EVANGELHO I DE BUDA BUDISMO Novembro 2010

Transcrição

EVANGELHO I DE BUDA BUDISMO Novembro 2010
O Legado de Buda
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“Há uma condição, irmãos, em que não existe terra, nem água, nem
fogo, nem ar, nem a esfera do espaço infinito, nem a esfera da consciência infinita, nem a esfera do vazio, nem a esfera além da percepção e não-percepção: em que não há ‘este mundo’ nem ‘o mundo do
além’; em que não há Lua nem Sol. Essa condição, irmãos, não é nem
uma vinda nem uma ida, não é uma imobilidade, nem uma queda, nem
uma elevação; mas ela não tem fixidez, não tem mobilidade, não tem
base. Essa condição é o fim do sofrimento”
BUDA
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Breve resumo da vida de Buda
O Budismo actual consiste num sistema de autoconhecimento e desenvolvimento espiritual
que tem como base os ensinamentos de Buda, nascido cerca do ano 621 A.C. Siddhartha,
nome de nascimento de Buda, nasceu em Lumbini, próximo de Kapilavastu no actual Nepal.
Era filho de reis e cresceu rodeado de todos os cuidados e luxos próprios de um príncipe.
Aquando do seu nascimento, um sábio da altura advertiu o rei da natureza sublime do seu
filho, e que este tinha nascido para ensinar ao mundo como libertar-se do sofrimento, da roda
dolorosa dos renascimentos e atingir a auto-realização. Advertiu o pai que o seu filho poderia
renunciar ao mundo a partir do momento que tivesse contacto com a realidade sofredora da
condição humana, ou seja, com a doença, a velhice, a decadência, a morte, o sofrimento…
O seu pai e rei, apegado à sua condição nobre, ansiava naturalmente como futuro para o filho
a sucessão do trono que ocupava. Alertado para a missão divina do seu filho, tomou todas as
precauções e ordenou que se realizassem todas as diligências para que o jovem príncipe apenas conhecesse a riqueza, a beleza, a saúde, a alegria, o conforto, o bem-estar…
Assim cresceu o jovem príncipe, rodeado de todos os cuidados e luxos dignos da sua condição
de nobre e futuro sucessor do trono.
No entanto, já jovem, Siddhartha começa a questionar-se como será a vida fora das muralhas
do seu palácio. Algo o fazia sentir que havia algo lá fora para descobrir.
Cada vez mais ansioso por conhecer o mundo fora das portas do palácio, insistiu ao pai para
que este lhe desse permissão para sair e ver o que havia para lá das muralhas, para averiguar
como vivia o seu povo, o povo que um dia ele iria governar.
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Seguindo as sugestões dos seus mais directos conselheiros, o seu pai promove o casamento do
jovem na esperança que o matrimónio e o amor de uma esposa nunca o fizesse ansiar pela
vida religiosa.
Mas apesar de casar, o coração de Siddhartha palpitava por conhecer o mundo. Depois de
esgotados todos os subterfúgios, o rei Sudhodana viu-se obrigado a ceder para não magoar
inexplicavelmente o filho, sem no entanto deixar de tomar certas providências. Deu ordens
para que no trajecto que o príncipe iria percorrer, apenas houvesse ambiente de festa. As ruas
deveriam estar decoradas, as pessoas felizes. O mundo para lá das muralhas do palácio deveria parecer aos olhos do príncipe como estando em permanente festa e as pessoas constantemente felizes. Todo o ambiente deveria transbordar alegria, jovialidade. Qualquer fragilidade
humana deveria ser mantida fora do alcance da vista do jovem príncipe. Idosos, doentes,
pobres e deficientes deviam ser mantidos à distância dos lugares por onde iria passar o cortejo
real.
Apesar de todas as diligências dos soldados e súbitos ao serviço do rei, Siddhartha reparou ao
longe num idoso doente e com dificuldades de locomoção. Ao ver essa imagem da vulnerabilidade humana a que não estava habituado, perturbou-se e chamou o criado, que apesar de
saber das intenções do pai de Siddhartha não teve outro remédio senão explicar-lhe que a aparência daquela pessoa se devia à velhice e à doença, resultado do passar dos anos, quando a
juventude se extingue e a saúde começa a dar lugar à decadência e à doença.
Estando os olhos de Siddhartha habituados à beleza e à juventude, todo ele estremece quando
o seu cocheiro lhe explica que todos os seres humanos estão sujeitos ao sofrimento, à velhice,
à doença, à decadência e à morte, fossem pobres ou reis, crianças ou idosos, homens ou
mulheres, pois isso fazia parte da vida
O príncipe pediu-lhe para ver a doença e a morte, e o criado levou-o a ver pessoas em agonia
e a zona da cidade onde se cremavam os defuntos. Perplexo e assustado, foi invadido por uma
angústia extrema.
Perante o panorama observado, o jovem foi invadido de grande compaixão, questionando-se
sobre o sentido da vida. A condição humana pareceu-lhe ser um completo absurdo, uma mentira, uma ilusão. De que valeria a juventude, a riqueza, a sua própria condição de nobre, e até
mesmo a saúde da juventude, se mais tarde ou mais cedo estaria sujeito ao sofrimento, à
doença, à decadência e à morte. Que Deus seria esse que sujeita os seus filhos a tão monumental miséria e humilhação?
Ao voltar ao palácio soube que a esposa tinha dado à luz um filho seu. Em vez de ficar feliz,
Siddhartha terá pensado, "É escravidão sobre escravidão." Como poderia ficar feliz com o
nascimento de um filho a quem muito amarei se sei que também ele passará pelos horrores da
vida: a doença, a velhice e a morte? Toda a breve alegria que tinha sentido tinha abandonado
o seu coração perante a miséria e a fragilidade humana que ele tinha acabado de conhecer.
Questionou o pai acerca do porquê que lhe tinha escondido estas verdades. O Rei explicou-lhe
que não havia nada a fazer, que a vida era mesmo assim: ter momentos de alegria e de tristeza, saúde e doença, nascer, viver, morrer e voltar a nascer para passar pelo mesmo, indefinidamente e condicionado pelas acções - Bem ou Mal - praticadas nas vidas anteriores.
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Siddhartha manifestou vontade de encontrar a solução para este enigma aparentemente cruel e
absurdo da vida, de um Deus que cria seres para sujeitá-los ao sofrimento consoante as suas
escolhas. Lembrando-se das palavras do sábio, quase em pânico e sem saber o que fazer, o pai
proibiu-o de deixar o palácio e deu ordens para que impedissem o jovem principie de abandonar o palácio.
Malgrado as intenções do pai, Siddhartha conseguiu fugiu do palácio e ingressou num grupo
de ascetas, pessoas que tendo renunciado a todos os prazeres e posses do mundo, viviam na
floresta, praticando desprezo e mortificações no corpo, em busca da libertação do sofrimento
e do ciclo das reencarnações. Após vários anos de meditação, compreendeu que o martírio do
corpo não era bom para alcançar o conhecimento superior. A via correcta era o Caminho do
Meio, ou seja, entre o extremo ascetismo e o culto exagerado da sensualidade e paixões.
Começou então a alimentar-se, abandonando os longos jejuns que quase o levaram à morte.
Quando foi visto a alimentar-se pelos ascetas, estes rejeitaram-no, acusando-o de quebrar os
seus votos. Siddhartha readquiriu a saúde e continuou a sua busca sozinho. Após longas meditações, desenvolvendo e aprofundando a sabedoria que entretanto colhe de vários mestres
espirituais e das escrituras sagradas hindus, os Vedas, alcança a chamada Iluminação, estado
de consciência e conhecimento superior.
Passou a chamar-se “Buda”, que significa “o Iluminado” ou “o Desperto”. Passado algum
tempo, começa então a pregar a sua doutrina aos seus ex-colegas ascetas, que o tinham abandonado mas que reconheceram agora nele a meta já atingida.
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Parte I
Introdução
(Fonte: O Evangelho de Buda, Yogi Kharishnanda)
Prefácio
Da Lua Cheia de Maio de 1954 à Lua Cheia do mesmo mês de 1956, realizou-se na República
da União de Burma o Sexto Grande Congresso Budista, que foi o 60.º dos congressos desde a
fundação do Budismo. Foi um acontecimento histórico notável. A ele compareceram 2000
representantes de povos budistas, dos mais eruditos, com o fim profícuo de estudar, comparar,
corrigir ou aprovar textos doutrinários. O primeiro congresso foi realizado pouco depois da
morte de Buda, sob os auspícios do Rei Ajatasattu, do norte da Índia. O segundo Grande Concílio teve lugar no ano 443 antes de Cristo, apoiado pelo rei Kalasoka; o terceiro, sob o patrocínio do imperador Asoka, foi celebrado no ano 308 a. C., o quarto, em Ceilão (actual Sri
Lanka), entre os anos 29 e 13 a. C., quando pela primeira vez se escreveram os Textos que
antes eram preparados de memória. O quinto Grande Concílio foi efectuado em Mandalay
(Burma), no ano de 1871, sob o rei Mindon, e então os textos foram escritos em 729 lousas de
mármore. Com a técnica moderna de impressão e vulgarização, e o substancial auxílio presta
pelo Parlamento da União Republicana de Burma, o Sexto Grande Congresso foi de inigualada eficiência, e a sua difusão teve uma amplitude jamais alcançada no passado.
Manifestando a sua descrença nos processos simplesmente materiais adoptados pelos
povos e Governos para solucionar os problemas que afligem a Humanidade, e justificando a
sua assistência ao referido Congresso, o Parlamento Burmense proclamou “a sua firme crença
de que esses processos proporcionam aos povos uma solução meramente parcial dos seus problemas, e que era mister planejar e levar a cabo outras medidas, que visem o bem-estar moral
e espiritual do homem e o ajudem a vencer a Avareza, o Ódio e o Engano, as inveteradas raízes de toda violência, destruição e conflagração que consomem do mundo...”
Essas raízes foram assinaladas por Buda em sua época. Outra não é ainda hoje a opinião de todos os que, como nós, sentem que a ausência de sadios princípios espirituais na
conduta dos indivíduos têm sido a maior fonte proliferadora dos seus desatinos e misérias. Tal
foi o sentimento que nos levou a promover a publicação deste pequeno Evangelho dos ensinos
fundamentais de Gautama Buda. Figura ímpar entre os mais aureolados Instrutores espirituais
que a Humanidade conheceu, a sua majestade tem se agigantado e projectado ao compasso da
marcha dos séculos tormentosos, qual rutilante Sol por sobre densas e encapeladas nuvens.
Este fato bastaria para comprovar a veracidade e segurança de sua doutrina, pois só a Verdade
pode resistir ao destruidor embate do tempo.
A essência dos ensinamentos de Buda se acha condensada em três livros ou colecções,
chamados o cânones budistas, (Trîpitakas), cuja idade se pode fixar, de maneira geral, no
século quarto a. C. e possivelmente na época do grande Instrutor. O primeiro (Vinaya Pitaka),
atribuído aos primeiros budistas, trata da Disciplina da Ordem (ou Sangha); o segundo (Sutta
Pitaka) refere-se às Pregações Leigas, ou às regras para os sacerdotes e ascetas, e o terceiro (o
Abidhama), condensa dissertações filosóficas e metafísicas, e instruções sobre a meditação
(Dhyana).
Foi dessa fonte, a que têm se debruçado e abeberado tantos e tão notáveis sábios e
orientalistas, que o autor desta obra colheu os preciosos ensinamentos e informações que ele
denominou "O Evangelho de Buda" e que com feliz maestria procurou amoldar à mentalidade
ocidental num estilo simples e elegante. O fato de ter sido também um oriental, e acima de
tudo, de ter podido aprender, assimilar e viver a cultura oriental em sua mais pura nascente, o
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capacitou, naturalmente, para penetrar até o âmago dos ensinamentos budistas, e assim sentir
todo o seu calor, luz e dinamismo, para formar uma verdadeira antologia do que há de mais
magnífico, essencial e inspirador na vida do venerando Sábio que um terço da humanidade
adora.
Neste formoso livro existem, por certo, frases que pertencem totalmente ao seu autor,
mas é inegável que elas exalam o mesmo perfume da fonte que as inspirou e visam acomodar
alguns ensinos demasiado metafísicos à inteligência ocidental, não raro demasiado objectiva e
prática. Mas o fundamento e, o espírito das ideias expedidas em toda a obra são nitidamente
budistas, isto é, práticos, lógicos e enquadrados a um impecável bom senso, que é a sua característica dominante.
Para muitos poderá ser um poderoso foco de inspiração em sua vida moralmente atribulada, e para outros constituirá um pequeno mas bem acabado vestíbulo que os poderá conduzir ao interior da nave de uma das mais esplêndidas e antigas filosofias do mundo. Com tal
escopo foi ele escrito, e tem sido traduzido em diversas línguas das mais cultas, e tem encaminhado muitas almas para a senda da rectidão, do dever e do amor a todas as criaturas viventes. Eis o motivo de sua publicação, agora, em nosso idioma.
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I – ALEGRIA
Regozijai-vos com a boa nova. Nosso Senhor descobriu a raiz do mal. Mostra-nos o
caminho da Salvação.
O Buda dissipa as ilusões da nossa mente e livra-nos dos terrores da morte.
O Buda, Nosso Senhor, traz descanso ao fatigado, ao desanimado e ao descontente;
proporciona paz aos acabrunhados sob o peso da vida. Dá valor aos fracos, próximos a perder
a esperança e a confiança em si mesmos.
Vós que sofreis as tribulações da vida, que lutais e padeceis, que aspirais a verdadeira
vida, regozijai-vos com a boa nova.
Eis aqui um bálsamo para os feridos e pão para os famintos. Eis aqui a água para os
sedentos, e a esperança para os desesperados. Eis aqui a luz para os que estão em trevas, e a
inesgotável ventura para os justos.
Os feridos curar-se-ão das suas feridas; os famintos comerão o seu pão; os sedentos
extinguirão a sua sede. Alçai os olhos para a luz, vós que estais em trevas; e recobrai ânimo,
vós abatidos.
Tende confiança na verdade, vós que amais, porque o reinado da verdade está fundado
na terra. A luz da verdade já dissipou as trevas do erro. Podemos ver o nosso caminho e andar
com passos firmes e seguros.
O Buda Nosso Senhor revelou a verdade.
A verdade cura as nossas enfermidades, e salva-nos da perdição. A verdade fortalecenos na vida e na morte. Só a verdade pode destruir-nos o mal do erro.
Regozijai-vos com a boa nova.
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II – SAMSARA E NIRVANA*1
Olhai ao vosso redor e contemplai a vida.
Tudo é passageiro e nada duradouro. Só nascimento e morte, crescimento e decadência, combinação e dissolução.
A glória do mundo é como uma flor esplêndida pela manhã e murcha à tarde.
Onde quer que olheis, ali está o receio e o impulso, a corrida ávida aos prazeres, o
medo da dor e da morte, a vaidade e o desejo de mudanças e transformações. Tudo é Samsara.
Não há nada permanente no mundo? Na inquietude universal não há lugar de repouso
onde o nosso coração possa encontrar a paz? Nada há de eterno? Nunca cessará a angústia?
Nunca se extinguirão os desejos ardentes? Quando poderá estar sossegado e tranquilo o espírito?
O Buda Nosso Senhor sentiu os males da vida. Viu a vaidade na infelicidade do mundo, e procurou a salvação em algo imarcescível*2, imperecedouro e permanente.
Vós que aspirais a Vida, sabei que a imortalidade se oculta no ser perecedouro. Vós
que desejais a felicidade sem germes de inquietude ou de desgosto, segui os conselhos do
Grande Mestre e conduzi-vos rectamente. Vós que desejais avidamente riquezas, vinde e
recebereis os tesouros eternos.
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A Verdade é eterna; não conhece nascimentos nem morte; não tem começo nem fim.
Chamai a verdade, ó mortais. Que a verdade se aposse das vossas almas.
A Verdade é o dom imortal do Espírito. A posse da verdade é grandeza, e uma vida de
verdade é felicidade.
Estabelecei a Verdade em vosso espírito, porque a Verdade é a imagem do Eterno. O
seu retrato é imutável; revela o perdurável: imortaliza os homens.
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*12– Termos sânscritos. “Samsara” significa literalmente “acção de vagar”, constante mutação ou transição. É a passagem alternativa da alma pelos três mundos: físico, astral e mental; os renascimentos e
mortes sucessivas. É na verdade o chamado ciclo das reencarnações que toda a Alma está sujeita até se
tornar perfeita e atingir o Nirvana.
“Nirvana”, o oposto de Samsara, é um estado permanente e eterno de consciência desperta e liberta.
Esse termo significa literalmente “sem combustível”, ou ainda, “para além do som”. É a União com
Deus, meta última e principal do que se chama “religião” que significa “re ligare” e “yoga” que significa “união”. É a meta do Ser Humano – a União com Deus – e unicamente onde poderá finalmente
encontrara a paz duradoura. É o mais elevado estado de paz e felicidade que o Ser Humano pode
alcançar. É o objectivo da evolução humana. É um estado de plena consciência, cuja beleza, intensidade e poder excedem a toda capacidade descritiva da linguagem humana. É a vida do Espírito purificado pelas experiências a matéria, que cresceu em sabedoria, virtude, pureza e glória.
*2 Incorruptível.
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III – A VERDADE REDENTORA
As coisas do mundo e seus habitantes estão sujeitos a mudanças. São produtos de algo
que já existiu anteriormente. Todo ser vivente é produto de seus actos anteriores; porque a lei
de causa e efeito é inflexível e sem excepções.
Mas nas coisas que mudam sem cessar, jaz sempre uma verdade oculta. A Verdade dá
realidade às coisas. A Verdade é imutável.
E a Verdade deseja revelar-se; a Verdade aspira a ser consciente; a Verdade esforça-se
em conhecer-se a si mesma.
A Verdade existe na pedra, porque a pedra existe verdadeiramente; e não há força no
mundo, deus, homem ou demónio, que possa fingir que não exista. Porém, a pedra não é
consciente.
A Verdade existe na planta, e a sua vida pode expressar-se: nasce, floresce e frutifica.
A sua beleza é maravilhosa, porém, não é consciente.
A Verdade existe no animal: o animal move-se, percebe as coisas que o rodeiam, distingue e escolhe. Nele há consciência; porém não tem ainda a consciência da Verdade. Existe
unicamente a consciência do eu.
A consciência do eu cega os olhos do Espírito e oculta a verdade, é a origem do erro, a
fonte das ilusões e o gérmen do pecado.
O eu*1 engendra o egoísmo. Todo mal procede do eu. Toda a injustiça é produto da
afirmação do eu.
O eu é o princípio de todo o ódio, da iniquidade, da calúnia, da impudicícia, da obscenidade, do roubo, da fadiga, da opressão e do derramamento de sangue. O eu é Mara, o tentador, o malfeitor, o criador do mal.
O eu seduz pelos prazeres. O eu promete um paraíso encantador. O eu é o véu do feiticeiro Mara. Porém os prazeres do eu são ilusórios. O seu labirinto paradisíaco é o caminho do
inferno, e a sua beleza uma chama ao calor do desejo.
Quem nos livrará da tirania do eu? Quem nos salvará das nossas misérias? Quem nos
ajudará restabelecer a vida feliz?
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Tudo é miséria no mundo de Samsara; tudo é miséria e sofrimento. Porém, a felicidade
da Verdade sobrepuja toda a miséria. A Verdade dá a paz ao Espírito ansioso; vence o erro,
extingue as chamas do desejo e conduz ao Nirvana.
Bem-aventurado o que encontra a paz no Nirvana. Está livre das lutas e das tribulações
da Vida; está ao abrigo de todas as transformações; desafia o nascimento e a morte, e permanece indiferente aos males da vida.
Bem-aventurado é aquele em que encarnou a Verdade, porque atingiu a sua meta e
unificou-se com a Verdade. É vencedor sem que nada mais possa feri-lo; é glorioso e feliz
sem sofrimento; é forte mesmo sobrecarregado sob o peso do trabalho; é imortal embora morra. A imortalidade é a essência da sua Alma.
Bem-aventurado aquele que alcançou o sacro estado de Buda*3, porque salvará os seus
irmãos. A Verdade reside nele. A perfeita sabedoria esclarece o seu entendimento. A justiça
inspira as suas acções.
A Verdade é um poder activo para o Bem, indestrutível e invencível. Cultivai a Verdade em vosso Espírito e difundi-a pela Humanidade, porque unicamente a Verdade salva do
pecado e da miséria. A Verdade é o Buda e o Buda é a Verdade. Bendito seja o Buda.
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*1 O Homem é formado por dois eus: o eu exterior que é a personalidade ligada ao mundo material e o
Eu Interior ou Eu Superior, que é o Espírito imortal. O eu exterior (também chamado “inferior”) é
mortal, material e transitório. O Eu Interior é eterno, imortal. A Psicologia chama ao eu exterior “personalidade” ou “ego” e ao Eu Interior, “Inconsciente”.
*2 Desonestidade, impureza.
*3 O estado de perfeição que Buda alcançou. Muitas vezes fala-se de vários Budas. Buda há só um.
Quando alguns textos falam em “vários Budas”, apenas faz sentido encarar essa expressão com pessoas que atingiram um estado de perfeição semelhante ao que Buda atingiu. “Estado de Buda” diz
respeito a esse estado de perfeição que todo o Ser Humano pode alcançar por seu esforço e mérito.
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Parte II
O Príncipe Sidharta Alcança
o Estado de Buda
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I – O NASCIMENTO DE BUDA
Local que assinala o exato local do nascimento de Buda em Lumbini. Lumbini está localizada no
distrito de Kapilavastu, no Nepal, próxima à fronteira com a India.
Havia em Kapilavastu um rei sákia, firme nos seus propósitos e reverenciado pelos homens, um dos descendentes de Ikchvaku, chamado Suddhodana. A Sua esposa, Mayadevi, era maravilhosamente bela, como um
lírio aquático, e de coração tão puro como o lótus. Qual
rainha do céu, vivia na terra, imaculada e pura de desejos. O seu real marido reverenciava-a por sua santidade,
e o Espírito de Verdade desceu sobre ela.
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Quando compreendeu que a hora de ser mãe estava próxima, pediu ao rei que a levasse
à casa de seu pai, e Suddhodana, atencioso para com a sua esposa e pelo filho que ia nascer,
cedeu feliz ao seu pedido.
Quando Mayadevi atravessava o jardim de Lumbini, chegou a hora; preparou-se então
um leito sob uma elevada árvore com um enorme tronco, e a criança nasceu no alvorecer do
dia, radiante e perfeita.
Árvore de Bodhi e a piscina onde se acredita que a mãe de Buda (Mayadevi) se banhou antes de dar à luz.
A fausta notícia chegou ao palácio, e o rei Suddhodana mandou que levassem ao jardim de Lumbini um palanquim*1 de refulgentes cores para transportar o recém-nascido. Então
os Anjos, os Lípicas que anotam as acções dos homens, desceram dos mundos superiores para
segurar os varais do palanquim, ocultando o seu angélico esplendor sob humildes vestimentas
de carregadores.
O rei Suddhodana, porém, que ignorava a presença dos quatro Anjos na Terra, receou
presságios funestos que só findaram no momento em que seus adivinhos auguraram que o
menino seria um príncipe dominador do mundo e dotado dos sete dons celestiais.
Naquele tempo o rishi*2 Asita levava no bosque uma vida de eremita. Era um brâmane
de cabelos grisalhos, cujos ouvidos há muito tempo estavam cerrados às coisas da Terra e
percebiam somente os sons celestiais. Estando ele em oração sob a árvore baniana, ouviu os
cânticos entoados pelos devas*3 em louvor ao nascimento de Buda. Pela idade e jejuns, era
Asita tão afamado tanto por sua sabedoria como pela sua habilidade em interpretar os desígnios humanos e fazer profecias. Por isto, o convidou o rei para ver o régio infante, recémnascido.
Quando o velho contemplou o príncipe, chorou e suspirou profundamente. E ao ver o
rei as lágrimas de Asita, perguntou-lhe assustado: “Que vistes em meu filho que vos causou
tanto sentimento e tanta mágoa?”
Mas o coração de Asita transbordava de gozo, e reconhecendo que o rei estava preocupado, respondeu-lhe: “ Ó rei, qual lua em sua plenitude, deve Vossa Majestade sentir viva
alegria, porque gerou um filho de maravilhosa nobreza.” “Não adoro o Brama, porém adoro
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este menino, que os próprios deuses abandonaram os seus templos para virem adorá-lo.”
“Afasta todo o temor e toda a dúvida. Os presságios espirituais indicam que o recém-nascido
libertará o mundo”. “Mas, lembrai-vos de que sou velho e não pude reter as lágrimas, pois o
meu fim se aproxima. Teu filho governará o mundo. Nasceu para o bem de toda a criatura e
de todo ser vivente.”
“A pureza da sua doutrina se assemelhará à margem que recebe o náufrago. O seu
poder de meditação será como a frescura de um lago, e toda a criatura inflamada no ardor da
luxúria se tranquilizará espontaneamente.” “Sobre o fogo da concupiscência se estenderá a
nuvem da compaixão, apagando-o com a chuva da lei.” “Ele abrirá as pesadas portas do
desespero, e livrará todas as criaturas da trama das redes que elas mesmas teceram com a sua
loucura e ignorância.” “O rei da lei apareceu para libertar da escravidão os pobres, os miseráveis e os desesperados.”
E prostrando-se ante o berço da criança, Asita exclamou: “Ó criança! Eu te adoro. És
Ele. Vejo a rosada luz impressa na planta dos pés, o suave desenho da suástica, os trinta e dois
sagrados signos capitais e os oitenta secundários. Tu serás Buda. Pregarás a lei e salvarás
todos os que a aprenderem. Não te ouvirei, porque estou próximo da morte.”
E dirigindo-se ao rei Asita, acrescentou: “Sabe, ó rei, que este teu filho é a Flor da
árvore humana, que só produz uma flor após miríades de anos; porem, quando aberta, enche o
mundo com o aroma da Sabedoria e o mel do Amor.”
Depois disse à rainha: “E tu, doce rainha, amada dos deuses e dos homens. Devido a
este magno acontecimento, já estás demasiado sagrada para continuar sofrendo. Como a vida
é sofrimento, daqui a sete dias chegarás sem dor ao fim da dor”.
“Quando o rei e a rainha ouviram tais palavras de Asita, ficaram felizes em seus corações e deram à criança que acabava de nascer o nome de Savarthasiddh, que quer dizer
“Completa prosperidade”, ou “Êxito Feliz”, e num diminutivo carinhoso e familiar a chamaram Siddhartha.
E a rainha disse à sua irmã Pradjapati: “A mãe que deu à luz um futuro Buda, não terá
outro filho. Eu Abandonarei logo este mundo, o rei meu esposo e meu filho Siddhartha.
Quando eu não mais existir, sê tu a sua mãe.” E Pradjapati, chorando, lho prometeu.
Na sétima noite, a rainha Mayadevi dormiu sorrindo e não despertou mais do seu sono.
Passou feliz ao seu Trayastrinshas, onde inumeráveis Devas adoram e servem a radiante Mãe.
Quando a rainha morreu, Pradjapati tomou o menino Siddhartha e o educou. E assim
como pouco a pouco brilha cada vez mais a luz da lua, a régia criança cresceu dia a dia em
espírito e em corpo. A Verdade e o Amor residiam em seu coração.
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*1 Espécie de liteira em que os ricos e as pessoas nobres da Índia e da China se faziam transportar por
servos.
*2 Rishi, literalmente significa “revelador”. É um santo sábio ou iluminado, cantor ou poeta de divina
inspiração.
*3 Anjos
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II – JUVENTUDE E MATRIMÓNIO
Quando o príncipe Siddhartha completara dezoito anos, o rei mandou construir-lhe três
magníficos palácios, um de madeira de cedro, quente, para o Inverno; outro de mármore betado, para o estio, e outro de ladrilhos cozidos para o Outono. Ao redor desses palácios floresciam amenos jardins regados de alegres arroios e soalhados de formosos bosquezinhos com
lindos, caramanchéis, onde Siddhartha passara horas felizes, pois a sua vida era saudável e o
sangue jovem corria nas suas veias. Pretendia assim o seu pai protegê-lo do conhecimento da
dor e da preocupação.
Logo, porém, as sombras do tédio obscureceram a alegria do príncipe, como se algo
lhe faltasse para completar aquele bem-estar. O rei consultou seus ministros, e o mais ancião
respondeu-lhe: “O amor curará este leve descontentamento. Entretende o seu virgem coração
com o feitiço da graça feminina. Que sabe este jovem da formosura, o que sejam os encantadores lábios, ou os olhos que jogam o céu no esquecimento? Uni-o a uma doce esposa, porque
facilmente um cabelo de mulher ata melhor os pensamentos que nem cadeias de bronze poderiam sujeitar”.
E o rei replicou:
“Se lhe buscarmos esposas, o amor seguramente escolherá com outros olhos, e se lhe
apresentarmos um jardim de belezas para que escolha a flor que mais o agrade, receberá com
doce sorriso o gozo que ignora.
O ministro retrucou:
- Ordena, ó rei, um festival em que as donzelas do reino desfilem em graça e juventude
nos afamados desportos dos sákias. Que o príncipe outorgue o prémio à formosura, e quando
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as vencedoras passaram em frente do seu trono, notaremos se alguma consegue desvanecer a
persistente tristeza do seu semblante juvenil. Assim poderemos escolher para o Amor com os
próprios olhos do Amor.
O rei aceitou este conselho, e consequentemente, desde o dia seguinte os pregoeiros
convidaram donzelas formosas para assistirem ao concurso de beleza que se celebraria no
palácio, onde o príncipe distribuiria prémios; um objecto de arte para cada uma, e outro de
maior valor para a mais formosa.
As donzelas de Kapilavastu encheram os jardins do palácio, ataviadas de vistosos trajes de lindas cores. Lentamente foram desfilando ante o trono, com os olhos fixos no chão, e
sem se atreverem a ergue-los.
Chegou a última, a jovem Yasodhara.
Os que estavam junto ao príncipe, viram que ele se perturbou quando se aproximou a
radiante jovem cujas formas pareciam esculpidas no céu. O seu ar era como a da deusa Parpati, os seus olhos como os de uma corça na estação do amor, e seu rosto de inefável encanto.
Foi a única que ousou olhar o príncipe frente a frente, com as mãos cruzadas sobre o
peito e erguido o gracioso colo. A donzela perguntou-lhe sorridente:
- Há prémio para mim?
O príncipe respondeu-lhe:
- Acabaram-se os prémios; porem toma este em compensação, querida irmã, porque de
tua graça se orgulhará toda a nossa ditosa cidade.
Dito isto, tirou o príncipe o seu colar de esmeraldas e cingiu com as verdes contas o
pescoço da jovem. Encontraram-se seus olhos e daquele olhar brotou o amor.
Yasodhara era filha de Suprabuda, monarca do reino vizinho, e segundo a lei dos sákias,
quando alguém pedia em casamento uma mulher de nobre estirpe, tinha que demonstrar sua
destreza nas artes de guerra e em torneio contra os demais pretendentes.
Siddhartha venceu todos seus rivais nas provas de arco, de espada e de corrida hípica.
O rei Suprabuda disse então a Siddhartha:
“O nosso coração desejava ver-te alcançar prémio, porque és o preferido, porem como
conseguiste aprender em meio de uma vida calma e sonhadora, o que outros não conseguiram
aprender na caça nem na guerra, nem nas porfias do mundo? Recebe, ó príncipe, o tesouro
que ganhaste.”
A estas palavras a amável jovem levantou-se de seu assento e passando entre a multidão, pegou uma grinalda de jasmins, cobriu sua fronte com o véu preto salpicado de ouro, e
chegou-se aonde Siddhartha estava.
Inclinou-se ante o príncipe a jovem, cujo semblante irradiava a celeste alegria de um
amor feliz, e apoiando a sua cabeça sobre o peito de Siddhartha, prostrou-se aos seus pés,
dizendo com os olhos radiantes de felicidade:
- Amado príncipe. Olha-me. Sou tua.
O rei Suddhodana deu-lhes o formoso palácio de Vishramvan.
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III – AS TRÊS DORES
O palácio dado ao príncipe pelo rei resplandecia com todo o luxo da Índia, porque o
rei queria que o seu filho fosse feliz.
Tudo quanto parecesse doloroso para ser contemplado, todas as misérias e todas as
noções de sofrimento, foram afastadas de Siddhartha, para que ele ignorasse os males do
mundo.
Porem, assim como os elefante cativo suspira pelas selvas, o príncipe impacientava-se
para ver o mundo, e pediu ao rei, seu pai, permissão para satisfazer o seu ardente desejo.
Então Suddhodana mandou atrelar quatro magníficos corcéis num carro adornado de
pedrarias, e ornamentar os caminhos por onde Siddhartha deveria passar.
As casas da cidade engalanaram-se com cortinas e bandeiras, e os espectadores, alinhados de cada lado, contemplavam avidamente o herdeiro do trono. Assim passou Siddhartha com Channa, o seu cocheiro, pelas ruas da cidade, e atravessou a campina sulcada de
arroios e povoada de frondosas árvores.
Em determinado lugar, encontrou um velho. Ao ver o príncipe aquele corpo encurvado, aquele rosto envelhecido com um sulco de dor entre as sobrancelhas, perguntou ao cocheiro: “Quem é esse? A sua cabeça é branca, os seus olhos tremem e tem o corpo maltratado.
Apenas pode suster-se com um bastão!”
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O cocheiro, embaraçado primeiro, atreveu-se por fim a dizer a verdade, e respondeu:
“Esses são os sinais da velhice. Esse homem foi uma criancinha e, depois, um adolescente
cheio de entusiasmo e de prazer. Porem os anos passaram-se. Agora o seu garbo terminou e o
vigor do seu corpo desapareceu.
Siddhartha, profundamente aflito pelas palavras do cocheiro, suspirou por causa do
sofrimento da velhice e disse para si mesmo: “Que gozo e que prazer podem experimentar os
homens, quando sabem que a velhice virá e os fará sofrer e caminhar languidamente?”
Siddhartha perguntou a Channa para lhe explicar o que é a doença. E para lhe mostrar
essa condição assim tão natural da vida humana.
Em seguida, por onde passavam, apareceu de um lado do caminho um enfermo, ofegante, as feições desfiguradas, convulso e gemendo de dor.
O príncipe indagou do cocheiro: “Que classe de homem é essa?” E o cocheiro tornou:
“Esse homem está enfermo. Os quatro elementos de seu corpo estão confundidos e em desordem. Todos estamos sujeitos aos mesmos acidentes: o pobre e o rico, o ignorante e o sábio.
Todas as criaturas que têm corpo estão expostas ao mesmo mal.”
E Siddhartha comoveu-se ainda mais. Todos os prazeres lhe pareciam vãos, e sentiu
desgosto pelos prazeres da vida.
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O cocheiro fustigou o cavalo para fugir de tão triste espectáculo, porém logo pararam
em sua rápida carreira. Quatro pessoas passavam levando um cadáver; e o príncipe, enternecido ante a visão do corpo privado da vida, interrogou ao cocheiro: “Que levam essas pessoas?
Vejo umas bandeirolas e umas grinaldas de flores; porém os homens caminhavam tristes e
pesarosos.” O cocheiro informou-o: “É um morto, o seu corpo está rígido, a vida fugiu dele, e
o seu pensamento extinguiu-se. A sua família e os amigos levam agora o seu corpo para o
sepulcro.”
E o príncipe, cheio de horror e espanto, perguntou: “É isto uma excepção ou há no
mundo outros exemplos semelhantes?” Com o coração oprimido, respondeu-lhe o cocheiro:
“Isto é igual para todos. Todos os que nascem devem morrer. Ninguém escapa da morte.”
Com a voz apagada e balbuciante, o príncipe exclamou: “Ó homens mundanos. Quão
fatal é o vosso erro. Inevitavelmente o vosso corpo se transformará em pó, e não obstante continuais vivendo, descuidados e despreocupados.”
O cocheiro, vendo a profunda impressão que aqueles lúgubres espectáculos causaram
no príncipe, voltou para trás e entrou novamente na cidade.
Ao passar pelo palácio da jovem princesa, sobrinha do rei, esta, surpreendida com a
beleza varonil de Siddhartha e vendo-o preocupado, exclamou: “Ditoso o pai que te engendrou; ditosa a mãe que te criou; ditosa a mulher que te deu o nome do seu marida um homem
tão glorioso.”
Ouvindo o príncipe este elogio, respondeu: “Ditosos são os que encontraram a salvação. Aspirando a paz do Espírito, eu buscarei a felicidade no Nirvana.” E ofereceu o seu colar
de pérolas preciosas, como para recompensá-la da lição que lhe havia dado, e entrou no seu
palácio.
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IV – A RENÚNCIA
Certa noite, o príncipe estava a repousar e repentinamente levantou-se e saiu para o
jardim. “Há! exclamou; o mundo está cheio de trevas e ignorância; ninguém sabe como curar
os males da existência.” E suspirou dolorosamente.
Yasodhara atirou-se aos seus pés, suspirando aflita e dizendo:
- Não encontrará o meu Senhor a felicidade em mim?
Siddharta respondeu:
- Há querida esposa. Essa felicidade lacera a minha alma ao pensar que terá um fim e
envelheceremos sem amor, repulsivos, débeis, encurvados. Sim, ainda que os nossos lábios
tenham sido tão fortes selos da vida e do amor, que noites e dias fossem um só o nosso alento;
e se interrompesse entre ambos o tempo para arrebatar a minha paixão e a tua beleza, como a
negra noite apaga os rosados raios que brilham no cume dos montes e os cobre com o seu
sombrio sendal, ais o que descobri: o meu coração estremeceu de espanto a esta ideia, e todo o
meu ser só pensa em resguardar o amor dos ataques do implacável tempo, que envelhece os
homens.
O príncipe passou toda aquela noite inconsolável e insone. No dia seguinte pediu a seu
pai que o deixasse ver a cidade tal qual era, sem atavios nem preparativos de ilusória festa, na
vida costumeira dos homens que não são reis.
Aquiesceu o rei Suddhodana, e na hora em que o sol passa pelo meridiano, Siddhartha
saiu disfarçado de mercador, e o cocheiro Channa com hábito religiosos, e caminharam a pé
pelas ruas, confundidos entre os cidadãos, olhando tudo quanto alegre e triste existia na cidade.
Ao chegarem ao rio, viram uma comitiva de pessoas tristes e chorosas que a passos
apressados se aproximavam da margem. À frente ia um homem agitando uma taça de barro
cheia de brasas. Seguiam-no os parentes mal vestidos e com a cabeça coberta de luto.
Depois vinha o féretro composto de quatro varas com um leito de pedaços de bambus
entrelaçados, onde jazia um cadáver rígido, enegrecido, com os pés para a frente, a boca cerrada, os olhos vidrados, as mãos crispadas, coberto de um pó vermelho e amarelo.
Os que o carregavam conduziam o féretro até à margem do rio, onde estava disposta
uma pira sobre a qual o colocaram, cobrindo com folhas secas.
Em seguida acenderam fogo dos quatro lados. A chama brotou subitamente, lambendo
a pira, e devorou o cadáver com as suas sibilantes línguas de fogo.
Rasgou-se a dessecada pele e desprenderam-se as articulações.
Por fim clareou o fumo da gordura e as cinzas caíram pardas e vermelhas, com pós de
ossos brancos que salpicavam a cor das cinzas.
Era tudo quanto restava do homem.
O príncipe disse:
- Este é o fim de todos os viventes?
Channa respondeu-lhe:
- Este é o fim de todos.
O que viste na pira e cujos restos são tão desprezíveis que os corvos grasnantes desdenhariam como fútil manjar, já comeu, bebeu, riu, amou e achou grata e prazenteira a vida.
Porém, o que sobrevém depois? Quem o sabe? Um violento sopro de ar da selva, um
tropeço no caminho, algo sujo na cisterna, a picada de uma cobra, meio palmo de irritado aço,
um resfriado, a espinha de um peixe, a queda de uma telha, a vida escapa e o homem morre.
Já não tem apetites, nem prazer nem dores.
Nada significa para ele um beijo na boca nem uma queimadura nos lábios.
Não sente o mau cheiro da sua tostada carne, nem o perfume do sândalo, nem os aromas que ardem na pira.
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A sua boca perdeu o paladar, os seus ouvidos não ouvem, nem os seus olhos vêm.
Desolados, gemem aqueles que ele ama, porque também é preferível destruir o corpo
que era a lâmpada da vida, do que dar um horrendo festim aos corvos.
Tal é o destino de toda a carne.
Altos e baixos, bons e maus, têm que morrer; e segundo nos ensinam, renascem depois
para uma nova vida… Onde? Como? Quem sabe?
E outra vez [vida após vida, reencarnação após reencarnação] as angústias, a morte e
as chamas da pira. Tal é o destino do homem.
Siddhartha ergueu ao céu os olhos em que brilhavam lágrimas divinas, e em seguida
baixou-os ao chão, inundados de celeste piedade.
Contemplava alternativamente o céu e a terra, como se em solitário voo o seu Espírito
buscasse alguma visão longínqua que unisse o céu à terra.
Depois, ansiosamente, inflamado pela ardorosa paixão de um amor inefável, de uma
infinita e insaciável esperança, exclamou:
- Oh! Triste mundo. Oh! Os seres da minha carne, conhecidos e desconhecidos, presos
nesta rede comum de mortes, vida e dores que a todos nos atam.
Vejo e sinto a imensa agonia do mundo, a vaidade dos seus gozos, a ilusão da sua felicidade, a angústia do seu infortúnio, pois que ao prazer substitui a dor, à juventude a velhice,
ao amor a perda do ser amado, à vida a odiosa morte, e a morte em ignotas vidas que de novo
atam os homens à sua roda para girar em círculo de ilusórios deleites e reais sofrimentos.
A mim também me alucinou este sonho, e parecia-me agradável viver a vida como
luminosos regato que flui sem cessar em inalterável paz, e cujo buliçosos causal desliza ligeiramente pelos floridos prados para jorrar mais apressado as suas águas no impuro mar.
Caiu o véu que me cegava!
Sou como estes homens que em vão imploram aos deuses que não os houvem.
No entanto, algum auxílio há-de existir para eles e para mim, e para todos os que
necessitam de ajuda.
Será que os deuses também estão a precisar de auxílio? São tão fracos que não podem
salvar os que com tristeza nos lábios os invocam?
Não deixarei chorar os que puder salvar!
Como é possível que Brama criasse o mundo para abandoná-lo na miséria? Se é omnipotente e o deixa miserável, não é bondoso, e se não é omnipotente, não é Deus.
Siddhartha sentou-se sob a frondosa árvore de Bo, chamada também Azvattha, ou
Banano, e entregou-se aos seus pensamentos, meditando sobre a vida e a morte, os males e a
decrepitude. Concentrando o seu Espírito, libertou-se de toda a confusão. Todos os vis desejos
desapareceram do seu coração e uma calma perfeita o inundou completamente.
Nesse estado de êxtase viu com o seu olho mental toda a miséria e dor existentes no
mundo; viu as dores causadas pelo prazer e a inevitável certeza da morte que pesa sobre todos
os seres. No entanto, os homens não despertaram ainda para a verdade. E uma profunda compaixão invadiu a sua alma.
Enquanto meditava sobre o problema do mal, o príncipe viu com o olho do seu Espírito, sob as árvores, uma venerável figura revestida de majestade, de calma e de dignidade. Perguntou-lhe: “Donde vens? Quem és?”
A visão respondeu: “Sou um samana. Atormentado pelo pensamento da velhice, da
enfermidade e da morte, fui de lugar em lugar para buscar a salvação. Todas as coisas se precipitam para a ruína; só a Verdade é eterna. Tudo muda e nada dura; unicamente as palavras
dos Budas são imutáveis. Eu aspiro a felicidade inalterável, o tesouro imperecedouro, a vida
sem princípio nem fim. Por isso destrui todo o pensamento mundano e retirei-me para o
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deserto para viver em solidão e mendigar o meu sustento, e assim me consagrei à única coisa
necessária.”
Siddhatha perguntou-lhe: E como pode alguém obter a paz neste mundo agitado? Já
transpus a vaidade e o prazer e tenho horror à voluptuosidade. Tudo me entristece e a vida
mesma se me tornou intolerável.”
O samana respondeu-lhe: “Onde há calor também pode haver frio. Os seres sujeitos à
dor possuem a faculdade de gozar. A origem do mal ensina que pode existir o bem. Porque
estas coisas são correlatas. Assim, onde há muita desgraça, haverá muita felicidade, contando
que os olhos se abram para vê-la.
“Da mesma maneira que aquele que cai na lama procura um lago de Lotus para limpar-se, também o pecador busca o grande lago imortal do Nirvana para se limpar do pecado.”
“Se o que está sujo de mala não busca o lago, não quer dizer que o lago não exista.
Assim, também, quando existe uma senda santa que conduz ao Nirvana, e o homem sujeito ao
pecado não a busca, a falta não está na senda e sim no pecador.”
“Se um enfermo não chama o médico que pode curá-lo, a culpa não será do médico se
ele morrer, e sim, do enfermo.”
O príncipe escutou as nobres palavras do seu visitante e lhe respondeu: “Mensageiro
sois de boas novas, porém não sei se cumprirei o meu propósito. Meu pai me incita a gozar a
vida e a sujeitar-me aos deveres mundanos que me são nobreza e enaltecem a minha casa.
Disse que eu sou muito jovem e que o meu coração ainda palpita demasiado fortemente para
me entregar à vida religiosa.”
A venerável aparição moveu a cabeça em sinal de inconformismo e respondeu: “Para
buscar a verdadeira religião, jamais houve tempo e falta dele.”
O coração de Siddhartha palpitou de alegria, e disse: “Este é o momento de buscar a
verdadeira religião. É o instante propício para romper os laços que me impedem de alcançar a
perfeita iluminação. Esta é a hora de aceitar mendicantemente e de encontrar a senda da libertação.”
O celeste mensageiro, satisfeito com a resolução de Siddhartha, disse-lhe: “Com efeito, esta é a oportunidade que deparas para encontrar a verdadeira religião. Vai e cumpre o teu
propósito, porque és o Buda escolhido e destinado a iluminar o mundo. És o perfeito Tathágata, porque cumprirás toda a justiça e serás o verdadeiro rei do Dharma. És Bhagavad, o Bendito, porque hás-de ser salvador do mundo.
“Vai e cumpre a perfeição da Verdade. Mesmo que sobre a tua cabeça caia o raio, não
cedas jamais à ilusão que desvia o homem da senda da Verdade. Assim como o sol não se
detém em nenhuma das quatro estações do ano, não te afastes da senda da justiça. Serás Buda.
“Persevera em teu caminho e encontrarás o que buscas. Prossegue até ao fim sem desviar-te, e
alcançarás o prémio. Combate denodadamente e vencerás. Que a bênção dos deuses, dos santos de todos os que buscam a luz, seja contigo, e que a celeste sabedoria guie os teus passos.
Serás Buda nosso Amo e Senhor. Iluminarás o mundo e salvarás a humanidade da perdição!”
Dito isto, desapareceu a visão celeste e a alma de Siddhartha ficou em paz.
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V – O REI BIMBISARA
Siddhartha cortou a sua bela cabeleira e trocou as régias vestimentas pelo rústico burel
amarelo. Ordenou a Channa, o cocheiro, que regressasse a Kapilavastu com o nobre corcel
Kanthaka e dissesse ao rei, seu pai, que ele tinha abandonado o mundo.
E o Tathágata vagou pelas estradas esmolando de concha na mão.
Mas a pobreza do seu aspecto não podia encobrir a majestade do seu Espírito. O seu
nobre porte denunciava a sua régia origem, e dos seus olhos irradiavam a majestade o fervoroso anseio pela Verdade. A sua juvenil beleza aformoseada pela santidade, nimbou a sua
fronte. Todos os que o viam, contemplavam-no assombrados. Os mais apressados detinham
os seus passos e voltavam-se para olhá-lo, e todos lhe tributavam homenagens.
Ao entrar na cidade de Rajagriha, o príncipe mendicante foi de casa em casa, esperando silenciosamente que alguém lhe desse a esmola.
Por toda a parte onde ia o bem-aventurado, as pessoas davam-lhe o que tinham, prostravam-se humildemente ante ele e lhe agradeciam o não desdenhar de aproximar-se de suas
casas.
Todos exclamavam comovidos: “Eis aqui um nobre muni*1. A sua chegada é uma
bênção. Que a felicidade nos aguarda!”
Depressa a sua vasilha enchia-se, porque todos os vizinhos gritavam: “Toma do nosso
alimento, Senhor. Toma do que é nosso.”
O rei Bimbisara, observando a comoção da cidade, indagou a causa, e averiguada,
enviou um criado para identificar o mendicante forasteiro.
O criado soube que o muni era um sákia de nobre estirpe, que tinha se retirado para as
margens de um riacho do bosque e comia o que as pessoas lhe depositavam na vasilha.
Comovido, o rei vestiu os seus régios ornamentos, colocou a sua cruz de ouro, empunhou o ceptro, e acompanhado doe seus anciãos e sábios conselheiros, foi ao encontro do misterioso forasteiro.
O rei encontrou o muni de raça sákia sentado à sombra de uma árvore, e admirando a
tranquilidade do seu semblante e a s distinção dos seus gestos, saudou-o respeitosamente e lhe
disse:
- Ó Samana! As tuas mãos estão feitas para manejar as rédeas de um império e não
para suster a vasilha do mendigo. Se eu não adivinhasse que eras de estirpe real, não te suplicaria que te associasses a mim para governar o meu reino e participar do meu poder. O desejo
de mando ficam bem para os temperamentos magnânimos, e a opulência não deve ser desprezada. Adquirir tesouros à custa da perda da religião não é boa coisa, porém, excelso mestre é
quem ao mesmo tempo tem o poder, a opulência e a religião, e com descrição e sabedoria
goza todos esses bens.
Sakiamuni olhou-o e respondeu-lhe:
“Ó rei! Tens fama de liberal e religioso, e prudentes são as tuas palavras. O rico bondoso que emprega bem as suas riquezas, possui em verdade inestimável tesouro; porém
nenhum proveito tirará de suas riquezas aquele que avaramente as guarda. A caridade é prolífera em proveitos. É a maior riqueza, pois quando o indivíduo é pródigo não tem remorsos.
Eu rompi todos os laços que me ligavam, porque busco a libertação. Como poderia
voltar de novo ao mundo? Quem deseja a vida religiosa, que é o tesouro mais precioso, deve
abandonar tudo quanto prende a sua personalidade e distrai a sua atenção. Deve libertar a sua
alma da luxúria, da avareza, da ambição e do poder.
Aquele que cede à luxúria, embora pouco, vê-la-á crescer, e mesmo que domine o
mundo, se sentirá infeliz.
O fruto da santidade vale mais do que o poderio sobre a Terra, do que o descanso no
céu, do que o império e o predomínio sobre os mundos.
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Um Buda reconhece que a riqueza é ilusória e não confunde o veneno com o alimento
sadio. O peixe que se salvou do anzol terá afeição à isca? Enamorar-se-á o pássaro de sua
gaiola? O enfermo febril anseia por um medicamento refrigerante. Dar-lhe-emos outro que
aumente a febre? Apagaremos o fogo se lhe mudarmos o combustível?
Rogo-te que não me perturbes. Fala aos que ambicionam os cuidados da realeza e as
inquietudes da opulência, que gozam temerosos de perder as suas riquezas, porque a todo o
momento podem perdê-las, e ao morrer não levarão consigo nem o ouro nem o régio diadema,
em quem mandará um rei morto?
A lebre que escapou de boca de uma serpente, voltará para que ela a devore? Aquele
que queimou a mão numa tocha, erguê-la-á depois de tê-la atirado ao solo? O cego que recuperou a vista, desejará que lhe arranquem os olhos? Vê se acertas com a resposta.
O meu coração não anela desejos vagos. Renunciei à coroa real e preferi livrar-me dos
encargos das existências.
Não quero, portanto, contrair novos deveres que me impeçam prosseguir o trabalho
iniciado.
Sinto separar-me de ti, porém devo ir ao encontro dos yoguis capazes de me ensinar a
verdadeira religião e a encontrar a maneira de se evitar o mal.
Desejo que o teu reino goze de paz e prosperidade, que a sabedoria resplandeça em teu
governo como o sol meridiano, em dia claro. Que seja firme o teu régio poder. Que a justiça
seja o teu ceptro.”
O rei uniu respeitosamente as suas mãos, e prostrando-se ante Sakymuni, disse-lhe:
“Que encontres o que biscas, e quando tiveres encontrado, rogo-te que voltes e me
aceites por teu discípulo.”
O Tathágata separou-se amistosamente do rei, resolvido a cumprir o seu propósito.
__________
*1 Asceta. Pessoa que abandona a vida em sociedade (trabalho, constituição familiar…) para se dedicar exclusivamente A busca da Verdade e da salvação. O ascetismo é o modo de vida mais extremo.
Muitos abdicam inclusive de qualquer roupa, vivendo nus, outros apenas vestem um pequena tanga.
Abdicaram portanto de todo a posse material. Vivem quase permanentemente em meditação e reflexão, procurando Deus e a sua realização espiritual.
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VI – INDAGAÇÕES DE SIDDHARTHA
Arada e Udraka eram os mais famosos mestres brâmanes, e ninguém os superava em
sabedoria.
O Tathágata sentou-se aos pés destes mestres e ouvia as suas doutrinas sobre o atman,
o Espírito do homem, que preside a todas a acções. Os mestres ensinaram-lhe a doutrina da
reencarnação e a lei do karma, e como as almas têm de sofrer ao nascerem em castas inferiores; ao passo que os purificados pelo sacrifício, liberações e austeridade, chegam a ser reis,
brâmanes e deuses, cada vez em grau mais adiantado da existência. Siddhartha estudou os
encantamentos, oferendas e métodos mais a propósito para alcançar o estado de Êxtase e
livrar-se da escravidão da personalidade.
Dizia arada:
“Que é a personalidade que vê, ouve, cheira, gosta, toca, e na vista, ouvido, olfacto,
gosto e tacto tem as cinco raízes do espírito? Que é a personalidade que se move por meio das
mãos e dos pés? A alma manifesta-se por meio das expressões: “eu digo”, “eu sei”, “eu percebo”, “eu venho”, “eu vou”, “eu fico”.
A tua alma não é o teu corpo, nem o teu olho, nem o teu ouvido, nem o teu nariz, nem
a tua língua, nem a tua personalidade.
O Eu percebe o tacto no corpo, cheira pelo nariz, vê com os olhos, ouve com os ouvidos, pensa com a mente.
O teu Eu move as tuas mãos e os teus pés. O teu Eu é a tua alma. Irreligioso é duvidar
da existência da alma, e quem não compreende esta verdade, não está na senda da salvação. O
que pensa demasiado sobre estas coisas, confunde a mente e expõe-se à incredulidade; porém
a purificação da alma conduz à libertação. Para alcançar a libertação faz-se mister afastar-se
da multidão, levar uma vida eremítica e manter-se de esmolas.
Se eliminarmos o desejo e reconhecermos a ilusão da matéria, encontraremos as condições da vida imaterial.
Como a erva madja, despojada de lenhosa casca ou como a ave enjaulada que escapa
do seu cárcere, assim o Eu encontra repouso perfeito quando se livra das suas limitações. Tal
é a verdadeira libertação, porém só a alcançam aqueles que têm profunda fé.”
Siddhartha não se satisfez com estes ensinamentos, e replicou:
“As pessoas são escravas porque não abandonaram a ideia da personalidade.
As coisas e as suas qualidades são diferentes no nosso pensamento, porém estão reunidas em realidade. No nosso pensamento o calor é distinto do fogo, porém, em realidade não
podem separar-se.
Dizeis que podeis abstrair a coisa da sua qualidade, porém, se levardes esta operação
até ao fim, vereis que não é assim.
O homem não é um composto de vários princípios? Não estamos constituídos por diferentes skandhas*1, como dizem os sábios? O que o homem é um composto de forma física, se
sensações, de emoções, pensamentos, inclinações e mente.
O que os homens chamam de seu “eu” não é uma entidade distinta dos skandhas.
Muita confusão provém de ser crer vaidosamente que a personalidade é o verdadeiro
Eu e de lhe atribuir a grandeza e o mérito das acções. A ideia da personalidade interpõe-se
entre a vossa natureza racional e a verdade. Eliminai-a, e vereis as coisas tal como elas são.
Aquele que pensa sabiamente se desembaraçará da ignorância, mediante a aquisição
do conhecimento.
Além disso, se a vossa personalidade persiste, como podereis alcançar a libertação? Se
o Eu está destinado a renascer em qualquer um dos três mundos, encontrareis sempre a mesma espécie de existência; ficareis sempre envoltos no egoísmo e no pecado.”
Udraka dizia:
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“Não vez ao redor de nós o efeito do karma? Por que diferem os homens de carácter,
posição, riquezas e destino na vida terrena? É pelo seu karma, que compreende o mérito e o
demérito. A reencarnação da alma depende do karma. Das vidas anteriores herdamos aos
resultados das nossas boas e más acções. Se assim não fosse, como poderia haver diferenças
tão profundas entre os homens?”
O Tathagatha meditou profundamente sobre os problemas da reencarnação e do karma, e descobriu a verdade neles subjacente. Então disse:
“A doutrina do karma é indiscutível, porque todo o efeito tem a sua causa. O homem
colhe aquilo que semeia, e o que agora colhemos, devemos ter semeado em existências anteriores.
Vejo que a alma se reencarna porque está submetida à lei da causa e efeito e porque o
homem cria o seu próprio destino. Porém, não vejo a reencarnação da personalidade.
Esta minha individualidade não é composta de Espírito e matéria? Não está constituída
de qualidades que foram evoluindo gradualmente? Os cinco sentidos da percepção do meu
organismo provêm dos antepassados que os tiveram. As minhas ideias provêm em parte dos
indivíduos que as conceberam, e por outra parte, das combinações dessas ideias na minha
mente.
Se há um atman, um Espírito que percebe as sensações por meio dos sentidos, poderá
ver, ouvir, cheirar, gostar e tocar muito melhor sem os olhos, nariz, ouvido, língua e tacto do
organismo corporal.
Compreendo a reencarnação da alma numa personalidade e a justiça do karma, porém
não vejo o atman que a vossa doutrina estatui como autor das acções humanas.
Há de haver um renascimento sem personalidade, pois se a personalidade fosse real,
seria imperecedoura e portanto não poderíamos nos livrar dela. O temor do inferno não teria
limites e a paz não existiria para os homens. Os males da vida não provêm da ignorância e do
pecado, mas são inerentes à natureza da nossa existência.”
O Tathágata foi depois ver os sacerdotes que oficiavam nos templos, e o seu ser compassivo estremeceu ao presenciar a inútil crueldade realizada ante os altares dos deuses.
“Unicamente por ignorância esses homens realizam ruidosas festas e convocam magnas assembleias para celebrar cruentos sacrifícios. Vale mais adorar a Verdade do que o vão
desejo de agradar os deuses com efusão de sangue.
Que amor pode sentir o homem que supõe que a destruição de uma vida invalida as
más acções? Seria possível que um crime espie outro crime? Pode apagar os pecados do mundo o sacrifício de uma vítima inocente? Isto equivale a praticar a religião com vilipêndio da
moral.
Acalmai o vosso ânimo e não mateis mais. Eis aqui a verdadeira religião.
Os ritos são ineficazes; as orações são fórmulas vãmente repetidas; os feitiços carecem
de virtude salutar.
O verdadeiro culto, o genuíno sacrifício consiste em desligar-se da concupiscência, da
voluptuosidade e das más paixões, em não alimentar ódio nem malevolências.
________________________________________________________________
*1 A personalidade humana é um composto de cinco «amontoados» (skandha): a forma do corpo, o sentimento,
a percepção, as impressões kármicas e a consciência.
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VII – PENITÊNCIA EM URIVILVA
Em busca de melhores conhecimentos, o Bodhisatva chegou num lugar ermo onde se
encontravam estabelecidos muitos eremitas que virtuosamente refreavam os seus sentidos,
reprimiam as suas paixões e se ajustavam a uma severa disciplina.
Eram yogis, brahmacharis e bhiksus*1 que viviam separados do mundo como lúgubre
e descarnado rebanho.
Uns tinham constantemente os braços para o alto noite e dia, até que minados de
enfermidades, exangues e anquilosadas as suas articulações, e rígidos os membros, os seus
braços pareciam ramos de uma árvore morta.
Outros tinham fechado as mãos tão fortemente e por tanto tempo, que as unhas atravessaram como agulhas as palmas, fazendo feridas.
Alguns estavam calçados com sandálias cheias de pregos, ou laceravam a fronte, o
peito e os músculos como objectos cortantes, ou sacrificavam as suas carnes com o fogo.
Outros atravessavam com pontas de ferro, dormiam sobre imundices e cobriam-se com farrapos de cadáveres. Uns moravam em lugares impuros, onde piras ardiam, em companhia de
cadáveres, rodeados de corvos que soltavam agudos gritos ao redor dos fúnebres despojos.
Outros repetiam em voz alta, quinhentas vezes ao dia, o nome de Shiva, com sibilantes cobras
enroladas em seus quadris e os pés paralisados em buracos.
Tal era a aquela espantosa congregação.
O tórrido calor tinha coberto de feridas as suas cabeças, e tinham os olhos lacrimosos,
os nervos e músculos tensos, os rostos fundos e pálidos como defuntos de cinco dias.
Com muito cuidado e bom propósito, Sakyamuni entregou-se à mortificação do corpo
meditando sobre as verdades abstractas, e não tardou em superar em autoridade a todos os
anacoretas, que o reconheceram como mestre.
Durante alguns meses, o Buda mortificou pacientemente o seu corpo e exercitou o seu
espírito na mais rigorosa vida ascética.
Ultimamente tomava por único alimento uma comida ao dia, com a intenção de vencer
o grande oceano do nascimento e da morte e chegar à outro margem da libertação. Tão extenuado e consumido ficou, que parecia um enfermo. Porém, a fama da sua santidade espalhouse por toda a redondeza, e de lugares longínquos vinham pessoas para vê-lo e receber a sua
bênção.
No entanto, o bem-aventurado não estava satisfeito, porque viu que a mortificação não
extingue o desejo nem traz o Êxtase da iluminação. Buscava o verdadeiro conhecimento e não
o encontrava. Sentado sob uma árvore, considerou o estado de sou Espírito e a consequência
da sua mortificação.
Então disse:
“O meu corpo debilita-se cada dia mais com abstinências, e isto não me faz adiantar
um passo na busca da libertação. Este não é o verdadeiro caminho.
39
O ascetismo extremo quase levou Siddhartha à morte.
Será melhor fortalecer o meu corpo com alimento e por o meu ânimo em disposição de
possuir calma.”
Foi tomar banho no rio, porém quando quis sair da água, estava tão fraco que teve de
se agarrar aos ramos de uma árvore na margem para poder saltar em terra firme.
Voltou então à congregação, e ao chegar ali, caiu desmaiado e os eremitas o acreditaram morto.
Próximo dali morava um pastor, cuja filha chamada Nanda, chegou onde estava desmaiado Siddhartha que, ouvindo a voz da moça, voltou a si. Então ela lhe ofereceu arroz com
leite, que ele aceitou com prazer.
Recobradas as forças com o alimento, a sua mente clareou e se predispôs para receber
a suprema iluminação.
Desde então Siddhartha voltou a alimentar-se normalmente. Os cinco eremitas que
presenciaram esta cena com Nanda e observaram a mudança de conduta, acreditaram que o
seu fervor religioso diminuíra e que Siddhattha, o tão venerado Mestre, esquecera o seu magnífico fim. Porém, Buda fitando tristemente ao maior desses infelizes, lhe disse:
“Há meses moro nestas montanhas buscando a verdade, e vejo os meus irmãos, e também a ti, torturados lamentavelmente. Por que acrescentar males à vida, que por si já é tão
má?
O eremina respondeu-lhe:
40
Está escrito que se um homem mortifica a sua carne até que a intensidade da dor só lhe
deixe um sopro de vida e esperança da voluptuosa morte, os males que ele sofra limparão a
imundice do pecado, e a alma purificada voará liberta da aflição para as gloriosas esferas de
inconcebível esplendor.”
Buda replicou-lhe:
Esta nuvem que flutua no céu ao redor do trono de vosso Deus, ergue-se de um mar
agitado e voltará a cair em gotas semelhantes a lágrimas; passará por muitos caminhos ásperos e penosos, por vales e pântanos, por rios lamacentos até chegar ao Ganges e volta ao mar
donde partiu.
Sabes, meu irmão, se não sucede o mesmo aos santos com toda a sua felicidade,
depois de tantos sofrimentos?
Porque o que sobre torna a cair, o que se compra se gasta, e se vós comprais o céu com
o vosso sangue o doloroso mercado do inferno, quando estiver concluído o negócio, o sofrimento recomeçará.”
O eremita respondeu-lhe suspirando:
“Ai! Talvez recomece. Eu não sei nem estou seguro de alguma outra coisa; porém,
atrás da noite vem o dia, e atrás da tormenta a calma; e nós nos aborrecemos desta maldita
carne que nos impede a alma de tomar o seu ansiado voo. Assim, pois, para a felicidade da
alma, entregamos aos deuses as nossas rápidas torturas em conquista das alegrias perduráveis.”
Siddhartha respondeu:
“Porém, mesmo que estas alegrias durem milhões de anos, elas se desvanecerão por
fim.
Ou então diz-me: há em cima ou em baixo, ou ao redor de nós, alguma existência tão
diferente da nossa que não se modifique? São eternos os vossos deuses?”
“Não; só permanece o absoluto Brahman. Os deuses nada mais fazem senão viver.”
Então o Buda exclamou:
“Queres ser tão sábio como os santos e esforçados? Renuncia a esses jogos cruéis em
que atiras os teus gemidos e lamentos para ganhar as apostas que talvez não passem de sonhos
passageiros.
Queres, por amor à tua alma, fazer sofrer a tua carne, afligi-la e mutilá-la de tal maneira que ela já não possa aprisionar o Espírito, e buscando um refúgio, se rende no caminho
antes de chegar à noite como cavalo dócil, porém exausto?
Quereis tristes ascetas, estragar e destruir esta bela morada em que habitamos depois
de um doloroso passado, e cujas janelas nos dão luz, ainda que escassa, para olharmos fora e
sabermos se a aurora vai surgir e qual será o melhor caminho?”
O eremita respondeu-lhe:
“Escolhemos este caminho e o seguiremos até ao fim. Diz-nos se conheces outro
melhor; senão, vai em paz.”
Ao ver Buda os eremitas a afastarem-se dele, teve pena daquela falta de confiança, e
não sentiu mais o abandono em que vivia.
Reprimiu o seu desgosto e afastou-se. Os eremitas disseram: “Siddhartha nos abandonou. Busca um lugar mais agradável.”
______
*1 “Yoguis” são praticantes de yoga, “brahmacharis” e “biksus” são monges que renunciaram aos
deveres e prazeres do mundo para se dedicar exclusivamente ao seu desenvolvimento espiritual.
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42
VIII – A TENTAÇÃO
Siddhartha encaminhou-se novamente para a colossal árvore baniana, sob cuja folhagem ia ser revelada a Verdade do seu destino. No momento em que se sentou sob a árvore,
caiu a noite.
Mara, porém, o príncipe das trevas, tendo notícia de que ali estada o Buda, que ele iria
libertar os homens e era chegada a hora de encontrar a Verdade para a salvação do mundo,
enviou ordens às potestades do mal.
Então saíram dos profundos abismos e se congregaram os demónios inimigos da
Sabedoria e da Luz.
Eram Arati, Trishna e Raga, com as suas tramas de paixões, horrores, ignorâncias e
concupiscências, com todos os engenhos inventivos das trevas e do temor, aborrecedores de
Buda, cujo espírito tentavam conturbar.
Entre os fragores da tormenta, legiões de demónios agitaram-se no espaço com o
ribombar do trovão e relâmpagos ofuscantes, semelhantes a dardos, que se desprendiam do
purpúreo céu.
Com estratagemas e conjurações, faziam aparecer entre a tranquila folhagem, figuras
de feiticeira beleza, e ressoavam voluptuosos cânticos e murmúrios de amor.
Umas vezes o tentavam oferecendo poderio, e outras, apresentavam-lhe dúvidas sobre
a Verdade como se ela fosse ilusão.
Chegaram os pecados capitais, os anjos do mal.
Primeiro Attavada, o pecado do egoísmo, que se compraz em contemplar a sua imagem reflectida no universo como num espelho e lhe diz:
“Se és Buda, deixa que os demais andem nas trevas.
Basta que sejas invariavelmente Tu.
Levanta-se e goza a felicidade dos deuses, que não sofrem mudança nem derrota nem
luta.”
Porém Buda lhe replicou:
“A justiça em ti é menosprezável e a injustiça uma maldição.
Vai enganar àqueles que amam a si mesmo.”
Aproximou-se depois a pálida dúvida, o pecado irónico, que silvou nos ouvidos do
Mestre:
“Todas as coisas são ilusões e vã é a ciência da tua vaidade.
Só buscas a tua própria sombra.
Levanta-se e abandona estes lugares.
Não há maior recurso do que um desdém paciente, e não existe nenhum remédio para
o homem, que é incapaz de deter a sempre girante roda,”
E o Senhor Buda respondeu:
“Nada tens que ver comigo, insidiosa dúvida, o mais astuto inimigo dos homens.”
Em terceiro lugar veio a superstição, a feiticeira que se encobre sob o manto da
modesta fé, porém, que sempre engana as almas com cerimónias e orações, tendo em suas
mãos as chaves que fecham os infernos e abrem os céus.
Disse-lhe a superstição:
“És audaz. Trancafias os nossos livros sagrados, destróis os nossos deuses, despovoas
os templos e estraçalhas a lei que mantém os sacerdotes e sustenta os reis.”
Porém o Buda respondeu:
“Pedes-me que destrua a forma transitória, porém, a Verdade permanece livre. Volta
às tuas trevas.”
Depois, adiantou-se galhardamente o mais ousado tentador.
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Era Kama, o rei das paixões, que mesmo sobre os deuses exerce a sua influência. Era o
mestre dos amores, o soberano do reino do prazer.
Aproximou-se da árvore, sorridente, com o seu arco de ouro enfeitado de vermelhas
flores, e na aljava as setas do desejo e cujas pontas são cinco línguas de fogo que ungem o
coração e ferem mais cruelmente do que envenenado dardo.
Acompanhavam-no coortes de esplêndidas formosuras, de lábios e olhos celestes que
voluptuosamente louvavam o amor ao som de invisíveis e harmoniosos instrumentos.
Era tal o seu encanto, que até a noite parecia suspender o seu curso para ouvi-las, e as
estrelas e a lua se detiveram atentas à sua careira, enquanto as beldades recordavam ao Buda
em seus cantos, as perdidas delícias, e lhe diziam que um mortal não pode encontrar nos três
imensos mundos nada comparável aos perfumados seios da amante formosura abandonada,
nem aos seus rosados mamilos rubros de amor.
Acrescentaram que nada sobrepuja a suave harmonia da forma, que oferece à vista
linhas e encontros da pessoa amada, na indizível harmonia que se encontra de alma para alma,
que faz ferver o nosso sangue e que a vontade adora e deseja porque sabe que ali está o óptimo, que é o verdadeiro céu onde os mortais são como deuses, criadores e soberanos, que é o
dom dos dons, sempre renovado, e por ele se podem suportar mil dores.
Porque, quem se recorda de ter sofrido quando ternos braços o enlaçaram e toda a sua
vida se fundia num suspiro de felicidade e num ardente e apaixonado beijo possuía o mundo
inteiro?
Assim cantavam com lânguidos ademanes, com olhos que soltavam amorosas chamas
e com lábios de sedutores sorrisos.
Em sua lasciva dança deixavam entrever os seus quadris e coxas como entreabertos
casulos que ostentam os seus matizes e todavia ocultam os seus corações.
Jamais houve para os olhos humanos maior encanto do que aquelas nocturnas bailarinas que se aproximavam da árvore, cada qual mais sedutora que a precedente, murmurando:
“Ó excelso Siddhartha! Sou tua. Prova de minha boca e vê se não é deleitosa a minha
juventude.”
Mas ao ver que o espírito de buda permanecia inquebrantável, Kama brandiu o seu
mágico arco, e de repente destacou-se do grupo de dançarinas uma figura mais bela e majestosa do que as outras cujo semblante se assemelhava ao da doce Yosodhara.
Os seus olhos negros, regados de lágrimas, reflectiam veementíssima paixão.
Os seus braços, abertos para ele, retorciam-se de dor, e gemendo suavemente, a encantadora sombra chamou-o por seu nome, e disse entre suspiros:
“Príncipe meu. O teu abandono me mata. Que céu escolheste comparável ao que
gozamos nas margens do límpido Rohini, ma Mansão do Prazer, onde por ti choro há já longos e penosos anos?
Volta Siddhartha. Oh! Volta.
Ao menos beija-me outra vez em meus lábios, que ao menos outra vez eu repouse em
teu peito, para que se desvaneçam os teus estéreis sonhos.
Contempla-me. Não sou aquela que amas?”
Buda respondeu-lhe:
“Pelo doce amor daquela que assim recordas, sombra formosa e falsa de vã astúcia,
não te maldigo porque assumiste uma forma tão querida, ainda que, como todas as aspirações
terrenas, sejas ilusão mil vezes falaz.
Desvanece-te de novo no vazio!”
Então, ressoou um grito no bosque, e o sedutor tropel se desvaneceu com os seus flamígeros estandartes que ondulavam com as vaporosas telas.
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IX – A ILUMINAÇÃO
Afugentado Mara, o Senhor Buda entregou-se à meditação.
Ante os olhos do espírito passaram os males e misérias do mundo, procedentes das
más acções com os seus consequentes sofrimentos.
Então ele disse:
“É verdade que se os homens soubessem antecipadamente o resultado das suas acções,
não as cometeriam; porém a personalidade é cega e eles continuam sujeitos aos seus perniciosos desejos.
Desejam ardentemente o prazer, e engendram a dor. Quando a morte destrói a personalidade, não encontram a paz. Continuam sujeitos à roda de mortes e renascimentos, e aparecem em outra personalidade em novas existências.
Assim continuarão a mover-se em círculo, sem poder subtrai-se ao inferno que eles
mesmos criaram.
Vãos são os prazeres e ineficazes os seus esforços. Ocos como o bambu, e vazios
como a bolha de sabão.
O mundo está cheio de pecado e aflição, porque nele domina o erro.
Os homens extraviaram-se porque pensam que o erro vale mais do que a verdade.
E mesmo que vejam a verdade, desprezam-na pelo erro porque é no momento mais
atraente, embora dê como resultado a aflição e a infelicidade.”
Buda começou então a expor a doutrina do dharma.
“Dharma é a verdade, a lei, a religião. Unicamente o dharma pode livrar-nos do erro,
do pecado e da aflição.”
Ao considerar as causas do nascimento e da morte, o Bem-Aventurado reconheceu que
a ignorância é a envenenada fonte de todo o mal, que se encadeia nas doze vidanas.
No princípio da existência não há conhecimento e desta ignorância surgem os apetites
da vida de sensações, que por sua vez engendram as formas orgânicas com os seis campos de
percepção, ou sejam, os cinco sentidos e a morte em que os cinco se resumem. Os seus campos relacionam-se com o mundo exterior e deste contacto provém a sensação que tece a rede
da personalidade com o apego às coisas materiais.
A personalidade perpetua-se nos sucessivos nascimentos que ocasionam a dor, a
angústia, o abatimento, a velhice e a morte.
“A causa de toda a dor é a ignorância. Dissipai a ignorância e os apetites que nascem
dela se desvanecerão. Desaparecerá a falsa percepção do mundo material e vos livrareis da
concupiscência, do erro, da ilusão, do egoísmo da personalidade, sobrepondo-vos à enfermidade, à velhice, à morte e ao renascimento:”
45
As quatro Nobres Verdades
O Sábio viu as quatro nobres verdades que mostram o caminho do Nirvana e o aniquilamento da personalidade.
A Primeira Nobre Verdade é que o sofrimento existe. Sofre-se ao nascer, ao crescer,
ao adoecer e ao morrer. Sofre quem está unido ao que repugna. Sofre quem se vê forçado a
separa-se de quem ama. Sofre quem anela o que não pode alcançar.
A Segunda Nobre Verdade é que o sofrimento tem a sua causa pois não existe efeito
sem causa. O sofrimento provém da concupiscência. O mundo objectivo excita à sensação, e a
sensação desperta o desejo com ânsia de imediata satisfação. O desejo de viver para satisfazer
os desejos da personalidade prende-nos nas redes do sofrimento. O prazer sensual é um acontecimento que resulta em dor.
A Terceira Nobre Verdade é que o sofrimento pode cessar. Existe um fim para o
sofrimento. Quem subjuga a personalidade, livra-se da concupiscência, e por conseguinte, do
desejo e da dor.
A Quarta Nobre Verdade é que existe um Caminho para o fim do sofrimento. É o
Óctuplo Caminho. Pela Óctupla Senda chega-se à eliminação do sofrimento. Salva-se do
sofrimento somente aquele que submete a sua vontade ao dever.
O Óctuplo Caminho
O homem inteligente segue o Óctuplo Caminho e assim cessa de sofrer. Eis os oito itens da
senda que lava à cessação do sofrimento:
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
VII.
VIII.
Recta Compreensão
Recto Propósito
Recta Palavra
Recta Conduta
Rectos Meios de subsistência
Recto Esforço
Recta Atenção (Concentração)
Recta Meditação
“Trilhai-a respeitando o dharma, isto é, cumprindo o vosso dever e evitando prejudicar
outros seres.
Pensai na lei da causa e efeito, na lei do karma que forja o destino do homem, e domina os vossos sentimentos.
Tal é a Recta Compreensão.
Sede benévolos para com tudo o que vive. Extirpai a maledicência, a inveja, a ira, de
tal sorte que vos assemelheis ao suave sopro da brisa.
Tal é o recto Propósito.
Cuidai dos vossos lábios como se fossem os portais de um rei. Que todas as vossas
palavras sejam francas, sinceras e corteses, como se estivésseis na presença do rei.
Tal é a recta Palavra.
Que cada uma das vossas acções elimine um vício e fomente uma virtude.
Como se entrevê um fio de prata entre as cristalinas contas de um colar, assim se deve
mostrar o amor em toda a boa acção.
Tal é a Recta Conduta.
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As outras quatro etapas superiores só podem galgá-las os pés que já não pisam caminhos mundanos.
Almas cujas asas não têm mais plumagem! Não tenteis voar até ao sol!
O ar das regiões inferiores vos é mais suave, e conhecidos e seguros vos são os caminhos e níveis domésticos a que estais acostumados.
Tão só os seres vigorosos podem abandonar o ninho que cada qual fabricou para si.
Valiosos são o amor da mulher e do filho. Sei-o.
Agradáveis são as amizades e os recreios da vida.
Úteis são as compassivas qualidades de uma conduta virtuosa.
Fazei de vossa debilidade uma escada de ouro e ascendei pela diária convivência com
estas ilusões até às verdades mais dignas de serem amadas.
Assim alcançareis mais serenos cumes, será menos penosa a vossa ascensão, não pesarão tanto as vossas culpas, e vos fortalecereis pela vontade de quebrar as ligações dos sentidos
e entrar na Senda.
Tal é o dharma. Tal é a religião. Tal é a verdade.”
E o Sábio exclamou:
“Quanto tempo andei por caminhos errados! Ligado durante muitas vidas pela cadeia
dos desejos, busquei inutilmente a origem da inquietação que tortura o homem, do egoísmo e
da ansiedade inerentes à vida terrena, com o seu nascimento, as suas dores e a sua morte.
Porém já o descobri. É a personalidade. Não construais, ó Senhores do Karma! nova
casa para mim, porque rompi o jugo do pecado e quebrei o leme da inquietação.
O meu Espírito entrou no Nirvana. Desvaneceu-se o desejo. Ali está a personalidade e
aqui a verdade. Onde está a personalidade não está a verdade. São incompatíveis.
A personalidade é o transitório erro do Samsara, a roda dos renascimentos e mortes; a
isolada separatividade egoísta, a mãe da inveja e do ódio. A personalidade é a insensata avidez dos prazeres, o louco afã dos ilusórios triunfos e da vaidade.
Em troca, a Verdade dimana da recta compreensão das coisas; é eterna; é a realidade
da existência; é a bem-aventurança que conduz à recta senda.
A personalidade é uma ilusão, e não há no mundo nem vício nem pecado, que não
derive da afirmação da personalidade.
Não é possível caminhar de pés firmes pela recta senda sem que se tenha antes abandonado o embaraço lastro das paixões egoístas. A perfeita paz requer o abandono de toda a
vaidade.
Bem-aventurado quem compreende o dharma. Bem-aventurado o que não prejudica os
demais seres humanos. Bem-aventurado quem venceu o pecado e está livre de paixões. Goza
de completa felicidade quem vence o egoísmo e a vaidade, porque já é perfeito e santo.
Alcançou a suprema iluminação.”
__________
*1 Concupiscência: desejo ardente dos gozos materiais. Viver a vida ocupando excessivamente a mente com temas de pensamento relacionados com a gratificação dos sentidos (por exemplo, comida,
sexo…), e/ou a gratificação emocional (dar excessiva importância às emoções, aos afectos, à intimidade), para o material (bens materiais, poder, estatuo social ou profissional…)
Tudo o que é material tem a sua importância relativa. Nada é “pecado” por si só. O perigo consiste em
julgar esses gozos materiais como o objectivo principal da existência humana, como a meta mais pura
e elevada. E o pior perigo, prejudicar outros seres para satisfazer esses desejos, ganhando karma,
prendendo-se à lei da reencarnação.
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Figueira-religiosa (Ficus religiosa) ao lado do Templo Mahaboddhi
O local onde Buda alcançou a iluminação
“Eu fiz o percurso de muitos nascimentos,
Procurando o criador desta morada e não o encontrando,
Doloroso é nascer e tornar a nascer.
Todas as vigas estão partidas,
O nosso cume está destruído,
A mente atingiu a extinção dos desejos”.
Buda sobre o recebimento da Iluminação
48
Parte III
Fundação do Reino da Verdade
49
50
I – O SERMÃO DE VARANASI*1
Actual Benares (antiga Varanasi)
O Senhor Buda voltou para o lugar onde estavam os cinco eremitas que, ao verem
aproximar-se o antigo mestre, resolveram não lhe darem mais este título, mas chamá-lo pelo
nome, pois diziam entre si: “Ele quebrou o seu voto e fracassou na santidade. Já não é um dos
nosso, mas apenas Gautama, um homem que vive na abundância e se entrega aos prazeres
mundanos.”
Todavia, quando o Bem-aventurado aproximou-se deles, ergueram-se os cinco inconscientemente para recebe-lo e saudá-lo, embora o chamassem pelo nome e o tratassem como
amigo.
O Bem-aventurado disse-lhes:
“Não chameis ao Tathágata*2 pelo seu nome nem lhes deis o trato de amigo, porque já
é Buba, o Iluminado, que olha todos os seres com a mesma compaixão, e por isso o devem
chamar de pai. É mau faltar ao respeito ao pai. Pecado é menosprezá-lo
O Tathagata não crê que as austeridades sejam o caminho para a salvação. Porém, isto
não quer dizer que se entregue aos prazeres mundanos e viva na abundância. O Tathágata
encontrou o caminho do meio.
A abstenção de carnes e pescados, raspar a cabeça ou trancar o cabelo, vestir-se com
túnica grosseira, cobrir-se de pó e oferecer a Ani, nada disso purificará aquele que não se
libertou do erro.
A leitura dos Vedas, as dádivas aos sacerdotes, a mortificação pelo calor ou pelo frio,
e outras penitências semelhantes com o intuito de alcançar a imortalidade, não purificam
quem não se libertou do erro.
A ira, a embriagues, a teimosia, a hipocrisia, a presunção, a maledicência, a arrogância, as más intenções, são impurezas e certamente não são limpas pelas mortificações corporais.
Deixai que vos mostre o caminho do meio que é equidistante dos viciosos extremos.
O devoto extenuado pela maceração confunde a sua mente, e os seus pensamentos são
doentios. As austeridades mortificantes não constituem meio eficaz para subjugar os sentidos
da percepção.
Aquele que alimenta a sua lâmpada com água em vez de azeite, não dissipará as trevas, e nem é possível avivar o fogo com lenha podre. As mortificações são tão penosas quão
inúteis; e mesmo que o homem leve uma vida austera, não poderá emancipar-se da escravidão
da personalidade, se não extinguir o fogo da concupiscência.
51
Toda a mortificação é vã, se a personalidade persiste em desejar os prazeres do mundo
e os deleites do céu.
Porém, quem subjuga a personalidade, está livre de concupiscência, não deseja prazer
nenhum, nem mundano nem celeste, e por isso não o contaminará a satisfação das suas necessidades naturais. Que coma e beba para a manutenção do corpo.
A água que rodeia a flor de lótus, não molha as suas pétalas.
Toda a sensualidade é enervante. O homem sensual é escravo das suas paixões, e
degrada-se vilmente ao buscar o prazer. Porém, não é mau satisfazer as necessidades da vida.
Ao contrário, é dever nosso conservar a saúde do corpo, porque de outra maneira não
poderíamos manter acesa a lâmpada da sabedoria, nem dar fortaleza e lucidez à mente.
Este, ó devotos, a senda equidistante dos dois extremos.”
E os cinco devotos foram os primeiros discípulos do Senhor Buda.
O Bem-aventurado falou bondosamente aos seus discípulos mostrando compaixão
pelos seus erros e representando-lhes a inutilidade dos seus esforços.
A pequena desconfiança que existia nos seus corações desapareceu ao calor e persuasão das palavras do Mestre.
Então o Bem-aventurado pôs em movimento a roda da Lei, e começou a pregar aos
cinco discípulos, abrindo-lhes a porta da imortalidade e expondo-lhes as excelências do Nirvana. Quando o Senhor Buda começou o sermão, os mundos estremeceram de júbilo. Os
devas abandonaram a sua celeste mansão para ouvir as doces palavras da Verdade; os santos
que já haviam saído deste mundo, congregaram-se em torno do Grande Instrutor para receber
as felizes novas; e até os animais gozaram do benefício dimanante das Sua sábias palavras.
Todas as criaturas, deuses, homens e animais escutaram e compreenderam, cada qual
em seu grau de inteligência, a luminosa mensagem de libertação.
A Roda da Lei. Mostra os símbolos do caminho óctuplo para alcançar a iluminação.
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Assim disse o Senhor Buda:
“Os raios da Roda são as regras da rectidão de conduta. A justiça é a uniformidade da
sua conferência; a sabedoria é a sua faixa, a meditação é o cubo em que se fixa o eixo da verdade inflexível.
Aquele que percebe e existência da dor conhece a sua causa, remédio e extinção, compreende as quatro nobres verdades e está no bom caminho.
O seu recto propósito será a luz que iluminará os seus passos, e a palavra verdadeira o
seu refúgio. Caminhará em linha recta, porque recta é a conduta.
O trabalho honroso terá o seu consolo, os seus esforços serão os seus passos, os seus
bons pensamentos, o seu hálito, e a paz será a sua companheira inseparável.
Tudo quanto teve princípio terá fim. É vão todo o cuidado com a personalidade, todas
a as atribulações que a afectam são passageiras, e desvanecer-se-ão como um pesadelo quando acordar o sonhador.
Quem se desperta para o conhecimento da Verdade, livra-se de todo o temor e conhece
a futilidade das suas inquietações, ambições e sofrimentos. Acontece que, às vezes, ao sair de
um banho, uma pessoa pisa numa corda húmida e a confunde com uma serpente; e horrorizado, sofre a agonia idêntica à causada por uma picada venenosa. Quão alegre, ficará o homem
ao reconhecer o seu engano e a não existência de tal serpente! O motivo do seu espanto está
no seu erro, na sua ignorância e ilusão. Quando souber que pisou numa corda, reconquistará o
sossego e a tranquilidade.
Tal é atitude de quem conhece a ilusão da personalidade, e que a causa de todas as
suas dores, sofrimentos, inquietações, e vaidades é uma miragem, uma sombra, um sonho.
Feliz aquele que vence o egoísmo, alcança a paz e encontra a Verdade.
A Verdade liberta-nos do mal, não há no mundo libertador igual.
Confiai na verdade, mesmo que não sejais capaz de compreendê-la, mesmo que no
começo vos pareça amarga a sua doçura.
O erro extravia; a ilusão é a mãe do mal, que embriaga como bebida fermentada;
porém, muito logo se desvanece, deixando o homem abatido e desgostoso.
A personalidade é uma febre, uma visão passageira, um sonho; porém a verdade é
sublime, saudável, eterna. Unicamente a verdade é imortal, porque permanece para sempre.”
Exposto este ensinamento, o venerável Kaudinya, o discípulo mais idoso, viu a verdade com os olhos do Espírito exclamou:
“Certamente, ó Senhor Buda! Tu encontras-te a Verdade.”
E os devas, os santos e os bons espíritos das mortas gerações, que ouviram o sermão
do Tahtágata, receberam alegres a doutrina e exclamaram: “Em verdade o Bem-aventurado
comoveu a Terra. Pôs em movimento a Roda da Lei, sem que ninguém no universo, deuses, e
homens, possam movê-la em sentido contrário. A mensagem da verdade será proclamada em
todo o mundo, e a justiça, a boa vontade e a paz reinarão na terra.”
__________
*1 No original está “ Sermão de Benares”. Varanasi era a dominação dessa cidade no tempo de Buda.,
mudada durante o domínio inglês na Índia e restabelecida pelo governo indiano em 1956, durante as
festividades do 25000ª aniversário da morte do insigne Instrutor.
*2 Tathágata: um dos títulos atribuído a Buda. Significa “Um que é como o próximo”, “O que segue as
pegadas dos seus predecessores ou daqueles que chegaram antes.”
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54
II – O PAI DE BUDA
Estava o Buda em Radjagriha, quando o seu pai Suddhodana lhe mandou um recado
dizendo:
“Desejo ver o meu filho antes de morrer. Todos têm recebido o benefício da sua doutrina, menos os seu pai e parentes.”
“Ó Tathágata!”, a quem o mundo adora. O teu pai te espera, como o impaciente lírio a
saída do sol.”
O senhor Buda atendeu o pedido do seu pai, e pôs-se a caminho para Kapilavastu.
Este acontecimento foi conhecido por toda a Comarca, cujas pessoas diziam; “O príncipe Siddhartha, que deixou o seu lar para adquirir luz e conhecimento, volta iluminado.”
Suddhodana saiu para receber o príncipe, acompanhado da família real e dos seus
ministros. Ao vê-lo de longe, admirou-se da majestade do seu porte e da beleza da sua fisionomia, e alegrou-se em seu coração sem que os seus lábios pudessem proferir uma palavra.
Realmente aquele era filho, outrora o príncipe Siddhartha, o herdeiro do trono, porém agora
transformado em Buda, o Bem-aventurado, o Santo, o Iluminado, o Tathágata, o Senhor da
Verdade, o Instrutor do mundo.
O rei Suddhodana desceu do carro e foi ao encontro do seu filho, dizendo-lhe: “Faz
sete anos que não te vejo; Quão impaciente esperava este momento!”
O Senhor Buda sentou-se em frente do seu pai, que avidamente o olhava sem atreverse a chamá-lo pelo nome, e disse-lhe: “Siddhartha, junta-te ao teu velho pai e sê de novo o seu
filho.”
Porém ao ver a serena firmeza do seu filho, reprimiu os seus sentimentos dolorosos. E
assim o rei, sentado em frente do seu filho, gozava em sua aflição e sofria em seu gozo.
Podia ufanar-se de seu filho, porém sofria ao pensamento que não seria ele o seu herdeiro.
O rei disse ao Senhor Buda:
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“Queria oferecer-te o meu reino; porém farias tanto caso desta oferta como de um
punhado de cinzas.”
O Senhor Buda respondeu-lhe:
“Sei que o coração do rei transborda de amor, e está profundamente triste por causa do
seu filho. Porém os amorosos laços que te ligam ao filho que perdeste, hão-de ligar-te com
igual bondade a todos os seres, ou em lugar deste filho, receberás outro maior do que Siddhartha. Receberás o Buda, o Mestre da Verdade, o pregador da Justiça; a paz do Nirvana inundará o teu coração.
Suddhodana estremeceu de alegria ao ouvir as palavras suaves do seu filho, e de mãos
juntas exclamou com os olhos banhados em lágrimas:
“Maravilhosa transformação. Desvaneceu-se-me a dolorosa tristeza. Antes, eu estava
pesaroso e o meu coração aflito; porém agora colho o fruto da tua magna renúncia. Movido de
profunda compaixão, bem fizeste em renunciar as mesquinhas manifestações do régio poder,
para cumprir os teus nobres propósitos de religiosa devoção. Encontras-te a senda e já podes
pregar a Verdade ao mundo ansioso de libertação.”
Segundo relatam as Escrituras sagradas, no vasto prado às margens do Kohana, o Mestre sentou-se dominando a multidão respeitosa ali congregada para ouvir a sua palavra.
Buda estava sentado à direita do rei, seu pai; ao redor se agrupavam os magnatas da
corte, e a seus pés estava Yasodhara, que com o seu manto prateado cobriu as pregas do saial
amarelo do seu esposo.
A noite caiu sobre os ouvintes, como celestial donzela extasiada de amor, cujas tranças
de cabelo eram como ondulantes nuvens; as belas estrelas, as pérolas e diamantes da sua
coroa; a lua, o seu diadema, e as densas trevas teciam a sua vestimenta.
Assim disse o Senhor Buda:
“Os livros ensinam que as trevas eram o princípio e que Brama meditava solitário
naquela noite.
Não busqueis ali Brama nem o Princípio. Olhos mortais não podem vê-lo, nem é capaz
de o conhecer a mente humana. Erguerá um véu após outro, mas sempre encontrará outro véu
atrás.
Os astros rodam e não perguntam. Basta que a vida e a morte, a alegria e a dor subsistam, assim como a causa e efeito, o transcurso do tempo e o incessante fluxo e refluxo da
existência que é sempre mutável e desliza como um rio, cujas ondas lentas ou rápidas se sucedem umas às outras desde a sua longínqua fonte até ao amor onde desaguam.
O sol evapora o mar e restitui perdidas ondas em formas de aveludadas nuvens, que
gotejarão montanhas abaixo, para refluir de novo, sem paz nem trégua.
Isto basta para se saber quão ilusórios são os céus, as terras, os mundos e as mudanças
que o alteram em potentes rodas de lutas e violências, cujo turbilhante giro ninguém pode
deter nem inverter.
Não supliqueis, porque as trevas não iluminarão, nada peçais ao silêncio, porque ele
está mudo. Nada esperareis dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas. Não
pretendais suborná-los com cruentos sacrifícios. Em nós mesmos devemos buscar a libertação.
Cada qual cria o seu propósito cárcere. Cada qual tem tanto poder quanto os mais
potentes. Porque tanto as Potestades que estão acima, ao redor, e em baixo de nós, como toda
a carne e toda a vida, a acção engendra o prazer e a dor. Do que foi provém aquilo que é e o
que será, melhor ou pior, podeis elevar o vosso destino a maior altura do que o de Indra ou
rebaixá-lo mais do que o da larva; o que sobre pode cair; o que cai pode subir.
Os raios da roda não param de girar, ó vós que sofreis! Sabei que sofreis porque quereis. Ninguém vos excita à vida nem nela vos retém condenados à morte, girando sobre a roda
e abraçando os seus raios de agonia, o seu aro de lágrimas, o seu cubo de rija madeira.
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Mais fundo do que o inferno, mais alto do que o céu, além das mais longínquas estrelas, mais além da morada de Brama, há um Poder estável e divino, existente antes do princípio
e que não terá fim, eterno como o tempo, seguro como a certeza, que impele para o Bem e é
súbito de suas próprias leis. A seu toque, florescem os rosais e a sua mão modela as pétalas de
lótus, e no obscuro solo e nas silenciosas sementes, tece o atavio da primavera. O Seu pincel
colora as luzentes nuvens, e no pescoço do pavão real engasga as suas esmeraldas. As estrelas
são o seu porto, e o relâmpago, o vento e a chuva seus escravos. Constrói nas trevas o coração
do homem e na obscuridade do ovo, o faisão de colo multicolor, sempre activo, transmuta a
ira e o ódio em amor.
Os seus tesouros são os cinzentos ovos no ninho do colibri dourado; as suas hexágonas
favas de abelha são suas redomas de mel; a formiga obedece aos seus mandatos e a branca
pomba o conhece bem, solta as asas à águia toda a vez que com pressa volta ao seu ninho;
conduz a loba para junto aos seus lobinhos; e encontra sustento e amigos para os seres abandonados.
Nada o repugna, nada o detém. Tudo ama. Enche os seios maternais de doce leite, com
como de mortífero veneno os dentes da serpente.
Concerta no interminável dossel do firmamento a harmoniosa música das móveis esferas, nos abismais seios da Terra esconde o ouro, o ónix, a safira e as lazulitas.
Envolto perpetuamente no mistério, oculta-se na espessura dos bosques e alimenta ao
pé dos cedros admiráveis rebentos com novas fibras, ervas e flores
Mata e salva sem outro móbil que o cumprimento do destino. O Amor e a Vida são os
fios, e a Morte e a Dor as lançadeiras do seu tear. Faz, desfaz e emenda tudo. Com o que faz,
supera o que fez.
Cada vida do homem é o resultado das suas vidas precedentes. Os erros passados
engendram tristeza e sofrimento. A passada rectidão traz felicidade. Colhereis o que semeardes. Vede os vossos campos. O sésamo foi sésamo, e o trigo, trigo. O silêncio e a sombra o
sabem. Assim nasce o destino do homem. Vem à vida e colhe o que semeou; sésamo ou trigo,
ou venenosas e daninhas ervas que o corrompem e À doentia terra. Porém, se bem lavrada a
terra e extirpadas as más ervas, semeando em seu lugar as sãs e puras, formoso e fértil será o
solo e óptima a colheita.
Se aprende a causa da dor e pacientemente a suporta, esforçando-se por pagar as dívidas contraídas por suas culpas passadas, sempre fiel ao Amor e à Verdade; se limpa o seu
sangue da mentira e concupiscência, e sem prejuízo de outrem sofre tudo mansamente, perdoando as ofensas, pagando o mal com o bem; se dia a dia é compassivo santo, justo, amável
e sincero, e extirpa o apego à vida; se agir assim, terminará a conta da sua vida liquidando e
saldando os seus débitos ou longínquos, que também produzirão frutífero crédito.
Quem age assim, não precisa do que chamais vida. Realizou o propósito que o fez
homem.
Já não o torturará a ansiedade sem o mancharão os pecados, nem os prazeres e dores
humanas turvarão a sua perpétua paz, nem voltarão a eles mortes e renascimentos. Entre no
Nirvana. Uniu-se com Vida, e no entanto não vive. É feliz porque deixou de existir, porém
não deixou de ser.”
E o Senhor Buda retirou-se para o bosque próximo da cidade.
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A Roda do Dharma
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III – O REI PRASENAJIT VISITA BUDA
O Rei Prasenajit, tendo conhecimento da chegada do senhor Buda, saiu com grande
pompa e foi ao bosque de Jevatana, onde Ele estava, e de mãos juntas saudou-o, dizendo-lhe:
“Feliz o meu humilde e indigno reino por ter obtido tão grande favor, pois que perigos,
que calamidades poderão ameaçá-lo na presença do Senhor do Mundo, do rei da Lei, do Rei
da Verdade?
Agora que contemplo o seu sagrado semblante, poderei encher o meu vaso com as
saudáveis águas dos seus ensinamentos.
Os bens terrenos são transitórios e perecíveis. Os bens da verdadeira religião são permanentes e eternos. O homem mundano, mesmo que cinja a coroa e empunhe o ceptro, está
inquieto, enquanto o santo, embora seja vulgar, goza de paz de espírito.”
O Senhor Buda sabia que o rei Prasenajit era escravo da avareza e amava os prazeres,
e aproveitando a ocasião, disse:
“Aquele que por seu mau karma nasceu em condição vulgar, respeita o homem virtuoso. Com maior razão deve respeitar um Buda aquele que por merecimentos contraídos em
existências anteriores, nascem em leito régio. Escuta atentamente ó rei, as minhas palavras e
considera bem o que te vou dizer:
As nossas boas acções ou más acções seguem-nos constantemente, como a nossa sombra. O mais importante é um coração compassivo.
Considera o teu povo como se fosse o teu único filho. Não o oprimas nem destruas.
Sujeita à tua vontade todos os membros do teu corpo. Foge das doutrinas perversas e segue a
recta senda. Não te ufanes rebaixando-te aos demais. Alivia e socorre os que sofrem.
Não dês excessivo valor à régia dignidade nem prestes ouvidos às lisonjeadoras palavras dos aduladores.
De nada serve mortificar-se com austeridades. Mais vale meditar sobre a lei da verdade.
Estamos encerrados dentro do muro do nascimento, da enfermidade, da velhice e da
morte; e só pela meditação e prática da verdadeira lei, poderemos sair do nosso encerramento.
Que proveito colhe a iniquidade?
Todos os sábios fugiram dos prazeres sensuais. Detestaram a luxúria e ocuparam-se
em enaltecer a sua vida espiritual.
Como será possível às aves refugiarem-se nos ramos de uma árvore em chamas? A
verdade é incompatível com a paixão. Quem não sabe isto, é ignorante, embora o chamem de
sábio.
Quem conhece esta ciência, está no alvorecer da verdadeira sabedoria, e na aquisição
desta sabedoria prevalecerá o propósito da vida. Quem não a adquire, fracassa.
Esta verdade não se destina ao peculiar conhecimento do asceta e do brâmane, porém a
todo o ser humano, sem excepção nem diferença de castas.
Não se faz distinção entre o monge professor e o pai de família em seu lar. Há monges
que caem na perdição e humildes pais de família que ascendem à categoria de rishi.
A luxúria estende as suas redes por toda a parte do mundo e a todos ameaça com o
mesmo perigo. Quem cai nas suas malhas, só se salva pela reflexão e conquista da sabedoria.
Desde que é impossível evitar as consequências das nossas acções, procedamos sempre em obediência à lei.
Vigiemos os nossos pensamentos, porque do pensamento provém a acção, e segundo
semearmos assim colheremos.
Há muitos caminhos que conduzem das trevas para a luz, e outros há que conduzem da
luz às trevas.
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Também há caminhos que da obscuridade conduzem à escuridão, e outros há que da
aurora nos levam à luz meridiana.
Mostra-te superior pelo exercício da razão e da virtude. Medita profundamente na instabilidade das coisas humanas e na inconstância da vida terrena.
Realça o teu espírito com fé sincera e vontade firme.
Não quebres as regras da boa conduta nem estabeleças a felicidade em coisas externas,
mas em tua interna individualidade. Assim, as futuras gerações bendirão o teu nome, e não te
faltará a protecção do Tathágata.”
O rei ouviu respeitoso as palavras do Buda e gravou-as o seu coração.
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IV – A DEVADATA
Quando Devadata, filho de Suprabuda e irmão de Yasodhara, entrou no discipulado,
ele se acreditou capaz de alcançar as mesmas distinções e honras de Gautama Siddhartha.
Mas como fracassou o seu intento, encheu-se de inveja e começou a fazer críticas aos
ensinamentos do Senhor Buda, dizendo que eram demasiado brandos. Devadata foi a Radjagriha e encheu os ouvidos de Ajatasatru, filho do rei Bimbisara.
Então Ajatasatru edificou um vihara*1 para Devadata e este fundou uma seita cujos
seguidores deviam observar regras severíssimas, com mortificações do corpo.
O Senhor Buda foi depois a Radjagriha e parou no vihara de Devadata, que lhe pediu
que aprovasse as rigorosas regras da sua seita, cuja observância trazia maior grau de santidade.
Disse-lhe Devadata:
“O corpo compõe-se de trinta e duas partes e não tem nenhum atributo divino. É concebido no pecado e nasce destinado à corrupção e sujeito à ilusão e dores passageiras. É o
instrumento do karma proveniente das nossas existências anteriores, e nele se apresentam o
pecado, a enfermidade e a morte. Tal é a condição do corpo. Assim, pois, devemos tratá-lo
como uma simples casca e cobri-lo com farrapos.”
O Bem-aventurado respondeu-lhe:
“Certamente está o corpo cheio de impureza e o seu destino é transformar-se em simples esqueleto; porém, como é o instrumento do karma, temos que fazer dele um vaso de verdades e não de pecados. É mau entregar-se aos prazeres do corpo; porém não é bom negar-lhe
a satisfação das suas necessidades e aumentar as suas impurezas.
Uma lâmpada suja e com pouco óleo se apagará, e um corpo maltratado e consumido
pelas austeridades e mortificações, não será adequado receptáculos para a luz da verdade. As
tuas regras não guiarão os teus discípulos pelo caminho do meio que eu tracei. Certamente
não é justo proibir a observância das regras rigorosas para aqueles que desejem segui-las;
porém não se deve impô-las a ninguém, porque são inúteis.”
Desta forma o Senhor Buda repeliu o pedido de Devadata, que, aborrecido, continuou
a criticar as regras do Buda, porque as achava demasiado suaves e sem nenhum mérito para a
salvação. Quando o Bem-aventurado soube das murmurações de Devadata, disse:
“Nada existe que os homens não vituperem. Vituperam os que em silêncio permanecem sentados. Vituperam os que falam, vituperam os que também pregam a senda do meio.”
__________
*1 Templo
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V – AS QUATRO NOBRES VERDADES
O Senhor Buda disse aos seus discípulos:
“É preciso, ó discípulos, compreender as quatro nobres verdades e agir de acordo com
elas, pois tanto vós como eu temos gasto muito tempo à procura da felicidade pelos penosos
caminho das reencarnações.
A alma evolui sucessivamente por meio de todas as formas materiais, do mineral ao
vegetal, do vegetal ao animal, do animal ao homem, até alcançar perfeição no estado de Buda.
Todas as criaturas são o que são, devido ao karma criado em suas existências anteriores são o que foram, segundo as suas obras na vida presente.
A natureza racional do homem é a chispa de inteligência, a mente que uma vez adquirida não perderá nunca mais.
Mas necessita passar por vidas sucessivas para chegar à etapa superior de existência,
onde recebe a inextinguível luz da verdade.
Eu cheguei a esta etapa superior de existência, encontrei a verdade e vos indico o
caminho da bem-aventurança final.
Mostro-vos o caminho do largo de ambrósia que apaga o pecado.
Dou-vos a refrigerante bebida da compreensão da verdade que liberta do sofrimento,
das paixões e do pecado.
Mesmo os deuses anelam a felicidade daqueles que purificados de toda a mácula e
livres de todas as ilusões, abandonam os incentivos das paixões e entram no Nirvana.
Quem segue a senda recta, mesmo que viva no mundo, não vive segundo o mundo
nem mancha o seu coração de desejos mundanos.
Como uma mãe protege o seu único filho e por ele arrisca a própria vida, assim
fomenta e estimula a boa vontade entre os homens aquele que segue a recta senda.
Nesta disposição de ânimo deve estar o homem, acordado ou dormindo, são ou enfermo, em todas as circunstâncias da vida, pois não há no mundo nada que a supere.
Aquele que não compreendeu as quatro nobres verdades, tem que seguir um longo
caminho de repetidos nascimentos através dos desertos da ignorância, das ilusões e do pecado.
Porém, quem aprende, compreende e pratica as quatro nobres verdades, esgota o mau
karma das existências anteriores, elimina o egoísmo e entra no Nirvana.
Tal é o fim da evolução.
Tal é a libertação final.
Tal é a eterna bem-aventurança.
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VI – CONTRA OS MILAGRES
Vivia em Radjagriha um pai de família chamado Jiotichka, filho de Subhadra.
Recebeu de presente uma magnífica vasilha de sândalo, guarnecida de pedras preciosas, e colocou-a na ponta de uma vara erguida na porta de sua casa, com os seguintes dizeres:
“Se um monge alcançar esta concha por seu mágico poder, sem escada nem pau, serlhe-á dado tudo o que desejar.”
As pessoas aproximaram-se então do Senhor Buda e disseram-lhe admiradas:
"Grande é o Tathágata. Os seus discípulos fazem milagres. Kasyapa, o discípulo de
Buda, viu a concha na ponta da vara de Jiotichka, e juntando as mãos, fê-la descer até estas e
levou-a ao vihara.
Então o Senhor Buda quebrou a concha, e disse a Kasyapa e a outros discípulos que no
futuro se abstivessem de fazer milagres.
Algum tempo depois, na estação das chuvas, muitos discípulos se estabeleceram na
comarca de Vriji, desolada pela fome. Um dos discípulos propôs aos seus irmãos que se elogiassem mutuamente perante as pessoas dizendo: "Este monge é um santo; teve visões celestes. Possui faculdades sobrenaturais e pode fazer milagres." E os aldeões dirão: "Certamente é
uma felicidade que estes santos varões venham entre nós na estação da chuva". Deste modo
nos darão esmolas de boa vontade e não sofreremos fome".
Quando o Senhor Buda soube disto, mandou que Ananda reunisse todos os discípulos,
e disse-lhes:
“Dizei-me, ó discípulos, quando é que um discípulo deixa de o ser?”
Sariputra respondeu-lhe:
“O Bom discípulo não deve quebrar o voto de castidade; se o quebra, não é discípulo
de Sakyamuni.
O bom discípulo não deve tirar a vida a nenhum ser inofensivo, nem sequer a de um
verme ou formiga.
Estas são as duas maiores máximas, que vos declaro agora.
Um bom discípulo não deve vangloriar-se de virtude nem de nenhuma qualidade
sobre-humana. O discípulo que por egoísmo ou proveito pessoal se envaidece de possuir
faculdades extraordinárias, de ter visões celestes ou de agir por meio de milagres, não é discípulo de Sakyamuni. Assim, ó discípulos, não deveis vos valer de feitiços nem de orações,
porque são inúteis, já que tudo está regido pela lei do karma. Quem tenta fazer milagres, não
compreendeu a doutrina do Tathágata.”
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VII – INSTRUÇÕES PARA OS NOVIÇOS
Os noviços aproximaram-se de Buda e perguntaram-lhe que preceitos deviam obedecer.
Assim disse o Bem-aventurado:
“Aqueles que desejam entrar na senda para ser fiéis discípulos de Buda, devem observar quatro preceitos fundamentais:
1º- Procurar boas companhias;
2º - Entender a lei;
3º - Fortalecer a mente por meio da reflexão;
4º - Praticar a virtude.
Tais são, ó noviços, as quatro primeiras etapas da senda.
No entanto, quanto à norma de conduta dou os dez mandamentos, que são:
1º - Não matar;
2º - Não roubar;
3º - Não falar mal dos outros;
4º - Não mentir;
5º - Não comer fora das horas pré-fixadas e abster-se de bebidas alcoólicas;
6º - Não assistir a bailes nem a espectáculos;
7º - Abster-se de perfumes, unguentos, adornos e grinaldas;
8º - Não cobiçar nada de ninguém;
9º - Evitar a moleza dos leitos macios e poltronas fôfas;
10º- Abster-se de receber esmolas em dinheiro.
Estes dez preceitos prescrevo, ó discípulos, para o noviciado.”
VIII – SEGREDO E PUBLICIDADE
Assim falou o Senhor Buda.
“Três coisas, discípulos, se mantêm secretas: os negócios do amor, a sabedoria sacerdotal e os extravios do caminho da verdade.
As mulheres enamoradas, ó discípulos, buscam a solidão e fogem das pessoas; os
sacerdotes que anelam revelações especiais, buscam a solidão e fogem das pessoas; todos os
que se afastam do recto caminho, ó discípulos, evitam a publicidade.
Três coisas, ó discípulos, brilham ante o mundo e não se ocultam: a lua, que ilumina o
mundo e não se esconde; o sol, que ilumina o mundo e não se esconde; a Verdade, proclamada pelo Tathágata, ilumina o mundo e nunca se oculta. Estas três coisas iluminam o mundo e
nunca se ocultam, ó discípulos.
Não há segredo para elas.
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IX – REGRA DA ORDEM
Disse o Senhor Buda:
“Qual é o homem de bem? O religioso é o homem de bem. E quem é o religioso? É
aquele que segue o caminho da Verdade.
Qual é o homem forte? O homem pacífico é forte, porque venceu a personalidade e
seus incitamentos. Está tranquilo e sem mancha.
Quem é sábio? É aquele que conseguiu conhecer sua natureza interna. É aquele que se
mantém limpo de toda a mancha e vive rectamente.”
E o Senhor Buda reuniu os discípulos e lhes deu estas regras de conduta: "Não destruais nenhuma forma vivente. Não tomeis o que não vos derem. Não mintais. Não vos
embriagueis. Não cometeis adultério. Dou-vos estes cinco mandamentos.”
Para os professos acrescentou outros três: “Não comais de noite. Não useis adornos
nem perfumes. Não durmais em leitos macios, e sim, em enxergões estendidos no chão.
E quem for piedoso, observará o Upavasatha, e se sentirá feliz por prover de alimentos
a Ordem.”
X – EXTINÇÃO DO SOFRIMENTO
Assim falou o Senhor Buda:
“Que é o pecado? Matar é pecado, roubar é pecado; a luxúria é pecado; a inveja é
pecado; o ódio é pecado; seguir falsa doutrina é pecado. Todas estas coisas, amigos meus, são
pecados.
E qual é a raiz do pecado? O desejo é a raiz do pecado; a paixão e a ilusão são raízes
do pecado. Estas coisas são raízes do pecado.
Então, o que é bom? Não furtar é bom; a castidade é boa; não mentir é bom; não caluniar é bom; abster-se de murmurar é bom; não invejar é bom; não odiar é bom; e bom é obedecer à Verdade. Todas estas coisas são boas.
E qual é, amigos meus, a raiz do bem? A libertação do desejo, da paixão, da ilusão é a
raiz do bem.
Que é, irmãos meus, o sofrimento? Qual sua origem? Como se extingue?
Nascer é sofrer; envelhecer é sofrer; enfermar é sofrer; a dor e a miséria são sofrimentos; a aflição e o desespero são sofrimentos; o apego aos vis prazeres (vícios) é sofrimento; a
perda do amado e não alcançar o desejado. Todas ocasionam sofrimento. Todas estas coisas
originam sofrimento. Todas elas, Ó irmãos, são dores.
E qual é, ó irmãos, a senda que conduz à extinção da dor? A óctupla senda nos conduz
à extinção da dor.
Quando o homem conhece a dor, a origem da dor, e sabe como extinguir a dor, abandona as suas paixões, desvanece o conceito da personalidade, dissipa a ignorância e alcança a
suprema iluminação que extingue a dor.”
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XI – OS DEZ PECADOS E OS DEZ MANDAMENTOS
Assim falou o Senhor Buda:
“ Dez coisas tornam más as acções dos homens. Três são pecados do corpo, quatro os
da língua e três os da alma.
Os três pecados do corpo são: o homicídio, o roubo e o adultério.
Os quatro da língua são: a mentira, a calúnia, a injúria, as palavras ociosas.
Os três pecados da alma são: a aveza, ódio e o erro.
Por isto vos dou os seguintes mandamentos:
1º- Não mateis. Respeitai a todo o ser vivente.
2º- Não roubeis, não furteis. Deixai que cada qual goze do fruto de seu trabalho.
3º- Evitai toda a impureza e sede castos, em tudo.
4º- Não mintais. Dizei discretamente a verdade, com suavidade e prudência, de modo
a não ofender.
5º- Não murmureis nem sejais eco da maledicência.
6º- Não jureis nem blasfemeis. Falai com decência e dignidade.
7º- Não percais o tempo em conversações ociosas. Falai coisas proveitosas ou calai.
8º- Não tenhais inveja nem cobiça. Alegrai-vos com a felicidade alheia.
9º- Purificai o vosso coração de toda a malícia. Não tenhais ira nem rancor, nem ódio
mesmo contra os que vos caluniem e vos queiram mal. Sede todo bondade e benevolência
para com os seres viventes.
10º- Libertai a vossa mente da escravidão e da ignorância, e aprendei a verdade para
não cairdes no cepticismo nem no erro.
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XII – MISSÃO DO PREGADOR
Assim disse o Senhor Buda:
“Como tenho que morrer e não mais poderei edificar os vossos espíritos com sermões
e práticas, escolherei dentre vós os mais idóneos para me sucederem na pregação.
Os escolhidos usarão as vestes do Tathágatha em sua morada e ocuparão a sua cátedra.
As vestes do Tathágatha são a sublime compaixão e a inesgotável paciência; a sua
morada é a caridade e o amor a todos os seres; e a sua cátedra é a compreensão e a prática da
Lei.
O pregador tem que expor impavidamente a verdade. Deve ter o espírito de persuasão,
alimentado pela prática da virtude e da fidelidade aos seus votos. O pregador deve manter-se
firme na sua missão sem vacilar em cumpri-la.
Não deve cair na vaidade de buscar a companhia dos magnatas, nem tampouco há-de
unir-se aos frívolos e imorais. Se o assalta a tentação, pense com fé no Buda e vencera.
O pregador deve acolher benevolamente todos os que ouvem a sua doutrina, e os seus
sermões devem estar limpos de toda a malícia. Não murmurará dos demais pregadores, e
quando tiver que repreender em público, fustigará o pecado mas sem indicar o pecador. Ocupará a cátedra vestido de simples túnica e convenientes roupas interiores, em paz com todo o
mundo e sem máculas em sua disposição.
Não se distrairá em controvérsias, nem as suscitará com o propósito de mostrar a sua
superioridade e seu talento. Pelo contrário, deve permanecer calmo e tranquilo.
Não alimentará nenhum sentimento hostil. O seu principal objectivo deve ser o de ajudar que todo o indivíduo siga com pés firmes a recta senda da iluminação.
Se o pregador se aplicar zelosamente na sua tarefa, o Tathágata lhe mostrará o transcendente esplendor da lei e as pessoas o honrarão por ter recebido a bênção do Tathágata,
porque o Tathágata bendiz o pregador e os que escutam com respeito a sua doutrina.
Todos os que compreendem e aceitam a verdade, aperfeiçoam a sua mente, pois tal é o
alcance do poder da doutrina, que uma só frase da Boa Lei é capaz de converter quem a leia,
escreva ou recite, pondo-o na senda da iluminação.
Os escravos de paixões impuras se emanciparão ao ouvir a voz do pregador. Os ignorantes adquirirão sabedoria ao meditarem na profundidade da doutrina. Os que agem impulsionados pelo ódio, o converterão em amor e se refugiarão no Buda.
O pregador deve ser enérgico, confiante na bondade da sua missão, sem jamais duvidar do êxito final.
Deve assemelhar-se ao camponês que, na falta de água para regar, cava a terra árida, e
embora encontre areia, não se desanima, porém vai mais fundo até encontrar a água fresca que
necessita.
Mesmo quando as pessoas se mostrem surdas à voz do pregador, ele sabe que deve ir
mais fundo nos seus corações.
Em vossas mãos, ó pregadores, deixo a doutrina da Boa Lei. Guardai-a, lede-a, reledea, meditai nela e pregai-a por todo o mundo, a todas as pessoas.
O Tathágata não é avaro nem mesquinhamente vaidoso, e deseja que participem da
perfeita ciência do Buda todos os que estiverem dispostos a recebê-la. Sede como Ele. ImitaiO. Segui o seu exemplo difundindo generosamente a verdade.
Reuni ao vosso redor todos os que quiserem escutar as doces e consoladoras palavras
da lei. Estimulai os incrédulos a receberem a verdade e enchei de alegria seus corações."
Quando o Senhor Buda terminou a sua prática, os discípulos, exclamaram a uma voz,
cheios de entusiasmo espiritual:
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“ Ó Tu, que te deleitas na bondade dimanante da compaixão, és tal qual imensa nuvem
de benéficas e excelentes qualidades; ao derramares a chuva da Lei, apagas o fogo que abrasa
os homens.
Nós, Senhor, faremos o que ordenar o Tathágata. Obedeceremos as palavras do
Senhor. Este novo voto de obediência repercutirá por todo o universo, e ressoará repetidamente nos ouvidos dos futuros instrutores que vierem a pregar a Boa Lei.”
E o Bem-aventurado disse:
“O Tathágata assemelha-se a um rei poderoso que governa o seu reino com justiça,
porém necessita repelir o ataque dos seus inimigos. Quando o rei vê os seus soldados a lutarem, alegra-se do seu valor. Vós sois os soldados do Tathágata, e o perverso Mara*, o inimigo
que se tem de vencer. E aos seus soldados o Tathágata dará como prémio a cidade do Nirvana,
a grande capital da Boa Lei. E o Dharmaraja, o potente rei da Justiça, conferirá aos seus fiéis
o diadema da suprema sabedoria e da eterna felicidade.
Os discípulos fizeram voto em seu coração de observar fielmente os ensinamentos do
Mestre. Os Brâmanes começaram a olhar com receio aquele homem, cuja conduta se harmonizava tão perfeitamente com a sua doutrina e ameaçava derrubar o domínio que eles exerciam na consciência do vulgo com seus ritos, cerimónias e sacrifícios em honra aos deuses
sempre sedentos do sangue de suas vítimas.
_____________
* Mara, termo pali; destrutor. É a personificação do eterno Tentador (análogo ao Satanás
bíblico. São as forças e Espíritos no Mal.
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Parte III
A Pregação de Buda
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I – DHARMAPADA
O Dharmapada é a senda religiosa que seguem os discípulos do Senhor Buda. O que
somos hoje e o que seremos amanhã depende de nossos pensamentos. Se procedo mal, sofro
as consequências; se procedo bem, eu mesmo me purifico.
Nem o puro nem o impuro podem purificar o seu próximo. Cada qual deve purificar-se
por si mesmo. Os Tathágatas não são nada mais do que pregadores. O homem reflexivo entra
na Senda e se emancipa da escravidão de Mara.
Quem pára quando é preciso andar e entrega-se à preguiça, ou cujos pensamentos são
débeis, não encontrará a senda da iluminação.
Aquele que cuidadosamente se observa, encontrará a Verdade.
Certamente é difícil o domínio de si mesmo; porém quem se domina saberá dominar
os demais.
Quem se vence a si mesmo é um vencedor mais glorioso do que aquele que sozinho
vence mil vezes mil homens no campo de batalha.
Os enfatuados dizem: “Eu fiz isto. Os outros devem-se submeter a mim. Em tal negócio, hei-de desempenhar o papel mais importante.”
Os enfatuados não pensam no cumprimento do dever. Pensam unicamente em si mesmos. Querem que tudo sirva de pedestal à sua vaidade.
Fáceis de executar são as más acções que nos prejudicam. Difíceis são as boas que nos
favorecem.
Faça o homem com entusiasmo o que lhe cumpre fazer. Muito logo o seu corpo jazerá
na terra como um simples tronco. Mas com ele não perecerão as consequências dos seus pensamentos. Os bons engendrarão boas acções e os maus engendrarão acções más.
A diligência é vida; a preguiça é morte. O diligente está sempre vivo. O preguiçoso,
mesmo que viva, está morto.
Os que imaginam que o erro é a verdade e que a verdade é o erro, não alcançarão o
conhecimento da verdade, porque vão por equivocado caminho.
Os que discernem a verdade do erro e reconhecem a verdade, alcançarão a meta da
libertação. Assim como a chuva penetra na casa mal coberta, assim a paixão invade aquele
que não tem a razão telhada pelo discernimento.
E assim como a água da chuva não invade a casa bem fechada, a paixão não invade
aquele que está resguardado pela reflexão. Os regadores levam a água onde desejam. Os
arqueiros disparam a flecha à sua vontade. Os carpinteiros esquadram um pedaço de madeira.
Porém o sábio se modela a si mesmo. Fica indiferente ante o elogio e o vitupério, e quando
ouve e compreende a lei, mantém-se sereno como um lago de águas profundas e tranquilas.
Quem pensa, fala e age com maldosa intenção, a dor o segue como a roda ao boi que
puxa o carro.
Não procedais mal, senão recebereis um doloroso sofrimento. Mais vale agir bem,
porque ninguém se arrepende da sua boa acção.
Quem peca, não goza na recordação do pecado, porque o gozo então auferido se transforma em dor. Quem age bem, regozija-se na sua obra, porque a felicidade é o fruto do bem.
Que ninguém se suponha incapaz de proceder mal dizendo: “Jamais me atingirá”.
Assim como a água pouco a pouco enche o vaso, assim o imprudente se deixará invadir lentamente pelo mal.
Que ninguém trate levianamente o bem, dizendo: “Nunca o atingirei”, pois assim
como a água pouco a pouco enche o vaso, assim o sábio, aos poucos se encherá da bondade.
Como um simples vento arranca uma pequena raiz, assim Mara vencerá o preguiçoso e
o débil que só vive para o prazer, sem refrear seus sentidos.
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Mas, assim como a montanha de granito resiste à violência de um ciclone, também
resistirá às tentações de Mara aquele que refreia os sentidos e desdenha os prazeres.
O louco que reconhece sua loucura tem algo de prudente; porém o louco que se presume sábio, está realmente louco.
O pecado é como uma formosa e flagrante flor: é agradável à vista e ao olfacto, porém
produz um fruto demasiado repugnante e amargo.
A virtude é como flor cercada de espinhos, sem matizes nem aroma, porém cujo fruto
é deleitoso aos sentidos do espírito.
Muito mal pode causar o ódio ao ódio e um inimigo a outro inimigo; porém, maior
mal pode causar a si mesmo o homem mal dirigido. Muito bem pode fazer um homem bem
dirigido.
A hera pode sufocar a árvore que a sustém. Assim também o perverso se degrada até o
ponto em que o seu inimigo o desejava ver. O insensato que se afeiçoa aos prazeres, a si
mesmo se prejudica como se fora o seu maior inimigo.
Os ciclones arrasam os campos. A vaidade, o ódio, a avareza e a luxúria são as ervas
daninhas do “campo da Humanidade”.
A afeição ao prazer produz desgosto; o temor do sofrimento engendra o medo. Quem
não se afeiçoa ao prazer nem teme a dor, não conhece o desgosto nem o medo. Quem cede à
vaidade e se apega ansiosa-mente ao prazer, invejará mais tarde aquele que adquiriu a virtude
por meio da meditação.
Cada qual vê as faltas e vícios do seu próximo, porém não repara nos seus. Assemelha-se ao tra-paceiro jogador de dados.
Quem bisbilhoteia os defeitos alheios e deles se escandaliza, aviva o fogo de Suas
próprias paixões.
O homem prudente lamenta-se de seus defeitos e não repara nos dos alheios. Ao contrário, observa sempre o aspecto harmonioso do seu próximo.
O virtuoso brilha de longe como a manhã nevada. O perverso é invisível como a flecha
disparada à noite.
Quem busca e consegue o prazer à custa de terceiros, ficará escravo das cadeias do
egoísmo e não se livrará do ódio.
Vencei o ódio com o amor, a avareza com a liberalidade, o erro com a verdade, o mal
com o bem.
Não se extingue o ódio com o ódio; só o amor o pode desvanecer. Dizei sempre a verdade, não cedais à ira e dai se vos pedirem. Deste modo alcançareis a divindade.
Limpe o prudente as impurezas da sua personalidade como o joalheiro limpa as impurezas da prata, uma após outra, a pouco e pouco e com cuidado.
Não trateis ninguém com violência, e sim, com justiça e segundo a lei.
Todos amarão ao virtuoso, inteligente, verdadeiro, justo e cumprido do seu dever.
Assim como a abelha liba o nectar sem alterar os matizes nem o perfume da flor,
assim vive o sábio entre as pessoas do mundo. Se o viandante não encontrar em seu caminho
quem lhe seja igualou superior, siga sozinho, e não em companhia de algum insensato.
Longa é a noite de insónia. Uma légua é ainda mais longa para quem está cansado.
Também é longa e penosa a vida para o insensato que desconhece a verdadeira religião.
Um dia só da vida para quem conhece e pratica a verdadeira religião, vale mais do que
cem anos vividos sem conhecê-la.
Alguns forjam um dharma arbitrário, maquinam especulações complexas e supõem
que só suas teorias podem dar resultados proveitosos. No entanto, a verdade é uma só, pois
não existe no universo verdades diferentes.
Se reflectirmos no valor de várias teorias, aceitaremos a que nos livra do pecado;
porém, seremos capazes de praticá-la? Eis aqui a dificuldade.
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O melhor caminho é a óctupla senda. Não há outro que conduza à purificação da mente. Tudo o mais são ilusões enganosas de Mara, o tentador.
Quem segue a óctupla senda, extingue o sofrimento.”
O Tathágata disse: “Preguei a entrada na senda quando compreendi que era indispensável a espinha cravada na carne.”
Não por disciplina nem por votos, e sim por profundo conhecimento, mereci a felicidade da libertação que o homem mundano não pode conhecer. Não descanseis, ó discípulos,
até extinguir-se a sede do desejo. A extinção dos desejos passionais é a melhor religião.
O dom da religião supera os demais dons; a doçura da religião é a maior doçura; as
delícias da religião superam a todas as delícias; e a extinção da sede do desejo aniquila o
sofrimento.
Assim como o lírio nasce flagrante entre as minas, assim a disciplina do Buda brilha
por sua sabedoria entre as pessoas que se atropelam cegamente.
Vivamos felizes e sem ódio entre os que nos odeiem. Vivamos sãos entre os enfermos,
generosos entre os avaros, abnegados entre os cobiçosos.
Brilha o sol durante o dia; a luz da lua durante a noite; cintila a armadura do guerreiro;
resplandece a mente do pensador em meditação; porém a todos supera, o fulgor do Buda, o
Santo, o Iluminado.
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II – A ANIQUILAÇÃO
Nessa ocasião, muitos cidadãos ilustres se reuniam na Casa do Povo e elogiavam ao
Buda, o Dharma e o Sangha.
Entre Eles encontrava-SE Simha, general dos exércitos reais, que pertencia à seita dos
nirgranthas, e dizia consigo: “Verdadeiramente o Bhagavad deve ser o Buda, o Santo. Quero
vê-lo”. Simha aproximouuse de Iryataputra, o chefe da seita, e disse-lhe:
- Senhor, desejo ir ver o asceta Gautama. Iryataputra respondeu-lhe:
- Por que queres tu, Simha, que sabes que as acções dão seus resultados, ver o asceta
que ensina aos seus discípulos a doutrina da inacção e nega as consequências das acções?
Por isso não teve Simha mais tanto desejo de ir ver Gautama.
Porém, Simha ouviu novamente a enaltecerem o Buda, o Dharma e o Shanga. Reavivou-se-Ihe o desejo de ir ver o Bem-aventurado, embora desta vez ainda o dissuadisse Iryataputra.
Mas pela terceira vez Simha ouviu elogios à grandeza do Buda, do Dharma e do Sangha, e pensou:
“Certamente o asceta Gautama Deve ser o santo Buda. Irei vê-lo mesmo sem o consentimento dos Nirgranthas.”
Simha foi ver o Bhagavad e disse-lhe:
“Senhor, ouvi dizer que o asceta Gautama nega as consequências das acções e ensina a
doutrina da inacção, dizendo que as acções dos homens não recebem recompensas, porque
proclama a aniquilação. Responde-me, Senhor: é certo que ensinas que a alma do homem
morre e se aniquila? Peço-te que me esclareça se os que dizem tal coisa, enganam-se ou
levantam falso testemunho.”
O Bem-aventurado respondeu-lhe.
“Em parte, ó Simha, dizem a verdade os que assim falam de mim, mas em outra erram.
Ouve-me: Eu ensino que não devemos pensar, não falar, nem agir mal. Ensino que não devemos consentir as sinistras disposições ou estados de ânimo. Ensino que nossos pensamentos,
palavras e acções devem ser justos e que devemos estabelecer harmónicas disposições de
ânimo.
Ensino, ó Simha, que se tem que aniquilar os maus pensamentos, palavras e acções, e
quem os anula e se livra deles de sorte que jamais rebrotem, aniquila a personalidade.
Prego o aniquilamento do egoísmo, da luxúria, do ódio e do erro; porém não prego o
aniquilamento da bondade, da compaixão, do amor e da verdade.
Digo que os maus pensamentos, palavras e acções são abomináveis, e que a virtude e a
verdade merecem louvor.
Se alguns ensinam que o Nirvana é a aniquilação da alma, dize-lhes que mentem. Se
alguns ensinam que o Nirvana é vida separada, dize-lhes que se enganam, porque ignoram a
verdade; não vêem a luz que brilha através de suas lâmpadas partidas, e não sabem que a felicidade está fora da existência do tempo e do espaço.”
Simha respondeu:
- Resta ainda uma dúvida em minha mente.
Queres dissipá-la de modo que eu possa compreender o Dharma que ensinas?
Consentiu o Senhor Buda e Simha prosseguiu: - Ó Bhagavad, sou soldado, e por
ordem do rei cumpre-me o dever de respeitar a lei e de combater por ele. Se o Tathágata prega
a bondade sem limites, o amor ao inimigo e a compaixão por todos os que sofrem, permitirá
castigo para os criminosos? Crerá que não é lícita a guerra para defender nossos lares, nossas
mulheres, nossos filhos e nossas terras? A doutrina da renúncia prescreve que devemos deixar
o malfeitor agir a seu bel-prazer, não resistir e deixar que nos roubem o que nos pertence? Crê
o Tathágata que a guerra é ilícita quando promovida por uma causa justa?
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Ao que Buda respondeu:
“O Tathágata ensina que o culpado merece castigo, e o digno de favor deve ser favorecido. Porém também ensina que não se deve fazer sofrer nenhum ser vivente, mas ter o coração cheio de amor e compaixão Estes dois ensinamentos não são contraditórios, porque quem
recebe castigo por seus crimes, não sofre por maldade do juiz e sim em consequência de sua
culpa. Suas más acções lhe acarretaram o mal que lhe inflinge o executor da lei. Quando um
magistrado castiga, deve estar livre de todo ódio; e o criminoso condenado à morte deve considerar que seu suplício é consequente do seu crime, e se compreende que o castigo lhe purificará a alma, alegrar-se-á da morte.
O Tathágata ensina que é deplorável toda a guerra entre os homens; porém não condena os que guerreiam por uma causa justa, depois de haver esgotado todos os meios de conservar a paz. O causador da guerra merece execração.
O Tathágata ensina a completa renúncia da persoalidade, porém não ensina que a gente se entregue às potestades sinistras. Deve haver luta entre a individualidade e a personalidade, pois a luta é a vida terrena; porém o combatente deve abster-se de combater contra a verdade e a justiça, no interesse de sua personalidade.
Aquele que luta pelo interesse egoísta de celebridade, grandeza, poderio ou riqueza,
não receberá recompensa; porém o que combate pela justiça e a verdade, receberá o galardão,
porque será vitorioso, mesmo que sofra alguma derrota transitória antes do triunfo final.
O egoísmo não é recipiente adequado do êxito, porque a personalidade é frágil e
pequena.
Pelo contrário, a individualidade é capaz de conter as aspirações nobres de suas personalidades sucessivas, e quando uma personalidade se rompe como uma bolha de sabão, o seu
harmónico conteúdo identifica-se com a individualidade universal.
Quem vai à guerra, ó Simha, mesmo por uma causa justa, está exposto a morrer nas
mãos dos inimigos, porque tal é o destino dos guerreiros.
Porém o vencedor deve pensar na relatividade das coisas humanas. Brilhante pode ser
sua vitória, porém pode girar a roda da fortuna e transformar a vitória em derrota.
No entanto, alcançará eterna vitória se, extinto o ódio em seu coração, se aproximar do
vencido e lhe disser: “Vem agora, façamos as pazes e sejamos irmãos.”
Grande é um general vitorioso, ó Simha, porém maior é quem vence a sua personalidade.
A lei da vitória sobre a personalidade não se prega para aniquilar as almas dos
homens, e sim para preservá-las. O que venceu sua personalidade, está mais apto para alcançar o triunfo eterno do que quem continua escravo da personalidade.
Luta, pois, denodadamente, ó Simha, e combate com marcial esforço nas batalhas;
porém sê soldado deverás e o Tathágata te abençoará.”
Simha tornou:
“Glorioso Senhor. Senhor Gloriosíssimo. Revelas-te-me a verdade. Magna é a doutrina do Bendito. Certamente és o Buda, o bem-aventurado, o Santo. És o Instrutor da humanidade, que nos ensina o caminho da libertação. Quem te seguir, terá luz na Senda. Encontrará
paz e santidade. Senhor, eu me refugio no Bhagavad, na Lei e na sua Ordem. Digna-te aceitarme por discípulo até o fim de meus dias, pois me refugio em Ti.”
E o Bem-aventurado lhe disse:
- Considera antes, ó Simha, o que vais fazer.
Convém que as pessoas de tua categoria não façam nada sem madura reflexão.
Aumentou a fé de Simha, que disse ao Bem-aventurado:
- Senhor, se outros Mestres conseguissem tornar-me seu discípulo, levariam em procissão seu estandar-te pela cidade de Vaisali, gritando: “Simha, o general dos exércitos do rei,
já é nosso discípulo”. Pela segunda vez, eu digo, ó Senhor, que me refugio no Buda, no
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Dharma e no Sangha. Digna-te receber-me por discípulo, desde hoje, e até o fim de meus dias,
porque em Ti me refugio.
E o Bhagavad lhe respondeu:
- Durante muito tempo os nirgranthas receberam oferendas em tua casa. É justo que
daqui em diante não lhes negues tua esmola.
Alegre e feliz, Simha replicou:
- Senhor, eu ouvira dizer: “O asceta Gautama ensina que só a eles e aos seus discípulos deve ser dada esmola. Porém Tu me exortas a que também a dê aos nirgranthas. Por mais
este motivo me refugio no Buda, na Lei e na Ordem.
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III – IDENTIDADE E SEPARATIVIDADE
Kutadanta, o prior dos brâmanes de Danamati, aproximou-se respeitosamente do Bemaventurado, saudou-o e disse-lhe.
- Informaram-me, ó asceta, que és o Buda, o Santo, o Omnipotente, o Senhor do Mundo. Porém se tal fosses, não terias vindo como um rei com toda a tua glória e omnipotência?
O Bem-aventurado respondeu-lhe:
- Teus olhos estão cegos. Se não estivesse turva a tua vista, verias a glória e omnipotência da verdade.
Kutadanta replicou-lhe:
- Mostra-me a verdade e a verei. Mas tua doutrina não tem consistência. Se a tivesse,
perduraria, porém, como não tem, desaparecerá.
O Bem-aventurado respondeu-lhe:
- A verdade é eterna. Não desaparecerá nunca. Kutadanta objectou dizendo:
- Dizem que ensinas a Boa Lei; no entanto, desdenhas a religião. Teus discípulos
menosprezam os ritos e as cerimónias, e negam-se a sacrificar na ara dos deuses, dizendo que
não é pelo sacrifício que se mostra a verdadeira devoção aos deuses. Mas eu entendo que no
culto e no sacrifício está a essência da religião.
O Senhor Buda lhe replicou.
“O sacrifício da personalidade vale muitíssimo mais do que a imolação das reses.
Quem sacrifica aos deuses seus maus desejos e vis paixões, compreende a inutilidade de
banhar em sangue de animais inocentes a ara dos altares. Em troca, o libertar-se da luxúria e
purifica o coração. Mais vale obedecer as Leis da justiça do que adorar os deuses.
Qualquer pessoa pode tirar a vida, mas é incapaz de a dar. Todas as criaturas amam a
vida e lutam por ela.
A vida é uma dádiva maravilhosa, querida e grata para todos, mesmo para os mais
humildes; por isto deve ser respeitada por todo homem piedoso, porque a piedade torna o
homem terno para com os fracos e nobre para com os fortes.
O homem implora a misericórdia dos deuses e não tem misericórdia pelos animais,
para os quais ele é como um deus. Tudo quanto vive está unido por laços de parentesco, e os
animais que matais já vos deram o doce tributo do seu leite, o macio de sua lã, e depositam
sua confiança nas mãos que os degolam.
Ninguém pode purificar seu espírito com sangue, pois se os deuses são bons, não lhes
pode ser agradável o sangue, e se são maus, não basta este para suborná-los.
Sobre a inocente cabeça de um animal não é possível colocar nem o peso de um fio de
cabelo das maldades e erros pelos quais cada um deve responder pessoalmente, porque cada
qual deve prestar contas de si mesmo segundo a imutável aritmética do Universo. Esta distribui o bem para o bem e o mal para o mal, dando a cada um a sua medida segundo as suas
acções, palavras e pensamentos, e vigilante, exacta, imutável, e implacável, faz que o futuro
seja o fruto do passado.
Feliz seria a terra se todos os seres estivessem unididos pelos laços da benevolência e
só se alimentassem de alimentos puros, sem derrame de sangue. Os dourados grãos, os reluzentes frutos e as saborosas ervas que nascem para todos, bastariam para alimentar e dar fartura ao mundo.”
Kutadanta era muito piedoso, e como havia sacrificado muitas vítimas, inquietou-se e
encheu-se de remorsos de consciência, pois compreendeu quão inútil era crer que a efusão de
sangue bastaria para pagar os pecados.
Então perguntou ao Bem-aventurado:
“Crês, Mestre, que a alma renasce e evolui no transcurso das vidas e que, sujeita à lei
do karma, deve colher o que semeia? Pergunto-te, porque me disseram que ensinas a inexis-
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tência da alma, e que teus discípulos aspiram a completa aniquilação do eu, como a suprema
felicidade do Nirvana. Se eu sou apenas uma combinação de elementos, devo desintegrar-me
e desaparecer ao morrer. Se sou uma mera combinação de ideias, pensamentos, sensações e
desejos, que será de mim quando se desintegrar meu corpo? Onde está essa infinita felicidade
de que falam teus discípulos? É uma palavra vã, sem sentido, uma ilusão. Quando medito em
teus ensinamentos, só vejo onada, a aniquilação, o não-ser, como destino final do homem.”
“Ó Brâmane, és religioso e tens zelo. Inquietas-te pelo futuro; porém em vão te atormentas, porque te falta o mais necessário.
Por erro ou por ignorância, os homens gozam na ilusão de que suas almas são entidades distintas e existentes por si mesmas. Teu coração, ó brâmane, ainda está apegado à personalidade. Aspiras o céu, porém buscas e esperas no céu os prazeres da personalidade, e assim
não poderás encontrar a felicidade na Verdade imortal.
Certamente eu te digo: o Bem-aventurado não veio ensinar a morte, e sim pregar a
vida, e tu não discernes entre o morrer e o viver.
Teu corpo morrerá, pois os sacrifícios não o salvarão. Busca então a vida do espírito.
Onde está a personalidade, não pode estar a verdade, e quando se pratica e conhece a Verdade, a personalidade desaparece.
Faze com que teu espírito repouse na verdade, difunda a verdade e ponha a verdade
em tua alma. E na verdade viverás eternamente.
O eu é a morte; a verdade é a vida. O apego ao eu e à personalidade é morte contínua,
ao passo que quem vive e se move na verdade, alcança o Nirvana.”
Kutadanta tornou:
- Venerável Mestre, onde está o Nirvana?
O Bem-aventurado disse:
Onde quer que se obedeça a Lei.
Kutadanta replicou:
Então o Nirvana não está em parte alguma, e portanto não tem realidade.
Bem-aventurado: - Não me entendeste. Escuta e responde. Qual é a morada do vento?
Onde habita?
Kutadanta: - Em parte alguma.
O Bem-aventurado: - Então não existe o vento? É pura ilusão?
Kutadanta não soube responder, e o Senhor Buda tornou a perguntar-lhe:
Diz-me, ó brâmane: Onde reside a sabedoria? Está em algum lugar?
Kutadanta: - A sabedoria não tem lugar determinado.
E o Bhagavad disse:
- Dirás que não há sabedoria, nem justiça, nem salvação porque, como o Nirvana, elas
não tem lugar determinado? Assim como a brisa veloz atravessa o mundo durante o calor do
dia, também o Tathágata ver refrigerar o espírito humano como o delicado e suave sopro que
alivia o calor de todo sofrimento.
Kutadanta replicou:
- Parece-me, ó Senhor, que pregas uma excelsa doutrina, porém não posso entendê-la:
Permite-me outra pergunta? Se não existe a alma, como pode existir imortalidade? Se a actividade da alma cessa, nossos pensamentos também cessarão.
O Senhor Buda respondeu:
- A nossa faculdade de pensar desaparece, porém os nossos pensamentos continuam a
existir. Cessa o raciocínio, porém continua o conhecimento. É como se durante a noite um
homem tivesse necessidade de escrever uma carta. Ele acende a luz, escreve a car-ta e uma
vez escrita a carta, apaga a luz. Embora esteja a luz apagada, a carta continua escrita. De
modo análogo, o raciocínio cessa, mas o conhecimento persiste. A actividade mental cessa,
porém a experiência, o conhecimento e o fruto de nossas boas acções não são perdidos.
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Kutadanta: - Dize-me, Senhor, que será de minha personalidade quando seus componentes se dissociarem? Se as minhas ideias desaparecem, e meus pensamentos deixam de ser
meus, e a minha alma já não é a minha alma, que é feito da personalidade? Dá-me um exemplo, Senhor meu.
O Bem-aventurado: - Supõe que um homem acende uma lamparina. Arderá toda a noite?
Kutadanta: - Pode ser que sim.
O Bem-aventurado: - Bem, mas a chama que arde na primeira metade da noite, arde na
segunda?
Kutadanta pensou que era a mesma, porém, receoso de um sentido oculto, respondeu:
- Não; não é a mesma.
O Bem-aventurado: - Então haverá duas chamas: uma durante a primeira metade da
noite e outra durante a segunda?
Kutadanta: - Num certo sentido não é a mesma chama, porém em outro sim, porque se
constitui da mesma matéria e da mesma luz, e serve para o mesmo fim.
O Bem-aventurado; - Dirás que a chama que ardeu ontem é a mesma que arde hoje na
mesma lamparina alimentada pelo mesmo óleo e iluminando o mesmo lugar?
Kutadanta: - Pode ter se apagado durante o dia.
O Bem-aventurado: - Supõe que a lamparina tenha estado acesa durante a primeira
metade da noite e apagada durante a segunda. Se se tornar a acendê-la, dirás que a sua chama
é a mesma?
Kutadanta: - Num sentido é diferente e em outro é a mesma.
O Bem-aventurado: - O tempo durante o qual a lamparina esteve apagada tem algo a
ver com que a chama seja ou não a mesma?
Kutadanta: - Não, Senhor. O tempo não interfere em nada, quer seja a mesma ou não.
O Bem-aventurado: - Bem; então admitimos que em certo sentido a chama de hoje é a
mesma de ontem, e que em outro sentido ela muda a cada instante. Então, as chamas da mesma natureza e da mesma intensidade que iluminam lugares idênticos, são de certa forma as
mesmas.
Kutadanta: - Sim, senhor.
O Bem-aventurado: - Suponhamos agora um homem que pensa como tu, que sente
como tu, que age como tu. Não será o mesmo que tu?
Kutadanta: - Não, Senhor.
O Bem-aventurado: - Negas que a lógica que te parece boa para uma coisa também o
seja para as coisas do mundo?
Kutadanta reflectiu um instante e respondeu pausadamente:
- Não nego. A mesma lógica impera em todo o universo; porém em minha personalidade há algo que a distingue completamente das demais personalidades. Pode haver outro
indivíduo que sinta, pense e proceda como eu, porém não será eu.
O Bem-aventurado: - Verdadeiramente, Kutadanta, este outro homem não será tu.
Porém, dize-me: o estudante que vai à escola é o mesmo depois de terminados os estudos? O
que cometeu um crime é a mesma pessoa quando, ao ser castigado, lhe cortam as mãos e os
pés?
Kutadanta: - São as mesmas pessoas.
O Bem-aventurado: - Estará então a identidade constituída pela continuidade?
Kutadanta: - Não apenas pela continuidade, mas também pela identidade da natureza.
O Bem-aventurado: - Pois, se admites que duas pessoas podem ser idênticas no mesmo
sentido em que temos dito que as chamas são as mesmas, deves reconhecer que, em tal sentido, outro homem da mesma natureza, resultante do mesmo karma, é o mesmo que tu.
Kutadanta: - Reconheço.
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O Bem-aventurado: - Pois em tal sentido és o mesmo hoje que ontem. A tua natureza
pessoal não consiste da matéria de que está formado o teu corpo, porém da forma ou configuração do teu corpo, de tuas sensações e pensamentos. A tua personalidade é uma combinação
de elementos. Onde quer que estejam, ali estás. Assim, pois, em certo sentido, reconheces a
tua personalidade, com ela te identificas e dás-lhe continuidade segundo teu karma. Chamala-ás morte e aniquilação, ou vida e continuação de vida?
Kutadanta: - Chamá-la-ei vida e continuação da vida, porque é a continuação de minha
existência. Mas o que me preocupa é a continuação de minha personalidade, de forma que
todo homem, seja ou não idêntico a mim, é uma personalidade absolutamente distinta.
O Bem-aventurado: - Muito bem, essa é a continuação que tu desejas, e tal é o apego à
personalidade. Esse é o erro que te acarreta inquietudes inúteis. Aquele que se apega à personalidade, tem que passar por numerosos nascimentos e mortes. Morrerá continuamente, porque a natureza da personalidade é morte incessante.
Kutadanta: - Como é isso?
O Bem-aventurado: - Onde está tua personalidade?
Kutadanta não soube responder.
O Bem-aventurado: - Essa personalidade, que tanto estimas, muda incessantemente.
Há anos foste menino, depois jovem e agora és homem. Que identidade pessoal há entre o
menino e o homem? Não há, como também não havia, conforme vimos, na chama da lamparina que ardeu durante a primeira metade da noite e a que ardeu ao reacender-se depois de
apagada. Qual é tua verdadeira personalidade; a de ontem, a de hoje ou a de amanhã?
Kutadanta, perplexo, respondeu:
- Senhor do Mundo, vejo meu erro, porém ainda estou confuso.
O Senhor Buda prosseguiu dizendo:
- Os princípios constituintes de tua personalidade são o resultado das tuas acções em
passadas vidas, e em futuras existências colherás o que com tuas acções semeias no presente.
Kutadanta: - Certamente, Senhor, não me parece justo que outros colham o que eu
semeei agora.
O Tathágata ficou um momento silencioso e depois disse:
- Será inútil todo o ensinamento? Não compreendes que essas outras personalidades
são tu mesmo. Tu, e não outro, colherás o que semeaste.
Supõe um homem mal educado, que sofre as consequências de sua infeliz condição.
Em menino, foi preguiçoso e quando se fez homem, não tinha ofício nem profissão para
ganhar o seu sustento. Dirás que a sua miséria não é o resultado de sua conduta, porque a personalidade do menino não é a mesma do adulto? Em verdade te digo que nem nas alturas do
céu nem nas entranhas da terra encontrarás um lugar onde possas fugir ao resultado das tuas
más acções. E da mesma maneira receberás a recompensa das tuas boas obras.
Quem volta são e salvo de uma longa viagem, recebe em sua casa as boas-vindas de
seus parentes, amigos e conhecidos. Também o resultado das suas boas acções beneficia o
homem que passa desta vida para a outra, se ele seguiu o caminho da justiça.
Kutadanta: - Creio na glória e excelência de tuas doutrinas. Minha vista não pode
suportar o fulgor da luz; porém agora compreendo que a personalidade é ilusória, que as orações são palavras ociosas e que os sacrifícios não servem para a salvação. Como encontrar o
caminho da verdade eterna? Aprendi de memória todos os Vedas e não encontrei a verdade.
O Bem-aventurado: - Não é má coisa a erudição; porém a verdadeira ciência, o conhecimento útil, só pode ser adquirido pela prática.
Reconhece a verdade de que teu próximo é teu semelhante. Compreende que a personalidade é morte e a verdade é imortal.
E Kutadanta exclamou:
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- Oxalá possa eu refugiar-me no Buda, no Dharma e na Ordem. Aceita-me por discípulo e faz-me compartilhar da felicidade da imortalidade.
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IV – UMA ESSÊNCIA, UMA LEI E UM FIM
Um dia o Tathágata conversando com o venerável Kasyapa, com o propósito de libertar sua mente da incerteza e da dúvida, disse-lhe:
“Todos os seres e todas as coisas são constituídas de uma mesma essência, embora
pareçam diferentes segundo as formas que tomam em consequência das influências que recebem. Como se formam, agem, e como agem, são. Supõe, Kasyapa, que um oleiro fabrique
vasilhas diferentes com o mesmo barro. Cada uma dessas vasilhas terá seu destino, pois uma
servirá para arroz, outra para manteiga, outra para leite e algumas serão usadas para depósitos
de im-purezas. Não há diferença no barro empregado. A diferença está no modelo dado pelo
oleiro, segundo os diversos usos requeridos pelas circunstâncias.
Analogamente, todos os seres evolucionam de acordo com uma só lei e se destinam ao
mesmo fim, que é o Nirvana.
Se compreendes, ó Kasyapa, que todos os seres são da mesma essência e que não há
mais que uma única Verdade, e vives de acordo com esta compreensão, alcançarás o Nirvana.
O Tathágata é o mesmo para todos os seres e da mesma essência que todos eles, pois
difere apenas em seu aspecto, como os demais seres diferem entre si.
O Tathágata dá alegria ao mundo inteiro, do mesmo modo como a nuvem derrama a
chuva sobre justos e pecadores. Tem a mesma compaixão pelos grandes e pelos pequenos,
pelo sábio e pelo ignorante, pelo virtuoso e pelo pecador.
A vasta nuvem carregada de água derrama a chuva sobre prados, várzeas, montanhas e
vales, hortas e campos.
E todos recebem a água da chuva, que é da mesma essência, e árvores, plantas e ervas
nascem, florescem e frutificam, cada uma segundo a sua espécie e natureza.
Arraigadas no mesmo solo, todas as plantas de um campo ou de uma horta recebem a
mesma água e a todas vivifica.
O Tathágata conhece, ó Kasyapa, a lei cuja vir-tude é o conhecimento e cujo fim é a
paz do Nirvana.
Ele é o mesmo para todos, porém não se manifesta do mesmo modo a todos, mas a
cada um segundo as suas necessidades.
Logo no começo não dá para todos a plenitude do conhecimento, porém observa a
predisposição de cada um.”
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V – AS INJÚRIAS
Observando os costumes humanos, o Senhor Buda viu que muitos males provinham da
rapidez com que os vaidosos e egoístas criticavam nesciamente o próximo, e disse aos seus
discípulos:
- Se um néscio me ofendesse, lhe responderia com um cordial e sincero amor. Quanto
maior mal me fizesse, maior bem eu lhe faria. O perfume da bondade estará sempre comigo, e
o fétido alento do mal sopraria contra ele.
Sabendo um néscio que Buda pregava o mandamento do amor que prescreve restituir
com o bem o mal recebido, aproximou-se dele e injuriou-o gravemente.
Tornou a injuriá-lo, e quando já não encontrava palavras para ofendê-lo, o Buda perguntou-lhe:
“Filho meu; se alguém recusa o presente que outro lhe oferece, para quem fica o presente?
O néscio respondeu:
- Para quem lhe ofereceu.
O Buda continuou:
- Pois bem meu filho: injuriaste-me e eu recuso as tuas injúrias. Guarda-as para ti. Não
serão para ti fonte do mal? Assim como o eco pertence ao som, a forma ao corpo, também o
mal consumirá o autor do mal.
O néscio não soube o que responder, e o Senhor prosseguiu dizendo:
“O malvado que injuria o virtuoso, assemelha-se ao que cospe ao céu, porém recebe
no rosto o que cuspiu.
Aquele que calunia assemelha-se a quem com o vento contrário, tenta atirar um
punhado de pó no rosto de outrem. O pó cega os olhos de quem o atirou.
Ninguém pode ferir o virtuoso; sobre seu próprio autor recairá o mal que alguém lhe
tentar fazer.”
O ofensor afastou-se vagarosamente, envergonhado; porém depois regressou arrependido e refugiou-se no Buda, no Dharma e no Sangha.
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VI – O DEVA E O BUDA
O Buda estava um dia no jardim de Anathapindika, na cidade de Jetavana, quando lhe
apareceu um Deva em figura de brâmane e vestido de hábitos brancos como a neve, e entre
ambos se estabeleceu o seguinte diálogo:
O Deva: - Qual é a espada mais cortante? Qual é o maior veneno? Qual é o fogo mais
ardente? Qual é a noite mais escura?
O Buda: - A palavra raivosa é a espada mais cortante; a inveja é o mais mortal veneno;
a luxúria é o fogo mais ardente, e a ignorância é a noite mais escura.
O Deva: - Quem obtém a maior recompensa? Quem sofre a maior perda? Qual é a
armadura mais impenetrável? Qual é a melhor arma?
O Buda: - Quem dá sem desejo de receber é quem mais ganha. Quem recebe de outro
sem devolver nada é o que mais perde. A paciência é a armadura mais impenetrável. A sabedoria é a maior arma.
O Deva: - Qual é o ladrão mais perigoso? Qual o tesouro mais precioso? Quem recusa
o melhor que lhe é oferecido neste mundo?
O Buda: - Um mau pensamento é o ladrão mais perigoso. A virtude é o tesouro mais
precioso. Recusa o melhor que se lhe oferece quem aspira a imortalidade.
O Deva: - O que atrai? O que repugna? Qual é a dor mais terrível? Qual é a maior felicidade?
O Buda: - O bem atrai. O mal repugna. A maior dor é a má Conduta. A libertação e a
maior felicidade.
O Deva: - O que ocasiona a ruína no mundo? O que destrói a amizade? Qual é a febre
mais agu-da? Qual é o melhor médico?
O Buda: - A ignorância arruína o mundo. A inveja e o egoísmo destroem a amizade. O
ódio é a febre mais aguda. O Buda é o melhor médico.
O Deva: - Tenho uma dúvida e peço que me respondas: O que é que o fogo não queima, nem a ferrugem consome, nem o vento abate e é capaz de reconstruir o mundo inteiro?
O Buda: - O benefício das boas acções. Satisfeito o Deva com as respostas do Buda,
com as mãos juntas se inclinou respeitosamente ante ele e desapareceu.
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VII – INSTRUÇÃO
Os discípulos se aproximaram do Senhor Buda, e depois de saudá-Lo de mãos juntas,
perguntaram-lhe por intermédio de Ananda:
- Ó Mestre, que tudo vês! Desejamos aprender. Dispostos estão nossos ouvidos para
escutar. És nosso incomparável Instrutor. Dissipa as nossas dúvidas, ensina-nos o sagrado
Dharma. Fala entre nós, ó Tu, de preclaro entendimento. Ó Tu, que tudo vês, tal qual o Senhor
de mil olhos, o Rei dos deuses!
Perguntamos ao Muni que atravessou a corrente e galgou a margem oposta e é bendito
e forte: “Como poderá um discípulo seguir a recta senda depois de ter deixado a sua casa e
eliminado seus desejos?”
Assim respondeu Ele:
“Vença o discípulo seus desejos e prazeres terrestres e celestes, e uma vez esgotado o
desejo de vida sensória, cumprirá o Dharma e poderá conduzir-se correctamente no mundo.
Quem eliminar seus desejos, libertar-se do orgulho, subjugar as paixões, seguirá rectamente
pelo mundo.
Quem conhecer a Lei e a obedecer fielmente; quem vir o caminho que conduz ao Nirvana e tirar a venda dos olhos, irá de maneira certa pelo mundo.”
Os discípulos disseram-lhe:
- Certamente, ó Bhagavad, assim é. Se o discípulo se desliga de todos os laços, irá rectamente pe-lo mundo.
E o Senhor Buda prosseguiu:
“Consciente e justo, compassivo e benévolo, sem vangloriar-se disto, deve ser o aspirante ao Nirvana. Nenhum de vós menospreze nem engane outrem, nem lhe cause mal algum.
Ditosa é a soledade do pacífico que conhece e contempla a Verdade. Feliz é quem permanece
sempre firme sob seu amparo. Feliz é o destituído de desejos nem repugnâncias. Felicidade
suprema é vitória sobre a vaidade obstinada.
Cinja cada um de vós seu prazer ao Dharma, afirme-se no Dharma, e medite em suas
sublimes verdades.
A ninguém aproveita e facilmente se perde um tesouro caído no fundo de um poço. O
verdadeiro tesouro acumulado pela caridade, compaixão, temperança, domínio próprio e as
boas obras, está em lugar seguro, onde ninguém pode roubá-lo, e ao morrer, leva-o consigo o
homem para a outra vida.”
Então os discípulos louvaram a sabedoria do Tathágata, dizendo-lhe:
“Transcendeste a dor. És santo. Ó Iluminado, em ti vemos o homem que já se libertou
das paixões. És grande e glorioso. Desvaneceste em nós a dor e as vacilações.
Por isto te adoramos, ó Muni, que conquistaste o máximo proveito nos caminhos da
sabedoria! Dissipaste nossa dúvida, ó Tu que vês claramente. Em verdade és o Muni perfeitamente iluminado para quem não há obstáculo possível.
Todas as penas desapareceram. Tu permaneces tranquilo. És enérgico e veraz. Estás
firme. Adora-mos-te, ó excelso Muni! Adoramos-te, ó Tu, o melhor dos homens. Nos mundos
dos homens e dos deuses ninguém te iguala.
És o Santo, o Mestre, o Buda, o vencedor de Mara, que depois de haver atravessado a
corrente, aju-da também a espécie humana a atravessá-la para a outra margem.”
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VIII – O GRÃO DE MOSTARDA
Um opulento comerciante ficara profundamente aflito ao verificar, um dia, que todas
as suas moedas e barras de ouro haviam se transformado em carvão, da noite para o dia, e
recolhera-se ao leito sem mais querer alimentar-se, pois preferia a morte à indigência.
Um amigo seu, informado do acontecido, foi visitá-lo, e ao ouvir-lhe a causa do seu
sofrimento, ponderou-lhe:
“O teu ouro se transformou em carvão porque não aplicaste bem tua riqueza. O ouro
avaramente acumulado não vale mais do que o carvão. Mas ouve um conselho. Estende teus
tapetes no bazar, põe-lhes em cima o carvão e vende-o.
O mercador seguiu o conselho de seu amigo, e quando os vizinhos lhe perguntavam
porque vendia carvão, respondia:
- É a única coisa que possuo.
Algum tempo depois, uma jovem órfã e pobre, chamada Krisha Gotami, passou pelo
bazar do mercador e lhe perguntou:
- Meu Senhor; vendes também estes montões de ouro?
O mercador respondeu-lhe:
- De que ouro falas? Onde está?
Krisha Gotami pegou uns pedaços de carvão, que na vista do mercador se transformaram em ouro.
O mercador supôs que Krisha Gotami possuísse clarividência mental, e a casou com
seu filho, pensando consigo mesmo: “Para muitas pessoas o ouro não vale mais que o carvão;
mas Krisha Gotami transmuta o carvão em ouro.”
Krisha Gotami teve um filho e este morreu. Transida de dor, ia com o filho morto de
casa em casa, pedindo um remédio, e as pessoas diziam: “Está doida; a criança está morta.”
Finalmente, Krisha Gotami encontrou um camponês que respondeu sua súplica, dizendo:
- Não posso dar um remédio para a criança, porém sei de um médico capaz de o dar.
E Krisha Gotami respondeu:
- Suplico-te que me digas quem é.
- Vai ver o Buda.
Krisha Gotaini foi ver o Senhor Buda e exclamou chorando:
“Senhor meu e Mestre; Meu filho estava brincando entre as flores e tropeçou numa
serpente que se enroscou no seu braço. Ficou logo pálido e silencioso.
Não posso aceitar que ele deixe de brincar ou que deixe o meu colo.
Senhor meu e Mestre, dá-me um remédio que cure o meu filho.”
O Senhor Buda respondeu-lhe:
“Sim, irmãzinha, há uma coisa que pode curar teu filho e a ti se puderes consegui-la,
porque os que consultam os médicos tomam o que lhes é receitado.
Procura uma simples semente de mostarda preta, porém, só a deves receber de uma
casa onde nunca tenha entrado a morte, onde não tenha ainda morrido pai, mãe, filho nem
filha, nem irmão nem irmã, nem escravo nem parente.”
Aflita, Krisha Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda. As pessoas se
compadeciam dela e lhe davam, porém quando ela perguntava se já tinha morrido alguém
naquela casa, lhe respondiam:
- Ah! poucos são os vivos e muitos os mortos.
Não despertes nossa dor.
Agradecida, ela lhes devolvia a mostarda e dirigia-se a outros que lhe diziam:
- Aqui está a semente, porém já morreu nosso escravo.
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- Aqui está a semente; porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita.
E não encontrou nenhuma casa onde não tivesse morrido alguém.
Krisha Gotami voltou chorosa para o Senhor Buda, dizendo-lhe:
Ah! Senhor, não pude encontrar mostarda em casa onde não tivesse havido morte.
Então, entre as flores silvestres, na margem do rio, deixei meu filho que não queria mamar
nem sorrir, e volto para ver teu rosto e beijar teus pés, suplicando-te que me digas onde
encontrar esta semente sem deparar ao mesmo tempo com a morte, pois apesar de tudo não
posso crer na morte de meu filho, como todos me disseram e temo tenha acontecido.
O Mestre respondeu-lhe:
“Minha irmã, procurando o que não podes encontrar, achaste o amargo bálsamo que
eu queria dar-te.
Sobre teu seio dormiu hoje o sono da morte o ser que amas. Agora já sabes que todo o
mundo chora uma dor semelhante à tua. O sofrimento que aflige todos os corações, pesa
menos do que se concentrado num só.
Escuta! Derramaria eu meu sangue se ao derramá-lo pudesse deter tuas lágrimas e descobrir o segredo de o amor causar angústia, e através de prados floridos conduzir-nos ao sacrifício, qual mudos animais conduzidos por seus donos.
Nenhum nascido pode evitar a morte. Assim como os frutos maduros caem da árvore,
assim os mortais estão expostos à morte desde que nascem. A vida corporal do homem acaba
partindo-se como uma vasilha de barro do oleiro. Jovens e adultos, néscios e sábios, todos
estão sujeitos à morte.
Porém o sábio que conhece a Lei não se perturba, porque nem pelo pranto nem pelo
desânimo obtém a paz, mas pelo contrário, avivam as dores e os sofrimentos do corpo. A morte não faz caso de lamentações.
Morre o homem, e seu destino está determinado por suas acções. Embora viva dez ou
cem anos, acaba o homem por separar-se de seus parentes ao sair deste mundo.
Quem deseja a paz da alma, deve arrancar da sua ferida a flecha do desgosto, da queixa e da lamentação.
Bendito será quem vencer a dor. Sepulta tu mesma o teu filho.”
Extenuada pela dor, Krisha Gotami sentou-se à beira do caminho, pôs-se a meditar no
silêncio do entardecer, e disse consigo:
“Quão egoísta sou em minha dor! A morte é o destino comum de tudo quanto vive.
Porém neste vale desolado há um caminho que conduz à imortalidade aquele que elimina de si
todo egoísmo.
E sufocando o amor egoísta que sentia por seu filho, enterrou-o no bosque. E foi logo
refugiar-se no Senhor Buda, e encontrou consolo no Dharma que alivia o coração dilacerado
pela dor.
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XIX – A FÉ DE SARIPUTRA
O Senhor Buda regressou de Nalanda com numerosos discípulos e detêve-se num bosque de mangueiras.
Dele se aproximou o venerável Sariputra que lhe disse depois de o saudar respeitosamente:
- Senhor, é tão firme a fé que tenho em ti, que no meu entender não há nem haverá
outro maior que tu, no concernente à suprema sabedoria.
O Senhor Buda respondeu-lhe:
Audazes são as palavras de tua boca, Ó Sariputra. Certamente irromperam num
momento de êxtase. Conheceste acaso todos os que em épocas passadas também foram
Budas?
- Não, Senhor - respondeu Sariputra.
- Vislumbraste os que em longínquo futuro hão-de ser Budas?
- Não, Senhor.
- Porém, ao menos, Ó Sariputra, conhecerás a mim como Buda vivente, e terás penetrado em meu espírito.
- Tampouco, Senhor.
- Então vês, Sariputra, que não conheceste os Budas do passado, nem vislumbraste os
do futuro. Por que, pois, tão temerária afirmação? Por que tão desmesurado elogio?
- Oh! Senhor. Não conheço o coração dos Budas passados e futuros, nem o teu que
agora és. Só conheço os fundamentos da fé. Um rei poderia ter edificado na fronteira de seu
reino uma fortaleza, sólidos cimentos, régios muros com sentinelas de atalaia para deter os
estrangeiros e não deixar entrar mais ninguém além de seus amigos. Mas assim como poderiam existir no muro algumas gretas por onde entrasse um gato e observasse a fortaleza, assim
conheço eu os fundamentos da fé. Sei que os passados Budas foram sempre avessos à luxúria,
à preguiça, ao orgulho, à dúvida, a todos os vícios e fraquezas que debilitam o homem; exercitaram as cinco modalidades de actividade mental, e alcançaram a iluminação. E sei que o
mesmo farão os Budas futuros, e o mesmo fazes tu.
- Grande é a tua fé; não a quebres.
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X – SERMÃO FINAL
O Senhor Buda assim falou a Ananda, como representante de toda a Ordem:
“Que espera a Ordem de mim? Preguei a Verdade sem distinção entre a doutrina esotérica e a exotérica, pois no tocante à Verdade, o Tathágata não tem nada semelhante ao
punho cerrado de um instrutor que oculta alguma coisa.
Certamente, Ananda, se alguém desejar ser o guia da Ordem e crer que é o fundamento da Ordem, deveria dar instruções pertinentes ao governo da Ordem.
Por que haveria o Tathágata de dar instruções para o governo da Ordem? Já sou velho,
Ananda; tenho oitenta anos e termino meus dias; e assim como um carro velho roda com dificuldade, assim meu corpo se sustenta com muito cuidado. Meu corpo só está bem quando me
abstraio em prece fervorosa, meditando, fora do mundo material.
Assim, pois, Ananda, sede vossas próprias lâmpadas. Apoiai-vos em vós mesmos e
não em nenhum sustentáculo externo.
Mantendo-vos firmes à luz de vossas lamparinas.
Buscai a libertação na Verdade, e não peçais auxílio a ninguém mais do que a vós
mesmos.
Porque, como, Ananda, pode um irmão ser lamparina para si mesmo se não se apoia
em si, mas em algo externo; se não mantém firme a Verdade e na Verdade não busca a salvação, sem outro auxílio do que o seu próprio?
Assim, pois, Ananda, já que o irmão mora num corpo, procure vencer as dores dimanantes dos desejos do corpo. Que enquanto esteja exposto às sensações, considere-as de tal
maneira que vença neste mundo a dor resultante das sensações.
E aqueles que agora ou depois de minha morte forem lamparinas de si mesmos e buscarem a liberta-ção na Verdade sem pedir auxílio externo, alcançarão a iluminação.
Entrai na Senda! Não há dor mais amarga do que o ódio, nem sofrimento como o da
paixão, nem engano maior do que o da luxúria e a torpe sensualidade.
Entrai na Senda! Muito adiantado já está quem espezinha o vício dominante.
Entrai na Senda! Dali fluem as salutares fontes que toda a sede apagam.
Ali florescem as imarcescíveis (imperecíveis, sempre viçosas) flores que alegremente
alfombram (forram) todos os caminhos.
Ali se apressam as horas mais velozes e felizes.
Mais valiosos que as jóias é o tesouro da Lei. A sua doçura excede à da fava de mel.
As suas delícias excedem a todo o deleite.
Não mateis.
Sede compassivos e não detenhais em seu ascendente caminho nem o mais ínfimo ser.
Dai e recebe generosamente; porém não arrebateis de ninguém, cobiçosos, seus bens
com violência ou fraude.
Não levanteis falsos testemunhos.
Não calunieis.
Não mintais. A verdade é manifestação da pureza interior.
Abstende-vos de drogas e bebidas que perturbam a mente.
Iluminai as vossas mentes. As mentes puras e os corpos puros necessitam do néctar do
Soma.
Não toqueis na mulher de vosso próximo nem cometais pecados carnais contra a natureza.
Aqueles que não podem quebrar desde já as opressoras cadeias dos sentidos e cujos
pés são demasiado débeis para trilhar a estrada pedregosa, deve disciplinar a sua conduta de
tal forma que todos os dias terrenos transcorram irrepreensíveis, praticando obras caridosas.
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Devem dar, embora vacilantes, os primeiros passos na óctupla senda, vivendo puros,
humildes, pacientes, compassivos, e amando todos os seres como a si mesmos, porque o mal é
consequente do passado mau e o bem procede de um passado bom.
Agindo deste modo, livra-se o homem da sua personalidade, auxilia o mundo, aumenta
a sua felicidade na vida futura e aproxima-se da perfeição.
Há tempos, na hora do alvorecer, quando eu passeava por um bosque de bambus próximo de Rajagriha, vi o chefe de uma família singaleza que, ao sair do banho e com a cabeça
descoberta, saudava a terra, o céu e os quatro pontos cardiais, espalhando arroz branco e vermelho com as duas mãos.
- Por que saúdas assim meu irmão? Perguntei-lhe
- É a regra - respondeu. Ensinaram-nos nossos pais que pela manhã, antes de iniciar as
tarefas quotidianas, se deve conjurar o mal que vem do céu que nos cobre, da terra que está
sob nossos pés e dos quatro pontos cardiais.
Respondi-lhe: “Não espalhes arroz, porém, antes oferece a todas as criaturas pensamentos e acções de amor. A teus pais, olhando para o Oriente, donde brota a luz. A teus mestres, olhando para o Sul, donde provem valiosos dons. À tua mulher e teus filhos, olhando
para o Ocidente, donde fulgem suaves e delicadas cores e onde morrem os dias. A teus amigos, parentes e a todos os seres, olhando para o Norte. Aos humildes inclinando-te para o
solo. Aos santos, aos anjos e aos mortos bem-aventurados, contemplando o céu.
Procedei também vós assim, que conjurareis todo mal e saudareis o mundo em suas
seis direcções cardiais.”
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XI – O ANÚNCIO DA SUA MORTE
O Senhor Buda disse a Ananda:
“Vai agora, Ananda, e reúne na sala capitular os irmãos residentes nos arredores de
Vaisali.”
O Senhor Buda chegou na sala, sentou-se num almofadão já ali colocado para Ele, e
disse:
“Ó irmãos. Já que haveis recebido e aceito a Verdade, e estais compenetrados dela,
meditai-a e difundi-a por toda a parte, para que a religião se perpetue e subsista para o bem e
felicidade dos povos e proveito de todos os seres. Aquele que deixar seu coração sem freio
algum, não alcançará o Nirvana. Por isto, deveis fugir das excitações mundanas e buscar a paz
da alma.
Comei para saciar a fome e bebei para apagar a sede. Satisfazei as necessidades da
vida corpórea como a abelha que liba o néctar da flor, mas sem lhe roubar o perfume.
Ó irmãos! É preciso aprender a assimilar as quatro nobres verdades. Reconhecei que já
temos perdido muito tempo e peregrinado demais pelo penoso caminho da reencarnação em
busca da verdade.
Praticai a meditação profunda a que vos habituei. Persisti na luta tenaz contra o pecado. Mantende-vos firmes na senda da santidade. Que vossos sentidos espirituais estejam limpos. E se as sete luzes da sabedoria iluminam vossa mente, entrareis na óctupla senda que
conduz ao Nirvana.
Sabei, ó irmãos, que não tardará em extinguir-se a personalidade do Tathágata. Assim
vos exorto e digo: Tudo quanto é composto e complexo tem de envelhecer e morrer. Buscai o
eterno e esforçai-vos ardorosamente por vossa salvação.
Outras traduções das últimas palavras de Buda
“Todo o composto está sujeito à dissolução. Prossegui com diligência.”
Ou,
“Todo o composto tem como destino a dissolução. Prossegui com diligência.”
Ou,
“Ouçam, monjes ,o que vos digo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à decadência. Lutem com diligência.”
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Com presença de espírito, sem sofrimento psicológico e sem se deixar perturbar pelo pensamento da morte,
Buda identifica quatro sítios futuros de peregrinação: o do seu nascimento, o da sua iluninação, o do seu primeiro sermão e o da sua morte. «Mas não percam tempo a honrar os meus despojos», acrescenta.
Ananda continua a lamentar-se. Com a cabeça encostada à soleira de uma porta, chora amargamente: «Eu sou
apenas um principiante!»
«Não chores, Ananda!», diz Buda para o consolar. «A natureza das coisas impõe que nos separemos daqueles
que nos são queridos. Tudo o que nasce contém a sua própria cessação.» Em seguida, elogia a dedicação de
Ananda: «Com esforço, Ananda, atingirás o Nirvana.»
Chegam a Kushinara, «uma pequena cidade na selva, com casas feitas de taipa», que Ananda considera «não
adequada para o parinirvana de um Buda». Descontraído, o mestre convida a sangha a confessar quaisquer
dúvidas que tenha no dharma, mas os bhikkhus ficam em silêncio. «Ninguém, Ananda, tem apreensões. Eventualmente todos irão atingir a iluminação.» Depois, Buda pronuncia as suas últimas palavras: «Ouçam, monjes,
o que vos digo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à decadência. Lutem com diligência.»
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XII – ENTRADA NO NIRVANA
Por esta ocasião os discípulos foram ao bosque de Upavartana, onde estava o Senhor
Buda, e com eles muitas pessoas desejosas de participar da felicidade da presença do Bemaventurado, que lhes disse:
“Buscai ansiosamente a Verdade. Não vos basta me haverdes visto. Libertai-vos do
pungente aguilhão da dor. Segui resolutamente a senda.
Um enfermo pode ser curado pela virtude do medicamento, sem ver o médico.
Quem não me obedeça, me verá inutilmente, ao passo que quem vive rectamente, e
embora more muito longe, estará junto de mim. Mas quem obedecer o Dharma, gozará sempre da felicidade do Tathágata.”
O mendicante Subadra foi ao bosque de Upavartana e disse ao venerável Ananda:
“Mendicantes de minha Ordem, carregados de anos e de experiências, disseram-me que mui
raramente aparece na terra um Buda. Diz-se que esta noite o asceta Gautama vai sair para
sempre deste mundo, e embora minha mente esteja conturbada pela dúvida, tenho fé no asceta
Gautama e creio que Ele será capaz de declarar-me a verdade e dissipar minhas dúvidas. Serme-há permitido ver o asceta Gautama?
O venerável Ananda respondeu:
Basta amigo Subadra! Não importunes o Tathágata. Está fatigadíssimo.
Porém o Senhor Buda ouviu a conversa de seu discípulo com o mendicante, e disse à
Ananda:
- Não impeças a entrada de Subadra. Deixa que me interrogue porque veio desejoso de
aprender e não com o propósito de molestar-me. Compreenderá rapidamente.
Então, o venerável Ananda disse ao mendicante Subadra:
- Entra, amigo Subadra, pois o Bem-aventurado o permite.
E o Senhor Buda instruiu a Subadra, que, feliz, lhe disse:
“Glorioso Senhor! Senhor gloriosíssimo! Excelentes são as palavras de tua boca, porque reordenam o subvertido, revelam o oculto, mostram o cami-nho recto ao viandante extraviado e acendem uma luz nas trevas para que todos possam ver, todos os que tiverem olhos.
Assim, Senhor, me deste a conhecer a Verdade, e refugio-me em Ti, no Dharma e na
Ordem. Digna-te aceitar-me por discípulo até o fim de meus dias.”
E o mendicante Subadra disse ao venerável Ananda:
- Grande é o teu, proveito, amigo Ananda, e muito boa foi a tua fortuna, por teres
recebido durante tantos anos os ensinamentos dos próprios lábios do Mestre.
O Senhor Buda disse então ao venerável Ananda:
“Talvez alguns de vós pensem que se a palavra do Mestre desapareceu, não tereis mais
Mestre.
Mas não deveis pensar assim. Certamente que já não voltarei a tomar corpo, porque
venci a dor; porém, se Gautama Siddhartha morre, resta o Buda.
Que a Verdade e as regras da Ordem sejam vosso Mestre quando eu partir, e que a
Ordem derrogue, se convier, os preceitos de pouca importância.”
Depois, dirigindo-se aos Irmãos, o Senhor Buda prosseguiu: “Se algum de vós tem
ainda alguma dúvida, que a exponha livremente, para que mais tarde não vos arrependais de
não me haver perguntado enquanto eu estava entre vós.”
Os irmãos permaneceram silenciosos.
O venerável Ananda disse ao Senhor Buda:
- Certamente creio que entre todos os que aqui se encontram, não existe quem tenha
dúvida ou receio algum acerca do Buda, da Verdade e da Senda.
E o Bem-aventurado respondeu-lhe:
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“Pela fé que tens, Ananda, asseguro e sei que em toda esta assembleia ninguém duvida
acerca do Buda, da Verdade e da Senda, porque todos estes irmãos têm a libertação final
assegurada.”
Ó discípulos! Se conheceis a causa do sofrimento, se obedeceis Dharma e seguis a
Senda da salvação, talvez digais que o fazeis em respeito ao Mestre.”
Os irmãos responderam-lhe: - Senhor, não o diremos.
E o Bem-aventurado prosseguiu:
- Dos seres que vivem encerrados na ignorância como num ovo, eu sou o primeiro que
lhe rompe a casca e alcançou a iluminação. Assim, discípulos, sou a primícia desta humanidade.
- Assim é, Senhor.
E o Bem-aventurado acrescentou:
- A destruição é inerente a todo o composto; porém a Verdade durará sempiternamente. Trabalhai com afinco por vossa libertação.
Estas foram as ,últimas palavras do Senhor Buda. Caiu em meditação e expirou tranquilamente.
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CONCLUSÃO
Quando o Senhor Buda entrou no Nirvana, os discípulos reuniram-se em concílio para
resolver o que deveria ser feito para manter-se pura a doutrina e não corrompê-la com heresias.
Upali, levantando-se, disse:
- Nosso insigne Mestre costumava dizer: “Ó discípulos! Depois de minha morte, respeitai e obedecei a lei, e que ela seja vosso Mestre. A Lei é lâmpada que brilha nas trevas para
iluminar a senda. Também é uma valiosa jóia para cuja aquisição não sé deve poupar esforço
algum, mesmo que seja com o sacrifício da própria vida. Obedecei a Lei que vos revelei, e
respeitai-a escrupulosamente como a mim próprio.” Tais foram as palavras do Senhor Buda. E
nesta Lei que Ele nos legou como riquíssima herança, temos agora o corpo visível do Tathágata. Respeitemo-la e tenhamo-la como sagrada, porque de nada servirá edificar pagodes para
as relíquias se não conservarmos o espírito dos ensinamentos do Mestre.
Em seguida Anurudha levantou-se e disse:
“Irmãos. Fixemos bem em nossa mente a ideia de que Gautama Siddhartha era a forma
visível da Verdade. O excelso Sakiamuni é a encarnação da Verdade que nos ensinou, dizendo que a Verdade existia antes de vir ao mundo, e continuaria a existir depois que Ele entrasse
no Nirvana. A Verdade está presente em todas as partes. É eterna. Fixemos bem em nossa
mente que o Senhor Buda não nos ensinou uma lei circunstancial e subalterna, daquelas que
prescrevem quando o tempo altera as circunstâncias em que foram promulgadas, senão a Lei
imutável e eterna.
A Verdade não é arbitrária nem filha das opiniões dos homens; mas pode estar oculta,
e encontra-la-á quem a busque com ardor.
A Verdade está oculta para o cego de entendimento, mas a vê quem possui a visão
mental.
A Verdade é a ciência do Buda, e ficará como pedra de toque para distinguir as doutrinas falsas das verdadeiras.
Aprendamos, pois, a Verdade, porque a verdade é o Buda, nosso Mestre, o instrutor e
o Senhor nosso.
“Certamente falastes bem, irmãos, sem contradição de opiniões sobre o real sentido de
nossa religião. Porque o Bem-aventurado tem três aspectos e cada um deles de igual importância para nós.
Um deles o Dharmakaya, outro o Nirmanakaya e o outro o Sambogokaya.
O Buda é a Verdade excelente, eterna, presente em todas as partes e imutável. Tal é o
Sambogokaya, o estado de perfeita felicidade.
O Buda é o Mestre que ama todos os seres e assume a forma daqueles que Ele substitui. Tal é o Nirmanakaya, o corpo em que Ele se apresenta.
O Buda é o dispensador bendito da religião. É o espírito do Sangha e o sentido dos
mandamentos que nos deixou sua palavra sagrada. Tal é o Dharma-kaya, o corpo da excelsa
Lei.
Se o Buda não se nos tivesse manifestado na pessoa de Gautama Siddhartha, como
poderíamos possuir as tradições sagradas de sua doutrina? E se as futuras gerações não possuírem estas tradições sa-gradas conservadas no Sangha, como estes conhecerão o insigne
Sakyamuni?
Nem nós nem ninguém conheceríamos a excelsa Verdade, porque aquele que tiver
aberto os olhos es-pirituais, a descobrirá.”
109
Em seguida, os irmãos resolveram celebrar um concílio em Rajagriha, para expor as
doutrinas puras do Bem-aventurado, examinar e coleccionar as Escrituras Sagradas e fixar o
cânone que servisse como instrução para as gerações futuras.
“ Tornando-se desapaixonado, desprendeu-se e,
Através do desprendimento, libertou-se.
Quando liberto, há conhecimento de ele estar liberto.
E ele sabe: o nascimento está exaurido,
A vida santa foi vivida,
O que deveria ser feito foi feito,
Não há mais nada para executar.”
Do Sermão do Fogo, Theravada Sutta Pitaka
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II – FIM DO SER
Quando no círculo do universo apareceram as formas tangíveis do Sol, da Terra e da
Lua, a Verdade se movia no pó cósmico e iluminava o mundo com refulgente luz.
No entanto, ainda não havia olho que a visse, nem ouvido que a ouvisse, nem espírito
que pudesse compreender seu sentido, nem lugar algum nos imensos espaços da existência
onde ela pudesse residir em todo o seu esplendor. No transcurso da evolução, as formas
viventes foram desenvolvendo um após outro os sentidos de percepção, e então surgiram os
pares, de opostos; o Eu ou o mundo subjectivo, e o Não-Eu ou mundo objectivo.
Assim as sensações nascidas da percepção engendraram o prazer com a consequente
dor, e houve amigos e inimigos, ódio e amor. Mas a Verdade não pode achar neste mundo de
sensações uma morada onde residir em todo o seu esplendor.
Depois apareceu no reino humano a razão que deveria refrear os instintos da personalidade e valer-se das forças da natureza como meios para alcançar seus propósitos de aperfeiçoamento e progresso no caminho da evolução.
Entretanto, surgiu o conflito, a luta entre a natureza superior, ou a superioridade armada com a força da razão, e a natureza inferior, ou a personalidade que investe com o ímpeto
formidável das paixões.
O homem foi lobo do próprio homem e se mataram para satisfazer vãs concupiscências (desejo imoderado de satisfazer a sensualidade), sem que a verdade pudesse encontrar
nos domínios da razão um lugar onde residir com toda a sua glória, até que apareceu o Salvador, o Buda, o Mestre dos deuses.
E o Buda estabeleceu a paz entre a razão e o sentimento, ensinando os povos a verem
as coisas tais como são e a agirem em obediência à Verdade, que então encontrou lugar onde
residir em todo o seu esplendor.
Ó Buda, o Bendito, o Santo, o Perfeito. Reve-laste a Verdade e estabeleceste Teu reino
neste mundo.
Pois não havia lugar para a Verdade no espaço infinito. Não havia, não há nem pode
haver lugar para a Verdade na sensação, nem em seus prazeres e dores.
Também não havia, não há, nem pode haver lugar para a Verdade no raciocínio, porque o raciocínio é arma de dois gumes, que tanto pode brandir o ódio como o amor.
O raciocínio é o escabelo da Verdade porque sem a razão não é possível alcançá-la,
porém não é a residência da Verdade.
O trono da Verdade é a justiça, e o Amor seu ornamento. A justiça é morada da Verdade.
Este é o evangelho do Buda. Esta é a revelação do iluminado. Esta é a Lei do Santo.
Os que aceitam a Verdade e a praticam, refugiam-se no Buda, no Dharma, no Sangha.
Ó Senhor Bendito! Ó potente libertador! Tu que nos amas, em Teu nome e em Ti
refugiamos.
Refugiamo-nos em Tua Lei e em Tua regra. Recebe-nos, ó Buda, no número de teus
discípu-los de hoje até o fim de nossos dias.
Alivia, ó Santo Instrutor, compassivo e amoroso, a todos os seres, aos aflitos, aos
oprimidos pela dor. Ilumina os obcecados e aumenta-nos o entendimento e a santidade.
A Verdade é o fim e o objectivo de toda a exis-tência. Os mundos nascem para morada
da Verdade.
Quem não aspira a posse da Verdade, perde o propósito da vida.
Bem-aventurado quem repousa na verdade, porque todas as coisas perecerão e a Verdade permanecerá sempre.
O mundo está construído pela Verdade, porém os maus pensamentos desnaturam o
estado natural das coisas e criam o erro, filho protervo (descarado, brutal) da ilusão.
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O erro pode assumir variedades de formas louva-minheiras, porém contém germes de
destruição.
A Verdade jamais varia. É imutável. Domina a morte. A ilusão, o erro e a mentira são
abortos de Mara e têm vigoroso poder para enganar aos homens e extraviá-los da senda da
salvação.
A ilusão, o erro e a mentira assemelham-se a um barco de madeira carcomida, e todos
os que nele embarcarem estão condenados a naufragar.
Muitos se apegam ao erro, e quando caem nas redes do egoísmo, da luxúria e dos
desejos sinistros, lamentam sua infelicidade.
Contudo, todo o ser vivente aspira à Verdade, porque só a Verdade é capaz de curar
nossos males e acalmar nossa inquietude.
A Verdade é a essência da Vida, porque a vida persiste depois da morte do corpo. A
Verdade é eterna e subsistirá, embora desapareçam céus e terras.
Não há no mundo várias Verdades, porque ela é uma e a mesma Verdade em todo o
tempo e lugar.
A Verdade nos mostra a senda da rectidão. Felizes são os que seguem esta senda.
112
III – LOUVOR AOS BUDAS
Maravilhosos e gloriosíssimos são todos os Budas.
Não existem iguais no mundo.
Ensinam-nos o caminho da Vida.
Saudamos a sua chegada com inebriado respeito.
Todos os Budas ensinam a mesma Verdade.
A Verdade encaminha os extraviados.
A Verdade é nossa esperança e nosso sustentáculo.
Recebemos felizes e agradecidos a sua luz, que nada pode extinguir.
Todos os Budas são da mesma essência.
A essência de todos os seres.
A essência que santifica os laços entre todas as almas.
E temos fé na felicidade do supremo refúgio.
AUM! Paz a todos os seres!
113
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Alguns Tópicos Importantes do Budismo
O Budismo é muitas vezes apontado como uma religião ateísta. No entanto, Buda não estava
preocupado com especulações filosóficas tão em voga na altura, como por exemplo, a existência e os
atributos de Deus, mas sim, que cada um experimentasse directa e pessoalmente as verdades espirituais.
Nasceu numa época e região em que vigorava o Hinduísmo, onde imperava um sistema de
castas em que os brâmanes (casta dos sacerdotes), detinham o monopólio do conhecimento religioso,
pouco ou nada acessível aos pobres e mulheres.
O sistema de ensinamento de Buda era essencialmente prático, virado para o estudo das leis da
vida e da mente humana, acentuando a capacidade do Homem para se auto-realizar, compreendendo o
seu lugar, sentido e responsabilidade no Plano Cósmico em eterna Evolução. Ensinou aos seus discípulos temáticas relacionadas com todas as vertentes conhecidas da vida humana, assim como métodos
e técnicas de auto conhecimento e desenvolvimento pessoal e espiritual.
Pode dizer-se que Buda fez em relação ao hinduísmo o que Jesus Cristo fez em relação ao
Judaísmo, uma espécie de reforma, ensinando a separar o trigo do joio, alertando para erros e desvios à
Verdade e à Vontade de Deus que se estavam a cometer.
Buda reavivou alguns conhecimentos menos valorizados nos Vedas, explicou o sofrimento, as
suas causas e o caminho para a libertação desse sofrimento. Ensinou exaustivamente a meditação
como a técnica de eleição para despertar a consciência e potencialidades espirituais do Ser Humano,
libertar-se do sofrimento e atingir a auto realização.
115
O Budismo e a Sociedade
O objectivo essencial de Buda era levar ajudar as pessoas a um entendimento da verdade que permitiria passar dos contínuos renascimentos ao Nirvana. O recém-iluminado Buda
pensara a princípio que a sua experiência de iluminação fora demasiado subtil para ser comunicada, mas depressa se convenceu de que a verdade deve estar disponível a todos so interessados.
Buda defendia que as pessoas eram essencialmente de origem comum e deviam tratarse umas às outras da mesma maneira. «Que todos os seres possam ser felizes», «O monge impregna o mundo inteiro de um espírito cheio de benevolência e de compaixão, livre do ódio e
da malevolência.»
No sistema bramânico havia quatro castas: brâmanes (sacerdotes), kshatriya (guerreiros), vaishya (mercadores) e shudra (trabalhadores ou servidores). Os brâmanes justificam o
seu elevado estatuto afirmando que tinham nascido «da boca do deus Brama»,
Mas, opondo-se a esta ideia, a lenda budista descreve o modo como as pessoas eram
originalmente «seres feitos de espírito» (puros e felizes):
Belos, desprovidos de corpo e autoluminosos, estes seres existiram, alimentando-se de
alegria, até que um deles, mais ardiloso, comeu um delicioso pedaço de terra que se tinha
formado na água. Outros seguiram-lhe o exemplo e, quando comeram, perderam a sua luminosidade. A degeneração continuou, os seres adquiriram um corpo, depois bens próprios e
em seguida a sexualidade. O roubo, o castigo, o governo evoluíram e, por fim, o novo povo
instituiu uma aristocracia e um clero, mas, apesar das diferenças de casta, todos tinham uma
origem comum nos «seres».
Deste modo, mesmo que as pessoas, como Buda sugeriu, «tivessem poeira nos olhos»,
isso devia-se ao seu karma pessoal, não ao seu estrato social.
As regras da comunidade monástica baseavam-se no respeito mútuo e na troca de impressões. Havia decerto monges iluminados e noviços, mas todos seguiam a mesma regra e
Buda não designou sucessor. A organização da comunidade era modelada, não tanto segundo
a monarquia, antes de acordo com uma república, como as dos Vajji. No entanto, Buda sublinhou que, onde quer que existisse uma monarquia, o rei devia seguir os cinco preceitos e proporcionar aos súbditos as condições que lhes permitissem viver em prosperidade, mas o imperador Ashoka foi o único que tentou governar quase todo o subcontinente de acordo com o
dharma budista.
116
Karma e a Lei de Causa e Efeito
Uma pessoa é uma combinação de matéria e mente. O corpo pode ser encarado como
uma combinação de quatro componentes: terra, água, calor e ar; a mente é a combinação de
sensação, percepção, ideias e consciência. O corpo físico — na verdade, toda a matéria na
natureza – está sujeito ao ciclo de formação, duração, deterioração e cessação.
O Buda ensinou que a interpretação da vida através de nossos seis sensores ou sentidos
(olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente) não é mais do que ilusão. Quando duas pessoas
experimentam um mesmo acontecimento, a interpretação de uma, pode levar à tristeza,
enquanto a da outra, pode levar à felicidade. É o apego às sensações, derivadas desses seis
sentidos (para o Budismo e Hinduísmo a mente é um sentido), que resulta em desejo e ligação
passional, vida após vida.
O Buda ensinou que todos os seres sencientes estão em um ciclo contínuo de vida,
morte e renascimento, por um número ilimitado de vidas, até que finalmente alcancem a iluminação. Os budistas acreditam que os nascimentos das pessoas estão associados à consciência proveniente das memórias e do karma de suas vidas passadas. "Karma" é uma palavra em
sânscrito que significa "acção, trabalho ou feito". Qualquer acção física, verbal ou mental,
realizada com intenção, pode ser chamada de karma. Assim, boas atitudes podem produzir
karma positivo, enquanto más atitudes podem resultar em karma negativo. A consciência do
karma criado em vidas passadas nem sempre é possível; a alegria ou o sofrimento, o belo ou o
feio, a sabedoria ou a ignorância, a riqueza ou a pobreza experimentados nesta vida são, no
entanto, determinados pelo karma passado.
Neste ciclo contínuo de vida, seres renascem em várias formas de existência. Há seis
tipos de existência: Devas (deuses), Asuras (semideuses), Humanos, Animais, Pretas (espíritos famintos) e Seres do Inferno. Cada um dos reinos está sujeito às dores do nascimento, da
doença, do envelhecimento e da morte. O renascimento em formas superiores ou inferiores é
determinado pelos bons ou maus actos, ou karma, que foi sendo produzido durante vidas anteriores.
Essa é a lei de causa e efeito. Entender essa lei nos ajuda a cessar com todas nossas
acções negativas. Como diz a frase “A semeadura é livre, a colheita obrigatória”. Isto significa que o ser humano através do livre arbítrio pode gerir a sua vida de muitas maneiras, praticar o Bem ou o Mal, ou entregar-se à inércia, mas não pode fugir à consequências das suas
escolhas. Persistir no erro, na ignorância, na inércia, alimentar caprichos, paixões, apegos…
prejudiciais à iluminação, perpetua o devir do sofrimento.
Nirvana
Aqueles que través da prática diligente, do proporcionar compaixão e bondade amorosa a todos os seres vivos, do condicionamento da mente para evitar apegos e eliminar karma
negativo, finalmente alcançarão a iluminação. Quando isso ocorre, eles serão liberados do
ciclo de morte e renascimento e ascender ao estado de Nirvana. O Nirvana não é um local
físico, mas um estado de consciência suprema de perfeita felicidade e liberação. É o fim de
todo retorno à reencarnação e seu compromisso com o sofrimento.
117
O conceito de sofrimento
O Buda Shakyamuni ensinou que uma grande parcela do sofrimento em nossas vidas é
auto-infligido, oriundo de nossos pensamentos e comportamento, os quais são influenciados
pelas habilidades de nossos seis sentidos. Nossos desejos – por dinheiro, poder, fama e bens
materiais… – e nossas emoções – tais como, raiva, ódio, rancor e ciúme… – são fontes de
sofrimento causado por apego a essas sensações. Nossa sociedade tem enfatizado consideravelmente beleza física, riqueza material e status. Nossa obsessão com as aparências e com o
que as outras pessoas pensam a nosso respeito são também fontes de sofrimento.
Portanto, o sofrimento está primariamente associado com as acções de nossa mente.
Tudo se origina na nossa mente. É a ignorância que nos faz tender à avidez, à vontade doente
e à ilusão. Como consequência, praticamos maus actos, causando diferentes combinações de
sofrimento. O Budismo nos faz vislumbrar maneiras efectivas e possíveis de eliminar todo o
nosso sofrimento e, mais importante, de alcançar a libertação do Espírito do ciclo de nascimento, doença e morte.
Por isso é tão importante a prática da meditação diária ou frequente. A meditação,
aliada ao desenvolvimento dos restantes itens do Óctuplo Caminho, quebra todos os ciclos
viciosos que fazem o Ser Humano gerar karma negativo que tem de ser expiado, promove a
serenidade da mente e do Espírito, remove os véus da ilusão, destrói as amarras nefastas que
impedem a ascensão em direcção Iluminação.
Mas tudo isso, tem obrigatoriamente de ser aliado à firme convicção e voto de desenvolver a compaixão e amor-bondade para com todos os seres, a humanidade em especial,
amigos e inimigos, do passado, presente e futuro. Em suma, fazer o voto de procurar ascender
à Iluminação para benefício de todos os seres, quer durante a caminhada, quer depois de a ter
alcançado.
118
Os Quatro Selos do Dharma (Caminho Espiritual)
(As três Características da Existência e o Nirvana)
De acordo com a tradição budista, todos os fenómenos que não o Nirvana (que é a
permanência), são marcados por três características, e juntamente com o Nirvana formam os
"Quatro selos do Dharma". Eles são anicca (impermanência), dukkha (sofrimento) e anatta
(não-eu ou vazio) e Nirvana (a Suprema paz). Assim a realidade caracteriza-se por:
Impermanência – Todos os fenómenos compostos são impermanentes. Tudo muda e
nada é permanente. Nada é estável neste mundo e tudo está sujeito a mudança, incluindo o Ser
Humano. Um momento “presente” não se repetirá jamais. A não aceitação da impertinência
pode levar à insatisfação e ao sofrimento por nos apegar-mos à ideia/ desejo de alcançar
algum tipo de estabilidade permanente. Por exemplo, não ter de trabalhar mais, não ter de
aprender mais, não ter de ultrapassar mais provações, não ter de encarar mais nenhum problema ou mudança relativamente à vida afectiva quando ela é satisfatória, viver eternamente
neste mundo, gozar sempre de boa saúde e juventude, manter certo estatuto social, etc.
Sofrimento – Todas as coisas e acontecimentos contaminados são insatisfatórios. Faz
parte da natureza da vida o sofrimento e a insatisfação. É a insatisfação que nos faz experimentar a sentimento de que nunca temos nada "perfeito", de estarmos sempre ou muitas vezes
com um pequeno desconforto… Sofre-se por doença, ferimento, perda, por não alcançar
objectivos, não satisfazer desejos e apegos, por frio, calor… A nossa vida é quase uma sucessão ininterrupta de pequenas insatisfações entremeadas de maior ou menor sofrimento (mas
também com alguns períodos de alegria e felicidade). De um ponto de vista Budista, esta insatisfação e sofrimento advêm da nossa tendência de nos apegarmos a ideias e conceitos incorrectos ou de tentarmos constantemente justificar o nosso Ego. Sofremos porque vemos um
mundo à nossa volta que não segue o papel que lhe destinámos e sofremos porque não realizamos as duas outras características da existência: não aceitamos que tudo passa e nada é
permanente e queremos com toda a força que algo tenha natureza própria.
Ausência de “ser-próprio” ou Vazio – Todos os fenómenos são vazios e sem serpróprio. Diz respeito à interdependência de todos os fenómenos. Todos os fenómenos não
desprovidos de “eu”, não existem por si só. No contexto do Budismo, o "vazio" não deve ser
entendido como "vácuo", como ausência de ser, mas sim como ausência de natureza própria
independente.
Buda proclamou que todas as coisas são desprovidas de «eu», que não existe uma alma ou
um eu permanente no centro da personalidade humana. A personalidade humana um composto de cinco «amontoados» (skandha) impermanentes: a forma do corpo, o sentimento, a percepção, as impressões kármicas e a consciência. Os cinco skandhas são assim inerentes à
noção de um eu que o une mas na realidade nada mais existe senão série de processos.
Sendo que:
Nirvana – Nirvana é verdadeira paz, a Suprema e Eterna paz (ver Capitulo 2, página
15). É essa a meta do Ser Humano. Tendo sempre em mente que essa é o supremo objectivo
da sua existência, o caminhante espiritual terá sempre um porto de abrigo para toda a sua
vida, mesmo nos momentos de grande provação. Sabendo que o Nirvana, a Comunhão com
Deus, O Divino Pai, é o objectivo final, o caminhante sabe porque está aqui neste mundo,
qual o grande objectivo, e o porque trabalhar, pois sabe a justificação de tudo e sabe para onde
vai.
119
As três advertências
1. Nunca viste no mundo um homem ou mulher, de oitenta, noventa ou cem anos de idade,
frágil, encurvado como um galho quebrado, apoiando-se em muletas, com os passos vacilantes, inseguro, de quem há muito já se foi a juventude, com os dentes quebrados, os cabelos
cinzentos e escassos, ou calvo, encarquilhado e com os membros em pústulas? E nunca te
veio o pensamento de que tu mesmo também estas sujeito à decadência que dela não podes
escapar?
2. Nunca viste no mundo um homem ou mulher, que, estando doente, aflito e amargamente
enfermo, e, chafurdando na própria sujeira, foi levantado por alguma pessoa e colocada na
cama por outras? E nunca te veio o pensamento de que tu mesmo também estas sujeito à
enfermidade e que dela não podes escapar?
3. Nunca viste no mundo o cadáver de um homem ou mulher, um ou dois três dias após a
morte, inchado, de cor azul escura e putrefacto. E nunca te veio o pensamento de que tu mesmo também estas sujeito à morte, e que dela não podes escapar?
As Quatro Nobres Verdades
1. O Sofrimento existe
Sofre-se por doença, por apego, por alguém amado, por se estar ligado ao que se repudia, por
fazer-se o que não se gosta.. Sofre-se devido a desejos não satisfeitos, por “ter” ou por não
“ter”, por perder algo ou alguém a que se está apegado…
2. Existe uma causa para o sofrimento
Ignorância, apego, vontade incasável de desejar realizações materiais, más acções do passado,
preguiça, má vontade, descontrolo emocional, falta de crescimento interior…
3. É possível a cessação do sofrimento
Todo o sofrimento pode ter o seu fim.
4. Existe um caminho para a libertação do sofrimento
Consiste devotar-se à espiritualidade, à prática religiosa, levar uma vida de virtude, praticar
boas acções e evitar todo o mal em pensamento, palavras e acções, e aperfeiçoar os itens do
Óctuplo Caminho.
120
O Óctuplo Caminho
1. Recta Compreensão
Deve-se procurar aceder ao conhecimento livre de preconceitos, mantendo a mente e o coração aberto, para posterior reflexão e meditação nas verdades. Só assim o Homem se livra das
superstições, das ilusões, da ignorância.
2. Recto Pensamento
O Ser Humano é responsável pela sua mente. O pensar gera efeitos positivos ou negativos
consoante é conduzido. Deve-se procurar ser digno no pensar, orientando a mente para temas
positivos, construtivos, úteis, elevados, puros…
3. Recto Falar
O falar deve ser franco, honesto, bondoso, evitando a mentira, a calúnia… assim como toda a
geração de vibração negativa, como por exemplo, falar com ódio, raiva, etc.
4. Recta Acção
A acção deve ser pacífica, honesta, bondosa. Deve-se praticar o Bem, a Caridade e evitar todo
o Mal. O Bem é aquilo que eleva, que trás algum tipo de avanço, de melhoria, de acréscimo
positivo… O Mal é aquilo que causa dor, sofrimento, perda negativa, prejuízo, ruptura não
desejável…
5. Recto Viver
O Homem de preocupar-se em ter meios de subsistência honestos, que não prejudiquem ninguém, e de preferência, que não prejudique nem os outros seres vivos nem a Natureza.
6. Recto Esforço
No que se propõe a atingir, no seu projecto de vida, nas práticas espirituais, no auto-controle,
na luta contra os vícios e a imperfeições, em atingir estádios cada vez mais puros e elevados
de desenvolvimento espiritual, até à vitória final.
7. Recto Discernimento
Deve-se procurar manter a mente vigilante, activa, ocupada com coisas elevadas, construtivas,
desenvolvendo a habilidade de discriminar o que é bom ou não para si e para os outros, o que
é construtivo ou não para si, quais os melhores caminhos a percorrer…
8. Recta Concentração/Meditação
Através de prática correcta e assídua. Deve-se guardar um tempo diariamente para estudar e
praticar exercícios de desenvolvimento espiritual como a Meditação.
A meditação é a grande técnica de desenvolvimento espiritual ensinada por Buda. Através da
meditação o praticante acalma as flutuações da mente e desenvolve a consciência do seu Espírito ou Eu Interior. Através da consciência espiritual e outros dons espirituais, terá acesso
directo e mestres espirituais e a todas as verdades Universais.
A meditação permite alcançar o Nirvana, ou seja, a união da nossa consciência com Deus.
Esse estado também é chamado de Yoga no oriente. No ocidente, a palavra religião quer dizer
isso mesmo, re-ligar a consciência do filho com o Pai Celestial.
121
O Nirvana é descrito como um estado grande tranquilidade, de indescritível felicidade, paz e
harmonia, beatitude, bem-aventurança, consciência ilimitada, descrita por alguns santos,
yogues, místicos... O Nirvana é a Comunhão com Deus.
Em suma, a missão de Buda na Terra consistiu basicamente em explicar o sofrimento e a insatisfação com a vida, as suas causas e apontar o caminho para a libertação do sofrimento. O
Caminho para a libertação definitiva da insatisfação e do sofrimento exige que se adopte um
estilo de vida não prejudicial nem ao próprio nem a terceiros, nem de forma gratuita para com
a Natureza e demais seres vivos. Além disso torna-se necessário desenvolver a sabedoria através da experiência. Considera-se também, que o mais importante de tudo é desenvolvimento
da compaixão e do amor-bondade para com todos.
O Caminho deve ser trilhado com diligência, evitando perder mais tempo e se possível evitar
adquirir mais karma que poderá atrasar ainda mais o processo e resultar em mais sofrimento.
Caso a pessoa não atinja o Nirvana na vida actual, trilhar o Caminho resulta na certeza que
ficará mais próximo da Libertação Final e que adquiriu karma positivo, o que lhe poderá proporcionar renascer em condições mais favoráveis na próxima vida (comparativamente à vida
actual).
As seis perfeições
Considera-se que As Quatro Nobres Verdades (que inclui o Óctuplo Caminho) são o
fundamento do Budismo e entender o seu significado é essencial para o autodesenvolvimento
e alcance das Seis Perfeições, que nos farão atravessar o mar da imortalidade até o Nirvana.
As Seis Perfeições consistem de:
1. Caridade (Generosidade, Bondade). Inclui todas as formas de doar e compartilhar, não só em acções mas também em pensamentos, intenções, palavras…
2. Moralidade. Inclui a conduta dentro dos preceitos, como evitar todas as paixões
prejudiciais, vícios, excessos, não matar, não roubar, não ter conduta sexual imprópria, não
mentir, não usar tóxicos, não usar palavras ásperas ou caluniosas, não cobiçar, não praticar o
ódio nem ter visões incorrectas… *1
3. Paciência. Abster-se de gerar ira, raiva, ódio… Ser tolerante, indulgente… Suportar
as imperfeições e diferenças dos outros…
4. Energia. Desenvolver esforço vigoroso e persistente na prática do Dharma (espiritualidade)…Tem a ver com perseverança, persistência e motivação constante em manter-se
firme na Caminhada…
5. Meditação. Reduz a confusão da mente e leva à paz e à felicidade…
6. Sabedoria. Desenvolver o poder de discernir realidade e verdade...
*1 O fundamento básico da prática da moralidade consiste em abster-se de dez acções impuras, três relativas ao corpo, quatro à fala e três ao pensamento.
As três não-virtudes físicas são:
(1) matar: tirar intencionalmente a vida a um ser vivo, quer seja um ser humano, quer um animal, ou mesmo um insecto;
122
(2) roubar: apossar-se da propriedade de outrem sem o seu consentimento e
independentemente do valor que tenha; e
(3) comportamento sexual impróprio: cometer adultério por exemplo.
As quatro não-virtudes verbais são:
(4) mentir: enganar outrem através da palavra falada ou do gesto;
(5) divisionismo: criar a discórdia levando aqueles que estão de acordo a discordar ou aqueles que discordam a discordar ainda mais;
(6) palavras duras: injuriar verbalmente outrem; e
(7) palavras insensatas: falar de coisas disparatadas motivado pelo desejo e
assim por diante.
As três não-virtudes mentais são:
(8) cobiça: desejar possuir algo que pertence a outrem;
(9) intenção nociva: desejar fazer mal a outrem, independentemente de esse
mal ser grande ou pequeno; e
(10) opinião errada: sustentar que coisas como o renascimento, a lei de causa
e efeito ou as Três Jóias não existem.
As Três Jóias do Budismo
1. O Buda. Significa compreender e aceitar Buda como um ser que evolui em sabedoria
e partilhou essa sabedoria, para que outros sigam os seus passos,
2. O Dharma, os ensinamentos e tomadas de consciência que conduzem à felicidade,
libertação e iluminação; e
3. A Sangha, a comunidade espiritual dos que estão firmemente no caminho budista.
Dito de outra forma, generalizando independentemente da linha espiritual da pessoa, o devoto
deve considerar como as maiores jóias da sua caminhada espiritual:
1. A Verdade e os Mestres: estudo das verdades da vida, da missão do ser humano na
Terra, o Conhecimento, os ensinamentos dos mensageiros de Deus, as ajudas dos
seres espirituais, as escrituras sagradas…
2. A prática espiritual: estudo, exercícios e prática da virtude no dia-a-dia…
3. Pertencer a um grupo espiritual, onde as pessoas convivam, trabalhem pela evolução
de todos, se entreajudem…
Os Cinco Skandhas que formam a personalidade Humana
- A forma do corpo
- O sentimento
- A percepção
- As impressões kármicas
- A consciência
123
Os Quatro Votos de Bodhisattva*1
O número de seres sensíveis é infinito,
Faço o voto de os salvar.
Os desejos são inesgotáveis,
Faço o voto de lhes pôr um fim.
Os dharmas não têm limites,
Faço o voto de os subjugar.
A via de Buda é insuperável,
Faço o voto de a realizar.
*1 Aquele que assume trabalhar para atingir o Nirvana, para benefício de todos
os seres.
Preceitos de Buda
1. Não matar.
2. Não roubar.
3. Não cometer adultério.
4. Não mentir.
5. Não caluniar.
6. Não falar com aspereza, raiva ou ira.
7. Não se envolver em conversações frívolas.
8. Não cobiçar a propriedade alheia.
9. Não demonstrar ódio.
10. Pensar com rectidão.
Actos de mérito
(Que geram méritos ou merecimento, Karma positivo, Ascenção)
1. Fazer caridade aos que merecem.
2. Observar os preceitos da moralidade.
3. Cultivar e desenvolver bons pensamentos.
4. Prestar serviço e atender a outros.
5. Honrar e cuidar dos pais e dos mais velhos.
6. Dar uma parte de seus méritos a outros.
7. Aceitar os méritos que os outros lhe dão.
8. Ouvir a doutrina da virtude.
9. Pregar a doutrina da virtude.
10. Corrigir as próprias falhas.
As quatro confianças
1. Confiança no ensinamento, não no mestre
2. Confiança no significado, não nas palavras que o exprimem
3. Confiança no significado definitivo, não no significado provisório
4. Confiança na sabedoria transcendente da experiência profunda, não no mero conhecimento
124
Os Quatro Alimentos
- Comida
- Contacto
- Volição
- Consciência
Os alimentos são condições, (paccaya), pois as condições são chamadas de alimentos,
(ahara), porque elas nutrem (ou produzem) os seus próprios efeitos. Embora existam outras
condições para a existência, apenas estas quatro são chamadas de alimento porque servem
como condições especiais para o contínuo da vida.
A comida é uma condição importante para o corpo físico, o contato para a sensação, a
volição mental para a consciência e a consciência para a mentalidade-materialidade, o organismo psicofísico na sua totalidade. O desejo é denominado a origem do alimento no sentido
de que o desejo na existência anterior é a fonte da presente individualidade que depende e
consome continuamente os quatro alimentos nesta existência
A Lei da Causalidade e
Os doze elos (da cadeia) de origem dependente do Sofrimento
Outra revelação central de Buda quando este se encontrava debaixo da árvore bodhi
foi a sua teoria da causalidade ou da «origem dependente», através da qual ele mostrou que
todos os aspectos da vida humana são condicionados por influências ou por fazes anteriores
do ser. Nada existe por si, tudo tem origem em qualquer outra coisa e depois passa, doutrina
que decorre da suposição de que há sofrimento, doença, velhice e morte. Mas como surgem
estas situações? E como podem ser eliminadas? Buda conclui que o sofrimento é uma consequência do karma (acções passadas) pessoal, que se acumula apenas devido à ignorância.
A cadeia da causalidade é a seguinte:
O ser nasce na ignorância e na ignorância surge as formações (fenómenos físicos e mentais),
das formações surge a consciência. Da consciência surge a mentalidade-materialidade, da
mentalidade-materialidade surge as seis bases dos sentidos (visão, audição, olfacto, gosto,
tacto e mente, isto é, ver, ouvir, cheirar, degustar, tocar e ligação mental). Das seis bases dos
sentidos, surge o contacto, e do contacto a sensação. Da sensação surge o desejo e do desejo
surge o apego. Do apego surge o devir ou o vir a ser/existir. Do desejo e apego ao devir surge
o nenascimento, e do renascimento o envelhecimento, morte, tristeza, lamentação, dor, angustia.
125
Os doze elos (na cadeia) de origem dependente
1 Ignorância
2 Formações (acção)
3 Consciência
4 Mentalidade-materialidade (nome e forma)
5 As seis meios ou bases dos sentidos (também chamado “Origens”)
6 Contacto
7 Sensação ou sentimentos
8 Desejo ou Afecto
9 Apego
10 Devir ou “vir a ser”
11 Nascimento
12 Envelhecimento Morte.
Contudo, o processo pode ser invertido, pois, quando se alcança o conhecimento da iluminação, o karma e o sofrimento são eliminados e o medo da morte substituído pela possibilidade
de alcançar o Nirvana. (ver nas páginas seguintes os sutras originais)
126
Samyutta Nikaya XII.11
Ahara Sutta
Alimento
Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Savatthi no Bosque de Jeta, no
Parque de Anathapindika. Lá ele se dirigiu aos monges desta forma: “Bhikkhus” – “Venerável
Senhor,” eles responderam. O Abençoado disse o seguinte:
"Bhikkhus [monjes], existem esses quatro tipos de alimentos para a manutenção dos
seres que já nasceram e para o sustento daqueles que estão em busca de um nascimento. Quais
quatro? O alimento comida, grosseira ou sutil, o contato como o segundo, a volição mental
como o terceiro e a consciência como o quarto. Estes são os quatro tipos de alimento para a
manutenção dos seres que já nasceram e para o sustento daqueles que estão buscando o
nascimento.[1]
“Agora, bhikkhus, o que esses quatro tipos de alimento possuem como origem, qual é
o seu princípio, do que eles nascem e são produzidos? Esses quatro tipos de alimento possuem
o desejo como origem, desejo como o seu princípio; eles nascem e são produzidos pelo desejo.
“E esse desejo possui o que como origem, qual é o seu princípio, do que ele nasce e é
produzido? O desejo possui a sensação como origem, sensação como o seu princípio; ele nasce e é produzido pela sensação.
“E essa sensação possui o que como origem...? A sensação possui o contacto como
origem ... E esse contacto possui o que como origem...? O contacto possui as seis bases como
origem ... E essas seis bases possuem o que como origem? As seis bases possuem a mentalidade-materialidade como origem... E essa mentalidade-materialidade possui o que como origem ...? A mentalidade-materialidade possui a consciência como origem ... E essa consciência
possui o que como origem...? A consciência possui as formações como origem ... E essas
formações possuem o que como origem, qual é o seu princípio, do que elas nascem e são produzidas? As formações possuem a ignorância como sua origem, ignorância como o seu princípio; elas nascem e são produzidas pela ignorância.
“Portanto, bhikkhus, da ignorância como condição, as formações [surgem]. Das formações como condição, a consciência. Da consciência como condição, a mentalidadematerialidade. Da mentalidade-materialidade como condição, as seis bases dos sentidos. Das
seis bases dos sentidos como condição, o contacto. Do contacto como condição, a sensação.
Da sensação como condição, o desejo. Do desejo como condição, o apego. Do apego como
condição, o ser/existir. Do ser/existir como condição, o nascimento. Do nascimento como
condição, então o envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero
surgem. Assim é a origem de toda essa massa de sofrimento.
Mas com o desaparecimento e cessação sem deixar vestígios dessa mesma ignorância
cessam as formações. Da cessação das formações cessa a consciência. Da cessação da consciência cessa a mentalidade-materialidade. Da cessação da mentalidade-materialidade cessam
as seis bases dos sentidos. Da cessação das seis bases dos sentidos cessa o contato. Da cessação do contato cessa a sensação. Da cessação da sensação cessa o desejo. Da cessação do
desejo cessa o apego. Da cessação do apego cessa o ser/existir. Da cessação do ser/existir cessa o nascimento. Da cessação do nascimento, então o envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero, tudo cessa. Essa é a cessação de toda essa massa de sofrimento.”
127
A seguir encontram-se alguns exemplos:
1 =>Avijja – Ignorância: desconhecimento das Quatro Nobres Verdade e qual o propósito da
existÊncia humana. Acreditar que exatamente este eu irá renascer em vários estados devido a
certas acções em particular; que após a morte não há nada; que a vida é um processo aleatório
no qual as ações boas ou más não produzem nenhum fruto; que simplesmente aderindo a uma
certa religião a pessoa estará ‘salva’ de forma automática; que a riqueza material irá trazer a
verdadeira felicidade…E disto….
2 => Sankhara – Impulsos Volitivos: Pensar e intencionar de acordo com essas crenças;
considerar e planejar ações, (kamma), de acordo como essas intenções, algumas boas,
algumas más e algumas neutras. E disto…
3 => Viññana – Consciência: a percepção e consciência das sensações que estarão
relacionadas com intenções determinadas. A mente ou consciência é configurada de certas
qualidades específicas através da intenção. Na morte, o momentum dos impulsos volitivos
propulsionados pela lei de kamma, induzem a consciência de religação, (patisandhi vññnana),
assim moldada a assumir uma esfera de renascimento e nível de existência que lhe seja
adequada. Isto é o renascimento. E disto…
4 => Namarupa – Mentalidade-materialidade: O processo de renascimento prossegue para
criar uma forma de vida pronta para gerar mais kamma. Como resultado, surgem os khandhas
rupa, vedana, sañña e sankhara na sua totalidade, completos com suas qualidades e defeitos
distintos que lhes foram providos por meio da influência modeladora das condições ou
kamma e restringidos pelas limitações daquela esfera de existência em particular, (bhava),
quer seja humana, animal, divina, etc….
5 => Salayatana – Os seis meios dos sentidos: Um ser senciente tem que ter os meios para se
comunicar com o seu meio ambiente para poder funcionar e se desenvolver dentro dele. Dessa
forma, suportado pelo corpo e mente e em conformidade com o momentum do kamma, o
organismo prossegue no desenvolvimento dos seis meios dos sentidos, os órgãos dos sentidos
do olho, nariz, ouvido, língua, corpo e mente. E disto…
6 => Phassa - Contato: O processo da consciência agora opera através do contato ou choque
de três fatores. Eles são: o órgão do sentido interno (olho, ouvido, nariz, língua, corpo e
mente), o objeto do sentido externo, (visões, sons, aromas, sabores, sensações corporais e
objetos mentais), e a consciência, (consciência no olho, consciência no ouvido, consciência no
nariz, consciência na língua, consciência nas sensações tangíveis e consciência na mente). Na
dependência desse contato. Irá ocorrer…
7 => Vedana – Sensação: as sensações ou o ‘reconhecimento’ das qualidades dos contatos
sensuais, quer sejam agradáveis, (sukhavedana – sensações prazerosas); desagradáveis ou
dolorosas, (dukkhavedana – sensações desprazerosas); ou indiferença, equanimidade,
(adukkhamasukha-vedana – sensação neutra; ou upekkhavedana – sensação equânime). De
acordo com a natureza dos seres não iluminados, o processo não para aqui, mas segue para…
8 => Tanha – Desejo: Sensações agradáveis tendem a produzir a alegria e o prazer, desejo e
busca por mais sensações agradáveis; quanto às sensações estressantes ou desagradáveis
existe o desprazer, o desejo de destruí-las ou eliminá-las. A sensação neutra neste contexto é
128
considerada como uma forma sutil de sensação prazerosa porque ela não perturba a mente e
evoca um certo contentamento. E disto…
9 => Upadana – Apego: à medida que o desejo se intensifica, ele se transforma no
agarramento ou apego ao objeto em questão. Enquanto um objeto ainda não tiver sido
alcançado, haverá desejo; assim que o objeto for alcançado, ele será agarrado com firmeza
pelo apego. Isso se refere não somente aos objetos sensuais, (kamupadana), mas também a
idéias e opiniões, (ditthupadana), métodos de prática ou técnicas, (silabbatupadana), e a
noção de um eu, (attavadupadana). Por conta desse apego segue-se…
10 => Bhava – Vir a ser: intenção e ação deliberada para produzir e controlar as coisas de
acordo com as diretrizes do apego, levando a mais um ciclo de todo o processo de conduta,
(kammabhava), sendo kamma bom, kamma ruim ou kamma neutro, dependendo das
qualidades do desejo e apego que os condicionaram. Por exemplo, alguém que deseje renascer
no paraíso irá fazer aquelas coisas que crê irão conduzí-lo ao renascimento no paraíso, dessa
forma assentando a base para que os cinco khandhas reapareçam no plano, (bhava),
apropriado àquelas ações, (kamma), (upapattibhava). Com o processo de criação de kamma
em plena operação, este elo dá origem ao seguinte, que é ...
11 => Jati – Nascimento: começa com a consciência de religação, a qual é dotada de
características que dependem do momentum do kamma, e conecta com um estado que lhe é
apropriado; os cinco khandhas surgem em um novo contínuo vital, compreendendo,
mentalidade-materialidade, os seis meios dos sentidos, contato e sensação. Quando há o
nascimento, o que segue de forma inevitável é…
12 => Jaramarana – Envelhecimento e morte: a decadência e dissolução daquele contínuo
vital. Para o ser não iluminado essas coisas estão a cada instante ameaçando a vida de forma
explícita ou dissimulada. Portanto, na vida do ser não iluminado, a velhice e a morte trazem
consigo de forma inevitável…
=> Soka - tristeza; parideva - lamentação; dukkha – dor; domanassa – angústia e upayasa –
desespero, que no seu conjunto podem ser resumidas simplesmente como ‘sofrimento.’ Dessa
forma temos as palavras finais da fórmula do princípio da Origem Dependente: “Assim é o
surgimento de toda essa massa de sofrimento.”
129
Samyutta Nikaya XLVI.51
Ahara Sutta
Alimento
Em Savatthi. “Bhikkhus, eu ensinarei para vocês o alimento e a esfomeação em relação aos
cinco obstáculos e aos sete fatores da iluminação. Ouçam e prestem muita atenção àquilo que
eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o
seguinte:
(Alimentando os Obstáculos) [1]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento do desejo sensual que ainda não surgiu ou
para o crescimento e incremento do desejo sensual, uma vez que este tenha surgido? Há,
bhikkhus, o sinal da beleza: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse é o
alimento para o surgimento do desejo sensual que ainda não surgiu ou para o crescimento e
incremento do desejo sensual, uma vez que este tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da má vontade que ainda não surgiu ou
para o crescimento e incremento da má vontade, uma vez que esta tenha surgido? Há,
bhikkhus, o sinal do repulsivo: dar com freqüência atenção sem sabedoria para isso, esse é o
alimento para o surgimento da má vontade que ainda não surgiu ou para o crescimento e
incremento da má vontade, uma vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da preguiça e torpor que ainda não
surgiram ou para o crescimento e incremento da preguiça e torpor uma vez que estes tenham
surgido? Há, bhikkhus, a letargia descontente, o espreguiçamento preguiçoso, a sonolência
após a refeição e a preguiça mental: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse
é o alimento para o surgimento da preguiça e torpor que ainda não surgiram ou para o
crescimento e incremento da preguiça e torpor, uma vez que estes tenham surgido.
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da inquietação e ansiedade que ainda não
surgiram ou para o crescimento e incremento da inquietação e ansiedade uma vez que estas
tenham surgido? Há, bhikkhus, a mente conturbada: dar com freqüência atenção sem
sabedoria para isso, esse é o alimento para o surgimento da inquietação e ansiedade que ainda
não surgiram ou para o crescimento e incremento da inquietação e ansiedade, uma vez que
estas tenham surgido.
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da dúvida que ainda não surgiu ou para o
crescimento e incremento da dúvida uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas
que são a base da dúvida: dar com freqüência atenção sem sabedoria para isso, esse é o
alimento para o surgimento da dúvida que ainda não surgiu ou para o crescimento e
incremento da dúvida, uma vez que esta tenha surgido.
(Alimentando os Fatores da Iluminação)
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da atenção plena como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da atenção plena como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base da
atenção plena como fator da iluminação: dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, esse é o alimento para o surgimento da atenção plena como fator da iluminação que
130
ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da atenção plena como um fator da
iluminação, uma vez que esta tenha surgido.[2]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da investigação dos fenômenos como um
fator da iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da investigação
dos fenômenos como fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus,
qualidades mentais que são hábeis e inábeis, benéficas e prejudiciais, superiores e inferiores,
claras e escuras com as suas contrapartidas: dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, esse é o alimento para o surgimento da investigação dos fenômenos como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da investigação dos
fenômenos como fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido.[3]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da energia como um fator da iluminação
que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da energia como fator da
iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, o elemento do estímulo, o
elemento do empenho, o elemento do esforço: dar com freqüência atenção com sabedoria
para isso, esse é o alimento para o surgimento da energia como um fator da iluminação que
ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da energia como fator da iluminação,
uma vez que esta tenha surgido. [4]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento do êxtase como um fator da iluminação
que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento do êxtase como fator da iluminação,
uma vez que este tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base do êxtase como fator da
iluminação: dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, esse é o alimento para o
surgimento do êxtase como um fator da iluminação que ainda não surgiu ou para o
crescimento e incremento do êxtase como fator da iluminação, uma vez que este tenha
surgido.[5]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da tranquilidade como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da tranqüilidade como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, a tranqüilidade corporal e
a tranqüilidade mental: dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, esse é o
alimento para o surgimento da tranqüilidade como um fator da iluminação que ainda não
surgiu ou para o crescimento e incremento da tranqüilidade como fator da iluminação, uma
vez que esta tenha surgido.[6]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da concentração como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da concentração como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, o sinal da tranqüilidade, o
sinal da não dispersão: dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, esse é o alimento
para o surgimento da concentração como um fator da iluminação que ainda não surgiu ou para
o crescimento e incremento da concentração como fator da iluminação, uma vez que esta
tenha surgido. [7]
“E qual, bhikkhus, é o alimento para o surgimento da equanimidade como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da equanimidade como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base da
equanimidade como fator da iluminação: dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, esse é o alimento para o surgimento da equanimidade como um fator da iluminação que
131
ainda não surgiu ou para o crescimento e incremento da equanimidade como fator da
iluminação, uma vez que esta tenha surgido.[8]
(Esfomeando os Obstáculos)
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento do desejo sensual que ainda não
surgiu ou o crescimento e incremento do desejo sensual uma vez que este tenha surgido? Há,
bhikkhus, o sinal da repulsa: dar com freqüência atenção sem sabedoria para isso, essa é a
esfomeação que previne o surgimento do desejo sensual que ainda não surgiu e o crescimento
e incremento do desejo sensual, uma vez que este tenha surgido.[9]
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da má vontade que ainda não
surgiu ou o crescimento e incremento da má vontade, uma vez que esta tenha surgido? Há,
bhikkhus, a libertação da mente através do amor bondade: dar com freqüência atenção com
sabedoria para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da má vontade que ainda
não surgiu e o crescimento e incremento da má vontade, uma vez que esta tenha surgido.[10]
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da preguiça e torpor que ainda
não surgiram ou o crescimento e incremento da preguiça e torpor, uma vez que estes tenham
surgido? Há, bhikkhus, o elemento do estímulo, o elemento do empenho, o elemento do
esforço: dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, essa é a esfomeação que
previne o surgimento da preguiça e torpor que ainda não surgiram e o crescimento e
incremento da preguiça e torpor, uma vez que estas tenha surgido.[11]
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da inquietação e ansiedade que
ainda não surgiram ou o crescimento e incremento da inquietação e ansiedade, uma vez que
estas tenham surgido? Há, bhikkhus, a paz mental: dar com freqüência atenção com sabedoria
para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da inquietação e ansiedade que ainda
não surgiram e o crescimento e incremento da inquietação e remorso, uma vez que estes
tenham surgido.[12]
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da dúvida que ainda não surgiu
ou o crescimento e incremento da dúvida, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus,
qualidades mentais que são hábeis e inábeis, benéficas e prejudiciais, superiores e inferiores,
claras e escuras com as suas contrapartidas: dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da dúvida que ainda não surgiu e o
crescimento e incremento da dúvida, uma vez que esta tenha surgido.[13]
(Esfomeando os Fatores da Iluminação)
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da atenção plena como um fator
da iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da atenção plena como um
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base da
atenção plena como fator da iluminação: não dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da atenção plena como fator da
iluminação que ainda não surgiu e o crescimento e incremento da atenção plena como fator da
iluminação, uma vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da investigação dos fenômenos
como um fator da iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da
132
investigação dos fenômenos como fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há,
bhikkhus, qualidades mentais que são hábeis e inábeis, benéficas e prejudiciais, superiores e
inferiores, claras e escuras com as suas contrapartidas: não dar com freqüência atenção com
sabedoria para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da investigação dos
fenômenos como um fator da iluminação que ainda não surgiu e o crescimento e incremento
da investigação dos fenômenos como fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da energia como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da energia como fator da
iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, o elemento do estímulo, o
elemento do empenho, o elemento do esforço: não dar com freqüência atenção com sabedoria
para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da energia como fator da iluminação
que ainda não surgiu e o crescimento e incremento da energia como um fator da iluminação,
uma vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento do êxtase como um fator da
iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento do êxtase como fator da
iluminação, uma vez que este tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base do êxtase
como fator da iluminação: não dar com freqüência atenção com sabedoria para isso: essa é a
esfomeação que previne o surgimento do êxtase como fator da iluminação que ainda não
surgiu e o crescimento e incremento do êxtase como fator da iluminação, uma vez que este
tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da tranqüilidade como um fator
da iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da tranqüilidade como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, a tranqüilidade corporal
e a tranqüilidade mental: não dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, essa é a
esfomeação que previne o surgimento da tranqüilidade como fator da iluminação que ainda
não surgiu e o crescimento e incremento da tranqüilidade como um fator da iluminação, uma
vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da concentração como um fator
da iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da concentração como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, o sinal da tranqüilidade, o
sinal da não dispersão: não dar com freqüência atenção com sabedoria para isso, essa é a
esfomeação que previne o surgimento da concentração como um fator da iluminação que
ainda não surgiu e o crescimento e incremento da concentração como fator da iluminação,
uma vez que esta tenha surgido.
“E qual, bhikkhus, é a esfomeação que previne o surgimento da equanimidade como um fator
da iluminação que ainda não surgiu ou o crescimento e incremento da equanimidade como
fator da iluminação, uma vez que esta tenha surgido? Há, bhikkhus, coisas que são a base da
equanimidade como fator da iluminação: não dar com freqüência atenção com sabedoria para
isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da equanimidade como um fator da
iluminação que ainda não surgiu e o crescimento e incremento da equanimidade como fator
da iluminação, uma vez que esta tenha surgido.
Notas:
133
[1] As duas primeiras seções sobre o alimento dos obstáculos e dos fatores da iluminação
também são encontradas no SN XLVI.2. [Retorna]
[2] Além disso há outras quatro condições para o surgimento do fator da iluminação da
atenção plena: (i) atenção plena e consciência plena em todas as atividades; (ii) evitar pessoas
desatentas; (iii) associar-se com pessoas atentas; (iv) determinação correta, (isto é, uma mente
que se inclina e tende para o estabelecimento da atenção plena).
[3] Há outras sete condições para o seu surgimento: (i) exame (do significado dos agregados,
elementos, bases, etc.); (ii) asseio pessoal; (iii) equilíbrio das faculdades; (iv) reflexão acerca
da esfera do conhecimento profundo; (v-vii) evitar pessoas tolas, associar-se com pessoas
sábias e determinação correta.
[4] Outras onze condições são: (i) reflexão acerca do horror que são os planos de miséria; (ii)
ver os benefícios do estímulo da energia; (iii) refletir que estamos seguindo o mesmo caminho
trilhado por todos os Budas, etc.; (iv) refletir na necessidade de honrar todas as esmolas de
alimentos; (v-viii) refletir na grandeza da tradição, do Mestre, da linhagem e dos bhikkhus
companheiros; (ix-xi) evitar pessoas preguiçosas, associar-se com pessoas energéticas e
determinação correta.
[5] Outras onze condições são: (i-vii) recordar-se do Buda, Dhamma, Sangha, da própria
virtude, da própria generosidade, dos devas e dos estados pacíficos; (viii) evitar pessoas
grosseiras; (ix) associar-se com pessoas gentis; (x) refletir acerca de suttas inspiradores; (xi)
determinação correta.
[6] Outras sete condições são: (i) alimentação nutritiva; (ii) clima favorável; (iii) postura
correta; (iv) esforçar-se pela neutralidade; (v-vii) evitar pessoas nervosas, associar-se com
pessoas calmas e determinação correta.
[7] Outras dez condições são: (i) asseio pessoal; (ii) equilíbrio das faculdades; (iii) habilidade
com o sinal (objeto da meditação); (iv-vi) esforçar, conter e alegrar a mente, cada um no seu
momento adequado; (vii) observar com equanimidade no momento adequado; (viii-x) evitar
pessoas desconcentradas, associar-se com pessoas concentradas e determinação correta. O
comentário ao Satipatthana Sutta adiciona, como décimo primeiro fator, refletir acerca dos
jhanas e das libertações.
[8] Outras cinco condições são: (i) uma atitude desapegada em relação aos outros seres; (ii)
uma atitude desapegada em relação às formações, (objetos inanimados); (iii-v) evitar pessoas
possessivas, associar-se com pessoas equânimes e determinação correta.
[9] O sinal da repulsa ou a contemplação das impurezas compreende a contemplação das
partes do corpo e as contemplações do cemitério descritas no Satipatthana Sutta.
[10] A libertação da mente através do amor bondade, (mettacetovimutti), corresponde aos
jhanas. Seis coisas conduzem ao abandono da má vontade: (i) familiarizar-se com o objeto do
amor bondade; (ii) devoção à meditação de amor bondade; (iii) refletir sobre a nossa
responsabilidade para com as próprias ações; (iv) considerar com freqüência; (v) pessoas
admiráveis como bons amigos; (vi) linguagem apropriada. A má vontade é completamente
abandonada pelo caminho do que não retorna.
134
[11] Com relação aos três elementos da energia veja o SN XLVI.2 – nota 6. Seis coisas
conduzem ao abandono da preguiça e torpor: (i) evitar comer em excesso; (ii) mudar de
postura; (iii) dar atenção à percepção da luz; (iv) permanecer ao ar livre; (v) pessoas
admiráveis como bons amigos; (v) linguagem apropriada. A preguiça e o torpor são
completamente abandonados com o caminho do arahant.
[12] Seis coisas conduzem ao abandono da inquietação e ansiedade: (i) muito estudo; (ii)
investigação; (iii) familiaridade com o Vinaya; (iv) associar-se com pessoas maduras; (v)
pessoas admiráveis como bons amigos; (vi) linguagem apropriada. A inquietação é
abandonada pelo caminho do arahant e a ansiedade pelo caminho do que não retorna.
[13] Seis coisas conduzem ao abandono da dúvida: (i) muito estudo; (ii) investigação; (iii)
familiaridade com o Vinaya; (iv) firmeza; (v) pessoas admiráveis como bons amigos; (vi)
linguagem apropriada. A dúvida é abandonada pelo caminho daquele que entra na correnteza.
Anguttara Nikaya V.161
Aghatapativinaya Sutta
Subjugando a Raiva
“Existem cinco maneiras para subjugar a raiva, através das quais, quando a raiva surge em
um bhikkhu, ele deveria destrui-la completamente. Quais cinco?
“Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve desenvolver o amor bondade para
com aquela pessoa. Dessa forma a raiva por aquela pessoa deve ser subjugada.
“Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve desenvolver a compaixão para com
aquela pessoa ... equanimidade para com aquela pessoa … ele deve esquecer ou ignorar aquela pessoa … Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve dirigir os seus pensamentos para o fato de que aquela pessoa é o produto do karma dela: ‘Esse venerável é o dono
do seu karma, herdeiro do seu karma, nascido do seu karma, atado ao seu karma e dependente
do seu karma. Qualquer karma que ele faça, para o bem ou para o mal, disso ele será o herdeiro.’ Dessa forma a raiva por aquela pessoa deve ser subjugada.
“Essas são as cinco maneiras para subjugar a raiva, através das quais, quando a raiva surge em
um bhikkhu, ele deveria destrui-la completamente.”
135
Os Trinta e Sete Aspectos do Caminho para a Iluminação
"Asas para o Despertar" ou Apoios para a Iluminação
(bodhi-pakkhiya-dhamma)
São sete conjuntos que conduzem ao Despertar e que, de acordo com o Buda, formam o
núcleo do seu ensinamento: Os aspectos dividem-se em sete categorias.
1. As Quatro Atenções (os quatro fundamentos da atenção plena)
- Atenção ao corpo
- Atenção aos sentimentos
- Atenção à mente
- Atenção aos fenómenos
As atenções têm a ver com práticas contemplativas que se concentram sobre a natureza fundamentalmente insatisfatória de samsara e na transitoriedade/impermanência desta existência
condicionada.
Através de tais reflexões o praticante supostamente desenvolverá uma verdadeira determinação para se libertar do ciclo da existência condicionada.
os quatro esforços corretos (sammappadhana) – o esforço para prevenir que estados prejudiciais surjam na mente, de abandonar quaisquer estados prejudiciais que já surgiram, fazer com
que estados benéficos surjam, e manter os estados benéficos que já surgiram;
2. Os Quatro Esforços Correctos ( também chamados de Quatro Completos Abandonos*1)
1. Abandono dos pensamentos e actos impuros já gerados
2. Não-geração de pensamentos e actos impuros ainda por gerar
3. Intensificação dos pensamentos e actos impuros já gerados
4. Geração de pensamentos e actos puros ainda não já gerados (mas necessários para a Evolução Espiritual)
*1 São assim designados porque os praticantes ao desenvolverem uma determinação do fundo
do coração para se libertarem através da prática das quatro atenções, adoptam um estilo de
vida em que abandonam as causas do sofrimento futuro e cultivam as causas da felicidade
futura.
Dado que podemos dominar as acções negativas e as emoções atormentadoras que as movivam, e bem assim aumentar os factores positivos na nossa mente – tecnicamente chamados
classe dos puros fenómenos – é só quando a nossa mente se encontra muito concentrada que
se seguem os chamados quatro factores dos poderes miraculosos. Estes quatro factores relacionam-se com a prática de desenvolvimento da nossa faculdade de propósito-único.
São também conhecidos como as quatro “pernas” por serem os factores de condição prévia
que permitem a um praticante atingir estados de propósito único, que servem como bases para
manifestações sobrenaturais. Esses quatro são:
3. Quatro Bases para o Poder (também chamado de Quatro Poderes Miraculosos)
- Aspiração ou Desejo
- Esforço ou Energia
- Intenção ou Mente
- Análise ou Investigação
136
4. Cinco Faculdades Dominantes
- Confiança ou Convicção
- Esforço Jovial ou Energia
- Atenção, Atenção Plena
- Propósito-único ou Concentração
- Inteligência ou Sabedoria
5. Cinco Poderes
- Confiança ou Convicção
- Esforço Jovial ou Energia
- Atenção, Atenção Plena
- Propósito-único ou Concentração
- Inteligência ou Sabedoria
A distinção entre uma faculdade e um poder depende do nível de fluência do praticante nesse
particular talento. Num estádio suficientemente avançado da fluência, uma faculdade transforma-se num poder.
6. Os Sete Factores de Iluminação
(ou As Sete Ramificações do Caminho Para a Iluminação)
1. Perfeita Atenção (Plena)
2. Perfeita Análise ou Perfeita Investigação dos Fenómenos
3. Perfeito Esforço ou Energia
4. Perfeita Alegria ou Êxtase
5. Perfeita Flexibilidade e Tranquilidade
6. Perfeita Estabilização Meditativa (também inclui Perfeita Concentração)
7. Perfeita Equanimidade
7. Nobre Óctuplo Caminho
1. Recto Entendimento ou Visão
2. Recto Pensamento ou Intenção
3. Recto Discurso ou Linguagem Correcta
4. Recta Acção
5. Recta Subsistência ou Recto Modo de Vida
6. Recto Esforço
7. Recta Atenção ou Recta Atenção Plena
8. Recta Meditação (ou Recta Estabilização Meditativa, também traduzida por vezes por Recta Concentração)
Esta é pois a estrutura genérica do Caminho Budista tal como descrita na primeira volta da
roda do Dharma pelo Buda. Trata-se de instrumentos de trabalho e orientação para o praticante orientar o seu estudo e práticas espirituais.
Deve-se meditar sobre eles, devem ser assiduamente revistos para estudar onde estão ou não a
ser feitos progressos e onde poderá estar a haver obstáculo ao desenvolvimento espiritual.
137
Os Seis Tipos de Poderes ou Conhecimentos Supra-Humanos
Os seis tipos de poderes ou conhecimentos supra-humanos resultantes do
conhecimentos direto (fruto do desenvolvimento espiritual e da iluminação) são:
- Poderes mágicos,
- Ouvido divino,
- Penetrar as mentes de outros,
- Relembrar vidas passadas,
- Olho divino,
- Extinção de todas as impurezas da mente.
Perfeição de Carácter
São um grupo de dez qualidades que devem ser desenvolvidas por um bodhisatta:
- Generosidade (dana),
- Virtude (sila),
- Renúncia (nekkhamma),
- Sabedoria (pañña),
- Energia (viriya),
- Paciência (khanti),
- Honestidade (sacca),
- Determinação (adhitthana),
- Amor bondade (metta), e
- Equanimidade (upekkha).
138
Os “Jhanas” ou
Níveis de Absorção Que se Atingem com a Meditação
Buda iria incluir algumas das técnicas que aprendeu com os seus mestres de meditação no seu
próprio método de meditação jhana (absorção), o qual se encontra definido no Caminho óctuplo como samadhi (concentração meditativa). Os jhanas passam pelas fases seguintes:
1. O primeiro é acompanhado pelo pensamento e está cheio de entusiasmo e de alegria;
2. No segundo, a tranquilidade, a harmonia mental e o entusiasmo substituem o pensamento;
3. O terceiro é um estado de equanimidade e de consciência;
4. No quarto, todo o prazer e toda a dor são eliminados pela equanimidade e por um único propósito mental;
5. O quinto situa-se para além da percepção das coisas, num espaço ilimitado;
6. No sexto, a mente atinge a consciência sem limites;
7. No sétimo, a mente situa-se na esfera do nada e ;
8. Para lá desta não existem nem a percepção nem a não percepção - trata-se do oitavo e
último jhana.
139
Nó Infinito
Lembra que todos os eventos e seres no Universo estão inter-relacionados
O nó infinito, um dos oito símbolos auspiciosos do budismo tibetano, representa a
visão budista de que tudo o que existe está interconectado (inter-dependência dos fenómenos,
ou seja, nada existe por si só - incluindo o ser humano - sendo Deus A Causa Única, A Causa
Primordial, A Origem de tudo o que existe).
Reflecte ainda o ciclo interminável de nascimento e renascimento e, uma vez que não
tem início nem fim.
Também se acredita que simboliza a sabedoria e compaixão sem limites do Buda.
Uma das interpretações mais sublimes diz respeito à seguinte ideia: todos os seres
humanos estão ligados. A Humanidade é uma grande Família. Todos dependem de outros, ou
ainda, todos dependem de todos. Portante, uma das consequências é que todos devem contribuir para que todos os outros atingam o Nirvana.
Para dar um exemplo e ao mesmo tempo exercício mental desta Lei Divina, pode
reflectir-se sobre a seguinte ideia:
- Ninguém pode ser absolutamente feliz enquanto houver um ser humano, seu irmão
espiritual, que passe fome, frio, sede, esteja doente e sem amparo… que esteja na ignorância
das Quatro Nobres Verdades… da mesma forma que um bom pai, ou mãe, ou irmão…, não
pode estar plenamente feliz enquanto um dos membros amados da família se encontrar em
sofrimento ou desgraça…
Esta é a essência do voto do Bhodisattva: aquele que fez o voto, ou por outras palavras, tem a firme e contínua intenção na sua mente de atingir a Iluminação para benefício de
todos os seres. Portanto, para cessar o sofrimento e atingir o Nirvana, viver na pureza da
Comunhão com Deus, na mais inimaginável paz, felicidade e bem-aventurança, é imperativo
desenvolver o amor, o amor-bondade ou caridade para com todos os seres e estar sempre disponível para contribuir de algum modo para que todos (aqueles que a vida coloca no nosso
caminho) prossigam em direcção à Suprema Meta.
140
Outro termo empregado é o de “Bodhicitta”. Só pode atingir o Nirvana aquele que
desenvolve a consciência de Bhodichitta, isto é, quem deseja obter a Iluminacão (o estado de
Buda) para servir a todos os seres que estão algures “atrasados” ou “estagnados” ou “em luta”
na existência cíclica do samsara. Significa gerar no seu interior essa motivação principal em
todas suas actividades e intenções.
A palavra “Bodhicitta”é a combinação das palavras sanscritas bodhi e citta. Bodhi significa acordar ou iluminação. Citta pode traduzir-se como mente ou espírito. Bodhicitta pode
ser traduzindo por exemplo como Mente de Iluminacão ou Espírito de Acordar ou Espírito
Acordado (para a Verdade).
A Bodhicitta pode definir-se também como a União da Compaixão e da Sabedoria.
Vinte e cinco Bodhisattvas descendo do Céu
Autor anónimo, Museu de Arte Kimbell, Texas. Período Kamakura, Japão (1185–1333).
Representa a obrigação de todos os seres mais evoluídos e os que já atingiram o Nirvana, de
vir ajudar os irmãos que estão mais ou menos atrasados no atingir do Nirvana.
141
Frases atribuídas a Buda
•
Se os homens soubessem antecipadamente o resultado das suas acções, não as cometeriam; porem a personalidade é cega.
•
O mundo está cheio de pecado e aflição porque nele domina o erro.
•
Os homens se extraviam porque pensam que o erro vale mais do que a verdade. E
mesmo que vejam a verdade a desprezam pelo erro porque este é no momento mais
atraente, embora possa ter como resultado a aflição e a infelicidade.
•
A ignorância é a Fonte Envenenada de todo o mal.
•
No início da existência, não há conhecimento. Desta ignorância surgem os apetites da
vida de sensações.
•
Os sentidos relacionam-se com o mundo exterior e deste contacto provem a sensação
que tece a rede da personalidade com o apego às coisas materiais.
•
A vida do homem é o resultado das suas vidas precedentes. As boas ou más acções
perseguem o Ser Humano como se fossem a sua própria sombra.
•
O Homem, ao compreender a causa da sua dor, suportando pacientemente os seus
sofrimentos, esforçando-se por pagar com o Bem as suas dívidas contraídas por suas
culpas passadas, mantendo-se fiel à Verdade e ao Amor termina por saldar a sua
divida e extinguir-se-á a causa do sofrimento.
•
Aquele que assim se mantém firme, não prejudicando ninguém no seu dia-a-dia, perdoando as ofensas, pagando o mal com o bem, sendo em todos os seus actos justo,
amável, sincero, extirpando o desejo e apegos materiais, esse atingirá o propósito que
o fez Homem. Deixarão de o torturar a ansiedade, os pecados não o mancharão, nem
os prazeres nem as dores humanas turvarão a sua perpétua paz. Entra no Nirvana.
Uniu-se com a Vida e no entanto não vive. É feliz porque deixou de existir, porem não
deixou se Ser.
•
Nem o puro nem o impuro pode purificar o seu próximo. Os tathagatas são apenas
pregadores.
•
Certamente é difícil o domínio de si mesmo. Aquele que se vence a si mesmo é um
vencedor mais glorioso do que aquele que sozinho vence mil vezes mil homens no
campo de batalha.
•
A palavra raivosa é a espada mais cortante; a inveja é o mais mortal veneno; a luxúria é o fogo mais ardente, e a ignorância é a noite mais escura.
142
•
Quem dá sem desejo de receber é quem mais ganha.
Quem recebe do outro sem devolver nada é quem mais perde.
A paciência é a armadura mais impenetrável.
A sabedoria é a maior das armas.
A inveja e o egoísmo destroem a amizade.
O ódio é a febre mais aguda
•
Aqueles que não podem quebrar desde já as opressoras cadeias dos sentidos e cujos
pés são demasiado débeis para trilhar a estrada pedregosa, deve disciplinar a sua
conduta de tal forma que todos os dias terrenos transcorram irrepreensíveis, praticando obras caridosas.
Devem dar, embora vacilantes, os primeiros passos na óctupla senda, vivendo puros,
humildes, pacientes, compassivos e amando todos os seres como a mim mesmo.
Agindo deste modo, livra-se o homem da sua personalidade, auxilia o mundo, aumenta a sua felicidade na vida futura e aproxima-se da perfeição.
•
A Verdade é doce e nobre. A verdade pode libertar-vos do mal. Não há salvador
algum no mundo excepto a Verdade.
•
Tende confiança na Verdade, [ainda que no inicio] não sejais capazes de compreende-la, embora suponhais que a sua doçura seja amarga.
•
O Imortal somente pode ser alcançado por contínuos actos de bondade; e a perfeição
é realizada pela compaixão e pela caridade.
•
Nossas acções, boas e más, seguem-nos como sombras, continuamente. Sendo impossível escapar do resultado das nossas obras, pratiquemos então as boas.
•
Apenas por si mesmo é feito o mal.
Por si mesmo alguém é corrompido.
Por si mesmo se evita o mal,
Apenas por si mesmo se é purificado.
Pureza e impureza dependem de si mesmo,
Ninguém pode purificar ninguém.
•
Ó monges e homens sábios,
Tal como o ourives testa o seu ouro,
Queimando-o, cortando-o e esfregando-o,
Assim deveis examinar as minhas palavras e aceitá-las,
E não por reverencia a mim.
143
144
A libertação está além das dualidades e pares de opostos. Ela não se apega nem rejeita o processo material da vida, mas relaciona-se com ele através da acção altruísta.(…). Gautama
Buda descreveu assim o Nirvana e a Iluminação:
“Há uma condição, irmãos, em que não existe terra, nem água, nem
fogo, nem ar, nem a esfera do espaço infinito, nem a esfera da consciência infinita, nem a esfera do vazio, nem a esfera além da percepção e não-percepção: em que não há ‘este mundo’ nem ‘o mundo do
além’; em que não há Lua nem Sol. Essa condição, irmãos, não é nem
uma vinda nem uma ida, não é uma imobilidade, nem uma queda, nem
uma elevação; mas ela não tem fixidez, não tem mobilidade, não tem
base. Essa condição é o fim do sofrimento”
The Wisdom of Buddhism, edited by Christmas Humphreys, Ed. Curzon-Humanities, Londres, 1987, p. 259).
145
146
Índice
Breve resumo da vida de Buda
7
Parte I: Introdução
Prefácio
I – Alegria
II – Samsara e Nirvana
III – A Verdade Redentora
11
13
15
17
Parte II: O Príncipe Sidharta Alcança o Estado de Buda
I – O Nascimento de Buda
II – Juventude e Matrimónio
III – As Três Dores
IV – A Renúncia
V – O Rei Bimbisara
VI – Indagações de Siddhartha
VII – Penitência em Urivilva
VIII – A Tentação
IX – A Iluminação
19
21
25
27
31
35
37
39
43
45
Parte III Fundação do Reino da Verdade
I – O Sermão de Varanasi
II – O Pai de Buda
III – O Rei Prasenajit visita Buda
IV – A Devadata
V – As Quatro Nobres Verdades
VI – Contra os milagres
VII – Instruções para os Noviços
VIII – Segredo e Publicidade
IX – Regra da Ordem
X – Extinção do Sofrimento
XI – Os Dez e os Dez Mandamentos
XII – Missão do Pregador
49
51
55
59
61
63
65
67
67
69
69
71
73
Parte III: A Pregação de Buda
I – Dharmapada
II – A Aniquilação
III – Identidade e Separatividade
IV – Uma Essência, uma Lei e um Fim
V – As Injúrias
VI – O Deva e o Buda
VII – Instrução
VIII – O Grão de Mostarda
XIX – A Fé de Sariputra
X – Sermão Final
XI – O Anúncio da Sua Morte
XII – Entrada no Nirvana
75
77
81
85
91
93
95
97
99
101
103
105
107
147
Conclusão
II – Fim do Ser
III – Louvor aos Budas
109
111
113
Alguns Tópicos Importantes do Budismo
O Budismo e a sociedade
Karma e a Lei de Causa e Efeito
Nirvana
O conceito de sofrimento
Os Quatro Selos do Dharma (Caminho Espiritual)
(As três Características da Existência e o Nirvana)
115
116
117
117
118
119
As três advertências
As Quatro Nobres Verdades
O Óctuplo Caminho
As seis perfeições
120
120
120
122
As Três Jóias do Budismo
Os Cinco Skandhas
Os Quatro Votos de Bodhisattva
Preceitos de Buda
Actos de mérito
(Que geram merecimento, Karma positivo, Ascenção)
As quatro confianças
123
123
124
124
124
Os Quatro Alimentos
A Lei da Causalidade e
Os doze elos (da cadeia) de origem dependente do Sofrimento
Ahara Sutta Alimento
Aghatapativinaya Suttam Subjugando a Raiva
125
124
125
127
135
Os Trinta e Sete Aspectos do Caminho para a Iluminação
"Asas para o Despertar" ou Apoios para a Iluminação
(bodhi-pakkhiya-dhamma)
136
Os Seis Tipos de Poderes ou Conhecimentos Supra-Humanos
Perfeição de Carácter
Os “Jhanas” ou
Níveis de Absorção Que se Atingem com a Meditação
O Nó infinito
Frases atribuídas a Buda
O Fim do Sofrimento
138
138
148
139
140
142
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