Introdução O presente estudo tem como objeto a

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Introdução O presente estudo tem como objeto a
15
Introdução
O presente estudo tem como objeto a Companhia de Aprendizes Marinheiros
instalada na província do Maranhão, e sua política institucional de alistar órfãos,
meninos de famílias pobres e/ou em situação considerada de abandono para
transformá-los em marinheiros, no período entre os anos de 1870 e 1900.
O interesse por essa instituição foi despertado no final do curso de
graduação, no momento da pesquisa para a monografia de conclusão do curso,
quando pesquisávamos nos jornais acerca do controle social exercido sobre a
população pobre no período próximo à abolição da escravatura1. As notícias do
pega-pega de meninos pobres realizado pelo Corpo de Polícia para corrigi-los na
instituição suscitou certa curiosidade. As noções que tínhamos acerca da história
militar, entretanto, eram tão rudimentares que naquela ocasião ficamos sem saber o
que estava em jogo por detrás daquela caçada de crianças.
Anos depois, no mestrado, houve oportunidade para fabricar um sentido2 para
aqueles incidentes e tentar compreender por que a Armada criou este sistema de
alistamento militar infantil. Os estudos sobre história militar, interessados em
construir uma história vista de baixo3 são uma preocupação recente no meio
universitário, mas já apresentam resultados, como podem ser vistos na coletânea
organizada por Hendrik Kraay, Celso Castro e Vitor Izecksohn, intitulada Nova
História Militar Brasileira. Anteriormente, a história militar centrava-se, de maneira
geral, nos debates sobre os estratagemas das campanhas militares4, na narração de
batalhas5 e nas biografias de militares nacionais de alta patente6.
1
FREIRE, Tarantini Pereira. Histeria punitiva: conexões entre aparelhos repressivos do Estado e
discurso jornalístico. Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Maranhão, São
Luís, 2008.
2
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1982.
3
THOMPSON, Edward P. A História vista de baixo In: NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Sergio (orgs.).
E. P. Thompson: as peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. p. 185202.
4
A exemplo de BURTON, Richard Francis. Cartas dos campos de batalha do Paraguai. Tradução de
José Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1997.
5
Como podemos ver, entre outros, nas seguintes obras: CARNEIRO, David. História da Guerra
Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946, DONATO, Hernâni. Dicionário das
Batalhas Brasileiras. São Paulo: Editora Ibrasa, 1987, CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da
campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1980.
6
Ver entre tantos, CARVALHO, Affonso de. Caxias. 3ª ed. Rio de Janeiro, Bibliex Editora, 1991;
MORAES, Eugenio Vilhena de. O Duque de Ferro: novos aspectos da figura de Caxias. Org.
Guilherme Andre de Frota e Luiz Paulo Macedo Carvalho. Rio de Janeiro, Bibliex Editora, 2003.;
16
Até 1960, um dos poucos trabalhos que destoavam da tendência em vigor foi
a História Militar do Brasil7, de Nelson Werneck Sodré. Nesta obra, o general de
orientação marxista, expõe a trajetória dos aparatos militares desde a Colônia,
apresentando aspectos não trabalhados pela historiografia militar tradicional,
principalmente os relativos às estruturas de poder existentes no campo militar. Em
sua obra, porém, os soldados quase não são mencionados, os poucos que estão
presentes na narrativa são militares de alta patente; os subalternos, quando
aparecem, são representados como massa homogênea, desprovidos de trajetórias e
historicidade próprias.
Com os novos estudos, o cotidiano dos soldados rasos, suas relações com
superiores hierárquicos e com a sociedade civil, as resistências ao recrutamento,
suas práticas culturais tornaram-se objetos de estudo de inúmeros pesquisadores. A
influência da história social, e sua inerente interdisciplinaridade, fizeram com que a
intitulada Nova História Militar se detivesse nas questões da ação humana na
história. Os estudos possuem, agora, recortes temporais mais curtos e mais
regionalizados, mas não perdem de vista as questões relativas à política e estruturas
de poder mais amplas.
Segundo os organizadores da coletânea supracitada, a inspiração para essa
nova forma de se escrever a história militar é oriunda daqueles historiadores sociais
que se debruçam sobre as vivências de homens e mulheres comuns retirando-os da
―enorme condescendência da posteridade‖8.
Porém, nessa coletânea apenas dois9, dentre os dezessete artigos, tratam da
Marinha de Guerra, e somente um deles traz uma nota sobre as Companhias de
Aprendizes Marinheiros10. Entretanto, as produções historiográficas sobre os
aprendizes marinheiros foram aumentando e, atualmente, há teses e dissertações
defendidas em vários programas de pós-graduação11, artigos12 e livros publicados13.
7
SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio: Paz e Terra, 1987, p. 13.
9
FONSECA, Paloma Siqueira. A presiganga e as punições da Marinha (1808-1831) e NASCIMENTO,
Álvaro Pereira. Entre o convés e as ruas: vida de marinheiro e trabalho na Marinha de Guerra (1870 –
1910) In: Castro, Celso (org.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2004
10
NASCIMENTO, Álvaro Pereira. 2004. p. 340
11
BARRETO NETO, Raul Coelho. Marujos de primeira viagem: os aprendizes-marinheiros da Bahia
(1910-1945). Dissertação ( Mestrado em História)– Universidade Estadual da Bahia, Salvador. 2009;
SILVA, Velôr Pereira Carpes da. A Escola de Aprendizes Marinheiros e as crianças desvalidas.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2002;
LINS, Mônica Regina Ferreira. Viveiros de “homens do mar”: escolas de aprendizes-marinheiros e as
8
17
Segundo Nobert Elias, no século XVII, o recrutamento de crianças pobres na
Inglaterra
era
uma
prática
corrente,
utilizada
para
guarnecer
navios.
A
arregimentação infantil era orientada pela noção de que apenas pessoas
precocemente socializadas no campo naval dominariam as lides do mar. ―Recrutálos jovens‖ era um conhecido lema da antiga Marinha14.
Os dirigentes da Marinha Imperial Brasileira certamente tinham isso em
mente, pois promoveram desde os anos iniciais do Império o recrutamento de
crianças pobres15. Tal prática cumpria o papel de guarnecer a Armada com mão de
obra mais facilmente adaptável, por meio de uma socialização compulsória de
crianças no campo marítimo militar.
Concomitantemente
às
recomendações
do
ministério
da
Marinha,
incentivando o alistamento de crianças, eram expedidas determinações proibindo o
assentamento de indivíduos comprovadamente criminosos16 e sentenciados, que
habitualmente eram enviados para cumprir pena na Marinha e no Exército17.
experiências formativas na marinha militar do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012; MACHADO, Gisele Terezinha.
Escreveu, não leu, o pau comeu: a Escola de Aprendizes Marinheiros de Santa Catarina (1889-1920).
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis;
SILVA, Wandoberto Francisco da. Guerreiros do Mar: recrutamento e resistência de crianças em
Pernambuco (1857-1870). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Rural de
Pernambuco, Recife. 2013.
12
MARQUES, Vera R. & PANDINI, S. Feios, sujos e malvados: os aprendizes Marinheiros no Paraná
Oitocentista. Campinas: Revista Brasileira de História da Educação. Julho/dezembro, N. 8, 2004;
CASTRO, Cesar Augusto. Navegar é preciso – a Escola de Aprendizes Marinheiros no Maranhão
Império. In: Anais do Congresso Brasileiro de História da Educação. O ensino e a pesquisa em
história da educação – São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe; Aracaju: Universidade
Tiradentes, 2008; MELLO, Saulo Álvaro de.: disciplina, violência, castigos e reações. Revista História
em Reflexão: Vol. 4 n. 7 – UFGD - Dourados jan/jun 2010; SILVA, Rozenilda Maria de Castro. A
Educação no Espaço Militar: uma abordagem. 2002. Disponível em: http://goo.gl/QrHq0w. Acesso:
em 10 mar. 2013; LIMA, Solyane Silveira . 'Um meio de vida decente para os futuros dias': a
Companhia de Aprendizes Marinheiros de Sergipe. In: Congresso Brasileiro de História da Educação,
2013, Cuiabá. VI Congresso Brasileiro de História da Educação. Cuiabá: Editora da UFMT, 2013. v. 1.
13
CASTRO, Reginaldo. Companhia de Aprendizes Marinheiros do Piaui (1874-1915): história de uma
instituição educativa. Teresina: EDUFPI, 2008; AQUINO, Dolores. Escola de Aprendizes Marinheiros
do Ceará: resgate histórico – criação e evolução. Fortaleza: [s.n.], 2000.
14
ELIAS, Norbert. Estudos sobre a gênese da profissão naval: cavalheiros e tarpaulins. Mana 7(1):,
2001, p. 92.
15
BRASIL. Coleção de leis do império. Aviso de 24 de outubro de 1823.
16
Ibid. Decisão de 22 de janeiro de 1823 e Decisão de 28 de julho de 1834.; O Aviso de 21 de
novembro de 1833 ordenava que os Presidentes de Província enviassem as crianças pobres para ―os
Arsenaes e Bordo dos Navios para aprenderem a ler e escrever, officios e marinhagem, ficando com
praça de Grumetes‖ Cf. MATTOS, Raimundo José da Cunha. Repertorio da legislação militar,
actualmente em vigor no Exercito e Armada do Imperio do Brazil, compilado e offerecido a S.M. o
senhor D. Pedro II. Tomo terceiro. p. 41.
17
BEATTIE, Peter M.Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil, 1864-1945. Trad.
Fábio Duarte Joly. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p. 217.
18
Pelos decretos e avisos emitidos, percebemos que, por recomendar o
afastamento de criminosos, os ministros queriam evitar que sujeitos indisciplinados
e/ou avessos à militarização embarcassem nos navios da Armada. Com o
recrutamento de crianças pobres, almejavam formar marinheiros militarizados,
profissionalizados, promover o melhoramento do pessoal de bordo e tentar retirar o
estigma18 que recaía sobre os recrutas, que eram tidos como rudes e
indisciplinados. Mas foi apenas com a instituição das Companhias de Aprendizes
Marinheiros que essas pretensões puderam ser materializadas. Criadas em 1840,
tinham o objetivo de socializar meninos pobres no campo marítimo militar, onde
receberiam instrução militar além do aprendizado das primeiras letras de matemática
básica, noções de cartografia, além de aprenderem a doutrina cristã. Inicialmente,
naquele mesmo ano, apenas uma Companhia foi constituída no Rio de Janeiro, que
funcionou subordinada ao Corpo de Imperiais Marinheiros, repartição da Armada
responsável pelo registro e posterior distribuição de marinheiros para as diversas
províncias do Império. Posteriormente as Companhias foram se expandindo por
outras províncias.
Com essa política de alistamento de crianças pobres, o Império brasileiro teria
seus navios tripulados majoritariamente por jovens que haviam crescido em uma
escola militar, onde foram, em tese, previamente moldados e habituados desde cedo
nas lides marítimas. A política de alistamento infantil da Armada tinha o objetivo de
modernizar as práticas de seleção de novos membros, diminuindo inclusive a
dependência da vergonhosa prática do recrutamento forçado. Com a atuação das
Companhias de Aprendizes, o Império Brasileiro também livrar-se-ia, aos poucos,
dos marujos estrangeiros contratados desde os anos iniciais, sendo possível então
formar uma tropa totalmente nacionalizada.
A historiografia sobre o recrutamento mostra que, desde os tempos
coloniais19, a oposição popular ao serviço militar era grande e permaneceu no
18
O termo estigma será utilizado na perspectiva elaborada por Goffman, que o entende como um
predicativo profundamente depreciativo atribuído a alguém ou a um grupo social específico. Cf.
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro:
LTC Editora, 1988.
19
PEREGALLI, Enrique. Recrutamento militar no Brasil colonial. Campinas: Editora da UNICAMP,
1986; SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização
e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura
da Cidade do Recife, 2001.;NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. ―Esses miseráveis delinquentes‖:
desertores no Grão-Pará setecentista. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik
(Org.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004; NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A
19
Império Brasileiro. Servir no Exército20 ou na Marinha21 não fazia parte das
expectativas da maior parte da população masculina; o baixo número de voluntários
confirma a afirmação. Visando não depender tanto deste verdadeiro ―espantalho da
população‖22, que era o recrutamento militar, foi que a Armada criou as Companhias
de Aprendizes Marinheiros e, com ela, passou a fabricar seus próprios marinheiros.
A pesquisa inicia-se em 1870, período marcado principalmente pelo término
da Guerra do Paraguai, período marcado principalmente pela modernização da
esquadra brasileira e dos equipamentos de bordo e pelos debates acerca da reforma
no recrutamento. O processo de renovação da esquadra culminou no abandono
gradativo dos veleiros, considerados ultrapassados se comparados aos modernos
encouraçados e sua moderna artilharia. O objetivo do trabalho é, portanto, apontar
os paradoxos de um tempo em que os navios e armamentos da Armada Brasileira
eram considerados os melhores entre os então existentes, porém manipulados por
indivíduos sem treinamento e ainda oriundos do ―mundo da desordem‖.
O projeto de nacionalização dos marinheiros obteve sucesso; entretanto,
havia problemas maiores a ser resolvidos pela Marinha, principalmente os relativos à
soldadesca desenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850).
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2009.
20
BEATTIE, Peter. ―The house, the street, and the barracks: reform and honorable masculine social
space in Brazil, 1864-1945‖, in: The Hispanic American Historical Review, vol. 76, n. 3, agosto de
1996; MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: recrutamento militar e construção do Estado no
Brasil Imperial. Tese (Doutorado em Ciência Política), Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro. 1997; KRAAY, Hendrik. Repensando o recrutamento militar no Brasil
imperial. Diálogos, Vol. 3, Nº 1 (1999). Disponível em: http://goo.gl/b1Kh4w. Acesso em: 07 mai.
2013; MENDES, Fábio Faria. Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos
séculos XVIII e XIX. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (orgs.). Nova história
militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004; FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da
ordem: a constituição de aparatos policiais no universo luso-brasileiro (Séculos XVIII e XIX). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2007; BEATTIE, Peter
M.Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil, 1864-1945. Trad. Fábio Duarte Joly.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009; MENDES, Fábio Faria. Recrutamento militar
e construção do Estado no Brasil Imperial. Belo Horizonte: Argumentum, 2010.
21
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do Convés ao Porto: a experiência dos marinheiros e a revolta
de 1910. Departamento de História. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de
Campinas, Campinas. 2002; NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na revolta
dos marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008; SILVA, Rosângela Maria da. De
um Império a Outro: Portugal e Brasil, disciplina, recrutamento e legislação nas Armadas Imperiais
(1790-1883). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2008;
BANDEIRA, Fabiana Martins. Disciplinando homens, fabricando marinheiros: Relações de poder no
enquadramento social da Corte (1870-1888). PPGH/UNIRIO. Rio de Janeiro. 2010; JEHA, Silvana
Cassab. A galera heterogênea: naturalidade, trajetória e cultura dos recrutas e marinheiros da
armada nacional e imperial do Brasil , c. 1822-c. 1854. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia
Universidade Católica - Rio de Janeiro, 2011; ANTUNES, Edna Fernandes. Marinheiros para o Brasil:
o recrutamento para a Marinha de Guerra Imperial (1822-1870). Rio de Janeiro. Dissertação
(Mestrado em História), Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2011.
22
PRADO JÚNIOR. Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 318.
20
alfabetização e profissionalização da tropa. A pesquisa finaliza-se em 1900, quinze
anos depois da reestruturação sofrida pelas Companhias em 1885, que passaram a
ser denominadas de Escolas de Aprendizes Marinheiros. Procuramos cobrir quinze
anos antes e quinze depois dessa reestruturação para buscar indícios de mudanças
e de permanências na legislação e no cotidiano dos aprendizes.
Apesar de a Companhia de Aprendizes Marinheiros do Maranhão ter sido
instituída em 1861, no Arquivo Público do Estado do Maranhão – APEM, só há
ofícios regulares dos comandantes da instituição a partir de 1885, depois da
reestruturação. Apesar das grandes lacunas que essa série documental apresenta,
nesses ofícios foram encontrados indícios do funcionamento e das contradições
existentes na instituição, levando inclusive a direcionamentos importantes e ao
cruzamento com outras séries documentais.
Os ofícios enviados pelo Capitão do Porto à Presidência da província também
foram utilizados, visto que a Companhia de Aprendizes ficava aquartelada no
mesmo edifício e o seu comandante era subordinado daquela autoridade, até o ano
de 1876. Até então, as Companhias tinham, como comandantes, oficiais da Armada
exclusivos para a função. Nesse ano, o ministro Luiz António Pereira Franco propôs,
como medida de contenção de gastos, que as Companhias fossem dirigidas pelos
Capitães de Porto ―sem aumento de vencimentos, como por diversas vezes se tem
praticado, não padecendo o serviço‖23. Isso justifica o trato das questões do
funcionamento da Companhia de Aprendizes ser feito pelo capitão do porto antes
mesmo de este estar acumulando as funções.
Nos livros Minutas da correspondência do presidente da província com
autoridades da Marinha, encontramos indícios de conflitos provocados por policiais,
que, ilegalmente, alistavam muitas crianças, gerando inúmeras reclamações de
familiares e demais protetores que reivindicavam o desligamento deles.
Para
desenvolver
esse
estudo
sobre
a
política
de
alistamento,
profissionalização e militarização de crianças realizada pela Armada, não foi
possível abrir mão de conhecer como se deu o processo de formação da força naval
brasileira. Com base em historiografia específica no primeiro capitulo, buscamos
apresentar como era e como estava aparelhada a primeira esquadra nacional.
23
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1876-2, p. 5.
21
O segundo capítulo tenta fazer uma aproximação do que era ser um
marinheiros na Armada naquele período. Nele serão debatidas as reformas
burocráticas pelas quais passaram suas instituições, mostrar a que código disciplinar
estavam submetidos os marujos, evidenciando principalmente as especificidades
deste, quando comparado aos de outros aparatos militares no mesmo período.
Entender quem eram, e saber como e por que esses marinheiros chegavam à
Armada, é importante para compreender quais problemas a instituição da
Companhia de Aprendizes Marinheiros visava sanar.
É por isso que no terceiro capítulo será feito um debate sobre as políticas de
profissionalização das tropas da Marinha, com a instituição das Companhias de
Aprendizes Marinheiros. O objetivo será discutir a política de modernização das
tropas da Armada, especificamente no que tange ao alistamento de crianças para
fins de militarização. O foco do capítulo é mostrar a consonância desse projeto da
Marinha com outros projetos semelhantes, existentes à época, que visavam formar
um novo perfil de trabalhador, além de resolver problemas de criminalidade,
principalmente a infantil.
No quarto e último capítulo, após termos identificado os problemas e medidas
tomadas
pelos
dirigentes
da
Marinha
para
resolvê-los,
observar-se-á
as
especificidades do funcionamento da Companhia de Aprendizes Marinheiros do
Maranhão. Será feita uma aproximação do cotidiano dos aprendizes maranhenses,
mostrando os instrumentos de disciplinarização presentes nos Regulamentos, as
resistências infantis, os conflitos com os familiares que tiveram seus filhos alistados
em desconformidade com a lei, assim como discutir os limites e as contradições
desse projeto político.
22
1. A construção da Marinha no Brasil Imperial
Os historiadores que se dedicam à história da Marinha do Brasil consideram a
transmigração da Família Real portuguesa para a América como marco de fundação
dessa força militar, pois juntamente com a Corte foi estabelecida uma estrutura
burocrática, civil e militar, e, em 1815, o Brasil assumiu a condição de Reino, unido a
Portugal e Algarves24.
A mudança de status dos domínios portugueses na América e sua
consequente independência política estiveram vinculadas a um conjunto de
mudanças que, desde meados do Setecentos, no processo de decadência das
bases ideológicas das monarquias vigentes, atingiu todo o mundo atlântico de
maneira tormentosa e fecunda25.
A Independência do Brasil, portanto, pode ser caracterizada como um
elemento inserido num processo mais amplo, e cuja consolidação dependia ―da
capacidade do novo Estado imperial de congregar as elites estabelecidas no Brasil e
representar eficazmente os seus interesses no cenário internacional‖26.
Segundo Emilia Viotti da Costa, o Império Brasileiro resultou da intenção das
elites coloniais de constituírem a unidade territorial, ―mas isso não por questões de
nacionalismo e, sim, pela necessidade de manter o território íntegro, a fim de
assegurar a sobrevivência e a consolidação da Independência‖27. Some-se a isso a
urgência das elites em manter a estrutura de produção escravista e, ao mesmo
tempo, preservar a liberdade de comércio aos moldes liberais.
Na Europa, o liberalismo caracterizou-se principalmente por ser uma ideologia
burguesa voltada contra o aparato institucional do Antigo Regime, visando derrubar
24
Não custa lembrar que são poucos os trabalhos produzidos por historiadores acadêmicos sobre a
Marinha de Guerra, isto fez com que os cronistas e historiadores militares tivessem o predomínio da
escrita sobre a temática.Dentre todos, destacamos: MAIA, João do Prado. A Marinha de Guerra do
Brasil na colônia e no Império (tentativa de reconstituição histórica). Rio de Janeiro: José Olympio,
1965; CAMINHA, Herick Marques. História administrativa do Brasil: organização e administração do
ministério da Marinha no Império. Rio de Janeiro: Fundação Centro de Formação do Servidor Público;
Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1986; VIDIGAL, Armando A. Ferreira. A evolução do
pensamento estratégico naval brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985; SIMÕES DE
PAULA, Eurípedes. A Marinha. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (Dir.). História geral da civilização
brasileira: O Brasil monárquico. 5 ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1995, t.2 v.4; GREENHALGH,
Juvenal. O arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na história: 1822-1889. Rio de Janeiro: IBGE, 1965
25
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês, Rio de
Janeiro, Ed. UERJ/Contraponto, 1999.
26
MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (18081912). São Paulo: Editora da UNESP/Moderna, 1997, p. 84.
27
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia a República:momentos decisivos. São Paulo: Brasiliense.
1999, p. 33.
23
os privilégios da nobreza. No Brasil, as ideias liberais foram apropriadas de uma
forma que mantivessem os privilégios das elites, pois estas, apesar de se
empenharem em montar um Estado aos moldes liberais, não estavam, na
apreciação de Emilia Viotti, dispostas a renunciar ao latifúndio ou à propriedade
escrava. A escravidão constituiria o limite do liberalismo no Brasil, o qual
significava apenas liquidação dos laços coloniais. Por isso o movimento de
independência seria menos antimonárquico do que anticolonial, menos
nacionalista do que antimetropolitano. Por isso também a ideia de
separação completa de Portugal só se configurou claramente quando se
revelou impossível manter a dualidade das Coroas e, ao mesmo tempo,
preservar a liberdade de comércio28.
De fato, somente quando uma revolução liberal iniciou-se na cidade do Porto,
em 1820, e as Cortes portuguesas mostraram sua face recolonizadora foi que se
deu o processo de ruptura, garantindo assim os interesses das elites coloniais.
Nos anos iniciais do Império Brasileiro não foi percebido um sentimento de
pertencimento a uma comunidade imaginada29 mais ampla. Depois da emancipação
política do Brasil, as identidades percebidas no período possuíam conotações
bastante regionalizadas, constituindo-se, portanto, em identidades fragmentárias. As
pessoas sentiam-se primeiramente ―paulistas‖, ―pernambucanos‖, ―bahienses‖,
―filhos de Minas‖ ou, ainda, ―patriotas‖30. Mantendo os regionalismos, todas foram
contribuindo, à sua maneira, para a formação de uma identidade nacional.
O Maranhão participou desse processo distinguindo-se do conjunto pela
construção simbólica de uma superioridade espiritual, ao definir-se como Athenas.
Conforme José Henrique Borralho, a invenção da Athenas brasileira foi o recurso
utilizado por essa província para participar do jogo da construção identitária nacional
sem que, necessariamente, a herança de Portugal fosse relegada31.
A Independência política teve um custo elevado e as dificuldades financeiras
foram muitas. Os dirigentes do Império se depararam, para além de outras coisas,
com a premência de fortalecer o Estado e a Marinha brasileira. Precisava-se
28
Ibid.
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
30
JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo Garrido. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o
estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem
incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000, p. 140
31
BORRALHO, José. Henrique de P.A Athenas Equinocial: a fundação de um Maranhão no império
brasileiro. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro. 2009 p.
18.
29
24
naquela conjuntura de soldados comprometidos com a ―causa brasileira‖, o que de
início foi problemático, pois até 1822, tanto os
chefes, como seus oficiais e marinheiros continuaram a ser portugueses,
obedecendo a uma dinastia portuguesa [...].Basta mencionar que os filhos
do Brasil não eram aceitos na Marinhagem da esquadra e só lá um ou
outro, bem apadrinhado, lograva admissão na academia de Marinha32.
Por Decreto Imperial de 5 de dezembro de 182233, foi criada uma comissão
para verificar a conduta e adesão à causa da independência dos militares
portugueses da Marinha, residentes no Brasil naquele momento. Essa comissão,
presidida por Luis da Cunha Moreira, que ocupava o cargo de ministro da Marinha,
através de correspondência aos oficiais portugueses, indagou-lhes sobre a adesão
ou não ao novo Estado Imperial, ofertando aos não aderentes e às suas famílias
facilidade de transporte para Portugal.
Preferiram voltar para a antiga metrópole apenas cinco capitães de mar e
guerra, quatro capitães de fragata, sete capitães tenentes, nove primeiros tenentes,
dois segundos tenentes, oito guardas-marinha e vinte aspirantes34; em contrapartida,
permaneceram ao serviço do Brasil, além dos oficiais generais que estavam no país,
nove capitães de mar e guerra, vinte e um capitães de fragata, dezoito capitães
tenentes, quinze primeiros-tenentes, vinte e oito segundos-tenentes, a companhia de
guardas-marinha e vários lentes da academia35.
A primeira esquadra foi montada com a apreensão dos navios da Armada
portuguesa e a aquisição de outros. Era necessário investir no conserto dos navios
existentes, já que o número de embarcações era diminuto e o estado delas era
precário. Segundo João do Prado Maia, a nau Martins de Freitas era a única em
boas condições, a Príncipe Real estava desarmada e as demais absolutamente
inaproveitáveis36.
O esforço para o fortalecimento da Marinha de Guerra era tamanho que, em
1822, os políticos Gonçalves Ledo e Luiz Pereira da Nóbrega sugeriram a D. Pedro I
que se fizesse um plano de organização da Armada. Para executá-lo, o governo
lançou mão de uma prática muito comum, utilizada desde o governo joanino para
32
MAIA, João do Prado. 1965, p. 52.
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto de 5 de dezembro de 1822.
34
MAIA, João do Prado. 1965, p. 60.
35
O nome de todos estão disponíveis em: SILVA, Theotonio Meirelles da. Apontamentos para a
historia da marinha de guerra brazileira. Rio de Janeiro: Typ. Perseverança, 1881-1883. 1881, p. 47.
36
MAIA, João do Prado. 1965, p. 54.
33
25
socorrer as finanças públicas, a subscrição. Recorreu a comerciantes37, assim como
a outros segmentos da sociedade, e o valor arrecadado, segundo consta nas
despesas do Império, foi de 32:93$000, em 1823. e de 72:126$470, em 182438.
Figura 1: Nau Pedro I (ex- Martins de Freitas)
Fonte: http://goo.gl/P6vgiu. Acesso em: 21 ago 2014.
Em 1823, o Brasil possuía apenas quinze navios de guerra de grande porte,
totalizando 382 peças39; em 1824, com as apreensões e compras foram adquiridos
vinte e seis navios, com 620 peças, e sete outros estavam em construção em
estaleiros brasileiros, ingleses e americanos40.
Somada à preocupante situação do material flutuante, ainda havia a carência
de tripulação para guarnecer os navios e quartéis. Objetivando resolver o grave
37
Emprestar somas ao Império foi uma estratégia muito utilizada pelas elites coloniais para
conseguirem títulos de nobreza, cargos na burocracia, contratos lucrativos, favores de toda ordem,
etc. que interessavam aos negociantes. Ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na Colônia. São
Paulo: Editora UNESP, 2005 e FRAGOSO, João L. Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação
e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1992.
38
CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império do Brazil desde a
sua fundação, precedida de alguns apontamentos acerca da sua Independência. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional. 1889, pp. 98 e 106.
39
No campo militar, o significado do termo peça é ―peça d‘artilharia‖ ou, ainda, ―canhão‖, logo se
depreende que se trata de canhões de artilharia instalados nos navios, responsáveis pelo disparo de
projéteis com alto poder de alcance e destruição no período. Cf. SILVA, A. Moraes. Diccionário da
língua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio
de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (Volume 2: L - Z)., 1755-1824
40
SILVA, Theotonio Meirelles da. 1881. p 104-108
26
problema de pessoal para tripular os navios de guerra, os dirigentes imperiais
apropriaram-se de uma prática utilizada por diversos Estados nacionais para
guarnecer forças militares da terra e mar: o temível recrutamento forçado41.
Em Portugal, no período da expansão ultramarina, não fora muito diferente se
comparado a outros países. O recrutamento da marujada deu-se entre populações
camponesas, que pouco ou nada sabiam sobre as lides do mar. Foi comum também
a Coroa recrutar mendigos, desocupados e sentenciados da Justiça, além de
artífices, que eram escassos nos longínquos domínios portugueses. Charles Boxer
afirma que
os magistrados tinham ordens para sentenciar sumariamente pessoas ainda
à espera de julgamento, sendo culpados de crimes relativamente menores,
como vagabundagem, condenados a deportação para Mazagão [...]. Os que
eram culpados de crimes mais sérios deviam ser deportados para o
Maranhão, para o Brasil e para Cacjeu [...]. Este último local tinha então
falta de ferreiros e de pedreiros e os magistrados deviam deportar para aí
os artífices dessas profissões que pudessem encontrar entre os presos. [...]
algumas semanas antes da partida anual dos navios de carreira, fossem
enviadas circulares oficiais a todos os corregedores de comarca,
lembrando- lhes que deviam capturar e prender criminosos potenciais e
reais, antes de os condenarem à deportação para a Índia. ‗Vossa
Excelência não só prenderá os indivíduos que vivem para o prejuízo e
escândalo do bem comum, mas também aqueles que vivem na ociosidade‘,
sendo todos os que fossem jovens e aptos condenados a servir como
soldados42.
De acordo com Luiz Geraldo Silva, foi a historiografia nacionalista portuguesa
quem construiu a imagem de ser sua esquadra constituída ―de uma plêiade de
bravos marujos, os quais pareciam, desde a formação do Reino no século XIII,
predestinados à execução das lides marítimas‖43. Silenciou, portanto, sobre a
aversão popular à vida marítima.
Charles Boxer assinala, ainda, que o fato de o Reino de Portugal ter sido
pioneiro nas expansões ultramarinas
não significa que os portugueses fossem mais uma raça de marinheiros
aventureiros do que uma raça de camponeses ligados à terra. Há três ou
quatro séculos, a percentagem de indivíduos que saíam para o mar em
barcos procurando a sua subsistência era certamente muito menor em
Portugal do que nas regiões de Biscaia, da Bretanha, da Holanda
Setentrional, da Inglaterra Meridional e de certas zonas do Báltico44.
41
LIJÓ, José Manuel Vázquez. La matrícula de mar y susrepercusiones em la Galícia delsiglo XVIII.
Tese (Doutorado em História). Universidad de Santiago de Compostela, 2005.
42
BOXER, C. R. O império colonial português (1415-1825). Lisboa, Edições 70, 1981. p.347-348.
43
SILVA, Luiz Geraldo. Vicissitudes de um império oceânico: o recrutamento das gentes do mar na
América portuguesa (séculos XVII e XVIII). Revista Navigator. n..5, 2007, p. 34.
44
BOXER, Charles R.1981, p. 35-36.
27
O apego destes à sua terra era tamanho que os poucos voluntários eram ―por
necessidade ou por cupidez, raro por aventura, [partindo] por vezes sem esperança
de regresso‖45. Diogo Azambuja, capitão-mor da Armada Portuguesa encarregado
da construção da fortaleza de São Jorge da Mina, na África, reforça a crítica à
constituição do marujo português, ao defini-lo como:
homens andrajosos e malvestidos, que ficavam satisfeitos com qualquer
coisa recebida em troca das mercadorias que traziam. Era a única razão de
sua vinda àquelas regiões, e seu maior desejo era negociar rapidamente e
voltar para casa, porque preferiam viver no próprio país a viver em terras
estrangeiras46.
Percebemos que depender do voluntarismo dos habitantes era uma coisa
com a qual os dirigentes não podiam contar muito, tanto os da Coroa Portuguesa do
período expansionista, quanto os brasileiros no início do Império. Assim como foi
comum à Coroa Portuguesa utilizar-se de mendigos, presos e pessoas arroladas
sob o epíteto de ―desocupado‖, os dirigentes nos anos iniciais do Império Brasileiro
tiveram que se contentar com os marujos portugueses que estavam disponíveis,
além de precisarem contratar estrangeiros para tripular a frota nacional. Mesmo
assim, uma minoria de ―nacionais‖ e escravos, muitos deles libertos para esse fim,
também tripularam os navios da Armada nos verdes anos do Império47.
Apropriando-se das políticas de recrutamento do Império Português, D. Pedro
I ordenou uma campanha de recrutamento, utilizando-se de sua ―imperial
clemência‖, anistiando diversos criminosos para prestarem serviços ―à sagrada
causa da Independência deste Império, sendo empregados quer como soldados de
artilharia da Marinha do Rio de Janeiro, quer como marinheiros e grumetes a bordo
dos navios da Armada Nacional e Imperial‖48.
Thomas Alexander Cochrane foi quem primeiro comandou a esquadra
brasileira após a Independência política de Portugal. Ocupou o posto de primeiro
almirante da Armada, colocação criada única e exclusivamente para ele, que a
exerceu entre 1823 e 1827, no período em que lutava para submeter as províncias
resistentes ao poder do Rio de Janeiro. O almirante é representado pela
45
LOURENÇO, E. Mitologia da saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.11.
BOXER, Charles. 1981, p. 48.
47
JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 11.
48
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto de 21 de março de 1823.
46
28
historiografia nacional como mercenário, caçador de butim, policial naval, entre
outros termos. O sociólogo Gilberto Freyre parece ser um dos poucos que lhe faz um
relativo elogio, ao defini-lo como ―um aventureiro, no bom e no mau sentido,
correndo riscos, servindo e, ao mesmo tempo, disputando proventos materiais‖49.
Segundo Nélio Galsky, a fama de mercenário e de agente da repressão foi
atribuída a ele e a outros oficiais britânicos que estiveram à frente das investidas da
Marinha brasileira no Maranhão, no Grão-Pará e na repressão à Confederação do
Equador. Esse autor parte do pressuposto de que os oficiais ingleses viram
naquelas regiões uma possibilidade de conseguir várias presas de guerra, devido à
presença de fortes grupos comerciais portugueses, principalmente em São Luís e
Belém, que eram ligadas mais a Portugal do que ao Rio de Janeiro50.
Cochrane veio para a América com parte da sua tripulação embarcada sob o
disfarce de colonos, formada majoritariamente por americanos e ingleses51. Nas
narrativas que ele fez dos serviços prestados ao Império do Brasil, além de uma
minuciosa descrição do material flutuante que encontrou, tece considerações nada
lisonjeiras sobre a tripulação existente nas esquadras. Deixou registrado que se
tratavam de marinheiros
de mui questionável qualidade – compondo-se da pior classe de
portugueses, com quem a porção brasileira da gente mostrava evidente
repugnância a misturar-se. [...] Queixavam-se os capitães das dificuldades
com que tinham a lutar no tocante às tripulações, e particularmente de que
os soldados de marinha eram tão fidalgos que se consideravam degradados
com fazer a limpeza de seus próprios beliches, e tinham pedido e obtido
moços para os servirem! ao mesmo tempo que não podiam ser castigados
por faltas ou crimes se não por seus próprios oficiais!52.
Continua sua narrativa mostrando o quão deteriorados estavam os navios,
armamentos e suprimentos e, notadamente irritado, volta a tecer comentários sobre
a tripulação dizendo que os soldados embarcados não sabiam sequer
49
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Aspectos sobre a vida e a paisagem e a cultura do Brasil. Rio
de Janeiro: Topbooks/ UniverCidade Editora, 2000, p. 70.
50
GALSKY, Nélio. Mercenários ou libertários: as motivações para o engajamento do Almirante
Cochrane e seu grupo nas lutas da Independência do Brasil. Dissertação (Mestrado em História).
2006. Universidade Federal Fluminenese. Rio de Janeiro. p. 55-56.
51
MACHADO, André Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: A crise política do
Antigo Regime Português na província do Grão-Pará (1821-25). Tese (Doutorado em História)
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006, p. 165.
52
COCHRANE, Thomas Alexander. Narrativa de serviços no libertar-se o Brasil da dominação
portuguesa. Brasília: Senado Federal, 2004, p. 41-42.
29
o exercício de peça, nem de armas curtas, nem de espada, e todavia têm
de si tão alta opinião que nem ajudam a lavar o convés, nem mesmo a
limpeza de seus próprios beliches, mas estão sentados a olhar enquanto
estes serviços são feitos pelos marinheiros; desta sorte sendo inúteis como
soldados de marinha são uma carga aos marinheiros, que deviam estar
aprendendo seu ofício no alto dos mastros, em vez de ser convertidos em
varredores e alimpadores de lixo53.
No início dos combates contra a província da Bahia, que resistiu ao domínio
proveniente da Corte do Rio de Janeiro, o Almirante viu suas manobras de guerra
embaraçadas por motins promovidos por portugueses tripulantes de outros navios
do Império, que deveriam acompanhar a nau por ele tripulada, mas ficaram
distantes, numa ação de sabotagem. Na própria nau Capitânia, um grave motim de
portugueses trancou os paióis de munição, aprisionando os transportadores de
cartuchos54.
Após esses acontecimentos, imediatamente Cochrane solicitou a José
Bonifácio, o então Ministro do Interior e dos Negócios Estrangeiros, o envio urgente
de nova tripulação, sem a qual, segundo o almirante, poderia ―o resultado
comprometer os interesses do Império‖. Essa nova tripulação exigida teria que ser
composta de marinheiros ingleses e americanos, com os quais os oficiais ingleses,
justificadamente, teriam melhores condições de comandar, sem a limitação da
língua, e em quem depositariam maior confiança. No bloqueio ao porto de Salvador,
no comando da nau Capitânia, exigiu que toda a tripulação estrangeira fosse
transferida para essa embarcação, com a qual empreendeu o cerco à cidade.
A primeira leva de marinheiros estrangeiros enviada para atender a
solicitação do Almirante foi formada por um grupo de Liverpool, constituído por 125
praças e 6 oficiais. Após três dias, chegou um segundo grupo composto por 171
praças, que posteriormente foram distribuídos pelos navios utilizados nos combates
contra a Bahia. Nos meses seguintes não paravam de chegar novos grupos,
avolumando, assim, a guarnição nacional, com os quais a força naval enfrentou as
juntas governativas opostas à declaração de independência. Em março de 1823, o
engajamento de estrangeiros trouxera 12 oficiais e 250 praças; em abril, 102 praças
e mais 2 oficiais; por fim, mais 148 homens, entre oficiais e praças55.
53
Idem, p. 56.
MELLO, Alexandre e MELLO, Nilva. A Guerra da independência no Mar da Bahia. São Paulo: IHGB,
1974.
55
VALE, Brian. Marinheiros Ingleses na Marinha do Brasil (1822-1850). In: Revista Marítima Brasileira.
Vol.119. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1999, p. 108-110
54
30
Houve, de fato, um grande investimento na contratação de estrangeiros;
porém, a experiência não se mostrou muito proveitosa. Funcionou até certo ponto,
pois assim como os portugueses, os estrangeiros contratados, particularmente os
ingleses,
mostravam-se
pouco
confiáveis,
principalmente
pelas
inúmeras
deserções56. Os gastos com a contratação a prêmio57 de marinheiros estrangeiros
levaram as autoridades a lançar uma verdadeira caçada humana, dando lugar a
recrutamento forçado e ilegal de marinheiros mercantes estrangeiros, fato este
gerador de inúmeros conflitos diplomáticos58.
O engajamento de mercenários ocasionaria desgastes políticos consideráveis
ao imperador. Para saírem de seus países, a fim de prestarem serviço militar no
Brasil, irlandeses e alemães vinham motivados pelas promessas vantajosas feitas
por seus contratadores. O major alemão Jorge Antonio Schaeffer (Georg Anton Von
Schäeffer), representante do Brasil para essa missão, ofertou aos seus compatriotas
―algumas vantagens como viagem paga, subsídio diário de cento e sessenta réis no
primeiro ano e metade no segundo; cavalos, bois, ovelhas, etc., na proporção do
número de pessoas de cada família; concessão imediata de cidadania brasileira,
entre outras concessões‖59.
Utilizando-se do mesmo expediente, o irlandês William Cotter, também a
serviço do império brasileiro, conseguiu recrutar em torno de 2.400 a 2.600
camponeses irlandeses, todos sem treinamento militar algum60. Submetidos a maustratos, à falta de alimentação adequada, aos baixos soldos e aos castigos corporais,
a insatisfação desses marujos estrangeiros ajudou a abalar a já instável política de
D. Pedro I.
Em 1828, um soldado alemão foi condenado a receber 220 chibatadas (ou
pranchadas; há controvérsias nos indícios) a mando do coronel Luiz Dell‘ Hoste,
56
SILVA, Theotonio Meirelles da. 1881, p. 136.
Os marinheiros contratados a prêmio tinha um tempo de serviço reduzido e possuíam maiores
soldos, se comparado aos recrutados. Em 1835, o ministro da Marinha, José Pereira Pinto fez alusão
aos marinheiros ingleses contratados para as lutas de 1824, contras as províncias resistentes à
autoridade do Rio de Janeiro, lembrando que cada marinheiro, pelo contrato de apenas três anos
custava R$ 124$892 ao Império brasileiro. Seus gastos custaram ao erário a quantia de R$
53:828$725. Cf.BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1835, p. 9-10. Esse montante representa
3,4% dos gastos de toda a repartição da Marinha, no ano de 1824. Cf. CARREIRA, Liberato de
Castro. 1889. p. 106.
58
ANTUNES, Edna Fernandes, 2011, p. 50.
59
SILVA, Rosângela Maria da. 2008, p. 62.
60
As estratégias do coronel William Cotter em suas contratações na Irlanda são tratadas por POZO,
Gilmar de Paiva dos Santos. Imigrantes irlandeses no Rio de Janeiro: cotidiano e revolta no primeiro
reinado. Dissertação (Mestrado em História) . Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010, em
especial o capítulo 3.
57
31
mas, antes que o castigo chegasse ao fim, soldados alemães e irlandeses se
rebelaram e o libertaram. Assim, entre os dias 9 e 13 de junho daquele ano, a cidade
do Rio de Janeiro vivenciou momentos de desordens, sendo saqueadas vendas e
pilhados alojamentos de oficiais61. Para dominar o motim, D. Pedro I mobilizou a
tropa nacional contra os batalhões estrangeiros62.
Até a metade do século XIX, a situação era delicada para os dirigentes da
Marinha de Guerra. As formas de provimento de soldados eram todas
problemáticas: no recrutamento forçado havia a aversão popular, pois a prática de
ocupar vagas, com sujeitos que estavam obrigados a servir, dificultava a garantia de
disciplina; os estrangeiros contratados eram custosos e pouco confiáveis; aos
escravos era, em tese, proibido pegar em armas em nome do Estado; caçar nos
portos os marinheiros mercantes de outras nações foi um verdadeiro catalisador de
conflitos diplomáticos e com os voluntários pouco se podia contar. Os dirigentes
sabiam que eram necessários projetos para tornar o serviço na Marinha de Guerra
mais atrativo, pois a experiência nos conflitos em torno da independência mostroulhes o quão impopular era o serviço militar marítimo. Mais adiante serão apontados
alguns elementos que ajudarão a evidenciar tal aversão.
1.1 Soldados para o Império Brasileiro
A partir das interpretações de Hendrik Kraay e Fabio Faria Mendes sobre o
recrutamento, podemos compreender o funcionamento de uma das facetas do
Estado brasileiro e perceber os valores de classe que norteavam os homens
inseridos nesse aparelho do Estado63, arena crucial onde afloraram questões de
justiça distributiva e formação de identidades sociais64. Para esses autores, a
legislação responsável pelo recrutamento foi elaborada em consonância com as
aspirações e interesses dos proprietários de terras e de escravos.
A Constituição de 1824, em seu art. 145, estabelecia que ―todos os brasileiros
são obrigados a pegar em armas para sustentar a independência e integridade do
61
Sobre as consequências ver POZO, Gilmar de Paiva dos Santos. 2010. Capitulo 5.
ARIAS NETO, José Miguel. Em Busca da Cidadania: praças da armada nacional (1867-1910).
Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo. São Paulo. 2001, p. 36.
63
KRAAY, Hendrik. 1999.
64
MENDES, Fábio Faria. Recrutamento militar e construção do Estado no Brasil Imperial. Belo
Horizonte: Argumentum, 2010.
62
32
Império, e defendê-lo dos seus inimigos externos, ou internos65‖. Porém, as
Instruções de 1822, principal norma jurídica norteadora do recrutamento militar
durante o Império, já havia definido que ficavam ―sujeitos ao recrutamento todos os
homens brancos solteiros, e ainda pardos libertos, de idade de 18 a 35 anos‖. O
percentual de recrutáveis, se a lei se restringisse a esse artigo, seria grande. Porém,
era na quantidade de isenções que residia o problema. Nestas Instruções,
isentavam-se de pegar em armas nas tropas de 1ª linha
[...] o homem casado; o irmão de órfãos que tivesse ao seu cargo a
subsistência e educação deles; o filho único de lavrador ou um à sua
escolha, quando houvesse mais de um, cultivando terras próprias, aforadas
ou arrendadas; o filho único de viúvo; o feitor ou administrador de fazenda
de plantação, criação ou olaria, com mais de seis escravos; os tropeiros, os
boiadeiros, os mestres de ofício com loja aberta, pedreiros, carpinteiros,
canteiros e pescadores, oito bolieiros em cada cocheira pública, dois nas
casas particulares com mais de duas seges, um nas casas com até duas
seges, uns que exercitem os seus ofícios efetivamente e tenham bom
comportamento; os marinheiros, grumetes e moços embarcados ou de
comércio de grosso trato e, finalmente, todos os estudantes que
apresentem atestados dos respectivos professores, que certifiquem a sua
aplicação e aproveitamento66.
As Instruções de 1822 liberavam do serviço militar uma série de trabalhadores
de ofícios socialmente reconhecidos, além daqueles que viviam em circunstâncias
específicas (maridos e filhos de amas dos expostos, homens casados, irmãos mais
velhos de órfãos, filhos únicos de viúvas, filhos únicos de lavradores). A lei deixava
claro o intuito do governo em proteger àqueles que eram vistos como essenciais
para a sociedade e a economia.
No entendimento de Fabio Faria Mendes, uma das peculiaridades do aparato
administrativo colonial conservado pelo Império foi a manutenção de práticas
litúrgicas de administração. Estas se caracterizavam pela
provisão de serviços administrativos por quaisquer tipos de serviços
intermediários com seus próprios recursos. Liturgias implicam prestações
administrativas não remuneradas e voluntárias por notáveis locais,
67
conformando uma modalidade de administração honorária .
Dentre as prestações administrativas realizadas a título de liturgia pelos
notáveis locais estava a de operar o recrutamento, ou de fazer o alistamento de
voluntários, raros, porém existentes. Alguns autores chegam até a questionar a
65
BRASIL. Coleção de leis do império. Constituição Política do Império do Brazil.
Ibid. Instrução de 10 de julho de 1822.
67
MENDES, Fábio Faria. 2010, p. 17.
66
33
espontaneidade dos recrutas, julgando que o cognome ―voluntário‖ escondia
escravos que driblavam seus senhores em busca do abrigo da farda68, pobres livres
que queriam servir em aparatos militares mais suportáveis69 e perto de suas
famílias, visto que aos voluntários era dado o direito de escolher o local onde
queriam servir. Autoridades policiais também ameaçavam pequenos delinquentes
presos para se alistarem nas forças armadas, uma forma interessante de esvaziar
prisões.
Os agentes recrutadores eram, basicamente, os notáveis locais que exerciam
cargos de juiz de paz, auxiliados por soldados da Guarda Nacional e inspetores de
quarteirão; além das autoridades policiais. No caso do recrutamento para a Marinha
de Guerra, além destes recrutadores ainda exerciam esse papel os Capitães dos
Portos e os comandantes das estações ou dos navios, que eram militares de
carreira, além de populares que viam na caçada de recrutas uma forma de aumentar
a renda.
O juiz de paz, cargo estabelecido constitucionalmente em 1824 e
regulamentado pela Lei de 15 de outubro de 1827, era um magistrado não
profissional, prestadores de serviços litúrgicos70. Era eleito pelos habitantes da
paróquia para um mandato com duração delimitado por lei. Por ser um cargo eletivo,
sua escolha era controlada pelas elites locais. Possuía as funções de conciliador,
pacificador e guardião da ordem e da tranquilidade pública, reformador social,
protetor do meio ambiente e primeiro elo da cadeia judiciária. Thomas Flory71 o
encontra na Bahia e no Rio, entre 1827-1837, fazendo registros civis de nascimento
e óbito, censos demográficos, estatísticas criminais, listas de aptos a votar, entre
outras atividades que contribuíam para reduzir os ―horizontes de invisibilidade da
68
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Do cativeiro ao mar: escravos na Marinha de Guerra. Estudos
Afro-asiáticos. Nº 38 Rio de Janeiro. 2000. Disponível em: http://goo.gl/KiH0li . Acesso em: 17 de
junho de 2013. e KRAAY, Hendrik, 'O abrigo da farda': o Exército brasileiro e os escravos fugidos,
1800-1888, Afro Ásia, v. 17 1996, p. 27. Disponível em: http://goo.gl/JuWWSL. Acesso em: 17 de
junho de 2013.
69
A gradação dos rigores disciplinares é apontada por: FARIA, Regina Helena Martins de; DUTRA,
Edvaldo Dorneles. Alistamento voluntário para as forças militares. Maranhão, meados do século XIX.
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, Julho 201, p. 8.
70
Apenas os Juízes de Direito recebiam os ordenados, enquanto os Juízes de Paz recebiam apenas
os emolumentos relativos os atos praticados. BRASIL. Coleção de leis do império. Lei de 29 de
novembro de 1832.
71
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado em el Brasil imperial. México: Fundo Del Cultura
Econômica, 1986, p. 105.
34
população‖72. Além disso, conforme Regina Faria, era o juiz de paz o magistrado que
estava mais próximo da população, pois recebia queixas variadas e denúncias sobre
diversos delitos, situação que o deixava numa posição privilegiada para conhecer
uma série de estratégias populares e as qualidades morais da população de sua
freguesia73.
Em 1831, esse juiz eletivo passa a ter a responsabilidade de selecionar os
homens aptos a servirem na Guarda Nacional e os inspetores de quarteirão. Estes
ficavam isentos de servir tanto na Guarda Nacional quanto nas tropas de linha,
ficando numa posição de relativo conforto, levando-se em consideração o que
significava a possibilidade de ser recrutado para o Exército ou Marinha. O juiz de
paz, portanto, era detentor de capitais políticos fundamentais para realizar o
recrutamento em sua freguesia, pois os possíveis recrutas eram por ele indicados.
A Guarda Nacional, por sua vez, foi uma força armada criada em 1831, após
a extinção das Milícias e Ordenanças, existentes desde os tempos coloniais.
Formada por homens livres, prestadores de serviços litúrgicos, era encargo
obrigatório para todos os cidadãos brasileiros entre 21 e 50 anos, desde que
dispusessem de renda para ser eleitores.
Segundo Jeanne Berrance de Castro, dos anos iniciais até o Segundo
Reinado, a Guarda Nacional foi composta pelos estratos populares74 que a
integraram em busca de prestígio social ou de proteção, tendo grande importância
na estabilização da unidade nacional. Posteriormente, após a reforma de 1850, e até
o final do Império, passou por uma aristocratização de sua oficialidade e se
transformou em um recurso político utilizado pelas elites para ameaçar eleitores da
oposição. A autora considera que há um problema pouco discutido na historiografia:
a organização da Guarda Nacional como um instrumento não só de domínio político
de classe, mas de exploração econômica das classes populares pela classe dos
proprietários através do Estado.
Aqueles que assumiam seus encargos na Guarda Nacional o faziam sem
nenhuma remuneração e ainda tinham que comprar o próprio armamento. Eram
poucas as ocasiões, reguladas por lei, em que seus membros recebiam
72
HESPANHA, Antônio Manoel. As Vésperas do Leviathan, apud MENDES, Fábio Faria. Op. cit.
2010, p. 159.
73
FARIA, Regina Helena Martins de. 2007 p. 70.
74
CASTRO, Jeanne Berrance de. A Guarda Nacional. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História
Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1962, t. 2, v.1, p. 281.
35
compensação financeira e armas, o que gerava prejuízos notórios aos guardas
alistados.
Martins Pena (1815-1848), em sua obra ―Juiz de Paz na Roça‖, com a licença
artística que o ofício lhe permitiu, abordou o cotidiano e aspectos sociais, políticos e
econômicos das pequenas localidades do interior no Brasil Imperial. Em uma das
cenas da peça, percebemos a indignação provocada nos familiares pelas constantes
obrigações com que os guardas nacionais se deparavam. A personagem Maria
Rosa, esposa do lavrador e guarda nacional Manoel João, reclama das obrigações
que o cônjuge devia ao Estado. Achava injusto que fosse obrigado ir ―à cidade
somente para levar um preso! [e]. Perder assim um dia de trabalho‖, em vez de estar
cuidando dos próprios negócios na lavoura. A esposa queixava-se de Manuel João
estar todos os dias vestindo a farda. Ora pra levar presos, ora pra dar nos
quilombos... É um nunca acabar‖75.
Pertencer à Guarda Nacional criava certos entraves à vida dos cidadãos que
dela faziam parte, pois, se de um lado proporcionava uma relativa proteção, em
contrapartida podia representar um peso elevado. O simbolismo do vestir a farda
evidenciava a ambivalência da situação que oscilava entre o orgulho de ser da
Guarda Nacional e a exploração realizada pelos mandantes locais, situação que
colocava o sujeito em confronto entre as exigências legais das prestações litúrgicas
a que estava obrigado e as necessidades cotidianas, especialmente aquelas
relativas à produção para sustento da família. Fabio Faria Mendes lembra também
que vestir a farda da Guarda Nacional
confundir-se-ia, pois, com as isenções ao recrutamento, representando o
alistamento na Guarda, uma das estratégias de evasão mais comuns
daqueles que porventura se encontrassem ‗nas circunstâncias das levas‘.
Um dos maiores incentivos à entrada nos quadros da Guarda era oferecido
pela imunização que representava em relação ao recrutamento. A Guarda
Nacional representava, na verdade, uma gigantesca rede de proteção
institucionalizada, indisponibilizando a população para fins militares76.
Tal
proteção
desagradava,
especialmente,
a
alguns
ministros
que
comandavam o Ministério da Guerra. José Saturnino, ministro desta pasta em 1837,
durante uma sessão na Câmara dos Deputados, lembra aos parlamentares que não
se conseguem bons soldados, e em número suficiente, por que ―os homens aptos a
75
PENA, Martins. O juiz de paz na roça. Ministério da Cultura. Cena VI. Disponível em:
http://goo.gl/6PZwo7 . Acesso em: 10 mai. 2013.
76
MENDES, Fábio Faria. 1997. p.196.
36
servir na tropa de linha acham-se alistados na Guarda Nacional, onde pode entrar
todo o que tiver 200 mil-réis de renda, no que estão incluídos todos os cidadãos - o
que resta são homens muito miseráveis, doentes, aleijados e velhos‖77, que
dificilmente se encontravam nas circunstâncias de servir. O ministro culpava
diretamente as Instruções de 1822 e seus excessos de proteção, principalmente a
isenção dos guardas nacionais.
O Corpo de Polícia era uma instituição bastante influente no recrutamento em
todas as províncias, e eram responsáveis por levar muitos homens para as forças
armadas. A população masculina pobre, livre e passível de ser recrutada, via no
corpo de polícia a possibilidade de adentrar no infortúnio da caserna. O policial
representava o poder de punir, de prender e, muitas vezes, de abusar da sociedade.
Por isso, era uma posição muitas vezes mal vista entre os populares. ―A polícia era o
grande terror daquela gente‖78, disse o romancista Aluísio Azevedo.
Segundo Fabiana Bandeira, os confrontos entre morcegos (denominação
dada aos policiais pelas classes populares) e marinheiros na Corte não
representavam nenhuma novidade e animavam a troca de correspondência entre as
autoridades responsáveis pelos respectivos Corpos militares. Esta autora considera
que a maioria das hostilizações de marinheiros aos morcegos pode ser lida como
uma espécie de resposta, um revide, por terem sido esses os responsáveis pelas
agruras que aqueles viviam nos navios e quartéis79.
Álvaro Nascimento lembra também que a captura de desertores era outra
circunstância que devia revoltar muitos marinheiros. Os desertores iam para cidades
do interior ou bairros distantes do centro da cidade, e mesmo assim os morcegos os
seguiam e os capturavam com suas garras80. Tais rivalidades afloravam com muito
mais intensidade nos poucos momentos de licença da marujada, quando ―saíam às
ruas e sentiam a liberdade de não estar presos à disciplina e à hierarquia militar.
Eles invadiam as ruas em busca de prazer, de alegria e do sexo‖
81
, ou seja, eles
faziam, e com muito estardalhaço, tudo o que os policiais tinham que coibir.
77
BRASIL. Diários da Câmara dos Deputados. Sessão de 20 de junho de 1837. p. 294. Disponível
em: http://goo.gl/Qu1nhK. Acesso em: 10 fev. 2013.
78
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 21 ed. São Paulo: Ática, 1990, p. 88.
79
BANDEIRA, Fabiana Martins. 2010, p 157.
80
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A polícia e o porto: marinheiros, imigrantes e os consulados
estrangeiros no Rio de Janeiro (1890-1920). Congresso La policía em perspectiva histórica: Argentina
y Brasil (Del siglo XIX a La actualidad). 2008. Disponível em: http://goo.gl/mwWspR. Acesso em: 3 de
jun. 2013.
81
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2008.
37
A historiografia sobre o recrutamento militar na América portuguesa aponta
que, desde os tempos coloniais82, a oposição popular ao serviço de armas era
grande. Shirley Nogueira, por exemplo, constata que no Grão-Pará setecentista os
não eram obedientes e dóceis. Eles desenvolveram diversas estratégias
para se livrar do serviço militar, visto que era incompatível com a situação
social desses indivíduos, os quais eram na sua maioria pobres e lavradores.
Em outras palavras, os recrutados possuíam pouco ou nenhum escravo,
contando, geralmente, apenas com seus familiares para o trabalho na
lavoura. Além disso, o deslocamento para outras localidades implicava no
rompimento das suas relações familiares (não raro foram os casos de
soldados desertores buscando refazer seus laços familiares)83.
Porém, quando o retorno do soldado desertor para seu local de origem
não era possível, ele também poderia ir atrás de
riquezas na região das Minas Gerais ou na fronteira do Grão-Pará com o
Maranhão, ou [...] simplesmente arribasse para outro lado dos limites do
extremo norte do Brasil com as colônias da França, Espanha, Inglaterra,
Holanda, e desaparecesse. Desde meados do século XVIII que desertores e
escravos fugiam do Pará por Cametá, descendo o Tocantins até Goiás.
Muitos soldados se dirigiam para Goiás em busca de ouro. Nessa área,
havia pouca incidência militar, deixando aquela fronteira aberta84.
O miserável soldo, como lembrara Kalina Silva, também era uma
permanência dos tempos coloniais. Soldados a serviço da Coroa Portuguesa
recebiam parte do pagamento que lhes era devido em gêneros alimentícios de uso
contínuo, as etapi, etapes ou, simplesmente, etape. A autora percebe na intensa
troca de ofícios entre as autoridades do Pernambuco colonial, que a composição
alimentar da soldadesca era composta, basicamente, de bananas e farinha. Os
soldados até que suportavam o atraso dos pagamentos por meses a fio, mas ficar
sem farinha, não! Quando esta faltava, os riscos de motins eram bastante claros85.
Os salários pagos às tropas de 1ª linha, tanto do Exército quanto da Marinha
de Guerra, não eram nada sedutores. João Mauricio Wanderley, que ocupava o
cargo de ministro da Marinha em 1855, em sua prestação de contas anual, lamenta
a falta de voluntários para servir nos navios e quartéis da Armada, e aponta a ―paga
82
PEREGALLI, Enrique, 1986; SILVA, Kalina Vanderlei, 2001; FARIA, Regina Helena Martins de.
2007 e NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. 2004.
83
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. 2009, p. 124.
84
Ibid, p. 125.
85
SILVA, Kalina Vanderlei. 2001, p. 162 e 174.
38
insuficiente comparada com a que oferece a Marinha Mercante‖86, como um dos
principais motivos. E já havia se passado mais de trinta anos da surpresa de
Cochrane diante do valor pago aos marinheiros a serviço da Marinha imperial - que
recebiam somente ―oito mil-réis por mês, enquanto no serviço mercante dezoito milréis era o preço corrente para bons marinheiros‖87 -, o problema das baixas
remunerações ainda permanecia.
Segundo Fabio Faria Mendes, durante o Império foi dominante um modelo de
relações sociais pautadas no clientelismo. Nestas relações, o poder dos notáveis
locais se sobrepunha, em parte, às redes formais de poder, representadas pelo
Estado, havendo um sistema de trocas, cujos principais elementos eram fidelidades,
serviços e mercês88. A problemática capacidade de controle e imposição de
vontades por parte do poder central e, simultaneamente, a dependência destes aos
notáveis locais evidenciavam a limitação dos recursos humanos e materiais
historicamente enfrentados pelo Império brasileiro em face do objetivo que buscava
efetivar: formar um aparato militar forte, disciplinado ou, pelo menos, completo.
Dessa forma, é infrutífera, para dizermos o mínimo, a tentativa de compreender a
lógica do recrutamento militar sem conhecer os valores políticos que orientavam
aquela sociedade.
Richard Graham defende que, no Brasil Imperial, as diretrizes políticoadministrativas eram estabelecidas tendo em vista uma união entre a elite central e
os chefes locais. O governo central apadrinhava os chefes locais e, com isso,
estabelecia-se uma serie de obrigações e benesses mútuas. Esse modelo de
relação política consolidava vínculos entre as esferas pública e privada, uma vez
que o próprio Império brasileiro dependia do uso de recursos privados para o
funcionamento da administração central. A proposição de Graham segue o sentido
de desmistificar a noção de que o Estado Imperial, mesmo tendo optado pela forte
centralização
desde
o
Regresso
Conservador89,
pudesse
controlar,
sem
concessões, os chefes políticos locais mais distantes dos centros de poder e, ao
86
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1855, p.6.
COCHRANE, Thomas Alexander. 2003, p. 41.
88
FARIA, Fábio Mendes. A economia moral do recrutamento militar no império brasileiro. Revista
Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 13, n. 13, out. 1998. Disponível em: http://goo.gl/8Le68R.
Acesso em: 31 jan. 2006.
89
O chamado Regresso Conservador aconteceu entre fins do período regencial e começo do
segundo reinado, quando os conservadores elaboraram medidas que visavam reforçar a autoridade
monárquica e a centralização político-administrativa, para assim evitar agitações semelhantes às
ocorridas no período regencial.
87
39
mesmo tempo, conseguisse responsabilizar-se pelo equilíbrio das forças em luta nos
diferentes espaços ocupados pela sociedade escravista90.
No meio dessas relações de força entre patrões locais e dirigentes imperiais,
a população pobre livre procurava se proteger, inserindo-se em redes clientelares.
Segundo Regina Faria, caso as Instruções de 1822 fossem seguidas à risca, só
cairia na malha recrutadora aqueles homens classificados como vadios e mendigos.
A autora também chama a atenção para a hermenêutica particular dada às normas
imperiais pelas elites locais, que transformaram o recrutamento militar numa arma
contra opositores e desafetos, utilizada nas disputas partidárias e nas desavenças
pessoais91. Peter Beattie também sugere que o tipo de alistamento escolhido serviria
como uma forma rápida e eficiente de limpeza social e manutenção da paz local.
Essa questão será retomada posteriormente; antes, serão analisados os agentes
responsáveis pelo recrutamento.
Conforme Roberto Saba92, caso alguém ousasse desafiar a preponderância
do chefe local e apoiasse outro candidato sofreria sanções, devido à influência
daquele sobre as autoridades que controlavam a mesa paroquial (párocos, juízes de
paz, vereadores); quando não, a violência direta resolvia a questão. O uso do
recrutamento militar como arma política foi utilizado tanto antes, com o intuito de
ameaçar os eleitores e suas famílias, como depois de realizadas as eleições,
momento em que se descobria a cor política dos indivíduos93. Isso ocorria à revelia
da legislação que proibia o recrutamento 60 dias antes e 30 dias depois das
eleições94. A vitória eleitoral sempre dependia do uso das redes clientelares. Assim,
estas se sobrepunham aos esforços de organização da burocracia imperial. Por
esse motivo, segundo Graham, as elites ―gastavam a maior parte de sua energia na
formação de redes de clientelismo, ampliando seu séquito ou encontrando um
protetor poderoso para suas fortunas políticas95‖.
90
GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro. Editora UFRJ,
1997, p. 22.
91
FARIA, Regina Helena Martins de. 2007, p. 113.
92
SABA, Roberto. As ―eleições do cacete‖ e o problema da manipulação eleitoral no Brasil
monárquico. Almanack n.2, nov. 2011. Acesso em: 18 Jun. 2013. Disponível em:
http://goo.gl/N61MR1 .
93
MOURA, Denise. A farda do tendeiro: cotidiano e recrutamento no Império. Revista de Historia
Regional v. 4, n. 1, verão 1999.
94
BRASIL. Coleção de leis do império. Lei 387 de 19 de agosto de 1846. Art. 108.
95
GRAHAM, Richard. 1997. p. 22.
40
O recrutamento era, portanto, um componente das relações clientelares, o
que dificultava a sua realização, porque implicava na ruptura da proteção fornecida
pelos grandes proprietários. Evidenciadas, especialmente, durante a mobilização de
homens para a Guerra do Paraguai, na qual estas relações existentes nas
localidades e a ruptura de muitas delas exibiam os limites de atuação do poder
central, a relativa autonomia das localidades e o poderio de notáveis locais.
Em geral, os recrutáveis eram, basicamente, aqueles indivíduos que se
ocupavam de atividades transitórias, denominados na historiografia brasileira de
―desclassificados‖96, fortalecendo a ideia de que quartéis e navios de guerra não
eram locais apropriados para pessoas honradas, cidadãs, proprietárias e
trabalhadoras97. Para lá deveriam ser enviados os indivíduos que representavam um
ônus social, os considerados improdutivos e que, por isso, seriam os contribuintes
do “tributo de sangue”.
Nas
formulações
elaboradas
pelos
letrados
maranhenses,
estes
representavam as pessoas sem ocupação, como sujeitos inúteis e perigosos. Com a
crise do escravismo, segundo Regina Faria, os pobres livres ganharam maior
visibilidade
e
passaram
a
ser
representados
também
como
onerosos,
transformando-se em um problema a ser resolvido com medidas severas e urgentes.
Dentre estes letrados estava o coronel do Exército Miguel Vieira Ferreira, que
propunha alternativas para quebrar a aversão ao trabalho por meio da inserção
desses sujeitos em instituições profissionalizantes e, quando isso não fosse
possível, recorrer-se-ia à coerção. As leis idealizadas por Ferreira pautavam-se em
três pontos principais:
1º) todo indivíduo acima de uma determinada idade (14 anos, por exemplo)
que não tivesse uma propriedade de certo valor, a qual lhe assegurasse
renda suficiente para uma ―subsistência honesta‖ (sugere 500$000), era
obrigado a trabalho a jornal; 2º) cada indivíduo nessa condição teria um
livrete, no qual deviam ser registrados seus contratos de trabalho,
funcionando como instrumento de controle de quem estava ou não
trabalhando e se estava tendo bom comportamento; 3º) quem não se
adequasse seria recolhido a prisões com trabalho ou assentaria praça no
Exército98.
96
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Martins Ed., 1942.
p. 279
97
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2008, p. 88.
98
FARIA, Regina Helena Martins de. Mundos do trabalho no Maranhão oitocentista: os descaminhos
da liberdade. São Luís: EDUFMA, 2012, p. 236.
41
Tendo ou não sucesso, é o cerne dessa proposta que se assemelha ao teor
das Instruções de 1822. O desejo de transformar em trabalhadores morigerados,
todos os que não se ocupassem em atividades regulares e socialmente
reconhecidas, animava os debates políticos. E a elaboração de propostas, que
constrangessem a população pobre e livre ao trabalho, era feita tanto por civis
quanto por militares. José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco,
por exemplo, quando ocupava o ministério da Guerra, em meados de 1870, afirmara
que
o recrutamento tem salvado da ociosidade e suas perigosas tendências a
muitos indivíduos que, vivendo inutilmente para a sociedade, encontrarão
nas instituições militares pronto corretivo ás suas faltas, e debaixo de
severa vigilância reformarão os seus hábitos, ao passo que receberão
instrução e preparar-se-ão para ser melhores cidadãos99.
Para o ministro, os quartéis seriam um ótimo lugar para aproveitar tais
indivíduos. Mas a ojeriza ao serviço militar era tamanha que os homens pobres
livres resistiam de muitas formas ao recrutamento. O delegado de Itapecuru-Mirim,
na província do Maranhão, explicando-se por não ter enviado recrutas para a capital,
São Luís, diz que assim procedeu ―não por falta de empenho e, sim, por que a
população recrutável prefere viver embrenhada nas matas a assentar praça e ser
cidadãos úteis ao país‖100.
O temor em ser recrutado suscitava a necessidade de desenvolver
estratégias de fuga. Quando não possuíam as isenções a seu favor, nem a proteção
de um grande proprietário local, muitos homens refugiavam-se nas matas. Tal
prática ficou cristalizada na memória popular por meio do ditado ―Deus é grande,
mas o mato ainda maior!‖
101
. Outra referência possível de estratégia é a citada na
peça ―Juiz de paz na Roça‖, na qual o personagem José, quando foi ―preso para
recrutamento‖, fugiu de onde estava encarcerado e casou-se escondido e às
pressas com Aninha, filha do guarda nacional Manoel João, para se livrar do quartel.
O viajante Henry Koster registra o caso de um rapaz, no Recife,
99
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra. 1871-1, p. 4.
MARANHÃO. Secretaria de Polícia (Correspondência). Delegados de Polícia de vários municípios
/ Chefe De Policia da província do Maranhão. Cx. 156, 1843. Delegado de Itapecuru-Mirim, 12 de
janeiro 1843. Setor de avulsos. APEM.
101
TAUNAY, Alfredo d‘Escragnolle. Memórias. Ed. Iluminuras. 2004, p. 181
100
42
levado à presença de um capitão-mor, que lhe propôs a alternativa de casar
com uma moça que ele jamais vira, e que estava aos cuidados da família
privilegiada, ou tornar-se soldado. Ele preferiu essa última proposta. Foi
enviado ao Recife e alistado 102.
As duas passagens são ilustrativas, cada uma à sua maneira, por
representar o reconhecimento das isenções das Instruções de 1822, pois
legalmente, homens casados eram isentados do serviço de armas e,cientes disso,
muitos apressavam ou arrumavam matrimônios. Dentro dos padrões preconizados
pelos grupos dominantes, a vida familiar era vista como indício de morigeração,
disciplina e obediência, atributos essenciais ao bom trabalhador.
Segundo Peter Beattie, os sujeitos que violassem os votos de casamento
feitos ou atentassem contra a virgindade alheia ―arriscavam os liames sociais
básicos e o fundamento do status. Como punição, oficiais frequentemente enviavam
vadios, defloradores e homens que abandonavam suas esposas para servir como
praças no Exército‖
103
ou na Marinha de Guerra. Foi o que aconteceu com
Raimundo da Silva e Pedro Franco. Ambos moradores de Viana, no interior da
província do Maranhão, ultrapassaram as barreiras do comportamento moralmente
aceitável e foram recrutados. Raimundo foi acusado de desabonar a honra de sua
sobrinha de apenas 11 anos, deflorando-a, e Pedro Franco, que era casado,
abandonou a mulher e passava os dias a viver em ―escandaloso concubinato‖104,
segundo o delegado.
O sistema de recrutamento era tolerado por beneficiar ministros ávidos por
recrutas; autoridades policiais que enxergavam nele uma forma de se livrar de
vadios conhecidos e criminosos perigosos; notáveis locais que se utilizaram do seu
poder para proteger sua clientela do serviço militar nas tropas de linha; homens
pobres ―honrados‖ que ficavam contentes ao ver o ―tributo de sangue‖ recair sobre
quem era considerado vadio e desordeiro105.
102
KOSTER, Henry. Viagem ao Nordeste do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1942, p.
299.
103
BEATTIE, Peter. ―The house, the street, and the barracks: reform and honorable masculine social
space in Brazil, 1864-1945‖, The Hispanic American Historical Review, vol. 76, n. 3, ago. 1996, p.
441.
104
MARANHÃO. Secretaria de Polícia (Correspondência). Delegados de Polícia de vários municípios
/ Chefe De Policia Da Província do Maranhão. 1843. Delegado de Viana, 26 de fevereiro de 1843.
Setor de avulsos. APEM.
105
O uso do serviço militar como instrumento de distinção entre os pobres foi mostrado por MEZNAR,
Joan E. 1992. The ranks of the poor: military service and social differentiation in Northeast Brazil,
1830-1875‖. The Hispanic American Historical Review, vol. 72, nº 3.
43
Apesar de ter como objetivo primário guarnecer as forças armadas com
soldados, o recrutamento recebia uma ―tradução local‖ pelos responsáveis por
realizá-lo, para servir de instrumento punitivo, de correção e de controle social. Os
quartéis do Exército e os navios da Marinha eram utilizados como locais de correção
para onde milhares de indivíduos indesejáveis foram enviados. Peter Beattie afirma
que as forças armadas teriam funcionado também como instituições protopenais, em
uma clara prática de longa duração que remonta aos tempos coloniais, quando o
envio de pequenos criminosos e vadios para as instituições militares resolvia alguns
problemas locais, pois serviram como
uma válvula de escape parcial para prisões civis superlotadas ao incorporar
infratores e os ―criminalmente‖ ociosos.[...] O recrutamento forçado diminuía
os custos de julgamento e aliviava pressões pela construção de novas e
caras prisões. Os oficiais locais então deslocavam os custos de controle
social e ―reabilitação‖ para o Estado central106.
O autor acrescenta ainda que, por mais absurdo que seja, comparado com
as condições das prisões, o serviço militar provavelmente oferecia condições
relativamente melhores.
O recrutamento era, portanto, um importante recurso da polícia no controle
social nos núcleos urbanos e nas zonas rurais no século XIX, principalmente em sua
primeira metade. Em lugar de se construir presídios ou abarrotar delegacias de
polícia com presos, era preferível enviar esses homens e até crianças indesejáveis
para as Forças Armadas.
Essa prática foi observada na Bahia, onde mendigos, moleques e vadios
eram constantemente remetidos para as Forças Armadas. De acordo com Walter
Fraga Filho, as autoridades de Salvador muitas vezes não tinham como garantir a
reclusão dos presos que lhes eram enviados das zonas rurais, ficando essa situação
incontrolável em épocas de instabilidade política, crises na lavoura ou de
movimentos sociais diversos. Uma saída sempre lembrada pelas autoridades era
enviar menores para a Companhia de Aprendizes Marinheiros daquela província, e
os maiores para o Exército, ou embarcá-los no primeiro navio da Armada que
ancorasse no porto de Salvador.
Tais procedimentos foram realizados diversas
vezes e, com isso, as autoridades conseguiram ―esvaziar a cidade de um problema
106
BEATTIE, Peter. 2009, p. 217.
44
que se avolumava a cada ano‖, ao mesmo tempo em que confiava na ―disciplina
militar [...] como meio de correção de menores vadios e delinquentes‖107.
Na conjuntura das revoltas regenciais, na primeira metade do século XIX,
muitos rebeldes de províncias em agitação foram enviados como recrutas para
combater em revoltas alhures. Durante, e mesmo depois de terminada a Balaiada,
os agentes envolvidos no conflito, que não foram presos, mortos, anistiados ou
deportados, foram entregues para as Forças Armadas. A prática de desterritorializar
rebeldes e indesejáveis sociais foi bastante elogiada por Antonio de Miranda, então
presidente de província do Maranhão, que assim se manifestou a respeito: ―Não
podeis deixar de reconhecer, que este procedimento do Governo constitui, sem a
menor duvida, um dos recursos indispensáveis à paz do Maranhão, além de
contribuir para o sossego do sul‖108.
Da relação de revoltosos anistiados e deportados para outras províncias
constam personagens conhecidos da historiografia maranhense, tais como:
Raimundo Gomes Vieira Jutahy, considerado o desencadeador da Balaiada ao
invadir a cadeia da Vila da Manga para libertar seu irmão e outros vaqueiros que
estavam presos, em 12 de dezembro de 1838, além de ser ele o emissor de vários
manifestos contra autoridades109; João da Matta Coelho Castelo Branco, outro
partícipe ativo do movimento nos momentos iniciais; e, por último, o índio Graciano
de Souza Gavião. Esse fora descrito como um dos ―rebeldes que maiores atentados
cometeu‖, antes de ser enviado como soldado para o Rio Grande do Sul. Quando
chegou àquela província, o oficial que o recebeu fora alertado de que, na remessa
de novos recrutas, alguns haviam se ―sobressaído por diferentes atrocidades
praticadas‖ no Maranhão110.
Hendrik Kraay111 e Dilton Araújo112 perceberam prática semelhante na Bahia
pós-Sabinada, quando o Governo se utilizou desse recurso para despachar rebeldes
107
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo/
Salvador: Hucitec/ Edufba, 1996, p. 128.
108
MARANHÃO. Presidência da província. Discurso recitado pelo exmº srº doutor João Antonio de
Miranda, presidente da província, na abertura da assembléia legislativa provincial no dia 3 de julho de
1841. Maranhão: Tipografia Monárquica Const., 1841, p. 7.
109
Para verificar vários manifestos e correspondências trocadas entre autoridades e manifestantes
conferir o catálogo organizado especificamente sobre a Balaiada por ARAÚJO, Maria Raimunda.
(Org.). Documentos para a história da Balaiada. São Luís: Edições FUNCMA/APEM, 2001.
110
Ribeiro, José Iran. O fortalecimento do Estado Imperial através do recrutamento militar no contexto
da Guerra dos Farrapos. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 62. 2011 p. 262.
111
KRAAY, Hendrik. 1999. p. 4
45
ou suspeitos de participarem no conflito para outras províncias insurgentes. Desse
modo, em um único ato resolviam-se duas questões: criminosos, indesejáveis e
revoltosos eram retirados de suas regiões, contribuindo para a manutenção da
ordem local, e o Exército e a Marinha ganhavam recrutas para defender fronteiras e
combater revoltas nas províncias em agitação.
Algumas especificidades nas listas de recrutamento chamaram a atenção
pela forma com a qual eram distribuídos os recrutas entre os aparatos militares. O
delegado José Thomás dos Santos, da Comarca de Viana, depois de ter recrutado
12 indivíduos, procedeu a um detalhamento minucioso acerca da procedência
irregular de alguns deles, antes de enviá-los para a Capital, São Luís.
Na lista do delegado constam José Raimundo da Silva, um deflorador
conhecido da localidade, e o português Boas Rodrigues, considerado turbulento e
com passagens pelo banco dos réus da Justiça sob a acusação de assassinato.
Segundo o delegado, depois de ter sido absolvido pelo juiz, Boas ―tem assassinado
as testemunhas e o suplente do delegado que lhe promoveu a culpa‖, provocando
um mal-estar na localidade e, por isso, as pessoas ―reclamarão a retirada deste
facinorozo desta província e principalmente desta comarca‖113. Ambos foram
acusados de provocar desarmonia na localidade, tendo a autoridade policial
sugerido explicitamente que fossem enviados para a Marinha de Guerra.
Segundo as Instruções de 1822, era proibido o recrutamento de estrangeiros
para as Forças Armadas. Estes só poderiam ser aceitos mediante contratos de
engajamento. Porém, muitos eram recrutados em desconformidade com a lei, pois a
decisão de remeter ou não o indivíduo dependia muito dos ânimos políticos, ficando
a decisão atrelada ao sabor das circunstâncias.
João José Amaral, delegado suplente da mesma comarca, pouco tempo
depois teve problemas com Meridiano da Silva Pereira, sujeito apresentado como
desrespeitador e intimidador das autoridades locais, sofrendo ameaças de morte por
parte dele, no momento em que o prendeu para recrutamento. Temendo represálias,
sugeriu ao chefe de polícia da província que esse recruta fosse enviado para a
Marinha ou para o sul do Império114. Caso Meridiano fosse para a Armada,
112
ARAÚJO, Dilton Oliveira de. O Tutu da Bahia: transição conservadora e formação da nação (18381850), Salvador, Edufba, 2009, p. 57
113
MARANHÃO. Secretaria de Polícia (Correspondência). Delegados de Polícia de vários municípios
/ Chefe De Policia Da Província do Maranhão. 1843. Delegado de Vianna, 26 de fevereiro de 1843.
114
Id. Delegado suplente de Vianna, 9 de abril de 1843.
46
ingressaria no Corpo de Imperiais Marinheiros, no Rio de Janeiro, e de lá seria
destacado para qualquer província. Caso fosse enviado para o sul do Império, é
possível que seu destino fosse lutar na Revolução Farroupilha, a serviço do Exército
ou da Marinha. O importante é que, para Viana, ele dificilmente retornaria.
O delegado de Caxias, na mesma época, recorreu à prática semelhante. Ao
enviar as listas de recrutas para o chefe de polícia da província, fez questão de
classificar moralmente aqueles que julgava terem a Marinha como destino mais
apropriado. Esse foi o caso de João Xavier de Brito, que havia deflorado duas
primas legítimas, e de Manoel Izidoro, descrito como ―alferes de rebeldes, ladrão,
elle e seus irmãos conhecidos pretos malvados‖. A uma meia dúzia de recrutas, o
delegado disse ―serem vadios e que por isso não deviam voltar‖. Os demais foram
catalogados simplesmente como vadios, tendo sido repartidos entre o Exército e o
Corpo de Polícia115.
A utilização de critérios não formais, na identificação dos indivíduos e na
sugestão do envio para um ou outro aparato militar, evidencia uma diferenciação
acerca da periculosidade que lhes era atribuída. Os considerados, por aquelas
autoridades policiais como de pouco potencial danoso – os classificados
simplesmente como vadios e/ou sem ofício - eram endereçados ao Exército ou ao
Corpo de Polícia. Porém, as longas justificativas para determinados indivíduos e a
sugestão de serem mandados para a Marinha em detrimento de outros aparatos
militares, sugere que essa força armada fosse um local com disciplina implacável,
jornadas de trabalho estafantes, sendo considerada, dentre todas as instituições
militares, a menos desejável entre os soldados. Mesmo em 1851, quando foi
ordenada a separação entre os recrutas do Exército e os da Marinha, não havia uma
justificativa para tal seleção, não sendo explicitados os critérios a serem
utilizados116.
115
Id. Delegado de Caxias, 12 de janeiro de 1843.
BRASIL. Ministério do Exército. Coleção de leis do império. Aviso de 10 de outubro de 1851. In:
AMARAL, Antonio José do. Indicador da legislação militar em vigor no Exercito do Império do Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro : Typ. Nacional. 1872, p. 39.
116
47
2. Ser marinheiro no Brasil oitocentista
A compreensão de que a população masculina brasileira tinha uma aversão
ao serviço militar é uma unanimidade na historiografia; porém, havia algumas
distinções entre as forças da terra e do mar que merecem atenção. Segundo Jorge
Prata Sousa, as péssimas condições dos serviços navais sempre dificultaram o
preenchimento dos quadros da Armada. Desde o início do Império, fatores como o
afastamento da família, o longo tempo de serviço, os baixos soldos, a insalubridade
a bordo, o rigor das leis, as chibatadas, os ferros nos pés, a golinha no pescoço, as
intempéries climáticas, tudo isso formava um quadro desumano que fazia da
Marinha um purgatório117.
A maior parte dos indícios que permitem aos pesquisadores escrever sobre
as Forças Armadas são frutos da atividade administrativa do aparelho do Estado, da
imprensa e, muito raramente, de testemunhos diretos dos marinheiros. Os marujos
nacionais eram em sua maioria analfabetos, o que dificultava o testemunho direto.
Porém, entre os estrangeiros contratados, a situação era um pouco diferente.
Silvana Jeha recorda que a
maior incidência de pessoas alfabetizadas entre os protestantes gerou
dezenas de livros de memórias de marinheiros publicados no século XIX e
um sem-número de diários, dos quais uma quantidade razoável foi
guardada nos arquivos norte-americanos e britânicos.(...) No Livro de
Socorros da fragata Imperatriz, mais anglófonos e germanófolos assinam os
respectivos nomes nos diversos recebimentos do que os seus colegas
portugueses e brasileiros. Em 1852, o cirurgião da corveta Imperial
Marinheiro, Emydio José Barbosa, relatou que os ingleses, os franceses e
outros estrangeiros sempre liam um livreto no seu tempo de lazer. Segundo
Barbosa, dentre uma centena de nacionais não se contava mais de seis
alfabetizados. Ele criticava abertamente a Marinha, pois boa parte dos
imperiais marinheiros frequentara a escola de aprendizes, onde deveriam
ter sido alfabetizados118.
John Ross Browne foi um, dentre os vários marujos norte-americanos
engajados na Armada, que menosprezava os marinheiros locais e descrevia-os em
seu livro de memórias de maneira degradante; também acusava-os de não respeitar
os dias santos e nem saber da existência de um ser supremo. Quando perguntou a
Enos, ―o mais inteligente deles‖, se já havia lido um livro chamado Bíblia, este
117
SOUZA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte. Os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. 2
ed. Rio de Janeiro: MAUAD: ADESA, 1996, p. 73.
118
JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 99.
48
respondeu que não a conhecia e que muito menos sabia ler119. Outro norteamericano, Jacob Hazen, contratado pelo Império Brasileiro para lutar na Sabinada
(1837-1838), na Bahia, deixou registrada a sua percepção sobre o que era estar
embarcado em um navio de guerra brasileiro, na primeira metade do século XIX.
Lamentando-se bastante, diz que
Every thing about the ship wore a disagreeable look; the men were black
and sullen: the rations looked more like a mess prepared for a herd of swine
than for seamen; and even the commandant, with his black, hairy visage,
and broad licentious grin, bore a nearer resemblance to an epauletted
OurangOutang, than to a naval officer120.
Mesmo que se trate de um olhar orientado por visões de mundo específicas
de estrangeiros, nas quais elementos ideológicos, heranças culturais e preconceitos
étnicos se explicitem, os relatos deixam indícios dos não-ditos da documentação
oficial, acerca de elementos do cotidiano da Marinha de Guerra.
Segundo Arias Neto, as condições insalubres e a má alimentação eram
responsáveis por uma verdadeira hecatombe dentro dos navios e nos quartéis da
Marinha, que mantiveram as baixas por mortes em níveis geralmente altos, durante
todo o período monárquico121.
A travessia do local de origem até o destino também era mortal para
muitos. Dados assustadores dessas travessias ficaram registrados e um deles
ocorreu na cidade de São Luís. Segundo Juvenal Greenhalgh122, em 1827, dos 209
indivíduos recrutados no Piauí e enviados para São Luís, apenas 112 chegaram com
vida e 27 morreram um pouco depois do desembarque. O porão infecto que os
alojava, a alimentação estragada e o beribéri foram os ingredientes da fórmula
mortal. Um ano antes, o deputado geral Custódio Dias proferiu diatribes durante uma
sessão, depois de tomar conhecimento do fatal resultado de um recrutamento feito
119
BROWNE, John Ross. Etchings of a whaling cruise. New York, Harpers & Brothers Publishers,
1846, p. 43-44. Apud JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 100.
120
HAZEN, Jacob. Five years before the mast or Life in the forecastle, aboard of a whaler and man-ofwar.p. 154.Tradução livre: ―Tudo neste navio possui aparência desagradável; os homens eram pretos
e sombrios: as rações pareciam preparadas para um rebanho de porcos, não para um marinheiro; e
até o comandante com sua barba peluda e largo sorriso, mais parecia um orangotango do que um
oficial de Marinha‖.
121
ARIAS NETO, José Miguel. 2001. p.107, 152
122
GREENHALGH, Juvenal. 1965, p. 189.
49
no Ceará, que ceifou 66 dos 230 recrutados que haviam sido embarcados em uma
―tumba funeral‖123.
Muitos recrutas não conseguiam sequer chegar ao local em que iriam servir.
Beattie afirma que o transporte dos recrutas, ―embora não fosse tão horrendo quanto
a travessia do Atlântico, exibe certos paralelos com o tráfico de escravos‖124.
O longo tempo de serviço também não atraía a população masculina a
adentrar na Marinha de Guerra. Ser marinheiro era uma experiência duradoura. De
acordo com o primeiro regulamento do Corpo de Imperiais Marinheiros, de 1845, era
de 12 anos o tempo de serviço para os recrutados, 9 anos para os voluntários e 15
anos para os provenientes das Companhias de Aprendizes Marinheiros. O
estabelecimento de tempos diferenciados pela forma de ingresso foi uma forma que
o Estado Imperial encontrou para incentivar o voluntariado, pois quem se engajasse
por vontade própria teria um menor tempo de obrigação, além de prêmios. O tempo
de 12 anos para os recrutados compulsoriamente era uma punição clara pela falta
de voluntarismo.
O tempo mais elevado para os egressos das Companhias de Aprendizes
Marinheiros justifica-se pelo fato de serem estes, em tese, mais aptos ao serviço de
bordo e também para ressarcir o Governo Imperial dos investimentos feitos com
formação educacional e profissional que lhes foram dispensados.
Esse tempo, que já era longo, ainda sofreu uma tentativa de aumento para 20
anos pelo Decreto de 24 de outubro de 1854. Porém, reclamações formais foram
feitas ao imperador D. Pedro II e ao Poder Legislativo, que acabaram sendo
acatadas, retornando assim ao tempo de serviço do Regulamento de 1845125.
Segundo Nascimento, o tempo de serviço não era fixo. A trajetória de vida de
cada marinheiro é que determinava a sua permanência de mais ou menos tempo.
Caso o marinheiro fosse acusado de indisciplina, o seu tempo de serviço poderia se
estender por mais anos que o mínimo exigido. Em 1854 foi estabelecido que haveria
para os crimes de terceira ou mais deserções, além das penas já consignadas, a
perda do tempo de serviço anterior126, ou seja, criava-se mais uma forma de prender
o indivíduo ao serviço militar.
123
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 05 de agosto de 1826, p. 11. Disponível em:
http://goo.gl/XGj2fi. Acesso em: 26 jun. 2013.
124
BEATTIE, Peter. 2009 p. 44.
125
ARIAS NETO, José Miguel. 2001, p. 86-108.
126
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto n. 1.591 de 14 de abril 1855. Art. 24.
50
Para a concessão de prêmios e promoções, o comandante analisava o Livro
de Socorros, pois nele se registrava toda a vida do marinheiro, desde o ingresso até
o dia do pedido de baixa do serviço. Se o marinheiro tivesse boa conduta poderia
pleitear uma promoção; no entanto, em alguns casos, o comandante poderia
manipular as listas de promoções.
Vestir a farda da Marinha de Guerra implicava necessariamente ter de
conviver com adversidades de todos os tipos. Ser marinheiro, segundo Álvaro
Nascimento
era aprender a conviver com indivíduos de regiões, cores, idades, opção
sexual e condição das mais diversas, entre os quais poderiam ser criados
laços de solidariedade e níveis de intolerância e de conflitos complexos e
variados. (...) Havia, enfim, intensa e fervilhante diversidade humana
reunida nos postos mais baixos da hierarquia militar. Tudo isso poderia
fermentar e se tornar extremamente perigoso, obrigando o indivíduo a
enfrentar comportamentos desconhecidos por ele até então127.
Além do convívio com estranhos em um local distante, ser soldado significava
ter sido objeto da caçada humana do período, ter sido acorrentado, geralmente por
meses, arrastado por vilas, ficado preso em um depósito de recrutas, viajado no
porão de um navio de guerra e, por fim, ficar sujeitado a um rigoroso código
disciplinar que previa castigos físicos e privações de toda ordem. Ou seja, esses
recrutas eram inseridos em um ambiente cultural onde os apelos à virtude cívica e à
honra militar faziam pouco sentido128.
2.1 “Hei de ensiná-los: ou aprendem ou racho-os!”
A existência de castigos físicos também tornava a vida militar pouco
convidativa. A possibilidade de violação da integridade corpórea assustava os
homens do período, pois entendiam que tal procedimento só era legitimo aos
escravos. Cândido da Fonseca Galvão, o D. Obá II, foi um dos ingressantes dos
denominados Voluntários da Pátria na guerra contra o Paraguai, e apontava os
suplícios como um dos principais motivos para a aversão popular, situação que, nas
palavras de seu biógrafo, deveria causar ―consternação entre libertos e homens
127
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002, p. 96.
MENDES, Fabio Faria. 2010. p. 44
128
51
livres de cor, ao reencontrarem tal punição nas regras disciplinares das Forças
Armadas em que haviam se alistado‖129.
Boa parte da legislação norteadora da Marinha sofreu alterações durante o
Império, criando novas instituições, reduzindo e criando distinções no tempo de
serviço dos marinheiros, determinando critérios de ascensão dos militares, dentre
outros assuntos. Mas a parte pertinente à disciplina manteve-se intocável. A Armada
era ordenada disciplinarmente pelo Regimento Provisional130 e pelos Artigos de
Guerra da Armada Real Portuguesa131. Elaborado em 1796, esse Regimento
Provisional regulava o serviço e a disciplina a bordo dos navios de guerra
portugueses e, em 1799, depois de feitas as devidas adaptações, foram-lhe
acrescidos os chamados Artigos de Guerra, que haviam sido criados para o
Exército.
Em 1808, tais códigos disciplinares foram introduzidos na América
Portuguesa com a transmigração da Família Real e, em 1822, com a Independência,
suas determinações foram mantidas. O Regimento Provisional foi criado para regular
todo o serviço de bordo. Perpassavam em seus artigos normas de limpeza, higiene,
organização cotidiana do trabalho, alimentação, entre outras. A ênfase recaía
majoritariamente sobre a manutenção da ordem dentro das embarcações.
Os Artigos de Guerra, por sua vez, davam aos comandantes das
embarcações um forte instrumento gerador de medo e disciplina na tripulação, a ser
utilizado,
principalmente,
contra
aqueles
que
demonstrassem
qualquer
comportamento desviante. Entretanto, crimes ―de guerra, ferimentos, homicídios, alta
insubordinação e deserções, por serem entendidos como delitos mais graves,
deveriam ser julgados por um Conselho de Guerra‖132. Estavam previstos trabalhos
forçados e até pena de morte para casos mais graves. Mas eram os castigos
corporais, em particular as chibatadas, que, de forma geral, realizavam a
manutenção da ordem e intimidavam a marujada.
A experiência do recrutamento, aliada aos duros códigos disciplinares,
mostraram que guarnecer navios de guerra e quartéis com pessoas que estavam ali
129
SILVA, Eduardo. Dom Oba II D’África, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 147.
130
BRASIL. Coleção de leis do império. Regimento Provisional para o serviço e disciplina das
esquadras e navios da Armada Real que por ordem de Sua Majestade deve servir de regulamento
aos comandantes das esquadras e navios da mesma senhora. Lisboa: Galhardo e Irmãos, 1841.
131
Ibid. Artigos De Guerra. Lisboa: Galhardo e Irmãos, 1841.
132
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada
Imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001, p. 33.
52
a contragosto acabava por dificultar a manutenção da disciplina. Houve tentativas de
minimizar a violência sistêmica na Marinha por meio de um projeto de lei elaborado
na Câmara dos Deputados e enviado à Comissão de Marinha e Guerra do Senado,
que visava retirar o castigo corporal somente dos voluntários, substituindo-os por
punições mais condizentes com as formas modernas de punição, como desconto de
soldo, rebaixamento de posto, prisão simples, entre outros. Mas a Comissão foi
contrária à proposição, afirmando ser o projeto um verdadeiro atentado à
Constituição, pois feria o direito de igualdade ao promover distinções entre
recrutados e alistados133.
2.2 Os limites do aleatório na Lei do Sorteio Militar
Vimos que o Poder Legislativo, a literatura e a imprensa do período imperial
foram palcos de debates travados pelos contemporâneos ao recrutamento militar no
Império Brasileiro. A historiografia trata-o como imprevisível, errático, distribuidor de
encargos militares pesados, controlado por autoridades que manipulavam critérios
de isenção134; arma eleitoral135; transporte penal136, de rebeldes137, maridos infiéis,
filhos ingratos; incentivador para trabalhadores pouco diligentes138; moralizador
social, dentre outras classificações. Tratava-se, portanto, de um recurso poderoso e
seus controladores, como bem mostra a historiografia, utilizaram-no para fins
diversos.
Em 1874, foi aprovada a Lei do Sorteio Militar139, que visava substituir o
recrutamento por um sorteio, que seria responsável por preencher as cotas
anualmente estabelecidas pelos Ministérios da Guerra e Marinha. A junta
133
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em revolta: recrutamento e disciplina na Marinha
de Guerra (1880 - 1910). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Campinas,
Campinas 1997.
134
MENDES, Fábio Faria. 2004.
135
FARIA, Regina Helena Martins de. 2007, p.113.
136
Segundo Peter Beattie, o recrutamento militar no Brasil fez surgir um sistema responsável pelo
transporte de parcela dos homens considerados perigosos de uma província para outra, normalmente
carente de soldados. O autor mostra que esse trânsito se dava no sentido norte-sul, num fluxo
parecido ao dos escravos pós-extinção do tráfico internacional. BEATTIE. Peter. 2009.
137
RIBEIRO, José Iran. Op. Cit. 2011; ARAÚJO, Dilton Oliveira de. Op. Cit, 2009, KRAAY, Hendrik.
1999.
138
MEZNAR, Joan E. 1992.
139
BRASIL. Coleção de leis do império. Lei nº 2.556, 26 de Setembro de 1874. A lei original foi
ligeiramente modificada pelo Decreto nº 5.881 de 27 de fevereiro de 1875, que permitia as isenções
para arrimos de família; defeituosos fisicamente; religiosos; graduandos e estudantes de faculdades;
filho de mãe viúva; feitor de fazenda; quem apresentasse substituto..
53
responsável por essa nova forma de alistamento deveria ser composta pelo juiz de
paz, pela autoridade policial mais graduada e pelo pároco. O procedimento adotado
após a referida lei era o seguinte: 1) primeiro a junta esperava os voluntários; como
estes sempre eram poucos, a junta seguia para o segundo ponto; 2) o alistamento
de todos os cidadãos de 19 a 30 anos da idade; 3) depois de alistadas, as pessoas
que possuíssem isenções a seu favor poderiam encaminhá-las à junta revisora
(composta por um juiz de direito como presidente, pelo delegado de polícia e pelo
presidente da Câmara Municipal) para não participarem do sorteio; 4) esse era
também o momento de os indivíduos se dirigirem à junta de alistamento para
comprar isenções, conforme previsto na lei; 5) os que não possuíssem isenção a
seu favor ou não dispusessem de dinheiro para comprá-la, estariam sujeitos ao
sorteio. De acordo com Regina Faria,
a intenção dos militares era tirar o caráter de castigo e opressão do
recrutamento e a pecha que recaia sobre os recrutas, vistos como a escória
do corpo social. Mas a lista de isenções continuou imensa e as autoridades
locais não deixaram de traduzi-las ao sabor de seus interesses. O novo
sistema não conseguiu funcionar como previsto140.
Para José Murilo de Carvalho, não funcionou por que
permitia aos que não quisessem servir a pagar certa quantia de dinheiro ou
apresentar substitutos, e introduzir isenções especiais para bacharéis,
padres, proprietários de empresas agrícolas e pastoris, caixeiros de lojas de
comércio, etc. De outro lado, deixava o alistamento e o sorteio a cargo de
juntas paroquiais, presidida pelo juiz de paz e completadas pelo pároco e
pelo subdelegado. O resultado foi continuar o serviço a pesar totalmente
sobre pessoas sem recursos, financeiros ou políticos […]. O novo sorteio só
colhia pobres ou não colhia ninguém, continuando o recrutamento a ser feito
a laço como anteriormente141.
Para esse autor, a Lei do Sorteio Militar não provocou mudanças
significativas, e apesar do fim da isenção aos homens casados, os colhidos para o
serviço militar continuaram a ser os pobres desprotegidos e os pequenos
criminosos.
140
FARIA, Regina Helena Martins de. 2007, p. 114
CARVALHO, José Murilo de. As forças armadas na primeira República: o poder desestabilizador.
In: História Geral da Civilização brasileira: o Brasil monárquico. FAUSTO, Boris (Org.). São Paulo:
Difel, 1986, p.190.
141
54
Houve reações furiosas à nova lei em algumas províncias142, mas também
resistências sutis foram detectadas em certas localidades, como aponta Assis
Filho143. Segundo Fabio Faria Mendes, nas províncias atingidas por agitações, a
desordem aparente dos acontecimentos encobria a presença de padrões de
ação coletiva bem estruturados e com pautas de regularidade tão surpreendentes,
que não deixavam dúvidas acerca da oposição popular à nova lei.
Segundo o autor, a aversão ocorreu por ter a referida lei inserido, no jogo do
recrutamento, elementos de compulsão e aleatoriedade que modificavam de modo
radical a economia moral que governava a alocação dos encargos do recrutamento.
A Lei do Sorteio Militar retirou o castigo físico como penalidade apenas do
Exército, buscando tornar mais suave e atrativo o serviço das armas. Essa nova
norma procurava eliminar os elementos mais arcaicos da disciplina brutal e
arbitrária, assim como as marcas de distinção hierárquica e, para isso, suprimiu um
dos sinais mais assustadores do estigma dos soldados144.
Para a Marinha, em 1883 foi elaborada uma Ordenança para o Serviço da
Armada Brasileira, visando instalar um novo regime disciplinar, regulando
principalmente o art. 80 dos Artigos de Guerra145, estabelecendo graus e limites
precisos às punições, uma vez que, segundo o ministro criador daquela, a
Ordenança era tão mal elaborada que suas penas eram severas e, em muitos
casos, manifestadamente desproporcionais146. O referido art. 80 preconizava que
todos os mais delitos, como embriaguês, jogos excessivos e outros
semelhantes, de que os precedentes artigos não façam particular menção,
ficarão ao prudente arbítrio do superior, para impor aos delinquentes o
castigo que lhes for proporcionado, o uso da golilha, prisão no porão e
perdimento da ração de vinho é o que se deve aplicar a oficiais marinheiros,
marinheiros, inferiores, e artífices, assim como à marinhagem e soldados,
que podem também ser corrigidos por meio de pancadas de espada e
chibata, não excedendo o número de vinte e cinco por dia; isto é em culpas
que não exijam conselho de guerra147 (Grifos nossos).
142
Ficaram conhecidos como ―rasga-listas‖ os insatisfeitos com a Lei do Sorteio Militar. Vários casos
foram apontados por MENDES, Fábio Faria. A ―lei da cumbuca‖: a revolta contra o sorteio militar.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 13, n. 24, 1999, pp. 267-293, p. 268. Disponível em:
http://goo.gl/VlD1e0. Acesso em: 01 de jan 2013.
143
ASSIS FILHO, Francisco de. O chamado da pátria: o recrutamento militar na Freguesia de Nossa
Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha, 1875-1878.. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
História) - Universidade Federal de Santa Catarina. 2006.
144
MENDES, Fábio Faria. 2004, p. 268.
145
BRASIL. Coleção de leis do império. Lei nº 8.898 de 03 de março 1883.
146
Ibid. Relatório do Ministério da Marinha, 1883, p. 44.
147
Ibid. Coleção de leis do império. Artigos de Guerra. Lisboa: Galhardo e Irmãos, 1841.
55
Depois da Guerra do Paraguai, os ministros da Marinha não estavam tão
preocupados com a falta de voluntários e sim com a criação de parâmetros para
minimizar a violência do oficialato. O objetivo da Ordenança era atacar a
hermenêutica adotada por muitos oficiais que interpretavam de forma abusiva o
trecho ―ao prudente arbítrio do superior‖. O ministro João Maurício Wanderley, em
1855, já alertara para a necessidade de revisão nos códigos disciplinares,
justificando que esta era uma ―necessidade reclamada de há muito tempo; não
porque tenham dado lugar a tantos abusos quantos se afiguram à imaginação de
alguns, a quem com razão impressiona o arbítrio‖148.
Para o ministro Joaquim José Ignácio, em 1860, o código disciplinar presente
na Marinha era representativo das contradições de uma Nação que queria ser
moderna, mas que mantinha os marinheiros ―a mercê de uma legislação anacrônica
e defectiva, que abrindo em muitos casos larga margem ao arbítrio, em outros pelo
silêncio, compete o julgador a recorrer ao código comum, cuja penalidade nem
sempre corresponde a natureza das infrações‖149.
Além da redução dos castigos físicos, havia necessidade de reparos na
questão processual, pois o direito de defesa era suprimido, o que favorecia o arbítrio
dos julgadores. Em 1882, o ministro João Vasconcellos dizia que a legislação que
tocava na questão disciplinar era
obsoleta e destoa dos verdadeiros princípios do direito criminal. As penas
são, em geral, de uma tão demasiada severidade que, em muitos casos,
estão em manifesta desproporção com os crimes, principalmente porque
são estabelecidos sem attenção às circunstâncias occurrentes. Contém,
além disto, a parte penal outros defeitos e lacunas a que convem attender.
As fórmulas do processo são incompletas. O direito de defesa é tolhido aos
acusados na parte mais importante à instrução – ou sumário de culpa,
desde quando meios de debate se preparam. Aos julgamentos faltam as
bases jurídicas para garantir e harmonizar a defesa com a justiça, e em
muitos casos predomina o arbítrio, na ausência de Disposição que possa
ser aplicada. Na última instância a lei do julgamento é a vontade arbitrária
dos julgadores150.
Penalidades como rebaixamento de posto, desconto de soldo e prisão
simples, dentre outros, não eram novidades, pois já constavam fazia parte do rol de
punições dos Artigos de Guerra. Ocorre que a concretização destas punições era
precedida de uma delonga administrativa, sem tamanho, pois
148
Ibid. Relatório do Ministério da Marinha, 1856, p. 7.
Ibid. 1860, p. 15.
150
Ibid. 1882, p. 44.
149
56
para descontar o soldo de um marinheiro era necessário que o comandante
avisasse o ajudante general da Armada. Reconhecido o desconto como
castigo, o ajudante teria de oficiar ao responsável pela Contadoria da
Marinha, que, logo em seguida, através de outro oficio retornasse ao
ajudante general da Armada. Ora, o trabalho estafante para àqueles da
burocracia atrasava ainda mais a punição; o castigo corporal, pelo contrário,
era rápido e objetivo151.
Álvaro Nascimento percebeu que o castigo tinha uma lógica, e percebeu-a
comparando dois casos: o julgamento, em Conselho de Guerra de 1873, do então
capitão-tenente José Cândido Guillobel, por ter mandado aplicar a pena de
quinhentas chibatadas ao marinheiro Laurentino Manoel da Silva em um único dia,
por ter entrado a bordo com uma garrafa de aguardente escondida e ter espancado
o sentinela que quis denunciá-lo; e a passagem da punição de Amaro, personagem
do romance O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, que sofrera punição por ter
esmurrado desapiedadamente um segunda classe, porque este ousara, ―sem o seu
consentimento, maltratar o grumete Aleixo, seu protegido152.
O
capitão-tenente
Guillobel
defendeu-se
no
Conselho
de
Guerra
argumentando que o erro não fora dele e sim do legislador, o Conde Lippe, em seu
Código de 1796, ao não fornecer subsídios para que o aplicador da lei levasse em
consideração a ―constituição física‖ do marinheiro na hora da aplicação do castigo.
Ou seja, quando o Conde criou a norma deixou de fato, ―ao prudente arbítrio do
superior‖, dosar a penalidade.
Guillobel afirmou que, na hora de punir seus subordinados, considerava a
robustez do indivíduo, e confessou que tal prática fazia parte de um ―costume bem
estabelecido‖ nos navios da Armada. Durante o castigo de Laurentino, que estava
com duas camisas, uma de meia e outra de algodão, o oficial achou que não haviam
sido suficientes as chicotadas já desferidas e, nas palavras dele, ―vendo o pouco
efeito que no delinquente fazia o castigo fui forçado a fazê-lo continuar até chegar ao
número de quinhentas pancadas de chibata‖153.
Na racionalidade dos adeptos do ―costume bem estabelecido‖, a autoridade
do comandante só ficaria intacta quando o castigo fosse suficiente para derrubar o
marinheiro. A dor demonstrada durante o castigo era o termômetro da punição - o
151
NASCIMENTO, Álvaro. 1997,p. 90.
CAMINHA, Adolfo. Bom-crioulo. São Paulo: Ática, 1995, p. 11.
153
NASCIMENTO, Álvaro, 2001. p. 145.
152
57
faltoso deveria externar o seu sofrimento e abraçar a humilhação para que o efeito
fosse sentido. Para a manutenção da disciplina a bordo, os oficiais acreditavam que
o castigo regrado seria problemático, pois havia marinheiros que suportavam a dor
mais do que outros.
A narrativa literária de Adolfo Caminha, fruto muito mais de sua experiência
de bordo do que do esforço imaginativo, pois fora segundo tenente da Armada, tem
elementos semelhantes aos apresentados no julgamento de Guillobel. Caminha
constrói a cena de uma mostra154, num determinado momento do romance, em que
três marinheiros seriam punidos. Descreve-os da seguinte forma: ―o Herculano, um
rapazinho magro, muito amarelo, rosto liso, completamente imberbe; Sant'Ana,
regulando a mesma idade, mas um pouco moreno, também grumete; e Amaro, um
primeira-classe, negro, alto, espadaúdo, cara lisa‖155.
Herculano, ao ser castigado, não suportou sequer a chegada da 25ª
chibatada e, antes do fim do castigo estipulado pelo comandante, ―já torcia-se todo
no bico dos pés, erguendo os braços e encolhendo as pernas, cortado de dores
agudíssimas que se espalhavam por todo o corpo, até pelo rosto, como se lhe
rasgassem as carnes‖156. Quando foi a vez de Sant'Ana ser castigado, ao receber o
primeiro golpe, empinou-se na ponta dos pés, arregalando muito os olhos e
esfregando as mãos, gritou - ―pe... pe... pelo amor de... de... de Deus, seu... seu...
comandante!157‖. Era franzino e foi quebrado com poucas chibatadas.
O desafio maior para a manutenção da disciplina a bordo pelos oficiais eram
os fortes e recalcitrantes marujos. O personagem Amaro representava bem esse
desafio, pois era ―um latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de
cafre, desafiando, com um formidável sistema de músculos‖158; enquanto o
Herculano e o Sant'Ana ―não passavam de uns pulhas, de uns miseráveis
marinheiros que dificilmente aguentavam no lombo vinte e cinco chibatadas: uns
criançolas!159‖. Amaro não cairia fácil, pois ―a chibata não lhe fazia mossa; tinha
154
Mostra, como está no livro, faz alusão ao Ato de Amostra. É a prática ritual de punição de
marinheiros insubordinados. Não se tratava de mera brutalidade, mas sim da manifestação do poder
em sua forma teatralizada, pois sempre que se precedia ao castigo havia solenidades, tais como a
apresentação dos condenados, a leitura dos artigos que foram infringidos para, finalmente, ser
aplicada a sanção. Era um espetáculo punitivo dotado de uma encenação que visava assegurar a
eficácia e reprodução da dominação do oficialato sobre a marujada.
155
CAMINHA, Adolfo.1995, p. 5
156
Ibid, p. 7
157
Ibid. p. 9
158
Ibid.
159
Ibid.
58
costas de ferro para resistir como um Hércules‖160. No momento da mostra a
marujada contava os açoites dados em Amaro; já passavam de cinquenta e o
castigado ―nem sequer gemia, como se estivesse a receber o mais leve dos
castigos‖. Dezenas de chicotadas haviam sido dadas quando Amaro, por fim, ―teve
um estremecimento e soergueu um braço‖161. Foram necessárias cento e cinquenta
chibatadas para que o efeito do castigo fosse finalmente sentido.
O argumento dado por Guillobel, ao Conselho de Guerra, justificando seus
atos - que na hora da aplicação dos castigos físicos não seria prudente
desconsiderar a ―constituição física‖ do marujo indisciplinado - possui semelhanças
visíveis com a narrativa do romance. Segundo Álvaro Nascimento, o ―costume bem
estabelecido” pelos oficiais preconizava que
um castigo de chibata no qual o marinheiro não perdesse uma gota de
sangue e não fornecesse ao publico do ―ato de amostra‖, um grito de
desespero seria o mesmo que uma lição mal dada(...) no entender dos
oficiais, a realização das fainas e dos exercícios militares e o bom
comportamento dos marinheiros somente podiam ser alcançados se fossem
bem demarcados os limites entre aqueles que ordenam e os que
obedecem(...) O castigo, assim, era um exercício cotidiano de poder e devia
ser reproduzido todas as vezes que o domínio fosse questionado162.
A decisão de Guillobel de não enviar Laurentino para responder a um
Conselho de Guerra evidencia também outra questão importante. Enviar um marujo
para responder por seus delitos em Conselho de Guerra implicava, a curto prazo,
em um par de braços a menos a bordo devido à morosidade da Justiça Militar do
período e, a longo prazo, caso o insubordinado fosse condenado às galés, nas
palavras do oficial, ―seria por conseguinte inutilizar um homem que ainda podia
corrigir-se‖163, certamente, por meio de pancadas.
A prática de punir marujos nos próprios navios de guerra criou o que Álvaro
Nascimento denominou de ―tribunal do convés‖. O oficialato instituiu esta prática
disciplinar violenta e intimidadora, que se ancorou em manobras interpretativas que
aumentavam ainda mais os rigores disciplinares, mantendo inquestionável a
disciplina e a autoridade dos superiores.
160
Ibid, p. 11
Ibid.
162
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2001. p. 148-149.
163
AN – CGM: processo nº 695: José Candido Guillobel. 1873 (Cx 13170). Apud NASCIMENTO,
Álvaro. Op. Cit. 2001, p. 150.
161
59
Em 1880, o ajudante-general Eliziário Barbosa, em relatório apresentado ao
quartel general da Armada, diz que desde o ano de 1873 já estava pronta a
Ordenança e que nela estava compilada todas as disposições em vigor na Armada,
além de matérias ainda não regulamentadas. Segundo o relator, o intuito da nova
norma era ―preencher a lacuna que sente o serviço interno dos navios de guerra,
substituindo por disposições claras e terminantes as praxes mal acentuadas que o
costume tem estabelecido‖164.
Os excessos nas punições fizeram com que fosse elaborado o novo
regulamento; no entanto, não houve a retirada dos castigos físicos, apenas a sua
redução. O castigo máximo que poderia ser dado a um marinheiro não poderia
ultrapassar 25 chibatadas. Isto, porém, ocorreu apenas no papel, pois
quando estavam lá no meio do mar ou mesmo ancorados nos portos, era o
comandante que dava a ultima palavra, e quem fosse contra ele estaria
cometendo alta insubordinação (...) e por mais que se tentasse criar limites
estipulando as doses do castigo, na verdade, quem havia de saber a
medida final era o comandante do navio, o juiz do tribunal do convés165.
Os comandantes, possivelmente, vivenciariam um problema grave com a
vigência da Ordenança. Se respeitassem o prescrito, seriam desrespeitados pelos
marinheiros, considerando que nem sempre a punição máxima prevista na lei
produzia o efeito desejado, e isto era perigoso, haja vista que castigo leve pouco
medo causava. Os oficiais temiam a retirada dos castigos a bordo, porque, como
dissera Adolfo Caminha em seu romance, na mentalidade do oficialato as pancadas
de chibata eram o ―único meio de se fazer marinheiro‖166.
No primeiro dia depois de proclamada a República, o ministro da Marinha em
exercício, Eduardo Wandenkolk, transformou o medo dos oficiais em realidade e
decidiu extinguir os castigos físicos achando que com isso resolveria o problema
secular da indisciplina. O oficialato revoltou-se e alegou não ter condições de manter
a ordem sem o uso da violência física. No ano seguinte, com a criação da
Companhia Correcional167, que previa punições como redução de vencimentos,
perda de gratificações, rebaixamento de posto, não concessão de licenças, enfim,
164
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1880-1881, A-N1-5.
NASCIMENTO, Álvaro. 2001, p. 158-159.
166
CAMINHA, Adolfo. 1995. p. 6.
167
BRASIL. Coleção das leis da Republica Federativa do Brasil. Decreto n. 328, de 12 de abril de
1890.
165
60
tentou-se transformar as formas de punição, que deveriam passar de ―uma arte de
sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos‖168. Mas o
―costume bem estabelecido‖ dos oficiais não mudaria por decreto. A pressão do
oficialato foi forte e, cinco meses depois, a chibata voltou a bordo: o ―tribunal do
convés‖ foi reabilitado.
Concomitante a esse processo, desde a segunda metade do século
XIX, paulatinamente a escravidão perdia sua legitimidade, assim como algumas
práticas a ela subjacentes, dentre essas os castigos corporais. Em maio de 1874,
não estava mais em operação o Calabouço, local para onde eram conduzidos os
escravos infratores, pelos seus próprios senhores, para as ―devidas correções‖,169.
Durante o Império, várias leis foram criadas para restringir o poder senhorial sobre a
escravaria. Em 1886, proibiu-se explicitamente os castigos físicos em escravos170.
Os soldados do Exército tiveram que conviver com os Artigos de Guerra só até
1831, pois o ministro da Guerra Manoel da Fonseca Lima e Silva considerava
ignominioso para o Exército Brasileiro a permanência do aviltante castigo das
chibatas em seus soldados171, valendo apenas as pranchadas de espada, previstas
nos Regimentos de Infantaria portuguesa do século XVIII172. A Lei do Sorteio Militar
amenizou a vida dos recrutas do Exército retirando todas as espécies de castigo
físico. Os dirigentes da Armada, por sua vez, reformaram seu código disciplinar ao
implantar a Ordenança em 1883, a qual, como vimos, apenas regulou a quantidade
de golpes de chibata, o que não foi suficiente para controlar os juízes do "tribunal do
convés", que conservaram nos navios e quartéis da Armada ritos sumários de
açoitamento, além de instrumentos e práticas típicas do mundo escravista, mesmo
na República.
168
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 30. ed. Petrópolis: Vozes,. 2005. p. 14.
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século
XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p.214
170
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888. Rio de Janeiro:
Civilização. Brasileira, 1974, p. 287-289.
171
BRASIL. Coleção das leis do império. Decisão de 16 de julho de 1831.
172
GREENHALGH, Juvenal. 1965, p. 70.
169
61
3. A fábrica de marinheiros
Os dirigentes da Armada encontravam dificuldades para manter o contingente
da força naval completo, pois a população masculina mostrava resistência ao
serviço militar nos conveses. O recrutamento, quando era realizado, atingia quase
sempre os pobres e o serviço militar não era visto como um ofício honrado ou prova
de coragem, mas como castigo e degredo.
Para Silvana Jeha, a Marinha de Guerra brasileira, assim como as de outras
nações emergentes do período, seguiu a tradição de manter em seus navios
tripulações miseráveis, multinacionais, multiétnicas e multirregionais típicas das
marinhas europeias173. Contratar estrangeiro, inicialmente, foi uma boa estratégia,
porém, não demorou muito para que esses marujos se tornassem propagadores de
conflitos e geradores de inúmeros prejuízos, representando um perigo aos
interesses do Império brasileiro. O voluntariado, durante todo o período imperial, era
insignificante. Os recrutados eram compostos por pessoas sem muitas habilitações
para a função e pouco disciplinados, retirados das prisões ou ―das fezes da
população‖174, como dissera o Visconde de Abaeté.
A experiência com os primeiros marujos fez com que os ministros
concluíssem que, para prover a Marinha de Guerra, medidas rigorosas deveriam ser
tomadas. Por ser uma força armada detentora de peculiaridades, composta por
equipamentos específicos, linguagem própria, que exigiam habituação nas lides
marítimas, a Marinha de Guerra requeria dos marinheiros conhecimentos e
habilidades específicas do campo naval, os quais por muitos não eram dominados.
Um propositor de importantes mudanças na Armada Nacional, nesse sentido,
foi o ministro Joaquim José Rodrigues Torres175. Seus projetos giravam em torno do
desenvolvimento da indústria no arsenal do Rio de Janeiro, da elaboração de um
173
JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 30.
BRASIL. Atas do Conselho de Estado. Sessão de 8 de janeiro de 1875.
175
Rodrigues Torres foi Ministro da Marinha entre os anos de 1831-1834; 1836 e 1837; 1840 e 1841.
Joaquim José Rodrigues Torres nasceu em 13 de dezembro de 1802, em Itaboraí. Aluno de
humanidades do Seminário de São José, no Rio de Janeiro, cursou a Universidade de Coimbra em
1821, formando-se em bacharel, em 1825. Alinhado aos conservadores, foi presidente de província,
deputado, senador, conselheiro de Estado, ministro e presidente do conselho por várias vezes.
Ocupou, em 1868, um momento político crítico para o Império, o Ministério da Fazenda. A sua
nomeação, pelo Poder Moderador, visava a reafirmação do poder do Imperador, pois era o único
representante vivo do Regresso, diante de uma Câmara de maioria liberal, Condecorado com várias
ordens, foi agraciado com o título de Visconde de Itaboraí, em 1873. Cf. VAINFAS, Ronaldo (org).
Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). RJ: Objetiva, 2002, p.408.
174
62
único sistema de alistamento para a composição e disciplina na Armada, pois
considerava defeituoso o método utilizado para conseguir marinheiros pelo Império
brasileiro. Achava problemático ter, nas mesmas embarcações, marinheiros
contratados a prêmio e dispensados em curto tempo, principalmente estrangeiros, e
marinheiros recrutados, arrancados das várias províncias e colocados a bordo dos
navios sem qualquer vantagem, com soldos mais baixos e tempo de serviço maior.
O ministro Torres julgava que a convivência de sujeitos nessas situações distintas
gerava desarmonia e era motivo de contínuas deserções. Por último, pretendia
promover a militarização, profissionalização e nacionalização dos marujos176.
Vimos que foi apenas em 1836 que o então ministro à frente da pasta,
Salvador José Maciel, inspirado pelas ideias de Rodrigues Torres, investiu numa
estratégia para reduzir a contratação de estrangeiros, marinheiros mercantes e
pescadores. Para Arias Neto, foi neste momento que se tentou militarizar o
marinheiro, fixando-o a bordo dos navios, disciplinando-o, submetendo-o ao
pagamento de baixos soldos, eliminando os gastos públicos com os prêmios e
melhores salários que anteriormente eram pagos aos estrangeiros engajados177.
Tal processo, entretanto, só seria possível com uma maior burocratização e
controle ministerial sobre as instituições militares, o que era esperado, entre outras
ações, com criação das Companhias Fixas de Marinheiros em 1836, que se
transformou no Corpo de Imperiais Marinheiros, quatro anos depois. Segundo Álvaro
Nascimento, esta instituição da Armada funcionava como
um depósito central de marinheiros, cabos e sargentos, de onde eram
distribuídos por todas as unidades navais da Armada: fortalezas,
departamentos e navios de guerra espalhados pelo Brasil. Dessa forma o
individuo poderia sair de Pernambuco com destino ao Corpo, na cidade do
Rio de Janeiro, a fim de jurar bandeira e dali ser destacado para o Rio
Grande do Sul, Ladário no Mato Grosso, ou qualquer outra província em
que existisse um posto desocupado.(...) Assim o Corpo funcionava mais
como um ponto para transferência de marinheiros, cabos e sargentos do
que um lugar em que se fixavam por anos178
As mudanças sugeridas foram postas em prática e provocaram alterações
significativas na tripulação da Armada. Segundo Silvana Jeha, a partir da década de
1850 a tripulação estrangeira da Armada, que era superior a de brasileiros no
176
ANTUNES, Edna Fernandes. 2011, p. 60-61.
ARIAS NETO, José Miguel. 2001, p. 48.
178
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002, p. 100.
177
63
primeiro momento, declina drasticamente. A crescente nacionalização das tropas foi
conquistada pela maior institucionalização da Marinha de Guerra, com a criação do
Corpo de Imperiais Marinheiros, que favoreceu o aumento no envio de recrutas
nacionais, alguns voluntários e, principalmente, com os egressos das Companhias
de Aprendizes Marinheiros179. Essas, com o passar do tempo, tornaram-se a
principal fonte de marujos para a Marinha de Guerra, sendo bastante elogiadas
pelos ministros e consideradas por autoridades diversas como verdadeiros ―viveiros
da Armada‖.
Fonte: JEHA, Silvana Cassab. 2001 p. 55-121.
Quadro 1: Nacionalidade e naturalidade da tripulação da Marinha brasileira (1833-1854)
Os dirigentes da Armada atribuíam à origem social dos marujos a causa
principal para a insubordinação e falta de qualidade das tropas. O recrutamento era
criticado abertamente pelos ministros, que o acusavam de ser responsável pela
entrada de indivíduos avessos à ordem e à disciplina. Mas isso não era uma
exclusividade da Armada. Hendrik Kraay afirma que oficiais do Exército lamentavam
bastante sobre a composição de suas tropas, repletas de ―desordeiros, ébrios,
vagabundos e malfeitores‖, que atrapalhavam a disciplina180.
179
JEHA, Silvana Cassab. 2001, p. 57.
KRAAY, Hendrik. 1999. p. 11.
180
64
Os dirigentes da Armada não eram satisfeitos com essa situação e
procuravam tomar medidas para amenizá-la. O ministro da Marinha Rodrigues
Torres, por exemplo, recomendava às autoridades navais para não matricular
"individuo algum que lhe seja enviado com a nota de criminoso, ou cujos costumes
sejão incompatíveis com a moralidade e subordinação que deve haver a bordo dos
navios de guerra‖181.
Um aviso do Ministério da Marinha aos juízes de paz, de 1834, demonstra a
preferência por recrutas mais jovens, pois ordenavam a essas autoridades que
enviassem para a Marinha, preferencialmente, moços de 12 a 16 anos, evitando
terminantemente o envio de malfeitores e criminosos, para não perverterem as
tripulações dos navios de Guerra, nem deixarem o Império nas mãos do refugo da
população182.
O ministro Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque,
por sua vez, lastimava que, quando não eram os desordeiros habituais os enviados,
em seu lugar iam como recrutas ―homens estropeados por velhice ou defeito
physico, impossibilitados inteiramente para a penosa vida no mar‖183.
A reforma desejada pelos dirigentes da Marinha pretendia formar uma nova
geração de marinheiros, mais disciplinados, alfabetizados e profissionalizados, com
o intuito de retirar o estigma184 que recaía sobre os marujos, tidos como rudes,
indisciplinados e analfabetos em sua maioria. Alegavam que a Armada precisava de
homens mais qualificados, por que as fainas haviam se tornado mais complexas,
devido às mudanças dos navios adquiridos. Movidos a vapor, ou mistos, metalizados
e mecanizados, os navios agora possuíam novos elementos, mais modernos, que
exigiam homens cada vez mais especializados e acostumados a um ritmo de
trabalho mais intenso.
Segundo Helio Leôncio Martins, a Marinha de Guerra brasileira possuía nos
anos iniciais ―homens de ferro em navios de madeira‖. Nas embarcações a vela, o
trabalho no alto dos mastros, debaixo de mau tempo ou em combate, exigia dos
marujos apenas robustez física, inconsciência do perigo, além de resistência para
181
BRASIL. Ministério da Marinha. Coleção das leis do império. Aviso nº 30 de 22 de janeiro de 1834.
Ibid. Aviso nº 31 de 23 de janeiro de 1834.
183
Ibid. Relatório do Ministério da Marinha. 1840-2, p. 7
184
GOFFMAN, Erving. 1988.
182
65
sobreviver nos esquifes, que eram os navios de então. Para tripulá-los, diz o autor,
só ―sub-homens‖, recrutados à força nos níveis mais baixos da humanidade185.
A formação de uma nova esquadra pela Marinha foi impulsionada pela
necessidade de repressão ao tráfico de escravos, pois em 1853, quando a
campanha contra esse tráfico intensificou-se, a Assembleia geral concedeu créditos
extraordinários para a compra de novos navios a vapor. A crise no Prata, em 1857,
também fez o ministro Saraiva encomendar na Europa novas canhoneiras a vapor,
próprias para a navegação fluvial186. O quadro a seguir pode dimensionar a
renovação da frota nas décadas de 1850 e 1860.
1851
1864
1868
Vela
49
15
06
Vapor de rodas
10
15
21
Vapor de hélice/misto
_
13
51
Vapor encouraçado
_
_
16
total
59
41
94
Fonte: BRASIL. Relatórios do ministério da Marinha 1851-1868. Apud ARIAS
NETO, José Miguel. 2001, p. 88.
Quadro 2: Movimento de renovação da esquadra (1851-1868)
No espaço de dezessete anos, os navios a vela praticamente desapareceram,
enquanto os vapores de rodas e, principalmente, os de hélice, que permitiam os
navios mistos (vapor/vela), tornaram-se predominantes. Entre os anos de 1848 e
1870, foram incorporados 118 novos navios à Armada, dos quais 30 construídos no
Brasil. No mesmo período foram retirados de serviço 93 belonaves, o que significa
uma renovação de quase 100% da esquadra em 22 anos187.
Com a modernização dos navios altera-se também o ritmo de trabalho. Nas
fábricas e oficinas do período da revolução industrial, a percepção do tempo do
trabalho foi radicalmente alterada com a divisão do trabalho e com o posterior
desenvolvimento tecnológico do período. Edward P. Thompson observou tal
mudança pela introdução de um novo ritmo nas tarefas diárias, mais aceleradas, e
na racionalização dos horários gerada pela mecanização:
185
MARTINS, Helio Leôncio. João Cândido e a Revolta de 1910. Revista Navigator n.1, 2005, p.
3-4. Disponível em: http://goo.gl/Jzf0Kx. Acesso em: 5 set 2013.
186
ARIAS NETO, José Miguel. 2001, p. 86
187
Ibid. p. 88-89.
66
Aqueles que são contratados experienciam uma distinção entre o tempo do
empregador e o seu ―próprio‖ tempo. E o empregador deve usar o tempo de
sua mão-de-obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que
predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a
dinheiro. O tempo é agora moeda: ninguém passa o tempo, e sim o
gasta188.
Porém, compreendemos que nos navios (mercantes e de guerra) esse
processo foi mais tardio. Antes do uso do vapor nos navios, os embarcados estavam
mais dependentes da dinâmica de ventos e marés, que subordinavam o ritmo das
fainas. Com a inserção das novas tecnologias nos navios de guerra, o ritmo de
trabalho muda, tornando-se mais intenso. A modernização da esquadra retirou de
forma considerável intervalos para o descanso e lazer, como havia nos veleiros. A
rotina em que o trabalho dependia mais do vento foi substituída por outra, baseada
na máquina a vapor. O motor de navios desse tipo precisava ser constantemente
alimentado e administrado, o que demandava pessoal desempenhando esse serviço
o tempo todo, algo novo no trabalho marítimo.
Para Fabiana Bandeira, essa alteração não deve ser desprezada, pois
representa a transição dos navios da Armada para a era industrial, quando
abandonaram sua feição de embarcações dependentes de bom tempo e de vento
para se tornarem unidades produtivas de guerra, com motores mecânicos e
modernos apetrechos de artilharia189.
O caráter do recrutamento – punitivo e obrigatório – trazia para a Armada
indivíduos descontentes com sua condição e que, provavelmente, pouco se
importavam com as melhorias tecnológicas dos navios. Contudo, eram eles que
alimentavam e faziam a manutenção e limpeza dos motores e das peças de
artilharia naval.
No romance ―O Bom-Crioulo‖, a transferência de uma corveta, movida a vela,
para um encouraçado não foi bem vista pelo personagem Amaro. Ao saber que
estava nomeado para servir em outro navio, ―um de aço, muito conhecido pelo seu
maquinismo complicado e pela sua formidável artilharia‖, ficou enfurecido:
... que os pariu! Nem se tinha tempo de conhecer bem os navios: hoje num,
amanhã noutro... Até parecia brincadeira!‘ Ficou furioso em ser transferido
para o couraçado, naquela formidável prisão de aço, que lhe consumia o
188
THOMPSON, Edward P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 272.
BANDEIRA, Fabiana Martins. 2010, p. 100.
189
67
tempo, e cuja disciplina — um horror de trabalho — privava-o de ir a terra
hoje sim, amanhã não, como nos outros navios, ‗Ah! Mil vezes a corveta. Mil
vezes! Ao menos tinha-se liberdade190.
Manter funcionando os novos ―diabos de ferro‖ adquiridos e operar as peças
de artilharia passava a demandar conhecimentos mínimos para não danificar as
peças,
evitando
prejuízos
ao
erário.
As
inovações
especializações nunca antes pensadas nas marinhas.
tecnológicas
exigiram
Para dar conta das
mudanças, foram criados postos para atender às novas necessidades no sistema de
trabalho no interior dos navios, a exemplo do foguista e do maquinista. Os foguistas
eram os responsáveis pelo abastecimento das fornalhas, e os maquinistas
precisavam dominar o funcionamento de todas as peças que se moviam através da
pressão produzida.
A substituição da vela pelo vapor, além de imprimir um ritmo mais intenso de
trabalho e diminuir o tempo de descanso, contribuiu na repressão às condutas que
faziam parte da cultura marítima, principalmente o consumo de bebidas alcoólicas
durante a realização das fainas.
A ingestão de bebidas alcoólicas não era uma prática realizada apenas nos
quiosques em terra e botecos perto dos portos - ela fazia parte do cotidiano das
embarcações, fazendo parte inclusive da ração diária distribuída por muitas
Marinhas de Guerra. A Marinha Inglesa ficou mundialmente conhecida por ter criado
o grog, um composto de rum, limão, água e açúcar, que era distribuído aos
marinheiros.
O grog trouxe uma contribuição marcante à história do consumo de bebidas
alcoólicas nas embarcações, ao diminuir o risco de acidentes, os enjoos e o
consumo desenfreado, posto que horários foram estabelecidos para sua ingestão,
entre 10 e 12 horas da manhã e entre 4 e 6 horas da tarde, visando ao bom
desempenho das atividades marinheiras, que requeriam sobriedade191. Outro dado
interessante é que a mistura ajudava a prevenir o escorbuto192, doença que
grassava os marujos de muitas marinhas.
190
CAMINHA, Adolfo. 1995, p. 57.
HALPERN, E., LEITE, L., SILVA FILHO, J.. Bebendo a bordo: tradição aprendida. Antropolítica:
Revista Contemporânea de Antropologia. 2010. p. 156. Disponível em: http://goo.gl/FgEqmk. Acesso
em: 2 out. 2013.
192
BELLUZZO, Rosa. Os Sabores da América: Cuba, Jamaica, Martinica e México. 2 ed. São Paulo.
Tornado Editorial, 2002, p. 70.
191
68
Na Marinha brasileira do século XIX, a cachaça era a bebida predileta, sendo
fartamente disseminada entre marujos e oficiais. Segundo Juvenal Greenhalgh, ela
substituiu o vinho português que era servido antigamente e passou a fazer parte da:
ração que se fornecia diariamente aos marinheiros. Em pouco, esse hábito
tornava-se vício e o abuso da medida vinha a ser causa da maior parte dos
atos de indisciplina que se produziam amiúde a bordo dos navios e
estabelecimentos militares e que chegavam, por vezes, a assumir a
gravidade da desordem e do motim193.
Doses diárias de bebidas alcoólicas eram previstas na Legislação. Consta a
distribuição de aguardente em pelo menos dois decretos, que contêm as tabelas de
alimentação para oficiais e praças194. Em um deles há menção ao grog, que era
servido apenas ―nas ocasiões de grandes fainas, de muita chuva ou de muito frio‖
Tais indícios nos fazem supor que, com as inovações tecnológicas, houve um
maior disciplinamento imposto aos marinheiros após a segunda metade do século
XIX, visando restringir ao máximo o consumo de álcool nos navios. A Ordenança de
1883 previa castigos para aqueles que consumissem mais bebida do que o
permitido.
Os que se embriagavam em mar, em serviço, os que voltavam bêbados das
licenças, os que a escondiam ou tomavam além do permitido pelas tabelas,
sofreriam punições variadas, que podiam chegar até 25 chibatadas. Não custa
lembrar: o marujo Laurentino, que, em 1873, recebeu 500 chibatadas a mando de
Guillobel e Marcelino Rodrigues. Ele foi o último marinheiro a receber chibatadas na
Marinha de Guerra do Brasil, ocasião em que se deflagrou a Revolta da Chibata em
1910; ambos sofreram as punições por tentarem entrar com bebidas a bordo. A
prática de ingerir bebidas alcoólicas permanece até os dias atuais, ao arrepio da lei,
e muitas vezes com a anuência dos superiores195.
A presença das máquinas fez com que o espaço nas embarcações – que já
era reduzido – ficasse ainda menor e mais insalubre. Nessas condições, é provável
que as insatisfações se transformassem em conflitos, aumentando a preocupação
dos comandantes em relação à manutenção do trabalho disciplinado, da ordem e da
193
GREENHALGH, Juvenal F. L. Presigangas e calabouços ou prisões da Marinha no Século XIX. Rio
de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 1998. p. 17.
194
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 541 de 5 de novembro de 1847 e Decreto n. 4.954
de 4 de maio de 1872.
195
HALPERN, E., LEITE, L., SILVA FILHO, J. 2010, p. 162.
69
hierarquia. Fazer parte da estrutura de trabalho da Marinha não significava apenas
cumprir a pesada jornada de trabalho. Era fundamental que o comportamento do
marinheiro fosse produtivo, disciplinado, pacífico e obediente. Isso pressupunha a
formação de corpos dóceis para a Armada, que fossem mais produtivos e
submissos, submetidos a operações viabilizadas pela disciplina que os fizessem
reconhecer e respeitar a hierarquia e seus rituais simbólicos.
Segundo Álvaro Nascimento, a indisciplina e o analfabetismo dos marujos
tornaram-se verdadeiras dores de cabeça para ministros e comandantes, pois
como eles poderiam se especializar em assuntos cada vez mais complexos
se não sabiam ler e escrever? E mais, como ensinar alguma coisa a
indivíduos vistos pelos oficiais como indisciplinados e ignorantes? Tudo isso
obrigou essas autoridades a pensar numa série de mudanças para alcançar
os novos objetivos196.
A mudança mais significativa, e por isso mesmo muito elogiada pelos
ministros e oficiais, foi a criação da Companhia de Aprendizes Marinheiros,
instituição que se tornou a principal responsável pela formação dos futuros marujos.
3.1 Os "viveiros da Armada"
O recrutamento era um problema vivido pelos dirigentes da Marinha. A falta
de voluntários ao serviço naval militar, a dependência aos notáveis locais para
guarnecer os quartéis e navios da Armada e a notável falta de habilidades
marítimas, apresentada pela maioria dos recrutados, deixavam os dirigentes navais
preocupados. O ministro da Marinha Francisco Xavier Pais Barreto simplificou o
problema e deu a solução para preencher os vazios das fileiras navais: ―para termos
marinheiros é mister crea-los‖197.
Por essas razões, os dirigentes da Armada criaram as Companhias de
Aprendizes Marinheiros. Estas seriam escolas de preparação para futuros marujos,
onde haveriam de aprender a ler, escrever, contar, riscar mapas e respeitar a
doutrina cristã. Nas palavras do ministro da marinha, Joaquim Rodrigues Torres, a
instituição teria como clientela
196
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002, p. 109.
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1860, p. 9
197
70
não só os moços de dez a dezessete anos, que voluntariamente se
quiserem dedicar a esta profissão, mas também os órfãos e desvalidos, que
para esse fim forem remetidos pelas competentes autoridades locais. Estes
moços, recebendo a bordo a educação apropriada, e habituando-se de
tenros anos à vida do mar, formarão, em chegando à idade viril, outras
tantas companhias de marinheiros militares, que satisfarão a todas as
condições do serviço naval198.
As Companhias de Aprendizes Marinheiros foram criadas, portanto, com o
propósito de socializar meninos pobres no campo marítimo militar. Inicialmente, no
ano de 1840, apenas uma Companhia foi constituída, no Rio de Janeiro,
subordinada ao Corpo de Imperiais Marinheiros.
Depois de implementada na Corte, o projeto de instrução e profissionalização
de crianças e jovens pobres da Armada foi ampliado para outras regiões do Império,
transformado numa política nacional. A preferência, logicamente, seria dada às
províncias litorâneas, pois a proximidade e o envolvimento da população com rios e
mares eram bem vistos pelos dirigentes da Marinha, que tinham o interesse em
moldar essa cultura marítima popular a favor da prestação do serviço militar para o
Estado, em particular na Armada.
Ao eleger meninos pobres como alvo dos projetos políticos, educando e
profissionalizando-os, a Marinha de Guerra evidenciou que seria por meio de tal
prática que conseguiria formar bons marujos. Os elogios dos ministros à instituição,
em seus relatórios, são percebidos desde a sua criação, pois acreditavam que
dentre os aprendizes sairiam os mais aptos, leais e disciplinados marinheiros,
porque estariam desde pequenos acostumados ao rigor da disciplina militar e aos
perigos da navegação. Destacavam também que, com o alistamento de meninos
pobres, o Império brasileiro finalmente contaria com uma tropa exclusivamente
formada por nacionais.
198
Ibid. 1843, p.14-15.
71
Província
Decreto de criação das
companhias
Nº 1.517 de 4 de janeiro de 1855
Nº 1.543 de 27 de janeiro de 1855
Nº 1.987 de 7 de outubro de 1857
Nº 2.003 de 24 de outubro de 1857
Nº 2.003 de 24 de outubro de 1857
Nº 2.725 de 12 de janeiro de 1861
Nº 2.725 de 12 de janeiro de 1861
Nº 2.890 de 8 de fevereiro de 1862
Nº 3.347 de 26 de novembro de 1864
Nº 3.347 de 26 de novembro de 1864
Nº 4.112 de 29 de fevereiro de1868
Nº 4.112 de 29 de fevereiro de 1868
Nº 4.680 de 17 de janeiro de 1871
Pará
Bahia
Mato Grosso
Pernambuco
Santa Catarina
Maranhão
Rio G. do Sul
Espírito Santo
Paraná
Ceará
Sergipe
Santos
Parayba do
Norte
Amazonas
Nº 4.680 de 17 de janeiro de 1871
Rio G. do Norte
Nº 5.181 de 16 de dezembro de 1872
Piauy
Nº 5.309 de 18 de junho de 1873
Alagoas
Nº 5.847 de 2 de janeiro de 1875
Fonte: BRASIL. Coleção das leis do império.
Quadro 3: Ordem de criação das Companhias de Aprendizes Marinheiros
Anterior às Companhias, a Roda dos Expostos fora a primeira (e durante
muito tempo praticamente a única) instituição brasileira criada com o intuito de dar
um mínimo de atenção às crianças ―expostas‖ ou ―enjeitadas‖, como eram
denominadas aquelas que sofriam abandono, prática comum desde o período
colonial. Porém, os dois termos nomeavam práticas totalmente diferentes. Segundo
Venâncio,
os termos ‗expor‘ ou ‗enjeitar‘ encobriam realidades distintas. Toda mulher
que, no meio da noite, deixasse o filho recém-nascido em um terreno baldio
estava expondo-o à morte, ao passo que os familiares, ao procurarem
hospitais, conventos e domicílios dispostos a aceitar o pequerrucho,
estavam tentando protegê-lo. No primeiro caso, os bebês quase sempre
eram encontrados mortos de fome, sede, frio ou então em virtude de
ferimentos provocados por cães e porcos que perambulavam pelo passeio
público. No segundo, a intenção era claramente salvar a criança199.
Para Maria Luíza Marcílio, essa fora uma das instituições brasileiras de mais
longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes políticos da história brasileira.
Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se durante o Império, conseguiu manterse durante a República e só foi extinta definitivamente em 1950! O Brasil foi o último
199
VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas: assistência à criança de camadas populares
no Rio de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas, SP: Papirus, 1999.p. 23.
72
país a abolir a chaga da escravidão. Foi igualmente o último a acabar com este triste
sistema200.
Muitos médicos denunciavam os maus-tratos sofridos pelas crianças que
estavam sob os cuidados da instituição, alertando sobre a falta de cuidados
dispensados aos asilados. Segundo Renato Venâncio, muitos escritos médicos
guardam palavras de perplexidade em face da constatação de que a Roda dos
Expostos era uma verdadeira ―fábrica de anjinhos‖201.
Os dados coletados por Marcílio apontam as dimensões alarmantes da
mortalidade dos expostos no quadro mais geral da mortalidade infantil. Segundo a
autora,
de todas as categorias que formaram a população brasileira, incluindo a dos
escravos, a dos expostos foi a que apresentou os maiores índices de
mortalidade infantil e de mortalidade geral, pelo menos até o fim do século
XIX. Não era incomum, nas Rodas de Expostos, a perda de 30% ou mais de
bebês, só no primeiro mês de vida. Mais da metade morria antes de
completar o primeiro ano de existência. Apenas 20% a 30% dos que foram
lançados nas Rodas de Expostos chegaram à idade adulta202
Esther Arantes assinala ainda que na segunda metade do século XIX o
Estado, movido pelo discurso médico-higienista e pela demanda de alguns setores
da sociedade, promove uma ruptura com o caráter religioso do atendimento
destinado às crianças abandonadas, ao construir uma rede profissionalizante de
ensino, separada da assistência aos desvalidos203.
Para Renato Venâncio, as Companhias de Aprendizes Marinheiros foram um
dos elementos constitutivos dessa ruptura em relação ao atendimento de meninos
pobres, com mais de sete anos de idade, sendo considerados a primeira rede
institucional inteiramente pública para menores que não pudessem permanecer sob
a custódia dos hospitais ou de responsáveis204.
Depois delas, outras instituições foram criadas. As novas demandas das
elites, em virtude da abolição do tráfico de escravos, associadas aos propagadores
200
MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil. 17261950. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da infância no Brasil. 2 ed., São Paulo:
Cortez, 1999, p. 51.
201
VENÂNCIO, Renato Pinto. 1999, p. 113
202
MARCILIO, Maria Luiza. 1999, p.237
203
ARANTES, Esther Maria Magalhães. Rostos de crianças no Brasil. In: PILOTTI, Francisco e
RIZZINI, Irene. (Orgs.). A arte de governar crianças. A história das políticas sociais, da legislação e da
assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Nino, Ed. Universitária
Santa Úrsula, Amais Livraria Ed., 1995, 168-220.
204
VENANCIO, Renato Pinto. Os Aprendizes da Guerra. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das
crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.198-199.
73
do discurso higienista em voga na segunda metade do século XIX, foram os
principais elementos que animaram a criação de tais locais, que promoveriam
a formação cívica e a capacitação profissional das crianças desvalidas, que
assim não seriam ‗entregues a si mesmas, senão depois de terem cumprido
os deveres do homem para com a Nação, defendendo-a, e habilitadas para
só dependerem de seus braços e da sua habilidade205
A principal apreensão das elites era como iriam conseguir braços para a
lavoura, principalmente em virtude da decadência do escravismo. Segundo Martinez,
o contexto da crise da escravidão e as discussões em torno da necessidade de se
formar
trabalhadores
livres
e
disciplinados,
sem
dúvida
foram
questões
fundamentais para a emergência de preocupações sociais com a criança, em
especial, aquela pertencente aos setores mais pobres da sociedade206.
Luciana de Araújo Pinheiro, investigando os relatórios ministeriais e policiais
da Corte, produzidos nos anos finais do Império, observou a preocupação da capital
do país com os problemas decorrentes da escassez de mão de obra e da
possibilidade de contorná-los através da formação da criança pobre. Segundo essa
autora
assim como os ministros, as autoridades policiais são unânimes em apontar
a necessidade de dar à infância instrução primária atrelada ao ensino
profissional. Mas se os primeiros não apontavam em que tipo de atividade
inserir os menores, os chefes de polícia estavam certos de que o trabalho
agrícola era a melhor forma de encaminhamento para a infância pobre da
Corte. Esta seria, afinal, uma forma fácil de lidar com a escassez de mãode-obra nas lavouras, consequente da crise do escravismo, e de buscar
resolver o problema causado pelo excesso de meninos e meninas pobres
nas ruas do Rio de Janeiro207‖
O objetivo central era evitar que crianças desvalidas se tornassem futuros
vadios, inúteis e perigosos à sociedade. A ideia predominante para boa parte da
sociedade ligava crianças pobres e trabalho como forma de evitar a marginalidade.
No mesmo período, e observando a situação da província do Maranhão,
Regina Faria aponta preocupações semelhantes ao analisar as propostas
elaboradas por letrados locais para resolver o problema da formação do futuro
205
MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 193.
ABREU, Martha & MARTINEZ, Alessandra Frota. Olhares sobre a criança no Brasil: perspectivas
históricas. In: RIZZINI, Irene (org.) Olhares sobre a criança no Brasil – séculos XIX e XX. Rio de
Janeiro: Amais, 1997, p.19-37.
207
PINHEIRO, Luciana de Araújo. A civilização do Brasil através da infância: propostas e ações
voltadas à criança pobre nos finais do Império (1879-1889). Dissertação (Mestrado em História).
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro. 2003, p. 70.
206
74
trabalhador. Segundo a autora, a proposta mais recorrente, visando transformar
indolentes e libertos em indivíduos afeitos ao trabalho, era submetê-los a um
processo educativo pautado na educação moralizante e no ensino profissional. A
autora observou que muitos
letrados defendiam que a educação profissionalizante deveria estar aliada à
educação primária, enquanto outros só viam a parte técnica propriamente
dita.(...) O ensino profissionalizante era muito valorizado, tendo havido
várias sugestões de criação de escolas práticas de agricultura. A Proposta
nº 19, por exemplo, sugeria a organização de uma associação para
promover o ―ensino agronômico‖, através de escolas práticas de agricultura
na ilha do Maranhão e em dez municípios do interior da província. Os sócios
de cada região manteriam sua escola, na qual seriam feitos experimentos
com novas culturas e preparados trabalhadores habilitados para operar o
―sistema aratório‖. Cada sócio poderia indicar até um determinado número
de alunos. O autor, prevendo a possibilidade de não existirem na província
pessoas habilitadas para ensinar em tantas escolas, sugeria a contratação
de agrônomos práticos em outras províncias ou no exterior (Porto Rico,
Cuba ou Demerara). A ação dessa sociedade incluiria também a publicação
de um jornal para divulgar as notícias de todas as escolas208
A ideologia do trabalho estava atrelada, portanto, à ideia de regeneração,
controle social e principalmente de disciplinamento urbano, já que muitas crianças
desvalidas, caso as propostas tivessem seguido adiante, não mais circulariam pelas
cidades. O propósito de disciplinar as classes populares e incentivar-lhes ao trabalho
vinha atrelado à tentativa de ressemantizar a noção de trabalho que vigorava até
então, visto como algo pejorativo, degradante, menor, típico de escravo.
Irene Rizzini aponta elementos fortes para confirmar as dificuldades dessa
empreitada, pois em uma sociedade escravista, esta não deve ter sido uma tarefa
fácil. No relato de Frei Fognano, diretor da Colônia Orfanológica Isabel, no Pará,
sobre o comportamento das crianças da capital da província, remetidas para a
instituição, há evidências da forte associação existente entre trabalho manual,
escravidão e castigo. O relatório, além de apontar a resistência dos meninos ao
trabalho-aprendizado, na instituição, menciona o fato de que ―a maior parte delles
[repetia] que o trabalho só é próprio do escravo!‖209
Os indícios são que a educação destinada aos pobres, na segunda metade
do século XIX, esteve diretamente relacionada à formação de um certo trabalhador
que tivesse habilidades de saber ler/escrever/contar, demandadas pelas atividades
208
FARIA, Regina Helena Martins de. 2012, p. 275-276.
RIZZINI, Irmã. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia
Imperial. Tese ( Doutorado em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2004. p.
242.
209
75
econômicas, mas também dominasse artes/ofícios, fosse obediente, disciplinado e
tivesse amor ao trabalho.
Fonte: Escola de Aprendizes Marinheiros. Disponível em: http://goo.gl/U4DeGB. Acesso em:
21 ago 2014.
Figura 2: Companhia de Aprendizes Marinheiros da província de Espírito Santo, em 1862.
O discurso dos ministros da Marinha estava em consonância com esses
pressupostos. Assim como os projetos políticos visavam à fabricação de um novo
trabalhador, instruindo-o desde os tenros anos, a Marinha queria construir um novo
perfil de marinheiro, mais disciplinado, alfabetizado, habituado à rudeza da vida no
mar e profissionalizado, tendo como matéria-prima as crianças desvalidas.
3.2 Assentando praça na Companhia de Aprendizes Marinheiros
Para um menino ser aceito na Companhia de Aprendizes Marinheiros, alguns
critérios deveriam, entretanto, ser respeitados. Segundo a legislação, só seriam
aceitos os que tivessem de dez a dezessete anos, com constituição robusta, própria
para a vida do mar e, por fim, estar ali de bom grado, voluntariamente210.
Havia, porém, a possibilidade de recrutamento de órfãos e desvalidos,
quando enviados por tutores, curadores ou autoridades locais. Posteriormente, foi
determinada a aceitação de menores de ―10 annos, que tenhão sufficiente
210
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 411-A, de 5 de Junho de 1845. Art. 31.
76
desenvolvimento physico para os exercicios do aprendizado‖211. Nos anos iniciais,
parece ter sido difícil completar os quadros de aprendizes da única Companhia
existente, com base no mero voluntarismo das famílias. Os dirigentes sabiam que
sem incentivos mais precisos não teriam êxito em seus projetos, por isso solicitaram
do Governo providências no sentido de
assegurar pensões por certo numero de anos aos pais que apresentassem
seus filhos para o serviço. Por este modo, e pondo em execução a medida,
já resolvida para a província do Pará, nas outras províncias marítimas
haverá mais probabilidade de elevar o Corpo ao estado próximo do
completo, por que a experiência vai mostrando que a dificuldade da
aqcuisição de voluntários e de menores procede de eles serem geralmente
mandados para fora dos logares, onde existem suas famílias212.
Outros, porém, não tiveram muitas opções e muito menos incentivo para
servir nas forças Armadas - as contingências os levaram. Antônio Francisco de
Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque, ministro da Marinha em 1846, diz em
seu relatório que a Companhia de Aprendizes prestou grande serviço ao ―dar
emprego util, e mesmo salvar da miséria muitos menores, cuja condição a secca das
provincias do Norte torna lamentavel‖213.
Fonte: SDM. Divisão de Documentos Especiais, Fundo: imagens, Série: Escola de
Aprendizes. Escola do Ceará, 1917.
Figura 3: Marinheiro cortando o cabelo de um aprendiz.
Ele está certamente referindo-se às vitimas da seca ocorrida no Ceará em
1845214, quando o presidente da província do Ceará reportou-se ao ministro da
Marinha avisando que a longa estiagem gerara 120 novos recrutas para a Armada,
incluindo 100 crianças, a maioria provavelmente órfã. Segundo Silvana Jeha,
211
Ibid. Decreto nº 1.591 de 14 de abril de 1855.
Ibid. Relatório do Ministério da Marinha. 1848, p. 7.
213
Ibid. 1846-3, p. 12
214
SOUSA, José Weyne Freitas. Política e Seca no Ceará: um projeto de desenvolvimento para o
Norte (1869-1905). Tese (Doutorado em História).Universidade de São Paulo, São Paulo.2009, p. 43.
212
77
muitas dessas crianças eram indígenas e, que listados em sequência,
Cosme e Damião eram certamente gêmeos. Outro nome dessa lista trágica
que chamou atenção foi o de Brazileiro Manoel da Silva. Quem o nomeou
assim? Seus pais ou o funcionário do Governo que escreveu a lista de
recrutas? Dificilmente alguém os reclamou e desconfio que muitos devem
ter morrido durante a viagem215.
Thomas Ewbank soube por um deputado cearense desse período que em
decorrência do desastre climático muitos
Indians—even Indian mothers— brought in their boys and sold them to the
navy for food. Previously it was difficult to get an Indian lad under seventy
milreis, but now their parents, having nothing for them or themselves to eat,
freely offered them for ten216.
No Quadro 1 deste texto percebe-se que a maior parte dos marinheiros eram
provenientes da Região Norte. Segundo Peter Beattie, no Exército o padrão era o
mesmo217. Para este autor, o recrutamento de vítimas da seca foi uma medida
criativa para prover ajuda sem onerar os cofres públicos provinciais, além de
contribuir para a formação da imagem do Nordeste como um local marcado pela
pobreza, subnutrição, exploração e falta de educação218.
Em 1855, na tentativa de seduzir familiares a alistar seus filhos e protegidos,
a Armada começou a distribuir, pela primeira vez, um prêmio de 100 mil-réis para
aqueles que alistassem seus filhos voluntariamente nas Companhias de Aprendizes
Marinheiros219. Esse prêmio poderia ser depositado em favor do aprendiz, caso os
pais ou tutores assim preferissem, para que eles mesmos o recebessem após o
tempo de formação na instituição. Foi a primeira vez que, legalmente e de forma
nacional, a Armada começou a oferecer dinheiro para as famílias em troca de seus
filhos, pois antes isso deveria ocorrer por meio de tristes acordos informais em que
os pais vendiam, eram obrigados a vender ou tinham seus filhos sequestrados pelas
autoridades.
215
JEHA, Silvana Cassab. 2001. p.115.
EWBANK, Thomas. Life in Brazil; or a journal of a visit to the land of the cocoa and the
palm.Harper & Brothers publishers 1856, p. 323. Tradução livre: Indígenas — inclusive mães
indígenas — traziam seus meninos e os vendiam para a Marinha por comida. Anteriormente era difícil
conseguir um jovem indígena por menos de setenta mil-réis, mas agora seus pais, não tendo comida
para si próprios e para seus filhos, livremente lhes ofereceram por dez.
217
BEATTIE, Peter M. 2009, p. 425.
218
Ibid, p. 205.
219
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto 1.591 de 14 de abril de 1855.
216
78
Segundo Matilde Crudo, a legalização dos prêmios fez surgir sentimentos
contraditórios. A algumas mães, em virtude da pobreza, entregavam seus filhos com
a certeza de que lhes estavam reservando um futuro melhor, num gesto de amor
materno. Outras mães - em nome desse mesmo amor - reivindicaram a devolução
de seus filhos indevidamente encaminhados pela polícia ou porque a melhoria de
condições de vida lhes permitira manter a família220.
Essa segunda opção, na maior parte das vezes, era dificultada, pois caso os
pais desejassem voltar atrás e retomar a guarda do filho, ―deveriam restituir ao erário
público, tostão por tostão, tudo aquilo gasto com o aprendiz no período de
internação, somado ao prêmio recebido na ocasião do alistamento‖221.
A família representava, para os marinheiros, a imagem de dias menos
perigosos e confortáveis, e a mãe era a representação maior do amor, carinho e
proteção, da qual grande parte deles tinha lembrança. Mas não só na memória eles
lembravam de suas mães... registravam seus sentimentos na pele. Apesar de, no
século XIX e grande parte do XX, no mundo ocidental, as tatuagens serem
disseminadas, em sua maior parte, apenas entre grupos masculinos marginalizados,
tais como marinheiros, presidiários, motoqueiros etc., uma das tatuagens mais
encontradas dentre os homens do mar é justamente aquela em que se lê, dentro de
um coração: ―amor de mãe‖ ou o nome da progenitora222. A família, porém, nem
sempre constitui um local onde as crianças estão seguras.
Em um gênero poético-musical conhecido como modinha, muito popular no
começo do século XX, encontra-se a trajetória de um marujo que fora alistado com o
consentimento de sua mãe na Companhia de Aprendizes. Segundo Uliana Ferlim,
as modinhas ocupavam-se de temas amorosos, fosse uma exaltação, uma
declaração à amada, um amor idealizado, puro, casto e, às vezes, a descrição do
amor maternal, muitas vezes ligado à idéia de sofrimento compartilhado por vários
tipos de trabalhadores, dentre eles os marinheiros223.
Na canção aludida, o marujo diz que havia nascido ―num lar sem nobreza‖,
mas, mesmo assim, ―era muito feliz‖. Órfão de pai aos dez anos, ele lamenta o
220
CRUDO, Matilde Araki. Infância, trabalho e educação. Os aprendizes do Arsenal de Guerra de
Mato Grosso. (Cuiabá, 1842-1889). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de
Campinas, Campinas. 2005, p.73.
221
NASCIMENTO, Álvaro Pereira. 1999. P. 78.
222
JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 179.
223
FERLIM, Uliana Dias Campos. A polifonia das modinhas: Diversidade e tensões musicais no Rio de
Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Estadual de Campinas, Campinas. 2006, p. 47.
79
momento de sua maior infelicidade, que foi ser alistado na Companhia de
Aprendizes. Cantarolando sobre seu infortúnio, de forma poética, descreve o
processo de captação de crianças pela Marinha:
Meio sorrindo o governo
À minha mãe ofereceu
Paga que trouxe do inferno,
E minha mãe recebeu!
Baniu-me do lar querido,
Onde eu havia nascido,
Por cem mil réis me vendeu!224
Pelos comportamentos adotados pelos adultos ao fugirem do recrutamento,
percebe-se que para a população pobre era preferível viver na pobreza, em
liberdade, à caserna com soldos mirrados. Muitas crianças certamente prefeririam
ficar perto de suas famílias, brincar com seus irmãos ou sozinhas, a viverem uma
vida ritmada por horários e sujeita a uma disciplina militar.
Existiam ainda os casos de pais que eram enganados por pessoas que se
ofereciam para intermediar os alistamentos, como ―tutores‖ ou "protetores", e
embolsavam o prêmio. Para a Armada, o problema maior estava nos casos de
deserção do menor. Para proteger as finanças do Estado houve mudanças nas
instruções sobre o prêmio e o pecúlio dos aprendizes marinheiros, e o valor
concedido aos pais e tutores passou a ser revertido ao menor que não desertasse, e
este só receberia cinquenta meses após assentar praça225.
Segundo Monica Lins, todas as discussões de então, sobre a propriedade ser
sobre as coisas e não sobre as pessoas, foram de pouca valia para as crianças e os
adolescentes. Esses jovens, além de não terem voz, de sofrerem o sequestro nas
ruas, de serem enviados a contragosto para a correção, durante um longo período
ainda tiveram sua liberdade trocada por um prêmio226.
Para Renato Venâncio, ―não seria exagero afirmar que, no século XIX, a
referida instituição foi uma das raras opções de ascensão social para os filhos de
224
Trovador maritimo, ou, Lyra do marinheiro, contendo modinhas, recitativos, lundus, canções,
cançonetas, poesias, tangos e fadinhos marítimos e populares, escritos e colecionados uns, e outros
apanhados diretamente da tradição oral por José Embarcadiço, p. 42-44. Apud. JEHA, Silvana
Cassab. 2011, p. 179.
225
LINS, Mônica Regina Ferreira. 2012, p. 120.
226
Ibid. p.121.
80
forros ou de negros livres‖227, apesar de fazer parte do temido mundo militar.
Referindo-se ao período antes da Guerra do Paraguai, o autor diz que
as companhias de aprendizes viveram anos de notável expansão e de
prestígio. A partir do início da Guerra do Paraguai, essa situação sofre uma
brusca inversão, instalando-se um clima de desconfiança por parte das
camadas populares que só será superado após a supressão do conflito228.
Se o alistamento forçado de crianças e adultos, em tempos de paz, gerava
reclamações em virtude da violência e da arbitrariedade, na mobilização para a
guerra, quando havia necessidade de mais marinheiros para aumentar os efetivos e
substituir os doentes, feridos e mortos em combate, a situação tornou-se ainda mais
tensa.
Uma das razões que Vitor Izecksohn aponta para o elevado número de
voluntários no início daquela contenda internacional, foi a crença de que esta guerra
seria curta229. Porém estendeu-se e as notícias das mortes230, doenças, mutilações,
fome e infortúnios fizeram cessar o patriotismo. Para Wilma Peres, a Guerra do
Paraguai evidenciou a debilidade estrutural do Império brasileiro. A libertação de
escravos para lutar nela só ratificou a dificuldade do Estado em mobilizar seus
cidadãos para o serviço militar231.
Ao se dar conta da gravidade que o conflito assumia, o Governo levou o
recrutamento a novos extremos. Tentou arregimentar 1600 homens dedicados à
vida no mar, matriculados nas Capitanias dos Portos de todas as províncias232,
isentos desse encargo cívico até então. Tais indivíduos receberiam duzentos mil-réis
de prêmio, além do soldo de voluntário, que era de 20 mil-réis, por dois anos de
serviço, ou por menos tempo se a guerra acabasse logo.
Segundo Fabio Morais, o Ceará não conseguiu alcançar a cota de 90 recrutas
estipulada e ainda tinha que concorrer, no ano fiscal de 1867-68, com um
227
VENÂNCIO, Renato Pinto. 2004, p. 201.
Ibid. p.202.
229
IZECKSOHN, Vitor. Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai. In:
CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 189.
230
Estudos mais recentes calculam que o Brasil enviou para o front, entre 1865 e 1870, cerca de 139
mil soldados. Quanto às baixas produzidas nas forças brasileiras, elas são estimadas em torno de 50
mil. As polêmicas em torno da exatidão das baixas fornecem um parâmetro sinistro de comparação
quanto à extensão da mortandade e violência dessa guerra. Cf. DORATIOTO, Francisco F. M. Maldita
Guerra. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002, p. 456-470.
231
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a Guerra do Paraguai e a crise do
Império. São Paulo: Hucitec; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1996. p. 151 e 236.
232
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 3.708, de 29 de Setembro de 1866.
228
81
contingente de 80 recrutas. Diante das dificuldades encontradas para se
arregimentar as quantidades necessárias de marinhagem para tripular as
embarcações de guerra do Brasil em ação no Paraguai, o Ministério da Marinha
elevou consideravelmente os valores dos prêmios pagos aos marinheiros que se
apresentassem para o serviço da Armada por um ano. Para se ter uma ideia, o valor
que anteriormente era de 200 mil-réis para dois anos, subiu para 400 mil-réis pelo
tempo de serviço de um ano233, e mesmo assim os voluntários não apareceram.
Pelo visto, continuar no ramo da pesca ainda era um bom negócio.
Além de enviar escravos e pescadores para a Guerra, a Armada começou a
enviar os meninos das Companhias de Aprendizes para os batalhões navais, muitas
vezes sem terem recebido treinamento adequado. O crescente envio de aprendizes
para o front pode ser acompanhado pelos dados apresentados por Jorge Prata:
1863 – 93; 1864 – 382; 1867 – 814; 1868 – 1.470234. Além do aumento do número
de crianças enviadas, outro dado preocupante é que 89,87% delas haviam sido
apresentadas por autoridades policiais235.
Venâncio descreve o período como uma caçada às crianças pelas ruas para o
esforço da Guerra, transformando-os em pequenos marinheiros de 11 ou 12 anos de
idade. Por isso, esse autor considera que apesar da
louvação da historiografia oficial em relação aos ―grandes almirantes‖, foram
os garotos saídos das ruas, ou praticamente raptados das suas famílias,
que de fato se expuseram aos perigos das balas de metralhadoras e de
canhões. Foram eles que, de maneira mais arriscada, ajudaram os aliados
antiparaguaios a vencer a guerra236.
A incorporação de meninos e jovens nas tropas da Armada é algo pouco
discutido pela historiografia, mas igualmente reforça a interpretação de Wilma Peres
sobre os óbices enfrentados pelo Estado para arregimentar tropas237.
233
MORAIS, Fábio André da Silva. “Às armas cearenses, é justa a guerra”: Nação, honra, pátria e
mobilização para a guerra contra o Paraguai na Província do Ceará. (1865-1870). Dissertação
(Mestrado em História). Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza. 2007, p 149.
234
SOUSA, Jorge Luiz Prata. A Guerra do Paraguai no contexto da escravidão brasileira. RJ:
MAUAD/ADESA, 1996, p. 74.
235
SOUSA, Jorge Prata. A mão-de-obra de menores: escravos, libertos e livres nas instituições do
Império. In: SOUSA, Jorge Prata (org.). Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro: Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro- APERJ, 1998. Apud. LINS, Mônica Regina Ferreira. Os filhos
das "classes perigosas" no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro e a regeneração pelo trabalho
(1871-1910). In: XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH: 50 anos, 2011, São Paulo. 2011. v. 1,
p. 11.
236
VENANCIO, Renato Pinto. Os Aprendizes da Guerra. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das
crianças no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1999, p. 208.
237
COSTA, Wilma Peres. 1996. p. 151 e 236.
82
Especulando sobre os resultados possíveis das Companhias, João Maurício
Wanderley, ministro da Marinha em 1869, mostrava-se otimista com as progressões.
Munido de mapas e tabelas enviados pelos comandantes de todas as províncias
relata que o Corpo de Imperiais Marinheiros contou: em 1865, com 295 aprendizes;
em 1866, com 316; em 1867, com 336; e em 1868, com 402. Sua expectativa era
que, em breve, as Companhias pudessem responder pelo estado completo da
Marinha, isto é, com 4 mil praças. Em seus cálculos, esses marinheiros seriam
conseguidos da seguinte forma:
Na corte e província do Rio de Janeiro, em lugar de uma só Companhia
com 200 praças, a qual como já informei, tem perto de 400, pode-se
estabelecer mais cinco, formando o total de 1200 praças. Nas províncias do
Amazonas, Rio Grande do Norte, Parahyba e Alagoas, da mesma sorte se
pode introduzir tão útil instituição. Teremos portanto mais 800, que juntas as
800 que acrescerão as companhias da corte formaram 1600 praças.
Reunindo este ao das companhias atuais que é de 2100, teremos 4000
aprendizes marinheiros, isto é, pouco mais ou menos o numero sufficiente
para renovação do corpo de imperiais marinheiros238.
As progressões do ministro Wanderley estavam corretas. Houve,
de
fato, uma mudança na forma que a Marinha encontrou para preencher suas fileiras.
Se antes eram os adultos recrutados que estavam em maior número nos quartéis e
conveses, a partir de 1870 as Companhias de Aprendizes deram resultados visíveis,
e o número de egressos dessas instituições superou o de recrutados com o passar
dos anos.
A criação do Corpo de Imperiais Marinheiros, em 1840, havia gerado uma
maior burocratização da Marinha, aumentando a quantidade de informações
disponíveis sobre os recrutas. As tabelas anexadas aos relatórios ministeriais
permitem saber-lhes a origem, a forma de ingresso e o número dos recrutados em
cada província, por ano.
Segundo consta nos relatórios ministeriais, entre os anos de 1845 e 1866
ingressaram na Armada 6509 marinheiros; destes, 4292 foram recrutados e 2019
eram egressos das Companhias de Aprendizes. Entre 1867 e 1874, o número de
aprendizes já supera o de recrutados, já que foram 1089 os recrutados contra 1888
ex-aprendizes das Companhias. Entre 1874 e 1888 é que se percebe mais
claramente a mudança, pois figuram apenas 335 recrutados contra espantosos 4504
238
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1868, p. 11.
83
ex-aprendizes. Foi uma ruptura significativa com relação à forma de se conseguir
marinheiros para a Armada.
Fonte(s): BRASIL. Relatórios do Ministério da Marinha. 1867, p. N10.
Quadro 4: Ingresso de marinheiros no Corpo de Imperiais Marinheiros (1845-1888)
O ministro, entretanto, faz uma objeção às despesas que tais instituições
acarretariam. Alega o alto custo de fabricação de um marinheiro nessas instituições,
sem precisar o valor. Esse dado é fornecido, talvez com algum exagero, por outro
ministro, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. Em 1873, explicando, na Assembleia geral
sobre os montantes gastos pela Armada, diz que a falta de voluntários ao serviço
naval militar motivara a criação das Companhias. Tratava-se, infelizmente, de um
mal necessário, já que
uma praça proveniente da dita companhia nos fica muito cara, por que é
preciso receber um menino de 12 annos, crial-o e educal-o até os 17 em
que começa a prestar serviços ao Estado. Esta praça entra para o corpo
com uma despeza não inferior a três contos de réis, e muitas vezes mais239.
Na concepção de João Mauricio Wanderley, a criação da instituição fora uma
medida eficiente para renovar as guarnições da Marinha, pois, para completar o
quadro de efetivos do Corpo de Imperiais Marinheiros, bastava ―preparar as
companhias de aprendizes marinheiros para dar aquelle contingente annualmente.
Em logar de exigir de cada província certo numero de recrutas, pediremos de cada
companhia egual numero de jovens nas condições convenientes. É mais simples e
menos sensível à população‖240.
239
BRASIL. Annaes do Senado do Império do Brasil. 1ª Sessão da 15ª Legislatura de 27 de
novembro de 1872 a 31 de janeiro de 1873. Fala de Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. Sessão em 3 de
abril programação do orçamento. p. 141
240
Ibid. Relatório do Ministério da Marinha. 1869, p. 11
84
Segundo Fabio Faria Mendes, o recrutamento não era uma atividade
administrativa regular do Império brasileiro, bem como que para seu sucesso
utilizava-se de todos os expedientes possíveis, por vezes desesperadamente. Sua
frequência e força eram episódicas, porque dependiam das necessidades de
reposição da tropa, das emergências militares, dos humores políticos, fazendo com
que seus resultados fossem imprecisos. Segundo o autor, eram ausentes quaisquer
mecanismos regulares de reposição das fileiras, e a falta de quaisquer registros
prévios, tanto dos indivíduos aptos ao serviço quanto dos isentos, tornava a tarefa
altamente arbitrária, imprevisível e errática241.
Caio Prado Jr. chamou o recrutamento de ―espantalho da população‖242, em
virtude do pânico que provocava nas localidades. Um presidente de província do
Pará, reportando-se ao ministro da Marinha, ao lamentar sobre os poucos soldados
enviados, justifica o não-cumprimento das metas alegando o corre-corre provocado
pela atividade recrutadora, pois ―a bandeira nacional, quando surge tremulando por
esses remotos lugares, em vez de causar satisfação e alegria, espalha o terror‖243
nos homens que, temerosos, fugiam.
Álvaro Nascimento diz que as Companhias de Aprendizes representavam,
para os dirigentes da Armada, o que de melhor fora pensado até então em termos
de reposição de tropas, uma vez que as guarnições não seriam mais compostas por
homens destreinados, indisciplinados e de idade relativamente avançada, mas por
jovens que haviam crescido em uma escola militar, onde foram, em tese,
previamente moldados e habituados desde cedo nas lides marítimas, condições
desejáveis para um bom militar a serviço dessa força armada244.
Quando os quadros estivessem inteiramente completos com egressos das
Companhias, o ministro João Wanderley acreditava que a Marinha não mais teria
a bordo o elemento heterogêneo da marinhagem, que constitue ainda hoje
um terço das guarnições, e dificilmente se accommoda às regras da
obediência à que não foi acostumado. Compostas as Guarnições com gente
tão idonea será talvez possível realizar uma outra medida digna de reflexão
e estudo - a supressão dos castigos corporaes – por ora justificados, por
que entram na organização dellas homens que não podem ser governados
somente pelo estimulo245
241
MENDES, Fábio Faria.1998.
PRADO JÚNIOR. Caio. 2000, p. 318.
243
AN. Série Marinha, XM 107, Correspondência com o presidente do Pará. Apud. JEHA, Silvana.
Cores e marcas dos recrutas e marujos da Armada, c. 1822-c. 1860. Revista de História Comparada.
Rio de Janeiro, 7, 1: 36-66, 2013, p. 53.
244
Nascimento, Álvaro. 2002, p. 70.
245
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha.1869, p. 11
242
85
O ministro Joaquim Delfino Ribeiro da Luz retomou a questão anos mais
tarde, em 1874, dizendo que o Corpo de Imperiais Marinheiros, tendo praças
―morigeradas‖ e ―disciplinadas‖, bem que poderia aliviar os castigos corporais a
bordo. No entanto, considerava perigosa a abolição total. Conhecedor das forças
navais de outras nações, justificava a manutenção dos castigos físicos alegando que
estes existiam até ―nas marinhas dos países mais civilizados‖. Entretanto, ressaltava
a necessidade, já reiterada por ministros anteriores, de revisar os Artigos de Guerra,
principalmente o art. 80, pois a interpretação dada pelo oficialato gerava abusos.
Os ministros preocupavam-se com os excessos de alguns oficiais, mas
contraditoriamente justificavam a permanência dos castigos físicos porque o
recrutamento ainda trazia para os quartéis um pessoal resistente à disciplina, além
de haver a relutância de maior parte dos oficiais. Afinal de contas, eram estes que
lidavam cotidianamente com os marinheiros e achavam perigoso abrandar o regime
disciplinar. Mesmo com a criação das Companhias de Aprendizes Marinheiros, o
regime disciplinar não foi abrandado, ainda que as tropas estivessem quase todas
completas com egressos dessas Companhias.
86
4. A Companhia de Aprendizes Marinheiros da província do Maranhão (18701900)
Antes da criação das Companhias Fixas de Marinheiros, crianças e jovens a
serviço da Armada eram distribuídos por vários navios, sem critério algum - bastava
haver necessidade. Com a criação de quatro delas, um princípio de organização
passou a ser adotado e todos os meninos passaram a ficar aquartelados na fragata
Príncipe Imperial, onde seriam primeiramente instruídos em primeiras letras e nos
princípios da doutrina cristã para, depois, ser embarcados como grumetes nos
navios da Armada246.
A instituição das Companhias de Aprendizes Marinheiros, a partir de 1840,
deu impulso ao projeto naval de nacionalização, militarização e profissionalização
das tropas. Além de ter uma tropa formada exclusivamente por nacionais, o
propósito de tal programa era dotar a Armada de marujos mais jovens e, em tese,
alfabetizados e que houvessem recebido anos de treinamento antes de ser
convertidos em marinheiros profissionais.
O ensino das primeiras letras aos pequenos tinha como objetivo vencer o
analfabetismo que reinava entre os militares de baixa patente, mudando assim a
imagem dos marinheiros como sujeitos rudes e ignorantes. O ensino profissional era
responsável por socializá-los no mundo marítimo militar, para saberem os nomes e
os usos dos instrumentos que utilizariam futuramente. Isso, porém, era apenas o
prescrito. No cotidiano dos aprendizes, nem sempre as normas eram cumpridas e as
condições de ensino em muito distanciavam-se do desejado.
Para conhecermos como esse projeto foi desenvolvido, passamos a
descrever e analisar o funcionamento da Companhia de Aprendizes do Maranhão,
observando sua dinâmica e contradições de dentro, sem perder de vista, entretanto,
as questões políticas mais amplas.
Iremos nos deter, agora, nas experiências desses jovens, filhos de famílias
pobres, órfãos, ingênuos, libertos e expostos, que chegaram de diversas formas aos
cuidados dessa instituição militar comandada por oficiais graduados, destinada a
formar marinheiros para a Armada. Nas séries documentais pesquisadas,
encontramos pistas de momentos das vidas desses jovens e crianças. Indícios de
246
ANTUNES, Edna Fernandes. 2011, p. 87.
87
como viviam, o que comiam, vestiam, aprendiam, assim como parte de suas
experiências concretas, marcadas pela dominação e violência, mas também pela
astúcia e resistência.
Faz-se necessário destacar que as series documentais consultadas não
contemplam a narrativa daqueles jovens - suas vozes não aparecem. O desafio foi,
portanto, buscar uma aproximação de como foi ser um aprendiz na Companhia de
Aprendizes Marinheiros da província do Maranhão, entre 1870 e 1900, escovando
os indícios a contrapelo, como sugeriu Walter Benjamim, contra as intenções de
quem produziu os documentos247, dando sentido aos fragmentos de suas histórias.
4.1 O controle institucional
A rotina precrita para os aprendizes era rígida até para os padrões da época.
As crianças entravam muito cedo no campo militar, ficando sem muito contato com
os familiares (aqueles que ainda os tinham) e com o mundo civil em geral, pois
deviam ficar aquartelados em uma espécie de ―quartel-escola‖, localizado nas
instalações da Capitania dos Portos da província.
As Companhias de Aprendizes Marinheiros foram criadas para ser uma
instituição total248. Para Erving Goffman, instituições construídas nesses moldes
servem como local de confinamento por excelência, com o objetivo de ordenar
melhor o tempo, centralizar a autoridade e manter os internos em maior vigilância.
Pela grade de horários elaborada (Quadro 6) percebe-se que os legisladores
queriam que os aprendizes tivessem o tempo rigorosamente dividido e
cronometrado. Conforme o regulamento, o dia dos aprendizes deveria começar
cedo. Às cinco horas todos deveriam estar de pé para fazer a limpeza do quartel.
Depois teriam aulas de natação na praia ou na "banheira" que havia no quartel.
Acreditamos que esta era destinada aos principiantes na natação, por não ser
sensato deixar crianças destreinadas nas águas traiçoeiras do mar sem um ensino
prévio em um local mais tranquilo.
Estavam previstas aulas de primeiras letras, fundamentos das ciências
náuticas e instrução militar. Havia horário para lavar as próprias roupas, tomar
247
GINZBURG, C. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras,
2002. p. 43.
248
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
88
banho, cear e para o recreio. Poderíamos supor que nesse horário os aprendizes
iriam ter um momento de descanso, só deles, longe da vigilância e com um
relaxamento da hierarquia, para se divertirem depois de um dia estafante. Mas,
conforme o regulamento, isso não tinha lugar. Nas letras miúdas do regulamento,
podemos visualizar que no horário do recreio os aprendizes deveriam ter aulas de
ginástica.
Fonte: Escola de Aprendizes - Marinheiros do Ceará. Disponível em: http://goo.gl/B6ni1W.
Acesso em: 21 ago. 2014.
Figura 4: Aprendizes realizando exercícios de ginástica. 1917.
O controle do tempo não é característica exclusiva das ―instituições totais‖,
mas da sociedade moderna como um todo249. Porém, em tais locais, o caráter
imperativo do tempo é sentido com mais intensidade, pois foi apenas com o
surgimento de unidades estatais relativamente estáveis que o tempo passou a ser
experimentado sob a forma de um fluxo contínuo250, principalmente nas forças
armadas modernas.
A Companhia de Aprendizes Marinheiros do Maranhão seguia o modelo
organizacional das Companhias criadas em Santa Catarina e Pernambuco, no ano
de 1857 (Quadro 5). A defasagem de funcionários, entretanto, era tamanha que o
capitão do porto Joaquim Pereira de Melo não conseguia realizar sua atribuição de
recrutar marinheiros com presteza, devido ao baixo efetivo com o qual contava. Sob
o seu comando apenas três imperiais marinheiros realizavam ―o serviço do Quartel e
249
THOMPSON, E. P. O tempo, a disciplina do trabalho e o capitalismo industrial. In: SILVA, T. T.
da.(org.) Trabalho, educação e prática social: por uma teoria da formação humana. Porto Alegre:Artes
Médicas, 1991. p. 44-93.
250
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984, p. 48.
89
policiamento dos menores‖, por isso os marinheiros ficavam impossibilitados de sair.
Em busca de solução para esse problema, o capitão recorre à Presidência para
solicitar soldados do Corpo de Polícia ou do 5 º Batalhão de Infantaria para ficarem
no lugar dos marinheiros vigiando a Alfândega. O oficio do capitão apresenta
indícios fortes da precariedade do aparato para o recrutamento, pois recorrer a
soldados de outros aparatos para ocupar provisoriamente os postos dos marinheiros
evidencia haver fragilidades estruturais da Armada na província, com os marujos
sobrecarregados de atribuições.
Comandante
1
Tenentes
1
Comissários
1
Escrivães
1
Mestre
1
Contramestre
0
Guardiães
1
Mestre d'Armas
1
Marinheiros de Classe Superior
4
Aprendizes Marinheiros
98
Pífaro
1
Tambor
1
Total
111
Fonte: BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto n° 2.725 de
12 de janeiro de 1861.
Quadro 5: Organização da Companhia de aprendizes Marinheiros
da província do Maranhão
O baixo efetivo de marinheiros na província contribuía também para a nãorealização do recrutamento dos contingentes anualmente estipuladas pelo Ministério
da Marinha. O capitão era ciente disso, apenas não queria correr riscos ainda
maiores, pois a solicitação de soldados de outros aparatos para liberar os
marinheiros para a caçada de recrutas tinha como propósito ―evitar alguma
ocorrência desagradavel sendo os recrutas condusidos por menores da companhia,
como se deo hoje(!)‖251.
As cenas de jovens aprendizes, com armas em punho, escoltando adultos
pelas ruas da cidade, evidenciam facetas de uma administração militar que se
utilizava de improvisações perigosas para desempenhar suas funções mais básicas.
251
MARANHÃO. Ofícios do Capitão do Porto. 1874. Ofícios do Capitão ao Porto ao Presidente da
província, de 21 maio de 1874. Setor de avulsos. APEM.
90
PELA MANHA
PELA TARDE
INSTRUCÇÃO
SEXTA-FEIRA
"
.
SABBADO
"
.
.
.
.
.
.
"
"
9 h à 1/2 dia
.
"
.
.
.
"
"
"
.
"
1 1/2h à 3 1/2
.
.
.
"
"
"
.
"
.
.
1 a 2 1/2
"
"
"
9h às 11 1/2
"
.
1 1/2h à 3 1/2
"
"
"
.
"
.
"
"
.
"
.
BANHO E NATAÇÃO
RECREIO
1/2 dia
CEIA
.
LIMPESA DE QUARTEL
.
RECOLHER
.
8h
LADAINHA
"
BALDEAÇÃO
QUINTA-FEIRA
LAVAGEM DE ROUPA
.
ARTILHARIA
"
INFANTARIA
QUARTA-FEIRA
REMOS E VELLAS
.
APARELHO E AGULHAS
"
JANTAR
TERÇA-FEIRA
REVISTA DE UNIFORME
.
INSTRUCÇÃO PRIMÁRIA
"
8h
"
depois
SEGUNDA-FEIRA
sendo antes da corrida ou 2 hs
9h
.
8 1/2 à 9 1/2
6 às
occasião que a maré permittir,
5h
Intervallos de 1 hora todos dias na
DOMINGO
MISSA
ALVORADA
DIAS DA SEMANA
ALMOÇO
MILITAR
1 1/2h a 2 3 às 5h
5h às 5 1/2 5 1/2 à 7 1/2
.
"
"
.
"
.
.
"
"
.
"
.
.
.
"
"
.
"
.
.
.
.
"
"
.
"
5 1/2 à 8
.
.
.
.
"
"
.
"
.
.
.
.
5 às 7 1/2
"
"
.
"
1º Nos sabbados, depois da ceia, se fará a limpeza do armamento.
2° Nos domingos, depois da missa, mostra geral.
3º Todos os dias, na hora do recreio, exercício de gymnastica.
4º Todos os dias, depois do almoço, formão-se os aprendizes para passar-se mostra de roupa
5º Ao toque de silêncio às 9 horas e 30 minutos, fecha-se o portão do quartel.
Quartel da Escola de aprendizes marinheiros do Maranhão em 31 de Dezembro de 1885.
Fonte: Ibid. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros (1885-1888). Mappa do serviço semanal em que se applicam aos aprendises marinheiros da companhia da
província do Maranhão. 31 de dezembro de 1885. Setor de avulsos.
Quadro 6: Grade de horários dos aprendizes marinheiros da província do Maranhão - 1885
91
O discurso de que os aprendizes, além de abrigo e alimentação, teriam uma
educação de qualidade pode ter seduzido muitas famílias pobres a entregar seus
filhos para a instituição. Na província do Maranhão, segundo um relatório da
Presidência no ano de 1874, havia uma população de aproximadamente 336.325
habitantes, dos quais 73.245 eram escravos e 263.080, livres. Da população livre,
frequentavam as 132 escolas de instrução primária apenas 4.793 discentes, sendo
3.642 meninos e 1.151 meninas252. A escolarização não chegava sequer a 2% da
população livre em geral.
Segundo Antônio Almeida, a Freguesia de Nossa Senhora da Vitória,
localizada na capital da província, que era considerada uma das mais importantes e
mais alfabetizadas, possuía 39% de sua população livre desprovida de instrução
escolar253.
As possibilidades de escolarização por meio das escolas de primeiras letras
eram visivelmente escassas para grande parte do segmento infantil pobre. De
acordo com os trabalhos de César Castro, o acesso dos meninos das classes
populares maranhenses ao campo escolarizado e também profissionalizante poderia
se dar por meio da Casa dos Educandos Artífices254, criada em 1841, e pela Escola
Agrícola do Cutim, criada em 1859. Ambas ministravam o ensino de ofícios e
primeiras letras. A Escola do Cutim, entretanto, formava mão de obra
especificamente para a lavoura. Para Castro, esta foi infrutífera, pois em todo o seu
período de existência teve apenas 14 alunos matriculados; vilipendiada por desvios
de verbas, sucumbiu em 1865255.
Na apreciação feita pelo presidente de província Eduardo Machado, em 1851,
o número de aprendizes na Casa dos Educandos Artífices havia extrapolado o
estabelecido no regulamento da instituição e os requerimentos de admissões só
252
Ibid. Relatório com que o exm. sr. dr. Augusto Olympio Gomes de Castro passou a administração
da província ao 3º vice-presidente, o exm. sr. dr. José Francisco de Viveiros, no dia 18 de abril de
1874, Maranhão, Typ. do Paiz, 1874. Apud. COSTA, Odaléia Alves da. O livro do povo na expansão
do ensino primário no Maranhão (1861-1881). Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2013, p. 30.
253
OLIVEIRA, A. de Almeida. O ensino público. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p.
45-46.
254
CASTRO, César Augusto. Infância e trabalho no Maranhão: uma história da Casa dos Educandos
Artífices (1841-1889). São Luís: EDFUNC, 2007.
255
Idem. O Ensino Agrícola No Maranhão Imperial. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 48, p.
25-39 Dez. 2012. Disponível em: http://goo.gl/bwjtiJ. Acesso em: 15 de maio de 2013.
92
aumentavam256. Anos depois, o presidente José Bento de Araújo, em 1888, alegava
que os recursos destinados à Casa estavam escassos, tornando inviável a
manutenção de um número elevado de alunos. Por isso, baixara a ordem de ―não
admittir um só alumno àquelle estabelecimento‖ e dispensar os que estavam além
do permitido257. Castro informa que a redução na Casa foi de trezentos para cem
aprendizes. Falta de verba, espaço reduzido, epidemias etc. foram as principais
justificativas258.
Se conseguir escolarizar os filhos já era difícil, depois dessa redução as
condições ficaram mais desanimadoras ainda. Muitos pais, mães e tutores, a partir
da década de 80 do século XIX, solicitaram vagas para seus filhos naquela
instituição - a maior parte delas certamente foi frustrada. Na imprensa, visualiza-se
claramente as tentativas:
Pedro Paulo de Oliveira Santos. Pedindo que seja admittido no
estabelecimento dos educandos artificies o seu tutelado de nome Pulqueiro,
como pensionista da província. – ao Sr. Director da casa dos educandos
artificies para inscrever o nome do tutelado do suplicante no quadro, afim de
ser admittido quando houver vaga259.
D. Francisca Ritta dos Santos – ao Sr. Coronel director da casa dos
educandos artificies, para mandar inscrever o filho da suplicante, afim de
ser admitido quando houver vaga260.
Francisca Carolina de Souza Mello. – ao Sr. Coronel director da casa dos D
educandos artificies para mandar inscrever o menor filho da suplicante, afim
de ser attendida quando houver vaga261.
Joaquim Marques Rodrigues Netto. – ao Sr. Coronel director da casa dos
educandos artificies para mandar inscrever o nome do menor, filho da
escrava do suplicante, afim de ser atendido quando houver vaga262.
D. Maria Alexandrina Sá Fernandes. – ao Sr. Coronel director da casa dos
educandos artificies para mandar inscrever o nome do menor afim de ser
admititdo quando houver vaga263.
256
MARANHÃO. Presidência da Província. Falla dirigida pelo exm. presidente da provincia do
Maranhão, o dr. Eduardo Olimpio Machado, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua
installação no dia 7 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,
1851. p.17.
257
Id. Falla que o exm. snr. dr. José Bento de Araujo dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial do
Maranhão em 11 de fevereiro de 1888, por occasião da installação da 1.a sessão da 27.a legislatura.
1888. Maranhão, Typ. do Paiz, p. 23.
258
CASTRO, César Augusto. 2007, p. 314.
259
PUBLICADOR MARANHENSE. São Luís, 26 de novembro de 1885, Despachos, p.2.
260
PACOTILHA. São Luís, 27 de novembro de 1885. Despachos da Presidência, p.2
261
PUBLICADOR MARANHENSE. São Luís, 27 de dezembro de 1885, Despachos, p.1.
262
PACOTILHA. São Luís, 29 de dezembro de 1885, Despachos da Presidência. p. 2.
263
Id. São Luís, 30 de novembro de 1886, Despachos da Presidência. p. 2.
93
D. Seraphina Miranda – ao Sr. Coronel director da casa dos educandos
artificies para mandar inscrever o nome, filho da supplicante, afim de ser
admitido quando houver vaga264.
Ao coronel director da cada dos educandos artificies – sem prejuízo das
ordens anteriores mando vmc admittir nesse estabelecimento quando
houver vaga o menor José João Ferrreira, filho legitimo de João Mariano
Ferreira265.
Em todos os pedidos fica evidente a falta de vagas para os pequenos.
Operando com lotação máxima, a Casa dos Educandos Artífices não conseguia
absorver todos os pretendentes. Nesse contexto, a Companhia de Aprendizes
Marinheiros poderia ser a rara opção apontada por Venâncio, pois nela a vaga era
assegurada - bastava o pretendente cumprir as exigências legais.
Porém as condições do ensino previstas nem sempre eram cumpridas nessa
instituição. Vinte aprendizes enviados para o Corpo de Imperiais Marinheiros tiveram
a formação profissional questionada. O presidente da província Augusto Gomes de
Castro reclamou da ―falta de instrução de quasi todos‖. Em resposta, o capitão do
porto disse que os aprendizes não tiveram uma formação satisfatória por ―não haver
alli pessoa habilitada que se encarregue do ensino dos menores de um modo
proveitoso para elles‖266.
De acordo com o decreto que norteava a organização das Companhias, o
―Capellão do Arsenal, ou hum Official Marinheiro
que tiver as habilitações
necessárias‖ seriam os encarregados em ensinar os aprendizes a ler, escrever,
contar, riscar mapas, e orientá-los na doutrina cristã267. Na falta deles, o cargo de
professor poderia ser dado ao escrivão268. Um Aviso ministerial conferia aos oficiais
de Fazenda empregados na instituição tal incumbência, caso não houvesse
prejuízos das obrigações de seu cargo269.
O próprio capitão do porto relatou que aqueles 20 aprendizes foram para a
Corte quase analfabetos por que, dentre outras coisas, eram ensinados pelo mestre
de armas, que mal sabia ler e escrever, e como não podia mais esconder o
264
Id. São Luís, 14 de dezembro de 1886, Despachos da Presidência. p. 2.
PUBLICADOR MARANHENSE. São Luís, 19 de março de 1882, Additamento ao expediente do
dia 9 de março de 1882, p.1.
266
MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório com que o exmº srº 1º vice-presidente da
província, dr. José da Silva Maya, passou a administração desta província ao exmº srº presidente, dr.
Augusto Olímpio Gomes de Castro, no dia 28 de outubro de 1870. São Luís: Tip.de José Mathias,
1870. p. 31-32.
267
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 1.517 de 4 de Janeiro de 1855. Art. 17.
268
Ibid. Ministério da Marinha. Aviso nº 39 de 15 de fevereiro de 1864.
269
Id. Aviso nº 538 de 9 de dezembro de 1868.
265
94
problema confessou o ―quam precaria e prejudicial era a instrucção fornecida por
semelhante professor‖, mas que havia se esforçado para que os aprendizes não
ficassem sem aulas.
Vera Marques e Silvia Pandini relatam que o capitão do porto da província do
Paraná tinha dificuldades assemelhadas em conseguir um bom professor para os
aprendizes. Segundo as declarações daquela autoridade, contou com muitos
professores analfabetos para ensinar os aprendizes e o atual, dizia ele, ―além de não
ter as habilitações precisas [...] embriaga-se, dando com esse procedimento
exemplo pernicioso aos menores‖270. Pouco tempo antes, naquela mesma província,
há indícios de que um aprendiz era o encarregado do ensino aos demais271.
Para substituir aquele mestre de armas que estava lecionando na Companhia
de Aprendizes do Maranhão, Fernando Ribeiro do Amaral, escrivão da instituição em
1870, aceitou ser professor de primeiras letras dos aprendizes durante um tempo,
mas só o fez depois de ser arbitrada a gratificação de vinte mil réis mensais,
considerada por ele ―muito mesquinha em virtude da acumulação de trabalho‖.
No entanto, era proibida a gratificação nesse valor para a função, fato que o
levou a deixar de "ensinar aos menores, porque não quis se sujeitar a receber a
ainda mais mesquinha gratificação de dez mil réis mensais marcada pelo
regulamento‖. O pagamento para lecionar na Companhia era considerado tão
irrisório que levou o capitão do porto a questionar sobre quem,
por tam diminuta quantia, de boa vontade, se preste a lecionar diariamente
80 a 100 meninos com o aproveitamento conveniente attendendo-se a
relutância quase natural de toda a creança em aprender o que lhe é útil e
necessário para a vida moral e social272.
Somente com a reestruturação das Companhias de Aprendizes Marinheiros,
que passaram a ser denominadas Escolas de Aprendizes Marinheiros, em 1885, foi
que houve a criação do cargo de professor de primeiras letras273.
Afirmamos anteriormente que a Companhia de Aprendizes fora pensada
para ser uma instituição total, mas isso foi apenas uma pretensão. A falta de
270
MARQUES, Vera Regina Beltrão; PANDINI, Sílvia. p. 97.
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1880 E 1881, A-N3-7.
272
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província de 19 de
novembro de 1870. Setor de avulsos. APEM.
273
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 9.371 de 14 de Fevereiro de 1885. No final do
decreto há uma tabela com todos os profissionais que deveriam constar nas Escolas de aprendizes
Marinheiros e seus respectivos soldos.
271
95
estrutura impedia que tal projeto disciplinar fosse cumprido à risca. Os ofícios dos
comandantes da Companhia de Aprendizes, endereçados aos presidentes de
província, apesar de toda a aridez dos documentos burocráticos, possibilitam a
observação de um esboço do funcionamento e da estrutura material de todos os
locais onde a Companhia se instalou. Foram várias as mudanças. Os prédios eram
alugados e considerados inapropriados pelos Comandantes.
O capitão-tenente Augusto Monteiro da Silva, em 1888, depois de descrever
as instalações, enfatizando as dimensões acanhadas e as condições insalubres, diz
que o espaço não abriga todo o pessoal, e não há
tão pouco terreno algum para a instrução phisica dos aprendizes, como a
gymnastica, a esgrima e mesmo para recreio dos meninos. Os exercícios
como V. EXª tem sido testemunha, são feitos na rua, o que afeta em parte a
disciplina militar de um estabelecimento desta ordem274.
Os aprendizes eram obrigados a sair do quartel para realizar as atividades de
aprendizagem militares. Na época dessa reclamação, os meninos ficavam
aquartelados em um prédio localizado em frente à Igreja das Mercês275, e não raras
vezes eram vistos indo ao terreno do dique276, que ficava na praia logo atrás da
Igreja277, praticar exercícios de esgrima e baioneta.
Se dependesse da vontade do capitão-tenente Silva, as instalações da
Companhia não estariam sequer localizadas no perímetro urbano. Considerava a
folia da cidade e a proximidade dos parentes prejudiciais à disciplina e formação dos
aprendizes. No entanto, o comandante afirma não conhecer na cidade ―prédio algum
que possa servir para a Escola de Aprendizes parecendo que melhor e mais
econômico para os cofres do Estado, será construir-se um próprio Nacional retirado
ao buliço da cidade e com todos os requisitos para tal fim‖278.
Erving Goffman criou o conceito de instituição total para analisar
sociologicamente locais que foram criados para funcionar como ―estufas de
modificar pessoas e comportamentos‖, locais onde se objetivava realizar uma
274
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros (1885-1888). Ofícios do
Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros ao presidente de província, 10 de agosto de 1888.
Setor de avulsos APEM.
275
ALMANACK do diário do Maranhão para o ano bissexto de 1882. 5º Anno. Maranhão Typ-Frias.
276
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província, 2 de
janeiro de 1885. Setor de avulsos. APEM.
277
MARQUES, Cesar Augusto. Apontamentos para o dicionário histórico, geográfico, topográfico e
estatístico da província do Maranhão. Typ. do Frias. 1864, p. 133.
278
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da
Escola de Aprendizes Marinheiros, 3 de maio de 1888. Setor de avulsos APEM.
96
mortificação do eu nos indivíduos. Esse conceito aplica-se a uma vasta quantidade
de instituições. Ele elenca os manicômios, prisões e conventos, mas várias outras
podem ser incluídas por ter grandes similitudes, como os quartéis militares, navios
de guerra etc., que têm como característica principal o fato de ser locais de
residência e trabalho, onde um grande número de indivíduos em situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de
tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada279.
Na acepção do capitão-tenente Silva, o fato de os aprendizes estarem em
contato constante com o mundo da rua poderia afetar a fabricação dos futuros
marinheiros. Um local fechado e com contatos mínimos com o exterior seria ideal
para que a formação militar não sofresse embaraços. Quanto mais segregada do
mundo da rua a instituição fosse, mais distinção haveria entre os aprendizes e seus
familiares.
Outro indício que aponta o desejo de transformar a Companhia em instituição
total são as constantes reclamações sobre a falta de um navio de guerra, exclusivo
para o aprendizado das crianças. Provavelmente muitos aprendizes tornaram-se
marinheiros sem nunca ter embarcado em um navio militar, e se o fizeram foi por
pouco tempo.
Quando havia a oportunidade, embaraços geralmente surgiam. Em 1873, por
exemplo, quando já estava acertada uma viagem de instrução dos aprendizes até ao
Ceará, no iate Rio das Contas, para serem instruídos ―nas diversas fainas
marítimas‖, demandas consideradas mais urgentes precisavam ser atendidas. O
comandante cancelou a viagem de instrução, alegando ser esta desnecessária,
além de poder gerar inconvenientes, já que o capitão do porto anterior
verbalmente declarou-me que no próximo paquete devião recolher-se no
Quartel Central os Aprendizes Marinheiros que tivessem cumprido o tempo
de aprendizagem marcado no regulamento, a vista dessa determinação não
posso por a disposição do Comandante do Hiate Rio de Contas menor
algum, por que os que estão nas circunstancias de sair para a instrução de
que se trata são justamente os que tem de seguir para o Quartel Central e
por essa rasão não podem sair deste Quartel, os que se seguem a estes
são em numero limitado e necessários para os diversos serviços do quartel
e o restante são tão pequenos que mais servirião para atrapalhar o navio do
que para ajudarem a qualquer manobra‖280.
279
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 11.
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província. Ofício de
8 de janeiro de 1873. Setor de avulsos. APEM.
280
97
Para não perder marinheiros considerados prontos, o Comandante seguiu o
conselho do seu antecessor e os manteve aquartelados durante 40 dias, tempo em
que esperaram o embarque para a Corte. Seguiram naquela ocasião 15 aprendizes
para o Corpo de Imperiais Marinheiros281.
Em 1888 ainda não havia uma embarcação para treino dos aprendizes,
apesar das recorrentes solicitações nesse sentido. Othon de Carvalho Bulhão, então
comandante da Companhia, disse que em sua gestão o contato dos aprendizes com
navios de guerra foi limitado, acontecia esporadicamente, quando porventura
alguma dessas embarcações atracava no porto, tendo havido aulas de instrução em
navios apenas ―durante o tempo que aqui estacionarão as canhoneiras de guerra
‗Manáos‘ e ‗Lamego‘‖. Defendia que um navio exclusivo seria necessário e
fundamental para o aprendizado e, com isso, ―bastante lucrarão os aprendizes
Marinheiros em sua instrução profissional‖282.
Fonte: Foto de Marc Ferrez. Disponível em: http://goo.gl/gj91IG. Acesso em: 21 ago. 2014.
Figura 2: A Canhoneira Lamego, amarrada a uma bóia na Baía da Guanabara.
Localizamos um único registro de viagem de instrução dos aprendizes do
Maranhão. Aconteceu em 1885 e dele pode-se inferir problemas para além da falta
de treinamento náutico, pois é repleto de denúncias de maus-tratos e das péssimas
condições de vida que levavam os aprendizes dentro da instituição. O capitão281
Id. Ofício de 18 de fevereiro de 1873. Setor de avulsos. APEM.
Ibid. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da Escola de
Aprendizes Marinheiros ao presidente da província. Ofício de 1º de maio de 1888. Setor de avulsos.
APEM.
282
98
tenente José Marques Mancebo, comandante da canhoneira Lamego, onde a
referida viagem foi realizada, relata ao presidente da província que os aprendizes
remetidos para o navio apresentaram-se a bordo com roupas sujas, anêmicos e com
a cara de quem não comia havia muito tempo, considerando-os ―bastante atrasados
e pouco desenvolvidos‖.
O comandante da instituição defendeu-se dizendo não ser verdade o que
consta no relatório do seu colega de farda: os aprendizes sob seu comando não
andavam maltrapilhos; isso não acontecia nem ―mesmo quando eles acham-se em
casa (o que poderei provar com o testemunho das pessoas que frequentam o
Estabelecimento), como aconteceria indo eles à um exercício fora?‖. Essa não era a
primeira vez que a vestimenta dos aprendizes marinheiros do Maranhão fora alvo de
críticas. Anos antes, ao visitar as instalações da Companhia, o presidente da
província Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos reclamou do ―estado de quase nudez
dos menores aprendizes‖, alertando o capitão do porto ser ―urgente evitar que os
menores continuem neste estado, não só pela decência que lhes é devida, como
ainda pelo mau estado sanitário que atravessa a capital‖283. Em outra ocasião, em
1886, quando os aprendizes receberam fardamentos novos ―eram todos grande para
os meninos e que assim mesmo mandei distribuir pois estes estão totalmente
desprovidos‖284, disse o mesmo Othon Bulhão, que declarara meses antes que os
aprendizes sob sua responsabilidade andavam bem trajados.
283
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 613. Registro nº 140 em 14 de agosto de 1879. Setor de códices. APEM.
284
Ibid. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da Escola de
Aprendizes Marinheiros, 4 de janeiro de 1886. Setor de avulsos. APEM.
99
BLUSA DE PANNO
BRIM COM GOLA AZUL
ALGODÃO BRANCO TRANÇADO MESCLA
BRIM
PANO
ALGODÃO AZUL TRANÇADO
LENÇOS DE SEDA
MACAS
SACOS
PARES/SAPATOS
COBERTOR DE LÃ
COLCHÃO
CALÇAS
BONET DE PANO
CAMISAS
AO ASSENTAR PRAÇA
1
1
2
2
2
1
2
2
1
1
1
1
1
DE TRES EM TRES MEZES
1
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
DE SEIS EM SEIS MEZES
0
0
1
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
DE ANNO EM ANNO
0
1
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
EPOCAS DA DISTRIBUIÇÃO
Fonte: BRASIL. Ministério da Marinha. Aviso de 23 de junho 1875. In: Relatório do Ministério da
Marinha. 1876-1, p. A-J-9.
Quadro 7: Periodicidade de distribuição de fardamento dos aprendizes marinheiros
Quanto à acusação de serem anêmicos os aprendizes, o comandante dizia
que ―bastava vel-os para a gente se convencer do contrario, até o mesmo médico da
escola, com o seu olhar de homem da sciencia ainda não chegou a descobrir tal
coisa!‖. É consenso que uma boa alimentação, associada a medidas higiênicosanitárias são essenciais para a obtenção ou conservação da saúde de qualquer ser
humano. Porém, isso não era realidade nas repartições da Marinha, cujos problemas
vinham em duas frentes. Se por um lado havia enormes dificuldades para conseguir
soldados, devido às redes clientelares que desviavam os recrutadores de parte da
população, a má qualidade dos apurados, a aversão popular à vida militar, entre
outros elementos, havia outra questão igualmente desestabilizadora para a Marinha:
eram as doenças. Estas esvaziavam as guarnições e representavam a terceira maior
causa da perda de marinheiros. Os relatórios ministeriais apontam que, entre 1867 e
1888, morreram 1.858 marinheiros em decorrência de doenças (não entram nessa
contagem os acidentados nem os mortos em desastres). Esse percentual representa
29,4% do contingente total285.
As baixas por tempo de serviço, por sua vez, contabilizavam 29,7% das
perdas. Havia a possibilidade de dos marinheiros continuarem servindo e receber
285
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1889. Anexo: Mapa Estatístico do Corpo de Imperiais
Marinheiros. Apud. ARIAS NETO, José Miguel. 2001, p. 151
100
gratificações, mas eram poucos os que se arriscavam a permanecer. A deserção era
outro problema estrutural. Dos navios e quartéis da Armada, 48% da tropa, quase a
metade, utilizou este último recurso de resistência ao serviço militar286.
Anteriormente a situação era ainda pior. Entre 1845 e 1866, cerca de 41,1%
da tropa naval morreu em decorrência de enfermidades. Segundo Arias Neto,
se incluir-se as mortes por desastres e combates, o índice eleva-se para
64,7%. Estes dados permitem imaginar que as condições sanitárias e o
regime alimentar à bordo dos navios e nos quartéis eram precaríssimos. Por
outro lado, apenas 1,7 % dos ingressos obtiveram reforma final com as
"vantagens" asseguradas pela lei, enquanto 18,6% simplesmente deixaram
o corpo assim que completaram o tempo mínimo de serviço militar. Ou seja,
tomando-se as estatísticas do ministério da Marinha, verifica-se que, do
total de imperiais marinheiros existentes no corpo, no período de 18451866, 47,7% morreram, em sua maioria absoluta por doenças, e 17,4%
foram desligados por ―inutilizados‖, enquanto que apenas 20,3% chegaram
a completar o tempo de serviço mínimo ou foram reformados. As variações
entre um período e outro são, por assim dizer, insignificantes287.
Continuando em sua defesa, diz o comandante que os aprendizes sob sua
responsabilidade são nutridos, e que a acusação derivou de um ―engano óptico‖ e
que bastava ―lançar um olhar sobre os atuais aprendizes marinheiros desta escola
[para ficar] convencido de que eles, se não tem alimentação appetitosa e variada
dos filhos de famílias ricas ao menos não andam com a 'cara que não comiam a
muito tempo'‖288.
A alimentação dos aprendizes, segundo consta na lista posta em arrematação
pela instituição, seria composta de arroz, açúcar, azeite doce, bacalhau, café, carne
seca, carne verde, farinha, feijão, manteiga, sal, toucinho, vinagre de Lisboa e
pão289. Alimentos e demais objetos de uso diário da Companhia de Aprendizes eram
adquiridos por meio de editais veiculados nos periódicos. Os interessados
apresentariam suas propostas ao Conselho de Compras da instituição e a mais
vantajosa para a Fazenda Pública seria a contratada.
As autoridades tentavam esconder o problema da (má) alimentação dos
aprendizes, mas, por indícios esparsos, depreendemos o sofrimento enfrentado por
eles, principalmente aos acometidos de beribéri.
286
Ibid.
ARIAS NETO, José Miguel. 2001. p. 107
288
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da
Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofício de 19 de dezembro de 1885. Setor de avulsos. APEM.
289
PUBLICADOR MARANHENSE. São Luís, 12 de junho de 1880, Declaração – Companhia de
Aprendizes Marinheiros, p. 2.
287
101
4.2 Aprendizes beribéricos
Beribéri - Eis-me
Eu sou o Beribéri e, como Otelo,
nasci lá nos desertos africanos,
nasci para flagelo dos humanos,
e as mais moléstias meto num chinelo.
Naturalizei-me brasileiro e firmei a minha residência na terra de
Gonçalves Dias. Gosto muito do Nordeste, e decididamente não saio de lá.
Ainda não passei da Bahia. Não faço casa da corte.
Artur Azevedo
Durante todo o período estudado, os aprendizes sofreram bastante por causa
do beribéri. Segundo um dicionário histórico de termos médicos, a palavra beri é de
origem hindu e dá nome aos grilhões de ferro comumente utilizados em algumas
regiões da Ásia para restringir as possibilidades de fuga de condenados que
trabalhavam em serviços públicos; também eram utilizados para prender
elefantes290.
Segundo Jacob Bontius, médico holandês, há outra explicação para o nome
da doença. Na Índia existe uma espécie de ovelha conhecida como Bhayree (beri),
que andava de forma tortuosa291. Seja uma ovelha cambaleante ou um grilhão de
ferro, o certo é que uma doença batizada com a repetição do termo já sugere
dificuldades enormes de locomoção em seus portadores.
Uma das consequências mais frequentes nos doentes de beribéri é
justamente a fraqueza nas pernas, que impede o acometido de caminhar
normalmente. Atualmente sabemos que o beribéri é uma doença causada pela
deficiência de tiamina (vitamina B1) na alimentação, que apesar de facilmente
tratável, pode levar a óbito em pouco tempo. Tal nutriente é responsável por várias
reações químicas do organismo, principalmente na condução dos impulsos
nervosos. São fontes alimentares ricas em tiamina os cereais integrais, gérmen de
trigo, nozes e carnes (especialmente vísceras), aves, peixes, vegetais e produtos
derivados do leite. Como se trata de uma vitamina hidrossolúvel, permanece por
tempo reduzido no organismo antes de ser excretada pelos rins, razão pela qual
deve ser ingerida diariamente. Caso não haja consumo diário, em dois ou três
290
MCNAIR, John Frederick Adolphus. Prisoners their own warders: a record of the convict prison at
Singapore in the straits settlements established 1825, discontinued 1873, together with a cursory
history of the convict establishments at Bencoolen, Penang and Malacca from the year 1797.
291
PEREIRA Sérgio, FRUTUOSO, Regis Augusto Maia. Apontamentos para a história médico-pericial
na Marinha do Brasil. Revista arquivos brasileiros de medicina naval. v. 72 n.1 jan/dez 2011, p. 13
102
meses manifestam-se os primeiros sintomas da doença, que inicialmente são
genéricos, como insônia, nervosismo, irritação, fadiga, perda de apetite e de energia
- há dificuldade para o diagnóstico precoce. Quando evoluem para quadros mais
graves, como a parestesia (formigamento e sensibilidade alterada), edema nos
membros inferiores, dificuldade respiratória e cardiopatia, é que o beribéri pode ser
diagnosticado com mais precisão.
No século XIX, a partir dos pressupostos médicos vigentes, o beribéri era
considerado uma doença contagiosa e provocada por uma bactéria, e assim era
tratado292. Os médicos acreditavam que para o tratamento dos acometidos pelo mal
de Ceylão, como também era conhecido, a primeira providência seria a retirada do
doente do seu local de convívio, e enviá-lo para um lugar considerado adequado,
onde seria tratado até que se verificasse o ―desapparecimento das bacterias no
sangue dos doentes removidos‖293 .
A documentação que se refere aos problemas do beribéri na Escola de
Aprendizes aponta que os aprendizes doentes eram tratados segundo os
pressupostos médicos do período. Ao primeiro indício da doença, a criança era
retirada da instituição. Não foram casos isolados, alguns até fatais, segundo o
comandante294. Sem muito esforço encontramos vários ofícios que notificam o envio
de aprendizes para a Corte a fim de receberem tratamento:
Solicito de V. Excª uma passagem de proa deste porto ao Rio de Janeiro
por conta do Ministério da Marinha para o Aprendiz Marinheiro Jacinto
Mamunco que acha-se atacado de beri-beri segundo declara o respectivo
Cirurgião295.
Rogo a V. Excª as suas ordens a fim de ter passagem do convés deste
porto ao do Rio de Janeiro o Aprendiz Marinheiro Raymundo Nonato Alves
que recolha-o a Corte por achar-se sofre de beri-beri, segundo as ordens do
Quartel General296.
Rogo a V. Excª se digne expedir as convenientes ordens ao Gerente da
Companhia de Navegação Brasileira de Navegação a Vapor a fim de que
tenha passagem a proa do próximo vapor que chegar do Norte, por conta
do Ministerio da Marinha aos Aprendizes Marinheiros Antonio Raymundo
Botelho e Raymundo Mangacho que seguem para a Corte por se acharem
292
CARRETA, Jorge Augusto. “O micróbio é o inimigo”: debates sobre a microbiologia no Brasil
(1885-1904). Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica), Universidade Estadual de
Campinas, Campinas. 2006, p. 84-88.
293
SILVA, Antonio Augusto Ferreira da. Estudos de demographia sanitaria: durante 34 anos. Rio de
Janeiro : Imprensa Nacional, 1893, p. 147.
294
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da
Escola de Aprendizes Marinheiros ao presidente da província. Ofício de 23 de janeiro de 1888. Setor
de avulsos. APEM.
295
Id. Ofício de 19 de março de 1888. Setor de avulsos. APEM.
296
Id. Ofício de 1 de março de 1888. Setor de avulsos. APEM.
103
com beri-beri conforme forão julgados na inspeção de Saúde a que forão
sujeitos hoje297.
Rogo a V. Excª as necessárias ordens a fim de que tenhão passagem de
convés por conta do ministério da marinha deste porto ao do rio de janeiro
os aprendizes marinheiros Ernesto Belmonte e Manoel da Conceição, que
se achão inspecionados de saúde e julgados com beri-beri298.
Os registros continuam em escala progressiva. Inicialmente era um
oficio por aprendiz; com o passar do tempo, os casos foram aumentando e há casos
de dois e até de três aprendizes com o encaminhamento acusado num mesmo
ofício.
Algumas práticas efetuadas dentro dos muros da instituição evidenciam o
esforço dos oficiais da Companhia de Aprendizes em inculcar novos valores nas
crianças alistadas, em uma tentativa de fazê-los abandonar seus referentes
culturais. O propósito era imprimir-lhes uma identidade institucional estigmatizante,
representada pelo grau mais baixo dentro da hierarquia da Marinha de Guerra, ou
seja, a de ser um aprendiz.
Posto
Soldo
Sargento ajudante, mestre de armas e 1º sargento
20$000
2º sargento
19$000
Forrieis
18$000
Cabos marinheiros
16$000
Marinheiros de 1º classe
12$000
Marinheiros de 2º classe
10$000
Marinheiros de 3º classe
8$000
Aprendizes
3$000
Fonte: BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 304 de 12 de junho de 1843.
Quadro 8: Tabela de vencimentos do Corpo de Imperiais Marinheiros.
As autoridades militares acreditavam, então, que a educação ministrada às
crianças poderia desfazer os hábitos adquiridos antes da entrada na instituição.
Segundo Álvaro Nascimento, a maior parte dos oficiais referia-se ao problema da
origem social dos meninos para embasar seus argumentos. Acreditavam que o meio
social do qual eram retirados os futuros marinheiros estava impregnado de vícios e
comportamentos não condizentes com a disciplina militar299.
Quando um menino assentava praça na instituição, estavam os oficiais
cientes de que não era apenas um corpo que entrava, mas uma série de costumes,
297
Id. Ofício de 16 de abril de 1889. Setor de avulsos. APEM.
Id. Ofício de 26 de junho de 1889. Setor de avulsos. APEM.
299
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002, p. 189.
298
104
práticas, sociabilidades e sensibilidades próprias das classes populares e de uma
determinada faixa etária.
Havia recomendação expressa, por parte da presidência da província, para
que o comandante da Companhia de Aprendizes não permitisse que os aprendizes
saíssem do quartel para visitar seus familiares nos dias santos e feriados. Isso seria
possível apenas uma vez por mês e, mesmo assim, durante poucas horas300.
Era desejável que os aprendizes fossem dóceis e não relutassem à
modelagem institucional, mas indícios apontam que nem todos os aprendizes foram
tão passivos assim.
4.3 A desigualdade da dádiva: trocando prêmios por filhos
O ministro da Marinha em 1876, Luiz António Pereira Franco reconhecia que
ser marinheiro no Império brasileiro não era fácil, o que causava repugnância nos
pais e tutores em alistar filhos e pupilos nas Companhias de Aprendizes. Para o
ministro, a ignorância não os deixava perceber o mal que estavam fazendo aos seus
filhos ao negar-lhes ―as compensações que o Estado prodigaliza, dando-lhes, além
de prêmios, uma educação conveniente, e garantindo-lhes o futuro‖301.
As promessas da Armada de que as Companhias iriam alfabetizar os filhos
das classes pobres, transformando-os em marinheiros fortes e disciplinados, não
eram suficientes para seduzir seus familiares. Era sabido que ser soldado ou
marinheiro não representava uma saída da pobreza, mas uma forma de nela
permanecer. Por isso, praticamente não havia quem desejasse tal destino para seus
filhos.
Aproveitando-se da vulnerabilidade social das famílias pobres, a Armada
adotou a política de distribuição dos prêmios citados por aquele ministro. O Decreto
1.517, de 14 de abril de 1855, oferecia 100 mil-réis aos pais que apresentassem de
bom grado seus filhos à instituição. Vários decretos posteriores regulamentavam o
sistema de pecúlio dos aprendizes, sem alterações substanciais302.
300
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 609. Registro nº 81 em 11 de março de 1872. Setor de códices. APEM.
301
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha. 1876-1, p. 18.
302
Ibid. Aviso regulamentar de 28 de novembro de 1867. In: Relatório do Ministério da Marinha. 1867,
p. A1-21; BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 5.950 de 23 de junho de 1875.
105
Os responsáveis legais tinham a opção de abdicar desse valor em favor dos
aprendizes alistados, o qual ficaria depositado como uma poupança. Pela legislação,
o montante poderia ser retirado apenas em poucas situações: na maioridade,
quando os ex-aprendizes tivessem baixa no Corpo de Imperiais Marinheiros, ou
pelos responsáveis legais se os menores ficassem incapacitados em virtude de
doenças ou acidentes. Em casos de deserção, o pecúlio seria revertido ao Asilo dos
Inválidos, e no caso de falecimento também, mas apenas se familiares ou o
representante legal não o requeresse303.
Observando atentamente a lei que trata do pecúlio, percebe-se que essa fora
elaborada para evitar ao Tesouro Público prejuízos com os aprendizes, pois as
despesas corriqueiras deles eram pagas com o soldo a que tinham direito. O pecúlio
dos aprendizes era abastecido da seguinte forma: mensalmente seria retirada do
soldo dos aprendizes a quantia de mil réis, dos três mil que recebiam, para ser
somado ao valor do pecúlio, de 100 mil réis, caso existente, se não o aprendiz que
não teve direito ao prêmio começaria com o pecúlio zerado. Os aprendizes ainda
tinham que pagar pela própria farda e pelo tratamento médico que porventura
recebessem.
Para não ter gastos com aprendizes incapacitados por doenças ou acidentes,
o pecúlio que eles acumularam servia para pagar a própria indenização. A trajetória
do aprendiz maranhense Marcos Antonio Magé exemplifica bem tal prática. Marcos
fora alforriado pelo conhecido médico maranhense Cesar Augusto Marques, com o
propósito de ser alistado na Companhia de Aprendizes Marinheiros304, haja vista a
instituição não aceitar escravos como aprendizes. Entretanto, o projeto de vir a ser
imperial marinheiro teve de ser abandonado por ter Marcos ficado cego de um dos
olhos. O relatório de inspeção atestou que, de fato, o aprendiz sofrera uma limitação
visual considerável e isto atrapalharia o desempenho de sua futura profissão, sendo
recomendado seu desligamento. A causa do problema sequer foi mencionada. Nos
quatros anos que lá esteve, deve ter juntado algum dinheiro, já que os aprendizes
eram obrigados a fazer os depósitos mensais. Por ter sido alistado voluntariamente
por um tutor, provavelmente, teve direito ao dinheiro do prêmio, além dos
303
304
Ibid. Decreto nº 5.950, de 23 de Junho de 1875. Art. 4.
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província. Ofício de
5 de junho de 1871. Setor de avulsos. APEM.
106
depositados mensalmente. Tais circunstâncias, provavelmente, não diminuíram a
dor de ter ficado cego de um olho tão jovem305.
Monica Lins demonstra a precariedade de direitos dos aprendizes da Marinha
e os possíveis destinos de meninos que foram inutilizados enquanto estavam sob os
cuidados da instituição, relatando o caso do aprendiz Nortílio Reis. Maranhense
órfão era oriundo da Escola de Aprendizes de seu Estado, mas por algum motivo foi
parar no Rio de Janeiro antes de ter completado o período de formação. Na época,
segundo a autora, era muito comum que os meninos circulassem em diferentes
escolas, por motivos disciplinares, por suas qualidades laborais, para equilibrar o
número de aprendizes entre as Companhias306, dentre outras razões.
Segundo Elias, no mundo marítimo as pessoas tinham que trabalhar, ao
menos por algum tempo, com suas próprias mãos, pois os livros tinham pouca
serventia307. E foi assim, durante um exercício, tentando levantar um escaler, que o
aprendiz teve a mão direita esmagada.
O caso do menino maranhense resultou em uma Consulta ao Conselho
Naval. Essas serviam como uma forma dos comandantes de todas as repartições da
Marinha sanarem suas dúvidas a respeito de casos controversos e/ou merecedores
de atenção especial, em virtude de sua urgência ou excepcionalidade. O
questionamento feito foi sobre o que fazer com aquele aprendiz. Conforme o
entendimento do período
os aprendizes marinheiros nem são praças de pret, nem inferiores da
marinha; são apenas educandos por conta do Estado com certa preparação
para serem marinheiros nacionais e por isso nem contribuem para o
montepio e asylo e nem siquer se lhes conta tempo de aprendizagem como
útil para a reforma308.
Segundo a linha de raciocínio do Conselho da Marinha, Nortílio não iria para o
asilo dos inválidos por que em momento algum contribuiu diretamente para a
manutenção do mesmo. Apenas os pecúlios de aprendizes, que por algum motivo
não eram entregues aos destinatários, seriam transferidos para custear aquela
instituição da Marinha. Alguns membros do Conselho sugeriram que fosse
concedido ao aprendiz o ―gozo da etapa que percebe na Escola‖, mas logo
305
Id. Ofício de 22 de julho de 1875. Setor de avulsos. APEM.
LINS, Mônica Regina Ferreira. 2012, p. 200-201.
307
ELIAS, Nobert. 2001, p. 93.
308
BRASIL. Ministério da Marinha. Consulta nº 8783. In: Relatório do Ministério da Marinha. 1902, p.
A8-147-148
306
107
consideraram a proposta, já que pagar três mil réis mensais àquele acidentado seria
abrir um precedente perigoso para as finanças da Marinha, pois inaugurar-se-ia uma
forma de ―pensão vitalícia disfarçada‖ aos acidentados, que poderia ―perturbar as
verbas orçamentárias‖.
A Marinha muitas vezes apresentava-se como a família que os meninos
nunca tiveram, mas não foi acolhedora para muitos. Ao primeiro sinal de aumento de
despesas, a solução era descartá-los, e com Nortílio não foi diferente. Inválido e
órfão pela segunda vez, sem parentes conhecidos, foi desligado e devolvido ao Juiz
de Órfãos de São Luis, que o havia remetido para a Escola de Aprendizes do
Maranhão, a quem foi dada a ciência da existência de um pecúlio acumulado.
Nortílio ficou sem parte da mão direita, mas carregou na outra um desprezível abono
de cinquenta réis para ajuda de custo e o prêmio de cem mil réis309.
4.4 Em busca de pequenos marinheiros
Para fazer funcionar as fábricas de marinheiros, os dirigentes seguiram a
lógica do tributo de sangue aplicada ao recrutamento de adultos. Na falta de
voluntários, os militares recorreram ao Corpo de Policia e aos próprios marinheiros
para conseguir os novos aprendizes. Pela tabela seguinte percebemos o quanto o
Corpo de Polícia e a Capitania dos Portos se empenharam na busca de meninos
pobres pela capital e vilas do interior. O alistamento de grande parte deles também
resultava da expectativa de parte da população, em ser esta uma forma de se livrar
de pequenos arruaceiros e ordenar a cidade, de acordo com os padrões desejados
pelas elites do período.
A imprensa participou ativamente das campanhas de alistamento, sugerindo
uma atitude mais enérgica por parte dos agentes recrutadores. No jornal
Diário do Maranhão, por exemplo, há um relato de que as ruas da cidade de
São Luís estavam cheias de creanças vadias e a maior parte orphãos, sem
terem por tanto quem verdadeiramente por elles se interesse, obrigando-os
não só a aprenderem a ler e a escrever como a qualquer officio para no
futuro serem uteis a si e á pátria, andando por ahi, dia e noite, semi nus
viciando se, em vez de serem aproveitados para qualquer coisa. Se os pais,
tutores ou protectores d‘estas pobres crianças, não podem mandar-lhe
ensinar qualquer officio, de que mais tarde façam profissão útil, lembramos
a Companhia de Aprendizes Marinheiros que, muito de proposito o Governo
Imperial criou com o fim de proteger os desvalidos. A Companhia de
Aprendizes Marinheiros é uma das melhores e mais bem montadas que tem
o império, e nós mesmos já tivemos occasião de apreciar o adiantamento
que em tudo tem as creanças que ali se acham aprendendo, alem do
309
LINS, Mônica Regina Ferreira. 2012, p. 175.
108
desvellado tratamento que recebem das pessoas responsáveis de dirigiloas.
Não podemos deixar de pedir de novo as authoridades competentes que
lancem vistas e proteção para tantas creanças que aqui temos nos casos de
aproveitarem da boa vontade do Governo, pois com isto prestarão
relevantes serviços à essas creanças, à sociedade maranhense e à marinha
Imperial.
São diariamente vistos essas ruas muitos pequenos, entregues ao vicio,
vendendo obras de presos, reunidos nas quitandas próxima à cadeia,
acostumando-se ás rixas, ás brigas, bebendo e por consequência,
preparando-se para mais tarde commeterem toda a sorte de crimes.
Agarral-os e collocal-os no estabelecimento de, onde vão ser
convenientemente educados e onde podem aprender, será uma obra
meritoria prestadas a elles e á sociedade.
Para o facto, e de acordo com as recomendações do governo, chamamos a
attenção dos juízes competentes, que merecerão por seus esforços os
louvores de que serão dignos310.
A proteção sugerida no período possuía um significado ambíguo, pois se de
um lado visava proteger meninos pobres, dando-lhes educação e profissionalização,
do outro, pode-se perceber que o desejo de retirar de circulação aqueles pequenos
vadios é evidente, seguindo a mesma lógica do recrutamento para as tropas do
Exército e Marinha.
No mesmo jornal, o delegado Mello Rocha era apresentado como um fiel
cumpridor da lei e garantidor da segurança pública por prender alguns indesejáveis.
Em uma de suas atuações, acabou com os ―bailes inconvenientes‖ na rua do Norte,
prendeu alguns ―trovadores noturnos‖ insistentes, fez uma batida em uma casa de
jogos, multando os proprietários, confiscou os instrumentos do crime e, ainda,
prendeu dois menores vagabundos, que, desamparados e assim com o
caminho aberto a perdição foram remmetidos a Companhia de aprendizes
marinheiros, onde pela educação, instrucção e pelo trabalho poderão a vir
ser mais tarde, cidadãos uteis a sociedade e a si mesmos311.
Um desses ―menores vagabundos‖ chamava-se Pedro Paulo e era filho de
Epifania Rosa de Oliveira. Ao saber que seu filho fora alistado, apressou-se em fazer
um requerimento visando à soltura do menor, mas a resposta fora negativa. A forma
como o menino entrara na instituição contava muito, e Pedro Paulo chegara
anexado a um oficio da Polícia. O comandante da Escola de Aprendizes justificava a
permanência do menino na instituição, alegando ser ele
desvalido, visto ter sido encontrado pelo Chefe de policia jogando alta noite
em uma casa de jogo, quando dera cerca na dita casa, acostumando-se em
310
DIÁRIO DO MARANHÃO. São Luís, 29 mar. 1884, Companhia de Aprendizes Marinheiros,
necessidade reconhecida, p.3.
311
O PAIZ. São Luís, 16 abr. 1887, Secção Official - Noticiários, p.2.
109
tão tenra idade aos vícios e por conseguinte preparando um infeliz futuro,
ao passo, que aqui terá educação conveniente, futuro garantido e será
assim útil a si e a seu Pais; acrescento segundo informações que a mãe
não tem meios para sustentá-lo nem força moral para contê-lo e a outros
filhos que tem312.
Segundo Scheuler, no século XIX, chamar um menino de desvalido era o
equivalente dizer que este vivia num estado de pobreza e de ausência de valores
morais. Desvalido era todo aquele com poucas posses ou sem o necessário para
viver, que não dispunha da proteção de alguém que lhe garantisse sequer um
alimento. A noção de infância desvalida, portanto, remete aos meninos e meninas
despossuídos, ou seja, àqueles provenientes dos segmentos mais pobres da
sociedade313. Juntando-se o fato de Pedro Paulo ser assim qualificado à
circunstância de ter sido encontrado numa ―espelunca‖, pela polícia, e ter uma mãe
definida como desprovida de bens materiais e ―força moral‖ para educar seus filhos,
dificilmente ele seria desligado da Escola de Aprendizes. Sua situação reunia todos
os elementos necessários para que sua mãe ficasse sem o filho e a Marinha
obtivesse um pequeno marinheiro.
Capturar crianças vagando pelas ruas era uma das formas encontradas pelas
autoridades para conseguir aprendizes a baixo custo. Quando era o Corpo de
Polícia que remetia o menino para a instituição, os direitos das famílias e da própria
criança, que já eram precários, ficavam ainda menos exequíveis. O desfecho de
muitas situações mostrou que, na relação de força entre Marinha e familiares dos
aprendizes, as decisões quase sempre eram desfavoráveis a estes.
312
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da
Escola de Aprendizes Marinheiros ao presidente da província em 10 de abril de 1887. Setor de
avulsos. APEM.
313
SCHUELER, Alessandra Frota Martinez. A Associação Protetora da Infância Desvalida e as
Escolas de São Sebastião e São José In: Carlos Monarcha (org.). Educação da infância brasileira
(1875-1983). São Paulo: Autores Associados/Fapesp, 2001.
110
idem por autoridades policiaes
Idem pelo Juiz de orphãos
Idem por senhores ou tutores
Apresentados de ausencia
Capturados
Com premio
Sem premio
Total
Baixa por inspeção
Idem por precisos motivos
Remettidos para o Corpo
Auzentarão-se
Falecerão
Total
Para mais
Para menos
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0
9
0
0
0
0
0
1
8
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0
0
0
0
0
0
9
0
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0
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0
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26
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0
0
0
0
0
0
50
0
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0
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0
0
0
0
0
21
11
32
0
2
0
0
2
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4
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9
0
0
0
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0
1
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0
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23
9
23
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0
0
0
0
0
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8
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2
0
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0
0
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19
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0
0
0
0
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0
2
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0
0
0
0
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32
44
0
3
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0
1
34
44
34
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0
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0
0
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10
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0
0
1
15
16
0
0
0
0
1
1
16
1
52
19
66
1
2
171 277 450
22
28
331
4
21
ANNO
Remettidos pela Capitania
Para menos
Remettidos pela Presidencia
Para mais
Somma 103 207
407 432 407
Fonte: Id. Mappa estatístico da Escola nº 2 de Aprendizes Marinheiros do Maranhão desde 22 de abril
de 1861, época de sua criação. Anexo ao ofício de 1º de janeiro de 1885. Setor de avulsos. APEM.
Quadro 9: Alistamentos para a Escola de Aprendizes Marinheiros do Maranhão (1861-1885)
Quando Ana Guterres foi requerer na presidência da província a gratificação a
qual julgava ter direito, em virtude do alistamento irregular de seu filho, Armando,
111
deparou-se com aquele sistema de proteção de gastos da Armada e com as
distinções sobre as formas de ingresso de aprendizes que definiam quem tinha
direito ao quê.
O referido aprendiz fora enviado para a Escola de Aprendizes por policiais
enquanto estava ―vagabundeando‖ pelas ruas, mesma situação do aprendiz Pedro
Paulo. Os indícios sugerem que Epifânia queria apenas o filho de volta. Ana
Guterres, no entanto, parece ter se interessado, também, pelo prêmio de cem milréis, que lhe foi negado prontamente pelo comandante da Escola. A autoridade
militar explicou ao presidente da província que só tem direito aos prêmios da
Marinha os pais (ou seus filhos, caso estes optassem por abdicar do pecúlio) que
entregavam os filhos ―voluntariamente ao Governo Imperial para servir à Pátria‖, e
não para um menor ―vagabundo‖ ou para aquela mãe, ―maltrapilha que não sabe ler,
escrever officio algum‖314.
O sistema de alistamento para a Companhia de Aprendizes evidencia uma
série de práticas pouco conhecidas, responsáveis pela retirada de inúmeros
meninos do convívio familiar, muitas vezes de forma arbitrária e alocados dentro de
uma instituição militar, muitas vezes a contragosto.
Argumentos econômicos foram amplamente utilizados pelas autoridades da
Marinha para arrancar os filhos de famílias pobres. Representá-las como
desprovidas de bens para cuidar dos filhos foi um expediente legitimador de muitos
alistamentos e requerimentos de soltura de aprendizes.
Segundo Kraay, para livrar um parente, filho ou a si mesmo do recrutamento
para as tropas de 1ª linha no século XIX vários argumentos eram apresentados.
Para serem desligados, esses homens, muitas vezes com pareceres e atestados
emitidos por autoridades públicas, diziam-se pessoas decentes com posse de bens,
casados, respeitadores da moralidade sexual vigente e das autoridades; outros
enfatizavam sua responsabilidade para com os familiares, alegando serem arrimos
de família, cuidando da mãe e dos irmãos menores, ou seja, representavam-se ou
eram representados como portadores de um ou mais elementos que os isentassem
do recrutamento.
314
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros (1885-1888). Ofício do
comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros ao presidente de província em 4 de agosto de
1887. Setor de avulsos APEM.
112
Quando eram as mães que mandavam elaborar os requerimentos, além de
lembrar as isenções de seus filhos, faziam apelos emocionais. Segundo Silvana
Jeha, encontram-se facilmente verdadeiros clássicos da retórica da pobreza em
requerimentos de mães que expunham as condições de vida precárias em que
ficaram após o recrutamento de seus filhos para a Armada. Os requerimentos
sugeriam condições de vida difíceis, as quais somadas aos atestados anexos,
retratavam uma situação real de miséria315.
Vejamos o caso de Francelina Maria. Mãe pobre e solteira vivia com seu filho
Antonio Pinto na vila de Itapecuru-Mirim, até que este foi encaminhado
forçadamente para ser alistado na Companhia de Aprendizes pelo delegado da
localidade. A autoridade policial assim procedeu alegando que o ―menor era pessoa
desvalida, sem pais, e vagava pelas ruas sem se ocupar com cousa alguma‖. Ou
seja, era considerado um pequeno desocupado, que mais tarde poderia se tornar
um grande problema para as autoridades. Para evitar problemas futuros, o delegado
fez o que julgou ser o mais acertado.
Francelina retificou dizendo serem inverdades as alegações, afirmando que
Antonio não passava os dias vagando; pelo contrário, ―seu único filho é que lhe
coadjuva na sua subsistência‖ e, por isso, seu lugar era ao seu lado, ajudando-a na
economia doméstica, e não na Companhia de Aprendizes Marinheiros316.
Outra mãe, Edwiges Rosa, apresentou o mau estado de saúde de seu filho
como justificativa para o desligamento requerido, mas o pedido foi negado. O
aprendiz Hemetério, filho da requerente, fora enviado pela polícia fazia pouco tempo,
muito provavelmente por estar na rua, e foi alistado após inspeção médica.
Atendendo à solicitação da Presidência, o comandante mandou inspecionar
novamente o menino, a contragosto, por julgá-lo ―em perfecto estado de saúde,
sendo por isso inexacto o que allega a supplicante que só parece procurar pretexto
para retira-lo deste estabelecimento, onde recebe educação conveniente, que as
posses da supplicante não permitem dar‖317.
Muitas mães não tiveram seus filhos de volta devido às alegações dos
dirigentes da Companhia/Escola de Aprendizes de que elas não tinham condições
315
JEHA, Silvana Cassab. 2011, p. 175.
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província. Ofício de
23 de fevereiro de 1872. Setor de avulsos. APEM.
317
Ibid. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da Escola de
Aprendizes Marinheiros ao presidente da província. Ofício de 18 de agosto de 1887. Setor de
avulsos. APEM.
316
113
econômicas para custear-lhes a formação. Outras, pelo mesmo motivo, entregaram
seus filhos à instituição. Muitos familiares ficaram com o prêmio a que tinham direito
pelo alistamento realizado e outros abdicaram dele em favor dos filhos. Mas houve
casos que nos levam a pensar que muitos familiares tentaram utilizar a instituição
apenas como abrigo passageiro para seus filhos.
Quitéria Marcelina de Barros foi uma dessas mães que possivelmente se
utilizaram da instituição em momento de dificuldade financeira, entregando seu filho
ainda pequeno, com o intuito de buscá-lo depois. Ao tentar reaver seu filho,
apresentou requerimento ao presidente da província alegando que o estado de
saúde do aprendiz era preocupante. O governante pediu esclarecimentos ao
comandante Othon Bulhão, que deu o seguinte parecer:
são inverdadeiras as alegações que faz a suplicante tanto quanto a saúde
do aprendiz Pedro Nolasco de Barros, que é optima, como por constar ter
esta mais filhos alem desse e não ter idade avançada que alega priva-la de
trabalhar para a sua manutenção, ocorre que foi ela própria quem offereceu
o referido menor em 31 de março de 1883 ao governo imperial para alistarse nesta escola, declarando que assim procedia por não ter meios para
educa-lo, no entanto, agora, depois de 4 anos de aprendizagem que o
governo tem dispendido com a sua educação [...] e achar-se o dito menor
quase pronto para alistar-se no Corpo de Imperiais marinheiros, é que a
supllicante se lembra de querer retira-lo, parecendo que só queria que seu
filho fosse educado pelo governo imperial, sem prestar-lhe o mesmo
serviço, o que não me parece justo, no entanto V. Excª dirá ao Governo
Imperial o que melhor entender318.
Pedro Nolasco esteve sob os cuidados da instituição por aproximadamente
quatro anos. No entender do comandante, o objetivo da mãe ao alistá-lo era o de
reduzir as despesas com a criação do filho, enquanto este estava pequeno.
No Brasil, boa parte das crianças de famílias pobres, desde a mais tenra
idade, colaborava como força de trabalho nos domicílios em que viviam. Tinham que
participar da luta pela sobrevivência familiar, lançando-se no mercado de trabalho
em tarefas adequadas à sua força física ou, pelo menos, cuidando dos irmãos
menores. Não há menção à idade de Pedro Nolasco, mas quando o comandante diz
que o aprendiz estava ―quase pronto para alistar-se no Corpo de Imperiais
marinheiros‖ é possível que já estivesse bem próximo dos dezoito anos, idade em
que os aprendizes tornar-se-iam marinheiros. Quitéria recebeu a notícia do
Ministério da Marinha autorizando o desligamento do seu filho; porém, teria que
318
Id.Ofício de 7 de março de 1887. Setor de avulsos. APEM.
114
conseguir um montante de dinheiro para ―indemnisar, previamente, a despeza feita
pelo estado com dito menor‖319. Não sabemos, porém, se ela pagou a indenização
exigida.
A hipótese de que muitos pais tentaram usar a instituição como um abrigo
temporário para seus filhos é reforçada pelos indícios do requerimento de João
Otávio Sodré, na tentativa de livrar o aprendiz Manoel Sodré, seu filho. Muitos pais
recorreram à presidência da província para resolver os problemas dos alistamentos
ilegais, mas o requerente em questão pediu à ―Sua majestade O Imperador” a graça
para que desligasse seu filho daquela instituição. Porém, capitão-comandante
pondera ao presidente que o aprendiz não fora alistado ―com a notta de vadio‖ e que
o próprio pai concordara, na época, com o alistamento do filho, mas agora, depois
de crescido, ―quando o acha nas circunstancias de poder servi-lo vem requerer o
seu desligamento, depois de ter o Estado gasto com ele bastante dinheiro e se
achar no caso de poder prestar serviços a sua patria que o educou‖320.
Honorata Pedrosa foi outra mãe que teve seu filho forçadamente alistado na
Companhia. Para ter Cyriaco de volta, alegou também à presidência que seu filho
tinha a saúde comprometida. Se esta fosse de fato a condição de saúde do
aprendiz, certamente o comandante já o teria desligado, pois evitava-se menores
doentes na instituição. Para o comandante Augusto, o desligamento do menino era
inviável uma vez que sua condição de saúde era ótima, e alertara ao presidente da
província que tal medida não deveria ser tomada, pois ―muito concorreria para o
descrédito da instituição‖ que apresentava dificuldades na aquisição de menores321.
Entrar na Armada era fácil: bastava ter pré-requisitos básicos, como gozar de
boa saúde e ter constituição física robusta para o serviço. Não precisava nem ser de
boa procedência (esse era elemento de mera retórica). Somente nas ultimas três
décadas do século XIX foram criadas leis, de eficácia questionável, que impediam a
entrada de indivíduos recrutados à força pela polícia.
Mas depois de assentar praça na Armada, os desligamentos eram difíceis. A
suspensão daquele encargo militar dava-se majoritariamente por invalidez,
319
O PAIZ, São Luís, 9 de maio de 1887. Officios. p.2
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província. Ofício de
27 de agosto de 1872. Setor de avulsos. APEM.
321
Ibid. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da Escola de
Aprendizes Marinheiros ao presidente da província. Ofício de 18 de junho de 1888. Setor de avulsos.
APEM.
320
115
substituição – quando o marinheiro encontrava outra pobre alma para pôr em seu
lugar – ou morrendo.
Para desligar um aprendiz, a dificuldade era quase a mesma. Pelo
regulamento, que sempre era lembrado pelos comandantes diante das tentativas
dos familiares, um aprendiz só podia ser desligado por incapacidade física ou
mental, ou se os responsáveis ressarcissem os gastos realizados com ele. O
Ministério da Marinha protegia suas finanças através desse sistema de indenizações
justamente para recompor os gastos realizados quando, por diferentes motivos, os
aprendizes não eram transformados em imperiais marinheiros.
Em toda a documentação trabalhada não há menção ao valor exato a ser
pago pelos familiares para reaver os filhos. O ministro Joaquim Delfino Ribeiro da
Luz, em 1873, afirma que o custo de fabricação de um aprendiz num lapso de cinco
anos girava em torno de três contos de réis ou mais. As historiadoras Vera Marques
e Sílvia Pandini encontraram o caso do aprendiz José, alistado irregularmente na
Companhia de Aprendizes de Paranaguá, na província do Paraná, que permaneceu
durante quatro anos na instituição. Quando o pai do aprendiz requereu o seu
desligamento, o capitão do porto declarou que o montante despendido pelo Estado
perfazia o total de 1.173$600322. Os valores eram bastante elevados para a
realidade da população pobre do período.
4.5 O aprendiz Casemiro e os limites da ascensão na Armada
O aprendiz Casemiro experienciou situação semelhante à de Pedro Nolasco.
Era um aprendiz em término de curso e com os dias contados para fazer a travessia
até o Corpo de Imperiais Marinheiros, quando sua mãe Úrsula Maria tentou desligálo da instituição. Como de praxe, o aprendiz só estaria liberado se as despesas
feitas com o menino fossem quitadas323. Ao que tudo indica, o capitão queria enviar
Casemiro o mais breve possível para assentar praça como marinheiro, mas o
presidente da província solicitou-lhe paciência, argumentando que enquanto a mãe
―não declarar que não pode entrar para os cofres da Thesouraria da Fazenda com a
importancia da despeza feita pelo estado com o dito menor‖, este deveria
322
MARQUES, Vera Regina. & PANDINI, Silvia. 2004. p.7.
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 608. Registro nº 156 em 3 de agosto de 1874. Setor de códices. APEM.
323
116
permanecer na Província324. Em vez de ressarcir o erário, Úrsula solicitou a ―graça
de ser dispensada do pagamento‖. Como não teve condições econômicas de
ressarcir os gastos, Casemiro foi enviado para o Corpo de Imperiais marinheiros em
24 de outubro de 1874.
O desespero dos familiares com a chegada do término do curso de formação
dos aprendizes não era infundado. A passagem para o Quartel General muitas
vezes era só de ida, raramente os marinheiros viam seus familiares novamente.
Encontramos Casemiro matriculado em vários navios, durante mais ou menos
nove anos, até quando foi desligado do Corpo de Imperiais Marinheiros. Não por
indisciplina ou deserção, pois tais infrações não eram resolvidas com a expulsão e
sim com chibatadas, mas por ter sido promovido. Fora nomeado para o Corpo de
Oficiais Marinheiros ocupando o posto de 1º sargento, o mais alto que o sistema
hierárquico permitia aos marinheiros oriundos das Companhias/Escolas de
Aprendizes Marinheiros.
Segundo o regulamento, a ascensão ocorria em virtude de conhecimentos
adquiridos na Armada. O posto mais baixo era o ocupado pelos aprendizes; acima
deles estavam os grumetes; e, depois, os marinheiros escalonados em classes. O
grumete era um principiante no mundo marítimo, independente da idade, mas o
usual era ser jovens. Por isso, eram conhecidos por "moços" ou "criados de navio",
sendo incumbidos de realizar as tarefas mais elementares no cotidiano das
embarcações, como limpeza, transporte de suprimentos, ajudantes de cozinha, etc.
Para não deixar dúvidas sobre a sua ocupação, os grumetes eram catalogados nos
livros de despesas dos comandantes dos navios como ―vassouras‖, por serem ―elles
os que varrem os Navios debaixo da direcção dos Guardiães‖325
Para subir de posto, os pretendentes submetiam-se a exames, de
periodicidade não declarada na legislação, quando eram avaliados em
todos os misteres, em que são instruidos, feito na presença do
Commandante Geral, do segundo Commandante, e do Capitão da
respectiva Companhia, pelos differentes Mestres e Instructores, dando-se a
principal importancia nestes exames, ao que diz respeito á arte de
Marinheiro, em segundo lugar á de Artilheiro, e por ultimo ás restantes326.
324
Id. Livro 608. Registro nº 166 em 17 de agosto de 1874. Setor de códices. APEM.
MATTOS, Raimundo José da Cunha. 1834 p. 233.
326
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 411-A de 5 de Junho de 1845. Art. 22.
325
117
Segundo Álvaro Nascimento, para galgar o posto de marinheiro de 3ª classe,
o candidato deveria apresentar durante os exames desenvoltura no manejo e
conservação das velas e cabos. Se apresentasse, além daquelas, habilidade com
armas brancas e de fogo, seria um 2ª classe. O posto de 1ª classe deveria ser
ocupado por marinheiros que acumulassem todas as habilidades anteriores e ainda
soubesse os nomes e função do aparelhamento das embarcações. Para ser cabo,
ainda deveria saber a ―numeração das diferentes bandeiras de sinais‖327. Como a
marujada era constituída majoritariamente por analfabetos, a ascensão era limitada.
Os oficiais inferiores da Armada tinham que ter domínio da leitura e da escrita, além
de todos os outros conhecimentos citados anteriormente. Um analfabeto na Armada
só conseguiria chegar até o posto de cabo, nunca alcançaria o posto de sargento, o
mais baixo dentre os oficiais inferiores328.
Durante o período imperial eram necessários apenas conhecimentos de
marinharia para se chegar ao posto de cabo. Mas, a partir de 1890, novos elementos
começaram a fazer parte dos critérios de avaliação, como o comportamento
disciplinar e o grau de alfabetização. No novo regulamento, os analfabetos
conseguiriam no máximo ser um marinheiro de segunda classe, pois os de terceira
tinham por obrigação saber ler e escrever. Estas variáveis não estavam presentes
na legislação anterior e, de certa forma, dificultaram bastante a escalada para os
postos mais altos329.
Em 1885, Casemiro conseguiu voltar para o Maranhão, e durante algum
tempo fez parte do estado menor da mesma instituição que o retirou de sua
família330. Porém, sua tarefa de formar novos marinheiros foi passageira, voltando a
ocupar seu antigo posto de guardião em embarcações da Armada. Os indícios nos
327
As bandeiras de sinais no caso, são os símbolos presentes no Código internacional de sinais
marítimo adotado por quase todas as marinhas do mundo, seja ela mercante ou de guerra. Segundo
o capitão tenente José Maria do Nascimento ―o Código internacional facilita aos navegantes os meios
de se communicarem entre si, e também com as estações semaphoricas das costas, qualquer que
seja o idioma de suas respectivas nacionalidades‖. Era uma forma de comunicação entre os navios
em períodos onde a comunicação à radio ainda não existia. Todas as bandeiras, combinações
possíveis e seus significados estão disponíveis em: NASCIMENTO, José Maria do. Lista alphabetica
dos navios de guerra e mercantes do imperio do Brazil publicado por ordem do exm. sr. conselheiro
dr. Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, ministro da Marinha. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1886, p. 3-5.
328
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002, p.107.
329
ibid, p. 114.
330
MARANHÃO. Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. Ofícios do Comandante da
Escola de Aprendizes Marinheiros ao presidente da província em 31 de dezembro de 1885. Anexo:
Mappa do pessoal de que se compõe o estado maior e menor da Escola n º 2 de Aprendizes
Marinheiros do Maranhão. Setor de avulsos. APEM.
118
levaram até o ano de 1893, quando esse egresso da Companhia de Aprendizes
ocupava o cargo de patrão-mor do contingente da Marinha sediado do Estado do
Maranhão.
Pelo decreto em vigor, os patrões-mores eram equiparados aos 1os tenentes,
quando não fossem oficiais reformados do corpo da Armada, e eram escolhidos
dentre os mestres de 1ª classe do Corpo de Oficiais Marinheiros que apresentassem
aptidão profissional e bom comportamento331.
Casemiro entrou para o Corpo de Imperiais em meados de 1874. Em 1893
contabilizava dezenove anos de assentamento. É possível que ele se enquadrasse
na hipótese dos oficiais reformados, pois os egressos das Companhias de
Aprendizes Marinheiros eram obrigados a servir por quinze anos, mas poderiam
optar por permanecer, o que era raro, mas acontecia.
Segundo Álvaro Nascimento, havia na Armada duas carreiras distintas e
antagônicas: a dos oficiais (de guarda-marinha a almirante) e a dos subalternos (de
grumete ou soldado a 1º sargento). Tal antagonismo era constituído pelo modo de
incorporação e pela origem social dos alistados. Se, de um lado, os futuros oficiais
tinham de disputar uma vaga na Escola Naval, através de ligações familiares e de
nobreza, por outro lado os marinheiros eram alistados, em sua grande parte, à força,
ou quando menores, por desejo de seus pais, tutores ou agarrados pela polícia nas
ruas332.
A forma como se dava a inserção na Armada de certa forma determinava até
onde os indivíduos poderiam chegar dentro da corporação. A trajetória de Casemiro
demonstra as contradições, possibilidades e os limites da ascensão dentro dessa
força armada para marinheiros comuns. Casemiro, mesmo depois de cumprir o
longo período ao qual foi obrigado, conseguiu um posto que apenas o equiparava à
1º tenente, pois para sê-lo de fato precisaria ter cursado a Escola Naval. Esta era
uma instituição, segundo José Murilo de Carvalho, destinada a um público
seletíssimo, alistando principalmente filhos de aristocratas e das famílias tradicionais
da força naval333, e não um menino pobre como Casemiro, cuja mãe não tinha
sequer dinheiro para tirá-lo da Companhia de Aprendizes.
331
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 745, de 12 de Setembro de 1890. Art. 137.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. 2002. p. 102.
333
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro, Ed.
da UFRJ/Relume Dumará, 1996, especialmente os capítulos 3 e 7.
332
119
4.6 Os pequenos incorrigíveis
Os indícios evidenciaram que os familiares dos aprendizes reagiram de
formas diferenciadas ao enquadramento infanto-juvenil naquela instituição militar,
expressando seus valores e estratégias para enfrentar a pobreza, assim como as
práticas do oficialato da Armada, que deixava às claras a necessidade de
marinheiros e os cuidados do Estado para evitar prejuízos com a interrupção na
formação dos aprendizes.
No entanto, os capitães do porto da província do Maranhão vez ou outra se
deparavam com a situação de aprendizes fugindo da instituição. Foram poucos, mas
houve quem se utilizasse de tal recurso para dar fim à condição de aprendiz.
Foi o caso dos irmãos Manoel e Mateus, enviados pelo pai, André Barreto,
para serem inspecionados e alistados na Companhia de Aprendizes. O primeiro fora
julgado incapaz por ter sífilis. O segundo, ao saber que fora considerado apto,
sequer chegou a ser alistado na Companhia, fugindo na primeira oportunidade.
Passou sete dias foragido, até ser reapresentado pelo seu pai, em 5 de abril de
1864. Mateus parecia não gostar da instituição e fugiu mais uma vez, ―aproveitandose do rumor que se faria com o toque da alvorada, galgou por uma das janellas do
quartel o telhado e evadio-se, sendo preso num dos estaleiros de carpinteiros na
praia da Mercês‖334. Se e como foi punido, não foi possível sabermos.
O caso de Manoel dos Remédios, entretanto, evidencia a punição que uma
deserção poderia acarretar a um aprendiz. Ele deveria estar insatisfeito na
instituição, pois dali fugiu em 18 de setembro de 1871, sendo capturado apenas em
29 de janeiro do ano seguinte. Passara mais de cinco meses escondendo-se de
todos os aparatos militares que se ocupavam da caçada de desertores, e para casos
assim a lei era bastante clara. Segundo o art. 39 do decreto que regulava a
disciplina da instituição,
o Aprendiz Marinheiro que desertar e for capturado, ou se não apresentar
dentro de tres mezes, será remettido logo para o Quartel central na Côrte,
sendo conservado preso até a occasião da partida. Se, porêm, apresentarse voluntariamente dentro de tres mezes depois da deserção, continuará na
Companhia, soffrendo neste caso o castigo correccional que o
Commandante da Companhia julgar justo‖335.
334
MARANHÃO. Capitão do Porto. Ofícios do Capitão do Porto ao presidente da província em 7 de
abril de 1874. Setor de avulsos. APEM.
335
BRASIL. Coleção de leis do império. Decreto nº 1.517, de 4 de Janeiro de 1855.
120
Por ter passado tanto tempo foragido, o aprendiz Manoel fez a famosa
travessia para a Corte, antes mesmo do término de sua formação. Esta seria
concluída na Companhia de Aprendizes do Rio de Janeiro.
Hendrik Kraay sugere que o recrutamento para as tropas de linha era uma
poderosa arma de controle social, usada para intimidar e punir homens que não
trabalhavam, que não obedeciam às autoridades e que não procuravam servir a um
patrão ou a um comandante da Guarda Nacional336. Da mesma forma, crianças que
não se comportavam de acordo com o socialmente esperado eram ameaçadas com
o alistamento nas Companhias de Aprendizes - a associação da Armada como uma
instituição correcional estendeu-se às Companhias de Aprendizes, e a simples
menção ao alistamento era suficiente para deixar uma criança obediente.
Humberto de Campos, escritor e poeta maranhense, recorda que quando
criança seu maior medo era ser ―internado‖ na Escola de Aprendizes. Conta, em
suas memórias, que ―as notícias que me davam desse estabelecimento eram as de
uma casa de torturas inconcebíveis‖. Certo dia chegara a casa de Humberto uma
carta ―de ordem do comandante Gervásio‖ para sua mãe. A sensação descrita pelo
escritor indica o terror em que ficou:
Arregalei, naturalmente, os olhos. O ―comandante Gervásio‖ era o capitão
do porto e comandante da Escola de Aprendizes, cuja farda branca era um
dos orgulhos da cidade e uma das ameaças permanentes à minha
tranquilidade de menino vadio. Minha mãe tomou a carta, rompeu o
envelope, e, com a fisionomia triste, leu, alto, mais ou menos o seguinte:
―Exma. Sra. Dona Ana de Campos Veras. Passando eu uma destas tardes
pela casa da senhora, vi o seu filho Humberto correndo no quintal atrás de
um pato, e dizendo nomes feios em voz alta. Não sendo a primeira vez que
isso acontece, previno a senhora que, a primeira vez que tal cousa se
repita, mandarei um marinheiro pegar o seu filho e trazê-lo para a Escola de
Aprendizes Marinheiros, onde sentará praça e será castigado como merece.
Assinado: Gervásio Pires de Sampaio, capitão do Porto.‖[...] Uma covardia
invencível aniquilou-me a vontade. Durante algumas semanas mostrei-me
dócil, obediente, morigerado. Passei o resto do verão sem empinar
papagaio. Não proferi, durante algum tempo, nomes condenáveis337.
Anos mais tarde, lembrou-se do fato e perguntou a sua mãe sobre o motivo
da carta do capitão. Ela ironicamente respondeu: ―Como tu eras tolo! tu não viste
que a letra era minha?‖.
336
KRAAY, Hendrik. 1993.
CAMPOS, Humberto de. Memórias e Memórias inacabadas. São Luís : Instituto Geia, 2009, p.
149.
337
121
Fran Martins reforça a imagem reformista da Companhia, em ―A rua e o
mundo‖, quando afirma que ―a Marinha era, então, o terror dos meninos. Quando um
não prestava, os pais o deportavam para a marinha, porque lá, de qualquer maneira,
haveria de se endireitar‖338.
Na imprensa maranhense, sugestões de caráter semelhante reforçam o
caráter correcional da instituição, ao expor a reclamação de um leitor
contra o mau comportamento de um menino de 8 annos, filho de uma tal
Joanna cearense, moradora a rua de Sant‘Anna, quase defronte da casa do
Sr. Dr. Abilio. Vive o tal pequeno a atirar pedras, e o nosso informante diznos que por pouco era hontem vitima do tal brinquedo. O menino esta no
caso de ter uma correção, merece-a mesmo, pois dela precisa e na
companhia de menores pode elle obter uma educação vantajosa e ser útil339
A ―companhia de menores‖ referida é a Companhia de Aprendizes
Marinheiros. Ambas as denominações eram utilizadas pela imprensa e pelos
dirigentes da Marinha, de forma indiscriminada, para a instituição. Esta serviria para
regenerar
crianças
pobres
que
não
se
portassem
dentro
dos
padrões
comportamentais aceitáveis no período para sua classe social. A solução sugerida
para corrigir o mau comportamento infanto-juvenil era colocá-las num local que
unisse disciplina militar e educação moral-religiosa.
Um articulista do jornal Pacotilha sugere que o local serviria como depósito
não apenas de indisciplinados, mas também para pequenos criminosos. A
Companhia foi lembrada como um local ideal para moralizar um menino de doze
anos, acusado de deflorar uma menina de apenas oito anos(!). Para o articulista,
essa seria a melhor opção, porque ―por amor à edade, não pode a lei punir este d.
Juan precoce, parecerá razoável que o mettam na companhia de aprendizes
marinheiros, para que elle aplique melhor e mais utilmente o seu tempo‖340
A associação da Companhia de Aprendizes como local de punição vai ficando
mais acentuada quando se parte para o plano legal e institucional. A Casa dos
Educandos Artífices, como vimos, ministrava aulas de primeiras letras e ensino de
ofícios mecânicos em geral. Mas apesar da disciplina militarizada, a resistência dos
educandos fazia parte do cotidiano dos administradores daquela instituição. As
338
MARTINS, Fran. A rua e o mundo. São Paulo: Martins, 1962, p. 21. Apud. SILVA, Rozenilda. M. C
. Companhia de Aprendizes Marinheiros do Piauí e a sua relação com o cotidiano da cidade de
Parnaíba. In: IV Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI, 2006, Teresina. A pesquisa como
mediação de práticas sócio-educativas. Teresina: EDUFPI, 2006.
339
DIÁRIO DO MARANHÃO. São Luís, 17 set.1884. Creança má, p. 2.
340
PACOTILHA, 27 ago. 1883. Pacotilha, p. 2.
122
punições para o mau comportamento dos aprendizes artífices, segundo o
regulamento, oscilavam de acordo com o grau da traquinagem praticada. A
gradação era a seguinte:
Art. 33. A casa reconhece as penas seguintes:
1ª. Repreensão particular, na secretaria do estabelecimento;
2ª. Repreensão pública, à frente do corpo formado;
3ª. Privação do recreio, ou passeio, ou de ambas as coisas
juntamente;
4ª. Trabalho fora das horas do costume;
5ª. Exclusão da mesa por uma a três vezes;
6ª. Servir a mesa aos companheiros, por uma a três vezes;
7ª. Outros trabalhos, que excitem o pejo e o vexame;
8ª. Prisão por um a oito dias, no xadrez da casa;
9ª. Expulsão do estabelecimento341.
Com base nos regimes disciplinares das corporações militares, Regina Faria
e Edvaldo Dutra deduziram que servir em certos aparatos militares parecia ser algo
menos sofrível. A gradação encontrada pelos autores indica a existência de
diferentes níveis. Os ―transgressores incorrigíveis‖ das Guardas Campestres
deviam ser punidos com a pena de até um ano servindo no Corpo de
Polícia. (art.4º, da referida Lei Provincial nº.98). Neste, os praças com
―conduta irregular‖ e que não dessem ―esperança de se corrigir‖ deviam ser
encaminhados para o Exército ou a Marinha (art. 32, do Regulamento de
1855, do Corpo de Polícia do Maranhão)342.
Um aviso circular, reservado, enviado pelo Ministério da Guerra à
Presidência do Maranhão indicava um desdobramento no terceiro nível, pois havia a
determinação de que ―os praças do exército que se tornarem incorrigíveis sejão
transferidos para a Armada‖343. O aviso sugere ser a Marinha o limite, e seus rigores
disciplinares, pelo visto, um assombro para soldados de outros aparatos militares.
Essa possibilidade de transferência como punição, após 1876, nos leva a pensar
que estar em um navio da Armada ou nos seus quartéis seria uma experiência
bastante desagradável.
A transferência como forma de punição também foi um recurso utilizado para
induzir bom comportamento aos aprendizes da Casa dos Educandos. A disciplina
militar e o rol de punições habituais daquela instituição não foram suficientes para
341
MARANHÃO. Regulamento da Casa dos Educandos Artífices – 1855. Apud. CASTRO, César
Augusto (Org.). Leis e regulamentos da instrução pública no Maranhão Império: 1835-1889. São Luís
: EDUFMA, 2009.p. 333-334.
342
FARIA, Regina Helena Martins de; DUTRA, Edvaldo Dorneles. 2011, p. 8.
343
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 610. Registro nº 36 em 28 de março de 1874. Setor de códices. APEM.
123
obter bom comportamento de Francisco Batista de Melo e de João Marques
Rodrigues. Sobre Francisco Melo não há muita informação sobre o que motivou sua
transferência para a Companhia de Aprendizes, mas os indícios sobre o educando
João sugerem que durante três anos na instituição não houve demonstração de
afinidade com ofício algum ali ensinado. Mas isto não seria um motivo suficiente
para a transferência, pois a mera falta de habilidade era resolvida com o simples
desligamento. Porém, a menção ao art. 35 deixa claro que a inabilidade estava
associada a problemas graves de indisciplina344. Segundo o referido artigo
o educando, que não der esperança de corrigir-se com a imposição das
penas decretadas no presente regulamento, será remetido com a devida
parte ao Presidente da Província, que lhe mandará verificar praça no
exército ou na armada nacional e imperial345.
Talvez, pela pouca idade, os dois não foram enviados diretamente para ser
soldados nos corpos militares citados no regulamento. Porém, o fato de terem sido
remetidos para a Companhia de Aprendizes Marinheiros em momento algum
desvirtuaria o sentido da norma.
4.7 Crianças nas ruas
O esforço diário do Corpo de Polícia contra o aumento da criminalidade era
elogiado nos periódicos, mas também realçava alguns excessos. A atuação
ostensiva, e muitas vezes arbitrária dos policiais, era denunciada, como numa
ocasião em que houve pelas ruas de São Luís
um pega-pega de crianças, feito pela policia, acobertada com o nome de
prisão de vadios para a companhia de aprendizes marinheiros. Se algumas
vezes ha a necessidade de se reclamar e effectuar esta medida pelo grande
numero de vagabundos e viciados(...) parece que a policia mal approveitou
a occasião para bem desempenhar a sua missão, e isto por que nas
occasiões precisas não atende as reclamações e vai agarrando a torto e a
direito, os pequenos que encontra.(...) Interrogado os soldados pela forma
incorrecta porque procediam, responderam que tinham ordem para agarrar
a toda e qualquer criança que encontrassem!346
344
PUBLICADOR MARANHENSE, São Luís, 26 abr. 1874. Expediente do dia 20 de abril de 1874, p.
1.
345
346
MARANHÃO. Regulamento da Casa dos Educandos Artífices – 1855. 2009. p. 334.
DIÁRIO DO MARANHÃO, São Luís, 22 de fevereiro de 1887. Prisão de crianças, p. 2.
124
O fato virou notícia porque a vítima da arbitrariedade policial daquele dia tinha
sido um "menino de casa" do médico e político maranhense Manuel Bernardino da
Costa Rodrigues347. Tratava-se, portanto, de uma criança inserida em uma rede de
proteção, gerando até uma certa "revolta" nos cidadãos que presenciaram a cena,
segundo o periódico. Observando tal notícia, temos a impressão de que ser criança,
principalmente pobre, e estar na rua significava estar exposto aos riscos de ser
capturado por policiais e entregue à Companhia de Aprendizes. Os alistamentos
ilegais eram rotineiros e causavam transtornos para as famílias não inseridas numa
rede de proteção.
No
alistamento
infanto-juvenil
vigoravam
práticas
assemelhadas
ao
recrutamento de adultos no que tange aos critérios de isenção, e o fato de estar
inserido ou não em uma rede de proteção. Isso pode ser deduzido do caso dos
meninos Simão, Manoel, Alfredo, Ignácio, Jeronimo e Emiliano. Eles certamente
foram surpreendidos por uma batida policial e levados para assentar praça na
Companhia de Aprendizes348. Inspecionados, foram considerados aptos e alistados
na instituição. Não demorou muito para que os responsáveis fossem requerê-los de
volta.
Alfredo, Manoel e Jerônimo eram filhos legítimos com pai e mãe vivos, foram
por estes requeridos e desligados da instituição. Angélica Rosa Belfort era mãe
solteira e foi ao resgate de seu filho Emiliano. Falamos em resgate em virtude da
própria linguagem utilizada nos ofícios, que sugere estarem os meninos presos de
fato. Leocádio Ferreira de Souza era protetor de Ignácio e, ao saber do ocorrido,
reclamou prontamente à presidência da província, que ordenou ao capitão do porto
para pô-lo em liberdade, visto o recrutamento ilegal do qual fora vítima.
O caso de Simão é um dos mais interessantes. No discurso dos dirigentes e
oficiais da Marinha, a Companhia era apresentada como instituição destinada a dar
uma formação elementar e ocupação aos meninos pobres, órfãos e desprotegidos
em geral. Simão não se enquadrava nesse perfil, pois já tinha com o que se ocupar.
Honório José do Nascimento, mordomo da irmandade de São Manoel e carpinteiro,
atestou que aquele menino apreendido na rua era seu aprendiz e não um
347
Era mais conhecido como Costa Rodrigues (1853-1929), foi um médico e político brasileiro, eleito
deputado federal e senador pelo Maranhão, ocupando dois mandatos em cada cargo político.
348
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 611. Registro nº 98 em 18 de junho de 1877. Setor de Códices. APEM.
125
desocupado. Talvez tenha sido capturado por estar na rua e não portar suas
ferramentas de trabalho no momento da captura.
A apreensão desses seis meninos exemplifica como agiam os órgãos
encarregados da segurança pública e, ao mesmo tempo, do alistamento forçado de
crianças. Ao avistarem algum ajuntamento, ou alguém numa atitude considerada
suspeita, logo o prendiam. A intenção era estabelecer uma ordem urbana e retirar
das vias públicas a presença incômoda das diversões daqueles jovens.
Os seis meninos citados há pouco conseguiram ser desligados da instituição,
por iniciativa de seus responsáveis. Muitas crianças pobres, entretanto, tiveram
trajetórias diferentes. Certos órfãos, além de terem sofrido o trauma da perda dos
pais, ainda tinham que conviver com a possibilidade, não muito remota, de ser
enviados pelos juízes de órfãos para a Companhia de Aprendizes.
Criado ainda no período colonial, o cargo de juiz de órfãos ocupava-se dos
processos familiares em que estavam envolvidos menores de 21 anos. Inicialmente,
essa autoridade tinha como objetivo principal mediar questões envolvendo riquezas
deixadas: fazia partilhas, heranças e cuidava dos processos de tutela de crianças de
posses. Em virtude das mudanças sociais e dos problemas advindos do aumento
populacional, as prerrogativas dos juízes de órfãos foram ampliadas, ficando
também incumbidos de zelar pelas crianças pobres, pelos imigrantes que
começavam
a
chega,
pelas
famílias
escravas
e
libertas,
envolvendo-se
principalmente com questões relativas ao abandono infantil e às relações de
trabalho.
Gislane Azevedo percebeu que a legislação que ampliou as prerrogativas
desses juízes, antes de favorecer o bem-estar e melhores condições de vida, gerou
o contrário. Para a autora, abriu-se uma brecha para a exploração infantil por parte
dos tutores, pois
se antes da promulgação destas leis, a tutela acontecia com menores ricos,
a partir de então, a sociedade começou a utilizá-la também para crianças
pobres. Na maior parte das vezes, isso não significava preocupação para
com o bem-estar dos menores carentes. As famílias de posse
aproveitavam-se da lei que dizia ser necessário dar tutor a todos os órfãos
menores de 21 anos e decidiam tutelá-los com a finalidade de terem em
126
casa
verdadeiros
compulsoriamente349.
criados,
fazendo
os
serviços
domésticos
Em uma sociedade escravista, crianças pobres livres incorporadas a uma
família representavam aumento de mão de obra gratuita. Por isso, pedir a tutela
poderia trazer vantagens econômicas incríveis, e muitos requerentes sabiam disso.
Pela legislação, os tutores não eram obrigados a pagar ao menor por seus serviços
prestados, pois
quando alguém requeria tutela de um menor, geralmente argumentava que
gostaria de mantê-lo sob seus cuidados em virtude de ele estar abandonado
ou sofrendo maus-tratos em outra residência. Em geral, o juiz atendia o
requerente, pois, amparava-se na lei que determinava que todo menor órfão
ou abandonado deveria ter tutor. Assim, o magistrado entendia estar tirando
uma criança da rua ou da casa de quem não tinha condições de criá-la para
colocá-la no lar de um cidadão que se comprometia a cuidar dela. (...).
Entretanto, a argumentação do solicitante de estar ‗preocupado com o bem
estar do menor‘ camuflou, na maioria das vezes, outro interesse: o de ter
crianças trabalhando gratuitamente para ele. (...). Muitas delas, além de
terem uma vida dedicada exclusivamente ao trabalho sem receber nenhum
retorno financeiro, ainda sofriam castigos físicos350‖.
O aumento do número de crianças em situação de vulnerabilidade e a
necessidade de formação de marinheiros fizeram com que os oficiais da Marinha e
os presidentes da província enviassem circulares para os juízes de órfãos, tanto da
capital quanto do interior da província, para que estes se empenhassem na busca de
crianças.
Conseguimos traçar algumas trajetórias de crianças que, em virtude da
orfandade, acabaram caindo nas malhas do Judiciário e depois foram remetidas
para a Companhia de Aprendizes.
Joaquim tornou-se órfão aos ―onse annos de idade pouco mais ou menos‖ no
ano de 1870. Era ―natural do Termo da Batalha e filho legitimo de Jozué, escravo e
da fallecida Maria, livre‖. Sua situação foi parar na mesa de Antonio Pires, juiz de
órfãos de Parnaíba, para que desse um ―destino conveniente‖ ao menino. Com a
mãe falecida, o único familiar vivo e conhecido era seu pai, cuja condição de
escravizado não lhe permitia ter a guarda de seu filho.
349
AZEVEDO, Gislaine C. Sebastianas e Geovannis: o universo do menor nos processos dos Juízes
de Órfãos da cidade de São Paulo (1871-1917). Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 1995. p. 42.
350
Idem. A tutela e o contrato de soldada: a reinvenção do trabalho compulsório infantil. História
social, (3): Campinas, 1996, p. 20.
127
Na época não existia Companhia de Aprendizes na província do Piauí. Pelos
estudos de Rozenilda Silva351, sabemos que apenas em 1874 uma Companhia de
Aprendizes começou a funcionar em Parnaíba. Por isso Joaquim fora enviado para
a Companhia de Aprendizes mais próxima, a do Maranhão352.
A trajetória de João expõe a precariedade da vida sob o regime escravista.
Contando com apenas 10 anos, deveria ser um daqueles muitos meninos escravos
que circulavam nas ruas da cidade de São Luís, levando recados, fazendo serviços
domésticos ou qualquer outra atividade compatível com a pouca idade.
Provavelmente vivia com sua mãe até o momento em que esta fora, sozinha,
vendida em 1874.
Pela Lei nº 1.695, de 15 de setembro de 1869, ou a mãe não deveria ter sido
vendida, ou João deveria acompanhá-la na transação, pois era expressamente
proibido separar familiares escravizados (pai, mãe e filhos menores de 15 anos) em
negociatas entre senhores. Ocorre que a Lei não foi suficiente para manter mãe e
filho juntos - prevaleceu o arbítrio. João não virou mercadoria; pelo contrário, foi
alforriado e passou a gozar do status de liberto. E o pior: sem protetor algum, pois
pelo visto seu antigo dono não teve interesse em permanecer com ele. O translado
com a escritura pública da sua alforria foi parar nas mãos do juiz de órfãos da
capital, que não deve ter pensado muito a respeito e o remeteu diretamente para a
presidência da província com uma requisição de inspeção de saúde. Antes, porém, o
presidente fez uma recomendação curiosa ao capitão do porto: ―consta ainda não ter
sido baptizado o referido orphão, recomendo que promova os meios necessários a
fim de ser-lhe ministrado aquele sacramento‖353 antes do mesmo assentar praça na
Companhia.
Enquanto algumas crianças eram empurradas para dentro da instituição,
outras, contraditoriamente, procuravam-na para se proteger de maus-tratos,
achando ser aquela a solução para uma vida com menos opressão. Hypolito de
Souza Ramos poderia ser considerado o aprendiz ideal e um exemplo de menino
351
SILVA, Rozenilda Maria de Castro. Companhia de aprendizes marinheiros da província do Piauí: o
recrutamento à armada e o acesso da criança pobre à Escola (1874 a 1915) in: Linguagens,
Educação e Sociedade. n. 9, Teresina, UFPI: jan.-dez. 2003.
352
PIAUÍ. Juiz de Orfãos da cidade de Parnaíba da Província do Piauhy. Ofícios do Juiz de Orfãos de
Parnaíba ao presidente da província do Maranhão em 10 de setembro de 1870. Setor de avulsos.
APEM.
353
MARANHÃO. Livros de minutas da correspondência do Presidente da Província com Autoridades
da Marinha. Livro 608. Registro nº 253 em 25 de novembro de 1874. Setor de códices. APEM.
128
pobre a ser seguido, se não fosse por algumas questões. Sabemos que muitos pais
ou tutores, espontaneamente, alistavam suas crianças e que isso gerava direito a
um prêmio, mas isso não implica dizer que as crianças realmente quisessem tal
destino.
Hypolito, contrariando as estatísticas, foi voluntariamente ao encontro do juiz
de órfãos para requerer o próprio encaminhamento para a Companhia de
Aprendizes. Seu comportamento fora elogiado pelas autoridades, e seu voluntarismo
dar-lhe-ia direito ao prêmio de 100 mil-réis354. As autoridades só não contaram,
entretanto, com a sua astúcia em esconder sua verdadeira condição para ser
alistado. Após ter sido descoberto, foi desligado e entregue
ao machinista Roberto Bielly, que o reclamou como seu parente e mestre
que é, e em cuja companhia se acha aprendendo o officio de machinista na
officina da fundição da Companhia de Vapores para o que foi-lhe entregue
pelo seu pai Francisco Pereira Ramos residente na Vila de Barra do
Corda355.
Hypolito não era órfão, vivia como aprendiz de maquinista, mas preferiu
alistar-se na Companhia de Aprendizes a permanecer junto de seu mestre e
parente. Provavelmente julgou que ser aprendiz de marinheiro era uma condição
melhor do que aquela que tinha como aprendiz de maquinista.
Luiz de Mendonça era filho único e tinha 12 anos quando sua mãe, Maria
Alexandrina,
faleceu.
Natural
de
Turiaçu
não
restou
ninguém
que
se
responsabilizasse por sua criação. Para não viver desamparado, o juiz de órfãos
daquela vila achou por bem enviá-lo para ter a saúde inspecionada e ser alistado na
Companhia de Aprendizes. O mesmo ocorreu com João da Cruz, Firmo Augusto de
Asevedo, Jeronimo, Manoel Pedro Viera e outros tantos mais que, após perderem
pai e/ou mãe, foram entregues à Companhia de Aprendizes.
Observamos que esses meninos enviados pelos juízes de órfãos foram
alistados na Companhia em uma condição, digamos, vantajosa, pois tiveram direito
ao prêmio de 100 mil-réis previsto. Pelos decretos 1.519, de 1855, e 9.371, de 1885,
os prêmios só seriam dados aos aprendizes alistados por seus familiares ou tutores
e não para os órfãos remetidos pelos juízes, como presenciamos.
354
355
Id. Livro 609. Registro nº 67 em 25 de abril de 1875. Setor de códices. APEM.
Id. Registro nº 71 em 29 de abril de 1875. Setor de códices. APEM.
129
Uma trajetória pouco encontrada foi a de expostos ou enjeitados da Santa
Casa de Misericórdia, sendo encaminhados para a Companhia de Aprendizes
Marinheiros. Da data de criação daquela instituição, em abril de 1828, até o ano de
1873, foram acolhidas 229 crianças expostas na instituição. Segundo os registros,
203 crianças faleceram (!), 20 foram para a Casa dos Educandos Artífices, 8 para
oficinas mecânicas particulares e apenas 5 foram para a Companhia de Aprendizes
Marinheiros356. Depois disso, encontramos apenas Sebastião Pinto, um pequeno
sobrevivente que escapou da estatística da mortalidade infantil, e que conseguiu
chegar aos 10 anos, idade em que fora encaminhado para a Companhia de
Aprendizes Marinheiros.
O índice de mortalidade elevado da instituição nos faz pensar em um
ambiente habitado por meninos adoentados e/ou de compleição física mirrada,
meninos que certamente seriam relaxados pelos médicos nas inspeções de saúde,
pois nas péssimas condições, em que estavam os pequenos da Santa Casa de
Misericórdia, sobreviver já era um grande prêmio.
No projeto de alistamento e profissionalização infantil, realizado pela Marinha,
a criança pobre do sexo masculino ficou numa encruzilhada entre autoridades
militares e civis diversas. Muitas foram retiradas forçadamente do convívio familiar. A
acusação de falta de cuidado e o suposto abandono por parte dos pais legitimavam
a prática. Um julgamento apressado poderia ver nos alistamentos voluntários de
crianças, em troca do prêmio, a existência de ganância e falta de amor pelo filho,
mas também poderiam ser vistos como cuidado e esperança de que o filho fosse
tratado dignamente. As tentativas, frustradas, de desligamentos posteriores, no
entanto, sugerem que, em alguns casos, tratava-se mesmo de pobreza e de duras
condições de vida, e não de desleixo, como acreditavam as autoridades.
356
Ibid. Presidência da província. Relatório apresentado à assembléia legislativa provincial do
Maranhão pelo excelentíssimo senhor presidente da província, Dr. Silvino Elvidio Carneiro da Cunha,
no dia 17 de maio de 1873. Maranhão: Typografia do Frias, 1873, p. 51
130
Considerações finais
A formação da Marinha de Guerra brasileira era de fundamental importância
para consolidar o projeto da elite imperial de preservar a unidade nacional e
integridade do território nacional. Sua função, dentre outras, era a de proteger o
comércio e zelar pela ordem, destruir as revoltas nas províncias em agitação, repelir
ataques externos, fiscalizar o tráfico ilegal de escravos após 1850, dentre outras.
Diversos indícios apontam o poder reduzido da esquadra nacional, tanto em
número de navios, quanto em tripulação. O Império brasileiro conseguiu seus
primeiros navios confiscando os da antiga metrópole, Portugal, e comprando outros
tantos. Essas belonaves eram tripuladas inicialmente por uma ―galera heterogênea‖,
conforme definiu Silvana Jeha. Os primeiros marujos eram estrangeiros de várias
nacionalidades, muitos portugueses aderentes à causa da Independência, além de
presos de justiça e escravos.
As esquadras compostas por tais sujeitos resolveram as demandas iniciais,
pois foram eles os responsáveis por forçar a adesão das províncias resistentes ao
domínio da Corte do Rio de Janeiro. Mas com o passar do tempo, os pelotões de
estrangeiros geraram distúrbios e prejuízos para o Império.
Em 1831, o ministro da Marinha Rodrigues Torres alertava que as tropas
estrangeiras causavam males à Armada, em virtude da indisciplina. Por isso, visava
"extirpar o espírito insidioso"357 dos contratados e "expurgar" da Armada esses
indivíduos de "espíritos inquietos".
Seu objetivo era fazer uma reforma geral, dando uma organização mais clara
à força naval, elaborando regras mais precisas e institucionalizando-as de fato. A
base legal das transformações propostas vieram com o Decreto nº 304, de 2 de
junho de 1843, que organizou militarmente o Corpo de Imperiais Marinheiros e as
Companhias de Aprendizes Marinheiros.
Segundo Edna Arantes, a criação do Corpo de Imperiais Marinheiros teve o
propósito de criar um núcleo militarizado, profissional e nacional na Marinha de
Guerra, já que, além dele, havia ainda o Corpo de Artilheiros e a marinhagem
357
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1831 , p.7.
131
avulsa. Esta última era formada principalmente por estrangeiros contratados, mas
havia também nacionais voluntários358.
As Companhias de Aprendizes Marinheiros, por sua vez, tinham o objetivo de
preencher o Corpo de Imperiais Marinheiros com marinheiros treinados desde
pequenos para as lides do mar. Passaram a ser chamadas de ―viveiros da Armada‖
pelos dirigentes da Marinha, por terem se transformado no principal local de onde a
força naval conseguia seus marinheiros, depois da década de 1870.
Os
provenientes
dessa
instituição
eram
mais
jovens
e,
em
tese,
profissionalizados, pois haveriam de passar por um aprendizado prévio. Seriam os
aprendizes os substitutos daqueles sujeitos que antes eram recrutados, geralmente
mais velhos e sem muitas habilidades náuticas. Teriam um tempo de serviço maior,
já que deveriam prestar quinze anos de serviço à Armada, depois de concluída sua
formação nas Companhias. Como substituiriam os estrangeiros então contratados,
que ganhavam mais e ficavam menos tempo, aliviariam o peso nos gastos com
contratações.
Em 1869, o ministro João Mauricio Wanderley até cogitou a possibilidade de
haver a supressão dos castigos corporais na Armada, com a tripulação sendo
composta majoritariamente por esses jovens egressos das Companhias de
Aprendizes.
O
Regimento
Provisional
e
os
Artigos
de
Guerra
organizavam
disciplinarmente os navios e quartéis da Armada. Eram códigos bastante severos, e
neles estavam previstos temidos castigos físicos (os aprendizes eram regidos por
um código disciplinar próprio). Mas o terror dos marujos não se resumia àqueles dois
regulamentos. Além dos códigos escritos, estava presente no cotidiano das
embarcações um ―costume bem estabelecido‖, oriundo de códigos não escritos,
bastante conhecidos da tripulação. Os códigos escritos eram rigorosos, sim, isso
não resta dúvida, mas a interpretação abusiva do art. 80 dos Artigos de Guerra fazia
com que o cotidiano das embarcações fosse ainda mais violento, dando origem à
um verdadeiro ―tribunal do convés‖. Neste, o comandante do navio era o verdadeiro
juiz, dando sentenças desarrazoadas e muitas vezes em desconformidade com as
leis, que já eram duras.
358
ARANTES, Edna Antunes. 2001. p. 63.
132
A existência de castigos físicos nas Forças Armadas fazia com que a
população masculina ficasse temerosa em virar soldado. Regina Faria e Edvaldo
Dutra359 lembram que a transferência para as tropas de 1ª linha fazia parte do rol de
punições para os insubordinados de aparatos militares menores. Essa prática aliada ao mencionado Aviso do ministro da Guerra ao presidente da província do
Maranhão, ordenando que este enviasse os ―incorrigíveis‖ do 5º Batalhão de
Infantaria do Exército para a Armada - confirma a interpretação de Paloma Siqueira,
Peter Beattie e Álvaro Nascimento: a permanência de um marinheiro na força naval
seria praticamente uma experiência prisional360. A diferença estaria nos momentos
de liberdade de que os marinheiros dispunham, quando muitos aproveitavam para
fugir.
A comparação é inevitável. A Companhia de Aprendizes Marinheiros do
Maranhão também recebeu crianças e jovens da Casa dos Educandos Artífices
considerados indisciplinados. E isso amparado pelo próprio Regulamento dessa
instituição, sugerindo que os aprendizes da Armada estavam submetidos a um
código disciplinar mais rigoroso que os educandos artífices, e que a Companhia
funcionava como uma instituição corretiva.
As sugestões veiculadas dos periódicos locais de enviar para a Companhia
de Aprendizes crianças e jovens que perturbavam o sossego público, ou que
cometiam delitos, reforçam a ideia de que ela era vista como um local de punição
para a infância pobre, para quem não se portava como era socialmente esperado.
A atuação do Corpo de Polícia, encaminhando irregularmente crianças, que
sequer estavam nas condições estipuladas pelo Regulamento, também evidencia a
existência de um código de conduta disseminado entre as autoridades responsáveis
pelo controle social no período, que tinha o objetivo principal de desqualificar as
famílias pobres para retirar-lhes os filhos. Tinham chance de ser desligadas daquela
instituição apenas as crianças cujos familiares ou protetores estivessem inseridos
em redes clientelares, que lhes dessem suporte no desligamento de seus filhos
irregularmente alistados.
A troca de ofícios entre autoridades da Marinha e a presidência da província
evidencia igualmente tal código, pois a justificativa dos alistamentos forçados era a
359
FARIA, Regina Helena Martins de; DUTRA, Edvaldo Dorneles. 2011, p. 8.
FONSECA, Paloma Siqueira. 2004; NASCIMENTO, Álvaro Pereira. 1997, 1999, 2002, 2004, 2008;
BEATTIE, Peter. 2009, p. 217
360
133
de que os familiares desses meninos eram pobres e desleixados e maus
provedores. Quando estes conseguiam provar ter boa conduta, tinham que ressarcir
quantias muito elevadas para ter de volta os filhos alistados.
Pressionadas pela falta de dinheiro e/ou animadas pela esperança de que
aquela instituição alimentasse e alfabetizasse seus filhos, muitas mães alistaramnos, demonstrando um gesto maternal de cuidado e preocupação, mas também de
astúcia. Basta lembrarmos de Quitéria Barros e João Sodré. Ambos colocaram seus
filhos bem pequenos na instituição e quiseram desligá-los anos depois, quando já
estavam crescidos, mas se depararam com a blindagem institucional da Armada,
que evitava de todas as formas custear a educação e profissionalização de jovens
que nunca se tornassem imperiais marinheiros.
Este trabalho teve, portanto, a pretensão de contribuir com os estudos
militares que possuem os aprendizes da Armada como objeto de preocupação,
assim como visou despertar o interesse de futuros pesquisadores a se interessarem
pela temática. Mas, se novos navegantes não se sentirem confortáveis em realizar
essa travessia, ficamos contentes em ter retirado do esquecimento a experiência
daquelas mães, pais e filhos que tiveram suas vidas marcadas pela estigmatização e
violação de direitos.
134
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