África em transição num mundo de incertezas

Transcrição

África em transição num mundo de incertezas
EUROPA
Continuam os diálogos
de surdos
AMÉRICA LATINA
Contra a restauração
conservadora
Nº 92 - dez 2014 / JAN 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15
Ébola, terrorismo,
guerras e crises
pintaram um
quadro assustador,
mas apesar disso
o continente avança
2014/2015
África
em transição
num mundo
de incertezas
A nossa solidez
é a sua confiança
África21– dez 2014 / jan 2015
1
2
dez 2014 / jan 2015 –
África21
África21– dez 2014 / jan 2015
3
sumário
Crescimento com algumas
incertezas
África em balanço
As quatro regiões africanas têm um denominador comum: as crises são muitas e perigosas, mas no horizonte de 2015 surgem alguns sinais ainda ténues,
de que o novo ano poderá não ser tão devastador como seria de esperar
Augusta Conchiglia, Gaye Davis e Valérie Thorin
O alerta democrático permanece
74
Os latino-americanos recusam-se a franquear as
portas à direita neoliberal
Manrique S. Gaudin
África21 Revista de Política, Economia e Cultura
Propriedade Nova Movimento, Lda
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Técnica Comercial Yuma Traça
Assistente Direcção Comercial Patrícia Filipe
Representação em Portugal Triangulação, Lda
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Apartado em Lisboa: 19059
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Diretora administrativa Marina Melo
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4
dez 2014 / jan 2015 –
No seu discurso sobre o estado da nação, José
Eduardo dos Santos realçou com otimismo a
situação macroeconómica do país
Carlos Severino
A cacofonia da União Europeia
81
Nas eleições de maio entraram para o Parlamento Europeu deputados de
extrema direita, esquerda radical e até alguns pró-nazis
Nicole Guardiola
Representação no Brasil
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Redação de Angola
Adriano de Sousa, Alberto Sampaio, Carlos Severino,
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Redação de Portugal João Carlos, Miguel Correia,
Nicole Guardiola, Nuno Macedo e Teresa Souto
Redação do Brasil Carlos Castilho e João Belisario
Colaboradores permanentes Almami Júlio Cuiaté
(Bissau), Augusta Conchiglia (Paris), Charles Shorungbe
(Lagos), Emanuel Novais Pereira (Maputo), Fernando
Lopes Pereira (Bissau), Gaye davis (Pretória), Gláucia
Nogueira (Praia), Itamar Souza (Nova Iorque), João Vaz
de Almada (Maputo), Juvenal Rodrigues (São Tomé),
Luís Costa (Washington), Manrique S. Gaudin (Buenos
Aires), Natacha Mosso (Praia), Paul Cooper (Houston),
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Colunistas Alves da Rocha, Conceição Lima, Corsino
Tolentino, Fernando Pacheco, Germano Almeida, João
Melo, José Carlos de Vasconcelos, Luís Cardoso, Mallé
Kassé, Odete Costa Semedo e Pepetela Fotografia
Agência Angop, Agência Lusa, Agência France
África21
30
10
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aos leitores
Um balanço da África
e do mundo
6 Entrevista
Carlos Lopes
Mais que reduzir a pobreza, é preciso gerar
atividade económica
África 21
24MÉDIO ORIENTE A barbárie do dito Estado Islâmico
Nicole Guardiola
28OPINIÃO
Mallé Kassé
38CRÓNICA DA TERRA
Fernando Pacheco
40OPINIÃO
Alves da Rocha
42CABO VERDE Melhorar o ambiente de negócios
Natacha Mosso
48GUINÉ-BISSAU Bons augúrios para os guineenses
Almami Júlio Cuiaté
55MOÇAMBIQUE Da paz ameaçada às eleições
Emanuel Novais Pereira
58SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Refletir sobre o futuro
Juvenal Rodrigues
64TIMOR-LESTE Saída adiada de Xanana Gusmão
Isabel Marisa Serafim
70BRASIL As tarefas de Dilma Russeff para 2015
Carlos Castilho
78EUA Barack Obama com um difícil fim de mandato
Itamar Souza
83PORTUGAL Eventos político-judiciários
Carlos Pinto Santos
Rubricas
90 Livro do Mês
94 Ver, Ouvir, Ler
Crónicas
35 Pepetela
45 Germano de Almeida
47 Corsino Tolentino
53 Odete Costa Semedo
63 Conceição Lima
67 Luís Cardoso
89 José Carlos de Vasconcelos
96 João Melo
É norma habitual na
África21 que a última
edição do ano seja
dupla, dezembro/
janeiro, o que pode ser
entendido como uma
ponte entre o ano que
termina e aquele que
se avizinha. Mas esta
[email protected]
edição tem uma
particularidade inédita porque dispensa a
matéria de capa, o que não é usual na nossa
revista. Decidimos fazer um balanço sobre o
que aconteceu pelo mundo fora, nos últimos
doze meses, pontuados por inúmeros
acontecimentos políticos, económicos e sociais,
desafiantes para os governos nacionais, as
populações e o equilíbrio da diplomacia
internacional.
Aos nossos correspondentes permanentes
foi-lhes solicitado um balanço sobre os
continentes e países em que vivem e trabalham.
Juntamos também nesta edição todos os
cronistas e autores de artigos de opinião que, ao
longo do ano, acompanham a nossa revista,
com a sua análise e pontos de vista sobre a
evolução do mundo em que vivemos.
A ponte 2014/2015 dá, como é natural,
espaço alargado a África, na diversidade das
suas regiões e países. Percorremos igualmente o
espaço do Médio Oriente, das Américas e da
Europa.
É sobre África que Carlos Lopes, secretário
executivo da Comissão Económica para África
das Nações Unidas, responde na entrevista que
publicamos a abrir esta edição, fazendo um
balanço económico-financeiro, social e político
sobre o continente.
África e os outros continentes entram em
2015 com otimismo muito reduzido e muitas
dúvidas, porque não sabem o que vão
enfrentar. Mas nem tudo foi mau no ano que
termina.
Carlos Pinto Santos
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Entrevista Carlos Lopes, secretário executivo
da UNECA - Comissão Económica para África das Nações Unidas
“Angola pode e deve ser
uma locomotiva
do crescimento africano”
Carlos Lopes, secretário executivo da UNECA, traça o retrato atual
da economia do continente e aborda detalhadamente as potencialidades
da agricultura e do agronegócio. Sobre Angola, destaca os aspetos conseguidos
nos últimos anos, mas sublinha que muito mais tem de ser feito.
ÁFRICA21. Qual é o estado atual da
economia africana?
CARLOS LOPES: O estado atual da economia é bom, mas volátil, particularmente
no setor do petróleo e do gás que, como se
sabe, é uma parte substancial do Produto
Interno Bruto africano combinado. Não
devemos confiar demasiado na estabilidade
das exportações de energia, porque a revolução do gás de xisto nos Estados Unidos
vai mudar as regras do jogo no setor da
energia, em especial no petróleo e no gás.
Os EUA não vão precisar de importar
energia num futuro próximo. E no que respeita ao aumento do consumo em África? O crescimento da
classe média levará a maior procura de
energia.
Sim, é o que penso. A industrialização
em África centra-se em três aspetos fundamentais e um deles é o mercado interno. O segundo é o facto de termos potencialidades em energias renováveis. Além
disso, podemos, num contexto tecnológico, criar condições para uma industrialização verde e limpa. O terceiro aspeto é
que o cartão de visita de África são os seus
produtos.
Isso significa que os países produtores de
petróleo e gás devem estar preocupados?
Sim, devem preocupar-se em manter o
mercado norte-americano como um dos
destinatários da sua energia. O Economic Report on Africa deste ano
dá destaque às «bolsas/pacotes de eficiência». O que significa isso?
São segmentos da cadeia de valor global
criados por terem o melhor ambiente
para se desenvolver; por exemplo, têxteis
na Etiópia e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) no Quénia. Dou
o exemplo de Marrocos, que identificou
a indústria aeronáutica como um segmento em que o país podia entrar. Os
currículos escolares foram adaptados para
responder a esse propósito; precisaram de
garantir que todas as condições necessárias – impostos, incentivos ao investi-
Concretamente, de que forma o mercado
norte-americano irá alterar as regras? Daqui a cerca de cinco anos os EUA não
vão importar petróleo nem gás. Os EUA
estão confiantes em que irão tornar-se
num puro exportador de energia. Dentro
de cinco anos, ou se tem um mercado
alternativo ou ser-se-á marginalizado no
que respeita à procura norte-americana. 6
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África21
mento e enquadramento legal – estavam
alinhadas. Hoje têm 7000 postos de trabalho neste setor. O problema é que nós
estamos a fazer redução de pobreza. Não
estamos a gerar atividade económica.
Um relatório do Banco Mundial do
ano passado prevê que o agronegócio
de África valha um bilião de dólares em
2030. Que resposta dá aos que dizem
que este setor não atrai investimentos
de monta?
Em primeiro lugar gostaria de dizer que o
nosso trabalho tem sido fraco na agricultura. Há uma política de desincentivo que
constitui um impedimento a uma maior
produtividade na agricultura. Isto é especialmente verdade se continuarmos a praticar, de uma perspetiva de ajuda ao desenvolvimento, políticas de segurança
alimentar e redução de pobreza como as
únicas abordagens à agricultura. Claro que
defendo a segurança alimentar, mas tenho
dificuldade em entender como podemos
aplicar cerca de mil milhões de dólares na
agricultura todos os anos, provenientes
apenas da ajuda ao desenvolvimento, e
não obter quaisquer resultados. Continuamos a ter hoje a mesma produção por
hectare que tínhamos há 20 anos.
UNECA
Como se inverte essa situação?
O mais importante é apostar no agronegócio. É aí que vamos criar empregos modernos. Os jovens já não querem ser agricultores mas estão interessados em novas
profissões relacionadas com a agricultura.
É assustador que na Costa do Marfim apenas 15% dos iogurtes consumidos sejam
produzidos localmente!
O facto de os preços de alguns produtos
em África serem determinados a partir
do exterior não constitui um problema?
Estou a falar sobretudo de oportunidades
de agronegócio para os mercados africanos.
Sim, os subsídios à agricultura no Ocidente
afetam o nosso comércio de produtos primários. Mas nós temos oportunidades de
ser bem sucedidos na agricultura com uma
produção orientada para os mercados africanos, não para a exportação.
Existe suficiente procura interna para
atrair agricultores e investidores para o
agronegócio?
Um estudo feito na Nigéria pelo empresário Aliko Dangote descobriu que cerca de
80% da pasta de tomate era importada.
Estamos a importar este produto de sítios
tão longínquos como a China! Isto não faz
sentido. A procura existe e vai continuar a
crescer. Há um bom exemplo: a Shoprite,
uma das maiores cadeias de supermercados
da África do Sul, está a expandir-se fortemente ao resto do continente. No seu primeiro ano de operação na Zâmbia, cerca de
80% dos seus produtos foram importados
da África do Sul. Cinco anos mais tarde, já
estavam a trabalhar com pequenos empresários zambianos para garantir a produção
local de acordo com certos padrões.
“Se tivermos
de fazer com
que as regras
funcionem em
África, isso
significa um
protecionismo
inteligente”
Entre 1970 e 2008, cerca de 800 mil
milhões de dólares desapareceram de
África devido a fluxos financeiros ilícitos. Mo Ibrahim disse no ano passado
que África pode estar a perder anualmente até 40 mil milhões de dólares em
resultado da evasão fiscal. Existe um
problema de credibilidade com o setor
privado em África?
Estudos revelam que o nosso setor privado
é extremamente preguiçoso para passar aos
setores industriais. Isto está ligado à falta de
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vontade dos bancos em emprestar a este
setor. Normalmente, fazem negócios na
área dos serviços, que responde à procura
interna; pode fugir-se aos impostos e ser
mais informal do que se tiver uma fábrica,
porque a fábrica está à vista de todos. Não
devemos distrair-nos com as preferências
do setor privado. Em vez disso devemos
criar as políticas e os regimes de incentivos
que os façam investir na industrialização.
O Banco Mundial criticou a Nigéria por
banir a importação de alguns produtos.
Qual a sua opinião?
O Banco Mundial está mandatado para
promover a liberalização em todas as
frentes. Mas todos os países que têm indústrias começaram com alguns graus de
protecionismo. Já não podemos ser protecionistas no crude; estamos envolvidos
nas negociações globais, incluindo as comerciais. Se tivermos de fazer com que as
regras funcionem em África, isso significa
um protecionismo inteligente.
Não existe o argumento de que sem liberalização, não haverá concorrência e que
os preços dos produtos disparam?
Existem subsídios e normas que são contraproducentes. No caso da Nigéria, os subsídios aos combustíveis estão a prejudicar os
pobres e a proteger uma corrente de corrupção que não tem favorecido a produtividade e a atividade económica. Por outro
lado, se estivéssemos a falar de uma Nigéria
com 16 refinarias e a produzir uma gama
completa de produtos relacionados com o
petróleo – de fertilizantes a plásticos – e
depois criar uma legislação para defender
uma indústria nascente que pudesse consolidar a sua posição no mercado, então os
subsídios teriam sido uma boa medida.
O Governo da Nigéria não foi capaz de
calibrar as implicações económicas de
um subsídio aos combustíveis com as
consequências políticas da sua remoção
porque o subsídio é uma medida popular junto da população.
Se as pessoas não confiarem em que o subsídio deve ser retirado para que tenham
melhor educação, hospitais, estradas, aeroportos, entre outros, é normal que não estejam convencidas. O Governo tem de
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África21
construir confiança e por vezes tem de o
fazer de uma forma que não seja abrupta.
A economia do Quénia abrandou ultimamente. Cresceu 4,5% em 2010 e
3,3% em 2011. O que pode fazer o país
para impulsionar a economia?
Tenho muita esperança no Quénia. Vê-se
em Nairobi uma juventude urbana, inovadora e interativa. É por isso que a sua indústria de TIC está sempre a surpreender com
novos produtos. Por muito que estejamos
entusiasmados com as experiências da
Etiópia e do Rwanda devido à consistência
do empenho do Estado, penso que o Quénia tem uma melhor combinação de fatores
mesmo que ainda lhe falte alguma coordenação. Penso que o Quénia atravessa uma
fase em baixa que será temporária.
Quão temporária?
Vários fatores irão impulsionar o Quénia. O primeiro é a resolução do problema de energia, que está em curso. Em
segundo lugar, estão a registar-se investimentos logísticos que transformarão o
Quénia no hub da África Oriental – aeroportos, portos, estradas e caminhos de
ferro. Diria que dentro de três ou quatro
anos o Quénia terá um regresso em grande. O terceiro elemento é a chegada ao
poder de um novo governo no contexto
de um conjunto de desafios internacionais, incluindo a insurgência na Somália
e o Tribunal Criminal Internacional.
A ilha Maurícia é agora um país de rendimento médio e o Rwanda tem uma das
economias em mais rápido crescimento
do mundo. De que outros países africanos podemos esperar boas notícias nos
próximos anos?
Angola é um bom exemplo de uma tremenda transformação. Não tenho qualquer
dúvida de que Angola será uma economia
forte no futuro. A Argélia tem todos os elementos para uma completa revolução em
termos económicos. Atualmente, numa esfera microeconómica, a Argélia tem provavelmente a melhor performance do continente devido ao seu incrível volume de
reservas. O problema é ainda não ter conseguido alcançar políticas que criem emprego
e empreendedorismo.
Angola tem pretensões a exercer um papel de liderança no continente africano.
De acordo com o seu conhecimento,
qual e a perceção que existe no resto do
continente acerca de Angola?
Angola é um país respeitado, como se viu
aquando da seleção da atual liderança da
União Africana, tendo na altura Angola
protagonizado a candidatura da África
Austral. Outro exemplo é a recente escolha sem hesitações, como aliás aconteceu
para outros candidatos, de Angola como
um dos países propostos para o Conselho
de Segurança da ONU, o que foi entretanto confirmado. O seu papel nas questões de paz e segurança em países como a
RDC, República Centro-Africana ou
Guiné-Bissau mostra uma confiança rara.
Sendo uma das economias mais pujantes,
é natural que se espere mais de Angola.
A sua balança comercial africana é muito
limitada, os seus investimentos no resto
“Há uma política
de desincentivo que
constitui um impedimento
a uma maior produtividade
na agricultura”
do continente são parcos. Angola, através
da sua infraestrutura de transportes e em
breve portuária, pode fazer muito mais
pelo comércio intra-africano. A sua participação nas negociações para a consolidação dos intercâmbios regionais pode ser
mais enérgica. A China desenvolveu-se,
entre outras razões, graças ao conceito de
um país, dois sistemas. A interpretação
moderna dessas reformas era criar em
certas zonas económicas especiais as
condições que permitissem a réplica de
experiências bem sucedidas de industrialização e serviços modernos da Ásia
do Sudeste. No fundo, essas regiões foram locomotivas de crescimento que
depois arrastaram o resto. Na África de
hoje, carente de industrialização e serviços modernos, o equivalente às regiões
chinesas são países. Angola pode e deve
ser uma locomotiva do crescimento
africano.
Angola vive uma espécie de dilema:
priorizar as infraestruturas ou a educação? Qual a sua opinião?
Este não é um dilema, pois ambos são
necessários para a transformação. O verdadeiro dilema é mais que tipo de investimento infraestrutural e que tipo de investimento educacional. Ambos são
investimento, ao contrário do que alguns
pensam em termos de atribuição de recursos. Para um país como Angola a infraestrutura é essencial para aumentar a
produtividade agrícola, industrialização e
modernização dos serviços. Por exemplo,
Angola ganha alguns pontos de PIB pelo
seu salto em telecomunicações tanto quanto à renda do petróleo. Se os recursos não
chegam para tudo o que se quer fazer entra
a discussão das prioridades. E, para isso, a
necessidade de capacidade estratégica e
decisão rápida, pois estamos num mundo concorrencial. Um país como a
Etiópia tem quase quatro vezes a população de Angola, em vez de petróleo depende de café e flores e, no entanto, está
a industrializar-se muito mais depressa.
Um país como Marrocos criou uma cadeia de valor do nada na área da aeronáutica e hoje o setor já emprega cerca
de sete mil pessoas. E ambos os casos,
tanto a infraestrutura como a educação,
integraram-se numa decisão estratégica
que envolveu o conjunto dos atores.
A isso chamam os economistas política
industrial e Angola precisa de se afirmar
nesse terreno. Tem todas as condições
de o fazer.
Angola tem utilizado corretamente o
dinheiro do petróleo?
Acabei de responder indiretamente à
pergunta. Se virmos o que Angola alcançou em termos sociais, começando pela
redução da pobreza, não tem com que se
envergonhar, antes pelo contrário. Mas
pode-se sempre fazer mais. Angola tem
de diversificar a sua economia como
aliás está escrito no seu plano e na apresentação do orçamento. O petróleo deve
servir de dinamizador dessa transformação que tem de ser rápida. A coisa boa
dos preços do petróleo estarem a diminuir é alertar que a rapidez é para se tomar a sério.
CARLOS LOPES
Nascido em março de 1960, em
Cachungo, na Guiné-Bissau, Carlos
Lopes tinha 13 anos quando o país
se declarou independente. Como
conta no seu blogue (http://es-blog.
uneca.org/ES-Blog), «pouco depois
estava envolvido na política,
mobilizado pelo conjunto dos ideais
do pan-africanismo. O meu mentor
foi Mário de Andrade, um intelectual
angolano que na época vivia em
Bissau».
Tem um doutoramento em
história pela Universidade Sorbonne
de Paris e um mestrado de
investigação pelo Instituto de Altos
Estudos Internacionais e do
Desenvolvimento de Genebra.
Trabalhou na administração pública
do seu país, nas áreas de
investigação, diplomacia e
planeamento, estando ligado
às Nações Unidas desde 1988.
Nesse ano integrou o PNUD, onde
desempenhou diversas funções
e integrou a direção,
em reconhecimento pelo papel
desempenhado no desenvolvimento
da política de descentralização
dos serviços desta entidade.
Ocupa o atual cargo na
Comissão Económica para África
desde 2012. Nos cincos anos
anteriores, foi diretor-geral
do Instituto das Nações Unidas para
a formação e investigação, e diretor
da escola de quadros do sistema
das Nações Unidas. Antes disso,
entre 2005 e 2007, desempenhou
funções de subsecretário-geral da
ONU e diretor dos assuntos políticos
do gabinete do secretário-geral.
Especialista em desenvolvimento
e planificação estratégica, escreveu
ou editou 22 livros e deu aulas em
universidades de Portugal, Suíça,
México e Brasil. Participou na criação
de diversas ONG e instituições
de investigação, sobretudo em África.
Pertence atualmente ao conselho
de administração de entidades
como a Fundação Kofi Annan
e Conselho do Fórum Económico
Mundial sobre África.
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9
PIUS UTOMI EKPEI/AFP
áfrica ocidental
2014 fica para a história com o anúncio de
que a Nigéria ultrapassou a África do Sul
como primeira potência económica do continente. Mas o contraste na sub-região está nos
milhares de mortos causados pelas seitas radicais islamistas.
Valérie Thorin
Terra de contrastes
O
A Nigéria tornou-se a primeira potência económica de África em 2014
Apesar de alguns (tímidos) protestos a sua vitória não foi inoeste de África é uma região em movimento para o
melhor e, infelizmente, para o pior também. Para falar ternacionalmente posta em causa, tal como acontecera três anos
do melhor de 2014 no plano económico podemos co- antes com a eleição de Alassane Ouattara para a presidência da
meçar por citar a Nigéria que substituiu a África do Sul como Costa do Marfim. A crise pós-eleitoral não está ainda completaprimeira potência do continente. Com 491 mil milhões de dóla- mente encerrada e o seu epílogo jurídico provoca alguns sobressalres de Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, a Nigéria lidera tos. No final de outubro, realizaram-se em Abidjan as primeiras
doravante o grupo dos países africanos emergentes. Ainda muito audiências do julgamento de Simone Gbagbo, a ex-primeira
dependente dos seus recursos petrolíferos, o país diversifica as suas dama, acusada de «atentar contra a segurança do Estado». O seu
atividades nas telecomunicações, do imobiliário e da indústria ci- marido, o ex-Presidente Laurent Gbagbo, continua preso em
nematográfica, três setores ligados à emergência de uma classe Haia, onde comparece perante o Tribunal Penal Internacional.
Outra crise ainda em andamento é a do Mali. Depois de um
média, com forte potencial consumidor.
Mas, em matéria de segurança, 2014 foi também um annus cessar-fogo assinado em julho entre o Governo de Bamako e os
horribilis para a Nigéria, facto que ilustra bem a ambiguidade deste grupos armados tuaregues, estão em curso negociações na Argélia
enorme país, o mais populoso de África. À seita islamista Boko para restaurar a paz na região e impedir a continuação das ações
Haram, misto de terrorismo e de grande banditismo, foram atribuí- terroristas dos bandos ligados à Al-Qaeda no Magrebe Islâmico.
das exações quase quotidianas que causaram milhares de vítimas Contra estes a França tem continuado as suas intervenções militanos estados do nordeste até aos confins do Níger e dos Camarões. res no deserto do Sara em colaboração com as forças armadas do
Em abril, o rapto de mais de 200 adolescentes alunas de um estabe- Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger. Emboscadas e
atentados foram numerosos ao longo do ano,
lecimento escolar comoveu a comunidade africana e
com vítimas civis e entre os combatentes de
internacional. As autoridades nigerianas não conse- O que polariza
ambos os lados.
guiram até agora dar à Boko Haram mais do que uma
Mas o tema que polarizou as atenções e
resposta militar, às vezes desproporcionada, que só atenções e receios
suscitou as maiores preocupações na sub-recontribuiu para agravar a fratura social.
internacionais
gião foi sem dúvidas a epidemia de ébola deteFoi esta fratura que esteve na origem da revoluestá na epidemia
tada no início do ano na Guiné-Conacri. Este
ção de final de outubro no Burkina Faso. O presipaís, a Serra Leoa e a Libéria foram os mais
dente Blaise Compaoré, no poder há 23 anos, foi de ébola
gravemente afetados. A Nigéria conseguiu liderrubado por uma revolta popular que saiu à rua, que ainda afeta
vrar-se do vírus em poucas semanas, graças a
exasperada por um rol de promessas não cumpridas
a África Ocidental
uma política de prevenção rigorosa; o Senegal
e firmemente decidida a impedir a alteração da
Constituição que perpetuaria o status quo. A transição em curso e o Mali registaram alguns casos de contaminação mas parecem
conseguir evitar a propagação do vírus. Apesar da mobilização
deverá levar o país a eleições gerais em 2015.
As futuras eleições no Burkina Faso merecem desde já maior tardia da comunidade internacional, a epidemia parece ter sido
atenção mediática do que as que tiveram lugar na Mauritânia em circunscrita e há indícios de um ligeiro abrandamento do número
junho de 2014. Sem surpresa, o general Mohamed Ould Abdel de novos casos à escala global. Em outubro de 2014 a OrganizaAziz foi reeleito para a presidência do país e conservou a presidência ção Mundial de Saúde tinha registado 7478 casos confirmados e
3439 óbitos.
da União Africana.
10
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Crise política explosiva na Nigéria
no Sul. Este atentado visava diretamente o emir de Kano, segunda
mais alta autoridade muçulmana
da Nigéria que tinha apelado publicamente aos fiéis a pegarem
nas armas para combater os
jihadistas de Boko Haram.
A crise económica provocada pela queda das receitas petrolíferas e da desvalorização do
naira, a divisa nacional, levam
Governo e oposição a adotar
atitudes cada vez mais belicistas
e brutais. O presidente da câmaObasanjo acusou
ra dos deputados, Aminu Tama- Olusegun
Goodluck Jonathan de não ter
wal, que acabava de anunciar a entendido o fenómeno Boko Haram
sua adesão à oposição foi impedido de entrar no Parlamento pela polícia que disparou gazes lacrimogénios contra os deputados.
Para Clement Nwankwo, ativista dos direitos humanos, a situação «faz lembrar os tempos mais sombrios do regime do ditador Sani Abacha nos anos 90», a corrupção atingiu «níveis sem
precedentes» e o Governo reage com brutalidade porque sente
que está a perder o controlo do país.
DR
A menos de três meses das eleições gerais de fevereiro próximo,
a Nigéria enfrenta a crise política e económica mais explosiva
desde a restauração da democracia em 1999, com a insurreição
islamita no norte totalmente fora de controlo.
O anúncio da candidatura do Presidente Goodluck Jonathan
agravou as divergências no seio do seu próprio Partido Democrático Popular, abalado pela deserção de governadores e deputados
que optaram por se juntar à APC, coligação de quatro partidos de
oposição, que escolherá o seu candidato mediante eleições primárias entre dois postulantes oriundos do norte. O ex-presidente
Olusegun Obasanjo, que tinha incitado Jonathan a renunciar a um
segundo mandato, acusa-o que ser o responsável da situação a
que se chegou por «não ter entendido desde o princípio o fenómeno Boko Haram» e ter deixado a insurreição tomar «dimensões
gargantuescas». A imagem não é excessiva tendo em conta os
rápidos progressos da insurreição – que causou cerca de 13.000
mortos desde 2009. Nos últimos meses, os islamistas tomaram
mais de 20 cidades e em três estados do nordeste – Borno, Yobe
e Adawama – a insegurança é tal que a comissão eleitoral admite
que o escrutínio de fevereiro não se possa realizar.
O triplo atentado de 27 de novembro contra a Grande Mesquita
de Kano, capital do norte, que causou mais de 200 mortos, provou
que o conflito já não pode ser interpretado à luz dos confrontos recorrentes entre os muçulmanos do Norte e os cristãos maioritários
DR
A revolução burquinabê e a primavera africana
Blaise Compaoré ocupou o poder durante 23 anos
Seis semanas após a revolta popular que provocou a 31 de outubro a fuga do Presidente Blaise Compaoré, no poder há 23 anos,
o Burkina Faso – cujo nome significa «país dos homens íntegros»
– tem um civil sem filiação partidária, Michel Kafando como presidente interino e um governo, liderado pelo coronel Isaac Yacuba
Ziva, encarregue de levar o país até às eleições gerais previstas
para dentro de um mês.
Com uma surpreendente rapidez e sem necessidade de mediação ou de sanções exteriores, as chamadas forças vivas do
país, militares, partidos políticos, sociedade civil e autoridades
tradicionais puseram-se de acordo para aprovar uma «carta da
transição», que é ao mesmo tempo um código de boa conduta e
um programa de governo para os próximos doze meses. A sociedade civil mobilizada pelo «balai citoyen» (a vassoura cidadã),
que foi o motor da revolução, impediu políticos e militares de se engalfinharem numa
luta pelo poder que poderia ter levado o país
à instabilidade prolongada ou mesmo à
guerra civil. Representada no seio do Comité
Nacional da Transição (CNT) em pé de
igualdade com os partidos tradicionais e os
militares, mantém a pressão sobre as autoridades interinas para impor as reformas mais
urgentes e sobretudo «limpar» as manias
herdadas do anterior sistema.
A demissão do novo ministro da cultura
Adama Sagnon, acusado de ter encoberto
os mandantes do assassínio do jornalista
Norbert Zongo em 1998, affaire que provocou uma explosão de
cólera popular que abalou o regime de Compaoré, é uma primeira
vitória altamente simbólica. Os militares parecem ter ouvido o recado. A começar pelo coronel Ziva que já era apresentado como
o «novo homem forte». Despiram as fardas e reiteraram a promessa de não concorrer às próximas eleições. Por sua vez, políticos e civis aceitaram sem demasiadas reticências que os postos-chave do novo executivo como a defesa, o interior e as minas
fiquem em mãos de militares enquanto o presidente interino acumula as funções de Chefe de Estado e da diplomacia. Demasiado
bonito para ser verdade? Em todo o caso, a ONU, a União Africana e a CEDEAO estimam que a maturidade política manifestada
pelos burquinabeses nesta crise torna inoportuna qualquer tentativa de interferir no processo.
África21– dez 2014 / jan 2015
11
Depois do ébola, a febre de Lassa?
A realização do II Fórum Mundial sobre
Direitos Humanos, entre 27 e 30 de novembro em Marraquexe, Marrocos, levantou uma onde de protestos em todo o
mundo, face à posição do país em relação
ao Sara Ocidental.
Foram várias as organizações que recusaram participar no evento, e dia 13 de
novembro o centro de Madrid encheu-se
de milhares de pessoas que protestavam
contra a ocupação ilegal do território e a
violência registada nos últimos anos.
«Apelamos à União Europeia e à Espanha para condenarem a brutal repressão e convidamos as duas partes a pedirem ao Rei de Marrocos para pôr fim a
esta violência injustificada, desproporcionada e cruel», declarou o ator Javier Bardem, um dos rostos do movimento, num
discurso proferido no final da manifestação. Várias bandeiras de Marrocos foram
queimadas e ouviram-se slogans como
«Marrocos culpado, Espanha responsável» ou «Sara livre agora». Dias antes, as
forças marroquinas desmantelaram pela
força um acampamento a sul de El Aiún,
principal cidade do território, onde 15 mil
sarauís se tinham instalado. O balanço
oficial dá conta de 12 mortos e de 163
detidos.
Recorde-se que intelectuais, escritores, poetas, professores, jornalistas e artistas de todo o mundo associaram-se a
um movimento de solidariedade para a
defesa do povo do Sara Ocidental e da sua
cultura. Numa carta, exortam a Espanha e
Marrocos a assumirem o seu compromisso, de modo a não esquecerem a questão
no seu relacionamento internacional.
12
dez 2014 / jan 2015 –
África21
KATHY KATAYI/AFP
Sara Ocidental
coloca Marrocos
em xeque
Enquanto a epidemia de ébola continua fora de controlo nos três países mais afetados
– Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, um surto de febre de Lassa detetado no final
de novembro no norte do Benim fez disparar os sinais de alarme na África Ocidental.
O vírus causador desta febre hemorrágica, parecido com o do ébola, foi identificado em 1969 na Nigéria e a doença é endémica na região onde se regista anualmente
entre 100 mil e 300 mil casos. O vetor é um pequeno roedor que vive nas proximidades das habitações, aumentando a facilidade de contágio por contacto com as fezes e
urinas do animal.
Extremadamente contagiosa, a febre de Lassa causa cerca de 5000 mortos por
ano, mas em caso de surto epidémico agudo, a taxa de mortalidade pode atingir os
40%. Como no caso do ébola, não existe vacina, nem tratamento específico, e os
antirretrovirais só têm efeitos curativos nos primeiros dias após a infeção, fase durante
a qual os sintomas são facilmente confundidos com os da gripe ou do paludismo. A 28
de novembro, as autoridades do Benim assinalaram 14 casos confirmados, dos quais
oito mortais, e cerca de 200 suspeitos sob observação.
Entretanto, o surto de ébola no Mali parece controlado. Os oito casos registados,
dos quais seis mortais, foram relacionados com doentes «importados» da Guiné-Conacri. A apertada vigilância exercida sobre as pessoas que estiveram em contacto
com os indivíduos infetados permitiu cortar a cadeia de propagação, esperando as
autoridades locais ter o mesmo sucesso que o Senegal e a Nigéria, os outros dois
países considerados «livres de ébola».
O mesmo não acontece na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, apesar da diminuição do número de novos casos e da taxa de mortalidade. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a 26 de novembro tinham sido registados 15.985 casos de
contaminação e 5689 mortos. Entretanto a OMS aprovou em novembro um novo
protocolo sobre a inumação das vítimas «em segurança e dignidade» com sensibilização das autoridades religiosas e das famílias. Os primeiros ensaios clínicos de um
fármaco nos Estados Unidos e na Libéria estão a dar resultados «encorajadores» e
um teste de despistagem em 15 minutos começou a ser utilizado na Guiné-Conacri.
O ébola já causou cerca de 6000 vítimas mortais na África Ocidental
BOKO HARAM/AFP
Chade, Camarões, Níger e Nigéria criaram força conjunta para combater a Boko Haram
áfrica central
Eixo da luta contra a insegurança
Escaramuças, combates esporádicos, sucessivos cessar-fogos
sem reais efeitos, dezenas de vítimas mortais causadas pelo
ébola, insegurança. Os países da África Central não vão ter
saudades de 2014.
N
a África Central, o ano de
2014 foi rico em contrastes.
Para se proteger contra a criminalidade em alta o Congo Brazzaville
testou uma solução radical: expulsar os
«kalunas», salteadores vindos «do outro
lado do rio», ou seja, da República Democrática do Congo (RDC). A medida
ultrapassou as intenções dos promotores
e, como resultado, cerca de 80.000
congoleses foram brutalmente deportados, às vezes tratados com extrema violência. As associações de defesa dos direitos humanos e a sociedade civil
reagiram, incitando as autoridades a dar
provas de moderação.
Valérie Thorin
Se há muitos refugiados é porque a
vida não é fácil na RDC, onde o ano de
2014 acaba com um saldo cinzento. No
plano da segurança, os confrontos armados continuam no leste apesar da presença
de 20.000 capacetes azuis da ONU e dos
sucessivos cessar-fogos assinados, nomeadamente com os rebeldes do M23. Escaramuças e combates esporádicos continuam
a cobrar um elevado número de vítimas
entre as populações civis. A luta contra a
impunidade, em particular no que diz
respeito à violência contra as mulheres
neste quadro de guerra, é um desafio de
todas as horas. É pelo seu papel neste
combate sem fim que o Dr. Mukwenge,
cirurgião ginecologista que dirige uma clínica de Bukavu, foi galardoado pelo Parlamento Europeu com o Prémio Sakharov
pela liberdade de pensamento, considerado como o Nobel da Paz alternativo.
No plano sanitário, a RDC registou
um sucesso indesmentível: a epidemia de
ébola que se declarou em agosto na província de Equador – a sétima neste país
onde o vírus foi identificado pela primeira
vez em 1976 – foi declarada extinta. Este
surto, provocado por um vírus de uma estirpe diferente do que afeta a África Ocidental foi circunscrito e controlado após
ter causado 49 mortos.
Na República Centro-Africana (RCA)
a transição iniciada em janeiro de 2014 sob
a presidência de Catherine Samba-Panza
não trouxe a paz esperada, apesar da personalidade consensual da Presidente interina
e dos vários cessar-fogos assinados em
Brazzaville pelas principais componentes
do conflito interno, os Seleka, grupos armados maioritariamente muçulmanos, e os
África21– dez 2014 / jan 2015
13
ternacionais de segurança e alargar a sua
ação de Bangui às principais cidades do
país. O objetivo deste plano é de permitir a
realização a curto prazo de eleições gerais, e
é esta a meta que fixou o governo do novo
primeiro-ministro Mahamat Kamoun, nomeado em setembro.
No vizinho Chade, a evolução da situação na RCA é seguida com atenção porque
as infiltrações de grupos armados incontrolados pode representar uma ameaça para as
autoridades de Ndjamena e para os seus
interesses económicos. A presença de terroristas do grupo nigeriano Boko Haram ao
longo dos grandes eixos rodoviários do sul
do país já teve como consequência nefasta a
travagem ou mesmo a interrupção das trocas comerciais. A navegação no rio Chari e
lago Chade teve de ser proibida pelas auto-
dr
anti-balaka, milícias formadas essencialmente por cristãos.
A fratura étnico-religiosa entre as comunidades locais radicalizou-se. Felizmente, associações da sociedade civil e líderes de
todas as confissões religiosas esforçam-se no
terreno de forma a restaurar a confiança e o
diálogo, com orações nos lugares de culto,
mas também através de iniciativas de interesse público como a reconstrução de habitações e escolas. No plano militar, a França
prorrogou o mandato da sua força de intervenção «Sangaris», enquanto os contingentes africanos disponibilizados pelos países
membros da organização regional passaram
a ficar em setembro sob o comando das
Nações Unidas. Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU permitiu aumentar para 7500 os efetivos das forças in-
Baixa no preço de petróleo
A decisão tomada a 27 de novembro pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo) de manter inalterada a produção do cartel faz prever a continuação da descida do preço
do crude nos mercados internacionais. Com o brent do Mar do Norte a 75 dólares/barril, o preço
mais baixo desde 2008, e uma quebra de 35% desde junho, os especialistas preveem que os
efeitos da atual sobreprodução, que deve manter-se ao longo de 2015, altere profundamente todos os setores da indústria petrolífera, a começar pelos investimentos, e as economias dos países produtores, membros ou não da OPEP. Os países mais dependentes das receitas petrolíferas e que estabeleceram os seus orçamentos para 2014 e 2015 a partir de valores do crude
superiores ao preço atual – como a Rússia, Venezuela, Argélia, Nigéria e Angola – já começaram
a sentir os efeitos da queda do valor das suas exportações e deverão reduzir as despesas previstas, nomeadamente os investimentos nas infraestruturas, o que pode contrariar os esforços a
favor de uma maior diversificação das economias.
A Arábia Saudita, responsável por 30% da produção da OPEP, que por sua vez representa
cerca de um terço da produção mundial, defende a necessidade de deixar que sejam os mercados a regular os preços pelo jogo da oferta e da procura, convencida de que a baixa pode levar o
preço do barril até mínimos próximos dos 60 dólares em 2015, a partir dos quais a tendência altista voltará a fazer sentir-se, em consequência do forte abrandamento dos investimentos na extração dos petróleos ditos «não convencionais», nomeadamente shales (gás de xisto) americanos e areias betuminosas do Canadá.
Os importadores de petróleo e os consumidores não deverão tirar grandes benefícios da baixa
do preço do crude porque os preços dos produtos refinados não acompanham o movimento. Por
sua vez os ambientalistas preocupam-se com as repercussões da nova situação sobre o desenvolvimento das energias alternativas e os programas de redução das emissões de CO2, que serão
temas centrais da cimeira de Paris sobre as mudanças climáticas prevista para 2015.
14
dez 2014 / jan 2015 –
África21
ridades de Ndjamena pelas mesmas razões.
Em novembro, Chade, Camarões, Níger e
Nigéria decidiram criar uma força conjunta
de 700 homens, exclusivamente dedicada a
combater a implantação de Boko Haram e
a recolher informações sobre os seus movimentos e atividades.
O método Biya
As autoridades camaronesas têm adquirido
uma certa experiência na libertação de reféns detidos pela Boko Haram. O que a
imprensa designa como o «método Biya» –
a partir do nome do Presidente camaronês
Paul Biya – é uma sútil combinação de
diálogo e de firmeza e tem permitido resgatar várias dezenas de camaroneses e estrangeiros em 2014. Paul Biya não quer que a
insegurança afete ainda mais o crescimento
económico do seu país e dos vizinhos.
A suspensão, por causa da insegurança, do
projeto de revitalização do lago Chade,
destinada a reverter o lento e inexorável
desaparecimento das suas águas, indispensáveis para a sobrevivência das dezenas de
milhões de pessoas que vivem à sua volta, é
desde já uma catástrofe ambiental de consequências incalculáveis para a região.
Quanto ao Gabão, o país mais estável e
calmo da região, parecia «condenado» a terminar o ano de 2014 sem outra «notícia»
digna de relevo além da nomeação de um
novo primeiro-ministro, Daniel Ona
Ondo, quando uma «bomba mediática»
rebentou, estremecendo a modorra de Libreville. No livro Nouvelles Affaires Africaines. Mensonges et Pillages au Gabon, publicado em novembro em Paris, o jornalista de
investigação Pierre Péan afirma que o Presidente Ali Bongo não é um filho natural do
falecido presidente Omar Bongo mas um
órfão do Biafra adotado e que o seu registo
de nascimento e outros documentos produzidos para lhe permitir aceder à presidência
são falsificações. O argumento tem sido esgrimido, com sucessos diversos, contra outros presidentes africanos, mas Pierre Péan,
apesar de controverso, adquiriu uma certa
notoriedade como investigador por revelar
alguns dos segredos mais bem guardados da
história contemporânea. A presidência gabonesa contra-atacou com uma queixa por
difamação mas a «estória» já causa reboliço e
promete novos desenvolvimentos.
Reunidos em Bologna (Itália) em abril
de 2014 com os doadores e instituições financeiras internacionais, os
países membros da Comissão da Bacia do Lago Chade (CMLT em francês)
tinham conseguido angariar os fundos
necessários para o financiamento do
seu plano quinquenal de Salvamento
do Lago Chade (2013-2017).
O Banco Mundial incluiu este projeto entre as prioridades dos seus programas de apoio ao Sahel e o Banco Africano de Desenvolvimento assumiu o
compromisso de desbloquear 100 milhões de dólares. Mas a instabilidade e
a insegurança existente em vários países ribeirinhos do lago (Boko Haram,
crise do Mali e da República Centro-Africana) levaram à interrupção dos
trabalhos iniciados. A urgência destas
intervenções para salvar a maior reserva de água doce da zona saheliana, e os
30 milhões de pessoas que dependem
dela, levou Romano Prodi, ex-enviado
especial da ONU para o Sahel, a acionar
o sinal de alarme.
Desde 1962, o nível das águas baixou quatro metros e a extensão do lago
90%. A partir de 1980 as alterações climáticas e a diminuição das precipitações
aceleraram o processo e no verão de
2014 o lago secou por completo em algumas partes, dando origem a tempestades de areia.
A situação do Lago Chade é paradigmática da intensidade dos efeitos das alterações climáticas no continente africano, mas não é um facto isolado. A subida
do nível do mar está também a devastar
extensas zonas do litoral, ameaçando
mangais e aldeias piscatórias que podem
vir a desaparecer; nas grandes urbes do
Golfo da Guiné e da África Ocidental diversos bairros de lata construídos à beira-mar estão em situação de risco e as autoridades locais não dispõem de recursos
suficientes para realojá-lo em sítios mais
seguros; outros países são ciclicamente
confrontados com cheias devastadoras,
que destroem milhares de habitações e
favorecem as doenças relacionadas com
a água. Estes problemas serão levados
pelos governos africanos e as ONG à
Conferência Internacional sobre as Mudanças Climáticas, que se realizará em
Paris em dezembro de 2015.
áfrica oriental
Entre áreas de conflitos
e novos eldorados
O ataque reivindicado pelos Shebabs da Somália contra um
autocarro no nordeste do Quénia, que fez 28 mortos em fins
de novembro, e as imediatas represálias do exército queniano no
interior da Somália, onde faz parte das forças da União Africana
aí presentes, vem lembrar quanto o destino do Quénia e da região
está em parte hipotecado pela situação de crise que ainda vive este
país do Corno de África desde há mais de duas décadas.
Augusta Conchiglia
Ataque dos Shebabs da
Somália a um autocarro
no norte do Quénia
resultou em 28 mortos
STRINGER/AFP
Salvar o Lago Chade
E
ncurralados no território da
própria Somália pela ação conjunta do exército somali e da
Amisom (a força da União Africana com
cerca de 8000 homens), os Shebabs exportaram as suas ações terroristas para o vizinho Quénia, como o mundo pôde constatar aquando do ataque contra o Centro
Comercial de Westgate de Nairobi, no
ano passado. Segundo recentes revelações
do Governo queniano, a organização somali teria (desde há alguns anos) conseguido algumas cumplicidades no setor radical
da comunidade muçulmana costeira, e até
alianças com políticos do país interessados
na sua destabilização.
Durante a sua visita à região em outubro último, o secretário-geral das Nações
África21– dez 2014 / jan 2015
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Nilo reaproxima o Egito
dos vizinhos africanos
Desde a sua chegada ao poder, o Presidente
Abdel-Fattah Al-Sissi fez da questão da partilha das águas do Nilo uma das prioridades da
diplomacia egípcia. Ao longo de 2014, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros visitou os
países ribeirinhos do rio e, em particular, os
signatários do acordo de Entebbe de 2010 –
Etiópia, Uganda, Quénia, Tanzânia, Rwanda
e Burundi – para os convencer da necessidade
de rever o capítulo relativo à «partilha igual e
equitativa» do caudal do rio, de forma a ter em
conta as necessidades económicas e sociais
do Egito, o país mais povoado e que depende
a quase 100% do Nilo para o consumo doméstico, a agricultura e a indústria.
Ao contrário dos seus antecessores, que
consideravam «não negociáveis» os direitos
históricos do Egito e do Sudão, consagrados
por tratados internacionais datando da colonização inglesa, e que ameaçavam recorrer às
armas para os defender, os novos dirigentes
do Cairo optaram pela via diplomática e pelo
estreitamento das relações com os vizinhos
africanos. Fizeram-no com aparente sucesso
porque depois da ida de Al-Sissi à cimeira da
União Africana de Malabo em junho (onde foi
objeto das atenções e simpatias dos seus pares africanos) o contencioso parece em vias de
resolução, nomeadamente com a Etiópia.
O Cairo acusava Adis Abeba de ter aproveitado a situação de fragilidade em que se encontrava o Egito depois do derrube de Mubarak
para acelerar a construção de uma megabarragem sobre o Nilo Branco, que será a maior do
continente. Uma reunião técnica sobre a barragem teve lugar no Cairo em outubro e o ministro etíope da água e energia, Alemayehu Tegenu, declarou-se muito satisfeito sobre as
negociações com o Egito e o Sudão. «Nunca
tivemos a intenção de prejudicar ninguém e
temos a mente aberta», disse. O chefe da diplomacia da Tanzânia, Bernard Membe, declarou-se também favorável à renegociação do
acordo de Entebbe e propôs organizar uma
conferência internacional em Dar es Salam.
16
dez 2014 / jan 2015 –
África21
DR
Unidas Ban Ki-moon pronunciou palavras
otimistas sobre o futuro da Somália que estaria «saindo lentamente do seu longo pesadelo», e chegaria agora a um momento crucial da sua existência, graças às derrotas
seguidas dos Shebabs que perderam o
controlo de todas as zonas costeiras. Ban
Ki-moon elogiou também um certo progresso realizado pelo governo na reorganização do território e da administração regional. «Como nunca antes, o país está a
reunificar-se e a estruturar-se», disse.
Porém, as divergências que continuam a
manifestar-se na cúpula somali, nomeadamente entre o Presidente Hassan Sheick
Mohamud e o primeiro-ministro Abdiwely
Sheick Ahmed, não deixam de preocupar e
até irritar os países doadores, nomeadamente os Estados Unidos que ameaçaram cortar
significativamente a sua ajuda ao país, se não
forem ultrapassadas estas lutas no seio do
poder. Os Estados Unidos financiam projetos de capacity building e de desenvolvimento com 58 milhões de dólares anuais e fornecem uma assistência ao exército e à Amisom
de 271 milhões de dólares.
Ainda nesta viagem à África Oriental,
Ban Ki-moon lembrou a participação das
principais instituições de doadores para o
desenvolvimento da região (Djibouti, Eritreia, Etiópia, Quénia, Somália, Sudão do
Sul, Sudão e Uganda), que se dispuseram
recentemente a financiar programas para
num total de oito mil milhões de dólares.
A redução significativa da pobreza depende
em primeiro lugar da estabilidade e da segurança, insistiu Ban Ki-moon. Se as perspetivas melhoraram para a Somália, elas continuam incertas para o Sudão do Sul onde o
conflito armado entre as fações representadas pelo Presidente Salva Kiir de um lado, e
a do seu antigo vice-presidente Riak Machar
do outro, continua apesar de uma série de
acordos de cessar-fogo assinados em Adis
Abeba sob os auspícios das organizações regionais e da UA. As consequências do perdurar da situação de guerra são mais que
desastrosas para a população deslocada ou
ainda nas áreas contestadas, como têm alertado através de apelos dramáticos as agências
humanitárias das Nações Unidas.
Apesar destes fatores de instabilidade
com efeitos sobre o conjunto da região, e da
continuação de episódios de ataques terro-
No Sudão do Sul
perdura o conflito
armado entre as fações
do Presidente
Salva Kiir
e do ex-vice-presidente
Riak Machar
Na visita à Região em outubro,
o secretário-geral das Nações
Unidas Ban Ki-moon
teve palavras otimistas
sobre o futuro da Somália
ristas levados a cabo pelo Exército de Resistência do Senhor no norte do Uganda,
lançados agora a partir do leste da República Centro-Africana, a parte oriental do
continente conta com países com regulares
taxas de crescimento económico elevado
(entre 6 e 8%) e ótimas perspetivas de médio prazo. Ao Quénia e ao Uganda, já reputados no meio dos negócios internacionais,
juntaram-se nos últimos anos a Etiópia e a
Tanzânia, como mais procurados pelos
investidores.
A Etiópia, que está a construir no Nilo
Azul a (de longe) maior barragem hidroelétrica do continente (6000 MW), que deveria entrar em funcionamento em 2017, tem
demonstrado um forte dinamismo económico, nomeadamente na agricultura e nos
serviços. A Tanzânia, país ainda essencialmente agrícola, poderá transformar-se num
grande produtor de gás natural no horizonte
Rever o cálculo do PIB
contando com as
mudanças estruturais
das economias africanas
de 2020. Trinta mil milhões de dólares serão investidos pelas grandes companhias
petrolíferas mundiais (Exxon Mobil, Statoil
ou BG Group) no projeto de liquefação de
gás – as reservas tanzanianas são comparáveis às dos países do Golfo Arábico. Como a
Nigéria e mais recentemente o Quénia, a
Tanzânia está a reajustar os dados do seu
PIB com os novos critérios de cálculo, o que
deveria traduzir-se num aumento de 20%
(ou seja 33 mil milhões de dólares).
A pátria de Julius Nyerere não está incólume à praga da corrupção, provocando
reações dos doadores internacionais que
suspenderam em outubro 500 milhões de
dólares de ajuda ao orçamento do país.
A Tanzânia deu porém um exemplo de
abertura e humanismo aceitando recentemente naturalizar 200.000 refugiados originários do Burundi que se encontram no seu
território há duas décadas. Depois do Quénia, que hospeda no seu território meio milhão de refugiados da Somália, a Tanzânia é
o país africano que tem recebido mais refugiados do continente.
Este mais antigo parceiro da China na
África Subsariana – onde há mais de 40 anos
Pequim acabou a construção do caminho
de ferro Tazara, que liga a Zâmbia ao porto
de Dar es Salaam – tem também visto crescer os investimentos chineses que foram no
ano passado de 2,5 mil milhões de dólares.
O setor da indústria manufatureira será o
principal beneficiário destes investimentos
que poderão vir a criar até 77.000 empregos, como declarou confiante o Presidente
Jakaya Kikwete. A sucessão de Kikwete, que
terminará o seu segundo mandato em
2015, é geralmente encarada como um
possível fator de instabilidade: a oposição,
agora reunida numa coligação, tudo fará
para bater o partido Chama Cha Mapinduzi no poder desde a independência em
1961.
Mesquitas quenianas atacadas
A instabilidade no Quénia é uma realidade.
Os Shebabs somalianos que atacaram o autocarro no nordeste do país, matando unicamente os passageiros cristãos (homens e
mulheres) depois de os separar dos muçulmanos, afirmaram ter reagido em represália
aos raides levados a cabo pela polícia contra
quatro mesquitas de Mombasa, a segunda
cidade do país, à maioria muçulmana, num
país cristão a 80%. Este ataque teve lugar
depois de uma série de agressões dos Shebabs contra aldeias e veículos na região de
O exemplo da Nigéria que se sagrou
«maior economia africana» em 2014, depois de alterar o modo de cálculo do seu
Produto Interno Bruto (PIB), inspirou os
outros Estados africanos. Trinta e sete
países – entre os quais Angola – estão a
rever as suas próprias estatísticas para ter
em conta as alterações estruturais das
suas economias. Como na Nigéria, a
maioria destes países utilizava os mesmos
critérios há mais de 20 anos, quando nos
países desenvolvidos estas bases são revistas de três em três anos.
O exercício é destinado a avaliar de
forma mais precisa as verdadeiras dimensões das economias nacionais, mas também de ter uma ideia mais precisa da sua
composição, como o crescimento dos setores secundários e terciários (serviços), bem
como o peso das microempresas, agrícolas
e de serviços, geralmente subestimado ou
totalmente ignorado (economia informal).
Segundo os especialistas, esta revisão
dos critérios de base deverá provocar outras surpresas de monta. Foi o caso na Nigéria que viu o seu PIB aumentar cerca de
80% em 2013 e ultrapassar o da África do
Sul, até aí considerada como a maior das
economias africanas. Com efeito, os critérios anteriormente utilizados não tinham em
conta a evolução sofrida desde a última década do século passado, com o desenvolvimento dos setores bancário, imobiliário, das
telecomunicações e dos lazeres (com o
boom extraordinário da indústria cinematográfica e audiovisual de Nollywood). A economia informal era também ignorada apesar do seu papel na redistribuição dos
rendimentos e no emprego.
A revisão destes dados é de grande
importância não apenas para a elaboração das políticas setoriais como para a
reorientação dos investimentos privados
para a produção de bens de consumo
destinados a um mercado interno em
crescimento em consequência do aumento dos rendimentos disponíveis ao
nível dos agregados familiares.
No Gana e no Quénia, que já trabalham na atualização dos seus sistemas
estatísticos, o aumento do PIB deverá ser
da ordem dos 30%.
África21– dez 2014 / jan 2015
17
DR
Abdel Fattah
Al-Sissi
com o Papa
Francisco,
em novembro
O norte de África virou as costas à «primavera árabe»
A visita de estado do Presidente egípcio Abdel Fattah Al-Sissi a Roma – com uma audiência com o Papa Francisco – e a Paris em novembro teve um forte valor simbólico. Empenhado numa guerra sem quartel com a oposição interna dos Irmãos Muçulmanos, ilegalizados e qualificados de «organização terrorista», e confrontado com a guerrilha dos
grupos armados islamistas contra as forças armadas e de segurança egípcias, nomeadamente no Sinai, o homem forte do Egito interpelou os seus interlocutores acerca do seu
papel na chamada «primavera árabe» e em particular na intervenção da NATO na Líbia.
Para Al-Sissi, a situação atual na Líbia não é diferente da que antecedeu a grande ofensiva
da Organização do Estado Islâmico no Iraque e na Síria e se não forem atacados com a
mesma determinação os extremistas líbios vão espalhar o caos em toda a região. Mas a estratégia que defende é diferente: em vez de intervir militarmente, o Ocidente deveria ajudar os
governos e os exércitos nacionais a restaurar e manter a segurança nos respetivos países.
Esta posição é simétrica à da Argélia, que também se opõe a qualquer nova intervenção
militar estrangeira, com uma mensagem subliminar dirigida a Paris e Washington: ajudem-nos mas sem interferir na gestão dos nossos assuntos internos nem procurar mudar os
regimes instalados. A mensagem foi aparentemente ouvida porque nos contactos bilaterais
se fala sobretudo de cooperação, vendas de armas e contratos comerciais. Democracia e
direitos humanos deixaram de figurar entre as prioridades, da Mauritânia ao Egito.
Lamu, ao longo da costa turística queniana
– onde se encontra em construção um
grande porto de águas profundas – que fizeram mais de cem mortos entre junho e julho
últimos. O turismo, terceira entrada em divisas do país (13% do PIB) sofreu um ulterior colapso, depois de um ano em queda
constante. Os atos de violência, que se produzem desde há vários meses, põem frente a
frente, numa grande confusão, cristãos e
muçulmanos, habitantes da costa e dos planaltos, populações ricas e pobres.
Para compreender a situação que levou
aos confrontos pós-eleitorais de 2007, que
fizeram cerca de 1500 mortos e 300.000
deslocados, e a inculpação do atual Presidente Uhururu Kenyatta e do seu vice-pre-
Ao Quénia e Uganda,
juntam-se Etiópia e Tanzânia
como os países mais
procurados pelos
investidores internacionais
18
dez 2014 / jan 2015 –
África21
sidente pelo Tribunal Penal Internacional,
é preciso, como explica o investigador
francês Gérard Prunier, recuar às campanhas de expropriação das terras pelos colonizadores britânicos antes da Primeira
Guerra Mundial.
Os britânicos apoderaram-se das melhores terras sobretudo dos Masai e Kalenjins, mas também dos Kikuyus (cerca de
23% da população). Em meados do século
XX, estes últimos estavam à cabeça da luta
contra a ocupação, identificando-se com a
insurreição dos mau-mau. Jomo Kenyatta, primeiro Presidente do Quénia independente, quis privilegiar a sua etnia no
programa de redistribuição das terras financiado por Londres, em detrimento dos
outros grupos nacionais. Esta dominação
socioétnica estende-se do planalto à costa
e, em 1978, à morte de Kenyatta, a dominação kikuyu é praticamente total. Depois de
um parêntesis de relativa marginalização,
durante o reino do sucessor de Kenyatta,
Arap Moi, um kalenjin, aliado de grupos
tribais minoritários, os interesses kikyuys
voltam a subir com a vitória eleitoral de
Mwai Kibaki, em 2002. Candidato de uma
larga coligação multiétnica, da qual fazia
parte o influente membro da etnia Luo,
Raila Odinga, Kibaki encarna então a instauração da verdadeira democracia, e, ainda
mais, consegue relançar significativamente a
economia, que se manteve estagnada durante o longo reino de Moi.
Mas os grupos dominantes Kikuyu já
não querem arriscar-se a perder o seu poder económico e alargam a sua influência
tanto no interior do país como ao longo
da costa. Os seus principais concorrentes
tornaram-se os outros dois grandes grupos: os Luos e os Luhyias (que com os
Kikuyus formam 65% da população).
Depois da derrota do candidato Odinga
face ao herdeiro de Kenyatta, o país esteve
à beira da guerra civil. O sentimento de
exclusão dos benefícios do crescimento
económico atingiu também a população
da costa, cujas terras estão nas mãos dos
Kikuyus. O Islão radical já se tinha reforçado nas zonas costeiras depois da queda
de Siad Barre na Somália, em 1992, e o
surgimento de pequenos grupos alinhados
com a Al-Qaeda. A repressão violenta e
indiscriminada que sofreu esta região depois do ataque contra o Westgate de Nairobi agravou esta tendência e teve efeitos
desastrosos sobre o tecido social da região
costeira, onde forças políticas que reclamavam os direitos sobre as terras ocupadas
pelos Kikuyus viram os seus adeptos
transformarem-se em grupos ultrarradicais, até se aproximarem dos Shebabs da
Somália. Atrás da confrontação confessional, que está perigosamente a aumentar no
Quénia, encontram-se, como em muitos
outros contextos no mundo, clivagens sociais, económicas e culturais.
Fraturas que, no caso do Quénia, ainda
não travaram a progressão global do país,
que continua a ser a mais importante economia da África Oriental. A recente revisão
do seu PIB revelou uma revalorização de
25%, das cifras anteriores, atingindo agora
53,4 mil milhões de dólares. Uma redistribuição mais equitativa das riquezas – e das
terras em particular – do país parece desde
já um imperativo urgente para preservar e
desenvolver o grande potencial deste país-chave da região.
África21– dez 2014 / jan 2015
19
áfrica austral
África do Sul e países vizinhos
NIC BOTHMA/AFP
Os países da SADC estão
confiantes num forte
crescimento, mas os alarmes
estão a tocar no caso
da economia sul-africana
Gaye Davis Joanesburgo
A
maioria dos países na África
Austral gozou de uma relativa
paz e segurança ao longo do
ano, mostrando-se confiantes em apresentar um forte crescimento económico
em 2015. No entanto, existem preocupações sobre o estado da economia da potência da região, a África do Sul. Para a
maioria dos países da SADC – Comunidade de Países da África Austral, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) prevê
um crescimento robusto de 5% em
2014, subindo para 5,75% no próximo
ano «impulsionado por um investimento
sustentável em infraestruturas, setor de
serviços e forte produção agrícola, mesmo que as atividades relacionadas com o
petróleo deem um menor contributo».
Mas o FMI destacou que a África do
Sul está entre os países da África Austral
que enfrentam algum esmorecimento
sobretudo devido a problemas energéticos, conflitos laborais e baixa confiança
na economia.
Uma longa greve no setor da platina
e outra de seis semanas na engenharia e
metalúrgica contribuíram para um recuo do crescimento, prevendo-se também impactos futuros decorrentes dos
cortes de abastecimento de eletricidade,
necessários face à incapacidade registada
pela rede elétrica nacional.
Em termos políticos, o Congresso
Nacional Africano (ANC) está sob pressão. Confirmado no poder com 62%
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
Jacob Zuma é acusado pela oposição de ter usado mais de 20 milhões de dólares de fundos
públicos numa mansão privada
dos votos nas eleições de maio, registou
depois disso uma diminuição de apoio,
o que abre caminho a uma campanha
difícil para as eleições locais de 2016.
Em novembro, a maior federação de
sindicatos do país, a Cosatu, expulsou
um dos seus membros mais importantes, o sindicato NUMSA dos trabalhadores metalúrgicos, por este ter suspendido o apoio financeiro e organizacional
ao ANC nas eleições. O NUMSA criticou a liderança da Cosatu, acusando-a
de ser tolerante com o ANC e de trair os
interesses dos trabalhadores nas batalhas
relativas às políticas económicas. Este
sindicato representa cerca de 15% da
Cosatu, prevendo-se que outros sete
membros possam também deixar a federação, o que reduziria o número de trabalhadores na esfera da Cosatu de 65%
para 44%.
O NUMSA está a discutir a possibilidade de criar uma nova federação e
uma força de esquerda pró-trabalhadores. O seu congresso em março de 2016
pode resultar no anúncio de um novo
partido de esquerda.
Entre os aliados políticos desse eventual partido, poderão estar os Combatentes pela Liberdade Económica (EEF na sigla inglesa), de Julius Malema, que foi
expulso de líder da juventude do ANC. O
EEF conseguiu obter 25 lugares na Assembleia Nacional, onde episódios de elevada tensão política têm sido constantes
desde junho. O partido de Malema define-se como pró-trabalhador, empenhado
na nacionalização das minas e de setores-chave da economia, enquanto o ANC o
caracteriza como populista e protofascista.
Na Assembleia Nacional, em agosto, os
deputados do EEF interromperam uma
intervenção do Presidente Jacob Zuma
por causa dos 246 milhões de rands (cerca
de 23 milhões de dólares) de fundos públicos gastos na sua mansão de Nkandla,
forçando-o a abandonar uma sessão de
perguntas e respostas.
Em novembro, a polícia de intervenção foi chamada para retirar uma depu-
Além dos dramas políticos,
África do Sul
está afetada pela crise no
abastecimento de energia
Christine Kaseba
A economia do Zimbabwe está, segundo o FMI, numa encruzilhada, mas
o ministro das Finanças, Patrick Chinamasa, disse numa conferência de investidores em Joanesburgo, no mês de novembro, que o pior já tinha passado.
O FMI diz que não haverá mais nenhuma ajuda financeira pública até que o
Zimbabwe trate das suas dívidas antigas,
avaliadas em nove mil milhões de dólares. Por outro lado, uma lei que obriga
os estrangeiros a conceder quotas maioritárias nas suas empresas aos locais resultou numa fuga de investidores.
A Zâmbia também enfrenta uma luta
pelo poder, com eleições marcadas para
janeiro, depois da morte em Londres, no
mês de outubro, do Presidente Michael
Sata. O Vice-Presidente Guy Scott deverá manter-se como presidente interino
até à ida às urnas, mas não poderá assumir o cargo de forma permanente, porque os seus pais eram britânicos.
O partido no poder, Frente Patriótica, mostra-se dividido sobre a forma de
selecionar um candidato presidencial.
O secretário-geral do partido, Edgar
dr
Outros países da África Austral
Também a enfrentar desafios está o Zimbabwe, onde a economia mostra poucos
sinais de recuperação e uma batalha pela
sucessão aqueceu o ambiente político.
O Presidente Robert Mugabe (90 anos)
deverá ser reeleito para líder do ZANU-PF no Congresso de 2 a 7 de dezembro.
Embora ele se recuse a nomear um sucessor, o Vice-Presidente Joice Mujuru e o
ministro da Justiça Emmerson Mnangagwa são há muito considerados como
possíveis sucessores na eventualidade da
retirada de Mugabe ou da sua morte.
Os media públicos deram conta de alegada corrupção de Mujuru e de conspiração para derrubar Mugabe, cuja mulher,
Grace, entrou recentemente na política,
talvez com a perspetiva de um dia suceder
ao marido (ver caixa).
dr
tada do EEF que chamou a Zuma «ladrão e criminoso», desencadeando uma
cena de pancadaria que terminou com
membros da oposição feridos em confrontos com a polícia.
Além dos dramas políticos, o país
está afetado pela crise no abastecimento
de energia. A companhia estatal Eskom,
que produz e distribui quase toda a eletricidade da África do Sul, luta por
manter as luzes acesas e desespera por
capital. Tem sido pedido aos grandes
clientes industriais para reduzirem o
consumo em 10% e os cortes de eletricidade programados transformaram-se
numa rotina.
O presidente executivo da Eskom,
Tshediso Matona, afirmou que a África
do Sul pode «ter de viver no limite durante muito tempo… A menos que um
milagre aconteça continuaremos nesta
situação no futuro próximo».
A economia da África do Sul precisa
de crescer mais de 5% ao ano de forma a
combater a pobreza, o desemprego e a
desigualdade. Um menor crescimento
pode ter impacto nos seus vizinhos, com
quem o país tem importantes ligações
fiscais.
Em termos diplomáticos, o Vice-Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa tem atuado no Lesotho após uma
tentativa de golpe de Estado no pequeno reino das montanhas no final de
agosto, dois meses depois do primeiro-ministro Thomas Thabane ter suspendido o parlamento para evitar uma moção de censura apresentada pelos seus
parceiros da coligação governamental.
Como facilitador apontado pela SADC,
Ramaphosa conseguiu um acordo que
reabriu o parlamento e antecipou as
eleições em dois anos, para fevereiro de
2015. A tentativa de golpe incluiu o
ataque por parte de militares a diversas
esquadras policiais e à residência do primeiro-ministro, e a morte de um agente
policial.
Ramaphosa diz que a negociação da
partida de três militares seniores envolvidos constituiu «uma importante medida de confiança para o regresso do país à
estabilidade» e criar um clima «favorável» a eleições.
Grace Mugabe
As ambições das «primeiras-damas»
Depois das tentativas nem sempre bem sucedidas dos filhos assumirem a sucessão dos
pais, eis que várias «primeiras -damas» entram na carreira política com a intenção de se
fazer eleger presidente. É o caso na Zâmbia, onde Christine Kaseba, viúva do Presidente
Michael Sata, falecido a 28 de outubro, acaba de anunciar a intenção de se candidatar às
eleições presidenciais de janeiro de 2015. No Zimbabwe, a promoção de Grace Mugabe
(49 anos), a secretária-geral da organização feminina do ZANU-PF, com lugar cativo no
Bureau Político do partido, inquieta a oposição que receia ter de afrontar a ex-secretária
do Velho Bob nas próximas eleições se o seu nonagenário esposo não puder concorrer a
um sétimo mandato em 2018. Não se trata de uma fantasia africana. Já aconteceu várias
vezes na Ásia que ex-primeiras-damas sem experiência política tenham sido eleitas para
«continuar a obra» dos defuntos maridos. Nos Estados Unidos, Hillary Clinton saiu definitivamente da sombra do marido, o ex-presidente Bill Clinton e do atual Presidente Barack
Obama para afirmar-se como pretendente à candidatura democrata para as eleições
presidenciais norte-americanas de 2016.
África21– dez 2014 / jan 2015
21
O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) estima que o défice energético
«custa» anualmente dois a três pontos percentuais ao crescimento económico
de África e condiciona o êxito de todas as políticas de luta contra a pobreza e a
insegurança alimentar, de industrialização e criação de empregos.
Um défice devido ao atraso acumulado no desenvolvimento das infraestruturas energéticas por um continente que dispõe de enormes recursos em combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) como hidroelétricos, eólicos ou solares. O BAD
incluiu em 2014 a Nigéria, maior produtor africano de petróleo na lista dos 12 países da África Subsariana onde o défice é mais acentuado e geral, afetando quer
as populações urbanas como as zonas rurais. Os outros são Etiópia, República
Democrática do Congo, Tanzânia, Quénia, Sudão, Uganda, Moçambique, Madagáscar, Burkina Faso, Níger e Malawi. Setenta e quatro por cento das pessoas
sem acesso à eletricidade no mundo estão concentradas em 20 países, dos quais
12 estão situados na África ao sul do Sara. Segundo o BAD 19 dos 20 países com
os mais baixos níveis de eletrificação pertencem à mesma região. Os casos mais
graves são os do Sudão do Sul onde apenas 2% da população têm acesso a
eletricidade, seguido pelo Chade e Libéria (4%) e o Burundi (5%)
A fatura corre o risco de se agravar em 2015 porque as redes existentes são
incapazes de fazer frente a um consumo que aumenta em média 3% por ano.
Os cortes – que podem durar de algumas horas por dia a semanas ou meses
– fazem parte do quotidiano das grandes metrópoles, encarecendo a produção
das grandes empresas, e comprometendo o normal funcionamento dos serviços
básicos (hospitais, escolas).
Na cimeira EUA-África realizada em 2014, o Presidente Barack Obama
reafirmou o empenho dos EUA em reduzir para metade até 2018 o número de
africanos sem acesso a energia. Mas os 8 mil milhões de investimentos do
«Africa Power» são uma gota de água face às necessidades estimadas pelo
Banco Mundial de 40 mil milhões de dólares por ano durante 20 anos.
Lungu, é encarado como concorrente,
enquanto o filho de Sata, Mulenga, que
é presidente da câmara de Lusaka, e a
viúva, Chirstine Kaseba, têm procurado
apoios para conseguir uma nomeação.
O crescimento do PIB do país mantém-se saudável, devendo atingir 7% em
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África21
2014 e 2015, com ganhos nas exportações resultantes da exploração de cobre.
Na Namíbia, o SWAPO, partido no
poder, conseguiu impor-se aos opositores da direita e da esquerda, no escrutínio realizado no final de novembro.
Apesar de ainda não serem conhecidos
JORDAANIA ANDIMA/AFP
A fatura energética
Na Namíbia, o SWAPO volta a vencer as
eleições e Hage Geingob é o novo Presidente
os resultados oficiais no fecho desta edição, Hage Geingob deverá ser o novo
Presidente, sucedendo a Hifikepunye
Pohamba. No poder desde 1990, espera-se que o SWAPO aumente o número
de lugares no Parlamento.
Embora a Namíbia tenha dito que
conseguiu recuperar da crise económica
global, a distribuição de rendimentos é
uma das mais desequilibradas do mundo. Entre 30% a 40% das suas receitas
são provenientes da SACU (Southern
African Customs Union), e sujeitas a
fortes variações, verificando-se igualmente uma procura bastante oscilante
dos seus produtos.
Diminuição de receitas fiscais, devido à crise económica global, e redução
de importações por parte da África do
Sul forçaram a Swazilândia a entrar
numa crise fiscal, que resultou em elevadas dificuldades para pagar aos funcionários públicos e assegurar os programas
de governo. O desemprego é elevado.
O último monarca absoluto de África, o
rei Mswati III, está sob ataque desde que
República Democrática do Congo, o acordar de um gigante
Com um crescimento económico de 8,4% em 2014, uma inflação de 1% e uma moeda
praticamente estável, o antigo Zaire é um dos poucos países que parece imune à morosidade ambiente. Não se trata de um fenómeno passageiro: o crescimento foi de 7,2% em
2012, 8,1% em 2013 e o orçamento para 2015 prevê que ultrapasse os dois dígitos no
próximo ano. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são um pouco menos
otimistas embora salientem a fragilidade de um desenvolvimento demasiado dependente
das indústrias extrativas. Muitas das explorações mineiras lançadas ou relançadas antes
da crise de 2008 atingiram em 2013 a fase de produção. Em consequência, a quantidade
de cobre, cobalto, ouro e diamantes extraída compensa largamente a quebra (relativa)
dos preços de mercado.
As instituições internacionais reconhecem que os fabulosos recursos naturais do país
não são a única causa deste sucesso. Registam que o comércio, a construção civil e a
agricultura também beneficiam da melhoria do clima macroeconómico, com a construção
de infraestruturas e o consumo interno em expansão como locomotivas.
Se os indicadores macroeconómicos são excelentes, a RDC é ainda um dos países
mais pobres do planeta e dos mais atrasados de África em termos de desenvolvimento
humano; o desemprego é alto, os salários não aumentam, a subnutrição é ainda a principal causa de mortalidade e a maioria das crianças ainda não é escolarizada.
A mudança de modelo e de política económica parece estar fora de questão para os
atuais dirigentes de Kinshasa. Elegeu como prioridade a eliminação dos obstáculos que
travam a expansão económica em curso, com dois objetivos principais na linha de mira:
os transportes – de passageiros e mercadorias – e a produção elétrica. Os projetos
existem, os investidores estrangeiros estão interessados, mas a RDC depende da cooperação regional para expandir o seu comércio internacional. A sua única saída para o mar
é o estuário do Congo e o porto de Matadi a rebentar pelas costuras o símbolo de um
gigante sem pernas para andar sozinho.
suprimiu a liberdade de imprensa e as
organizações democráticas.
No Malawi, mais de cinco milhões
de pessoas votaram em maio nas eleições
para a presidência, parlamento e governos locais. Peter Mutharika foi eleito
Presidente, derrotando Joyce Banda, o
anterior Chefe de Estado. No Parlamento, o maior bloco é atualmente constituído por 52 deputados independentes.
Prevê-se que a economia do país continue a crescer, apoiada na exportação de
tabaco, registando-se esforços para implantar uma política de boa governação
de gestão e fundos públicos, na sequência do escândalo de corrupção Cahsgate
de 2013.
Em Madagáscar, apesar de algumas
flutuações, o FMI entende existirem sinais de recuperação na economia da nação insular. O país realiza eleições no
próximo ano, existindo a possibilidade
de discussão de reformas eleitorais.
Tradução de Teresa Souto
A história de vida de francisco:
a vitória da vida
Estávamos a 22 de Janeiro de 2013. O bebé Francisco ia nascer
e Lígia deu entrada no hospitalcuf descobertas. Mas, ao contrário
da primeira vez, o parto foi muito mais complicado. Lígia não se
recorda do nascimento do segundo filho nem dos dias que se lhe
seguiram. Lígia passou por uma situação complexa e muito rara
que atinge uma em 80 mil mulheres: embolia de líquido amniótico.
Estava tudo a correr normalmente. Lígia estava no quarto acompanhada pelo seu marido e pela enfermeira Maria do Céu Ramalho.
to e cada enfermeiro tem a sua ‘área de conforto’ pelo que nesta
«De repente, vimos que a Lígia não estava a conseguir respirar. A
situação cada um se posicionou sem qualquer atropelamento ou
enfermeira Céu colocou de imediato a máscara de oxigénio e gritou
confusão». Para Manuela Lança, a médica anestesista, o desfecho
por ajuda», lembra o marido. Rapidamente se começaram a juntar
«foi surpreendente». Durante a sua carreira já assistiu a duas si-
vários elementos da equipa. A prontidão de todos os profissionais
tuações em que as mães não sobreviveram, por isso diz com orgu-
fez a diferença. «Ainda hoje não sei como apareceu tanta gente em
lho que «correu tudo muitíssimo bem. Foi de facto uma situação
tão pouco tempo», salienta a enfermeira Céu. «O bebé nasceu bem,
incrível mesmo para nós clínicos, que estamos habituados a situa-
graças a Deus. Julgo que a luz de Deus esteve connosco e com ela
ções de stress. Houve um conjunto de fatores, alguns deles não
e agradeci imenso por isso», revela, emocionada.
explicáveis, que contribuíram para este desenlace tão feliz».
Foram muitos os fatores que contribuíram para um desfecho
Volvidos seis meses após o nascimento do simpático Francisco,
tão feliz como pouco provável. Entre eles o empenho e eficácia de
a vida desta família é como a de qualquer outra, embora tenha na
toda a equipa. «Todos os elementos da equipa de Enfermagem sa-
sua história uma experiência desta intensidade. O desfecho, natu-
bem quais as suas áreas de competência. Trabalhamos no serviço
ralmente, deixa sentimentos de gratidão: «Foi esta equipa que me
quase desde o início, já passámos por várias situações em conjun-
salvou. Se estou viva é graças a cada um deles», conclui Lígia.
África21– dez 2014 / jan 2015
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YOUNIS AL-BAYATI/AFP
médio oriente
Operação das forças
iraquianas contra o
Estado Islâmico para
recuperar áreas
a nordeste de Bagdade
Apocalipse no Oriente Próximo
A espetacular ofensiva do autoproclamado Estado Islâmico no Iraque foi certamente o acontecimento mais marcante de 2014 e o que já provocou as maiores alterações políticas, militares e
estratégicas ao nível regional e global
Q
Nicole Guardiola
uando, há dez anos, o então Presidente dos EUA
George W. Bush enunciou perante o congresso de Washington o seu projeto de remodelação do «grande médio
oriente», abrangendo os 22 membros da Liga Árabe e cinco países
não árabes (Afeganistão, Irão, Israel, Paquistão e Turquia), nem os
seus mais críticos adversários imaginaram o caos que esta estratégia
iria provocar na região.
No editorial de 16 de outubro, o diário americano The Washington Post escreveu que «intervir sem se preocupar com a necessidade de criar sistemas políticos viáveis e forças capazes de garantir
a segurança nacional só pode abrir a via a novos estados falhados e
por ricochete ameaças acrescidas contra os Estados Unidos».
A parte oriental do «mundo árabe», que se estende do Egito às
fronteiras da Turquia e do Irão, é hoje um teatro de guerras, com
centenas de milhares de mortos e mutilados, milhões de refugiados
e deslocados, economias e Estados em ruínas. É deste caos que
emergiu em 2014 a figura do «califa» Abu Bakr al Baghdadi, com o
seu séquito de fanáticos jiadistas, exímios na arte de lavar cérebros e
de cortar cabeças.
Esta nova «ameaça» é a pior que o mundo já conheceu, segundo
o veterano diplomata britânico William Patey, um «cancro» que é
preciso erradicar, como disse em setembro o atual Presidente dos
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
EUA Barack Obama, antes de iniciar uma campanha de bombardeamentos contra o autoproclamado Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria, à cabeça de uma coligação que inclui cinco países
árabes – Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Qatar.
Esta aliança é bastante equívoca tendo em conta o papel que
estas monarquias sunitas desempenharam na geração do «monstro»
e das similitudes entre a ideologia do autoproclamado Estado Islâmico e as interpretações do Islão e da Lei Islâmica em vigor na
Arábia Saudita e no Qatar.
Os súbditos destes monarcas sunitas têm sérias razões para se
interrogar acerca dos motivos que levaram os seus dirigentes a entrar
em guerra contra o EI quando há mais de dez anos apontam o «eixo
xiita» – constituído por Irão, Iraque (único Estado árabe maioritariamente xiita), Síria e Hezbollah libanês – como a maior ameaça à
paz e estabilidade da região. Foi este o motivo invocado para apoiar
os rebeldes sírios, incluindo os islamistas mas radicais. O regime de
Damasco era, dizia-se nos bastidores, o «elo fraco» deste eixo; o seu
derrube enfraqueceria o Irão, acabando de vez com a pretensão de
Teerão de impor a sua hegemonia sobre toda a península arábica.
Porque, então, alinhar agora com o Ocidente para impedir o EI de
conquistar Damasco e Bagdade e de corrigir o «erro» cometido pelos americanos em 2003 quando, depois de derrubar Saddam
Hussein, entregaram o poder e o petróleo iraquiano aos xiitas e aos
curdos?
Outra pergunta que atormenta a «rua árabe» tem a ver com o
facto desta declaração de guerra contra a «barbárie islamista» ter
acontecido logo a seguir à intervenção militar israelita contra a Faixa
de Gaza que durou 50 dias entre julho e agosto, causou a morte de
cerca de 2000 palestinianos, dos quais 500 crianças.
Apesar dos protestos e da suspeita de possíveis «crimes de guerra», Israel não foi sequer ameaçada de sanções, o bloqueio de Gaza
mantém-se com a participação ativa do Egito e a repressão e a colonização dos territórios palestinianos intensificaram-se. Para muitos
analistas independentes esta impunidade é uma das causas do atual
recrudescimento das tensões em Jerusalém, que culminou com o
ataque de dois jovens palestinianos contra uma sinagoga a 18 de
novembro que causou cinco mortos. A brutal reação do governo de
Netanyahu, refém da extrema-direita e dos colonos judeus, com a
execução sumária dos «terroristas» e a demolição das casas das suas
famílias faz aumentar os riscos de uma revolta popular (Intifada),
implicando pela primeira vez os árabes israelitas. Ao contrário das
anteriores, esta «Intifada de Jerusalém» como é chamada, tem uma
dimensão religiosa e diz respeito ao estatuto dos lugares santos garantido por tratados internacionais. A Jordânia, segundo pais árabe
a ter assinado um acordo de paz com Israel (em 1994) depois do
Egito, mandou regressar o seu embaixador a 5 de novembro e
alertou o Conselho de Segurança da ONU contra as «violências
repetidas de Israel» em Jerusalém.
O reconhecimento do Estado palestiniano pelo novo Governo
sueco, a 10 de outubro, já tinha indicado que os governos europeus
também responsabilizam Israel pelo bloqueio do processo de paz e
a degradação da situação. Israel protestou veementemente, a Casa
Branca qualificou a iniciativa sueca de «prematura» mas um tabu foi
quebrado. Sucessivamente, os parlamentos britânico, espanhol e
francês votaram resoluções recomendando aos respetivos governos
que reconhecessem o Estado da Palestina.
Recomposição das alianças
A decisão de Washington de intervir militarmente contra o Estado
Islâmico lançou a desorientação entre os «aliados privilegiados» dos
Estados Unidos no Próximo Oriente que temem que a importância
atribuída à luta contra este novo «inimigo principal» implique uma
mudança de estratégia, nomeadamente em relação ao Irão, visto
pela maioria dos estrategas militares como o único país que pode
efetivamente ajudar a derrotar o EI sem necessidade de enviar tropas ocidentais para o combate. Os progressos realizados nas negociações sobre o programa nuclear iraniano parecem confirmá-lo.
Apesar do fracasso da última ronda de negociações em Viena,
foram notórios os frenéticos esforços do secretário de Estado americano John Kerry para conseguir um acordo «global e definitivo» até
24 de novembro ou pelo menos a prorrogação das negociações e do
status quo até julho de 2015. Se Israel espera que a vitória dos republicanos nas recentes eleições legislativas americanas obrigue a administração Obama a renunciar à ideia de levantar as sanções económicas contra o regime dos aiatolas, as monarquias sunitas tratam
de se adaptar ao novo contexto, evitando contrariar a diplomacia
americana e servindo-se da «guerra contra o EI» como alibi para
esmagar os adversários internos dos respetivos regimes e colocando
no mesmo saco «terrorista» al-Qaeda, al Nosra, os Irmãos Muçulmanos ou os líderes das minorias xiitas como o xeque Nim Baquer
al-Nim, condenado a morte por um tribunal de Riad em outubro.
«A luta contra o terrorismo voltou a ser o melhor seguro de vida
dos autocratas» lamenta o historiador libanês Fawwaz Traboulsi.
O seu país, o Líbano, é outro exemplo do fracasso das políticas seguidas desde o fim da guerra civil (1975-1990) para acabar com as
Estado Islâmico,
uma seita que se diz islâmica?
Numa altura em que o mundo inteiro se interroga acerca de milhares de
voluntários que partiram para combater ao lado dos islamistas radicais
e dos crimes que perpetram, as conclusões do estudo realizado pela
antropóloga Dounia Bouzar sobre cerca de 200 casos concretos revelam que é a guerra e não o islão que está na origem do fenómeno.
Com efeito, apenas 20% dos jovens analisados eram de famílias
muçulmanas, enquanto os restantes tinham sido criados por pais cristãos, judeus, budistas, mas sobretudo ateus (70%); só 10% tinham pais
ou avós oriundos de países não europeus; 67% pertenciam à classe
média, e 17% à classe alta. Apenas 5% tinham antecedentes judiciários
sendo a maioria descritos como sociáveis, inteligentes e sensíveis.
Em 98% dos casos a «conversão» ao Islão tinha sido rápida e resultado
de uma reflexão individual, alimentada por pesquisas e contactos estabelecidos através das redes sociais (internet, facebook, youtube,
twitter). O contacto direto com pregadores ou angariadores de
combatentes islamistas surge na fase final do processo, quando o jovem já tomou a decisão de participar na «guerra santa».
Para Bouzar, co-fundadora do Centro de Estudo sobre as derivas
sectárias ligadas ao Islão, estes jovens foram sujeitos a formas de manipulação mental comuns a todas as seitas e visando alterar a sua
consciência da realidade, destruir os seus valores e quadros de referência e levá-los uma submissão acrítica a uma autoridade exterior, supostamente detentora da verdade absoluta e portadora de uma mensagem
«libertadora» ou mesmo «revolucionária». As referências ao Islão, a
utilização dos sinais exteriores desta religião meramente instrumentais:
o objetivo da manipulação não é fazer «bons muçulmanos» mas instrumentos dóceis ao serviço de um projeto político totalitário que utiliza o
terror como arma principal. Levá-los a cometer atos bárbaros faz parte
da estratégia.
divisões sectárias e transformar o País dos Cedros numa democracia
moderna. Sem presidente desde maio de 2014, com um parlamento cujo mandato expirou em 2013 e que acaba de se prorrogar até
ao final de 2017, o Estado libanês ficou reduzido a uma fachada
mantida de pé com injeções massivas de petrodólares sauditas, casca
vazia no interior da qual o Hezbollah constitui um «quase Estado»
cujo exército combate na Síria ao lado de Bashar al-Assad.
O contrato negociado entre a França e a Arábia Saudita e assinado a 4 de novembro, para dotar o Líbano de um verdadeiro
exército nacional capaz de restaurar a autoridade do Estado, corre o
risco de agravar ainda mais a situação. Alem dos três mil milhões de
dólares destinados a pagar o armamento francês para o exército libanês, Riad ofereceu outros mil milhões de dólares ao seu protegido
libanês o ex-primeiro-ministro sunita Saad Hariri, inimigo jurado
do Hezbollah e dos partidos pró-sírios.
No Iémen, 2014 marcou o fim de uma ilusão, a de uma transição política negociada e bem sucedida após 33 anos de «reinado» do
Presidente Ali Abdullah Saleh, derrubado por uma revolta popular
em 2012. Desde a tomada de Sana, a capital, pela rebelião xiita liderada por Abdel Malek al- Houti, a 20 de setembro, e apesar da
formação de um governo de unidade nacional imposta pela ONU,
África21– dez 2014 / jan 2015
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nada nem ninguém parece poder deter a escalada de violência que
leva ao desmembramento deste país. Se a queda do Iémen nas mãos
dos houtis – equiparados pelos sunitas ao Hezbollah libanês – era
até há pouco hipótese totalmente inaceitável pelos sauditas, no
contexto atual uma vitória do campo adverso, dominado pela al-Qaeda na Península Arábica e por Al Islah, ramo local dos Irmãos
Muçulmanos, parece igualmente indesejável, razão pela qual os
Estados Unidos continuam a bombardear sistematicamente as posições tomadas pelos islamistas no sul para impedi-los de tomar o
controlo da costa e do estratégico porto de Aden. Quanto ao ex-Presidente Saleh, regressado do exílio nos EUA e acusado de desestabilizar a transição, entendeu que não podia mais contar com a
ajuda de Riad e Washington para restaurar a segurança e a unidade
do Iémen. Sancionado pelo Conselho de Segurança da ONU optou por pedir asilo político à Etiópia!
Apesar do fracasso das intervenções estrangeiras – atribuído
pelos neoconservadores americanos à «falta de coragem» do Presidente Obama – o Ocidente não renuncia à ideia de impor uma
«nova ordem» no «grande médio oriente», pelas armas se necessário.
Dos quinze «especialistas» dos EUA entrevistados pela revista norte-americana Foreign Policy, dez julgam ainda possível e necessário
redesenhar a geografia política da região, sem ter em conta as fronteiras e os Estados constituídos porque estes não correspondem a
nada nem merecem existir!
A Tunísia em marcha rumo à democracia
Vai ser precisa uma segunda volta das eleições presidenciais em dezembro para se saber quem será o primeiro Presidente da nova república tunisina, na altura do quarto aniversário do derrube do regime autocrático de Zinedine Ben Ali, mas o escrutínio de 23 de novembro
confirmou a confiança da maioria dos tunisinos no processo em curso.
Beji Caid Essebsi, líder do Nidda Tounes, o partido vencedor das
eleições legislativas, continua favorito com 39,46% dos votos, contra
33,43% para o seu principal adversário, Moncef Marzouki, colocado no
Palácio de Cartago em 2011 pelos islamistas do partido Ennahda, vencedor das eleições constituintes.
Nem a tentativa de Marzouki de se apresentar como o campeão da
«defesa da revolução» e de colar ao seu adversário o rótulo de «cavalo
de Troia» dos nostálgicos do antigo regime, nem a abstenção do Ennahda dissuadiram os tunisinos de escolher nas urnas o seu novo Chefe
de Estado, fechando assim o ciclo da transição. A participação foi de
cerca de 65%, sensivelmente igual à das legislativas; o candidato da
esquerda, Hammi Hamami, líder da Frente Popular, foi o terceiro candidato mais votado com 7,8% dos votos; com os empresários Hachim
Hamdi e Slim Riahi, respetivamente quarto e quinto com mais de 5%
dos votos, os três estão em condições de inclinar a balança a favor de
Essebsi. Têm em comum a vontade de ultrapassar a divisão entre islamistas e laicos e de colocar as questões económicas e sociais no centro
das preocupações do próximo governo, correspondendo às expectativas da poderosa Central Sindical UGTT e da maioria da população.
Este deverá ser nomeado pelo presidente eleito e não pelo presidente
interino como pretendia Marzouki num ultimato dirigido a Essebsi logo
após as eleições legislativas, pretensão rejeitada pelos árbitros do Diálogo Nacional promovido pela UGTT.
Os mais felizes do mundo
Segundo o «Índice da Felicidade Mundial» (Happy Planet Index - HPI))
publicado anualmente pela New Economics Fundation, ONG sedeada
no Reino Unido, a Costa Rica e o Vietname são os países que asseguram aos seus cidadãos as condições de vida mais agradáveis e sustentáveis enquanto o Mali, Botswana e Chade ocupam por esta ordem os
últimos lugares de uma lista de 150 países. O HPI pretende ser uma
alternativa ao índice do desenvolvimento humano (IDH) do PNUD,
pondo o acento sobre o impacto ambiental de forma a relativizar os bons
resultados obtidos pelos países mais desenvolvidos em relação aos
critérios adotados para o cálculo do IDH, como a esperança de vida e a
satisfação das necessidades sociais básicas (perceção do bem-estar).
Os resultados são surpreendentes. A Argélia aparece como o país
mais feliz de África e do mundo árabe; dos BRICS, os mais felizes são
a India e o Brasil; e o país de Lula da Silva é o melhor classificado dos
membros da CPLP. Se a maioria dos países da África Subsariana pertence ao grupo dos países «menos felizes» estão em «boa companhia», já que os Estados Unidos fazem parte do mesmo grupo; a Europa (incluindo os países escandinavos), Canadá, Rússia e China fazem
pouco melhor e situam-se no segundo grupo «menos feliz». Em relação
à perceção do bem-estar, o mais subjetivo dos três critérios adotados, o
relatório salienta que a liberdade política, a ausência de corrupção e
uma sociedade civil organizada e ativa são mais determinantes do que
o PIB de um país para a felicidade dos seus habitantes. Deste ponto de
vista, europeus e norte-americanos são efetivamente os mais felizes,
com a Dinamarca, Canadá, Noruega e Suíça no topo da tabela.
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
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África21– dez 2014 / jan 2015
27
a opinião de mallé kassé
Mudanças radicais
ou atolamento fatal
Nos países africanos de expressão francesa, a escola pública entrou em
crise nos anos oitenta com o surgimento do setor privado e conduziu
a desfechos perniciosos. A educação tornou-se uma simples mercadoria
como qualquer outra.
N
Mallé Kassé é docente
da Universidade Cheikh Anta
Diop (UCAD) de Dakar
28
os anos 80 do século passado, os países da
África Ocidental adotaram, na sua maioria,
os famosos Planos de Ajustamento Estrutural (PAE).
Em todos esses países, a solução proposta para, supostamente, resolver todos os problemas foi a mesma: menos Estado, menos investimentos nos setores
sociais como a escola e a saúde.
Pouco antes dos tais PAE, criticávamos o Presidente Leopold Sedar Senghor porque ele queria,
ao nosso ver, «helenizar» a escola que, todavia, ele
sempre quis pública!
O pior de tudo isso chegou depois: Os «gestores» dos anos 80 adotaram uma visão contabilística da escola, deixando de lado a dimensão pedagógica, humana e humanista; integraram a escola no
mercado!
O privado, que até aí acolhia os excluídos das
escolas públicas (por causa de desempenhos insuficientes), começa a implantar-se em todo o lado:
a educação torna-se uma mercadoria como qualquer outra.
Em todo o lado, a escola pública entra em
crise. Esta crise da escola foi um acelerador dos
incidentes mortíferos que temos vivido neste lado
do continente. Citando exemplos concretos temos
os seguintes países:
No Senegal, a supressão dos internatos que
acolhiam as crianças pobres das regiões periféricas
(como muitos dos atuais docentes da UCAD –
Université Cheikh Anta Diop de Dakar), pôs cobro aos sonhos da ascensão social de muitos jovens. Haverá algo mais grave do que uma alma
que, aos 16-20 anos de idade, vai morrendo com
os seus sonhos? Muitos jovens, oriundos da região
natural da Casamance (Sul do Senegal), foram
encher as fileiras do Movimento das Forças Democráticas da Casamance (Mouvement des Forces
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Démocratiques de Casamance – MFDC), Movimento independentista!
A Universidade de Dakar, antigamente cadinho
de formação de muitos quadros dos países africanos,
é hoje uma grande creche de jovens, que não encontraram outra saída. Os «cérebros», que conseguiram
vistos, foram ver outros céus. A mesquita construída
no seio das residências universitárias recebe mais estudantes do que a própria biblioteca!
Na Costa do Marfim, por exemplo, a crise da
escola pública permitiu e facilitou o nascimento
de uma estrutura de estudantes sindicalistas profissionais. A FESCI (Federação dos Estudantes
da Côte d’Ivoire) controlava a situação, e os
«anos escolares sem aproveitamento» foram-se
sucedendo. Os partidos políticos no poder, tal
como os da oposição, procuraram controlar esse
movimento. Os ex-dirigentes da FESCI estão no
centro da crise marfinense, como é o caso de
Guillaume Soro – que aderiu à «rebelião do
Norte» – e de Charles Ble Goudé –, que se proclamou «General da Rua», em Abidjan, ao lado
do ex-Presidente Laurent Gbagbo. Todos nós
vimos o filme dos eventos que aconteceram na
Costa do Marfim e suas consequências.
No Mali, a Universidade de Bamako funcionava dois a três meses por ano, dependendo do pagamento das bolsas e dos salários. Os «anos escolares
sem aproveitamento» sucediam-se e repetiam-se.
A chegada ao poder de Amadou Toumani Touré, o
General admirado na altura pelo seu papel desempenhado no derrube da ditadura do deposto Presidente Moussa Traoré, agravou ainda mais a situação; todos os partidos políticos o apoiaram e
instalou-se um «consenso mole», sem debate.
Muitos estudantes, sem outra perspetiva de vida,
foram para as fileiras do exército e, «compraram» as
PETER MULLER/CULTURA CREATIVE/AFP
A crise da escola pública foi um acelerador dos incidentes mortíferos que se vivem na África Ocidental
suas promoções no seio das forças armadas malianas.
Apareceram novos oficiais que, assim que ouviram o
primeiro disparo das armas dos jiadistas no Norte do
Mali, despiram as suas fardas e sumiram pura e simplesmente, permitindo uma progressão rápida e fulgurante dos bandidos barbudos.
O lugar deixado pelo setor público está hoje
ocupado por outra gente que, no início, pretende dar
conforto moral: as seitas, as novas igrejas, os barbudos; e hoje o antigo colono protege Bamako!
Na Libéria e na Serra Leoa há uma geração inteira completamente perdida! Os que têm hoje a
idade de assumir a direção desses países, nunca tiveram a oportunidade de ir à escola ou de se formarem em algo mais, por causa das longas guerras civis
que abalaram esses países e que fizeram milhares de
vítimas. É difícil um povo analfabeto e pobre compreender e aplicar medidas mínimas de luta contra
o flagelo cruel do ébola, que está a devastar e ceifar
vidas nesses países.
Já lá vai o tempo em que os melhores médicos da
região iam aperfeiçoar-se nos hospitais de Monróvia!
É triste ouvir a Presidente Helen Sirleaf Johnson pedir desculpas ao seu povo, por não ter comprado
ambulâncias para os hospitais públicos!
Os que deram lições nos anos 80 do século
passado para a escola tornar-se cada vez menos um
serviço público, para a escola ser um elemento do
mercado e deixar de ser um cadinho de valores humanos, estão de novo nos nossos corredores a dis-
É difícil um
povo analfabeto
e pobre aplicar
medidas
mínimas de
luta contra o
flagelo do ébola
cursar e a palavrear sobre o financiamento do Ensino Superior Público!
Devemos renunciar e aceitar as medidas propostas pelos doadores ? Devemos aceitar como indiscutíveis as soluções ditadas nos novos «contratos de desempenho» elaborados pelo Banco Mundial, só para
obter os financiamentos prometidos? Devemos deixar de lado as ciências sociais e humanas para só investir no que eles designam por STEM (Sciences,
Technology, Engeneering, Mathematics)?
Todas essas medidas, essas soluções aceites pelas nossas autoridades são apresentadas como opções técnicas perante um problema técnico. Trata-se, antes, de escolhas políticas que se revelaram
impróprias para resolver a crise da educação e dos
serviços de saúde nos nossos países.
Contra a renúncia, os atores da escola pública,
da saúde pública, devem procurar armas tiradas de
outros paradigmas, diferentes dos que já instalaram as nossas escolas e os nossos hospitais numa
situação lamentável.
Sair do paradigma imposto é ir além da educação formal, além dos currículos herdados dos colonizadores e implementados há mais de cinquenta
anos; é descobrir os saberes indígenas em todas as
áreas: artes plásticas, música, tecnologias inventadas pelos camponeses para resolver os problemas
diariamente encontrados…
O velho burquinabê Joseph Ki-zerbo tinha alertado: «Educar ou perecer»!
África21– dez 2014 / jan 2015
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Os angolanos terminam o ano de 2014 com várias dúvidas e incertezas, mas é cedo para saber
se no novo ano o país entrará eventualmente
numa crise ou se continuará a crescer e a melhorar, sobretudo em termos económicos e sociais.
O Governo insiste no discurso do otimismo.
Contudo, há muitos problemas latentes, cuja
solução pode levar tempo.
PAULO NOVAIS/LUSA
angola
Carlos Severino
Dúvidas
e incertezas
T
rês questões angustiam os angolanos mais informados. A primeira é saber se a economia continuará a crescer,
no atual quadro mundial, caracterizado pela baixa do
preço do principal produto de exportação do país, o petróleo.
A segunda é se o MPLA, atual partido no poder, está realmente
interessado em aprofundar a democracia. A terceira e última é
como será operada a sucessão do Presidente José Eduardo dos
Santos dentro de dois anos, se chegar a acontecer.
As autoridades estimam um crescimento de 9,5% em 2015,
apesar da baixa do preço do petróleo. Contudo, as disparidades
verificadas nos últimos anos entre as estimativas de crescimento
oficiais e aquelas que realmente aconteceram dão razão aos que têm
dificuldade em concordar com mais essa previsão. Só para dar um
exemplo, o Governo tinha previsto um crescimento de 8% em
2014, mas o mesmo cifrou-se apenas em 3,5%. Por outro lado, a
evolução do preço do petróleo nas últimas semanas do ano não é
nada animadora.
Quanto à disposição efetiva do partido no poder em aprofundar o funcionamento do sistema democrático, os sinais são contraditórios. Assim, ao lado de factos positivos, como o julgamento dos
oito acusados de terem sequestrado e assassinado dois ativistas políticos (um deles, por incrível que pareça, agente dos serviços de segurança infiltrado entre os manifestantes antigovernamentais) e a relativa liberdade da imprensa privada, continuam a persistir limitações
e problemas inaceitáveis, como a excessiva governamentalização
dos meios de comunicação do Estado e a violência desproporcional
da polícia em relação aos poucos cidadãos que têm tentado manifestar-se contra o Governo e as suas políticas.
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
José Eduardo dos Santos com a filha Isabel dos Santos em segundo plano
No dia 22 de novembro, a dificuldade das autoridades em lidar
com a democracia ficou mais uma vez patente, quando agentes da
polícia, fardados e à civil, reprimiram violentamente um grupo de
15 jovens que tentavam manifestar-se em Luanda. Dois deles,
Laurinda Gouveia e Odair Fernandes, foram detidos e espancados
durante horas, tendo sido posteriormente soltos e largados ao fim
da tarde próximo de uma área escolar. As imagens chocantes dos
dois jovens circularam pelas redes sociais, tendo algumas delas
também sido reproduzidas por vários semanários locais, que criticaram asperamente a atitude policial. Não houve, contudo, qualquer
reação oficial. Vários observadores têm-se interrogado como é possível o Governo dar tantos «tiros no pé» nesta matéria, mas a pergunta permanece sem resposta até hoje.
Finalmente, a eventual sucessão do Presidente José Eduardo
dos Santos em 2017 é outra dúvida que, possivelmente, só será esclarecida dentro de dois anos. Nessa altura, o presidente completará
38 anos no cargo, mas, constitucionalmente, ainda poderá candidatar-se para mais um mandato de cinco anos. Algumas vozes, mesmo
dentro do MPLA, defendem que o partido deve apresentar outro
candidato, mas o assunto continua envolto num secretismo absoluto. Está previsto para o período de 4 a 10 de dezembro, poucos
dias depois do fecho desta edição, a realização em Luanda de um
congresso extraordinário do MPLA, mas, a não ser que haja alguma
surpresa, nada de concreto deverá sair desse encontro sobre a questão da sucessão presidencial. Isso só deverá ser anunciado no congresso ordinário já previsto para o início de 2016.
De assinalar que a maioria dos observadores considera virtualmente impossível uma mudança de partido no poder em Angola a
curto e médio prazo, pelo menos se se mantiverem as condições
gerais hoje existentes. Por isso, as vozes que, dentro e fora do
MPLA, consideram que este deve ser o último mandato do Presidente defendem que a sua sucessão precisa de ser levada a cabo pelo
atual partido governante enquanto ainda está no poder, para que a
mesma decorra com o máximo de tranquilidade e não ponha em
risco a estabilidade de Angola. A reeleição ou não de José Eduardo
dos Santos em 2017 é, como é óbvio, politicamente discutível.
Contudo, uma coisa é certa: a falta de uma decisão pública sobre o
assunto lança incertezas desnecessárias sobre a sociedade (e também
sobre os investidores).
O estado da nação
A 15 de outubro, o Chefe de Estado angolano apresentou aos deputados um discurso altamente positivo sobre o estado atual do
país. Ele destacou, precisamente, o clima de estabilidade vivido em
Angola, depois da cessação da guerra pós-independência, em 2002.
«A paz consolida-se todos os dias graças ao espírito de tolerância, de
compreensão, reconciliação e perdão de todos os angolanos, que,
independentemente da sua filiação partidária, credo religioso ou
região, viraram para sempre a página da guerra e têm a paz como o
maior bem da nação a preservar», sublinhou Eduardo dos Santos,
antes de acrescentar que o grande objetivo de todos os angolanos é
«continuar a consolidar a paz e a unidade nacional e trabalhar para
se alcançar a inclusão social, o progresso e o bem-estar de todos».
O Presidente realçou em particular a gestão macroeconómica,
nomeadamente a taxa de inflação, que se situou no primeiro semestre deste ano em 6,9%, assim como a estabilidade da taxa de câmbio
da moeda nacional. Entretanto, não deixou de alertar para os problemas criados quer pela diminuição da produção petrolífera verificada
em 2013 quer pela baixa do preço do crude no mercado internacional. «A queda da receita petrolífera está já a condicionar, naturalmente, as receitas públicas e isto exigirá que se tomem medidas para
se garantir maior racionalidade da despesa até ao fim deste ano e uma
maior arrecadação de receitas no setor não petrolífero», afirmou.
A conclusão da reforma fiscal foi uma das medidas anunciadas
por Eduardo dos Santos para contrabalançar os efeitos da redução
das receitas petrolíferas. No âmbito dessa reforma, os impostos serão reduzidos, mas a sua base de incidência será alargada. O Governo tenciona também alcançar uma maior eficiência na arrecadação
da receita tributária, tendo aprovado recentemente a criação da
Administração Geral Tributária, unificando num único órgão os
atuais serviços de Alfândegas e a Direção Nacional dos Impostos.
Além da reforma fiscal, a redução da atual dependência da
economia angolana em relação ao petróleo bruto foi definida pelo
Presidente como «uma questão crítica, uma tarefa urgente e inadiável, determinante do nosso futuro e de uma mais efetiva independência nacional». A estratégia de diversificação da economia adotada pelas autoridades angolanas assenta em quatro pilares:
reabilitação, modernização e desenvolvimento das infraestruturas
económicas e sociais, articulação do investimento público e do investimento privado, formação, qualificação e gestão adequada dos
recursos humanos e, finalmente, uma política laboral e remuneratória objetiva.
Crescimento, democracia e sucessão
preocupam angolanos informados
«Reunidas estas condições, já será mais fácil promover e atrair o
investimento privado angolano e estrangeiro para o setor produtivo,
com vista a aumentar a produção, a reduzir as importações e a aumentar as exportações do setor não petrolífero e a garantir o crescimento e o emprego», enfatizou José Eduardo dos Santos.
O estadista angolano mencionou também uma série de avanços
no domínio social. Segundo ele, cerca de metade da população de
Angola saiu do limiar da pobreza absoluta, baixando de 92% em
2000 para 54% em 2014. O agrónomo, ativista social e consultor
Fernando Pacheco, colaborador da África21, questionou essa redução, afirmando desconhecer qualquer relatório que tivesse alguma vez fixado o índice de pobreza no país em 92%. Para ele, por
conseguinte, a redução foi menor do que 50%. Seja como for, o
relativo sucesso das políticas de combate à pobreza em Angola tem
sido reconhecido, inclusive, por entidades como a FAO, o que justifica a satisfação das autoridades.
Eis outras cifras exibidas por Eduardo dos Santos para demonstrar os avanços sociais registados em Angola nos últimos anos:
• A esperança de vida dos angolanos aumentou dos 45 anos em
2000 para 52 em 2013;
• A taxa de mortalidade de nados-vivos é inferior a 100 por mil,
quando em 2000 era de 140;
África21– dez 2014 / jan 2015
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O Governo angolano termina o ano com um grande sucesso diplomático: a eleição do país para membro não permanente do Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas. Motivo de orgulho
dos angolanos, qualquer que seja a sua cor partidária, e fruto do trabalho da sua diplomacia, esse facto reflete a inegável simpatia externa
que o país tem conquistado nos últimos anos.
Não é só o petróleo ou o crescimento económico que o justificam.
O papel regional de Angola, em especial a sua participação nos esforços de pacificação e estabilidade da África Central e também da Região dos Grandes Lagos, está igualmente por detrás do reconhecimento internacional da sua importância.
Recentemente, por altura do 39.º aniversário da independência
angolana, assinalada a 11 de novembro, o secretário de Estado dos
EUA, John Kerry, evidenciou o novo caráter dessas relações em nota
enviada ao ministro George Chicoty. «Em maio passado, viajei para
Luanda e pude ver o progresso do país em primeira mão. Do avião, vi
navios no porto de Luanda que transportam os frutos do seu milagre
económico para o mundo».
Ele salientou ainda que «após o encontro com o Presidente José
Eduardo dos Santos e o ministro das Relações Exteriores, Rebelo
Chikoti, posso dizer com confiança que a África está em movimento. E
Angola está a liderar o caminho. Este verão, tive o prazer de continuar
o nosso diálogo, acolhendo o Vice-Presidente Manuel Vicente em
Washington, para a Cúpula dos Líderes africanos».
Por seu turno, o Presidente Barack Obama reconheceu igualmente os progressos registados em Angola desde o alcance da paz e felicitou o Chefe de Estado pelo seu empenho pessoal relativamente ao
foco dos compromissos no âmbito da Conferência Internacional dos
Grandes Lagos (CIRGL), que minimizam os conflitos no continente
africano. «Nesta última década, Angola não apenas recuperou da
guerra civil devastadora, como igualmente desenvolveu uma economia que se posiciona entre as maiores do continente africano», disse
Barack Obama durante uma audiência que concedeu, na Casa Branca, ao novo embaixador angolano nos EUA, Agostinho Tavares da
Silva Neto.
Barack Obama disse que os Estados Unidos reconhecem e
apreciam a posição de liderança que Angola assumiu, no continente,
particularmente na Conferência Internacional na Região dos Grandes
Lagos (CIGRL) e na SADC, e enfatizou que, «desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, em maio de 1993, a
cooperação bilateral não se resume apenas ao comércio mas também
envolve um compromisso para o alcance da paz e da segurança
regionais».
O estadista norte-americano felicitou Angola pela sua eleição
como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU e
pela presidência do Processo Kimberley, realçando que são «sinais de
crescimento e do esforço do país na arena internacional, o que promove um futuro brilhante, seguro e próspero para todos os angolanos».
A presente natureza das relações entre Angola e as principais
potências mundiais explica, pelo menos em parte, por que razão a
pressão de certas organizações internacionais conhecidas pelo seu
ativismo em matéria de direitos humanos não tem tido o impacto interno que tem em outras partes do mundo. Aparentemente, aquelas potências, lideradas pelos EUA, preferem recorrer a uma estratégia mais
soft (ou «positiva») para levar as autoridades a realizarem de maneira
gently as mudanças democráticas que apregoam.
Resta saber até quando.
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
EDUARDO PEDRO/JORNAL DE ANGOLA
Simpatia externa, até quando?
Em 2014 Angola registou
a terceira taxa mais elevada
do crescimento do Índice
de Desenvolvimento Humano
• A taxa de mortalidade de crianças até aos cinco anos de idade,
que em 2000 era de 300 em cada mil, baixou para 120;
• A taxa de alfabetização de adultos é atualmente de 72%, quando, há dez anos, não atingia os 50%;
• Quase 6,5 milhões de alunos estão inscritos nos diferentes níveis
de ensino, incluindo a alfabetização, ensino primário, especial,
secundário e universitário (de acordo com o último censo, Angola tem cerca de 24,5 milhões de pessoas).
O Presidente José Eduardo sublinhou o facto de, no relatório
de 2014 sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), Angola ter registado a terceira taxa mais elevada de crescimento anual do IDH, com 2%. Apesar de a posição do país ainda
ser muito baixa (149.º lugar num total de 185 nações), ele manifestou-se fortemente convicto de que o mesmo «dispõe de condições
para ascender daqui a duas décadas ao grupo de países com desenvolvimento humano elevado».
Orçamento de contenção
«Diante da atual situação económica e financeira difícil e incerta, causada pela queda do preço do petróleo, infelizmente o referido Plano já não poderá ser executado em três anos, como nós
pretendíamos, mas talvez só possa ser executado num período
de cinco a dez anos». Esta afirmação do Presidente, quando
discursava a 15 de outubro, refere-se a um plano de contingência elaborado pelas autoridades para a construção de mais de 60
mil salas de aula e para a formação de quase 130 mil professores
primários, a fim de atender as crianças que, apesar dos grandes
progressos registados desde 2002 no domínio da educação,
ainda estão fora do sistema regular de ensino. Contudo, pode
perfeitamente aplicar-se a todos os planos e projetos do Governo para os próximos anos.
Presidente mantém otimismo, mas alerta
para situação económica difícil e incerta
Os números falam por si. Assim, entre janeiro e outubro deste
ano, a receita angolana com a exportação de petróleo atingiu os 25
mil milhões de dólares, uma quebra a rondar os 2,5 mil milhões
de dólares face ao mesmo período em 2013. De acordo com informações do Ministério das Finanças, Angola exportou nos primeiros dez meses deste ano 494,1 milhões de barris de petróleo,
número que contrasta com os 527,4 milhões em 2013. Além da
quebra da produção, essencialmente no primeiro semestre, a diminuição das receitas é justificada igualmente com a redução do
preço internacional do barril de crude. Em setembro de 2013 o
barril de petróleo chegou a ultrapassar os 110 dólares no mercado
internacional, valor que um ano depois desceu para 98 dólares e
que em outubro se cifrou nos 93 dólares (valor médio da venda do
barril de petróleo por Angola). No dia 30 de novembro, baixou
ainda mais, chegando aos 72 dólares.
Esta evolução no mercado internacional levou o executivo
angolano a rever algumas metas para 2015, o que está refletido no
próximo Orçamento Geral do Estado (OGE), a aprovar pelo
parlamento no dia 11 de dezembro. Por isso, o mesmo já é chamado de “orçamento de contenção”. Tendo como base uma estimativa de 81 dólares para o preço médio do petróleo, o orçamento angolano de 2015, cujo total é de 7.251.807.630.778,00
kwanzas (cerca de 72,5 mil milhões de dólares) prevê um crescimento de 9,7 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). O défice orçamental será de 7,6 por cento.
Algumas entidades internacionais consideram a previsão oficial
de crescimento de Angola em 2015 «exagerada», acrescentando que
a mesma visa apenas «efeitos propagandísticos» (atrair investimentos). Porém, as autoridades argumentam que a diminuição das receitas petrolíferas pode ser compensada seja pela redução dos subsídios seja, principalmente, pela diversificação da economia. Assim,
só o corte de 25% dos «tradicionais» subsídios aos combustíveis
permitirá ao Governo encaixar mais de mil milhões de dólares.
Quanto à diversificação da economia, deverá ser liderada pela agricultura, com 12,3%. Além da agricultura, prevê-se um aumento de
3,3% na pesca e derivados, 12% na energia, 11% na indústria
transformadora, 10,5% na construção e 9% nos serviços mercantis.
Em termos globais, o setor não petrolífero angolano deverá crescer
9,2% em 2015 e o setor petrolífero 10,7%.
A expectativa em relação ao crescimento da agricultura parece
colidir, contudo, com a redução da fatia orçamental destinada ao
setor, em comparação com 2013. O facto foi identificado por economistas independentes, que, além desse, apontaram como outros
pontos negativos do OGE 2015, a atribuição de mais verbas ao
ensino universitário do que ao secundário, o corte do orçamento
dos tribunais, o aumento «brutal» do défice e a falta de transparência ou a insuficiência de informação em relação a alguns itens.
Como pontos positivos, foram referidos o aumento das despesas
sociais, a duplicação das despesas com o ensino primário, a redução
das despesas com os subsídios aos combustíveis, um maior equilíbrio entre as províncias no domínio dos investimentos públicos e
aumento moderado dos orçamentos dos governos provinciais.
Para tais economistas, o risco maior resulta das projeções de
crescimento «demasiado otimistas», porque assentes no aumento da
produção do petróleo. Eles alertam que, mesmo com a entrada em
produção de novos poços, os recorrentes problemas técnicos dos
últimos anos «sugerem alguma precaução». Acrescentam ainda que
o enquadramento externo não é o mais favorável, pois não se exclui
a possibilidade de a OPEP baixar as quotas de produção dos estados-membros para controlar o preço. «Se o preço do petróleo continuar a baixar, o OGE não será simplesmente exequível, a menos
que se aumente ainda mais o endividamento», concluem.
África21– dez 2014 / jan 2015
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África21
A crónica de Pepetela
E
A casa
ra uma casa sem ambições arquitetónicas.
Três pequenos andares ocupados por uma associação de estudantes num edifício de quatro. O rés-do-chão
estava ocupado por uma farmácia. No entanto, este
prédio despretensioso albergou durante vinte anos um
viveiro de quadros, uma incubadora de ativistas futuros
e que ficarão na História de vários países.
Comemoram-se atualmente os 70
anos da fundação e os 50 da extinção da
Casa dos Estudantes do Império (CEI),
organismo criado ou autorizado pelo
governo colonialista de Salazar, para de
algum modo socializar e apoiar os estudantes que chegavam a Lisboa, vindos
de territórios do então Império português, onde não existiam e até eram
proibidos órgãos destinados ao ensino
superior. Quem fosse originário de colónia portuguesa e quisesse formar-se numa universidade, teria de ir para Portugal. E aí, pensavam os fomentadores da ideia, essa elite «vinda da selva» seria
controlada e educada nos princípios rígidos da moral
e princípios que serviam os interesses da Metrópole.
Infelizmente para o regime de então, saiu o tiro pela
culatra. Pouco a pouco, os estudantes das colónias, particularmente os africanos, começaram a ganhar interesse
pelos problemas dos territórios de onde provinham, a
preocuparem-se com os entraves ao desenvolvimento e à
justiça, ao mesmo tempo que se iam introduzindo no
conhecimento de culturas que nem direito tinham a serem reconhecidas como culturas, as suas. Foi portanto
amadurecendo nesse edifício e nas secções de Coimbra e
do Porto, o sentimento nacionalista, manifestado muitas
vezes em atividades culturais ou de cariz social. Até o
regime se aperceber que os seus objetivos se goravam. E
haver intervenções sucessivas da Pide e outros órgãos
repressivos. As direções eleitas nas Assembleias Gerais
eram arbitrariamente dissolvidas pelo Estado, o qual
nomeava Comissões Administrativas, com gente de sua
inteira confiança. E as lutas continuavam na Casa. Até o
governo reconhecer a sua ineficácia e recuar, permitindo
a eleição de novos órgãos dirigentes pelos sócios. Os
quais dirigiam a organização até ao próximo mau humor
dos diletos rottweillers de Salazar.
Pela Casa passaram muitos dos que viriam a liderar ou a militar nos movimentos nacionalistas, os
quais, pela sua luta, haveriam de conquistar a independência dos nossos países. Duas gerações de líderes
consolidaram na Casa os seus conhecimentos políticos ou mesmo foi nela que despertaram para as terríveis condições de vida dos seus povos e a necessidade
de transformar a realidade.
A UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) realizou a
primeira atividade para comemorar essa
gesta no dia 28 de outubro em Coimbra. Outras atividades se seguirão, particularmente a reedição de todo o espólio
publicado pela Casa, até maio de 2015,
altura em que se cumprirão os 50 anos
da extinção da CEI. A primeira cerimónia de homenagem foi comovente, pois
se encontraram muitos dos antigos sócios, alguns não se vendo desde 1961.
Também houve portugueses a homenagearem a Casa,
tendo sido escolhidas pessoas que tiveram contacto
com a organização e com os antigos sócios. Obviamente, muitos se referiram a Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara e a outros nacionalistas que marcaram indelevelmente a História.
Foi bom estar em Coimbra, rever tantas caras conhecidas e escondidas pelo tempo, ouvir depoimentos
sinceros e comoventes, recordar a nossa juventude
cheia de sonhos. Sobretudo, saber que valeu a pena.
Nem sempre o orgulho é um sentimento negativo, particularmente o de ter tido um número de sócio
da Casa dos Estudantes do Império.
Pela Casa passaram muitos
dos que viriam a liderar ou a militar
nos movimentos nacionalistas
África21– dez 2014 / jan 2015
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África21
África21– dez 2014 / jan 2015
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crónica da terra
O futuro da nação
Por ocasião do Festival Nacional de Cultura, em setembro de 2014, esteve
em Angola Margaret Anstee, que havia chefiado a missão de manutenção de
paz nos anos conturbados de 1992-1993
E
Fernando Pacheco é o
coordenador do OPSA
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ntrevistada pelo jornal de angola, Margaret Anstee, com elegância e ironia, elogiou as
realizações do Executivo angolano e da sua liderança,
mas, ao mesmo tempo, manifestou a sua tristeza pelo
facto de o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) do país continuar num nível baixo, quase no
fim de uma lista de mais de 160, sobretudo nos fatores ligados à saúde e educação. E disse mais. Se a situação não melhorar, pode haver novos conflitos.
No discurso sobre o estado da Nação, na Assembleia Nacional, a 15 de outubro, o Presidente
da República apresentou uma posição diferente.
Segundo ele, é importante salientar o facto de o
país, no conjunto de 187 países analisados, ter a
terceira taxa mais elevada de crescimento anual do
IDH com 2%, apenas sendo ultrapassado pelo
Ruanda e pela Etiópia, por sinal dois países que
também viveram sérios conflitos militares.
E acrescentou que Angola tem condições para
ascender, em duas décadas, ao grupo de países
com IDH elevado. Recordo que há quase dez
anos o Presidente havia dito que igualmente em
duas décadas Angola teria um nível de desenvolvimento similar ao do Brasil e da África do Sul.
Este otimismo parece-me muito exagerado e
pode ter efeitos contraproducentes.
O Presidente baseia o seu otimismo nos progressos observados nos níveis educacional e sanitário da
população. Os números referentes à educação são, na
verdade, impressionantes. Porém, há dois aspetos
que sugerem moderação para esse otimismo. O primeiro é o facto de termos, para uma população escolar no ensino primário superior a cinco milhões,
apenas 600 mil alunos no ensino pré-escolar. Ora, no
ensino moderno, é fundamental que a aprendizagem
tenha início no nível pré-escolar. Como isto não
acontece em Angola, as crianças chegam mal preparadas ao ensino primário, e assim sucessivamente até
ao ensino superior. E aqui surge o segundo aspeto
preocupante. O Presidente enalteceu o número de
estudantes no ensino superior (217 mil, quase quatro
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Fernando Pacheco
vezes o do ano 2000), mas reconheceu a necessidade
de uma «revolução qualitativa» nesse nível de ensino
e no técnico-profissional, convergente com as prioridades do desenvolvimento, que formem jovens com
competências adequadas de modo a poderem conseguir empregos.
Tenho levantado esta questão e alertado para os
problemas sociais, económicos e políticos que poderão acontecer caso se mantenha a política de
educação e ensino que tem sido implementada, expressa nos Orçamentos Gerais do Estado dos últimos anos.
Na sua análise sobre o OGE de 2014 o OPSA e
a ADRA estimaram que, para uma população em
idade pré-escolar de 700 mil crianças (no discurso o
Presidente fala de 600 mil, uma diferença que não é
relevante para os cálculos), o valor anual per capita era
inferior a 500 kwanzas (cinco dólares), muito longe
do necessário para respeitar a prioridade de assegurar
a educação pré-escolar expressa no Plano Nacional de
Desenvolvimento 2013-2017.
Nesse mesmo orçamento, o ensino primário, o
secundário e o técnico-profissional sofreram reduções de, respetivamente, 33,3%, 2,3% e 19,3% em
relação a 2013. Ora, estes cortes não respeitam as
várias prioridades para o setor da Educação, e, obviamente, põem em causa o desenvolvimento humano
de Angola.
Paradoxalmente, o orçamento do ensino superior subiu 20,9% em relação a 2013, passando a ter
mais cerca de 10% do que o ensino secundário. Esta
incompreensível repartição de recursos é reflexo de
uma política que tem, como consequência, a má
qualidade, em termos genéricos, dos profissionais
que chegam ao mercado de trabalho. E a interrogação é inevitável. Como é possível imaginar que tais
profissionais não venham a ter sérios problemas de
emprego? Como é possível esperar que, deste modo,
possamos ter aumentos consideráveis no IDH?
Na minha crónica anterior, fiz notar a falta de
realismo de um dirigente ao afirmar que nós, angola-
JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA
Os cortes na Educação
não respeitam as prioridades
e põem em causa
o desenvolvimento
humano de Angola
nos, estamos em condições de protagonizar o primeiro milagre económico de África, tal como no passado
se registaram os milagres económicos do Japão e da
Alemanha. Esta sobrevalorização das nossas capacidades, aliada à exagerada criação de expectativas,
pode ser perigosa. Para já, é responsável pela falta de
humildade perante o saber, nomeadamente o técnico-científico, pela ausência de rigor na elaboração de
programas e de projetos e no desempenho das atividades mais diversas, pelo esbanjamento de dinheiros
públicos, e pela arrogância, características que começam a ser consideradas comuns aos angolanos em
diversos domínios. Com efeito, doze anos depois do
fim da guerra, apesar dos reconhecidos progressos,
Angola continua a estar mal numa série de classificações internacionais, da responsabilidade de diferentes
agências e organizações, desde o Banco Mundial e
UNICEF até à Fundação Mo Ibraim.
Números que não batem certo
Vejamos alguns exemplos. O Governo anunciou recentemente avanços significativos na equidade do
género e na não discriminação em função do sexo,
mas o relatório global sobre a diferença do género
promovido pelo Fórum Económico Mundial coloca
Angola na 121.ª posição (entre 142 países), quando
em 2013 já estava na 92.ª. No Doing Business recentemente divulgado, ranking do Banco Mundial so-
Segundo
dados de 2013,
Angola caiu
para o índice
mais elevado
do mundo
em mortalidade
infantil
bre a facilidade de realização de negócios, Angola
desceu um lugar relativamente ao anterior. Numa
votação online, o Aeroporto 4 de Fevereiro foi considerado o 5.º pior de África pelos utilizadores de um
site (www.sleepinginairports.net) que analisa o conforto e as condições de utilização de infraestruturas
em aeroportos de todo o mundo. O mais grave, porém, é a queda do índice de mortalidade infantil,
pois, segundo dados de 2013, Angola tem o mais
elevado do mundo. Claro, nenhum destes dados foi
noticiado pela comunicação social pública.
A proposta de OGE para 2015 revela que os críticos tinham razão quando denunciavam os erros no
setor da educação e também que o Executivo foi recetivo a tais críticas. As verbas crescem 47% em termos globais em relação a 2014. Mas, apesar de uma
redução (4,4%) do valor para o ensino superior, este
mantém-se superior ao do ensino secundário, que
desce ainda mais (5,9%). Muito difícil de entender.
O desejo legítimo de atingirmos elevados níveis
de IDH exige muito mais do que vontade. Desde
logo, uma outra abordagem do desenvolvimento,
mais de acordo com a nossa realidade, que favoreça
a criação de organizações e instituições fortes e capazes e promova a geração de empregos, ou seja, o
contrário do que se tem feito. No fundo, mais modéstia e realismo, e muito mais aposta no reforço
das capacidades.
África21– dez 2014 / jan 2015
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a opinião de alves da rocha
Tempos de austeridade
e riscos até 2020
[email protected]
O Orçamento Geral do Estado para 2015 foi elaborado num contexto de
expectativas negativas, não apenas em relação à principal fonte de financiamento
da actividade do Estado, como ao clima económico internacional, com o
principal mercado de exportação do petróleo angolano a sofrer sistemáticos
ajustamentos para baixo na sua taxa de crescimento económico para 2015 e
aos anos subsequentes.
N
Professor Associado da Universidade
Católica de Angola
Alves da Rocha escreve de acordo
com a antiga ortografia
40
ão é a primeira vez que o Governo se encontra numa posição de enorme desconforto para
elaborar o seu Orçamento. Em 1998, quando o preço internacional do petróleo se situou na vizinhança
de 10 dólares o barril, foi difícil a configuração do
plano financeiro do Estado, tendo-se programado
um défice fiscal da ordem dos 15% do PIB. Em
2009, também o preço do petróleo desceu para patamares comprometedores do financiamento da actividade do Estado: 61,8 dólares o barril, depois de ter
registado um valor de 97,1 dólares em 2008. O défice fiscal nesse ano foi de 8,1% do PIB. O valor global
da actividade económica do país passou de 84,2 mil
milhões de dólares em 2008 para 75,5 mil milhões
em 2009. Foi a primeira grande quebra do PIB depois de finalizada a guerra civil.
Para 2015, o Governo estima um défice orçamental de 7,6% do PIB, aproximando-se do valor
registado em 2009, de manifesta crise económica e
financeira internacional e que teve expressivas repercussões em Angola, como se sabe. Depois de um
crescimento de 10,7% no sector que ainda é o responsável por mais de 70% das receitas fiscais do Estado, as previsões até 2017 apontam para uma quebra significativa em 2016 (3,8%) e novamente uma
variação real negativa de 9,8% em 2017, tal como se
verificou em 2013 e 2014. Por isso é que não só o
Governo receia poder estar-se perante um período
complicado para a economia nacional, como as
principais agências de risco e as instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, têm revisto
sistematicamente em baixa as taxas de crescimento
do PIB angolano. O Fundo Monetário Internacional
projecta uma taxa média anual de crescimento, entre
2014 e 2019, de 5,8% revelando a existência de en-
dez 2014 / jan 2015 –
África21
traves estruturais e institucionais à obtenção de índices de crescimento comparáveis aos registados entre
2004 e 2008 (12,5% ao ano, de acordo com as
Contas Nacionais). A Agência Business Monitor International, no seu relatório de 20 de Outubro de
2014, ajusta para baixo as perspectivas de crescimento do PIB angolano, estimando em 5,2% ao ano,
também até 2019.
Sem crescimento não vai ser possível distribuir
mais. Mas sempre é possível distribuir-se melhor o que
está mal distribuído, se for entendido terminar com o
abominável processo de acumulação primitiva de capital, que originou uma sociedade internacionalmente
classificada como das mais desiguais do mundo.
Um défice fiscal previsto de 7,6% do PIB é muito
alto e sinaliza as enormes dificuldades que são esperadas em 2015 quanto ao cumprimento das principais
funções orçamentais do Estado, como o fomento do
crescimento, a provisão de bens e serviços públicos e a
redistribuição do rendimento nacional. Aliás, olhando
retrospectivamente para este indicador, verifica-se que
estas dificuldades acabam por ser dificuldades anunciadas. Na verdade, de um excedente de 6,7% do PIB nas
Contas do Estado em 2012, passou-se para um superavit de 0,3% em 2013 e um défice estimado de 0,2%
em 2014. A linha de comportamento das Contas do
Estado está a atravessar, depois de 2012, um período
de dificuldades, que só uma gestão disciplinada –
fechando-se todos os canais de escoamento dos dinheiros públicos, como o tráfico de influências (com um
índice muitíssimo elevado entre nós) e a corrupção
(continuamos a ocupar os últimos lugares das listas
mundiais de transparência e corrupção) – e uma aplicação muito mais racional, eficaz e efectiva dos dinheiros da Nação poderá ajudar a ultrapassar, com os me-
JOSÉ SOARES/JORNAL DE ANGOLA
Pela primeira vez, as verbas destinadas à educação e saúde sobrepõem-se às canalizadas para a defesa e segurança
Não se pode
pedir
às famílias
que sejam
também
uma parte
da solução
do problema
de escassez
de recursos
financeiros
do Estado
nores danos possíveis, esta crise. Compete ao Estado e
ao Governo o essencial das poupanças necessárias. Não
se pode pedir às famílias, sobretudo às mais pobres e
remediadas, que sejam também uma parte da solução
deste problema de escassez de recursos financeiros do
Estado.
Em princípio a regra de ouro de um qualquer
orçamento de Estado é a do défice nulo – o que se
retira da economia e da sociedade a título de impostos o Estado devolve, no mesmo valor, em serviços
públicos, fomento da economia, melhoria das condições de vida e estabilidade macroeconómica. Esta é
que tem de ser a lógica. No entanto, em determinados períodos do processo de funcionamento das
economias, nomeadamente em fases em que se esperam retracções nas dinâmicas de crescimento do PIB,
o Estado pode ter de optar por um orçamento deficitário. Algumas despesas orçamentais do Estado são
reprodutivas – criam utilidades com efeitos sobre a
procura final (curto prazo) e melhoram a capacidade
de crescimento a médio prazo. Por conseguinte, o
Governo entendeu que, mesmo face a uma expectativa de redução das receitas fiscais petrolíferas, deveria
manter determinadas despesas produtivas e reprodutivas. Se a decisão tivesse sido no sentido de ajustar as
despesas públicas totais às disponibilidades financeiras, poderia desencadear efeitos recessivos sobre a
economia. O essencial, como já afirmei, é praticar-se
o rigor e a disciplina orçamental em 2015, nos moldes já anunciados pelo Ministro das Finanças, de
modo a poder esperar-se que o défice de 7,6% seja
menor no final de 2015.
As previsões quanto ao comportamento futuro
do preço do barril de petróleo no mercado internacional também não ajudam a economia nacional,
como já sublinhado anteriormente. A Business
Monitor International aponta um valor médio, até
2019, de 87 dólares o barril. O OGE para 2015
adopta 81 dólares, o que é uma decisão acertada, esperando-se sempre que o comportamento do petróleo possa alterar a trajectória prevista. O cenário fiscal
não poderia ser feito com um preço do barril de petróleo mais baixo. O OGE tem uma função importante de estimular a economia, de transmitir optimismo às famílias, às empresas, aos trabalhadores e aos
investidores. Desde que esse optimismo seja contido
e não assuma a forma de jactância – que nos caracteriza em muitos momentos – não advirão efeitos
perversos.
Pela primeira vez, depois do conflito armado, as
verbas destinadas à educação e saúde sobrepõem-se às
canalizadas para a defesa e segurança. Pode tratar-se
de uma situação meramente conjuntural, não correspondendo a uma tendência de alteração estrutural da
composição percentual das despesas públicas. Nestas
como em outras matérias económicas e sociais a
análise que mais importa é a tendencial, reveladora de
alterações fundamentais. E, neste aspecto, as despesas
com defesa e segurança têm sido sempre superiores às
da educação e saúde. Mas mais fundamental é a eficiência das despesas com os sectores sociais e não o
seu valor absoluto ou relativo. E, neste aspecto, a
prestação de serviços de educação e de saúde continua deficitária e de baixa qualidade.
África21– dez 2014 / jan 2015
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NATACHA MOSSO
cabo verde
Entre previsões de crescimento pouco otimistas, aumento do endividamento e redução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, ao arquipélago
resta-lhe a aposta num investimento forte para melhorar a competitividade
e o ambiente de negócios, de forma a atrair investimentos
Natacha Mosso PRAIA
Aprender a caminhar com os
U
m cenário pouco otimista chegou da Fitch Ratings.
A instituição assevera que a dívida de Cabo Verde
cresceu rapidamente em 2014 e que poderá aumentar
para 115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, atingindo 120% em 2017. O relatório indica que a dívida está a crescer
mais depressa do que o previsto. A Fitch adverte que o PIB cabo-verdiano continua estagnado, principalmente devido à perda de poder de compra dos cidadãos, à queda das remessas e ao
residual investimento direto estrangeiro. O turismo foi o único
setor onde se registou um aumento das receitas. Ainda segundo
o relatório, o crescimento económico deve ficar-se por 1%, ao
mesmo tempo que aumentarão as dificuldades do Governo na
consolidação da dívida pública.
Reagindo ao cenário da Fitch, a ministra das Finanças e do
Planeamento, Cristina Duarte, reconheceu que o stock da dívida está elevado, mas «dentro da sustentabilidade» e sem perigo
para a capacidade de pagamento do país. Por outro lado, explicou que os outros dois rácios – serviço da dívida e das exportações e serviço da dívida/receitas – estão igualmente dentro dos
níveis de sustentabilidade.
Por sua vez, o Grupo de Ajuda Orçamental (GAO) aconselhou
o Governo a rever a sua política fiscal classificada de «expansionista»
e a criar condições para que a economia possa amortecer e absorver
os choques externos. A elevada dívida pública preocupa o GAO,
que exortou o Executivo a procurar novos modelos de financiamento, não obstante reconhecer que o Governo começou a diminuir o investimento público, apostando mais no abrandamento
fiscal e nas reformas macroeconómicas.
O governador do Banco de Cabo Verde exorta as famílias e
as empresas a não continuarem a recorrer ao endividamento.
Reconhecendo a solidez do sistema financeiro cabo-verdiano,
Carlos Burgo aconselhou um investimento forte na melhoria da
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
competitividade, ambiente de negócios, qualificação profissional e legislação laboral.
O país parte para 2015 com um Orçamento de Estado –
aprovado na generalidade em novembro, com 36 votos do partido
do poder, PAICV, e 28 contra da oposição, sendo 26 votos do
MpD e dois da UCID – que prevê 43 milhões de contos (487
milhões de dólares) em despesas totais, 44 milhões em receitas
(498 milhões de dólares) e 2,9 milhões (33 milhões de dólares)
em ativos não financeiros, ou seja, em investimentos, um crescimento entre 3% a 4% e um défice à volta de 7,3%. Cristina
Duarte garante que o Orçamento de Estado para 2015 é mais
uma etapa do processo de consolidação orçamental em que o défice público será gradualmente recentrado.
Ainda no campo da economia, o país perde, em 2014, quatro
posições no relatório Banco Mundial «Doing Business 2015», ocupando agora 122.º lugar em 189 economias mundiais avaliadas pela
facilidade para fazer negócios. Cabo Verde mantém a terceira posição a nível da CPLP, atrás apenas de Portugal (25) e do Brasil (120).
Obtenção de crédito, obtenção de alvarás de construção,
acesso à eletricidade, protecção dos investidores minoritários, excesso de burocracia e execução de contratos são os itens chave que
contribuíram para esta perda de posição.
Boa governação
O ano augurou-se positivo no capítulo da Boa Governação.
O país foi considerado o segundo mais bem governando de África
(ver África21 de novembro), apenas perdendo para o Botswana, e
o melhor dos PALOP, segundo o índice da Fundação Mo Ibrahim. Cabo Verde alcança boas pontuações nos domínios da Segurança e Primado da Lei, Direitos Humanos, Desenvolvimento
Humano, mas perde pontos na área da Sustentabilidade Económica e Oportunidades.
ISABEL MARQUES NOGUEIRA/LUSA
próprios pés
O arquipélago tem uma ótima avaliação em termos de segurança e funcionamento da lei e justiça, na área da participação cívica e
direitos humanos e no bem-estar, nomeadamente no acesso à segurança social. Porém, recebeu notas menos boas na avaliação às infraestruturas, administração pública, à segurança pessoal e às condições oferecidas às empresas privadas.
Na avaliação feita a 52 países africanos, Cabo Verde continua a
ser o melhor entre os países lusófonos, à frente de São Tomé e
Príncipe, Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, respetivamente,
12.º, 22.º, 44.º e 48.º.
As notas menos boas foram na avaliação
às infraestruturas, administração pública,
segurança pessoal e condições oferecidas
às empresas privadas
Em outros rankings, 2014 foi o ano em que Cabo Verde subiu
oito lugares, passando da 122.ª para 114.ª posição no ranking
mundial da competitividade do Fórum Económico Mundial, que
coloca ainda o arquipélago na 91.ª posição no pilar de requisitos
básicos, 106.ª a nível do ambiente macroeconómico e 57.ª posição
na área da Saúde e Educação Primária. De acordo com a instituição, a melhoria da performance do país ficou a dever-se aos bons
resultados obtidos em alguns dos 12 pilares do ranking de competitividade mundial, designadamente a nível do ambiente institucional, do ensino superior e das infraestruturas. Porém, aponta a burocracia, o acesso ao financiamento e eficiência do mercado de
trabalho como os três constrangimentos para o desenvolvimento de
negócios em Cabo Verde.
E as lavas tudo levaram
Se o triunfante caminho dos Tubarões Azuis, seleção nacional
de futebol, rumo ao Campeonato Africano das Nações (CAN)
elevou a autoestima e o orgulho dos cabo-verdianos, a erupção
do vulcão da ilha do Fogo veio mergulhar o país numa enorme
tristeza. A erupção é, sem dúvidas, um dos mais dramáticos
acontecimentos do ano no país e que vem juntar-se ao mau ano
agrícola, consequência da escassez da chuva. Em finais de
novembro o vulcão da ilha do Fogo entrou em erupção, dezanove
anos depois da última ocorrência, desalojando os cerca de mil
habitantes de Chã das Caldeiras, que são arrastados para o
desespero, angústia e incertezas. A erupção é considerada
superior à registada pela última vez, em 1995, e quase semelhante à de 1951, uma das maiores registadas na ilha.
As respostas chegaram prontamente, do lado do Governo
e autoridades locais, e uma enorme onda de solidariedade foi
criada para ajudar os deslocados da pequena localidade de
Chã das Caldeiras que perderam quase tudo. Os apoios chegaram também do estrangeiro, incluindo Portugal que disponibilizou uma fragata e meios aéreos e de comunicação via satélite. Mas os apoios poderão ter que ser maiores já que
diante da possibilidade de ser inviável a reconstrução de Chã
das Caldeiras, o que exigiria a reconstrução de um novo povoado, mais apoios serão solicitados pelo Governo.
A erupção do vulcão do Fogo, classificada pelo chefe do
Executivo como uma catástrofe, veio pôr a nu as fragilidades
do sistema nacional de proteção civil e mostrou a necessidade
de se dotar a ilha de um serviço de proteção civil reforçado e
condizente com as suas especificidades.
O arquipélago terá ainda que saber dar a volta para fazer
face ao mau ano agrícola que forçou o Executivo a decretar
situação de emergência e a criar um fundo de pouco mais de
dois milhões de contos (23 milhões de dólares) para ajudar os
agricultores e criadores de gado.
África21– dez 2014 / jan 2015
43
Onde os seus negócios acontecem!
CALENDÁRIO DE FEIRAS 2015
Março
19 - 22
2ª Salão Internacional do Urban, Habitação,
Imobiliário e Decoração de Angola
Local: FILDA
Organização: Ministério do Urbanismo e Habitação
26 - 29
3ª Edição da Fashion Bussiness Angola
Local: FILDA
Organização: Feira Internacional de Luanda
Maio
14 - 17
4ª Salão Internacional de Tecnologia e
Comunicação de Angola
Local: FILDA
Organização: Ministério Telec. e Tec. de Inform. - FIL
31 - 01.06
3ª Feira Agro-Pecuária e Industrial de
Cabinda
Local: Cabinda
Organização: Governo da Província de Cabinda - FIL
Junho
5ª Feira Internacional de Ambiente,
Equipamentos, Serviços e Tec. Ambientais
04 - 07
Local: FILDA
Organização: Ministério do Ambiente - FIL
Julho
02 - 05
6ª Feira Agro-Pecuária e Industrial de
Uíge
Local: Uíge
Organização: Governo Provincial do Uíge - FIL
21 - 26
32ª Feira Internacional de Luanda
Local: FILDA
Organização: FIL - Feira Internacional de Luanda
Agosto
2ª Feira dos Municípios e cidades de
Angola
06 - 09
Local: FILDA
Organização: Ministério Administração Território - FIL
Setembro
03 - 06
10 - 13
FNIC
3ª Feira Nacional das Industria Culturais
Local: FILDA
Organização: Ministério da Cultura - FIL
EXPO
2ª Salão Internacional do Cuanza - Sul
Local: Wako Kungo
Organização: Ministério da Cultura - FIL
1ª Salão Internacional do Huambo
Local: Huambo
Organização: Governo Provincial do Huambo - FIL
CUANZA-SUL
18 - 21
Outubro
08 - 11
4ª Feira Internacional do Turismo de
Angola
Local: FILDA
Organização: Ministério da Hotelaria e Turismo - FIL
22 - 25
13ª Feira Internacional de Construção
Civil e Obras Públicas
Local: FILDA
Organização: FIL - Evento Arena
05 - 08
5ª Feira de Educação, Formação e
Qualidade Profissional
Local: FILDA
Organização: Ministério da Educação - FIL
12 - 15
5ª Feira Internacional dos Transportes e
Logística de Angola
Local: FILDA
Organização: Governo Provincial da Lunda - Norte - FIL
19 - 22
5ª Feira Internacional dos Transportes e
Logística de Angola
Local: FILDA
Organização: Ministério dos Transportes - FIL
2ª Feira Internacional das Pescas
e da Aquicultura de Angola
Local: FILDA
Organização: Ministério das Pescas - FIL
Novembro
26 - 29
A definir
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3ª Feira Inter. da Agricultura, Pecuária,
Alimentação e Florestas de Angola
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2015
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As Feiras
e as 2014
datas poderão
alteração
44
Local: FILDA
Organização: Ministério da Agricultura - FIL
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A crónica de Germano Almeida
Q
Crioulidade
apanhá-lo a falar nessa língua, fodo-o, disse o capitão.
ue me lembre, uma única vez na minha vida tive
Vai ter que o fazer porque é a língua da minha terra,
necessidade de afirmar a minha crioulidade. Foi
a minha língua, respondi.
na tropa em Tavira durante a recruta para o curso de
Bem entendido que essa afirmação de nacionalissargentos milicianos no qual aliás viria a ficar chumbado.
mo nunca me fez perder de vista o quanto dependeNessa altura já era militante de falar português, pela ramos da língua portuguesa e o quanto devemos cultizão simples de que tinha mudado da Boa Vista para
vá-la como o instrumento de contacto com mais de
Praia e ali os amigos gozavam comigo por falar crioulo
200 milhões de pessoas e, disse há dias numa entrevisda Boa Vista que diziam ser um crioulo cantante, femita, «com o crioulo não vamos longe,
nino, sem a máscula aspereza do crioulo
não saímos das ilhas!».
de Santiago. Está bem, disse-lhes um dia
Foi um deus-nos-acuda! Usando
já cansado das troças, a partir d’hoje vou
esse novo e perverso instrumento chafalar só em português!
mado facebook, fui virtualmente truciE passei a falar exclusivamente portudado por muitos dos ferrabrases do
guês. Para mim foi perfeitamente natural.
crioulo que, num português escorreito,
É verdade que na minha casa ouvia indisolto e muitas vezes belo, valorosamente
ferentemente as duas línguas, mas na
pelejaram com uma audácia e uma
adolescência tinha andado muito envolvienergia que muito melhor seriam emdo com os padres que visitavam a Boa
pregadas na urgente necessidade de
Vista, quer italianos quer a seguir os [email protected]
mostrar aos nossos jovens como necesdianos, e com eles tinha mesmo que falar
sitam dominar a língua portuguesa se querem chegar
em português, ainda que com algumas calinadas pelo
mais longe do que a distância entre as nossas ilhas.
meio. Lembro-me, por exemplo, de uma vez que me
Eu lia os virtuais ataques à minha afirmação numa demostrei muito irritado com o padre Fernando que se tifesa em língua portuguesa da necessidade vital de honnha permitido oferecer a imagem de uma santinha
rar e usar o crioulo com única língua pátria e, já sem
qualquer ao André, deixando-me a mim de fora, eu que
tomar fé das ofensas, admirava a fluidez da linguagem,
era o seu faztudo, desde ajudar a missa até fazer compras.
o acerto nas palavras, a ausência de erros gramaticais
De modo que me senti no direito de protestar com veimodernamente e infelizmente tão comuns entre os
mência contra aquela injustiça. Mas tu não pediste, jusnossos, e exprobava esse feroz egoísmo de querer esse
tificou-se nho padre. E eu arrogante: Eu não pedo nada
bem, que é possuirmos a língua portuguesa, apenas
a ninguém! Patifarias do verbo pedir, só para me enverpara certos de nós eleitos, querermos impedir, com as
gonhar diante de nho padre. Não se diz pedo, corrigiunossas atitudes de nacionalistas insensatos, que ela se
-me zombeteiro, diz-se peço, é um verbo irregular.
espalhe como uma abençoada chuva para todos.
Ferido no meu orgulho, dei-me ao trabalho de estuMas seria absurdo reagir, defender a minha crioulidar todos os verbos e depois li um dicionário de portudade perante nacionais que na prática concordam coguês do princípio ao fim. De modo que quando cheguei
migo e precavidamente colocam os filhos em escolas
à Praia já estava familiarizado com a língua, exceto na
onde o uso da língua portuguesa é exclusivo e obrigatócolocação do «o» ou do «lhe» como complemento (frario. E foi então que entendi: O meu pecado imperdoáqueza que mantenho até hoje) e foi fácil passar a usá-la
vel foi ter publicamente posto em causa as competênem vez do crioulo da Boa Vista.
cias do crioulo como língua, é uma realidade que deve
Mas entretanto sou levado para a tropa em Tavira,
ficar exclusivamente entre nós verdianos.
somos aí uns dez, saudades da terra e regresso ao crioulo. E um dia terei falado em voz alta para um outro de
nós, e um capitão vem empertigado: Que língua é essa?
Crioulo de Cabo Verde! O quê que você disse? Estava
a falar com ele! Mas o que é que disse? Era com ele, ele
entendeu!
Desafiámo-nos com os olhares, mas não é impunemente que um homem cresce 1,96 m. Se volto a
O meu pecado imperdoável
foi ter publicamente
posto em causa as competências
do crioulo como língua
África21– dez 2014 / jan 2015
45
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Águas Correntes Corsino Tolentino
N
Uma questão de dignidade
da pessoa humana
mo que os caracterizam. Por outro lado, é expressao final de 2014, o 25.° aniversário da queda
mente incompatível com a teocracia. Também por
do muro de Berlim (09.11), a reunião da Inisso seria útil os partidos políticos democráticos de
ternacional Democrata do Centro-África em Cabo
todos os países e de todas as regiões do mundo assuVerde (07.11) e o prémio Concórdia da Fundação
mirem a sua natureza de movimentos de direita, do
Príncipe das Astúrias à jornalista Caddy Adzuba, da
centro ou de esquerda, para consolidar a relação de
irónica República Democrática do Congo (10.08),
confiança entre eles e os respetivos
mostram a complicação do mundo
eleitores.
de hoje.
Olhando para o título da confeDemocracia tem mais causas comuns
rência que a IDC-África, Economia
do que motivos de discórdia
Social de Mercado, organizou na ciA minha formação, prática política e
dade da Praia, o ser humano no
atividade diplomática, assim como o
centro da ação política, pensei que,
meu convívio com a realidade econóprovavelmente, os partidos políticos
mica, social e cultural das nossas cidademocráticos, sejam de direita, cendes, ribeiras e montanhas nacionais e
tro e esquerda, têm mais causas coda região geopolítica da qual fazemos
muns do que no princípio da indusparte levam-me a ter mais afinidades
trialização ou durante a guerra fria e
[email protected]
com a Internacional Socialista (IS) do
as lutas de libertação nacional.
que com a Internacional Democrata do Centro.
A Economia Social de Mercado (ESM) nasceu
Porém, vistas algumas causas comuns a todos os
na Alemanha atormentada pelo nazismo e expandemocratas e, por conseguinte, às internacionais
diu-se pelo mundo através da Democracia Cristã em
partidárias, IDC e IS incluídas, conclui-se que a
defesa da melhor combinação possível entre a liberdignidade humana em primeiro lugar, a solidariedadade de mercado e a equidade social. Com estes
de, a descentralização, a dignificação do trabalho, o
objetivos, o Estado tem legitimidade para intervir
Estado ao serviço das pessoas e não o contrário, a
como regulador e, excecionalmente, como agente
governação, a paz e a segurança, a regulação do capieconómico, responsável ético pelo bem-estar da
talismo, a responsabilidade moral do Estado e a
comunidade.
cooperação entre os Povos devem estar no centro da
A segunda parte do título da conferência, o ser
ação política. Os temas fraturantes, tais como o
humano no centro da ação política, ajuda-nos a
aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a
avaliar a relação entre a moral e a religião, e a preferir
eutanásia e a laicização podem e devem ser tratados
o conceito da dignidade da pessoa humana a qualpela via democrática. Aliás, não foi o pacifista São
quer outro. Com efeito, os princípios da solidariedade,
Tomás de Aquino quem afirmou no século XIII que
da justiça social e da secularização da sociedade deritodo o poder vem de Deus através do povo?
vam dessa escolha fundamental e ampliam o significado e o campo do humanismo.
Os partidos democratas cristãos são mais do que
católicos e mesmo mais do que religiosos. A sua
preferência pelos princípios e valores cristãos é histórica e é compatível com o pluralismo e o ecumenisNota: Este texto é baseado na comunicação à conferência
da Internacional Democrata do Centro-África,
organizada pelo Movimento para a Democracia (MpD)
na cidade da Praia, a 7 de novembro de 2014.
A solidariedade, justiça social
e secularização da sociedade
derivam da escolha fundamental
do humanismo
África21– dez 2014 / jan 2015
47
ARQUIVO ÁFRIC21
ARQUIVO ÁFRIC21
guiné - bissau
Domingos Simões Pereira e José Mário Vaz. Os dois artífices do regresso à normalidade guineense
E agora?
D
As últimas eleições gerais podem afastar de vez o demónio dos golpes de Estado, mas a estabilidade ainda
não é um dado adquirido
epois das eleições gerais de abril/maio e da legitimação institucional e democrática das autoridades, é um
sentimento de virar de página que vigora na Guiné-Bissau. Essas consultas, adiadas três vezes sucessivas, não foram os primeiros escrutínios pluralistas do país e nem vão resolver os seus
problemas mais prementes, porém foram a tábua de salvação para
resgatá-lo do beco sem saída em que se encontrava após dois anos
de transição manu militari. Espera-se, que daqui em diante, não
haja mais golpes de Estado.
A preparação e realização dessas consultas dominaram as atenções no ano findo e conduziram a uma mobilização sem precedentes dos atores nacionais e dos parceiros externos. Um dos indicadores mais significativos de que a Guiné começa a trilhar um novo
rumo, deixando para trás a violência política e os atropelos à democracia, foi o reconhecimento, pelo próprio Chefe de Estado-Maior
das Forças Armadas, de que os militares guineenses foram mentores
de «atrocidades» e contribuíram para a instabilidade no país.
Ao intervir na celebração do 50.º aniversário da criação das FA
nacionais, a 16 de novembro, o general Biagué Na Ntan procedeu
a uma contundente autocrítica, e chegou ao ponto de comparar a
soldadesca a um grupo de «inúteis, que em vez de proteger a população, a maltrata». E recordou a exigência de submissão ao poder
político, e de respeito à cadeia de comando e às ordens da hierarquia, regras ausentes dos quartéis nos últimos seis anos. Prometeu
pôr cobro a esta situação, pela reorganização das casernas e a formação do pessoal mais jovem. Proclamou, em conclusão, que chegou
48
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Almami Júlio Cuiaté Bissau
a altura da transição de uma Força Armada de ex-guerrilheiros para
uma tropa moderna e republicana.
Transição nas Forças Armadas
De facto, esta transição já estava em marcha desde a posse do Presidente eleito, o empresário e ex-governante José Mário Vaz. Após
menos de um mês no cargo, e fazendo uso do seu estatuto de comandante supremo das Forças Armadas, o novo Chefe de Estado
tomou uma série de medidas neste sentido. A primeira, simbólica,
foi chamar para chefe da Casa Militar da Presidência justamente o
general Biagué Na Ntan, um oficial com formação, perfil mais republicano, ponderado e com larga experiência no comando da
guarda-fiscal das Alfândegas, e que foi subordinado de Vaz, quando
este era ministro das Finanças do Governo deposto pelos militares
em 2012. A seguir, mudou a chefia e a composição dos efetivos da
guarda presidencial, impondo um equilíbrio e representatividade
contrários à supremacia étnica até então dominante.
Contudo, a maior machadada desferida na velha ordem castrense foi o afastamento em doçura do sanguinário general António Injai
e da sua violenta e incontrolável escolta. O Presidente recorreu novamente ao general Na Ntan para substituir Injai. A escolha não sofreu
contestação e até aqui os resultados são francamente positivos, excluindo uma fraca tentativa de insubordinação, protagonizada por
um punhado de descontentes, que entre finais de setembro e meados
de outubro, fizeram circular armas e quiseram passar à ação, mas
foram discretamente neutralizados. No entanto, o principal teste do
novo chefe militar e também das novas autoridades vai ser a reforma
do setor da Defesa e Segurança, tantas vezes adiada, e sem a qual é
impossível estabilizar o país e promover o seu desenvolvimento.
Morte de Kumba
Figuras políticas de primeiro plano perderam a vida em 2014, sendo dois deles, Úmaro Djaló e Armando Ramos, dirigentes históricos da luta pela independência, vencidos pela idade, pela doença e
pelas contingências da vida. Úmaro, ex-comandante operacional na
Frente Sul, foi o primeiro Chefe de Estado-Maior General. Ramos
ficou ligado à criação dos Armazéns do Povo, que abasteciam a
guerrilha nas zonas libertadas e viria a ser o primeiro comissário
(ministro) do Comércio. Faleceram ainda os ex-governantes Rui
Araújo e Adelino Mano Queta, o primeiro um conhecido músico,
vítima de uma crise quando estava em Macau, e o segundo um fino
diplomata. Também vítimas de doença, desapareceram duas personalidades marcantes da sociedade civil guineense, os engenheiros
Carlos Schwarz “Pepito” e David Veracruz “Chiquinho” , fundadores das mais antigas ONG do país.
Mas a morte, em plena campanha eleitoral, que mais mexeu
com o país foi a do ex-Presidente Kumba Yalá. Apesar de ter renunciado a disputar qualquer cargo eletivo, o polémico estadista manteve-se na ribalta política até ao fim da sua vida, quando rompeu
com o seu partido e patrocinou a insólita candidatura de Nuno
Nabian, um novato na política, que segundo Kumba, seria «o próximo Presidente» da Guiné-Bissau. Yalá não conseguiu ver cumprido o seu sonho. Alguns dos seus apaniguados adiaram o funeral
Alcançada a legitimidade nas urnas,
os novos poderes guineenses partiram em
busca do reconhecimento internacional
mais de uma semana, supostamente para cumprir a sua derradeira
vontade, de só ser enterrado depois da «vitória» do seu protegé. Este
chegou à segunda volta, mas perdeu. Aceitou os resultados, embora
sem admitir a derrota, e decidiu fundar o seu próprio partido. Com
Kumba vivo, a maioria dos guineenses duvida que o desfecho eleitoral seria tão pacífico.
Política de inclusão e novos desafios
Alcançada a legitimidade nas urnas, os novos poderes da Guiné-Bissau partiram em busca do reconhecimento internacional, sobretudo em busca dos apoios necessários ao relançamento da economia e à redução da pobreza. Na bagagem, levaram a nova visão
programática, o Governo aberto às oposições, para criar os consensos e equilíbrios indispensáveis às reformas essenciais, e finalmente
a promessa de estabilidade. A ofensiva diplomática está sendo bem
sucedida, como atesta a reativação do Grupo Internacional de
Contacto sobre a Guiné-Bissau, uma aposta político-diplomática
de Bissau, e cuja reunião em novembro, em Nova Iorque, foi um
sucesso, pela quantidade e qualidade dos participantes, assim como
pelas ajudas prometidas.
Antes, o país foi readmitido nas fileiras da União Africana e da
CPLP. Depois da reunião extraordinária dos seus chefes da diploPALOP Business
África21– dez 2014 / jan 2015
49
macia em outubro na capital guineense, a Comunidade Lusófona,
que decidiu instalar uma representação permanente em Bissau,
prepara um programa de ajuda especial à Guiné.
A União Europeia, o principal parceiro financeiro de Bissau,
repôs as ajudas diretas ao orçamento, um mecanismo precioso, que
permitiu suprimir o défice orçamental e regularizar vários meses de
salários em atraso. O Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial retomaram os respetivos programas com o país e em dezembro o Banco Africano de Desenvolvimento devia seguir o
mesmo caminho. O mesmo se passa a nível bilateral, designadamente com Portugal.
Entretanto, nem tudo é um mar de rosas. Além das precárias
condições de vida da larga maioria da população, surgiu um problema suplementar. A epidemia do vírus de ébola na vizinha Guiné-Conacri ameaça a Guiné-Bissau. Perante o risco de contágio e a
fragilidade do sistema sanitário, foram tomadas medidas drásticas,
incluindo o fecho das fronteiras com Conacri, a proibição de feiras
itinerantes e de grandes agrupamentos humanos, suscetíveis de favorecer a transmissão da doença. Por enquanto, o território permanece imune ao flagelo, mas o alerta é permanente.
No entanto, o maior perigo para a Guiné-Bissau talvez nem
seja o vírus da febre hemorrágica. Provavelmente é a própria política e as suas divisões. Se não forem bem geridas, a colaboração institucional, a partilha do «bolo» do poder, assim como a entrada em
cena de novas personalidades, com distintas agendas e ambições, e
50
dez 2014 / jan 2015 –
África21
em busca de consolidar as suas posições, podem gerar uma tensão e
um ambiente nada favorável à estabilidade e ao investimento. Por
outro lado, as reformas constitucionais em perspetiva, nomeadamente a inevitável opção a ser feita entre o presidencialismo ou o
semipresidencialismo, também são de natureza a propiciar clivagens e crispações, como se viu na sessão inaugural da atual legislatura. Ainda estamos longe de uma crise, tanto mais que está em curso
a preparação da mesa-redonda, mas nenhum cenário é de excluir.
A este propósito, é sintomática, a primeira baixa no Governo do
primeiro-ministro Simões Pereira, com a exoneração, em finais de
novembro, do titular da pasta da Administração Interna, por causa
do desastrado tratamento dado à sensível questão da suposta presença na linha da fronteira (mas em território guineense), de elementos armados do movimento separatista do Casamansa, um assunto com um peso considerável nas relações entre a Guiné-Bissau
e o Senegal. Com efeito, o Governo de Dakar, que se opõe à eventual independência do Casamansa, província do sul do Senegal,
sempre desconfiou que a Guiné-Bissau e a Gâmbia dão guarida aos
homens do Movimento das Forças Democráticas do Casamansa
(MFDC), organização fragmentada em pelo menos quatro fações e
que estão desde dezembro de 1982 em guerra, de baixa intensidade,
contra as forças governamentais senegalesas. Para afastar toda a
suspeita de cumplicidade, Bissau decidiu sacrificar o governante, e
garantiu que o seu território nunca vai servir de base para a desestabilização de um país.
África21– dez 2014 / jan 2015
51
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52 dez 2014 / jan 2015 – África21
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A crónica de Odete Costa Semedo
H
Meu nome, minha sina?!
Guiné, os riscos a vários níveis, sem que, em momento
á uns anos, escrevi sobre nomes de pessoas. Lemalgum, tivesse mencionado de qual Guiné se tratava.
brava eu, nesse artigo, que em certos grupos os
Sendo uma estação assistida por milhares de telesnomes são dados às crianças de acordo com as circunstânpectadores nos países lusófonos, muitos dos que viram
cias em que os pais viveram. Casos há em que o nome é a
o programa entenderam tratar-se da Guiné-Bissau.
pura expressão do desejo dos pais em relação ao futuro da
Contudo, os que conhecem a estatística referente à
criança. O nome, acredita-se que seja uma sina para as
nossa população, e outros dados, acabaram por entenpessoas, podendo ser portador de boa ou de má sorte.
der tratar-se de uma confusão causada
O que eu não sabia era que o nome
pela ausência de um simples apelido ou
de um país podia ser, também, um fardo
sobrenome (Conacry) que dissiparia todas
para essa terra, ainda que o geónimo teas dúvidas. Equívoco deixado no ar pronha subjacente aspetos históricos. Falo
positadamente, ou puro lapsus memoriae?
do nome Guiné, referindo-me a um país
Foi tão preocupante este episódio
lusófono, encravado entre dois vizinhos
que, numa roda de conversa, veio à tona
francófonos e um anglófono, incluindo
o tema ébola e o do nome do país. Pudeum com o mesmo nome.
ra! Quem não tem medo do ébola?
É que, de alguns meses para cá, os
Acesa que estava a discussão, alguém
países da África Ocidental foram [email protected]
colocou a hipótese de se reinventar um
frontados com o reacender do vírus da
novo nome para o país, já que, pelo mesmo equívoco,
febre hemorrágica. De elevado grau de contaminação,
alguns jovens estudantes no estrangeiro foram ameaçabatizado com o nome do ébola, tal vírus supera o da
dos porque considerados cidadãos da Guiné, e por isso
sida pela rapidez com que mata.
portadores do vírus do ébola. Ai... Só porque o meu
Questiona-se, por que dar a um vírus o nome de
país se chama Guiné? Socorro!
um rio? Honrar uma vacina com o nome de quem a
E agora? Onde buscar um novo ou um velho nome?
descobriu, a uma lâmpada o do seu inventor, às leis da
Talvez uma viagem às suas origens! Porque não Djini,
física o nome do autor da descoberta é nobre e motivo
Guinala, ou apenas Ussau, como uma das etnias chama
de reconhecimento! Porém, quando se dá a uma doenBissau.
ça ou a um vírus o nome de uma localidade ou de um
Uayô... e a nossa identidade? Estaríamos perdidos
rio, como neste caso, isso pode causar constrangimenno mundo sem o nosso nome! É como se do nome do
tos e dar azo à discriminação, sobretudo quando a
pai se tratasse, mesmo quando o renegamos, porque
ignorância é enorme.
nascemos na Guiné por mero acaso, a génese espia e
O vírus do ébola acabou por se espalhar pelo munclama. E quem se lembrará de associar Djini, Guinala,
do, afetando de forma severa um dos países da nossa
Ussau àquele país a que um dia se chamou Guiné-Bissub-região, com o mesmo nome do nosso. Este facto,
sau e cuja soberania foi forjada numa grande epopeia?
aliado ao desconhecimento, julgo eu, de que há quatro
Minha gente, nome da terra não é sina! E quem
territórios, com o mesmo nome, localizados em dois
honra o nome do chão são os seus filhos!
continentes e diferenciados pela associação de topónimos ao nome Guiné, trouxe alguns equívocos.
Que me perdoem aqueles que conhecem sobejamente a geografia física, por lembrar hoje que, batizados com este nome, existem no mapa mundi a Guiné-Bissau, a Guiné Conacry, ou simplesmente La
Guinée, a Guiné Equatorial e a Papua Nova Guiné.
Esta conversa vem a propósito da declaração de alguém, perito em saúde, sobre a febre hemorrágica e a
presença do ébola na Guiné. Falava sobre saúde numa
das estações televisivas portuguesas. Na sua alocução, a
pessoa apresentou dados estatísticos da epidemia nessa
Acesa que estava a discussão,
alguém colocou a hipótese
de se reinventar
um novo nome para o país
África21– dez 2014 / jan 2015
53
54
dez 2014 / jan 2015 –
África21
moçambique
GIANLUIGI GUERCIA/AFP
Instabilidade militar
dominou cenário
macropolítico
Num ano marcadamente político, um conflito
armado de 17 meses foi suspenso com um
simples aperto de mão entre o Presidente
moçambicano e o líder histórico da oposição,
Afonso Dhlakama. Já com o «segundo Acordo
Geral de Paz» firmado, o país foi às urnas eleger
um «desconhecido» Filipe Nyusi para suceder
a Armando Guebuza.
Emanuel Novais Pereira Maputo
Q
quando nos primeiros dias
do ano homens armados da Resistência Nacional Moçambicana
(Renamo) avançaram sobre a localidade de
Homoíne, da província meridional de
Inhambane, expandindo para o sul do país
um conflito armado até então confinado à
região centro, tornou-se difícil antever uma
solução para a instabilidade político-militar, iniciada meses antes com ataques a viaturas civis na principal estrada moçambicana, a EN1.
Mas, ainda que perante o alargamento
do conflito ao sul e a movimentação de
homens a norte sob a retórica de que o litígio entre a Renamo e o Governo não era
apenas uma luta da região centro, «mas do
interesse de todo o país», um importante
passo para a resolução do diferendo seria
tomado logo no início de fevereiro, quando
o Executivo, recuando na sua posição de
inflexibilidade, acolheu as reivindicações da
Renamo sobre a Lei Eleitoral, que estiveram na origem do desentendimento político. O maior partido da oposição moçambicano logrou assim a sua pretensão de
introduzir reformas ao pacote eleitoral, que
se consubstanciaram em alterações na composição dos órgãos Comissão Nacional de
Eleições (CNE) e Secretariado Técnico de
Administração Eleitoral (STAE), tornando-os «mais partidarizados».
O jogo negocial com vista à cessação
das hostilidades militares só seria, no entanto, concluído em agosto, tendo até então o
processo ficado marcado por intensas e
prolongadas negociações, que foram decorrendo em Maputo enquanto as forças de
defesa e segurança iam «apertando o cerco»
à serra da Gorongosa, na província de Sofala. Neste antigo bastião da Renamo encontrava-se «em parte incerta» Afonso Dhlakama,
Filipe Nyusi
África21– dez 2014 / jan 2015
55
Uma comissão de verdade
e reconciliação sobre
o conflito armado foi
proposta pela Renamo
mas não se concretizou
Instabilidade político-militar sem
impactos no crescimento económico
ARQUIVO ÁFRICA21
Considerando a atualização de novembro do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o cenário macroeconómico de Moçambique para 2014, quase que se pode afirmar que a economia do país
ficou incólume aos efeitos da crise político-militar e das eleições
gerais de outubro. Embora tenha revisto de 8,3% para 7,5% a sua
previsão sobre a taxa de crescimento do produto interno bruto
moçambicano, o FMI entende que o desempenho económico de
Moçambique «permanece robusto», à semelhança da última década. Além disso, o FMI estima que a inflação média anual fique
abaixo de 3%, uma perspetiva que colhe a mesma opinião de
analistas económicos, como os da Economist Intelligence Unit, e
que se deve «ao aumento da produção interna de alimentos e ao
declínio dos preços das importações», segundo o FMI. Apesar do
setor do carvão continuar a registar perdas em resultado da baixa
do preço do mineral nos mercados internacionais e da fraca capacidade de processamento logístico do país – uma perigosa combinação que terá levado a multinacional Rio Tinto a vender por 50
milhões de dólares os principais ativos mineiros que detinha e que
havia adquirido por mais de 3000 milhões em 2011 –, novos contratos entre o Governo e empresas continuaram a ser assinados
durante o ano: em novembro contavam-se 1773 títulos mineiros,
dos quais 124 na área do carvão. Os megaprojetos relacionados
com a exploração de gás natural na bacia do Rovuma apresentaram um aumento nas suas descobertas, que se podem traduzir em
reservas de 200 mil milhões de pés cúbicos de gás natural, segundo a mais recente atualização do Governo. Permanece, no entanto, incerta a data do início da entrada em funcionamento destes
empreendimentos, que têm como figuras de destaque a norte-americana Anadarko e a italiana ENI. Se o Governo continua a
apontar o ano de 2018, analistas económicos não arriscam um
prazo inferior a 2020. É também motivo de incerteza os termos
contratuais que deverão ser estabelecidos entre o Estado e as
multinacionais, uma vez que na recente revisão da Lei de Petróleo,
há muito aguardada, o Governo introduziu a obrigatoriedade de os
contratos serem negociados de forma individual, o que está a
causar alguma apreensão entre a sociedade civil que teme que o
país saia prejudicado.
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África21
tal como o corpo do movimento armado
do partido, que ia retaliando os avanços do
exército com ataques às colunas militares
que patrulhavam todos os dias o eixo rodoviário Save-Muxúnguè, da EN1, desde que
ali se registara um atentado contra um autocarro, em junho de 2013.
O Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, em setembro promulgado
pelo Presidente moçambicano sob a forma
de lei, compreendeu três diferentes dossiês
visando a desmilitarização da Renamo e a
integração dos seus homens armados ou
«seguranças de Afonso Dhlakama» nas forças de defesa e segurança ou em outras
funções do aparelho do Estado, além de um
memorando de entendimento que preconizava as garantias para a implementação
dos consensos, assim como os termos de
referência para a entrada em Moçambique
dos observadores internacionais, que fiscalizam o processo desde outubro.
Uma comissão de verdade e reconciliação sobre o conflito armado viria a ser
proposta pela Renamo sem que se efetivasse, o que deixou por esclarecer os reais
impactos de uma crise político-militar que
grassou em Moçambique durante mais de
um ano e meio, provocando um número
indeterminado de feridos e de mortos, incluindo civis.
A fotografia do ano
Embora para Moçambique o ano de 2014
tenha sido profícuo em acontecimentos
políticos invulgares – de que é a exemplo a
detenção, em julho, do porta-voz da Renamo, António Muchanga, na sequência
de um Conselho de Estado no qual lhe foi
retirada a imunidade que gozava enquanto
membro deste órgão político –, a reaparição pública de Afonso Dhlakama em
Maputo, a 4 de setembro, assumiu contornos épicos quase comparáveis à receção
de um renomado artista ou estrela despor-
ANTÓNIO SILVA/LUSA
Afonso Dhlakama
tiva por uma multidão de fãs num iminente estado de histeria.
Após uma ausência de cinco anos da
capital moçambicana, que trocou pela
cidade de Nampula (norte) no rescaldo das
eleições gerais de 2009, e depois de se encontrar a «residir» durante os últimos dois
anos na Gorongosa, Dhlakama ou «o messias», como chegou a ser aclamado nesse
dia, aterrava em Maputo num avião fretado, onde viajou acompanhado pelos embaixadores dos Estados Unidos, Itália e
Portugal em Moçambique, que o haviam
ido buscar ao seu «esconderijo». «Dhlakama já chegou, o povo de Moçambique ganhou, a democracia ganhou, Dhlakama
trouxe a democracia», declarou perante as
centenas de pessoas que o esperaram durante largas horas no Aeroporto Internacional
de Maputo, num momento aproveitado
pelos analistas políticos para medir a sua
popularidade, que se julgava em baixo, pelo
menos fora da região centro-norte, que tradicionalmente lhe é mais favorável, como,
de resto comprovariam os resultados das
eleições que disputou com Filipe Nyusi e
Daviz Simango, do Movimento Democrático de Moçambique, em 15 de outubro.
No horizonte da sua viagem a Maputo, Dhlakama tinha um encontro com o
Presidente moçambicano para a oficialização do acordo de cessação de hostilidades,
que o líder da Renamo apelidou de «segundo Acordo Geral de Paz», numa referência à renovação do de 1992. Em 5 de
outubro, no edifício da Presidência e perante uma ampla representação de diplomatas residentes no país, os dois líderes
rubricaram o acordo, apertaram as mãos e
tiraram a muito ansiada fotografia simbólica do seu entendimento. O assunto na
ordem do dia passou a ser invariavelmente
o das eleições gerais, cuja «festa da campanha» levava já uma semana.
A reaparição pública
de Dhlakama em Maputo
assumiu contornos épicos
quase comparáveis à
receção de um renomado
artista ou estrela desportiva
Um «desconhecido» Filipe Nyusi
eleito Presidente
Quando a Frelimo anunciou, em março, o
seu candidato presidencial para as eleições
gerais, poucos conheceriam o nome de Filipe Nyusi, muito embora não se pudesse
dizer que ele fosse propriamente uma figura
anónima: foi ministro da Defesa entre
2008 e 2014 e antes desempenhou funções
de administrador executivo da estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique
(CFM). Após uma segunda volta com a
ex-primeira-ministra Luísa Diogo, Nyusi
foi eleito pelo Comité Central do partido,
tornando-se no primeiro candidato presidencial da Frelimo que não engrossou as
fileiras da luta anticolonial, o que talvez lhe
tenha valido a designação de «desconhecido» pela opinião pública.
Numa campanha eleitoral de mais de
40 dias, em que, por um lado, promoveu a
ideia de «mudança» e, por outro, a de «continuidade» governativa, Nyusi encontrou
um Afonso Dhlakama com os níveis de
popularidade em alta e um Daviz Simango
de certa forma «apagado» pelo ressurgimento público do presidente da Renamo. Com
uma conjuntura sociopolítica que apontava
para uma grande participação dos eleitores
na votação, o que não veio a concretizar-se
(a abstenção rondou 52%), Filipe Jacinto
Nyusi venceu as eleições presidenciais com
57,03% dos votos, contra 36,61% conquistados por Dhlakama e 6,36% por Simango. Os resultados da CNE, que se
mantêm por validar pelo Conselho Constitucional, deram também uma vitória à
Frelimo nas legislativas, com uma maioria
de 55,97% da votação, contra 32,49% obtida pela Renamo e 7,21% do MDM.
Embora os dados apontem para que a
Frelimo perca 47 dos 191 assentos que detinha no Parlamento, a Renamo, que ganhou 38 lugares, para 89 deputados, e o
MDM, que passou de oito para 17 deputados, contestam os resultados das eleições,
que dizem terem ficado manchadas por
uma série de ilícitos eleitorais. Os dois partidos aguardam que o Conselho Constitucional se pronuncie sobre as reclamações
que apresentaram e que a CNE considera
que não têm fundamento.
Num contexto em que o braço armado
da Renamo se encontra adormecido e as
negociações para a sua desmilitarização
permanecem em curso, não se exclui a
hipótese de o partido de Afonso Dhlakama reativar o recente conflito em retaliação à derrota nas eleições. E, por isso, tal
como no início do ano, permanece sobre
Moçambique um espesso manto de imprevisibilidade.
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são tomé e príncipe
Os desafios em 2015 ainda são imensos
Eleições legislativas, autárquicas e regionais,
mobilização de parceiros para implementar
a Estratégia Nacional de Redução
da Pobreza de segunda geração, troca de
experiências com outros Estados insulares,
reconhecimento pelos avanços na luta
contra o paludismo e algumas metas dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milénio
marcaram 2014 em São Tomé e Príncipe.
Juvenal Rodrigues SÃO TOMÉ
ANDRÉ KOSTERS/LUSA
O
o ano político terminou com a tomada de posse do
novo Governo saído das eleições de 12 de outubro, ganhas
pelo partido Ação Democrática Independente. Alterando a tradição desde o advento da democracia em 1991, o ADI
condicionou o empossamento do Governo pelo Presidente da
República para depois da constituição da nova Assembleia Nacional. Os deputados da oposição chamaram a atenção sobre a violação do Estatuto de Deputados, particularmente no quesito de incompatibilidades. Os representantes do povo no Parlamento que
tomem posse não podem exercer outras atividades. Do lado da
bancada da maioria, vários deputados empossados, a começar pelo
líder do ADI, Patrice Trovoada, são candidatos a cargos no
Executivo.
No ato solene da abertura da décima legislatura, o novo presidente do órgão legislativo reafirmou o que preveem as leis e a
Constituição. «A Assembleia Nacional deverá colaborar com os
demais órgãos de soberania, de modo a se encontrar respostas aos
variados problemas que afetam o nosso país, mormente, a pobreza,
o desemprego, a saúde pública, o sistema de segurança social,
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África21
dentre outros». José Diogo comprometeu-se a persuadir os deputados a adotar um «comportamento consequente», num «clima de
respeito mútuo, pugnando sempre pela defesa dos superiores interesses do país e do nosso povo».
«O diálogo e o consenso deverão nesta perspetiva constituir
ferramentas essenciais para se construir amplas plataformas de entendimento, suscetíveis de lançar as bases para a construção de um
futuro melhor que sirva a todos os santomenses», sublinhou Diogo.
Ele assumiu desafios no plano de funcionamento interno, no tocante à produção legislativa e no âmbito internacional. Neste último
contexto, José Diogo disse que uma atenção particular será dada ao
«incremento das nossas relações de cooperação parlamentar com os
países da CPLP, da sub-região do Golfo da Guiné, assim como com
os nossos tradicionais parceiros de cooperação».
Outra ideia é estender as relações de cooperação a outros Estados e países amigos, prevalecendo o exercício de uma «profícua influência de diplomacia parlamentar, como forma de ajudar o Estado a construir novas parcerias».
O Presidente da República, por sua vez, recordou o papel do
Parlamento no processo democrático, como o de ser um «palco
privilegiado do confronto de ideias». «O debate político e o contraditório não devem impedir o diálogo permanente, fundado no
respeito da maioria e das minorias, de modo a que seja possível
obter os consensos nacionais indispensáveis para que o país vença os
desafios do desenvolvimento», sublinhou Manuel Pinto da Costa.
O Chefe de Estado felicitou o ADI pela vitória alcançada nas
eleições legislativas e manifestou «total disponibilidade pessoal e
institucional» para que o novo Executivo tenha todas as condições
para governar durante os próximos quatro anos. «Estou convicto de
que é absolutamente indispensável para o progresso de São Tomé e
Príncipe uma cooperação franca e aberta entre todos os órgãos de
soberania, forças políticas e organizações da sociedade civil. Da minha parte tudo farei para promover um clima que permita uma
cooperação institucional produtiva, virada para o futuro e baseada
num relacionamento de respeito mútuo e pelas competências de
cada um constitucionalmente consagradas», frisou Pinto da Costa.
Economia
As eleições, que decorreram de forma exemplar, foram objeto
de elogio em diversos quadrantes. Por exemplo, o embaixador de
Angola em São Tomé e Príncipe, em nome do Estado angolano
felicitou o povo santomense pela sua participação no mais recente
pleito eleitoral e saudou uma vez mais o partido vencedor das eleições. «Angola espera ver mantidas e incrementadas as relações bilaterais de amizade e cooperação existentes entre Angola e São Tomé
e Príncipe, com base no princípio da soberania e independência dos
dois países e da cooperação mutuamente vantajosa para o benefício
dos dois Estados e povos, cuja amizade, cooperação e laços de irmandade remontam aos tempos da Geração de Amílcar Cabral,
Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Alda Graça, Manuel Pinto
da Costa e Fidel Castro, ao tempo da luta comum pela libertação
dos nossos povos e países», destacou Alfredo Mingas, na celebração
do 39.º aniversário da independência do seu país.
O debate, particularmente neste ano centrou-se na necessidade
de se acabar com a instabilidade política. Uma das razões para o
avanço menos acelerado e consequente no processo de desenvolvimento. Um círculo vicioso desesperante sobretudo para o cidadão
comum.
Ao conceder a maioria absoluta ao ADI, o eleitorado quis contribuir para solucionar esse problema que parecia crónico. Contu-
O debate em 2014 centrou-se
na necessidade de se acabar
com a instabilidade política
Os avanços que se registaram na macroeconomia ainda não se
traduzem na microeconomia ou na economia real. O crescimento
da economia rondou os 4%. Pela primeira vez, a taxa de inflação
caiu para um dígito, 7,1%. Os níveis de reservas internacionais líquidas conheceram uma forte variação positiva, tendo duplicado
em comparação com 2011, que foi de 56%. Em contrapartida,
houve pressão sobre as despesas, na sequência das reivindicações salariais, nomeadamente na Educação e na Saúde, e para
honrar compromissos assumidos pelo anterior governo, no quadro
da continuidade do Estado.
O rigor na gestão, num contexto de escassez de recursos,
granjeou elogios e facilitou a mobilização de algum financiamento
junto de parceiros internacionais, inclusive com direito a bónus, como
os 4,2 milhões de dólares no quadro do 10.º FED para reabilitar algumas estradas e o cais do porto do Príncipe.
Mas não foi suficiente. O Governo conseguiu reunir em meados do
ano mais de 30 delegações representativas de parceiros de cooperação para apresentar o Plano de Ações Prioritárias até 2016 com a finalidade de operacionalizar a Estratégia Nacional de Redução da
Pobreza de segunda geração. O país precisa de aproximadamente
cem milhões de dólares para atingir o objetivo a que se propôs.
São Tomé foi igualmente palco em setembro de um seminário
sobre «Diversificação Económica e Crescimento: Experiências comparativas de Pequenos Estados», promovido com o apoio das instituições de Bretton Woods. A principal conclusão foi que o futuro do
país passa fundamentalmente pela definição de uma agenda nacional de desenvolvimento suprapartidária, que permita definir em conjunto o caminho a trilhar nos próximos anos.
A troca de experiências contou com a participação do ex-primeiro
ministro e ministro das Finanças de Barbados, Owen Arthur, e o ministro das Finanças das Ilhas Seychelles, Pierre Laporte. Ambos
disseram que tiveram de encontrar uma agenda comum que ultrapassasse as diferenças políticas que existem em todos os países.
Porém, o défice da balança comercial mantém-se. O país continua a importar muito mais do que exporta. A produção interna de
bens e serviços ainda é muito incipiente, apesar das potencialidades
em algumas áreas como o turismo.
Na chamada economia de mercado santomense, os preços dos
produtos estão alinhados enquanto a diferença salarial é grande.
Quem ganha o correspondente a 2000 dólares mensais, compra os
produtos que o mercado oferece ao mesmo preço de quem recebe
100 dólares. A distribuição mais equilibrada de rendimentos deve fazer parte de reformas urgentes.
A segurança marítima e o combate contra a pirataria assumiram
este ano uma importância particular, no contexto da sub-região.
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JUVENAL RODRIGUES
São Tomé e Príncipe deu igualmente saltos positivos em alguns Objetivos de Desenvolvimento
do Milénio, particularmente na Educação e na
Saúde. A escolaridade básica é universal.
O grande desafio agora é melhorar a qualidade
do ensino, em todos os níveis.
Na Saúde, uma das grandes conquistas é o
combate contra o paludismo, devido ao caráter
integrado e sinergético do Plano Estratégico
Nacional para fazer recuar esta doença que parecia ser endémica, cuja implementação conta
com o apoio de vários parceiros. Em comparação com 2000/2004, o sistema produziu em média menos 45 mil doentes por ano. Evitou também a cada ano cerca de 200 óbitos. Na ilha do
Príncipe, já se está na fase da pré-eliminação.
Os resultados obtidos fizeram com que o país
fosse distinguido este ano com o prémio Aliança
dos Líderes Africanos para a Malária.
Contudo, há ainda muito trabalho a fazer
para melhorar o atendimento na Saúde, mesmo
com a entrada em funcionamento da nova unidade
de emergência que conta com equipamentos
modernos. A aposta é a construção de um hospital de referência e a consolidação da rede
sanitária.
JUVENAL RODRIGUES
Social
Patrice Trovoada tomou posse em novembro
como novo primeiro-ministro
do, em finais de março, o Presidente Manuel Pinto da Costa patrocinou a realização do Diálogo Nacional com o objetivo de construir
consensos sobre os grandes desafios nacionais. A iniciativa contou
com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre outros parceiros. O processo culminou numa reunião
magna no auditório do Palácio dos Congressos, que durou quase
uma semana, com a participação de representantes de santomenses
na diáspora, e envolveu os distritos e a Região Autónoma do Príncipe, na sua fase preparatória. Da iniciativa, em que o ADI não
participou, saíram recomendações. A incógnita sobre a sua implementação constituiu um alerta de vários participantes. Não gostariam que as propostas ficassem engavetadas, mais uma vez, como já
aconteceu com fóruns anteriores realizados no país.
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África21
José Diogo, presidente
da Assembleia Nacional
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CY CMY
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PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
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Um plano grandioso para um
país que pensa em grande.
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África21
Aumentar a disponibilidade, nos pontos de venda, de bens
essenciais produzidos no país é uma das estratégias do Plano
Nacional de Desenvolvimento. Até 2017, Angola pretende
desenvolver e manter um conjunto de infra-estruturas
logísticas e de distribuição que possibilite o abastecimento
de produtos nacionais em todas as províncias. Para além de
aumentar o número de estabelecimentos comerciais, o PND
vai assegurar a existência de reservas alimentares estratégicas,
bem como incentivar o comércio rural e a criação de novos
empregos.
A crónica de Conceição Lima
Aprofundar as conquistas
A
Em São Tomé e Príncipe, muitos se recordam dos
instabilidade política que caracterizou a
motins resultantes do ceticismo e desconfiança dos
II República, com sistemáticas quedas de goverpais, quando as autoridades programassem campanhas
no e o consequente adiamento do progresso e do dede vacinação nas escolas. O fim dos tabus sobre a vacisenvolvimento, apesar das reconhecidas potencialidana e a amplitude da cobertura de vacinação são condes do país, testaram, ao limite, a paciência e a
quistas do sistema nacional de saúde depois da indeexpectativa da maioria dos são-tomenses. Daí que a
pendência, com o apoio de parceiros de
perspetiva de cumprimento da legislatudesenvolvimento como o Fundo Munra, após a maioria absoluta conquistada
dial para a vacinação (GAVI), o Fundo
pelo ADI nas eleições de 12 de outubro,
das Nações Unidas para a Infância
tenha sido tão realçada. O cumprimento
(UNICEF), a Organização Mundial da
da legislatura não é, automaticamente,
Saúde (OMS), o Fundo das Nações
sinónimo de eficácia da governação, mas
Unidas para a População (FNUAP) e o
esconjura o fantasma de mudanças
Governo da República da China-Taiabruptas e de intermináveis recomeços.
wan. São conquistas que traduzem uma
A rotineira instrumentalização de
mudança radical de mentalidade e de
conflitos e quezílias no regime multiparcomportamento. Se há cinco, dez anos,
tidário, as oportunidades desperdiçadas e
a colaboração direta com os serviços de
as aspirações sonegadas provocaram um
[email protected]
vacinação cabia exclusivamente às mães,
tal grau de descrença e frustração que, muito
hoje faz-se notar uma crescente participação dos pais.
frequentemente, se ouve afirmar ter o país apenas regreAssinalável igualmente é o nível de cobertura dos
dido. Os índices de pobreza e do desemprego, sobretudo
cuidados pré-natais, elogiados pela UNICEF, embora
juvenil, refletem, por um lado, a extrema vulnerabilidaa taxa de mortalidade à nascença (150/100.000) exija
de e debilidade da economia e, por outro, a incapacidade
o aprofundamento dos progressos registados, nomeade resposta dos sucessivos governos.
damente, a melhoria da qualidade dos equipamentos,
Contudo, neste quadro globalmente insatisfatório e
dos serviços de atendimento e dos padrões de organifrustrante, há indicadores francamente encorajadores.
zação. Resposta urgente reclama também o problema
Por exemplo, o paludismo, que já constituiu um autênda gravidez precoce e a má nutrição crónica na faixa
tico flagelo e a principal causa de mortalidade e de moretária abaixo dos cinco anos de idade, calculada em
bilidade, registou em 2014 o índice mais baixo dos últicerca de 25%.
mos 40 anos. De sessenta mil casos anuais, passou-se
Os desafios aí estão e são enormes. Reconhecer os
para cerca de dois mil, não se tendo registado até novemavanços no caminho trilhado pode ser uma boa forma
bro um único óbito. Nessa batalha, que tem contado
de continuar a enfrentá-los com êxito. Com a conscom o apoio crucial da República da China-Taiwan, as
ciência coletiva de que São Tomé e Príncipe não tem
autoridades são-tomenses preveem que a doença, já em
mais tempo a perder porque o futuro é inexorável e
fase de pré-eliminação na ilha do Príncipe, entre na
começou antes de ontem.
mesma fase, na ilha de São Tomé, antes de 2016.
Nos últimos dois anos, a cobertura nacional da
vacinação contra a febre-amarela e o sarampo situou-se
entre 92-93%, enquanto a cobertura da vacinação
contra a poliomielite, BCG (tuberculose), o tétano, a
tosse convulsa, a hepatite B, o pneumococo e a difteria
superou a faixa dos 90%, cifras que situam São Tomé
e Príncipe no topo da tabela regional.
Atestando o êxito das campanhas de vacinação, refira-se que o último caso de sarampo foi detetado em
1994 e o último de poliomielite em 1983.
O êxito das campanhas
de vacinação fez com que
o último caso de sarampo
fosse detetado em 1994
e o último de poliomielite em 1983
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timor - leste
A eventual saída de Xanana Gusmão do cargo
de primeiro-ministro de Timor-Leste
e a organização da cimeira da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa dominaram
os primeiros seis meses de 2014, que também
ficou marcado pela expulsão de magistrados
estrangeiros do país e pelo início das
negociações com a Austrália para a delimitação
das fronteiras marítimas entre os dois países.
Este ano iniciou-se também
a implementação da Zona Especial
de Economia Social de Mercado no enclave
de Oecussi. Um projeto-piloto liderado pelo
antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri, que
poderá ser estendido a todos os distritos do país.
arquivo áfrica21
Xanana Gusmão regressa à luta depois
Isabel Marisa Serafim Díli
Agência Lusa
F
oi logo em janeiro, durante o início da discussão no Parlamento do
orçamento de Estado para 2014, que
Xanana Gusmão anunciou que iria deixar
de ser primeiro-ministro. «É com todo o
respeito que me dirijo, e pela última vez na
qualidade de primeiro-ministro, a esta que
é por excelência a casa mãe da nossa democracia», disse. Mais tarde, anunciou que só
ia sair do cargo depois da cimeira da CPLP,
mas acabou por se manter.
Uma indecisão que ficou esclarecida
com um encontro do seu partido, o Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), onde foi decidido que
continuaria a liderar o Governo timorense
até 2017, quando se realizam novamente
eleições legislativas.
O encontro do CNRT determinou
também uma remodelação governamental de um Executivo pesado, com 55
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
membros entre ministros, vice-ministro e
secretários de Estado, mas que, até ao
momento, não foi feita.
Se a eventual da saída de Xanana Gusmão dominou a atualidade timorense nos
primeiros meses do ano, também a organização da cimeira da CPLP, durante a qual
Díli assumiu pela primeira vez a presidência
da organização, chamou a atenção ao país.
Todos os timorenses se envolveram de alguma forma naquele encontro, que desde já
serviu para popularizar a língua portuguesa
entre a população.
A cimeira de Díli teve como pontos
altos a adesão da Guiné Equatorial e o
regresso da Guiné-Bissau e foi considerada um sucesso, apesar da «incidência
protocolar», desvalorizada por Portugal,
provocada pelo anúncio antecipado da
entrada de Malabo. Para a história, fica a
entrada conjunta na sala do evento, entre
aplausos, do Presidente Teodoro Obiang
com Xanana Gusmão.
O encontro da CPLP em Díli foi também motivo para melhorar uma série de
infraestruturas na cidade e arredores em
mais uma operação de limpeza de um processo de desenvolvimento que Timor-Leste
não quer ver parar.
Um desenvolvimento que levou o Governo a arrancar com a implementação da
Zona Especial de Economia Social de Mercado em Oecussi, o enclave timorense na
metade indonésia da ilha. Liderado por
Mari Alkatiri, o antigo primeiro-ministro e
secretário-geral da Frente Revolucionária do
Timor-Leste Independente (Fretilin, oposição) foi também nomeado administrador
da nova Região Administrativa Especial.
É em Oecussi que se vão celebrar os
500 anos da chegada dos portugueses à
ilha em 2015 e onde têm sido lançadas
de anunciar saída
obras para melhoria das infraestruturas,
nomeadamente estradas, pontes, central
elétrica e hospital.
O desenvolvimento de Oecussi faz
parte de um plano mais amplo para captar
investimento externo e desenvolver o setor
privado do país de modo a aumentar o número de emprego para os jovens, que representam mais de 50% da população, e diminuir a dependência dos hidrocarbonetos.
Com um Fundo Petrolífero de 16 mil
milhões de dólares, com gastos anuais de
mil milhões, e com os dois poços em exploração a diminuírem a produção anual, Timor-Leste anunciou em outubro o início
das negociações das fronteiras marítimas
com a Austrália. A definição das fronteiras
marítimas é determinante para a soberania
do país ser completa, mas também para
garantir a exploração do campo de gás do
Greater Sunrise, que vale muitos milhares
de milhões de dólares.
O início das negociações com a Austrália marca uma nova fase de um processo
Os timorenses envolveram-se
na Cimeira da CPLP
que serviu para popularizar
a língua portuguesa
que teve início há vários anos quando as
negociações para a exploração do Greater
Sunrise entre Timor-Leste e a petrolífera
estatal australiana Woodside entraram
num impasse. Em causa estavam posições
diferentes quando ao modelo de gestão
daquele campo de gás. Enquanto Timor-Leste assumiu que queria a construção de
um gasoduto para o sul do país, onde
pretende desenvolver um complexo de
indústria petrolífera, a Austrália defendia a
exploração numa plataforma. Perante o
impasse, Timor-Leste decidiu acusar a
Austrália de espionagem durante as nego-
ciações dos acordos para a exploração de
hidrocarbonetos no Mar de Timor no tribunal arbitral de Haia para conseguir a
anulação dos tratados.
Com o reinício das negociações, depois
de pedido ao tribunal arbitral de Haia a
suspensão das audições durante seis meses,
o impasse pode ser ultrapassado e a soberania de Timor-Leste ficar completa, conforme defenderam os jovens que no final do
ano de 2013 se manifestaram durante semanas seguidas em frente da embaixada da
Austrália em Díli.
É também por razões de soberania e de
380 milhões de dólares que as empresas
petrolíferas alegadamente devem ao Estado
timorense por deduções ilícitas e fugas a
impostos, que Xanana Gusmão fechou o
ano em polémica quando decidiu expulsar
do país sete magistrados, seis portugueses e
um cabo-verdiano, e um polícia português
(ver caixa). Em causa, segundo o primeiro-ministro, estão erros judiciais graves identificados em pareceres de juristas portugueses
da Universidade de Coimbra cometidos
pelo Tribunal de Díli durante os processos
que opuseram as petrolíferas ao Estado timorense e que aquelas ganharam em primeira instância. O Estado recorreu da decisão ao Tribunal de Recurso e em simultâneo
decorrem arbitragens em Singapura.
Xanana Gusmão recebeu críticas e
para muitos, principalmente portugueses,
foi o fim do encantamento do homem que
das montanhas liderou a luta pela independência de Timor-Leste. Para Xanana
Gusmão, é apenas uma luta, outra pelo
futuro da meia-ilha: «No início a gente
aceita, mas para mim, o Bayu-Udan (poço
de gás condensado) será a primeira e última vez, não toquem nos outros. O meu
povo morreu por isto. É por isso que as
pessoas às vezes não compreendem, eu
entendo. E agora é a minha oportunidade
de dizer às pessoas: entendam-me não
como arrogante, mas como uma pessoa
que viu sofrer muita gente».
Timor às voltas com a Justiça
A expulsão de sete magistrados, seis
portugueses e um cabo-verdiano, e um
elemento da polícia portuguesa foi conhecida a 3 de novembro. A decisão foi
tomada pelo governo timorense, depois dos conselhos de magistratura de
Timor-Leste recusarem suspender os
contratos daqueles funcionários e
aceitar uma auditoria ao setor, decidida
numa resolução aprovada pelo parlamento em outubro. O primeiro-ministro
timorense justificou as decisões com
erros em processos que envolvem o
Estado e as empresas petrolíferas num
valor superior a 300 milhões de dólares. «Os erros foram tantos, tão inadmissíveis que paramos para não influenciar o processo, porque estamos
em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso», afirmou.
Os magistrados expulsos afirmaram que a decisão foi tomada por causa de processos contra altos funcionários do Estado, que incluem figuras
como a ministra das Finanças, Emília
Pires, e o presidente do parlamento,
Vicente Guterres. Acusações que Xanana Gusmão recusou, sublinhando
que a decisão é para proteger dinheiro
que pertence a Timor-Leste e não para
proteger a ministra das Finanças.
O Governo de Portugal reagiu com
o anúncio da suspensão das atividades
de cooperação judiciária.
O Presidente timorense, Taur Matan
Ruak, afirmou estar seguro que o diálogo vai permitir ultrapassar a situação.
Mari Alkatiri, o líder da Fretilin (na
oposição), criticou a decisão de expulsão que deveria ter sido «corretamente
tratada», mas apelou à união da liderança timorense, depois de fortes críticas
em Portugal contra Xanana Gusmão.
O antigo Presidente José Ramos-Horta destacou que o Governo de Timor apresentou provas documentais
«até agora não contestadas de falhas
gravosas de quem julgou» e que lesaram o Estado timorense.
Para já ficou decidido que o exercício da judicatura em Timor-Leste vai ser
devolvido aos juízes timorenses e a
cooperação judicial com Portugal vai ter
novos critérios.
África21– dez 2014 / jan 2015
65
PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
Um plano grandioso para um
país que pensa em grande.
66
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Promover o acesso dos cidadãos aos benefícios da
cultura faz parte dos objectivos do Plano Nacional
de Desenvolvimento. É também objectivo do PND
valorizar as diferentes manifestações culturais,
incluindo as línguas nacionais e a produção de
artesanato, para consolidar uma identidade nacional
assente na diversidade cultural. A meta do PND é
aumentar o número de Casas de Cultura em diversas
províncias e estimular a formação e a qualificação de
recursos humanos, ampliando o número de alunos
matriculados nas escolas técnicas de artes.
A crónica de Luís Cardoso
X
Xé menino
ca, quando lhe perguntam se está feliz. Sorri ainda
é menino não fala política, respondo ao
quando lhe falam de um futuro melhor. Sorri e volmeu sobrinho Alexandre, o pequeno, quando
tará a sorrir sempre até que a morte lhe mande feme indaga das razões que levaram o seu homónimo,
char a boca.
Alexandre, o grande, a expulsar os magistrados portuEntão Tio?, que era eu quem estava a falar de pogueses de Timor. Explico-lhe que a frase foi retirada
lítica. Eu, eh?, disse-lhe que não. Quede uma canção de Waldemar Bastos,
ro lá saber de política. O Tio Amadeu
um dos grandes nomes da Música do
também não quer saber da política. Já
Mundo. Para ver se me escapo à sua
recebeu a sua parte, por ter cartão de
pergunta, tão incómoda quanto intriveterano. Quer montar o seu próprio
gante. Ando às voltas com interroganegócio. Por enquanto está satisfeito
ções, dado que para mim, apesar das
com a microlet. Viaja por todo país à
declarações do governo e das acusações
procura de um sítio ideal onde estabedos magistrados, nada está esclarecido.
lecer uma zona exclusiva de negócio.
Tudo ainda continua envolto num
Dizem que é o que está a dar.
manto escuro.
Anunciam que serão os novos
Então, Tio?, insiste na sua ânsia de
tempos de prosperidade para Timor a
saber ao pormenor como foi que tudo
[email protected]
lembrar os famosos tigres asiáticos que,
isso aconteceu. Diz-me que conhece
um dia, caíram como castelos de cartas.
muito bem a canção de Waldemar Bastos e pede
Quando lhe fazem saber que todo o paraíso espara não me esconder atrás de uma frase feita. No
conde o seu próprio inferno, responde, Xé menino
seu quarto tem uma foto de Alexandre, o grande,
não fala política!
pendurada na parede. No tempo em que era o tempo das vacas magras. Quando apelava com a sua voz
grossa e trémula para que os jovens oferecessem as
suas vidas pela causa. Em troca prometia uma Pátria
onde a riqueza seria igualmente repartida por todos.
Xé menino não fala política, também era assim
que meu pai me respondia quando tentava saber das
razões da guerra de Manufahi. Para que fui eu falar
da guerra de Manufahi, aumentando-lhe ainda mais
a sua curiosidade. Devo calar-me, como cala toda a
gente, quando se pergunta como foi que contrataram um cadastrado para aconselhar o governo timorense na questão do petróleo. Pode dizer-se que foi
mesmo entregar o ouro (negro) ao bandido.
Samarai que, ainda agora acabou a universidade,
está sem fazer nada. Passa o dia entre a praia e o
centro comercial. Já recebeu uma promessa de emprego, mas como não tem padrinho, desespera na
fila de espera. Já fez saber que vai emigrar para a Irlanda onde o espera uma fábrica de enchidos. Pelo
menos tem a certeza que há de voltar com o fruto do
seu trabalho, para abrir um restaurante lá para os
lados de Tíbar. Tia Lou, que ainda hoje enterra a
mão na lama, como sempre fizeram os seus antepassados, sorri com os dentes todos vermelhos da mas-
Devo calar-me, como cala toda
a gente, quando se pergunta como
foi que contrataram um cadastrado
para aconselhar o governo
timorense na questão do petróleo
África21– dez 2014 / jan 2015
67
publirreportagem
Prongila apresenta vias
para melhoramento
das estradas em Angola
A
o mesmo tempo que se verifica
aumento da malha rodoviária nacional, levantam-se problemas
relacionados com a qualidade dessas infraestruturas. São contrariedades relativas, por exemplo, ao funcionamento
dos pavimentos, ou ao nível do traçado
de algumas vias de comunicação. “Temos hoje um cenário em que as estradas não estão a cumprir com os pressupostos mínimos de um pavimento, em
muitos casos. Quando se concebe um
pavimento de raiz está implícito, de uma
forma geral, que o dimensionamento e
todo o arranjo estrutural deve, no míni-
68
dez 2014 / jan 2015 –
África21
mo, cumprir uns 20 anos de existência.
No caso de reabilitação de estradas estima-se, de uma forma geral, 10 anos”,
observa Quintino Vinevala, Mestre em
Engenharia Civil e Diretor do laboratório da empresa Prongila - Vias de comunicação.
A nível do comportamento estrutural dos pavimentos, de acordo com o
nosso interlocutor, as vias que estão a
ser edificadas em Angola, na sua maioria, não têm capacidade para suportar as
cargas dos veículos que nela circulam, isto do ponto de vista estrutural. A nível
do traçado de algumas estradas, o de-
senvolvimento geométrico das estradas,
as curvas circulares e de transição, as inclinações, quer transversais quer longitudinais, são outros aspetos descorados.
“Existem várias causas para estes problemas. Eu vou falar mais do ponto de vista estrutural: Ao conceber um pavimento nós levamos em conta vários aspetos, nomeadamente a finalidade do pavimento, o tempo de vida útil estimado,
bem como as cargas que vão utilizar este
pavimento. Precisamos também de saber as condições climatéricas da região.
Para se ter resposta a tudo isso é necessário fazer estudos”, sublinha.
Entretanto, estes não são os únicos fatores que fazem com que as estradas angolanas sejam de menos qualidade. Quintino Vinevala revela ainda que
a escolha dos materiais a serem utilizados e o processo de colocação dos mesmos em obra jogam um papel preponderante. “É necessário proceder a essa
escolha de forma criteriosa, verificando
determinados parâmetros do ponto de
vista geotécnico. Falo dos solos que são
utilizados nas estradas e dos agregados
rolados e britados, como por exemplo
o tout-venant, que é um agregado britado de granulometria extensa. Todos esses materiais devem ser muito bem selecionados e aplicados em obra, caso contrário teremos problemas seríssimos como os que vemos observando, nomeadamente as chamadas deformações permanentes das estradas que se manifestam através do abatimento da estrada,
deformações localizadas, rodeiras e ondulações. Outras anomalias que podem
ocorrer são os fendilhamentos, movimento de material e a desagregação da
camada de desgaste. O aparecimento destas anomalias, ainda que pontualmente, vai potenciar a ruína desse mesmo pavimento”, argumentou Quintino
Vinevala, que não deixou de salientar
outro fator crítico: a falta de drenagem
dos pavimentos. Um pavimento quando
não é drenado facilmente a sua fundação
e a sua própria estrutura é posta em causa.
Perde capacidade de suporte de uma forma muito rápida.
Hoje a técnica apresenta-se bastante evoluída para resolver estes problemas a montante e é nesse sentido que
a Prongila aparece para contribuir para
a solução destes problemas. “Nós atuamos em várias áreas, desde a conceção
do pavimento do ponto de vista estrutural até à definição de ações de conservação e a sua manutenção. Todo esse
processo está agarrado ao conhecimento das propriedades dos materiais e isso envolve ensaios laboratoriais. Temos
a capacidade de desenvolver os projetos em função das características dos solos da região, nesta abordagem procura-
mos perceber a capacidade de suporte
daqueles solos, permitindo desta forma
conceber estruturas que protejam suficientemente as fundações das estradas,
um ponto importantíssimo para o sucesso de uma estrada. Estamos capacitados
para desenvolver ensaios laboratoriais
dos solos e agregados, permitindo a sua
seleção de forma criteriosa para a obra
e ensaios sobre os betumes e misturas
betuminosas”, explica Quintino Vinevala.
A Prongila está capacitada também
para fazer a fiscalização das obras rodoviárias e aeroportuárias do ponto de vista dos pavimentos. No que diz respeito à
monitorização do estado do pavimento, a
Prongila está capacitada para fazer ensaios
in situ e laboratoriais. “No caso da verificação estrutural do pavimento recorremos a um equipamento especial que é
o deflectómetro de impacto, o equipamento que vai simular a passagem de um
veículo no pavimento e com isso colhemos informações preciosíssimas. Quanto
à avaliação funcional, fazemos a medição
do coeficiente de atrito da superfície do
pavimento. Este é um parâmetro bastante importante para a segurança dos utentes, pois esse coeficiente está relacionado com a aderência do pavimento. Temos também outro equipamento que é
o perfilómetro laser que nos vai permitir
fazer o levantamento da regularidade longitudinal da via”, conclui.
África21– dez 2014 / jan 2015
69
brasil
O calvário
de Dilma Rousseff em 2015
Os brasileiros entram em 2015 sob os efeitos de uma desconfortável sensação
de incerteza sobre o futuro do país nos próximos 12 meses
Carlos Castilho FLORIANÓPOLIS
S
e os prognósticos já não eram muito otimistas em função das preocupações com a
economia, a insegurança aumentou com o
aprofundamento das divergências entre governo e
oposição, depois da reeleição da Presidente Dilma e
do agravamento do escândalo de corrupção na Petrobras, a maior estatal brasileira.
O problema da economia é mais de expectativas
do que de factos concretos. A percepção geral sobre o
estado da economia brasileira foi muito condicionada pelos posicionamentos eleitorais, onde a oposição
procurou ampliar os efeitos da inflação em alta e da
queda moderada da produção econômica, enquanto
o governo caprichou na apresentação de um cenário
róseo, garantindo o controle dos preços e anunciando uma retomada do crescimento para breve. A situação real só vai aparecer nos próximos meses.
Mas independentemente dos posicionamentos
políticos, há uma quase unanimidade entre os economistas, agentes financeiros e empresários de que
2015, especialmente no primeiro semestre, será um
ano de ajuste financeiro, em que o governo será
obrigado a tomar medidas impopulares para reconquistar o apoio do setor privado. O preço da gasolina já aumentou em novembro, mas outros aumentos devem acontecer no início de 2015, o que vai
provocar uma subida da inflação que já passa dos
6,5% ao ano e uma nova elevação da taxa de juros,
atualmente em 11,5% anuais.
As grandes corporações industriais, do agronegócio e das finanças, bem como os exportadores
estão preocupadas com a política, pois é público e
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
notório que os grandes negócios são influenciados pelo jogo do poder. É por esta razão que a
escolha do novo ministro da Fazenda, o czar da
economia brasileira, provocou tanto nervosismo
entre os mega empresários brasileiros.
Seca devastadora faz cair o PIB
Economistas como Sergio Vale, da empresa de
consultoria MB Associados, afirmam que o crescimento econômico do Brasil praticamente estagnou
desde 2011 e agora a previsão é de uma queda ainda
maior no Produto Interno Bruto em consequência
da seca devastadora que atinge o sudeste do país, a
região onde está concentrado o maior parque industrial do país. Em São Paulo, por exemplo, não
chove há nove meses e os reservatórios que abastecem as indústrias e cerca de 14 milhões de pessoas
estão praticamente secos. A prolongada estiagem, a
maior dos últimos 80 anos no Brasil, já começa a
gerar problemas no abastecimento de alimentos,
aumento de preços e inevitavelmente vai empurrar
a inflação para cima.
Outro grande dilema do segundo mandato da
Presidente Dilma Rousseff será conciliar a política
de distribuição interna de renda com a necessidade
de retomar o crescimento industrial. O efeito
Bolsa Família dá sinais de esgotamento em termos
de perspectivas macroeconômicas. O programa,
lançado em 2005, gerou um aumento do consumo interno que estimulou a indústria voltada para
o mercado doméstico, mas, a partir de 2011, o impacto positivo no crescimento econômico estagnou
LUCAS UEBEL/AFP
Um dos grandes
dilemas
no segundo
mandato de
Dilma Rousseff
será conciliar
a política
de distribuição
interna
de renda com
a necessidade
de retomar
o crescimento
industrial
e o país voltou a depender das exportações para
fechar suas contas.
O aumento no consumo interno gerou um excesso de importações de produtos estrangeiros supérfluos, enquanto compradores tradicionais de
matérias primas brasileiras, como a China, e de automóveis, como a Argentina, reduziram suas compras por questões domésticas. O déficit no comércio externo não chega a ser alarmante por conta das
tranquilizadoras reservas cambiais do Brasil, estimadas em 377,3 bilhões de dólares, em setembro de
2014. Mas recolocou em discussão a necessidade de
reequipar o parque industrial brasileiro para possibilitar uma retomada das exportações e consequente reequilíbrio das contas domésticas.
Dilma Rousseff tem emitido claros sinais de
que pretende uma maior autonomia política em
relação ao seu antecessor Luis Inácio Lula da Silva,
o expoente máximo de uma corrente do Partido dos
Trabalhadores, apelidada de lulo-petismo pelos seus
desafetos oposicionistas. Lula e Dilma têm personalidades muito diferentes no que se refere ao relacionamento com políticos e homens de negócio.
A Presidente tem um estilo mais objetivo e inflexível, enquanto Lula é um negociador político nato.
O grande problema de Dilma no seu segundo
mandato é a ausência de apoios sólidos nos principais centros de poder de facto no país. Ela não
controla os militares, que nunca disfarçaram o seu
desgosto em ter uma ex-guerrilheira no comando
formal das Forças Armadas. Não controla o setor
empresarial que não morre de amores pela política
de redistribuição de renda por meio do Bolsa Família, embora a indústria nacional tenha sido muito
beneficiada pelo aumento do poder aquisitivo das
classes C e D, a ponto de ter conseguido escapar
incólume da crise financeira mundial de 2008.
Por último, a Presidente não controla o parlamento nacional, onde precisa fazer concessões a
partidos de todos os matizes ideológicos para conseguir aprovar medidas de interesse do Poder Executivo. Dilma sabe que precisa romper o nó górdio da
dependência de uma base política instável e pouco
confiável.
A alternativa escolhida pela chefe de governo foi
propor a realização de um plebiscito para promover
uma reforma política como uma estratégia para
buscar apoio popular e colocar os políticos na defensiva. Mas a oposição, liderada pelo candidato
derrotado nas eleições presidenciais, Aécio Neves,
comparou o plebiscito a uma tentativa de governar
diretamente com o povo, mexendo com os brios
dos parlamentares, inclusive muitos que participam
da base de apoio político do governo no poder legisÁfrica21– dez 2014 / jan 2015
71
Reforma política está paralisada
A reforma política se arrasta no parlamento há
mais de dez anos, onde estão paralisados cerca de
20 projetos. É que não interessa aos políticos alterar um sistema que os beneficia. Se depender da
Câmara de Deputados e do Senado, em Brasília,
a reforma não passará de um conjunto de medidas tendentes a, na sua essência, mudar a imagem
do parlamento na opinião pública. Já os principais assessores políticos de Dilma insistem na tese
do voto distrital, numa drástica limitação no total de 28 partidos políticos e na mudança das regras de financiamento das campanhas eleitorais.
A questão do plebiscito é muito delicada
porque agrava consideravelmente as tensões entre
os poderes Executivo e Legislativo. Em setembro
de 2014 foi realizado um plebiscito informal,
promovido por 480 organizações não governamentais, sindicatos, associações de bairros e entidades assistenciais, que mobilizaram quase oito
milhões de pessoas que apoiaram a reforma política por 97% dos votos.
As relações entre o governo e as duas casas do
Congresso Nacional se azedaram depois que a
oposição e também vários partidos que apoiam
formalmente a presidente, perceberam o enfraquecimento político de Dilma e resolveram
aproveitar a polarização ideológica pós-eleições
para obter mais verbas públicas para projetos de
parlamentares. A base parlamentar da Presidente
está fragilizada, o que a torna vulnerável no terreno institucional.
O escândalo da Petrobras incorporou elementos de tensão máxima à crise nas relações entre os
poderes Executivo e Legislativo porque atinge a
complicada teia de negócios informais entre empresas estatais, empresas privadas e políticos brasileiros visando o financiamento de campanhas
eleitorais. Segundo cronistas políticos como Gerson Camarotti, da TV Globo, o escândalo da Petrobras, apelidado de Operação Lava Jato pela
Polícia Federal, pode ser ainda maior do que o do
Mensalão, que levou boa parte da cúpula do Partido dos Trabalhadores para a prisão.
O problema é que as investigações sobre a
operação triangular envolvendo a Petrobras, quase
todos os partidos políticos e as maiores empreiteiras de obras públicas do país ameaça a credibilidade e honestidade de centenas de políticos e funcionários públicos. No final de 2014, a Polícia
Federal brasileira prendeu quase 20 dos principais
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África21
LUIS MOURA/ESTADAO CONTEUDO/AFP
lativo. Dilma teve que recuar, embora não tenha
desistido formalmente de uma consulta popular.
Barragem de Jaguari-Jacarei, no estado de São Paulo; as reservas estavam em 4,1% do
total em outubro
executivos de cerca de sete empresas privadas com
contratos com a Petrobras para identificar quais os
funcionários da estatal que recebiam propinas e
quais os políticos beneficiados.
Brasília entra em 2015 em clima de pânico
político porque ninguém sabe qual o alcance das
investigações e quais os dados sobre corrupção
parlamentar que virão a público. O governo tenta
blindar a empresa Petrobras na tentativa de manter o controle estatal sobre a exploração de reservas
de petróleo em águas profundas do oceano Atlântico. Há muitas empresas estrangeiras interessadas
numa privatização da Petrobras, mas por enquanto o maior problema está na desmontagem de um
modelo de financiamento de campanhas eleitorais
existente há décadas no país e que se apoia num
sistema institucionalizado de corrupção.
O déficit
no comércio
externo não
é alarmante
devido
às reservas
cambiais
brasileiras
Uma empresa que deixa marca
O que transportamos?
Combustíveis, Maquinaria Pesada,
Produtos Frescos, Contentores,
Mercadoria Diversa
e Transportes Internacionais
(Namíbia e África do Sul)
www.antoniojsilva.com
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Viana – Angola
Telefone: 222 013 805 – Fax 222 013 806
Telemóveis: 917 750 552 – 925 363 789
África21– dez 2014 / jan 2015
73
Os sul-americanos propuseram-se a entrar no
terceiro milénio dando passos seguros no caminho do progressismo político. Assediado pelas
campanhas desestabilizadoras da direita, o eleitorado ratificou o processo de transformação em
países como Bolívia, Brasil e Uruguai. Noutros,
a democracia continua sob ataque. Há quem ligue os alarmes para evitar que uma «restauração
conservadora» possa ganhar força na região.
Manrique S. Gaudin Buenos Aires
Estado de alerta
na região
C
com uma sucessão de eleições que reconfirmaram que
o Cone Sul da América – Bolívia, Brasil e Uruguai – continua a ser decididamente progressista, nos confins geográficos da América Latina ficou validado que, pelo menos nos
próximos quatro anos, a democracia não está disposta a abrir as
portas à direita neoliberal. A estratégia permanente da oposição,
destrutiva e alinhada com o golpismo, não lhe trouxe resultados,
mas diferentes analistas da região advertem sobre outras ações da
direita, algumas institucionais (o impulso para uma Aliança do Pacífico apoiada pelo Chile, Perú, Colômbia e México) e outras desestabilizadoras (a promoção da violência na Venezuela e a sabotagem
do auspicioso processo de paz na Colômbia).
Em pleno século XXI, o grito de combate pareceria ser, agora,
o tão antigo «cuidemos e melhoremos o que conseguimos». Segundo o Presidente do Equador, Rafael Correa, há que permanecer em
estado de alerta, porque «apesar das extraordinárias mudanças dos
últimos anos, não conseguimos ainda a prevalência irreversível do
poder popular sobre o poder das elites».
Fora da região, os processos políticos que se consolidam nos
Estados Unidos e na Europa, mas sobretudo no primeiro, ajudam
a avivar esse estado de alerta. Tudo o que se decide ou se planifica
em Washington tem um efeito imediato em terras americanas, que
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
JORGE BERNAL/AFP
américa latina
Em pleno século XXI
o grito de combate pareceria
ser o antigo cuidemos
e melhoremos
o que conseguimos
Bolívia e Brasil foram os países
da América Latina que mais
reduziram os índices de pobreza,
de acordo com o PNUD
desde a primeira metade do século XIX a grande potência definiu
como o seu «pátio das traseiras», um conceito recentemente confirmado pelo secretário de Estado John Kerry.
Assim como outubro marcou no Sul a consolidação do progressismo, novembro voltou a instalar no Norte uma elite que fez desse
«pátio traseiro» um mero fornecedor de riqueza no qual pouco importa a forma. Para a região, é indiferente quem governe ali, se os
Democratas ou os Republicanos. Ao longo da história, ambos têm
demonstrado que respondem aos mesmos poderosos interesses dos
seus grupos económicos. No entanto, a fenomenal derrota de Barack
Obama nas eleições legislativas – nas quais perdeu a maioria do
Senado e no Congresso não conseguiu sequer reduzir a diferença
que o separava dos Republicanos – reavivou a antiga e sempre desmentida crença de que os democratas são mais respeitadores da soberania e das democracias dos países do «pátio traseiro».
A política de profundas transformações que impera nos países
do Cone Sul teve a sua primeira e contundente confirmação a 12 de
outubro na Bolívia. Depois de governar o país desde 2006, o indígena Evo Morales foi reconfirmado para um terceiro mandato por
cerca de 60% dos eleitores. Se isso não fosse suficiente para validar
a sua liderança, o novo Governo ganhou em legitimidade: conseguiu convencer mais de 90% do eleitorado, Morales triunfou em
sete dos oito departamentos em que se divide o país e foi também
maioritário nas 69 cidades dos 33 países onde os bolivianos votaram
massivamente, em muitos casos pela primeira vez.
Semanas antes das eleições, uma fonte neutral, o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), explicara, sem o
propor, algumas das razões para a importância de Morales, ao destacar que os países da região que mais reduziram os índices de pobreza
foram a Bolívia – 32% numa década – e o Brasil. Depois, outra fonte
igualmente neutral, como a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), indicou que a Bolívia constitui
«um caso excecional, em que as receitas de 40% dos mais pobres
aumentaram três vezes mais do que a média nacional, e a desnutrição
baixou de 38% em 2006 para 19,5% em 2013».
Duas semanas depois da Bolívia, a 26 de outubro e à segunda
volta, o Brasil confirmava a liderança do Partido dos Trabalhadores
e elegia Dilma Rousseff para um segundo mandato (ver artigo nesta
edição).
O terceiro elemento da vitoriosa série progressista foi Tabaré
Vázquez, da já governante Frente Amplio (FA) do Uruguai, que
embora na primeira volta de 26 de outubro tenha roçado os 50%
dos votos e ganho por 17 pontos percentuais a Luis Lacalle Pou,
candidato do Partido Blanco (ou Nacional), precisou de submeter-se a uma segunda volta a 30 de novembro.
Como no Brasil, onde as empresas de sondagens «inventaram»
uma hipotética vencedora, mostrando que em conjunto com os
media são as inimigas mais astutas da democracia, estas empresas
foram as grandes derrotadas, perderam credibilidade, terão que rever a sua metodologia de trabalho e acabaram por admitir que, no
futuro, o seu funcionamento deverá ser regulado por algum organismo estatal ou misto.
No Uruguai previram uma primeira volta «mano a mano» entre Vázquez e Lacalle e um triunfo deste último por quatro a seis
África21– dez 2014 / jan 2015
75
GUILLERMO LEGARIA/AFP
CRIS BOURONCLE/AFP
Evo Morales, Presidente da Bolívia
O Uruguai elegeu Tabaré Vázquez para a presidência em
novembro
pontos na segunda. Jogaram a favor do candidato do neoliberalismo. «As empresas de sondagens não sabem fazer o seu trabalho ou,
muito mais grave ainda, não atuaram com honestidade e trataram
de numerar o eleitorado de acordo com os interesses do establishment», opinou Juan Castillo, dirigente sindical e vice-presidente da
FA. Os números finais parecem dar razão a Castillo. A Frente
Amplio ganhou em 14 dos 19 departamentos do país e em 18 deles
subiu percentualmente relativamente a 2009. Nas eleições desse
ano ganhara apenas em cinco departamentos. Neste novo período
de Governo, a FA terá maioria própria nos dois troncos do poder
legislativo: 50 em 99 deputados e 15 senadores em 30 (o voto 31, o
do «desempate», é o do Vice-Presidente da República).
Na faixa etária que vai dos 18 aos 30 anos, a Frente Amplio
ganhou em todo o país – incluindo nas áreas rurais onde o Partido
Blanco tinha monopolizado as maiorias desde a sua fundação, no
longínquo ano de 1836 – menos no Carrasco Sur, em Montevideu,
o bairro mais rico do país, justamente o lugar de residência de Lacalle Pou. Na história democrática do país, nunca um governo tinha sido legitimado desta forma porque, além do mais, votaram
cerca de 90% dos uruguaios. A derrota foi tão dura que a primeira
reação de Lacalle e Pedro Bordaberry, do também mais que centenário Partido Colorado, foi de a de que iriam retirar-se da vida política. Seguramente não o farão.
Além de o triunfo de Vázquez significar a confirmação do progressismo, esta terceira vitória consecutiva da Frente Amplio é uma
reação dos uruguaios ao pior do seu passado recente. O frustrado
candidato «blanco» é filho do ex-Presidente Luis Alberto Lacalle
(1990-1995), recordado como o «grande privatizador» dos bens do
Estado. O apoiante «colorado» é filho do ditador civil Juan María
Bordaberry (1973-1976).
A realidade complexa das Caraíbas
Na parte caribenha da América do Sul, Venezuela e Colômbia
mostraram em 2014 uma realidade complexa. Os êxitos anteriores
conseguidos no primeiro dos dois países foram ofuscados por uma
onda de violência que destabilizou o Governo e custou 43 vidas.
76
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Desde a primeira
metade do século
XIX, os EUA
definiram
a América Latina
como o seu pátio
das traseiras,
um conceito
recentemente
confirmado pelo
secretário de
Estado John Kerry
Na Colômbia, o decorrer de um diálogo entre o Governo e a guerrilha, que poderia conduzir à paz depois de meio século de guerra
interna, esteve a ponto de naufragar e ainda é ameaçado pelas ações
da ultradireita pró-guerra com fortes vínculos às forças armadas e
aos grandes grupos económicos globais.
Em julho de 2012 o diplomata brasileiro Samuel Pinheiro
Guimarães tinha alertado sobre o auge de um fenómeno na América do Sul a que chamou «neogolpismo», termo que explicou como
uma expressão política que «reconhece a raiz democrática dos governos progressistas mas diz que não governam democraticamente,
que criam imagens desses governos como se fossem ditaduras e gera
um clima que pode justificar golpes de Estado, inclusive por meios
não militares». Em meados deste ano, quando Bolívia, Brasil e
Uruguai começavam a preparar as campanhas eleitorais, o equatoriano Rafael Correa aprofundou as ideias do brasileiro e advertiu
para o facto de a direita continental «ter ligado os seus motores e pôs
em marcha um processo de restauração conservadora que, se não o
enfrentamos, pode pôr um ponto final ao ciclo de governos progressistas que temos na região». Quando falou da direita, Correa
incluiu no mesmo pacote a imprensa e as empresas de sondagens.
Correa, o primeiro Presidente sul-americano que depois do
venezuelano Hugo Chávez (abril de 2002) foi vítima de uma tentativa de golpe de Estado (30 de setembro de 2010), assinalou que
«devemos estar muito atentos, porque a direita nacional e internacional já superou o aturdimento que lhe provocou o surgimento
dos nossos governos e agora está claramente articulada e em contacto com os grupos de poder dos Estados Unidos, que são quem financia essas supostas organizações não governamentais criadas e
pagas para nos combater». Correa sublinhou que, tal como aconteceu depois nos três países do Cone Sul que confirmaram as políticas
de mudança, o acionar da direita não se destina apenas a perturbar
os governos progressistas através da promoção de atos capazes de
miná-los gradualmente, mas aponta para a criação de organismos
que atentam contra a unidade regional, como a Aliança do Pacífico,
«que é neoliberalismo puro».
Tradução de Teresa Souto
publirreportagem
Há cinco anos no Namibe
Nonkakos
aposta na manutenção de infraestruturas
e na formação dos jovens
C
om o fim da guerra, em 2002,
Angola entrou num processo
acelerado de crescimento, tornando-se num canteiro de obras. Volvidos 12 anos a preocupação passa a ser
a manutenção das várias infraestruturas
edificadas. Foi com essa visão que, em
2009, surgiu a Nonkakos, uma empresa que atua no ramo da construção civil
voltada especificamente para a manutenção de infraestruturas. A empresa está orientada para a prestação de serviços
técnicos nos domínios da eletricidade,
telecomunicações, geradores, ar condicionado, canalização, distribuição e consultoria empresarial. “Temos que olhar
seriamente para as operações de manutenção das infraestruturas. Todos nós,
angolanos, temos que ganhar cultura de
manutenção. De nada vale construirmos
um grande hospital se logo a seguir à sua
inauguração as verbas cabimentadas não
cobrirem os custos de manutenção”,
argumenta Odílio Silva, Diretor-geral da
Nonkakos.
A visão do responsável é a aposta
na manutenção como uma forma de
garantir não só o emprego mas a formação profissional de muitos jovens. “Uma
aposta na manutenção de infraestruturas
em todo o país irá motivar muitos jovens
a frequentarem cursos técnicos, desde o
básico ao superior. Estaríamos também
a criar muitos postos de trabalho e,
consequentemente, a possibilidade de
surgimento de muitas empresas do ramo, tendo em conta que a atividade de
manutenção considera-se um processo
permanente”, defende.
A defesa deste ponto de vista não
é sem razão, uma vez que o atual Diretor da Nonkakos foi, durante dez
anos, funcionário da ENANA e cuidava especificamente da manutenção da
principal infraestrutura aeroportuária do
país – o Aeroporto 4 de Fevereiro, em
Luanda. Com apenas 24 anos, colocado
no departamento de eletromecânica,
já tomava conta de todo o sistema de
energia elétrica, iluminação de pistas,
ares condicionados e outros. “Éramos
muito jovens e formados pelos vários
institutos técnicos (Makarenko, Centro
Profissional do Cazenga e Cefopesca) e
garantíamos a operacionalidade dos aeroportos em Angola. Hoje assistimos a
uma degradante falta de motivação dos
jovens para a formação técnica (básica e
média) talvez por falta de uma abertura
no mercado de trabalho, daí a necessidade de dinamizarmos a área das manutenções”, disse.
Atualmente a Nonkakos presta serviços no aeroporto Welwitschia Mirabilis, no Namibe, no domínio da manutenção de equipamentos de navegação
aérea e aerogare. Conta com a parceria
de técnicos especializados e com muitos
anos de experiência, que se encontram
numa situação de reforma, para que, no
sistema on Job, possam dar formação ao
pessoal jovem da empresa. De forma
também muito específica, conta com
a parceria da empresa THS Gestão de
projetos e investimentos, para a formação dos técnicos no domínio comportamental.
Odílio Silva, Diretor-geral da Nonkakos
África21– dez 2014 / jan 2015
77
MANDEL NGAN/AFP
estados unidos da américa
Obama
testado até ao limite
Se 2014 foi um ano complexo para o Presidente Barack
Obama, os dois anos que restam para o termo
do seu mandato poderão ser mais complicados ainda
Itamar Souza Nova Iorque
E
em 2014, durante nove meses consecutivos o setor privado dos Estados Unidos criou em média 200
mil postos de trabalhos por mês, o melhor
resultado desde os anos 90 do século passado. Esta taxa de crescimento fez baixar o
desemprego para 5,8%. Porém, apesar dis-
78
dez 2014 / jan 2015 –
África21
so e pela primeira vez, o Presidente vai governar sem que o seu partido tenha maioria
quer no Senado quer na Câmara dos Representantes. Barack Obama chegou ao
poder em 2008 num processo que coincidiu com a recuperação pelos Democratas
do controlo de ambas câmaras do Congres-
so, sendo que dois anos depois perderam
para os republicanos a maioria que tinham
na Câmara dos Representantes.
De então para cá, Barack Obama
governou sempre com forte oposição
dos republicanos na Câmara, que, à
custa da maioria de que gozavam (e gozam), enquanto puderam travaram a
aprovação do seu Programa de reforma
do sistema de saúde, fecharam o governo em mais de uma ocasião, obrigando-o
a viver de duodécimos.
O corolário deste braço de ferro e de
outras contrariedades foi a estrondosa
derrota dos democratas nas eleições intercalares de outubro. À semelhança do que
aconteceu com Bill Clinton em 1996, ano
em que o famoso Contrato com a América
deu a Newt Gingrich, líder republicano, o
posto de presidente da Câmara dos Representantes ao que se juntou o controlo do
Senado, Obama também vai governar
sem qualquer suporte em ambas as câmaras do Congresso.
Analistas observam que a circunstância de Bill Clinton se encontrar naquela
altura a meio do primeiro mandato e com
aspirações a um segundo, facilitaram as
negociações com os republicanos que resultaram em que ao fim de quatro anos o
défice tivesse sido substituído por um robusto superavit. Embora relativamente ao
seu programa de saúde tivessem mostrado
na altura o mesmo desdém que mostram
em relação ao programa que Obama lançou para este setor, Bill Clinton tinha a seu
favor a imagem de ser um homem de
centro-esquerda, para o que contribuiu,
diz-se, o facto de ter entre o seu staff Dick
Morris, estratega republicano que herdou
da Administração Bush. Obama, por sua
vez, é visto como um homem estruturalmente de esquerda, com quem a direita
republicana, sobretudo a ala conservadora,
não quer conversar.
Segundo alguns analistas, o processo
que levou Obama a cair na situação em
que se encontra tem raízes numa série de
casos que marcaram a política americana
nos últimos 12 anos e que prometem
marcar a agenda política em 2015. A última peça do puzzle terá sido a gestão da
crise do ébola. Embora a Administração
Obama tivesse conseguido manter o surto sob controlo, a eclosão de algumas
derrapagens aqui e ali, provocaram pânico suficiente para minar a credibilidade
das autoridades. Numa das intervenções
após as eleições de outubro, o Presidente
dos Estados Unidos admitiu problemas
na apresentação pública de algumas das
suas políticas.
Reforma do sistema de imigração
Barack Obama também teve nas mãos a
crise provocada pelo impasse à volta da
reforma do sistema de imigração. A contragosto foi obrigado a adiar a decisão sobre a reforma do sistema de imigração
para depois das eleições, tendo prometido
usar o seu poder discricionário. Está em
causa, entre outros, a dimensão de uma
amnistia a conceder aos imigrantes ilegais.
Não é claro que tipo de resposta darão os
republicanos se Obama for adiante com
uma solução unilateral. Na primeira conferência de imprensa que concedeu após a
vitória nas eleições de outubro, o presidente da Câmara dos Representantes, John
Boehner, que por inerência de funções é
também o presidente do Congresso, não
foi de meias medidas: «o Presidente está a
brincar com o fogo, e como tal pode acabar se queimando».
Se em relação à imigração não é certo
aquilo que os republicanos farão, parece
não haver dúvidas relativamente ao programa de saúde, comumente conhecido
Enquanto puderam,
os republicanos travaram
a aprovação do programa
de reforma do sistema
de saúde de Barack Obama
como ObamaCare. Num artigo que
John Boehner e Mitch McConnell publicaram no influente The Wall Street Journal, ficou plasmada a promessa de revisitarem o dossiê ObamaCare. Embora seja
previsível que os republicanos não conseguirão uma maioria qualificada para
anularem a lei que criou este programa,
parece evidente que a discussão resultará
em contratempos e distrações que Obama preferia não ter.
Com o controlo do Senado e da Câmara, os republicanos estão em condições
de levar à discussão as suas posições relativamente à situação na Síria, Iraque, Ucrâ-
nia e Irão. Com isto, podem forçar o Presidente Barack Obama a reequacionar
todas as opções para a política externa.
O senador Jonh McCain, candidato
republicano derrotado nas eleições de
2008, agora na posição de vir a ser presidente do Comité de Defesa e Segurança
do Senado, mantém presente a ideia de
que a posição inicialmente adotada na
Ucrânia, ou seja, moderação para não
provocar a ira de Vladimir Putin, acabou
por levar a que este atue como se não
houvesse limites.
John McCain e Lindsey Graham, senador pelo estado da Carolina do Sul, entendem igualmente que o Presidente dos
Estados Unidos tem sido demasiado
brando para com o Irão, e que se as coisas
continuarem como estão, as negociações
sobre o seu arsenal nuclear poderão deixar
Teerão em condições de «aterrorizar» a vizinhança. Esta tese encontra amparo em
Israel, cujo Governo advoga a ideia de que
Teerão está perigosamente a colocar-se em
posição de produzir urânio suficiente para
fins militares, peso que deve ser travado
quanto antes.
Este influente senador também censurou a Administração Obama pela opção
que adotou em relação à Síria. McCain
sempre defendeu a ideia de que o apoio
aos rebeldes deveria ir para além da logística. Sem a certeza do perfil daqueles, a Casa
Branca resistiu, tendo entrado em campo
quando o avanço do Estado Islâmico se
tornou numa ameaça aos interesses que
tem no Iraque. A Casa Branca diz agora
em sua defesa que se tivesse armado rebeldes quando McCain e outros republicanos
assim o queriam, talvez viesse a incorrer no
erro de ajudar os soldados do Estado Islâmico. É este o cenário que Barack Obama
vai enfrentar em 2015.
África21– dez 2014 / jan 2015
79
PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
Um plano grandioso para um
país que pensa em grande.
80
dez 2014 / jan 2015 –
África21
O Plano Nacional de Desenvolvimento, PND, abrange um
conjunto de acções para incentivar o desenvolvimento
sustentável do sector hoteleiro e turístico no nosso país. São
investimentos que vão garantir uma nova política para o sector,
permitindo o surgimento de uma oferta turística diversificada
que integre praias, património cultural, desporto, ambientes
naturais e lazer. Como resultado, Angola vai aumentar o
número de unidades hoteleiras, incrementando a criação
de empregos no sector e o número de visitantes.
JOHN THYS/AFP
europa
Jean Claude Juncker sucedeu a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia
Última oportunidade
para a União Europeia
A UE entra em 2015 com diversos assuntos pendurados: Luxleaks;
deputados de extrema-direita e de esquerda radical no parlamento;
crise na Ucrânia; e com várias vozes a falarem em seu nome
À
Comissão Europeia, presidida
pelo português José Manuel
Durão Barroso que chegou ao
fim do seu mandato, coube a difícil tarefa
de segurar o leme através da maior tempestade económico-financeira que o velho continente atravessou desde o fim da
Segunda Guerra Mundial. Fê-lo sem
brio mas com eficácia suficiente para salvar o euro e evitar a implosão da União
Nicole Guardiola
Europeia. Mas a gestão da crise da dívida
pública e os tratamentos de choque impostos a uma dezena de membros comprometeram a coesão e a solidariedade do
«Clube dos 28» e cavaram um fosso de
desconfiança entre os cidadãos e as instituições da UE.
As eleições de maio de 2014, que
enviaram para o Parlamento de Estrasburgo um total de 170 deputados «an-
tissistema» de extrema-direita ou da esquerda radical, populistas ou mesmo
abertamente pró-nazi foram reveladoras
deste crescente mal-estar.
«A minha comissão será a da última
oportunidade. Ou conseguimos reaproximar os cidadãos da Europa ou será o fim
do projeto europeu», disse o luxemburguês Jean Claude Juncker, eleito para a
presidência do executivo europeu pela
grande coligação PPE-PSE-Liberais que
colocou o social-democrata alemão Martin Schulz na presidência do Parlamento.
Social-cristão, Juncker (59 anos),
que foi primeiro-ministro do mais pequeno país da UE entre 1990 e 2013 e
presidente do Euro-Grupo de 2005 a
2013, é um «eurocrata» convicto, não
um revolucionário. Defende a disciplina
orçamental e o respeito das instituições
e dos tratados assinados. Mas sabe que o
sucesso crescente das teses nacionalistas,
protecionistas e xenófobas dos «eurocéticos» não é um fenómeno conjuntural
devido à crise económica, ao desemprego em massa e à insegurança. Mais grave
que o alegado «défice de democracia»
África21– dez 2014 / jan 2015
81
(mais fantasiado que real) é o «défice
político» que faz duvidar os europeus do
futuro da União e do seu papel num
mundo globalizado em rápida mutação.
Por isso, esta nova comissão é a mais
«política» da história da UE, a mais parecida com um verdadeiro executivo,
com um programa de governo negociado com a maioria parlamentar que o
apoia e «cartas de missões» dirigidas a
cada um dos 27 comissários designados
pelos parlamentos nacionais.
À procura de novo fôlego
«Quando os cidadãos perdem a fé nas nossas instituições, os extremistas de esquerda e
de direita encostam-nos à parede e os nossos concorrentes faltam-nos ao respeito, é
tempo de dar um novo fôlego ao projeto
europeu». A mudança de método e de estilo
de comunicação é clara e teve uma primeira
demonstração com a forma como o novo
presidente lidou com o «escândalo Luxleaks» que rebentou logo após a sua eleição
e que poderia ter-lhe sido fatal.
Confrontado com os acordos de
«otimização fiscal» assinados pelo governo luxemburguês, dirigido por si, com
centenas de grandes empresas multinacionais desejosas de escapar ao pagamento de impostos mais pesados nos
países de origem, Juncker argumentou
que a prática não tinha nada de ilegal,
que contassem com ele para alterar as
regras do jogo e dotar a UE de uma política fiscal comum, única forma de acabar de vez com os paraísos fiscais e a
concorrência entre os países-membros
para aumentar as suas próprias receitas,
atraindo o maior número de grandes
contribuintes com regimes de favor.
As reformas de fundo, necessárias para
que a Europa passe a ser reconhecida, pelos europeus e por terceiros, como uma
entidade política com voz e estratégias
próprias à altura do seu estatuto de grande
potência económica, serão bem mais difíceis, dada a força dos (maus) hábitos e dos
interesses criados e que parecem condenar
a UE a ir sempre a reboque das opções estratégicas alheias. A crise da Ucrânia, que
foi o acontecimento mais importante do
ano e o conflito mais grave aberto em solo
europeu desde o fim da guerra da ex-Ju-
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
goslávia, pôs mais uma vez em evidência a
incapacidade da UE de gerir e resolver um
conflito segundo os seus próprios critérios
e interesses legítimos.
A famosa frase da subsecretária de
Estado norte-americana para os assuntos
europeus, Victoria Noland, «Fuck the
EU» – extraída de uma conversa com o
embaixador dos EUA em Kiev, gravada
e habilmente tornada pública por servi-
“Ou conseguimos
reaproximar os cidadãos
da Europa ou será o fim
do projeto europeu”,
diz Jean Claude Juncker
ços secretos pró-russos – foi um verdadeiro eletrochoque. Expressava de forma
lacónica e brutal a consciência das divergências profundas existentes entre americanos e europeus sobre a questão, e o
total desprezo de Washington e dos seus
«pupilos» ucranianos pela UE, as suas
instituições e princípios fundadores,
desprezo tanto mais «escandaloso» que a
«revolução de Maidan» tinha sido desencadeada pela alegada oposição da
Rússia à vontade manifesta da maioria
dos ucranianos de fazer parte da União.
A crise da Ucrânia
evidenciou a incapacidade
da UE gerir um conflito
segundo os seus critérios
e interesses legítimos
Infelizmente, passada a indignação
momentânea provocada pelo «infeliz»
palavrão da diplomata americana (equiparável à fúria da chanceler Angela
Merkel ao ficar a saber, pelas revelações
de Edward Snowden, que as suas conversas telefónicas privadas eram devassadas
pela NSA), a crise ucraniana foi tratada
– e continua a ser, nomeadamente na
imprensa europeia – segundo a ótica
americana. Ou seja, como parte de uma
nova «guerra fria» entre o Ocidente e o
«regime de Vladimir Putin», e não como
uma questão essencialmente europeia,
determinante para as relações, presentes e
futuras, entre a Europa e o seu grande
vizinho e parceiro russo. A ideia de isolar
e sancionar a Rússia para «punir» e humilhar Putin prevaleceu sobre todas as outras considerações, incluindo os critérios
e condições de admissão de novos membros da União, e isto apesar das pesadas
consequências para os contribuintes e os
produtores europeus, incluindo os ucranianos, do acordo de parceria apressadamente
ratificado pelos parlamentos de Estrasburgo
e Kiev, e da perda do mercado russo para as
respetivas exportações agrícolas.
A submissão e a subserviência de
Bruxelas face à arrogância dos EUA que
continuam a comportar-se na cena internacional como se o resto do mundo
dependesse deles – o que é cada vez
menos verdade – e fossem os únicos defensores do bem comum universal, é um
dos argumentos preferidos dos «soberanistas» como o britânico Nigel Farage
ou a francesa Marine Le Pen, e que encontra eco entre a esquerda radical e um
extenso rol de grupos e associações vindos da chamada «sociedade civil» e
opostos da «sociedade civil».
Apesar de não proporem alternativas
viáveis ao modelo económico e social
europeu vigente e de não se entenderem
entre si, estas forças e movimentos centrífugos encontram com facilidade na
atualidade nacional, europeia e mundial
novos pretextos para novas batalhas
campais e campanhas mediáticas que
fragilizam a União Europeia a partir do
interior e não encontram respostas
prontas, consensuais e unívocas por
parte das instituições europeias. Em
Bruxelas, Estrasburgo e nas instâncias
internacionais – ONU, G8, G20 – e nas
suas relações com terceiros, a União
Europeia continua a ter várias caras e a
falar a várias vozes.
Apesar dos progressos realizados, a
ironia de Henri Kissinger que perguntava nos anos 70 «Europa? Que número
de telefone?» continua atual.
Pela primeira vez em quarenta anos
de democracia, um ex-primeiro-ministro
está encarcerado
ANTÓNIO JOSÉ/LUSA
portugal
Carlos Pinto Santos
José Sócrates
atrás das grades
22
de novembro. O ex-primeiro-ministro José Sócrates,
vindo de Paris desembarca no aeroporto de Lisboa.
À sua espera estão agentes policiais que o detêm por
suspeita de três crimes: fraude fiscal qualificada, branqueamento de
capitais e corrupção. Ainda no aeroporto é filmado por duas televisões que captam o momento em que é algemado, uma evidência de
que o segredo de justiça foi (e continua) a ser violado em Portugal.
Atónitos, políticos (do governo de direita, socialistas e de outros
partidos da oposição), comentadores e jornalistas classificam de
imediato esta prisão de «terramoto político». As rádios e televisões
entram em direto durante três dias. Na noite de dia 24 sabe-se que
Sócrates fica em prisão preventiva, a medida de coação mais grave,
e é enviado para a prisão de Évora. Dois outros arguidos ficam
também em prisão preventiva, suspeitos de ajudarem o antigo primeiro-ministro no desvio de muitos milhões de euros durante os
seis anos em que ele foi chefe de governo.
O choque prolonga-se durante o Congresso do Partido Socialista que oficializa António Costa para disputar as eleições legislativas de 2015. No início de novembro, as sondagens davam a Costa
65% de intenções para vencer o atual primeiro-ministro Passos
Coelho. Há incógnitas que vão perdurar no tempo, mas uma coisa
é certa: caso haja julgamento, nunca demorará menos de três ou
quatro anos, dada a tradicional lentidão da Justiça em Portugal.
Antes de tudo isto, aconteceram as primeiras eleições primárias
realizadas em Portugal que substituíram o líder do partido socialista
António José Seguro pelo presidente da Câmara Municipal de
Lisboa António Costa. Nessa altura, era um dos poucos acontecimentos que animavam a vida política portuguesa em 2014. Uma
disputa que despertou mais paixões em comparação com a campanha para eleger os 21 deputados que representarão Portugal no
Parlamento europeu até 2020.
Apesar da notória e crescente impopularidade do Governo,
devido ao crescente desemprego, cortes nas reformas, redução
do poder de compra, os partidos da coligação governamental
José Sócrates
está em prisão preventiva
a medida de coação
mais grave
África21– dez 2014 / jan 2015
83
Falência do BESA dá origem a novo banco
Em Angola como em Portugal a falência do Grupo Espírito Santo e o
passivo acumulado pelo BESA (Banco Espírito Santo Angola) obrigaram o banco central angolano a intervir para impedir o colapso do
maior banco privado angolano. A 30 de outubro o BNA (Banco Nacional de Angola) emitiu um comunicado com a completa refundação
do BESA que muda de nomes, acionistas e administradores. A nova
instituição de nome Banco Económico (BE) tem como principal
acionista a companhia petrolífera angolana Sonangol, que passa a
deter 35% do capital mediante uma injeção de 200 milhões de dólares. O resto do capital reparte-se entre a sociedade chinesa Lektron
Capital (30%), o grupo angolano Geni (25%) e o Novo Banco português (ex-Espírito Santo) que fica com uma participação minoritária
de 5%. Os representantes do BES português, que detinham 51% do
capital do BESA antes da intervenção, contestam a validade das
decisões tomadas e anunciaram a intenção de se opor à sua concretização pelas vias legais.
Para dirigir a nova instituição, que será um banco de investimento especialmente dedicado ao serviço das grandes empresas, foram
escolhidos dois gestores de nacionalidade indiana, Sanjay Bhasin e
Girish Narual, que dirigiam até à data o Banco de Poupança e Promoção Habitacional de Angola (BPPH), instituição financeira criada
em 2013 pela Sonangol para substituir o projeto de Banco para a
Promoção e o Desenvolvimento (BPD), entretanto extinto. A criação
do BPD tinha resultado de um acordo de parceria entre a Sonangol
e o banco público português CGD (Caixa Geral de Depósitos) assinado em 2009 que teve de ser abandonado por incumprimento dos
compromissos assumidos pela CGD.
84
dez 2014 / jan 2015 –
África21
(PSD e CDS) obtiveram sete mandatos (menos um do que o PS)
nas eleições europeias. Esta vitória à justa foi aliás a causa próxima
– ou o pretexto? – para a mudança de liderança no PS, pouco usual
num partido acabado de sair vitorioso de uma batalha eleitoral.
Os media portugueses encontraram nos escândalos político-judiciários material suficiente para compor manchetes e primeiras páginas ao longo de todo o ano, com destaque para a falência
fraudulenta do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo.
A imagem de Ricardo Salgado, a figura mais emblemática da
guerra familiar no interior desta oligarquia bancária, foi linchada
na praça pública. Mas escapou da prisão preventiva, mediante uma
caução de três milhões de euros (cerca de 3,7 milhões de dólares).
No entanto, em 27 de novembro, o juiz Carlos Alexandre, o
mesmo que deu ordem de prisão a José Sócrates, enviou dez procuradores e 200 inspetores da Polícia Judiciária para uma busca a 34
casas de ex-administradores do Banco Espírito Santo, e entre elas
está a casa de Ricardo Salgado. O processo nasceu de uma queixa do
Banco de Portugal, relacionada com suspeitas de crimes de burla
qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Portugal Telecom
A disputa em torno do futuro da PT, com brasileiros, luso-angolanos e outros potenciais compradores como protagonistas, foi outro
acontecimento relevante de 2014, o ano em que Isabel dos Santos
deixou de ser referida sistematicamente em Portugal como a filha
do Presidente angolano e passou a ser tratada por «engenheira» e
«empresária» na imprensa económica, com direito a citações e comentários elogiosos.
Os casos de corrupção, peculato e outros crimes de «colarinho
branco» envolvendo personalidades políticas julgadas, processadas
ou investigadas ao longo do ano foram tantos que o público ficou
desnorteado no meio do emaranhado de «operações» com nomes
cabalísticos como «Monte Branco», «Face Oculta» ou «Labirinto».
O diretor do mais influente semanário nacional, Expresso, observou
que ficou assim provado que a justiça portuguesa sabe ser inflexível
com os «poderosos» sobretudo «quando estes deixam de o ser».
Opinião que não deixará de ser recordada também no chamado
«caso dos vistos dourados», que levou em novembro à prisão preventiva de três altos funcionários em exercício, incluindo o chefe da
Polícia dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Duas notas positivas: o crescimento sustentado das atividades
turísticas e o sucesso da cozinha e dos vinhos portugueses vieram
contrariar o ambiente de «austera, apagada e vil tristeza» tão liricamente descrito por Luís de Camões que se respira em Portugal.
O ano de 2014 confirmou Lisboa como um dos destinos prediletos
dos visitantes estrangeiros em detrimento do Algarve e a «vaga gigante da Nazaré» fez crescer exponencialmente o número de surfistas nacionais e estrangeiros.
Os portugueses descobriram ter uma paixão pelos concursos
de culinária e as «performances» de mestres confirmados ou amadores. De resto, alegrias só as que proporcionam o futebol aos
adeptos, com Cristiano Ronaldo e José Mourinho para animarem
as hostes.
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
Na SONANGOL trabalhamos todos os dias para ajudar
Angola a transformar energia em desenvolvimento
sustentado para todos os angolanos.
www.sonangol.co.ao
África21– dez 2014 / jan 2015
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PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
86
Um plano grandioso para um
país que pensa em grande.
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Consolidar a reforma do sector judicial, tornando-o mais ágil e moderno para
garantir o acesso dos cidadãos ao direito e à justiça, é um dos propósitos do
Plano Nacional de Desenvolvimento, PND. Entre os objectivos está o de
assegurar a cidadania plena através da universalização do registo civil
de nascimento e do acesso a documentos básicos como o
bilhete de identidade. Com as acções do PND para esse
sector, mais um milhão e meio de cidadãos e cidadãs
passarão também a ter bilhete de identidade. Para
além de modernizar e informatizar os serviços
notariais, está previsto o aumento do número de
conservadores e notários, bem como o de oficiais de
registo.
press release
n ELITE – FÓRUM EM MAPUTO
COM 900 CANDIDATOS
A Elite organizou, entre os dias 24 e 26 de
outubro, o Fórum de Formação Contínua e
Desenvolvimento de Carreira para Moçambique. No primeiro evento realizado neste país,
Calendário
em 2013, participaram 700 candidatos e 12
empresas. Este ano, o 2.º Fórum em Mo2015
7 e 8 Fevereiro
Fórum de Recrutamento para Angola
(Sectores Petrolífero, Logístico and Transportes)
13 a 15 Março
Fórum de Recrutamento para Angola
Lisboa
14 e 15 Março
Fórum de Recrutamento para os PALOP
Lisboa
çambique acolheu 900 candidatos e 12 empresas, com cerca de 114 delegados empresariais. «O grande objetivo deste Fórum foi
juntar num único local empresas com operações em Moçambique que procuram recrutar
candidatos moçambicanos que vivam, estudem ou trabalhem no país ou em países vizinhos», explica Miguel Vieira, Diretor-geral da
Elite International Careers. «Durante um único fim-de-semana, as empresas presentes
tiveram a oportunidade de interagir com os
candidatos convidados, no sentido, de explorar o interesse em recrutá-los, e também, de
realizar apresentações corporativas onde
puderam dar mais informações sobre oportunidades disponíveis para os potenciais candidatos», acrescentou.
17 a 19 Abril
Elite African Talent Fórum de Recrutamento para África
Londres
Elite African Talent Fórum de Recrutamento Online para África
—
28 Maio
Fórum de Recrutamento Online para Angola
(Candidatos localizados no Brasil, EUA e Canadá)
—
17 Julho
23 a 25 Outubro
27 a 29 Novembro
Fórum de Emprego para Angola
Fórum de Recrutamento Online para Moçambique
(Candidatos Moçambicanos localizados no Brasil)
n LOGOS COMEMORA
SEIS ANOS DE APOIO
O LOGOS, programa de investimento social
do banco ATLANTICO, celebrou o sexto aniversário a 1 de novembro com uma festa na
Baía de Luanda, na qual participaram mais de
um milhar de crianças oriundas dos vários
Centros do Projeto Logos localizados em
Luanda (Katinton, Paróquia de Fátima e Viana), Huíla, Benguela, Bié, Cunene e Namibe.
A atividade deste dia esteve centrada no conceito «Talento energia e carácter; Juntos por
Cidade do Cabo
21 Maio
20 e 21 Junho
serviço. Ao aderirem ao Multibónus BNI, os
comerciantes recebem um terminal POS laranja, que lhes dá acesso a um sistema de
desconto nas suas lojas. Os clientes que paguem as suas compras com cartões de débito ou crédito BNI Visa e BNI Mastercard podem usufruir de descontos imediatos. Toda a
informação está disponível no Portal do BNI.
Luanda
—
Fórum de Recrutamento para Moçambique
Maputo
Fórum de Recrutamento para Angola
Londres
Relatório Pós-Evento — Fórum de Formação Contínua e Desenvolvimento de Carreira para Moçambique
n BNI – NOVOS SERVIÇOS
DE CLIENTES
O BNI - Banco de Negócios Internacional
passou a disponibilizar aos seus clientes um
serviço de internet banking, denominado BNI
CLICK. Disponível no portal do BNI, permite
efetuar as operações de um Multicaixa,
como consulta de saldo, pagamentos de faturas e recargas telefónicas. Foi também a
pensar em oferecer o melhor aos seus clientes, que o BNI apostou na campanha Multibónus. São cada vez mais os estabelecimentos comerciais que aderem a este inovador
6
uma causa». Carlos José da Silva, Presidente
do Conselho de Administração do ATLANTICO, afirmou que «o LOGOS é um projeto de
compromisso de futuro, do ATLANTICO e de
Angola», destacando que o LOGOS trabalha
diariamente para «dar critérios às crianças
para que façam boas opções, daí também a
aposta nos desportos que ensinam a partilhar
e a trabalhar em equipa». Os centros LOGOS
são frequentados por mais de 4000 crianças,
dos 6 aos 18 anos. O ATLANTICO investe 3%
dos seus lucros no projeto.
n FORD APOIA AMBIENTE
A Ford Motor Company, representada em
Angola pela Robert Hudson, e o CINFOTECCentro Integrado de Formação Tecnológica
anunciaram uma parceria ambiental em Angola. A iniciativa foi anunciada após a Ford ter
atribuído 2,5 milhões de kwanzas no âmbito
de um donativo ambiental a Angola. A quantia
será usada pelo CINFOTEC em projetos destinados a preservar e melhorar o ambiente,
designadamente na área da recolha seletiva
de lixo e reciclagem de resíduos. «É a nossa
visão na implementação de medidas de poupança de energia, redução do desperdício de
água e sustentabilidade ambiental que refletem os valores da Ford a nível global e fazem
de nós cidadãos mais responsáveis», disse
Eugene Prinsloo, responsável de mercado
para a região da África Subsariana. Além da
aquisição de novos e mais funcionais recipientes para a recolha dos vários tipos de lixo, o
CINFOTEC desenvolverá igualmente uma
campanha de sensibilização ambiental junto
dos seus formandos.
n ENSINO A DISTÂNCIA
NA FEIRA EDUCA ANGOLA
A aposta na divulgação do ensino a distância ficou evidente na EducaAngola 2014,
realizada no mês de novembro, em Luanda.
A empresa Angola2learn aproveitou o certame para apresentar a sua plataforma de
ensino online. A empresa disponibiliza cerca de 20 cursos de média e curta duração,
como inglês comercial, atendimento ao público, gestão de recursos humanos e infor-
mática na ótica do utilizador, certificados
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
A plataforma é acedida através de um
computador, tablet ou telemóvel. Vários
institutos de ensino médio do país apresentaram projetos tecnológicos inovadores.
O Instituto Médio Industrial de Luanda venceu o grande prémio EducaAngola 2014.
Este evento é uma iniciativa do Ministério
da Educação em parceria com a FIL, que
visa mostrar os processos envolvidos na
formação e ensino dos angolanos. Nesta
4.ª edição estiveram presentes 11 países.
África21– dez 2014 / jan 2015
87
PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
Um plano grandioso para um
país que pensa em grande.
88
dez 2014 / jan 2015 –
África21
Elevar os níveis de segurança alimentar e combater a
pobreza é uma das prioridades do Plano Nacional de
Desenvolvimento. Até 2017, o PND vai, entre outras
acções, promover o desenvolvimento comunitário das
aldeias rurais para assegurar a sua integração no resto
do país. Serão 91 as aldeias rurais construídas ou
requalificadas, totalizando mais de 15 mil habitações.
Para além disso, o PND vai valorizar o papel da mulher
rural, estimular o associativismo e o cooperativismo e
garantir o acesso dos camponeses ao microcrédito.
A crónica de José Carlos de Vasconcelos
C
O ‘herói’ Pepe Mujica
Nunca mudou. Considerado o Presidente mais
azuza, o ‘rebelde’ famoso autor e cantor rock brasipobre do mundo, não foi para o palácio presidencial,
leiro que em 1990 morreu com sida, aos 32 anos,
continuou a viver na sua modesta casa de agricultor,
tem um tema, «Ideologia», uma cantiga cheia de força, em
nos arredores de Montevidéu. Deslocando-se não em
cujo refrão canta: «Meus heróis/ morreram de overdose» –
carro oficial, mas no seu velho «fusca» (Volkswagen)
a que se segue: «Meus inimigos/ estão no poder/ Ideologia/
azul, de 1987, que é – com aquela casa – o seu único
eu quero uma para viver». Tenho-me lembrado muito
património, pois nem conta no banco tem! Vestindo
dela, não porque algum meu «herói» tenha morrido de
calças de ganga e camisa aberta, às vezes fora das calças.
overdose, mas porque, talvez pior, alguns dos meus heróis
E doando 90% do seu salário de Presitêm morrido, para mim, em vida. Morrido,
dente para causas nobres e pessoas cacomo «heróis», por deixarem de ser coerenrenciadas, ficando apenas com 900 eutes com o seu passado e fiéis aos seus valores,
ros mensais (1116 dólares), entendendo
anseios, ideais, até sonhos.
aliás que a verdadeira liberdade está
Não têm sido poucas essas «mortes».
também em consumir pouco.
Ou, pelo menos, as tremendas deceções
Entretanto, durante o seu governo,
provocadas por atos e condutas de figuras
aprofundou no país uma democracia
que admirava, com a inerente tristeza e às
participada, o diálogo, a tolerância. E o
vezes indignação. Não me vou pôr para
Uruguai teve um grande avanço em
aqui a desfiar nomes. Recente exemplo é o
[email protected]
termos de desenvolvimento e justiça
de Xanana Gusmão. O que ele fez ao
[email protected]
social, com a percentagem de populaapoiar a entrada na CPLP da vergonhosa e
ção em situação de pobreza a descer de
corrupta tirania que é a Guiné Equatorial,
37% para 11%! Do mesmo passo que conseguiu
e ao mostrá-lo da pior forma na Cimeira de Timor, ou ao
aprovar a legalização do aborto, do casamento gay e
expulsar, em 48 horas, magistrados que aí estavam para
(como forma de combater o tráfico de droga e a crimiajudar, (por)que investigaram e condenaram por corrupnalidade) o consumo da maconha.
ção importantes políticos – tudo isto foi chocante. Como
Figura fantástica, comovente na sua simplicidade e
então sintetizei na Visão, «agora olhamos para ele e não
generosidade, no seu despojamento, Pepe Mujica é
vemos a figura lendária que simbolizava a resistência do
desses homens que nos fazem acreditar no Homem. E
povo timorense e a sua luta pela independência, mas o
se em cada país houvesse meia dúzia como ele na polípolítico à frente de um país produtor de petróleo, de
tica, fazendo da política apenas um serviço à comunibraço dado com o ditador Obiang».
dade, tudo no mundo seria diferente! Socialista, estréBom, mas eu desejava era sublinhar que ainda há
nuo defensor dos Direitos Humanos, avulta no
figuras extraordinárias, verdadeiros «heróis», no senti«herói», anti-herói, Pepe Mujica, a sua enorme dimendo que aqui lhe dou, e que como tal se mantêm até ao
são humana. Como disse uma vez, «o poder não muda
fim. Citando só três, nossos contemporâneos, escolho,
as pessoas, apenas revela quem realmente são».
entre os já desaparecidos, Nelson Mandela; e, entre os
vivos, a espantosa birmanesa Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz em 1991, que (me) merece uma irrestrita admiração, que se aproxima da veneração, e o
uruguaio José – Pepe, lhe chamam – Mujica.
É este, 79 anos, personalidade única, a razão próxima desta crónica, por estar a findar o seu mandato de
Presidente da República do Uruguai. Mujica foi um
grande resistente à ditadura, guerrilheiro dos Tupamaros, sofreu 14 anos de cárcere. Homem sábio, já em
democracia teve papel fundamental na criação da
Frente Ampla de esquerda. Foi ministro, senador,
Presidente – e nunca mudou…
Figura fantástica,
comovente na sua simplicidade
e generosidade, no seu
despojamento, é desses homens
que nos fazem
acreditar no Homem
África21– dez 2014 / jan 2015
89
livro do mês
Luanda, Invenção de uma Capital, de Maria João Martins
De entreposto negreiro
a uma urbe moderna
A
Foi publicado o livro da historiadora
portuguesa Maria João Martins,
Luanda, Invenção de uma Capital,
volume com qualidades, infelizmente
distorcidas pela evidente pressa em
começar uma chancela e uma coleção
Rodrigues Vaz
90
dez 2014 / jan 2015 –
África21
proposta é, à partida, interessante: estudar a vida de
Luanda no período áureo do colonialismo europeu
(1870-1910), a partir da análise da sua demografia, sociedade, caraterísticas urbanísticas, saúde pública, saneamento, o sistema de transportes e o quotidiano.
Hoje metrópole cosmopolita e símbolo de uma África nova,
Luanda foi também a primeira cidade de fundação europeia na
costa ocidental africana, criada por ordem do Rei de Portugal em
1576. Foi entreposto de tráfego negreiro, presídio para os degredados do Reino, morada da esperança (e até da utopia) de muitos
portugueses e angolanos. Neste livro, segundo a autora, conta-se a
árdua história da sua «invenção» e o modo como essa mesma História há de unir para sempre dois povos e dois continentes.
Usando como mote um conhecido poema de Luandino Vieira,
«A pergunta no ar/ no mar/ na boca de todos nós:/ – Luanda, onde
está?/ Silêncio nas ruas/ Silêncio nas bocas/ Silêncio nos olhos»,
nota-se que a autora dedicou-se com entusiasmo a estudar o modo
fascinante e contraditório como a bonita capital de Angola se desprendeu da categoria de entreposto de comércio negreiro para se
transformar numa cidade moderna.
Realçando como uma das grandes linhas de força do longo
ciclo esclavagista o estreito relacionamento de Luanda com o
Brasil, principal destino da mão-de-obra escrava, que levou o antropólogo brasileiro Gilberto Freire a escrever que «a proximidade
da Baía e de Pernambuco da costa de África atuou no sentido de
dar às relações entre o Brasil e o continente negro um caráter todo
especial de intimidade», a autora reconhece, citando Ilídio do
Amaral, que «foi preciso chegar ao fim do século XIX e princípio
do século XX, com a penetração da colonização no interior de
Angola, para que a cidade (de Luanda) ganhasse uma população
civilizada fixa e em expansão».
Nitidamente, pode dizer-se que foi o fim efetivo, pelo menos
a nível formal, da escravatura, que provocou o desenvolvimento
de Luanda, pois, como acentua Silva Rego, «Dependendo quase
exclusivamente da mão-de-obra escrava, dificilmente poderia
pensar-se em novas fontes de receita. O tráfico tinha em si mesmo
o estigma da esterilidade».
Procuradas outras fontes de receita, nomeadamente a borracha e o café, o panorama da sociedade local começa a modificar-se, os comerciantes começam a trazer as suas mulheres, embora
os funcionários da Administração resistissem a isso, a pretexto das
fracas condições sanitárias.
O código do racismo
Infelizmente, para os trabalhadores negros a situação piorara,
especialmente com a implementação do retrógrado Código do
Trabalho de 1899, idealizado por António Enes, que complementava as diretivas de Andrade Corvo, de caráter eminentemente racista, que, conforme assinala a autora, agrava «o fosso
existente entre a população branca e negra. Estes negros viviam,
sobretudo nas cubatas, cada vez mais empurradas para longe do
centro da cidade».
Nos fins do século XIX este divórcio acentua-se por força de
três grandes fatores, de acordo com Maria João Martins: «Por um
lado, encontramos a urgência de saneamento que imporá à edilidade a necessidade de reprimir a expansão dos bairros de cubatas
dentro do perímetro urbano de Luanda. Por outro, as novas teorias
europeias transformar-se-ão na base de uma nova mentalidade que
não admite a coexistência e a vizinhança do colono branco e do
Foram as novas teorias europeias que não
admitiram a coexistência e a vizinhança do
colono branco e do natural negro ou mestiço
natural negro ou mestiço. A estes dois fatores há ainda que acrescentar as exigências de uma estrutura económica cada vez mais complexa, de resto associada a uma situação demográfica que se carateriza
pelo aumento da população branca de Luanda».
Na verdade, como salienta a autora, «os contactos entre a cultura europeia e as culturas autóctones vão perdendo intensidade ao
longo da segunda metade do século XIX, até se chegar ao etnocentrismo do século XX. Fernanda de Castro, no seu célebre Mariazinha em África, mostrar-nos-á negros toscamente aculturados, esforçando-se muito para se parecerem com os senhores brancos. No
final do século XIX, Alfredo Troni, pelo contrário, descreve-nos,
com naturalidade e sem paternalismo, os rituais de uma cultura,
que se ia misturando, por força do contacto com a portuguesa».
As razões destas diferenças podem ser várias. Uma delas deriva
das próprias mudanças ocorridas na sociedade luandense no período que medeia entre estas duas obras. Em meados do século XIX,
lembra Maria João Martins, negros e mestiços, até então tão envolvidos no tráfico negreiro como os portugueses da Metrópole, podiam fazer parte das elites da sociedade, de que é exemplo maior
D. Ana Joaquina dos Santos, a Laluinha, mestiça, que foi uma das
mais ricas negociantes e proprietárias de Luanda.
Efetivamente, com a ilegalização e gradual desaparecimento da
escravatura, em seu lugar surgirão as elites predominantemente
brancas, compostas por negociantes de outros produtos que, a partir do último quartel do século XIX, estarão firmemente colocadas à
frente da vida cívica e pública de Luanda. «Serão eles que ocuparão
MARIA JOÃO MARTINS
Nascida em Vila Franca de Xira em 28 de junho de 1967, tornou-se
jornalista, aos 20 anos, no extinto Diário de Lisboa, trabalhou durante 20 anos no Jornal de Letras, Artes e Ideias, sendo ainda colaboradora das revistas Vogue, Máxima, Visão, UP e do jornal
brasileiro O Estado de São Paulo. Licenciada em História e mestre
em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa pela
Faculdade de Letras de Lisboa, foi professora universitária durante
cinco anos e assinou um programa de História na RDP- Antena 2
durante dois anos. Recebeu vários prémios de jornalismo, entre os
quais o de Revelação de Reportagem do Clube Português de Imprensa e o Júlio César Machado da Câmara Municipal de Lisboa.
Como autora publicou vários estudos de História, nomeadamente
Divas, Santas e Demónios - Mulheres Portuguesas e O Paraíso
Triste - O Quotidiano em Lisboa durante a II Guerra Mundial. Estreou-se na ficção com a novela Escola de Validos (2007) e publicou, em 2011, o romance Como o Ar que Respiras.
os lugares chave do poder local (como os cargos camarários), serão
eles que dominarão o sistema eleitoral, com o peso quer dos seus
avultados rendimentos, quer do prestígio que iam adquirindo».
Esta transformação, somada aos novos ideais colonialistas,
ditará outras, designadamente ao nível do urbanismo, da demografia e do quotidiano. Dirá a autora: «O último quartel do século
XIX marca, com efeito, o aparecimento dos primeiros esforços de
deslocação das cubatas para longe do centro da cidade, melhor
dizendo, de separação entre o que Ilídio do Amaral chama a ‘cidade branca’ e a ‘cidade negra’».
Depois de feita esta análise da obra em si, em que são notórias
várias asserções avisadas, não compreendemos porque a autora decidiu ignorar o contributo para o conhecimento do desenvolvimento de Luanda já feito por arquitetos como Troufa Real, cujo primeiro projeto do Plano Diretor de Luanda é modelar, José Manuel
Fernandes e Ana Vaz Milheiros, para já não falar da jovem arquiteta
angolana Ângela Mingas, que se está a debruçar aturadamente no
estudo deste setor. Resta apontar para alguns erros de palmatória,
frutos de uma deficiente revisão, como dizer que Luanda viu nascer
Luandino Vieira – este nasceu em Vila Nova de Ourém – e grafar
quintadeiras em vez de quitandeiras, para além de repetir na página
109, uma citação (grande) da página 53.
Luanda, Invenção de uma Capital
Maria João Martins
Gato do Bosque Editores, Lisboa, 2014
África21– dez 2014 / jan 2015
91
AMÉRICA LATINA
EUROPA
Contra a restauração
conservadora
Continuam os diálogos
de surdos
Seja assinante
A nossa solidez
é a sua confiança
A Nova Movimento – empresa angolana proprietária da África21 – montou
um sistema de recolha de assinaturas regionalizado, a fim de poder atender
melhor, com mais rapidez e de maneira mais vantajosa, os diferentes assinantes da revista.
Assim, as assinaturas serão recolhidas, conforme os casos, em três centros:
Luanda, Lisboa e Rio de Janeiro. Com exceção dos assinantes de Angola e Brasil, todos os demais receberão o seu exemplar pelo correio a partir de Lisboa.
Como os custos de envio também são variáveis, conforme as re­giões,
o preço das assinaturas é igualmente regionalizado.
Eis, a seguir, um quadro explicativo, com a tabela de preços
das assinaturas e com os detalhes acerca dos centros onde os pagamentos
deverão ser feitos, conforme os endereços dos assinantes.
Nº 92 - DEZ 2014 / JAN 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15
Ébola, terrorismo,
guerras e crises
pintaram um
quadro assustador,
mas apesar disso
o continente avança
2014/2015
África
em transição
num mundo
de incertezas
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SEMESTRAL
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€ 35
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€ 30
€ 55
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ITAÚ
Millennium BCP
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92
dez 2014 / jan
novembro
2014
2015
– África
– África
21 21
MY
CY
CMY
K
O SAPO DEU O SALTO.
Quando o SAPO dá o salto a internet dá o salto. Quando o SAPO dá o salto
a tecnologia dá o salto. A informação dá o salto, o país dá o salto, o mundo
dá o salto. O SAPO deu o salto para uma imagem mais moderna, mais
simples de navegar e com novos conteúdos. Vamos todos dar o salto?
DÁ O SALTO EM SAPO.AO
África21– dez 2014 / jan 2015
93
vl o
er
uvir
er
Sonhos Azuis pelas Esquinas
Ondjaki
Editorial Caminho, Lisboa, 2014
«Quantas noites dura este martírio? A mulher já não sorri.
Nem pestaneja. – Não é um martírio. É uma escolha. Cada
um suporta o peso da espera que deseja. – Quantas noites? –
Quinhentas. Mas você não estará aqui para saber o fim desta
estória». São 144 páginas. Pequenas. Um livro de contos de
Ondjaki que passa despercebido quando fechado, que ganha
vida ao fim de umas páginas. Neste tom: sempre neste
tom. Escreve Ondjaki: «Estar mudo, pensei, não é só não
ter o que dizer. É também estar cheio de outras coisas que
nos ocupam, e nos invadem, e nos sobrepõem de silêncio».
As ideias, as palavras, a mensagem; tudo na sua escrita nos
surge delicadamente, quase como que pedindo desculpa.
Palavras sentidas e escolhidas a dedo, frases buriladas.
Há quem lhe chame um
«encantador de palavras».
Com este Sonhos Azuis
pelas Esquinas Ondjaki
reforça esse estatuto, e
lança-nos num percurso
literário que certamente
agradará a todos os que
apreciam a pura perfeição
da escrita. A presente obra
sucede a Uma Escuridão
Bonita, editada em 2013, ao
romance Os Transparentes,
de 2012, e Os Vivos, o Morto
e o Peixe Frito, de 2014
94
dez 2014 / jan 2015 –
África21
«O meu interesse por Serpa
Pinto tem a ver com o facto
de ter sido um extraordinário
explorador, um homem que
atravessou África de costa
a contracosta e que apostou
em Portugal, nomeadamente,
na ideia do mapa cor-derosa». As palavras são do
jornalista português Pedro
Pinto, que acaba de editar o
seu segundo romance, desta
feita centrado no explorador
português que cruzou o
continente entre Angola e
Moçambique no século XIX.
Pegando num facto concreto,
o jornalista romanceou,
criando um enredo com
novas personagens e
acontecimentos: «Naquela
madrugada de setembro
de 1878, Serpa Pinto ouve
primeiro uma aziaga a cortar
o silêncio da noite africana.
Em segundos vê o seu
acampamento rodeado por
guerreiros em fúria. Tinha
deixado a baía de Luanda
há mais de um ano, resistia
no centro de África, a meio
caminho entre o Atlântico e o
Índico (…)». Uma obra que nos
traz uma feliz sequência de
factos reais e imaginados.
Serpa Pinto - O Mistério do
Sexto Sentido
Pedro Pinto
A Esfera dos Livros, Lisboa,
2014
Alabardas é uma obra
inacabada de José Saramago,
que tem sido gradualmente
lançada desde o verão em
diversos países. O livro
contém um texto do escritor
italiano Roberto Saviano e
outro do espanhol Fernando
Gómez Aguilera. A capa é um
desenho de Günter Grass,
Prémio Nobel da Literatura.
Apesar de incompleto,
Saramago e a sua escrita
estão lá. Desde o primeiro
parágrafo. Pilar del Rio, no
editorial da revista Blimunda
de julho, escreve: «Talvez não
seja ousadia recordar que
os seus dois últimos livros,
Caim e Alabardas, tratam
de dois assuntos centrais
na sua obra, abordados de
forma explícita, para não
deixar sombra de dúvida:
a recusa do poder que as
religiões exercem sobre as
pessoas e sociedades para
as anular através do medo
e da proibição, o recurso
à violência, tão usado em
diferentes civilizações, como
se não houvesse outro meio
para solucionar conflitos».
Um livro de dois sentimentos:
retiramos prazer na sua
leitura, sentimos que nos falta
algo, na escrita e na vida,
quando o terminamos.
Alabardas
José Saramago
Porto Editora, Lisboa, 2014
Com o seu décimo álbum,
Film of Life, Tony Allen
arrancou um conjunto de
músicas que marcam um
verdadeiro autorretrato,
oferecendo uma retrospetiva
da sua rica e exemplar
carreira, que reúne bebop,
jazz afrobeat e pop
psicadélico. Sim, assim
mesmo, e este trabalho acaba
por revelar esta forma plural
e multidisciplinar de estar
na música. Consigo estão
alguns companheiros na
música do mundo, incluindo
Damon Albarn (Gorillaz, The
Good the Bad & the Queen,
Blur). Há músicas onde a
agitação sonora transparece
aos primeiros acordes, tal
como há simples melancolia
noutras faixas. Mas Tony
Allen consegue aquilo que
só a experiência permite: um
conjunto equilibrado de temas,
num embrulho que cativa
facilmente. Sim, Tony Allen no
seu melhor.
Film of Life
Tony Allen
É uma caixa com seis álbuns
e um DVD com o espetáculo
Live A Paris. É uma vida
de música, muita música
da rainha da morna. Está
lá quase tudo, numa edição
especial da Sony Music que
o mundo realmente agradece.
Na verdade, muitos são os
músicos que já não estão por
cá que se congratulariam com
tal gesto das suas editoras.
Cesária teve-o, e embora não
sendo preciso, escutar um dos
álbuns ou mesmo ver o DVD,
já que percorre toda a sua
carreira, demonstra-nos de
imediato a justeza da edição.
É tudo bom, até os excessos.
Uma coleção para guardar,
uma homenagem justa, horas
de música para se escutar e
recordar. Aliás, interessante
será mesmo aproveitar o
balanço e viver a música
por ordem cronológica,
passeando-se assim no tempo
da cantora. Uma edição
acabada de sair, certamente
com o Natal em vista.
Sony Music
Cesária Évora
São 38 minutos de
documentário sobre bandidos
numa das cidades com maior
percentagem de crimes do
mundo, a Cidade do Cabo,
na África do Sul. Chama-se
Gangster Backstage e é
realizado por um jovem
estudante, Teboho Edkins, em
conjunto com um operador de
câmara. Após uma pesquisa
elaborada para encontrar o
alvo do filme, Edkins julga
encontrar o gangue perfeito
e passa a acompanhar o
seu quotidiano. A força e
intensidade da realidade
rapidamente tomam conta do
documentário. Uma realidade
escondida, nem sempre
percetível, mas que deixa
todos os dias marcas de crime
na cidade, vai ganhando
força, através de gestos, mas
principalmente de palavras.
Muitas palavras. Estão lá
o medo, a claustrofobia, a
ganância, mas também os
sonhos e acima de tudo a
violência de gente diferente,
mas no fundo igual a tanta
outra.
Gangster Backstage
Realizador: Teboho Edkins
Género: Documentário
Estreou no verão em Portugal
e no Brasil e chegou agora
ao DVD. Os Maias – Cenas
da Vida Romântica, de
João Botelho, baseado na
obra homónima de Eça de
Queiroz e coproduzido por
Portugal e Brasil, alcançou
em quatro dias de exibição
em terras lusas o estatuto
de terceiro filme português
mais visto do ano. Para João
Botelho, realizador, o filme
retrata o Portugal «sem
sentido e sem remédio» de
há cinquenta anos, tal como
hoje. «Quantos Dâmasos
Salcedes, Silveirinhas ou
banqueiros Cohen andam
por aí à solta», afirmou o
realizador referindo-se a
algumas das personagens
do romance. Uma das
particularidades do filme é o
facto de os exteriores terem
sido filmados em estúdio, com
recurso a telas de grandes
dimensões, pintadas pelo
artista plástico João Queiroz.
Um retrato muito fiel da obra,
numa adaptação que salta
propositadamente alguns
períodos da história, mas
que segue a obra, incluindo
algumas particularidades dos
diálogos.
Os Maias
Realizador: João Botelho
Atores: Graciano Dias, Maria
Flor, João Perry e pedro Inês
Género: Ficção
África21– dez 2014 / jan 2015
95
Última página
O censo
[email protected]
João Melo
O
s resultados preliminares do censo realizado em
maio de 2014 em Angola, embora não contenham
novidades inesperadas, são de uma importância inegável. Com efeito, e atendo-me apenas a algumas das suas
conclusões mais importantes, o aumento da população para
quase 25 milhões de pessoas, sem afetar, entretanto, a persistência de uma densidade populacional extremamente baixa
(apenas 19 pessoas por quilómetro quadrado), a existência de
mais mulheres do que homens, o facto de mais de 60% das
pessoas viverem em áreas urbanas ou a notícia de que a «Grande Luanda» (incluindo, portanto, os municípios satélites de
Viana, Cacuaco, Cazenga e Belas) concentrar praticamente
um quarto do número total de angolanos apenas vieram confirmar aquilo que muitos já suspeitavam.
Um outro dado, que não consta dos resultados preliminares
divulgados, mas que foi revelado por um conhecedor dos resultados do censo-piloto realizado em 2013 (e que, por conseguinte, deverá fazer parte dos resultados finais) também não é novidade nenhuma: o português é a principal língua falada pelos
angolanos. Eu incluo-me entre aqueles que sempre defenderam
essa inevitabilidade, fruto das políticas educacionais dos governos pós-independência, que fizeram mais em cerca de 40 anos
pela expansão desse idioma em Angola do que os colonizadores
portugueses em 500 anos de história. Nesse sentido, tais políticas foram irrepreensíveis.
A importância dos referidos resultados não decorre, pois, da
sua absoluta «novidade», mas do facto de terem deixado de ser
«intuições» para se converterem em realidades indiscutíveis.
Parafraseando o Presidente José Eduardo dos Santos, os resultados do censo constituem uma base fundamental para a elaboração de políticas mais adequadas para o país.
O intuito do presente texto é, precisamente, listar algumas
ideias para a elaboração dessas políticas. Por makas de espaço, as
ideias em questão serão referidas quase graficamente.
Assim, parece óbvio que a confirmação da macrocefalia
de Luanda exige, ao mesmo tempo, políticas imediatas para
valorizar o interior e ações corajosas para tentar recuperar a
capital do país, hoje tornada uma cidade literalmente
esquizofrénica.
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dez 2014 / jan 2015 –
África21
De igual modo, a caótica urbanização do país, forçada pelos
factos históricos, com destaque para a guerra, mas também por
políticas equivocadas da administração, impõe medidas adequadas e diferenciadas das que têm sido seguidas até agora pelo
Governo para desenvolver o campo. O Estado precisa, de uma
vez por todas, de apoiar os camponeses e a agricultura familiar,
em vez de gastar tempo e recursos com mega projetos que podem ser deixados para os empresários privados.
Quanto à disparidade entre homens e mulheres, os dados
do censo apontam para a necessidade de reforço das políticas de
valorização das mulheres. O país já fez muito nesse domínio,
mas são precisas medidas mais ousadas. A tendência «tradicionalizadora» das relações de género (incluindo a organização das
famílias, a violência doméstica e o sexo) opõe-se claramente aos
esforços institucionais já feitos para valorizar devidamente as
mulheres angolanas.
A confirmação de que o português é a língua mais falada em
Angola tem, por seu turno, uma implicação irrefutável: os preconceitos de alguns setores da sociedade contra o português não
têm o menor sentido, pois essa língua já foi nacionalizada pelos
angolanos. Assim, qualquer política linguística do país deve estabelecer um diálogo produtivo entre todas as línguas usadas
pela população, não pondo umas contra as outras. Não se deve
esquecer, igualmente, que os quadros e as elites angolanas precisam de dominar também as principais línguas internacionais.
Last but not the least, a baixíssima densidade populacional
do país, confirmada pelo censo, torna claro que Angola carece
com urgência de uma política de imigração adequada. O assunto merece uma discussão ampla e descomplexada, mas antecipo
aqui algumas sugestões: em termos de competências, priorizar
os professores, médicos, enfermeiros, engenheiros, investigadores, operários especializados e agricultores; em termos de origem, os países africanos e todos os países de língua portuguesa,
sem esquecer os afrodescendentes espalhados pelo mundo.
Angola precisa de políticas ousadas
para dar o salto
Boas Festas

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