Filmes de terror como AtividAde PArAnormAl - Berkeley-Haas

Transcrição

Filmes de terror como AtividAde PArAnormAl - Berkeley-Haas
todo
mundo
em
pânico
Filmes de terror como Atividade
Paranormal aproveitam-se de uma
característica pouco conhecida
que nós, seres humanos, possuímos:
gostamos de sentir medo. Nossa
intrépida repórter conversou
com especialistas e revelou por
que é tão bom levar sustos.
T rita loiola*
36_janeiro_2010
f Claus lehman
I mauro nakata
* Com reportagem de Guilherme Rosa
janeiro_2010_37
sozinhos no escuro
Faça seu
próprio filme
de terror
Com dicas de Zé
do Caixão (diretor
de Encarnação do
Demônio) e Hilton
Lacerda (roteirista
de Medofobia)
1
Temas
É importante
mexer com os
medos primários
do ser humano:
o temor de se
afogar, de altura,
do escuro, de
ser devorado ou
enterrado vivo.
Use animais: ratos,
cobras, escorpiões
e aranhas
38_janeiro_2010
Uma casa mal-assombrada, um casal perseguido
por fenômenos sobrenaturais e uma câmera para registrar tudo. Junte a isso uma produção mambembe,
alguns sustos nos momentos certos e está feito o sucesso Atividade Paranormal. O filme arrecadou US$
110 milhões nos Estados Unidos e estreou no Brasil
entre os três títulos mais vistos da temporada de final
de ano (por enquanto perde para as superproduções
2012 e Lua Nova). Em 15 dias, 606 mil brasileiros
foram ao cinema movidos pela curiosidade de saber
o que acontece enquanto os americanos Katie e Micah, o casal protagonista do filme, dormem. E isso
porque foi feito em apenas uma semana e com um
orçamento que não dá para comprar nem um carro
popular: US$ 15 mil (Bruxa de Blair, por exemplo,
custou US$ 100 mil).
Eu estava entre esses 606 mil destemidos brasileiros. Quase duas horas depois do início do filme,
A repórter Rita Loiola ganhou
reações. Aranhas, fantasmas e
com as mãos suando e o coração aos saltos, eu previa
uma noite insone pela frente. Mas, coisa incrível, a
experiência não era ruim. E por que não? Será que eu
e as pessoas naquela sala escura gostamos de sentir
medo? O que está por trás do impulso aparentemente
ilógico de dar dinheiro em troca de sustos? Para descobrir a resposta, fui atrás de psicólogos, psiquiatras,
antropólogos e historiadores especialistas em medo.
Investigando as respostas, surgiram algumas pistas
para a solução do enigma. Ao que tudo indica, uma
das razões é bem simples: as pessoas gostam do medo
porque isso é bom. O terror controlado na tela ajuda
a entender o mundo e a experimentar sensações que
não existem em outro lugar. E a biologia é o primeiro
passo para compreender o que se passa com o corpo
de alguém exposto a monstros, sangue e atividades
paranormais de mentirinha.
Obsessão Macabra
As aulas de ciências ensinam que medo, ansiedade e
estresse ajudaram o homem a evitar o perigo e a progredir. Evolutivamente importantes, eles aumentam
a eficiência do organismo, deixando-o pronto para a
briga. Assim que o cérebro percebe uma ameaça, um
sistema chamado circuito do medo entra em ação.
Formado por núcleos cerebrais como a amígdala e o
hipocampo, ele libera neuro-hormônios e neurotransmissores para defender o organismo. Dopamina, endorfina e adrenalina vão para o sangue, preparando o
corpo para a reação. Só que, quando o monstro é de
papelão, o cérebro percebe a pegadinha e suspende a
produção das substâncias. E a alta da dopamina, que
deixa o corpo atento e alerta durante esses momentos,
dá sensação de prazer e calma. Como se o corpo ficasse
chapado em segundos. “Liberações rápidas de dopamina provocam reações agradáveis e muito prazerosas”,
a missão de assistir Atividade Paranormal acompanhada apenas de um fotógrafo, que registrou suas
espíritos do mal quase a fizeram pular da cadeira, como você confere nestas e nas páginas seguintes.
diz Antônio Nardi, coordenador do Laboratório de
Pânico e Respiração da UFRJ. “Só quando ela perdura
no organismo vêm as reações ruins, como confusão
mental e fadiga.”
Assim, dá para entender, por exemplo, por que os
filmes de terror não dão sustos o tempo todo. É preciso
um intervalo para causar as variações da dopamina e
provocar o prazer. Mas só isso não explica o mistério
do gosto provocado por quase duas horas de pavor
frente à tela do cinema. Uma das hipóteses seria a de
que os seres humanos são capazes de sentir emoções
misturadas, de tensão e prazer, ao mesmo tempo. Assim, o medo prolongado faria sentido.
Pensando nessa possibilidade, Eduardo Andrade,
professor da Universidade da Califórnia, e Joel Cohen,
da Universidade da Flórida, resolveram testar seus alunos para ver o que acontece durante a projeção de cenas
de terror. “Queríamos descobrir a razão de as pessoas se
exporem a coisas que, aparentemente, não dão prazer,
como esportes radicais ou cenas violentas”, diz Eduardo. Em uma sala com computadores, eles pediram aos
estudantes que marcassem em uma escala o grau das
sensações negativas ou positivas que experimentavam
durante a projeção de filmes (documentário, terror e
comédia). Ao final, a descoberta dos pesquisadores foi
que os momentos mais horripilantes eram também os
que mais davam prazer. “Pesquisas das duas últimas
décadas mostram que somos capazes de ter os chamados ‘mixed feelings’, ou seja, ter emoções positivas e negativas ao mesmo tempo”, afirma Eduardo. “Sem isso
fica difícil aceitar que alguém passe por um momento
doloroso, como as cenas de terror, buscando prazer ou
alívio”, diz. Quer dizer que sentimentos opostos, como
amor e ódio, pavor e calma podem aparecer juntos
enquanto alguém vê seres deformados perseguindo
garotinhas meigas em corredores sem fim.
foto:
1 shu t ter sorck
2
Jogos Mortais
No entanto, não é todo mundo que sente coisas boas
e ruins com essas cenas. Há quem não se divirta com
sangue de catchup e gritos de horror. Vídeos assim,
afinal de contas, assustam. A explicação para algumas
pessoas gostarem tanto — e outras nem um pouco —
dos sustos está em um mecanismo mental chamado
“distanciamento”. Alguém que se distrai com eles precisa estar em um ponto ideal entre o morrer de medo e
o não acreditar em nenhum gritinho. “É preciso uma
distância psicológica para que a narrativa de terror
não fique real demais e saia do controle”, diz Paulo
Dalgalarrondo, coordenador de psicologia médica e
psiquiatria da Unicamp. “Alguém que não sente prazer
com o terror dos filmes entra demais na história e sente
O medo
na História
Sustos
Engane seu
espectador, crie
pequenas armadilhas
narrativas. Dê um
susto num terço da
fita, outro susto num
segundo terço, e
jogue tudo de mais
chocante no final
Saiba o
que tem tirado
o sono da
humanidade
ao longo dos
séculos
ser devorado
O medo do homem pré-histórico
era o mesmo dos outros animais:
o de ser devorado por um predador
Pré-culturais
Início da cultura 100.000 a.C.
noite
1
O homem começa a prever e evitar os
perigos que podem ser encontrados
na noite, na chuva e no mar. Com o
desenvolvimento da imaginação, passa
a temer deuses, demônios e espíritos
janeiro_2010_39
3
Humor
Quando passa o
susto, dá vontade
de rir. O terror em
si traz um pouco
de humor. É legal
aproveitar isso,
fazendo um terror
exagerado, com
coisas absurdas
e personagens
engraçados
tanto desconforto que bloqueia a diversão de saber
que aquilo não é real. Ou, então, não acredita em uma
vírgula do que os protagonistas dizem.”
Cultura, sociedade e até educação entram em cena
para determinar se alguém vai se divertir ou não com
Atividade Paranormal. Algumas reações ao medo podem ser condicionadas e vivenciadas por cada pessoa
de maneira diferente. Pais, irmãos, colegas e amigos
ensinam como se portar diante de fatos ameaçadores
e, pouco a pouco, é possível aprender a não entrar em
pânico quando um zumbi raivoso aparece em cena.
“Nossa mente é tão complexa que consegue associar o pavor a algo completamente oposto como o
prazer”, afirma Márcio Bernik, diretor do Laboratório
de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da USP. “A
intensidade do medo gera a parte física, como o suor
nas mãos e o coração batendo, mas os sentimentos,
pensamentos e emoções associadas a isso são condi-
cionados. Por isso é possível transformar os estímulos de terror em algo positivo.” Assim, os meninos,
normalmente, sentem menos medo que as garotas
porque esse é o papel esperado dos homens. Mesmo
que a sensação física do medo não desapareça e seja
semelhante em todo mundo, a resposta emocional pode ser positiva ou negativa, prazerosa ou angustiante.
No fim das contas, todos sabem (ou deveriam saber)
que o monstro do filme não vai sair da tela e arrancar
um pedaço dos espectadores.
É esse terror controlado nos limites da tela e a consciência de que, depois da sessão, o mundo volta aos
eixos, o responsável por grande parte da diversão. As
duas horas de sustos e gritaria só funcionam como
entretenimento porque não passam de fantasia. Ali, a
angústia tem hora certa para começar, acabar e transformar-se em prazer. “O apelo dos filmes de terror
é grande porque o ser humano busca, por instinto,
emoções fortes e primitivas, e o medo é a primeira delas”, diz Armando Rezende Neto, psicólogo da Unifesp.
“Esportes radicais e filmes de terror são uma maneira
de experimentar fisicamente essas sensações sabendo
que as consequências estão sob controle.” Ou seja, o ser
humano não gosta do medo pelo medo. Ele gosta das
sensações de medo controlado, preso nas fronteiras do
irreal e com um fim bem preciso. Assim, ele supre essa
necessidade de adrenalina sem que o fim seja trágico.
“Isso só é bom porque é uma emoção forte que depois
acaba. A realidade, depois do terror, é sempre um final
feliz”, diz o psicólogo.
O Exorcista
Emoções fortes, prazer, alívio. Também sentimos isso
ao sair de férias, quando recebemos um aumento de
salário ou uma boa notícia inesperada. Por que, então,
escolher o terror e seu lado angustiante? Será que não
vale mais a pena ficar só com o prazer e dispensar o
lado negativo? A explicação está no papel cultural,
psicológico e social do terror, um componente crucial na vida humana. E isso vem de longe, desde o
começo da civilização ocidental. Quando o filósofo
grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) resolveu definir
o efeito esperado da tragédia, ele disse que ela devia
provocar no público a catarse, por meio da piedade
e do... adivinha? Terror. Só assim os espectadores
conseguiriam purgar seus conflitos e se arrepender
de seus pecados. As cenas terríveis de Édipo arrancando os olhos ou matando o pai tinham, na Grécia
Antiga, a função de fazer a audiência depurar seus
próprios sentimentos.
A definição faz sentido para o mundo de hoje quando
lembramos que a arte é o espaço ideal para viver experiências que não seriam possíveis ou permitidas no
mundo real. O principal dispositivo da arte é o pacto
Início
Todo filme tem
que ter um
gancho nos
dez primeiros
minutos. Algo
que atraia para
dentro do filme,
que faça o
público querer
saber o que vai
acontecer
bárbaros
peste
1870 - Marcianos
1945 - Ataque Nuclear
1968 - A Noite dos Mortos-Vivos
O medo de ser erroneamente
diagnosticado como morto e enterrado
vivo é bastante comum. As primeiras
civilizações começam a temer os seres
humanos vindos de longe, os bárbaros
A peste negra aterroriza a Europa.
O medo de ser devorado por lobos
cria a lenda dos lobisomens. Os
ladrões de crianças medievais são os
primeiros serial killers
Encontramos indícios
de vida em Marte. Os
alienígenas começam
a fazer parte de
nosso imaginário
Depois das bombas atômicas em
Hiroshima e Nagasaki, o homem
passa a temer o holocausto
nuclear. A ciência finalmente pode
acabar com toda a humanidade
Com o filme de George Romero,
os zumbis passam a fazer parte
do imaginário da humanidade. Em
1996 eles chegam aos videogames
com a série Resident Evil
Civilização 3500 a.C.
Idade média 476 d.C.
Idade moderna / Contemporânea
bruxas
1831 - Frankenstein
1917 - Comunistas
1960 - Psicose
A Igreja Católica promove o medo
do fogo do inferno, das bruxas e
do apocalipse. À noite, passamos
a temer os vampiros e fantasmas
O livro de Mary Shelley mostra
o primeiro monstro construído
pelo homem. A ciência passa a
fazer parte de nossos temores
A revolução russa faz o
Ocidente temer um novo
tipo de invasão bárbara:
os ataques comunistas
Os serial killers começam a aparecer no cinema com o filme
de Alfred Hitchcock. 14 anos depois, O Massacre da Serra
Elétrica volta ao tema. Em 1991, O Silêncio dos Inocentes traz
um novo tipo de assassino, mais frio e manipulador
fotos:
Reprodução
emoção no decorrer de um filme
Felicidade dos que
gostam de filmes de terror
Intensidade da emoção
Medo dos que gostam
de filmes de terror
Com mecanismo de distanciamento*
Intensidade da emoção
envolvido no filme
Medo dos que não gostam
de filmes de terror
Felicidade dos que não
gostam de filmes de terror
Tempo do filme
Tempo do filme
* Para reduzir o medo das pessoas envolvidas na pesquisa, fotografias dos atores do filme na vida real foram coladas ao lado dos monitores nos quais as cenas eram exibidas. Fonte: Pesquisa On the Consuption of Negative Feelings, publicada pela Universidade de Chicago.
5
Sangue
Evite mostrar
lagoas de sangue.
Sangue é uma
coisa tão especial
que você deve
reservar para
determinadas
cenas. Use-o até
três vezes no filme,
senão banaliza
de que, durante certo tempo e em um ambiente definido, existe um faz de conta. “Coisas assustadoras
ou censuradas são admitidas nesse lugar por meio da
licença poética”, diz Mário Costa Pereira, professor de
psicopatologia clínica da Unicamp e da Université de
Provence, na França. “Há coisas da vida em sociedade
que precisam ser abafadas para que ela funcione, como
desejos homicidas, mesquinhos, medos e preconceitos.
E a arte é onde o homem dá vazão a essas coisas muito
profundas, onde ele demonstra esses sentimentos.”
Filmes de monstros e fantasmas, então, são os melhores lugares para deixar vir à tona o lado obscuro do
ser humano. Não é à toa que inseguranças, dúvidas,
sentimentos de solidão e abandono, pavor e sexualidade
são os temas por excelência das histórias de terror. E
o sucesso milionário das histórias vem do reconhecimento de algumas facetas dessas emoções. “Há um
lado da personalidade humana que se identifica com
aspectos do mal representado. Por isso, vampiros e
perseguidores são personagens clássicas: há sempre um
lado perseguidor e sugador dentro de cada um de nós”,
afirma Mário. “Filmes de horror são chances de elaboração de questões pessoais por meio das imagens.”
Assim, essas histórias também viram oportunidades
para, além de confrontar emoções sombrias, descobrir
como lidar com elas, encontrar soluções ou mesmo
iluminar áreas sentimentais escondidas. E o prazer que
sentimos com o terror está ligado a essa descarga de
sensações internas e ao triunfo sobre o medo e o pavor.
No fim das contas, o que está em jogo seria a capacidade de resistir e dominar seus próprios fantasmas. “O
horror é um fenômeno tão duradouro porque, no fundo,
é muito mais que uma diversão. É um momento sério
de contato com questões profundas do ser humano de
forma muito crua e até física”, diz o professor. “Sem
nos darmos conta, ele discute dilemas como a morte,
o mal, o sentido da vida e até a existência de Deus.
Existe algo mais sério do que isso?”
atividade
paranormal:
Enquanto você
dorme, coisas
estranhas
aconontecem
A Hora do Pesadelo
E se isso tudo é tão importante, por que diabos (opa!)
ele adquire justamente a forma de bichos bizarros e
seres de magia negra? Como se desconfia, a estética
do horror está intimamente ligada aos pesadelos que,
volta e meia, assustam as noites. E aí vem mais um
indício para desvendar o fascínio humano pelo terror.
Crianças, mesmo as menorzinhas, adoram histórias de
monstros devoradores de gente, muito sangue e confusão. E é nesse período que elas têm mais pesadelos.
A explicação de Freud, o austríaco fundador da
psicanálise, para o fenômeno é que a molecada precisa dessas narrativas apavorantes para construir seu
psiquismo. Essas coisas assustadoras e disformes,
parte do mundo interno e primitivo de qualquer um,
vão tomando forma com as imagens dos sonhos ruins
e das histórias pavorosas. “Essas narrativas tiram
o medo que está dentro do ser humano, projetando
para fora os objetos de pavor”, afirma o psicanalista
Ernesto Duvidovich, diretor do Centro de Estudos
Psicanalíticos de São Paulo.
Daí a contrapartida psicológica para o alívio físico
sentido durante os filmes de terror. Quando um medo
ou uma angústia sem sentido começa a ter forma e é
direcionado, a sensação de desafogo vinda da explica-
1973 - Exorcista
1975 - Tubarão
1999 - A Bruxa de Blair
Anos 2000
O filme de
William Friedkin
atualiza o medo
do demônio para
o século 20
Steven Spielberg
mistura os medos do
mar e de ser devorado
para criar o primeiro
blockbuster do cinema
O medo da magia e do
escuro se misturam num
novo tipo de filme de
terror, que junta ficção
e documentário
O Bug do Milênio
é o primeiro dos
temores do século
21. Com o ataque
às torres gêmeas,
o medo de
estranhos se volta
aos terroristas
islâmicos. O
apocalipse não
sai de cena
(2012). E o medo
dos fantasmas
continua
cama de hospital
1980 - O Iluminado
Com o avanço da ciência, o temor
não é mais ser enterrado vivo. O
medo agora é de uma morte lenta
e dolorosa, adiada pelos médicos
Os fantasmas aparecem tanto no filme de
Stanley Kubrick quanto em Poltergeist. Em
1999, O Sexto Sentido, com Bruce Willis, dá
um novo sentido ao medo de espíritos
ção é boa. “Prazer e desprazer são polos opostos entre
os quais o homem caminha o tempo todo. Quanto mais
perto da realidade e mais arriscada for a cena, mais
emocionante. Assim, a identificação com o que a pessoa
está sentindo é quase perfeita”, diz o psicanalista.
O mesmo vale para a relação entre os contos de
fada (que em suas versões originais sempre são mais
violentos que as adaptações da Disney) e os longas
de terror. “Os filmes de horror modernos têm para
o adolescente a mesma função que os contos de fada
para as crianças, ou seja, para avisar que existe mal
nos lugares menos suspeitos”, afirma o psicólogo Jeffrey Goldstein, professor da Universidade de Utrecht,
na Holanda, em seu livro Why We Watch: The Attractions of Violent Entertainment (Por que Assistimos: As
Atrações do Entretenimento Violento, sem edição em
português). “Além disso, um dos objetivos é o desejo
de controlar imagens ameaçadoras ou demonstrar a
habilidade de tolerá-las.”
Afinal, medos e fobias, em seu princípio mais primitivo, são apenas formas que encontramos para ensaiar
o que fazer frente a situações angustiantes reais. Por
meio de cenas imaginárias, treinamos as reações para
sabermos exatamente o que fazer no mundo real.
Faces da morte
Por isso, cada época tem seus monstros. No início do
século passado, os vampiros apavoravam as noites
escuras e sem eletricidade com seus longos caninos.
Nos anos 90, continuaram malvados, mas ganharam
representação na pele pálida de galãs como Brad Pitt e
fotos:
Reprodução
6
Locação
Grave naqueles
dias em que o
vento sopra,
as árvores se
mexem e há
relâmpagos no
ar. A melhor luz
para um filme
de terror é a de
um dia cinzento
e com garoa,
resultando numa
fotografia triste
janeiro_2010_43
entrevista
Com susto é melhor. Nada mais
normal que sentir medo e prazer ao mesmo tempo. É o que
defendem Eduardo Andrade, da Universidade da Califórnia, em
Berkeley, e Joel Cohen, da Universidade da Flórida, que, em 2007,
publicaram uma pesquisa intitulada “Sobre o Consumo dos
Sentimentos Negativos” (On the Consuption of Negative Feelings),
no Journal of Consumer Research, publicado pela Universidade
de Chicago. Andrade explicou a Galileu como isso funciona.
São tantas
emoções: "Medo
e prazer andam
juntos quando
vemos filmes de
* Está provado que filmes de
terror causam pavor e prazer
ao mesmo tempo?
Andrade: Durante muito tempo
terror", afirma
Eduardo Andrade
acreditamos que as pessoas
não eram capazes de sentir
sensações mistas. A explicação
para o fascínio do homem pelo
terror era de que ele não sentia
medo e achava tudo uma grande
comédia, ou de que no final o
alívio era tão bom que a dor
valia a pena. Mas nossa pesquisa
provou que sentimos emoções
opostas, ao mesmo tempo.
Como você chegou a isso?
*
Andrade: Pedimos a alguns alunos
que vissem cenas de filmes
e marcassem em uma escala
a quantidade de sentimentos
positivos e negativos que
experimentavam. Metade do
grupo recebia a escala positiva
e a outra metade, a escala
negativa. Repetimos várias
vezes, distribuindo as medidas
aleatoriamente. Assim, pudemos
constatar que as sensações
positivas e negativas acontecem
ao mesmo tempo, na mesma
pessoa, enquanto assiste às cenas.
E quem não gosta de filme de
*
monstro, como fica?
Andrade: A diferença entre fãs de
filme de terror e quem não gosta
está só na sensação positiva. O
nível de medo de uns e outros é
quase idêntico, mas quem não
gosta fica com a escala de prazer
praticamente no zero.
Por que isso acontece?
*
Andrade: Um fã de terror tem um
distanciamento ideal em relação
ao filme. Ele envolve-se com as
cenas, mas não tanto. Quem não
gosta, provavelmente, acha as
cenas verdadeiras demais para
ter prazer. Por isso, colocamos
fotos dos atores na “vida real”
ao lado das cenas de terror no
momento em que elas eram
exibidas. O resultado foi que
quem não gostava dos filmes
conseguiu se divertir mais que
antes. Cenas de bastidores
também ajudam a lembrar que o
filme é uma ficção.
A história da sensação de
*
alívio no fim das cenas de
terror é pura balela?
Andrade: Quem gosta delas
tem picos de emoções positivas
e negativas nos momentos mais
assustadores. E, depois do filme,
a sensação de alívio não
é maior para quem ama ou
odeia os filmes. Ela é igual para
todo mundo.
Tom Cruise. Agora são adolescentes branquelos, quase
inofensivos, que brilham como diamantes à luz do sol
e tentam evitar pescoços apetitosos. A explicação para
esSa mudança está na cultura: até o conde Drácula
precisa se adaptar aos novos tempos.
A forma de lidar com a morte e o perigo são únicas
em cada época e essa é a razão por que nossos objetos
de medo mudam. “Ensaiamos” melhor o que fazer
quando o mal aparece. É só lembrar como, durante a Guerra Fria, explodiram filmes sobre invasões
de aliens nos Estados Unidos. “Essa era a forma de
experimentar o pavor da invasão russa por meio de
símbolos e narrativas”, diz a historiadora Joanna Bourke, autora do livro Fear: A Cultural History (Medo:
Uma História Cultural, sem edição em português).
“A linguagem do terror transformou medos privados
em eventos sociais, como prova decisiva de que o
indivíduo não estava sozinho.”
De forma bem criativa, elA tem uma ligação estreita
com a evolução do sagrado, do religioso e da morte
através dos séculos. “Narrativas de desastre ou horror
são jeitos seguros e rotineiros de brincar com a morte.
Elas são respostas para o mais prosaico e persistente
dos medos: o medo da morte”, diz Joanna.
Por isso, hoje, bactérias, micróbios e doenças fora de
controle tomaram o lugar dos espíritos do mal de outras
épocas e cientistas substituem as bruxas em uma era
em que a ciência é tão ameaçadora como as pestes da
Idade Média. As bombas, armas nucleares e as bactérias assassinas que horrorizam os cinemas do século
21 foram criados em laboratórios, da mesma forma que
o mal dos tempos antigos era obra do capeta.
“Quem vê um filme de terror não está apenas tentando fugir da realidade, mas sim tentando entendêla melhor”, afirma Adam Lowenstein, professor de
cinema da Universidade de Pittsburgh e autor do livro
Shocking Representation: Historical Trauma, National
Cinema and the Modern Horror Film (Representações
Chocantes: Trauma Histórico, Cinema Nacional e o
Filme de Terror Moderno, sem edição em português).
“O horror oferece uma forma de compreender a realidade atual que não existe em outro lugar.”
Ou seja, suando frio, com os olhos arregalados e o
coração aos pulos, o conhecimento do mundo que o
terror oferece é físico, além de intelectual. “Uma coisa
é entender a sociedade, a política e a cultura com a
cabeça e outra, completamente diferente, é compreender tudo isso com o corpo. O horror nos tira da zona
de conforto e expõe coisas que, de outra forma, não
teríamos coragem de enfrentar. E é essa combinação
que atrai tantas pessoas para o cinema”, diz.
É possível dizer que foi a confiança contemporânea
nos registros digitais, na honestidade simples dos
filmes caseiros do YouTube e na tecnologia moderna
que produziu o fascínio pelo fenômeno Atividade Paranormal. “Fazemos parte de uma sociedade na qual
tudo pode ser gravado e essa é a única prova de que
estamos vivos. E esse filme brinca com o fato que as
gravações podem revelar coisas de nossa própria vida
que, de certa forma, não queremos saber. Familiar e
ao mesmo tempo assustador — porque, se pararmos
para pensar, ninguém sabe ao certo como funciona
um computador ou uma câmera digital. Apenas fingimos que controlamos a tecnologia”, diz Adam. “E o
filme brinca com esse temor tecnológico inconfessável por meio de uma estética caseira, barata, que dá a
ideia de que poderia acontecer com qualquer um de
nós. E aí está o principal fator de medo da história:
o terror está em toda parte.”
Em uma sala escura, feita para levar a audiência
a um outro plano da realidade, cercado de pessoas
que compartilham os mesmos temores (o slogan do
filme é “não assista sozinho”), o espectador sentese ao mesmo tempo aterrorizado e calmo ao ver e
lidar com o horror. “O filme de terror funciona como
uma vacina, é como usar o mesmo veneno que está te
matando em pequenas doses para te curar”, afirma
Lowenstein. O que significa que vou continuar com
medo, mas, pelo menos, agora entendo por que isso
pode ser tão fascinante.
g
7
Sexo
Terror sem mulher
não é terror. A
sensualidade
faz parte desses
filmes. Mas hoje
em dia as pessoas
não gostam da
mocinha muito
frágil, ela tem que
ter força para se
defender
Final
O final tem
que ser revelador,
além da capacidade
de antecipação
do público. E, se
não estiver bem
resolvido, crie
um teaser, dando
brecha para uma
continuação. É uma
boa solução para
falhas no roteiro
Como
sobreviver
em um filme
de terror
Por Halder
Gomes, diretor
de The Morgue,
lançado no
Brasil com
o título
Cadáveres 2
44_janeiro_2010
Não beba. Se beber,
você vai ser o primeiro
a morrer
Obedeça aos pais. As
vítimas sempre estão
fazendo alguma coisa às
escondidas. A morte é
como um castigo
Não namore a garota
mais gostosa do
colégio
Não pare na estrada. Se
você vir passar alguma
coisa pela janela de
seu carro, continue seu
percurso
foto:
Divulgação
Não adianta correr.
Mesmo se você for o
homem mais rápido do
mundo, o vilão te pega do
mesmo jeito
Se vai matar, mate direito.
Normalmente, o personagem
dá uma traulitada no vilão,
acha que o matou e não dá o
golpe de misericórdia
Não seja um clichê. O vilão
segue uma ordem na matança,
com os mais estereotipados à
frente. Quem sobrevive no fim
é o mais normal
janeiro_2010_45