dissertação Gilvana

Transcrição

dissertação Gilvana
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E
MATEMÁTICA
GILVANA BENEVIDES COSTA
UMA ABORDAGEM HUMANÍSTICA PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA
NO ENSINO MÉDIO
Natal
2005
GILVANA BENEVIDES COSTA
UMA ABORDAGEM HIMANÍSTICA PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA
NO ENSINO MÉDIO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação de Ensino de Ciências e
Matemática da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito para
a obtenção do título de mestre em Ensino
de Física e Astronomia.
Orientador: Luiz Carlos Jafelice
Natal
2005
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / SISBI / Biblioteca Setorial Especializada
do Centro de Ciências Exatas e da Terra – CCET.
Costa, Gilvana Benevides.
Uma abordagem humanística para o ensino de astronomia no ensino
médio / Gilvana Benevides Costa. – Natal, 2005.
108 f.
Orientador: Luiz Carlos Jafelice
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Ciências Exatas e da Terra. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática.
1. Educação – Tese . 2. Ensino –Tese. 3. Astronomia – Tese. 4. Ciência
– Tese. 5. Física – Tese. 6 Inteligências múltiplas –Tese. I .Jafelice, Luiz Carlos. II. Título.
RN/UF/BSE-CCET
CDU 37:52
GILVANA BENEVIDES COSTA
UMA ABORDAGEM HUMANÍSTICA PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA
NO ENSINO MÉDIO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação de Ensino de Ciências e
Matemática da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito para
a obtenção do título de mestre em Ensino
de Ciências.
Aprovada em_____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
____________________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________________
Prof. Dr.
Dedico
À minha Mãe Gesamar Benevides Costa
por ter cultivado as lindas flores: ler e
escrever, em minha vida.
Ao meu Pai Manoel Oliveira, à minha irmã
Gilmara e ao meu irmão Gilmar, por serem
as mais belas companhia nesse jardim.
Dedico esta dissertação de mestrado aos alunos do Ensino Médio e a seus
professores, espero que aprender ciências seja sempre, para nós, uma aventura do
espírito.
AGRADECIMENTOS
Sendo a dissertação um reflexo do trabalho coletivo quero, nesse momento,
agradecer a algumas pessoas e instituições pela colaboração para a presente
dissertação,
Ao professor Luiz Carlos Jafelice, meu orientador, que reconheço nele um
modelo de profissional a ser seguido;
Aos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Matemática, companheiros de caminhada;
Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo importante trabalho de formação
acadêmica para os professores de ciências em exercício;
Aos professores do Colégio Estadual Francisco Ivo, pela participação e
envolvimento direto nesta pesquisa;
À professora Geneci de Medeiros, pela amizade, carinho e apoio. Também
por compartilhar seus estudantes de primeiro ano do Ensino Médio do Colégio
Marista comigo, para o enriquecimento das Atividades;
A Henrique José, ao professor Vanduí Guedes, à Thaís Nóbrega e à Katiane
Perreira Soares, por serem amigos com quem se pode contar;
A toda minha família, que sempre me acolhe com sentimentos fraternos de
carinho e de respeito.
RESUMO
Tendo como inspiração desenvolver práticas de Ensino de Física, sobretudo
de Astronomia, no Ensino Médio, a presente dissertação de mestrado propõe aulas
e atividades cuja finalidade maior é a integração entre o indivíduo com o cosmo,
normalmente tão dissociados nas concepções da sociedade moderna atual. As
atividades aqui apresentadas têm como referências os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), a Filosofia Holística, a concepção das Inteligências Múltiplas e
elementos de História e Filosofia da Ciência para se tratar a origem do Universo.
Como base teórica da metodologia adotada, o estudo das Inteligências Múltiplas,
proposto pelo norte-americano Gardner evidenciou que o indivíduo é dotado de
muitas capacidades que proporcionam caminhos para o conhecimento, o qual não
precisa se dar unicamente pela via racional, já tão valorizada nas pedagogias
habitualmente praticadas, aumentando o leque de atuação docente. Por sua vez, o
reconhecimento da necessidade de uma educação holística e integradora,
enxergando que o todo pode ser muito mais que a mera soma das partes e,
sobretudo, valorizando aspectos espirituais do ser humano, ajudando a ligar o
indivíduo com o cosmo, do qual, na verdade, aquele nunca esteve separado,
embora a cultura ocidental reforçava, cada vez mais, uma artificial separação entre
ambos. As atividades aqui elaboradas foram postas em prática em um curso de
capacitação para professores do Ensino Médio na Escola Estadual Professor
Francisco Ivo Cavalcanti, Natal-RN. Elas são, também, uma reflexão para que a
prática docente seja mais que se atingir um conteúdo, mas capacitar o estudante
com habilidades, valores e uma verdadeira atitude que o permita um aprender a
aprender que permaneça por toda a vida. Essa capacidade agregar-se-á ao
conteúdo verbal, aos procedimentos e às atitudes que sirvam de ferramentas para
os estudantes, afim de que eles possam utilizá-las no seu processo de
aprendizagem, principalmente para aqueles que não irão seguir os estudos em uma
formação acadêmica.
Palavras-chaves: Educação Científica. Ensino de Astronomia. Ensino de
Física. Educação Holística. Inteligências Múltiplas.
ABSTRACT
With the inspiration to develop methods to teach Physics, mainly Astronomy,
to High School students, this present essay proposes classes and activities which
major objective is the integration between the individual and the Cosmo, normally
dissociated from the present modern society conception. The activities presented are
based on the Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brazilian National Curricular
Guidelines), the Holistic Philosophy, the conception of Multiple Intelligences and
elements from the History and Philosophy of Science concerning the origin of the
Universe. The study of Multiple Intelligences, proposed by the american Howard
Gardner, is used here as the theorical basis of the adopted methodology. It affirms
that the human being is composed by a variety of capabilities that leads to different
paths towards knowledge. Therefore, there are other ways of learning that are not
only in the rational form, this one so valued by the so practiced pedagogy, increasing
the possibilities of actuation by teachers. The recognition of the need of a holistic and
integrator education, which understands that the whole is more than the mere
addition of parts and, above all, values spiritual aspects, helps to connect the
individual with the Cosmo, although they have never been really separated;
sometimes far from one another because of the influence of the occidental culture
that emphasizes an artificial separation between them. The activities here prepared
were practiced in a capacitating course for High School teachers at the Escola
Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti, located in Natal, RN. Such activities
mean also a reflection aiming that the teachers practice should go beyond the
objective of reaching certain subject, but capacitate the students with abilities, values
and a real attitude that allow them to live a process of learning to learn that remains
for their entire life. That capacity will add to the verbal content, procedures and
attitudes that work as tools for the students, in order they are able to use them in their
learning process, mainly for those who will not pursue a formal academic education.
Key words: Scientific Education. Astronomy Teaching. Physics Teaching.
Holistic Education. Multiple Intelligences.
SUMÁRIO
1 PENSANDO EM EDUCAÇÃO
11
1.1 O QUE PRETENDE A PRESENTE DISSERTAÇÃO
21
2 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E HOLISMO NO ENSINO DE ASTRONOMIA
NO NÍVEL MÉDIO
23
2.1 AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
23
2.2 O ENSINO HOLÍSTICO
28
2.3 REPENSANDO A ASTRONOMIA NO ENSINO MÉDIO
34
3 NOVAS ATIVIDADES DIANTE DE UMA NOVA EDUCAÇÃO
3.1 UMA PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO
41
41
3.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS NO ENSINO MÉDIO
42
3.3 OS PCN E AS ATIVIDADES PROPOSTAS
47
3.4 REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO
49
3.5 CONSTELAÇÕES DE TINTA EM PAPEL
55
3.6 APRENDENDO COM OS ÍNDIOS
58
3.7 APRENDENDO COM A CIÊNCIA
60
3.8 REPRESENTAÇÃO TEATRAL SOBRE A ORIGEM DO UNIVERSO
60
3.9 RESGATANDO O MICROCOSMO E O MACROCOSMO NO SER
63
HUMANO
3.10 ZOOM CÓSMICO
68
3.11 A DANÇA INDÍGENA TUPI-GUARANI DO IEAOUY
69
4 CURRÍCULO E AVALIAÇÃO
74
4.1 PROPOSTA DE CURRÍCULO
74
4.2 CONTEÚDOS, CONCEITOS E PROCEDIMENTOS
77
4.3 PROPOSTA DE AVALIAÇÃO
79
4.4 CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS GERAIS
82
REFERÊNCIAS
APÊNDICE A: RESUMOS DOS TEMAS RELACIONADOS Á ORIGEM DO
86
88
UNIVERSO
APENDICE B: AS INTERPRETAÇÕES MASCULINAS E FEMININAS SOBRE
97
O UNIVERSO
ANEXO A: ORIGEM DO UNIVERSO
99
ANEXO B: EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES: APRENDER COM OS ÍNDIOS
105
11
1 PENSANDO EM EDUCAÇÃO
Na atual sociedade multifacetada, complexa e desigual, as informações
recebidas através da mídia são, na maioria das vezes, mais interessantes, rápidas e
coloridas que as apresentadas na Escola. Deve-se pois, refletir sobre o novo papel
da Escola e da Educação diante dessa sociedade, para não se tornar uma mera
reprodutora de informações monolíticas do passado, mas que vise construir uma
prática educacional capaz de capacitar os estudantes com habilidades, valores e
uma verdadeira atitude que os permitam empreender uma aprendizagem contínua,
permanente e útil. Nas palavras de Pozo e Crespo (1998, p.28,tradução nossa).
... não se trata de que a educação proporcione aos alunos
conhecimentos como se fossem verdades acabadas, senão que os
ajude a construir seu próprio ponto de vista, sua verdade particular a
partir de tantas verdades parciais.
Para a Escola ser a construtora de atitudes, valores e comportamentos
sociais significativos nos jovens, ela deve assumir novos objetivos, entre eles, o de
ensinar formas eficientes que levem os estudantes a aprender a aprender
continuamente em diferentes situações da vida. Torná-los bons leitores do contexto
social, político e cultural que os abraça deve ser uma de suas principais metas.
Em uma sociedade onde os conhecimentos e as demandas
formativas mudam com tanta rapidez, é essencial que os futuros
cidadãos sejam aprendizes eficazes e flexíveis, que tenham
procedimentos e capacidades de aprendizagem que lhes permitam
adaptar-se a essas novas demandas (POZO; CRESPO, 1998, p. 52,
tradução nossa).
Diante dessa nova exigência, o educador deve aprender a agregar ao já tão
trabalhado conteúdo verbal, procedimentos e atitudes que sirvam de ferramentas
úteis no processo de aprendizado que ocorre nas mais variadas situações. Se a
Escola deve habituar o aluno a construir um conhecimento que o ajude a entender a
12
sua realidade, é natural que ela traga essa realidade para dentro de sua estrutura,
contextualizando o conhecimento com as situações motivadoras do cotidiano.
Apesar da concordância entre os educadores da necessidade de um ensino
mais crítico, questionador, com um maior compromisso social e ecológico, isso ainda
é distante da realidade escolar, principalmente no Ensino Médio. A mais freqüente
justificativa dos professores é o fato de terem que cumprir um extenso programa de
conteúdos para atender às exigências das Escolas, que visam, em sua expressiva
maioria, o resultando em números de aprovação nos concursos de ingresso no
Ensino Superior.
Porém, se fosse apenas se deparar com o extenso programa o que impede
uma educação mais formadora e permanente, a solução mais sensata seria se ater
aos conceitos essenciais e imprescindíveis em cada disciplina. Logo, percebe-se
que não é apenas o fato do extenso conteúdo que contribui para o ensino
informativo e seletivo nas escolas, mas as próprias características da sociedade que
se infiltram e perpassam os valores e atitudes dessa instituição.
Sentimentos e comportamentos de competição e de individualismo, por
exemplo, tão marcantes na sociedade, encontram-se de forma latente no contexto
escolar, na forma competitiva e seletiva com que se recompensa mais o indivíduo do
que o trabalho e o esforço coletivo. Ou seja, os valores e as atitudes das escolas
estão mais voltados à seleção e à competição do que a uma formação cidadã. São,
sem dúvida, desses “pequenos detalhes” que se constroem a educação, não tanto
unicamente pelo que se diz, mas da lógica e coerência do que foi dito e de quem o
diz.
Esse modelo, ou aprendizagem por imitação, é, com freqüência, um
processo de aprendizagem mais implícito que explícito em que
muitas vezes nem o professor nem o aluno se dão conta de que essa
aprendizagem está tendo lugar. Por isto é especialmente importante
que os professores tomem consciência e façam explícitas não
13
somente as atitudes que desejam em seus alunos, senão também as
que, muitas vezes de forma inconsciente, eles manifestam através de
suas condutas (POZO; CRESPO, 1998, p.38, tradução nossa).
Deve-se ter claros dois pontos: primeiro, que esse nosso discurso não
questiona a perspectiva de se formar os estudantes para o ingresso nas instituições
de ensino superior, ao contrário, como educadores, devemos incentivar os
estudantes que almejem a continuação de seus estudos, pois o importante é a
realização profissional, seja ou não através de um ensino superior. A crítica se
destina à forma que acaba por incentivar a competição e o individualismo,
afastando, principalmente dos últimos anos de formação, na maioria das instituições,
um trabalho crítico e participativo por um demasiado acúmulo de conteúdos
específicos.
A atitude de competição nas escolas, porém, entre outras coisas, está encobrindo
a omissão quanto à real necessidade política de melhorar o acesso às
universidades, e não só isso, de melhorar o próprio ensino superior, ter mais
universidades, mais docentes, mais investimentos nos aspectos físicos e
operacionais para que se atenda um maior número de pessoas. Não deve caber à
Escola o papel de selecionar aqueles que irão ou não, através dos sucessos e
insucessos de cada um, concorrer ao ensino superior. Frente ao tipo de ensino
não-crítico praticado e que, muitas vezes, só exige a capacidade de memorização
dos estudantes, só restarão aqueles que têm esse perfil, ou que têm uma
obrigação ou mesmo uma ligação com esse tipo de capacidade, enquanto a
maioria, que não tem ou que não desenvolve essa característica, passa
simplesmente pela escola, ficando com um escasso conhecimento,
acompanhado, muitas vezes, por uma sensação de fracasso diante de tantas
informações não compreendidas.
14
Pelas considerações do Pozo;Crespo (1998, p.38, tradução nossa),
[n]os lamentamos de que os alunos são passivos, mas apenas lhes
deixamos espaços de participação autônoma; de que não têm
sensibilidade para os problemas sociais, científicos e tecnológicos
que os rodeiam, mas a ciência é ensinada como uma realidade
própria, um conjunto de conhecimentos formais que constituem uma
torre de cristal isolada do ruído mundano. Nos lamentamos de que se
limitam a repetir como papagaios o que nós dizemos, mas não
valorizamos suas próprias idéias ou as consideramos como ‘erros
conceituais’. Embora muitos professores não o desejem, através de
sua conduta em sala estão transmitindo atitudes das que muitas
vezes o aluno se contagia, por isso é conveniente controlar melhor
quê modelos lhes estamos oferecendo.
Logo, se a seleção for, de fato, inevitável na sociedade, a instituição escolar
deve deixar que a seleção ocorra, por exemplo, no exercício da profissão que o
indivíduo vier a trabalhar, de forma que a Escola ganhe espaço para educar para a
cidadania, para a liberdade e para o sentimento de ecologia, pois não se educa
unicamente para atender a uma sociedade, mas, sobretudo, para transformá-la.
O segundo ponto que se deve ter claro diz respeito à valorização da
sociedade ao ter. Essa sociedade compreende o indivíduo apenas pelo que ele tem
materialmente, não se importando, muitas vezes, como tais recursos são adquiridos.
No livro Medo da Vida, o psicólogo Alexander Lowen faz comentários pertinentes
sobre a formação do homem moderno na sociedade atual, segundo as hipóteses de
Erich Fromm. Lowen nos diz que
Somente na medida em que desativarmos o modo ter, quer
dizer, não-ser – isso é, parar de buscar a segurança e a
identidade aferrando-nos ao que temos – é que pode emergir o
modo ser (FROMM,1976, p. apud LOWEN, 1986, p. 96).
De acordo com Fromm, os dois termos – ser e ter – representam duas
atitudes diametralmente opostas perante a vida. O modo ter baseia-se em
relacionamentos possessivos.
Este modo desenvolveu-se a partir da propriedade privada, do poder
e do lucro, dependendo desses fatores. Seu foco incide sobre o
indivíduo ao invés de sobre a comunidade. O modo ser, por outro
lado, fundamenta-se no amar, no dar, e em relacionamentos
15
compartilhados. Nesse modo ser, a pessoa encontra sua
responsabilidade para com a comunidade (FROMM,1976, p. apud
LOWEN, 1986, p. 96).
E faz também o seguinte prognóstico sobre o homem moderno:
Será destino do homem moderno, ser neurótico, ter medo da vida?
Sim, é a minha resposta, se por homem moderno definirmos o
membro de uma cultura cujos valores predominantes sejam o poder
e o progresso. Uma vez que são estes os valores que assinalam a
cultura ocidental do século vinte, decorre que toda pessoa criada na
mesma é neurótica (LOWEN, 1986, p. 12).
Essas características são bem expressivas na forma exploratória e
desrespeitosa da utilização da natureza, onde se produz e se extrai, muitas vezes,
além do necessário para a sociedade. Essa atitude pode estar baseada na crença
de uma ciência, e de sua tecnologia, que tudo pode fazer diante de alguma
catástrofe ou emergência. De acordo com Hutchison (2000), existe uma fé na
capacidade infinita da criatividade humana, na engenhosidade e na inovação
tecnológica para a superação de todos os potenciais obstáculos que poderiam surgir
de uma mudança ambiental drástica. Infelizmente não é bem assim. Inúmeros
acontecimentos naturais ao longo da história já testaram a fragilidade dessa teoria,
apesar de continuar se perpetuando na Escola essas concepções espontâneas
sobre ciência, cientista e tecnologia, persistindo uma idéia de que a ciência é uma
verdade acabada, sempre certa e que são os cientistas pessoas bastante exóticas,
tendo capacidades quase excepcionais e especiais. Encontra-se na tabela abaixo,
do Pozo e Crespo (1998), um diagnóstico de como os estudantes se põem diante da
ciência uma vez que ela é ensinada dessa forma.
“Algumas atitudes e crenças inadequadas mantidas pelos alunos com
respeito à natureza da ciência e sua aprendizagem” (POZO; CRESPO,1998, p.21,
tradução nossa):
16
Tabela 1
- Aprender ciências consiste em repetir da melhor forma possível o que explica o professor em
aula.
- Para fazer ciências é melhor não tentar encontrar tuas próprias respostas senão aceitar o que
diz o professor e o livro texto, já que está baseado no conhecimento científico.
- O conhecimento científico é muito útil para trabalhar em laboratório, para investigar e inventar
coisas novas, mas não serve para nada na vida cotidiana.
- A ciência nos proporciona um conhecimento verdadeiro e aceito por todos.
- Quando sobre um mesmo fato há duas teorias, e que uma delas é falsa: a ciências acabará
demonstrando qual delas é a verdadeira.
- O conhecimento científico é sempre neutro e objetivo.
- Os cientistas são pessoas muito inteligentes, mas um tanto raras, que vivem trancadas em seus
laboratórios.
- O conhecimento científico está na origem de todos os descobrimentos tecnológicos e acabará
por substituir a todas as outras formas de saber.
- O conhecimento científico traz consigo sempre uma melhora na forma de vida da gente.
Fonte: POZO; CRESPO, 1998, p. 21, tradução nossa.
Essas atitudes e crenças inadequadas trazem pelo menos duas
conseqüências. A primeira é não olhar a fragilidade do planeta, a crise ecológica e
ambiental gerada pelos excessos, ora do consumo das reservas naturais, ora dos
resíduos nela depositados, uma vez que há uma supervalorização das
capacidades da ciência para, como expresso anteriormente, tirar-nos de situações
mais complicadas. Dessa forma, o sentimento ecológico distancia-se de sua real
necessidade e alheia as pessoas de um compromisso ou necessidade de
preservação ambiental, que poderia dar sentido norteador para jovens
estudantes. Outra conseqüência é desestimular o próprio estudo da ciência, uma
vez que é vista como auto-suficiente, feita por pessoas com capacidades quase
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excepcionais e construída unicamente de acertos. “Essa perda de sentido do
conhecimento científico não só limita sua utilidade ou aplicabilidade por parte dos
alunos, senão também seu interesse ou relevância” (POZO; CRESPO, 1998,
p.21, tradução nossa).
Assim, frente a esse complexo quadro, é salutar pensar na educação como
um processo capaz de recuperar a saúde emocional, psicológica, social e ambiental
dos indivíduos na sociedade moderna, que é tão carente de rituais simbólicos de
passagens os quais inserem os jovens na responsabilidade e no convívio de sua
comunidade.
As
preocupações
contemporâneas,
em
muitos
países
industrializados, de que as crianças (e principalmente os
adolescentes) não possuem um senso claro de direção e propósito
na vida pode estar relacionada à falta de um papel claramente
definido para as crianças e adolescentes na sociedade
contemporânea. Em muitas culturas, ritos de passagem – atos ou
eventos específicos que marcam a transição de um estágio para
outro da vida – servem para salientar a importância das conquistas
na infância e na adolescência e favorecem a indicação do papel ou
lugar da criança na sociedade (HUTCHISON, 2000, p.82).
Entendendo a educação como um processo social que capacita qualidades
nos envolvidos, é pertinente perguntarmo-nos que qualidades são essas frente à
sociedade atual que temos. Para tanto, é necessário compreendermos a Escola
como a maior instituição social responsável pela educação da nossa sociedade, uma
vez que pelo menos o Ensino Fundamental nela é obrigatório em nosso país, o que
faz com que grande parcela da população passe por essa instituição. Devemos
também entender a Escola e a sua ligação com a sociedade que ela atende, pois no
decorrer da história deparamo-nos com alguns modelos de escola e suas filosofias,
ora conservadora tradicional, ora responsável por uma formação técnica para
atender a demanda do mercado que cada vez mais se “mecanizava”, ora
18
preocupada com o resgate e, sobretudo, com a promoção das capacidades de
aprender do ser humano pelo construtivismo.
A Escola e a sociedade travam um diálogo e escrevem um texto que é
interpretado pelo professor. Para que este não seja isento do seu papel, ele deve ter
claros os objetivos que visa alcançar e desenvolver as estratégias pedagógicas para
alcançá-los junto ao alunado. Objetivos que devem incluir, além dos conceitos e
informações de uma determinada disciplina e dos valores de conduta social, a atual
necessidade de se desenvolver o aprender a aprender continuamente. De outra
forma, não é possível pensar em Escola sem perceber a sociedade em que ela se
insere, como também ainda não é possível pensar na educação de uma sociedade
que não utilize a Escola como um mecanismo de formalização dos saberes
desenvolvidos ao longo da história.
É cada vez mais necessário desenvolver uma educação promotora de
valores do ser, da comunidade e da preservação da natureza, ou seja, que não
divida o ser e o conhecimento em partes, parecendo que estas nunca se
conectam, e sim que, ao contrário, estabeleça um diálogo entre o todo e as
partes, se aproximando de uma educação holística. A educação deve superar o
positivismo, o racionalismo, tão presentes nos currículos, e desenvolver as
múltiplas inteligências, partindo e retornando ao ser humano e à sua integração
com a natureza, sendo esse, portanto, um enfoque antropológico.
Nesse sentido, os tratamentos das Inteligências Múltiplas e de uma Filosofia
Holística, mesmo de forma sutil nas aulas, contribuem para a valorização do ser
humano.
O que devemos salientar é que uma abordagem
verdadeiramente holística do ensino e da aprendizagem não
abandona o foco tecnocrático sobre habilidades básicas, nem
ignora o envolvimento do educador progressista com o
19
desenvolvimento social de cada criança. Ao contrário, aspectos
significativos das filosofias tanto tecnocrata como progressista
são integrados em uma visão holística da educação
(HUTCHISON, 2000, p.67).
Uma tendência que vem se evidenciando nos planos de elaboração dos
currículos das escolas, onde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
constituem o exemplo brasileiro, é deixar para as ciências exatas (Física, Biologia e
Química) o ensino de atitudes, de crítica e de espírito investigativo frente à produção
científica do mundo. De fato, é extremamente salutar que o aluno possa, frente a
uma informação sobre transgênicos, por exemplo, tecer considerações críticas. Sem
dúvida, deve-se fomentar no ensino de ciências o espírito científico, mas não só ele!
Ainda falta um passo a mais que deve ser dado pela escola: a integração cada vez
mais eficiente das diferentes disciplinas, que é mais que um diálogo entre as
diferentes matérias, mas o verdadeiro “coro” entre todas elas. Dessa forma,
[e]spera-se que o ensino de Física, na escola média, contribua para
a transformação de uma cultura científica efetiva, que permita ao
indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais,
situando e dimensionando a interação do ser humano com a
natureza como parte da própria natureza em transformação. Para
tanto, é essencial que o conhecimento físico seja explicitado como
um processo histórico, objeto de contínua transformação e associado
às outras formas de expressão e produção humanas
(PARÂMETROS...,1999, p. 47).
E o que é dito para a Física também pode ser usado para a Ciência. Nesse
sentido, “[é] preciso discutir que Física ensinar para possibilitar uma melhor
compreensão do mundo e uma formação para a cidadania mais adequada”
(PARÂMETROS...,1999, p. 49). É salutar manter sempre em mente que
[a] Física percebida enquanto construção histórica, como atividade
social humana, emerge da cultura e leva à compreensão de que
modelos explicativos não são únicos nem finais, tendo se sucedido
ao longo dos tempos, como o modelo geocêntrico, substituído pelo
heliocêntrico, a teoria do calórico pelo conceito de calor como
energia, ou a sucessão dos vários modelos explicativos para a luz. O
surgimento de teorias físicas mantém uma relação complexa com o
contexto social em que ocorreram (PARÂMETROS...,1999, p. 59).
20
A perda de sentido de se estudar ciências é expressa pela falta de motivação,
que em grande parte se dá pelo fato de que a escola já não é a fonte primeira das
informações e formação dos alunos em nossa sociedade, existindo outros meios e
mídias onde o aluno pode encontrar informações necessárias para sua vida. Logo,
devemos rediscutir o papel da escola e, sobretudo, para quê se destina a educação
científica frente a tão grande self-service de informações que separa muitas vezes o
conhecimento da escola do conhecimento do seu dia-a-dia. De acordo com Pozo e
Crespo, os autores dizem algo interessante sobre a escola na sociedade de
informação:
... os alunos como nós, somos bombardeados por diferentes fontes,
que chega inclusive a produzir uma saturação informativa; nem
sequer devem procurar as informações, são essas que, em formatos
quase sempre mais ágeis e atrativos que das escolas, buscam a eles
[alunos]. (...). O que necessitam os alunos de educação científica não
é tanto mais informação, que podem sem dúvida necessitá-la, mas é
sobretudo a capacidade de organizá-la e interpretá-la, de dar-lhe
sentido.(POZO; CRESPO, 1998, p.28, tradução nossa).
Isso nos leva a refletir sobre novas maneiras para o ensino em geral e a
educação científica em particular.
Dessa forma, destaca-se a motivação como ferramenta, o elemento essencial
na disciplina, que promova o despertar do interesse nos estudantes para seus
estudos, e para a ciência em particular. É orientador o seguinte comentário de Pozo
e Crespo (1998, p. 46, tradução nossa)
Nesse sentido, CLAXTON (1984) diz que motivar é mudar as
prioridades de uma pessoa, suas atitudes ante a aprendizagem. Não
podemos dar por suposto de antemão que os alunos estejam
interessados por aprender ciências. Um dos objetivos da educação
científica deve ser precisamente despertar neles esse interesse.
Assim, deve-se reconhecer que algumas tentativas nesse sentido se
encontram nos PCN. Esse material, longe de ser perfeito, traz orientações, que
devem ser adaptadas com espírito crítico para cada situação particular que o
21
educador se depara, contém a preocupação de se construir a educação a partir do
conhecimento do aluno e do seu cotidiano e também de “[l]evar em conta que a
construção
de
conhecimento
científico
envolve
valores
humanos”
(PARÂMETROS...,1999, p.107).
1.1 O QUE PRETENDE A PRESENTE DISSERTAÇÃO
Diante de tudo que foi refletido anteriormente: a sociedade complexa que
temos, a competição, o individualismo, o racionalismo, o excesso de conteúdos no
currículo escolar e a falta de motivação frente ao estudo de ciência, a presente
dissertação teve como objetivos principais desenvolver atividades didáticas e
pedagógicas que contivessem o resgate do ser humano, através da utilização das
inteligências múltiplas dos indivíduos e da filosofia holística, para um reencontro com
o universo visando amenizar o estado das coisas. As atividades, aqui pensadas e
levadas à prática, não são medidas isoladas para se transformar a educação
brasileira, por exemplo, nem mesmo do nosso Estado em particular, pois essa, na
verdade, não é tarefa unicamente de uma pessoa, mas de todo um processo de
estudo maior, que envolve todos os educadores em suas mais diferentes formas de
abordagens.
Assim, o que se tem aqui são atividades didáticas e pedagógicas, que foram
pensadas para o Ensino Médio e postas em prática em um curso de capacitação
para professores desse nível de ensino. Essa dissertação também é um estudo da
concepção holística na forma de aprender e ensinar ciências e também das
inteligências múltiplas que contemplam todos os indivíduos e, principalmente, visa o
22
resgate do universo como um espaço, um conceito, que contêm o ser humano, em
substituição à idéia de que é algo extra, fora de nós ou maior que nós.
Ao se resgatar concepções indígenas sobre o universo nas atividades,
pretende-se demonstrar a sutileza da ligação que a cultura faz com os elementos
astronômicos. Por exemplo, ao se conceberem como filhos do Sol, essa ligação
aumenta a responsabilidade desses indivíduos para com os outros e com a
natureza, pois eles próprios são elementos dessa natureza. Ao colocarem o ser
humano nesse nível de responsabilidade para com a natureza, com o planeta, tais
exemplos fornecem o que mais parece faltar aos adolescentes de nossa sociedade:
um sentido real de ser necessário, favorecendo uma indicação do seu papel ou lugar
na sociedade.
Essas atividades representam um pequeno esforço, foram pensadas para as
salas de aulas reais que se encontram no dia-a-dia, tendo-se também em vista
aquela idéia suspirada pelos educadores, do tipo: “como seria bom que tais
aspectos fossem para a sala de aula”, isto é, aspectos como motivação dos
estudantes frente aos seus estudos, de um ensino holístico que tem tempo para
olhar o outro, descobrir e ter a versatilidade e a flexibilidade de informar e formar
o cidadão, atendendo suas características pessoais. Mas as atividades não foram
pensadas, de forma alguma, para serem executadas quando todo o cenário
estiver pronto, pois este, longe de ser posto, também é construído.
23
2 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E HOLISMO NO ENSINO DE ASTRONOMIA NO
NÍVEL MÉDIO
2.1 AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Em 1979 a Fundação Bernard Van Leer, grupo filantrópico holandês,
convidou o norte-americano Howard Gardner para investigar o potencial humano.
Esses estudos levaram à criação do Projeto Zero de Harvard, que serviu como apoio
institucional para a teoria das Inteligências Múltiplas. Essa teoria reconhece o ser
humano como provido de oito diferentes inteligências que promovem a interação do
indivíduo com o conhecimento e com a sociedade que o cerca. As inteligências são
capacidades cognitivas e foram classificadas em: Lingüística, Lógico-Matemática,
Corporal-Cinestésica, Musical, Interpessoal, Espacial, Intrapessoal e Naturalista.
Além dessas, estuda-se ainda, uma possível nona inteligência, que seria a
Existencial. Cada indivíduo tem todas as inteligências, as quais se apresentam em
diferentes proporções, logo, uma pessoa pode ter mais facilidade para aprender
usando mais algumas delas do que outras.
O reconhecimento dessas várias inteligências como necessárias para o
aprendizado, faz com que tenhamos, como educadores, de perceber a pluralidade
que existe em uma sala de aula e na preparação de atividades docentes das mais
variadas formas possíveis para que se possa atingir o maior número de estudantes.
Tradicionalmente, a escola se apóia nas inteligências lingüística e lógico-matemática
para desenvolver todas as diferentes disciplinas, seja biologia, artes, matemática,
física, literatura, etc. Se o indivíduo possui outras inteligências que também o
permitem aprender, é importante que o professor reconheça que nem todos os
24
alunos vão aprender apenas pela exposição lingüística do conteúdo, mesmo que
esteja falando em bom português e que esteja na disciplina de Língua Portuguesa!
Além das inteligências lingüística e lógica-matemática que, sem dúvida, são válidas
e que utilizamos para todas as disciplinas, o professor deve procurar ou criar
atividades didáticas que possam incluir algumas das outras inteligências. Assim, o
uso de outras inteligências pode favorecer a aprendizagem nos alunos que não
possuem essas duas inteligências mais exploradas como prioritárias, apesar de
poderem ser desenvolvidas.
Ao perceber que a forma tradicional de ensino apóia-se quase exclusivamente
apenas nas duas inteligências destacadas, isso permite-nos refletir sobre o
“fracasso” escolar dos estudantes como sendo conseqüência, em parte, do ensino e
da persistência no uso dessas inteligências, que muitas vezes o aluno pode não
dominar ou ter dificuldade em atingi-las. Portanto, exceto nos casos de patologias
que podem acarretar uma real dificuldade de aprendizado do aluno, devemos evitar
rotular de bons ou maus os estudantes antes de ensinar o conteúdo baseando-se
em mais de uma ou duas inteligências.
Isso não se trata de repetir uma aula de oito ou nove maneiras diferentes,
mas, por exemplo, trabalhar os conteúdos do bimestre com atividades que
contemplem o maior número de inteligências possíveis. É com base na teoria das
inteligências
múltiplas
que
podemos
também
reinterpretar
os
“maus”
comportamentos dos estudantes, que tanto nos afeta enquanto professores, tais
como: a distração, a conversa, os desenhos, as brincadeiras paralelas, etc. Tais
comportamentos não necessariamente expressam falta de motivação pessoal deles
para os estudos ou para as aulas, mas são essencialmente um indicativo de que em
nossa prática docente poderíamos contemplar momentos para a utilização de
25
inteligências como a intrapessoal, lingüística, corporal-sinestésica, ou outras, pois
elas podem ser usadas como ferramentas úteis para também se trabalhar o
conteúdo disciplinar específico exigido pelo programa.
Para um efetivo ensino que leve em conta as inteligências múltiplas, é
preciso, entre outras coisas, que se mude a concepção de aulas no ensino médio.
Atualmente, as aulas estão excessivamente voltadas para o conteúdo e quase não
há momentos de reflexão sobre valores da sociedade. Isso, muitas vezes, é
traduzido pelos estudantes na sua pergunta: “para que eu preciso disso?”, tão
comum na sala de aula e que reflete a distância entre o que se aprende na escola e
o que se usa na vida. É necessário que o professor perceba que incluir outras
inteligências não implica em falta de controle da turma ou de domínio de conteúdo. É
importante também o diálogo entre o professor, a escola e os pais, para que a
metodologia empregada não seja confundida com falta de objetividade. As aulas têm
momentos de exposição de conteúdo, da maneira tradicional que conhecemos, mas
há também que se criar uma cultura onde seja possível, através de atividades
lúdicas e criativas, trabalhar de modo amplo e integrado o conhecimento do
programa. Isto porque, para alguns estudantes, momentos de reflexão e de vivência
intrapessoais, sinestésica, etc. são mais que importantes, são essenciais para a
aprendizagem.
Dessa forma, é inevitável que questionemos a respeito da cultura do
vestibular que se tornou o eixo norteador no ensino médio. E não estamos falando
aqui em qualidade, no sentido em que muitas vezes a escola tem muita “qualidade”
no oferecimento de recursos para que o aluno consiga a aprovação no vestibular.
Referimo-nos à ideologia, bem como aos reais valores que motivam as escolas e
que encontramos na grande maioria delas. Esses valores são, na verdade, os
26
comandos da nossa sociedade de consumo, que se baseiam no materialismo e no
individualismo como quase única forma de existência possível. Tais valores são
agressivos quanto à utilização dos recursos da natureza, os quais, por outro lado e
reforçando a mentalidade mencionada, apesar de explorados em grande
quantidade, não são distribuídos de forma justa entre os indivíduos. Assim, os
defensores desses valores, mesmo percebendo a gravidade da crise ambiental,
apostam sempre na possibilidade de construção de uma solução tecnológica para tal
crise, pois são valores que se apóiam no positivismo e no cientificismo, pressupondo
(paradoxalmente sem prova científica disto) que esta visão de mundo nos levará
sempre para um estágio mais evoluído de sociedade e que nos salvará desse
quadro de destruição da natureza. Essa ideologia impede de perceber que devemos
criar e incentivar outros hábitos e outros comportamentos mais eficazes para cuidar
da natureza. Os valores como respeito, responsabilidade ou cooperação são
mascarados pelo excesso de competição, que é fortemente estimulada nestes
últimos anos de educação para os jovens. Dessa forma, o combate de um ensino
voltado para o vestibular é o combate de hábitos e comportamentos materialistas,
individualistas e competitivos que estão cada vez mais arraigados em nossa
sociedade atual, embora de modo inconsciente pela maioria, bem como o alerta para
uma forma mais eficiente de preservar a natureza.
É necessário também perceber que há bastante a ser feito para se chegar a
um ensino que use outros aspectos das inteligências, pois estamos imersos em uma
série de estruturas estabelecidas e viciadas que devemos quebrar. De fato, não
faltam dificuldades para se trabalhar com as inteligências múltiplas no ensino médio,
seja porque os professores não receberam e, sobretudo, não vivenciaram em sua
formação acadêmica aulas com o objetivo de utilizar a pluralidade das inteligências
27
nas suas práticas pedagógicas, seja pelo fato dos educadores não receberem o
devido reconhecimento financeiro pelo seu trabalho em nosso país, seja porque
mudar as estratégias de ensino implica também um investimento de tempo e uma
reacomodação da prática pedagógica e da avaliação, seja pela comodidade de se
permanecer com o mesmo estilo de aula, seja por se creditar na falta irreversível do
interesse e da motivação dos estudantes, seja pelo medo da perda de controle sobre
o grupo de alunos, seja mesmo por não se refletir sobre a propagação dos valores
de competição e individualismo no ensino médio, etc.
Todos esses elementos que destacamos compõem parte da nossa realidade
docente que encontramos à nossa frente, a qual não se deve utilizar como desculpa
para se evitar acrescentar elementos diferentes dos que o professor já utiliza em
suas aulas para melhorar a compreensão da turma sobre um determinado assunto.
Afinal, como membro da sociedade e mais ainda como educador, o professor não
pode se excluir do compromisso social que a profissão exige. Ao contrário, esse
quadro só evidencia a urgência de assumirmos o nosso papel como educadores
para combater a propagação de uma visão deturpada em nossa sociedade. Se quer
uma postura diferente dos governantes frente à categoria dos professores, seja na
hora da formação acadêmica seja na hora da remuneração mais justa, deve-se
procurar maneiras mais eficientes de se reivindicar e pedir esses e outros direitos, e
não ser o professor mais um elemento a contribuir para a deterioração da educação
e, conseqüentemente, da sociedade. Assim, não se deve descontar nos alunos as
dificuldades pessoais ou mesmo da profissão que se vem passando no Brasil.
Esse quadro nos leva à inevitável conclusão de que precisamos de um novo
modelo de ensino nas escolas e, principalmente, um novo modelo de Educação. Um
modelo que contribua para a reflexão dos valores consumistas, individualistas,
28
competitivos e materialistas que se tem na sociedade atual e que faz com que se
trate a natureza ora como um grande almoxarifado de recursos, ora como depósito
de detritos. Necessita-se perceber as sutis relações entre as partes que compõem o
todo social e ambiental e que não se irá longe enquanto se mantiver um
comportamento fragmentador diante de problemas complexos. Qualquer assunto
que for ensinado aos estudantes deve ser percebido como uma oportunidade de
alertá-los para o seu comportamento no mundo e de promover uma real educação
de respeito, cooperação e preservação da cultura e da natureza. Necessita-se, na
educação, questionar a ciência como única ferramenta para a compreensão da
natureza, de compreender a limitação do modelo científico e que a produção da
tecnologia também cobra o seu preço da natureza. É importante perceber que a
saúde do indivíduo é a saúde do planeta e que temas aparentemente distantes
possuem uma relação maior e mais significativa entre si. No caso desta dissertação,
falar em ensino de Astronomia e não falar sobre História, sociedade, preservação da
natureza ou conhecimento científico seria tratar superficialmente um tema que por si
só é importante para o ser humano: a nossa origem.
2.2 O ENSINO HOLÍSTICO
Identificamos o projeto com uma abordagem holística para a educação, mas
primeiramente é necessário definir um conceito para holismo, pois comumente essa
palavra ou é mal interpretada, ficando como simples sinônimo de união de duas ou
mais disciplinas senão duas habilidades (escrita e linguagem, por exemplo, na
disciplina de Língua Portuguesa) ou é rotulada de esotérica e mística e, se útil, é
apenas para uns poucos iniciados. Qualquer uma dessas definições leva-nos para a
29
perda do seu caráter maior, a de uma filosofia que salienta a busca de significado e
de finalidade nos mundos físico e cultural que circundam os estudantes. O
pesquisador Hutchison (2000, p. 59), nos evidencia, entre outras coisas que
[o]s proponentes holísticos enunciam uma abordagem multifacetada
em relação ao ‘saber’, que incorpora uma variedade de tipos de
consciência (por exemplo, intuitiva, cinestésica e espiritual). A
posição holística aborda diretamente o papel do mito, das histórias e
da tradição na formação da identidade e da manutenção de uma
noção de significado e finalidade durante a vida.
Portanto, devemos verificar com profundidade e sem preconceitos as
propostas para uma Educação baseada na filosofia holística, como promovedora de
elos e de sentidos mais profundos da existência humana em substituição à
Educação fragmentária competitiva que temos na maioria das escolas.
A visão holística da Educação surgiu como proposta diante das questões
ecológicas deixadas em aberto pelas filosofias tecnocrata e progressista. A primeira
delas, a filosofia tecnocrata, aparece frente às urgências da sociedade do século XIX
e XX e visa adequar o currículo escolar às necessidades do comércio e da indústria.
Essa filosofia vê a natureza ora como um grande reservatório, ou almoxarifado, de
recursos ilimitados para a nossa sociedade, ora como um grande depósito de lixo e
detritos que essa sociedade produz e, por mais que esteja ciente da grave crise
ecológica que o mundo passa, acredita na capacidade infinita de se produzir
tecnologia para tirar-nos dessa crise (em algum dia indeterminado no futuro, sempre
pressupondo também que haverá tempo para isto, antes que processos mais
drásticos e danosos se instalem definitivamente). Ela não reflete sobre a
necessidade de mudar de modo significativo nosso estilo de vida consumista ou
nossa relação predatória para com a natureza, tampouco vê que essa tecnologia
degrada de maneira irreversível o meio ambiente. Essa visão desnudou a natureza
dos seus aspectos sagrados da Mãe Terra, provedora de alimentos e proteção, e
30
substituiu por uma visão deturpada, a de fornecedora de recursos a serem utilizados
e explorados para fins econômicos, o que levou a uma má utilização dos seus
recursos. Ao retirar os aspectos do sagrado da terra, a cultura permitiu a exploração
e o estabelecimento do sistema econômico capitalista, afinal, só sem um sentimento
mais profundo de respeito para com a natureza foi possível explorá-la
agressivamente nos últimos três séculos, no mínimo.
Os enfoques materialista, racionalista e utilitário da natureza, gerados pelo
advento da Era Moderna, são passados sem um filtro crítico pela filosofia tecnocrata.
Destacamos três pontos que devem ser vigiados pelos educadores para que não
reproduzamos ou perpetuemos essas visões em sala de aula para os estudantes, e
possamos promover uma compreensão que vá além da soma das partes. Esses
pontos seriam:
1. A idéia de tempo e progresso: Idéia de que caminhamos sempre para um
estágio de desenvolvimento maior e melhor do que o que se tem antes,
reforça uma visão que criaremos uma tecnologia para enfrentar a crise
ecológica que vivemos e nos faz esquecer que ela própria causa
desequilíbrios entre as sociedades e que, durante milhares de anos, a cultura
humana não necessitou dessa tecnologia.
2. Reducionismo, fragmentação e compartimentação: Pressuposto de que o
mundo será mais bem compreendido através de suas partes, teve origem na
revolução científica dos séculos XVII e XVIII e resultou na visão mecanicista
do mundo por se apoiar na experimentação científica de Bacon e na
concepção newtoniana-cartesiana da realidade. O reducionista pretende
estabelecer poucas leis para explicar a maioria dos fenômenos, mas é pouco
aplicável em situações complexas. A fragmentação separa as partes do todo
31
para entendê-las localmente, mas perde o entendimento que o todo é
diferente, e em geral muito maior, do que a soma das partes, ignorando as
relações. A compartimentação classifica as partes do todo e ao invés de
integrar, coloca-as em categorias diferentes; assim, vemos diferenças entre
ser humano e natureza e é isso que nos leva a separarmo-nos dela. Essa
visão também nos leva a soluções fragmentadas diante de questões
complexas.
3. Natureza como sendo um recurso explorável: Afasta-nos de uma relação mais
equilibrada e nos coloca diante da crise ambiental e ecológica iminente.
Dessa forma, é salutar refletir sobre o alerta de que
[o] mundo industrializado, contudo, não pode fugir para sempre das
conseqüências da degradação ambiental. Eventualmente, à medida
que os efeitos da crise ecológica intensificam-se, os desequilíbrios de
poder entre noções industrializadas e nações em desenvolvimento
provavelmente não serão suficientes para proteger sequer os
cidadãos mais ricos dos conflitos sociais vividos agora pelos países
em desenvolvimento (HUTCHISON, 2000, p.133).
E com isso reconhecer as limitações desse ensino tecnocrático, pois a Educação
pode promover a participação dos indivíduos em uma sociedade democrática ao
passo que o ensino tecnocrata nos impulsiona para a indústria e o comércio, onde
devemos maximizar os lucros e minimizar as contribuições para o bem público.
Como reação diante da natureza autoritária e antidemocrática da escolarização
da educação tradicional tecnocrata, sobretudo em relação ao escasso papel social
que a educação pública pode exercer para um maior esforço à vida democrática e
comunitária nas sociedades, surgiu no final do século XIX, sob liderança do
educador Jonh Dewey e tendo seu ápice nas décadas de 20 e 30 do século
passado, a filosofia progressista. Essa filosofia se apóia na idéia de que o
conhecimento de mundo é construído através das questões que os indivíduos se
32
colocam para conhecer esse mundo. Dessa forma, a Educação se centra no
estudante e na sua forma cognitiva de interpretar o mundo a sua volta. Assim, o
papel do professor não é o de apresentar conteúdos e sim de proporcionar, facilitar,
o maior número de experiências e provocações para que os estudantes despertem
suas perguntas e seja o professor, novamente, que ofereça caminhos para se
buscar as respostas. As críticas feitas à filosofia progressista são em relação aos
aspectos
sociais
e ambientais
que
afligem a
nossa
sociedade,
pois
o
experimentalismo, ferramenta dessa filosofia, tem também fundamento em
características de uma sociedade que valoriza excessivamente o conhecimento
científico. O próprio termo progressista se apóia em uma fé no progresso econômico
para o aumento da qualidade de vida e solução dos problemas graves da sociedade.
Essa filosofia também não critica a sociedade consumista que leva a um desgaste
da natureza, logo, não alerta quanto à necessidade de mudança para novos hábitos
mais saudáveis. Atualmente, essa filosofia tem sido usada quase como técnica
didática pela filosofia tecnocrata.
A fé experimentalista junto com a filosofia progressista talvez não sejam
suficientes para sairmos da crise educacional, que é também uma crise ambiental.
Há pontos problemáticos como o do currículo ser ou não um reflexo dos problemas
sociais e políticos do momento ou se eles deveriam ser função da necessidade da
criança. A adoção do experimentalismo científico no tratamento do mundo pode vir a
desvalorizar conhecimentos que utilizam outras inteligências e de sociedades que
não se enquadram nesse sistema (tidas como atrasadas). Ou seja, há uma
hostilidade para culturas não-científicas, rotuladas de atrasadas ou primitivas, com
um sentido inequivocamente pejorativo associado, o que leva ao desmerecimento de
toda a criação de cultura humana não-científica e à exaltação do método científico.
33
Não queremos com isso desvalorizar os méritos que o conhecimento científico
trouxe para a nossa comunidade, mas colocá-lo frente a outros conhecimentos tão
importantes que, por serem sutis e muitas vezes inverificáveis com as ferramentas
da ciência atual, são inferiorizados.
Pelo que foi dito anteriormente, as filosofias tecnocrata e progressista, apesar de
terem abordagens diferentes quanto à metodologia de ensino e à aprendizagem,
têm em comum a não crítica dos aspectos consumistas da nossa sociedade, logo
promovem o conhecimento sem a preocupação de uma visão maior de preservação
e de novos hábitos sociais. É importante salientar que uma atitude consumista não
se evidencia no simples ato de comprar, mas na maneira que se utiliza os recursos
da natureza e mesmo no comportamento de ficar sujeito a todo tipo de sentimento, o
que não é interessante, pois existem comportamentos que não visam a um
compromisso social maior. A importância de adotarmos uma filosofia holística é a de
realmente entendermos que somos responsáveis pela natureza, que a astronomia
nos leva a esse contato e que esse é um canal privilegiado para introduzirmos
questões sobre valores sociais e responsabilidade social.
Ao invés de simplesmente preservar tradições de vida que têm
reproduzido as mesmas condições econômicas do passado, as
escolas, segundo os proponentes de ambas as visões [tecnocrata e
progressista], exercem um papel essencial em termos de
introduzirem a promessa de uma nova era (HUTCHISON, 2000,
p.16).
Devemos perceber a grande importância das sociedades primitivas em resolver
o que realmente é de valor para essa vida.
O holismo, enquanto uma tradição ecologicamente positiva, foca o indivíduo e
seu desenvolvimento pessoal e espiritual, e
[u]ma abordagem verdadeiramente holística do ensino e da
aprendizagem não abandona o foco tecnocrático sobre habilidades
básicas, nem ignora o desenvolvimento do educador progressista
com o desenvolvimento social de cada criança. Ao contrário,
34
aspectos significativos das filosofias tanto tecnocrata como
progressista são integrados em uma visão holística de educação
(HUTCHISON, 2000, p.67).
A educação holística valoriza aspectos como a intuição, a metáfora, a narrativa e
a espiritualidade para promover a aprendizagem. A intuição se passa, entre outros
momentos, quando o estudante está imerso em um trabalho criativo. O processo
metafórico é aquele que estabelece pontes entre conceitos aparentemente
diferentes, descobrindo novas relações. A narrativa serve, entre outras coisas, para
socializar as construções de conhecimento feitas pelos estudantes.
Por fim, a espiritualidade é apresentada sem dogmas, e sim como forma de
interpretar a realidade. Além dessa necessidade de se mencionar os aspectos
espirituais e de não simplesmente ignorá-lo, como se faz normalmente em uma
abordagem tecnocrata, a abordagem holística promove o desenvolvimento das
outras inteligências que nos compõem segundo a teoria das Inteligências Múltiplas.
Dentro da tradição holística, existe um reconhecimento de que todos os fenômenos
existem interligados uns aos outros e não podem ser completamente entendidos,
exceto em relação uns com os outros. Dessa forma, é difícil não perceber que a
saúde e bem-estar do ser humano estão intrinsecamente relacionados à saúde do
planeta e dependem dela, que precisam estar ligados também a nossas
experiências sagradas, enraizadas dentro de uma cosmologia biocêntrica, em vez de
antropocêntrica.
2.3 REPENSANDO A ASTRONOMIA NO ENSINO MÉDIO
Dessa forma, o presente projeto, além de se fundamentar na Teoria das
Inteligências Múltiplas, também reconhece a importância do enfoque holístico para a
educação. É ela que melhor se aproxima para contribuir com um conhecimento que
35
se preocupa com o todo, que tem uma visão multifacetada do ser humano em seus
aspectos emocional, psicológico, social, racional e espiritual. A abordagem holística
surgiu em contraponto às teorias tecnocrata e progressista, porque elas não
contemplavam algumas facetas importantes do ser humano, principalmente o caráter
espiritual. A primeira vê a escola como um prolongamento da indústria e do
comércio, onde o papel do professor é o de “passar” um determinado conteúdo e o
do aluno, recebê-lo. A visão progressista tem a investigação científica como
ferramenta do aluno para entender o mundo, onde o papel do professor é o de
facilitar essa relação. Ambas as filosofias, apesar de metodologias diferentes,
apóiam-se em uma visão materialista e não propõem uma real mudança na relação
consumista com a natureza, logo não apresentam soluções frente à crise ambiental
iminente e não contribuem para a saúde emocional das pessoas.
De maneira que a presente dissertação vem discutir alguns elementos
importantes que, espera-se, possam contribuir para a formação de indivíduos mais
integrados consigo mesmo e com a comunidade e ambiente que o cercam. Para
isso, desenvolvemos atividades didáticas para o ensino de astronomia no nível
médio que usam as “deixas” sugeridas por questões filosóficas do tipo: quem
somos? Como surgiram os seres humanos? Qual nosso papel na vida? Como tudo
surgiu? O universo acabará? Etc., para introduzir conceitos que vão além da simples
utilização das Leis de Kepler e da Lei da Gravitação Universal. Questões
importantes que os estudantes trazem consigo e que não só devem ser tratadas em
sala de aula, mas serem usadas para discutir noções de respeito às diferenças entre
as culturas, da percepção do conhecimento sobre astronomia como resultado de
uma produção mítica, filosófica e científica do pensamento humano e de perceber o
céu como uma representação simbólica cultural.
36
Para isso, promoveram-se aulas em um curso de capacitação para professores
do ensino médio na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti,
Natal/RN, onde o enfoque era o de abrir caminhos para a utilização de outras
inteligências que não exclusivamente a lógico-matemática, já tão enfocada no
ensino tradicional. Ao representar a origem do Universo através de desenhos, ao
discutir um texto que reflete sobre como outras culturas encaram essa questão,
ao fazer aqueles professores vivenciarem experiências teatrais, entre outras
práticas, queremos trabalhar outros níveis do ser humano, que muito contribuem
para a aprendizagem e formação, mas que infelizmente, não encontram espaço
dentro do ensino de ciências nas escolas. Dessa forma, acredita-se que se pode
estabelecer um elo entre o conteúdo de astronomia com as questões mais
existenciais que carregamos. Perceber também que responder a essas questões
de origem do universo, do mundo, da vida, etc. é um elemento motivador para
que os alunos estudem astronomia e que seu tratamento é mais adequado dentro
de um enfoque holístico, pois
[q]uando contada sob uma perspectiva narrativa, de um modo
participativo que evoque a inteligência criativa da criança
[estudante], essa história [da origem do universo] não apenas
tem o potencial para engajar a imaginação, mas também pode
satisfazer uma necessidade interna da criança de descobrir seu
próprio crescimento pessoal e seu desenvolvimento para ser
uma extensão da história do universo. Durante o mais mágico e
eloqüente dos momentos, talvez durante um período de intensa
atividade criativa ou um momento calmo de reflexão, as
histórias do próprio indivíduo e do universo podem ser ligadas
intrinsecamente em um único drama contínuo que abrange as
origens comuns de cada um (HUTCHISON, 2000, p.154).
Vendo que o ensino de astronomia tem uma grande receptividade pelos
estudantes em relação a essas questões existenciais, podem-se trabalhar vários
assuntos correlacionados, como o de história da ciência, as visões mitológicas e
37
filosóficas sobre a origem da criação, fazê-los refletir, entre outras coisas, sobre o
que é ciência e quais as conseqüências dessa ciência na sociedade, além de buscar
desenvolver o respeito a outras formas de expressões culturais. Na apresentação
dos modelos Geocêntrico e Heliocêntrico, por exemplo, o professor deve ter o
cuidado de perceber cada um deles como a produção intelectual da época em que
surgiram, logo se deve evitar a idéia positivista de que sempre progredimos para um
estágio melhor do que o anterior ou ter clareza sobre o que se pode chamar de
“melhor” diante de tantas desigualdades e injustiças sociais. Devemos destacar que
o modelo geocêntrico era um bom modelo científico e que foi substituído pelo
heliocêntrico pelo fato de já não explicar com tanta eficiência os fenômenos
observados e medidos na época. Mas ele, o modelo geocêntrico, surge da nossa
experiência direta com o céu, afinal, para nós é o Sol e as estrelas que se movem no
céu no passar das horas. Não sentimos a Terra se mexer de nenhuma forma. Há
muitos pesquisadores que afirmam que essa mudança envolvendo o centro do
sistema solar mexeu com o centro do ser humano; este já não é a dimensão, a
referência, de todas as coisas que o cercam.
Nas aulas desenvolvidas no projeto, demos uma atenção especial ao
tratamento das concepções de universo, pois normalmente se relaciona sua criação
ora com aspectos científicos ora com aspectos divinos. Longe de ser um indicativo
de que os alunos não entenderam as explicações sobre a teoria científica do Big
Bang nas séries anteriores, a Representação do Universo (realizada na atividade 01)
mais evidencia a necessidade da explicação espiritual e como ela sobrepuja os
conhecimentos científicos. Na verdade, identificamos a utilização desses dois
aspectos para o conceito do universo, ou seja, o aluno se utiliza tanto do aspecto
religioso quanto do aspecto cientifico dependendo da pergunta a ser respondida. Se
38
lhe é perguntado “como o universo surgiu?”, muitos dos estudantes irão associar o
modelo científico do Big Bang para explicar a maneira da construção do universo.
Mas se lhe é perguntado “por quê o universo surgiu?”, os estudantes recorrem às
explicações do tipo “Deus quis”.
Dessa forma, o cuidado naturalmente inerente a uma abordagem holística énos mais favorável, pois não há nela uma preocupação em combater os aspectos
espirituais em detrimento dos científicos (combate este implícito nas escolas, quando
os professores em geral nem mencionam os aspectos espirituais), pois esses dois
aspectos não concorrem entre si para um lugar de maior ou menor destaque; eles
simplesmente compõem o ser humano e são vistos de uma maneira natural e que
merecem iguais atenções. Vale salientar que
[a] noção de espiritualidade é essencial à filosofia holística.
Nesse caso, o termo não implica quaisquer dogmas religiosos
em particular ou uma tradição de outros mundos; em vez disso,
envolve nossa busca contínua por significado e por finalidade
no mundo (HUTCHISON, 2000, p.60).
O ensino de astronomia nos possibilita discutir questões profundas,
necessárias e urgentes para uma melhoria da nossa sociedade e
O critério para dar-se valor à história do universo não está
unicamente em sua “correção” ou “incorreção”, julgadas sob
uma perspectiva ocidental, por exemplo, mas no grau em que
dá a uma comunidade uma visão funcional e ecologicamente
sustentável do relacionamento humano com outros seres
humanos e com a comunidade da Terra como um todo
(HUTCHISON, 2000, p.152).
Outro ponto que podemos deixar claro quando ensinamos astronomia para os
estudantes é o fato de a ciência ser construída em torno de modelos. Os modelos
não são a verdade sobre a natureza e sim aproximações (quer dizer, espera-se que
sejam aproximações, porque tampouco isso pode ser provado ser assim de fato). É
uma resposta positiva da natureza frente a uma pergunta do pesquisador, mas não é
39
permitido saber se a pergunta foi bem elaborada ou se a resposta é uma cópia fiel
da natureza.
Os dados jamais estão livres da teoria, nem são ‘objetivos’ em
si mesmos, mas constituem resultados do processo de
interpretação social do investigador. Tradicionalmente, fala-se
sobre os dados como a prova máxima da objetividade das
teorias. Essa posição está baseada em algumas suposições
básicas e veladas na cultura dos cientistas, já que presume a
independência do objeto da investigação em relação ao
investigador (VALSINER, 1987, p. apud HUTCHISON, 2000, p.75).
Devemos deixar claro para os estudantes que o conhecimento sistematizado,
como o que produzido nas várias ciências, lida com modelos teóricos e que eles não
são verdades absolutas, mas afirmações temporárias baseadas em dados, em
experimentos e também em intuição pessoal do pesquisador, que podem ser
substituídos frente a outros fatos e dados e suas interpretações. Quando um modelo
é aceito pela comunidade ele de fato explica muitas coisas, fecha pontos de teorias
que estavam em abertos, prevê outras situações de aplicação da teoria etc, mas,
sobretudo, mexe em quase todos (ou talvez todos) os nossos paradigmas sociais:
artístico, emocional, político, científico, econômico e religioso de nossa sociedade.
Dessa forma, não existem ganhos sem perdas nas substituições dos modelos.
Contudo, a ideologia positivista que temos faz com que pensemos que toda
substituição e evolução são benéficas, o que é verdadeiramente questionado na
abordagem que propomos.
A questão de se a substituição de modelos sempre traz melhorias, pode ser
também analisada nas aulas de astronomia. Refletir sobre o fato de que a
tecnologia, a medicina, a fabricação de roupas e calçados e a produção de comida
avançam é uma realidade, mas também é fato que não acabamos com doenças
relativamente simples como a dengue, nem acabamos com a fome e a miséria em
muitas cidades brasileiras ou na África, por exemplo, assim como também é uma
40
realidade que os supostos avanços não chegam para todos no mundo. Também é
fato que presenciamos, estarrecidos, cenas de violência que nos chegam pela mídia,
que de tão chocantes perdem a nacionalidade, “aqui” ou “lá” são definições que
parecem pouco importar nesses tempos de globalização de economias. Assim, que
tipos de melhorias estão sendo considerados? Para quem essas melhorias têm sido
benéficas? Essas e várias outras questões desse teor podem ser trabalhadas,
inclusive, dentro dos Temas Transversais: Ética e Trabalho e Consumo.
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3 NOVAS ATIVIDADES DIANTE UMA NOVA EDUCAÇÃO
3.1 UMA PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO
Há algum tempo vem se questionando sobre o modelo e o papel da Escola na
sociedade atual, em grande parte por se perceber que existe um certo descompasso
entre o que se aprende na Escola e o que, de fato, a vida real exige como
conhecimento e informação. Na atual sociedade multifacetada, complexa e desigual,
as informações que recebemos pelas mídias são, na maioria das vezes, mais
interessantes, rápidas e coloridas do que as apresentadas na Escola. Assim,
devemos refletir sobre o papel da Escola como mera reprodutora de informações
monolíticas e perceber a urgência para que ela se torne construtora de atitudes,
valores e comportamentos sociais significativos nos jovens.
Dessa forma, a Escola deve assumir novos objetivos, entre eles, o de se
ensinar formas que levem efetivamente o aluno a se tornar um leitor eficiente do
contexto social, político e cultural que o cerca. Vista desta maneira, a prática docente
é mais do que se atingir um conteúdo, mas capacitar o estudante com habilidades,
valores e uma verdadeira atitude que o permita desenvolver uma capacidade de
aprender a aprender que permaneça por toda a vida. Ou seja, o educador deve
aprender a agregar ao conteúdo verbal, procedimentos e atitudes que sirvam de
ferramentas para os estudantes, para que eles possam utilizá-las no seu processo
de aprendizagem, principalmente para aqueles que não irão seguir os estudos em
uma formação acadêmica.
Apresentamos neste capítulo atividades que pretendem avançar nessa
direção e oferecer propostas concretas de ações pedagógicas coerentes com
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aqueles objetivos. Porém, antes de descrever essas atividades, é pertinente e
necessário expressar os fundamentos teóricos e filosóficos que as moveram. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento do Ministério da Educação e
do Desporto que sugere a reforma da educação brasileira, surgem dentro do espírito
mencionado no parágrafo anterior. Eles dão orientações para conduzir a prática
docente diante das constantes mudanças e necessidades da sociedade atual.
Assim, apresentamos neste capítulo atividades que têm como referências teóricas
os PCN, a Filosofia Holística, a concepção das Inteligências Múltiplas e elementos
de História e Filosofia da Ciência, para se tratar sobre a origem do Universo no
Ensino Médio.
A Filosofia Holística e as Inteligências Múltiplas já foram consideradas no
capítulo anterior. Vamos, então, inicialmente, expressar os fundamentos teóricos e
filosóficos no que diz respeito aos conteúdos dos PCN e de História e Filosofia da
Ciência abordados dentro das atividades. Em seguida discutiremos as atividades
propriamente ditas.
3.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS NO ENSINO MÉDIO
Encontramos na proposta dos PCN, aquelas do pesquisador espanhol César
Coll e colaboradores de 1987, que definiram conteúdo como tudo aquilo passível de
aprendizagem. Assim, além dos conteúdos conceituais, o “saber sobre”, referentes
aos conceitos, o currículo também deve contemplar os conteúdos procedimentais,
que seria o “saber fazer” e os conteúdos atitudinais, o “ser”.
É necessário estabelecer como definição que os conteúdos conceituais serão
aqueles que tratam de fatos, princípios ou conteúdos que foram construídos ao
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longo da história da humanidade ou mesmo fatos históricos. Dessa forma, para
serem aprendidos de uma maneira efetiva é necessário abordá-los de modo
contextualizado, pois assim exigirão outras capacidades que não sejam a
memorização.
Por sua vez, os conteúdos procedimentais referem-se ao “saber fazer” e
tratam sobre métodos, técnicas e destrezas que devem ser aprendidas para que
certas tarefas possam ser executadas a contento. Mesmo no aprendizado de Física
é necessário que se perceba que os conteúdos procedimentais vão além da
abordagem do método experimental ou do método científico, ao envolver técnicas
gerais de estudos, de destrezas manuais, de resolução de problemas, de estratégias
que possibilitam e facilitam a comunicação e o estabelecimento de relações entre os
conceitos. A aprendizagem de procedimentos deve estar problematizada, ou seja,
relacionada a algum problema conceitual que verdadeiramente se pretende resolver.
Por fim, o conteúdo atitudinal se relaciona com sentimentos ou valores que os alunos
atribuem a determinados fatos, normas, regras, comportamentos ou atitudes. A
aprendizagem de valores na disciplina de Física deve, além de incentivar o questionamento
e uma postura crítica diante da produção científica, fazer da sala de aula um espaço para a
promoção de valores, como solidariedade, respeito, cidadania e cooperação, reforçando
atitudes que devem estar contempladas no plano pedagógico da escola. Esses conteúdos
são aprendidos pelos estudantes através da imitação, que na maioria das vezes têm o
professor como modelo:
Assim, a aprendizagem de conteúdos atitudinais em sala de aula
relaciona-se bastante à forma como as atividades didáticas são
conduzidas e às relações afetivas e pessoais que se estabelecem
durante a aprendizagem. Isso exige que o professor de Ciências
sempre tenha uma grande coerência de comportamentos na atuação
docente (CAMPOS; NIGRO,1999, p. 52)
Dentro desse contexto de orientar para novas práticas pedagógicas, os PCN
também trazem informações a respeito de competências e habilidades necessárias
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para a formação do indivíduo. As competências são “qualificações humanas amplas,
e que não se excluem entre si” (PCNEM, 2002, p.15). Dessa forma, o PCNEM
identifica três conjuntos de competências: comunicar e representar; investigar e
compreender; contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. Já as
habilidades se referem a competências específicas. Ambas se desenvolvem por
meio de ações concretas nos tema de estudos e servem de guia para o plano
curricular da disciplina. Assim, a disciplina deve tentar atingir essas competências
dentro da unidade temática. Por exemplo, ao tratar os modelos geocêntrico e
heliocêntrico, o docente pode contextualizar os períodos historicamente.
Os PCN, como também sua versão mais completa e atual dos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), longe de serem “receitas” a
serem seguidas ao pé da letra, trazem orientações gerais para uma prática docente
mais atualizada e de acordo com as necessidades de formação contínua da
sociedade atual, cabendo ao professor adaptá-las à realidade escolar, ao projeto
pedagógico da escola e à comunidade em que ele trabalha. Essa contribuição
permite uma leitura e atuação “verticalizada” do currículo escolar, mas o êxito do
emprego dos PCN ou PCNEM depende mais do diálogo entre a escola e a
comunidade do que de atos isolados.
Em grande medida as orientações dos PCNEM são baseadas na filosofia
progressista. Portanto elas se fundamentam no experimentalismo e na construção
do conhecimento do aluno pelo próprio aluno, na necessidade de contextualizar os
conteúdos dentro do conhecimento de mundo dos estudantes e na promoção da
cidadania. Além disto elas têm o professor como facilitador do processo, para atingir
atitudes e valores capazes de permanecer com os estudantes mesmo após o
término do ensino formal básico, que se dá no fim do ensino médio. Isto porque
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[o] novo ensino médio, em termos da lei, de sua
regulamentação e de seu encaminhamento, deixa de ser,
portanto, simplesmente preparatório para o ensino superior ou
estritamente profissionalizante, para assumir necessariamente
a responsabilidade de completar a educação básica. Em
qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a
vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado
permanente, em eventual prosseguimento dos estudos ou
diretamente no mundo do trabalho (PARÂMETROS...,2002, p.8).
O ‘novo ensino médio’ exige também uma nova postura enquanto seleção de
conteúdos, ficando evidente que o tratamento de novos temas dentro da disciplina
de Física só é possível com um enxugamento do excesso de conteúdo conceituais
que visem apenas ao repasse do conhecimento para o vestibular. Ou seja, faz-se
necessário ter em foco os conceitos e princípios fundamentais da disciplina para
associar neles os demais conteúdos: procedimentais e atitudinais possíveis.
Apesar dos PCN merecerem críticas quanto à sua efetiva prática nas escolas
brasileiras, seu descompasso entre a formação idealizada de professor e o que se
tem na realidade, bem como o agravante de se introduzi-lo diante da, ainda precária,
infra-estrutura das escolas dos quatro cantos do país, não se pode negar que a
motivação básica do material é positiva, uma vez que alguns desses elementos
dependem mais de políticas e de incentivos à educação fugindo do âmbito que
qualquer material com aquela finalidade pode arcar. Dessa maneira, na sua forma
presente, tal projeto pode ser considerado como um documento e um fundamento
importantes da educação brasileira, uma vez que não pode passar despercebido seu
significativo esforço de tentar melhorar a educação do país e de trazer elementos
pertinentes nessa contribuição.
Porém, é preciso que o docente tenha a clareza de que, por se apoiarem na
filosofia progressista, os PCNEM ainda não completam a formação do indivíduo, já
que se ausentam frente às necessidades espirituais do ser humano. E este é um
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tratamento de fundamental importância para a filosofia holística, diferenciando-a
entre as outras, e que serve de base para a presente dissertação.
Além da importância desse tema na formação do ser humano, é quase
inevitável que a discussão da origem do Universo traga elementos de dúvidas nos
estudantes, ao se contraporem teorias científica (o “Big Bang”) e espiritual (o
Gênese). Logo, o professor deve ter a consciência que os modelos utilizados para
explicar o mundo buscam atender necessidades básicas e de diferentes tipos do ser
humano, sendo sem sentido escolher entre essas duas visões a melhor explicação,
em termos absolutos. Deve-se tentar fazer com que os estudantes percebam-nas
enquanto seus significados profundos de modelos, e, portanto, com seus valores
histórico e cultural característicos.
Na verdade, o professor de Ciências, ou, em particular, de Física, deve tentar
superar a metodologia da superficialidade e não achar que deva escolher a teoria
científica para “fortalecer” o seu “lado”, para dar peso e credibilidade para o que ele
fala em sala de aula. Esses atributos, na verdade, são dados pela coerência de sua
postura: o que ele diz e o que de fato pratica.
Desprezar a visão espiritual pela avidez ou ignorância para garantir a
perpetuação de uma visão positivista é uma postura limitada que já tem causado
muitos malefícios na educação científica em geral. Se o professor for capaz de
realmente abordar o tema isento de sentimentos rançosos e piadas para a visão
espiritual, pode-se acreditar que os alunos terão visto e vivenciado uma bonita
prática de respeito diante das diferenças e isso pode valer mais que muitas
campanhas de paz, cartazes ou aulas expositivas para que se possa produzir o
mesmo efeito.
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Tratar esse tema com isenção também pode dar um pouco do sentimento de
respeito às diferenças culturais existentes no planeta, que são tão necessárias
diante de tanto terror causado por guerras, as quais, sem dúvida, têm seus
fundamentos na economia, mas que se agravam frente ao choque cultural entre os
envolvidos. Por isso o professor não deve ficar preocupado diante da questão sobre
“quem criou o universo?”, pois, dentro do contexto histórico em que se analisa esse
tema, o universo foi criado por deuses, por Deus ou através de um processo
altamente expansivo chamado de “Big Bang”. Cabe ao docente ter a clareza de
quais aspectos cada explicação (modelo) tenta satisfazer no ser humano e para isso
é inevitável que se conheça o contexto histórico e cultural desse homem, seu aluno.
3.3 OS PCN E AS ATIVIDADES PROPOSTAS
No tratamento do ensino de Física segundo os PCNM (PARÂMETROS...,
2002, p.47),
Espera-se que o ensino de Física, na escola média, contribua
para a transformação de uma cultura científica efetiva, que
permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e
processos naturais, situando e dimensionando a interação do
ser humano com a natureza como parte da própria natureza em
transformação. Para tanto, é essencial que o conhecimento
físico seja explicitado como um processo histórico, objeto de
contínua transformação e associado às outras formas de
expressão e produção humanas.
Nessa perspectiva, fica evidente a necessidade de inserir cada vez mais, nos
conteúdos conceituais de Física, elementos de Filosofia e História da Ciência, para
que o estudante perceba a construção do conhecimento em seu processo contínuo
e social, que se estende até os dias de hoje.
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É também de fundamental importância discutir o que é Ciência, seu método
de construção do conhecimento (científico) e a repercussão de seu produto, muitas
vezes em forma de tecnologia, na sociedade. E isso deve ser providenciado através
de discussões críticas, para superar o senso comum de que a Ciência é feita sempre
de acertos e que trata apenas de verdades acabadas e imutáveis. Dessa forma,
[a] Física [é] percebida enquanto construção histórica, como
atividade social humana, emerge da cultura e leva à
compreensão de [que os] modelos explicativos não são únicos
nem finais, tendo se sucedido ao longo dos tempos, como o
modelo geocêntrico, substituído pelo heliocêntrico, a teoria do
calórico pelo conceito de calor como energia, ou a sucessão
dos vários modelos explicativos para a luz (PARÂMETROS...,
1999, p.56).
As atividades aqui apresentadas para o ensino de Astronomia no Ensino
Médio visam introduzir alguns conceitos sobre o que é ciência, mitologia, filosofia e
história da ciência, bem como promover o valor de respeito a outras interpretações
culturais, para capacitar no estudante um conhecimento mais profundo de mundo e
do céu, em particular. Sendo assim, é inevitável despender mais aulas do que
normalmente se disponibiliza nos currículos tradicionais para que se trabalhe com
esses outros elementos, bem como não se estar tão amarrado às fórmulas.
Dentro das concepções de holismo, como educação, e das inteligências
múltiplas, como ferramentas para a aprendizagem dos estudantes, essas atividades
foram desenvolvidas com o objetivo de refletir e introduzir conceitos sobre cultura,
mitologia, filosofia e ciência, bem como criar o sentimento de respeito nos
estudantes quando frente a diferentes interpretações sobre um determinado tema.
No presente caso, o tema é a origem do universo, tratada na disciplina de
Física no Ensino Médio, e busca evidenciar a idéia do ser humano como um
intérprete social e cultural dos fenômenos que o cercam, de forma que fique natural
perceber que diferentes culturas podem interpretar os mesmos fenômenos de
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maneira diferente e que não é possível julgar essas interpretações sem tentar
compreender minimamente o processo histórico e o meio cultural em que ela foi
desenvolvida. Ou seja, ao se olhar uma outra cultura, deve-se fazê-lo com o
sentimento de respeito, pois qualquer comparação feita reflete mais sobre as nossas
próprias ideologias do que as da outra cultura. Por exemplo, usando como medida o
progresso de uma sociedade, o seu nível de conhecimento científico e sua produção
tecnológica, as culturas indígenas possivelmente serão vistas e tratadas como
atrasadas e se desconsiderará todo um conhecimento profundo que elas possuem,
mas que foge à visão da ciência ocidental moderna. Procedendo-se dessa forma,
pode não se perceber uma determinada cultura indígena por se estar utilizando
conceitos ideológicos da sociedade moderna.
3.4 - REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO
A primeira atividade quer constatar a hipótese de que a sociedade moderna
atual conseguiu de forma eficiente tirar o ser humano da concepção do universo.
Assim, apoiada no fato dos estudantes poderem representar suas concepções
espontâneas a esse respeito através de um desenho, partiu-se para verificá-la
através de uma atividade que consiste em entregar uma folha de papel ofício e lápis
de cor aos alunos e pedir para que eles representem o Universo1. Como resultado
obtivemos desenhos de estrelas, galáxias, planetas, satélites e, até mesmo, naves
espaciais. Da análise desse material chegou-se aos seguintes pontos básicos, que
devem ser tratados em sala de aula para que o aluno possa:
1
Essa prática foi idealizada por Luiz Carlos Jafelice, há muitos anos, e tem sido usada por ele em cursos de
astronomia. Maiores comentários sobre a mesma podem ser encontrados em Jafelice (2005). Tal prática também
foi sugerida como uma atividade na disciplina de História da Ciência, no mestrado profissionalizante, ministrada
por Gilvan Luiz Borba, Arlete de Jesus Brito e Luiz Seixas das Neves junto ao PPGECNM/UFRN, em 2002.
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1. Perceber a sua forma intuitiva de ver o universo;
2. Alertar-se quanto à ausência de elementos humanos nos desenhos;
3. Evidenciar para si mesmo que o universo foi associado ao Sistema Solar;
4. Refletir se durante todo o processo histórico do ser humano houve sempre
essa concepção de diferenciar entre o universo e as pessoas;
5. Ver que alguns estudantes usaram uma interpretação religiosa, do Gênese, e
outros a concepção científica, do “Big Bang”, para representar a mesma
origem do universo;
6. Construir uma visão mais holística e duradoura a respeito do universo; e
7. Resgatar um sentimento mais integrador entre ele e o universo.
Esses, entre outros, são pontos fundamentais para a formação de indivíduos
mais conscientes quanto à sua relação com o que está à sua volta, seja com
amigos, com a família, com a comunidade, com o meio ambiente etc. Assim, essa
atividade tem como objetivo despertar nos estudantes esses temas, para envolvê-los
nas demais atividades e discussões no decorrer do curso. Logo, não se
apresentarão conceitos e definições, apenas se evidenciará quais concepções e
idéias eles têm sobre o tema do universo.
Depois de terem desenhado, expõem-se os trabalhos para a turma, para que
todos vejam as demais produções. Em seguida começa-se a fazer questionamentos
sobre os desenhos e o que o aluno quis representar com essa ou com aquela figura
na atividade. Esse processo dá conta do item 01, e por fim verbalizar o que eles
fizeram nos desenhos. O item 02 é tratado com o questionamento direto sobre por
que eles, ou a maioria deles, não incluíram o ser humano nas representações, e, na
seqüência, evidenciar o fato de que eles, ou a maioria, associaram o universo ao
51
Sistema Solar, item 03. Instaurado o conflito cognitivo, pergunta-se, então, como se
deveria conceituar o universo. Esse conceito deve partir, no máximo possível, deles.
Por fim o professor mostra imagens de pessoas, de bichos, de galáxias etc. para se
construir a noção de que a palavra “universo” tem um conceito amplo, que incluiu
tudo o que se conhece. Aqui, deve-se deixar claro que será preciso ampliar a noção
de universo, que habitualmente traz a idéia de ser algo que está apenas “fora” das
pessoas (como as estrelas, as galáxias etc.), e perceber-se que essa palavra
também incluiu o “aqui”, o ser humano, os bichos, etc., logo, inclui o “dentro” de nós
também.
Na seqüência, trabalha-se o item 04, perguntando-se claramente o que eles
sabem ou o que acham sobre se a visão a respeito do universo tem sido a mesma
ou se mudou com o tempo. Alguns vão dizer que constelação sempre esteve
associada a essa palavra, universo. O que é importante é que o professor mostre
que em algumas culturas o elo entre o ser humano e universo não estava desfeito,
ao contrário, havia toda uma cultura que os fazia convergirem. Essa diferença surgiu
com a Idade Moderna e se intensificou com o pensamento científico, que buscou
sempre classificar e compartimentar as partes. Outras concepções autóctones de
universo, como nas indígenas, por exemplo, encontram-se inúmeros rituais que
associam o homem ao cosmo.
Outro fato interessante é o do item 05, o de perceber que em alguns
desenhos os estudantes ao representarem a origem do universo ou partem para
uma forma religiosa do Gênese ou partem para uma forma científica do “Big Bang”.
Deve-se fazer com que os estudantes percebam que se depararam com dois
modelos diferentes que querem explicar a mesma coisa. E agora, qual escolher?
Deve-se também dar um tempo após uma pergunta para que cada um possa se
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relacionar com o próprio conflito cognitivo e refletir sobre ele. Como foi mencionado
no capítulo 02, o aparecimento de desenhos que envolvem uma explicação religiosa
não indica necessariamente que os estudantes não entenderam o modelo do “Big
Bang” nas séries anteriores, mas evidencia a necessidade de uma explicação
espiritual e como ela sobrepuja o conhecimento científico em alguns momentos.
Figura 1 – Exemplo de modelo científico do universo, desenhado na oficina.
Apesar de delicado e polêmico, esse assunto pode e deve ser tratado em sala
de aula, desde que o professor perceba as diferenças entre o que o conhecimento
científico oferece e o que o conhecimento espiritual oferece e, sobretudo, assuma
sua função educadora e não eleja um lado. O conhecimento espiritual acerca da
“origem do mundo” está vinculado com as primeiras respostas dos seres humanos
ao questionamento de como tudo surgiu. Tal concepção da origem retorna, portanto,
às concepções mitológicas cosmogônicas.
Novamente ressalta-se que não é possível eleger um ou outro modelo, pois,
apesar de serem explicações para o mesmo questionamento, cada uma tem seus
métodos de investigação, diferentes um do outro, e, principalmente, cada uma
responde a uma necessidade psicológica e emocional do ser humano. Pode-se
apenas esclarecer o quanto cada um pretende contribuir para a compreensão do ser
humano a respeito do surgimento do universo e que nossas necessidades como
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seres humanos não são inteiramente contempladas no ensino tradicional das
escolas.
Figura 2 – Exemplo de modelo religioso do universo, desenhado na oficina.
Infelizmente temas que envolvem espiritualidade não são tratados na escola
porque, entre outras coisas, não podem ser verificáveis com as ferramentas da
ciência e assim receberem o selo de “cientificamente comprovado”. Dessa forma,
temas desse teor são colocados em segundo plano e classificados como
conhecimentos de importância menor. Por esse motivo que uma abordagem
holística nos permite falar naturalmente sobre temas espirituais que são trazidos
quando trabalhamos o conteúdo de origem do universo na sala de aula.
É inquestionável a necessidade de se trazer as opiniões científica e espiritual
para o contexto escolar, não para que se torne mais um tema polêmico na escola,
mas para que se evidencie que elas têm recursos diferentes e que visam chegar ao
mesmo lugar: uma explicação sobre a origem do universo. Perceber essa diferença
nos remete ao respeito que devemos ter ao ouvir opiniões diferentes das nossas e,
54
principalmente, refletir sobre as implicações desses diferentes pontos de vista na
construção da nossa sociedade. Como queremos deixar claro nesse trabalho, não
estamos preocupados apenas com os conteúdos, mas também com as atitudes e os
valores nos estudantes.
Figura 3 – Possível limitação do Universo ao Sistema Solar, desenhado na oficina.
O item 06, pela pesquisa feita na disciplina de História da Ciência, onde se
pôde comparar os modelos da origem do universo para estudantes dos vários níveis
(fundamental, médio e superior), foi interessante notar a persistência de algumas
informações, que, quando aprendidas nos primeiros anos de nossas formações,
podem continuar sem retoques durante toda a vida. Isso revela a importância de
ensinarmos ciências, de um modo geral, pensando na formação científica para um
cidadão que não pretende necessariamente desenvolver ciência. Logo, a grande
responsabilidade de se despertar, através da ciência aprendida na escola, valores
importantes e fundamentais para a vida das pessoas em nossa sociedade, para que
55
esse conhecimento possa desenvolver um sentido mais profundo e amplo de
significados com a vida.
Por fim, o item 07 é apresentado como um convite para que nos próximos
encontros eles tentem se libertar um pouco de possíveis preconceitos, para que
possam usufruir atividades futuras que querem aproximar, integrar na pessoa, os
elementos que foram soltos pelo ensino fragmentador e reconstruir a palavra
“universo”. Essas atividades serão principalmente as de número 3.8 (Representação
teatral a respeito da origem do universo) e 3.11 (A dança indígena tupi-guarani do
IEAOUY).
3.5 - CONSTELAÇÕES DE TINTA EM PAPEL
O objetivo dessa prática2 é evidenciar que o céu é um reflexo da construção
cultural e social do homem, sendo uma tapeçaria de informações importantes para
uma dada cultura. É uma atividade simples de ser executada onde, novamente
entregou-se uma folha de papel ofício e tintas coloridas guaches, água e pincéis
para salpicar tinta no papel. Segue a orientação para que após o salpique, as
pessoas tentem identificar padrões, figuras, desenhos formados pela tinta jogada
aleatoriamente. Esse recurso é semelhante a quando uma determinada comunidade
olha para o céu e “liga os pontinhos” formando, no céu, as figuras que têm
significado para ela e que formam “as suas constelações”.
Essa atividade evidencia que a pessoa, quando levada a se expressar
espontaneamente, em sua inteligência interpessoal, identifica desenhos que, de
2
Esta atividade foi idealizada por Luiz Carlos Jafelice, inicialmente para o desenvolvimento de um trabalho de
pesquisa sobre constelações a ser realizado por estudantes do 2o ano do 1o ciclo do Nível Fundamental da turma
da professora Zilda e de sua assistente Eleide, da Casa Escola, em Natal, RN, no primeiro semestre de 1995.
Esse trabalho culminou com a produção de um belo livro por aquela turma, muito rico em informações e
atividades interdisciplinares, ao qual eles intitularam “Das Constelações Zodiacais às Constelações Indígenas”.
56
alguma maneira, estão relacionadas ao seu conhecimento de mundo dado pela
cultura e que tem um tom de importância emocional. Por exemplo, alunos com
formações superiores, que vêem nos pontos aleatórios a formação da constelação
do filho ou da filha, alunos do ensino fundamental que enxergam bolas, carrinhos e
bonecas, demonstram que, além de compartilharem desses elementos com a
cultura, destacam o que lhe é mais importante, uma vez que um mesmo desenho
pode ser visto por outras pessoas e tomar interpretações diferentes.
Figura 4 – Projeções de constelações pessoais, desenhado na oficina.
57
Após a atividade realizada, os desenhos expostos juntamente com a
interpretação de quais “estrelas” são vistas, mostrou-se para os alunos, através de
fotografias em transparências, um mesmo conjunto de estrelas que chamou a
atenção de diferentes povos e que recebeu diversos nomes, dependendo das
concepções culturais de cada povo. Um dos exemplos é o da constelação que
conhecemos como escorpião. Ela foi associada a esse animal pela cultura grega,
pois para eles há uma história do caçador Órion que começou a matar por maldade;
para castigá-lo o curandeiro Ofiúco colocou um escorpião para perseguí-lo. Essa
estória se encontra no céu para lembrar aos membros da comunidade que aqueles
que não caçam apenas por necessidade são castigados. O mesmo conjunto de
estrelas foi associado a um anzol pela cultura havaiana. Para eles foi o seu deus
que, usando um anzol, puxou do fundo do mar as terras que compõem aquele
arquipélago. Logo, está no céu esse importante anzol. Por outro lado ainda, esse
mesmo grupo de estrelas faz parte da constelação da Ema para os povos Tembé
(dos estados do Pará e Maranhão), a qual tem importância para identificar o período
das chuvas.
Figuras 5, 6 e 7 – Constelação de Escorpião. Fonte: Livro de Bretones e Índios Tembé.
Ressalta-se que a comparação feita entre as constelações das diferentes
culturas não tem como objetivo eleger a melhor representação, mas mostrar que o
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céu, conforme visto por pessoas de uma dada cultura, contém naturalmente
representações da mesma. Com tal atividade, tenta-se também evidenciar e
respeitar as diferenças naturais de visões de mundo que cada cultura pode ter sobre
um mesmo tema: o céu, no caso. Nessa atividade, apesar do estudante não precisar
nomear as constelações conhecidas no céu, dependendo da sua faixa etária e de
seu conhecimento sobre elas, ele nomeará seqüências de pontos com os nomes
das constelações conhecidas; por exemplo, muitas vezes três pontos em seqüência
são chamados de três Marias3.
3.6 APRENDENDO COM OS ÍNDIOS4
Por considerar que o estudante no ensino médio deve ter em sua formação
escolar situações envolvendo vivências de diferentes tipos e pelo fato do texto
“Educação? Educações: Aprender com o Índio”, ser particularmente interessante,
por expressar que o sentido da educação é elaborado pela sua utilidade em uma
determinada cultura e que pode atender a necessidades diferentes, ele foi escolhido
para uma de nossas atividades. Esse texto é muito feliz ao explicitar que a educação
é tanto uma causa em si, como também um produto do contexto histórico e social do
homem em sua cultura. Dessa forma, tal texto reforça, em particular o fragmento da
carta dos índios contida nele, que a educação do “outro” pode nos parecer diferente.
Outro fato importante é que a análise de uma cultura e o julgamento
associado, são, muitas vezes, carregados de valores da própria cultura que está
julgando. De fato, se forem usados como medida do “progresso” de uma sociedade,
3
O conjunto das três Marias não é oficialmente uma constelação, isto é, não constitui uma das oitenta e oito
constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional, e, sim, representam o cinturão do caçador
Órion (que é uma constelação oficial); mas popularmente as “três Marias” são consideradas “uma constelação”.
4
Texto no anexo B.
59
seu nível de conhecimento científico e sua produção tecnológica (da forma que
estes quesitos são definidos na sociedade moderna), as culturas indígenas
possivelmente serão vistas e tratadas como atrasadas e se desconsiderará todo um
conhecimento profundo que foge à visão da ciência positivista, da qual a atual
sociedade de consumo está impregnada; juntando-se ainda a isso a característica
da sociedade moderna de ressaltar seus valores às custas da desvalorização, e
muitas vezes ridicularização, dos outros.
Quer-se com o trabalho desse texto que o aluno perceba que a educação é
uma construção social, e, logo, que nem todas as culturas têm o mesmo sentido de
educação que a nossa, e, principalmente, que esse fato não a inferioriza de modo
algum, apenas a diferencia. O texto é tratado dentro de uma perspectiva de
promover um momento de discussão, onde os alunos podem expressar idéias e
argumentos, bem como ouvir e analisar outras opiniões para exercitarem o respeito
ao outro.
É bem possível que o texto tenha um melhor proveito para professores, uma
vez que as aulas e as atividades, apesar de pensadas para alunos de ensino médio,
foram também vivenciadas por professores da Escola Estadual Professor Francisco
Ivo Cavalcanti – Natal/RN5, onde pudemos articular com eles questões mais
complexas de educação propriamente dita. Para os alunos de ensino médio o
principal objetivo é fazer o paralelo entre diferentes formas de educação e as
diferentes formas de conhecimento ou “ciências”.
5
Vivências essas que trabalhamos com eles em um curso de capacitação e treinamento, dentro do projeto
“Educação em Ciências através de Observatórios Virtuais”, da Fundação Vitae – São Paulo/SP.
60
3.7 APRENDENDO COM A CIÊNCIA
Essa atividade permite discorrer sobre o modelo científico da grande explosão
(“Big Bang”), sobre a evolução estrelar, bem como dizer que os elementos químicos
conhecidos aqui na Terra foram gerados dentro de estrelas.
Na primeira atividade, que é representar graficamente o universo, são comuns
desenhos do Sistema Solar. O que pode indicar que os estudantes julgam que o
universo é, na verdade, constituído apenas do Sol e de seus nove planetas, ou seja,
não muito longe de uma visão aristotélica.
Dessa forma a motivação central da exposição dos diapositivos6 (slides) é
fazer com que os estudantes componham uma imagem ampliada do universo,
constituída de galáxias, que por sua vez são constituídas de inúmeras estrelas, que
podem ou não formar sistemas planetários.
3.8 REPRESENTAÇÃO TEATRAL SOBRE A ORIGEM DO UNIVERSO
Essa prática visa estimular que os alunos se expressem em suas várias
inteligências: interpessoal, intrapessoal, sinestésico-corporal, musical etc. para
contarem a história da origem do universo. Como a preocupação é sempre
mostrar que existem diferentes formas de ver o Universo através dos tempos e
das culturas humanas, sempre recebendo diferentes explicações, algumas mais
próximas do intuitivo e outras mais próximas da razão, sem que nenhuma seja
superior à outra, sendo apenas visões diferentes, seleciona-se, para essa prática,
quatro textos distantes no espaço e no tempo, mas que falam sobre o mesmo
6
Para esta atividade utilizamos os diapositivos organizados pela Sociedade Astronômica Brasileira (SAB).
61
tema: a origem do universo. Um texto bíblico: Gênese; um científico: “Big Bang”;
um indígena: do povo Dessâna, que habita entre o rio Tiquié e Papuri, no
noroeste do Amazonas; e outro filosófico indiano: “Nasadasiyasukta”, do Rig
Veda.
Com a turma separada em grupo de três a, no máximo, cinco estudantes
(dependendo se a turma é grande), os textos são distribuídos e pede-se que eles os
representem teatralmente (ou seja, não há problema em uma turma grande se dois
grupos diferentes pegam o mesmo texto, já que a forma de se expressarem será
diferente). A proposta de que eles possam se expressar não só verbalmente, mas
sobretudo usando as outras linguagens do corpo, evidencia a grande dificuldade
para a maioria dos alunos de se expressar dessa forma. Assim, damos um tempo de
dez minutos para que eles organizem as idéias, em seguida começam as
apresentações. Cabe, nesse momento, ao professor, garantir pelo menos uma
apresentação de cada texto, uma vez que ele pode estar justo no calendário escolar,
mas mesmo assim perceber a importância de se discutir o tema; neste caso, as
outras apresentações podem ser deixadas para uma outra oportunidade, porém
deve-se tentar encaixar nesse dia os alunos que gostariam de se apresentar.
Depois dos grupos se apresentarem inicia-se o questionamento sobre o que
os textos tratavam e deixa-se que os estudantes se expressem. Aqui apresentamos
alguns questionamentos que o professor pode seguir para melhor utilizar a atividade,
bem como o que se espera que os alunos verbalizem ou que alcancem com as
explicações posteriores do professor:
Pergunta (P): Do que os textos tratavam?
Resposta (R): Da origem do universo.
P: O que acham de ter várias interpretações a respeito do mesmo tema?
62
R: Normal, uma vez que as interpretações são construções de acordo com um
momento histórico e social de cada época.
P: Qual dos textos representa melhor a origem do universo?
R: Todos. Novamente: porque os textos são construções sócio-culturais de uma
época. Logo, não é possível que se eleja um em particular sem ter a consciência do
processo histórico-cultural em que ele foi criado.
Em seguida, o professor explicará que as diferentes interpretações são
conhecidas na ciência como modelos. Os modelos são as elaborações de uma
teoria, que tenta explicar um dado fenômeno na natureza, são construções que
dependem da cultura.
O professor, muitas vezes passa para os alunos que os modelos são feitos
com tal rigor que não cabe o acaso ou a interferência do sentimento de quem produz
a ciência. Porém devemos ter claro que esses elementos entram na elaboração ou
escolha de um modelo. O modelo, muitas vezes, aceito por um nível mais
inconsciente, retoma os nossos arquétipos míticos.
Nessa atividade, o estudante se depara com diferentes modelos que explicam
o mesmo fenômeno: a origem do universo. Esse fato evidencia a temporalidade dos
modelos, aceitos até que surjam outros que os substituam, que expliquem não só os
mesmos pontos que os modelos anteriores, mas também os pontos que estavam em
aberto e ainda lancem luz para novas pesquisas. O fato de termos, no decorrer da
história, vários modelos propostos pelos homens para explicar a origem do universo,
indica as mudanças nas concepções culturais e históricas que perpassa a
sociedade. Dessa forma, a substituição de modelos deve ser levada à escola como
um processo natural, da construção da própria ciência, e que traz conseqüências
importantes, lançando novos paradigmas sociais, filosóficos, religiosos e de ética,
63
entre outros. É importante também ressaltar que esses assuntos podem ser
trabalhados dentro dos temas transversais dos PCN de Ética.
A escolha das quatro diferentes visões sobre a origem do universo: religiosa,
científica, filosófica dos indianos e dos índios brasileiros foi feita para que se
permitisse contrapô-las. O professor deve ter o cuidado de evitar a perpetuação da
imagem da ciência como acabada ou como sabendo exatamente onde vai chegar
através das pesquisas. Essa é uma idéia que não contempla o real fazer científico,
além de exagerar os feitos da tecnologia que, sem crítica, é um discurso que se
ausenta frente à crise ecológica, agravada pela escolha dessa própria tecnológica,
bem como diante das desigualdades que ela, mesmo podendo, não resolve.
3.9 RESGATANDO O MICROCOSMO E O MACROCOSMO NO SER HUMANO7
Será que ainda há como integrar a mente, o corpo e a natureza nos
estudantes, sobretudo do Ensino Médio, para que um pensamento ecológico flua?
Será que se pode fazer essa integração usando o ensino de Ciências e, em
particular, o Ensino de Astronomia? Esta atividade visa refletir sobre a atual
fragmentação que distancia o homem da natureza e propõe uma abertura para esse
resgate ao evidenciar momentos na história da humanidade onde um pensamento
mais integrado esteve presente.
Com a atividade anterior e um pouco mais de leitura sobre as visões, lá
representadas, e, para isso, o livro do professor Roberto Martins é fortemente
recomendado. O professor percebe que no Pensamento Mitológico existia uma
proximidade entre a origem do Universo e a origem do próprio ser humano. Dessa
7
Textos no apêndice A.
64
forma, um deus ou alguns deuses, partindo do seu Querer constroem uma obra que
culmina com a criação do próprio homem. E o ser humano recebe dos deuses,
através de sonhos, por exemplo, o conhecimento sobre as plantas, animais,
estações do ano etc., para poder viver sobre esse mundo que foi criado divinamente,
sendo seu papel recriar, através de rituais (que são vivências autênticas do Mito de
Criação do Universo), o mundo sempre que necessário.
A concepção existente é a de que tudo – objetos, fenômenos, sentimentos,
processos, pensamentos, sonhos, ações – é sagrado. É comum que esses rituais
ocorram no solstício de inverno, que é o momento mais agudo dessa época do ano,
quando a natureza pode começar a se renovar, quando já se pode esperar mais
confiante pelos indícios do princípio da primavera. Logo, é também característica
dos mitos terem um tempo cíclico, capaz de retornar às origens e reverter o
processo de desgaste natural, recriando o mundo-universo exatamente como foi
feito pelos deuses da primeira vez.
Ao contrário do Pensamento Mitológico, que é comum nas culturas
primitivas8, o Pensamento Filosófico surgiu muito particularmente no mundo antigo
na Grécia e na Índia. Neste Pensamento foram imaginados alguns modelos de
Mundo nos quais não houvesse a necessidade de um deus criador. Assim, em um
deles o mundo é criado com base no elemento água (Tales de Mileto), em outro
modelo, é criado pelos elementos: Terra, Fogo, Água e Ar (Empédocles), e no
modelo atomístico é feito por partículas eternas e imutáveis, chamadas átomos, que
se movem em um espaço vazio.
De forma que com a ausência de um deus criador, não existe mais a
necessidade de se recriar o mundo através de rituais, não existe mais uma relação
8
Usa-se aqui o mesmo termo empregado pelo historiador das religiões Mircea Eliade, portanto sem qualquer
conotação de inferiorização ou discriminação.
65
direta entre o ser humano e o Universo, podendo-se concluir que tal Pensamento
trouxe ao ser humano um afastamento da natureza. O professor Roberto Martins
associa a concepção grega do espaço vazio na matéria com um vazio de sentido no
ser humano. Ele nos esclarece:
O homem está liberto dos mitos e do medo, mas perdeu
também a possibilidade de sentir-se como parte do universo
vivo, bom, sábio. Perdeu os rituais, não pode mais ultrapassar
o tempo e reviver o princípio de tudo. O atomismo deu ao
homem o vazio – em vários sentidos (MARTINS,1994, p. 49).
Talvez essa ausência de sentido tenha feito o homem medieval, ao estudar
sobre a filosofia grega do passado (período conhecido na história como
Renascimento), inicialmente se voltar ao pensamento platônico, pois o filósofo grego
Platão valorizava o mundo espiritual. Santo Agostinho foi o maior estudioso dessa
corrente.
É também no Renascimento que são retomados os estudos em alquimia,
astronomia e magia. Igualmente associado à filosofia de Platão, o neoplatonismo
tem como uma das idéias mais importantes a concepção do homem ser o universo
em miniatura, ou seja, um “microcosmo”, comparado com o grande universo em seu
entorno, “o macrocosmo”. É nesse período que se encontra em O sábio (1509), de
Charles de Bovelles, e nas obras de Paracelso (que foi médico, alquimista e
escritor), referência simbólica entre o macrocosmo e o microcosmo.
Ele [o sábio] não se ausenta de si mesmo, ele não se
abandona, só ele pode se recolher a si próprio, ele se torna
constantemente o seu próprio espelho; ele se abraça a si
mesmo, ele se volta para si, circularmente... Ele mora ao
mesmo tempo no mundo sensível e no mundo intelectual. Pelo
seu corpo, é verdade, ele vive sobre a Terra, como as feras,
mas por seu espírito, que se abre aos céus, ele percorre
caminhos celestes (MARTINS,1994, p.70).
Porém, já no final do Renascimento, a filosofia de Aristóteles adquire grande
importância através dos estudos de Santo Tomás de Aquino. O pensamento
66
aristotélico se torna influente no pensamento europeu e irá subsidiar o Pensamento
Científico, que surge junto a Idade Moderna. O Pensamento Científico tem sua
máxima expressão através do método científico9, e o conhecimento passa a ser algo
que pode ser observado, medido e avaliado segundo critérios supostamente
objetivos.
Analisando a atual forma de ensino-aprendizagem, fica evidente que, de
todas as nossas heranças gregas, é bastante presente a valorização da razão.
Nessa racionalização, é comum fragmentar-se e classificar-se o conhecimento para
melhor compreensão da natureza. O risco desse processo, que também é levado
para as escolas, é o de não haver momentos para perceber as relações maiores
existentes entre as partes e o todo, ficando o conhecimento, em vários momentos,
muito específico, restrito e desconectado do resto. Com o desenvolvimento da
criança nas séries escolares, fica mais evidente, uma vez que vão se rareando as
brincadeiras, os jogos e tantas outras atividades lúdicas e corporais que tanto
auxiliam na aprendizagem, por uma supervalorização do exercício da memória, do
racional e do acúmulo de conteúdos específicos.
Ao exemplificar-se, com a história da humanidade, como o conhecimento foi
se desenvolvendo, desde a concepção mitológica até a científica, é possível
despertar nos estudantes a abertura para perceberem que a obtenção do
conhecimento é um processo que pode ser construído de diferentes maneiras e que
tenta atender necessidades intelectuais, afetivas e psicológicas de um determinado
momento histórico e de uma certa cultura.
Com o desejo de criar essa abertura, julgamos ser um bom exemplo a cultura
indígena brasileira, por sua proximidade na relação macrocosmo e microcosmo ao
9
Atualmente vem se questionando sobre o método científico ser realmente um processo isento de fatores
subjetivos – pessoais, emocionais e ideológicos do pesquisador. Uma leitura interessante neste sentido é o livro
Filosofia Da Ciência - introdução ao jogo e suas regras, de Rubem Alves.
67
desenvolver sua cosmogonia relacionando com a própria Astronomia. Assim, estão
presentes no primeiro plano em importância, tanto grupal como individual, elementos
físicos como o Sol, a Lua e as estrelas, e sua relação direta com elementos
simbólicos, deuses criadores, ou como participantes da criação do universo.
As culturas indígenas brasileiras constituem também uma referência
essencial, em um sentido muito amplo, pois se percebe a forte tradição oral, a
música e a dança como elementos importantes, que conectavam o ser à natureza,
uma vez que para essas culturas o questionamento de quem se é e do porquê da
vida, não as afastam da natureza, do cosmo, ao contrário, ligam-nas a ele.
Ao destacarmos o pensamento indígena de integração, também visamos ao
resgate, à valorização dessa cultura que, apesar de termos inegavelmente suas
influências, ainda se constata a existência de muitos preconceitos em relação a ela.
Visamos ainda, com tal resgate, promover o respeito às diferenças culturais. Além
disso, tal procedimento também nos permite perceber e recuperar o aspecto
simbólico vital de que o ser humano é a representação em miniatura de universo, o
macrocosmo e o microcosmo unificados.
Essa atividade serve ainda para questionar e preparar, desarmar, os alunos
para as atividades seguintes, quando se “dançará” para se afinar o ser-som do corpo
com o universo, segundo a tradição dos Tubuguaçu.
Deve-se destacar, aqui, que não foi objetivo da dissertação um estudo
detalhado de como um determinado grupo étnico indígena educa seu povo, ou
mesmo as relações mais profundas que permanecem em seu contado com o céu,
pois se julgou que isto foge, nesse momento, do nosso foco, que é propor atividades
possíveis para o ensino de Astronomia no nível médio. Logo, fica aqui registrada a
idéia, apesar de sujeita a uma análise crítica mais minuciosa posteriormente. O
68
ponto é que essas sociedades mais “primitivas” fornecem um modelo para o resgate
da interação e integração do indivíduo com o cosmo. Recuperar e adaptar esse
modelo na nossa sociedade, onde e quando possível, implicaria um retorno, que há
muito já se faz necessário, à valorização vivencial do simbólico e do mitológico.
3.10 ZOOM CÓSMICO
O filme “Zoom Cósmico” é um curta-metragem, com cerca de oito minutos de
duração; é uma produção canadense, da década de 70, que parte da imagem de um
menino remando em um lago, a “câmara” vai se afastando cada vez mais, para
mostrar o Sistema Solar e além, até quando chega em conjuntos de galáxias e faz a
“viagem” de volta, até atingir a escala do menino novamente; daí inicia-se a viagem
para dentro das células, chegando aos átomos, até um “próton”, para novamente
retornar à escala do menino. Apesar de desatualizado em algumas informações
quanto à estrutura do universo em grande escala (superaglomerados de galáxias,
“paredes” e “vazios” etc.) e aos constituintes últimos da matéria (quarks, léptons etc.)
– da maneira que esses elementos das dimensões cosmológicas e subatômicas são
conhecidos hoje, o filme é bastante interessante e pode ser usado como material
didático e recurso pedagógico muito úteis em diversas aulas que queiram trabalhar
conceitos de ordens de grandeza, proporções, Sistema Solar, galáxias e mesmo a
estrutura da matéria, células, moléculas, núcleo atômico, e fazendo ainda uma
conveniente comparação com a escala humana – de certa maneira “intermediária”
dessas duas escalas extremas, a qual, na verdade, é única que conhecemos do
ponto de vista vivencial.
69
No presente contexto de atividades, esse curta-metragem é trabalhado como
uma forma de analisar as relações entre o macro e o microcosmo, sendo, assim,
uma seqüência natural da aula anterior, quando se viu certas imagens e se discutiu
algumas teorias. Convém, para finalidades didáticas, passar o filme duas vezes: na
primeira, sem pausas ou comentários, para que os estudantes “sintam” sobre o que
o filme trata. Após esta exibição, promove-se a discussão, perguntando-se
inicialmente a eles o que sentiram e sobre o que o filme tratava, para avaliar-se o
que cada um entendeu do que o filme mostrou10. Na segunda exibição, o professor
pára o filme em alguns pontos, ora para ressaltar a relação entre o macrocosmo e o
microcosmo – entre os quais se encontra o ser humano, como o elemento de
ligação, pertinente a esses dois “universos”, ora para complementar algumas
informações a respeito da estrutura do universo em grande escala, da composição
biofísica do corpo humano e da estrutura da matéria.
3.11 A DANÇA INDÍGENA TUPI-GUARANI DO IEAOUY:
Esta certamente é a prática mais sutil dentre todas as que propomos para o
ensino de Astronomia, principalmente porque ela não traz um conhecimento
científico propriamente dito, como muitas vezes somos acostumados a trabalhar no
ensino médio (quantitativo e limitado, por exemplo, nas leis de Kepler e de Newton).
Ela é uma vivência coletiva entre o professor e os alunos. A inspiração dela se
justifica pela concepção que o povo tupi-guarani (que também formam a nossa
cultura) tem a respeito da origem dos seres humanos, como descendentes de astros
como a Lua e o Sol, e este é o gancho com a astronomia. Como algumas culturas, e
10
Embora, para quem está habituado a circular por esses assuntos, as cenas mostradas pareçam evidentes, nem
sempre é isto o que ocorre para platéias novatas nos mesmos.
70
essa em particular, não diferenciaram o indivíduo do cosmo e desenvolveram
técnicas para que esses elementos expressem sua íntima sintonia através de
danças e falas sagradas, além de essa concepção gerar naturalmente um equilíbrio
e responsabilidade maior com a natureza, esta atividade se mostra muito apropriada
para nossos objetivos de resgate e reintegração, já mencionados várias vezes.
Outra contribuição que essa prática propicia está relacionada ao envolvimento
do corpo no processo de ensino. Como enfatizamos em outros momentos, a parte
racional na nossa cultura é extremamente valorizada em detrimento das outras
habilidades que o ser humano tem. Não estamos sugerindo uma desvalorização da
razão mas uma supervalorização dos sentidos. Estamos chamando a atenção de
que, embora estes sejam partes constitutivas vitais do humano, eles não estão
sendo usados para contribuírem no processo de aprendizagem dos estudantes, pois
não há práticas em nossas escolas, sobretudo no nível médio, que permitam que os
sentidos contribuam nesse processo como podem e devem.
Figura 9 – Dança Jeroky. Foto: Araújo, 2003.
71
Para que alguns conceitos inspiradores básicos fossem melhor entendidos,
achou-se por bem reproduzir algumas das concepções do corpo-som do ser e o ser
de cada tom encontrada no livro A Terra dos Mil Povos, de Kaká Werá Jecupé
(1998, p. 24):
Os povos indígenas brasileiros, mais precisamente os Tupinambá e
os Tupy-Guarani, descendem de ancestrais chamados pelos antigos
de Tubuguaçu ... Os Tubuguaçu entendem o espírito como música,
uma fala sagrada (nêe-porã) que se expressa no corpo; e este por
sua vez é flauta, veículo por onde flui o canto que expressa o Avá,
que é a porção-luz que sustenta o corpo-ser, que, para os ancestrais
é o fogo sagrado que move os guerreiros, dando-lhes vitalidade,
capacidade criativa e realizadora.
Por isso fez-se o Jeroky, a dança, com o fim de afinar todos os
espíritos pequenos do ser. Para que cante sua música no ritmo do
coração da mãe Terra, que dança no ritmo do coração do Pai Sol, ...
Compreendendo o ser como um tu-py, um som-de-pé, os antigos
afinavam o espírito a partir dos tons essenciais do ser, tons que
participam de todos os seres. Os tons essenciais que formam o
espírito são o que a civilização reconhece como vogal.
Cada vogal ...
Ÿ: Soa como um “u” gutural e é o tom do angá-mirim raiz; vibra o
padrão terra do ser. Sua morada é na base da coluna. É o tom da
vitalidade física, da concretização, da segurança, da determinação.
Bater o pé direito no chão e liberar esse som é o ato guerreiro de
estar firme sobre o caminho.
U: É o tom do angá-mirim água e vibra nessa direção. Sua morada é
o umbigo. É o tom da vitalidade emocional. Quando ele está no seu
fluxo natural, manifesta o bem-estar emocional e estimula a
criatividade. Quando o corpo está preso, dançá-lo solta as más
águas.
O: Vibra o tom do angá-mirim fogo e mora no plexo. Os antigos pajés
chamavam-no Kuracymirim, ou seja, pequeno sol do ser. Sua
vibração irradia o ayvu e dançá-lo pode purificá-lo.
A: Vibra o tom do angá-mirim ar e mora no coração. Essa vibração
faz a união do céu com a terra, ou seja, das partes internas e
externas do ser. Seu tom vibra os sentimentos.
E: Vibra na altura da garganta. Ali faz sua morada. É a própria
expressão da alma atuando na forma da palavra. Essa região é
responsável pela liberdade da alma. É a nêe-porã, a fala sagrada do
ser.
I: Este tom mora na gruta sagrada do ser, que se localiza no fundo
da cabeça, na direção de entre os olhos. Ele estabelece ligação com
o sétimo tom, que é o silêncio. Favorece a intuição quando dançado.
A prática é bastante simples de ser executada, uma vez que a parte mais
difícil foi encaminhada por nós, educadores. E o mais difícil é vencer a nossa
resistência pessoal, interna, a mudanças, ao novo, em mexer em coisas (corpo e
72
sons nesse caso) de uma forma que não estamos habituados para uma prática de
ciências em sala de aula. O mais comum é que internamente rejeitemos a
experiência por medo de fazer um “papelão” na frente dos nossos alunos, de eles
acharem que há coisas que não dominamos (e dominamos tudo?), da saída do
controle racional e de envolver elementos em que eles podem ser tão bons ou até
melhores que nós, afinal um ou outro aluno pode ser mais afinado ou ritmado. A
quase igualdade entre os indivíduos na atividade pode ser perturbadora para alguns
professores, cujo estilo esteja mais fechado em um ensino tradicional, uma vez que,
nesta prática, o professor apenas conduzirá a vivência, atuando como mediador ou
facilitador.
Outra intenção da atividade é deixar bastante clara a concepção que o povo
tupi-guarani tem a respeito do céu. Uma concepção diferente da nossa, porque não
separa o indivíduo do universo, o que contribuiu para que esse povo tivesse uma
relação mais harmônica com a natureza. Ou seja, deve-se deixar claro que é outra
forma de ver as relações e que devemos nos esforçar para não tratar como uma
forma inferior de conhecimento só porque difere da nossa (comportamento esse que
é uma prática comum da nossa cultura), pois a cultura “dominante” tem uma
necessidade de inferiorizar as outras. Deve-se, assim, pedir para eles se liberarem
aos poucos dos conceitos ou preconceitos formados e tentarem verdadeiramente
vivenciar a prática.
Será comum nessa situação que surjam expressões com um tom
depreciativo, como: “isso é coisa de índio”, por parte dos nossos alunos; isso porque
eles estão muitos viciados na crítica pela crítica, sem o exercício da reflexão. Na
verdade, já convivi com professores que também fazem críticas baseadas
simplesmente no senso comum e não em um processo de reflexão, por mais que
73
nossa profissão exija nossa vigília intelectual quanto ao risco da reprodução de
possíveis preconceitos que perpassam a nossa sociedade. A saída mais saudável
quando surgirem comentários nesse nível é de sempre pedir para que cedam um
pouco, que não sejam tão críticos e que se permitam fazer essa prática. Nunca é
demais lembrá-los que as culturas indígenas sobreviveram durante milhares de anos
sem a utilização da tecnologia como a conhecemos, proveniente da ciência e que
parece tão fundamental para a vida.
A atividade consiste na explicação de como a cultura tupi-guarani vê a ligação
entre o indivíduo e o cosmo, de como ela utiliza os sons das vogais (do angá-mirim)
e do silêncio para “afinar” o corpo com o cosmo. Então, se propõe para que todos ali
“se afinem com o cosmo”. Assim, em pé, os alunos e o professor dão as mãos e
formam um círculo e começam a sonorizar o I E A O U Ÿ, nesta ordem, como um
mantra, sempre batendo pé direito ao repetir o som Ÿ, que indica o ato guerreiro de
se estar firme sobre o caminho.
74
4 CURRÍCULO E AVALIAÇÃO
4.1 PROPOSTA DE CURRÍCULO
Dentro de uma visão de Educação que pretende formar cidadãos mais
conscientes e participativos na sociedade, substituindo o ensino do conhecimento
cumulativo, que tem como objetivo apenas o vestibular, tão comum na maioria das
escolas, por um conhecimento que leve o indivíduo a um processo significativo de
aprendizagem contínuo por toda a vida, é cada vez mais necessário que se discuta
o currículo de Física no Ensino Médio. Atualmente, este é parecido com um curso
básico de Física das universidades, tratando, muitas vezes, os conceitos de forma
bastante específica ao invés de se concentrar em explorar seu caráter mais amplo e
geral. As mudanças são necessárias para que os estudantes não somente tenham
acesso ao conhecimento, mas também desenvolvam domínio suficiente para
aplicarem Leis e Princípios Fundamentais em situações diversas. Para tanto, é
necessário que se questione a quantidade de informações trazidas nos currículos da
maioria das escolas. Esse excesso muitas vezes exige o tempo que poderia ser
dado a uma prática muito mais próxima do cotidiano e dos interesses dos estudantes
e que, inclusive, poderia motivá-los ao estudo de Física, problema tão comum nas
ciências e na matemática.
De modo geral o currículo deve, de acordo com os PCNEM (PARÂMETROS...,
2002, p.12):
•
Promover todos os alunos, e não selecionar alguns.
•
Emancipá-los para a participação, e não domesticá-los para a obediência.
75
•
Valorizá-los em suas diferenças individuais, e não nivelá-los por baixo ou pela
média.
Para isso, é necessário somar o esforço pessoal do professor com o da
escola e também com o da comunidade a que ela assiste. Isso deve se feito através
de um Plano Pedagógico claro e coerente, o reflexo do comum acordo entre os
professores e equipe técnica da instituição de ensino. “O projeto pedagógico
esclarece para o professor e para a escola o conjunto de atividades, quais
competências se busca desenvolver com elas e que prioridades norteiam o uso dos
recursos materiais e a distribuição da carga horária” (PARÂMETROS..., 2002, p.9),
além de evitar atos solitários e descontextualizados de mudança, dando uma
unidade para as atividades da escola e evidencia quais conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais o docente pretende alcançar dentro de uma unidade
didática.
Na proposta apresentada nesta dissertação, o apoio entre professor e escola se
faz ainda mais necessário, uma vez que as sugestões de mudanças devem ser
executadas dentro de um contexto maior de inovações, ou seja, um contexto de
integração, para que, até mesmo, evite-se comparações entre professores que
usam e os que não usam um método voltado à participação dos estudantes e o
desenvolvimento de suas múltiplas inteligências. Dessa forma, é necessário, de
antemão, conversar com a escola sobre a abordagem holística para o tratamento
de Astronomia em Física, bem como levar a proposta para outros docentes,
inclusive de outras disciplinas. Isso porque a articulação entre as diferentes
disciplinas deve ser promovida desde já na escola e não esperar que o aluno,
sem treinamento, junte todas as informações que recebeu de forma desconectada
durante sua formação.
76
De forma consciente e clara, disciplinas da área de linguagem
e códigos devem também tratar de temáticas científicas e
humanísticas, assim como disciplinas da área científica e
matemática, ou da humanista, devem também desenvolver o
domínio de linguagens (PARÂMETROS..., 2002, p.16).
Nessa perspectiva, os PCN, que apesar de não incluírem aspectos espirituais
em sua filosofia, são tidos aqui como um importante referencial, destaca como
possíveis temas estruturadores, com abrangência suficiente para organizar o
currículo de Física no Ensino Médio, os seguintes:
1. Movimentos: variações e conservações
2. Calor, ambiente e usos de energia
3. Som, imagem e informação
4. Equipamentos elétricos e telecomunicações
5. Matéria e radiação
6. Universo, Terra e vida
O tema 6 é aquele onde está o foco de estudo desta dissertação, que visou
tratá-lo de forma a levar em consideração não somente os aspectos científicos mas
também culturais, históricos e espirituais que ele naturalmente desperta nos
estudantes. Esse tema 6 é desenvolvido em três unidades temáticas que seriam:
1. Terra e sistema solar;
2. O universo e sua origem;
3. Compreensão humana do universo.
Longe de serem “receitas” a serem seguidas, os temas, juntamente com as
unidades temáticas, servem como orientações para o plano curricular da disciplina,
sendo que a presente dissertação se aproxima mais do tratamento dos pontos das
77
unidades didáticas 2 (O universo e sua origem) e 3 (Compreensão humana do
universo). Isso é bastante motivador e significativo, diante do fato da raridade de
materiais que abordem esses temas e, além disto, proponham atividades didáticas
para estudantes de ensino médio, concentrando-os em um único material. Pode-se
sugerir, por exemplo, como recurso para o tratamento do ponto 1 (Terra e sistema
solar), a Apostila de Astronomia, de João Batista Canalle (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). Esse material contém práticas interessantes que envolvem outras
inteligências, como a corporal-sinestésica, por exemplo. Há também a produção da
dissertação
de
Geneci
de
Medeiros
Cavalcante,
dentro
deste
mestrado
profissionalizante do PPGECNM/UFRN, que completa esta dissertação, uma vez
que aquela aborda os temas mais “tradicionais” da astronomia no ensino médio,
porém de forma não tradicional, como o campo gravitacional, Leis de Kepler, Lei da
Gravitação Universal, velocidade de escape para naves espaciais etc.
4.2 CONTEÚDOS, CONCEITOS E PROCEDIMENTOS
Existe
uma
unidade
na
abordagem
dos
conteúdos
conceituais,
procedimentais e atitudinais que permeiam todas as atividades. Assim, apresentamse, a seguir os conteúdos que devem ser promovidos com as atividades e se
destaca, quando necessário, em que atividade especificamente é mais evidente. As
atividades, apesar de não terem sido pensadas para esse propósito inicialmente,
podem ser incluídas nas competências sugeridas pelos PCN, que seriam a de:
comunicar e representar; investigar e compreender; contextualizar social ou
historicamente os conhecimentos.
78
Como foi dito em outro momento, o material do PCN tem sua metodologia
norteadora baseada na filosofia progressista, que, apesar de avançar no tratamento
do ensino-aprendizagem, é omissa quanto à necessidade de um espaço para se
vivenciar também as coisas do espírito. Dessa forma, com relação aos conteúdos
atitudinais, foram destacados os valores espirituais, ao invés de se sugerir um outro
conteúdo.
No geral, os conteúdos conceituais ou verbais trataram sobre:
•
Modelos como representações de um conhecimento, que pode ser
provisórias;
•
Elementos do Sistema Solar;
•
Evolução Estrelar;
•
Constelações.
Os principais conteúdos procedimentais que destacamos dentro da
competência de comunicar e representar são:
•
Destacar as idéias mais relevantes de um texto;
•
Criar estratégias de argumentação;
•
Falar, comunicar e expressar suas idéias para um grande grupo;
•
Argumentar;
•
Analisar outras proposições;
•
Perceber a Ciência como um processo histórico e social do homem;
•
Contrapor as diferentes visões: míticas, filosóficas ou científicas, vendo o
importante papel de que juntas atendem as necessidades do ser humano;
79
E os conteúdos atitudinais foram:
•
Respeito a diferentes pontos de vistas;
•
A importância da expressão espiritual na construção dos modelos sobre o
Universo.
Lembrando que a prática dessas atitudes e valores tem sua maior eficiência
quando tratada dentro do Plano Pedagógico da escola, ou seja, não é um ato
isolado de um ou outro professor, apesar de ele ser um elemento fundamental do
processo, uma vez que os alunos recorrerão a ele como modelo para verificar a
coerência entre discurso e prática.
4.3 PROPOSTA DE AVALIAÇÃO
Ao mudar as concepções na forma de ensino-aprendizado, fica evidente e
inevitável que também ocorram mudanças na forma de avaliação. Apesar de existir
uma discussão cada vez maior sobre a avaliação, vendo-a como uma ferramenta
importante no processo de ensino-aprendizado, a maioria dos professores do ensino
médio a resume em uma ou duas avaliações pontuais, geralmente através de
provas, para se obter uma nota que será um “valor”, uma medida do tanto de
conhecimento que o aluno aprendeu de um determinado conteúdo em um dado
intervalo de tempo. É claro que no contexto escolar que se tem na maioria das
escolas, com muitos estudantes e com a persistência em se tratar um volume muito
grande de conteúdos nesses últimos anos do ensino básico, transformando-o em
80
uma verdadeira maratona do conhecimento ou mesmo em um “curso básico de
física” de uma universidade, o professor repete aquilo que ele vivenciou durante sua
formação e vivência escolar, isto é, a avaliação através de uma prova.
A avaliação que se necessita deve ser um movimento de auto-avaliação
permanente, que ocorre durante a realização do processo de ensino-aprendizado,
permitindo a correção de rumos e adequações da metodologia, o que garante a
sistematização e documentação do processo. A avaliação tem um importante papel
que permite o aluno ter consciência do seu próprio caminhar. Ela deve ser um
recurso capaz de contribuir para a aprendizagem, servir de termômetro do que foi
aprendido e do domínio do conteúdo e ser um momento de criação e elaboração de
conhecimento também, evitando problemas que sejam a repetição de exercícios
feitos em sala de aula.
Na realidade, a avaliação deve também exigir um esforço lógico e criativo dos
estudantes, superando a idéias de repetição sem sentido e de problemas que muitas
vezes não refletem uma preocupação real a ser entendida pelos estudantes para
compreenderem melhor o mundo que os cercam. “A avaliação deve ser um processo
contínuo que sirva à permanente orientação da prática docente” (PARÂMETROS,
1999, p.103). Logo, deveria conter comentários da produção individual e coletiva, em
situações em que os estudantes possam utilizar o conhecimento, valores e
habilidades que desenvolveram durante o seu próprio processo de aprendizagem,
essa forma de avaliação é conhecida como ipsativa (são avaliações que comparam
o aluno com o seu próprio desempenho no passado).
Dentro de uma concepção de Inteligências Múltiplas, não se questiona a
prova como um recurso disponível e muitas vezes necessário, mas sim a postura de
fazê-la quase como única ferramenta de referência para o desempenho do aluno.
81
Foi discutido várias vezes, na presente dissertação, o fato do indivíduo apresentar
não apenas uma, mas múltiplas inteligências, portanto, a prova é um recurso
limitado, uma vez que não contempla outras inteligências que não sejam a lógica ou
a lingüística, características desse tipo de avaliação.
Uma avaliação usando inteligências múltiplas não é aquela que se avalia o
aluno de oito, nove maneiras diferentes. Não há tempo nem necessidade para tanto.
Uma avaliação ampla, ou “múltipla”, por assim dizer, é aquela que visa, dentro do
ano letivo ou do semestre, destacar nas avaliações contínuas, ou mesmo pontuais,
além dos conteúdos verbais, também os procedimentais e os atitudinais. Para isso,
muitas vezes, o professor terá que elaborar atividades diferentes, ou seja, oferecer
uma variedade de experiências de avaliação aos estudantes.
Deve-se abrir espaço nas avaliações para que eles usem essas outras
inteligências. Deve-se favorecer a transferência de uma inteligência para outra.
Por exemplo: escreva – dance uma música. E dentro da visão dos PCN, a prova
também apresenta um caráter limitado, uma vez que os conteúdos
procedimentais e atitudinais, que são aprendidos de formas diferentes dos
conceituais, não se utilizam necessariamente de um conhecimento lógico e
verbal, ficando assim fora da alçada da avaliação tradicional. Insistindo neste
ponto, a avaliação deve contemplar os conteúdos, as capacidades e as atitudes.
A utilização de projetos é uma boa solução, pois envolve várias competências
e suas habilidades em torno de um tema, além da possibilidade de trabalhar
atitudes, como o trabalho em equipe, a cooperação, a solidariedade, etc. Ao
sugerirmos isto, queremos dizer projetos com atividades mais justas e eficientes,
pois permitem que os alunos reflitam sobre o que estão aprendendo e possam até
modificar, acrescentar elementos em sua formação durante a elaboração do projeto.
82
A prova tradicional é “dura”, na medida em que bitola o aluno em uma resposta
(certo e errado) e não fica como uma produção criativa e interessante que partiu do
esforço pessoal e, em alguns momentos, coletivo.
As avaliações realizadas em provas, trabalhos ou por outros
instrumentos, no decorrer dos semestres ou em seu final,
individuais ou em grupos, são essenciais para obter um
balanço periódico do aprendizado dos alunos, e também têm o
sentido de administrar sua progressão. Elas não substituem as
outras modalidades contínuas de avaliação, mas as
complementam (PARÂMETROS..., 2002, p.137).
No caso das presentes atividades, elas podem ser avaliadas em inúmeros
momentos e de diferentes formas. Pode ser através de um debate sobre o tema do
universo, através de uma produção de texto que traga elementos pertinentes sobre a
reflexão e o entendimento desse aluno, através de um seminário, ou da elaboração
de uma redação, que fale sobre alguns pontos importantes que o professor quer
“amarrar” com os alunos. No caso de oferecer situações-problema, deve-se ter o
cuidado de que elas realmente representem algo para ser esclarecido, uma vez que
elas podem desenvolver estratégias de enfrentamento, planejamento em etapas,
estabelecendo relações, verificando rupturas e regularidades. Desta maneira, podese favorecer que os alunos aprendam o espírito de pesquisa, a sistematizar
resultados, a experimentar, a interpretar dados, a avaliar a solução; e também que
eles
desenvolvam
o
raciocínio,
adquiram
autoconfiança
e
sentido
responsabilidade e ampliem a capacidade de argumentação.
4.4 CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS GERAIS
A tese de mestrado versou sobre a elaboração de atividades de
Astronomia para o Ensino Médio que tiveram como finalidade maior a
de
83
(re)integração do indivíduo com o cosmo. Para isso recorremos à história da
ciência, que, em vários aspectos também é a história do próprio homem, e a
concepções de universo de diferentes culturas, por isso definimos tal abordagem
como antropológica. Ambas as vertentes, histórica e antropológica, podem ser
muito proveitosas dentro da concepção de uma educação holística. Escolhemos
deliberadamente algumas culturas em diferentes épocas e em diferentes lugares
do planeta, por um lado para propor a conexão entre o indivíduo e o cosmo,
conexão essa que é cada vez mais urgente em nossa sociedade moderna atual,
e, por outro lado, também para evidenciar que nem todas as culturas
desenvolveram esse distanciamento entre ambos, o que é presente em nossa
sociedade.
As culturas escolhidas têm uma referência direta com a nossa formação e
visão de mundo e diante delas, no desenvolvimento de nossas práticas, sempre
nos perguntávamos a mesma coisa: Como essa cultura vê o universo? Além
disto, também partimos do conceito prévio que nossos estudantes trazem consigo
sobre esse assunto. Dessa forma, escolhemos a concepção religiosa de Origem
de Universo através do Gênese, a concepção científica através do modelo do “Big
Bang”, uma concepção filosófica através de um texto indiano, o
“Nasadasiyasukta” do Rig Veda, e também uma concepção mítica do povo
Dessâna, que habita entre os rios Tiquié e Papuri, no Amazonas, para
contextualizar e estimular a percepção da mobilidade, da fluidez na construção e
a projeção dos aspectos humanos para o entendimento do Universo. Assim, longe
de fazer uma leitura que induza uma idéia de disputa ou de eleição entre os textos
(pois na verdade criticamos e combatemos tais leituras), nosso olhar foi o de
trabalhar esses diferentes enfoques de forma a contribuir para o sentimento de
84
respeito frente a opiniões tão diferentes e para a apreciação das riquezas
contidas naquelas diversas visões de mundo.
O que guiou nossa metodologia foi a interpretação do ser humano como
sendo uma composição de várias inteligências, em diferentes proporções, e a
abordagem holística para a educação. Assim, as bases teóricas da metodologia
adotada foram essencialmente o conceito das Inteligências Múltiplas, propostas por
Gardner, e o reconhecimento da necessidade de uma educação holística e
integradora que enxerga que o todo pode ser muito mais que a mera soma das
partes, pois envolve também, no mínimo, as múltiplas conexões entre estas (e este
cenário se constata com freqüência enorme na área de educação). Dessa maneira,
o aluno é considerado com um ser dotado de muitas capacidades e são elas que
proporcionam outros caminhos para o conhecimento, o qual não precisa se dar
unicamente pela via racional, já tão valorizada nas pedagogias habitualmente
praticadas.
Dessa forma, devemos perceber que o Ensino de Física deve se estender
para todos os lados, ter outro alcance. Ele deve ir além do seu objetivo (muitas
vezes tomado como prioritário) de despertar a pessoa para a curiosidade científica;
ele deve ajudar a integrar o ser humano com suas questões pessoais e que dão
sentido às nossas vidas em muitos aspectos. Questões essas que freqüentemente
tomam espaço quando falamos sobre o Universo no ensino de astronomia (o que
nos motivou para a escolha desse tema), pois nos exigem respostas às muitas
perguntas feitas pelos estudantes: O que aquela estrela lá longe pode dizer aqui
sobre a Terra, sobre mim? Qual a relação, a proporção, entre esse mundo de fora e
esse mundo de dentro que carregamos? E, sobretudo, qual é o caminho que
conecta esse microcosmo e esse macrocosmo?
85
Assim, é quase inevitável reconhecer que o Ensino Médio nas escolas deve
ser mais do que essa maratona de acúmulo de saberes para a seleção das
Universidades e aí está o desafio: mudar ou mesmo iniciar uma mudança na
concepção de ensino dentro da nossa sociedade. Visão essa que já está muito
viciada em produzir competidores, ao invés de indivíduos que se preocupam e agem
unidos frente aos problemas que realmente importam, como a poluição dos rios ou a
violência no bairro. O porquê do ensino nas escolas não falar sobre o que realmente
importa para a vida e para a preservação desta sobre a Terra é um profundo mistério
que já se sente incomodar por baixo de tantas e tantas equações, muitas sem
sentido e longe de serem problemas reais, que são resolvidas compulsivamente nas
aulas de física no ensino médio e que deixam a maioria dos alunos tão enfadados e
sem motivação para o estudo de física.
Se a escola disponibiliza várias disciplinas, é necessário que, ou é esperado
que, em algum momento ela integre esses conteúdos. Se soubermos sobre as
várias portas de capacidades cognitivas que nossos alunos dispõem, podemos
tentar bater em outra que não seja a da razão, trazendo o aluno para uma vivência
transpessoal e mesmo assim com um foco no conteúdo. Toda nossa dissertação de
mestrado é para mexer com os educadores e sermos esses abridores de novas
portas, curiosos para saber o que existe atrás delas e adentrar por esses novos
caminhos que nos levam a aprender e a ensinar usando intuição, música, jogos,
brincadeira, teatro e tantos outros recursos também no Ensino Médio.
Dentro de tudo que foi exposto, é quase inevitável pensar na continuidade do
presente projeto em um doutorado, para contemplar o Ensino Fundamental. Seria
prematuro definir aqui os elementos que esse doutorado conteria, mas, em linhas
gerais, se trabalharia com o ensino de Ciências para esse nível escolar com o
86
enfoque das Inteligências Múltiplas e do Holismo no desenvolvimento de atividades
e aulas que sejam adequadas a esse nível.
87
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89
APÊNDICE A: RESUMOS DOS TEMAS RELACIONADOS À ORIGEM DO
UNIVERSO
(Realizada por Gilvana Benevides na disciplina de História da Ciência, para ser
utilizada pelos professores.)
A.1. MITOS
Os mitos cosmogônicos foram respostas aos questionamentos de quem
somos? De onde viemos? Para onde vamos? Como surgiu o mundo e o universo?
Praticamente todos os povos antigos responderam essas questões primordiais
lançando mão de todo um simbolismo que, agora pela distancia, é de difícil
interpretação, pois a existência e o significado do mito deve ser sempre vista dentro
da cultura que o criou.
Muitos elementos simbólicos dos mitos aparecem em culturas que estiveram
distantes temporalmente ou espacialmente. O psicólogo Carl Jung propõe uma
explicação de que o ser humano possui uma espécie de memória da raça humana,
herdada por cada pessoa ao nascer, chamada de inconsciente coletivo, que se
manifesta através de sonhos, apresentando imagens impessoais e estranhas, que a
própria pessoa não consegue associar com nada conhecido, sendo uma espécie de
deposito de imagens e símbolos comum a todos os seres humanos.
A origem da palavra mito é grega, e significa fábula. Segundo o dicionário
Aurélio – século XXI, o significado antropológico da palavra é de uma narrativa de
significação simbólica, transmitida de geração em geração e considerada verdadeira
ou autêntica dentro de um grupo, tendo gerado a forma de um relato sobre a origem
90
de determinado fenômeno, instituição, etc., e pelo qual se formula uma explicação
da ordem natural e social e de aspectos da condição humana.
Algumas características marcantes nos modelos cosmogônicos dos mitos
são:
•
Explica a origem do universo a partir de um deus ou de vários deuses
primordiais, que tem o desejo de construir e sobretudo organizar o
universo.
•
Há sempre um elemento que esse deus molda ou separa, que pode ser:
águas (doce e salgada), dia e noite, trevas e escuridão e caos (como
elemento e não confusão).
•
O tempo primitivo, tempo que o deus criou o universo, é o mais perfeito
dos tempos e com o passar das estações há o desgaste da natureza, logo
tem-se a necessidade de voltar ao tempo da perfeição através dos rituais,
que é a repetição exata do que o deus fez nos primórdios. Logo, o tempo é
cíclico.
•
O espaço não é homogêneo. Existem lugares mais especiais e mágicos
que outros.
•
Em alguns mitos, o universo é eterno e para outros, ele sofre processos de
criação e destruição de certos e certos períodos.
A.2. PRÉ – SOCRÁTICOS
Costuma-se dividir a filosofia grega em dois períodos: antes e depois de
Sócrates. Os anteriores são chamados pré-socráticos e existem poucos registros
de suas obras. Uma das características desses filósofos é que eles ensinavam
91
que todas as coisas se originavam de uma única matéria primordial que seria
“princípio”, uma substância que continuava sempre a existir, mas mudava suas
qualidades, sendo a fonte original de todas as coisas que existem e na qual elas
finalmente se decompõem.
Para cada filosofo existia um elemento primordial. Destacando-se alguns
filósofos, temos Tales de Mileto que afirmava que esse elemento primordial seria a
água e tudo seria alteração da água, em diversos graus. Para Anaximandro, a
origem de todas as coisas era a partir do “Apeiron”, que seria uma substância única
na qual poderia se obter os opostos. É dessa substância que se forma o mundo,
sem a intervenção de deuses ou seres sobre naturais. A Terra para ele é um cilindro
com base três vezes maior que a altura, e teria surgido pela separação do quente do
frio, a parte fria originou a Terra e a quente, o Sol. O mundo habitado estaria em
uma das superfícies planas do cilindro e ela estaria no centro de tudo por isso ficava
em equilíbrio. Para Anaxímenes, o universo resultaria das transformações do ar, da
sua rarefação surgia o fogo, da condensação, o vento, a nuvem, a água e por último
a rocha.
Características marcantes dos modelos cosmogônicos dos pré-socráticos:
•
Não utilizavam deuses para explicar a origem do universo, ou seja,
queriam explicar racionalmente.
•
O universo surgia a partir de um ou de vários elementos primordiais.
•
Surge nesse conjunto de filósofos a idéia de átomo e vazio como
formadores da matéria.
•
Para os atomistas, no início havia apenas uma mistura de todos os
elementos, uma desordem que com o tempo juntariam as diferentes
92
figuras geométricas, que estavam associados aos elementos: fogo,
terra, ar e água.
A.3. TIMEU
Timeu é o personagem do livro que recebe seu nome, é um matemático e
astrônomo seguidor da filosofia de Pitágoras. É Timeu quem descreve as
concepções sobre a origem e o desenvolvimento do universo nessa obra escrita pelo
filosófico Platão que a apresenta como um “mito filosófico”. Propõe que o universo
foi criado por um deus que estaria fora do tempo e que o faz a partir de um projeto
para que a obra fosse a mais perfeita possível. Ele cria o universo a partir de uma
desordem, em que ele organizará.
Dos estudos astronômicos da época surge a idéia que a forma esférica seria
a mais perfeita, que a Terra era redonda, estava no centro de tudo e em sua volta
estariam os planetas e as estrelas menores que a ela. Esse mito filosófico incorpora
todos esses elementos em suas explicações. Seguindo a tradição de Pitágoras,
Timeu assume que tudo foi planejado de acordo com leis matemáticas e existiriam
apenas quatro substancias naturais: fogo (tetraedro), terra (cubo), ar (octaedro) e
água (icosaedro), associados a figuras geométricas tridimensionais.
Caraterísticas marcantes do mito filosófico cosmogônico do Timeu:
•
O universo é criado por um ser divino ou artesão que o faz totalmente
auto-suficiente e perfeito.
•
O criador ou artesão do universo lhe deu um movimento circular em
torno do seu próprio centro por ser esse um movimento perfeito.
•
O tempo surgiu ao mesmo tempo que o universo.
93
•
De acordo com a doutrina pitagórica, da qual Platão era herdeiro
intelectual, incluía a crença de que o princípio unificador do universo
era dado por proporções numéricas na qual a harmonia musical seria
sua expressão máxima.
•
Os elementos primordiais, terra, fogo, água e ar, que constituem o
universo, estão associados a figuras geométricas tridimensionais,
podendo um elemento sofrer transformações e originar um outro. É o
caso, por exemplo, da água (icosaedro) que pode originar vapor, que
seria formado por duas partículas de ar (octaedro) e uma se fogo
(tetraedro).
A.4. BÍBLIA
A criação do universo é descrita no primeiro livro chamado Gênesis e pode
ser dividida em duas tríades. Na primeira, são criados a luz, o céu, as águas, a terra
(a parte seca) e os vegetais. Na segunda, tríade são criados os luzeiros (o Sol, a Lua
e as estrelas), as aves, os peixes, os animais e os seres humanos, havendo assim
um complemento do que é criado no segundo dia com o primeiro.
Destaca-se, na história, duas importantes interpretações do Gênesis, a dada
por Philon e a por Santo Agostinho, descritas abaixo:
1. A interpretação do Gênesis pelo filósofo judeu de Alexandria (Século I da era
cristã) Philon, era de que os seis dias da criação seria um exemplo de perfeição,
pois pode ser representado por: 1 x 2 x 3 ou ainda 1 + 2 + 3, sendo que o
número dois é par e o três é impar, o dois é feminino e o três é masculino. Philon
interpretou o primeiro dia do Gênesis supondo que Deus, no inicio, constituiu o
94
universo apenas mentalmente e só depois do seu projeto o materializou. Este
projeto teria sete elementos: o céu, a terra, o ar, o espaço vazio, a água, o
espírito vital e a luz.
2. Na interpretação de Santo Agostinho, as criaturas foram tiradas do nada em um
só momento. Algumas apareceram logo na sua forma perfeita, como o
firmamento, os astros, a alma dos homens, os anjos e outras sugiram na Terra
sob forma incompleta, mas dotadas de virtudes intrínsecas evolutivas. Ele nega
que Deus teria construído o céu e a terra como um artesão, que toma um
material e o modela, pois se assim o fosse o mundo seria perfeito uma vez que
no início a única coisa que existia era a perfeição de Deus. Como todo o material
é mutável, deve ter sido criado. Deus criou o mundo pela palavra que é eterna e
representa a sua sabedoria e seu poder. Agostinho desenvolve a concepção de
que Deus está fora do tempo.
Algumas características marcantes da Bíblia para explicar o universo são:
•
A Existência de apenas uma divindade que cria todas as coisas.
•
O Deus ordenando e estabelecendo "leis da natureza", como a que os
animais e os homens devem se multiplicar.
•
O Deus está fora do tempo, ou o tempo surge junto com o universo.
•
A palavra de Deus é eterna e de profunda sabedoria, logo, ao criar os
seres e objetos, ele vai nomeando-as.
A.5. DESCARTES
A teoria cosmogônica de Descartes que aparece na obra Princípios da
Filosofia foi bem moderna para a sua época e explicou vários dos fenômenos
95
observados com a proposta dos vórtices em explicações compreensíveis em seu
tempo. Porém muitos dos fenômenos observados como o movimento da Terra em
torno do Sol, da Lua em torno da Terra, das manchas solares, estavam baseadas
nas teorias de Copérnico e Galileu que iam de encontro com que a igreja pregava.
Essa perspectiva faz com que Descartes resolvesse não publicar sua teoria, que só
foi conhecida depois de sua morte.
Sua teoria se destaca por que tentar explicar a origem do universo enquanto
que as posteriores se concentraram em temas mais específicos: ou o
desenvolvimento da Terra, ou o desenvolvimento dos astros, ou algum outro ponto,
mas no final do século XVII a física passa por uma reformulação que exigia que as
teorias permitissem fazer cálculos e previsões quantitativas e o mais grave defeito
da teoria de Descartes foi o de não ter uma base matemática e sim uma base
qualitativa recebendo assim, duras críticas do físico Isaac Newton.
Características marcantes da teoria cosmogônica de Descartes:
•
O papel de Deus é limitado, ocorrendo apenas no começo, criando a
matéria inicial, que preenche todo o espaço, quebrando-a e colocando-a
em movimento. O resto do processo ocorre por leis naturais, sem
intervenção divina.
•
Através do movimento e sucessiva quebra das partes matéria inicial sólida,
surgem três elementos:
a) O terceiro elemento que seria constituído de partículas sólidas
maiores associadas ao solo;
b) O segundo elemento seria de partículas esféricas com o movimento
fluido como o da água; e
96
c) O primeiro elemento seria de partículas ainda menores e
associadas ao fogo.
•
O primeiro elemento, com movimento rápido (fogo), se encontraria no
centro de um vórtice e daria origem a uma estrela. O segundo elemento,
constituído de partículas com movimento fluido, fica distribuído ao redor da
estrela. O terceiro elemento poderia ser capturado pela estrela e cobrindoa e apagando-a um pouco ou totalmente, o que daria origem ou as
manchas solares ou aos planetas, que acabariam sendo capturados por
um outro turbilhão vizinho e se ficasse passando de um turbilhão para
outro seria um cometa.
•
O sistema solar é composto por mais de dez turbilhões próximos uns dos
outros e de diferentes tamanhos. A Lua teria sido uma estrela pequena
que se esfriou e foi capturada pelo vórtice da Terra quando essa ainda era
uma estrela. Depois a terra se esfriou e foi capturada pelo vórtice do Sol.
A.6. BIG BANG
Teoria proposta em 1947 por George Gamow, que supôs o início do universo
com densidade enorme, a uma altíssima temperatura. Essa matéria inicial conteria
partículas, como nêutrons ou prótons, e radiação gama de alta energia.
Características marcantes do modelo do Big Bang (Grande Explosão):
•
Não existe nenhum ser divino que cria o universo.
•
Concentração de energia e densidade em uma única região, chamada de
"átomo primordial".
97
•
O tempo é linear e surge junto com o espaço.
•
Depois de um centésimo de segundo do início da expansão, o universo
tem 10 bilhões de kelvin, essa temperatura favoreceu a união de prótons
com nêutron dando origem à formação de núcleos de hidrogênio pesados
e hélio.
•
À medida que o universo se expande, sua temperatura vai decaindo e isso
favorece o surgimento de partículas mais pesadas.
98
APÊNDICE B: AS INTERPRETAÇÕES MASCULINAS E FEMININAS SOBRE O
UNIVERSO
De um modo geral, os meninos vêem o Universo como algo que surgiu do Big
Bang, infinito, eterno e colorido. Ele é o conjunto de planetas, estrelas e alguns
alunos incorporam satélites artificiais como integrantes do universo. Representam-no
ou como um sistema solar e incluem a Terra, ou como algo escuro e, para alguns
outros, é cheio de galáxias. Alguns mencionam elementos químicos, buracos negros
e poeira em sua constituição.
As meninas pensam semelhante aos meninos nas questões no que diz
respeito a surgir a partir do Big Bang, porém suas concepções vêm acrescidas de
idéias religiosas. O universo é eterno, é representado de fundo preto, com alguns
desenhos coloridos – não aparece a idéia de infinito.
É comum, muitas vezes, que o aluno (menino ou menina) use a explicação
religiosa associada ao porquê do Universo ser feito e a explicação científica do Big
bang ao como ele foi feito.
Outra concepção que podemos perceber é a confusão nas respostas devido a
vários tipos de informações que a pessoa recebeu ao longo de sua formação; ela
mistura as explicações divina/cristã da criação da Terra, ou da intervenção
extraterrestre para explicar a origem de vida na Terra (na linha do livro "Eram os
deuses astronautas?"), com a explicação de origem do Universo. Ou seja, quando
perguntado sobre a origem do Universo, aparecem explicações de origem da Terra,
que podemos interpretar como havendo realmente uma confusão entre esses
conceitos ou que essa pessoa está mais próxima das concepções mais antigas onde
todo o universo conhecido era a própria Terra.
99
As meninas associam ao Universo, além de ser o conjunto de estrelas e
planetas como os meninos, uma questão de moradia, de abrigo dos seres vivos.
Destacamos aqui a diferença de opiniões dos meninos e das meninas na questão
sobre o fim do Universo. As meninas acham que ele irá acabar, pois na natureza as
coisas se acabam e vêem essa questão como algo natural de vida e morte, mesmo
para o Universo.
Classificamos o material de acordo com os modelos de universo que surgiram
na História da Ciência, em particular aos que estudamos nos seminários, que
seriam: Mitos, Bíblia, Timeu, Pré-Socráticos, Descartes e Big Bang. Como
esperávamos, a maioria das respostas se orientaram na teoria científica do Big Bang
e alguns na religiosa da Bíblia. O que nos surpreendeu foi o aparecimento de
vórtices, representações do tipo que Descartes propunha.
De modo geral as perguntas das pesquisas foram bem formuladas, mas a
questão 3, sobre se o universo deixará de existir, poderia ser melhor formulada para
evitar que eles associem o fim temporal com o fim espacial.
Observamos que há semelhanças nos três níveis de ensino quanto à origem
do universo, desde a forma de representá-lo visualmente no desenho, na maioria
dos casos com o universo sendo associado ao sistema solar, e até no modelo
adotado, que é ou o Big Bang, ou o bíblico, ou, até mesmo, a mistura dos dois. Isso
valida a nossa análise feita a priori.
Esse projeto envolveu muitos dos assuntos que abordamos neste semestre
na disciplina de História da Ciência, tais como fazer resumos e pesquisa por
engenharia didática, isso dentro do grande tema gerador que foi a origem do
universo.
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ANEXO A: A ORIGEM DO UNIVERSO
(Reprodução dos textos utilizados na atividade “Representação Teatral sobre a
Origem do Universo”.)
1. SEGUNDO O POVO DESSÂNA, QUE HABITA ENTRE OS RIOS TIQUIÉ E
PAPURI, NO NOROESTE DO AMAZONAS.
(Transcrito de: Jecupé, K. W. A Terra dos Mil Povos- História indígena do Brasil
contada por um índio. São Paulo: Peirópolis; 1998.)
No princípio o mundo não existia. As trevas cobriam tudo. Enquanto não havia
nada, apareceu a mulher por si mesma. Isso aconteceu no meio das trevas. Ela
apareceu sustentando-se sobre o seu banco de quartzo branco. Enquanto aparecia,
ela cobriu-se com enfeites e fez como um quarto. Esse quarto chamava-se
‘Uhtaboho taribu’, o quarto de quartzo branco. Ela chamava-se Yebá Burô, a ‘Avó do
Mundo’ ou ‘Avó da Terra’.
(...)
Havia coisas misteriosas para ela criar por si mesma. Havia seis coisas
misteriosas: um banco de quartzo branco, uma forquilha para segurar o cigarro, uma
cuia de ipadu, o suporte dessa cuia de ipadu, uma cuia de farinha de tapioca e o
suporte dessa cuia. Sobre essas coisas misteriosas é que ela se transformou por si
mesma. Por isso ela se chama a ‘Não Criada’.
Foi ela que pensou o futuro do mundo, sobre os futuros seres. Depois de ter
aparecido, ela começou a pensar como deveria ser o mundo. No seu quarto de
quartzo branco, ela comeu ipadu, fumou o cigarro e se pôs a pensar como deveria
ser o mundo.
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Enquanto ela pensava no quarto de quartzo branco, começou a se levantar
algo, como se fosse um balão, e em cima dele apareceu uma espécie de torre. Isso
aconteceu com o seu pensamento. O balão, enquanto se levantava, envolveu a
escuridão, de maneira que esta ficou dentro daquele. O balão era o mundo. Não
havia ainda luz. Tendo feito isso ela chamou o balão, Umukowií, ‘Maloca do
Universo’.
Ela o chamou como se fosse uma grande maloca. Este é o nome mais
mencionado nas cerimônias até hoje.
2. CONCEPÇÃO INDIANA ANTIGA NO RIG VEDA.
(Transcrito de: “Nasadasiyasukta”, do Rig Veda, conforme consta do livro de Martins,
R. de A. O Universo - Teorias sobre sua origem e evolução. 30 ed. São Paulo:
Moderna, 1994. Página 33.)
Então não havia nem o ser nem o não-ser; não havia o domínio do ar nem o
céu além dele. O que estava recoberto? Onde? Em que receptáculo? Existia um
abismo de águas profundas?
Então não havia morte, nem havia imortalidade, nem havia distinção entre o
dia e a noite. Aquele Um respirava sem vento, por si próprio. Nada diferente dele; o
que além dele?
Havia trevas ocultas em trevas, tudo isso era um ondular indistinto. Aquilo
existia envolto no vazio; pelo poder do seu ardor, aquilo cresceu e se manifestou.
Nele surgiu primeiramente o desejo, a semente primordial da mente.
A união do ser ao não-ser foi descoberta pelos sábios, que refletiram sobre o
que contemplaram em seus corações. O raio se estendeu através deles. O que
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estava embaixo e o que estava em cima? Havia inseminadores, havia poderes,
autonomia embaixo e energia além.
Quem realmente sabe, quem poderia dizer de onde brotou, de onde provém
esta criação? Os deus são posteriores à sua criação, se ela foi feita ou não o foi, ele
que a observa dos mais altos do céu, ele realmente o sabe, ou talvez nem ele o
saiba.
3. CONCEPÇÃO JUDÁICA NA BÍBLIA.
(Transcrito de: Fragmentos do Gênesis, conforme consta do livro de Martins, R. de
A. O Universo - Teorias sobre sua origem e evolução. 30 ed. São Paulo:
Moderna, 1994. Página 09.)
No princípio, Deus criou o céu e a Terra.
E a Terra era uniforme e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo; e o
espírito de Deus se movia sobre as águas.
E Deus disse: “Que seja feita a luz”. E a luz se fez.
E Deus viu que a luz era boa. E separou a luz das trevas.
Chamou a luz de Dia, e as trevas de Noite. E fez-se a tarde do dia um.
E disse também Deus: “Seja feito o firmamento em meio às águas, e divida as
águas das águas”.
E Deus fez o firmamento, dividindo as águas que estavam sob o firmamento e
as que estavam sobre o firmamento. E isso se fez assim.
E Deus deu ao firmamento o nome de Céu. E fez-se a tarde e a manhã do
segundo dia.
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Deus disse: “Reúnam-se as águas que estão sob o céu, em um lugar, e que
apareça o seco”. E isso se fez assim.
E Deus chamou o seco de Terra e denominou a reunião das águas de Mar. E
Deus viu que era bom.
E disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança; e que ele
presida os peixes dos mares, as feras de toda terra, e todos os répteis que se
movem na terra”.
E Deus criou o homem à sua imagem; pela imagem de Deus o criou; criou o
macho e a fêmea.
E Deus os abençoou, e disse: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e
sujeitai e dominai os peixes dos mares, e os pássaros dos céus, e sobre todos os
animais que se movem sobre a terra”.
No sétimo dia Deus terminou a obra que havia feito; e repousou no sétimo
dia, de todas as obras que produziu.
4. CONCEPÇÃO CIENTÍFICA.
(Transcrito de: Bretones, Paulo. Os segredos do Universo. 40 ed. São Paulo: Atual,
1995.)
Antes da década de 20, a maior preocupação dos cosmologistas não era
descobrir a origem do universo, mas simplesmente observar seus elementos e
descobrir como se comportavam. Alguns desses estudiosos perceberam que
galáxias mais ou menos “próximas” se mantinham juntas devido à atração da
gravidade. Mas as mais distantes se afastavam em velocidade proporcional à
distância existente entre elas e as outras. Em 1929, Hubble descobriu que a
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velocidade de afastamento das galáxias é maior quanto maior for a distância entre
elas. Ou sejam isso significava que o universo estava em expansão.
Tal descoberta deixou os astrônomos em polvorosa. Afinal, se o universo
estava se expandindo, amanhã ele seria maior do que hoje e assim por diante. Isso
poderia querer dizer, por outro lado, que, se voltássemos cada vez mais no passado,
ele seria progressivamente menor. E, por fim, poderia estar reduzido a um “ponto” de
matéria muito densa e concentrada.
Como esse ponto teria dado origem ao atual universo? Para os
cosmologistas, por algum motivo, esse “ovo cósmico” explodira em uma enorme
nuvem de poeira cósmica, que teria originado todo o universo. A expansão universal
hoje verificada pelos astrônomos ainda seria conseqüência dessa explosão inicial,
mais conhecida como big bang (grande explosão, em inglês), que teria ocorrido há
15 ou 20 bilhões de anos. As teorias mais recentes dizem que a Via Láctea está se
dirigindo para o centro do grupo local que se desloca para o aglomerado de galáxias
na constelação de Virgem. Todo esse conjunto corre em direção ao chamado
“Grande Atrator”, uma superconcentração de galáxias além da região da constelação
de Centauro.
No entanto, o big bang não é a única explicação para a origem do universo, é
apenas a mais aceita no momento. Alguns astrônomos defendem a idéia de um
universo estacionário ou de criação contínua. Segundo essa teoria, o universo foi, é
e será sempre o mesmo. Nunca teria havido a explosão de um ovo cósmico, e o
universo não se expandiria. Apenas se criariam novas fontes de energia nos
espaços deixados por essas galáxias e nelas outras galáxias surgiriam, mantendose ainda a mesma densidade média de matéria do universo como um todo.
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Já os defensores do universo oscilante acreditam que esse nosso universo
tenha mesmo se formado a partir de um big bang ocorrido há 20 bilhões de anos.
Também acham que ele deverá se expandir, com as galáxias se afastando uma das
outras até que se tornará impossível detectá-las com qualquer tipo de instrumento.
Quando ocorrer essa expansão máxima do universo, daqui a trilhões de anos, a
atração gravitacional superará a força do big bang e as galáxias afastadas
começarão de novo a aproximar-se, em velocidade crescente. Finalmente, todas as
galáxias se amassariam umas contra as outras, numa imensa implosão denominada
big crunch (grande amassamento). Depois, um novo big bang originaria outro
universo. E assim sucessivamente. Isso caracterizaria um universo oscilante entre
expansões e contrações sucessivas e infinitas. Atualmente, estaríamos numa fase
de expansão do universo, que teve início com o big bang.
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ANEXO B: EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES: APRENDER COM OS ÍNDIOS.
De: Carlos Rodrigues Brandão
Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é: a coragem minha. Buriti
quer todo o azul, e não se aparta de sua água - carece de espelho. Mestre
não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
João Guimarães Rosa / Grande Sertão: Veredas.
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de
um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender - e – ensinar. Para saber, para fazer, para ser
ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com educação. Com uma ou com
várias: educação? Educações. E já que pelo menos por isso sempre achamos que
temos alguma coisa a dizer sobre a educação que nos invade a vida, por que não
começar a pensar sobre ela com o que uns índios uma vez escreveram?
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um
tratado de paz com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os
símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como
aqueles, logo depois de seus governantes mandarem cartas para os índios para que
enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam
agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns anos mais tarde
Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-las aqui e ali. Eis o trecho que nos
interessa:
“... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores querem o bem
para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios
reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas
e, sendo assim, os senhores não ficaram ofendidos ao saber que a vossa
idéia de educação não é a mesma que a nossa.
...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do
Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para
nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes
de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o
inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles
eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como
caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela
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vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa
gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem
alguns dos seus jovens, que lhe ensinaremos tudo o que sabemos e
faremos, deles, homens”.
De tudo que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões mais
importantes estão escritas nesta carta de índios. Não há uma forma única nem um
único modelo de educação: a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez
nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor
profissional não é o seu único praticante.
Em mundos diversos a educação existe diferente: em pequenas sociedades
tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades
camponesas, em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou aquele tipo
de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado,
com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em
cada povo, ou entre povos que se encontram. Existe entre povos que submetem e
dominam outros povos, usando a educação como um recurso a mais de sua
dominância. Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os
mundos sociais, ente as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro
sem classe de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mais adiante com
escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que
as pessoas criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo
que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta
por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber
como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do
trabalho, dos direitos e dos símbolos.
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A educação é, com outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais
que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sociedade.
Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam entre
todos que ensinam - e – aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os
códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da
religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar,
todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas
sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo
social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a explicar – às vezes a
ocultar, às vezes a inculcar – de gerações em gerações, a necessidade da
existência de sua ordem.
Por isso mesmo – e os índios sabiam - a educação do colonizador, que
contém o saber de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de
seus atos de domínio, na verdade não serve para ser a educação do colonizado.
Não serve e existe contra uma educação que ele, não obstante dominado, também
possui como um dos seus recursos, em seu mundo, dentro de sua cultura.
Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um
dos meios de que os homens lançam mão para criarem guerreiros ou burocratas.
Ela ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, através
de passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a
educação participa do processo de produção de crenças e de idéias, de
qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes
que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é a sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de
todos, o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina mas, na verdade,
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ele pode está servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu
trabalho, para os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas
agências, suas práticas e nas idéias que ela professa- interesses políticos impostos
sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita. E esta é a sua
fraqueza.
Aqui e ali será preciso voltar a estas idéias, e elas podem ser como um roteiro
daqui para frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos
grupos sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre si diz para fora, que a
sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo
com imagens que se tem de uns e de outros: “... e deles faremos homens”. Mas na
prática a mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de
fazer o contrário do que pensa fazer, ou do que inventa que pode fazer: “...eles
eram, portanto, totalmente inúteis”.