LUZ, Maria de Fátima da.

Transcrição

LUZ, Maria de Fátima da.
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS PROGRAMA DE POS‐GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA PRÁTICAS FUNERÁRIAS NA ÁREA ARQUEOLÓGICA DA SERRA DA CAPIVARA, SUDESTE DO PIAUÍ, BRASIL. MARIA DE FATIMA DA LUZ RECIFE/PE 2014 2 MARIA DE FATIMA DA LUZ PRÁTICAS FUNERÁRIAS NA ÁREA ARQUEOLÓGICA DA SERRA DA CAPIVARA, SUDESTE DO PIAUÍ, BRASIL. Tese apresentada ao Programa de Pós‐
Graduação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Arqueologia. Orientadora: Profª Drª. Niède Guidon. Co‐Orientadora: Profª Drª. Daniela Cisneiros RECIFE/PE 2014 3 RESUMO A área arqueológica da Serra da Capivara tem apresentado práticas funerárias diferenciadas, no tocante aos elementos biológicos e culturais, para os sítios localizados na bacia sedimentar Piauí‐Maranhão e a planície periférica do São Francisco. O objetivo principal deste trabalho é estabelecer os perfis funerários encontrados nas práticas funerárias dos sítios localizados na Serra das Confusões e na Serra da Capivara e entorno, a partir do estudo das variáveis biológicas e culturais presentes nas sepulturas, no período de 13.000 anos a 2.000 anos B.P Foram estudados os dados funerários dos sítios, Toca do Enoque e Toca do Alto do Capim (Serra das Confusões), Toca do Paraguaio, Toca do Gongo I e Toca dos Coqueiros (Serra da Capivara) e Toca do Barrigudo, Toca da Bastiana, Toca das Moendas e Toca da Santa (afloramentos calcários), num total de 24 sepulturas, com cerca de 51 indivíduos, com enterramentos primários e secundários. Baseando‐se na questão de que as práticas funerárias realizadas nos sítios da Serra das Confusões são diferentes, das efetuadas na Serra da Capivara e nos afloramentos cársticos, procurou‐se apoiar esta hipótese, empregando uma metodologia ordenada e sistemática, que possibilitou estabelecer o perfil funerário de cada sítio e comparar os respectivos perfis, definindo, assim o perfil de cada área estudada. A metodologia trabalhada permitiu inferir considerações sobre as práticas funerárias, particularmente a cada enterramento e, ao mesmo tempo, entre todos os enterramentos estudados, a partir das variáveis biológicas e culturais para a definição dos perfis funerários da área arqueológica da Serra da Capivara. Palavras ‐ Chave: Bio‐arqueologia, Área arqueológica, Prática funerária, Perfil funerário. 4 ABSTRACT The archaeological area of Serra da Capivara has presented different burial practices with regard to biological and cultural elements, to the sites located in Maranhão‐Piauí sedimentary basin and the peripheral lowland of San Francisco. The main objective of this work is to establish the funerary profiles found in the burial practices of the sites located in Serra das Confusões and in the Serra da Capivara and surroundings, from the study of biological and cultural variables found in graves, in the period of 13,000 years 2,000 years B.P funerary data were studied from sites, Toca do Enoque and Toca do Capim (Serra das Confusões), Toca do Paraguaio, Toca do Gongo I and Toca dos Coqueiros (Serra da Capivara) and Toca do Barrigudo, Toca da Bastiana, Toca das Moendas and Toca da Santa (calcareous outcrops), for a total of 24 tombs, with about 51 individuals with primary and secondary burials. Based on the matter of funerary practices carried out in the Serra das Confusões sites are different, made in the Serra da Capivara and karst outcroppings, sought to support this hypothesis, employing an orderly and systematic methodology, which allowed to establish the profile of each funeral site and compare their profiles by setting, so the profile of each study area. The methodology crafted allowed infer considerations funerary practices, particularly to each burial and, at the same time, between all burials studied, from the biological and cultural variables for defining profiles burial archaeological area of Serra da Capivara. Keywords: Bio‐archaeology, archaeological area, Practice mortuary, Undertaker Profile. 5 INDICE DE FIGURAS Figura 1 ‐ Mapa de localização regional do Parque Nacional da Serra das Confusões. .............. 52 Figura 2 – Localização dos afloramentos calcários da área arqueológica Serra da Capivara. – Fonte: La Salvia, 2006 .................................................................................................................. 60 Figura 3 – Localização dos Parques Nacionais Serra das Confusões e Serra da Capivara no Estado do Piauí. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ................................ 65 Figura 4 ‐ Grafismos humanos da Tradição Agreste. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham
..................................................................................................................................................... 66 Figura 5 ‐ Posicionamento das sepulturas 1, 2 e 3 na Toca do Enoque. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................... 67 Figura 6 ‐ Implantação da Sondagem 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ................ 69 Figura 7 ‐ Fogueira 1 entre grandes blocos na Sondagem 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................... 70 Figura 8 ‐ Posicionamento das estruturas de combustão no lado noroeste do abrigo. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ...................................................................... 75 Figura 9 ‐ Posicionamento das sepulturas no perfil e localização das amostras que forneceram as datações. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ...................................... 89 Figura 10 ‐ Posicionamento dos cortes na planimetria. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................... 90 Figura 11 ‐ Perfil estratigráfico B‐C (sentido sudeste/noroeste). Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................... 90 Figura 12 ‐ Perfil estratigráfico C‐D (sentido sudeste/noroeste). Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................... 91 Figura 13 ‐ Blocos sobre o crânio do esqueleto 1 – Sepultura 1 – Toca do Enoque. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ........................................................................................... 92 Figura 14 ‐ Sepultamento 1 – Sepultura 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham. .......... 93 Figura 15 ‐ Esqueleto 2 ‐ criança sexo feminino (lado esquerdo) e esqueleto 3 adulto jovem masculino (lado direito) Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................. 96 Figura 16 ‐ Posicionamento dos esqueletos da sepultura 2, em função dos momentos de inumação. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .............................................................. 98 Figura 17 ‐ Esqueleto 2 ‐ criança sexo feminino ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................... 99 6 Figura 18 ‐ Esqueleto 3 ‐ adulto jovem sexo masculino ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................ 101 Figura 19 ‐ Esqueletos 4 ‐ criança do sexo feminino (direito) e 5‐ criança do sexo masculino (esquerdo) ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ................................... 104 Figura 20 ‐ Esqueletos 6 e 10 ‐ infantes ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 105 Figura 21 – Esqueleto 7 Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................. 106 Figura 22 ‐ Esqueletos 6, 10 e 8‐ dois infantes e um adulto jovem sexo feminino. Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................. 107 Figura 23 ‐ Esqueleto 9 ‐ criança infante ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 108 Figura 24 ‐ Esqueleto 13 ‐ adulto masculino ‐ Sepultura 3. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 111 Figura 25– Grafismos rupestres no interior (esquerda) e exterior (direita) da Toca do Capim. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................. 112 Figura 26 – Localização da estrutura 13 e foto da cesta funerária contendo esqueleto humano – Toca do Capim ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ................................................ 116 Figura 27 ‐ Grafismos rupestres da Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 117 Figura 28 ‐ Sepultura 1 com esqueleto – Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 122 Figura 29 ‐Sepultura 2 com esqueleto ‐ Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 124 Figura 30 – Posicionamentos das sepulturas e urnas da Toca do Gongo I. Fonte: Laboratório Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................. 125 Figura 31 – Vista geral do sítio Toca dos Coqueiros. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham
................................................................................................................................................... 134 Figura 32 – Localização do esqueleto in situ na Toca dos Coqueiros. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................ 139 Figura 33 ‐ Posicionamento dos esqueletos na Toca do Barrigudo. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................. 140 Figura 34 – Esqueleto 1‐ Toca do Barrigudo – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .... 142 Figura 35 – Esqueleto 2 – Toca do Barrigudo – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ... 143 Figura 36 – Grafismos rupestres no sítio Toca da Bastiana. ..................................................... 144 Figura 37 – Localização dos sepultamentos na Toca da Bastiana – Fonte: La Salvia, 2006 ...... 145 Figura 38 ‐ Esqueleto 1 ‐ adolescente ‐Toca da Bastiana. ......................................................... 147 Figura 39 – Croqui da decapagem do esqueleto 2 no laboratório. Fonte: La Salvia, 2006 ...... 148 Figura 40 – Croqui da decapagem do esqueleto 3 – Toca da Bastiana – Fonte: La Salvia, 2006
................................................................................................................................................... 149 7 Figura 41 – Localização dos setores e posicionamento dos enterramentos ............................ 151 Figura 42 – Posicionamento dos achados na Toca das Moendas e das camadas concrecionadas. Fonte: Guidon et al., 2009 ......................................................................................................... 152 Figura 43 – Posicionamento dos esqueletos 1, 2 e 3 no Corte estratigráfico G‐H. Fonte – Felice, 2006 ........................................................................................................................................... 156 Figura 44 – Localização dos esqueletos 1 e 2 da Toca da Santa no contexto cárstico. Fonte: Felice, 2006 ............................................................................................................................... 157 Figura 45 – Localização do esqueleto 3 da Toca da Santa no contexto cárstico. Fonte: Felice, 2006 ........................................................................................................................................... 157 Figura 46 – Relação indivíduo por faixa etária e sexo ............................................................... 160 Figura 47 – Percentual dos esqueletos por sexo e faixa etária ................................................. 161 Figura 48 ‐ Distribuição da faixa etária por sepultura ............................................................... 162 Figura 49‐ Curva de mortalidade por faixa etária ..................................................................... 163 Figura 50 ‐ Distribuição dos indivíduos por faixa etária, sexo e estatura. ................................ 165 Figura 51 ‐ Crânio reconstituído ‐ deformação óssea por fatores tafonômicos. Esqueleto 1‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 166 Figura 52 ‐ Diáfises das fíbulas com alterações ósseas de natureza patológica. Esqueleto 1‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 167 Figura 53 ‐ Detalhe da face interna do occipital com presença de sinais de alterações deorigem paleopatológica (parasitose?, anemia, treponematose?). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham ..... 168 Figura 54 ‐ Detalhe do frontal, teto da órbita direita, com lesões da Cribra orbitalia (hiperosteose porosa). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham ............................................................ 169 Figura 55 ‐ Detalhe da face endocraniana do frontal com lesões porosas concentradas, com aspecto trabecular (hiperosteose porosa ou parasitose?, treponematose?). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 169 Figura 56 ‐ Detalhe da superfície endocraniana do frontal. As lesões porosas (cribriformes) podem ser resultantes de anemia, parasitose ou treponematose. Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham .................................................................................................................................. 170 Figura 57 ‐ Osso do quadril direito, apresentando ílio, ísquio e púbis não fusionados. . A incisura isquiática maior e o ângulo subpúbico indicam possível sexo feminino. Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 170 Figura 58 ‐ Mandíbula com presença de reabsorção alveola. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham 171 Figura 59 ‐ Espícula óssea. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham ...................................................... 172 Figura 60 ‐ Facetas de acocoramento no tálus e na tíbia. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham ...... 172 Figura 61 ‐ Faceta de hiperdorsiflexão. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham .................................. 173 Figura 62 ‐ Pseudo‐hiperdolicocrania/pseudo‐escafocefalia causada possivelmente por fatores paleotermohigrométricos.Esqueleto 4 ‐ Fonte: Fumdham ...................................................... 174 Figura 63 ‐ Alongamento do crânio (pseudo‐hiperdolicocrania) causado por fatores tafonômicos formadores do registro arqueológico. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham .............. 175 8 Figura 64 ‐ Deformação do frontal na região das órbitas por remodelação tafonômica.Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham .............................................................................. 175 Figura 65 ‐ Dentes incisivos com forma de pá (esquerda e direita). Foi registrada a presença de um dente conóide (anomalia de tamanho e forma), indicador de parentesco (direita). Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham ................................................................................................. 176 Figura 66 ‐ Presença de porosidade no colo do fêmur esquerdo. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham
................................................................................................................................................... 176 Figura 67 ‐ Epífise distal do fêmur esquerdo com lesão óssea no côndilo lateral. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 177 Figura 68 ‐ Remodelação óssea em corpo de vértebra lombar. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham
................................................................................................................................................... 178 Figura 69 ‐ Fêmur direito presença de porosidade de natureza patológica. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham .................................................................................................................................. 179 Figura 70‐ Detalhe do tálus esquerdo apresentando faceta de acocoramento. ...................... 179 Figura 71‐ Possível cicatrização de antiga fratura da diáfise. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham . 180 Figura 72 ‐ Fragmento temporal com sinais de patologias. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham ... 181 Figura 73 ‐ Clavícula esquerda com possível patologia. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham ......... 182 Figura 74 ‐ Remodelação óssea patológica nos rádios e ulnas direito e esquerdo. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham ....................................................................................................................... 182 Figura 75 ‐ Fêmur esquerdo com sinais de osteomielite? Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham ...... 183 Figura 76 ‐ Tíbia esquerda com densidade óssea alterada. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham.... 184 Figura 77 ‐ Mandíbula com perdas dentárias post mortem, presença de molares permanentes e um molar decíduo com desgaste oclusal moderado. Esqueleto 12 ‐ Fonte: Fumdham ........... 185 Figura 78 ‐ Epífise proximal da tíbia direita, vista em norma anterior, com presença de espícula óssea Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham ..................................................................................... 187 Figura 79 ‐ Vértebras torácicas e lombares vistas internamente e superiormente (acima) e externamente e lateralmente (abaixo). Apresentam sinais de queima, alterações termíticas e possíveis quebras com ossos ainda com tecidos moles. Os fragmentos apresentam tecido orgânico mumificado. Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham ........................................................... 187 Figura 80 ‐ Costelas esquerdas vistas superiormente, com sinais de alterações termíticas, queima e quebra provocadas com ossos ainda frescos ou com presença de tecidos moles ou colágeno. Sepultura 3 ‐ Esqueleto 13 – Fonte: Fumdham ........................................................ 188 Figura 81 ‐ Detalhe de epífise vertebral de costela com sinais de alterações termíticas e sinais anômalos, possivelmente associados à desarticulação por corte. Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham .................................................................................................................................. 188 Figura 82‐ Tipos de deposição do corpo por faixa etária e sexo ............................................... 190 Figura 83 ‐ Posição do corpo por faixa etária e sexo ................................................................ 191 Figura 84‐ Articulação do corpo por faixa etária e sexo ........................................................... 191 Figura 85 ‐ Orientação do corpo por faixa etária e sexo ........................................................... 192 Figura 86 ‐ Disposição dos membros superiores e inferiores por faixa etária e sexo ............... 193 9 Figura 87 ‐ Posição da face por faixa etária e sexo ................................................................... 194 Figura 88 ‐ Adorno feito de sementes e pingente de concha do esqueleto 1 – Sepultura 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................. 197 Figura 89 ‐ Pingente em osso de cervídeo associado ao esqueleto 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................ 198 Figura 90 ‐ Colar de sementes e pingentes de metatarsos de cervídeo. Esqueleto 3 ‐ Sepultura 2 – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ........................................................................ 198 Figura 91 ‐ Adorno feito com dentes de raposa – Esqueleto 4 – Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................ 199 Figura 92 ‐ Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Pingentes de ossos de ave Esqueleto 6 ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................. 200 Figura 93 ‐ Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Pingentes em ossos de cervídeo. Esqueleto 9 ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ................................. 201 Figura 94 – Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Esqueleto 10. Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ......................................................................................... 202 Figura 95 ‐ Distribuição de tipos de pingentes por indivíduo ................................................... 204 Figura 96 ‐ Percentual do material lítico por classe .................................................................. 205 Figura 97 ‐ Percentual da matéria‐prima por classe ................................................................. 206 Figura 98 ‐ Relação classe e matéria‐prima .............................................................................. 207 Figura 99 – Estilhas associadas aos enterramentos de dois infantes (6 e 10). Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................ 207 Figura 100 ‐ Percutores associados aos esqueletos 6 e 12. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 207 Figura 101 ‐ Relação entre as classes líticas e os enterramentos ............................................. 208 Figura 102 ‐ Lasca e núcleo encontrados dentro de conchas associadas ao esqueleto 2 – Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ......................................................... 209 Figura 103 ‐ Distribuição de conchas por faixa etária e sexo .................................................... 211 Figura 104 – Distribuição de conchas na decapagem 13 na Sepultura 2. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham ............................................................................................. 212 Figura 105 ‐ Lítico dentro de concha e sobre uma criança do sexo feminino (2). Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ......................................................................................... 213 Figura 106 ‐ Conchas associadas aos ossos de uma criança do sexo feminino (12). Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ......................................................................................... 214 Figura 107‐ Pingentes elaborados em valva de lamelibrânquio (associados a duas crianças, uma do sexo feminino (12), outra do sexo masculino (2)), e um em placa de tartaruga (associada ao infante (9)). Fonte: Faure et al. 2011 ........................................................................................ 215 Figura 108 ‐ Megalobulimus pintado (associado ao esqueleto 2). Fonte: Faure et al. 2011 .... 216 Figura 109– Distribuição dos pingentes em ossos de cervídeo por esqueleto ......................... 218 Figura 110 ‐ Distribuição entre os indivíduos dos colares feitos em dentes de raposa ............ 220 10 Figura 111 ‐ Incrustações de placas de tatu em argila encontrada ao lado do esqueleto 9. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................. 221 Figura 112‐ Metatarso (associado ao esqueleto 6) e chifre bífido (associado ao esqueleto 3) de cervídeo e sínfise mandibular de pecari (associado ao esqueleto 6). Fonte: Faure et. al., 2011
................................................................................................................................................... 222 Figura 113‐ Mandíbula de ouriço (entre os esqueleto 6 e 10) mostrando vestígios de corte. Fonte: Faure et. al., 2011 .......................................................................................................... 222 Figura 114‐ Placas de ocre associadas ao esqueleto 6. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham .................................................................................................................................. 227 Figura 115 – Adorno feito de dentes de roedores. Toca do Capim. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham ............................................................................................................................. 231 Figura 116 ‐ Distribuição da faixa etária por sítio da bacia sedimentar .................................... 232 Figura 117 ‐ Distribuição do sexo por sítio da bacia sedimentar .............................................. 232 Figura 118 – Distribuição do tipo de enterramento por sítio ................................................... 234 Figura 119 – Distribuição dos enterramentos em função do tipo de articulação .................... 234 Figura 120‐ Distribuição da faixa etária por sítio dos afloramentos calcários .......................... 235 Figura 121 ‐ Distribuição do sexo por sítio dos afloramentos calcários .................................... 236 Figura 122 – Distribuição dos tipos de deposição por sítio ...................................................... 237 Figura 123 – Distribuição dos enterramentos em função do tipo de articulação .................... 238 11 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1: Datação obtidas para o sítio Toca dos Coqueiros ..................................................... 137 Tabela 2: Datações obtidas para o sítio Toca das Moendas. .................................................... 153 Tabela 3 ‐ Freqüência e proporção por sexo e faixa etária ....................................................... 160 Tabela 4: Distribuição dos indivíduos por idade e sexo ............................................................ 163 Tabela 5 ‐ Distribuição dos indivíduos por idade e sexo por sítio ............................................. 233 Tabela 6‐ Distribuição dos indivíduos por idade e sexo por sítio .............................................. 236 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 14 CAPÍTULO I ‐ AS PRÁTICAS FUNERÁRIAS: ABORDAGENS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ..................................................................................................... 18 1.1. As Práticas Funerárias na Visão das Abordagens Processual e Pós‐Processual ...... 19 1. 2. A Arqueologia das Práticas Funerárias no Brasil .................................................... 37 1.3. Os Conceitos da Arqueologia da Morte .................................................................. 38 1.5. Aportes Metodológicos das Práticas Mortuárias .................................................... 44 CAPÍTULO II ‐ A ÁREA ARQUEOLÓGICA SERRA DA CAPIVARA ................................... 51 2.1. Sítios da Bacia Sedimentar ...................................................................................... 51 2.1.1. Serra da Capivara .................................................................................................. 51 2.1.2. Serra das Confusões ............................................................................................. 56 2.2. Planície Pré‐Cambriana ........................................................................................... 58 2.2.1. Sítios dos afloramentos calcários ......................................................................... 58 2.3. A ocupação humana ................................................................................................ 60 CAPÍTULO III ‐ OS ENTERRAMENTOS DA ÁREA ARQUEOLÓGICA SERRA DA CAPIVARA
................................................................................................................................. 64 3.1. Os sítios da Serra das Confusões ............................................................................. 64 3.1.1. O Sítio Toca do Enoque......................................................................................... 64 3.1.2. Toca do Alto da Serra do Capim ......................................................................... 112 13 3.2. Sítios da Serra da Capivara .................................................................................... 117 3.2.1. Toca do Paraguaio .............................................................................................. 117 3.2.2. Toca do Gongo I .................................................................................................. 124 3.2.3. Toca dos Coqueiros ............................................................................................ 134 3.3. Sítios localizados nos afloramentos calcários ....................................................... 140 3.3.1. Toca do Barrigudo .............................................................................................. 140 3.3.2. Toca da Bastiana ................................................................................................. 144 3.3.3. Toca das Moendas .............................................................................................. 150 3.3.4. Toca da Santa ...................................................................................................... 155 4.1. Toca do Enoque ..................................................................................................... 158 4.1.1. Idade e sexo ........................................................................................................ 158 4.1. 2. Estatura .............................................................................................................. 164 4.1.3. Deformações e patologias .................................................................................. 165 CAPÍTULO V ‐ ELEMENTOS CULTURAIS ASSOCIADOS AOS ENTERRAMENTOS ......... 189 5. 1. Toca do Enoque .................................................................................................... 189 5.1.1. Elementos relacionados ao corpo ...................................................................... 189 5.1.2. Composição do mobiliário funerário .................................................................. 194 5.2. Toca do Alto do Capim........................................................................................... 230 5.3. Descrição e análises dos sítios da bacia sedimentar ............................................ 231 5.3.1. Sítios da Serra da Capivara ................................................................................. 231 5.3.2. Sítios dos afloramentos cársticos ....................................................................... 235 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 247 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 252 14 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa identificar os perfis funerários das práticas funerárias evidenciadas na Área Arqueológica da Serra da Capivara, a partir do estudo dos elementos biológicos e culturais presentes nas sepulturas. Vários sítios localizados na área arqueológica da Serra da Capivara apresentaram vestígios ósseos humanos durante as escavações arqueológicas realizadas. Os sítios Toca do Gongo I, Toca da Boa Vista II, Toca do Arapuá do Gongo, Toca da Baixa dos Caboclos, Toca do Paraguaio, Toca dos Coqueiros, Toca da Cerca do Elias, Toca do Sítio do Meio situados na região da bacia sedimentar, enquanto na área dos afloramentos cársticos encontram‐se os sítios Toca da Janela da Barra do Antonião, Toca dos Crentes da Caieira do Adão, Toca do Serrote do Tenente Luís, Toca do Serrote das Moendas, Toca do Serrote da Bastiana, Toca do Barrigudo, Toca do Pedrinho, Toca do Garrincho, Toca da Santa, Toca de Cima dos Pilão e Toca da Pena e, na planície periférica, os sítios Neli do Fósforo 1, São Brás e Cana Brava. Estes sítios proporcionaram tipos de inumações diferenciadas com sepultamentos completos, incompletos ou fragmentos de osso e dentes, seja no solo, seja em urna, com práticas funerárias, também diferentes. Apesar de se ter encontrado esqueletos humanos inteiros ou fragmentados, o estudo analítico destes vestígios têm sido incipiente tanto com relação às análises biológicas, quanto às análises dos vestígios culturais presentes nas práticas funerárias. Os sítios estão em fase de estudo, contudo alguns não farão parte da pesquisa desta tese. 1
. Os ossos humanos foram encontrados durante a abertura de uma vala na casa de dona Neli, na localidade Fósforo. 15 Dois sítios arqueológicos localizados no Parque Nacional Serra das Confusões, Toca do Enoque e Toca do Alto do Capim foram escavados e, os mesmos forneceram vestígios esqueletais humanos apresentando práticas funerárias diferentes das encontradas na área do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. A Toca do Enoque forneceu três sepulturas, sendo duas individuais e uma com enterramento múltiplo, fato inédito nas pesquisas desenvolvidas na área arqueológica. São 11 indivíduos enterrados na mesma cova, alguns completos e outros fragmentados por causa da ação de térmitas, que corroeram alguns ossos ou fizeram suas casas sobre os ossos. Os indivíduos desta sepultura portavam no pescoço adornos, elaborados com dentes de canídeos, metacarpos de veado e conchas perfuradas, excepcionais, alguns se apresentavam do mesmo modo com um tipo de incrustações feitas com argila e placas de tatu, ou ainda com adorno de braços, pois foram encontradas contas de sementes entre as pernas na altura da pelve ou do fêmur. As escavações na Toca do Alto do Capim evidenciaram pinturas, gravuras, fragmentos de placas de arenito com pintura, restos de fogueiras e carvões, coprólitos, poucos líticos e grande quantidade de fragmentos de óxido de ferro (ocre), com marcas de retiradas, provavelmente para a elaboração das pinturas. Foram evidenciadas 13 estruturas convexas, de forma arredondada e forradas com um tipo de capim. A maioria das estruturas continha carvões, capim, folhas e sementes parcialmente ou totalmente queimadas, blocos e placas de arenito e siltito estavam acomodados no interior de algumas das estruturas. A estrutura de número 13 foi a única que foi usada para realizar o enterramento um esqueleto humano de uma criança, envolvido em um tipo de esteira ou rede. Dentro da mesma havia fibras trançadas e queimadas e vários fragmentos de ossos humanos também queimados, além de grande quantidade de sementes, folhas e madeiras. Sítios localizados na Serra da Capivara, como as Tocas do Gongo I, Paraguaio e Coqueiros; as Tocas da Bastiana, das Moendas, Barrigudo e Santa, sitos nos afloramentos calcários ofereceram igualmente restos esqueletais humanos, com práticas funerárias diferenciadas. 16 Considerando a quantidade e a variedade na forma de realizar enterramentos nos diferentes sítios, destacando‐se a Toca do Enoque com esqueletos portando adornos elaborados em ossos de animais, conchas e outros vestígios, associado à reutilização de um mesmo local para enterramento múltiplo e a Toca do Alto do Capim com sepultamento realizado em estrutura preenchida com capim, percebe‐se que suas práticas funerárias são distintas das dos demais sítios. Os sítios localizados na Serra da Capivara e seu entorno apresentam enterramentos diferentes dos da Serra das Confusões. A tese que se propõe é que a diversidade de práticas funerárias na área arqueológica da Serra da Capivara é porque existem grupos humanos bioculturalmente distintos entre si, no período que vai de 13.000 a 2.000 anos. Essa afirmação é corroborada pelas práticas funerárias dos sítios Toca do Enoque e Toca do Alto do Capim, ambos localizados na Serra das Confusões, os sítios Toca do Gongo, Toca do Paraguaio, Toca dos Coqueiros, situados na Serra da Capivara e os sítios Toca da Santa, Toca do Barrigudo, Toca das Moendas e Toca da Bastiana localizados nos afloramento calcários no entorno da Serra da Capivara. A análise dos dados bioculturais destes sítios permitirão determinar os perfis funerários de cada um e por comparação definir os perfis funerários para a área arqueológica no período cronológico de 13.000 anos a 2.000 anos. Baseando‐se nessa tese, o problema que se propõe é que as diferenças encontradas nas práticas funerárias dos sítios estudados estão relacionadas com a presença de grupos culturais diversos ou as variedades no comportamento funerário estão ligadas a diferenças sociais dentro do grupo. A importância dessa pesquisa se dá pelo fato de se analisar os dados biológicos e culturais de sítios localizados em áreas geomorfológicas distintas. Permitindo fazer comparações intra‐sítio e inter‐sítio, visto que os sítios apresentam elementos distintivos em suas práticas funerárias. Partindo do problema acima exposto, a hipótese que se propõe é que as diferenças existentes nas práticas funerárias da área arqueológica da Serra da Capivara estão relacionadas com a presença de grupos culturais distintos na região, no período 17 que vai de 13.000 a 2.000 anos, pois cada área geomorfológica apresenta dados culturais distintos. Depois do que foi explicitado, o objetivo principal da tese é estabelecer os perfis encontrados nas práticas funerárias dos sítios estudados da Serra das Confusões e da Serra da Capivara e entorno, a partir do estudo das variáveis biológicas e culturais presentes nas sepulturas. 18 CAPÍTULO I ‐ AS PRÁTICAS FUNERÁRIAS: ABORDAGENS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS O objetivo deste capítulo é de apresentar uma discussão de como as interpretações antropológicas e arqueológicas das práticas mortuárias ou funerárias mudaram ao longo do tempo. Esta discussão abrangerá uma revisão dessas abordagens. Este capítulo apresenta as discussões sobre as práticas mortuárias, nas visões de Edward Burnett Tylor, Arnold Van Gennep e Robert Hertz, entre outros. Serão apresentadas, também as impressões dos defensores da Nova Arqueologia, como Peter J. Ucko, Lewis R. Binford e Arthur Alan Saxe, que vêem nas práticas mortuárias um reflexo da estratificação social. Serão descritos ainda, os pensamentos dos adeptos da escola pós‐processualista como Pearson. Em outro sub‐tópico será apresentado os conceitos e procedimentos metodológicos que foram trabalhados nas práticas mortuárias da Toca do Enoque. As práticas mortuárias são importantes para os arqueólogos em vista das informações, que estas fornecem sobre o indivíduo e sua unidade cultural. Estas informações podem ajudar a determinar como o indivíduo é considerado socialmente dentro de seu grupo social e, ao mesmo tempo contribui na reconstrução de suas crenças. Em algumas situações, pode até elucidar sobre a causa e a maneira como ocorreu sua morte, ou de quaisquer outros fatores sociais que poderiam ter sido tomados como importantes, no momento que o falecido foi enterrado (Metcalf e Huntington, 2006). Os arqueólogos estudam a questão sobre a morte a partir da perspectiva dos padrões mortuários, da reconstituição da construção da sepultura, posição e 19 orientação do morto, entre outros elementos. Essas informações podem direcionar para o entendimento da organização da sociedade e do nível de complexidade sócio‐
cultural das populações. 1.1. As Práticas Funerárias na Visão das Abordagens Processual e Pós‐
Processual A grande maioria das discussões sobre a Arqueologia da Morte tem sua base em trabalhos pontuais que surgiram na década de 1970. Este período é caracterizado por uma mudança a partir dos pontos de vistas teóricos dominante da abordagem histórico‐cultural acerca da finalidade, natureza e métodos da arqueologia. As discussões sobre costumes mortuários foram normalmente apresentadas dentro de um contexto, considerados como "religião primitiva". Tylor (1871) desenvolveu o argumento de que o animismo ou a crença em seres espirituais surgiu no contexto de sonho e experiência de morte, enquanto Frazer (1886) argumentou que todo ritual funerário era motivado pelo medo do fantasma da alma do falecido, e por uma tentativa por parte dos vivos de controlar as ações dos fantasmas dos mortos (Binford, 1971:6). Na visão de Tylor e Frazer, percebe‐se que há “um argumento idealista racionalista de que as idéias ou crenças foram às variáveis relevantes a serem usadas na compreensão das diferenças e semelhanças culturais ou comportamentais” (Binford, 1971:7). Eles estavam preocupados principalmente em semelhanças culturais; eles buscavam descobrir a base comum para diversas práticas e ressaltar similaridades entre as práticas de uma grande variedade de povos. O primeiro estudo comparativo das práticas mortuárias foi publicado nos Estados Unidos (Yarrow 1880, 1881). Segundo Yarrow (1880:III), “os costumes mortuários dos povos selvagens ou bárbaros têm um profundo significado, do fato de 20 que neles se revelam muito da filosofia das pessoas por quem estes costumes são praticados”, ao passo que Viollier (1911:123) estuda o enterro para obter informações sobre a religião e as crenças. A mesma tradição de investigação antropológica é exemplificada por John M. Tyler, "as mudanças no modo de eliminação dos mortos são, evidentemente, mudanças dos resultados de pontos de vista relativos à vida futura" (Tyler 1921:123). Um dos primeiros pesquisadores a falar sobre o ritual mortuário foi Hertz (1960), em sua obra “Contribution a une étude sur la représentation collective de la mort”, ele abordou que a morte apresenta para a consciência social uma significação determinada, ela é objeto de uma representação coletiva e que, esta representação não é simples, nem imutável: é necessário analisar os elementos e procurar a gênese (Hertz, 1928:20) e, é a partir dessa premissa que ele faz seu trabalho sobre as práticas mortuárias dos Dayaks de Bornéu. Ele argumentou que para os biólogos a morte não é um dado simples e evidente, ela é um problema dedicado a investigação científica. Quando se trata de um ser humano, os fenômenos não são todos da morte. Ao acontecimento orgânico se junta um conjunto complexo de crenças, emoções e de atos que lhes dão um caráter próprio. O corpo do morto não é considerado como o cadáver de um animal qualquer: é necessário lhe dá cuidados definidos e uma sepultura regular, não simplesmente por medida de higiene, mas por obrigação moral. A morte abre para os sobreviventes uma era lúgubre durante a qual os deveres especiais lhes são impostos; independentemente de seus sentimentos pessoais, eles são obrigados a mostrar, por algum tempo a sua dor, devem mudar a cor de suas roupas e mudar sua forma habitual de vida. Segundo Hertz (1960:82) dentro de uma mesma sociedade a emoção provocada pela morte varia muito em intensidade de acordo com o caráter social do falecido. Ele menciona que, as crianças e os idosos (1960:92), bem como pessoas que sofrem mortes violentas, morte por acidente, suicídio, morte no parto, etc., têm freqüentemente um tratamento funerário diferenciado (1960:95 apud Binford, 21 1971:7). Hertz desenvolve o argumento de que ocasiões de morte são ritos de iniciação para o outro mundo (1960:86), e é tratado por membros da sociedade como mudanças do status, tais como iniciação na puberdade e os ritos de nascimento. Hertz sentiu que a morte era vista como um dos muitos ritos de passagem feito por povos pré‐históricos; bem como nascimento, puberdade, e casamento (Cf. Binford 1971). Ele argumenta que as diferenças no ritual funerário irão variar diretamente com “the status of the person within the living community and (b) the perceived relationship of that status to the status of full participant in the "society of souls" (Binford 1971:7). Ao contrário de Hertz, Kroeber (1927) viu práticas mortuárias como entidades instáveis em uma cultura e, portanto, separadas das principais características culturais. Como resultado, Kroeber acreditou que a variabilidade em práticas mortuárias poderia ser causada por uma variedade de mudanças exteriores, como ambiente, a crença, e a relação de um indivíduo para com a sociedade. Ele enfatiza que “as pessoas não adotam ritos funerários novos simplesmente porque os vêem ou os ouvem em outro lugar” (Kroeber, 1927: 309). Kroeber postula duas proposições a serem testadas que são: costumes mortuários mostram histórias "instáveis" e, costumes mortuários variam independentemente do comportamento, “que se relaciona com as necessidades biológicas ou sociais primárias". A primeira proposição toma como base o trabalho de Voegelin (1944) sobre o complexo funerário Shawnee que mostrou uma notável estabilidade no que diz respeito ao tratamento do cadáver, procedimento funerário, e a construção de sepulturas (Voegelin 1944:666), à medida que Kroeber apontou em seu argumento original: "há certamente casos de hábitos mortuários que continuaram por longos períodos com a modificação apenas menor, por exemplo, em dinastia do Egito” (Kroeber, 1927:314). A generalização empírica de que os costumes mortuários tendem a serem variáveis inerentemente menos estáveis é refutada por numerosos casos empíricos em contrário. A segunda proposição se relaciona com as “necessidades biológicas ou sociais primárias", o grau como os costumes mortuários variam independentemente do comportamento. Isso pode ser feito através da 22 demonstração de que há uma ausência de correlação entre costumes mortuários e variáveis sociais organizacionais e tecnológicas (Binford, 1971:11). Seguindo o pensamento de Hertz, Van Gennep (1960) em sua publicação, “Ritos de Passagem”, propôs um sistema de classificação em três fases, incluindo ritos de separação, transição e reinserção. Para ele, a vida era vista como um constante fluxo e refluxo, com transições de nascimento, iniciação, casamento e morte. Cerimônias sazonais foram também incorporadas dentro do sistema como ritos de passagem, enquanto as atividades de morte seriam ritos de separação e são relativamente complexas, devido a muitas concepções intra‐sociais de diversidade, vida após a morte e social decorrente do sexo, idade e status do falecido (Van Gennep 1960:146 apud Bartel, 1982:38). Além disso, ele correlaciona com o impacto social dos membros mortos da comunidade sobre a convivência com a proximidade familiar e o status do recente falecido (1960:148), ele argumenta ainda de que há uma expansão da tese de que os ritos servem para marcar as mudanças de status ou condição. Algumas das obras sobre arqueologia funerária surgiram durante este período. O quadro conceitual que está subjacente à utilização dos dados mortuários para inferência social tem origem nos trabalhos de Saxe (1970) e Binford (1971) que se encontram entre os primeiros "para a construção de uma base teórica coerente para análise mortuária essencialmente para estender o comportamento normal de uma sociedade ao cemitério" (Green 1999:5 apud Deyoung, 2008:6). Estas pesquisas apresentam similaridades quando analisam quantitativamente dados etnográficos, visando testar hipóteses sobre as conseqüências sociais que podem ser feitas a partir de conjuntos de dados mortuários. A forma como as pessoas dispõem de seus mortos é um reflexo do sistema sócio‐cultural em que participam. Estudos recentes têm mostrado que, quando abordado de forma sistemática, esses processos sócio‐culturais podem ser compreendidos (Saxe 1970, 1971; Binford 1971) e, assim, os arqueólogos podem usar este tipo de dados para reconstruir extintos sistemas sócio‐culturais e, ao mesmo tempo testar suas hipóteses (Saxe e Gall, 1977). 23 Em seu trabalho Dimensões Sociais das Práticas Mortuárias, Saxe (1970), afirma que as variações nas práticas mortuárias de uma sociedade refletem essencialmente as variações presentes nas dimensões sociais (Deyoung, 2008:6). O estudo foi realizado a partir de dados etnográficos de três culturas (os papuas Kapuku, o Ashanti e o Igorot Bontoc), Saxe (1970) conclui seu trabalho enfatizando que o tratamento mortuário diferenciado dentro de uma sociedade pode estar ligado a várias posições sociais distintas mantidas por indivíduos dentro dessa sociedade. Em outras palavras, uma posição de status elevada, realizada por um indivíduo na vida vai ser simbolicamente representada e manifestada em tratamento mortuário (Deyoung, 2008:6‐7). Assim, as práticas mortuárias refletem a personalidade social dos indivíduos e, fornecem informações sobre várias dimensões da organização social, política e ideológica de uma determinada sociedade. A maioria dos pesquisadores de práticas mortuárias pré‐históricas (Saxe, 1970, Binford, 1971, entre outros) tem aplicado diversos conceitos da teoria antropológica de papel desenvolvida por Goodenough (1965), que se utiliza de diferentes termos que definem os elementos de interação social que têm implicações arqueológicas; tais como: como identidade social 2, relação de identidade 3 e persona social 4. De acordo com este autor, várias identidades sociais do falecido serão representadas no ritual mortuário, enquanto para Saxe, um conjunto de personae sociais reflete e contêm informações sobre os princípios organizados de uma sociedade particular (1970:7). No que diz respeito à aplicação da teoria arqueológica do papel, Saxe (1970:6) observou que a ocasião da morte envolve uma interação entre a pessoa falecida e muitas das pessoas com quem ele ou ela havia se envolvido em relações de identidade durante a vida. Pode‐se observar, então, que a morte e o ritual mortuário evocam uma 2. Corresponde a forma que poderia ser chamado de status social. 3. Quando duas ou mais identidades se juntam numa relação adequada 4. Corresponde a várias identidades sociais escolhidas de forma adequada para uma dada interação. 24 representação mais ampla de várias identidades sociais de um indivíduo do que qualquer ocasião durante a vida. Muitos investigadores se utilizam de componentes básicos da personalidade social, simbolizada através de tratamento mortuário diferencial, tais como idade, sexo, status social relativo dentro de uma determinada unidade social, e filiação social termos de unidades de adesão múltiplas dentro da sociedade e/ou associação na própria sociedade. Crucial para as considerações de ritos mortuários são o número e os tipos de referentes de reconhecimento simbólico. Propõe‐se que existem dois componentes gerais da situação social a ser avaliada durante a tentativa de compreender os tipos de fenômenos sociais simbolizadas em qualquer situação de enterro. O primeiro é o que podemos chamar, com Goodenough (1965:7 apud Binford, 1971:17; O’shea, 1984:4) a persona social do morto. Esta é uma combinação das identidades sociais mantidas na vida e reconhecidas como apropriadas para a consideração da morte. O segundo é a composição e tamanho da unidade social de reconhecer responsabilidades do status para com o falecido. As contingências seguintes foram apresentadas por muitos pesquisadores como as dimensões principais da persona social dadas como reconhecimento no tratamento mortuário diferencial: (1) idade, (2), sexo (3) classificação relativa e distintiva da posição social ocupada pelo falecido dentro a unidade social, e (4) a filiação do defunto em relação aos segmentos de membros da unidade social, ou no caso da simbologia intersocietal, a forma adequada para a sociedade. Nas sociedades igualitárias, crianças terão poucas identidades sociais, enquanto que os adultos terão adquiridos, muitas. Considerando essa afirmação, Saxe (1970:8 apud Tainter 1978:106) aponta que, se os arqueólogos encontram crianças enterradas de uma maneira que indique trata‐se de uma persona social maior do que a possuída por alguns adultos, um princípio de posição social, é provavelmente indicado com o nascimento. 25 A pesquisa de Saxe (1970) versa sobre 8 hipóteses, que ele divide em dois grupos. O primeiro encontra‐se as hipóteses 1 a 4, que estão preocupadas com a forma como as personae sociais são diferencialmente representados dentro dos domínios de disposição. O segundo, as hipóteses 5 a 8 que estão relacionadas com a forma da área de estruturas sociais diferencialmente representadas entre os diferentes domínios de disposição. A maioria das hipóteses de Saxe trata de verificar se, em determinadas situações a persona social do falecido ou a complexidade da organização sócio‐política da sociedade são representadas simbolicamente ou manifestadas nas práticas mortuárias da comunidade (Rakita e Buikstra, 2005:3) Críticas foram feitas a abordagem de Saxe (1970) por Hodder (1982c); Pearson (1982) e Brown (1995:9‐12). A abordagem, contudo teve um efeito intenso sobre os estudos arqueológicos mortuários. A reunião do estudo etnográfico trans‐cultural com testes formais instigou aos arqueólogos a buscarem novos significados sociais no comportamento mortuário. Destas hipóteses, a que tem recebido atenção considerável e expansão em termos de suas implicações sociais é a Hipótese 8, que se refere à importância social de arranjos espaciais de enterros. Na medida em que os direitos de grupos corporativos para uso e/ou controle de recursos cruciais, mas restrito são atingidos e/ou legitimado por meio de descendência linear dos mortos (ou seja, os laços com os ancestrais lineares), esses grupos vão manter áreas de disposição formais para a disposição exclusiva de seus mortos (Saxe, 1970:119). Baseando‐se na hipótese 8 de Saxe, Goldstein (1980) a reformulou, reelaborando‐a com algumas modificações: “Nem todos os grupos corporativos que controlam recursos críticos através de descendência linear irão manter áreas exclusivas para os seus mortos ... mas se uma área de disposição limitada existe e é usada exclusivamente para os mortos, [então] a sociedade é muito provável que tenha grupos corporativos 26 organizados pela descendência linear” (Goldstein 1980:8). Assim, Goldstein (1980) atesta a importância das dimensões intra espaciais do cemitério para análise mortuária. Num artigo publicado, a Arqueologia da Morte (Chapman et al. 1981), Goldstein (1981, faz especialmente referência à Saxe 1970, 1971) adicionando uma dimensão espacial necessária para os estudos mortuários, defendendo a necessidade de considerar contextos espaciais: "O que cada grupo ou significado do tipo de status? Como é que os grupos se relacionam entre si? Quais são as funções de cada grupo, e quais são as relações funcionais entre os grupos? "(Goldstein 1981:56 apud Silverman 2002:1). Autores como Goldstein, Chapman and Randsborg (1981:14‐16) convocam para apreciação do significado do arranjo espacial dos comportamentos mortuários e perguntam: "Quais são os fatores que determinam a localização dos cemitérios ou tumbas monumentais na paisagem de assentamento? Quais as escolhas e os constrangimentos que regem a localização precisa, distância e direção de assentamentos contemporâneos e sua relação com os padrões de exploração econômica e divisão de terras? Enquanto outros estudiosos consideram explicitamente a morte como um fenômeno social, outros arqueólogos trabalham com perspectivas etnográficas, Da Cunha (1981) sobre o posicionamento espacial dos mortos em relação à vida e de seu questionamento da definição de um sítio e O'shea (1984) discute sobre a formação do sítio arqueológico, processos relacionados pelo comportamento funerário. Ademais, a hipótese 8 de Saxe estimulou a pesquisa etnográfica e arqueológica de Saxe (Saxe e Gall, 1977) e por outros (Charles e Buikstra, 1983; Goldstein, 1980, Morris, 1991). Conceitos que abarcam a elementar presença ou ausência de enterros, limites e enterros do grupo podem ser utilizados para fazer inferências importantes sobre a organização social e as identidades de parentesco e de grupo. 27 O movimento interno da organização social e espacial mortuária forneceu a base de muitas discussões desde a publicação de Saxe (1970) e Goldstein (1980) (Morris 1991; Beck, 1995; Goldstein, 2002). Brown (1971) e seus colaboradores revolucionaram o estudo arqueológico do comportamento mortuário, indo além da descrição, cronologias culturais e demográficas considerando várias "bordagens para a dimensão social das práticas mortuárias. Brown também se baseou fortemente na abordagem de Saxe, utilizando‐se a mesma técnica de análise formal das práticas mortuárias no sítio Mississipiano de Spiro. Ele observou que: “a comparison of the burial paradigm with the distribution of most important and precious grave goods shows that there is a correspondence that supports the ranked status inferences drawn from the formal analysis alone”. (Brown 1971:101). Lewis Larson em sua análise do túmulo Etowah na Geórgia e James Brown, em sua análise do centro cerimonial Spiro, no leste de Oklahoma utilizaram a análise quantitativa para definir a estrutura do registro empírico dos caracteres culturais e biológicos dos enterros (por exemplo, a idade, o sexo, a orientação, acompanhamento funerário, local de enterro, o grau de articulação do corpo, entre outros.) O resultado de seu trabalho foi usado para justificar a suposição de que a existência de itens raros ou incomum em um enterro indica que se trata de um indivíduo de alto escalão ou status (Peebles e Kus, 1977; Tainter 1978). De forma semelhante ao trabalho de Saxe (1970), Binford expandiu o conhecimento teórico no campo da arqueologia funerária com o seu trabalho intitulado: Práticas Mortuárias: seu estudo e seu potencial (1971). Neste trabalho, ele fez investigações trans‐culturais de 40 casos etnográficos, com a finalidade de testar a hipótese de que: "deve haver um elevado grau de isomorfismo entre (a) a complexidade estrutural em um sistema sócio‐
cultural e (b) a complexidade do cerimonial 28 mortuário concernente ao tratamento mortuário diferencial dado às pessoas que ocupam diferentes posições de status" (Binford 1971:18). Contudo, ele reconheceu que seu trabalho teve problemas dado a natureza da amostra etnográfica (por exemplo, os dados não permitiam medir a complexidade social do grupo), mas, mesmo assim ele concluiu que seus resultados são confiáveis e, permitem a generalização de que a forma e a estrutura que caracterizam as práticas mortuárias de qualquer sociedade são condicionadas pela forma e a complexidade da organização características da própria sociedade (Chapman, 2003). Binford usou dados etnográficos para procurar uma generalização trans‐
cultural que ligaria a organização social das práticas mortuárias de certa forma que poderia levar os arqueólogos a pensarem na reconstrução da organização social dos vestígios materiais das práticas mortuárias preservada no registro arqueológico. Em essência, o tratamento mortuário varia conforme o status, mais culturalmente complexa uma sociedade, mais complexos e variados os tratamentos mortuárias serão. Binford (1971) confirmou sua hipótese verificando padrões distintos na elaboração de comportamentos mortuários em sociedades com diversas estratégias de subsistência. Ele argumentou em sua pesquisa etnográfica que, entre os caçadores e coletores igualitários, idade e sexo devem geralmente servir como bases para a distinção mortuária, enquanto que entre as sociedades mais complexas de agricultores a posição social (variando independentemente da idade, sexo, e subgrupo de afiliação) deve mais freqüentemente ser a base para distinções no tratamento mortuário. Ele identificou ainda várias regularidades comportamentais entre a estratégia de subsistência de uma sociedade e a elaboração do ritual mortuário de uma sociedade. Ele interpretou seus resultados como indicando que as sociedades se deslocam de caçadores‐coletores ou mudando as estratégias agrícolas para modos de vida agrícolas assentadas, as práticas funerárias aumentam em complexidade (Rakita e Bruikstra, 2005:4). Conforme Tainter (1978), o trabalho de Binford é importante não só porque consultou um corpo substancial da literatura etnográfica, mas porque os resultados de 29 sua pesquisa confirmaram o argumento “que a variabilidade das práticas mortuárias deve ser entendida em termos de organização da variabilidade dos sistemas sociais, não em termos de modos normativos de comportamento” (1978:107). Binford (1971) sistematiza alguns resultados relacionados às práticas mortuárias e à organização da sociedade. Para ele, as práticas mortuárias se apresentam em três categorias, que por sua vez, são subdivididas em outras variáveis. Um resumo das variáveis (Binford, 1971:21) foi elaborado abaixo: 1. Tratamento do corpo ‐ dividido em a) preparação do corpo – ritual que incluem lavagem, exposição do corpo antes da deposição final; b) tratamento do corpo ‐ distinções feitas por mumificação, mutilação ou cremação e c) disposição do corpo – distinções feitas por disposição diferencial do corpo que pode ser colocado em uma cova, andaime, descartado no rio, etc. 2. Local de deposição do morto – pode ser dividido em: a) sepultura incluindo o tamanho, material utilizado na construção, entre outros; b) orientação associado a pontos de referências (pontos cardeais), ângulo do solstício, etc.; c) contexto funerário se está no local dos assentamentos, nas próprias residências ou em áreas exclusivas e espacialmente delimitadas para a deposição do morto, como cemitérios. 3. Enxoval funerário que se apresenta; a) sob a forma do material depositado; b) quantidade de objetos (artefatos) depositados e c) forma e quantidade associadas, verificando se há diferenciação no tipo de objeto e a sua quantidade. Radcliffe‐Brown (1922) em sua pesquisa sobre a cultura Adamese, ele ressalta que: "costumes funerários não são apenas devido a um medo instintivo dos cadáveres, os costumes variam de acordo com a posição social do falecido. Há, então, uma estreita correspondência entre a forma do sepultamento e o valor social da pessoa enterrada" (Radcliffe‐Brown 1922:148 apud Binford, 1971:14). 30 Já no estudo etnográfico realizado por Bendann (1930), ele ressalta que sua “investigação mostra que o conteúdo das características específicas é dependente da posição, sexo, idade, organização social e status "(Bendann 1930:280 apud Binford, 1971:14). As correlações oriundas da pesquisa de Binford (1971) são justificadas sob um pressuposto semelhante às de Saxe (1970) em que os papéis sociais e a maior posição do status realizada por um indivíduo, significam maior a quantidade de envolvimento corporativo e representação simbólica no ritual funerário. O estudo etnográfico realizado pelos pesquisadores levou a ressaltar a correspondência entre conjuntos de material de artefato em contextos funerários e o status de um indivíduo e a organização da sociedade. “O status é o mais comumente simbolizado pelos emblemas de status‐específico e a quantidade de bens que contribuíram para o enxoval funerário" (Binford 1971:23). Segundo Rakita e Buiskra (2005) a pesquisa de Kroeber (1927) era simplesmente que as formas de tratamentos funerários específicos (como o enterro em árvores, enterros em fossas, cemitérios em criptas) não estavam correlacionadas com "necessidades sociais ou biológicas primárias". Isso foi motivo de crítica por parte de Binford (1971) sobre a obra seminal de Kroeber com relação a interpretação das práticas funerárias. O argumento de Binford é diferente, para ele o número de distinções apresentadas em práticas funerárias está correlacionado com a complexidade social através da estratégia de subsistência. Os resultados obtidos com as pesquisas de Saxe (1970) e Binford (1971), não só ocasionaram a ruptura no quadro de histórico‐cultural, como provocaram um novo interesse em buscar o significado social das práticas mortuárias. Assim, suas abordagens se unificarem sendo consideradas como a "abordagem Saxe‐Binford" (Brown, 1995). Muitas das idéias principais estabelecidas na esfera do trabalho destes estudiosos foram aceitas e continuam a fornecer dados analíticos úteis para a análise 31 da relação entre a organização social e as variações no tratamento mortuário (Rakita e Buikstra, 2005). A abordagem processual é muitas vezes atribuída como a "abordagem de Saxe‐Binford" (Brown, 1995), representa a estrutura interpretativa dominante para os dados mortuários durante a maior parte da arqueologia americanista. Peebles e Kus (1977) em sua pesquisa fizeram a análise do material cultural do sitio Mississipiano de Moundville, Alabama. Eles consideraram alguns dos enterros de Moundville e os dados a partir deles em um contexto mais amplo, denominada de fase evolutiva conhecida como "chefia" ou "sociedade de classe". Eles desenvolveram um modelo de chefatura e descrevem algumas medidas potenciais, tais como as distinções de sepultamento, e em meio da especialização artesanal, que podem ser usadas como indicadores da presença de um tipo de organização sócio‐política no registro arqueológico. Uma proporção muito pequena (5%) da população mortuária Moundville compõe as camadas superiores da sociedade (Pearson 2005:90). Tratamento mortuário desses indivíduos de elevado status é reconhecido através da associação com os acompanhamentos funerários mais ricos e exóticos (Peebles e KUS 1977). Assim, Peebles e Kus (1977) descobriram que dentro do complexo de cultura Moundville Mississipiano, a mera presença de um artefato material específico (cobre, por exemplo), fornece um valioso indicador de posição social. Muitas críticas foram feitas a abordagem Saxe‐Binford, entre os pesquisadores destacam‐se (Braun 1981; Cannon 1989; Hodder 1991; Mcguire 1989; Pearson 1982; Tilley 1984). Braun (1981) criticou os métodos quantitativos utilizados por pesquisadores processuais, particularmente Tainter (1975a, 1975b, 1977a, 1977b). O argumento dele versava em relação à quantificação que não conseguia suportar o modelo interpretativo de Tainter, em parte devido à classificação quantitativa de vários tratamentos mortuários que era subjetiva ou apresentava‐se sem explicação para um tratamento mais elevado do que o outro (Braun 1981:407 apud Rakita e Buiskra, 2005). 32 Críticas a arqueologia funerária de Saxe‐Binford foram dirigidas com relação à utilidade da análise trans‐cultural e a relevância dos fatores sociais para a compreensão das práticas mortuárias. Na verdade, é sobre a primazia dos fatores de rituais, em vez dos sociais, que alguns arqueólogos rejeitaram a teoria de Saxe‐Binford como útil para a análise de vestígios pré‐históricos (por exemplo, Hodder 1982; Pearson, 1982; Brown, 1995:10). Assim, apesar de Binford e Saxe ter baseado a sua posição teórica sobre argumentos globais, o que é mais interessante é a utilidade de sua teoria na articulação de argumentos específicos (O'shea, 1984). Assim, em um dos sentidos do termo, a análise torna‐se uma teoria mortuária de médio alcance, isto é, um corpo de teoria cujas generalidades são úteis para o avanço da parte de um argumento maior em favor de alguma explicação sobre questões específicas. Apesar das expectativas iniciais serem ao contrário, o programa de pesquisa de Saxe‐Binford tornou‐se útil não por aquilo que eles reivindicaram para medir diretamente, mas pela força de seus postulados, contribuindo para a construção de cadeias maiores de argumentos (Brown, 1995:10). Hodder (1982:199) criticou o argumento de complexidade de Saxe e Binford. "a idade, sexo e divisões hierárquicas não são expressas em sepulturas, não poderia ser assumido que a sociedade tornou‐se menos complexa. Uma mudança de um ritual de enterro menos complexo ou menos diferenciado não implica necessariamente uma mudança em sociedade menos complexa". Este argumento mostra uma confusão sobre as distinções que Saxe e Binford já traçavam entre o rito funeral como um todo, e o restos materiais na sepultura. (Brown, 1995:13). Como conseqüências destas críticas surgiram apreciações a teoria processual que tiveram com desfecho a uniformização das críticas em si, que assim se desenvolveram como quadro teórico pós‐processual. Os julgamentos dos pós‐
processualistas à abordagem Saxe‐Binford, mostravam a importância do contexto 33 cultural e histórico e, ressaltavam a necessidade de explorar as variações de simbolismo e significado que estão integradas as práticas mortuárias de uma comunidade. Os defensores desse quadro, no entanto, estão unidos em suas reservas em reconhecer a capacidade de práticas mortuárias para refletir com precisão a organização de uma sociedade passada. Eles afirmam que os rituais mortuários não são apenas utilizados pelos vivos para exibir poder e relações sociais, mas também são usados para negociar, mascarar ou transformar essas relações. A noção de que "ritos mortuários são muitas vezes uma arena em que status e outras distinções sociais podem ser negociados, apropriados, e reapropriados, servindo assim como agentes de mudança cultural" (Rakita e Buikstra 2005:7), foi trazido à tona pelas críticas pós‐
processuais (Pearson, 1982; Cannon 1989). Censuras como tais, não negam a importância social das práticas mortuárias, mas sim apresentam uma nova dimensão social que devem ser incorporada em análises mais crítica das práticas mortuárias. Na década de 1980, Parker Pearson (1982) e Cannon (1989) mudaram seu campo de arqueologia mortuária para uma perspectiva pós‐processualista através de sua consideração da ideologia e da atividade como uma das dimensões sociais das práticas funerárias. Concomitante, arqueólogos estavam renovando seus interesses e criar novas abordagens para o comportamento funerário, antropólogos culturais foi redescobrindo Hertz (1960), Van Gennep (1960), entre outros. Houve um renascimento de interesse no comportamento funerário, levando a alguns estudos de casos clássicos em etnografia mundial. Por exemplo, Tlingit do século XIX, Kan (1989) demonstrou que um complexo mortuário/ancestral pode ter o comportamento mais conservador, pessoal, coletivo ou inclusivo e expressivo de uma sociedade. Parker Pearson (1982) desenvolveu suas críticas dando enfoque ao papel da ideologia na expressão ou dissimulação das relações reais de poder dentro da sociedade. Ao contrário de, as práticas mortuárias refletirem diretamente essas relações, ele ressaltou que a vida poderia manipular os mortos por seus próprios interesses. O que poderia levar a situações em que, por exemplo, os custos dos funerais não tinham relação com a riqueza, posição social dos grupos de interesse 34 particular. O mesmo autor (1993) argumenta que os locais "físico para as atividades do sagrado e profano formam um mapa escatológico de ações práticas e relações que unem e separam a vida do sobrenatural”. Os mortos são retirados do mundo dos vivos por uma série de transformações que podem ser detectados em parte através da colocação e tratamento dos mortos. Estas transformações podem ser alcançadas através da manipulação dos antepassados pela vida finita para fins não menos do que é (re) negociação das relações de poder. Noções de universalismos interculturais foram amplamente abandonados e não são mais encontrados em abordagens processuais aos estudos mortuários, mas as correlações entre as práticas mortuárias de uma sociedade e as estruturas existentes políticas, sociais e ideológicas da sociedade, permanecem. Críticas processuais trouxeram à tona a noção de que as práticas mortuárias não são simplesmente manifestações passivas das estruturas organizacionais dentro de uma sociedade, mas tais práticas oferecem uma oportunidade para a manipulação das relações sociais (Pearson, 2005 apud Deyoung, 2008:10‐11). É lamentável, porém, que as críticas são freqüentemente assombradas pela ausência de estudos de casos arqueológicos convincentes (Rakita e Buikstra 2001:7). Assim perspectivas enraizadas no seio do método de Saxe‐Binford representam o quadro interpretativo dominante acerca dos estudos arqueológicos mortuários em arqueologia americana hoje (Green, 1999; Mitchell e Brunson‐Hadley 2001; Rakita e Buikstra 2005). Os primeiros trabalhos de Saxe (1970) e Binford (1971) sobre o significado social das práticas mortuárias continuam a estruturar a pesquisa de estudiosos arqueológicos modernos (Rakita e Buikstra 2001:9). Os temas abordados sobre práticas mortuárias são parte de um movimento da arqueologia anglo‐americana dos anos 1960 e 1970, a chamada "nova" e, mais tarde arqueologia "processual", identificada com o trabalho de Lewis Binford (por exemplo, Binford e Binford, 1968). Assim, os 'novos', arqueólogos debatiam a necessidade de maior atenção para o processo de interpretação, de dar sentido aos seus dados, fazendo maior uso da teoria explícita e metodologia e voltando‐se para a filosofia da ciência para orientação sobre como fazer isso. O uso de métodos 35 quantitativos de análise abriu o caminho para o padrão multivariado em corpos maiores de dados, tais como cemitérios. A análise de tais cemitérios era parte de um ataque mais amplo sobre a noção de que a organização social passada estava além do alcance da inferência a partir de dados arqueológicos. As questões levantadas pela arqueologia processual foram altamente controversas e ferozmente debatidas, mas ganharam aceitação entre uma nova geração de estudiosos em ambos os lados do Atlântico. Na abordagem processual, os arqueólogos começaram a ter um olhar mais comparativo em padrões de enterramento. A partir deste ponto de vista, tornou‐se possível ver as mudanças na organização social e complexidade (Pleger 1998:26 apud Rich, 2009:3). Dentro deste mesmo conceito, Binford faz a sugestão de que as práticas mortuárias são mais interligadas com a organização social do que se pensava na abordagem histórico‐cultural. Assim, algumas práticas funerárias encontradas são mais estáveis, enquanto outras são mais variáveis, não existe uma qualidade específica, que faça a mudança de prática (Binford, 1971). Estudos etnográficos têm sido realizados visando compreender as práticas funerárias. A etnografia revigorada da morte, enfatizando o ritual, significado e ideologia do comportamento mortuário. Através de estudos etnoarqueológicos e históricos das práticas funerárias, os arqueólogos têm procurado expandir sua compreensão da ideologia do comportamento mortuário efêmero e cemitérios permanentes para testar os limites de novas interpretações arqueológicas (Cannon, 1989; Mcguire, 1988; Pearson, 1982). Entre outras descobertas, os estudos etno‐
arqueológicos realizados por Ucko (1969), Pearson (1982), e Dillehay (1990) demonstraram que o comportamento mortuário não é necessariamente um reflexo direto da sociedade como alegou inicialmente Brown (1971) e seus colaboradores. Nielsen (1997:110 apud Silverman, 2002:3) afirmou: "a sociedade se reflete em seu enterro, mas não é possível reconstruir a sociedade direta e dedutivamente a partir unicamente do enterro. A forma de sepultamento para a sociedade”... é um caminho tortuoso que passa por meio de um monte de camadas “perturbadoras” que 36 devem ser tomadas em consideração: a situação político‐histórica, a religião e a ideologia, tradição simbólica e étnica e outros fenômenos. Os arqueólogos podem argumentar que aqueles que enterram os mortos são atores com as estratégias individuais e coletivas, os atores que não necessariamente seguem as regras normativas. Não só pode naturalizar essa manipulação, mascarar ou marcar diferenças existentes dentro da sociedade (Hodder 1982), mas também a morte pode oferecer uma oportunidade importante para a negociação e renegociação da ordem social existente e representação da identidade individual. Da mesma forma, Parker Pearson enfatiza que "a morada dos mortos ou dos antepassados nem sempre são os locais onde os restos mortais são colocados para descansar" e, concomitantemente, monumentos não mortuários podem, no entanto, ser "lugares dos antepassados”. Uma área ativa de pesquisa tem sido privilegiada pela abordagem processual é o tratamento dos mortos (por exemplo, O'shea, 1984), que enfatiza que as pessoas tratadas de maneira diferente na vida são tratadas de forma diferente com a morte (Tainter, 1978). Este é um exemplo de um princípio de alto nível, aliado a certas teorias sociais. Entre este princípio e o comportamento mortuário de sociedades específicas diversas teorias de nível médio e leis experimentais. Por exemplo, Binford (1971) fornece algumas evidências em apoio do princípio que as sociedades com maior complexidade social (ou seja, mais papéis sociais) devem ter um número proporcionalmente maior de modos de tratar os mortos. Resta muito trabalho a ser realizado no comportamento mortuário, mas os princípios conhecidos em dúvida, a eficácia dos procedimentos comumente usados para fazer inferências sociais a partir de evidências mortuárias (Whittlesey 1978). Por exemplo, não é raro encontrar análises em que os enterros foram organizados pela quantidade de espólio, que é acusado de indicar status social (por exemplo, Lightfoot, 1984). No entanto, os ornamentos funerários, por si só tendem a não ser um guia confiável para as identidades sociais (Rathje e Schiffer, 1982; Tainter, 1978). 37 No que diz respeito à inferência arqueológica, Schiffer realça que análises químicas e morfológicas de restos humanos podem fornecer algumas informações quantitativas sobre a dieta, a necessidade de integração das linhas de evidência não é, assim, evitada (Stark, 1986). 1. 2. A Arqueologia das Práticas Funerárias no Brasil Na literatura arqueológica brasileira, existem estudos voltados especificamente para práticas mortuárias, entre os autores que abordam de modo geral, estas práticas destacam‐se: Santos (2009), Py‐Daniel (2009), Müller (2008), Plens (2007), Schaan, (2003), Ribeiro (2002), Gaspar (1994‐95), Becker (1994) 5 entre outros. Outros arqueólogos também fazem pesquisas sobre as práticas mortuárias e, em particular analisam os dados mortuários de origem culturais e biológicos, dando ênfase à correlação entre estes ou não. Entre os especialistas encontram‐se: Escórcio (2008); Sene (2007), Silva (2005), Sene (1998), Machado (1995) Kneip e Machado (1992, 1993), Machado, Silva e Sene (1991, 1993), Machado (1990) 6. Na região Nordeste, os estudos arqueológicos sobre as práticas funerárias também têm sido alvo de pesquisas, ainda embrionário, notadamente pela Pós‐
Graduação de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, Fundação Seridó, Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal do Piauí e Fundação Museu do Homem Americano‐Fumdham. Nas universidades, os trabalhos são desenvolvidos a partir de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Autores como: La Salvia (2006), Martin (2005, 2004, 1995‐1996, 1994), Lima, J. M. (2001, 1985a) Guidon et al. (1998, 1998), Mello e Alvim, Ferreira (1985), Mello e 5. Santos, M. B. 2009; Py‐Daniel, A. R. 2009; Müller, L. M. 2008; Plens, C. R. 2007; Schaan, D. P. 2003; Ribeiro, L. B. 2002; Gaspar, M. D. 1994‐1995. Becker, I. I. B. 1994. 6. Escórcio, E. M. 2008; Sene, G. A. M. 1998; Sene, G. A. M. 2007; Silva, S. F. S. M. 2005; Machado, L. M. C. 1995; Kneip, L. M., Machado L. M. C. 1992; Kneip, L. M., Machado, L. M. C. 1993; Machado, L. M. C., Sene, G. A. M, Silva L. P. R. 1993; Machado, L. M. C., Silva L. P. R, Sene, G. A. M. 1991; Machado, L. M. C. 1990. 38 Alvim et al. (1984), Mello e Alvim (1984a) Maranca (1976) 7 têm procurado inserir em seus trabalhos, informações sobre os sítios pré‐históricos portadores de sepultamentos com vistas a divulgar os achados nestes sítios. Existe ainda uma linha de pesquisadores que têm realizado pesquisas voltadas para as práticas mortuárias, contemplando os aspectos da cultura material inserida no sepultamento, assim como os aspectos biológicos. Entre estes autores, citamos a tese de Castro (2009), as dissertações de Cisneiros (2004) e Leite (2011) 8 1.3. Os Conceitos da Arqueologia da Morte O termo Arqueologia da Morte ou das práticas mortuárias 9 foi empregado por Silva (2005:10‐11), como uma linha de pesquisa adotada para analisar e interpretar dados mortuários, informações encontradas no contexto arqueológico que levem as práticas mortuárias ‐ parte dos rituais funerários ‐ de grupos humanos extintos, as respostas dos mesmos diante do fenômeno da morte. Autores como, Chapman, Kinnes e Randsborg (1981); Duday, Tillier e Vandermeersch (1988); Pearson (2002) trata a arqueologia da morte, como um conjunto de modelos interpretativos voltados ao estudo das práticas mortuárias que passou a existir em decorrência da necessidade de uma reflexão e de métodos adaptados ao estudo das práticas funerárias pré‐históricas. 7. La Salvia, E. S. 2006. Martin, G. 2005a; Martin, G. 2004; Martin, G. 1995; Martin, G. 1994; Lima, J. M. 2001. Lima, J. M. 1985; Guidon et al. 1998;Guidon, N; Vergne, C; Vidal, I. A. 1998. Mello e Alvim, M. C; Ferreira, F. J. L. 1985; Mello e Alvim, M. C.; Mendonça de Souza, S. 1983‐1984. Lima, M. C. 1984a; Maranca, S. 1976. 8. Castro, V. M. C. 2009; Cisneiros, D. 2004; Leite, L. S. 2011. 9. Esta terminologia foi também utilizada por Ribeiro (2007), segundo a autora apesar das variantes de terminologias («Archaeology of death», «archéologie des cemitières » ou « archéologie funeraire », entre outras) que tratam sobre as práticas mortuárias, ela acredita que não se aplicam visto que as denominações não são apropriadas para esse tipo de estudo. Não se pode dizer que a arqueologia estuda a morte, como fenômeno físico e humano, .... ou circunstâncias em que ela ocorre, ainda que estas variantes sejam consideradas. Na realidade, «a Arqueologia estuda os remanescentes das práticas que envolveram a morte, o funeral, os restos materiais dos atos que foram praticados no destino escolhido para o corpo, os vestígios das opções da sociedade e da família do morto para sua memória, a simbologia que deu lógica às práticas mortuárias» (Ribeiro 2007:8‐9). Dentre essa multiplicidade de termos existentes atualmente, será utilizada a denominação Arqueologia das práticas mortuárias ou funerárias, em função das explicações dos diferentes conceitos. 39 Ao estudar as práticas mortuárias há uma preocupação com relação tanto com a morte como pelos mortos e, esse estudo só é possível a partir dos elementos que estão contidos na sepultura. As sepulturas contêm os mortos e, possivelmente alguns dos utensílios que eles utilizaram durante a vida ou que foram colocados junto a eles após sua morte. Vários autores definem sepultura diferentemente. Tarrête e Leclerc (1988) utilizaram a definição de sepultura igualmente a proposta do Dicionário da Pré‐história de A. Leroi‐Gourhan, como: "lugar onde foram depositados os restos mortais de um ou mais mortos, e onde subsistem suficientemente indícios para que o arqueólogo possa revelar que nesse depósito houve a vontade de realizar um gesto funeral; (...) estrutura construída por ocasião desse gesto funerário" (Leclerc, 1990:13). Entretanto, para Crubézy, E. et al., (2007 apud Castro, 2009:49), sepultura é o local que comporta os restos ou os traços de defuntos. A sepultura configura o todo do contexto funerário, ou seja, o lugar propriamente dito, independente do tipo e da forma de enterramento, local onde se deposita o morto (ou os mortos), os objetos, que lhes são oferecidos. Ela pode conter essencialmente dois tipos de enterramento: a inumação e a cremação. A primeira significa que o corpo é depositado sem alterações físico‐químicas imediatas e a cremação, ou seja, a queima parcial do corpo do morto, sendo depositados os restos carbonizados do corpo (cinzas e ossos queimados). Conforme Sprague (1968), a literatura arqueológica apresenta muitos exemplos de cremação e subseqüente escolha dos restos para ser enterrado; enterro com a queima do corpo; ou a exposição seguida pela queima dos ossos expostos, que em seguida é enterrado. O autor acrescenta que “a cremação não é um método de eliminação dos mortos, mas sim um meio de reduzir os restos que devem ser eliminados”. 40 Ao analisar uma sepultura se percebe que há uma intencionalidade deliberada de colocar os restos humanos, que não foram abandonados, mas sim depositados, ou seja, que houve uma vontade explícita de demonstrar os gestos funerários, por essa razão a sepultura se torna a célula principal das análises das práticas funerárias. Ela é portadora de um potencial de conhecimentos sobre o corpo, as práticas funerárias, os tipos de deposição, as relações de parentesco, modos de subsistência, práticas de canibalismo, cremação, sacrifícios humanos, entre outros. Quanto aos termos inumação, enterramento ou sepultamento, Sprague (1968) define como prática de esconder o corpo no chão ou em qualquer monte acima do nível geral do terreno (Royal Anthropological Institute 1951:126 10apud Sprague 1968:480), para ele os conceitos não se excluem. Enquanto enterramento para Crubézy, E. et al. (2007 apud Castro 2005) é a disposição deliberada do cadáver sob a terra. Um enterramento pode ser individual, duplo, triplo, coletivo, primário e secundário, ao passo que para Cisneiros (2004) sepultamento corresponde à deposição do corpo em covas, túmulos, gavetas, caixas e urnas, mas não necessariamente sob a terra. Outro conceito a ser utilizado quanto ao estudo das práticas mortuárias é o de perfil. É um termo muito difundido nos trabalhos de cerâmica e, principalmente nas pesquisas sobre os registros rupestres. Nos trabalhos sobre grafismos rupestres, Pessis (2002, 1993) 11, Para a autora trata‐se de uma estruturação sistêmica 12 de atributos flexíveis (categorias de entrada
13
), hierarquizados segundo menor grau de ambigüidade, orientados, em linhas gerais, no sentido de segregar as características próprias do acervo gráfico (marcadores de identidade) de uma determinada área. Da mesma forma, o conceito de perfil técnico para o estudo da cerâmica pré‐histórica, 10. Royal Anthropological Institute. 1951 11. Pessis, A. M. 2002; Pessis. A. M. 1993. 12
Segundo Watson, et al (1974), uma estruturação sistêmica pode ser entendida como uma ordenação de dados segundo um recurso metodológico, uma ferramenta ordenadora, oriunda de formalização matemática (Teoria dos Sistemas), que concebe os fenômenos da realidade em modelos de conjuntos (sistemas) compostos por componentes inter‐relacionados entre si e a uma unidade ambiental, cujas variações ou recorrências podem ser mensuradas. 13
Classe de dados que permite aceder a um sistema classificatório preliminar. 41 segundo Castro (2000), Alves (1991) 14 está direcionado para trabalhar os caracteres presentes na cerâmica. De acordo com Alves (1991:68) entende por perfil técnico cerâmico “uma estrutura caracterizada por elementos técnicos, morfológicos e funcionais, organizados segundo certas regras de hierarquia”. O perfil técnico está atrelado aos vestígios existentes num determinado sítio, tratando‐se do estudo desses vestígios. Leite (2011) em sua dissertação de mestrado já propõe um conceito de perfil funerário, tomando como premissa, os conceitos de perfis técnicos para os grafismos rupestres e para a cerâmica. Baseando‐se na concepção de perfil funerário de Leite (2011:59) “os fenômenos relacionados aos enterramentos são observados a partir de variáveis pré‐estabelecidas, que permitem ordená‐las hierarquicamente e relacioná‐las entre si e entre as unidades funerárias estudadas dentro de seus respectivos contextos funerários”. Para estabelecer, portanto o perfil funerário de um sítio é imprescindível que sejam observadas nas práticas funerárias, os elementos biológicos e culturais, a partir do estudo específico de cada sepultamento. 1.4. Problemas e hipóteses A partir dos trabalhos de escavação realizados na área arqueológica Serra da Capivara têm‐se observado que as práticas funerárias são diferentes, em relação a ocupações de grupos caçadores‐coletores e de grupos ceramistas pré‐históricos, em vários sítios arqueológicos da região. Em geral, estas práticas estão situadas com datas entre 13.000 e 8.000 BP, para as mais antigas e entre 7.000 e 1.000 para as mais recentes. Os sítios arqueológicos que apresentam práticas funerárias de grupos pré‐
históricos para os períodos Pleistoceno/Holoceno ou Holoceno estão localizados nas 14. Castro, V. M. 2000; Alves, C. 1991. 42 Serras da Capivara e das Confusões, na bacia sedimentar e nos dos afloramentos calcários localizados na planície pré‐cambriana do São Francisco. Nestes dois ambientes geológicos foram escavados sítios portadores de restos esqueletais humanos, evidenciados seja em sepulturas, seja sem contexto arqueológico, assim como, houve também a coleta de restos ósseos humanos descobertos em alguma intervenção feita por populares. Há sítios que apresentam datações com mais de 12.000 anos, mas não apresentam esqueletos, somente fragmentos de algum tipo de osso e, estas datações não são muito fiáveis, pois são feitas com outros vestígios, que não seja o carvão ou osso humano. Diante da diversidade de formas como foram achados os restos ósseos humanos e das diversas datas para os enterramentos, foi imprescindível fazer uma escolha, de quais sítios seriam trabalhados na tese. Portanto, necessário nomear alguns critérios, que realmente motivassem a diferença entre os sítios com presença esqueletos. Os critérios utilizados para a escolha são: ‐ sítios que apresenta enterramentos dentro de um contexto arqueológico; ‐ sítios localizados nos dois ambientes, tanto na bacia sedimentar, como na planície periférica; ‐ sítios com vestígios funerários encontrados dentro de estruturas ou que visualmente pode ser percebida; ‐ sítios inseridos numa cronologia entre 13.000 a 2.000 anos 15. Em decorrência dos critérios acima especificados, decidiu‐se estudar os seguintes sítios: ‐ Toca do Enoque e Toca do Alto do Capim, na Serra das Confusões; ‐ Toca do Gongo I, Toca do Paraguaio e Toca dos Coqueiros, na Serra da Capivara e; 15
. Há sítios que foram escavados e estudados na área arqueológica, em geral os enterramentos foram feitos em urnas e suas datações são inferiores há 1.000 anos. 43 ‐ Toca do Barrigudo, Toca da Santa, Toca das Moendas e Toca da Bastiana, nos afloramentos cársticos. Como frisado acima, os sítios localizam‐se em diferentes ambientes e, apresentam sepultamentos realizados em fossas abertas diretamente no solo ou os esqueletos foram acondicionados dentro de urnas funerárias ou cestos feitos com fibras vegetais. Considerando as sepulturas como elemento chave para o conhecimento das práticas funerárias e, existindo sítios na Serra das Confusões, nos quais os esqueletos portavam uma abundante e variedade de material funerário (adornos elaborados com vestígios da fauna e da flora sobre os indivíduos), assim como à reutilização de um mesmo local para enterramento múltiplo e, vestígios associados, como conchas, ocres, líticos; ao passo que nos outros sítios (Serra da Capivara e afloramentos calcários) da área arqueológica, os enterramentos não apresentam os mesmos aparatos que os sepultamentos da Serra das Confusões, o problema que se apresenta é por que as práticas funerárias realizadas nessa área arqueológica são diferentes entre os sítios estudados no período que vai de 12.000 a 2.000 anos? Qual é o perfil funerário da Toca do Enoque? Existem diferenças entre o perfil da Toca do Enoque com os demais sítios da área arqueológica Serra da Capivara? Há um perfil funerário para os sítios situados na Serra da Capivara? Existe um perfil funerário para os sítios localizados nos afloramentos calcários? Baseando‐se nestas questões, a hipótese que orienta essa pesquisa é que as práticas funerárias dos sítios da área arqueológica Serra da Capivara são diferentes, em função dos elementos depositados nos enterramentos que estão relacionados ao material (lítico, faunístico ou cerâmico) encontrado na própria região do sítio. Para responder o problema levantado e a hipóteses proposta, o objetivo geral é estabelecer os perfis encontrados nas práticas funerárias dos sítios Toca do Enoque, Toca do Alto do Capim, Toca do Gongo, Toca do Paraguaio, Toca dos Coqueiros, Toca do Barrigudo, Toca das Moendas, Toca da Bastiana e Toca da Santa, procurando identificar recorrências entre eles. 44 O estudo das práticas funerárias dos sítios da área arqueológica da Serra da Capivara permitirá corroborar essa temática, a partir dos dados referentes aos modos de enterrar, contidos na sepultura, no tratamento funerário dado ao indivíduo e nos materiais utilizados como acompanhamento funerário e na inter‐relação entre estes elementos arranjados na sepultura. Este estudo possibilitará contextualizar todas as sepulturas, a partir dos dados biológicos e dados da cultura material, reconstituíndo o contexto funerário dos enterramentos dos sítios estudados. 1.5. Aportes Metodológicos das Práticas Mortuárias Além dos conceitos acima explicitados, uma terminologia básica para explicar as variáveis foi utilizada, especificamente para o estudo das práticas mortuárias. Alguns dos conceitos utilizados foram extraídos do artigo Roderick Sprague 16, “A terminologia sugerida e classificação para descrição de sepultamento”. O termo disposição ou eliminação dos mortos é um dos primeiros critérios utilizados na compreensão das práticas mortuárias. Trata‐se de um processo cultural ou uma série de processos pelos quais um grupo humano abandona os restos mortais de um de seus membros falecidos. Quatro esquemas sobre a eliminação dos mortos foram propostos. Entre estes esquemas estão os de Barber 17 (1877), Yarrow 18(1880, 1881), Orr 19 (1919), James B. Griffin e K. George Neumann 20 (1942) que apresentam termos que se interrelacionam e se excluem. Entre os autores citados, pensa‐se que a classificação de Barber (1877:197 apud Sprague 1968:479) seja a mais usada. Ele 16. Sprague, R, 1968. 17 . Barber, E. A. 1877 18. Yarrow, H. C. 1880; Yarrow, H. C. 1881 19. Orr, R. B. (Editor) 1919 20. Griffin, J. B. AND Georg K. Neumann 1942. Esta foi à primeira tentativa de criação de classificação e nomenclatura, originária do trabalho da subcomissão de terminologia de enterro. 45 sugeriu quatro métodos de enterro: inumação, cremação, embalsamento [sic] e sepultura aérea. Há dois tipos de deposição, a simples e a composta. A deposição simples é constituída pela inumação, deposição aquática e deposição de superfície. A inumação pode ser conceituada como prática de esconder o corpo no chão ou em qualquer monte acima do nível geral do terreno. A deposição aquática inclui tanto o naufrágio dos restos de um corpo na água ou colocação dos restos em algum tipo de objeto e deixá‐lo na água. A deposição de superfície pode incluir o simples abandono do corpo na superfície ou em uma árvore, ou ainda a exposição a aves, animais de rapina ou insetos. A deposição composta abrange dois processos, o de redução das partes moles e a deposição secundária ou final. O processo de redução pode ser o enterro e, posteriormente desenterrado ou exumado, exposição ao ar, exposição a animais, descarnamento mecânico, cremação e decomposição artificial com produtos químicos. A deposição secundária compreende as três formas de eliminação simples acima citada, pode ainda envolver um processo de redução secundária com um processo de eliminação final. A localização da área de deposição é outro item a ser trabalhado, ou seja, o local onde os restos mortais são depositados pode ser entre as casas, no interior da casa, grutas, cavernas, cemitérios. A preparação do corpo normalmente é difícil de ser observada num sítio arqueológico, principalmente porque envolve práticas que não são visíveis, tais como embalsamento, remoção de vísceras, pinturas, vestimentas, entre outras. Outro critério de análise é o objeto em que é acondicionado o morto, que pode ser uma urna, caixão de madeira, peles de animais, redes, entre outros. Pode haver vários níveis de acondicionamento, como colocar uma rede na sepultura e depositar o morto sobre a mesma, ou envolver o morto em uma rede e colocá‐lo na sepultura. 46 A demografia é outro elemento a ser estudado, também chamada de dados biológicos que estão relacionados com a idade e o sexo. Neste item são observadas ainda, as patologias e as anomalias existentes nos ossos humanos. A individualidade é a variável que se preocupa com quantas pessoas estão inseridas em um recipiente específico. Outra variável para o estudo das práticas funerárias é o grau de articulação do indivíduo, compreende articulado, semi‐articulado, rearticulado e, raramente desarticulado em massa. No enterro primário ou num processo de redução moderada aplicada a um enterro pode deixar evidências de um esqueleto articulado. Semi‐
articulado refere‐se à condição em que um fragmento de um corpo está em ordem anatômica segundo Bass (1962:43)21. A rearticulação do esqueleto é uma tentativa que os vivos praticam, tentando rearticular as partes do esqueleto para colocá‐las em posição anatômica normal (Griffin e Neumann 1942:76). O termo "desarticulado em massa" (Papworth e Binford 1962:10) 22 reúne ao mesmo tempo aspectos de individualidade e de articulação. O termo pode ser útil para distinguir entre um único pacote ou enterro desarticulado e uma massa confusa de ossos. A posição é uma das variáveis que está limitada a inumações primárias. Sua definição diz respeito à relação dos segmentos do corpo, de uns para com os outros (Anderson 1962 23apud Sprague, 1968:481). O primeiro aspecto da posição é o grau de flexibilidade (flexionado ou não), que está direcionado apenas para as pernas e o tronco do corpo, não inclui os braços. A posição estendida não precisa de definições, nela o indivíduo pode estar depositado em decúbito dorsal ou ventral, no lado direito ou esquerdo. A posição flexionada ou semi‐flexionada está relacionada às pernas, ambas estão vinculadas ao ângulo reto ou superior com relação ao tronco. Supõe‐se que nas posições flexionada e semi‐flexionada, os joelhos estão juntos em um ângulo 21. Bass, W. 1962 22 . Papworth, M. L. AND L. R. Binford 1962 23 . Anderson, T. E. 1962 47 reto com o plano do corpo. O indivíduo pode estar em decúbito dorsal, ventral, lado direito ou esquerdo, ou ainda, sentado. O posicionamento do corpo, um indivíduo pode ser enterrado em posições diferentes, como decúbito dorsal, decúbito ventral, estendido lateral direito, estendido lateral esquerdo. Os corpos podem ser, ainda sepultados com as pernas flexionadas ou mesmo dobradas, entre outras. Conforme Pearson (1999) esqueletos em posições dramáticas pode sugerir que a morte ocorreu imediatamente antes do corpo ser colocado na cova, ou até mesmo sepultado vivo. A posição dos braços deve ser tratada separadamente dos termos aplicados para as pernas e tronco. Quatro posições básicas ou combinações são normalmente observadas em enterramentos, entre elas incluem: (1) ao longo dos lados, (2) cruzadas sobre a pelve, (3) dobradas sobre o peito, ou (4) as mãos na face. Uma subcategoria para a posição está na rotação da cabeça. Rotação é definida como o movimento da cabeça em um plano lateral em torno do eixo central. Exemplos podem incluir olhando para a esquerda, olhando à direita, olhando direto à frente do queixo, sobre o peito ou a cabeça estendida para trás. As pequenas diferenças encontradas em enterramentos, como a posição dos braços, pernas, podem auxiliar a descobrir as variedades existentes entre os grupos dentro de um mesmo cemitério. A definição de orientação pode ser encontrada na literatura: “orientação do corpo é, geralmente aparente, e qualquer que seja a direção, os pés geralmente apontam para o objetivo final” (Polson, Brittain e Marshall 1953 apud Sprague 1968). A orientação do corpo, quando colocado horizontalmente "refere‐se à direção na qual a cabeça encontra‐se em relação a uma linha traçada entre o crânio e o centro da pélvis” (Heizer 1958:65 24apud Sprague, 1968:482). A orientação pode ser dada em termos de graus, em termos de pontos cardeais e suas várias subdivisões. A orientação de um esqueleto em termos de duas direções cardeais (por exemplo NE‐SW), sem 24 . Heizer, R. F. 1958 48 indicar em que direção encontra‐se a cabeça é uma omissão imperdoável de dados importantes. A análise do enxoval mortuário constitui a variável tratada de forma mais exaustiva dos diferentes tipos de estudos das práticas mortuárias, essencialmente os de caráter arqueológico. Possivelmente seja a parte mais discutida no estabelecimento das relações entre os contextos funerários e a sociedade. De acordo com Mchugh (1999:59 apud Souza, 2010:80), os objetos depositados com o morto são usualmente tidos como símbolos de distinções de status social, riqueza e poder político, sugerindo basicamente sociedades hierarquizadas. O enxoval funerário pode encontrar‐se dentro, sob, ao lado, ou em cima da sepultura bem como no preenchimento da mesma. A análise do enxoval funerário, assim como os outros atributos não deve ser realizada de forma isolada, necessariamente precisa estar associada aos demais elementos, como idade, sexo, tipo de sepultura, posição e orientação do corpo, etc. Entre os sítios arqueológicos com estruturas funerárias de grupos pré‐
históricos existentes na Área Arqueológica da Serra da Capivara, a Toca do Enoque foi escolhida em função dos seguintes atributos: ‐apresenta diferentes tipos de enterramentos; ‐apresenta no interior da sepultura, diferentes vestígios que fazem parte do enxoval funerário; notadamente colares elaborados em dentes de felinos, pingentes feitos em ossos de cervídeos e de ave, contas feitas de sementes, entre outros vestígios; apresenta práticas diferenciadas no sítio; tem uma cronologia de 8.000 a 3.000 anos B.P. As escavações do sítio forneceram três sepulturas com enterramentos realizados em covas, escavadas diretamente no solo. A amostra utilizada neste trabalho consiste de 14 esqueletos, com três adultos, seis subadultos (crianças), um lactente, dois recém‐nascidos e dois indeterminados. 49 A metodologia empregada para as análises mortuárias está baseada nos conceitos da terminologia utilizada por Silva (2005‐2006) e na classificação de Sprague (1968), que utiliza conceitos e terminologias específicas para as práticas mortuárias. As variáveis empregadas no estudo das práticas funerárias presentes na Toca do Enoque estão relacionadas ao corpo, aos elementos constituintes da cova, acompanhamentos funerários e cronologia das ocupações. Entre estas estão: aspectos arqueológicos, dados mortuários, cultura material e cova. Os elementos que abrangem os aspectos arqueológicos são decapagem, altimetria, granulometria e datação. Os dados mortuários se subdividem em biológicos e culturais; para o primeiro foi analisado o sexo, idade, estatura e patologias/anomalias; para o segundo, posição do corpo, articulação do corpo, orientação do eixo crânio‐pélvis, disposição dos membros e da cabeça. A cultura material compreende tanto os vestígios que estão no interior da sepultura junto ao corpo do morto, como os que estão no entorno do enterramento, representada pelo: tipo de adorno, matéria‐prima, classe, espécie, elemento vegetal, material lítico, óxido de ferro, entre outros. Na variável cova observou‐se a orientação, a dimensão e o seu preenchimento. A documentação de campo foi estudada e parte dela foi tratada nos laboratórios específicos, como as fotografias, plantas, croquis, perfis estratigráficos e, compõem o banco de dados sobre os aspectos mortuários do sítio. O material arqueológico evidenciado, seja junto aos enterramentos, seja no entorno encontra‐se acondicionado nas reservas especificas de cada tipo de vestígio, guardado na Fumdham. Para realizar a coleta de dados sobre as práticas funerárias foi elaborada uma ficha com dados sobre os enterramentos. De posse das fichas de enterramento foram coletados os dados oriundos dos documentos de campo, como relatórios e cadernos de campo, fotografias, plantas e desenhos. Nas fichas de análise de enterramento foram registradas as informações provenientes de cada enterramento, como dados 50 biológicos de vestígios humanos, cultura material associada e dados da estrutura, os quais foram utilizados na parte analítica do trabalho. A primeira etapa do procedimento analítico foi à observação minuciosa do material gráfico, como planos, perfis das sepulturas intra‐sítio, definiçãodas variáveis presentes nos contextos funerários, em seguida segregou‐se as variáveis biológicas e culturais, que foram analisadas no decorrer do processo. Na segunda etapa foram obtidas as informações sobre os quatorzes (14) indivíduos, que foram estabelecidas e padronizadas em uma base de dados, possibilitando assim um tratamento estatístico. Para distinguir as práticas funerárias foi indispensável especificar na sepultura, as recorrências e as diferenças em cada uma delas e, ao mesmo tempo fazer comparações entre os dados. 51 CAPÍTULO II ‐ A ÁREA ARQUEOLÓGICA SERRA DA CAPIVARA A área arqueológica Serra da Capivara localiza‐se entre duas formações geológicas, a bacia sedimentar do Piauí‐Maranhão e a depressão do rio São Francisco, nas quais foram descobertos inúmeros sítios arqueológicos. Essa zona se estende desde o nordeste do Parque Nacional Serra da Capivara, ponto de contacto entre o planalto sedimentar e a bacia cristalina do Pré‐Cambriano, atingindo o Parque Nacional Serra das Confusões. 2.1. Sítios da Bacia Sedimentar 2.1.1. Serra da Capivara O setor da Área Arqueológica Serra da Capivara mais estudado corresponde à formação sedimentar da Serra Geral Bom Jesus da Gurguéia. Nele existe uma profusão de sítios arqueológicos, abrigos que se encontram na cuesta e nos vales interiores, nos quais aparece uma grande concentração de pinturas e gravuras rupestres pré‐
históricas. Estes sítios estão localizados nos Parques Nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões (Figura 1). Os sítios da área do Parque Nacional Serra da Capivara foram os primeiros a serem descobertos e cadastrados, enquanto os do Parque Nacional Serra das Confusões só foram pesquisados a partir de 2005. 52 Figuraa 1 ‐ Mapa de localização reegional do Parrque Nacional da Serra das Confusões. Fontee: Plano de M
Manejo 53 Deste modo, a pesquisa arqueológica ficou centralizada na Serra da Capivara, onde as primeiras sondagens ou escavações realizadas evidenciaram uma variedade de vestígios, como material lítico, cerâmico, orgânico e enterramentos humanos, fazendo com que essa área se tornasse muito importante para a compreensão das migrações pré‐históricas. Os sítios Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Furada, Toca do Sítio do Meio e Toca do Caldeirão do Rodrigues, em suas camadas pleistocênicas, forneceram vestígios de origem antrópica confirmando a presença do homem pré‐histórico em datas muito antigas para essa região, contudo não foram encontrados vestígios humanos nestes locais. As escavações nestes sítios permitiram obter uma coluna estratigráfica datada que vai de 100.000 a 6.000 anos BP. Os dados obtidos na Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Furada pela antiguidade e a continuidade, servem de referência para todos os sítios da região, servindo de base cronológica para o estudo das ocupações humanas na região, estabelecendo períodos ocupados por grupos caçadores‐coletores e por grupos de agricultores‐ceramistas. Segundo Parenti (1992), as pesquisas desenvolvidas na Pedra Furada identificaram 15 fases de ocupação humana, agrupadas em seis fases culturaisp. Pedra Furada I, II e III (relacionadas aos grupos pleistocênicos), Serra Talhada I e II (grupos entre 12000 e 6000 anos) e a fase Agreste (grupos do Holoceno). Na fase cultural pleistocênica (Pedra Furada I, II e III) constata‐se que a ação humana na construção de grandes fogueiras circulares e semi‐circulares. Carvões encontrados no interior destas fogueiras foram datados, proporcionando datações para os níveis arqueológicos. Adjacente às fogueiras foi coletado material lítico (seixos lascados, choppers e chopping‐tools), o que permitiu a caracterização dos grupos culturais (Guidon, 1999 apud Mützenberg, 2010). Os vestígios culturais pré‐históricos dos grupos caçadores‐coletores no período de transição Pleistoceno‐Holoceno foram posicionados cronologicamente com datações entre 12.000 e 7.000 BP. Esta fase caracteriza‐se pelo aperfeiçoamento técnico do material lítico e pela utilização de matéria‐prima de áreas adjacentes (PARENTI, 1992). Nesse período as fogueiras eram também mais diversificadas e 54 abundantes, ao passo que, o período Holoceno para a região corresponde aos grupos agricultores‐ceramistas, que surgem por volta de 4.000 a 2.000 anos BP. Na indústria lítica desse grupo aparecem também seixos unifaciais ou bifaciais, mas, também uma grande quantidade de lesmas, enquanto o material cerâmico varia, principalmente nos elementos técnicos e morfológicos. A área arqueológica da Serra da Capivara, na cuesta e nos vales interiores da bacia sedimentar, tem sido objeto de escavações, sondagens em diversos sítios, principalmente os portadores de registros rupestres, nos quais se tem retirado uma quantidade enorme de material lítico, carvões, sedimentos, entre outros; como também se tem descobertos sítios contendo enterramentos primários, secundários, coletivos, no solo ou em urnas. Os sítios que apresentam vestígios ósseos humanos são: A Toca dos Coqueiros forneceu uma sepultura de um indivíduo adulto, posicionado sobre lajes de pedra. Entre as datações obtidas, a mais antiga é de 10.640 ±80 BP (BETA 104571) a partir de cabelo com piolho. Na Toca da Baixa dos Caboclos foram evidenciadas sete urnas, contendo esqueletos humanos e um enterramento no solo contendo um indivíduo. Apresenta uma datação de 450 ±40 BP (BETA 113114) (Guidon et alii., 1998). Segundo Maranca (1976), na Toca do Gongo, durante os trabalhos de escavação foram evidenciados seis sepultamentos, quatro foram depositados diretamente na terra com evidências de “fossa” sepulcral e vestígios de tecido. Todos se encontravam dispostos linearmente, quase à entrada do abrigo na direção leste/oeste. Dois estavam em urnas a 2 m da entrada do abrigo, na extremidade leste. Duas datações foram feitas uma dos ossos da sepultura 1 com 420±50BP/600±50BP (BETA‐136202) e outra feita na urna funerária 1 com 310±40BP/470±70BP (BETA‐
136199). Uma amostra de carvão retirada da camada onde estava o enterramento 4 foi datada, fornecendo uma idade de 2090 ± 110 BP (GIF‐3223). Na Toca do Paraguaio foram evidenciados dois enterramentos primários e individuais. Um esqueleto se encontrava em posição de decúbito lateral e o outro em decúbito dorsal. As datações obtidas são de 7.000 e 8.670 anos BP., respectivamente. 55 A delimitação da fossa funerária era feita por três grandes pedras, juntamente com outros seixos. Dois grandes seixos foram encontrados sob a fossa. Eles apresentavam marcas de uso, provavelmente sejam um moedor e uma mó ou polidor. O sítio Toca do Bojo apresenta um enterramento primário realizado em fossa circular de 70 cm de diâmetro. Havia sobre a cova uma fogueira que chegou a calcinar alguns ossos do esqueleto que estavam entre as pedras (Silva, 2003). Durante uma campanha realizada na Toca do Sítio do Meio no setor 3 foi evidenciada uma estrutura de combustão. Trata‐se de uma estrutura contendo placa de ocre 25 com marcas de uso, colar feito de sementes 26, fragmentos de dentes e carvão. Ela foi datada em 8804±53 anos BP (LY10138). Na Toca da Cerca do Elias não foi evidenciado nenhum sepultamento, somente vestígios ósseos humanos (dentes e ossos fragmentados). Um dente humano, encontrado junto a uma lente de carvão, localizada na decapagem 16 foi datado pelo Stanfford Research Laboratories (SR‐6322), em 10.270±35 RCYr BP. Outros dentes foram coletados na decapagem 17 e na decapagem 21. Não obstante, os solos da bacia sedimentar Piauí‐Maranhão apresentarem um pH ácido, escavações realizadas em alguns sítios localizados nessa área evidenciaram vestígios ósseos humanos, que foram encontrados no solo ou em urnas. Considerando que nem todos os sítios da bacia sedimentar oferecem condições para a conservação dos ossos, as razões que poderão explicar essa ausência seriam: ‐ poucos sítios foram escavados em relação ao universo do total de sítios; ‐ a natureza dos sedimentos nos sítios a céu aberto e nos abrigos, muito ácidos dificulta a conservação dos restos ósseos, principalmente dos que se encontram nas camadas mais antigas, pleistocênicas, que correspondem a uma época de clima tropical úmido, o que diminui as possibilidades de conservação de restos orgânicos; ‐ práticas funerárias que poderiam utilizar o fogo ou mesmo a incineração. 25
. Apresenta marcas de utilização na forma de estrias que demonstram, claramente, o resultado da raspagem do ocre com um instrumento denticulado (MELO, 2007, p. 294). 26
. 26. Contas feitas de sementes de uma planta ainda existente no entorno do Sítio do Meio, conhecida localmente como “piboca” (Melo, 2007, p. 294). 56 Embora todos estes sítios apresentarem ossos humanos, nem todos podem fazer parte do estudo dessa tese, visto que alguns não detêm os critérios adotados para a escolha, como alguns fragmentos de osso, ou somente dentes, ou ainda somente vestígios culturais, impossibilitando o estudo dos mesmos. Assim sendo, entre os sítios, somente três apresentam características essenciais para o estudo das práticas funerárias, que são: a Toca do Paraguaio, a Toca do Gongo e a Toca dos Coqueiros. 2.1.2. Serra das Confusões Desde 1975, a Missão Franco‐Brasileira realizava pesquisas na Serra da Capivara, e, já pensava em criar outra unidade de conservação nesta região, visto que a Serra Bom Jesus da Gurguéia seguia em direção a oeste e apresentava as mesmas características ambientais que a área da serra da Capivara. A área concentrava uma grande quantidade de sítios arqueológicos, portadores de grafismos rupestres e presença de vestígios na superfície, beleza em suas paisagens e especificidades da cobertura vegetal, como também potencial turístico da região e o impacto destruidor da presença humana. A visão que se tinha da área era muito promissora no que diz respeito à pesquisa e a sua preservação, diante desse fato os pesquisadores da Missão decidiram levar ao conhecimento das autoridades a existência deste patrimônio ecológico e cultural, sendo solicitada, nesse período, ao Governo a criação do Parque Nacional na região. Considerando as dificuldades encontradas para acessar a área, não foi possível sua transformação em área de preservação. Entretanto, muitos esforços foram envidados, por diversas pessoas que se esforçavam por sua criação. Com este fim, começou a ser redigida uma série de artigos e publicações diversas enfatizando a beleza do local, as inúmeras cavernas existentes e, principalmente os elementos históricos e culturais existentes nos sítios arqueológicos, sem falar de sua beleza cênica. 57 Em 1998, foi criado então o Parque Nacional Serra das Confusões pelo Decreto sem número de 01/10/1998. Missões de cadastro e levantamento do estado de conservação dos sítios situados no interior e no entorno do Parque Nacional da Serra das Confusões foram realizadas. No período do levantamento para compor o Plano de Manejo, a equipe responsável cadastrou 32 sítios, dos quais 13 encontram‐se no interior do Parque. Nos anos 2004 a 2008, novas prospecções foram executadas com o intuito de cadastrar mais sítios arqueológicos e realizar a conservação dos que se encontravam bastante degradados. Parte dos sítios pré‐históricos é portadora de registros rupestres, situados tanto em abrigos sob rocha quanto em paredões e afloramentos rochosos isolados. Alguns apresentavam um solo propício às escavações, enquanto outros não ofereciam a possibilidade de escavação, pois não possuíam sedimento. Os registros rupestres são dos tipos figurativos e não figurativos, dominando os de representações de animais ou figuras humanas estáticas ou com representações de cenas cotidianas. Depois de ter pesquisado vários sítios da Serra da Capivara e da região dos afloramentos calcários, a Fumdham em 2008, começou os trabalhos de sondagens e escavações na Serra das Confusões, dentro do programa interdisciplinar “Origem e Evolução Migratória dos Primeiros Grupos Humanos no Sudeste do Piauí” executado de 2005 a 2009. Dois sítios arqueológicos foram objeto de escavações no Parque Nacional Serra das Confusões, a Toca do Enoque e a Toca do Alto do Capim. 58 2.2. Planície Pré‐Cambriana 2.2.1. Sítios dos afloramentos calcários A região cárstica está inserida no entorno da porção sudeste do Parque Nacional Serra da Capivara, entre as coordenadas UTM Leste 78935 e 76119 e UTM Norte 901043 e 898227 (Figura 2). Ela se localiza no pediplano, sob a forma de morros residuais. Os materiais carreados da cuesta foram transportados para uma ampla planície, na qual se destacam os relevos residuais, aparecem ainda nesta paisagem alguns inselbergs de gnaisse. De acordo com Rodet (1992 apud la salvia, 2006), os morros residuais que afloram na paisagem correspondem a dois conjuntos de maciços calcários na área. Um se localiza entre a cuesta e a BR‐020, após o sítio do Garrincho, no morro epônimo (São Raimundo Nonato) até Coronel José Dias, sob a forma de um alinhamento bastante regular com oito morrotes; o outro se localiza a leste, entre Coronel José Dias e a Borda, representado por um grande número de pequenos morros discretamente elevados sobre o pediplano. Nos afloramentos calcários existe uma variedade de ambientes que serviram de abrigo ao homem pré‐histórico, como as grutas e os abrigos naturalmente escavados. Alguns abrigos sob rocha apresentam áreas onde naturalmente a luz penetra, oferecendo a possibilidade de habitação. As cavidades encontradas nestes ambientes oferecem condições de preservação de informações arqueo‐
paleontológicas, assim com paleo‐ambientais, fornecendo dados para o conhecimento do paleoclima da região. Os sítios descobertos nos maciços calcários são fossilíferos, contendo uma abundante e variedade de ossos da fauna pleistocênica (Guérin, 1991; Guérin et alii, 1993a, 1993b), aparecem associados a vestígios de origem antrópica com fogueiras 59 estruturadas, material lítico e restos esqueletais humanos (Peyre, 1993, Peyre et alii, 1998). Prospecções espeleológicas identificaram inúmeros abrigos, grutas entre outros tipos cársticos, a maioria apresentava‐se com vestígios paleontológicos, arqueológicos e humanos. Entre os sítios dessa área que foram escavados são: Toca da Janela da Barra do Antonião, Toca do Serrote do Tenente Luís, Toca da Bastiana, Toca do Barrigudo, Toca das Moendas, Toca do Pedrinho, Toca dos Crentes, Toca do Garrincho e Toca da Santa, nos quais foi descoberta uma grande quantidade de restos ósseos de animais pleistocênicos, vestígios da presença humana e enterramentos humanos, realizados, tanto diretamente no solo, como em urnas funerárias. Os esqueletos humanos evidenciados, em geral encontravam‐se contextualizados arqueologicamente, visto que junto aos mesmos estavam associados outros vestígios, entre eles, fogueiras e material lítico. Apesar de todos estes sítios apresentarem vestígios esqueletais humanos, nem todos existem indícios de que foram enterrados em covas e, também as datações de alguns sítios foram realizadas para datar as pinturas rupestres presentes neles. O fato de, às vezes, não se visualizar a configuração de um sepultamento nesse ambiente, não significa que este não existiu. Visto que, os solos dos sítios são, por vezes lixiviados durante o período das chuvas, fazendo com que a água transporte materiais do pedimento da serra e do entorno do sítio para o seu interior, como também a concentração de calcita que acumula sobre o sedimento, mascarando, assim o formato da cova. Por causa desses fatores, alguns sítios não puderam fazer parte do trabalho de tese. Os que serão objeto da tese são: Toca do Barrigudo, Toca da Santa, Toca das Moendas e Toca da Bastiana. Nas áreas planas da planície sedimentar também contém sítios, nos quais foram descobertos ossos humanos, tais como: no Sítio Cana Brava foram evidenciadas cinco urnas funerárias, que durante as escavações observaram que, tratava‐se de enterramentos de crianças. Sua datação vai de 790±50 BP (BETA ‐106389) a 120±60 BP). 60 Figura 2 – Localização dos afloramentos calcários da área arqueológica Serra da Capivara. – Fonte: La Salvia, 2006 2.3. A ocupação humana As informações disponíveis sobre a vida dos índios do Piauí são escassas. Tentar‐se‐á fazer um levantamento dos dados existentes sobre as populações indígenas da área de estudo e de seus limites, em diferentes períodos, os quais serão sintetizados a partir dos trabalhos de Fábio Parenti (2001), Maranca (1976) e Guidon (1975). Na verdade, os relatos parecem não terem nenhuma ligação com os achados arqueológicos encontrados na área arqueológica Serra da Capivara e, entretanto eles servem de subsídios para o conhecimento da população que viveu em tempos remotos nessa região. O grupo mais conhecido são os Pimenteiras, os quais teriam chegado tardiamente no Piauí sob o impulso dos colonizadores. É atribuída uma origem caraíba, 61 mas não existe nenhuma informação sobre o trajeto de sua migração. As fontes os localizam no século XVIII entre o Piauí e o Pernambuco. Teriam dominado toda a região do alto Piauí e do alto Gurguéia. Segundo Manuel José Oliveira Bastos em seu Roteiro de 1819, ele traça alguns costumes dos Pimenteiras, como o rito de casamento, onde eram colocadas duas redes, a do marido encima da rede da mulher. O dote era constituído por cabaças, recipientes feitos com o fruto da coité (Crescentia cujete), utilizavam o arco e flecha. Para Domingos Dias Soares, no seu artigo “Informações sobre o selvagem Pimenteira”, (Guidon, 1975), ele escreve que eles teriam se escondido no alto Piauí para fugir dos colonizadores. Que eles tinham um mau caráter, eram insensíveis, recusavam a domesticação e se escondiam nas florestas onde eles poderiam satisfazer suas necessidades naturais. Eles plantavam legumes com caroços (possivelmente o feijão, a cabaça e a abóbora). Eles conheciam a existência de uma Entidade Suprema, eles obedeciam a suas leis e seu casamento consistia em atar a rede do marido sobre a da mulher, o dote era constituído por cabaças, diferentes espécies de tigelas feitas de cabaça, de arcos e flecha. Ao morrer um dos esposos, o (a) viúvo (a) deveria se casar preferencialmente com um cunhado (a). A língua dos Pimenteiras, segundo Ehrenreich, compreendia de palavras caraíbas, mas no conjunto, ela era muito diferente. Estevão Pinto fala da existência de grupos caraíbas nos sertões de Pernambuco e Piauí; segundo ele os caraíbas seriam originários da foz do Tapajós e do Xingu e teriam subido os afluentes da margem esquerda do Amazonas até Pequenas Antilhas. Não se conhece o itinerário seguido pelos grupos caraíbas para chegar ao Piauí. Segundo o relato de Pompeu Sobrinho (Guidon, 1975) os Tremembé, grupo pertencente aos Tapuias viviam no lado oeste do Maranhão. Utilizavam para matavam seus inimigos com machados semilunares, que abandonavam no lado do morto, Utilizavam ainda recipientes de cerâmica grosseira, o arco, a flecha, o fuso e objetos de 62 pedra (raspadores para trabalhar a pele, punção). Não usavam a rede. Dançavam em círculo no interior do qual uma mulher dançava e oferecia‐lhes bebida. Estevão Pinto coloca os Acroas entre os Timbiras, povos de língua Jê. Os Gueguez e os Acroas utilizavam massas pontiagudas e sua agricultura era incipiente. Os Cariri são os grupos que se tem mais informações, porque ainda hoje subsistem nos estados da Bahia e do Pernambuco. Segundo A. d’E. Taunay (Guidon, 1975, p. 27) eles eram caçadores e fabricavam machados de sílex, a cerâmica, tecidos de caroá e peças similares aos muiraquitãs. Eles conheciam o arco e a flecha, espada de madeira com corte duplo, sagaias e machados de pedra de cabo longo. Alguns autores falam que eles não tinham agricultura, outros falam de uma agricultura rudimentar. Eles conheciam a rede e sabiam nadar. Para Correia de Araújo ele faz a descrição de um enterramento entre os Caririp. o morto era colocado, em posição sentada ou agachada dentro de grandes urnas funerárias; os chefes eram enterrados com “seus troféus e armas”; algumas tribos Cariri enterravam seus mortos a sombra de grandes árvores. Os chefes portavam colares de conchas e as mulheres brincos em osso. O autor cita Herckman que afirma que os Cariri comeriam seus mortos. Os Kamakan, segundo Métraux e Ninuendaju, pertenceriam ao grupo Jê e praticavam enterramento secundário em urnas funerárias. O morto era primeiro enterrado em posição dobrada dentro de uma fossa de 1,20 a 1,50 m de profundidade, com suas armas e uma jarra contendo bebida; depois era recoberto de terra, era colocado fogo e, depois guarnecido de ramagens. Na fossa, era deixado um frasco para indicar a idade e o sexo do morto. Depois de desaparecer a carne, os ossos eram recolhidos, pintados e colocados em uma urna funerária, enterrada numa fossa mais profunda. Outra tribo, segundo R. Lowie, os Jeico teriam habitado entre os rios Canindé e Gurguéia, mas não se tem informações sobre eles. As populações nativas viviam tranqüilas até a chegada do povo colonizador, que trouxe consigo novo modo de vida, diferente da cultivada pelos índios, 63 determinando assim uma situação de confronto entre ambos, ocasionado assim o extermínio das populações autóctones. Só as escavações dos sítios da área arqueológica poderão, sem dúvida, esclarecer se existem relações entre os grupos indígenas que viveram na região e os grupos humanos pré‐históricos. No tocante a colonização do Piauí está se deu do centro para o litoral. A partir de 1674, os fazendeiros do São Francisco à procura de novas expansões para suas criações de gado, passaram a ocupar, com cartas de sesmarias concedidas pelo governo de Pernambuco, terras situadas às margens do rio Gurguéia. O principal desses sesmeiros foi Domingos Afonso Mafrense, conhecido como Domingos Sertão, que fundou trinta fazendas de gado, tornando‐se o mais importante colonizador da região. Após sua morte, as fazendas de gado foram legadas, aos padres da Companhia de Jesus. Os jesuítas contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento da pecuária piauiense, que atingiu seu auge em meados do século XVIII. Nessa época, os rebanhos da região abasteciam todo o Nordeste, o Maranhão e províncias do Sul. Com a expulsão dos jesuítas, as fazendas de Mafrense foram incorporadas à Coroa, entrando em declínio (Ministério das Relações Exteriores, 2002 apud Plano de Manejo). 64 CAPÍTULO III ‐ OS ENTERRAMENTOS DA ÁREA ARQUEOLÓGICA SERRA DA CAPIVARA 3.1. Os sítios da Serra das Confusões 3.1.1. O Sítio Toca do Enoque 3.1.1.1. Localização do sítio e antecedentes A Toca do Enoque é um abrigo sob‐rocha, localizado na Serra das Andorinhas no Parque Nacional Serra das Confusões, sudeste do Piauí (município de Guaribas, 658743 UTML/8988649 UTMN, 43°55'625’’longitude W e 9°14'653’’ latitude S). Encontra‐se no alto de uma falésia de arenito, medindo cerca de 60 metros de comprimento e 10 metros de altura, orientado no sentido noroeste/sudeste com abertura voltada para o sudoeste (Figura 3). No paredão de cerca de quinze metros foram realizadas pinturas rupestres, apresentando grafismos geométricos e representações de animais como jacarés, grandes aves e tamanduás. Observam‐se poucas figuras humanas sendo que duas foram feitas em tamanho grande, uma com 70 cm e outra com 45 cm, (Figura 4) as outras figuras foram realizadas em tamanho pequeno entre 3 e 10 cm, todas em cor vermelha. Os grafismos rupestres são das Tradições Nordeste, Agreste e Geométrica. A parte plana do abrigo que foi escavada, de cerca de 15 metros de comprimento por 5 metros de largura, apresenta um sedimento arenoso. No lado 65 sudeste existe um amontoado de blocos caídos, delimitando a área de escavação. No lado noroeste da falésia há uma queda d´água e, talvez por essa razão o local não permitisse a elaboração de grafismos rupestres. As águas das chuvas descem no sentido sudeste para noroeste, por causa de uma inclinação natural nesse sentido, as águas caem formando uma queda d’água. Figura 3 – Localização dos Parques Nacionais Serra das Confusões e Serra da Capivara no Estado do Piauí. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham Os trabalhos de escavação foram realizados no decorrer de três campanhas. A primeira foirealizada em 2008 e, teve como objetivo a abertura de uma sondagem (2m X 1m), visando encontrar vestígios que pudessem datar as pinturas e verificar o potencial arqueológico do sítio. Essa parte do sítio revelou, logo no início da sondagem, vestígios de um enterramento, o que foi comprovado com a continuidade dos trabalhos de campo, pois essa descoberta deu lugar à ampliação da escavação. 66 Na segunda missão foi feita a ampliação da escavação no lado noroeste do abrigo, quando foi descoberto um sepultamento múltiplo com doze indivíduos. Os esqueletos foram depositados sobre um grande bloco de arenito contendo algumas gravuras. A terceira campanha foi realizada, com a ampliação da escavação no lado sudeste do sítio, na sexta decapagem foi evidenciado uma mandíbula humana, a mais ou menos 20 cm do solo atual. Com o prosseguimento das escavações foi descoberta uma sepultura com restos ósseos de um indivíduo. As pinturas rupestres existentes sobre o paredão não puderam ser datadas a partir dos fragmentos de óxido de ferro (ocre) para confirmar se as figuras animais, humanas e as representações geométricas são contemporâneas dessas sepulturas. As datações existentes são relativas às realizadas para o sítio e as sepulturas. Figura 4 ‐ Grafismos humanos da Tradição Agreste. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham As escavações evidenciaram três sepulturas (Figura 5), duas individuais e uma múltipla, com esqueletos humanos apresentando adornos no pescoço, nos braços ou cintura e vestígios arqueológicos, como: material lítico, conchas de Megalobulimus, 67 blocos de óxido de ferro (ocre), restos ósseos deanimais e vegetais, como capim, sementes e cascas, todos associados aos enterramentos. A presença de térmitas é observada sobre todos os esqueletos humanos, eles construíram suas galerias, seja nos ossos, seja no mobiliário funerário, deixando sobre os vestígios suas marcas. Amostras de carvão associadas aos restos humanos da Toca do Enoque foram datadas pelo método do radio‐carbono fornecendo várias datações, uma de 5.930 anos BP (BETA 252374) para a Sepultura 1; as datas de 6.220 a 6.610 anos BP (BETA 252374, 257091, 257092 e 257093) e de 8.270 anos BP (BETA 264124) para a Sepultura 2; e, uma datação de 3.430 anos BP (BETA 252607) para a Sepultura 3. Figura 5 ‐ Posicionamento das sepulturas 1, 2 e 3 na Toca do Enoque. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 68 3.1.1.2. As escavações As escavações deste sítio foram realizadas no período de 2008‐2009 pela arqueóloga Fátima Luz sob a direção da Profa. Dra. Niède Guidon (GUIDON, N. e LUZ, M. F. 2009). Tais escavações faziam parte do programa interdisciplinar “Origem e Evolução Migratória dos Primeiros Grupos Humanos no Sudeste do Piauí” executado de 2005 a 2009, pela Fundação Museu do Homem Americano ‐ Fumdham, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico ‐ CNPq. O objetivo geral do projeto foi à realização de pesquisas arqueológicas de forma interdisciplinar na região sudeste do Piauí, enfocando o estudo das culturas humanas e suas relações com o ambiente. •
Sondagem 1 A primeira missão, realizada em 2008, tinha como objetivo a abertura de uma sondagem (2m X 1m), visando encontrar vestígios que pudessem datar as pinturas e verificar o potencial arqueológico do sítio. A sondagem foi delimitada junto ao paredão rochoso, logo abaixo de grafismos geométricos (círculos concêntricos) (Figura 6) e, no transcurso da mesma foi evidenciada uma sepultura contendo um esqueleto humano. O solo da superfície do sítio era totalmente arenoso, de cor cinza e sobre o mesmo havia excrementos de animais e alguns fragmentos de blocos de arenito. Foi realizada a limpeza da superfície da sondagem e do entorno, coletando‐se uma lasca. Nas quatro primeiras decapagens não foram encontrados materiais antrópicos. 69 Figuraa 6 ‐ Implantação da Sondagem 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham da por blocos de A partir da decapaagem 5 foi eevidenciadaa uma fogueeira, formad
arenito e entre eles uma cconcentraçãão de carvões. Como o
os blocos daa fogueira fforam enco
ontrados forra da área eescavada, uma ampliaçção da sond
dagem foi reealizada, vissando uma melhor ob
bservação da d estruturra da fogue
eira. Na am
mpliação daa sondagem
m, na oi encontrad
do um fragm
mento de o
ocre próxim
mo à fogueirra e embaixxo das decapagem 1 fo
pintu
uras. 70 Nas decapagens 2, 3 e 4 não foi encontrado nenhum vestígio humano. O sedimento no local é arenoso acinzentado e, em alguns locais, endurecidos devido aos excrementos dos animais que ali se abrigavam. Na decapagem 5 desaparece o sedimento endurecido, e, surge um solo arenoso avermelhado com muitos fragmentos de carvão. Observam‐se dois arranjos de blocos de arenito, ambos localizados ao longo da parede rochosa. Um grande bloco, paralelo à parede e, que servira para formar a estrutura da fogueira 1, separava os dois arranjos, delimitando‐os. O primeiro arranjo é o que forma a estrutura da fogueira 1 e fica muito próximo da parede rochosa, localizado embaixo do painel de uma figura da Tradição Agreste e grafismos puros. A fogueira que fica entre o bloco e a parede rochosa mede cerca de 60 cm (Figura 7). O segundo arranjo situa‐se na parte externa da parede rochosa, os blocos que formam a estrutura estão avermelhados com indícios de terem sido queimados, entretanto não existem carvões entre eles. Figura 7 ‐ Fogueira 1 entre grandes blocos na Sondagem 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 71 Ao lado do grande bloco na parte externa à parede foram coletados fragmentos de carvão. Possivelmente tratava‐se de uma área de refugo, visto que o solo dessa parte da sondagem estava completamente queimado (esbranquiçado). Foram coletados ali um lítico e sementes. Na decapagem 6, da Sondagem 1, as dimensões da sondagem são de 2x2m. O solo é arenoso avermelhado (Código Munsell5YR 6/3), apresentando áreas escuras com carvões espalhados. Os primeiros indícios de um sepultamentos ocorreram na ocasião em que foram encontradas cinco falanges junto ao material antrópico distribuído na decapagem 7, durante a retirada dos blocos que formavam a estrutura 2. Foi na decapagem 8 houve a evidenciação de um esqueleto humano, aproximadamente a 10 cm do solo atual, que se encontrava embaixo dos blocos da estrutura 2. Supõe‐se que depois do enterramento, o homem pré‐histórico colocara estes blocos para proteger o esqueleto. Sobre a cabeça havia dois blocos que, possivelmente, foram colocados para fazer a proteção Como os blocos que estavam sobre a cabeça do esqueleto ficaram no perfil da sondagem, foi necessário realizar a ampliação da sondagem em mais 0,50 cm para o lado esquerdo em relação à parede pintada (noroeste) e 0,50 cm para o sudeste, ou seja, paralelo à parede. Foram realizadas sete decapagens até atingir o nível onde foi encontrado o esqueleto 1. Todos os vestígios evidenciados nas decapagens foram coletados, entre eles um lítico próximo à parede rochosa, isso na 2ª decapagem; não foi evidenciado nenhum vestígio na decapagem 3; na decapagem 4, coletou‐se alguns fragmentos de ossos micro, assim como na 5ª decapagem Na decapagem 6, na peneira foram coletados alguns fragmentos de osso micro, duas pequenas falanges e blocos de ocre. Na decapagem 7, da ampliação da sondagem 1 para evidenciar o esqueleto, o sedimento continuava avermelhado em toda sua extensão, enquanto que próximo à parede pintada começava a aparecer blocos de arenito em decomposição. Ali foram 72 coletadas duas falanges humanas e vegetais que aparentavam ser uma casca de jatobá, mas não se tem certeza. Na decapagem 8, foram coletados carvões ao lado da estrutura do esqueleto, próximo ao crânio. Foi coletada, ainda, outra amostra de carvão, encontrada dentro de uma pequena estrutura perto do pé do esqueleto, assim como um lítico. Igualmente nessa decapagem evidenciou‐se a caixa torácica expondo as costelas e as vértebras, bem como as duas pernas com os fêmures e as tíbias, ossos da mão esquerda e ossos do pé. Sobre a mão esquerda foi colocada uma concha de Megalobulimus e um vegetal (casca). Deste modo, vegetais (semente, capim, casca), adornos (pescoço, cintura ou braço), conchas, líticos e óxidos de ferro (ocre) e fibras fazem parte do enterramento. O sedimento que envolvia o esqueleto era arenoso com muitos vestígios vegetais (capim) de cor avermelhada (Código Munsell 5YR4/2). •
Sepultura 2 Posteriormente a remoção do esqueleto 1 (da Sepultura 1 na Sondagem 1) foi feita uma ampliação para o lado noroeste do abrigo visando descobrir mais enterramentos. Foi realizada a primeira decapagem da área de ampliação, sendo evidenciados alguns vestígios: líticos, ocre, vegetal (sabugo de milho), fragmentos de ossos e raiz. Apareceu uma mancha, ao longo da parede rochosa, com alguns fragmentos de blocos queimados e carvões espalhados ao longo dessa mancha. Foi retirada a 2ª decapagem que continuou com as mesmas características que a anterior, no local da mancha há um aumento na quantidade de carvões e a cor do sedimento tornou‐se escura no local dos carvões e avermelhada em seu entorno. Foram coletadas nessa decapagem lítico, duas amostras de ocre, penas de ave e fragmento de osso queimado. No decorrer da escavação da quarta decapagem foram observadas três estruturas de combustão (fogueiras 1, 2 e 3), a 15 cm de profundidade, posicionadas 73 paralelas à parede rochosa e mais duas (4 e 5) com restos carbonizados, sendo que uma era muito fugaz, enquanto que a segunda apresentava‐se carbonizada na parte externa à parede (Figura 8). As fogueiras apresentavam‐se sob a forma arredondada ou elíptica e continham carvões no seu interior. Também se observou uma faixa escura que estava orientada ao longo do paredão. Uma linha de pedras de arenito delimitava a parede das manchas de carvão. A fogueira 01 encontrava‐se próxima ao paredão rochoso e tinha forma arredondada com cerca de 60 cm de diâmetro; o solo era arenoso de cor amarela acinzentada e a borda nordeste apresentava muitos carvões. Apareceram alguns fragmentos de arenito queimados junto aos carvões. A segunda fogueira apresentava uma forma oval com cerca de 90 cm por 60 cm de diâmetro e estava toda preenchida de carvão, principalmente no seu interior. No entorno, apareciam fragmentos de blocos de arenito queimados. Foram evidenciadas no seu interior três folhas e alguns líticos. A fogueira 03 tinha uma forma arredondada com 65 cm de diâmetro. Era toda preenchida por pedaços de blocos queimados. Nela foram evidenciados um osso humano (falange) e muitos carvões. Entre a segunda e terceira fogueiras havia uma grande concentração de carvões com fragmentos de arenito queimados. As outras duas estruturas ou manchas, uma (5) apresentava‐se com poucos resquícios de combustão, que logo desapareceu, restando somente um bloco de arenito. A outra mancha 4 parecia ser a principal porque apresentava características como às encontradas no enterramento. Ela tinha cerca de 2,50 metros no sentido nordeste/sudoeste, situava‐se ao longo do corte sudoeste da escavação e seu limite era observado a partir de uma mancha escura com capim. No lado sudoeste da mancha existia uma concentração de blocos, um de proporção grande, com 20 cm, e outros três menores formando uma estrutura circular, dando a impressão de que houve uma intenção no arranjo dos blocos, o que geralmente é uma característica de enterramento. O sedimento apresentava coloração mais escura e estava misturado a um sedimento de cor mais clara. 74 A faixa de tonalidade escura que estava presente na decapagem 4, ao longo do paredão, tornava‐se mais forte e mais longa, formando um meio círculo irregular, com grande quantidade de capim queimado e algumas folhas próximas ao capim. Essa faixa passava também entre blocos de pedra colocados em forma de círculos com uma semente no centro. Foram encontrados, nessa decapagem, fragmentos de osso humano, ossos da microfauna, carvões, penas, sementes, ocres, líticos e coprólitos. Na quinta decapagem começaram a aparecer mais vestígios e algumas estruturas que se apresentavam mais escuras desaparecem, outras ficaram mais evidentes. Nas manchas foram coletados vários tipos de vestígios, como: carvões, penas, fauna, líticos, ocre, sementes e vegetal (capim). Várias amostras de carvão foram coletadas em todas as manchas visando à análise para datação. Nessa decapagem, entre os vestígios encontrados os mais freqüentes foram pequenos fragmentos de osso humanos, ossos da microfauna, uma quantidade muito grande de carvão próxima ao entorno das manchas, vários blocos de rochas espalhados na área da escavação, pouco material lítico, além de muito capim, sementes e folhas queimadas, todos provavelmente associados ao enterramento. Também foi encontrado ocre utilizado, possivelmente para preparar a tinta material para as pinturas associadas ao sítio. As estruturas encontradas apresentavam uma tonalidade bastante diferenciada, já que os sedimentos variavam de uma tonalidade bem escura no local das mesmas até uma tonalidade mais clara no entorno. A primeira fogueira desaparecia quase totalmente, ficando somente alguns resquícios próximos à segunda; enquanto que a segunda fogueira tornava‐se ainda mais evidente, pois mantinha o formato oval e poucos fragmentos de carvões espalhados por cima. A terceira fogueira diminuía na forma e na quantidade de vestígios, quase desaparecendo. Na decapagem 6 continuavam a aparecer as estruturas 2 e 3; a primeira quase não apresentava mais suas características iniciais, contendo poucos vestígios. Na segunda apareciam blocos de arenito queimados. Ela continuava arredondada e com poucos carvões. O mesmo acontecia com a terceira estrutura, aparecendo nela blocos queimados e poucos carvões. 75 Figura 8 ‐ Posicionamento das estruturas de combustão no lado noroeste do abrigo. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 76 A mancha 4, que aparentava ser uma estrutura de um enterramento, continuava a ser evidenciada. A presença de capim nessa área era constante e cada vez mais isso ficava muito nítido. Os vestígios presentes nessa decapagem foram: ossos, capim, semente, ocre e lítico, assim como amostras de carvão e de sedimento. Na decapagem 7, as estruturas 1, 2 e 3 ficaram pouco visíveis e somente a quarta continuava com o contorno preenchido de capim. Na oitava decapagem, a primeira fogueira apresentava poucos carvões. A segunda fogueira não apresentava mais vestígios, nem contorno nessa decapagem. Na terceira fogueira havia ainda alguns fragmentos de carvão. A estrutura 4, com características de um enterramento, diminuía no tamanho e aumentava a quantidade de capim. Foram evidenciados ali alguns fragmentos de ossos humanos. Começavam a serem evidenciadas na decapagem 9, duas conchas ao lado dos ossos do pé, em seguida, apareceram dois fêmures, a pelve e sobre o fêmur esquerdo encontravam‐se o rádio e a ulna, assim como um cúbito, outra concha e um lítico em sílex. Sobre a coluna apareciam duas conchas, tratava‐se do segundo esqueleto evidenciado. Observou‐se logo a princípio a presença de térmitas que corroeram parte do enterramento. Devido à mancha que envolvia o esqueleto aparecer na área que não estava sendo escavada foi feita a ampliação de 1 m de largura por 3,50 m de comprimento para poder evidenciá‐la como um todo. Foram realizadas, então as decapagens de ampliação, até chegar ao nível do enterramento. As duas primeiras decapagens não forneceram vestígios arqueológicos, enquanto que, na decapagem 3, foram coletadas sementes, folhas, madeira, líticos, ossos humanos, entre estes falange. Com a retirada dos fragmentos de blocos da fogueira, evidenciados na decapagem 3, apareciam muitos carvões e folhas. O limite de estrutura estava todo queimado com muitos restos de capim, elemento constante na estrutura do enterramento. Na decapagem 4, da ampliação, a estrutura continuava a ser evidenciada apresentando muitos carvões e folhas. Um grande bloco (55x35cm) servia de limite 77 para a estrutura. Apareciam ainda outros blocos menores e fragmentos em toda decapagem. Os vestígios coletados nessa decapagem foram: carvão, cabelo, líticos, pena e ocre, enquanto que na peneira foram coletadas sementes, vegetal e ossos micro. Na decapagem 5, a mancha que forma a estrutura do enterramento continuava apresentando muitos carvões, folhas e vestígio indeterminado; e, na peneira, osso, semente, pena e vegetal. A região continuava apresentando a presença de muitos capins e o sedimento apresentava‐se arenoso e acinzentado. Na decapagem 6, o sedimento da mancha continuava arenoso e apresentava‐
se no entorno dela mais escuro com a parte interna mais clara, porém acinzentada.Coletou‐se ali um dente, osso e amostra de carvão. Na peneira foram coletados vegetais, ossos, penas e ossos humanos. Na decapagem 7, a estrutura continuava sendo evidenciada e ficava cada vez mais escura. Nessa decapagem apareceu um crânio. Os vestígios coletados na peneira foram: vegetal, folhas, sementes, osso, lítico, carapaça de tatu. Na decapagem 8, foram evidenciados os ossos dos pés, os ossos do braço esquerdo e conchas sobre o pescoço e o esterno do indivíduo. Tratava‐se do terceiro indivíduo. Foram evidenciados ainda ossos do braço ao lado da pelve esquerda. Apesar dos dois enterramentos estarem dentro de uma grande estrutura, observou‐se que cada sepultamento 2 e 3, fora enterrado em uma fossa funerária, em manchas individualizadas. Na decapagem 9, continuou a evidenciação do esqueleto 3, um braço esquerdo e uma costela ao longo do braço, assim como uma parte da pelve esquerda. Ainda na decapagem 9, na estrutura do enterramento, ao lado do crânio do esqueleto 3 foi evidenciado outro crânio que foi denominado de esqueleto 4. Na decapagem 10 foram evidenciados o fêmur, a tíbia e a fíbula do esqueleto 3. Sobre as partes distais e proximais do fêmur, observou‐se a presença de carapaças de tatu ou fragmentos de conchas aderidas a um bloco de argila. Nessa decapagem aparecia uma ponta de chifre de veado próximo ao crânio do esqueleto 4 (entre ele e o 78 crânio do 3). Ainda nessa decapagem começava a ser evidenciado um quinto crânio, que foi denominado esqueleto 5. O quinto esqueleto foi evidenciado quando apareceu, entre o pé do sepultamento 2 e do sepultamento 3, ossos de outro pé. Além do crânio, foram observados dentes de animais perfurados e ossos trabalhados, pertencentes a um adorno de pescoço. Na décima decapagem foi retirado um bloco que se encontrava sobre o crânio do esqueleto 2. Também foram observados restos de um cordão feito em fibra, e, junto ao crânio, ossos de animal perfurados, que formavam um adorno. Observou‐se que no esterno do indivíduo morto havia muito ocre em pó e a presença de muito capim na parte do tórax. Evidenciaram‐se ainda, no sepultamento 2, líticos que faziam parte do enterramento. A evidenciação do sepultamento 6 foi, também nessa decapagem, como o corpo encontrava‐se mais profundo, só foi evidenciado o crânio e o colar feito de dentes pequenos perfurados de animal. Descobriu‐se ainda um metacarpo entre os dentes. Os adornos dos esqueletos 4, 5 e 6 começaram a ser descobertos na decapagem 10. Os esqueletos 4 e 5 ficavam ao lado do esqueleto 3, ambos estavam face a face em decúbito dorsal, o esqueleto 4 (lado direito) e o esqueleto 5 (lado esquerdo). Entre os crânios dos esqueletos 2 e 6 apareceu outro esqueleto, que foi denominado de 7, parte desse esqueleto se encontrava no lado esquerdo do sepultamento 2. Algumas costelas e vértebras não estavam em conexão, somente as inferiores do lado direito. O esqueleto 7 foi evidenciado e se encontrava ao lado e sob o esqueleto 2, seu crânio estava abaixo do crânio do esqueleto 2. O esqueleto 8 foi evidenciado na 12ª decapagem, quando evidenciou‐se o crânio e, foi durante a limpeza desse esqueleto, nessa mesma decapagem, que o nono esqueleto foi evidenciado, localizando‐se na parte inferior do esqueleto 8. O esqueleto 10 foi evidenciado na decapagem 13, localizado entre o esqueleto 6 e 8. Do esqueleto 11 não apareceu o crânio, porém observaram‐se, a princípio, somente duas tíbias, um fêmur direito e uma omoplata. 79 Na decapagem 13 foi evidenciado o adorno do esqueleto 6 e três conchas que ficavam entre este esqueleto e o de nº 10, apareciam ossos perfurados que faziam parte do colar. Na parte inferior observa‐se a presença de uma concha do lado esquerdo e a metade de uma concha do lado direito, além de um lítico no meio das conchas. No colar, além dos dentes pequenos, observavam‐se também quatro dentes grandes e perfurados. Esse colar era formado por muitos elementos, o que nos faz pensar que foi colocado intencionalmente sobre o esqueleto 06. O enterramento 11 aparece também na 13ª decapagem, quando se observou ossos longos não conectados, duas tíbias e um fêmur direito. Os ossos estavam orientados no sentido leste e oeste, a cabeça voltada para o leste e os pés para o oeste. Os enterramentos 12 e 13 eram representados por diversos ossos isolados, possivelmente faziam parte do esqueleto 8, visto que faltavam os ossos do aparelho locomotor desse esqueleto. •
Sepultura 3 Com a retirada dos esqueletos da Sepultura 2 fez‐se a ampliação de toda área deixando a escavação com 10,70m de comprimento por 4 metros de largura, que foi denominada de escavação geral. De cada decapagem da ampliação eram coletados vestígios, entre estes ossos, lítico, madeira, ocre, carvão, semente, sedimento das três primeiras decapagens. Na decapagem 4 foram coletados sedimento, lítico, ocre, osso, carvão e na peneira foram coletadas duas amostras de carvão. Já na decapagem 5 foram coletados líticos, ossos micro e uma casca (vegetal) e duas amostras de carvão, enquanto que na decapagem 6, lítico,vegetal, semente,carvão. Além disso, foi coletado ocre e osso da microfauna na peneira. Na escavação do lado sudeste (lado da sondagem inicial), foi evidenciado, numa área com concentração de pequenos blocos e sob um grande bloco da 80 superfície, uma mandíbula humana parcialmente queimada, junto à mesma havia folhas. O sedimento que envolvia a mandíbula estava queimado, ou seja, muito cinzento. Foram coletadas junto à mandíbula duas amostras de sedimento e uma amostra de carvão. Em virtude de haver um grande bloco sobre a mandíbula, foi necessário fazer mais uma ampliação da área para evidenciar melhor a mancha onde se encontrava a mandíbula. Foram realizadas as decapagens 1 e 2, sendo nelas retirados os seguintes vestígios: sedimento , madeira queimada, lítico, fibra (cordão) e vegetal (casca). Na terceira decapagem não foi evidenciado nenhum vestígio, enquanto que na decapagem 4, do lado da mandíbula, foram observadas duas áreas queimadas, separadas por um bloco de arenito. Fora dessa área, o solo continuava queimado, mas apresentava‐se somente avermelhado, enquanto que entre os blocos o solo era cinzento com carvões e cinza. Na decapagem 4 do setor sudeste (área da sepultura 3), continuava‐se a observar as áreas queimadas. Foram coletadas duas amostras de sedimento, semente, vegetais diversos e, na peneira, uma amostra de carvão, uma falange humana queimada e fragmentos de osso micro O grande bloco que se encontrava sobre a mandíbula humana foi retirado e foi coletada uma amostra de sedimento que estava embaixo. Foram coletados na área do sepultamento 3, na decapagem 5 na peneira.: vegetais (sementes queimadas e folhas). Foi realizada a decapagem 6 na área do sepultamento 3, e observou‐se que havia uma concentração de blocos dispostos no sentido norte/sul. Provavelmente o restante do corpo humano estivesse sob essa concentração. Percebia‐se que a área foi queimada intencionalmente, visto que o entorno não apresentava as mesmas características. Nessa decapagem foram coletados: carvões, sementes, vegetais diversos. Foram coletadas ainda, sedimento no entorno da mandíbula humana, carvão para datar esqueleto, vegetal e coprólito. 81 Na decapagem 7 pôde‐se observar que a área foi totalmente queimada, pois o sedimento encontrava‐se acinzentado, com presença de carvão. Foram coletados nessa decapagem: sedimento, carvão, ocre, semente, vegetal em geral, lítico. Este lítico provavelmente fazia parte do enterramento, visto que se tratava de quartzo hialino, matéria‐prima bastante usada nos enterramentos anteriores. Na decapagem 8, pôde‐se observar que realmente houve uma estrutura formada por blocos grandes, onde talvez tenha sido colocado o indivíduo e depois foi colocado fogo. Percebeu‐se que os blocos estavam em decomposição por causa do fogo. Foram coletados nessa decapagem: carvão, vegetais, osso da microfauna e penas. Muitas folhas foram observadas junto à mandíbula humana. Os côndilos da mandíbula humana encontravam‐se parcialmente queimados. Faltavam muitos dentes, principalmente no lado esquerdo. Na decapagem 9 observou‐se que o solo apresentava‐se, ainda totalmente queimado. Os blocos que estavam no local desintegraram‐se por causa da ação do fogo. Supõe‐se que se tratava de um enterramento no qual o esqueleto foi queimado, restando somente à mandíbula e por essa razão não se encontrou mais nenhum osso que pertencesse ao indivíduo. Na área queimada foi encontrado um vestígio indeterminado 27. A área da mandíbula humana tem cerca de 1,60 X 1,50m contendo grandes blocos alinhados no sentido norte/sul. A mandíbula estava sobre um dos blocos e encontrava‐se no lado norte. Ela foi evidenciada na 6ª decapagem, a 35 cm de profundidade da superfície. Observou‐se que no entorno da mandíbula havia muitas folhas. Supõe‐se que se tratava realmente de um enterramento, provavelmente os ossos tenham sido calcinados, visto que toda área apresentava sinais de ter sido queimada, pois os blocos estavam avermelhados, ou seja, queimados. Havia ainda outros vestígios que davam a entender de que se tratava de um enterramento, como: folhas, sementes, madeira queimada, fibra e penas. 27. Areia ou argila queimada em forma de rolete, não foi identificada. 82 Na decapagem 10 continuava a presença dos blocos queimados e foi encontrado um dente humano que fazia parte da mandíbula. Na decapagem 11, não foi evidenciado nenhum vestígio ósseo. Foram coletadas duas amostras de sedimento entre os blocos e alguns fragmentos de madeira. Durante a retirada de sedimento da decapagem 12, observou‐se que o sedimento começa a mudar de cor, deixando de ser cinza para um tom mais claro. A presença de folhas era muito significativa. Com o prosseguimento da escavação na decapagem 12, começou a ser evidenciado um osso longo e costelas entre dois blocos que foram colocados intencionalmente. Foram coletadas duas amostras de sedimento e três amostras de carvão. Também foram coletados: vegetais (folhas) e semente. No local em que estavam os ossos, havia muitos ninhos de cupins. Na decapagem 13, entre os blocos e a parede noroeste, foi retirado o sedimento, sendo evidenciadas algumas costelas, mas que não ficaram muito visíveis, pois se encontravam próximo ao perfil sudoeste, sendo necessário o seu alinhamento. Na decapagem 14 fez‐se o alinhamento do perfil sudoeste para poder se observar os ossos que estavam entre os blocos. Apareceram várias costelas e, provavelmente, o que seria uma omoplata, todas estavam corroídas pela ação de térmitas. Nessa decapagem foram evidenciadas, apoiadas a um dos blocos que estava sob o esqueleto, vértebras sacrais, a parte proximal de um fêmur, parte de um osso longo, que poderia ser uma tíbia e, junto a esta, várias costelas. Um bloco separava os dois grupos de costelas. Na decapagem 14 apareceu o restante do esqueleto que já havia sido evidenciado anteriormente. Nessa decapagem foram coletadas duas amostras de sedimento vegetal e uma amostra de carvão. Evidenciou‐se um círculo junto à área do sepultamento 3, formado por grandes blocos, que logo começaram a ser retirados, observou‐se que a área do provável enterramento começava a ser definida. Observou‐se em toda área escura do enterramento a presença de muitas 83 folhas e de térmitas. Foram coletados vegetais nessa decapagem, visto que havia a presença constante desses vestígios. Ao término da decapagem 14, puderam ser observados, também, os ossos humanos como a estrutura do enterramento. Ainda nessa decapagem coletou‐se vegetal, coprólito, osso da microfauna. Foram coletadas ainda duas amostras de sedimento entre os ossos do braço e a omoplata Nessa decapagem, a mancha que foi observada nas decapagens anteriores ficou mais definida. Ela apresentava‐se com um sedimento arenoso de cor clara acinzentada nas extremidades e mais escura no local do enterramento. A mancha tinha cerca de 2,50 m de comprimento sudeste/noroeste e 1,30 m de largura nordeste/sudoeste, enquanto que o local onde se encontrava os ossos humanos tinha 1,20 m. Estava delimitada por blocos de arenito (em decomposição por causa do calor do fogo), sendo que no lado sudeste, paralelo à parede do abrigo, havia uma barreira natural de blocos caídos, provavelmente o homem aproveitou o espaço protegido para realizar esse sepultamento. Os ossos evidenciados estavam separados por um grande bloco que apresentava indícios de ter sido colocado intencionalmente. Esse bloco estava no sentido nordeste/sudeste. No lado sudeste do bloco observava‐se grande parte dos ossos como as omoplatas, costelas e vértebras sacrais. Viam‐se ainda dois ossos longos (possivelmente do braço), que se apresentavam queimados nas epífises, e as extremidades de um fêmur, sendo que o grande bloco estava sobre o mesmo. No lado nordeste do grande bloco (sob os ossos) foi evidenciado parte de um osso longo e costelas (todos estavam sob o bloco). Foram percebidas duas ações sobre o esqueleto: uma estava relacionada aos ossos que estavam praticamente danificados pelos cupins e outra à ação do fogo, representado pela fogueira localizada na parte superior do esqueleto, possivelmente do lado do crânio. Percebe‐se que a maioria dos ossos evidenciados não está em conexão, nem conservado. Mesmo com os ossos desconectados e fragmentados, observou‐se que o indivíduo foi colocado no sentido leste/oeste. Nessa decapagem não foi encontrado um crânio, só um fragmento. Dois grandes blocos faziam o limite da sepultura do lado sudeste, enquanto que, no lado nordeste, os blocos eram menores e a parede rochosa servia de proteção. 84 Parece que houve um forro com folhas, considerando a presença de muitas junto às costelas e aos ossos. Esses ossos não apresentavam indícios de terem sido queimados ou colocados cinza sobre os mesmos. Para poder visualizar a área de enterramento com os ossos humanos, foi retirado um dos blocos que formava uma barreira para o enterramento 3. Foi retirado ainda, o bloco que estava sobre parte das costelas, coletando‐se ali o sedimento que estava embaixo do bloco e das folhas. Na decapagem 15 foram coletados vegetais e, principalmente, folhas e amostras de sedimento de toda a área escavada. Para poder retirar o grande bloco que estava sobre parte do esqueleto humano, foi necessário coletar o osso sacro. Fez‐se uma limpeza do local (decapagem 15), coletando‐se todo o sedimento da área e em torno do sepultamento, bem como as folhas. Depois da retirada do bloco, foi evidenciado um lado da pelve, sobre esta havia duas costelas e sobre um pequeno bloco, uma clavícula. Os carvões que estavam nessa decapagem foram coletados para datar o esqueleto da sepultura 3. Foram retirados ainda dois blocos que faziam parte da barreira que delimitava a estrutura. No local onde havia a estrutura de fogueira (omoplata e ossos do braço) apareceram gramíneas e os ossos apresentavam‐se queimados, enquanto que no restante da área do sepultamento observava‐se a existência de muitas folhas. O sedimento que envolvia os ossos era escuro e nas extremidades o solo arenoso era claro. Depois da retirada dos blocos, para que os ossos ficassem melhor visualizados, fez‐se a decapagem 16 e ao mesmo tempo foram retirados os ossos do braço e uma falange. Do local foi coletada uma amostra do sedimento e as folhas; a omoplata encontrava‐se corroída pela ação dos cupins, assim como as costelas e a clavícula. Foi evidenciada parte da coluna vertebral, mas os ossos das vértebras encontravam‐se corroídos. Havia dois grupos de costelas, uma no lado sudeste (corroídas), no mesmo lado dos ossos dos braços e vértebras; e outro no lado nordeste, menos fragmentado e junto a um osso longo que se encontrava embaixo de um grande bloco. 85 Depois de feita a decapagem, ficou bem evidenciado o fêmur, parte da coluna vertebral parcialmente em conexão num lado da pelve e um osso longo (possivelmente uma tíbia) e, ainda, algumas costelas. Observava‐se que a cavidade do enterramento era menor do que a área queimada, cerca de 1,20x70 cm. Depois da retirada dos blocos, os ossos humanos ficaram mais bem visualizados: costelas dispersas, ilíaco, pelve, uma clavícula. Todos os ossos do esqueleto não estavam em conexão, com exceção de uma parte da coluna. Várias amostras de sedimento foram coletadas nessa decapagem 16, bem como outros vestígios: sedimento sobre omoplata, sedimento sobre costelas, vegetais (folhas) sobre omoplata; vegetais (folhas), sedimentos entre costelas e coluna vertebral, “rolete”, madeira indeterminada, folhas sobre costelas, vegetal (capim), placa arenítica, madeira, osso animal. Na decapagem 17 foram evidenciados um rádio, um cúbito e uma tíbia. Na decapagem 18 continuava a evidenciação desses ossos. Eles estavam inclinados por causa do bloco que se encontrava ao lado do esqueleto. Aparecem ainda nessa decapagem as falanges de uma mão e carvão próximo às mesmas. A mancha da fossa funerária começava a diminuir e a quantidade de vegetais (folhas) também. Foi feita a retirada dos blocos que estavam sobre os ossos humanos, assim como a costela. A presença de muitas folhas e a mancha (área do enterramento) tornou‐se menor. Na área do enterramento apareceram ainda muitos térmitas nas bordas. 3.1.1.3 Cronologia Diversas datações foram realizadas no sítio Toca do Enoque visando obter datas precisas para os vestígios encontrados, em especial os enterramentos. Foram feitas datações a partir de carvões, dentes e conchas com a finalidade de obter mais datas que pudessem ser confrontadas. Abaixo estão relacionadas às datas de acordo com as escavações efetuadas: 86 ‐ Na Sondagem 1 ‐ a amostra foi coletada no entorno do esqueleto 1, datação 5.930 ± 50 BP (BETA‐252374), data, portanto o esqueleto 1; ‐ Na Sepultura 2 foram realizadas quatro datações a partir de carvões. A primeira marca a queima das estruturas de fogueiras relacionadas aos enterramentos, o carvão foi coletado na mancha 5, a datação foi 6.220 ± 40 (BETA 257091); a segunda datação, a amostra foi coletada do lado do crânio do esqueleto 2, na decapagem 10, fornecendo uma datação de 6.610 ±40 (BETA 257092), data, portanto o esqueleto 2; a terceira, a amostra foi retirada entre os crânios dos esqueletos 2 e 6, na decapagem 11, a datação foi de 6.220 ± 50 (BETA 257093), data, conseqüentemente os dois esqueletos; a quarta data os esqueletos 6 e 9, pois os carvões estavam próximos a estes indivíduos, sendo a mais antiga datação de 8.270 ± 40 (BETA 264124), data, deste modo o início dos enterramentos. ‐ A Sepultura 3 ‐ os carvões foram coletados na base da sepultura, no forro do enterramento, revelando uma datação 3.430 ± 40 para o sepultamento 13. Outras duas datações foram feitas para este enterramento, uma de 3780 ± 30 BP (BETA 343079), e outra em 3100 ± 30 BP (BETA 340453). Outras datações foram obtidas através de um dente retirado do esqueleto 5 e de uma concha que estava junto ao crânio do esqueleto 2. Para as datações com o dente foi utilizado o método EPR realizado pela Universidade Federal de Pernambuco 28 e pela USP que forneceram, respectivamente, as datações de 4.69 ±0.04 kyBP e 4.8 ± 0.4 kyBP. para o esqueleto 5. Também foi datado o esqueleto 2, a partir de uma concha em 4.5 ±1.1 kyBP pela Universidade Federal de Pernambuco, pelo método de radiocarbono. A mesma concha foi datada pela USP e, ofereceu uma idade de 4.6 ±1.6 kyBP. Na figura 9, pode‐se observar a distribuição das datações feitas para as sepulturas 1, 2 e 3, observadas no perfil, bem como o posicionamento dos esqueletos. Em síntese, tanto as datações realizadas com carvões, como as feitas a partir de dente e de concha apresentam datas similares. 28. Sullasi et alii., 2014 (no prelo) 87 3.1.1.4 Estratigrafia A estratigrafia da Toca do Enoque é bem visível, visto que o sedimento é arenoso e muda de cor somente com as intervenções realizadas no sítio, como é o caso das áreas acinzentadas com restos de fogo e as áreas avermelhadas por causa do calor do fogo. Foram realizados seis cortes estratigráficos das escavações (Figura 10), em todos são visualizadas as camadas onde foram enterrados os esqueletos. O corte estratigráfico A‐B apresenta quatro camadas: ‐ Camada de excrementos de animais com cerca de cinco a dez centímetros da parte mais fina a mais espessa; ‐ Camada com restos de fogueiras, cinza e carvões indo dos dez centímetros a aproximadamente sessenta centímetros de profundidade; ‐ Camada contendo os enterramentos vai dos dez a quarenta centímetros, inserida na camada das fogueiras; ‐ Camada estéril vai de 40 cm a 60 centímetros. O corte estratigráfico A‐B’ (linha) apresenta uma camada arenosa cinzenta, espessa, de 60 centímetros com uma lentilha de material orgânico e a presença de vários blocos. Corte B‐C tem três camadas, a primeira com excrementos de animais com cerca de dez centímetros de espessura; uma segunda arenosa acinzentada, onde foram depositados os esqueletos e, uma terceira estéril com sedimento arenoso avermelhado (Figura 11). Corte C‐D abrange duas camadas, uma com cerca de 10 centímetros e, presença de excrementos de animais, outra, mais espessa 70 centímetros, arenosa de cor avermelhada, na qual foram feitos os enterramentos. Aparecem ainda, duas manchas de carvão. Abaixo desta camada observa‐se um grande bloco (Figura 12). 88 Corte D‐E apresenta três camadas, uma superficial fina com 5 centímetro de espessura, a segunda arenosa cinzenta, na qual foram enterrados os esqueletos e, uma terceira arenosa de cor avermelhada, com cerca de 90 centímetros de profundidade. Corte F‐G trincheira apresenta quatro camadas: camada superficial com 10 centímetros de espessura; camada com presença de excrementos com cinco centímetros de espessura; Camada na qual aparecem os enterramentos com 50 centímetros na parte mais espessa, há presença de alguns blocos; Camada avermelhada com presença de alguns blocos caídos com cerca de 70 cm de espessura. Em síntese, o perfil estratigráfico da Toca do Enoque apresenta três camadas arenosas, a primeira com vestígios orgânicos atuais, como excrementos de animais; a segunda acinzentada, na qual foram enterrados os indivíduos e uma terceira, avermelhada com indícios de ter sido queimada. 89 Figura 9 ‐ Posicionamento das sepulturas no perfil e localização das amostras que forneceram as datações. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 90 Figura 10 ‐ Posicionamento dos cortes na planimetria. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham Figura 11 ‐ Perfil estratigráfico B‐C (sentido sudeste/noroeste). Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 91 Figura 12 ‐ Perfil estratigráfico C‐D (sentido sudeste/noroeste). Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 3.1.1.5 Os enterramentos Sepultura 1 O primeiro sepultamento começou a ser evidenciado na sétima decapagem, quando os blocos de uma estrutura foram retirados, descobrindo‐se cinco falanges humanas. Supõe‐se que os blocos foram colocados depois do enterramento pelo homem pré‐histórico para protegê‐lo. Essa estrutura foi arranjada, intencionalmente, sobre a sepultura, visto que os blocos encontravam‐se no mesmo sentido que o corpo. O enterramento foi realizado a partir da abertura de uma fossa funerária de cerca de 1,60 m de comprimento por mais ou menos 0,70 cm de largura, evidenciada na 5ª decapagem. Essa fossa foi forrada com um sedimento arenoso queimado (acinzentado), com muitos vegetais (capim) sobre os quais, foi depositado o corpo, e por cima do indivíduo foi colocado ocre. 92 Tratava‐se de um enterramento primário, de uma criança do sexo feminino, com idade entre 8 a 9 anos e estatura entre 1,07 m a 1,15m de altura. O corpo foi depositado em decúbito dorsal em posição anatômica, com todos os membros conectados. O esqueleto estava posicionado no sentido leste/oeste com a cabeça para oeste e os pés para leste, a cabeça se encontrava voltada para o lado direito (sul) e sobre a mesma foram colocados dois blocos (Figura 13). Parte do crânio estava fragmentada e apresentava restos de cabelo aderidos ao mesmo. No pescoço havia uma espécie de vegetal (casca?) e um adorno confeccionado com duas conchas perfuradas e sementes queimadas e perfuradas. Os braços estavam ao longo do corpo. Sobre as primeiras costelas havia um pedaço de pele que as recobria e que talvez fosse o osso esterno queimado ou mumificado. No antebraço esquerdo havia uma concha de Megalobulimus e um vegetal (casca), bem como uma placa de ocre e uma lasca de quartzo. Observaram‐se ainda três conchas trabalhadas (emborcadas) sobre a bacia (pelve esquerda) e outra virada para cima, embaixo delas. Na altura da pelve havia, também, pequenas contas perfuradas, que provavelmente faziam parte de outro adorno, possivelmente do braço ou da cintura. Figura 13 ‐ Blocos sobre o crânio do esqueleto 1 – Sepultura 1 – Toca do Enoque. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Observou‐se que dentro da pelve havia sido aspergido ocre em pó. A coluna vertebral estava em conexão, mas encontrava‐se deslocada para o lado direito. O pé 93 esquerdo encontrava‐se ligeiramente sobre o direito e a pelve estava um pouco deslocada para a direita (Figura 14). A cor do sedimento era marrom avermelhado claro (5YR 6/3), mas perto da parede a cor era acinzentada, com alguns carvões espalhados. Uma datação foi feita para esta sepultura, a partir de carvões coletados, em 5940 ± 50 BP (BETA‐252374). Figura 14 ‐ Sepultamento 1 – Sepultura 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham. Sepultura 2 94 A estrutura da fossa 29 que continha os esqueletos tinha cerca de 2,50 m de comprimento por 1,50 m de largura. Tratava‐se de uma mancha escura, na qual houve um preparo na base da fossa onde foram colocados capim e sementes. A cova estava orientada paralela à parede pintada, ou seja, no sentido noroeste/sudeste. O sedimento era arenoso e apresentava‐se composto por muitos capins, formando uma camada, onde os esqueletos foram depositados. A partir das análises – determinação de sexo, idade, estatura, alterações tafonômicas, presença de ocre, patologias e identificação de ossos isolados ‐ dos restos osteológicos da sepultura 2, foi possível a determinação do número real de indivíduos. Esses procedimentos permitiram concluir que o número de indivíduos inumados, não é o mesmo determinado durante a escavação (14 indivíduos). Assim sendo, pode‐se observar que na verdade trata‐se de 11 indivíduos (esqueletos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12). A maioria dos ossos do esqueleto 11 fazia parte, na verdade, dos ossos do aparelho locomotor do esqueleto 8, assim como alguns ossos que eram do esqueleto 12 e todos os ossos do esqueleto 13 coletados durante a escavação. As análises dos esqueletos foram importantes porque permitiram compreender, realmente a forma do contexto arqueológico dos vestígios. Um aspecto interessante dessa sepultura é que, embora tenham sido enterrados 11 indivíduos, estes não foram depositados simultaneamente, mas sim em períodos cronológicos diferentes. Durante a retirada dos esqueletos e as análises realizadas, foram observados três momentos de deposição dos corpos durante o ciclo funerário: 1) Os primeiros enterramentos ocorreram por volta de 6.610 ± 40 BP (BETA 257092), quando foram inumados os indivíduos n° 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 que se encontravam a cerca de 65 cm de profundidade. Posteriormente foram removidas partes do esqueleto 8 (membros inferiores e pelve), que foram retirados no campo 29
. Compreende‐se, aqui a fossa como a cova na estrutura de sepultamento. Um sepultamento do tipo inumação é composto de cova, corpo e acompanhamentos, além dos elementos estruturadores da própria cova, como seixos, placas, vegetais como forração e outras coberturas (SPRAGUE, 2005). 95 como sendo os ossos dos esqueletos 11 e 13, que foram reinumados com tratamento de deposição secundária, formando um ossuário, sendo amontoados no lado nordeste da sepultura 2. Os corpos dos esqueletos (6, 8, 9 e 10) foram colocados sobre um grande bloco de arenito gravado, que a retirada dos esqueletos permitiu evidenciá‐lo. Os esqueletos 8, 6 e 10, um adulto feminino e dois infantes foram depositados sobre uma camada de fibras vegetais trançadas, provavelmente uma rede, que estavam sobre uma camada de vegetal (capim). 2) O segundo momento corresponde a inumação dos esqueletos 4 e 5, que estavam a 45 cm do solo atual. Estes indivíduos foram enterrados frente a frente. A datação disponível para o esqueleto 5, feita a partir de um dente deste esqueleto, é 4.69±0.04 ky BP (UFPE) e 4.8± 0.4 ky BP (USP). 3) Os indivíduos 2, 3 foram enterrados no terceiro momento, a uma profundidade de cerca de 30 cm do solo. O esqueleto 2 encontrava‐se acima da acumulação de ossos constituídos pelos esqueletos 11 e 12; o esqueleto 3 estava no lado sudoeste dos esqueletos 4 e 5. Durante as escavações notou‐se que estes esqueletos foram enterrados em sepulturas individuais, sendo perceptível a configuração das covas (Figura 15). Para o esqueleto 2 há uma datação de uma concha em 4.6 ±1.6 ky BP por EPR e outra por radiocarbono com idade de 4,5 ±1,1 ky BP (UFPE). 30 A diferença das datações feitas com o dente humano é 110 anos, enquanto para a concha é de 100 anos, havendo, portanto, similares entre ambas. A margem de erro é, deste modo, ocasionada pela metodologia empregda pelos laboratórios entre os desvios padrões. Considerando somente as datações realizadas no laboratório BETA Analytic (Miami‐USA), os momentos de deposição primária e secundária ocorridos na sepultura 2 seriam somente dois, sendo um por volta de 6.600 BP., com a inumação dos 30
. Sullasi et alii., 2014 (no prelo) 96 esqueletos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e o segundo, por volta de 4.800 BP., representado pelos indivíduos 2, 3, 4 e 5 (Figura 16). Figura 15 ‐ Esqueleto 2 ‐ criança sexo feminino (lado esquerdo) e esqueleto 3 adulto jovem masculino (lado direito) Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 97 •
Esqueleto 2 O esqueleto 2 era uma criança do sexo feminino, com idade entre 10 anos ± 30 meses e, com um comprimento entre 1,21 cm e 1,28m (Figura 17). O enterramento era primário e foi depositado em decúbito dorsal, posicionado no sentido leste‐oeste, com a cabeça para leste. O crânio estava bastante fragmentado, sendo possível a visualização de alguns dentes superiores. Observou‐se que na parte interna do crânio havia a ação de térmitas, além disso, estava pintado tanto do lado de dentro como do lado de fora, possivelmente pela impregnação do ocre. Próximo ao maxilar, pudemos observar uma concha inteira. Depositados sobre todo o esqueleto existiam conchas de gastrópode e ocre. Na altura do pescoço foi colocado um colar de ossos trabalhados, constituído por dentes e ossos de animais, bem como conchas bivalves perfuradas. Entre as vértebras e os dois úmeros visualizaram‐se dois líticos de sílex, sendo que o que se encontrava do lado direito estava dentro de um fragmento de concha e o lítico do lado esquerdo, dentro de uma concha inteira. 98 Figura 16 ‐ Posicionamento dos esqueletos da sepultura 2, em função dos momentos de inumação. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 99 Uma concha trabalhada foi colocada sobre as costelas do lado direito. Os ossos do braço direito estavam em conexão, com o úmero e o rádio, porém, não se observava a presença do cúbito, e alguns ossos estavam desconectados na altura das vértebras. As pernas foram aparentemente flexionadas para o lado direito, o fêmur direito estava conectado à pelve, bem como a tíbia direita. As duas fíbulas apresentavam‐se cruzadas sobre os dois fêmures; na altura dos pés estavam duas conchas do lado esquerdo, não sendo possível visualizar totalmente a disposição deles. Sobre as costelas foi aspergido ocre em pó. A intervenção de térmitas sobre os ossos do lado direito era visível. A pelve do esqueleto estava incompleta e não foi encontrado o fêmur direito. A mandíbula do esqueleto estava deslocada. Figura 17 ‐ Esqueleto 2 ‐ criança sexo feminino ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham •
Esqueleto 3 O esqueleto 3 corresponde a um adulto jovem, sexo indeterminado, com idade de 20 a 34 anos e altura entre 1,55 cm e 1, 62 cm de comprimento (Figura 18). Ele estava posicionado no sentido noroeste‐sudeste, com a cabeça voltada para o 100 sudeste, os pés para noroeste e encontrava‐se em posição decúbito dorsal. Tratava‐se de um enterramento primário. O crânio manteve a parte frontal parcialmente intacta e cabelos mumificados. Foi possível a visualização dos dentes superiores sobre uma concha bivalve no maxilar superior. O corpo foi depositado sobre a cobertura de capim; apresentava ocre na altura do tórax e do fêmur e as vértebras sacrais estavam em conexão com a pelve, mas não se observavam as torácicas. A bacia encontrava‐se inclinada para o lado direito e, na altura do tórax, encontravam‐se três conchas completas e duas fragmentadas; a clavícula direita estava sobre a omoplata direita, mas não estava em conexão e apresentava‐se fragmentada devido à ação de cupins. As costelas não estavam conectadas e apresentavam‐se fragmentadas. Os ossos do braço esquerdo estavam em conexão, o cúbito e o rádio estavam sobre a pelve. A mão esquerda localizava‐se sobre a bacia e algumas falanges estavam desconectadas entre os dois fêmures. Observou‐se a presença de incrustações de carapaça de animal aderidas à argila queimadas sobre o joelho esquerdo e na parte proximal do fêmur esquerdo. Entre a omoplata e o fêmur, sobre o esterno, havia quatro conchas tipo gastrópode e uma no lado direito, abaixo da omoplata. No lado direito, próximo ao ouvido, havia uma concha aberta para cima e em direção da altura do crânio a pareciam um fragmento de ocre, um chifre de veado e uma mandíbula de roedor. Foi observado também que junto às conchas sobre o esterno, havia dois líticos em sílex. Verificou‐se a ação de térmitas nos fêmures, esquerdo e direito, assim como na coluna vertebral, sendo que algumas vértebras foram corroídas pelos cupins. A omoplata estava bastante fragmentada devido à ação desses insetos. Parte da coluna vertebral (tórax) deslocou‐se e estava ao lado da lombar, sendo que algumas vértebras estavam deslocadas. Ocorreu também um deslocamento da mandíbula, pois sua parte proximal encontrava‐se voltada para o sudoeste. Observou‐se o aparecimento de muitas contas na altura da pelve, sugerindo que possivelmente poderia haver uma pulseira no braço. A clavícula esquerda deslocou‐se, 101 ficando ao lado do úmero. Os ossos do pé esquerdo estavam sobre os do pé direito e encontravam‐se fragmentados. Figura 18 ‐ Esqueleto 3 ‐ adulto jovem sexo masculino ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 102 •
Esqueleto 4 O esqueleto 4 é de uma criança do sexo feminino, com aproximadamente 1,03 e 1,10 m de altura, com idade entre 6 a 7 anos, encontrava‐se face a face com o esqueleto 5 (Figura 19). É um enterramento primário e estava na posição decúbito dorsal, ligeiramente voltado para o lado direito e com a cabeça também para a direita. O esqueleto estava posicionado no sentido noroeste‐sudeste, sendo que os pés para noroeste e a cabeça para sudeste. A face estava voltada para o nordeste. O crânio estava fragmentado do lado esquerdo e apresentava restos de cabelos mumificados. Havia a presença de ocre sobre o crânio e na parte superior do tórax. Na nuca visualizava‐se uma mandíbula de animal e um chifre de veado. As vértebras da lombar encontravam‐se separadas, enquanto que as sacrais estavam conectadas à pelve, e pôde‐se observar parte desta do lado direito. No tórax havia uma mancha de ocre e a mão direita estava situada à direita da pelve. Algumas costelas estavam em conexão, assim como o braço direito (úmero, rádio, cúbito e as falanges da mão), enquanto o fêmur estava fragmentado. O pé direito encontrava‐se sob o pé esquerdo. No pescoço havia um adorno elaborado com dentes e ossos de animais trabalhados e na altura do colar havia uma concha. •
Esqueleto 5 O esqueleto 5 de estatura aproximada de 1,18 a 1,25 m e 6 anos ±24 meses, corresponde a um enterramento primário de uma criança do sexo masculino (ver Figura 19). A posição do enterramento era em decúbito dorsal, ligeiramente inclinado para a esquerda em posição anatômica. Estava orientado no sentido noroeste‐sudeste, sendo que os pés estavam para noroeste e a cabeça para sudeste. A face estava voltada para o sudoeste, de frente para o esqueleto 4. A parte direita do crânio encontrava‐se bastante fragmentada e sobre a cabeça e o tórax notava‐se sedimento com ocre. No pescoço, pôde‐se observar um 103 adorno feito com dente e ossos de animal trabalhados. As costelas não estavam conectadas e apresentavam‐se dispersas, já os ossos da perna e dos braços estavam em conexão. As vértebras encontravam‐se dispersas, provavelmente devido à ação de térmitas. Na altura do cotovelo esquerdo, pudemos observar três sementes, uma delas entre o rádio e o cúbito. Como as falanges estavam dispostas ao longo da parte interna do fêmur esquerdo, constatou‐se que isso poderia significar que a mão foi colocada sobre o fêmur. Os pés dispunham‐se um ao lado do outro. Na parte inferior do esqueleto observou a presença de fibras. •
Esqueleto 6 Tratava‐se de um infante com enterramento primário. No pescoço da criança foi colocado um adorno composto de ossos e dentes perfurados de animais, além de ossos longos de animais colocados em um barbante e um colar de miçangas feito com sementes. Sob o adorno visualizou‐se uma concha de gastrópode e sobre o colar observou‐se a mandíbula superior de um animal e uma semente. Três ossos longos foram colocados no sentido leste‐oeste, um perpendicular, próximo ao crânio do esqueleto 7. Ao lado do metatarso perpendicular, observaram‐se duas estilhas em quartzo hialino. Três conchas foram colocadas entre o esqueleto 6 e o esqueleto 10, provavelmente para separar os corpos. Sobre o crânio foram depositados blocos de ocre, assim como na altura do abdômen. O esqueleto 6 juntamente com o esqueleto 10, ambos infantes (Figuras 20 e 22), estavam sobre uma camada de fibras, possivelmente uma rede, na qual foram depositados. Vários vestígios estavam associados a esse enterramento, tais como: osso de animal, ocres, líticos, ossos longos, fibras, vegetais, conchas, cabaça, semente, carapaça de tatu. 104 Figura 19 ‐ Esqueletos 4 ‐ criança do sexo feminino (direito) e 5‐ criança do sexo masculino (esquerdo) ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 105 Figura 20 ‐ Esqueletos 6 e 10 ‐ infantes ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham •
Esqueleto 7 O esqueleto 7 tratava‐se de um enterramento secundário de uma criança do sexo feminino, com 1,08 e 1,15m de altura e com 5 a 6 anos de idade (Figura 21). O crânio estava orientado para oeste, com a face voltada para o norte. Na altura da parte traseira do crânio, havia uma concha bivalve com abertura para cima e outra concha no maxilar inferior. Os ossos da mão direita estavam sobre a pelve. Próximos da face existiam muitas vértebras e costelas desconectadas. Observou‐se o úmero, o rádio, o cúbito, o fêmur, a tíbia e a fíbula do lado direito, também ossos das mãos, pelve e vértebras. Existiam duas placas de ocre, uma sobre o fêmur esquerdo e outra provavelmente sobre a parte esquerda da pelve. Também se verificou duas conchas, uma sobre o fêmur esquerdo e a outra sobre o fêmur direito. Entre os vestígios encontrados associados a esses enterramentos temos: sementes abaixo do fêmur perto da pelve, ocre sobre as vértebras, concha próxima ao 106 crânio do esqueleto 7, concha sobre o fêmur, conta/fibra, osso animal junto ao crânio do esqueleto 07, ocre abaixo do crânio. Podemos dizer que se tratava de um enterramento secundário porque os pés estavam voltados para o oeste, assim como o topo do crânio. Figura 21 – Esqueleto 7 Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham •
Esqueleto 8 É um indivíduo adulto jovem do sexo feminino com 20 a 25 anos, medindo 1,60 e 1,67 de altura. Encontra‐se com a face voltada para os dois infantes. Supõe‐se que haja parentesco entre eles, mas somente os resultados das análises de DNA poderão confirmar. Durante a escavação, ele apresentava‐se com o esqueleto incompleto, pois faltavam os membros inferiores (pernas) e a pelve, provavelmente esses ossos haviam sido remexidos durante a retirada dos esqueletos 11, 12 e 13, depois das análises antropológicas verificou‐se que realmente, estes ossos estavam junto ao ossuário. O esqueleto 8 estava orientado no sentido noroeste (pés) / sudeste (cabeça). A face estava voltada para o nordeste, ou seja, em direção dos esqueletos 6 e 10 (Figura 22). O crânio encontrava‐se bastante fragmentado e observava‐se que estava impregnado de ocre. As vértebras do esqueleto encontravam‐se corroídas devido à ação de cupins e não estavam em conexão, somente algumas costelas. Fibras vegetais trançadas estavam bem conservadas e encontravam‐se abaixo do enterramento e, faziam pensar que se tratava de uma rede que havia servido de mortalha. Nenhum adorno estava associado a esse esqueleto, mas havia alguns 107 materiais ligados a ele, como lítico em frente à face, capim em torno do esqueleto, ocre em volta dele e também fragmentos de fibras trançadas, possivelmente parte da rede que estavam os infantes (6 e 10). Figura 22 ‐ Esqueletos 6, 10 e 8‐ dois infantes e um adulto jovem sexo feminino. Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham •
Esqueleto 9 Tratava‐se de um enterramento primário de uma criança com menos de 3 anos (infante) (Figura 23). O esqueleto estava posicionado no sentido noroeste‐
sudeste, sendo que os pés estavam voltados para noroeste e a cabeça para sudeste, no entanto a face estava voltada para o nordeste, com o corpo em posição anatômica. O crânio estava impregnado de ocre. O corpo foi depositado sobre uma camada de capim. A frente da face apresentava‐se com uma placa de animal incrustada em argila queimada e no lado esquerdo do crânio, havia uma casca, possivelmente de jatobá. No pescoço havia um colar de dentes e ossos de animal perfurados, além de contas. Observou‐se a presença de miçangas perfuradas na altura da pelve, o que significa que a mão da criança estaria sobre ela e que essas miçangas poderiam se tratar de uma 108 pulseira. Puderam‐se visualizar as vértebras do sacro, bem como a pelve e sobre o lado direito desta encontravam‐se espalhados os ossos da mão direita e esquerda. Dos pés, foi possível ver somente algumas falanges. Tanto no corpo como nos ossos perfurados do adorno, observou‐se a presença de térmitas. Diversos vestígios faziam parte do acompanhamento funerário, como: miçangas perfuradas, ocre, vegetal (jatobá?), capim, fibra vegetal, ocre, carapaça de animal, mandíbula de roedor, concha emborcada e pintada de ocre, chifre e líticos. Na junção da pelve esquerda com o fêmur foi colocado um bloco de ocre. Sobre o crânio foi colocado bastante ocre em pó. Figura 23 ‐ Esqueleto 9 ‐ criança infante ‐ Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham •
Esqueleto 10 Tratava‐se de um infante com menos de 3 anos, posicionado no sentido noroeste (pés) / sudeste (cabeça). Era mais um enterramento primário. Sobre o crânio havia um bloco de ocre e da cabeça para o tórax havia uma casca de vegetal, possivelmente jatobá. Pôde‐se observar a presença de um colar pequeno feito com 109 dentes perfurados de animal e pequenas contas e, abaixo dele, estava à mandíbula de um roedor. O esqueleto estava localizado à esquerda do esqueleto 6 e à direita do esqueleto 8 (Figuras 20 e 22). O adorno do esqueleto 10 era formado apenas por dentes pequenos perfurados, enquanto que o adorno do esqueleto 6 era formado por dentes pequenos e grandes. O esqueleto 10 e 6 provavelmente foram sepultados antes dos indivíduos 11 e 7, devido à presença de fibras de algodão abaixo dos ossos dos mesmos, sugerindo que os dois esqueletos (6 e 10) foram sepultados na mesma ocasião. •
Esqueleto 11 No que concerne ao esqueleto 11, trata‐se de um enterramento secundário. Os ossos que compõem este esqueleto são somente uma ulna e fragmentos ósseos, porque o restante dos ossos que durante as escavações foram denominados esqueleto 13, no decorrer das análises antropológicas, foi constatado que os mesmos pertenciam a outro indivíduo adulto, no caso o enterramento 8, que estava incompleto, faltando os membros inferiores. Como o esqueleto 13 é representado por dois ossos é impossível determinar idade e sexo. Entretanto, na escavação foram coletados vários vestígios que estavam inseridos junto aos ossos, tais como: um adorno, líticos, ocres, conchas, sementes, entre outros. •
Esqueleto 12 O esqueleto 12 pertence ao enterramento secundário, fazendo parte do ossuário, composto por vários ossos desconectados e posicionados no sentido leste‐
oeste. As duas pelves estavam uma sobre a outra e encostadas na mandíbula. Observavam‐se ainda dois fêmures e a tíbia, que estava fragmentada. Junto aos ossos observavam‐se conchas ao lado de uma mandíbula animal, osso animal perto da mandíbula sobre uma pelve, líticos, um com características de ter sido pintado. Os ossos que estavam misturados eram diferentes tanto no tamanho quanto na 110 resistência, uns mais frágeis que outros. Trata‐se de uma criança do sexo feminino com 7 anos ± 24 meses e com uma estatura de 1,18 e 1,26m. •
Esqueleto 13 Compreende juntamente com os ossos do esqueleto 11, o ossuário da sepultura 2, sendo, portanto um enterramento secundário. Os ossos deste ossuário constituíram o esqueleto 8, que estava incompleto. Havia ao lado dos ossos, um adorno formado por ossos e dentes de animais perfurados e apresentava ainda ocre, lítico. Assim sendo, nos resultados das análises não existe esse esqueleto. Quando se menciona esqueleto 13, trata‐se do esqueleto da Sepultura 3. Sepultura 3 Nesta fossa foi evidenciado somente um esqueleto, que teve um enterramento secundário (Figura 24). É um indivíduo adulto masculino, com mais de 40 anos e com uma estatura de 1,60 a 1,66m. Os ossos encontravam‐se sob e entre blocos caídos, possivelmente posicionados intencionalmente pelo homem pré‐
histórico. Os primeiros ossos evidenciados foram: as omoplatas, costelas e vértebras sacrais, seguidos de dois ossos longos (possivelmente do braço) que se apresentavam queimados nas epífises, e as extremidades de um fêmur, visto que um grande bloco estava sobre o mesmo. Do lado nordeste do grande bloco (sob os ossos) foi evidenciado parte de um osso longo e costelas (todas sob o bloco). Grande parte dos ossos do esqueleto não estava em conexão, com exceção de uma parte da coluna, o fêmur, parte da coluna vertebral estava parcialmente em conexão num lado da pelve, um osso longo (possivelmente uma tíbia) e ainda algumas costelas. Alguns desses ossos que se encontravam em conexão, permitiram propor a posição do indivíduo que foi colocado no sentido leste/oeste. A presença de muitas folhas na sepultura permitiu inferir que o 111 indivíduo foi colocado sobre uma camada de folhas, observadas junto às costelas e ao osso longo. A presença de cupins nos ossos era evidente. Vários vestígios estavam incorporados a esse enterramento: vegetal (folha, madeira e capim), “rolete” vestígio indeterminado, placa arenítica e osso animal. O esqueleto estava modestamente enfeitado com apenas um pingente feito com um fragmento de concha perfurada e pequenas contas vegetais negras. Figura 24 ‐ Esqueleto 13 ‐ adulto masculino ‐ Sepultura 3. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 112 3.1.2. Toca do Alto da Serra do Capim 3.1.2.1. Localização e escavações A Toca do Alto da Serra do Capim foi descoberta em 2006, no decorrer das prospecções arqueológicas realizadas no Parque Nacional Serra das Confusões pela equipe de conservação da Fumdham. Está localizada entre as coordenadas UTM L 0659772 e UTM N 8987746, tendo uma altimetria de 520 metros (Figura 3). É um sítio arqueológico do tipo gruta com grafismos rupestres, localizados no interior de uma cavidade formada na escarpa de rocha arenítica, em sua parte externa são, também visualizadas figuras rupestres (Figura 25). Toda a parte abrigada encontra‐se quase totalmente pintada, inclusive o teto. A maioria das figuras são grafismos puros, representando diversas formas geométricas, que na maioria das vezes compõem conjuntos de linhas em direções variadas, as figuras antropomorfas e zoomorfas são raras, predominado, portanto os grafismos da tradição Geométrica. Em razão do processo de desagregação que ocorre no teto tem causado a destruição parcial das pinturas. Figura 25– Grafismos rupestres no interior (esquerda) e exterior (direita) da Toca do Capim. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 113 A perturbação mínima dos sedimentos internos da gruta ocorreu, em função do difícil acesso à entrada do sítio, que se encontra a aproximadamente quatro metros de altura do solo atual. A gruta tem cerca de 12 m de comprimento, com uma largura que varia entre 3 e 5 metros, a entrada é formada por uma abertura de 2 metros de largura por 3 metros de altura, voltada para sul. Segundo Felice (2010), as escavações evidenciaram vários fragmentos de placas de arenito com pintura, restos de fogueiras e carvões, coprólitos, poucos líticos e grande quantidade de fragmentos de óxido de ferro (ocre), com marcas de retiradas, provavelmente para a elaboração dos grafismos rupestres, também foram descobertos grafismos rupestres que se encontravam sob o sedimento, bem como gravuras. Estruturas convexas enigmáticas, de forma arredondada e forrada com um tipo de capim foram encontradas, bem como, fibras trançadas e queimadas e vários fragmentos de ossos humanos, igualmente queimados, além de grande quantidade de sementes, folhas e madeiras. Elas começaram a aparecer a partir 6ª decapagem, enquanto a base das estruturas está na 24ª decapagem. Os fragmentos de ossos humanos encontravam‐se concentrados entre a 6ª e a 16ª decapagens, mas aparecem até a 24ª decapagem. Felice (2010) lembra que, praticamente todas as decapagens há fragmentos de ossos humanos, desde a quarta decapagem até a de número 23. A existência de um grande número dos ossos humanos queimados sugere uma provável cerimônia de incineração, tipo de ritual conhecido em outros sítios arqueológicos, como no caso da Furna do Estrago, localizado em Pernambuco, Nordeste do Brasil como descreve Martin (2008, p. 70). “No período final da sua utilização como necrópole, a prática da incineração generalizou‐se nos rituais funerários, fase cultural datada em torno de 1000 anos BP. período mais recente de ocupação da gruta.” Martin (2008: 70) 114 Carvões coletados de estruturas de combustão e de concentrações permitiram a realização de várias datações por C14. A datação mais recente obtida é de 3.970±50 anos BP (BETA 253370) e, está relacionada a carvões encontrados na quarta decapagem, com profundidade de aproximadamente 15 cm, associados a fragmentos de ossos humanos e coprólitos correspondendo ao período de utilização mais recente do sítio. Duas amostras de carvões provenientes de estruturas de combustão encontradas numa profundidade de aproximadamente 40 cm, na 14ª decapagem, foram datadas, uma de 6180±50 anos BP (BETA 258021) associada a gravuras e ossos humanos queimados e a outra de 6340±50 anos BP (BETA 265696) encontrava‐se no interior de uma estrutura circular forrada com capim, que continha um machado polido. Uma amostra de carvão proveniente da 24ª decapagem, a uma profundidade de aproximadamente 75 cm, onde aparecem as bases de algumas das estruturas de combustão e das estruturas circulares, associadas a poucos ocres e líticos foi datada, obtendo‐se uma idade de 8590±60 anos BP (BETA 265695). Das 13 estruturas convexas encontradas, quatro foram acondicionadas com gesso e transportadas para escavação em laboratório, a maior parte delas continha além de carvões, capim, folhas e sementes parcialmente ou totalmente queimadas, duas falanges humanas foram encontradas em uma estrutura, blocos e placas de arenito e siltito estavam acomodados no interior de algumas estruturas. A estrutura 13, localizada na porção mais interna e protegida da gruta, foi escavada em laboratório e apresentava grande quantidade de fibras e trançados e um esqueleto humano de uma criança, envolvido em um tipo de esteira ou rede (Figura 26). Para o esqueleto da Cova 13 há uma datação de 4.490 ±40 anos BP (BETA 286741). Segundo Martin (2008, p. 311 apud Felice, 2010) “os enterramentos mais antigos da Furna do Estrago são todos primários, com os corpos em posição fletida e embrulhados em esteiras de fibra vegetal. O rito de “fardo funerário” tão comum em toda a região andina, chega atenuado à zona tropical, mas na Furna do Estrago há 115 enterramentos que poderiam ser realmente considerados de “fardo” e que estavam em bom estado de conservação. Em outros casos, a fossa funerária estava forrada com fibras vegetais cuidadosamente dispostas.” 3.1.2.2. O enterramento Em conformidade com a descrição bio‐antropológica de Cunha (2012, p. 60) sobre o sepultamento da estrutura 13, a cesta tinha um diâmetro de 41 cm e uma altura de 34 cm. Nela jazia uma criança que teve o seu corpo fletido, com uma grande torção ao nível cervical, para que assim pudesse caber na cova. O crânio estava sobre o lado direito, mantendo a mandíbula em articulação. Os membros inferiores estavam completamente fletidos ao nível dos joelhos, com as tíbias sobre os fêmures. O membro superior direito como que abraçava a tíbia pelo seu terço distal. Este braço estaria dobrado pelo cotovelo, com o antebraço dirigido para as pernas, mais no sentido mesial. Já o úmero esquerdo encontrava‐se a um nível mais inferior, na continuação da mandíbula. A autora ressalta que, alguns ossos estavam fora da sua posição articular. É o caso do pé direito, imediatamente a seguir ao ilium, de uma das cervicais, que estava pertíssimo da coluna lombar e da clavícula esquerda, em posição vertical, antes do sacro. Destaque ainda para o fêmur direito, que foi encontrado rodado, ou seja, com o grande trocanter para cima e cabeça para o lado, já desarticulado da bacia e, ainda, com os pratos tibiais muito próximos. Sobre o tórax da criança havia um adorno elaborado com dentes de roedores e um dente de felino. Ossos de aves perfurados estavam sobre o crânio. Destaque igualmente para um pendente de osso de animal. O crânio estaria recoberto por um tecido tipo capim e sobre todo o corpo foi depositado bastante ocre, na forma de pó. Trata‐se de uma inumação primária, onde a criança foi hiperfletida, colocada numa rede e, em seguida dentro de um cesto feito de fibras trançadas vegetais. A estimativa da idade é de cerca de 6 a 7 anos. Não há determinação do sexo. 116 Figura 26 – Localização da estrutura 13 e foto da cesta funerária contendo esqueleto humano – Toca do Capim ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 117 3.2. Sítios da Serra da Capivara 3.2.1. Toca do Paraguaio 3.2.1.1. Localização e as escavações A escavação da Toca do Paraguai ocorreu em 1978. O abrigo tem comprimento de 87m, profundidade máxima de 10m e altura de 7m. Está orientado no sentido norte/sul, com a abertura para o lado leste, localizado nas coordenadas UTM L 776238 e UTM N 9028069 (Figura 27). Apresenta grafismos rupestres, principalmente da Tradição Nordeste (Figura) e, foi utilizado tanto como acampamento, como cemitério pelos caçadores‐coletores que ali se estabeleceram. Figura 27 ‐ Grafismos rupestres da Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 118 Quatro sondagens e uma escavação revelaram a existência de quatorze níveis com indústria lítica e dois sepultamentos, sendo que o primeiro estava no nível VII e o segundo no nível XIV. Na superfície foi observado um sedimento fino, misturado com carvão, cinzas e outros restos orgânicos, grande quantidade de folhas, pouco material arqueológico e vestígios atuais, foi chamado de nível I. Havia vestígios de dois armadores de rede. No nível II havia elementos atuais, mas também existia material lascado em quartzo, alguns apresentando marcas de fogo. Na decapagem do nível III aparecem carvões, detritos orgânicos, havendo a mistura com elementos atuais, pois esse nível estava muito próximo da superfície atual. No nível IV notou‐se que se encontrava todo esburacado por armadores de rede. Havia também, pedras grandes que seguravam os restos de portas. Um grande número de fogueiras era visível. Ao retirar o nível V na quadrícula BC 4 encontrou‐se restos de um armador apodrecido com pedaços de madeira cortada, muitos carvões e cinza e um fragmento da arcada orbital. Existiam duas grandes pedras ao lado e a camada inclinava‐se para o fundo das fogueiras. A remoção do nível V retirou ainda muitos restos atuais. Foi escavada uma enorme fogueira na quadrícula BC 3 – 4. Observou‐se que no nível VI não apareceu nos quadrados 1 e 2. Devido os buracos atuais para armação de rede, esta área estava remexida até esse nível. O sedimento do nível VII estava extremamente solto e com grande quantidade de material lítico, carvão e ossos de pequenos roedores. Na quadrícula B‐C 4 sob a grande pedra foram encontrados ossos (áxis e o atlas) de uma criança. Na quadrícula A‐3 foi encontrado um crânio, ainda com restos de cabelos. O crânio estava 119 depositado em um sedimento escuro, cheio de carvões, folhas, galhos, cinzas. Estava levemente fragmentado, possivelmente por ter sido pisoteado 31. No lado norte havia restos de uma fogueira e o sedimento era composto por cinzas, carvão e restos de ossos de animais (aves?) completamente incinerados. Na decapagem VIII foram encontrados ossos longos mais ao sul da escavação. Grande quantidade de grandes carvões e lascas de quartzo foi coletada. O nível IX era composto por um sedimento amarelo com carvão próximo da fossa e poucos carvões. Havia muitos líticos e pequenas lascas. O nível X é um leito de seixos pequenos na quadrícula B‐C 2, que mergulhava em direção da fossa funerária. A grande fogueira foi feita no nível VIII, e, é possível perceber no X, no nível IX se observam cinzas esbranquiçadas, a área estava completamente calcinada. Com o levantamento do corte longitudinal da sepultura observou‐se que a fossa é mais profunda na região da bacia e, que o corpo repousava sobre a camada de seixos e, ao lado dos pés do esqueleto 1 existia uma pequena fossa. A retirada dos ossos foi dificultada por estarem impregnados de térmitas. Concluindo a limpeza da fossa funerária, observou‐se que no lado oeste dela (lado da parede) havia duas fossas anexas, denominadas de fossa Sudoeste e fossa Noroeste. Sobre a fossa anexa Sudoeste existia pedras; nela foram evidenciados ossos de uma criança, acondicionados com uma camada de folhas e ramos. Uma galeria de térmitas se encontrava dentro dessa fossa. As fossas anexas Sudoeste e Noroeste e a grande fogueira que estava ao norte do crânio foram removidas visando retirar todo o material contido nelas. A fossa Sudoeste chegava à parede e continha enormes carvões e cinzas e chegava à 31
. A Toca do Paraguaio era local de passagem para viajantes e caçadores. 120 quadrícula C‐4. A fossa Noroeste era menor, apresentando um sedimento amarelo, possivelmente da decomposição da parede. O solo do nível X apresenta‐se com imensos carvões bem incrustados, peças líticas e seixos, manchas de cinzas redondas, buracos de postes atuais, mas na quadrícula D4, o sedimento era solto com muitos carvões e ossos de animais. Nas quadrículas D4 e E3 foram encontrados restos de ocre, o primeiro duro em pedra, o outro se desmanchou ao ser coletado. O nível XI, na quadrícula 3 há cinzas e na 2 há menos carvão e restos orgânicos. Retirado o solo XII e o nível XIII, o solo de fogueiras apresenta‐se lenticular, justo sobre a camada de seixos e sedimento amarelado. O nível XIV apresentava um solo com fogueiras, visualizando‐se claramente uma fossa coberta por grandes pedras do lado norte. A mancha era arredondada, na qual havia 3 grandes pedras (dois seixos de quartzo de 35 e 20 centímetros de comprimento e um pedaço de arenito vermelho de 40 cm) e sobre estas, dois seixos de 10 cm de comprimento; a fossa era circular (84 cm de diâmetro) e, estava delimitada por outros seixos de 5 a 10 cm de diâmetro. Neste contexto apareceu o crânio do segundo esqueleto a uma profundidade de 88 cm da superfície atual. Foi denominada de Sepultura II e, estava na quadrícula E 3‐4. A fossa funerária era pequena, o corpo encontrava‐se enrolado e deitado sobre seu lado esquerdo, os pés apareciam a oeste. Na escavação do nível XIV visualizou‐se que a sepultura II foi escavada no conglomerado cortando o nível XVI e, percebeu‐se que sobre o esqueleto foi feito fogo. No que diz respeito às datações, quatro foram obtidas para a Toca do Paraguaiop. uma de 7,0±0,1 kyr BP (MC‐2509) para o sepultamento 1; uma de 8,6±0,1 kyr BP (MC‐2510) para a exposição IX, uma de 8,8± 0,12 kyr BP (MC‐2511) para a exposição XIII e uma última de 8,7±0,12 kyr BP (MC‐2480) para a exposição XIV. Pela 121 descrição do artigo (Mello e Alvim & Ferreira, 1985), o sepultamento 1 32 foi encontrado abaixo da exposição VIII, portanto, no nível da decapagem IX, datado de 8,6 kyr BP. Enquanto o sepultamento 2 foi evidenciado no nível da decapagem XIV, datado de 8,7 kyr B. Nenhum dos dois esqueletos foi datado diretamente por AMS, por absoluta ausência de colágeno nos ossos. A data de 7,0 kyr BP., obtida sobre carvão encontrado na fossa do sepultamento 1, tem sido assumida como marco cronológico para o mesmo. Entretanto, uma inspeção mais detida sobre a estratigrafia do sítio parece indicar que o carvão datado provém de níveis mais recentes que caiu na cova quando de sua abertura ou que ali penetrou quando uma estaca foi fincada mais recentemente para a amarração de uma rede (Mello e Alvim & Ferreira, 1985 apud Bernardo &Neves, 2009, p. 97). Para Bernardo &Neves (2009) tendo em vista tais informações, o mais prudente é assumir que os dois sepultamentos são mais ou menos contemporâneos tendo sido ambos inumados entre aproximadamente 8.5 e 8.8 kyr BP. 3.2.1.2. Os enterramentos •
Sepultura 1 O esqueleto 1 estava numa cova oblonga com largura máxima no centro com 70 cm, 25 cm ao norte e 60 cm ao sul, ao nível dos pés e, foi coberto, completamente por ramos e folhas dispostos em seu comprimento. O crânio repousava sobre uma pedra achatada (siltito) e fios de cabelos foram encontrados espalhados sobre o crânio e sobre a pedra. O maxilar inferior, parte da coluna (vértebras cervicais), costelas direitas, o lado esquerdo da pelve, o fêmur, o calcâneo, a mão esquerda, entre outros ossos foram destruídos pela ação dos térmitas. A fossa era estreita na cabeça e se 32
. Informações conflitantes são fornecidas por Mello e Alvim & Ferreira (1985) sobre a localização estratigráfica do Sepultamento 1. À página 243 é informado que “Duas inumações foram feitas: uma, no nível VII e outra no nível XIV”. Já à pagina 244, na qual o Sepultamento 1 é descrito, é informado que “Sob o nível VIII foi encontrada uma fossa funerária...” (BERNARDO & NEVES, 2009). 122 alargava na altura da pelve. O indivíduo estava em posição estendida, em decúbito dorsal, estando o corpo ligeiramente curvo e a bacia mais abaixo do que a cabeça e os pés; orientado no sentido norte/sul. Os braços encontravam‐se ao longo do corpo, mas a mão direita estava sob a pelve e, parece que a mão esquerda esta va ao lado da pelve; os pés estavam cruzados, o esquerdo sobre o direito, os ossos dos pés, completos, mas perturbados, visto que havia sido fincado um poste para amarrar redes. (Figura 28). Havia vestígios de que uma fogueira provavelmente foi acesa sobre ele. Não foi encontrado nenhum vestígio cultural associado ao enterramento, pois o material lítico encontrado, veio do sedimento que preenchia a fossa. Entretanto, um seixo com marcas de uso foi encontrado com este material. Trata‐se de um esqueleto do sexo masculino, com idade estimada entre 25 e 30 anos e uma estatura de 1,59 cm 33 (Mello e Alvim & Ferreira, 1985). Figura 28 ‐ Sepultura 1 com esqueleto – Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 33
. Para os esqueletos 1 e 2 da Toca do Paraguaio foi utilizada a tabela de Genovés, 1966. 123 •
Sepultura 2 O esqueleto 2 estava em posição fetal, em cova circular (Figura 29). Devido a essa posição presume‐se que o corpo foi atado antes de ter sido enterrado. O indivíduo estava em posição fetal contraída, em decúbito lateral esquerdo. O crânio estava orientado na direção noroeste e a face voltada ligeiramente para baixo. A mão direita estava sobre o úmero e a esquerda sob o fêmur direito. As pernas dobradas, com os joelhos próximos ao crânio, os dois pés estavam calçados por uma pedra. Os ossos estavam em mal estado de conservação, alguns fragmentados pelo peso das camadas superiores. Como na sepultura 1 havia a ação dos térmitas que destruíram alguns ossos. No sedimento que preenchia a cova, foram encontrados seixos, lascas, carvões, ossos de animais (carapaça de tatu). Não havia restos vegetais. A fossa tinha uma profundidade de 55 cm e no fundo foram encontrados dois grandes seixos com marcas de uso (moedor e mó ou polidor) (Guidon et al., 1980). Não havia nenhum material que indicasse fazer parte de um enxoval funerário. É um indivíduo do sexo feminino, com idade estimada entre 35 a 40 anos e estatura de 1,56 cm. (Mello e Alvim; Ferreira 1985). Guidon et al. (1980:27) sugere que, no segundo enterramento do Paraguaio, o fato de haver sedimento do fundo da fossa misturado com cinzas, indica que os habitantes do nível XIV fizeram a fossa circular, e no fundo, um fogo, ou puseram os dois seixos já com marcas de fogo. Sobre essas pedras, talvez com a fossa ainda quente, eles tenham colocado o cadáver amarrado para ser mantido em posição forçada, ou talvez, ele tenha sido posto na posição fetal e, mantido assim pelas pedras ou ainda tendo sido posto na fossa na posição fetal, amarrado ou embrulhado em esteira ou rede, assim transportado e colocado na fossa funerária. Ainda a autora, se a primeira suposição estiver certa isto poderia significar que a morte ocorreu no próprio abrigo. Sobre o corpo foi jogado o sedimento e uma fogueira foi acesa sobre a fossa e as pedras que a cobria. 124 Figura 29 ‐Sepultura 2 com esqueleto ‐ Toca do Paraguaio. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 3.2.2. Toca do Gongo I 3.2.2.1. Localização A Toca do Gongo I ou do Jorge está localizada na região denominada “Gongo”, no município de João Costa‐PI, nas coordenadas UTM L 71699 e UTM N 9042616 (Figura 3). Tem cerca de 32,50 metros de extensão e uma profundidade de 4,50 metros, e está direcionada para leste/oeste com abertura do abrigo voltada para o sul. As escavações foram realizadas em 1973, logo no início dos trabalhos da Missão Franco‐Brasileira na região. Foram evidenciados quatro enterramentos arrumados em sepulturas, individuais, primárias e dois sepultamentos em urnas (Figura 30). Os indivíduos enterrados em solo se encontravam em posição fetal, hiperfletido, em decúbito lateral. Vestígios de invólucros, provavelmente restos de tecidos ou de redes e de fogueiras estavam associados aos enterramentos. 125 Figura 30 – Posicionamentos das sepulturas e urnas da Toca do Gongo I. Fonte: Laboratório Geoprocessamento da Fumdham 3.2.2.2. Os sepultamentos •
Sepultura 1 A descrição abaixo dos sepultamentos está baseada no artigo Maranca (1976). A fossa funerária da Sepultura 1 tinha cerca de 65 x 50cm de extensão, foi preenchida com sedimentos escuros, provavelmente restos de fogueiras, pois havia vestígios de uma sobre o esqueleto, como também misturados havia restos orgânicos. O esqueleto 1 estava em posição fetal, hiperfletido, ligeiramente inclinado para leste/oeste, com a face voltada para o sul. Somente o tórax, a pelve e os ossos 126 dos membros estavam em posição anatômica e sobre o corpo uma fogueira foi acesa, o esterno tinha marcas de queima. Trata‐se de um indivíduo do sexo masculino de aproximadamente 35 anos de idade. O fardo funerário estava composto de um tecido que, as análises posteriores, revelaram tratar‐se de uma fibra vegetal, provavelmente caroá (Neoglazovia variegata Mez) (Maranca, 1976). •
Sepultura 2 A Sepultura 2 foi coberta por uma camada de cor cinza‐clara e folhas secas. Estava a uma profundidade de 60 cm do solo atual, a evidência de fogueira na cova era nítida. O indivíduo foi colocado em decúbito lateral fetal, entretanto alguns ossos estavam desarticulados e sem posição. Seu corpo foi envolvido por um tecido semelhante ao da sepultura 1 e, sobre o fêmur direito havia um feixe de fibras vegetais, assim como havia cabelos espalhados por todo o corpo. •
Sepultura 3 A cova da Sepultura 3 tinha cerca de 70 x 75 cm de dimensão, 80 cm de profundidade e a fossa foi preenchida por um sedimento escuro. A camada abaixo da fossa continha restos de fogueira até uma altura de 95 cm. Restos de tecidos foram observados na bacia, sob o crânio e outras partes do corpo. O crânio estava coberto por uma cabaça, Além do tecido, havia duas peças líticas como acompanhamento funerário. O indivíduo foi inumado de forma fetal, com a posição do corpo em decúbito lateral esquerdo. •
Sepultura 4 A Sepultura 4 tinha cerca de 80 cm de profundidade. Uma camada de terra cinzenta contendo restos de carvões foi colocada sob o esqueleto e uma camada avermelhada circundava o esqueleto. O corpo do indivíduo estava em decúbito lateral esquerdo, em posição fetal, com as pernas flexionadas. Vestígios de tecido envolviam 127 várias partes do corpo. Um vaso de cerâmica foi colocado sobre o crânio, tinha uma forma globular e, apresentava as seguintes características: altura (26,8 cm); diâmetro da boca (29 cm); circunferência do bojo (63 cm) e espessura (0,7 cm). O tratamento empregado no vaso, tanto interno, como externo, era o alisado. Amostras de carvão coletadas em uma camada de terra cinzenta sob o enterramento 4 forneceram uma datação de 2090 ± 110 anos BP (GIF ‐ 3223). •
Urna 1 No que diz respeito os enterramentos realizados em urnas, segundo Maranca (1976) estavam associadas a grandes estruturas de combustão. A primeira urna evidenciada estava numa fossa de 70 x 110 cm, media 41 cm de altura, 58 cm de diâmetro de boca e espessura de cerca de 1 cm, tinha a forma globular, de cor cinza clara e temperada com areia grossa, o tratamento da superfície (externo e interno) foi somente o alisamento. Trata‐se, possivelmente de um sepultamento secundário, em virtude de alguns ossos identificados não estavam em conexão. Sobre o crânio, havia uma vasilha cerâmica de forma globular, de tamanho menor. O material associado a este enterramento, no interior da urna, é uma concha bivalve (abaixo da mandíbula inferior), um pequeno raspador e restos de fibras no crânio. •
Urna 2 O estado fragmentário da Urna II impossibilitou sua identificação, quanto à forma e o tamanho, mas a superfície externa era corrugada e a interna alisada. A posição do esqueleto não pôde ser determinada, pois os ossos estavam fragmentados e mal conservados. Não foram encontrados vestígios culturais associados a este enterramento. Maranca (1976) informa que seis sepultamentos foram primeiramente exumados da Toca do Gongo I, quatro enterrados no solo e dois em urnas de cerâmica, 128 entretanto, em uma publicação posterior Maranca (1991) notifica que são nove sepultamentos, 4 em urnas e 5 diretamente no solo, que foram retirados do dito sítio. 3.2.2.3. Descrição bio‐antropológica Um trabalho recente sobre a bio‐arqueologia da Toca do Gongo foi publicado (Cook & Souza, 2011), no qual as autoras analisaram restos ósseos humanos do referido sítio. Em seu estudo, elas chegaram à conclusão que, na realidade são seis estruturas, nas quais havia restos de 18 indivíduos. Além de mais de uma dezena de ossos/segmentos avulsos cuja origem não pôde ser determinada. Indicando que o número de sepultamentos no referido sítio pode ter sido maior e deve ter havido sepulturas mais antigas. Abaixo segue uma descrição dos restos esqueléticos inseridos nas estruturas, segundo o trabalho analítico feito pelas autoras supracitadas. A Urna 1 (no campo denominada de Urna 2) havia ossos de dois indivíduos. O primeiro era um jovem de 12 a 16 anos, muito fragmentado, representado por 25 dentes, 3 fragmentos de crânio e 17 de ossos do pós‐crânio. O segundo era um adulto, representado por 3 fragmentos de costelas, uma delas com uma fratura cicatrizada, duas diáfises metacarpianas, um corpo vertebral e um lado direito de mandíbula. Nesta última foram observadas as raízes do terceiro molar, mas o primeiro e o segundo molar haviam sido perdidos em vida. Na Urna 2 (chamada de Urna 3) continha evidências de um indivíduo juvenil e de uma criança de cerca de 7 anos de idade, esta última representada por fragmentos de crânio e 22 dentes sem cáries. Na Sepultura 1 os ossos encontrados pertenciam a seis diferentes indivíduos, adultos e juvenis. O primeiro era representado por um crânio de criança com cerca de 7 anos de idade, em bom estado de preservação, inclusive apresentando cabelo, mas com a mandíbula friável e erodida. A dentição estava incompleta por causa da perda pós‐
morte de 6 dentes anteriores. Havia cáries interproximais, tipicamente associadas à 129 dieta, nos dois primeiros molares decíduos, além de desgaste nas cúspides expondo a dentina. Tinha muitas hipoplasias lineares leves nos terços central e cervical dos incisivos permanentes, e nos terços centrais dos primeiros molares permanentes. A calota craniana era assimétrica e as áreas em torno da bossa frontal e do asterion esquerdo eram achatadas. O segundo indivíduo era representado por ossos de adulto, um crânio, uma mandíbula e um membro superior, mas sem conexão anatômica entre eles, bem como coluna vertebral, pelve e fêmures articulados. Como não foi possível confirmar a associação do crânio e mandíbula com o esqueleto do pós‐crânio, eles foram descritos separadamente. Tecidos moles, de cor marrom claro, ainda estavam aderidos aos ossos. O conjunto de ossos pertencia a um homem com idade entre 27 a 30 anos, apresentando muitas lesões cicatrizadas. Sua estatura foi estimada em 1,65m com base no comprimento máximo dos ossos longos 34. Apresentava avulsão cicatrizada do epicôndilo direito do úmero, sem evidência de problemas funcionais, embora o epicôndilo mostrasse deslocamento proximal e anterior pela fratura. Está associada à extensão brusca do cotovelo durante um arremesso, sugerindo o uso de armas de arremesso (Bridges, 1990). Havia osteocondrite na face superior do acetábulo direito e no epicôndilo medial da tíbia esquerda. A presença de osteófitos marginais nos discos intervertebrais na coluna vertebral, entre a quinta lombar e o sacro são visíveis. Facetas de agachamento distais e da fossa cervical de Allen sugerem posturas habituais, sentado sobre os calcanhares ou agachado, imprimindo forte flexão ao tornozelo (Kennedy, 1989; Capasso, Kennedy & Wilczak, 1999 Apud Cook & Souza, 2012). O terceiro indivíduo está representado por um crânio masculino, que não pode ser associado com segurança ao indivíduo anterior, estava bem preservado, mas faltavam o temporal e o arco zigomático esquerdos. Apresentava fechamento completo das suturas sagital e coronal, sugerindo idade entre 35 e 50 anos. 34
.Genovés 1966, corrigido por Bass 1986. 130 O quarto indivíduo está representado por uma mandíbula grácil e sem os dentes. Esta mandíbula estava próxima, mas não articulada, ao esqueleto de adulto masculino. Esta peça é muito pequena para ser articulada ao crânio descrito acima, e o ângulo goníaco aberto, bem como seu pequeno tamanho, sugerem que seja feminina; pela perda dentária e pela superfície articular, seria um adulto velho. O alvéolo do canino direito estava incompletamente remodelado, mas o bordo alveolar já havia sido completamente reabsorvido, indicando artrose da articulação têmporo‐mandibular. A existência de um quinto indivíduo foi sugerida pela presença de uma escápula menor e mais escura que o esqueleto masculino. Este osso é muito delgado e está muito marcado pela ação muscular na área da grande asa, sugerindo indivíduo velho, podendo pertencer ao mesmo esqueleto cuja mandíbula foi descrita acima. O sexto indivíduo está representado por uma costela infantil, cujo tamanho permite estimar idade de cerca de 6 anos. Na Sepultura 2 foram encontrados ossos de uma criança e dentes de outra. O esqueleto de uma criança de cerca de 4 anos estava praticamente completo. A base do crânio e a face estavam faltando, mas doze dos seus dentes foram recuperados entre os sepultamentos perturbados. O sacro, duas vértebras lombares e muitas epífises compatíveis com este esqueleto estavam identificados em outro pacote como “Gongo – Sepultamentos perturbados”. Alguns cabelos preservados estavam associados aos ossos. Três ou quatro dentes tinham cáries, tanto nas faces lisas como em pits e fissuras. O outro indivíduo foi representado por dois caninos decíduos e um incisivo central superior, provavelmente, de uma criança de seis anos, sem sinais patológicos. Na Sepultura 3, quatro indivíduos foram identificados. O primeiro era um crânio masculino bem preservado de adulto, com mandíbula e vértebras, mostrando ainda tecidos moles na região da nuca. As suturas coronal, sagital e lambdóide já estavam fechadas internamente, sugerindo idade de 50 anos ou mais. A calota craniana mostrava periostite cicatrizada entre as linhas temporais. Os incisivos foram perdidos após a morte, e cinco dentes deste indivíduo foram encontrados na unidade 131 identificada como Sepultura I, sendo confirmados pela boa articulação nos respectivos alvéolos. Sete molares e três incisivos haviam sido perdidos em vida, as patologias eram abscessos apicais do primeiro molar inferior direito, do terceiro molar superior esquerdo, e drenagem para o seio maxilar da face por uma fístula antiga de paredes ósseas espessas. Os alvéolos dos incisivos centrais inferiores e do primeiro molar estavam em reabsorção, enquanto em outros dentes a reabsorção alveolar estava completa. Seis dentes estavam cariados, predominando cáries inter‐proximais e cervicais, o que é coerente com dieta composta por alimentos ricos em carboidratos que formam goma, como as mandiocas (Manhiot sp.) ou os carás (Dioscorea sp.). Três dos 5 molares remanescentes mostravam padrão de desgaste peculiar por falta dos oponentes, estando desgastados apenas ao nível do esmalte. As faces oclusal e lingual dos dentes estavam arredondadas e muito polidas, o que sugere que os dentes oponentes foram perdidos muito cedo em vida, e a dieta poderia conter partículas abrasivas muito finas. Neste mesmo individuo, os caninos e incisivos apresentavam um padrão de desgaste único, que só pode ser atribuído ao uso de adorno labial ou tembetá. O incisivo lateral direito da mandíbula tinha pouco esmalte remanescente e a face vestibular apresentava desgaste acentuado com um longo sulco de superfície polida indo da coroa até a raiz. Tembetás em pedra não foram encontrados nos sepultamentos do Gongo, mas foram encontrados associados à cerâmica nas aldeias citadas por Maranca (1991) para a mesma região, e tal como descrito na literatura, nem sempre os objetos pessoais acompanham o morto em seu túmulo (Metraux, 1947 apud Cook & Souza, 2012). Um úmero, um rádio e uma ulna direitos não apresentaram tamanhos, nem aspectos compatíveis com outros ossos do mesmo indivíduo faziam parte de um segundo indivíduo. As linhas epifisárias não eram visíveis, embora parecessem pertencer a um indivíduo adulto jovem, pois as inserções músculo‐ligamentares estavam pouco rugosas. O terceiro indivíduo estava representado por alguns ossos de cor marron escuro, de aspecto compatível com esqueleto feminino pelo sulco sub‐auricular largo e rugoso. Este indicador também pode sugerir que o indivíduo possa ter tido partos. A 132 sínfise púbica sugere idade entre 40 e 45 anos e a maturação dos discos intervertebrais não é consistente com adulto maduro, apesar da extensa osteofitose da coluna vertebral. Apresenta osteofitose nas vértebras; sinais de nódulos de Schmorl (hérnias de disco) nas faces superior e inferior da 12ª vértebra torácica e na face superior da 11ª vértebra torácica, que indicam seqüela de traumatismo agudo seguido por espôndilo‐artrose. O ângulo entre a superfície do corpo vertebral da 12ª e da 11ª torácica é de 40º, sugerindo uma cifose de 110º aproximadamente. Uma área de degeneração discal entre a 5ª e a 6ª vértebras cervicais resultou em lesões poróticas destrutivas de ambos os corpos vertebrais com formação osteofítica. A articulação lombo‐sacra mostrou destruição parcialmente remodelada da face vertebral e grande osteófitos, ocorrendo também nos discos intervertebrais ao longo da coluna. Tais lesões são consistentes com mudanças causadas pela idade ou trauma crônico. Todos os ossos são muito leves, a osteoporose pode ter contribuído para o processo degenerativo. As alterações de artrose nos membros estavam menos pronunciadas, mas havia mais osteófitos em inserções de ligamentos e tendões do que o esperado para a idade. Assim, por exemplo, enquanto não há senão discreto labiamento na articulação proximal do fêmur, ou na patela, as inserções dos adutores do quadril e glúteos estão muito rugosas com grandes osteófitos na área de inserção da cabeça maior do grande glúteo. Há também uma lesão porosa reabsortiva na articulação acrômio‐clavicular direita. Tais mudanças são sugestivas de uma síndrome artrítica específica. Considerando‐se a osteoporose e a simetria das lesões, um diagnóstico provável seria a artrite reumatóide. Mãos e pés do indivíduo mostraram algumas alterações entesopáticas, tais como projeções de inserções musculares grandes na lateral das diáfises dos primeiros metacarpianos, falanges menores de forma pontiaguda, e cabeças dos metacarpianos com labiamento palmar. Estas alterações apontam para atividades habituais que envolvem grande força na rotação e flexão dos dedos. 133 As alterações das inserções dos ligamentos das falanges estão relacionadas na literatura ao uso das mãos em atividades contínuas e extenuantes, como a confecção de redes (Kennedy, 1989; Capasso, Kennedy & Wilczac, 1999). A articulação metatarso‐
falangeana do primeiro metatarso tem uma faceta indicativa de dorsiflexão extrema, uma modificação articular associada à postura habitual de joelhos. Esporões do calcâneo, ossificações dos tubérculos posteriores do calcâneo na direção do ligamento plantar, e formações irregulares e cicatrizadas de periósteo, nas diáfises do quinto metatarsiano (fraturas de estresse) sugerem esforços intensivos de marcha. O quarto indivíduo está representado por dentes isolados de uma criança de 10 anos de idade, um incisivo superior, um canino inferior ainda não erupcionado, bem como coroas de pré‐molares sem alterações patológicas. Na Sepultura 4 ou Urna 1 (denominação de campo) há remanescentes de dois indivíduos. O primeiro, provavelmente uma mulher adulta, consistia de crânio incompleto, muito fragmentado e ossos longos. A ausência de fechamento das suturas sugere idade inferior a 25 anos. Quatro dentes recuperados apresentavam‐se ligeiramente desgastados e o esmalte do molar estava polido. Duas cáries foram encontradas, uma interproximal e outra cervical. O segundo era um imaturo, provavelmente criança entre 6 e 12 anos, representada por 21 elementos do esqueleto do pós‐crânio, sendo o maior deles uma clavícula. Com relação à posição espacial que ocupavam dos enterramentos da Toca do Gongo I, Maranca (1987, p. 95), diz que os “enterramentos ocupavam uma depressão na rocha que forma a base do sítio e todos estavam no mesmo nível, o nos autoriza a trabalhar a hipótese de que eram contemporâneos e obra do mesmo povo, apesar das diferenças evidentes”. A autora continua afirmando que, este fato pode, portanto significar que havia ritos funerários diferentes dentro de uma mesma sociedade ou mesmo uma estratificação social. 134 3.2.3. Toca dos Coqueiros 3.2.3.1. Localização e escavações É um abrigo sob‐rocha, localizado no Baixão das Mulheres, entre a UTM L768076 e a UTM N 9022106 (Figura 3), no município de Coronel José Dias (PI). O paredão que forma o abrigo tem uma dimensão de 30 m de comprimento por 2,70 m de largura, com orientação noroeste‐sudeste e abertura para o sudoeste. (Figura 31). A área abrigada apresenta registros rupestres pertencentes à Tradição Nordeste (Figura 31). Figura 31 – Vista geral do sítio Toca dos Coqueiros. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 135 As escavações na Toca dos Coqueiros ocorreram por campanhas realizadas em 1995, 1997 e 1998. O sítio foi delimitado por dois setores 1 e 2 e, subdivididos em 16 quadriculas. A escavação do enterramento aconteceu no período de 09 a 13 de julho de 1997 sob a coordenação de campo de Cláudia Oliveira e direção da Dra. Niède Guidon. As pesquisas neste sítio deram continuidade as escavações efetuadas nas quadrículas de 9 a 16 no setor 2. Na última campanha realizada por Cleonice Vergne tinha sido feita a 1ª decapagem de 1997 nas quadrículas de 9 a 18. Para nivelar o solo foi feita a 1ª decapagem na quadrícula 16 e iniciou‐se a 2ª decapagem nas quadrículas 15, 9, 13 e 14. Terminada a 2ª decapagem nas quadrículas 15, 9, 13 e 14, foi realizada também a 2ª decapagem nas quadrículas 10, 11 e 12. Observou‐se que nas quadrículas escavadas, grandes áreas com concentração de cinzas e manchas amarelas, pequena concentração de carvão, ossos de roedores, aves (?) e lascas. A 3ª decapagem foi começada nas quadrículas de 9 a 16. Na quadrícula 16, apareceu, na 3ª decapagem, um crânio que não se encontrava bem conservado. Houve um desgaste na superfície do osso, porém puderam‐se observar em algumas partes, restos de pigmento de cor vermelha. Para visualizar a área em que o crânio estava, foi necessário retirar um testemunho que existia entre as quadrículas 45 e 16 descendo no mesmo nível. Procurou‐se nivelar as quadrículas na 3ª decapagem deixando bem evidenciada as áreas “queimadas” (concreções). Todas as quadrículas (9 a 14) igualaram‐se na 3ª decapagem. Os setores 15 e 16 foram decapados, de forma que se pudesse verificar o limite da cova que tinha sido feita para o sepultamento. Nas decapagens 4, 5 e 6 foram encontrados carvões esparsos, lascas e ossos de pequenos animais. Na quadrícula 16 aparece um bloco e em seu redor, na 7ª decapagem, aparece uma grande quantidade de cinzas com carvões. 136 Para melhor visualizar o crânio continuou‐se a realizar a terceira decapagem, no entorno do crânio nas mesmas quadrículas Foi, então evidenciado o esqueleto que se encontrava em posição fetal. Do lado esquerdo, os ossos estavam bastante friáveis, mas completos. A presença de uma ponta de flecha em quartzo foi notada. O esqueleto estava depositado sobre um sedimento escurecido, talvez resultado de fogueira. Decidiu‐se abrir parte da quadrícula 14 e rebaixar as de números 15 e 16. Após descer a decapagem pôde‐se observar abaixo do esqueleto no setor 15 e 16 a presença de blocos que avançam para baixo da área onde estava o esqueleto sobre o sedimento. Uma fogueira não estruturada encontrava‐se assentada sobre blocos no setor 16; na decapagem 3, na qual foram recolhidos sedimento, líticos e bastante carvão. No fossa da fogueira do setor 4 próximo à parede do abrigo, onde encontravam‐se as falanges do esqueleto, foram recolhidos carvão, líticos, ossos (restos alimentos) e sedimento foram coletados para posterior análise. Junto aos líticos havia uma lesma. No setor 2 evidenciou uma ponta de flecha. A existência de muitos blocos na área de enterramento permite deduzir que, quem enterrou removeu alguns blocos para depositar o esqueleto que, provavelmente foi recoberto por um sedimento de fogueira. Observou‐se que o esqueleto não foi colocado junto à parede do abrigo, mas muito próximo. A presença da ação de térmitas próxima ao esqueleto é destacada em toda a área. Devido à fragilidade que se apresentava os ossos, ele teve que ser acondicionado para ser transportado para o laboratório da Fumdham. O esqueleto encontrava‐se circundado de blocos que foram desenhados e levados para o laboratório, para posterior reconstituição para exposição. Foi feita a impregnação dos ossos com cola, após a secagem prosseguiu com o engessamento com “bandagens”. Após o desenho do sepultamento realizou‐se o levantamento fotográfico da área do 137 enterramento com os blocos, que posteriormente foram retirados para poder realizar o engessamento do esqueleto a partir dos membros inferiores até atingir as costelas e o crânio. Durante o processo de retirada dos blocos e do esqueleto foi coletada outra lesma. O material encontrado nas escavações compreende de indústria lítica, semelhante a do período Holoceno da Toca do Boqueirão da Pedra Furada, ossos de micro‐fauna, restos vegetais, cabelos humanos (com larva de piolho). Foram evidenciadas, ainda 10 fogueiras estruturadas e áreas de combustão (GUIDON et al. 1998). Ainda segundo a autora, os dados coletados na escavação permitem afirmar quep. ‐ não foi cavada uma fossa, mas simplesmente limpou‐se a área criando uma leve concavidade; ‐ o local foi coberto por lajes de arenito; ‐ o corpo foi depositado em posição fetal, deitado sobre seu lado esquerdo; ‐ no entorno da sepultura foram acesos fogos, nos quais foram assados animais. As datações obtidas para este sítio estão na Tabela abaixo: Tabela 1: Datação obtidas para o sítio Toca dos Coqueiros Datação Referência Vestígio datado 235±50 BP LY‐7481 Coprólito humano 5.300±50 BP BETA 104570 Bloco com pinturas 7.410±50 BP BETA 84409 Área de combustão 7.490±60 BP BETA 84410 Área de combustão 8.870±60 BP BETA 104572 Estrutura de fogueira 9.870±50 BP BETA 109844 Sepultamento 1 10.640±80 BP BETA 104571 Cabelo com piolho 138 3.2.3.2. O enterramento •
Sepultura 1 Foi feita a decapagem para retirar os blocos; primeiro foi removido o grande bloco que estava entre a parede e, nele encontrava‐se apoiado o crânio, depois o bloco, no qual se apoiava os pés e parte dos membros inferiores longos, por fim removeu o bloco que sustentava as costelas. O esqueleto encontrava‐se aderido na altura das costelas por um grande bloco. Parte do crânio estava sobre um pequeno bloco que foi engessado com o esqueleto. Trata‐se de um enterramento primário, depositado em cova, delimitada por grandes blocos de pedra (Figura 32). Associados a cova foram evidenciados ossos de animais e cinzas de fogueiras. O esqueleto foi inumado em posição fetal, decúbito lateral esquerdo, sobre o qual havia uma espessa camada de cinzas e material lítico (quinze lascas, quatro lesmas e duas pontas de projéteis feitas em quartzo hialino e sílex). (Guidon et al., 1998a). A posição do esqueleto era decúbito lateral esquerdo, hiperfletido e, apresentava o crânio muito fragmentado, em virtude da pouca profundidade da “cova” e o pisoteio freqüente por parte de homens e animais. Ainda de acordo com Guidon et al.(1998) uma concavidade natural, atapetada com lajes de arenito, foi usada como cova, não tendo sido, portanto, cavada uma fossa propriamente dita para a inumação. Ao redor da sepultura ocorreu grande atividade de combustão, tendo sido encontrados ossos de pequenos animais juntos com a cinza e o carvão produzidos. Parte desses últimos foi acumulada sobre o corpo. Junto ao esqueleto exumado, foi encontrado um fragmento de carvão incrustado no calcâneo, que foi datado em 9.870±50 BP (BETA 109844), colocando‐o como um dos esqueletos mais antigos do continente americano. 139 Segund
do Cunha (2012), é esqueleto de um in
ndivíduo aadulto, do sexo mascculino com mais de 30
0 anos e meenos de 50 anos. Com
m uma estattura de 1,58
8±6.9 cm. Sua dentiçção estava em mau estado, tiinha doençça periodo
ontal e algumas infeccções bucaiss e desgastee severo. Esste esqueleto apresenttava com uma osteoarrtrose na co
oluna lombaar. Análisees bio‐antro
opológicas realizadas por Nelson (2005) ee Hubbe ett alii. (2007) determinaram qu
ue o indivííduo é, naa verdade,, um esqu
ueleto do sexo pesar de gráácil, pois an
nteriormentte, por caussa dessas ccaracterísticcas se mascculino 35, ap
penssou que ele fosse do seexo feminino
o (Lessa & G
Guidon, 200
02). O esqu
ueleto enco
ontrado nesste sítio já foi f objeto de d várias an
nálises, havvendo controvérsias co
om relação ao sexo (Leessa & Guid
don 2002; R
Russell Nelso
on, 2005; H
Hubbe et aliii. 2007) e d
de publicaçõ
ões. O enxo
oval funeráário associaado ao esq
queleto é composto c
d
de peças lííticas: quatro lesmas, q
quinze lascaas e duas po
ontas de fle
echa. Figuraa 32 – Localizzação do esqueleto in situ
u na Toca doss Coqueiros. Fonte: Laboraatório Imagéttico da Fumd
dham 35
. Cun
nha (2012) ‐ anaalisou também o esqueleto daa Toca dos Coqueiros e, chego
ou à conclusão de que se trataa de um indivíd
duo do sexo maasculino, a parrtir da análise d
do crânio, confforme os criteriios de Buikstraa e Ubelaker (1994), o que fo
oi confirmado iggualmente por Bernardo & Neeves (2009). 140 3.3. Sítios localizados nos afloramentos calcários 3.3.1. Toca do Barrigudo 3.3.1.1. Localização A Toca do Barrigudo é um sítio localizado no maciço calcário da Toca da Janela da Barra do Antonião, localmente denominado de Serrote da Bastiana, no município de Coronel José Dias, nas coordenadas UTML 784137 e UTMN 9025716, a 389 m de altitude (Figura 3). Trata‐se de um abrigo sob‐rocha, modelado por dissolução em morro de calcário preto. Tem orientação norte/sul e abertura para leste. Este sítio foi escavado em 2002, fornecendo vestígios de três enterramentos e de uma preguiça gigante. Foi dividido em quatro setores 1, 2, Extensão 2 e Toquinha (Figura 33). Figura 33 ‐ Posicionamento dos esqueletos na Toca do Barrigudo. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham 141 Uma Trincheira no sentido Norte/sul foi escavada, na qual se coletou carvões que foram datados, fornecendo uma idade de 5.320 ± 60 BP (BETA 167193). Segundo Lage et al., as análises químicas de sedimentos arqueológicos retirados neste sítio demonstram que, o fósforo seguramente funciona como um excelente indicador de ocupação humana pré‐histórica e os valores determinados neste estudo, para o sítio em questão, confirmam este elemento como um excelente traçador químico. Também a autora observou‐se uma grande concentração de fósforo em todos os níveis do Sítio Toca do Barrigudo, confirmando a utilização deste elemento como indicador de ocupação humana pré‐histórica. Notou que o pH próximo a 7,0, encontrado na Toca do Barrigudo, corrobora com os dados de fósforo, mostrando a característica química de um sedimento com atividade humana, como confirmado com os achados arqueológicos. 3.3.1.2. Os enterramentos No setor 1 foi aberta uma Trincheira 1 para dar início aos trabalhos de escavação, na qual foi evidenciado o primeiro esqueleto, na decapagem 6. Sobre o esqueleto havia duas placas de calcário (sobrepondo‐se) e também abaixo do crânio havia duas placas de calcário. Tratava‐se de um enterramento secundário, no qual os ossos foram arranjados, os fêmures e ossos dos braços cruzados por cima do crânio (Figura 34). Os ossos estavam incompletos e frágeis. Quatro peças líticas formavam o enxoval. Ao redor do esqueleto, na decapagem 7, foram encontrados três instrumentos líticos, um em calcedônia, uma lasca plano‐convexa retocada e uma lesma de quartzo. Enquanto na decapagem 8, no entorno do esqueleto foi encontrada uma ponta de projétil sem pedúnculo. O crânio que estava embaixo dos ossos longos, visualizando‐se apenas a calota craniana. As articulações estavam bem conservadas, inclusive a pélvis. 142 Figura 34 – Esqueleto 1‐ Toca do Barrigudo – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham A estimativa da idade e do sexo foi realizada pelo antropólogo físico norte‐
americano A. Russel Nelson, que usou os métodos padrão citados em trabalhos de referência forense e da antropologia física (Krogman, 1962; Ubelaker, 1978; Stewart, 1979; Buikstra, 1994). O resultado foi que se trata de um indivíduo adulto maduro, de aproximadamente 40 anos, baseado no desgaste dental. A estimativa do sexo baseia‐
se na robustez geral do esqueleto como sendo do sexo masculino. O esqueleto 2 foi, também evidenciado no setor 1, na decapagem 8, placas de calcário estavam dispostas ao redor do esqueleto, delimitando o enterramento. O esqueleto 1 tinha um placa sobre ele. Os ossos estavam muito frágeis e úmidos, não apresentava bom estado de conservação (Figura 35). A análise bio‐antropológica foi realizada, igualmente por Nelson (2009) identificou‐o como sendo de uma criança com idade aproximada entre 3 e 5 anos. Esta estimativa está baseada no estágio do desenvolvimento dental e nas medidas do comprimento femoral. 143 Figura 35 – Esqueleto 2 – Toca do Barrigudo – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham O terceiro enterramento foi descoberto durante uma segunda missão de escavação, na sétima decapagem da extensão da escavação. Observou‐se, primeiramente a existência de blocos arranjados e sob essa disposição de blocos foram evidenciados os primeiros ossos humanos. Os primeiros ossos a aparecerem foram parte do fêmur e da tíbia, um dente e ossos da mão. Na decapagem seguinte (8) foram evidenciados o crânio, a coluna e parte da bacia, o restante do fêmur e os ossos da perna. Os ossos foram acondicionados com gesso para ser transportado para o laboratório. O indivíduo foi enterrado no sentido leste/oeste, com a cabeça para leste, em decúbito lateral direito, aparentemente com as pernas flexionadas paralelamente. Durante o procedimento de acondicionamento dos ossos foi descoberto que havia blocos abaixo do esqueleto. Não apresentava qualquer tipo de acompanhamento funerário. Os ossos deste esqueleto estão em fase de análise bio‐antropológica, por essa razão não foi fornecido o sexo e a idade do indivíduo. 144 3.3.2. Toca da Bastiana 3.3.2.1. Localização e escavações A Toca do Serrote da Bastiana é um abrigo de pequenas dimensões (5,5 metros de profundidade e 4,5 metros de largura), localizado no mesmo maciço da Barra do Antonião, localmente denomina‐se Serrote da Bastiana (Figura 3). O paredão que forma o abrigo comporta registros rupestres classificados como da Tradição Nordeste e da Tradição Agreste (Figura 36). No mesmo paredão são visualizados grafismos com características de animais de tamanho grande, pintados em preto, entretanto sem definição de tradição. Também são observadas gravuras que podem ser classificadas possivelmente como da Tradição Itacoatiara. Figura 36 – Grafismos rupestres no sítio Toca da Bastiana. Ao longo do processo de escavação do abrigo foram descobertos três esqueletos humanos (Figura 37), mas durante a escavação dos mesmos em laboratório foi evidenciado fragmentos de um quarto esqueleto humano. O fato de o abrigo apresentar enterramentos e pinturas rupestres supõe‐se que, possivelmente ele tenha sido utilizado somente para ritual funerário, como cemitério. 145 Figura 37 – Localização dos sepultamentos na Toca da Bastiana – Fonte: La Salvia, 2006 Nas primeiras camadas até 25 cm de profundidade foi encontrado material lítico e cerâmico e os enterramentos estavam quase na mesma profundidade. As datações existentes para a Toca da Bastiana foram em geral realizadas para datar os grafismos rupestres pintados no paredão do referido sítio. Em 1991, Baffa (1997) analisou amostras de calcita que recobria duas figuras humanas, pintadas em vermelho, utilizando o método EPR (Electron Paramagnetic Ressonance), obtendo uma idade de 17.000 anos A.P.; esta data sugere que as pinturas seriam ainda mais antigas. Também utilizando parte da mesma amostra datada por Baffa, Watanabe (2000) fez novas análises (difração de Raio‐X) e datações por termoluminescência (TL) e EPR. Watanabe et alii. (2005) concluiu que essa camada de calcita se formou na parede, sobre as figuras pintadas, há pelo menos 36.000 anos. 146 A idade dos grafismos rupestres continua a ser uma questão contestável e polêmica, em função dos processos que permitem a datação do material sobrejacente à pintura (calcita) por métodos que podem facilmente levar a resultados errôneos pela contaminação das amostras com material mais antigo ou mais novo (ROWE, 2010). A partir da análise do oxalato de cálcio, uma substância que encontraram na calcita sobre as pinturas rupestres, Marvin Rowe e Karen Steelman, determinou uma idade, por meio do 14C, de no máximo 3.800 anos (ROWE, 2010). Rowe (2010) diz que até essa controvérsia seja solucionada, com relação às datações utilizando os métodos TL e EPR não podem ser consideradas conclusivas. Para obter datações mais confiáveis dentes e ossos humanos foram enviados para diferentes laboratórios, para realizar datações com o colágeno, entretanto já existem resultados negativos para este elemento, visto que ele não foi encontrado em amostras. 3.3.2.2. Os enterramentos •
Sepultura 1 O primeiro enterramento foi encontrado na decapagem 2 (a 55cm do solo atual) a partir da evidenciação do crânio, quando foi retirada uma placa de calcário que o encobria (Figura 38). De acordo com a articulação do osso fossilizado e mineralizado indica que o indivíduo foi enterrado em uma posição flexionada sobre o lado esquerdo, assim como o úmero esquerdo e o rádio foram encontrados juntos flexionados e o cúbito direito foi cimentado à mandíbula; estes elementos sugerem que possivelmente o indivíduo foi depositado em decúbito lateral esquerdo, com os braços flexionados e mão sob a cabeça (La Salvia, 2006, p. 198). Entretanto, durante a escavação pela disposição que se encontravam os ossos davam a impressão de que teriam sido minuciosamente preparados, já que se encontravam desarticulados e 147 ossos dispostos em volta do crânio e um dos ossos do braço (rádio) cortado em quatro partes. Como foi encontrada uma ponta de projétil acima do crânio do esqueleto 1, em sílex e várias lascas de sílex próximas ao crânio, pensa‐se que possivelmente façam parte do enxoval funerário do indivíduo. A análise bio‐antropológica identificou no enterramento 1, dois indivíduos, um correspondendo a uma jovem, com idade entre 15 e 18 anos, fundamentada no estágio do desenvolvimento dental e na erupção presente na mandíbula e maxilar. A determinação do sexo feminino está baseada na morfologia da mandíbula e na forma grácil do esqueleto. O segundo indivíduo, do sexo masculino, baseado na robustez dos ossos e com uma idade estimada de 40 anos. Figura 38 ‐ Esqueleto 1 ‐ adolescente ‐Toca da Bastiana. •
Sepultura 2 148 O enterramento 2 foi descoberto próximo a linha de chuva do abrigo no sedimento mineralizado sobre placas calcárias (Figura 39). Estava com o frontal emborcado no sedimento e o restante do crânio ao lado. Trata‐se de uma criança com idade estimada entre 2 anos e meio a 3 anos e meio, fundamentada pela análise da tíbia esquerda e pelo estágio de desenvolvimento dental. Junto a este esqueleto foram identificados dois dentes, que pertenceriam provavelmente a um indivíduo com idade aproximada de 8 ou 9 anos. Figura 39 – Croqui da decapagem do esqueleto 2 no laboratório. Fonte: La Salvia, 2006 149 •
Sepultura 3 O enterramento 3 foi evidenciado na 3ª decapagem próximo do esqueleto 1. Trata‐se de um enterramento primário, em decúbito lateral esquerdo, com o crânio sobre uma pequena placa calcária, a mão direita estava entre as pernas. Não apresentava nenhum material cultural junto a ele (Figura 40). Devido ao estado de mineralização dos ossos tornou‐se difícil realizar a análise dos mesmos, contudo foi possível determinar a idade, trata‐se de uma criança com idade aproximada de 9 a 11 anos. Figura 40 – Croqui da decapagem do esqueleto 3 – Toca da Bastiana – Fonte: La Salvia, 2006 La Salvia (2006) conclui dizendo que, os três enterramentos parecem similares, o esqueleto 1, apesar de haver ossos dispersos, foi um enterramento primário, em decúbito lateral esquerdo; o esqueleto 2, estava em decúbito lateral, e 150 seu frontal emborcado ao lado do restante do crânio, o que pode ter sido causado por perturbação no local e, o esqueleto 3 é uma deposição primária, em decúbito lateral esquerdo. 3.3.3. Toca das Moendas 3.3.3.1. Localização e escavações A Toca das Moendas é um sítio arqueo‐paleontológico, localizado no maciço de mesmo nome, na porção leste do entorno do Parque Nacional Serra da Capivara, nas coordenadas de UTM N 9025182 e UTM L 0785222 (Figura 3). A altitude no topo do serrote é de 392 m e na entrada do sítio arqueo‐paleontológico é de 386 m, a abertura da caverna mede 23 m, com uma extensão de cerca de 35 m. Com a caverna está preenchida por sedimentos e as escavações não atingiram a base rochosa estas informações podem ser modificadas. A abertura da caverna faz face ao norte, com uma orientação Leste/Oeste (Guidon et alii. 2009). Durante os trabalhos de escavação, a área interna da caverna foi dividida em cinco setores, visto que o sítio apresentava uma topografia inclinada, portanto, escalonada, a delimitação dos setores foi parcialmente definida em função desse escalonamento, ou pela presença de blocos de calcário, divisão de “salões” e reentrâncias. Os setores 1, 2 e 3 foram objeto de escavação, logo na primeira campanha de pesquisa de campo, e os setores 4 e 5 na segunda, e ao mesmo tempo dando continuidade dos três setores anteriores (Figura 41). As escavações destes setores revelaram tipos de vestígios diferentes, como: ossos fossilizados da paleo‐fauna, peças líticas, três esqueletos humanos e fragmentos de cerâmica. 151 Figura 41 – Localização dos setores e posicionamento dos enterramentos Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham No setor 1 foram evidenciados fragmentos de ossos, dentes de pequenos animais e conchas. Duas conchas foram datadas pelo método de carbono 14 (BETA 230976 e 238680) forneceram idades de 24.210 ± 150 anos e 26.970 ± 140 anos BP. Foram encontrados ainda ossos fossilizados de um esqueleto de cervidae, (90 cm de profundidade) e ossos de um mylodontidae (a 110 cm de profundidade). O setor 2 foram observadas três seqüências estratigráficas, na primeira seqüência (setor 2 leste) há 70 cm de espessura aparecem vestígios fossilizados de ossos de animais da paleofauna. Na segunda seqüência estratigráfica do setor 2 há 15 cm de espessura, foram identificados fragmentos de cerâmica e líticos. Dois fragmentos de cerâmica foram datados, por termoluminescência (USP), fornecendo idades de 4.076 e 4.891 anos, ainda neste setor, foi descoberto um esqueleto humano incompleto (esqueleto 1), a uma profundidade de 45 cm. 152 A terceira seqüência estratigráfica do setor 2 está situada próxima à parede da caverna e apresenta, na superfície, uma capa de calcita, resultado da dissolução do carbonato. Esta capa de calcita recobre uma camada de sedimento, extremamente endurecido, que forma uma concreção, podendo ser um tipo de calcrete, de 30 cm de espessura. Uma amostra dessa concreção foi datada pelo método OSL (FATEC/SP) fornecendo uma idade de 13.000 anos BP. Também, neste setor foi encontrado outro esqueleto humano incompleto (esqueleto 3), que estava associado a dois dentes de cervídeo, datados pelo método ESR, em dois diferentes laboratórios, no Chemistry Department do Williams College obteve‐se uma idade de 22.000 ± 2.000 e na Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 23.000 ± 2.000 anos (Figura 42). Figura 42 – Posicionamento dos achados na Toca das Moendas e das camadas concrecionadas. Fonte: Guidon et al., 2009 O setor 3 apresenta uma seqüência estratigráfica de quatro camadas. Assim como no setor 2, com 15 cm de espessura, foram encontrados fragmentos de cerâmica e vestígios líticos, e a cerca de 50 cm de profundidade foi encontrado outro esqueleto humano incompleto (esqueleto 2). 153 Tabela 2: Datações obtidas para o sítio Toca das Moendas. Vestígio datado Datação
Laboratório
Método Fragmento de cerâmica
4.076 anos Universidade de São Paulo
Termoluminescência Fragmento de cerâmica
4.891 anos Universidade de São Paulo
Termoluminescência Sedimento 13.000±3.000 Faculdade de Tecnologia –
TL/SL
concrecionado e calcita anos São Paulo acima dos dentes de cervídeo e esqueleto 3 Dentes de Blastocerus 22.000±2.000 Chemistry Department –
associados ao esqueleto anos Williams College ESR
3 Dentes de Blastocerus 23.000±2.000 USP‐ Ribeirão Preto
ESR
associados ao esqueleto anos 3 Conchas 24.210±150 BP
BETA
C 14
Conchas 26.970±140 BP
BETA
C 14
GIF
C 14
Calcita que recobria as 31.860 BP pinturas rupestres 3.3.3.2. Os enterramentos As informações sobre as análises dos ossos dos três sepultamentos da Toca das Moendas foram feitas no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos‐USP (LEEH‐
USP) (Almeida & Neves, 2009). Segundo os autores, em razão do tamanho da amostra e do estado original precário de preservação dos ossos, a análise ficou restrita a uma descrição sumária. Para a diagnose do sexo e da idade biológica, os critérios utilizados foram os recomendados por Ubelaker (1980), White, Black e Folkens (2012) e Scheuer & Black (2000) e para a diagnose patológica (Ortner & Putschar, 1985; Larsen, 1997). •
Sepultura 1 O primeiro esqueleto humano encontrado no setor 2 estava incompleto, ossos de uma criança e, estavam abaixo de uma concentração de blocos. 154 Tratava‐se de uma criança de idade entre 2 e 4 anos, efetuada a partir da dentição. O sexo não pôde ser diagnosticado por se tratar de um subadulto. Junto a esta criança, havia ossos intrusivos de um adulto, que não puderam ser determinados nem o sexo, nem a idade. Nem a criança e nem o adulto intrusivo apresentaram patologia óssea. •
Sepultura 2 O segundo esqueleto evidenciado no setor 3, também estava incompleto, parece ser também de uma criança, existem blocos ao redor, que provavelmente faça parte do “ritual” de enterramento, estava sobre uma calcita, mas não era a base rochosa; um sedimento de coloração diferente estava ao redor e abaixo do esqueleto sugerindo que este foi depositado em uma fossa. A idade foi estimada entre 3 e 7 anos, a partir das dimensões do crânio e do úmero, também o sexo não pode ser determinado por ser um sub‐adulto. Também, este indivíduo não apresentava quaisquer patologias ósseas conhecidas. •
Sepultura 3 O terceiro esqueleto como o primeiro, incompleto e bastante fragmentado, estava no setor 2, numa camada de sedimento friável, abaixo de uma camada concrecionada por calcita. Adjacente ao esqueleto, dentes de um grande cervídeo foram encontrados, identificado, como sendo do gênero Blastocerus dichotomus. Igualmente no setor 2, a cerca de 150 cm do esqueleto 3, uma mandíbula foi localizada, pertencente a mesma espécie de cervídeo (Figura 42, A). Os vestígios achados (ossos e dentes) estavam próximos da parede lateral do salão, fora da área por onde passava a água e as correntes de lama (GUIDON et alii., 2009). Trata‐se de um adulto, do sexo masculino com cerca de 30 anos, determinado a partir da perda de dentes in vivo e de uma osteo‐artrose no côndilo mandibular esquerdo para a idade biológica e o sexo pelas características cranianas: robustez em 155 geral, saliência para‐glabelar medianamente marcada, crista supramastoidea marcadamente desenvolvida, face orbital do osso frontal espessada e ligeira eversão do gônio esquerdo da mandíbula, associada a marcas acentuadas na região de inserção do masseter (Almeida &Neves, 2009). Com relação a patologias, o indivíduo apresentava‐se com perda de dentes in vivo (molares esquerdos da mandíbula), resultando perda alveolar e remodelação do corpo e discreto processo de osteo‐artrose no côndilo mandibular esquerdo. 3.3.4. Toca da Santa 3.3.4.1. Localização e escavações O abrigo Toca da Santa está localizado nas coordenadas geográficas UTML 763324 e 9012144 UTMN (Figura 3). O local deste sítio foi utilizado para extração de pedras calcárias e da cal, porém os vestígios arqueológicos ficaram resguardados da ação humana por uma camada de 20 cm de fragmentos de calcário e por outra de 40 cm de sedimento argilo silte‐arenoso com seixos. A existência de dois ambientes distintos que formava o sítio permitiu dividir em setor 1 e setor 2. O primeiro corresponde à parte abrigada da toca, formada por paredes laterais e pelo teto. O segundo é uma dolina 36, que forma um tipo de marmita de dissolução, protegida apenas pelas paredes laterais. As escavações neste sítio evidenciaram três esqueletos humanos incompletos a uma profundidade de cerca de 60 cm, pela posição dos corpos provavelmente trata‐
se de rituais funerários (Figura 43). Apenas 40% do abrigo foram escavados e a presença dos enterramentos indica provavelmente trata‐se de um sítio cemitério. Apesar dos esqueletos apresentarem‐se incompletos, foi possível observar que a 36
. Dolina é um tipo de feição do relevo cárstico e se apresenta de forma circular ou oval, com contornos sinuosos e não angulosos. Sua origem pode ser pela corrosão através da percolação de águas contendo CO2 e ácidos húmicos em solução ou pelo colapso do teto das cavernas (La Salvia, 2006). 156 posição dos dois esqueletos (1 e 3), era decúbito lateral, com as pernas fletidas, enquanto a do enterramento 2, possivelmente seja do tipo secundário (Figuras 44 e 45). Artefatos líticos, como lascas retocadas, raspadores e núcleos em silexito foram encontrados associados aos enterramentos, entretanto por causa do tipo de solo calcário não foi observado restos de fogueira. Dois dentes de diferentes esqueletos (1 e 3) foram separados para análise através do método de Ressonância Spin/Elétron (kinoshita, A. et. alii., 2008). Os especialistas Dr. Oswaldo Baffa e a Dra. Angela Kinoshita foram os responsáveis pelas análises que obtiveram uma datação de 5.9 Ka (5.900 anos) para os enterramentos da Toca da Santa (Ka é uma unidade de tempo padrão ano, que significa Kilo annum e corresponde a 103 anos ou seja cada Ka significa 1000 anos). Figura 43 – Posicionamento dos esqueletos 1, 2 e 3 no Corte estratigráfico G‐H. Fonte – Felice, 2006 157 Figura 44 – Localização dos esqueletos 1 e 2 da Toca da Santa no contexto cárstico. Fonte: Felice, 2006 Figura 45 – Localização do esqueleto 3 da Toca da Santa no contexto cárstico. Fonte: Felice, 2006 158 CAPÍTULO IV ‐ ANÁLISE BIOARQUEOLÓGICA 4.1. Toca do Enoque 4.1.1. Idade e sexo Na coleção antropológica do Enoque foram identificados 13 indivíduos, entre adultos, adultos jovens, crianças e infantes, inumados em três sepulturas. A partir dos relatórios 37elaborados por pesquisadores da UFPE e Universidade de Coimbra, foram extraídos os dados demográficos de idade e sexo, assim como de sinais de doenças e anomalias desses indivíduos. Os parâmetros adotados para a estimativa da idade biológica nesta amostra provêm das metodologias e técnicas usadas por Buikstra e Ubelaber (1994), White, Black e Folkens (2012), Brothwell (1981), Schaefer et al. (2009), especificamente para os graus de desenvolvimento ósseo e por Ubelaker (1989), para o desenvolvimento e erupção dos dentes. Para a determinação do sexo dos indivíduos, os especialistas se basearam no método de análise de Buikstra e Ubelaker (1994), Ubelaker (1984) e Brothwell (1981), que utilizaram diagramas para a comparação do desenvolvimento dos caracteres dimórficos no crânio e na pelve. 37
. Relatório de visita científica ao Laboratório de vestígios orgânicos do Centro Cultural Sergio Motta – Fumdham ‐ São Raimundo Nonato ‐ PI (Etapa 1) elaborado pelo Prof. Dr. Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva da Universidade Federal de Pernambuco e o Relatório Antropológico de 15 esqueletos – Região do Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, Brasil, feito pela Professora Catedrática da Universidade de Coimbra, Eugénia Cunha. 159 Nos crânios foram analisadas as seguintes características 38: desenvolvimento do processo mastóide; espessura das margens orbitárias, desenvolvimento da crista occipital externa, desenvolvimento da glabela e arco superciliar e da eminência mental. Na pelve foi observada a forma da incisura isquiática maior e, quando possível, o grau do ângulo subpúbico. Para estas cinco características, foram utilizadas escalas com cinco classificações de valores, conforme o grau de desenvolvimento da região, indo do mais grácil ao mais robustop. 1= feminino, 2= provável feminino, 3= sexo ambíguo, 4= provável masculino e 5= masculino. Baseando‐se nas características acima especificadas, a determinação do sexo ficou assim definida: esqueleto 1 (Sepultura 1) e esqueletos 2, 4, 7, 8 e 12 (Sepultura 2) pertencem ao sexo feminino. Os esqueletos 6 e 10 (Sepultura 2) provavelmente sejam do sexo feminino. Os esqueletos 3, 5 (Sepultura 2) e 13 (Sepultura 3) são masculinos. O esqueleto 9 (Sepultura 2) talvez seja do sexo masculino. Os ossos do indivíduo 11, não permitiram a determinação do sexo pela ausência dos caracteres dimórficos observados. Em resumo tem‐se para a definição do sexo, 3 masculinos, sendo uma criança (esqueleto 5), um adulto jovem (esqueleto 3) e adulto médio (esqueleto 13) 39, 6 femininos representados por cinco crianças (esqueletos 1, 2, 4, 7 e 12) e um adulto jovem (esqueleto 8); em 3 indivíduos a definição do sexo deixa dúvida, por se tratar de criança com menos de três anos (infantes) (possivelmente seja um masculino e 2 femininos); os restos ósseos do indivíduo 11, a definição do sexo é desconhecida, devida a falta de ossos que pudessem definí‐lo. Na Tabela 1 pode ser observada a freqüência e a proporção do sexo na Toca do Enoque. A população feminina constitui a maioria (46%) e possíveis infantes do sexo feminino (15%), enquanto que a presença masculina é inferior, totalizando 24% e 38
. Nem sempre foi possível analisar todas as características, em função do estado fragmentário dos crânios. 39
. Sepultura 3 160 um p
possível infaante do sexxo masculin
no (7%). Naa classe indeterminadaa, a proporção é mais baixa (8%) (ver Tabelaa 3 e Figura 46). Tabela 3 ‐ Freqüência e proporçãão por sexo e faixa etária Infante Infante Criaança – Criançça – Adulto
o Adulto Adulto Fem. Masc. Fem. Massc. jovem –
– jovem Masc. Fem.
Masc. Indeeterminado Total Freqüêência 2 1 5 1 1 1 1 1 13 1
Proporção 15% 7 % 38%
% 8% 8 % 8 % 8 % 8 % 100% 1
Para esstimativa dee idade, os especialistas se baseaaram tambéém no protocolo de Buikstra B
e Ubelaker U
(1
1994), analiisando‐se neste n
caso o fechameento das su
uturas craniianas 40, tam
mbém para o cálculo da idade fo
oi usado o desenvolvim
mento dentário, segundo Brothw
well (1981, p. 96‐97) e e Ubelaker (1984, p. 47), 4 bem co
omo os graus de fechaamento daas linhas ep
pifisárias nos ossos longos e ossificação d
das regiõess das vérteebras (Broth
hwell, 1981, p. 98). o indivíduo po
or faixa etária e sexo Figuraa 46 – Relação
Número de indivíduo
ú
d d íd
5
5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
2
1
Masculino
o
1
11
1
1
Feminino
Masculino
o?
Feminino??
Indetermiinado
Faixa etáriia
40
. O uso u deste critéério de fechamento das suturras é questionáável devido às anomalias, como a craniosin
nostose precocce das suturas sagital ou coro
onal, por exemplo, que podem
m ocorrer em ccrianças. Tambéém existe divergência entre o
os períodos de idade e as regiões das suturass na bibliografiaa especializada. 161 As info
ormações fo
ornecidas so
obre a idad
de dos indivvíduos foi d
dividida em
m dois níveiis básicos diferentes, que inclu
uem adulto
os e subad
dultos. A ccategoria adulta a
abrange qualqu
uer indivíduo com idad
de igual ou superior a 20, enquan
nto o grupo
o não‐
de 20 anos de idade. P
Para o estud
do estatísticco, as adultto inclui os que possueem menos d
idadees foram aggrupadas naas seguintees categoriaas: infante ((0‐3 anos), criança (>3
3 a 12 anoss), adolescente (>12 a 20 anos), adulto a
jove
em (>20 a 35 3 anos), ad
dulto (> 35 a 50 anoss) e adulto vvelho ( > 50 anos) 41 e in
ndeterminado. Entre o
os indivíduo
os determinados, a variação da idaade na população fune
erária está concentrad
da no sexo feminino, com (46%), compostaa por 5 criaanças e 1 adulto jovem
m, seguida pela classee masculina (23%) reprresentada p
por uma criança, um adulto jovem
m e 1 adulto maduro, as categoriaas infante (sendo que provavelmeente estes ssejam do sexo s
femin
nino) e ind
determinados perfaze
em cada uma u
(15%),, e um infante possivelmente m
masculino (7%). (Figuraa 47). A distriibuição de indivíduos p
por faixa ettária e por ssepultura p
pode ser vissta na figura 48. Na seepultura 1 h
há uma criaança do sexxo feminino
o (1); na sep
pultura 2 háá três infan
ntes (6, 9 e 10), cinco crianças (2
2, 4, 5, 7 e 12) dois adultos joveens (3 e 8) e um indetterminado (11); na seepultura 3 há também
m a presençça de um iindivíduo adulto maduro (13). Figuraa 47 – Percenttual dos esqueeletos por sexxo e faixa etárria 8%
Infaante ‐ Esqueleto
os 6, 9 e 10
8
8%
%
8%
223%
8%
38%
7%
%
Criaança Feminino ‐
Esq
queletos 1, 2, 4,, 7 e 12
Criaança Masculino
o ‐
Esq
queleto 5 Adu
ulto jovem Fem
minino ‐
Esq
queleto 8
Adu
ulto jovem indeterminado‐
Esq
queleto 3
Adu
ulto Masculino
o ‐ Esqueleto 13
Indeterminado ‐ EEsqueleto 11
41
. Wh
hite, Black & Follkens (2012, p. 385) 162 Figuraa 48 ‐ Distribu
uição da faixa etária por sep
pultura Número de indivíduo
5
5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
3
2
1
1
1
Sepulturra 1
Sepulturra 2
Sepulturra 3
Distribuição p
por sexo e faixa etária
A análiise bioarqu
ueológica feez uso de categorias c
e
etárias específicas para 13 indivvíduos da amostra, permitindo ordenar umaa curva de mortalidad
de, represen
ntada na fiigura 49 asssociados à à tabela en
ncontram‐se os valorees específiccos. A curvva de morttalidade revvela claram
mente que a a taxa de mortalidade
m
e entre criaanças joven
ns do sítio é elevada com 46%, rrepresentad
da por crian
nças com id
dade entre 2 a 12 ano
os. Os ntes detêm 23%, os adultos jovens (> 20 a 35
5 anos) com
m 15% e o n
não determiinado infan
repreesenta 8%. A classe dee adulto com
m mais de 3
35 anos, ap
presenta‐se 7 % da am
mostra da população. Observa‐se O
que há um
m pico de mortalidade
m
e na Toca do Enoque, onde são rrepresentad
das as crianças com idaades entre 2
2 e 12 anos. A taxa de mortalid
dade cai siggnificativam
mente no in
nício da idad
de adulta jo
ovem (entrre 21 a 35 anos), decllinando parra a fase ad
dulta, repreesentada por um indivvíduo com mais de 35 anos. 163 Figura 49‐ Curva de mortalidade por faixa etária 50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Proporção
Infante < 3 anos
Criança > 3 a 12 anos
23%
46%
Adolescente Adulto jovem Adulto Indetermina
> 12 a 20 > 20 a 35 maduro >35 do
anos
anos a 50 anos
0%
15%
8%
8%
Na tabela abaixo se observam as idades e os sexos dos esqueletos exumados. Tabela 4: Distribuição dos indivíduos por idade e sexo Sepultura Esqueleto
Idade
Sexo Sepultura 1 Esqueleto 1
8 anos a 9 anos
Feminino Esqueleto 2
10 anos ± 30 meses
Feminino Esqueleto 3
25 anos a 34 anos
Indeterminado Esqueleto 4
5 anos ± 1,5 anos
Feminino Esqueleto 5
6 anos ± 24 meses
Masculino Sepultura 2 Esqueleto 6
Infante
Feminino? Esqueleto 7
5 anos a 6 anos
Feminino Esqueleto 8
20 anos a 25 anos
Feminino Esqueleto 9
Infante
Masculino? Esqueleto 10
Infante
Feminino? Esqueleto 11
Indeterminado
Indeterminado Esqueleto 12
7 anos a 24 meses
Feminino Sepultura 3 Esqueleto 13
>40 anos
Masculino 164 4.1. 2. Estatura A estimativa da estatura para as crianças e adultos da Toca do Enoque foi baseada no método de cálculo da estatura para ossos longos de amostras de populações mesoamericanas, segundo Genovés, (1967:76), Ubelaker (1984:45) e Bass (2005:29). Os ossos mensurados foram o fêmur ou a tíbia, sem as epífises para os indivíduos jovens, uma vez que essa medida é uma boa aproximação da estatura real do indivíduo. A tabela 3 mostra as estaturas (em metro) dos indivíduos analisados. Tabela 3 ‐ Distribuição da estatura por indivíduo e sepultura Sepultura Sepultura 1 Sepultura 2 Sepultura 3 Esqueleto Estatura Esqueleto 1 entre 1,07 m e 1,15m Esqueleto 2 entre 1,21 m e 1,28m Esqueleto 3 entre 1,55m e 1,62m Esqueleto 4 entre 1,03 m e 1,10m Esqueleto 5 entre 1,18m e 1,25m Esqueleto 6 Indeterminado Esqueleto 7 entre 1,08m e 1,15m Esqueleto 8 entre 1,60m e 1,67m Esqueleto 9 Indeterminado Esqueleto 10 Indeterminado Esqueleto 11 Indeterminado Esqueleto 12 entre 1,18m e 1,26m Esqueleto 13 entre 1,60m e 1,66m 165 Para fim
m de explanação dos resultados em gráfico, a distribuição da estatura foi effetuada de 15 em 15 ccm, assim d
definida (1,0
00 a 1,15 m, 1,16 a 1,3
30 m, 1,31 aa 1,45 m, 1,,46 a 1,60 m
m, 1,61 a 1,80 m e indeeterminado
o). Na figuraa 50, pode sse constatar que existem três criaanças com estatura dee 1,00 a 1,15
5m, represeentadas pellos esquelettos 1, 4 e 7
7, do sexo feeminino; trêês crianças com taman
nho 1,16 a 1
1,30 m, são
o os esquele
etos 5 do seexo masculino e 2 e 12
2 do sexo feminino; um
m indivíduo
o adulto jovvem mascullino o esqu
ueleto 3 , co
om 1,46 a 1
160m, e doiis adultos, u
um jovem ffeminino, esqueleto 8 e um adultto maduro masculino,, esqueleto
o 13, ambos estão na faixa entree 1,61 a 1,,75m. Quattro indivídu
uos não pu
uderam ser analisadoss com essa variável, p
porque dois são infan
ntes (6, 9 e 10) e um apresenta po
oucos ossoss; em todoss não há possibilidade de se tomaar medidas. uição dos indivvíduos por faixxa etária, sexo
o e estatura.
Figuraa 50 ‐ Distribu
Número de indivíduo
Número de indivíduo
3
3 3
2,5
2
2
1,5
1
1
1
1
1
1 m aa 1,15m
1
1,16m
m a 1,30m
0,5
1,31m
m a 1,45m
0
0
0
1,46 m a 1,60m
1,61 a 1,75m
Indetterminado
Idade e ssexo
4.1.3. D
Deformaçõees e patologgias 166 As remodelações ósseas observadas na amostra do Enoque indicaram a presença de alterações tafonômicas severas, causadas por variações termohigrométricas, fragmentação post mortem e ação de cupins de solo. Foram observados traços de doenças e sinais de estresse, sendo que alguns deles puderam ser analisados, outros inferidos ou somente descritos. 4.1.3.1. Sepultura 1 •
Esqueleto 1 Apresenta‐se completo com alguns ossos fragmentados, principalmente o crânio. Trata‐se de um indivíduo subadulto, do qual se observa deformação craniana post mortem ocasionada por fatores tafonômicos (possível pisoteamento, elasticidade e plasticidade ósseas alteradas por diferenças entre umidade relativa e temperatura, mobilidade do solo arenoso do sítio, entre outros) (Figura 51); e a ausência de ossos da face e dentes pela retirada para análise biomolecular e a não preservação dos dentes pela intensa fragmentação e friabilidade, recorrente em todos os esqueletos deste sítio. Figura 51 ‐ Crânio reconstituído ‐ deformação óssea por fatores tafonômicos. Esqueleto 1‐ Fonte: Fumdham 167 Nota‐se a coroa de um canino superior esquerdo em desenvolvimento inclusa. Além do crânio, diversos ossos apresentam alguma deformação, como no caso das diáfises das fíbulas direita e esquerda do mesmo esqueleto que apresentam sinais de alterações ósseas (Figura 52). Percebe‐se que todos os ossos dos esqueletos sofreram a ação de térmitas (cupins de solo), o que provocou a degradação de muitos ossos. Figura 52 ‐ Diáfises das fíbulas com alterações ósseas de natureza patológica. Esqueleto 1‐ Fonte: Fumdham 4.1.3.2. Sepultura 2 •
Esqueleto 2 O crânio apresenta sinais de deformação post mortem, com desarticulação da porção esquerda da sutura coronal e extrusão do temporal esquerdo. As quebras com 168 margens claras são recentes. Diversas partes do crânio apresentam ainda sinais de alterações de origem paleopatológica (parasitose? deficiência nutricional? treponematose?) ) na face interna do occipital (Figura 53). São visualizadas ainda sinais de remodelações patológicas que resultaram em lesões (parasitose? ‐ Cribra cranii?) na superfície endocraniana do parietal direito. A afecção ocorre somente na face interna dos ossos cranianos. Na figura 54 do detalhe do frontal, no teto da órbita direita são observadas lesões da cribra orbitalia (hiperosteose porosa). A face endocraniana do frontal apresenta lesões porosas concentradas, com aspecto trabecular (hiperosteose porosa ou parasitose?). (Figura 55), ao passo que na superfície endocraniana do frontal sobressaem‐se as lesões porosas (cribriformes) que podem ser resultantes de infecção por parasitas, anemias ou treponematose (Figura 56). A superfície interna do frontal apresenta lesões de aspecto cribriforme e trabecular, concentradas, indicadoras do mesmo tipo de doença. O osso do quadril direito apresenta o ílio, o ísquio e o púbis ainda não fusionados, com sinais de alterações termíticas na face externa e fraturas (quebras) post mortem (Figura 57) Figura 53 ‐ Detalhe da face interna do occipital com presença de sinais de alterações deorigem paleopatológica (parasitose?, anemia, treponematose?). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham 169 Figura 54 ‐ Detalhe do frontal, teto da órbita direita, com lesões da Cribra orbitalia (hiperosteose porosa). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham Figura 55 ‐ Detalhe da face endocraniana do frontal com lesões porosas concentradas, com aspecto trabecular (hiperosteose porosa ou parasitose?, treponematose?). Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham 170 Figura 56 ‐ Detalhe da superfície endocraniana do frontal. As lesões porosas (cribriformes) podem ser resultantes de anemia, parasitose ou treponematose. Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham Figura 57 ‐ Osso do quadril direito, apresentando ílio, ísquio e púbis não fusionados. . A incisura isquiática maior e o ângulo subpúbico indicam possível sexo feminino. Esqueleto 2 ‐ Fonte: Fumdham 171 •
Esqueleto 3 Com relação a doenças deste esqueleto, distingue‐se pela presença de reabsorção alveolar antemortem de origem patológica na altura do primeiro molar – doença periodontal no lado direito da mandíbula (Figura 58) e formação osteofítica no hálux esquerdo. No terço proximal do metatarsiano II do pé esquerdo apresenta uma espícula óssea (Figura 59), pronunciada superior e lateralmente. Não foram observadas outras remodelações ósseas de origem patológica no esqueleto. Entretanto, aparecem facetas de acocoramento no tálus e na tíbia esquerdas (Figura 60). As facetas de hiperdorsiflexão, tanto em alguns metatarsianos do pé esquerdo, como do pé direito, na Figura 61 notam‐se especialmente pronunciadas no metatarsiano IV. Figura 58 ‐ Mandíbula com presença de reabsorção alveola. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham 172 Figura 59 ‐ Espícula óssea. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham Figura 60 ‐ Facetas de acocoramento no tálus e na tíbia. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham 173 Figura 61 ‐ Faceta de hiperdorsiflexão. Esqueleto 3 ‐ Fonte: Fumdham •
Esqueleto 4 O neurocrânio deste esqueleto apresenta deformação ‐ esmagamento bilateral ‐ da díploe em toda a sua extensão causada possivelmente por fatores paleo‐
termo‐higrométricos, resultando em pseudo‐hiperdolicocrania ou pseudo‐
escafocefalia (Figura 62). Este esqueleto não apresenta sinais claros de doenças que afetaram os ossos, somente deformações post mortem e ossos não fusionados porque se trata de um indivíduo jovem, tais como a perda das clavículas direita e esquerda. Os úmeros direito e esquerdo apresentam suas epífises proximais não fusionadas, assim como os rádios e as ulnas direitos e esquerdos, os fêmures direito e esquerdo e as tíbias direita e esquerda mostrando suas epífises proximais e distais não fusionadas. 174 Figura 62 ‐ Pseudo‐hiperdolicocrania/pseudo‐escafocefalia causada possivelmente por fatores paleotermohigrométricos.Esqueleto 4 ‐ Fonte: Fumdham •
Esqueleto 5 Trata‐se de um subadulto, cujo neurocrânio foi reconstituído com PVA. Observa‐se um alongamento do diâmetro anteroposterior máximo do crânio (pseudo‐
hiperdolicocrania ou pseudo‐escafocefalia) ocasionada por alterações diagenéticas post mortem (Figura 63). Ainda no crânio observa‐se deformação no frontal, na região das órbitas (Figura 64). No que diz respeito aos dentes, observa‐se que os incisivos superiores apresentam‐se em forma de pá. (Figura 65). Uma anomalia dentária indicativa de parentesco está representada pela presença de dente conóide na maxila. Dando continuidade aos problemas de deformações existentes no esqueleto 5 observa‐se a presença de porosidade no colo do fêmur esquerdo, denotando caráter 175 normal ou possivelmente patológico (Figura 66). Apresenta ainda no fêmur esquerdo uma ossificação da epífise distal com lesão óssea no côndilo lateral (Figura 67). Figura 63 ‐ Alongamento do crânio (pseudo‐hiperdolicocrania) causado por fatores tafonômicos formadores do registro arqueológico. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham Figura 64 ‐ Deformação do frontal na região das órbitas por remodelação tafonômica.Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham 176 Figura 65 ‐ Dentes incisivos com forma de pá (esquerda e direita). Foi registrada a presença de um dente conóide (anomalia de tamanho e forma), indicador de parentesco (direita). Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham Figura 66 ‐ Presença de porosidade no colo do fêmur esquerdo. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham 177 Figura 67 ‐ Epífise distal do fêmur esquerdo com lesão óssea no côndilo lateral. Esqueleto 5 ‐ Fonte: Fumdham •
Esqueleto 6 Trata‐se de um infante, possivelmente do sexo feminino. Devido à fragilidade dos ossos, não foi possível identificar qualquer doença ou anomalia. •
Esqueleto 7 Trata‐se de um indivíduo subadulto, sexo feminino. Os ossos não forneceram informações sobre patologias ou anomalias. •
Esqueleto 8 Similarmente ao esqueleto 5, esse esqueleto também apresenta dente conóide, anomalia indicadora de parentesco genético possível. 178 Nota‐se nas superfícies discais de corpos de vértebras lombares aspectos de remodelação óssea e aspecto poroso de natureza patológica (Figura 68). Na cabeça do fêmur direito nota‐se a presença de porosidade de natureza patológica e perda de tecido ósseo post mortem, possivelmente doença de articulação (Figura 69). O esqueleto 8 também apresenta facetas de acocoramento no talús esquerdo (Figura 70). No metatarsiano V esquerdo percebe‐se possível cicatrização de antiga fratura de diáfise (Figura 71). Figura 68 ‐ Remodelação óssea em corpo de vértebra lombar. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham 179 Figura 69 ‐ Fêmur direito presença de porosidade de natureza patológica. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham Figura 70‐ Detalhe do tálus esquerdo apresentando faceta de acocoramento. 180 As manchas escuras são resultado de alterações termíticas. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham Figura 71‐ Possível cicatrização de antiga fratura da diáfise. Esqueleto 8 ‐ Fonte: Fumdham •
Esqueleto 9 Trata‐se de um indivíduo subadulto (infante) apresentando severa patologia que remodelou os ossos dos membros e do neurocrânio Os ossos apresentam características indicadoras de osteomielite piogênica, com formação de invólucro e cloaca (fistula). Em 90% dos casos ocorre formação de pus, com presença de Staphylococcus aureus (White et al., 2012). Esta doença resulta em inflamação óssea causada por bactéria, afetando a parte interna dos ossos longos (a partir de um ferimento). Entretanto, devido à ocorrência bilateral das lesões que afetaram os úmeros, ulnas, rádios, fêmures, tíbias e ossos cranianos, a doença se aproxima da treponematose (congênita), com neoformação óssea bilateral. Devido a controvérsia sobre a existência da sífilis na América, descrita por White et al., (2012:444), as lesões 181 encontradas podem, também representar câncer, tuberculose ou outras alterações infecciosas causadas por pelo Treponema. No crânio, um fragmento de osso temporal (parte petrosa) apresenta sinais de patologia; a maxila direita e a mandíbula apresentam uma porosidade que sugere patologia que afetou o tecido ósseo (Figura 72). A clavícula esquerda encontra‐se atrofiada, denotando assimetria morfológica, possivelmente associada à patologia ou deformação postural por estresse (Figura 73). No rádio e na ulna direito e esquerdo ocorreram remodelações ósseas patológicas, neoformação óssea possivelmente associada à osteomielite, o mesmo tipo de infecção é observada no fêmur esquerdo (Figuras 74 e 75). As costelas encontram‐se bastante fragmentadas tanto as do lado direito, como as do esquerdo. Em quase todas apresentam sinais de afecção óssea nos corpos das mesmas, assim como nas tíbias e fíbulas direita e esquerda. A tíbia esquerda apresenta densidade óssea alterada, com neoformação de tecido resultante de doença óssea possivelmente associada à causa mortis (Figura 76). Figura 72 ‐ Fragmento temporal com sinais de patologias. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham 182 Figura 73 ‐ Clavícula esquerda com possível patologia. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham Figura 74 ‐ Remodelação óssea patológica nos rádios e ulnas direito e esquerdo. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham 183 Figura 75 ‐ Fêmur esquerdo com sinais de osteomielite? Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham 184 Figura 76 ‐ Tíbia esquerda com densidade óssea alterada. Esqueleto 9 ‐ Fonte: Fumdham •
Esqueleto 10 Trata‐se de um subadulto (infante) com esqueleto incompleto. Os ossos presentes não permitiram observar a existência de deformações ou patologias. 185 •
Esqueleto 11 Este esqueleto está representado somente por uma ulna direita de adulto (masculino). Os vestígios ósseos não permitem observar qualquer anomalia ou patologia. O osso pode ter sido curado por membros do grupo ou perdido. •
Esqueleto 12 Trata‐se de um indivíduo subadulto do sexo feminino. Na mandíbula percebe‐
se que houve perdas dentárias post mortem, presença de molares permanentes e um molar decíduo com desgaste oclusal moderado (Figura 77). Nos dois ossos do quadril percebe‐se alteração térmica. No fêmur nota‐se um adelgaçamento da tábua óssea e a fissura longitudinal do córtex por alteração brusca da temperatura e da umidade. Figura 77 ‐ Mandíbula com perdas dentárias post mortem, presença de molares permanentes e um molar decíduo com desgaste oclusal moderado. Esqueleto 12 ‐ Fonte: Fumdham 186 4.1.3.3. Sepultura 3 •
Esqueleto 13 Nesta sepultura foi exumado somente um indivíduo, trata‐se de um adulto do sexo masculino. Neste esqueleto percebe‐se a presença de osteófitos nas vértebras não fusionadas e presença de processo espinhoso no arco vertebral esquerdo apresentando possível remodelação por fratura e, no sacro, presença de remodelação óssea patológica nas facetas auriculares com sinais de sacralização. Na epífise proximal da tíbia direita, observa‐se a presença de espícula óssea (Figura 78). Nas vértebras torácicas e lombares vistas internamente e superiormente e externamente e lateralmente apresentam sinais de queima, alterações termíticas e possíveis quebras com ossos apresentando tecidos moles mumificados. Os fragmentos apresentam tecido orgânico mumificado (Figura 79). Nas costelas esquerdas vistas superiormente, apresentam sinais de alterações termíticas, queima e quebras provocadas com ossos ainda frescos ou com presença de tecidos moles ou colágeno (Figura 80). Observa‐se que a epífise vertebral de uma costela apresenta sinais de alterações termíticas e sinais anômalos, possivelmente associados à desarticulação por corte (Figura 81). O esqueleto encontrava‐se desarticulado em campo ‐ somente observada à articulação entre alguns ossos, como duas vértebras torácicas e entre sacro e ossos dos quadris e fêmur. O crânio estava ausente. A mandíbula, extremamente robusta, apresenta sinais de queima nas partes posteriores dos ramos, perda dentária ante mortem e post mortem, desgaste acentuado das superfícies oclusais dos dentes e sinais de ranhuras de dentes de roedores associados a possíveis sinais de cortes na margem posterior dos ramos. A dispersão planialtimétrica dos ossos do esqueleto, em associação com estrutura de fogueira e a ausência de ossos na área da intervenção arqueológica invasiva, associados aos sinais de queima e quebras de ossos ainda com tecidos orgânicos podem indicar a presença de uma deposição extra‐funerária, 187 possivelmente associada a um ritual que resultou no processamento e redução severa do corpo (por exemplo, canibalização alimentar ou ritual). Figura 78 ‐ Epífise proximal da tíbia direita, vista em norma anterior, com presença de espícula óssea Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham Figura 79 ‐ Vértebras torácicas e lombares vistas internamente e superiormente (acima) e externamente e lateralmente (abaixo). Apresentam sinais de queima, alterações termíticas e possíveis quebras com ossos ainda com tecidos moles. Os fragmentos apresentam tecido orgânico mumificado. Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham 188 Figura 80 ‐ Costelas esquerdas vistas superiormente, com sinais de alterações termíticas, queima e quebra provocadas com ossos ainda frescos ou com presença de tecidos moles ou colágeno. Sepultura 3 ‐ Esqueleto 13 – Fonte: Fumdham Figura 81 ‐ Detalhe de epífise vertebral de costela com sinais de alterações termíticas e sinais anômalos, possivelmente associados à desarticulação por corte. Esqueleto 13 ‐ Fonte: Fumdham 189 CAPÍTULO V ‐ ELEMENTOS CULTURAIS ASSOCIADOS AOS ENTERRAMENTOS 5. 1. Toca do Enoque Considerando que o tratamento funerário é a chave para a compreensão das práticas funerárias ocorridas na Toca do Enoque, as variáveis que dizem respeito ao corpo (tipo de enterramento, posição e articulação do corpo, orientação do eixo crânio‐pelve e disposição dos membros e da cabeça) e os elementos contidos no interior e entorno das sepulturas (cultura material) são importantes para este estudo, pois os resultados de suas análises irão indicar as diferentes classes de elementos que foram objetos de escolhas do grupo cultural em relação aos enterramentos de seus mortos. No decorrer da análise das variáveis e elementos acima citados, percebe‐se que existem, de modo geral, evidências de uma prática dominante utilizada pelos antigos habitantes da Toca do Enoque. Uma descrição sucinta sobre cada variável foi feita, objetivando apreender a contribuição de cada uma no estudo das práticas funerárias. 5.1.1. Elementos relacionados ao corpo No que diz respeito ao enterramento, totalizando 13 indivíduos, pode‐se constatar que há um tipo de deposição dominante (Figura 82), no caso a primária, com a presença de 9 indivíduos, destes, 4 sãos enterros primários com crianças articuladas (esqueletos 1, 2, 4 e 5), dois adultos jovens (esqueletos 3 e 8) e três infantes (esqueletos 6, 9 e 10). A deposição secundária foi também realizada, na qual ossos de três indivíduos foram colocados, ao lado dos esqueletos com enterro de deposição primária, trata‐se de um ossuário composto por duas crianças (esqueletos 7 e 12), e um indivíduo indeterminado (esqueleto 11), representado por alguns ossos; por outro 190 lado na sepultu
ura 3, foi evidenciado
e
o um sepulttamento seecundário (perturbado
o), no m em conexxão e apressentavam‐see parcialmeente queimados, qual poucos osssos estavam
trataa‐se de um iindivíduo ad
dulto maduro. Quanto
o à posição do corpo (Figura 83), os indivídu
uos (esqueleetos 1, 2, 3,, 4, 5, 6, 8, 9, 10) foram
m enterrados em posiçção estendiida em decú
úbito dorsal e os outro
os são indetterminadoss, trata‐se d
dos indivídu
uos com enterramento
o secundário (esquelettos 7, 11, 1
12 e 13). úbito dorsaal foi à possição do co
orpo utilizaada para nove esqueletos, O decú
quatro são crian
nças (1, 2, 4, 5), três infantes (6, 9 e 10) e d
dois adultos jovens (3 e 8). Para outros trêês indivídu
uos, por see tratar de
e enterram
mentos secu
undários, foram f
ositados nu
um grupo de d ossos ou o ossuário
o, dois são
o crianças ((7 e 12) e, e um depo
esqu
ueleto reprresentado por algunss ossos (11). Também o indivííduo adultto da sepu
ultura 3 (esqueleto 13), 1
não fo
oi possível determinaar a posiçãão, que ele foi enterrado. Figuraa 82‐ Tipos dee deposição do
o corpo por faaixa etária e se
exo 3
3
Nú
Número de indivíduo
d i di íd
3
2,5
2
2
1,5
1
1
1
1
1
1
Deposição primária
0,5
0
0
Deposição secundária
Deposição seecundária pertu
urbada
F
Faixa etária e se
exo
191 Figuraa 83 ‐ Posição do corpo porr faixa etária ee sexo Número de indivíduo
3
3
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
2
1
1
1
1
1
Decúbito dorrsal
Indeterminado
Idadee e sexo Com reelação à artticulação do
o corpo (Figgura 84), a m
maior partee dos esque
eletos enco
ontram‐se articulados rrepresentad
da por três infantes (6,, 9 e 10), trêês crianças, duas do sexo s
feminino (1 e 4), 4 uma do
o sexo massculino (5),, dois adultos jovenss, um mascculino (3) e outro feeminino (8); os semii‐articulados são duas crianças sexo feminino (2 e 7). Os corpos c
quee estão de
esarticulado
os são dee um indivvíduo indetterminado (11), de uma u
criançça do sexo
o feminino (12). O indivíduo adulto mascculino da seepultura 3 teem uma artticulação do
o corpo, perrturbada. Número de indivíduo
Figuraa 84‐ Articulaçção do corpo por faixa etárria e sexo 3
3
2
2
1 1
1
0
11
1
1
1
1
Articulado
o
Semi‐articculado
Perturbad
do
Desarticulado
192 Basean
ndo na variáável orientaação do corpo (eixo crânio‐pelvee), a maioriaa dos morttos foi enteerrada no sentido Sudeste/noroe
este represeentada por sete indivíduos, três infantes (eesqueletos 6, 9 e 10),, duas crianças, uma do sexo feeminino e outra m adulto jovvem mascullino (3), outtro adulto jo
ovem mascculino, respectivamentte (4, 5), um
feminino (8); os indeteerminados são repre
esentados por três indivíduos,, um indetterminado ((esqueleto 11) e duas ccrianças do
o sexo femin
nino (7 e 12); enquanto
o dois indivvíduos, umaa criança do
o sexo feminino (esqu
ueleto 2) e um adulto sexo mascculino (sepu
ultura 3), encontram‐
e
‐se posicion
nados no sentido s
Lesste/oeste e o indivídu
uo da sepu
ultura 1, um
ma criança do sexo feeminino, fo
oi posicionaada no senttido Oeste//leste (Figu
ura 85). Figuraa 85 ‐ Orientação do corpo por faixa etárria e sexo 3
3
Número de indivíduo
Número de indivíduo
2,5
2
2
1,5
111
1
1
1
1
1
1
Sudeste/no
oroeste
Leste/oestte
Oeste/leste
0,5
Indetermin
nado
0
0
Idad
de e sexo
193 A dispo
osição dos membros foi também alvo de análise. A
A disposição
o dos mem
mbros superriores e infeeriores paraa os esquele
etos com tipo de depo
osição primáária é a esttendida parra nove indivíduos (Figgura 86), trê
ês infantes (esqueletoss 6, 9 e 10)), três crian
nças do sexxo feminino
o (esquelettos 1, 2 e 4), uma criança c
do sexo mascculino (esqu
ueleto 5). O O esqueletto 2 (femin
nino) aprese
entava‐se com c
os braaços estend
didos, porém os ossoss das pernaas não estaavam em posição p
anaatômica, im
mpossibilitan
ndo a análiise. Dois ad
dultos joven
ns, um masculino (3) e
e outro fem
minino (8) estavam tam
mbém com os memb
bros superiores e infferiores esttendidos. Os O outros esqueletoss não apresentam dissposição do
os membro
os, por serrem enterrramentos ssecundárioss, um mascculino adultto (esqueletto 13), duass crianças (esqueletos 7 e 12) do sexo femin
nino e um in
ndivíduo ind
determinad
do (11), estee último tem
m poucos ossos para su
ua identificaação. bros superiorees e inferioress por faixa etáária e sexo Figuraa 86 ‐ Disposiçção dos memb
5
5
4
4,5
4
3
3,5
3
2
2,5
2
1
1,5
1
0
0,5
0
3
2
1
1
1
Esten
ndida
Indeterminada
Com reeferência à posição da cabeça (Figgura 87), trêês estavam com a face
e para frentte, em direção a noro
oeste, dois infantes (essqueletos 6 6 e 10) e um adulto jo
ovem mascculino (esqu
ueleto 3); um
ma criança do sexo fem
minino (esqueleto 1) esstava com aa face para o sul; outras duas crrianças do sexo femin
nino (esqueletos 2 e 7
7), a face estava e
orien
ntada para n
norte; uma criança e u
um adulto jo
ovem, ambo
os do sexo ffeminino (4
4 e 8), e um
m infante (9)), a face direcionava paara nordestte e uma criiança do sexo masculin
no (5) 194 com a face parra o sudoesste. Entre os o indeterm
minados há um adulto
o (esqueleto
o 13), o sexo fem
minino (esqu
ueleto 12) e o esqueleto 11, do
os quais nãão foi uma criança do
possíível observar suas possições, nem
m dos corpo
os, nem dass cabeças, p
porque eless têm uma deposição secundária. Figuraa 87 ‐ Posição da face por faaixa etária e ssexo 2,5
2
Número de indivíduo
Número de indivíduo
2
1,5
11
1
11 11
1
1
1
1
1
Noroeeste
Nordeeste
Nortee
Sudoeeste
0,5
Sul
Indeteerminada
0
0
0
0
Faixxa etária e sexo
o
5.1.2. C
Composição
o do mobiliáário funerárrio Quanto
o ao enxovaal funerário há dois tip
pos, os bem elaboradoss composto
os por muitos e diferen
ntes elemen
ntos da fauna e da florra e os que foram conffeccionadoss com pouccos elementtos, atributos que permitem faze
er a distinçãão entre os enterrame
entos. Há in
ndivíduos que foram eenterrados com adornos feitos so
omente com
m contas e raros 195 fragmentos de conchas, enquanto há outros esqueletos com adornos bem elaborados com dentes de canídeos e felinos, ossos dos metacarpos e metatarsos de cervídeos, conchas trabalhadas de Megalobulimus, contas vegetais que formavam o cordão do adorno, dando a impressão de diferenciação entre os membros do grupo. Essa é a característica do enxoval funerário descoberto no Enoque, onde se verifica que os componentes dos adornos foram preparados especialmente para o ritual funerário. Este enxoval funerário, pela quantidade e variedade dos elementos que compõem cada adorno, faz da Toca do Enoque um dos sítios mais notáveis entre os da região arqueológica. Os esqueletos que portam estes adornos são os de nºs 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11 e 12, que foram enterrados em uma sepultura múltipla (2), com enterramentos primários e secundários; os esqueletos 7 e 8, enterrados na mesma sepultura não foram paramentados com adornos de pescoço ou de cintura; ao passo que os indivíduos 1 e 13, correspondentes as sepulturas 1 e 3, respectivamente, com enterramentos primário e secundário perturbado, foram ornamentados com poucos elementos. A ostentação apresentada pelos mortos da sepultura 2 permite supor que estes indivíduos tinham uma posição social diferenciada na população em que vivia, tendo em conta a quantidade e a diversidade de elementos colocados sobre os mortos e considerando‐os como bens significativos para o grupo. O conjunto funerário associado à população funerária do Enoque é composto de seis categorias de materiais: adorno, material lítico, osso, concha, vegetal e corante. 5.1.2.1. Adornos e associações Os adornos são os elementos mais visíveis identificados no enxoval funerário. Em sua maioria são confeccionados com ossos de cervídeos, de aves, dentes de felinos e de canídeos, conchas, entre outros vestígios. Nos sítios da região nordeste é comum encontrar sepultamentos contendo estes ornamentos. Por exemplo, nos enterramentos do sítio Furna do Estrago, com 196 uma data (2.000 a 1.000 anos BP em números redondos) 42 de ocupação, como cemitério, os esqueletos apresentavam adornos feitos com rádios de ave, pingentes de úmero de ave e de metatarso de cervídeo, contas de colar de ossos de ema e de outras aves e mamíferos, bem como, dentes caninos de felinos (SCHMITZ et al., 2012). Martin (1990a) faz, do mesmo modo, referência a existência de contas de colar de ossos no sítio Gruta do Padre. No sítio Pedra do Alexandre durante os rituais funerários foram colocados sobre os esqueletos 1, 2 e 15, adornos de osso em forma de pingente, apitos e contas de colar (MARTIN, 1995a). O cemitério Pedrado Alexandre forneceu as datações mais antigas no Nordeste, para o abrigo cemitério, um enterramento secundário de crianças foi datado em 9.400 anos BP (Martin, 1999: 312). Em sítios da região Sudeste, também se observa que os indivíduos portavam adornos, como expressam Escórcio e Gaspar (2005) para o sítio Corondó, um esqueleto de mulher trazia um colar com seis dentes de felino, da mesma forma que em outros indivíduos. Além disso, em outros sítios desta região são encontrados enterramentos, nos quais os indivíduos apresentam‐se com adornos. Na Toca do Enoque, os adornos encontram‐se associados a todos os esqueletos com exceção do esqueleto 7 que não trazia adorno no pescoço, somente um metatarso de Mazama, três conchas de Megalobulimus e pequenas contas vegetais negras sobre o corpo e o indivíduo 8 que se apresentava somente fibras vegetais trançadas, possivelmente tratava‐se de uma esteira ou uma rede que foi colocada sob seu corpo. O material ósseo animal, que serviu para confecção dos adornos, foi analisado pelo paleontólogo Claude Guérin, a arqueozoóloga Martine Faure e a bióloga Maria Fátima Ribeiro Barbosa, foi objeto de dois artigos, um em francês e outro em português, apresentado a Revista Clio 43, a partir dos quais foi feita a descrição que se segue: 42. Martin, 1999 43
. Faure, Guérin e Luz, 2011 197 •
Sepultura 1 Esqueleto n° 1 ‐ criança do sexo feminino com cerca de 8 a 9 anos, apresentando com um colar elaborado com uma dezena de grandes contas em sementes vegetais perfuradas, mais ou menos esféricas de cerca de 8 mm de diâmetro. Estava associada a dois fragmentos de conchas perfuradas, uma tendo uma dupla perfuração quebrada (Figura 88). Junto à pelve foram visualizadas contas vegetais pequenas negras, onde repousava uma das mãos, possivelmente trata‐se de uma pulseira ou de um cinto feito de contas de sementes. •
Sepultura 2 Esqueleto 2 ‐ criança do sexo feminino com 10 anos ± 30 meses, estava ornado com um adorno formado por 25 pingentes em osso de cervídeo (Mazama) (Figura 89), dois caninos perfurados de raposa (Cerdocyon thous), uma valva perfurada de lamelibrânquio e dois fragmentos de concha de gastrópodes (uma com uma dupla perfuração, outra com uma perfuração simples). Associado a esse esqueleto estavam seis grandes conchas de gastrópodes Megalobulimus sp., e uma sínfise mandibular de queixada. Figura 88 ‐ Adorno feito de sementes e pingente de concha do esqueleto 1 – Sepultura 1. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 198 Figura 89 ‐ Pingente em osso de cervídeo associado ao esqueleto 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Esqueleto 3 ‐ adulto jovem de sexo indeterminado com idade entre 20 e 34 anos, possuía um adorno feito com onze pingentes em ossos de cervídeo (Mazama) e pequenas contas vegetais negras (Figura 90), de dois tipos: as menores são esféricas, com cerca de 3 mm de diâmetro, as maiores são mais tubulares, de aproximadamente 4,5 mm de diâmetro. Junto a ele, encontrava‐se um metacarpo adulto, completo, direito, de cervídeo (Mazama) e um chifre bífido, um conjunto de placas da carapaça de pequeno tatu (Dasypodidae) incrustado na argila e três conchas de Megalobulimus. Observa‐se o aparecimento de muitas contas na altura da pelve, sugerindo que possivelmente poderia haver uma pulseira no braço ou um cinto. Figura 90 ‐ Colar de sementes e pingentes de metatarsos de cervídeo. Esqueleto 3 ‐ Sepultura 2 – Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 199 Esqueleto 4 ‐ criança do sexo feminino com idade entre 6 e 7 anos, exibia‐se com elementos de adorno, treze pingentes em osso de cervídeo (Mazama); um colar fabricado com mais 160 caninos de raposa (Cerdocyon thous) (Figura 91), sete caninos e seis terceiros incisivos de onça‐vermelha (Felis concolor), cinco caninos e dois terceiros incisivos de jaguatirica (Felis pardalis), uma concha de lamelibrânquio perfurada e pequenas contas vegetais negras. Acompanhava ainda o esqueleto fibras vegetais trançadas, blocos de ocre vermelho, quatro meias mandíbulas de ouriço e cinco chifres de cervídeo (Mazama). Figura 91 ‐ Adorno feito com dentes de raposa – Esqueleto 4 – Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Esqueleto 5 ‐ criança com 6 anos ± 24 meses, do sexo masculino portava um adorno constituído de nove caninos e quatro terceiros incisivos de jaguatirica (Felis pardalis), mais 90 caninos de raposa (Cerdocyon thous), e pequenas contas vegetais negras. Esqueleto 6 ‐ trata‐se de um infante com menos de 3 anos, possivelmente do sexo feminino, que foi enfeitado com dois colares, um composto por dois caninos de raposa (Cerdocyon thous), um terceiro incisivo e cinco caninos de jaguatirica (Felis pardalis), dois caninos de onça‐vermelha (Felis concolor), cinco caninos de onça‐
200 pintada (Panthera onça) e pequenas contas vegetais negras; o outro colar com mais de quarenta caninos de raposa (Cerdocyon thous), um canino de onça‐vermelha (Panthera onça) e pequenas contas vegetais pretas; havia ainda seis pingentes tubulares feitos com o rádio de grandes aves. Sobre esse corpo havia também blocos de ocre, sete metacarpos ou metatarsos de cervídeo (Mazama), uma sínfise mandibular de queixada (Dicotyles) e cinco conchas de Megalobulimus pintadas com ocre (Figura 92). Figura 92 ‐ Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Pingentes de ossos de ave Esqueleto 6 ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Esqueleto 7 ‐ criança do sexo feminino entre 5 e 6 anos de idade, não se apresentava com adorno no pescoço, mas possivelmente tinha uma pulseira ou cinto feito de contas de sementes, pois foram encontradas pequenas contas vegetais negras abaixo da pelve, onde estava uma das mãos, um metacarpo adulto completo esquerdo 201 de cervídeo (Mazama) junto ao crânio e três conchas de Megalobulimus completam o enxoval funerário deste indivíduo. Esqueleto 8 ‐ adulto jovem do sexo feminino com idade entre 20 e 25 anos, não portava nenhum tipo de adorno, nem qualquer aparato. Esqueleto 9 ‐ um infante com menos de 3 anos, com indício de ser do sexo masculino, tinha um adorno compreendendo 42 pingentes em osso de cervídeo (Mazama), 80 caninos perfurados de raposa (Cerdocyon thous), um canino de onça‐
vermelha e nove caninos de felinos do tamanho da jaguatirica (Figura 93); um pingente em placas de tartaruga, grande, com pequenas contas vegetais negras. À direita do crânio foi encontrado um suporte de argila com incrustações de pequenas placas de tatu. Observa‐se a presença de miçangas perfuradas na altura da pelve, o que significa que a criança poderia estar usando uma pulseira. Figura 93 ‐ Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Pingentes em ossos de cervídeo. Esqueleto 9 ‐ Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Esqueleto 10 ‐ como o indivíduo 6, o esqueleto 10 é um infante, provavelmente do sexo feminino, apresentava‐se igualmente, com dois colares, um composto de 50 caninos de raposa (Cerdocyon thous), e pequenas contas vegetais negras; outro colar foi feito com cinqüenta caninos completos e dois terceiros incisivos de raposa (Cerdocyon thous) (Figura 94); além de finas fibras vegetais. Ao esqueleto 202 estavam associados blocos de ocre, duas meias mandíbulas fragmentadas de ouriço, dois metacarpos de cervídeo (Mazama), além de três chifres. Entre os esqueletos 6 e 10 estava uma meia mandíbula fragmentada de ouriço e um chifre de cervídeo. Entre os esqueletos 8 e 10 se encontravam, igualmente, um fragmento de uma mandíbula direita de ouriço. Havia ainda um bloco de ocre no topo do crânio do esqueleto 10 e, abaixo do mesmo esqueleto havia uma concentração de lítico e ocre. Figura 94 – Adorno feito com dentes de raposa e de felinos. Esqueleto 10. Sepultura 2 ‐ Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Esqueleto 11 ‐ devido está representado por alguns ossos, não foi possível determinar o sexo e a idade. Associado a ele, estava um colar formado por 33 caninos de raposa (Cerdocyon thous), e 10 de jaguatirica (Felis pardalis), metacarpos adultos de cervídeo, fragmentos de ocre e conchas de Megalobulimus. Esqueleto 12 ‐ é uma criança do sexo feminino com 7 anos ± 24 meses de idade, tinha um adorno formado por mais de 75 caninos perfurados de raposa (Cerdocyon thous), um canino de onça‐vermelha (Felis concolor) e um pingente em concha de lamelibrânquio biperfurada. Também compunham seu enxoval, duas sínfises mandibulares de queixada, um metacarpo de cervídeo e três conchas de Megalobulimus. 203 Um adorno composto por 44 pingentes em osso de Mazama, dos quais 37 inteiros, dois caninos de onça‐vermelha (Felis concolor) e cinco de um felino do tamanho de uma jaguatirica e conchas de Megalobulimus, que durante a escavação foi identificado como sendo do esqueleto n° 13, da sepultura 2, (que faz parte do ossuário, ossos que foram remexidos), não corresponde a nenhum esqueleto; em virtude de que na ocasião das análises dos ossos para o estudo bio‐antropológico, estes ossos constituíram o esqueleto 8, que apresentava‐se incompleto. Na Figura 95 observam‐se os tipos de pingentes que se encontram associados aos esqueletos. Analisando a figura, os adornos encontram‐se distribuídos, como seguep. ‐ os dois infantes (6 e 10) apresentam‐se com pingentes de dentes de felinos e de canídeos, enquanto um (6) possui ainda um pingente tubular de ave; ‐ o infante (9) possui um pingente de osso de Mazama e um pingente de dentes de felinos e de canídeos, além de pingente de placa de tartaruga e, possivelmente um adorno de cintura ou uma pulseira; ‐ três crianças do sexo feminino apresentam‐se ornadas com adornos, uma da sepultura 1, esqueleto 1 tem um pingente de contas e gastrópodes e um cinto ou uma pulseira feito de contas vegetais pequenas; duas da sepultura 2, o esqueleto 4 possui três pingentes, um com 13 ossos de Mazama, outro com 180 dentes de canídeos e felinos e um terceiro de valva de lamelibrânquio e o esqueleto 12 estava com um pingente com 76 dentes de canídeos e felinos e um pingente de valva de lamelibrânquio. Uma quarta criança, também do sexo feminino não trazia no pescoço qualquer adorno, mas no entorno do esqueleto havia outros tipos de oferendas; ‐ duas crianças do sexo masculino, da sepultura 2, primeiro o indivíduo 2 que trazia como enxoval funerário um pingente com 25 ossos de Mazama, um pingente com 2 dentes de canídeos e um de valva de lamelibrânquio e o esqueleto 5 que portava somente um pingente com 103 dentes de canídeos e felinos; ‐ um adulto jovem do sexo masculino tinha no pescoço um pingente com 11 ossos de Mazama e um adorno de braço ou de cintura; 204 ‐ um in
ndivíduo, ad
dulto jovem
m, do sexo ffeminino (8
8) não possu
uía nenhum
m tipo de ad
dorno; ‐ um in
ndivíduo, adulto madu
uro, do sexxo masculin
no estava ccom um sim
mples pingeente de con
ntas e gastró
ópodes; ‐ junto ao indivíduo (11), ind
determinad
do, represen
ntado por aalguns osso
os, foi enco
ontrado um pingente co
om 43 denttes de caníd
deos e felino
os. uição de tipos de pingentes por indivíduo
o Figuraa 95 ‐ Distribu
180
180
Pingente de co
ontas e gastrop
póde
Quantidade de elementos
Quantidade de elementos
160
Pingente de osso de Mazama
140
120
103
102
os e Pingente de deentes de felídeo
canídeos
90
100
76
80
Pingente de valva de lamelibrânquio
o
56
60
40
Pingente tubular em rádio de ave
44
4
43
42
25
5
11 13
2
1
20
67
2
1
3
1
Pingente de pllaca de tartarugga
7
0
Sepulturaa 1
Sepultura 2
Esqueleto 13
Sem esqueleto
Esqueleto 12
Esqueleto 11
Esqueleto 10
Esqueleto 9
Esqueleto 9
Esqueleto 8
Esqueleto 7
Esqueleto 6
Esqueleto 5
Esqueleto 4
Esqueleto 3
Esqueleto 2
Esqueleto 1
Megalobulimuss S
Sepultura 3
Sínfise mandibular de pecarí
metatarso de Mazama
Metacarpo e m
Chifre de Mazaama
pultura e esqueeletos
Sep
•
Sepulturra 3 Esqueleeto 13 ‐ co
orresponde a um indivííduo adulto
o masculino,, apresentava‐se modestamente enfeitado; só portava um pingente feito com
m um fragm
mento de co
oncha perfu
urada e algu
umas pequeenas contass vegetais negras. 205 5.1.2.2. Material líítico O material lítico evidenciad
do na Tocaa do Enoq
que foi anaalisado 44 e, está repreesentado por p 301 peçças, predom
minando oss fragmento
os com 156
6 (52%); seguida pelass estilhas com 50 peçaas e lascas com córtex com 49, ambas a
(16%
%); e lascass sem córteex com 20 ((7%). Os naturais com 11 (4%), oss núcleos co
om 10 (3%), as ferramentas com 5 peças (2%
%) são as que possuem
m menor qu
uantidade (FFigura 96). Figuraa 96 ‐ Percenttual do materiial lítico por cllasse 7%
4%
% 3% 2% 0%
16%
Estilha
Fragmentto
16%
Lasca com
m córtex
52%
Lasca sem
m córtex
Natural Núcleo
Ferramen
nta
do geral, a matéria‐prima mais uttilizada é o sílex com ((32%), o qu
uartzo De mod
com 23%, o qu
uartzo hialino com 19
9%, o quartzito e o arenito a
com
m 8%. As outras o
o representaadas (Figuraa 97). matéérias‐primass são pouco
44
. Analisado pela eq
quipe do laboratório e da reserrva técnica do m
material lítico‐FFumdham 206 Figurra 97 ‐ Percenttual da matérria‐prima por cclasse 0%
1%
8%
5%
4%
Q
Quartzo
23%
%
Q
Quartzito
Q
Quartzo hialino
8%
Siilex
Arenito
3
32%
19%
%
Siiltito Caanga
Co
onglomerado
M
Micaxisto
No quee diz respeitto ao uso d
da matéria‐p
prima, o síleex é a que mais se desstaca, repreesentada principalmen
nte nos fraggmentos (4
44), lascas com c
córtex (20), as estilhas (18) os núcleos (8) e as laascas sem córtex c
(7). O O quartzo é é a segunda matéria‐p
prima mais utilizada, ccom 38 fraggmentos, 19 lascas sem córtex e 9 estilhas, os núcleoss e os naturais tem 2 p
peças, cada um. O quartzo hialino
o compõe 23
3 estilhas, 2
20 fragmenttos, 7 lascaas sem córtex, 4 lascass com córteex e 4 líticos naturais. As demais matérias‐primas apresentam rep
presentatividade muito
o baixa (Figu
ura 98). Verificaa‐se que váários líticos encontravaam‐se inserridos no en
nxoval funerário, princcipalmente as estilhas que estão presentes juntos aos infantes (esqueletos 6 e 10) (Figu
ura 99) e a um indeterrminado (11). As ferraamentas, ou
u seja, os p
percutores estão assocciados a um
m infante (6) ( e a umaa criança do d sexo fem
minino (12) (Figura 10
00). O fragm
mento é a classe mais numerossa de vestíígios e, aparece em quase todo
os os enterramentos com exceçãão de duas ccrianças do
o sexo femin
nino (1 e 12
2), um infante (9) e um
m adulto jovem feminin
no (8). 207 Quantidade de peça
Figuraa 98 ‐ Relação
o classe e matééria‐prima 45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
44
3
38
Q
Quartzo
23
18
20
Q
Quartzito
20
9
0
7
5
00
Arenito
6
4
5 77
Siiltito
8
0 0
2 1
0 0
Síílex
Q
Quartzo hialino
Caanga
Co
onglomerado
M
Micaxisto
Classe lítica
Figuraa 99 – Estilh
has associadaas aos enterrramentos de dois infantees (6 e 10). Fonte: Laborratório Imagéético da Fumd
dham Figuraa 100 ‐ Percuttores associad
dos aos esqueletos 6 e 12. FFonte: Laborattório Imagéticco da Fumdhaam 208 As lasccas com córrtex estão presentes nos n enterraamentos dee cinco criaanças, cinco
o do sexo feeminino (1, 2, 4, 7 e 12
2), um infan
nte (6), um adulto joveem masculin
no (3) e um
m indeterminado (11); as lascas seem córtex aaparecem ju
unto a uma criança do
o sexo feminino (2) e um u indeterrminado (11
1) e entre os o infantes (6 e 10). O
Os núcleos estão repreesentados eem duas crianças, do ssexo feminin
no (2 e 12) e um infan
nte (6) e enttre os infan
ntes (6 e 10). De modo
o geral, a claasse que do
omina no interior dos eenterramen
ntos é a de fragmentoss, seguida p
pelas estilhaas, lascas co
om córtex, ssem córtex ee núcleos. Na Figu
ura 101, en
ncontra‐se aa demonstrração da relação entree os indivíduos e as claasses líticass. Pela qu
uantidade d
de peças líticas colocad
das junto ao
os sepultam
mentos, supõe‐se que o material lítico tinha uma função no ritual funerário. Essa relaçãão pode serr vista no enterramen
to do esqu
e
ueleto 2, dois d
líticos foram colo
ocados dentro de con
nchas, trataa‐se de um
ma lasca co
om córtex e um núcleo, fazendo parte do
o enxoval deste esqu
ueleto (Figurra 102). Na maaioria dos enterramen
ntos foi de
epositado material líttico, entretanto perceebe‐se a au
usência desstes elemen
ntos nos en
nterramento
os de uma criança do sexo mascculino (5), u
um infante ((9) e um ad
dulto jovem feminino (8
8). os enterramentos Figuraa 101 ‐ Relação entre as claasses líticas e o
Número de peça
40
40
35
30
25
20
15
10
5
0
10
44
1 1
Estilha
12
11
8
3
4
2
2
34
0 1
32
3 24
1 110 22
Ferramentaa
Lasca com ccórtex
Lasca sem ccórtex
Núcleo
Fragmento
Natural
Faixa ettária e sexo
209 Figura 102 ‐ Lasca e núcleo encontrados dentro de conchas associadas ao esqueleto 2 – Sepultura 2. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 5.1.2.3. Material malacológico Os gastrópodes pertencentes ao gênero Megalobulimus são moluscos terrestres, têm suas atividades noturnas e, habitam ambientes úmidos e sombrios, permanecendo enterrados ou sob a folhagem em decomposição no solo. Diversas conchas desse gênero são encontradas em camadas de ocupação arqueológica e junto a enterramentos. Na Toca do Enoque foram identificadas 90 conchas, sendo 88 de Megalobulimus e 2 bivalve. Deste total, 21 conchas são inteiras, 69 são fragmentos e 68 com marcas, localizadas junto aos enterramentos, fazendo parte de adornos ou do enxoval funerário (Figura 103). A grande quantidade de conchas de Megalobulimus presentes nos enterramentos neste sítio permite pensar que o fator provável que justifique essa proliferação de conchas, seja o grau de reprodução das mesmas, propiciada por um ambiente úmido 45, como falado acima. A ocorrência dessas conchas em sítios arqueológicos gera, no entanto, dúvidas quanto ao fato, se elas foram incorporadas, naturalmente ao conjunto de 45
. O sítio situa‐se no alto de uma serra, rodeado de grandes árvores, favorecendo um ambiente úmido. 210 vestígios culturais ou se sua presença está relacionada em sua utilização pelo homem, na alimentação ou na confecção de artefatos, como matéria‐prima. Plens (2007, p. 36) ressalta que alguns arqueólogos admitem o consumo de conchas pelos homens pré‐históricos em sua alimentação. Lubell (2004a, p. 81 apud Plens, 2007:36) enfatiza dizendo que, a presença de gastrópodes terrestres em sítios arqueológicos significa que estes animais foram usados como parte da alimentação destes grupos. No caso da Toca do Enoque não existem evidências de que os Megalobulimus tenham sido consumidos, pois não são encontrados traços de terem sido queimados, a não ser que tenham sido comidos crus, mas as marcas existentes não permitem dizer, se são da retirada do animal da concha. Segundo informação oral da bióloga Fátima Barbosa, o gênero encontrado no sítio é comestível. Acredita‐se que a inserção de conchas nos enterramentos está associada ao ritual funerário, visto que muitas foram arranjadas, intencionalmente sobre os esqueletos e, algumas foram pintadas de pigmento vermelho (ocre). Outra forma de uso dos moluscos seria como elemento de construção, como no caso dos sambaquis. Nas regiões Sul e Sudeste, existem muitos sambaquis que apresentam gastrópodes Megalobulimus em sua formação, como, por exemplo, o sítio Moraes, localizado no Vale do Ribeira do Iguape, São Paulo (PLENS, 2007). Plens (2007, p. 39) menciona Lubell (2004a), que associa a presença de concheiros a festins, que, por outro lado estaria ligado a rituais funerários. Sabe‐se que a utilização de conchas para a elaboração de artefatos ou adornos constitui uma característica cultural muito disseminada entre os grupos humanos que viveram no Brasil, normalmente são encontrados em sítios localizados nas regiões sul 46, sudeste 47 e nordeste. 46
. Bandeira D. R. et al. 2013 47
. Plens, C. 2007 211 Figuraa 103 ‐ Distrib
buição de concchas por faixa etária e sexo
o 34
32
35
Q
Quantidade de concha
tid d d
h
30
25
20
16
15
Inteira
1010
10
5
7
213
122
4
443
3
22
7
Marca
Fragmeento
0
Em diiferentes sítios s
arqu
ueológicos da região
o Nordestee, conchass de Megalobulimus foram en
ncontradas com freqü
üência em enterrameentos realizzados nestees sítios. Um destes síítios é a Fu
urna do Estrrago 48, 49, no qual as cconchas estavam sobree as fosssas funeráárias, dand
do a imp
pressão dee terem sido coloccadas prop
positalmentee como faazendo parrte do ritual funeráriio ou como marcaçãão de sepu
ultura (Marttin, 1994: 35
5; Lima, 198
85:99). Outro ssítio de igual importân
ncia é o Jerrimum, na rregião de X
Xingó, de accordo com Oliveira et e al. (2005), foram evidenciadas dez (10
0) estruturras funerárrias e exum
mados onze (11) indivíd
duos. Em um dos ente
erramentos,, o de nº 3, foi constatada a preseença de gasstrópodes M
Megalobulim
mus sp. e co
onchas bivalves, no enxxoval funeráário. A presença de co
onchas noss enterrame
entos da Toca T
do Enoque é notória, levan
ndo a supor que as co
onchas faziaam parte daa vida da p
população p
pré‐históricaa que 48
. Martin, G. 1994. 49
. Lim
ma, J. M. D. 1985
5. 212 habitava a região, a partir de sua utilização em rituais funerários (ver Figura 104) e, possivelmente também faziam parte da dieta alimentar. Figura 104 – Distribuição de conchas na decapagem 13 na Sepultura 2. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Fumdham As conchas de Megalobulimus foram identificadas 50, 51 e, estão associadas aos seguintes esqueletos: No pescoço de uma criança do sexo feminino (1) da sepultura 1 vê‐se uma concha perfurada, que faz parte do adorno, juntamente com algumas sementes queimadas e perfuradas. Sobre a mão esquerda há uma concha e, duas dentro na pelve. 50
. Silva, C. & Barbosa, M. F. R. 51
. Os dados sobre as conchas fazem parte da tese de doutorado de Fátima Barbosa, em andamento. 213 O esqueleto 2 é uma criança do sexo feminino e, próximo ao seu maxilar foi coletada uma concha inteira, datada por EPR em 3.884±760y BP e por C14 em 4.560±30y BP. Neste esqueleto podem‐se observar conchas de gastrópodes por todo o corpo. Dentro de conchas há líticos (Figura 105). Figura 105 ‐ Lítico dentro de concha e sobre uma criança do sexo feminino (2). Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham No adulto jovem masculino (3) foram identificadas conchas de Megalobulimus dentro da pelve, no lado esquerdo do úmero, no maxilar superior e na altura do tórax encontram‐se três conchas completas e duas fragmentadas. No esqueleto 4, criança do sexo feminino, há uma concha bivalve associada ao colar e três conchas na altura do tórax. Sobre o esqueleto 6, um infante, são observadas cinco conchas de Megalobulimus, pintadas de ocre. (ver Figura 106). Entre os esqueletos 6 e 10, os infantes, são visualizadas três conchas de Megalobulimus, talvez a função destas conchas seja destacar a relação entre os corpos. 214 No esqueleto 7, criança do sexo feminino, na altura do occipital, havia uma concha com abertura para cima e outra concha no maxilar inferior. Existem ainda duas conchas, uma sobre o fêmur esquerdo e outra sobre o direito. No esqueleto 11, indivíduos sem determinação de sexo e idade foram coletadas conchas entre os fêmures, abaixo de uma costela, entre a tíbia e a parte distal do fêmur esquerdo e, ainda sobre a pelve. Junto aos ossos do esqueleto 12 havia várias conchas inteiras e fragmentadas (Figura 85) Figura 106 ‐ Conchas associadas aos ossos de uma criança do sexo feminino (12). Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Nos esqueletos 5, 8, 9 e 10 não foram identificadas conchas associadas a eles. Os grandes gastrópodes do gênero Megalobulimus são numerosos no conjunto funerário do Enoque, além disso, os pingentes em conchas são muitos mais raros que os confeccionados com restos de vertebrados. 215 Numerosos gastrópodes estão quebrados e os fragmentos mostram, às vezes, perfurações que parecem ser naturais, levando em consideração sua morfologia e sua localização, pouco funcional para uma eventual suspensão. Segundo D’Errico, P. Jardón‐Giner & B. Soler‐Mayor (1993 apud Faure et al. 2011), a propósito das conchas marinhas, por vezes, os gastrópodes terrestres são naturalmente fraturados ou perfurados por predadores e essas perfurações podem ser confundidas com ações humanas. Dois pingentes foram feitos com conchas de lamelibrânquio, um está associado a uma criança do sexo feminino (12) e o outro a uma criança do sexo masculino (2) (Figura 107) . Figura 107‐ Pingentes elaborados em valva de lamelibrânquio (associados a duas crianças, uma do sexo feminino (12), outra do sexo masculino (2)), e um em placa de tartaruga (associada ao infante (9)). Fonte: Faure et al. 2011 Os gastrópodes terrestres do gênero Megalobulimus apresentam‐se, às vezes, pintados com ocre. Por exemplo, um exemplar está associado ao esqueleto 2. (Figura 108). Segundo Faure et al., (2011) todas as espécies conhecidas no estado fóssil (Guérin & Faure, 2008) fazem parte ainda da fauna atual da região (Araújo et al., 1998). 216 Figura 108 ‐ Megalobulimus pintado (associado ao esqueleto 2). Fonte: Faure et al. 2011 5.1.2.4. Material ósseo animal O material ósseo foi empregado, igualmente como matéria‐prima na fabricação de diferentes tipos de artefatos, principalmente nos adornos. Alguns animais, como os cervídeos e os tatus, fazem parte da dieta alimentar do homem, provavelmente, eles não foram abatidos, unicamente para a confecção de adornos, mas, também consumidos, entretanto não há vestígios ósseos destes animais nas fogueiras evidenciadas no sítio. De acordo com Faure et al., (2011), os metatarsos de cervídeos, as diáfises de aves e os dentes de canídeos e felinos foram os elementos essenciais para a confecção dos adornos. Estão associadas ainda, ao enxoval funerário, peças enigmáticas como incrustações de placas de carapaça de tatu na argila e restos ósseos animais não trabalhados, como mandíbulas de caititu (Dicotyles tajacu), mandíbulas de ouriço (Coendu prehensilis), chifres e metatarsos de cervídeo. A descrição da confecção dos elementos dos adornos em osso de cervídeos tomou como base o trabalho realizado pelos especialistas em sua publicação 52. Foi 52
. Descrição feita a partir do artigo Faure et al., 2011, p. 296‐306 217 feita a análise sobre os pingentes, totalizando 135 elementos, fragmentados ou incompletos, elaborados a partir de ossos de cervídeos (Mazama), que são animais pequenos com chifres simples com uma só ponta. Os pingentes foram feitos em sua maioria com metatarsos de cervídeo (Mazama gouazoubira e/ou americana); somente três não têm perfeitamente as mesmas características morfológicas e poderiam ter sido elaborados em outro tipo de osso longo. Conforme Faure et al., (2012), o metatarso de pequenos ruminantes se presta, perfeitamente à realização de tais objetos; que são cortados longitudinalmente no seu plano sagital utilizando‐se de seus dois sulcos anterior e posterior, cada metade produz um pingente. Cada metade foi transformada em pingente por simples polimento das partes proximais e, às vezes, as distais foram também arredondadas e, uma perfuração foi feita do lado proximal para pendurar o pingente. Todos os pingentes têm aproximadamente o mesmo comprimento, em função do tamanho do osso original. As relações das dimensões de comprimento total pela largura no nível da perfuração variam de 70,5X 13,5 mm e 76 X 8 mm até 127 X 14 mm. Os metatarsos utilizados são das espécies Mazama gouazoubira e Mazama americana. Os pingentes do Enoque foram, portanto, confeccionados com metatarsos de uma ou outra desta espécie, que coexistiram na época. Metatarsos não trabalhados referentes somente ao cervídeo (Mazama gouazoubira) estão da mesma forma, presentes nos enterramentos. Em conformidade com Faure et al., (2011), a técnica de lascamento de metatarsos de cervídeos utilizada no Enoque é conhecida em outros contextos culturais, como por exemplo, para a fabricação de espátulas na Fase Paranaíba (Tradição Itaparica) entre 8.000 e 6.000 BP. em Goiás e em Minas Gerais (Schmitz 1987; 2004, figura 8; Schmitz et al., 1989p. 181‐187, figura 67). No total são 135 pingentes e 15 ossos do metacarpo ou metatarso do Mazama, inseridos no enxoval funerário, os pingentes nos adornos e os ossos não trabalhados estavam junto ou sobre o morto (Figura 109). 218 44
2
42
2
25
11 13
Pingente em
m osso de Mazam
ma
Sepulturaa 1
Sepultura 2
Esqueleto 13
000
Sem esqueleto
Esqueleto 12
Esqueleto 11
Esqueleto 9
Esqueleto 9
Esqueleto 10
Esqueleto 8
Esqueleto 7
Esqueleto 6
Esqueleto 5
Esqueleto 4
Esqueleto 3
6
3
000 00 10 00 000 0 1 001 000 00 011 0 0 010
Esqueleto 2
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Esqueleto 1
Q
Quantidade de elementos
id d d l
Figuraa 109– Distribuição dos pingentes em ossos de cervíde
eo por esquelleto Metacarpo d
de Mazama não
o trabalhado
Metatarso de Mazama não trabalhado
Sepultura 3 Esq
queleto por sepultura
Quanto
o a distrib
buição, a Figura 98 mostra oss pingentees e ossos não trabaalhados de Mazama, o
os esqueleto
os 2 e 4, crianças do seexo feminin
no, portavam
m, na devid
da ordem 2
25 e 13 pinggentes de ossso de Mazama; o indiivíduo 3, do
o sexo mascculino se ap
presentava com 13 piingentes e um metacaarpo de Mazama; o eesqueleto 9, 9 um infan
nte tinha um u adorno
o de 42 piingentes, enquanto e
u adorno
um o sem indivvíduo (indeeterminado) possuía 44 pingentess. Os metaccarpos não trabalhado
os estavam junto aos eesqueletos 6 e 10 (infantes), esqueleto 11 ((indetermin
nado) e 12 ((criança do sexo feminino). Os m
metatarsos eestavam agrregados aoss esqueletos 6, 7 e 10. Conforme Faure et e al., (2011) outros sítios locallizados na região Nordeste apresentam em
m seu mobilliário fúneb
bre, pingenttes similarees aos da TToca do Eno
oque, mais em númerro menorp. três na Peedra do Alexxandre, em Carnaúba d
dos Dantas (RN), sepu
ultura datad
da entre 4.7
700 e 4.000 anos BP; (Martin, 1995‐1996p
1
. 54, figurra 10; Marttin, 2008p. 223, figurra 59cp. 403, 4
lâm. 3a; Nogueiraa, 2001p. 135, figuraa 60), outro
os três pinggentes no Sítio Pedra do Tubarãão, em Ven
nturosa, Pernambuco (Luft, 1990
0, lâm. 19 e 22; Martin, 2008p. 40
04, lâm. 4a)). Outros elementos dee adornos fforam realizzados em materiais m
diiferentes, sobretudo s
em e pedra (llítico), o qu
ue não existe na Toca do Enoquee. Lima (198
85, lâm. 13; 1991, figurra 5) assinallou igualmeente esse tip
po de pingeente no sítio funerário
o de Furna d
do Estrago, Brejo da M
Madre de Deus (PE), daatado 219 de 2.000 anos, associado a caninos perfurados de felinos e a elementos de adornos feitos a partir de ulnas de aves. Em algumas sepulturas do Sítio Justino em Canindé do São Francisco, em Sergipe foi observado também pingentes preparados em metade de metatarsos de cervídeo (Mazama). O sepultamento 118, datado de 2.650 ± 160 anos BP apresenta‐se com 16 pingentes (Vergne, 2005). Estes exemplares diferem dos encontrados no Enoque notadamente por seu tamanho (seu comprimento compreende entre 111,5 e 137,5 mm, comprimento médio 124,8 mm, mais largo do lado da perfuração 13,7 a 17 mm, largura média 15 mm) e a forma mais pontuda da extremidade oposta à perfuração (Carvalho, 2003, apud Faure et al., 2011). No mesmo sítio, no sepultamento 131 foram evidenciados ossos longos de aves. Os adornos encontrados nos pescoços dos esqueletos da Toca do Enoque são formados por pingentes, feitos em dentes de carnívoros, perfurados, associados às pequenas contas vegetais negras e algumas conchas perfuradas, principalmente Megalobulimus. Todos os dentes utilizados são dentes de Carnívoros, essencialmente caninos e alguns raros incisivos. Os dentes perfurados de felídeos são muito mais raros que os dos canídeos. Na área da Serra da Capivara e da Serra das Confusões existem vários felinos de tamanho variado: entre as espécies de tamanho pequeno, encontra‐se a jaguatirica (Felis pardalis); outro felino de tamanho médio é o gato vermelho (Felis yagouaroundi), que é menor que a jaguatirica. Entre os grandes felinos, destacam‐se a onça‐vermelha (Felis concolor), grande carnívoro e a onça‐pintada (Panthera onça), que é o maior mamífero predador terrestre atual da América do Sul. Em todos os adornos foram utilizados dentes de felinos e/ou canídeo, mas um colar associado ao esqueleto 6 (infante) foi confeccionado com dentes de onça‐
pintada, onça‐vermelha e jaguatirica (ver Figura 110). Outros colares foram confeccionados com dentes caninos perfurados de um pequeno canídeo, raposa, (Cerdocyon thous). Quase todos os adornos eram 220 elaborados com dentes de raposa Pelo menos 7 indivíduos portavam este tipo de adorno. 180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
160
100
90
80
42
0 2 0
75
33
0 0
0 0
Caninos de raposa (Cerdocyon thous)
Esqueleto 1
Esqueleto 2
Esqueleto 3
Esqueleto 4
Esqueleto 5
Esqueleto 6
Esqueleto 7
Esqueleto 8
Esqueleto 9
Esqueleto 10
Esqueleto 11
Esqueleto 12
Esqueleto 13
Indeterminado
Número de dente
Figura 110 ‐ Distribuição entre os indivíduos dos colares feitos em dentes de raposa Número de indivíduo
O adorno associado ao esqueleto 4 (criança sexo feminino) é composto do maior número de caninos de raposa (Cerdocyon thous) conta com mais de 160, sem levar em conta, numerosos fragmentos pequenos. Para a confecção de colares, na sepultura da Toca do Enoque, foram utilizados cerca de 600 caninos perfurados completos ou incompletos de canídeos. Considerando‐se que há quatro caninos por animal, isso representa a captura de cerca de 150 indivíduos. Além de ossos de cervídeo e dentes empregados na confecção de adornos, ossos de aves, placas de tartarugas e conchas foram, igualmente usados na elaboração de pingentes. Sobre o infante (6), na altura da cintura, foram encontrados seis ossos tubulares cortados, de diáfises de ulnas de grande ave (ver Figura 111). Este tipo de vestígio é ainda observado no sítio Pedra do Tubarão (PE), Luft (1990, lâm. 18‐23) assinala e reproduz elementos de colar em úmero de ave, assim como um pingente realizado em um esterno. Também no Sítio Justino no sepultamento nº 131 foram evidenciados ossos longos de aves sobre o antebraço do indivíduo. 221 Além dos dentes de felinos e canídeos, conchas, entre outros, placa de tartaruga foi, igualmente utilizada na confecção de um pingente, sendo raspada sobre sua face externa e, está associada ao adorno do infante (9). As incrustações de placas de tatu em argila (Figura 90) também fazem parte do enxoval funerário. Elas se encontram associadas entre os esqueletos de duas crianças, uma feminina (4), outra masculina (5) e ao longo dos membros inferiores do esqueleto um adulto jovem masculino (3) e próximo ao crânio do infante (9). Foram dispostas sobre sua face interna, justapostas e alinhadas, sobre um suporte argiloso levemente convexo. Estas incrustações são enigmáticas e não permitem interpretações. Figura 111 ‐ Incrustações de placas de tatu em argila encontrada ao lado do esqueleto 9. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Além dos elementos de adornos, restos animais não trabalhados estão associados aos esqueletos humanos, possivelmente façam parte de rituais funerários (oferendas, sacrifícios ou restos de uma refeição funerária). Deste material foram identificados: Dez chifres de animais caçados (um deles tem uma ponta acessória, o que é raro) e quinze ossos metatarsos de cervídeos (Mazama gouazoubira). Quatro sínfises mandibulares de caititu (Dicotyles tajacu) (Figura 112). 222 Cinco meias mandíbulas de ouriço (Coendu prehensilis). As mandíbulas do ouriço são muito frágeis e muito fragmentadas, pode‐se, entretanto, observar traços de corte sobre o exemplar n° 161 876 (Figura 113). Figura 112‐ Metatarso (associado ao esqueleto 6) e chifre bífido (associado ao esqueleto 3) de cervídeo e sínfise mandibular de pecari (associado ao esqueleto 6). Fonte: Faure et. al., 2011 Figura 113‐ Mandíbula de ouriço (entre os esqueleto 6 e 10) mostrando vestígios de corte. Fonte: Faure et. al., 2011 223 Além dos elementos empregados para o fabrico de adornos, foram coletados no sítio dentes, mandíbulas e placas, dos seguintes animais: cotia (Dasyprocta sp.), rato rabudo (Thrichomys), tatu (Tolypeutes), tartaruga (Chelonia), roedores (Rodentia), réptil (Reptilia). 5.1.2.5. Vestígios vegetais O uso de vegetais nas práticas funerárias é bem representativo na Toca do Enoque. Eles são os elementos principais na preparação da estrutura da sepultura, seja como capim ou folhas. Além destes vegetais, outros são encontrados dentro dos sepultamentos ou no entorno, como as sementes e cascas, que por vezes são colocadas junto ou sobre os enterramentos. Vários sítios contendo esqueletos humanos da área arqueológica da Serra da Capivara apresentam em seus enterramentos restos vegetais de qualquer espécie. Um exemplo é a urna nº 1 da Toca da Baixa dos Caboclos, na qual foram encontradas sementes carbonizadas e, dentro da urna nº 2 foram coletados restos vegetais (folhas, galhos, madeira e palha), assim como na urna nº 8. Ainda no mesmo sítio, o sepultamento 6, no solo foram identificados restos de fibras vegetais trançadas e restos vegetais. Outro sítio que se identificou vestígios vegetais foi a Toca do Gongo, no qual um dos esqueletos estava envolvido num fardo funerário, que foi identificado posteriormente como sendo de uma fibra vegetal, provavelmente caroá (Neoglazovia variegata). Outra forma de utilizar os vegetais está na confecção dos adornos da Toca do Enoque, como colares ou pulseiras53 elaborados com sementes. Apesar de esses vegetais aparentarem com os atuais, não foi possível identificar as espécies utilizadas na elaboração dos adornos, pois as análises dos vegetais ainda deverão ser realizadas. Pela quantidade de restos vegetais recolhidos e, mesmo sem saber a espécie, a análise 53. Várias contas foram evidenciadas na pelve dos esqueletos, supondo‐se, portanto que o adorno seja uma pulseira ou possivelmente um cinto. 224 permite fazer inferências acerca da disponibilidade e aproveitamento dos recursos naturais existentes no sítio e seu entorno. Na sepultura 1 da Toca do Enoque, na decapagem 6, a presença de vegetais é visível, principalmente o capim, que corresponde a estrutura do revestimento do enterramento. Nesta sepultura foram coletados restos vegetais, tais como sementes, tanto no adorno, como no entorno do sepultamento; cascas, entre outros. Sobre a mão esquerda da criança do sexo feminino (1) há um vegetal, ainda não identificado. Na sepultura 2, múltipla, de igual modo que a primeira, foi forrada com capim, sobre o qual, os corpos foram depositados. No esqueleto 3, adulto jovem de sexo indeterminado, observa‐se o aparecimento de muitas contas vegetais na altura da pelve, sugerindo que, seja uma pulseira colocada no braço, que estava sobre a pelve. No adorno do esqueleto 6 (infante), há presença de contas vegetais em sua confecção. Entre os esqueletos 5 (criança do sexo masculino) e 9 (infante), há um vegetal não identificado, possivelmente uma casca. O colar do esqueleto 9 foi composto, também de contas vegetais. Ainda neste esqueleto havia a presença de contas perfuradas na altura da pelve, o que pode significar que a criança poderia estar usando uma pulseira. Entre os esqueletos 6 e 10 (infantes) foram observados vegetais (casca e semente). Folhas e capim fazem parte do preenchimento da sepultura 3. Nesta sepultura foram coletadas muitas folhas, capim e madeira queimadas. Sementes não foram encontradas neste enterramento. Como exposto acima, os vegetais foram bastante utilizados na Toca do Enoque, não somente na preparação da sepultura, como na confecção dos adornos e, às vezes eram colocados entre os esqueletos. 5.1.2.6. Material corante Ocre é um termo geral para óxido de ferro hidratado, é um elemento utilizado em sítios pré‐históricos, freqüentemente ligados ao comportamento ritual, para 225 elaboração de registros rupestres ou para a de enterramentos. Ele pode ser encontrado sob a forma de blocos, bastões ou em pó. Segundo Cavalcante et al. (2005), no Brasil, há referências de vários sítios onde foi comprovado o uso de pigmento em enterramentos pré‐históricos, como na costa catarinense e em estados do Nordeste. Analisando os blocos de óxido de ferro, em suas variações, vermelha e amarela, Cavalcante et al. (2011) chegou a conclusão que o ocre vermelho trata‐se da hematita (α‐Fe2O3) e o amarelo, a goetita (α‐FeOOH), ambos utilizados na Toca do Enoque. Os esqueletos foram pintados com ocre vermelho e o amarelo foi encontrado, às vezes, junto aos enterramentos. No Nordeste têm‐se exemplos em vários sítios, como a Furna do Estrago, que de modo geral, utilizou o ocre nos rituais de enterramentos, seja sob a forma de blocos facetados colocados ao lado do crânio, seja triturada, colocado sobre a nuca ou na região do ventre (LIMA 1985p. 99). Ainda na Furna do Estrago, segundo Schmitz et al. (2012) observa‐se a ocorrência de fragmentos de matéria corante elaborada (ocre), alguns apresentam uma superfície aplanada com estrias paralelas, possivelmente para retirada do pigmento, sugerindo a sua utilização na pintura dos painéis situados na proximidade do sítio. Outro sítio de igual importância, no que diz respeito ao uso do ocre, é a Pedra do Alexandre, no qual os ossos foram pintados em vermelho e cobertos de pigmento finamente pilado ou peneirado. O ritual de cobrir os ossos de crianças de poucos meses ou anos com pigmento vermelho, seja com blocos, seja em pó, repete‐se em outros enterramentos do abrigo. Outra característica deste sítio é a presença de óxido de ferro (ocre) com marcas de uso, que possivelmente tenha sido utilizado na elaboração dos registros rupestres (Martin, 1995). A prática de utilizar ocre sobre sepultamentos, também foi observado nos enterramentos secundários do sítio Alcobaça, no qual junto aos ossos pintados, foram encontrados também pedaços de ocre (óxido de ferro) com marcas de utilização (Martin, 2005; Silva, 2003). 226 D’Errico & Dubreuil (2005) relatam que corantes com traços de utilização foram descobertos em sítios datados do Paleolítico Médio e, mais raramente no Paleolítico Inferior, entretanto apenas no Paleolítico Superior, eles começam a ser utilizados de forma sistemática, havendo provas arqueológicas de sua utilização como suporte de um pensamento simbólico. Em escavações realizadas no sítio Santa Elina, em Mato Grosso, foram encontradas várias centenas de corantes que possuem estigmas de transformação e/ou de utilização. No total foram descobertos no sítio, 400 fragmentos de corantes vermelhos, dos quais 40% apresentam traços de fraturas e abrasão. Os pesquisadores acima citados estudaram os corantes como matéria‐prima submetida a reduções sucessivas de volume, da mesma maneira que os utensílios líticos, assim como a análise do estado da superfície dos fragmentos pigmentados para o estudo das modificações morfológicas. Os estigmas encontrados sobre os blocos de corantes descritos na literatura são: quebra, esfregamento ou raspagem, brilho, cúpula, entalhe etc., os quais indicam um emprego direto ou uma transformação da matéria para a produção de pó. A conclusão da análise demonstrou que os fragmentos de ocre foram tratados visando à produção de pó, a partir das técnicas de raspagem e fratura, com a finalidade de elaboração dos registros rupestres. Na Toca do Enoque, a presença do ocre é expressiva, pois foram identificados aproximadamente 105 blocos, sendo que quarenta e cinco têm tamanho de cerca de 10 cm e, apresentam traços de raspagem. Essa quantidade de blocos de ocre com traços de raspagem permite supor que os mesmos tenham sido certamente, empregados para a elaboração dos grafismos rupestres e para fabricação do pó para colocar sobre o corpo do indivíduo nos enterramentos (Figura 114). 227 Figura 114‐ Placas de ocre associadas ao esqueleto 6. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham Os blocos de ocre foram colocados sobre os esqueletos ou sobre os crânios, como no caso dos infantes (6 e 10) (Figura 20). O ocre em pó é abundante, nota‐se praticamente que todos os esqueletos foram cobertos com ele, do mesmo modo, sobre alguns componentes de adorno. A distribuição dos blocos de ocre ou em pó aspergido sobre os esqueletos da Toca do Enoque é a seguinte: Esqueleto 1 ‐ criança sexo feminino tinha um bloco de ocre sobre o braço e outro no lado do fêmur esquerdo. Havia uma mancha vermelha de ocre dentro da pelve. Esqueleto 2 ‐ criança sexo feminino notava‐se a presença de ocre aspergido na altura do tórax, no crânio, sobre as costelas, assim como na parte superior dos fêmures e dentro da pelve. Esqueleto 3‐ adulto jovem sexo masculino apresentava‐se com ocre na altura do tórax e do fêmur. Observa‐se ainda ocre dentro da caixa torácica. Esqueleto 4 ‐ criança sexo feminino havia bastante ocre no crânio e na parte superior do tórax. 228 Esqueleto 5 ‐ criança sexo masculino sobre a cabeça e o tórax nota‐se sedimento com ocre. Esqueleto 6 – infante sobre o crânio havia um bloco de ocre com marcas de uso, assim como na altura do abdômen, no lado externo do esqueleto e nos pés. Esquerdo 7 ‐ criança sexo feminino tinha duas placas de ocre, uma sobre o fêmur esquerdo e outra sobre a parte esquerda da pelve e, ainda foi aspergido ocre sobre as vértebras Esqueleto 8 ‐ adulto jovem sexo feminino o crânio estava impregnado de ocre e em volta do esqueleto. Esqueleto 9 – infante, o crânio estava impregnado de ocre. Na junção da pelve esquerda com o fêmur foi colocado um bloco de ocre. O esqueleto 10 – infante sobre o crânio havia um bloco de ocre com marcas de uso. No esqueleto 11 (indeterminado o sexo) foi aspergido ocre entre a omoplata e o fêmur direito, na porção distal do fêmur esquerdo e, também na parte externa da tíbia, bem como no fêmur esquerdo e na tíbia e dentro de uma concha havia ocre em pó. 5.1.2.7. As estruturas de fogueiras e blocos associados Na profundidade de aproximadamente 15 cm de foram evidenciadas várias estruturas de combustão 54, junto as sepulturas 1, 2 e 3, em geral ficavam no entorno das mesmas. Durante a escavação da Sondagem 1, na qual foi evidenciada a sepultura 1, pôde‐se verificar a presença de duas fogueiras, denominadas de 1 e 2. Elas estavam vinculadas a existência de dois arranjos de blocos de arenito, cerca de 10 cm do solo 54 . Como definido por Parenti (2001, p. 115). 229 atual, ambos posicionados ao longo da parede rochosa, sendo que havia um grande bloco, paralelo a parede que serviu para formar a fogueira 1, estava estruturada próxima da parede rochosa quase embaixo do grafismo puro (círculos concêntricos), na qual foram evidenciados carvões. Os blocos do segundo arranjo formavam uma segunda estrutura, avermelhada, com indícios de ter sido queimada, entretanto não havia carvões. No local, que posteriormente foi evidenciada a sepultura 1, uma mancha de cor cinza na 5ª decapagem tornou‐se visível, o que permitiu supor que fosse uma fossa funerária, sobre a qual observou‐se a presença de blocos de arenito. No decorrer da retirada dos blocos constatou‐se que se tratava de uma sepultura, denominada 1. A existência dos blocos sobre a sepultura talvez esteja ligada, possivelmente a identificação e preservação do local, bem como para proteger o esqueleto de animais cavadores. Na decapagem 8, cerca de 15 cm, foi evidenciado o esqueleto humano embaixo dos blocos da estrutura 2, que foi chamado de esqueleto 1, descobriu‐se que havia uma acomodação de três blocos sobre o crânio do referido esqueleto. Na segunda etapa dos trabalhos de escavação 55 foram evidenciadas três estruturas de combustão paralelas à parede rochosa e outras duas na parte externa da parede, numa profundidade de cerca de 20 cm do solo atual. Todas apresentavam com bastantes carvões espalhados, no interior das estruturas, encontravam‐se na área onde posteriormente foi descoberta a sepultura 2. As fogueiras e as datações estão descritas no capítulo 3. Os carvões concentrados nas estruturas de combustão, possivelmente, na maioria das vezes, tenham origem das fogueiras que foram utilizadas nas atividades especializadas dos rituais funerários ou para o preparo de alimentos. As estruturas de combustão do sítio agrupavam grande quantidade de carvões, mais de uma centena de amostras foram coletadas. Algumas foram datadas por C14, enquanto, o restante 55. Ampliação da área de escavação para o lado noroeste do sítio. 230 das amostras foi guardado para posteriores análises, com vistas a obter, também informações de cunho paleo‐ecológico. A presença de diversas estruturas de combustão, manchas escuras, grande quantidade de carvões em toda a área dos enterramentos sugere que, estas foram construídas durante o ritual de enterramento, uma vez que todas as estruturas das sepulturas foram preenchidas com o sedimento queimado, certamente retirado das fogueiras. No lado sudeste da escavação (lado da sondagem inicial) foi evidenciado uma área com concentração de pequenos blocos e sob um grande bloco da superfície havia mandíbula humana parcialmente queimada, observou‐se que junto havia mesmas folhas. Vários blocos de arenito em outros enterramentos foram notados, também no local onde foi evidenciada uma mandíbula humana na sepultura 3. Um grande bloco, que se encontrava inclinado, foi colocado sobre a mandíbula, a área estava totalmente queimada, entre os blocos o solo apresentava‐se cinzento com carvões e cinza. Na decapagem 8, na altura de 20 cm pôde‐se observar que realmente houve uma estrutura formada por grandes blocos, onde talvez tenha sido colocado o indivíduo e depois colocaram fogo, pois os blocos estão em decomposição por causa do fogo. A existência de várias fogueiras ou fogos por toda a área sugere que os homens pré‐históricos as construíram durante o ritual funerário. Talvez esse sedimento queimado contendo cinza e carvões tenham propiciado na conservação dos ossos. 5.2. Toca do Alto do Capim O esqueleto foi inumado numa cesta na cova 13, pertence a uma criança com cerca de 6‐7 anos na altura da morte. O indivíduo foi colocado numa rede e, 231 posteriormente numa cesta, tapada. A forma do enterramento, acrescida aos elementos contidos junto à criança, como um adorno elaborado feito de dentes de roedor e felino, entre outros, indicam que esta criança teria um destaque importante na sociedade em que estava inserida (Figura 115 ). Figura 115 – Adorno feito de dentes de roedores. Toca do Capim. Fonte: Laboratório Imagético da Fumdham 5.3. Descrição e análises dos sítios da bacia sedimentar 5.3.1. Sítios da Serra da Capivara 5.3.1.1. Análises bio‐antropológicas No conjunto de sítios na Serra da Capivara, no que diz respeito à idade dos indivíduos, foi analisada uma amostra compostos por 21 esqueletos, assim distribuídos: 7 crianças, todas da Toca do Gongo, sendo que uma está em urna (2), assim como dois adolescentes. Os adultos jovens são sete, seis do Gongo e um do 232 Paragguaio. Há cinco c
adulttos maduro
os, três no Gongo, um
m no Paragguaio e um
m nos Coqu
ueiros (Figura 116). Figuraa 116 ‐ Distrib
buição da faixaa etária por síttio da bacia se
edimentar 7
Número de indivíduo
7
6
6
5
4
3
3
2
2
Paraguaio
1
1 1
1
Gongo
0
Coqueiro
os
Faixa etária
Com reeferência ao a sexo, naa amostra de 21 indivíduos, cinco são do sexo mascculino, três do Gongo, e um no Paaraguaio e o
outro nos C
Coqueiros; ee quatro do
o sexo feminino, um no
o Paraguaio
o e três no G
Gongo I. Os indivíduos de sexo ind
determinado são 12, to
odos do Go
ongo I (Figurra 117). Figuraa 117 ‐ Distrib
buição do sexo
o por sítio da b
bacia sedimen
ntar 12
Número de indivíduos
12
10
8
Paraguaio
6
3
4
Gongo
3
Coqueiros
2
1
1
1
0
Mascculino
Feminino
ND
Sexo
233 Na Tabela pode‐se observar a distribuição dos indivíduos com relação ao sexo e idade por sítio Tabela 5 ‐ Distribuição dos indivíduos por idade e sexo por sítio Sepultura Paraguaio – Sep. 1 Gongo ‐ Sepultura 1 Gongo – Seputura 2 Gongo ‐ Sepultura 3
Gongo ‐ Sepultura 4 Gongo ‐ Urna 1 Gongo ‐ Urna 2 Coqueiros – Sepultura 1
Esqueleto
Idade
Sexo Esqueleto 1
25 a 30 anos
Masculino Esqueleto 2
35 a 40 anos
Feminino Esqueleto 1
7 anos
ND
Esqueleto 2
27 a 30 anos
Masculino Esqueleto 3
35 e 50 anos
Masculino Esqueleto 4
Adulto
Feminino Esqueleto 5
Adulto
ND
Esqueleto 6
Esqueleto 1
6 anos
4 anos
ND
ND
Esqueleto 2
Esqueleto 1
Esqueleto 2
6 anos
50 anos
Adulto jovem
ND
Masculino ND
Esqueleto 3
40 a 45 anos
Feminino Esqueleto 4
10 anos
ND
Esqueleto 1
25 anos
Feminino Esqueleto 2
6 a 12 anos
ND
Esqueleto 1
12 a 16 anos
ND
Esqueleto 2
Adulto
ND
Esqueleto 1
Juvenil
ND
Esqueleto 2
7 anos
ND
Esqueleto 1
>30 anos < 50 anos
Masculino 5.3.1.2. Os elementos culturais dos sítios da Bacia Sedimentar Na figura 118 percebe‐se que há quatroze indivíduos que foram enterrados de forma secundária, são os do Gongo que foram introduzidos nos sepultamentos primários ou foram enterrados em urnas. Somente sete são primários, dois do Paraguaio, um dos Coqueiros e quatro do Gongo I. 234 Figuraa 118 – Distrib
buição do tipo
o de enterram
mento por sítio
o 14
14
Número de indivíduo
Número de indivíduo
12
10
8
Primária 6
4
4
Secundária
2
1
2
0
Paraguaio
Gongo
Coqueiros
os
Sítios estudado
Quanto
o ao tipo de d articulaçãão, a maioria dos ind
divíduos esttá desarticu
ulada, provavelmente fazem paarte dos remanescen
ntes ósseoss que são intrusivoss nas sepu
ulturas do G
Gongo, reprresentada p
por 14 indivvíduos, enquanto os arrticulados ssão 7, de in
numações p
primárias. (FFigura 119).
Figuraa 119 – Distrib
buição dos enterramentos eem função do
o tipo de articu
ulação 14
14
Número de indivíduo
Número de indivíduo
12
10
8
Articu
ulado
6
4
Desarrticulado
4
Semi‐‐articulado
2
1
2
0
P
Paraguaio
Gongo
Coq
queiros
Sítios estudaados
235 5.3.2. SSítios dos affloramentoss cársticos
5.3.2.1. Análises b
bio‐arqueoló
ógicas Nessa áárea de pessquisa quatro sítios puderam entrrar na discu
ussão dessa tese, é a TToca do Barrigudo, Tocca da Santa,, Toca das M
Moendas e TToca da Basstiana 56. A partir de uma amostraa 15 esqueletos, parciaalmente completos e rrestos ósseo
os. No Barriigudo existe uma crriança, um adulto e e um não determinaado; na SSanta, três não determinados, n
nas Moendaas, duas crianças e um
m adulto e a Bastiana ap
presenta‐se
e com duass crianças, u
um adolesceente e um aadulto madu
uro; a Toca da Santa, o
os indivíduo
os são indetterminadoss (3). (Figuraa 120). Figuraa 120‐ Distribu
uição da faixa etária por síttio dos afloram
mentos calcárrios 3
3
Número de indivíduo
3
2,5
2
2
2
1,5
1
1
11
1
1
Barrigudo
Bastiana
0,5
Moendas
0
Santa
Faixa etária
No toccante ao seexo dos ind
divíduos do
os aflorameentos, estes se encon
ntram assim
m distribuíd
dos: no Barrrigudo, um é masculin
no e dois nãão determin
nados, na SSanta, 56
. Estes dois últimoss sítios apresen
ntam datações superiores há 12.000 anos, q
que não foram realizadas a paartir de elementos orgânicoss, mas mesmo assim outras datações, tam
mbém feitas com outros vestíígios que o orrgânico, fornecceu idades inferriores há 12.000
0 anos, permitiindo inserí‐los n
no contexto da tese. 236 três não deteerminados, nas Moendas, doiss são massculinos e dois são não e na Bastiaana um masculino, do
ois feminino
o e dois nãão determin
nados determinados e, (Figu
ura 121). Figuraa 121 ‐ Distrib
buição do sexo
o por sítio doss afloramentos calcários 3
Número de indivíduo
3
2,5
2
2
2
2
2
1,5
1
M
Masculino 1
Feeminino
1
ND
0,5
0
Barrigu
udo
Bastian
na
Moendaas
Santa
os estudados
Sítio
Na Tab
bela 6 apreesenta‐se a a distribuiçção da idad
de e sexo por sítio e e por sepu
ultura. duos por idad
de e sexo por ssítio Tabela 6‐ Distribuiçção dos indivíd
Sepultura Esqueleto
Idade
Sexxo Baarrigudo ‐ Sep
p. 1 Esqu
ueleto 1 40 ano
os
Masculino Baarrigudo ‐ Sep
p. 2 Esqu
ueleto 2 3 a 5 anos
ND
Baarrigudo ‐ Sep
p. 3 Esqu
ueleto 3 ND
ND
Esqu
ueleto 1 15 a 18
8 anos
Feminino Esqu
ueleto 2 40 ano
os
Masculino Esqu
ueleto 3 2 a 3 anos
Feminino Esqu
ueleto 4 8 a 9 anos
ND
Esqu
ueleto 5 Esqu
ueleto 1 9 a 11 anos
2 a 4 anos
ND
ND
Moendas – Sep
p. 2 Moendas – Sep
p. 3 Esqu
ueleto 2 Esqu
ueleto 3 Esqu
ueleto 4 Adulto
o
3 a 7 anos
30 ano
os
ND
Masculino Masculino S
Santa – Sep. 1
1 Esqu
ueleto 1 ND
ND
SSanta – Sep. 2
2 Santa – Sep. 3 Esqu
ueleto 2 ND
ND
Bastiana ‐ Sep. 1 Bastiana ‐ Sep. 2 Bastiana ‐ Sep. 3 Mo
oendas – Sep. 1 Esqu
ueleto 3 ND
ND
237 5.3.2.2. Os elemen
ntos cultura
ais No quee diz respeeito aos ellementos culturais c
do
os sítios do
os aflorame
entos calcáários, a dep
posição seccundária do
omina, com
m sete indivvíduos e a primária com 5 (Figu
ura 122). A d
deposição ssecundária p
pode ter origem, em virtude do ambiente no
o qual estão
o inseridos os sítios, as águas dass chuvas pe
enetram, lixxiviando tod
da área baixxa de dentro dos abriigos, desta forma, os ossos humanos, ali prresentes, so
ofrem a açãão da po de depo
osição águaa, fazendo ccom que parte deles see desarticulle, influenciiando no tip
feita no momen
nto do enterrro. buição dos tip
pos de deposiçção por sítio Figuraa 122 – Distrib
3
3
Número de indivíduo
2,5
5
2
2
2
2
1,5
5
1
1
1
P
Primária S
Secundária
1
0,5
5
0
Barrigudo
o
Bastiana
Moendass
Santa
Sítioss estudados
Com relação r
a variável v
arrticulação, percebe‐see que, na figura 123
3, os indivvíduos desaarticulados são a maioria (9), en
nquanto oss semi‐articculados são
o 5 e apen
nas 1 articu
ulado. Essa divergênciaa nessa varriável é cau
usada peloss tipos de sítios, s
que são passíveeis de serem
m inundado
os durante o período das chuvas, já mencio
onado no item anterior. 238 Figuraa 123 – Distrib
buição dos enterramentos eem função do
o tipo de articu
ulação 4
4
Número de indivíduo
3,5
5
3
3
2,5
5
2
2
2
Articu
ulado
2
1,5
5
1
1
1
Desarrticulado
Semi‐‐articulado
0,5
5
0
Barrigudo
Bastiana
Moendas
Santa
Sítios estudados
O resultado das análises a
dass variáveis biológicas e culturais forneceu dados d
imprrescindíveis para determinar oss perfis fu
unerários de d cada síítio, permitindo estab
belecer o perfil de cad
da setor da área arque
eológica esttudada. Deste modo, sserão expo
ostas as carracterísticass que cada sítio apressenta, levan
ndo‐se em consideraçãão as hipótteses levantadas no iníício da pesq
quisa. o Toca do En
noque é com
mposta de ttrês sepultu
uras abranggendo A amosstra do sítio
um conjunto de d 13 indivvíduos, sen
ndo duas deposições d
simples ee uma múltipla, conteendo 11 indivíduos, ocorrendo o
e períodos distintos ratificados pelas dataações, em corro
oborando que esta última sepultu
ura teria sido
o reutilizada mais de u
uma vez. Com reelação à seepultura 1, (criança do
o sexo fem
minino com cerca de 8 8 a 9 anoss), em funçãão de uma d
datação de 5940 ± 50 BP , associaada a uma p
prática fune
erária primária, com orientação o
do eixo crâânio‐pelve (oeste‐leste
(
e) ser difereente dos de
emais enterramentos do sítio, de possuiir um ado
orno com poucos en
nfeites, con
nchas trabaalhadas sob
bre a pelve e vegetal, o fato de haver dois blocos de arenito sobre o crâniio, todos estes elemeentos são in
ndícios de uma u
prática funeráriaa distinta daa das outraas duas sepulturas (2
2 e 3) da Toca T
do En
noque. Estaa criança ap
presentava uma 239 deformação craniana post mortem causada por fatores tafonômicos; diversos ossos continham alguma deformação, como no caso das diáfises das fíbulas direita e esquerda que apresentavam sinais de alterações ósseas. A segunda sepultura continha 11 indivíduos inumados, sendo cinco crianças (entre 2 e 12 anos), dois adultos jovem (entre 20 e 35 anos), três infantes (menos de 3 anos) um sem determinação do sexo e idade. Considerando as datações existentes para a sepultura 2 e apoiando‐se na profundidade da cova e na leitura dos perfis estratigráficos sugere‐se a existência de três momentos de reutilização da fossa funerária. Os três níveis de enterramentos estabelecidos foram: 1) uma ocupação antiga, com os enterramentos dispostos sobre um grande bloco de arenito contendo gravuras, entre 45 a 60 cm de profundidade, com uma datação de 6.610±40 BP; 2) uma ocupação intermediária com um enterramento a 40 cm de profundidade, com uma datação de 4.8±0.4 ky BP e 4.69±0.04 kyBP; 3), a mais recente está fundamentada na datação de uma concha em 4.6 ±1.6 kyBP por EPR e outra por radiocarbono com idade de 4.5 ±1.1 kyBP (UFPE). O episódio cronológico da ocupação da sepultura está entre 6.600 e 4.500 anos BP. Deste modo, as datações puderam confirmar os períodos de uso da sepultura por cerca 2.100 anos: A datação de 6.610 ± 40 BP (BETA 257092) relaciona‐se aos enterramentos 6, 7, 8, 9, 10 e 12 e ao conjunto ossuário (11 e 13) (ocupação antiga); o período de 4.8±0.4 kyBP e 4.69±0.04 kyBP incluem os enterramentos 4 e 5 (ocupação intermediária) e, o período de 4.6±1.6 kyBP (UFPE) e 4,5±1.1 kyBP para os enterramentos 2 e 3 (ocupação recente). Estes dois enterramentos foram realizados, separadamente, em duas covas individuais, não houve um preparo da sepultura, eles foram depositados na estrutura da sepultura existente. Quanto à idade e ao sexo, os indivíduos inumados na Sepultura 2, cinco crianças do sexo feminino, uma do sexo masculino, três infantes (menos de três anos), um adulto jovem do sexo feminino, um adulto jovem sem determinação do sexo e um indivíduo sem determinação do sexo e da idade. Relativo ao adulto jovem sem determinação do sexo (esqueleto 3) há controvérsias com relação ao sexo, Cunha (2012), baseada em Buisktra e Ubelaker (1994) o atribui ao sexo feminino com base no ângulo infra‐pubico, mas, análises baseadas nos trabalhos de White, Black e Folkens 240 (2012), na incisura isquiática maior e nos caracteres do neurocrânio, trata‐se de um indivíduo do sexo masculino, contudo, para a análise da morfologia do sacro, conforme Byers (2008) é de um indivíduo feminino. O enterramento do esqueleto 2 se assemelha ao enterramento 1, da sepultura 1, igualmente foi depositado um bloco de arenito sobre seu crânio. No período da ocupação antiga, na sepultura múltipla, uma jovem adulta feminina (8) foi enterrada ao lado de dois infantes (6 e 10) e outro (9) foi colocado em seus membros inferiores, isto ilustra uma possível relação mãe‐filhos, preservada através da prática do enterro, fato que leva a supor um provável enterro de família. Entretanto, não existem indícios físicos de ter havido qualquer evento relacionado com as mortes dos infantes, com exceção do esqueleto 9, que era portador de doença . Outra possibilidade seria de que, a mãe teria morrido e os infantes tenham sido vítimas de ritual de infanticídio. Segundo Silverman (1981), o "infanticídio é o mais antigo método de planejamento familiar humano" e que "o assassinato de criança era comum" em culturas passadas. Essa prática é ainda hoje usada em tribos indígenas no Brasil, como no caso dos Zuruahá e Ianomami. Com referência as patologias e anomalias, alguns esqueletos apresentam‐se com deformações, principalmente remodelações ósseas ocasionadas por alterações tafonômicas, oriundas de variações termohigrométricas, fragmentação post mortem e pela ação intensa de térmitas de solo. Nas crianças observam‐se sinais de origem paleopatológica (parasitose, anemia, treponematose, osteomielite ou cribra cranii) no crânio (esqueleto 2), deformações ósseas (esqueleto 5). Dos três infantes, somente o esqueleto 9 apresenta‐se com anomalias e patologias, com remodelação óssea de ossos longos e alguns ossos apresentam características indicadoras de osteomielite piogênica , possivelmente um dos fatores da causa da morte. O indivíduo 5 não tem deformações, mas os incisivos superiores apresentam‐se em forma de pá, uma anomalia dentária indicativa de parentesco, representada pela presença de dente conóide na maxila; o mesmo tipo de dente é observado no esqueleto 8, o que leva a supor um provável parentesco. Nos dois adultos jovens, as anomalias estão relacionadas ao estresse, presença de reabsorção alveolar ante mortem, formação 241 osteofítica e faceta de hiperdorsiflexão (esqueleto 3), doença de articulação, faceta de acocoramento (esqueleto 8). Para todos os indivíduos inumados na Sepultura 2 foi utilizado o mesmo tipo de deposição funerária (simples ou primária), mas a reutilização da cova para outros enterramentos, ocasionou um segundo tipo de deposição (secundária), na forma de ossuário. As diversidades encontradas nos indivíduos estão relacionadas aos elementos do acompanhamento funerário que, apesar de que quase todos portarem adornos, estes se diferenciavam pelo tipo e pela quantidade de elementos existente em cada adorno (ver Capítulo 5, item 5.2.1). O que chama a atenção é a grande quantidade de dentes de animais utilizados nos adornos e os pingentes de osso de cervídeo, que estão relacionados, principalmente, a crianças, indicando que se trata de um mesmo grupo humano que as enterrou, provavelmente porque tinham status diferenciado no grupo. Hertz (1960:95) menciona que crianças e idosos, bem como pessoas que sofrem mortes violentas, a morte por acidente, suicídio, morte no parto, etc., é, frequentemente, oferecido tratamento mortuário diferenciado. Junto aos esqueletos 3 e 9 foram depositadas peças enigmáticas como incrustações de placas da carapaça de tatu na argila. O esqueleto 8, feminino, que estava ao lado dos esqueletos 6 e 10, foi o único que não tinha nenhum ornamento. O material lítico, conchas de Megalobulimus inteiras e trabalhadas estavam presentes em todos os enterramentos, com exceção do infante 9 e do adulto feminino 8. O uso do ocre em pó e em bloco é evidente, pois em todas as crianças e infantes foram aspergidos ocre em pó e, sobre o crânios dos infantes (6 e 10) foi colocado blocos de ocre. Na Sepultura 3 foi enterrado um indivíduo adulto maduro, com mais de 40 anos, sexo masculino.No campo pode‐se perceber que os ossos estavam posicionados no sentido leste‐oeste. Sua deposição foi secundária (composta), com indícios de perturbação, principalmente pela queima parcial de alguns ossos e pela ação de térmitas, que degradaram uma parte dos ossos. A fossa que continha o esqueleto incompleto e desarticulado apresentava uma forração de folhas. A presença de muitos blocos sobre os ossos e entre estes, sugere uma diferenciação entre esta disposição e as outras. Contíguo aos restos ósseos foi encontrado um fragmento de concha 242 perfurada e pequenas contas vegetais negras, compondo assim o adorno, que se assemelha ao do esqueleto da sepultura 1. Um vestígio feito de argila (parecia queimada), com forma de cilindro, denominado de “rolete” chamou a atenção no campo. Como se trata de um indivíduo adulto maduro, ele apresenta algumas remodelações ósseas ocasionadas por estresse, como osteófitos nas vértebras, espícula óssea na tíbia. A mandíbula deste esqueleto é robusta, com sinais de queima e apresenta desenvolvimento anormal do processo coronóide (similar ao encontrado em mandíbulas de indivíduos acromegálicos ou com gigantismo). As primeiras análises da mandíbula sugerem uma possível ocorrência de uma anomalia que acomete preferencialmente indivíduos do sexo masculino, denominada hiperplasia bilateral do processo coronóide . Este enterramento foi realizado por volta de 3.430±40 BP., sendo o mais contemporâneo. Como base nos dados sobre a prática funerária e sobre as condições físicas do indivíduo, conjetura‐se que esta deposição é totalmente diferente das outras duas (Sepulturas 1 e 2), sugerindo uma outra prática funerária. Na Toca do Alto do Capim foi exumada uma criança, com sexo indeterminado, envolta numa espécie de rede feita de fibras e colocada dentro de uma cesta de fibras trançadas; apresentava‐se com um adorno confeccionado com dentes de roedores e dentes de felino, bem como pingentes de ossos longos de ave. Ela teve um enterro, com o corpo hiperflexionado e membros flexionados. As outras variáveis culturais referentes ao corpo não puderam ser observadas. Baseando‐se nas informações obtidas na escavação e na análise bio‐antroplógica deste indivíduo, a prática funerária efetuada é diferente das encontradas na Toca do Enoque. Nos sítios localizados na Serra da Capivara a partir das análises das variáveis biológicas e culturais, pode‐se observar que, na Toca do Paraguaio, só foram enterrados adultos, em deposições primárias, sendo um do sexo masculino e outro do sexo feminino, com estaturas similares. O esqueleto masculino foi enterrado em decúbito dorsal, orientado no sentido norte sul. Sua cova foi preenchida com folhas e ramos e lascas e seixos de quartzo faziam parte do acompanhamento funerário. A mulher foi enterrada numa cova redonda, visto que ela foi colocada na posição fetal, 243 hiperflexionada numa deposição primária, em decúbito lateral esquerdo. O seu enxoval funerário era também composto de lascas de quartzo. A análise bio‐antropológica realizada nos ossos dos esqueletos da Toca do Gongo determinou 18 indivíduos, além de mais uma dezena de ossos e fragmentos isolados que não puderam ser determinados, indicando a existência de um número maior de sepultamentos, provavelmente mais antigos, enterrados em quatro sepulturas e duas urnas. O estado fragmentário das urnas, quando escavadas, revelou que a mistura dos ossos pode ter ocorrido em qualquer ocasião posterior ao enterro. Também, não se pode excluir que os ossos mais antigos (de outros enterramentos) tenham sido colocados intencionalmente nas novas sepulturas, ou dentro das urnas; existem referências etnográficas sobre esta prática. Enterros secundários, covas re‐
aproveitadas, re‐enterro de partes dos esqueletos antigos junto aos novos cadáveres, enterros principalmente de crianças nas covas de “parentes” são praticas descritas para os povos do tronco lingüístico Macro‐Jê do Brasil e que poderia ter ocorrido na Toca do Gongo I (Montardo, 1995; Metraux, 1947 apud Cook e Souza, 2012). No interior da Urna 1 havia um indivíduo juvenil, acompanhado por três fragmentos de costelas e um dente de adulto e na Urna 2, muito fragmentada, havia fragmentos esparsos de um indivíduo juvenil e fragmentos de crânio e dentes de uma criança, dificultando afirmar qual dos dois seria o ocupante original. Em ambas as urnas se observam a presença de um esqueleto mais completo e fragmentos de osso de outro indivíduo, sugerindo que o enterramento seja individual, ocorrendo apenas à intrusão de ossos de outro indivíduo. Em geral, se pensa que as urnas são utilizadas somente para enterramentos secundários, mas, têm‐se exemplos de enterros primários em sítios da região sudeste do Piauí. O mesmo evento foi constatado nas Sepulturas 1, 2, 3 e 4 (“Urna 1”), em todas havia restos ósseos de mais de um indivíduo, seis no Sepultamento 1, dois no Sepultamento 2, quatro no Sepultamento 3, e dois no Sepultamento 4. Os indivíduos evidenciados apresentavam‐se com sexos e idades diferentes, a exemplo das Urnas, sempre um dos esqueletos estava mais completo, sendo provavelmente o ocupante original. Os enterros nos quais os indivíduos estão quase completos poderiam ser primários e os ossos avulsos nas 244 sepulturas seriam enterramentos secundários. Por exemplo, na Toca do Enoque averiguou‐se que na Sepultura 2, houve a reutilização do espaço funerário, com a remoção parcial de ossos anteriormente inumados para dar lugar a um novo enterro (GUIDON e LUZ, 2009). No sepultamento 1 do Gongo I foram encontrados ossos de um indivíduo completo e ossos diversos que perfizeram um total de seis indivíduos. O enterramento primário (ocupante principal) é de um homem adulto com idade entre 27 e 30 anos. Havia sobre ele, fibras vegetais. Seu esqueleto foi acometido de doenças traumáticas (osteocondrite) e sinais de esforço locomotor (facetas de acocoramento). Nesta sepultura havia ainda remanescentes ósseos de duas crianças e três adultos, sendo um do sexo feminino que apresentava artrose articular. O sepultamento 2 era de uma criança de 4 anos, com esqueleto completo e junto a ela foram encontrados alguns dentes de outra criança de 6 anos. Demonstra que, esta sepultura foi cavada somente para enterramentos de crianças. O sepultamento 3 compreende restos ósseos de quatro indivíduos, o que está mais completo é o esqueleto de uma mulher adulta, entre 40 e 45 anos, com sinais de osteofitose na coluna e hérnias de disco, que indica esforço locomotor de marcha. Entre os ossos inseridos neste enterramento, encontra‐se um crânio, bem conservado, masculino, com sinais de desgaste dos dentes que sugere o uso de tembetá. Os outros ossos avulsos estão associados a um adulto e a uma criança de 10 anos. No sepultamento 4 (a princípio “Urna I”) havia restos ósseos parciais de dois indivíduos, um era de uma mulher adulta, com 25 anos aproximadamente; e outro menos completo, de uma criança de 6 a 12 anos. Levando‐se em conta que, entre 18 indivíduos analisados, apenas seis estavam mais completos, ou com partes conectadas e os outros estavam representados, somente por alguns poucos ossos ou crânios avulsos, a remoção de enterramentos mais antigos e secundários fazia parte das práticas funerárias do grupo que habitou este sítio. Depois de exumados alguns destes ossos podem ter sido cremados, recolhidos para as habitações ou dispostos em outro local (Metraux, 1947 apud Cook e Souza, 2012), subsistindo somente poucos ossos, ou partes deles, no local 245 onde ocorreu o enterramento primário, o que justificaria a presença de outros indivíduos representados por poucos ossos. O sítio foi utilizado como cemitério, pois foram enterradas no mesmo espaço, crianças, jovens e adultos de ambos os sexos e idades. Apesar dos trabalhos de escavação terem evidenciado seis sepultamentos, a análise bio‐antropológica assinala para a existência de 18 indivíduos entre adultos, adolescentes e crianças, sugerindo que o uso funerário do sítio era de caráter recorrente, com sepultamentos primários provavelmente seguidos de exumações. Observa‐se que houve um padrão na escolha do local dos enterramentos, a maioria das sepulturas e urnas foi colocada uma ao lado da outra no sentido leste/oeste, principalmente a leste do abrigo. A ausência de ossos de recém‐nascidos ou crianças com menos de 3 anos, pode expressar um costume funerário diferenciado para esta faixa de idade, por razões culturais. Na Toca dos Coqueiros foi exumado um esqueleto de um indivíduo adulto, do sexo masculino com mais de 30 anos e menos de 50 anos. Foi enterrado em decúbito lateral esquerdo sobre blocos de arenito, no sentido sudeste/noroeste. As vértebras lombares e os dentes apresentavam doença traumática e periodontal, respectivamente. Lesmas, lascas e pontas de flecha constituíam o enxoval funerário. Ainda que, o corpo tenha sido colocado sobre blocos areníticos, não qualifica que esta prática seja diversa das encontradas nos sítios Toca do Paraguaio e Gongo, possivelmente a presença de muitos blocos caídos no sítio, seja o fator principal. Os sítios localizados nos afloramentos cársticos, como a Toca do Barrigudo, foram estudados três esqueletos, um é de um homem de cerca de 40 anos, com enterramento secundário, sobre o mesmo foram depositadas duas placas de calcário, como também abaixo do crânio. Alguns líticos fazem parte do acompanhamento funerário, entre eles uma ponta de projétil. A sepultura do esqueleto 2 foi preparada com placas de calcário em seu entorno, delimitando‐a. Havia, ainda uma placa sobre o esqueleto. Era uma criança com idade entre 3 a 5 anos, não apresentava qualquer vestígio de acompanhamento funerário. Assim como o esqueleto 1, o indivíduo 3 foi depositado sobre placas calcárias, estava em decúbito lateral direito, pernas flexionadas e não possuía qualquer tipo de adorno. A existência de placas calcárias nos 246 sítios tornava favorável sua utilização no arranjo das sepulturas pelo homem pré‐
histórico. Na Toca da Santa foram evidenciados três esqueletos, sendo que o primeiro e o terceiro esqueletos foram enterrados de forma primária, apesar da ausência de alguns ossos, ambos estavam em decúbito lateral, semi‐articulado. O segundo esqueleto foi enterrado de forma secundária. Os ossos destes indivíduos estão sendo analisados, por isso os resultados sobre sexo e idade dos mesmos, não foram inseridos. Alguns líticos estavam associados aos enterramentos. Ainda que, nos enterramentos não se tenha utilizado placas calcárias para a composição da estrutura funerária, a forma de enterrar é similar à realizada nos outros sítios calcários. Na Toca das Moendas foram escavados três enterramentos, o primeiro esqueleto estava incompleto, estava abaixo de uma concentração de blocos. É uma criança de idade entre 2 e 4 anos. Junto a esta se encontravam ossos intrusivos de um adulto, com sexo e idade indeterminados. Nem a criança e nem o adulto intrusivo apresentaram patologia óssea. A prática funerária é muito similar a da Toca da Santa. Na Toca da Bastiana foram encontradas três sepulturas, mas as análises bio‐
antropológicas identificaram cinco indivíduos. Na sepultura 1 havia uma jovem, depositada em decúbito lateral esquerdo, apesar da ausência de ossos, há indícios de enterramento primário; o segundo indivíduo é adulto, representado por poucos ossos. Na segunda sepultura havia duas crianças, uma estava em decúbito lateral, provavelmente tratava‐se de um enterramento primário, mas devido às condições ambientais do sítio, os ossos podem ter sido removidos; dois dentes identificaram o segundo esqueleto. Na terceira sepultura foi enterrada uma criança, em decúbito lateral esquerdo, sobre o crânio havia uma placa calcária. A prática funerária realizada na Toca da Bastiana é a mesma para as três sepulturas. Um elemento novo observado foi a introdução de ossos junto ao enterramento original. 247 CONSIDERAÇÕES FINAIS As pesquisas em arqueologia trazem em seu cerne a necessidade de classificar e formar categorias. O caráter fragmentário das práticas funerárias, com marcado hermetismo, muitas vezes impossibilita correlações étnicas. A escassez de datações e dificuldade de se envidenciar contextos não perturbados, atenuam ainda mais as dificuldades de atingir a identificação de grupos humanos e relações sociais. Porém a adoção de um corpus metodológico capaz de identificar perfis, abarcando elementos contextuais (unidades funerárias) e caracterizadores de semelhanças e diferenças, normas e variações, pode levar a uma maior aproximação dos grupos pré‐históricos. Fundamentando‐se nas análises bio‐antropológicas e nos elementos culturais inseridos nas sepulturas dos dois sítios localizados na Serra das Confusões (Toca do Enoque e Toca Alto do Capim), pode‐se inferir que as práticas funerárias realizadas nestes sítios são diferentes, na forma de inumar, nos elementos contidos nas covas e nas datações. Essa diferença indica uma variabilidade cultural na área arqueológica em estudo. No sítio Toca do Enoque foram realizados cinco ciclos de práticas funerárias. O primeiro ciclo ocorreu há 6.600 anos com os sepultamentos realizados na sepultura 2, correspondendo aos esqueletos 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12. Nesse contexto observa‐se que foram enterrados, adjacentes, um adulto do sexo feminino, três infantes (6, 9 e 10) e duas crianças do sexo feminino (7 e 12) e um indivíduo representado por poucos ossos. O segundo episódio corresponde ao sepultamento 1 ocorrido por volta de 5.900 anos, de criança do sexo feminino, sobre o crânio foram colocados blocos de 248 arenito, como também sobre a estrutura da cova. Essa criança foi adornada diferentemente das crianças ornamentadas da sepultura 2. Deste modo, a datação, a forma de enterrar e adornar o indivíduo sugere um tipo específico de prática funerária. O terceiro período teria ocorrido em torno de 4.800 anos BP, quando foram sepultados duas crianças, uma do sexo feminino (4), outra do sexo masculino (5), denominada de ocupação intermediária da sepultura 2, ocasião em que esta sepultura foi reutilizada. As duas crianças tiveram o mesmo tipo de enterramento e foram colocadas frente a frente, ambas portavam adornos. Apesar de estes enterramentos serem mais recentes que o da primeira, a prática funerária não mudou, é a mesma que a dos indivíduos adornados na primeira fase. O quarto ciclo aconteceu a aproximadamente há 4.600 anos, quando foram enterrados os esqueletos de uma criança do sexo feminino (2) e um adulto jovem, sexo não determinado (3), correspondendo a ocupação recente da sepultura 2. Diferentemente das crianças sepultadas no primeiro ciclo, o indivíduo 2 tinha um adorno com poucos elementos. Sobre seu crânio havia blocos de arenito, como o esqueleto 1 da sepultura 1. Sua cova estava isolada da cova do esqueleto do adulto. O indivíduo 3 é um adulto jovem, possuía pingentes em ossos de cervídeo e pequenas contas vegetais negras e, na altura do joelho esquerdo havia placas de tatu incrustadas na argila. O enterro dos dois indivíduos utilizou também o espaço funerário da sepultura 2, realizado em duas covas individuais com a possibilidade de terem sido abertas em períodos distintos, visto que o tratamento funerário é diferente. O quinto período corresponde ao enterramento de um adulto maduro do sexo masculino (esqueleto 13), da sepultura 3, que aconteceu por volta de 3.400 anos. Trata‐se de uma deposição secundária ou composta, perturbada ou resultada de descarte, em virtude do estado dos ossos do indivíduo, que estavam parcialmente queimados e, faltando vários ossos, sugerindo a prática de queima, cortes e quebras associadas a rituais do ciclo funerário ou de contextos extra‐funerários relacionados, por exemplo, à canibalização. A presença de blocos de arenito sobre e ao lado dos ossos e o preenchimento da fossa da deposição com muitas folhas são elementos diferenciadores da desta prática mortuária. 249 Em conformidade com os dados observados, as práticas funerárias dos sítios da Serra das Confusões são caracterizadas por três tipos de enterramentos: um em covas estruturadas; outro também com, covas estruturadas mas acondicionadas por blocos de arenito e o terceiro com estruturas confeccionadas com fibras trançadas e capim, todos resultantes de deposições primárias e secundárias. Das reflexões feitas a partir das análises dos dados biológicos e culturais das sepulturas da Toca do Enoque sugere‐se a existência de três perfis funerários: o primeiro refere‐se aos três momentos de enterramentos ocorridos na sepultura 2, que vai de 6.600 a 4.600. Ressalta‐se que, apesar do fator tempo e a reutilização da sepultura, a prática funerária não muda, visto que todas as crianças são adornadas da mesma maneira nos diversos períodos, diferenciando‐se somente no tipo e quantidade de material. A exceção é o esqueleto 2 da sepultura 2, que foi coberto com blocos de arenito, mas como os demais indivíduos enterrados tinha um adorno no pescoço feitos de dentes, por isso pensa‐se que, ele faça parte do grupo que realizou os enterramentos da sepultura 2. O segundo, corresponde ao enterramento da sepultura 1, por volta de 5.900 anos; o terceiro é o da sepultura 3, que aconteceu, por volta de 3.400 anos BP, no qual os restos ósseos do esqueleto foram depositados sobre uma camada de folhas, seus ossos parcialmente queimados, sugerindo a prática da incineração, a priori e de prática de deposição mortuária composta, derivada de rituais específicos ou da prática, possivelmente, do canibalismo ou descarte após cura de parte do esqueleto. O enterramento da Toca do Alto da Serra do Capim é outro perfil, no caso o enterro de uma criança foi realizado numa cesta feita de fibras vegetais trançadas, por volta de 4.490 anos BP. A criança portava um adorno feito de dentes de roedores e dois dentes de felinos, diferentemente dos adornos da Toca do Enoque. A forma de enterrar (cesta), diversidade nos acompanhamentos funerários permite inferir que neste sítio, a prática funerária é distinta das práticas ocorridas na Toca do Enoque, apesar dos dois sítios situarem próximos, cerca de 500 m. Os dados culturais dos três sítios, Toca do Paraguaio, Coqueiros e Gongo I levam a considerar dois perfis funerários, um onde os esqueletos são inumados em 250 covas estruturadas, no caso da Toca do Paraguaio (8.500 e 8.800 anos BP) e as quatro sepulturas da Toca do Gongo I, ou estruturadas com blocos de arenito, o enterramento dos Coqueiros (10.600 anos BP), geralmente o indivíduo é colocado em decúbito dorsal ou lateral e, no segundo perfil, os indivíduos são colocados em urnas na Toca do Gongo I, todos com deposição primária ou secundária. A presença de artefatos cerâmicos (urnas) pode ser indicadora de práticas de subsistência diferenciadas, em sociedades com cemitérios com maior concentração de sepulturas; a sua ausência pode indicar formas de subsistência vinculadas aos caçadores coletores e eventuais horticultores. Em estudo oportuno, análises isotópicas e dos desgastes dentários poderão indicar condições dietárias especializadas entre as populações estudadas. Os sítios estudados nos afloramentos calcários apresentam somente um perfil, todos os indivíduos são colocados no solo; em alguns enterramentos, o esqueleto é colocado sobre placas calcárias ou estas sobre o esqueleto. Mesmo que, os enterramentos apresentem poucos ossos, percebe‐se que foram inumados, de forma primária, em decúbito lateral e não exibem adornos de pescoço. O enxoval funerário está limitado a algumas peças líticas. Baseando‐se no exposto acima, se conclui que: a) as práticas funerárias das Tocas do Enoque e do Capim na Serra das Confusões são iguais às realizadas nos sítios da Serra da Capivara, na forma de deposição primária e secundária, mas culturalmente são distintas, porque todos os indivíduos inumados nos sítios das Confusões apresentam‐se adornos, seja elaborados com poucos elementos, como no caso das sepulturas individuais 1 e 3 do Enoque ou produzidos com muitos elementos faunísticos, como os esqueletos da sepultura 2, com exceção do indivíduo 8; b) há 6.600 anos na Serra das Confusões, quando das primeiras inumações, período mais antigo, já se praticava o enterramento primário e secundário, depois de enterrar de forma primária, os grupos culturais faziam diferentemente os enterramentos, praticando um enterramento secundário, representado pelo ossuário. Essa prática é distinta das dos grupos da Serra da Capivara que colocam em urnas, seus 251 sepultamentos secundários, ocorrendo, por volta de 3.000 anos, não só mediante deposições secundárias ou compostas, mas primárias ou simples; c) de 10.600 anos a 8.700 anos na Serra da Capivara já era praticada a deposição funerária primária ou simples. O indivíduo não continha adornos no pescoço, o que geralmente o acompanhava eram peças líticas dentro da sepultura; d) por volta de 2.090 anos, na Serra da Capivara, além de ser praticada a deposição primária ou simples (enterramento primário), ocorriam deposições secundárias, a partir de ossos que são introduzidos nos enterramentos primários; e) na área dos serrotes calcários, por volta de 5.900 anos, registrou‐se a deposição funerária simples ou primária, mas nos sítios da Bastiana e das Moendas ocorreram, também a introdução de restos ósseos curados nas sepulturas. Este trabalho, junto a outras pesquisas concluídas, é uma contribuição para o estudo das práticas funerárias realizadas na área arqueológica da Serra da Capivara. Essa pesquisa deverá ser continuada, visto que, escavações atuais vêem evidenciando mais remanescentes ósseos. 252 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, T. F. de & NEVES, W. A. Toca do Serrote das Moendas: cura, inventário e descrição sumária. FUMDHAMentos VIII: 86‐93. 2009. ANDERSON, T. E. The Human Skeleton. A Manual for Archaeologists. National Museum of Canada. Ottawa. 1962. ANDRADE‐LIMA, D. Vegetação. In: R.C. Lins (ed.). Bacia do Parnaíba: aspectos fisiográficos. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, p. 131‐135. 1978. ARAÚJO, A. J. G. de. Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, Brasil. 94 p. São Raimundo Nonato (Piauí). Fumdham. 1998. BANDEIRA, D. R. et al. Sambaquis fluviais em Santa Catarina: Reflexões a partir da pesquisa da fauna do sítio Itacoara. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Pré‐Histórica, nº 11. Criciúma, Santa Catarina. P. 68‐83, 2013. BARBER, E. A. Aboriginal Funereal Customs in the United States. American Naturalist, Vol. 11, Cambridge. 1877, p. 197‐204. BARTEL, B. A Historical Review of Ethnological and Archaeological Analyses of Mortuary Practice. Journal of Anthropological Archaeology 1, 32‐58.1982. BASS, W. M. Human Osteology: a laboratory and Field manual. Fifth edition. Special Publication n. 2 of the Missouri Archaeological Society. 2005. BASS, W. M. The Excavation of Human Skeletal Remains. In Field Handbook on the Human Skeleton, by R. F. G. Spier. Missouri Archaeological Society, Columbia. 1962, p. 39‐51. 253 BENDANN, E. Death customs: an analytical study of burial rites. Kegan Paul, Trench, Trubner, London. 1930. BERNARDO, D. V. & NEVES, W. A. Diversidade morfocraniana dos remanescentes ósseos humanos da Serra da Capivara: implicações para a origem do homem americano. FUMDHAMentos, VIII: 95‐106. 2009. BINFORD, L. R. Mortuary practices: their study and their potential. Memoirs of the Society for American Archaeology, No. 25. Approaches to the Social Dimensions of Mortuary Practices. Society for American Archaeology, p. 6‐29. 1971. Stable URL: httpp. //www.jstor.org/stable/25146709. Accessed: 25/09/2011 BRAUN D. P. Critique of Some Recent North American Mortuary Studies. American Antiquity. 46 (2), p. 398‐413. 1981 BROTHWELL, D. R. Digging Up Bones: the excavation, treatment and study of human skeletal remains. 3 ed. Ithaca: Cornell University Press. 1981. BROWN, J. A. The dimensions of status in the burials at Spiro. In: Approches to the socialdimensions of mortuary practices. Edited by James A. Brown. Memoirs of the Society for American Archaeology 25. p. 92‐112. 1971. Stable URL: httpp. //www.jstor.org/stable/25146714. Accessed: 25/09/2011 BROWN, J. On Mortuary Analysis‐with Special Reference to the Saxe‐Binford Research Program. Regional Approaches to Mortuary Analysis, edited by BECK, L. A. Plenum Press. New York, p. 3‐25. 1995. BUIKSTRA, J. E. and UBELAKER, D (editors). Standards for Data Collection from Human Skeletal Remains. Arkansas Archaeological Survey Research Series No. 44. Fayetteville. 1994. BYERS, S. N. Introduction to Forensic Anthropology. 3 Ed. 478, p. 2008.t6 CANNON, A. The Historical Dimension in Mortuary Expressions of Status and Sentiment. Current Anthropology 30. p. 437‐458. 1989. 254 CAVALCANTE et al. Análise química de pigmento vermelho em osso humano. Química Nova, Vol. 31, No. 5, 1117‐1120. Disponível em: www.scielo.br/pdf/qn/v31n5/a34v31n5.pdf. Acessado: 11‐10‐2013. 2012. CAVALCANTE, L. C. D., LUZ, M. de F. da, GUIDON, N., FABRIS, J. D. & ARDISSON, J.D. Ochres from rituals of prehistoric human funerals at the Toca do Enoque site, Piauí, Brazil. Hyperfine Interactions. Volume 203, Numbers 1‐3, pp 39‐45. 2011. COOK, D. C. e SOUZA, S. M. F. M. Tocas do Gongo, São Raimundo Nonato, Piauí, Brasil: Uma Bioarqueologia Retrospectiva. Revista de Arqueologia. Vol. 24: 2:30‐49. 2011. D’ERRICO, F.; JARDÓN‐GINER, P. & SOLER‐MAYOR, B. Critères à base expérimentale pour l’étude des perforations naturelles et intentionnelles sur coquillages. In: ANDERSON, P. C.; BEYRIES, S.; OTTE, M. & PLISSON, H. (dir.). Traces et fonction, les gestes retrouvés ‐ ERAUL. N. 50 (1). Liège: Université de Liège, p. 243‐254. 1993. D’ERRICO, F. & DUBREUIL, L. A Utilização dos corantes em Pré‐História: o exemplo de Santa Elina. Inp. VILHENA VIALOU, Á. Pré‐História de Mato Grosso. V. 1 Santa Elina. São Paulo: USP, p. 177‐187. 2005. DEYOUNG, A. L. Mortuary Practices and Social Organization at Cerro Juan Díaz, Central Panama. Submitted to the Department of Anthropology Faculty of St. Francis Xavier University in partial fulfillment of the requirements for the degree of BA Honours Anthropology St. Francis Xavier University. 2008. EMPERAIRE, L. Végétation de l'État du Piaui, Brésil. Societé de Biogéographie 60 (4). p. 151‐163. 1985. EMPERAIRE, L. Vegetação e flora. IN IBAMA, Plano de manejo do Parque Nacional da Serra da Capivara, São Raimundo Nonato ‐ PI. Brasília: FUDHAM. p. 61‐206. 1991. ESCÓRCIO, E & GASPAR, M. D. Indicadores de diferenciação social e de gênero dos pescadores‐coletores que ocuparam a região dos Lagos‐RJ. Cadernos do LEPAARQ ‐ Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio V. II, n°3. Pelotas, RS. Editora da UFPEL. Jan/Jul. 2005. pp. 46‐64. periodicos. ufpel.edu.br/ojs2/index.php/ lepaarq/article/view/ 1044/94. Acessado:11‐10‐2013 255 FAURE, M, GUÉRIN, C. e LUZ, M. F. da. O material funerário das sepulturas pré‐
históricas da Toca do Enoque. CLIO Série Arqueologia, V. 26, nº 2. 2011. FAZEKAS, I. G. and KOSA, F. Forensic Fetal Osteology. Budapest: Akademiai Kiado. 1978. FELICE, G. D. Contribuição para estudos geoarqueológicos e paleoambientais: Proposta metodológica (estudo de caso: Maciço Calcário do Garrincho, Piauí, Brasil). Tese de doutorado em História. Programa de Pós‐Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco. P. 208. 2006. FELICE, G. D. As escavações da Toca do Alto da Serra do Capim. Resultados Preliminares [cedido pela autora]. 2010. FERNANDES, A. G. Vegetação do Piauí. In: Livro de Anais do XXXII Congresso Nacional de Botânica. Teresina – PI. Editora da UFPI / Sociedade Botânica do Brasil.1981. p. 7 – 9. 782 p. ilust. 1996. FIGUEIREDO, F. J.; SILVA, B. L. A. DA; HENRIQUE, J. M.; GOMES, C. M; OLIVEIRA, A. M.; NOGUEIRA‐PARANHOS, J. D. Estudo preliminar da diversidade de pequenos mamíferos do Parque Nacional Serra das Confusões, Piauí, Brasil. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil. Sociedade de Ecologia do Brasil. Caxambu‐MG. 2 pags. 2007 Acessado: 06/06/2013 www.seb‐ecologia.org.br/viiiceb/pdf/1271.pdf FRAZER, J. G. On certain burial customs as illustrate of the primitive theory of the soul. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland Journal 15: 64‐104. 1886 GENOVÉS, S. Proportionality of the Long Bones and Their Relations to Stature Among Mesoamericans. American Journal of Physical Anthropology, Volume 26, Number 1, pp. 67‐77. 1967. GOODENOUGH, W. H. Rethinking 'status' and 'role': Towards a General Model of the Cultural Organization of Social Relationships. In The Relevance of Models for Social Anthropology, edited by M. Banton, pp. 1‐24.Tavistock, London.1965. 256 GOLDSTEIN, L.G. Mississippean Mortuary Practices: a case study of two cemeteries in lower Illinois Valley. Evanston IL: Scientific Papers 4, Northwestern Archaeological Program.1980. GOLDSTEIN, L. One‐Dimensional Archaeology and Multi‐Dimensional People: Spatial Organization and Mortuary Analysis. In The Archaeology of Death. R. Chapman, I. Kinnes, and K. Randsborg, eds. New York: Cambridge University Press, p. 53‐69. 1981. GREEN, T. Spanish Missions and Native Religion: Contact, conflict and convergent. PhD Dissertation, University of California, Los Angeles. 1999 GRIFFIN, J. B. &. NEUMANN. G. K A Suggested Classification and Nomenclature for Burial Location, Position, and Description. Society for American Archaeology Notebook, Vol. 2, Ann Arbor, p. 70‐9, 1942. GUÉRIN, C. & FAURE, M. La biodiversité mammalienne au Pléistocène Supérieur‐ Holocène Ancien dans la Région du Parc National Serra da Capivara (SE du Piauí, Brésil). Fumdhamentos V. VII, São Raimundo Nonato, p. 80‐93. 2008. GUIDON, N. Peintures Rupestres de Varzea Grande, Piauí, Brésil. Cahiers d’Archéologie d’Amérique du Sud 3, p. 24‐28, 1975. GUIDON, N. Peintures prehistoriques du Brésil. L’art rupestre du Piaui. Paris. Éditions Recherche sur lês Civilisations. 1991. GUIDON, N., VERGNE, C., VIDAL, I. A. Sítio Toca da Baixa dos Caboclos. Um abrigo funerário no enclave arqueológico do Parque Nacional Serra da Capivara. CLIO. Série Arqueológica,v.1 n. 13. UFPE, Recife‐PE, p. 127‐144, 1998. GUIDON, PARENTI, F., OLIVEIRA, C., N., VERGNE, C. Nota sobre a sepultura da Toca dos Coqueiros, Parque Nacional Serra da Capivara. CLIO. Série Arqueológica. v.1 n. 13. UFPE, Recife‐PE. p. 187‐197, 1998. GUIDON, PARENTI, F., PEYRE, E.; GUERIN, C., COPPENS, Y. Resultados da datação de dentes humanos da Toca do Garrincho, Piauí‐Brasil. Série Arqueológica, n. 14. Anais da X Reunião Científica da SAB‐UFPE, Recife‐PE. P. 75‐83, 2000. 257 GUIDON, N. et al. Toca das Moendas, Piauí‐Brasil, primeiros resultados das escavações arqueológicas. Fumdhamentos N. VIII, n. s., São Raimundo Nonato. P. 70 ‐ 85. 2009. GUIDON, N. & LUZ, M. de F. da. Sepultamentos na Toca do Enoque (Serra das Confusões ‐ Piauí). Fumdhamentos N. VIII, n. s., São Raimundo Nonato. P. 116 ‐ 123. 2009. HEIZER, R. F. A Guide to Archaeological Field Methods. The National Press. Palo Alto.1958. HENRIQUE, J. M.; SILVA, B. L. A. A. da.; FIGUEIREDO, F. J.; GOMES, C. M.; OLIVEIRA, A. M.; NOGUEIRA‐PARANHOS, J. D. Levantamento preliminar de mamíferos de médio e grande porte na área do riacho dos bois no Parque Nacional Serra das Confusões, Piauí, Brasil. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil. Sociedade de Ecologia do Brasil. Caxambu‐MG. 2 pags, 2007. www.seb‐ecologia.org.br/viiiceb/pdf/1498.pdf. Acessado: 06‐06‐2013. HERTZ, R. Contribution à une étude sur la représentation collective de la mort. Sociologie religieuse et folklore. In: Année Sociologique, première série, tome x, PP. 48‐
137.1907. HODDER. I. Symbols in Action: Ethnoarchaeological Studies. Cambridge University Press. P. 244. 1982. HUBBE, M.; NEVES, W.; AMARAL, H. L. & GUIDON, N.. N. Brief communication: ”Zuzu” Stikes Again – Morphological Affinities of the Early Holocene Human Skeleton from Toca dos Coqueiros, Piaui, Brazil. American Journal of Physical Anthropology, 134: 285‐
291. 2007. HUNTINGTON, R. & METCALF, P. Celebrations of death: the anthropology of mortuary ritual. Cambridge University Press. 1979. KROEBER, A. L. Disposal of the dead. American Anthropologist 29. p. 308‐315. 1927. KROGMAN, W. MILTON. The human skeleton in forensic sciense. Charles C. Thomas, Spingfield, I11, p.76‐91, 1962. 258 LAGE, M.C.; CAVALCANTE, L. & SANTOS, J. Estudo Químico de sedimentos arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí – Brasil. Fumdhamentos VI, p. 106‐114, 2007. LECLERC J. La notion de sépulture. In: Bulletins et Mémoires de la Société d'Anthropologie de Paris. Nouvelle Série, tome 2, fascicule 3‐4, 1990. pp. 13‐18, 1990. httpp. //www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/bmsap_0037‐
8984_1990_num_2_3_1738. Acessado 22/07/2013. LESSA, A. & GUIDON, N.. Osteobiographic Analysis of Skeleton I, Sítio Toca dos Coqueiros, Serra da Capivara National Park, Brazil, 11,060 BP: First Results. American Journal of Physical Anthropology, 118: 99‐110. 2002. LIMA, J. M. D. Arqueologia da Furna do Estrago, Brejo Madre de Deus. CLIO Nº 2– Revista do 1985. Curso de Mestrado em História. p. 97‐111, www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/1985‐N2/clio1985%203.pdf. Acessado: 07‐10‐2013 LIMA, J. M. D. Arqueologia da Furna do Estrago, Brejo Madre de Deus‐Pernambuco. (Dissertação Mestrado em Antropologia). UFPE, Recife. 144 p. 1985. LIMA, J. M. D. Dois períodos de subsistência no Agreste pernambucanop. 9000 e 2000 A.P. Anais I Simpósio de Pré‐História do Nordeste‐ CLIO nº 4. Recife. Pp. 57‐61. 1991.www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/1987‐N4/1987a12.pdf. Acessado: 07‐
10‐2013 LIMA, J. M. D. Estudos Zoo e Fitoarqueológicos em Pernambuco. Symposium (Revista de Humanidades, Ciências e Letras), Recife, vol. 34, n° 2, 146‐179, 13 anexo. 1992. LIMA FILHO, E. F., PEREIRA, T. R., NOGUEIRA‐PARANHOS, J. D. Levantamento preliminar da avifauna do Parque Nacional Serra das Confusões, Piauí, Brasil. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil. Sociedade de Ecologia do Brasil. Caxambu‐MG. 2 pags, 2007. Acessado: 06‐06‐2013.www.seb‐ecologia.org.br/viiiceb/pdf/1515.pdf LUBELL, M. Prehistoric edible land snail in the circum‐mediterranean: the archaeological evidence. In: Petits animaux et societies humaines du complement 259 alimentaire aux resources utilitaires. XXIVe rencontres internationals d’archaeologie et d’histoire d’Antibes. Editions APDCA, Antibes. 2004a. LUFT, V. J. A Pedra do Tubarão: um sítio da Tradição Agreste em Pernambuco. 136p. Dissertação (Mestrado em Historia). UFPE, Recife. 1990. MARANCA, S. A Toca do Gongo I. Um abrigo com sepultamento no Estado do Piauí. Revista do Museu Paulista (Nova Série) v. 23; São Paulo, p. 159‐173, 1976. MARANCA, S. Estudo do Sítio Aldeia da Queimada Nova ‐ Estado do Piauí. Revista do Museu Paulista (Nova Série) v. 3; São Paulo, p. 19‐25, 1976. MARTIN, G. & ROCHA, J. O adeus à Gruta do Padre, Petrolândia, Pernambucop. A Tradição Itaparica de coletores‐caçadores no médio São Francisco. CLIO Arqueologia, V. 1, nº 6, Recife‐Pe, p. 31‐44, 1990. MARTIN, G. Os rituais funerários na Pré‐História do Nordeste. CLIO (Série Arqueológica), v.1 n. 10. UFPE, Recife‐PE, p. 29‐46, 1994. MARTIN, G. O cemitério pré‐histórico “Pedra do Alexandre” em Carnaúba dos Dantas, RN (Brasil). CLIO. Série Arqueológica, v.1 n. 11. UFPE, Recife‐PE, p. 43‐57, 1995. MARTIN, G. A. vida espiritual: o culto aos mortos. In Pré‐História do Nordeste do Brasil, Editora Universitária, UFPE, Recife‐PE, p. 313‐330, 1997. MARTIN, G. A. As pinturas rupestres do sítio Alcobaça, Buíque‐PE, no contexto da tradição Agreste. CLIO Arqueologia, Nº 18. Editora Universitária, UFPE, Recife‐PE. pp. 27‐49, 2005.www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/2005‐N18/2005a2.pdf. Acessado 15‐10‐2012 MARTIN, G. Pré‐história do Nordeste do Brasil. 5a ed. Recife: Ed. Universitária. 434 p. 2008. McHUGH, F. Theoretical and Quantitative Approaches to the Study of Mortuary Practices. BAR International Series 785. Oxford: Archaeopress. 1999. MELO, P. P. de. A Transição do Pleistoceno ao Holoceno no Parque Nacional Serra da Capivara‐Piauí‐Brasil: Uma contribuição ao estudo sobre a antiguidade da presença 260 humana no sudeste do Piauí. Tese (Doutorado em História) Universidade Federal de Pernambuco. 2007. METRAUX, A. Mourning rites and burial forms of the South American Indians. America Indigena, 7(1): 7‐44. 1947. MITCHELL, D. & BRUNSON‐HADLEY, J. L. Ancient Burial Practice in the American Southwest: archaeology, physical anthropology and Native American perspectives. University of New Mexico, Albuquerque. 2001. MONTARDO, D. L. O. Práticas funerárias das populações pré‐coloniais e suas evidências arqueológicas (reflexões iniciais). Dissertação de Mestrado: IFFC/PUCRS, p.113. 1995. MORRIS, I. The Archaeology of Ancestors: The Saxe/ Goldstein Hypothesis Revisited. Cambridge Archaeological Journal 1(2): 147‐69. 1991. NIELSEN, K. From Society to Burial and from Burial to Society. In Burial & Society: The Chronological and Social Analysis of Archaeological Burial Data. C. Jensen and K. Nielsen, Eds. Oakville: Aarhus University Press, p.103‐10. 1997. OLIVEIRA, Claudia A. et al. Grupos pré‐históricos do sítio Jerimum. Região de Xingó – Canindé do São Francisco, SE. Aracaju: Museu de Arqueologia de Xingó, 158p. 2005. ORR, R. B. (Editor). Mortuary Customs of Our Indian Tribes. In "Annual Archaeological Report." Report of the Minister of Education. Toronto. 1919. O'SHEA, J. Social Configurations and the Archaeological Study of Mortuary Practices: A Case Study. In The Archaeology of Death. Edited R. Chapman, I. Kinnes and K. Randsborg, pp. 39‐52. Cambridge University Press, Cambridge. 1981 O'SHEA, J. Mortuary Variability. Academic Press. New York. 1984. PARENTI, F. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil). Éditions Recherche sur les Civilisations, Paris, p. 225. 2001. PAPWORTH, M. L. and L. R. BINFORD. A Guide to Archaeological Excavations. Southwestern Lore, Vol. 28, No. 1. Boulder. 1962. 261 PEARSON, M. P. The Archaeology of Death and Burial. Texas: A & M University Press. 2002 PEEBLES, C. S. AND KUS S. M. Some Archaeological Correlates of Ranked Societies. American Antiquity 42. p. 421‐448. 1977. PLENS, C. Sítios Morais uma biografia não autorizada: análise do processo de formação de um sambaqui fluvial. Tese (Doutorado em Arqueologia) ‐ Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo. 240f. 2007. RANDSBORG, K., KINNES, I., e CHAPMAN, R. The Archaeology of Death. Cambridge University Press, Cambridge.1981. RADCLIFFE‐BROWN, A. R. The Andaman islanders: a study in social anthropology. Cambridge Univ. Press. Cambridge. 1922 RAKITA, G. F. AND BUIKSTRA, L. A. (Editors). Interacting with the Dead: Perspectives on mortuary archaeology for the new millennium. Introduction. University Press of Florida, Florida, p. 1‐11. 2005. RODET, J. “Rapport de la Mission Karstologique ‐ São Raimundo Nonato”, São Raimundo Nonato, FUMDHAM / CNPq, 1991/1992, (relatório). RICH, J. A Comparative Study of Human Mortuary Practices and Cultural Change in the Upper Midwest. UW‐L Journal of Undergraduate Research XII., p.1‐15. (2009) ROYAL ANTHROPOLOGICAL INSTITUTE. Notes and Queries on Anthropology. Sixth edition. Routledge and Kegan Paul, London. 1951. SAXE, A. A. Social dimensions of mortuary practices. Unpublished Ph. D. dissertation, Department of Anthropology, University of Michigan. 1970. SAXE, A. A. Social dimensions of mortuary practices in a Mesolithic population from Wadi Halfa, Sudan. In Approaches to the social dimensions of mortuary practices. Edited by James Brown. Memoirs of the Society for American Archaeology 25. p. 39‐
57. 1971 262 SCHAEFER, M., BLACK, S. and SCHEUER, L. Juvenile Osteology: a laboratory and field manual. Oxford, Elsevier Academic Press. 2009. SCHMITZ et al. A Furna do Estrago no Brejo da Madre de Deus, PE. Pesquisas/Instituto Anchietano de Pesquisas. (Antropologia; n. 69). São Leopoldo: Unisinos, 2012. 159 p. SILVA, D. C. Práticas funerárias na pré‐história do Nordeste do Brasil. Dissertação (Mestrado em História) ‐ Programa de Pós‐Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 136f. 2004. SILVA, S. F. S. M. Terminologias e classificações usadas para descrever sepultamentos humanos: exemplos e sugestões. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15‐16p. pp. 113‐138, 2005‐2006. SILVERMAN, H. Introduction. The Space and Place of Death. P, 1‐11. 2002. SILVERMAN, W. A. Mismatched Attitudes about Neonatal Death. The Hastings Center Report 11, no. 6 (Dec, 1981): 12‐16. SOUZA, C. D. As práticas funerárias na região da Argólida entre os séculos XI e VII a. C. Tese (Doutorado em Arqueologia). Programa de Pós‐Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. 2010, pp. 391. SPRAGUE, R. A suggested terminology and classification for burial description. American Antiquity, vol. 33, n. 4, pp. 479‐485, 1968. STEWART, T. D. Essentials of forensic anthropology. Springfield, IL, Charles C. Thomas, 1979. SULLASI, H et alii., ESR Equivalent dose reconstruction and dating of shell and human teeth from Toca do Enoque at Serra das Confusões of National Park, Brazil. No prelo. 2014. TAINTER, J. A. Mortuary Practices and the Study of Prehistoric Social Systems. In: SCHIFFER, M. B. (ed.) Advances in Archaeological Method and Theory. Academic Press, 1, p. 105‐141, 1978. Stable URL:httpp. //www.jstor.org/stable/20170131. Accessed: 25/09/2011 17, p. 28 263 TAINTER, J. R. Social inferences and mortuary practices: un a experiment in numerical classification. World Archaeology. (7). p. 1‐15, 1975. TYLER, J. M. The new stone age of northern Europe. Charles Scribner's Sons, N Y. 1921. TYLOR, E. B. Primitive culture. John Murray, London. 1871 TORRES, A. C. Rituais funerários pré‐históricos ‐ um estudo antropológico. CLIO. Série Arqueológica, v.1 n. 13. UFPE, Recife‐PE. pp.169‐175. 1997. UBELAKER, D. H. Human Skeletal Remains: Excavation, Analysis, Interpretation. 2ª edition. Washington. Taraxacum. 1989. UCKO, P. Ethnography and Archaeological Interpretation of Funerary Remains. World Archaeology 1. p. 262‐280. 1969. VAN GENNEP. A. The rites of passage. Phoenix Books, University of C P, Chicago. 1960 VERGNE, C. Cemitérios do Justino: estudo sobre a ritualidade funerária em Xingó, Sergipe. Museu de Arqueologia de Xingó. 212p. 2005. VIOLLIER, D. Essai sur les rites funeraires en Suisse des origines a la conquete romaine. Leroux, Paris. 1911 VOEGELIN, E. W. Mortuary customs of the Shawnee and other eastern tribes. Indiana Historical Society, Prehistoric Research Series 2. p. 225‐444. 1944 WHITE, T. D.; BLACK, M. T. e FOLKENS, P. A. Human Osteology. 3ª ed. Elsevier: Academic Press. New York. 2012. YARROW, H. C. Introduction to the Study of Mortuary Customs among the North American Indians. Smithsonian Institution, Bureau of Ethnology, Introduction Series. Washington. 1880. YARROW, H. C. A Further Contribution to the Study of the Mortuary Customs of North American Indians. First Annual Report of the Bureau of (American) Ethnology for 1880‐
81, pp. 87‐203. Washington. 1881. ZAHER, H. E. D. Diversidade de vertebrados terrestres do Parque Nacional Serra das Confusões. Piauí. Relatório ao IBAMA não publicado. 2001. 

Documentos relacionados