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ISSN 1517-2422
cadernos
metrópole
trabalho e moradia
Cadernos Metrópole
v. 12, n. 23, pp. 1-294
jan/jun 2010
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia Bógus
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles
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ttrabalho
rabalho e m
moradia
oradia
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Wrana Maria Panizzi (UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil)
sumário
9
Apresentação
dossiê
trabalho e moradia
Residen al segrega on and employment 15
in large Brazilian urban spaces
Popula on’s commu ng: evidence of the lack 43
of connec on between housing and labour
From class hierarchy to the social organiza on 65
of the intra-urban space: a comparison
among the major Brazilian metropolises
Socio-territorial organiza on and residen al mobility 85
in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro
Segregação residencial e emprego
nos grandes espaços urbanos brasileiros
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Juciano Mar ns Rodrigues
Filipe Souza Corrêa
Movimento pendular da população no Paraná:
uma evidência da desconexão moradia/trabalho
Rosa Moura
Da hierarquia de classes à organização social
do espaço intraurbano: um olhar compara vo
sobre as grandes metrópoles brasileiras
Luciana Corrêa do Lago
Rose a Mammarella
Organização socioterritorial e mobilidade residencial
na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Érica Tavares da Silva
The func onal center of Campo Grande 105 Centro funcional de Campo Grande no início do
at the beginning of the 21st century:
século XXI: centralidade renovada ou periférica?
renewed or peripheral centrality?
Cris na Lontra Nacif
Gisele Teixeira Antunes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 1-294, jan/jun 2010
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Antagonism between employment 125 O antagonismo entre emprego e moradia
and housing in Brazil’s Federal District
no Distrito Federal
Beatriz Teixeira de Souza
Rômulo José da Costa Ribeiro
Residen al segrega on and reproduc on 145 Segregação residencial e reprodução das
of social and spa al inequali es
desigualdades socioespaciais no aglomerado
in the Brasília urban conglomerate
urbano de Brasília
George Alex da Guia
Lúcia Cony Faria Cidade
Exploring the consequences of metropolitan 169 Explorando as consequências da segregação
segrega on in two socio-spa al contexts
metropolitana em dois contextos socioespaciais
Luciana Teixeira de Andrade
Jupira Gomes de Mendonça
Anthropology in the analysis 189 Antropologia na análise de situações
periféricas urbanas
of urban peripheral situa ons
Maria Gabriela Hita
John E. Gledhill
Urbanism, demography and the ways 211
of living in the metropolis: a case study
in the Metropolitan Region of Campinas
Urbanismo, demografia e as formas de morar
na metrópole: um estudo de caso da Região
Metropolitana de Campinas
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves
José Marcos Pinto da Cunha
Two decades of urban occupa ons in Curi ba. 239 Duas décadas de ocupações urbanas em Curi ba.
Quais são as opções de moradia para os
What are the housing op ons for poor workers?
trabalhadores pobres, afinal?
Celene Tonella
Beyond the prison-building: peripheries 263 Para além da prisão-prédio: as periferias como
campos de concentração a céu aberto
as borderless concentra on camps
Acácio Augusto
The democra c management of the metropolis in 277 Gestão democrá ca da metrópole na periferia
the periphery of capitalism: paradoxes
do capitalismo: paradoxos e perspec vas
and transforma on perspec ves
de transformação
Paulo Romano Reschilian
8
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 1-294, jan/jun 2010
Apresentação
Um dos fenômenos marcantes observados nos aglomerados urbanos e nas metrópoles
contemporâneas é a mobilidade diária da população residente, provocada pela dissociação
entre local de moradia e local de trabalho. Na maioria dos casos, as grandes proporções desses
movimentos se originam em municípios com baixa capacidade interna de absorção de mão-deobra ou com serviços educacionais que não atendem às necessidades da população. Tal fenômeno
se deve, também, à concentração das oportunidades de trabalho e educacionais nos municípios de
maior porte, em geral polos das aglomerações ou das áreas metropolitanas que exercem funções
de centralidade em relação ao entorno e direcionam a sua dinâmica. Tais movimentos, que ocorrem
principalmente em função do trabalho e da busca pelas condições de educação, não são realizados
apenas pelos segmentos populacionais de baixa renda, mas atingem vários setores da população
ocupada. A maior concentração dos fluxos registra-se naqueles municípios que exercem a função
de “dormitórios”, concentrando segmentos de baixa ou alta renda, onerando o sistema público de
transporte e demandando serviços de vários tipos em razão dos deslocamentos.
Outras questões emergem quando se propõe o debate sobre a conexão/desconexão
entre moradia e trabalho nas metrópoles contemporâneas. No caso das metrópoles brasileiras,
imediatamente vêm à tona os problemas gerados – ao longo das últimas quatro décadas – pela
formação e expansão de periferias pobres, pela distribuição inadequada de serviços públicos e
bens de consumo coletivo, produzindo os processos conhecidos como segregação socioespacial.
Esse modelo de estruturação metropolitana está, por sua vez, vinculado a formas de gestão do
Estado que se articulam a interesses de alguns setores da economia e geram impactos no âmbito
dos investimentos públicos e na dinâmica econômico-social urbana.
Diante desse quadro, cabe indagar em que medida essas tendências apontam para a
consolidação de metrópoles segmentadas, com base na divisão entre municípios ricos e municípios
pobres, com a distribuição desigual de oportunidades de trabalho, estudo e geração de renda,
onde a desconexão trabalho-moradia se instala como modelo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 9-13, jan/jun 2010
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Apresentação
Os textos reunidos neste número dos Cadernos Metrópole debatem essas e outras
importantes questões que compõem o quadro dos desafios que se apresentam aos estudiosos da
questão urbana e aos formuladores de políticas públicas.
Partindo da hipótese de que os processos de segmentação territorial e segregação residencial
em curso nas metrópoles brasileiras têm grande importância na compreensão dos mecanismos
de reprodução das desigualdades sociais e da exclusão, Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano
Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa discutem os possíveis efeitos da segregação residencial
sobre as oportunidades geradas pelo mercado de trabalho, em 17 regiões metropolitanas, a partir
da transformação estrutural à qual foram submetidos os espaços urbanizados nas últimas décadas.
Com base em evidências empíricas, o texto procura demonstrar os efeitos da composição social
dos bairros sobre as oportunidades de emprego dos adultos, apontando para a existência de
maiores riscos e maior vulnerabilidade social nas áreas de concentração de pobreza. Os resultados
encontrados contribuem para a discussão da segregação residencial como uma variável importante
para a compreensão dos mecanismos que produzem e reproduzem a desigualdade em diferentes
metrópoles no Brasil.
No trabalho de Rosa Moura, a desconexão moradia/trabalho também é observada a partir
dos movimentos pendulares da população brasileira para trabalho e/ou estudo, com foco especial
no caso do estado do Paraná. Para Moura, o perfil da população que se desloca retrata as relações
espaciais entre o mercado de trabalho e a moradia na organização interna das metrópoles,
evidenciando as diferenças quanto à acessibilidade às funções metropolitanas, expressão, por
seu lado, das formas de segregação socioespacial. O trabalho assinala que esses movimentos
têm se ampliado, considerando o número de pessoas envolvidas e as distâncias percorridas, o
que demanda sua compreensão analítica e a formulação de políticas públicas compatíveis às
dinâmicas territoriais urbanas. Conforme a autora, as consequências dessa desconexão afetam
diferencialmente os segmentos da população, dificultando a acessibilidade dos pobres ao trabalho,
à renda e aos bens de consumo coletivos, acirrando a desigualdade nos espaços urbanos/
metropolitanos.
No âmbito desse debate, o artigo de Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
busca traçar as grandes tendências na organização social do território metropolitano brasileiro,
orientando-se por um conjunto de pressupostos e questões construídos ao longo da trajetória de
quinze anos de pesquisa do Observatório das Metrópoles. Partindo do suposto de que o grau de
diversidade ou homogeneidade social de um bairro exerce forte influência sobre as ações dos
indivíduos ali residentes, examinam as alterações no padrão intrametropolitano de localização das
classes sociais em quatro metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto
Alegre – com base nas categorias sócio-ocupacionais construídas a partir dos dados censitários de
1991 e 2000.
Focalizando mais especificamente a região metropolitana do Rio de Janeiro, o estudo de
Érica Tavares da Silva investiga as tendências dos movimentos populacionais articulando-as às
grandes transformações na organização social do território. A análise utiliza uma classificação
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 9-13, jan/jun 2010
Apresentação
tipológica da evolução socioespacial segundo a hierarquia ocupacional e investiga quais áreas
da tipologia têm se caracterizado por maior imigração e sob quais modalidades de fluxos: núcleoperiferia; periferia-núcleo; periferia-periferia; intraestadual; interestadual. Os resultados apontam
para diferenças na mobilidade espacial intrametropolitana conforme as modificações observadas
nos tipos socioespaciais, ao longo do período estudado. Apontam, também, para a conexão entre
segregação socioespacial e segmentação da mobilidade.
Restringindo o foco da análise para a zona oeste da metrópole do Rio de Janeiro, o texto
de Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes discute alguns aspectos da reconfiguração
socioespacial daquela área da periferia, com destaque para Campo Grande, centro funcional de
reconhecida importância regional. Partindo da constatação de que o bairro está sendo impactado
por grandes obras de infraestrutura, além de vários lançamentos do mercado imobiliário e da
implantação de novas indústrias, as autoras indagam se tais investimentos produzirão a reafirmação
da centralidade de Campo Grande, realizando a expectativa de desenvolvimento socioeconômico
na região. Mais do que isso, questionam a possibilidade de alteração ou de continuidade do
clássico modelo centro-periferia de expansão metropolitana, a partir do caso analisado.
Em que pesem as diferenças e especificidades em termos de sua estruturação territorial,
a região metropolitana de Brasília não foge ao modelo característico das demais metrópoles
brasileiras, com padrões similares de segregação residencial, processos intensos de mobilidade
pendular e políticas de gestão territorial incapazes de equacionar as demandas sociais crescentes,
presentes na relação centro-periferia. Os dois textos sobre Brasília, publicados neste número,
possuem caráter complementar e analisam 1) a presença de fatores claramente antagônicos entre
a moradia e o emprego, agravados pela concentração dos empregos públicos, da esfera federal,
na área central do Distrito Federal (Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro).
Essa área, tombada como patrimônio, não pode receber novas moradias, residindo muitos dos
que ali trabalham em áreas periféricas do entorno, distantes dos empregos; 2) em que medida
fatores como a influência da ação do Estado na alocação de postos de trabalho e moradia foram
importantes para a conformação de um gradiente social de rendas descendentes do centro para
a periferia, com elevados níveis de segregação residencial e segmentação territorial, conforme
colocação de George Alex da Guia e Lucia Cony Faria Cidade. Desses dois trabalhos, depreende-se
a presença, no aglomerado metropolitano de Brasília, de um contínuo processo de periferização
dos pobres em direção ao entorno e do fortalecimento da autossegregação de parte dos setores
médios, intelectuais e dirigentes nas áreas centrais do Distrito Federal. Depreendem-se, também,
o caráter excludente da política habitacional e o descompasso gerado pelo processo de dispersão
urbana, com a geração de elevados custos sociais.
A análise das consequências de dois processos distintos de segregação na região
metropolitana de Belo Horizonte, apresentada no texto de Luciana Teixeira de Andrade e Jupira
Gomes de Mendonça, recoloca a questão de como a homogeneidade ou a heterogeneidade social
produzem impactos nas oportunidades no mercado de trabalho ou apresentam estruturas de
oportunidades diferenciadas. Os contextos analisados são o eixo norte de Belo Horizonte, onde
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 9-13, jan/jun 2010
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Apresentação
se localizaram, a partir dos anos 1970, os municípios “dormitório” pobres, com características de
forte homogeneidade, e o eixo sul, onde se observou, a partir dos anos 1990, a autossegregação
de grupos de alta renda, em condomínios residenciais fechados. Tal região atraiu, posteriormente,
segmentos de baixa renda em busca de empregos pouco qualificados, constituindo-se em área
marcada pela heterogeneidade social. Apesar de analisarem fenômeno presente na maioria das
cidades brasileiras, as autoras apontam para especificidades atribuídas à história dessas áreas e
concluem pelos efeitos positivos da maior mistura social sobre a estrutura de oportunidades e
menor estigmatização dos residentes, ao contrário de áreas da periferia que se homogeneízam
pela pobreza, criminalidade e violência.
A proposta de uma análise antropológica que permita estabelecer a diferenciação entre
áreas pobres na cidade de Salvador ressalta a importância das redes sociais na conformação
de atores sociais coletivos e na emergência de novos tipos de atores políticos e comunitários.
Conforme propõem os autores Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill, uma análise etnográfica de
como as pessoas vivem pode oferecer uma melhor compreensão das diferentes situações urbanas
periféricas, bem como subsidiar a reformulação de políticas públicas voltadas a essas áreas.
Completando o debate do tema do dossiê e situando-se na linha de estudos denominada
“heterogeneidade da pobreza urbana”, o trabalho de Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e
José Marcos Pinto da Cunha discute um dos aspectos centrais de tal heterogeneidade que diz respeito
às distintas formas de morar numa metrópole, a partir da ótica dos estudos demográficos. Partem
do pressuposto de que a composição e produção do espaço urbano e toda sua heterogeneidade
e desigualdade, em particular os assentamentos populares, são também, em parte, reflexo das
características sociodemográficas da população residente. O texto tem como objetivo analisar a
relação entre as diferentes etapas do ciclo vital familiar/do curso de vida individual e a condição
migratória com as alternativas existentes para obtenção da moradia em áreas metropolitanas, a
partir de estudo realizado na Região Metropolitana de Campinas. Segundo afirmam os autores, não
apenas o movimento migratório mas também o tempo de residência podem se traduzir em ativos
para algumas famílias no sentido de melhorar suas condições habitacionais. O aprofundamento
destas relações bem como a identificação dos mecanismos a partir dos quais as características
demográficas atuam sobre a dinâmica habitacional são aspectos importantes para a compreensão
dos processos de segregação socioespacial.
Complementarmente a esse debate, o texto de Celene Tonella considera o modelo de
ocupação das periferias urbanas e metropolitanas como parte de uma dinâmica excludente
e segregadora, que produz e reproduz as favelas e as chamadas “habitações subnormais”,
abrigando aqueles que nem sequer tiveram acesso ao terreno periférico e/ou à casa própria.
Essa dinâmica estabelece uma relação direta entre o local de moradia e o tipo de habitação
com a forma de integração das pessoas no mercado de trabalho. A partir de um balanço da
bibliografia recente sobre o tema, aponta algumas situações diferenciadas, porém recorrentes, em
áreas metropolitanas. Seu artigo tem por objetivo revisitar a história de luta dos trabalhadores
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 9-13, jan/jun 2010
Apresentação
pobres por um lugar para morar na cidade de Curitiba, Paraná, marcada de modo crescente pelas
ocupações irregulares de terrenos para moradia e por um número crescente de famílias residindo
em áreas de risco social e ambiental.
Numa outra vertente do debate sobre as periferias pobres e a questão social metropolitana,
o texto de Acácio Augusto analisa de forma contundente as consequências dos investimentos
em políticas assistenciais que visam solucionar o chamado problema da “violência urbana”. Tais
políticas indicam uma via da configuração das periferias das grandes cidades ou das chamadas
cidades globais como “campos de concentração a céu aberto”. A partir da apresentação de um
projeto de aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto para os chamados adolescentes
infratores, o autor analisa os impactos dessas medidas em áreas consideradas de risco e/
ou habitadas por jovens classificados como em situação de vulnerabilidade social. O conceito
sociológico de gueto, colocado por Wacquant, é problematizado a partir da noção de campo
de concentração a céu aberto proposta por Edson Passetti e da análise genealógica de Michel
Foucault.
A contribuição final às análises apresentadas neste número é feita por Paulo Romano
Reschilian, que discute o contexto socioespacial das metrópoles brasileiras como campo de
análise, tendo em vista a criação de mecanismos de gestão e de instrumentos urbanísticos, na
perspectiva do planejamento urbano contemporâneo. Aborda, para tanto, a dinâmica urbana e
a espacialização da pobreza como indicativos de uma ordem territorial na qual a existência de
assentamentos precários tem marcado o processo de construção social da paisagem urbana. Nas
análises propostas, o autor remete à necessidade de identificar os elementos para a formulação
de uma abordagem multidimensional que possibilite a apreensão dos aspectos componentes da
urbanização desigual, bem como os limites à ação cidadã e à atuação do Estado.
A relevância das discussões trazidas pelos textos aqui reunidos, a riqueza dos dados e a
relevância das questões apresentadas oferecerão ao leitor um amplo leque de possibilidades de
reflexão e deverão inspirar novos estudos e pesquisas sobre os temas tratados em sua diversidade
e grande complexidade.
Lucia Bógus
Luiz César de Q. Ribeiro
Editores científicos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 9-13, jan/jun 2010
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Segregação residencial e emprego
nos grandes espaços urbanos brasileiros
Residential segregation and employment
in large Brazilian urban spaces
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Juciano Martins Rodrigues
Filipe Souza Corrêa
Resumo
Nosso sistema urbano conta hoje com 37 grandes
aglomerados, onde reside 45% da população (76
milhões de pessoas); e, apesar de seus desequilíbrios, constituem importante ativo para o desenvolvimento nacional. Ao mesmo tempo, a urbanização
e o crescimento econômico brasileiro na segunda
metade do século XX, além da robustez do sistema
urbano, não foram capazes de garantir melhores
condições sociais, sobretudo nos grandes espaços
urbanos. Partindo da hipótese de que os processos
socioespaciais em curso nas metrópoles brasileiras têm enorme importância na compreensão dos
mecanismos de exclusão e integração, através dos
seus efeitos sobre a estruturação social dos mecanismos de produção/reprodução de desigualdades, procuramos, neste trabalho, entender de que
maneira a divisão social do espaço urbano está
relacionada às condições de acesso à estrutura de
oportunidades no mercado de trabalho. O exercício
cujos resultados aqui apresentamos permite uma
reflexão teórico-metodológica sobre as hipóteses
enunciadas, considerando a grandeza e relevância
estatística dos resultados obtidos.
Abstract
The Brazilian urban system currently has 37 large
agglomerations, where 45% of the population live
(76 million people); despite their imbalances, they
are an important asset for national development.
At the same time, the urbanization and economic
growth that took place in Brazil in the second half
of the 20th century, as well as the robustness of
the country’s urban system, have not been able
to secure better social conditions, especially
in large urban areas. Based on the hypothesis
that the socio-spatial processes in Brazilian
cities are important for the understanding of
the exclusion and integration mechanisms,
through their effects on the social structuring of
the mechanisms of production/reproduction of
inequalities, our purpose, in this study, is to find
out how the social division of the urban space is
related to the conditions of access to the structure
of opportunities in the labor market. With the
results presented here, we are able to carry out a
theoretical and methodological reflection on the
study’s hypotheses, considering the magnitude
and statistical significance of the obtained results.
Palavras-chave: metrópoles; crise social; segregação residencial; mercado de trabalho.
Keywords: metropolises; social crisis; residential
segregation, labor market.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Introdução
disso, outras limitações decorrem da natureza
mesma dos dados. Utilizando informações censitárias – aqui as provenientes do Censo 2000
Partindo da hipótese de que os processos de
do IBGE –, estamos limitados a, por um lado,
segmentação territorial e segregação residen-
apreender situações que julgamos estruturais
cial em curso nas metrópoles brasileiras têm
e, por outro, caracterizar realidades coletivas
enorme importância na compreensão dos me-
que produzem efeitos sobre os indivíduos. Por
canismos de reprodução das desigualdades
exemplo, será o desemprego – um dos indica-
sociais e, consequentemente, na exclusão e
dores aqui utilizados – uma situação conjun-
integração, procuramos, neste trabalho gerar
tural ou estrutural dos indivíduos, dúvida de-
evidências empíricas sobre os possíveis efeitos
corrente da natureza pontual no tempo do le-
da segregação residencial sobre as oportuni-
vantamento. A mesma questão pode ser levan-
dades geradas pelo mercado de trabalho.
tada para os outros indicadores de desfecho
Em outras palavras, buscamos explorar
no mercado de trabalho que aqui utilizamos.
os efeitos da concentração espacial de pes-
As segundas limitações provêm do fato de as
soas com desvantagens de condições de ha-
informações serem levantadas sobre os indiví-
bilitação exigidas para acessar a estrutura de
duos e não sobre as realidades coletivas que
oportunidades distribuídas pelo mercado de
buscamos caracterizar. Por exemplo, as carac-
trabalho. Não pretendemos que os resulta-
terísticas do espaço coletivo denominado es-
dos aqui apresentados sejam a demonstração
tatisticamente como dos Domicílios – no qual
da relação causal direta entre os contextos
os indivíduos desenvolvem sua vida, portanto
sociais conformados por esses processos de
adquirem certas características – são apreen-
aglomeração residencial. Apesar da utiliza-
didas por indicadores construídos no nível do
ção de procedimentos e técnicas de análise
indivíduo. Por último, vale a pena mencionar
adequadas a contornar os erros conhecidos
a necessária precaução no entendimento da
da “falácia ecológica”, estamos conscientes
relação causal aqui explorada em função da
que a natureza seccional do dados limitam
existência da pluralidade de concepções teó-
a apreensão dos resultados como comprova-
rico-metodológicas nas ciências sociais sobre a
ção de tal causalidade. Com efeito, apenas a
própria noção de causalidade. Essa questão é
utilização de dados longitudinais permitiria
complexa o suficiente para limitar o seu tra-
controlar adequadamente a relação entre as
tamento no marco deste trabalho. Ela toca a
características das pessoas e dos seus lugares
pluralidade de modelos pelos quais as ciências
de residência e com desfechos individuais que
sociais pretendem por meio de suas várias ver-
se realizam no mercado de trabalho. Afinal, é
tentes teóricas explicar a relação de determi-
em razão de as pessoas terem certas posições
nação entre o indivíduo e a sociedade, do mais
no mercado de trabalho que elas moram com
puro atomismo, passando pelo individualismo
pessoas que compartilham características se-
metodológico até as diversas variações do es-
melhantes dotando tais lugares de contextos
truturalismo. Adotamos aqui a atitude metodo-
sociais específicos ou o seu contrário? Além
lógica weberiana, segundo a qual a covariação
16
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
de duas ou mais variáveis não é suficiente para
lhes permitem atingir um grau maior de in-
estabelecer uma relação de causalidade, mas é
serção na economia de serviços produtivos e
necessária para imputar uma causalidade cuja
poder de direção, medido pela localização das
descrição e compreensão deve prosseguir no
sedes das 500 maiores empresas do país, pelo
desdobramento de um trabalho, seja no plano
volume total das operações bancárias/finan-
empírico seja no teórico.
ceiras e pela massa de rendimento mensal.2
Na primeira parte, apresentamos o con-
Neste estudo, além das 15 metrópoles
texto de transformação estrutural ao qual fo-
já mencionadas, incluiremos na análise outros
ram submetidas as metrópoles brasileiras nas
dois aglomerados: a região metropolitana de
últimas décadas. Na segunda, apresentamos
Natal-RN (Lei Complementar Estadual nº 152,
os principais elementos da metodologia apli-
de 16 de janeiro de 1997) e a região metropo-
cada, com ênfase nos dados utilizados, no
litana de Maringá-PR (Lei Complementar Esta-
tratamento das variáveis e no modo de medir
dual nº 83, de 17 de julho de 1998), que fazem
a segregação residencial. Na terceira e última
parte da Rede Observatório das Metrópoles. A
parte, apresentamos os resultados do estudo,
localização dessas 17 metrópoles e a categoria
fruto das análises empreendidas que eviden-
de tamanho populacional à qual elas perten-
ciam os efeitos da segregação residencial so-
cem estão representadas no Mapa 1.
bre o desemprego, a fragilidade ocupacional e
o nível de rendimento nas metrópoles.
Vale salientar, que esses espaços considerados metropolitanos têm redobrada importância no cenário social e econômico nacional,
principalmente no que tange à concentração
Crise social e mercado
de trabalho nas metrópoles
brasileiras
das forças produtivas nacionais. Eles concentram 62% da capacidade tecnológica do país,
medida pelo número de patentes, artigos científicos, população com mais de 12 anos de estudo e valor bruto da transformação industrial
Nosso sistema urbano conta hoje com 37 gran-
(VTI) das empresas que inovam em produtos
des aglomerados onde reside 45% da popula-
e processos produtivos. Ainda nessas 15 me-
ção (76 milhões de pessoas) e, apesar de seus
trópoles está ainda concentrado 55% do valor
desequilíbrios constitui importante ativo para o
de transformação industrial das empresas ex-
desenvolvimento nacional. Entre os 37 grandes
portadoras.
aglomerados urbanos, temos 151 metrópoles,
A urbanização e o crescimento econô-
ou seja, grandes espaços urbanos que apresen-
mico brasileiro na segunda metade do século
tam características das funções de coordena-
XX e a robustez do sistema urbano não foram
ção, comando e direção próprias das grandes
capazes de garantir melhores condições so-
cidades na “economia em rede” (Veltz, 1996).
ciais, sobretudo nas grandes cidades. A cria-
Ao mesmo tempo, concentra elevada parcela
ção de novos empregos em todos os setores
da população, exerce alta capacidade de cen-
da economia não se generalizou e a abun-
tralidade, além de possuir características que
dância de mão-de-obra disponível permitiu
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
17
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Mapa 1
Fonte: IBGE, 2007
Elaboração: Observatório das Metrópoles, 2008, por Arthur Molina
a compreensão das remunerações, além de
(Ribeiro e Santos Junior, 2007). Podemos afir-
forjar uma estrutura ocupacional em que se
mar que esses desequilíbrios também se repro-
viu cada vez mais a presença das relações de
duzem no interior dessas grandes cidades em
trabalho precárias em setores como o pequeno
forma de desigualdade intraurbana, visto que
comércio, os serviços pessoais ou o trabalho
além da rapidez do processo de urbanização,
doméstico (Carvalho, 2006).
os interesses do capital imobiliário e a fraca
Ao mesmo tempo, a crise social transfor-
capacidade de regulação e distribuição do Es-
mou a geografia da pobreza urbana e da vul-
tado contribuíram para conformação de cida-
nerabilidade social, com impactos profundos
des extremamente desiguais e injustas (Carva-
na dinâmica da agregação societária do terri-
lho, 2006). Sendo assim, em algumas cidades,
tório popular e nas relações reais ou simbóli-
as qualidades urbanísticas se acumulam em
cas que estabelece com o restante da cidade
setores restritos, locais de moradia, negócios e
18
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
consumo de uma minoria da população mora-
em atividades com baixas produtividades
dora, enquanto que para a grande maioria res-
(Cacciamali, 2004). Nesse sentido, o aumento
tam as terras que a legislação urbanística ou
da informalidade é o principal ajuste verifica-
ambiental veta para a construção, ou espaços
do no mercado de trabalho brasileiro, como
precários das periferias (Rolnik, 2008).
resultado das mudanças ocorridas na econo-
Na década de 80, após um período de
mia nesta década (Ramos, 2002). Nas regiões
elevado crescimento econômico, a tendência
metropolitanas, onde é realizada a Pesquisa
de melhora nas condições sociais, conquista-
Mensal de Emprego do IBGE (PME) – São
das principalmente por melhorias na qualidade
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto
do emprego, se inverte. Neste sentido,
Alegre, Recife e Salvador – a informalidade
[...] com o agravamento da crise econômica, da crise fiscal do Estado e uma intensa aceleração do processo inflacionário, os caminhos do país foram reorientados, com a implantação de um conjunto
de políticas convergentes, recomendadas
pelas agências multilaterais. (Carvalho,
2006, p. 9)
Tais efeitos provocaram profundas mudanças no mercado de trabalho brasileiro e,
principalmente, em suas principais áreas urbanas. Nesse período, o chamado ajustamento
do emprego (mercado de trabalho) ocorreu
por dois mecanismos principais: 1) o aumento
de ocupações de baixa qualidade e alta produtividade; e, 2) uma queda da renda real dos
segmentos ocupacionais médios e inferiores.
Ao mesmo tempo, aconteceu um aumento do
número de trabalhadores por conta própria
(Cacciamali, 1993).
Sentindo mais diretamente os efeitos da
globalização e da reestruturação produtiva, o
mercado de trabalho brasileiro caracterizouse, na década de 1990, pelo crescente aumento da informalidade, principalmente nas
grandes metrópoles. Após a implantação do
plano real, verificou-se um maior volume de
desemprego aberto, com queda no emprego
industrial e um crescimento do setor terciário
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
passou de 40% para 47% entre 1991 e 1996
e, até 2001, com pequenas variações no ritmo
de crescimento, esse índice chegou a 50% da
população ocupada (ibid.).
Para Ramos (ibid.), a principal explicação para o comportamento da informalidade
nesse período é de natureza estrutural, em
função das mudanças ocorridas em dois setores fundamentais da estrutura econômica: a
indústria da transformação e o setor de serviços. Em outras palavras, o aumento da informalidade está ligado a uma realocação da
mão-de-obra no contexto das mudanças na
estrutura ocupacional mencionadas anteriormente. Pois, por um lado, houve uma perda do
percentual de ocupados na indústria de transformação e, por outro, um aumento substancial no setor de serviços, como já afirmamos.
Segundo o mesmo autor:
A razão de ser para esse raciocínio deve-se
às características dos postos de trabalho
em cada um desses setores: enquanto a
indústria contrata majoritariamente através do assalariamento com carteira assinada — em torno de 70% dos vínculos
trabalhistas na indústria eram dessa natureza em 2001 –, o oposto acontece com
o segmento de serviços, em que o grau
de informalidade era próximo de 60%
19
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
nesse mesmo ano. De maneira análoga, a
constatação de que o movimento ascendente da informalidade perdeu força, ou
mesmo desapareceu, na virada da década, justamente quando as participações
desses setores no total da ocupação se
estabilizaram, serve para reforçar este
argumento. (Ramos, 2002, p. 4)
2000, mas com taxas bem próximas à média
Já o desemprego ao longo dos últimos
2007, foi registrada uma taxa de desempre-
anos comporta-se de maneira bastante dife-
go de pessoas com mais de 15 anos de idade
renciada nas regiões metropolitanas onde é
de 17,7%, enquanto a média nacional é de
realizada a Pesquisa Nacional por Amostra
10,9%.
das regiões metropolitanas pesquisadas. Curitiba e Porto Alegre apresentam as menores taxas desde o inicio da década de 1990, sempre
abaixo da média. Já as regiões metropolitanas
do Nordeste sempre apresentaram os maiores
percentuais, principalmente Recife, onde, em
de Domicílios (PNAD/IBGE). Ao mesmo tem-
Antes de tratarmos diretamente dos
po, apresenta comportamento diferente entre
efeitos da segregação residencial sobre as con-
elas. Nas regiões metropolitanas de São Paulo
dições de acesso ao mercado de trabalho nas
e Rio de Janeiro, com podemos ver na Tabela
metrópoles, se faz necessário um panorama
1, a tendência foi de aumento entre meados
da situação de desemprego e fragilidade dos
da década de 1990 até início da década de
adultos de 30 a 59 anos de idade no ano 2000.
Tabela 1 – Taxa de desemprego (%)
pessoas com 15 anos ou mais das regiões metropolitanas
Ano
Brasil/Região
Metropolitana
Brasil
RMs
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
9,1
9,0
7,9
9,3
11,0
12,9
13,8
12,6
13,0
13,8
13,1
13,0
11,7
10,9
9,7
9,6
8,2
9,9
11,3
12,6
14,3
13,1
13,5
13,9
13,6
13,5
12,1
11,5
Belém
11,9
8,9
9,0
10,8
12,7
10,3
16,5
14,2
13,1
11,9
11,9
12,8
12,3
11,0
Salvador
11,6
14,8
9,6
14,6
16,0
17,0
19,2
15,5
19,3
19,8
19,3
17,5
16,5
15,2
Fortaleza
9,3
8,9
9,1
8,8
10,1
10,9
12,1
12,0
13,5
13,6
13,2
12,9
12,1
11,4
Recife
13,2
14,3
9,2
10,9
13,2
14,7
14,3
14,0
14,9
17,6
17,8
18,3
15,4
17,7
Brasília
7,9
8,9
7,9
12,5
9,9
11,6
14,8
14,4
14,0
13,7
14,2
13,3
11,4
11,7
Belo Horizonte
9,4
7,9
6,6
8,1
9,4
12,3
14,1
12,6
12,0
11,4
12,0
12,2
9,9
8,7
Rio de Janeiro
6,9
7,8
7,4
8,3
9,5
11,0
11,3
12,5
12,2
13,5
11,8
12,6
12,0
10,5
10,1
9,1
8,2
9,5
12,2
14,5
15,5
12,9
13,3
14,6
13,8
13,3
11,9
10,7
Curitiba
6,8
6,2
6,4
6,0
8,6
11,0
10,9
9,3
8,8
9,2
8,0
8,8
7,5
6,4
Porto Alegre
6,9
6,2
7,4
8,5
9,0
10,9
9,9
8,6
9,9
9,9
8,8
8,6
8,3
9,2
São Paulo
Fonte: Elaborado pelo IETS a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE).
Nota: A pesquisa não foi a campo em 1994 e 2000.
20
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
Vale lembrar que os dados podem divergir dos
respectivamente. As maiores metrópoles, São
já apresentados anteriormente, pois se trata de
Paulo e Rio de Janeiro, apresentam níveis de
fontes e de grupos etários diferentes, entretan-
desemprego bastante semelhantes. Em São
to, é necessário caracterizar os impactos das
Paulo, 13,8% dos adultos encontravam-se de-
transformações apontadas acima no mercado
sempregados segundo o Censo de 2000, en-
de trabalho, no que diz respeito ao universo
quanto que no Rio de Janeiro esse percentual
que estamos observando, ou seja, os adultos
era de 13,5%.
Além desses casos, vale salientar que o
de 30 a 59 anos de idade.
No que tange ao desemprego, o percen-
restante das metrópoles apresenta taxas de
tual da PEA de 30 a 59 anos de idade nessa
desemprego entre 10% e 14%, tratam-se de:
situação se diferencia bastante entre os 17 es-
Curitiba, Porto Alegre, Campinas, Brasília, For-
paços urbanos analisados. As menores taxas
taleza, Grande Vitória, Belo Horizonte e Natal.
foram verificadas em Florianópolis, Goiânia e
Além de Rio de Janeiro e São Paulo, já men-
Maringá, onde o desemprego nessa faixa etá-
cionadas.
ria é menor que 9%. Por outro lado, Recife,
Isso justifica o fato de que, ao analisar o
Manaus e Salvador apresentam as maiores ta-
mercado de trabalho, é extremamente neces-
xas de desemprego, com 17,2%, 17,9% e 18%,
sário lançar mão de um indicador de qualidade
Gráfico 1 – Taxa de desemprego e fragilidade
das pessoas de 30 a 59 anos, por metrópole – 2000
lém
Be
a
ez
tal
r
Fo
ia
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Go
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M
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C
re
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Po
A
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po
nó
ia
lor
F
Fragilidade
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
21
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
do emprego. No presente trabalho, construímos
o indicador de fragilidade da ocupação – cuja
lógica de construção daremos mais à frente –,
pois a taxa de desemprego não é suficiente pa-
Explicações metodológicas
Bases de dados utilizadas
ra captar essa dimensão. Consideramos, neste
caso, que não somente o acesso ao mercado
Os Microdados da Amostra do Censo Demo-
de trabalho, tal qual expresso pela taxa de de-
gráfico de 2000, realizada pelo Instituto Brasi-
semprego, nos ajuda a pensar as condições de
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), consiste
acesso à estrutura de oportunidades oriundas
na principal fonte de dados utilizados neste
do mercado de trabalho como também traba-
trabalho. A partir destes dados construímos os
lhamos com a ideia de que da instabilidade do
principais indicadores e variáveis utilizados na
laço dos indivíduos e do seu grupo domiciliar
presente análise.
com o mercado de trabalho decorrem outras
Adotamos como unidade territorial míni-
instabilidades que afetam a vida social dos
ma de análise da divisão social do espaço me-
indivíduos, incidindo portanto na reprodução
tropolitano as “áreas de ponderação”- AED´s.
das desigualdades sociais. Por exemplo, no ca-
Essa divisão territorial foi criada pelo próprio
so de Goiânia, vimos que a taxa de desempre-
IBGE para a divulgação dos dados da amostra,
go dos adultos é de 8,4%, a segunda menor
obedecendo a critérios estatísticos. Cada uma
entre todas as metrópoles, e por outro lado, a
dessas unidades geográficas é
taxa de fragilidade é de 38,7%, que somente
é menor do que as taxas verificadas para Salvador e Belém. Outro caso interessante é São
Paulo, que apresenta uma das maiores taxas
de desemprego, mas apresenta a quarta menor taxa de fragilidade (27,8%).
[...] formada por um agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitários,
para a aplicação dos procedimentos de
calibração das estimativas com as informações conhecidas para a população como um todo. (IBGE, 2002)
Vale destacar que Belém, a qual apresenta elevada taxa de desemprego, tem a
maior taxa de fragilidade, seguida por Forta-
Definição das variáveis utilizadas
leza. Na primeira, 41,5% dos adultos ocupados
estão em situação de fragilidade, enquanto em
Torna-se imprescindível, portanto, na sequên-
Fortaleza, esse percentual chega a 39,6%. Me-
cia do presente texto, apresentar as variáveis
recem destaque também Maringá e Manaus.
utilizadas no presente trabalho. Com o intuito
A primeira por apresentar uma combinação de
de explicar o efeito do contexto social dos espa-
baixo desemprego e alta fragilidade, e a se-
ços de residência sobre as condições de acesso
gunda por apresentar alto desemprego e alta
à estrutura de oportunidades no mercado de
fragilidade, portanto, uma maior precariedade
trabalho, definimos três variáveis dependen-
no mercado de trabalho.
tes.3 Nesse sentido, buscamos operacionalizar
22
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
três dimensões dessas condições de acesso. A
vos da presente análise, desconsiderar os efei-
primeira delas diz respeito à própria condição
tos dessas variáveis nos faria incorrer no risco
de acesso ao mercado de trabalho, tal qual
de atribuirmos à lógica de organização do
expressa pela variável indicadora da situação
território um caráter explicativo que se deves-
de desemprego. A segunda diz respeito à si-
se a outras variáveis. Por isso, consideramos
tuação de fragilidade do vínculo ocupacional,
essas variáveis como “controle” dos efeitos
conforme dito anteriormente. Essa condição
do território. No caso da variável “Sexo”, tra-
de fragilidade ocupacional é operacionalizada
balhamos com a hipótese de que as mulheres
através da variável que identifica indivíduos
apresentam piores condições de acesso à es-
nas seguintes situações: (a) conta própria não
trutura de oportunidades do que os homens.
contribuinte com sistema de previdência; (b)
Com relação à variável “Idade”, consideramos
empregado doméstico, com e sem carteira de
que, quanto maior a idade, melhores são es-
trabalho assinada; e (c) empregado sem car-
sas condições. Quanto menor for a escolarida-
teira de trabalho assinada, não contribuinte
de do indivíduo, piores são essas condições;
com sistema de previdência oficial. A terceira
para isso, consideramos como critério de defi-
e última dimensão diz respeito aos recursos
nição das faixas desta variável os anos de es-
adquiridos a partir da inserção no mercado de
tudo que corresponderiam aos limites dos ci-
trabalho, recursos esses expressos diretamente
clos educacionais no Brasil. O Tipo de vínculo
pela renda obtida a partir da ocupação princi-
ocupacional definido a partir da fragilidade
pal exercida. Nesse caso, temos como hipótese
também apresenta efeito a se considerar, da-
que o território organizado a partir de uma ló-
do que essa instabilidade (ou fragilidade) do
gica de segregação, utilizando-se de diversos
vínculo com o mercado de trabalho se traduz
mecanismos – cuja problematização foge aos
em menores rendimentos. Já no plano do do-
objetivos do presente trabalho –, afeta de ma-
micílio, acreditamos que o ambiente domici-
neira desigual a possibilidade de traduzir as
liar também afeta o nível dessas condições de
oportunidades de inserção no mercado de tra-
acesso à estrutura de oportunidades no mer-
balho em rendimentos.
cado de trabalho. Ao considerarmos a variável
Contudo, acreditamos que não somente
de “Renda domiciliar per capita”, acreditamos
a lógica de organização do território a partir
que o nível material dos domicílios expresso
de mecanismos de segregação influencia es-
pela renda per capita amplia ou limita essas
sas condições de acesso à estrutura de opor-
condições de acordo com o nível de necessi-
tunidades no mercado de trabalho. Outras
dades materiais de cada ambiente domiciliar.
variáveis podem ser elencadas a partir de ex-
No caso da variável clima educativo, estamos
tensa bibliografia apresentando os resultados
considerando que o ambiente educativo do
dos seus efeitos sobre o mercado de trabalho.
domicílio, expresso através da média dos anos
Sejam elas: Sexo, Idade, Escolaridade, Tipo de
de estudo dos adultos residentes com 25 anos
vínculo com o mercado de trabalho, Renda
ou mais, possui crescente relevância como
domiciliar per capita e Clima educativo domi-
requisito de posicionamento no mercado de
ciliar. Sendo assim, de acordo com os objeti-
trabalho e da transformação dessa posição em
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
23
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
novos recursos oriundos da sua inserção no
portanto, indiretamente relacionado com as
mercado de trabalho (rendimento da ocupa-
condições de acesso à estrutura de oportuni-
ção) tendo como base as evidências encontra-
dades no mercado de trabalho. No nível do
das em trabalhos realizados sobre este tema,
território, consideramos o efeito do contexto
como Kaztman e Retamoso (2005) e Ribeiro
social do espaço de moradia com base na ela-
(2007). Além da percepção da relevância da
boração de uma tipologia socioespacial que
escolaridade individual sobre o posicionamen-
classifica as áreas de ponderação do Censo
to no mercado de trabalho, esses autores tam-
Demográfico de 2000 a partir dos procedi-
bém destacam o caráter explicativo do nível
mentos descritos logo a seguir. O Quadro 1
de escolaridade do domicílio (clima educativo)
apresenta a descrição detalhada das variáveis
sobre o nível de escolaridade do indivíduo, e,
utilizadas no presente trabalho.
Quadro 1
Variáveis
Tipo
Descrição
Desemprego
Dicotômica
Variável que assume o valor “1” caso o indivíduo não exercesse nenhum tipo
de ocupação na data de referência do Censo, e o valor “0” caso contrário
Fragilidade ocupacional
Dicotômica
Variável que assume o valor “1” caso o indivíduo apresentasse vínculo frágil
com o mercado de trabalho, e o valor “0” caso contrário
Contínua
Variável numérica formada pelos rendimentos oriundos da ocupação principal
dos indivíduos considerados
Variáveis dependentes
Renda da ocupação principal
Variáveis de controle (nível individual)
Dicotômica
Variável que assume o valor “1” caso o indivíduo seja mulher, e o valor “0”
caso contrário
Escolaridade
Ordinal
Total de anos de estudo do indivíduo classificado em três faixas: 1) de 0 a 4
anos de estudo; 2) mais de 4 a 8; 3) mais de 8 anos de estudo
Idade
Ordinal
Idade do indivíduo classificada em três faixas: a) de 30 a 34 anos; b) de 34 a
39 anos; e c) mais de 39 anos de idade
Sexo
Cor
Dicotômica
Variável que assume o valor “1” caso o indivíduo seja preto ou pardo, e o
valor “0” caso contrário
Variáveis de controle (nível domiciliar)
Renda domiciliar per capita
Clima educativo do domicílio
Ordinal
Variável que corresponde à soma dos valores dos rendimentos nominais
mensais dos moradores do domicílio, dividida pelo número de moradores do
domicílio, expressa em salários mínimos, utilizando-se três faixas: 1) até 1/2
salário mínimo; 2) de 1/2 a 1 salário mínimo; e 3) acima de 1 salário mínimo
Ordinal
Variável que corresponde à média dos anos de estudo dos adultos com idade
superior a 25 anos de idade em cada domicílio, utilizando-se três faixas: 1) de
0 a 4 anos de estudo; 2) mais de 4 a 8; 3) mais de 8 a 12; e 4) mais de 12 anos
de estudo
Ordinal
Variável que expressa a classificação das áreas de residência dos indivíduos
de acordo com o seu contexto social obtido de acordo com a concentração de
pessoas nas faixas de clima educativo domiciliar, utilizando-se três categorias;
1) baixo; 2) médio; e 3) alto
Efeito do território
Tipologia socioespacial
24
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
A identificação dos contextos
sociais do bairro
estudo. Em Belém e Manaus o percentual de
indivíduos com clima educativo nessa faixa é
superior a 35%.
No que tange especificamente aos domi-
Para expressar a divisão social das metrópoles
cílios com alta escolaridade (mais de 11 anos
estudadas, optamos por classificar as áreas in-
de estudo), o percentual em Fortaleza e Natal
traurbanas através de uma análise tipológica.4
não chega a 10%. Florianópolis, Rio de Janei-
Para tal, utilizamos como variável classificado-
ro, Curitiba, Porto Alegre, Brasília e São Paulo
ra das áreas o clima educativo domiciliar, ou
apresentam os maiores percentuais de indiví-
seja, a média no domicílio da escolaridade dos
duos residindo em domicílios com alto clima
indivíduos acima de 25 anos de idade. Consi-
educativo, ou seja, acima de 15,2%, que é o
deramos que tal variável permite a descrição
percentual médio de todos os espaços urbanos
da segregação residencial em termos da con-
analisados.
centração de pessoas que vivem nos planos
A partir da distribuição dos indivíduos
da família e do bairro em situações de maior
em cada faixa de clima educativo domiciliar
ou menor chance de acesso a recursos que po-
para cada uma das áreas de ponderação de
tencializam o seu posicionamento na estrutura
cada uma das metrópoles estudadas, partimos
de oportunidades oferecidas pelo mercado de
para a construção da tipologia.
trabalho.
Para identificarmos os contextos sociais
Primeiramente, os indivíduos foram
nas regiões metropolitanas consideradas no
agrupados em quatro faixas de clima educati-
âmbito de estudo do Observatório das Me-
vo do domicílio: 1) menor que 4 anos; 2) mais
trópoles, fizemos uso de uma metodologia
de 4 a 8 anos; 3) mais de 8 a 12 anos; e 4)
utilizada em trabalho anterior (Ribeiro, Rodri-
mais de 12 anos.
gues e Corrêa, 2008), já que esta apresentou
O Gráfico 2 traz a distribuição das pes-
resultados interessantes para pensarmos a or-
soas segundo as faixas de clima educativo do
ganização social do território das regiões me-
domicílio nos 17 espaços urbanos seleciona-
tropolitanas, utilizando como variável de clas-
dos para o estudo. Essa distribuição, confor-
sificação, o clima educativo domiciliar dividido
me podemos notar, apresenta-se de maneira
em quatro faixas. A classificação das áreas de
diferenciada entre esses espaços. Com efeito,
ponderação por meio dessa tipologia foi reali-
em duas regiões metropolitanas da Região
zada através da aplicação da técnica de Análi-
Nordeste, Fortaleza e Natal, predominam in-
se Fatorial por Combinação Binária, seguida de
divíduos que residem em domicílios com baixo
uma Classificação Hierárquica Ascendente. Na
clima educativo. Nessas duas áreas metropo-
primeira etapa, para cada metrópole, reduzi-
litanas, mais de 35% das pessoas residem em
mos a dimensão de explicação da distribuição
domicílios com clima educativo de até 4 anos
dos indicadores de clima educativo pelas áreas
de estudo. Em todas as outras metrópoles, a
de ponderação em dois fatores, tendo como
maioria dos indivíduos reside em domicílios
critério do número de dimensões satisfatório
com clima educativo entre 4 ou 8 anos de
a considerar o valor de 80% de explicação da
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
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Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Gráfico 2 – Percentual de pessoas residentes
segundo o clima educacional, por metrópole – 2000
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Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
variância dos indicadores. As cargas fatoriais
do tipo Médio, são os casos de Florianópolis,
resultantes desse procedimento foram salvas
Salvador, São Paulo, Goiânia, Belém, Curitiba
para a realização da segunda etapa de cons-
e Porto Alegre. Esta última ainda se destaca
trução da tipologia segundo o contexto social,
por ter o maior percentual de pessoas residin-
para tal, utilizamos essas cargas fatoriais na
do em territórios com alto clima educacional,
definição de clusters com base nas áreas de
o que tem muito a ver com a situação social
cada uma das regiões metropolitanas, o resul-
da metrópole. Outras três metrópoles se des-
tado da Classificação Hierárquica Ascendente
tacam pela alta concentração de pessoas re-
forneceu três agrupamentos de áreas, cuja
sidentes no contexto socioespacial cujo perfil
variância intraclasses foi em média 28,8% e a
dominante é o da concentração dos domicílios
variância interclasses foi em média 71,2%.
com baixo clima educacional. São os casos
No Gráfico 3 podemos ver como a popu-
de Campinas, Belo Horizonte e Recife, todos
lação de cada metrópole se distribui segundo
com mais de 60% das pessoas residindo nesse
os 3 tipos encontrados. Como podemos no-
tipo de território. Ao mesmo tempo, em Belo
tar, a distribuição da população residente em
Horizonte, é baixa a concentração de residen-
cada um dos tipos de contexto social nas 17
tes nos territórios de alto clima educacional
metrópoles é bastante diferenciada. Algumas
(6,1%). Como também em Brasília e Manaus,
delas apresentam uma elevada concentração
7% e 7,5%, respectivamente.
26
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
Gráfico 3 – Percentual de população residente
segundo o tipo socioespacial, por metrópole – 2000
alto
médio
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baixo
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
Segregação residencial
e mercado de trabalho
nas metrópoles brasileiras
No contexto da acelerada urbanização e dos
ajustes estruturais diante da globalização, o
padrão de organização espacial vigente nas
metrópoles caracteriza-se pela distância social
e, em alguns casos, proximidade física entre
as classes de alta renda e os vários segmentos
da “baixa classe média” e os segmentos das
classes operárias. Nesse sentido, a segregação
residencial aparece como uma das marcas do
padrão de organização social das metrópoles
brasileiras. A dinâmica que resulta nesse padrão tem como característica principal a autossegregação de determinados grupos sociais.
Ribeiro descreve este processo da seguinte
maneira:
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Por um lado, pelo aprofundamento da
autossegregação das camadas superiores
formadas por aqueles que historicamente
ocupam posições de controle das oportunidades, por controlarem as várias formas
de poder expressas no controle dos capitais econômico, social, político e cultural.
São aquelas reconhecidas nas representações sociais da sociedade brasileira como as “altas classes médias”. Com algumas diferenças entre as metrópoles, decorrentes das suas respectivas histórias
urbanas, o padrão de organização espacial vigente no período 1950/1990 foi caracterizado pela distância social e proximidade física entre as classes superiores
e os vários segmentos da “baixa classe
média” e os vários segmentos do mundo
operário-popular. Esta estrutura socioespacial vem se transformando aceleradamente com a constituição de espaços de
forte concentração das classes superiores – o que estamos denominando neste
texto autossegregação é a constituição
27
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
de territórios que concentrando parcelas
significativas da população vulneráveis
nos planos do trabalho, da família e da
comunidade estão submetidas a mecanismos de reprodução intergeracional
das desigualdades e da pobreza, todos
relacionados às consequências do isolamento socioterritorial. (2008, p. 4)
defini-los através da técnica utilizada; no segundo, contribui no entendimento do padrão
de segregação de cada espaço urbano estudado, visto que podemos ver como os grupos sociais, neste caso o de adultos segundo o nível
escolar, se distribuem no território.
Nesse sentido, visualizamos nos gráficos
abaixo que três regiões metropolitanas se des-
Procuramos, através dos dados apresen-
tacam pela alta concentração de pessoas de
tados a seguir, algumas evidências empíricas
escolaridade elevada nas áreas classificadas,
do autoisolamento das camadas de alta qua-
segundo a tipologia descrita acima, como Alto
lificação e detentoras de parcelas significa-
contexto social: Brasília, Belo Horizonte e Rio
tivas do capital econômico, social e cultural.
de Janeiro. Nessas metrópoles 79,1%, 72,1% e
Ao mesmo tempo, procuramos demonstrar a
69,1% dos adultos residem nas áreas do tipo
alta concentração de camadas da sociedade
"Alto", têm escolaridade superior a 11 anos de
compostas por pessoas com baixa qualifica-
estudo, respectivamente. Ao mesmo tempo,
ção e que compõem, na maioria das vezes, os
verifica-se que nessas áreas ocorre uma baixa
grupos de trabalhadores manuais do terciário,
presença de adultos com escolaridade inferior
da construção civil, empregados domésticos,
a 4 anos de estudo. Em Brasília, por exemplo, o
ambulantes e biscateiros. Esses dados concor-
percentual de adultos com esse nível de esco-
dam, em certa medida, com o entendimento
laridade nessas áreas gira em torno de 2,5%, e
que se tem da maneira como os grupos sociais
no Rio de Janeiro, embora o percentual seja um
se distribuem no território, principalmente no
pouco maior, 4,6%, fica abaixo da média das
que diz respeito a esse autoisolamento.
metrópoles analisadas, que é de 6,1%. Pode-
Os Gráficos 4 e 5 representam a distri-
mos afirmar, portanto, que nessas metrópoles,
buição dos adultos de 30 a 59 anos de idade
essas áreas classificadas como de alta escola-
nos três tipos socioespaciais encontrados. Es-
ridade tendem a ser áreas de autossegregação
sa distribuição colabora em dois sentidos: no
dos grupos sociais de maior escolaridade, es-
primeiro, na justificativa de construção dos ti-
paços quase que totalmente exclusivos desses
pos, reforçando os parâmetros utilizados para
grupos.
28
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
Gráfico 4 – População de 30 a 59 anos, residente em domicílios
com clima escolar superior a 11 anos de estudo,
segundo o tipo socioespacial – 2000
%
Baixo
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Alto
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
Gráfico 5 – População de 30 a 59 anos, residentes em domicílios
com clima escolar inferior a 4 anos de estudo,
segundo o tipo socioespacial – 2000
%
Baixo
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Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 - IBGE.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
29
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Outras metrópoles, como Curitiba, Goiâ-
socioespacial Alto (8%), a maior neste tipo
nia, Campinas e Salvador, seguem a mesma
entre as metrópoles analisadas. Em relação à
tendência, pois todos apresentam a concen-
taxa de desemprego, Manaus é a metrópole
tração espacial de adultos com escolaridade
que apresenta elevadas taxas para os três ti-
elevada nas áreas de alto clima escolar acima
pos socioespaciais (perdendo somente para
da média, que é de 57,1%. Por outro lado, em
Salvador quando consideramos os territórios
Curitiba, Fortaleza e Natal, as áreas de baixo
de médio contexto social, permanecendo em
clima educacional concentram um percentual
segundo lugar). Ao mesmo tempo, Salvador
elevado de adultos com escolaridade inferior
se destaca por apresentar a maior diferença
a 4 anos de estudo, em comparação com os
entre os tipos socioespaciais de Alto e Baixo
outros espaços urbanos estudados. Nas áreas
contexto social. Pois, enquanto o primeiro ti-
desse tipo, nessas metrópoles, mais de 50%
po apresenta taxa de desemprego de 6,9%, o
dos adultos possuem escolaridade situada
tipo baixo apresenta 14,7%, o que indica um
nessa faixa. Vale destacar que, ao mesmo
forte efeito da segregação socioespacial sobre
tempo, em Curitiba, o percentual de adultos
as taxas de desemprego dos territórios. Por
com baixa escolaridade não chega a 5% dos
outro lado, Florianópolis e Porto Alegre apre-
adultos que residem em áreas classificadas co-
sentam as menores diferenças, considerando
mo de Alto clima escolar.
todas as metrópoles, entre os territórios de
alto e baixo contexto social. Em Porto Alegre,
a diferença na taxa de desemprego não atinge
Resultados
2% dos adultos de 30 a 59 anos pertencentes à PEA considerando esses territórios. Em
Florianópolis, essa diferença fica em torno dos
Efeitos da segregação residencial
sobre o desemprego
2%. Esses resultados indicam que para essas
duas metrópoles não evidenciamos um efeito
da segregação sobre os níveis de desemprego
Como podemos ver no Gráfico 6, a taxa de-
para a população considerada. Brasília apre-
semprego varia também no nível intrame-
senta um resultado bastante peculiar pois,
tropolitano segundo o tipo socioespacial, ou
apesar de as taxas de desemprego para os ter-
seja, a magnitude do desemprego claramente
ritórios de médio e baixo contexto social não
se diferencia conforme o território. O tipo de
serem elevadas, o fato de apresentar a menor
território de baixo contexto social em Manaus
taxa de desemprego no território de alto con-
e Salvador apresenta as taxas de desemprego
texto social faz com que a diferença entre os
de adultos mais elevadas, superior a 14,5%.
contextos alto e baixo seja a segunda maior
Manaus chama mais a atenção, pois apresen-
evidenciada entre as metrópoles consideradas
ta uma taxa de desemprego elevada no tipo
(7,5%). O restante das metrópoles apresenta
30
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
Taxa de desemprego
Gráfico 6 – Taxa de desemprego,
segundo o tipo socioespacial, por metrópole – 2000
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Baixo/Alto
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
um padrão de distribuição das taxas de de-
estatisticamente esse efeito do território,
semprego entre os territórios bastante pareci-
aplicamos um modelo de regressão logística 5
do, apesar dos diferentes níveis evidenciados.
inserindo não só a variável do contexto social
Os dados apresentados acima indicam
do território, mas também outras variáveis de
que o acesso a melhores condições de empre-
controle correspondendo aos níveis individual
go mantém razoável associação com o local de
e domiciliar.
moradia, pois notamos substanciais diferenças
Portanto, no Gráfico 7, apresentamos os
entre espaços de alto, médio e baixo contex-
resultados dos modelos de regressão logística
to social. Contudo, somente a análise descri-
que estimam os efeitos do contexto social se-
tiva dos níveis de desemprego para cada um
gundo o clima educativo do domicílio sobre o
dos territórios, de cada uma das metrópoles
risco de desemprego de indivíduos entre 30 e
consideradas, não nos permite evidenciar um
59 anos, controlando-se por variáveis de nível
efeito do território sobre os níveis de desem-
individual e de nível domiciliar. Com base nes-
prego, pois consideramos que outras caracte-
ses resultados, podemos ter um comparativo
rísticas, sejam elas individuais ou do domicílio,
do efeito do contexto social para o conjunto
influenciam também nessa diferença entre as
das regiões metropolitanas consideradas.
taxas. O que nos levaria a crer que não have-
Brasília é a metrópole que apresenta o
ria um efeito do território sobre essas taxas.
maior efeito do contexto socioespacial sobre
Para isso, com o intuito de evidenciarmos
o risco de desemprego, sendo 123,2% maior
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
31
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
para o contexto de baixo status, e de 80,8%
contexto social. Mesmo apresentando um pa-
maior para o contexto de médio status em re-
drão bastante parecido, as duas metrópoles do
lação às áreas de alto status. O que já era de
Norte apresentaram efeitos menores do que as
se esperar, dado o caráter atípico da configu-
demais metrópoles do grupo.
ração da estrutura econômica desta metrópo-
As metrópoles do Nordeste (Salvador,
le em relação às outras. Principalmente dado
Natal, Fortaleza e Recife) apresentam um pa-
o grande número de funcionários públicos do
drão de segregação sociespacial parecido em
governo federal em altos cargos, o que corres-
termos do efeito sobre o desemprego, já que
ponde em certa medida a altos salários e alta
não há diferença significativa entre os efei-
escolaridade, justificando, de certa forma, o
tos encontrados para os territórios de médio
caráter de segregação dessa região metropoli-
e baixo contexto socioespacial, o que indica
tana, onde verificamos uma grande concentra-
uma polarização dos territórios em termos dos
ção de áreas de alto contexto social na cidade
efeitos sobre o risco de estar em situação de
de Brasília e áreas de médio e baixo contexto
desemprego.
em cidades satélites e nos outros municípios
Belo Horizonte, Maringá, Campinas e
que compõem o espaço metropolitano. Rio
Vitória apresentam um risco moderado de es-
de Janeiro, São Paulo, Goiânia, Manaus, e Be-
tar em situação de desemprego para os dois
lém, assim como a RIDE do Distrito Federal,
contextos sociais considerados, apresentando
apresentam uma diferença significativa entre
uma pequena diferença entre os dois. Já as
os efeitos dos territórios de médio e baixo
demais metrópoles da Região Sul (Curitiba,
Gráfico 7 – Resultados do modelo de regressão linear múltipla
do efeito do contexto social sobre o risco desemprego – 2000
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Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 - IBGE.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
Florianópolis e Porto Alegre) apresentaram bai-
situação constituem a maioria dos ocupados.
xos efeitos sobre a taxa de desemprego, sendo
Nesses territórios, a fragilidade varia entre
que em alguns casos o risco de desemprego é
30%, registrada em Porto Alegre, e 49%, no
maior nos territórios de médio contexto social,
caso de Belém. Em Goiânia, Fortaleza, Marin-
em relação ao alto contexto social.
gá e Manaus, o percentual de pessoas nessa
situação é superior a 40%. Por outro lado, no
que tange à fragilidade nos territórios de baixo
Efeitos da segregação residencial
sobre a fragilidade ocupacional
contexto social, Campinas, Belo Horizonte, Florianópolis estão mais próximas de Porto Alegre,
com taxas de fragilidade inferiores a 34%, ou
Os territórios das metrópoles se diferenciam
seja, bem abaixo da fragilidade evidenciada
pela distribuição das pessoas adultas de 30 a
para esse território em todas as 17 metrópoles,
59 anos em situação de fragilidade, como po-
que é de 38%.
demos ver no Gráfico 8. Nos tipos socioespa-
Da mesma forma, Porto Alegre apresen-
ciais de baixo contexto social, os adultos nessa
ta o menor nível de fragilidade nos territórios
Gráfico 8 – Taxa de fragilidade
segundo o tipo socioespacial, por metrópole – 2000
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Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 - IBGE.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
33
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
de alto contexto social. Nessa metrópole, o
é bastante grande em relação ao terceiro co-
percentual de pessoas em situação de fragi-
locado nesse ordenamento dos efeitos (Marin-
lidade ocupacional é de 19%. Por outro lado,
gá). As metrópoles de Belo Horizonte e Porto
Fortaleza apresenta o maior percentual de pes-
Alegre não apresentaram efeitos significativos
soas em fragilidade nos territórios desse tipo,
para a situa ção de fragilidade ocupacional
com 27,1%, seguido por Recife, Belém e Natal,
considerando as áreas de contexto social bai-
todos com taxa de fragilidade superior a 22%,
xo em relação às áreas de alto contexto social.
no tipo Alto.
Novamente, Porto Alegre apresenta um risco
No Gráfico 9, apresentamos os resulta-
de fragilidade ocupacional maior para os ter-
dos das estimativas do efeito do contexto social
ritórios de médio contexto social do que os de
baixo e médio, em relação ao contexto social
baixo contexto social.
alto, sobre o risco de estar em situação de fra-
As RIDE do Distrito Federal, Belém, Curi-
gilidade ocupacional. A partir desse gráfico,
tiba, Rio de Janeiro, Fortaleza e Campinas,
podemos ver que a RIDE do Distrito Federal e
apresentaram uma grande diferença em rela-
Belém destacam-se como as metrópoles onde
ção aos efeitos encontrados para os territórios
há um maior risco de fragilidade ocupacional
de médio e baixo contexto social, o que indica
no contexto social baixo do que nas metrópo-
que nessas metrópoles o efeito da segregação
les restantes. A diferença de efeito estimada
socioespacial sobre a situação de fragilidade
para a RIDE do Distrito Federal e para Belém
ocupacional é maior nos territórios de baixo
Gráfico 9 – Resultado do modelo de regressão linear múltipla
do efeito do contexto social sobre o risco de fragilidade ocupacional – 2000
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Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
contexto social. Em Maringá, Vitória e Goiâ-
onde os adultos residentes em áreas do tipo
nia, não evidenciamos uma diferença signifi-
Alto ganham em média 84% a mais do que
cativa entre os efeitos estimados para os dois
aqueles residentes em territórios do tipo Bai-
contextos sociais considerados, o que indica
xo. Vale destacar que em Belém, Belo Horizon-
uma polarização dos territórios em termos dos
te, Salvador e Rio de Janeiro esse percentual
seus efeitos sobre a situação de fragilidade
também supera 80%. Nessas mesmas metró-
ocupacional, o que já era indicado no gráfico
poles, além de Recife, a distância da média da
anterior.
renda também é elevada entre os territórios
Manaus, Natal, Salvador, São Paulo, Re-
do tipo Alto e Médio. Em Salvador, por exem-
cife e Florianópolis, além de não terem apre-
plo, a média da renda dos primeiro é 73,2%
sentado altos riscos de fragilidade ocupacional
superior ao segundo (Gráfico 10).
para os contextos sociais considerados, apre-
Para facilitar a visualização do efeito do
sentaram uma pequena diferença entre si, in-
contexto social sobre o rendimento da ocupa-
dicando que os efeitos do risco de fragilidade
ção principal, apresentamos no Gráfico 11 os
ocupacional são menos sensíveis à organiza-
efeitos de diminuição percentual na média da
ção socioespacial do GEUB. Esse resultado é
renda da ocupação principal do contexto so-
interessante, pois, mesmo apresentando ní-
cial baixo em relação ao contexto alto, para
veis de fragilidade bastante diferentes, esses
cada uma das metrópoles. Da mesma forma
GEUBs apresentaram um padrão nos efeitos
que nos modelos anteriores, torna-se possí-
da segregação socioespacial. De certa manei-
vel, com base nesses resultados, comparar
ra, confirmando a relevância do uso da análise
os efeitos do contexto social sobre os rendi-
de regressão para esse fim, tornando possível
mentos provenientes da inserção dos indiví-
compararmos a grandeza dos efeitos de segre-
duos no mercado de trabalho, em cada uma
gação apesar dos diferentes níveis de fragilida-
das regiões metropolitanas consideradas. No
de ocupacional.
caso do modelo de regressão linear múltipla,
devido em parte a sua robustez, nenhum dos
coeficientes estimados foi considerado como
Efeitos da segregação residencial
sobre os diferenciais de rendimento
não significativo, mantendo-se o nível de significância de 5%.
Nesse caso, considerando o efeito do
No quesito média da renda na ocupação prin-
território de baixo contexto social, a RIDE do
cipal dos adultos de 30 a 59 anos adotada
Distrito Federal apresenta o maior efeito de
como indicador de recursos oriundos da inser-
diminuição do rendimento, seguido por Rio de
ção dos indivíduos no mercado de trabalho,
Janeiro, Goiânia e Belo Horizonte. As demais
podemos ver que algumas metrópoles se des-
metrópoles apresentam um efeito de diminui-
tacam pela alta diferença entre os territórios
ção bastante próximo em torno de 30% da
de Baixo contexto social e os de Alto contexto
média da renda do contexto social alto. As me-
social. Essa diferença é maior nas duas metró-
trópoles de Porto Alegre e Florianópolis se des-
poles do Centro-Oeste – Goiânia e Brasília –,
tacam por apresentarem efeitos bem menores
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
35
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Gráfico 10 – Diferenciais de rendimento na ocupação principal,
segundo o contexto social, por metrópole – 2000
Alto/Baixo
Alto/Médio
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Médio/Baixo
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
Gráfico 11 – Resultados do modelo de regressão linear múltipla do efeito do
contexto socioespacial sobre o rendimento da ocupação principal – 2000
Baixo
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Médio
Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000 – IBGE.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
do que o restante, sendo de 22,3% e 17,7%,
trabalho é heterogênea no espaço intraurbano
respectivamente.
das metrópoles analisadas, bem como entre
As diferenças entre os efeitos de diminui-
elas. Constatamos, portanto, que existem va-
ção da média da renda da ocupação principal
riações na taxa de desemprego, na fragilidade
para os territórios de baixo e médio contexto so-
ocupacional e na remuneração dos trabalha-
cial não são muito grandes. Principalmente nas
dores, conforme o local de moradia, mesmo
metrópoles de Porto Alegre e Florianópolis, nas
quando controlamos os atributos individuais e
quais, além do efeito de diminuição da renda ser
domiciliares. Isso implica, portanto, que as os
menor do que para as demais metrópoles, não
adultos de 30 a 59 anos de idade têm menores
evidenciamos uma diferença significativa entre
chances de estar empregados, de conseguirem
os efeitos dos territórios de médio e baixo con-
melhores empregos ou melhores rendimentos
texto social. Nesses casos, podemos considerar
por estarem inseridas em bairros de baixo ca-
que os efeitos da segregação socioespacial são
pital social.
menores do que nas demais metrópoles, exceto
Nesse sentido, fica evidente que não é
em Salvador, onde também evidenciamos uma
em vão o interesse pela exploração sistemá-
situação bastante parecida, apesar dos eleva-
tica dos efeitos da concentração espacial da
dos efeitos de diminuição da renda consideran-
pobreza (e/ou da riqueza) sobre sua reprodu-
do os dois tipos de contexto social.
ção. Nesse sentido, se esses efeitos afetam diferentemente as metrópoles no que diz respeito às oportunidades no mercado de trabalho,
Conclusão
conforme evidenciamos no presente trabalho,
podemos afirmar que os mecanismos que inci-
Nosso trabalho procura mostrar a relação en-
dem sobre esse processo também são diferen-
tre o local de moradia e o maior risco de de-
tes. Mas que mecanismo são esses? Segundo
semprego, de fragilidade ocupacional e menor
Kaztman e Retamoso (2005), o papel de inter-
rendimento. Mais do que isso, demonstramos
mediário do contexto do bairro ocorre por duas
os efeitos da composição social dos bairros
vias: a primeira se dá pelo estreitamento dos
sobre as oportunidades de emprego dos adul-
âmbitos de interação entre as classes sociais; e
tos. Reconhecemos, porém, que a investiga-
a segunda, pelo aumento das diferenças entre
ção dos mecanismos que incidem sobre esse
os bairros pobres e o resto dos bairros da cida-
efeito está além dos objetivos propostos neste
de, no que diz respeito à qualidade dos servi-
momento. No entanto, fica evidente que a or-
ços e das instituições.
ganização socioespacial de nossas metrópoles
Os resultados aqui encontrados, por-
provoca efeitos diversos sobre o acesso às
tanto, contribuem para a discussão sobre a
oportunidades no mercado de trabalho, visto
segregação residencial como uma variável im-
que, em alguns casos, nem se chega a verifi-
portante para que se entendam de um ponto
car tal efeito.
de vista analítico, os mecanismos que produ-
No geral, pudemos verificar que a chance de melhores inserções no mercado de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
zem/reproduzem, nas diferentes metrópoles, a
desigualdade.
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Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Sociólogo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Juciano Martins Rodrigues
Cientista Econômico. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Filipe Souza Corrêa
Cientista Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curi ba, Recife, Fortaleza, Goiânia, Campinas, Belém, Vitória, Florianópolis e Manaus.
(2) Para maiores detalhes ver: Observatório das Regiões Metropolitanas do Brasil. Relatório de A vidade 1: iden ficação dos espaços metropolitanos e construção de pologias. Convênio Ministério das Cidades/Observatório das Metrópoles/Fase/Ipardes-PR. Brasília, 2005. 118p. Disponível
em h p://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/produtos/produto_mc_1.pdf.
(3) O uso dos termos “variáveis dependentes”, “variáveis de controle” se jus fica, como será explicado mais à frente, devido ao uso de métodos de regressão (logís ca e linear múl pla) com o
intuito de estabelecer uma correlação, e de certa maneira, um sen do causal na explicação da
variação encontrada nas variáveis que selecionamos para evidenciar as condições de acesso à
estrutura de oportunidades no mercado de trabalho.
(4) Vale lembrar que existem outras maneiras de se quan ficar ou medir a segregação, como os índices sinté cos, por exemplo, com nos lembra Ribeiro (2005).
(5) Para uma descrição detalhada do modelo de regressão logís ca u lizado, conferir o Anexo A.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
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Luiz César de Queiroz Ribeiro, Juciano Martins Rodrigues e Filipe Souza Corrêa
Anexo A
Descrição metodológica dos modelos
Modelo de Regressão Logística
Devido ao fato de estarmos trabalhando com variáveis dicotômicas como a variável “ocupação frágil” (entendemos neste caso como variáveis resposta dicotômicas as variáveis que apresentam os valores: ausência (0) ou presença (1) do fenômeno), utilizamos como modelo de regressão
o modelo logístico.
Para procedermos a um modelo de regressão logística, seguindo-se as condições de um modelo linear generalizado (Dobson, 2002), buscamos uma função de ligação para o preditor linear
dos parâmetros. Isto é, buscamos a função g que torne a relação
linear, onde β é o vetor
dos parâmetros estimados das variáveis explicativas e π é a probabilidade de ocorrência da variável
que buscamos explicar. Sendo assim, π é a probabilidade de o indivíduo estar em uma ocupação
frágil. Para isso aplicamos a função de ligação conhecida como “logit” dada pela equação
que é comumente conhecida como logaritmo das vantagens, que entendemos nesse caso como o
logaritmo da razão entre a probabilidade de ocorrência do fenômeno e o seu complementar. Escolhida a função de ligação, o nosso interesse recai sobre a estimação dos parâmetros das variáveis
explicativas. Para tal, utilizamos a razão de vantagem ( odds ratio ) de ocorrência do evento que é
dada pela fórmula
sendo
a probabilidade de ocorrência do evento para o qual se quer calcular a vantagem. Os
resultados dos modelos de regressão logística são comumente apresentados pelos softwares estatísticos pelas odds ratio, que consideraremos para fins desta análise como “risco” de um indivíduo
estar em uma ocupação frágil segundo as variáveis independentes utilizadas.
Contudo, como o modelo de regressão logística é aplicável principalmente a fenômenos com
pouca incidência na população de referência, o que não é o nosso caso, realizamos uma correção
chamada de “risco relativo” (Zhang e Yu, 1998), dada pela fórmula
sendo RR o risco relativo e OR a odds ratio obtida do resultado da estimação do modelo. Com essa
correção, evitamos estimações distorcidas dos parâmetros no caso de uma incidência não rara na
população de referência. Os resultados podem ser entendidos como sendo o percentual de risco de
ocorrência do indivíduo estar em uma ocupação frágil dada a presença da variável explicativa em
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 15-41, jan/jun 2010
Segregação residencial e emprego nos grandes espaços urbanos brasileiros
relação ao grupo de referência que é dado pela constante do modelo, sendo risco caso o sinal do
parâmetro estimado seja positivo, e proteção caso o sinal seja negativo.
Para testarmos a significância dos parâmetros estimados, usaremos a estatística de Wald que
é dada por
, que para grandes amostras se distribui da seguinte forma
ou
Modelo de Regressão Linear Múltipla
Para a explicação da variável “rendimento da ocupação principal”, com base nas variáveis
explicativas selecionadas, utilizamos o modelo de regressão linear múltipla, já que a variável resposta escolhida possui uma distribuição contínua. Devido à sua distribuição assimétrica, aplicamos
uma transformação dada pelo logaritmo natural. O modelo de regressão linear múltipla é dado
pela fórmula
, onde y é a variável resposta, X é a matriz com os valores observados
pelas variáveis explicativas, β é o vetor de parâmetros correspondentes ao efeito de cada variável
explicativa e ε é a matriz de erro aleatório (Charnet et al., 1999). Para testarmos a adequação do
modelo, usamos o coeficiente de determinação ajustado (R2 ajustado) que é obtido pela fórmula
onde n corresponde ao número de variáveis explicativas e p corresponde ao número de parâmetros
estimados. O teste da significância dos parâmetros, conhecido como teste t, é dado pela expressão
Sendo que o estimador de mínimos quadrados dos parâmetros é dado por
O resultado da estimação dos parâmetros nos dá a medida da contribuição de cada variável explicativa para a distribuição da variável resposta. No caso da transformação da variável resposta pelo
logaritmo podemos dizer de uma contribuição relativa de cada variável explicativa em relação à
variação da variável resposta.
Texto recebido em 3/nov/2009
Texto aprovado em 31/jan/2010
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Movimento pendular da população
no Paraná: uma evidência
da desconexão moradia/trabalho
Population’s commuting: evidence of the lack
of connection between housing and labour
Rosa Moura
Resumo
A desconexão moradia/trabalho é observada nos
movimentos pendulares da população para trabalho e/ou estudo. A análise dos seus vetores espaciais permite estimar a existência e extensão de
aglomerações, assim como apontar outras dinâmicas territoriais. O perfil da população que se desloca evidencia as relações espaciais entre o mercado
de trabalho e da moradia na organização interna
das metrópoles, e revela diferenciações quanto à
acessibilidade às funções metropolitanas, cuja expressão é a segregação socioespacial. O presente
trabalho explora as possibilidades dessa informação no caso brasileiro, com mais particularidade ao
Paraná. Conclui mostrando que esses movimentos
se ampliam em número de pessoas envolvidas e na
distância percorrida, o que exige sua compreensão
analítica, e a adequação e formulação de políticas
compatíveis à sua dinâmica.
Abstract
The housing/labour disconnection is observed
in the population’s commuting to work and/
or to study. The analysis of its spatial vectors
enables to estimate the existence and extension
of agglomerations and also shows other territorial
dynamics. This population’s profile highlights the
spatial relations between the labour market and
the housing market in the metropolises’ internal
organization, and reveals differences regarding
accessibility to metropolitan functions, whose
expression is socio-spatial segregation. The present
work explores the possibilities of this information
in the case of Brazil, particularly in the State of
Paraná. It concludes by showing that such mobility
increases in terms of number of persons involved
and distance travelled, which requires its analytical
understanding, and the adequacy and formulation
of compatible policies.
Palavras-chave: pendularidade; movimento pendular; comutação; segregação socioespacial; dinâmicas intrametropolitanas.
K e y w o r d s : commuting; mobility; intrametropolitan dynamics; socio-spatial
segregation.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Rosa Moura
O uso da informação
de um determinado território, posto que essas
são definidas, principalmente, em termos de
deslocamentos diários da casa para o trabalho,
Os movimentos pendulares da população para
relacionados a um sistema de assentamento
trabalho e/ou estudo em município que não o
orientado para a produção (Adams, 1995).
de residência constituem uma informação que
Essa importância se consolida com o
vem sendo empregada para captar dinâmicas
avanço tecnológico e sua rápida difusão, par-
territoriais, particularmente associadas à urba-
ticularmente incorporada pelos meios de trans-
nização. Tais movimentos se dão, majoritaria-
porte e comunicações, e com a organização da
mente, motivados pela dissociação entre local
produção, associada a mudanças nos padrões
de moradia e local de trabalho, dada a concen-
demográficos, na vida social e na forma de
tração de atividades ligadas à produção e con-
ocupação do espaço. Para Frey e Speare Jr.
sumo, em geral, em municípios (ou parte de-
(1995), essas transformações definiriam um
les) de maior porte. No caso das aglomerações
novo conceito de área metropolitana, conside-
urbanas, estão condicionados à distribuição e
rada como “área ampliada de vida local” ou
hierarquia de funções entre os municípios inte-
“área econômica regional”, caracterizada por
grantes. São evidenciados também entre mu-
alta densidade de movimento pendular e pe-
nicípios não aglomerados, quando expressam
lo desacoplamento dos espaços funcionais e
a localização de atividades atrativas para tra-
físicos. Derruau (s/d, p. 67), analisando o que
balho e/ou estudo, muitas vezes decorrentes
chama de “migrações temporárias”, salienta
apenas de uma grande indústria, um grande
que os movimentos cotidianos entre o domi-
estabelecimento de comércio ou serviços, uma
cílio e o local de trabalho são pertinentes ao
cooperativa, uma empresa agropecuária ou
estudo da “geografia das cidades e dos arre-
uma universidade.
dores”. Beaujeu-Garnier (1980) denomina os
O movimento pendular é revelador da
sujeitos desse processo “migrantes diários” e
extensão do fenômeno urbano no território,
destaca duas questões fundamentais: a de que
constituindo uma informação utilizada na de-
os movimentos diários estão aumentando em
limitação de grandes áreas urbanas (Moura et
número e em distância, e a de que inexistem
al., 2006). Além disso, esse movimento adquire
políticas coordenadas entre local de moradia e
crescente visibilidade nas grandes cidades, da-
de trabalho.
da sua associação com as demandas por trans-
Esses autores são convergentes quanto a
porte e vias de circulação, entre outras funções
que a extensão da área da aglomeração, seja
públicas de interesse comum. Também incide
metropolitana ou não metropolitana, cada vez
de maneira decisiva no funcionamento cotidia-
mais se torna ampliada e decorrente da pos-
no e na projeção estratégica das cidades, tanto
sibilidade de fluxos regulares da população
para pessoas como para empresas e institui-
entre o local de trabalho e o da moradia. Mas
ções. Por tais possibilidades, é uma importante
não convergem quanto a uma denominação
informação usada para identificar aglomera-
única a essa ordem de deslocamentos, na me-
ções urbanas entre o conjunto de municípios
dida em que ora se referem a “migração” ora
44
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
a “movimento”. No âmbito da informação cen-
franjas internas se voltam ao polo, mantendo
sitária, Carvalho e Rigotti (1998) recomendam
um intercâmbio equilibrado com as vizinhas
como mais adequado o termo “movimento
zonas de emprego, situadas entre elas e a me-
pendular”, pois entendem que ele não implica
trópole principal. Participam no enraizamento
transferência de residência ou fixação definiti-
da frente urbana, apagando pouco a pouco os
va em outro lugar – natureza que o diferencia
vazios deixados pela urbanização. As franjas
dos movimentos migratórios, embora ambos
externas, ao contrário, têm uma relação direta
impliquem fluxos de pessoas no território.
e assimétrica com a metrópole principal, onde
Conforme Gilli (2002), a análise dos mo-
cada vez mais seus ativos trabalham. Ao mes-
vimentos de deslocamento domicílio/trabalho
mo tempo, essas franjas atraem ativos das zo-
permite responder a questões fundamentais,
nas situadas no contato com a superfície urba-
relativas à expansão da conurbação entre ci-
na de Paris. Essa análise confirma as relações
dades, a padrões urbanos de configurações
entre a mobilidade, a organização do território
mono ou policêntricas, às interações entre o
e as mudanças intraurbanas.
núcleo metropolitano e o entorno imediato, e
Num país com mais similaridades com o
entre este e outras cidades das imediações. Es-
Brasil, a pendularidade da população também
te autor pondera, com base na análise da área
é tomada como referência para caracterizar o
metropolitana de Paris, que a cidade continua
processo de metropolização. O Conselho Na-
a se expandir, agora se estendendo na direção
cional de População (Conapo) reconhece que
de centros urbanos maiores, reorganizando
as principais cidades no México são considera-
sua área aglomerada em torno desses centros
das zonas metropolitanas, e que essas proveem
secundários. Com eles, produz duas espécies
de bens e serviços os setores mais produtivos,
de franjas: uma mais próxima, como parte da
motores do desenvolvimento econômico na-
área metropolitana, onde vive e trabalha a
cional e regional, e com mais alta capacidade
maior parte dos residentes, e na qual emerge
científica e tecnológica, o que lhes possibilita
uma hierarquia entre os centros; e outra que,
um melhor posicionamento no mercado global.
mesmo sem fazer parte da área metropolitana,
Paradoxalmente, também são as que alojam
absorve muitos dos residentes em comutação
a maior parte da pobreza urbana no país. A
com essa área. No caso parisiense, os centros
identificação das zonas metropolitanas se vale
metropolitanos regionais atraem e esculpem
de um amplo conjunto de critérios e informa-
a região à qual pertencem, enquanto desen-
ções, entre as quais se consideram indicadores
volvem crescentes ligações com a metrópole
de população (volume, densidade, movimen-
principal, sem quebrar sua monocentralidade.
tos pendulares), ocupação em continuidade e
Ademais, a metrópole principal interage com
alto grau de integração funcional, inclusive de
todos esses centros da região ao redor, e cada
municípios das franjas da aglomeração, para
qual configura suas áreas locais.
os quais exige que tenham ao menos 15% de
Ainda segundo Gilli (ibid.), ambas as
sua população ocupada residente trabalhando
franjas constituem uma frente de urbaniza-
nos municípios centrais da zona metropolitana,
ção que apresenta alguns polos de fixação. As
ou 10% ou mais da população que trabalha no
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
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Rosa Moura
município residente nos municípios centrais
realizadas sobre os movimentos pendulares.
dessa última (Conapo, 2007).
Como contextualização, serão abordados os
No Brasil, nos anos 1960, o Grupo de
movimentos pendulares no Brasil, com ênfase
Áreas Metropolitanas, então existente no
à densidade de seus fluxos nas regiões mais
IBGE, definiu os movimentos pendulares como
dinâmicas do país, porém apontando outros
um dos critérios para identificar os municípios
processos. Tomando em particular o estado do
integrados a essas áreas, exigindo “pelo me-
Paraná, serão comparadas as bases de dados
nos 10% de sua população total deslocando-
dos movimentos pendulares da população de
se diariamente, em viagens intermunicipais,
1980 e de 2000, identificadas mudanças de
para o município que contém a cidade central
comportamento quanto aos fluxos intermuni-
ou outros municípios da área” (Galvão et al.,
cipais e apontadas a formação e consolidação
1969, p. 61). Davidovich e Lima (1975) tam-
dos três principais arranjos espaciais paranaen-
bém tomaram por base o mesmo percentual de
ses, com destaque ao arranjo urbano-regional
10% de pessoas residentes que trabalham fora
de Curitiba. Nesse caso, será discutido como
do município em relação ao total da população
esses movimentos refletem situações de segre-
economicamente ativa para definir a integra-
gação socioespacial, ao associar localizações
ção entre municípios de uma mesma aglome-
de moradia a determinados tipos de ocupação
ração urbana.
e renda; e como, cada vez mais, ampliam-se as
Nos anos 2000, essa informação orien-
distâncias entre municípios de origem e desti-
tou estudos classificatórios, como o da re-
no, portanto, entre o local de moradia e o do
gião de influência das cidades (IBGE, 2008) e
trabalho e/ou estudo.
a identificação dos níveis de integração dos
municípios na dinâmica das aglomerações (Ribeiro, 2009). Moura (2009) destaca, entre as
aglomerações urbanas que se configuram em
território nacional, arranjos urbano-regionais
Movimentos pendulares
no Brasil
que se constituem na aglutinação em uma unidade espacial de mais de uma aglomeração e
A pesquisa da informação sobre o município de
centros urbanos, polarizados por uma metró-
destino para trabalho e estudo foi introduzida
pole, nas quais os movimentos pendulares se
no Censo de 1970, mantendo-se no de 1980,
caracterizam pelos mais elevados volumes de
ficando ausente no de 1991, e sendo reintro-
pessoas em trânsito e pela multidirecionalida-
duzida no de 2000. Neste Censo, ela traz al-
de dos fluxos.
gumas ambiguidades, pois a pergunta não
Aceitando o importante papel dessa in-
especifica a periodicidade do deslocamento ou
formação na identificação e monitoramento
a duração do percurso, que pode ser cotidiano
da expansão dos aglomerados, e ciente de que
ou não. Mesmo assim, ressalta-se a importân-
ela é ainda pouco explorada para captar outras
cia da informação para a identificação da área
dinâmicas territoriais, na sequência deste texto
compreendida pela comutação intermunicipal
serão enfocadas algumas análises e reflexões
e intra e interaglomerados, posto que a grande
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
maioria dos fluxos representa movimentos de
proximidade, que tendem a ser cotidianos.
É fundamental salientar que esse volume, se por um lado parece pequeno diante
No Brasil, favorecidos pelo sistema viário
da dimensão da população brasileira, é signi-
e por sistemas urbanos de circulação e trans-
ficativamente concentrado em aglomerações
porte de passageiros, os movimentos pendula-
urbanas, o que faz com que seja pertinente
res da população criam desenhos próprios nas
considerar estas últimas como espaços em mo-
porções mais densas do território: 7.403.456
vimento. Por outro lado, como a informação
pessoas deixam o município de residência para
é coletada na unidade do município, ela não
trabalho e/ou estudo em outro município, em
incorpora os fluxos internos, entre bairros do
fluxos de origem (ou saída), dos quais 72,1%
município, que tornam ainda maior o movi-
apenas para trabalho (Tabela 1). Os fluxos
mento atribuído às aglomerações. Também por
de destino (ou de chegada) correspondem a
esse motivo, algumas aglomerações constituí-
7.030.250 pessoas, das quais 72,6% apenas
das basicamente por um município de grande
para trabalho.
porte, como a de Manaus, aparentam relativa
Tabela 1 – Pessoas que realizam movimento pendular,
por tipo de fluxo, e proporção sobre o total de pessoas
do município que estudam e/ou trabalham – Brasil – 2000
Tipo de fluxo
FLUXOS DE ORIGEM
TOTAL
Intraestadual
Interestadual
Brasil não especificado
Outros países
Trabalho, estudo ou ambos
Só trabalho
% sobre pessoas do município que estudam e trabalham
% sobre pessoas do município que só trabalham
FLUXOS DE DESTINO
TOTAL
Trabalho, estudo ou ambos
Só trabalho
% sobre pessoas do município que estudam e trabalham
% sobre pessoas do município que só trabalham
Pessoas
Absoluto
Proporção %
7.403.456
6.655.263
671.872
24.366
51.955
100,0
89,9
9,1
0,3
0,7
7.403.456
5.326.928
100,0
72,1
6,7
9,4
7.030.250
7.030.250
5.098.776
100,0
100,0
72,6
6,4
9,0
Fonte: IBGE, Sidra.
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Rosa Moura
imobilidade da população, no que concerne ao
movimento pendular.
De modo geral, Rio de Janeiro e Espírito Santo apresentam movimentos expressivos,
Assim, os movimentos pendulares da po-
sejam de origem ou de destino sejam para
pulação caracterizam-se por uma mobilidade
trabalho e/ou estudo ou só para trabalho. São
predominantemente entre municípios próxi-
Paulo e Pernambuco destacam-se nos fluxos
mos, no interior das próprias unidades da fe-
só para trabalho, sejam de origem ou de des-
deração (UFs); entre estas, os fluxos de maior
tino, e o Distrito Federal apresenta números
volume de população ocorrem em São Paulo,
muito elevados nos fluxos de destino, nas duas
tanto referentes à origem quanto a destino
condições. Esses comportamentos sinalizam os
(Observatório das Metrópoles, 2009). Os flu-
perfis específicos das UFs.
xos interestaduais representam apenas 9,1%
A espacialização dos fluxos pendulares
do total, e aqueles para outros países sequer
dos municípios brasileiros, classificados pelo
atingem 1%; mesmo assim, em escala local,
método de análise de agrupamentos, deixa ní-
esses fluxos expressam trocas relevantes esta-
tidas as áreas onde a movimentação é mais ex-
belecidas entre divisas interestaduais ou fron-
pressiva. Os municípios com os maiores volu-
teiras internacionais.
mes de fluxos de origem (saída) para trabalho
No caso dos movimentos com destino
e/ou estudo aparecem bastante concentrados
a outros países, o Paraná se destaca por con-
em torno das capitais de estados e do Distrito
centrar quase um terço do total desse tipo de
Federal. Os conjuntos mais expandidos, e en-
fluxo no país, fundamentalmente em função
volvendo um maior número de municípios, são
da mobilidade intra-aglomeração transfron-
as aglomerações de São Paulo, Rio de Janei-
teiriça de Foz do Iguaçu/Ciudad Del Este (Pa-
ro e Distrito Federal, seguidas pelas de Porto
raguai)/Puerto Iguazú (Argentina). São Paulo
Alegre e Curitiba. Nelas, há grande volume de
e Rio Grande do Sul aparecem na sequência,
pessoas se movimentando para trabalho e/ou
revelando uma forte conexão fronteiriça com
estudo em outro município.
alguns países do Cone Sul, majoritariamente o
Paraguai.
Em termos das proporções de pessoas
que saem do município onde residem para
Quanto às trocas interestaduais, Goiás –
trabalho e/ou estudo em outro município, em
particularmente representado pela mobilidade
relação ao total das pessoas do município
no arranjo urbano-regional Brasília/Goiânia –,
que trabalham e/ou estudam, delineia-se um
Minas Gerais, São Paulo e Bahia se destacam
quadro que, além de ampliar a extensão das
por darem origem aos maiores fluxos (acima
áreas dos entornos dos aglomerados destaca-
de 50 mil pessoas) com destino para outros
dos, aponta outras porções do território com
estados. Distrito Federal, São Paulo, Rio de Ja-
dinâmicas expressivas. Essas porções corres-
neiro e Minas Gerais se destacam como prin-
pondem, particularmente, ao oeste do estado
cipais receptores de fluxos oriundos de outras
de São Paulo, norte do Paraná, leste de Santa
UFs. Esse conjunto concentra mais da metade
Catarina, além de pequenas manchas no inte-
dos fluxos interestaduais no país.
rior brasileiro. Colocam em evidência que as
48
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
dinâmicas indutoras de movimentos de saída,
total da população do município que trabalha
fundamentalmente para trabalho, podem não
e/ou estuda. Isso demonstra que as atividades
estar restritas a atividades urbanas, embora se
mais atrativas se desenvolvem em municí-
vinculem nitidamente a essas.
pios concentradores de população, e que sua
Genericamente, os municípios com as
maiores proporções de fluxos pendulares são
própria população ativa representa a grande
maioria da mão-de-obra ocupada.
aqueles localizados em regiões industrializa-
Visando compreender a complexidade
das e de serviços, nas quais a divisão territo-
dos movimentos, seja pelo volume de pessoas
rial do trabalho é mais nítida e a valorização
em deslocamento seja pelo quanto esse volu-
do solo urbano expande as periferias, que se
me significa em proporção ao total de pessoas
tornam redutos de moradia de trabalhadores
do município que trabalham e/ou estudam, foi
em atividades localizadas em outras partes
realizada uma correlação entre as informações
das cidades. As elevadas proporções de fluxos
referentes aos volumes absolutos e aos valores
em áreas ligadas a atividades com base agro-
relativos, para origem e para destino, a partir
pecuária sugerem que essa mobilidade tam-
de duas ordens de comparações, referentes
bém se torna expressiva em regiões menos ur-
a fluxos de origem e a fluxos de destino. Os
banizadas, nas quais as relações empresariais
parâmetros de cortes para preponderância e
prescindem da moradia do trabalhador no
as demais escalas da classificação foram de-
próprio campo – fato comum nas regiões onde
finidos por análise de agrupamentos (Moura,
prevalece o agronegócio, como se verifica em
2009).
porções do Centro-Oeste, Norte e Nordeste
O indicador composto na primeira com-
brasileiros, assim como no interior paulista e
paração, entre volume e proporção, destaca
norte paranaense. A espacialização dos movi-
municípios nos quais a movimentação pendular
mentos só para trabalho reproduz comporta-
implica: a) elevados ou moderados volumes
mento muito similar.
e proporções de deslocamentos; b) elevados
Quanto aos fluxos de destino, o resultado
volumes, mas sem significância proporcional;
espacial mostra a força das principais centrali-
c) expressivas proporções, mas sob fluxos de
dades como receptoras e ressalta uma mancha
reduzidos volumes; ou d) volumes e proporções
ampliada de grande extensão, conjugando
baixos a insignificantes. Na segunda, foram
municípios que recebem volumes elevados de
comparadas as classificações obtidas quanto
população para trabalho e/ou estudo no entor-
à origem e destino, e identificados municípios
no das aglomerações de São Paulo, incluindo
com: a) elevados volumes e/ou elevadas pro-
áreas de aglomerações próximas, e do Rio de
porções, ou seja, movimento intenso, de en-
Janeiro, seguidos em uma escala decrescente
trada e saída, b) movimento intenso de saída e
pelas demais capitais de estados, com maior
moderado de entrada; c) movimento moderado
presença nas do centro-sul. Em termos de va-
de saída e intenso de entrada; d) movimento
lores relativos, são poucos os municípios brasi-
moderado de entrada e saída; e) municípios
leiros com proporções de pessoas que chegam
evasores; f) municípios receptores; e g) municí-
para trabalho e/ou estudo superiores a 10% do
pios sem movimento significativo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
49
Rosa Moura
A correlação de ambos os indicadores
aglomeração metropolitana do Rio de Janeiro,
resultou em uma tipologia que, além dos aglo-
compondo uma auréola extensa, assim como
merados singulares nos entornos da grande
no entorno de Porto Alegre, Curitiba e Belo Ho-
maioria das capitais de estados, revelou áreas
rizonte, estendendo-se a aglomerações urba-
com complexa dinâmica de fluxos, dotadas
nas vizinhas. Com menor intensidade, ocorrem
de algumas particularidades (Figura 1). Reve-
na extensão do aglomerado Distrito Federal/
lou ainda movimentos expressivos, refletindo
Goiânia, tendo Brasília como o grande recep-
situações localizadas.
tor. A partir dessas porções, os fluxos se esten-
O primeiro tipo engloba porções do terri-
dem contínua e tentacularmente ao longo do
tório onde ocorrem as dinâmicas mais comple-
sistema viário principal dos estados, compondo
xas, que envolvem um grande número de muni-
um segundo tipo de movimentos que anunciam
cípios em movimentos de intensos a moderados,
conexões mais distantes, como ocorre em São
sejam de entrada ou de saída, muito nítidas no
Paulo, densificando-se nos eixos das rodovias
estado de São Paulo. O município de São Paulo
que cortam os vetores apontados; no Rio de
compõe o core de uma área de fluxos multidi-
Janeiro, expandindo-se nos eixos das rodovias
recionais, que aglutina aglomerações das pro-
Rio de Janeiro/Belo Horizonte e Rio de Janeiro/
ximidades, nos vetores norte, noroeste e Vale
Vitória; e em menor escala, no eixo Salvador/
do Paraíba. Também são nítidas no entorno da
Feira de Santana.
Figura 1 – Tipologia dos movimentos pendulares – Brasil – 2000
movimento intenso de entrada e saída
movimento moderado de entrada e saída
movimento moderado de saída e intenso de entrada
movimento intenso de saída e moderado de entrada
sem movimento significativo
Fonte: IBGE.
50
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
Um terceiro tipo corresponde a fluxos
a implicações na ordem de políticas públicas,
menos intensos de evasão e recepção que
particularmente no que se refere à necessidade
contornam as aglomerações metropolitanas
de sistemas eficazes de transporte coletivo e
do Nordeste, criando um lineareamento na
de um sistema viário adequado à intensidade
faixa litorânea, pontuado descontinuamente
do tráfego. Outras implicações incidem na po-
pelas aglomerações de Recife, João Pessoa e
lítica de uso e ocupação do solo urbano, assim
Natal. No sul do país, no estado de Santa Ca-
como na provisão de infraestruturas e equipa-
tarina, o mesmo lineareamento se repete no
mentos urbanos.
eixo da BR 101, com distinta natureza, no qual
Embora essa constatação seja evidente,
vários municípios desenvolvem fluxos multi-
o cenário presente neste início de século é de
direcionais, que articulam continuamente as
uma densificação e intensificação nos vetores
aglomerações urbanas de Joinville, Itajaí, Blu-
da mobilidade intrametropolitana – como tam-
menau, Florianópolis e Criciúma, entre outros
bém em aglomerações urbanas de natureza
centros ao longo do traçado rodoviário.
não metropolitana e menor porte e mesmo em
Os quarto e quinto tipos referem-se à
municípios não aglomerados – sem o condi-
conjunção de municípios receptores (polos
zente acompanhamento de políticas adequa-
regionais) e evasores. Ocorrem tanto no en-
das. Cada vez é mais extensa a superfície na
torno de capitais de estados e outros centros
qual se alocam unidades de trabalho e de mo-
de médio porte, configurando aglomerações
radia, e a dissociação entre ambas sujeita um
urbanas singulares, como em amplas exten-
número crescente de pessoas às dificuldades,
sões no interior do país, e mais particularmen-
diretas e indiretas, impostas pela locomoção
te no interior do estado de São Paulo e norte/
obrigatória.
noroeste do Paraná, num espraiamento difuso,
Os movimentos pendulares intra-aglome-
sem características de aglomerações, confor-
rações são majoritariamente motivados pelo
me já comentado. Um sexto tipo corresponde
desempenho da atividade trabalho. A divisão
a movimentos expressivos, porém esparsos,
de papéis entre municípios, com a concentra-
entre municípios dispersos no território; e um
ção das atividades industriais e dos serviços e
sétimo, ao restante dos municípios, nos quais
a configuração dos municípios-dormitórios dão
os movimentos são inexpressivos ou mesmo
a tônica a esses deslocamentos. A localização
inexistentes.
e os vínculos entre o funcionamento espacial
As morfologias desenhadas a partir da
do mercado de trabalho e o crescimento físico
espacialização dos fluxos dos movimentos
e populacional da aglomeração, assim como
pendulares, fundamentalmente aquelas cor-
os padrões de localização de infraestruturas
respondentes aos três primeiros tipos, reme-
fazem com que a dinâmica desses espaços se
tem a espaços mais dinâmicos e complexos,
materialize com os fluxos diários de pessoas.
vindo a corresponder aos arranjos urbano-re-
A matriz de fluxos de origem e de des-
gionais identificados pela análise exploratória
tino dos movimentos pendulares entre muni-
espacial por Moura (2009). Nesses espaços,
cípios brasileiros, associada a outras informa-
a complexidade da dinâmica de fluxos remete
ções, como taxas de crescimento populacional
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
51
Rosa Moura
e participação do PIB municipal no PIB total
do Brasil, mostra relações peculiares. Fluxos
elevados de origem incidem sobre municípios
Três arranjos com intensa
mobilidade no Paraná
com elevadas taxas de crescimento populacional, ao mesmo tempo em que fluxos de des-
Tomando como foco de análise o estado do
tino associam-se a municípios com elevada
Paraná, observa-se que, consoantes aos flu-
participação no total do PIB, sinalizando que
xos que definem a região de influência das
as fronteiras da expansão da ocupação urba-
cidades, os fluxos dos movimentos pendulares
na não incide sobre áreas nas quais é gerada
da população para trabalho e/ou estudo em
a riqueza. Outra associação constatada é a de
município distinto do de residência demar-
que os municípios com os maiores volumes de
cam a abrangência física dos deslocamentos
fluxos de destino, ou seja, os grandes recep-
frequentes, induzida pelos diferentes papéis
tores, comumente classificam-se nas catego-
desempenhados pelos municípios que confor-
rias superiores da hierarquia dos centros da
mam os três principais arranjos espaciais: o
rede urbana do Brasil, segundo o IBGE (2008).
configurado pelas aglomerações urbanas de
Assim, a centralidade medida pelo padrão
Londrina e Maringá, no norte do estado; o que
funcional urbano mais qualificado e o desem-
agrega a aglomeração de Cascavel/Toledo e a
penho econômico com perfil de maior concen-
aglomeração transfronteiriça de Foz do Igua-
tração da riqueza correspondem a áreas de
çu, no oeste; e o arranjo urbano-regional de
maior atratividade, seja pela possibilidade de
Curitiba – Unidade espacial configurada pela
trabalho oferecida seja pela oferta de opor-
aglomeração metropolitana de Curitiba, aglo-
tunidades educacionais, motivando o destino
meração de Ponta Grossa, Carambeí e Castro,
dos fluxos pendulares de população. Próximos
e ocupação contínua litorânea, polarizada por
a esses, e mais particularmente em seus entor-
Paranaguá (Moura, 2009).
nos, posicionam-se inúmeros municípios com
De modo geral, esses fluxos vêm dese-
elevados fluxos de saída, muitos dos quais
nhando os núcleos ampliados das aglomera-
com proporções elevadas relativas à sua po-
ções, e as franjas em seu entorno funcionam
pulação que trabalha e/ou estuda, correspon-
como frentes da urbanização, mostrando não
dendo a áreas de expansão do aglomerado,
só movimentos unidirecionais em relação aos
a municípios dormitórios, entre outros casos
polos, como, fundamentalmente no caso do
nos quais a dinâmica de crescimento popula-
arranjo urbano-regional de Curitiba, revelan-
cional é expressiva. Facilitados por meios de
do a condição dessas franjas como atrativas
transporte e circulação, mesmo que precários,
a fluxos externos, inclusive partindo do polo.
esses municípios sustentam a dinâmica prin-
Há municípios receptores, evasores e aqueles
cipal dessas aglomerações e revela a divisão
que ao mesmo tempo atraem e enviam flu-
de papéis necessária ao pleno funcionamento
xos a municípios vizinhos, conforme tipologia
desses espaços, enquanto totalidade.
apresentada.
52
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
Análise de informações referentes aos
em favor da faixa de 25 a 59 anos. Assim, há
movimentos pendulares da população em
mais mulheres, mais adultos e inclusive mais
1980 e em 2000 leva a observar que houve
crianças se locomovendo para trabalho e/
uma intensificação dos fluxos, seja em relação
ou estudo entre os municípios paranaenses
ao número e perfil de pessoas em movimento
(Deschamps e Cintra, 2007).
seja em relação ao número de municípios de
Houve também uma expansão das aglo-
origem ou destino. Em 1980, 110,8 mil pessoas
merações, percebida na inclusão de municípios
residentes nos municípios do Paraná realiza-
mais distantes envolvidos pelos fluxos princi-
vam movimento pendular para trabalho e/
pais dos movimentos pendulares. Em 1980,
ou estudo. Esse número elevou-se para 359,4
entre aqueles com maiores fluxos de origem
mil em 2000. Nesses vinte anos, o perfil das
(considerados os acima de mil pessoas), além
pessoas que se deslocam também sofreu mu-
de municípios limítrofes a Curitiba, encontra-
danças: aumentou a proporção de mulheres,
vam-se municípios limítrofes a Londrina (Cam-
de 26,1% para 37,6%, enquanto entre os gru-
bé, Ibiporã, Apucarana) e Maringá (Marialva),
pos etários diminuiu a participação da faixa de
assim como os centros regionais Cascavel, no
pessoas de 15 a 24 anos, fundamentalmente
oeste, e Ponta Grossa (Quadro 1).
Quadro 1 – Municípios com maiores fluxos pendulares
intraestaduais de origem, número de municípios de destino,
pessoas envolvidas e participação no total do estado(1) – Paraná 1980/2000
Município
de origem
Piraquara
Colombo
Curitiba
Cambé
Almirante Tamandaré
São José dos Pinhais
Marialva
Londrina
Ibiporã
Campo Largo
Araucária
Maringá
Cascavel
Ponta Grossa
Apucarana
TOTAL DO ESTADO
1980
Pessoas
% no total
do Paraná
Municípios
de destino
13.991
12.926
7.065
6.396
6.200
5.480
4.608
2.772
2.032
1.806
1.639
1.497
1.441
1.265
1.090
110.802
12,63
11,67
6,38
5,77
5,60
4,95
4,16
2,50
1,83
1,63
1,48
1,35
1,30
1,14
0,98
100,00
47
33
141
39
34
34
53
96
28
24
15
86
56
55
49
290
Municípios com fluxos entre mil e 5 mil pessoas
Municípios com fluxos entre 500 e mil pessoas
9
10
2000
Município
de origem
Pessoas
% no total
do Paraná
Colombo
Curitiba
Pinhais
São José dos Pinhais
Almirante Tamandaré
Piraquara
Sarandi
Cambé
Foz do Iguaçu
Fazenda Rio Grande
Araucária
Campo Largo
Londrina
Paiçandu
Campina Gde. do Sul
TOTAL DO ESTADO
41.197
29.577
24.441
24.296
23.190
17.457
15.184
14.644
12.900
12.558
9.708
8.726
8.203
5.927
5.286
435.309
9,46
6,79
5,61
5,58
5,33
4,01
3,49
3,36
2,96
2,88
2,23
2,00
1,88
1,36
1,21
100,00
Municípios
de destino
52
204
42
58
43
44
48
57
75
31
39
34
154
23
24
398(2)
40
51
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980 e 2000 (arquivo de microdados).
(1) Somente fluxos com destino identificado.
(2) Tunas do Paraná é o único município do estado que não realiza fluxo de origem.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
53
Rosa Moura
Nos anos 2000, com exceção de Cambé
Quanto aos fluxos de destino, aproxima-
e Londrina, esses municípios deixam o con-
damente 60% das pessoas se deslocavam para
junto que realiza os principais fluxos (agora
trabalho e/ou estudo convergentemente aos
considerados os superiores a 5 mil pessoas). A
três maiores centros urbanos do Estado em
aglomeração metropolitana de Curitiba aponta
1980. Curitiba recebia 47,6 mil pessoas, Lon-
para uma expansão física de sua área de maior
drina, 11 mil, e Maringá, 7,3 mil (Quadro 2).
comutação, posto que passa a incluir municí-
Apenas nove municípios, os três citados, e Foz
pios mais distantes. Maringá incorpora novos
do Iguaçu, Ponta Grossa, Cascavel, Apucara-
municípios de seu entorno, e no oeste, emerge
na, Araucária e São José dos Pinhais recebiam
Foz do Iguaçu entre os municípios com os mais
fluxos de mais de mil pessoas, somando no
elevados fluxos. Aumenta também o número
conjunto 67,7% do total dos fluxos do estado.
de receptores dos fluxos de origem da maioria
Exceto os vizinhos a Curitiba, todos são polos
dos municípios: Curitiba enviava fluxos a 141
regionais.
municípios e passa a enviar para 204; Londri-
Há que se observar, como destacam
na passou de 96 para 154, São José dos Pi-
Deschamps e Cintra (2007), que grande parte
nhais, de 34 para 58, entre os acréscimos mais
do movimento pendular ocorrido no estado
expressivos.
em 1980 envolvia algum município da Região
Quadro 2 – Municípios com maiores fluxos pendulares
intraestaduais de destino, número de municípios de origem,
pessoas envolvidas e participação no total do estado(1) – Paraná 1980/2000
Município
de origem
1980
Pessoas
% no total
do Paraná
Municípios
de destino
47.570
11.010
7.326
2.172
2.074
1.439
1.247
1.154
1.003
110.802
42,93
9,94
6,61
1,96
1,87
1,30
1,13
1,04
0,91
100,00
208
108
106
72
17
93
13
60
47
290
Municípios com fluxos entre mil e 5 mil pessoas
Municípios com fluxos entre 500 e mil pessoas
6
15
Curitiba
Londrina
Maringá
Foz do Iguaçu
Araucária
Ponta Grossa
São José dos Pinhais
Cascavel
Apucarana
TOTAL DO ESTADO
Município
de origem
Curitiba
Maringá
Londrina
São José dos Pinhais
Pinhais
Cascavel
União da Vitória
Umuarama
Araucária
TOTAL DO ESTADO
2000
Pessoas
% no total
do Paraná
174.109
30.176
27.986
9.936
8.875
5.238
4.855
4.635
4.592
435.309
44,48
7,71
7,15
2,54
2,27
1,34
1,24
1,18
1,17
100,00
Municípios
de destino
628
278
344
56
20
167
27
144
35
396(2)
32
27
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980 e 2000 (arquivo de microdados).
(1) Somente fluxos com destino identificado.
(2) Novo Itacolomi, Paranapoema e São Manoel do Paraná não realizam fluxo de destino.
54
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
Metropolitana de Curitiba, que, no conjunto,
menos heterogêneo, porém são incidentes
era destino de 55,4 mil pessoas e origem de
majoritariamente no arranjo urbano-regional
outras 51,6 mil. No entanto, a quase totali-
de Curitiba, sendo Colombo o maior evasor,
dade desse movimento se dava internamente
com fluxos de saída de 41.197 pessoas, segui-
à Região; ou seja, 87,1% do movimento era
do por Curitiba (29.577), Pinhais (24.441), São
intrametropolitano, envolvendo 48,2 mil pes-
José dos Pinhais (24.296), Almirante Taman-
soas, das quais 84,3% buscavam a capital pa-
daré (23.190), Piraquara (17.457) e Fazenda
ra estudo e/ou trabalho.
Rio Grande (12.558), entre aqueles com fluxos
Nesses 20 anos, Curitiba eleva sua par-
superiores a 10 mil pessoas. Nos dois outros
ticipação de 42,9% do movimento total do
arranjos espaciais, os maiores fluxos estão em
Paraná para 44,5%. Foz do Iguaçu, Ponta
Sarandi (15,2 mil) e Cambé (14,6 mil), no nor-
Grossa e Apucarana deixam o rol dos princi-
te; e Foz do Iguaçu (12,9 mil), no oeste.
pais receptores; entram União da Vitória, que
Entre as maiores proporções de pessoas
conforma uma aglomeração transestadual com
que saem para trabalho e/ou estudo, em rela-
Porto União (SC); Umuarama, que se define
ção ao total da população do município que
como uma centralidade emergente no noroes-
trabalha e/ou estuda, destacam-se os municí-
te do estado; e Pinhais, reforçando o entorno
pios vizinhos a Curitiba. Essas proporções são
metropolitano.
mais elevadas quando relativas a saídas exclu-
No âmbito do Paraná, os fluxos ressaltam
sivamente para o trabalho, superando os 50%
e consolidam como áreas de maior movimento
de pessoas do município que trabalham; apon-
os três arranjos mais concentradores do esta-
tam para os municípios-dormitório.
do, e mostram, no interior deles, deslocamen-
No caso da aglomeração metropolitana,
tos em todas as direções, com vetores majo-
embora os maiores municípios e com maior
ritários e convergentes aos polos. Confirmam,
nível de centralidade urbana tanto recebam
ainda, o arranjo urbano-regional de Curitiba
quanto emitam fluxos de pessoas, ocorre uma
como a porção do estado onde os volumes são
grande convergência de destinos a Curitiba,
mais elevados e os vetores mais diversificados
originados em todos os municípios do en-
(Figura 2).
torno – e entre esses, inclui-se Joinville, em
Os principais absorvedores de população
Santa Catarina. Nota-se que os municípios
de outro município para trabalho e/ou estudo
de origem e de destino desenham áreas de
em 2000 são as principais centralidades do
abrangência, cuja extensão é proporcional à
estado. Curitiba recebe 174,1 mil pessoas, Ma-
importância do exercício de funções centrais.
ringá, 30,2 mil, e Londrina 28 mil, sendo estes
Assim, Curitiba projeta a maior abrangência,
os únicos municípios com fluxos de destino
sendo foco de origem de fluxos de 628 mu-
superiores a 10 mil pessoas. Deles, respecti-
nicípios do Paraná e estados vizinhos. Esses
vamente, 75,3%, 71,7% e 61,8% das pessoas
padrões ficam claros no mapa dos fluxos (ver
que se movimentam buscam apenas o traba-
Figura 2), captados pela matriz origem/desti-
lho. Os municípios que se sobressaem por flu-
no. Percebe-se um emaranhado de direções,
xos de saída apresentam um comportamento
quanto maior a proximidade com a metrópole,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
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Rosa Moura
Figura 2 – Fluxos pendulares no Paraná – 2000
Fonte: IBGE.
56
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
que mostra a densificação dos deslocamentos
políticas solidárias entre os lugares e os habi-
e reitera a necessidade de políticas públicas
tantes citadinos” (ibid., p. 267).
adequadas de mobilidade, moradia, entre
outras, para esse elevado contingente de
pessoas em movimento.
A concentração de população, em sua
dinâmica de intenso crescimento, e a densa
A dimensão segregadora
da mobilidade pendular
conjunção dos movimentos pendulares da população e das ligações funcionais entre centros
No âmbito da divisão territorial do trabalho, a
mostram que em nível estadual verifica-se no
espacialização dos fluxos pendulares descreve
arranjo urbano-regional de Curitiba um posi-
a relação existente entre municípios no exer-
cionamento de supremacia perante os demais,
cício de suas funções, seja nas aglomerações
similar ao de São Paulo em relação ao territó-
urbanas seja em novas espacialidades aciona-
rio brasileiro. Essas áreas são exemplos de que
das pelo agronegócio. A exploração dos des-
a dimensão urbano-regional emana não só da
locamentos intermunicipais para trabalho e/ou
Grande Metrópole Nacional como também de
estudo, em suas relações matriciais entre mu-
outros arranjos, em outros contextos, cada
nicípios, a composição do perfil das pessoas
qual com suas especificidades.
que realizam o movimento e a natureza da
Cabe ressaltar que os movimentos pen-
busca sintetizam os principais vetores de ex-
dulares verificados no Paraná fazem parte da
pansão urbana e registram que a seletividade
história da própria mobilidade territorial brasi-
de uso e apropriação do solo, com dissociação
leira e de particularidades ligadas a processos
entre o lugar da moradia e o do trabalho, se
locais/regionais. Santos (2009) analisou traje-
faz acompanhar de mecanismos socioespaciais
tórias de pessoas que realizam fluxos pendu-
segregadores.
lares entre Colombo e Curitiba, e demonstrou
Rodríguez (2008) considera que nos des-
que há uma intercalação de escalas espaciais
locamentos diários pode haver uma segrega-
explicativas das motivações do fenômeno em
ção da localização dos postos de trabalho, da
cada caso. Para a autora, a mobilidade pen-
mobilidade e do uso do território público. Essa
dular ocorre como desdobramento de um múl-
segregação poderia advir da desconexão de
tiplo processo migratório desencadeado em
segmentos sociais que vivem separadamente,
território nacional, intercalado por temporali-
e que também não compartem os espaços de
dades distintas, e pela desigual repartição do
trabalho, os percursos e os espaços físicos de
uso e ocupação do espaço na metrópole pa-
encontro na cidade. Outra preocupação levan-
ranaense, fortemente condicionado pelo pla-
tada pelo autor é que tais movimentos, asso-
nejamento urbano do polo. Tal complexidade
ciados à segregação sociorresidencial, debili-
torna insuficiente considerar analiticamente
tam as finanças dos municípios pobres, afetam
apenas as escalas origem/destino e remete à
os residentes das áreas carentes e operam um
imperiosa necessidade de projetos políticos
“efeito vizinhança” adverso, seja por déficit
mais audaciosos, que contemplem “ações
relativo de equipamentos, serviços, capital
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
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Rosa Moura
social (contatos) ou capital cultural (códigos)
ligada à globalização e ao desenvolvimento
seja pelo acúmulo de problemas comunitários.
tecnológico, apontando o policentrismo e uma
Provocam um “fator estigma”, que dificulta a
forma de funcionamento e estrutura urbana
integração social, e se vinculam à ingoverna-
similar à de cidades estadunidenses; e outra
bilidade e à anomia nas áreas pobres segrega-
mais relacionada às desigualdades socioter-
das, podendo compor um mecanismo que ten-
ritoriais e à economia de serviços, também
de a reproduzir a pobreza e as desigualdades
apontando um policentrismo estendido que
preexistentes, assim como erodir a gestão e o
favorece uma mobilidade mais intensa dos
desenvolvimento metropolitano.
pobres e um “encapsulamento” ou isolamen-
Mesmo assim, muitos mitos do senso co-
to dos ricos – esta, representativa do modelo
mum devem ser descartados, como o próprio
de crescimento e expansão metropolitana dos
Rodríguez (ibid.) mostra, com base em estu-
países subdesenvolvidos, portanto encontra-
dos sobre as metrópoles de Cidade do México,
da, com certas ressalvas e singularidades, nas
Santiago, São Paulo e Rio de Janeiro. Nessas
cidades brasileiras.
metrópoles, a mobilidade é mais frequente en-
No caso da Região Metropolitana de
tre assalariados, em princípio, mais próximos
Curitiba (RMC), Deschamps e Cintra (2008)
ao mercado de trabalho formal; nas brasileiras,
analisaram o perfil social das pessoas ocupadas
as pessoas em movimento têm menor nível de
de 10 anos e mais, residentes nos 15 municípios
educação, enquanto em Santiago e Cidade do
que mantêm os maiores fluxos pendulares com
México a probabilidade de ser comutante se
Curitiba, num universo de 346.183 pessoas
eleva com a educação. Tais resultados, como
(63,4%, homens, e 36,6%, mulheres). Entre os
ressalta o autor, chocam com visões tradicio-
homens, 67,5% trabalham no município onde
nais, que supõem a mobilidade e os traslados
residem e 32,5% se deslocam a Curitiba para
diários como atributos típicos dos pobres, que
trabalhar; entre as mulheres, essas proporções
pelos processos seletivos do mercado de ter-
são, respectivamente, de 62,1% e 37,9%, mos-
ras são obrigados a viver longe do local de
trando que, em termos relativos, as mulheres
trabalho. Da mesma forma, a pendularidade
saem mais de seus municípios para o trabalho
diária não guarda relação direta com o setor
em Curitiba.
informal; ao contrário, essa categoria é a que
A análise de Deschamps e Cintra (ibid.)
registra menores níveis de comutação, nas
deixa claro que, além das faixas salariais serem
quatro cidades examinadas, o que sugere que
mais elevadas para as pessoas que trabalham
uma fração significativa desse setor pode estar
na capital, vindas de outros municípios metro-
trabalhando no próprio domicílio ou em seu
politanos, as atividades também são mais sele-
entorno próximo.
tivas. Constata-se que esses municípios são os
Rodríguez (ibid.) conclui que a separação
grandes abastecedores de mão-de-obra para
e o distanciamento entre residência e trabalho
serviços domésticos em Curitiba, e se infere
afetam, com diferentes graus de dificuldade,
que os trabalhadores que se deslocam de Curi-
a todos os grupos socioeconômicos. Destaca
tiba para ocupações nos municípios periféricos
duas tendências em contraposição: uma mais
são mais qualificados, dadas as faixas salariais
58
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
preponderantes nesses casos. Para estes, tem-
e ocupações horizontais de populações de
se uma visível concentração de pessoas na úl-
melhor renda, particularmente nos municípios
tima faixa salarial, acima de 5 SM, em todos os
limítrofes servidos pelas melhores infraestrutu-
setores. Entre as atividades ocupadas, chama a
ras de circulação e transporte. Pode-se perce-
atenção aquelas relacionadas à Indústria, para
ber também a verticalização e a qualificação
as quais os que se deslocam teriam maior espe-
urbana das sedes desses mesmos municípios.
cialização, envolvendo nelas as montadoras de
Entretanto, a segregação velada nas relações
automóveis situadas em São José dos Pinhais,
sociais se mantém. Mesmo que fisicamente
para onde se dirige o maior fluxo saindo de
diferentes grupos se aproximem, a distância
Curitiba. Também se observa que não há uma
social permanece, como sintetiza a analogia
atividade industrial predominante nas ocupa-
recorrente nas discussões dos movimentos so-
ções, mas uma ampla gama de atividades,
ciais,1 que contrapõe o Alphaville – condomí-
desde tradicionais até modernas, incorporando
nio de luxo situado em Pinhais – ao “alfavela”,
pessoas do polo e dos municípios periféricos.
em alusão às ocupações pobres vizinhas aos
Essas informações, que expressam pessoas
seus limites.
em movimento, mostram a dinâmica existente
Com relação à segunda hipótese, os flu-
entre os municípios do arranjo urbano-regio-
xos pendulares não descrevem uma situação
nal de Curitiba, com fluxos multidirecionais e
completamente dual. Mesmo assim, na dinâ-
densos, e revelam a desigualdade no perfil das
mica observada, Deschamps e Cintra (2008)
pessoas que trabalham no próprio município
confirmam a existência da segregação socio-
onde residem e as que se deslocam.
espacial entre o polo e os municípios perifé-
Em relação ao perfil desigual dos traba-
ricos, que funcionam como abastecedores da
lhadores e uma possível segregação socioespa-
demanda por mão-de-obra menos qualificada
cial, Rodríguez (2008) levanta duas hipóteses
pela economia da metrópole. Dentro destes, a
quanto aos deslocamentos das localizações pe-
população que sai aufere rendimentos maiores
riféricas. A primeira é a de uma redistribuição
que a que fica, colocando em evidência mais
das classes mais abastadas, pela verticalização
essa face da segregação.
das áreas centrais dos municípios periféricos e
A própria condição referente à mobili-
implantação de condomínios fechados nas pe-
dade se distingue, pois as diferentes faixas de
riferias, criando, desse modo, uma aproxima-
renda têm acesso diferenciado aos meios de
ção dos grupos socioeconômicos em algumas
transporte, sendo que as menos favorecidas
zonas das cidades, que tende a espairecer a se-
não têm outra opção senão o transporte cole-
gregação, ao menos nessa escala. A segunda é
tivo, já bastante saturado pela demanda e am-
a da dualização e crescente desigualdade pro-
pliação dos trajetos. Para ambas, a distância
vocadas pelo modelo econômico vigente, com
a ser percorrida oferece dificuldades: para os
a pertinaz periferização dos pobres.
pobres, relacionadas com o grande tempo de
Com relação à primeira hipótese, um
viagem em condições de transporte incômo-
percurso pelo entorno imediato de Curitiba
das, vias inadequadas de circulação e custos
confirma a presença de condomínios fechados
relativos altos; para os setores de alta renda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
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Rosa Moura
suburbanizados, vinculam-se a congestiona-
melhor qualidade são oferecidos em Curitiba
mentos e custos elevados de transporte.
e, quando de competência da administração
Indicadores intrametropolitanos (Ipar-
municipal, muitas vezes com acesso restrito
des, 2005), que abrangem informações de de-
apenas a moradores da capital. Os menores
mografia, educação, condição domiciliar, bens
níveis de rendimento dos trabalhadores que
de consumo, pobreza e trabalho, referentes às
permanecem em seus municípios para o tra-
áreas de ponderação da amostra (AEDs) do
balho também levam a crer que essas pessoas
Censo Demográfico de 2000, tornam evidente
tenham maior dificuldade de mobilidade e
a segregação socioespacial no território da RM
acesso aos equipamentos e serviços públicos
de Curitiba. Descrevem as melhores condições
mais centrais e melhor qualificados. Se por um
correspondendo às AEDs centrais de Curitiba
lado a permanência para o trabalho no mesmo
e de alguns municípios do entorno imediato,
município de residência é positiva no que se
particularmente São José dos Pinhais, Pinhais,
refere à redução do custo e do desgaste pelo
Araucária e Campo Largo. Os demais municí-
deslocamento, por outro, conforme Rodríguez
pios apresentam situações de maior precarie-
(2008), ela pode resultar num encapsulamen-
dade, incluindo entre eles Colombo, de onde
to ou isolamento dos pobres, completando o
se originam os maiores fluxos pendulares da
círculo de segregação territorial residência-
região.
escola-trabalho. No caso dos ricos, o encap-
Os dados deste trabalho mostram com
sulamento, na escala municipal ou da comuni-
clareza a ocupação pobre nas áreas limítrofes
dade, não parece ainda ser a tônica da região,
a Curitiba, inclusive nos municípios apontados.
mesmo assim, os condomínios residenciais nas
Considerada uma síntese representativa do
periferias tentam oferecer opções de perma-
comportamento socioespacial dos demais indi-
nência a tudo, exceto ao trabalho.
cadores analisados, a taxa de pobreza, ou seja,
O cenário descrito e a preocupação
a proporção de famílias com renda domiciliar
de Rodríguez confirmam a interpretação de
mensal per capita de até 1/2 salário mínimo,
Katzman e Ribeiro (2008, p. 20) acerca de que
na RMC, em 2000, era de 13,1%, correspon-
as novas modalidades de acumulação, com
dente a 106.805 famílias pobres. Curitiba, com
elevação na exigência dos níveis de qualifica-
a taxa de 8,6%, concentra 39,9% das famílias
ção para ocupações mais estáveis, flexibiliza-
pobres da Região, e os municípios do entor-
ção no mercado de trabalho e liberalização do
no imediato, 44,9% – municípios estes que
mercado imobiliário, “têm gerado segmentos
respondem pelos maiores volumes de deslo-
sociais vitoriosos e perdedores”. Para os auto-
camentos pendulares. Entre os municípios da
res, os primeiros, que aproveitaram as opor-
RMC, os do entorno metropolitano imediato
tunidades de mobilidade social ascendente,
chegam a atingir a taxa de 35%, como ocorre
deslocaram-se para os bairros de maior status
com Itaperuçu, ficando os demais entre 14%
social, caracterizados por condições priva-
e 25%.
das de urbanização e produção da moradia,
Também se distinguem os equipamentos
expressos nos condomínios fechados e seus
urbanos e os serviços públicos, dado que os de
congêneres. “Ganhadores e perdedores estão
60
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Movimento pendular da população no Paraná
distanciados socialmente em termos de ren-
imprescindíveis para se conhecer o volume e
da, qualificação e estabilidade de empregos,
o perfil das pessoas em movimento, na escala
segmentação dos serviços sociais e urbanos e
local/regional, constituindo uma contribuição
também pela segregação residencial”.
ao planejamento e gestão urbana e regional.
Tal segregação residencial e socioeco-
Associadas a outras informações censitárias e
nômica ressalta a importância de se pensar,
a novas pesquisas correlatas, como aquelas re-
para os espaços mais densos de movimentos
lativas às motivações que dão origem a esses
pendulares, políticas adequadas de emprego,
fluxos e à própria trajetória anterior à última
moradia, mobilidade, entre outras, tendo em
residência da pessoa que se desloca, oferecem
vista que não se trata mais de uma vida urba-
referências importantes para compreensão das
na restrita a um município, mas de aglomera-
dinâmicas territoriais na escala nacional, mui-
ções, de singulares a complexas, e de arranjos
tas vezes impostas por outras escalas.
espaciais de natureza e dimensão urbano-re-
De maneira muito precisa, os movimen-
gional. Mais que isso, revela, nesses espaços,
tos pendulares da população refletem a desco-
a dissociação existente entre o local de traba-
nexão existente entre o mercado de trabalho
lho e o da moradia, situação que acarreta des-
e da moradia na organização interna das me-
gastes, seja pelas exigências da mobilidade,
trópoles e sinalizam seus efeitos decorrentes.
nem sempre em condições adequadas, seja
Apontam também as dinâmicas territoriais em
pela permanência de familiares no município
curso e novas áreas onde a mudança no perfil
de origem, que requerem serviços e cuidados
das atividades separa o município da produção
também onerosos particularmente aos muni-
do da moradia.
cípios-dormitório, assim chamados exatamen-
As consequências dessa desconexão
te por não lograrem atividades econômicas
afetam diferentemente os segmentos da po-
na quantidade e qualidade para absorver sua
pulação, dificultando a acessibilidade dos
população economicamente ativa, sofrendo,
pobres ao trabalho, à renda e aos bens cole-
consequentemente, com a baixa arrecadação.
tivos, num processo de segregação, que acirra
Aponta, assim, a importância de se ler esses
mais fortemente a desigualdade existente nos
espaços compondo uma totalidade, com as
espaços mais complexos, como os metropoli-
partes assumindo papéis diferenciados, e na
tanos. Diante de uma agenda de estado que
qual a condição de dormitório é uma função
não foca as metrópoles em sua totalidade, que
em uma dinâmica maior.
implementa políticas setoriais também desconexas entre si, e com a expansão contínua
das aglomerações metropolitanas e a agluti-
Considerações finais
nação destas a outras aglomerações e centros
vizinhos de seu entorno, em arranjos urbanoregionais, tem-se agudizada a problemática. A
Análises mais detalhadas dos deslocamentos
multidimensionalidade e multidirecionalidade
pendulares, possíveis a partir das informações
de fluxos nesses espaços, e a permanência dos
disponibilizadas pelo Censo Demográfico, são
polos metropolitanos como principais pontos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
61
Rosa Moura
de convergência desses fluxos, mostram que,
centro-periferia persiste na divisão social do
mesmo com a formação de novas centralida-
trabalho no Brasil. Porém, sob relações mais
des – com suas periferias próprias –, o modelo
densas e mais complexas.
Rosa Moura
Geógrafa. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – Ipardes. Curitiba, Paraná, Brasil.
[email protected]
Nota
(1) Essa analogia tem sido sempre lembrada por lideranças populares de municípios do entorno imediato de Curi ba e mesmo das favelas da capital, em debates e programas de formação realizados pelo Observatório de Polí cas Públicas Paraná.
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Texto recebido em 17/nov/2009
Texto aprovado em 10/dez/2009
64
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 43-64, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização
social do espaço intraurbano: um olhar
comparativo sobre as grandes
metrópoles brasileiras
From class hierarchy to the social organization of the intra-urban
space: a comparison among the major Brazilian metropolises
Luciana Corrêa do Lago
Rosetta Mammarella
Resumo
O artigo busca traçar as grandes tendências na
organização social do território metropolitano brasileiro, orientando-se por um conjunto de pressupostos e questões construídos ao longo da trajetória de quinze anos de pesquisa do Observatório
das Metrópoles. Parte-se da ideia central de que o
grau de diversidade ou homogeneidade social de
um bairro exerce forte influência sobre as ações
dos indivíduos ali residentes e dos demais agentes
que atuam na metrópole. Assim, serão examinadas as alterações no padrão intrametropolitano de
localização das classes sociais em quatro metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Porto Alegre – com base nas categorias
sócio-ocupacionais construídas, utilizando-se como
fonte os dados censitários de 1991 e 2000.
Abstract
Palavras-chave: metrópole; classe social; segregação urbana; mercado de trabalho; organização
socioespacial.
Keywords: metropolis; social class; urban
segregation; labor market; social-spatial
organisation
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
The article attempts to outline the major trends
in the social organization of the Brazilian
metropolitan territory, guided by a set of
presuppositions and questions that were built
up during the last fifteen years at Observatório
das Metrópoles. It starts with the central idea
that the level of social diversity or homogeneity
in a neighborhood has a strong influence on the
actions of individuals living there and on other
agents who work in the metropolis. Thus, the
study examines the changes in the pattern of
intra-metropolitan location of social classes in
four Brazilian cities - São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Porto Alegre – based on sociooccupational categories, using as source the
1991 and 2000 census data.
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
Introdução
da precarização do trabalho (Oliveira, 2004)
e do crescente isolamento socioterritorial dos
pobres urbanos (Kaztman, 2001; Sabatini,
Buscaremos no presente artigo analisar as
1998). A crise e a reestruturação econômica
grandes tendências na organização social do
iniciadas na década de 80 e a privatização dos
território metropolitano brasileiro, partindo
serviços públicos na década de 90 teriam alte-
do pressuposto de que o perfil social de uma
rado as condições de acesso à renda, à mora-
área, ou seja, o grau de diversidade ou ho-
dia e aos serviços urbanos dos trabalhadores
mogeneidade social de uma área exerce forte
e, como consequência, o padrão de desigual-
influência sobre as ações dos indivíduos ali
dades socioespaciais e as formas de interação
residentes e dos demais agentes que atuam
entre as classes sociais.
na metrópole. Nesse sentido, o perfil social
É a partir desse pressuposto que exami-
de uma área não é entendido apenas como
naremos as alterações na organização social
expressão das desigualdades econômicas e
do território de quatro metrópoles brasileiras:
de poder entre as classes sociais na disputa
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e
pela apropriação do espaço urbano, mas co-
Porto Alegre. Teremos que entender o com-
mo fator (re)produtor de tais desigualdades.
portamento do mercado de trabalho e, mais
Áreas mais exclusivas das classes superiores
precisamente, da estrutura sócio-ocupacional
ou áreas mais tipicamente operárias abrigam
de cada uma das metrópoles, para nos aproxi-
um grau de coesão de classe que possibilita
marmos da noção de classe social citada ante-
estratégias e condições de vida urbana es-
riormente. Buscaremos avaliar em que medida
pecíficas entre aqueles ali residentes. Essa
as mudanças no padrão intrametropolitano
conjugação entre território e identidade de
de localização das classes sociais indicam o
classe fortalece a coesão e o poder da classe
fortalecimento do poder das elites, aprofun-
(Bourdieu, 1997). Portanto, áreas socialmen-
dando os efeitos negativos da reestruturação
te homogêneas habitadas por trabalhadores
econômica sobre as condições de vida dos tra-
precários, distantes da experiência de classe
balhadores, ou ao contrário, vêm amenizando
e com reduzido poder de disputa na cidade
tais efeitos.
podem funcionar como fator de bloqueio às
As questões que orientam este trabalho
oportunidades de acesso aos recursos. Nesse
buscam uma interlocução com visões recen-
caso, o quadro se inverte: áreas com maior di-
tes e crescentemente hegemônicas sobre a
versidade social, ou seja, que abriguem tanto
espacialidade metropolitana brasileira. Fatos
trabalhadores precários quanto estáveis possi-
novos emergem nas cidades, tais como os
bilitam canais de acesso a serviços e a oportu-
condomínios fechados e a difusão da informa-
nidades de trabalho àqueles mais vulneráveis.
lidade do trabalho e da moradia, a partir dos
Esse argumento dialoga com estudos recentes
quais vem se construindo socialmente uma
sobre a realidade social das cidades brasileiras
nova representação sobre o urbano, manifes-
e latino-americanas, desenvolvidos em torno
tada através da ideia de um novo padrão de
66
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
segregação urbana. A noção de fragmentação
do argumento, ficará restrita a apenas alguns
socioespacial é constituinte dessa nova repre-
processos de ordem objetiva. Propomos ava-
sentação e materializada por um conjunto de
liar as tendências, nos anos 90, da estrutura
fenômenos entendidos como processos exclu-
socioespacial de quatro metrópoles brasileiras,
dentes que transformam a escala e a natureza
à luz dos processos de produção e consumo do
da segregação urbana até então vigente: por
espaço construído metropolitano. Como es-
um lado, a redução de sua escala e a conse-
trutura socioespacial entende-se o padrão de
quente “aproximação” entre as classes domi-
distribuição da população, segundo seu perfil
nantes e dominadas e, por outro, a redução
sócio-ocupacional, pelas diferentes áreas que
do grau de interação entre grupos socialmen-
conformam o espaço metropolitano, trabalhan-
te distintos em função do confinamento dos
do-se conjuntamente grau de concentração dos
grupos superiores em espaços privados e da
diferentes grupos sociais e grau de homoge-
estigmatização dos espaços da pobreza como
neidade social das áreas. Estaria em curso um
espaços da violência.
processo de homogeneização dos espaços de
Na América Latina, esse padrão fragmen-
residência? Em quais espaços podemos iden-
tado/excludente tem sido pensado em contra-
tificar uma maior homogeneidade e com que
posição ao padrão desigual/integrado – centro-
clareza e intensidade ela se expressa? Trata-se
periferia – consolidado nos estudos urbanos
de um estudo quantitativo da estrutura urbana
como expressão e até mesmo como explicação
e das desigualdades socioespaciais, com base
da dinâmica de organização interna do espa-
nos dados censitários de 1991 e 2000, no qual
ço metropolitano (Caldeira, 1997; Ribeiro e
aplicamos, para as quatro metrópoles, a mes-
Lago, 1992). A concentração do emprego, da
ma metodologia de organização e tratamento
moradia das classes médias e superiores e dos
dos dados.
equipamentos e serviços urbanos nas áreas
Primeiramente, analisaremos de forma
centrais e, consequentemente, as enormes
comparativa as principais tendências nas es-
carências que marcam os espaços periféricos
truturas sócio-ocupacionais das referidas me-
sustentaram, até os anos 80, a visão dual da
trópoles, na década de 90. As regularidades
metrópole, em que a periferia evidenciava a
entre as regiões e suas especificidades quanto
distância física e social entre as classes sociais.
ao mercado de trabalho servirão de base pa-
Essa distância foi um dos mecanismos utiliza-
ra compreendermos as alterações, no mesmo
dos pelas nossas elites para a reprodução de
período, na estruturação do espaço intra-
seu poder econômico e simbólico.
metropolitano.
Tais questões englobam necessariamen-
No segundo segmento, examinaremos
te as dimensões objetiva e subjetiva do pro-
as grandes tendências no que diz respeito ao
cesso de organização social do espaço urbano.
rebatimento das transformações do mercado
No entanto, a contribuição da presente aná-
de trabalho na distribuição das classes no terri-
lise, no que se refere à sustentação empírica
tório metropolitano.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
67
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
As estruturas sócioocupacionais das grandes
metrópoles: semelhanças,
particularidades e tendências
A primeira evidência que se destaca é
a semelhança entre as estruturas sociais das
regiões, especialmente no que se refere às categorias superiores na hierarquia: dirigentes,
profissionais 2 e ocupações médias. 3 As diferenças mais significativas estão concentradas
A estrutura sócio-ocupacional aqui trabalhada
no universo dos trabalhadores manuais, parti-
é formada por 24 categorias sócio-ocupacio-
cularmente entre os operários da indústria, a
nais hierarquizadas, agregadas em 8 grandes
categoria mais afetada pela crise e pela rees-
1
grupos, como mostra o Quadro 1.
truturação produtiva iniciada na década de 80.
Quadro 1 – Estrutura sócio-ocupacional das metrópoles
de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre – 2000
Categorias socioocupacionais
São Paulo
Rio de Janeiro
Belo Horizonte
Porto Alegre
Dirigentes
Grandes empregadores
Dirigentes do setor público
Dirigentes do setor privado
1,4
0,8
0,2
0,4
1,2
0,6
0,2
0,3
1,3
0,7
0,2
0,3
1,4
0,8
0,3
0,3
Profissionais de nível superior
Profissionais autônomos de nível superior
Profissionais empregados de nível superior
Profissionais estatutários de nível superior
Professores de nível superior
7,8
2,0
3,7
0,4
1,8
8,7
2,0
3,6
1,1
2,0
7,4
2,0
2,9
0,8
1,8
7,6
2,1
2,8
0,7
1,9
2,6
2,4
2,8
3,2
Categorias médias
Ocupações de escritório
Ocupações de supervisão
Ocupações técnicas
Ocupações médias da saúde e edução
Ocupações de segurança, justiça e correios
Ocupações artísticas e similares
28,2
10,6
5,3
6,4
3,3
1,5
1,1
27,7
9,2
4,3
5,7
4,2
2,9
1,4
26,1
9,7
4,2
5,5
3,7
1,7
1,3
26,9
9,3
4,5
6,4
3,6
1,9
1,2
Trabalhadores do terciário
Trabalhadores do comércio
Prestadores de serviços especializados
19,3
9,7
9,6
20,8
9,7
11,1
19,1
9,7
9,4
17,4
8,7
8,7
Trabalhadores do secundário
Operários da indústria moderna
Operários da indústria tradicional
Operários dos serviços auxiliares
Operários da construção civil
24,0
7,1
4,6
6,0
6,3
20,2
3,9
3,9
5,1
7,3
23,6
5,6
4,2
5,4
8,4
27,3
6,4
8,9
4,9
7,2
Trabalhadores do terciário não especializado
Prestadores de serviços não especializados
Trabalhadores domésticos
Ambulantes + biscateiros
16,2
5,2
7,2
3,7
18,4
5,3
8,8
4,3
18,6
5,7
9,7
3,1
14,7
4,6
6,7
3,4
Pequenos empregadores
Agricultores
Total
0,5
0,6
1,1
1,4
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Censo demográfico de 2000; tabulação: Observatório das Metrópoles.
68
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
Entre as quatro regiões, São Paulo, Be-
país, além de centro financeiro e de serviços
lo Horizonte e Porto Alegre apresentavam, em
de ponta, abrigava, em 2000, um mercado de
2000, um perfil sócio-ocupacional “médio-
trabalho tão diversificado quanto o das três
operário”, em função da predominância das
outras regiões.
categorias médias (de 26% a 28%) e dos tra-
Em relação às categorias médias, o maior
balhadores do secundário (entre 23% e 27%).
percentual era de São Paulo (28,1%), acompa-
As metrópoles de São Paulo e Belo Horizonte
nhado de perto pelo Rio de Janeiro. Porém, em
eram mais “médias” do que “operárias”, en-
São Paulo, eram as ocupações de escritório, as
quanto a de Porto Alegre era mais “operária”
de supervisão e as técnicas que explicavam es-
do que “média”. O Rio de Janeiro diferencia-
se maior percentual, enquanto no Rio de Janei-
va-se das demais regiões ao exibir um perfil
ro eram as ocupações em saúde e educação e
“médio-terciário”, onde as ocupações médias
as de segurança, mais ligadas ao setor público.
4
Belo Horizonte apresentou o menor percentual
e os trabalhadores do terciário especializado
eram as duas categorias com maior participação (28% e 21%, respectivamente).
de categorias médias: 26,1%.
Quanto ao universo das categorias ma-
Cabe destacar a fraca associação en-
nuais (trabalhadores do terciário especializado,
tre a estrutura sócio-ocupacional, o tamanho
do secundário e do terciário não especializa-
popula cional e o grau de complexidade da
do), Porto Alegre se destaca como a metrópole
economia de uma metrópole. Vimos que São
de perfil mais operário, em função da elevada
Paulo, a maior e mais complexa metrópole bra-
participação na estrutura social, tanto dos tra-
sileira, com uma população ocupada em torno
balhadores da indústria tradicional quanto da
de 7 milhões, apresentava, em 2000, uma es-
moderna, que, somados, equivaliam a 15,3%
trutura sócio-ocupacional muito semelhante à
do total de ocupados. Em relação à indústria
de Porto Alegre, que abrigava cerca de 1 mi-
moderna, São Paulo apresentava o maior per-
lhão e 500 mil ocupados.
centual (7,1%), e Porto Alegre o segundo maior
Examinando o universo das categorias
(6,4%). A particularidade de Porto Alegre está,
superiores da hierarquia, percebe-se que os
portanto, na combinação dos altos percentuais
dirigentes são aqueles com o menor peso na
em ambos os setores industriais, embora o se-
estrutura das quatro regiões, seguidos pelos
tor coureiro-calçadista, localizado na porção
pequenos empregadores e pelos profissionais
norte da metrópole gaúcha, sustente uma par-
de nível superior. Como destaque, temos o Rio
ticipação bem mais elevada dos operários da
de Janeiro, onde a participação dos profissio-
indústria tradicional.
nais (8,8%) era significativamente superior ao
A segunda evidência dentro desse uni-
das demais regiões (entorno de 7,5%). A alta
verso refere-se à presença significativa, em
concentração das sedes das grandes empre-
todas as regiões, dos ocupados na construção
sas industriais e financeiras em São Paulo não
civil,5 cujos percentuais variavam entre 6,3%,
ocasionou a elevação no peso dos dirigentes e
em São Paulo e 8,4%, em Belo Horizonte. Es-
profissionais acima do alcançado pelas demais
se é um setor marcado pela baixa qualificação
regiões. Isso mostra que a maior metrópole do
dos trabalhadores, por salários inferiores e por
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
69
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
relações de trabalho mais precárias tendo em
vista os demais setores industriais.
As estruturas sociais apresentadas acima
de forma sintética e comparativa expressam os
Quanto à participação das categorias
efeitos das transformações econômicas sobre
manuais do terciário, é na metrópole do Rio
o mercado de trabalho metropolitano, ocorri-
de Janeiro onde encontramos o maior percen-
das na década de 90. Em trabalhos anteriores,
tual dos trabalhadores do terciário especiali-
havíamos detectado o enorme impacto da cri-
6
zado e do terciário não especializado. Apenas
se econômica dos anos 80 sobre esse mercado.
no Rio de Janeiro o peso dos prestadores de
A queda, em termos relativos, dos operários
serviços especializados (em torno de 11,5%)
da indústria ocorreu, na chamada “década
era superior ao dos trabalhadores do comércio
perdida”, em todas as metrópoles, no entanto
(em torno de 9,5%). Nas demais metrópoles,
ela foi mais acentuada em São Paulo, onde a
os dois percentuais eram muito semelhantes.
participação dessa categoria passou de 32%
São Paulo e Belo Horizonte também exi-
dos ocupados, em 1980, para 27%, em 1991.
biam percentuais relativamente elevados (em
A metrópole mais operária do país perdeu seu
torno de 19%) dos ocupados no terciário es-
lugar para Porto Alegre, onde, no final dos
pecializado, porém apenas a metrópole minei-
anos 80, os operários representavam 29% do
ra mantinha o mesmo patamar para o terciário
total dos ocupados. Belo Horizonte também se
não especializado. Em São Paulo, essa última
destacou em relação ao processo de desindus-
categoria tinha menor peso (16,2%).
trialização, ao apresentar um decréscimo no
Observando a categoria dos trabalhado-
peso dos trabalhadores da indústria de 29%
res do terciário não especializado, onde foram
para 25%, no mesmo período. Nesse sentido,
agrupadas as ocupações que exigem a menor
as três metrópoles citadas, se comparadas
qualificação dentro da estrutura social e onde
com a região do Rio de Janeiro, onde encon-
a informalidade nas relações de trabalho é pre-
tramos maiores percentuais dos trabalhadores
dominante, as metrópoles do Rio de Janeiro e
manuais do terciário, foram mais afetadas por
Belo Horizonte destacam-se: esse conjunto de
essa dimensão da crise.7
trabalhadores representava cerca de 18,5%
Examinando as mudanças nas estruturas
da população ocupada de ambas as regiões.
sócio-ocupacionais entre 1991 e 2000, verifi-
Porém, não se pode desconsiderar que os
camos que o fenômeno da desindustrialização
16,2% desses trabalhadores residindo na me-
atravessou os anos 90: em todas as metrópo-
trópole de São Paulo equivaliam a 1.149.703
les houve queda no percentual dos trabalha-
ocupados. Entre os não especializados, os em-
dores do secundário, com destaque para São
pregados domésticos atingiam cifras em torno
Paulo, que apresentou queda em três pontos
de 10% em Belo Horizonte, e os ambulantes e
percentuais. A compensação foi o aumento re-
biscateiros representavam 4,3% dos ocupados
lativo, nas quatro regiões, na participação dos
na metrópole do Rio de Janeiro. Porto Alegre
ocupados nos serviços auxiliares da indústria
destaca-se em função da menor participação
(onde predomina o setor de transporte), com
do terciário não especializado.
destaque para São Paulo. Quanto à indústria
70
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
da construção civil, as alterações mais signifi-
Em contraposição à forte diminuição re-
cativas foram no Rio de Janeiro e Porto Alegre,
lativa dos operários da indústria e das ocupa-
com aumento relativo (Quadro 2).
ções médias, observamos o aumento generali-
A segunda grande categoria que apre-
zado na participação dos trabalhadores do ter-
sentou queda relativa em todas as metrópoles
ciário especializado e dos profissionais de nível
foi a que reúne as ocupações médias. Também
superior, tendência que já estava em curso na
aqui, é necessário examinarmos as mudanças
década de 80. É possível que uma parte do
em cada categoria que compõe o grupo. A re-
operariado da indústria de transformação te-
dução da participação das ocupações médias
nha sido absorvida pelo setor terciário especia-
é explicada, em primeiro lugar, pela queda em
lizado, especialmente pelo setor de serviços,
todas as regiões das ocupações de escritório,
que cresceu relativamente mais do que o setor
que em 1991 representavam entre 11,9% e
de comércio. O percentual dos trabalhadores
14% do total de ocupados, e em 2000, entre
do comércio sofreu pouca alteração em todas
9,2% e 10,6%. Outra categoria com queda em
as metrópoles, mantendo-se entre 8,4% e
todas as metrópoles foram as ocupações de
9,7%. Por outro lado, os prestadores de servi-
supervisão. Ainda em relação às ocupações
ços especializados tiveram aumento acima de
médias, duas categorias apresentaram aumen-
dois pontos percentuais em todas as regiões e
to relativo em todas as regiões: as ocupações
tornaram-se a categoria com o maior peso na
técnicas e as ocupações médias de saúde e
estrutura social do Rio de Janeiro. São Paulo,
educação.
Porto Alegre e Belo Horizonte apresentaram
Quadro 2 – Diferença em pontos percentuais do peso de cada grande grupo
de CATs na composição da estrutura sócio-ocupacional das RMs, entre 1991 e 2000
Dirigentes
Profissionais
de nível superior
Pequenos
empregadores
Ocupações
médias
Trabalhadores
do terciário
especializado
Trabalhadores
do secundário
Trabalhadores
do terciário não
especializado
Agricultores
São Paulo
Rio de Janeiro
Belo Horizonte
Porto Alegre
Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000; Observatório das Metrópoles.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
71
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
aumento relativo dos prestadores não especializados, em função principalmente da elevação
do peso dos ambulantes e biscateiros. Cabe
A localização das categorias
sociais no espaço urbano
destacar a particularidade de São Paulo em relação às demais metrópoles: os trabalhadores
Buscaremos, a seguir, nos aproximar das
domésticos passaram de 6,3% para 7,2% e os
questões iniciais que orientaram o presente
ambulantes e biscateiros, de 2,1% para 3,7%.
estudo comparativo, introduzindo na análise
Embora em todas as metrópoles tenha ocor-
o padrão de distribuição espacial das catego-
rido um aumento relativo dos ambulantes e
rias sócio-ocupacionais no interior das metró-
biscateiros, apenas em São Paulo os trabalha-
poles. Para tanto, utilizaremos uma tipologia
dores domésticos apresentaram elevação no
socioespacial composta por quatro tipos de
percentual. Nas demais, os percentuais pouco
área: “superior”, “médio”, “operário” e “po-
se alteraram.
pular”. 8 Examinaremos o padrão de concen-
Quanto aos profissionais de nível supe-
tração territorial das categorias ocupacionais
rior, a crise não bloqueou a expansão dos pos-
e o grau de homogeneidade social do terri-
tos de trabalho de mais alta qualificação, mas
tório como representação das estratégias de
apenas os postos vinculados ao setor público.
localização das classes sociais no espaço me-
Se olharmos o comportamento das quatro ca-
tropolitano.
tegorias que formam o grupo dos profissionais,
Numa caracterização geral de cada um
fica claro que não foram os estatutários nem
dos tipos acima referidos, levando em conta o
os professores as categorias responsáveis pelo
perfil sócio-ocupacional predominante em ca-
aumento relativo dos profissionais em todas as
da agrupamento, podemos dizer que: as áreas
metrópoles. Na realidade, os estatutários apre-
de tipo “superior” se definem pela maior con-
sentaram queda relativa e os professores man-
centração e maior peso relativo das categorias
tiveram um percentual próximo do encontrado
dos dirigentes e dos profissionais de nível supe-
em 1991. O aumento ocorreu entre os demais
rior, sendo que, em alguns casos, os pequenos
profissionais, tanto entre os autônomos quanto
empregadores e as ocupações médias dividem
entre os empregados. Em geral, os percentuais
importância com elas. As áreas de tipo “mé-
sofreram um aumento de 100%.
dio” são marcadas por uma forte presença das
Por fim, examinando as mudanças nas
ocupações médias, muito embora elas não se
grandes categorias dos dirigentes e dos pe-
encontrem tão concentradas num determinado
quenos empregadores, a principal tendência
tipo como as demais categorias, uma vez que
observada no conjunto das metrópoles foi a
uma das características dos estratos médios é
queda relativa dos grandes e pequenos empre-
a sua maior dispersão residencial no território.
gadores e um pequeno aumento no peso dos
Essa dispersão revela misturas sociais varia-
dirigentes dos setores público e privado. Ape-
das, seja com as categorias de profissionais,
nas em São Paulo houve queda no percentual
seja com as ocupações terciárias ou secundá-
dos dirigentes do setor privado (Quadro 2).
rias. Já o tipo “operário” define os espaços
72
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
onde a moradia dos trabalhadores da indústria
das elites, podemos trabalhar, no caso do Rio
tem significado estatístico relevante. Quando
de Janeiro, com uma escala territorial menor
os operários compartilham a área de residên-
do que a de São Paulo, delimitando com mais
cia com outros setores sociais, isso ocorre,
precisão os espaços dessa classe, sem perder-
via de regra, com os setores populares, repre-
mos a consistência estatística garantida pela
sentados pelos trabalhadores manuais pouco
alta densidade domiciliar.
qualificados, da construção civil e do terciário
A baixa densidade desse tipo de bairro
não especializado. Estes últimos, por sua vez,
em São Paulo provoca o espraiamento das
se constituem nas categorias definidoras das
elites por uma extensão territorial maior e,
áreas de tipo “popular”.
portanto, uma delimitação espacial menos
A primeira grande distinção entre as re-
precisa socialmente, ou seja, áreas menos
giões é a maior presença das áreas superiores
homogêneas. O Quadro 3 mostra o perfil mais
na metrópole de São Paulo, tanto em termos
diversificado das áreas superiores em São
da extensão territorial (número de áreas),
Paulo, se comparado com os perfis do Rio de
quanto do contingente de ocupados nessas
Janeiro, Belo Horizonte e, em menor propor-
áreas: em 2000, 20,5% do total das áreas
ção, de Porto Alegre: entre os paulistas, ape-
eram do tipo superior e 20,5% da população
nas 24,4% dos residentes nessas áreas eram
9
ocupada residia nesse tipo de área. No Rio de
dirigentes e profissionais, enquanto 32% eram
Janeiro, esses dois percentuais eram 8,8% e
trabalhadores manuais. Ante as outras três
12,4%, respectivamente (Quadro 3 e Mapas 1
metrópoles, as áreas superiores em São Paulo
e 2). A explicação poderia ser o peso relativa-
eram mais extensas e menos exclusivas, nos
mente maior das classes superiores na estru-
levando a pensar que o poder da classe domi-
tura social de São Paulo, gerando uma maior
nante paulista de se apropriar dos investimen-
demanda por espaço. No entanto, já vimos
tos públicos no urbano beneficiou um contin-
que o peso dos dirigentes e profissionais na
gente proporcionalmente maior dos segmen-
estrutura social paulista era inferior ao encon-
tos sociais menos favorecidos e residentes nas
trado na estrutura do Rio de Janeiro. A expli-
mesmas áreas. Outra particularidade de São
cação, então, está no padrão de ocupação das
Paulo soma-se a essa: as áreas superiores ul-
áreas mais valorizadas em cada metrópole:
trapassam os limites da capital, sendo encon-
em São Paulo, parte significativa dessas áreas
tradas em outros oito municípios da região,
é de baixa densidade, abrigando casas unifa-
tais como Santo André e Guarulhos. No Rio de
miliares, enquanto no Rio de Janeiro as clas-
Janeiro, apenas os municípios de Niterói e No-
ses superiores moram em apartamentos con-
va Iguaçu abrigavam áreas com esse perfil.
centrados em bairros de alta densidade. Na
Belo Horizonte apresentava, em 2000,
metrópole paulista, apenas 34% do estoque
as áreas superiores mais exclusivas, onde 38%
domiciliar das áreas superiores era de aparta-
dos residentes ocupados eram dirigentes e
mentos em 2000, enquanto no Rio de Janeiro
profissionais. No Rio de Janeiro, essas catego-
esse percentual alcançava 81%. Consequen-
rias representavam 35% dos moradores nesse
temente, ao analisarmos as áreas residenciais
tipo de área, e em Porto Alegre, 30%.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
73
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
Mapa 1 – Região Metropolitana de São Paulo – 2000
Tipologia socioespacial por Área de Expansão Demográfica (AED) – 2000
Limite municipal
Superior
Médio
Operário
Popular
Agrícola
Fonte de dados e base cartográfica: IBGE, 2000.
Elaboração cartográfica: OPUR/Proex/PUC Minas – Rogério Sant’Anna de Souza – 2009.
Mapa 2 – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2000
Tipologia socioespacial por Área de Expansão Demográfica (AED) – 2000
Limite municipal
Superior
Médio
Operário
Popular
Fonte de dados e base cartográfica: IBGE, 2000.
Elaboração cartográfica: OPUR/Proex/Puc Minas – Rogério Sant’Anna de Souza – 2009.
74
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
Mapa 3 – Região Metropolitana de Belo Horizonte – 2000
Tipologia socioespacial por Unidade Espacial Homogênea (UEH) – 2000
Limite municipal
Municípios não considerados na comparação
Superior
Médio
Operário
Popular
Fonte de dados e base cartográfica: IBGE, 2000.
Elaboração cartográfica: OPUR/Proex/Puc Minas – Rogério Sant’Anna de Souza – 2009.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
75
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
Mapa 4 – Região Metropolitana de Porto Alegre – 2000
Tipologia socioespacial por Área de Expansão Demográfica (AED) – 2000
Limite municipal
Municípios não considerados na comparação
Superior
Médio
Operário
Popular
Agrícola
Fonte de dados e base cartográfica: IBGE, 2000.
Elaboração cartográfica: OPUR/Proex/Puc Minas – Rogério Sant’Anna de Souza – 2009.
Quadro 3 – Perfil sócio-ocupacional médio das áreas de tipo “superior”
1991 e 2000
Perfil médio das áreas superiores – 1991 e 2000
Categorias socioocupacionais
São Paulo
Perfil 1991
Dirigentes
Rio de Janeiro
Perfil 2000
Perfil 1991
Perfil 2000
Belo Horizonte
Perfil 1991
Perfil 2000
Porto Alegre
Perfil 1991
Perfil 2000
5,1
4,3
5,8
4,9
8,8
7,4
4,4
4,0
13,0
20,1
24,0
30,1
22,9
31,6
21,4
25,8
5,7
6,5
5,7
7,0
9,7
9,5
6,2
6,8
Categorias médias
38,0
36,8
35,8
33,3
34,1
33,4
41,8
37,5
Trabalhadores do terciário
12,3
14,1
8,1
9,7
5,8
6,4
9,7
12,1
Trabalhadores do secundário
13,2
8,6
5,4
4,5
3,8
2,7
6,4
5,7
Trabalhadores do terciário não especializado
12,1
9,3
14,7
10,2
14,7
8,8
10,0
7,8
0,5
0,2
0,4
0,3
0,1
0,2
0,2
0,2
100,0
Profissionais de nível superior
Pequenos empregadores
Agricultores
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Nº de áreas superiores
183
167
41
39
10
8
15
17
% da pop. ocupada nas áreas superiores
27,9
20,5
13,7
12,4
6,5
13,3
12,8
8,8
Fonte: Censo Demográfico de 1991 e 2000. IBGE.
76
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
Ainda que em 2000 o grau de exclusi-
daquele grupo. Quando observamos a locali-
vidade das áreas superiores variasse entre as
zação desses segmentos médios no território,
metrópoles, as quatro regiões apresentaram
fica evidente o seu caráter difuso. Tal conjun-
a mesma tendência à elitização nessas áreas,
to de trabalhadores estava presente, com al-
ao longo dos anos 90. Significa dizer que o
guma relevância, em todos os tipos de área
peso dos dirigentes e profissionais aumentou
(Quadros 3, 4, 5 e 6). Mesmo nas áreas po-
relativamente, enquanto o dos trabalhadores
pulares, sua participação variava entre 16%,
do terciário não especializado e o dos operá-
em Belo Horizonte e 20%, em São Paulo, ga-
rios sofreu queda relativa. Na realidade, parte
rantindo certo grau de diversidade social nas
desse processo de elitização é explicada pela
áreas mais precárias em termos de recursos
diminuição das empregadas domésticas que ti-
urbanos. Além de se espalhar pelo território
nham como residência principal a casa de seus
metropolitano, esse segmento se concentrou
patrões.
mais em determinadas áreas, o bastante pa-
São Paulo apresentava ainda outra ca-
ra marcar tais áreas como tipicamente mé-
racterística que a diferenciava das demais me-
dias. No Rio de Janeiro e em São Paulo, mais
trópoles. Abrigava, em 2000, a mais equilibra-
de um terço da população ocupada residia,
da distribuição da população ocupada entre os
tanto em 1991 quanto em 2000, nesse tipo
quatro tipos de área (superior, médio, operário
de área. Em Porto Alegre e Belo Horizonte,
e popular): cerca de um terço em áreas médias,
cerca de um quarto dos trabalhadores mora-
outro um terço em áreas operárias, e os 40%
vam em áreas médias em 2000, no entanto,
restantes divididos entre as áreas superiores
as duas regiões apresentaram tendências
(20%) e populares (18%). No Rio de Janeiro,
opostas na década de 90: a metrópole gaú-
37% dos trabalhadores residiam em áreas po-
cha teve um surpreendente aumento de áreas
pulares e 34% em áreas médias. Em Belo Hori-
médias no período – de 18 para 35 áreas –,
zonte, 49% residiam em áreas operárias e em
enquanto a metrópole mineira viu encolher
Porto Alegre, 45%, nesse mesmo tipo de área.
esse tipo de área e o percentual de ocupados
Ou seja, os espaços operários marcavam mais
nele residindo. No caso de Porto Alegre, esse
fortemente a territorialidade das metrópoles
aumento de áreas médias foi acompanhado
gaúcha e mineira, enquanto no Rio de Janeiro,
pela queda do número de áreas populares, o
áreas médias e populares partilhavam a prima-
que nos faz inferir que as categorias médias
zia no território.
se espalharam por territórios que eram tipica-
Na primeira parte do texto buscamos
mente populares em 1991, alterando o perfil
qualificar de forma sintética o perfil social pre-
social de parte desses territórios. Vale lem-
dominante em cada metrópole e vimos que,
brar que, nas quatro metrópoles, o conjunto
em 2000, as categorias médias apareciam co-
das categorias médias apresentou, nos anos
mo o grupo sócio-ocupacional de maior peso
90, queda relativa. Portanto, essa difusão dos
na estrutura social das regiões, com exceção
setores médios em Porto Alegre não resultou
de Porto Alegre, onde os operários alcança-
da elevação do contingente de trabalhadores
vam um percentual um pouco superior ao
nesses setores, mas de novas estratégias de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
77
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
localização residencial acionadas por estes. Já
à autossegregação das elites ou a segregação
em Belo Horizonte, a diminuição de áreas mé-
imposta às classes populares, temos como con-
dias ocorreu juntamente com o aumento de
traponto bairros marcados pela diversidade so-
áreas populares e, em menor escala, de áreas
cial. Porém, essas áreas médias têm sido muito
operárias. Nesse caso, a retração dos setores
pouco estudadas, justamente por estarem “no
médios foi acompanhada pela expansão dos
meio” das polarizações socioespaciais, estas
prestadores de serviço e trabalhadores do co-
sim objetos privilegiados pelos estudos urba-
mércio em áreas médias, transformando parte
nos contemporâneos.
dessas áreas em áreas tipicamente populares.
Encontramos em Porto Alegre e Rio de
Mesmo com redução, as áreas médias ainda
Janeiro uma relação direta entre seus perfis
marcavam fortemente o espaço metropolita-
sócio-ocupacionais e seus respectivos padrões
no mineiro, em 2000.
socioterritoriais: na metrópole mais operária
Esses territórios, que denominamos
do país, com 27% de sua população ocupada
de “tipo médio”, são os que apresentam o
no setor secundário, os espaços operários pre-
maior equilíbrio na distribuição das categorias
dominavam em 2000, enquanto na metrópole
sócio-ocupacionais, sendo, portanto, os mais
fluminense, de perfil terciário, o maior peso das
próximos do que projetamos como distribuição
categorias médias (28%) e dos trabalhadores
ótima das classes sociais no espaço urbano.
do terciário especializado (21%) sustentava a
Quando analisamos criticamente a tendência
primazia das áreas médias e populares.
Quadro 4 – Perfil sócio-ocupacional médio das áreas de tipo “médio”
1991 e 2000
Perfil médio das áreas superiores – 1991 e 2000
Categorias socioocupacionais
São Paulo
Perfil 1991
Rio de Janeiro
Perfil 2000
Perfil 1991
Perfil 2000
Belo Horizonte
Perfil 1991
Perfil 2000
Porto Alegre
Perfil 1991
Perfil 2000
Dirigentes
1,4
1,0
1,2
1,0
1,6
1,7
2,1
1,8
Profissionais de nível superior
4,0
7,5
7,6
10,5
7,5
12,7
10,5
10,1
Pequenos empregadores
2,9
2,6
3,1
2,9
4,3
4,2
5,2
4,1
Categorias médias
37,0
33,6
40,8
37,1
38,8
35,1
42,0
34,8
Trabalhadores do terciário
15,9
20,1
16,4
20,5
15,1
18,0
14,7
18,6
Trabalhadores do secundário
27,5
21,5
17,8
15,0
19,0
14,9
14,5
16,2
Trabalhadores do terciário não especializado
10,8
13,6
12,7
12,8
13,4
13,2
10,8
14,2
0,5
0,2
0,5
0,2
0,3
0,3
0,3
0,4
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Nº de áreas médias
212
251
132
143
42
38
18
35
% da pop. ocupada nas áreas médias
29,6
31,6
35,2
34,1
36,5
27,4
13,4
24,9
Agricultores
Total
Fonte: Censo Demográfico de 1991 e 2000. IBGE.
78
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
No caso de Belo Horizonte, embora qua-
tipicamente operárias. Nesse ponto, São Paulo
se metade da população ocupada residisse em
aproximava-se mais de Porto Alegre, na medi-
áreas de tipo operário, o peso dos operários na
da em que abrigava áreas operárias com eleva-
estrutura social da metrópole (23%) era infe-
do percentual de trabalhadores do secundário
rior ao das categorias médias (26%). Uma ex-
(34%), embora esse tipo de área representas-
plicação possível seria a maior dispersão terri-
se apenas 29% do total de áreas na metrópole
torial dos operários marcando socialmente um
paulista.
maior número de áreas. Comparando a metró-
Recuperando a tese de que a alta homo-
pole mineira e a gaúcha, vemos que a primeira
geneidade de bairros mais tipicamente operá-
continha maior percentual de áreas operárias e
rios tem algum nexo com a coesão e o poder
de ocupados nessas áreas, porém essas eram
de classe, podemos pensar que Porto Alegre e
bem mais heterogêneas do que aquelas do
São Paulo guardam condições socioterritoriais
mesmo tipo, localizadas em Porto Alegre. Em
mais propícias à reprodução e ao exercício
Belo Horizonte, apenas 28% dos trabalhado-
desse poder por parte dos trabalhadores da
res residentes nas áreas operárias eram ope-
indústria, se comparadas com as de Belo Hori-
rários, enquanto em Porto Alegre, esse per-
zonte e Rio de Janeiro. Porém, essa conjugação
centual alcançou 39% (Quadro 5). Portanto,
entre território e poder está condicionada às
a região mineira abrigava relativamente mais
condições de trabalho e mais precisamente ao
áreas operárias, porém tais áreas eram menos
grau de estabilidade do trabalho. Em todas as
Quadro 5 – Perfil sócio-ocupacional médio das áreas de tipo “operário”
1991 e 2000
Perfil médio das áreas operárias – 1991 e 2000
Categorias socioocupacionais
São Paulo
Perfil 1991
Rio de Janeiro
Perfil 2000
Perfil 1991
Perfil 2000
Belo Horizonte
Perfil 1991
Perfil 2000
Porto Alegre
Perfil 1991
Perfil 2000
Dirigentes
0,8
0,4
0,5
0,4
0,5
0,5
1,0
Profissionais de nível superior
1,8
2,8
2,2
3,5
1,6
3,1
1,9
3,0
Pequenos empregadores
1,7
1,1
1,6
1,4
1,7
1,7
2,9
2,4
25,8
21,8
24,9
25,9
23,4
23,7
24,6
22,8
Categorias médias
0,8
Trabalhadores do terciário
16,3
21,0
19,6
24,1
18,3
21,2
14,5
17,3
Trabalhadores do secundário
37,7
34,4
29,2
24,6
32,9
28,8
42,0
39,3
Trabalhadores do terciário não especializado
15,1
18,3
21,4
19,8
20,4
19,5
11,9
13,4
0,8
0,3
0,6
0,3
1,3
1,6
1,2
1,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Nº de áreas operárias
283
242
152
70
54
59
73
74
% da pop. ocupada nas áreas operárias
29,1
28,3
46,6
16,5
44,8
49,2
42,5
44,5
Agricultores
Total
Fonte: Censo Demográfico de 1991 e 2000. IBGE.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
79
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
metrópoles estudadas, verificou-se, nos anos
tipicamente populares, ou seja, com maior
90, um significativo aumento no percentual
peso dos trabalhadores manuais dos serviços e
de trabalhadores autônomos sem Previdência,
comércio. Nesse universo, a metrópole do Rio
indicando uma forte precarização das relações
de Janeiro destacava-se das demais metrópo-
de trabalho e, consequentemente, crescente
les com um percentual de áreas populares bem
instabilidade da renda. Soma-se a esse quadro
mais elevado: 43% das áreas, em 2000, en-
o significativo aumento da taxa de desempre-
quanto nas outras três regiões esse percentual
go no período.10 Sem reduzir a importância que
ficou entre 13% e 17%. O que ocorreu na me-
os bairros mais tipicamente operários podem
trópole fluminense foi uma alteração no perfil
ter para a manutenção ou reconstrução dos
social de muitas áreas operárias, com a queda
interesses coletivos por parte dos trabalhado-
relativa dos operários da indústria e o aumento
res, sabemos, através de uma já vasta litera-
dos prestadores de serviço e dos comerciários,
tura, que a crescente precarização do trabalho
tornando essas áreas tipicamente populares:
enfraquece as possibilidades da ação coletiva
em 1991, o Rio de Janeiro abrigava 152 áreas
baseada numa identidade de classe. O bairro
operárias e 116 áreas populares; em 2000,
operário, nesse contexto, guardaria ainda sua
eram 70 do primeiro tipo e 191 do segundo.
função de facilitar a ajuda mútua para a repro-
São Paulo sofreu o mesmo processo, mas em
dução dos trabalhadores e suas famílias.
menores proporções. Porém, em ambas as me-
Por fim, examinemos os espaços popu-
trópoles não foram apenas os trabalhadores
lares11 e, em especial, o quanto esses espa-
do comércio e serviços que aumentaram relati-
ços se tornaram, ao longo dos anos 90, mais
vamente sua presença nos espaços populares,
Quadro 6 – Perfil sócio-ocupacional médio das áreas de tipo “popular”
1991 e 2000
Perfil médio das áreas populares – 1991 e 2000
Categorias socioocupacionais
São Paulo
Perfil 1991
Rio de Janeiro
Perfil 2000
Perfil 1991
Perfil 2000
Belo Horizonte
Perfil 1991
Perfil 2000
Porto Alegre
Perfil 1991
Perfil 2000
Dirigentes
0,8
0,4
0,5
0,3
0,5
0,5
0,7
Profissionais de nível superior
1,5
2,7
1,4
2,2
1,8
2,1
2,7
2,4
Pequenos empregadores
1,4
1,0
1,3
1,0
1,6
1,1
2,3
1,3
Categorias médias
22,2
19,9
16,6
18,0
13,9
16,0
26,5
19,4
Trabalhadores do terciário
17,6
21,9
18,6
23,3
13,0
19,5
18,5
20,8
Trabalhadores do secundário
34,2
29,1
31,9
28,2
30,7
30,7
28,1
29,6
Trabalhadores do terciário não especializado
20,7
24,4
26,8
25,8
30,2
28,4
20,1
24,0
1,7
0,7
2,9
1,1
8,2
1,7
1,2
2,2
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Nº de áreas populares
125
136
116
191
15
% da pop. ocupada nas áreas populares
12,8
17,9
Agricultores
Total
4,6
37,0
9,8
0,4
16
43
25
16,8
28,6
15,5
Fonte: Censo Demográfico de 1991 e 2000. IBGE.
80
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
mas também os profissionais de nível superior
vimos anteriormente que ocorreu uma diminui-
e, no caso do Rio de Janeiro, ainda as cate-
ção significativa no número de áreas populares
gorias médias. Em Belo Horizonte, apenas as
na metrópole gaúcha (de 43 para 25 áreas) em
categorias médias acompanharam o aumento
função do aumento na participação das cate-
relativo dos trabalhadores do terciário, embora
gorias médias e superiores, elevando o perfil
com menos intensidade.
desses espaços. Nesse sentido, não podemos
Em síntese, nas três metrópoles do su-
afirmar que as áreas caracterizadas como po-
deste, a redução dos empregos industriais al-
pulares em 1991 apresentaram tendência à
terou a composição social das áreas populares,
proletarização, pois estamos analisando, em
transformando parte dos operários em traba-
2000, apenas 25 das 43 áreas. Poderíamos in-
lhadores do terciário, principalmente do terciá-
ferir que houve diversificação social nos espa-
rio especializado, entre estes, os cozinheiros,
ços populares de Porto Alegre se levarmos em
os garçons, as manicures, etc. Em 1991, os
conta que em torno de um terço das áreas se
trabalhadores do terciário não especializado
tornaram tipicamente médias.
(domésticas, porteiros, vigias, ambulantes),
juntamente com os operários da construção
civil, marcavam socialmente os espaços populares. Essas categorias juntas equivaliam, em
Conclusão
Belo Horizonte, a 46% dos ocupados, no Rio
de Janeiro, a 40% e, em São Paulo, a 32%. Em
Como conclusão, quatro evidências merecem
2000, esses percentuais sofreram queda, em-
ser apontadas e aprofundadas em estudos
bora permanecessem acima dos percentuais
futuros. A primeira refere-se às estratégias de
das demais ocupações manuais. Essas alte-
localização residencial das classes superiores,
rações no interior do universo popular não
partindo-se do pressuposto de que pelo menos
impediram que categorias superiores e mé-
determinadas frações dessas classes usam o
dias ganhassem posição e contribuíssem para
território como mecanismo de reprodução do
uma relativa diversificação social dos espaços
seu poder material e simbólico. Duas tendên-
populares.
cias aparentemente antagônicas foram verifi-
Os espaços populares da metrópole de
cadas: as áreas superiores ficaram mais “exclu-
Porto Alegre apresentaram tendências distin-
sivas”, através do aumento na participação dos
tas das encontradas nas demais metrópoles,
profissionais nessas áreas e, ao mesmo tempo,
ou seja, os trabalhadores do terciário não es-
essa mesma categoria ficou menos concentra-
pecializado juntamente com os operários da
da nessas áreas, aumentando sua presença
construção ganharam posição relativa nesses
nos espaços médios e populares. As duas ten-
espaços, passando de 30% para 37% do to-
dências podem estar expressando a diversida-
tal de ocupados. Os prestadores de serviços
de social interna ao grupo dos profissionais de
especializados também aumentaram relati-
nível superior e, consequentemente, a diversi-
vamente, evidenciando um claro processo de
dade de estratégias de localização acionadas
proletarização das áreas populares. Porém,
por estes. Profissionais de mais alta renda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
81
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
permaneceram ou se deslocaram para as áreas
dessas áreas residenciais, através do aumento
mais valorizadas das metrópoles, alimentando
relativo, seja dos trabalhadores do terciário,12
a crescente valorização desses espaços e, por
seja das categorias superiores e médias. Não
consequência, impondo limites para a entrada
sabemos, nesses casos, em que medida a
de outros segmentos sociais com menor poder
maior diversidade social nos bairros operários
econômico. Outros profissionais, com menor
tende a romper antigas formas de solidarieda-
poder de compra, permaneceram em seus bair-
de de classe, enfraquecendo o poder da classe
ros de origem ou se deslocaram na direção das
operária, e/ou tende a fortalecer novas formas
novas fronteiras de expansão do capital imobi-
de interação interclasses. Trata-se de um cami-
liário nas áreas periféricas.
nho analítico a percorrer.
A segunda evidência diz respeito ao uni-
A quarta e última evidência contraria a
verso diversificado e amplo de trabalhadores
tese do crescente isolamento e homogenei-
a que denominamos categorias médias. Ao
zação das áreas populares periféricas. Vimos
longo dos anos 90, as ocupações de escritório
que essas áreas, em seu conjunto, estão mais
mais tradicionais, como secretárias e recepcio-
diversificadas socialmente em função da des-
nistas, sofreram significativa retração nas qua-
concentração espacial das categorias superio-
tro metrópoles, levando o conjunto das ocupa-
res e médias. É certo que tal desconcentração
ções médias a reduzir sua participação relativa
é acompanhada pela valorização do preço da
na estrutura social. Porém, esse universo de
terra e dos imóveis, com processos cíclicos de
trabalhadores com pelo menos o segundo grau
expulsão dos mais pobres. É certo, também,
completo manteve-se como principal categoria
que a proximidade física não implica, necessa-
ocupacional no que se refere ao contingente
riamente, a interação entre classes, podendo,
de ocupados e, assim como a categoria dos
ao contrário, gerar mecanismos de distancia-
profissionais de nível superior, dispersou-se
mento social, tais como a estigmatização dos
pelo território metropolitano. Mesmo com re-
setores populares.
lativa redução das categorias médias, ocorreu
Ao investigarmos áreas específicas nos
um aumento no número de áreas tipicamente
espaços periféricos, encontraremos, certa-
médias em função dessa dispersão em direção
mente, processos diferenciados daqueles pos-
aos espaços mais periféricos, indicando ten-
síveis de serem percebidos para a média des-
dência a maior diversidade social em partes
ses territórios como um todo. Aqui, tentamos
desses espaços.
apresentar tendências de caráter estrutural e
A terceira evidência trata das mudanças
algumas hipóteses explicativas para os fenô-
observadas nas áreas operárias, especialmente
menos observados. Porém, mais do que res-
aquelas localizadas em Porto Alegre e São Pau-
ponder às questões inicialmente levantadas, o
lo, onde, em 1991, ainda encontrávamos áreas
presente estudo possibilitou a formulação de
mais homogeneamente operárias, ou seja, com
novas perguntas sobre a vida metropolitana,
cerca de 40% dos trabalhadores no setor se-
que somente o diálogo entre pesquisas quan-
cundário. Como esperado, a retração dos em-
titativas e qualitativas possibilitará respostas
pregos industriais no período alterou o perfil
consistentes.
82
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Da hierarquia de classes à organização social do espaço intraurbano
Luciana Corrêa do Lago
Arquiteta Urbanista. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Rosetta Mammarella
Filósofa e Socióloga. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Tal estrutura foi construída pela rede nacional de pesquisadores Observatório das Metrópoles, sediada no IPPUR/UFRJ (www.observatoriodasmetropoles.net). Na sua construção, agrupamos as
ocupações discriminadas nos censos demográficos de 1991 e 2000, em 24 categorias, procurando obedecer aos seguintes princípios de divisão: capital (empregadores) e trabalho (não empregadores), grande (mais de 11 empregados) e pequeno capital, trabalho assalariado e trabalho
autônomo, trabalho manual e não manual e a vidades de controle e de execução. Também
foi levada em consideração a diferenciação entre setores da produção, como o Secundário e o
Terciário, e, finalmente, entre os ocupados no Setor Secundário, foi feita uma dis nção entre os
setores modernos e tradicionais da indústria. Ver: Ribeiro, L. C. Q. e Lago, L. C. (2000).
(2) As ocupações de maior peso entre os profissionais de nível superior são advogados, médicos e
den stas, contadores, engenheiros e analistas de sistema.
(3) Trata-se de um grupo sócio-ocupacional bastante heterogêneo, reunindo secretárias, escriturários, recepcionistas, gerentes, técnicos, auxiliares de enfermagem e policiais, entre as principais
ocupações. As ocupações de maior peso entre os técnicos são os corretores, desenhistas, técnicos em eletrônica e em programação.
(4) A categoria dos trabalhadores do terciário especializado agrupa os trabalhadores do comércio
(vendedores) e os prestadores de serviços especializados cujas ocupações de maior peso são as
de garçons, cozinheiros, vigilantes e trabalhadores nos serviços de embelezamento.
(5) As ocupações de maior peso entre os operários da construção são as de pedreiro, ajudantes de
obra, marceneiros e pintores.
(6) A categoria dos trabalhadores do terciário não especializado agrupa os ambulantes, as empregadas domés cas e os prestadores de serviços não especializados cujas ocupações de maior peso
são as de porteiros, vigias e trabalhadores de limpeza de edi cios e ruas.
(7) A desindustrialização é apenas uma das dimensões da crise econômica iniciada nos anos 80. A
precarização das relações de trabalho e o achatamento salarial são outras dimensões que afetam diretamente as condições urbanas de vida dos trabalhadores.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
83
Luciana Corrêa do Lago e Rosetta Mammarella
(8) Para cada metrópole foi construída uma pologia socioespacial referente ao censo de 2000 e
outra, ao de 1991, através de uma análise fatorial por correspondência baseada no perfil sócioocupacional de cada uma das áreas em que cada região foi subdividida: São Paulo com 812
áreas, Rio de Janeiro com 443, Belo Horizonte com 121 e Porto Alegre com 156. A iden ficação
dos pos está fundada na relação do perfil médio de cada área com o perfil médio da metrópole
como um todo. Nesse sen do, cada po expressa um determinado grau de homogeneidade social e de concentração das categorias sócio-ocupacionais num conjunto de áreas.
(9) Em 1991, esses percentuais eram ainda maiores: 22,5% das áreas e 28% dos ocupados em áreas
de po superior.
(10) Na metrópole de São Paulo, a taxa de desemprego passou de 10,4% em 1992, para 13,2% em
2001; no Rio de Janeiro, de 7,1% para 12,7%; em Belo Horizonte, de 9,6% para 12,7%; em Porto
Alegre, de 7,1% para 8,7% (dados PNAD/IBGE).
(11) Nas quatro metrópoles, as áreas populares estavam localizadas majoritariamente nas periferias.
Em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, um pequeno número correspondia às favelas em
zonas mais centrais. Já no Rio de Janeiro, 16% das áreas populares, em 2000, estavam localizadas em favelas da capital, tanto nas zonas suburbanas quanto centrais.
(12) Parte dos operários da indústria tornara-se prestador de serviço para o setor industrial, porém fora da fábrica. Nesse caso, o trabalhador muda de categoria ocupacional, mas permanece
exercendo a mesma a vidade através de uma relação de trabalho mais precária, ou seja, como
autônomo, sem estabilidade de renda.
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Texto recebido em 4/nov/2009
Texto aprovado em 20/mar/2010
84
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 65-84, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade
residencial na RM do Rio de Janeiro
Socio-territorial organization and residential mobility
in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro
Érica Tavares da Silva
Resumo
Este estudo se propõe a investigar tendências dos
movimentos populacionais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, articulando-as às grandes
transformações na organização social de seu território. A análise utiliza uma classificação por tipo da
evolução socioespacial nas metrópoles que identificou as áreas segundo uma hierarquia ocupacional. Ao considerar a mobilidade residencial a partir
desses tipos, o estudo investiga quais áreas têm
se caracterizado por maior imigração e sob quais
tipos de fluxos: núcleo-periferia; periferia-núcleo;
periferia-periferia; intraestadual; interestadual. Os
resultados mostram consideráveis diferenças na
mobilidade espacial intrametropolitana conforme
os tipos socioespaciais se modificam, aponta a relação entre os movimentos migratórios e os movimentos cotidianos para trabalho, revelando ainda
que a segregação socioespacial está relacionada a
uma segmentação da mobilidade.
Palavras-chave: organização socioespacial; mobilidade; migração.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Abstract
This article aims to investigate trends in population
movements in the Metropolitan Region of Rio
de Janeiro, linking them to major changes in the
social organization of the territory. The analysis
uses a classification by type of socio-spatial
evolution in the metropolises that identified the
areas according to an occupational hierarchy.
Working with residential mobility, the study
investigates which areas have been characterized
by increased immigration, considering the types
of movements (center-periphery, peripherycenter, periphery-periphery, intrastate, interstate).
The results show considerable differences in
intrametropolitan spatial mobility according to
the socio-spatial types. Furthermore, they reveal
the relationship between migratory movements
and daily commuting, and also disclose that sociospatial segregation is related to the segmentation
of mobility.
Keywords: socio-spatial organization; mobility;
migration
Érica Tavares da Silva
Introdução
exclusão/fragmentação, que ficou evidente
nos estudos sobre a relação centro-periferia
nesta escala.
Este estudo se propõe a investigar as transformações na dinâmica populacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ),
reflexão esta que se insere num conjunto de
estudos sobre as grandes tendências na organização social do território metropolitano
brasileiro. A ideia geral é partir de uma classificação socioespacial já existente e estudada
para algumas áreas metropolitanas, que elaborou uma categorização do espaço interno
das metrópoles, além de uma compreensão
de sua composição, especialmente em termos
de estrutura sócio-ocupacional e das mudanças ocorridas entre 1991 e 2000. A pesquisa
à qual fazemos referência está explicitada no
relatório “Tendências na organização social
do território das metrópoles 1991-2000”,1 que
considerou que
[...] o perfil social de uma área apresenta-se como resultado das desigualdades econômicas e de poder entre as
classes sociais, mas também exerce forte
influência sobre as ações dos indivíduos
ali residentes e dos demais agentes que
atuam na metrópole. (Mammarella e
Lago, 2009)
Na América Latina, esse padrão fragmentado/excludente tem sido pensado em
contraposição ao padrão desigual/integrado – centro-periferia – consolidado
nos estudos urbanos como expressão e
até mesmo como explicação da dinâmica
de organização interna do espaço metropolitano (Caldeira, 1997; Ribeiro e Lago,
1992). A concentração do emprego, da
moradia das classes médias e superiores
e dos equipamentos e serviços urbanos
nas áreas centrais e, consequentemente, as enormes carências que marcam os
espaços periféricos sustentaram, até os
anos 80, a visão dual da metrópole, em
que a periferia evidenciava a distância física e social entre as classes sociais. Essa
distância foi um dos mecanismos utilizados pelas nossas elites para a reprodução
de seu poder econômico e simbólico.
(Mammarella e Lago, 2009)
Análises recentes sobre a organização
socioeconômica do território metropolitano
colocaram algumas evidências para a discussão
desse modelo de organização. Obser vam-se
indicativos de manutenção do modelo centroperiferia, entretanto, são constatadas simultaneamente algumas tendências de diversifica-
Como aproximação para expressar as desi-
ção. Outra constatação é a importância de
gualdades econômicas e diferenciação de clas-
relativizar o centro e a periferia apenas como
ses sociais, temos trabalhado com a ocupação
o município núcleo da região metropolitana
das pessoas para uma hierarquização social
e os demais municípios, pois essa diversifica-
desses grupos que, por sua vez, contribui para
ção aponta para alterações na escala de divi-
a compreensão da organização espacial.
são social do território metropolitano, saindo
A análise do espaço metropolitano este-
da macro para a microescala. Há surgimento
ve considerando a divisão da metrópole entre
de categorias superiores na escala de hierar-
espaços de inclusão/integração e espaços de
quização social em espaços considerados
86
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
populares, assim como aparecem/aumentam
também territórios de favela ou concentração
de pobreza em áreas mais elitizadas. Além
disso, fatores históricos e políticos de cada
região também parecem exercer influência
nessa organização socioespacial. A diversificação do modelo núcleo-periferia vem ocorrendo em função dos efeitos combinados da
segmentação dos mercados de trabalho, de
moradias e da mobilidade urbana, destacando a estrutura de oferta dos transportes
públicos (Observatório, 2009). Esses fatores
têm operado conjuntamente na dinâmica de
organização socioespacial, levando a uma
complexidade crescente desse processo, em
que há uma singularidade de fenômenos, ao
invés de um processo macro e mais massificado como anteriormente.
vulneráveis é um fator de contenção das
possibilidades de ação desses segmentos.
(Mammarella e Lago, 2009)
Sobre a metodologia utilizada, a menor
unidade espacial considerada foram as AEDs –
Áreas de Expansão da Amostra –, unidades
territoriais mínimas formadas através da
reunião de setores censitários para disponibilização de microdados do Censo Demográfico
de 2000; essa composição foi compatibilizada
com a base de 1991. Para o núcleo da RMRJ,
o município do Rio de Janeiro, os pesquisadores utilizaram um recorte espacial intraurbano
que permitiu separar as favelas, portanto, em
alguns casos são as AEDs, em outros são recortes que distinguem as favelas. Para a elaboração de uma hierarquia sócio-ocupacional
e posterior tipologia dos espaços metropoli-
Nesta introdução – apesar de traçarmos
tanos, consideraram-se 24 categorias sócio-
no trabalho um descrição analítica que consi-
ocupacionais chamadas de CATs2 (reunidas em
dera também os municípios – fazemos referên-
8 grandes grupos), que foram cruzadas com as
cia ao estudo do qual partimos, uma vez que
AEDs ou áreas homogêneas no Rio de Janeiro.
nosso principal interesse será a análise da mo-
Através de uma análise fatorial por correspon-
bilidade residencial segundo os grandes tipos
dência da distribuição das categorias sócio-
socioespaciais. Portanto, essa tipologia elabo-
ocupacionais por cada uma das áreas, seguiu-
rada considera as formas de acesso à moradia
se uma classificação hierárquica ascendente,
como fator explicativo das tendências observa-
chegando a diferentes agrupamentos de áreas
das. Ao analisarem as tendências de segmen-
com perfis semelhantes, que resultaram das
tação socioespacial no território metropolita-
distinções entre as estruturas ocupacionais e
no, o objetivo das autoras foi
dos processos de organização social do espaço
[...] refletir sobre os efeitos da segmentação
socioespacial nas relações de classe, partindo dos pressupostos de que: (a) a concentração das classes dominantes no território
é uma estratégia de poder, (b) a concentração dos operários no território pode ser
uma estratégia de poder e (c) a homogeneidade social em territórios com múltiplas
carências e abrigando os segmentos mais
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
em cada metrópole.
A partir dos indicadores selecionados
(perfil sócio-ocupacional; distribuição relativa das categorias; e índice de densidade), os
grupos de áreas foram nomeados segundo
suas principais características sócio-ocupacionais internas e segundo as diferenciações que
apresentam entre si. Como resultado, todas
87
Érica Tavares da Silva
as regiões apresentaram uma hierarquia que
passando a apresentar em 2000 delineamen-
definiu os tipos socioespaciais superiores ,
tos de tipos médio e popular.
médios, operários, populares e agrícolas; esses tipos foram subdivididos de acordo com as
especificidades internas de cada agrupamento
em cada uma das regiões metropolitanas.3 Para este trabalho, consideramos apenas a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Partindo assim deste estudo, consideramos que há diversos processos que impactam
essa organização socioespacial do território
metropolitano apresentada, como a reestruturação produtiva, as transformações no mercado de trabalho e no mercado imobiliário, etc.
Nosso objetivo é realizar uma abordagem que
atente também para os aspectos demográficos, neste caso, os movimentos populacionais,
como contribuição para o entendimento dessas mudanças socioespaciais, assim como para
apreender diferenças entre as próprias áreas
consideradas. É preciso ressaltar que estes aspectos se influenciam mutuamente.
Sendo assim, a partir do estudo relatado, na RMRJ foram identificados os tipos socioespaciais superiores, médios, operários,
populares e agrícolas para 1991; já em 2000,
não chegou a formar-se um grande tipo agrícola, ficando apenas os quatro primeiros. Para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ), as autoras observaram que reduziram,
consideravelmente, os espaços operários, mas
ampliaram-se as áreas populares, em proporções semelhantes. A RMRJ em 1991 era predominantemente de tipos médio e operário,
88
O crescimento relativo tanto de áreas como de população nos tipos populares da
metrópole fluminense revela que os pobres da metrópole não só concentraram
sua moradia no espaço como ocuparam
mais espaços em 2000. Ao mesmo tempo, o território dos tipos médios sofreu
leve ampliação, mas com perda relativa
de população. Como característica central, podemos dizer que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro não só
se popularizou como foi a que mais se
desproletarizou entre o conjunto das
seis regiões consideradas, uma vez que
registrou perda significativa tanto de
áreas como de população no tipo operário. Comparando as duas maiores metrópoles do Brasil, observa-se, portanto,
que tanto a paulista como a fluminense
apresentaram diminuição dos espaços
operários, mas, no Rio de Janeiro, a polarização social ficou mais acentuada.
(Mammarella e Lago, 2009, p. 19)
Pela composição, é possível notar que as
áreas superiores passaram a apresentar maior
participação ainda das profissões com maior
nível na hierarquia social, por sua vez, as áreas
populares também apresentaram maior participação de população ocupada nas categorias
do secundário e do terciário, do terciário não
especializado também. Nosso objetivo é analisar as diferenças de movimentos na metrópole
e para ela entre esses grandes tipos socioespaciais ante a própria dinâmica que ocorre no
nível dos municípios.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
Dinâmica populacional
Sobre a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, podemos observar que ela em muito
se diferencia das outras regiões do estado,
Com a diminuição das taxas de mortalidade e
uma vez que foram se concentrando em tor-
fecundidade devido às transformações sociais,
no da capital – um núcleo econômico ativo e
econômicas e culturais que ocorreram, espe-
forte – vários municípios que cresciam e de-
cialmente a partir do acelerado processo de
pendiam da metrópole, uma vez que estavam
urbanização, muitas mudanças ocorreram no
integrados a ela (Ervatti, 2003). Essa região
ritmo de crescimento populacional de todas
concentra em torno de 80% da população do
as áreas do país, assim como na importância
estado. Apesar disso, no seu conjunto, a RMRJ
das componentes demográficas sobre a dis-
teve uma taxa de crescimento populacional,
tribuição e o crescimento populacional entre
de 1991 para 2000, de 0,71% ao ano, bem
os espaços – a mortalidade, a fecundidade
abaixo da média nacional (1,63%); o Rio de
e a migração. Com a redução especialmente
Janeiro – capital – ficou com um crescimen-
das taxas de fecundidade, observamos uma
to semelhante – 0,74% ao ano, diminuindo
tendência geral de diminuição do ritmo de
ainda no período posterior, de 2000 a 2007
crescimento populacional, que vai apresen-
(Tabela 1). A Baixada Fluminense, que agre-
tando impacto diferenciado sobre os grupos
ga os municípios limítrofes à capital e que se
demográficos de crianças, jovens, adultos e
constituíram historicamente como sua exten-
idosos; assim como segue apresentando com-
são urbana, encontraram de 2000 a 2007 um
portamento diferenciado entre as regiões do
crescimento menor do que o observado na dé-
país, e entre espaços internos nas próprias
cada anterior. Dessa área, somente Duque de
cidades e áreas metropolitanas. Com essa di-
Caxias (1,67%) teve um ritmo de crescimento
minuição geral, os movimentos das pessoas a
próximo à média nacional em 2000. As maio-
partir de uma mobilidade residencial vão se
res taxas de crescimento são encontradas nos
tornando um aspecto importante para deter-
municípios configurados como novas “fron-
minar as mudanças na distribuição espacial da
teiras” de expansão, que são Mangaratiba
população, tanto na escala intrametropolitana
(3,72%) e Maricá (5,71%), mas que também
como inter-regional – a migração passa a ser
vêm diminuindo nesse indicador. Em decrés-
também uma componente essencial na identi-
cimo populacional – exceto o caso de Nova
ficação desses processos. Diante disso, vamos
Iguaçu (-3,74%), que teve seu território des-
analisar essa dinâmica populacional entre os
membrado para fazer surgirem outras cidades,
grandes tipos socioespaciais, mas consideran-
e de Itaguaí (-3,51%) na mesma situação –,
do também indicadores para os municípios
apenas Nilópolis revelou um decréscimo popu-
metropolitanos, primeiramente em termos de
lacional de 0,31% ao ano. No outro lado da
crescimento populacional, afinal essas mudan-
Baía de Guanabara, municípios de expansão
ças de população podem ter reflexo imediato
urbana já consolidada continuam com um rit-
nos ritmos de crescimento da população.
mo de crescimento considerável, apesar de não
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
89
Érica Tavares da Silva
ser tão expressivo como foi na década de 80,
A análise desenvolvida por Ribeiro, Ro-
São Gonçalo cresceu 1,49% ao ano, enquanto
drigues e Correa (2008) identifica os municí-
que em Itaboraí a taxa foi de 1,58% ao ano
pios-renda que concentram elevadas parcelas
(Observatório das Metrópoles/Metrodata).
do bem-estar social e as atividades de alta
Apresentaremos indicadores de mobili-
qualificação, que são Rio de Janeiro e Niterói
dade tanto por municípios como por grandes
(primeiro bloco na tabela). Esses estudos iden-
tipos socioespaciais. Apenas para melhor en-
tificaram também cidades mistas de natureza
tendimento, realizamos uma separação de mu-
operária que apresentam melhores condições
nicípios baseada em outros estudos realizados
de vida populacional, com crescimento popu-
para a RMRJ, que consideraram condições de
lacional negativo ou reduzido: Nilópolis, Du-
geração e apropriação de riqueza, mercado de
que de Caxias, São Gonçalo, Nova Iguaçu e
trabalho e mobilidade populacional (Ruiz e Pe-
São João do Meriti – esses municípios coinci-
reira, 2007; Ribeiro, Rodrigues e Corrêa, 2008;
dem também com pesquisa desenvolvida por
Ribeiro e Silva, 2008; Lago, 2008 e 2009).
Lago (2008) que levanta uma reflexão sobre
A segmentação econômica e territorial
alterações na periferia da RMRJ, inclusive so-
na RMRJ revela uma concentração territorial
bre as condições de uma nova relação centro-
da produção, da renda e do bem-estar indivi-
periferia.
dual e coletivo, que pode ser comparada com
Em seguida, os municípios-renda que
esta caracterização quanto à mobilidade da
apresentaram piores indicadores de bem-estar
população (Ribeiro, Rodrigues e Correa, 2008).
individual e coletivo foram Magé, Paracambi
Segundo Ruiz e Pereira (2007), a segmentação
e Japeri. Já Queimados e Belford Roxo foram
econômica entre municípios geradores e apro-
considerados municípios-produção, mas apre-
priadores da renda pode ser identificada a par-
sentaram dinâmica populacional semelhante
tir dos seguintes tipos de situação: a primeira
a estes anteriores. Temos ainda Seropédica,
reuniria aqueles municípios onde a renda é
Itaboraí, Itaguaí, Guapimirim e Tanguá, onde
maior do que o valor da produção gerada em
moram camadas populares e operárias e pre-
seu território, configurando o caso de muni-
valecem níveis médios de condições pessoais
cípios apropriadores da renda pessoal; a se-
e coletivas de vida; e outros municípios, como
gunda, o contrário, municípios que geram um
Mangaratiba e Maricá, que apresentam uma
valor de produção superior ao que se apropria
dinâmica populacional inclusive mais diferen-
da renda; por último, também temos situações
ciada com outras regiões do estado (algumas
mistas que reúnem aqueles municípios nos
divisões não consideram que esses municípios
quais há uma situação mista na dualidade ge-
fazem parte da região metropolitana) 4 – ape-
ração e apropriação da renda. O estudo tratou
sar de este último grupo apresentar municí-
de identificar a estrutura socioeconômica da
pios-renda e produção, apresenta conjunta-
região metropolitana em termos da sua com-
mente maior crescimento populacional e maio-
posição por cidades-renda, cidades-produção
res taxas líquidas de migração, como também
e cidades-mix.
veremos mais a frente.
90
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
Diante do exposto, podemos apresen-
Mobilidade espacial
tar uma compreensão em nível municipal da
RMRJ entre os municípios-renda, que exercem
menores ritmos de crescimento, e outros com
Quais são os fatores que o desenvolvimento
econômico-social e a urbanização acarretam
sobre os territórios que os tornam espaços de
atração e/ou repulsão de pessoas? (especialmente se considerarmos que os movimentos
populacionais são cada vez mais determinantes do crescimento e distribuição populacional
no espaço). Geralmente, os aspectos relacionados a perspectivas de trabalho, oportunidades de melhores rendimentos e origem em
características diferenciadas especialmente
regiões menos desenvolvidas são apontados
em termos de crescimento populacional mais
como promotores de movimentos populacio-
elevado. Ressaltamos que essa separação se
nais. Entretanto, essa visão parece incomple-
dá apenas para facilitar a compreensão.
ta e fundamentada na perspectiva de uma
maior centralidade na RMRJ; municípios de
natureza mista entre apropriação e geração de
riqueza que apresentam melhores condições
de vida e uma diversificação social na periferia, chegando a exercer relativa centralidade
na própria periferia; e outros municípios-renda e produção, que se dividem entre aqueles
com dinâmica demográfica mais estável, com
Tabela 1 –RMRJ – Taxa de crescimento anual
Município
1991-2000
2000-2007
0,74
0,58
0,56
0,45
1,67
-0,31
-3,74
1,49
0,60
1,19
-0,01
-1,46
1,08
0,46
Belford Roxo*
Japeri*
Magé
Paracambi
Queimados*
–
–
0,79
1,18
–
1,45
1,62
1,74
0,67
0,94
Guapimirim*
Itaborarí
Itaguaí
Mangaratiba
Maricá
Seropédica*
Tanguá*
–
1,58
-3,51
3,72
5,71
–
–
2,36
2,03
2,18
2,33
4,62
1,51
1,20
Rio de Janeiro
Niterói
Duque de Caxias
Nilópolis
Nova Iguaçu
São Gonçalo
São João do Meriti
Fonte: Microdados do Censo de 2000 e Contagem de 2007.
* Os municípios que não apresentam dados foram emancipados de outros municípios metropolitanos
a partir de 1990.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
91
Érica Tavares da Silva
escolha estritamente racional por parte dos
uma importância cada vez maior com as mu-
indivíduos quanto a relações custo/benefício
danças socioespaciais observadas no espaço
sobre a mobilidade. Na atualidade, há um con-
urbano-metropolitano.
junto heterogêneo e complexo de fatores que
impactam os movimentos populacionais ou
mobilidade espacial – para a migração, que
também abarca um movimento familiar, podese apontar, por exemplo, as perspectivas em
relação à cidade, as possibilidades que a cidade apresenta.
Os deslocamentos da população estão
relacionados à produção da existência,
onde a temporalidade social decorrente
das condições econômicas e sociais se reflete nas condições de vida da população
em cada contexto espacial e temporal.
(Jardim e Ervatti, 2006)
Para a dinâmica demográfica, a distribuição espacial da população, os movimentos
A migração geralmente é considerada
migratórios e os deslocamentos pendulares,
como movimentos que implicam mudança de
torna-se relevante relacioná-los com as mu-
residência, mas essa mudança pode ocorrer em
danças econômicas e sociais; afinal, como
distintas distâncias, inclusive por movimentos
mostrado em outros trabalhos (Silva, 2009),
intraurbanos. Geralmente, os estudos conside-
ganham maiores contornos as diferenças nos
ram por migração a mudança de residência em
padrões demográficos segundo áreas internas
nível municipal, os censos consideram três as-
às metrópoles, juntamente com movimentos
pectos da migração: o lugar de nascimento; o
intraurbanos e intermunicipais.
lugar de residência anterior, segundo o tempo
Nesse contexto, os deslocamentos tem-
ininterrupto de residência atual; e o lugar de
porários se tornam mais que uma característi-
residência anterior há exatamente cinco anos
ca da vida metropolitana, passando mesmo a
antes da data de referência da pesquisa (IBGE,
serem indicadores dessa articulação e do seu
2000). Para nossa reflexão aqui, estamos con-
espaço de atividade. O deslocamento tempo-
siderando essa última dimensão.
rário é o movimento que ocorre para fins de
Já o movimento pendular é estudado es-
trabalho ou estudo com retorno ao município
sencialmente sob uma pergunta do censo que
de origem, o que chamamos de mobilidade
diz: “qual município ou país estrangeiro em
ou deslocamento pendular, está geralmente
que trabalha ou estuda?”, sendo assim, o mo-
ligado à expansão de uma determinada região
vimento se refere às pessoas que se deslocam
que exerce uma influência em termos de cen-
com certa regularidade para trabalhar ou estu-
tralidade, em boa parte das vezes, do merca-
dar em algum município que não seja o seu de
do de trabalho. A mobilidade residencial e a
residência – não abrangendo também desloca-
mobilidade cotidiana têm relação direta com a
mentos intramunicipais.
mobilidade pendular; faz parte da distribuição
espacial da população.
Trabalhamos primeiramente com a migração no nível do município, para depois
A migração é uma das componentes de-
considerarmos a participação dos imigrantes
mográficas, juntamente com a mortalidade e
segundo os grandes tipos socioespaciais. Ape-
a fecundidade. A mobilidade espacial assume
sar dos problemas com desmembramentos
92
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
municipais, fica visível a perda populacional
líquida de migração entre os dois períodos),
para o núcleo da região metropolitana, o Rio
os municípios apresentaram uma diminuição
de Janeiro é o município que mais perde po-
dessa taxa. Os municípios de São João de
pulação por migração (apesar de em núme-
Meriti (com taxa bastante reduzida de 0,81),
ros absolutos ainda crescer), mas em termos
São Gonçalo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias
proporcionais, a taxa líquida também mostra
apresentaram taxa positiva, entretanto, com
uma perda expressiva de Niterói, de 1986
valores mais reduzidos proporcionalmente
para 1991 e mais ainda de 1995 para 2000
em relação à sua população de mais de cinco
(Tabela 2). Com exceção de Nilópolis, os de-
anos, se comparados aos demais municípios
mais municípios apresentaram ganho popula-
abaixo, na Tabela 2.
cional através da migração. Entre os demais
O outro bloco de municípios, que são
com saldo positivo, com exceção de Manga-
municípios-renda com indicadores mais in-
ratiba e Maricá (que aumentaram sua taxa
feriores de bem-estar individual e coletivo,
Tabela 2 – RMRJ – Indicadores de Migração (saldo e taxa), 1991 e 2000
1991
2000
Município
Saldo
Taxa
Saldo
Taxa
-215.921
-9.606
-4,28
-2,38
-154.611
-12.619
-2,86
-2,94
10.700
4.173
33.846
30.190
9.349
1,79
2,90
2,91
4,25
2,44
9.605
-3.036
22.004
1..413
3.296
1,38
-2,15
2,65
2,01
0,81
Belford Roxo*
Japeri*
Magé
Paracambi
Queimados*
–
–
9.821
1.515
–
–
–
5,76
4,58
–
19.554
4.269
9.767
598
3.169
5,03
5,76
5,28
1,61
2,90
Guapimirim*
Itaborarí
Itaguaí
Mangaratiba
Maricá
Seropédica*
Tanguá*
–
19.064
7.109
1.611
5.486
–
–
–
13,07
7,05
10,01
13,03
–
–
4.783
19.509
4.144
3.585
13.720
6.624
2.412
13,98
11,53
5,63
15,87
19,51
11,26
10,25
Rio de Janeiro
Niterói
Duque de Caxias
Nilópolis
Nova Iguaçu
São Gonçalo
São João do Meriti
Fonte: Microdados Censos Demográficos de 1991 e 2000.
* Os municípios que não apresentam dados foram emancipados de outros municípios metropolitanos a partir de 1990,
portanto, não constavam como município de residência anterior para 1986.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
93
Érica Tavares da Silva
apresenta também saldo positivo e taxa lí-
pessoas com mais de cinco anos) vai aumen-
quida de migração maior, atraindo propor-
tando conforme diminui a posição das áreas
cionalmente mais população (exceção para
na hierarquia socioespacial; 5 Niterói é que se
Paracambi, com taxa menor nesse grupo). Os
destaca com as áreas superiores, à exceção
demais municípios do último bloco, que são
do núcleo – município do Rio de Janeiro –, por
municípios em expansão e apresentam uma
isso estamos considerando esses municípios-
dinâmica demográfica diferenciada em rela-
renda conjuntamente. 6 Já em 2000, há uma
ção aos outros municípios da periferia, tive-
participação um pouco maior dos imigrantes
ram taxas bastante elevadas, revelando uma
núcleo-periferia nas áreas superiores e médias;
atração bastante considerável.
nas áreas operárias diminui e nas áreas popu-
Portanto, podemos observar que a divisão que realizamos no início do trabalho,
lares permanece semelhante – com maior taxa
de imigração para esse tipo de fluxo.
considerando condições de geração e apro-
Para o movimento realizado da periferia
priação de riqueza dos municípios e condições
para o núcleo, os valores são mais reduzidos,
de bem-estar, tem relação com a mobilidade
mas a posição fica inversa, uma vez que dimi-
populacional, pois os municípios-renda estão
nui a participação dos que saíram da periferia
perdendo população; os municípios-mix es-
para o núcleo, conforme diminui a posição na
tão recebendo população, mas não na mesma
hierarquia, ou seja, entre aqueles que saem da
medida que os demais municípios, que estão
periferia e vão morar no Rio de Janeiro (mo-
atraindo mais pessoas. Cabem, assim, maiores
vimento menos comum) há maior participação
investigações sobre esse movimento, especial-
nas áreas superiores, lembramos que essa taxa
mente quais são suas origens.
é a proporção de imigrantes que fizeram esse
Considerando a migração por origens e
movimento em relação à população de mais
segundo a tipologia socioespacial, calculamos
de cinco anos. De 1991 para 2000, essas taxas
a taxa de imigração (por mil devido ao número
aumentam ligeiramente.
de pessoas) em cada espaço e segundo o ti-
Já entre os que realizaram movimentos
po de fluxo realizado, em 1991 e em 2000. Em
na própria periferia, o comportamento é seme-
1991, a taxa de imigração (coluna referente ao
lhante entre os que saíram do núcleo para a
total na Tabela 3) foi maior nas áreas popula-
periferia (apenas com valores um pouco meno-
res, em 2000 também. Analisamos primeira-
res) – vai aumentando a participação de imi-
mente os movimentos intrametropolitanos.
grantes conforme diminui a posição na hierar-
Quanto ao tipo de fluxo realizado para
quia socioespacial. Portanto, podemos notar
os imigrantes recentes na RMRJ, de 1986 para
que os movimentos que envolvem a periferia,
1991 e de 1995 para 2000, entre os que saíram
os migrantes apresentam maior participação
do núcleo para a periferia – um movimento
em relação à população nas áreas operárias
intrametropolitano recorrente nas últimas dé-
e mais ainda nas áreas populares (que tam-
cadas (cf. Silva e Rodrigues, 2009) – há uma
bém predominam na periferia), em 2000, essa
maior taxa de imigração nas áreas populares.
participação também aumenta, ou seja, há um
Em 1991, a participação de imigrantes (por mil
maior movimento em direção à periferia.
94
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
Considerando agora movimentos para
socioeconômicas desses imigrantes – o que
além da região metropolitana, para aqueles
podemos constatar por sua maior participação
que tiveram como origem do movimento o
nas áreas superiores.
próprio estado do Rio de Janeiro (com exce-
Primeiramente, podemos concluir que as
ção da RMRJ), as participações são maiores,
condições de mobilidade operam distintamen-
tanto nas áreas superiores como nas popula-
te, conforme a origem e o destino do movi-
res – podendo expressar na verdade dois tipos
mento e provavelmente conforme as condições
de movimento em direção à região metropo-
socioeconômicas das pessoas e dos lugares.
litana com origem nos demais municípios do
Primeiro, nos movimentos intrametropolitanos,
estado – aqueles que apresentam condições
destaca-se o destino para a periferia, mas essa
de residir em espaços superiores e aqueles
periferia apresenta-se bastante diversificada,
que vão residir em áreas populares.
onde podemos perceber que há um movimento
Há uma participação considerável entre
mais expressivo para áreas populares na peri-
aqueles que realizaram movimento interesta-
feria – em termos de proporção de imigrantes
dual, ou seja, pessoas que vieram de outras
sobre a população das áreas. Na RMRJ, ainda
UFs e estão residindo na RMRJ, o que aumen-
há uma participação considerável de imigran-
tou em 2000; além disso, a taxa para esse ti-
tes que não vêm da própria região, entre estes,
po de fluxo é bem maior nas áreas superiores.
os valores são mais elevados nos dois extre-
Em outros trabalhos (Silva, 2009), mostramos
mos da hierarquia socioespacial – nas áreas
que a participação de imigrantes nordestinos
superiores e populares. Para os imigrantes que
ainda é elevada nesse movimento, apesar de
vieram de fora do estado, há uma maior con-
terem ocorrido alterações nas características
centração no município do Rio de Janeiro.
Tabela 3 – RMRJ: Taxa de Imigração (por mil) segundo Tipo Socioespacial
1991 e 2000
Tipos
socioespaciais
NúcleoPeriferia
PeriferiaNúcleo
PeriferiaPeriferia
Intraestadual
Interestadual
Total
19,9
8,3
8,1
12,9
25,2
9,6
9,7
10,3
55,8
30,5
45,8
67,2
9,8
3,5
3,1
5,6
45,3
21,7
22,6
30,0
70,8
43,3
53,4
84,0
1991
Superior
Médio
Operário
Popular
3,9
5,0
15,6
22,4
4,3
3,6
1,7
1,2
Superior
Médio
Operário
Popular
6,4
6,3
12,5
22,3
4,9
4,8
2,9
1,4
2,5
4,1
11,7
20,3
2000
4,5
7,0
12,4
24,6
Fonte: Microdados Censos Demográficos de 1991 e 2000.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
95
Érica Tavares da Silva
Sobre o deslocamento temporário, va-
emanciparam nos anos 90 também apresen-
mos considerar o Censo Demográfico de 1980,
tavam expressiva saída de pessoas em 2000,
pois a pergunta sobre “município de trabalho
provavelmente boa parte desse movimento de-
ou estudo” não ocorreu no Censo de 1991; pa-
veria ocorrer em direção ao município do qual
ra o Censo de 1980, não temos a tipologia, tra-
foi desmembrado.
balhamos assim apenas no nível do município,
Trabalhos recentes sobre a região metro-
mas, em 2000, consideraremos a mobilidade
politana do Rio de Janeiro, como os de Lago
segundo os grandes tipos.
(2008; 2009), mostram que alguns municípios
A primeira constatação também comum
estão apresentando uma maior “retenção” de
em outras áreas metropolitanas é a forte imo-
sua população, pois em relação a 1980 há uma
bilidade no município-núcleo, com pouca saída
menor proporção de pessoas que saem para
de pessoas para trabalhar em outro município,
trabalhar em outro município, especialmen-
a maior parte reside e trabalha no Rio de Ja-
te o núcleo metropolitano – isso indica que é
neiro. Niterói apresenta um mix de mobilidade,
importante considerar também a imobilidade
de onde saem muitas pessoas para trabalhar
em alguns municípios que, para alguns auto-
(geralmente para o Rio, cf. Silva, 2009) assim
res, estariam despontando como “novos cen-
como a cidade recebe também muitos traba-
tros” na região metropolitana. Em trabalhos
lhadores, inclusive o percentual de entrada au-
anteriores (Ribeiro e Silva, 2008; Silva, 2009),
menta de 1980 para 2000 (47,1% de pessoas
mostramos que, apesar disso, as condições no
que vinham de outro município apenas para
nível do indivíduo são melhores para aqueles
trabalho em relação à população total que só
que ainda saem da periferia para trabalhar no
trabalha). Em 1980, municípios da Baixada
núcleo, em relação aos que ficam – o que reve-
Fluminense apresentavam altíssimas taxas de
la a complexidade dessa análise sobre moradia
repulsão, muitas pessoas saíam para trabalhar
e padrões de mobilidade espacial.
em outro município, especialmente no Rio de
A taxa de mobilidade (saída de pessoas)
Janeiro – inclusive durante bastante tempo es-
segundo tipo socioespacial e fluxos também
ses indicadores contribuíram para a reflexão a
revela algumas distinções, no geral, aumen-
respeito das cidades-dormitório. Já em 2000,
ta a saída de pessoas para trabalhar em ou-
essa saída se torna mais suavizada, apesar
tro município conforme diminui a posição na
de ainda expressiva, apresenta algumas alte-
hierarquia socioespacial (Tabela 5). Também
rações com maior percentual de pessoas que
aqui os movimentos que se destinam à pe-
residiam e trabalhavam nesses municípios que
riferia seguem esse padrão geral, até porque
sempre foram considerados periféricos; além
são predominantes. Para aqueles que saem do
disso, eles passam também a atrair popula-
núcleo para trabalhar e/ou estudar na periferia
ção especialmente da própria periferia. Para
(menores proporções), aumenta a taxa de saí-
os demais municípios, Magé, Paracambi e Ita-
da conforme aumenta a posição. Para os movi-
guaí diminuem a proporção de trabalhadores
mentos que ultrapassam a RMRJ, também se
que saem, enquanto Itaboraí, Mangaratiba
podem observar diferenciais nas áreas superio-
e Maricá aumentam. Os municípios que se
res e populares, que apresentam maior saída.
96
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
Tabela 4 – RMRJ – Movimento Pendular para Trabalho – 1980 e 2000
1980
2000
Saída do
município
Entrada no
município
Reside e
trabalha no
município
Rio de Janeiro
Niterói
1,0
29,3
11,5
21,3
99,0
70,2
1,5
27,1
22,0
47,1
98,5
72,4
Duque de Caxias
Nilópolis
Nova Iguaçu
São Gonçalo
São João do Meriti
50,5
65,6
56,8
50,5
67,1
4,7
5,6
1,0
1,6
2,7
50,7
35,2
44,7
49,6
33,5
35,2
52,4
40,5
39,6
50,8
11,4
13,0
6,8
4,4
8,3
65,6
48,8
60,6
60,8
50,1
Belford Roxo*
Japeri*
Magé
Paracambi
Queimados*
–
–
35,5
28,2
–
–
–
1,0
2,8
–
–
–
65,3
73,7
–
52,1
57,3
34,7
21,2
47,4
4,8
3,5
3,5
8,5
8,6
49,3
44,8
66,1
79,6
54,2
Guapimirim*
Itaborarí
Itaguaí
Mangaratiba
Maricá
Seropédica*
Tanguá*
–
33,5
25,0
8,9
17,9
–
–
–
1,4
3,4
6,6
1,6
–
–
–
67,1
75,9
90,5
82,2
–
–
24,0
38,1
22,3
11,1
21,8
28,8
33,4
5,7
5,8
12,9
22,7
5,2
6,3
5,6
76,6
62,8
78,1
89,8
78,2
72,4
67,6
Município
Saída do
município
Entrada no
município
Reside e
trabalha no
município
Fonte: Microdados Censos Demográficos de 1980 e 2000.
* Os municípios emancipados de outros municípios metropolitanos a partir de 1990.
Tabela 5 – RMRJ – Taxa de Mobilidade (por mil) segundo Tipo Socioespacial
2000
Tipos
socioespaciais
Superior
Médio
Operário
Popular
NúcleoPeriferia
PeriferiaNúcleo
PeriferiaPeriferia
Intraestadual
Interestadual
Total
4,3
4,6
2,6
0,7
25,2
26,3
58,4
61,8
4,5
13,1
21,0
29,6
2,8
1,5
1,3
2,6
4,7
2,9
4,7
6,9
41,5
48,4
88,0
101,6
Fonte: Microdados Censo Demográfico de 2000.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
97
Érica Tavares da Silva
Se observarmos a proporção de pessoas
socioeconômicas operam distintamente no ní-
que realizam movimento pendular por AED e
vel do território e no nível do indivíduo, pois
segundo o tipo socioespacial dessa área, tam-
apesar de estarem relacionados, observamos
bém podemos apreender algumas diferenças.
que municípios e áreas com melhores condi-
No Rio de Janeiro, a imobilidade é expressiva,
ções socioeconômicas e de inserção no mer-
pois a maior parte das áreas não chega a ter
cado de trabalho tendem a ter menores taxas
1% de pendulares, entretanto, aquelas que
de saída de pessoas, ao contrário, pessoas com
apresentam uma participação mais conside-
melhores condições socioeconômicas (como
rável de pendulares são áreas médias, operá-
rendimento e escolaridade) parecem ter maior
rias e especialmente superiores. Em algumas
potencial de mover-se – ou de escolher quanto
áreas médias e operárias de outros municí-
a fazê-lo ou não (Silva, 2009).
pios, como Duque de Caxias, Nova Iguaçu,
Buscando relacionar a migração intra-
São Gonçalo, Nilópolis e São João de Meriti
metropolitana, que foi considerada anterior-
(aqueles cinco municípios mix com condições
mente, com o movimento pendular intrametro-
médias de vida que destacamos anteriormen-
politano, cruzamos o município de origem da
te e que Lago também destaca), também há
migração com o município de destino do movi-
uma proporção maior de pendulares. Apesar
mento pendular. A ideia é tentar apreender se
disso, também há um percentual considerável
aqueles que mudaram de residência passaram
de pendulares em alguns espaços populares
a trabalhar em outro município também ou se
na periferia.
permaneceram trabalhando no município do
Isso nos leva a retomar uma hipótese,
qual saíram, passando a ter que se deslocar
que ainda pretendemos explorar mais, de que
com frequência. Na RMRJ, podemos observar
existem lógicas diferenciadas operando sobre
que, já em 1980, entre aqueles que saíram do
a mobilidade espacial, alguns se movimentam
Rio de Janeiro e foram morar em outro muni-
por terem condições de escolha, uma gama
cípio da RMRJ, 64,4% deslocavam-se para
de opções, nas quais a mobilidade pode se
trabalhar no Rio, já em 2000, temos que mais
apresentar como uma alternativa interessante.
de 50% ainda faziam esse movimento. Para os
Talvez um outro grupo se movimente por cons-
demais tipos de fluxos, o percentual de imi-
trangimento, pela busca de oportunidades de
grantes que trabalhavam no município de ori-
emprego ou estudo quando não encontra pró-
gem da migração7 aumenta razoavelmente de
ximo ao local de residência ou quando não tem
1980 para 2000, entretanto, para o movimento
condições de inserção caso haja. Além disso,
núcleo-periferia, apesar da diminuição, essa
temos a hipótese também que as condições
taxa permanece bem mais expressiva.
98
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
Tabela 6 – RMRJ – Taxa de deslocamento para trabalho
no município de origem da migração – 1980 e 2000
Tipo de fluxo
1980
2000
Núcleo-periferia
Periferia-núcleo
Periferia-periferia
64,4
5,6
17,8
51,2
7,4
19,0
Total
19,3
15,1
Fonte: Microdados Censos Demográficos de 1980 e 2000.
Percebe-se então que, apesar de estar
das áreas superiores, médias, operárias e
ocorrendo uma “certa” dispersão residencial,
populares, realizou-se também uma análise em
esse olhar deve ser mais cuidadoso ao anali-
nível municipal, considerando os municípios-
sar inserção ocupacional e postos de trabalho
renda, que exercem maior centralidade na
na RMRJ, essa observação vale para outras
RMRJ (Niterói, Rio de Janeiro); municípios de
regiões metropolitanas também (cf. Silva e
natureza mista entre apropriação e geração de
Rodrigues, 2009). Segundo estudo de Vignoli
riqueza que apresentam melhores condições
(2008), avaliando a distribuição desigual no
de vida e uma diversificação social na periferia,
território metropolitano dos grupos socioe-
chegando a exercer relativa centralidade na
conômicos, é possível descrever padrões de
própria periferia (Nova Iguaçu, Duque de Ca-
mobilidade segundo essa diferenciação social.
xias, Nilópolis, São João de Meriti e São Gon-
Para o autor, há uma segmentação territorial
çalo); e outros municípios-renda e produção,
na localização das pessoas segundo grupos
que se dividem entre aqueles com dinâmica
sócio-ocupacionais, e que, além disso, há uma
demográfica mais estável, com menores ritmos
segmentação na localização dos postos de
de crescimento, e outros com características
trabalho.
diferenciadas, especialmente em termos de
crescimento populacional mais elevado.
Tanto em 1991 como em 2000, as di-
Considerações finais
ferenças entre estes grupos de municípios e
entre as áreas superiores, médias, operárias e
Neste trabalho, procuramos delinear algumas
populares são consideráveis. Para a mobilidade
mudanças ocorridas na organização socioes-
espacial, pode-se notar que a divisão reali-
pacial do território da Região Metropolitana
zada apenas para melhor compreensão dos
do Rio de Janeiro, buscando associá-las com
municípios, considerando condições de gera-
os movimentos populacionais e os desloca-
ção e apropriação de riqueza dos municípios
mentos temporários. Associada a uma análise
e condições de bem-estar, tem relação com a
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
99
Érica Tavares da Silva
mobilidade populacional, pois os municípios-
distintamente conforme a origem e o destino
renda estão perdendo população; os municí-
do movimento e, provavelmente, conforme
pios-mix estão recebendo população, mas não
as condições socioeconômicas das pessoas e
na mesma medida que os demais municípios,
dos lugares. Para os imigrantes que vieram de
que estão atraindo mais pessoas.
fora do estado, há uma maior concentração
Na migração intrametropolitana, os
no município do Rio de Janeiro. Além disso,
movimentos que envolvem a periferia apre-
apesar de estarem ocorrendo movimentos de
sentam maior participação em relação à po-
pessoas e famílias com origem nas áreas cen-
pulação nas áreas operárias e mais ainda nas
trais, muitas dessas pessoas foram residir fora
áreas populares (que também predominam
do núcleo, por exemplo, mas ainda permane-
na periferia), em 2000, essa participação
cem trabalhando nesse espaço.
também aumenta, ou seja, há um maior mo-
De maneira geral, é possível confirmar
vimento em direção à periferia. Quanto ao
que existem relações entre a organização do
movimento com outros municípios do estado,
território baseada em uma categorização so-
as participações são maiores, tanto nas áreas
cioocupacional com a dinâmica populacional
superiores como nas populares, o que nos faz
em espaços internos à área metropolitana.
sugerir a hipótese de mobilidade socialmen-
Para a mobilidade, podemos também sugerir
te diferenciada, apesar do fluxo semelhan-
que há esquemas diferentes operando sobre
te, onde alguns escolhem se mover, outros
os grupos em movimento, que devem conside-
podem ser constrangidos a fazê-lo. Sendo
rar tanto o nível do território quanto as condi-
assim, as condições de mobilidade operam
ções do indivíduo.
Érica Tavares da Silva
Cientista social e Demógrafa, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) Estudo desenvolvido por Mammarella e Lago (2009), como resultado das pesquisas desenvolvidas pelo Observatório das Metrópoles-INCT sobre a organização socioespacial nas metrópoles
brasileiras.
(2) São estes os grupos: 1) Dirigentes: grandes empregadores, dirigentes do setor público, dirigentes do setor privado; 2) Intelectuais: profissionais autônomos de nível superior, profissionais
empregados de nível superior, profissionais estatutários de nível superior, professores de nível
100
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
Organização socioterritorial e mobilidade residencial na RM do Rio de Janeiro
superior; 3) Pequenos empregadores; 4) Ocupações médias: ocupações de escritório, ocupações
de supervisão, ocupações técnicas, ocupações de saúde e educação, ocupações de segurança,
jus ça e correio, ocupações ar s cas e similares; 5) Trabalhadores do Terciário: trabalhadores
do comércio, prestadores de serviços especializados; 6) Trabalhadores do Secundário: trabalhadores manuais da indústria moderna, trabalhadores manuais da indústria tradicional, trabalhadores manuais de serviços auxiliares, trabalhadores manuais da construção civil; 7) Trabalhadores do Terciário Não Especializado: prestadores de serviços não especializados, empregados
domés cos, ambulantes e biscateiros; 8) Agricultores.
(3) Segundo as autoras, “uma caracterização ampla de cada um dos pos socioespaciais acima referidos, levando em conta o perfil sócio-ocupacional predominante em cada agrupamento, significa, basicamente, que: as áreas de pos “superiores” se definem pelas maiores densidades das
categorias dos dirigentes e dos profissionais de nível superior, sendo que, em alguns casos, os
pequenos empregadores e as ocupações médias dividem importância com elas. As áreas de po
“médio” são marcadas por uma forte presença das ocupações médias, muito embora elas não
se encontrem tão concentradas num determinado po como as demais categorias, uma vez que
uma das caracterís cas dos estratos médios é a sua maior dispersão residencial no território. Essa dispersão revela misturas sociais variadas, seja com as categorias de profissionais, seja com as
ocupações terciárias ou secundárias. Já as áreas de pos “operários” definem os espaços onde a
moradia dos trabalhadores do setor secundário da economia têm significado esta s co relevante. Quando a moradia dos operários se mistura socialmente no território, isso ocorre, via de regra, com os setores populares, representados pelos trabalhadores manuais pouco qualificados,
da construção civil e do terciário não especializado. Estes úl mos, por sua vez, se cons tuem
nas categorias definidoras das áreas de po “populares”, enquanto as áreas de pos “agrícolas”,
minoritárias em todas as regiões metropolitanas e localizadas em zonas onde a produção primária ainda é muito significa va, se definem, essencialmente, pelas densidades excessivamente
elevadas de trabalhadores ligados ao mundo agrícola” (cf. Mammarella e Lago, 2009).
(4) O estudo citado de Ribeiro, Rodrigues e Correa (2008) não trabalha com os municípios de Mangara ba e Maricá, pois partem do estudo dos GEUBs (Ruiz e Pereira, 2007).
(5) É preciso ressaltar que as áreas superiores e médias têm menor expressividade na periferia, esses
valores também se jus ficam pela própria composição das áreas na periferia, mas ressaltamos
que aqui estamos considerando em termos de taxa, o que rela viza essa ocorrência. Em 2000,
exceto Rio de Janeiro e Niterói, há apenas uma área de po superior no Centro de Nova Iguaçu;
quanto às áreas médias, aparecem em Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São Gonçalo e Nilópolis
(há apenas uma área média em cada um dos municípios a seguir: São João de Meri , Maricá e
Itaboraí). Todas as demais AEDs da RMRJ foram operárias ou populares em 2000.
(6) Há alguma discussão, que merece ser explorada, sobre estudos que devam considerar Niterói juntamente com o Rio de Janeiro, em termos de núcleo ou centralidade principal na RMRJ.
(7) Proporção de imigrantes intrametropolitanos que realizam movimento pendular para trabalho no
município de origem da migração sobre o total de imigrantes intrametropolitanos.
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101
Érica Tavares da Silva
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Texto recebido em 20/dez/2009
Texto aprovado em 15/mar/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 85-103, jan/jun 2010
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Centro funcional de Campo Grande
no início do século XXI: centralidade
renovada ou periférica?*
The functional center of Campo Grande at the beginning
of the 21st century: renewed or peripheral centrality?
Cristina Lontra Nacif
Gisele Teixeira Antunes
Resumo
O presente artigo pretende refletir sobre alguns
aspectos da reconfiguração socioespacial em processo na zona oeste na metrópole do Rio de Janeiro, área que concentra a maioria das indústrias
do município, com destaque para Campo Grande,
centro funcional reconhecido. Vale ressaltar que
o bairro está sendo impactado pelas obras de
infraestrutura como a do Arco Rodoviário Metropolitano, a expansão do Porto de Itaguaí, simultaneamente com novos lançamentos do mercado
imobiliário e implantação de novas indústrias, que
juntos criam a expectativa de desenvolvimento
socioeconômico na região. Assim, pretendemos
apontar, ainda que preliminarmente, se tais investimentos estariam reafirmando e reconfigurando a
centralidade de Campo Grande e ao mesmo tempo se estamos diante da alteração ou continuidade do clássico modelo centro-periferia.
Abstract
The paper focuses on some aspects of the ongoing
socio-spatial reconfiguration of the western
area of Rio de Janeiro, an area that contains
most of the city’s factories. Campo Grande, for
example, is a recognized functional center. It is
important to highlight that the neighborhood is
being affected by infrastructure constructions,
such as the Metropolitan Beltway, the expansion
of Porto de Itaguaí, along with new releases
of the real estate market and implementation
of new factories, which, together, create an
expectation of socio-economic development in
the area. Therefore, we would like to discuss,
albeit preliminarily, if such investments would
be reconfiguring and reaffirming the centrality of
Campo Grande and, at the same time, if we are
facing a change or the continuity of the classic
center-periphery model.
Palavras-chave: Campo Grande; centralidade;
região metropolitana; zona oeste; centro-periferia.
Keywords: campo grande; centrality;
metropolitan area; west zone; center-periphery.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Introdução
Tal compreensão sobre a área de estudo
e fatores de atração de investimentos (como
indústrias, capital e serviços) e população po-
O presente trabalho pretende analisar a reorga-
derão contribuir para a definição de diretrizes
nização socioespacial que vem se configurando
de desenvolvimento da região respeitando
em alguns bairros da Zona Oeste da cidade do
suas características e evitando erros já diag-
Rio de Janeiro, uma vez que a área concentra
nosticados em outros municípios e regiões
a maioria das indústrias do município e his-
afetadas por grandes projetos urbanos e pro-
toricamente é reconhecida pela centralidade
cessos rápidos e descontrolados de industriali-
exercida sobre alguns municípios da Baixada
zação e renovação imobiliária.
Fluminense como: Nova Iguaçu, Seropédica,
Campo Grande está inserido na periferia
Duque de Caxias e Itaguaí. Vale destacar que
oeste da metrópole do Rio de Janeiro. O termo
esses municípios estão recebendo obras de
metrópole remete a aglomerações urbanas com
infraestrutura como o Arco Rodoviário Metro-
milhões de habitantes e com capacidade de in-
politano (rota de escoamento da produção do
ter-relacionar economicamente muitas cidades,
Complexo Petroquímico do Estado do Rio de
sendo em essência concentrações multifuncio-
Janeiro – Comperj), expansão do Porto de Ita-
nais (Ascher, 1995). As metrópoles concentram
guaí, entre outros, o que torna a região mais
parte das riquezas, do poder econômico, dos
atrativa para os investimentos privados como:
capitais, do processo de acumulação, do PIB,
parques industriais que já estão sendo instala-
das categorias sociais mais abastadas e os em-
dos nos respectivos distritos industriais e para
pregos mais qualificados. Concentram também
as novas estratégias do mercado imobiliário.
as maiores desigualdades sociais, abrigando
Essas transformações têm consolidado a tran-
simultaneamente o “melhor” e o “pior” da so-
sição rural/urbano dessa região e reconfigura-
ciedade contemporânea (Moura, 2001).
do as relações da Região Metropolitana do Rio
A categoria centralidade, por sua vez,
de Janeiro e, assim, redefinindo a organização
conforme já há muito anunciado por estudio-
socioespacial da Zona Oeste carioca.
sos, como Henri Lefebvre (1974) e Manuel Cas-
O tema se torna interessante não somen-
tells (1989), contribui de forma decisiva não só
te para a compreensão das transformações já
para a compreensão da estrutura urbana como
em curso, mas pelo notório crescimento do in-
das relações cidade/sociedade subjacente à
teresse das grandes construtoras pelos bairros
análise. Assim, tal aparato metodológico con-
que integram a Zona Oeste, tradicionalmente
tribui, seja para observar os padrões tradicio-
consumidos apenas pelas classes menos favo-
nais, seja para identificar os novos padrões de
recidas através da adoção do processo de au-
localização de usos e atividades. Tais padrões
toconstrução, loteamentos irregulares e popu-
orientados por diferentes processos socioeco-
lares e programas habitacionais, mas também
nômicos tem produzido centralidades dispersas
pela contribuição nas pesquisas sobre a Zona
como também, em muitos casos, uma espécie
Oeste, em especial no bairro de Campo Gran-
de “deslocamento” dos centros tradicionais.
de, tão pouco explorado até então.
Dentre as diversas centralidades econômicas,
106
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
de lazer e entretenimento, cívicas, entre ou-
capitalista na sua fase concorrencial, e, já na
tras, que se apresentam com diferentes mor-
metade do século XX, apresentava mudanças
fologias, talvez a centralidade produzida pelas
quanto às características da sua formação
atividades comerciais e de serviços seja uma
inicial e ao uso intensivo do solo, verticaliza-
das mais expressivas pelos padrões de sociabi-
ção, presença de atividades voltadas para a
lidade ensejados. O comércio é por excelência
gestão pública e privada, entre outros itens.
uma atividade urbana e, apesar das inúmeras
A descentralização, por sua vez, está associa-
possibilidades das compras por meios eletrô-
da a fatores que, historicamente, inibiram ou
nicos, dificilmente aquele comércio tradicional
expulsaram atividades da área central como
exercido através do contato face a face deixará
aumento do preço da terra, congestionamento,
de existir no futuro. Nas nossas cidades, essa
dificuldade de espaço para expansão, entre ou-
imbricação do comércio com a cidade é uma
tros. Ao mesmo tempo, a descentralização foi
consequência direta dos requisitos de centra-
incentivada pelo crescimento das cidades em
lidade e acessibilidade que definem sua locali-
termos demográficos e espaciais, ampliando as
zação, orientados pela lógica da economia de
distâncias entre as novas áreas residenciais e a
aglomeração. Os locais de exercício do comér-
área central, criando condições para a criação
cio e da prestação de serviços permitem que as
de filiais nos bairros.
pessoas realizem necessidades a eles associa-
No final da década de 1990, a análise
das, colaborem na veiculação de informações
da centralidade urbana no interior das cidades
e inovações e incentivem laços e padrões de
podia, segundo Sposito (1997), ser observada
sociabilidade (Salgueiro, 2009).
a partir de diferentes dinâmicas:
Nos clássicos O direito à cidade e A re-
●
As novas localizações dos equipamentos
volução urbana, Henri Lefebvre defende que o
comerciais e de serviços concentrados e de
direito à cidade é o direito à centralidade ur-
grande porte determinam mudanças de impac-
bana: seria ela que faria convergir as diferen-
to no papel e na estrutura do centro principal
ças e as singularidades, promovendo tanto as
ou tradicional, o que provoca uma redefinição
suturas quanto as rupturas do tecido urbano.
de centro, da periferia e da relação centro-
As centralidades urbanas, para o autor, promo-
periferia.
vem o encontro, a associação e o embate de
●
A rapidez das transformações econômicas
distintos grupos sociais, o que seria próprio da
que se expressam, inclusive, através das for-
vida urbana.
mas flexíveis de produção impõe mudanças na
No plano da estrutura interna das cidades, centralização e descentralização são processos que se manifestam nas formas espaciais
estruturação interna das cidades e na relação
entre as cidades de uma rede.
●
A redefinição da centralidade não é um
da área central e do(s) núcleo(s) secundário(s),
processo novo, mas ganha novas dimensões,
respectivamente.
considerando-se o impacto das transformações
Tradicionalmente, segundo Corrêa
atuais e a sua ocorrência não apenas nas me-
(1999), a formação da área central, ou simples-
trópoles e nas grandes cidades, mas também
mente centro, atendeu à formação da cidade
nas cidades de porte médio.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
107
Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
●
A difusão do uso do automóvel e o aumen-
●
O termo periferização, portanto, não quer
to da importância do lazer e do tempo dedi-
dar conta apenas de um locus, mas de um pro-
cado ao consumo redefinem o cotidiano das
cesso de segregação e diferenciação social no
pessoas e a lógica de localização e do uso dos
espaço que tem causas econômicas, políticas
equipamentos comerciais e de serviços.
e culturais.
Vários autores apontaram as mudanças
●
Não obstante, consolida-se como inerente
na produção do espaço intraurbano, entre eles
ao padrão periférico a representação da peri-
Manuel Castells (1999) para quem as altera-
feria caracterizada enquanto espaço da repro-
ções técnico-informacionais da sociedade em
dução precária da força de trabalho, portanto
rede estaria alterando a morfologia social e
espaço da carência.
portanto espacial das sociedades, criando pos-
●
Apesar de alguns trabalhos chamarem a
sibilidades de alteração do padrão de localiza-
atenção para o fato de a segregação social
ção de atividades urbanas. Mais recentemente,
não poder ser representada na estrutura nú-
não podemos deixar de lembrar as contribui-
cleo-periferia, sendo necessário operar com
ções do estudo de Frúgoli Jr. (2000) sobre as
a concepção de uma estrutura polinucleada,
tradicionais e novas centralidades de São Pau-
consolida-se a imagem de espaços socialmente
lo, e de Mariana Fix (2007) ao analisar, entre
homogêneos.
outros aspectos, as alianças e estratégias dos
●
A dinâmica de crescimento periférico é lida
diferentes agentes e atores na produção do es-
a partir de dois tipos de perspectivas analíti-
paço urbano paulista.
cas: como a projeção, no nível do espaço, do
A discussão que envolve a relação cen-
processo de acumulação e como modelo de
tro-periferia foi recuperada e sistematizada por
representação da hierarquia social vigente na
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (1994), quando
sociedade brasileira.
o autor apresentou elementos analíticos que
●
De maneira geral, a intervenção seletiva do
fundamentavam e definiam o paradigma do
Estado na alocação dos investimentos urbanos
padrão periférico na explicação da dinâmica
é tomada como mecanismo central do padrão
da organização metropolitana:
periférico de crescimento, embora em muitos
●
Em primeiro lugar, o par centro-periferia,
de noção operatória de pesquisa, torna-se um
conceito utilizado para entender o processo de
trabalhos se faça alusão à importância dos
agentes dos mercados fundiário e imobiliário e
suas respectivas práticas.
expansão da estrutura interna das metrópoles.
Diante do exposto, tentaremos iden-
Tal processo se caracteriza pela existência
tificar os fenômenos sócio-ocupacionais em
de um movimento de expulsão/atração – de-
processo no bairro de Campo Grande, área de
pendendo da orientação teórica do trabalho –
certa maneira identificada com os municípios
para a periferia. Consequentemente, admite-se
vizinhos quando observada na perspectiva da
a ideia de mecanismos de seleção ao acesso
espacialidade do fenômeno metropolitano e
ao núcleo.
dotado de atrativos de centralidade.
●
108
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Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
Informações complementares
absorvido cerca de 200.000 novos residentes
na década de 1990.
Campo Grande possui área territorial de
Segundo estudo do Observatório de Me-
46.996 hectares onde residem 896.856 habi-
trópoles (2005) realizado com informações do
tantes, sua densidade bruta de 19,1 habitantes
ano de 2000, Campo Grande é um dos três
por hectare é uma das mais baixas do municí-
pontos de contraste com seu entorno dentro
pio.1 Este bairro da zona oeste, do município
da RMRJ na categoria de análise sócio-ocupa-
do Rio de Janeiro, está localizado a menos de
cional. Este estudo identificou Campo Grande
30 km de alguns municípios fluminenses como:
como áreas de tipo médio (em um universo
Nova Iguaçu, Seropédica e Itaguaí.
amostral entre: Superior; Superior Médio; Mé-
Os dados demográficos indicam que seu
dio; Médio Inferior; Popular; Popular Operário;
crescimento foi acentuado, tendo apresentado
Popular Agrícola e Popular Inferior), inserido
taxa de 22%, na década de 1990, a segunda
em uma região periférica de perfil tipicamente
maior do município, superada somente pela
popular e operário. No centro de Campo Gran-
Barra da Tijuca. É a região que tem o maior
de, 9% dos ocupados eram profissionais supe-
contingente populacional da cidade, tendo
riores e outros 9%, técnicos de nível médio.
Figura 1 – Mapa de localização
Fonte: Fundação Cide.
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Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Campo Grande faz parte do conjunto
radiocêntrico de todas as ligações e a relação
identificado por Duarte (1974), no seu tradicio-
de dependência com o centro metropolitano,
nal estudo sobre os centros funcionais da cida-
principalmente para o acesso ao trabalho e à
de do Rio de Janeiro, envolvendo a descentra-
educação, continuava expressivo.
lização das atividades terciárias na década de
A partir da década de 1960, com a im-
1970. Na época, ele foi considerado um centro
plantação dos distritos industriais em Campo
de relevância e baixa capacidade de atração de
Grande e Santa Cruz, e a instalação de grandes
populações não locais, mas capaz de atender
empresas, como a siderúrgica Cosigua-Gerdau,
às necessidades cotidianas de seus moradores.
a Michelin e a Vale-Sul, entre outras, criaram-
A formação de Campo Grande teve im-
se atratividades significativas.
pulso a partir da segunda metade do século
Cabe registrar que a localização de in-
XIX, com a implantação, em 1878, de uma es-
dústrias nas periferias metropolitanas, que
tação da Estrada de Ferro D. Pedro II. O trans-
visava atrativos fiscais e mão-de-obra mais
porte ferroviário foi, então, a atratividade que
barata, ocorreu junto com o processo de de-
transformou essa região tipicamente rural em
sindustrialização da Metrópole do Rio de Ja-
urbana, ao facilitar o acesso ao centro da cida-
neiro, fenômeno esse recorrente em outras
de. Em 1894, a empresa particular Companhia
metrópoles nacionais, que passaram a se de-
de Carris Urbanos ganhou a concessão para
dicar prioritariamente ao comércio e serviços
explorar a linha de bondes de tração animal,
especializados.
e, a partir de 1915, os bondes de tração animal
Atualmente, a zona oeste do Rio de Ja-
foram substituídos pelos elétricos, permitindo
neiro é a área que apresenta o maior índice
maior mobilidade e integração entre os núcleos
de industrialização da cidade, devido, princi-
semiurbanos já formados. Esse evento, segun-
palmente, às iniciativas governamentais de
do Fróes e Gelabert (2004) acentuou o aden-
isenção de impostos e vantagens geradas pela
samento do núcleo central de Campo Grande
disponibilidade de terras mais baratas, da loca-
e estimulou a formação de uma significativa
lização estratégica e oferta de mão-de-obra. É
atividade comercial.
o caso de novas empresas como a Siderúrgica
Posteriormente, a implantação da estra-
CSA, interessada também na facilidade de es-
da de ferro e a abertura da Avenida Brasil, em
coamento da produção, devido à proximidade
1946, facilitaram o acesso aos bairros da Zona
do Porto de Itaguaí.
Oeste, o que se traduziu em atrativo para a po-
Nos esquemas gráficos a seguir pode-
pulação de baixa renda em busca, entre outros
mos visualizar a localização dos empreendi-
fatores, de terras baratas para fins de estabe-
mentos ligados ao Comperj, o traçado do Arco
lecimento de moradia. Mas, dado o modelo
Rodoviário e a localização de Campo Grande.
110
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
Figura 2 – Intervenções e empreendimentos
Fonte: http://www2.petrobras.com.br/Petrobras/portugues/comperj.asp
Figura 3 – Distâncias entre Campo Grande,
o Porto de Itaguaí e distritos industriais
Fonte: Google.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
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Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Em Campo Grande, a centralidade tam-
em basicamente dois polos comerciais: o
bém tem sido reforçada pela presença de
calçadão às margens da linha férrea e nas
grande número de agências de um expressivo
proximidades do West Shopping (Estrada do
número de bancos, que se fazem presentes
Mendanha).
Tabela 1 – Agências bancárias em Campo Grande, 2009
Bancos
Itaú
Código Agência / Endereço
0283
4077
4878
5577
6124
7759
7953
-
Rua Viúva Dantas
Estrada do Mendanha
Av. Cesário de Melo
Estrada Rio do A
Rua Augusto Vasconcelos
Rua Barcelos Domingos
Estrada do Mendanha
Bradesco
3248-4
0552-5
2751-0
0582-7
3431-2
0868-0
2974-2
-
Av. Cesário de Melo
Rua Augusto Vasconcelos
Estrada do Mendanha
Av. Nelson Cardoso
Rua Coronel Agostinho
Rua Barcelos Domingos
Av. Cesário de Melo
Caixa Econômica Federal
3358-8
0208-9
2955-6
4087-8
-
Av. Cesário de Melo
Av. Cesário de Melo
Rua Viúva Dantas
Rua Campo Grande
Real
Banco do Brasil
0350 - Av. Cesário de Melo
1384 - Estrada do Mendanha
1652 - Av. Cesário de Melo
02020 - Rua Augusto Vasconcelos
02860 - Rua Coronel Agostinho
72370 - Av. Cesário de Melo
Santander
1526 - Estrada do Mendanha
1534 - Rua Aurélio Figueiredo
HSBC
0309 - Rua Agostinho Coelho
Fonte: sites bancos, acesso em 31/10/2009.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
conforme podemos observar nas tabelas
Soma-se ao que foi dito o fato de que,
abaixo.
segundo pesquisa realizada em 2008, para
fins de identificação de estoque de imó-
De acordo com o estoque do IPTU de
veis residenciais e não residenciais, Campo
2008 a tipologia loja representa 32% do total
Grande era o oitavo no ranking de bairros
de unidades não residenciais da cidade, en-
com salas comerciais e o terceiro em lojas,
quanto a tipologia sala detém quase 40%.
Tabela 2 – Total de unidades não residenciais
Tipologias não residenciais
Número de unidades
Total de unidades
% de unidades
210.125
100,00
Tipologia lojas
67.377
32,07
Tipologia sala
83.949
39,95
Outras tipologias
58.799
27,98
Fonte: IBAM. Serviços de Apoio à Elaboração de Estudo de Viabilidade Econômico-Financeira do Plano Geral de Revitalização
da Região Central do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
Tabela 3 – Unidades de salas comerciais por bairro em 2008
(bairros que totalizam 80% do total)
Bairro
Total de unidades
% do total de unidades
% acumulado
36.691
43,71
43,71
Barra da Tijuca
7.470
8,90
52,60
Copacabana
5.800
6,91
59,51
Tijuca
3.455
4,12
63,63
Ipanema
2.274
2,71
66,34
Méier
2.008
2,39
68,73
Botafogo
1.728
2,06
70,79
Campo Grande
1.506
1,79
72,58
Madureira
1.350
1,61
74,19
Recreio dos Bandeirantes
1.178
1,40
75,59
Taquara
1.078
1,28
76,88
Leblon
1.063
1,27
78,14
Flamengo
989
1,18
79,32
Bonsucesso
943
1,12
80,45
Centro
Fonte: IBAM. Serviços de Apoio à Elaboração de Estudo de Viabilidade Econômico-Financeira do Plano Geral de Revitalização
da Região Central do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
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Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Tabela 4 – Unidades de lojas por bairro em 2008
(bairros que totalizam 50% do conjunto)
Bairro
Total de unidades
% do total de unidades
% acumulado
Centro
4.837
7,18
7,18
Copacabana
3.591
5,33
12,51
Campo Grande
2.998
4,45
16,96
Tijuca
2.716
4,03
20,99
Madureira
2.365
3,51
24,50
Barra da Tijuca
2.030
3,01
27,51
Ipanema
1.729
2,57
30,08
Botafogo
1.572
2,33
32,41
Bangu
1.451
2,15
34,57
Penha Circular
1.352
2,01
36,57
Méier
1.301
1,93
38,50
Taquara
1.168
1,73
40,24
Penha
1.158
1,72
41,95
Realengo
1.080
1,60
43,56
São Cristóvão
967
1,44
44,99
Bonsucesso
943
1,40
46,39
Olaria
933
1,38
47,78
Vila Isabel
907
1,35
49,12
Leblon
889
1,32
50,44
Fonte: IBAM. Serviços de Apoio à Elaboração de Estudo de Viabilidade Econômico-Financeira do Plano Geral de Revitalização
da Região Central do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
114
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
A Figura 4 ilustra a vitalidade de Campo
Grande, em um sábado típico de compras.
Center,2 que podem ser visualizados nas imagens a seguir.
Outra informação importante no enten-
O West Shopping por sua vez, em funcio-
dimento da dinâmica do bairro diz respeito aos
namento desde 1997, está em expansão e pre-
recentes lançamentos de edifícios comerciais
tende dobrar sua capacidade de lojas, cinemas
como o Plaza Officer da CHL, o West Medical
e estacionamento.
Figura 4 – Calçadão de Campo Grande
Foto: Arquivo pessoal 10-10-09.
Figura 5 – Empreendimento da Delta incorporações
Fonte:http://www.deltaconstrucoes.com.brhttp://www.westmedicalcenter.com.br/category/radical-r2/
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
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Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Figura 6 – Plaza Officer e Atlantis Park
Fonte: http://www.chl.com.br/site/ (Plaza Officer na primeira imagem, com salas comerciais com metragem a partir
de 22m² e lojas todas com opção de vaga de garagem. E Atlantis Park com apartamentos de dois e três quartos.
Figura 7 – West Shopping
Fonte: http://www.westshopping.com.br/ e arquivo pessoal
116
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
Tais investimentos induzem e são induzi-
Campo Grande conta com vários cursos de
dos pelo aumento populacional do bairro nas
graduação em diferentes instituições como o
últimas décadas. No entanto, a procura maior
Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos,3 a
para fins de moradia não tem repetido a de-
Faculdade Bezerra Araújo, 4 Faculdades Inte-
manda tradicional por terrenos para autocons-
gradas Campo-Grandenses,5 UniverCidade, 6
trução ou conjuntos habitacionais. Edifícios
Universidade Estácio de Sá,7 Centro Univer-
multifamiliares ou condomínios residenciais
sitário Estadual da Zona Oeste (UEZO, As-
têm se apresentado como um grande inves-
sociada. à Faetec), 8 além de cursos técnicos
timento por parte das construtoras que até
também voltados às demandas da indústria.9
então não se interessavam pela região, mas
Do conjunto, merece destaque a UEZO, inau-
que agora veem na facilidade do crédito e na
gurada em 2005, com cursos de graduação
oferta de emprego uma ótima oportunidade
em Biotecnologia, Tecnologia e Gestão em
de negócio.
Construção Naval e Offshore, Tecnologia em
Produção de Fármacos, Tecnologia em Produ-
Depois de muitos anos sem nenhum lançamento, de ficar em 5º lugar em 2007
(atrás de Jacarepaguá, Barra da Tijuca,
Recreio dos Bandeirantes e Del Castilho)
e de receber 196 unidades lançadas entre
janeiro e julho deste ano, Campo Grande
“receberá mais de três mil unidades no 2º
semestre de 2008, em empreendimentos
para todas as faixas de renda, com financiamento de até 100%, taxa de juros
abaixo de 12% ao ano mais TR (Taxa Referencial)” e prazo de pagamento de até
30 anos. Segundo dados divulgados pela
Ademi: a previsão é que até 2010 sejam
criadas mais 1.920 unidades. A grande
novidade é a migração de construtoras
que até então escolhiam a Zona Sul ou a
Barra da Tijuca. (Ibam, 2008)
ção de Polímeros, Tecnologia em Produção Siderúrgica e os cursos de Tecnologia e Gestão
para Indústria de Petróleo e Gás da Estácio de
Sá, voltados ao que tudo indica para as novas
demandas do setor de petróleo no estado do
Rio e na região.
No que diz respeito aos equipamentos
voltados para os deslocamentos diários da população, o bairro possui um terminal rodoviário administrado pela Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais – Coderte.
Neste encontram-se as linhas de ônibus que
fazem as ligações entre os bairros da Zona
Oeste, Zona Norte, Centro do Rio, algumas
linhas intermunicipais e uma interestadual
(Rio–São Paulo).
Ao que parece, os fatores de atração da
Fora do terminal, devido ao esgotamento
população, não são mais necessariamente os
de sua capacidade, localizam-se vários outros
baixos preços dos imóveis – algumas áreas do
pontos finais de ônibus que fazem ligações im-
bairro encontram-se bem valorizadas e com
portantes entre Campo Grande e: Seropédica,
empreendimentos voltados para a classe mé-
Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Itaguaí, ou a
dia e média alta –, mas sim a oferta de comér-
Ilha da Madeira onde se localiza o Porto de
cio, serviços, lazer, educação e emprego.
Itaguaí. Muitas indústrias fretam ônibus parti-
Quanto ao reforço da centralidade
atribuída aos estabelecimentos educacionais
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
culares para levar seus empregados aos locais
de trabalho.10
117
Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
Figura 8 – Fluxos de origem e destino à Macrozona 9, em 2004
(parte da Zona Oeste)
Fonte: Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, 2004.
Este esquema gráfico demonstra que os
O bairro conta ainda com trens dos ra-
trajetos iniciados na Macrozona Oeste tem co-
mais Santa Cruz e Japeri, ambos com destino
mo principais destinos a área central da cidade
à Central do Brasil administrados pela Super-
do Rio de Janeiro (incluindo nesta a Central do
via e transporte complementar (alternativo),
Brasil e a Praça Mauá), em segundo lugar está
como vans legalizadas pelo Departamento de
Duque de Caxias, em terceiro pode-se des-
Transportes Rodoviários – Detro, com trajetos
tacar Barra-Recreio, quarto Zona Sul, quinto
nos limites do bairro, outros trajetos entre
Jacarepaguá. As ligações de transporte entre
bairros ligando Campo Grande a Santa Cruz,
a Baixada Oeste e o Extremo-Oeste não pos-
Bangu, Realengo e alguns trajetos intermuni-
suem destaque, talvez pela grande presença
cipais como Campo Grande–Itaguaí e Campo
do transporte alternativo nessas ligações e
Grande–Seropédica.
transportes particulares como o fretamento de
É importante lembrar, no que se refere ao
ônibus e carros de passeio. Contudo, é notória
acesso das populações pobres ao mercado de
a capacidade de geração de emprego e oferta
trabalho, que o grau de imobilidade pode re-
de serviços na Zona Central do Rio.
presentar a estagnação econômica (economia
118
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
de subsistência) ou a capacidade de gerar
institucionalidades. Assim, observamos, ini-
emprego de uma localidade (maior dinamis-
cialmente, que os empreendimentos industriais
mo econômico) segundo Lago (2007b). Nesse
e a infraestrutura logística em implantação na
contexto, a imobilidade dos trabalhadores de
Região Metropolitana produzirão impactos em
Campo Grande estaria associada a um dina-
Campo Grande, e tendem a atrelar a reorga-
mismo econômico dos subcentros periféricos,
nização socioespacial desse centro funcional
através da expansão do capital e do mercado
muito mais com os municípios vizinhos do que
de trabalho para os setores médios. Tal dina-
com outros bairros da periferia do Rio de Janei-
mismo geraria, ainda, uma economia informal
ro, criando possibilidades de alteração da rela-
de serviços de baixa qualificação, diminuindo
ção centro-periferia com os setores centrais do
assim a necessidade ou mesmo a distância do
Rio de Janeiro.
deslocamento diário de boa parte da população da área em estudo.
A importância do centro funcional de
Campo Grande pode ser reafirmada não só pe-
No entanto, ainda de acordo com a ci-
la presença de imóveis voltados para ativida-
tada autora, morar próximo dos centros e
de comercial como pela presença de agências
subcentros é um fator central de inserção no
bancárias. No primeiro caso, conforme apon-
mercado de trabalho (formal e informal), em
tado anteriormente o bairro era, em 2008, o
função dos custos com transporte e do próprio
oitavo no ranking de bairros cariocas com sa-
mercado de trabalho, marcado pela instabili-
las comerciais e o terceiro em lojas. Quanto às
dade do emprego e da renda. A consolidação
agências bancárias, Campo Grande conta com
e qualificação do centro funcional provocam a
30 agências que representam os oito principais
valorização da terra, o que tende a dificultar o
bancos atuantes no país.
acesso da população mais pobre, que procura
Também é inegável a presença do setor
terras mais baratas em periferias cada vez mais
imobiliário com a construção de edifícios ha-
distantes.
bitacionais, comerciais e empresariais diferenciados do padrão tradicional de loteamentos
periféricos e da autoconstrução de moradias,
Centro funcional de Campo
Grande no início do século
XXI: centralidade renovada
ou periférica?
criando possibilidades de atratividade e alteração da paisagem local.
Não podemos deixar de destacar também as iniciativas governamentais, como o
programa habitacional, “Minha Casa Minha
Vida”, em Campo Grande, que visa facilitar o
Para falar das transformações recentes obser-
financiamento e subsidiar parte da habitação
vadas no bairro de Campo Grande, é preciso
para as famílias de baixa renda, mas que não
buscar informações na região Metropolita-
chega a atender à parcela da população de
na com apoio na percepção da espacialidade
renda mais baixa, como as famílias com menos
do fenômeno metropolitano para além das
de cinco salários mínimos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
119
Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
No entanto, a localização dos novos em-
Já o reforço do centro funcional de Cam-
preendimentos, principalmente os comerciais,
po Grande está apoiado, principalmente: nos
poderá reproduzir o modelo centro-periferia
novos e “modernos” empreendimentos imo-
no bairro ao acabar destinando os espaços
biliários que alteram a paisagem construída
11
“requalificados” às pessoas de “qualidade”.
local, nos cursos técnicos alinhados com as
Ilustra o que foi dito o fato de que temos
novas demandas da área industrial, especial-
presenciado, simultaneamente ao reforço da
mente siderurgia, metalurgia, petróleo e gás,
centralidade de Campo Grande, um crescen-
e na implantação de indústrias. Mesmo cien-
te aumento do preço da terra acompanhado
tes de que os “altos funcionários” podem es-
de seletividade ao acesso, principalmente na
tar em “qualquer lugar”, até mesmo nas cen-
área central (mais infraestruturada).
tralidades tradicionais, as facilidades criadas
Assim, nossas observações finais vol-
pelas inovações técnico-informacionais, con-
tam-se para o entendimento de que começam
forme destaca Manuel Castells (1989), essas
a se apresentar na área estudada: 1) vestí-
indústrias geram uma real oferta de emprego
gios de mudanças no padrão de interações e
para os níveis médio-técnicos e tecnológicos,
dependência do centro funcional de Campo
podendo atrair e fixar parcela dos trabalhado-
Grande com as demais centralidades da re-
res na área de estudo e fortalecer o setor de
gião Metropolitana e do município do Rio de
comércio e serviços.
Janeiro; 2) que o reforço da centralidade de
Mas não foram identificados indícios
Campo Grande aponta para uma continuida-
suficientes para caracterizar uma inversão
de do modelo centro-periferia e 3) que Campo
do padrão centro-periferia envolvendo a pre-
Grande, ao que parece, pode ser interpretado
sença de atividades características das áreas
como uma centralidade periférica renovada.
centrais como sedes de empresas e serviços
A primeira observação se refere ao grau
especializados ou equipamentos públicos e
de imobilidade, representado especialmente
privados capazes de inverter os deslocamen-
pelos custos de transportes, que ao mesmo
tos e as interações do centro para a perife-
tempo aumentam a informalidade e criam
ria, delineando assim em Campo Grande um
possibilidades de ampliação do mercado for-
reforço da centralidade que pode ser inter-
mal de trabalho nas regiões periféricas e, au-
pretada ao mesmo tempo como renovada e
mentando, portanto, o dinamismo econômico
periférica.
nos subcentros. Reforça o que foi dito o regis-
Mas estamos cientes de que esse é um
tro do número de agências bancárias em Cam-
tema instigante e que carece ainda de muitas
po Grande, apontado anteriormente.
pesquisas.
120
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
Centro funcional de Campo Grande no início do século XXI
Cristina Lontra Nacif
Arquiteta urbanista. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,Brasil.
[email protected]
Gisele Teixeira Antunes
Arquiteta urbanista. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Notas
(*) Este ar go é fruto do desdobramento de um Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, desenvolvido em parceria pelas autoras, em
2009.
(1) De acordo com os dados do Censo 2000.
(2) O West Medical conta com salas des nadas a consultórios médicos, a par r de R$ 160 mil, com
área de 45m². Além do West Medical, a Radical R2 Engenharia também lança no bairro um empreendimento residencial de três quartos + reversível com alto padrão de acabamento.
(3) Graduação: Administração (Administração de Empresas), Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Ciência da Computação (Informá ca), Comunicação Social (Jornalismo e Publicidade), Direito, Educação Física, Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Geografia, História, Letras (Literaturas
de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Inglesa), Matemá ca, Pedagogia, Sistemas de Informação.
(4) Cursos Graduação: Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição.
(5) Graduação: Matemá ca; Ciências Sociais; Computação; Geografia; História; Letras (Espanhol,
Francês, Inglês, Literaturas de Língua Portuguesa); Pedagogia (Administração Escolar, Orientação Educacional, Pedagogia, Supervisão Escolar); Sistemas de Informação.
(6) Cursos de Graduação: Administração; Direito; Marke ng; cursos superiores de Tecnologia: Gestão
Financeira; Gestão Comercial; Tecnologia em informá ca.
(7) Curso de Graduação: Administração, Ciências Contábeis, Direito, História, Letras Pedagogia e Sistemas de Informação e Cursos Politécnicos: Tecnologia e Gestão para Indústria de Petróleo e
Gás; Tecnologia em Logís ca Empresarial; Recursos Humanos; Redes de Computadores.
(8) Graduação: Biotecnologia, Tecnologia e Gestão em Construção Naval e Offshore, Tecnologia em
Produção de Fármacos, Tecnologia em Produção de Polímeros, Tecnologia em Produção Siderúrgica, Tecnologia em Sistemas da Informação; Formação de professores (Educação Infan l e
Ensino Fundamental) e Normal Superior.
(9) Cursos Técnicos: Informá ca, Indústria, Mecânica, Eletrônica, Eletrotécnica, Segurança do Trabalho, entre outros.
(10) Estes passam em pontos e horários determinados e são exclusivos para funcionários.
(11) Maiores detalhes ver o ar go A luta por Espaço escrito por Jean Pierre Garnier publicado no Le
Monde DiplomaƟque, Brasil de março de 2010.
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Cristina Lontra Nacif e Gisele Teixeira Antunes
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Disponível em: h p://www.sectran.rj.gov.br/terminais/terminais_intermunicipal.asp# - Acesso em 23
de outubro de 2009.
Texto recebido em 9/nov/2009
Texto aprovado em 27/fev/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 105-123, jan/jun 2010
123
O antagonismo entre emprego
e moradia no Distrito Federal
Antagonism between employment
and housing in Brazil’s Federal District
Beatriz Teixeira de Souza
Rômulo José da Costa Ribeiro
Resumo
Este trabalho trata da análise de distribuição de
empregos no Distrito Federal e sua relação com
a localização das moradias. O Distrito Federal,
em função do seu processo de formação e planejamento, apresenta-se como um modelo clássico
de centro-periferia, os empregos concentrados na
região central e a maioria da população habitando
nas áreas periféricas. Essa situação é claramente
ocasionada devido ao fato de a concentração de
empregos públicos, na esfera federal, encontrar-se
na área central (mais de 190.000 empregos), conhecida como Região Administrativa I. Essa região,
por ser tombada como patrimônio não pode receber novas habitações, concentra menos de 10% da
população do DF. O crescimento populacional faz
com que se tenha que habitar em áreas periféricas,
distantes dos empregos.
Abstract
This paper deals with the analysis of job
distribution in Brazil’s Federal District and its
relationship to the location of the houses. The
Federal District, due to its formation and planning
process, is a classic center-periphery model, jobs
being concentrated in the central area and most of
the population inhabiting the peripheral areas. This
situation is clearly caused by the fact that public
jobs in the federal sphere are concentrated in the
central area (more than 190,000 jobs), known as
Administrative Area I. As this is a listed area, it
cannot receive new houses, and concentrates less
than 10% of the population of the Federal District.
Due to the population growth, people must inhabit
the peripheral areas, which are distant from the
jobs.
Palavras-chave: planejamento urbano; moradia;
emprego; dispersão urbana; relação centro-periferia.
Keywords: urban planning; houses; jobs; urban
sprawl; center-periphery relationship.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
Introdução
exemplo concreto, sendo mesmo considerada
A definição do que é a cidade não é uma ta-
do (Ribeiro, 2008).
como a segunda cidade mais dispersa do mun-
refa simples. Palco de inúmeras intervenções,
O Distrito Federal tem se mostrado, se-
por vezes contraditórias, ela requer análises
gundo diversas pesquisas (Ribeiro et al., 2005;
espaciais bem definidas, muito embora sua lei-
Holanda, 2002, entre outros), como um modelo
tura não deva ser feita apenas por este ângulo.
clássico de cidade industrial ou monocêntrica,
Questões sociais e econômicas não devem ser
com forte concentração de empregos na zona
ignoradas do contexto do qual fazem parte,
central e a população, principalmente a de me-
tratando-se mesmo de um emaranhado de fa-
nor renda, localizando-se em área periféricas,
tores concorrentes.
cada vez mais distantes dos empregos. Essa
O mundo, hoje predominantemente ur-
lógica perversa é fruto de seu planejamento,
bano, proporciona um desafio à sua própria
organização e tombamento, que praticamente
existência, impondo necessariamente modelos
“forçam” uma ocupação segregacionista.
de vida diferentes daqueles que foram adota-
O presente estudo busca comprovar tal
dos até os dias atuais. A necessidade premente
realidade, na qual a forte dispersão urbana
de novos valores a serem adotados irá ditar as
afeta a localização de moradias, pondo-as lon-
novas formas de consumo e, consequentemen-
ge das áreas de emprego.
te, de vida para um futuro próximo. A busca
por melhores condições de vida subentende a
busca por uma cidade sustentável, que proporcione qualidade de vida em seu sentido mais
amplo.
A dispersão urbana
e a moradia
A dispersão urbana é a antítese dessa
proposta, apresenta-se como descompasso
O processo de dispersão urbana é complexo
entre essa configuração urbana e o ideal de
e diversificado. Apesar de muito presente nas
uma cidade sustentável, que promova a aces-
cidades contemporâneas de todo o mundo, é
sibilidade ao pleno gozo dos direitos e deveres
nas formações metropolitanas mais recentes
fundamentais de seus cidadãos. A dispersão
que ela se torna mais evidente. Em todos os
(“separação”) urbana implica elevados custos,
casos, no entanto, elas não são idênticas; ao
não só financeiros, mas principalmente sociais.
contrário, cada região ou país apresenta suas
O caso do Distrito Federal (Brasília e
especificidades e problemas distintos, os quais
cidades do entorno) se apresenta como um
contribuem em maior ou menor grau para esse
exemplo desse tipo de estrutura urbana, em-
fenômeno.
bora suas motivações tenham sido, em geral,
A crescente urbanização ao longo da
diversas daquelas cidades comumente concei-
segunda metade do século XX contribuiu para
tuadas como dispersas. Pelas particularidades
mudanças importantes em todos os quadran-
de sua história, Brasília se apresenta como um
tes do mundo, inclusive no que diz respeito aos
126
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
modos de vida atuais, os quais são tipicamente
Reis (2007) acredita que há cinco gran-
urbanos até mesmo para áreas denominadas
des mudanças responsáveis pela dispersão ur-
rurais.
bana ao redor do mundo, quais sejam:
A situação de domicílio da Pesquisa Na-
●
Grandes migrações rural-urbanas em vá-
cional por Amostras de Domicílios (PNAD), de
rios continentes, reforçadas pelo significativo
2007, já oferece avanços nesse sentido ao con-
crescimento demográfico;
siderar a situação rural como a abrangência da
população e domicílios recenseados fora dos limites das sedes municipais e distritais, incluin-
●
Surgimento de regiões com população to-
talmente urbanizada;
●
Intensificação da industrialização e cres-
do os aglomerados rurais de extensão urbana,
cente dispersão das unidades produtivas em
os povoados e os núcleos. Dessa forma:
todo o mundo;
A dicotomia rural-urbano, que considerava o urbano com lócus das atividades
não agrícolas – indústria – e que atribuía ao rural as atividades agrícolas,
vem perdendo a sua importância histórica. O que se observa é uma crescente heterogeneidade de atividades e
opções de emprego e renda não agrícolas, o que tem contribuído para que a
população residente no meio rural tenha maior estabilidade econômica e social. (Campanholha; Silva apud Patarra,
2007, p. 192)
●
Universalização dos mercados ou polos de
produção e de seus padrões técnicos, com suas
centralidades específicas;
●
Universalização de modos de consumo pa-
dronizados, ou seja, o consumo de massa.
Entre os diversos pesquisadores sobre
dispersão urbana, parece ser pacífico o entendimento da “união” entre o urbano e o rural,
a qual é fruto direto das relações de produção
estabelecidas em todo o mundo após a segunda metade do século XX, particularmente
as transformações ocorridas a partir de 1970,
Patarra (2007) quis demonstrar a di-
década considerada como marco para a pas-
ficuldade de apontar definições muito claras
sagem de uma reestruturação produtiva após
entre o que é urbano e o que é rural, uma
o capitalismo fordista, que implicou abertura
vez que o espaço desigualmente distribuído
dos mercados nacionais e um novo parâmetro
é produto de outras forças que não aquelas
de economia globalizada.
definidas por regiões administrativas, as quais
Dentro desse contexto, a abertura eco-
não proporcionam informações suficientes para
nômica brasileira proporcionou a inserção do
o entendimento entre as relações de produção
país no círculo internacional, ao mesmo tempo
entre as cidades de uma mesma região ou as
em que alimentou ainda mais as desigualdades
inter-relações fora dela. A dispersão urbana
sociais já existentes. Segundo Ferreira (2007),
aparece, então, como produto dessas forças,
percebe-se uma assimetria entre essa nova for-
que serão melhor discutidas por meio da base
ma de crescimento da economia mundial e o
teórica fornecida por Bertaud e Malpezzi
surgimento de novos grandes bolsões de po-
(2003), a qual é utilizada para o fim a que se
breza em países em desenvolvimento, como é
destina este trabalho.
o caso do Brasil.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
127
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
Enfim, o impacto da globalização sobre o
autor utiliza a densidade populacional por
meio urbano e a geografia do espaço torna-se
quilômetro e o consumo de terra (espaço urba-
objeto de inúmeras análises e conjunturas. De
no por habitante) por quilômetro. Isso revela
fato, a ideia do “global” se impõe, no mundo
aspectos de ocupação do espaço, mas deixa
atual, em sua forma mais acabada e eficaz. San-
a desejar quanto à compreensão da situação
tos (2008) já discutia os níveis de compreensão
socioeconômica.
dessa nova conjuntura (o mundial, o do território
O autor afirma que as organizações
dos Estados e o local), quando afirma que ela se
espaciais das cidades são moldadas por for-
concretiza por meio da desmaterialização do di-
ças de mercado que interagem, em maior ou
nheiro e do seu uso instantâneo e generalizado.
menor grau, com os instrumentos de gestão
As fronteiras estão abertas e destinam modifi-
manipulados pelo planejamento urbano, quais
cações nos modos de vida nestes três níveis. No
sejam: leis do uso do solo, investimentos em
entanto, é localmente que os fragmentos dessa
infraestrutura primária e impostos. Considera,
rede mundialmente conectada ganham uma di-
portanto, a influência política de governos lo-
mensão única e socialmente concreta.
cais na condução de caminhos e soluções para
De uma forma geral, a percepção de
qualquer cidade.
Santos poderia ser aplicada a qualquer con-
Sendo a cidade fruto de fatores inter-
texto geográfico, sendo possível traçar certos
dependentes, faz preponderar soluções não
panoramas urbanos em cada país ou região.
planejadas do ponto de vista estritamente téc-
Contudo, a análise da dispersão urbana requer
nico, mas principalmente político. Na grande
estudos mais aprofundados, visto que as espe-
maioria dos casos, a cidade é, de fato, produ-
cificidades de cada localidade exigem interpre-
to direto de decisões políticas com pouco ou
tações particularizadas.
nenhum conteúdo técnico. É bem verdade que
Dessa forma, tendo em mente a relação
não há uma fórmula para a “cidade perfeita”,
entre economias e sistemas de redes mundial-
mas é possível, por meio de objetivos prede-
mente conectados, podem-se discutir as várias
finidos, estabelecer soluções e condições coe-
vertentes teóricas de explicação para o fenô-
rentes com a cidade que se quer implementar.
meno da dispersão urbana. Ainda que direta-
Dessa forma, Bertaud e Malpezzi (2003)
mente relacionada às intervenções locais, é
não só acreditam ser a cidade o palco das ma-
também fruto da relação dessas redes em nível
nifestações do mercado, mas também posicio-
mundial. Esse é um fator de suma importância
nam a fragmentação ou consolidação desse
para a compreensão do problema, visto que
segundo o direcionamento adotado para a
não é produto isolado e inerte, mas flexível e
produção de uma dada estrutura urbana. Isto
dinâmico, tratando-se, portanto, de foco para
quer dizer que a configuração da cidade pode
inúmeras discussões no Brasil e no mundo.
contribuir ou não para a performance da atua-
Bertaud (2004) propõe uma forma dife-
ção do mercado, sendo, para isto, necessária a
rente de análise urbana, na qual são estudados
atuação do planejador urbano como intermé-
parâmetros urbanos em função de distâncias
dio para o fim a que se destina o propósito de
1
ao Centro de Comércio e Serviços (CCS ). O
128
uma cidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
Para a análise desses padrões, é de fun-
Isso quer dizer que fatores econômicos
damental importância o conhecimento sobre a
influenciam nos níveis de densidade da popu-
forma da cidade. Independentemente da his-
lação, fazendo com que ela oscile para mais ou
tória da formação de determinada estrutura
menos densa conforme sua suscetibilidade às
urbana, é possível discernir o CCS, região na
forças de mercado atuantes naquela região ou
qual é concentrada a maioria das atividades
país.
que definem a economia que move o desenvolvimento de uma cidade.
Dentre as cidades que compõem a amostra estudada, Brasília aparece como a segun-
Assim, dependendo da localização do
da cidade menos densa da América Latina,
CCS, as cidades podem ser classificadas em
ficando atrás apenas de Curitiba. A Cidade do
2
3
monocêntricas ou policêntricas . De certa for-
México e o Rio de Janeiro apresentam-se como
ma, pode-se dizer que toda cidade surgiu de
as mais densas da América Latina, apesar de
uma estrutura monocêntrica, ao redor de uma
estarem posicionadas em uma média mundial
atividade econômica predominante, e que a
aproximada de 95 pessoas/hectare.
partir daí se dissolveu em estruturas menores,
Por meio de mapas e censos demográfi-
constituindo novos aglomerados edificados
cos é possível traçar um perfil mais ou menos
mais ou menos densos em relação ao centro
fiel da densidade populacional de uma deter-
primariamente constituído. Esses novos aglo-
minada área. A importância desse dado tem
merados, por sua vez, podem constituir-se em
relação com a detecção do tipo, quantidade
novos pontos de referência, formando novas
e forma das viagens diárias percorridas pela
centralidades dispersas. Em alguns casos, é
população da cidade que se ter como objeto
possível perceber, nesse processo, o desloca-
de estudo. Portanto, é importante considerar,
mento do grau de importância do antigo cen-
nessa avaliação, a localização dessa popula-
tro para uma nova área que abrigue novas ati-
ção no período entre meia-noite e seis horas
vidades econômicas e, portanto, novas oportu-
da manhã, período em que se pressupõe con-
nidades de emprego e renda.
siderar as pessoas em casa e não no trabalho
Bertaud e Malpezzi (2003) efetuaram
(Bertaud, 2004). Dessa forma, podem-se de-
uma pesquisa entre 49 cidades ao redor do
terminar os pontos de partida e chegada das
mundo, com o intuito de comparar a densida-
viagens diárias, ou seja, a movimentação das
de populacional de cada uma delas. O resulta-
pessoas no deslocamento de suas casas para
do, demonstrado no Gráfico 1, permite inferir
o trabalho e vice-versa. O estudo de Bertaud
duas questões. A primeira delas é que cidades
(ibid.) contemplou diversas cidades distribuí-
muito densas não têm correlação direta com o
das ao redor do mundo e confirma que as
tamanho e nem tampouco com a renda média
maiores densidades populacionais estão loca-
da população de cada cidade estudada. A se-
lizadas nas áreas próximas ao CCS, onde está
gunda, é que existe uma forte relação da den-
concentrada maior oferta de empregos.
sidade populacional com a posição e o grau de
Na maioria das cidades monocêntricas,
importância econômica de uma determinada
fica claro que as concentrações populacionais
cidade no continente em que se está inserido.
ao redor do CCS são ainda mais intensas do
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
129
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
Gráfico 1 - Comparação média da densidade populacional
em áreas construídas em 49 áreas metropolitanas
Atlanta
Houston
Portland (Oregon)
Chicago
San Franc. Bay
San Francisco
Washington
Los Angeles
Cape Town
Stockholm
Berlin
Tolouse
New York
Ljubijana
Jabotabek (Jak)
Johannesburg
Marseille
Curitiba
Brasília
Bangkok
London
Budapest
Riga
Cracow
Buenos Aires
Warsaw
Prague
Paris
Sofia
Mexico City
Rio de Janeiro
Tunis
Singapore
St. Petersburg
Jakarta Municip.
Ahmedabad
Abidjan
Beijing
Tehran
Yerevan
Barcelona Metro.
Addis Adaba
Moscow
Bangalore
Hyderabad
Tianjin
Seoul+new towns
Shanghai
Seoul
Guangzhou
Hong Kong
Mumbay (Bombay)
Asia
Africa
Europe
Latin America
USA
DENSIDADE (pessoas/hectare)
Fonte: Bertaud e Malpezzi (2003, p. 9)
que naquelas policêntricas, onde a distribuição
Ribeiro (2008) ampliou a amostra de
populacional tende a ser mais igualitária e dis-
Bertaud de 49 para 62 cidades, introduzin-
tribuída nos espaços dispersos na periferia do
do várias capitais brasileiras, e assim mostra,
centro.
no Gráfico 2, a relação entre a dispersão e a
Esse resultado mostra que a maioria das
popula ção urbana de cada cidade. Pode-se
cidades tem tendência a ter uma forma mais
verificar a tendência da maioria das cidades
compacta, e uma pequena parte (apenas 5
analisadas para compacidade. Esse gráfico
cidades, Hong Kong, Capetown, Brasília, Belo
mostra que o grau de compacidade não tem
Horizonte e Bombay) apresenta uma tendência
correlação direta com o tamanho da popu-
à forte dispersão espacial.
lação, uma vez que a distribuição mostra-se
130
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
aleatória, com um coeficiente de correlação de
que apresenta índice de dispersão norma-
Pearson (r) igual a 0,007 e o seu respectivo co-
lizado igual a 1,0, e pode ser considerada a
2
eficiente de determinação (r ) é 0,00005, o que
mais compacta dentre as cidades analisadas,
indica que essas variáveis não se influenciam.
com uma população de aproximadamente
Outros fatores podem estar relacionados à
11.000.000 de pessoas. Por outro lado, tem-
dispersão, tais como fatores culturais, históri-
se a cidade de Bombay, na Índia, com índice
cos, ambientais, etc.
de dispersão normalizado igual a -1,0, e po-
Têm-se cidades com número de ha-
de ser considerada a mais dispersas dentre
bitantes muito próximos, mas com índices
as cidades analisadas, com uma população
de dispersão muito diferentes, como, por
de aproximadamente 10.000.000 de pessoas
exemplo, a cidade de Shanghai, na China,
(Ribeiro, 2008).
Gráfico 2 – Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado
e a População em Área Urbana. Verifica-se que não há um comportamento
homogêneo para os dados, nem a formação de agrupamentos
Fonte: Ribeiro (2008).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
131
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
O Gráfico 3 mostra a relação entre a
essas variáveis não se influenciam. A maioria
dispersão e a área urbana construída. Verifica-
das cidades apresenta alta compacidade, não
se, da mesma forma como ocorre no Gráfico
importando o tamanho de sua área urbana (Ri-
2, não ser possível identificar tendências ou
beiro, 2008).
agrupamentos, apesar de ter apresentado uma
A maioria das cidades brasileiras encon-
correlação positiva, essa é muito baixa para
tra-se numa faixa intermediária da normaliza-
expressar de fato alguma relação entre essas
ção, mas com tendência para maior compaci-
variáveis (r = 0,131). O coeficiente de determi-
dade. Três cidades apresentaram valores iguais
2
nação também se mostra muito pequeno (r =
ou menores que 0,00: Belém (0,00), Belo Hori-
0,017), o que indica, como anteriormente, que
zonte (-0,24) e Distrito Federal (-0,60).
Gráfico 3 – Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado
e a área urbana construída. Verifica-se que não há um comportamento
homogêneo para os dados, nem a formação de agrupamentos
Fonte: Ribeiro (2008).
132
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
As capitais brasileiras
analisadas
das capitais há maior densidade populacional
próxima ao CCS. A cidade de Salvador apresenta a maior densidade populacional (219,36
hab/ha) a 3 km do seu CCS, e para a cidade de
As 13 capitais brasileiras analisadas apresen-
Florianópolis a sua maior densidade popula-
tam comportamento heterogêneo, o que im-
cional (23,33 hab/ha), também a 3 km do seu
possibilita seu agrupamento. Esse fato deve-se
CCS, foi o menor resultado encontrado para as
provavelmente à época de sua fundação, his-
cidades analisadas.
tória de formação, evolução de cada centro,
Apenas Brasília apresenta comporta-
aspectos ambientais e físicos do local de ins-
mento inverso, a população aumenta à medida
talação dessas cidades. Em síntese, esse fato
que a distância do CCS aumenta. Isto se deve
possivelmente deve-se à situação de formação
às políticas públicas perversas, que em nome
específica de cada centro, sendo uns com qua-
da preservação do projeto do Plano Piloto,
se 500 anos, outros com menos de 80 anos.
acabam por fomentar a ocupação de espaços
Na maioria das cidades prevalece a re-
vazios periféricos, o que favorece uma ocupa-
dução da população em função da distância
ção fragmentada do espaço e causa uma rede
ao CCS, comportamento semelhante ao en-
urbana desconexa. Como resultado geram-se
contrado para a maioria dos centros mundiais
forte segregação espacial e exclusão social: as
analisados por Bertaud e Malpezzi (2003). Po-
áreas com famílias de menor poder aquisitivo
de-se observar pelo Gráfico 4 que na maioria
localizam-se distantes do Plano Piloto, pois
Gráfico 4 – Comparação da densidade populacional
em urbanas construídas em relação ao afastamento do CCS,
para as capitais brasileiras analisadas
Distrito Federal – 2000
pessoas/hectare
pessoas/hectare
Belém – PA – 2000
Distância do CBD (km)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
Distância do CBD (km)
133
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
Natal – RN – 2000
pessoas/hectare
pessoas/hectare
Fortaleza – CE – 2000
Recife – PE – 2000
Salvador – BA – 2000
pessoas/hectare
Distância do CBD (km)
pessoas/hectare
Distância do CBD (km)
Distância do CBD (km)
Rio de Janeiro – RJ – 2000
São Paulo – SP – 2000
pessoas/hectare
Distância do CBD (km)
pessoas/hectare
Distância do CBD (km)
Distância do CBD (km)
134
Belo Horizonte – MG – 2000
pessoas/hectare
pessoas/hectare
João Pessoa – PB – 2000
Distância do CBD (km)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
pessoas/hectare
Florianópolis – SC – 2000
pessoas/hectare
Curitiba – PR – 2000
Distância do CBD (km)
Distância do CBD (km)
pessoas/hectare
Porto Alegre – RS – 2000
Distância do CBD (km)
Fonte: Ribeiro (2008).
quanto mais próximo dele, mais elevados são
se mais onerosa, pois há uma distância maior a
os custos de moradia e de consumo em geral.
ser coberta para gerar uma interligação com as
Esse comportamento inverso propicia maior
redes preexistentes.
número de pessoas distantes do CCS, conse-
O aumento do custo de transporte pode
quentemente, longe do mercado principal de
ser verificado pelo Índice de Passageiros por
empregos, interferindo positivamente no ele-
Quilômetro (IPK), que, em linhas gerais, indi-
vado custo de deslocamento cotidiano na cida-
ca a média de passageiros transportados por
de, seja por meio de automóveis, seja de trans-
quilômetro de linha de ônibus. Quanto menor
porte coletivo. Quanto mais distantes do CCS
o IPK, mais caro se torna o transporte, o que
maior é o gasto da população para deslocar-se,
pode indicar distâncias longas a serem percor-
bem como aumenta também o gasto público, a
ridas com baixa quantidade de passageiros. No
implementação de infraestrutura básica torna-
caso do Distrito Federal, cidade com menor IPK
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
135
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
(Gráfico 5), comumente não há troca de passa-
Isso corrobora a afirmação de que quanto
geiros durante o percurso. A maioria entra nos
maior a dispersão urbana, maior será o custo
pontos iniciais e desloca-se até o ponto final,
com transporte, uma vez que se tem o deslo-
a rodoviária do Plano Piloto. Segundo dados
camento por maiores distâncias custeado por
da Pesquisa Domiciliar de Transporte de 2000,
uma quantidade menor de passageiros. Mais
cerca de 44,92% dos empregos do Distrito
uma vez, pode-se verificar que o Distrito Fe-
Federal encontram-se no Plano Piloto, sendo
deral, que se apresenta como a capital mais
que menos de 10% da população do DF habita
dispersa, dentre as analisadas, também apre-
nessa localidade (Codeplan, 2006).
senta o menor IPK, confirmando o resultado da
A correlação entre o índice de dispersão
correlação.
normalizado e o IPK para as 13 capitais ana-
Essa grande dispersão na ocupação do
lisadas apresenta um resultado significativa-
espaço da capital brasileira refletiu e reflete
mente positivo, 0,57. O resultado mostra que
diretamente nas condições de ocupação de sua
os dois índices têm uma relação direta forte:
população. Como o centro da capital, o Plano
quanto maior a dispersão menor a quantida-
Piloto, ainda é visto como melhor local para
de de passageiros por quilômetro percorrido.
moradia, tanto pela qualidade urbana como
IPK
Gráfico 5 – Variação do IPK para as 13 capitais brasileiras.
Para João Pessoa, dado de outubro de 2003; para o Distrito Federal, Natal,
Belo Horizonte e Florianópolis, dado de outubro de 2002; para o Rio de Janeiro,
dado de outubro de 2001; para as demais localidades, dados de outubro de 2000
Distrito Federal Rio de Janeiro Recife
Natal
Belém
São Paulo
Fortaleza
Salvador Florianópolis B.Horizonte Curitiba João Pessoa Porto Alegre
Fonte: http://ntu.org.br/banco/estatisticas, 2006.
136
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
pela proximidade dos empregos, portanto o
entre R$8.000,00 a R$10.000,00, sendo que
custo de moradia nesse local torna-se muito al-
os imóveis estão todos vendidos, mesmo os
to. Assim, a população com menor renda passa
vendidos “na planta”). Essa demanda aca-
a ocupar as cidades periféricas, por muito tem-
ba forçando a ocupação irregular de áreas
po conhecidas como cidades-satélites. Algu-
públicas, o parcelamento de chácaras que são
mas dessas cidades adquiriram grande status,
transformadas em condomínios e a invasão
devido à qualidade urbana, isso força, nova-
de reservas e áreas de proteção ambientais. A
mente, a população que não tem condição de
moradia para a classe média é escassa ou está
custear sua vida nesses locais a procurar áreas
a preços muitas vezes inacessíveis, e essa par-
cada vez mais distantes e com menor qualida-
te da população torna-se o grande alvo dos lo-
de urbana e ambiental. O que revela esta cruel
teamentos e condomínios irregulares, gerando
realidade: a população menos favorecida tem
novas áreas urbanas. Essas novas áreas, por
menos acesso à qualidade urbana e ambiental,
não terem planejamento, acabam por se tornar
como em outras cidades brasileiras, mas aqui
prejudiciais à natureza, devido aos desmata-
de maneira particularmente perversa.
mentos, impermeabilizações de ruas e acessos
Esse é o típico exemplo de uma dinâmica
que se repete em ambientes urbanos mercan-
e pelo uso indiscriminado de recursos hídricos
subterrâneos.
tilizados, onde o preço da terra tem compo-
O Plano Piloto, por ser patrimônio histó-
nentes precisos na sua composição. De fato,
rico da humanidade, acaba por ver “engessa-
Brasília, em princípio, apenas radicaliza esse
da” a possibilidade de crescimento habitacio-
mecanismo, no qual a especulação imobiliária
nal, fazendo com que as cidades a sua volta
em torno do CCS eleva absurdamente os valo-
inchem e ampliem seus limites, incluindo em
res. Como exemplo tem-se o bairro Noroeste,
sua área urbana o que anteriormente era área
ainda nem implantado, que será localizado na
rural. Isso gera consequências socioambien-
Asa Norte do Plano Piloto, no qual o preço no
tais muito sérias, a começar pelo aumento da
metro quadrado já inicia entre R$8.000,00 a
poluição atmosférica pela emissão de gases
R$10.000,00. Em oposição, têm-se imóveis em
poluentes provenientes da grande circulação
cidades mais afastadas, como o Gama, no qual
de veículos. Em função dessa grande quanti-
o metro quadrado não excede R$1.000,00.
dade de empregos concentrada em Brasília e
da grande dispersão das cidades do DF, isto é,
muitos espaços vazios entre as áreas urbanas,
Moradia e emprego
no Distrito Federal
gerando uma rede urbana desconexa, o transporte por veículos torna-se o único meio de
acesso aos empregos, visto que mais de 90%
da população encontra-se longe deles.
No Distrito Federal, a demanda por moradia
Em média, a maioria da população do
torna-se cada vez maior, em função da baixa
DF está a 20 km do polo concentrador de em-
oferta de imóveis e do seu alto custo (em cer-
pregos. O aumento da circulação de veículos,
tos lugares o preço do metro quadrado varia
além de elevar a quantidade de poluentes no
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
137
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
ar, também eleva a temperatura, em função
divisão por grupos representativos de uma de-
da emissão de gases aquecidos pelos veículos.
terminada área, a qual teve a colaboração do
Nas áreas de maior circulação de pessoas e
Departamento Intersindical de Estatística e Es-
veículos e concentradoras de empregos, como
tudo Socioeconômicos (Dieese), que conside-
o Setor Comercial Sul e o Centro de Taguatin-
rou como parte de um mesmo grupo parcelas
ga, verifica-se uma quantidade de metais no
da população com rendas similares. Assim, o
ar muito acima do que permite a legislação
Dieese dividiu a população do DF, segundo Re-
(Bitencourt, 2004; Dâmaso, 2004). Nos mes-
giões Administrativas (RA), em três grupos de
mos lugares, valores de temperatura ficaram
renda:
mais altos se comparados às áreas em seu
●
Grupo 1: Grupo de Regiões Administra-
entorno imediato. Cabe ressaltar que dentre
tivas de renda mais alta, 345.338 habitantes
todas as cidades do DF, Taguatinga é a úni-
(Brasília, Lago Sul e Lago Norte);
ca que, de fato, coloca-se com grande centro
●
Grupo 2: Grupo de Regiões Administrati-
atrator, enquanto as outras podem ser classi-
vas de renda intermediária, 920.785 habitan-
ficadas como cidades-dormitórios. Situação
tes (Gama, Taguatinga, Sobradinho, Planaltina,
reforçada pela transferência do governo local
Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Candan-
para lá, saindo do Plano Piloto, aumentando,
golândia e Riacho Fundo);
assim, o fluxo veicular para Taguatinga.
●
Grupo 3: Grupo de Regiões Administrati-
De fato, atualmente, existe um expres-
vas de renda mais baixa, 830.411 habitantes
sivo número de pessoas morando em núcleos
(Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá,
urbanos na periferia de Brasília, muitos deles
São Sebastião, Santa Maria e Recanto das
criados por uma política de erradicação de
Emas).
favelas, ou “invasões”, que se deu ao longo
de todo o processo de sua formação. A mais
visível consequência desta política se traduz
nas grandes distâncias a serem percorridas,
diariamente, por essa população, a qual possui sua situação agravada pelas altas tarifas do
transporte público, conforme já frisamos anteriormente.
Pode-se notar que o número de RA totaliza 19, que são as que foram criadas até 1997
e abarcam todo o DF. De 1997 até o presente,
foram criadas mais 11 RA, totalizando 30, mas
essas novas, apesar de existirem na lei, não
possuem delimitações, que seriam recortes das
19 preexistentes. Dessa forma, o Dieese, assim
como diversos outros órgãos, ainda usam as
19 RA, por possuírem delimitação. Cabe lem-
Emprego e moradia no DF
brar que o governo do DF está fazendo esforços para definir os novos limites.
O problema aqui reside no fato de que
Diante das bases de pesquisa apresentadas,
a classificação por renda não constitui, neces-
é necessário fazer algumas observações acer-
sariamente, parâmetro para análise da quali-
ca das informações obtidas como fonte para
dade de vida de uma população. Essa variável
este trabalho. A primeira delas diz respeito à
demanda estudos mais profundos para o seu
138
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O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
pleno entendimento e não será possível tratá-
apesar de positivo, indicando que a densida-
la de forma abrangente. Assim, pretende-se
de populacional aumenta com a distância do
avaliar somente parte dessa variável, uma
CCS, esse resultado mostra uma baixa corre-
vez que o custo social gerado pela dispersão
lação entre as variáveis, o que impede maio-
urbana influencia na relação do ser humano
res inferência. O resultado pode ter sido in-
com seu entorno e, consequentemente, com a
fluenciado pelo fenômeno, comum no DF, dos
cidade.
condomínios horizontais fechados, que têm
Portanto, a classificação por grupos
se espalhado pela capital federal e são cons-
feita pelo Dieese não permite concluir sobre
tituídos por população das mais diferentes
a totalidade das condições de sustentabilida-
classes de renda, e que ocupam, na maioria
de da população considerada, mas sim uma
dos casos, áreas ilegais, sendo os terrenos dos
análise parcial das condições de vida de um
mais diferentes tamanhos (variando entre 200
conjunto de pessoas pertencente a um mesmo
e 5.000m2).
grupo, por meio do deslocamento diário dessa
população.
Visto os problemas inerentes aos dados
utilizados, em um primeiro momento talvez
Outra generalização feita no levanta-
fosse possível concluir que o Distrito Federal
mento dos grupos diz respeito à localização
possui uma configuração urbana policêntrica
das cidades consideradas em um mesmo gru-
do ponto de vista de sua organização espacial,
po. Uma vez que a análise da dispersão leva
uma vez que podem ser considerados outros
em consideração o tempo gasto entre o local
pontos de atração populacional. Entretanto,
de moradia e trabalho, o local de partida sofre
faz-se necessário enfatizar a diferença en-
alterações significativas em relação ao centro
tre cidade dispersa e cidade descentralizada,
de serviços e empregos, o Plano Piloto. Gama
as quais possuem conceitos completamente
e Planaltina, por exemplo, são cidades que se
diversos.
encontram fisicamente opostas, mas, contra-
A cidade descentralizada é uma cidade
ditoriamente, pertencem a um mesmo grupo
policêntrica; a cidade dispersa não. A diferen-
(Grupo 2). A correlação entre a distância do
ça entre uma e outra está basicamente no fato
CCS e a renda dos chefes de família (obtida a
de na primeira existirem além do CCS, outros
partir do Censo Demográfico de 2000) apre-
polos de serviços e empregos, com diferentes
sentou como resultado -0,66, que indica que
pesos de atração. Na segunda, existe apenas
quanto maior a distância do CCS menor é a
um CCS com peso suficiente para concentrar
renda do chefe de família. Esse resultado, al-
grande parte das oportunidades de emprego,
tamente significativo, reforça claramente o
o qual atende a maioria da população localiza-
argumento que apresentamos sobre a discre-
da de forma dispersa e irracional.
pância existente entre a localização de empre-
Este é o caso do DF. O grupo 1 possui
gos e a população, quanto mais pobre mais
maior influência para a análise da dispersão,
distante do emprego. Calculou-se também a
uma vez que detém mais de 190 mil ocupados
correlação entre a densidade populacional e
trabalhando na Administração Pública. Isso
a distância ao CCS, o resultado foi 0,16, que,
significa que a Esplanada dos Ministérios,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
139
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
centro do poder administrativo federal e dis-
interpretação desse fato seria o incremento de
trital, recebe um contingente populacional
atividades autônomas e informais na popula-
maior do que os CCS dos grupos 2 e 3, ou
ção do Grupo 1, as quais não foram computa-
seja, as viagens diárias percorridas pela po-
das na avaliação de atividades econômicas da
pulação do DF acontece de sua periferia para
Codeplan. Outro ponto importante que pode
o seu interior.
ter ocasionado esse efeito foi a transferência
Segundo dados da Companhia de Pla-
de parte do governo do DF para Taguatinga
nejamento do Distrito Federal (Codeplan), em
(Grupo 2), mas para verificar isso seria neces-
2008, Brasília (Grupo 1) contava com apenas
sária uma pesquisa mais profunda com os ser-
16% do total da população do DF, sendo que
vidores que estão trabalhando nessa RA, a fim
74% da população economicamente ativa, re-
de identificar seus locais de moradia, e assim,
presentada pelos Grupos 2 e 3, trabalhava no
confirmar nossa conjectura, mas isso não foi o
Grupo 1.
enfoque deste trabalho, que procurou, neste
Em números relativos, é possível inferir,
momento, analisar dados secundários.
ainda, que a população residente no Grupo
Além disso, o envelhecimento da po-
2 possui uma maior dependência do CCS do
pulação residente no Grupo 1 (visto que foi a
Grupo 1 do que o Grupo 3. A parcela de mo-
primeira região ocupada quando da instalação
radores do Grupo 2 que trabalha no Grupo 1 é
da capital) pode estar gerando esse efeito,
maior do que os moradores do Grupo 3, inde-
cerca de 42% dos habitantes têm mais de 35
pendentemente da densidade populacional de
anos, maior percentual entre os grupos. Uma
cada um dos grupos.
vez que ao se aposentarem esses indivíduos
É possível perceber ainda que, entre 1992
deixam de contar como população ocupada,
e 2008, os moradores do Grupo 1 que traba-
mas continuam a habitar na referida região,
lham nesse mesmo grupo diminuiu ao longo
com isso diminuindo a população economica-
desse anos (Gráfico 6). Com os dados dispo-
mente ativa na área, cerca de 10% dos habi-
níveis para esta pesquisa, não seria possível
tantes têm mais de 60 anos, maior percentual
o entendimento dos motivos pelos quais isto
entre os grupos. No entanto, para a verificação
ocorreu, visto que os CCS dos Grupos 2 e 3 não
dessa suposição seria necessário estudo mais
receberam contribuição dessa população em
específico, cuja abordagem não é o foco deste
seus postos de trabalho. Uma suposição para a
trabalho.
140
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
% de pessoas ocupadas que trabalham no Grupo 1
Gráfico 6 - Distribuição das pessoas ocupadas
segundo o local onde trabalha e reside
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 3
Linear (Grupo 1)
Linear (Grupo 2)
Linear (Grupo 3)
Local de residência por ano
Considerações finais
Além da ocupação do espaço, a dispersão urbana implica também a resolução de
Diante dos dados disponibilizados, fica claro o
problemas sociais, os quais deveriam ser ana-
caráter excludente de que se revestiu a política
lisados de forma conjunta com a ocupação
habitacional no Distrito Federal durante toda
desse espaço. O Estado deveria agir na busca
a sua formação. Ainda que parcial, a análise
de sociedades mais justas e igualitárias, ten-
ora apresentada permite concluir que Brasília
do isso como foco de atuação em sua gestão
imprime em sua população altos custos sociais
pública.
e econômicos, visto que a cidade dispersa se-
Para o caso de Brasília, acreditava-
grega e exclui. Não seria possível pensar em
se que a distância física seria suficiente para
sustentabilidade sem integração e socializa-
afastar a pobreza e os problemas sociais exis-
ção, uma vez que esse conceito vai além da
tentes no núcleo da capital federal, o Plano Pi-
questão ambiental, trazendo consigo valores e
loto. Nos últimos anos, no entanto, a pobreza
hábitos condizentes com a busca da qualidade
e a violência no DF têm se agravado, muito em
de vida.
função da própria segregação espacial a que a
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
141
Beatriz Teixeira de Souza e Rômulo José da Costa Ribeiro
população do entorno está sujeita. Conforme
forma a avaliar as possibilidades de ocupação
Bertaud e Malpezzi (2003), o poder do plane-
mais condizentes com uma cidade sustentável
jador urbano está essencialmente no fato de
que permita a interação entre as pessoas. O
buscar aquilo que a cidade se propõe ser. As-
estudo aproximado das áreas com potencial
sim, ele está também sujeito às prioridades de
integrador permitiria direcionar as ações pú-
atuação do Estado.
blicas para a sustentabilidade no seu sentido
Portanto, pensar Brasília em uma cidade
mais amplo, se assim for a vontade do Esta-
sustentável suscita inúmeros questionamentos
do. Portanto, o planejamento ou o planeja-
quanto à possibilidade de isso efetivamente
dor tem que pensar na ordem social urbana e
ocorrer. Poder-se-ia pensar, no entanto, em co-
ambiental em conjunto se quiser atingir essa
mo torná-la menos segregada e excludente do
sustentabilidade.
ponto de vista espacial, ainda que observados
Além disso, deve-se avaliar a relação das
os limites de seu tombamento pela Organiza-
cidades do entorno do DF, pois essas têm alta
ção das Nações Unidas para a Educação, Ciên-
dependência socioeconômica da Capital Fe-
cia e Cultura (Unesco).
deral, aumentando mais ainda a segregação
A pergunta que se faz é se as áreas de
(devido a distâncias cada vez maiores a se-
expansão urbana hoje presentes no DF contri-
rem percorridas para chegar aos empregos) e
buem ou não para o aumento dessa segrega-
onerando os serviços públicos como hospitais
ção. O estudo relativo a esse problema deveria
e escolas, cabendo ao DF arcar com os custos
contemplar análises de legislações vigentes, de
desse ônus.
Beatriz Teixeira de Souza
Arquiteta e urbanista. Empresa JC Gontijo S/A. Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
Rômulo José da Costa Ribeiro
Geólogo. Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Possui o mesmo significado do CBD – Central Business District.
(2) Possuem apenas um centro atrator, concentrador de comércio e serviços, e consequentemente
de empregos.
(3) Possuem mais de um centro atrator, concentrador de comércio e serviços, e consequentemente
de empregos, aumentando a dispersão da população em função dessa atra vidade.
142
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
O antagonismo entre emprego e moradia no Distrito Federal
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Texto recebido em 3/nov/2009
Texto aprovado em 7/dez/2009
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 125-143, jan/jun 2010
143
Segregação residencial e reprodução
das desigualdades socioespaciais
no aglomerado urbano de Brasília*
Residential segregation and reproduction of social
and spatial inequalities in the Brasília urban conglomerate
George Alex da Guia
Lúcia Cony Faria Cidade
Resumo
Com a proximidade das comemorações dos 50 anos
de transferência da capital federal para o Planalto
Central, o Aglomerado Urbano de Brasília vem ganhando importância no cenário econômico nacional, convivendo com um impasse entre crescimento
demográfico, políticas territoriais desarticuladas
e uma forte influência do Estado na estruturação
socioespacial. O objetivo deste estudo é analisar
os padrões de segregação residencial com foco no
contexto socioeconômico e nos padrões de distribuição espacial dos grupos sociais. No quadro de
uma economia terciária ampliada, observou-se a
consolidação de um gradiente social, descendente
do centro para os núcleos periféricos, destacandose uma intensa relação entre posição social, acesso
a bens e serviços e tipo de emprego.
Abstract
With the nearby celebration of the 50 years
since the change of the federal capital to Central
Highlands, the Brasilia Urban Conglomerate is
gaining ground in the national economic scene,
having to face a stalemate between demographic
growth, unarticulated territorial policies and
the strong state influence on social and spatial
structuring. The main goal of this study is to analyze
the patterns of residencial segregation focusing the
social and economic framework and the spatial
distribution patterns of social groups. In view of an
enlarged service economy, the study observed the
consolidation of a social gradient, descending from
the center to the peripheral nuclei, with a strong
relation between social position, acess to goods
and services, and job type.
Palavras-chave: aglomerado urbano de Brasília;
segregação residencial; tipologia sócio-ocupacional; políticas territoriais.
Keywords: Brasilia urban conglomerate;
residential segregation; social and occupational
typology; territorial policies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
Introdução
participantes do Aglomerado, cujo dinamismo
territorial é capitaneado pela capital federal.
Se por um lado Brasília e sua área de influên-
Com a proximidade das comemorações dos
cia apresenta-se como influente polo de de-
50 anos de transferência da capital da cida-
cisão do país, por outro, caracteriza-se pela
de do Rio de Janeiro para o Planalto Central,
forte concentração de população e renda no
o Aglomerado Urbano de Brasília1 (ver Mapa
núcleo da rede. Brasília concentra 72,7% de
1) consolida-se como um polo de organização
toda a população e 90,3% do PIB de toda a
e gestão territorial na escala nacional. O Dis-
sua rede de influência.
trito Federal e sua área de influência funcio-
De forma simplificada, pode-se afirmar
nal abrangem 288 municípios, entre os quais
que o Aglomerado Urbano de Brasília vive,
quatro classificados como capitais regionais. O
desde a sua implantação no Planalto Central,
conjunto conta com mais de 9,68 milhões de
um impasse entre o crescimento demográfi-
habitantes, o que equivale a 2,5% da popula-
co, o oligopólio de terras e a forte presença
ção brasileira e a 4,3% do PIB brasileiro. Esse
do Estado na estruturação socioespacial. Tal
peso a coloca entre as nove maiores aglomera-
impasse aponta para uma dupla realidade: a)
ções urbanas de caráter metropolitano do país,
a de centro urbano consolidado, concentra-
sendo também seu maior centro de gestão ter-
dor de renda e população e b)uma periferia
ritorial federal (IBGE, 2008).
regional formada por municípios de baixa
O papel do Distrito Federal, aqui no-
dinâmica econômica, com elevadas taxas de
meado também de Brasília, como centro de
migração e mobilidade pendular, indicadores
gestão territorial federal deve-se à presença
do forte descasamento espacial entre local de
do governo federal e do peso das ligações
moradia e trabalho. Nesse contexto, mudan-
empresariais principalmente com os Estados
ças foram operadas ao longo do processo de
do centro-sul do país. A economia de Brasília
formação dessa aglomeração metropolitana,
fortalece-se cada vez mais com o crescimento
tendo como resultado uma organização do es-
do setor empresarial, principalmente o terciá-
paço segmentada e o alto grau de dependên-
rio, muito impulsionado pelo peso da Admi-
cia entre os municípios do Entorno e Brasília,
nistração Pública que passou de 48,3% em
reforçando as tendências de metropolização
2002 para 49% do emprego em 2006 (IBGE,
observadas em outras cidades do país.
2007). Pesquisas do IBGE (2007) apontam que
Se por um lado as comemorações do cin-
os servidores públicos detêm 65% da massa
quentenário de transferência da capital apon-
salarial, embora representem apenas 40% da
tam para uma imagem de cidade ideal, com
população economicamente ativa empregada
elevada qualidade de vida, por outro, as políti-
no Distrito Federal. A concentração da oferta
cas de gestão do território de Brasília parecem
de empregos, principalmente nos serviços e
contribuir para o agravamento da segregação
no setor público no Distrito Federal, descola-
residencial e da segmentação espacial. Ten-
se das características do mercado de traba-
dências recentes sugerem aparentes mudanças
lho predominantes nos demais municípios
em direção a um padrão cuja segmentação
146
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
reproduz, nas mais diversas escalas, a clássica
da ação estatal na alocação de postos de tra-
relação centro-periferia.
balho e moradia foram determinantes para a
É importante ressaltar as especificida-
conformação de um gradiente social de rendas
des do processo de ocupação dessa porção
descendentes do centro para a a periferia e
do território brasileiro se comparada a outras
com elevados níveis de segregação socioespa-
grandes cidades e metrópoles nacionais. Bra-
cial. O estudo procurou verificar em que me-
sília, aqui tomada como marco lógico do pro-
dida o acesso a bens e serviços urbanos está
cesso de interiorização brasileira, destaca-se
diretamente vinculado a tendências de segre-
não pelas especificidades relacionadas ao seu
gação residencial e segmentação territorial.
processo de criação e construção, mas pelas
Para atingir esses objetivos, o estudo
possibilidades de ordenamento territorial da-
analisou a diferenciação social por meio de ca-
das pela quase inexistência de antecedentes
tegorias sócio-ocupacionais para o ano 2000.
relacionados à ocupação territorial urbana e
A metodologia adotada foi a análise da estru-
pela propriedade pública de grande parte das
tura social, por meio de uma tipologia socio-
terras destinadas à nova capital.
espacial, construída com o auxílio de análise
No contexto da urbanização brasileira,
fatorial e de conglomerados, utilizando micro-
mesmo com as condições favoráveis a um pro-
dados e áreas de ponderação do Censo 2000
cesso diferenciado da tradição urbana e social
como unidades de análise.
do país, Brasília não fugiu à regra geral. A pro-
Na próxima seção, apresentamos um
priedade pública da terra e a forte presença
breve histórico da formação e desenvolvimen-
estatal como “força motriz” da economia local
to do Aglomerado Urbano de Brasília desta-
passaram a ser utilizados como instrumentos
cando suas especificidades no contexto socio-
de organização socioespacial seletivos e ex-
econômico, as ações de gestão do território, as
cludentes. O processo estendeu-se a toda a
mudanças da estrutura produtiva, o mercado
região que hoje conforma o Aglomerado Urba-
de trabalho e os impactos socioespaciais dos
no. Dessa forma, este texto tem como objetivo
processos de mobilidade populacional. Na
analisar os padrões de segregação residencial
seção seguinte apresentam-se os resultados
no Aglomerado Urbano de Brasília à luz dos
da análise fatorial e de conglomerados para
processos de mobilidade populacional e das
a estrutura social do Aglomerado Urbano de
políticas de gestão territorial colocadas em
Brasília. Em seguida, apresentamos os resul-
curso desde a sua formação.
tados da tipologia sócio-ocupacional à luz da
O estudo adota um quadro interpretativo
segregação residencial e da segmentação ter-
que enfatiza o contexto socioeconômico e os
ritorial por meio de indicadores de acesso aos
resultados do processo de urbanização, postos
bens e serviços urbanos, tipo de emprego e de
sob a forma de relações entre padrões de dis-
composição sociodemográfica. Por fim, faz-se
tribuição espacial e de urbanização dos grupos
um balanço dos resultados empíricos obtidos,
sociais. De maneira específica, objetiva compre-
à luz dos mecanismos de reprodução das desi-
ender em que medida fatores como a influência
gualdades socioespaciais.
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George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
Mapa 1 – Aglomerado Urbano de Brasília
Fonte: IBGE (elaboração própria).
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Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
Ações de gestão do território:
expansão, estagnação
e alterações do espaço
construído
produtiva consolidou-se em atividades do setor
primário, com destaque para a pecuária extensiva, praticada em grandes áreas de pastagens
naturais e lavoura de subsistência, prolongando-se até a primeira metade do século XX. O
longo período caracterizado pela presença do
Em larga medida, o processo de ocupação da
governo federal restrita a ações militares de
região Centro-Oeste é caracterizado pela dis-
delimitação e proteção das fronteiras territo-
persão da sua rede urbana, heterogeneidade
riais, deu lugar às políticas de ocupação terri-
das dinâmicas territoriais e fragmentação dos
torial baseadas no discurso do primeiro perío-
seus espaços intraurbanos. Esses processos
do desenvolvimentista da "Marcha para o Oes-
têm raízes históricas. As primeiras formas de
te”.3 Contudo, a intervenção estatal de maior
ocupação do território pós-descobrimento têm
impacto social e econômico no leste goiano foi
a expansão e a estagnação como palavras-
a transferência da capital federal coadunada
chave para o entendimento da dispersão de
com o projeto de integração nacional.
sua rede urbana, fragilidade e forte relação de
Diferentemente de Goiânia, Brasília sur-
dependência funcional com a economia cafeei-
ge no Planalto Central como um polo de de-
ra da região Sudeste.
senvolvimento regional, de atração de fluxos
Podem-se identificar momentos de ex-
populacionais, atuando como um “centro de
pansão da ocupação territorial e ampliação das
gravidade” ao redor do qual orbitam realida-
redes de cidades e povoados funcionalmente
des tipicamente agrárias. A transferência da
dispostos para atender à lógica, primeiramen-
capital federal para o Planalto Central gerou
te, de produção do sistema de mineração e,
expectativas e diversas intervenções estatais
num segundo momento, da economia cafeeira.
que mudaram por completo o cenário socioeco-
Nesse processo surgiram os povoados de Minas
nômico da região. Para Silva (1997), no período
de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte
de “preparação do terreno para a construção”,
(1727), transformado, em 1732, em distrito de
a economia local passou a ser movimentada,
Meia Ponte e, em 1890, em Pirenópolis; Santa
nos municípios goianos de Corumbá de Goiás,
Luzia (1746), hoje Luziânia2 ; e Santo Antônio
Planaltina e Luziânia, pela intensa especulação
do Descoberto (1750). A ocupação do território
das terras de qualidade agrária, decorrentes
intensificou-se no século XIX, com a expansão
da proximidade física com o quadrilátero do
dos povoados já existentes e com a ampliação
Distrito Federal. Observou-se um rearranjo es-
da rede urbana pela criação de novos núcleos
pacial em direção às rodovias de ligação com
urbanos, tais como Mestre d'Armas, posterior-
Brasília (BR-040 e BR-060), conformando uma
mente Planaltina (MMA, 2003).
nova estrutura territorial por meio da oferta de
A estagnação e o isolamento geográfico
no período pré-década de 1930 estão direta-
terras para uso urbano em distritos tipicamente rurais (ibid., p. 48).
mente vinculados à decadência das minas de
No que se refere às ações de gestão
ouro na região do leste goiano. A estrutura
do território, antes mesmo da construção da
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George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
capital federal, a incorporação de terras ao se-
do governo federal. As políticas habitacionais
tor produtivo foi caracterizada pela emergên-
de Brasília entre 1970 e 1980, por meio da So-
cia de dois agentes na organização espacial
ciedade Habitacional de Interesse Social-SHIS,
do Aglomerado Urbano de Brasília: o Estado
promoveram a construção de mais de 60 mil
4
e os loteadores descapitalizados. Ambos têm
moradias, consolidadas nas cidades de Ceilân-
como principal atributo a constituição de uma
dia, Taguatinga, Gama e Guará 1 e 2 (SEDUH,
região marcada por um oligopólio de terras: de
2004). O modelo polinucleado (Plano Piloto e
um lado, a propriedade pública de grande par-
cidades-satélites), presente desde a transfe-
te das terras de Brasília; de outro, fazendeiros
rência de famílias para Taguatinga, em 1958,
latifundiários das terras do entorno do quadri-
tomou forma definitiva ao longo das décadas
látero da capital federal.
de 1970 e 1980, com ampliação do estoque
O Estado brasileiro, por meio de práticas
domiciliar em quase 151 mil domicílios. Em re-
territoriais comandadas pelo governo federal,
lação ao restante do Aglomerado Urbano, os
teve no planejamento técnico e racionalista o
financiamentos do BNH foram alocados princi-
controle de todas as etapas de construção e
palmente nos distritos de Valparaíso de Goiás
implementação da nova capital: projeto, ur-
e Cidade Ocidental, no município de Luziânia,
banização e ocupação seletiva do território de
com vistas a atender, de forma emergencial, a
Brasília. Os latifundiários, por meio de práticas
crescente demanda por moradia. Uma das prin-
territoriais comandadas pelos fazendeiros e
cipais ações de gestão do território foi a cria-
líderes políticos locais, tiveram o controle da
ção da Companhia Imobiliária – Terracap, em
intensa produção de loteamentos semiurbani-
1972. Encarregada de fazer a gestão de 60%
zados. Isso ocorreu principalmente nos municí-
das terras de Brasília, a entidade consolidou o
pios de Luziânia e Planaltina de Goiás, onde a
caráter oligopólico do mercado de terras dessa
propriedade individual de latifúndios permitiu
porção dinâmica do território brasileiro. Para
uma promoção imobiliária que passou a ser
Campos (1988), foi essa iniciativa institucio-
fragmentada e também ordenada pelas gran-
nal que acentuou a separação da propriedade
des vias de ligação à nova capital.
fundiária do capital imobiliário. Para o autor, o
Dentre as ações de gestão do território
mercado concorrencial criado era regido pela
do poder estatal, destacam-se as políticas ha-
lógica do capital incorporador, mediado pelo
bitacionais e o oligopólio estatal das terras de
rito das licitações de terras públicas, que des-
Brasília. No que se refere às políticas habita-
locavam o poder de gestão do território para
cionais, pode-se afirmar que estas estão dire-
os interesses dos incorporadores imobiliários.
tamente vinculadas às ações de erradicação de
Se em Brasília a oferta de terras era re-
favelas. A oferta de moradias no Plano Piloto
gulada pelo Estado, nos municípios do entorno
de Brasília era seletiva e voltada para os funcio-
goiano o mercado concorrencial de terras era
nários públicos. Os trabalhadores e o lumpen
regido pelo interesse dos latifundiários e líde-
derivado da construção da nova capital passa-
res políticos locais. Para se ter uma ideia da
ram a se localizar em grandes assentamentos
dinâmica do mercado de terras, em cidades co-
habitacionais distantes da sede administrativa
mo Luziânia e Planaltina de Goiás, a oferta era
150
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
Tabela 1 – Número de lotes por habitante – Entorno goiano – 1977
Luziânia
Planaltina
Total
Nº de
loteamentos
Nº de lotes
População total
300
250.000
32.807
833,33
7,62
11
25.238
8.972
2.294,36
2,81
311
275.238
41.779
885,01
6,59
Lote/loteamento
Lotes/habitante
Fonte: PEOT, 1977.
de 7,62 lotes/habitante e 2,81 lotes/habitante,
respectivamente (ver Tabela 1). Tal índice demonstra a velocidade e a ação fragmentada
Fluxos migratórios, periferização
e segmentação espacial
e desarticulada de estruturação de grandes
áreas residenciais, em sua maioria descapita-
A análise da formação do Aglomerado Ur-
lizadas e descoladas dos centros locais de pos-
bano de Brasília à luz dos efeitos dos fluxos
tos de trabalho.
migratórios sobre o processo de segmentação
Ao longo da década de 1980, diversas
espacial permite compreender em que medi-
ações de gestão do território entraram em
da as ações de gestão do território afetaram
curso sem, contudo, romper com as dinâmicas
as atuais condições de distanciamento entre
espaciais já determinadas desde a implantação
local de moradia e localização dos postos de
5
da nova capital federal no Planalto Central. O
trabalho.
que se observou foi o aprofundamento e a con-
No que se refere aos deslocamentos po-
solidação da pobreza nas áreas desprovidas de
pulacionais, a constituição da nova estrutura
dinâmica de mercado de trabalho.
econômica nacional pelo Plano de Metas de
A realidade de constituição do Aglome-
JK determinou, por meio das grandes inver-
rado Urbano de Brasília está diretamente vin-
sões na infraestrutura de serviços, energia e
culada às formas de gestão dos intensos fluxos
transportes, intensos fluxos migratórios em di-
migratórios e aos crescentes volumes de deslo-
reção aos centros urbanos e industriais do Rio
camentos populacionais intrametropolitanos,
de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, apre-
observados na contemporaneidade sobre o
sentando processos de metropolização e peri-
território. Fluxos migratórios e distribuição das
ferização da população geralmente migrante
atividades produtivas implicam processos dife-
e pobre. O plano, através da implantação de
renciados de segmentação espacial, objeto da
novo padrão de acumulação, foi fundamental
próxima seção.
na transformação da ocupação e na mudança
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
151
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
do papel da região Centro-Oeste na economia
nova capital somava mais de 50 mil. No ano de
nacional, contrapondo uma economia baseada
1960, quando da inauguração da capital, soma-
na pecuária extensiva e na agricultura de sub-
vam 127.000 pessoas 6 (Paviani, 1985, p. 60).
sistência a uma economia integrada à nacio-
Nesse período, o Distrito Federal e os muni-
nal. Isso foi facilitado pela abertura de novas
cípios do entorno goiano (com destaque para
fronteiras agrícolas, baseadas na agricultura
Luziânia) caracterizam-se como áreas recepto-
comercial e na bovinocultura de caráter inten-
ras de imigrantes, com intensidades e composi-
sivo e tecnificado (IPEA, 2002, pp. 165-169).
ções migratórias diferentes.7 A década de 1970
Dentre as ações, destacam-se a interiorização
constituiu um ponto de inflexão nessa trajetó-
da economia com a construção de um polo
ria demográfica. Se, por um lado, Brasília pas-
de desenvolvimento regional em Brasília, que
sou a crescer cada vez com menor intensidade,
redirecionou boa parte dos fluxos migratórios
por outro, o que se observou foi uma expansão
até então existentes.
territorial e a formação do Aglomerado Urbano
Para se ter uma ideia do volume dos des-
de Brasília, com a expansão demográfica dos
locamentos populacionais, em 1956, o número
municípios de Luziânia, Planaltina de Goiás e
de trabalhadores pioneiros na construção da
Santo Antonio do Descoberto (ver Gráfico 1).
Gráfico 1 – Taxa de crescimento anual demográfico
Aglomerado Urbano de Brasília – 1960-2000
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1960, 1970 e 1980.
Notas: * Os municípios que compõem o Aglomerado Urbano de Brasília são desmembramentos dos existentes em 1970.
152
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
As tendências de periferização observadas no final de década de 1960 consolidaram-
São Paulo e Rio de Janeiro (25,3% e 22,4%
respectivamente).
se entre 1970 e 1980. Nesse período, a taxa
O impacto da mobilidade populacional
média anual de crescimento de Brasília foi
sobre o território de Brasília e municípios do
de 8,15%, e dos municípios limítrofes foi de
entorno goiano foi traduzido em relações en-
9,03%. Pode-se afirmar que, nesse período,
tre as pessoas (relações de produção) e entre
Brasília passou a contribuir de forma decisiva
essas e seu ambiente físico; e, ainda, em alte-
para as elevadas taxas de urbanização dos mu-
rações na estrutura produtiva e no mercado de
nicípios goianos.
trabalho.
Ao longo da década de 1970, Brasília
registrava uma emigração de 6.650 pessoas
para o estado de Goiás, passando nas décadas seguintes para 15.634 pessoas ao ano,
consolidando Luziânia, Planaltina e Santo Antonio do Descoberto como o principal espaço
de concentração de emigração do Distrito Fe-
Mercado de trabalho
e alterações na hierarquia
social no aglomerado urbano
de Brasília no ano 2000
deral e receptáculo das demandas por moradia não atendida em Brasília. No período de
1980 a 1990, Brasília reforçou a tendência de
Após sucessivos quadros de expansão econô-
transferência populacional para os municípios
mica, na década de 1980, a sociedade brasilei-
do entorno goiano, com destaque para o mu-
ra, principalmente os trabalhadores nas áreas
nicípio de Santo Antonio do Descoberto, cuja
metropolitanas, conviveu com o aprofunda-
taxa anual de crescimento alcançou 18,01%.
mento da pobreza, a precarização do trabalho
Nesse sentido, pode-se afirmar que Brasília,
e a consolidação de grandes bairros dormitó-
diferentemente das demais regiões metropoli-
rios. Contudo, no contexto de paralisia do in-
tanas brasileiras, apesar de não ter como base
vestimento industrial que assolava boa parte
de sua economia o setor secundário, exerceu
do país, a região Centro-Oeste destacou-se pe-
forte atração populacional, desde a sua cons-
lo crescimento econômico a partir de ilhas de
trução pelas atividades desenvolvidas na cons-
produtividade voltadas, em sua ampla maioria,
trução civil até o desenvolvimento do setor de
para a oferta de produtos agropecuários para
serviços, especificamente aqueles vinculados à
o comércio exterior (IPEA, 2002, pp. 35-36).
administração pública.
Segundo Cidade (2003), embora a região Cen-
Como impactos resultantes da atrati-
tro-Oeste tenha se tornado a nova fronteira
vidade e expulsão populacional, estudos do
agrícola do país, o modelo adotado privilegiou
IBGE (2003), apontam que no Aglomerado
a modernização do setor agrícola e a integra-
Urbano de Brasília 24,13% da população re-
ção competitiva, acentuando ainda mais o de-
sidente trabalha ou estuda em outro muni-
semprego, a miséria e as migrações em direção
cípio, comportamento próximo às médias
às cidades grandes (ibid., p. 172). Nesse duplo
observadas nas regiões metropolitanas de
contexto, de estagnação econômica nacional e
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
153
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
expansão da fronteira agrícola, o Aglomerado
compreendida pelas cidades de Taguatinga,
Urbano consolidou a histórica centralidade de
Guará, Cruzeiro, Núcleo Bandeirante, Candan-
Brasília como núcleo de gestão territorial. Nas
golândia, Riacho Fundo, Sobradinho, Planalti-
suas primeiras décadas, Brasília era classifica-
na e Gama, têm-se 31% da oferta de empre-
da, segundo estudos do IBGE, como capital
gos com 43% da população total.
regional, passando em 1996 a ser considerada
O descasamento espacial do local de
como “cabeça de rede”, culminando em recen-
moradia e de trabalho é maior se olharmos pa-
tes estudos como metrópole nacional de nível
ra as franjas de Brasília. Para Miragaya (ibid.),
1B, juntamente com o Rio de Janeiro, enquanto
nos municípios do entorno goiano, estima-se
São Paulo é considerado 1A (IBGE, 2008).
que a sua PEA no ano 2000 seja de 308 mil;
8
Uma breve análise da PEA, nas décadas
desse total 29% compõe a taxa de desempre-
de 1980, 1990 e 2000, demonstra que houve
go. Para o autor, apesar de não se ter pesqui-
redução de pessoas ocupadas no setor primá-
sa PED para estes municípios, estima-se que
rio no Aglomerado Urbano, confirmando as
60% do total da PEA trabalha em Brasília.
tendências de urbanização da economia obser-
Tal descasamento casa-trabalho é condição
vadas desde a sua formação. Comparando-se
fundamental para a compreensão das fortes
as três décadas, observa-se que no Aglomera-
pressões por infraestrutura de transportes
do Urbano de Brasília, o setor terciário apre-
atualmente observadas, ampliando cada vez
sentou elevado aumento das pessoas ocupa-
mais a demanda por recursos públicos na área
das: passou de 46,94% em 1980 para 75,33%
de transportes públicos. Se observadas à luz
no ano 2000.
da tomada de decisão governamental de in-
Em 2000, o Aglomerado Urbano de Bra-
vestimentos, o que se observa é um cenário
sília conforma uma PEA aproximada de 1,53
concorrencial entre investimentos nas áreas
milhões de pessoas, com 278 mil pessoas
de saneamento ambiental e qualificação dos
desempregadas, correspondendo 22,5% da
espaços públicos com pressões por recur-
PEA. Em Brasília, a PEA corresponde a 875 mil
sos para vias e tecnologias para transportes
pessoas sendo que desse total 29,5% estão
públicos.
ocupadas no setor público, 47,7% no setor de
Examinando a hierarquia sócio-ocupa-
serviços, 3,7% na construção civil, 3,9% na in-
cional do Aglomerado Urbano, verifica-se
dústria de transformação e 0,9% na atividade
que a estrutura social do Aglomerado Urba-
9
agropecuária e mineral.
no de Brasília nada mais é que a resultante
Outra característica do mercado de tra-
de sua história política, econômica e social.
balho de Brasília é a elevada concentração
No ano de 2000,observa-se que 28,5% da
espacial dos postos de trabalho. Segundo
população ocupada pertence ao grupo de
Miragaya (2000), 52% do pessoal ocupado
setores médios, que, se somados aos grupos
residente em Brasília encontra emprego na
do proletariado do secundário e do terciário,
região compreendida pelo Plano Piloto, Lagos
correspondem a 43% do total de trabalha-
Sul e Norte, os quais concentram apenas 14%
dores. Isso significa que a estrutura social do
do total da população de Brasília. Na região
Aglomerado Urbano apresenta-se polarizada
154
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
entre os setores médios, seja superior (no ca-
metropolitana em praticamente todos os ín-
so o grupo de setores médios propriamente
dices socioeconômicos utilizados na análise.
ditos) ou inferior (no caso os grupos do prole-
Quanto ao capital econômico, comparando-se
tariado secundário e terciário) e o conjunto de
os rendimentos do grupo de setores médios
trabalhadores pertencentes aos extremos da
com renda acima de 20 s.m. (34,23%) com o
hierarquia social (grupo dirigente, intelectual,
grupo dirigente (36,35%), pode-se notar que a
de um lado e subproletariado agrícola de ou-
diferença é de apenas 2,12%. Quanto ao capi-
tro) (Gráfico 2).
tal escolar da população com mais de 15 anos
Um dos conjuntos de trabalhadores que
de estudo, comparando-se o grupo dos Setores
contribui para o aparente rompimento do siste-
Médios, que participa com 15,77%, e o gru-
ma causal escolaridade-rendimento é formado
po Intelectual, com participação de 69,13%,
pelas categorias do grupo dos setores médios.
pode-se verificar que a clássica relação entre
Com participação de quase 30% da popula-
apropriação de capital escolar e econômico de-
ção ocupada, o grupo dos setores médios é
ve ser relativizada quando se trata do Aglome-
o que apresenta proporções acima da média
rado Urbano de Brasília.
do
ro
let
-p
o
iad
ar
et
ol
Pr
ar
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Gráfico 2 – Distribuição da população ocupada, por grupo sócio-ocupacional
Aglomerado Urbano de Brasília – 2000
Fonte: IBGE, microdados do Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
155
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
No que se refere aos grupos populares,
segmentação espacial, a seguir verificaremos
o conjunto formado pelo proletariado do se-
o rebatimento espacial da estrutura social no
cundário, do terciário e subproletariado, que
espaço intrametropolitano do Aglomerado Ur-
somados correspondem a 58% do total da po-
bano de Brasília.
pulação ocupada, caracteriza-se, ao contrário
dos setores médios, pelo reforço do sistema
causal entre renda e escolaridade, dado que
no cômputo geral esse conjunto concentra-se
entre aqueles que apresentam a menor renda,
os menores níveis de escolaridade e as piores
A estrutura socioespacial
do Aglomerado Urbano
de Brasília nos anos 90
condições de moradia.10
Conforme observado, os diversos grupos
Diversos trabalhos (Ribeiro, 2004; Ribeiro e La-
sociais se espalham pelo Aglomerado Urbano
go, 2000; Préteceille, 2003) evidenciam que o
de Brasília segundo dois movimentos distin-
território das metrópoles brasileiras se organiza
tos, um que o aproxima das demais cidades
segundo oposições e distâncias sociais no es-
brasileiras e outro que o diferencia e reforça
paço. Classes detentoras de capital econômico
a sua particularidade no cenário nacional. O
e social dominam trechos privilegiados das ci-
primeiro movimento sugere que a distribuição
dades, onde se concentra a oferta de serviços
espacial dos grupos sociais se dá por meio das
e equipamentos urbanos, oposta às áreas mais
oportunidades e capacidade dos indivíduos de
periféricas com trabalhadores manuais, detento-
apropriação dos recursos urbanos, sociais e
res, muitas vezes, apenas da força de trabalho.
econômicos, o que determinaria a sua locali-
Tal constatação leva à ideia de um espaço dual,
zação residencial em determinadas porções do
com um mercado de trabalho refém de mudan-
território do Aglomerado Urbano. O outro mo-
ças tecnológicas e níveis diferenciados de acesso
vimento pondera o modelo de “livre competi-
ao mercado de trabalho. Com isso, a compreen-
ção” acima e aponta que o Estado, com suas
são da segregação residencial está diretamente
políticas de gestão do território foi determi-
vinculada ao conteúdo social dos espaços.
nante para: 1) a constituição de uma socieda-
A diferença das possibilidades de acesso
de segmentada espacialmente e hierarquizada
a bens e serviços, segundo os grupos sociais,
de acordo com o capital econômico, escolar e
dá origem a uma ocupação urbana também
com o setor de emprego e; 2) a consolidação
balizada pelas mesmas distinções. A diferen-
da centralidade econômica e populacional do
ciação social se reflete na hierarquização do
Distrito Federal distribuída em uma estrutu-
espaço ocupado na cidade, onde a segrega-
ra urbana polinucleada, com claras distinções
ção socioespacial pode ser evidenciada pelas
espaciais do local de residência, que, criterio-
relações entre a posição na hierarquia social
samente representadas, apontam o grau de
e a desigual apropriação dos recursos urbanos
segregação social ali existente.
existentes.
Para uma melhor compreensão da
A tipologia socioespacial para o ano
segregação residencial e dos estágios de
2000, mostra um espaço geograficamente
156
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
segregado, onde a hierarquia social, em nível
população ocupada, distribuídas principal-
macro, descende do centro de empregos e ser-
mente ao redor da porção nordeste e sudeste
viços do Aglomerado – A Região Administrati-
da Bacia do Paranoá e em trechos das áreas
va de Brasília – para a periferia.11
centrais das cidades satélites, como é o caso
Conforme indica o Mapa 2, os espaços
de Gama, Taguatinga e Sobradinho.
do tipo superior correspondem a apenas
A presença de espaços do tipo médio-
3,14% (4 AED´s) do total de unidades espa-
superior na área central da cidade satélite do
ciais, onde se concentram 8,28% da popu-
Gama é explicada pela forte representação dos
lação ocupada do Aglomerado Urbano. Em
dirigentes do setor privado, de professores de
termos de distribuição espacial, esse tipo
nível superior e ocupações de escritório, com
concentra-se no interior da Bacia do Paranoá,
densidade próxima ao dos espaços superiores.
cujos limites representam maior proximidade
As categorias de ocupações médias de Saúde e
ao centro econômico do Aglomerado Urbano.
Educação e as de Segurança Pública, Justiça e
Os espaços do tipo médio superior correspon-
Correio são as que apresentam as maiores re-
dem a 19% (24 AED´s) do total de unidades
presentações do Aglomerado Urbano, cerca de
espaciais, concentrando cerca de 18,85% da
3 vezes maior que a média metropolitana.
Mapa 2 – Tipologia socioespacial do Aglomerado Urbano de Brasília
Legenda
cinza claro– espaços do po superior, médio superior e médio
cinza escuro– espaço do po popular, popular operário e popular agrícola
Fonte: IBGE,microdados do Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
157
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
A análise dos tipos socioespaciais que
no campo da estrutura social, da distribuição
compõem o Aglomerado Urbano de Brasília,
espacial dessas desigualdades, por meio de
indica que os grupos dirigentes e intelectuais
uma tipologia social do espaço. De forma es-
foram identificados como os que estão mais
pecífica, as análises chamam a atenção para
concentrados no espaço do tipo superior
o fato de que há fortes relações entre a hie-
(40,96% e 31,82%, respectivamente), com
rarquia social, a concentração de empregos e
destaque para os dirigentes do setor público
a posição social. Quanto à hierarquia social, o
(48,32%) e os profissionais estatutários de
que se observou foi um gradiente descendente
nível superior (37,94%). A concentração das
a partir do centro principal, onde se localizam
elites dirigentes não é fruto de recentes pro-
os espaços superiores, para as áreas mais peri-
cessos de “autossegregação”, conforme obser-
féricas e para os espaços populares.
vado em estudos realizados em outras regiões
12
metropolitanas.
Uma particularidade do Aglomerado
Urbano, dada pela expressão do setor público
Na análise dos dados sobre a distribuição
na economia local, é a concentração nos es-
nos tipos socioespaciais das classes populares,
paços do tipo superior e médio-superior de
observa-se que os espaços do tipo popular con-
servidores públicos estatutários, com forte
centram cerca de 70% da população ocupada
representação dos dirigentes do setor públi-
nos grupos do proletariado do secundário, do
co e dos profissionais estatutários de nível
terciário e o subproletariado. Nos espaços do
superior. A correlação positiva entre o setor
tipo popular e operário, o percentual sobe pa-
de emprego e localização residencial enfatiza
ra 78%, o que representa, de certa forma, um
os aspectos relativos ao processo de organi-
constrangimento espacial dado pela posição
zação do espaço metropolitano de Brasília
social e, por consequência, pelo nível de renda,
como um conjunto urbano marcado pela con-
dado que a maioria dos empregos concentra-
centração de servidores públicos estatutários
se nos espaços do tipo superior, o que obriga
nas unidades espaciais próximas ao centro
aos grupos populares elevados custos de des-
econômico e a dispersão dos demais traba-
locamento casa-trabalho.
lhadores, em todo o território do Aglomera-
A composição interna dos espaços do
do13 (ver Mapa 3).
tipo médio é a que apresenta maior heteroge-
Segundo Morais e Cruz (2003), ao con-
neidade social. Nesse tipo de espaço, além das
trário do que acontece em setores de comércio,
categorias dos setores médios, destacam-se
serviços e de construção, ser um empregado no
o proletariado do secundário, do terciário e o
setor público reduz a chance de se tornar mo-
subproletariado, o que permite afirmar que é
rador de áreas de urbanização precária e de fa-
o tipo que mais se aproxima da média metro-
velas. Para os autores, uma hipótese para esse
politana, por mais que as categorias dirigentes
tipo de segmentação socioespacial deve-se ao
estejam sub-representadas.
fato de o governo brasileiro (federal, distrital e
As análises realizadas estabeleceram
municipal), além de pagar maiores salários que
um quadro sobre a reprodução das desigual-
a média para os trabalhadores de baixos níveis
dades socioespaciais articuladas à tradução,
de escolaridade e de oferecer mais estabilidade
158
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
Mapa 3 – Percentual de pessoas ocupadas no setor público*
Aglomerado Urbano de Brasília, 2000
Legenda
cinza claro – alta concentração (de 21 a 34%)
cinza pon lhado – média concentração (de 12 a 20%)
cinza escuro – ausência/baixa concentração (de 0 a 11%)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
* Entenda-se por pessoas ocupadas no setor público aquelas sob o RJFP ou militar (federal ou distrital).
e previdência social melhor que qualquer outro
incidência em espaços do tipo médio, popular e
setor de emprego, garante renda permanente
popular operário.14 A questão que se levanta é:
maior (ibid., pp. 6-10).
em que medida a estrutura social é influencia-
No caso do Distrito Federal, o governo
da pelo setor de emprego dos grupos sociais?
local, além de pagar maiores salários que os
Examinando as diferenças de renda pe-
demais setores de emprego, costumava prover
la proxy de servidores públicos verifica-se que
apartamentos funcionais aos servidores públi-
estes equivalem, em média, a 3 vezes a mais
cos, quando da implementação e consolidação
que os não servidores públicos. Em Brasília, a
da capital federal. Atualmente, tem oferecido
diferença é de 2,25 vezes, e no entorno goiano
habitações para os “altos escalões”, o que faz
é de 2,65 vezes superior do que no Aglomera-
com que esta população ocupada tenha, além
do (ver Tabela 3). Com isso, verifica-se que há
de elevados salários, uma espécie de subsídio
uma relação direta entre áreas de maior con-
não pecuniário, reduzindo drasticamente a sua
centração de grupos dirigentes e dos setores
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
159
George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
Tabela 3 – Rendimento bruto médio segundo o setor de emprego
Aglomerado Urbano de Brasília
Rendimento bruto médio (em R$)
segundo o setor de emprego
Municípios e Brasília
Público
Não Público
Proporção
Total Aglomerado Urbano (Brasília+Entorno Goiano)
1.473.755
528.275
2,65
Brasília
2.187.440
781
3,05
Entorno Goiano
760.070
338.430
2,25
Águas Lindas de Goiás
659.550
348.210
1,89
Cidade Ocidental
972.890
457.470
2,13
Luziânia
755.520
346.830
2,18
Novo Gama
880.530
383.770
2,29
Planaltina
552.510
323.990
1,71
Santo Antonio do Descoberto
637.610
316.980
2,01
1.225.040
466.980
2,62
Valparaíso de Goiás
Fonte: IBGE, microdados do Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
médios, com a predominância de moradores
Urbano. Observa-se que as condições de sa-
empregados pelo setor público. Nas áreas mais
neamento no DF reproduzem o histórico pro-
pobres, a renda do setor público tende a “orbi-
cesso de urbanização promovida pelo governo
tar” em torno da média metropolitana e a ser
federal.
em média 3 vezes superior do que em outras
Em 2000, a maioria dos domicílios do Dis-
localidades, o que sugere que, nas áreas pe-
trito Federal apresentava saneamento adequa-
riféricas, há uma distinção fundamental entre
do, distribuindo-se em quase todas as unida-
os moradores que são servidores públicos e os
des espaciais. Nesse sentido, morar no espaço
que não são.
do tipo popular operário como Samambaia ou
A relativa complexidade da estrutura
Santa Maria, área periférica em Brasília, possi-
socioespacial é marcada pelos variados graus
bilitava acesso ao saneamento adequado, em-
de correspondência com o acesso aos recur-
bora a distância casa-trabalho fosse maior que
sos urbanos. No que se refere às condições de
as unidades espaciais do tipo popular, locali-
saneamento, os resultados apresentaram dois
zadas próximas às áreas centrais. A expansão
cenários distintos: 1) relativo a Brasília e 2) re-
da oferta de serviços básicos de saneamento e
lativo aos demais municípios do Aglomerado
coleta de lixo ocorreu nas áreas incorporadas,
160
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
Mapa 4 – Domicílios com saneamento adequado (%)
Aglomerado Urbano de Brasília
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
primeiramente pelo Estado, e de forma secun-
recursos urbanos. Nos municípios do entorno
dária pelo capital imobiliário. Espaços do tipo
goiano há uma correlação direta entre espaços
popular, promovidos por loteadores descapita-
do tipo popular, popular agrícola ou operário,
lizados, como a Vila Estrutural, Vila Varjão, Ita-
promovidos pelos loteadores descapitalizados
puã, Mestre D’Armas, Arapoangas, ao contrá-
e baixos índices de domicílios com saneamento
rio, por serem ocupações recentes e irregulares
adequado.
apresentam os menores índices de saneamen-
A segmentação espacial observada an-
to adequado, equivalentes aos observados nos
teriormente, que separava assentamentos
loteamentos clandestinos do entorno goiano.
promovidos pelo Estado daqueles promovidos
O segundo cenário demonstra uma situa-
pelos loteadores descapitalizados, quando
ção perversa de correspondência entre a estru-
analisada à luz da tipologia habitacional, não
tura sócio-ocupacional e a apropriação dos
permanece. Há elevados graus de correspon-
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George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
dência entre o tipo de domicílio e a estrutura
de Valparaíso de Goiás, o quadro indica que a
sócio-ocupacional em todo o Aglomerado
proximidade ao Distrito Federal e às rodovias
Urbano. A maior concentração de domicílios
de acesso podem ser um dos indicadores da
como cômodo, que representa uma perversa
ocorrência desse tipo de domicilio.
alternativa, na forma de aluguel ou coabita-
Em síntese, a organização socioespacial
ção de famílias em um mesmo domicílio, está
do Aglomerado Urbano sugere que a maior
diretamente relacionada com o espaço do tipo
proximidade geográfica ao centro de empre-
popular e popular operário (ver Mapa 5). No
gos corresponde a maiores oportunidades de
caso das cidades do Distrito Federal, a incidên-
trabalho e melhores condições de vida urbana.
cia dos domicílios do tipo cômodo é maior nas
O Aglomerado Urbano apresenta diferenças
cidades de Ceilândia, Planaltina e Guará. Nos
que refletem o histórico da ocupação e das
municípios goianos de Águas Lindas de Goiás,
ações de gestão do território, cuja diferencia-
nos loteamentos em Luziânia e na expansão
ção leva ao importante papel do Estado no
Mapa 5 – Distribuição espacial dos domicílios segundo o tipo
Aglomerado Urbano de Brasília
Polígono AUB
Limites municipais
Incidência de domicílios tipo cômodo
Baixo
Médio baixo
Médio
Médio alto
Alto
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (elaboração própria).
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Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
aprofundamento das desigualdades de acesso
15
pelo governo federal (cidades-satélites) com
aos recursos urbanos, independentemente do
um mínimo de ordenamento territorial e com
tipo socioespacial.
acesso a recursos urbanos e, 2) por loteamentos populares que se caracterizavam pela
propriedade fundiária e ausência de recursos
Conclusão
urbanos mínimos. As mudanças na organização socioespacial resultantes das ações de
gestão do território e dos agentes econômicos
A atual cartografia social do Aglomerado Ur-
no Aglomerado Urbano de Brasília na última
bano não representa apenas os resultados da
década sugerem que a estrutura social, apa-
transferência dos “problemas urbanos” do Dis-
rentemente, rompe com o sistema causal de
trito Federal para o entorno goiano e sim a in-
renda e escolaridade, dado que o grupo dos
corporação definitiva do território do entorno
setores médios corresponde a cerca de 30% da
goiano à dinâmica metropolitana capitaneada
população ocupada e se apropria de 34,23%
por Brasília. Nesse sentido, pode-se afirmar
dos rendimentos acima de 20 salários mínimos.
que não há ruptura na organização socioespa-
Uma das explicações obtidas pelas análises pa-
cial da região, mas, ao contrário, consolidam-
ra o aparente rompimento do sistema causal
se tendências expressas desde a gênese da for-
deve-se à forte presença do poder estatal no
mação metropolitana. Destacam-se o processo
quadro ocupacional da população do Aglo-
de periferização na direção sudoeste e nordes-
merado Urbano. Ser um empregado no setor
te, dos segmentos populares, a concentração
público eleva a chance de apresentar maiores
das elites dirigentes nas áreas residenciais do
salários, que chegam a ser três vezes maiores
Plano Piloto e adjacências e a formação de
que os demais trabalhadores, independente-
um anel pericentral, que mescla segmentos
mente do nível de escolaridade e da posição na
superiores dos setores médios com parte das
ocupação. A forte presença de setores médios
categorias de intelectuais, dirigentes do setor
em todas as unidades espaciais sugere uma
privado e a pequena burguesia.
relativização da segregação. A segregação so-
No nível dos agentes econômicos, o que
cial no Aglomerado Urbano de Brasília é forte-
se observou foi um processo de concentração
mente influenciada pelo setor de emprego da
econômica no Distrito Federal. A dinâmica do
população ocupada, particularmente o caráter
quadro ocupacional foi marcada pelo avanço
público ou privado, o que indica que a hierar-
do setor terciário na economia do Distrito Fe-
quização social, no caso do Aglomerado Urba-
deral e entorno goiano. A segmentação territo-
no, por si só não foi suficiente para demonstrar
rial e a segregação residencial resultante foram
em que medida a estrutura social representa a
caracterizadas, por um aspecto, pela polariza-
segregação socioespacial.
ção entre local de trabalho e de moradia. Por
Por fim, embora a oferta de alguns equi-
outro, pela diferenciação socioespacial capi-
pamentos públicos se distribua de forma re-
taneada pelas ações estatais e dos loteadores
lativamente equitativa, o que se observou no
descapitalizados: 1) periferização promovida
Aglomerado Urbano foi o aprofundamento de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
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George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
tendências dadas desde a sua formação. So-
espaços do tipo popular agrícola, recomenda-
bressai o contínuo processo de periferização
se o controle da ocupação urbana e investi-
dos pobres, em direção ao entorno, e o for-
mentos na área de saneamento ambiental.
talecimento da autossegregação de parte dos
Uma mudança estrutural seria a revisão das
setores médios, intelectuais e dirigentes nas
densidades demográficas no Plano Piloto de
áreas centrais do Distrito Federal e em suas
Brasília, que mesmo tombado como patrimô-
proximidades.
nio histórico e artístico nacional e da humani-
A sugestão de políticas públicas para
dade ainda apresenta grandes vazios urbanos,
reverter o quadro de segregação residencial e
cujo uso poderia ser voltado para a habitação.
as desigualdades socioespaciais é a de focar
Como medida de reforçar a proposta anterior,
ações para fortalecer novos polos de dinamis-
que tem como foco diminuir o descasamento
mo econômico, principalmente voltados para
entre local de trabalho e moradia, a política
a ampliação do setor secundário e terciário da
habitacional de Brasília deveria rever e con-
economia, próximos às áreas eminentemente
siderar a proposta de Lucio Costa, feita em
residenciais e sem concentração de empre-
1985, no que se refere à consolidação de cida-
gos. Outro ponto é a articulação entre plano
des lineares ao longo das principais vias próxi-
de transporte público e as políticas habitacio-
mas ao Plano Piloto de Brasília.
nais. Quanto à política habitacional, deve-se
Com vistas a ampliar o acesso aos ser-
fomentar ação entre a oferta do mercado imo-
viços urbanos básicos, poder-se-ia estruturar
biliário a ação estatal e o quadro de demanda
um mecanismo legal de consórcio público pa-
habitacional existente no Aglomerado Urbano,
ra fortalecimento institucional dos municípios
considerando-se os ciclos de vida e a renda fa-
do entorno goiano e ações compartilhadas
miliar. Uma possível estratégia é a produção
de inversão em infraestrutura urbana entre
de moradias para aluguel social ou programas
o governo federal, do estado de Goiás e de
de subsídios para locação por parte do Esta-
Brasília.
do para a população jovem, como acontece
Por fim, pode-se afirmar que Brasília
com países como Portugal (Programa Porta
nasceu duplamente sob o signo da vanguarda.
65 – Jovem), em locais com concentração de
Primeiramente, por ser símbolo do urbanismo
empregos e maior diversidade na oferta ti-
racionalista, moderno e componente de um
pológica de imóveis para jovens solteiros ou
projeto de integração nacional. Em segun-
casais, diminuindo com isso o descasamento
do lugar por nascer metrópole, “antecipan-
casa-trabalho e a elevada mobilidade pendu-
do” estruturas socioespaciais marcadas pela
lar de longa distância atualmente observada
dispersão populacional em áreas urbanas hie-
no Aglomerado Urbano, principalmente nos
rarquicamente organizadas em sua escala de
espaços do tipo médio e popular. Para os
organização socioeconômica.
164
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Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
George Alex da Guia
Arquiteto e Urbanista. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Ministério da Cultura. Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
Lúcia Cony Faria Cidade
Arquiteta. Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
Notas
(*) Este trabalho tem como base a dissertação de mestrado defendida em março de 2006 in tulada
PolíƟcas Territoriais, segregação e reprodução das desigualdades socioespaciais no Aglomerado
Urbano de Brasília.
(1) Para este texto, a unidade territorial adotada tem como base os estudos realizados pelo IPEA
(2002), de onde foram excluídos três municípios: Formosa, Alexânia e Padre Bernardo, em virtude das baixas taxas de crescimento, nível de centralidade fraco e perfil econômico baseado na
agropecuária. Nesse sen do e para fins deste estudo, o Aglomerado Urbano de Brasília é composto por sete municípios goianos (Luziânia, Valparaíso de Goiás, Santo Antonio do Descoberto,
Novo Gama, Cidade Ocidental, Águas Lindas de Goiás e Planal na) mais o Distrito Federal.
(2) Neste período, finais do século XVIII, a vila de Santa Luzia era apenas um povoado em expansão
devido às minas auríferas. Com o passar do tempo, a vila passou à categoria de cidade, denominada Luziânia, concentrando a sede do poder eclesiás co e polí co local. Desempenhou, por
este mo vo, papel de centro polí co da Microrregião do Leste goiano, disputando com Pirenópolis a primazia local (Da Guia, 2003).
(3) A principal ação do programa Marcha para o Oeste no estado de Goiás foi a transferência e construção da capital, de Goiás Velho para Goiânia. A construção da cidade planejada de Goiânia
reforçou o processo de interiorização da economia brasileira e gerou um surto de desenvolvimento local, com fluxos migratórios de diversas regiões do país e cons tuição de um centro
socioeconômico no eixo Goiânia-Anápolis (Silva, 1997, p. 40).
(4) A figura do loteador descapitalizado foi u lizada por diversos estudos sobre a estruturação interna das cidades do Rio de Janeiro (Lago, 2000) e Belo Horizonte (Mendonça, 2002). A u lização
para o caso do Aglomerado Urbano de Brasília deve-se, em parte, à ação dos fazendeiros na
apropriação da renda gerada pela proximidade com o canteiro de obras da nova capital. Ribeiro
(1994) aponta que, no caso do Rio de Janeiro, o “loteador descapitalizado realiza a operação
sem inves r previamente uma grande soma de recursos, o mínimo para iniciar o negócio. Este
agente era o próprio proprietário da terra ou um corretor que com ele se associava, não havendo, portanto, compra anterior da gleba. A sua estratégia de comercialização se orientava
pelo obje vo de realizar rapidamente as primeiras vendas, oferecendo os lotes a baixo preço
e a prestações compa veis com a baixa capacidade de endividamento do comprador. E se o
negócio fosse bem-sucedido, o loteador vendia os lotes restantes em condições mais favoráveis,
por um preço superior e em prazo mais curto, em função da valorização proporcionada pelas
primeiras ocupações (...)” (ibid., pp. 11-12).
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George Alex da Guia e Lúcia Cony Faria Cidade
(5) Diversos planos e projetos focados na gestão do território foram empreendidos, destacam-se os
Planos de Estruturação e Ordenamento Territorial de Brasília-PEOT de 1977, o POUSO e o POT
da década de 1980.
(6) Uma parcela da expansão demográfica pode ser creditada à transferência de funcionários públicos do Rio de Janeiro para nova capital. Outra parcela resultou da vinda de trabalhadores para a
construção civil e de pequenos comerciantes e, ainda, do incremento vegeta vo em ascendência – 139.762 nascidos no Distrito Federal entre 1960 e 1970 (Paviani, 1985, p. 60).
(7) Tomamos emprestada a classificação demográfica do espaço proposta por Mendonça (2002).
Para a autora, a associação entre crescimento populacional e saldo de mobilidade populacional
resulta em uma classificação de áreas segundo a sua capacidade de retenção de população. A
configuração proposta pela autora é a seguinte: áreas altamente expulsoras, áreas expulsoras,
áreas altamente receptoras, áreas receptoras, áreas expulsoras para fora e áreas receptoras de
fora (p. 121).
(8) Entenda-se por PEA como a População Economicamente A va. Trata-se da parcela da População
em Idade Economicamente A va – PIA que está ou ocupada ou desempregada. Para maiores
detalhes ver Nota Técnica 01/2003 da Fundação Seade e Dieese.
(9) Como tomada de decisão metodológica, optou-se por manter os dados rela vos às pesquisas
realizadas no ano 2000, base do estudo das categorias sócio-ocupacionais. Estudos recentes da
PED-DF apontam crescimento da PEA e da ocupação, com ampliação do setor público, inclusive
com incremento na diferença de rendimento com o setor privado (Dieese, 2009)
(10) O grupo que apresenta a menor renda é o subproletariado, com cerca de 44,29% de sua população apropriando até ½ salário mínimo.
(11) Observam-se alguns espaços em áreas mais periféricas que apresentam qualidades do po médio e médio superior, como é o caso do núcleo original de Sobradinho e Gama Centro. Contudo,
mesmo a presença desses espaços, em nível metropolitano, não descaracteriza um espaço metropolitano organizado como um gradiente de pos sociais em trajetória descendente a par r
do centro principal.
(12) Conforme aponta Vianna (2005), a autossegregação, enquanto segregação voluntária é, no Distrito Federal, um processo recente marcado pela ocupação de áreas lindeiras à EPCT, como é
caso dos condomínios do Grande Colorado e do Jardim Botânico.
(13) O setor de emprego é fator de diferenciação social e espacial determinante, dado que a remuneração bruta de um servidor público é 3 vezes maior que os trabalhadores não públicos.
(14) Sob o aspecto das determinantes da segregação socioespacial nas regiões metropolitanas brasileiras, ver Morais e Cruz (2003).
(15) As análises realizadas mostram que as ações de gestão do território cons tuíram diferenciados
padrões de urbanização marcados pela “periferização ins tucionalizada” das populações de menor poder aquisi vo em cidades-satélites, no Distrito Federal, e a profusão de loteamentos em
terras par culares nos municípios goianos do entorno goiano.
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Segregação residencial e reprodução das desigualdades socioespaciais ...
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Texto recebido em 9/nov/2009
Texto aprovado em 8/mar/2010
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 145-168, jan/jun 2010
Explorando as consequências
da segregação metropolitana
em dois contextos socioespaciais*
Exploring the consequences of metropolitan
segregation in two socio-spatial contexts
Luciana Teixeira de Andrade
Jupira Gomes de Mendonça
Resumo
A análise de dois distintos processos de segregação
socioespacial presentes na Região Metropolitana
de Belo Horizonte busca responder em que medida a homogeneidade ou a heterogeneidade social
impactam as oportunidades no mercado de trabalho. Se os dados não nos permitem a determinação de causa e efeito, eles podem indicar algumas
hipóteses, tanto contra quanto a favor da tese do
efeito território. Ao norte da metrópole observa-se
a reprodução da pobreza em município tradicionalmente periférico e homogeneamente pobre. No
sul, observa-se a expansão de área de loteamentos
fechados, onde a migração dos ricos, que simultaneamente atrai os mais pobres, conforma um contexto mais heterogêneo, ainda que segregado. A
questão que permanece é se, em contextos em que
a heterogeneidade é marcada pela segmentação
e pela polarização social, como na área dos “condomínios”, são possíveis as trocas e a integração
social.
Palavras-chave: segregação socioespacial; estrutura de oportunidades; contexto social heterogêneo; periferia; Região Metropolitana de Belo
Horizonte.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Abstract
The analysis of two different processes of sociospatial segregation in the Metropolitan Area of
Belo Horizonte aims to explore to what extent
social homogeneity or social heterogeneity has
an impact on labor market opportunities. The
data do not allow us to determine cause and
effect relations, but they can indicate some
hypotheses, both against or in favor of the
thesis of territory effect. To the north of the
metropolis we can observe the reproduction
of poverty in a traditionally peripheral and
homogeneously poor city. In the south we can
observe the expansion of gated communities,
where the migration of wealthy people, which
simultaneously attracts the poorer ones,
composes a more heterogeneous, even though
segregated, context. The question that remains
is whether interchanges and social integration
are possible in a context where heterogeneity is
marked by segmentation and social polarization,
as it is in gated communities.
Keywords: socio-spatial segregation; structure
of opportunities; heterogeneous social context;
periphery; Belo Horizonte Metropolitan Area.
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
O objetivo deste artigo é analisar dois
distintos processos de segregação socioespa-
trabalhadores da mina de ouro Morro Velho,
hoje desativada.
cial presentes na Região Metropolitana de Be-
A questão que buscamos responder é
lo Horizonte (RMBH), assim como seus efeitos
em que medida a homogeneidade ou a hetero-
sobre a população de baixa renda. O primeiro
geneidade social impactam as oportunidades
deles teve lugar no eixo norte, a partir da dé-
no mercado de trabalho ou, se utilizarmos os
cada de 1970, constituindo um dos polos do
conceitos desenvolvidos por Kaztman e Fil-
modelo de estruturação centro-periferia, com
gueira (2006), em que medida as diferentes
a formação de municípios “dormitórios” para
composições sociais presentes nos dois muni-
a população pobre. O segundo teve lugar no
cípios significam estruturas de oportunidades
eixo sul, a partir da década de 1990, com a
diferenciadas.1
autossegregação de grupos de alta renda nos
A tese de Kaztman e Filgueira é que a
condomínios residenciais fechados, atraindo
homogeneidade das regiões pobres contribui
em seguida a população de baixa renda em
para enfraquecer a capacidade de formação de
busca de empregos pouco qualificados, como
capital social e, por consequência, fragiliza as
os domésticos.
condições para o desenvolvimento individual e
Apesar de cada um desses tipos de se-
coletivo:
gregação socioespacial ter seu auge em épocas
Para os pobres urbanos espacialmente segregados e com laços trabalhistas frágeis
parecem confluir pelo menos dois processos que reduzem as suas chances de
acumular capital social. Por um lado, seu
isolamento em relação a outros estratos
da sociedade. Por outro, as dificuldades
para constituir instituições e redes sociais
locais que deem suporte a esse capital.
(2006, p. 15)
diferentes – respectivamente décadas de 1970
e 1990 –, o segundo não substitui o primeiro.
Ambos convivem atualmente na RMBH, mas
localizam-se em regiões distintas e atingem
diferentes grupos sociais.
Escolhemos para análise dois municípios
mais representativos desses processos: Ribeirão das Neves, no eixo norte, e Nova Lima, no
eixo sul. Como se mostrará a seguir, o primeiro
se caracteriza por uma forte homogeneidade
A hipótese é que para os mais pobres uma
social. É, por excelência, o território da pobre-
fonte de capital social são as interações que
za. Já o segundo vem sendo retratado como o
ocorrem em contextos sociais mais heterogê-
município dos ricos, devido em grande parte à
neos. Nesses lugares, os vizinhos constituem
forma ostentatória com que esse grupo ocupa
fonte importante de informação e contatos
o espaço. Mas, como procuraremos mostrar,
sociais.
trata-se de um município marcado por uma
Os dois municípios objeto de análise
grande heterogeneidade, uma vez que a ri-
neste trabalho apresentam situações propí-
queza, inclusive a representada pela moradia,
cias para as respostas a essas indagações,
gera emprego e atrai trabalhadores de baixa
especialmente no que se refere aos impac-
qualificação. Além desses novos habitan-
tos de contextos sociais mais ou menos
tes, há também os antigos, muitos deles ex-
heterogêneos.
170
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Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
Região Metropolitana de
Belo Horizonte: processos
diferenciados
A capital é a contraface do processo de
periferização, constituindo-se um espaço mais
elitizado, com melhor infraestrutura e, devido
ao alto custo do solo, menor demanda relativa
de moradia, o que se reflete no seu crescimento
A metropolização de Belo Horizonte é, segun-
abaixo da média metropolitana, tendência es-
do alguns autores, um fenômeno que se inicia
sa que se aprofundará nas décadas seguintes.
já na primeira metade do século passado (Tei-
O caso mais emblemático da periferiza-
xeira e Souza, 2003). No entanto, a década de
ção da RMBH na década de 1970 é Ribeirão
1970 é reconhecida pela literatura como a de
das Neves, cuja taxa de crescimento foi de
sua maior intensificação, quando cresce a mo-
21% a.a, mais que o quádruplo da RMBH. O
bilidade residencial de trabalhadores da capi-
segundo município nessa hierarquia foi Con-
tal para os municípios do entorno. Contagem
tagem, com taxa de 10% a.a, bem inferior a
e Betim, dois municípios de eixo industrial a
de Ribeirão das Neves. Nesse mesmo período,
oeste da capital, recebem parte dessa popu-
os municípios do eixo sul apresentavam cres-
lação, mas será no eixo norte, constituído por
cimento negativo ou muito abaixo da média
municípios sem tradição industrial – com exce-
metropolitana. Três fatores contribuíram para
ção de Santa Luzia – e com baixa regulação do
que este eixo ficasse relativamente imune aos
uso do solo, somada ao baixo valor da terra,
processos de expansão metropolitana e em es-
que a imigração se revelará mais intensa, em
pecial ao parcelamento do seu solo para mora-
especial no município de Ribeirão das Neves.
dia: as dificuldades de acesso, a ação do órgão
Esses dois eixos, oeste industrial e norte, são
de planejamento metropolitano preocupado
os que melhor expressam a dinâmica metropo-
com as questões ambientais – como os ma-
litana dessa década. Suas taxas de crescimento
nanciais de água – e, por fim, a concentração
foram, naqueles anos, superiores às da capital
da propriedade das terras pelas empresas
(3,6% a.a.) e da RMBH (4,6% a.a.), conforme
mineradoras.
demonstra a Tabela 1. A RMBH foi instituída
São muitas as consequências desse
oficialmente em 1973, com 14 municípios.
processo de segregação que a literatura de-
Nas décadas seguintes foram acrescidos mais
nominou centro-periferia. A mais perversa
20 municípios. Desses 34 municípios, muitos
foi a exclusão dos trabalhadores das áreas
evidenciam uma baixa integração à dinâmica
com melhor infraestrutura urbana e oferta de
metropolitana (Observatório das Metrópoles,
serviços e de trabalho agravada pela falta de
2004). Por essa razão e pelos objetivos deste
um transporte público barato e de qualidade.
trabalho a Tabela 1 foca apenas 13 municípios.
Vejamos agora o processo nas duas décadas
Já a linha RMBH apresenta a população total
seguintes, concentrando nossa análise nos
relativa aos municípios que formavam a RMBH
municípios dos eixos norte e sul que faziam
em 1991. Como os novos municípios anexados
parte da RMBH no período.
depois deste ano são pouco populosos, seu impacto no resultado final é pequeno.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Se entre 1970 e 1980 a RMBH cresceu
4,6% a.a, na década de 1980 o crescimento
171
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
Tabela 1 – Região Metropolitana de Belo Horizonte
Crescimento Populacional 1970-2000
1970
1980
1991
2000
Tx. cresc.
1970-1980
Tx. cresc.
1980-1991
Tx. cresc.
1991-2000
1.235.030
1.753.520
2.020.161
2.238.526
3,57
1,30
1,15
37.815
84.193
170.934
306.653
8,33
6,65
6,71
111.235
280.477
449.588
538.017
9,69
3,38
2,02
19.508
37.701
92.675
160.583
6,81
8,52
6,32
9.707
64.727
143.853
246.846
20,89
7,53
6,18
Santa Luzia
25.301
59.893
137.825
184.903
9,00
7,87
3,32
Vespasiano/São José da Lapa(1)
12.429
25.046
54.868
91.422
7,26
7,39
5,84
Brumadinho
17.874
17.964
19.308
26.614
0,05
0,66
3,63
Nova Lima
33.992
41.217
52.400
64.387
1,95
2,21
2,32
Rio Acima
5.118
5.073
7.066
7.658
-0,09
3,06
0,90
1.717.216
2.609.520
3.436.060
4.259.163
4,56
2,53
2,41
Município
Belo Horizonte
Principais municípios do eixo oeste
Betim
Contagem
Ibirité/Sarzedo/Mário Campos(1)
Principais municípios do eixo norte
Ribeirão das Neves
Principais municípios do eixo sul
Total geral da RMBH(2)
Fonte: IBGE, Censos Demográficos.
(1) Municípios desmembrados na década de 1990.
(2) Total de municípios que formavam a RMBH em 1991.
cai para 2,5% a.a., e em 1990 para 2,4% a.a.
RMBH e mais alto que o de Belo Horizonte, res-
Essa desaceleração é perceptível em todos os
pectivamente, 2,2% e 3,1% a.a.
municípios que, na década de 1970, apresen-
O processo de metropolização de Be-
taram altas taxas de crescimento populacio-
lo Horizonte resultou em particularidades e
nal. Mas Ribeirão das Neves, Santa Luzia e
na pluralidade do crescimento periférico: em
Vespasiano ainda apresentaram altas taxas de
primeiro lugar, pelo movimento clássico de
crescimento: respectivamente 7,5%, 7,9% e
expulsão para a periferia com a constituição
7,4% a.a. No eixo sul, Brumadinho permane-
das cidades dormitórios no eixo norte; em
ceu praticamente estagnado demograficamen-
segundo, por uma estruturação econômica,
te; já em Nova Lima e Rio Acima verificou-se
ditada pela ação estatal, que definiu um eixo
um crescimento da população próximo ao da
industrial-residencial periférico, a oeste; em
172
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
terceiro lugar, por uma periferização das clas2
ses médias para os condomínios fechados do
eixo sul.
3
A história de Nova Lima remonta ao século XVII e à atividade mineradora: primeiro o
ouro e depois o ferro. É, portanto, uma cidade
Essa periferização da moradia de parte
muito mais antiga que a capital do estado e
dos estratos médios e altos, que se disseminou
município polo da Região Metropolitana, a pla-
pelas metrópoles brasileiras a partir da década
nejada Belo Horizonte, inaugurada em 1897.
de 1990, é na verdade um fenômeno recente,
Como foi mostrado anteriormente, apesar de
uma vez que até então esses estratos prefe-
sua proximidade com a capital, Nova Lima não
4
riam as áreas centrais. Mas o importante a ser
se transformou em uma cidade dormitório por
destacado aqui é que o grupo propulsor des-
diversos fatores. Mas, desde a década de 1970,
se processo territorial e social depende, para
parte de seu território passou a ser desmem-
a manutenção de suas casas e de seus estilos
brada em lotes de grandes dimensões para o
de vida, de um número relativamente alto de
lazer, nos finais de semana, de moradores de
empregados domésticos e de outros prestado-
Belo Horizonte. Até a década de 1980, raros fo-
res de serviços. Esses trabalhadores, limitados
ram os que optaram pela moradia permanente
pelo alto valor do solo na região, encontraram
nesses loteamentos, em função do seu relativo
em alguns espaços residuais do município de
isolamento. Esse cenário muda na década de
Nova Lima seu lugar de moradia, conformando
1990, atraindo novos e mais ricos moradores
um espaço heterogêneo e bastante polarizado,
para os condomínios. Esses vêm, na sua quase
com densidade alta nas áreas residenciais dos
totalidade, de Belo Horizonte (Andrade, 2003,
estratos de baixa renda (loteamentos abertos)
2006).
e baixa nas dos estratos de alta renda (lotea-
Há, aqui, uma combinação de fatores
mentos fechados, denominados “condomí-
de expulsão de Belo Horizonte, que se dife-
nios”) (ver Mendonça e Perpétuo, 2006).
rencia da expulsão para as regiões ao norte:
Se na segregação centro-periferia a dis-
a saturação do espaço físico da capital, princi-
tância física colaborava para a manutenção
palmente para a construção de casas, e o au-
da distância social, fundamento dessa ordem
mento da insegurança e da criminalidade estão
urbana desigual, na autossegregação nos con-
entre os principais. Por outro lado, os condo-
domínios fechados são construídas barreiras
mínios passam a contar, na década de 1990,
físicas e sociais que fazem com que a proxi-
com um conjunto de atrativos muito valorizado
midade física não seja vista como socialmente
problemática.5
Apesar de essas duas formas de segregação – centro-periferia e autossegregação dos
grupos de alto status – se fazerem presentes
na maioria das cidades brasileiras (e latinoamericanas), algumas especificidades históricas de Nova Lima e de Ribeirão das Neves nos
ajudam a entender melhor esse processo.
no mercado de terras da região: proximidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
da natureza, tranquilidade, privacidade e segurança. O antigo isolamento é rompido com melhorias viárias e a oferta de serviços nas imediações dos condomínios; conjuntamente, eles
promovem a conurbação com Belo Horizonte.
Mais uma vez, observa-se aqui uma convergência entre os interesses privados – imobiliários
e de comércio e serviços – e a ação do poder
173
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
público. Este último, através da prefeitura mu-
pelo município; atualmente, abriga indústrias
nicipal, desencadeou uma ampla campanha de
de pequeno porte, galpões, lojas que atendem
atração de empresas e de moradores com alto
aos condomínios e muitas residências para a
poder aquisitivo. Entre os incentivos estavam a
população mais pobre, em geral prestadores
redução de impostos e a duplicação das pistas
de serviços nos condomínios; 6) por fim, há al-
da antiga e sinuosa estrada que liga a sede do
guns povoados, sendo o mais importante deles
o distrito de São Sebastião das Águas Claras,
com muitas pousadas, restaurantes e antiga
população que vive da agricultura e que hoje
também encontra emprego nessas novas atividades de lazer.
O território de Ribeirão das Neves constituiu-se também de forma fragmentada, embora em menor grau. Seu intenso crescimento na
década de 1970 é expressão de um processo
nacional de segregação nas metrópoles brasileiras, em um momento de grande fragilidade
das políticas de regulação do solo. Entre os
seus principais sujeitos estão os agentes imobiliários, que atuaram indireta e diretamente
sobre o município, no primeiro caso deixando grandes vazios urbanos nas áreas mais
centrais da RMBH dotadas de infraestrutura,
como forma de valorizá-los para posterior
comercialização e, no segundo caso, agindo
diretamente na criação de loteamentos precários, nas periferias mais distantes, muitos deles
clandestinos e sem nenhuma infraestrutura.
Ao processo de parcelamento do solo seguiuse a autoconstrução e a construção por “ajuda
mútua”, reunindo família e amigos nos finais
de semana. Essas periferias eram, na expressão de Cymbalista, “o lugar aonde as pessoas
chegam antes da cidade” (2006, p. 44).
Desta maneira, formou-se uma conurbação com os bairros situados a norte de Belo Horizonte, constituindo em Ribeirão das
Neves a região conhecida como Justinópolis.
Esta é hoje uma área de ocupação densa e
município a Belo Horizonte.
Essa ocupação, em várias e diferenciadas
etapas, acabou por conformar um espaço muito
fragmentado, para o qual contribuiu a grande
extensão territorial do município – 429,7 km²
(bem maior que a área da capital e de Ribeirão
das Neves, respectivamente, 331,9 km² e 154,6
km²). Aliada à extensão, tem-se a preservação
de suas qualidades naturais, grande atrativo
para os condomínios. Seis são os territórios
que podem ser identificados em Nova Lima:
1) a Região das Seis Pistas, na fronteira com
Belo Horizonte, que concentra faculdades, hospitais, hotéis, escritórios, prédios residenciais
de alto luxo, restaurantes e outros serviços e
constitui hoje uma nova centralidade; 6 2) um
conjunto de condomínios ao longo da rodovia
MG-30, que liga Belo Horizonte à sede do município; 3) a antiga sede ou área central, com
serviços e comércio local, e residências de seus
antigos moradores, muitos deles ex-trabalhadores da mina de ouro, hoje desativada; 4) um
outro conjunto de condomínios localizado nas
margens da rodovia BR-040 (ligação Belo Horizonte-Rio de Janeiro); entre estes condomínios
encontra-se um loteamento aberto, o Vale do
Sol, que além das residências de estratos médios abriga um relativamente sofisticado centro gastronômico; 5) situado em área próxima
a esse segundo conjunto de condomínios está
o Jardim Canadá, um antigo loteamento que
durante décadas ficou abandonado, sendo reativado em função dessa nova atração exercida
174
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
cujos vínculos são muito mais fortes com Belo
respeito ao trabalho: quase metade da sua po-
Horizonte do que com a sede de Ribeirão das
pulação que trabalha o faz em Belo Horizonte
7
Neves.
(FJP, 2004). Na realidade, menos da metade da
Mas se a periferia de Ribeirão das Neves
população trabalhadora exerce sua ocupação
foi esse território abandonado pelo estado e
no próprio município. É digno de nota, ainda,
desbravado pelos agentes imobiliários, no seu
que 7% se desloca para trabalhar em Conta-
núcleo central, a sede do município, o estado
gem, no eixo oeste industrial (Tabela 2).
já se fazia presente pelo menos desde 1938,
Nova Lima também apresenta um signi-
quando ali foi instalada a Penitenciária Agrí-
ficativo grau de dependência, mesmo se con-
cola de Ribeirão das Neves, hoje um comple-
siderado todo o município: 1/3 dos que traba-
xo penitenciário. Antes de se constituir como
lham o fazem em Belo Horizonte. No desloca-
“cidade dormitório”, Neves foi, e continua sen-
mento por motivo de estudo, relativamente a
do, a “cidade presídio” da RMBH. Essas duas
Ribeirão das Neves, mais pessoas se deslocam
funções, presídio e dormitório, têm um efeito
de Nova Lima para a capital. Também o des-
bastante negativo sobre sua imagem.
locamento para compras e/ou lazer apresenta
Ribeirão das Neves como um todo apre-
fluxo significativo para Belo Horizonte: 1/3, no
senta um alto grau de dependência em relação
caso de Nova Lima, e 1/4, no caso de Ribeirão
a Belo Horizonte, principalmente no que diz
das Neves.8
Tabela 2 – Nova Lima e Ribeirão das Neves
Origem dos deslocamentos, por motivo, 2001
Nova Lima
Origem
Destino/motivo
Trabalho
Num.
Abs.
Estudo
Ribeirão das Neves
Lazer/compras
%
Num.
Abs.
%
8.153
32,58
5.103
24,52
Contagem
431
1,72
–
0,00
–
0,00
Esmeraldas
–
0,00
–
0,00
–
Nova Lima
15.767
74,71
Belo Horizonte
Raposos
Ribeirão das Neves
Todos os destinos
54
–
63,01 15.551
Num.
Abs.
Trabalho
Num.
Abs.
Lazer/compras
%
%
48,52
9.301
11,83
998
25,29
6.599
7,42
408
0,52
91
2,30
0,00
228
0,26
–
0,00
136
3,45
1.128
59,15
364
0,41
–
0,00
–
0,00
–
0,00
–
0,00
–
0,00
86,61
2.677
67,82
564
%
29,58 43.146
0,22
–
0,00
134
7,04
0,00
–
0,00
–
0,00 36.729
25.023 100,00 20.815 100,00
Estudo
Num.
Abs.
41,30 68.098
1.907 100,00 88.932 100,00 78.623 100,00
Num.
Abs.
%
3.947 100,00
Fonte: Fundação João Pinheiro, Pesquisa de Origem e Destino, 2004.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
175
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
não é isso que se capta dos dados sobre os
Homogeneidade versus
heterogeneidade
imigrantes recentes, ou seja, aqueles habitantes que não residiam no município em 1995. O
Quadro 1 permite observar que, em Nova Lima,
Como já se indicou, o município de Ribeirão
embora haja entre os imigrantes recentes alto
das Neves é bastante homogêneo na compo-
percentual de pessoas mais escolarizadas e de
sição de sua população, enquanto Nova Lima
empregadores, grande parte é constituída por
demanda uma investigação mais detalhada de
grupos sociais de baixa renda e de baixa esco-
sua composição social, uma vez que esta se
laridade. Diferentemente, nota-se em Ribeirão
apresenta bem mais complexa.
das Neves que os indicadores sociais da po-
Dada a extensão dos espaços ocupados
pulação total são praticamente os mesmos da
pelos condomínios e a atenção que eles e seus
população que chegou recentemente ao muni-
moradores recebem dos meios de comunica-
cípio, caracterizando-se expressivamente por
ção, a impressão que se tem é que a expansão
grupos de baixa renda e baixa escolaridade.
metropolitana no eixo sul é caracterizada ape-
A entrada de migrantes de diferentes ori-
nas (ou mesmo predominantemente) por seg-
gens sociais, que revela a dinâmica mais recen-
mentos populacionais de alta renda. Ainda que
te de Nova Lima, somada à população que há
estes sejam os definidores dessa expansão,
mais anos reside no município, resultou numa
Quadro 1 – Nova Lima e Ribeirão das Neves
Alguns indicadores dos diferenciais socioeconômicos
dos imigrantes recentes (*) em relação à população total, 2000
Nova Lima
Indicadores
Renda total da
população ocupada
Ribeirão das Neves
População total Imigrante recente População total Imigrante recente
(total = 100%)
(total = 100%)
(total = 100%)
(total = 100%)
% do pessoal ocupado com total
de rendimentos igual ou menor
que 1 SM
20,76
13,51
22,11
21,97
% do pessoal ocupado com total
de rendimentos igual ou maior
que 30 SM
2,48
7,86
0,10
0,17
2,75
8,50
1,24
1,10
% de pessoas com 3 anos de
estudo ou menos (**)
17,27
17,48
25,87
25,29
% de pessoas com 12 anos de
estudo ou mais
8,96
23,97
1,53
1,40
População ocupada % de empregadores
Escolaridade
(*) Imigrantes recentes são aqueles habitantes que não moravam no município em julho de 1995.
(**) Pessoas com 10 anos ou mais de idade – estão incluídas as que frequentaram curso de alfabetização.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 – dados trabalhados.
176
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
composição social mais heterogênea, ainda
dos dois municípios. Observa-se, na Tabela 3,
que, como veremos, mais da metade do total
que a mescla social é significativamente maior
de domicílios do município possui renda até
na sede de Nova Lima – excetuando-se os
5 salários mínimos (ver Tabela 4). Na compa-
empresários, dirigentes públicos e privados e
ração com Ribeirão das Neves, as diferenças
os pequenos empregadores, todos os demais
tornam-se mais nítidas. Os estratos médios
grupos sociais desse município (intelectuais,
(mais de 5 até 20 SM) têm representação su-
trabalhadores de ocupações médias e traba-
perior em Nova Lima; o grupo com mais de 20
lhadores do secundário e do terciário) têm uma
SM é quase inexistente em Ribeirão das Neves
participação próxima da média metropolitana.
e atinge 10% dos domicílios em Nova Lima. Ou
Na sede de Ribeirão das Neves, ao contrário,
seja, Ribeirão das Neves é homogeneamente
apenas os grupos sociais constituídos por tra-
pobre, enquanto Nova Lima tem uma repre-
balhadores manuais têm participação próxima
sentação mais significativa de grupos de renda
ou acima da média metropolitana.
média e alta (quase a metade dos domicílios).
O espaço periférico de Nova Lima, cons-
Outra forma de se aferir a composição so-
tituído predominantemente pelos loteamentos
cial dos dois municípios, assim como a sua dis-
fechados dos segmentos de média e alta renda
tribuição territorial, é considerar as categorias
(a mais significativa exceção é o Jardim Cana-
sócio-ocupacionais construídas no âmbito do
dá), apresenta-se como espaço altamente po-
9
Observatório das Metrópoles e suas respec-
larizado, do ponto de vista social. Os grupos
tivas representações nas sedes e nas periferias
dirigentes e intelectuais têm representação
Tabela 3 – Densidade(*) de representação dos grupos sócio-ocupacionais
pelo Núcleo Central (NC) ou Periferia (P) – 2000
Trab. do
terciário
Trab. da
indústria
Trab. do
terciário não
especializado
Total
1,13
0,93
1,03
1,05
1,00
1,31
0,65
0,86
1,02
1,52
1,00
0,48
0,20
0,59
1,10
1,36
1,46
1,00
0,20
0,35
0,16
0,64
1,20
1,33
1,36
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Trab.
agrícolas
Dirigentes
NC de Nova
Lima
0,13
0,46
0,67
0,83
P de Nova
Lima
0,31
2,17
0,56
NC de R. das
Neves
1,18
0,27
P de R.
das Neves
0,99
RMBH
1,00
Localização
Pequenos
Ocupações
Intelectuais
empregadores
médias
(*) A densidade representa a participação de cada grupo no conjunto da população ocupada do município, em relação à
média metropolitana. Quanto maior o número, maior é a concentração do grupo social.
Fonte: IBGE – dados trabalhados.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
177
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
expressivamente acima da média metropoli-
Renda, trabalho e desemprego
tana (o dobro, no caso dos dirigentes), assim
como os trabalhadores do terciário não espe-
Além do que foi dito anteriormente sobre a
cializado, com destaque para os empregados
distribuição desigual da renda, é importante
domésticos. A participação dos demais traba-
destacar a situação de maior pobreza e vulne-
lhadores situa-se próxima ou abaixo da média
rabilidade em Ribeirão das Neves. Em ambos
metropolitana.
os municípios, mais de 50% da população re-
O contrário ocorre com os espaços pe-
cebe menos do que 5 SM (ver Tabela 4), mas é
riféricos de Ribeirão das Neves: a participa-
significativa a concentração de 74% de domicí-
ção dos dirigentes (empresários e dirigentes
lios de Ribeirão das Neves nesse grupo, assim
públicos e privados), dos pequenos emprega-
como apenas 1,18% no grupo com mais de 20
dores e dos intelectuais é quase cinco vezes
salários mínimos.
menor do que a média metropolitana. Também
Se observarmos a taxa de desemprego
as ocupações médias estão sub-representadas.
aberto, isto é, a proporção dos que procuram
Os trabalhadores manuais da indústria e do
emprego no conjunto da população economi-
terciário apresentam, ao contrário, participa-
camente ativa (PEA10 ), veremos que também
ção acima da média metropolitana. De fato,
esta é maior em Ribeirão das Neves (em to-
em Ribeirão das Neves, os espaços centrais e
das as faixas etárias). No conjunto, a taxa de
periféricos apresentam composição social bas-
desemprego é 23% em Ribeirão das Neves e
tante semelhante.
19% em Nova Lima. Destaca-se, em ambos os
Tabela 4 – Nova Lima e Ribeirão das Neves
Renda total do domicílio, 2000
Faixa de rendimento domiciliar
Município
Até 5 SM
Mais que 5 até 20 SM
Mais que 20 SM
Total
Nova Lima
53,36
36,56
10,07
100,00
Ribeirão das Neves
74,46
24,36
1,18
100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.
178
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
municípios, o desemprego entre os adolescen-
domésticos, e os que trabalham por conta-
tes e jovens de 15 a 24 anos de idade: taxas de
própria, em Ribeirão das Neves este trabalha-
desemprego de 34% e 35%, respectivamente,
dores alcançam quase a metade da população
para Nova Lima e Ribeirão das Neves, o que
ocupada (47%), enquanto que em Nova Li-
não necessariamente significa que esses jovens
ma 40% estão nesta situação.11 Importante
estejam frequentando a escola – em Nova Li-
também registrar que, entre os empregados
ma existem 2.768 adolescentes e jovens nessa
domésticos, não têm sua carteira assinada
faixa etária que não estudam nem trabalham,
47,3% em Nova Lima e 53,37% em Ribeirão
que correspondem a 21% do total de jovens
das Neves.
nesta faixa etária. Em Ribeirão das Neves, os
Ribeirão das Neves apresenta uma par-
adolescentes e jovens nessa situação somam
ticipação da PEA na PIA bastante alta na faixa
16.127 (30% do total de jovens).
etária de 15 a 17 anos, o que indica a maior
Também a precarização do trabalho é
presença de pessoas jovens no mercado de
maior em Ribeirão das Neves: o percentual
trabalho ou procurando emprego. Nas outras
de empregados sem carteira assinada é de
faixas as diferenças não são tão marcantes. A
22%, em contraposição a Nova Lima, onde é
explicação para a maior diferença em relação
de 15,5%. Se somarmos todos os que traba-
à primeira faixa etária pode ser buscada na
lham sem carteira, incluindo os empregados
menor frequência dos jovens de Ribeirão das
Tabela 5 – Posição na ocupação da População Ocupada
em Nova Lima e Ribeirão das Neves, 2000
População Ocupada
Nova Lima
Num. Abs.
Ribeirão das Neves
%
Num. Abs.
%
1 - Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada
1.950
7,6
5.984
6,5
2 - Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada
1.751
6,8
6.848
7,5
3 - Empregado com carteira de trabalho assinada
12.419
48,4
40.051
43,8
4 - Empregado sem carteira de trabalho assinada
3.975
15,5
19.986
21,8
707
2,8
1.137
1,2
4.452
17,3
16.175
17,7
41
0,5
243
0,3
8 - Não remunerado em ajuda a membro do domicílio
245
1,0
759
0,8
9 - Trabalhador na produção para o próprio consumo
42
0,2
353
0,4
25.681
100,0
91.535
100,0
5 - Empregador
6 - Conta própria
7 - Aprendiz ou estagiário sem remuneração
Total
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 – dados trabalhados.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
179
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
Tabela 6 – Participação da PEA na PIA
Município
TX de participação
TX de participação
TX de participação
TX de participação
da PEA na PIA de 15 da PEA na PIA de 18 da PEA na PIA de 25 da PEA na PIA de 60
a 17 anos, 2000
a 24 anos, 2000
a 59 anos, 2000
anos e mais, 2000
Nova Lima
35,46
78,34
73,57
19,25
Ribeirão das Neves
46,37
78,53
75,08
20,93
RMBH
40,73
77,61
76,03
20,26
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano.
Neves na escola. Nessa faixa, 78% dos adolescentes de Ribeirão das Neves estão na escola,
Educação
enquanto em Nova Lima são 87%. É justamente sobre os adolescentes (15 a 17 anos) que
Indicadores sociais também mostram que a
incidem os efeitos da recente precarização do
população de Ribeirão das Neves apresenta
trabalho.
baixo nível de ativos.12 A Tabela 7 mostra, na
Em Ribeirão das Neves, outro dado que
primeira coluna de cada faixa etária, a porcen-
demonstra sua maior precariedade é a neces-
tagem de crianças e adolescente frequentando
sidade de seus moradores deslocarem-se dia-
a escola; já a segunda coluna mostra se essas
riamente para outro município para trabalho
pessoas estão no nível (fundamental ou mé-
ou estudo (movimento pendular) – quase a
dio) adequado à sua idade; a última coluna,
metade dos trabalhadores vão diariamente pa-
por sua vez, mostra a porcentagem de pessoas
ra Belo Horizonte (Tabela 2). Ainda que esse
de 18 a 24 anos frequentando curso superior.
seja um indicador da metropolização de uma
Para as crianças de 7 a 14 anos, o acesso à
região, ele também mostra a dependência de
escola é praticamente universal, com dados
certos municípios em relação à cidade polo e
superiores a 96,41% – na segunda coluna os
sua incapacidade de gerar empregos e prover
números caem um pouco, em virtude talvez
serviços educacionais. E, sendo seus morado-
de uma pequena porcentagem dessas crianças
res pessoas com baixa renda, a necessidade de
não estarem ainda no curso fundamental. Já
deslocamento é um fator que deprecia ainda
a diferença da terceira para a quarta coluna é
mais a renda familiar ou então atua como um
bem maior e muito provavelmente se deve à
limitador naqueles casos em que o emprega-
defasagem escolar, ou seja, aos adolescentes
dor arca com os custos do transporte.
que ainda estão no ensino fundamental e não
180
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
Tabela 7 – Frequência à escola (%), 2000
Crianças de 7 a 14
anos na escola
Crianças de 7 a 14
anos frequentando
o fundamental
Adolescentes de 15
a 17 anos na escola
Adolescentes
de 15 a 17 anos
frequentando o
ensino médio
Pessoas de 18 a 22
anos frequentando
curso superior
Nova Lima
98,23
93,56
86,92
45,69
7,43
Ribeirão das Neves
96,41
92,13
77,88
37,36
0,56
Município
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano.
no ensino médio. A última coluna mostra aqueles com 18 a 22 anos que frequentam curso su-
Homicídios
perior. A participação dos jovens de Ribeirão
das Neves nesse grau é inferior a 1%.
A situação de Ribeirão das Neves e a de No-
O percentual de pessoas com mais de
va Lima distinguem-se profundamente quan-
25 anos analfabetas em Ribeirão das Neves é
do comparamos a incidência de homicídios.13
12,78%, quase o dobro de Nova Lima, 6,74%.
Entre os anos de 1998 a 2002, a taxa média
Nesse mesmo grupo etário a média de anos de
de homicídios por 100 mil habitantes em Nova
estudo dos moradores de Ribeirão das Neves é
Lima foi de 4,2 e a de Ribeirão das Neves 39,3,
4,78% em contraposição aos 6,78% de Nova
ou seja, nove vezes maior.
O Mapa da Violência de 2007 (OEI, 2007)
Lima.
Esses baixos resultados educacionais po-
mostra, para os anos de 2002 e 2004, uma rea-
dem indicar uma continuidade da pobreza, pois
lidade ainda mais preocupante para Ribeirão
os filhos, ainda que atinjam um nível educacio-
das Neves. Nesses anos, o município registrou
nal superior ao dos seus pais, provavelmente
uma taxa média de 58 homicídios por 100 mil
não conseguirão atingir os mesmos níveis dos
habitantes, o que o coloca entre os 10% dos
outros jovens da RMBH, o que os colocará nu-
municípios com as maiores taxas médias de
ma posição de desvantagem na competição
homicídios por 100 mil habitantes, ocupando
no mercado de trabalho, pelo menos para os
a 97ª posição num conjunto de 556 municí-
trabalhos melhor remunerados e que exigem
pios brasileiros. Na RMBH, Ribeirão das Ne-
maior nível educacional.
ves ocupa a terceira posição, depois de Betim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
181
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
(63,7) e de Contagem (58,4). Quando se consi-
Sanzone fala de uma integração seletiva e Soa-
deram os homicídios da população jovem, sua
res de uma integração subalterna que, se já foi
taxa por 100 mil habitantes sobe para 109,1
aceita pelos pais dos jovens pobres, não é mais
o que corresponde a 89ª posição no conjunto
aceita por estes últimos. O grande desafio está
dos 10% municípios com maior incidência de
em combinar geração de emprego e renda com
14
homicídios na população jovem (OIE, 2007).
a sensibilidade para o imaginário jovem e para
Como várias pesquisas já mostraram, são jo-
suas linguagens culturais específicas. Na falta
vens pobres matando outros jovens pobres.15
de condições para realização de suas expecta-
Pesquisas recentes sobre jovens no Brasil
revelam uma mudança nos seus valores, evi-
tivas, muitos jovens optam pela inatividade ou
mesmo pela criminalidade.
denciando uma significativa ruptura geracional. As primeiras constatações nessa direção
aparecem na pesquisa da antropóloga Alba
Zaluar na Cidade de Deus na década de 1980.
Algumas conclusões
Se para os pais o trabalho, ainda que precário
e pouco especializado, conferia a identidade de
A comparação entre as condições sociais de
trabalhador honesto e provedor da família, que
dois municípios situados nas fronteiras da ca-
se contrapunha à identidade negativa de vaga-
pital, Belo Horizonte – um na fronteira pobre
bundo, os filhos não viam nessa vida de pobre-
e outro na fronteira rica, um expressão do mo-
za e restrições grandes virtudes; ao contrário,
delo de segregação centro-periferia, outro de
passaram a rejeitá-la. Pesquisas mais recente
um modelo mais recente e mais fragmentado,
(Sanzone, 2003) mostram essa mudança de
social e territorialmente – coloca como ques-
valores de forma até mais profunda. Os jovens
tão de fundo as consequências desses dois
de hoje, mais educados e mais reivindicativos
modelos para a população mais pobre, ou seja,
de seus direitos de igualdade, têm uma repre-
o problema da superação da pobreza e, mais,
sentação do trabalho diferente da de seus pais.
da integração social.
O que estes consideravam trabalho, os filhos
Nas décadas de 1960/70 as regiões me-
veem como bicos e ocupações subservientes
tropolitanas atraíram muitos migrantes em
como é o caso do trabalho doméstico, aceito
função de maior oferta de empregos e da pos-
pelos pais e rejeitado pelos filhos. A demanda
sibilidade da aquisição da moradia na periferia
por igualdade e a rejeição a relações oligár-
distante – uma integração, ainda que seletiva,
quicas fazem parte hoje do universo cultural
a certa urbanidade metropolitana. Passadas
desses jovens pobres que tiveram mais acesso
mais de duas décadas, os indicadores sobre
à escola, um dos espaços onde esses valores
a população de Ribeirão das Neves revelam
foram difundidos.
maior instabilidade em relação ao trabalho e
As pesquisas de Luiz Eduardo Soares
maior déficit em relação à renda e à educação,
(2003) e de Sanzone (2003) problematizam as
considerando esta como um dos requisitos
demandas de integração por parte desses jo-
mais fundamentais para o acesso ao trabalho
vens e os canais institucionais para alcançá-las.
digno e melhor remunerado. Soma-se a isso
182
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
um ambiente de desagregação social e de
utilizados, os contatos desses moradores com
medo com o crescimento da criminalidade. E,
outros grupos sociais fora do bairro.
ainda que vários de seus indicadores tenham
Acresce-se a isso tudo a mais recente
evidenciado melhora, isso ocorreu de forma
forma de apartação social: a estigmatização
generalizada na RMBH e em quase todo o país,
dos territórios da pobreza como territórios da
o que enfraquece as chances dessa população
criminalidade. Assim como o estigma vincula-
ante outros grupos sociais, pois, se as melho-
do ao comportamento de um indivíduo tende
rias atingem a todos, as distâncias e as desi-
a abarcá-lo como um todo (Goffman, 1980),
gualdades não diminuem.
o estigma de um território estigmatiza a to-
Outro cenário revelado pelos dados de
dos que ali residem. Ribeirão das Neves sofre
Ribeirão das Neves é uma forte homogeneida-
duplamente desse estigma, primeiro por ser a
de da sua população e de seu território; ape-
“cidade-presídio” da RMBH e, segundo, por
sar de os efeitos da homogeneidade serem de
suas altas cifras de criminalidade violenta.
difícil aferição e de os dados aqui apresenta-
Dessa forma, o crime passa a ser vincula-
dos não validarem qualquer conclusão nessa
do à pobreza, com consequências perversas
direção, a hipótese levantada por outros estu-
para todos os seus moradores. As maiores evi-
dos (Kaztman, 2007) pode ser aqui reproduzi-
dências dessa situação são as dificuldades que
da: a falta de convivência próxima e cotidiana
os moradores de bairros estigmatizados como
com pessoas em situações mais vantajosas,
violentos têm para conseguir empregos e pa-
seja profissional, educacional ou culturalmen-
ra se relacionar com pessoas de outros grupos
te, entre outros aspectos, não gera condições
sociais.
para que se vençam as dificuldades do contex-
Aqui chegamos a uma questão cara a es-
to, assim como não propicia efeitos concretos,
te trabalho, mas de difícil verificação, até mes-
como indicação para trabalho, possibilidades
mo devido à natureza dos dados disponíveis.
de continuidade dos estudos, entre tantas
Pode-se falar de um efeito agravante do terri-
outras.
tório sobre a pobreza? Como alertam Kaztman
Estamos nos referindo aqui a um dos
e Retamoso (2005), deve-se ter o cuidado de
contextos da vida social dessas pessoas, o
não confundir causa com consequência ou,
bairro ou o local de moradia, mas é importan-
nos termos deste trabalho: Ribeirão das Neves
te ter em vista que ele não esgota todas as
é mais pobre e vulnerável porque para ali se
possíveis relações, inclusive com outros grupos
dirigem pessoas mais pobres ou porque a reu-
sociais em outros contextos, pois, como os da-
nião de muitas pessoas pobres configura um
dos do movimento pendular mostram, muitos
contexto social pouco propício à superação da
moradores de Ribeirão das Neves deslocam-se
pobreza?
diariamente para o trabalho ou estudo. Por-
Se os dados não nos permitem a deter-
tanto, preferimos o conceito de homogeneida-
minação de causa e efeito, eles podem nos in-
de social, capaz de descrever a intensidade da
dicar algumas hipóteses, tanto contra quanto a
segregação, ao de isolamento, uma vez que
favor da tese do efeito território. Em primeiro
não podemos controlar, com os dados aqui
lugar, não há dúvida de que Ribeirão das Neves
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
183
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
atraiu e continua atraindo, ainda que em menor
aos de Ribeirão das Neves. É importante tam-
escala, os mais pobres, devido principalmente
bém frisar as suas diferenças quantitativas,
ao baixo valor da terra. Mas quando analisa-
uma vez que Nova Lima não experimentou com
mos os dados relativos às crianças e aos jovens
a mesma intensidade de Ribeirão das Neves a
é possível perceber que não há um rompimen-
migração de pobres.
to significativo em relação à situação dos pais,
A questão anteriormente colocada em
ou seja, o que se verifica é uma reprodução da
relação a Ribeirão das Neves é pertinente tam-
pobreza, com o agravante do crescimento da
bém para Nova Lima, ou seja, não é possível
criminalidade. E se a criminalidade de maior
saber, com base nos dados aqui analisados,
incidência nesses espaços são os crimes contra
a intensidade das trocas que se operam entre
pessoas (entre estes, os homicídios), que têm
os diferentes estratos populacionais que com-
como vítimas e réus preferenciais os jovens,
põem o ambiente mais heterogêneo de Nova
isso evidencia o envolvimento com a criminali-
Lima e, principalmente, os seus efeitos. Mas a
dade de uma parcela da população que, como
presença de faculdades e de outras atividades
também afirmam Kaztman e Retamoso (2005)
culturais são indicadores positivos de um am-
para o Uruguai, nasceu e foi socializada nesse
biente mais plural culturalmente.
contexto, ou seja, esses jovens não tomaram,
Mas além de saber se essas trocas efe-
eles mesmos, a decisão de ali se radicarem, o
tivamente ocorrem, interessaria conhecer a
que reforça a hipótese do efeito território, pelo
sua natureza, em especial entre patrões e
menos para esses grupos mais jovens.
empregados domésticos, assim como entre
Depreende-se, pois, que a continuidade
moradores de territórios com barreiras físicas,
da pobreza em Ribeirão das Neves, passadas
como são os condomínios fechados. Ainda
mais de duas décadas, pode ser um forte indi-
que a empregada doméstica brasileira já te-
cador dos efeitos perversos da homogeneidade
nha conquistado alguns direitos, entre eles a
social. Como diz Kaztman (2007), opera nesses
carteira de trabalho, o que pressupõe um con-
contextos uma “sinergia negativa”, e quanto
trato amparado em leis e com conteúdo mais
menor os contatos entre as diferentes classes
impessoal, no dia-a-dia as relações são mar-
sociais, menores são os problemas comparti-
cadas por forte conteúdo tradicional e hierár-
lhados e maiores as distâncias. Isso contribui
quico (Soares, 1999), que pode incluir inclusive
para conformação de visões estereotipadas do
a inobservância da lei – segundo os dados do
outro, como a do rico ostentoso e a do pobre
Censo Demográfico de 2000, cerca de metade
criminoso.
dos trabalhadores domésticos de Nova Lima
Nova Lima experimenta outro tipo de
não tinham carteira assinada. Essa relação
migração, a dos ricos, que simultaneamente
de submissão pessoal e de atribuição rígida
atrai os mais pobres que, somados aos grupos
e tradicional de lugares sociais consolidados
sociais médios, conformam um contexto muito
não impede as trocas, mas certamente não
mais heterogêneo, ainda que segregado. Seus
atua como elemento facilitador. A segmenta-
indicadores sociais, assim como a oferta de
ção do território pelo fechamento dos condo-
serviços educacionais, são bastante superiores
mínios, cujas cancelas impedem a entrada e a
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Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
livre circulação das pessoas pelos espaços por
Retomando a nossa questão inicial,
natureza públicos (como ruas e praças), mas
quais os efeitos desses dois tipos de segrega-
por convenção (também não amparada por
ção? A resposta não é simples, e dificilmente
lei) fechados, é outro elemento que impede as
poderíamos, em contextos de segregação com
trocas em bases minimamente igualitárias. Os
forte conteúdo de separação de classes, falar
lugares ideais do encontro e das trocas entre
de efeitos positivos. A maioria dos autores que
esses grupos seriam os espaços e as institui-
estudam a segregação nas cidades latino-ame-
ções públicas (a mais fundamental a escola,
ricanas destaca a sua “malignidade”, como
mas também os transportes, os serviços de
dizem Sabatini, Cáceres e Cerda (2000). Re-
saúde, entre outros), mas estes estão de tal
sultados semelhantes podem ser encontrados
forma segmentados que as trocas só se efeti-
em Kaztman (1999) a respeito de Montevidéu
vam entre iguais.
e na comparação realizada por Ribeiro (2007)
Disso se conclui que os dois tipos de se-
entre trabalhadores com mesma escolaridade
gregação socioespacial – na escala macro e
vivendo em áreas faveladas e não faveladas,
na escala micro – colocam barreiras físicas e/
os primeiros sempre com rendimentos supe-
ou sociais que dificultam as trocas e as apro-
riores aos últimos. Nesse caso, soma-se à se-
ximações. No primeiro caso, pelas grandes
gregação a estigmatização das favelas, o que
distâncias físicas interpostas entre os ricos e os
leva a práticas discriminatórias no mercado de
pobres e, no segundo, pela separação desses
trabalho.
mesmos grupos sociais por barreiras físicas e
Essas considerações não invalidam a hi-
segmentação dos serviços. Portanto, os efeitos
pótese de efeitos diferenciados nos dois casos
positivos que poderiam advir do contexto mais
aqui analisados. O que os dados mostram é
heterogêneo de Nova Lima podem estar sen-
que a maior homogeneidade de Ribeirão das
do anulados na medida em que os grupos de
Neves propicia a reprodução da pobreza e,
maior status econômico, educacional e cultural
mais recentemente, a desintegração social,
constroem barreiras ao convívio e às trocas em
analisada aqui pelo indicador da criminalida-
condições minimamente igualitárias. Como diz
de. Já Nova Lima apresenta indicadores bem
Castel, “integrados, vulneráveis e desafiliados
mais positivos, mas a questão que permanece
pertencem a um mesmo conjunto, mas cuja
é se, em contextos em que a heterogeneidade
unidade é problemática” (1998, p. 34). Dito de
é marcada pela segmentação e pela polariza-
outra forma: em situações tão desiguais, que
ção social, como na área dos condomínios, são
destinos e valores podem ser compartilhados?
possíveis as trocas e a integração social.
Luciana Teixeira de Andrade
Socióloga. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
[email protected]
Jupira Gomes de Mendonça
Arquiteta e urbanista. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
185
Luciana Teixeira de Andrade e Jupira Gomes de Mendonça
Notas
(*) Este trabalho foi realizado no âmbito da pesquisa Observatório das Metrópoles/Ins tuto do Milênio/CNPq. Uma versão preliminar foi apresentada no Seminar on Spa al Segrega on and Labor
Market, realizado em Aus n, de 13 a 15 de fevereiro de 2008.
(1) “As estruturas de oportunidades se definem em termos de probabilidades de acesso a bens, serviços ou a a vidades que incidem sobre o bem estar dos lugares […]” (Kaztman e Filgueira, 2006,
p. 7).
(2) Para análises mais detalhadas deste fenômeno na RMBH ver Andrade (2003).
(3) Trata-se, na realidade, de uma expansão da centralidade metropolitana, uma vez que não se
deslocam apenas moradores, mas também serviços. Além disto, a distância entre essa área e
a área central e mais rica de Belo Horizonte é pequena: o deslocamento por automóvel é de
aproximadamente 20 minutos.
(4) Isso não significa que os condomínios sejam uma criação recente, a diferença é que antes sua
ocupação era bastante rarefeita e eles se des navam, em especial, ao lazer nos finais de semana, não funcionando como moradia principal.
(5) Essa proximidade sica é na verdade bastante rela va, uma vez que as áreas dos condomínios
são muito extensas e um condomínio faz fronteira com outro, protegendo-se mutuamente. No
caso dos que ficam na fronteira externa, tem sido u lizado o expediente de manutenção de um
cinturão verde.
(6) Esse po de centralidade difere da centralidade tradicional onde se concentram, além do comércio e dos serviços, as funções públicas e os grandes espaços públicos. As novas centralidades
são esvaziadas dessa dimensão pública, nelas preponderando os espaços de consumo, com os
shopping centers.
(7) Esse é um aspecto da metropolização também presente em Nova Lima. Os principais vínculos dos
moradores dos condomínios não se dão com a Sede de Nova Lima, mas com Belo Horizonte (Andrade, 2003), seja por relações anteriormente construídas, seja porque a sede oferece apenas
comércio e serviços locais.
(8) É importante ressalvar que, no caso dos deslocamentos por mo vo de compras/lazer, foi considerado somente o primeiro deslocamento; nos demais mo vos, a pesquisa considerou o des no
final.
(9) Nessa pesquisa, as categorias socioespaciais são a base da representação hierárquica da sociedade brasileira. A sua construção está suportada na ideia de centralidade do trabalho na estruturação e no funcionamento da sociedade. Para maior detalhamento, ver Ribeiro e Lago (2000) e
Mendonça (2002).
(10) A PEA é o somatório dos que trabalharam na semana de referência do Censo e aqueles que buscavam emprego.
(11) Dada a quan dade de profissionais de nível superior em Nova Lima, parte dos trabalhadores por
conta própria pode ser cons tuída de consultores e outros profissionais de alta renda. Nesses
casos, a informalidade não é um indicador de precariedade.
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Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais
(12) A noção de a vos representa o conjunto de recursos manipulados pelas famílias que lhes permitem “um aproveitamento efe vo das oportunidades que oferecem o Estado, o mercado e a
comunidade para te acesso às condições de vida que se consideram dignas em um momento
determinado” (Kaztman e Filgueira, 2006, p. 21).
(13) O homicídio tem sido u lizado como um dos principais indicadores da criminalidade nas cidades
brasileiras em função da sua gravidade e também por ser uma das esta s cas criminais mais
confiáveis.
(14) Nova Lima não foi contemplado nessa esta s ca, pois não está entre os municípios com maior
incidência de homicídios.
(15) Além do maior risco de perda da vida ou de submissão a outros pos de violência, a criminalidade acaba gerando mais gastos para as famílias cujos cônjuges trabalham e que não podem
deixar seus filhos sem o cuidado de alguém.
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Texto recebido em 29/out/2009
Texto aprovado em 13/mar/2010
188
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 169-188, jan/jun 2010
Antropologia na análise
de situações periféricas urbanas*
Anthropology in the analysis of urban peripheral situations
Maria Gabriela Hita
John E. Gledhill
Resumo
Através da análise sobre a diferenciação existente
entre distintas áreas pobres da cidade de Salvador,
os caminhos que distintas redes sociais traçam entre distintos espaços da cidade, a importância de
contextos e histórias particulares em conformar a
capacidade de moradores de favela de atuar coletivamente, e a emergência de novos tipos de atores
políticos e comunitários, sugere-se que uma análise
sociologicamente mais ampla, focada numa análise
mais etnográfica de como as pessoas vivem, pode
oferecer tanto uma melhor compreensão de como
e por que distintas “situações urbanas periféricas”
diferem entre si, como oferecer melhores pistas para a reformulação de políticas públicas, iluminando
importantes mudanças espaciais, sociais, políticas
e simbólicas de significados de “situações urbanas
periféricas” nessa metrópole.
Abstract
Through the analysis of the differentiation that
exists between different poor areas of the city of
Salador, the paths that distinct social networks
trace between different zones of the city, the
importance of particular contexts and histories
in shaping the capacity of slum dwellers to act
collectively, and the emergence of new kinds of
political and community actors, we suggest that
a more holistic sociological analysis, based on a
more ethnographic analisis of how people live,
can offer both a better understanding of how and
why distinct “peripheral urban situations” differ
from each other and also offer a better basis
for reformulating public policies, illuminating
important spatial, social, political and symbolic
changes in the meanings of “peripheral urban
situations” in this metropolis.
Palavras-chave: marginalidade; informalidade e
desigualdade; redes sociais; organização comunitária; novos atores; política urbana.
Keywords: marginality; informal and inequality;
social networks community organization; new
actors; urban policy.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
Neste artigo, utilizamos o estudo do caso
bairros populares são iguais. A qualquer mo-
do Bairro da Paz, um bairro popular (periférico)
mento, membros de uma família podem ser
na cidade de Salvador-Bahia, e com predomí-
encontrados vivendo em áreas diferentes que
nio de população afrodescendente, para refle-
a do interior de uma mesma ou de distintas
tir sobre algumas possíveis mudanças de signi-
cidades. Famílias extensas podem dispersar-se
ficados espaciais, sociais, políticos e simbólicos
para depois juntar-se de novo à mercê de di-
que precisam ser levados em conta para se
ferentes necessidades conjunturais, como a do
ter uma melhor compreensão sobre as diver-
desejo de aumentar oportunidades de trabalho
sas situações urbanas e periféricas existentes
ou pelos tipos de serviços; redes associativas e
quando se compara a experiência de distintas
tipo de organização que uns lugares oferecem
favelas e bairros populares brasileiros.
em detrimento de outros, para se aproximar de
Partimos do suposto de que, apesar da
suas redes de relações e afetos, ou pelo ampa-
estigmatização social que recebem as zonas
ro prestado por parentes com maiores recursos
de concentração de pobreza urbana, geral-
em fases críticas, mostrando quão persistente
mente associadas ao crime e aumento de
e providencial continua sendo o apoio de ami-
violência – fato inegável, mas também fruto
gos e parentes em situações de pobreza extre-
da criação do imaginário de “outros” menos
ma. Isso nos faz ter que ponderar as diferentes
pobres sobre esses lugares –, pode-se e deve-
habilidades e necessidades que alguns grupos
se também privilegiar pesquisas, seguindo um
ethos mais etnográfico, a heterogeneidade de
situações periféricas urbanas e modos de viver
a pobreza. Distintas situações históricas de como esses lugares foram constituídos e desenvolvidos, assim como o tipo de organizações
sociais e políticas que caracterizam distintas
favelas, ou, usando outro tipo de exemplos,
considerando os motivos que levam distintas
famílias a se reunirem em um mesmo local (ou
não), são importantes elementos que nos ajudam a pensar as distinções e especificidades
do que entendemos por “situações periféricas” em contraponto à força homogeneizadora que os iguala e reduz a ser simplesmente
mais um dos espaços socialmente segregados
e estigmatizados da cidade em sua categoria
de serem simplesmente “pobres”.
Para os indivíduos e as famílias que vivem nessas áreas classificadas como de segregação espacial, nem todas as favelas ou
domésticos, em detrimento de outros, são
190
capazes de exercer ao aceitarem e buscarem
sobreviver agregados, em grupos domésticos
extendidos. Pessoas costumam circular por distintas casas e bairros, através de seus trajetos,
circuitos e tipo de relações que desenvolvem, e
desse modo os distintos lugares e bairros populares vão sendo configurados de acordo com
o tipo de pessoas que os habitam ou visitam,
assim como as relações de conflitos e alianças
que se constroem em seu interior.1
Origens da diferença social entre favelas
brasileiras podem ser individuais, idiossincráticas e contingentes. Contudo, também é importante observar fatores estruturais mais amplos
que condicionam esses processos e contribuem
na produção de variação entre distintas “situações periféricas urbanas”, no tempo e no espaço. Para isso, é vital a observação etnográfica
de como alianças, conflitos e divisões internas
ocorrem no interior de distintas comunidades
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
e como se organizam ou deixam de fazê-lo pa-
de sucesso em programas de desenvolvimen-
ra resolver seus diversos tipos de problemas.
to local, promovidos por parcerias privadas e
Numa situação em que um indivíduo ou gru-
estatatais ou aproveitar-se das oportunidades
pos de moradores podem ser “capturados” por
oferecidas pelos mercados informais, assim co-
interesses ou cosmovisões de distintas redes
mo para entender por que outras comunidades
políticas, religiosas e ideológicas, desde uma
fracassam apesar da importância de certos in-
análise em escala maior se poderia pensar que
vestimentos públicos.
algumas dessas fontes de conflito e divisão sejam externas ao próprio local, como também o
são geralmente; entretanto, o impacto vai variar em casos particulares, a depender da resposta e tipo de engajamento político que esses
Situações periféricas:
do otimismo ao pessimismo
distintos lugares desenvolvam sobre assuntos
do dia-a-dia e sociedade em geral. Por isso,
Atuais pesquisas sobre organização popular
precisamos estar atentos tanto para a confi-
vêm reeditando velhas preocupações sobre a
guração do contexto social específico em que
auto-organização dos moradores dos assenta-
indivíduos que formam cada local e comunida-
mentos irregulares que se formaram nas zonas
des de baixa renda atuam, identificando quem
periféricas durante o processo de urbanização
são e como pensam, assim como para fatores
em massa dos anos 60 e 70 na América Lati-
mais amplos, regionais, nacionais e transnacio-
na. No Brasil, muitas pesquisas têm polarizado
nais que impactam esses lugares de distintas
o debate, motivadas pelo desejo de dissipar o
maneiras e que nos ajudam a explicar como e
retrato pintado de que os pobres sejam “uma
por que esses contextos de pobreza diferem
classe perigosa” ou que sua “ameaça à higie-
entre si.
ne e saúde pública das cidades” seja suficiente
Neste artigo, argumentamos que a expe-
justificativa para explicar a formulação de po-
riência subjetiva de ser pobre não é idêntica em
líticas de segurança pública, que ao invés de
todas as periferias de Salvador e que se corre o
resolvê-los, o que fazem é estigmatizar mais
sério risco de perder variáveis cruciais se não
zonas de pobrezas como segregadas e proble-
considerarmos algumas das razões disso ocor-
máticas. Além disso, a retórica do “desenvolvi-
rer. É preciso compreender melhor, por exem-
mento participativo e sustentável ” das “novas
plo, como as diferenças nas condições sociais
políticas de redução de pobreza” contemporâ-
internas e nas relações externas das comuni-
neas se inspiram em projetos políticos anterio-
dades, juntamente com diferentes histórias de
res que invocam a ideia de Paulo Freire de que
formação de cada lugar, afetam sua capacida-
os expertos podem aprender dos pobres. Ao
de de organização comunitária. A coerência
mostrar que pessoas que vivem em assenta-
da organização comunitária, por sua vez, é
mentos irregulares são socialmente heterogê-
importante para determinar quais “lugares” e
neos, com capacidade de auto-organização ca-
situações periféricas são potencialmente mais
paz de explicar o modo como eles sobrevivem
aptas de se engajar com maior possibilidade
e em alguns casos até lograr certa mobilidade
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
social e que não estão desinteressados de seus
modo de organização social de cada contexto
direitos políticos, pesquisadores como Janice
e favela, numa relação que não vê os seus há-
Perlman (1976) não apenas humanizaram as
bitos e modo de vida apenas como limitantes,
favelas, como também têm contribuído para
mas como uma parte essencial e criativa de
importantes mudanças na prática e política,
enfrentar situações precárias que precisam ser
ao lado do impulso que movimentos sociais e a
levadas em consideração. Mesmo se o novo
ala mais radical da igreja católica tem produzi-
tipo de alojamento não constituísse um pro-
do nessa mesma direção.
blema para muitos moradores, devido à maior
Mas o efeito pulverizador de economias
distância que terão de suas oportunidades de
neoliberalizantes da década perdida dos anos
emprego, ainda podem ser vistos como sen-
80 na América Latina tem limitado o impacto
do jogados em um “depósito de gente” onde
desse corpo de conhecimentos acadêmicos
apenas os mais desesperados desejarão viver.
que tem sido pouco absorvido pela percepção
Além disso, modelos de habitação popular que
social mais ampla da sociedade. Nos anos 90,
não estejam bem adaptados às dinâmicas e
as favelas passaram a ser vistas como espaços
práticas familiares e desenvolvimento dos mo-
mais estigmatizados do que antes, em contex-
dos de sociabilidade dos respectivos grupos
tos onde o aumento da criminalidade e a vio-
alvos terminam por fracassar e são principais
lência passam a ser mencionados não apenas
responsáveis por promover o declínio de seus
desde a perspectiva das classes médias, mas
diversos tipos e níveis de sociabilidade, mes-
também por membros da mesma classe traba-
mo quando os baixos custos e melhoria de
lhadora que não vivem em áreas urbanas iden-
serviços de novas moradias oferecidas possam
tificadas como “favelas” (Caldeira, 2000).
estar acima do promédio ou do que o público
Algumas políticas municipais brasileiras
alvo tinha antes dessas intervenções. Esse foi o
responderam a essa problemática criando pro-
caso da construção do complexo habitacional
gramas de requalificação de favelas, equipan-
da Cidade Tiradentes, num dos extremos mais
do melhor os espaços públicos e oferecendo
distantes do centro da cidade de São Paulo
melhor infraestrutura. O projeto “Favela-Bair-
(Almeida et al., 2008). Além disso, o cresci-
ro”, do Rio de Janeiro, construído por arquite-
mento da insegurança econômica e a falta de
tos progressistas e planejadores urbanos, é um
moradia ao alcance da maioria, mesmo para
bom exemplo disso (Soares e Soares, 2005).
aquelas pessoas que têm, apesar dos baixos
Projetos como esse favorecem a construção de
salários, um emprego regular, fará com que
apartamentos de tijolos de baixo custo para
assentamentos irregulares continuem sempre
substituir os barracos originalmente autocons-
a crescer e continuando a aparecer nas mais
truídos na formação da maioria das invasões
diversas zonas metropolitanas.
urbanas latinoamericanas, relocando algumas
Os “problemas sociais” que fazem de tais
delas, mas muitas das famílias beneficiárias
assentamentos alvos de intervenções também
das novas casas continuam insatisfeitas com
se multiplicaram, em parte pelo crescimento do
esse tipo de construção. A insatisfação revela
consumo e tráfico de drogas, mas também de-
a necessidade de relacionar a habitação ao
vido à novas sensibilidades que surgem tanto
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
de cima quanto de baixo, em temas como o da
neoliberal nas oportunidades econômicas e
violência doméstica. Nem todas as intervenções
padrões de sociabilidade dos cidadãos mais
estatais no combate à violência foram bem re-
pobres. Ambos os aspectos têm produzido
cebidas entre os mais pobres e muito menos
diagnósticos mais pessimistas sobre o futuro
têm-se mostrado ser muito efetivas: entre ou-
da pobreza urbana do que os encontrados na
tras, por exemplo, estão aquelas focadas nos
literatura anterior à década de 1990.
direitos da criança, que combatem o trabalho
Uma reflexão e autocrítica sobre o oti-
infantil desde perspectivas de classes médias e
mismo da literatura anterior no que diz respeito
que vêm provando ser bastante contestáveis.
ao possível futuro de assentamentos formados
Apesar do desejo de boa parte dos pais de
por ocupações ilegais ou invasões é o que en-
aumentar o acesso de seus filhos à educação,
contramos na análise de Susan Eckstein (1990),
sua maior preocupação é a de mantê-los vivos
que compara o destino de bairros ocupados
e afastados do risco de aproximação ao tráfico
por grupos de baixa renda dentro da cidade
de drogas e participação em gangs, objetivo
ao de outros, tipo favela, mais afastados do
que o engajamento em atividades laborais pre-
centro da cidade do México, na década de 80.
coce parece mostrar ser mais eficaz do que a
Assumia-se que “áreas urbanas degradadas e
insuficiente e de má qualidade oferta educacio-
centrais” eram ocupadas por populações em
nal para os mais pobres existente no Brasil.
trânsito, e que essas populações seriam elimi-
Um desafio importante é matizar a visão
nadas mediante a renovação e “gentrificação”
que crescentemente conecta o tema da pobre-
desses lugares. Eckstein mostrou, entretanto,
za aos problemas de segurança pública, asso-
que algumas dessas áreas, como a que ela ob-
ciando a criminalidade e violência urbana dire-
servou, têm logrado escapar desse destino ao
tamente com a pobreza, em vez de considerar
possuírem uma elevada capacidade de auto-
os efeitos mais profundos das estruturas atuais
organização coletiva e logrando permanecer
da desigualdade social sobre a juventude da
no local como produto da força popular, suas
periferia urbana (Sapori 2007, p. 101) e as res-
tradições culturais e do florecimento de uma
ponsibilidades de atores localizados em outros
economia informal que se beneficiou da sua lo-
níveis sociais, nacionais e internacionais. Os re-
calização centralizada e do seu maior acesso a
cursos destinados a programas de redução da
membros de outras classes sociais. Retomare-
pobreza no Brasil vêm aumentando significati-
mos alguns elementos desse argumento mais
vamente desde 2002 e sob a presidência do PT
adiante para pensar o nosso exemplo e suas
(Partido dos Trabalhadores), sob o governo de
implicações. Nos casos discutidos por Eckstein,
2
Luis Inácio “Lula” da Silva. Apesar de certos
entretanto, ela mostra que favelas localiza-
esforços de reforma nessa direção, a instala-
das em regiões mais afastadas, mesmo quan-
ção de forças policiais militarizadas (com uma
do tenham recebido maiores investimentos e
merecida reputação de abusarem da violência
apoios públicos, em contraste, pareceram ter
extrajudicial em favelas) têm sido o outro lado
um desenvolvimento atrofiado, com a queda
da moeda das políticas estatais. Outro desafio
de recursos e do emprego, aumento do crime
é o de compreender o impacto do capitalismo
e da violência, e ampliação da diferença entre
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
os que são donos das casas e aqueles que pre-
conflituoso, não tem maior impacto político,
cisam alugar uma casa numa vizinhança cuja
e os moradores dessas áreas não têm, na sua
atração original para morar foi o de ter ofereci-
visão extremamente pessimista, outra es-
do terras e moradias mais baratas.
perança além da de escapar desses lugares
A análise dessa autora sobre o impacto
estigmatizados.
que o crescimento da precarização econômica
pode ter na capacidade de organização popular e nos padrões de sociabililidade é também
abordado nos rescentes escritos de Löic Wacquant (2007), no que ele denomina um “subproletariado precarizado”. Wacquant frequen-
Relações sociais, cultura,
políticas: a necessidade
de reconhecer a diversidade
temente invoca a experiência brasileira como
importante caso paralelo a ser levado em
As ideias de Wacquant são relevantes para en-
conta, mesmo focando quase toda sua análi-
tender algumas “situações sociais e periféricas
se em situações (de certa maneira distintas)
urbanas” do Brasil e nós compartilhamos com
da pobreza nos Estados Unidos e França.3 As
ele sua conclusão geral sobre as decorrências
pessoas em situação de precarização tratada
contraproducentes das políticas de “contenção
por Wacquant estão consignadas em espaços
punitiva” das populações, que o capitalismo
urbanos segregados, despindo-os da possibili-
neoliberal tem condenado a uma condição de
dade de serem “lugares” socialmente signifi-
insegurança econômica crônica. Mas nos con-
cativos para seus moradores. Ao estigma terri-
trapomos ao pessimismo de sua análise, por
torial que sofrem essas vizinhanças adicionam-
motivos tanto empíricos quanto teóricos, e
se os estigmas da pobreza, etnicidade e raça,
concordamos com Perlman (2004), quanto a
portanto reforça a justificação das estratégias
precisarmos rejeitar uma visão desses lugares
de contenção produzidas pelos sistemas prisio-
como sendo simplesmente e inevitavelmente
nal e de segurança pública. Nesse contexto, as
“depósitos de gente” relegada para morar em
possibilidades de organização e formação de
espaços segregados, mesmo sob as condições
redes de sociabilidade são debilitadas na sua
contemporâneas que mencionamos acima.
perspectiva, porque muitos moradores tentam
Pelo pouco interesse que ele mesmo parece
diminuir a indignidade de seu próprio senso
ter em assuntos culturais, Wacquant foca-se
de serem estigmatizados por culpar o outro
demasiado no passado e no que se perdeu:
ou o vizinho pelo crime ou atividades antisso-
a solidariedade e o senso comunal do antigo
ciais que existem no bairro, um fenômeno que
gueto estadunidense desaparece no “hiper-
é muito comum nas favelas brasileiras, e que
gueto” pós-industrial, e a banlieue francesa
geralmente se agrava pelas diferenças sociais
não tem nada em comun com o velho Red
entre diferentes ondas colonizadoras que atra-
Belt onde as pessoas sentiam orgulho em sua
identidade como membro de uma classe trabalhadora organizada. No caso brasileiro, ainda
precisa pensar em novos projetos políticos em
vessam distintas vizinhanças e comunidades.
Na opinião de Wacquant, esse subproletariado
precarizado, interiormente fragmentado e
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
processo de desenvolvimento, e que são dificil-
com intervenções de expertos locais e interna-
mente descartáveis como insignificantes pelo
cionais (Mosse, 2005). Conceitos como os de
impacto que tiveram no avanço da democra-
“marginalidade avançada” também obscure-
cia, diminuindo graus de discriminação racial
cem o fato de que os pobres têm vidas que
e exigindo direitos para os pobres em cidades
transcendem sua condição de pobreza, ao me-
capitalistas. Eles têm continuamente emergin-
nos por parte do tempo. E nossa pesquisa no
do em diversas favelas. Esses projetos têm sido
Bairro da Paz, em um bairro popular que conta
estimulados tanto por intervenções de diferen-
com população aproximada de 60.000 mora-
tes ONGs quanto pelos espaços produzidos por
dores na terceira maior capital brasileira, na
novas estratégias de governabilidade neolibe-
cidade de Salvador, no estado da Bahia (me-
ral (Gledhill, 2005), e, nos atrevemos a dizer,
trópole com mais de três milhões de pessoas),
por políticas públicas desejáveis. A principal
sugere que a experiência subjetiva de ser e
razão de todo esse pessimismo pareceria de-
viver na pobreza não é idêntica em cada um
ver-se a que as favelas são vistas como lugares
dos lugares e favelas desta e nem de outras ci-
onde a esperança morre e projetos de constru-
dades. Ao não considerar por que isso é assim,
ção do lugar não são avaliados como possíveis,
corre-se o risco de perder variáveis cruciais. Em
devido aos altos graus de estigmatização que
particular, e como resposta ao vazio criado pe-
sofrem. Contudo, defendemos que modos de
la maioria das análises sobre “nova pobreza”,
“cultura popular” existentes, ressignificados,
nós também precisamos compreender melhor
às vezes novos e até inspirados transnacional-
como diferenças na conformação social de dis-
mente, podem vir a animar novas formas de
tintos lugares e a organização interna deles,
organização e projetos políticos entre comu-
ao lado de diferentes histórias de formação
nidades pobres e urbanas. Também sustenta-
desses assentamentos populares, afetam a sua
mos que atividades econômicas informais não
capacidade de alcançar um grau de coerência
ilegais podem trazer melhores recompensas
e unidade interna que lhes permita entrar em
econômicas, maior segurança e maior senso de
negociações sobre projetos para o desenvol-
dignidade que muitos dos mal pagos empregos
vimento local com ONGs, organizações e re-
regulares, e que dados sobre a vida associati-
presentantes do poder público e políticos com
va contemporânea de muitas pesquisas vêm
relativa autonomia.
apontando que a sociabilidade nem sempre
O contexto original em que se iniciou es-
colapsa na extensão que as mais pessimistas
ta pesquisa foi o do início da implantação de
visões da “nova pobreza” pressupõem.
programas sociais do governo de Lula (Fome
Uma coisa é negar o romantismo do
Zero e subprogramas como bolsa família, au-
agenciamento popular, e outra bem diferente é
xílio gás, bolsa escola, etc.) e pela necessidade
negá-la, em sua totalidade. Como etnografias
de uma avaliação do impacto qualitativo des-
das práticas de desenvolvimento vêm mostran-
ses programas nessa comunidade mediante a
do, projetos de desenvolvimento social formam
aplicação de metodologias de teor etnográfico.
e são formados pelas respostas socialmente
Desde 2005, e como fruto da parceria com o
diferenciadas de grupos alvos que se engajam
CEM-Cebrap, 4 nossa equipe vem realizando
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
pesquisas etnográficas no Bairro da Paz entre
construído com base num novo discurso sobre
famílias, distintas de suas redes sociais e outras
o direito de reconhecimento dos “quilombos
formas de associativismo religioso e secular.
urbanos” (Hita, no prelo).
Mas desde 2007 também passamos a oferecer
Tanto esta pesquisa quanto os atores
assessoria técnica e logística, na parceria que
da comunidade em si, estão conscientes das
se iniciou com um novo e representativo cor-
limitações desse tipo de “participação co-
po comunitário, que se estabeleceu nesse ano
munitária” e das premissas neoliberalizantes
no Bairro: o Fórum Permanente de Entidades
de muitas das atuais ofertas e intervenções
5
Sociais do Bairro da Paz. O surgimento desse
governamentais, com especial foco e difusão
Fórum reflete um desejo popular de articular
de parcerias público-privadas. Entretanto, o
distintos fragmentos da organização existente
principal propósito desse Fórum é negociar e
nessa comunidade para, unidos novamente,
re-editar parte da história do bairro, e de seu
lograr alcançar maiores vantagens nas nego-
mito fundador, como o de lugar de resistência,
ciações de suas demandas junto ao poder pú-
pelo que se tem produzido um novo e comba-
blico para o desenvolvimento de infraestrutura
tivo tipo de cultura política, que continua a
local. Ainda que o Conselho de Moradores do
desconfiar dos interesses de concessões desde
Bairro seja uma das mais poderosas facções
cima e não abandona sua capacidade de conti-
nesse Fórum pelo fluxo de recursos públicos e
nuar avaliando e formulando novas demandas
privados que mediatiza para a comunidade, há
desde baixo (ibid.). As posturas adotadas por
outras lideranças e grupos que vêm encontran-
diversos ativistas dessa comunidade sugerem
do espaço de atuação nesse novo corpo, como
que eles têm consciência de como políticos
líderes vinculados a ONGs católicas que de-
operam e não podem ser reduzidos a simples
senvolvem projetos no bairro e têm investido
reprodução de modos clientelísticos de ve-
na infraestrutura interna, mas também mem-
lhas formas políticas, embora o Fórum tenha
bros de grupos culturais e jovens com projetos
logrado integrar um significativo número de
orientados para a cultura afro-brasileira tais
homens e mulheres idosos, que se sentem per-
como os de música e dança. Estes últimos vêm
feitamente cômodos com esse modelo de rela-
apresentando firmes críticas a modos tradicio-
ção com o poder público acima mencionado.
nais de fazer política e modos de administrar
O que, ao mesmo tempo, é fruto de várias de
assuntos da comunidade do seu atual Conse-
suas ambiguidades. Jovens negros manifestam
lho de Moradores, e têm distintos objetivos e
uma consciência aguda de sua “identidade ne-
interesses que vão desde promover desenvol-
gra” e simpatizam com políticas e o estilo ra-
vimento de Ações Afirmativas e culturais até,
dical de movimentos negros norte-americanos,
em certos casos, políticas baseadas na ideia
mas se sentem atraídos também por modelos
de que descendentes de escravos têm direito
de consumo de construir seus selfs difundidos
à terra e um lugar na cidade como recompensa
por uma sociedade de mercado neoliberal,
por injustiças passadas. Desde esta perspecti-
com aspirações de mobilidade social a alcan-
va e discurso, o Bairro da Paz não é apenas um
çar mediante cursos oferecidos por parcerias
lugar, mas um lugar particular que precisa ser
público-privadas. Ao mesmo tempo que eles
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
manifestam críticas agudas ao capitalismo glo-
refletia sua resistência militar antes de começa-
balizado e à corrupção difundida e à falta de
rem a receber limitadas promessas e garantias
uma ética de serviço público dentro do sistema
de investimentos de infraestrutura do estado
de partidos políticos brasileiros, reproduzem
e políticos da cidade, a partir de 1987, depois
estilo de vidas que reproduzem o sistema que
da queda da ditadura militar e de que forças
criticam.
com inclinação esquerdista assumissem o governo. Mesmo quando a mudança de nome
para Bairro da Paz significou uma boa vontade
Configurando um lugar
e sua gente
de colaborar com as autoridades no controle
de crescimento do lugar, o mito fundacional
da comunidade, fruto da luta inicial continua
sendo reeditado e é central para a nova cultura
Até espaços segregados e periféricos têm his-
política que está se consolidando no Bairro da
tórias que os podem chegar a transformar em
Paz (Hita, no prelo). Além do mais, a mudan-
lugares. Uma importante, mas não única, iro-
ça do contexto político significou apenas uma
nia na história do Bairro da Paz é a de que de
breve interrupção da dominância de políticos
uma invasão popular do que foi inicialmente
bahianos até um passado muito recente: o da
um espaço periférico na cidade se transformou
máquina política de Antônio Carlos Magalhães
em um espaço rodeado de riqueza.
(doravante ACM), que subiu como prefeito de
Após terem invadido terras registradas
Salvador em 1967 como recompensa por seu
no nome da família Visco, nos limites urbanos
apoio à “revolução” militar de 1964. Ele foi de-
de onde hoje se situa o Bairro da Paz, os então
pois governador do estado, cargo ocupado por
“invasores” (ocupantes ilegais) dessa área,
três mandatos, alternando-os com posições no
clamavam seus “direitos à cidade” nos anos
governo federal.
80, desafiando as tentativas governamentais
A administração de ACM esteve de-
de expulsão à força e deslocamento para outra
terminada a evitar que favelas destruíssem o
periferia da cidade com maior concentração de
desenvolvimento de novos centros para a ad-
pobreza. Nesse processo de resistência foram
ministração de negócios e do poder público
apoiados por políticos de esquerda, o Movi-
nas zonas marcadas por área residencial pa-
mento de Defesa dos Favelados e organizações
ra população de alto valor aquisitivo, que se
católicas: entre as mais importantes delas na-
desenvolveu logo depois da instalação dessa
quele momento estava o CEAS (Centro de Es-
“invasão” nas proximidades da Orla Atlânti-
tudos de Ação Social), uma ONG jesuíta com
ca e sob uma das margens da Av. Paralela. A
inspiração na teologia da liberação criada em
Paralela é o principal acesso da cidade para o
1967 para promover educação e organização
aeroporto, às margens da qual essa invasão se
popular ao longo da região nordestina.6 No iní-
encontra, a poucos quilômetros do novo centro
cio, e como referência à Guerra Falklands entre
administrativo que ACM inaugurou no início
Argentina e Inglaterra, essa invasão era conhe-
dos anos 1980. Desde o começo, ACM dedicou
cida pelo nome de “Malvinas”. Esse apelido
seus esforços para reinventar Salvador como
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
um moderno polo de turismo internacional,
capital intensivo de industrialização, nos quais
serviços e negócios. O fato de que esta elite
os centros da acumulação do capital perma-
economicamente modernizadora, porém so-
neceram fora da Bahia. O desenvolvimento de
cialmente conservadora que ele representava,
Salvador como um destino de turismo global
via nas visíveis favelas de áreas centrais um
impulsou novos empregos no setor terciário
dos maiores empecilhos para esse projeto fica
e teve outro efeito cultural e socialmente sig-
também perceptível quando ele ainda estava
nificativo. Mas não resolveu os problemas do
no cargo de prefeito nos anos 60, e falava da
mercado de trabalho se contraindo ante uma
necessidade de expulsar os pobres, pretos e
população urbana que continuava a crescer
pessoas de classe trabalhadora do decaden-
devido à migração rural a áreas urbanas e ao
te centro histórico de Salvador, o Pelourinho,
crescimento natural (Guimarães, Agier e Cas-
para “devolvê-lo à cidade” requalificado e
tro, 1995; Gordilho, 2000; Almeida, 2006).
gentrificado. Porém este último projeto de
Oportunidades de emprego no Bairro da
modernização se atrasou, até 1990, quando o
Paz continuam sendo muito precárias, mas es-
capital requerido foi finalmente viabilizado e
se assentamento tem certas vantagens quando
quando o Pelourinho foi declarado um lugar de
comparado com outros, pela sua maior pro-
patrimônio mundial pela Unesco (Dantas Neto,
ximidade de residências de alto poder aquisi-
2006, p. 306).
tivo, oficinas do governo e uma universidade
Uma característica significativa da inva-
privada, que oferecem trabalho na construção
são das Malvinas é que sua remoção do local
civil e procuram prestadores de serviços menos
contava com o apoio de ambientalistas que se
qualificados. Isso não impede a persistência da
opunham a que este e novos assentamentos
imagem de favela associada pela mídia com o
humanos nessa zona de mata atlântica fossem
crescimento da violência armada e tráfico de
permitidos, para proteger e transformar em re-
drogas e de ser classificada como uma das tre-
serva natural a floresta que ali havia. De modo
ze vizinhanças mais perigosas na região metro-
indireto, a permanência dos moradores dessa
politana pela polícia militar. O acordo político
comunidade no lugar terminaram por apoiar
conquistado em 1987 (no suscinto e primeiro
os interesses do capital imobiliário que anos
governo esquerdista baiano no comando de
depois conseguiram instalar condomínios hori-
Waldir Pires) dissolveu a ameaça de serem
zontais de luxo nos arredores dessa comunida-
expulsos da Paralela, mas ofereceu garantia
de. O contexto era tal que os mais pobres não
da posse da construção das casas apenas aos
tinham como conseguir casas através do mer-
moradores da área central em uma determi-
cado habitacional e programas habitacionais
nada poligonal, onde a situação dos títulos de
limitados foram destinados a famílias traba-
posse da terra continuam até hoje obscuros.
lhadoras com rendas mais elevadas (Gordilho,
Entretanto, e desde então, têm ocorrido lentas
2000; Valença, 2007). Os salários eram baixos
melhorias, tanto no acesso a serviços quanto
e o emprego precário, em um contexto de pro-
ao desenvolvimento de infraestrutura interna.
cesso de modernização econômica baseada ini-
A relativa estabilidade dessa situação reflete
cialmente no petróleo, petroquímica e limitado
as mudanças ocorridas nos critérios adotados
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
para a política habitacional para os mais po-
por conta própria”. A maioria (61%) eram
bres, que ao invés de expulsão se passa a
trabalhadores manuais sem habilidades, 13%
apostar na requalificação desses assentamen-
trabalhadores manuais habilidosos e 22,5%
tos urbanos. E passou-se a estimular a “par-
trabalhadores não manuais na categoria deno-
ticipação popular” no planejamento urbano
minada “menor habilidade”. 17% trabalhavam
que reconhece a capacidade dos mais pobres
em serviço doméstico e 11,5% tinham mais de
de exercerem seus direitos e responsabilidades
um trabalho, que é um padrão muito comum
como cidadãos. A última mudança é a de que
em populações de baixa renda. Ainda que
mobilizações populares como as do Bairro da
essa seja uma comunidade de trabalhadores
Paz têm feito uma importante contribuição à
pobres, 34% daqueles que estavam desempre-
pressão que vem de baixo para cima (Teixeira,
gados durante a entrevista tinham trabalhado
2001; Caldeira e Holston, 2004).
entre um período de um mês ou um ano antes,
e 42,5% conseguiram trabalho na maior parte
dos cinco anos anteriores. Os ainda desempre-
Repensando a “nova
marginalidade” e a
segregação espacial
gados podem realizar alguns trabalhos casuais,
tendo parceiros ou recebendo ajuda financeira
de parentes que não trabalham na comunidade, apesar de que as rendas das famílias e a
renda per capita estejam inevitavelmente rela-
No que concerne ao perfil de inserção no em-
cionadas às variações na estrutura das casas,
prego dessa comunidade e às condições de
como a frequência de trabalhadores e de con-
emprego e desemprego de seus moradores,
sumidores; em famílias extensas, nucleares ou
algumas imagens serão de grande ajuda para
incompletas, etc. Mesmo quando, no Bairro da
fornecer um aproximado perfil socioeconômi-
Paz, as principais fontes de obtenção e acesso
co da comunidade hoje. Dos chefes de casas
a um emprego sejam resultado das recomen-
entrevistados por survey realizado por outro
dações de amigos dos desempregados, alguns
grupo de pesquisa do Cebrap no Bairro da Paz,
deles tentaram buscar trabalho apresentando-
em agosto de 2006, 30% trabalhavam dentro
se diretamente aos empregadores potenciais.
do bairro, seguidos dos que se dirigem para
A média total da renda das casas com pessoas
regiões das proximidades, em residências das
empregadas era equivalente a 1,7 salários mí-
classes médias em Itapuã e praias da Orla Ma-
nimo, enquanto a das casas desempregadas
rítima, sendo esta segunda zona um lugar mais
era de 1,1 salário mínimo.
comum de trabalho (com valores de 10% pa-
A maior parte dos indicadores utiliza-
ra cada uma das duas últimas zonas citadas).
dos no survey do CEM-Cebrap sugere um me-
Apenas 36% se declaram ser trabalhadores
nor nível de bem-estar econômico no Bairro
assalariados (e destes, somente 62% apresen-
da Paz do que na Cidade Tiradentes, o bairro
tam condições formais de emprego), compara-
periférico em São Paulo no qual se aplicou o
do com uma proporção muito maior, 46,5%,
mesmo instrumento na mesma época do ano.7
que se autodescreviam como “trabalhadores
Em termos de renda, os dados equivalentes
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
no caso de Cidade Tiradentes foram 3,3 e 2,5
têm três a quatro quartos, e 39% têm cinco ou
salários mínimos, respectivamente. Diferenças
mais, mas quase 90% utilizam apenas um ou
de renda refletiram diferenças entre as duas
dois quartos como dormitórios. Os moradores
comunidades nas qualificações escolares dos
usam os prédios que eles mesmos constroem
moradores e nas suas respectivas estruturas
para uma grande variedade de formas de pro-
ocupacionais, mas também é importante notar
dução de pequena escala e para as atividade
que um número significativamente maior das
comerciais, e quase metade dos entrevistados
famílias do Bairro da Paz foram abrangidas
descreveu-se como "trabalhador por conta
por programas sociais do governo, 45% contra
própria" (comparado com 36% que eram tra-
12,5%, respectivamente. Dados sobre renda
balhadores assalariados). Trinta por cento de
também precisam ser matizados por conside-
todos os residentes entrevistados também
rações adicionais sobre a atividade econômica
trabalhou no interior do bairro. Isso sublinha a
“informal” que oferecemos na sequência. Além
importância dos investimentos que as próprias
disso, as taxas de participação em movimentos
pessoas pobres fazem em assegurar a sua sub-
sociais foram significativamente mais elevadas
sistência. Para muitos, trabalho na denomina-
no Bairro da Paz que na Cidade Tiradentes,
da “economia informal” pode ser uma opção
resultado que põe em questão a relação, com
preferível por uma série de razões, variando
frequência postulada pelas análises da “nova
de alguma possibilidade de melhor salário, um
pobreza”, entre maiores graus de precarieda-
senso de independência e por evitar relações
de econômica e redução da capacidade para
com empregos que são identificados como
auto-organização política.
degradantes socialmente. E nossa pesquisa
À primeira vista, a pobreza relativa do
mostra que, assim como em muitos outros
Bairro da Paz aparece ainda como autoevi-
contextos, níveis de prosperidade econômica e
dente, mas é preciso ponderar que estatísticas
social das casas são influenciados por um pa-
desse tipo não contam a história completa de
rentesco mais amplo e redes sociais nas quais
prosperidade e precariedade social de distin-
casas participam individualmente. A qualidade
tos locais. O perfil que acabamos de desenhar
de vida no Bairro da Paz foi frequentemente
claramente mostra um alto grau de “informa-
comparada favoravelmente por seus morado-
lização” e diversos modos de ganhar a vida
res também associada a outras razões, ao ser
trabalhando por “conta própria”. Ainda assim,
comparada ao de outras vizinhanças de baixa
nós deveriamos resistir à tentação de conside-
renda de Salvador, como a da baixa densidade
rar modos “informais” de ganhar a vida menos
de ocupação (o que pode influenciar variáveis
satisfatórios, dadas as oportunidades econô-
sociais como a incidência e níveis de conflito
micas que podem abrir, do que maneiras “for-
entre vizinhos). A visão externa desse lugar é
mais” de emprego em setores caracterizados
afetada negativamente pelo fato que a socie-
por baixos salários e onde os benefícios podem
dade mais ampla, em geral, o identifica com
ser igualmente limitados.
o crescimento da violência armada, associa-
Por exemplo, o survey do CEM-Cebrap
da com o tráfico de drogas: apesar de que o
mostrou que 43% das casas no Bairro da Paz
Bairro da Paz está longe de ser a favela mais
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
perigosa de Salvador, onde houve mortes per-
neopentecostais. Grupos batistas têm sido
petradas por grupos armados de fora do bairro
liderados por um pastor bastante ativo, cujo
e residentes reclamam constantemente da in-
principal papel tem se refletido na agenda de
seguridade física.
autoconstrução da sua igreja e nas suas cone-
Por outro lado, conflitos internos de ou-
xões com a administração da atual prefeitura,
tra ordem sempre existiram no seu interior,
liderada por um prefeito que também é evan-
alguns deles associados a crises de lideranças
gélico, e que derrotou nas eleições de 2005 a
que refletiram os impactos de políticas clien-
máquina de ACM e ganhou o segundo turno
telísticas. Projetos de diversas ONGs e diferen-
em 2008. Também devido à importância que
ças econômicas internas que existem em toda
todos esses conflitos têm para os atores e li-
e qualquer favela são aqui centrais para seus
deranças do bairro é que o esforço atual de
moradores, ainda que possa ser esse lugar
transcendê-los parcialmente emergiu. O Fórum
percebido de um modo relativamente diferen-
Permanente está aumentado a “voz política”
ciado por outros dos atores mais outsiders, e
dessa comunidade, em particular ante a atual
por aqueles atravessados por marcadores co-
administração da cidade e do estado, que des-
mo as religiões e pelo crescimento de igrejas
de 2007 está sob o comando de um governa-
evangélicas, das quais encontramos mais de
dor do PT de Lula.
40 no Bairro da Paz. Outro tipo de conflito que
Isso nos traz de volta ao papel de orga-
interessa aqui destacar foi o do colapso da
nizações jovens, cujo desenvolvimento é re-
anterior associação de moradores, anos atrás,
sultante de uma ampla reflexão e da extensa
com lideranças acusadas de comportamento
classificação de projetos sociais e programas
corrupto e não democrático, o qual abriu es-
emergentes que agora produzem um novo im-
paço para a emergência do atual Conselho de
pacto na vida de pessoas pobres sob os mais
Moradores, que apesar de ser mais transpa-
variados tipos: dos mais tradicionais modos
rente, também recebe críticas. ONGs católicas
de caridade a uma ampla gama de oferta de
exercem um papel proeminente na vida da co-
serviços agenciados por distintas ONGs ou
munidade, mas as suas diferenciadas posições
projetos. O Bairro da Paz possui muitos gru-
vão desde uma postura assistencialista mais
pos de capoeira, reggae, hip-hop, rock, pago-
conservadora até uma mais radical, que ins-
de e forró e grupos dedicados a vários estilos
piram projetos baseados em perspectivas da
de dança, incluindo a afro-brasileira maculelê
teologia da liberação.
8
e grupos de teatro. Boa parte dessas ativida-
Os grupos católicos podem coexistir de
des estão ligadas aos projetos de patrocínios
modo relativamente tranquilo com grupos as-
de “valorização cultural”, como o Jovem em
sociados aos 15 terreiros de candomblé ins-
Ação, que traz a dança juntamente com a ca-
talados, um dos quais tem uma creche pouco
poeira, teatro, hip-hop e dança afro autoex-
financiada. Mas os membros do candomblé
ploratória. A valorização da cultura também
têm se queixado das agressões recebidas dos
tem sido ativada graças aos esforços de mui-
membros de igrejas evangélicas como a Uni-
tas ONGs atuando no bairro para promover
versal Reino de Deus, a mais poderosa das
autoestima e capacidade de cidadania entre
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
201
Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
pessoas jovens e tem produzido a emergência
federais e municipais assim como de ONGs, os
de jovens como novos atores políticos nessas
jovens têm se tornado conscientes de que eles
comunidades carentes.
têm mais voz e uma influência potencial no
O Jovem em Ação é uma rede que
desenvolvimento das suas comunidades atra-
articula distintos grupos culturais sob a guia
vés do produto de seus trabalho, paixões e es-
do CEAS e é um dos mais críticos contra o
forços para os quais agora conseguem maio-
Conselho de Moradores, apesar de que alguns
res apoios por parte do estado e município.
dos jovens em dança afro ainda participem do
O desenvolvimento do ativismo de gru-
Conselho. Entretanto, é o Fórum Permanen-
pos jovens que promovem aspectos da cultura
te (como espaço de diálogo e de decisões de
afro-brasileira e que agora recebem um posi-
distintas entidades) o corpo que parece estar
tivo reconhecimento público tem ajudado de
proporcionando uma possibilidade mais aber-
uma maneira importante nas lutas dos mora-
ta e tentadora para a maioria desses grupos
dores para combater formas de violência sim-
de jovens e outras entidades de participar e
bolicamente prevalecentes na sociedade mais
poder incidir nas decisões importantes sobre
ampla, quer dizer, uma violência simbólica
questões do interesse geral e da comunida-
que explica a persistente desigualdade social
de. Apesar de que a dança afro-brasileira se
em termos de modelos racializados sobre as
desenvolveu a partir do grupo de capoeira do
incapacidades “naturais” das pessoas pobres,
mestre Paulo dos Anjos, internacionalmente
assim “enegrecendo” as posições subalternas
famoso, e residente do Bairro da Paz, poucos
na estrutura de classes. Esse é um importan-
desfrutam de patrocínios e sua sobrevivência
te senso no qual podemos falar de mudanças
como grupos culturais geralmente depende
de significados do ser “periférico” relativo ao
da ajuda mútua (como o dividir o uso de ins-
do estabelecido centro sociocultural e políti-
trumentos, no caso de bandas). Isso também
co de uma elite branca que domina a socie-
pode tê-los encorajado a se juntarem e dis-
dade baiana. Essas mudanças parecem ser
cutir os problemas comuns e interesses fora
um dos fatores que oferecem uma revivida
da instituição de representação comunitária
“esperança” e orientação em direção a um
estabelecida, apesar de que a experiência do
futuro melhor nos projetos políticos das pes-
Fórum tem mostrado que divisões ainda exis-
soas que vivem em situação de precariedade
tem, tanto entre eles como em grupos dife-
socioeconômica.
rentes, enquanto alguns outros membros sim-
Por outro lado, e nos dirigindo a um
plesmente querem performar e ganhar um su-
olhar mais macro, Salvador também vem se
porte de vida. Todavia, em um ambiente onde
tornando mais “policêntrica” com o tempo.
a cultura afro-brasileira tem sido fortemente
O Bairro da Paz não é mais, como no início,
associada com a promoção de igualdade ra-
uma periferia espacial na nova ordem urbana
cial, e mais do que nunca há uma expansão
referida acima. Localizado na principal arté-
de programas focados no “empoderamento
ria ligando o aeroporto aos centros adminis-
institucional” de jovens negros, com fundos
trativos, comerciais e turísticos da cidade, os
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
valores reais do lote de terra nessa área de
vizinhança cresceram substancialmente desde
que a invasão e a favela agora se encontra ro-
Colocando o Bairro da Paz
num contexto mais amplo
deada não apenas por condomínios e a Faculdade de Tecnologia e Ciências, mas também
Para mostrar as implicações desta conclusão,
uma ampla classificação de “novos projetos
é importante terminar com uma rápida com-
de economia” que atualmente são estendidos
paração do Bairro da Paz com outras favelas.
com a construção do parque tecnológico em
Como temos visto, favelas são encontradas
processo de implantação numa área próxima
em diferentes locais de Salvador, distribuídas
a essa comunidade. Relações entre ricos e po-
ao longo de três grandes vetores de expansão
bres têm tido lugar e têm sido influenciadas
espacial que refletem um padrão particular da
pelos interesses do mercado de trabalho e
transformação econômica e social produzida
de investimentos privados de projetos sociais
pela mudança histórica de Salvador e sua re-
nesse bairro. Os vizinhos mais ricos alimen-
gião metropolitana na segunda metade do sé-
tam certo medo ao crime que possa vir dessa
culo XX (Moreira de Carvalho e Corso Pereira,
vizinhança e o fantasma da ainda possível ex-
2006).
pulsão do local paira no imaginário do Bairro
Espaços diferentes ofereceram distintas
da Paz, que poderia ser resultado agora de
vantagens e desvantagens, não apenas em
mais sutis estratégias de mercado. No com-
termos de oportunidades de trabalho, longas
bate a esse fantasma, a tradição militante do
distâncias ao trabalho (que mudaram em re-
Bairro da Paz continua sendo central para o
lação a reconstruções econômicas sucessi-
fortalecimento de sua autoimagem como uma
vas), mas também em termos de densidade
comunidade de luta. A ligação de alguns de
e natureza das casas. O ambiente construído
seus principais atores políticos com ONGs e
pelos pobres era um produto de suas práti-
projetos filantrópicos críticos os mantém em
cas sociais, particularmente em termos de
uma postura relativamente séptica e cautelo-
dinâmicas de estruturas de famílias extensas,
sa, de considerável aversão a uma total coop-
frequentemente nesse contexto baiano muitas
tação pelos interesses estatais. A variedade
vezes construídas ao redor do foco de mulhe-
de formas de ligação e a pluralidade de ato-
res/mães/avós (onde membros masculinos
res e forças sociais envolvidas no seu interior
circulam mais que os femininos), e também
convidam-nos a realizar uma reflexão mais
como resultado de uma série de práticas e
matizada sobre o que o conceito de “pobreza
possibilidades familiares que os tipos de esco-
urbana” pode obscurecer e um olhar etnográ-
lhas que pessoas fazem e que refletem sobre
fico orientado a processos e relações sociais é
que tipo de vida diária se pode ou deseja ter,
capaz de salientar, quando rompe com a ideia
pautado por modos de relacionamento que
de comunidades fechadas pela segregação
atravessam distintos tipos de associações reli-
espacial.
giosas, seculares ou de outros tipos.
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
Apesar de que há uma própria geografia
A Boca do Rio fica numa praia que era muito
social interna e existem diferenças entre situa-
mais aproveitada pela comunidade artística e
ções sociais de moradores de áreas distintas
progressista de Salvador na década de 1970 e
nesse bairro (que se relacionam aos padrões
recentemente tem sofrido novos desenvolvi-
internos de conflitos), e como resultado dos
mentos a favor da ocupação de pessoas mais
acordos alcançados entre lideranças da comu-
ricas como, por exemplo, a construção de uma
nidade e autoridades públicas que prometeram
importante área de recreação e shoppings centers e de um impactante centro de convenções.
Mãe Edileusa não apenas permaneceu na sua
casa original em Boca do Rio, onde duas filhas
suas e três netos fizeram parte de uma unidade corresidencial, mas também se aproveitou
da oportunidade oferecida pelos esforços iniciados pelo governo da cidade para desalojar
os invasores das “Malvinas” e assim logrou ter
direito a uma terceira “casa”, em 1983, quando
a prefeitura deslocou boa parte dos invasores
das Malvinas para casas públicas construídas
em Fazenda Coutos, no subúrbio ferroviário.
Criada por seus avós, cujas respectivas mortes
a forçaram a trabalhar como empregada doméstica aos onze anos, Mãe Edileusa não só
arranjou um terreiro, mas também completou o
treinamento de assistente de enfermagem deixando a seus descendentes três propriedades.
Aceitando todas as oportunidades nos espaços
urbanos que ela pôde operar, Mãe Edileusa, e
com o modo de operar de sua extensa e coesa
rede familiar, logrou aumentar os prospectos
para a próxima geração. O fato de que a reprodução da família tome lugar nesse ambiente urbano extensivo e diversificado também
significa que parentes permanecem juntos,
podendo se separar residencialmente ou não
na próxima geração e que podem voltar a se
juntar a depender das necessidades e dos recursos que podem ser mobilizados a cada nova
conjuntura, isto é, dependendo do tipo de relações internas que se desenvolvem entre pais,
investimento público em retorno da regulação
do futuro crescimento da localidade, o Bairro da Paz é hoje muito menos denso do que
outras favelas dessa mesma cidade. Dado o
fato de que indivíduos podem se mover entre
espaços diferentes de maneiras que refletem
a natureza de relações de propriedades assim
como sistemas de parentesco, afinidade e modelos alternativos para grupos residenciais, o
que emerge dessa larga figura comparativa
não é uma situação urbana periférica homogênea, mas uma série de outros fatores distintos
de ser pobre, construindo famílias e ganhando
sobrevivência em um complexo emaranhado
de situações que são em parte determinadas
pelas tramas de relações entre os moradores
da favela e as áreas que estão ao seu redor.
Um exemplo etnográfico que ajuda a
ilustrar as amplas complexidades que emergem quando focamos nosso estudo em estratégias de famílias individuais para ocupar o
espaço urbano e seus significados sociais é o
de Mãe Edileuza. Uma mãe de santo que administrou a creche do Bairro da Paz associada a
um terreiro de candomblé, que ela fundou bem
antes de seu início de história nesta invasão e
numa comum estratégia de buscar separar o
terreiro fisicamente do espaço de moradia da
sua família de sangue. A casa original de Mãe
Edileusa estava localizada em outra invasão,
na parte ocupada por classes mais baixas na
vizinhança da Boca do Rio, na Orla Atlântica.
204
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
filhos, irmãos, emparentados e vizinhanças,
o Subúrbio Ferroviário, está focada na oposi-
especialmente no contexto social e cultural dos
ção a essas construções e no seu intento de
pobres afro-brasileiros de Salvador, e no de ca-
projetar uma imagem pública mais positiva do
sas matrifocais, onde o vínculo mães e filhos e
bairro, apesar de que necessariamente não se-
da agregação em famílias extensas é tão cen-
ja sempre uma imagem pura, “conformista” ou
tral (Hita, 2004).
principal em condições contemporâneas.9 Mas,
Existem processos de segregação social
analiticamente e em muitos outros sentidos,
parcial na cidade, mas é importante não per-
substantivamente, segregação social como
der de vista as implicações que a proximidade
conceito talvez obscureça mais do que escla-
física disseminada entre residências de ricos e
reça sobre dinâmicas sociais em andamento de
pobres pode significar em distintas situações.
vida urbana, dada a importância de mobilidade
Por exemplo, uma das casas de candomblé
entre espaços urbanos de membros de casas
do Bairro da Paz é patrocinada por ricos e li-
pobres e a maneira que tipos específicos de
deranças famosas e pertence a um pequeno
interações entre residentes de favelas e outros
círculo de “terreiros de elite” que são objeto
setores sociais jogam um papel importante em
principal das políticas oficiais de patrocínio da
modelar os caminhos no qual muitas dessas
cultura e herança afro-brasileira (Parés, 2006).
comunidades pobres se desenvolvem (Hita e
Mesmo que esse terreiro esteja “em”, mas não
Duccini, 2008b).
seja “do” Bairro da Paz, porque é assim como
Nossa análise também busca apontar
os seus moradores o percebem. Diferente des-
para a importância de cada história política e
se, os outros templos de candomblé do bairro
contexto particular de modelar o desenvolvi-
possuem uma natureza bem distinta (em ter-
mento (e capacidade de agir coletivamente) de
mos tanto de suas práticas religiosas quanto
favelas. Advogamos por um foco mais neutrali-
de recursos financeiros) e eles exercem um
zado sociologicamente na maneira que as pes-
papel importante na geopolítica interna da
soas vivem suas vidas e se relacionam com o
comunidade.
outro quando constroem espaços e lugares nos
Também há uma quantidade significa-
quais habitam a cidade. Uma visão mais clássi-
tiva de trabalho simbólico ainda sendo feito
ca das metas do trabalho etnográfico, que pre-
por outros setores da sociedade soteropolita-
tende fazer um estudo da vida social como um
na – incluindo aguns que se encontram longe
todo, em todas as suas dimensões, pode aju-
de serem afluentes, motivados pelo temor de
dar-nos melhor e com mais frequência a enten-
serem vítimas do crime, pela sua própria in-
der como situações periféricas urbanas diferem
seguridade social e por um desejo de afastar-
em maneiras que são importantes, tanto para
se da “marginalidade” – que busca manter a
as pessoas que nelas vivem quanto para as po-
estigmatização desses lugares onde moram
líticas públicas de desenvolvimento que podem
os pobres e que procura desenhar suas fron-
oferecer melhores resultados a essas pessoas
teiras, segregar e periferalizar. Boa parte das
também. Se nos permitimos o enquadramento
ações políticas empreendidas pela comunidade
de nossa análise pelas categorias da pobreza e
no Bairro da Paz, e também em zonas como
a marginalidade sem explorar as possibilidades
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
desta visão mais holística das vidas, das prá-
podem sempre emergir e ser cultivadas com o
ticas e das identidades dos atores sociais,
apoio de contribuições acadêmicas e práticas
nós nunca iremos entender por que algumas
de fora das comunidades pobres, nós quere-
pessoas parecem mais dispostas a comprar
mos precisar o tipo de holismo etnográfico e
pelo menos em alguns aspectos o “pacote”
analítico que pode detectar as bases de novas
do desenvolvimento social e relações de po-
formas de posturas e ações políticas, novas
der público construtivos para obter maiores
bases de esperança, na vida do dia-a-dia de
vantagens, enquanto outros não. Isso parece
comunidades e nos aspectos aparentemente
particularmente importante no caso como o
apolíticos do fluxo de mudanças sociais nacio-
do Bairro da Paz, no qual as relações constru-
nais e mundiais. Mesmo classificando pessoas
tivas permanecem distantes do sentido popu-
como pobres como um ponto de partida (co-
lar subservente e não crítico. Em um sentido,
mo se isso fosse um tipo de posição subjetiva
claro está, não há atores de unidades coleti-
transcedente) corremos o risco de esquecer-
vas aqui (mesmo que haja organizações para
mos a necessidade de descobrir, etnografica-
“falar” pela comunidade). Entender o quão
mente, o que são os sentidos que na verdade
frágil balanças de forças contra-hegemônicas
animam suas vidas.
Maria Gabriela Hita
Socióloga. Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil.
[email protected]
John E. Gledhill
Antropólogo. Manchester University. Manchester, Lancashire, Reino Unido.
[email protected]
Notas
(*) Partes do argumento em versão inglesa foram apresentadas no seminário “Differentiating
Development”, organizado por Soumhya Venkatesan e Thomas Yarrow e financiado pelo
Wenner-Gren Founda on for Anthropological Research, em Buxton, Inglaterra, em setembro
de 2008.
(1) Ver em Hita e Duccini (2008b) uma análise mais extensa das trajetórias, circuitos e redes que disntas famílias e grupos religiosos do Bairro da Paz desenvolvem, apontando o modo como eles
vão construído um novo lugar da cidade e iden dade: a do Bairro da Paz.
(2) Ver análise mais detalhada do impacto desses programas em Gledhill e Hita, 2009.
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Antropologia na análise de situações periféricas urbanas
(3) Kowarick (2003) compara e contrasta as dis ntas maneiras de diagnos car as questões de marginalidade econonômica e exclusão do “direito de ter direitos” nos Estados Unidos, França e Brasil, mostrando que resultam das dis ntas perspec vas sobre as causas de desigualdades sociais
e o papel do Estado que caracterizam as três nações. Produto de suas histórias específicas, essas
ideias têm fortes efeitos tanto sobre os debates acadêmicos quanto sobre as polí cas públicas e
controvérsias midiá cas.
(4) Nossa pesquisa fez parte de um estudo compara vo que inclui projetos similares no Rio de Janeiro e São Paulo, financiado pelo CEM-Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), pelo que agradecemos ao Dr. Ronaldo Almeida e respec va
ins tuição pelas parcerias e apoios recebidos e à Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado da Bahia) pelo financiamento da pesquisa local.
(5) O trabalho junto ao Fórum Permanente de En dades e a pesquisa de Salvador veram o apoio
financeiro da Fapesb.
(6) O CEAS aconselhava os moradores nas estratégias de assegurar-lhes direitos permanentes na
fixação do assentamento escolhido nos anos 80 e promovendo o desenvolvimento da primeira
forma de organização que representou o bairro no início, uma Associação de Moradores.
(7) Agradecemos ao CEM-Cebrap a socialização do relatório de trabalho com análise de dois surveys
no documento: Adrian Gurza Lavalle e Bruno K. Kotmasu (março de 2008): “Associa vismo e
redes sociais: condições determinantes de acesso a polí cas sociais pela população de baixa
renda”.
(8) A Santa Casa da Misericórdia (fundada em 1549) e a Fundação Dom Avelar, lideradas por uma
missionária italiana, controlam as 6 mais importantes creches do Bairro da Paz e oferecem cursos ar s cos e técnicos para jovens, que realizavam até 2008 em parceria com a Cidade Mãe,
ins tuição que teve início em 1993, promovida pela prefeita Lídice da Ma a, com financiamento da Unicef. Pessoas vinculadas à Santa Casa não têm uma visão homogênea, e a postura mais
radical do CEAS, mencionada antes como a outra faceta da igreja católica, é uma que con nua
a va dentro do bairro, apesar de eles terem se afastado parcialmente do atual Conselho de moradores que subs tuiu a associação anterior. O CEAS passou a se focar mais recentemente no
suporte de grupos jovens de afro-brasileiros, cujos líderes têm sido, com frequência, bastante
crí cos ao novo Conselho.
(9) Mesmo alguns evangélicos que casaram com a teologia de alcançar prosperidade material através
de autoavanço e empreedimento, agora estão ligados com polí cas de raça e ação afirma va,
ao invés de buscar estratégias de “branqueamento”, por exemplo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 189-209, jan/jun 2010
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Maria Gabriela Hita e John E. Gledhill
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Texto recebido em 27/out/2009
Texto aprovado em 10/fev/2010
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Urbanismo, demografia e as formas
de morar na metrópole: um estudo de caso
da Região Metropolitana de Campinas
Urbanism, demography and the ways of living in the metropolis: a
case study in the Metropolitan Region of Campinas
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves
José Marcos Pinto da Cunha
Resumo
Inserindo-se na linha de estudos chamada de “heterogeneidade da pobreza urbana”, este trabalho
pretende investigar um dos aspectos centrais de tal
heterogeneidade, que diz respeito às distintas formas de morar numa metrópole; buscamos, a partir
da ótica dos estudos demográficos, somar esforços
para melhor entendimento dessa realidade. Parte-se
do pressuposto de que a composição e produção
do espaço urbano e toda sua heterogeneidade – e
desigualdade –, em particular os assentamentos
populares, são também, em parte, reflexo das características sociodemográficas específicas da população residente. A investigação tem como objetivo
analisar a relação entre as diferentes etapas do ciclo
vital familiar (ou curso de vida individual) e condição migratória com as alternativas habitacionais
desenvolvidas para alcançar uma moradia.
Abstract
Palavras-chave: demografia; mobilidade residencial; planejamento urbano; assentamentos urbanos;
segregação residencial.
Keywords: Demography, residential mobility,
urban planning, urban settlements, residential
segregation
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Developed within the research line called
“heterogeneity of urban poverty”, this study aims
to investigate a central aspect of this heterogeneity
that concerns different ways of living in a metropolis.
Based on the perspective of demographic studies,
we hope to contribute to a better understanding of
this reality. We start from the assumption that the
composition and production of urban space and all
its heterogeneity - and inequality -, particularly the
popular settlements, are also partly a reflection of
socio-demographic characteristics that are specific
to the resident population. The research aims to
analyze the relationship of the different stages of
the family life cycle (or course of individual life)
and immigration status with housing alternatives
that are developed so that people have a place to
live.
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Introdução
A escolha do tema deste artigo deve-se à urgente necessidade de pesquisas acerca de
questões urbanas tão atuais quanto históricas
no Brasil, como a intensa expansão e adensamento de áreas habitacionais precárias, bem
como o caráter segregador da alocação socioespacial da população pobre.
Ao buscar articular algumas noções da
demografia à tradição dos estudos urbanos,
este trabalho pretende tratar da influência de
alguns aspectos sociodemográficos na conformação espacial de uma região metropolitana
emergente, no caso, a Região Metropolitana
de Campinas. Mais especificamente, trata-se
de identificar possíveis influências de certas
características demográficas sobre a incidência
de diferentes formas de morar observadas na
metrópole, com ênfase especial aos assentamentos precários.1
habitabilidade do domicílio, da infraestrutura
de seu entorno e, especialmente a composição
demográfica da população residente. Não é
difícil imaginar como essa última questão teria
impacto sobre os tipos de políticas e/ou ações
a serem adotadas de forma a atingir mais eficiência no atendimento às necessidades da
população.
Tal simplificação é, na maioria das vezes,
justificada pela carência de informações confiáveis e detalhadas sobre esses assentamentos
(Ferreira et al., 2007, p. 3). O relatório sobre
os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) no Brasil aponta claramente a necessidade de melhoria da quantidade e qualidade
das informações existentes sobre o tema:
[...] as fontes disponíveis, como o Censo
Demográfico e a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, trazem um número limitado sobre esses quesitos, em especial no que se refere aos assentamentos precários. (ODM, 2007)
A ideia da presente linha de investigação
foi também motivada por outra constatação:
É justamente nesse sentido que esse
a carência conceitual da literatura acadêmica
artigo também busca contribuir, ao lançar
referente aos assentamentos urbanos popu-
mão de uma pesquisa domiciliar realizada
lares. Essa carência conceitual muitas vezes
em 2007, que permite um aprofundamento
acaba por considerar como grupos “homogê-
na caracterização e, sobretudo, diferenciação
neos” populações e tipos de assentamentos
dos domicílios em suas diferentes dimensões.
que, empiricamente, percebem-se bastante
A partir desses dados será possível não ape-
heterogêneos.
nas incrementar e inovar em algumas destas,
Grande parte das categorizações existen-
como também incorporar novas dimensões,
tes leva em consideração, basicamente, a
particular mente, a demográfica, que, como
condição fundiária e ambiental desses assen-
se mencionou, é por hipótese de trabalho ele-
tamentos, pouco atentando para dimensões
mento importante para uma mais apurada ca-
igualmente importantes, como as condições de
tegorização de assentamentos.
212
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Segregação e as diferentes
formas de morar
Ou seja, a segregação urbana é entendida como manifestação espacial da forma como
se organiza a sociedade, caracterizando-se por
uma tendência de agrupamento no espaço de
Parte-se da hipótese de que existe uma re-
grupos sociais homogêneos, “e seria também
lação entre o perfil sociodemográfico da
o resultado de uma desigualdade socioespacial
população e o modo como esta equaciona a
expressando-se na organização territorial da
questão de moradia no meio urbano. Mais es-
cidade” (Pasternak, 2004, p. 92). Obviamente,
pecificamente, acredita-se haver influência de
tal processo tem como um dos seus principais
certos atributos demográficos, como é caso
reflexos a heterogeneidade dos assentamen-
do ciclo vital familiar e a condição migratória,
tos humanos e, portanto, seu entendimento
sobre a trajetória e a mobilidade residencial
também pode levar à melhor compreensão da
das camadas mais empobrecidas, no espaço
complexidade das formas de morar existentes
intraurbano, especialmente em uma região
nas grandes aglomerações urbanas.
metropolitana. Sendo assim, pode-se tam-
Segundo Lago (2003), o debate acadê-
bém dizer que tais características influenciam
mico e político no Brasil em torno do tema da
o processo de segregação socioespacial. Em-
segregação nas grandes cidades tem a ilegali-
bora deva-se reconhecer que a trajetória e a
dade urbana como um dos parâmetros centrais
mobilidade residencial das camadas mais em-
na definição das “clivagens socioespaciais” em
pobrecidas são condicionadas por questões
discussão (p. 2, aspas do autor).
estruturais, entre elas o comportamento dos
Alguns autores brasileiros apontam, por
mercados – particular mente o fundiário – e
exemplo, certo descompasso entre as teorias ur-
a ação (ou não ação) do Estado, não se de-
banísticas internacionais, amplamente aceitas,
ve desmerecer o fato de que estas também
e a realidade urbana nacional. Maricato (1996)
apresentam estreita relação com fenôme-
coloca a expressão “ideias fora do lugar”.
nos e comportamentos demográficos como
Refere-se ao ideário do planejamento urbano
são os casos da mobilidade territorial e a
importado e fielmente reproduzido no Brasil,
nupcialidade.
fazendo contraponto ao “lugar fora das ideias”,
De fato, como mostram alguns estudos
que consiste em grande parte da realidade ur-
(Cunha, 1994, Caiado, 2004, Jakob, 2003 e
bana – ilegal, oculta, ignorada – apartada de
Cunha et al., 2006b), ao responderem a dife-
teorias, leis, planos e gestão, e desse mesmo
rentes incentivos e/ou constrangimentos, o
ideário estrangeiro (Ferreira, 2000, p. 9).
perfil demográfico das pessoas ou das famílias
Assim, as cidades parecem “partidas”
que ocupam o território tende a diferenciar-se
em duas porções (Ribeiro, 2000), uma delas
segundo o lugar que ocupam, acirrando ainda
é a cidade formal, destinada às classes mé-
mais o processo de diferenciação sociodemo-
dia e alta, que se equipara a outras cidades
gráfica que, como se sabe, é a base para da se-
do mundo desenvolvido no que concerne aos
gregação socioespacial, ao menos nos termos
investimentos e à qualidade da infraestrutu-
em que aqui consideramos.
ra, habitação, serviços. A outra é a chamada
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
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Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
cidade informal, onde pobreza e invisibilidade
persistem e avançam (Maricato, 1996).
Na verdade, no debate acadêmico sobre o tema, tal diferenciação não parece tão
A urbanização no Brasil, e particular-
consensual. Por exemplo, como Ribeiro e La-
mente em suas áreas metropolitanas, tem as-
go (1994), Bógus (1992) e Rolnik et al. (1990)
sumido um padrão definido pela segmentação
alertam para a crescente dificuldade de con-
e diferenciação social, demográfica, econômica
siderar a distinção centro-periferia. Ribeiro
e ambiental. Tal padrão caracteriza-se também
(2000) acredita que com as atuais transforma-
pela baixa qualidade de vida urbana e pelo
ções socioeconômicas, as cidades podem até
crescimento físico elevado, expansão periférica
estar mais homogêneas quando examinadas
e todas as consequências que isso implica: de-
em escala macro; porém, apresentam-se mais
ficiências na infraestrutura urbana e nos equi-
fraturadas, em escala micro (ibid., p. 47).
pamentos sociais, produção de vazios urbanos
Por outro lado, Marques e Torres (2005)
infraestruturados, retenção especulativa de
argumentam que há diversidade em espaços
solo, entre outras.
homogêneos. Entretanto, a estrutura geral da
Como mostram vários autores
metrópole continua a ser caracterizada por
(Gottdiener, 1993; Kowarick, 1980; Bonduki
inúmeros espaços homogêneos social e es-
e Rolnik, 1979 e 1982; Ribeiro e Lago, 1999;
pacialmente separados entre si, configurando
Santos 1996; Maricato, 1996; Ribeiro 1997;
uma intensa segregação entre áreas ricas e
entre outros), o entendimento desse fenômeno
pobres. Ao mesmo tempo, entretanto, espa-
e, particularmente, de uma de suas principais
ços igualmente pobres por vezes apresentam
expressões, a segregação socioespacial, pas-
características muito diferentes entre si no que
sa por uma compreensão de aspectos como a
diz respeito a equipamentos públicos ou carac-
formação do preço do solo urbano e a conse-
terísticas relativas a diferentes intensidades de
quente geração de renda fundiária urbana.
mazelas urbanas como desemprego e violência
Mais que isso, há também que se ter em
(Marques e Torres, 2005).
conta um debate mais contemporâneo sobre os
Abramo (2003) chama a atenção para o
“caminhos” da diferenciação socioespacial de
fato de as cidades brasileiras serem bastante
nossas metrópoles. De fato, discussões e deba-
segmentadas e heterogêneas no que diz res-
tes sobre a formação de uma cidade dual (Sas-
peito à composição e alocação da população e
sen, 1991, Mollenkopf e Castells, 1992), assim
dos equipamentos em seu espaço geográfico,
como os impactos da reestruturação produtiva
sendo a dificuldade ao acesso a terra, e conse-
sobre o urbano (Harvey, 2005, Castells, 1999)
quentemente à moradia, um dos fatores cau-
são questões que devem nortear qualquer es-
sadores de tal realidade (p. 2).
tudo sobre fenômenos urbanos.
Assim, podemos inferir que, apesar do
De fato, não só internacionalmente, mas
debate existente sobre a dificuldade atual de
também no Brasil, tem sido intensa a discussão,
se manter a clássica dicotomia centro-perife-
por exemplo, se o padrão “centro-periferia” co-
ria, dado um presumível crescimento da hete-
mo observado no passado, em particular nos
rogeneidade de ocupação do tecido urbano, o
anos 70, ainda seguiria vigente.
fato é que a segmentação socioespacial ainda
214
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
permanece bastante visível na maioria das
sobre políticas visando mitigar, reduzir ou, no
aglomerações urbanas brasileiras.
melhor dos casos, eliminar o déficit habitacio-
Além disso, a despeito dos investimentos
nal existente em nossas cidades.
realizados pelo poder público na ampliação
Em segundo lugar, porque se acredita
da cobertura da infraestrutura urbana (como
que o maior poder aquisitivo, ao implicar a am-
saneamento básico, iluminação pública entre
pliação do leque de alternativas habitacionais,
outros), fato gerador de melhorias na quali-
também tem impactos sobre a estrutura de
dade do ambiente urbano e de sua população,
incentivos e/ou constrangimentos envolvidos
observa-se o contínuo crescimento da segre-
nas decisões sobre onde morar. Como se pode
gação residencial. Ou seja, além das caracte-
constatar em estudos, por exemplo, sobre os
rísticas físicas dos domicílios, suas localizações
condomínios fechados
também devem ser levadas em conta de forma
a se ter um melhor diagnóstico da situação.
Dessa forma, confirma-se a afirmação
anterior, acerca da necessidade de novos olhares sobre a organização do espaço urbano e a
formulação de pesquisas que resultem em da-
[...] Além de serem distantes, segregados
e seguros, supõe-se que os condomínios
fechados sejam universos autocontidos.
Os moradores devem ter ao seu dispor
quase tudo o que precisam para que possam evitar a vida pública da cidade. (Caldeira, 2001, p. 267)
dos mais eloquentes sobre aspectos que ainda
permanecem, de certa forma, pouco claros.
Dessa forma, é muito provável que os
Ou seja, a heterogeneidade das formas de as-
elementos demográficos também tenham in-
sentamentos humanos deveria levar em conta
fluência sobre a máxima do “quem casa quer
também a qualidade dos serviços básicos se-
casa” e que valham para qualquer estrato
gundo sua distribuição espacial no tecido ur-
social. No caso dos estratos mais abastados,
bano, a acessibilidade, enfim, elementos que
estarão mais diluídos e, provavelmente, não
se destacam cada vez mais com o aumento da
segregação socioespacial.
serão tão decisivos quanto para a população
de mais baixa renda.
Partimos da visão de Bourdieu e Passeron
(1982), para os quais os atores sociais estão
Urbanismo e demografia: em busca
de um novo olhar para o “morar
na metrópole”
inseridos espacialmente em determinados
campos sociais, dessa maneira, a posse de
grandezas de certos capitais (cultural, social,
econômico, político) condiciona seu posiciona-
Os assentamentos urbanos populares constituem objeto de estudo principal deste artigo.
A opção pelo estudo das formas de morar dos
estratos socioeconômicos mais empobrecidos
se deve, em primeiro lugar, por sua relevância
social, haja vista o impacto que isso pode ter
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
mento espacial e, na luta social, identifica-se
com sua classe social:
[...] É na relação entre a distribuição dos
agentes e a distribuição dos bens no
espa ço que se define o valor das diferentes regiões do espaço social reificado.
(Ibid., 1982)
215
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Contudo, além dessa questão primordial,
cômodos cedidos por familiares, dividindo o
que é o posicionamento socioeconômico, con-
lote paterno. Muitas vezes, o passo seguinte
sidera-se que os condicionantes da produção
para estes, entre as alternativas habitacionais
do espaço urbano, entre eles os mercados de
possíveis, é o embrião de uma casa, construído
trabalho e de terra, afetam diferencialmente o
numa periferia mais distante.
indivíduo ou a família, segundo o estágio do
ciclo de vida, a composição por sexo e idade, a
condição migratória, etc. Portanto, particularmente para os estratos sociais mais baixos,2
esses atributos deveriam ser considerados como fatores importantes que interfeririam sobre
a definição de como e onde morar.
Nele, a família, com ajuda de parentes,
amigos e conterrâneos, no que ironicamente se chama de tempo livre, durante
25 ou trinta anos, lentamente, vai ampliando ou reformando uma casa plena
de significados. (Kowarick, 1991, p. 4)
O autor demonstra, assim, a intensa re-
Na verdade, parte-se do pressuposto de
lação entre o acesso à moradia e as caracte-
que os comportamentos demográficos, embora
rísticas pertinentes à dinâmica demográfica –
não possam ser considerados condicionantes
particularmente os diferentes estágios do ciclo
centrais dos processos de produção do espaço
de vida familiar ou cursos de vida.
urbano – estes claramente estruturais –, são,
Em relação a outros aspectos da dinâmi-
no mínimo, reflexos desses processos, guar-
ca demográfica e distribuição da população no
dando uma relação muito estreita com os mes-
tecido urbano, Pasternak observa a influência
mos, inclusive podendo retroalimentá-los.
da composição etária da população na ocupa-
Um exemplo disso seriam os processos
ção espacial da cidade de São Paulo, exemplo
de formação das grandes áreas periféricas que
que seguramente pode ser replicado para ou-
são expressão, por um lado, do custo do solo
tras grandes cidades brasileiras:
urbano nas áreas mais centrais, mas também,
por outro lado, da ação das redes ou movimento sociais que acabam por incentivar o adensamento de tais áreas. Nesse sentido, tendemos
a concordar com a Wisner (2003) quando afir-
[...] a estrutura etária varia por anel
ocupa do; há um nítido envelhecimento
da população nas áreas centrais, enquanto que a proporção de jovens na periferia
é maior que em outros anéis. (2001, p. 3)
ma que “pessoas com características similares
tendem a se assentar na mesma ou em áreas
similares” (tradução livre).
Pasternak também alerta para a necessidade de se pensar as novas formas de habitar
Kowarick (1991) observa que indivíduos
geradas por questões estritamente pertinentes
sós e casais jovens sem filhos mais frequen-
ao campo demográfico, como queda das taxas
temente se dispõem a “morar de aluguel” em
de fecundidade e maior esperança de vida, que
favelas e cortiços, uma vez que sua localização
se acentuaram a partir de meados dos anos
geográfica mais central pode constituir aspec-
80. Segundo a autora, rebatimentos urbanos
to facilitador da sua inserção e permanência
de tais indicadores são observados de forma
no mercado de trabalho. Já casais jovens, com
inequívoca na maneira como alguns padrões
filhos ainda pequenos, não raro, ocupariam
de sociabilidade vêm se alterando, como a
216
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
redução do tamanho dos domicílios e o surgi-
família como unidade básica de análise, por
mento de novos arranjos familiares (Pasternak,
entendermos que é dentro desse núcleo que se
2001, p. 3).
determinam muitas das decisões relativas – e
No que se refere à condição migratória,
essenciais – à sobrevivência de seus atores.
vários estudos mostram os diferenciais existen-
Segundo estudo de Bilac (1997), a famí-
tes entre migrantes e não migrantes no que se
lia e seus desdobramentos constituem clássico
refere à inserção desses indivíduos no merca-
tema de estudo nas ciências sociais, particular-
do de trabalho. Sobre essa situação, Batista e
mente no campo das migrações:
Cacciamalli apontam:
A migração traz a necessidade de inserção em um mercado de trabalho no local
de destino, onde os atributos pessoais e
produtivos podem ter valores distintos
daqueles verificados no local de origem.
A existência de grandes distinções na
estrutura ocupacional entre as regiões
pode fazer com que homens e mulheres
migrantes tenham acesso diferenciado
ao mercado de trabalho local, quando
comparados à população não migrante.
(2009, p. 98)
Já Cunha e Dedecca (2000) mostram
que de fato existem diferenças significativas
em termos da inserção dos imigrantes na RM
de São Paulo. Embora o estudo mostre que os
migrantes encontravam-se, em geral, mais empregados que os não migrantes, a face perversa dessa realidade era que os primeiros apresentavam um perfil ocupacional que apontava
maior precariedade na forma dessa inserção.
Estas análises claramente explicitaram o
papel da família e das relações familiares
como condicionantes importantes ao longo de todas as etapas do processo migratório: da decisão de morar, dos arranjos
econômicos necessários à implementação desta decisão, à integração do migrante à sociedade urbana. (Lopes, 1964,
Durham, 1973 in Bilac, 1997, p. 177)
Em outro texto, Bilac ressalta a importância da família enquanto esfera da produção e
reprodução, e a forma como esta é impactada
por toda e qualquer intempérie socioeconômica. Dentre esses fatores que impactam a família
podemos citar a busca por moradia e o fato de
esta ser inacessível para muitos (2006, p. 58).
Assim, entendemos que, de acordo com
as modificações ocorridas na composição
familiar, entre outros fatores, pelas sucessivas
etapas do ciclo vital, as necessidades habitacionais do grupo familiar se alterarão, o que
pode se tornar fator de mobilidade espacial do
grupo ou individual.
A família como unidade de análise
Desta forma, sem desconsiderar os condicionantes clássicos dessa mobilidade residencial, em geral ligados à dinâmica dos mercados
Diversos estudos indicam que a localização
de terra e de trabalho, não se pode deixar de
residencial constitui um dos elementos mais
considerar que as etapas do ciclo vital familiar,
importantes no universo familiar dos po-
bem como a composição dessas famílias, pos-
bres urbanos (Abramo, 2003). Reconhecen-
sivelmente acabarão tendo peso significativo
do a importância de tal relação, colocamos a
sobre a decisão final de mudança.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
217
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Ou seja, trata-se de resgatar para o
não apenas dependem, em boa medida, das
âmbito intraurbano a instigante proposta de-
ofertas imobiliárias, mas também das ligações
senvolvida por Singer (1980) para explicar a
que tais zonas possuem com o resto da região,
migração rural-urbana que diferenciava as
particularmente com aquelas áreas onde se
causas – estruturais – que afetavam grupos
concentram as atividades produtivas.
ou, em seus termos, classe sociais, dos moti-
De fato, a importância da mobilidade
vos – estes individuais – que teriam impacto
pendular em nossas metrópoles atesta, em
sobre a decisão final.
grande medida, que a decisão de morar, via de
É bom lembrar que, especificamente
regra, também leva em conta a possibilidade
no que se refere às “preferências habitacio-
de acesso físico às oportunidades oferecidas
nais” – se é que se pode dizer que a popu-
pela metrópole (Ojima, 2007).
lação enfocada nesse estudo tem esse poder
E, assim, acreditamos que impulsionadas
garantido –, existem ao menos duas formas,
por transformações endógenas inerentes às
não necessariamente contraditórias, que tra-
etapas do ciclo vital, movimentos migratórios
duziriam certas opções: a primeira e talvez a
e/ou por fatores exógenos, como inserção ou
mais comum, não apenas no caso da RM de
exclusão do mercado de trabalho, influência
3
Campinas, mas em outras RM’s do estado de
de redes de relacionamento, ações públicas
São Paulo, diz respeito ao custo da moradia
como remoção de áreas de risco, tais famílias
expresso no preço dos terrenos ou nos alu-
movam-se na busca do lócus disponível que
guéis das áreas e municípios mais centrais das
seja mais apropriado, ou condizente, com as
regiões; a segunda ligada à facilidade de aces-
intermitências de suas necessidades locacio-
so ao mercado de trabalho a partir do local de
nais, traçando a trajetória da pobreza urbana
moradia.
4
nas metrópoles brasileiras.
Embora aparentemente contraditórias, já que a primeira forma implicaria o
distanciamento das pessoas das áreas mais
centrais, e a segunda poderia implicar localizações mais centrais – mesmo que em condições
Outra “mirada” demográfica:
a condição migratória e direito
à moradia
mais precárias como favelas, cortiços e ocupações –, ambas guardam lógicas semelhantes.
Ainda que o direito à moradia seja um con-
Ou seja, tanto num caso como em outro,
senso entre todas as esferas da sociedade, e,
a questão central seria buscar locais acessíveis
para os brasileiros, um direito constitucional
para se morar, sendo tal acessibilidade tra-
desde 1988, a realidade urbana revela-se di-
duzida tanto em termos do custo de moradia
versa. Segundo Maricato, o uso ilegal do solo
quanto em termos da possibilidade de acesso a
e a ilegalidade das construções atingem mais
bens, serviços, e, claro, ao trabalho. Na verda-
de 50% das construções nas grandes cidades
de, mesmo no caso da formação das periferias,
brasileiras, o que gera total incompatibilidade
estas não se apresentam de forma aleatória no
entre a chamada cidade legal e a cidade real.
espaço metropolitano (Cunha, 1994), já que
(1996, p. 16)
218
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Em conjunto com outras formas de as-
E o que se observa é que tal situação
sentamentos urbanos, estimuladas pelo estado
só se agravou com o passar do tempo, como
ou pela iniciativa privada, os espaços constituí-
demonstram Patarra e Cunha, usualmente
dos de forma irregular, por ocupação espontâ-
migrantes são vistos como pobres e excluídos
nea ou mesmo por produção imobiliária fora
socialmente, além do que tenderiam a atrair
dos moldes impostos pelas municipalidades,
mais migrantes em função das redes de rela-
constituem um “mosaico” de situações dentro
cionamento estabelecidas no local de origem
da cidade.
(1987).
Segundo Ferreira et al., a multiplicidade
Ainda, conf irmando t al situação,
de tipos de assentamentos urbanos precários
Preteceille e Valladares explicitam o atual es-
são, em grande parte, produto da falta de
tigma de marginalidade sofrido pelos migran-
ações públicas habitacionais:
tes nos grandes centros:
[...] as diversas soluções habitacionais
precárias das quais a população de baixa
renda com frequência lança mão pela baixa oferta de programas públicos e por não
dispor dos recursos necessários para acessar soluções via mercado. ( 2007, p.2)
O favelado, o morador da favela, passou a
simbolizar o migrante pobre, semi analfabeto, biscateiro, incapaz de se integrar e
se adaptar ao mercado de trabalho da cidade moderna, industrial. (2000, p. 377)
Levando em conta que a dificuldade
Todavia, longe de uma característica da
por parte das camadas mais empobrecidas ao
modernidade, essa parece ser uma questão
acesso à terra tem origens bastante distan-
histórica no Brasil. Segundo Maricato (1997),
ciadas dos dias atuais, como aponta Maricato
o fato de a terra ser inacessível às popula-
(1997), o senso comum do migrante recém-
ções mais pobres remonta ao nosso passado
chegado como principal gerador e replica-
mais longínquo, à época da abolição da es-
dor dessa realidade pode (e talvez deva) ser
cravatura, quando a propriedade da terra foi
questionado.
regulamentada pela Lei de Terras. A proprie-
Aliás, esse tipo de preconceito já foi de-
dade da mão-de-obra escrava foi substituída
nunciado em pelo menos um estudo do gênero
pela propriedade do meio de produção (ter-
no qual a questão central era o mercado de
ra), assegurando a hegemonia econômica e
trabalho. Nele Cunha e Dedecca, ao sugerirem
política à Coroa Portuguesa e à elite branca,
“uma abordagem sem preconceito”, contesta-
negando o acesso a terra às camadas mais
vam a visão de que os problemas observados
empobrecidas da população. Já no século XX,
no mercado de trabalho seriam devidos à mi-
no início da década de 1930, período efetivo
gração. A análise mostra que:
do processo de urbanização brasileiro, a segregação socioespacial progressivamente vai
se revelando a partir da alocação de negros,
brancos pobres e migrantes nas franjas urbanas (ibid., p. 37).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
[...] a migração para a Região Metropolitana representa relativamente pouco
para o crescimento da PIA e da PEA.
Ademais, as possibilidades de inserção
dos novos residentes são crescentemente
219
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
contingenciadas nos segmentos mais precários do mercado de trabalho, em razão
das dificuldades econômicas da região e
seus efeitos de bloqueio do processo de
mobilidade social observado em décadas anteriores. Tais dificuldades reduzem
acentuadamente as oportunidades de
trabalho nos segmentos ocupacionais
mais formalizados. (2000, p. 116)
Uma proposta para
categorização de
assentamentos urbanos
populares usando
a demografia
É notório que o tema dos assentamentos ur-
Ou seja, responsabilizar o migrante por
banos precários carece de conceituação mais
estas e outras mazelas sociais, além de injusto,
criteriosa e detalhada. De acordo com a litera-
seria, no mínimo, um reducionismo intencional
tura pesquisada, são usadas para fins de clas-
visando escamotear os reais problemas de nos-
sificação desse verdadeiro mosaico de situa-
sa sociedade.
ções habitacionais três categorias principais
E é esse um dos pontos cruciais deste
que analisam basicamente as condições do
trabalho: melhor delinear os diferentes perfis
assentamento segundo sua situação jurídica
sociodemográficos, em termos das etapas do
(fundiária), urbanística e ambiental.
ciclo vital, bem como das condições migra-
Contudo, na diversidade de assenta-
tórias mais frequentes entre as diferentes
mentos precários, encontramos tipos que não
modalidades habitacionais destinadas às ca-
se encontram circunscritos a essas condições.
madas mais carentes da população. Dentro
Ferreira et al. observam:
da hipótese fundamental desta linha de pesquisa, tais características constituir-se-iam
importantes fatores geradores da heterogeneidade de tipos de assentamentos urbanos
precários.
Não se pode esquecer que o perfil demográfico acaba sendo não apenas um elemento
importante para a diferenciação de tais assen-
[...] a questão da habitação precária envolve diversas situações distintas como
favelas, loteamentos clandestinos e irregulares e cortiços, marcados também
por intensa heterogeneidade interna [...],
mesmo os conjuntos habitacionais construídos pelo poder público em décadas
recentes por vezes apresentam avançado
estado de degradação. (2007, p. 3)
tamentos, mas principalmente uma chave para
o reconhecimento da diversidade de situações
Alfonsin et al. (2002) demonstram que a
que devem ser consideradas para efeitos de
complexidade do tema vai muito além das ca-
planejamento e implementação das políticas
racterísticas jurídicas da propriedade. Citam a
públicas. Afinal, estas são voltadas para as
imensa variedade de irregularidades urbanas
pessoas que se organizam em famílias, apre-
existentes no Brasil as quais abarcam desde
sentam um histórico migratório, encontram-se
áreas precárias destinadas às populações de
em momento distintos de suas vidas e, portan-
mais baixa renda, até os condomínios fechados
to, apresentam necessidades diferenciadas,
e privatização da orla marítima, modalidades
entre elas a habitação.
praticadas pelas altas e médias classes sociais.
220
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Como colocam os autores acima, não
Dentro de uma variada gama de possi-
é possível afirmar que a condição de proprie-
bilidades de apreender os fatores relacionados
dade, do domicílio ou terreno, seja suficiente
à heterogeneidade socioespacial observada
para identificar as diferentes formas de as-
nas grandes metrópoles, este trabalho leva em
sentamentos precários presentes nas cidades.
conta diferentes dimensões que basicamente
Muito embora o próprio IBGE utilize a situação
comporiam um assentamento urbano, usando
de propriedade para caracterizar os chamados
a Região Metropolitana de Campinas como es-
aglomerados subnormais.
tudo de caso.
O diferencial da presente proposta é que,
Para a construção da categorização
além de ampliar as possibilidades de capta-
de assentamentos serão abordadas duas
ção das condições de regularidade fundiária e
dimensões consideradas centrais, que se-
estrutura urbanística do local em função dos
rão complementadas por uma terceira di-
dados disponíveis, também estabelece uma
mensão – a demográfica – considerada
relação entre essas características com as con-
igualmente importante. Elementos a serem
dições socioeconômicas e demográficas da po-
considerados:
pulação residente, mensuráveis através de in-
a) Condições estruturais do domicílio e seu
dicadores selecionados. Dessa forma, através
entorno : qualidade construtiva do domicílio
e os equipamentos urbanos existentes no
entorno, indicando não só aspectos importantes e tradicionalmente captados, como as
condições de saneamento básico, mas, principalmente, a frequência dos serviços públicos
como abastecimento de água, coleta de lixo e
condições de manutenção das ruas.
b) Situação fundiária do terreno e domicílio : existência de irregularidade(s) no tocante
à questão da segurança de posse (sobre o lote e/ou domicílio). Demonstrando a maior ou
menor situação de vulnerabilidade dos residentes em relação à possibilidade de permanecer no local ou serem removidos pela falta
ou inadequação da documentação de posse
do imóvel.
c) Características demográficas : aspectos
relacionadas ao momento do ciclo vital, arranjos familiares, sexo, idade e condição migratória que, por hipótese, estariam ligadas
às diferentes possibilidades de acesso e mobilidade habitacionais.
da análise da relação entre essas dimensões,
busca-se categorizar as possíveis variações
existentes entre assentamentos urbanos.
O desenvolvimento dessa categorização
se beneficia das informações provenientes
do questionário por amostragem domiciliar,
relativo à pesquisa Dinâmica Intrametropoli-
tana e Vulnerabilidade Sociodemográfica nas
Metrópoles do Interior Paulista: Campinas e
Santos, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos
de População (NEPO). Os questionários foram
aplicados por sorteio em cerca de 3.600 domicílios em diferentes pontos das regiões metropolitanas de Campinas e Baixada Santista,5 no
segundo semestre de 2007.
O caráter inovador do questionário utilizado permite maior visibilidade das diferentes dimensões que compõem o cenário da diversidade
das “formas de morar”,6 o que permite aplicar
um critério alternativo de classificação, utilizando informações inéditas relativas à frequência
dos serviços de água potável e coleta de lixo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
221
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Dimensões construtivas, locacionais
e fundiárias: um olhar a partir do
enfoque das necessidades atendidas
• Paredes internas total ou parcialmente revestidas (NBS), sem revestimento (NBI);
• Abastecimento de água por acesso à rede
geral de com canalização interna (NBS), outras
formas de abastecimento (NBI)
O uso das informações listadas anteriormente
• Destinação do esgoto por rede geral, fos-
foi esquematizado em duas etapas. Uma pri-
sa séptica ou fossa rudimentar (NBS), outras
meira análise dos dados usou o método das
formas (NBI);
“Necessidades Básicas Insatisfeitas” (NBI).
Proposto por pesquisadores da CEPAL, tem a
• Instalação sanitária exclusiva ao domicílio
(NBS), comum (NBI);
finalidade de mensurar as condições de vida
• Domicílios sem presença de analfabetos
da população latino-americana, em especial
funcionais (NBS), com analfabetos funcionais
(NBI).
Uma vez recodificadas tais variáveis em
respostas dicotômicas (zero para NBS e 1 para
NBI), foi feita o somatório das mesmas, tendose chegado a uma nova variável que define
duas grandes categorias de domicílios: aqueles
que somaram zero, isto é, não apresentaram
nenhuma inadequação segundo os parâmetros
adotados, e aqueles que pontuaram de um a
seis, por apresentarem uma ou mais inadequações.7
A segunda etapa desse processo investiga a inadequação oculta pelas metodologias
mais tradicionais de análise. Metodologias que
se baseiam apenas em indicadores referentes
à cobertura da infraestrutura urbana, na presença do Estado por meio do aparelhamento
urbano, sem averiguar se haveria simetria na
qualidade dos serviços que tais equipamentos
devem prestar à população.
Portanto, separamos numa base de dados apenas os domicílios que não pontuaram
na etapa anterior. Ou seja, aqueles considerados satisfeitos em suas necessidades básicas,
e os reclassificamos utilizando variáveis que
suas carências relacionadas ao acesso a bens
e serviços considerados mais elementares para
a sobrevivência de indivíduos e grupos. Visa,
portanto caracterizar a pobreza, ainda que, como ressalvam Feres e Mancero esta seja, “um
termo de muitos significados e envolve inúmeras situações” (2001, p. 7).
Foi escolhido o critério do NBI (aqui chamado NBI_Convencional) para que nessa primeira etapa da classificação fossem separados
numa categoria os domicílios que se encontrassem em condições de inadequação habitacional e social.
Para tal, alguns ajustes foram necessários em relação aos pressupostos originais propostos pela CEPAL a fim de adequá-los à região onde foi feita sua aplicação (RMC). Desta
forma, em sua construção foram utilizadas as
seguintes variáveis:
• Densidade domiciliar: número de moradores por cômodo usado como dormitório. Nesse
caso, foram considerados satisfeitos (NBS) naqueles domicílios em que esse número é menor ou igual a 3 pessoas, e insatisfeitos (NBI)
aqueles onde tal indicador é superior a 3;
222
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
abordavam a qualidade de alguns serviços e as
essas variáveis, de maneira a ter elementos
condições de manutenção da via em que está
que referendassem (ou não) a relevância de
localizado. A finalidade seria abrir esse grupo
tais dimensões para melhor se conhecer ou
em duas categorias: aqueles não adequados
especificar e heterogeneidade das situações
sob tais critérios (que chamamos de NBI_Am-
de morar.
pliado) e aqueles atendidos também nesses.
As variáveis utilizadas foram: 8
• Frequência do fornecimento de água (to-
Evidências da análise univariada:
dos os dias o dia todo ou irregular);
• Periodicidade da coleta do lixo (todos os
Com a finalidade de testar nossa hipótese ini-
dias/ mais de uma vez por semana ou uma vez
cial, ou seja, de que poderiam existir padrões
por semana/ irregular);
de comportamentos sociodemográficos por
• Qualidade da rua (pavimentada com/sem
buracos ou terra batida com/sem cascalho).
detrás de certas categorias de assentamentos
urbanos, foram analisados alguns cruzamentos de informações derivadas da pesquisa domiciliar.9
A dimensão demográfica
como elemento relevante
A Tabela 1 demonstra, primeiramente,
a esperada aderência entre a escolaridade
do responsável e a classificação dos domicí-
Às dimensões consideradas anteriormente, a
lios adotada. O que se observa é que quanto
saber, as condições estruturais e do entorno,
mais se avança nos anos de estudo maior é a
agregou-se uma terceira, a demográfica.
proporção dos domicílios em condições mais
Nesse caso, na medida em que o interes-
satisfatórias. O mesmo ocorre com relação
se maior do estudo era verificar a relevância
ao NBI_Ampliado, muito embora nesse caso
de certos aspectos demográficos na classifica-
a distribuição entre domicílios NBI e domicí-
ção dos assentamentos, optamos por analisar
lios NBS seja semelhante, o patamar daqueles
o comportamento (ou regularidade) de alguns
intermediários é pouco maior, principalmente
indicadores demográficos para as categorias
no grupo de maior escolaridade (10,4%). O
anteriormente definidas.
que pode significar que mesmo mais escola-
Dessa forma, para as variáveis escola-
rizados esses indivíduos ainda apresentam al-
ridade, tempo de residência, condição migra-
guma inadequação no que diz respeito à sua
tória, número de mudanças intramunicipais,
moradia.
número de municípios prévios, grupo etário
Com as Tabela 2 a 5 busca-se identifi-
e sexo, buscou-se identificar regularidades de
car a relação em situações inadequadas de
cada um deles dentro dos grupos de domicí-
habitação e a condição migratória, tendo
lios identificados. Ou seja, a ideia foi identi-
como hipóte se que a mobilidade residencial
ficar a existência de algum padrão quanto a
nas metrópoles brasileiras, sobretudo aquela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
223
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Tabela 1 – Escolaridade do responsável pelo domicílio,
segundo categorias de condições domiciliares, RMC, 2007
Escolaridade do responsável
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
Analfabeto / Primário completo
17,2
82,8
Primário completo / Ginásio incompleto
16,4
Ginásio completo / Colegial incompleto
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(382)
17,5
82,5
100,0
(228)
83,6
100,0
(555)
15,2
84,8
100,0
(419)
18,8
81,2
100,0
(259)
18,3
81,7
100,0
(196)
Colegial completo / Superior incompleto
12,4
87,6
100,0
(458)
8,9
91,1
100,0
(389)
Superior completo / Pós-Graduação
4,9
95,1
100,0
(169)
10,4
89,6
100,0
(161)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
envolvendo mudança de municípios, embora
de inserção social e produtiva dos indivíduos,
tenha sido utilizada para a solução de ao me-
mas também para a aquisição de informações
nos um aspecto da segurança habitacional –
sobre as possibilidades oferecidas na região,
a posse –, não tem sido capaz de atacar um
particularmente em termos habitacionais.
aspecto fundamental, que é a qualidade das
De fato, a Tabela 2 mostra que os respon-
formas de morar. O conhecido e tradicional
sáveis por domicílios migrantes mais antigos
binômio loteamento popular a autoconstrução
(acima de 20 anos de residência) apresentam
e, nas últimas décadas, também a figura das
o menor percentual de incidência de NBI_Con-
ocupações são processos muito comum nas
vencional. Muito embora esse resultado esteja
RMs que, como já observado, pouco também
dentro do esperado, chama a atenção, no en-
avançaram na redução de seus processos de
tanto, o fato de que os migrantes mais recen-
segregação socioespacial e, principalmente
tes (com menos de 10 anos de residência) pa-
seus efeitos mais nefastos.
recem não apresentar a pior situação, ficando
O primeiro indicador utilizado é o tempo
essa para aqueles com duração de residência
de residência do responsável pelo domicílio.
nos municípios onde foram entrevistados entre
Recordemos que se supõe que o tempo de resi-
10 e 19 anos.
dência no município seria elemento importante
Tendo em vista a hipótese de partida, é
não apenas para incrementar as possibilidades
difícil compreender esse resultado, contudo,
224
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Tabela 2 – Tempo de residência do responsável pelo domicílio,
segundo categorias de condições domiciliares, RMC, 2007
Tempo de residência
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
0 a 9 anos
17,9
82,1
10 a 19 anos
23,6
Mais de 20 anos
12,1
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(258)
12,2
87,8
100,0
(194)
76,4
100,0
(265)
25,4
74,6
100,0
(189)
87,9
100,0
(563)
13,4
86,6
100,0
(475)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
isso pode sugerir o impacto de dois aspectos
que definitivamente deve passar por uma re-
revelados pela pesquisa de campo realizada
visão e, portanto, merecer novos olhares. De
(Cunha, 2009): o primeiro que mostra que mais
qualquer forma, novas análises seriam neces-
de 61% dos migrantes que chegam à RMC vão
sárias para se chegar a uma resposta mais de-
residir em casas alugadas, fato que vale até
finitiva.
mesmo para aqueles que no momento da en-
Analisando a condição migratória a par-
trevista já residiam nas áreas mais periféricas
tir do componente espacial (Tabela 3), obser-
e com piores condições; o segundo diz respeito
vamos que entre os não migrantes do muni-
ao impacto das redes sociais no processo mi-
cípio onde foi realizada a entrevista, o maior
gratório que pode aliviar, de certa forma, as
percentual dos chefes de domicílio está na
necessidades habitacionais iniciais desses mi-
categoria NBS. O interessante desses dados
grantes até a sua solução mais definitiva que,
é observar que justamente o migrante intra-
como já se frisou, não seria necessariamente
metropolitano apresenta-se com os maiores
a melhor em termos qualitativos. Os mesmos
percentuais de NBI_Convencional (66,5%), o
dados mostram que para os migrantes respon-
que, se por um lado volta a desabonar o (pre)
sáveis pelos domicílios que viviam nas áreas
conceito de que o migrante de longa distância
mais carentes da região, quase 20% deles na
seria o principal agente da precariedade habi-
chegada foram residir em casas de parentes.
tacional, por outro lado, corrobora o papel dos
De alguma maneira, esse resultado po-
movimentos migratórios internos na metrópole
deria contribuir para questionarmos a ideia,
como fomentadores da segregação socioespa-
comentada anteriormente, sobre o mito do
cial (Cunha et al., 2006b).
migrante recente como agente propagador
Como já comentado, tal resultado tam-
da precariedade habitacional, concepção esta
bém espelharia a necessidade dos mais pobres
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
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Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Tabela 3 – Condição migratória do responsável pelo domicílio,
segundo categorias de condições domiciliares, RMC, 2007
Condição migratória
NBI_Convencional
Total
NBI_Ampliado
NBI - %
NBS - %
Total
NBI - %
NBS - %
Não migrante
17,2
81,8
100,0
(737)
9,0
91,0
100,0
(394)
Migrante intra metropolitano
66,5
33,5
100,0
(176)
13,6
86,4
100,0
(82)
Migrante extra metropolitano
21,3
78,7
100,0
(910)
15,7
84,3
100,0
(977)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
de migrar internamente na metrópole rumo às
Vulnerabilidade”10 (ZV’s) como o método das
periferias, a fim de obter moradia mais con-
Necessidades Básicas Insatisfeitas são mais
dizente com seus ganhos, fugir do aluguel ou
altos os percentuais de proprietários nas áreas
alcançar um local com alguma segurança de
mais carentes (65,4% dos domicílios NBI con-
posse. É provável que isso ocorra porque, ao
tra 58,6% dos NBS), e de domicílios alugados
menos do ponto de vista habitacional, tal mo-
naquelas de maior poder aquisitivo (30,8%
bilidade poderia implicar uma espécie de “as-
dos domicílios NBI contra 12,8% dos NBS).
censão social” a partir da redução do que vem
Nesse sentido, a “segurança habitacional”11
sendo chamado “(in)segurança habitacional”.
estaria minimamente garantida.
Deve-se lembrar que a possibilidade de mobi-
Outra maneira de abordar a mesma
lizar-se, muitas vezes, pode ser considerada
questão seria a partir da observação da re-
como um ativo para os indivíduos reduzirem
lação existente entre os domicílios classifica-
suas vulnerabilidades(Kaztman et al., 1999).
dos segundo NBI e o número de mudanças
De fato, estudos anteriores sobre algumas RMs (Cunha, 1994 e 2006, Jakob, 2003,
realizadas pelo responsável dentro do próprio
município.
Caiado, 2004) mostram que, ao contrário
Nesse caso, os dados sugerem que
do que se esperaria, são justamente os mais
a mobilidade espacial apresenta-se ligada
pobres e migrantes que adotam a opção da
à capacidade econômica dos indivíduos e,
“propriedade” com maior intensidade, ten-
portanto, uma possível melhoria de vida (ao
do em vista o padrão de ocupação periférica
menos vista do ponto de vista habitacional),
de nossas metrópoles. No caso específico da
uma vez que justamente são aqueles mais
RMC, a análise dos dados sobre proprieda-
empobrecidos (NBI) os menos móveis no es-
de do imóvel e domicílios alugados mostra
paço intramunicipal. A análise da Tabela 4
que tanto utilizando o critério das “Zonas de
mostra que os responsáveis por domicílios
226
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Tabela 4 – Número de mudanças intramunicipais feitas pelo responsável pelo
domicílio, segundo categorias de condições domiciliares, RMC, 2007
Número de mudanças intramunicipais
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
0
18,7
81,3
1
14,6
2
3 ou mais
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(285)
14,1
85,9
100,0
(224)
85,4
100,0
(440)
13,9
86,1
100,0
(345)
14,5
85,5
100,0
(537)
14,6
85,4
100,0
(435)
13,5
86,5
100,0
(561)
13,4
86,6
100,0
(449)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
menos atendidos (NBI_Convencional) estão
aqueles que vieram diretamente para a RMC.
mais concentrados entre aqueles que não ha-
Ou seja, a relação entre migração e precari-
viam realizado qualquer mudança de domicílio
zação habitacional parece configurar-se não
12
dentro do município onde residiam (18,7%).
necessariamente a partir de simples condição
Por último, observarmos os dados refe-
migratória (“migrante” ou “não migrante”),
rentes ao número de municípios onde os che-
mas principalmente em termos das trajetórias
fes já moraram, a fim de verificar, ainda que
estabelecidas pelos primeiros. Os dados suge-
de maneira indireta, se a trajetória migratória
rem que a intensa mobilidade para e dentro
destes apresenta alguma influência sobre suas
da metrópole não é capaz de garantir uma
situações habitacionais (Tabela 5). Novamen-
ascensão social, ao menos no que se refere à
te, nesse caso, parece haver fortes indícios de
habitação.
que pessoas com trajetórias migratórias mais
Na Tabela 6, partimos para análise da
complexas tenderiam a apresentar piores con-
relação entre condições habitacionais e o ci-
dições habitacionais se consideradas a partir
clo vital familiar aqui considerado a partir da
proxy, ou seja, a idade do responsável pelo
domicílio. Assim, percebemos, uma vez mais,
que o fator tempo é bastante determinante no
alcance de melhores condições habitacionais.
É observado que nas categorias NBI
(tanto para NBI_Convencional como NBI_Ampliado) encontramos as maiores concentrações de responsáveis por domicílio nas faixas
intermediárias (30 a 49 anos, 24,8% e 20,1%
do NBI_Ampliado, já que no Convencional as
diferenças não se mostram significativas.
Tal resultado em nada contradiz os anteriores. Especialmente no caso da migração
intrametropolitana, sabendo que muitos destes também são migrantes externos, é perfeitamente esperado que tais migrantes apresentassem mais municípios prévios de residência quando comparados, por exemplo, com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
227
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
Tabela 5 – Número de municípios onde o responsável pelo domicílio morou,
segundo categorias de condições domiciliares, RMC, 2007
Número de municípios
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
1
15,7
84,3
2
16,4
3
4 ou mais
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(451)
9,7
90,3
100,0
(348)
83,6
100,0
(725)
13,1
86,9
100,0
(551)
14,5
85,5
100,0
(385)
17,9
82,1
100,0
(310)
14,5
85,5
100,0
(253)
17,5
82,5
100,0
(211)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
Tabela 6 – Grupo etário do responsável pelo domicílio,
segundo categorias de condições habitacionais, RMC, 2007
Grupo etário do chefe
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
18 a 29 anos
16,6
83,4
30 a 39 anos
24,8
40 a 49 anos
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(181)
13,0
87,0
100,0
(138)
75,2
100,0
(322)
20,1
79,9
100,0
(231)
18,8
81,2
100,0
(396)
17,1
82,9
100,0
(298)
50 a 59 anos
12,9
87,1
100,0
(368)
11,2
88,8
100,0
(305)
60 e mais
7,9
92,1
100,0
(554)
11,6
88,4
100,0
(480)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
228
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Tabela 7 – Sexo do responsável pelo domicílio,
segundo categorias de condições habitacionais, RMC, 2007
Sexo do responsável
NBI_Convencional
NBI - %
NBS - %
Masculino
16,6
83,4
Feminino
10,1
89,9
Total
NBI_Ampliado
Total
NBI - %
NBS - %
100,0
(1355)
15,9
84,1
100,0
(1069)
100,0
(468)
8,8
91,2
100,0
(384)
Fonte: Pesquisa domiciliar, Projeto Vulnerabilidade, Nepo/Unicamp, 2007.
respectivamente). Já entre os responsáveis
chefiados por mulheres, em geral, viúvas ou
pertencentes a grupos etários mais avançados,
separadas.
há maior concentração daqueles em melhores
De fato, os dados já divulgados pelo pro-
condições habitacionais (NBS), também para
jeto responsável pelo levantamento domiciliar
ambas as categorias.
aqui utilizado mostram que 67,6% das mulhe-
Ou seja, também a partir dessa variável
res responsáveis por domicílio na RMC (que
fica claro que, sobretudo para a população de
representam 26% dos domicílios) possuíam
baixa renda, a questão habitacional tende a
mais de 50 anos de idade (Cunha, 2009).
ser um elemento muito ligado ao curso de vida, de pessoas e de famílias.
Analisando a composição da população
Evidências da análise multivariada
segundo o sexo dos responsáveis pelo domicílio (Tabela 7), destaca-se que o grupo feminino
Todas as variáveis analisadas individualmente
apresenta percentuais maiores em domicílios
na seção anterior foram incorporadas em um
NBS do que o masculino. Isto é, pode-se in-
modelo de regressão logística sendo a variável
ferir que a chefia feminina se concentra mais
independente dicotômica relativa à condição
em domicílios de melhores condições habita-
de NBI (valor 1) e NBS(0). Dessa forma, seria
cionais. Esse fato, ao mesmo tempo em que
possível controlar o efeito de cada uma dessas
desmitifica, ainda que parcialmente, a relação
variáveis sobre a condição habitacional tendo
entre chefia feminina e pobreza, parece asso-
sido controlados os efeitos das demais. De fa-
ciar-se à composição mais envelhecida do gru-
to, deve-se reconhecer a existência de corre-
po de domicílios NBS (ver Tabela 6), que tem
lação entre situações de migração e pobreza,
entre os seus principais condicionantes os dife-
por exemplo, ou dessa última com momentos
renciais de mortalidade entre homens e mulhe-
distintos do ciclo vital, razão pela qual seria
res que implica a existência de mais domicílios
importante aferir se os atributos avaliados
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
229
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
teriam ainda assim algum impacto, mesmo
ZV1, a mais segregada e vulnerável, implica
que na presença de outros.
ter 4 vez mais chances de ser NBI – como
O Quadro 1 mostra os resultados da apli-
também atenua, em certa medida, as diferen-
cação do modelo para a variável NBI_Conven-
tes chances de jovens e velhos apresentarem
13
cional para duas situações: a primeira consi-
NBI distintos. Enquanto no primeiro caso os
derando a variável de segregação socioespa-
jovens apresentam 5 vezes mais chances, es-
cial (as Zonas de Vulnerabilidade) e a segundo
se valor aumenta para mais de 6 vezes quan-
sem essa variável.
do a variável ZV não é considerada. Muito
Basicamente, o modelo nos mostra que,
provavelmente a correlação existente entre
de fato, a idade do responsável do domicílio
precariedade socioespacial e o momento do
tem impacto importante sobre a probabilida-
ciclo vital que permitiria, por exemplo, viver
de de que o indivíduo apresente precariedade
em bairros mais consolidados poderia expli-
habitacional. De fato, para os responsáveis
car esse resultado.
mais jovens, as chances são maiores em re-
Conclusões semelhantes podem ser reti-
lação aos mais velhos (acima de 60 anos). É
radas a partir da observação da variável edu-
interessante notar que ao se controlar pela
cação, que mostra as maiores probabilidades
variável de segregação (as ZVs) essa variável
de que chefes menos educados estejam em
não apenas se mostra importante – morar na
situação desvantajosa com relação àqueles
Quadro 1 – Modelo de regressão logística ajustado
para a variável dependente “condição de NBI_Convencional”
utilizando variáveis independentes sociodemográficas, RMC, 2007
Com variável ZV
Variável
Zonas de Vulnerabilidade
Idade do responsável
Educação
Tempo de residência
no município
Categorias
Estimador
Wald
Sem variável ZV
Pr>
chis-quare chis-quare
exp(est)
Estimador
Wald
Pr>
chis-quare chis-quare
exp(est)
ZV_1
1,453
5,313
0,021
4,276
18 a 29 anos
1,649
17,594
0,000
5,200
1,923
25,592
0,000
6,843
30 a 39 anos
1,399
16,928
0,000
4,051
1,747
29,052
0,000
5,737
40 a 49 anos
1,267
17,171
0,000
3,551
1,504
26,019
0,000
4,500
50 a 59 anos
–
–
–
–
0,596
3,904
0,048
1,815
Primário incompleto
2,324
9,024
0,003
10,215
2,771
13,467
0,000
15,981
Ginásio incompleto
2,083
7,616
0,006
8,025
2,424
10,686
0,001
11,286
Colegial incompleto
1,614
4,323
0,038
5,023
1,879
6,043
0,014
6,545
10 a 19 anos
0,473
3,041
0,081
1,605
0,573
4,614
0,032
1,774
Constante
-5,624
30,462
0,000
0,004
-5,333
37,933
0,000
0,005
Obs.: *** p-val < 0,001 – ** p-val < 0,05
“–” = categoria com coeficiente não significante.
230
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
que possuem formação universitária completa
migratória, e as diferentes formas de assen-
(categoria de referência). Da mesma forma, es-
tamento propostas. Mesmo considerando que
sa diferença acentua-se ainda mais quando a
no modelo multivariado esses aspectos per-
variável de segregação não é utilizada.
deram importância (particularmente em favor
Finalmente, a única variável demográfi-
das variáveis sociais, como educação e lugar
ca considerada que mostra algum efeito indi-
de residência), ainda assim pode-se dizer os
vidual significativo sobre a condição de NBI é
resultados apresentaram boas indicações de
o tempo de residência no município. De fato,
que, em consonância com nosso argumento,
o modelo mostra que para aqueles que vivem
o demográfico também conta para definir as
no município entre 19 e 20 anos apresentam
diferentes formas de morar na metrópole.
1,6 mais chances de serem NBI se comparado
Como seria de se esperar, as áreas mais
à categoria de referência (mais de 20 anos).
consolidadas da metrópole são, de certa forma,
O interessante é que, como já apontado na
“reservadas” para aqueles indivíduos e famí-
seção anterior, esse efeito não aparece para
lias que há mais tempo chegaram aos seus mu-
aqueles com menos de 10 anos de residên-
nicípios de residência. Fato que revela a lógica
cia. Como comentado, esse fato precisaria ser
perversa que impera no processo de ocupação
avaliado com mais detalhe para uma melhor
de nossas cidades, que praticamente “fecha”
compreensão.
as áreas de melhor infraestrutura para a popu-
Infelizmente, quando colocadas no mo-
lação mais pobre e com menos tempo na re-
delo todas as demais variáveis, em particular
gião. Não obstante, os resultados aqui obtidos
aquelas relativas à condição migratória, não se
não foram definitivos em mostrar que os mais
mostraram estatisticamente significantes para
recentes (com menos de 10 anos de residência)
interferir na probabilidade do responsável pelo
eram os que piores condições apresentavam,
domicílio ser ou não NBI. No entanto, acredita-
percebe-se que indiscutivelmente essa variável
se que pelos indicativos da análise univariada
faz diferença para se prever a condições de
essa relação deveria ser melhor explorada de
precariedade nas formas de morar.
forma a que fosse possível estabelecer a partir
No mesmo grupo dos domicílios melhor
de que mecanismos a migração teria impacto
atendidos, encontramos maior percentual de
sobre a condição de moradia.
mulheres como responsáveis pelos domicílios.
Tal fato por um lado coloca em cheque a ideia
da existência de uma relação direta entre che-
Considerações finais
fia feminina e pobreza. E, por outro lado reforça a necessidade de melhor avaliar essa questão, já que se sabe que boa parte dessas mu-
De forma geral, é possível concluir que os
lheres encontra-se em estágio mais avançado
dados aqui apresentados vão ao encontro de
do ciclo de vida familiar, muitas delas vivendo
muitas das hipóteses levantadas. Encontramos
na ausência de um cônjuge, por exemplo, em
fortes indícios sobre a relação entre aspec-
função da viuvez. Tanto é assim que na análise
tos demográficos, particularmente condição
multivariada, ao contrário da idade, a variável
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
231
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
sexo do responsável não se mostrou significa-
tentados a fazer – a responsabilidade das ma-
tiva para prever a condição habitacional.
zelas do tecido urbano; na verdade, os dados
Os dados levantados também destacam
mostram que também nessa situação encon-
a relação positiva entre o fator tempo de resi-
tra-se um número ainda mais significativo de
dência e a qualidade habitacional. Nesse caso,
migrantes de longa data.
a variável aparece como significativa também
Na verdade o que nossa análise revela é
no modelo multivariado, o que mostra que
que não apenas o movimento migratório, mas
não se trata apenas de avançar ou não no ci-
também tempo de residência pode se traduzir
clo de vida para se atingir melhor condição de
em ativos para algumas famílias no sentido de
moradia. Em se tratando da condição de mi-
melhorarem sua posição em termos habitacio-
grante, o tempo transcorrido desde a chegada
nais. Claro que os mecanismos subjacentes a
no município representa elemento importante
essa relação não estão revelados neste traba-
a ser considerado.
lho, dos quais destacaríamos a forma de inser-
Na categoria intermediária, dos domicí-
ção no mercado de trabalho, a quantidade e
lios que tinham suas necessidades básicas aten-
qualidade das informações adquiridas, etc. No
didas, porém, com algumas carências menos
entanto, parece não haver dúvidas que tais
visíveis por serem reveladas (aqui se chamada
atributos são aspectos essenciais. Deveriam,
NBI, do NBI_Ampliado), encontramos indícios
portanto, ser levados em conta não apenas
de que a mobilidade intrametropolitana e in-
nas análises, mas também em ações concretas
termunicipal era fator de impacto negativo na
que visem resolver ou minorar os problemas na
qualidade habitacional. Isto é, possivelmente
dimensão habitacional.
ao buscar moradia própria, para fugir do alu-
Assim, o aprofundamento dessas rela-
guel e/ou para ter “segurança de posse”, esses
ções, bem como a identificação dos mecanis-
responsáveis por domicílio acabariam por se
mos a partir dos quais as características demo-
submeter a condições piores de moradia.
gráficas atuam sobre a dinâmica habitacional
Finalmente, entre aqueles que mais so-
são aspectos importantes, que precisam e me-
frem com as assimetrias do aparelhamento
recerão maior atenção na continuidade desta
urbano, segregação social e residencial, os
linha de trabalho.
domicílios que ainda não conseguiram atingir
Assim, além de sua contribuição para o de-
os “mínimos sociais” esperados, encontra-
bate acadêmico, espera-se que esta análise pos-
mos o maior percentual de migrantes recen-
sa informar e talvez inspirar formas alternativas
tes e, portanto, de famílias e pessoas mais
de se pensar o problema habitacional em nossas
jovens.
metrópoles, quem sabe permitindo intervenções
No entanto, alertou-se para o fato de
e ações mais eficazes, uma vez que estes conhe-
que tal constatação não significa transferir
çam de forma mais detalhada a realidade do
para a migração recente – como muitos ficam
“espaço social” que pretendem atender.
232
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
Urbanismo, demografia e as formas de morar na metrópole
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves
Arquiteta Urbanista. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil.
[email protected]
José Marcos Pinto da Cunha
Demógrafo. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Cabe esclarecer que, para assentamento urbano precário, usaremos a definição proposta pelo UN
Habitat: “um grupo de indivíduos morando debaixo do mesmo teto que careça de pelo menos
um (em algumas cidades dois ou mais) dos seguintes atributos: segurança da posse, qualidade
estrutural e durabilidade da construção, acesso a água potável, acesso a esgotamento sanitário
e espaço suficiente para morar” (ODM, Relatório Nacional de Acompanhamento, 2007, p. 116).
(2) Cabe esclarecer que o caráter restrito do mercado de terra urbanizada e a inexistência de linhas
de crédito para população de baixa renda adquirir moradia são fatores centrais na alocação (e
segregação) dos pobres no tecido urbano. Contudo, nesse momento, manteremos o foco nos
aspectos sociodemográficos da questão por se tratar do obje vo principal do estudo proposto.
(3) Por exemplo, os dados de pesquisa domiciliar de 2007 mostram que 7,7% das famílias alegam
mo vos ligados ao custo de morar para a mudança de domicílio.
(4) Em toda bibliografia levantada, é notória a centralidade da influência do mercado de trabalho na
vida e sobrevivência da população, “produção e reprodução” das esferas familiares, em especial
para as camadas mais empobrecidas.
(5) Para maiores informações sobre a fonte de dados, consulte: www.nepo.unicamp.br/
vulnerabilidade
(6) Salienta-se que o ques onário buscou inovar com relação aos quesitos coletados, incluindo informações diferenciadas e pouco comuns em levantamentos desse po. Tais domicílios foram
escolhidos através de uma amostra aleatória, especialmente desenhada para captar a heterogeneidade espacial da região, sobretudo em termos do grau de vulnerabilidade das famílias.
(7) Cabe ressaltar que a escolha de esse método se deu pelo fato de esse indicador não medir apenas
a proporção de domicílios que não estão na situação ideal, mas sim a proporção daqueles que
estão em situação insustentável.
(8)
Inicialmente havia sido incluída uma variável sobre a existência de documentação que comprovasse a propriedade do terreno no qual estava construído o domicílio. Todavia, por questões
metodológicas, esta foi re rada. O fato é que tal questão apresentava grande número de não
respostas (aproximadamente 26,0%), o que reduzia de forma significa va a amostra, prejudicando as possibilidades de análise. Uma vez removida essa variável, em uma nova análise, constatou-se alteração significa va em relação aos dados sobre migração: aumento no percentual de
migrantes extrametropolitanos (de 46,1% para 68,95) e redução dos não migrantes (de 42,2%
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
233
Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves e José Marcos Pinto da Cunha
para 24,0%), %), já o percentual dos migrantes intrametropolitanos não sofreu grande impacto
(7,1% para 11,7%). A entrada do grupo extrametropolitano na segunda amostra indica que este
foi o grupo que mais se absteve de responder sobre a documentação do imóvel onde reside,
possivelmente por não possuírem informações, ou mesmo documentação, adequadas.
9) As tabelas foram organizadas de forma a categorizar os domicílios e assim permi r comparações
entre algumas caracterís cas sociodemográficas dos responsáveis pelos domicílios em 03 grupos principais: aqueles não atendidos em suas necessidades básicas (NBI da coluna NBI_Convencional) e os demais domicílios da amostra (NBS do NBI_Convencional). Na segunda coluna
(NBI_Ampliado), foram suprimidos do banco de dados esses domicílios mais carentes, classificados como NBI do NBI_Convencional, e então aplicados os critérios rela vos à qualidade dos
serviços públicos (NBI_Ampliado) a fim de obtermos dois outros grupos de domicílios, aqueles
chamados intermediários no que se refere ao atendimento de suas necessidades habitacionais
(NBI do NBI_Convencional) e os demais considerados totalmente atendidos (NBS).
(10) As ZV’s são estratos criados a par r das informações das áreas de ponderação do Censo Demográfico de 2000 a par r do conceito de vulnerabilidade social. Para a RMC, forma propostas
quatro ZV sendo a mais vulnerável a ZV1 e a menos a ZV4. Para maiores detalhes sobre o procedimento ver Cunha et al., 2006(a) ou Cunha, 2009.
(11) Segundo a Agenda Habitat (1966), o termo moradia digna contempla o conceito de habitação de
interesse social: habitação além das funções de abrigo, o que inclui o acesso às a vidades urbanas, às condições de saneamento básico e à garan a de posse. Nesse caso específico, a noção
de “segurança habitacional” refere-se à garan a dos residentes permanecerem no local ante a
impossibilidade de pagar o aluguel por mo vos vários como morte, desemprego, adoecimento
do chefe do domicílio; bem como em relação à ações de despejo/remoção como reintegração
de posse.
(12) Embora seja analisado nesse momento, há que se considerar que, em muitos casos, essa mobilidade esteja associada à caracterís ca anteriormente analisada, ou seja, o tempo de residência
no município. Contudo, não deixa de ser interessante notar que a relação mobilidade e condições habitacionais parece ser significa va.
(13) Infelizmente, não foi possível ajustar o modelo para o “NBI_Ampliado” em função do volume de
registros com valores missings que poderiam deturpar os resultados.
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Texto recebido em 3/nov/2009
Texto aprovado em 25/nov/2009
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 211-237, jan/jun 2010
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Duas décadas de ocupações
urbanas em Curitiba. Quais são
as opções de moradia para
os trabalhadores pobres, afinal?
Two decades of urban occupations in Curitiba.
What are the housing options for poor workers?
Celene Tonella
Resumo
O artigo tem por objetivo revisitar a história de luta
dos trabalhadores pobres por um lugar para morar
na cidade de Curitiba, Paraná. A cidade conhecida
propagandeada pelos órgãos oficiais como capital
do primeiro mundo, capital ecológica, entre outros títulos, registra duas décadas de ocupações
irregulares de terrenos para moradia. Os vigorosos movimentos por ocupação do espaço urbano
eclodiram em vários pontos da cidade, entre 1988
e 1992, com destaque para as ocupações do Xapinhal e Ferrovila. A experiência vivenciada pelos
trabalhadores pobres foi singular em cada localidade, no entanto, as lutas populares, questionaram a
estrutura dominante e articularam setores sociais
heterogêneos. Longe de o poder público conseguir
sanar o déficit habitacional para a população pobre, a partir de 2006, Curitiba sofreu nova onda de
ocupações de terrenos urbanos. A primeira década
do século XXI está se encerrando com o assombroso número de 254 ocupações irregulares e 13 mil
famílias vivendo em área de risco.
Abstract
In this article, the goal is to revisit the history of
poor workers’ fight for a place to live in the city of
Curitiba, State of Paraná. The city, advertised by
official bodies as a first world capital, ecological
capital, among other titles, registers two decades
of irregular occupations of land for housing.
The vigorous movements aiming at urban space
occupation exploded at various points of the
city between 1988 and 1992, like Xapinhal and
Ferrovila. The poor workers’ experience was
unique in each locality; however, these popular
struggles questioned the dominant structure
and articulated heterogeneous social sectors.
As the public power could not solve the poor
population’s housing deficit, from 2006 onwards,
Curitiba suffered a new wave of urban land
occupations. The first decade of the 21st century
is ending with the astonishing number of 254
irregular occupations and 13,000 families living
in a risk area.
Palavras-chave: movimentos sociais; ocupações
urbanas; trabalhadores.
Keywords: social movements; urban occupations;
workers.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Celene Tonella
Introdução
Em cada caso que compôs a matéria-prima dos movimentos por moradia, o desespero
era sempre o mesmo: trabalhadores pobres da
A proposta de investigar Curitiba remete quase
periferia da capital que estavam na fila da Com-
que imediatamente a aspectos de seu plane-
panhia de Habitação (Cohab) havia muito tem-
jamento urbano e a imagens criadas para ela,
po e que não conseguiam mais pagar aluguel
por força da eficiente ação política de um gru-
ou já estavam morando de favor em casa de
po que fez do city marketing, a cidade pensada
parentes. O drama individual pode ser mono-
como mercadoria, o grande aliado na projeção
tonamente multiplicado por milhares de famí-
da cidade ao longo de décadas. Neste artigo
lias. O dado concreto da ausência de moradias
olha-se a cidade a partir da periferia e da luta
para atender às camadas populares, somado
dos trabalhadores pobres pela conquista de um
ao entendimento por parte dos envolvidos nas
lugar para morar, diante de um planejamento
lutas de que o acesso à moradia é um direito
urbano segregador, que conduz à concentra-
primordial, foi elaborado em nível mental e o
ção de terras urbanas.
resultado da equação foi o reconhecimento da
Serão abordadas, na primeira parte do
justeza em ocupar os terrenos. Em outras pa-
artigo, as mobilizações ocorridas na busca
lavras, ocorreu a releitura do direito liberal na
por um lugar para morar pelos trabalhadores
perspectiva do movimento: o direito à moradia
pobres por iniciativa de múltiplos sujeitos, a
sobrepõe-se ao direito à propriedade.
partir de 1988. Na segunda parte trataremos
Outra característica que marcou o mo-
de um período mais recente, com processos de
vimento por ocupação coletiva de terras foi a
ocupações irregulares na periferia, e a conse-
capacidade que teve em produzir efeitos multi-
quente reação de agentes públicos e privados,
plicadores e difusores, quer por iniciativa dire-
ocorridos a partir de 2006.
ta das lideranças, quer como um exemplo a ser
No ano de 1988, a periferia de Curitiba
seguido. Parte dos integrantes dos órgãos do
viu brotar, na calada da noite dos meses de
governo e da imprensa e vários políticos bus-
temperatura mais quente, centenas de acam-
caram caracterizar as ocupações como fruto de
pamentos em terrenos públicos e privados. Ini-
oportunistas que criaram a "indústria das in-
ciou-se um vigoroso movimento popular pela
vasões"; mas o fato é que, a partir da primeira
conquista do espaço urbano. O ano de 1989 fe-
ocupação na região, em 1988, que passou a
chou com mais de 180 ocupações em terrenos
ser conhecida como Xapinhal, ocorreu em Curi-
públicos e quase 40 em terrenos particulares,
tiba um efeito "bola de neve" de ocupações
num total de 10 mil famílias acampadas nes-
de terrenos públicos e particulares que come-
sas áreas. O violento processo de segregação
çaram a pipocar, de forma organizada ou de
urbana, ancorado num padrão capitalista de
forma espontânea.
desenvolvimento periférico (Kowarick, 1988),
Na segunda parte do artigo, o enfoque
fez com que milhares de pessoas desencadeas-
recai na nova onda de ocupações ocorridas a
sem movimentos de luta pela conquista de um
partir de 2006 e intensificada nos anos seguin-
lugar para morar.
tes. Foram realizados levantamentos de dado
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Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
em órgãos oficiais – Cohab-CT, Coordenação
estabelece uma relação direta entre o local de
da Região Metropolitana de Curitiba (Comec),
moradia e o tipo de habitação com a forma de
Escritório Regional da Companhia de Habita-
integração das pessoas no mercado de traba-
ção do Paraná (Cohapar) e Instituto de Pesqui-
lho. Há situações bastante diferenciadas.
sa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc),
A primeira delas é aquela do migrante
consultas em documentos e matérias publica-
recém-egresso do meio rural e que se diri-
das em jornais.
ge para a periferia dos municípios de porte
Constatou-se que, após duas décadas
médio em busca de formas alternativas de
da explosão de ocupações irregulares na pe-
sobrevivência. Estes trabalhadores, expulsos
riferia curitibana, a falta de regulamentação
de seu habitat ancestral, não possuem as fer-
e a ocorrência de novas ocupações permane-
ramentas mentais1 necessárias para sobrevi-
cem como a realidade da população pobre,
ver num espaço hostil. Nas palavras de Chauí
com agravantes que mesclam precariedade
(1986), os migrantes são submetidos à invali-
e violência policial. Segundo a ONG Terra de
dação cultural pelo processo de trabalho, há
Direitos, um em cada cinco habitantes de Curi-
uma desqualificação do conhecimento trazido
tiba e Região Metropolitana moram em área
do campo e das pequenas cidades. O equipa-
de ocupação urbana. As ações e reações do
mento social, na situação de citadino, torna-
movimento por moradia que nortearam as
se inútil e o migrante se vê forçado a adquirir
ocupações ocorreram em paralelo a ações
novos. Num trabalho de 1976, Durhan discute
governamentais de nível municipal e federal
que, para o trabalhador obter colocação
para viabilizar políticas públicas habitacionais
no mercado de trabalho, ele precisa não só
como o PAC e o Programa Morar em Curiti-
aprender novas técnicas como adquirir pa-
ba. Ao mesmo tempo, foram detectadas ações
drões culturais novos, que se manifestam por
de segmentos sociais vinculados aos grandes
meio de novas normas de relações sociais e
proprietários de terrenos e do legislativo mu-
de valores.
nicipal no sentido de criminalizar o movimento
por moradia.
Descontando-se a crescente dificuldade
em se colocar no mercado formal de trabalho
por conta da falta de empregos, o trabalhador
migrante enfrenta adicionalmente o problema
O que querem
os pobres, afinal?
de ter o reconhecimento legal de sua condição.
Isto é, à medida que o trabalho se organiza burocraticamente, exige-se do trabalhador uma
qualificação mínima, ele necessita oferecer
O modelo brasileiro de urbanização, dotado
documentos para o empregador: carteira de
de uma dinâmica excludente e segregadora,
identidade, carteira profissional, título de elei-
produz e reproduz as favelas e as chamadas
tor, certificado de reservista para os homens,
"habitações subnormais" que abrigam aque-
etc. (Durhan, 1976). Diante de tamanhos esfor-
les que nem sequer tiveram acesso ao terreno
ços, a tendência generalizada é o subempre-
periférico e/ou à casa própria. Essa dinâmica
go e a marginalidade ocupacional: serventes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
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Celene Tonella
de pedreiro, "chapas" (carga e descarga de
e lançados num estado da natureza”, onde
caminhões), catadores de entulhos e papéis,
predomina “o caos permanente nos atos mais
jardineiros e diaristas.
simples de sobrevivência ou de convivência”
É uma população parcialmente descar-
(p. 97).
tável na dinâmica do mercado capitalista, são
Um segundo fluxo ocorre quando traba-
cidadãos de segunda categoria, uma popula-
lhadores se dirigiram à capital na expectativa
ção sobrante, gente que se tornou não em-
de se integrar ao mercado formal de trabalho,
pregável (Telles, 1998 apud Yasbek, 2001) ou
já que as oportunidades apareciam como pro-
parcialmente integrados a um mercado pre-
missoras diante do marketing da boa quali-
carizado. Executam tarefas necessárias para
dade de vida e da expectativa de abertura de
a sociedade, mas não desfrutam a dignidade
novos postos de trabalho, materializados no
concedida pelo trabalho formal e são facil-
novo parque automotivo da Região Metro-
mente substituídos.
politana, ao final da década de 1990, viram
Castel (1999), ao analisar o processo
suas expectativas desmoronarem por inúme-
de desfiliação social, isto é, o rompimento
ros fatores que serão apontados ao longo do
de vínculos sociais que garantem proteção e
artigo.
identidade aos sujeitos, aponta que, na socie-
A essa população, relegada a uma exis-
dade atual, o desemprego e a precarização do
tência de miséria, com seus reduzidos salários
trabalho representam um “déficit de lugares”
ou subempregos e sem uma política social efi-
ocupacionais na estrutura social. Segundo o
ciente por parte do poder público para suprir
autor, com esse déficit de lugares surgem os
as mínimas carências, resta como alternativa
“supranumerários”, ou os “inúteis para o mun-
habitacional a periferia dos assentamentos
do”, ou seja, o desempregado de longa dura-
precários.3 De acordo com Véras e Bonduki:
ção, os “velhos” de 50 anos, os jovens em bus-
[...] conceitualmente, a habitação deve
ser encarada no seu duplo aspecto: abrigo (teto, parede, piso) e como inserção
no espaço urbano, e aí, com seus complementos de infraestrutura, transporte,
equipamentos sociais, abastecimento, localização e paisagem. (1986, p. 40)
ca do primeiro emprego. Surgem duas categorias: os que nunca se incluíram e os que estão
perdendo os direitos.2 Para além dos extremos
“jovens” e “velhos”, a especificidade do caso
brasileiro demonstra a existência de um ciclo
perverso em que o empregado de hoje é um
possível desempregado ou subempregado de
amanhã.
Ora, a habitação é mais que isso, confere estabilidade e segurança às famílias e se
Santos (1999), ao tratar da contratuali-
apresenta como um elemento de cidadania. A
dade moderna, aponta para sua crise marcada
pessoa com moradia tem condições de melhor
pela predominância dos processos de exclusão
enfrentar os desafios colocados pela vida co-
que faz com que aqueles formalmente cida-
tidiana: passa a comprovar endereço na pro-
dãos percam direitos antes mesmos de usufruí-
cura por emprego, comprar a crédito e receber
los; “são de fato excluídos da sociedade civil
cartas.
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Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
Há que se apontar uma mudança nessa busca do lugar para morar. O processo de
ocupação das periferias obedecia mais ou me-
Primeira fase de ocupações:
Xapinhal e Ferrovila
nos à mesma dinâmica: uma ocupação paulatina, silenciosa, as famílias iam chegando,
O período 1964-1982 foi marcado pelo plane-
vindas do campo, das cidades do interior e
jamento tecnocrático, cuja principal caracterís-
de bairros antigos mas periféricos. Kowarick e
tica era buscar implementar uma racionalidade
Bonduki usaram a expressão "laissez-faire ur-
ao espaço urbano. O modelo, que vinha desde
bano" para designar as políticas públicas em
o Plano Serete, concluído em 1965, era o de
São Paulo no pré-1964. Elas se caracterizaram
uma cidade que se expandiria linearmente, a
pela não intervenção no processo de fixação da
partir do centro tradicional, pelas chamadas
população recém-egressa do campo, quando
(vias) "estruturais". Essa concepção de pla-
"levas populacionais se fixaram onde e como
nejamento sofreu uma interrupção em função
puderam no cenário metropolitano" (Kowarick
das mudanças políticas que levaram à prefei-
e Bonduki, 1986, p. 133).
tura, por duas gestões, membros do PMDB. Em
O que marcou os anos de 1980-1990,
1982, o PMDB elegeu o governo do estado e o
foi a luta coletiva pela posse da terra urbana
prefeito indicado foi Maurício Fruet. Em 1985,
através da organização que precede a ocupa-
com o restabelecimento das eleições diretas
ção, nos moldes do movimento rural. Até a
para os prefeitos das capitais, Roberto Requião
década de 80, o primeiro passo dado pelas fa-
elegeu-se prefeito. Nesse período, houve um
mílias mais carentes para o acesso à moradia
redirecionamento técnico e também político no
era individual – comprar um lote a baixo custo
traçado urbano. A análise técnica apontou que
(muitas vezes em loteamentos clandestinos ou
a cidade não se expandia de forma linear, mas
construir um barraco em alguma área disponí-
pontual: havia o núcleo do Juvevê, do Portão,
vel). Como esses espaços começaram a ficar
da Vila Hauer, do Bacacheri. A nova proposta
escassos, soluções coletivas começaram a ser
recebeu o nome de Projeto Aldeamento e ba-
pensadas.
seou-se num desenvolvimento plurilinear, que
Rolnik (1990) utiliza o conceito esgota-
daria estímulo a centros de convivência no pró-
mento do padrão periférico de crescimento,
prio bairro. Houve uma retomada do planeja-
útil para esclarecer parte do processo de mobi-
mento urbano nos moldes tecnocráticos com o
lização recente das camadas populares para ter
retorno de Jaime Lerner à prefeitura, em 1988
acesso ao direito de moradia. O esgotamento
(Tonella, 1997).
do padrão periférico ocorre quando há uma di-
A luta pela regulamentação dos lotea-
minuição relativa da oferta de lotes populares
mentos clandestinos foi a primeira luta que
e de loteamentos clandestinos.
marcou o cotidiano da população recém-
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
243
Celene Tonella
estabelecida na cidade, já na década de 1970.
Movimento de Associações de Bairro de Curi-
Num quadro de fragilidade dos diversos mo-
tiba e Região Metropolitana – MAB. Em 1983,
vimentos sociais, ganhavam destaque os mo-
ocorreu o II Encontro de Bairros e Favelas de
vimentos reivindicatórios pela posse da terra,
Curitiba, que contou com a participação de 79
moradia, luz, água, saneamento. A partir de
associações de moradores (ibid.).
1977, ocorreu a formação das primeiras asso-
No que diz respeito, especificamente, à
ciações de moradores em Curitiba: a primeira
questão do déficit de moradias, soluções não
foi a de Vila Formosa, vindo em seguida as as-
surgiram em nenhuma das administrações do
sociações de Vila Maria e Vila Nossa Senhora
período. Ao analisar os dados fornecidos pe-
da Luz. Essas associações foram passos im-
la Cohab-CT, constatou-se que os números
portantes dentro do movimento popular, pois,
eram pouco animadores. No longo período
embora a mobilização não fosse intensa, seus
compreendido entre os anos de 1967 e 1988,
estatutos serviram de base para as entidades
detecta-se uma média anual de apenas 1.833
posteriores, fundadas entre 1978 e 1979, ba-
unidades entregues, entre casas, lotes e apar-
sicamente, na região sul da cidade (Garcia,
tamentos. Isso significa, concretamente, que,
1990). O povoamento desordenado da região
muito embora posturas diferenciadas tenham
sul, nas décadas de 1970 e 1980, fez crescer
sido tomadas ante a questão do planejamento
o número de loteamentos clandestinos, e a
urbano, nenhuma das propostas logrou resol-
legalização de lotes continuou sendo a prin-
ver o déficit habitacional.
cipal batalha do movimento popular durante
A Cohab de Curitiba apontava, em
anos. Muitos moradores de bairros periféricos
1989, a existência de 40 mil famílias cadastra-
levaram décadas para conseguir a legalização
das, com renda abaixo de 3 salários mínimos,
do lote.
à espera de financiamento para moradia. Não
Em 1980, houve um salto organizacional
havia qualquer perspectiva de atendimen-
importante: as primeiras associações de mo-
to das demandas por conta de uma política
radores decidiram levar uma luta conjunta e
nacional de habitação e, pelo contrário, não
fundaram o Conselho de Representantes, cuja
havia qualquer linha de crédito para o finan-
primeira comissão executiva foi formada pelo
ciamento de habitações populares. Ao mesmo
presidente de cada associação de moradores
tempo, o espaço urbano estava intercalado
mais dois representantes de cada uma. Essa
por grandes estoques de terrenos desocupa-
iniciativa resultou, em 13 de julho de 1980, na
dos ou com potencial construtivo ocioso.
organização do I Encontro de Bairros e Fave-
Registrava-se uma grande oferta de lotes
las de Curitiba, com 35 associações presentes.
urbanizados, valorizados por sua localização
Em 1982, surgiram duas entidades ligadas à
(como na ZR-2), mas com preços de mercado
luta por moradia: a União Geral dos Morado-
inacessíveis para a população de baixo poder
res de Bairros, Vilas e Jardins de Curitiba e o
aquisitivo (Tonella, 1997).
244
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
O início das ocupações:
Xapinhal e Ferrovila
terminou, em janeiro de 1989, com a inflação
na casa de 37% (Amorim, 1994) 4.
Diante desse quadro de desesperança,
em 1988, ocorreu a primeira ocupação numa
O movimento popular, ante o quadro expos-
área particular, denominada Sítio Cercado.
to para o setor, começou a se organizar ainda
Nessa ocupação, os números finais apontaram
durante a gestão de Roberto Requião e a ela-
a participação de 16 associações de morado-
borar propostas concretas. Ao mesmo tempo,
res, 3.200 famílias e mais de 10 mil pessoas.
surgiu, em todo o território nacional, a ban-
Os organizadores do movimento sabiam que
deira pela reforma urbana, motivada, basica-
era muito difícil permanecer naquele terreno
mente, pela articulação popular em torno da
particular, o objetivo principal era interagir
apresentação de emendas populares para a
com o poder público, isto é, a intenção era
Assembleia Nacional Constituinte, mas todas
pressionar o poder público para que apontas-
as condições objetivas estavam presentes pa-
se alguma solução, como a realocação para
ra os acontecimentos que se seguiram, a par-
outra área.
tir de 1988.
Todo o processo levou aproximadamente
Nesse ano, ocorreu a ocupação da área
dois anos para se concretizar e, para viabilizá-
conhecida por Xapinhal, fruto de um trabalho
lo, reuniões periódicas foram realizadas nas
organizado por 16 entidades comunitárias dos
comunidades formadas a partir de um núcleo
bairros Xaxim, Pinheirinho, Sítio Cercado e Alto
básico que se confunde com a Comunidade
Boqueirão. O movimento levou dois anos para
Eclesial de Base da Igreja Católica. Finalmen-
se concretizar; teve início em 1986, e seu obje-
te, optaram pela ocupação, numa madrugada
tivo central era resolver o problema de moradia
de domingo, 9 de outubro de 1988, e cerca de
para a população desses bairros. Numa região
400 famílias de baixa renda ocuparam a área
repleta de espaços vazios (citam-se a cifra de
particular escolhida, na região do Boqueirão.
400 alqueires ou 1.000 hectares), a população
A estratégia de ação adotada pelo movimento,
estava vivendo no que se pode considerar uma
de ocupar a área sem prévia divulgação e na
nova modalidade de moradia, fruto do deses-
madrugada de um final de semana prolongado
pero: os cortiços da periferia.
(10 de outubro era feriado), impediu que me-
O momento da conjuntura política e
didas policiais fossem tomadas no sentido de
econômica nacional era o do início dos planos
expulsar os ocupantes com base no flagrante,
econômicos. O Plano Cruzado, criado em feve-
que se justifica até 24 horas após o fato ocor-
reiro de 1986, começou a desmoronar no final
rido. Assim, ninguém deveria saber o local...
desse mesmo ano e início de 1987: os preços,
só mesmo a coordenação do movimento pela
moradia.
Nos dias posteriores a 9 de outubro, a
imprensa não pôde compreender, ou não quis
compreender, a dinâmica da ocupação. Os
jornais registravam apenas que, a cada noite,
inclusive dos aluguéis, descongelaram e os salários não acompanharam o ritmo, sofrendo
perdas. Em junho de 1987, foi substituído pelo
chamado Plano Bresser, que registrou uma inflação inicial de 3,05% em julho de 1987, mas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
245
Celene Tonella
aumentava o número de famílias. Por exemplo,
No dia 24 de outubro de 1988, o prefeito
no dia 12 de outubro foi noticiada a presença
Roberto Requião, do PMDB, deu ordem para
de 600 famílias. O afluxo de famílias para a
que se evitasse, a qualquer custo, o despejo
área atingiu uma dimensão tal que extrapolou
das famílias que ocuparam o terreno e que a
em muito as expectativas daqueles que se pre-
diretoria de Alternativas Habitacionais da Se-
pararam longamente para o acontecimento. No
cretaria de Desenvolvimento Social fizesse jus
total, foram oito levas de ocupação, chegando
ao nome, ou seja, estudasse alternativas à si-
a ocupar a totalidade da área de 441.000 m2.
tuação (Tonella, 1997)
Após a perda de controle de entrada das
Em reunião na Secretaria, com a pre-
famílias, começou um processo interno de or-
sença de representantes dos ocupantes, dos
ganização. Dez dias depois, o acampamento
15 proprietários, da prefeitura e de líderes
contava com mais de 10 mil pessoas divididas
de partidos na Câmara de Vereadores, ficou
em oito grupos. Dos oito grupos formados,
acertado um período de 12 dias para se achar
cada um tinha de 100 a 380 famílias e cada
uma solução para os acampados. As soluções,
grupo elegeu um coordenador para cada vinte
no momento, passavam pela possibilidade de
famílias. O grupo manteve um escritório pa-
transferência das famílias para outros terrenos
ra centralizar as informações e, para evitar o
da Cohab, pela desapropriação, com ressarci-
"inchamento" interno de cada grupo, foi feito
mento, da área ocupada, ou ainda a compra
um cadastramento com a relação de todos os
direta pelos próprios ocupantes, desde que
componentes.
fosse viável ao seu baixo padrão de vida.
A prática da democracia interna foi outro
Ocupações posteriores ocorreram próxi-
fator importante para a coesão dos acampa-
mas à ocupação do Xapinhal: Jardim Natal, em
dos. Dos oito grupos resultou a Coordenação
dezembro de 1990, envolvendo 540 famílias;
Geral do Acampamento do Xapinhal, com 54
Jardim Cristo Rei, em 25 de novembro de 1990,
membros. As decisões mais importantes eram
envolvendo um número aproximado de 490
tomadas em Assembleia Geral pela maioria
famílias. Em 23 de agosto de 1991, ocorreu a
dos acampados. A partir desse momento de
ocupação da Vila Osternak por cerca de 400
luta foi criada a Associação Nossa Senhora da
famílias. O episódio ficou conhecido como o da
Luta.
II Ocupação do Xapinhal, pois foi organizado
O processo de negociação para a ten-
pela Associação do Xapinhal (Tonella, 2005).
tativa de retirada dos ocupantes da área teve
Outro movimento de grande envergadu-
início dois dias depois, com reuniões marcadas
ra foi a ocupação da Ferrovila, em setembro
na Cohab, Prefeitura e com o governo do esta-
de 1991. Ele também imprimiu mudanças de-
do. Uma delas ocorreu na Secretaria Municipal
finitivas no cenário urbanístico curitibano. No
de Desenvolvimento Social entre dois proprie-
início de 1991, o movimento popular tomou a
tários e os advogados dos ocupantes. No iní-
decisão de cobrar a promessa feita em campa-
cio, não se sabia ao certo o número de proprie-
nha de um lote para cada família, dessa vez
tários da vasta área, a imprensa falou em nove
coordenado pela entidade denominada União
e, mais tarde, confirmou-se o número de 15.
Geral dos Bairros.
246
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
Foi no bojo de toda a agitação de co-
bairro Portão. As autoridades, principalmente
brança das promessas de campanha que as
com o intuito de dar satisfação à opinião públi-
entidades congregadas em torno da União
ca, viram-se obrigadas a reagir, nem que fosse
Geral dos Bairros começaram a voltar os olhos
em nível de discurso. O pedido de reintegração
para o espaço da Ferrovila, terreno localizado
de posse foi feito pelos proprietários logo após
na parte sul da cidade, que pertencia à Rede
a ocupação, em 10 de outubro de 1991, mas os
Ferroviária Federal, que, por sua vez, o repas-
esforços dos oficiais de justiça foram em vão.
sou à prefeitura na época da gestão de Rober-
Em 12 dezembro, o juiz concedeu nova liminar,
to Requião. Esse espaço foi fruto de cuidadoso
com reforço policial, e, também dessa vez, a
planejamento por parte do IPPUC no sentido
expulsão não se efetivou.
de transformá-lo em área habitacional. O pro-
As cidades, à medida que cresciam e
jeto inicial recebeu o nome de Moradias Eixo
atraíam pessoas de fora, foram criando meca-
da Rede. Até 1991, o espaço estava quase que
nismos de exclusão social, diferentes a cada
completamente abandonado, mas a Cohab
época, mas num continuum baseado na opo-
estava iniciando um programa de habitação
sição cidade legal/cidade clandestina (Rolnik,
envolvendo as empresas localizadas no eixo
1990). No processo que teve como palco a ci-
da rede, que consistia em "repassar, pratica-
dade de Curitiba, a população pobre, que ficou
mente a preço zero, terrenos para as empre-
à margem das benesses advindas com o cres-
sas construírem apartamentos para revender
cimento planejado, colocou em xeque, no pe-
a seus funcionários" (depoimento). A primeira
ríodo de 1988-1992, ao mesmo tempo, o poder
empresa a aceitar o negócio foi o Banco Ba-
público, as elites econômicas, particularmente
merindus, que construiu quatro conjuntos de
o setor formado por especuladores imobiliários,
apartamentos e, na época da ocupação, du-
e a racionalidade técnica do planejamento, ca-
zentas unidades já haviam sido entregues aos
pitaneada por Lerner e os técnicos do IPPUC.
seus funcionários, duzentas outras estavam em
Contradições urbanas não explicam, por
negociação; e, ainda, a empresa Ico Comercial
si só, questões específicas. Os movimentos sur-
já havia pago pela fração do terreno que se-
giram porque catalisaram, de forma singular,
ria por ela financiado. A ocupação ocorreu no
experiências e carências cujo resultado final foi
feriado de 7 de Setembro e os jornais tiveram
o conflito seguido de negociação. As ocupa-
conhecimento em seguida: "Invasão. 3.500 fa-
ções provocaram impacto no traçado urbano
mílias ocupam 5 áreas de Curitiba" ( O Estado
do Paraná, 8/9/91, p. 16).
A ocupação adquiriu visibilidade e foi motivo de grande atenção por parte da imprensa,
pois não foi concentrada num bairro periférico,
a ponto de não incomodar o ritmo cotidiano da
metrópole, pelo contrário, ela atravessou de
forma longitudinal 14 Km de cidade, sem excluir bairros mais estruturados, como o caso do
curitibano e forçaram mudanças de atitudes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
por parte das autoridades no trato com a população organizada. Os episódios envolvendo,
muitas vezes, milhares de pessoas, impediram
a ação de forças repressivas. Ocupações de terrenos urbanos sempre ocorreram, a diferença
está no tempo e na forma da ação. Essa afirmação é constatável pela grande mobilização da
imprensa em torno dos acontecimentos e pela
247
Celene Tonella
rapidez das autoridades em tentar "solucionar
condições de vida. As respostas se equivalem e
o caso", ao menos em nível dos discursos.
totalizam 88,1%.
Na busca de solução do problema de
Forçada pelas circunstâncias, a Prefeitu-
moradia, inúmeras forças agiram em concerto
ra Municipal de Curitiba, no mês de setembro
para fazer o movimento caminhar – partidos,
de 1991, o mesmo da ocupação da Ferrovila,
igreja, associações. A partir do fortalecimento
lançou o projeto do Bairro Novo, que previa a
desses movimentos, foi inaugurado um novo
construção imediata de milhares de residên-
patamar de negociações com os órgãos públi-
cias populares. A manchete do jornal dizia:
cos. Um exemplo contundente dessa afirma-
"Lerner desapropria uma área para atender 30
ção foi o avanço ocorrido em Curitiba no que
mil famílias carentes". O prefeito assinou o De-
diz respeito à participação das entidades re-
creto Municipal n. 536, pelo qual desapropriou
presentativas na elaboração de critérios para a
uma área como sendo de interesse social na
inscrição na Cohab e na negociação e escolha
região sul, no Boqueirão. Ele negociou os ter-
de lotes por meio do Projeto Lote Povo. Conta,
renos com 25 grandes proprietários, avaliados
nessa relação, o nível de preparo dos compo-
à época em Cr$300 milhões ( Gazeta do Povo,
nentes do movimento que, ao longo de diver-
25/9/91). O projeto pretendia atender a 10 mil
sas lutas, foram acumulando experiência em
famílias imediatamente. Falar no atendimento
negociações com as autoridades e dominando
a 30 mil famílias significava resolver o proble-
o saber especializado no campo do urbanismo.
ma de habitação em Curitiba, se efetivamente
O perfil de renda familiar dessa popu-
concretizado, já que as ocupações anteriores
lação foi reunido por meio de levantamento
envolveram um número aproximado de 15
efetuado pela Cohab-CT em período posterior,
mil famílias. A soma resultava exatamente no
1991, com dados mais minuciosos. A pesquisa
número de famílias que estava à espera de lo-
abrangeu 900 famílias. No que diz respeito à
tes da Cohab. A promessa e o início de obras
renda familiar, o resultado foi a concentração
arrefeceu um pouco o processo de ocupação
de renda entre menos de um salário mínimo
desencadeado, mas não bastou para eliminar
(6,3%), de um a dois salários (32,6%), de 2
o problema fundiário na capital do estado.
a 3 salários (29,1%), e de 3 a 4 salários 14%
Ocupações continuaram a ocorrer.
(Cohab-CT, 1991).
Em 8 de janeiro de 1993, foi instalada,
Finalmente, eis alguns dados que valem
na Câmara Municipal de Curitiba, uma Co-
a pena registrar para se aquilatarem as expec-
missão Parlamentar de Inquérito para apurar
tativas das pessoas acampadas em relação à
os responsáveis pelas "invasões" de terrenos
cidade. A maioria, 541 famílias, ou 60,11%,
em Curitiba e região metropolitana – CPI das
residia em Curitiba havia mais de 4 anos e me-
Invasões –, mas o ponto nodal continuava
nos de 5, 37,42% estavam há menos de 4 anos
a ser o caso Ferrovila. A polêmica girava em
e apenas 2,47% estavam há mais de 5 anos.
torno de quais pessoas eram as responsáveis
Quando arguidas sobre as motivações que as
pela ocupação da Ferrovila. Vereadores liga-
fizeram optar pela imigração, responderam: a
dos ao Partido dos Trabalhadores e ao PMDB,
procura do emprego ou a busca de melhores
juntamente com o presidente da União Geral
248
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
dos Bairros, foram acusados de serem os men-
o que consideravam uma armadilha. Todavia,
tores intelectuais do episódio.
por caminhos tortuosos, que passaram, inclusi-
Só foi possível compreender os acontecimentos que envolveram a CPI pelos jornais
ve, pelo providencial desaparecimento do relatório da CPI, a questão foi em parte resolvida.
e por meio de depoimentos, pois, segundo o
presidente da Comissão, o então vereador
Mauro Moraes, o relatório havia desaparecido. O episódio não eliminou a questão e, em 5
de outubro de 1993, foi proposto um Pacto de
A persistência das
ocupações urbanas
Cooperação Social a partir desta mesma CPI:
O ano de 2008 fechou com a ação violenta
[...] esta Comissão concluiu pela importância de apresentar à sociedade curitibana um Pacto compromissório entre
várias forças sociais de nossa sociedade
local, com vistas ao encaminhamento de
soluções concretas ao problema de moradia (Câmara Municipal de Curitiba, s/d).
de reintegração de posse no bairro do Campo
Comprido. Em 24 de outubro foram desalojadas 1.500 famílias (cerca de 6 mil pessoas) que
ocuparam a área em setembro do mesmo ano,
terreno de propriedade particular da Varuna
Empreendimentos Imobiliários (Végas, 2008).
A força policial mobilizada para a situação se
Segundo a minuta do Pacto, em sua cláu-
mostrou extremamente desproporcional. Se-
sula primeira, participariam representantes das
gundo a imprensa, mil integrantes da tropa de
seguintes instituições: 1) Câmara Municipal de
choque, da cavalaria e do 13º. Batalhão da Po-
Curitiba; 2) Cohab-CT: 3) Líderes de Partidos
lícia Militar (PM) estiveram na ação e usaram
Políticos; 4) Vereadores; 5) Associações de
bombas de efeito moral e balas de borracha.
Moradores; 6) Federação da Associação de
Os moradores montaram barricadas e
Moradores; 7) Representante da Associação
colocaram fogo em pneus para evitar a deso-
dos Inscritos na Cohab; 8) Centrais Sindicais;
cupação. A ação violenta da força policial e o
9) Cúria Metropolitana; 10) Ordem dos Advo-
resultado de 3 pessoas feridas, inclusive um
gados do Brasil; 11) Polícia Militar do Paraná;
profissional da imprensa, e o afastamento do
12) Copel; 13) Sanepar.
coronel da polícia militar contribuíram para
Chama a atenção a ausência de repre-
publiscizar o que seria a ponta do iceberg do
sentantes dos proprietários fundiários. Pode-
conflito fundiário em Curitiba. Tal afirmação é
se especular que os proponentes do pacto con-
validada pela fala do Secretário de Segurança
sideravam que qualquer solução que cessasse
Pública do governo Requião:
as ocupações beneficiaria imediatamente os
proprietários. De qualquer forma, a proposta
não se concretizou nesses termos e como queria o presidente da Comissão. Representantes
do Partido dos Trabalhadores e do movimento
popular não quiseram assinar um pacto social,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
[...] a conduta da polícia foi inadmissível
e injustificável. Nos seis anos que estou
como secretário de segurança já foram
realizadas 230 reintegrações de posse e
nenhuma delas foi tão violenta como a
última. (Végas, 2008, p. 1)
249
Celene Tonella
O próprio secretário não descartou a
São exemplos que, somados aos dados
violência usada, já que afirmou que as outras
listados abaixo, contribuem para compor um
reintegrações de posse “não foram tão violen-
quadro de extrema precariedade e urgência
tas” (ibid.). O local palco dos acontecimentos
na implementação de política habitacional em
carrega um histórico de disputa pelo espa-
Curitiba.
ço urbano. Campo Comprido já fora local de
Segundo dados atualizados pela Cohab-
ocupação em 1993, com 586 moradias instala-
CT, Curitiba conta com 302 ocupações irregu-
das em área irregular.
lares.5 Os dados acima apontam o crescente
Em agosto de 2007, ocorreu outra ação
número de famílias morando em locais ina-
de despejo em um terreno de 220 m², localiza-
dequados, sendo que 13 mil vivendo em área
do na Vila Osternack, no bairro Sítio Cercado.
de risco. Somem aos dados os 87 loteamentos
A ocupação ocorreu para a construção da sede
clandestinos e 56 áreas do Prolocar (programa
da Associação dos Moradores do Sambaqui. A
de assentamento executado pela Prefeitura em
desocupação envolveu ação violenta por parte
meados da década de 1980, onde as famílias
da Guarda Municipal. A ONG Terra de Direitos
permanecem com um documento precário).
e a União Nacional por Moradia Popular enca-
O número de pessoas nas 397 áreas levan-
minharam uma denúncia contra a Prefeitura de
tadas é de 241.014 ou 13,4% de um total de
Curitiba para a Organização das Nações Uni-
1.797.408 (estimativa de 2007) da população
das (ONU), por violação dos direitos humanos.
de Curitiba.
Quadro 1 – Ocupações irregulares em Curitiba por ano,
domicílios e número de habitantes
Anos
Domicílios
Habitantes
1996
32.094
129.212
2000
37.483
144.432
2001
38.808
148.140
2002
40.065
151.604
2003
41.337
155.126
2004
42.610
158.647
2005
43.882
162.169
2006
45.155
165.690
2007
46.428
169.174
2008
47.733
172.773
2009
55.460
207.652
Dados de 1996-2000 são Censos Demográficos.
Dados de 2001 a 2009 são estimativas.
Fonte: IPPUC (www.ippuc.org.br).
250
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
A lista de inscritos na Cohab-CT é de 60
moradia seria em torno de 40 mil reais, o que
mil famílias à espera de moradia. Até mesmo
tornaria inviável o pagamento, sem subsídios,
esse direito de se inscrever como postulante a
para a população na faixa de zero a três salá-
uma moradia por meio dos programas gover-
rios-mínimos.6
namentais é retirado de parte dos trabalhado-
Trata-se de um constrangimento que
res, desses desfiliados sociais, nos termos de
perpassa toda a política habitacional brasilei-
Castel. Segundo a coordenação do Movimento
ra e que limita as iniciativas do Ministério das
Nacional da União por Moradia Popular, “mui-
Cidades. O agente e principal operador dos
ta gente não consegue se inscrever na fila da
recursos do FGTS, a Caixa Econômica Fede-
COHAB porque não atinge a renda mínima
ral, é subordinada ao Ministério da Fazenda
necessária” (Wroniski, 2008). Segundo infor-
e age como um banco que é (Bonduki, 2008).
mações de técnicos da Cohab-CT, o tempo de
Os programas habitacionais estão disponíveis
espera na fila varia e as famílias com renda
desde que o interessado possa comprovar ren-
entre três e seis salários são atendidas mais ra-
da e, mesmo que o postulante tenha condições
pidamente porque há programas habitacionais
de comprovação de renda, não há programas
existentes para esse perfil de renda, o custo da
que atendam a faixa até três salários.
Gráfico 1 – Renda Média dos Responsáveis por Domicílios
em Curitiba, RMC, Paraná e Brasil – 2007
Fonte: IBGE/Censo Demográfico – 2000.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
251
Celene Tonella
Curitiba se destaca em termos de renda
25,3%, à classe D, 5,94% pertence à classe E
média se comparada à renda de sua Região
e 6,2% aparece sem rendimentos. Os números
Metropolitana e com o Brasil, conforme Grá-
estabelecem um paralelo entre a renda e os
fico 1. A média elevada não significa a ine-
habitantes de moradias precárias: a estimati-
xistência de bolsões de pobreza. Em relação
va é de 13,4% da população morando em área
à distribuição de renda segundo as classes
com algum problema e, a soma das classes E
sociais, observa-se que 15,2% corresponde à
com os “sem rendimentos”, a percentagem de
classe A; 29% à classe B; 18,4%, à classe C,
12,1% aproxima-se desse número.
Gráfico 2 – Estimativa da distribuição de renda, por classes, em Curitiba
Fontes: IBGE/Censo Demográfico - 2000; IPPUC.
Gráfico 3 – Taxa média anual de crescimento populacional – 1970 a 2007
Fonte: IBGE, 2007.
Elaboração: Agência Curitiba de Desenvolvimento S.A./Informações Socioeconômicas
www.agencia.curitiba.gov.br
252
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
Curitiba é hoje a sétima cidade mais
uma população de 2,42 milhões de habitan-
populosa do Brasil, com crescimento de 1,7%
tes. A estratégia adotada ocorreu no sentido
entre 2007 e 2008, o que soma, em um ano,
de consolidar uma economia competitiva.
mais 30 mil pessoas, ainda que esteja ocorren-
Grandes empresas do setor automobilístico,
do um decréscimo nas taxas de crescimento,
como Volvo, Renault, Peugeot e Audi, foram
conforme o Gráfico 3. Há uma dinâmica local
atraídas com incentivos fiscais para a região.
que não está separada da dinâmica metropoli-
A expectativa de oportunidades de emprego
tana, que, por sua vez, aproxima-se de outras
criadas pela instalação dessas indústrias atraiu
regiões metropolitanas: Rio de Janeiro, São
milhares de pessoas, que acabam povoando a
Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador,
capital e as regiões próximas. A partir de 1996,
Fortaleza, Belém e Recife. Essas nove regiões
o governo estadual passou a oferecer genero-
do Brasil têm uma dura realidade em comum:
sos incentivos fiscais para favorecer o desloca-
crescimento desordenado, violência, bolsões
mento industrial. A definição para a instalação
de extrema pobreza e desemprego. Ribeiro
foram as cidades do entorno da capital. O Pa-
aponta para a situação de ingovernabilidade
raná passou a abrigar, em pouco tempo, um
das metrópoles brasileiras, pautada nos itens
expressivo polo automobilístico, com as novas
referentes: a) ao tamanho e complexidade
plantas da Volkswagen-Audi, da Renault e da
dos problemas; b) do quadro de fragmenta-
Chrysler (Dulci, 2002). O governo do Paraná
ção institucional e desinteresse político e c) a
associou-se à Renaut, em 1996, responsabili-
inexistência de valores que impulsionem ações
zando-se por 45% do total dos investimentos.
coletivas (2004). Mas o que atrai enormes con-
O governo ofereceu a infraestrutura, além da
tingentes populacionais para esses polos? O
malha rodoviária e ferroviária, aeroporto in-
desenvolvimento industrial e o avanço tecnoló-
ternacional e o Porto de Paranaguá. A cidade
gico dos meios de transporte e das comunica-
mercadoria funcionou novamente, entrou no
ções são alguns dos motivos.
pacote de atrativos a boa qualidade de vida e
Esse é o lado perverso do modelo do city
a disponibilidade de mão-de-obra qualificada.
marketing adotado globalmente. Segundo Sanchez, a partir dos anos 1990, as cidades passaram a ser “vendidas” de modo semelhante e,
sob a égide do poder político local, “perfila-se
através dos processos de reestruturação urbana (como exigência da economia competitiva)
e através da construção de imagem para vendê-la” (2001, p. 32).
Acoplada ao movimento de construção
de uma imagem de cidade vendável, ocorreu
outro movimento, por parte do governo estadual, mas voltado para a Região Metropolitana
de Curitiba, formada por 25 municípios, com
Quando inaugurada, em 1998, gerou 2 mil em-
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
pregos (Guedes e Faria, 2002).
A Chrysler inaugurou sua fábrica em julho de 1998, em Campo Largo, município da
RMC. O governo ofereceu isenção de impostos e tarifas por dez anos , além de fornecer
infraestrutura de acesso e recursos do Fundo
Estadual para o Desenvolvimento Econômico.
A mídia local, segundo Guedes e Faria (ibid.)
divulgou que o governo do estado investiu o
dobro do valor do investido pela Chrysler. O argumento tão utilizado pelas autoridades de geração de postos de trabalho, 400 no total, pelo
253
Celene Tonella
montante, não justificava tal investimento. A
um grande contingente de pessoas dos seto-
imprensa, profeticamente, avaliou que, em
res hegemônicos da economia (Bógus, s/d,
vinte anos, a fábrica, obsoleta em termos tec-
pp. 19-20).
nológicos, poderia ser fechada e que outro país
anfitrião seria inevitavelmente selecionado para a nova planta. Muito antes do profetizado,
em 2001, a Chrysler anunciou o fechamento da
fábrica e assumiu débitos ficais de aproxima-
O que querem os movimentos
de luta por moradia?
damente 55 milhões de dólares (ibid.).
Coerente com a política de atração de
Nos moldes do que ocorreu em 1992, a Câ-
indústrias do setor automobilístico e se colo-
mara Municipal de Curitiba teve requerimento
cando com um dos principais protagonistas da
para a instalação da Comissão Parlamentar de
“guerra fiscal” do período, o governo do es-
Inquérito (CPI). O vereador que encaminhou
tado doou para a Audi, em 1997, um terreno,
o pedido afirmou que “tem algo estranho por
também na RMC. A fábrica foi inaugurada em
trás dessas invasões” e que “temos que pensar
1999 e gerou cerca de 3,5 mil empregos dire-
na segurança de quem vive nessas áreas. Ge-
tos. Em 2001, anunciou o fechamento de seu
ralmente há marginais que se infiltram neste
terceiro turno e iniciou um programa de demis-
meio”.7 Outro vereador ponderou que é fruto
sões voluntárias, que envolveu 605 emprega-
da “verdadeira situação de miséria por que
dos (ibid.).
passa a população brasileira (...) mas que, por
A reflexão central em torno da opção de
vezes, tais ocupações têm outros interesse, o
atrair indústrias para a RMC é que indústrias
que precisa ser averiguado pela CPI”.8 Os ele-
de alta tecnologia não trazem como principal
mentos de criminalização da ação popular e de
vantagem a geração de emprego e não absor-
interesses não legítimos (entendam-se interes-
vem trabalhadores com baixa qualificação.
ses de algum grupo político) estão presentes
Elevado número de trabalhadores e baixa qua-
nas falas dos edis. São reações bastante re-
lificação são os dois elementos-chave a serem
correntes diante de tais fatos, e o movimento
valorizados em uma situação em que os ges-
popular esboçou reações à atitude da Câmara
tores investem em redução dos desequilíbrios
de Vereadores.
sociais. Conforme aponta Bógus (s/d), citando
Em março de 2007, um conjunto de enti-
Castel (1997) e Preteceille (1994), após a crise
dades lançou em Curitiba o documento “Nota
do fordismo, as novas formas de produção têm
pública dos movimentos sociais pela moradia
características excludentes e apresentam-se
e contra a criminalização da luta pela mora-
incapazes de gerar empregos que correspon-
dia” (Conam, 2007). A nota manifesta preo-
dam aos quesitos de qualidade e quantidade
cupação a respeito de como a questão da mo-
da força-de-trabalho: em países periféricos
radia está sendo tratada pela imprensa e pela
como o Brasil, com baixos índices de qualifica-
bancada governista da Câmara Municipal. O
ção de mão-de-obra, tem emergido uma nova
documento lista os pontos de reivindicações
forma de exclusão que alija, definitivamente,
do movimento: 1) o fim dos despejos forçados;
254
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
2) o fim da criminalização dos movimentos so-
“novas lentes analíticas passaram a iluminar
ciais e das pessoas que necessitam de mora-
outro tipo de atores como alicerces da expan-
dia; 3) assinatura do termo de compromisso
são democrática” (2004, p. 36). Apontam a
“Curitiba Livre de Despejos” pela Prefeitura
emergência de entidades articuladoras, como
de Curitiba e Estado do Paraná, apresentada
ONGs e Redes e movimentos sociais de cará-
durante missão da Comissão de Especialistas
ter mais amplo, com caráter redistributivo,
sobre Despejos Forçados da AGFE/ONU; 4)
pelo lado das transformações. No caso em te-
políticas habitacionais inclusivas, para todos
la, correspondem a entidades articuladoras a
os níveis de renda e especialmente para po-
ONG Terra de Direitos, Ambiens Cooperativa, a
pulação de renda entre 0 e 3 salários mínimos;
Coordenação dos Movimentos Sociais do Para-
5) uma política de ocupação dos vazios urba-
ná e a Marcha Mundial das Mulheres. Quanto
nos de Curitiba destinados à especulação; 6)
a entidades de movimentos sociais de caráter
aplicação dos instrumentos jurídicos previs-
redistributivo: Confederação Nacional de As-
tos no Plano Diretor de Curitiba como IPTU
sociações de Moradores (Conam), Central de
progressivo, regulamentação das Zonas de
Movimentos Populares (CNP) União Nacional
Interesse Social, regularização fundiária e ur-
de Moradia Popular (UNMP) e Movimento Na-
banização de ocupações, com participação da
cional de Luta pela Moradia (MNLM)
sociedade; 7) a regulamentação do Conselho
Se, de um lado, o legislativo municipal
Municipal da Cidade de Curitiba e do Conse-
tende a criminalizar a luta por moradia, de ou-
lho Estadual das Cidades, nos termos da Lei
tro, há uma conjuntura nacional que desenha
Estadual 15.229/2006; 8) a implementação
uma política de habitação de interesse social.
do Fundo Municipal de Habitação de Interes-
No plano institucional, a criação do Ministério
se Social; 9) a extinção imediata da “CPI das
das Cidades, em 2003, significou mais um ga-
invasões”; 10) um debate sobre déficit público
nho para todos os segmentos envolvidos com
de moradias e ação especulativa do mercado
as lutas urbanas, pois, pela primeira vez, tem-
imobiliário em Curitiba.
se uma proposta de integração de todas as
À diferença do período anterior, quando
políticas urbanas, apontando para a superação
o movimento popular por moradia foi condu-
do recorte setorial da habitação, do saneamen-
zido por entidades organizadas e de abran-
to, dos transportes e mobilidade urbana para
gência local, nessa nova fase, o movimento
integrá-los, levando em consideração o uso e
popular assume características, já apontadas
a ocupação do solo. A estrutura do Ministério
por Lavalle, Castelo e Bichir, de ser conduzido
das Cidades é apontada hoje como uma novi-
pelas entidades articuladoras e movimentos
dade, não só em território brasileiro mas em
sociais de caráter redistributivo. O autor tra-
toda a América Latina. Sua importância au-
balha com as continuidades e transformações
menta quando se constata que, no passado re-
ocorridas no campo dos movimentos sociais a
cente, a marca da política urbana foi ausência
partir dos anos de 1990. Defende que os movi-
de planejamento e desarticulação.
mentos sociais continuaram a ocupar palpável
Conforme definia o texto base do Fó-
centralidade na ação coletiva, apesar de que
rum Nacional pela Reforma Urbana, para a II
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255
Celene Tonella
Conferência das Cidades (2005), o momento é
o Plano Nacional da Habitação (Planhab). O
de construção de uma Política Nacional de De-
Plano soma-se a um conjunto de ações e me-
senvolvimento Urbano. A política pressupõe
didas de natureza institucional, econômica e
um entendimento do processo de urbanização
jurídica que têm por objetivo dar corpo e con-
brasileira permeado por distorções propícias a
sistência ao Sistema Nacional de Habitação.
um modelo de acumulação capitalista centra-
No ano de 2007, ocorreu a adesão de estados
da na desigualdade e que se transforma em
e municípios ao SNHIS. A adesão é condição
mecanismos de espoliação urbana. Deverá,
necessária para o fortalecimento da nova or-
necessariamente, apresentar uma proposta
ganização institucional do setor, tendo como
de superação dos desequilíbrios em diferentes
compromisso a elaboração de seus Planos de
patamares e permitir o acesso à cidade, levan-
Habitação de Interesse Social, além da cons-
do-se em conta as especificidades de gênero,
tituição do Fundo de Habitação de Interesse
raça, etnia e de classe. A eficácia da proposta
Social e seu Conselho Gestor.
somente terá sucesso se for tratada como uma
A qualidade das moradias existentes pa-
proposição em diálogo com os movimentos
ra a população com essa faixa de renda apre-
sociais e a sociedade de maneira geral.
senta inúmeras deficiências: algum tipo de
Um divisor de águas na luta por moradias
carência de padrão construtivo, situação fun-
de interesse social foi a aprovação, pelo Sena-
diária, acesso aos serviços e equipamentos ur-
do, em 2005, do Projeto de Lei 2.710/92, de
banos, entre outros. A ausência de infraestru-
iniciativa popular, que criou o Sistema Nacio-
tura urbana e saneamento ambiental é o maior
nal de Habitação de Interesse Popular. O pro-
problema e envolve 10,2 milhões de moradias,
jeto se transformou na Lei Federal 11.124/05,
ou seja, 32,1% do total de domicílios urbanos
que instituiu o Sistema e o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social (SNHIS/ FNHIS) e
seu Conselho Gestor, criando as condições legais e institucionais para a consolidação do setor habitacional como política de Estado. Esse
projeto tramitou por 14 anos, mas, apesar da
demora, significou uma vitória, pois, segundo
Fleury (2006), vigorou
[...] o entendimento de que o projeto originado de iniciativa popular constituiria
exceção ao princípio de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, sendo
o projeto sancionado pelo Presidente da
República.
duráveis do país têm pelo menos uma carência
de infraestrutura (água, esgoto, coleta de lixo
e energia elétrica), sendo 60,3% nas faixas de
renda de até 3 salários mínimos.
A implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no início de 2007,
causou apreensão, já que foi uma iniciativa
do executivo federal, mas pouco articulada
aos planejamentos das pastas envolvidas. O
Programa busca dinamizar a economia e pressupõe uma série de investimentos em infraestrutura (energia, rodovias, saneamento básico,
habitação). Saneamento e habitação (urbanização de assentamentos precários) foram itens
Já como resultado do novo sistema, a
Secretaria Nacional de Habitação estruturou
256
privilegiados, havendo rápida canalização de
recursos para estados e municípios.
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Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
Mapa 1 – Bacias onde foram iniciadas obras do PAC
Fonte: Cohab-CT; Gazeta do Povo, de 15/6/08.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
257
Celene Tonella
O Programa Morar em Curitiba – Plano
de Pavimentação e Drenagem (de 31 de maio
bres, aproxima-a dos números negativos que
caracterizam a vida metropolitana brasileira.
de 2009), com a relação de obras a serem
Prover o item habitação social é função
executadas pela Cohab-CT, prevê atuação em
do poder público e este, em Curitiba, ao longo
59 áreas irregulares da cidade e atendimento
dos anos, foi incapaz de apresentar soluções
a 10.232 mil famílias. São recursos do municí-
eficazes ao movimento popular. Em 1992, dian-
pio e do governo federal As famílias morando
te da onda de ocupações, Lerner apresentou
em áreas de risco terão prioridade. Seis bacias
como solução o Bairro Novo, que pretendia ze-
hidrográficas serão alcançadas pelo progra-
rar a fila daqueles que buscavam por moradia.
ma: Rio Belém, Rio Iguaçu, Rio Vila Formosa,
Quase duas décadas depois, o problema
9
não foi solucionado, os dois momentos abor-
O levantamento citado teve como recor-
dados, a primeira onda de ocupações entre
te as seis bacias hidrográficas que atravessam
1988 e 1992 e aquelas ocorridas a partir de
Curitiba. O número estimado de moradores
2006, possuem componentes que se asseme-
nessas áreas de risco, próximas a rios e cór-
lham e persistem no tempo. Comparar momen-
regos, é de 50.574 pessoas. O mapa contém
tos distintos cronologicamente contribui para
as áreas em que parte da população será re-
um melhor entendimento da lógica a que está
locada. A maioria dos moradores deve ficar
sujeita a questão urbana no Brasil.
Ribeirão dos Padilha, Rio Atuba e Rio Barigui.
no mesmo terreno, recebendo título de posse.
Diante da ausência de políticas habita-
Quem vive em área de risco será transferido
cionais eficazes para os trabalhadores pobres,
para conjuntos habitacionais.
notadamente daqueles que se encontram na
faixa salarial entre zero e três salários mínimos, a opção foram as ocupações de terrenos
Considerações finais
urbanos. Elas ocorreram, em grande parte,
apoiadas pelo movimento popular, seja por
entidades de caráter mais local, como associa-
O artigo apontou semelhanças na forma do
ções de moradores ou por aquelas entidades
tratamento da questão urbana em dois perío-
articuladoras, como ONGs e Redes e movimen-
dos distintos da trajetória curitibana, o período
tos sociais de caráter mais amplo, com caráter
compreendido entre 1988 e 1992 e um mais
redistributivo, como demonstrado.
recente, com processos ocorridos a partir de
2006.
Outro paralelo entre os dois períodos é a
atitude por parte de alguns segmentos e, mais
A face mais conhecida de Curitiba, de
expressivamente, por parte de representantes
uma metrópole com excelente qualidade de
da Câmara Municipal que persistem na crimi-
vida e com projetos urbanísticos arrojados, faz
nalização dos trabalhadores pobres, ao ins-
com que se diferencie positivamente em rela-
taurarem CPIs para o combate ao que denomi-
ção a outras metrópoles brasileiras. Entretan-
nam de “indústria de invasões”. Essa forma de
to, os aspectos aqui tratados, vinculados à pre-
olhar a movimentação das camadas populares
cariedade habitacional dos trabalhadores po-
não é privilégio das elites curitibanas. Ainda
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Duas décadas de ocupações urbanas em Curitiba
que comparando períodos distintos, Ribeiro
pondera:
[...] podemos identificar semelhanças
entre a questão urbana nesta virada do
milênio e a do início do período republicano. Hoje, como naquela época, com
efeito, as elites olham assustadas a cidade e identificam na sua suposta desordem a causa dos seus problemas sociais.
Ontem a crise sanitária era a consequência dessa desordem. Hoje é a violência.
Nos dois momentos, a desordem emana
dos espaços das camadas populares e de
suas práticas. Ontem, os cortiços. Hoje,
as favelas e as periferias pobres das metrópoles. (2004, p. 17)
O que se apresenta como novidade são
as possibilidades de investimentos acelerados
por programas governamentais de vulto como
o PAC e o Minha Casa, Minha Vida. No caso
do PAC, boa parte dos recursos está destinada para obras de infraestrutura para a produção, no entanto, setores como saneamento e
habitação também foram privilegiados e dirigidos para a urbanização de assentamentos
precários. A expectativa é que ocorra uma
mudança significativa no processo de produção de habitação social não apenas em Curitiba e Região Metropolitana, mas no país como
um todo.
Celene Tonella
Cientista social. Universidade Estadual de Maringá. Maringá, Paraná, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Roger Char er (1990) discute as concepções de utensilagem ou utensílios mentais. Similarmente,
ferramentas mentais referem-se ao conjunto de instrumentos intelectuais – palavras, símbolos,
conceitos, etc.
(2) Há teóricos que entendem o conceito de exclusão social como inadequado, já que não aponta
possibilidades de mudança, de mobilidade social. O sociólogo Robert Castel (1999), por exemplo, aponta como mais adequada a noção de “desfiliação social”. Essa percepção diz respeito a
um processo que envolve indivíduos a vos e não a um lugar ocupado ou vazio na sociedade. Seu
ponto de par da é a questão salarial, único meio pelo qual pode haver uma reversão no quadro
de desfiliação a que um sujeito está subme do. Desfiliação não é necessariamente a ausência
completa de inscrição do sujeito em estruturas portadoras de um sen do.
(3) Os assentamentos precários são setores censitários classificados originalmente pelo IBGE (2000)
como setores especiais de aglomerados subnormais, um grupo cons tuído por um mínimo de 51
domicílios (barracos, casas) ocupando terra de propriedade de terceiros (públicas ou privadas),
geralmente dispostas de maneira densa e desordenada e carentes de serviços de infraestrutura
essenciais, também designados assentamentos informais, “favelas”, “mocambos”, “alagados”.
As áreas tratadas neste trabalho não coincidem necessariamente com os setores censitários do
IBGE, muitas ocupações surgiram após a realização do censo demográfico.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
259
Celene Tonella
(4) O ar go aponta para o período de 1981 a 1991, a ocorrência de: 8 programas de estabilização;
15 polí cas salariais; 54 controles de preços; 18 polí cas cambiais; 21 propostas de negociação
da dívida externa; 11 índices diferentes de inflação; 5 congelamentos de preços e salários e 18
determinações para corte de gastos públicos.
(5) A Região Metropolitana de Curi ba soma 800 ocupações irregulares.
(6) Informações ob das em novembro de 2009.
(7) Afirmação do vereador Tico Kuzma (PPS). Documento Reservado, 2007.
(8) Afirmação do vereador Valdemir Soares (PR). Documento Reservado, 2007.
(9) Para a Urbanização das Bacias e Produção Habitacional consta em documento do PAC – Paraná,
recursos no montante de 150.000 milhões (Brasil).
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Texto recebido em 10/nov/2009
Texto aprovado em 15/mar/2010
262
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 239-262, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio:
as periferias como campos
de concentração a céu aberto
Beyond the prison-building: peripheries
as borderless concentration camps
Acácio Augusto
Resumo
Os investimentos em políticas assistenciais
que objetivam solucionar o chamado problema
da “violência urbana” indicam uma via da
configuração das periferias das grandes cidades
ou das chamadas cidades globais como campos de
concentração a céu aberto. Este artigo analisa um
projeto de aplicação de medidas socioeducativas
em meio aberto para os chamados adolescentes
infratores como elastificação da prisão-prédio
na composição desses campos de concentração
em áreas consideradas de risco e/ou habitadas
por jovens classificados como em situação de
vulnerabilidade social. Interessa analisar o
conceito sociológico de gueto, colocado por
Wacquant, problematizando-o a partir da noção
de campo de concentração a céu aberto proposta
por Edson Passetti e da análise genealógica de
Michel Foucault.
Abstract
Investments in assistential policies that aim to
solve the so-called problem of “urban violence”
indicate one form of the configuration of
peripheries of major cities (or global cities):
“borderless concentration camps”. This article
analyses the program of application of socioeducational measures in open environments
for the so-called adolescent offenders as an
“elasticization” of the prison-building in the
production of these concentration camps in areas
considered of risk and/or inhabited by youngsters
classified as “in situation of social vulnerability”. It
is important to analyze the sociological concept of
“ghetto”, presented by Wacquant, problematizing
it through the notion of “borderless concentration
camp” proposed by Edson Passetti and through
the genealogical analysis developed by Michel
Foucault.
Palavras-chave: campo de concentração a céu
aberto; prisão-prédio; polícia; abolicionismo penal;
gueto.
Keywords: borderless concentration camp;
prison-building; police; penal abolitionism;
ghetto.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Acácio Augusto
Policiar e urbanizar é a mesma coisa.
Michel Foucault
Há uma afirmação de Foucault registra-
para antecipar a ocorrência do que historica-
da em 1975 em seu contundente estudo Vigiar
mente se considera crime. Na atual sociedade
e punir que indica uma inquietação que persiste quando, hoje, nos propomos problematizar
a prisão e os encarceramentos:
de controle (Deleuze, 1999; Passetti, 2003), a
[...] há um século e meio que a prisão vem
sempre sendo dada como seu próprio
remédio ; a reativação das técnicas
penitenciárias como a única maneira
de reparar seu fracasso permanente; a
realização do projeto corretivo como único
método para superar a impossibilidade
de torná-lo realidade. (2002, p. 223)
prisão passa por mudanças em seu funcionamento que operam uma administração de sua
agonia por meio de um processo de flexibilização de suas práticas austeras como maneira de
perpetuar e aumentar sua ascendência sobre
as pessoas. Contudo, essas metamorfoses não
aconteceram especificamente em seu interior,
estão ao lado, em baixo, em torno, justapostas; gravitam no entorno, em direção a uma
centralidade que privilegia encarceramentos e
Partir dessa inquietação colocada por
uma vida controlada e moderada.
Foucault implica questionar como a prisão
A flexibilização das práticas discipli-
ainda persiste, mesmo sendo possível o seu
nares e de constituição de formas de prisão
fim. Como essa instituição que é regularmente
para além da prisão-prédio fica explícita ao
alvo de críticas de todo tipo, vindas de todos
enfrentar-se a atual formatação das periferias
os lugares, segue existindo; é essa máquina
como campos de concentração a céu aberto –
de moer carne humana. Jornalistas, juristas,
uma noção proposta por Edson Passetti (2003,
advogados, sociólogos, políticos e politólo-
2006 e 2007). Essa noção permite uma aná-
gos, psicólogos, enfim, quase todos elaboram
lise do novo diagrama do espaço das cidades
uma crítica, mais ou menos radical à prisão:
na era dos controles siderais, a céu aberto.
ela está superlotada, ela é desumana, ela não
“A sociedade de controle policia em fluxos,
recupera, é uma faculdade do crime, etc. Há
pretendendo alcançar seguranças, obtendo
uma insistência em criticá-la, e ela segue aí,
confianças e disseminando tolerâncias” (Pas-
impávida. Como?
setti, 2006, p. 86). Dessa maneira, sufoca-se
Para além de sua continuidade, a prisão
a emergência do rebelde, do insurreto e as
está acrescida de novas maneiras de controle de
resistências, quando emergem, são fácil e
condutas tidas como desviantes e de um inves-
rapidamente capturadas. Uma prática política
timento maciço em uma parcela da população
que vê como transformadora e democrática
264
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio
a participação nos controles plurais de quem
considerados infratores que oscilam entre par-
compõe esse novo campo de concentração:
ticipar desses programas, servir aos chefes do
atividades culturais e esportivas, acessos a de-
narcotráfico e habitar instituições de reclusão
terminadas áreas controlados por polícias co-
como a Fundação Casa (Centro de Atendimen-
munitárias, líderes comunitários e/ou agentes
to Socioeducativo de Adolescentes), antiga Fe-
do tráfico, escolas multiuso, atuação de ONGs,
bem. Desta maneira, a crítica à prisão pode sair
circulação regulada por bilhetes eletrônicos
de uma retórica que alimenta e diversifica sua
de transporte público/estatal, enfim, um le-
continuidade, para colocar outros questiona-
que infinito de opções que seduz e convoca os
mentos diante da expansão das modalidades
moradores de uma determinada região a não
de cárcere em controles policiais das cidades.
saírem do lugar, ou, caso saiam, regressarem o
No interior dessas modulações de
mais rápido possível após cumprir a jornada de
encarceramentos estão as políticas sociais
trabalho, que muitas vezes ocorre no mesmo
de intervenção no espaço que operam um
bairro que mora, em alguma ONG ou boca de
chamado combate à violência urbana e à
fumo e cocaína, ou ainda no bairro de bacanas
criminalidade por meio de ações ambientais.
ao lado da favela, que também tem seu acesso
Desde seu início, ignoram que o termo violência
controlado por câmeras e portarias de polícias
urbana é apenas um produto do novo senso
privadas. Enfim, controle policial da circulação
comum penal, produzido pela exposição de
dos fluxos de pessoas e valores materiais e
intelectuais midiáticos que, em troca de uma
imateriais para todo lado que se movimente.
notoriedade fugaz, aceitam vir a público para
O campo de concentração a céu aberto
ratificar a fabricação de dados pré-pensados
é um programa da sociedade de controle que
em relatórios oficiais do governo (Wacquant,
inclui tudo e mais um pouco, infratores ou não,
2001, pp. 52-65). Essas ações miram áreas
perigosos ou não, sob o governo dos diretos
consideradas de risco ou vulnerabilidade
de minorias que não dispensa endurecimento
social com projetos de urbanização de
de penas, leis cada vez mais restritivas das
favelas, policiamento de proximidade junto
condutas, como a lei antifumo em São Paulo
da comunidade e ações repressivas pontuais,
e outros estados da federação, prisões de se-
segundo as formulações da teoria da ecologia
gurança máxima, como as RDMax combinadas
criminal da Escola de Chicago. Historicamente,
com penas alternativas, permissividades regu-
essas ações estão relacionadas tanto ao
ladas, dissimulações, controles eletrônicos e
programa de tolerância zero , iniciado pela
uma crença inquebrável em melhorias graduais
prefeitura de Nova York, e depois exportado
e parcimoniosas. Nesse sentido, o conceito
como política criminal para Europa e América
de gueto como espaço delimitado da cida-
Latina (ibid), quanto ao projeto de pacificação
de, proposto por Loïc Wacquant (2008), deve
da cidade de Medelín, na Colômbia.
ser problematizado diante da disseminação
Essas intervenções no espaço urba-
de políticas sociais administradas por ONGs,
no privilegiam uma ação local que parta,
financiadas por empresas privadas multina-
sobretudo, das crianças e jovens no interior
cionais e voltadas para o controle de jovens
da comunidade como maneira de envolvê-los
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
265
Acácio Augusto
em políticas sociais antes que “escorreguem”
mesmo o projeto de urbanização das favelas
para uma conduta tida como delituosa. Por
cariocas, no interior do PAC (Plano de Acelera-
isso interessam-se por associações de bairros,
ção do Crescimento), do governo federal, sem
paróquias de igrejas e ministérios protestantes
esquecer os investimentos público-privados
ou pentecostais, escolas estatais, como via de
nos centros históricos das grandes cidades,
acesso para promover atividades culturais e
tomados pelos consumidores de crack : são
laborais, fazendo com que as famílias se en-
projetos de segurança pública e efetivação de
volvam a partir de uma preocupação com seus
ações policiais do Estado que buscam resso-
filhos. As melhorias nas condições sociais, eco-
nância na chamada sociedade civil. A combi-
nômicas e educacionais dessas crianças e de
nação entre assistência social, reurbanização
suas famílias visam produzir a satisfação da
de favelas ou de centros históricos e ação re-
comunidade diante de sua condição de mora-
pressiva policial dessa intervenção ambiental
dia em determinado bairro ou região. Por fim,
mostra que a polícia, repressiva ou assisten-
espera-se a intervenção do Estado com proje-
cial, é o agente privilegiado, pois o alvo é o
tos de reforma urbana, recuperação de prédios
controle da circulação dos fluxos. No entanto,
e praças, saneamento básico e urbanização de
esses planos policiais de assistência destina-
favelas. Essas intervenções no campo assisten-
dos às chamadas áreas de risco não são uma
cial, educacional e de planejamento urbanísti-
exclusividade da ação do Estado. Eles ocorrem
co têm como objetivo dissuadir os moradores,
precisamente como política das cidades que
especialmente jovens, de cometer incivilidades,
depende da ação de prefeituras, governos
oferecendo alternativas para vida em bairros
estaduais e federais, mas, sobretudo, do en-
considerados de risco que podem, um dia, tor-
volvimento da chamada sociedade civil seja
narem-se seguros quando todos colaborarem.
por meio de ONGs financiadas por grandes
Por essa razão, para ser uma política criminal,
empresas multinacionais, seja pelas inúmeras
essas intervenções sociais devem estar lado
maneiras de capturar, para exercício dos con-
a lado com o policiamento local efetivo, para
troles, os mesmo alvos que se busca controlar.
o bem da cidade, da comunidade e dos seus
Trata-se de uma política social que responde
habitantes.
aos que sofrem de melancolia do Estado de
Assim, uma série de projetos assisten-
Bem-Estar Social que investe cuidar, urbani-
ciais e revitalização urbana que se multipli-
zar, assistir, regular e gerir fluxos de pessoas e
cam, voltados, direta ou indiretamente, para
mercadorias, compondo tarefas que remetem
o combate da violência, tomam, explícita ou
à formação da polícia na Europa do século
implicitamente, a teses da ecologia criminal,
XVIII, como podemos acompanhar em Fou-
atualizando o antigo sentido de polícia, ana-
cault (2003; 2008), são atividades que devem
lisado por Foucault (2007), como política so-
ser desempenhadas por cidadãos e empresas
cial. Considerando o modelo da cidade de Me-
como expressão de sua responsabilidade so-
delín na Colômbia, os projetos de urbanização
cial e de sua conduta política orientada para
de favelas – como o Cingapura da cidade São
melhoria do ambiente e, consequentemente,
Paulo ou o CDHU, do governo do estado, ou
da vida no interior dele.
266
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Para além da prisão-prédio
Gueto e prisão
Em 2008, foi publicada, no Brasil, uma coletânea de artigos do sociólogo Loïc Wacquant
que compõem o livro As duas faces do gueto
(2008), que reúne os artigos publicados por
ele ao longo do desenvolvimento de sua tese de doutorado sobre a vida dos boxeadores
nos guetos estadunidenses. Nesses escritos,
Wacquant procura desmitificar o uso da palavra gueto, estabelecendo-o como conceito
sociológico que remonta à constituição dos
guetos judeus na Europa e à atual organização
socioespacial dos guetos negros estadunidenses. Nesse sentido, gueto designa áreas de segregação etno-racial imposta, que funcionam
para “confinar e controlar”, ao mesmo tempo
em que se tornam, para seus habitantes, “um
instrumento de integração e proteção”.
Na formulação de Wacquant,
[...] os guetos são o produto de uma dialética móvel e tensa entre hostilidade externa e afinidade interna, que se traduz
ao nível da consciência coletiva pela ambivalência. (2008, p. 82)
usa do confinamento que é análogo ao de uma
instituição total que desindividualiza e estigmatiza. Uma face das faces do gueto é sua função de contenção de um determinado contingente da população, previamente selecionado
por estigma social que se apoia em uma formulação étnica dos potencialmente perigosos
se deixados livres.
Não enfatizo, aqui, o debate com
Wacquant sobre a constituição desse guetoprisão, mas pretendo estabelecer uma conversação acerca dos modos de punir e controlar
pessoas indesejáveis fora da prisão, encarando-os como constitutivos de uma estratégia de
disseminação das modalidades de cárcere que
ultrapassam e convivem com a prisão-prédio.
Para além da formulação do conceito de gueto,
perguntar se o que ocorre, nessa proximidade
entre gueto prisão, é apenas uma analogia de
áreas da cidade com uma instituição total ou
o anúncio de uma outra configuração, um outro diagrama, de certas áreas da cidade. Nesse
sentido, questionar se a cidade hoje se configura a partir de uma pluralidade de campos de
concentração a céu aberto.
Desde Foucault, podemos afirmar que a
prisão não é apenas um prédio ou uma insti-
E
tuição destinada a castigar e corrigir desvia[...] a intensificação desenfreada de
sua dinâmica excludente ganharia se
fosse estudado não por analogia com os
cortiços urbanos, os bairros populares
ou os enclaves de imigrantes, mas com
as reservas, os campos de refugiados
e a prisão, enquanto representante de
uma categoria mais geral de instituições
de contenção de grupos despossuídos e
desonrados. (Ibid., p. 91)
dos, mas uma política. Uma política de defesa
da sociedade contra o que ela não suporta.
Por paradoxal possa parecer, essa política
visa eliminar e retirar de circulação o lixo da
sociedade e opera por uma lógica de reinserção desses sujeitos edificados como anormais
por meio da construção do delinquente para
operacionalização do regime dos ilegalismos
que retroalimenta a prisão e o exercício legal
Para o autor, o gueto duplica e reproduz a pri-
de punir, corrigir e cuidar. Uma lógica inclusi-
são, construindo um outro lugar de exclusão;
va que articula polícia, prisão e delinquência,
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267
Acácio Augusto
onde um deles não existe sem os outros. Uma
(Movimento de Mães pelos Direitos no Sistema
inclusão diferencial que, na sociedade discipli-
Socioeducativo), que atua junto às mães e aos
nar, funciona como administração da exclusão
jovens internados no DEGASE (Departamento
dos indesejáveis (Foucault, 2002).
Geral de Ações Socioeducativas), como é pos-
Na sociedade de controle, essa lógica
sível constatar no relato de mães apresentado
inclusiva da prisão ganha novos contornos ao
em seminário do Conselho Regional de Psicolo-
convocar outras pessoas que não são nem pri-
gia do Rio de Janeiro e publicado na forma de
sioneiros, nem policiais, nem delinquentes, pa-
artigo (Cunha, Sales e Canarim, 2007).
ra participar de seu funcionamento. Não mais
Em torno dessas associações, movimen-
uma inclusão diferencial, segundo a constru-
tos e ONGs, multiplicam-se os educadores so-
ção biopsicossocial do delinquente, mas uma
ciais, os técnicos bem intencionados, os funcio-
convocação à participação que anuncia a in-
nários benevolentes, os agentes comunitários,
clusão de todos e mais um pouco, até mesmo
os conselheiros tutelares, os policiais bem for-
dos que ainda não tenham sido transformados
mados, que colaboram com o bom funciona-
em perigo para sociedade. Essa convocação
mento das instituições austeras, policiando os
à participação – característica marcante da
fluxos de entrada e saída e cuidando dos que
sociedade de controle sublinhada por Edson
estão reclusos e contendo, dessa maneira, re-
Passetti (2003; 2006; 2007) – em torno da pri-
voltas e rebeliões. Paradoxalmente, ou não, por
são, garante sua continuidade e operacionaliza
amor aos filhos, fazem com que estes amem sua
novas modalidades de cárcere, ficando ainda
nova condição na prisão. Cabe ressaltar, ainda,
mais evidente quando olhamos, no Brasil, pa-
que os que escapam ou não possuem esse
ra as prisões destinadas aos jovens e para vida
cuidado policial materno e/ou filantrópico, são
desses jovens nas periferias e favelas dos gran-
rapidamente capturados pelas lideranças dos
des centros urbanos.
chamados partidos e facções do crime, comple-
A prisão, hoje, foi ocupada por diversos
mento indispensável para quase completa (pa-
grupos e organizações da sociedade civil que se
ra não ser categórico) supressão das rebeliões
dedicam a ela e aos que nela vivem. Nos jornais,
em instituições austeras destinadas aos jovens
multiplicam-se as matérias sobre a vida prisio-
detidos como adolescentes infratores.
nal, que se torna alvo, também, de comissões
A intensa circulação da população carce-
parlamentares para viabilização de reformas e
rária, e dos que vivem em torno dela, é viabi-
denúncias. Tomemos o caso da AMAR (Asso-
lizada, portanto, por ONGs, Fundações e Uni-
ciação de Mães dos Adolescentes em situação
versidades, por meio de programas de incenti-
de Risco), em São Paulo, formada por grupos
vo fiscal que financiam uma infinidade de pro-
de mães voltados para defesa dos chamados
gramas de pesquisa e assistência sob a égide
adolescentes infratores. Rapidamente passaram
da denúncia e fiscalização sobre os horrores da
prisão para jovens e se integraram à rotina da
vida prisional. Algo semelhante do que ocorreu
no Rio de Janeiro com Movimento MOLEQUE
do bem para todos. Soma-se a essa presença
268
constante de grupos e organizações da chamada sociedade civil, uma intensa circulação de
fluxos eletrônicos que permeiam seus muros,
alimentando bancos de dados e espetáculos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio
midiáticos desdobrados em matérias especiais
A absorção dessa crítica neoliberal pelo
nos telejornais e seriados de televisão, alimen-
Estado em nível planetário, a partir da déca-
tando um misto de fascínio e repulsa pela vida
da de 1980, sedimenta o itinerário das atuais
prisional. A imagem do medo, como sublinhara
políticas de assistência social com funções
Foucault (2002) em Vigiar e punir, tornou-se,
policiais de promoção da prosperidade do
na sociedade de controle, imagem do fascínio,
conjunto de indivíduos, onde mesmo as ações
da compaixão cívica e das lucratividades políti-
repressivas e de administração das institui-
cas e econômicas no governo das condutas.
ções austeras e de controle de incivilidades
Essa presença da sociedade civil está de
passam a ser geridas e promovidas por um
acordo com as práticas do neoliberalismo con-
consórcio que agrega Estado, sociedade civil
temporâneo que não postula o Estado como
e iniciativa privada, como é possível cons-
planejador da economia e responsável pela cor-
tatar pela lei que regulamenta as Parcerias
reção das desigualdades sociais, tarefa primor-
Público-Privadas (Lei 11.079/2004). O inte-
dial do Estado de Bem-Estar Social, chamado
resse se resume em promover as práticas de
pelos neoliberais de intervencionista. A crítica
governo a partir da atuação direta dos pró-
ao socialismo soviético, ao nacional-socialismo
prios governados, para assim descentralizar
e aos programas de recuperação da economia
certas funções de gestão e administração,
no EUA do entre guerras e na Europa do pós-
mantendo inalterado o exercício de governo
II Guerra Mundial, elaborada por economistas
direcionado a uma centralidade móvel capaz
conservadores como Friedich Hayek (1977) na
de capturar qualquer ação que orbita em seu
década de 1940, postula que o Estado cumpra,
entorno. É dessa maneira que, hoje, mantém-
somente, a função de fiador e fiscalizador das
se o controle para dentro e para fora da pri-
ações programáticas da chamada sociedade ci-
são. Uma discutível redução da intervenção
vil. Como observa Foucault (2007) em relação
estatal e uma inegável governamentalização
ao neoliberalismo estadunidense, isso ocorre
da sociedade por meio de práticas de gover-
num contexto histórico formado pelos efeitos
no ascendentes e descendentes que se pau-
do New Deal. A crítica a este dirigida destina-
tam por uma reação conservadora que busca
se também à política econômica keynesiana,
restauração da família, disseminação de reli-
implementada por Roosevelt entre os anos
giosidade e investimento em capital humano
de 1933-1934; aos projetos europeus de in-
e todos atravessados por práticas de demo-
tervenção econômica e social, elaborados du-
cracia participativa. Seria mais preciso notar
rante a guerra e implementados como planos
em torno de tanta filantropia, compaixão cí-
de reconstrução no pós-guerra, como o plano
vica e investimento em práticas autônomas
Breveridge, na Inglaterra; o crescimento dos
de governo, uma disseminação das condutas
programas de educação, combate à pobreza
pautadas, como mostra Passetti (2007), por
e à segregação, desenvolvidos desde a admi-
um conservadorismo moderado, que por meio
nistração Truman até a administração Johnson,
da convocação à participação produz incontá-
todos visto como intervencionistas que inflam
veis práticas de assujeitamentos por inúmeros
o Estado e sua burocracia.
assujeitados.
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269
Acácio Augusto
Neste vaivém, estar dentro ou fora da
prisão-prédio torna-se uma situação quase
indiscernível. Muito mais do que a compulsó-
As periferias como campos
de concentração
ria reclusão de parentes amigos junto do prisioneiro, as ações de grupos e ONGs em torno
A análise da periferia como campo de concen-
da prisão-prédio promovem a circulação de um
tração a céu aberto difere de uma leitura do
campo de concentração como zona de exclusão social e territorial, como seria possível supor a partir dos estudos de Zygmunt Bauman
(2003) ou como realização possível a partir de
uma indeterminação jurídico-política, segundo
as formulações de Giorgio Agamben (2004).
De acordo com Edson Passetti (2006), o campo de concentração a céu aberto diz respeito
a uma tecnologia de controle que opera não
mais em lugares de confinamento fechados
e/ou apartados de um fora, nem mesmo por
uma delimitação territorial em relação ao centro, mas por uma administração do território
por seus próprios habitantes. É um dispositivo
inclusivo que amplifica as modalidades de encarceramentos e se faz, também, nas relações
estabelecidas entre as pessoas que convivem
sob uma governamentalidade (governo das
condutas), respeitando-a e produzindo práticas de subjetivação que as imobilizam, não por
uma imposição externa, mas por um desejo
profundo e voluntário em se manter na condição de assujeitados por apreciarem os espaços
de confinamentos a céu aberto que habitam e
aprenderam a amar.
Uma pesquisa recente sobre a aplicação
das chamadas medidas socioeducativas em
meio aberto mostra como a participação na
vida prisional de um jovem se expandiu e como se amplifica a prisão para além da vida no
cárcere.
número cada vez maior pessoas em seus estabelecimentos, independentemente de estarem
condenadas e de possuírem alguma relação
direta com outros condenados. Passa-se a habitar a prisão como condição, opção, costume
ou negócios, legais e ilegais. Como sublinha
Wacquant em relação ao gueto estadunidense,
essa relação estabelece um contínuo que liga
gueto e prisão: a prisão se parece cada vez
mais com o gueto e o gueto se parece cada vez
mais com a prisão.
No entanto, não há como tomar a experiência estadunidense como parâmetro para o
que ocorre no Brasil, nem mesmo incorporar
essa analogia como solução explicativa do
que ocorre, simultaneamente, com a prisão e
com as chamadas áreas de risco. É o próprio
Wacquant, no mesmo livro, quem faz questão
de sublinhar as diferenças marcantes entre o
gueto negro nos Estados Unidos e as favelas
brasileiras (2008, p. 84). Entretanto, quando se
lida com a situação de jovens considerados infratores no Brasil, não é difícil observar uma série de práticas de controle que funcionam como
estratégias de circunscrição desses jovens nas
periferias, e nesse sentido, próxima de uma prática prisional. Entretanto, não configuram essas
periferias como gueto que reproduz a organização de uma instituição austera, mas como campos de concentração a céu aberto que disseminam práticas de contenção de liberdade.
270
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio
A Fundação Telefônica financia projetos
Dito de maneira muito sistemática, es-
sociais voltados para crianças e adolescentes
sas ONGs atuam da seguinte maneira: elas
classificados como infratores ou vivendo em
se estabelecem em um bairro ou região pre-
situação de risco, por meio de um projeto cha-
viamente identificada como área de risco ou
mado Pró-menino: jovens em conflito com a lei
vulnerável, buscando antecipar qualquer pos-
que mantém financeiramente ONGs minúsculas
sibilidade de mobilidade do jovem, oferecendo
responsáveis pela aplicação de medidas socio-
cursos de informática, de desenho, de padei-
educativas em meio aberto e promoção de cur-
ro, etc., para ocupá-lo naquela região, com o
sos profissionalizantes para jovens moradores
objetivo de criar dispositivos para que ele não
da periferia e cidades satélites de São Paulo.
venha a se tornar um infrator. Se mesmo as-
Partes dos resultados desse projeto foram pu-
sim ele for pego em chamado ato infracional,
blicadas no livro Vozes e olhares, como anda-
passível de ser punido como medida socioe-
mento da avaliação feita pelo Instituto Fonte
ducativa em meio aberto, será nesse mesmo
para o Desenvolvimento Social (Fonte, 2008).
lugar que cumprirá a medida socioeducativa,
Este projeto está instalado no Brasil desde
esse eufemismo jurídico para pena. Ele passa
1999 e é um desdobramento do programa
a servir como objeto da punição e insumo para
Proniño, criado em sua sede espanhola e ex-
pesquisas e sondagens regulares que se des-
pandido pelos países da América Latina onde
tinam a essa população específica. Em suma,
a Telefônica tem negócios. Sua missão, como
toda uma estratégia é montada para que ele
está descrito em seu site, é a de
saia o menos possível da região onde mora,
[...] contribuir para a construção do futuro das regiões onde a Telefônica opera, impulsionando seu desenvolvimento
social através da educação e utilizando
para isso as capacidades distintivas do
Grupo: sua extensa base de clientes e
empregados, sua presença territorial e
suas capacidades tecnológicas.
inclusive parte desses jovens deve ser absorvida para trabalhar temporariamente nas ONGs
como monitores de algum curso ou aplicadores de questionários de pesquisa a respeito da
vida de infratores sob medida socioeducativa.
E, ao contrário do que alguém possa pensar,
tal assistência público-privada, para realização
das chamadas políticas públicas ou políticas
Privilegia o investimento em “projetos envol-
sociais, não funciona como redutor de reinci-
vendo os Conselhos dos Direitos da Criança e
dência desse jovem, ou mesmo propicia que
do Adolescente” para fomentar a
ele escape de uma instituição de internação
[...] inclusão digital como estratégia preferencial, entendendo-a como um importante meio de inclusão social de populações menos favorecidas, proporcionando,
assim, a utilização das TICs (Tecnologias
de Informação e Comunicação) como um
instrumento para a construção e o exercício da cidadania. (Cf. www.fundacaotelefonica.org.br)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
ou volte a praticar um ato infracional e acabar
morto.
Trabalhei em parte dessa pesquisa de
avaliação das ONGs financiadas pela Telefônica no Instituto Fonte, também financiado pela
mesma empresa. Os resultados dessa incursão
etnográfica num contemporâneo programa
público-privado de controle de jovens foram
271
Acácio Augusto
analisados em meu trabalho de mestrado
sociedade civil, por meio de cidadãos e em-
(Augusto , 2009). A produção de assujeita-
presas, que realizam a prática policial como
mento no interior desses programas ficou mais
expressão e exercício de assujeitamentos. O
evidente – para além de toda parafernália e
que nos remete à diferenciação estabelecida
infinitas conexões com outros, mesmo pro-
por von Justi, e analisada por Michel Foucault,
gramas como o Medida Legal, avaliado pelo
entre os termos Politik (do alemão, política),
ILANUD-Brasil (Instituto Latino-Americano das
como a função negativa (repressiva) do Esta-
Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tra-
do contra seus inimigos internos e externos e
Polizei (do alemão, polícia), como tarefa positiva do Estado e da sociedade civil para favorecer a saúde e dirigir as condutas dos que compõem a população garantindo a moralidade e
obediência dos cidadãos (Foucault, 2003).
Ao pensar a partir de um minúsculo programa como esse, olhando-o de dentro e para
fora, e lembrar que estes sempre se desdobram
em séries de programas sociais e de segurança
pública que objetivam imobilizar as pessoas tidas como carentes ou vulneráveis, temos uma
política do campo de concentração a céu aberto como investimento ininterrupto em manter
uma determinada parte da população quieta,
feliz e policiada. Enfim, uma polícia da vida.
As pessoas que habitam a região vulnerável se veem enredadas em programas, aparelhos e políticas sociais que a todo o momento registram, monitoram, permitem, recusam,
direcionam, redimensionam a circulação num
espaço delimitado e móvel. E nesse exercício
produzem novas subjetivações afeitas aos controles policiais. Como anota Passetti:
tamento do Delinquente) –, por uma situação
específica vivida entre os jovens envolvidos no
cumprimento da medida socioeducativa e na
aplicação dos questionários da pesquisa. Os
jovens convocados e remunerados para aplicar
os questionários de extração de dados, que
receberiam tratamento estatístico posterior,
eram os adolescentes que cumpriram medida
socioeducativa (em meio aberto ou fechado)
no ano de 2005. Assim, eles se viam diante de
outros adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto no ano da
pesquisa, 2006, realizando o controle mútuo
dos que já cumpriram sobre os que estão sob
cumprimento de medida. Uma maneira policial
de controlar jovens por meio dos que já estariam juridicamente livres capturados na aplicação do questionário, sobre aqueles que estão
ainda cumprindo de medida socioeducativa:
um como suspeito constante e o outro como
controlador policial do outro. Estamos diante
da vida no campo de concentração, em que todos são convocados a participar direta ou indiretamente, são incluídos nos fluxos eletrônicos
de produção e vigilância em procedimentos
consensuais democráticos e que caracterizam
nossa época de moderação.
Assim, atualiza-se o termo política pública como sinônimo de polícia e como prática
que não se restringe à ação do Estado, mas
que associa e aproxima ações de Estado com
272
Aparece, então, uma nova diagramação
da ocupação do espaço das cidades, em
que políticas de tolerância zero e de penas alternativas se combinam, ampliando
o número de pobres e miseráveis visados, capturados e controlados, compondo uma escala mais ou menos rígida de
punições, deixando inalterados a cifra
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio
negra e os dispositivos de seletividade.
Consolida-se uma nova prática do confinamento a céu aberto, e o sistema penal
mais uma vez se amplia, dilatando os
muros. (2006, p. 94)
planetários. Estão nas periferias beneficiadas
pela parafernália dos mecanismos punitivos e
de assistências sociais. Mas estão, também,
nos programas de revitalização de centros históricos, nos condomínios e vilas vigiados e mo-
Se até a metade do século XX a admi-
nitorados por polícias privadas e câmeras de
nistração dos campos era um problema de
seguranças, nos acessos por cartões eletrôni-
administração estatal para contenção das
cos de empresas, bancos e universidades, hoje
populações em um determinado território,
sendo gradualmente substituídos por leituras
hoje vivemos um redimensionamento de suas
biométricas de digitais e íris e nos acessos
estratégias que não respondem apenas a um
eletrônicos cifrados dos ciberespaços. As cida-
problema biopolítico, mas às práticas que in-
des conectadas umas às outras pelo controle
vestem na participação democrática e em uma
sideral do planeta redefinem seus lugares co-
infinidade de programas e projetos destinados
mo campos de concentração a céu aberto, não
aos habitantes da periferia como campo de
mais como exercício de um poder biopolítico
concentração a céu aberto.
As interfaces de um projeto como Prómenino conectam um jovem morador da erma
periferia de uma cidade satélite de São Paulo
a uma empresa multinacional de telecomunicação com sede na Europa. Diante de uma situação como essa não há mais território a ser
ocupado. Não se trata de ligação direta, mas
de uma conexão mediada por quase infinitos
protocolos, que se desdobram em quase infinitas outras conexões que agenciam pessoas,
ONGs, Institutos, pesquisadores, universidades, Estados, governos estaduais, prefeituras,
secretarias, relatórios, questionários, planos,
projetos, e compõem um fluxo inacabado e indeterminado capaz de incluir tudo e mais um
pouco; que visa o planeta e a vida dentro para
fora dele.
Desdobra-se, assim, a pena de reclusão
em modalidades de encarceramentos, elastificando os muros da prisão-prédio para conformação do campo de concentração a céu
aberto. Este se encontra conectado por fluxos
de segurança, prevenção e controles siderais
de controle da população, mas, como indica
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Passetti (2003), um policiamento contínuo da
vida do e no planeta, uma ecopolítica.
Um ponto de partida
contra os novos campos
de concentração
Policiar não é apenas reprimir, conter, interceptar, prender, punir. Policiar é, também,
segundo suas procedências históricas e suas
práticas atuais, cuidar, restaurar, refazer, ordenar, controlar e garantir circulação de pessoas e mercadorias. A emergência da polícia
como uma técnica do poder biopolítico está
ligada à formação das cidades modernas na
Europa. Para que existisse a cidade, a urbe,
criaram-se cuidados com a população dessa
cidade, e também foram descobertos e inventados outros cuidados com o meio onde viviam
os modernos cidadãos. Na medida em que a
população se constituiu como o novo objeto
273
Acácio Augusto
das tecnologias modernas de poder, pelo seu
deslocamento do campo para cidade, foi preciso um investimento em saneamento básico,
controle de natalidade e mortalidade, cuidados com a distribuição e armazenamento de
alimentos, distribuição das moradias e controles sanitários de moradias operárias, enfim,
urbanizar. E urbanizar no sentido técnico de
desenvolvimento desses cuidados com a saúde
da população e no âmbito moral como guia
das condutas dos que vivem na cidade, para
garantir a saúde moral, como bem expressa a
frase: os cidadãos devem agir com urbanidade.
A cidade, para existir, teve que descobrir a polícia, ou, dito de outra maneira, a política das
cidades é a prática de polícia.
Hoje em dia, ocorre que esses controles
vão além dos cuidados com a população e se
desdobram em controles eletrônicos ambientais, participações democráticas em nome da
melhoria do meio; restauram o sentido da polícia como instrumento de urbanização e o ultrapassam ao postular que os cuidados policiais
destinam-se para a vida no meio e que devem
ser exercido por todos. Assim fazem do cidadão não o habitante da cidade, mas o morador
da urbe.
Diante dessa pluralidade quase infinita
de controles eletrônicos, democráticos e policiais que se efetivam no Brasil a partir de projetos que têm como alvo os jovens que cumprem medida socioeducativa em meio aberto,
pergunta-se: qual a pertinência da continuidade da prisão-prédio para jovens na forma de
FEBEM´S, CASA’S, ou similares estaduais? Se
as periferias de São Paulo ou as favelas do Rio
de Janeiro não são a versão tupiniquim dos
guetos negros estadunidenses, como mostra
Wacquant, mas se constituem como campos
274
de concentração a céu aberto, que impacto
catastrófico ou inconsequente – como argumentam os conservadores – pode causar o
fim imediato das internações para jovens no
Brasil?
O fim da internação para jovens no Brasil
é possível hoje. Temos que falar para o nosso
tempo ou continuaremos a dialogar com os
reformadores que perpetuaram e justificaram
a prisão desde seu nascimento, nessa moderada e platônica prática do diálogo e da reforma
que faz os que apreciam essa conduta agirem
como conservadores. É preciso abrir conversações partindo de uma atitude que rompa com
a crença incontestável nas reformas e na política. É preciso coragem tanto na produção de
pesquisas universitárias como em nossa atuação como cidadãos no interior de uma democracia que os institucionalistas, no Brasil, festejam como consolidada.
Não é possível pensarmos hoje, pelo menos no que diz respeito aos jovens pegos em
chamados atos infracionais, em maneiras mais
justas ou mais humanas de internar ou recuperar esses jovens. O que é possível, sim, é experimentar a não internação como um pouco de
ar e de fumaça diante de controles tão sofisticados e sufocantes. As cada vez mais asfixiantes cidades se ocupam da fabricação de leis
e regulamentações que restauram a maneira
como se vive nelas, anunciam novos mesmos
programas, sempre escorados em argumentações emboloradas que interceptam e capturam
a possibilidade de lidar com o espaço de uma
outra maneira. Ao contrário, recorrem sempre
às soluções que em nome da segurança e do
meio ambiente, fazem da vida nas cidades uma
experiência claustrofóbica, sufocante e encarceradora. E se a democracia é, por definição,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Para além da prisão-prédio
o regime político onde é possível a contesta-
representativa e participativa? Se a cidade é
ção dos poderes e onde é dada a possibilida-
o espaço dos cidadãos, como mostraram os
de ao cidadão de interpelar os governantes,
gregos, talvez ela seja um espaço possível para
por que não avançarmos nessa possibilidade?
abrir essa conversação. É preciso um pouco de
Por que não interpelar a própria democracia
possível, senão eu sufoco.
Acácio Augusto
Cientista social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil.
[email protected] ; www.nu-sol.org
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Acácio Augusto
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Texto recebido em 4/nov/2009
Texto aprovado em 2/fev/2010
276
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 263-276, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole
na periferia do capitalismo: paradoxos
e perspectivas de transformação
The democratic management of the metropolis in the periphery
of capitalism: paradoxes and transformation perspectives
Paulo Romano Reschilian
Resumo
Pretende-se analisar de que forma o contexto socioespacial das metrópoles brasileiras constitui-se
em campo de análise, tendo em vista a criação de
mecanismos de gestão e instrumentos urbanísticos
dentro da perspectiva do planejamento urbano
contemporâneo. Aborda-se, para tanto, a dinâmica urbana e espacialização da pobreza como indicativo da ordem territorial na qual a existência de
assentamentos precários tem marcado o processo
de construção social da paisagem urbana e remete
à necessidade de identificar elementos que contribuam para a formulação de uma análise multidimensional do fenômeno, uma vez que se enfatiza
nesse estudo a expressão da urbanização desigual
que traz em si os limites à ação cidadã na contemporaneidade.
Abstract
This paper aims to analyze in what ways the
socio-spatial context of Brazilian metropolises
is considered a field of analysis, in view of the
creation of management mechanisms and urban
planning instruments within the perspective of
contemporaneous city planning. To accomplish
this, the study approaches urban dynamics and
poverty spatialization as an indication of the
territorial organization in which the existence
of precarious settlements has been marking the
social construction process of the urban scenery.
In addition, these settlements reveal the need
to identify the elements that contribute to the
formulation of a multidimensional analysis of
the phenomenon, as this paper emphasizes
the expression of unequal urbanization, which
brings in itself limits to citizenship actions in the
contemporaneous metropolis.
Palavras-chave: metrópole; planejamento urbano; dinâmica socioespacial; inclusão precária; gestão democrática.
Keywords : metropolis; urban planning; sociospatial dynamics; precarious inclusion; democratic
management.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Paulo Romano Reschilian
Planejamento urbano e
perspectivas de transformação
Na medida em que a nação se urbaniza
e se desenvolve na base industrial capitalista,
fundamentalmente a partir da década de 1950
em diante, em que pese a convivência com o
A cidade pode ser considerada o lugar onde
atraso das estruturas do campo, as demandas
a realização da vida em sociedade pode pro-
sociais relacionadas ao consequente processo
mover inúmeras condições que permitam a um
de estruturação das classes médias urbanas e
contingente expressivo de pessoas alcançar
o fortalecimento dos movimentos sociais pas-
qualidade de vida e bem-estar social.
sam a pleitear a revisão, a reforma e até a re-
As perspectivas vislumbradas pelas cida-
volução na forma de se pensar e agir sobre o
des, na história, especialmente após a Revolu-
território, tendo a cidade como palco maior das
ção Industrial, nas quais a ideia de progresso e
reivindicações por melhoria das condições de
a promoção da tecnologia permitiriam uma no-
vida para um maior contingente de pessoas.
va condição humana para a vida em sociedade,
O debate pela reforma urbana iniciado
mostraram-se limitadas diante do fato de que
em 19631 acabou eclipsado pelo regime militar
a riqueza produzida não só foi distribuída de
no período de 1964 até 1985, sendo retoma-
maneira desigual, mas não alcançou no terri-
do no período de redemocratização do país,
tório uma expressão que qualificasse de forma
com destaque para o processo constituinte de
mais equilibrada as possibilidades e oportuni-
1988. Derivado desse processo, os movimentos
dades para a maioria da população.
sociais pela reforma urbana conseguiram apro-
A partir da emergência de problemas so-
var a inserção dos artigos 182 e 183 na Cons-
cioespaciais derivados da lógica de produção
tituição Federal que tratam da Política Urbana
capitalista, o planejamento físico-territorial e o
e que estabelecem a função social da cidade e
urbanismo tornaram-se campos destacados de
da propriedade, bem como institui o usucapião
preocupação das elites políticas e econômicas
urbano, possibilitando a regularização de ex-
na Europa do final do século XIX. As premis-
tensas áreas ocupadas por favelas, vilas, ala-
sas higienistas e sanitaristas ganharam desta-
gados, invasões e loteamentos clandestinos.
que nesse período e tornaram-se as bases de
No entanto, a regulamentação dos ar-
sustentação para os posteriores enunciados
tigos da Constituição só se efetivou em 2001,
funcionalistas do urbanismo moderno nas pri-
com a promulgação da Lei Federal 10257/2001,
meiras décadas do século XX (ver Ribeiro e
denominada Estatuto da Cidade.
Cardoso, 1994).
As diretrizes apontadas pelo Estatuto da
No caso brasileiro, podemos afirmar que
Cidade em seu artigo 2º permitem perceber
a ordem territorial estabelecida com o projeto
que a cidade passa a ser concebida como lugar
de colonização portuguesa e os desdobramen-
onde sejam promovidos a qualidade de vida e
tos do processo histórico da formação social
o alcance da justiça social.
brasileira estiveram associados às ações e ao
O conceito sob o qual se fundamenta a
papel do Estado na produção social do espaço
análise ora em curso deriva da compreensão
(ver Oliveira, 1977).
de que o desenvolvimento que sustenta as
278
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
relações socioculturais no território associa-se
à dimensão socioespacial.
Autores como Ermínia Maricato (1996,
2000, 2001) Raquel Rolnik (1997), Flávio
A promulgação da Lei pode ser conside-
Villaça (1986, 2001), Milton Santos, bem co-
rada o cumprimento de uma etapa do proces-
mo Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1984)
so de discussão em torno da reforma urbana
já realizaram exaustivas análises sobre esse
no Brasil que tem suas origens na década de
processo.
1960, com Fórum de Reforma Urbana promo-
O processo de urbanização no Brasil, que
vido pelo IAB – Instituto dos Arquitetos do
se acelera na década de 1970, revela a com-
Brasil, em 1963, na cidade de Petrópolis, Rio
plexidade dos problemas que passam a cons-
de Janeiro.
tituir o cenário das regiões metropolitanas e
Algumas etapas merecem destaque nes-
aglomerações urbanas. Um indicativo da velo-
se processo de construção de um debate so-
cidade desse processo e da dinâmica socioes-
bre a cidade brasileira até a aprovação da lei
pacial dele resultante se revela no fato de que,
10257:
em 1950, a população urbana totalizava cerca
Projeto de Lei n° 775/83, elaborado pelo
de 18,8 milhões de habitantes representando
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano.
36% do país2 ao passo que em 2006 esse índi-
●
●
Substitutivo de 1986.
ce eleva-se a 81% de um total de 188.298.099
●
Projeto de Lei 181/89.
milhões de habitantes.3
●
Lei nacional nº 10.257/2001 (Projeto de
Instaurados ao longo desse processo,
autoria do Senador Pompeu de Souza (PMDB)
os modelos de planejamento praticados ti-
aprovado no Senado em 1990, cuja tramitação
veram perfil eminentemente técnico e foram
se inicia na Câmara dos Deputados em dezem-
implementados fundamentalmente na esfera
bro de 1990 (projeto 5.788/90) e permanece
do poder público, como setor que concentrava
com a tramitação paralisada entre 1990-1997
recursos disponíveis para investir nessa ativi-
devido à oposição de setores ligados aos pro-
dade, somado ao fato de se crer que não havia
prietários urbanos.
cultura suficiente na sociedade para participar
Além dos marcos legais brevemente relacionados, torna-se importante destacar a
de forma direta das decisões sobre os destinos
da gestão do território.
forma pela qual o processo de urbanização no
Entre os meados da década de 1960 e
Brasil imprimiu à organização do território uma
1970 intensifica-se a hegemonia do Serfau –
marca caracterizada pela expansão periférica,
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e
pela segregação socioespacial e desigualdade
o Cepam – Centro de Estudos e Pesquisas de
socioambiental resultantes das formas de in-
Administração Municipal para as cidades de
clusão precária às quais foram submetidas am-
médio e grande porte do Estado de São Paulo
plas camadas da sociedade, configurando as-
como centros irradiadores de parâmetros de
sentamentos precários desprovidos de padrões
planejamento territorial aplicados em escala
urbanísticos idealizados na esfera do poder
nacional.
público e referenciados nas premissas do planejamento urbano contemporâneo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Tal situação é característica de todo o
pensamento urbanístico, desde socialistas
279
Paulo Romano Reschilian
utópicos (Fourrier, Owen), passando por tec-
precárias, que não conseguem ocupar as me-
nocratas como E. Howard e os modernistas:
lhores partes da cidade.
crença no diagnóstico científico e na técnica
Nesse sentido, duas questões se apresen-
(Plano Diretor) como receita de solução para
tam, correlatas no que tange à distância entre
os “problemas urbanos”.
planejamento e as transformações objetivas no
Isso demonstra a supremacia da razão
território que possibilitaram a configuração de
tecnocrata no planejamento, que para Villaça
um cenário urbano mais igualitário ou ao me-
sempre acabou tendo uma forte carga ideoló-
nos de minimização de contrastes.
gica, e aqui no Brasil marcado pelo domínio do
discurso, pois raramente foi aplicado.
A primeira refere-se ao hiato entre planejamento e gestão, seja pela ausência de pro-
Pode-se afirmar, em linhas gerais, que no
cessos, instrumentos e mecanismos de acom-
Brasil houve duas “linhagens“ de planejamen-
panhamento, monitoramento e avaliação dos
to: uma que se inicia nos planos de embeleza-
resultados que representassem legitimidade
mento, que gera os PDDIs (Planos Diretores de
no corpo social, seja pela ausência de corres-
Desenvolvimento Integrado) e outra, baseada
pondência entre as diretrizes e instrumentos
nos CIAMs (Congressos Internacionais de Ar-
previstos e a alocação de recursos resultantes
quitetura Moderna), que gera Brasília e uma
da formulação e aplicação do orçamento no
série de cidades novas de caráter moderno em
âmbito do município.
seu planejamento.
A segunda refere-se à dificuldade de al-
O resultado, historicamente construído
cançar níveis de desenvolvimento socioespacial
pelas práticas de planejamento, não impedi-
compatíveis com a promoção de justiça social
ram que se consagrasse:
e de qualidade de vida para a maioria dos ha-
●
O contraste entre uma parte qualifica-
bitantes dos municípios brasileiros.
da e uma parte que apresenta vários graus
O quadro resultante da emergência de
de desqualificação, em geral maior do que a
problemas urbanos associados aos modelos
primeira;
de planejamento praticados gerou, entre ou-
A reafirmação de uma estrutura e uma
tros processos, o reforço das desigualdades
forma urbana que reproduzem a desigualdade
promovidas pelo mercado imobiliário; a legi-
socioambiental;
timação das posições privilegiadas do territó-
●
A ameaça às regiões de preservação am-
rio com o estatuto de “regular” e punindo os
biental, devido às ocupações ilegais realizadas
desfavorecidos com o estigma e as dificulda-
de forma precária no território;
des da “ilegalidade”; a elaboração de Planos
●
As dinâmicas do mercado imobiliário co-
Diretores gigantescos, sem relação com a ca-
mo produtoras de desigualdades no preço da
pacidade de investimento do poder público; a
terra;
legitimação indireta de remoções e despejos
●
A ampliação de regiões que apresen-
e o aumento da vulnerabilidade das áreas de
tam fragilidades ambientais que se tornam
preservação ambiental diante das ocupações
a “válvula de escape” das ocupações mais
predatórias.
●
280
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
Ao longo dessas últimas quatro décadas,
se materializa a vida em sociedade e que se
cabe destacar as tentativas de profissionais da
torna a base material para o acesso às possi-
área de planejamento urbano e regional, movi-
bilidades de pertencer de fato à urbanidade e
mentos sociais e pesquisadores em promover
suas conquistas.
debates e propor alternativas aos modelos es-
A tese produzida por Lefebvre (1969) é
tabelecidos e à solução de problemas tais co-
esclarecedora quanto ao papel do espaço, ou
mo já mencionados acima.
seja, do território, como meio que possibilita
Com a regulamentação dos postulados
ao capital se reproduzir e garantir controle so-
do Estatuto da Cidade, tornou-se evidente a
cial a uma minoria da população habitante da
preocupação contida em seus artigos 40 a 43,
cidade. Sensíveis a essa compreensão, setores
que busca estabelecer as diretrizes e exigên-
da intelectualidade brasileira, associados mui-
cias para garantir a participação popular na
tas vezes a setores organizados da sociedade
gestão do território.
civil e movimentos sociais, passaram a empre-
As Resoluções 25 e 34 do então cria-
ender uma jornada na busca da reversão de
do Conselho das Cidades contribuíram para
um quadro de ocupação e gestão do território
reafirmar e normatizar os parâmetros que
que contribui cada vez mais para a segrega-
consagram a participação popular na gestão
ção e espoliação urbanas e formas de inclusão
urbana.
precária.
Pensar da perspectiva da participação
O cenário no qual o princípio da partici-
popular é refletir sobre as possibilidades de
pação popular e a perspectiva de gestão de-
se transferir poder para setores mais amplos
mocrática da cidade se afirmam deriva de um
da sociedade em busca de sua emancipação e
consenso no qual a complexidade das questões
autonomia.
urbanas resultantes da dinâmica socioespacial
Essa possibilidade, no entanto, de trans-
contemporânea requer envolvimento de dife-
formação das relações sociais e promoção de
rentes atores sociais na busca de legitimação
efetivo exercício de cidadania apenas se mate-
de ações visando o alcance de desenvolvimen-
rializarão, segundo Souza (2004), quando fo-
to mais equilibrado.
rem alcançados estágios de desenvolvimento
Torna-se importante ressaltar que, em
socioespacial que puderem ser medidos pelo
que pesem as diretrizes do Estatuto da Cidade
grau de justiça social e níveis de qualidade de
e as resoluções 25 e 34 do Conselho das Cida-
vida que se lograr atingir.
des no que tange à participação popular e à
Mas, por que empregar o conceito
gestão democrática da cidade, há um longo ca-
de desenvolvimento socioespacial e que na
minho a percorrer para o cumprimento de tais
contemporaneidade ampliou-se para desen-
pretensões. As possibilidades ou a efetividade
volvimento sustentável ou socioambiental?
dessas diretrizes poderão se dar na medida em
Socioespacial/ambiental, na medida em que
que se permita aferir na organização do terri-
entendermos, como Souza (ibid., p. 61), ser o
tório a amplificação dos níveis de qualidade de
espaço/ambiente, palco, território, recurso em
vida e de justiça social promovidos nas ações
si, arena, lugar simbólico, identitário no qual
de planejamento.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
281
Paulo Romano Reschilian
Contudo, há uma questão que se coloca
sobre a problemática urbana na sociedade bra-
trabalho assalariado, na urbanização e na
modernização.
sileira e as possibilidades de se estabelecerem
A questão da terra, do trabalho e da
novas formas de gestão do território, alicerça-
renda tornou-se elemento estruturante do pro-
das na elaboração de planos diretores: a auto-
cesso de organização da sociedade brasileira,
nomia dos municípios como entes federativos
especialmente no que se refere à forma de
que concorrem com a União e os Estados na
ocupação, apropriação e controle do território.
gestão e elaboração de políticas que incidem
A aceleração do processo de urbaniza-
sobre o território das cidades.
ção, e a maneira pela qual esse processo ocor-
Especialmente nas regiões metropolita-
reu, ocasionou uma concentração cada vez
nas e de aglomerados urbanos, bem como em
maior de renda e riqueza sob controle da elite
regiões onde há ocorrência ou tendência à co-
nacional, ao passo que produziu níveis de de-
nurbação e questões relativas ao ambiente, ao
sigualdade elevados que se tornaram explicita-
transporte, à distribuição de equipamentos de
dos nas aglomerações urbanas de maior densi-
saúde e educação, aos problemas ambientais
dade populacional e seu entorno. Esse proces-
e recursos naturais, entre outros, será preciso
so de urbanização conteve, em si mesmo, uma
pensar como poderão ser estabelecidas formas
lógica de inclusão precária (Martins, 1997),
de gestão que possam abranger a escala regio-
que tornou possível o processo de acumulação
nal e até nacional.
capitalista na qual a forma de apropriação do
Cabe ressaltar a recente iniciativa de or-
território urbano, quer pelos agentes imobi-
ganização do Seminário Internacional de Pla-
liários com ou sem a participação do Estado,
nejamento Territorial no Brasil, realizado em
quer pela população de baixa renda, tornou-
Brasília de 11 a 13 de novembro de 2008, e
se mecanismo gerador segregação espacial,
que pode apontar para a preocupação de for-
concentração de renda e riqueza para as elites.
mulação de diretrizes de planejamento territo-
Ao mesmo tempo, configurou-se um quadro
rial em escala nacional.
de urbanização periférica crescente, por meio
da qual a inclusão precária se processou como
resultado da tentativa de inserção na esfera
Dinâmica urbana
e espacialização da pobreza:
paradoxos no contexto
do planejamento
produtiva de grande contingente populacional
atraído pelas possibilidades de trabalho e sobrevivência.
Nesse sentido, o papel das cidades se altera e configura, na medida em que a estrutura
produtiva se transforma e a organização social,
que se torna cada vez mais complexa, deman-
As pesquisas sobre as raízes da pobreza no
da um agenciamento do espaço que melhor
Brasil apontam sua origem no passado colo-
pudesse atender aos interesses do capital.
A cidade e a urbanização decorrente
dos processos de transformação da cadeia
nial e na transição para uma sociedade cuja
estrutura produtiva passou a se assentar no
282
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
produtiva – tanto no plano nacional quanto na
Rogers (1995) aponta vários níveis dos
esfera mundial – tornam-se uma base sobre a
quais se pode estar excluído: a) exclusão do
qual se “desenha” a segregação e o controle
mercado de trabalho (desemprego de longo
social por meio da apropriação da renda da
prazo); b) exclusão do trabalho regular (parcial
terra – urbana e rural –, do trabalho e da ri-
e precário); c) exclusão do acesso a moradias
queza produzida.
decentes e a serviços comunitários; d) exclusão
Nesse sentido, a forma de apropriação
do acesso a bens e serviços (inclusive públicos);
e controle do território pelas elites torna-se
e) exclusão dentro do mercado de trabalho (pa-
elemento estrutural para propiciar formas de
ra ele, existe uma “dualização do processo de
inclusão precária nas principais cidades brasi-
trabalho”, ou seja, há empregos ruins, de aces-
leiras, materializadas no espaço na forma de
so relativamente fácil – que além de precários
favelas, mocambos, cortiços e palafitas.
não geram renda suficiente para garantir um
A consequente industrialização e ur-
padrão de vida mínimo – e há empregos bons,
banização brasileira, ao longo do século XX,
mas de difícil acesso, que geram níveis de ren-
afirmam a cidade como lócus da desigualdade
da e de segurança aceitáveis; em geral, a seg-
socioambiental.
mentação acontece em termos de raça, sexo,
Portanto, a percepção desse complexo
nacionalidade); f) exclusão da possibilidade de
quadro requer uma reflexão fundamentada so-
garantir a sobrevivência; g) exclusão do acesso
bre as análises que percebam a multidimensio-
a terra; h) exclusão em relação à segurança em
nalidade da questão.
três dimensões: insegurança física, insegurança
Para tanto, destacam-se as considera-
em relação à sobrevivência (risco de perder a
ções de autores como Dupas (1999), Sposati
possibilidade de garanti-la) e insegurança em
(1996), Véras (1999), Lopes (2001), Martins
relação à proteção contra contingências; i) ex-
(1997), com o objetivo de situar algumas refle-
clusão dos direitos humanos.
xões sobre os conceitos de inclusão precária e/
Percebe-se que o caráter "multidimen-
ou exclusão social para que se possa analisar
sional" a que se refere Rogers pode possibilitar
a relação entre a constituição da pobreza e a
uma compreensão ampliada da questão quan-
ocupação territorial.
do a relacionamos às dinâmicas de ocupação
Inicialmente, o amplo espectro do que se
territorial e suas injunções.
possa compreender por exclusão é trazido por
Já Sposati (1996), trabalha com a ideia
Dupas (1999, p. 20), ao apresentar a visão de
de exclusão como um processo discriminatório
Rogers (1995), na qual,
de abrangência social/coletiva, resultante da
[...] a abordagem da exclusão social é
em sua essência “multidimensional”,
incluindo uma ideia de falta de acesso
não só a bens e serviços, mas também à
segurança, à justiça e à cidadania. Ou seja, relacionam-se a desigualdades econômicas, políticas, culturais e étnicas, entre
outras.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
desigualdade social, econômica e política da
sociedade brasileira.
A leitura do problema apontada por Véras (1999, p. 44) baseia-se na percepção de
Francisco de Oliveira, na qual o sentido mais
profundo da exclusão está ligado ao desejo
dos burgueses brasileiros de mostrar que os
283
Paulo Romano Reschilian
dominados são diferentes, segregando-os,
[...] se caracteriza, basicamente, por criar
uma sociedade dupla, como se fossem
dois mundos que se excluem reciprocamente, embora parecidos na forma: em
ambos podem ser encontradas as mesmas
coisas, aparentemente as mesmas mercadorias, as mesmas ideias individualistas,
a mesma competição. [...] Apesar disso,
o imaginário que cimenta essa ruptura é
um imaginário único, mercantilizado, enganador e manipulável.
nem se preocupando mais em legitimar sua
dominação na clássica fórmula de coerção e
consenso.
Mas deve-se considerar, para a compreensão dessa questão, a análise de Lopes (2001,
p. 147), ao dizer que...
A multidimensionalidade da exclusão social implica considerar que os problemas
centrais da urbe são estruturais e que
suas soluções não se reduzem mais às
propostas “projetivas” (embora elas ainda sejam importantes), se não que devem
ser analisadas na perspectiva interativa
entre os lugares próprios valorizados pelos sujeitos e grupos humanos, em contraste com as redes que hoje consolidamse no mundo, mais visíveis nas cidades
globais que nas megacidades.
No entanto, a questão da exclusão social
abordada pelos autores acima é revista por
Martins (1997), ao questionar a abordagem
da desigualdade que analisa a segregação, a
impossibilidade de ascensão social como resultado de políticas de exclusão.
Entendemos como Martins (ibid., p. 21)
que, ao mencionar as políticas econômicas
atuais, menciona que
São políticas de inclusão das pessoas nos
processos econômicos, na produção e circulação de bens e serviços, estritamente
em termos daquilo que é racionalmente
conveniente e necessário à mais eficiente
(e barata) reprodução do capital. E, também, ao funcionamento da ordem política, em favor dos que dominam.
Analisando a abordagem apresentada
por Martins (ibid.), entendo que a lógica da
inclusão precária evoca a constituição de um
imaginário social sobre a cidade e sobre a condição de cidadania que se associa à valorização do lugar em que se está ou habita.
Nessa medida, os mecanismos de inclusão precária podem gerar crenças que sustentam a condição humana na cultura de miséria
e violência. Cabe perguntar: o que tem caracterizado o território ocupado nas condições de
precariedade e o que contribui para a manutenção da desigualdade socioambiental nas
cidades?
O binômio pobreza-ocupação territorial
constitui-se em elemento definidor de muitas
áreas de concentração populacional periférica,
gerador de uma dinâmica de uso irracional do
solo nas cidades brasileiras, mas cuja racionalidade do mercado afirmou, pois, para Maricato
(1996, p. 58), a população trabalhadora acaba
se instalando nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas
desvalorizadas.
Os efeitos desse processo que suscitou
urbanização acelerada e aumento de pro-
A compreensão de Martins (ibid.,
blemas ambientais urbanos no Brasil fazem
p. 21) sugere a percepção de uma "nova
emergir um cenário denominado por Maricato
desigualdade", que
(ibid., p. 89) como "bombas socioecológicas",
284
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
ou seja, "regiões que reúnem os piores indicadores socioeconômicos e ambientais, que são
resultado da desigualdade e da segregação
espacial".
Dessa forma, a condição humana materializa, no território das cidades, degradação e
agressão ambiental que demarcam uma nova
geografia do espaço urbano, uma vez que, segundo Marcondes (1999, p. 153), os processos
ideológica. As políticas urbanas, ignoradas por praticamente todas as instituições
brasileiras, cobram um papel importante
na ampliação da democracia e da cidadania. Para começar, quando se pretende
desmontar o simulacro para colocar em
seu lugar o real, os urbanistas deveriam
reivindicar a adoção de indicadores sociais e urbanísticos que pudessem constituir parâmetros/antídotos contra a mentira que perpetua a desigualdade.
de reestruturação econômica geraram fenômenos brutais de exclusão social e de marginalização, o que se traduziu numa urbanização
periférica cada vez mais descontínua, evidenciada pela planimetria da área urbanizada.
Outro eixo de investigação pode ser
A expressão da urbanização
desigual: limites à ação
cidadã na contemporaneidade
apontado a partir da análise anterior e que
Villaça (2001, pp. 44-45) enuncia como a relação que estabelece a dominação pelo espaço e a consequente segregação, sugerindo as
questões:
Como a classe dominante brasileira, e
talvez latino-americana, usa o espaço
urbano para fins de dominação e extorsão? Isso vem se dando somente através
da periferia subequipada e do centro
equipado? Sobre questões desse gênero,
paira um silêncio sepulcral nas análises
espaciais. Pretendemos contribuir para
“quebrar” esse silêncio, pois qualquer
análise sobre a dominação – como a que
aqui pretendemos fazer com o espaço
intraurbano – não pode prescindir da investigação da ideologia enquanto instrumento coadjuvante da dominação.
Maricato (2000, p. 168) confirma essa premissa afirmando que
O espaço não é apenas um mero cenário
para as relações sociais, mas uma instância ativa para a dominação econômica ou
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
O denominado processo de favelização, portanto, pode ser percebido como constitutivo
do cenário da manifestação da desigualdade
social por meio da espacialização da pobreza
na dimensão do território urbano.
A contribuição de Souza e Silva (2002,
p. 4) é reveladora quando se trata do entendimento que se faz dessa configuração espacial.
O eixo paradigmático da representação
desse espaço popular é a noção de ausência. A favela é definida pelo que ela
não é ou pelo que não tem. Nesse caso,
é apreendida como um espaço destituído de infraestrutura urbana – água, luz,
esgoto, coleta de lixo; sem arruamento;
globalmente miserável; sem ordem; sem
lei; sem regras; sem moral, enfim, expressão do caos.
Souza e Silva (ibid.) também considera
que a construção das representações sobre a
favela é uma tendência a percebê-la como algo
homogêneo diante do olhar da sociedade.
285
Paulo Romano Reschilian
Para ampliar a análise sobre o fenôme4
que, apesar do domínio do crime organizado
no, a noção de habitus e a práxis social dele
e da violência, tornaram-se assentamentos
decorrente permite identificar estratégias de
permanentes nos quais se identifica uma or-
reprodução (e de sobrevivência) na configura-
ganização social geradora de novas estratégias
ção dos assentamentos precários que se clas-
de inserção, tanto econômica quanto socio-
sificam como favelas, pois, segundo Lagazzi-
cultural.
Rodrigues e Brito (2001, p. 53),
Ao mesmo tempo em que essas habitações, desviantes do ponto de vista do
planejamento urbano, deixam evidente a
exclusão de determinados grupos sociais
dos centros urbanos, elas constituem
condição indispensável para esses grupos
se incluírem na vida urbana da sociedade.
Kowarick (1993) diz que essas habitações
passam, então, a se constituir como “fórmula de sobrevivência” do meio urbano,
já que são a única solução de moradia
para aqueles que não têm como pagar
por um terreno em condições consideradas decentes.
Além disso, é preciso salientar que tanto do ponto de vista da conformação espacial
quanto pela visibilidade no espaço urbano que
as identificam com tal, as favelas não podem
ser entendidas como um universo homogêneo,
seja como tipologia, seja como forma de constituição, seja como desenvolvimento de estratégias de reprodução. Isto porque constitui-se
na história de determinados processos urbanos
como determinantes para a construção do tecido social e urbano e suas transformações podem indicar aspectos de mobilidade no território e de permanência, já que o contexto regional se altera e essas formas de assentamentos
passam a ter diferentes representações para
seus moradores e para a sociedade da cidade
em que as favelas se inserem.
Exemplo dessa condição são algumas favelas localizadas na cidade do Rio de Janeiro,
286
Nesse sentido, amplificam a complexidade das questões que envolvem esse tipo de
assentamento, pois convivem, lado a lado, o
crime e a violência e as tentativas de inserção
social e qualificação desses espaços.
Portanto, a compreensão desse fenômeno deve localizar-se para além das visões estereotipadas, presentes, inclusive, nas concepções intervencionistas institucionais, pois, para
Souza e Silva (2002, p. 9),
Sustentadas nesses tipos de representação, as intervenções institucionais
encaminhadas nas favelas, em sua maioria – tanto do poder público como as acadêmicas –, caracterizaram-se pela ignorância e/ou idealização das estratégias,
criativas, complexas e heterogêneas,
efetivadas pelos atores locais no sentido
de melhorarem sua qualidade de vida.
As intervenções, em geral, desconheceram – ou mitificaram – os mecanismos de
sociabilidade; de circulação na sociedade
formal; de intervenção na vida pública;
de compreensão das relações sociais, nos
seus mais variados níveis e, para não ser
exaustivo, de interpretação das próprias
situações de (sobre)vivência que os moradores foram produzindo historicamente.
Pode-se afirmar que a favela – ainda
que reurbanizada – suscita a permanência ou
manutenção de um habitus que se configura
distante da lógica presente no padrão de urbanidade idealizado. Consagra-se como forma de
reinserção no território, mas não se qualifica
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
como moderno ou contemporâneo, apesar de
apresentar-se como solução social e urbanística, na maioria das vezes.
A pesquisa organizada por Lopes (2001)
pode ser ilustrativa das questões que se tem
o conceito de cidadania, tal confusão
cria tensões crescentes entre segmentos
ou categorias de sujeitos que produzem a urbe, criando também obstáculos
para a definição dos fenômenos que os
conformam.
procurado evidenciar ao longo deste trabalho.
Com o estudo realizado no município de
Ubatuba, litoral norte do estado de São Paulo,
pretendeu-se pesquisar as imagens da pobreza
e sua dimensão no território, bem como identificar suas representações a partir da investigação da população moradora da favela denominada Sertão das Sesmarias.
Ao refletir sobre as imagens produzidas
pela população acerca de si mesma e sobre
sua inserção na cidade Lopes (ibid.) identifica
que a percepção da condição de exclusão é ausente e que a manifestação acerca de seus problemas sociais é difusa. A capacidade de distinguir os problemas cotidianos e de construir
representações sobre o ambiente circundante
associa-se à qualidade do habitat produzido.
A investigação realizada sob esta abordagem revela a possibilidade de identificar elementos constitutivos que compõem a divisão
do território das cidades em que se aplicam,
por um lado, leis e normas urbanísticas e, por
outro, permissividade, abandono, trazendo
como consequência uma expansão periférica
e uma ocupação à margem dos padrões preconizados.
Nesse sentido, a reflexão de Lopes (ibid.,
p. 143) contribui para evidenciar a abordagem
pretendida neste trabalho, na qual a passagem
da condição de urbanita a cidadão,
[...] confunde-se com os ideais de modernidade, por sua associação histórica com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
Nesse sentido, pode-se inferir que a urbanidade torna-se um ideal a ser convertido
em estilo de vida. Tal condição sugere a ocorrência de uma tensão entre o que se denomina
uma pragmática – assentada no princípio da
propriedade privada que se materializou por
meio do trabalho – e uma dogmática que pensa a urbe.
Portanto, embora o ideal de urbanidade
tivesse a pretensão de alcançar a universalidade, ele não se realizou para todos. Para Lopes
(ibid., p. 147)
Como o ideal de urbanidade não se realizou para todos, a cidadania também
não. O resultado evidente disto na cidade
é a pobreza, com suas consequências: a
segregação urbana, a marginalidade, a
favela, a violência, a segmentação, a estratificação na distribuição dos serviços
urbanos.
Dessa forma, a pobreza passa a ser
considerada como contraparte negativa do
processo civilizador da urbanidade e passa a
exigir dos planejadores e do estado intervenções projetivas visando a “higienização” do
espaço urbano. Mas, na maioria das vezes, tais
intervenções desconsideraram o direito à cidade para aqueles considerados como contrapartida negativa do processo de urbanização
moderna.
Portanto, entendemos, como Lopes
(ibid., p. 147), que
287
Paulo Romano Reschilian
A multidimensionalidade da exclusão
social implica considerar que os problemas centrais da urbe são estruturais e
que suas soluções não se reduzem mais
às propostas “projetivas” (embora elas
ainda sejam importantes), se não que
devem ser analisadas na perspectiva interativa entre os lugares próprios valorizados pelos sujeitos e grupos humanos,
em contraste com as redes que hoje se
consolidam no mundo, mais visíveis nas
cidades globais que nas megacidades.
Diante do exposto, Souza e Silva (2002,
Considerações finais
A produção social da paisagem na realidade
histórica brasileira configurou um cenário de
desigualdade socioespacial especialmente nas
regiões metropolitanas brasileiras. A prática
de planejamento urbano no Brasil trouxe, historicamente, a marca, seja da perspectiva do
embelezamento, seja da segregação ou de um
tecnicismo amparado inúmeras vezes pela aparato do Estado.
p. 16) sustentam a necessidade de identificar,
A partir de 1988, com a introdução na
classificar e interpretar as práticas sociais nos
Constituição Federal dos capítulos referentes à
espaços dos favelados para que se possa ir
política urbana e da posterior aprovação, em
além das representações estereotipadas que
2001, do Estatuto da Cidade, e, logo em se-
têm caracterizado os discursos hegemônicos
guida, a criação do Ministério das Cidades em
sobre os espaços populares, identificando-se a
2003, abriram-se novas possibilidades para o
construção de identidades territoriais específi-
alcance da gestão democrática das cidades e,
cas constituídas historicamente.
consequentemente, de ampliar o exercício da
Desse modo, para complementar o cam-
cidadania, tendo em vista a criação de meca-
po de análise das estratégias de reprodução e
nismos de gestão e instrumentos urbanísticos.
conformação dos espaços gerados por assen-
No entanto, a marca histórica da dinâmica ur-
tamentos precários, a incorporação da dimen-
bana e da espacialização da pobreza promo-
são subjetiva faz-se necessária.
tora da existência de assentamentos precários
Essa possibilidade talvez ajude a enten-
tem marcado o processo de construção social
der por que, a despeito de inúmeras ações e
da paisagem urbana. A despeito dos avanços
diretrizes difundidas desde a promulgação do
resultantes da política urbana derivada das
Estatuto da Cidade (2001) e da criação do Mi-
exigências contidas no Estatuto da Cidade e
nistério das Cidades (2003), ainda se observa
das diretrizes e normativas do Ministério das
uma ordem territorial que expressa marcas de
Cidades, o cenário das cidades e regiões me-
desigualdade socioespacial tão contundentes
tropolitanas sofreu poucas transformações
em inúmeros municípios brasileiros, e, predo-
quando se analisa a desigualdade socioespa-
minantemente, nas regiões metropolitanas.
cial e socioambiental existente.
288
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Gestão democrática da metrópole na periferia do capitalismo
A complexidade da análise das questões
co os elementos intersubjetivos que atuam na
que envolvem essa não transformação efetiva
configuração desse cenário e que dela surjam
requer a adoção de um olhar multidimensional
indicativos que possibilitem formas de ação ci-
que traga à luz do debate político e acadêmi-
dadã e participativa na gestão do território.
Paulo Romano Reschilian
Arquiteto urbanista. Universidade do Vale do Paraíba. São José dos Campos, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) O Seminário Nacional pela Reforma Urbana, organizado pelo IAB – Ins tuto dos Arquitetos do
Brasil foi realizado na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1963, já trazia questões rela vas
à desigualdade social relacionados aos problemas urbanos existentes.
(2) Fonte IBGE http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1940_1996.
shtm Acesso em 11 fev. 2009.
(3) Fonte h p://www.portalbrasil.net/brasil_populacao.htm Acesso em 11 fev. 2009.
(4) Conceito extraído de Bourdieu (1996 e 1999) e Or z (1983).
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Texto recebido em 20/jun/2009
Texto aprovado em 15/set/2009
290
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 23, pp. 277-290, jan/jun 2010
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AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição.
Exemplo:
FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de
mestrado. São Paulo, FFLCH.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso.
Exemplo:
FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em 8 set. 2005.
Próxima Chamada de Trabalho
Cadernos Metrópole v. 13, n. 25
Impacto dos Grandes Projetos nas Metrópoles
As metrópoles no Brasil e no mundo têm sido palco de grandes projetos urbanos, envolvendo
a reestruturação das áreas portuárias, a revitalização das áreas centrais, a promoção de eventos
esportivos, entre outros. Em geral, tais intervenções são legitimadas com um discurso fundado nos
benefícios gerados para a cidade e seus cidadãos. Não obstante eventuais positividades, estamos diante
de investimentos de grande escala com grande impactos sobre a dinâmica das cidades. Além disso, os
grandes agentes econômicos aparecem como os principais atores nos processos decisórios em torno
desses investimentos e também como seus principais beneficiários.
O objetivo deste número dos Cadernos Metrópole é reunir artigos que reflitam sobre os impactos
dos grandes projetos na dinâmica urbana das metrópoles, o papel do Estado neste processo, sua
capacidade de gerar efeitos de integração social e de contribuir na universalização do direito à cidade.
Data-limite para postagem dos trabalhos: 10 de agosto de 2010
Cadernos Metrópole
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