveira, no apartamento 803 de Rua do Russel, 496, que era alugado às Ligas Camponesas por intermédio de Paulo Bezerra de Andrade, funcionário do jornal “Liga”, de propriedade do movimento e que funciona na Rua Alcindo Guanabara, 15. A prisão dos comunistas ocorreu em agosto. A advogada disse que os conhece, adiantando que o apartamento se destinava aos companheiros de outros Estados que vinham ao Rio. Afirmou que não é comunista, não recebe vencimentos das Ligas Camponesas nem do jornal, embora seja repórter dele. Tem renda própria e dá sua colaboração por idealismo. A SEDE NA GUANABARA. Regina de Albuquerque, frisando que na Guanabara não existe massa camponesa, justificou a organização de sede das Ligas no Rio com o fato de ser a Guanabara o principal centro político do País e abrigar considerável massa operária, que necessita de assistência médica social e jurídica. Declarou que não atendeu a diversas intimações para depor logo após a instauração do inquérito, porque estava na TchecoEslováquia, a convite do movimento Cooperativista Tcheco. Desconhece o tráfico de armas pelas Ligas. RELATÓRIO. O delegado Cecil Borer deverá entregar ao Governador Carlos Lacerda, por estes dias, o relatório sobre o movimento comunista que se articulava na Guanabara e em outros Estados. O delegado disse a O GLOBO que Regina de Albuquerque é peça importante nas Ligas Camponesas, das quais é tesoureira e elemento de mais absoluta 96 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ confiança de Francisco Julião. O movimento é fartamente financiado, já sendo conhecida a origem do financiamento. Acrescentou Sr. Cecil Borer que Clodomir Morais gastou 10 milhões de cruzeiros só na instalação do núcleo de Dianópolis, em Goiás. Referiu-se ao relatório do general Albino Silva sobre Cuba – quando o chefe do Gabinete Militar de Presidência esteve naquele país -, considerando o documento como de grande importância. NADA CONTRA O SINDICATO. O delegado Cecil Borer disse ainda a O GLOBO que não fez qualquer declaração envolvendo o Sindicato dos Trabalhadores em Serviços Telefônicos. EUA ACUSAM CUBA DE FOMENTAR REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA32. WASHINGTON, 20 – Em nota dirigida aos dezenove países que integram a OEA, os Estados Unidos acusam hoje as altas autoridades cubanas de instigar bandos rebeldes da América Latina a derrubarem seus governos pela força. Juntamente com a nota, foi entregue um registro em fita magnética do discurso pronunciado a 21 de novembro do último pelo ministro cubano Hart, na Universidade de Havana, bem como o texto de uma entrevista exclusiva concedida por Guevara ao correspondente do “London Daily Worker”. Este chegou a afirmar que bando de guerrilheiros estão atuando na Venezuela, Guatemala, Paraguai e Colômbia, acrescentando: “Não há outra solução possível nestes países”. ALÇADA. 32 Correio de Manha, de 21.12.62 97 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Esta é primeira nota que o governo americano envia à Organização dos Estados Americanos sobre a questão cubana nos últimos meses. O delegado Ward Allen, dos EUA, diz no documento que as declarações cubanas “caem dentro de responsabilidade de OEA, uma vez que contêm uma aberta defesa de violência para a derrocada de governos estabelecidos em outras repúblicas americanas”. PREGAÇÃO. Disse Guevara, entre outras coisas: “Cuba demonstrou que pequenos grupos de guerrilheiros bem dirigidos e situados em lugareschaves podem atuar como catalizadores para as massas, levantando-as à luta por meio de ação. O ministro Hart, que juntamente com Guevara lutou em Sierra Maestra, declarou em seu discurso na Universidade de Havana que a ação cubana “constitui um exemplo que deve ser seguido pelo resto da América Latina”. Expressou que Castro ensinou o caminho para lograr “o poder revolucionário” mediante, “a insurreição armada nas classes proletárias e camponesas”. PROVAS. O governo de Venezuela demonstrou que os agitadores comunistas realizaram seus atos de sabotagem nos campos petrolíferos de Maracaibo, em outubro último, alentados pelas autoridades cubanas. A OEA busca nesse momento provas das atividades subversivas em execução ou planejadas na América Latina, a fim de reduzir tais atos, mediante controle de viagens para Cuba e outras medidas, FIDEL. HAVANA, 20 – Fidel Castro falará à nação no próximo dia 2 de janeiro, quarto aniversário de Revolução Cubana, segundo anúncio do 98 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ matutino “Hoy”. Indica que a alocução será precedida de “um grande desfile militar” e diversos atos comemorativos. MUNDO POLÍTICO33. COMUNISTAS IMPACIENTAM GOULART. O presidente da República tem manifestado, nas últimas horas, a pessoas que lhe são mais chegadas, certa impaciência em face do noticiário que tem surgido ultimamente na imprensa em torno de eventual agitação comunista. O sr. João Goulart começa classificando de improcedentes tais alegações, pois se considera bem informado em matéria de movimentação política seja de que natureza for. Não acredita, assim, o presidente, na existência de tais movimentos nos termos em que estão sendo apregoados de uma ameaça em potencial às instituições. O sr. João Goulart declara que não chega ao ponto de afirmar a inexistência de atividades ou de manobras politiqueiras dos comunistas, pois estas sempre existiram mesmo quando o PCB vivia, como ainda agora, na ilegalidade. ARMADO PARA ENFRENTAR SUBVERSÃO. O que o presidente de República contesta é que esteja havendo articulações ou manobras em profundidade, com o objetivo de manter sob ameaça a paz social que, apesar dos pesares a nação desfruta, pois o sr. João Goulart se nega a distinguir, em movimentos paredistas ou reinvidicatórios de classes, ações diretas ou estratégicas de comunistas visando a outros fins. Ao acentuar que tais movimentações não chegam a amendontrar o governo, frisa o sr. Goulart, nessas conversas 33 Correio da Manha, de 21.12.62. 99 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ confidenciais, que não teme qualquer ação subversiva, porque o próprio governo está preparado para enfrentá-la. CONTRA OS ALARMISTAS TEM O “DISPOSITIVO”. O chefe de Estado identifica o noticiário que ele considera “alarmante”, como mais uma jogada de seus adversários políticos, objetivando criar clima propício ao esvaziamento do plebiscito. De outro modo não consegue interpretar as sutilezas das notícias. Proclama o sr. João Goulart não só a solidez mas também a clarividência do dispositivo militar que foi aos poucos instalando, fato que o presidente reputa como garantidor de sua tranqüilidade e de improcedência das alegações. Se tivessem ocorrendo articulações subversivas, o governo, segundo o sr. João Goulart, estaria sendo informado a cada passo e não se deixaria surpreender. BODE VERMELHO – NOTÍCIA: DOCUMENTOS SUBVERSIVOS. Por trás de notícia: Publico a seguir outros pormenores inéditos sobre os documentos encaminhados pela Chancelaria do Peru ao governo do Brasil, depois de encontrados na mala do sr. Raul Bonilla, emissário especial do sr. Fidel Castro. O sr. Bonilla regressava do Rio a bordo do avião acidentado em Lima. Entre os papéis e não são todos, existem: 1 – Relatório de outubro de 1962, sobre a situação das Ligas Camponesas aqui; 2 – Cópia de “carta de um guerrilheiro” do acampamento do Rio de Conceição “aos seus companheiros no Nordeste”. 3 – Relatório de 20 de outubro de 20 de outubro de 1962 sobre “as possibilidades militares e estratégicos dos atuais acampamentos das „Ligas‟ e a recomendação de mudança do centro militar de treinamento”; 4 – Parte deste último documento (5 itens), divulgada numa notícia publicada em São Paulo. Os relatórios são de “Gerardo” para “Petrônio”. Acredita-se que “Gerardo” seja um diplomata cubano que visitou Goiás, pois, no 100 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Documento I, há referência a tal visita. Um trecho: “Visitei Goiás, a convite do Instituto Cultural Brasil-Cuba e dos estudantes daquele Estado. Nessa oportunidade, travei conhecimento com o chefe estadual das Ligas Camponesas, sr. Tarzan de Castro e com o sr. Carlos Montarroyoss.” E ainda um parágrafo em que se escreve: “A mulher de C. que é tcheca, acaba de separar-se dele”. A POLÍCIA DESCOBRE PLANO DE REBELIÃO EM TODO O PAÍS MARCADO PARA JANEIRO34. O Delegado Borer recomendou às Polícias de quase todos os Estados a Prisão de 30 homens-chaves emissários do Nordeste, entre eles Clodomir Morais, advogado das Ligas Camponesas, insuflavam os agricultores e trabalhadores rurais contra os donos de terra – centros de Instrução Militar em Goiás – Diplomata Soviético Envolvido (10ª pág.) A POLÍCIA DESCOBRE PLANO DE REBELIÃO EM TODO O PAÍS MARCADO PARA JANEIRO. COMPROVAÇÃO. A prisão do advogado Clodomir Morais foi apenas mais um dado comprobatório de que um dispositivo de inquietação está montado em Goiás, tendo como pontos principais as localidades de Dianópolis, Tromba, Taguatinga, Natividade, Porto Nacional, Tocantínia e Miracema do Norte, onde agitadores profissionais, na maioria procedentes de Pernambuco e cumprindo instruções do Deputado Francisco Julião, fundaram núcleos das Ligas Camponesas e centros de treinamento de guerrilhas e doutrinação comunista, nos moldes preconizados nos livros de Ernesto “Che” Guevara e Mao Tse-Tung. 34 O Globo, ano XXXVII – Rio, terça- feira, 18 de Dezembro de 1962 – Nº. 11.234. 101 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Todas as localidades são de fácil acesso. Dianópolis, Taguatinga, Natividade e Miracema do Norte são servidas normalmente por aviões da linha comercial; Tocantínia e Porto Nacional são portos fluviais e Tromba fica à margem de rodovia BR-14 a Belém-Brasília, nas fraldas de Serra Dourada. As autoridades que estão investigando as atividades subversivas no País chamaram a atenção para o fato de os agitadores haverem escolhido aquela região para suas atividades. Trata-se de uma zona considerada estrategicamente favorável, não só pelas condições de miséria em que vivem seus habitantes como pelas fáceis condições de penetração ali existentes, como campos de aviação, que permitem o pouso de grandes aviões, e onde há grandes estoques de combustíveis para reabastecimento dos aparelhos das linhas comerciais. Os rios de região também podem ser utilizados para a descida de hidroaviões. PRIMEIRA DESCOBERTA. Autoridades brasileiras descobriram recentemente um dos centros de treinamento que funcionam em Goiás: estava situado em Dianópolis, onde foi apreendida grande quantidade de armas de guerra, munição, farto material de propaganda comunista e cerca de 200 mil cruzeiros. Várias prisões foram então efetuadas. A diligencia teve o comando do Coronel Nicolau Joaquim de Seixas, do Serviço de Repressão ao contrabando. Conseguiram escapar Clodomir Morais – chefe do centro – e alguns dos seus auxiliares. Chegando o fato ao conhecimento da Justiça, o Sr. Moreira Marques, Juiz de Dianópolis, decretou a prisão preventiva de Clodomir Morais, Luís Inácio de Sousa, João Meireles, Joaquim Ferreira Filho, Adauto Monteiro de Silva, Antônio José da Rocha, Francisco de Cruz Botelho, Luís Presto, Antônio Alves de Sousa, Gilvan Queirós da Rocha, José Jaime, Clóvis Esteves, Valter Coelho, João Nader e outros, cujos nomes estão em poder das autoridades militares de Brasília. Mas até agora somente Clodomir e Gilvan foram presos. 102 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ A PRIMEIRA PISTA. A primeira pista para a descoberta do campo de treinamento e guerrilhas de Dianópolis foi fornecida aos setores militares através de um relatório das autoridades de localidade em fevereiro. Informava-se que há algum tempo chegara ali, de avião, um grupo de homens que diziam ir estudar a natureza do terreno, para instalação de uma colônia agrícola. Eram aproximadamente sete, com aparência de nordestinos. Descarregaram volumosa e pesada bagagem e depois, de jipe, rumaram para os lados do Rio da Conceição. JULIÃO AMEAÇA ARMAR CAMPONESES OPERÁRIOS DO PAÍS35. TODOS OS Recife, 18 (O GLOBO) – O Deputado Francisco Julião, falando ontem na Assembléia Legislativa, sobre a prisão do advogado Clodomir Morais pela Polícia de Guanabara, disse que o fato, nas circunstâncias em que se verificou, “não passou de uma farsa de Polícia da Guanabara, sob a inspiração do Sr. Lacerda”. E prosseguiu: - Se aquele advogado destemido tivesse sido preso num antro de jogatina ou de prostituição, traficando com maconha ou cacaína, ou nos confins do Brasil contrabandeando automóveis ou pedras preciosas, não tenho a menor dúvida de que esses delitos mereceriam, quando muito, um canto de página policial nos grandes diários brasileiros. Declaro, em alto e bom som, que, se vier a depender de mim, todos os camponeses e operários do Brasil serão armados para não morrerem, como passarinhos, nas mãos covardes dos capangas, grileiros e capitães de mato, de que o País anda infestado. 35 O Globo de 19-12-62. 103 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Concluiu o Deputado das Ligas Camponesas dizendo que 35 mil militares norte-americanos estão operando no Brasil e que “não vacilaremos em pegar em armas para tangê-los.” LOBO MAU CHEGA SOB PELE DE CORDEIRO.36 Vai para um ano que 26 guerrilheiros chegaram a Dianópolis (Goiás), procedentes do chão fermentado de Pernambuco. Eram exroceiros, estudantes, gente de classe média. Sabiam na ponta de língua Marx, Engels, Lenine, Bukarin e os últimos informes de Krutchev. Tinha modelos de guerrilhas, importados de Cuba. Dianópolis de hoje é a antiga São José do Ouro, depois S. José do Duro. É cidadezinha pacata, de 2.000 habitantes, sua igreja, seu mercado, seu juiz, seu promotor, seu delegado. Não tem representação bancária. As ruas são de chão e grama. As casas de feitio municipal doce. Tem o Correio, a seção do IBGE e um departamento do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Fica quase na fronteira da Bahia, a 300 km de Barreiras, no nordeste de Goiás. 600 e poucos km separam Dianópolis de Brasília. É a única cidade do Brasil que possui mina de ouro (autêntica) na praça principal. A gente de lá é ordeira. Vive de algum gado e de lavra de feijão, arroz e milho. Há 20 anos que não havia ilícitos penais em Dianópolis. Os Póvoa (ou Póvoas) representam a família dominante. A metade do município é dos Póvoas. Eis Dianópolis, em poucas palavras, território palmilhado pelos 26 guerrilheiros comunistas. Eles não chegaram a Dianópolis na qualidade de guerrilheiros ou comunistas. Diziam-se da Companhia de Investimentos do Nordeste Brasileiro. Chegaram em começos de 61, muito faladores, comunicadores, e com 10 milhões de cruzeiros nos bolsos. Compraram, desde logo, duas grandes fazendas, as de nome Catingueiro e Antônio Alves. Depois ocuparam terras devolutas da área conhecida como Cascavel. Ficaram, desse modo, com 3 propriedades extensas, com distância aproximada entre elas até 50 km. Dos primeiros aos últimos contatos que tiveram com o povo do lugar foi um nunca acabar de distribuir dinheiro. Instalaram serviço 36 Revista O Cruzeiro, de 22 de dezembro de 1962. 104 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ eficiente de assistência social. Para cada doente, um vidro de remédio. Contrataram dentista, enfermeiros, e iam assim penetrando na amizade dos roceiros. Estava serviço do desenvolvimento do município. Iam promover grandes plantações, criar gado à beça, levar a fartura para Dianópolis. Eram capitalistas, essa a sua apresentação. E como usavam de simpatia para todos – sorriso e dinheiro, boa camaradagem – eram por isso bem acatados, até que resolveram mostrar a face oculta. Mas só retiraram a máscara depois que se sentiram donos de situação, como salvadores do povo abandonado. Aí, então, Dianópolis retirou o seu aperto de mão aos 26 guerrilheiros. Começaram as legendas nas paredes de cidade: “Abaixo os comunistas, abaixo os agitadores”. O Promotor Antônio Alves França escreveu relatório às autoridades militares denunciando o grupo. Não teve sucesso. Ninguém levava a sério a sua denúncia. Ficou teimando, insistindo, foi a Brasília fazer a denúncia ao vivo. Também o Juiz Moreira Marques tomou posição a favor da democracia. Ambos receberam ameaça de morte, mas não desistiram de denunciar o bando de agitadores. Enquanto isso, os guerrilheiros trabalhavam. Faziam comícios, doutrinação marxista individual, promoviam festas, churrascadas populares. Pintavam com a sua mão generosa, através da distribuição de presentes e dinheiro em espécie, o quadro do céu vermelho, da socialização das roças de Goiás. O que faziam nas suas fazendas – que compraram sem a exigência das escrituras – ninguém sabia. Era o grande segredo. Não permitiam a ninguém, a não ser aos agricultores já conquistados para a “causa”, visitar essas fazendas. A coisa continuava nesse pé, quando a Polícia Militar goiana e tropas do Exército, estas sob o comando do Coronel José Nicolau de Seixas, resolveram ver o problema de perto. Diligências foram feitas nas fazendas do grupo da tal Companhia de Investimentos do Nordeste Brasileiro. E então surgiu a verdade estarrecedora. Os capitalistas que iam desenvolver o município, e que davam polpudos empregos aos roceiros, eram comunistas convictos, revolucionários profissionais. Vasta bagagem de propaganda revolucionária foi apreendida, como relatórios secretos do bando. Numa de suas fazendas, de difícil acesso entre serras virgens, havia trincheiras, 105 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ postos de observação no estilo militar, tudo como manda o figurino da guerrilha cubana. Descobriram-se os objetivos privados do grupo. Tinha ele, por atribuição do PCB, a tarefa de doutrinar o povo, prepará-lo politicamente para a revolução, e instalar o dispositivo militar de guerrilhas. Há 15 dias, o grupo trouxera um “jeep”, chapa de Pernambuco (1-28-10), dentro do qual havia dois caixotes pesados contendo metralhadoras, fuzis e muita munição. Tão pesados eram os caixotes que se partiu o diferencial do “jeep”. Tal armamento, entretanto, foi enterrado em local secreto, que as autoridades estão tentando localizar. PRISÃO APREENDIDA.37 DO GRUPO E DOCUMENTACAO Fez-se, afinal, a prisão do grupo. Eram eles Clodomiro dos Santos Morais, Amaro Luiz de Carvalho, Joaquim Ferreira (este advogado e economista de Paraíba), Carlos Montarroyo, Cleto de Costa Campelo Neto, Leonardo Holanda Carneiro da Cunha, Gilvan Queiros de Rocha, Tarzan de Castro (ex-funcionário do governo goiano), Walter Rodrigues Coelho, o “Birro”, Marcelino Santos, Luiz Preto, Antônio Alves Dias, Luiz Inácio de Sousa, Aibirê Sá, Edmar Amorim, Antônio José de Rocha, Adauto Monteiro da Silva, Geraldo Jorge de Lima, Benjamin Ferreira de Cunha Júnior, João Meireles (autor de duplo homicídio em Araguari), Horácio de Oliveira (escrivão crime), Clóvis José Esteves de Souza, Arlindo Alves de Sousa, José Jaime (irmão secretário do presidente do Tribunal de Justiça de Goiás), João Neder (advogado, economista, candidato a deputado estadual por Goiás) e Francisco de Cruz Botelho. Os chefes eram Clodomiro Amaro, Joaquim Cleto, Gilvan e Carlos. Foram eles os primeiros a chegar a Dianópolis. Eram os mais versados em marxismo, os doutrinadores, os de maior confiança do PCB. 37 Idem. 106 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Se alguma dúvida pudesse subsistir quanto à índole subversiva do grupo, a documentação apreendida e que compõem as 472 páginas do processo (3 volumes) bastaria para afirmar a marca revolucionária. Passemos revista em algumas peças processuais. No informe assinado por Cleto está escrito “que as eleições de 7 de outubro serviram para desmascarar as classes dominantes. E que o povo viu as promessas vãs dos demagogos...”. Todas as expressões-frases desses informes, longos demais para serem transcritos, são de terminologia marxista de Prestes. Gilvan escreveu uma autocrítica do “dispositivo” (eis o nome técnico de operação revolucionária), que é uma das peças mais importantes do processo. Vejam alguns tópicos: a) a idéia de aparecermos como capitalistas, para não causar suspeitas, não foi feliz. Pois o povo procurou tirar o máximo de nós. Queria benefícios, e não entendeu, por isso, as razões profundas do processo; b) demos dentista, remédios, festas, presentes, churrascadas a um povo sem preparo político necessário; c) não foi acertada a idéia dos benefícios exagerados, porque de esmola grande, pobre desconfia; d) a mudança do nome de Companhia de Investimentos do Nordeste Brasileiro para o de Liga Camponesa causou sério desastre. Devíamos ter começado mesmo com o nome de Liga Camponesa; e) muitos elementos do dispositivo não tinham instrução suficiente, e os elementos recrutados no campo não assimilaram o processo revolucionário; f) houve, também, falta de disciplina, em alguns setores do dispositivo, o que causou o estouro do nosso orçamento. Gilvan encerrou a sua autocrítica, escrita de seu próprio punho, apresentando sugestões. Algumas: só promover os benefícios diretamente através da Liga, e em caráter marcadamente coletivo; fixar na mente do camponês a idéia de que o processo histórico lhe pertence, convencê-lo da grandeza de “causa”; mudar a Liga de Dianópolis para Almas (termo da Comarca de Dianópolis), trocando os nomes do grupo e contando com elementos novos, não desgastados em Dianópolis, e, finalmente, intensificar a doutrinação em massa. Sob o rótulo de “plano de guerrilhas” foi encontrado manuscrito com o seguinte esquema: “Esquadra Tiradentes – Leonardo, 107 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Edmar e Luiz Preto. Esquadra Guararapes – Rocha, Gilvan, Inácio, Arlindo e Geraldo: Grupo de Intendência – Inácio e Luiz”. Havia também instruções para instalação de subgrupos de guerrilhas nas cercanias das fazendas dos guerrilheiros. Noutro documento, sob o título de “dispositivo militar”, havia uma análise de situação estratégica das 3 fazendas. O documento, firmado por Cleto, acentua que a fazenda de Catingueira não se prestava para o “serviço militar”, nem a de Antônio Alves, e sim a de Cascavel. Textualmente: “Só será possível o treinamento militar em Cascavel, valendo salientar que é cercada por um raio de 50 km de campos gerais, área totalmente despovoada e excelente para o desenvolvimento de guerrilhas”. A biblioteca do grupo – toda ela apreendida – era irrecusavelmente comunista. Leiam os títulos de algumas obras: o ABC do Comunismo (Burkarin), Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo (Lenine), As Instruções de Guerrilhas de “Che” Guevara, Como Ser um Bom Comunista (Mao Tse-Tung) e vários metros de volumes do marxismo clássico, Interpretações de História do Brasil à Luz do Materialismo Histórico (livros de Caio Prado Jr.) etc. Alguns guerrilheiros chegaram a prestar depoimentos. Gilvan afirmou que as armas estavam sob a responsabilidade de Geraldo. E que nenhum deles conhecia o segredo do outro, isto porque no caso de a Polícia os prender seria impossível a delação. Todos conseguiram fugir dentro de noite escura. Saíram a cavalo, rumo de Barreiras. Perseguidos de perto, pelas tropas do Exército, abandonaram os cavalos e penetraram no mato a pé. Alcançaram o Rio São Francisco e conseguiram motor de popa de canoa. Assim chegaram ao sertão Pernambuco, livres para começar outra vez. As armas apreendidas foram poucas, inexpressivas. O grosso do armamento – que é nacional, tais como metralhadoras e fuzis, e não cubano ou russo, como se pensou a princípio – continua enterrado em local ignorado das autoridades. 200 mil cruzeiros foram encontrados em poder dos guerrilheiros. Quem financiaria as guerrilhas? Para essa pergunta, o processo instaurado em Dianópolis não obteve resposta. 108 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ *** Um dos ativistas do movimento, o jovem Gilvan Rocha, teria escrito a seguinte carta aberta aos camponeses, cujo manuscrito foi também publicado na Revista O Cruzeiro, de 22.12.62, ipsis verbis: ESCUTA ROCCEIRO. Companheiro, tua situação é a de fome, de doença, de analfabetismo e de desprezo. Tu que trabalhas roçando roça, limpando mato, plantando mato, plantando e colhendo não tens a menor ajuda. Passas fome, tua mulher falta vestido e calçado, tua alimentação é canja de arroz quase sem sal, teu rancho é coberto de palha e de chão batido, teu cobertor é fogueira, teu filho vive descalço, quase nu e com o bucho cheio de verme, tu nasceste e tu criaste trabalhando e nada tens, e se não reages teu filho terá talvez o mesmo destino. Para que trabalha o roceiro? Para ter o que ele necessita. De que necessita o roceiro? De boa alimentação para recuperar o suor gasto durante todo um dia de trabalho, de remédio para se curar das doenças que lhe persegue, de roupa para andar vestido, de calçado para proteger os pés, de escola para seus filhos, de maternidade para sua mulher, que dá a luz, como uma vaca dá cria a um bezerro, de uma casa que dê-lhe abrigo o conforto, de meios para viver como cristão e não como bichos do mato. E por que o roceiro trabalha tanto e não tem nada disso? Porque companheiro existe alguém beneficiado com a miséria do roceiro. O tubarão companheiro, que não planta nada mas tem tudo em sua casa: arroz, feijão, carne, leite, queijo, filhos na escola, remédio, tudo. E como ele ganha da miséria do roceiro? Presta atenção companheiro eu vou te explicar: quando o roceiro vive em situação de fome, não possui nada senão sua vida, ele se vê abrigado a ir um pequeno tubarão [...]. Os ativistas das Ligas Camponesas em Catingueiro, trouxeram alguns benefícios para os residentes no então povoado de Rio da Conceição, hoje belo município. Por exemplo, o menino Misson, de 7 109 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ anos, foi socorrido por Gilvan e outros que o levaram para Goiânia em avião da Panair, onde ficou 3 meses para tratar de uma ferida purulenta na perna, consequente de uma forte dor no osso da canela. O menino vivia deitado para suportar a dor. Infelizmente não obteve êxito no tratamento na capital do Estado e 90 dias depois retornava engessado e infeccionado, como saiu do Rio da Conceição. O avião trouxe uma caixa grande de antibióticos, mas nada. Misson não sabe se foi curado com os remédios ou com raizada. AGENTES DE FIDEL RELATAM ATIVIDADES E PEDEM RECURSOS PARA FAZER SUBVERSÃO38. Três importantes documentos encontrados em poder do sr. Raul Bonila, delegado do governo cubano à conferencia da FAO, no Rio, quando do desastre do avião de Varig, perto de Lima, demonstraram à sociedade, que um plano de subversão estava sendo orientado e subvencionado pelo partido do sr. Fidel Castro. Em primeira mão: damos a seguir a íntegra desses documentos. Recrutamento. O anexo n°. 1, do Informe Especial, redigido de maneira apressada e em alguns pontos sem clareza, diz o seguinte: De: Gerardo A: Petrônio Assunto: Tradução da carta. Rio de Concepción, 29 de setembro de 1962. Estimados companheiros: Escrevo esta para expressar os meus pensamentos e agradecer ao companheiro Clodomir Morais. 38 Correio da Manhã, de terça-feira, 29 de janeiro de 1963. 110 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Companheiros: quando nos recrutou, o fez por meio de um encerramento, esse companheiro que nos tem aqui como rebelde, mas eu tirei a conclusão de que mais rebelde é o processo por dentro, companheiros: se eu estou aqui é por uma causa que não é dele, nem é minha, porque é do povo. O companheiro agiu comigo de maneira pior do que os capitalistas, com aquela história de ir buscar a mulher. Eu agora faria uma pergunta ao companheiro: O que aconteceu ao cubano? Onde está a floresta? Onde estão os mil e tantos porcos que já tinha? Onde está o rebanho de vacas que já possuía? Onde está o grande oficial de treinamento que nos prepararia? Onde está a escola que tinha para que nós treinássemos em tanques de guerra? Companheiro: considero isso como um meio de induzir-nos a fazer uma coisa que não queremos, uma traição. Se o companheiro quer mostrar bravura em sua terra de nascimento, ele mesmo que venha lutar e comandar. Assim como o companheiro quer mostrar raça em sua terra, nós também podemos mostrá-la na nossa e se o companheiro acredita que com essa coação, colocando-nos na ponta, através das eleições, vai fazer uma revolução que traga Julião para a luta no campo. Esse companheiro quis colocar, e colocou, a gente na Revolução e o que fez foi nos colocar num abismo, como no caso do companheiro Valter e do companheiro Léo, que tanta ajuda davam à cidade aos quais prejudicou. Eu fiquei indignado com o companheiro Clodomir, porque em vez de enviar companheiros que já estavam nos dispositivos militares há quase dez meses, conhecendo o problema, manda uns boêmios de cidade para treinarem em guerrilhas em Cuba. Isto é traição, como no caso do companheiro Carlos, que ele afastou, fazendo-lhe acusações injustas. Agora vos explicarei, companheiros, porque o chamo de traidor. Chamo-o de traidor porque vive com a traição, no caso da companheira Severina quando Carvalho veio aqui busca-la dizendo que iria para reunir-se ao seu marido, e sem dúvida, a levou para o Rio e depois para Recife como ela fosse um lolusco, traidor o chamo porque no caso do companheiro Rocha, que veio para cá deixando a mulher e oito filhos e ele os deixou abandonados à sorte na montanha; traidor porque trouxe para a montanha um companheiro como Valdemar, que tem oito filhos e depois o mandou regressar dando-lhe uma esmola de cinco mil cruzeiros (Valdemar não 111 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ teve que pedir esmolas porque tinha família aqui); traidor porque trouxe o companheiro Marcelino para cá, um homem de 40 anos, com responsabilidades e filhos, e depois o deixou abandonado; traidor porque trouxe o companheiro Walter, abandonando-o depois, tendo Walter deixando sua mãe viúva e havendo roubado munições do Exército. Eu não confio mais neste treinamento dele. Prefiro agora ir para casa, mas não vou cruzar os braços, não; aonde está, estará trabalhando (durante um ano que passamos aqui nunca tivemos direito a nada, e hoje, como vem gente nova, esses boêmios de cidade, que já chegam até em jipe) e ao sair daqui não vou pedir esmola, porque tudo o que eu tinha dei ao processo e houve é o processo que me vai dar alguma coisa e ainda os enquadrará em medidas de segurança, e se não me mandam eu mesmo apelarei, usando o que tenho na fazenda, porque se estão com medo, aqui há um punhado de homens conscientes, muito diferentes desses boêmios de cidade (e não sou eu somente quem diz isso, mas todos os demais companheiros também). Espero que esta carta não fique trancada em sua mão, mas que circule entre todos os companheiros daí. E se eu não tiver possibilidades de começar por aqui irei a Pernambuco e a Sapé e começarei com os companheiros de lá, sem estar temendo nenhuma reação do sr. Clodomir. Estamos dispostos à revolução e mais nada. Agora vos apresento a minha sugestão de maneira que fomos recrutados e qual o caminho deste desenvolvimento: 1 – trazer os homens de montanha não deve continuar de maneira que até agora tem sido feito. Deverá vir primeiro um companheiro conhecedor do terreno que procurará uma fazenda, tendo possibilidades para compra-la. Então, regressará para voltar com os homens, não despertando reação. Sem dúvida, se chegar com um grupo de pessoas procurando “terra para trabalhar”, a partir daí começaram os primeiros passos errados. O que se tem que fazer é procurar os mais conscientes e conduzi-los à floresta e educá-los durante três meses; depois esses regressariam e viria uma nova remessa; assim se poderia agir sem despertar nenhuma reação, sem manter esses homens preguiçosos, com o risco de torná-los depravados por falta do que fazer. Assim como vos digo, em três meses esses homens 112 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ regressaram com o pretexto de ver suas famílias, sem despertar reação. Então, observe, como vão exigir disciplina se o companheiro Clodomir chegou fazendo mil promessas, oferecendo três vezes em dinheiro o que se paga ao trabalhador nessa zona? Companheiros: não podemos recrutar ninguém, consciente ou inconsciente, por meio de promessas. Eu e todos os meus companheiros sentimos isto de perto, quero que os companheiros tomem isso em consideração, porque nós não somos traidores de revolução, mas peço ao companheiro vir para a cidade, mas não para cruzar os braços. Darei todas as minhas atenções e quando fizer um mês ou coisa assim estaremos prontos para qualquer luta. Porém nós não podemos, companheiros, seguir “fechados” aqui cometendo erros. Nós não estamos no poder e não podemos dar de tudo ao povo da região nem aos recrutados. Quando quiserem, mande um homem só para a compra de fazenda, para que ele conheça o terreno e depois mande o restante para lá. Só assim a reação de nada suspeitará. No regime que nós temos, não poderemos entrar em nenhum lugar como socialistas, mas para o inimigo como pertencentes à “burguesia” e, enquanto isso, iremos desenvolvendo nosso processo. Companheiros: eu não estou me voltando contra a Revolução, mas contra os prejuízos que estamos causando à Revolução, e é este só o modo de recuperarmos; vamos enfrentar nosso processo sem causar prejuízo, pois esse processo é nosso e somos nós que vamos defendê-lo. Assina. ATIVIDADES SUBVERSIVAS. Outubro de 1962 De: Gerardo A: Petrônio. Assunto: Informe especial sobre as Ligas. É necessário que se compreenda bem o conteúdo e a razão deste informe. Creio ser meu dever de revolucionário fazer chegar às suas 113 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ mãos esses informes, que me chegarem de forma que descrevo mais abaixo. Quando visitei Goiás, convidado pelo Instituto Cultural BrasilCuba e pelos estudantes deste Estado, conheci os dirigentes estadual das Ligas Camponesas, sr. Tarzan de Castro. Nessa oportunidade comentou comigo uma série de problemas que vinha defrontando e os enviei para essa direção. Desde então, nada sabia a respeito do dirigente das Ligas Camponesas. Há dias atrás, nas primeiras horas de manhã, o citado dirigente, então acompanhado pelo sr. Carlos Montarroyoss, visitou o nosso local de trabalho. Segundo eles mesmos me informaram, Tarzan de Castro, além de responsabilidade estadual das Ligas é assistente do dispositivo militar de Goiás e membro do secretário do Movimento Tiradentes. Anteriormente, Carlos foi comandante daquele dispositivo e atualmente é o elemento de contato entre as Ligas Camponesas e os sargentos. Esses visitantes disseram que tinham vindo ao Rio com o objetivo de reunir em Goiás todos os comandantes do Brasil e o pessoal responsável pelos dispositivos militares, dada a situação desastrosa em que se encontram atualmente assim como a sua orientação geral. O motivo da visita foi, segundo eles, para que os companheiros cubanos saibam da realidade do dispositivo militar e que nesse momento está pondo em perigo a Revolução no Brasil, senão ainda de estar gastando as mãos cheias o dinheiro que Cuba está distribuindo a revolucionários do Brasil que o aplicam de forma irresponsável e mentirosa. Nessa entrevista nós nos limitamos a ouvir, sem fazer qualquer comentário. DISPOSITIVOS MILITARES. Assinalam que o estado atual dos dispositivos militares, separadamente é o seguinte: 114 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Atualmente, existem dispositivos em Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Estado do Rio, Bahia e, em preparação no Rio Grande do Sul. A situação de um engano generalizado. Vejamos: dizem que o recrutamento para os dispositivos se realiza dizendo-se aos futuros guerrilheiros que quando chegarem ao acampamento, viria um instrutor cubano que daria as instruções militares; que haveria um instrutor político para o desenvolvimento dos combates e que existia uma direção nacional militar que era chefiada por um cubano, assim como uma direção política nacional. Quanto ao problema do dinheiro, não teriam que preocupar-se, porque Cuba estava presente e daria o suficiente para fazer a Revolução no Brasil. Essa orientação foi dada aos companheiros mencionados pelo sr. Clodomir Moraes, e aqueles, por sua vez, a transmitiram a outros companheiros que estavam sendo recrutados. No total, dizem haver recrutado para fins militares cerca de trinta homens, entre os quais se encontra um irmão de Tarzan. Esses homens foram para Mato Groso e para Goiás. Carlos é pernambucano e vive no Recife. ACAMPAMENTOS. Quando os homens chegavam aos acampamentos se apercebiam de que não existiam esses acampamentos e que aquele companheiro era um queimador de dinheiro. Compravam-se as fazendas sem nenhum critério político ou militar. Isso se comprova. Essas fazendas eram compradas às vezes até por três vezes o seu valor. Contratavam-se camponeses da região e se pagava até cinco vezes o salário daquela área. Não se fazia nada. Nada se treinava. Quando compravam essas fazendas, saíam pela zona e adquiriam armas velhas que pertenciam a caciques políticos ou “coronéis” latifundiários, por valor três vezes maior do que os das armas, as quais, depois de cinco tiros, paravam de funcionar porque esquentavam demasiado. Como é natural, esses políticos denunciavam a venda e a Polícia se punha a par da transação. Com a compra de fazenda superior a seu valor, com a aquisição dessas armas, com a contratação de 115 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ camponeses pagando-se acima do salário vigente, com o não trabalho de terra – era natural que chamaria atenção imediata não só da Polícia como de todos os vizinhos. Logo, se começava a falar de uma fazenda de guerrilheiros. Como não se fazia nenhum trabalho político na região, passavam por inimigos aos moradores. IMORALIDADE. Isto se desviava do plano original das direções políticas e militares. Como é natural, começaram os protestos. Continuaram informando os camaradas que o sr. Clodomir dizia que aquilo tinha que ser assim, porque eram ordens do Cubano. Este cubano estava informado de tudo. Quando se comentava que as fazendas não eram próprias para esse trabalho, não era Clodomir o responsável, senão que eram ordens do Cubano e teriam que aceita-las, por isso que eram um grupo militar e não de rapazes. Em coisas militares, tinham que obedecer sem se queixar. De mesma maneira, continuaram dizendo: o sr. Clodomir colocava à frente dos dispositivos elementos conhecidos pela sua imoralidade mas incondicionalmente ligados à si, como por exemplo o sr. Adauto Freire, que foi expulso da Cooperativa de Sapé porque converteu essa entidade num centro de orgia, jogo, etc. Como foi tão escandaloso o estado em que transformou o dispositivo, foi mandado para a Paraíba, onde hoje está gastando o dinheiro do movimento e vivendo com uma prostituta. Atualmente, acaba de realizar uma campanha política na qual ofereceu dois milhões de cruzeiros ao chefe do Partido Comunista Brasileiro, Assis Lemos para que apoiasse sua candidatura. É um elemento conhecido por seus poucos escrúpulos e poucos sentimentos revolucionários. EM GOIÁS. Em Goiás, juntou-se a um tal Carvalho e também foi necessário gastar porque estava convertendo vizinhos inimigos. Trabalhava à base de dinheiro e tudo resolvia com dinheiro. Atualmente, não pode visitar a 116 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ zona com perigo de ser morto, não só pelos vizinhos como também pelos próprios elementos que estão no dispositivo. O dispositivo que existe em Goiás está na zona de Dianópolis. Quando Carvalho saiu deste dispositivo, foi nomeado comandante o sr. Carlos Montarroyos (um dos informantes) que se deparou com um estado total não só de abandono, senão de insegurança. Ele, que vinha da Paraíba e não conhecia bem a zona, rapidamente percebeu que aquele local era uma loucura e começou a procurar outros lugares. Tratava de falar com Clodomir e era sempre impossível. Então, dirigiu-se a Juan e este lhe manifestou que o trabalho não era dele e sim de Clodomir. Ele não conhecia nada daquilo e tinha confiança no outro. De todas as formas eles acreditavam que havia alguns erros nesse dispositivo e que no mais tudo ia bem. Haviam proibido que estabelecessem contato com outros dispositivos. Tarzan tinha alguns homens recrutados em Mato Grosso, e em conversas descobriu que lá era pior. Um irmão de Tarzan que se preparava no Paraná, teve que abandonar o lugar por causa de morte de um companheiro. EM MINAS. Em Minas Gerais, a Polícia visitou a fazenda e perguntou quem era o chefe daquele campo, ao que respondeu um camponês que era Hélio Cabran. Depois que o militar falou com o companheiro, o convidou a almoçar e então lhe disse: vocês devem abandonar essas idéias, nós sabemos o que vocês estão fazendo. Não devem prosseguir com essa coisa. A resposta de Clodomir foi para se mudar o campo para a Bahia, onde está atualmente, também, com o conhecimento de todo mundo. Por outro lado, o sr. Pedro Motta visitou a América Latina com um relatório falso das Ligas Camponesas. O mesmo Motta o manifestou aos informantes. DORTICÓS. 117 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Em outra parte desse episódio se disse que havia uma estação de rádio que estava em mãos espertas, comprovando-se, mais tarde, que era falso. Quando o presidente Dorticós passou por São Paulo rumo a Punta Del Este, Clodomir disse a Tarzan que enviara 250 homens do departamento de segurança ao Aeroporto para garantir o mandatário cubano. Também se soube que isto era falso. Quando os problemas eram maiores ele desaparecia e ninguém o conseguia encontrar. Então, numa conversa entre ... e T... aquele lhe manifestou que ele não podia fazer nada porque eram ordens que Fidel Castro e um tal Franco lhe haviam dado. Os lugares onde estavam as fazendas, o trabalho que estava sendo realizado era aprovado por Fidel. UMA REUNIÃO. Não quero prosseguir contando maiores detalhes porque seria muito extenso. Por todas essas coisas que estavam acontecendo nos vários dispositivos, foi convocada por parte de seus comandantes numa reunião no Rio, em que se exigiu a presença de Juan. Como este estava no Norte, T. viajou para lá representando todos os outros reunidos. Ali, se combinou que a reunião seria realizada dentro de quarto dias em Recife. Os que estavam no Rio se transportaram para lá. Entretanto por intermédio de Regina, Clodomir soube da reunião que havia sido feita à sua revelia. Então, viajou para onde estava Juan e começou a contar sua história. Resultado: na entrevista de Tarzan com Juan, este deu a impressão de nada conhecer sobre o que passava. Ao inteirar-se dirigiuse a um rincão da localidade e dava até a impressão de estar chorando. Em quatro dias de reunião com todos os comandantes, disse que quem não estivesse de acordo com os métodos de C. o que devia fazer era abandonar o movimento. Argumentou-se que esse não era o problema, senão fazer-se uma autocrítica e realizar a reorganização. Se antes C. havia dito que existiam direções militares e políticas e elas não funcionavam, havia então que fazê-lo. Havia que trabalhar os vizinhos dos acampamentos, deixar de comprar fazendas sem utilidade, de comprar cavalos a preços elevadíssimos, etc. Impunha-se reiniciar o 118 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ movimento. Havia que deixar de acusar de comunista aos que protestavam dos métodos, etc. COMISSÕES. Então foram organizadas as comissões política e militar. A primeira ficou assim composta: Ferreira, Rivadávia, Juan e C...; a segunda por Adauto Freias, Pedro Motta (o mesmo que viajou para América Latina) Armando Luiz de Carvalho, C... e Juan. Essa comissão foi organizada por C..., já que é dono absoluto da organização clandestina. Ele tem o direito de vetar qualquer membro de direção. De todas as formas, se acreditou que seria uma nova etapa. Nada disso aconteceu. Passaram-se vários meses e a orientação continua sendo a mesma. Juan aparentemente nada sabe dessas coisas. Sempre que se lhe diz alguma coisa, transfere para C... AINDA GOIÁS. Apesar do número de homens dos distintos dispositivos não chegar a 50, não tem sabido dar nem orientação nem instrução, muito menos atenção. C... nunca visita um acampamento. O dispositivo de Dianópolis, em Goiás que atualmente já conta com três fazendas, tem 10 homens, todos dispostos a fazer a revolução, mas não sabem o que realizar, apesar de estarem ali há quase um ano. Alguns casados, abandonaram a mulher e os filhos para viver lá, e todavia não sabem o que fazer. Planejam regressar para as suas terras pois lá seriam mais úteis quando fosse necessário incorporar-se. Naquele lugar se acreditava que depois das eleições a Polícia interviria e só não o haviam feito antes por causa do problema eleitoral. Quando Carlos manifestou isso a C..., este respondeu que não podia ser verdade que deveriam escolher entre a sua orientação e a do Exército. Por outro lado, atualmente não dispõe de dinheiro e foram obrigados a trabalhar em fazendas vizinhas porque estavam comendo era toucinho com farinha. 119 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Por outro lado, receiam os mistérios que envolvem o sr. C... Sua esposa, tcheca, acaba de deixa-lo por este motivo. Em certa oportunidade mandou um amigo que alugasse um apartamento em frente ao que habita, em Belo Horizonte e desde então, passou a tirar fotografias de sua casa para meter medos aos familiares. Aparentemente, era membro de Polícia, quando na realidade tratava-se de seus amigos. Em outra oportunidade, mandou que um amigo seu visitasse para ter cuidado consigo, porque era um dos dirigentes revolucionários do país, etc., o qual atualmente não se sabia onde vivia nem onde se podia localizar. 2ª REUNIAO. Com a situação, à exceção dos membros da direção militar subordinados a C..., tem inicio a segunda reunião e se manifesta a necessidade que esteja presente Juan. Eles desejam que ninguém abandone o movimento mas eles iniciaram com a idéia de que trabalhavam com C... Este, nos últimos meses, não se deixa encontrar, já que a situação atual é tão desastrosa que não lhe querem dar o comando. Vários dirigentes, como Wanderley, Araújo, Deodato, etc., estarão presentes. Todos estão com Juan contra C... Acusam ele como responsável pela situação atual, de abandono total, desorientação, insegurança, mentiras, etc. Há coisas que dizem respeito ao campo pessoal, mas que eles também anotam como políticas. Em certa oportunidade, quando a sogra dele veio da Tcheco-Eslováquia, somente de excesso de peso nas malas teve que pagar na Alfândega 300 mil cruzeiros, e esse dinheiro era do movimento. Por tudo isso, eles pleiteiam: 1) que se reestruture o trabalho; 2) que diga quem é o responsável por tais erros (se Juan conhece os problemas que os diga); 3) C... deve sair da direção por ser incapaz e intrigante; 4) que se deva dar conhecimento a Cuba dos problemas internos da primeira organização. Como é natural, eu falo de todo este problema com Vicente, altamente alarmado, já que se trata de pessoa que os conhece bem. Também aproveitando a sua viagem, só que necessitarei de resposta a estes problemas para orientar-me num melhor trabalho. 120 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Várias cartas me chegaram com este propósito mas há uma de um camponês de Goiás, que fala por si só e, em proveito da discussão, será apresentada à reunião do Rio.Gerardo” RECURSOS E ORIENTAÇÃO. Novembro de 1962 De: Gerardo A: Petrônio. Assunto: Congresso de Solidariedade. O Partido Comunista Brasileiro pleiteia que se deva propor ambos os congressos porque já muitas dificuldade Que ambos os congressos, o nacional e o continental, devam ser em janeiro. [...] Tudo isso constitui ajuda. Numa carta posterior detalharei estes trabalhos, que podem assegurar que existem verdadeiros heróis empenhados nessa tarefa. Agora, o que temos que saber é: 1) deve manter orientação para janeiro; 2) mando pedir 10.000 (que não chega) mas de qualquer forma estamos em condições de ajuda-lo (o que desejamos). Gerardo”. P.S.: Por outro lado, todos os trabalhos combinados prosseguem corretamente; o PCB do Brasil, estudantes etc., seguem as orientações. Quando o emissário chegar, enviarei os informes correspondentes. Por hora seguem esses fragmentos, por necessidade urgente de obter orientação. Gerardo.” Recrutamento de guerrilheiros. Convém frisar que a investigação do coronel Seixas é anterior à data do encontro da mala do delegado cubano Bonilla nas proximidades do avião, em cujo acidente ele morreu em Lima. Mais precisamente – ela é de 23.10.62, bem antes do próprio acidente com o aparelho de Varig. No relatório há mais o seguinte: “No início apareceram sete homens todos janistas (no original, entre aspas – nota de MCL) apaixonados, sob as ordens do sr. Joaquim Ferreira, assessor do sr. Celso Furtado na SUDENE.”. Outro trecho: “Houve muitas substituições de pessoal, o que 121 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ fava a impressão de que o contingente de comunistas já era inumerável.” Ainda outro assinala a remessa, pelo coronel Carlos Cairoli, até recentemente subsecretário da segurança nacional.” Por fim: “Foram recrutados pelo sr. Clodomir dos Santos Morais (preso e acusado de contrabandear armas – nota de MCL) e por um professor da Universidade do Recife, sr. Lucena, engenheiro, para serem os primeiros elementos de um campo de treinamento de guerrilhas.” O diabo. POSTA-RESTANTE DENÚNCIA DO EMBAIXADOR LEITÃO DA CUNHA. Nos arquivos do Itamarati, existe, em código e em tradução comunicação que o embaixador Vasco Leitão de Cunha, então em Cuba, enviou ao governo federal a propósito da infiltração cubana, já em 1960. Nesse telegrama, o senhor Leitão de Cunha em 20.10.60, informa ter sabido que o governo cubano espera que, no Brasil, antes de 3 de outubro, se produzirá uma revolução inspirada pela de Cuba, com o fito de evitar eleições”. Revolução, afinal frustrada, porém com base de operações, conforme o mesmo comunicado diplomático, em São Paulo, Sul de Minas e Rio de Janeiro. Detalhe: O embaixador entendia conveniente informar “com toda a urgência” o presidente da República e “todos os candidatos à Presidência”. MAIS UM. RELATÓRIO DO GENERAL JAIR DANTAS. Agora o mais curioso: em 9.11.60, o general Jair Dantas Ribeiro, hoje no comando do II Exército no Rio Grande do Sul, dirigiu em caráter secreto, relatório ao então presidente Kubitschek sobre a “articulação de uma revolução social como início de guerra civil”. Desta vez, cinco páginas, acompanhadas de um cartão de próprio punho. Pontos capitais: 1 – escuta de radioamadores em idioma espanhol, 122 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ funcionando no interior do Brasil. 2 – chegada de estrangeiros suspeitos disfarçados de pastores protestantes, a regiões ermas. 3 – estranhas conversas radiofônicas entre eles e também Chile e Venezuela. 4 – como intróito das emissões de radioamador, doutrinação ideológica. 5 –“Há certeza de um comando-central comunista no interior do Brasil.”. 6 – continuo citando, entre aspas, o general: “O soviete Supremo da América do Sul está instalado e funciona no centro do Brasil. No mesmo local, funciona também o grande Executivo Brasileiro”. 7 – “Quem comanda toda a América do Sul e especialmente o Brasil é um europeu, letão de nascimento, com 76 anos de idade, aparentando uns sessenta mais ou menos, o mesmo que, em 1916 montou e dirigiu a revolução russa no Transval. Oculta-se sob profissão religiosa, protestante, na cidade de Água Clara, Mato Grosso, num seminário.” E vai por ai. REVELADA PELOS PAPÉIS SUBVERSÃO DE FIDEL NO BRASIL39. DO AVIÃO A O CORREIO DA MANHÃ publica hoje, na 11ª página, em primeira mão e na integra, três dos documentos apreendidos pelo governo peruano entre os destroços do avião da Varig, sinistrado perto de Lima, na mala do sr. Raul Bonilla, delegado fidelista ao Congresso da FAO reunido no Rio em fins do ano passodo. É uma documentação impressionante, a propósito da qual cumpre desde logo acrescentar pormenores; a história não é tão simples como pretende o Itamarati. Vamos por itens: 1. O Itamarati, ao saber da existência dessa documentação que o Peru se dispunha a entregar ao Brasil, ameaçou o governo peruano de um protesto formal e enérgico, se ela fosse entregue também à 39 Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, terça-feira, 29 de janeiro de 1963. 123 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Organização dos Estados Americanos e às Forças Armadas brasileiras, como era intenção da Chancelaria peruana ao comunicar o encontro à Chancelaria brasileira. 2. Mais propriamente, o Itamarati mandou dizer-lhe que consideraria isso ato inamistoso e hostil. 3. Os documentos chegaram então ao Rio consignados ao Itamarati, mas, em lugar de provocar qualquer intervenção diplomática junto ao governo cubano (os documentos são relatórios encaminhados por agentes fidelistas à Chancelaria cubana) de um lado e, de outro, providências junto às autoridades militares do Brasil para conter a infiltração castrista, foram para os arquivos do nosso Ministério do Exterior. 4. Os documentos, em seu todo, não reproduzem apenas suposições. Revelam nomes de brasileiro envolvidos em treinamento de guerrilheiros com dinheiro cubano; contam roubo de armas aos Exércitos; aludem às áreas onde se acham esses acampamentos; pedem dez mil dólares de ajuda; confirmam em síntese relatórios sigilosos das Forças Armadas brasileiras ao governo federal sobre as atividades fidelistas no Brasil e do “dispositivo militar revolucionário”, como temos noticiado. 5. Em alguns papéis aparece o nome – Gerardo. É como se assina o agente fidelista que confiou os seus relatórios ao sr. Raul Bonilla, homem forte de Fidel Castro. As autoridades militares do Brasil (o impacto dessa documentação, divulgada muito parceladamente pelo sr. Armando Falcão, foi enorme nas Forças Armadas) estão propensas a acreditar que se trata do adido cultural de Embaixada Cubana no Rio. Motivo: ele esteve na mesma época em visita justamente às regiões citadas por Gerardo, e conferenciou com os comunistas do estado-maior do sr. Julião, também referidos, inclusive o sr. Tarzan de Castro. 6. “O sr. Clodomir”, citado pelo agente fidelista, é o advogado das ligas. Clodomir Santos Morais, foi preso recentemente na GB 124 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ conduzindo armas de guerra e um bilhete do adido cultural da Embaixada soviética, bilhete endereçado ao sr. Francisco Julião. 7. O sr. Raul Bonilla morreu no acidente com o avião da Varig nas proximidades de Lima, com os demais componentes da delegação 8. O Serviço de Inteligência dos Estados Unidos tem em seu poder cópias autênticas de toda a documentação, cuja autenticidade comprovou. 9. O IV Exército, muito antes do acidente, já fizera ao governo federal relatório-denúncia sobre os acampamentos de guerrilheiros e a infiltração fidelista no Brasil, relatório que coincidem inteiramente com os fatos contidos na documentação cubana apreendida pelo Peru. ITAMARATI ANUNCIA IDA DE FUZILEIROS A CUBA E MARINHA NÂO CONFIRMA. Seguiram ontem para Havana, à meia-noite, segundo informação do Itamarati, os 21 fuzileiros navais que vão constituir o corpo de segurança da Embaixada do Brasil em Cuba. O avião da FAB em que viajam fará escalas em Belém e Port-of-Spain, devendo chegar quarta-feira à noite em Havana. Os militares viajam à paisana e darão guarda dia e noite na Embaixada do Brasil, também em trajes civis; mas só estarão em serviço após, a chegada do embaixador Câmara Canto, que partiu domingo para aquele país, chefiando missão especial do governo brasileiro. Os fuzileiros navais tem por missão a manutenção da ordem entre os asilados cubanos (em número de 70) que estão abrigados em nossa Embaixada. Enquanto o Itamarati tornava público que os fuzileiros estavam prontos para embarcar, o Ministério da Marinha mantinha sigilo sobre o fato. Não havia qualquer ordem para apresentação do cap-ten. Alberto Esteves d‟Orsy, que comandaria os praças, nem estes foram encaminhados ao Itamarati, para as providências de praxe. 125 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ CONFUSÃO. Informava o Serviço de Relações Públicas da Marinha que o assunto dizia respeito exclusivamente ao Ministério das Relações Exteriores. Ainda durante a tarde, cerca de vinte policiais, identificados como do Departamento Federal de Segurança Pública, apresentaram-se à Delegacia especializada para a obtenção de passaportes especiais. “ADIDOS” DA EMBAIXADA DE CUBA E OS “DUROS” DO PCB PARTICIPAM DOS PLANOS SUBVERSIVOS DE JULIÃO40. Em janeiro de 1962, o Exército Brasileiro descobriu que armas fabricadas na Tcheco-Eslováquia estavam entrando no país para distribuição, possivelmente, às Ligas Camponesas. Em 22 de abril de 1962 Julião emitiu um manifesto das suas convicções na sua “Declaração de Ouro Preto”, na qual disse que os brasileiros devem aspirar dar a vida pela criação de uma nova sociedade, a qual será “como a aurora”. ADESÃO DO GRUPO GRAIBOS. Em 30 de abril de 1962 os comunistas João Amazonas de Souza Pedroso e Maurício Graibos, expulsos do PCB por serem partidários da luta armada, chegaram a Havana para participar ostensivamente das comemorações do feriado cubano do Dia do Trabalho, mas tudo não passava de um pretexto para encobrir a verdadeira finalidade de cada um. Ambos fizeram um curso de guerra de guerrilhas. Em meados de agosto de 1962, Carlos Danielli e Ângelo Arroyo, outra dupla de comunistas, viajaram a Cuba para fazerem o mesmo curso. CONEXÃO COM OUTROS PAÍSES. 40 O Jornal, do Rio, de 30-01-1963 126 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Em fins de maio de 1962, Pedro Mota de Barros, outros membros das Ligas que acompanhara Morais ao campo de treinamento de Manágua, em Cuba, partiu do Brasil numa viagem a fim de estabelecer elos entre Julião e revolucionários congêneres em outros países da América Latina. Ele percorreu o Chile. Peru, Bolívia, Equador e a Venezuela encontrando-se com outros revolucionários com os quais treinou em Cuba. Em várias de suas paradas ele lhes perguntou sobre que tipo de apoio poderiam dar às Ligas e vice-versa. PRISÕES. Em agosto de 1962 começou a se manifestar o esquema revolucionário das Ligas Camponesas que começaram a ser divulgados pela imprensa. O primeiro incidente teve lugar em Pernambuco quando Joel Arruda Câmara e Manuel Tertuliano, irmão de Julião e mais doze membros das Ligas foram aprisionados pelo IV Exército Brasileiro. Ao serem presos, os membros das Ligas tinham em seu poder documentos que haviam preparado contendo planos de guerrilha contra propriedades rurais, em cerca de 30 municípios de Pernambuco. Julião reagiu dizendo que a prisão e os documentos faziam parte de um embuste criado pelos reacionários contra as Ligas e enviou um telegrama ao presidente Goulart protestando contra a ação do Exército. A segunda manifestação teve lugar também em agosto quando Rivadavia Braz de Oliveira, o mesmo que freqüentou o curso de treinamento em Manágua, mais Atualpa Alves de Lima e José Bartolomeu de Sousa receberam voz de prisão num escritório das Ligas no Rio de Janeiro, situado à rua Russel 496, apartamento 803, que havia sido alugado por Paulo Bezerra de Andrade, um empregado do jornal das Ligas, “A Liga”. Nessa ocasião uma quantidade de literatura comunista foi encontrada no escritório. PARTICIPAÇÃO DA EMBAIXADA. 127 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Durante o desenvolvimento das Ligas Camponesas, a embaixada de Cuba no Rio dirigia e orientava constantemente suas atividades. O funcionário da embaixada cubana primordialmente responsável pelas operações das Ligas era Miguel Burgueras Del Valle, oficial do Serviço Secreto Cubano no Brasil, tendo como pretexto o título de “Conselheiro Cultural” da embaixada cubana. Brugueras tinha algumas vezes como assistentes outros dois cubanos, Felix Pita “adido Cultural”, e Arturo Garcia Rodrigues, “adido”. Eles mantinham constante contato com Morais e ocasionalmente com Julião. Arold Wall, representante da “Prensa Latina” no Rio, também ajudou Brugueras nos seus contatos com as Ligas. Brugueras dirigiu as operações subversivas cubanas que envolviam organizações comunistas brasileiras por intermédio de tão bem conhecidos trotskistas-comunistas como Muniz Bandeira, João Amazonas e Maurício Grabois. Em julho de 1962 ele acompanhou um grupo de brasileiros que viajou a Cuba para assistir as comemoracoes do dia 26 de julho. Em 24 de agosto de 1962, Brugueras acompanhou o embaixador cubano Joaquim Hernandez Armas a Goiânia, onde o embaixador fez um discurso na Faculdade de Direito. Nesta ocasião Brugueras encontrou-se com Tarzan de Castro, chefe do conselho deliberativo das Ligas Camponesas de Goiás. O encontro havido entre Brugueras e Castro está referido num dos documentos encontrados no local do acidente do jato, em Lima. Brugueras e Castro mantiveram encontros freqüentes para discutir o comportamento de Morais, com o qual estavam satisfeitos. Posteriormente, Brugueras e Castro encontraram-se freqüentemente para discutir sobre a desarmonia que se instalou dentro das Ligas no último semestre de 1962. Brugeras escreveu dois despachos ao seu superior (Petrônio) no governo cubano em outubro de 1962, explicando a situação então existente nas Ligas e assinou-os com seu pseudônimo “Gerardo”. Ele deu os dois despachos e a cópia de uma carta na qual se queixava das atividades de Clodomir Morais a Raul Cepero Bonilla, ministro do comércio de Cuba, que chefiou a delegação da FAO, realizado no Copacabana Place Hotel, pouco antes da delegação partir para a sua viagem fatal. 128 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ DOCUMENTOS CUBANOS. Segundo a impressão dos técnicos militares brasileiros e isto o Correio da Manhã apurou ontem, o que há de mais grave nos documentos apreendidos pelo governo peruano é a confissão de larga subvenção cubana ao movimento de guerrilhas. Também se considera que as queixas do agente fidelista Gerardo contra o sr. Clodomir Morais, como C no relatório ao governo cubano, visa a conseguir autorização para o afastar definitivamente. Admite-se que os seus próprios adversários comunistas de linha russa o hajam denunciado, por via transversa, à Polícia de GB, a qual o capturou. A impressionante coincidência de situação dos acampamentos e de corrupção, reinante entre certos dirigentes do movimento comunista no Brasil, com o relato do coronel Seixas, não deve passar despercebida. Também digno de nota o fato de que certos acampamentos não receberam ainda armas que já chegaram a outros. ARMAS APREENDIDAS. Curiosamente, enquanto o agente fidelista no documento que ontem publicamos acusava o advogado Clodomir de inépcia, a Polícia de GB apreendida em seu poder várias armas de guerra, dias antes de a Polícia de São Paulo haver encontrado moderníssimas metralhadoras e mosquetões russos enterrados numa estrada. De um modo geral, as queixas refletem a dissenção entre os comunistas obedientes a Moscou, que querem empolgar as Ligas, e os orientados por Cuba e Pequim, que já as instruem. HERMES DIZ QUE JÁ CONHECIA A TRAMA CASTRISTA41. RIO, 30 (ESTADO) – Em entrevista coletiva que concedeu hoje à imprensa no Itamarati, o ministro Hermes Lima confirmou a existência 41 O Estado de São Paulo, de 31-01-1963. 129 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ dos documentos subversivos encontrados nos destroços do avião que caiu perto de Lima, mas ressaltou que “muito antes de apreensão desses documentos as autoridades brasileiras estavam a par de trama subversiva que inutilmente se quis montar”. Disse mais o ministro que “por sorte nossa e por má sorte dos comunistas, escapou dos destroços uma pasta na qual estavam encerrados esses documentos. Digo por sorte nossa porque tivemos noticias, traves de um relatório de um comunista, do péssimo estado em que se acham as condições organizatórias do Partido.”. Afirmou ainda que o que se depreende de tudo isso é que continua, no exterior e no Pais “o esforço antinacional e anti-patriótico de apresentar o governo brasileiro como de tendência ideológica suspeita, a fim de contra ele levantar a opinião continental.”. DIANÓPOLIS. Mas as autoridades brasileiras, muito antes da apreensão desses documentos, estavam a par de trama subversiva que inutilmente se quis montar. Assim é que, a região de Dianópolis, apontada como um dos focos da organização subversiva, fora visitada em 23 de outubro, muito antes do desastre do avião, portanto, pelo coronel Seixas, em missão do Departamento Federal de Segurança Publica. Portanto, o governo brasileiro não se achava inativo, mas, ao contrário, informado de todas as ocorrências. Contrariamente ao que se quer fazer crer o armamento apreendido nessa missão do coronel Seixas a Dianópolis, Goiás, é ridículo pela quantidade e qualidade. Segundo o relatório do Conselho de Segurança Nacional, essas armas são as seguintes: Uma espingarda calibre 22; dois revolveres “Taurus” 38; um revolver “Smith & Wesson”, calibre 38; 4 facões de mato; duas facas tipo escoteiro; 4 coldres para revolver e uma faca pequena. Munição: 7 cartuchos de fuzil; 19 balas cal. 7,65mm e onze balas diversas. Artefatos Militares – duas capas “Brenner”, tipo militar; uma barraca militar; uma calça verde-oliva; uma escola de espingarda; uma platina, laço húngaro de capitão. 130 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ O mais importante desse material, mas insignificante em si mesmo, são dois aparelhos de telégrafo Morse para treinamento e uma faixa de tecido com dísticos das Ligas Camponesas e uma pequena quantidade de livros e documentos de propaganda. Quer dizer: antes que se verificasse o acidente de aviação já as autoridades brasileiras estavam vigilantes na área mencionada pelos documentos. Mais: “O Estado de São Paulo” em 4 de dezembro de 1962, publicou correspondência de Goiânia em que o delegado de Dianópolis pedia a prisão preventiva de 24 pessoas tidas como comunistas. Assim, o que esses documentos revelam não constituiu surpresa para o governo brasileiro, que já tinha tomado as devidas providencias e estava inteiramente informado das ocorrências de Dianópolis. Essas ocorrências foram até noticiadas pelo jornal comunista “Novos Rumos”, que ridicularizara a missão Seixas. De modo que não corresponde à realidade o que se quer agora apresentar como uma trama comunista em face de qual o governo brasileiro estaria omisso. Não sabemos se os documentos enviados pelo governo peruano são os originais ou cópias. Sabemos que esses textos foram enviados a pelo menos duas embaixadas estrangeiras. Quer-se ligar também no esforço para caracterizar a existência de perigo comunista no Brasil o fato de terem sido encontradas armas em Taubaté, São Paulo, por denuncia em carta anônima à Polícia de São Paulo. Aqui é necessário dizer que a polícia avisou tardiamente a 2ª Secção do Exército, a qual só chegou depois da diligência. Dentro de caixotes de pinho acharam-se as seguintes armas: um fuzil-metralhadora de 1926; quatro mosquetões igualmente em estado de conservação.”. MISSÃO DO FMI. Passou então o Chanceler a falar sobre a presença de uma missão do Fundo Monetário Internacional no Brasil, que disse ser ato de rotina, não devendo causar espanto: 131 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ “Os seus membros são bem-vindos. Não estão aqui para impor, mas para conversar e conhecer das autoridades brasileiras, os assuntos financeiros que nos interessam. Esperamos que o FMI passe a mostrar maior compreensão, em face das medidas tomadas pelo governo brasileiro para a normalização de situação financeira do país.” Sobre a contestação do Embaixador Lincoln Gordon à nota da Embaixada do Brasil em Washington, o Ministro declarou que “a nota de Embaixada é muito segura. As observações do Embaixador Gordon podem representar uma contribuição importante para a fixação rigorosa das duas posições.”. ASILADOS CUBANOS. Inquirido sobre qual seria a atitude brasileira na hipótese de o governo cubano recusar salvo-conduto para os asilados em nossa Embaixada, o Chanceler declarou que seria um caso a estudar, pois não tinha atitude preconcebida. Disse ele que o Embaixador Câmara Canto fora a Havana para “desentulhar a embaixada”, que já prestou e continua a prestar enormes serviços aos asilados. Frisou que “muitos asilados ouvem vozes que vêm de Miami e do Rio e tomam atitude agressiva contra o Brasil.” E salientou: “Há, no momento, em nossa Missão, cerca de 70 asilados. O Brasil não os abandonará mas não pode permitir que continuem com a atitude impertinente e agressiva que mantém dentro de mesma. Desejamos conversar com o governo cubano para solucionar a situação desses homens, de modo que nossa Embaixada fique livre deles.” E concluiu fazendo elogio do Embaixador Bastian Pinto, cuja atuação o Itamarati considera exemplar e dentro das melhores tradições de diplomacia brasileira. VIGILÂNCIA. Os fatos, porém, afirmam que só serviram para comprar a própria vigilância do governo brasileiro, pois, exatamente um mês antes do acidente, foi enviada para a localidade de Dianópolis citada nos 132 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ documentos como foco revolucionário, uma missão do Departamento Federal de Segurança Pública, chefiada pelo coronel Seixas, para comprovar denúncias de movimentos subversivos. Disse o ministro Hermes Lima que a infiltração comunista nos índices que querem fazer crer não existe. “Mas aquelas campanhas – frisou – apesar de desmoralizadas pelos fatos, continuam porque o sectarismo, o personalismo, o ódio político, o horror às reformas constituem o tempero ideológico dessa linha antinacional, que procura perturbar nossas relações com outros países, principalmente os Estados Unidos, e lançam a inquietação na vida brasileira”. GATO ESCONDIDO. Notícia: crítica do agente fidelista (documentos cubanos) ao recrutador das Ligas. Por trás de notícia: Ninguém a não ser os iniciados nas dissenções subterrâneas do marxismo, terá captado o sentido do ataque violentíssimo (traidor para baixo) feito pelo agente fidelista nos documentos apreendidos no Peru, contra o sr. Clodomir dos Santos Morais, advogado e recrutador das Ligas Camponesas. Claro que para os assessores governamentais de caixa de xarão vermelho não há mistério nenhum na coisa; mas todos sabem que tais assessores são suficientemente espertos para se recolherem à sua insignificância e até fingir que estão apenas flanando por ai. Ora, trata-se de um reflexo de luta intestina travada, com crescente azedume, inclusive nesta Nação, entre os comunistas de linha cubana e do sr. Mao Tse e os de linha-justa do sr. Kruchev, ou, pelo menos, de linha de anzol pescador de burgueses progressistas e corruptos de adesex. Dissidência agravada desde que, no plano internacional, o senhor K retirou os seus foguetes de ilha sob imposição dos EUA. O agente fidelista, aliás adido à Embaixada de Cuba no Rio a acreditar-se nos técnicos militares, pertence, evidentemente, ao Partido Comunista Cubano, que, por idêntico motivo, anda às turras com o sr. Fidel Castro. Denuncia o sr. Clodomir como corrupto, traidor e 133 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ esbanjador dos “dinheiros de Cuba”, entregues por seu intermédio “a revolucionários que aplicam de forma irresponsável e mentirosa.”. A intenção é conseguir declarar o sr. Clodomir persona não grata, para colocar em seu lugar, à frente das Ligas Camponesas, comunistas do autêntico PCB. E não terá sido à toa que o sr. Clodomir – o senhor “C” dos documentos – pode ser preso, por denuncia de um dos seus próprios lugares-tenentes, pela polícia de GB, no justo minuto em que partia daqui com uma camioneta cheia de armas. Mas continuem lendo, que a história é curiosa. GUERRILHA. Comunistas dissidentes empolgam Ligas. No momento, as Ligas Camponesas estão debaixo da orientação dos comunistas dissidentes do préstimo, que jamais discorda de Moscou seja lá quem for o dono eventual do comunismo russo. Assim, por exemplo, temos nas LC o sr. João Amazonas e o seu grupo, expulsos do PCB pelo sr. Luiz Carlos Prestes sob acusação de serem “agentes provocadores dos americanos”, mas na verdade porque se insurgiram contra a “subserviência prestista” ao sr. Kruchev e contra o abandono de memória do sr. Stalin, caído em desgraça depois de morto (vivo, ninguém seria besta). Esses comunistas ortodoxos mantém no Rio o jornal “Classe Operária” para compensar a existência do jornal “Novos Rumos”, linotipo do PCB. Foram eles que, com o sr. Julião e o sr. Clodomir afastaram das Ligas os partidários do sr. Prestes; e eis como também se explica que, pela boca do PTB e por entre os dentes próprios, o PCB os chame a ambos de “divisionistas, lacaios do jogo imperialista” e por aí avante. Diferença fundamental entre a linha e a entrelinha do comunismo: os do sr. Kruchev entendem que a etapa é de infiltração pura e simples, e bem simples, no governo federal e de apoio a JG; não é a etapa da evolução, que virá depois; os do sr. Mao insistem em que é esta, sim, a etapa da revolução ou ela não virá nunca. Em suma: os primeiros pretendem a revolução comunista de cima para baixo com JG servindo de pára-queda e o dispositivo militar-sindical bancando o escoteiro; os 134 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ segundos, divisam-na de baixo para cima. E o Itamarati ainda se sai das suas a dizer que os documentos apreendidos são despidos de importância e que “o que há é uma campanha para desacreditar o Brasil no exterior”. Não quer seguramente desacreditar o Brasil na Rússia. Embora se empenhe em desacreditar os documentos das Forças Armadas Brasileiras sobre a infiltração. Um dia acaba perdendo as pernas. DOCUMENTOS CUBANOS. Segundo a impressão dos técnicos militares brasileiros, o que há de mais grave nos documentos apreendidos pelo governo peruano é a confissão de larga subvenção cubana ao movimento de guerrilhas. Também se considera que as queixas do agende fidelista Geraldo contra o sr. Clodomir Morais, dado como C no relatório ao governo cubano, visa a conseguir autorização para o afastar definitivamente de direção dos acampamentos. Admite-se que os seus próprios adversários comunistas de linha russa o hajam denunciado, por via transversa, à Polícia de GB, a qual o capturou. A impressionante coincidência de situação dos acampamentos e da corrupção, reinante entre certos dirigentes do movimento do movimento comunista no Brasil, com o relato do coronel Seixas, não deve passar despercebida. Também digno de nota, o fato de que certos acampamentos não receberam ainda armas que já chegaram a outros. ARMAS APREENDIDAS. Curiosamente, enquanto o agente fidelista no documentos que ontem publicamos acusava o advogado Clodomir de inépcia, a Polícia de GB apreendida em seu poder várias armas de guerra, dias antes de a Polícia de São Paulo haver encontrado moderníssimas metralhadoras e mosquetões russos enterrados numa estrada. 135 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ De um modo geral, as queixas refletem a dissensão entre os comunistas obedientes a Moscou, que querem empolgar as Ligas, e os orientados por Cuba e Pequim, que já as instruem. 136 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ REVISTA ―O CRUZEIRO‖, ano XXXV, n. 11, 22.62. 137 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Jornal O Estado de São Paulo, 07.12.61 138 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 139 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 140 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ 141 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ V RETROSPECTIVA E REFLEXÃO V.1. OLGA BENÁRIO A alemã/judia Olga Benário foi uma das figuras do movimento comunista no Brasil. Quem não se emocionou ao assistir ao filme ―Olga – Muitas Paixões Numa só Vida‖42? Comove-se com a firmeza de ideal dos sonhadores socialistas e sente-se fundamente a covardia da repressão, pois a liberdade de expressão e pensamento político ou religioso faz parte da civilização, é um direito da humanidade. Fascinada pela doutrina marxista e conspirando contra o fascismo, Olga, filha única, pais ricos, podendo viver tranquilamente, enfeitada de adornos caros, que matariam a fome de tantos e supondo que nada estivesse errado no mundo já lhe seria uma intranqüilidade, dada a sua vocação inata, visionária. Ela se questiona e ao mundo. Mas alguém a adverte: – A maior loucura de um ser humano é querer modificar o mundo. Entretanto: – As jóias dos ricos poderiam matar a fome dos pobres – dizia. 42 Filme de Jayme Monjardim, baseado no livro “Olga”, de Fernando Morais, produzido por Rita Buzzar. 142 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Era preciso organizar os operários e nisso Olga fora acusada bem cedo pelo tribunal alemão de trair a Pátria. Foge, deixando os pais e a Alemanha, tomando a direção da Rússia. Por ali encontra-se com o brasileiro Carlos Prestes, que teria se auto-exilado em 1926, depois do fantástico giro da Coluna que teve o seu nome. O encontro, todavia, parece ter ocorrido no início dos anos 40, no calor da 2ª Guerra Mundial. Havia várias guarnições militares dispostas à Revolução no Brasil. Encomendada para seguir o Major Prestes de volta ao Brasil, simulando estarem casados e escondendo algo da identidade dele, terminam sendo pegos no governo de Getúlio Vargas. O que era um simulacro de casamento, de fato passa a uma avassaladora paixão entre os jovens idealistas, que se casam. Havia um forte movimento de esquerda no Brasil, como no resto do mundo A aliança Nacional Libertadora cogitava derrubar Getúlio Vargas? Era uma ameaça. Desde da Revolução russa havia um clima de conspiração no ar. Vargas manda Prestes para o exílio e simplesmente deporta Olga para a Alemanha de Hitler, onde termina num campo de concentração nazista. Antes, na prisão brasileira, havia percebido estar grávida da filha de Prestes, à qual dariam o nome de Anita, que veio a nascer numa prisão alemã. A criança foi enviada para um orfanato na Alemanha, ou melhor, para um possível crematório... Mas abriram-lhe uma exceção. Anita passa a ser amamentada até mais de 6 meses, quando é tomada da mãe Olga, que fica nas grades do campo de concentração em Berlim. Na prisão, no momento em que lhe arrebatam a filha, Olga se desespera ao extremo, como quem se entrega, desiste de viver: – Eu não quero mais ter forças. Eu não quero mais ter coragem. Tiraram quase tudo de mim. Mas não tiraram-lhe as idéias marxistas. Eugênie Benário, mãe de Olga, foi morta no Campo de Concentração nazista em 1943, por ser judia. Hitler havia declarado a perda da nacionalidade alemã aos judeus, assim como o direito de se defenderem. Olga, judia, teve o mesmo fim da mãe nas câmaras de gás do 143 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Führer, o monstro assassino que horrorizou o mundo. Deixou-nos a frase em que acreditava: ―Lutei pelo justo, pelo bem, pelo melhor do mundo‖. Anos mais tarde, Prestes e a filha Anita receberiam, postumamente, a carta escrita por Olga no campo de concentração nazista. D. Leocádia, mãe de Prestes, faleceu em 1943, sem nunca ter voltado a ver seu filho Luiz Carlos Prestes. Prestes foi um dos primeiros presos políticos libertados em 1945 e só então recebeu a notícia de que sua mulher estava morta. Getúlio Vargas, eleito pela segunda vez Presidente do Brasil, suicidou-se em 1954. A bebê Anita Leocádia Prestes havia sido entregue à mãe de Carlos Prestes, salvando-se do crematório nazista. Cresceu a salvo e vive hoje com sua tia Lígia Prestes no Rio de Janeiro, onde é Professora Universitária. 144 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ V.2. CHE GUEVARA 145 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ A Revista Veja43 desmantela o mito de Ernesto Che Guevara, que há 40 anos foi executado pelos americanos na Sierra Maestra-Bolívia. É verdade que os dados têm que ser rolados, examinados em busca da 43 Revista Veja, Edição 1018, de 03 de outubro de 2007. 146 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ veracidade. Enquanto isso, a pesquisa parece séria e mostra um Che sem ternura nos bastidores de Cuba, onde manda e executa seres humanos que não pensavam como ele e Fidel. Há 40 anos, tratava-se de criar focos de guerrilha afrontando as forças armadas das ditaduras e governos corruptos do Terceiro Mundo, até forçar a máquina de guerra norte-americana a bombardear muitos países, confiando na vitória dos exércitos populares que se formariam na resistência a essa agressão imperialista. Entretanto, o comunismo no poder mostrou-se muito mais cruel. Lênin, Stalin, Trotsky, Fidel... A União Soviética escravizou o seu povo na história e atrasou a evolução de uma nação por décadas. Cuba é a boca da desgraça na ditadura de Fidel Castro. Pobres, sem carros, sem direitos, sem liberdade de imprensa, executados no paredão. Os médicos cubanos têm que sustentar os “charutos” de Fidel, pagando meio mundo do que ganham no Brasil em suas profissões. A ex-Alemanha comunista foi um atraso, que a outra Alemanha teve que tomar conta. Anos a fio, décadas para igualar aquela a esta. Esta foi atrofiada pelos ditadores “comunistas”. Especial Che Às Vésperas do Golpe - Che em Caballete de Casas, em Cuba, em 1958 147 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ "Não disparem. Sou Che. Valho mais vivo do que morto." Há quarenta anos, no dia 8 de outubro de 1967, essa frase foi gritada por um guerrilheiro maltrapilho e sujo metido em uma grota nos confins da Bolívia. Nunca mais foi lembrada. Seu esquecimento deve-se ao fato de que o pedido de misericórdia, o apelo desesperado pela própria vida e o reconhecimento sem disfarce da derrota não combinam com a aura mitológica criada em torno de tudo o que se refere à vida e à morte de Ernesto Guevara Lynch de la Serna, argentino de Rosário. Essa é a realidade esquecida. No mito, sempre lembrado, ecoam as palavras ditas ao tenente boliviano Mário Terán, encarregado de sua execução, e que parecia hesitar em apertar o gatilho: "Você vai matar um homem". Essas, sim, servem de corolário perfeito a um guerreiro disposto ao sacrifício em nome de ideais que valem mais que a própria vida. Ambas as frases foram relatadas por várias testemunhas e meticulosamente anotadas pelo capitão Gary Prado Salmón, do Exército boliviano, responsável pela captura de Che. Provenientes das mesmas fontes, merecem, portanto, idêntica credibilidade. O esquecimento de uma frase e a perpetuação da outra resumem o sucesso da máquina de propaganda marxista na elaboração de seu maior e até então intocado mito. Che tem um apelo que beira a lenda entre os jovens dos cinco continentes. Como homem de carne e osso, com suas fraquezas, sua maníaca necessidade de matar pessoas, sua crença inabalável na violência política e a busca incessante da morte gloriosa, foi um ser equivocado. "Ele era adepto do totalitarismo até o último pêlo do corpo", escreveu sobre ele o jornalista francês Régis Debray, que por alguns meses conviveu com Che na Bolívia. 148 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Por suas convicções ideológicas, Che tem seu lugar assegurado no mesmo lugar onde a história já arremessou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro. Entre a captura e a execução de Che na Bolívia, passaram-se 24 horas. Nesse período, o governo boliviano e os americanos da CIA que ajudaram na operação decidiram entre si o destino de Guevara. Execução sumária? Não para os padrões de Che. Centenas de homens que ele fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários cujas deliberações muitas vezes não passavam de dez minutos. VEJA conversou com historiadores, biógrafos, antigos companheiros de Che na guerrilha e no governo cubano na tentativa de entender como o rosto de um apologista da violência, voluntarioso e autoritário, foi parar no biquíni de Gisele Bündchen, no braço de Maradona, na barriga de Mike Tyson, em pôsteres e camisetas. Seu retrato clássico – feito pelo fotógrafo cubano Alberto Korda em 1960 – é a fotografia mais reproduzida de todos os tempos. O mito é particularmente enganoso por se sustentar no avesso do que o homem foi, pensou e realizou durante sua existência. Incapaz de compreender a vida em uma sociedade aberta e sempre disposto a eliminar a tiros os adversários – mesmo os que vestiam a mesma farda que ele –, Che é, paradoxalmente, visto como um símbolo da luta pela liberdade. Guevara é responsável direto pela morte de 49 jovens inexperientes recrutas que faziam o serviço militar obrigatório na Bolívia. Eles foram mobilizados para defender a soberania de sua pátria e expulsar os invasores cubanos, sob cujo fogo pereceram. Tendo ajudado a estabelecer um sistema de penúria em Cuba, Che agora é apresentado como um símbolo de justiça social. Politicamente dogmático, aferrado com unhas e dentes à rigidez do marxismo-leninismo em sua vertente mais totalitária, passa por livrepensador. O regime policialesco de Fidel Castro não permite que aqueles que conviveram com Che e permanecem em Cuba possam ir além da cinzenta ladainha oficial. Por isso, apesar do rancor 149 The New York Times A "MALDIÇÃO DE SATURNO" Com Fidel em Havana, em 1959: "Que esta revolução não devore seus próprios filhos", dizia Fidel. Ele fez o contrário. As últimas transmissões de rádio de Che na Bolívia foram ignoradas em Havana Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ que pode apimentar suas lembranças, os exilados cubanos são vozes de maior credibilidade. O movimento que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, em 1959, não foi uma ação de comunistas, como pretende Fidel Castro. Boa parte da liderança revolucionária e dos comandantes guerrilheiros tinha por objetivo a instauração da democracia em Cuba. Mas foi surpreendida por um golpe comunista dentro da revolução. Acabaram presos, fuzilados ou deportados. Desde o início, Che representou a linha dura pró-soviética, ao lado do irmão de Fidel, Raul Castro. Na versão mitológica, Che era dono de um talento militar excepcional. Seus ex-companheiros, no entan to, lembram-se dele como um comandante imprudente, irascível, rápido em ordenar execuções e mais rápido ainda em liderar seus camaradas para a morte, em guerras sem futuro no Congo e na Bolívia. 150 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Huber Matos, que lutou sob as ordens do argentino em Cuba, falou a VEJA sobre o fracasso de Che como comandante: "A luta foi difícil na primavera de 1958. A frente de comportamento mais desastroso foi a de Che. Mas isso não o afetou, porque era o favorito de Fidel, que nos impedia de discutir abertamente o trabalho pífio de seu protegido como guerrilheiro". Pouco depois do triunfo da guerrilha, ao perceber os primeiros sinais de tirania, Huber renunciou a seu posto no governo revolucionário e informou que voltaria a ser professor. Preso dois dias depois, passou vinte anos na cadeia. Vive hoje em Miami. À moda soviética, sua imagem foi removida das fotos feitas durante a entrada solene em Havana, em que aparecia ao lado de Fidel e Camilo Cienfuegos, outro comandante não comunista desaparecido em circunstâncias misteriosas nos primórdios da revolução. Nomeado comandante da fortaleza La Cabaña, para onde eram levados presos políticos, Che Guevara a converteu em campo de extermínio. Nos seis meses sob seu comando, duas centenas de desafetos foram fuzilados, sendo que apenas uma minoria era formada por torturadores e outros agentes violentos do regime de Batista. A maioria era apenas gente incômoda. Napoleon Vilaboa, membro do Movimento 26 de Julho e assessor de Che em La Cabaña, conta agora ter levado ao gabinete do chefe um detido chamado José Castaño, oficial de inteligência do Exército de Batista. Sobre Castaño não pesava nenhuma acusação que pudesse produzir uma sentença de morte. Fidel chegou a ligar para Che para depor a favor de Castaño. Tarde demais. Enquanto dava voltas em torno de sua mesa e da cadeira onde estava o militar, Che sacou a pistola 45 e o matou ali mesmo com balaços na cabeça. Em outra ocasião, Che foi procurado por uma mãe desesperada, que implorou pela soltura do filho, um menino de 15 anos preso por pichar muros com inscrições contra Fidel. Um soldado informou a Che que o jovem seria fuzilado dali a alguns dias. O comandante, então, ordenou que fosse executado imediatamente, "para que a senhora não passasse pela angústia de uma 151 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ espera mais longa". Em seu diário da campanha em Sierra Maestra, Che antecipa o seu comportamento em La Cabaña. Ele descreve com naturalidade como executou Eutímio Guerra, um rebelde acusado de colaborar com os soldados de Batista: "Acabei com o problema dando-lhe um tiro com uma pistola calibre 32 no lado direito do crânio, com o orifício de saída no lobo temporal direito. Ele arquejou um pouco e estava morto. Seus bens agora me pertenciam". Em outro momento, Che decidiu executar dois guerrilheiros acusados de ser informantes de Batista. Ele disse: "Essa gente, como é colaboradora da ditadura, tem de ser castigada com a morte". Como não havia provas contra a dupla, os outros rebeldes presentes se opuseram à decisão de Che. Sem lhes dar ouvidos, ele executou os dois com a própria pistola. Essa frieza e a crueldade sumiram atrás da moldura romântica que lhe emprestaram, construída pelos mesmos ideólogos que atribuíram a ele a frase famosa – "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Frase criada pela propaganda esquerdista. Como o jovem aventureiro que excursionou de motocicleta pelas Américas se tornou um assassino cruel e maníaco? O jornalista americano Jon Lee Anderson, autor da mais completa biografia de Che, escreveu que ele era um fatalista – e esse fatalismo aguçou-se depois que se juntou aos guerrilheiros cubanos. "Para ele, a realidade era apenas uma questão de preto e branco. Despertava toda manhã com a perspectiva de matar ou morrer pela causa", afirma Anderson. Ernesto Guevara Lynch de la Serna nasceu em 14 de maio de 1928, em uma família de esquerdistas ricos na Argentina. Sofreu de asma a vida inteira. Antes de se formar em medicina, profissão que nunca exerceu de fato, viajou pela América do Sul durante oito meses. Depois de terminada a faculdade, saiu da Argentina para nunca mais voltar. Encontrou-se com Fidel Castro no México, em 1955, onde aprendeu técnicas de guerrilha. No ano seguinte, participou do desembarque em 152 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Cuba do pequeno contingente de revolucionários. Depois de dois anos de combates na Sierra Maestra, Fidel tomou o poder em Havana. Che ocupou-se primeiro dos fuzilamentos e, depois, da economia, assunto do qual nada entendia. José Illan, que foi vice-ministro de Finanças antes de fugir de Cuba, contou a VEJA que o argentino "desprezava os técnicos e tratava a nós, os jovens cubanos, com prepotência". No comando do Banco Central e depois do Ministério da Indústria, Che começou a nacionalizar a indústria e foi o principal defensor do controle estatal das fábricas. "Che era um utópico que acreditava que as coisas podiam ser feitas usando-se apenas a força de vontade", diz o historiador Pedro Corzo, do Instituto da Memória Histórica Cubana, em Miami. Como resultado de sua "força de vontade", a produção agrícola caiu pela metade e a indústria açucareira, o principal produto de exportação de Cuba, entrou em colapso. Em 1963, em estado de penúria, a ilha passou a viver da mesada enviada pela então União Soviética. AFP Che com sua segunda mulher, Aleida March, no dia de seu casamento, em Havana, em 1959. Não havia mais o que Che pudesse fazer em Cuba. Era ministro da Indústria, mas divergia de Fidel em questões relativas ao 153 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ desenvolvimento econômico. De maneira simplista, ele acreditava que incentivos morais tinham maiores probabilidades de estimular o trabalho. Che também se tornou crítico feroz da União Soviética, da qual o regime cubano dependia para sobreviver. Não por discordar do Kremlin, mas porque julgava os soviéticos tímidos na promoção da revolução armada no Terceiro Mundo. Para se livrar dele, Fidel o mandou como delegado à Assembléia-Geral das Nações Unidas em 1964. No ano seguinte, Che foi secretamente combater no Congo, à frente de soldados cubanos. Ali, paralisado por incompreensíveis rivalidades tribais, derrotado no campo de batalha e abatido pela diarréia, Che propôs a seus comandados lutar até a morte. Mas foi demovido do propósito pela soldadesca, que não aceitou o sacrifício numa guerra sem sentido. Daí em diante o argentino tornou-se uma figura patética. Em Havana, Fidel divulgara a carta em que ele renunciava à cidadania cubana e anunciava sua disposição de levar a guerra revolucionária a outras plagas. Pego de surpresa pela leitura prematura do documento, Che ficou no limbo, sem ter para onde voltar. "Sua vida foi uma seqüência de fracassos", disse a VEJA o historiador cubano Jaime Suchlicki, da Universidade de Miami. "Como médico, nunca exerceu a profissão. Como ministro e embaixador, não conseguiu o que queria. Como guerrilheiro, foi eficiente apenas em matar por causas sem futuro." Na falta de opções, Che escolheu a Bolívia para sua nova aventura guerrilheira. Ele lutaria em território montanhoso e inóspito, imerso na selva, sem falar o dialeto indígena dos camponeses bolivianos. O plano original era adentrar, pela fronteira, a província argentina de Salta. Mas um contigente exploratório foi aniquilado rapidamente pelo exército daquele país. A missão boliviana era, de todos os pontos de vista, suicida. Ainda assim, Fidel a apoiou, a ponto de designar alguns soldados de seu exército para o destacamento guerrilheiro. O ditador cubano também equipou e financiou a expedição, com a qual manteve contato até que seu fracasso se tornou evidente. Além da falta de apoio do povo boliviano, que tratou os cubanos 154 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ chefiados por Che como um bando de salteadores, a expedição fracassou também pela traição do Partido Comunista Boliviano. VEJA perguntou a um de seus mais altos dirigentes dos anos 60, Juan Coronel Quiroga: "O PCB traiu Che Guevara?". Resposta de Quiroga: "Sim". A explicação? "Nosso partido era afinado com Moscou, onde a estratégia de abrir focos de guerrilha como a de Che estava há muito desacreditada." Quiroga era amigo pessoal do então ministro da Defesa da Bolívia e conseguiu que as mãos do cadáver de Che Guevara fossem decepadas, mantidas em formol e entregues a ele. "Por anos guardei as mãos de Che debaixo da minha cama em um grande pote de vidro. Um dia meu filho deparou com aquilo e quase entrou em pânico", conta Quiroga. Anos mais tarde, coube a Quiroga a missão de entregar o lúgubre pote com as mãos de Guevara à Embaixada de Cuba em Moscou. A morte de Che foi central para a estabilização do regime cubano nos anos 60, de acordo com o polonês naturalizado americano Tad Szulc, na sua celebrada biografia de Fidel. O fim do guerrilheiro argentino ajudou o ditador a pacificar suas relações com Moscou e ainda lhe forneceu um ícone de aceitação mais ampla que a própria revolução. O esforço de construção do mito foi facilitado por vários fatores. Quando morreu, Che era uma celebridade internacional. Boa-pinta, saía ótimo nas fotografias. A foto do pôster que enfeita quartos de milhões de jovens foi tirada num funeral em Havana, ao qual compareceram o filósofo francês Jean-Paul Sartre – que exaltou Che como "o mais completo ser humano de nossa era" – e sua mulher, a escritora Simone de Beauvoir. A foto de 1960 só ganhou divulgação mundial sete anos depois, nas páginas da revista Paris Match. Dois meses mais tarde, Che foi morto na selva boliviana e Fidel fez um comício à frente de uma enorme reprodução da imagem, que preenchia toda a fachada de um prédio público cubano. Nascia o pôster. Três fatos ajudaram a consolidar o mito. O primeiro foi a morte prematura de Che, que eternizou sua imagem jovem. Aos 39 anos, ele estava longe de ser um adolescente quando foi abatido, mas a pinta de 155 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ galã lhe garantia um aspecto juvenil. O fim precoce também o salvou de ser associado à agonia do comunismo. A decadência física e política de Fidel Castro, desmoralizado pela responsabilidade no isolamento e no atraso econômico que afligem o povo cubano, dá uma idéia do que poderia ter acontecido com Che, que era apenas dois anos mais jovem que o ditador. Reuters O segundo fato foi a ajuda involuntária de seus algozes. Preocupados em reunir provas convincentes de que o guerrilheiro célebre estava morto, os militares bolivianos mandaram lavar o corpo e aparar e pentear sua barba e seu cabelo. Também resolveram trocar sua roupa imunda. Tudo isso para poder tirar fotos em que ele fosse facilmente identificado. O resultado é um retrato com espantosa semelhança com as pinturas barrocas do Cristo morto de expressão beatificada. A terceira contribuição recebida pelos esquerdistas na construção do mito veio do contexto histórico. Che morreu às vésperas dos grandes protestos em defesa dos direitos civis, da agitação dos movimentos estudantis e da revolução de costumes da contracultura – turbulências que marcaram o ano de 1968. Era um personagem perfeito para ser símbolo da juventude de então, que se definia pela "determinação exacerbada e narcisista de conseguir tudo aqui e agora", como escreveu o mexicano Jorge Castañeda, em sua biografia de Che. A história, no entanto, mostra que o homem era muito diferente do mito. Mas quem resiste? Neste mês, nos Estados Unidos, o cubano Gustavo Villoldo, chefe da equipe da CIA que participou da captura do guerrilheiro, vai leiloar uma mecha de cabelo de Che. Se houve um ganhador da Guerra Fria, foi Che Guevara. Ele morreu e foi santificado antes que seu narcisismo suicida e os crimes que decorreram dele pudessem ser julgados com distanciamento, sob uma luz mais civilizada, que faria aflorar sua brutalidade com nitidez. Pobre Fidel Castro. Enquanto Che foi cristalizado na foto hipnótica de Alberto Korda, ele próprio, o supremo comandante, aparece cada dia mais roto, 156 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ macilento, caduco, enquanto se desmancha lentamente dentro de um ridículo agasalho esportivo diante das lentes das câmeras da televisão estatal cubana. O método de luta política que Guevara adotou já era errado em seu tempo. No rastro de suas concepções de revolução pela revolução, a América Latina foi lançada em um banho de sangue e uma onda de destruição ainda não inteiramente avaliada e, pior, não totalmente assentada. O mito em torno de Che constitui-se numa muralha que impediu até agora a correta observação de alguns dos mais desastrosos eventos da história contemporânea das Américas. Está passando da hora de essa muralha cair. A FRASE MAIS FAMOSA ATRIBUÍDA A GUEVARA É... "Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura." ...OUTRAS MENOS CONHECIDAS REVELAM UM OUTRO LADO: "Estou na selva cubana, vivo e sedento de sangue." Carta à esposa, Hilda Gadea, em janeiro de 1957. (Keystone/Getty Images) "Fuzilamos e seguiremos fuzilando enquanto for necessário. Nossa luta é uma luta até a morte." (Discurso na Assembléia-Geral da ONU, em 11 de dezembro de 1964) "O ódio intransigente ao inimigo (...) converte (o combatente) em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm de ser assim." (Revista cubana Tricontinental, em maio de 1967). O mundo tomou outro rumo... 157 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ CUBA Apesar de tentar exportar sua revolução, a ilha tornou-se a vitrine de seu fracasso. Sem liberdade política nem econômica, o país é um museu de prédios, carros e dirigentes decrépitos, onde comida, combustíveis e energia são racionados. BOLÍVIA O foco guerrilheiro de Guevara foi derrotado pela população pobre da Bolívia, que negou ajuda e ainda delatou o grupo. CONGO Guevara e um contingente de cubanos lutaram ao lado do chefe tribal Laurent Kabila contra o coronel Mobutu. Em 1997 Kabila finalmente derrubou Mobuto, mas foi assassinado em 2001. Em seu curto governo, 3 milhões de pessoas foram mortas em guerras tribais. CHINA A ideologia de Mao Tsé-tung, que Guevara citava como modelo de comunismo, foi sepultada pelos chineses. A China, hoje, é uma ditadura capitalista. COMUNISMO Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989 a ideologia será lembrada sobretudo como a responsável pela morte de 100 milhões de pessoas. VIETNÃ Na frase famosa, Guevara propôs criar "dois, três, muitos Vietnãs". Acertou. A globalização da economia está criando Vietnãs pelo mundo – 158 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ países adeptos da economia de mercado, com rápido crescimento econômico [...]. O ÚLTIMO DIA DO GUERRILHEIRO. A COVARDIA NORTE AMERICANA. Maltrapilho e sujo, Guevara posa com os soldados que o capturaram na vila de La Higuera, onde seria morto. A seu lado, assinalado, está o agente da CIA Felix Rodríguez. Felix Rodríguez foi uma das últimas pessoas a conversar com Che Guevara. Mais do que isso, foi ele quem recebeu e transmitiu a ordem para que o guerrilheiro fosse executado. Cubano exilado nos Estados Unidos, ele era o operador de rádio enviado à Bolívia pela CIA para auxiliar na caçada e, também, para ajudar a identificar Guevara. Veterano da fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961, Rodríguez vive hoje em Miami, aos 66 anos. Ele falou ao repórter Duda Teixeira. COMO CHEGOU A ORDEM PARA MATAR CHE? As instruções que recebi nos Estados Unidos eram para poupar sua vida. 159 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ A CIA sabia da divergência de idéias entre Che e Fidel e acreditava que, a longo prazo, ele poderia cooperar com a agência. A ordem para sua execução veio por rádio, de uma alta autoridade boliviana. Era uma mensagem em código: "500, 600". O primeiro número, 500, significava Guevara. O segundo, que ele deveria ser morto. Tentei em vão convencer os militares bolivianos a permitir que ele fosse levado para ser interrogado no Panamá. Eles negaram meu pedido e me deram um prazo. Eu deveria entregar o corpo de Guevara até as 2 horas da tarde. Perto das 11h30, uma senhora aproximou-se de mim e perguntou quando iríamos matá-lo, pois ouvira no rádio que Che havia morrido em combate. Naquele momento compreendi que a decisão de executá-lo era irrevogável. COMO FOI SUA ÚLTIMA CONVERSA COM ELE? Fui até o local de seu cativeiro e disse a ele que lamentava, mas eram ordens superiores. Che ficou branco como um papel. "É melhor assim. Eu nunca deveria ter sido capturado vivo", falou. Tirou o cachimbo da boca e me pediu para que o desse a um dos soldados. Ofereci-me para transmitir mensagens à sua família. "Diga a Fidel que esse fracasso não significa o fim da revolução, que logo ela triunfará em alguma parte da América Latina", ele falou em tom sarcástico. Aí lembrou da esposa. "Diga a minha senhora que se case outra vez e trate de ser feliz." Foram suas últimas palavras. Apertou a minha mão e me deu um abraço, como se pensasse que eu seria o carrasco. Saí dali e avisei a um tenente armado com uma carabina M2, automática, que a ordem já tinha sido dada. Recomendei a ele que atirasse da barba para baixo, porque se supunha que Che havia morrido em combate. Eram 13h10 quando escutei o barulho de tiros. Che Guevara tinha sido morto. COMO FOI O SEU PRIMEIRO CONTATO COM CHE GUEVARA? 160 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Cheguei a La Higuera de helicóptero em 9 de outubro, um dia depois da captura de Che Guevara. Eu o encontrei com os pés e as mãos amarrados, ao lado dos corpos de dois cubanos. Sangrava de uma ferida na perna. Era um homem totalmente arrasado. Parecia um mendigo. COMO FORAM SUAS CONVERSAS COM CHE? Nós nos tratamos com respeito. Eu o chamava de comandante. Falamos de Cuba e de outras coisas, mas ele permanecia calado quando as perguntas eram de interesse estratégico. Houve momentos em que não consegui prestar atenção ao que ele dizia. Ao olhar aquele homem derrotado, vinha-me à mente sua imagem no passado, sempre altiva e arrogante. COMO FORAM AS RELAÇÕES POPULAÇÃO NA BOLÍVIA? DE CHE COM A Para sobreviver, é essencial que uma força guerrilheira conte com o apoio da população local. A aventura de Che na Bolívia foi um caso único em que uma guerrilha não conseguiu recrutar um único morador da área onde atuou. Só um agricultor ganhou a confiança dos guerrilheiros, e mesmo esse acabou por passar informações que permitiram ao Exército armar uma emboscada. Os poucos bolivianos que participaram da guerrilha eram dissidentes do Partido Comunista. Nenhum camponês. POR QUE O SENHOR FOI ENVIADO À BOLÍVIA? O Exército boliviano estava totalmente despreparado para enfrentar uma guerrilha. A maior parte dos soldados trabalhava na construção de estradas e provavelmente jamais dera um tiro de fuzil. Nos primeiros 161 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ embates, os guerrilheiros aprisionavam os soldados, tiravam suas roupas e os soltavam. Foi então que o governo boliviano pediu ajuda aos Estados Unidos. No dia de sua morte, amarrado ao esqui de um helicóptero militar, Che Guevara foi levado do local da execução para um vilarejo chamado Vallegrande. A brasileira Helle Alves, repórter, e o fotógrafo Antonio Moura, então trabalhando para o Diário da Noite, de São Paulo, viram a chegada do corpo, que foi levado para a lavanderia do hospital local (acima). Ali, Moura foi o único jornalista a fotografar o corpo de Guevara ainda sujo, vestido de trapos e calçado com o que sobrou de uma botina artesanal de couro (abaixo). Moura conseguiu fotografar o corpo antes da limpeza e da arrumação. "Che usava um calço em um dos calcanhares, provavelmente para corrigir uma diferença de tamanho entre uma perna e outra", lembra Helle. Ela contou pelo menos dez marcas de tiro no corpo do argentino. "Os moradores tinham raiva dele e invadiram a lavanderia, mas, quando viram o corpo, passaram a dizer que ele parecia Jesus Cristo”. Começava o mito. A história revelou com Mahatma Ghandi que a não violência derruba regimes, como derrubou o colonialismo britânico na Índia. Mohandas Ghandi conduziu não apenas o seu povo, mas também os sulafricanos a seu tempo, a iniciarem o processo de resistência pacífica contra a ocupação inglesa. Einstein diria que as gerações futuras não acreditariam que tal homem de carne e osso um dia andou sobre esta terra. Já a doutrina de Karl Marx vê na ação revolucionária métodos pragmáticos, como por exemplo armas, para derrubar os governos imperialistas. O imperialismo tem que ser vencido. Todavia, violência gera violência. Nas palavras de Emmanuel, ―a vitória da força é uma claridade de fogos de artifício‖. Quem mata pelo poder, no poder continua matando, como se viu na prática dos países que se proclamaram socialistas. 162 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Fato é que até agora os que tentaram levar a efeito a prática marxista não passaram de pseudo-intelectuais ou ―generais‖ que se aboletaram no camarote cômodo do poder – em Cuba vitalício – com nuances de monarquia e absolutismo. DISTRIBUIÇÃO DAS RIQUEZAS. A VISÃO NO ASPECTO FILOSÓFICO Desigualdade das riquezas Vamos ao Evangelho Segundo o Espiritismo: A desigualdade das riquezas é um dos problemas que inutilmente se procurará resolver, desde que se considere apenas a vida atual. A primeira questão que se apresenta é esta: Por que não são igualmente ricos todos os homens? Não o são por uma razão muito simples: por não serem igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir, nem sóbrios e previdentes para conservar. E, aliás, ponto matematicamente demonstrado que a riqueza, repartida com igualdade, a cada um daria uma parcela mínima e insuficiente; que, supondo efetuada essa repartição, o equilíbrio em pouco tempo estaria desfeito, pela diversidade dos caracteres e das aptidões; que, supondo-a possível e durável, tendo cada um somente com que viver, o resultado seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e para o bem-estar da Humanidade; que, admitido desse ela a cada um o necessário, já não haveria o aguilhão que impele os homens às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis. Se Deus a concentra em certos pontos, é para que daí se expanda em quantidade suficiente, de acordo com as necessidades. Admitido isso, pergunta-se por que Deus a concede a pessoas incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos. 163 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Ainda aí está uma prova da sabedoria e da bondade de Deus. Dando-lhe o livre-arbítrio, quis ele que o homem chegasse, por experiência própria, a distinguir o bem do mal e que a prática do primeiro resultasse de seus esforços e da sua vontade. Não deve o homem ser conduzido fatalmente ao bem, nem ao mal, sem o que não mais fora senão instrumento passivo e irresponsável como os animais. A riqueza é um meio de o experimentar moralmente. Mas, como, ao mesmo tempo, é poderoso meio de ação para o progresso, não quer Deus que ela permaneça longo tempo improdutiva, pelo que incessantemente a desloca. Cada um tem de possuí-la, para se exercitar em utilizá-la e demonstrar que uso sabe fazer dela. Sendo, no entanto, materialmente impossível que todos a possuam ao mesmo tempo, e acontecendo, além disso, que, se todos a possuíssem, ninguém trabalharia, com o que o melhoramento do planeta ficaria comprometido, cada um a possui por sua vez. Assim, um que não na tem hoje, já a teve ou terá noutra existência; outro, que agora a tem, talvez não na tenha amanhã. Há ricos e pobres, porque sendo Deus justo, como é, a cada um prescreve trabalhar a seu turno. A pobreza é, para os que a sofrem, a prova da paciência e da resignação; a riqueza é, para os outros, a prova da caridade e da abnegação. Deploram-se, com razão, o péssimo uso que alguns fazem das suas riquezas, as ignóbeis paixões que a cobiça provoca, e pergunta-se: Deus será justo, dando-as a tais criaturas? E exato que, se o homem só tivesse uma única existência, nada justificaria semelhante repartição dos bens da Terra; se, entretanto, não tivermos em vista apenas a vida atual e, ao contrário, considerarmos o conjunto das existências, veremos que tudo se equilibra com justiça. Carece, pois, o pobre de motivo assim para acusar a Providência, como para invejar os ricos e estes para se glorificarem do que possuem. Se abusam, não será com decretos ou leis suntuárias que se remediará o mal. As leis podem, de momento, mudar o exterior, mas não logram mudar o coração; daí vem serem elas de duração efêmera e quase sempre seguidas de uma reação mais desenfreada. A origem do mal reside no egoísmo e no orgulho: os 164 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ abusos de toda espécie cessarão quando os homens se regerem pela lei da caridade. 44 Flui do ESE a idéia de que ―não é com leis que se decretam a caridade e a fraternidade. Se elas não estiverem no coração do homem, o egoísmo imperará sempre. Cabe ao Espiritismo (que é o Cristianismo redivivo) fazê-las penetrar nele. BIBLIOGRAFIA EMMANUEL. Xavier, Francisco Cândido(médium). A Caminho da Luz. FEB, 22ª edição (do 219º ao 243º milheiro), Rio de Janeiro-RJ, 1996. JORNAIS DE ÉPOCA, com fontes citadas em rodapé. REVISTA ―O CRUZEIRO‖, ano XXXV, n. 11, 22.62. REVISTA VEJA, Edição 1018, de 03 de outubro de 2007. ROCHA, Gilvan. Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, Expressão Gráfica – Aldeota, Fortaleza-CE, 1996. _______, Meio Século de Caminhada Socialista. Fortaleza, CE : Expressão Gráfica, 2008. 44 O Evangelho (de Jesus) Segundo o Espiritismo, Cap. 25, item 8, final. 165 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ BOFF, Leonardo. Ecologia Mundialização Espiritualidade, Editora Ática – São Paulo-SP, 1996. 166 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Contou-me Dário Leal: João Leal era assessor parlamentar desde os tempos em que a Capital da Republica era o Rio de Janeiro. De lá havia mandado recado a H e Chico Ribeiro de que os seus nomes estavam com um ponto em vermelho, sinalizando-os como subversivos, simplesmente porque receberam na região uns 26 homens, que vieram sob a fachada da Companhia de Abastecimento do Nordeste, para prestar serviços sociais, caritativos, ao sertanejo pobre, instalando-se no Catingueiro, povoado interposto entre Dianópolis e o Rio da Conceição. Os primeiros beneficiados com a Companhia foram os habitantes de Rio da Conceição, povoado que pertencia ao município de Dianópolis. Em meados de 60, depois de 64, 7 aviões vieram buscar Hagahús, que tinha processo no SNI e Goiânia (Das Ligas/?) As freiras e o Pe. Magalhães intercederam. Hagahús teria ficado uma noite em poder dos policiais. No Comunismo, o erro está na raiz, quando diz: - Por necessidade natural vamos nos preocupar com o outro como conosco mesmo. O amor não será à pessoa e sim à espécie. Cresce-se por instinto – diz ele. A natureza humana nunca será preocupada com o bem estar do outro; somos por natureza egoísticos; só por instinto e não por virtude mudaremos. A igreja prega que se muda por virtude, caridade e renúncia, amor ao próximo na medida que renuncio a mim – diz o Pe.. No comunismo a natureza dividirá tudo entre os homens, num processo histórico. Mas os homens do Egito em 7.000 anos nada mudaram (?) – diz o Pe. Luiz. Acredito, entanto, que muita coisa mudou e mudará com o Evangelho do Cristo. 167 Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962 Abílio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________ Alguém disse que ―o cangaço tinha as características do ‗necessário‘ banditismo social. Seria diferente do crime organizado, pois o cangaço não visava lucro‖. O crime organizado – num discurso socialista – seria o reprimido pelo sistema (os excluídos, pobres, contra o capitalismo). Quando o valor do ser passa a ser o valor do ter.. A Academia é o espaço do debate, da discórdia, das contradições salutares. 168