África em transição num mundo de incertezas
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África em transição num mundo de incertezas
EUROPA Continuam os diálogos de surdos AMÉRICA LATINA Contra a restauração conservadora Nº 92 - dez 2014 / JAN 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15 Ébola, terrorismo, guerras e crises pintaram um quadro assustador, mas apesar disso o continente avança 2014/2015 África em transição num mundo de incertezas A nossa solidez é a sua confiança África21– dez 2014 / jan 2015 1 2 dez 2014 / jan 2015 – África21 África21– dez 2014 / jan 2015 3 sumário Crescimento com algumas incertezas África em balanço As quatro regiões africanas têm um denominador comum: as crises são muitas e perigosas, mas no horizonte de 2015 surgem alguns sinais ainda ténues, de que o novo ano poderá não ser tão devastador como seria de esperar Augusta Conchiglia, Gaye Davis e Valérie Thorin O alerta democrático permanece 74 Os latino-americanos recusam-se a franquear as portas à direita neoliberal Manrique S. Gaudin África21 Revista de Política, Economia e Cultura Propriedade Nova Movimento, Lda Sociedade de Marketing, Comunicação e Cultura Rua Frederico Welvitch, n.º 82 Bairro do Maculusso – Luanda, Angola [email protected] Editada por Movipress Uma divisão da Nova Movimento, Lda Diretor Carlos Pinto Santos [email protected] [email protected] Diretora Comercial Fernanda Osório [email protected] [email protected] Técnica Comercial Yuma Traça Assistente Direcção Comercial Patrícia Filipe Representação em Portugal Triangulação, Lda Rua Bento Jesus Caraça, 16 – 2º Dto 1495-686 Cruz Quebrada Apartado em Lisboa: 19059 1990-999 LISBOA Diretora administrativa Marina Melo [email protected] [email protected] 4 dez 2014 / jan 2015 – No seu discurso sobre o estado da nação, José Eduardo dos Santos realçou com otimismo a situação macroeconómica do país Carlos Severino A cacofonia da União Europeia 81 Nas eleições de maio entraram para o Parlamento Europeu deputados de extrema direita, esquerda radical e até alguns pró-nazis Nicole Guardiola Representação no Brasil Belisan Editora, Comércio e Serviços Ltda [email protected] Redação de Angola Adriano de Sousa, Alberto Sampaio, Carlos Severino, Luís Ramiro, António Dombele, Pedro Kamaka, Ruben Kamaxilu e Teixeira Cândido Redação de Portugal João Carlos, Miguel Correia, Nicole Guardiola, Nuno Macedo e Teresa Souto Redação do Brasil Carlos Castilho e João Belisario Colaboradores permanentes Almami Júlio Cuiaté (Bissau), Augusta Conchiglia (Paris), Charles Shorungbe (Lagos), Emanuel Novais Pereira (Maputo), Fernando Lopes Pereira (Bissau), Gaye davis (Pretória), Gláucia Nogueira (Praia), Itamar Souza (Nova Iorque), João Vaz de Almada (Maputo), Juvenal Rodrigues (São Tomé), Luís Costa (Washington), Manrique S. Gaudin (Buenos Aires), Natacha Mosso (Praia), Paul Cooper (Houston), Rodrigues Vaz (Lisboa) e Valerie Thorin (Paris) Colunistas Alves da Rocha, Conceição Lima, Corsino Tolentino, Fernando Pacheco, Germano Almeida, João Melo, José Carlos de Vasconcelos, Luís Cardoso, Mallé Kassé, Odete Costa Semedo e Pepetela Fotografia Agência Angop, Agência Lusa, Agência France África21 30 10 Presse, Arquivo África21, Arquivo Digiscript, Fernanda Osório, Jornal de Angola e Ruth Matchabe Projeto gráfico, paginação e pré-impressão Digiscript [email protected] Publicidade em Angola Movimídia Gestão e Comercialização de Meios Rua Frederico Welvitch, n.º 82 Bairro do Maculusso — Luanda, Angola Fernanda Osório [email protected] Yuma Traça [email protected] Distribuição e assinaturas em Angola Movipress Rua Frederico Welvitch, n.º 82 Bairro do Maculusso – Luanda, Angola Tel: 244 912 442 453 [email protected] Distribuição, Assinaturas e Publicidade no Brasil Belisan Editora, Comércio e Serviços Ltda. - ME CNPJ 08.629.179/0001-52 Estrada Rodrigues Caldas Nº 297 CEP 22.713-372- Taquara – Jacarepagua Rio de Janeiro- RJ Distribuição em Portugal URBANOS PRESS, S.A Rua 1º de Maio - Centro Empresarial da Granja Junqueira 2625-717 Vialonga Publicidade e assinaturas em Portugal Triangulação [email protected] [email protected] Impressão em Angola: Imprimarte Estrada Viana - Catete, Km 36 – Angola Francisco Nunes [email protected] Tlm.: +244 931 696 890 Impressão em Portugal: PrinTipo Alto da Boavista, Estrada de Paço de Arcos, nº 77 Pavilhão 20 – 2735-197 CACÉM Telefone: (351) 214 906 020 Impressão no Brasil: Blue Print Gráfica Editora Ltda Rua José Mendes de Souza, 7 – Sampaio Corrêa Saquarema/RJ – CEP 28990-000 Tels.: 22 2654.7154 / 22 2654.1112 Tiragem total: 11.000 exemplares Os artigos assinados refletem a opinião dos autores e não necessariamente da revista. Toda a transcrição ou reprodução, parcial ou total, é autorizada, desde que citada a fonte. A correspondência deve ser dirigida à Movipress Rua Frederico Welvitch, n.º 82 Bairro do Maculusso – Luanda, Angola. Tel.: 244 912 442 453 Portal www.africa21online.com aos leitores Um balanço da África e do mundo 6 Entrevista Carlos Lopes Mais que reduzir a pobreza, é preciso gerar atividade económica África 21 24MÉDIO ORIENTE A barbárie do dito Estado Islâmico Nicole Guardiola 28OPINIÃO Mallé Kassé 38CRÓNICA DA TERRA Fernando Pacheco 40OPINIÃO Alves da Rocha 42CABO VERDE Melhorar o ambiente de negócios Natacha Mosso 48GUINÉ-BISSAU Bons augúrios para os guineenses Almami Júlio Cuiaté 55MOÇAMBIQUE Da paz ameaçada às eleições Emanuel Novais Pereira 58SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Refletir sobre o futuro Juvenal Rodrigues 64TIMOR-LESTE Saída adiada de Xanana Gusmão Isabel Marisa Serafim 70BRASIL As tarefas de Dilma Russeff para 2015 Carlos Castilho 78EUA Barack Obama com um difícil fim de mandato Itamar Souza 83PORTUGAL Eventos político-judiciários Carlos Pinto Santos Rubricas 90 Livro do Mês 94 Ver, Ouvir, Ler Crónicas 35 Pepetela 45 Germano de Almeida 47 Corsino Tolentino 53 Odete Costa Semedo 63 Conceição Lima 67 Luís Cardoso 89 José Carlos de Vasconcelos 96 João Melo É norma habitual na África21 que a última edição do ano seja dupla, dezembro/ janeiro, o que pode ser entendido como uma ponte entre o ano que termina e aquele que se avizinha. Mas esta [email protected] edição tem uma particularidade inédita porque dispensa a matéria de capa, o que não é usual na nossa revista. Decidimos fazer um balanço sobre o que aconteceu pelo mundo fora, nos últimos doze meses, pontuados por inúmeros acontecimentos políticos, económicos e sociais, desafiantes para os governos nacionais, as populações e o equilíbrio da diplomacia internacional. Aos nossos correspondentes permanentes foi-lhes solicitado um balanço sobre os continentes e países em que vivem e trabalham. Juntamos também nesta edição todos os cronistas e autores de artigos de opinião que, ao longo do ano, acompanham a nossa revista, com a sua análise e pontos de vista sobre a evolução do mundo em que vivemos. A ponte 2014/2015 dá, como é natural, espaço alargado a África, na diversidade das suas regiões e países. Percorremos igualmente o espaço do Médio Oriente, das Américas e da Europa. É sobre África que Carlos Lopes, secretário executivo da Comissão Económica para África das Nações Unidas, responde na entrevista que publicamos a abrir esta edição, fazendo um balanço económico-financeiro, social e político sobre o continente. África e os outros continentes entram em 2015 com otimismo muito reduzido e muitas dúvidas, porque não sabem o que vão enfrentar. Mas nem tudo foi mau no ano que termina. Carlos Pinto Santos África21– dez 2014 / jan 2015 5 Entrevista Carlos Lopes, secretário executivo da UNECA - Comissão Económica para África das Nações Unidas “Angola pode e deve ser uma locomotiva do crescimento africano” Carlos Lopes, secretário executivo da UNECA, traça o retrato atual da economia do continente e aborda detalhadamente as potencialidades da agricultura e do agronegócio. Sobre Angola, destaca os aspetos conseguidos nos últimos anos, mas sublinha que muito mais tem de ser feito. ÁFRICA21. Qual é o estado atual da economia africana? CARLOS LOPES: O estado atual da economia é bom, mas volátil, particularmente no setor do petróleo e do gás que, como se sabe, é uma parte substancial do Produto Interno Bruto africano combinado. Não devemos confiar demasiado na estabilidade das exportações de energia, porque a revolução do gás de xisto nos Estados Unidos vai mudar as regras do jogo no setor da energia, em especial no petróleo e no gás. Os EUA não vão precisar de importar energia num futuro próximo. E no que respeita ao aumento do consumo em África? O crescimento da classe média levará a maior procura de energia. Sim, é o que penso. A industrialização em África centra-se em três aspetos fundamentais e um deles é o mercado interno. O segundo é o facto de termos potencialidades em energias renováveis. Além disso, podemos, num contexto tecnológico, criar condições para uma industrialização verde e limpa. O terceiro aspeto é que o cartão de visita de África são os seus produtos. Isso significa que os países produtores de petróleo e gás devem estar preocupados? Sim, devem preocupar-se em manter o mercado norte-americano como um dos destinatários da sua energia. O Economic Report on Africa deste ano dá destaque às «bolsas/pacotes de eficiência». O que significa isso? São segmentos da cadeia de valor global criados por terem o melhor ambiente para se desenvolver; por exemplo, têxteis na Etiópia e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) no Quénia. Dou o exemplo de Marrocos, que identificou a indústria aeronáutica como um segmento em que o país podia entrar. Os currículos escolares foram adaptados para responder a esse propósito; precisaram de garantir que todas as condições necessárias – impostos, incentivos ao investi- Concretamente, de que forma o mercado norte-americano irá alterar as regras? Daqui a cerca de cinco anos os EUA não vão importar petróleo nem gás. Os EUA estão confiantes em que irão tornar-se num puro exportador de energia. Dentro de cinco anos, ou se tem um mercado alternativo ou ser-se-á marginalizado no que respeita à procura norte-americana. 6 dez 2014 / jan 2015 – África21 mento e enquadramento legal – estavam alinhadas. Hoje têm 7000 postos de trabalho neste setor. O problema é que nós estamos a fazer redução de pobreza. Não estamos a gerar atividade económica. Um relatório do Banco Mundial do ano passado prevê que o agronegócio de África valha um bilião de dólares em 2030. Que resposta dá aos que dizem que este setor não atrai investimentos de monta? Em primeiro lugar gostaria de dizer que o nosso trabalho tem sido fraco na agricultura. Há uma política de desincentivo que constitui um impedimento a uma maior produtividade na agricultura. Isto é especialmente verdade se continuarmos a praticar, de uma perspetiva de ajuda ao desenvolvimento, políticas de segurança alimentar e redução de pobreza como as únicas abordagens à agricultura. Claro que defendo a segurança alimentar, mas tenho dificuldade em entender como podemos aplicar cerca de mil milhões de dólares na agricultura todos os anos, provenientes apenas da ajuda ao desenvolvimento, e não obter quaisquer resultados. Continuamos a ter hoje a mesma produção por hectare que tínhamos há 20 anos. UNECA Como se inverte essa situação? O mais importante é apostar no agronegócio. É aí que vamos criar empregos modernos. Os jovens já não querem ser agricultores mas estão interessados em novas profissões relacionadas com a agricultura. É assustador que na Costa do Marfim apenas 15% dos iogurtes consumidos sejam produzidos localmente! O facto de os preços de alguns produtos em África serem determinados a partir do exterior não constitui um problema? Estou a falar sobretudo de oportunidades de agronegócio para os mercados africanos. Sim, os subsídios à agricultura no Ocidente afetam o nosso comércio de produtos primários. Mas nós temos oportunidades de ser bem sucedidos na agricultura com uma produção orientada para os mercados africanos, não para a exportação. Existe suficiente procura interna para atrair agricultores e investidores para o agronegócio? Um estudo feito na Nigéria pelo empresário Aliko Dangote descobriu que cerca de 80% da pasta de tomate era importada. Estamos a importar este produto de sítios tão longínquos como a China! Isto não faz sentido. A procura existe e vai continuar a crescer. Há um bom exemplo: a Shoprite, uma das maiores cadeias de supermercados da África do Sul, está a expandir-se fortemente ao resto do continente. No seu primeiro ano de operação na Zâmbia, cerca de 80% dos seus produtos foram importados da África do Sul. Cinco anos mais tarde, já estavam a trabalhar com pequenos empresários zambianos para garantir a produção local de acordo com certos padrões. “Se tivermos de fazer com que as regras funcionem em África, isso significa um protecionismo inteligente” Entre 1970 e 2008, cerca de 800 mil milhões de dólares desapareceram de África devido a fluxos financeiros ilícitos. Mo Ibrahim disse no ano passado que África pode estar a perder anualmente até 40 mil milhões de dólares em resultado da evasão fiscal. Existe um problema de credibilidade com o setor privado em África? Estudos revelam que o nosso setor privado é extremamente preguiçoso para passar aos setores industriais. Isto está ligado à falta de África21– dez 2014 / jan 2015 7 vontade dos bancos em emprestar a este setor. Normalmente, fazem negócios na área dos serviços, que responde à procura interna; pode fugir-se aos impostos e ser mais informal do que se tiver uma fábrica, porque a fábrica está à vista de todos. Não devemos distrair-nos com as preferências do setor privado. Em vez disso devemos criar as políticas e os regimes de incentivos que os façam investir na industrialização. O Banco Mundial criticou a Nigéria por banir a importação de alguns produtos. Qual a sua opinião? O Banco Mundial está mandatado para promover a liberalização em todas as frentes. Mas todos os países que têm indústrias começaram com alguns graus de protecionismo. Já não podemos ser protecionistas no crude; estamos envolvidos nas negociações globais, incluindo as comerciais. Se tivermos de fazer com que as regras funcionem em África, isso significa um protecionismo inteligente. Não existe o argumento de que sem liberalização, não haverá concorrência e que os preços dos produtos disparam? Existem subsídios e normas que são contraproducentes. No caso da Nigéria, os subsídios aos combustíveis estão a prejudicar os pobres e a proteger uma corrente de corrupção que não tem favorecido a produtividade e a atividade económica. Por outro lado, se estivéssemos a falar de uma Nigéria com 16 refinarias e a produzir uma gama completa de produtos relacionados com o petróleo – de fertilizantes a plásticos – e depois criar uma legislação para defender uma indústria nascente que pudesse consolidar a sua posição no mercado, então os subsídios teriam sido uma boa medida. O Governo da Nigéria não foi capaz de calibrar as implicações económicas de um subsídio aos combustíveis com as consequências políticas da sua remoção porque o subsídio é uma medida popular junto da população. Se as pessoas não confiarem em que o subsídio deve ser retirado para que tenham melhor educação, hospitais, estradas, aeroportos, entre outros, é normal que não estejam convencidas. O Governo tem de 8 dez 2014 / jan 2015 – África21 construir confiança e por vezes tem de o fazer de uma forma que não seja abrupta. A economia do Quénia abrandou ultimamente. Cresceu 4,5% em 2010 e 3,3% em 2011. O que pode fazer o país para impulsionar a economia? Tenho muita esperança no Quénia. Vê-se em Nairobi uma juventude urbana, inovadora e interativa. É por isso que a sua indústria de TIC está sempre a surpreender com novos produtos. Por muito que estejamos entusiasmados com as experiências da Etiópia e do Rwanda devido à consistência do empenho do Estado, penso que o Quénia tem uma melhor combinação de fatores mesmo que ainda lhe falte alguma coordenação. Penso que o Quénia atravessa uma fase em baixa que será temporária. Quão temporária? Vários fatores irão impulsionar o Quénia. O primeiro é a resolução do problema de energia, que está em curso. Em segundo lugar, estão a registar-se investimentos logísticos que transformarão o Quénia no hub da África Oriental – aeroportos, portos, estradas e caminhos de ferro. Diria que dentro de três ou quatro anos o Quénia terá um regresso em grande. O terceiro elemento é a chegada ao poder de um novo governo no contexto de um conjunto de desafios internacionais, incluindo a insurgência na Somália e o Tribunal Criminal Internacional. A ilha Maurícia é agora um país de rendimento médio e o Rwanda tem uma das economias em mais rápido crescimento do mundo. De que outros países africanos podemos esperar boas notícias nos próximos anos? Angola é um bom exemplo de uma tremenda transformação. Não tenho qualquer dúvida de que Angola será uma economia forte no futuro. A Argélia tem todos os elementos para uma completa revolução em termos económicos. Atualmente, numa esfera microeconómica, a Argélia tem provavelmente a melhor performance do continente devido ao seu incrível volume de reservas. O problema é ainda não ter conseguido alcançar políticas que criem emprego e empreendedorismo. Angola tem pretensões a exercer um papel de liderança no continente africano. De acordo com o seu conhecimento, qual e a perceção que existe no resto do continente acerca de Angola? Angola é um país respeitado, como se viu aquando da seleção da atual liderança da União Africana, tendo na altura Angola protagonizado a candidatura da África Austral. Outro exemplo é a recente escolha sem hesitações, como aliás aconteceu para outros candidatos, de Angola como um dos países propostos para o Conselho de Segurança da ONU, o que foi entretanto confirmado. O seu papel nas questões de paz e segurança em países como a RDC, República Centro-Africana ou Guiné-Bissau mostra uma confiança rara. Sendo uma das economias mais pujantes, é natural que se espere mais de Angola. A sua balança comercial africana é muito limitada, os seus investimentos no resto “Há uma política de desincentivo que constitui um impedimento a uma maior produtividade na agricultura” do continente são parcos. Angola, através da sua infraestrutura de transportes e em breve portuária, pode fazer muito mais pelo comércio intra-africano. A sua participação nas negociações para a consolidação dos intercâmbios regionais pode ser mais enérgica. A China desenvolveu-se, entre outras razões, graças ao conceito de um país, dois sistemas. A interpretação moderna dessas reformas era criar em certas zonas económicas especiais as condições que permitissem a réplica de experiências bem sucedidas de industrialização e serviços modernos da Ásia do Sudeste. No fundo, essas regiões foram locomotivas de crescimento que depois arrastaram o resto. Na África de hoje, carente de industrialização e serviços modernos, o equivalente às regiões chinesas são países. Angola pode e deve ser uma locomotiva do crescimento africano. Angola vive uma espécie de dilema: priorizar as infraestruturas ou a educação? Qual a sua opinião? Este não é um dilema, pois ambos são necessários para a transformação. O verdadeiro dilema é mais que tipo de investimento infraestrutural e que tipo de investimento educacional. Ambos são investimento, ao contrário do que alguns pensam em termos de atribuição de recursos. Para um país como Angola a infraestrutura é essencial para aumentar a produtividade agrícola, industrialização e modernização dos serviços. Por exemplo, Angola ganha alguns pontos de PIB pelo seu salto em telecomunicações tanto quanto à renda do petróleo. Se os recursos não chegam para tudo o que se quer fazer entra a discussão das prioridades. E, para isso, a necessidade de capacidade estratégica e decisão rápida, pois estamos num mundo concorrencial. Um país como a Etiópia tem quase quatro vezes a população de Angola, em vez de petróleo depende de café e flores e, no entanto, está a industrializar-se muito mais depressa. Um país como Marrocos criou uma cadeia de valor do nada na área da aeronáutica e hoje o setor já emprega cerca de sete mil pessoas. E ambos os casos, tanto a infraestrutura como a educação, integraram-se numa decisão estratégica que envolveu o conjunto dos atores. A isso chamam os economistas política industrial e Angola precisa de se afirmar nesse terreno. Tem todas as condições de o fazer. Angola tem utilizado corretamente o dinheiro do petróleo? Acabei de responder indiretamente à pergunta. Se virmos o que Angola alcançou em termos sociais, começando pela redução da pobreza, não tem com que se envergonhar, antes pelo contrário. Mas pode-se sempre fazer mais. Angola tem de diversificar a sua economia como aliás está escrito no seu plano e na apresentação do orçamento. O petróleo deve servir de dinamizador dessa transformação que tem de ser rápida. A coisa boa dos preços do petróleo estarem a diminuir é alertar que a rapidez é para se tomar a sério. CARLOS LOPES Nascido em março de 1960, em Cachungo, na Guiné-Bissau, Carlos Lopes tinha 13 anos quando o país se declarou independente. Como conta no seu blogue (http://es-blog. uneca.org/ES-Blog), «pouco depois estava envolvido na política, mobilizado pelo conjunto dos ideais do pan-africanismo. O meu mentor foi Mário de Andrade, um intelectual angolano que na época vivia em Bissau». Tem um doutoramento em história pela Universidade Sorbonne de Paris e um mestrado de investigação pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento de Genebra. Trabalhou na administração pública do seu país, nas áreas de investigação, diplomacia e planeamento, estando ligado às Nações Unidas desde 1988. Nesse ano integrou o PNUD, onde desempenhou diversas funções e integrou a direção, em reconhecimento pelo papel desempenhado no desenvolvimento da política de descentralização dos serviços desta entidade. Ocupa o atual cargo na Comissão Económica para África desde 2012. Nos cincos anos anteriores, foi diretor-geral do Instituto das Nações Unidas para a formação e investigação, e diretor da escola de quadros do sistema das Nações Unidas. Antes disso, entre 2005 e 2007, desempenhou funções de subsecretário-geral da ONU e diretor dos assuntos políticos do gabinete do secretário-geral. Especialista em desenvolvimento e planificação estratégica, escreveu ou editou 22 livros e deu aulas em universidades de Portugal, Suíça, México e Brasil. Participou na criação de diversas ONG e instituições de investigação, sobretudo em África. Pertence atualmente ao conselho de administração de entidades como a Fundação Kofi Annan e Conselho do Fórum Económico Mundial sobre África. África21– dez 2014 / jan 2015 9 PIUS UTOMI EKPEI/AFP áfrica ocidental 2014 fica para a história com o anúncio de que a Nigéria ultrapassou a África do Sul como primeira potência económica do continente. Mas o contraste na sub-região está nos milhares de mortos causados pelas seitas radicais islamistas. Valérie Thorin Terra de contrastes O A Nigéria tornou-se a primeira potência económica de África em 2014 Apesar de alguns (tímidos) protestos a sua vitória não foi inoeste de África é uma região em movimento para o melhor e, infelizmente, para o pior também. Para falar ternacionalmente posta em causa, tal como acontecera três anos do melhor de 2014 no plano económico podemos co- antes com a eleição de Alassane Ouattara para a presidência da meçar por citar a Nigéria que substituiu a África do Sul como Costa do Marfim. A crise pós-eleitoral não está ainda completaprimeira potência do continente. Com 491 mil milhões de dóla- mente encerrada e o seu epílogo jurídico provoca alguns sobressalres de Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, a Nigéria lidera tos. No final de outubro, realizaram-se em Abidjan as primeiras doravante o grupo dos países africanos emergentes. Ainda muito audiências do julgamento de Simone Gbagbo, a ex-primeira dependente dos seus recursos petrolíferos, o país diversifica as suas dama, acusada de «atentar contra a segurança do Estado». O seu atividades nas telecomunicações, do imobiliário e da indústria ci- marido, o ex-Presidente Laurent Gbagbo, continua preso em nematográfica, três setores ligados à emergência de uma classe Haia, onde comparece perante o Tribunal Penal Internacional. Outra crise ainda em andamento é a do Mali. Depois de um média, com forte potencial consumidor. Mas, em matéria de segurança, 2014 foi também um annus cessar-fogo assinado em julho entre o Governo de Bamako e os horribilis para a Nigéria, facto que ilustra bem a ambiguidade deste grupos armados tuaregues, estão em curso negociações na Argélia enorme país, o mais populoso de África. À seita islamista Boko para restaurar a paz na região e impedir a continuação das ações Haram, misto de terrorismo e de grande banditismo, foram atribuí- terroristas dos bandos ligados à Al-Qaeda no Magrebe Islâmico. das exações quase quotidianas que causaram milhares de vítimas Contra estes a França tem continuado as suas intervenções militanos estados do nordeste até aos confins do Níger e dos Camarões. res no deserto do Sara em colaboração com as forças armadas do Em abril, o rapto de mais de 200 adolescentes alunas de um estabe- Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger. Emboscadas e atentados foram numerosos ao longo do ano, lecimento escolar comoveu a comunidade africana e com vítimas civis e entre os combatentes de internacional. As autoridades nigerianas não conse- O que polariza ambos os lados. guiram até agora dar à Boko Haram mais do que uma Mas o tema que polarizou as atenções e resposta militar, às vezes desproporcionada, que só atenções e receios suscitou as maiores preocupações na sub-recontribuiu para agravar a fratura social. internacionais gião foi sem dúvidas a epidemia de ébola deteFoi esta fratura que esteve na origem da revoluestá na epidemia tada no início do ano na Guiné-Conacri. Este ção de final de outubro no Burkina Faso. O presipaís, a Serra Leoa e a Libéria foram os mais dente Blaise Compaoré, no poder há 23 anos, foi de ébola gravemente afetados. A Nigéria conseguiu liderrubado por uma revolta popular que saiu à rua, que ainda afeta vrar-se do vírus em poucas semanas, graças a exasperada por um rol de promessas não cumpridas a África Ocidental uma política de prevenção rigorosa; o Senegal e firmemente decidida a impedir a alteração da Constituição que perpetuaria o status quo. A transição em curso e o Mali registaram alguns casos de contaminação mas parecem conseguir evitar a propagação do vírus. Apesar da mobilização deverá levar o país a eleições gerais em 2015. As futuras eleições no Burkina Faso merecem desde já maior tardia da comunidade internacional, a epidemia parece ter sido atenção mediática do que as que tiveram lugar na Mauritânia em circunscrita e há indícios de um ligeiro abrandamento do número junho de 2014. Sem surpresa, o general Mohamed Ould Abdel de novos casos à escala global. Em outubro de 2014 a OrganizaAziz foi reeleito para a presidência do país e conservou a presidência ção Mundial de Saúde tinha registado 7478 casos confirmados e 3439 óbitos. da União Africana. 10 dez 2014 / jan 2015 – África21 Crise política explosiva na Nigéria no Sul. Este atentado visava diretamente o emir de Kano, segunda mais alta autoridade muçulmana da Nigéria que tinha apelado publicamente aos fiéis a pegarem nas armas para combater os jihadistas de Boko Haram. A crise económica provocada pela queda das receitas petrolíferas e da desvalorização do naira, a divisa nacional, levam Governo e oposição a adotar atitudes cada vez mais belicistas e brutais. O presidente da câmaObasanjo acusou ra dos deputados, Aminu Tama- Olusegun Goodluck Jonathan de não ter wal, que acabava de anunciar a entendido o fenómeno Boko Haram sua adesão à oposição foi impedido de entrar no Parlamento pela polícia que disparou gazes lacrimogénios contra os deputados. Para Clement Nwankwo, ativista dos direitos humanos, a situação «faz lembrar os tempos mais sombrios do regime do ditador Sani Abacha nos anos 90», a corrupção atingiu «níveis sem precedentes» e o Governo reage com brutalidade porque sente que está a perder o controlo do país. DR A menos de três meses das eleições gerais de fevereiro próximo, a Nigéria enfrenta a crise política e económica mais explosiva desde a restauração da democracia em 1999, com a insurreição islamita no norte totalmente fora de controlo. O anúncio da candidatura do Presidente Goodluck Jonathan agravou as divergências no seio do seu próprio Partido Democrático Popular, abalado pela deserção de governadores e deputados que optaram por se juntar à APC, coligação de quatro partidos de oposição, que escolherá o seu candidato mediante eleições primárias entre dois postulantes oriundos do norte. O ex-presidente Olusegun Obasanjo, que tinha incitado Jonathan a renunciar a um segundo mandato, acusa-o que ser o responsável da situação a que se chegou por «não ter entendido desde o princípio o fenómeno Boko Haram» e ter deixado a insurreição tomar «dimensões gargantuescas». A imagem não é excessiva tendo em conta os rápidos progressos da insurreição – que causou cerca de 13.000 mortos desde 2009. Nos últimos meses, os islamistas tomaram mais de 20 cidades e em três estados do nordeste – Borno, Yobe e Adawama – a insegurança é tal que a comissão eleitoral admite que o escrutínio de fevereiro não se possa realizar. O triplo atentado de 27 de novembro contra a Grande Mesquita de Kano, capital do norte, que causou mais de 200 mortos, provou que o conflito já não pode ser interpretado à luz dos confrontos recorrentes entre os muçulmanos do Norte e os cristãos maioritários DR A revolução burquinabê e a primavera africana Blaise Compaoré ocupou o poder durante 23 anos Seis semanas após a revolta popular que provocou a 31 de outubro a fuga do Presidente Blaise Compaoré, no poder há 23 anos, o Burkina Faso – cujo nome significa «país dos homens íntegros» – tem um civil sem filiação partidária, Michel Kafando como presidente interino e um governo, liderado pelo coronel Isaac Yacuba Ziva, encarregue de levar o país até às eleições gerais previstas para dentro de um mês. Com uma surpreendente rapidez e sem necessidade de mediação ou de sanções exteriores, as chamadas forças vivas do país, militares, partidos políticos, sociedade civil e autoridades tradicionais puseram-se de acordo para aprovar uma «carta da transição», que é ao mesmo tempo um código de boa conduta e um programa de governo para os próximos doze meses. A sociedade civil mobilizada pelo «balai citoyen» (a vassoura cidadã), que foi o motor da revolução, impediu políticos e militares de se engalfinharem numa luta pelo poder que poderia ter levado o país à instabilidade prolongada ou mesmo à guerra civil. Representada no seio do Comité Nacional da Transição (CNT) em pé de igualdade com os partidos tradicionais e os militares, mantém a pressão sobre as autoridades interinas para impor as reformas mais urgentes e sobretudo «limpar» as manias herdadas do anterior sistema. A demissão do novo ministro da cultura Adama Sagnon, acusado de ter encoberto os mandantes do assassínio do jornalista Norbert Zongo em 1998, affaire que provocou uma explosão de cólera popular que abalou o regime de Compaoré, é uma primeira vitória altamente simbólica. Os militares parecem ter ouvido o recado. A começar pelo coronel Ziva que já era apresentado como o «novo homem forte». Despiram as fardas e reiteraram a promessa de não concorrer às próximas eleições. Por sua vez, políticos e civis aceitaram sem demasiadas reticências que os postos-chave do novo executivo como a defesa, o interior e as minas fiquem em mãos de militares enquanto o presidente interino acumula as funções de Chefe de Estado e da diplomacia. Demasiado bonito para ser verdade? Em todo o caso, a ONU, a União Africana e a CEDEAO estimam que a maturidade política manifestada pelos burquinabeses nesta crise torna inoportuna qualquer tentativa de interferir no processo. África21– dez 2014 / jan 2015 11 Depois do ébola, a febre de Lassa? A realização do II Fórum Mundial sobre Direitos Humanos, entre 27 e 30 de novembro em Marraquexe, Marrocos, levantou uma onde de protestos em todo o mundo, face à posição do país em relação ao Sara Ocidental. Foram várias as organizações que recusaram participar no evento, e dia 13 de novembro o centro de Madrid encheu-se de milhares de pessoas que protestavam contra a ocupação ilegal do território e a violência registada nos últimos anos. «Apelamos à União Europeia e à Espanha para condenarem a brutal repressão e convidamos as duas partes a pedirem ao Rei de Marrocos para pôr fim a esta violência injustificada, desproporcionada e cruel», declarou o ator Javier Bardem, um dos rostos do movimento, num discurso proferido no final da manifestação. Várias bandeiras de Marrocos foram queimadas e ouviram-se slogans como «Marrocos culpado, Espanha responsável» ou «Sara livre agora». Dias antes, as forças marroquinas desmantelaram pela força um acampamento a sul de El Aiún, principal cidade do território, onde 15 mil sarauís se tinham instalado. O balanço oficial dá conta de 12 mortos e de 163 detidos. Recorde-se que intelectuais, escritores, poetas, professores, jornalistas e artistas de todo o mundo associaram-se a um movimento de solidariedade para a defesa do povo do Sara Ocidental e da sua cultura. Numa carta, exortam a Espanha e Marrocos a assumirem o seu compromisso, de modo a não esquecerem a questão no seu relacionamento internacional. 12 dez 2014 / jan 2015 – África21 KATHY KATAYI/AFP Sara Ocidental coloca Marrocos em xeque Enquanto a epidemia de ébola continua fora de controlo nos três países mais afetados – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, um surto de febre de Lassa detetado no final de novembro no norte do Benim fez disparar os sinais de alarme na África Ocidental. O vírus causador desta febre hemorrágica, parecido com o do ébola, foi identificado em 1969 na Nigéria e a doença é endémica na região onde se regista anualmente entre 100 mil e 300 mil casos. O vetor é um pequeno roedor que vive nas proximidades das habitações, aumentando a facilidade de contágio por contacto com as fezes e urinas do animal. Extremadamente contagiosa, a febre de Lassa causa cerca de 5000 mortos por ano, mas em caso de surto epidémico agudo, a taxa de mortalidade pode atingir os 40%. Como no caso do ébola, não existe vacina, nem tratamento específico, e os antirretrovirais só têm efeitos curativos nos primeiros dias após a infeção, fase durante a qual os sintomas são facilmente confundidos com os da gripe ou do paludismo. A 28 de novembro, as autoridades do Benim assinalaram 14 casos confirmados, dos quais oito mortais, e cerca de 200 suspeitos sob observação. Entretanto, o surto de ébola no Mali parece controlado. Os oito casos registados, dos quais seis mortais, foram relacionados com doentes «importados» da Guiné-Conacri. A apertada vigilância exercida sobre as pessoas que estiveram em contacto com os indivíduos infetados permitiu cortar a cadeia de propagação, esperando as autoridades locais ter o mesmo sucesso que o Senegal e a Nigéria, os outros dois países considerados «livres de ébola». O mesmo não acontece na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, apesar da diminuição do número de novos casos e da taxa de mortalidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a 26 de novembro tinham sido registados 15.985 casos de contaminação e 5689 mortos. Entretanto a OMS aprovou em novembro um novo protocolo sobre a inumação das vítimas «em segurança e dignidade» com sensibilização das autoridades religiosas e das famílias. Os primeiros ensaios clínicos de um fármaco nos Estados Unidos e na Libéria estão a dar resultados «encorajadores» e um teste de despistagem em 15 minutos começou a ser utilizado na Guiné-Conacri. O ébola já causou cerca de 6000 vítimas mortais na África Ocidental BOKO HARAM/AFP Chade, Camarões, Níger e Nigéria criaram força conjunta para combater a Boko Haram áfrica central Eixo da luta contra a insegurança Escaramuças, combates esporádicos, sucessivos cessar-fogos sem reais efeitos, dezenas de vítimas mortais causadas pelo ébola, insegurança. Os países da África Central não vão ter saudades de 2014. N a África Central, o ano de 2014 foi rico em contrastes. Para se proteger contra a criminalidade em alta o Congo Brazzaville testou uma solução radical: expulsar os «kalunas», salteadores vindos «do outro lado do rio», ou seja, da República Democrática do Congo (RDC). A medida ultrapassou as intenções dos promotores e, como resultado, cerca de 80.000 congoleses foram brutalmente deportados, às vezes tratados com extrema violência. As associações de defesa dos direitos humanos e a sociedade civil reagiram, incitando as autoridades a dar provas de moderação. Valérie Thorin Se há muitos refugiados é porque a vida não é fácil na RDC, onde o ano de 2014 acaba com um saldo cinzento. No plano da segurança, os confrontos armados continuam no leste apesar da presença de 20.000 capacetes azuis da ONU e dos sucessivos cessar-fogos assinados, nomeadamente com os rebeldes do M23. Escaramuças e combates esporádicos continuam a cobrar um elevado número de vítimas entre as populações civis. A luta contra a impunidade, em particular no que diz respeito à violência contra as mulheres neste quadro de guerra, é um desafio de todas as horas. É pelo seu papel neste combate sem fim que o Dr. Mukwenge, cirurgião ginecologista que dirige uma clínica de Bukavu, foi galardoado pelo Parlamento Europeu com o Prémio Sakharov pela liberdade de pensamento, considerado como o Nobel da Paz alternativo. No plano sanitário, a RDC registou um sucesso indesmentível: a epidemia de ébola que se declarou em agosto na província de Equador – a sétima neste país onde o vírus foi identificado pela primeira vez em 1976 – foi declarada extinta. Este surto, provocado por um vírus de uma estirpe diferente do que afeta a África Ocidental foi circunscrito e controlado após ter causado 49 mortos. Na República Centro-Africana (RCA) a transição iniciada em janeiro de 2014 sob a presidência de Catherine Samba-Panza não trouxe a paz esperada, apesar da personalidade consensual da Presidente interina e dos vários cessar-fogos assinados em Brazzaville pelas principais componentes do conflito interno, os Seleka, grupos armados maioritariamente muçulmanos, e os África21– dez 2014 / jan 2015 13 ternacionais de segurança e alargar a sua ação de Bangui às principais cidades do país. O objetivo deste plano é de permitir a realização a curto prazo de eleições gerais, e é esta a meta que fixou o governo do novo primeiro-ministro Mahamat Kamoun, nomeado em setembro. No vizinho Chade, a evolução da situação na RCA é seguida com atenção porque as infiltrações de grupos armados incontrolados pode representar uma ameaça para as autoridades de Ndjamena e para os seus interesses económicos. A presença de terroristas do grupo nigeriano Boko Haram ao longo dos grandes eixos rodoviários do sul do país já teve como consequência nefasta a travagem ou mesmo a interrupção das trocas comerciais. A navegação no rio Chari e lago Chade teve de ser proibida pelas auto- dr anti-balaka, milícias formadas essencialmente por cristãos. A fratura étnico-religiosa entre as comunidades locais radicalizou-se. Felizmente, associações da sociedade civil e líderes de todas as confissões religiosas esforçam-se no terreno de forma a restaurar a confiança e o diálogo, com orações nos lugares de culto, mas também através de iniciativas de interesse público como a reconstrução de habitações e escolas. No plano militar, a França prorrogou o mandato da sua força de intervenção «Sangaris», enquanto os contingentes africanos disponibilizados pelos países membros da organização regional passaram a ficar em setembro sob o comando das Nações Unidas. Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU permitiu aumentar para 7500 os efetivos das forças in- Baixa no preço de petróleo A decisão tomada a 27 de novembro pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) de manter inalterada a produção do cartel faz prever a continuação da descida do preço do crude nos mercados internacionais. Com o brent do Mar do Norte a 75 dólares/barril, o preço mais baixo desde 2008, e uma quebra de 35% desde junho, os especialistas preveem que os efeitos da atual sobreprodução, que deve manter-se ao longo de 2015, altere profundamente todos os setores da indústria petrolífera, a começar pelos investimentos, e as economias dos países produtores, membros ou não da OPEP. Os países mais dependentes das receitas petrolíferas e que estabeleceram os seus orçamentos para 2014 e 2015 a partir de valores do crude superiores ao preço atual – como a Rússia, Venezuela, Argélia, Nigéria e Angola – já começaram a sentir os efeitos da queda do valor das suas exportações e deverão reduzir as despesas previstas, nomeadamente os investimentos nas infraestruturas, o que pode contrariar os esforços a favor de uma maior diversificação das economias. A Arábia Saudita, responsável por 30% da produção da OPEP, que por sua vez representa cerca de um terço da produção mundial, defende a necessidade de deixar que sejam os mercados a regular os preços pelo jogo da oferta e da procura, convencida de que a baixa pode levar o preço do barril até mínimos próximos dos 60 dólares em 2015, a partir dos quais a tendência altista voltará a fazer sentir-se, em consequência do forte abrandamento dos investimentos na extração dos petróleos ditos «não convencionais», nomeadamente shales (gás de xisto) americanos e areias betuminosas do Canadá. Os importadores de petróleo e os consumidores não deverão tirar grandes benefícios da baixa do preço do crude porque os preços dos produtos refinados não acompanham o movimento. Por sua vez os ambientalistas preocupam-se com as repercussões da nova situação sobre o desenvolvimento das energias alternativas e os programas de redução das emissões de CO2, que serão temas centrais da cimeira de Paris sobre as mudanças climáticas prevista para 2015. 14 dez 2014 / jan 2015 – África21 ridades de Ndjamena pelas mesmas razões. Em novembro, Chade, Camarões, Níger e Nigéria decidiram criar uma força conjunta de 700 homens, exclusivamente dedicada a combater a implantação de Boko Haram e a recolher informações sobre os seus movimentos e atividades. O método Biya As autoridades camaronesas têm adquirido uma certa experiência na libertação de reféns detidos pela Boko Haram. O que a imprensa designa como o «método Biya» – a partir do nome do Presidente camaronês Paul Biya – é uma sútil combinação de diálogo e de firmeza e tem permitido resgatar várias dezenas de camaroneses e estrangeiros em 2014. Paul Biya não quer que a insegurança afete ainda mais o crescimento económico do seu país e dos vizinhos. A suspensão, por causa da insegurança, do projeto de revitalização do lago Chade, destinada a reverter o lento e inexorável desaparecimento das suas águas, indispensáveis para a sobrevivência das dezenas de milhões de pessoas que vivem à sua volta, é desde já uma catástrofe ambiental de consequências incalculáveis para a região. Quanto ao Gabão, o país mais estável e calmo da região, parecia «condenado» a terminar o ano de 2014 sem outra «notícia» digna de relevo além da nomeação de um novo primeiro-ministro, Daniel Ona Ondo, quando uma «bomba mediática» rebentou, estremecendo a modorra de Libreville. No livro Nouvelles Affaires Africaines. Mensonges et Pillages au Gabon, publicado em novembro em Paris, o jornalista de investigação Pierre Péan afirma que o Presidente Ali Bongo não é um filho natural do falecido presidente Omar Bongo mas um órfão do Biafra adotado e que o seu registo de nascimento e outros documentos produzidos para lhe permitir aceder à presidência são falsificações. O argumento tem sido esgrimido, com sucessos diversos, contra outros presidentes africanos, mas Pierre Péan, apesar de controverso, adquiriu uma certa notoriedade como investigador por revelar alguns dos segredos mais bem guardados da história contemporânea. A presidência gabonesa contra-atacou com uma queixa por difamação mas a «estória» já causa reboliço e promete novos desenvolvimentos. Reunidos em Bologna (Itália) em abril de 2014 com os doadores e instituições financeiras internacionais, os países membros da Comissão da Bacia do Lago Chade (CMLT em francês) tinham conseguido angariar os fundos necessários para o financiamento do seu plano quinquenal de Salvamento do Lago Chade (2013-2017). O Banco Mundial incluiu este projeto entre as prioridades dos seus programas de apoio ao Sahel e o Banco Africano de Desenvolvimento assumiu o compromisso de desbloquear 100 milhões de dólares. Mas a instabilidade e a insegurança existente em vários países ribeirinhos do lago (Boko Haram, crise do Mali e da República Centro-Africana) levaram à interrupção dos trabalhos iniciados. A urgência destas intervenções para salvar a maior reserva de água doce da zona saheliana, e os 30 milhões de pessoas que dependem dela, levou Romano Prodi, ex-enviado especial da ONU para o Sahel, a acionar o sinal de alarme. Desde 1962, o nível das águas baixou quatro metros e a extensão do lago 90%. A partir de 1980 as alterações climáticas e a diminuição das precipitações aceleraram o processo e no verão de 2014 o lago secou por completo em algumas partes, dando origem a tempestades de areia. A situação do Lago Chade é paradigmática da intensidade dos efeitos das alterações climáticas no continente africano, mas não é um facto isolado. A subida do nível do mar está também a devastar extensas zonas do litoral, ameaçando mangais e aldeias piscatórias que podem vir a desaparecer; nas grandes urbes do Golfo da Guiné e da África Ocidental diversos bairros de lata construídos à beira-mar estão em situação de risco e as autoridades locais não dispõem de recursos suficientes para realojá-lo em sítios mais seguros; outros países são ciclicamente confrontados com cheias devastadoras, que destroem milhares de habitações e favorecem as doenças relacionadas com a água. Estes problemas serão levados pelos governos africanos e as ONG à Conferência Internacional sobre as Mudanças Climáticas, que se realizará em Paris em dezembro de 2015. áfrica oriental Entre áreas de conflitos e novos eldorados O ataque reivindicado pelos Shebabs da Somália contra um autocarro no nordeste do Quénia, que fez 28 mortos em fins de novembro, e as imediatas represálias do exército queniano no interior da Somália, onde faz parte das forças da União Africana aí presentes, vem lembrar quanto o destino do Quénia e da região está em parte hipotecado pela situação de crise que ainda vive este país do Corno de África desde há mais de duas décadas. Augusta Conchiglia Ataque dos Shebabs da Somália a um autocarro no norte do Quénia resultou em 28 mortos STRINGER/AFP Salvar o Lago Chade E ncurralados no território da própria Somália pela ação conjunta do exército somali e da Amisom (a força da União Africana com cerca de 8000 homens), os Shebabs exportaram as suas ações terroristas para o vizinho Quénia, como o mundo pôde constatar aquando do ataque contra o Centro Comercial de Westgate de Nairobi, no ano passado. Segundo recentes revelações do Governo queniano, a organização somali teria (desde há alguns anos) conseguido algumas cumplicidades no setor radical da comunidade muçulmana costeira, e até alianças com políticos do país interessados na sua destabilização. Durante a sua visita à região em outubro último, o secretário-geral das Nações África21– dez 2014 / jan 2015 15 Nilo reaproxima o Egito dos vizinhos africanos Desde a sua chegada ao poder, o Presidente Abdel-Fattah Al-Sissi fez da questão da partilha das águas do Nilo uma das prioridades da diplomacia egípcia. Ao longo de 2014, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros visitou os países ribeirinhos do rio e, em particular, os signatários do acordo de Entebbe de 2010 – Etiópia, Uganda, Quénia, Tanzânia, Rwanda e Burundi – para os convencer da necessidade de rever o capítulo relativo à «partilha igual e equitativa» do caudal do rio, de forma a ter em conta as necessidades económicas e sociais do Egito, o país mais povoado e que depende a quase 100% do Nilo para o consumo doméstico, a agricultura e a indústria. Ao contrário dos seus antecessores, que consideravam «não negociáveis» os direitos históricos do Egito e do Sudão, consagrados por tratados internacionais datando da colonização inglesa, e que ameaçavam recorrer às armas para os defender, os novos dirigentes do Cairo optaram pela via diplomática e pelo estreitamento das relações com os vizinhos africanos. Fizeram-no com aparente sucesso porque depois da ida de Al-Sissi à cimeira da União Africana de Malabo em junho (onde foi objeto das atenções e simpatias dos seus pares africanos) o contencioso parece em vias de resolução, nomeadamente com a Etiópia. O Cairo acusava Adis Abeba de ter aproveitado a situação de fragilidade em que se encontrava o Egito depois do derrube de Mubarak para acelerar a construção de uma megabarragem sobre o Nilo Branco, que será a maior do continente. Uma reunião técnica sobre a barragem teve lugar no Cairo em outubro e o ministro etíope da água e energia, Alemayehu Tegenu, declarou-se muito satisfeito sobre as negociações com o Egito e o Sudão. «Nunca tivemos a intenção de prejudicar ninguém e temos a mente aberta», disse. O chefe da diplomacia da Tanzânia, Bernard Membe, declarou-se também favorável à renegociação do acordo de Entebbe e propôs organizar uma conferência internacional em Dar es Salam. 16 dez 2014 / jan 2015 – África21 DR Unidas Ban Ki-moon pronunciou palavras otimistas sobre o futuro da Somália que estaria «saindo lentamente do seu longo pesadelo», e chegaria agora a um momento crucial da sua existência, graças às derrotas seguidas dos Shebabs que perderam o controlo de todas as zonas costeiras. Ban Ki-moon elogiou também um certo progresso realizado pelo governo na reorganização do território e da administração regional. «Como nunca antes, o país está a reunificar-se e a estruturar-se», disse. Porém, as divergências que continuam a manifestar-se na cúpula somali, nomeadamente entre o Presidente Hassan Sheick Mohamud e o primeiro-ministro Abdiwely Sheick Ahmed, não deixam de preocupar e até irritar os países doadores, nomeadamente os Estados Unidos que ameaçaram cortar significativamente a sua ajuda ao país, se não forem ultrapassadas estas lutas no seio do poder. Os Estados Unidos financiam projetos de capacity building e de desenvolvimento com 58 milhões de dólares anuais e fornecem uma assistência ao exército e à Amisom de 271 milhões de dólares. Ainda nesta viagem à África Oriental, Ban Ki-moon lembrou a participação das principais instituições de doadores para o desenvolvimento da região (Djibouti, Eritreia, Etiópia, Quénia, Somália, Sudão do Sul, Sudão e Uganda), que se dispuseram recentemente a financiar programas para num total de oito mil milhões de dólares. A redução significativa da pobreza depende em primeiro lugar da estabilidade e da segurança, insistiu Ban Ki-moon. Se as perspetivas melhoraram para a Somália, elas continuam incertas para o Sudão do Sul onde o conflito armado entre as fações representadas pelo Presidente Salva Kiir de um lado, e a do seu antigo vice-presidente Riak Machar do outro, continua apesar de uma série de acordos de cessar-fogo assinados em Adis Abeba sob os auspícios das organizações regionais e da UA. As consequências do perdurar da situação de guerra são mais que desastrosas para a população deslocada ou ainda nas áreas contestadas, como têm alertado através de apelos dramáticos as agências humanitárias das Nações Unidas. Apesar destes fatores de instabilidade com efeitos sobre o conjunto da região, e da continuação de episódios de ataques terro- No Sudão do Sul perdura o conflito armado entre as fações do Presidente Salva Kiir e do ex-vice-presidente Riak Machar Na visita à Região em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon teve palavras otimistas sobre o futuro da Somália ristas levados a cabo pelo Exército de Resistência do Senhor no norte do Uganda, lançados agora a partir do leste da República Centro-Africana, a parte oriental do continente conta com países com regulares taxas de crescimento económico elevado (entre 6 e 8%) e ótimas perspetivas de médio prazo. Ao Quénia e ao Uganda, já reputados no meio dos negócios internacionais, juntaram-se nos últimos anos a Etiópia e a Tanzânia, como mais procurados pelos investidores. A Etiópia, que está a construir no Nilo Azul a (de longe) maior barragem hidroelétrica do continente (6000 MW), que deveria entrar em funcionamento em 2017, tem demonstrado um forte dinamismo económico, nomeadamente na agricultura e nos serviços. A Tanzânia, país ainda essencialmente agrícola, poderá transformar-se num grande produtor de gás natural no horizonte Rever o cálculo do PIB contando com as mudanças estruturais das economias africanas de 2020. Trinta mil milhões de dólares serão investidos pelas grandes companhias petrolíferas mundiais (Exxon Mobil, Statoil ou BG Group) no projeto de liquefação de gás – as reservas tanzanianas são comparáveis às dos países do Golfo Arábico. Como a Nigéria e mais recentemente o Quénia, a Tanzânia está a reajustar os dados do seu PIB com os novos critérios de cálculo, o que deveria traduzir-se num aumento de 20% (ou seja 33 mil milhões de dólares). A pátria de Julius Nyerere não está incólume à praga da corrupção, provocando reações dos doadores internacionais que suspenderam em outubro 500 milhões de dólares de ajuda ao orçamento do país. A Tanzânia deu porém um exemplo de abertura e humanismo aceitando recentemente naturalizar 200.000 refugiados originários do Burundi que se encontram no seu território há duas décadas. Depois do Quénia, que hospeda no seu território meio milhão de refugiados da Somália, a Tanzânia é o país africano que tem recebido mais refugiados do continente. Este mais antigo parceiro da China na África Subsariana – onde há mais de 40 anos Pequim acabou a construção do caminho de ferro Tazara, que liga a Zâmbia ao porto de Dar es Salaam – tem também visto crescer os investimentos chineses que foram no ano passado de 2,5 mil milhões de dólares. O setor da indústria manufatureira será o principal beneficiário destes investimentos que poderão vir a criar até 77.000 empregos, como declarou confiante o Presidente Jakaya Kikwete. A sucessão de Kikwete, que terminará o seu segundo mandato em 2015, é geralmente encarada como um possível fator de instabilidade: a oposição, agora reunida numa coligação, tudo fará para bater o partido Chama Cha Mapinduzi no poder desde a independência em 1961. Mesquitas quenianas atacadas A instabilidade no Quénia é uma realidade. Os Shebabs somalianos que atacaram o autocarro no nordeste do país, matando unicamente os passageiros cristãos (homens e mulheres) depois de os separar dos muçulmanos, afirmaram ter reagido em represália aos raides levados a cabo pela polícia contra quatro mesquitas de Mombasa, a segunda cidade do país, à maioria muçulmana, num país cristão a 80%. Este ataque teve lugar depois de uma série de agressões dos Shebabs contra aldeias e veículos na região de O exemplo da Nigéria que se sagrou «maior economia africana» em 2014, depois de alterar o modo de cálculo do seu Produto Interno Bruto (PIB), inspirou os outros Estados africanos. Trinta e sete países – entre os quais Angola – estão a rever as suas próprias estatísticas para ter em conta as alterações estruturais das suas economias. Como na Nigéria, a maioria destes países utilizava os mesmos critérios há mais de 20 anos, quando nos países desenvolvidos estas bases são revistas de três em três anos. O exercício é destinado a avaliar de forma mais precisa as verdadeiras dimensões das economias nacionais, mas também de ter uma ideia mais precisa da sua composição, como o crescimento dos setores secundários e terciários (serviços), bem como o peso das microempresas, agrícolas e de serviços, geralmente subestimado ou totalmente ignorado (economia informal). Segundo os especialistas, esta revisão dos critérios de base deverá provocar outras surpresas de monta. Foi o caso na Nigéria que viu o seu PIB aumentar cerca de 80% em 2013 e ultrapassar o da África do Sul, até aí considerada como a maior das economias africanas. Com efeito, os critérios anteriormente utilizados não tinham em conta a evolução sofrida desde a última década do século passado, com o desenvolvimento dos setores bancário, imobiliário, das telecomunicações e dos lazeres (com o boom extraordinário da indústria cinematográfica e audiovisual de Nollywood). A economia informal era também ignorada apesar do seu papel na redistribuição dos rendimentos e no emprego. A revisão destes dados é de grande importância não apenas para a elaboração das políticas setoriais como para a reorientação dos investimentos privados para a produção de bens de consumo destinados a um mercado interno em crescimento em consequência do aumento dos rendimentos disponíveis ao nível dos agregados familiares. No Gana e no Quénia, que já trabalham na atualização dos seus sistemas estatísticos, o aumento do PIB deverá ser da ordem dos 30%. África21– dez 2014 / jan 2015 17 DR Abdel Fattah Al-Sissi com o Papa Francisco, em novembro O norte de África virou as costas à «primavera árabe» A visita de estado do Presidente egípcio Abdel Fattah Al-Sissi a Roma – com uma audiência com o Papa Francisco – e a Paris em novembro teve um forte valor simbólico. Empenhado numa guerra sem quartel com a oposição interna dos Irmãos Muçulmanos, ilegalizados e qualificados de «organização terrorista», e confrontado com a guerrilha dos grupos armados islamistas contra as forças armadas e de segurança egípcias, nomeadamente no Sinai, o homem forte do Egito interpelou os seus interlocutores acerca do seu papel na chamada «primavera árabe» e em particular na intervenção da NATO na Líbia. Para Al-Sissi, a situação atual na Líbia não é diferente da que antecedeu a grande ofensiva da Organização do Estado Islâmico no Iraque e na Síria e se não forem atacados com a mesma determinação os extremistas líbios vão espalhar o caos em toda a região. Mas a estratégia que defende é diferente: em vez de intervir militarmente, o Ocidente deveria ajudar os governos e os exércitos nacionais a restaurar e manter a segurança nos respetivos países. Esta posição é simétrica à da Argélia, que também se opõe a qualquer nova intervenção militar estrangeira, com uma mensagem subliminar dirigida a Paris e Washington: ajudem-nos mas sem interferir na gestão dos nossos assuntos internos nem procurar mudar os regimes instalados. A mensagem foi aparentemente ouvida porque nos contactos bilaterais se fala sobretudo de cooperação, vendas de armas e contratos comerciais. Democracia e direitos humanos deixaram de figurar entre as prioridades, da Mauritânia ao Egito. Lamu, ao longo da costa turística queniana – onde se encontra em construção um grande porto de águas profundas – que fizeram mais de cem mortos entre junho e julho últimos. O turismo, terceira entrada em divisas do país (13% do PIB) sofreu um ulterior colapso, depois de um ano em queda constante. Os atos de violência, que se produzem desde há vários meses, põem frente a frente, numa grande confusão, cristãos e muçulmanos, habitantes da costa e dos planaltos, populações ricas e pobres. Para compreender a situação que levou aos confrontos pós-eleitorais de 2007, que fizeram cerca de 1500 mortos e 300.000 deslocados, e a inculpação do atual Presidente Uhururu Kenyatta e do seu vice-pre- Ao Quénia e Uganda, juntam-se Etiópia e Tanzânia como os países mais procurados pelos investidores internacionais 18 dez 2014 / jan 2015 – África21 sidente pelo Tribunal Penal Internacional, é preciso, como explica o investigador francês Gérard Prunier, recuar às campanhas de expropriação das terras pelos colonizadores britânicos antes da Primeira Guerra Mundial. Os britânicos apoderaram-se das melhores terras sobretudo dos Masai e Kalenjins, mas também dos Kikuyus (cerca de 23% da população). Em meados do século XX, estes últimos estavam à cabeça da luta contra a ocupação, identificando-se com a insurreição dos mau-mau. Jomo Kenyatta, primeiro Presidente do Quénia independente, quis privilegiar a sua etnia no programa de redistribuição das terras financiado por Londres, em detrimento dos outros grupos nacionais. Esta dominação socioétnica estende-se do planalto à costa e, em 1978, à morte de Kenyatta, a dominação kikuyu é praticamente total. Depois de um parêntesis de relativa marginalização, durante o reino do sucessor de Kenyatta, Arap Moi, um kalenjin, aliado de grupos tribais minoritários, os interesses kikyuys voltam a subir com a vitória eleitoral de Mwai Kibaki, em 2002. Candidato de uma larga coligação multiétnica, da qual fazia parte o influente membro da etnia Luo, Raila Odinga, Kibaki encarna então a instauração da verdadeira democracia, e, ainda mais, consegue relançar significativamente a economia, que se manteve estagnada durante o longo reino de Moi. Mas os grupos dominantes Kikuyu já não querem arriscar-se a perder o seu poder económico e alargam a sua influência tanto no interior do país como ao longo da costa. Os seus principais concorrentes tornaram-se os outros dois grandes grupos: os Luos e os Luhyias (que com os Kikuyus formam 65% da população). Depois da derrota do candidato Odinga face ao herdeiro de Kenyatta, o país esteve à beira da guerra civil. O sentimento de exclusão dos benefícios do crescimento económico atingiu também a população da costa, cujas terras estão nas mãos dos Kikuyus. O Islão radical já se tinha reforçado nas zonas costeiras depois da queda de Siad Barre na Somália, em 1992, e o surgimento de pequenos grupos alinhados com a Al-Qaeda. A repressão violenta e indiscriminada que sofreu esta região depois do ataque contra o Westgate de Nairobi agravou esta tendência e teve efeitos desastrosos sobre o tecido social da região costeira, onde forças políticas que reclamavam os direitos sobre as terras ocupadas pelos Kikuyus viram os seus adeptos transformarem-se em grupos ultrarradicais, até se aproximarem dos Shebabs da Somália. Atrás da confrontação confessional, que está perigosamente a aumentar no Quénia, encontram-se, como em muitos outros contextos no mundo, clivagens sociais, económicas e culturais. Fraturas que, no caso do Quénia, ainda não travaram a progressão global do país, que continua a ser a mais importante economia da África Oriental. A recente revisão do seu PIB revelou uma revalorização de 25%, das cifras anteriores, atingindo agora 53,4 mil milhões de dólares. Uma redistribuição mais equitativa das riquezas – e das terras em particular – do país parece desde já um imperativo urgente para preservar e desenvolver o grande potencial deste país-chave da região. África21– dez 2014 / jan 2015 19 áfrica austral África do Sul e países vizinhos NIC BOTHMA/AFP Os países da SADC estão confiantes num forte crescimento, mas os alarmes estão a tocar no caso da economia sul-africana Gaye Davis Joanesburgo A maioria dos países na África Austral gozou de uma relativa paz e segurança ao longo do ano, mostrando-se confiantes em apresentar um forte crescimento económico em 2015. No entanto, existem preocupações sobre o estado da economia da potência da região, a África do Sul. Para a maioria dos países da SADC – Comunidade de Países da África Austral, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um crescimento robusto de 5% em 2014, subindo para 5,75% no próximo ano «impulsionado por um investimento sustentável em infraestruturas, setor de serviços e forte produção agrícola, mesmo que as atividades relacionadas com o petróleo deem um menor contributo». Mas o FMI destacou que a África do Sul está entre os países da África Austral que enfrentam algum esmorecimento sobretudo devido a problemas energéticos, conflitos laborais e baixa confiança na economia. Uma longa greve no setor da platina e outra de seis semanas na engenharia e metalúrgica contribuíram para um recuo do crescimento, prevendo-se também impactos futuros decorrentes dos cortes de abastecimento de eletricidade, necessários face à incapacidade registada pela rede elétrica nacional. Em termos políticos, o Congresso Nacional Africano (ANC) está sob pressão. Confirmado no poder com 62% 20 dez 2014 / jan 2015 – África21 Jacob Zuma é acusado pela oposição de ter usado mais de 20 milhões de dólares de fundos públicos numa mansão privada dos votos nas eleições de maio, registou depois disso uma diminuição de apoio, o que abre caminho a uma campanha difícil para as eleições locais de 2016. Em novembro, a maior federação de sindicatos do país, a Cosatu, expulsou um dos seus membros mais importantes, o sindicato NUMSA dos trabalhadores metalúrgicos, por este ter suspendido o apoio financeiro e organizacional ao ANC nas eleições. O NUMSA criticou a liderança da Cosatu, acusando-a de ser tolerante com o ANC e de trair os interesses dos trabalhadores nas batalhas relativas às políticas económicas. Este sindicato representa cerca de 15% da Cosatu, prevendo-se que outros sete membros possam também deixar a federação, o que reduziria o número de trabalhadores na esfera da Cosatu de 65% para 44%. O NUMSA está a discutir a possibilidade de criar uma nova federação e uma força de esquerda pró-trabalhadores. O seu congresso em março de 2016 pode resultar no anúncio de um novo partido de esquerda. Entre os aliados políticos desse eventual partido, poderão estar os Combatentes pela Liberdade Económica (EEF na sigla inglesa), de Julius Malema, que foi expulso de líder da juventude do ANC. O EEF conseguiu obter 25 lugares na Assembleia Nacional, onde episódios de elevada tensão política têm sido constantes desde junho. O partido de Malema define-se como pró-trabalhador, empenhado na nacionalização das minas e de setores-chave da economia, enquanto o ANC o caracteriza como populista e protofascista. Na Assembleia Nacional, em agosto, os deputados do EEF interromperam uma intervenção do Presidente Jacob Zuma por causa dos 246 milhões de rands (cerca de 23 milhões de dólares) de fundos públicos gastos na sua mansão de Nkandla, forçando-o a abandonar uma sessão de perguntas e respostas. Em novembro, a polícia de intervenção foi chamada para retirar uma depu- Além dos dramas políticos, África do Sul está afetada pela crise no abastecimento de energia Christine Kaseba A economia do Zimbabwe está, segundo o FMI, numa encruzilhada, mas o ministro das Finanças, Patrick Chinamasa, disse numa conferência de investidores em Joanesburgo, no mês de novembro, que o pior já tinha passado. O FMI diz que não haverá mais nenhuma ajuda financeira pública até que o Zimbabwe trate das suas dívidas antigas, avaliadas em nove mil milhões de dólares. Por outro lado, uma lei que obriga os estrangeiros a conceder quotas maioritárias nas suas empresas aos locais resultou numa fuga de investidores. A Zâmbia também enfrenta uma luta pelo poder, com eleições marcadas para janeiro, depois da morte em Londres, no mês de outubro, do Presidente Michael Sata. O Vice-Presidente Guy Scott deverá manter-se como presidente interino até à ida às urnas, mas não poderá assumir o cargo de forma permanente, porque os seus pais eram britânicos. O partido no poder, Frente Patriótica, mostra-se dividido sobre a forma de selecionar um candidato presidencial. O secretário-geral do partido, Edgar dr Outros países da África Austral Também a enfrentar desafios está o Zimbabwe, onde a economia mostra poucos sinais de recuperação e uma batalha pela sucessão aqueceu o ambiente político. O Presidente Robert Mugabe (90 anos) deverá ser reeleito para líder do ZANU-PF no Congresso de 2 a 7 de dezembro. Embora ele se recuse a nomear um sucessor, o Vice-Presidente Joice Mujuru e o ministro da Justiça Emmerson Mnangagwa são há muito considerados como possíveis sucessores na eventualidade da retirada de Mugabe ou da sua morte. Os media públicos deram conta de alegada corrupção de Mujuru e de conspiração para derrubar Mugabe, cuja mulher, Grace, entrou recentemente na política, talvez com a perspetiva de um dia suceder ao marido (ver caixa). dr tada do EEF que chamou a Zuma «ladrão e criminoso», desencadeando uma cena de pancadaria que terminou com membros da oposição feridos em confrontos com a polícia. Além dos dramas políticos, o país está afetado pela crise no abastecimento de energia. A companhia estatal Eskom, que produz e distribui quase toda a eletricidade da África do Sul, luta por manter as luzes acesas e desespera por capital. Tem sido pedido aos grandes clientes industriais para reduzirem o consumo em 10% e os cortes de eletricidade programados transformaram-se numa rotina. O presidente executivo da Eskom, Tshediso Matona, afirmou que a África do Sul pode «ter de viver no limite durante muito tempo… A menos que um milagre aconteça continuaremos nesta situação no futuro próximo». A economia da África do Sul precisa de crescer mais de 5% ao ano de forma a combater a pobreza, o desemprego e a desigualdade. Um menor crescimento pode ter impacto nos seus vizinhos, com quem o país tem importantes ligações fiscais. Em termos diplomáticos, o Vice-Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa tem atuado no Lesotho após uma tentativa de golpe de Estado no pequeno reino das montanhas no final de agosto, dois meses depois do primeiro-ministro Thomas Thabane ter suspendido o parlamento para evitar uma moção de censura apresentada pelos seus parceiros da coligação governamental. Como facilitador apontado pela SADC, Ramaphosa conseguiu um acordo que reabriu o parlamento e antecipou as eleições em dois anos, para fevereiro de 2015. A tentativa de golpe incluiu o ataque por parte de militares a diversas esquadras policiais e à residência do primeiro-ministro, e a morte de um agente policial. Ramaphosa diz que a negociação da partida de três militares seniores envolvidos constituiu «uma importante medida de confiança para o regresso do país à estabilidade» e criar um clima «favorável» a eleições. Grace Mugabe As ambições das «primeiras-damas» Depois das tentativas nem sempre bem sucedidas dos filhos assumirem a sucessão dos pais, eis que várias «primeiras -damas» entram na carreira política com a intenção de se fazer eleger presidente. É o caso na Zâmbia, onde Christine Kaseba, viúva do Presidente Michael Sata, falecido a 28 de outubro, acaba de anunciar a intenção de se candidatar às eleições presidenciais de janeiro de 2015. No Zimbabwe, a promoção de Grace Mugabe (49 anos), a secretária-geral da organização feminina do ZANU-PF, com lugar cativo no Bureau Político do partido, inquieta a oposição que receia ter de afrontar a ex-secretária do Velho Bob nas próximas eleições se o seu nonagenário esposo não puder concorrer a um sétimo mandato em 2018. Não se trata de uma fantasia africana. Já aconteceu várias vezes na Ásia que ex-primeiras-damas sem experiência política tenham sido eleitas para «continuar a obra» dos defuntos maridos. Nos Estados Unidos, Hillary Clinton saiu definitivamente da sombra do marido, o ex-presidente Bill Clinton e do atual Presidente Barack Obama para afirmar-se como pretendente à candidatura democrata para as eleições presidenciais norte-americanas de 2016. África21– dez 2014 / jan 2015 21 O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) estima que o défice energético «custa» anualmente dois a três pontos percentuais ao crescimento económico de África e condiciona o êxito de todas as políticas de luta contra a pobreza e a insegurança alimentar, de industrialização e criação de empregos. Um défice devido ao atraso acumulado no desenvolvimento das infraestruturas energéticas por um continente que dispõe de enormes recursos em combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) como hidroelétricos, eólicos ou solares. O BAD incluiu em 2014 a Nigéria, maior produtor africano de petróleo na lista dos 12 países da África Subsariana onde o défice é mais acentuado e geral, afetando quer as populações urbanas como as zonas rurais. Os outros são Etiópia, República Democrática do Congo, Tanzânia, Quénia, Sudão, Uganda, Moçambique, Madagáscar, Burkina Faso, Níger e Malawi. Setenta e quatro por cento das pessoas sem acesso à eletricidade no mundo estão concentradas em 20 países, dos quais 12 estão situados na África ao sul do Sara. Segundo o BAD 19 dos 20 países com os mais baixos níveis de eletrificação pertencem à mesma região. Os casos mais graves são os do Sudão do Sul onde apenas 2% da população têm acesso a eletricidade, seguido pelo Chade e Libéria (4%) e o Burundi (5%) A fatura corre o risco de se agravar em 2015 porque as redes existentes são incapazes de fazer frente a um consumo que aumenta em média 3% por ano. Os cortes – que podem durar de algumas horas por dia a semanas ou meses – fazem parte do quotidiano das grandes metrópoles, encarecendo a produção das grandes empresas, e comprometendo o normal funcionamento dos serviços básicos (hospitais, escolas). Na cimeira EUA-África realizada em 2014, o Presidente Barack Obama reafirmou o empenho dos EUA em reduzir para metade até 2018 o número de africanos sem acesso a energia. Mas os 8 mil milhões de investimentos do «Africa Power» são uma gota de água face às necessidades estimadas pelo Banco Mundial de 40 mil milhões de dólares por ano durante 20 anos. Lungu, é encarado como concorrente, enquanto o filho de Sata, Mulenga, que é presidente da câmara de Lusaka, e a viúva, Chirstine Kaseba, têm procurado apoios para conseguir uma nomeação. O crescimento do PIB do país mantém-se saudável, devendo atingir 7% em 22 dez 2014 / jan 2015 – África21 2014 e 2015, com ganhos nas exportações resultantes da exploração de cobre. Na Namíbia, o SWAPO, partido no poder, conseguiu impor-se aos opositores da direita e da esquerda, no escrutínio realizado no final de novembro. Apesar de ainda não serem conhecidos JORDAANIA ANDIMA/AFP A fatura energética Na Namíbia, o SWAPO volta a vencer as eleições e Hage Geingob é o novo Presidente os resultados oficiais no fecho desta edição, Hage Geingob deverá ser o novo Presidente, sucedendo a Hifikepunye Pohamba. No poder desde 1990, espera-se que o SWAPO aumente o número de lugares no Parlamento. Embora a Namíbia tenha dito que conseguiu recuperar da crise económica global, a distribuição de rendimentos é uma das mais desequilibradas do mundo. Entre 30% a 40% das suas receitas são provenientes da SACU (Southern African Customs Union), e sujeitas a fortes variações, verificando-se igualmente uma procura bastante oscilante dos seus produtos. Diminuição de receitas fiscais, devido à crise económica global, e redução de importações por parte da África do Sul forçaram a Swazilândia a entrar numa crise fiscal, que resultou em elevadas dificuldades para pagar aos funcionários públicos e assegurar os programas de governo. O desemprego é elevado. O último monarca absoluto de África, o rei Mswati III, está sob ataque desde que República Democrática do Congo, o acordar de um gigante Com um crescimento económico de 8,4% em 2014, uma inflação de 1% e uma moeda praticamente estável, o antigo Zaire é um dos poucos países que parece imune à morosidade ambiente. Não se trata de um fenómeno passageiro: o crescimento foi de 7,2% em 2012, 8,1% em 2013 e o orçamento para 2015 prevê que ultrapasse os dois dígitos no próximo ano. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são um pouco menos otimistas embora salientem a fragilidade de um desenvolvimento demasiado dependente das indústrias extrativas. Muitas das explorações mineiras lançadas ou relançadas antes da crise de 2008 atingiram em 2013 a fase de produção. Em consequência, a quantidade de cobre, cobalto, ouro e diamantes extraída compensa largamente a quebra (relativa) dos preços de mercado. As instituições internacionais reconhecem que os fabulosos recursos naturais do país não são a única causa deste sucesso. Registam que o comércio, a construção civil e a agricultura também beneficiam da melhoria do clima macroeconómico, com a construção de infraestruturas e o consumo interno em expansão como locomotivas. Se os indicadores macroeconómicos são excelentes, a RDC é ainda um dos países mais pobres do planeta e dos mais atrasados de África em termos de desenvolvimento humano; o desemprego é alto, os salários não aumentam, a subnutrição é ainda a principal causa de mortalidade e a maioria das crianças ainda não é escolarizada. A mudança de modelo e de política económica parece estar fora de questão para os atuais dirigentes de Kinshasa. Elegeu como prioridade a eliminação dos obstáculos que travam a expansão económica em curso, com dois objetivos principais na linha de mira: os transportes – de passageiros e mercadorias – e a produção elétrica. Os projetos existem, os investidores estrangeiros estão interessados, mas a RDC depende da cooperação regional para expandir o seu comércio internacional. A sua única saída para o mar é o estuário do Congo e o porto de Matadi a rebentar pelas costuras o símbolo de um gigante sem pernas para andar sozinho. suprimiu a liberdade de imprensa e as organizações democráticas. No Malawi, mais de cinco milhões de pessoas votaram em maio nas eleições para a presidência, parlamento e governos locais. Peter Mutharika foi eleito Presidente, derrotando Joyce Banda, o anterior Chefe de Estado. No Parlamento, o maior bloco é atualmente constituído por 52 deputados independentes. Prevê-se que a economia do país continue a crescer, apoiada na exportação de tabaco, registando-se esforços para implantar uma política de boa governação de gestão e fundos públicos, na sequência do escândalo de corrupção Cahsgate de 2013. Em Madagáscar, apesar de algumas flutuações, o FMI entende existirem sinais de recuperação na economia da nação insular. O país realiza eleições no próximo ano, existindo a possibilidade de discussão de reformas eleitorais. Tradução de Teresa Souto A história de vida de francisco: a vitória da vida Estávamos a 22 de Janeiro de 2013. O bebé Francisco ia nascer e Lígia deu entrada no hospitalcuf descobertas. Mas, ao contrário da primeira vez, o parto foi muito mais complicado. Lígia não se recorda do nascimento do segundo filho nem dos dias que se lhe seguiram. Lígia passou por uma situação complexa e muito rara que atinge uma em 80 mil mulheres: embolia de líquido amniótico. Estava tudo a correr normalmente. Lígia estava no quarto acompanhada pelo seu marido e pela enfermeira Maria do Céu Ramalho. to e cada enfermeiro tem a sua ‘área de conforto’ pelo que nesta «De repente, vimos que a Lígia não estava a conseguir respirar. A situação cada um se posicionou sem qualquer atropelamento ou enfermeira Céu colocou de imediato a máscara de oxigénio e gritou confusão». Para Manuela Lança, a médica anestesista, o desfecho por ajuda», lembra o marido. Rapidamente se começaram a juntar «foi surpreendente». Durante a sua carreira já assistiu a duas si- vários elementos da equipa. A prontidão de todos os profissionais tuações em que as mães não sobreviveram, por isso diz com orgu- fez a diferença. «Ainda hoje não sei como apareceu tanta gente em lho que «correu tudo muitíssimo bem. Foi de facto uma situação tão pouco tempo», salienta a enfermeira Céu. «O bebé nasceu bem, incrível mesmo para nós clínicos, que estamos habituados a situa- graças a Deus. Julgo que a luz de Deus esteve connosco e com ela ções de stress. Houve um conjunto de fatores, alguns deles não e agradeci imenso por isso», revela, emocionada. explicáveis, que contribuíram para este desenlace tão feliz». Foram muitos os fatores que contribuíram para um desfecho Volvidos seis meses após o nascimento do simpático Francisco, tão feliz como pouco provável. Entre eles o empenho e eficácia de a vida desta família é como a de qualquer outra, embora tenha na toda a equipa. «Todos os elementos da equipa de Enfermagem sa- sua história uma experiência desta intensidade. O desfecho, natu- bem quais as suas áreas de competência. Trabalhamos no serviço ralmente, deixa sentimentos de gratidão: «Foi esta equipa que me quase desde o início, já passámos por várias situações em conjun- salvou. Se estou viva é graças a cada um deles», conclui Lígia. África21– dez 2014 / jan 2015 23 YOUNIS AL-BAYATI/AFP médio oriente Operação das forças iraquianas contra o Estado Islâmico para recuperar áreas a nordeste de Bagdade Apocalipse no Oriente Próximo A espetacular ofensiva do autoproclamado Estado Islâmico no Iraque foi certamente o acontecimento mais marcante de 2014 e o que já provocou as maiores alterações políticas, militares e estratégicas ao nível regional e global Q Nicole Guardiola uando, há dez anos, o então Presidente dos EUA George W. Bush enunciou perante o congresso de Washington o seu projeto de remodelação do «grande médio oriente», abrangendo os 22 membros da Liga Árabe e cinco países não árabes (Afeganistão, Irão, Israel, Paquistão e Turquia), nem os seus mais críticos adversários imaginaram o caos que esta estratégia iria provocar na região. No editorial de 16 de outubro, o diário americano The Washington Post escreveu que «intervir sem se preocupar com a necessidade de criar sistemas políticos viáveis e forças capazes de garantir a segurança nacional só pode abrir a via a novos estados falhados e por ricochete ameaças acrescidas contra os Estados Unidos». A parte oriental do «mundo árabe», que se estende do Egito às fronteiras da Turquia e do Irão, é hoje um teatro de guerras, com centenas de milhares de mortos e mutilados, milhões de refugiados e deslocados, economias e Estados em ruínas. É deste caos que emergiu em 2014 a figura do «califa» Abu Bakr al Baghdadi, com o seu séquito de fanáticos jiadistas, exímios na arte de lavar cérebros e de cortar cabeças. Esta nova «ameaça» é a pior que o mundo já conheceu, segundo o veterano diplomata britânico William Patey, um «cancro» que é preciso erradicar, como disse em setembro o atual Presidente dos 24 dez 2014 / jan 2015 – África21 EUA Barack Obama, antes de iniciar uma campanha de bombardeamentos contra o autoproclamado Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria, à cabeça de uma coligação que inclui cinco países árabes – Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Qatar. Esta aliança é bastante equívoca tendo em conta o papel que estas monarquias sunitas desempenharam na geração do «monstro» e das similitudes entre a ideologia do autoproclamado Estado Islâmico e as interpretações do Islão e da Lei Islâmica em vigor na Arábia Saudita e no Qatar. Os súbditos destes monarcas sunitas têm sérias razões para se interrogar acerca dos motivos que levaram os seus dirigentes a entrar em guerra contra o EI quando há mais de dez anos apontam o «eixo xiita» – constituído por Irão, Iraque (único Estado árabe maioritariamente xiita), Síria e Hezbollah libanês – como a maior ameaça à paz e estabilidade da região. Foi este o motivo invocado para apoiar os rebeldes sírios, incluindo os islamistas mas radicais. O regime de Damasco era, dizia-se nos bastidores, o «elo fraco» deste eixo; o seu derrube enfraqueceria o Irão, acabando de vez com a pretensão de Teerão de impor a sua hegemonia sobre toda a península arábica. Porque, então, alinhar agora com o Ocidente para impedir o EI de conquistar Damasco e Bagdade e de corrigir o «erro» cometido pelos americanos em 2003 quando, depois de derrubar Saddam Hussein, entregaram o poder e o petróleo iraquiano aos xiitas e aos curdos? Outra pergunta que atormenta a «rua árabe» tem a ver com o facto desta declaração de guerra contra a «barbárie islamista» ter acontecido logo a seguir à intervenção militar israelita contra a Faixa de Gaza que durou 50 dias entre julho e agosto, causou a morte de cerca de 2000 palestinianos, dos quais 500 crianças. Apesar dos protestos e da suspeita de possíveis «crimes de guerra», Israel não foi sequer ameaçada de sanções, o bloqueio de Gaza mantém-se com a participação ativa do Egito e a repressão e a colonização dos territórios palestinianos intensificaram-se. Para muitos analistas independentes esta impunidade é uma das causas do atual recrudescimento das tensões em Jerusalém, que culminou com o ataque de dois jovens palestinianos contra uma sinagoga a 18 de novembro que causou cinco mortos. A brutal reação do governo de Netanyahu, refém da extrema-direita e dos colonos judeus, com a execução sumária dos «terroristas» e a demolição das casas das suas famílias faz aumentar os riscos de uma revolta popular (Intifada), implicando pela primeira vez os árabes israelitas. Ao contrário das anteriores, esta «Intifada de Jerusalém» como é chamada, tem uma dimensão religiosa e diz respeito ao estatuto dos lugares santos garantido por tratados internacionais. A Jordânia, segundo pais árabe a ter assinado um acordo de paz com Israel (em 1994) depois do Egito, mandou regressar o seu embaixador a 5 de novembro e alertou o Conselho de Segurança da ONU contra as «violências repetidas de Israel» em Jerusalém. O reconhecimento do Estado palestiniano pelo novo Governo sueco, a 10 de outubro, já tinha indicado que os governos europeus também responsabilizam Israel pelo bloqueio do processo de paz e a degradação da situação. Israel protestou veementemente, a Casa Branca qualificou a iniciativa sueca de «prematura» mas um tabu foi quebrado. Sucessivamente, os parlamentos britânico, espanhol e francês votaram resoluções recomendando aos respetivos governos que reconhecessem o Estado da Palestina. Recomposição das alianças A decisão de Washington de intervir militarmente contra o Estado Islâmico lançou a desorientação entre os «aliados privilegiados» dos Estados Unidos no Próximo Oriente que temem que a importância atribuída à luta contra este novo «inimigo principal» implique uma mudança de estratégia, nomeadamente em relação ao Irão, visto pela maioria dos estrategas militares como o único país que pode efetivamente ajudar a derrotar o EI sem necessidade de enviar tropas ocidentais para o combate. Os progressos realizados nas negociações sobre o programa nuclear iraniano parecem confirmá-lo. Apesar do fracasso da última ronda de negociações em Viena, foram notórios os frenéticos esforços do secretário de Estado americano John Kerry para conseguir um acordo «global e definitivo» até 24 de novembro ou pelo menos a prorrogação das negociações e do status quo até julho de 2015. Se Israel espera que a vitória dos republicanos nas recentes eleições legislativas americanas obrigue a administração Obama a renunciar à ideia de levantar as sanções económicas contra o regime dos aiatolas, as monarquias sunitas tratam de se adaptar ao novo contexto, evitando contrariar a diplomacia americana e servindo-se da «guerra contra o EI» como alibi para esmagar os adversários internos dos respetivos regimes e colocando no mesmo saco «terrorista» al-Qaeda, al Nosra, os Irmãos Muçulmanos ou os líderes das minorias xiitas como o xeque Nim Baquer al-Nim, condenado a morte por um tribunal de Riad em outubro. «A luta contra o terrorismo voltou a ser o melhor seguro de vida dos autocratas» lamenta o historiador libanês Fawwaz Traboulsi. O seu país, o Líbano, é outro exemplo do fracasso das políticas seguidas desde o fim da guerra civil (1975-1990) para acabar com as Estado Islâmico, uma seita que se diz islâmica? Numa altura em que o mundo inteiro se interroga acerca de milhares de voluntários que partiram para combater ao lado dos islamistas radicais e dos crimes que perpetram, as conclusões do estudo realizado pela antropóloga Dounia Bouzar sobre cerca de 200 casos concretos revelam que é a guerra e não o islão que está na origem do fenómeno. Com efeito, apenas 20% dos jovens analisados eram de famílias muçulmanas, enquanto os restantes tinham sido criados por pais cristãos, judeus, budistas, mas sobretudo ateus (70%); só 10% tinham pais ou avós oriundos de países não europeus; 67% pertenciam à classe média, e 17% à classe alta. Apenas 5% tinham antecedentes judiciários sendo a maioria descritos como sociáveis, inteligentes e sensíveis. Em 98% dos casos a «conversão» ao Islão tinha sido rápida e resultado de uma reflexão individual, alimentada por pesquisas e contactos estabelecidos através das redes sociais (internet, facebook, youtube, twitter). O contacto direto com pregadores ou angariadores de combatentes islamistas surge na fase final do processo, quando o jovem já tomou a decisão de participar na «guerra santa». Para Bouzar, co-fundadora do Centro de Estudo sobre as derivas sectárias ligadas ao Islão, estes jovens foram sujeitos a formas de manipulação mental comuns a todas as seitas e visando alterar a sua consciência da realidade, destruir os seus valores e quadros de referência e levá-los uma submissão acrítica a uma autoridade exterior, supostamente detentora da verdade absoluta e portadora de uma mensagem «libertadora» ou mesmo «revolucionária». As referências ao Islão, a utilização dos sinais exteriores desta religião meramente instrumentais: o objetivo da manipulação não é fazer «bons muçulmanos» mas instrumentos dóceis ao serviço de um projeto político totalitário que utiliza o terror como arma principal. Levá-los a cometer atos bárbaros faz parte da estratégia. divisões sectárias e transformar o País dos Cedros numa democracia moderna. Sem presidente desde maio de 2014, com um parlamento cujo mandato expirou em 2013 e que acaba de se prorrogar até ao final de 2017, o Estado libanês ficou reduzido a uma fachada mantida de pé com injeções massivas de petrodólares sauditas, casca vazia no interior da qual o Hezbollah constitui um «quase Estado» cujo exército combate na Síria ao lado de Bashar al-Assad. O contrato negociado entre a França e a Arábia Saudita e assinado a 4 de novembro, para dotar o Líbano de um verdadeiro exército nacional capaz de restaurar a autoridade do Estado, corre o risco de agravar ainda mais a situação. Alem dos três mil milhões de dólares destinados a pagar o armamento francês para o exército libanês, Riad ofereceu outros mil milhões de dólares ao seu protegido libanês o ex-primeiro-ministro sunita Saad Hariri, inimigo jurado do Hezbollah e dos partidos pró-sírios. No Iémen, 2014 marcou o fim de uma ilusão, a de uma transição política negociada e bem sucedida após 33 anos de «reinado» do Presidente Ali Abdullah Saleh, derrubado por uma revolta popular em 2012. Desde a tomada de Sana, a capital, pela rebelião xiita liderada por Abdel Malek al- Houti, a 20 de setembro, e apesar da formação de um governo de unidade nacional imposta pela ONU, África21– dez 2014 / jan 2015 25 nada nem ninguém parece poder deter a escalada de violência que leva ao desmembramento deste país. Se a queda do Iémen nas mãos dos houtis – equiparados pelos sunitas ao Hezbollah libanês – era até há pouco hipótese totalmente inaceitável pelos sauditas, no contexto atual uma vitória do campo adverso, dominado pela al-Qaeda na Península Arábica e por Al Islah, ramo local dos Irmãos Muçulmanos, parece igualmente indesejável, razão pela qual os Estados Unidos continuam a bombardear sistematicamente as posições tomadas pelos islamistas no sul para impedi-los de tomar o controlo da costa e do estratégico porto de Aden. Quanto ao ex-Presidente Saleh, regressado do exílio nos EUA e acusado de desestabilizar a transição, entendeu que não podia mais contar com a ajuda de Riad e Washington para restaurar a segurança e a unidade do Iémen. Sancionado pelo Conselho de Segurança da ONU optou por pedir asilo político à Etiópia! Apesar do fracasso das intervenções estrangeiras – atribuído pelos neoconservadores americanos à «falta de coragem» do Presidente Obama – o Ocidente não renuncia à ideia de impor uma «nova ordem» no «grande médio oriente», pelas armas se necessário. Dos quinze «especialistas» dos EUA entrevistados pela revista norte-americana Foreign Policy, dez julgam ainda possível e necessário redesenhar a geografia política da região, sem ter em conta as fronteiras e os Estados constituídos porque estes não correspondem a nada nem merecem existir! A Tunísia em marcha rumo à democracia Vai ser precisa uma segunda volta das eleições presidenciais em dezembro para se saber quem será o primeiro Presidente da nova república tunisina, na altura do quarto aniversário do derrube do regime autocrático de Zinedine Ben Ali, mas o escrutínio de 23 de novembro confirmou a confiança da maioria dos tunisinos no processo em curso. Beji Caid Essebsi, líder do Nidda Tounes, o partido vencedor das eleições legislativas, continua favorito com 39,46% dos votos, contra 33,43% para o seu principal adversário, Moncef Marzouki, colocado no Palácio de Cartago em 2011 pelos islamistas do partido Ennahda, vencedor das eleições constituintes. Nem a tentativa de Marzouki de se apresentar como o campeão da «defesa da revolução» e de colar ao seu adversário o rótulo de «cavalo de Troia» dos nostálgicos do antigo regime, nem a abstenção do Ennahda dissuadiram os tunisinos de escolher nas urnas o seu novo Chefe de Estado, fechando assim o ciclo da transição. A participação foi de cerca de 65%, sensivelmente igual à das legislativas; o candidato da esquerda, Hammi Hamami, líder da Frente Popular, foi o terceiro candidato mais votado com 7,8% dos votos; com os empresários Hachim Hamdi e Slim Riahi, respetivamente quarto e quinto com mais de 5% dos votos, os três estão em condições de inclinar a balança a favor de Essebsi. Têm em comum a vontade de ultrapassar a divisão entre islamistas e laicos e de colocar as questões económicas e sociais no centro das preocupações do próximo governo, correspondendo às expectativas da poderosa Central Sindical UGTT e da maioria da população. Este deverá ser nomeado pelo presidente eleito e não pelo presidente interino como pretendia Marzouki num ultimato dirigido a Essebsi logo após as eleições legislativas, pretensão rejeitada pelos árbitros do Diálogo Nacional promovido pela UGTT. Os mais felizes do mundo Segundo o «Índice da Felicidade Mundial» (Happy Planet Index - HPI)) publicado anualmente pela New Economics Fundation, ONG sedeada no Reino Unido, a Costa Rica e o Vietname são os países que asseguram aos seus cidadãos as condições de vida mais agradáveis e sustentáveis enquanto o Mali, Botswana e Chade ocupam por esta ordem os últimos lugares de uma lista de 150 países. O HPI pretende ser uma alternativa ao índice do desenvolvimento humano (IDH) do PNUD, pondo o acento sobre o impacto ambiental de forma a relativizar os bons resultados obtidos pelos países mais desenvolvidos em relação aos critérios adotados para o cálculo do IDH, como a esperança de vida e a satisfação das necessidades sociais básicas (perceção do bem-estar). Os resultados são surpreendentes. A Argélia aparece como o país mais feliz de África e do mundo árabe; dos BRICS, os mais felizes são a India e o Brasil; e o país de Lula da Silva é o melhor classificado dos membros da CPLP. Se a maioria dos países da África Subsariana pertence ao grupo dos países «menos felizes» estão em «boa companhia», já que os Estados Unidos fazem parte do mesmo grupo; a Europa (incluindo os países escandinavos), Canadá, Rússia e China fazem pouco melhor e situam-se no segundo grupo «menos feliz». Em relação à perceção do bem-estar, o mais subjetivo dos três critérios adotados, o relatório salienta que a liberdade política, a ausência de corrupção e uma sociedade civil organizada e ativa são mais determinantes do que o PIB de um país para a felicidade dos seus habitantes. Deste ponto de vista, europeus e norte-americanos são efetivamente os mais felizes, com a Dinamarca, Canadá, Noruega e Suíça no topo da tabela. 26 dez 2014 / jan 2015 – África21 Super Ordenado BAI CONDIÇÕES AINDA MELHORES té a o t i Créd e z K 0 0 , 0 0 0 r . a 0 g a 0 p ara 5.0 p S E S E 60 M O Banco de todos os momentos. Por que não remodelar a sua casa? Ou comprar uma mobília nova? Ou até mesmo iniciar os estudos? São até 5 milhões de kwanzas e 60 meses para pagar. Super Ordenado BAI. O dinheiro que precisa, agora. Angola • Cabo Verde • Portugal • África do Sul África21– dez 2014 / jan 2015 27 a opinião de mallé kassé Mudanças radicais ou atolamento fatal Nos países africanos de expressão francesa, a escola pública entrou em crise nos anos oitenta com o surgimento do setor privado e conduziu a desfechos perniciosos. A educação tornou-se uma simples mercadoria como qualquer outra. N Mallé Kassé é docente da Universidade Cheikh Anta Diop (UCAD) de Dakar 28 os anos 80 do século passado, os países da África Ocidental adotaram, na sua maioria, os famosos Planos de Ajustamento Estrutural (PAE). Em todos esses países, a solução proposta para, supostamente, resolver todos os problemas foi a mesma: menos Estado, menos investimentos nos setores sociais como a escola e a saúde. Pouco antes dos tais PAE, criticávamos o Presidente Leopold Sedar Senghor porque ele queria, ao nosso ver, «helenizar» a escola que, todavia, ele sempre quis pública! O pior de tudo isso chegou depois: Os «gestores» dos anos 80 adotaram uma visão contabilística da escola, deixando de lado a dimensão pedagógica, humana e humanista; integraram a escola no mercado! O privado, que até aí acolhia os excluídos das escolas públicas (por causa de desempenhos insuficientes), começa a implantar-se em todo o lado: a educação torna-se uma mercadoria como qualquer outra. Em todo o lado, a escola pública entra em crise. Esta crise da escola foi um acelerador dos incidentes mortíferos que temos vivido neste lado do continente. Citando exemplos concretos temos os seguintes países: No Senegal, a supressão dos internatos que acolhiam as crianças pobres das regiões periféricas (como muitos dos atuais docentes da UCAD – Université Cheikh Anta Diop de Dakar), pôs cobro aos sonhos da ascensão social de muitos jovens. Haverá algo mais grave do que uma alma que, aos 16-20 anos de idade, vai morrendo com os seus sonhos? Muitos jovens, oriundos da região natural da Casamance (Sul do Senegal), foram encher as fileiras do Movimento das Forças Democráticas da Casamance (Mouvement des Forces dez 2014 / jan 2015 – África21 Démocratiques de Casamance – MFDC), Movimento independentista! A Universidade de Dakar, antigamente cadinho de formação de muitos quadros dos países africanos, é hoje uma grande creche de jovens, que não encontraram outra saída. Os «cérebros», que conseguiram vistos, foram ver outros céus. A mesquita construída no seio das residências universitárias recebe mais estudantes do que a própria biblioteca! Na Costa do Marfim, por exemplo, a crise da escola pública permitiu e facilitou o nascimento de uma estrutura de estudantes sindicalistas profissionais. A FESCI (Federação dos Estudantes da Côte d’Ivoire) controlava a situação, e os «anos escolares sem aproveitamento» foram-se sucedendo. Os partidos políticos no poder, tal como os da oposição, procuraram controlar esse movimento. Os ex-dirigentes da FESCI estão no centro da crise marfinense, como é o caso de Guillaume Soro – que aderiu à «rebelião do Norte» – e de Charles Ble Goudé –, que se proclamou «General da Rua», em Abidjan, ao lado do ex-Presidente Laurent Gbagbo. Todos nós vimos o filme dos eventos que aconteceram na Costa do Marfim e suas consequências. No Mali, a Universidade de Bamako funcionava dois a três meses por ano, dependendo do pagamento das bolsas e dos salários. Os «anos escolares sem aproveitamento» sucediam-se e repetiam-se. A chegada ao poder de Amadou Toumani Touré, o General admirado na altura pelo seu papel desempenhado no derrube da ditadura do deposto Presidente Moussa Traoré, agravou ainda mais a situação; todos os partidos políticos o apoiaram e instalou-se um «consenso mole», sem debate. Muitos estudantes, sem outra perspetiva de vida, foram para as fileiras do exército e, «compraram» as PETER MULLER/CULTURA CREATIVE/AFP A crise da escola pública foi um acelerador dos incidentes mortíferos que se vivem na África Ocidental suas promoções no seio das forças armadas malianas. Apareceram novos oficiais que, assim que ouviram o primeiro disparo das armas dos jiadistas no Norte do Mali, despiram as suas fardas e sumiram pura e simplesmente, permitindo uma progressão rápida e fulgurante dos bandidos barbudos. O lugar deixado pelo setor público está hoje ocupado por outra gente que, no início, pretende dar conforto moral: as seitas, as novas igrejas, os barbudos; e hoje o antigo colono protege Bamako! Na Libéria e na Serra Leoa há uma geração inteira completamente perdida! Os que têm hoje a idade de assumir a direção desses países, nunca tiveram a oportunidade de ir à escola ou de se formarem em algo mais, por causa das longas guerras civis que abalaram esses países e que fizeram milhares de vítimas. É difícil um povo analfabeto e pobre compreender e aplicar medidas mínimas de luta contra o flagelo cruel do ébola, que está a devastar e ceifar vidas nesses países. Já lá vai o tempo em que os melhores médicos da região iam aperfeiçoar-se nos hospitais de Monróvia! É triste ouvir a Presidente Helen Sirleaf Johnson pedir desculpas ao seu povo, por não ter comprado ambulâncias para os hospitais públicos! Os que deram lições nos anos 80 do século passado para a escola tornar-se cada vez menos um serviço público, para a escola ser um elemento do mercado e deixar de ser um cadinho de valores humanos, estão de novo nos nossos corredores a dis- É difícil um povo analfabeto e pobre aplicar medidas mínimas de luta contra o flagelo do ébola cursar e a palavrear sobre o financiamento do Ensino Superior Público! Devemos renunciar e aceitar as medidas propostas pelos doadores ? Devemos aceitar como indiscutíveis as soluções ditadas nos novos «contratos de desempenho» elaborados pelo Banco Mundial, só para obter os financiamentos prometidos? Devemos deixar de lado as ciências sociais e humanas para só investir no que eles designam por STEM (Sciences, Technology, Engeneering, Mathematics)? Todas essas medidas, essas soluções aceites pelas nossas autoridades são apresentadas como opções técnicas perante um problema técnico. Trata-se, antes, de escolhas políticas que se revelaram impróprias para resolver a crise da educação e dos serviços de saúde nos nossos países. Contra a renúncia, os atores da escola pública, da saúde pública, devem procurar armas tiradas de outros paradigmas, diferentes dos que já instalaram as nossas escolas e os nossos hospitais numa situação lamentável. Sair do paradigma imposto é ir além da educação formal, além dos currículos herdados dos colonizadores e implementados há mais de cinquenta anos; é descobrir os saberes indígenas em todas as áreas: artes plásticas, música, tecnologias inventadas pelos camponeses para resolver os problemas diariamente encontrados… O velho burquinabê Joseph Ki-zerbo tinha alertado: «Educar ou perecer»! África21– dez 2014 / jan 2015 29 Os angolanos terminam o ano de 2014 com várias dúvidas e incertezas, mas é cedo para saber se no novo ano o país entrará eventualmente numa crise ou se continuará a crescer e a melhorar, sobretudo em termos económicos e sociais. O Governo insiste no discurso do otimismo. Contudo, há muitos problemas latentes, cuja solução pode levar tempo. PAULO NOVAIS/LUSA angola Carlos Severino Dúvidas e incertezas T rês questões angustiam os angolanos mais informados. A primeira é saber se a economia continuará a crescer, no atual quadro mundial, caracterizado pela baixa do preço do principal produto de exportação do país, o petróleo. A segunda é se o MPLA, atual partido no poder, está realmente interessado em aprofundar a democracia. A terceira e última é como será operada a sucessão do Presidente José Eduardo dos Santos dentro de dois anos, se chegar a acontecer. As autoridades estimam um crescimento de 9,5% em 2015, apesar da baixa do preço do petróleo. Contudo, as disparidades verificadas nos últimos anos entre as estimativas de crescimento oficiais e aquelas que realmente aconteceram dão razão aos que têm dificuldade em concordar com mais essa previsão. Só para dar um exemplo, o Governo tinha previsto um crescimento de 8% em 2014, mas o mesmo cifrou-se apenas em 3,5%. Por outro lado, a evolução do preço do petróleo nas últimas semanas do ano não é nada animadora. Quanto à disposição efetiva do partido no poder em aprofundar o funcionamento do sistema democrático, os sinais são contraditórios. Assim, ao lado de factos positivos, como o julgamento dos oito acusados de terem sequestrado e assassinado dois ativistas políticos (um deles, por incrível que pareça, agente dos serviços de segurança infiltrado entre os manifestantes antigovernamentais) e a relativa liberdade da imprensa privada, continuam a persistir limitações e problemas inaceitáveis, como a excessiva governamentalização dos meios de comunicação do Estado e a violência desproporcional da polícia em relação aos poucos cidadãos que têm tentado manifestar-se contra o Governo e as suas políticas. 30 dez 2014 / jan 2015 – África21 José Eduardo dos Santos com a filha Isabel dos Santos em segundo plano No dia 22 de novembro, a dificuldade das autoridades em lidar com a democracia ficou mais uma vez patente, quando agentes da polícia, fardados e à civil, reprimiram violentamente um grupo de 15 jovens que tentavam manifestar-se em Luanda. Dois deles, Laurinda Gouveia e Odair Fernandes, foram detidos e espancados durante horas, tendo sido posteriormente soltos e largados ao fim da tarde próximo de uma área escolar. As imagens chocantes dos dois jovens circularam pelas redes sociais, tendo algumas delas também sido reproduzidas por vários semanários locais, que criticaram asperamente a atitude policial. Não houve, contudo, qualquer reação oficial. Vários observadores têm-se interrogado como é possível o Governo dar tantos «tiros no pé» nesta matéria, mas a pergunta permanece sem resposta até hoje. Finalmente, a eventual sucessão do Presidente José Eduardo dos Santos em 2017 é outra dúvida que, possivelmente, só será esclarecida dentro de dois anos. Nessa altura, o presidente completará 38 anos no cargo, mas, constitucionalmente, ainda poderá candidatar-se para mais um mandato de cinco anos. Algumas vozes, mesmo dentro do MPLA, defendem que o partido deve apresentar outro candidato, mas o assunto continua envolto num secretismo absoluto. Está previsto para o período de 4 a 10 de dezembro, poucos dias depois do fecho desta edição, a realização em Luanda de um congresso extraordinário do MPLA, mas, a não ser que haja alguma surpresa, nada de concreto deverá sair desse encontro sobre a questão da sucessão presidencial. Isso só deverá ser anunciado no congresso ordinário já previsto para o início de 2016. De assinalar que a maioria dos observadores considera virtualmente impossível uma mudança de partido no poder em Angola a curto e médio prazo, pelo menos se se mantiverem as condições gerais hoje existentes. Por isso, as vozes que, dentro e fora do MPLA, consideram que este deve ser o último mandato do Presidente defendem que a sua sucessão precisa de ser levada a cabo pelo atual partido governante enquanto ainda está no poder, para que a mesma decorra com o máximo de tranquilidade e não ponha em risco a estabilidade de Angola. A reeleição ou não de José Eduardo dos Santos em 2017 é, como é óbvio, politicamente discutível. Contudo, uma coisa é certa: a falta de uma decisão pública sobre o assunto lança incertezas desnecessárias sobre a sociedade (e também sobre os investidores). O estado da nação A 15 de outubro, o Chefe de Estado angolano apresentou aos deputados um discurso altamente positivo sobre o estado atual do país. Ele destacou, precisamente, o clima de estabilidade vivido em Angola, depois da cessação da guerra pós-independência, em 2002. «A paz consolida-se todos os dias graças ao espírito de tolerância, de compreensão, reconciliação e perdão de todos os angolanos, que, independentemente da sua filiação partidária, credo religioso ou região, viraram para sempre a página da guerra e têm a paz como o maior bem da nação a preservar», sublinhou Eduardo dos Santos, antes de acrescentar que o grande objetivo de todos os angolanos é «continuar a consolidar a paz e a unidade nacional e trabalhar para se alcançar a inclusão social, o progresso e o bem-estar de todos». O Presidente realçou em particular a gestão macroeconómica, nomeadamente a taxa de inflação, que se situou no primeiro semestre deste ano em 6,9%, assim como a estabilidade da taxa de câmbio da moeda nacional. Entretanto, não deixou de alertar para os problemas criados quer pela diminuição da produção petrolífera verificada em 2013 quer pela baixa do preço do crude no mercado internacional. «A queda da receita petrolífera está já a condicionar, naturalmente, as receitas públicas e isto exigirá que se tomem medidas para se garantir maior racionalidade da despesa até ao fim deste ano e uma maior arrecadação de receitas no setor não petrolífero», afirmou. A conclusão da reforma fiscal foi uma das medidas anunciadas por Eduardo dos Santos para contrabalançar os efeitos da redução das receitas petrolíferas. No âmbito dessa reforma, os impostos serão reduzidos, mas a sua base de incidência será alargada. O Governo tenciona também alcançar uma maior eficiência na arrecadação da receita tributária, tendo aprovado recentemente a criação da Administração Geral Tributária, unificando num único órgão os atuais serviços de Alfândegas e a Direção Nacional dos Impostos. Além da reforma fiscal, a redução da atual dependência da economia angolana em relação ao petróleo bruto foi definida pelo Presidente como «uma questão crítica, uma tarefa urgente e inadiável, determinante do nosso futuro e de uma mais efetiva independência nacional». A estratégia de diversificação da economia adotada pelas autoridades angolanas assenta em quatro pilares: reabilitação, modernização e desenvolvimento das infraestruturas económicas e sociais, articulação do investimento público e do investimento privado, formação, qualificação e gestão adequada dos recursos humanos e, finalmente, uma política laboral e remuneratória objetiva. Crescimento, democracia e sucessão preocupam angolanos informados «Reunidas estas condições, já será mais fácil promover e atrair o investimento privado angolano e estrangeiro para o setor produtivo, com vista a aumentar a produção, a reduzir as importações e a aumentar as exportações do setor não petrolífero e a garantir o crescimento e o emprego», enfatizou José Eduardo dos Santos. O estadista angolano mencionou também uma série de avanços no domínio social. Segundo ele, cerca de metade da população de Angola saiu do limiar da pobreza absoluta, baixando de 92% em 2000 para 54% em 2014. O agrónomo, ativista social e consultor Fernando Pacheco, colaborador da África21, questionou essa redução, afirmando desconhecer qualquer relatório que tivesse alguma vez fixado o índice de pobreza no país em 92%. Para ele, por conseguinte, a redução foi menor do que 50%. Seja como for, o relativo sucesso das políticas de combate à pobreza em Angola tem sido reconhecido, inclusive, por entidades como a FAO, o que justifica a satisfação das autoridades. Eis outras cifras exibidas por Eduardo dos Santos para demonstrar os avanços sociais registados em Angola nos últimos anos: • A esperança de vida dos angolanos aumentou dos 45 anos em 2000 para 52 em 2013; • A taxa de mortalidade de nados-vivos é inferior a 100 por mil, quando em 2000 era de 140; África21– dez 2014 / jan 2015 31 O Governo angolano termina o ano com um grande sucesso diplomático: a eleição do país para membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Motivo de orgulho dos angolanos, qualquer que seja a sua cor partidária, e fruto do trabalho da sua diplomacia, esse facto reflete a inegável simpatia externa que o país tem conquistado nos últimos anos. Não é só o petróleo ou o crescimento económico que o justificam. O papel regional de Angola, em especial a sua participação nos esforços de pacificação e estabilidade da África Central e também da Região dos Grandes Lagos, está igualmente por detrás do reconhecimento internacional da sua importância. Recentemente, por altura do 39.º aniversário da independência angolana, assinalada a 11 de novembro, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, evidenciou o novo caráter dessas relações em nota enviada ao ministro George Chicoty. «Em maio passado, viajei para Luanda e pude ver o progresso do país em primeira mão. Do avião, vi navios no porto de Luanda que transportam os frutos do seu milagre económico para o mundo». Ele salientou ainda que «após o encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos e o ministro das Relações Exteriores, Rebelo Chikoti, posso dizer com confiança que a África está em movimento. E Angola está a liderar o caminho. Este verão, tive o prazer de continuar o nosso diálogo, acolhendo o Vice-Presidente Manuel Vicente em Washington, para a Cúpula dos Líderes africanos». Por seu turno, o Presidente Barack Obama reconheceu igualmente os progressos registados em Angola desde o alcance da paz e felicitou o Chefe de Estado pelo seu empenho pessoal relativamente ao foco dos compromissos no âmbito da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CIRGL), que minimizam os conflitos no continente africano. «Nesta última década, Angola não apenas recuperou da guerra civil devastadora, como igualmente desenvolveu uma economia que se posiciona entre as maiores do continente africano», disse Barack Obama durante uma audiência que concedeu, na Casa Branca, ao novo embaixador angolano nos EUA, Agostinho Tavares da Silva Neto. Barack Obama disse que os Estados Unidos reconhecem e apreciam a posição de liderança que Angola assumiu, no continente, particularmente na Conferência Internacional na Região dos Grandes Lagos (CIGRL) e na SADC, e enfatizou que, «desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, em maio de 1993, a cooperação bilateral não se resume apenas ao comércio mas também envolve um compromisso para o alcance da paz e da segurança regionais». O estadista norte-americano felicitou Angola pela sua eleição como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU e pela presidência do Processo Kimberley, realçando que são «sinais de crescimento e do esforço do país na arena internacional, o que promove um futuro brilhante, seguro e próspero para todos os angolanos». A presente natureza das relações entre Angola e as principais potências mundiais explica, pelo menos em parte, por que razão a pressão de certas organizações internacionais conhecidas pelo seu ativismo em matéria de direitos humanos não tem tido o impacto interno que tem em outras partes do mundo. Aparentemente, aquelas potências, lideradas pelos EUA, preferem recorrer a uma estratégia mais soft (ou «positiva») para levar as autoridades a realizarem de maneira gently as mudanças democráticas que apregoam. Resta saber até quando. 32 dez 2014 / jan 2015 – África21 EDUARDO PEDRO/JORNAL DE ANGOLA Simpatia externa, até quando? Em 2014 Angola registou a terceira taxa mais elevada do crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano • A taxa de mortalidade de crianças até aos cinco anos de idade, que em 2000 era de 300 em cada mil, baixou para 120; • A taxa de alfabetização de adultos é atualmente de 72%, quando, há dez anos, não atingia os 50%; • Quase 6,5 milhões de alunos estão inscritos nos diferentes níveis de ensino, incluindo a alfabetização, ensino primário, especial, secundário e universitário (de acordo com o último censo, Angola tem cerca de 24,5 milhões de pessoas). O Presidente José Eduardo sublinhou o facto de, no relatório de 2014 sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Angola ter registado a terceira taxa mais elevada de crescimento anual do IDH, com 2%. Apesar de a posição do país ainda ser muito baixa (149.º lugar num total de 185 nações), ele manifestou-se fortemente convicto de que o mesmo «dispõe de condições para ascender daqui a duas décadas ao grupo de países com desenvolvimento humano elevado». Orçamento de contenção «Diante da atual situação económica e financeira difícil e incerta, causada pela queda do preço do petróleo, infelizmente o referido Plano já não poderá ser executado em três anos, como nós pretendíamos, mas talvez só possa ser executado num período de cinco a dez anos». Esta afirmação do Presidente, quando discursava a 15 de outubro, refere-se a um plano de contingência elaborado pelas autoridades para a construção de mais de 60 mil salas de aula e para a formação de quase 130 mil professores primários, a fim de atender as crianças que, apesar dos grandes progressos registados desde 2002 no domínio da educação, ainda estão fora do sistema regular de ensino. Contudo, pode perfeitamente aplicar-se a todos os planos e projetos do Governo para os próximos anos. Presidente mantém otimismo, mas alerta para situação económica difícil e incerta Os números falam por si. Assim, entre janeiro e outubro deste ano, a receita angolana com a exportação de petróleo atingiu os 25 mil milhões de dólares, uma quebra a rondar os 2,5 mil milhões de dólares face ao mesmo período em 2013. De acordo com informações do Ministério das Finanças, Angola exportou nos primeiros dez meses deste ano 494,1 milhões de barris de petróleo, número que contrasta com os 527,4 milhões em 2013. Além da quebra da produção, essencialmente no primeiro semestre, a diminuição das receitas é justificada igualmente com a redução do preço internacional do barril de crude. Em setembro de 2013 o barril de petróleo chegou a ultrapassar os 110 dólares no mercado internacional, valor que um ano depois desceu para 98 dólares e que em outubro se cifrou nos 93 dólares (valor médio da venda do barril de petróleo por Angola). No dia 30 de novembro, baixou ainda mais, chegando aos 72 dólares. Esta evolução no mercado internacional levou o executivo angolano a rever algumas metas para 2015, o que está refletido no próximo Orçamento Geral do Estado (OGE), a aprovar pelo parlamento no dia 11 de dezembro. Por isso, o mesmo já é chamado de “orçamento de contenção”. Tendo como base uma estimativa de 81 dólares para o preço médio do petróleo, o orçamento angolano de 2015, cujo total é de 7.251.807.630.778,00 kwanzas (cerca de 72,5 mil milhões de dólares) prevê um crescimento de 9,7 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). O défice orçamental será de 7,6 por cento. Algumas entidades internacionais consideram a previsão oficial de crescimento de Angola em 2015 «exagerada», acrescentando que a mesma visa apenas «efeitos propagandísticos» (atrair investimentos). Porém, as autoridades argumentam que a diminuição das receitas petrolíferas pode ser compensada seja pela redução dos subsídios seja, principalmente, pela diversificação da economia. Assim, só o corte de 25% dos «tradicionais» subsídios aos combustíveis permitirá ao Governo encaixar mais de mil milhões de dólares. Quanto à diversificação da economia, deverá ser liderada pela agricultura, com 12,3%. Além da agricultura, prevê-se um aumento de 3,3% na pesca e derivados, 12% na energia, 11% na indústria transformadora, 10,5% na construção e 9% nos serviços mercantis. Em termos globais, o setor não petrolífero angolano deverá crescer 9,2% em 2015 e o setor petrolífero 10,7%. A expectativa em relação ao crescimento da agricultura parece colidir, contudo, com a redução da fatia orçamental destinada ao setor, em comparação com 2013. O facto foi identificado por economistas independentes, que, além desse, apontaram como outros pontos negativos do OGE 2015, a atribuição de mais verbas ao ensino universitário do que ao secundário, o corte do orçamento dos tribunais, o aumento «brutal» do défice e a falta de transparência ou a insuficiência de informação em relação a alguns itens. Como pontos positivos, foram referidos o aumento das despesas sociais, a duplicação das despesas com o ensino primário, a redução das despesas com os subsídios aos combustíveis, um maior equilíbrio entre as províncias no domínio dos investimentos públicos e aumento moderado dos orçamentos dos governos provinciais. Para tais economistas, o risco maior resulta das projeções de crescimento «demasiado otimistas», porque assentes no aumento da produção do petróleo. Eles alertam que, mesmo com a entrada em produção de novos poços, os recorrentes problemas técnicos dos últimos anos «sugerem alguma precaução». Acrescentam ainda que o enquadramento externo não é o mais favorável, pois não se exclui a possibilidade de a OPEP baixar as quotas de produção dos estados-membros para controlar o preço. «Se o preço do petróleo continuar a baixar, o OGE não será simplesmente exequível, a menos que se aumente ainda mais o endividamento», concluem. África21– dez 2014 / jan 2015 33 34 dez 2014 / jan 2015 – África21 A crónica de Pepetela E A casa ra uma casa sem ambições arquitetónicas. Três pequenos andares ocupados por uma associação de estudantes num edifício de quatro. O rés-do-chão estava ocupado por uma farmácia. No entanto, este prédio despretensioso albergou durante vinte anos um viveiro de quadros, uma incubadora de ativistas futuros e que ficarão na História de vários países. Comemoram-se atualmente os 70 anos da fundação e os 50 da extinção da Casa dos Estudantes do Império (CEI), organismo criado ou autorizado pelo governo colonialista de Salazar, para de algum modo socializar e apoiar os estudantes que chegavam a Lisboa, vindos de territórios do então Império português, onde não existiam e até eram proibidos órgãos destinados ao ensino superior. Quem fosse originário de colónia portuguesa e quisesse formar-se numa universidade, teria de ir para Portugal. E aí, pensavam os fomentadores da ideia, essa elite «vinda da selva» seria controlada e educada nos princípios rígidos da moral e princípios que serviam os interesses da Metrópole. Infelizmente para o regime de então, saiu o tiro pela culatra. Pouco a pouco, os estudantes das colónias, particularmente os africanos, começaram a ganhar interesse pelos problemas dos territórios de onde provinham, a preocuparem-se com os entraves ao desenvolvimento e à justiça, ao mesmo tempo que se iam introduzindo no conhecimento de culturas que nem direito tinham a serem reconhecidas como culturas, as suas. Foi portanto amadurecendo nesse edifício e nas secções de Coimbra e do Porto, o sentimento nacionalista, manifestado muitas vezes em atividades culturais ou de cariz social. Até o regime se aperceber que os seus objetivos se goravam. E haver intervenções sucessivas da Pide e outros órgãos repressivos. As direções eleitas nas Assembleias Gerais eram arbitrariamente dissolvidas pelo Estado, o qual nomeava Comissões Administrativas, com gente de sua inteira confiança. E as lutas continuavam na Casa. Até o governo reconhecer a sua ineficácia e recuar, permitindo a eleição de novos órgãos dirigentes pelos sócios. Os quais dirigiam a organização até ao próximo mau humor dos diletos rottweillers de Salazar. Pela Casa passaram muitos dos que viriam a liderar ou a militar nos movimentos nacionalistas, os quais, pela sua luta, haveriam de conquistar a independência dos nossos países. Duas gerações de líderes consolidaram na Casa os seus conhecimentos políticos ou mesmo foi nela que despertaram para as terríveis condições de vida dos seus povos e a necessidade de transformar a realidade. A UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) realizou a primeira atividade para comemorar essa gesta no dia 28 de outubro em Coimbra. Outras atividades se seguirão, particularmente a reedição de todo o espólio publicado pela Casa, até maio de 2015, altura em que se cumprirão os 50 anos da extinção da CEI. A primeira cerimónia de homenagem foi comovente, pois se encontraram muitos dos antigos sócios, alguns não se vendo desde 1961. Também houve portugueses a homenagearem a Casa, tendo sido escolhidas pessoas que tiveram contacto com a organização e com os antigos sócios. Obviamente, muitos se referiram a Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara e a outros nacionalistas que marcaram indelevelmente a História. Foi bom estar em Coimbra, rever tantas caras conhecidas e escondidas pelo tempo, ouvir depoimentos sinceros e comoventes, recordar a nossa juventude cheia de sonhos. Sobretudo, saber que valeu a pena. Nem sempre o orgulho é um sentimento negativo, particularmente o de ter tido um número de sócio da Casa dos Estudantes do Império. Pela Casa passaram muitos dos que viriam a liderar ou a militar nos movimentos nacionalistas África21– dez 2014 / jan 2015 35 36 dez 2014 / jan 2015 – África21 África21– dez 2014 / jan 2015 37 crónica da terra O futuro da nação Por ocasião do Festival Nacional de Cultura, em setembro de 2014, esteve em Angola Margaret Anstee, que havia chefiado a missão de manutenção de paz nos anos conturbados de 1992-1993 E Fernando Pacheco é o coordenador do OPSA 38 ntrevistada pelo jornal de angola, Margaret Anstee, com elegância e ironia, elogiou as realizações do Executivo angolano e da sua liderança, mas, ao mesmo tempo, manifestou a sua tristeza pelo facto de o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país continuar num nível baixo, quase no fim de uma lista de mais de 160, sobretudo nos fatores ligados à saúde e educação. E disse mais. Se a situação não melhorar, pode haver novos conflitos. No discurso sobre o estado da Nação, na Assembleia Nacional, a 15 de outubro, o Presidente da República apresentou uma posição diferente. Segundo ele, é importante salientar o facto de o país, no conjunto de 187 países analisados, ter a terceira taxa mais elevada de crescimento anual do IDH com 2%, apenas sendo ultrapassado pelo Ruanda e pela Etiópia, por sinal dois países que também viveram sérios conflitos militares. E acrescentou que Angola tem condições para ascender, em duas décadas, ao grupo de países com IDH elevado. Recordo que há quase dez anos o Presidente havia dito que igualmente em duas décadas Angola teria um nível de desenvolvimento similar ao do Brasil e da África do Sul. Este otimismo parece-me muito exagerado e pode ter efeitos contraproducentes. O Presidente baseia o seu otimismo nos progressos observados nos níveis educacional e sanitário da população. Os números referentes à educação são, na verdade, impressionantes. Porém, há dois aspetos que sugerem moderação para esse otimismo. O primeiro é o facto de termos, para uma população escolar no ensino primário superior a cinco milhões, apenas 600 mil alunos no ensino pré-escolar. Ora, no ensino moderno, é fundamental que a aprendizagem tenha início no nível pré-escolar. Como isto não acontece em Angola, as crianças chegam mal preparadas ao ensino primário, e assim sucessivamente até ao ensino superior. E aqui surge o segundo aspeto preocupante. O Presidente enalteceu o número de estudantes no ensino superior (217 mil, quase quatro dez 2014 / jan 2015 – África21 Fernando Pacheco vezes o do ano 2000), mas reconheceu a necessidade de uma «revolução qualitativa» nesse nível de ensino e no técnico-profissional, convergente com as prioridades do desenvolvimento, que formem jovens com competências adequadas de modo a poderem conseguir empregos. Tenho levantado esta questão e alertado para os problemas sociais, económicos e políticos que poderão acontecer caso se mantenha a política de educação e ensino que tem sido implementada, expressa nos Orçamentos Gerais do Estado dos últimos anos. Na sua análise sobre o OGE de 2014 o OPSA e a ADRA estimaram que, para uma população em idade pré-escolar de 700 mil crianças (no discurso o Presidente fala de 600 mil, uma diferença que não é relevante para os cálculos), o valor anual per capita era inferior a 500 kwanzas (cinco dólares), muito longe do necessário para respeitar a prioridade de assegurar a educação pré-escolar expressa no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017. Nesse mesmo orçamento, o ensino primário, o secundário e o técnico-profissional sofreram reduções de, respetivamente, 33,3%, 2,3% e 19,3% em relação a 2013. Ora, estes cortes não respeitam as várias prioridades para o setor da Educação, e, obviamente, põem em causa o desenvolvimento humano de Angola. Paradoxalmente, o orçamento do ensino superior subiu 20,9% em relação a 2013, passando a ter mais cerca de 10% do que o ensino secundário. Esta incompreensível repartição de recursos é reflexo de uma política que tem, como consequência, a má qualidade, em termos genéricos, dos profissionais que chegam ao mercado de trabalho. E a interrogação é inevitável. Como é possível imaginar que tais profissionais não venham a ter sérios problemas de emprego? Como é possível esperar que, deste modo, possamos ter aumentos consideráveis no IDH? Na minha crónica anterior, fiz notar a falta de realismo de um dirigente ao afirmar que nós, angola- JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA Os cortes na Educação não respeitam as prioridades e põem em causa o desenvolvimento humano de Angola nos, estamos em condições de protagonizar o primeiro milagre económico de África, tal como no passado se registaram os milagres económicos do Japão e da Alemanha. Esta sobrevalorização das nossas capacidades, aliada à exagerada criação de expectativas, pode ser perigosa. Para já, é responsável pela falta de humildade perante o saber, nomeadamente o técnico-científico, pela ausência de rigor na elaboração de programas e de projetos e no desempenho das atividades mais diversas, pelo esbanjamento de dinheiros públicos, e pela arrogância, características que começam a ser consideradas comuns aos angolanos em diversos domínios. Com efeito, doze anos depois do fim da guerra, apesar dos reconhecidos progressos, Angola continua a estar mal numa série de classificações internacionais, da responsabilidade de diferentes agências e organizações, desde o Banco Mundial e UNICEF até à Fundação Mo Ibraim. Números que não batem certo Vejamos alguns exemplos. O Governo anunciou recentemente avanços significativos na equidade do género e na não discriminação em função do sexo, mas o relatório global sobre a diferença do género promovido pelo Fórum Económico Mundial coloca Angola na 121.ª posição (entre 142 países), quando em 2013 já estava na 92.ª. No Doing Business recentemente divulgado, ranking do Banco Mundial so- Segundo dados de 2013, Angola caiu para o índice mais elevado do mundo em mortalidade infantil bre a facilidade de realização de negócios, Angola desceu um lugar relativamente ao anterior. Numa votação online, o Aeroporto 4 de Fevereiro foi considerado o 5.º pior de África pelos utilizadores de um site (www.sleepinginairports.net) que analisa o conforto e as condições de utilização de infraestruturas em aeroportos de todo o mundo. O mais grave, porém, é a queda do índice de mortalidade infantil, pois, segundo dados de 2013, Angola tem o mais elevado do mundo. Claro, nenhum destes dados foi noticiado pela comunicação social pública. A proposta de OGE para 2015 revela que os críticos tinham razão quando denunciavam os erros no setor da educação e também que o Executivo foi recetivo a tais críticas. As verbas crescem 47% em termos globais em relação a 2014. Mas, apesar de uma redução (4,4%) do valor para o ensino superior, este mantém-se superior ao do ensino secundário, que desce ainda mais (5,9%). Muito difícil de entender. O desejo legítimo de atingirmos elevados níveis de IDH exige muito mais do que vontade. Desde logo, uma outra abordagem do desenvolvimento, mais de acordo com a nossa realidade, que favoreça a criação de organizações e instituições fortes e capazes e promova a geração de empregos, ou seja, o contrário do que se tem feito. No fundo, mais modéstia e realismo, e muito mais aposta no reforço das capacidades. África21– dez 2014 / jan 2015 39 a opinião de alves da rocha Tempos de austeridade e riscos até 2020 [email protected] O Orçamento Geral do Estado para 2015 foi elaborado num contexto de expectativas negativas, não apenas em relação à principal fonte de financiamento da actividade do Estado, como ao clima económico internacional, com o principal mercado de exportação do petróleo angolano a sofrer sistemáticos ajustamentos para baixo na sua taxa de crescimento económico para 2015 e aos anos subsequentes. N Professor Associado da Universidade Católica de Angola Alves da Rocha escreve de acordo com a antiga ortografia 40 ão é a primeira vez que o Governo se encontra numa posição de enorme desconforto para elaborar o seu Orçamento. Em 1998, quando o preço internacional do petróleo se situou na vizinhança de 10 dólares o barril, foi difícil a configuração do plano financeiro do Estado, tendo-se programado um défice fiscal da ordem dos 15% do PIB. Em 2009, também o preço do petróleo desceu para patamares comprometedores do financiamento da actividade do Estado: 61,8 dólares o barril, depois de ter registado um valor de 97,1 dólares em 2008. O défice fiscal nesse ano foi de 8,1% do PIB. O valor global da actividade económica do país passou de 84,2 mil milhões de dólares em 2008 para 75,5 mil milhões em 2009. Foi a primeira grande quebra do PIB depois de finalizada a guerra civil. Para 2015, o Governo estima um défice orçamental de 7,6% do PIB, aproximando-se do valor registado em 2009, de manifesta crise económica e financeira internacional e que teve expressivas repercussões em Angola, como se sabe. Depois de um crescimento de 10,7% no sector que ainda é o responsável por mais de 70% das receitas fiscais do Estado, as previsões até 2017 apontam para uma quebra significativa em 2016 (3,8%) e novamente uma variação real negativa de 9,8% em 2017, tal como se verificou em 2013 e 2014. Por isso é que não só o Governo receia poder estar-se perante um período complicado para a economia nacional, como as principais agências de risco e as instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, têm revisto sistematicamente em baixa as taxas de crescimento do PIB angolano. O Fundo Monetário Internacional projecta uma taxa média anual de crescimento, entre 2014 e 2019, de 5,8% revelando a existência de en- dez 2014 / jan 2015 – África21 traves estruturais e institucionais à obtenção de índices de crescimento comparáveis aos registados entre 2004 e 2008 (12,5% ao ano, de acordo com as Contas Nacionais). A Agência Business Monitor International, no seu relatório de 20 de Outubro de 2014, ajusta para baixo as perspectivas de crescimento do PIB angolano, estimando em 5,2% ao ano, também até 2019. Sem crescimento não vai ser possível distribuir mais. Mas sempre é possível distribuir-se melhor o que está mal distribuído, se for entendido terminar com o abominável processo de acumulação primitiva de capital, que originou uma sociedade internacionalmente classificada como das mais desiguais do mundo. Um défice fiscal previsto de 7,6% do PIB é muito alto e sinaliza as enormes dificuldades que são esperadas em 2015 quanto ao cumprimento das principais funções orçamentais do Estado, como o fomento do crescimento, a provisão de bens e serviços públicos e a redistribuição do rendimento nacional. Aliás, olhando retrospectivamente para este indicador, verifica-se que estas dificuldades acabam por ser dificuldades anunciadas. Na verdade, de um excedente de 6,7% do PIB nas Contas do Estado em 2012, passou-se para um superavit de 0,3% em 2013 e um défice estimado de 0,2% em 2014. A linha de comportamento das Contas do Estado está a atravessar, depois de 2012, um período de dificuldades, que só uma gestão disciplinada – fechando-se todos os canais de escoamento dos dinheiros públicos, como o tráfico de influências (com um índice muitíssimo elevado entre nós) e a corrupção (continuamos a ocupar os últimos lugares das listas mundiais de transparência e corrupção) – e uma aplicação muito mais racional, eficaz e efectiva dos dinheiros da Nação poderá ajudar a ultrapassar, com os me- JOSÉ SOARES/JORNAL DE ANGOLA Pela primeira vez, as verbas destinadas à educação e saúde sobrepõem-se às canalizadas para a defesa e segurança Não se pode pedir às famílias que sejam também uma parte da solução do problema de escassez de recursos financeiros do Estado nores danos possíveis, esta crise. Compete ao Estado e ao Governo o essencial das poupanças necessárias. Não se pode pedir às famílias, sobretudo às mais pobres e remediadas, que sejam também uma parte da solução deste problema de escassez de recursos financeiros do Estado. Em princípio a regra de ouro de um qualquer orçamento de Estado é a do défice nulo – o que se retira da economia e da sociedade a título de impostos o Estado devolve, no mesmo valor, em serviços públicos, fomento da economia, melhoria das condições de vida e estabilidade macroeconómica. Esta é que tem de ser a lógica. No entanto, em determinados períodos do processo de funcionamento das economias, nomeadamente em fases em que se esperam retracções nas dinâmicas de crescimento do PIB, o Estado pode ter de optar por um orçamento deficitário. Algumas despesas orçamentais do Estado são reprodutivas – criam utilidades com efeitos sobre a procura final (curto prazo) e melhoram a capacidade de crescimento a médio prazo. Por conseguinte, o Governo entendeu que, mesmo face a uma expectativa de redução das receitas fiscais petrolíferas, deveria manter determinadas despesas produtivas e reprodutivas. Se a decisão tivesse sido no sentido de ajustar as despesas públicas totais às disponibilidades financeiras, poderia desencadear efeitos recessivos sobre a economia. O essencial, como já afirmei, é praticar-se o rigor e a disciplina orçamental em 2015, nos moldes já anunciados pelo Ministro das Finanças, de modo a poder esperar-se que o défice de 7,6% seja menor no final de 2015. As previsões quanto ao comportamento futuro do preço do barril de petróleo no mercado internacional também não ajudam a economia nacional, como já sublinhado anteriormente. A Business Monitor International aponta um valor médio, até 2019, de 87 dólares o barril. O OGE para 2015 adopta 81 dólares, o que é uma decisão acertada, esperando-se sempre que o comportamento do petróleo possa alterar a trajectória prevista. O cenário fiscal não poderia ser feito com um preço do barril de petróleo mais baixo. O OGE tem uma função importante de estimular a economia, de transmitir optimismo às famílias, às empresas, aos trabalhadores e aos investidores. Desde que esse optimismo seja contido e não assuma a forma de jactância – que nos caracteriza em muitos momentos – não advirão efeitos perversos. Pela primeira vez, depois do conflito armado, as verbas destinadas à educação e saúde sobrepõem-se às canalizadas para a defesa e segurança. Pode tratar-se de uma situação meramente conjuntural, não correspondendo a uma tendência de alteração estrutural da composição percentual das despesas públicas. Nestas como em outras matérias económicas e sociais a análise que mais importa é a tendencial, reveladora de alterações fundamentais. E, neste aspecto, as despesas com defesa e segurança têm sido sempre superiores às da educação e saúde. Mas mais fundamental é a eficiência das despesas com os sectores sociais e não o seu valor absoluto ou relativo. E, neste aspecto, a prestação de serviços de educação e de saúde continua deficitária e de baixa qualidade. África21– dez 2014 / jan 2015 41 NATACHA MOSSO cabo verde Entre previsões de crescimento pouco otimistas, aumento do endividamento e redução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, ao arquipélago resta-lhe a aposta num investimento forte para melhorar a competitividade e o ambiente de negócios, de forma a atrair investimentos Natacha Mosso PRAIA Aprender a caminhar com os U m cenário pouco otimista chegou da Fitch Ratings. A instituição assevera que a dívida de Cabo Verde cresceu rapidamente em 2014 e que poderá aumentar para 115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, atingindo 120% em 2017. O relatório indica que a dívida está a crescer mais depressa do que o previsto. A Fitch adverte que o PIB cabo-verdiano continua estagnado, principalmente devido à perda de poder de compra dos cidadãos, à queda das remessas e ao residual investimento direto estrangeiro. O turismo foi o único setor onde se registou um aumento das receitas. Ainda segundo o relatório, o crescimento económico deve ficar-se por 1%, ao mesmo tempo que aumentarão as dificuldades do Governo na consolidação da dívida pública. Reagindo ao cenário da Fitch, a ministra das Finanças e do Planeamento, Cristina Duarte, reconheceu que o stock da dívida está elevado, mas «dentro da sustentabilidade» e sem perigo para a capacidade de pagamento do país. Por outro lado, explicou que os outros dois rácios – serviço da dívida e das exportações e serviço da dívida/receitas – estão igualmente dentro dos níveis de sustentabilidade. Por sua vez, o Grupo de Ajuda Orçamental (GAO) aconselhou o Governo a rever a sua política fiscal classificada de «expansionista» e a criar condições para que a economia possa amortecer e absorver os choques externos. A elevada dívida pública preocupa o GAO, que exortou o Executivo a procurar novos modelos de financiamento, não obstante reconhecer que o Governo começou a diminuir o investimento público, apostando mais no abrandamento fiscal e nas reformas macroeconómicas. O governador do Banco de Cabo Verde exorta as famílias e as empresas a não continuarem a recorrer ao endividamento. Reconhecendo a solidez do sistema financeiro cabo-verdiano, Carlos Burgo aconselhou um investimento forte na melhoria da 42 dez 2014 / jan 2015 – África21 competitividade, ambiente de negócios, qualificação profissional e legislação laboral. O país parte para 2015 com um Orçamento de Estado – aprovado na generalidade em novembro, com 36 votos do partido do poder, PAICV, e 28 contra da oposição, sendo 26 votos do MpD e dois da UCID – que prevê 43 milhões de contos (487 milhões de dólares) em despesas totais, 44 milhões em receitas (498 milhões de dólares) e 2,9 milhões (33 milhões de dólares) em ativos não financeiros, ou seja, em investimentos, um crescimento entre 3% a 4% e um défice à volta de 7,3%. Cristina Duarte garante que o Orçamento de Estado para 2015 é mais uma etapa do processo de consolidação orçamental em que o défice público será gradualmente recentrado. Ainda no campo da economia, o país perde, em 2014, quatro posições no relatório Banco Mundial «Doing Business 2015», ocupando agora 122.º lugar em 189 economias mundiais avaliadas pela facilidade para fazer negócios. Cabo Verde mantém a terceira posição a nível da CPLP, atrás apenas de Portugal (25) e do Brasil (120). Obtenção de crédito, obtenção de alvarás de construção, acesso à eletricidade, protecção dos investidores minoritários, excesso de burocracia e execução de contratos são os itens chave que contribuíram para esta perda de posição. Boa governação O ano augurou-se positivo no capítulo da Boa Governação. O país foi considerado o segundo mais bem governando de África (ver África21 de novembro), apenas perdendo para o Botswana, e o melhor dos PALOP, segundo o índice da Fundação Mo Ibrahim. Cabo Verde alcança boas pontuações nos domínios da Segurança e Primado da Lei, Direitos Humanos, Desenvolvimento Humano, mas perde pontos na área da Sustentabilidade Económica e Oportunidades. ISABEL MARQUES NOGUEIRA/LUSA próprios pés O arquipélago tem uma ótima avaliação em termos de segurança e funcionamento da lei e justiça, na área da participação cívica e direitos humanos e no bem-estar, nomeadamente no acesso à segurança social. Porém, recebeu notas menos boas na avaliação às infraestruturas, administração pública, à segurança pessoal e às condições oferecidas às empresas privadas. Na avaliação feita a 52 países africanos, Cabo Verde continua a ser o melhor entre os países lusófonos, à frente de São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, respetivamente, 12.º, 22.º, 44.º e 48.º. As notas menos boas foram na avaliação às infraestruturas, administração pública, segurança pessoal e condições oferecidas às empresas privadas Em outros rankings, 2014 foi o ano em que Cabo Verde subiu oito lugares, passando da 122.ª para 114.ª posição no ranking mundial da competitividade do Fórum Económico Mundial, que coloca ainda o arquipélago na 91.ª posição no pilar de requisitos básicos, 106.ª a nível do ambiente macroeconómico e 57.ª posição na área da Saúde e Educação Primária. De acordo com a instituição, a melhoria da performance do país ficou a dever-se aos bons resultados obtidos em alguns dos 12 pilares do ranking de competitividade mundial, designadamente a nível do ambiente institucional, do ensino superior e das infraestruturas. Porém, aponta a burocracia, o acesso ao financiamento e eficiência do mercado de trabalho como os três constrangimentos para o desenvolvimento de negócios em Cabo Verde. E as lavas tudo levaram Se o triunfante caminho dos Tubarões Azuis, seleção nacional de futebol, rumo ao Campeonato Africano das Nações (CAN) elevou a autoestima e o orgulho dos cabo-verdianos, a erupção do vulcão da ilha do Fogo veio mergulhar o país numa enorme tristeza. A erupção é, sem dúvidas, um dos mais dramáticos acontecimentos do ano no país e que vem juntar-se ao mau ano agrícola, consequência da escassez da chuva. Em finais de novembro o vulcão da ilha do Fogo entrou em erupção, dezanove anos depois da última ocorrência, desalojando os cerca de mil habitantes de Chã das Caldeiras, que são arrastados para o desespero, angústia e incertezas. A erupção é considerada superior à registada pela última vez, em 1995, e quase semelhante à de 1951, uma das maiores registadas na ilha. As respostas chegaram prontamente, do lado do Governo e autoridades locais, e uma enorme onda de solidariedade foi criada para ajudar os deslocados da pequena localidade de Chã das Caldeiras que perderam quase tudo. Os apoios chegaram também do estrangeiro, incluindo Portugal que disponibilizou uma fragata e meios aéreos e de comunicação via satélite. Mas os apoios poderão ter que ser maiores já que diante da possibilidade de ser inviável a reconstrução de Chã das Caldeiras, o que exigiria a reconstrução de um novo povoado, mais apoios serão solicitados pelo Governo. A erupção do vulcão do Fogo, classificada pelo chefe do Executivo como uma catástrofe, veio pôr a nu as fragilidades do sistema nacional de proteção civil e mostrou a necessidade de se dotar a ilha de um serviço de proteção civil reforçado e condizente com as suas especificidades. O arquipélago terá ainda que saber dar a volta para fazer face ao mau ano agrícola que forçou o Executivo a decretar situação de emergência e a criar um fundo de pouco mais de dois milhões de contos (23 milhões de dólares) para ajudar os agricultores e criadores de gado. África21– dez 2014 / jan 2015 43 Onde os seus negócios acontecem! CALENDÁRIO DE FEIRAS 2015 Março 19 - 22 2ª Salão Internacional do Urban, Habitação, Imobiliário e Decoração de Angola Local: FILDA Organização: Ministério do Urbanismo e Habitação 26 - 29 3ª Edição da Fashion Bussiness Angola Local: FILDA Organização: Feira Internacional de Luanda Maio 14 - 17 4ª Salão Internacional de Tecnologia e Comunicação de Angola Local: FILDA Organização: Ministério Telec. e Tec. de Inform. - FIL 31 - 01.06 3ª Feira Agro-Pecuária e Industrial de Cabinda Local: Cabinda Organização: Governo da Província de Cabinda - FIL Junho 5ª Feira Internacional de Ambiente, Equipamentos, Serviços e Tec. Ambientais 04 - 07 Local: FILDA Organização: Ministério do Ambiente - FIL Julho 02 - 05 6ª Feira Agro-Pecuária e Industrial de Uíge Local: Uíge Organização: Governo Provincial do Uíge - FIL 21 - 26 32ª Feira Internacional de Luanda Local: FILDA Organização: FIL - Feira Internacional de Luanda Agosto 2ª Feira dos Municípios e cidades de Angola 06 - 09 Local: FILDA Organização: Ministério Administração Território - FIL Setembro 03 - 06 10 - 13 FNIC 3ª Feira Nacional das Industria Culturais Local: FILDA Organização: Ministério da Cultura - FIL EXPO 2ª Salão Internacional do Cuanza - Sul Local: Wako Kungo Organização: Ministério da Cultura - FIL 1ª Salão Internacional do Huambo Local: Huambo Organização: Governo Provincial do Huambo - FIL CUANZA-SUL 18 - 21 Outubro 08 - 11 4ª Feira Internacional do Turismo de Angola Local: FILDA Organização: Ministério da Hotelaria e Turismo - FIL 22 - 25 13ª Feira Internacional de Construção Civil e Obras Públicas Local: FILDA Organização: FIL - Evento Arena 05 - 08 5ª Feira de Educação, Formação e Qualidade Profissional Local: FILDA Organização: Ministério da Educação - FIL 12 - 15 5ª Feira Internacional dos Transportes e Logística de Angola Local: FILDA Organização: Governo Provincial da Lunda - Norte - FIL 19 - 22 5ª Feira Internacional dos Transportes e Logística de Angola Local: FILDA Organização: Ministério dos Transportes - FIL 2ª Feira Internacional das Pescas e da Aquicultura de Angola Local: FILDA Organização: Ministério das Pescas - FIL Novembro 26 - 29 A definir ANGOLA 2014 3ª Feira Inter. da Agricultura, Pecuária, Alimentação e Florestas de Angola FIL - Feira Internacional de Luanda | Estrada de Catete | Km 12 | CP. 6127 Luanda - Angola INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕES: Tel:. +244 926 405 978 / 70 / 923 676 731 dez / jansofrer 2015 – África21 As Feiras e as 2014 datas poderão alteração 44 Local: FILDA Organização: Ministério da Agricultura - FIL www.fil-angola.co.ao | facebook.com/filangola A crónica de Germano Almeida Q Crioulidade apanhá-lo a falar nessa língua, fodo-o, disse o capitão. ue me lembre, uma única vez na minha vida tive Vai ter que o fazer porque é a língua da minha terra, necessidade de afirmar a minha crioulidade. Foi a minha língua, respondi. na tropa em Tavira durante a recruta para o curso de Bem entendido que essa afirmação de nacionalissargentos milicianos no qual aliás viria a ficar chumbado. mo nunca me fez perder de vista o quanto dependeNessa altura já era militante de falar português, pela ramos da língua portuguesa e o quanto devemos cultizão simples de que tinha mudado da Boa Vista para vá-la como o instrumento de contacto com mais de Praia e ali os amigos gozavam comigo por falar crioulo 200 milhões de pessoas e, disse há dias numa entrevisda Boa Vista que diziam ser um crioulo cantante, femita, «com o crioulo não vamos longe, nino, sem a máscula aspereza do crioulo não saímos das ilhas!». de Santiago. Está bem, disse-lhes um dia Foi um deus-nos-acuda! Usando já cansado das troças, a partir d’hoje vou esse novo e perverso instrumento chafalar só em português! mado facebook, fui virtualmente truciE passei a falar exclusivamente portudado por muitos dos ferrabrases do guês. Para mim foi perfeitamente natural. crioulo que, num português escorreito, É verdade que na minha casa ouvia indisolto e muitas vezes belo, valorosamente ferentemente as duas línguas, mas na pelejaram com uma audácia e uma adolescência tinha andado muito envolvienergia que muito melhor seriam emdo com os padres que visitavam a Boa pregadas na urgente necessidade de Vista, quer italianos quer a seguir os [email protected] mostrar aos nossos jovens como necesdianos, e com eles tinha mesmo que falar sitam dominar a língua portuguesa se querem chegar em português, ainda que com algumas calinadas pelo mais longe do que a distância entre as nossas ilhas. meio. Lembro-me, por exemplo, de uma vez que me Eu lia os virtuais ataques à minha afirmação numa demostrei muito irritado com o padre Fernando que se tifesa em língua portuguesa da necessidade vital de honnha permitido oferecer a imagem de uma santinha rar e usar o crioulo com única língua pátria e, já sem qualquer ao André, deixando-me a mim de fora, eu que tomar fé das ofensas, admirava a fluidez da linguagem, era o seu faztudo, desde ajudar a missa até fazer compras. o acerto nas palavras, a ausência de erros gramaticais De modo que me senti no direito de protestar com veimodernamente e infelizmente tão comuns entre os mência contra aquela injustiça. Mas tu não pediste, jusnossos, e exprobava esse feroz egoísmo de querer esse tificou-se nho padre. E eu arrogante: Eu não pedo nada bem, que é possuirmos a língua portuguesa, apenas a ninguém! Patifarias do verbo pedir, só para me enverpara certos de nós eleitos, querermos impedir, com as gonhar diante de nho padre. Não se diz pedo, corrigiunossas atitudes de nacionalistas insensatos, que ela se -me zombeteiro, diz-se peço, é um verbo irregular. espalhe como uma abençoada chuva para todos. Ferido no meu orgulho, dei-me ao trabalho de estuMas seria absurdo reagir, defender a minha crioulidar todos os verbos e depois li um dicionário de portudade perante nacionais que na prática concordam coguês do princípio ao fim. De modo que quando cheguei migo e precavidamente colocam os filhos em escolas à Praia já estava familiarizado com a língua, exceto na onde o uso da língua portuguesa é exclusivo e obrigatócolocação do «o» ou do «lhe» como complemento (frario. E foi então que entendi: O meu pecado imperdoáqueza que mantenho até hoje) e foi fácil passar a usá-la vel foi ter publicamente posto em causa as competênem vez do crioulo da Boa Vista. cias do crioulo como língua, é uma realidade que deve Mas entretanto sou levado para a tropa em Tavira, ficar exclusivamente entre nós verdianos. somos aí uns dez, saudades da terra e regresso ao crioulo. E um dia terei falado em voz alta para um outro de nós, e um capitão vem empertigado: Que língua é essa? Crioulo de Cabo Verde! O quê que você disse? Estava a falar com ele! Mas o que é que disse? Era com ele, ele entendeu! Desafiámo-nos com os olhares, mas não é impunemente que um homem cresce 1,96 m. Se volto a O meu pecado imperdoável foi ter publicamente posto em causa as competências do crioulo como língua África21– dez 2014 / jan 2015 45 FEIRAS E EVENTOS PROMOVEMOS O SEU NEGÓCIO PARTICIPE NOS MAIS CONCEITUADOS EVENTOS E FEIRAS DE ANGOLA 2015 Com o apoio: Governo Provincial de Benguela Organização: Eventos Arena e Acetro Organização: FIL e Eventos Arena ANGOLA T (+244) 226 443 360 | F (+244) 226 443 361 | M (+244) 924 901 480 / 497 / 498 Luanda (sede) Av. Lenine 86, Ingombota Benguela (delegação) Rua Domingos do Ó 61, Edifício Acácias Place, Escritório 12 46 dez / jan 2015 – Empresa Oficial2014 de Montagens África21 PORTUGAL T (+351) 218 204 810 | F (+351) 218 218 701 Lisboa (delegação) Av. Álvares Cabral 84, 4º Esq. | 1250-018 Lisboa Águas Correntes Corsino Tolentino N Uma questão de dignidade da pessoa humana mo que os caracterizam. Por outro lado, é expressao final de 2014, o 25.° aniversário da queda mente incompatível com a teocracia. Também por do muro de Berlim (09.11), a reunião da Inisso seria útil os partidos políticos democráticos de ternacional Democrata do Centro-África em Cabo todos os países e de todas as regiões do mundo assuVerde (07.11) e o prémio Concórdia da Fundação mirem a sua natureza de movimentos de direita, do Príncipe das Astúrias à jornalista Caddy Adzuba, da centro ou de esquerda, para consolidar a relação de irónica República Democrática do Congo (10.08), confiança entre eles e os respetivos mostram a complicação do mundo eleitores. de hoje. Olhando para o título da confeDemocracia tem mais causas comuns rência que a IDC-África, Economia do que motivos de discórdia Social de Mercado, organizou na ciA minha formação, prática política e dade da Praia, o ser humano no atividade diplomática, assim como o centro da ação política, pensei que, meu convívio com a realidade econóprovavelmente, os partidos políticos mica, social e cultural das nossas cidademocráticos, sejam de direita, cendes, ribeiras e montanhas nacionais e tro e esquerda, têm mais causas coda região geopolítica da qual fazemos muns do que no princípio da indusparte levam-me a ter mais afinidades trialização ou durante a guerra fria e [email protected] com a Internacional Socialista (IS) do as lutas de libertação nacional. que com a Internacional Democrata do Centro. A Economia Social de Mercado (ESM) nasceu Porém, vistas algumas causas comuns a todos os na Alemanha atormentada pelo nazismo e expandemocratas e, por conseguinte, às internacionais diu-se pelo mundo através da Democracia Cristã em partidárias, IDC e IS incluídas, conclui-se que a defesa da melhor combinação possível entre a liberdignidade humana em primeiro lugar, a solidariedadade de mercado e a equidade social. Com estes de, a descentralização, a dignificação do trabalho, o objetivos, o Estado tem legitimidade para intervir Estado ao serviço das pessoas e não o contrário, a como regulador e, excecionalmente, como agente governação, a paz e a segurança, a regulação do capieconómico, responsável ético pelo bem-estar da talismo, a responsabilidade moral do Estado e a comunidade. cooperação entre os Povos devem estar no centro da A segunda parte do título da conferência, o ser ação política. Os temas fraturantes, tais como o humano no centro da ação política, ajuda-nos a aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a avaliar a relação entre a moral e a religião, e a preferir eutanásia e a laicização podem e devem ser tratados o conceito da dignidade da pessoa humana a qualpela via democrática. Aliás, não foi o pacifista São quer outro. Com efeito, os princípios da solidariedade, Tomás de Aquino quem afirmou no século XIII que da justiça social e da secularização da sociedade deritodo o poder vem de Deus através do povo? vam dessa escolha fundamental e ampliam o significado e o campo do humanismo. Os partidos democratas cristãos são mais do que católicos e mesmo mais do que religiosos. A sua preferência pelos princípios e valores cristãos é histórica e é compatível com o pluralismo e o ecumenisNota: Este texto é baseado na comunicação à conferência da Internacional Democrata do Centro-África, organizada pelo Movimento para a Democracia (MpD) na cidade da Praia, a 7 de novembro de 2014. A solidariedade, justiça social e secularização da sociedade derivam da escolha fundamental do humanismo África21– dez 2014 / jan 2015 47 ARQUIVO ÁFRIC21 ARQUIVO ÁFRIC21 guiné - bissau Domingos Simões Pereira e José Mário Vaz. Os dois artífices do regresso à normalidade guineense E agora? D As últimas eleições gerais podem afastar de vez o demónio dos golpes de Estado, mas a estabilidade ainda não é um dado adquirido epois das eleições gerais de abril/maio e da legitimação institucional e democrática das autoridades, é um sentimento de virar de página que vigora na Guiné-Bissau. Essas consultas, adiadas três vezes sucessivas, não foram os primeiros escrutínios pluralistas do país e nem vão resolver os seus problemas mais prementes, porém foram a tábua de salvação para resgatá-lo do beco sem saída em que se encontrava após dois anos de transição manu militari. Espera-se, que daqui em diante, não haja mais golpes de Estado. A preparação e realização dessas consultas dominaram as atenções no ano findo e conduziram a uma mobilização sem precedentes dos atores nacionais e dos parceiros externos. Um dos indicadores mais significativos de que a Guiné começa a trilhar um novo rumo, deixando para trás a violência política e os atropelos à democracia, foi o reconhecimento, pelo próprio Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, de que os militares guineenses foram mentores de «atrocidades» e contribuíram para a instabilidade no país. Ao intervir na celebração do 50.º aniversário da criação das FA nacionais, a 16 de novembro, o general Biagué Na Ntan procedeu a uma contundente autocrítica, e chegou ao ponto de comparar a soldadesca a um grupo de «inúteis, que em vez de proteger a população, a maltrata». E recordou a exigência de submissão ao poder político, e de respeito à cadeia de comando e às ordens da hierarquia, regras ausentes dos quartéis nos últimos seis anos. Prometeu pôr cobro a esta situação, pela reorganização das casernas e a formação do pessoal mais jovem. Proclamou, em conclusão, que chegou 48 dez 2014 / jan 2015 – África21 Almami Júlio Cuiaté Bissau a altura da transição de uma Força Armada de ex-guerrilheiros para uma tropa moderna e republicana. Transição nas Forças Armadas De facto, esta transição já estava em marcha desde a posse do Presidente eleito, o empresário e ex-governante José Mário Vaz. Após menos de um mês no cargo, e fazendo uso do seu estatuto de comandante supremo das Forças Armadas, o novo Chefe de Estado tomou uma série de medidas neste sentido. A primeira, simbólica, foi chamar para chefe da Casa Militar da Presidência justamente o general Biagué Na Ntan, um oficial com formação, perfil mais republicano, ponderado e com larga experiência no comando da guarda-fiscal das Alfândegas, e que foi subordinado de Vaz, quando este era ministro das Finanças do Governo deposto pelos militares em 2012. A seguir, mudou a chefia e a composição dos efetivos da guarda presidencial, impondo um equilíbrio e representatividade contrários à supremacia étnica até então dominante. Contudo, a maior machadada desferida na velha ordem castrense foi o afastamento em doçura do sanguinário general António Injai e da sua violenta e incontrolável escolta. O Presidente recorreu novamente ao general Na Ntan para substituir Injai. A escolha não sofreu contestação e até aqui os resultados são francamente positivos, excluindo uma fraca tentativa de insubordinação, protagonizada por um punhado de descontentes, que entre finais de setembro e meados de outubro, fizeram circular armas e quiseram passar à ação, mas foram discretamente neutralizados. No entanto, o principal teste do novo chefe militar e também das novas autoridades vai ser a reforma do setor da Defesa e Segurança, tantas vezes adiada, e sem a qual é impossível estabilizar o país e promover o seu desenvolvimento. Morte de Kumba Figuras políticas de primeiro plano perderam a vida em 2014, sendo dois deles, Úmaro Djaló e Armando Ramos, dirigentes históricos da luta pela independência, vencidos pela idade, pela doença e pelas contingências da vida. Úmaro, ex-comandante operacional na Frente Sul, foi o primeiro Chefe de Estado-Maior General. Ramos ficou ligado à criação dos Armazéns do Povo, que abasteciam a guerrilha nas zonas libertadas e viria a ser o primeiro comissário (ministro) do Comércio. Faleceram ainda os ex-governantes Rui Araújo e Adelino Mano Queta, o primeiro um conhecido músico, vítima de uma crise quando estava em Macau, e o segundo um fino diplomata. Também vítimas de doença, desapareceram duas personalidades marcantes da sociedade civil guineense, os engenheiros Carlos Schwarz “Pepito” e David Veracruz “Chiquinho” , fundadores das mais antigas ONG do país. Mas a morte, em plena campanha eleitoral, que mais mexeu com o país foi a do ex-Presidente Kumba Yalá. Apesar de ter renunciado a disputar qualquer cargo eletivo, o polémico estadista manteve-se na ribalta política até ao fim da sua vida, quando rompeu com o seu partido e patrocinou a insólita candidatura de Nuno Nabian, um novato na política, que segundo Kumba, seria «o próximo Presidente» da Guiné-Bissau. Yalá não conseguiu ver cumprido o seu sonho. Alguns dos seus apaniguados adiaram o funeral Alcançada a legitimidade nas urnas, os novos poderes guineenses partiram em busca do reconhecimento internacional mais de uma semana, supostamente para cumprir a sua derradeira vontade, de só ser enterrado depois da «vitória» do seu protegé. Este chegou à segunda volta, mas perdeu. Aceitou os resultados, embora sem admitir a derrota, e decidiu fundar o seu próprio partido. Com Kumba vivo, a maioria dos guineenses duvida que o desfecho eleitoral seria tão pacífico. Política de inclusão e novos desafios Alcançada a legitimidade nas urnas, os novos poderes da Guiné-Bissau partiram em busca do reconhecimento internacional, sobretudo em busca dos apoios necessários ao relançamento da economia e à redução da pobreza. Na bagagem, levaram a nova visão programática, o Governo aberto às oposições, para criar os consensos e equilíbrios indispensáveis às reformas essenciais, e finalmente a promessa de estabilidade. A ofensiva diplomática está sendo bem sucedida, como atesta a reativação do Grupo Internacional de Contacto sobre a Guiné-Bissau, uma aposta político-diplomática de Bissau, e cuja reunião em novembro, em Nova Iorque, foi um sucesso, pela quantidade e qualidade dos participantes, assim como pelas ajudas prometidas. Antes, o país foi readmitido nas fileiras da União Africana e da CPLP. Depois da reunião extraordinária dos seus chefes da diploPALOP Business África21– dez 2014 / jan 2015 49 macia em outubro na capital guineense, a Comunidade Lusófona, que decidiu instalar uma representação permanente em Bissau, prepara um programa de ajuda especial à Guiné. A União Europeia, o principal parceiro financeiro de Bissau, repôs as ajudas diretas ao orçamento, um mecanismo precioso, que permitiu suprimir o défice orçamental e regularizar vários meses de salários em atraso. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial retomaram os respetivos programas com o país e em dezembro o Banco Africano de Desenvolvimento devia seguir o mesmo caminho. O mesmo se passa a nível bilateral, designadamente com Portugal. Entretanto, nem tudo é um mar de rosas. Além das precárias condições de vida da larga maioria da população, surgiu um problema suplementar. A epidemia do vírus de ébola na vizinha Guiné-Conacri ameaça a Guiné-Bissau. Perante o risco de contágio e a fragilidade do sistema sanitário, foram tomadas medidas drásticas, incluindo o fecho das fronteiras com Conacri, a proibição de feiras itinerantes e de grandes agrupamentos humanos, suscetíveis de favorecer a transmissão da doença. Por enquanto, o território permanece imune ao flagelo, mas o alerta é permanente. No entanto, o maior perigo para a Guiné-Bissau talvez nem seja o vírus da febre hemorrágica. Provavelmente é a própria política e as suas divisões. Se não forem bem geridas, a colaboração institucional, a partilha do «bolo» do poder, assim como a entrada em cena de novas personalidades, com distintas agendas e ambições, e 50 dez 2014 / jan 2015 – África21 em busca de consolidar as suas posições, podem gerar uma tensão e um ambiente nada favorável à estabilidade e ao investimento. Por outro lado, as reformas constitucionais em perspetiva, nomeadamente a inevitável opção a ser feita entre o presidencialismo ou o semipresidencialismo, também são de natureza a propiciar clivagens e crispações, como se viu na sessão inaugural da atual legislatura. Ainda estamos longe de uma crise, tanto mais que está em curso a preparação da mesa-redonda, mas nenhum cenário é de excluir. A este propósito, é sintomática, a primeira baixa no Governo do primeiro-ministro Simões Pereira, com a exoneração, em finais de novembro, do titular da pasta da Administração Interna, por causa do desastrado tratamento dado à sensível questão da suposta presença na linha da fronteira (mas em território guineense), de elementos armados do movimento separatista do Casamansa, um assunto com um peso considerável nas relações entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Com efeito, o Governo de Dakar, que se opõe à eventual independência do Casamansa, província do sul do Senegal, sempre desconfiou que a Guiné-Bissau e a Gâmbia dão guarida aos homens do Movimento das Forças Democráticas do Casamansa (MFDC), organização fragmentada em pelo menos quatro fações e que estão desde dezembro de 1982 em guerra, de baixa intensidade, contra as forças governamentais senegalesas. Para afastar toda a suspeita de cumplicidade, Bissau decidiu sacrificar o governante, e garantiu que o seu território nunca vai servir de base para a desestabilização de um país. África21– dez 2014 / jan 2015 51 Partidas diárias de Luanda para o Sumbe, Benguela, Lubango, Huambo e vice-versa em autocarros executivos confortáveis, com casa de banho, ecrans, som e DVD. Atendimento diferenciado no embarque em salas vip's com wi-fi, com menos paragens e garantia do embarque no horário previsto. Viaje com Conforto, Segurança e Qualidade pela Macon. Macon, Seu Destino, Nosso Objectivo! 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Casos há em que o nome é a o programa entenderam tratar-se da Guiné-Bissau. pura expressão do desejo dos pais em relação ao futuro da Contudo, os que conhecem a estatística referente à criança. O nome, acredita-se que seja uma sina para as nossa população, e outros dados, acabaram por entenpessoas, podendo ser portador de boa ou de má sorte. der tratar-se de uma confusão causada O que eu não sabia era que o nome pela ausência de um simples apelido ou de um país podia ser, também, um fardo sobrenome (Conacry) que dissiparia todas para essa terra, ainda que o geónimo teas dúvidas. Equívoco deixado no ar pronha subjacente aspetos históricos. Falo positadamente, ou puro lapsus memoriae? do nome Guiné, referindo-me a um país Foi tão preocupante este episódio lusófono, encravado entre dois vizinhos que, numa roda de conversa, veio à tona francófonos e um anglófono, incluindo o tema ébola e o do nome do país. Pudeum com o mesmo nome. ra! Quem não tem medo do ébola? É que, de alguns meses para cá, os Acesa que estava a discussão, alguém países da África Ocidental foram [email protected] colocou a hipótese de se reinventar um frontados com o reacender do vírus da novo nome para o país, já que, pelo mesmo equívoco, febre hemorrágica. De elevado grau de contaminação, alguns jovens estudantes no estrangeiro foram ameaçabatizado com o nome do ébola, tal vírus supera o da dos porque considerados cidadãos da Guiné, e por isso sida pela rapidez com que mata. portadores do vírus do ébola. Ai... Só porque o meu Questiona-se, por que dar a um vírus o nome de país se chama Guiné? Socorro! um rio? Honrar uma vacina com o nome de quem a E agora? Onde buscar um novo ou um velho nome? descobriu, a uma lâmpada o do seu inventor, às leis da Talvez uma viagem às suas origens! Porque não Djini, física o nome do autor da descoberta é nobre e motivo Guinala, ou apenas Ussau, como uma das etnias chama de reconhecimento! Porém, quando se dá a uma doenBissau. ça ou a um vírus o nome de uma localidade ou de um Uayô... e a nossa identidade? Estaríamos perdidos rio, como neste caso, isso pode causar constrangimenno mundo sem o nosso nome! É como se do nome do tos e dar azo à discriminação, sobretudo quando a pai se tratasse, mesmo quando o renegamos, porque ignorância é enorme. nascemos na Guiné por mero acaso, a génese espia e O vírus do ébola acabou por se espalhar pelo munclama. E quem se lembrará de associar Djini, Guinala, do, afetando de forma severa um dos países da nossa Ussau àquele país a que um dia se chamou Guiné-Bissub-região, com o mesmo nome do nosso. Este facto, sau e cuja soberania foi forjada numa grande epopeia? aliado ao desconhecimento, julgo eu, de que há quatro Minha gente, nome da terra não é sina! E quem territórios, com o mesmo nome, localizados em dois honra o nome do chão são os seus filhos! continentes e diferenciados pela associação de topónimos ao nome Guiné, trouxe alguns equívocos. Que me perdoem aqueles que conhecem sobejamente a geografia física, por lembrar hoje que, batizados com este nome, existem no mapa mundi a Guiné-Bissau, a Guiné Conacry, ou simplesmente La Guinée, a Guiné Equatorial e a Papua Nova Guiné. Esta conversa vem a propósito da declaração de alguém, perito em saúde, sobre a febre hemorrágica e a presença do ébola na Guiné. Falava sobre saúde numa das estações televisivas portuguesas. Na sua alocução, a pessoa apresentou dados estatísticos da epidemia nessa Acesa que estava a discussão, alguém colocou a hipótese de se reinventar um novo nome para o país África21– dez 2014 / jan 2015 53 54 dez 2014 / jan 2015 – África21 moçambique GIANLUIGI GUERCIA/AFP Instabilidade militar dominou cenário macropolítico Num ano marcadamente político, um conflito armado de 17 meses foi suspenso com um simples aperto de mão entre o Presidente moçambicano e o líder histórico da oposição, Afonso Dhlakama. Já com o «segundo Acordo Geral de Paz» firmado, o país foi às urnas eleger um «desconhecido» Filipe Nyusi para suceder a Armando Guebuza. Emanuel Novais Pereira Maputo Q quando nos primeiros dias do ano homens armados da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) avançaram sobre a localidade de Homoíne, da província meridional de Inhambane, expandindo para o sul do país um conflito armado até então confinado à região centro, tornou-se difícil antever uma solução para a instabilidade político-militar, iniciada meses antes com ataques a viaturas civis na principal estrada moçambicana, a EN1. Mas, ainda que perante o alargamento do conflito ao sul e a movimentação de homens a norte sob a retórica de que o litígio entre a Renamo e o Governo não era apenas uma luta da região centro, «mas do interesse de todo o país», um importante passo para a resolução do diferendo seria tomado logo no início de fevereiro, quando o Executivo, recuando na sua posição de inflexibilidade, acolheu as reivindicações da Renamo sobre a Lei Eleitoral, que estiveram na origem do desentendimento político. O maior partido da oposição moçambicano logrou assim a sua pretensão de introduzir reformas ao pacote eleitoral, que se consubstanciaram em alterações na composição dos órgãos Comissão Nacional de Eleições (CNE) e Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), tornando-os «mais partidarizados». O jogo negocial com vista à cessação das hostilidades militares só seria, no entanto, concluído em agosto, tendo até então o processo ficado marcado por intensas e prolongadas negociações, que foram decorrendo em Maputo enquanto as forças de defesa e segurança iam «apertando o cerco» à serra da Gorongosa, na província de Sofala. Neste antigo bastião da Renamo encontrava-se «em parte incerta» Afonso Dhlakama, Filipe Nyusi África21– dez 2014 / jan 2015 55 Uma comissão de verdade e reconciliação sobre o conflito armado foi proposta pela Renamo mas não se concretizou Instabilidade político-militar sem impactos no crescimento económico ARQUIVO ÁFRICA21 Considerando a atualização de novembro do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o cenário macroeconómico de Moçambique para 2014, quase que se pode afirmar que a economia do país ficou incólume aos efeitos da crise político-militar e das eleições gerais de outubro. Embora tenha revisto de 8,3% para 7,5% a sua previsão sobre a taxa de crescimento do produto interno bruto moçambicano, o FMI entende que o desempenho económico de Moçambique «permanece robusto», à semelhança da última década. Além disso, o FMI estima que a inflação média anual fique abaixo de 3%, uma perspetiva que colhe a mesma opinião de analistas económicos, como os da Economist Intelligence Unit, e que se deve «ao aumento da produção interna de alimentos e ao declínio dos preços das importações», segundo o FMI. Apesar do setor do carvão continuar a registar perdas em resultado da baixa do preço do mineral nos mercados internacionais e da fraca capacidade de processamento logístico do país – uma perigosa combinação que terá levado a multinacional Rio Tinto a vender por 50 milhões de dólares os principais ativos mineiros que detinha e que havia adquirido por mais de 3000 milhões em 2011 –, novos contratos entre o Governo e empresas continuaram a ser assinados durante o ano: em novembro contavam-se 1773 títulos mineiros, dos quais 124 na área do carvão. Os megaprojetos relacionados com a exploração de gás natural na bacia do Rovuma apresentaram um aumento nas suas descobertas, que se podem traduzir em reservas de 200 mil milhões de pés cúbicos de gás natural, segundo a mais recente atualização do Governo. Permanece, no entanto, incerta a data do início da entrada em funcionamento destes empreendimentos, que têm como figuras de destaque a norte-americana Anadarko e a italiana ENI. Se o Governo continua a apontar o ano de 2018, analistas económicos não arriscam um prazo inferior a 2020. É também motivo de incerteza os termos contratuais que deverão ser estabelecidos entre o Estado e as multinacionais, uma vez que na recente revisão da Lei de Petróleo, há muito aguardada, o Governo introduziu a obrigatoriedade de os contratos serem negociados de forma individual, o que está a causar alguma apreensão entre a sociedade civil que teme que o país saia prejudicado. 56 dez 2014 / jan 2015 – África21 tal como o corpo do movimento armado do partido, que ia retaliando os avanços do exército com ataques às colunas militares que patrulhavam todos os dias o eixo rodoviário Save-Muxúnguè, da EN1, desde que ali se registara um atentado contra um autocarro, em junho de 2013. O Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, em setembro promulgado pelo Presidente moçambicano sob a forma de lei, compreendeu três diferentes dossiês visando a desmilitarização da Renamo e a integração dos seus homens armados ou «seguranças de Afonso Dhlakama» nas forças de defesa e segurança ou em outras funções do aparelho do Estado, além de um memorando de entendimento que preconizava as garantias para a implementação dos consensos, assim como os termos de referência para a entrada em Moçambique dos observadores internacionais, que fiscalizam o processo desde outubro. Uma comissão de verdade e reconciliação sobre o conflito armado viria a ser proposta pela Renamo sem que se efetivasse, o que deixou por esclarecer os reais impactos de uma crise político-militar que grassou em Moçambique durante mais de um ano e meio, provocando um número indeterminado de feridos e de mortos, incluindo civis. A fotografia do ano Embora para Moçambique o ano de 2014 tenha sido profícuo em acontecimentos políticos invulgares – de que é a exemplo a detenção, em julho, do porta-voz da Renamo, António Muchanga, na sequência de um Conselho de Estado no qual lhe foi retirada a imunidade que gozava enquanto membro deste órgão político –, a reaparição pública de Afonso Dhlakama em Maputo, a 4 de setembro, assumiu contornos épicos quase comparáveis à receção de um renomado artista ou estrela despor- ANTÓNIO SILVA/LUSA Afonso Dhlakama tiva por uma multidão de fãs num iminente estado de histeria. Após uma ausência de cinco anos da capital moçambicana, que trocou pela cidade de Nampula (norte) no rescaldo das eleições gerais de 2009, e depois de se encontrar a «residir» durante os últimos dois anos na Gorongosa, Dhlakama ou «o messias», como chegou a ser aclamado nesse dia, aterrava em Maputo num avião fretado, onde viajou acompanhado pelos embaixadores dos Estados Unidos, Itália e Portugal em Moçambique, que o haviam ido buscar ao seu «esconderijo». «Dhlakama já chegou, o povo de Moçambique ganhou, a democracia ganhou, Dhlakama trouxe a democracia», declarou perante as centenas de pessoas que o esperaram durante largas horas no Aeroporto Internacional de Maputo, num momento aproveitado pelos analistas políticos para medir a sua popularidade, que se julgava em baixo, pelo menos fora da região centro-norte, que tradicionalmente lhe é mais favorável, como, de resto comprovariam os resultados das eleições que disputou com Filipe Nyusi e Daviz Simango, do Movimento Democrático de Moçambique, em 15 de outubro. No horizonte da sua viagem a Maputo, Dhlakama tinha um encontro com o Presidente moçambicano para a oficialização do acordo de cessação de hostilidades, que o líder da Renamo apelidou de «segundo Acordo Geral de Paz», numa referência à renovação do de 1992. Em 5 de outubro, no edifício da Presidência e perante uma ampla representação de diplomatas residentes no país, os dois líderes rubricaram o acordo, apertaram as mãos e tiraram a muito ansiada fotografia simbólica do seu entendimento. O assunto na ordem do dia passou a ser invariavelmente o das eleições gerais, cuja «festa da campanha» levava já uma semana. A reaparição pública de Dhlakama em Maputo assumiu contornos épicos quase comparáveis à receção de um renomado artista ou estrela desportiva Um «desconhecido» Filipe Nyusi eleito Presidente Quando a Frelimo anunciou, em março, o seu candidato presidencial para as eleições gerais, poucos conheceriam o nome de Filipe Nyusi, muito embora não se pudesse dizer que ele fosse propriamente uma figura anónima: foi ministro da Defesa entre 2008 e 2014 e antes desempenhou funções de administrador executivo da estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Após uma segunda volta com a ex-primeira-ministra Luísa Diogo, Nyusi foi eleito pelo Comité Central do partido, tornando-se no primeiro candidato presidencial da Frelimo que não engrossou as fileiras da luta anticolonial, o que talvez lhe tenha valido a designação de «desconhecido» pela opinião pública. Numa campanha eleitoral de mais de 40 dias, em que, por um lado, promoveu a ideia de «mudança» e, por outro, a de «continuidade» governativa, Nyusi encontrou um Afonso Dhlakama com os níveis de popularidade em alta e um Daviz Simango de certa forma «apagado» pelo ressurgimento público do presidente da Renamo. Com uma conjuntura sociopolítica que apontava para uma grande participação dos eleitores na votação, o que não veio a concretizar-se (a abstenção rondou 52%), Filipe Jacinto Nyusi venceu as eleições presidenciais com 57,03% dos votos, contra 36,61% conquistados por Dhlakama e 6,36% por Simango. Os resultados da CNE, que se mantêm por validar pelo Conselho Constitucional, deram também uma vitória à Frelimo nas legislativas, com uma maioria de 55,97% da votação, contra 32,49% obtida pela Renamo e 7,21% do MDM. Embora os dados apontem para que a Frelimo perca 47 dos 191 assentos que detinha no Parlamento, a Renamo, que ganhou 38 lugares, para 89 deputados, e o MDM, que passou de oito para 17 deputados, contestam os resultados das eleições, que dizem terem ficado manchadas por uma série de ilícitos eleitorais. Os dois partidos aguardam que o Conselho Constitucional se pronuncie sobre as reclamações que apresentaram e que a CNE considera que não têm fundamento. Num contexto em que o braço armado da Renamo se encontra adormecido e as negociações para a sua desmilitarização permanecem em curso, não se exclui a hipótese de o partido de Afonso Dhlakama reativar o recente conflito em retaliação à derrota nas eleições. E, por isso, tal como no início do ano, permanece sobre Moçambique um espesso manto de imprevisibilidade. África21– dez 2014 / jan 2015 57 são tomé e príncipe Os desafios em 2015 ainda são imensos Eleições legislativas, autárquicas e regionais, mobilização de parceiros para implementar a Estratégia Nacional de Redução da Pobreza de segunda geração, troca de experiências com outros Estados insulares, reconhecimento pelos avanços na luta contra o paludismo e algumas metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio marcaram 2014 em São Tomé e Príncipe. Juvenal Rodrigues SÃO TOMÉ ANDRÉ KOSTERS/LUSA O o ano político terminou com a tomada de posse do novo Governo saído das eleições de 12 de outubro, ganhas pelo partido Ação Democrática Independente. Alterando a tradição desde o advento da democracia em 1991, o ADI condicionou o empossamento do Governo pelo Presidente da República para depois da constituição da nova Assembleia Nacional. Os deputados da oposição chamaram a atenção sobre a violação do Estatuto de Deputados, particularmente no quesito de incompatibilidades. Os representantes do povo no Parlamento que tomem posse não podem exercer outras atividades. Do lado da bancada da maioria, vários deputados empossados, a começar pelo líder do ADI, Patrice Trovoada, são candidatos a cargos no Executivo. No ato solene da abertura da décima legislatura, o novo presidente do órgão legislativo reafirmou o que preveem as leis e a Constituição. «A Assembleia Nacional deverá colaborar com os demais órgãos de soberania, de modo a se encontrar respostas aos variados problemas que afetam o nosso país, mormente, a pobreza, o desemprego, a saúde pública, o sistema de segurança social, 58 dez 2014 / jan 2015 – África21 dentre outros». José Diogo comprometeu-se a persuadir os deputados a adotar um «comportamento consequente», num «clima de respeito mútuo, pugnando sempre pela defesa dos superiores interesses do país e do nosso povo». «O diálogo e o consenso deverão nesta perspetiva constituir ferramentas essenciais para se construir amplas plataformas de entendimento, suscetíveis de lançar as bases para a construção de um futuro melhor que sirva a todos os santomenses», sublinhou Diogo. Ele assumiu desafios no plano de funcionamento interno, no tocante à produção legislativa e no âmbito internacional. Neste último contexto, José Diogo disse que uma atenção particular será dada ao «incremento das nossas relações de cooperação parlamentar com os países da CPLP, da sub-região do Golfo da Guiné, assim como com os nossos tradicionais parceiros de cooperação». Outra ideia é estender as relações de cooperação a outros Estados e países amigos, prevalecendo o exercício de uma «profícua influência de diplomacia parlamentar, como forma de ajudar o Estado a construir novas parcerias». O Presidente da República, por sua vez, recordou o papel do Parlamento no processo democrático, como o de ser um «palco privilegiado do confronto de ideias». «O debate político e o contraditório não devem impedir o diálogo permanente, fundado no respeito da maioria e das minorias, de modo a que seja possível obter os consensos nacionais indispensáveis para que o país vença os desafios do desenvolvimento», sublinhou Manuel Pinto da Costa. O Chefe de Estado felicitou o ADI pela vitória alcançada nas eleições legislativas e manifestou «total disponibilidade pessoal e institucional» para que o novo Executivo tenha todas as condições para governar durante os próximos quatro anos. «Estou convicto de que é absolutamente indispensável para o progresso de São Tomé e Príncipe uma cooperação franca e aberta entre todos os órgãos de soberania, forças políticas e organizações da sociedade civil. Da minha parte tudo farei para promover um clima que permita uma cooperação institucional produtiva, virada para o futuro e baseada num relacionamento de respeito mútuo e pelas competências de cada um constitucionalmente consagradas», frisou Pinto da Costa. Economia As eleições, que decorreram de forma exemplar, foram objeto de elogio em diversos quadrantes. Por exemplo, o embaixador de Angola em São Tomé e Príncipe, em nome do Estado angolano felicitou o povo santomense pela sua participação no mais recente pleito eleitoral e saudou uma vez mais o partido vencedor das eleições. «Angola espera ver mantidas e incrementadas as relações bilaterais de amizade e cooperação existentes entre Angola e São Tomé e Príncipe, com base no princípio da soberania e independência dos dois países e da cooperação mutuamente vantajosa para o benefício dos dois Estados e povos, cuja amizade, cooperação e laços de irmandade remontam aos tempos da Geração de Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Alda Graça, Manuel Pinto da Costa e Fidel Castro, ao tempo da luta comum pela libertação dos nossos povos e países», destacou Alfredo Mingas, na celebração do 39.º aniversário da independência do seu país. O debate, particularmente neste ano centrou-se na necessidade de se acabar com a instabilidade política. Uma das razões para o avanço menos acelerado e consequente no processo de desenvolvimento. Um círculo vicioso desesperante sobretudo para o cidadão comum. Ao conceder a maioria absoluta ao ADI, o eleitorado quis contribuir para solucionar esse problema que parecia crónico. Contu- O debate em 2014 centrou-se na necessidade de se acabar com a instabilidade política Os avanços que se registaram na macroeconomia ainda não se traduzem na microeconomia ou na economia real. O crescimento da economia rondou os 4%. Pela primeira vez, a taxa de inflação caiu para um dígito, 7,1%. Os níveis de reservas internacionais líquidas conheceram uma forte variação positiva, tendo duplicado em comparação com 2011, que foi de 56%. Em contrapartida, houve pressão sobre as despesas, na sequência das reivindicações salariais, nomeadamente na Educação e na Saúde, e para honrar compromissos assumidos pelo anterior governo, no quadro da continuidade do Estado. O rigor na gestão, num contexto de escassez de recursos, granjeou elogios e facilitou a mobilização de algum financiamento junto de parceiros internacionais, inclusive com direito a bónus, como os 4,2 milhões de dólares no quadro do 10.º FED para reabilitar algumas estradas e o cais do porto do Príncipe. Mas não foi suficiente. O Governo conseguiu reunir em meados do ano mais de 30 delegações representativas de parceiros de cooperação para apresentar o Plano de Ações Prioritárias até 2016 com a finalidade de operacionalizar a Estratégia Nacional de Redução da Pobreza de segunda geração. O país precisa de aproximadamente cem milhões de dólares para atingir o objetivo a que se propôs. São Tomé foi igualmente palco em setembro de um seminário sobre «Diversificação Económica e Crescimento: Experiências comparativas de Pequenos Estados», promovido com o apoio das instituições de Bretton Woods. A principal conclusão foi que o futuro do país passa fundamentalmente pela definição de uma agenda nacional de desenvolvimento suprapartidária, que permita definir em conjunto o caminho a trilhar nos próximos anos. A troca de experiências contou com a participação do ex-primeiro ministro e ministro das Finanças de Barbados, Owen Arthur, e o ministro das Finanças das Ilhas Seychelles, Pierre Laporte. Ambos disseram que tiveram de encontrar uma agenda comum que ultrapassasse as diferenças políticas que existem em todos os países. Porém, o défice da balança comercial mantém-se. O país continua a importar muito mais do que exporta. A produção interna de bens e serviços ainda é muito incipiente, apesar das potencialidades em algumas áreas como o turismo. Na chamada economia de mercado santomense, os preços dos produtos estão alinhados enquanto a diferença salarial é grande. Quem ganha o correspondente a 2000 dólares mensais, compra os produtos que o mercado oferece ao mesmo preço de quem recebe 100 dólares. A distribuição mais equilibrada de rendimentos deve fazer parte de reformas urgentes. A segurança marítima e o combate contra a pirataria assumiram este ano uma importância particular, no contexto da sub-região. África21– dez 2014 / jan 2015 59 JUVENAL RODRIGUES São Tomé e Príncipe deu igualmente saltos positivos em alguns Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, particularmente na Educação e na Saúde. A escolaridade básica é universal. O grande desafio agora é melhorar a qualidade do ensino, em todos os níveis. Na Saúde, uma das grandes conquistas é o combate contra o paludismo, devido ao caráter integrado e sinergético do Plano Estratégico Nacional para fazer recuar esta doença que parecia ser endémica, cuja implementação conta com o apoio de vários parceiros. Em comparação com 2000/2004, o sistema produziu em média menos 45 mil doentes por ano. Evitou também a cada ano cerca de 200 óbitos. Na ilha do Príncipe, já se está na fase da pré-eliminação. Os resultados obtidos fizeram com que o país fosse distinguido este ano com o prémio Aliança dos Líderes Africanos para a Malária. Contudo, há ainda muito trabalho a fazer para melhorar o atendimento na Saúde, mesmo com a entrada em funcionamento da nova unidade de emergência que conta com equipamentos modernos. A aposta é a construção de um hospital de referência e a consolidação da rede sanitária. JUVENAL RODRIGUES Social Patrice Trovoada tomou posse em novembro como novo primeiro-ministro do, em finais de março, o Presidente Manuel Pinto da Costa patrocinou a realização do Diálogo Nacional com o objetivo de construir consensos sobre os grandes desafios nacionais. A iniciativa contou com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre outros parceiros. O processo culminou numa reunião magna no auditório do Palácio dos Congressos, que durou quase uma semana, com a participação de representantes de santomenses na diáspora, e envolveu os distritos e a Região Autónoma do Príncipe, na sua fase preparatória. Da iniciativa, em que o ADI não participou, saíram recomendações. A incógnita sobre a sua implementação constituiu um alerta de vários participantes. Não gostariam que as propostas ficassem engavetadas, mais uma vez, como já aconteceu com fóruns anteriores realizados no país. C 60 dez 2014 / jan 2015 – África21 José Diogo, presidente da Assembleia Nacional M Y CM MY CY CMY K África21– dez 2014 / jan 2015 61 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO 62 Um plano grandioso para um país que pensa em grande. dez 2014 / jan 2015 – África21 Aumentar a disponibilidade, nos pontos de venda, de bens essenciais produzidos no país é uma das estratégias do Plano Nacional de Desenvolvimento. Até 2017, Angola pretende desenvolver e manter um conjunto de infra-estruturas logísticas e de distribuição que possibilite o abastecimento de produtos nacionais em todas as províncias. Para além de aumentar o número de estabelecimentos comerciais, o PND vai assegurar a existência de reservas alimentares estratégicas, bem como incentivar o comércio rural e a criação de novos empregos. A crónica de Conceição Lima Aprofundar as conquistas A Em São Tomé e Príncipe, muitos se recordam dos instabilidade política que caracterizou a motins resultantes do ceticismo e desconfiança dos II República, com sistemáticas quedas de goverpais, quando as autoridades programassem campanhas no e o consequente adiamento do progresso e do dede vacinação nas escolas. O fim dos tabus sobre a vacisenvolvimento, apesar das reconhecidas potencialidana e a amplitude da cobertura de vacinação são condes do país, testaram, ao limite, a paciência e a quistas do sistema nacional de saúde depois da indeexpectativa da maioria dos são-tomenses. Daí que a pendência, com o apoio de parceiros de perspetiva de cumprimento da legislatudesenvolvimento como o Fundo Munra, após a maioria absoluta conquistada dial para a vacinação (GAVI), o Fundo pelo ADI nas eleições de 12 de outubro, das Nações Unidas para a Infância tenha sido tão realçada. O cumprimento (UNICEF), a Organização Mundial da da legislatura não é, automaticamente, Saúde (OMS), o Fundo das Nações sinónimo de eficácia da governação, mas Unidas para a População (FNUAP) e o esconjura o fantasma de mudanças Governo da República da China-Taiabruptas e de intermináveis recomeços. wan. São conquistas que traduzem uma A rotineira instrumentalização de mudança radical de mentalidade e de conflitos e quezílias no regime multiparcomportamento. Se há cinco, dez anos, tidário, as oportunidades desperdiçadas e a colaboração direta com os serviços de as aspirações sonegadas provocaram um [email protected] vacinação cabia exclusivamente às mães, tal grau de descrença e frustração que, muito hoje faz-se notar uma crescente participação dos pais. frequentemente, se ouve afirmar ter o país apenas regreAssinalável igualmente é o nível de cobertura dos dido. Os índices de pobreza e do desemprego, sobretudo cuidados pré-natais, elogiados pela UNICEF, embora juvenil, refletem, por um lado, a extrema vulnerabilidaa taxa de mortalidade à nascença (150/100.000) exija de e debilidade da economia e, por outro, a incapacidade o aprofundamento dos progressos registados, nomeade resposta dos sucessivos governos. damente, a melhoria da qualidade dos equipamentos, Contudo, neste quadro globalmente insatisfatório e dos serviços de atendimento e dos padrões de organifrustrante, há indicadores francamente encorajadores. zação. Resposta urgente reclama também o problema Por exemplo, o paludismo, que já constituiu um autênda gravidez precoce e a má nutrição crónica na faixa tico flagelo e a principal causa de mortalidade e de moretária abaixo dos cinco anos de idade, calculada em bilidade, registou em 2014 o índice mais baixo dos últicerca de 25%. mos 40 anos. De sessenta mil casos anuais, passou-se Os desafios aí estão e são enormes. Reconhecer os para cerca de dois mil, não se tendo registado até novemavanços no caminho trilhado pode ser uma boa forma bro um único óbito. Nessa batalha, que tem contado de continuar a enfrentá-los com êxito. Com a conscom o apoio crucial da República da China-Taiwan, as ciência coletiva de que São Tomé e Príncipe não tem autoridades são-tomenses preveem que a doença, já em mais tempo a perder porque o futuro é inexorável e fase de pré-eliminação na ilha do Príncipe, entre na começou antes de ontem. mesma fase, na ilha de São Tomé, antes de 2016. Nos últimos dois anos, a cobertura nacional da vacinação contra a febre-amarela e o sarampo situou-se entre 92-93%, enquanto a cobertura da vacinação contra a poliomielite, BCG (tuberculose), o tétano, a tosse convulsa, a hepatite B, o pneumococo e a difteria superou a faixa dos 90%, cifras que situam São Tomé e Príncipe no topo da tabela regional. Atestando o êxito das campanhas de vacinação, refira-se que o último caso de sarampo foi detetado em 1994 e o último de poliomielite em 1983. O êxito das campanhas de vacinação fez com que o último caso de sarampo fosse detetado em 1994 e o último de poliomielite em 1983 África21– dez 2014 / jan 2015 63 timor - leste A eventual saída de Xanana Gusmão do cargo de primeiro-ministro de Timor-Leste e a organização da cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa dominaram os primeiros seis meses de 2014, que também ficou marcado pela expulsão de magistrados estrangeiros do país e pelo início das negociações com a Austrália para a delimitação das fronteiras marítimas entre os dois países. Este ano iniciou-se também a implementação da Zona Especial de Economia Social de Mercado no enclave de Oecussi. Um projeto-piloto liderado pelo antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri, que poderá ser estendido a todos os distritos do país. arquivo áfrica21 Xanana Gusmão regressa à luta depois Isabel Marisa Serafim Díli Agência Lusa F oi logo em janeiro, durante o início da discussão no Parlamento do orçamento de Estado para 2014, que Xanana Gusmão anunciou que iria deixar de ser primeiro-ministro. «É com todo o respeito que me dirijo, e pela última vez na qualidade de primeiro-ministro, a esta que é por excelência a casa mãe da nossa democracia», disse. Mais tarde, anunciou que só ia sair do cargo depois da cimeira da CPLP, mas acabou por se manter. Uma indecisão que ficou esclarecida com um encontro do seu partido, o Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), onde foi decidido que continuaria a liderar o Governo timorense até 2017, quando se realizam novamente eleições legislativas. O encontro do CNRT determinou também uma remodelação governamental de um Executivo pesado, com 55 64 dez 2014 / jan 2015 – África21 membros entre ministros, vice-ministro e secretários de Estado, mas que, até ao momento, não foi feita. Se a eventual da saída de Xanana Gusmão dominou a atualidade timorense nos primeiros meses do ano, também a organização da cimeira da CPLP, durante a qual Díli assumiu pela primeira vez a presidência da organização, chamou a atenção ao país. Todos os timorenses se envolveram de alguma forma naquele encontro, que desde já serviu para popularizar a língua portuguesa entre a população. A cimeira de Díli teve como pontos altos a adesão da Guiné Equatorial e o regresso da Guiné-Bissau e foi considerada um sucesso, apesar da «incidência protocolar», desvalorizada por Portugal, provocada pelo anúncio antecipado da entrada de Malabo. Para a história, fica a entrada conjunta na sala do evento, entre aplausos, do Presidente Teodoro Obiang com Xanana Gusmão. O encontro da CPLP em Díli foi também motivo para melhorar uma série de infraestruturas na cidade e arredores em mais uma operação de limpeza de um processo de desenvolvimento que Timor-Leste não quer ver parar. Um desenvolvimento que levou o Governo a arrancar com a implementação da Zona Especial de Economia Social de Mercado em Oecussi, o enclave timorense na metade indonésia da ilha. Liderado por Mari Alkatiri, o antigo primeiro-ministro e secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin, oposição) foi também nomeado administrador da nova Região Administrativa Especial. É em Oecussi que se vão celebrar os 500 anos da chegada dos portugueses à ilha em 2015 e onde têm sido lançadas de anunciar saída obras para melhoria das infraestruturas, nomeadamente estradas, pontes, central elétrica e hospital. O desenvolvimento de Oecussi faz parte de um plano mais amplo para captar investimento externo e desenvolver o setor privado do país de modo a aumentar o número de emprego para os jovens, que representam mais de 50% da população, e diminuir a dependência dos hidrocarbonetos. Com um Fundo Petrolífero de 16 mil milhões de dólares, com gastos anuais de mil milhões, e com os dois poços em exploração a diminuírem a produção anual, Timor-Leste anunciou em outubro o início das negociações das fronteiras marítimas com a Austrália. A definição das fronteiras marítimas é determinante para a soberania do país ser completa, mas também para garantir a exploração do campo de gás do Greater Sunrise, que vale muitos milhares de milhões de dólares. O início das negociações com a Austrália marca uma nova fase de um processo Os timorenses envolveram-se na Cimeira da CPLP que serviu para popularizar a língua portuguesa que teve início há vários anos quando as negociações para a exploração do Greater Sunrise entre Timor-Leste e a petrolífera estatal australiana Woodside entraram num impasse. Em causa estavam posições diferentes quando ao modelo de gestão daquele campo de gás. Enquanto Timor-Leste assumiu que queria a construção de um gasoduto para o sul do país, onde pretende desenvolver um complexo de indústria petrolífera, a Austrália defendia a exploração numa plataforma. Perante o impasse, Timor-Leste decidiu acusar a Austrália de espionagem durante as nego- ciações dos acordos para a exploração de hidrocarbonetos no Mar de Timor no tribunal arbitral de Haia para conseguir a anulação dos tratados. Com o reinício das negociações, depois de pedido ao tribunal arbitral de Haia a suspensão das audições durante seis meses, o impasse pode ser ultrapassado e a soberania de Timor-Leste ficar completa, conforme defenderam os jovens que no final do ano de 2013 se manifestaram durante semanas seguidas em frente da embaixada da Austrália em Díli. É também por razões de soberania e de 380 milhões de dólares que as empresas petrolíferas alegadamente devem ao Estado timorense por deduções ilícitas e fugas a impostos, que Xanana Gusmão fechou o ano em polémica quando decidiu expulsar do país sete magistrados, seis portugueses e um cabo-verdiano, e um polícia português (ver caixa). Em causa, segundo o primeiro-ministro, estão erros judiciais graves identificados em pareceres de juristas portugueses da Universidade de Coimbra cometidos pelo Tribunal de Díli durante os processos que opuseram as petrolíferas ao Estado timorense e que aquelas ganharam em primeira instância. O Estado recorreu da decisão ao Tribunal de Recurso e em simultâneo decorrem arbitragens em Singapura. Xanana Gusmão recebeu críticas e para muitos, principalmente portugueses, foi o fim do encantamento do homem que das montanhas liderou a luta pela independência de Timor-Leste. Para Xanana Gusmão, é apenas uma luta, outra pelo futuro da meia-ilha: «No início a gente aceita, mas para mim, o Bayu-Udan (poço de gás condensado) será a primeira e última vez, não toquem nos outros. O meu povo morreu por isto. É por isso que as pessoas às vezes não compreendem, eu entendo. E agora é a minha oportunidade de dizer às pessoas: entendam-me não como arrogante, mas como uma pessoa que viu sofrer muita gente». Timor às voltas com a Justiça A expulsão de sete magistrados, seis portugueses e um cabo-verdiano, e um elemento da polícia portuguesa foi conhecida a 3 de novembro. A decisão foi tomada pelo governo timorense, depois dos conselhos de magistratura de Timor-Leste recusarem suspender os contratos daqueles funcionários e aceitar uma auditoria ao setor, decidida numa resolução aprovada pelo parlamento em outubro. O primeiro-ministro timorense justificou as decisões com erros em processos que envolvem o Estado e as empresas petrolíferas num valor superior a 300 milhões de dólares. «Os erros foram tantos, tão inadmissíveis que paramos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso», afirmou. Os magistrados expulsos afirmaram que a decisão foi tomada por causa de processos contra altos funcionários do Estado, que incluem figuras como a ministra das Finanças, Emília Pires, e o presidente do parlamento, Vicente Guterres. Acusações que Xanana Gusmão recusou, sublinhando que a decisão é para proteger dinheiro que pertence a Timor-Leste e não para proteger a ministra das Finanças. O Governo de Portugal reagiu com o anúncio da suspensão das atividades de cooperação judiciária. O Presidente timorense, Taur Matan Ruak, afirmou estar seguro que o diálogo vai permitir ultrapassar a situação. Mari Alkatiri, o líder da Fretilin (na oposição), criticou a decisão de expulsão que deveria ter sido «corretamente tratada», mas apelou à união da liderança timorense, depois de fortes críticas em Portugal contra Xanana Gusmão. O antigo Presidente José Ramos-Horta destacou que o Governo de Timor apresentou provas documentais «até agora não contestadas de falhas gravosas de quem julgou» e que lesaram o Estado timorense. Para já ficou decidido que o exercício da judicatura em Timor-Leste vai ser devolvido aos juízes timorenses e a cooperação judicial com Portugal vai ter novos critérios. África21– dez 2014 / jan 2015 65 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO Um plano grandioso para um país que pensa em grande. 66 dez 2014 / jan 2015 – África21 Promover o acesso dos cidadãos aos benefícios da cultura faz parte dos objectivos do Plano Nacional de Desenvolvimento. É também objectivo do PND valorizar as diferentes manifestações culturais, incluindo as línguas nacionais e a produção de artesanato, para consolidar uma identidade nacional assente na diversidade cultural. A meta do PND é aumentar o número de Casas de Cultura em diversas províncias e estimular a formação e a qualificação de recursos humanos, ampliando o número de alunos matriculados nas escolas técnicas de artes. A crónica de Luís Cardoso X Xé menino ca, quando lhe perguntam se está feliz. Sorri ainda é menino não fala política, respondo ao quando lhe falam de um futuro melhor. Sorri e volmeu sobrinho Alexandre, o pequeno, quando tará a sorrir sempre até que a morte lhe mande feme indaga das razões que levaram o seu homónimo, char a boca. Alexandre, o grande, a expulsar os magistrados portuEntão Tio?, que era eu quem estava a falar de pogueses de Timor. Explico-lhe que a frase foi retirada lítica. Eu, eh?, disse-lhe que não. Quede uma canção de Waldemar Bastos, ro lá saber de política. O Tio Amadeu um dos grandes nomes da Música do também não quer saber da política. Já Mundo. Para ver se me escapo à sua recebeu a sua parte, por ter cartão de pergunta, tão incómoda quanto intriveterano. Quer montar o seu próprio gante. Ando às voltas com interroganegócio. Por enquanto está satisfeito ções, dado que para mim, apesar das com a microlet. Viaja por todo país à declarações do governo e das acusações procura de um sítio ideal onde estabedos magistrados, nada está esclarecido. lecer uma zona exclusiva de negócio. Tudo ainda continua envolto num Dizem que é o que está a dar. manto escuro. Anunciam que serão os novos Então, Tio?, insiste na sua ânsia de tempos de prosperidade para Timor a saber ao pormenor como foi que tudo [email protected] lembrar os famosos tigres asiáticos que, isso aconteceu. Diz-me que conhece um dia, caíram como castelos de cartas. muito bem a canção de Waldemar Bastos e pede Quando lhe fazem saber que todo o paraíso espara não me esconder atrás de uma frase feita. No conde o seu próprio inferno, responde, Xé menino seu quarto tem uma foto de Alexandre, o grande, não fala política! pendurada na parede. No tempo em que era o tempo das vacas magras. Quando apelava com a sua voz grossa e trémula para que os jovens oferecessem as suas vidas pela causa. Em troca prometia uma Pátria onde a riqueza seria igualmente repartida por todos. Xé menino não fala política, também era assim que meu pai me respondia quando tentava saber das razões da guerra de Manufahi. Para que fui eu falar da guerra de Manufahi, aumentando-lhe ainda mais a sua curiosidade. Devo calar-me, como cala toda a gente, quando se pergunta como foi que contrataram um cadastrado para aconselhar o governo timorense na questão do petróleo. Pode dizer-se que foi mesmo entregar o ouro (negro) ao bandido. Samarai que, ainda agora acabou a universidade, está sem fazer nada. Passa o dia entre a praia e o centro comercial. Já recebeu uma promessa de emprego, mas como não tem padrinho, desespera na fila de espera. Já fez saber que vai emigrar para a Irlanda onde o espera uma fábrica de enchidos. Pelo menos tem a certeza que há de voltar com o fruto do seu trabalho, para abrir um restaurante lá para os lados de Tíbar. Tia Lou, que ainda hoje enterra a mão na lama, como sempre fizeram os seus antepassados, sorri com os dentes todos vermelhos da mas- Devo calar-me, como cala toda a gente, quando se pergunta como foi que contrataram um cadastrado para aconselhar o governo timorense na questão do petróleo África21– dez 2014 / jan 2015 67 publirreportagem Prongila apresenta vias para melhoramento das estradas em Angola A o mesmo tempo que se verifica aumento da malha rodoviária nacional, levantam-se problemas relacionados com a qualidade dessas infraestruturas. São contrariedades relativas, por exemplo, ao funcionamento dos pavimentos, ou ao nível do traçado de algumas vias de comunicação. “Temos hoje um cenário em que as estradas não estão a cumprir com os pressupostos mínimos de um pavimento, em muitos casos. Quando se concebe um pavimento de raiz está implícito, de uma forma geral, que o dimensionamento e todo o arranjo estrutural deve, no míni- 68 dez 2014 / jan 2015 – África21 mo, cumprir uns 20 anos de existência. No caso de reabilitação de estradas estima-se, de uma forma geral, 10 anos”, observa Quintino Vinevala, Mestre em Engenharia Civil e Diretor do laboratório da empresa Prongila - Vias de comunicação. A nível do comportamento estrutural dos pavimentos, de acordo com o nosso interlocutor, as vias que estão a ser edificadas em Angola, na sua maioria, não têm capacidade para suportar as cargas dos veículos que nela circulam, isto do ponto de vista estrutural. A nível do traçado de algumas estradas, o de- senvolvimento geométrico das estradas, as curvas circulares e de transição, as inclinações, quer transversais quer longitudinais, são outros aspetos descorados. “Existem várias causas para estes problemas. Eu vou falar mais do ponto de vista estrutural: Ao conceber um pavimento nós levamos em conta vários aspetos, nomeadamente a finalidade do pavimento, o tempo de vida útil estimado, bem como as cargas que vão utilizar este pavimento. Precisamos também de saber as condições climatéricas da região. Para se ter resposta a tudo isso é necessário fazer estudos”, sublinha. Entretanto, estes não são os únicos fatores que fazem com que as estradas angolanas sejam de menos qualidade. Quintino Vinevala revela ainda que a escolha dos materiais a serem utilizados e o processo de colocação dos mesmos em obra jogam um papel preponderante. “É necessário proceder a essa escolha de forma criteriosa, verificando determinados parâmetros do ponto de vista geotécnico. Falo dos solos que são utilizados nas estradas e dos agregados rolados e britados, como por exemplo o tout-venant, que é um agregado britado de granulometria extensa. Todos esses materiais devem ser muito bem selecionados e aplicados em obra, caso contrário teremos problemas seríssimos como os que vemos observando, nomeadamente as chamadas deformações permanentes das estradas que se manifestam através do abatimento da estrada, deformações localizadas, rodeiras e ondulações. Outras anomalias que podem ocorrer são os fendilhamentos, movimento de material e a desagregação da camada de desgaste. O aparecimento destas anomalias, ainda que pontualmente, vai potenciar a ruína desse mesmo pavimento”, argumentou Quintino Vinevala, que não deixou de salientar outro fator crítico: a falta de drenagem dos pavimentos. Um pavimento quando não é drenado facilmente a sua fundação e a sua própria estrutura é posta em causa. Perde capacidade de suporte de uma forma muito rápida. Hoje a técnica apresenta-se bastante evoluída para resolver estes problemas a montante e é nesse sentido que a Prongila aparece para contribuir para a solução destes problemas. “Nós atuamos em várias áreas, desde a conceção do pavimento do ponto de vista estrutural até à definição de ações de conservação e a sua manutenção. Todo esse processo está agarrado ao conhecimento das propriedades dos materiais e isso envolve ensaios laboratoriais. Temos a capacidade de desenvolver os projetos em função das características dos solos da região, nesta abordagem procura- mos perceber a capacidade de suporte daqueles solos, permitindo desta forma conceber estruturas que protejam suficientemente as fundações das estradas, um ponto importantíssimo para o sucesso de uma estrada. Estamos capacitados para desenvolver ensaios laboratoriais dos solos e agregados, permitindo a sua seleção de forma criteriosa para a obra e ensaios sobre os betumes e misturas betuminosas”, explica Quintino Vinevala. A Prongila está capacitada também para fazer a fiscalização das obras rodoviárias e aeroportuárias do ponto de vista dos pavimentos. No que diz respeito à monitorização do estado do pavimento, a Prongila está capacitada para fazer ensaios in situ e laboratoriais. “No caso da verificação estrutural do pavimento recorremos a um equipamento especial que é o deflectómetro de impacto, o equipamento que vai simular a passagem de um veículo no pavimento e com isso colhemos informações preciosíssimas. Quanto à avaliação funcional, fazemos a medição do coeficiente de atrito da superfície do pavimento. Este é um parâmetro bastante importante para a segurança dos utentes, pois esse coeficiente está relacionado com a aderência do pavimento. Temos também outro equipamento que é o perfilómetro laser que nos vai permitir fazer o levantamento da regularidade longitudinal da via”, conclui. África21– dez 2014 / jan 2015 69 brasil O calvário de Dilma Rousseff em 2015 Os brasileiros entram em 2015 sob os efeitos de uma desconfortável sensação de incerteza sobre o futuro do país nos próximos 12 meses Carlos Castilho FLORIANÓPOLIS S e os prognósticos já não eram muito otimistas em função das preocupações com a economia, a insegurança aumentou com o aprofundamento das divergências entre governo e oposição, depois da reeleição da Presidente Dilma e do agravamento do escândalo de corrupção na Petrobras, a maior estatal brasileira. O problema da economia é mais de expectativas do que de factos concretos. A percepção geral sobre o estado da economia brasileira foi muito condicionada pelos posicionamentos eleitorais, onde a oposição procurou ampliar os efeitos da inflação em alta e da queda moderada da produção econômica, enquanto o governo caprichou na apresentação de um cenário róseo, garantindo o controle dos preços e anunciando uma retomada do crescimento para breve. A situação real só vai aparecer nos próximos meses. Mas independentemente dos posicionamentos políticos, há uma quase unanimidade entre os economistas, agentes financeiros e empresários de que 2015, especialmente no primeiro semestre, será um ano de ajuste financeiro, em que o governo será obrigado a tomar medidas impopulares para reconquistar o apoio do setor privado. O preço da gasolina já aumentou em novembro, mas outros aumentos devem acontecer no início de 2015, o que vai provocar uma subida da inflação que já passa dos 6,5% ao ano e uma nova elevação da taxa de juros, atualmente em 11,5% anuais. As grandes corporações industriais, do agronegócio e das finanças, bem como os exportadores estão preocupadas com a política, pois é público e 70 dez 2014 / jan 2015 – África21 notório que os grandes negócios são influenciados pelo jogo do poder. É por esta razão que a escolha do novo ministro da Fazenda, o czar da economia brasileira, provocou tanto nervosismo entre os mega empresários brasileiros. Seca devastadora faz cair o PIB Economistas como Sergio Vale, da empresa de consultoria MB Associados, afirmam que o crescimento econômico do Brasil praticamente estagnou desde 2011 e agora a previsão é de uma queda ainda maior no Produto Interno Bruto em consequência da seca devastadora que atinge o sudeste do país, a região onde está concentrado o maior parque industrial do país. Em São Paulo, por exemplo, não chove há nove meses e os reservatórios que abastecem as indústrias e cerca de 14 milhões de pessoas estão praticamente secos. A prolongada estiagem, a maior dos últimos 80 anos no Brasil, já começa a gerar problemas no abastecimento de alimentos, aumento de preços e inevitavelmente vai empurrar a inflação para cima. Outro grande dilema do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff será conciliar a política de distribuição interna de renda com a necessidade de retomar o crescimento industrial. O efeito Bolsa Família dá sinais de esgotamento em termos de perspectivas macroeconômicas. O programa, lançado em 2005, gerou um aumento do consumo interno que estimulou a indústria voltada para o mercado doméstico, mas, a partir de 2011, o impacto positivo no crescimento econômico estagnou LUCAS UEBEL/AFP Um dos grandes dilemas no segundo mandato de Dilma Rousseff será conciliar a política de distribuição interna de renda com a necessidade de retomar o crescimento industrial e o país voltou a depender das exportações para fechar suas contas. O aumento no consumo interno gerou um excesso de importações de produtos estrangeiros supérfluos, enquanto compradores tradicionais de matérias primas brasileiras, como a China, e de automóveis, como a Argentina, reduziram suas compras por questões domésticas. O déficit no comércio externo não chega a ser alarmante por conta das tranquilizadoras reservas cambiais do Brasil, estimadas em 377,3 bilhões de dólares, em setembro de 2014. Mas recolocou em discussão a necessidade de reequipar o parque industrial brasileiro para possibilitar uma retomada das exportações e consequente reequilíbrio das contas domésticas. Dilma Rousseff tem emitido claros sinais de que pretende uma maior autonomia política em relação ao seu antecessor Luis Inácio Lula da Silva, o expoente máximo de uma corrente do Partido dos Trabalhadores, apelidada de lulo-petismo pelos seus desafetos oposicionistas. Lula e Dilma têm personalidades muito diferentes no que se refere ao relacionamento com políticos e homens de negócio. A Presidente tem um estilo mais objetivo e inflexível, enquanto Lula é um negociador político nato. O grande problema de Dilma no seu segundo mandato é a ausência de apoios sólidos nos principais centros de poder de facto no país. Ela não controla os militares, que nunca disfarçaram o seu desgosto em ter uma ex-guerrilheira no comando formal das Forças Armadas. Não controla o setor empresarial que não morre de amores pela política de redistribuição de renda por meio do Bolsa Família, embora a indústria nacional tenha sido muito beneficiada pelo aumento do poder aquisitivo das classes C e D, a ponto de ter conseguido escapar incólume da crise financeira mundial de 2008. Por último, a Presidente não controla o parlamento nacional, onde precisa fazer concessões a partidos de todos os matizes ideológicos para conseguir aprovar medidas de interesse do Poder Executivo. Dilma sabe que precisa romper o nó górdio da dependência de uma base política instável e pouco confiável. A alternativa escolhida pela chefe de governo foi propor a realização de um plebiscito para promover uma reforma política como uma estratégia para buscar apoio popular e colocar os políticos na defensiva. Mas a oposição, liderada pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais, Aécio Neves, comparou o plebiscito a uma tentativa de governar diretamente com o povo, mexendo com os brios dos parlamentares, inclusive muitos que participam da base de apoio político do governo no poder legisÁfrica21– dez 2014 / jan 2015 71 Reforma política está paralisada A reforma política se arrasta no parlamento há mais de dez anos, onde estão paralisados cerca de 20 projetos. É que não interessa aos políticos alterar um sistema que os beneficia. Se depender da Câmara de Deputados e do Senado, em Brasília, a reforma não passará de um conjunto de medidas tendentes a, na sua essência, mudar a imagem do parlamento na opinião pública. Já os principais assessores políticos de Dilma insistem na tese do voto distrital, numa drástica limitação no total de 28 partidos políticos e na mudança das regras de financiamento das campanhas eleitorais. A questão do plebiscito é muito delicada porque agrava consideravelmente as tensões entre os poderes Executivo e Legislativo. Em setembro de 2014 foi realizado um plebiscito informal, promovido por 480 organizações não governamentais, sindicatos, associações de bairros e entidades assistenciais, que mobilizaram quase oito milhões de pessoas que apoiaram a reforma política por 97% dos votos. As relações entre o governo e as duas casas do Congresso Nacional se azedaram depois que a oposição e também vários partidos que apoiam formalmente a presidente, perceberam o enfraquecimento político de Dilma e resolveram aproveitar a polarização ideológica pós-eleições para obter mais verbas públicas para projetos de parlamentares. A base parlamentar da Presidente está fragilizada, o que a torna vulnerável no terreno institucional. O escândalo da Petrobras incorporou elementos de tensão máxima à crise nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo porque atinge a complicada teia de negócios informais entre empresas estatais, empresas privadas e políticos brasileiros visando o financiamento de campanhas eleitorais. Segundo cronistas políticos como Gerson Camarotti, da TV Globo, o escândalo da Petrobras, apelidado de Operação Lava Jato pela Polícia Federal, pode ser ainda maior do que o do Mensalão, que levou boa parte da cúpula do Partido dos Trabalhadores para a prisão. O problema é que as investigações sobre a operação triangular envolvendo a Petrobras, quase todos os partidos políticos e as maiores empreiteiras de obras públicas do país ameaça a credibilidade e honestidade de centenas de políticos e funcionários públicos. No final de 2014, a Polícia Federal brasileira prendeu quase 20 dos principais 72 dez 2014 / jan 2015 – África21 LUIS MOURA/ESTADAO CONTEUDO/AFP lativo. Dilma teve que recuar, embora não tenha desistido formalmente de uma consulta popular. Barragem de Jaguari-Jacarei, no estado de São Paulo; as reservas estavam em 4,1% do total em outubro executivos de cerca de sete empresas privadas com contratos com a Petrobras para identificar quais os funcionários da estatal que recebiam propinas e quais os políticos beneficiados. Brasília entra em 2015 em clima de pânico político porque ninguém sabe qual o alcance das investigações e quais os dados sobre corrupção parlamentar que virão a público. O governo tenta blindar a empresa Petrobras na tentativa de manter o controle estatal sobre a exploração de reservas de petróleo em águas profundas do oceano Atlântico. Há muitas empresas estrangeiras interessadas numa privatização da Petrobras, mas por enquanto o maior problema está na desmontagem de um modelo de financiamento de campanhas eleitorais existente há décadas no país e que se apoia num sistema institucionalizado de corrupção. O déficit no comércio externo não é alarmante devido às reservas cambiais brasileiras Uma empresa que deixa marca O que transportamos? Combustíveis, Maquinaria Pesada, Produtos Frescos, Contentores, Mercadoria Diversa e Transportes Internacionais (Namíbia e África do Sul) www.antoniojsilva.com Parque Rua da Moagem Kwaba, Km 12 Viana – Angola Telefone: 222 013 805 – Fax 222 013 806 Telemóveis: 917 750 552 – 925 363 789 África21– dez 2014 / jan 2015 73 Os sul-americanos propuseram-se a entrar no terceiro milénio dando passos seguros no caminho do progressismo político. Assediado pelas campanhas desestabilizadoras da direita, o eleitorado ratificou o processo de transformação em países como Bolívia, Brasil e Uruguai. Noutros, a democracia continua sob ataque. Há quem ligue os alarmes para evitar que uma «restauração conservadora» possa ganhar força na região. Manrique S. Gaudin Buenos Aires Estado de alerta na região C com uma sucessão de eleições que reconfirmaram que o Cone Sul da América – Bolívia, Brasil e Uruguai – continua a ser decididamente progressista, nos confins geográficos da América Latina ficou validado que, pelo menos nos próximos quatro anos, a democracia não está disposta a abrir as portas à direita neoliberal. A estratégia permanente da oposição, destrutiva e alinhada com o golpismo, não lhe trouxe resultados, mas diferentes analistas da região advertem sobre outras ações da direita, algumas institucionais (o impulso para uma Aliança do Pacífico apoiada pelo Chile, Perú, Colômbia e México) e outras desestabilizadoras (a promoção da violência na Venezuela e a sabotagem do auspicioso processo de paz na Colômbia). Em pleno século XXI, o grito de combate pareceria ser, agora, o tão antigo «cuidemos e melhoremos o que conseguimos». Segundo o Presidente do Equador, Rafael Correa, há que permanecer em estado de alerta, porque «apesar das extraordinárias mudanças dos últimos anos, não conseguimos ainda a prevalência irreversível do poder popular sobre o poder das elites». Fora da região, os processos políticos que se consolidam nos Estados Unidos e na Europa, mas sobretudo no primeiro, ajudam a avivar esse estado de alerta. Tudo o que se decide ou se planifica em Washington tem um efeito imediato em terras americanas, que 74 dez 2014 / jan 2015 – África21 JORGE BERNAL/AFP américa latina Em pleno século XXI o grito de combate pareceria ser o antigo cuidemos e melhoremos o que conseguimos Bolívia e Brasil foram os países da América Latina que mais reduziram os índices de pobreza, de acordo com o PNUD desde a primeira metade do século XIX a grande potência definiu como o seu «pátio das traseiras», um conceito recentemente confirmado pelo secretário de Estado John Kerry. Assim como outubro marcou no Sul a consolidação do progressismo, novembro voltou a instalar no Norte uma elite que fez desse «pátio traseiro» um mero fornecedor de riqueza no qual pouco importa a forma. Para a região, é indiferente quem governe ali, se os Democratas ou os Republicanos. Ao longo da história, ambos têm demonstrado que respondem aos mesmos poderosos interesses dos seus grupos económicos. No entanto, a fenomenal derrota de Barack Obama nas eleições legislativas – nas quais perdeu a maioria do Senado e no Congresso não conseguiu sequer reduzir a diferença que o separava dos Republicanos – reavivou a antiga e sempre desmentida crença de que os democratas são mais respeitadores da soberania e das democracias dos países do «pátio traseiro». A política de profundas transformações que impera nos países do Cone Sul teve a sua primeira e contundente confirmação a 12 de outubro na Bolívia. Depois de governar o país desde 2006, o indígena Evo Morales foi reconfirmado para um terceiro mandato por cerca de 60% dos eleitores. Se isso não fosse suficiente para validar a sua liderança, o novo Governo ganhou em legitimidade: conseguiu convencer mais de 90% do eleitorado, Morales triunfou em sete dos oito departamentos em que se divide o país e foi também maioritário nas 69 cidades dos 33 países onde os bolivianos votaram massivamente, em muitos casos pela primeira vez. Semanas antes das eleições, uma fonte neutral, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), explicara, sem o propor, algumas das razões para a importância de Morales, ao destacar que os países da região que mais reduziram os índices de pobreza foram a Bolívia – 32% numa década – e o Brasil. Depois, outra fonte igualmente neutral, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), indicou que a Bolívia constitui «um caso excecional, em que as receitas de 40% dos mais pobres aumentaram três vezes mais do que a média nacional, e a desnutrição baixou de 38% em 2006 para 19,5% em 2013». Duas semanas depois da Bolívia, a 26 de outubro e à segunda volta, o Brasil confirmava a liderança do Partido dos Trabalhadores e elegia Dilma Rousseff para um segundo mandato (ver artigo nesta edição). O terceiro elemento da vitoriosa série progressista foi Tabaré Vázquez, da já governante Frente Amplio (FA) do Uruguai, que embora na primeira volta de 26 de outubro tenha roçado os 50% dos votos e ganho por 17 pontos percentuais a Luis Lacalle Pou, candidato do Partido Blanco (ou Nacional), precisou de submeter-se a uma segunda volta a 30 de novembro. Como no Brasil, onde as empresas de sondagens «inventaram» uma hipotética vencedora, mostrando que em conjunto com os media são as inimigas mais astutas da democracia, estas empresas foram as grandes derrotadas, perderam credibilidade, terão que rever a sua metodologia de trabalho e acabaram por admitir que, no futuro, o seu funcionamento deverá ser regulado por algum organismo estatal ou misto. No Uruguai previram uma primeira volta «mano a mano» entre Vázquez e Lacalle e um triunfo deste último por quatro a seis África21– dez 2014 / jan 2015 75 GUILLERMO LEGARIA/AFP CRIS BOURONCLE/AFP Evo Morales, Presidente da Bolívia O Uruguai elegeu Tabaré Vázquez para a presidência em novembro pontos na segunda. Jogaram a favor do candidato do neoliberalismo. «As empresas de sondagens não sabem fazer o seu trabalho ou, muito mais grave ainda, não atuaram com honestidade e trataram de numerar o eleitorado de acordo com os interesses do establishment», opinou Juan Castillo, dirigente sindical e vice-presidente da FA. Os números finais parecem dar razão a Castillo. A Frente Amplio ganhou em 14 dos 19 departamentos do país e em 18 deles subiu percentualmente relativamente a 2009. Nas eleições desse ano ganhara apenas em cinco departamentos. Neste novo período de Governo, a FA terá maioria própria nos dois troncos do poder legislativo: 50 em 99 deputados e 15 senadores em 30 (o voto 31, o do «desempate», é o do Vice-Presidente da República). Na faixa etária que vai dos 18 aos 30 anos, a Frente Amplio ganhou em todo o país – incluindo nas áreas rurais onde o Partido Blanco tinha monopolizado as maiorias desde a sua fundação, no longínquo ano de 1836 – menos no Carrasco Sur, em Montevideu, o bairro mais rico do país, justamente o lugar de residência de Lacalle Pou. Na história democrática do país, nunca um governo tinha sido legitimado desta forma porque, além do mais, votaram cerca de 90% dos uruguaios. A derrota foi tão dura que a primeira reação de Lacalle e Pedro Bordaberry, do também mais que centenário Partido Colorado, foi de a de que iriam retirar-se da vida política. Seguramente não o farão. Além de o triunfo de Vázquez significar a confirmação do progressismo, esta terceira vitória consecutiva da Frente Amplio é uma reação dos uruguaios ao pior do seu passado recente. O frustrado candidato «blanco» é filho do ex-Presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995), recordado como o «grande privatizador» dos bens do Estado. O apoiante «colorado» é filho do ditador civil Juan María Bordaberry (1973-1976). A realidade complexa das Caraíbas Na parte caribenha da América do Sul, Venezuela e Colômbia mostraram em 2014 uma realidade complexa. Os êxitos anteriores conseguidos no primeiro dos dois países foram ofuscados por uma onda de violência que destabilizou o Governo e custou 43 vidas. 76 dez 2014 / jan 2015 – África21 Desde a primeira metade do século XIX, os EUA definiram a América Latina como o seu pátio das traseiras, um conceito recentemente confirmado pelo secretário de Estado John Kerry Na Colômbia, o decorrer de um diálogo entre o Governo e a guerrilha, que poderia conduzir à paz depois de meio século de guerra interna, esteve a ponto de naufragar e ainda é ameaçado pelas ações da ultradireita pró-guerra com fortes vínculos às forças armadas e aos grandes grupos económicos globais. Em julho de 2012 o diplomata brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães tinha alertado sobre o auge de um fenómeno na América do Sul a que chamou «neogolpismo», termo que explicou como uma expressão política que «reconhece a raiz democrática dos governos progressistas mas diz que não governam democraticamente, que criam imagens desses governos como se fossem ditaduras e gera um clima que pode justificar golpes de Estado, inclusive por meios não militares». Em meados deste ano, quando Bolívia, Brasil e Uruguai começavam a preparar as campanhas eleitorais, o equatoriano Rafael Correa aprofundou as ideias do brasileiro e advertiu para o facto de a direita continental «ter ligado os seus motores e pôs em marcha um processo de restauração conservadora que, se não o enfrentamos, pode pôr um ponto final ao ciclo de governos progressistas que temos na região». Quando falou da direita, Correa incluiu no mesmo pacote a imprensa e as empresas de sondagens. Correa, o primeiro Presidente sul-americano que depois do venezuelano Hugo Chávez (abril de 2002) foi vítima de uma tentativa de golpe de Estado (30 de setembro de 2010), assinalou que «devemos estar muito atentos, porque a direita nacional e internacional já superou o aturdimento que lhe provocou o surgimento dos nossos governos e agora está claramente articulada e em contacto com os grupos de poder dos Estados Unidos, que são quem financia essas supostas organizações não governamentais criadas e pagas para nos combater». Correa sublinhou que, tal como aconteceu depois nos três países do Cone Sul que confirmaram as políticas de mudança, o acionar da direita não se destina apenas a perturbar os governos progressistas através da promoção de atos capazes de miná-los gradualmente, mas aponta para a criação de organismos que atentam contra a unidade regional, como a Aliança do Pacífico, «que é neoliberalismo puro». Tradução de Teresa Souto publirreportagem Há cinco anos no Namibe Nonkakos aposta na manutenção de infraestruturas e na formação dos jovens C om o fim da guerra, em 2002, Angola entrou num processo acelerado de crescimento, tornando-se num canteiro de obras. Volvidos 12 anos a preocupação passa a ser a manutenção das várias infraestruturas edificadas. Foi com essa visão que, em 2009, surgiu a Nonkakos, uma empresa que atua no ramo da construção civil voltada especificamente para a manutenção de infraestruturas. A empresa está orientada para a prestação de serviços técnicos nos domínios da eletricidade, telecomunicações, geradores, ar condicionado, canalização, distribuição e consultoria empresarial. “Temos que olhar seriamente para as operações de manutenção das infraestruturas. Todos nós, angolanos, temos que ganhar cultura de manutenção. De nada vale construirmos um grande hospital se logo a seguir à sua inauguração as verbas cabimentadas não cobrirem os custos de manutenção”, argumenta Odílio Silva, Diretor-geral da Nonkakos. A visão do responsável é a aposta na manutenção como uma forma de garantir não só o emprego mas a formação profissional de muitos jovens. “Uma aposta na manutenção de infraestruturas em todo o país irá motivar muitos jovens a frequentarem cursos técnicos, desde o básico ao superior. Estaríamos também a criar muitos postos de trabalho e, consequentemente, a possibilidade de surgimento de muitas empresas do ramo, tendo em conta que a atividade de manutenção considera-se um processo permanente”, defende. A defesa deste ponto de vista não é sem razão, uma vez que o atual Diretor da Nonkakos foi, durante dez anos, funcionário da ENANA e cuidava especificamente da manutenção da principal infraestrutura aeroportuária do país – o Aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda. Com apenas 24 anos, colocado no departamento de eletromecânica, já tomava conta de todo o sistema de energia elétrica, iluminação de pistas, ares condicionados e outros. “Éramos muito jovens e formados pelos vários institutos técnicos (Makarenko, Centro Profissional do Cazenga e Cefopesca) e garantíamos a operacionalidade dos aeroportos em Angola. Hoje assistimos a uma degradante falta de motivação dos jovens para a formação técnica (básica e média) talvez por falta de uma abertura no mercado de trabalho, daí a necessidade de dinamizarmos a área das manutenções”, disse. Atualmente a Nonkakos presta serviços no aeroporto Welwitschia Mirabilis, no Namibe, no domínio da manutenção de equipamentos de navegação aérea e aerogare. Conta com a parceria de técnicos especializados e com muitos anos de experiência, que se encontram numa situação de reforma, para que, no sistema on Job, possam dar formação ao pessoal jovem da empresa. De forma também muito específica, conta com a parceria da empresa THS Gestão de projetos e investimentos, para a formação dos técnicos no domínio comportamental. Odílio Silva, Diretor-geral da Nonkakos África21– dez 2014 / jan 2015 77 MANDEL NGAN/AFP estados unidos da américa Obama testado até ao limite Se 2014 foi um ano complexo para o Presidente Barack Obama, os dois anos que restam para o termo do seu mandato poderão ser mais complicados ainda Itamar Souza Nova Iorque E em 2014, durante nove meses consecutivos o setor privado dos Estados Unidos criou em média 200 mil postos de trabalhos por mês, o melhor resultado desde os anos 90 do século passado. Esta taxa de crescimento fez baixar o desemprego para 5,8%. Porém, apesar dis- 78 dez 2014 / jan 2015 – África21 so e pela primeira vez, o Presidente vai governar sem que o seu partido tenha maioria quer no Senado quer na Câmara dos Representantes. Barack Obama chegou ao poder em 2008 num processo que coincidiu com a recuperação pelos Democratas do controlo de ambas câmaras do Congres- so, sendo que dois anos depois perderam para os republicanos a maioria que tinham na Câmara dos Representantes. De então para cá, Barack Obama governou sempre com forte oposição dos republicanos na Câmara, que, à custa da maioria de que gozavam (e gozam), enquanto puderam travaram a aprovação do seu Programa de reforma do sistema de saúde, fecharam o governo em mais de uma ocasião, obrigando-o a viver de duodécimos. O corolário deste braço de ferro e de outras contrariedades foi a estrondosa derrota dos democratas nas eleições intercalares de outubro. À semelhança do que aconteceu com Bill Clinton em 1996, ano em que o famoso Contrato com a América deu a Newt Gingrich, líder republicano, o posto de presidente da Câmara dos Representantes ao que se juntou o controlo do Senado, Obama também vai governar sem qualquer suporte em ambas as câmaras do Congresso. Analistas observam que a circunstância de Bill Clinton se encontrar naquela altura a meio do primeiro mandato e com aspirações a um segundo, facilitaram as negociações com os republicanos que resultaram em que ao fim de quatro anos o défice tivesse sido substituído por um robusto superavit. Embora relativamente ao seu programa de saúde tivessem mostrado na altura o mesmo desdém que mostram em relação ao programa que Obama lançou para este setor, Bill Clinton tinha a seu favor a imagem de ser um homem de centro-esquerda, para o que contribuiu, diz-se, o facto de ter entre o seu staff Dick Morris, estratega republicano que herdou da Administração Bush. Obama, por sua vez, é visto como um homem estruturalmente de esquerda, com quem a direita republicana, sobretudo a ala conservadora, não quer conversar. Segundo alguns analistas, o processo que levou Obama a cair na situação em que se encontra tem raízes numa série de casos que marcaram a política americana nos últimos 12 anos e que prometem marcar a agenda política em 2015. A última peça do puzzle terá sido a gestão da crise do ébola. Embora a Administração Obama tivesse conseguido manter o surto sob controlo, a eclosão de algumas derrapagens aqui e ali, provocaram pânico suficiente para minar a credibilidade das autoridades. Numa das intervenções após as eleições de outubro, o Presidente dos Estados Unidos admitiu problemas na apresentação pública de algumas das suas políticas. Reforma do sistema de imigração Barack Obama também teve nas mãos a crise provocada pelo impasse à volta da reforma do sistema de imigração. A contragosto foi obrigado a adiar a decisão sobre a reforma do sistema de imigração para depois das eleições, tendo prometido usar o seu poder discricionário. Está em causa, entre outros, a dimensão de uma amnistia a conceder aos imigrantes ilegais. Não é claro que tipo de resposta darão os republicanos se Obama for adiante com uma solução unilateral. Na primeira conferência de imprensa que concedeu após a vitória nas eleições de outubro, o presidente da Câmara dos Representantes, John Boehner, que por inerência de funções é também o presidente do Congresso, não foi de meias medidas: «o Presidente está a brincar com o fogo, e como tal pode acabar se queimando». Se em relação à imigração não é certo aquilo que os republicanos farão, parece não haver dúvidas relativamente ao programa de saúde, comumente conhecido Enquanto puderam, os republicanos travaram a aprovação do programa de reforma do sistema de saúde de Barack Obama como ObamaCare. Num artigo que John Boehner e Mitch McConnell publicaram no influente The Wall Street Journal, ficou plasmada a promessa de revisitarem o dossiê ObamaCare. Embora seja previsível que os republicanos não conseguirão uma maioria qualificada para anularem a lei que criou este programa, parece evidente que a discussão resultará em contratempos e distrações que Obama preferia não ter. Com o controlo do Senado e da Câmara, os republicanos estão em condições de levar à discussão as suas posições relativamente à situação na Síria, Iraque, Ucrâ- nia e Irão. Com isto, podem forçar o Presidente Barack Obama a reequacionar todas as opções para a política externa. O senador Jonh McCain, candidato republicano derrotado nas eleições de 2008, agora na posição de vir a ser presidente do Comité de Defesa e Segurança do Senado, mantém presente a ideia de que a posição inicialmente adotada na Ucrânia, ou seja, moderação para não provocar a ira de Vladimir Putin, acabou por levar a que este atue como se não houvesse limites. John McCain e Lindsey Graham, senador pelo estado da Carolina do Sul, entendem igualmente que o Presidente dos Estados Unidos tem sido demasiado brando para com o Irão, e que se as coisas continuarem como estão, as negociações sobre o seu arsenal nuclear poderão deixar Teerão em condições de «aterrorizar» a vizinhança. Esta tese encontra amparo em Israel, cujo Governo advoga a ideia de que Teerão está perigosamente a colocar-se em posição de produzir urânio suficiente para fins militares, peso que deve ser travado quanto antes. Este influente senador também censurou a Administração Obama pela opção que adotou em relação à Síria. McCain sempre defendeu a ideia de que o apoio aos rebeldes deveria ir para além da logística. Sem a certeza do perfil daqueles, a Casa Branca resistiu, tendo entrado em campo quando o avanço do Estado Islâmico se tornou numa ameaça aos interesses que tem no Iraque. A Casa Branca diz agora em sua defesa que se tivesse armado rebeldes quando McCain e outros republicanos assim o queriam, talvez viesse a incorrer no erro de ajudar os soldados do Estado Islâmico. É este o cenário que Barack Obama vai enfrentar em 2015. África21– dez 2014 / jan 2015 79 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO Um plano grandioso para um país que pensa em grande. 80 dez 2014 / jan 2015 – África21 O Plano Nacional de Desenvolvimento, PND, abrange um conjunto de acções para incentivar o desenvolvimento sustentável do sector hoteleiro e turístico no nosso país. São investimentos que vão garantir uma nova política para o sector, permitindo o surgimento de uma oferta turística diversificada que integre praias, património cultural, desporto, ambientes naturais e lazer. Como resultado, Angola vai aumentar o número de unidades hoteleiras, incrementando a criação de empregos no sector e o número de visitantes. JOHN THYS/AFP europa Jean Claude Juncker sucedeu a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia Última oportunidade para a União Europeia A UE entra em 2015 com diversos assuntos pendurados: Luxleaks; deputados de extrema-direita e de esquerda radical no parlamento; crise na Ucrânia; e com várias vozes a falarem em seu nome À Comissão Europeia, presidida pelo português José Manuel Durão Barroso que chegou ao fim do seu mandato, coube a difícil tarefa de segurar o leme através da maior tempestade económico-financeira que o velho continente atravessou desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Fê-lo sem brio mas com eficácia suficiente para salvar o euro e evitar a implosão da União Nicole Guardiola Europeia. Mas a gestão da crise da dívida pública e os tratamentos de choque impostos a uma dezena de membros comprometeram a coesão e a solidariedade do «Clube dos 28» e cavaram um fosso de desconfiança entre os cidadãos e as instituições da UE. As eleições de maio de 2014, que enviaram para o Parlamento de Estrasburgo um total de 170 deputados «an- tissistema» de extrema-direita ou da esquerda radical, populistas ou mesmo abertamente pró-nazi foram reveladoras deste crescente mal-estar. «A minha comissão será a da última oportunidade. Ou conseguimos reaproximar os cidadãos da Europa ou será o fim do projeto europeu», disse o luxemburguês Jean Claude Juncker, eleito para a presidência do executivo europeu pela grande coligação PPE-PSE-Liberais que colocou o social-democrata alemão Martin Schulz na presidência do Parlamento. Social-cristão, Juncker (59 anos), que foi primeiro-ministro do mais pequeno país da UE entre 1990 e 2013 e presidente do Euro-Grupo de 2005 a 2013, é um «eurocrata» convicto, não um revolucionário. Defende a disciplina orçamental e o respeito das instituições e dos tratados assinados. Mas sabe que o sucesso crescente das teses nacionalistas, protecionistas e xenófobas dos «eurocéticos» não é um fenómeno conjuntural devido à crise económica, ao desemprego em massa e à insegurança. Mais grave que o alegado «défice de democracia» África21– dez 2014 / jan 2015 81 (mais fantasiado que real) é o «défice político» que faz duvidar os europeus do futuro da União e do seu papel num mundo globalizado em rápida mutação. Por isso, esta nova comissão é a mais «política» da história da UE, a mais parecida com um verdadeiro executivo, com um programa de governo negociado com a maioria parlamentar que o apoia e «cartas de missões» dirigidas a cada um dos 27 comissários designados pelos parlamentos nacionais. À procura de novo fôlego «Quando os cidadãos perdem a fé nas nossas instituições, os extremistas de esquerda e de direita encostam-nos à parede e os nossos concorrentes faltam-nos ao respeito, é tempo de dar um novo fôlego ao projeto europeu». A mudança de método e de estilo de comunicação é clara e teve uma primeira demonstração com a forma como o novo presidente lidou com o «escândalo Luxleaks» que rebentou logo após a sua eleição e que poderia ter-lhe sido fatal. Confrontado com os acordos de «otimização fiscal» assinados pelo governo luxemburguês, dirigido por si, com centenas de grandes empresas multinacionais desejosas de escapar ao pagamento de impostos mais pesados nos países de origem, Juncker argumentou que a prática não tinha nada de ilegal, que contassem com ele para alterar as regras do jogo e dotar a UE de uma política fiscal comum, única forma de acabar de vez com os paraísos fiscais e a concorrência entre os países-membros para aumentar as suas próprias receitas, atraindo o maior número de grandes contribuintes com regimes de favor. As reformas de fundo, necessárias para que a Europa passe a ser reconhecida, pelos europeus e por terceiros, como uma entidade política com voz e estratégias próprias à altura do seu estatuto de grande potência económica, serão bem mais difíceis, dada a força dos (maus) hábitos e dos interesses criados e que parecem condenar a UE a ir sempre a reboque das opções estratégicas alheias. A crise da Ucrânia, que foi o acontecimento mais importante do ano e o conflito mais grave aberto em solo europeu desde o fim da guerra da ex-Ju- 82 dez 2014 / jan 2015 – África21 goslávia, pôs mais uma vez em evidência a incapacidade da UE de gerir e resolver um conflito segundo os seus próprios critérios e interesses legítimos. A famosa frase da subsecretária de Estado norte-americana para os assuntos europeus, Victoria Noland, «Fuck the EU» – extraída de uma conversa com o embaixador dos EUA em Kiev, gravada e habilmente tornada pública por servi- “Ou conseguimos reaproximar os cidadãos da Europa ou será o fim do projeto europeu”, diz Jean Claude Juncker ços secretos pró-russos – foi um verdadeiro eletrochoque. Expressava de forma lacónica e brutal a consciência das divergências profundas existentes entre americanos e europeus sobre a questão, e o total desprezo de Washington e dos seus «pupilos» ucranianos pela UE, as suas instituições e princípios fundadores, desprezo tanto mais «escandaloso» que a «revolução de Maidan» tinha sido desencadeada pela alegada oposição da Rússia à vontade manifesta da maioria dos ucranianos de fazer parte da União. A crise da Ucrânia evidenciou a incapacidade da UE gerir um conflito segundo os seus critérios e interesses legítimos Infelizmente, passada a indignação momentânea provocada pelo «infeliz» palavrão da diplomata americana (equiparável à fúria da chanceler Angela Merkel ao ficar a saber, pelas revelações de Edward Snowden, que as suas conversas telefónicas privadas eram devassadas pela NSA), a crise ucraniana foi tratada – e continua a ser, nomeadamente na imprensa europeia – segundo a ótica americana. Ou seja, como parte de uma nova «guerra fria» entre o Ocidente e o «regime de Vladimir Putin», e não como uma questão essencialmente europeia, determinante para as relações, presentes e futuras, entre a Europa e o seu grande vizinho e parceiro russo. A ideia de isolar e sancionar a Rússia para «punir» e humilhar Putin prevaleceu sobre todas as outras considerações, incluindo os critérios e condições de admissão de novos membros da União, e isto apesar das pesadas consequências para os contribuintes e os produtores europeus, incluindo os ucranianos, do acordo de parceria apressadamente ratificado pelos parlamentos de Estrasburgo e Kiev, e da perda do mercado russo para as respetivas exportações agrícolas. A submissão e a subserviência de Bruxelas face à arrogância dos EUA que continuam a comportar-se na cena internacional como se o resto do mundo dependesse deles – o que é cada vez menos verdade – e fossem os únicos defensores do bem comum universal, é um dos argumentos preferidos dos «soberanistas» como o britânico Nigel Farage ou a francesa Marine Le Pen, e que encontra eco entre a esquerda radical e um extenso rol de grupos e associações vindos da chamada «sociedade civil» e opostos da «sociedade civil». Apesar de não proporem alternativas viáveis ao modelo económico e social europeu vigente e de não se entenderem entre si, estas forças e movimentos centrífugos encontram com facilidade na atualidade nacional, europeia e mundial novos pretextos para novas batalhas campais e campanhas mediáticas que fragilizam a União Europeia a partir do interior e não encontram respostas prontas, consensuais e unívocas por parte das instituições europeias. Em Bruxelas, Estrasburgo e nas instâncias internacionais – ONU, G8, G20 – e nas suas relações com terceiros, a União Europeia continua a ter várias caras e a falar a várias vozes. Apesar dos progressos realizados, a ironia de Henri Kissinger que perguntava nos anos 70 «Europa? Que número de telefone?» continua atual. Pela primeira vez em quarenta anos de democracia, um ex-primeiro-ministro está encarcerado ANTÓNIO JOSÉ/LUSA portugal Carlos Pinto Santos José Sócrates atrás das grades 22 de novembro. O ex-primeiro-ministro José Sócrates, vindo de Paris desembarca no aeroporto de Lisboa. À sua espera estão agentes policiais que o detêm por suspeita de três crimes: fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção. Ainda no aeroporto é filmado por duas televisões que captam o momento em que é algemado, uma evidência de que o segredo de justiça foi (e continua) a ser violado em Portugal. Atónitos, políticos (do governo de direita, socialistas e de outros partidos da oposição), comentadores e jornalistas classificam de imediato esta prisão de «terramoto político». As rádios e televisões entram em direto durante três dias. Na noite de dia 24 sabe-se que Sócrates fica em prisão preventiva, a medida de coação mais grave, e é enviado para a prisão de Évora. Dois outros arguidos ficam também em prisão preventiva, suspeitos de ajudarem o antigo primeiro-ministro no desvio de muitos milhões de euros durante os seis anos em que ele foi chefe de governo. O choque prolonga-se durante o Congresso do Partido Socialista que oficializa António Costa para disputar as eleições legislativas de 2015. No início de novembro, as sondagens davam a Costa 65% de intenções para vencer o atual primeiro-ministro Passos Coelho. Há incógnitas que vão perdurar no tempo, mas uma coisa é certa: caso haja julgamento, nunca demorará menos de três ou quatro anos, dada a tradicional lentidão da Justiça em Portugal. Antes de tudo isto, aconteceram as primeiras eleições primárias realizadas em Portugal que substituíram o líder do partido socialista António José Seguro pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa António Costa. Nessa altura, era um dos poucos acontecimentos que animavam a vida política portuguesa em 2014. Uma disputa que despertou mais paixões em comparação com a campanha para eleger os 21 deputados que representarão Portugal no Parlamento europeu até 2020. Apesar da notória e crescente impopularidade do Governo, devido ao crescente desemprego, cortes nas reformas, redução do poder de compra, os partidos da coligação governamental José Sócrates está em prisão preventiva a medida de coação mais grave África21– dez 2014 / jan 2015 83 Falência do BESA dá origem a novo banco Em Angola como em Portugal a falência do Grupo Espírito Santo e o passivo acumulado pelo BESA (Banco Espírito Santo Angola) obrigaram o banco central angolano a intervir para impedir o colapso do maior banco privado angolano. A 30 de outubro o BNA (Banco Nacional de Angola) emitiu um comunicado com a completa refundação do BESA que muda de nomes, acionistas e administradores. A nova instituição de nome Banco Económico (BE) tem como principal acionista a companhia petrolífera angolana Sonangol, que passa a deter 35% do capital mediante uma injeção de 200 milhões de dólares. O resto do capital reparte-se entre a sociedade chinesa Lektron Capital (30%), o grupo angolano Geni (25%) e o Novo Banco português (ex-Espírito Santo) que fica com uma participação minoritária de 5%. Os representantes do BES português, que detinham 51% do capital do BESA antes da intervenção, contestam a validade das decisões tomadas e anunciaram a intenção de se opor à sua concretização pelas vias legais. Para dirigir a nova instituição, que será um banco de investimento especialmente dedicado ao serviço das grandes empresas, foram escolhidos dois gestores de nacionalidade indiana, Sanjay Bhasin e Girish Narual, que dirigiam até à data o Banco de Poupança e Promoção Habitacional de Angola (BPPH), instituição financeira criada em 2013 pela Sonangol para substituir o projeto de Banco para a Promoção e o Desenvolvimento (BPD), entretanto extinto. A criação do BPD tinha resultado de um acordo de parceria entre a Sonangol e o banco público português CGD (Caixa Geral de Depósitos) assinado em 2009 que teve de ser abandonado por incumprimento dos compromissos assumidos pela CGD. 84 dez 2014 / jan 2015 – África21 (PSD e CDS) obtiveram sete mandatos (menos um do que o PS) nas eleições europeias. Esta vitória à justa foi aliás a causa próxima – ou o pretexto? – para a mudança de liderança no PS, pouco usual num partido acabado de sair vitorioso de uma batalha eleitoral. Os media portugueses encontraram nos escândalos político-judiciários material suficiente para compor manchetes e primeiras páginas ao longo de todo o ano, com destaque para a falência fraudulenta do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo. A imagem de Ricardo Salgado, a figura mais emblemática da guerra familiar no interior desta oligarquia bancária, foi linchada na praça pública. Mas escapou da prisão preventiva, mediante uma caução de três milhões de euros (cerca de 3,7 milhões de dólares). No entanto, em 27 de novembro, o juiz Carlos Alexandre, o mesmo que deu ordem de prisão a José Sócrates, enviou dez procuradores e 200 inspetores da Polícia Judiciária para uma busca a 34 casas de ex-administradores do Banco Espírito Santo, e entre elas está a casa de Ricardo Salgado. O processo nasceu de uma queixa do Banco de Portugal, relacionada com suspeitas de crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Portugal Telecom A disputa em torno do futuro da PT, com brasileiros, luso-angolanos e outros potenciais compradores como protagonistas, foi outro acontecimento relevante de 2014, o ano em que Isabel dos Santos deixou de ser referida sistematicamente em Portugal como a filha do Presidente angolano e passou a ser tratada por «engenheira» e «empresária» na imprensa económica, com direito a citações e comentários elogiosos. Os casos de corrupção, peculato e outros crimes de «colarinho branco» envolvendo personalidades políticas julgadas, processadas ou investigadas ao longo do ano foram tantos que o público ficou desnorteado no meio do emaranhado de «operações» com nomes cabalísticos como «Monte Branco», «Face Oculta» ou «Labirinto». O diretor do mais influente semanário nacional, Expresso, observou que ficou assim provado que a justiça portuguesa sabe ser inflexível com os «poderosos» sobretudo «quando estes deixam de o ser». Opinião que não deixará de ser recordada também no chamado «caso dos vistos dourados», que levou em novembro à prisão preventiva de três altos funcionários em exercício, incluindo o chefe da Polícia dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Duas notas positivas: o crescimento sustentado das atividades turísticas e o sucesso da cozinha e dos vinhos portugueses vieram contrariar o ambiente de «austera, apagada e vil tristeza» tão liricamente descrito por Luís de Camões que se respira em Portugal. O ano de 2014 confirmou Lisboa como um dos destinos prediletos dos visitantes estrangeiros em detrimento do Algarve e a «vaga gigante da Nazaré» fez crescer exponencialmente o número de surfistas nacionais e estrangeiros. Os portugueses descobriram ter uma paixão pelos concursos de culinária e as «performances» de mestres confirmados ou amadores. De resto, alegrias só as que proporcionam o futebol aos adeptos, com Cristiano Ronaldo e José Mourinho para animarem as hostes. C M Y CM MY CY CMY K Na SONANGOL trabalhamos todos os dias para ajudar Angola a transformar energia em desenvolvimento sustentado para todos os angolanos. www.sonangol.co.ao África21– dez 2014 / jan 2015 85 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO 86 Um plano grandioso para um país que pensa em grande. dez 2014 / jan 2015 – África21 Consolidar a reforma do sector judicial, tornando-o mais ágil e moderno para garantir o acesso dos cidadãos ao direito e à justiça, é um dos propósitos do Plano Nacional de Desenvolvimento, PND. Entre os objectivos está o de assegurar a cidadania plena através da universalização do registo civil de nascimento e do acesso a documentos básicos como o bilhete de identidade. Com as acções do PND para esse sector, mais um milhão e meio de cidadãos e cidadãs passarão também a ter bilhete de identidade. Para além de modernizar e informatizar os serviços notariais, está previsto o aumento do número de conservadores e notários, bem como o de oficiais de registo. press release n ELITE – FÓRUM EM MAPUTO COM 900 CANDIDATOS A Elite organizou, entre os dias 24 e 26 de outubro, o Fórum de Formação Contínua e Desenvolvimento de Carreira para Moçambique. No primeiro evento realizado neste país, Calendário em 2013, participaram 700 candidatos e 12 empresas. Este ano, o 2.º Fórum em Mo2015 7 e 8 Fevereiro Fórum de Recrutamento para Angola (Sectores Petrolífero, Logístico and Transportes) 13 a 15 Março Fórum de Recrutamento para Angola Lisboa 14 e 15 Março Fórum de Recrutamento para os PALOP Lisboa çambique acolheu 900 candidatos e 12 empresas, com cerca de 114 delegados empresariais. «O grande objetivo deste Fórum foi juntar num único local empresas com operações em Moçambique que procuram recrutar candidatos moçambicanos que vivam, estudem ou trabalhem no país ou em países vizinhos», explica Miguel Vieira, Diretor-geral da Elite International Careers. «Durante um único fim-de-semana, as empresas presentes tiveram a oportunidade de interagir com os candidatos convidados, no sentido, de explorar o interesse em recrutá-los, e também, de realizar apresentações corporativas onde puderam dar mais informações sobre oportunidades disponíveis para os potenciais candidatos», acrescentou. 17 a 19 Abril Elite African Talent Fórum de Recrutamento para África Londres Elite African Talent Fórum de Recrutamento Online para África — 28 Maio Fórum de Recrutamento Online para Angola (Candidatos localizados no Brasil, EUA e Canadá) — 17 Julho 23 a 25 Outubro 27 a 29 Novembro Fórum de Emprego para Angola Fórum de Recrutamento Online para Moçambique (Candidatos Moçambicanos localizados no Brasil) n LOGOS COMEMORA SEIS ANOS DE APOIO O LOGOS, programa de investimento social do banco ATLANTICO, celebrou o sexto aniversário a 1 de novembro com uma festa na Baía de Luanda, na qual participaram mais de um milhar de crianças oriundas dos vários Centros do Projeto Logos localizados em Luanda (Katinton, Paróquia de Fátima e Viana), Huíla, Benguela, Bié, Cunene e Namibe. A atividade deste dia esteve centrada no conceito «Talento energia e carácter; Juntos por Cidade do Cabo 21 Maio 20 e 21 Junho serviço. Ao aderirem ao Multibónus BNI, os comerciantes recebem um terminal POS laranja, que lhes dá acesso a um sistema de desconto nas suas lojas. Os clientes que paguem as suas compras com cartões de débito ou crédito BNI Visa e BNI Mastercard podem usufruir de descontos imediatos. Toda a informação está disponível no Portal do BNI. Luanda — Fórum de Recrutamento para Moçambique Maputo Fórum de Recrutamento para Angola Londres Relatório Pós-Evento — Fórum de Formação Contínua e Desenvolvimento de Carreira para Moçambique n BNI – NOVOS SERVIÇOS DE CLIENTES O BNI - Banco de Negócios Internacional passou a disponibilizar aos seus clientes um serviço de internet banking, denominado BNI CLICK. Disponível no portal do BNI, permite efetuar as operações de um Multicaixa, como consulta de saldo, pagamentos de faturas e recargas telefónicas. Foi também a pensar em oferecer o melhor aos seus clientes, que o BNI apostou na campanha Multibónus. São cada vez mais os estabelecimentos comerciais que aderem a este inovador 6 uma causa». Carlos José da Silva, Presidente do Conselho de Administração do ATLANTICO, afirmou que «o LOGOS é um projeto de compromisso de futuro, do ATLANTICO e de Angola», destacando que o LOGOS trabalha diariamente para «dar critérios às crianças para que façam boas opções, daí também a aposta nos desportos que ensinam a partilhar e a trabalhar em equipa». Os centros LOGOS são frequentados por mais de 4000 crianças, dos 6 aos 18 anos. O ATLANTICO investe 3% dos seus lucros no projeto. n FORD APOIA AMBIENTE A Ford Motor Company, representada em Angola pela Robert Hudson, e o CINFOTECCentro Integrado de Formação Tecnológica anunciaram uma parceria ambiental em Angola. A iniciativa foi anunciada após a Ford ter atribuído 2,5 milhões de kwanzas no âmbito de um donativo ambiental a Angola. A quantia será usada pelo CINFOTEC em projetos destinados a preservar e melhorar o ambiente, designadamente na área da recolha seletiva de lixo e reciclagem de resíduos. «É a nossa visão na implementação de medidas de poupança de energia, redução do desperdício de água e sustentabilidade ambiental que refletem os valores da Ford a nível global e fazem de nós cidadãos mais responsáveis», disse Eugene Prinsloo, responsável de mercado para a região da África Subsariana. Além da aquisição de novos e mais funcionais recipientes para a recolha dos vários tipos de lixo, o CINFOTEC desenvolverá igualmente uma campanha de sensibilização ambiental junto dos seus formandos. n ENSINO A DISTÂNCIA NA FEIRA EDUCA ANGOLA A aposta na divulgação do ensino a distância ficou evidente na EducaAngola 2014, realizada no mês de novembro, em Luanda. A empresa Angola2learn aproveitou o certame para apresentar a sua plataforma de ensino online. A empresa disponibiliza cerca de 20 cursos de média e curta duração, como inglês comercial, atendimento ao público, gestão de recursos humanos e infor- mática na ótica do utilizador, certificados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A plataforma é acedida através de um computador, tablet ou telemóvel. Vários institutos de ensino médio do país apresentaram projetos tecnológicos inovadores. O Instituto Médio Industrial de Luanda venceu o grande prémio EducaAngola 2014. Este evento é uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com a FIL, que visa mostrar os processos envolvidos na formação e ensino dos angolanos. Nesta 4.ª edição estiveram presentes 11 países. África21– dez 2014 / jan 2015 87 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO Um plano grandioso para um país que pensa em grande. 88 dez 2014 / jan 2015 – África21 Elevar os níveis de segurança alimentar e combater a pobreza é uma das prioridades do Plano Nacional de Desenvolvimento. Até 2017, o PND vai, entre outras acções, promover o desenvolvimento comunitário das aldeias rurais para assegurar a sua integração no resto do país. Serão 91 as aldeias rurais construídas ou requalificadas, totalizando mais de 15 mil habitações. Para além disso, o PND vai valorizar o papel da mulher rural, estimular o associativismo e o cooperativismo e garantir o acesso dos camponeses ao microcrédito. A crónica de José Carlos de Vasconcelos C O ‘herói’ Pepe Mujica Nunca mudou. Considerado o Presidente mais azuza, o ‘rebelde’ famoso autor e cantor rock brasipobre do mundo, não foi para o palácio presidencial, leiro que em 1990 morreu com sida, aos 32 anos, continuou a viver na sua modesta casa de agricultor, tem um tema, «Ideologia», uma cantiga cheia de força, em nos arredores de Montevidéu. Deslocando-se não em cujo refrão canta: «Meus heróis/ morreram de overdose» – carro oficial, mas no seu velho «fusca» (Volkswagen) a que se segue: «Meus inimigos/ estão no poder/ Ideologia/ azul, de 1987, que é – com aquela casa – o seu único eu quero uma para viver». Tenho-me lembrado muito património, pois nem conta no banco tem! Vestindo dela, não porque algum meu «herói» tenha morrido de calças de ganga e camisa aberta, às vezes fora das calças. overdose, mas porque, talvez pior, alguns dos meus heróis E doando 90% do seu salário de Presitêm morrido, para mim, em vida. Morrido, dente para causas nobres e pessoas cacomo «heróis», por deixarem de ser coerenrenciadas, ficando apenas com 900 eutes com o seu passado e fiéis aos seus valores, ros mensais (1116 dólares), entendendo anseios, ideais, até sonhos. aliás que a verdadeira liberdade está Não têm sido poucas essas «mortes». também em consumir pouco. Ou, pelo menos, as tremendas deceções Entretanto, durante o seu governo, provocadas por atos e condutas de figuras aprofundou no país uma democracia que admirava, com a inerente tristeza e às participada, o diálogo, a tolerância. E o vezes indignação. Não me vou pôr para Uruguai teve um grande avanço em aqui a desfiar nomes. Recente exemplo é o [email protected] termos de desenvolvimento e justiça de Xanana Gusmão. O que ele fez ao [email protected] social, com a percentagem de populaapoiar a entrada na CPLP da vergonhosa e ção em situação de pobreza a descer de corrupta tirania que é a Guiné Equatorial, 37% para 11%! Do mesmo passo que conseguiu e ao mostrá-lo da pior forma na Cimeira de Timor, ou ao aprovar a legalização do aborto, do casamento gay e expulsar, em 48 horas, magistrados que aí estavam para (como forma de combater o tráfico de droga e a crimiajudar, (por)que investigaram e condenaram por corrupnalidade) o consumo da maconha. ção importantes políticos – tudo isto foi chocante. Como Figura fantástica, comovente na sua simplicidade e então sintetizei na Visão, «agora olhamos para ele e não generosidade, no seu despojamento, Pepe Mujica é vemos a figura lendária que simbolizava a resistência do desses homens que nos fazem acreditar no Homem. E povo timorense e a sua luta pela independência, mas o se em cada país houvesse meia dúzia como ele na polípolítico à frente de um país produtor de petróleo, de tica, fazendo da política apenas um serviço à comunibraço dado com o ditador Obiang». dade, tudo no mundo seria diferente! Socialista, estréBom, mas eu desejava era sublinhar que ainda há nuo defensor dos Direitos Humanos, avulta no figuras extraordinárias, verdadeiros «heróis», no senti«herói», anti-herói, Pepe Mujica, a sua enorme dimendo que aqui lhe dou, e que como tal se mantêm até ao são humana. Como disse uma vez, «o poder não muda fim. Citando só três, nossos contemporâneos, escolho, as pessoas, apenas revela quem realmente são». entre os já desaparecidos, Nelson Mandela; e, entre os vivos, a espantosa birmanesa Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz em 1991, que (me) merece uma irrestrita admiração, que se aproxima da veneração, e o uruguaio José – Pepe, lhe chamam – Mujica. É este, 79 anos, personalidade única, a razão próxima desta crónica, por estar a findar o seu mandato de Presidente da República do Uruguai. Mujica foi um grande resistente à ditadura, guerrilheiro dos Tupamaros, sofreu 14 anos de cárcere. Homem sábio, já em democracia teve papel fundamental na criação da Frente Ampla de esquerda. Foi ministro, senador, Presidente – e nunca mudou… Figura fantástica, comovente na sua simplicidade e generosidade, no seu despojamento, é desses homens que nos fazem acreditar no Homem África21– dez 2014 / jan 2015 89 livro do mês Luanda, Invenção de uma Capital, de Maria João Martins De entreposto negreiro a uma urbe moderna A Foi publicado o livro da historiadora portuguesa Maria João Martins, Luanda, Invenção de uma Capital, volume com qualidades, infelizmente distorcidas pela evidente pressa em começar uma chancela e uma coleção Rodrigues Vaz 90 dez 2014 / jan 2015 – África21 proposta é, à partida, interessante: estudar a vida de Luanda no período áureo do colonialismo europeu (1870-1910), a partir da análise da sua demografia, sociedade, caraterísticas urbanísticas, saúde pública, saneamento, o sistema de transportes e o quotidiano. Hoje metrópole cosmopolita e símbolo de uma África nova, Luanda foi também a primeira cidade de fundação europeia na costa ocidental africana, criada por ordem do Rei de Portugal em 1576. Foi entreposto de tráfego negreiro, presídio para os degredados do Reino, morada da esperança (e até da utopia) de muitos portugueses e angolanos. Neste livro, segundo a autora, conta-se a árdua história da sua «invenção» e o modo como essa mesma História há de unir para sempre dois povos e dois continentes. Usando como mote um conhecido poema de Luandino Vieira, «A pergunta no ar/ no mar/ na boca de todos nós:/ – Luanda, onde está?/ Silêncio nas ruas/ Silêncio nas bocas/ Silêncio nos olhos», nota-se que a autora dedicou-se com entusiasmo a estudar o modo fascinante e contraditório como a bonita capital de Angola se desprendeu da categoria de entreposto de comércio negreiro para se transformar numa cidade moderna. Realçando como uma das grandes linhas de força do longo ciclo esclavagista o estreito relacionamento de Luanda com o Brasil, principal destino da mão-de-obra escrava, que levou o antropólogo brasileiro Gilberto Freire a escrever que «a proximidade da Baía e de Pernambuco da costa de África atuou no sentido de dar às relações entre o Brasil e o continente negro um caráter todo especial de intimidade», a autora reconhece, citando Ilídio do Amaral, que «foi preciso chegar ao fim do século XIX e princípio do século XX, com a penetração da colonização no interior de Angola, para que a cidade (de Luanda) ganhasse uma população civilizada fixa e em expansão». Nitidamente, pode dizer-se que foi o fim efetivo, pelo menos a nível formal, da escravatura, que provocou o desenvolvimento de Luanda, pois, como acentua Silva Rego, «Dependendo quase exclusivamente da mão-de-obra escrava, dificilmente poderia pensar-se em novas fontes de receita. O tráfico tinha em si mesmo o estigma da esterilidade». Procuradas outras fontes de receita, nomeadamente a borracha e o café, o panorama da sociedade local começa a modificar-se, os comerciantes começam a trazer as suas mulheres, embora os funcionários da Administração resistissem a isso, a pretexto das fracas condições sanitárias. O código do racismo Infelizmente, para os trabalhadores negros a situação piorara, especialmente com a implementação do retrógrado Código do Trabalho de 1899, idealizado por António Enes, que complementava as diretivas de Andrade Corvo, de caráter eminentemente racista, que, conforme assinala a autora, agrava «o fosso existente entre a população branca e negra. Estes negros viviam, sobretudo nas cubatas, cada vez mais empurradas para longe do centro da cidade». Nos fins do século XIX este divórcio acentua-se por força de três grandes fatores, de acordo com Maria João Martins: «Por um lado, encontramos a urgência de saneamento que imporá à edilidade a necessidade de reprimir a expansão dos bairros de cubatas dentro do perímetro urbano de Luanda. Por outro, as novas teorias europeias transformar-se-ão na base de uma nova mentalidade que não admite a coexistência e a vizinhança do colono branco e do Foram as novas teorias europeias que não admitiram a coexistência e a vizinhança do colono branco e do natural negro ou mestiço natural negro ou mestiço. A estes dois fatores há ainda que acrescentar as exigências de uma estrutura económica cada vez mais complexa, de resto associada a uma situação demográfica que se carateriza pelo aumento da população branca de Luanda». Na verdade, como salienta a autora, «os contactos entre a cultura europeia e as culturas autóctones vão perdendo intensidade ao longo da segunda metade do século XIX, até se chegar ao etnocentrismo do século XX. Fernanda de Castro, no seu célebre Mariazinha em África, mostrar-nos-á negros toscamente aculturados, esforçando-se muito para se parecerem com os senhores brancos. No final do século XIX, Alfredo Troni, pelo contrário, descreve-nos, com naturalidade e sem paternalismo, os rituais de uma cultura, que se ia misturando, por força do contacto com a portuguesa». As razões destas diferenças podem ser várias. Uma delas deriva das próprias mudanças ocorridas na sociedade luandense no período que medeia entre estas duas obras. Em meados do século XIX, lembra Maria João Martins, negros e mestiços, até então tão envolvidos no tráfico negreiro como os portugueses da Metrópole, podiam fazer parte das elites da sociedade, de que é exemplo maior D. Ana Joaquina dos Santos, a Laluinha, mestiça, que foi uma das mais ricas negociantes e proprietárias de Luanda. Efetivamente, com a ilegalização e gradual desaparecimento da escravatura, em seu lugar surgirão as elites predominantemente brancas, compostas por negociantes de outros produtos que, a partir do último quartel do século XIX, estarão firmemente colocadas à frente da vida cívica e pública de Luanda. «Serão eles que ocuparão MARIA JOÃO MARTINS Nascida em Vila Franca de Xira em 28 de junho de 1967, tornou-se jornalista, aos 20 anos, no extinto Diário de Lisboa, trabalhou durante 20 anos no Jornal de Letras, Artes e Ideias, sendo ainda colaboradora das revistas Vogue, Máxima, Visão, UP e do jornal brasileiro O Estado de São Paulo. Licenciada em História e mestre em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa pela Faculdade de Letras de Lisboa, foi professora universitária durante cinco anos e assinou um programa de História na RDP- Antena 2 durante dois anos. Recebeu vários prémios de jornalismo, entre os quais o de Revelação de Reportagem do Clube Português de Imprensa e o Júlio César Machado da Câmara Municipal de Lisboa. Como autora publicou vários estudos de História, nomeadamente Divas, Santas e Demónios - Mulheres Portuguesas e O Paraíso Triste - O Quotidiano em Lisboa durante a II Guerra Mundial. Estreou-se na ficção com a novela Escola de Validos (2007) e publicou, em 2011, o romance Como o Ar que Respiras. os lugares chave do poder local (como os cargos camarários), serão eles que dominarão o sistema eleitoral, com o peso quer dos seus avultados rendimentos, quer do prestígio que iam adquirindo». Esta transformação, somada aos novos ideais colonialistas, ditará outras, designadamente ao nível do urbanismo, da demografia e do quotidiano. Dirá a autora: «O último quartel do século XIX marca, com efeito, o aparecimento dos primeiros esforços de deslocação das cubatas para longe do centro da cidade, melhor dizendo, de separação entre o que Ilídio do Amaral chama a ‘cidade branca’ e a ‘cidade negra’». Depois de feita esta análise da obra em si, em que são notórias várias asserções avisadas, não compreendemos porque a autora decidiu ignorar o contributo para o conhecimento do desenvolvimento de Luanda já feito por arquitetos como Troufa Real, cujo primeiro projeto do Plano Diretor de Luanda é modelar, José Manuel Fernandes e Ana Vaz Milheiros, para já não falar da jovem arquiteta angolana Ângela Mingas, que se está a debruçar aturadamente no estudo deste setor. Resta apontar para alguns erros de palmatória, frutos de uma deficiente revisão, como dizer que Luanda viu nascer Luandino Vieira – este nasceu em Vila Nova de Ourém – e grafar quintadeiras em vez de quitandeiras, para além de repetir na página 109, uma citação (grande) da página 53. Luanda, Invenção de uma Capital Maria João Martins Gato do Bosque Editores, Lisboa, 2014 África21– dez 2014 / jan 2015 91 AMÉRICA LATINA EUROPA Contra a restauração conservadora Continuam os diálogos de surdos Seja assinante A nossa solidez é a sua confiança A Nova Movimento – empresa angolana proprietária da África21 – montou um sistema de recolha de assinaturas regionalizado, a fim de poder atender melhor, com mais rapidez e de maneira mais vantajosa, os diferentes assinantes da revista. Assim, as assinaturas serão recolhidas, conforme os casos, em três centros: Luanda, Lisboa e Rio de Janeiro. Com exceção dos assinantes de Angola e Brasil, todos os demais receberão o seu exemplar pelo correio a partir de Lisboa. Como os custos de envio também são variáveis, conforme as regiões, o preço das assinaturas é igualmente regionalizado. Eis, a seguir, um quadro explicativo, com a tabela de preços das assinaturas e com os detalhes acerca dos centros onde os pagamentos deverão ser feitos, conforme os endereços dos assinantes. Nº 92 - DEZ 2014 / JAN 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15 Ébola, terrorismo, guerras e crises pintaram um quadro assustador, mas apesar disso o continente avança 2014/2015 África em transição num mundo de incertezas TABELA DE ASSINATURAS REGIÃO SEMESTRAL ANUAL BANCO Angola KZ 6.000 KZ 10.000 Keve Brasil R$ 120 R$ 200 Portugal € 20 € 35 União Europeia € 30 € 55 Resto do mundo USD 60 SWIFT BRDKAOLU 809026 ITAÚ Millennium BCP CONTA 69854-5 IBAN / AGÊNCIA AGENTE AO 06004700000080902615124 Movimento Agencia 0532 BELISAN BCOMPTPL 45371872997 PT 50003300004537187299705 Triangulação USD 100 C M Y CM Para começar a receber as revistas, basta enviar a ficha de assinatura, juntamente com o cheque ou o comprovativo do pagamento bancário, para os endereços abaixo indicados. Se preferir, pode escanear a ficha e o comprovativo do pagamento e enviá-los para os endereços eletrónicos indicados para cada local. Assinantes de Angola Movimento, Lda Rua Frederico Welwitschia, n.º 82 Bairro do Maculusso Luanda Angola [email protected] Tlm: 912 442 453 Assinantes do Brasil BELISAN EDITORA, Belisan Editora, Comércio e Serviços Ltda. - ME CNPJ 08.629.179/0001-52 Estrada Rodrigues Caldas Nº 297 CEP 22.713-372- Taquara – Jacarepagua Rio de Janeiro- RJ [email protected] Assinantes de Portugal, União Europeia e resto do mundo Triangulação, Lda Apartado 19059 1990-999 Lisboa Portugal [email protected] [email protected] q Desejo assinar a revista África21 por 6 meses q Desejo assinar a revista África21 por um ano Nome:____________________________________________________________________________________________ Morada:__________________________________________________________________________________________ E-mail:___________________________________________________________________________________________ Número de assinaturas:______ Início da(s) assinatura(s) (mês)__________________________________________ Vou efetuar o pagamento através de: q Cheque n.º _____________________ do Banco________________________ em nome de q Movimento, Lda______________ q BELISAN, Lda q Triangulação, Lda q Transferência Bancária para q Movimento, Lda______________ q BELISAN, Lda q Triangulação, Lda No valor de_______________________ (por extenso: __________________________________________________ ) Assinatura _____________________________________________________________ Data ___/___/___________ 92 dez 2014 / jan novembro 2014 2015 – África – África 21 21 MY CY CMY K O SAPO DEU O SALTO. Quando o SAPO dá o salto a internet dá o salto. Quando o SAPO dá o salto a tecnologia dá o salto. A informação dá o salto, o país dá o salto, o mundo dá o salto. O SAPO deu o salto para uma imagem mais moderna, mais simples de navegar e com novos conteúdos. Vamos todos dar o salto? DÁ O SALTO EM SAPO.AO África21– dez 2014 / jan 2015 93 vl o er uvir er Sonhos Azuis pelas Esquinas Ondjaki Editorial Caminho, Lisboa, 2014 «Quantas noites dura este martírio? A mulher já não sorri. Nem pestaneja. – Não é um martírio. É uma escolha. Cada um suporta o peso da espera que deseja. – Quantas noites? – Quinhentas. Mas você não estará aqui para saber o fim desta estória». São 144 páginas. Pequenas. Um livro de contos de Ondjaki que passa despercebido quando fechado, que ganha vida ao fim de umas páginas. Neste tom: sempre neste tom. Escreve Ondjaki: «Estar mudo, pensei, não é só não ter o que dizer. É também estar cheio de outras coisas que nos ocupam, e nos invadem, e nos sobrepõem de silêncio». As ideias, as palavras, a mensagem; tudo na sua escrita nos surge delicadamente, quase como que pedindo desculpa. Palavras sentidas e escolhidas a dedo, frases buriladas. Há quem lhe chame um «encantador de palavras». Com este Sonhos Azuis pelas Esquinas Ondjaki reforça esse estatuto, e lança-nos num percurso literário que certamente agradará a todos os que apreciam a pura perfeição da escrita. A presente obra sucede a Uma Escuridão Bonita, editada em 2013, ao romance Os Transparentes, de 2012, e Os Vivos, o Morto e o Peixe Frito, de 2014 94 dez 2014 / jan 2015 – África21 «O meu interesse por Serpa Pinto tem a ver com o facto de ter sido um extraordinário explorador, um homem que atravessou África de costa a contracosta e que apostou em Portugal, nomeadamente, na ideia do mapa cor-derosa». As palavras são do jornalista português Pedro Pinto, que acaba de editar o seu segundo romance, desta feita centrado no explorador português que cruzou o continente entre Angola e Moçambique no século XIX. Pegando num facto concreto, o jornalista romanceou, criando um enredo com novas personagens e acontecimentos: «Naquela madrugada de setembro de 1878, Serpa Pinto ouve primeiro uma aziaga a cortar o silêncio da noite africana. Em segundos vê o seu acampamento rodeado por guerreiros em fúria. Tinha deixado a baía de Luanda há mais de um ano, resistia no centro de África, a meio caminho entre o Atlântico e o Índico (…)». Uma obra que nos traz uma feliz sequência de factos reais e imaginados. Serpa Pinto - O Mistério do Sexto Sentido Pedro Pinto A Esfera dos Livros, Lisboa, 2014 Alabardas é uma obra inacabada de José Saramago, que tem sido gradualmente lançada desde o verão em diversos países. O livro contém um texto do escritor italiano Roberto Saviano e outro do espanhol Fernando Gómez Aguilera. A capa é um desenho de Günter Grass, Prémio Nobel da Literatura. Apesar de incompleto, Saramago e a sua escrita estão lá. Desde o primeiro parágrafo. Pilar del Rio, no editorial da revista Blimunda de julho, escreve: «Talvez não seja ousadia recordar que os seus dois últimos livros, Caim e Alabardas, tratam de dois assuntos centrais na sua obra, abordados de forma explícita, para não deixar sombra de dúvida: a recusa do poder que as religiões exercem sobre as pessoas e sociedades para as anular através do medo e da proibição, o recurso à violência, tão usado em diferentes civilizações, como se não houvesse outro meio para solucionar conflitos». Um livro de dois sentimentos: retiramos prazer na sua leitura, sentimos que nos falta algo, na escrita e na vida, quando o terminamos. Alabardas José Saramago Porto Editora, Lisboa, 2014 Com o seu décimo álbum, Film of Life, Tony Allen arrancou um conjunto de músicas que marcam um verdadeiro autorretrato, oferecendo uma retrospetiva da sua rica e exemplar carreira, que reúne bebop, jazz afrobeat e pop psicadélico. Sim, assim mesmo, e este trabalho acaba por revelar esta forma plural e multidisciplinar de estar na música. Consigo estão alguns companheiros na música do mundo, incluindo Damon Albarn (Gorillaz, The Good the Bad & the Queen, Blur). Há músicas onde a agitação sonora transparece aos primeiros acordes, tal como há simples melancolia noutras faixas. Mas Tony Allen consegue aquilo que só a experiência permite: um conjunto equilibrado de temas, num embrulho que cativa facilmente. Sim, Tony Allen no seu melhor. Film of Life Tony Allen É uma caixa com seis álbuns e um DVD com o espetáculo Live A Paris. É uma vida de música, muita música da rainha da morna. Está lá quase tudo, numa edição especial da Sony Music que o mundo realmente agradece. Na verdade, muitos são os músicos que já não estão por cá que se congratulariam com tal gesto das suas editoras. Cesária teve-o, e embora não sendo preciso, escutar um dos álbuns ou mesmo ver o DVD, já que percorre toda a sua carreira, demonstra-nos de imediato a justeza da edição. É tudo bom, até os excessos. Uma coleção para guardar, uma homenagem justa, horas de música para se escutar e recordar. Aliás, interessante será mesmo aproveitar o balanço e viver a música por ordem cronológica, passeando-se assim no tempo da cantora. Uma edição acabada de sair, certamente com o Natal em vista. Sony Music Cesária Évora São 38 minutos de documentário sobre bandidos numa das cidades com maior percentagem de crimes do mundo, a Cidade do Cabo, na África do Sul. Chama-se Gangster Backstage e é realizado por um jovem estudante, Teboho Edkins, em conjunto com um operador de câmara. Após uma pesquisa elaborada para encontrar o alvo do filme, Edkins julga encontrar o gangue perfeito e passa a acompanhar o seu quotidiano. A força e intensidade da realidade rapidamente tomam conta do documentário. Uma realidade escondida, nem sempre percetível, mas que deixa todos os dias marcas de crime na cidade, vai ganhando força, através de gestos, mas principalmente de palavras. Muitas palavras. Estão lá o medo, a claustrofobia, a ganância, mas também os sonhos e acima de tudo a violência de gente diferente, mas no fundo igual a tanta outra. Gangster Backstage Realizador: Teboho Edkins Género: Documentário Estreou no verão em Portugal e no Brasil e chegou agora ao DVD. Os Maias – Cenas da Vida Romântica, de João Botelho, baseado na obra homónima de Eça de Queiroz e coproduzido por Portugal e Brasil, alcançou em quatro dias de exibição em terras lusas o estatuto de terceiro filme português mais visto do ano. Para João Botelho, realizador, o filme retrata o Portugal «sem sentido e sem remédio» de há cinquenta anos, tal como hoje. «Quantos Dâmasos Salcedes, Silveirinhas ou banqueiros Cohen andam por aí à solta», afirmou o realizador referindo-se a algumas das personagens do romance. Uma das particularidades do filme é o facto de os exteriores terem sido filmados em estúdio, com recurso a telas de grandes dimensões, pintadas pelo artista plástico João Queiroz. Um retrato muito fiel da obra, numa adaptação que salta propositadamente alguns períodos da história, mas que segue a obra, incluindo algumas particularidades dos diálogos. Os Maias Realizador: João Botelho Atores: Graciano Dias, Maria Flor, João Perry e pedro Inês Género: Ficção África21– dez 2014 / jan 2015 95 Última página O censo [email protected] João Melo O s resultados preliminares do censo realizado em maio de 2014 em Angola, embora não contenham novidades inesperadas, são de uma importância inegável. Com efeito, e atendo-me apenas a algumas das suas conclusões mais importantes, o aumento da população para quase 25 milhões de pessoas, sem afetar, entretanto, a persistência de uma densidade populacional extremamente baixa (apenas 19 pessoas por quilómetro quadrado), a existência de mais mulheres do que homens, o facto de mais de 60% das pessoas viverem em áreas urbanas ou a notícia de que a «Grande Luanda» (incluindo, portanto, os municípios satélites de Viana, Cacuaco, Cazenga e Belas) concentrar praticamente um quarto do número total de angolanos apenas vieram confirmar aquilo que muitos já suspeitavam. Um outro dado, que não consta dos resultados preliminares divulgados, mas que foi revelado por um conhecedor dos resultados do censo-piloto realizado em 2013 (e que, por conseguinte, deverá fazer parte dos resultados finais) também não é novidade nenhuma: o português é a principal língua falada pelos angolanos. Eu incluo-me entre aqueles que sempre defenderam essa inevitabilidade, fruto das políticas educacionais dos governos pós-independência, que fizeram mais em cerca de 40 anos pela expansão desse idioma em Angola do que os colonizadores portugueses em 500 anos de história. Nesse sentido, tais políticas foram irrepreensíveis. A importância dos referidos resultados não decorre, pois, da sua absoluta «novidade», mas do facto de terem deixado de ser «intuições» para se converterem em realidades indiscutíveis. Parafraseando o Presidente José Eduardo dos Santos, os resultados do censo constituem uma base fundamental para a elaboração de políticas mais adequadas para o país. O intuito do presente texto é, precisamente, listar algumas ideias para a elaboração dessas políticas. Por makas de espaço, as ideias em questão serão referidas quase graficamente. Assim, parece óbvio que a confirmação da macrocefalia de Luanda exige, ao mesmo tempo, políticas imediatas para valorizar o interior e ações corajosas para tentar recuperar a capital do país, hoje tornada uma cidade literalmente esquizofrénica. 96 dez 2014 / jan 2015 – África21 De igual modo, a caótica urbanização do país, forçada pelos factos históricos, com destaque para a guerra, mas também por políticas equivocadas da administração, impõe medidas adequadas e diferenciadas das que têm sido seguidas até agora pelo Governo para desenvolver o campo. O Estado precisa, de uma vez por todas, de apoiar os camponeses e a agricultura familiar, em vez de gastar tempo e recursos com mega projetos que podem ser deixados para os empresários privados. Quanto à disparidade entre homens e mulheres, os dados do censo apontam para a necessidade de reforço das políticas de valorização das mulheres. O país já fez muito nesse domínio, mas são precisas medidas mais ousadas. A tendência «tradicionalizadora» das relações de género (incluindo a organização das famílias, a violência doméstica e o sexo) opõe-se claramente aos esforços institucionais já feitos para valorizar devidamente as mulheres angolanas. A confirmação de que o português é a língua mais falada em Angola tem, por seu turno, uma implicação irrefutável: os preconceitos de alguns setores da sociedade contra o português não têm o menor sentido, pois essa língua já foi nacionalizada pelos angolanos. Assim, qualquer política linguística do país deve estabelecer um diálogo produtivo entre todas as línguas usadas pela população, não pondo umas contra as outras. Não se deve esquecer, igualmente, que os quadros e as elites angolanas precisam de dominar também as principais línguas internacionais. Last but not the least, a baixíssima densidade populacional do país, confirmada pelo censo, torna claro que Angola carece com urgência de uma política de imigração adequada. O assunto merece uma discussão ampla e descomplexada, mas antecipo aqui algumas sugestões: em termos de competências, priorizar os professores, médicos, enfermeiros, engenheiros, investigadores, operários especializados e agricultores; em termos de origem, os países africanos e todos os países de língua portuguesa, sem esquecer os afrodescendentes espalhados pelo mundo. Angola precisa de políticas ousadas para dar o salto Boas Festas