capas finais

Transcrição

capas finais
Revista da ESPM - Volume 10 - Ano 9 - Edição nº 1 - Janeiro/Fevereiro 2003
Revista da
MESA-REDONDA
PANORAMA
PANORAMA DA
DA
PESQUISA
PESQUISA DE
DE
MERCADO
MERCADO
NO
NO BRASIL
BRASIL
OCTAVIO DA COSTA EDUARDO
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA
THELMA ROCHA
FABIANE MORAES
ÉRICA GOMES DANIEL
PEQUENA HISTÓRIA COMENTADA DA PESQUISA
DE MERCADO E OPINIÃO PÚBLICA NO BRASIL:
A ETAPA PIONEIRA
O VALOR PARA O CONSUMIDOR
COMO UMA ORIENTAÇÃO NA DEFINIÇÃO
DE PRODUTO E ATENDIMENTO NO RAMO IMOBILIÁRIO
OS DESAFIOS ESTRATÉGICOS
DE UM PROGRAMA DE FIDELIZAÇÃO EM FRANQUIAS
NOS INTERVALOS DA GUERRA: PAN-AMERICANISMO
E PROPAGANDA COMERCIAL NO BRASIL DOS ANOS 40
LUÍS GONZAGA TRABASSO
O MODELO DE FARMÁCIA NO ENSINO DE E-BUSINESS
ALINE RICOMINI
FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA
SALVEM AS PADARIAS!
UM
CASE EM FOCO
AS CRIANÇAS E OS SUCOS PRONTOS DEL VALLE
ENTREVISTA
COM CARLOS AUGUSTO MONTENEGRO
TEMAS & LIVROS SUMÁRIO EXECUTIVO
CARTAS
PONTO
D E VISTA
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Objetivos e filosofia editorial da Revista da ESPM
A Revista da ESPM completou sete anos ininterruptos de publicação em Agosto passado. Atualmente,
ela tem periodicidade bimestral, com uma tiragem de 15.000 exemplares.
Sua circulação é dirigida principalmente aos seguintes grupos:
a)
b)
c)
professores e alunos da ESPM
empresários e executivos de empresa, veículos e agências de propaganda
mundo acadêmico – professores e bibliotecas universitárias
Seus objetivos e filosofia editorial são os seguintes:
I. Objetivos gerais
1. Estimular o hábito da pesquisa e publicação entre os professores da ESPM
2. Reforçar a imagem da ESPM, como centro de excelência no ensino da comunicação com o mercado,
marketing e administração
3. Servir como fonte de estímulo e reflexão para nossos alunos e professores
4. Divulgar novos conceitos, idéias e experiências em nossas áreas de concentração entre profissionais
e professores de todo o país
5. Servir de instrumento de informação e contato entre a escola e seus ex-alunos
II. Filosofia Editorial
1. A revista deve refletir o posicionamento pedagógico da escola, que é o de procurar servir de “ponte”
entre a teoria e a prática, combinando o rigor científico e a evolução constante nas empresas e mercados
2. Neste contexto, a revista dará preferência a estudos e artigos que descrevam ou proponham idéias,
experiências e contribuições originais para a solução de problemas e a busca de oportunidades nas
áreas de concentração da escola
3. A revista publicará também artigos e estudos que esclareçam ou debatam o substrato econômico,
político e social do universo publicitário e empresarial
4. A revista acolherá artigos de professores da ESPM, ou de outros professores e estudiosos, que se
enquadrem nos pré-requisitos acima e satisfaçam os seus padrões mínimos de clareza, objetividade e
qualidade literária
5. Na medida do possível, a revista dará preferência a artigos e estudos escritos que reflitam a nossa
realidade social, econômica e empresarial
6. Autores nacionais terão também preferência, mas autores estrangeiros serão incluídos sempre que
discorrerem sobre temas e experiências relevantes para o nosso país
Publicações
Os artigos deverão ser enviados à Redação, e-mail: [email protected], para serem avaliados pelo
Conselho. Os artigos devem ter de 10 a 12 laudas, corpo 12 e deverão vir acompanhados de um sumário
executivo de 10 a 15 linhas e de um resumo para o índice de 3 a 4 linhas.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Revista da
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Gracioso – Presidente
Alex Periscinoto
Aylza Munhoz
Jacques Marcovitch
J. Roberto Whitaker Penteado
Luiz Francisco Gracioso
EDITOR
J. Roberto Whitaker Penteado
Mtb N.º 178/01/93
e-mail:[email protected]
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Lúcia Maria de Souza
DIRETOR DE ARTE
Antonio Celso Collaro
DIAGRAMAÇÃO
Antonio Celso Collaro
REVISÃO
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IMPRESSÃO, DISTRIBUIÇÃO E
PUBLICIDADE
Editora Referência
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CEP 01524-030
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REDAÇÃO
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REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral
da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Os conceitos emitidos em artigos assinados são
de exclusiva responsabilidade dos autores.
Professores, pesquisadores, consultores e
executivos são convidados a apresentarem
matérias sobre suas especialidades, que
venham a contribuir para o aperfeiçoamento da
teoria e da prática nos campos da
administração em geral, do marketing e das
comunicações. Informações sobre as formas e
condições, favor entrar em contato com a
Coordenadora Editorial.
Editorial
Na abertura desta edição da Revista da ESPM,
dedicada predominantemente à pesquisa de mercado no
Brasil, nada mais justo do que relembrar as figuras dos
pioneiros que introduziram e deram a forma inicial a esta
atividade em nosso país. Foram homens e mulheres
extraordinários, como Auricélio Penteado, fundador do IBOPE;
Maxime Castelneau, fundador do IPOM; Otávio da Costa
Eduardo, criador do INESE; Carlos Matheus, criador do
Instituto Gallup; Alfredo Carmo, pioneiro da pesquisa
motivacional; Dalton Souza, primeiro presidente da Marplan e
muitos outros como Clarice Herzog, Pergentino Mendes de
Almeida e Hélio Silveira da Motta, inventor do aparelho que
registra a audiência na TV. A esses pioneiros segue-se outra
geração de profissionais brilhantes, muitos dos quais ainda
estão em atividade. Seria arriscado mencionar nomes tanto
são eles, mas lembramos de pesquisadoras como Olenka
Franco e Vera Aldrighi, símbolos da importância que as
mulheres assumiram nesse campo.
Foi extraordinário o trabalho realizado por esses e outros
profissionais a tal ponto que a pesquisa de mercado brasileira
se coloca hoje entre as melhores do mundo. Mas como não
poderia deixar de ser, enfrenta também os problemas
decorrentes das rápidas mudanças que estão ocorrendo no
mercado. Alguns desses problemas foram levantados pelos
participantes da mesa-redonda cujo teor está sendo publicado
nesta edição. Premidas pela própria necessidade de competir,
as empresas de pesquisa acabaram se especializando demais
e perderam o foco estratégico. Hoje, muitos clientes esperam
dessas empresas pouco mais que uma série de gráficos e
tabelas cuja interpretação cabe a terceiros. Nada mais injusto,
pois os próprios pesquisadores seriam os instrumentos mais
adequados para desenvolver o pensamento estratégico que
se segue à coleta de informações. Na verdade este é um
dilema que muitos usuários de pesquisa ainda não
conseguiram resolver: como evoluir de um sistema de
informações de mercado para um sistema de inteligência de
marketing. Talvez seja a oportunidade que se abre às
empresas fornecedoras de pesquisas. Cabe a elas estimular
esta evolução e retomar a iniciativa, repetindo o exemplo de
seus predecessores.
Francisco Gracioso
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Índice
9
Pequena história comentada da pesquisa de mercado e
opinião pública no Brasil: a etapa pioneira
OCTAVIO DA COSTA EDUARDO
Neste artigo, o autor descreve as origens e a história da pesquisa de mercado e de opinião pública
no Brasil da década de 1930 até o fim da década de 1960, destacando a criação e o desenvolvimento
dos grandes institutos de pesquisa.
24
Valor para o consumidor como uma orientação
na definição de produto e atendimento no ramo
Imobiliário
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
O
MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA
Proposta de uma metodologia de desenvolvimento de novos produtos imobiliários residenciais, a
partir de um modelo de estratégia de valor para o consumidor, construído pelo autor e fundamentado
em tese de doutorado. Propõe-se pesquisas que dêem validade à ferramenta.
36
Os desafios estratégicos de um Programa de
Fidelização em franquias
THELMA ROCHA
FABIANE MORAES
Este estudo tem como objetivo mostrar o impacto que os programas de fidelização estão tendo nas
franquias. Como caso prático, estaremos analisando como O Boticário vem enfrentando este desafio
com o Programa Fidelidade O Boticário.
44
Nos Intervalos da Guerra: pan-americanismo
e propaganda comercial no Brasil dos anos 40.
ÉRICA GOMES DANIEL
O artigo busca mostrar que a propaganda conta História, ao analisar as mudanças ocorridas no
campo dos padrões de sociabilidade e de consumo no Brasil, a partir dos anos 40, com a consolidação
das agências de propaganda, discutindo como a política do pan-americanismo utilizou o espaço
publicitário para divulgar a política de Boa Vizinhança entre Brasil e Estados Unidos.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
O modelo de farmácia no ensino de E-business
57
LUÍS GONZAGA TRABASSO
Esse trabalho apresenta um método pedagógico original para o curso de E-business que procura
auxiliar professores e alunos na tarefa de ensino e aprendizado de assunto tão desafiador. O método
tem sido usado com sucesso no curso de E-business, oferecido no programa de MBA em EManagement da ESPM – São Paulo.
63 Salvem as padarias!
ALINE RICOMINI
FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA
O artigo aborda as principais dificuldades do setor panificador, expõe a metodologia do estudo, os
resultados obtidos e propõe melhorias para setor.
69
91
MESA-REDONDA
Panorama da pesquisa
de mercado no Brasil
Entrevista com Carlos Augusto Montenegro
107 As crianças e os sucos prontos Del Valle
UM CASE EM FOCO
113 Livros
116 Sumário Executivo 121
CARTAS
122
PONTO DE VISTA
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
• OCTAVIO DA COSTA EDUARDO
9
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
O
início da pesquisa de mercado
no Brasil data dos primeiros
anos da década de 1930. Não foi
um início tardio.
Até mesmo nos Estados Unidos, de
onde nos vieram as técnicas apropriadas,
a pesquisa de mercado só passou a ser uma
atividade organizada em meados da
década de 1920. Eram poucas, então e
também nos primeiros anos de 1930, as
universidades americanas que tinham a
matéria “Pesquisa de Marketing” em seus
currículos. E só em 1937, a American
Marketing Association (Associação
Americana de Marketing) deu sua
chancela à atividade com a publicação As
Técnicas da Pesquisa de Marketing, por
vários autores, um dos quais o renomado
cientista social Paul Lazarsfeld. Alguns
livros sobre pesquisa de mercado tinham
sido publicados nos Estados Unidos na
década de 1920, mas a primeira
contribuição realmente importante sobre
a matéria – Marketing Research Analysis
(Pesquisa de Mercado Analítica) – de
Lyndon O. Brown, só foi publicada em
1937.(1)
No Brasil, os introdutores da
pesquisa de mercado foram principalmente duas agências americanas de
publicidade que haviam iniciado suas
atividades no país nos primeiros anos da
década de 1930, a N. W. Ayer & Son,
importante agência da cidade da
Filadelfia, e a McCann-Erickson, uma
das principais agências americanas, e
duas indústrias de produtos de consumo
– a Lever e a Sidney Ross –, a primeira
estabelecida no país em 1929 e a
segunda pela mesma época.
Na década de 1930, a Lever e a
Sidney Ross começaram a fazer
pesquisas de mercado em nosso país
sobre hábitos e preferências dos
consumidores e audiência de rádio. É
provável que outras empresas de origem
americana também estivessem pesquisando os mercados consumidores de seu
interesse, mas só as duas – Lever e
Sidney Ross – são mencionadas, nas
fontes disponíveis, como pioneiras da
pesquisa de mercado no Brasil
juntamente com a N. W. Ayer & Son e a
McCann-Erickson.
10
“Sete anos depois
da pesquisa de
mercado sobre o
café, foi realizada
no país a primeira
pesquisa nacional
de opinião
pública.”
1. A Primeira
Pesquisa de
Mercado de
Âmbito
Nacional
A N. W. Ayer & Son tem seu nome
ligado à primeira grande pesquisa de
mercado, de âmbito nacional, em nosso
país. Foi uma pesquisa sobre os hábitos
de consumo de café. O patrocinador foi o
Departamento Nacional do Café,
importante órgão do Governo Federal. Não
se falava na época em globalização, como
nos dias de hoje, mas o país havia sido
duramente atingido, como todo o mundo,
pela crise econômica que se iniciara com
a debacle da bolsa nos Estados Unidos em
1929. As exportações do café, nosso
principal produto, haviam caído de forma
dramática e o consumo interno também
havia-se reduzido assustadoramente. O
governo comprava o produto dos
fazendeiros e comerciantes, armazenavao e queimava-o em grandes quantidades.
E pensava, assustado, em como poderia
reverter o quadro, aumentando o nível de
consumo no país e no exterior. A esperança
para o mercado interno era uma campanha
publicitária de larga amplitude. A agência
escolhida foi a Ayer, tendo-se decidido que
deveria ser realizada antes uma pesquisa
para dar elementos ao planejamento da
campanha sobre a extensão e as razões da
redução do consumo.
A notícia que se tem da pesquisa da
Ayer é que foi de grande porte. Teria sido
realizada, segundo o publicitário Francisco
Teixeira Orlandi, que era na época
funcionário da agência americana, com
uma amostra de “12.000 consumidores e
3.000 torradores e revendedores em 18
estados.” (2)
Esse depoimento é surpreendente pelo
tamanho e cobertura da amostra que teria
sido utilizada na pesquisa. Serão
verdadeiros os números apresentados ou
teria o autor do artigo, que o escreveu anos
depois de realizada a pesquisa,
inflacionado o tamanho da amostra e sua
extensão por falha de memória? Esta
última possibilidade não deve ser afastada.
É o próprio autor do artigo que a admite
com a seguinte observação: “Estas notas
são o resultado de um esforço de
memória.”
Infelizmente, o depoimento de
Francisco Teixeira Orlandi não incluiu
detalhes sobre a metodologia usada na
pesquisa, segmentação da amostra,
número e natureza das perguntas do
questionário ou tempo de duração da
entrevista; nem tampouco informações
sobre a responsabilidade técnica do
projeto. Como Orlandi e seus demais
colegas brasileiros da Ayer não eram
profissionais de pesquisa, e sim de
propaganda, pode-se pressumir que a
orientação técnica do projeto tenha vindo
da matriz em Filadélfia. Tampouco
sabemos se os dados foram processados
no Brasil ou nos Estados Unidos e até que
ponto serviram aos propósitos do cliente
de utilização dos dados em campanha de
persuasão para aumento do consumo do
café, como originalmente planejada.
Do ponto de vista histórico, esta foi “a
primeira grande pesquisa (até) então
realizada no Brasil,” nas palavras do
próprio Francisco Orlandi, e tem, como tal,
não obstante o provável exagero na
informação sobre o tamanho da amostra,
a aura do pioneirismo que não pode deixar
de ser destacada. Provavelmente, a
pesquisa da Ayer foi mais modesta do que
as indicações disponíveis, o que não lhe
tira, porém, o mérito pioneiro pela
abrangência nacional e pelos objetivos
corretamente postos do ponto de vista do
marketing moderno.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
A N. W. Ayer continuaria a trabalhar
no Brasil em propaganda por mais alguns
anos após aquela pesquisa, encerrando suas
atividades no país em 1943.
2. A Primeira
Pesquisa
Nacional de
Opinião P
ública
Pú
(1940 – 41)
Sete anos depois da pesquisa de
mercado sobre o café, foi realizada no país
a primeira pesquisa nacional de opinião
pública. O projeto teve dois objetivos:
conhecer as opiniões e atitudes do povo
brasileiro sobre a guerra que eclodira na
Europa em 1939, sobre as partes em
conflito e outras que poderiam envolverse; e determinar a penetração das emissoras
internacionais de ondas curtas no país.
Ao Governo Americano, patrocinador
do estudo, embora não declarado,
interessava conhecer para onde pendiam
as simpatias do povo brasileiro e para onde
elas penderiam no caso de os Estados
Unidos se envolverem no conflito. A
informação era valiosa devido à posição
geográfica, estrategicamente importante,
do Brasil que tinha então um governo
autoritário (o Estado Novo do Presidente
Getúlio Vargas) com indicações de
simpatia para com os países do Eixo
(Alemanha Nazista e Itália Fascista). Por
outro lado, havia o interesse em determinar
a proporção e perfil dos brasileiros que
ouviam rádio de ondas curtas com o
objetivo de orientar irradiações que
serviriam para criar clima de opinião mais
favorável aos Estados Unidos e aos países
democráticos envolvidos no conflito.
Esses foram os objetivos da pesquisa
iniciada nos últimos meses (Novembro/
Dezembro, 1940). Dirigiu o projeto o
pesquisador americano Lloyd Free, então
na casa de seus trinta e poucos anos.
Formado em direito pela Universidade de
Stanford, colega de escola e amigo de
Nelson Rockefeller, Free dedicou a maior
parte de sua vida profissional à pesquisa
de opinião pública colaborando intima-
mente com Hadley Cantril, uma das
figuras mais importantes da psicologia
social e de estudos sobre opinião pública
nos Estados Unidos de meados da década
de 1930 até sua morte em 1969.
Não conhecendo o Brasil nem
português, Free veio acompanhado de um
estudioso conceituado, Roy Nash, que
tinha estado no país na década de 1920.
Da estada de Nash e de suas observações
e estudos havia resultado o livro The
Conquest of Brazil, publicado em 1924
nos Estados Unidos e no Brasil em 1939
(A Conquista do Brasil, tradução de
Moacyr Vasconcelos, Cia EditoraNacional, Coleção Brasiliana), livro que
contém, além de um breve relato
histórico, a descrição e análise do país,
dos nossos recursos naturais e características do nosso povo.
Além de Nash, Free contava com a
colaboração de Waldemar Augusto da
Silva, importante funcionário da J. Walter
Thompson, “emprestado,” escreveu ele,
11
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
para participar do projeto, e de uma
secretária bilíngüe competente e afável.
Faltava, porém, a equipe de campo
para fazer as entrevistas. Free pediu a ajuda
do Prof. Donald Pierson, sociólogo
eminente, então a serviço da Escola de
Sociologia e Política de São Paulo,
Instituição
Complementar
da
Universidade de São Paulo. Pierson e Free
convidaram o autor desta “Pequena
História Comentada,” então com 21 anos
e prestes a concluir o curso de ciências
sociais naquela escola pioneira, a participar
do projeto e a recrutar mais 5 ou 6
universitários para trabalharem como
entrevistadores, o que foi feito em curto
espaço de tempo.
E assim se constituiu a equipe que por
cerca de 4 a 5 meses percorreu 6 Estados
(São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco)
com a tarefa de entrevistar uma amostra
da população brasileira, sobre suas
opiniões e atitudes com referência a
questões candentes da época e seus hábitos
de ouvir rádio.
A amostra compreendeu não mais de
2.000 pessoas nas 6 capitais dos Estados
mencionados, em cerca de 18 a 20 cidades,
de grande e pequeno porte. Em suas linhas
gerais, foi uma amostra por cotas, com
algum controle por sexo, idade,
escolaridade e faixa de renda. À época,
inclusive nos Estados Unidos, ainda não
se haviam estabelecido padrões rigorosos
de amostragem para as pesquisas de
mercado e de opinião pública. Eram
poucos os que aplicavam critérios válidos
de amostragem, entre eles o Instituto
Gallup, de George Gallup, que então se
projetava, após ter previsto em 1936 a
reeleição do Presidente Roosevelt, embora
de forma não tão acurada (54% na previsão
contra 61%, resultado real).(3)
A pesquisa foi realizada através de
entrevistas pessoais com questionário de
duração aproximada de 30 minutos. Os
resultados foram processados e analisados
nos Estados Unidos.
Atualmente, uma pesquisa de campo
à base de uma amostra nacional de 2.000
casos exige no máximo 20 a 30 dias. Mas,
em 1940-41, o projeto então realizado só
foi concluído em 5/6 meses a partir dos
preparativos iniciais. É preciso considerar
12
“A iniciativa foi do
advogado, e
empresário, Auricélio
Penteado, que deve,
com justiça, ser
considerado o
pioneiro da pesquisa
de mercado e de
opinião pública em
nosso país.”
que naquela época não havia institutos ou
organizações com uma estrutura de
entrevistadores e supervisores de campo;
e os meios de transporte eram difíceis e
demorados. Viajava-se de navio entre os
Estados litorâneos, e a espera por um dos
famosos Ita podia ser demorada. Para o
Autor deste artigo, que 8/9 anos mais tarde
ingressaria em pesquisa de mercado e de
opinião pública foi um batismo-de-fogo
extremamente gratificante.
3. A Criação
do IBOPE em
1942 e seu
Desenvolvimento
Inicial
A criação do IBOPE em 1942 deu
início à atividade regular e sistemática da
pesquisa de mercado e de opinião pública
“Foi o início
no Brasil
da pesquisa
sistemática
de audiência
da mídia
eletrônica.”
no Brasil. A iniciativa foi do advogado e
empresário Auricélio Penteado, que deve,
com justiça, ser considerado o pioneiro da
pesquisa de mercado e de opinião pública
em nosso país.
O jornalista Mário Fonseca Neto
descreveu a criação da nova empresa em
tom algo picaresco:
“O IBOPE foi fundado em São Paulo
em 13 de Maio de 1942, por Auricélio
Penteado, um advogado, sócio da Rádio
Kosmos, de São Paulo, e com inclinação
para a política, ciências sociais e a
polêmica. Tinha curiosidade em conhecer
os ouvintes de sua rádio e aprendeu
técnicas de pesquisa com George Gallup.
Quando as aplicou, descobriu que sua
emissora estava em último lugar em
audiência e se convenceu de que não
entendia de rádio, e sim de pesquisa.”(4)
Auricélio tinha espírito empresarial e
tratou de usá-lo tanto na criação da nova
organização como para difundir suas
atividades. Em primeiro lugar, saiu à
procura de subscritores do capital inicial
para a nova empresa. Conseguiu, após
muito esforço de persuasão, dezenove
contos e novecentos e vinte e cinco mil
reis, capital que foi rateado entre diferentes
fontes: algumas agências de publicidade,
algumas empresas fabricantes de produtos
de consumo popular, e, pelo então
presidente da Associação Comercial de
São Paulo, Brasílio Machado Neto, um
paulista de família tradicional que foi a
quem Auricélio recorreria em momentos
financeiros difíceis.(5)
A nova organização se instalou em
duas modestas salas em prédio sito à Rua
Senador Feijó, n.º 183, junto à Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco, no
centro da cidade, e deu inicio a suas
atividades, procurando angariar clientes,
o que era conseguido de forma esparsa
após muita insistência.
Pouco ou quase nada se sabia então
sobre pesquisa de mercado e sua utilidade
como instrumento importante de apoio às
atividades de marketing e de propaganda
das empresas. Na verdade, pouco se sabia
sobre marketing e suas funções e a
propaganda estava apenas saindo da sua
fase romântica, como dizia o publicitário
Ricardo Ramos.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
O clima não era, portanto, muito
favorável ao desenvolvimento da pesquisa
do comportamento do consumidor e de
suas opiniões e atitudes. A fim de despertar
interesse de eventuais clientes, Auricélio
publicava pequenos anúncios em jornais
de São Paulo com títulos como “É o Povo
Quem Julga”, “Como Está Sendo Aceito
Seu Produto”, “Boas Informações, fator
de êxito”, que, em geral, terminavam com
uma mensagem sobre os serviços
oferecidos: “Estudos de Mercados e
Pesquisas Sobre Hábitos, Gostos e
Preferências do Público.” E um deles
apelava sugestivamente para o fator preço:
“ESTUDOS DE MERCADO – mediante
condições acessíveis a qualquer
comerciante, industrial ou publicitário.”
O IBOPE começou suas atividades com
dois produtos ou serviços que procurava
vender cooperativamente a diversos
clientes: “um serviço permanente de
controle de rádio em todas as horas do dia,
apurando os índices de audiência de cada
estação,” e um estudo de mercado que foi
chamado a princípio de “Serviço X.”(6)
O serviço de assinatura de rádio,
inicialmente em São Paulo e depois
estendido ao Rio de Janeiro, era uma
pesquisa diária junto a uma amostra de
residências que possuíam rádio pelo
método do flagrante, determinando-se a
cada 15 minutos se o rádio das casas
amostradas estava ligado ou não, para que
estação e quantos e quais as características
dos ouvintes (por sexo e idade). Foi o início
no Brasil da pesquisa sistemática de
audiência da mídia eletrônica.
As emissoras de rádio, que passaram
aos poucos a manifestar interesse pelas
informações, reagiam ora com aplausos
(quando os resultados lhes eram
favoráveis), ora com críticas e acusações,
quando seus índices de audiência eram
baixos. O IBOPE se defendia com vigor,
insistindo na credibilidade de seus índices
chegando Auricélio a gestos dramáticos
para provar a credibilidade das suas
pesquisas. Em algumas ocasiões, conta
Silvana Gontijo, ele “levou sacos e sacos
com questionários preenchidos à
Associação Paulista de Propaganda para,
na presença de empresários e profissionais,
apresentar as provas de seu método de
trabalho”. (7)
A técnica do flagrante para medir a
audiência, a princípio do rádio e depois da
televisão, sempre esteve sujeita a dúvidas
e críticas. Ela não depende apenas de
entrevistadores honestos e bem treinados
e verificação de uma razoável proporção
de entrevistas realizadas. Depende
também do tamanho da amostra para cada
período considerado de forma a se ter base
estatística significativa para garantir a
validade dos resultados. E, em se tratando
de pesquisa contínua, as amostras devem
ser comparáveis quanto à composição
sociodemográfica.
Talvez, na época, tenha havido alguma
falha de natureza amostral, o que, de certa
forma, explicaria as distorções de que o
IBOPE foi muitas vezes acusado na
primeira década da sua existência. Os
detratores da nova empresa não dispunham
de nenhum meio para contestar
objetivamente os índices apresentados,
louvando-se tão só em suas opiniões,
13
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
expectativas e interesses, o que certamente
enfraquece sobremaneira as críticas e
diatribes dirigidas ao IBOPE.
As empresas no Brasil, inclusive as
estrangeiras abertas naturalmente às
influências de suas matrizes no exterior,
ainda faziam pouco marketing e,
naturalmente, pouca e até nenhuma
pesquisa.
Mas, o IBOPE crescia. Um ano depois
da fundação, abria seus escritórios no Rio
de Janeiro, para onde a sede da empresa
logo se transferiu. O serviço de pesquisa
entre consumidores, “pesquisa omnibus”
patrocinada por diversos clientes que
desejavam resposta à aceitação de seus
produtos e marcas, expandiu-se de São
Paulo e Rio de Janeiro para outras capitais
(Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza,
Recife, Salvador e Curitiba) e para as
cidades de Campinas e Ribeirão Preto, no
Estado de São Paulo. Era o início das
pesquisas omnibus no país.
Em 1945, a empresa realizou sua
primeira incursão em prévias eleitorais,
com uma pesquisa realizada na cidade de
São Paulo que foi assim noticiada pelo
jornal A Gazeta:
“Uma estatística do IBOPE sobre o
resultado das Eleições do dia 2: O Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística, mobilizando todo seu pessoal,
está fazendo um inquérito entre o
eleitorado da Capital em torno das
eleições do dia 2 de Dezembro. O trabalho
de investigação do IBOPE será encerrado
amanhã, às 10 horas. É este um sistema
muito em voga nos Estados Unidos e a
investigação do IBOPE está sendo
aguardada com interesse. A Gazeta deverá
publicar, na edição de amanhã, o resultado
dessa interessante pesquisa.”
E o resultado apresentado foi:
Brigadeiro Eduardo Gomes, 67%; General
Dutra, 33%.
Na década de 1950, e no inicío da
década seguinte, o IBOPE se dedicou com
empenho à realização de pesquisas
políticas de intenção de voto, obtendo
grande sucesso com a maioria de suas
previsões.
Usava o IBOPE na época um sistema
inteiramente subjetivo de classificação
sócio-econômica dos respondentes. A
14
“As emissoras de
rádio, que passaram
aos poucos a
manifestar interesse
pelas informações,
reagiam ora com
aplausos (quando os
resultados lhes eram
favoráveis) ora com
críticas e acusações
quando seus índices
eram baixos.”
classificação incluía três classes: rica,
média e pobre. Em que classe seria
encaixada o respondente dependia
inteiramente da avaliação do entrevistador
que usava a aparência dos entrevistados e
dos domicílios amostrados como único
critério de avaliação. Só anos mais tarde,
na década de 1960 tentativamente e,
definitivamente a partir de 1979, passaria a
pesquisa de mercado no Brasil a dispor de
um critério objetivo de classificação sócioeconômica, o critério ABA–ABIPEME –,
que representou significativo avanço sobre
os critérios subjetivos.
A tabulação dos resultados das
pesquisas do IBOPE, a princípio manual,
foi substituída pelo sistema mecânico IBM
através de máquinas digitadoras e
classificadoras, tendo o Instituto sido
pioneiro também nesse particular.
O IBOPE foi a única empresa
especializada em pesquisa de mercado e
de opinião pública durante toda a década
de 1940. O mercado era incipiente, eram
reduzidas a procura e aceitação de
“Em que classe seria
encaixada o
respondente dependia
inteiramente da
avaliação do
entrevistador que
usava a aparência dos
entrevistados e dos
domicílios amostrados
como único critério de
avaliação.”
pesquisas sobre o comportamento e
atitudes dos consumidores e limitadas,
portanto, as possibilidades de sucesso para
novas empresas do setor. Parece ter havido
na década uma ou outra tentativa de
criação de novos institutos como indica
Silvana Gontijo: “cinco outras empresas
similares tinham fracassado na tentativa
de se estabelecer no mercado brasileiro,
duas inclusive eram dirigidas por
americanos com know-how de seu país”.(8)
4. A
International
Research
Associates
No final da década e 1940, o instituto
americano Internacional Research
Associates, de New York, sob a direção
de Elmo Wilson, passou a ter interesse em
se instalar no Brasil, a fim de atender a
dois importantes clientes: o Departamento
de Estado dos Estados Unidos e uma
importante empresa distribuidora de
gasolina e óleo. Em 1949, a organização
americana de pesquisa encarregou Octavio
da Costa Eduardo, então jovem professor
da Escola Livre de Sociologia e Política
de São Paulo, da condução de uma
pesquisa de campo para medir os efeitos
de uma grande campanha publicitária pelo
rádio e jornais com o objetivo de persuadir
o público brasileiro das vantagens do
capital e “know-how” estrangeiros para a
exploração e refino do petróleo no país.
A pesquisa, planejada e orientada por
profissionais da organização americana,
usou sofisticada metodologia, compreendendo duas etapas: a primeira, antes da
campanha, a segunda após seu término.
Realizada através de entrevistas pessoais
com a aplicação do mesmo questionário a
duas amostras diferentes, porém,
comparáveis, isto é, com as mesmas
características sociodemograficas, a
pesquisa inaugurou no Brasil a metodologia
“antes/depois,” altamente recomendada
para a mensuração dos resultados de
campanhas de comunicação e propaganda.
Na época, estava também em curso a
campanha “O Petróleo é Nosso,” de
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
inspiração governamental, deflagrada com
forte apelo emocional aos sentimentos
nacionalistas da população. O Congresso
votou pela nacionalização da exploração
e refino do petróleo brasileiro e daí surgiu
a Petrobras.
Na sua avaliação da pesquisa “antes/
depois,” os analistas da Research
International Associates concluíram que a
campanha a favor da contribuição
estrangeira, supostamente de persuasão,
havia funcionado como um bumerangue,
mostrando resultados mais desfavoráveis
à participação estrangeira na segunda fase
que na etapa-base.
5. O
Aparecimento
de Outros
Institutos
A fase pioneira da pesquisa de mercado
e de opinião pública no Brasil que, na
década de 1940, foi marcada pela presença
quase que exclusiva do IBOPE,
desabrochou na década de 1950 com a
criação de três novos institutos: IPOM,
Instituto de Pesquisa de Opinião e
Mercado Ltda., INESE, Instituto de
Estudos Sociais e Econômicos Ltda., e
Marplan, Pesquisas e Estudos de Mercado.
As condições para ampliação do
mercado de pesquisa haviam-se tornado
mais favoráveis: o crescimento industrial
e o processo de urbanização vinham-se
tornando efetivos desde o término em 1945
da tenebrosa 2.ª Grande Guerra.
A economia brasileira começava a se
modernizar e as empresas a se desenvolver,
ao mesmo tempo que novos
empreendimentos e investimentos eram
feitos por empresas nacionais e
estrangeiras. A concorrência se tornava
mais forte, impondo políticas e
procedimentos de marketing racionais e
eficientes. Criaram-se a Escola de
Administração de Empresas da Fundação
Getulio Vargas (1952) voltada para a
formação de administradores de empresas
e profissionais de marketing capazes de
enfrentar os novos desafios impostos pelo
“Na época, estava
também em curso a
campanha “O
Petróleo é Nosso”, de
inspiração
governamental,
deflagrada com forte
apelo emocional aos
sentimentos
nacionalistas da
população.”
crescimento industrial e pela urbanização,
e a Escola Superior de Propaganda (1954),
a princípio associada ao Museu de Arte,
com o objetivo de ajudar a formação de
novos publicitários. As duas novas
instituições incluíram pesquisa de mercado
em seus currículos, conscientes os seus
fundadores do importante papel da nova
disciplina para a formação de administradores de empresa, profissionais de
marketing e publicitários.
6. IPOM,
Instituto de
Pesquisa de
Opinião e
Mercado
Ao contrário do IBOPE, que teve início
difícil, o IPOM, filiado à empresa
International Research Associates,
começou com alguns clientes cativos e
certa garantia de receita que lhe assegurava
a sobrevivência. Era o ano de 1952. Com
o correr do tempo, porém, o IPOM teve
de enfrentar a concorrência e procurar
novos clientes, oferecendo-lhes, de um
lado, participação em pesquisas omnibus
e, de outro, projetos mais ambiciosos
desenvolvidos para atender a necessidades
explicitadas pelos clientes.
A entrada da International Research
Associates no Brasil, através do IPOM, foi
importante do ponto de vista conceitual e
técnico. O diretor geral da nova
organização no Brasil, o pesquisador
Monroe Mendelsohn, era um profissional
da especialidade, com experiência
adquirida em escritórios de pesquisa nos
Estados Unidos. Com a retaguarda da
equipe americana, o IPOM introduziu no
país o processo de amostragem
probabilística e uma maior preocupação
com o treinamento e fiscalização dos
entrevistadores. Por essa época,
estabeleceu-se, além da crítica de todos os
questionários preenchidos, a prática de
verificação de 20% das entrevistas
realizadas no campo.
O IPOM foi uma escola para diferentes
pesquisadores brasileiros. O autor deste
artigo deve muito de sua formação à
experiência de 3 anos em que permaneceu
no IPOM. Arthur de Morais César, que me
sucedeu na gerência de São Paulo em
1955, e Plínio Figueiredo também se
iniciaram em pesquisa de mercado e de
opinião pública no IPOM, tornando-se
importantes e respeitados profissionais.
O diretor-geral Monroe Mendelsohn
foi substituído pelo pesquisador americano
Charles Sobel em 1958, data em que
voltou aos Estados Unidos onde deu início
a uma empresa, a Monroe Mendelsohn
Research, que em pouco tempo se tornou
importante e respeitada.
Em 1969, Máxime Castleneau, que
tinha tido experiência em pesquisas na
França e como cliente na qualidade de
diretor de importante empresa americana
no Brasil, assumiu a direção do IPOM a
que imprimiu grande desenvolvimento.
Em 1969, Máxime deu início a um novo
serviço de mensuração da audiência de
televisão, com a implantação do
“tevêmetro,” aparelho acoplado a
televisores domésticos. E ao
mesmo tempo, deu início,
juntamente com Paulo
Pinheiro, a um painel
de consu-midores em
São Paulo e Rio de
Janeiro, associando-se,
mais tarde, a um
grupo suíço. O
IPOM criou as
empresas Audi-Tv
e Audi-Market, que
em 1980 foram
vendidas à Nielsen,
que havia se insta-lado
no Brasil em 1972.
15
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
7. INESE,
Instituto de
Estudos
Sociais e
Econômicos
Ltda.
Em meados de 1955, após ter-se
desligado do IPOM, o autor deste
“Pequena História Comentada” criou o
terceiro instituto de pesquisa de mercado
e de opinião pública do país. A escolha do
nome tinha muito a ver com a formação
acadêmica do fundador, graduado em
ciências sociais e com pós-graduação em
antropologia cultural. Professor
universitário, desejava manter-se fiel a
suas origens acadêmicas e dedicar-se, não
só a pesquisas de mercado e de opinião
pública, mas também a estudos sobre
assuntos e problemas sociais: educação,
saúde, urbanização, família, relações e
problemas sociais e econômicos.
O objetivo foi em parte alcancado com
vários estudos que, realizados ao correr dos
anos, atenderam às necessidades dos
patrocinadores e serviram ao propósito de
maior conhecimento da sociedade
brasileira, seus problemas e tendências.
Mas o INESE, como o IBOPE nos seus
16
primeiros anos, teve de lutar duramente
por um lugar ao sol. O mercado era ainda
muito restrito e em grande parte tinha de
ser despertado. O interesse por marketing
e pesquisa estava apenas começando a se
desenvolver. O que podia ser oferecido que
atendesse às necessidades dos eventuais
clientes?
Nos primeiros anos, o INESE lançou
alguns produtos que eram novos no Brasil:
um store-audit (auditoria de lojas) em São
Paulo e Rio de Janeiro restrito, porém, a
farmácias e drogarias; e o índice INESE
de Penetração de Anúncios, modalidade
alterada do Índice Starch que havia sido
testado pela McCann-Erickson em 1951.
O “store-audit” iniciado pelo INESE
atendia à necessidade de informações
sobre o tamanho e participação de mercado
para vários produtos vendidos
principalmente através de farmácias e teve
continuidade por vários anos. O Índice de
“O mercado era
ainda muito
restrito e em
grande parte
tinha de ser
despertado.”
Penetração de Anúncios teve duração
efêmera. Os baixos índices de visibilidade
e identificação de muitos anúncios
publicados em revistas eram decepcionantes e as agências de publicidade
simplesmente se recusavam a aceitá-los.
O INESE, por outro lado, manteve
durante anos um estudo regular sobre
hábitos e atitudes e preferências com
referência a diversos produtos de consumo,
à base de uma amostra de 8.400 donasde-casa em seis capitais do país.
Na década de 1960, o INESE realizou
vários projetos importantes, não só pelos
resultados proporcionados, como também
pelas inovações conceituais e metodológicas introduzidas. Os mais importantes
foram os seguintes:
• o estudo nacional realizado em 1962
sobre as aspirações, expectativas e temores
dos brasileiros, sob a direção de Lloyd
Free, o mesmo pesquisador que havia
dirigido o primeiro estudo de opinião
pública no Brasil em 1940-41. Essa
pesquisa usou uma amostra probabilística
modificada da população brasileira (2.759
pessoas), tendo sido o primeiro grande
estudo de opinião pública no Brasil que
incluiu uma subamostra probabilística da
população rural, (inclusive residentes em
áreas rurais, isto é, sítios e fazendas). Os
resultados desse estudo foram apresentados
em livro nos Estados Unidos. (9)
• as primeiras clínicas de carros (“car
clinics”) realizadas, a partir de 1964,
visando a princípio determinar o tamanho
potencial do mercado para modelos novos
e, em anos subseqüentes, para servir de
base a alterações nos protótipos testados;
• o primeiro estudo sobre o lançamento
de uma grande revista nacional
(Realidade) em 1966, à base da
investigação das reações de uma ampla
amostra de população às diferentes seções
do número zero da futura revista. O estudo
previu que Realidade seria um grande
sucesso editorial para a época, o que
efetivamente aconteceu.
• o primeiro estudo multinacional
originado no Brasil. Tendo como objetivo
prever a aceitação pelo mercado nacional
e por mais 4 países (Estados Unidos,
Inglaterra, Alemanha e Japão) de produtos
industrializados à base de purê de banana,
a pesquisa, realizada em 1966, foi talvez
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
pioneira ao introduzir a técnica do teste
de conceito em antecipação a um teste de
produto. Foi uma inovação importante no
Brasil. Os testes de conceitos tornaram-se
fundamentais para o lançamento de novos
produtos e relançamentos, acompanhando
a modernização das pesquisas experimentais em curso nos Estados Unidos e
na Europa.
8. Marplan,
Pesquisas e
Estudos de
Mercado
Inicialmente designada ENOP,
Empresa Nacional de Organização e
Pesquisa, a Marplan nasceu do Departamento de Pesquisa da McCann-Erickson
criado em 1948.
Em 1951, o Departamento de Pesquisa
da MacCann-Erickson, sob a direção de
Dalton Manzo de Souza, criou dois serviços
de pesquisa para clientes da agência.
Para a revista *O Cruzeiro, o
Departamento criou um serviço de
mensuração da visibilidade e penetração
dos anúncios publicados na revista. O
serviço consistia em determinar a
proporção de leitores de revista, que ao ver
e ler determinado exemplar, se lembrava
de ter notado na ocasião da leitura cada
um de seus anúncios, de ter lido menos ou
mais de metade do texto e capaz ou não
de identificar a marca anunciada. O
método estava em uso há muitos anos nos
Estados Unidos e era conhecido por Índice
Starch, nome de seu iniciador naquele país.
Foi uma iniciativa pioneira, mas de curta
duração.
Para outros clientes da Agência, o
Departamento de Pesquisa criou um
serviço de mensuração das reações de
rádio-ouvintes a programas e comerciais
que eram submetidos a teste. O rádio era
então um grande veículo de comunicação
no Brasil. O novo serviço foi pioneiro na
introdução, no país, de um aparelho – o
analisador de programa, por pressão de
botões (“program analyser/push button”),
através do qual as pessoas que ouviam um
programa ou comercial de rádio podiam
indicar seu agrado pressionando um de
dois botões, o da direita, de cor verde, ou
o seu desagrado pressionando o botão da
esquerda, vermelho. Para aprofundar a
informação procurada, o serviço incluía
ao final a realização de uma discussão
sobre as reações e impressões dos
participantes dos testes. Foi a introdução
da discussão de grupo no Brasil, mas,
como o índice Starch usado para a revista
“A McCannErickson foi sem
dúvida pioneira na
implantação no
Brasil das
pesquisas de
mercado de
natureza
psicológica.”
17
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
“O Cruzeiro”, descontinuada após um ou
dois anos, ficando ambos muito restritos
ao âmbito da agência.(10)
Em 1952, a McCann-Erickson conratou para seus escritórios de São Paulo
os serviços de Alfredo Augusto de
Carvalho e Silva Castro, que na época
terminava seu curso de graduação em
Filosofia na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo. Contratado para o
Departamento de Redação, Alfredo foi
logo solicitado a participar das pesquisas
da agência. Foi o início de uma carreira
brilhante, em pesquisa de mercado e de
propaganda, passando, Alfredo, em pouco
tempo, a dirigir pesquisas para medir a
eficácia da propaganda de produtos de
clientes da Agência. A McCann-Erickson
foi sem dúvida pioneira na implantação
no Brasil das pesquisas de mercado de
natureza psicológica. E Alfredo foi seu
principal agente, com a colaboração de
Júlio Vercesi, que mais tarde iria destacarse pela introdução da metodologia de
discussões-de-grupo seqüenciais em
nosso país.
Paralelamente à pesquisa, Alfredo
ensinou Psicologia na Escola de Propaganda
de São Paulo, posteriormente, Escola
Superior de Propaganda e Marketing, e
escreveu assiduamente, sobretudo na década
de 1960, sobre temas candentes de pesquisa
qualitativa e motivacional. Palestrante e
conferencista requisitado, Alfredo Carmo foi
uma das figuras mais importantes no
desenvolvi-mento da pesquisa de mercado
qualitativa no Brasil.(11)
A Marplan, além da notável
contribuição na área qualitativa,
desempenhou também a partir de 1959
papel capital no desenvolvimento da
pesquisa de mídia impressa no Brasil.
Data de 1959 o primeiro Estudo
Marplan que era então realizado em sete
capitais sobre os hábitos de leitura de
jornais e revistas pelos diferentes
segmentos da população. O empenho
da Marplan em desenvolver seus
estudos de mídia impressa foi exemplar
desde o começo, empenhando-se, ano
após ano, em melhorar o nível da coleta
e tratamento dos dados e a ampliação
das amostras, para assegurar a
representatividade dos diferentes
18
“Paralelamente à
pesquisa, Alfredo
ensinou Psicologia na
Escola de Propaganda
de São Paulo,
posteriormente,
Escola Superior de
Propaganda e Marketing, e escreveu
assiduamente,
sobretudo na década
de 1960, sobre temas
candentes de
pesquisa qualitativa e
motivacional.”
segmentos da população.
Os Estudos Marplan se tornaram a
partir da década de 1960 instrumento
indispensável para a orientação das
agências de publicidade e de
anunciantes em suas decisões de
veiculação na mídia impressa.
9. Os Quatro
Institutos
Ao fim da década de 1950 e
prolongando-se por alguns anos da
Os Estudos Marplan
se tornaram, a partir
da década de 1960,
instrumento
indispensável para a
orientação das
agências de
publicidade e de
anunciantes em suas
decisões de
veiculação na mídia
impressa.”
década seguinte, os serviços de
pesquisa de mercado no Brasil eram
oferecidos e prestados quase que só
exclusivamente pelos 4 institutos
mencionados até agora: IBOPE, IPOM,
Marplan e INESE.
Na década de 1950, o IBOPE se
consolidou e cresceu. Logo no início da
década passou a publicar um boletim
semanal, o Boletim das Classes
Dirigentes, veículo de que se servia
para divulgar dados de pesquisas
realizadas no Brasil e no exterior bem
como informações sobre a avaliação
pela imprensa de questões públicas,
personalidade e partidos. A publicação
foi, porém, interrompida em 1956.
Em 1954, Auricélio Penteado, o
fundador, deixou a empresa e foi
substituído na direção por José
Perigault, de origem panamenha,
formado em direito, que contou com a
colaboração, entre outros de Paulo
Montenegro, admitido na empresa em
1947 na função de contato para venda
de serviços a clientes.
Paulo Montenegro se tornou sócio
de Perigault e a partir de 1975 tornouse o principal diretor e controlador do
IBOPE, imprimindo à organização um
grande e duradouro dinamismo.
O IBOPE manteve durante toda a
década de 1960 seu serviço de
“assistência de rádio”. Com a
televisão, iniciada no Brasil em 1950
e sua expansão a partir de meados da
década, o IBOPE voltou-se rapidamente para a nova mídia e passou a
pesquisar os hábitos de audiência de
televisão e preferências da população,
a princípio na cidade de São Paulo e
depois no Rio de Janeiro, usando a
mesma metodologia das pesquisas de
flagrante de rádio. Essa metodologia
foi usada por muitos anos pelo IBOPE
e esteve sozinha no mercado até 1969
quando foi implantado pelo IPOM o
seu serviço de mensuração da
audiência Audi Tv de televisão por
meios eletrônicos. Posteriormente,
este serviço bem como o Painel de
Consumidores Audi-Market, criado
inicialmente pelo IPOM, foram
incorporados pelo IBOPE.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
10. Outros
Institutos e
Serviços na
Década de
1960
Em 1964, a Lintas, que era na época
uma “house-agency” da então GessyLever, re-introduziu no Brasil a técnica da
discussão de grupo. A técnica estava então
largamente difundida nos Estados Unidos
e na Europa e robustecida pela experiência.
Quem a trouxe para o Brasil foi Pergentino
Mendes de Almeida, na época responsável
pelo setor de planejamento da agência,
após estágio na Alemanha e na Inglaterra.
Usada inicialmente para avaliar as reações
a pré-testes de campanhas publicitárias, a
nova técnica constituiu-se objeto de estudo
também, pelo Departamento de pesquisa da J.
W. Thompson, então sob
a direção de Arthur de
Moraes César, antigo
gerente do IPOM em São
Paulo. Com a re-introdução da discussão-degrupo e sua crescente
aceitação por agências de
propaganda e anunciantes, ganhou renovado
vigor a tendência de
crescimento da pesquisa
qualitativa no Brasil.
Pergentino deixou a
Lintas, após ter consolidado o uso da técnica de
discussão-de-grupo, na
agência, e fundou, em
1966, a LPM, Levantamento e Pesquisa de
Mercado, que, dirigida
inicialmente por ele e
Julio Vercesi, se tornou
importante veículo da
pesquisa qualitativa no
Brasil. Alguns anos
depois, em 1969, surgiu
a Azzi e Marchi, que,
embora tenha tido existência fugaz (encerrou
sua atividade em 1972), se constituiu, sob
a direção de Arthur de Moraes César,
Álvaro Marchi e Rodolfo Azzi, em um dos
institutos mais renovadores e criativos do
país, destacando-se pela formação de uma
plêiade nova de pesquisadores na área
qualitativa (Olenka Souza Franco, Neyza
Furgler, Nelson Raul e outros) e pela
“A McCannErickson foi sem
dúvida pioneira na
implantação no
Brasil das
pesquisas de
mercado de
natureza
psicológica.”
excelência de seus trabalhos quantitativos
dirigidos por Álvaro Marchi, estatístico e
pesquisador de altíssimo nível.
Ainda na década de 1960, teve início
o Instituto Gallup, sob a direção de Carlos
Matheus, intelectual e pesquisador de
escola. O Gallup cresceu rapidamente
disputando com a LPM o mercado na área
de pós-testes de comerciais de propaganda
pela televisão através da técnica do DAR
(Day After Recall). E, como o IBOPE,
passou a ter importante papel no
desenvolvimento de pesquisas de intenção
de votos, realizando, além disso,
importantes projetos ad-hoc e um estudo
omnibus nacional.
Encerra-se, assim, a década de 1960,
com um notável crescimento da pesquisa
de mercado no Brasil. Aos quatro institutos
iniciais – IBOPE, IPOM, INESE e
Marplan – se acrescentaram a LPM, Azzi,
Marchi e Instituto Gallup, numa indicação
de que a demanda por serviços de pesquisa
estava crescendo no Brasil.
Era o prenúncio da fase de consolidação, desenvolvimento e crescente
aceitação e utilização da pesquisa de
mercado que, começando na década de
1970, se prolongaria até os dias atuais.
Adendo
Os Livros Sobre Pesquisa de
Mercado publicados no Brasil na
Década de 1960
Em 1960, a McCann Erickson fazia 25
anos de Brasil. Em comemoração à data,
a importante agência lançou, pela Editora
Civilização Brasileira, o Livro Técnica e
Prática da Propaganda com o subtítulo
Princípios Gerais de Propaganda
segundo a experiência de uma agência
no Brasil.
Trata-se, como indica o título, de um
livro sobre temas e métodos da área
publicitária. O capítulo III, sob o título “A
pesquisa na propaganda”, é muito mais
abrangente do que diz o título. Trata de
pesquisa de mercado em geral, dedicando,
porém, parte expositiva de suas 30 páginas
especificamente à pesquisa da propaganda,
importante aplicação da pesquisa de
mercado. Esa foi a primeira matéria escrita
19
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
sistematicamente e com conhecimento de
causa por profissionais brasileiro sobre os
objetivos, natureza e métodos da pesquisa
de mercado.(1)
O capítulo foi escrito a duas mãos por
Alfredo Carmo e Dalton de Souza, ambos
da Marplan e teve a ajuda, segundo
informação de Dalton de Souza, de
Antonio Leal de Santa Inez, também
funcionário da Marplan.
A leitura da matéria, mais de 42 anos
após ter sido escrita, pode levar o leitor
moderno a ter hoje a impressão de que o
assunto foi tratado de forma superficial e
um tanto desconexa. Para a época, era um
trabalho pioneiro que teve o mérito de
apresentar pela primeira vez, de forma
sistemática, os métodos então em uso e
discutir temas candentes da matéria,
chamando a atenção para a fase que então
se vivia:
• “No Brasil, a designação genérica
pesquisa de mercado confunde-se com um
tipo específico de investigação: pesquisa
de consumidor ou pesquisa das
características de mercado. Não existe,
ainda, no Brasil, uma terminologia de
pesquisa fixada pelo uso ou consagrada
por convenções.” (2)
Estávamos na verdade vivendo no
Brasil uma época ainda inicial no
desenvolvimento da pesquisa de mercado
como instrumento de marketing. Não
obstante, os profissionais brasileiros, então
em pequeno número, procuravam
ensinamentos e orientação no que se fazia
no exterior, especialmente nos Estados
Unidos. O capítulo sobre pesquisa de
mercado do livro da MccCann-Erickson
contém a seguinte explicação básica da
diferenciação entre pesquisa qualitativa e
quantitativa.
• “Com a incorporação das técnicas
psicológicas ao sistema de métodos da
Pesquisa de Mercado, certos autores
procuram estabelecer dois grandes grupos
de pesquisa: pesquisas qualitativas e
pesquisas quantitativas.”
A parte final do capítulo, que trata de
pesquisa motivacional, advertiu os
profissionais e usuários de pesquisas de
mercado de natureza psicológica sobre a
necessidade de atenção redobrada aos
resultados:
• “Quando perguntamos “por quê,”
20
“Com a reintrodução da
discussão-de-grupo
e sua crescente
aceitação por
agências de propaganda e
anunciantes,
ganhou renovado
vigor a tendência
de crescimento da
pesquisa
qualitativa no
Brasil.”
estamos necessariamente convidando o
respondente a fazer um esforço
introspectivo. É provável que ele se
desobrigue da reconstituição dos motivos
recorrendo a fórmulas verbais, puramente
convencionais e estereotipadas. Nesse
caso, geralmente encontramos os mesmos
motivos justificando preferências
radicalmente opostas.”(3)
Muitos anos depois, já em 1986, dois
renomados pesquisadores levantaram a
mesma questão em artigo de grande
repercussão em que propunham o uso de
métodos facilitadores em discussões de
grupo, como meio de evitar conclusões
falsas à base, como dizia Alfredo Carmo,
de “formulas verbais convencionais e
estereotipadas”. Isto é, a qualidade da
informação depende em grande parte da
qualidade da técnica empregada na sua
obtenção. (4)
Excetuando-se o capítulo sobre
pesquisa de mercado, do livro da McCann,
nenhum outro havia sido publicado no
Brasil sobre a matéria até o inicio da
década de 1960. Os interessados e
profissionais da matéria e os professores e
alunos dos cursos de administração de
empresas bem como de marketing tinham
de recorrer às fontes estrangeiras, em geral
em inglês. Mas, já começava a se
desenvolver um mercado para publicações
em português.
Os pioneiros na edição de livros sobre
pesquisa de mercado no Brasil foram a
Fundação Getulio Vargas e a Livraria
Pioneira Editora, esta última sob a direção
de Enio Matheos Guazelli, editor
inteligente e dinâmico.
Num mesmo ano – 1964 – foram
publicados no país os dois primeiros livros
sobre pesquisa de mercado: pela Fundação
Getúlio Vargas, a tradução brasileira do
livro Marketing Research – Text and
Cases, de Harper W. Boyd e Ralph
Westfall, sob o título Pesquisa
Mercadológica, um grosso volume de 800
páginas na reedição de 1973; e pela
Livraria Pioneira Editora, a tradução do
livro de Max Adler, Modern Market
Research – A Guide for Business
Executives, sob o título A Moderna
Pesquisa de Mercado.
Pioneira do ensino e difusão do
marketing no Brasil, procurava a Escola
de Administração de Empresas da
Fundação Getulio Vargas, criada em 1951,
tradução adequada para os termos ingleses
usados pelos teóricos e profissionais de
marketing. O termo mercadologia passou
a ser usado como a tradução de marketing
e pesquisa mercadológica foi a tradução
encontrada para pesquisa de marketing.
A tradução do livro de Boyd e Westfall,
professores da renomada Escola de
Administração de Empresas da
Northwerstern University dos Estados
Unidos, feita pelos professores Afonso
Arantes e Maria Isabel Hoppi, ambos da
GV, é um trabalho de bom nível, o
contrário do que ocorreria mais tarde com
as traduções de vários outros livros sobre
a matéria em língua inglesa. A obra em si
era o que havia de melhor na época. Os
conceitos, métodos e técnicas são
apresentados de forma acessível, porém
sem nenhuma concessão à superficialidade, e complementados por grande
quantidade de histórias de casos que dão
vida aos fundamentos teóricos.
Atualizada para a época, Pesquisa
Mercadológica trata também das novas
tendências de então no desenvolvimento
da matéria e de suas aplicações práticas.
Quando publicado nos Estados Unidos na
década de 1950, estava na moda a pesquisa
chamada motivacional associada
principalmente ao psicanalista austríaco
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Ernst Dichter que, fugindo do nazismo em
1939, se estabelecera em Nova York de
onde realizava pesquisas à base de
pequeno número de observações e
entrevistas em profundidade, das quais
procurava extrair conclusões e
recomendações práticas para a propaganda
de produtos e para o marketing das
empresas.
Embora não dê destaque aos trabalhos
de Dichter, o livro de Boyd e Westfull
contém um substancial capítulo sobre
pesquisa motivacional em que são
discutidas as técnicas mais usadas,
inclusive as projetivas, assim concluindo:
“No transcorrer de anos futuros, esperamos
maiores progressos no uso desse tipo de
pesquisa que auxiliará a solução do velho
problema do motivo que leva o
consumidor a ter certo comportamento.”(5)
A expectativa seria cumprida, inclusive
no Brasil, com o repúdio ao “guruismo”,
que caracterizou importante parcela de
pesquisadores motivacionais, Dichter
inclusive. Importante mudança de ênfase
na década de 1960 levou à pesquisa
qualitativa nos moldes propostos pelos
eminentes cientistas e pesquisadores Paul
Lazarsfeld e Robert Merton, o primeiro
considerado por muitos como o principal
teórico das pesquisas psicológicas dos anos
1950 a 70, e “modelo” de Alfredo da Silva
Carmo, e o segundo, Robert Merton, que,
além de outras enormes contribuições
sociológicas, foi o introdutor na década de
1940 da técnica da “entrevista focada” e
da técnica da discussão de grupo, a
princípio designada como “entrevista em
grupo”.
A Pesquisa Mercadológica de Boyd
e Westfall foi importante no
desenvolvimento da pesquisa de mercado
no Brasil. Os professores da matéria, na
Escola de Administração de Empresas da
Fundação Getúlio Vargas, usaram-no como
livro de texto (eu próprio o fiz nos anos
em que dei cursos na Escola de
Administração de Empresas da Fundação
Getulio Vargas de 74 e 76) e também na
Escola Superior de Propaganda de 1956 a
1968), tendo dados ensejo a profissionais
e usuários e alunos de pesquisa a se orientar
e resolver dúvidas consultando seus
diferentes capítulos.
A Pesquisa de Mercado Moderna foi
escrito por Max Adler, de origem também
austríaca como Lazarsfeld, e professor na
Universidade de Manchester. O livro é um
volume pequeno (155 páginas na tradução
brasileira) que, como diz o subtítulo, não
apresentado na edição brasileira, se
propunha a ser “um guia para diretores da
empresa” (A Guide for Business
Executives). Mas, na tradução brasileira,
o objetivo foi explicitado: “Este livro surgiu
da necessidade de explicar pesquisa de
21
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
mercado ao número sempre crescente de
homens de negócios que a têm empregado
ou pensam empregá-la no futuro.”(6)
Escrito em linguagem acessível e bem
planejado. A Moderna Pesquisa de
Mercado, embora bem menos completo
que Pesquisa Mercadológica de Boyd e
Westfall, não recebeu no Brasil o
tratamento que merecia. A edição brasileira
não contém o índice de matérias do
original, omissão que priva os leitores de
um importante sinalizador para a leitura
em geral e a consulta de tópicos especiais.
O mais grave, porém, é a tradução. O
tradutor, senhor Oswaldo Chiquetto,
cometeu muitos erros primários que, com
freqüência, dificultam a leitura do texto.
Não obstante essas falhas, A Moderna
Pesquisa de Mercado foi muito útil para
profissionais, estudantes e executivos que
leram ou consultaram a obra. A discussão
inicial sobre pesquisa de mercado interna
é apresentada em termos muito
esclarecedores e adequados, e pode ainda
ser utilizada como ponto de referência para
a classificação dos tipos de pesquisa de
mercado segundo a origem das
informações. Em minhas aulas, tanto na
Escola Superior de Propaganda como na
Getulio Vargas, fiz uso da distinção. Temas
como amostragem e trabalho de campo são
tratados com propriedade, embora não
profundamente. À época em que o texto
foi escrito (1956), a pesquisa motivacional
não tinha ainda se propagado na Inglaterra.
Disse Adler: “Até aqui não se conhece uma
publicação sequer de um caso de pesquisa
de motivação neste país,”(7) omissão que
seria amplamente sanada nos anos
seguintes, tendo-se tornado a Inglaterra um
dos países de maior desenvolvimento da
pesquisa qualitativa. Adler faz uma crítica
à pesquisa motivacional da época
concluindo peremptoriamente, “.... a
pesquisa de motivação, pelo menos na sua
forma presente, não deve ser supervalorizada.”(8) É relevante um ponto
importante: o alto custo da pesquisa
motivacional, devido à remuneração
elevada que se devia pagar aos poucos
psicólogos e psicanalistas que se
dedicavam à especialidade. Mas isso não
se repetiria no Brasil quando a pesquisa
qualitativa ganhou raízes, a partir de
meados da década de 1960.
Referências bibliográficas
1
FERBER Robert, organizador, Handbook of Marketing Research,Mc Graw Hill Book Company, New York, 1974. P. 1-3-/1-15, capítulo sob o título “History and Development of
Marketing Research,” por Lawrence C. Lockley.
2
Em artigo sob o título “Alguns Subsídios Para a História da Propaganda no Brasil,” in Propaganda, Setembro de 1967, p. 18.
CONVERSE Jean M., Survey Research in The United States (1890-1960), University of California Press, Berkeley, 1987, p. 49. Este livro tem à pág. 152/153 um breve relato da
Pesquisa de Free no Brasil.
4
Revista Administração e Serviços, Junho, 1982.
5
GONTIJO, Silvana, A Voz do Povo O IBOPE DO BRASIL, Editora Objetiva, p. 220.
6
GONTIJO, Silvana, op. citada.
7
GONTIJO, Silvana,op. citada, p. 214/215.
8
GONTIJO, Silkvana, op. citada, p. 220.
9
CANTRIL, Hadley, The Pattern of Human Concern, Rutgers University Press, New Brunswick, 1965.
10
BARROS, Altino João de, “Uma Visão da Mídia em Cinco Décadas” capítulo de A História da Pesquisa da Propaganda no Brasil, Renato Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen,
Fernando Reis, organizadores, T. A Queiroz Editor, São Paulo, 1990, p. 130. Estas informações foram confirmadas telefonicamente por Dalton de Souza.
11
A bibliografia de Alfredo Carmo, na área da pesquisa de propaganda, compreende, além de outros, os seguintes estudos e artigos: “Pesquisa motivacional, criador de anúncios”,
Propaganda, agosto, 1956. “Criação e Pesquisa”, O Estado de S. Paulo, set., 1965; out. 03, 1965; out. 05, 1965; out., 10,1965. “Pesquisador não é cartomante”, Propaganda, março,
1972. “Testemunhal, humor e sexo”, Mercado Global, n.os 22/23, fevereiro/março, 1976. “A pesquisa castra a criação?”; Propaganda, 1980. “Tendências da pesquisa na propaganda”,
Propaganda, março, 1988.
3
Referências bibliográficas do Adendo
1
Devo à gentileza de Altino João de Barros e de Helena Quadrado o acesso a este capítulo.
Técnica e Prática da Propaganda, p. 60.
3
Ibid., p. 86.
4
SAMPSON, Peter e BHADURi, Monika. “Getting the Basics Right, Qualitative Data: Interpretation or Misinterpretation,” ESOMAR, Seminar On Qualitative Methods, Feb. 1986,
p. 29-71.
5
Boyd e Westfall, op. citada, p. 630.
6
Prefácio da 1ª Edição.
7
A Moderna Pesquisa de Mercado, p. 94.
8
Ibid, p. 97.
2
• Octavio da Costa Eduardo – Diretor do INESE, Instituto de Estudos Sociais e Econômicos, decano da pesquisa de mercado no
Brasil.
22
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
23
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
24
Ernesto Michelangelo Giglio
Martinho Isnard Ribeiro de Almeida
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Introdução
Considerar o valor para o consumidor nas estratégias tem sido ressaltado
na literatura. Como exemplo pode-se
citar o trabalho de KAPLAN (in
SZAFIR, 2000), que propõe um meio de
mensurar o desempenho das empresas,
incluindo essa perspectiva. Compreender
claramente o que os consumidores
consideram como valor e qualidade é
fundamental no estabelecimento das estratégias e um dos caminhos é realizar
entrevistas em grupo, como foi desenvolvido nesta pesquisa.
Existem várias definições de estratégia de valor, mas há um consenso de que
o termo significa colocar os valores dos
consumidores como a informação básica que orienta todas as decisões. A diferença entre os autores está no conceito de
valor. A palavra pode estar relacionada ao
aspecto financeiro (tal como o valor de
uma ação); ou ao valor de uma marca
(ainda no plano financeiro); ou ao valor
de uso (a funcionalidade de um produto);
ou ao valor de troca (na valorização de um
imóvel, por exemplo); ou ao valor
agregado (conjunto de características); ou
ao valor dos resultados obtidos (o elogio
de uma roupa).
Definições de
valor e a
proposta teórica
e metodológica
deste artigo
ZEITHAML (1988) afirma que o
valor refere-se ao julgamento sobre o que
foi recebido, enquanto MONROE (in
WOODRUFF, 1997) refere-se a uma troca de compensações entre a qualidade
dos benefícios percebidos no produto e
o sacrifício percebido para pagar o preço. Butz and Goldstein (in WOODRUFF,
1997) mencionam que valor para o consumidor é uma ligação emocional
estabelecida entre o consumidor e o for-
necedor depois que o consumidor utilizou um produto. Após fazer uma revisão
dos conceitos de valor para o consumidor, WOODRUFF (1997) propõe que a
expressão indica a percepção da preferência e avaliação de atributos de produto, atributos de funcionalidade e as
conseqüências de obtenção dos objetivos
e propósitos do uso do produto. São,
portanto, definições operacionais, mas
que não consideram as variáveis relativas ao relacionamento.
Autores como ZEITHAML (1988)
têm colocado que o valor parece designar um processo altamente pessoal e
idiossincrático, multidimensional e difícil de mensurar. Nesse mesmo texto de
ZEITHAML (1988:15), Holbrook afirma que a percepção de valor é
situacional e contextual, variando
inclusive em cada fase do processo de
aquisição. Afirma ainda Holbrook que
não existem instrumentos validados para
a pesquisa de criação de valor.
No presente artigo pretende-se demonstrar que é possível conhecer os valores dos consumidores e de outros participantes e que tal conhecimento é o
caminho para a construção de estratégias
de definição de produto e atendimento no
ramo imobiliário. Secundariamente
pretende-se mostrar que a técnica de
análise de conteúdo, quando aplicada a
uma proposta de estratégia de valor para
consumidores do ramo imobiliário, é um
instrumento válido que contribui para a
revelação destes valores, podendo substituir com vantagens ferramentas tradicionalmente utilizadas, tais como mapa
BCG, matriz SWOT, matriz G.E.
(KOTLER, 2000).
O desenvolvimento
de uma estratégia
de valor
A revisão da literatura sobre estratégia e mais especificamente sobre estratégia de valor (PORTER, 1989; F
ISCHMANN, 1991; MCKENNA, 1993;
MINTZBERG, 2000; KOTLER, 2000)
mostra que há um consenso sobre a
seqüência da construção da mesma,
conforme se vê na figura 1 seguinte. A
figura mostra que os valores dos consumidores só entram no circuito ao final de todo o processo, na etapa de satisfação.
Estratégia de valor
Comprador
Empresa
Expectativas
Estratégia, missão,
valores, objetivos
Análise de ameaças
e oportunidades
Definição da
estratégia do produto
Configuração dos
produtos e serviços
Compra
Formas de
relacionamento
Vendas
Valores na satisfação
Figura 1 – Seqüência de um modelo de desenvolvimento de estratégia de valor, a partir do padrão encontrado em FISCHMANN
(1991), com os termos adaptados pelos autores.
25
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Utilizando a definição
de Butz and Goldstein (in
W O O D R U F F, 1 9 9 7 ) j á
mencionada, construiu-se
um modelo que acompanha
os valores dos consumidores ao longo do processo de
desenvolvimento da estratégia e agrega as variáveis
dos vendedores na interrelação com os valores dos
consumidores. A satisfação
do consumidor é colocada
como o resultado deste
conjunto de inter-relações
de valores O novo desenho
pode ser visto na figura 2.
Conforme se observa
no modelo da figura 2, os
valores estão presentes entre os participantes, nas
Antecedentes do relacionamento
Consumidor
Vendedor
Empresa
Valores nas expectativas
Valores nas expectativas
Estratégia atual,
missão, valores,
objetivos
Valores nas
representações
sociais
Valores nas
representações sociais
Análise dos valores e
ameaças
e oportunidades
Momento do relacionamento e da compra
Comportamento de
compra
Valores na qualidade
de relacionamento e na
qualidade de produto
Definição da
estratégia de valor
para o consumidor
Comportamento de
venda
Configuração dos
produtos e serviços
Realimentação da
implementação da
estratégia de valor
Pós-compra e uso
Indicadores:
- Reclamações
- Propaganda
- Recompra
Valores na satisfação
sobre o produto e o
atendimento
Figura 2 – Proposta de um modelo construído pelos autores, mostrando as relações entre os valores dos consumidores, os
valores dos vendedores e a estratégia de valor da empresa.
26
várias etapas de consumo. Uma das
contribuições do modelo, baseado em
PARASURAMAN (1985), é a afirmativa de que as expectativas e representações sociais dos fornecedores também são importantes para a qualidade
do atendimento e, portanto, para o resultado final de satisfação do consumidor.
A seqüência da estratégia está fundamentada no modelo em etapas de
ENGEL (2000) e contribuições e
adaptações de outros autores
(GIGLIO, 1998). Segundo esse
modelo, o processo de procura,
compra e uso de produtos e serviços
segue uma seqüência. A proposta é
que essa seqüência seja utilizada
como base da criação da estratégia de
valor para o consumidor.
As expectativas referem-se a planos sobre o futuro, que podem conter
valores. Por exemplo, a expectativa
de proporcionar qualidade de vida
aos filhos, comprando uma casa na
praia, tem implícito o valor de que o
patrimônio é que traz a qualidade de
vida.
As representações sociais são construções sobre a realidade social, que também contém valores que existem tanto
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
individualmente, como coletivamente.
Por exemplo, a imagem de um consumidor sobre o corretor de imóveis pode
ser influenciada pelos valores sociais de
que todo vendedor é uma pessoa insistente e chata.O conceito de representação social vem de MOSCOVICI (1988).
Para o conceito de qualidade
de relacionamento e qualidade de
produto utilizam-se os modelos de
PARASURAMAN (1985), mais voltado
para os serviços, e de COHEN (1980),
mais voltado para a negociação. Em
ambos os modelos aparecem algumas categorias que são utilizadas pelo consumidor para construir sua noção de qualidade, tais como confiança no vendedor
e na empresa, qualidade da comunicação, segurança transmitida, conhecimento do vendedor, uso do tempo. Todas
essas variáveis têm valores implícitos
que influenciam o resultado final de
satisfação do consumidor. A clareza da
comunicação, por exemplo, tem uma
componente objetiva, quando um corretor informa qual o preço de um imóvel;
mas também tem uma componente
subjetiva: um valor, quando o consumidor
não acredita nas informações do corretor,
pois tem uma imagem negativa sobre esta
categoria profissional.
Durante a negociação, portanto, o
julgamento sobre a qualidade de um produto é o resultado da avaliação do consumidor sobre as expectativas que o produto pode satisfazer; bem como sobre as
representações nele colocadas, enquanto o produto está sendo apresentado e
negociado. Por exemplo, acompanhamos
a compra de um apartamento de 3 dormitórios realizada por um casal de noivos, que valorizava o número de quartos
em função de expectativas que tinham
sobre o futuro; mas, ao mesmo tempo,
tinham imagens negativas sobre o bairro
(“é só residência, não tem diversão e é
muito perto do Rio Pinheiros”). Após a
compra e uso do produto, esses valores
serão novamente utilizados para a
conclusão sobre a satisfação.
Já o julgamento da qualidade do relacionamento é o resultado da avaliação do
consumidor sobre as expectativas criadas
sobre o atendimento, bem como da
confirmação, ou não, das representações
sociais sobre ele construídas. Ainda no
exemplo anterior, o casal imaginava que
o atendimento de um corretor era algo
extremamente irritante, mas se surpreenderam com a jovialidade da atendente e
sua cultura geral.
Para o conceito de Satisfação do consumidor utiliza-se o modelo de
PARASURAMAN (1985) e o
modelo de WOODRUFF
(1997). O primeiro tem seu ponto básico nos processos comparativos que o consumidor realiza
entre o que esperava obter (produto + atendimento) e o que percebe estar obtendo. O segundo
tem seu ponto básico nas respostas finais do consumidor após a
posse do produto, indicativas de
sua (in) satisfação, tais como indicação para outras pessoas,
reclamações, recompra, cancelamento, propaganda.
Va l o r ,
portanto, no
modelo proposto, é um
dos componentes da
qualidade, que se cria e se modifica em
vários processos de interação entre o
consumidor e outros participantes do
negócio, o que influencia na construção
da satisfação do consumidor. Para
investigar essa afirmativa, realizou-se
uma pesquisa com um grupo de gerentes
de vendas de imobiliárias, analisando-se
o discurso pela técnica de Análise de
conteúdo.
O mercado
imobiliário
Escolheu-se esta área de negócios
por ser um campo em que os autores
vêm refletindo e trabalhando há alguns
anos. Além disso, o negócio
imobiliário reveste-se de algumas
características peculiares. Do lado das
construtoras, por exemplo, tem-se
verificado um processo empírico na
tomada de decisão sobre um novo
produto. A equação mais utilizada é:
se o último deu certo, então este também dará. Do lado da imobiliária, responsável pela venda e atendimento,
tem- se verificado uma padronização
nos serviços, sem o uso mais profundo
dos princípios de segmentação e
diferenciação de produto.
O ramo imobiliário residencial
aloca volumosos recursos das
empresas e das pessoas envolvidas, às
vezes por muitos anos. Esta situação de
multiplicidade e complexidade de
variáveis coloca o mercado de imóveis
como altamente influenciado pelas
políticas econômicas e trabalhistas do
País, bem como pelas crenças e valores
dos consumidores. Segundo dados do
Secovi (Sindicato das Empresas de
Construção Civil) e de profissionais da
área, em situações de crise, como
mudança de moeda, esse ramo de
negócios é um dos primeiros a ser afetado e um dos últimos a se recuperar.
Para atender aos consumidores, o
mercado imobiliário brasileiro é composto de 150 mil corretores; 30 mil imobiliárias cadastradas. Só no Estado de
São Paulo, são 50 mil corretores e 19
mil imobiliárias. Esses dados indicam a
importância econômica e social do ramo
27
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
imobiliário, bem como a validade de se
realizar pesquisas na área.
Metodologia da
pesquisa
O fenômeno da compra de um
imóvel implica em confrontar-se com a
diversidade e complexidade do comportamento das pessoas. O desenho do modelo proposto mostra linhas de junção que
correm nos dois sentidos, indicando um
fenômeno mais apropriadamente
abordado pelos métodos sistêmicos do
que pelos métodos causais. O sistemismo
aceita, e até coloca como condição para o
estudo dos fenômenos, que existam relações recíprocas. Outra característica é que
o sistemismo não separa pessoa e grupo,
pois são considerados níveis diferentes do
mesmo fenômeno (o sistema).
Uma das técnicas que possibilita trabalhar os dados de pesquisa nas duas dimensões
(pessoa e grupo) é a Análise de Conteúdo,
conforme definida por BARDIN (1977). A
aplicação dessa técnica permite analisar todas
as formas em que aparecem as representações
sociais, tais como romances, fábulas, considerações, argumentos científicos, notícias,
documentários, opiniões.
28
Desenho da
pesquisa
Conforme se observa na figura
2, as variáveis do modelo são
qualitativas, o que leva a técnicas
também qualitativas. Utilizou-se a
técnica de análise de conteúdo, conforme
definida por BARDIN (1977:42): “um
conjunto de técnicas de análise das
comunicações, visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos, ou não) que
permitam a inferência
de conhecimentos
relativos às condições
de produção/recepção
(variáveis inferidas)
destas mensagens”.
Para investigar a
proposta da estratégia
de valor apresentada,
realizou-se uma pesquisa com um grupo
de 10 gerentes de
vendas de uma imobiliária. Os sujeitos
do grupo tinham
características homogêneas, já que
eram todos gerentes de vendas de
lançamentos imobiliários; trabalhavam
na mesma empresa há alguns anos e
todos já foram corretores. Para início
da dinâmica, colocou-se o seguinte
tema geral: Se vocês tivessem uma
empresa, uma construtora, uma imobiliária, vocês fariam alguma mudança nesse esquema de lançamento
de imóveis, ou funciona dessa
maneira?
Na técnica de grupo focado, coloca-se uma questão inicial básica e dirige-se a discussão para as variáveis
do modelo. Pelo relato dos sujeitos
procura-se levantar as categorias referentes ao fenômeno em estudo e criamse interpretações sobre possíveis relações entre elas. O objetivo é
exploratório, investigando quais categorias aparecem e que relações podem
ser criadas entre elas (em análise de
conteúdo utiliza-se a palavra categoria como equivalente a variável).
Para a interpretação dos dados fazse uma análise temática, buscando-se
inferir as variáveis no discurso todo, nos
parágrafos, nas frases, nas expressões
lingüísticas. Basicamente, trata-se de
uma inferência dos significantes para os
significados (ou do manifesto para o latente). Alguns estudos utilizando a téc-
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
nica de análise de conteúdo (HOLSTI
in BARDIN, 1977:138; SPINK: 1993)
têm validado os processos de inferências
sobre atitudes e valores.
Apresentação e
Análise dos dados
da pesquisa
realizada
considerados valores da empresa (ou
seja, dos acionistas, diretores); nem de
grupos sociais envolvidos (família, sindicato da categoria) e nem de empresas
co-participantes (diretores de concorrentes, prestadores de serviços tais como
agências de propagandas).
c. Elaboração dos indicadores
Os indicadores de satisfação estão
explicitados no desenho da pesquisa, na
figura 2.
Seguindo a seqüência proposta para
apresentação dos dados de uma análise
de conteúdo, chegamos aos seguintes
pontos:
d. Regras de recorte,
categorização, codificação
a. Formulação das hipóteses e
dos objetivos
A técnica de recorte, categorização e
codificação do material é a análise
temática, ou seja, o recorte é realizado
por assunto e não por seqüência.
A afirmativa central é de que os
valores dos participantes de um encontro
de negociação imobiliária estão presentes
nas quatro etapas do processo (nas expectativas, nas representações sociais, na
negociação e na satisfação) e são
variáveis importantes na definição de
estratégia de valor, cujo fim é a satisfação
do consumidor.
b. Dimensão e direções da
análise
Na pesquisa apresentada, não foram
e. Administração das técnicas
sobre o corpus
As frases do quadro 1 seguinte são
uma amostra dos temas que surgiram na
discussão do grupo. Os temas principais
foram: os modelos de venda (focado no
atendimento x focado na técnica x focado
na persuasão); as variações do mercado
(consumidores exigentes; competição
acirrada); falhas nos serviços das construtoras e imobiliárias (plantões
desconfortáveis; qualificação dos corretores, serviços de venda e pós-venda); futuro da profissão de corretor (o
relacionamento vai-se tornar
cada vez mais importante, as mulheres estarão dominando).
Sobre os modelos de venda, um
subgrupo afirma que o corretor deve ser
treinado para vender para
outro deve ser treinado
para atender. Os que defendem
que o principal é vender afirmam que
a venda em lançamento é imediata, impulsiva, emocional e não adianta se preocupar em atender o consumidor, pois isto
até traria problemas. Como argumentos
para esta última posição colocaram
que o mercado é muito
concorrido e que se deve tentar
conquistar a venda logo no primeiro
encontro. “Se o consumidor for a
Quadro 1 – Algumas
frases que ilustram
os temas surgidos
no grupo
“o consumidor não é mais
bobo, o mercado imobiliário
teve problemas e alertou o
consumidor e isto dificultou
o trabalho do corretor”
“os corretores antigos estão morrendo no mercado”
“o corretor de lançamento cria sonhos de situações
futuras para o visitante, esta
é a sua função”
“consumidor não gosta
de corretor pegajoso”
“as mulheres corretoras
vendem mais que os homens, porque sabem criar
um carisma”
“a situação é muito simples: o corretor de usados
obtém um consumidor e
vai atrás do produto e o
corretor de lançamento
obtém um produto e vai
atrás do consumidor”
outro plantão, já se perdeu a venda.” Os
defensores da outra posição afirmam que
o principal é conhecer o consumidor e o
produto que ele busca. Como argusmentos, os participantes colocam
situações presenciadas por eles, sobre
consumidores que decidiram pela
compra por terem sido bem atendidos e
compreendidos nos seus desejos.
Claramente são posições distintas
entre persuadir o consumidor sobre a
qualidade do produto, ou buscar situações futuras em que suas expectativas são
satisfeitas, cada uma das quais com valores implícitos. No modelo de venda,
por exemplo, aceita-se que o consumidor pode ser persuadido (é um valor, um
julgamento do vendedor sobre o consu-
29
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
midor, que influencia a forma de negociação e a satisfação final).
Essa questão sobre o modelo de venda esteve presente durante toda a reunião
e pode-se resumi-la em três posições
básicas:
• Um subgrupo defende que o atendimento é um momento de persuasão, já
que a compra de um imóvel na planta é
emocional, é impulsiva. Chamamos esse
modelo de persuasão.
• Outro subgrupo defende que o atendimento é um momento de esclarecimento do produto, uma vez que o consumidor já sabe qual produto está procurando. Chamamos este modelo de técnico.
• Numa terceira posição, outro
subgrupo defende que o atendimento é o
momento do relacionamento, de conhecer o consumidor e criar um vínculo dele
com o corretor e a empresa. Chamamos
esse modelo de relacionamento.
Outro tema debatido foi a questão da
qualificação do corretor de imóveis em
lançamento e de imóveis usados. Um
participante definiu operacionalmente a
questão do corretor de lançamento e do
corretor de usados: o corretor de usados
obtém um consumidor e vai atrás do
produto e o corretor de lançamento obtém
um produto e vai atrás do consumidor.
Um dos gerentes definiu que o corretor
de lançamento tem a importante função
de propiciar ao consumidor visões de
futuro no uso do imóvel, transportandoo para uma situação em que a pessoa vive
o futuro naquele imóvel.
Outro tema tratou das reclamações
(que é um dos indicadores de satisfação).
A discussão girou ao redor da falta de um
preparo de pós-venda, tanto das imobiliárias, quanto das construtoras. Concordam todos que deveria haver um pósvenda ainda na imobiliária, o que traria
mais consumidores para as empresas
participantes. O conjunto de falas indica
que o grupo tem consciência da falta de
ações de relacionamento, nas quatro
etapas do processo de consumo, mas, por
motivos políticos e falta de visão, tudo
fica na mesma.
Estes foram os temas principais encontrados no discurso do grupo.
30
f. Inferências e interpretações
dos dados
Analisando-se o conteúdo do discurso, verifica-se que o grupo discute o tema
dos modelos de atendimento, mas não
discute os valores dos pressupostos de cada
um deles. No modelo de persuasão, por
exemplo, pode-se perguntar por que
alguém teria que persuadir um outro
alguém a comprar um imóvel? A persuasão não está mais estreitamente relacionada a negócios que não são procurados, tais
como seguros de vida e jazigos? Ou uma
pergunta mais básica: é possível persuadir
alguém num item de compra tão importante
quanto um imóvel? Esses raciocínios
lógicos não estiveram presentes.
Nas figuras 3, 4, 5, que são divisões do
modelo proposto, são apresentadas as interpretações sobre o discurso do grupo.3 A figura 3
refere-se à parte dos antecedentes do atendimento; a figura 4 à qualidade de atendimento e a
figura 5 aos resultados de satisfação.
Na figura 3 percebe-se que sobre as
expectativas dos consumidores não
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
houve consenso sobre sua origem e importância. As expectativas dos corretores não foram comentadas. Sobre as
representações sociais dos consumidores sobre os corretores, os comentários
convergiram para uma visão que ainda
tem mais aspectos negativos. Sobre as
representações sociais dos corretores
sobre os consumidores, o grupo
convergiu na afirmativa de que os corretores devem-se livrar de pressupostos, pois cada consumidor é diferente.
Sobre a qualidade de atendimento, na
figura 4, existiram três posições básicas. O
modelo de persuasão foi o dominante na
discussão e o modelo de relacionamento
apareceu como uma alternativa ao novo
consumidor exigente.
Na figura 5, sobre a satisfação do consumidor, objetivo final de todo o modelo,
surgiram poucos comentários. O foco esteve no pós-venda, com falhas nos serviços
de acompanhamento.
A análise do conteúdo latente (incluindo manifestações corporais e verbais,
presentes no vídeo e no áudio) mostra
que a posição do modelo de persuasão é
o dominante e que o modelo de relacionamento é o alternativo. O modelo de
Antecedentes do relacionamento
Vendedor
Empresa
Valores nas expectativas:
– não comentado
Estratégia atual,
missão, valores,
objetivos
Valores nas
representações sociais:
– o maior problema hoje é
a qualificação do corretor;
o corretor deve-se
preparar em vários
campos
– o corretor, por vezes, só
está interessado na venda
– o corretor não pode
prejulgar as pessoas
Análise dos valores e
ameaças
e oportunidades
Comprador
Valores nas expectativas –
– eles são concretos,
querem estar no local;não
adianta outra forma
– já sabem o que querem
x são compulsivos
Valor nas representações sociais:
– consumidor não gosta
de corretor pegajoso
– eles têm conhecimento sobre o assunto;são
impulsivos, compram
pela emoção
Figura 3 – Os resultados da análise de conteúdo colocados na primeira parte do modelo proposto, os antecedentes do
relacionamento.
persuasão foi defendido pelos gerentes
com maior tempo de profissão e com
maior liderança no grupo. Estes próprios
gerentes, no entanto, afirmam que o cor-
retor da venda está morrendo.
O modelo de relacionamento foi criticado pelos opositores, afirmando que
Momento do relacionamento e da compra
Valores na qualidade de relacionamento e na qualidade do produto
Houve uma divisão entre 3 modelos de atendimento:
a. atendimento como persuasão – criar um estado de prontidão para a compra; as
variáveis mais importantes são: gerar empatia, segurança, credibilidade
b. atendimento como detalhamento do produto e dos processos de aquisição– as
variáveis mais importantes são: clareza de comunicação, conhecimento profundo
do produto, segurança gerada quanto a adequação do que se busca e o produto
oferecido
c. atendimento como relacionamento – criar um vínculo entre as partes, de tal maneira
que o consumidor torne-se cliente e vendedor do corretor; as variáveis
importantes são: clareza da comunicação, empatia, credibilidade, segurança,
imagem
Definição da
estratégia de valor
para o consumidor
Configuração dos
produtos e serviços
Realimentação da
implementação da
estratégia de valor
Comentários sobre as variáveis:
Clareza da Comunicação entre as partes: os participantes não informam tudo que
poderiam
Conhecimento das partes: corretor deve dominar vários campos
Empatia gerada entre as partes; Credibilidade gerada no consumidor; Segurança
gerada no consumidor; Imagem gerada entre as partes: não comentadas
Jogos de poder: clara divisão conforme os dois modelos acima
Tangibilidade do serviço: o plantão deve ser confortável
Temas de conflito:
• pressionar para vender x criar um relacionamento
• cliente não gosta de corretor pegajoso x ele quer ficar livre depressão
• corretor deve transportar a pessoa para o futuro naquele imóvel x tratar dos
aspectos do presente
Figura 4 – Os resultados da análise de conteúdo colocados na segunda parte do modelo proposto, ou seja, o momento do
relacionamento e da compra.
31
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
o negócio de lançamento de imóveis caracteriza um encontro mais fortuito e
menos duradouro entre os compradores
e vendedores. Assim, argumenta-se que
seria inútil tentar construir um relacionamento. Aparentemente a crítica é sustentável, quando se considera a negociação
presente, porém, num horizonte
estratégico (isto é, de longo prazo) a crítica torna-se menos sustentável, já que na
maioria das definições sobre orientação
ao consumidor encontra-se a afirmativa
de que se deve trabalhar para as futuras
negociações e não só para a presente.4
Os autores consideram que o fato de
esse tema ter sido o central (sem
estimulação) mostra que os modelos de
venda nesse negócio encontram-se numa
situação de mudança, ou pelo menos de
discussão. Os gerentes mais experientes
defendem o modelo de persuasão. Alguns, por sua formação técnica, defendem um modelo de explicação do produto e outros, que se colocam como mais
de vanguarda, defendem o modelo de
relacionamento.
Pela discussão e pelo conteúdo, considera-se que o modelo proposto, que
defende o relacionamento, foi justificado, isto é, ele se coloca como uma posição defensável, com seguidores.
Conclusões
Uma das conclusões desta pesquisa é
que existe uma divisão de modelos
mentais sobre as táticas de atendimento,
o que leva a estratégias pouco refletidas e
pouco esclarecidas no ramo imobiliário.
Os modelos mentais são pressupostos
sobre os fenômenos, mediados por valores, que acabam influenciando as decisões
sobre como abordar o próprio fenômeno.
No objeto de estudo deste trabalho, o fenômeno em questão é a satisfação do consumidor no ramo imobiliário e a ação básica consiste no atendimento. Os pressupostos partem de dois pontos básicos,
mutuamente exclusivos: o poder e a persuasão estão com o corretor x o poder e a
persuasão estão com o consumidor. Essas
posições iniciais criam outros pressupostos, que se encadeiam até chegar ao
modelo de atendimento.
32
Pós-compra e uso
Indicadores:
- Reclamações
- Propaganda
- Recompra
Valores na Satisfação Valores na satisfação do consumidor:
Sobre o produto: não comentado
Sobre o relacionamento:
são raras as reclamações
de mal atendimento
Sobre compra, ou proposta: a imobiliária deixa a
pessoa abandonada com
a construtora, depois da
venda; deveria haver um
serviço de pós venda
Resultado sobre fidelidade, ou rejeição da empresa
e participantes: a imobiliária não faz pós venda, por
isso não desenvolve clientes fiéis.
Resultados sobre fazer propaganda: um bom pós-venda transforma o comprador
em vendedor da empresa.
Realimentação da
implementação da
estratégia de valor
Figura 5 - Os resultados da análise de conteúdo colocados na terceira parte do modelo proposto, no pós-compra.
Esquematicamente os modelos mentais poderiam ser resumidos como no
Quadro 2 seguinte.
Afirma-se que os dados desta pesquisa são esclarecedores no sentido de mostrarem uma mudança de paradigma do
negócio. Para uma boa parte dos gerentes, o corretor ainda desempenha só o
papel de vendedor porque existe deman-
da; pouca concorrência e o consumidor
pode ser influenciado. É este quadro que
parece estar mudando, pelo menos no
mercado em São Paulo. Os consumidores já não estão submissos e passivos
como em décadas anteriores, tendo conhecimento e exigindo atenção, conforme se verifica em trabalhos anteriores
(GIGLIO, 1998). Hoje é comum que o
Quadro 2 – Os modelos mentais sobre o atendimento, numa pesquisa
em grupo, com gerentes de imobiliárias.
Modelo persuasão
Modelo técnico
Modelo relacionamento
Poder está com corretor
Poder está com consumidor
Poder está com consumidor
Consumidor não sabe o que
quer
Consumidor sabe o que
quer
Consumidor sabe o
que quer
Consumidor está pronto
para compra
Deve-se criar uma prontidão
para compra, ou facilitar
quando já estiver pronto
Deve-se criar uma prontidão
para a compra
Corretor deve pressionar
para vender
Corretor deve ser técnico e
vender
Corretor deve ser
prestador de serviço
Consumidor pode ser
influenciado
Consumidor não pode ser
influenciado
Consumidor pode ser
influenciado
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
consumidor conheça mais sobre o mercado do que o próprio corretor, que nem
sempre tem uma boa idéia dos produtos
concorrentes.
Pode-se também afirmar que as táticas das imobiliárias, baseadas em orientações de vendas, estariam sendo forçadas (pelos consumidores, pelos concorrentes) a construírem novas formas de
atuação (por exemplo, valorizando o
relacionamento com o consumidor) o que
exigiria uma nova orientação.
Em vista dos dados até agora analisados, acreditam os autores que o modelo e a ferramenta propostos colocam-se
como uma alternativa de desenvolvimento de estratégia de produto e atendimento, com uma orientação voltada ao consumidor. Conforme se verifica na figura
2, a adoção dessa estratégia exige mudanças na estrutura e dinâmica das empresas e nos modelos de atuação dos
participantes.
Uma dessas mudanças, por exemplo,
seria formar equipes de trabalho desde o
início da concepção do produto. Como a
proposta é de uma equipe (das empresas
participantes) que aprende ao longo do
desenvolvimento da estratégia, concluise que o modelo proposto leva à
necessidade de as empresas organizaremse em matrizes complexas, para o
gerenciamento dos produtos e do relacionamento. Essa conclusão está coerente
com a literatura atual sobre estruturas de
empresas (VASCONCELLOS, 1997),
apoiando o modelo.
Em termos metodológicos, a pesquisa mostrou que o uso de técnica de grupo e análises de conteúdo é apropriado
quando se lida com fenômenos considerados complexos, conforme definição de
complexidade dada por MORIN (1991)
e considerados sistêmicos, conforme
definidos por SENGE (1990). A pesquisa focou nas relações entre os gerentes
(representando as empresas), os vendedores e os consumidores, investigando
como estas relações influenciam a qualidade do atendimento e a satisfação do
consumidor.
A técnica de análise de conteúdo mostra ser uma ferramenta fundamental para
a estratégia de valor para o consumidor,
já que a interpretação dos valores, em al-
guns pontos do processo, só é possível a
partir do discurso de pessoas. Aliando essa
técnica com a ferramenta de passos de
pesquisa de valores que foi construída
pelos autores, acredita-se que se tem um
novo instrumento de desenvolvimento de
estratégias, além dos tradicionais já mencionados ao início.
Assumindo os princípios do
sistemismo, principalmente a relação
entre o funcionamento do sistema e seu
objetivo; foi possível analisar que existem dois objetivos últimos em jogo nos
encontros entre compradores e vendedores do ramo imobiliário. Num deles,
acredita-se que o objetivo assumido pelas partes é a realização da compra.
Nesse modelo o corretor é um vendedor,
que utiliza técnicas de persuasão. Num
outro sistema, o objetivo último
assumido pelas partes é a realização de
um serviço, calcado num relacionamento
de confiança, que possibilite ao
comprador esclarecer-se sobre qual o
melhor produto para suas expectativas.
Nesse modelo, o corretor é um prestador
33
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
de serviço, que utiliza técnicas de
relacionamento.
Os sistemas, porém, não são assim
tão claramente definidos, por isso é necessário utilizar alguns princípios da
complexidade, conforme definidos por
MORIN (1991). O principal deles refere-se ao indeterminismo e
imprevisibilidade do comportamento
humano. Implica em dizer que, apesar
de algumas linhas mestras de desenvolvimento de estratégia, ela mesma deve
ser continuamente realimentada com
dados da realidade, para ir se ajustando.
É exatamente o princípio da escola clássica de aprendizagem (MINTZBERG,
2000).
Em termos práticos, pretende-se oferecer um instrumento de criação de estratégia de desenvolvimento de produtos; qualidade de atendimento e obtenção de consumidores satisfeitos no ramo
imobiliário. Para sua utilização, é necessário realizar algumas mudanças nas
relações de trabalho das empresas, criando unidades de negócios e equipes de
trabalho; nas táticas de capacitações
humanas (por exemplo, treinando e
motivando os vendedores); nos processos de decisões sobre os produtos (por
exemplo, criando participações dos possíveis compradores) e nas formas de
atendimento aos consumidores (por
exemplo, desenvolvendo novos
paradigmas de negociação).
A estratégia, portanto, propõe uma
mudança no paradigma de decisão de
produto no ramo imobiliário, normalmente orientado para o empirismo, seguindo padrões de senso comum e cópias de sucessos anteriores, sem a participação dos consumidores, ou vendedores.
O modelo também sugere
alterações no paradigma de atendimento. Isso incluiria a parte física (os
plantões de venda são locais
desconfortáveis, o que altera a
disposição física e emocional do
visitante) e os objetivos e expectativas
sobre os corretores (corretores pressionados por um sistema de vendas que
os obriga a atuar na base da persuasão,
acabam reforçando as imagens negativas que existem sobre estes profissionais).
Como ficou claro na análise, o modelo é sustentado pelos dados, mas
pode ser ampliado e deve ser testado
de outras formas, por exemplo, com
um grupo de consumidores.
Uma outra pesquisa interessante e
necessária poderia focar a questão dos
recursos humanos na área imobiliária.
Conforme se viu, há reclamações e
pressões sobre gerentes e corretores;
premia-se basicamente a venda e não
a satisfação do consumidor. Entrevistas em profundidade e grupos com
corretores poderiam trazer mais
informações e ajustes ao modelo.
Referências bibliográficas
1. BARDIN, L.Análise de Conteúdo, tradução Luís Antero Reto, Lisboa, Edições 70, 1977
2. COHEN, H. Você pode negociar qualquer coisa, tradução Siu Ching Han, 5a. ed, R. Janeiro, Record, 1980
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5. GIGLIO, E. Um Estudo exploratório sobre as representações sociais presentes no processo de decisão de compra de imóvel, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Faculdade de Economia e Administração, 1998
6. KOTLER, P. A Administração de Marketing: a edição do novo milênio, tradução Bazan Tecnologia e Lingüística, São Paulo, Prentice Hall, 2000
7. MCKENNA, R. O marketing de relacionamento, tradução Outras Palavras Consultoria Lingüística, Rio de Janeiro, Campus, 1993
8. MINTZBERG, H. Safári de Estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico, tradução Nivaldo Montingelli, Porto Alegre, Bookman, 2000
9. MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo, tradução Dulce Matos, Lisboa, Instituto Piaget, 1991
10. MOSCOVICI, S. “Notes towards a description of social representations”, European Journal of Social Psychology, v. 18, 1988
11. PARASURAMAN, A; ZEITHAML, V; BERRY, L. A conceptual model of service quality and its implications for future research, Journal of Marketing, v.49, fall, 1985, p 41-50
12. PORTER, M. Vantagem Competitiva, tradução de Elizabeth Maria do Pinho Braga, 3a.ed, Campus, 1989
13. SZAFIR- GOLDSTEIN, C. O conceito de valor percebido: um estudo de caso na indústria de papel e celulose sobre a utilização da percepção dos consumidors sobre o produto;
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Administração da USP, São Paulo, 2000
14. VASCONCELLOS, E; HEMSLEY,J. Estrutura das organizações, 3a. ed, São Paulo, Pioneira, 1997
15. WOODRUFF, R.B. “Customer Value: The next source to competitive advantage”; Journal of The Academy of Markteting Science, v. 25, n.2, 1997, p. 139/ 153
16. ZEITHAML, Valarie A. “Consumer perceptions of price, quality and value: a means-end model and synthesis of evidence”, Journal of Marketing, New York; Jul 1988; v. 52, Iss.
3; pg. 2/23
Notas
1 Por uma questão de espaço, deixamos de publicar a íntegra do discurso do grupo, o que demandaria aproximadamente 14 páginas e passamos a apresentar diretamente as
interpretações.
2 Ainda sobre esse argumento, vale lembrar que é comum os corretores entrarem em contato com consumidores que atenderam num plantão, para oferecerem outros produtos,
continuando, portanto, o relacionamento.
Ernesto Michelangelo Giglio – Professor da ESPM e da PUC-São Paulo, consultor de empresas do ramo imobiliário
Martinho Isnard Ribeiro de Almeida – Professor da FEA-USP, consultor de empresas
34
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Os desafios
estratégicos
de um programa
de fidelização
em franquias
36
Thelma Rocha
Fabiane Moraes
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Introdução
Conforme aponta a Associação Brasileira de Franchising, o franchising tem
crescido continuamente nos últimos anos
(20% ao ano), fazendo do Brasil hoje o 3.º
maior país franqueador do mundo, atrás
somente dos EUA e Japão. Atualmente, o
Brasil conta com cerca de 600 empresas
que franqueiam e aproximadamente
53.000 pontos-de-vendas em todo o Brasil
nos mais diversos segmentos.
Com faturamento anual na faixa de R$
25 bilhões em 20011 , o franchising atrai o
empresário que deseja promover uma
expansão de seus negócios, sem precisar
investir muito. Por outro lado, seduz todo
aquele que sonha em ter seu negócio próprio,
que muitas vezes perdeu seu emprego, e opta
pela segurança e pelas vantagens de trabalhar
com uma marca conhecida.
O franqueador é a empresa detentora
da marca, que idealiza, formata e concede a franquia do negócio ao franqueado
que é uma pessoa física ou jurídica, que
adere à rede de franquia.
A essência do franchising está na
parceria, e o sistema tem alcançado elevados índices de êxito em diversos ramos de atividade, com destaque ao setor
de alimentos, onde o McDonald’s é o
maior franqueador do mundo.
Como conseqüência dessa expansão
do franchising, a concorrência entre as
franquias também tem aumentado. Nos
shoppings centers, as franquias de perfumes nacionais enfrentam lado a lado
a concorrência internacional, ficando o
desafio estratégico de como criar um
diferencial para seus clientes.
Nesse ambiente, o conceito de
Marketing de Relacionamento aparece
como uma possibilidade de se retomar o
relacionamento entre vendedor-comprador, objetivando mantê-lo fiel e satisfeito através de uma relação longa e
duradoura vantajosa para as empresas e
seus consumidores.
Os programas de fidelização representam uma estratégia de marketing, em
que as empresas tentam superar seus
concorrentes através de ações que reconheçam e retribuam os melhores consumidores pela preferência.
"A criação de valor
para clientes
constitui o alicerce
de qualquer sistema
de negócios bemsucedido, gerando
lealdade,
crescimento, lucros
e mais valor."
Assim surgiu o Programa Fidelidade O Boticário, com o intuito de tornar
os clientes mais fiéis e mais próximos
ao estabelecimento e da marca. Essa tarefa, que poderia ser simples, fica um
pouco mais complexa se considerarmos
o distanciamento do franqueador do
ponto-de-venda e do cliente final.
Este artigo percorre o conceito de
lealdade e cliente fiel para franquias, as
diferenças entre promoções e programas
de fidelização, e as principais dificuldades de um programa de fidelidade neste
setor. Como caso é analisado o Programa Fidelidade O Boticário.
Construindo
lealdade em
franquias
O fortalecimento estratégico das franquias se inicia pelo conhecimento do consumidor e pela velocidade de adaptação
da empresa às mudanças. Em síntese, é
necessária uma constante reinvenção da
franquia para atender ao novo consumidor, superar os desafios e prosseguir na
busca de novas referências.
As franquias estão cada vez mais
atentas aos hábitos e costumes de seus
consumidores, pois já perceberam que
quanto maior o conhecimento sobre o
cliente, melhores seus resultados. Por
outro lado, CHERTO e RIZZO (1991)
destacam que um dos desafios do
franqueador é a perda do acesso direto
ao consumidor.
Então, como criar lealdade nas franquias?
Segundo SCHIFFMAN (2000), especialista na teoria do comportamento do
consumidor, existem diferentes tipos de
lealdade:
1. Lealdade à loja. O consumidor
“aprende” em qual loja encontra determinado produto que lhe agrada e, ao procurar e encontrar novamente este produto na mesma loja, a sua fidelidade é reforçada e aumenta a probabilidade de
querer repetir a compra no mesmo local.
Este tipo de fidelidade está associado
ao desejo do cliente de reduzir o risco na
compra, pois já tem um histórico de
sucesso. É importante observar que nesse
caso a fidelidade não ocorre em relação
ao fabricante, mas ao ponto-de-venda.
Assim, quem dá a garantia de
respeitabilidade de um produto não é o
fabricante, mas o vendedor.
2. Lealdade à marca. Ser leal a uma
marca significa buscar uma marca específica, procurar por um produto até
encontrá-lo, independendo do ponto-devenda onde se realiza a transação.
Criar esse tipo de lealdade reduz largamente os riscos, principalmente em
produtos de consumo como detergentes,
shampoos e alimentos, pois este relacionamento funciona como um gerenciador
das expectativas e necessidades do
consumidor.
As franquias costumam apostar na
lealdade à marca como um importante
diferencial competitivo, que muitas vezes define até o preço que o franqueado
paga para poder comercializar produtos
de um determinado franqueador.
Infelizmente, com o aumento da concorrência, o consumidor acaba tendo
mais e mais opções de compras, tanto
em termos de lojas como de marcas, e
os custos para se manter a leadade à
marca acabam ficando impraticáveis.
Em função desse declínio da lealdade à marca, ROCHA e VELOSO (1999)
definem que a empresa precisa estabelecer relações sólidas com seus clientes,
37
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
para envolvê-lo e manter sua fidelidade,
provando ser a sua opção mais confiável
não só para esta compra, mas também a
médio e longo prazo.
Para conseguir essa fidelidade, as
franquias podem trabalhar basicamente
em dois caminhos: 1. Ter uma marca forte
que crie por si só lealdade nos consumidores; 2. Envolver os clientes pelos
diferenciais que oferece, criando uma
percepção de produto e marca que cative o consumidor de uma maneira emocional, vencendo a disputa racional por
um lugar em sua lista de compras.
A criação de valor para clientes constitui o alicerce de qualquer sistema de
negócios bem-sucedido, gerando lealdade, crescimento, lucros e mais valor.
Promoções ou
Programas de
Fidelização?
"Não sendo possível
dar benefícios para
todos, pois o custo é
elevado, a empresa
age conforme sua
receita permite,
ofertando benefícios
tangíveis para os
melhores clientes."
Conforme a figura 1, observa-se que
enquanto os programas de fidelização têm
por objetivo estabelecer um vínculo que
resista ao tempo e traga resultados em
médios e longos prazos, as promoções são
utilizadas para sanar um problema ou criar um volume de vendas num determinado momento, geralmente em curto prazo.
No dia-a-dia de uma franquia, muitas
vezes são necessárias promoções para
aquecer as vendas em determinadas épocas
do ano, ou praças específicas.
A base de um programa de fidelização
está no conhecimento dos clientes, geralmente armazenado em bancos de dados. Não sendo possível dar benefícios
para todos, pois o custo é elevado, a
empresa age conforme sua receita permite, ofertando benefícios tangíveis para
os melhores clientes.
Para NASCIMENTO (1996), os programas de fidelização surgiram como
ferramenta do Marketing de Relacionamento que permite “tangibilizar aos
olhos do cliente” as vantagens que a
empresa oferece.
O conceito desses programas envolve uma troca: a empresa oferece vantagens e benefícios a quem dá preferência
a seus produtos e serviços. Um programa
de fidelização implica o uso de várias
ferramentas promocionais, mas não pode
ser confundido com elas.
Figura 1 – Diferenças entre programas de fidelização e promoções
Programas de fidelização
Promoções
OBJETIVO
Criar um relacionamento
permanente entre cliente e
empresa
Aumentar o volume de
vendas em situações
específicas
PÚBLICO
Consumidores mais freqüentes, maior gasto médio, mais
fiéis
Qualquer comprador,
independentemente
do seu perfil
RECOMPENSA
PARA O CLIENTE
De longo prazo
De curto prazo
DURAÇÃO
Contínua, de longo prazo
Prazo determinado
Fonte: ROCHA e VELOSO(1999:56).
38
Para SCHULTZ(1994), os custos com
os programas de fidelidade justificam-se
porque estão baseados na premissa de que
o cliente tem “long-term value”2 . A intensidade do esforço de marketing e a verba alocada para a conquista e manutenção de um cliente trarão lucro para a empresa, comprando repetidamente ou pela
compra de reposição.
Para STONE(1998:24), o coração de
um programa de fidelização é a persuasão customizada (“Customized
persuasion”), que parte da premissa de
que nem todos os clientes são iguais –
aproximadamente 80% de todas as
compras repetidas de produtos e serviços
vêm de 20% da base de clientes.
Os programas de fidelização realizam esforços de Marketing específicos
por segmentos de mercado ou públicoalvo para esses 20% dos clientes mais
rentáveis de seu database.
Segundo BOGMAN(2000), embora
os programas de fidelização possam variar conforme a área em que a empresa
atua, existem quatro pré-requisitos básicos para o sucesso desse tipo de ação:
1. Os programas de fidelização
devem ter apoio da cúpula: independentemente da organização ou da sua
estrutura empresarial, o comportamento da alta direção é vital para o sucesso
do programa;
2. Estratégias de marketing
focadas no consumidor: a organização
deve atuar, comprometida com o cliente, buscando adaptar seus produtos e serviços às necessidades e expectativas dos
consumidores;
3. O programa deve ser percebido
como vantagem competitiva: quando a
concorrência é muito grande, a distribuição é muito equilibrada, a formação de
preços igual e os parâmetros de qualidade, a única arma competitiva disponível
são as ações que fidelizam os clientes, que
devem-se transformar em vantagem sustentável para a organização;
4. A responsabilidade pelo programa deve ser centralizada: deve
existir uma gerência responsável por
definir uma estratégia para a implantação e manutenção do programa, de modo
que exista um relacionamento claro com
os consumidores, e esses, em caso de
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
problemas tenham um defensor interno.
Concluindo, as franquias estão buscando cada vez mais meios para recompensar os seus clientes fiéis, e o programa de fidelidade é um modo de reconhecer e retribuir o consumidor pela sua
preferência por determinada marca. Vejamos a seguir uma experiência real brasileira.
Programa Fidelidade O Boticário
Esta análise foi elaborada a partir de
pesquisa documental, bibliográfica e
empírica diretamente nas lojas e através de entrevista, realizada via telefone,
com o responsável pela implementação
do programa na empresa O Boticário.
Desde a primeira essência, O Boticário teve um posicionamento diferenciado, com a meta de promover a beleza
e o bem-estar do seu consumidor.
Em 1979, inaugurou uma loja no
Aeroporto Afonso Pena, que atendia
Curitiba e região. Em pouco tempo começaram a surgir pessoas interessadas
em abrir lojas para revender os produtos em suas cidades de origem, iniciando-se assim o processo de franchising,
até então inédito no Brasil, e em 1980 a
primeira franquia O Boticário.
Em 1985, O Boticário inaugurou sua
primeira loja fora do Brasil, no Shopping
das Amoreiras, na capital portuguesa. Hoje,
possui a maior rede de franquias em número
de revendas de Portugal, com 69 lojas. A
relacionamentos, direcionados mais precisamente para o público infantil e jovem, que são:
– Clube Amigos do Boti, que fica
em contato com crianças que têm entre
3 e 8 anos, enviando dicas de como preservar o meio ambiente;
– Clube Amiga Ma “Chérie”, que
se relaciona com meninas de 5 a 12 anos,
contando novidades da Linha Ma
“Chérie” e dando dicas de produtos;
– Para as mocinhas com mais de 12
anos, há o Clube Garota Thaty, que
envia dicas de beleza e informações sobre a fragrância O Boticário Thaty.
Figura 2 – A empresa O Boticário
Marca
Empresa
Ano de fundação
Inicio do Franchising:
N.º empregados
Lojas próprias da indústria
Lojas franqueadas:
Empregos gerados
Lojas no exterior
O Boticário
Scorpius Assessoramento de Marketing S/C Ltda.
Empresa 100% nacional.
1977
1980
1.220 (dez./2001)
2.142 (site nov./2002)
14 em Curitiba e 11 em Belo Horizonte
72 lojas Portugal, Bolívia, Peru, Paraguai e
no Japão.
Fonte : Entrevista e site O Boticário – nov/2002.
O Boticário iniciou suas atividades
em 22 de março de 1977 como farmácia
de manipulação, no centro histórico de
Curitiba.
"O Boticário é uma
empresa nacional de
destaque no
segmento de
cosméticos, com um
programa de
fidelidade inovador
para o setor."
rede de franqueados expandiu-se para o
Paraguai, Peru e Bolívia. Além de 399
pontos-de-venda distribuídos pelo Japão.
A sua rede de distribuição é apoiada
por 22 master-franqueados. Cada um
deles com autonomia e experiência para
selecionar franqueados de sua região,
treiná-los, abastecer suas lojas no tempo e medida certos e ouvir suas queixas.
Anualmente, O Boticário realiza seu
Plano de Expansão, pesquisando o potencial de cada mercado e identificando
as oportunidades de negócios. Do resultado desse estudo depende a abertura de
cada uma das franquias. Só depois de
avaliadas todas as possibilidades de sucesso, uma nova loja é aberta.
O Programa Fidelidade, implantado em
2000, foi criado pela franquia O Boticário
para recompensar os clientes mais fiéis.
No período de maio a nov./2000, este
Programa já havia inscrito mais de
700.000 clientes, distribuídos em 62
milhões de pontos e oferecido 24 mil
prêmios.
Sua mecânica é simples. Ao realizar
uma compra em uma loja O Boticário
participante, o cliente recebe na hora e
gratuitamente seu cartão Fidelidade,
mais os pontos equivalentes àquela compra. Cada real gasto nas lojas vale um
ponto.
Descrição do Programa Fidelidade O Boticário
Atualmente há mais três clubes de
39
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
A maior parte das lojas participa do
programa. As lojas participantes são
sinalizadas com um adesivo em suas vitrines.
As transações são 100% "on line",
ou seja, o cliente pode acumular e trocar
seus pontos na hora ou através de
vouchers retirados nas lojas. Nem sempre os vouchers são retirados na loja onde
as compras foram feitas, causando um
desconforto entre os franqueados.
A premiação é bem diversificada.
Alguns parceiros importantes são:
• Cinemark – 1 ingresso – 340 pontos
• Editora Abril – 1 assinatura semestral de Veja – 4.450 pontos
• Hopi Hari – 1 ingresso – 920 pontos
• McDonald's – 1 Big Mac – 75 pontos
• Livraria Saraiva – 1 vale-presente
de R$ 25,00 – 1150 pontos
Na própria O Boticário, um batom
equivale a 353 pontos. Os pontos têm
validade de 2 anos.
Os meios de comunicação com
o Programa são: uma central de
atendimento por telefone; o site
www.boticariofidelidade.com.br e as próprias lojas participantes do programa.
Um dos grandes benefícios do programa para o Boticário é o "Database", que
possibilita conhecer melhor seus clientes,
buscando novas formas de relacionamento e melhor direcionamento das ações de
marketing e comerciais.
Análise do Programa de
Fidelidade O Boticário
O Boticário é uma empresa nacional
de destaque no segmento de cosméticos,
com um programa de fidelidade inovador para o setor.
Pontos fortes do programa de Fidelidade O Boticário:
• O Boticário tem uma imagem forte no mercado, o que facilita o ingresso
do consumidor ao programa.
• O programa tem grandes parceiros,
como McDonald’s, Editora Abril,
Cinemark, Livraria Saraiva, entre outros.
• O atendimento ao cliente (SAC) é
bem treinado para prestar orientações e
tirar dúvidas.
40
"A própria
diversidade do perfil
dos franqueados
dificulta uma
divulgação mais
constante do
programa, pois a
franquia não possui
autonomia sobre o
ponto de venda."
• O site sobre o programa é bem completo.
Desafios do programa de
Fidelidade O Boticário:
• A loja não oferece o programa aos
clientes, ou seja, falta treinamento e incentivo para os atendentes.
• Não há divulgação na mídia sobre
o programa .
• Nem todas as lojas participam do
programa.
• O cartão não é pedido na hora do
pagamento da compra, demonstrando
falta de envolvimento do franqueado
com o programa.
• Os pontos nem sempre são resgatados no local da compra, gerando um
desgaste do programa perante os franqueados.
• Alguns produtos da premiação têm
a pontuação muito alta (ex.: assinatura
Revista Veja – 4.450 pontos), desmotivando o consumidor.
Oportunidades do programa de
Fidelidade O Boticário:
• Divulgar mais o programa para os
clientes já inscritos e para os não inscritos.
• Maior propaganda do programa
nas lojas do O Boticário.
• Utilizar o mailing que está sendo
acumulado na divulgação de novos produtos O Boticário aos melhores clientes.
• Envolver mais os franqueados, desenvolvendo um treinamento sobre o
programa, conscientizando da importância de se trabalhar o relacionamento com
a sua base de cliente.
Assim, o programa de fidelidade do
Boticário necessita de alguns ajustes
para se tornar mais popular e mais desejado pelos consumidores.
Falta uma comunicação mais agressiva com os consumidores, e principalmente com os clientes potenciais.
A própria diversidade do perfil dos
franqueados dificulta uma divulgação mais
constante do programa, pois a franquia não
possui autonomia sobre o ponto-de-venda.
Conclusão
Relacionamos alguns cuidados que
as franquias precisam ter para a implantação desse tipo de programa:
As franquias e os franqueados precisam estar motivados para realmente criar
um valor e um relacionamento com os
clientes, e não apenas seguir um modismo mundial ou copiar a concorrência.
MCKENNA (1993) aponta que: "se
uma empresa puder desenvolver uma
cultura que enfatize a qualidade e a
confiabilidade, ou o serviço e as relações
com o cliente, seus funcionários provavelmente trabalharão duro para garantir que este objetivo seja realizado".
O apoio da direção da empresa e dos
funcionários é fundamental para o sucesso do programa.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
O estabelecimento de relacionamentos com o cliente é, hoje, um compromisso que precisa ser assumido por todos, franqueador e franqueados. Da alta
gerência ao staff, todos precisam ter
consciência de que sua influência não
apenas é importante, mas decisiva para
a imagem empresarial como um todo.
As comunicações diretas com a base
de clientes devem ser claras, dando
follow-up sobre as promoções, mostrando novas oportunidades.
Manter um fluxo de comunicações
coerente com seus consumidores, de
maneira clara e coerente é um princípio
essencial.
Deve-se considerar o fator lucratividade no desenvolvimento dos programas.
O cálculo dos custos envolvidos, a
expectativa de adesão de clientes, o
volume de prêmios a ser pago pelos franqueados e franqueadores deve ser claramente discutido.
É melhor não ter um programa de
fidelização, do que ter uma ação que
promete algo e não entrega.
O sucesso do programa é gerar clientes satisfeitos, com uma boa imagem da
empresa, predisposto a uma recompra, e
até fazendo uma propaganda positiva
"boca a boca". O fracasso representa
propaganda negativa "boca a boca", ou até
mesmo escrita, e acaba gerando a perda
do consumir, muitas vezes irado.
Conquistar a lealdade do cliente é
uma tarefa muito difícil e custosa. Para
se construir a fidelização é essencial que
as franquias entendam suas necessidades, desejos e valores.
O objetivo dos programas de fidelidade não é tornar todos os clientes fiéis,
mas, sim, aumentar a fidelidade daqueles mais propensos a reagir.
O consumidor possui muitas marcas ao
seu redor e conseqüentemente a diferença
entre uma empresa e outra será a qualidade
e a profundidade do relacionamento
consumidor-empresa. Os programas de
fidelidade servem para construir esse tipo
de relacionamento, propiciando para a
organização dados importantes sobre seus
clientes, e para os consumidores vantagens
ao optarem por determinada marca.
O programa do O Boticário pode ser
comparado a um bolo: o recheio está
pronto, falta apenas decorá-lo e mostrar
na vitrine para as pessoas sentirem vontade de provar.
Referências Bibliográficas
BOGMANN, Itzhak Meir. Marketing de Relacionamento: estratégias de fidelização e suas implicações financeiras. São Paulo: Nobel, 2000.
CHERTO, Marcelo; RIZZO, Marcus. Franchising: como comprar sua franquia passo a passo. São Paulo: Makron, 1991.
MCKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento: estratégias bem sucedidas para
a era do cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1993.
MCKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento. Tradução de outras palavras,
Rio de Janeiro: Campus, 1999
NASCIMENTO, José Augusto. Programa de Fidelização e clubes de clientes. Seminário Diretotal: Programa de Fidelização de Cliente. São Paulo:Apostila Diretotal, 1996.
ROCHA, Thelma; VELOSO, André. A hora da recompensa: como obter sucesso através dos programas de fidelização. 1a.Ed.São Paulo: Cobra Ed., 1999.
SCHIFFMAN, Leon G. O Comportamento do consumidor. 6.ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.
SCHULTZ, Don E. O novo paradigma do marketing: como obter resultados mensuráveis através do uso do database e das comunicações integradas de marketing. São Paulo: Makron
Books, 1994.
STONE, Merlin; WOODCOCK, Neil. Marketing e Relacionamento. Tradução: Luiz Liske. São Paulo: Littera Mundi, 1998.
Sites
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRANCHISING [site da associação]. 2002. Disponível em <www.abf.com.br> [Nov. 2002].
BOTICÁRIO [site da empresa]. 2001. Disponível em <www.oboticario.com.br> [19 Ago. 2001].
PROGRAMA DE FIDELIDADE O BOTICÁRIO [site do programa]. 2001. Disponível em <www.programafidelidadeoboticario.com.br> [19 Ago. 2001].
Thelma Rocha – Professora da ESPM/SP e Consultora de Empresas na área de Marketing. Mestre em Administração
Mercadológica pela EAESP/FGV, e autora do livro A Hora da Recompensa em parceria com André Veloso, pela Cobra Editora.
E-mail: [email protected]
Fabiane Moraes – Graduada em Administração Mercadológica pela ESPM/SP, obteve nota máxima em sua monografia
sobre Programas de Fidelização. Atualmente cursa MBA em economia na FEA/USP.
E-mail: [email protected]
41
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
• ÉRICA GOMES DANIEL
N
enhuma nação fez sua a vontade
de um outro povo, mas todas as
nacões da América hoje só têm
uma vontade [...]. A união da vontade das
nacões não se alcança pela subordinação e sim através de um processo
de persuasão e de evolução política,
religiosa e espiritual [...]. Iniciamos a
construção de uma estrutura econômica
americana que atravessará os tempos
[...]. Pela primeira vez todo um continente
se declara unido para uma ação comum
em defesa de um ideal comum, que é o
de toda a América.1
Oswaldo Aranha
(Discurso realizado no encerramento da 3.ª
Conferência dos Chanceleres no Rio de Janeiro)
44
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
As agências
norteamericanas e a
consolidação
da propaganda
no Brasil
O objetivo deste trabalho é
compreender as mudanças ocorridas no
campo dos padrões de sociabilidade e de
consumo no Brasil a partir dos anos 40,
com penetração do pan-americanismo.
Tendo como fontes os artigos de jornalistas
e publicitários publicados nos anuários de
propaganda e nas revistas especializadas
em publicidade, além dos anúncios
publicitários veiculados na Revista
Seleções do Reader’s Digest de maio a
agosto de 1944.
Ao pesquisar as mais importantes
revistas ilustradas das décadas de 30 a
60, como: O Cruzeiro, Careta, Revista
da Semana etc., um dos aspectos que
mais me chamava a atenção era a
publicidade veiculada nestes periódicos.
Resolvi, então, estudar a imagem
publicitária e a forma como esta se baseia
em convenções socialmente aceitas, na
elaboração dos anúncios, acreditando que
a publicidade é um relevante instrumento
para análise histórica, sendo, no entanto,
ainda pouco trabalhada pela historiografia.
Partindo do princípio de que os
anúncios publicitários da década de 40,
divulgados nas revistas ilustradas,
veiculavam além de novos produtos, um
estilo de vida identificado com o American
way of life; passei a pesquisar a chegada
das agências de publicidade norteamericanas no Brasil, e os anúncios
publicados na Revista Seleções do Reader’
s Digest, durante o período da Segunda
Guerra Mundial.
O fato que mais chamou atenção em
minha pesquisa foi perceber que o
crescimento do mercado publicitário
brasileiro estava nitidamente relacionado
à chegada das agências de publicidade
americanas.
O ano de 1929 marca a chegada ao
“Foi esse
departamento
que,
primeiramente,
trouxe para o
Brasil os métodos
do mercado norteamericano de
propaganda.”
Brasil da primeira agência norteamericana, a Ayer. No entanto, a
mudança fundamental para o progresso
da propaganda no Brasil foi estabelecida
com a instalação do Departamento de
Propaganda da General Motors. Foi este
departamento que, primeiramente, trouxe
para o Brasil os métodos do mercado
norte-americano de propaganda.
Revista Seleções – Julho de 1944
Porém é como a vinda da J.W.
Thompson, que absorveu, junto com a
Ayer, os antigos profissionais do
Departamento da G.M, que o mercado de
propaganda no Brasil se profissio-naliza,
pois a Thompson passou a utilizar no
Brasil os mesmos padrões e métodos que
utilizava em sua sede nos Estado Unidos.
A partir de 1930, apesar do período
conturbado pelo qual passava o país com
os sucessivos golpes e revoluções, novas
agências apareceram no mercado com as
nacionais Standard (1933), InterAmericana (1938), e as americanas
McCann-Erickson (1935) e Grant
(1939). O nome Standard, para uma
agência de publicidade brasileira, foi
escolhido pelo fundador porque remetia
ao glamour americano.
A década de 40 na propaganda é
marcada pelas turbulências da Segunda
Guerra Mundial, pela fundação do IBOPE
em 1942, e pela chegada ao Brasil da
revista Seleções do Reader’s Digest2, neste
mesmo ano, a pedido de Nelson
Rockefeller. Nessa revista passariam a
circular os principais anúncios das grandes
marcas norte-americanas.
A chegada da prática de
pesquisa de mercado ao
Brasil, no final da Segunda
Guerra Mundial, foi mais
uma contribuição das
agências internacionais,
com destaque para a
McCann-Erickson, que
fundou um departamento
especializado neste ramo
denominado de Marplan.
A pesquisa de mercado
traçava um perfil dos
hábitos de consumo, as
potencialidades do mercado,
realizava testes de visual,
embalagem etc., e era feita
pela agência ou pelos
próprios clientes em
departamentos próprios.
A Thompson, em 1945 e
a McCann, em 1948,
fundaram seus próprios
departamentos de pesquisa.
A Thompson
fazia
pesquisas para a revista
Seleções e a McCann, para
45
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
passou a chamar-se Política e Negócios.
Além das revistas, três anuários
foram publicados regularmente, por
vários anos: o Anuário de Publicidade, o
Anuário Brasileiro de Imprensa e o
Anuário de Rádio.
Esta explosão de publicações sobre
imprensa e propaganda, juntamente com a
vinda das agências norte-americanas, foi,
sem dúvida, fundamental para a
consolidação do mercado de consumo no
Brasil. A propaganda no Brasil ampliou
seus horizontes e preparou-se para receber
a avalanche de anunciantes estrangeiros,
majoritaria-mente norte-americanos, que
penetraram no país.
Em tempos de
Guerra
Em setembro de 1939, eclodia na
Europa a Segunda Guerra Mundial,
jornais e revistas esgotaram-se nas
bancas, os brasileiros tentavam informarse sobre a grande catástrofe. Diante da
ofensiva alemã, o Brasil, assim como
toda a América, preparava suas defesas.
O clima era tenso e acima de tudo
incerto, afinal o Brasil tinha boas
relações com ambos os lados em
conflito. A postura oficial do governo
brasileiro era de compasso de espera,
pois o governo de Getúlio Vargas
aproximava-se ideologicamente dos
regimes autoritários, mas estava preso
Revista Seleções – Maio de 1944
a revista O Cruzeiro, que eram as duas
revistas de maior circulação neste
período. A utilização desses instrumentos
de pesquisa mostra a preocupação tanto
da revista Seleções, quanto da O Cruzeiro,
com a opinião do consumidor em relação
a elas e o grau de recepção alcançada
pelos anúncios que veiculavam.
Foi também a partir dos anos 30, com
a vinda das agências internacionais, que o
mercado das publicações especializa-das
em propaganda ganhou novo fôlego e
passou a inspirar-se no estilo americano.
Em 1932, por exemplo, temos no Rio
46
a publicação do primeiro jornal
específico, cujo nome era Propaganda,
que mais tarde transformou-se numa
revista de vida efêmera.
Em 1937, surgiu a revista Propaganda, lançada em São Paulo, que atuou por
dois anos. Para substituí-la surgiu no Rio
de Janeiro, em 1940, a revista Publicidade do jornalista Lycurgo Costa. Essa
revista foi dirigida por Genival Rabelo e
Manoel de Vasconcellos, tendo mudado
de nome em 1947 para Publicidade e
Negócios. Circulou até 1961, quando
havia mudado novamente de nome;
“O nome
Standard, para
uma agência de
publicidade
brasileira, foi
escolhido pelo
proprietário
porque remetia
ao glamour
americano.”
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
à órbita norte-americana por relações
econômicas. Os Estados Unidos, por
outro lado, desejavam com sua política
de incentivo às democracias liberais
conseguir estabelecer uma hegemonia
sobre a América.
No Brasil, os políticos dividiram-se
entre os pró Eixo e os favoráveis aos
Estados Unidos. Todavia, o que acabou
prevalecendo nos primeiros anos do
conflito foi uma tentativa de conciliação
encabeçada por Getúlio Vargas, onde o
Brasil comercializava com a Alemanha e
com os Estados Unidos ao mesmo tempo.
Contudo, à medida que a guerra
avançava, tal postura do Brasil tornouse incômoda para os americanos, que
clamavam por uma aliança continental
de defesa da América. Nos círculos
políticos favoráveis aos alemães (Dutra,
Gois Monteiro e Filinto Muller) a
penetração norte-americana (por
exemplo, a proposta da base militar no
nordeste brasileiro) era vista com
apreensão. Mas a ofensiva desenfreada
dos alemães na Europa também gerava
inquietude.
Tal impasse sofreu um impacto
decisivo quando, em 1941, o Japão
bombardeou Pearl Harbor, tornando
essencial à entrada direta dos Estados
Unidos na Guerra. A partir de tal
acontecimento, as idéias da cooperação
e solidariedade do continente americano
diante do inimigo nazista ganharam
cada vez mais forças.
O ano de 1942 foi extremamente conturbado. AFEB (Força
Expedicionária Brasileira criada
em 1941) patrulhava o país, a UNE
(União Nacional dos Estudantes)
promovia passeatas, a população
respirava ares de guerra experimentando
máscaras contra gases.
A sociedade passou a mobilizar-se em
favor da entrada do Brasil no conflito
mundial ao lado dos Aliados, e ao
governo restou ceder às pressões internas
e externas.
Finalmente, em Agosto de 1942,
Getúlio Vargas declarava guerra ao Eixo.
No país cresceu o recrutamento de
soldados, a população foi chamada
através da propaganda governamental
colaborar com o esforço de guerra.
“Esta explosão de
publicações sobre
imprensa e
propaganda,
juntamente com a
vinda das agências
norte-americanas foi,
sem dúvida,
fundamental para a
consolidação do
mercado de consumo
no Brasil.”
A partir daquele momento, o Brasil
lutava no front junto aos aliados pela
defesa da democracia. Estreitavam-se
cada vez mais os laços de cooperação e
amizade entre o Brasil e os EUA. A visita
do presidente Roosevelt em 1943 à base
de Natal e seu encontro com Vargas
davam o tom da política de boa
vizinhança.
A política norte-americana, desde a
Doutrina Monroe, estava c a l c a d a
no conceito de proteção, cabendo aos
norte-americanos o papel de protetor dos
interesses do continente frente aos
europeus. Em nome de tal “proteção”
vários países sofreram intervenções
armadas. No entanto, diante da Segunda
Guerra, a estratégia política americana
modificou-se devido ao estreitamento de
relações comerciais existentes entre os
países americanos e a Alemanha.
De mãos dadas
com Tio Sam
A atitude americana, de ação pela
força, foi modificada por idéias de
cooperação e reciprocidade.
Em seu artigo publicado na revista
Publicidade de 1940, Manoel de Vasconcelos traçou um panorama entre a
Segunda Guerra e a “descoberta” da
América Latina pelos americanos.
A guerra impossibilitou completamente as excursões turísticas ao velho
Mundo. Ficaram assim as companhias
americanas deste ramo de negócios com
um verdadeiro colapso. E lembraram-se
então da América Latina [...] E o turista
fatigado da civilização ou ávido de
curiosidade está, por fim, descobrindo a
América do Sul3.
Essa política de reciprocidade,
converteu-se em uma intensificação das
relações culturais entre Brasil e
Estados Unidos. Ao mesmo tempo,
artistas americanos invadiam o
Brasil, Walt Disney criava Zé
Carioca, assim como Guiomar
Novaes e Carmem Miranda
encantaram os americanos.
Re
vis
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leç
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[...] a arte latinoamericana
já
começou a invadir
a Norte-América,
chamando a
atenção do
mundo intelectual.
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México,
há muito que se
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crítica
de
arte do EUA. E o
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47
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
nosso Portinari, quando revelado
recentemente na Feira Mundial de New
York, quase monopolizou a atenção da
maior imprensa do mundo, que não fez
restrições ao mérito desse admirável
artista que o Brasil lhe mandava.
[...] Bidú Sayão, Guiomar Novaes( a
quem a imprensa americana chamou de
“maior pianista do mundo”) Carmem
Miranda, com o “Bando da Lua”, são
aquelas duas, afirmação de que o Brasil
pode mandar para a terra dos dóla-res
artistas incontáveis – e esta última, a nossa
“pequena notável” (ou Miss-Mai-randa
como dizem os americanos) uma prova de
que temos ritmos exóticos e originais, de
uma cadência dolente ou cheios dessa
beleza de nossas paisa-gens. É tudo isso
o que tem feito com que os norteamericanos passam agora chamar ao Rio
de Janeiro “The world’s gayest city...” [...]
A imprensa da América do Norte tem
falado na possibilidade dos nossos
mercados, e na oportunidade de
aplicação de capitais norte-americanos... Numa palavra: o Brasil, por meio
da maior imprensa do mundo, está
começando a deixar de ser um país de
la bas, para ser um centro de interesses
econômicos e de atração turística.4
Vasconcelos finalizou seu artigo,
destacando o papel fundamental da
propaganda no estreitamento da relação
entre os dois países.
E para que a atenção que agora
despertamos não seja efêmera, apenas
forçado pelas circunstâncias anormais
que o mundo atravessa, é preciso que a
propaganda, principalmente comercial,
seja capaz de alicerçar o ideal e o PanAmericanismo pelo entrelace dos
interesses econômicos.5
Deste modo, os brasileiros passaram
a familiarizar-se com a cultura norteamericana. Os filmes hollywoodianos
encantaram com seu glamour o Brasil, e
a revista Seleções do Reader’s Digest
trouxe para dentro dos lares brasileiros
o estilo de vida americano estampado em
sua publicidade. Nas ondas do Rádio, o
Repórter Esso era a companhia dos que
48
queriam saber as últimas notícias sobre
a guerra. A propaganda comercial
aproveitou este clima
favorável para vender os
produtos
das
indústrias norteamericanas, sem
esquecer
de
fomentar os ideais do
pan-americanismo.
A política norteamericana de Boa
Vizinhança atuou em
muitas frentes, como o
cinema, o rádio etc. Contudo,
neste trabalho focalizo a análise
sobre o pan-americanismo pelo
viés da propaganda. Para
empreender tal estudo, tenho como
fonte os artigos dos anuários e das
revistas especializadas em propa-ganda,
além das imagens publicitárias,
veiculadas na revista Seleções, que
demonstram como o mercado brasileiro
estava sendo cobiçado pelas indústrias
norte-americanas.
Num informe publicitário da agência
Inter-Americana de Propaganda,
publicado na revista Publicidade ficava
claro interesse norte-americano pelo
mercado brasileiro.
[...] dos Estados Unidos, grande número
de importantes industriais e capitalistas têm
consultado a Inter-Americana pessoalmente
ou por correspondência, sôbre
possibilidades de negócios no Brasil.6
“Ao mesmo
tempo, artistas
americanos
invadiam o Brasil,
Walt Disney criava
Zé Carioca, assim
como Guiomar
Novaes e Carmem
Miranda
encantaram os
americanos.”
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v
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Se
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lh
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19
44
As visitas de representantes das
grandes marcas eram constantes e
geralmente vinham conhecer nosso
mercado e lançar produtos.
Procedente dos Estados Unidos
chegou [...] o Sr. James S. Hauck vicepresidente de Lehn & Fink Products
Corporation, conhecido fabricantes dos
famosos produtos; de beleza Hinds e
Dorothy Gray.
A visita do Sr. Hauck ao nosso país
tem por fim especial estudar o nosso
mercado com a intenção de lançar aqui
novos produtos é possível que o nosso
público não esteja ainda bem
familiarizado com o nome Lehn & Fink,
entretanto os seus produtos têm já larga
aceitação entre nós, especialmente o
Hinds Honey & Almond Cream, aqui
vendidos com o nome de Água de Beleza
Hinds.
O Sr. Hauck, que viajava em
companhia de sua esposa, pretende
demorar-se em nosso país por duas
outras semanas, durante cujo tempo,
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
acompanhado pelo Sr. R. T. Turner,
gerente da Lehn & Fink, para a América
do Sul, visitará atacadistas e varejistas
de produtos de beleza, procurando
conhecer de perto os assuntos concernentes a distribuição de seus produtos e
estudando um interessante programa de
propaganda.7
O Sr. Shirley Woodell da Inter-nacional
Division da J Walter Thompson de NY,
numa prolongada viagem pela América
Latina, permaneceu vários dias no Rio e
em SP. O Sr. Woodell mostrou-se
impressionado com o rápido progres-so
do Rio e de SP e declarou acreditar que
os produtos norte-americanos estão se
interessando cada vez mais pelo nosso
mercado.1
A Erwin, Wasey & Co. de Nova York,
que há mais de 30 anos trabalha no
mercado norte-americano, com filiais em
Londres, Paris, Toronto, Haia, Helsingfore
e Estocolmo e escritórios nas principais
cidades dos Estados Unidos, abrirá
agora escritórios no Brasil. [...]
Atualmente conta a Erwin, Wasey
entre os seus principais clientes nos
Estados Unidos os seguintes: Texas
Co., creme de barba Barbasol,
tônico de cabelo Kreml, tostadores
Toast Master, produtos medicinais
Lydia Pinkham, pasta dental
Forhan’s, Beech Aircraft, Air
Transport Association, etc.
Para o estrangeiro a Erwin,
Wasey & Co. controla as seguintes
contas: rádios Philips, pneus
Goodyear, automóveis Chrysler, etc.
[...] O presidente da companhia,
o Sr. Howard P. Williams, passou
recente-mente três semanas entre
nós ultimando as providências para
a organização da Publicidade –
Erwin, Wasey S.A. que será a
denominação da empresa no Brasil.
O Sr. Williams foi durante muitos
anos gerente geral da National Cash
and Register Company, visitando
várias vezes o Brasil a serviço dessa
companhia.9
Por outro lado, a ida de
publicitários brasileiros aos EUA,
Advertising Agencies, junto às quais
pleiteará a criação de bolsas de estudo
para publicitários brasileiros.10
“A partir daquele
momento,
o Brasil lutava
no front junto
aos aliados
pela defesa
da democracia.”
como relatavam os anuários, também era
um fato comum e evidenciava os contatos
entre os dois círculos publicitários.
Cícero Leuenroth pretende fazer sua
viagem útil, não só aos seus interesses
particulares, como à Associação
Brasileira de Propaganda. Entrará em
contato com as principais associações
publicitárias norte-americanas, especialmente com a American Association of
Chegou a São Paulo recentemente
de regresso dos Estados Unidos o
publicitário N. de Macedo, que em fins
do ano passado, representou o Brasil no
Congresso Inter-Americano de Rádio
realizado no México.
[...] Aproveitando sua estadia no
México, N. de Macedo rumou para o
Canadá e para os Estados Unidos onde
se demorou cinco meses, tendo percorrido
32 estados do país amigo, e realizado
vários negócios, inclusive ter firmado
conta com Melchor Guzman,
representante nos Estados Unidos de
grande número de estações de rádio do
interior dos EUA e de todos os países da
América Latina, a exceção, até aqui, de
emissoras do Brasil.11
Ficaram assombrados, disse-nos
Nestor, com as informações sobre o Brasil.
Sem dúvida, a publicidade, apesar de
ainda pouco estudada, foi um dos campos
mais férteis para a penetração do panamericanismo no Brasil. Na medida em
que a maioria dos periódicos
dependia da publicidade para
sobreviver, pois esta era uma das suas
mais importantes fontes de captação
de recursos, as agências conseguiram
grandes espaços para anunciar os
produtos, e, no caso americano em
conjunto, divulgar também a
integração pan-americana.
Como, nesta pesquisa, analiso
a publicidade de personagens e de
marcas norte-americanas, a escolha
da revista Seleções do Reader’s
Digest, no período de maio a agosto
de 1944, como fonte, se deu pelo
fato de essa publicar, em suas
páginas, na maioria dos casos,
anúncios de marcas americanas,
além do fato de ser uma revista
norte-americana de grande
aceitação por parte do público leitor
brasileiro da época. A escolha do
ano de 1944, se deu pelo fato de
ser o ano anterior ao fim da guerra.
Revista Seleções – Maio de 1944
49
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
A propaganda e
a política de
Boa Vizinhança
A revista Seleções do Reader’s Digest
era uma das mais lidas no Brasil nos anos
40 e sua publicidade chamava a atenção
de seus leitores, como mostra este artigo
publicado na revista Publicidade e
Negócios:
Duas vezes “Seleções do Reader’s
Digest” realizou concursos populares no
Brasil, nos quais pedia que os leitores
dissessem “por que gostavam de
Seleções”. Mais de 120.000 respostas
foram recebidas nos dois concursos. As
razões dadas por esses milhares de
leitores confirmavam, acima de tudo, a
escolha feliz da leitura que lhes era
oferecida sinceramente falando.
“Seleções esperava por essas respostas.
Mas houve uma surpresa: entre as razões
estavam uma inesperada … Sim,
milhares e milhares de leitores diziam
gostar também de ‘Seleções’ pelos
anúncios que apresentava, pois um
anúncio pode prender a atenção dos
leitores. É essa, mesmo a sua finalidade.
Mas os anúncios, de modo geral, já é
mais raro”.
Entretanto, milhares de leitores
assinalaram este fato, fizeram essa
afirmação: “… E gosto também de seus
anúncios, bem feitos e bem apresentados” dizia um leitor entre muitos.
Por quê? Seguramente pelo interesse
incontido do que “Seleções” desperta em
seus leitores, levando-os a ler a revista do
princípio ao fim, inclusive os anúncios. E
certamente pelas classes dos anunciantes
de “ Seleções” que não poupam esforços
para apresentar anúncios realmente bem
feitos e eficientes, capazes de agradar e
convencer.
Como se explica, porém, a alta
categoria dos anúncios de “Seleções”?
Porque os anunciantes sabem, por
experiência própria ou alheia, que
“Seleções” é realmente um veículo da
mais alta eficiência. Prova isso o fato de
que as páginas reservadas para anúncios
50
nos números de outubro, novembro e
dezembro de “Seleções” estão
todos
tomados.
Os
anunciantes sabem que vale
a pena capitalizar os 346 mil
exemplares12 de “Seleções”,
lidos por milhões de pessoas,
exempla-res que prolongam por
semanas nas mãos do leitor e que
vivem anos e anos em coleções
regularmente manuseadas.
Consulte qualquer anunciante de
“Seleções” e ouvirá novas e talvez mais
convincentes razões para utilizar a força
de vendas da revista de maior circulação
líquida no Brasil.1 [grifo meu]
A variedade de produtos era uma
característica marcante de seus anúncios. Em
suas páginas estavam sempre presentes
anúncios de: automóveis, cosméticos, produtos
industriais, bebidas etc. como demonstra o
quadro feito a partir das imagens veiculadas
na revista Seleções do Reader’s Digest de
maio a agosto de 1944.
Analisando o quadro, percebemos
que durante os quatro meses da revista
selecionados para estudo, os setores que
mais anunciaram foram: o industrial com
o percentual de 41% dos anúncios, o de
transporte com 21,9% e o de produtos
para o lar, juntamente com os
cosméticos, com 9,5%.
Em relação ao índice de anúncios que
se associam de alguma forma à guerra,
encontramos, num total de 178 anúncios,
um total de 106, ou seja, 59,6%. Dentre estes,
Ramo
de Atividade
Indústria
Transporte
Produtos para o lar
Cosmético/Produtos femininos
Produtos para escritório
Alimento
Bebidas
Medicina
Cinema
Totais
Totais em %
Re
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Ma
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e
od
os ramos de atividades que mais fizeram
menção à guerra foram: o de transporte,
com 92,3%, o de produtos para o lar, com
82,3%, e o industrial, com 67,1%.
No que tange a presença do
símbolo da união pan-americana e da
aliança na guerra, o setor de bebidas
foi o que teve a maior percentagem
dos seus anúncios com o símbolo.
Num total de sete anúncios seis o
traziam, ou seja, um percentual de
85,7%, seguido pelo setor de produtos
para o lar com 35,3% e os de produtos
para escritório com 22,2%.
Total
Associam-se
de Anúncios
a Guerra1
73
49
39
36
17
14
17
0
9
5
7
0
7
1
6
0
3
1
178
106
100
59,6
Obs.: Dois Anúncios da Esso fazem propaganda do "Repórter Esso".
Um Anúncio da RCA faz menção ao correspondente estrangeiro RCA de rádio
1
Anúncios que mencionam a guerra.
2
Anúncios que trazem o símbolo da união pan-americana e da aliança na guerra
Incluem
o Símbolo2
13
2
6
0
2
1
6
1
0
31
17,4
19
44
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Os anúncios publicitários utiliza-vam
uma linguagem simples e muitas
ilustrações. Em seus textos, em muitos
casos, falavam dos esforços que a
indústria estava fazendo devido a
guerra e salientavam a importância de a sociedade também
colaborar na luta pela
liberdade e pela democracia. Os anúncios, portanto, associavam os
produtos aos ideais do
pan-americanis-mo.
No caso da Esso
e da RCA, patrocinadoras
de programas de rádio,
aproveitavam o
seu espaço publicitário
também
para divulgá4
94
los.
e1
d
lho
O discurso do pan-americanisJu
–
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mo
–
que
é um marco nas publicidades
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dos
anos
40
–, ao penetrar nos anúncios,
S
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vis
auxiliou
na
expansão dos hábitos de
e
R
consumo de massa e da cultura norteamericana no Brasil e no resto da
Desse modo, fica claro que apesar
América Latina. Desse modo, a
do conflito, e do fato de muitas indústrias
propaganda foi um veículo vital para
terem voltado sua produção para o
que a penetração cultural fosse
esforço de guerra, as grandes empresas
encoberta ou vista como necessária a
investiram maciçamente
em
qualquer país que deseja tornar-se
propaganda, seja para que suas marcas
moderno. O próprio Office of the
não fossem esquecidas, para criar
Coordinator of Inter-American Affairs
demanda de consumo no mercado
incentivava as indústrias e empresas do
brasileiro do pós guerra, ou ainda para
setor privado norte-americano a
fomentar os laços da aliança pandivulgar seus produtos nos periódicos
americana. Tal aliança solidificada no
da América Latina.
período da guerra seria extremamente
Apesar de, em 1943, a produção de
importante para os planos de expansão
bens de consumo estar passan-do por um
da indústria norte-americana no Brasil,
período de retração devido às intem-péries
quando o conflito findasse.
da guerra, o volume de anúncios não
Num período de incertezas, fomentavam
parava de crescer. Afinal, a publicidade
o sonho dos segmentos da classe média
tinha um papel maior do que apenas
urbana com as novidades industriais, que,
promover a demanda de novos produtos
em muitos casos, só estariam disponíveis no
no mercado brasileiro. Para o Office of
Brasil com o fim da Guerra.
the Coordinator of Inter-American Affairs
A receptividade a essa campanha
foi grande[...] em 1943 um total de 210
[...] o projeto de anúncios em
firmas comprometeu-se gastar um
jornais e revistas é “parte de um
total de 11 milhões e oitocentos mil
esforço amplo de bom vizinho para
dólares em anúncios no Brasil. (Os
promover a ajuda entre as Américas”.
mais dispostos a gastar eram a
O projeto se casava bem com as noções
Sterling Products, a Standard Oil, a
de “esforço de guerra” de todo o
Coca Cola e a RCA Victor.) 14
continente: os anúncios explicavam as
razões da escassez naquele momento e
a necessidade de sacrifícios imediatos
(no consumo) de modo a garantir a
abundância do futuro(pós guerra).15
Para exemplificar esses anúncios
publicitários, analisei quinze entre os
divulgados na revista Seleções do
Reader’s Digest de maio a agosto de
1944.
Os três primeiros anúncios são da
indústria de bebidas Coca-Cola
Refrescos S.A. Uma das marcas que
mais se popularizou, no Brasil e nos
demais países da América Latina,
mudando os hábitos de consumo, foi a
Coca-Cola. Cliente de uma das maiores
agências de publicidade do mundo: a
McCann–Erickson, a bebida com gosto
de remédio, tornou-se um convite
universal para todos os povos, “Beba
Coca-Cola” era o slogan que conquistou
brasileiros, venezuelanos, colombianos,
chilenos, ou seja, os latinos que
passaram a saborear aquele refrigerante.
No Brasil a Coca-Cola, chegou em
1942, e foi oferecida a um Ministro de
Estado brasileiro juntamente com uma
carta que dizia: “Em comemoração ao
lançamento do famoso produto Pan
Americano “Coca-Cola, Coca-Cola
Refrescos S.A tem a súbida honra de
oferecer a V. Excia, uma caixa do seu
refrigerante. (...) esperamos que o
mesmo constitua um elo de fraternidade
entre as Américas”.16
A marca buscava, assim, associarse à colaboração hemisférica entre
Brasil e os Estados Unidos. No entanto,
até mesmo uma grande empresa como
a Coca-Cola enfrentou resistências e
investiu maciçamente em propaganda
para solidificar-se como um produto
agradável, como demonstra uma nota
publicada na revista Publicidade.
Coca-Cola é uma indústria corajosa:
(...) essa firma encerrou suas
atividades em 1943 com um déficit
superior de 3 milhões e meio de cruzeiros.
Desde que se instalou no Brasil, a
Coca-Cola vem desenvolvendo uma
51
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
campanha sistemática. Boa parte do seu
capital é assim investido em publicidade.
À 1a vista, o resultado financeiro, neste
seu 2.o ano de permanência no Brasil, pode
parecer assustador. Tal não acontece,
porém. O plano da Coca-Cola abrange
um período longo de tempo de emprego
de capital para só então passar do
equilíbrio financeiro ao lucro. (...) É
bastante louvável, portanto, a sua
persistência e largueza de vistas,
procurando vencer as resistências do
mercado com os mais modernos métodos
de propaganda mas sem procurar 'forçálos' (...). É que a Coca-Cola, menos
imediatista, acredita na parábola que
ensina a lavrar e preparar o terreno, antes
de plantá-lo. (...)17
Sendo uma marca importante dentro
do mercado norte-americano, a CocaCola buscou ressaltar em sua publicidade
sua fama mundial, como estímulo para o
seu consumo. Em seu próprio símbolo
comercial, o grande círculo vermelho,
trazia o mapa do continente americano e
o slogan “unidas hoje unidas sempre”.
Dessa forma vendia o produto e passava
a mensagem da aliança pan-americana.
Nos anúncios selecionados, buscavase ressaltar as qualidades dos países em
conjunto com a do refrigerante. Como
no caso do que tem como tema o Chile,
ou mostrando como se tornou um hábito
entre a população, na publicidade
inspirada na Colômbia. Na publicidade
que tem como tema a Venezuela, é
ressaltada a singularidade e a
popularidade universal da Coca-Cola.
Entretanto, em tempos de guerra, o que
mais as grandes marcas ilustraram em seus
anúncios eram as dificuldades que o
esforço bélico impunha às suas produções.
As grandes indústrias buscavam informar,
em sua publicidade, os motivos de não
poderem atender a suas demandas no
momento. No período da guerra, as
indústrias continuam anunciando, mesmo
que não estejam em condições de fornecer
o que divulgam. O objetivo era fazer com
que as marcas não fossem esquecidas pelo
público. Os anunciantes – ao demonstrarem que também colaboravam para a
vitória da liberdade – ganhavam a simpatia
do público, como no caso da publicidade
52
“Sem dúvida, a
publicidade,
apesar de ainda
pouco estudada,
foi um dos
campos mais
férteis para a
penetração do
panamericanismo no
da Esso, que diz que “a organização se
orgulha de sua contribuição”. A
interligação com a ideologia
pan-americana podia ser
exposta de forma
explícita, como
nos anúncios da
Rádio Zenith,
que traziam um
símbolo onde se lê
“união vitória e
liberdade”. Ou implícita, demonstrando aos
seus consumidores que a
imprensa tem o mesmo ideal
que seus clientes, como
afirma o anúncio da Kodak,
“por nossos ideais comuns de
Liberdade”. A Kodak agradece a
“Uma das
marcas que mais
se popularizou,
no Brasil e nos
demais países
da América
Latina, mudando
os hábitos de
consumo, foi a
Coca-Cola.”
paciência e cooperação dos clientes, na
falta de seu produto, e afirma que isso
foi essencial para que pudesse enfrentar
com êxito “o que podia ter sido uma
situação perigosa para todos”. Essa
interligação entre a marca e o cliente
criava uma relação de confiança.
Afirmando que se, hoje, os filmes da
Kodak eram vitais para os que lutam pela
liberdade, no pós-guerra estariam
disponíveis para todos. Já no anúncio da
Parker, a caneta era apresentada ao lado
de munições bélicas, e o slogan afirmava
que esta “nunca foi tão preciosa como hoje”.
A ansiedade era
grande, afinal os leitores
das revistas e jornais
tinham – entre uma
página e outra de
Re
vis
t
e
aS
leç
õe
A
s–
go
st
e
od
19
44
notícias – muitos anúncios prometendo
uma verdadeira transformação na sua
vida diária, pelos novos produtos que
as empresas americanas afirmavam que
chegariam ao Brasil, assim que o
conflito cessasse. Os anúncios da
Philco, Norge, Westinghouse e Easy
tinham em comum a divulgação de
novidades industriais e a preocupação
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Revista Seleções – Junho de 1944
dessas empresas na expansão de
mercado pós-guerra.
No anúncio da Philco são ilustrados dois
globos terrestres: um representando os dias
de hoje e a guerra, com o mapa da Europa
sendo cortado por uma espada, e outro
representando o amanhã, com o mapa do
continente americano, de que brota um
ramo que simbolizava um porvir de nova
vida. O anúncio salientava que a pesquisa
de guerra proporcio-naria um amanhã de
“novos prazeres para V.S e seu lar... em
rádio, fonografia, televisão, refrigeração e
ar condicionado”. Novidades que
simbolizavam a modernidade da sociedade
americana, mas que estavam ainda distantes
da realidade dos países da América Latina,
como o Brasil. A Norge, contudo, afirmava:
“vale bem a pena esperá-las!” Ao mesmo
tempo, a Easy Washing prometia facilitar a
vida das donas de casa, não esquecendo
de fomentar a cooperação entre as
Américas, ao estampar um símbolo no
canto direito do seu anúncio que afirma:
“as Américas unidas, unidas vencerão”. Já
a Westinghouse, em sua ilustração,
demonstrava seu estabilizador de canhão
construído para auxiliar os exércitos
aliados, garantindo que o mundo de paz
usaria os novos usos da
virão revolucionar os aviões comerciais
eletrônica, descobertos durante
de após-guerra”.
a guerra, para aperfeiçoar seus
O paradigma norte-americano
aparelhos para consumo
encantava as camadas médias urbanas, e
doméstico.
a publicidade voltava seus esforços para
Uma das imagens mais
satisfazê-la. Num artigo da revista
utilizadas na publicidade era o
Publicidade, o periódico O Radical
núcleo familiar. A imagem da
chamava atenção de seus anunciantes para
família idealizada pela propao potencial de compra e fidelidade deste
ganda pode ser bem percebida
segmento social.
no anúncio da Kellogg’s Corn
A análise do material publicitário e dos
Flakes, onde uma família, com
artigos dos anuários deixa claro que a
traços nitidamente nortepenetração cultural norte-americana no
americanos, saboreia sorridenBrasil e a busca por novos mercados pelas
temente corn flakes. Este
empresas norte-americanas, durante os
alimento, ligado aos hábitos
anos da Segunda Guerra, foram projetos
alimentares dos norte-americaque se alicerçaram numa aliança entre os
nos, buscava inserir-se na
objetivos da política internacional do
alimentação das famílias
governo americano, de consolidar uma
brasileiras. O produto, como
supremacia continental, e os interesses
afirma em seu anúncio, seria
econômicos privados, que passam através
capaz de provocar sorrisos e
da publicidade, a divulgar anúncios que
também combateria o cansaço,
tenham estampados tanto os ideais pandando energia.
americanos, quanto a necessidade de
Até mesmo o imaginário
consumo de novos produtos.
infantil passaria por transforA publicidade comercial, além de
mações, como exemplifica o anúncio do
promover uma transformação dos
suplemento infantil O Guri, onde as
hábitos de consumo no Brasil, e no resto
personagens infantis nacionais passaram
da América Latina, contribui para
a concorrer com seus similares nortesolidificar uma imagem favorável dos
americanos, como Capitão
América, Mary Marvel etc.
O futuro era idealizado na
propaganda como um belo
filme de Hollywood. Assim,
os rádios da GE prometiam
para após a guerra a melhoria
da transmissão radiofônica
com a chegada dos receptores
FM, que dariam “cor e vida à
música [...] sendo o
instrumento musical mais
fino que jamais se conheceu”.
Já a companhia de aviação
Aircraft Northrop, que
durante a guerra se dedicava
a fabricar aviões mortíferos,
salienta a seus clientes que ao
cessar o conflito seria
possível, até para pessoas de
posses moderadas, viajar em
aviões a custo que ficaria a
seu alcance. Uma vez que “as
pesquisas e aperfeiçoamentos
do tempo de guerra nos EUA Revista Seleções – Maio de 1944
53
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Re
eleçõe
vista S
1944
ho de
s – Jun
Estados Unidos, visto como um país
amigo e um exemplo de democracia e
modernidade a ser seguido. O contexto
Revista Seleções – Agosto de 1944
54
do pós-guerra, com as favoráveis
relações diplomáticas estabelecidas entre o Brasil e os Estados
Unidos, a consolidação crescente
do American way of life, além
do crescimento do consumo de
massa, são evidências de que o
projeto norte-americano teve o
êxito desejado.
O estudo dessa publicidade da década de 40
mostrou-se uma fonte
pertinente para problematizar algumas questões
referentes à política de Boa
Vizinhança norte-americana para a América
Latina, sobretudo para o
Brasil, que sem dúvida –
como demonstram os
artigos dos anuários e as
imagens publicitárias –
teve um papel vital na
consolidação do projeto de hegemonia continental encampado
pelos americanos.
Através dos artigos e da publicidade
estampados nas revistas ilustradas, em
especial a revista Seleções, instrumento
deste estudo, é possível conhecer melhor
as alterações dos hábitos de comportamento, consumo e sociabilidade, sofridas
pela classe média urbana brasileira, com a
chegada do paradigma de vida norteamericano, além da influência americana
na profissionalização do mercado
publicitário brasileiro. Fato que facilitou a
instalação das grandes agências de
propaganda americana no país e a criação
de demanda de consumo para os produtos
americanos, ao mesmo tempo em que
promovia a divulgação direta ou indireta da
ideologia do pan-americanismo.
Assim sendo, para compreender uma
sociedade como a brasileira, que
começava a se industrializar e urbanizar,
acredito que o estudo das fontes visuais,
como a imagem publicitária, torna-se
imprescindível, na medida em que a
expansão do consumo no país caminhou
ao lado da proliferação de imagens a ele
associadas.
Afinal, a cultura dos principais centros
urbanos no Brasil passou a se espelhar nas
Revista Cruzeiro – Dezembro de 1944
imagens publicitárias veiculadas pelas
grandes marcas norte-americanas. A
propaganda comercial converteu cidadania
e democracia em poder de compra, ao
associar a ideologia pan-americanista aos
seus anúncios publicitários.
Nesse sentido, o objetivo deste
trabalho foi demonstrar que a
propaganda comercial foi fundamental
para edificar no Brasil uma imagem
cordial e amigável dos Estados Unidos,
durante a Segunda Guerra Mundial. Além
disso, foi uma ponte de aliança entre os
Revista Seleções – Agosto de 1944
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
interesses do setor privado e do governo
norte-americano, que respectivamente
buscavam novos mercados de consumo e
estabelecer uma supremacia econômica e
político-cultural no Brasil.
Desse modo, ao se estudar o setor
publicitário e as imagens por ele
veiculadas nos anos 40, vislumbram-se
novas técnicas exploradas pela política
pan-americana, para a consolidação do
American way of life, como modelo de
modernidade, progresso, e democracia,
para países como o Brasil. E salienta-se
a relevância da propaganda como fonte
para estudos que buscam compreender as
transformações ocorridas na sociedade.
“O futuro era
idealizado na
propaganda
como um belo
filme de
Hollywood.”
Rev
is
el
ta S
eçõ
es –
o
Mai
de 1
944
Notas
1
ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1985, vol. 6 (1930-1945 – A Era de Vargas 2ª parte), p. 96.
Ver JUNQUEIRA, Mary. “A visão da América Latina na Revista Seleções do Reader’s Digest”. In.: TORRES, Sônia (org). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em
Estudos Americanos. Ed. 7 Letras, 2001. pp. 126-135.
3
Revista Publicidade, n.º 1, setembro de 1940, p. 28.
4
Ibidem.
5
Ibidem.
6
Revista Publicidade, n.º 1, setembro de 1940, p. 07.
7
Ibidem, p. 22.
8
Revista Publicidade e Negócios. Janeiro de 1947, pp. 20-21.
9
Ibidem, pp. 30-31.
10
Revista Publicidade e Negócios. Abril de 1947, p. 24.
11
Ibidem, p. 38.
12
Brasil (294.806), Portugal (42.000), Colônias Portuguesas (7.500) e outros países (2.000). Dados precisos sobre a circulação líquida total e sua distribuição geográfica estão à
disposição das agências e dos anunciantes.
13
Revista Publicidade e Negócios. Julho e Novembro de 1950. p. 03.
14
MOURA, Gerson. O Tio San Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988. p. 69.
15
Ibidem.
16
Ibidem, p.72.
17
Revista Publicidade Abril
2
Referências bibliográficas
BRANCO, Renato C., Martensen, Rodolfo L., Reis, Fernando (coord.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T.A Queiroz, 1999.
MAUAD, Ana Maria. A América é aqui: um Estudo sobre a influência cultural norte-americana no cotidiano brasileiro, In.: Torres, Sônia (Org). Raízes e Rumos – Perspectivas
Interdisciplinares em Estudos Americanos. Ed. 7 Letras, 2001.
MOURA, Gerson. O Tio Sam Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1988.
_______________ Sucessos e Ilusões – Relações Internacionais do Brasil Durante e Após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.
VESTERGARD, Torben. A Linguagem da Propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
• Érica Gomes Daniel – Bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professora de História da rede
particular de ensino.
55
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
56
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
O modelo
de farmácia
no ensino de
1
E-business
Luís Gonzaga Trabasso
57
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
1. O desafio:
ensinar
e-business
Atualmente, a transição de um modelo de negócios tradicional para um
modelo e-business tem merecido profundas reflexões por parte dos empresários.
Dirigentes empresariais em toda parte
estão sob pressão: há muitas formas para
a execução dessa transição, uma vez decida pela transição, o que, em si, é uma
decisão difícil de ser tomada. Quais são
os modelos de negócios, estratégias e
táticas de gerenciamento que irão fazer
de suas empresas casos de sucesso? Essas são questões que certamente têm incomodado os empresários provocando,
conseqüentemente, dores de cabeça, de
estômago, apenas para lembrar as mais
freqüentes. Alguém poderia pensar: há
algum tipo de “remédio” ou “tratamento” que poderia ser receitado para esses
empresários? A partir desse insight metafórico foi criada uma proposta pedagógica para o curso de E-business, cuja
estrutura, recursos didáticos e ferramentas de avaliação são apresentados neste
trabalho.
Na primeira aula do curso, os principais aplicativos de E-business, tais
como CRM – Customer Relationship
Management –, ERP – Enterprise
Resource Planning – e SCM – Supply
Chain Management – são apresentados
aos alunos como “remédios” a serem “ingeridos” pelas empresas como parte do
tratamento para que elas se tornem ebusiness. Cada “remédio” é apresentado
aos alunos em um frasco com rótulo que
os faz lembrar de remédios que podem
ser comprados em farmácias espalhadas
pela cidade. A Figura 1 apresenta a visão
geral dos “remédios” do curso de Ebusiness.
Figura 1:
Aplicativos de
E-business
apresentados
como “remédios”
Vários desdobramentos podem ser
vislumbrados a partir desse cenário de
farmácia: pense no remédio CRM. Qual
é a dosagem correta? Há efeitos
colaterais previstos? Há reações adversas se tomado com outros “remédios”?
Quais são as advertências que o paciente deve conhecer? Quais são os “laboratórios” certificados de CRM? Quanto
custa um “frasco de CRM?” À medida
que o curso de E-business avança, as
respostas a essas perguntas são elaboradas através da literatura, estudos de caso,
experiências profissionais do professor
e dos alunos, bem como através de “visitas” de representantes dos “laboratórios” de alguns aplicativos de E-business.
Ao longo do curso, é solicitada dos
alunos, como trabalho complementar, a
elaboração de “bulas” de todos os
“remédios” apresentados no curso. As
“bulas” contêm as informações que um
paciente usualmente encontra em remé-
dios comuns, adaptadas ao ambiente de
E-business. A Figura 2 mostra a “bula”
e o frasco do “remédio” SCM – Supply
Chain Management.
As bulas geram material complementar do curso, ampliando o conjunto
de informações sobre os aplicativos ebusiness e são usadas como parte da nota
de produto do curso. A maior parcela
dessa nota provém, no entanto, do projeto de um e-business, que é o trabalho
final do curso. No trabalho final, os alunos apresentam a proposta de uma cadeia de valor de um negócio, salientando a contribuição de cada um dos “remédios” por eles escolhidos.
É importante salientar que o “modelo de farmácia” leva os alunos também a praticar exercícios de estratégia
de forma natural. Escolher qual “remédio” deve ser receitado para uma determinada “patologia” é um exercício de
estratégia em sua essência.
Figura 2:
Bula e frasco
do “remédio” SCM
58
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
2. O modelo de
farmácia em
funcionamento
– passo a passo
Quando alguém não está se sentindo
bem, usualmente consulta um médico.
O médico irá fazer uma série de perguntas, medir a pressão sangüínea, a temperatura corporal antes de receitar qualquer
remédio, se ele achar que são necessários. Essa fase é a diagnóstica.
2.1 Fase Diagnóstica
O modelo de farmácia para o ensino
de e-business também possui a fase
diagnóstica. O empresário de um potencial e-business tem que saber identificar
as tendências sociais, econômicas e técnicas que emergem do mercado, necessárias para o desenho do negócio. Que
sinais emergem do mercado? Qual a sua
“temperatura” ou “pressão arterial?” Em
vez de apontar um único dedo para as
tendências de e-business, os alunos são
convidados a colocar mão cheia sobre
elas. É o modelo “mão do médico”, mostrada na Figura 3.
problema
causa
solução
ícone
exemplos
impactos sobre
e-business
Hoje em dia, milhões de pessoas não procuram pelas chaves do
carro para sair e comprar itens de
informática e som, presentes e alimentos. Eles procuram as teclas do
teclado de seus computadores.
Figura 3: Diagnose
do Mercado
através do
modelo
“Mão do Médico”
Indubitavelmente, self service é uma
tendência que os empresários não podem ignorar. A “Mão do Médico” colocada sobre essa tendência resulta:
Problema – restrições de tempo e
burocracia
Causa – infra-estrutura inadequada e controle excessivo
Solução – Self-service
Exemplo – Internet banking e evendas
Impacto sobre e-business – processos de suporte ao cliente mais enxutos.
Os alunos são solicitados a analisar
uma série de casos reais através do modelo “A mão do Médico”, para aprender
a auscultar os sinais do mercado.
2.2 Fase de Aprendizado
Na analogia de modelos e-business
– farmácia, a fase subseqüente à
diagnóstica é a fase de prescrição do tra-
59
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
tamento. Quais remédios ou tratamentos são os mais adequados para a doença detectada?
Naturalmente, o médico deve estar
ciente das indicações, contra-indicações
e dosagem de cada um dos remédios que
ele irá prescrever. Para tanto, os alunos
– médicos – iniciam uma etapa de aprendizado sobre cada um dos “remédios” –
aplicativos de e-business. A partir de
vários modelos de e-business da literatura [Kalakotta, 2000; Turban 2000],
experiências de mercado e estudos de
caso, um conjunto de seis “remédios” foi
escolhido. São eles:
Interação com
“Remédios” Informação ao paciente o utros remédios
Precauções
CRM
Necessário para tratar
clientes diferentes,
diferentemente.
SeCM, ERP
e DSS
Usar CRM somente com
clientes de maior valor.
SeCM
Permite usar mais
tempo para entender as
reais necessidades do
cliente.
CRM e ERP
Somente tecnologia (ex.
configuradores de
produtos) não garante
resultados esperados.
ERP
É a espinha dorsal do
e-business. Use-o antes
de qualquer outro
remédio.
CRM, SeCM,
SCM, ORM e DSS
Expõe o dilema
gerencial: colocar ERP
na empresa ou viceversa?
SCM
Necessário para
substituir estoques por
informação.
ERP e SeCM
Defina métricas para
avaliar o desempenho da
cadeia de fornecimento.
ORM
Necessário para reduzir
custos do ciclo de
compras de materiais
não produtivos.
ERP, DSS
E-procurement não
dispensa compradores
profissionais.
DSS
Necessário para
transformar dados
em informação
estratégica.
CRM, SeCM e
ERP
Tenha uma infraestrutura
adequada de TI para
armazenamento de
dados.
• CRM – Customer Relationship
Management
• SeCM – Selling Chain
Management
• ERP – Enterprise Resource
Management
• SCM – Supply Chain
Management
• ORM – Operating Resource
Management (e-procurement)
• DSS – Decision Support
Systems
O estudo de cada um dos aplicativos
de e-business é feito através da forma
tradicional de um curso MBA: apresentação da base conceitual seguida por discussões e estudos de caso. Particularmente para três “remédios” do conjunto
– CRM, ERP e SCM –, são convidados
palestrantes de empresas relacionadas ao
tema, que podem ser: desenvolvedores,
implementadores ou usuários do
aplicativo. As palestras apresentadas em
sala de aula têm proporcionado discussões esclarecedoras entre os alunos e os
“representantes de laboratório” e têm
contribuído para esclarecer vários aspectos sobre o uso dos aplicativos.
Após a conclusão do estudo de cada
aplicativo, os alunos têm as informações
necessárias para compor as bulas de cada
um dos remédios. A Tabela 1 apresenta
algumas das contribuições feitas pelos
alunos, resultante da prática d escrever
“bulas”.
60
Tabela 1:Seções das “bulas de remédios”.
Um outro recurso didático é usado
nessa fase. Ele é formado por um conjunto de acrônimos ou princípios funcionais
(“princípios ativos”) associados com os
aplicativos de e-business, escritos em
tiras de papel e colocados dentro dos
frascos de “remédios”. Por exemplo, no
frasco CRM [Peppers and Rogers,
1999] são colocados os seguintes princípios ativos: CTI – Computer
Telephone Integration –, VRU – Voice
Response Unit, Cross-Sell e Up-Sell.
Ver Figura 4.
Figura 4:
Princípios ativos
do “remédio CRM”
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
3. Avaliação do
“Modelo de
Farmácia”
No final da aula de CRM, alguns alunos retiram essas tiras de papel do frasco CRM. Até a aula seguinte, eles irão
pesquisar sobre o princípio ativo, levantando informações conceituais, casos de
aplicação e exemplos. No início da aula
seguinte à de CRM, os alunos são convidados a apresentar para a classe os resultados de suas pesquisas. Esse tem se
mostrado um método eficiente de revisão de conteúdo e que, ao mesmo tempo, incentiva a participação dos alunos.
É muito importante para os alunos,
ter um retorno regular a respeito de seus
trabalhos. Isso é feito através do método
“semáforo2 ”, enviado semanalmente aos
alunos via e-mail. Ver Figura 5. Nos trabalhos entregues, o professor escreve
comentários, correções e sugestões de
leituras complementares.
2.3 Fase de Prescrição
Uma vez que os alunos têm o conhecimento da “doença do paciente”, bem
como dos remédios potenciais que podem ser prescritos, eles são agora considerados capazes de fazer a prescrição.
Essa fase pode ser pensada como um
exercício de estratégia, que nunca deve
ficar à margem de qualquer e-business
[Porter, 2001], desde que a atividade
principal dessa fase é escolher o coquetel ideal de remédios, adequado para um
negócio específico. Aos alunos é dada a
tarefa de desenhar a cadeia de valor de
um e-business (real ou não), que mostra
em detalhes a contribuição de cada “remédio” ou aplicativo para aumentar ou
evidenciar a proposta de valor do negócio proposto.
A ESPM possui um instrumento de
avaliação de curso (pesquisa de opinião)
bastante detalhado. Este formulário, preenchido pelos alunos no final dos cursos, é composto de três seções: (a) Resultados obtidos no curso (b) Contribuição do aluno para o resultado do curso e
(c) Contribuição do professor para o resultado do curso. Algumas das questões
propostas avaliam especificamente o
processo de aprendizado. Exemplos dessas questões são:
1. A seqüência de aulas proporcionou um encadeamento adequado para
facilitar o seu aprendizado?
2. Você teve feedback do professor
quanto ao seu aproveitamento através de
comentários sobre o resultado de provas,
trabalhos, etc.?
3. Você participou efetivamente de
todas as atividades propostas em sala ou
fora dela?
4. O professor abordou os temas de
forma a facilitar seu aprendizado?
Status dos Exercícios
Exercício
Alexander
Neide
Patrícia
Legenda
25/Fev
1
2
04/Mar
3
Entregou no prazo
Entregou atrasado
Não entregou
Figura 5: Semáforo de acompanhamento de Exercícios
61
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Os alunos preenchem a pesquisa de
opinião de acordo com a escala de avaliação de 1(mínimo) – 4(máximo). Em
um período de 2 anos, o curso de Ebusiness foi oferecido quatro vezes, com
um total de 92 alunos. As avaliações
das questões 1 - 4 são mostradas na Figura 6.
100% –
4. Conclusões
20% –
Foi apresentada uma proposta pedagógica inovadora para ensino e
aprendizado do curso de E-business.
Ela atende adequadamente ao desafio
inerente ao ensino do conteúdo do
curso, uma vez que ao longo do curso
0% –
Grade 4
80% –
Grade 3
60% –
Grade 2
Grade 1
40% –
Figura 6: Avaliação do Curso de E-business feita pelos alunos
os alunos trabalham com conceitos
do dia-a-dia, adaptados para o
ambiente de e-business. O modelo de
farmácia para o ensino de e-business
tem sido usado com sucesso nos
últimos 2 anos.
Referências Bibliográficas
KALAKOTA, R. and Robinson, M. E-business 2.0– Roadmap for Success, Addison-Wesley, 2000, ISBN: 0-201-721651.
PEPPERS, D. ,Rogers, M.and Dorf, B. Is your Company Ready for One-to-One Marketing?, Harvard Business Review, Jan/Feb 1999 , p. 3-12.
PORTER, M.E. Strategy and Internet Harvard Business Review, March 2001, p. 63-78.
TURBAN, E. et al. Electronic Commerce – A Managerial Perspective, Prentice Hall, 2000, ISBN 0-13-975285-4.
Notas
1
Título original: “A drugstore model for teaching E-business”, apresentado na 8th International Conference on Concurrent Enterprising. – ICE2002 - 17 –19 June , Rome – Italy. ISBN
0-85358-113-4. p. 461-466.
2
Você deve estar se perguntando: qual a relação entre “semáforo” e “farmácia”? Ora, esse é o semáforo defronte à farmácia.
Agradecimentos
Este trabalho é fruto de uma interação medicamentosa positiva entre a ESPM e o ITA.
À ESPM, por ter viabilizado a apresentação do trabalho na 8th International Conference on Concurrent Enterprising
Luís Gonzaga Trabasso – Professor da Pós-Graduação da ESPM e Professor Adjunto do ITA.
62
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
• Aline Ricomini
• Flávia Preuss Siqueira
63
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Seguindo um modelo clássico de
análise setorial, as autoras propõem
medidas que podem aumentar a
competitividade das padarias brasileiras.
1. Introdução
As dificuldades enfrentadas pelos pequenos varejistas são um fato amplamente divulgado e conhecido. Atualmente,
há uma tendência de os grandes varejistas fazerem aquisições e fusões entre
si, aumentando ainda mais seu poder de
barganha perante os fornecedores e gerando uma dificuldade de continuidade
para os pequenos varejistas. Estes últimos, por sua vez, não possuem poder na
hora da compra perante seus fornecedores, já que esta é realizada em pequenas
quantidades. Isso gera uma situação
inviável na competição estratégica de
preços baixos para esses pequenos esta-
64
belecimentos, tendo possibilidade de
crescimento somente quando identificam nichos específicos.
Ao notarmos essa tendência, identificamos uma oportunidade de negócio:
ofertar uma consultoria especializada no
setor de panificadoras ofertando serviços nas áreas de Marketing, Recursos
Humanos, Finanças e Logística. Porém,
será que esse setor estaria receptivo a
essa oferta? É a esta pergunta que desejamos responder através de uma análise do setor de panificação.
O presente trabalho está subdividido em cinco tópicos. Este introdutório,
que expõe o problema de pesquisa. O
segundo tópico nos traz uma breve revisão teórica sobre consultoria e pequeno varejo assim como nos posiciona sobre o mercado de panificação. O tópico
3 descreve a metodologia adotada para
a realização deste trabalho, enquanto o
tópico 4 se dedica aos resultados obtidos na pesquisa de campo. Por fim, o
quinto tópico trata das conclusões e das
considerações finais, sendo seguido pela
bibliografia utilizada para embasar este
estudo.
2. Revisão Teórica
2.1 Consultoria
Consultoria empresarial tem como
definição ser “um processo interativo de
um agente de mudanças externo à empresa, o qual assume a responsabilidade de auxiliar os executivos e profissionais da referida empresa nas tomadas
de decisões, não tendo, entretanto, o controle direto da situação” (OLIVEIRA,
1996:21). A pessoa ou empresa que deseja prestar consultoria deve interagir, isto
é, receber e fornecer informações à empresa-cliente que a ajudem em suas decisões empresariais (sejam elas estratégicas,
operacionais ou mercadológicas, por
exemplo), sem, portanto, realmente
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
executá-las. Além disso, uma consultoria
deve ter bem clara sua definição no que
se refere a estrutura e amplitude.
A estrutura de uma consultoria pode
ser dividida em pacote ou artesanal.
Uma consultoria empresarial do tipo
pacote é aquela em que há uma transferência de fortes estruturas de metodologias e de técnicas administrativas, sem
se preocupar com a adequação da
realidade atual da empresa-cliente. Já
uma consultoria do tipo artesanal é
aquela que procura atender às
necessidades do cliente através de projetos específicos. Seria esta a proposta
deste estudo. Isso não a impede, porém,
de utilizar o know-how já adquirido em
outros trabalhos.
Com relação à amplitude, uma
consultoria pode ser especializada, isto é,
atuar em poucos assuntos; ou global-integrada, ou seja, atuar de forma interativa
em todas as atividades do cliente.
A consultoria proposta neste trabalho
seria a do tipo artesanal especializada,
uma vez que visa atender de forma especializada as panificadoras, ofertando propostas nas áreas de marketing, RH, finan-
ças e logística.
2.2 Pequeno Varejo
e Panificadoras
Segundo o Instituto ACNielsen do
Brasil Ltda., Censo 2000, o Pequeno Varejo abrange estabelecimentos que
podem ser divididos em lojas tradicionais, onde é necessária a presença de
vendedor/balconista e auto-serviço,
cujos produtos estão dispostos de
maneira acessível, permitindo aos
fregueses se “auto-servirem”. Dentro da
divisão auto-serviço enquadram-se, no
pequeno varejo, as lojas que possuem até
9 check outs (balcão na saída da loja,
com caixa registradora ou qualquer outro
equipamento que permita a soma e conferência das compras). Acima de 10
check outs, os estabelecimentos são considerados médio varejo e/ou lojas Key
Account, normalmente grandes redes.
O volume de Vendas do Pequeno Varejo, segundo esse Instituto, representa
57% do total Brasil, com 325.300 estabelecimentos, sendo que na Grande São
Paulo estes representam 26%, com um
total de 21.300 estabelecimentos. O
Instituito ACNielsen do Brasil não
considera as informações da Região Norte.
De acordo com a
Associação Brasileira da Indústria de Panificação –
ABIP, há
atualmente
quatro tipos
de panificadoras. São
eles:
Padaria tipo Boutique: Localizadas em regiões com alto poder
aquisitivo, oferecendo produtos próprios e importados. Sua quantidade não é
representativa;
Padaria de Serviço: Localizadas
em regiões centrais e ruas com grande
circulação e concentração de lojas comerciais ou escritórios. Além dos produtos de padaria, confeitaria e rotisserie,
oferecem serviços de bar, lanchonete,
fast-food etc;
Padarias de Conveniência: Localizadas em bairros residenciais. Além
dos produtos próprios: padaria, confeitaria, rotisserie e serviços de bar e lanchonete, oferecem uma gama de produtos de conveniência, chegando algumas
a oferecer cerca de 3.000 itens;
Pontos Quentes: Uma tendência européia em que a padaria abre uma
filial, envia alguns tipos de pães já embalados e outros tipos de pães congelados (ou resfriados) para assar no local.
Não há necessidade de grandes espaços,
pois não há setor de produção, o estoque é de reposto diariamente pela matriz, utilizando menor número de mãode-obra.
Segundo pesquisa realizada pela
ABIP, uma panificadora possui cerca
de 350 m2. Trabalham, em média, cerca de 12 pessoas, sendo 10 empregados. Normalmente, seu horário de funcionamento é das 6h00 às 22h00, todos os dias da semana, porém, há
aquelas que permanecem abertas 24
horas todos os dias.
Ainda segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação, o segmento de Panificação e Confeitaria no
Brasil representa um faturamento ao redor de U$ 16 bilhões/ano, empregando
como mão-de-obra direta mais de
530.000 pessoas e um número estimado de mão-de-obra indireta ao redor de
1,5 milhão.
Atualmente estima-se que há 45.000
panificadoras no Brasil distribuídas pelas regiões brasileiras conforme demonstrado no gráfico 1.6. Em 1984 esse
número era estimado em 32.000 panificadoras e já atingiu, em 1996, cerca de
55.000 pequenas empresas.
65
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
3. Metodologia
Essa elevação na quantidade de panificadoras teve diversas influências,
tais como empreendedores investindo
ou mudando de ramo, desempregados,
o novo conceito de “mini-padaria”,
entre outros. Atualmente estima-se uma
tendência de redução nesse universo na
ordem de 10% nos próximos 2 anos.
Porém, segundo levantamento realizado pelo Sindicato da Indústria de
Panificação e Confeitaria de São Paulo – SINDIPAN, através de visita “in
loco” nas panificadoras de seu cadastro
em sua base territorial, ou seja, na cidade
de São Paulo, foi constatado que em 1998
fecharam 305 padarias das 2.944 visitadas, representando 10,4%. Essa queda é
classificada pela Associação como forma de depuração natural da economia
e como influência da falta de
experiência e perfil de alguns novos
empresários, uma vez que para o
Sindicato houve uma explosão na
abertura de panificadoras, existindo em
algumas regiões concentração desses
estabelecimentos, às vezes com menos
de 50 metros de distância. Essa queda
também pode ser explicada pela mudança no perfil dos consumidores, que
estão mais exigentes, a entrada de novos empresários no segmento de panificação através de influência do Sebrae,
ou fabricantes de equipamentos com o
conceito Mini-Padaria em um mercado livre para a concorrência direta.
Outro fator que também influencia
essa queda no setor, de acordo com o
SINDIPAN, é a concorrência das redes de supermercados que não permitem que as panificadoras recomponham
os seus custos uma vez que o preço de
um pão na padaria custa, em média,
R$ 0,18 e no supermercado R$0,13.
Além disto, existem as padarias clandestinas (ou fundo de quintal) onde,
sem nenhuma higiene, regularização,
registros contábeis ou empregatícios,
pagamentos de impostos e taxas, qualidade incerta e peso inferior a 50 g,
produzem e vendem em carros ambulantes pacotes de pães com 20 unidades a R$ 1,00.
Quadro 1 - Principais dificuldades do setor de Panificação
• Faturamento e rentabilidade em declínio (preço do pão não consegue se igualar aos preços praticados pelos supermercados);
• Falta de competência para enfrentar concorrência agressiva (supermercados
fábricas clandestinas e vendas ambulantes e outras panificadoras);
• Falta de capital de giro para investimento;
• Queda no consumo nas padarias.
Fonte: Sindipan (1999)
66
O estudo da viabilidade de uma
consultoria para panificadoras foi desenvolvido utilizando-se a metodologia do
estudo de caso. Segundo GIL (1991), o
estudo de caso é caracterizado pelo “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu
amplo e detalhado conhecimento”, o que
permite o estímulo a novas descobertas.
A coleta dos dados para este estudo
deu-se em duas etapas. Na primeira foram realizadas pesquisas bibliográfica
e documental, as quais possibilitaram o
levantamento de dados secundários sobre o macro e microambientes, consultoria, pequeno varejo, setor de panificação e análise financeira.
Já na segunda etapa desenvolvemos
um questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas, totalizando
22 questões, o qual foi aplicado através
de entrevistas pessoais a uma amostra
de 100 proprietários de panificadoras na
cidade de São Paulo. Esse questionário
teve caráter exploratório cujos objetivos
principais foram um maior aprofundamento sobre em que a visão dos proprietários sobre o setor em que estão inseridos e a verificação de aceitação da
consul-toria proposta para eles.
Conceito da INOPAN – Inovação em
Panificadoras Prestadorsa de Serviços
Ltda., apresentado durante as entrevistas pessoais:
Uma Prestadora de Serviços para Padarias, cuja idéia principal é prestar serviços na áreas de Marketing, Recursos
Humanos, Finanças ou Logística, dependendo das necessidades do estabelecimento, visando ao aumento da sua
lucratividade.
Na área de Marketing serão
disponibilizados os serviços de:
–
Pesquisa de mercado para avaliar satisfação e verificar oportunidades
de negócios; e
– Desenvolvimento de planos de
propaganda.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Quanto a Recursos Humanos, os serviços ofertados serão:
–
Auxílio na contratação de pessoal;
– Treinamento para a padronização do atendimento; e
– Definição de políticas de incentivos.
Já na área de Finanças serão avaliados novos investimentos e fluxo de
caixa, a fim de incrementar o potencial
lucrativo, priorizar esforços e reduzir
custos.
E no que se refere à Logística avaliará fornecedores, a fim de padronizar o
contato e verificar oportunidades de redução de custos junto a eles.
4. Resultados
Através dos questionários aplicados
nas entrevistas pessoais aos proprietários de panificadoras, pudemos constatar que 83% possuem a percepção de que
o mercado de panificação está em queda,
contra 9% que acham que o mercado está
em crescimento e apenas 8% que o mercado está estável.
Abaixo as principais justificativas
que para os proprietários de panificadoras influenciam a queda no mercado
Panificador:
estão no ramo há menos de 5 anos. Sendo que 25% da amostra sempre atuou
no ramo de panificação e mais 29% sempre no ramo alimentício com outros
comércios, tais como restaurante, lanchonete e mercearia.
Quanto à compra conjunta com outros
estabelecimentos, 75% nunca fizeram,
cujos motivos constam do quadro 3.
Quadro 3 – Motivos por que não faz compras conjuntas
%
35%
Nunca pensei nisso/ não tenho interesse e/ou necessidade
Dificuldade para achar um parceiro/ Classe desunida/ desconfiada 29%
Sou novo no negócio/ Não tenho contatos/ não conheço ninguém 11%
11%
Nunca ofereceram/ não tive oportunidade
8%
Não compensa para compras em pequenas quantidades
4%
Trabalhamos de maneira diferenciada comparando
aos outros estabelecimentos
3%
Não acredito que daria certo
3%
Não existe quem faça isso/ cooperativa
1%
Fornecedores não oferecem vantagens
Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100 estabelecimentos.
Outra questão levantada através da pesquisa foi se os proprietários assinam ou recebem algum tipo de revista do ramo.
Constatamos que 84% recebem, sendo as
principais revistas: Panificação e Confeitaria (revista do Sindicato de Panificação),
Padaria 2000, Indústria da Panificação
e Padaria Moderna.
Quadro 2 – Fatores que influenciam a queda no mercado de
panificadoras, segundo os proprietários das panificadoras
%
Concorrência com supermercados –
preços, horário de atendimento (24 h, finais de semana),
produtos ofertados
Economia brasileira em recessão
Grande número de padarias
Situação socioeconômica da população
(queda do poder aquisitivo, desemprego)
Falta de investimento/ inovação/ reformas
Aluguel/ encargos altos
Fornecedores – não facilitam a forma de pagto/ cobram preços altos
Shoppings
Outros
78%
16%
13%
8%
7%
7%
4%
4%
8%
Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100 estabelecimentos.
Pela amostra identificamos que 40%
dos proprietários estão há mais de 15
anos no ramo de panificação, 33% possuem entre 6 e 15 anos e apenas 27%
Outro dado interessante que constatamos foram as famílias/produtos que trazem as melhores margens para o negócio:
42% afirmam que são os pães, 29% absorvem as melhores margens na lanchonete,
12% acreditam ser nas bebidas, 7% afirmam ser na Confeitaria e apenas 3% consideram os frios e outros 3% os doces os
principais itens a trazerem margem.
As principais feiras visitadas pelos
proprietários (62% da amostra) são
Fispan (Feira Internacional da Indústria
da Panificação – Sindicato) e Fispal.
Após levantarmos questões gerais sobre o negócio dos panificadores, conforme resultados acima, apresentamos o conceito da Prestadora de Serviço e obtivemos que 84% acharam a idéia boa, ótima
ou válida e apenas 16% não viram necessidade desse tipo de serviço para o seu estabelecimento.
Outro dado importante foi que 70%
acreditam que uma prestadora de serviços contribuiria para a melhoria do seu
negócio. Quase metade destes proprietários afirma que uma prestadora de serviços ofereceria ferramentas que ajudariam
a panificadora crescer, o proprietário a
tomar melhores decisões, reduzir custos;
outros 20% acreditam que traria informações das quais os proprietários não sabem
ou não têm tempo para procurar; 16%
afirmaram que os serviços ofertados são
de áreas das quais eles não são
especializados e/ou não têm conhecimento
e que precisam de ajuda, enquanto outros
13% afirmaram que a prestadora de serviços cuidaria de áreas às quais eles não
têm tempo para dar atenção.
Verificamos também que metade da
amostra está propensa a contratar esse tipo
de serviço, conforme demonstrado no gráfico abaixo. Extrapolando esse percentual
67
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
para nosso universo de 18.900 panificadoras na cidade de São Paulo, obtém-se
um mercado de atuação de aproximadamente 9.600 padarias.
Gráfico 2 – Porcentagem de
panificadoras que
contratariam ou não os serviços de uma prestadora de
serviços
Em contrapartida, as autoras puderam
desenvolver técnicas de comunicação e até
mesmo negociação para obtenção das informações, verificando a riqueza na percepção e maior produtividade no levantamento de informações através do contato
pessoal.
5. Conclusões
Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100
estabelecimentos.
Para aplicação desses questionários
encontramos diversas dificuldades, porém
obtivemos um grande aprendizado. Dentre
as dificuldades podemos citar nãocomprometimento/falta de interesse dos
proprietários em responder ao questionário,
medo destes em passar informações, falta
de tempo, recusa em responder ao questionário e ausência do proprietário na panificadora na hora da pesquisa; sendo assim,
foi necessária a visita em mais de 180
estabelecimentos para conseguirmos
entrevistar 100 proprietários.
Através deste estudo, pudemos identificar como principais dificuldades do
setor de panificação e explicação para a
diminuição do número de estabelecimentos a forte concorrência perante as redes
de supermercados, que possuem como
grande diferencial a competitividade por
baixos preços, a concorrência de outras
panificadoras devido ao seu grande número e proximidade, situação socioeconômica do país, falta de inovação e investimentos no setor, falta de conhecimentos
teóricos e técnicos dos proprietários de
panificadoras e crescente exigência dos
consumidores por qualidade de produtos,
bom atendimento e preços baixos.
Para reverter essa situação, ou seja,
tornar o mercado panificador competitivo e rentável, propomos uma maior especialização e diferenciação dos estabelecimentos.
Para isso é necessário um estudo do
mercado local onde a panificadora está
presente, a fim de focar a oferta de produtos e serviços dos quais os seus consumidores estão propensos a adquirir,
alinhar os preços praticados pelas outras
panificadoras próximas, identificar oportunidades de vendas de novos produtos
e/ou prática de serviços diferenciados
tais como café da manhã e entrega
domiciliar, por exemplo. Outra alteração
necessária no setor e a prática de
treinamento,
padronização
e
implantação de políticas de incentivos
para os funcionários visando melhorar
o atendimento e diminuir a rotatividade
característica desse setor.
Necessidade de maiores controles financeiros possibilitando identificar e
incrementar o potencial lucrativo do estabelecimento (quais os produtos com
maior margem e como podemos fazer
para aumentar as vendas?), melhorias no
fluxo de caixa, como organizar os pagamentos de acordo com os recebimentos,
e estudo para reduzir custos.
Identificação de parceiros para o fornecimento de matérias-primas, verificação
e realização de associações para compra
de produtos com preço mais competitivo, obtendo assim reduções de custos.
Com estas melhorias envolvendo as
áreas de Marketing, Recursos Humanos,
Finanças e Logística nas panificadoras,
acreditamos num desenvolvimento e crescimento deste setor.
Referências bibliográficas
ABIP. Perfil do Mercado. 2000; [13]. Disponível em <URL:http://www.abip.org.br/perfil/perf99.html>[2000 Nov 23].
ACNielsen, Instituto do Brasil Ltda., Censo 2000.
ESTADO DE SÃO PAULO (03/04/2000). Pequenos supermercados tiveram boas vendas. O Estado de S. Paulo.
ESTADO DE SÃO PAULO (03/04/2000). Pesquisa com cliente aumenta. o faturamento. O Estado de S. Paulo.
FAHEY, L e RANDALL. MBA Curso Prático / Estratégia. Ed MackronBooks, 1999.
GAZETA MERCANTIL (1999). Panorama Setorial, Pães e Padarias. Gazeta Mercantil.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3ed. São Paulo: Atlas, 1991
KOTLER, Philip. Marketing para século XXI – Como criar, conquistar e dominar mercado - São Paulo: Ed. Futura, 1999.
KOTLER, Philip; e ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. São Paulo: Ed. Atlas, 1998.
LASCASAS, Alexandre L. Marketing de Serviços. São Paulo: Ed. Atlas, 1991.
LEVY, Alberto R. Estratégia em Ação: administração estratégica; estratégia competitiva, análise de portfólio, posicionamento de produtos. São Paulo: Atlas,1996.
LONGENECKER, Justin G; MOORE, Carlos W e outros. Administração de Pequenas Empresas. São Paulo: Makron Books, 1997.
MONTOGOMERY,Cynthia e PORTER, Michael E. Estratégia: A busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho. Manual de Consultoria Empresarial: conceitos; metodologia, práticas. São Paulo:Ed Atlas, 1996.
PEREIRA, Heitor José; SANTOS, Silvio Ap. Criando seu próprio negócio: como desenvolver o potencial empreendedor. Brasília:Sebrae, 1995.
PORTER, Michael E; Estratégia Competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Trad. Elizabeth Maria de Pinho Braga, 17ª . Ed. Rio de Janeiro.
• Aline Ricomini e Flávia Preuss Siqueira – Alunas do Curso de Administração com ênfase em administração mercadológica da
ESPM – graduadas em 2001.
68
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
EMPRESARIAL
69
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Participar de uma mesa-redonda
sobre pesquisa de mercado foi uma
experiência estimulante e – por
incrível que possa parecer –
saudosista. As minhas primeiras
experiências pessoais, profissionais,
com o marketing foram, justamente,
com pesquisa – no inicio dos anos 60.
Era um tempo complicado. Não
havia mapas confiáveis para as
principais cidades brasileiras, nem
mesmo Rio e São Paulo. Entrevistas
pelo telefone, só se a sua amostra
fosse exclusivamente de Classe A e
– assim mesmo – corriam-se riscos,
pois a Classe A não falava – como
não fala – ao telefone com estranhos.
O jeito era instruir o entrevistador para
ir batendo em cada terceira casa –
ou apartamento – e tratar de fazer a
entrevista de qualquer jeito. Era o tipo
de amostra randômica da época.
Redigir um questionário era
tarefa para sábios. Só os profundos
conhecedores da natureza humana
brasileira, como Alfredo Carmo ou
Octavio da Costa Eduardo, eram
capazes de criar perguntas que não
estimulassem respostas prontas, pois
–
entre outras coisas – os
70
Participantes
Celso Forster
ESPM
Daina Ruttul Godinho
Ipsos-Marplan
Francisco Gracioso
ESPM
Francisco José de Toledo
Toledo & Associados Pesquisa de
Mercado e Opinião Pública
Jaime Troiano
Troiano Consultoria de Marca
Paulo Secches
InterScience
J. Roberto Whitaker Penteado
Moderador
consumidores brasileiros detestavam
desagradar o entrevistador. Depois
dos questionários preenchidos, vinha
a tabulação. A mão, mesmo, até
chegarem os cartões perfurados.
Depois era tudo transformado em
porcentagens. Precisava ser muito
bom gerente de produto – minha
primeira função – para descobrir que
aquela tabelinha tão precisa, em que
67% eram usuários e 33% não,
baseava-se em apenas três
entrevistados...
Mudou muito a pesquisa, como
mudou o marketing – e essas
reflexões surgem-me depois de
participar de uma mesa de debates
com alguns dos nossos melhores
pesquisadores no Brasil de hoje, de
posse quase universal de telefones e
computadores quase inteligentes.
Mas só quase, pois – como o leitor
irá constatar, depois de ler esse debate interessante e rico – o problema
mais complicado, com seus clientes
modernos e globalizados, é lembrálos de que, de ambos os lados do processo de pesquisa, o que ainda existe é gente.
J. Roberto Whitaker Penteado
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
JR – Vamos dar início ao nosso debate com os profissionais da área de
pesquisa. O prof. Gracioso pediu a
palavra.
FG – Sinto-me feliz em ter aqui elementos tão representativos da nossa
pesquisa. Nos meus longos anos de
carreira, sempre dei grande valor à
contribuição que a pesquisa pode dar
à propaganda, ao marketing de modo
geral. Vocês – melhor do que eu – sabem que essas contribuições vão
além do operacional – estão na área
estratégica, adquirindo uma multiplicidade de utilizações de que os leigos
sequer desconfiam. Até onde vai a
utilidade que a pesquisa pode ter para
a empresa, para os profissionais de
marketing, de comunicação; a evolução que ela teve no Brasil nos últimos
anos em tecnologia, concei-tuação. A
implicação da pesquisa dentro deste
contexto mais amplo de sistemas de
informações que, hoje, muitas empresas procuram introduzir. Tudo isso
espero que seja tratado nessa
reunião, que terá grande valor para
nossos alunos e professores.
JR – Meu primeiro estágio na área
de marketing foi em pesquisa. E,
naquela época, já se discutia se o
nome da atividade era pesquisa de
mercado ou pesquisa de marketing.
Mas o primeiro tema da pauta é –
como se compara a pesquisa de
hoje com a de 10 ou 20 anos atrás.
Como vocês vêem a sua atividade?
Como ela se insere na estratégia de
marketing?
CF – Diferentemente dos companheiros da mesa, eu sempre fui usuário
de pesquisa e não especialista na
área. Tive duas vivências distintas em
agências de propaganda – uma na
área de mídia e outra em atendimento
– e sempre me coloquei na condição
de parceiro dos clientes, na utilização da informação. Mas percebo
tanto um uso da pesquisa de
mercado
para
informações
gerenciais do mercado como um
todo, como as pesquisas voltadas
instalação de shopping centers. Claro que isso é algo mais amplo do que
só pesquisa, mas a pesquisa é fundamental para estudos desse tipo.
“Numa palavra,
a atividade é
produção de
conhecimento.”
para a área de marketing, onde incluo a área de comunicação. Quando se fala de pesquisa de mercado,
de certa forma se generaliza. Mas
talvez haja certa diferença entes as
duas coisas, ou seja, uma informação a respeito do próprio mercado e
uma outra informação específica para
a área de marketing, onde entram os
sistemas de informação de marketing
que estão adquirindo grande
importância dentro das empresas.
FT – Em certos momentos, surge a
discussão sobre pesquisa de
marketing e pesquisa de mercado.
Mas não considero isso importante.
Quando penso em pesquisa de
marketing, estou imaginando a extensão da atividade de pesquisa. Tanto pode ser de serviços de marketing
quanto de operações de marketing –
pode ser uma pesquisa de produtos,
de vendas, de propaganda, de promoção – ela lida com o ambiente de
marketing. Mas, hoje, utilizamos expressões mais diretas – pesquisa de
varejo, de opinião pública, de produto, day after recall. Nada disso importa muito. O que importa é a atividade
que, numa palavra, é produção de conhecimento.
FG – Sem falar da contribuição da
pesquisa para outras disciplinas.
Você mencionava – há poucos instantes – estudos de viabilidade para
JR – Um aspecto importante nessa
discussão do antes e depois é a
questão tecnológica. Gostaria de
que alguém falasse sobre isso: se a
tecnologia evoluiu no sentido de contribuir para uma pesquisa de melhor
qualidade hoje do que há 20 anos.
PS – Talvez em excesso. Na verdade, se eu tivesse que definir, eu diria
que pesquisa trata de gente. O que
tenho aprendido é que, talvez, uma
das grandes falácias de pesquisa de
mercado seja criar abstrações.
"Correntista", ou "comprador de carro", "comprador de supermercado".
Essas coisas não têm existência real.
O que existe é um indivíduo, com determinadas características, um comportamento, expectativas, sonhos,
desejos, necessidades que se manifestam em diferentes categorias de
produto. Mas é sempre a mesma pessoa. No meu modo de ver, essa é uma
das grandes falácias da própria pesquisa, que não percebe isso. O tempo todo, estou falando da mesma pessoa, que é o leitor, o correntista de
banco. Esses dias, estava discutindo
um projeto – uma apresentação de
identidade corporativa de uma instituição financeira – e mostrei um fato
que tinha acontecido com uma professora, no interior do Pará – um problema com a casa dela – para tentar
recomendar aos presidentes da organização como deveriam orientar sua
comunicação corporativa. Acho que
a utilização da tecnologia – que é importante em pesquisa de mercado –
vai automatizando os pesquisadores.
Há dois anos, licenciamos a
metodologia de uma empresa norteamericana e mandamos o nosso pessoal para ser treinado lá. Quando voltaram, parecia que tinham tido
implantado um chip no cérebro, não
conseguiam mais pensar. Tive que
encontrar a chave e arrancar o chip
fora. Esse é o problema, porque você
71
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
vai aprendendo a tecnologia, o instrumento, e vai-se distanciando do
indivíduo, do ser humano – que é
quem comanda o processo.
alvo do nosso trabalho – diz o que
pensa, mas faz o que sente.
Daina – Gostaria de falar sobre isso,
mas na minha área de pesquisa de
mídia. Quando comecei a trabalhar,
há 25 anos, tudo era manual, muito
difícil de ser feito.
JT – Sim. Mas principalmente o que
sente, porque é a expressão do desejo – e é difícil ficar satisfeito com
a tecnologia, esperando que ela resolva apenas identificando o que se
diz, porque, o que se diz, muitas vezes, oculta grandes segredos, grandes patrulhamentos etc. Se você não
mergulhar na vida dessas pessoas,
é muito difícil entendê-las. Às vezes,
tecnologia pode ser boa para outras
coisas, mas, para esse mergulho,
ela é apenas uma ferramenta
primária. Já passou esse ciclo.
Concordo com o Paulo: ele foi um
dos primeiros a mergulhar nele, e
terminou. Talvez não "terminou",
mas incorporou uma visão nova e
estamos de novo diante da realidade
de que o que precisamos entender
é de gente.
JR – Ou o que quer.
FG – Você chegou a pegar os cartões perfurados?
Daina – Cartões perfurados, cálculo de audiência – aqueles de 30 em
30 minutos, de 15 em 15 minutos,
depois de minuto a minuto. Para
essa área, o avanço da tecnologia
foi fundamental. Porque, naquela
época, você analisava um mercado
e não dava tempo de analisar o outro. Havia a informação, mas era
subutilizada. Hoje, com tudo que há
de disponível nessa área, você consegue ter bancos imensos, cruzamentos quase infinitos – e-mails, hábitos de lazer, consumo de produto,
marca, atitude. Então, você monta
um quadro completíssimo, um retrato completo daquele público-alvo,
para o Brasil inteiro ou para um dado
mercado, em segundos.
JR – Gostaria que o Jaime também
falasse um pouco do antes e depois.
JT – Fiquei muito feliz de ouvir o
que disse o Paulo. Eu o conheço há
bastante tempo e sempre tive uma
impressão...
PS – De que eu era doidinho por
uma máquina...
JT – Até pelo nome da sua empresa
– InterScience – informação e
tecnologia.
JR – Ele é um dos responsáveis por
essa evolução.
PS – Quem começa uma coisa, termina mais rápido.
72
JT – É exatamente como o Paulo
disse. Nós vivemos uma febre de
fusão de sistemas de informação, de
microcomputadores, de uso exacerbado de SPSS, de técnicas de análise sofisticadíssimas. Mas, na verdade, o que sinto é que – nos últimos
10, 15 anos – as idéias mais maravilhosas que vi serem implantadas,
em marketing e comunicação, são
idéias que saíram de mentes arejadas – talvez, até, alimentadas por
tecnologia – mas que entenderam
que as pessoas estão por trás desse processo. Por isso também não
acredito nessa divisão de marketing/
mercado. O consumidor – que é o
“Talvez uma das
grandes falácias
da pesquisa de
mercado seja criar
abstrações.”
PS – Existem empresas que
estruturam o assunto em pesquisa
quantitativa e qualitativa, como se o
problema que eu fosse estudar devesse ser qualitativo; isso é faca
Guinzo – n.os 15, 30, 45. Na cozinha,
você vai usar a faca Guinzo que você
tiver que usar para cortar o alimento
que você tiver que cortar. Mas você
não pode estruturar a empresa por
tipo de faca Guinzo.
JR – Isso é antigo. Já o nosso doutor vienense, Ernst Dichter, dizia que
o consumidor não compra brocas de
determinados tamanhos; ele quer
buracos.
PS – A sociedade passou por um
processo de plastificação tão intenso, nas últimas décadas, que, na
verdade, esses conceitos se perderam. E a turma acreditava que as
pessoas queriam comprar broca, e
fazia pesquisa para saber exatamente qual era a espessura da broca que
você tinha que oferecer. Esse processo, na minha opinião, não foi bom
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
nem para as empresas de pesquisa
de mercado. Foi extremamente danoso para o negócio. Onde está a
diferença entre pesquisa de mercado e consultoria? Por que um cliente chora para pagar R$ 50 mil numa
pesquisa de mercado e paga R$ 2
milhões, sorrindo, para um trabalho
de consultoria?
FG – No caso das empresas de pesquisas, muitas vezes, vocês vão lá
para contar coisas desagradáveis. E
ainda querem ser bem pagos!
FT – Gostaria de acrescentar meu
comentário: acho que, nesses 20
JR – Não é o que os consultores dizem…
PS – Eu estava fazendo um trabalho, organizando o nosso plano de
negócio do ano passado e constatando: você sabe qual é a
lucratividade média dos grandes
grupos de pesquisa, de nível internacional? Dois a três por cento.
Quem ganha muito, uns 7%. As
empresas de consultoria chegam a
18, 20, 23%. Por quê? Porque um
vende pensamento e o outro vende
a medida – fita métrica.
“A utilização da
tecnologia vai
automatizando os
pesquisadores.”
anos, não houve muita mudança.
Também comecei como comprador
de pesquisa – do outro lado. Tive
uma carreira profissional curiosa.
Fui executivo de marketing, dirigi
organização jornalística de
televisão e, quando montei uma
empresa de consultoria, – depois
de ter trabalhado como executivo
– cheguei à conclusão de que, na
área de consultoria, eu gostava
mesmo era de pesquisa. Isso me
fascinava. Então abandonei a
consultoria e mergulhei na pesquisa. Concordo que essa questão da
informática, da tecnologia, às vezes, irrita. Mas o que sinto é a carência de talentos que temos hoje.
A primeira pesquisa de mercado
feita no Brasil foi em 1934, pelo
Otávio da Costa Eduardo, na N.
W. Ayer – uma agência de propaganda – sobre consumo de café.
A segunda foi em 1941, paga
73
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
pelo Rockefeller – secretário de estado – sobre questões relacionadas
com a entrada do Brasil na guerra.
Foram as agências de propaganda
que começaram a introduzir pesquisa de mercado no Brasil, para atender às empresas multinacionais.
Hoje a formação desse pessoal é
muito difícil. De um modo geral você
tem muita dificuldade de pegar gente
boa saída da faculdade.
“Quando
voltaram, parecia
que tinham tido
implantado um
chip no cérebro.”
JT – No tempo em que fui professor, ficávamos reclamando dos alunos. Agora, se de fato não existem,
nós somos um pouco responsáveis
por isso.
FT – Até muito.
FG – Acho que vocês estão sendo
modestos, quando procuro lembrar
das coisas novas que fazemos graças às tecnologias que têm sido incorporadas. A Daina citou, com muita
propriedade, a possibilidade de cruzamentos infinitos, por exemplo, portanto muito mais insight. Eu citaria outro aspecto: a maior velocidade nas
decisões e nas ações de marketing,
hoje em dia, tem muito a ver com a
tecnologia de pesquisa, com a
tecnologia da informação, que dá
embasamento e segurança para decisões que, antigamente, levavam
meses para serem tomadas. Vocês,
no começo de suas carreiras, participaram de processos de lançamento
de produtos que, hoje, nos parecem
até ridículos. Começava com um conceito – que era discutido durante seis
meses; depois, na etapa seguinte,
mais um semestre, até chegar ao teste
de mercado que levaria um ano ou
dois. Era, realmente, um outro mundo. Hoje as coisas ocorrem com tanta
velocidade, em todos os sentidos – se,
numa estratégia, uma ação
operacional não deu certo, imediatamente mudamos. Isso tem muito a ver
com essa velocidade – com a
tecnologia da informação. Vocês poderiam citar inúmeros outros exemplos
– auditorias de consumo, de varejo, mil
maneiras diferentes de mídia – que dão
74
mais segurança ao marketing. O
marketing é o que é hoje por causa das
novas tecnologias na pesquisa.
JR – Isso me leva a um outro aspecto: antes dessa fase – digamos,
nos anos 60 – era voz corrente, entre os usuários da pesquisa, que
esse ou aquele Instituto não produzia resultados acurados, que a pesquisa não era de qualidade, a amostra não tinha sido bem feita, etc.
Hoje, isso parece ser assunto resolvido. Não se ouve mais esse tipo
de crítica. Embora os políticos continuem reclamando de que as pesquisas não refletem a realidade…
JT – Eu acho que piorou – e muito –
por uma razão. Houve, em função
dos enxugamentos nas empresas,
uma multiplicação de pequenas oficinas, free-lancers, pequenos escritórios. Vez por outra eu ouço, de clientes, ou constato, por ter acesso direto
a material feito por empresas menos
qualificadas. Mas isso não é só
característica do mercado de pesquisa.
No mercado de design, o cara tem um
Macintosh em casa, um consultor de
recursos humanos, que acha que
entende de organizações. Então, tenho
sérias dúvidas se melhorou. Existe um
segmento de empresas de pesquisa
que tem essa qualificação assegurada.
Mas, não sei se o conjunto do mercado
não se tem banalizado, em muitos casos. Não sei se todos foram capazes
de acompanhar a evolução, ou se não
há ainda muitos aproveitadores nesse
processo.
JR – Ou seja, ainda existe um problema de qualidade em pesquisa.
JT – Existe.
PS – Você citou o caso do design. A
disponibilização de tecnologia e de
software permite, rapidamente, a alguém fazer um site. Agora, você olha
e percebe que 80% deles são lixo.
JR – Você está falando dos sites?
PS – Sim – e de grandes corporações.
80% deles são lixo. Então, a
disponibilização de tecnologia de pesquisa, o acesso a computador,
software etc., permite que apareçam
os look alike...
JR – Você sabia que o Microsoft
Word vem com Plano de Marketing,
com questionário e tudo.
PS – Sim. Eles têm "templates" para
fazer isso tudo, mas nem eles sabem usar, garanto. Que houve um
desenvolvimento tecnológico, não
resta a menor dúvida. Mas estou
presumindo que isso é um pouco
default hoje. Ou seja, se não dá para
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
fazer uma pesquisa que demore 3
meses – não existe mais esse
tempo; não dá mais para trabalhar
num teste de conceito de 2 meses.
Então, a tecnologia foi efetivamente
incorporada em pesquisa como foi
em n outras áreas de negócios. Mas
insisto que isso é um pouco default,
hoje. Nesse projeto do mercado financeiro – sobre o qual falava há
pouco – a importância da tecnologia,
como fator de decisão de escolha
de uma instituição financeira, está
perdendo a importância. Por quê?
Porque foi tão incorporado, que é
default. Não que não tenha importância. O cara não vai abrir conta
em um banco que tenha fichário, que
não tenha acesso à Internet, que não
tenha ATM etc. Agora, o fator emergente no processo de escolha está
absolutamente ligado a um outro
fator, que não tecnologia…
FG – Qualidade das cabeças.
PS – Relacionamento, no caso. Essa
é a discussão que eu estava trazendo para pesquisa de mercado. Houve uma evolução, sem dúvida nenhuma. Temos um projeto de
satisfação, que fizemos para um cliente, em que nós colhemos a informação, transmitimos, via Internet,
para a InterScience, que ajusta,
transmite para o computador do cliente e, no dia seguinte, o cliente está
analisando aquela informação com
software específico, sabendo o que
mudou, o que não mudou, a cada
ação específica que desenvolve.
Então, há incorporação de
tecnologia e um ganho de velocidade muito grande. Mas em tudo
isso há um problema gravíssimo,
que é que, quanto mais você
automatiza o processo, menos
você está se aprofundando e menos conhecimento efetivo das pessoas acaba gerando. Produz-se a
sensação de que se tem a informação disponível, quando, na verda-
de, só se tem o dado bruto. Para
gerar conhecimento, isso exige inteligência e essa é uma mercadoria muito mais cara.
FT – No meu entender, piorou também
na área do cliente. Temos, com alguns,
dificuldades imensas para manter o
diálogo. Não há cultura suficiente.
Como disse o Paulo, nós mexemos
com gente, queremos saber a respeito de gente. E a nossa gente – a gentecliente – às vezes é muito complicada.
Tive uma experiência recente, com um
cliente grande, cujo responsável por
pesquisa era uma pessoa desprovida
de qualquer capacitação para tratar do
assunto. Pois não tive dúvida: disse a
esse cliente que não havia possibilidade de atendê-lo, porque a sua
funcionária não tinha condições para
dialogar com meu pessoal. E não que
meu pessoal seja o melhor, mas não
havia condição.
CF – Você tocou num ponto impor-
75
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
tante. De certa forma, quem começou a utilizar pesquisa, no país, foram as agências de propaganda – em
época que a remuneração das agências talvez permitisse que investissem recursos nisso. Acho que houve, também nesse mercado, uma
involução – de negociações – que fizeram com que a agência tivesse
menos fôlego para poder investir. Isso
traz a outro ponto: a qualidade dos
briefings de pesquisa. É quase
inexistente. Na verdade, o que dizem
é: "Meu problema é o seguinte: eu
preciso descobrir isso aqui". Quando
você senta com alguém, com um
briefing e diz: "Olha, estou precisando disso aqui; o problema é esse".
Se parece um pouco mais organizado, as pessoas se surpreendem. O
outro é o ponto em que você tocou:
quem analisa, com que talento, que
qualidade. Uma vez participei de uma
apresentação dos resultados de uma
pesquisa e o entendimento do cliente foi o inverso do que estava sendo
demonstrado. Não era um pouco diferente; era inteiramente contrário.
Tivemos que voltar para reorganizar
a informação de forma que ele entendesse claramente o que nós –
agência e Instituto de Pesquisa – estávamos apresentando. Isso é algu-
“Há 25 anos, tudo
era manual, muito
difícil de ser
feito.”
ma coisa para ser colocada em discussão. Como é que a gente forma
profissionais, que tenham capacidade? Não de fazer a pesquisa, mas
de preparar um briefing para um Instituto. Isso vale para a agência e também para o cliente.
JR – Você já entrou no item 3 da
pauta... Quando dava aulas, discutíamos em sala os "sistemas de informação de marketing". Eu já não
trabalhava mais como executivo e
nunca tinha visto um, mas não se
podia deixar de falar que as empresas modernas utilizavam os Sistemas de Informação de Marketing e
as iniciais eram "SIM". Afinal de contas, como é que a empresa lida, de
fato, com a informação? Como as
empresas, no Brasil, estão usando
seus sistemas de informações ou
bancos de dados para administrar o
relacionamento com os clientes?
PS – Não usam. Isso nunca existiu, nem no Brasil e nem fora, só
nos livros. Nós atendemos grandes clientes nacionais e internacionais e, até hoje – em 35 anos de
trabalho – não consegui encontrar uma só empresa
que tivesse o cadastro de
seus clientes, apesar de
todos os computadores. Não
me fale em sistema de informação
de marketing! Na prática, nada dis-
76
so existe – o que há é gente correndo atrás do frango, nas empresas,
não importa se são nacionais ou
internacionais. Grande parte das
empresas não tem nem budget de
pesquisa, ou para informação como
um todo. E não reclamo mais disso.
Acho até bom, por duas razões: uma
porque alimenta o negócio, porque,
se todos tivessem as coisas bem
estruturadas, comprariam menos
pesquisa. A outra é porque você tem
a possibilidade de geração de
conhecimento novo. O pesquisador,
via de regra, é muito "caxias". Ao
estudar uma realidade, acha que tem
que sair dali com alguma coisa
pronta. Mas o conhecimento é cumulativo, evolutivo. Por que, ao fazer um
trabalho, você precisa gerar todo o
conhecimento logo de primeira? Não.
Só a investigação contínua gera os
aprofundamentos, os detalhamentos.
Acho, mesmo, que, na prática, o processo é ainda mais aleatório do que
nos livros. Na prática, as empresas
vão contratando gente nova; há troca de profissionais – e cada um que
entra quer fazer a coisa de novo.
JR – Mas isso é o processo caótico
de administração…
FT – Deixem-me colocar uma coisa, não só como dono de Instituto
de Pesquisa, mas como presidente
de uma associação – a ABIPEME.
Estamos preocupados no nosso diaa-dia, na associação, com essa
questão. Eu costumo dizer que a
pesquisa é a filha pobre do
marketing. Para se ter uma idéia, as
verbas de propaganda, no ano passado, somaram R$ 10 bilhões e de
pesquisa R$ 450 milhões (número,
aliás, que ninguém consegue provar). É claro que não há uma relação direta entre as duas coisas – é
só para estabelecer um parâmetro.
Há verbas dos governos – federal,
estadual e municipal – mas não se
consegue descobrir, não se sabe o
suficiente para dizer: "Olha, o mercado tem esse tamanho". A propaganda tem ABA, ABAP, APP, ABP,
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
sindicatos; tinha a Lei 4.680 e uma
personalidade de atividade reconhecida, de carreira, de escolas, respeito
e remuneração. O que têm as pesquisas? É terra de ninguém. Não falo
do resultado do nosso trabalho; mas
da atividade. Ela não é reconhecida.
Qualquer escritoriozinho de consultoria, auditoria, faz pesquisa com a
maior desfaçatez. Alguns com
qualidade e outros sem nenhuma,
concorrendo conosco da maneira
mais incrível. Outro grande concorrente são as fundações – das universidades federais, estaduais e
municipais. Não pagam impostos,
remuneram mal os pesquisadores –
que, geralmente, são alunos – usam
o bem público e concorrem conosco
da maneira mais perversa – vendendo para empresa privada. O maior
estudo sobre bancos, feito no Brasil,
é feito na USP, pela FEA.
PS – E um dos mais criticados também. Justamente porque falta inteligên-
cia. É um acumulado de dados brutos.
FT – Mas recebem um volume de
dinheiro que poucos Institutos de
Pesquisa, no Brasil, faturam por ano.
A remuneração é um mercado persa.
Hoje, em São Paulo, um entrevistador recebe R$ 60 por dia, mais R$
10 de ajuda de custo. Agora, no Nordeste, deixamos de trabalhar com
algumas empresas porque estavam
pagando R$ 15 por dia e queriam
nos cobrar os R$ 60. O que precisamos, hoje, é de nos organizar por
cima, criar respeito. Vejam esse recorte da Folha de S. Paulo, de 1/11/
1998 – "Governo paga R$ 4,1 milhões a assessor de campanha de
1994". O Paulo Secches, o Jaime
Troiano provavelmente não
souberam dessa concorrência. Esse
Sr. Antonio Lavareda recebeu R$ 4,1
milhões da presidência da república
de uma concorrência que ninguém
teve conhecimento; não foi publicado. E continuou ganhando depois.
“Nós vivemos
uma febre de
fusão de
sistemas de
informação.”
JR – Concorrência para que tipo de
trabalho?
FT – Pesquisa, exclusivamente. E
continuou, nesse segundo mandato,
na campanha presidencial. E tem
mais. "Antonio Lavareda envolvido
diretamente com crimes econômicos." Ninguém mexeu mais nisso.
Isso saiu em Recife e há páginas e
77
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
páginas de denúncia contra esse Sr.
que se apropriou de um Instituto, que
era de uma Fundação. Então, os governos precisam respeitar a nossa
atividade. Em 1991, eu escrevi ao Sr.
Fernando Collor de Melo, pedindo
que nós – Institutos de Pesquisa –
tivéssemos um tratamento igual ao
de agência de propaganda, e que
fosse feita uma concorrência pública
para que os Institutos de Pesquisa pudessem disputar as verbas do Governo Federal. As agências têm direito
à licitação porque são as filhas ricas
do marketing. Os Institutos não têm
esse direito. E contratam gente
indicada pelo Sr. Lavareda que, até
o final do governo, vai estar nadando de braçadas. É denúncia mesmo.
Como presidente do sindicato é que
estou dizendo isso.
JR – Você está chamando atenção
para uma situação que parece séria.
Mas como é em outros países? Os
Institutos são regulamentados e mais
reconhecidos, profissionalmente?
FT – Sim. A ESOMAR, por exemplo,
que é a associação de Instituto de
Pesquisa da Europa, está presente em
todo o Continente, promove reuniões
e encontros para troca de idéias com
outras instituições. Na Argentina, já há
muitos anos, criou-se o Sindicato dos
Institutos de Pesquisa e criou-se o
Sindicato dos Trabalhadores do setor.
Aqui, dentro de 3 ou 4 meses,
também deveremos ter um. Aí, não
vai haver consultoria fazendo pesquisa, ou escritório de contabilidade;
imagine que recolhemos impostos
para a SESCON – Sindicato dos Contabilistas! Para ter uma idéia, a Toledo
Associados está sendo processada
pelo Conselho Regional de
Estatística do Ceará, do Piauí e de
São Paulo porque todos querem que
a empresa recolha contribuições para
esse sindicato porque fizemos as
pesquisas eleitorais daqueles estados… O Conselho Regional de Administração quer que os institutos
recolham pelo CRA. E também os de
Economia, de Psicologia porque to-
78
formou para congregar os institutos.
Como uma ABIPEME, uma ANEP
que evoluiu – até porque cobra dos
associados suas taxas em euros e
isso permite um fôlego maior. Mas
pesquisa não existe, como atividade efetivamente organizada, como
profissão, nem nos Estados Unidos.
Não há uma faculdade que forme
um "pesquisador".
JR – No Brasil, a formação geralmente aceita é em administração,
com especialização em marketing.
dos acham que têm direito. Nós não
temos personalidade.
JR – Um caso grave de falta de identidade.
FT – Nós não temos identidade alguma.
PS – Mas mesmo em âmbito mundial, pesquisa de mercado sempre
foi uma atividade paralela. Não há
a profissão do pesquisador. No caso
da ESOMAR, na Europa, ela age
como uma entidade privada que se
FG – Quero informar que, a partir do
ano que vem, vamos ter um curso de
pós-graduação em Pesquisa de
Mercado, em parceria com o IBOPE.
E, certamente, outros serão convidados a colaborar. Esperamos oferecer
um curso sério, de alto nível. Não é
um curso para entrevistador, é claro,
mas que contribua para essa definição da profissão de que você fala.
FT – O Paulo disse que a pesquisa
corre na paralela, como se fôssemos
marginais. Mas não podemos ser
marginais na economia do conhecimento. Temos uma função importante na fase de pesquisa de produto,
de opinião pública. Quanta coisa eu
já fiz. Algum de vocês já fez pesquisa sobre transtornos mentais?
PS – Ainda não, mas acho que tenho vivência do assunto...
“O
consumidor
diz o que
pensa, mas
faz o que
sente.”
FT – Pois eu tive o prazer de fazer
uma pesquisa com uma amostra de
dois mil domicílios em São Paulo,
para medir fatos interessantíssimos
sobre alcoolismo, demência,
esquizofrenia e depressão. Que
maravilha! Então, não posso ser um
marginal, se sou capaz de produzir
tanto conhecimento para a pesquisa de uma médica que estava se
doutorando! E que me disse:
"Toledo, jamais poderia imaginar
que pesquisa me trouxesse tanta riqueza de informação".
PS – Mas são duas coisas diferen-
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
tes. É claro que é uma profissão que
gera orgulho, é prazerosa. Na verdade, essa é uma visão um pouco
mais ampla de pesquisa. Mas essas
coisas são comandadas pela realidade e não por associações, por regras. A mesma coisa é o negócio de
propaganda, que está cheio de regras, de associações, sempre tentando resgatar, e o negócio em queda livre. Por quê? Porque é uma
questão de dinâmica de mercado, de
competências estabelecidas e não
de associações, órgãos, sindicatos.
Isso não funciona em nenhuma área
de negócio.
FT – Desculpe, Paulo. Você pode
exercer a função de jornalista? Pode
assinar um balanço contábil, uma
petição legal? Você não pode.
JT – O que o Paulo está querendo
dizer – e acho que isso se aplica ao
nosso caso – é o seguinte: essas
experiências de cartelizar as relações, num determinado mercado,
não criam, obrigatoriamente, qualidade.
FT – Também não estou dizendo
isso. Nós precisamos ter uma personalidade, precisamos ser reconhecidos como atividade.
JT – Isso depende muito do que
consigamos entregar, de fato, como
benefício da nossa atividade. Eu
acho fundamental a integração das
entidades – batalhei muito para a
criação da SBPM. Minha empresa
não é associada à ANEP, nem à
ABIPEME, por uma questão de
posicionamento. Mas acho que a
entidade tem um papel fundamental. Mas qualidade vem de outras
coisas e não desse aspecto sindical
– ou "associativista" – que a entidade possa ter.
PS – A profissão de estatístico é regulamentada por sindicato. A profissão de jornalista é regulamentada
por sindicato. E melhorou o quê?
PS – Imagine que a gente tomasse
como exemplo essa pesquisa das
entidades financeiras, feita pelo pessoal da USP, e o sindicato determinasse que não pode, por ser uma
fundação da USP. O que iria acontecer? Eles montariam uma
empresinha de pesquisa de mercado, registravam na ABIPEME e continuariam fazendo. O mercado é que
tem de amadurecer e definir como
e de quem vai comprar as pesquisas.
mente exercida pelo Estado – que é
o registro demográfico, a contagem,
a estatística. Isso tem sido feito pelos governos há muito tempo. Depois, veio o nascimento da Ciência
Social, com Durkheim e outros. Surge uma integração desse conhecimento social, do conhecimento psicológico, comportamental, e as
técnicas matemáticas. É uma coisa
complicada. Não sei como esse cidadão arvorou-se em pesquisador;
parece impossível. Diria até que seria mais fácil o sujeito posar de publicitário…
JR – Acho que são duas as vertentes que resultaram na atividade que
vocês exercem. Uma – tradicional-
FT – Você está falando do
Lavareda? Ele é pesquisador; antropólogo por formação.
JT – Os jornalistas mais importantes do mercado não são jornalistas.
JR – Mas digamos que é algo difícil
de improvisar.
“Estamos diante
da realidade de
que o que
precisamos
entender é de
gente.”
Daina – Há o FOPEC – Fórum de
Pesquisa em Comunicação hoje
que, de uma certa forma, se propõe
a fazer isso. Ele foi criado há dois
anos exatamente para medir essa
qualidade da pesquisa, fazer esse
equilíbrio, ser um órgão que reúna
tudo isso – pesquisa de mídia,
mercado.
JR – No Brasil, durante muito tempo, se dizia que as estatísticas não
eram confiáveis – a fornecida pelo
79
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Governo. E os Institutos de Pesquisa já sofriam com essa questão da
má qualidade dos dados. Aí vocês
apontam para essa desorganização
do ramo. Será que não está havendo certo exagero?
JT – Se isso vai ser lido pelos alunos, eles, provavelmente, não vão
querer ser pesquisadores. Talvez o
Prof. Gracioso deva esquecer esse
curso de pós-graduação... Mas não
é isso! Acho que estamos tentando
estabelecer, aqui, o patamar da verdade e – a partir daí – entender
melhor o que o pesquisador pode
fazer, de uma forma mais inteligente, que não é, apenas, dependência
de tecnologia, ou a burocracia do
produto – e que ainda pode ser importante, no mercado de pesquisa,
ser orientado pela maravilha da técnica e não pela importância do benefício. Acho que a partir dessa discussão, os alunos, ou quem quer que
seja, pode entender para onde vai
esse mercado e como, de fato, se
pode ser um bom pesquisador. Não
sei como é na ESPM, mas em certas escolas que conheço, tenta-se
ensinar a pesquisa, mostrando que
o bom pesquisador – mal comparando – como um bom jogador de hóquei é o que sabe andar sobre pa-
80
tins. Não é isso. Que um bom pesquisador é saber fazer qui-quadrado. Não é isso! Isso é default, para
usar a expressão do Paulo. Acho
que deveríamos pensar em mostrar
caminhos – evitando essas
armadilhas mentais. Gostaria de
dizer mais – eu tinha feito umas anotações: que o pesquisador está diante de três grandes desafios, que
apontam na direção futura da sua
formação plena. Uma é entender
claramente a frase: “O consumidor
diz o que pensa, mas faz o que sente”. Precisamos estar preparados
para entender a emoção da relação
dele com o mercado, produtos, mar-
“Por que um
cliente chora
para pagar R$ 50
mil numa
pesquisa e paga
R$ 2 milhões,
sorrindo, para
uma
consultoria?”
cas, muito mais do que numerologia.
Numa publicação da própria
ESOMAR, eu lia que o problema não
é mais técnico, o problema é de inteligência. A ESOMAR, que talvez
seja a entidade de pesquisa mais
importante do mundo, vem
alertando: “Olha, não pensem em
produto. Pensem em benefício”.
Quem escreveu o artigo foi Kevin
Roberts, que é CEO da Saatchi &
Saatchi e diz que os pesquisadores
deveriam quebrar a sua prisão mental – é a expressão que ele usa. A
primeira coisa a fazer é isso. Entender que estamos comprometidos
com entender pessoas. Segundo,
acho que o pesquisador precisa parar com essa bobagem de achar que
é um cientista, fora do mercado, que
não se imiscui nas questões comerciais, não participa de decisão, para
incorporar sua identidade verdadeira de profissional de marketing, de
mercado, de negócios. Dividir angústia com o cliente na hora de tomar uma decisão, esquecer as 150
primeiras páginas de um relatório e
entender que importante são as 10
últimas, e, quando chegar às 10 últimas, jogar fora as outras 140. E,
terceiro,acho que é um tema dos
mais atuais – lembrar que nós somos importantes. Nossa importân-
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
cia é ajudar a cultura de marketing a
ter medidas sólidas e precisas de
eficácia. Quer dizer, como posso
contribuir para que investimentos de
marketing, mídia, comunicação sejam feitos com mais precisão, com
a velocidade que o tempo exige.
Então, esquecer a idéia que, se sou
profissional de pesquisa, não tenho
compromisso com resultado. Quem
tem é o cara de logística, transporte, produto etc. Lembrar que nós,
como profissionais de pesquisa,
estamos acompanhando o processo que começou no ABC, mas hoje
é completado na 15 de Novembro.
Hoje, a grande discussão está na
(rua) 15 de Novembro. Então, a gente tem de ajudar as empresas na
área de marketing, comunicação, a
entender como se faz o cálculo de
eficácia de investimentos – e como
isso tem impacto no fim da linha, no
bottom line. É aí que começa nossa
missão fundamental, que é de ajudar as empresas a ter essas medidas mais precisas. São três grandes
desafios. Fiquei feliz com algumas
coisas que o Paulo disse. Conheçoo há bastante tempo; trabalhamos
juntos, uma época, depois dividimos
os caminhos, mas um acompanha
o outro. É curioso como compartilhamos de algumas opiniões, de forma
clara, como: as divisões de nomenclatura não interessam tanto, as divisões temáticas do que é o trabalho
para banco ou detergente em pó também não é tão fundamental. O que
interessa é desenvolver a sensibilidade para romper a prisão mental.
FG – Jaime, se você me permite:
minha percepção da pesquisa, hoje,
é que há uma tendência a uma especialização cada vez maior. Pelo
menos a imagem que os grandes
Institutos projetam é, cada vez mais,
de especialização em áreas bem
determinadas. Entretanto, você –
nesse terceiro item da sua trilogia –
fala da importância estratégica que
a pesquisa deveria assumir no relacionamento com a empresa. Você
fala, na verdade, de preocupações
que são de cunho geral estratégico. Será que os Institutos –
como já ocorreu com as
agências de propaganda –
estão perdendo essa função de parceiro estratégico, que já tiveram no passado?
PS – Acredito que estão é começando a ganhar. A visão que
eu tenho – tentando ajudar também na questão mais histórica do
processo – é de que pesquisa de
mercado, num primeiro momento, lá
atrás, tinha um caráter fortemente
empirista e dependia da capacidade de percepção e análise de um indivíduo determinado. À medida que
esse processo evoluiu, esse profissional começou a formatar o modo
como estudava alguma coisa. E diria que – quase que num terceiro
estágio desse processo – alguém o
via formatar e começou a se formar
um conjunto que eu chamo de
"aprendiz de feiticeiro". Ele misturava rabo de cobra, duas asas de
morcego e um pouco de ácido sulfúrico. Mas um dia falta rabo de cobra. E aí? Você precisa saber por
que está usando rabo de cobra. Qual
a substância que existe nele. Se eu
souber, conceitualmente, que substância está ali, eventualmente, vou
encontrar na casca do mamão a alternativa para a falta de rabo de cobra. Quando o negócio todo de pes-
“Um vende
pensamento e o
outro vende só a
medida.”
quisa começou a crescer, foi-se gerando uma situação inadminis-trável,
do ponto de vista empresarial. As
empresas de pesquisas, até 10 anos
atrás, estavam no princípio da
Revolução Industrial. Como se
equaciona isso? Como fazer o negócio crescer? Por outro lado, preciso formatar a minha poção mágica. Há pessoas que tenho que
treinar para fazer isso. E aí, as
empresas de pesquisa começam a
formatar metodologias. E dar nomes
para elas. Foi assim que o negócio
de pesquisa cresceu, nos últimos
anos – formatando técnicas,
metodologias e dando nomes e fazendo o marketing daquilo como um
produto de pesquisa. Esse processo foi fundamental para o negócio.
É o que permitiu que o negócio crescesse, sem que você precisasse de
um profissional com 20 anos de experiência. Porque você pega o indivíduo, implanta um chip na cabeça
dele, ele aprende a fazer aquilo e
isso permite que o negócio cresça.
Esse é bem o estágio da pesquisa,
hoje. Temos a sensação de que o
mercado está se especializando,
porque você treina um indivíduo para
aplicar essa metodologia, um outro
para aplicar essa metodologia e um
81
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
outro para aplicar essa metodologia.
E aí tem o cara que vende e o cara
que aplica a metodologia. Quanto
mais isso acontece, quanto mais o
processo se desenvolve e o negócio cresce, as empresas de pesquisa em nível mundial, nos últimos 10
anos, mais do que dobraram de tamanho. Como conseqüência, você
tem um negócio muito maior, mas a
margem foi lá embaixo. Trabalha-se
com margens de 2%, 3%, o que é
ridículo. E por quê? Porque não há
valor agregado. Qual será o próximo estágio? Na minha perspectiva,
é esse de que estava falando e que
o Jaime está colocando. Se vocês
vão começar um curso de pós-graduação, sugiro que você tenham filosofia, lingüística, epistemologia do
conhecimento como parte do currículo. Porque, para ensinar técnica,
não precisa de pós-graduação. Você
pega um indivíduo, com R$ 2 mil
treina e o ele sai fazendo. Mas pessoas que dominam conceitualmente
– e sabem por que se usa rabo de
82
cobra – aí é que está o problema. E
você precisa disso para poder dar
esse salto, ao qual o Jaime estava
se referindo. Em última instância,
consegue gerar conhecimento, compreender o problema em sua totalidade e ter a visão de negócio para
dar a esse conhecimento a visão
aplicada de negócio. Porque também não adianta produzir – nessa
área em que estamos – conhecimento se ele não for aplicado, no minuto
seguinte, se não perde a função. E
é nesse estágio que estamos mesmo em termos mundiais. A única diferença é que as empresas internacionais fazem um marketing um
pouco melhor, trabalham mais a
metodologia – simplesmente porque
têm um pouco mais de dinheiro.
Mas quando você pega a metodologia
e vai destrinchando, percebe, em
99,9% dos casos, que é lixo.
“Foram as
agências de
propaganda que
começaram a
introduzir
pesquisa no
Brasil.”
FG – Paulo, você fez uma comparação entre a percepção de valor
agregado que as empresas têm
das empresas de pesquisa e das
consultorias e que parece ser favorável à consultoria. Eles chamam
a consultoria e perguntam: "O mercado está aí; tenho tais e tais problemas, tais e tais recursos; ajudeme a montar um modelo de
desenvolvimento para os próximos
10 anos". É um negócio realmente
difícil e ele vai pagar milhões por
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Associados, várias solicitações para
consultoria, mas eu não quero, não
acho que seja o momento da empresa fazer isso. Mas admito que é
uma tendência. Quando surgiu a
Internet, as agências de propaganda não perceberam, de imediato, o
que significava aquela mudança – e,
quando perceberam, embarcaram
nele de maneira atabalhoada. Hoje
reclamam de queda nos negócios.
Se pesquisarmos, vamos descobrir
que o que houve foi uma reprogramação na utilização da verba. Ela
foi aplicada em promoção, em B-toB, ponto-de-venda e as agências
estão paradas, pensando que o negócio delas é fazer anúncio para rádio, jornal e televisão.
isso se for o caso. Na sua visão,
seria possível que um dia
chamassem empresas de pesquisa
para fazer o mesmo tipo de consulta?
PS – Essa é a condição de sobrevivência do negócio de pesquisa de
mercado. É sua única condição de
sobrevivência.
JR – Mas o que faz a empresa que
vende a coleta de dados? Elas estão mal preparadas, talvez, mas o
cliente quer saber de um dado objetivo e não dispõe da máquina para
fazer o trabalho.
PS – Ele vai comprar custo básico,
sem nenhum valor agregado.
JR – De quem?
PS – De algum produtor.
JT – E muitos desses dados estão
disponíveis hoje, a custo muito baixo, senão gratuito, através da Internet
ou em publicações. O que custa é
esse salto da inteligência – o cliente
que nos chama para dizer: "Estou
vendendo água Prata há 40 anos e
as pessoas me dizem: Você tem uma
marca conhecida, respeitada, um
produto confiável. Como é que você
acha que eu poderia desenvolver negócios, nos próximos 5 anos, a partir dessa plataforma?" Essa é uma
pergunta típica para um pesquisador.
FG – Não é!
JT – Não estou dizendo que seja
usual, mas é uma pergunta para ser
respondida por um pesquisador.
FG – Sem dúvida alguma.
PS – E está sendo cada vez mais.
FT – Concordo com o Jaime e o
Paulo, que o negócio de pesquisa
está passando por mudanças. Não
pode ser sempre aquela atitude passiva, do grande perdigueiro que pega
dado e mostra para ele – com boa
interpretação ou não. Em determinadas circunstâncias, determinadas
empresas querem uma definição de
perfil mais elevada do que no passado. Quando se pensa em
consultoria, a primeira coisa que
vem à cabeça é: "Esse cara é da
Getúlio Vargas, fez isso, fez aquilo". Quando se pensa no pesquisador, não se atribui a ele a qualificação de ser um homem de
consultoria, que pode chegar e apresentar um relatório, com propostas
sobre o que fazer. Temos, na Toledo
“A maior
velocidade nas
decisões e nas
ações de
marketing têm
muito a ver com a
tecnologia de
pesquisa.”
FG – A coisa é curiosa. No tempo em
que fui diretor de contas, em agências, eu era um consultor dos meus
grandes clientes. Participava de conversas e decisões estratégicas de
companhias do porte de uma Nestlé,
Anakol, Goodyear, General Motors.
É evidente que isso não acontece
hoje. O homem da agência não é
mais chamado para participar dessas
discussões estratosféricas, é mais o
dia-a-dia operacional.
CF – São pouquíssimas as pessoas
eleitas, dentro da agência, para participar dessas discussões com o cliente. Hoje você encontra diretores de
contas com 27 anos – nas agências –
que têm nível de diretor de contas,
mas não tiveram formação adequada
para ser convidados por um diretor de
marketing ou pelo presidente de uma
grande corporação para participar das
decisões estratégicas da companhia.
Acho que são pouquíssimas, essas
pessoas, e – mesmo quando
existem – têm uma função estratégica dentro da própria agência e não
necessariamente têm tempo para
aconselhar o cliente.
FG – Para concluir meu pensamento: quando as empresas precisam de
parceiros para diálogos estratégicos,
já não podem mais contar com a
83
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
agência. Contaram, talvez, com
empresas de pesquisa no passado
– não sei. Mas, certamente, não contam mais, pela imagem que a gente
está percebendo, nesse debate. Em
desespero de causa, são obrigados
a recorrer aos benditos consultores.
CF – E na relação, por exemplo, de
pré-teste, pós-teste?
Daina – Fui agência até um ano
atrás. Aliás, sou mais agência do que
Instituto e concordo com o Celso.
Em todas as agências há uma ou
mais pessoas que se envolvem – e
muito – com o cliente. Mas também
do lado do anunciante, as pessoas
não estão preparadas para fazer
isso. Da mesma forma que você tem
um atendimento com gente jovem,
nas agências, do outro lado também.
Então, juntam-se as duas coisas.
CF – Não a agência. A agência recomenda normalmente aos clientes.
CF – Nas grandes agências, em geral, há uma pessoa que faz o papel –
não só de atendimento – mas tem pensamento estratégico, dentro da agência. Às vezes é o próprio atendimento,
às vezes é um diretor de planejamento. O enxugamento das agências fez
com que o diretor de contas, ou vicepresidente, ficassem tão envolvidos
com a própria operação, a realização
das coisas, que foi impedido de parar
para pensar e dedicar aquele tempo –
que você tinha, Gracioso – para pensar o negócio do cliente.
PS – Desde quando a agência faz
pré-teste? Desde quando a agência
coloca um centavo para fazer um
pré-teste ou um pós-teste?
PS – A agência não recomenda.
Quando o cliente insiste, a agência
aceita. Se o resultado for bom, você
é maravilhoso; se for ruim, foi problema de metodologia. Há 35 anos
ouço essa ladainha. O fato é que a
agência desempenhou um papel de
liderança no processo de introdução
e desenvolvimento de pesquisa de
mercado no Brasil. Agora, it's over!
Acabou.
cliente, as reuniões com o Instituto
de Pesquisa eram uma coisa e reunião com agência era outra. E quem
cuidava disso era o marketing.
Daina – Acho que há uma parte de
planejamento, de comunicação e de
marketing que é feita em conjunto –
agência e cliente.
PS – Pois eu tenho uma visão completamente diferente. Fico pensando e acho que nem 1% da receita
vem de agência de propaganda. Se
meu negócio depender de agência
de propaganda, estou morto. Há alguma coisa na mídia, mas fora da
mídia, não existe.
CF – Quem compra a informação é o
cliente, mas a operação é conjunta.
JT – No caso do Toledo, do Paulo,
do meu, se chegar a 5%, hoje, o
volume de negócios que entram
para a empresa através de uma
agência, é muito.
FG – Com 25% de comissão, era fácil.
CF – É verdade. Ganhava-se honorários que permitiam uma estrutura mais
generosa. Eu diria que isso se perdeu.
Mas ainda existem, dentro das agências, pessoas dedicadas a pensar estrategicamente o negócio do cliente.
Talvez, não com a mesma profundidade. E aí que entram, por exemplo,
os Institutos de Pesquisa como os aliados dessas pessoas – seja no atendimento ou no planejamento.
JR – Por que vocês insistem em ligar agência de propaganda com Instituto de Pesquisa? Pode ser que a
pesquisa, no Brasil, tenha nascido
nas agências, mas, quando eu fui
84
Daina – Mas algumas vezes entra
através da agência. O cliente paga,
mas num mix que foi feito junto…
“Eles têm
"templates" para
fazer isso tudo,
mas nem eles
sabem usar.”
JT – Mas a iniciativa é do cliente. E
muitas vezes, na agência, afirmam
que eles é que lhe recomendaram,
mas você vai conversar com o cliente e percebe que não foi.
FT – Concordo que há uma relação.
A minha empresa também não vive
nem 5% de projetos vindos por intermédio de agência. Mas, veja bem:
estamos falando de serviços de
marketing, externos às empresas.
Os principais são propaganda, pesquisa de mercado e, às vezes, rela-
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
ções públicas. Então o cliente quase automaticamente agrupa agência
com instituto de Pesquisa. Mas, até
uns 2, 3 anos atrás, a agência tinha
muito mais prestígio do que o Instituto de Pesquisa e, hoje, já não é
assim. Por isso que eu digo que a
organização formal, no negócio da
propaganda, contribuiu muito. Na
medida em que formos nos organizando – e não querendo ser
cartoriais –, conseguiremos chegar
ao cliente para mostrar que o
pessoal do Instituto pode discutir
sobre estratégia, sobre logística...
PS – Na medida em que nos formos
qualificando.
FT – Vocês já se deram conta de
que nós, pesquisadores, sabemos
muito? O Paulo sabe demais. O Jaime sabe demais. Eu sei demais. Por
quê? Porque estamos, a cada dia,
pesquisando produtos de natureza
completamente diferente. Gracioso,
em toda sua carreira, alguma vez,
você já pensou em potencial de
mercado para cemitério de animal
doméstico – cemitério? Pois eu fiz
uma pesquisa, recentemente, para
um crematório de animal doméstico.
O que aprendi foi fantástico. Nas
entrevistas, pessoas que haviam
perdido, há pouco tempo, um animal,
começavam a chorar quando
falavam dele. E se existisse o crematório, eles comprariam, porque a
morte de um cachorro, gato é um
problema sério de saúde pública.
Quem tem uma casa maior, enterra
no jardim. E quem não tem? Muitas
vezes vai para o esgoto. Pesquisas
dessa natureza – de distúrbios mentais, telecomunicações, shopping –
todos nós aprendemos muito. Quando o cliente souber disso, poderemos
conquistar sua confiança. Ele dirá:
"Esse cara pode falar comigo sobre
estratégia". Agora, no operacional,
acho que os dados secundários cada
vez mais vão ficar por conta do cliente – bem como o sistema de
gerenciamento disso, e do levantamento dos dados. Como disse o Jai-
me, hoje está muito fácil coletar dados na Internet. Mas não os dados
primários. Para esses, sempre haverá os Institutos de Pesquisa.
JT – Acho que nós, pesquisadores,
precisamos dar os passos corretos para
não sermos as agências do ano 2020.
JR – Vocês ainda se dão tanto tempo assim?
JT – Talvez 2010. Vejo que roubei a
frase do presidente da Mercedes,
que falou isso quando lançava o
Classe A: "Nós não queremos ser o
Rolls Royce do ano 2020". A idéia é
“Não existe mais
esse tempo, não
dá mais para
trabalhar num
teste de conceito
de 2 meses.”
essa. Sei que o negócio é outro; tem
outra dinâmica; remuneração diferente, mas é para evitar que, de alguma forma, a gente corra o mesmo risco.
PS – As grandes empresas mundiais de pesquisa passaram a década
de 80 estagnadas. Na década de 90,
elas iniciaram um processo de crescimento – na verdade, as empresas
de pesquisa foram as últimas a internacionalizar-se. Todas, ao longo
da década de 90, apresentaram um
crescimento vertiginoso, essencialmente em função da internacionalização. Nos seus países, o negócio
continuou "flat", mas elas cresceram
em função da diversificação internacional. Apesar de terem mais do
que dobrado de tamanho, suas margens mantêm-se em volta de 2%.
Como é que vão sobreviver daqui
para a frente? Acabou o processo de
crescimento pela internacionalização e em função da incorporação de negócios regionais. E agora? Com essa margenzinha de 2%,
como vão ser os próximos 5 anos?
Como é que se vai ganhar dinheiro?
JR – Mas você está vendo isso do
ponto de vista do empresário, o que
é muito compreensivo. E o mercado
de trabalho?
85
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
pessoal muito grande – e com níveis de escolaridade e capacitação
intelectual ascendente.
FG – Daina, no contexto da pesquisa de mídia – que, sei, continua sendo muito importante – há muito anos
trabalhamos com modelos de simulação, que não devem ter avançado
muito. Mas, também há muitos anos,
fala-se da otimização como o alvo
final. Já chegamos lá, ou ainda há
obstáculos no caminho?
FG – O que ele diz reflete, evidentemente, o mercado de trabalho.
JR – Sim. Mas ele também disse que
as empresas cresceram. Hoje, no
Brasil, há mais pessoas trabalhando
em pesquisa de mercado do que há
20 anos – o número de profissionais
é muito maior. Como o profissional
não é empresário, ele não raciocina
em termos de 2% de margem, mas
do que recebe de salários.
FG – Aparentemente, todos concordam com essa sua afirmação de que
há mais gente trabalhando em pesquisa. Mas isso não se deve ao fato
de que existem mais áreas que nós
associamos à pesquisa? Por exemplo, toda a enorme área de auditoria de varejo e de consumo – que
hoje é importantíssima – deve empregar milhares de pessoas e praticamente não existia há 10 anos.
FT – Cresceu aquilo que o mercado
demandava. Mas não nos esqueçamos do seguinte. Na época em que
você era executivo da McCannErickson – uma fábrica da
Volkswagen tinha 15 mil empregados; hoje, tem 2 mil. Um dos
86
callcenters da Atento tem 8 mil pessoas trabalhando. Isso é um fenômeno. Mas o que eles fazem é pesquisa? Não. Eles fazem uma série
de coisas, algumas, inclusive, assemelhadas a pesquisa. Na pesquisa,
a tecnologia não refletiu tanto em
demissão de pessoal. Pelo contrário, nos Estados Unidos, hoje, é
impensável fazer certas pesquisas
com entrevistas domiciliares. Hoje,
há telefone com videofone. Daqui a
pouco, vamos poder fazer teste de
cor e formato pelo videofone. Então,
a pesquisa, de certa forma, tem
mantido um grau de ocupação de
“Quanto mais se
automatiza o
processo, menos
conhecimento
efetivo das
pessoas acaba
gerando.”
Daina – Chegamos. O que acontece com a otimização é uma questão
de software. O banco de dados é o
mesmo: o mesmo que simula, o
mesmo de que você faz análise. O
que se precisa para a otimização?
Um software que consiga juntar as
informações que você está pedindo
para montar um plano de mídia. O
primeiro software de otimização foi
feito pela Marplan – em 80, 81. Era
um software bastante sofisticado, fazia otimização de todos os meios,
inclusive multimídia e tinha um conceito interessante, que era o de diminuir o desvio-padrão da distribuição de freqüência. O que ele fazia?
Juntar o maior número de pessoas
num determinado ponto da distribuição de freqüência, em torno da freqüência média. Foi um software sofisticado para a época, e o mercado
não o entendeu muito bem, até porque, na medida em que ele otimizava,
precisava de mais verba. O mercado
também entrou, naquela época – 81,
82 – numa forte crise; vieram planos
econômicos um atrás do outro e
ninguém mais falou em otimização. No
exterior, foram desenvolvidos e
testados outros modelos de
otimização, e alguns estão em uso no
mercado. Nesse momento, estou implantando no mercado, pela IpsosMarplan, um software que tem desde
a análise, o planejamento e a
otimização de mídia. O que nós
aprendemos sobre otimização? Que
otimização não é apertar um botão e
deixar o computador fazer um plano
de mídia. Otimização é você saber
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
muito bem o que quer de um plano
de mídia, definir uma estratégia e
buscar a melhor combinação que um
computador pode fazer e que você
não conseguiria fazer por mais
contas que fosse possível fazer.
CF – O software é burro, não é?
Você precisa orientá-lo.
Daina – Exatamente. E nós estamos
orientando o mercado.
FG – E as agências, os grandes
anunciantes estão revelando interesse nesse projeto?
Daina – Sim. É um software que ajuda – e muito. Só que cada vez mais
as pessoas aprenderam, nesse tempo todo, a apertar botão. Então, são
pouquíssimas as que conseguem
sentar na frente de um software desses e montar um plano, começando
desde uma análise do público-alvo
– de que ele precisa, qual a sua estratégia, a tática - porque você tem
que estar muito integrado com o
marketing do cliente, saber muito
bem interpretar o briefing e buscar
os objetivos de mídia.
FT – Gostaria de contar uma história. Em 1993, desenvolvi, com um
técnico muito competente, um sistema de medição de audiência de
televisão com características diferentes do que existia no mercado,
pelo IBOPE. Com um controle, você
entrava no lar dos seus colaboradores e fazia uma pesquisa da programação – se estava gostando do que
via – para programas ao vivo e também gravados. Foi testado e mostrei, em primeira mão para O Estado de S. Paulo – e eles deram uma
página de matéria. Um banco que
financiaria o projeto de U$ 40 milhões – e seria sócio. Fui procurar a
Globo. O diretor de comunicações,
na época, era um amigo, que me
disse: "Ah! Toledo. Deixe para lá. Já
tem o IBOPE". Aí fui no SBT e o
Guilherme Stoliar disse: "Desculpe
Toledo. Não vou fazer isso porque
nós temos um técnico chamado Alfonso e ele vai lançar o
alfonsímetro". Isso foi em 1993 e
só está sendo lançado agora! E eu
disse que não queria financiamento. As emissoras de televisão deram U$1,75 milhão para o IBOPE
para implantação do tevêmetro e
as agências deram U$ 750 mil. Fui
nas agências de propaganda e o
presidente da ABAP era o Roberto
“A qualidade
dos briefings de
pesquisa é
quase
inexistente.”
87
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Duailibi. Ele disse: "Toledo, nós não
temos dinheiro para lhe dar". E eu
disse a ele que só queria assinatura; não queria dinheiro. Em 1993, a
Toledo Associados investiu U$ 70 mil
no desenvolvimento desse sistema
e ele não foi aceito porque o mercado não tinha interesse de ter um
concorrente para o IBOPE. Hoje, o
Sílvio Santos está esbravejando – e
diz que, finalmente, vai lançar o
alfonsímetro. Nós queremos lançar,
em 2003, uma medição eletrônica de
audiência de rádio. Vamos ver se
agora eu consigo.
Daina – Na área de pesquisa de
mídia, a concorrência é complicada
porque não dá para comprar dois;
tem-se que optar por um. Inclusive,
a Ipsos-Marplan sobrevive com o
IBOPE do outro lado, cada um fazendo uma coisa. Um procura não
entrar na área do outro.
JR – Vamos falar um pouco sobre o
mercado de trabalho.
PS – Eu acho que, quando a Daina
falou sobre os modelos de
otimização em mídia, a forma como
você explicou que funcionam e a
desmistificação dos modelos – o
que se aprendeu aqui é que não é
só apertar o botão. Esse é o ponto X
da história. Eu fiz especialização em
forecasting e o grande segredo é
justamente você não acreditar que
os modelos vão resolver – que é
só apertar o botão e o modelo resolve. Houve uma época que a moda
eram as análises multivariadas,
quando se acreditava que, para fazer segmentação, bastava ter um
grande conjunto de variáveis, punha
tudo no computador e saía tudo
pronto. Foi-se descobrindo, através
da experiência com o uso de
tecnologia mais avançada, que se
precisava de conhecimento avançado, previamente, para poder manipular o modelo matemático, o modelo de software e o seu uso deveria
ocorrer de forma experimental, com
um bom domínio sobre onde você
88
Daina – É esse que vai ter.
“O entendimento
do cliente foi o
inverso do que
estava sendo
demonstrado.
Não um pouco
diferente;
inteiramente
contrário.”
queria chegar e, aí, você ia usando
os instrumentos tecnológicos. Acho
que esse processo só se acentuou,
de lá para cá, e é ele que determina
a cara do profissional do futuro. Esse
profissional terá que ser muito menos um aprendiz de receitas e muito mais um homem de conhecimento, que domina a questão conceitual
por trás das metodologias e desse
conhecimento.
JR – Além da matemática envolvida.
PS – Além da técnica. Mas a técnica
é fácil de ensinar. Você pega o indivíduo, treina, implanta o chip e ele
faz. A questão é o domínio do conhecimento. Por isso, eu acho que, se a
Escola vai fazer um curso de pósgraduação nessa área, ela tem um
papel muito importante a desempenhar – que é o de dar formação
para que esses profissionais não saiam apenas como técnicos de pesquisas, mas como pessoas com a capacidade de gerar conhecimento e saber
utilizar os instrumentais tecnológicos
que vão estar disponíveis. Esse é o
caminho. Daqui para a frente, se houver alguém interessado em pesquisa
de mercado, eu diria que é isso que
ele deveria procurar.
JR – Esse profissional vai ter trabalho ou emprego?
PS – Eu diria que esse é o único que
vai ter um ou outro e com remuneração adequada. Essa história que
estamos discutindo de agência, pesquisa é uma questão de qualificação. Onde são empregados todos os
profissionais que chegam com MBA
feito fora do Brasil? Nas agências?
FG – Não. Nas consultorias.
PS – Nas consultorias ou nos anunciantes. Em pesquisa de mercado,
você tem profissionais qualificados
pela vida e pela experiência profissional adquirida ao longo do tempo.
Mas não vai dar para esperar 35
anos para o indivíduo se qualificar.
Então, ele tem que ter uma formação escolar que lhe dê esse nível
de qualificação.
JR – Vocês estão falando em pós-graduação. Mas, de que área ele deve
vir? Da área quantitativa, engenharia?
PS – Eu fiz Ciências Sociais e demorei 4 anos para entender onde
estava a verdadeira riqueza de ter
feito Ciências Sociais. A InterScience
chama-se InterScience não por acaso. Foi porque eu entendi que tinha
de estudar uma determinada realidade. E, do mesmo modo que eu não
podia segmentá-la com instrumental
qualitativo e quantitativo, eu não poderia estudá-la através de ópticas
específicas da psicologia, vendo apenas o útero materno; ou da economia, vendo apenas valores e utilidades. Eu tinha que estudar a realidade
na multiplicidade das suas dimensões. E isso era o que a Sociologia
me tinha dado e o nome InterScience
vem daí. Análise de uma realidade
por múltiplas ópticas, por múltiplas
ciências. Se essa formação
multidisciplinar vai ser dada pela sociologia, então ele deveria ser um
sociólogo; se for dada por uma outra
ciência qualquer, ele deve ser essa
outra coisa. O fato é que se precisa
ter essa formação multidisciplinar
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
focada na análise de uma realidade.
Ou uma visão de negócio. Tem que
ter muito cuidado para não deixar de
ter uma visão de negócio, porque o
sociólogo também é mestre em fazer essa análise multidisciplinar e,
depois, não saber aplicar no negócio. A visão de negócio é vital.
JT – Eu queria reforçar o que o Paulo está dizendo. O cara que tem apenas essa conceituação acadêmica,
ampla, rica de sociologia, vai, mas
não volta. E, se você vai, mas não
volta, cria grandes ensaios, poesias.
E, se você não vai, é medíocre. O
profissional rico – desse futuro do
qual estamos falando – é esse cara
capaz de ter essa abertura
universalista, além de saber andar de
patins – e que vai e volta.
FT – Também tive uma escolaridade confusa. Comecei fazendo direito; no 4.º ano veio a Revolução de
64 e abandonei o curso. Tive uma
atuação em política estudantil. Mas
pensei: não vai haver mais estado
de direito no Brasil, então vou parar.
Aí fiz a ESPM, na época que ainda
era Escola Superior de Propaganda
de São Paulo. Com muita honra, tive
o Gracioso como professor de atendimento e planejamento. Depois, fiz
o curso da Fundação Brasileira de
Marketing. O que eu consegui de
melhor na Sociologia – fiz o curso
de Sociologia na Fundação Escola
de Sociologia e Política – foi
organizar o meu conhecimento. Foi
muito importante. E aconselho –
mesmo que não sejam oriundos da
área de sociologia – que no curso
de vocês tenham Sociologia,
Psicologia Social, Metodologia.
JR – Mas qual é a diferença essencial desse profissional que vocês
estão descrevendo para o estrategista de marketing?
PS – Tenho um filho que terminou
de fazer o MBA fora do Brasil e a
síntese dele era de que estava
aprendendo as técnicas para tirar a
última gota de uma laranja
esmagada, isso era o que estava
tendo no curso. O que é típico, numa
sociedade desenvolvida onde tudo
que é produzido virou plástico. A diferença é justamente aí. Porque
esse processo contínuo de esmagamento da laranja liquida o mercado
no estágio seguinte – leva a sociedade a um processo de desintegração, que é o que está ocorrendo na
sociedade norte-americana e que
ocorreu nas grandes empresas e
corporações dos Estados Unidos. Aplicaram-se essas técnicas de negócio e
de finanças, esse processo todo, sem
uma visão de futuro e destruiu-se o
negócio futuro em função do objetivo
do curto prazo. Só se você tiver essa
formação mais abrangente, consegue
enxergar isso. Acho que a sociedade
como um todo caminha para um outro
estágio. Esses dias, estava lendo
89
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
uma matéria que falava de um processo que começa a ocorrer na Europa, a Slow Food. Quanto mais plástico houver, mais vai-se valorizar o
trabalho manual, artesanal qualificado. Com o desenvolvimento da China – e a massificação, a pulverização de produtos de baixíssimo valor
agregado ao mercado – o que vai começar a ter valor são as coisas absolutamente diferenciadas, que ocuparem espaços específicos. Vejam o
processo de destruição de marcas
que está ocorrendo em todo o
mundo. Assim que uma marca
começa a ter certa legitimidade, criam-se 555 extensões, e ela vira nada.
Na minha perspectiva, o que se
vislumbra é uma outra realidade. Essas manifestações contra os processos de globalização estão ocorrendo
no primeiro mundo, justamente onde
estão os supostos beneficiários dos
processos. São sinais que o mundo
começa a dar de que há uma outra
realidade. E essa outra realidade, sob
certos aspectos – depois desse processo que você acentuou o processo
de industrialização, de competição,
de lucro. A FEDESC, a semana
passada, aumentou o lucro dela no
trimestre em 24%. No mesmo dia, as
ações caíram 12% porque esperavam mais.
FT – E esse profissional deve ter a
consciência daquilo que Robert
Heiblonner escreveu, que diz o seguinte: “As mudanças são as únicas
certezas que existem”. Outra coisa:
esse profissional estrategista tem que
ficar atento a tudo que está acontecendo. Como, por exemplo, um movimento que existe hoje nos Estados
Unidos, chamado “Voluntary
Simplicity” – “Simplicidade voluntária”. Vocês não fazem idéia de quanto esse movimento está crescendo e
a mídia não fala, ninguém toca no
assunto porque ataca frontalmente a
nossa concepção de consumo. Então, é preciso estar atento.
CF – A gente falou sobre os 10, 20
anos de pesquisa e acabamos não
90
“Até hoje não
consegui
encontrar uma
só empresa que
tivesse o
cadastro de
seus clientes,
apesar de todos
os
computadores.”
falando da própria pesquisa de mídia
com relação a essa evolução. Eu peguei a fase crucial. A grande dificuldade que existia, o acesso à pesquisa de mídia era feito, basicamente,
pelo IBOPE. A Marplan enfrentava
uma luta para conseguir vender. Hoje,
existe uma oferta de informação no
mercado. Talvez não se tenha nem a
quantidade de profissionais necessários para manuseá-las e uma época
em que nossa luta era para ter a informação.
Daina – Ela era quantitativa; hoje, é
qualitativa e falta mão-de-obra para
isso. Estamos vivendo um momento
complicadíssimo.
FT – Queria deixar registrado o meu
pedido, de que o governo, nos três
níveis – Federal, Estadual e Municipal – respeite a atividade de pesquisa, a qual usam muito, e concedamnos o direito de participar de
concorrências, independentemente
da participação das agências e das
verbas alocadas para a propaganda.
Acho que é um direito profissional –
e quanto mais um governo, uma administração, trabalhar tendo, a seu
lado, um homem de pesquisa, melhor
ele vai saber interpretar as
necessidades da população.
JT – Gostaria de deixar três mensagens para os alunos, e para os
profissionais de pesquisa que acre-
ditam no desenvolvimento dessa
atividade – para quem estiver lendo a revista – lembrando que nós
vamos crescer em importância –
independentemente da importância
das associações – se, em primeiro
lugar, a gente lembrar uma frase de
um publicitário norte-americano:
“Você não entra na carteira do consumidor sem antes entrar na vida
dele”. Se não conseguirmos entender que precisamos de menos
numerologia e de mais antropologia. A segunda é que nós somos
profissionais de mercado, profissionais de negócio. É preciso acabar
com a sensação de que ainda existem muitos pesquisadores, que nós
somos acadêmicos, cientistas e que
não nos envolvemos com o dia-adia das decisões comerciais. E a
terceira é o grande desafio de criar
e aperfeiçoar mecanismos de avaliação de eficácia para marketing.
O Don Schutz, da Kellogg’s dizia:
“Ou vamos fazer isso e criar sistemas que ajudem a entender o nível
de risco ou potencialidade de investimento, e vamos ter essas métricas nas mãos; ou os financeiros
das empresas vão começar a fazer
isso por nós, porque eles estão mais
habituados com esse tipo de linguagem.” Isso pode acontecer e seria
um pecado mortal para a nossa profissão. Essas três mensagens são
positivas. Falamos muito de problemas que vivemos na história –
como ela está cheia de obstáculos
e armadilhas – mas essas são três
mensagens para a frente, positivas,
para quem nos estiver lendo, num
futuro próximo.
JR – Acho as três mensagens muito adequadas para o encerramento
dessa mesa-redonda e quero, em
nome da Revista da ESPM e da própria ESPM, agradecer a contribuição que vocês trouxeram para esse
nosso trabalho, essa tentativa cotidiana de preparar melhores profissionais de propaganda e marketing
para o Brasil.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Entrevista com
Carlos Augusto Montenegro
A experiência de entrevistar
Carlos Augusto Montenegro é a
de lidar com uma dupla
celebridade.
Uma é a do entrevistado,
que – além de ter ficado
conhecido em todo o Brasil pelo
público esportivo, como o
apaixonado dirigente do
Botafogo do Rio – também se
torna uma das presenças mais
requisitadas pelos veículos de
comunicação em tempos de
eleição. Não há quem não queira
conhecer as previsões de
Montenegro para os resultados
eleitorais – a começar pelos
candidatos em todos os níveis,
os ministros e o próprio
presidente da República em
exercício. “Infelizmente – ou
felizmente – isso acaba”,
confidenciou-me C.A.M., “no dia
seguinte ao das eleições, agora
que os resultados saem quase
instantaneamente”. Aliás, foi por
essa razão que marcamos a
entrevista para a Revista da
ESPM para uma semana depois
das eleições.
A outra celebridade é do
próprio IBOPE. O Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística – como foi batizado
pelo seu fundador, o radialista
e meu primo, em segundo grau,
Auricélio Penteado, em 1942 –
ficou não só universalmente
conhecido pela sigla, como se
transformou em sinônimo de
pesquisa, entrando para os
dicionários da língua como
outras marcas tornadas
substantivos comuns, como
gilete, aspirina ou maizena...
Assim, a escolha de Montenegro
como entrevistado
dessa edição de
nossa revista cujo
tema principal é a
pesquisa de mercado, constitui-se também numa dupla
homenagem: ao
profissional que
presidiu à transformação de um
negócio familiar (em
1950, o IBOPE
passou dos Penteados aos Montenegros) em grande
empresa multinacional e à instituição
que se transformou
em sinônimo da própria
atividade de pesquisa e é o mais
importante grupo brasileiro do
setor, hoje incluindo-se entre os
mais importantes de todo o
mundo.
J. Roberto Whitaker Penteado
91
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
JR – Carlos, o IBOPE, fundado em
1942, tem 60 anos e é uma
instituição respeitada no Brasil e no
exterior. Como você estabeleceria
o paralelo entre o desenvolvimento
do IBOPE e o desenvolvimento do
marketing brasileiro?
CM – O IBOPE foi fundado em 3 de
maio de 1942. Por ter sido o primeiro
da América Latina, acabou ficando
muito conhecido pelo aspecto da
pesquisa de audiência, tanto de rádio
e, a partir dos anos 50, de televisão.
Seguimos a televisão desde o seu
início e – com isso – você passa a ter
um nicho de clientes que são as
agências de publicidade, os anunciantes e os próprios veículos. Na
pesquisa de mercado, atuamos
através da IBOPE Solution. Outra
92
empresa do Grupo cuida do painel de
consumidores; é um painel com cerca
de 6 mil famílias, no Brasil, visitadas
semanalmente para ver que produtos
consomem – desde alimentícios até
cartão de crédito etc. Outra empresa
que contribuiu para tornar o IBOPE
conhecido foi a de opinião pública – a
parte política. Enfim, não é comum,
hoje em dia, institutos que atuem em
tantas áreas, pois o que há, no mundo,
são
grandes
empresas,
especializadas apenas em audiência
de televisão, rádio ou as que fazem
pesquisa de mercado, pesquisa adhoc. A Nielsen, por exemplo, faz um
painel diferente do nosso que é um
painel de varejo; o nosso é de
consumo. Você tem empresas como
Datafolha, Vox Populi, especializadas
em pesquisas políticas. E, no mundo,
“Não é comum,
hoje em dia,
institutos que
atuem em tantas
áreas.”
há a GFK, uma grande empresa
alemã especializada em audiência.
Hoje, mais do que as pesquisas,
isoladamente, os clientes querem a
informação; não querem só dados;
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
querem a informação e com recomendações. Nisso, o IBOPE tem
certa facilidade porque pode cruzar
uma quantidade de informações de
várias fontes e fornecer elementos
estratégicos em relação ao
consumidor.
JR – Por que vocês continuaram a
ser um Instituto full-service,
enquanto as outras se especializaram?
JR – O IBOPE é controlado
majoritariamente pelos sócios
brasileiros?
“Mais do que as
pesquisas,
isoladamente, os
clientes querem a
informação.”
CM – Sinceramente, acho que foi o
acaso e não uma estratégia. A maior
glória do IBOPE é ter entrado no
dicionário.
JR – Vocês devem ser o único caso,
no mundo, de uma empresa que
virou sinônimo de pesquisa...
CM – Entrar no Aurélio foi motivo de
orgulho para nós. As pessoas
passaram a usar o termo – o
programa tal dá ibope, fulano dá
ibope.
-- ibope. ---[De Ibope, Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e
Estatística.] S. m. Bras.
1. Número-índice (q. v.)
obtido mediante pesquisas
de opinião pública, com a
primordial finalidade de
orientar a propaganda e a
moderna técnica de vendas,
preparar estudos de mercado
e fazer sondagens sobre
preferências do público.
2 . Restr. Índice de audiência (4): [€]
3. P. ext. Prestígio (4): [€]
JR – Vocês estão ligados a algum
grupo multinacional?
CM – Vários.
JR – Como acionistas?
CM – Nesse caso, também o IBOPE
foi pioneiro no Brasil e na América
Latina. Hoje, temos concorrentes
importantes, sérios, em cada área de
atuação. Em painel, a Nielsen. Se bem
que é metade concorrente e metade
dos serviços são complementares.
Eles informam, com muita precisão, a
quantidade dos produtos vendidos e
nós ajudamos, informando quem
comprou e por quê, já que fazem
auditoria nas lojas, mas não sabem
quem compra. E nós sabemos,
através da pesquisa pelo painel de
consumidores. Mas, embora isso não
tenha sido uma estratégia, essa
posição nos favorece, esse mix de
informações, porque o mercado está
preocupado em orientação, mais do
que quantidade de informações ou
pura e simplesmente só dados sobre
audiência, política, só painel de
consumidores ou software. Eles
querem de tudo, mas principalmente
querem soluções.
“A maior glória
do IBOPE é ter
entrado no
dicionário.”
CM – Sim, o que fizemos foi uma
holding – o IBOPEPAR – onde, na
mídia, temos cerca de 60% da
empresa. Somos sócios da WPP e da
Nielsen. A WPP tem cerca de 30% e
a Nielsen 10%. No caso da IBOPE
Solution, nosso sócio é o Nelson
Marangoni. No Painel de Consumidores, temos, como sócios, a NPD,
que é uma empresa especializada
norte-americana, e a Taylor Nelson,
que é inglesa e que comprou a
operação francesa e a maior empresa
de painéis da Europa. Na área da
pesquisa política, não temos sócios.
JR – Quando o Auricélio Penteado
chamou a empresa que fundara de
Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística, você não acha
que ele estava sendo meio
profético?
CM – Hoje em dia é difícil você colocar
as expressões “Brasil” ou “brasileiro”
na sua marca. Naquela época, era
possível, e isso fez com que – durante
muito tempo, até hoje – muita gente
não soubesse que o IBOPE é uma
empresa privada. Acham que é do
governo. No começo, isso incomodava um pouco; hoje em dia, é até
positivo. Engraçado é que esse nome
tão imponente – Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística –, que
todos achavam muito comprido,
acabou como sigla, IBOPE, e o que
entrou no dicionário foi a sigla.
JR – Não sei se você viveu uma
fase – no final dos anos 60 – em
que o IBOPE não era muito boa
referência. Eu era gerente de
produtos e, quando precisávamos
de pesquisas, preferíamos
contratar os serviços de outras
empresas, porque o IBOPE não
tinha a melhor imagem, havia
perdido um pouco de credibilidade.
Você passou por essa experiência?
93
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
CM – Eu soube disso. Acho que
peguei só o final dessa fase e foi por
contingências, entrei aqui por acaso.
Meu pai teve um problema de saúde,
na época, eu estava cursando
engenharia e entrei para fazer um
estágio. Lá se vão 30 anos. Entrei e
gostei tanto, que parei meu curso de
engenharia e fui fazer um curso de
administração/economia. Mas vender
pesquisa, naquela época, era muito
difícil. As pessoas não davam valor à
informação, como hoje. Chamavam o
IBOPE de “miséria dourada”. Miséria
porque era uma empresa cheia de
problemas, com falta de dinheiro – às
vezes, até falta de credibilidade – e
dourada pela força do nome. Quando
entrei, tínhamos, realmente, muitos
problemas, problemas trabalhistas –
funcionários que não eram optantes
do FGTS e que se tornaram,
praticamente, donos da empresa. Foi
um trabalho grande. Meu irmão entrou
logo depois e me ajudou muito.
Havíamos chegado à conclusão de
que, entre construir uma casa nova
ou reformar a antiga, era melhor
construir uma nova. Mas, no nosso
caso, estávamos impedidos pela força
do nome IBOPE. “Então, vamos ter
94
que reformar a antiga” –
decidimos. Logo descobrimos que todo o legado quase
que se resumia na força do
nome, que tinha credibilidade,
seriedade, ética da empresa
– e que o nosso negócio era
principalmente pessoas com
credibilidade. Essa era a
matéria-prima do IBOPE – as
pessoas que analisam, que
tabulam os dados. E começamos a investir em pessoas.
Mais adiante é que abrimos
o leque. Depois dessa
reforma concluída, fomos
atrás de pessoas reconhecidas no mercado como o
Paulo Pinheiro, o Castelneau,
que tinham a AudiTV.
Fizemos questão que integrassem o Grupo e aprendemos muito com eles. Nós
uníamos a nossa juventude e
vontade de expandir com a
experiência que eles tinham, junto
com a do meu pai, pois ele voltara a
atuar nessa época, como conselheiro.
A década de 70 foi de consolidação. A
década de 80 foi para encontrar
profissionais de gabarito. No final de
80, início de 90, foi a nossa entrada
na América Latina, medindo audiência
e isso consolidou de vez o Grupo. Mais
recentemente veio o Marangoni, para
a área de mercado. Também
conseguimos trazer a Vera Frucci para
dirigir a Millward Brown, que é mais
uma empresa do Grupo. Enfim,
“Hoje em dia é
difícil você colocar
as expressões
"Brasil" ou
"brasileiro" na sua
marca.”
conseguimos preservar as grandes
pessoas, como a Márcia Cavallari, que
dirige a opinião pública, o Luiz Antonio
Silveira da Mota que, junto com o pai,
desenvolveu o aparelho medidor de
audiência de TV. Creio que o segredo
do IBOPE é um pouco isso – talento e
trabalho
JR – Além dessas pessoas que
você mencionou, há o filho do
Homero Icaza Sanchez...
CM – O Homero Icaza Filho, que cuida
de mais de uma área de dados. Tem
a Ana Lúcia que cuida de toda a área
de mídia, o Flávio Ferrari e o Carlos
Ferrari, que são pessoas bem
conhecidas nessa área. Apesar de
controlar a holding que coordena tudo,
demos autonomia a eles, sempre
pensando em crescer. E, nesse país,
com todos os problemas que temos –
a desvalorização do real –, mesmo
assim, estamos entre as 25 maiores
empresas do mundo. Vocês, da
ESPM – que completou 50 anos –
sabem o que é uma empresa
brasileira sobreviver 50, 60 anos
nesse país confuso – vários regimes
etc. – é complicado.
JR – Você deve ter ouvido ou lido
uma frase do Millor Fernandes que
diz o seguinte: “Os Institutos de
Pesquisa continuam a fazer as suas
pesquisas científicas, mas o povo
insiste em continuar votando
leigo”. Com essa ironia, o Millor
está verbalizando um preconceito
da nossa cultura, de que os
institutos, de alguma forma,
enganam,
influenciam
ou
manipulam. Existe quase que um
culto popular de desconfiança em
relação à pesquisa. Você deve ter
vivido isso, inclusive, aparecendo
na imprensa, sido questionado.
Como você vê a inserção de uma
instituição científica, que lida com
estatística, uma ciência exata,
nessa nossa cultura brasileira, que
rejeita a matemática?
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
CM – Existe muita gente que não
acredita em pesquisa. Isso é natural.
Mas, com relação à manipulação, eu
acho que o Instituto que manipular
qualquer resultado – e isso for
comprovado – fecha as portas no dia
seguinte. É mais fácil, antes de
manipular, vender a sua empresa, do
que fazer uma coisa dessas. Qual é o
patrimônio de um Instituto de
Pesquisa, especialmente na área de
audiência e de pesquisa eleitoral? É
a credibilidade. Ao mesmo tempo, os
erros ocorrem... A pesquisa política é
a única em que se podem comprovar
os resultados 20 horas depois. No
resto, a comprovação é muito difícil,
pois o IBOPE, esse ano, deu muita
sorte. Fez pesquisas nos 27 Estados
e não houve problema. Isso é raro,
tivemos até um pouco de sorte. Se se
fazem os 27 Estados e o Brasil,
obrigatoriamente, você deveria ter
problema em um ou outro. Às vezes,
um Estado tem muitos indecisos, que
decidem em cima da hora. E a gente
não faz boca de urna em todos.
Quanto à influência da pesquisa na
própria eleição já está provado que é
zero. O que eu acho é que a pesquisa
pode ter uma influência indireta. Por
exemplo, nas capa de revistas, no
espaço da mídia. A mídia gosta de
dedicar espaço aos candidatos mais
bem colocados. Segundo, o
financiamento de campanhas. Os que
investem preferem os que estão mais
bem colocados. Na coligação de
partidos: o que está mais fraco faz
coligação com o que está mais forte.
No ânimo ou desânimo dos cabos
eleitorais. A cada divulgação, há os
que comemoram mais. Agora,
influenciar o eleitor a votar em quem
está em primeiro, isso não existe. Se
fosse assim, quem saísse em primeiro
terminaria em primeiro. Veja as
eleições em São Paulo. O Maluf saiu
em primeiro, passou para segundo e
terminou em terceiro. No Rio Grande
do Sul, o Antonio Brito começou em
primeiro, depois o Tarso Genro e
depois o Germano Oliveto em
primeiro. Então, que influência é essa?
O que decide é campanha, comício.
“Com todos os
problemas que
temos, mesmo
assim, estamos
entre as 25 maiores
empresas do
mundo.”
O caso do Ciro Gomes ele:
aproximou-se do Lula, os dois ficaram
no patamar de 30% e o Serra e o
Garotinho no patamar de 10%. O que
provoca as mudanças? Comícios,
denúncias, frases infelizes, no caso do
Ciro; fotos de dinheiro em cima da
mesa, no caso da Roseana. Isso é que
faz a campanha: o programa de
televisão, o marketing. A pesquisa só
vem atrás, fotografando. O eleitor que
ia votar no Ciro, de repente, desistiu,
por causa de alguma coisa que ele
disse, ou achou que faltou consistência.
A pesquisa mostrou simplesmente os
30% e depois os 12%. Agora, acho que
o Millor – que para mim é um gênio –
exprime um pouco a incredulidade que
as pessoas têm em relação à pesquisa.
Mas acho também que isso é culpa da
falta de exercício democrático durante
os quase 30 anos de uma ditadura
muito longa. A cada eleição, o brasileiro
dá provas de maturidade. Ele votou em
89. Errou. Depois, votou em 94. Achou
que o primeiro governo foi bom, votou
de novo nele, em 98. Agora, queria
mudança. Mudou.
JR – Você foi citado, no jornal,
como tendo dito ao presidente
Fernando Henrique Cardoso – dois
anos antes da eleição – que o
governo ia perder. Você confirma?
CM – Confirmo. Até é bom esclarecer
como aconteceu isso. Em agosto de
2001, fui chamado pelo Andrea
Matarazzo – Secretário de Comunicação – para ter um almoço com o
Serra, que era Ministro da Saúde
e pré-candidato do PSDB. Ele
queria uma análise minha, sobre as
pesquisas que estávamos fazendo em
2001. Então mostrei a eles que o
desgaste do governo era muito
grande. A avaliação do FHC estava
muito ruim. Qualquer candidato do
governo teria dificuldade. Dei o
exemplo do sapato velho, aquele que
você usa 10 anos, deu seis meias
solas, já costurou… Vem uma hora,
que tem que jogar fora. Aí perguntam:
“Mas você não gostava do sapato?”
Tanto gostei, que usei muitos anos.
Mas agora, sou obrigado a trocar, não
dá mais. Expliquei tudo isso e eles
concordaram. O Andrea perguntoume se me incomodaria de repetir o
diagnóstico ao presidente?” Disse que
não. Ele me perguntou se eu poderia
ficar lá à tarde. Então, primeiro foi um
almoço com o Serra e, no final da
tarde, fui ao Palácio do Planalto onde
tive uma conversa de uma hora e meia
com o presidente – o Andrea
Matarazzo estava presente, o Serra
não – e eu repeti tudo. O presidente
concordou. Na época, o governo ainda
não tinha candidato. Havia o Paulo
Renato, o Tarso Gereissati, o próprio
José Serra, o Aécio. Muitos précandidatos. Mas eu dizia que –
independente do candidato – a figura
do governo contra alguém da
oposição, ia ser muito difícil o governo
prevalecer. Ninguém agüenta 14 anos
– o Brasil já teve muito tempo com a
ditadura. De fato, o Fernando
Henrique foi, dois anos, primeiro
ministro e depois mais oito anos de
governo. Teve uma fase boa, depois
caiu, até em função de várias crises
que não foram de sua responsabilidade. Não era difícil esse
prognóstico. Nunca quis passar por
futurologista. Tratava-se de uma
avaliação – sempre em cima de
resultado de pesquisa – que mostrava
que 60% da população não estavam
contentes com o governo, não
estavam contentes com o Fernando
Henrique Cardoso. E, por outro lado,
95
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
apresentada. E – se
era para prevalecer
a mudança – eu
acho que o eleitor
preferiu a mudança
total. Via-se, já no
primeiro turno, que
os candidatos da
oposição somavam
77% e o Serra 23%.
No segundo turno,
ele chegou a 38%.
Esses 15%, que ele
ganhou, acho até
que eram pessoas
que tinham medo
do PT ou tinham
medo do Lula. Não
foi um voto próSerra. Pessoas que
votaram contra o
governo no primeiro
turno ficaram com
receio de um governo do PT.
mostravam o Lula sempre na frente:
desde fevereiro de 2000 até o final da
campanha em 27 de outubro, ele
sempre liderou as pesquisas. Nunca
esteve em segundo lugar, a rejeição
sempre caindo.
JR – O Serra foi para o segundo
turno como candidato do governo,
enquanto o Lula – que já era
candidato da oposição – capitalizou
os eleitorados dos outros dois, que
sempre se disseram de oposição.
Foi uma atitude suicida do
candidato do governo tentar dizer
que não o era. Ele ficou sem
discurso para o segundo turno.
CM – Foi uma campanha cinzenta
porque ele nunca deixou claro nem o
preto e nem o branco. Ele falou, o
tempo todo, em mudança quando, na
verdade, havia muita coisa interessante
no governo FHC, que acabou não sendo
96
tem um papel fundamental. Aliás, a
mídia brasileira – as redes de
televisão, as rádios noticiosas, os
jornais, as grandes revistas – está de
parabéns, pelo espetáculo de
democracia que deu nessas eleições:
de abertura, espaço, debate,
entrevista, tudo. Como brasileiro,
senti–me orgulhoso. O Brasil ficou
tanto tempo sem eleições, que, hoje
em dia, dá aula para o mundo todo. O
desempenho do TSE foi fantástico, as
urnas eletrônicas deram um show.
JR – Você não acha que, na origem
dessa qualidade, estão os bancos?
CM – Por quê?
JR – Porque no Brasil – pelas suas
características e extensão territorial
– os bancos se anteciparam ao
governo, pelas necessidades de
atuação nacional – o governo atua
muito através dos bancos.
JR – Por que devemos continuar fazendo
eleições – que
são tão caras –
se a pesquisa é tão precisa, em
termos de preferência da população?
Por que simplesmente não nomear
um presidente através da pesquisa?
CM – Pode ser. Mas o Brasil tem
coisas realmente fora de série. No
sistema eleitoral, ele é um dos
primeiros do mundo. Agora, não
podemos substituir nunca; a pretensão
da pesquisa é ajudar os candidatos a
informar a população sobre o placar,
como está o jogo etc. Não decidir o
resultado.
CM – Nem de brincadeira. Nunca.
Primeiro, a pesquisa não é infalível.
Segundo, ela dá uma tendência; é
mais uma informação para o eleitor,
durante a campanha. A mídia é que
JR – Entendo. Como diretor de uma
empresa que faz pesquisa, você
não tem interesse em posar de
onipotente. Mas, no duro, o que é
uma eleição? É uma grande
pesquisa. Um censo. Um levantamento das preferências da população. Se você tem outra forma de
fazer esse levantamento, sem
precisar tirar as pessoas de casa…
Deixe-me dar um exemplo: vamos
supor que todas as pessoas do
Brasil tivessem um terminal de
computador na sua casa. E você
divulga o seguinte: Amanhã, a tal
hora, todo mundo vai até o
computador e vota. Você concorda
que seria possível?
“O Instituto que
manipular qualquer
resultado – e isso
for comprovado –
fecha as portas no
dia seguinte.”
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
CM – Concordo. Poderia haver uma
senha…
JR – Tecnologicamente, é uma
possibilidade. Isso abriria uma
possibilidade fantástica: depois de
eleito presidente, governador,
prefeito e, principalmente, deputado e senador, se não estivesse
fazendo as coisas de acordo com
a vontade de seu eleitor – e
houvesse essa rede de consulta –
por que não consultar, então, se
deveria continuar ou não?
CM – Acho que as pesquisas ajudam
muito os governos, nas prioridades,
nas preferências. É moderno, é
correto governar de acordo com o que
a opinião pública deseja. Então, é
importante a utilização de pesquisas
para definir prioridades. Mas ainda
tenho medo. Mesmo que o Brasil
esteja dando um show de velocidade,
maturidade etc., o nosso sistema
político ainda é muito frágil. Uma das
reformas mais importantes que o
Brasil precisa é a política, porque o
fundamento da política são os
partidos. Eles são os pilares da
democracia e, no Brasil, são muito
frágeis. As pessoas votam nos nomes
e não nos partidos. E você precisa de
fidelidade partidária, precisa diminuir
o número dos partidos, porque hoje
há muitos “partidos-laranjas”. É
preciso melhorar, redimensionar – ou
acabar, mesmo – com a propaganda
eleitoral gratuita na televisão, que me
parece ainda um entulho da
democracia. Tudo que é obrigatório é
ruim. E por que não pensar no fim do
voto obrigatório?
JR – Já fizeram alguma simulação
de qual teria sido o resultado da
eleição se o voto não fosse
obrigatório. É possível esse
estudo?
CM – É possível, mas não fizemos.
Junto com a intenção de voto do
eleitor, teríamos de perguntar se ele
votaria se não fosse obrigatório. Notase, às vezes, pela abstenção – hoje
“A pesquisa
política é a única
em que se podem
comprovar os
resultados 20
horas depois.”
os cadastros do TSE, do IBGE são
bem melhores – e a quantidade de
votos brancos e nulos em cada
eleição. Há lugares em que 35% a
40% de pessoas aptas a votar não
votam. Alguns partidos temem o fim
do voto obrigatório, achando que
pessoas de menor poder aquisitivo
não votariam. Ficaria mais para as
pessoas qualificadas, mais formadoras de opinião. Acho que isso daria
vantagem aos partidos de esquerda.
Sinceramente, acho que a gente tem
que, primeiro, fazer uma reforma
política para definir oito ou dez partidos
que é o que “cabe” no Brasil.
Fortalecer esses partidos, o voto
proporcional distrital misto –
fundamental. Alguns representando
regiões, outros o Estado todo, mas
principalmente a fidelidade partidária. É ruim, no Brasil, isso de a
pessoa arranjar um problema, dentro
do partido, e não brigar por suas
idéias. Sai, simplesmente, funda outro
partido ou afilia-se a outro. Nisso, os
Estados Unidos estão à nossa frente
porque lá há brigas violentas dentro
do partido, democrata e republicano,
mas, a partir do momento em que o
resultado é oficializado todos fecham
com ele. O Brasil está precisando
disso – fortalecer os seus partidos.
JR – Outro dia, estava lendo uma
afirmação sua, de que, hoje, é
possível fazer pesquisas pelo
telefone. Sou de uma época em que
pesquisa telefônica não tinha
credibilidade pelo simples fato de
que 80% da população não tinham
telefone. Qual é a situação hoje?
CM – Depois da privatização – nos
últimos 3, 4 anos – a telefonia fixa teve
uma expansão muito grande em todo
o Brasil – mas, principalmente, nas
regiões Sudeste e Sul. Tanto é que
adquirimos parte de uma empresa que
se chama MQI do Paraná – Curitiba –
e que tem – através de um convênio
com a Embratel – um cadastro de
todos os telefones fixos no Brasil. Há
regiões em que 70, 80% da população
já possui telefone convencional. Nós
já fizemos pesquisas – não só em
alguns Estados como uma amostra do
Brasil – por telefone, e os resultados
aproximaram-se muito da pesquisa
face a face. Nas próximas eleições de
2004 e 2006 já vamos usar mais o
telefone, podendo também confiar
mais nos resultados.
JR – Uma questão de cuidados com
a amostragem...
“Quanto à influência
da pesquisa na
própria eleição já
está provado que é
zero. O que decide é
campanha,
comício.”
CM – Representar bem o questionário.
A pesquisa, hoje, nos Estados Unidos
e na Europa, é feita pelo telefone. Para
contrapor a esse exemplo do telefone,
temos, aqui, na mídia, a pesquisa mais
moderna do mundo, que é em real
time. E, quando iniciamos isso, há dez
anos, o Brasil era subdesen-volvido
em relação a telefones. A pesquisa de
audiência – no Japão, Estados Unidos
e Europa – é feita usando a rede
97
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
telefônica, porque lá 90, 95% das
pessoas têm telefone. Isso é um caso
interessante. Como eles não podem
usar o telefone da pessoa durante o
dia todo, eles usam um sistema
overnight. Eles colocam o aparelhinho
– o meter – para medir a audiência,
que acumula os dados do dia e, de
madrugada, 2, 3 horas da manhã, uma
central, no Instituto de Pesquisa liga
para aqueles números da amostra e
coleta as informações. No dia
seguinte, pela manhã, têm o resultado
do dia anterior. Quando fomos fazer
isso no Brasil, só 20% tinham telefone.
Perguntamos o que iríamos fazer.
Resolvemos fazer via rádio – ou via
linha privada. Aí, pensamos: se vamos
colocar linha privada nos 80% que não
tinham telefone, por que não colocar
nos 100%, passando a ter uma linha
dedicada a nós 24 horas por dia?
Podíamos dar o resultado minuto a
minuto, em real time – que hoje todas
as redes de televisão têm!
JR – Mas isso não era feito pelo
tevêmetro?
98
CM – Com tevêmetro,
era minuto a minuto,
mas semanal. Era
preciso ir buscar uma
fita gravada, nas
casas das pessoas,
semanalmente. O que
estou contando é que
você, tendo uma ALT
– uma linha privada –
podia ter o resultado
minuto a minuto, na
hora do programa. O
IBOPE, então, acabou oferecendo um
serviço de audiência
minuto a minuto – real
time – que não existe
nem nos Estados
Unidos, nem na Europa ou no Japão, pura
e simplesmente porque nossa população
não tinha telefone.
Esse fato propiciounos um serviço de
primeiro mundo, que
continua não existindo em outros
países.
JR – Quem assina esse serviço?
CM – As grandes redes de televisão,
as agências de publicidade. Até alguns
anunciantes, durante alguns eventos
como Copa do Mundo e Olimpíadas.
JR – Esse serviço se paga?
CM – Sim. Quer dizer, é um
subproduto do nosso negócio de
“Ele votou em 89.
Errou. Depois,
votou em 94 e 98.
Achou que o
primeiro governo
foi bom. Agora,
queria mudança.
Mudou.”
audiência. As áreas comerciais das
televisões e as agências trabalham
mais com os resultados semanais e
mensais, porque estão estruturados
por sexo, classe, faixa etária, zona
geográfica etc. E é assim que os
comerciais são programados. Isso para
a área comercial, porque, na área de
programação das redes de televisão,
essa informação sobre a audiência real
time tem muito valor. Porque o
noticiário, por exemplo, eles podem
estender em função da audiência.
Programas grava-dos não podem fazer
nada, mas em programação ao vivo –
programas de domingo, eventos
esportivos, jornalís-ticos, uma pessoa
que está fazendo uma cobertura de um
seqüestro ou outro fato – a emissora
de televisão está vendo a audiência
daquilo minuto a minuto e pode
estender a cobertura ou diminuir, se
não estiver “dando ibope”.
JR – Esse é o estado atual da arte.
Mas qual será o próximo passo?
Faça um pouco de futurologia.
CM – Acho que o futuro é a Internet.
Depois do telefone, a Internet. Só que
a Internet vinha numa progressão
geométrica e não aritmética – uma
falsa euforia. Mas é uma grande
invenção, é o futuro, mas o futuro
andando passo a passo.
JR – Vocês já fazem pesquisa pela
Internet?
CM – Temos uma empresa, que faz
parte da nossa operação de mídia,
chamada IBOPE E-RATINGS em que
medimos mensalmente os sites
visitados.
JR – Mas fazem pesquisa, com
perguntas, questionário?
CM – Estamos começando a fazer,
embrionariamente. O Nelson Marangoni, no IBOPE Solution, tem um
painel de internautas e está começando
a fazer pesquisa, para alguns produtos.
Mas está muito no início.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
JR – Fora do Brasil, está acontecendo com mais freqüência?
CM – Acho que todo mundo deu uma
meia trava… O pessoal está se
reciclando.
JR – Há quem diga que o computador é a porta errada para entrar
na casa das pessoas. Que as
pessoas vão-se comunicar pela TV
e é preciso tornar a TV interativa e
não transformar o computador em
televisão.
CM – Pode ser. Isso é uma previsão
arriscada, mas acho que podem
acontecer as duas coisas. No fundo,
acredito na TV interativa dentro da Internet.
Acho que, uma hora, todas as mídias vão
fluir e você vai poder fazer sua
programação de filmes, jornais, música.
JR – É a questão da pergunta
criativa. Por que não questionar
certas coisas? Quem disse que a
Internet precisa estar ligada através
de computador? Não necessariamente. Se há uma rede e ela é
eletrônica, no mundo todo, e
permite que as pessoas se
comuniquem – hoje, é através de
computador. Mas precisa ser?
CM – Não necessariamente. Mas
muita gente apostou na Internet, há
3, 4 anos, e vi idéias simplesmente
desabarem. Ainda acho que se trata
de uma das grandes descobertas da
época. Também a histeria está
diminuindo. Mas não há dúvidas de
que se trata de uma mídia nova –
porque tira a audiência das outras. Se
você está sentado na Internet, não
está vendo televisão.
JR – Hoje, você vê muitas pessoas,
no escritório, trabalhando no
computador e ouvindo a Rádio FM
através do próprio computador.
Tecnicamente, nada impede que
você tenha a sua televisão
conectada à Internet.
“A avaliação do
FHC estava muito
ruim. Qualquer
candidato do
governo teria
dificuldade.”
CM – Acho que, no futuro – não sei
qual futuro – vai haver uma confluência, na rede, seja através da televisão
ou do computador. Acredito que vá ser
a televisão.
JR – Numa entrevista recente com
o Eugênio Staub, da Gradiente,
falamos exatamente sobre isso.
Mas, Carlos, gostaria de conversar
com você sobre um outro aspecto
da pesquisa que, no Brasil, me
parece mais crítico do que em
outros países: a dificuldade que o
brasileiro tem de lidar com
números. Nós não somos um país
matemático. Você mencionou o
tempo da ditadura. Lembra – no
tempo da ditadura – nosso ministro
das finanças foi, muitas vezes, o
Delfim Neto – era um homem muito
poderoso. Ele tinha o hábito de lidar
com dados estatísticos e – quando
“O Fernando
Henrique foi, dois
anos, primeiro
ministro e depois
mais oito anos de
governo.”
entrevistado – soltava aqueles
números, e nem os jornalistas que
o entrevistavam entendiam muito
bem. Como é que você vê esta
questão? Você não acha que isso
pode atrapalhar um pouco a
pesquisa, a dificuldade no uso da
estatística?
CM – Realmente atrapalha. E você me
deu espaço para falar de uma coisa
interessante que estamos fazendo. Já
notamos isso, na divulgação dos
dados das pesquisas políticas, onde
nós – e imagino os outros institutos –
queremos cada vez mais precisão nos
números. Mas o eleitorado não está
interessado em saber com quanto a
pessoa ganhou, qual foi a diferença,
se estava dentro da margem de erro.
O que vale para eles é: Fulano vai
ganhar? Vai. Ganhou? Ganhou.
Então, acertou. Se você disser que vai
ganhar com 55% e ele ganha com
70%, ninguém liga, você acertou. Mas,
para nós, é um erro crasso. Às vezes,
em eleições muito disputadas, errase o vencedor, mas o resultado fica
dentro da margem científica. Mas o
que marca é o fato de que você errou.
Isso demonstra a falta de intimidade
de grande parte dos brasileiros com
os números. Quando se conversa com
os jornalistas, que vão fazer a
cobertura das eleições, procuramos
ser bem didáticos, explicar como
interpretar, fazer as análises etc., em
relação aos números. Mas a gente
percebe uma dificuldade muito
grande. Isso tem melhorado, a cada
eleição, mas ainda é complicado.
Pensando nisso, o IBOPE abriu um
Instituto, que é uma ONG – o Instituto
Paulo Montenegro, com o nome do
meu pai. Decidimos que tínhamos que
investir em alguma coisa para ajudar
o país – foi uma unanimidade de que
devia ser em educação. Fundamos o
Instituto até para retribuir um pouco
do que o país nos deu nesses últimos
seis anos. O foco do Instituto Paulo
Montenegro é a educação e estamos
funcionando em três frentes. O projeto
“Nossa escola”, para ensinar
pesquisas aos alunos da 1.ª a 8.ª série.
99
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Isso já está acontecendo em São
Paulo, com convênios com várias
escolas no Brasil todo. Nós editamos
o material didático e vamos às
escolas, ensinar aos professores
como aplicar a pesquisa, fazer um
questionário, tabular, interpretar etc.
Aí, os alunos fazem pesquisas sobre
a praça da cidade, sobre conservação
das ruas, sobre drogas. Quer dizer,
pegam temas atuais e aprendem a
fazer pesquisa sobre eles. O segundo
ponto é que resolvemos medir o
analfabetismo funcional do Brasil,
através de uma pesquisa anual.
Analfabetismo funcional não é não
saber ler e escrever, mas não saber
interpretar o que lê, mesmo num texto
simples e curto. Já medimos isso o
ano passado e, esse ano, vamos fazer
a parte do cálculo. Vamos tentar saber
até que ponto a pessoa é alfabetizada
em números e, para isso, há
metodologia, regras, alguns cálculos
básicos. E vamos medir a evolução a
cada ano.
100
JR – Há resultados sobre isso?
CM – Foi para o campo agora.
JR – A que está no campo é sobre
texto?
CM – Não. Sobre texto, já temos o
resultado. Foi feito no ano passado. A
que está entrando no campo, agora, é
sobre cálculo. Então, estamos
procurando medir até que ponto as
“Esses 15%, que
[Serra] ganhou,
acho que eram
pessoas que
tinham medo do
PT ou do Lula.”
pessoas são alfabetizadas em
português e matemática, pois isso é
o analfabetismo funcional. Nisso,
temos que melhorar a qualidade de
ensino – e espero que, a cada ano, o
Brasil progrida, nessas comparações,
sempre em relação aos anos
anteriores.
JR – Você estaria exercendo a sua
responsabilidade social exatamente
através da pesquisa?
CM – Da pesquisa, certo. O Ministério
da Educação está participando da
metodologia, várias entidades do
exterior também. Temos o apoio das
pessoas mais renomadas.
JR – A coisa vai mais fundo. O
primeiro pronunciamento do
presidente Lula foi sobre a questão
da fome. Quando ele falou sobre o
assunto, ainda como candidato,
falou em 50 milhões de pessoas
que passam fome, em algum
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
momento. 30 milhões foi o número
do Betinho. E ouvi 11 milhões de
uma fonte do governo passado. Eu
atribuo também isso a essa
dificuldade funcional de que você
está falando e que se constata num
líder político importante, que acaba
de tornar-se nosso presidente; num
homem da respeitabilidade do
Betinho, professor universitário e
uma fonte oficial, que também era
uma pessoa com formação. Por
que essas discrepâncias?
CM – Isso é fruto de uma coisa que o
Brasil não levou a sério durante muito
tempo e que acaba, inclusive, nos
prejudicando, porque todas as nossas
amostras são feitas em cima de dados
oficiais. E os dados oficiais, no Brasil,
sempre foram muito precários. Têm
melhorado, de uns quatro anos para
cá, tanto no nível do IBGE, como do
TSE. O IBGE para nós é importante
porque é em cima de seus dados que
fazemos as projeções. O exemplo da
fome ocorre pela falta de um conceito,
de critérios. Do que estamos falando?
De miséria total ou de uma
“semifome”? De pessoas que só
fazem uma refeição por dia ou
pessoas que não comem nada? Até
para a definição de analfabeto, se
você pegar o TSE e o IBGE, os dados
são conflitantes. Tanto assim, que o
IBOPE faz levantamentos próprios,
para verificar a questão de instrução
primária, secundária, superior porque
os dados oficiais não batem. Essa é
uma das razões por que decidimos
investir nisso. Claro, é uma semente,
mas – daqui a dez anos – terei os
dados reais de analfabetismo no
Brasil. Isso é muito importante, porque
às vezes estamos lidando com um
“chute” e cada um apresenta seus
números como quer – ou há a
ausência total de números oficiais
mas, principalmente, de critérios. O
analfabetismo funcional é um critério.
Lembro-me de que, quando levamos
a idéia para o Ministro Paulo Renato,
ele levou um susto. “Poxa! A cada ano
que passa, diminui o analfabetismo,
“O Brasil ficou
tanto tempo sem
eleições que, hoje
em dia, dá aula
para o mundo
todo.”
já está em 11%. Agora, você vem com
analfabetismo funcional!”
JR – O Brasil tem problemas, mas
eles ocorrem também internacionalmente. A ONU finalmente questionou a comparabilidade dos
números de PIB. Quer dizer, não se
pode comparar o PIB de um país
de moeda forte com o de um cuja
moeda está desvalorizada.
CM – Não só problemas de metodologia. Eu, por exemplo, tenho
críticas pessoais – e sérias – sobre a
inflação – como se calculam as taxas
de inflação. Existem itens importantes
que não fazem parte do cálculo. E há
outros, que fazem parte, mas não são
essenciais na vida do brasileiro. Virou
moda, no Brasil, falar em “risco-país”.
Divulga-se que o risco do país
aumenta, diminui. É outro absurdo
“A pretensão
da pesquisa é
informar a
população
sobre o placar;
não decidir o
resultado.”
porque não se explicita que risco-país
é de uma seleção de 20 a 30 países
em que os muito ricos investem. Não
se diz que há outros 170 países, que
não fazem parte, porque o pessoal
sequer pensa em investir lá. Às vezes,
tem-se a impressão de que estamos
atrás de Uganda, Nigéria, Equador,
Paraguai etc., quando não são nem
cogitados como receptores de
investimento. Há coisas que devem
ser mais explicadas, mais explícitas –
as questões de metodologia e critério.
É um absurdo que todo mundo queira
reajustar os preços – serviços
públicos, gasolina – em função de uma
especulação de petróleo, uma
entressafra de mandioca.
JR – Essa inabilidade funcional
acaba favorecendo os especuladores mal-intencionados, até
porque levam uma certa vantagem,
em conhecimento.
CM – Até nessa questão da fome,
você pode usar a palavra
especulação. Quando um diz que a
fome é 20, outro diz que é 30 e outro
diz que é 50, não deixam de estar
especulando em cima da fome. E
precisamos saber o dado exato das
pessoas que realmente estão
passando fome; das pessoas que são
muito pobres, mas não passam fome,
porque o brasileiro é solidário, há
sempre gente, na família, que ajuda.
Outra coisa com que temos que tomar
cuidado é a questão do desemprego.
Às vezes, numa família de cinco
pessoas, três estão desempregadas,
mas duas estão empregadas, até
bem, e a família acaba vivendo. E há
o problema da economia informal.
JR – Você deu uma boa resposta,
ao dizer que o instituto que
manipulasse os dados estava-se
autodestruindo. No entanto, estamos conversando aqui sobre
manipulação de dados numéricos
por várias entidades, algumas bemintencionadas, como ONGs. Outros
que se dizem bem-intencionados,
como os jornalistas. Mas, se você
101
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
pensar bem, a motivação do
jornalista é notícia, aquela história
que ensinam na escola: se o
homem mordeu o cachorro é
notícia. Mas a normalidade do
mundo é que os cachorros mordam
as pessoas. E são só alguns
cachorros que mordem algumas
pessoas. A maioria não morde.
CM – Comentava com o Luis Paulo e
a Márcia Cavallari como nós fomos
notícia durante os últimos oito meses.
Todo o Brasil respirou pesquisa, do
início ao fim – o dólar caiu, o dólar
subiu. Que pesquisa vai ganhar?
Fulano ou beltrano? Veio 28, 29 de
outubro, e ninguém mais falou do
IBOPE, nem de pesquisa, nem
fizeram comparação. Por quê?
Porque acertamos, passamos a não
ser notícia. Agora, bastava você ter um
102
erro crasso num Estado qualquer, e
ia ser um escarcéu.
tural e pode ocorrer em vários
segmentos. Manipulação, em
pesquisa, é palavrão.
JR – A manipulação desmoraliza...
CM – É preciso cuidado ao falar de
manipulação, é uma palavra sobrena-
“Uma das
reformas mais
importantes
de que o
Brasil precisa
é a política.”
JR – Falo de um político, no seu
discurso; do jornalista, dando mais
destaque a uma coisa do que a
outra…
CM – O político que usa a pesquisa
de forma a que só o dado que
interessa a ele é divulgado na
propaganda eleitoral gratuita – isso é
manipulação. A lei deveria ser mais
rigorosa.
JR – Nem estou falando de vender
produto. Mas do indivíduo que diz:
“O cigarro mata tantos milhões de
pessoas por dia. A cada quinze
segundos, uma mulher é agredida no
Brasil”. As pessoas gostam de
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
acreditar, porque os problemas
existem, mas as estatísticas são
fantasiosas. Isso é antiético. Além de
estar contribuindo, na exposição e
correção dessa inabilidade funcional,
que mais poderíamos fazer?
CM – Muita educação. É igual ao
combate à fome. Você tem que dar
educação de manhã, de tarde, de
noite.
JR – Não precisaríamos revalorizar
a matemática no país? Tornar os
números menos assustadores?
CM – Mas isso está dentro da
educação. Acho que quanto mais
cultura o povo adquirir, mais
educação, mais sapiência, estará
afinado com o que está acontecendo,
mais possibilidade de interpretação, o
que nós dois temos agora. Graças a
Deus, fomos beneficiados na linha de
vida, cultura, aprendizado. Então,
quanto maior a dose da educação,
menos chutes, menos manipulações.
Só há essa saída.
JR – Carlos, alguma coisa que eu
tenha esquecido de lhe perguntar
e que você queira mencionar?
CM – É importante destacar que a
maior parte das pesquisas que o
IBOPE faz não é divulgada, talvez uns
20%. Das pesquisas políticas – uns
30% não são. São usadas como
estratégias de campanha, pelo
marketing.
JR – São os partidos políticos que
compram essas pesquisas?
CM – Não. Além dos partidos políticos,
são instituições financeiras,
empresários, marqueteiros que
querem saber pontos fracos e fortes
do seu candidato e dos adversários.
Da mesma forma que temos
pesquisas – como de audiência e o
Painel de Consumidores – que são
abertas para o mercado, há pesquisas
políticas que não são divulgadas. As
pesquisas de mercado, basicamente,
são para uso interno. Nunca são
divulgadas. Uma empresa de
cosméticos assina o Painel de
Consumidores para verificar a sua
posição. Tudo bem, pode ser até um
dado público. Mas, para lançar um
novo produto fazer um teste de sabor,
faz-se uma pesquisa específica, que
a gente chama de ad hoc – sob
medida. É como comprar um terno no
varejo e mandar fazer no alfaiate.
JR – Como você vê a pesquisa
como mercado de trabalho para os
jovens recém-formados.
“É preciso
melhorar – ou
acabar – com a
propaganda
eleitoral gratuita na
televisão. Tudo que
é obrigatório é
ruim.”
CM – Não é só pela pesquisa, mas
pelo fato de ela dar a possibilidade de
se ter a coisa mais preciosa do mundo
– talvez mais do que petróleo – que é
a informação. Informação é o X do
negócio, nesse mundo globalizado. O
jovem que se dedicar à pesquisa vai
ter maior facilidade de se inserir no
mercado – cada vez mais competitivo
– por saber interpretar – ou fornecer –
alguma coisa supervaliosa que é a
informação. Seja de que tipo for.
JR – E qual é a formação que deve
ter esse profissional? Engenharia,
informática, administração?
CM – Acho que comunicação e
administração. Pode passar também
pela parte de economia. Engenharia,
não acho. Informática, muito
específico.
JR – Mas você vem de engenharia!
CM – Não. Comecei e saí depois de
seis meses, porque vi que não tinha
nada a ver. Tem uma parte que acho
interessante, que é a engenharia de
produção. Naquela época, havia as
“profissões da moda” – direito,
medicina e engenharia. Eu e meu
irmão quisemos fazer engenharia
103
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
porque não pensávamos no IBOPE.
Depois nos apaixonamos. Eu larguei
a engenharia e mudei. Ele resolveu
continuar com a engenharia de
produção. Mas, hoje, acho que
escolheríamos economia, administração, comunicação e marketing.
comunicação – que compram para
divulgar –, instituições financeiras. As
instituições financeiras substituem,
hoje, as empreiteiras. Antigamente, as
empreiteiras tinham interesse na
política por causa de obras, contratos
etc. Hoje, a categoria mais interessada
são as instituições financeiras.
JR – Uma curiosidade: como se
dividem os seus clientes entre
anunciantes, veículos de comunicação e agências?
CM – São várias empresas no Grupo.
No caso da televisão, certamente, são
as redes. Numa proporção de 65/35
com as agências de publicidade.
Temos clientes em televisão, rádio,
jornal e revista, como veículo, e as
agências. No Painel de Consumidores,
são 100% anunciantes. No que se
refere à política, a divisão fica
interessante porque há partidos
políticos, empresários, veículos de
104
“Nós já fizemos
pesquisas por
telefone e os
resultados
aproximaram-se
muito da pesquisa
face a face.”
JR – Qual foi o maior erro de que
você já participou ou cometeu
diretamente na vida de pesquisador?
CM – Foi um erro de decisão – numa
pesquisa política, em 1985. Ficou
marcada e aprendemos muito. Na
nossa avaliação, achávamos que a
eleição para prefeito, em Fortaleza,
estava decidida 20 dias antes e o
candidato Paes de Andrade iria
ganhar. E a eleição de Recife era
muito difícil. Paramos de fazer
pesquisa em Fortaleza e mandamos
os pesquisadores para Recife. Moral
da história: em Recife, acertamos por
meio ponto. Mas, em Fortaleza, foi o
maior erro do IBOPE, porque a
candidata que estava em quarto lugar
– Maria Luiza Fontenelle, do PT –
houve uma série de acontecimentos,
e ela acabou ganhando a eleição.
Quer dizer, não foi um erro da
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
pesquisa; foi um erro de avaliação. A
partir daí, em todos os Estados onde
nos comprometemos a divulgar,
vamos até o final. E introduzimos a
cédula nos questionários. Independentemente de fazer a entrevista,
damos uma cédula para o entrevistado, que ele põe numa urna de pano.
Com isso,queremos combater o voto
“envergonhado”. Enfim, mudamos
uma série de formas de trabalhar – a
partir desse erro de decisão – e
aprendemos que o jogo só termina
quando acaba.
JR – E, agora, por uma questão de
justiça, qual é o acerto ou fato de
que você tem maior orgulho
profissional?
CM – Olha, não é porque está
recente, mas foi o acerto do IBOPE
nessas eleições – pelo tamanho do
desafio. Pela primeira vez, cobrimos
os 27 Estados – antes eram 15, no
máximo 18. Pela primeira vez,
cobrimos uma eleição nacional em
todos os Estados. E, pelo acerto
contundente, acho que esse foi o
maior acerto na vida do IBOPE. Um
fato que me marcou muito também
foi quando anunciei, numa eleição
disputada em 89, a vitória do Collor
sobre o Lula. Mas isso talvez tenha
sido porque foi a primeira eleição
depois da ditadura e eu nunca tinha
votado para presidente. Então, foi
um fato que marcou. Como era uma
eleição muito dividida, as pessoas
acharam muita coragem você
acreditar assim na pesquisa. Mas
acho que o acerto desse ano de
2002 foi exuberante.
105
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Fundado em 1942, o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) foi o primeiro
instituto de pesquisa de mercado da América Latina. O produto do GRUPO IBOPE é a informação,
utilizada como instrumento de orientação do processo decisório dos clientes, permitindo-lhes
minimizar riscos e maximizar retornos. No Brasil, o IBOPE é o maior e mais diversificado fornecedor
de informações para a tomada de decisões de marketing, propaganda, mídia e Internet, nas
esferas empresarial, política e governamental.
Com mais de mil funcionários distribuídos entre as suas empresas, o GRUPO IBOPE conta
com profissionais especializados em cada um dos mercados em que atua. Por meio de acordos
de cooperação técnica com grupos internacionais de pesquisa, assegura a utilização das mais
atualizadas práticas profissionais, dentro de padrões europeus e norte-americanos de qualidade,
com ênfase ao controle sistemático de qualidade e ao atendimento personalizado com o intuito
permanente de bem atender às expectativas dos seus clientes.
O IBOPE tem sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro, filiais nas principais cidades brasileiras
e empresas coligadas em diversas capitais latino-americanas, além de um escritório em Nova
Iorque.
Atualmente, o GRUPO IBOPE reúne 12 empresas, cada uma com parceiros estratégicos
atuando em seu respectivo mercado-alvo. Sete empresas pertencem à holding IBOPE.com, criada
em 2001 com o objetivo de cuidar de todos os interesses do GRUPO relacionados à Internet.
IBOPE e-Clipping: notícias personalizadas e medição de imagem de
marca.
IBOPE eRatings.com: medição da audiência e publicidade na Internet.
IBOPE eSurvey: pesquisas customizadas com internautas e sobre a
Internet.
IBOPE Inteligência: conteúdo de alto valor agregado, análises
estratégicas e de tendência.
IBOPE Medialog: plataforma para automação de agências de publicidade
e planejamento, otimização e checking de mídia.
IBOPE Megadata: terceirização de serviços de informática.
IBOPE Mídia: pesquisas sobre audiência e investimentos publicitários.
IBOPE Opinião: pesquisas de opinião pública e políticas.
IBOPE Solution: pesquisas de produto e hábitos de compra feitas sob
encomenda.
Instituto Paulo Montenegro: instituição sem fins lucrativos responsável
pela coordenação das ações sociais do IBOPE.
LatinPanel: painéis de consumidores.
Millward Brown: pesquisa especializada em metodologias da saúde e
do desenvolvimento da comunicação das marcas.
106
Um case em foco
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
As crianças
e os sucos prontos
Del Valle
Até que ponto é possível pedir às próprias crianças (e não às mães)
que nos digam o que preferem? Com a ajuda da SINAL, a empresa
Sucos Del Valle apostou no diálogo com as crianças e acertou.
Este case mostra como surgiu a sua nova linha de sucos infantis, com
personagens e situações escolhidos pelas próprias crianças e que
conquistou rapidamente a liderança
desse segmento de mercado de sucos.
Este case foi elaborado pela
SINAL-Pesquisas sob a coordenação de Olenka Franco.
Olenka Franco é presidente da SINAL-Pesquisas e professora da ESPM.
Este case faz parte da coleção da Central de Cases ESPM/
EXAME, criada para estimular a utilização de cases nas
escolas brasileiras.
107
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
C
ada vez mais cresce o poder de
compra das crianças, desde muito pequenas – três, quatro anos
–, até a adolescência. Não só compram
elas próprias, mas também influenciam
decisivamente na escolha de itens das
mais diversas categorias: de alimentos
a roupas e produtos de higiene; de brinquedos a computadores; locais de entretenimento a freqüentar e filmes a serem
vistos (e revistos). Muitas companhias
disputam a utilização do dinheiro que as
crianças levam diariamente para as cantinas escolares. Muitos produtos são desenvolvidos e posicionados para o público infantil.
A questão que se coloca é como
ter sucesso ante a proliferação de tantos produtos dirigidos às crianças.
Como conseguir sua atenção e interesse? E, mais idealmente, como conseguir sua lealdade?
Sem dúvida, é necessário antes de
mais nada entender os processos mentais das crianças nas suas várias faixas
etárias, as quais correspondem a diferentes fases de desenvolvimento
(cognitivo, perceptual, ético, de socialização, tipo de humor), bem como a diferentes reações emocionais, necessidades e desejos. Piaget, Erikson e outros
autores desenvolveram estudos
aprofundados sobre esses temas.
E, além disso, convém sempre
pesquisar especificamente a reação
das crianças aos estímulos mercadológicos que pretendemos efetivar:
do produto e sua embalagem, à propaganda e distribuição.
Com tais objetivos em mente, a empresa Sucos Del Valle decidiu posicionar
um de seus produtos, o suco pronto
comercializado em caixinhas individuais
de tetrabrik, 200 ml, para o público infantil, passando a denominá-lo Mini Valle
Kids.
108
Antes de lançar o Mini Valle Kids
no Brasil, em 2001, a empresa vendia
todos os sucos em embalagens com o
mesmo padrão visual, destinadas ao mercado de sucos em geral, sem personagens desenhados, mas apenas com a foto
da fruta evidenciando o tipo de suco em
seu interior. As crianças não se identificavam particularmente com elas, a não
ser pelo fato de serem pequenas e
caberem em suas lancheiras.
Depois de trabalhar 21 anos na Quaker
e acompanhar todo o desenvolvimento
do Toddynho, bem como a campanha de
seu lançamento no mercado brasileiro,
Horácio Rocha, diretor da Del Valle acumulara experiência sobre a importância de
diferenciar os produtos destinados ao
público infantil e, disposto a estimular as
vendas das caixinhas, foi até o México
com uma nova proposta de embalagem,
que já incorporava personagens. O pessoal da matriz concordou com a idéia, mas
preferiu lançar no mercado brasileiro o
mesmo formato da linha Mini Valle Kids
então comercializada no México.
Os quatro sucos comercializados
pela marca para o público infantil – de
uva, manga, pêssego e morango – traziam, então, personagens que representavam cada uma dessas frutas em práticas
esportivas diferentes, mas dissociadas
de seu contexto específico. Por exemplo,
a manga caía na água, não se sabe se de
uma piscina ou de um tanque, pois apenas a água aparecia desenhada na embalagem; o morango andava de patins e
o pêssego de skate, mas como não havia
pista ou solo sobre seus pés, eles pareciam de fato estar brincando no espaço,
assim como a uva, que pedalava uma bicicleta no ar.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Qual a percepção que as crianças tinham
das figuras que decoravam as caixinhas
conhecidas como Mini Valle Kid's, quais os
seus pontos fracos e fortes, que fantasias e
associações elas suscitavam e qual a identidade e o diferencial que elas produziam na
mente do público infantil? Tais figurinhas
já se compunham como verdadeiros personagens? Qual a dinâmica que se estabelecia entre elas, na percepção das crianças?
Esses eram pontos que preocuparam então
a Sucos Del Valle.
A SINAL-Pesquisas saiu a campo
atrás de respostas para essas questões,
no primeiro semestre de 2001, buscando
a avaliação dos personagens das embalagens de sucos prontos Del Valle destinadas ao público infantil.
A pesquisa utilizou técnicas projetivas,
como desenhos e histórias feitos por crianças de 5 a 10 anos de idade, das classes A e
B, residentes em São Paulo. A partir da
observação desse material foi possível
analisar suas reações às embalagens,
elucidando o significado dos personagens dos sucos Mini Valle Kids, no
universo mental das crianças, do ponto
de vista da criação de vínculo emocional, do papel nas fantasias e das possibilidades de identificação.
Realmente, as crianças têm muito mais
a dizer sobre os produtos que consomem do que os adultos podem imaginar.
São observadoras, detalhistas e compartilham pressupostos fundamentais a respeito do mundo em que vivem e do papel do outro dentro dele. Mas é preciso
conhecimento técnico, além de perspicácia, para entender seu jeito de interpretar a realidade. Costuma ser sutil.
Por exemplo, foi consenso entre as
crianças pesquisadas o seguinte grupo de
impressões: os personagens eram "pequenos e frágeis"; pareciam "correr
perigo", como o risco de acidente; não pareciam manter relação de amizade uns com
os outros uma vez que todos usavam
óculos escuros (sic!); eram sujos e
precisavam de banho; entravam em brigas e acabavam machucados, tinham formas estranhas, como a uva "com sete
cabeças" e assim por diante. A maioria
das histórias que eles criaram com os
personagens trazia um final não muito
feliz, ou uma descrição das figuras como
"é que a uva, ela tem 7 cabeças, aqui : 1, 2 , 3 , 4, 5, 6,
7 cabecinhas... mas só que na verdade o que eu estou
estranhando é que parece cabeças mas não são; isso
daqui são as uvinhas que a gente compra, que é a cara, a
boquinha, o narizinho, que é a perninha e o bracinho,
mas parece que ela tem 7 cabeças"
seres estranhos.
Tanto as meninas como os meninos
sentiram, ainda, a falta de definição de
gênero nos personagens da linha Mini
Valle Kids e se incomodaram com o fato
de todos usarem óculos escuros. A criança quer ver e ser vista, e a falta de olhos
nos personagens os desperso-nalizava e
não lhes transmitia confiança. A
indefinição do gênero foi digna de nota
em todas as histórias e comentários, uma
vez que o público pesquisado vivia justamente a fase de desenvolvimento da
identidade como menino ou menina.
A ausência da linha de terra, como é denominado tecnicamente o espaço inferior de enquadramento dos personagens
ou objetos de um desenho, e que de fato
não existia na série pesquisada, era outro fator de comprometimento da identificação das crianças com as figuras das
embalagens. Elas não tinham um chão
para se sentir seguras. Nas histórias que
as crianças contaram, os personagens
eram atropelados, esmagados ou enfrentavam outras situações desastrosas.
" O tubarão comeu o limão que estava surfando. Ele
estava com as pernas amarradas, não conseguia sair.
Estava mordido pelo tubarão, morreu."
" era uma vez uma fruta que andava de bicicleta que
tombou, amassetou-se e formou um suco."
109
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
As crianças não se incluíam nas histórias e desenhos. Não se relacionavam
com os bonecos nem se identificavam
com eles, que eram sempre tratados assim, na terceira pessoa.
Os elementos e contextos dos desenhos eram em geral pobres, independentemente da faixa etária das crianças
pesquisadas.
A pobreza é estranha ao desenho típico da idade, pautada por desenhos
com características tais como: formalismo, realismo, excesso de crítica e idéia
de completude.
Não aparecia o contexto nos desenhos nem "linha de terra", indicação de
que os bonecos não faziam parte do universo mental das crianças.
O foco das histórias e desenhos
recaía sempre sobre o equipamento usado pelo boneco e não sobre sua personalidade.
Os bonecos eram sempre associados
às frutas. Ou seja, representavam a categoria genérica e não determinados indivíduos. Não tinham personalidade.
Os resultados da pesquisa levaram a
Del Valle a modificar completamente o
perfil dos personagens estampados em
suas caixinhas de sucos para esse público, não só no Brasil mas nos demais
países onde a empresa, de origem mexicana, comercializa seus produtos. Com a
mudança, a subsidiária brasileira conseguiu ampliar de 15% para 20% a participação desse segmento no total de suas
vendas de sucos de frutas no país desde o início de 2002. Não é pouco. A Del
Valle detém 35% do mercado brasileiro
de sucos naturais embalados (em volume) e 40% em valores e vem aumentando essa participação ano a ano.
EXPANSÃO CONTÍNUA
Crescimento da Del Valle
(em unidades/mês)
1999........................155
2000........................257
2001........................500
2002........................750
110
mil
mil
mil
mil
Horácio Rocha, diretor de vendas e
marketing da Del Valle apresentou o resultado da primeira pesquisa feita pela
SINAL ao pessoal da Del Valle mexicana
em 2001. Recebeu autorização para mudar a linha e lançou os novos personagens no início de 2002 no mercado brasileiro. Os novos personagens foram desenhados pelo Estúdio Packing, de Fábio Mestriner.
Nova pesquisa foi realizada pela SINAL, comparando o resultado da avaliação dos desenhos iniciais dos personagens – primeira fase da pesquisa – com
as novas embalagens Mini Valle Kids, a
linha atual, responsável pela expansão
das vendas dos sucos de caixinha. Ela
traz personagens com identidade sexual, olhos à vista, em situações que envolvem contexto, bem como cenários definidos.
Os desenhos e histórias que as crianças pesquisadas criaram com os novos
personagens das embalagens Del Valle
mostraram que tinham características
afetivas, refletindo a possibilidade de
aproximação e elo entre o público-alvo
e os bonecos. Os contextos e a forma estavam adequados ao desenvolvimento de
cada idade.
A definição de gênero permitiu a
identificação das meninas com as meninas e dos meninos com os meninos. O
sexo dos personagens, identificado pela
roupa usada, aparecia nas histórias: "A
manga e a uva são meninas. Elas estão
de saínha e eles de short (o morango e o
pêssego)", as crianças diziam. Na interpretação delas, ainda, as frutas-personagens dessa vez formavam um conjunto que podia brincar entre si, o que de
resto era confirmado no verso da embalagem das caixinhas.
"Eles vão votar pra escolher a brincadeira", imaginavam as crianças ouvidas. "Dá pra jogar bola junto e eles tem
outros brinquedos". A expressão das figuras, com olhos à mostra, revelava sentimentos e permitiam a identificação delas com os sentimentos das crianças.
"O morango e o pêssego estão felizes",
afirmavam. Outros detalhes da caracterização dos personagens, como o cabelo arrepiado por gel do morango,
levava a novas identificações. O corte
tornava o morango aparentemente
o mais velho do grupo, na
percepção das crianças. A uva
seria a mais nova porque era a
menor.
Os desenhos feitos na segunda fase da pesquisa foram
exemplares da identificação das
crianças com a proposta das
embalagens. Eles têm sol, chão, os
personagens brincam uns com os outros
ao ar livre, o que tem tudo a ver com o
produto pesquisado, o suco, que na mente das crianças está ligado à prática de
alguma atividade física, um esporte. O
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
cenário desenhado para as brincadeiras
dos bonecos mantinha relação estreita
com a realidade urbana das crianças ouvidas, todas de São Paulo e moradoras
de condomínios. As frutas brincavam
nas quadras das áreas de lazer dos
prédios, em um ambiente que lembra segurança e reflete os valores da classe
média atual, que a criança preza e revela
nos desenhos.
A realidade urbana atual aparecia
também no comentário sobre a origem
das frutas. "De onde elas vêm, como se
conhecem e formam um grupo?", a SINAL quis saber. As crianças têm noção
de que, para virar suco, as frutas são
esmagadas, destruídas, o que poderia ser
uma idéia negativa, mas interpretam o
fato magicamente. Não levam em conta a diferença entre as árvores que dão
origem às frutas dos vários sucos nas
caixinhas, como o morango, que vem
de uma planta rasteira, ou a uva, que
nasce em parreiras. Diferente do leite,
que vem da vaca, que continua inteira
depois de ser ordenhada, para essa criança urbana as frutas nascem em
caixinhas, no supermercado. Esse, aliás, é sem dúvida um lugar importante
na vida delas, ao lado da escola, do condomínio e do shopping center.
Com o resultado da segunda pesquisa,
que confirmou a identificação das crianças com a nova linha Mini
Valle Kids foi a vez do México mudar as embalagens:
As personagens de Fábio
M e s t r i n e r,
que é professor
da ESPM, foram
adotadas pela
Del Valle
no resto
da América
Latina, além
do México, no
final do primeiro
semestre deste ano.
111
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Conclusão –
Desafios
Este case confirma que o sucesso dos
produtos destinados às crianças depende, em última análise, de sua capacidade
de comunicar-se e interagir com elas.
Se os personagens associados ao
produto forem capazes de estimular a
imaginação infantil, e levar a criança a
projetar-se nas histórias que imaginam,
o sucesso estará quase garantido. Como
tópicos de discussão do case, sugeremse os seguintes:
1) Você está de acordo com o enunciado do case? Em outras palavras, acha
que a interpretação da pesquisa e as decisões posteriores da Del Valle foram corretas? Por quê?
2) Caso esteja de acordo com a estratégia adotada, que outras formas de
utilização poderiam ser encontradas para
os personagens? Basta lembrar o suces-
112
so que a Parmalat obteve com a venda
dos bichinhos ilustrados em seus anúncios.
3) Procure fazer analogias com
outros produtos existentes no mercado
destinados às crianças. Cite e comente
os exemplos bons e maus de utilização
de personagens e outros elementos
destinados a estimular a imaginação infantil.
Jorge Duarte
– Organizador
ASSESSORIA DE
IMPRENSA E
RELACIONAMENTO COM A
MÍDIA: TEORIA E TÉCNICA
A questão das relações entre as organizações e a imprensa não é nova. Como tema e
problema, é até coisa velha, de quase um século. Na verdade, se nos identificarmos como
profissionais ou estudiosos da comunicação chamada empresarial, institucional ou organizacional,
somos mais ou menos herdeiros de um jornalista americano: Ivy Lee. Em 1906, ele inventou a
atividade especializada a que hoje chamamos de Assessoria de imprensa.
O livro trata de teoria e prática em temas como relacionamento fonte/jornalista e assessor/
assessorado, administração de crises, ética, imagem, notícia, implantação de uma Assessoria,
avaliação dos resultados, produtos e serviços, release. Há ainda capítulos mostrando a história
da prática de Assessoria de Imprensa nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, e um texto
tratando apenas sobre como funciona uma redação jornalística.
O organizador e os colaboradores cederam os direitos autorais para a ONG “Missão Criança”,
instituição voltada ao combate de todas as formas de pobreza e exclusão social, especialmente
por meio de investimentos na área de educação.
Jorge Duarte é jornalista e relações públicas, mestre e doutorando em Comunicação Social
pela Umesp, atuando em Assessoria de Comunicação e de Imprensa, na pesquisa e no ensino
há mais de uma década. É professor do Centro Universitário de Brasília, do Centro Universitário
Nilton Lins e da Universidade Católica de Brasília.
Editora Atlas
São Paulo, 2002
416 p. – R$ 49,00
Lélio Lauretti
RELATÓRIO ANUAL –
Veículo por excelência da
comunicação institucional
Editora Saraiva
São Paulo, 2002 – 2.ª edição
144 p. – R$ 35,00
Scott Bedbury e
Stephen Fenichell
Equipe APEX
A Primeira Exportação a
Gente Nunca Esquece –
como as empresas brasileiras estão
chegando ao mercado externo
Procurando continuar a ser referência na área, essa obra sobre o Relatório Anual das
empresas traz, na nova edição, assuntos inéditos e originais. Entre os novos temas, destacamse governança corporativa, relatório social, ativos intangíveis, valorização do patrimônio social, gestão de riscos, transparência, responsabilidade social e ética na comunicação.
O foco da obra baseia-se em mostrar a importância do relatório anual para a boa
comunicação da instituição, principalmente nessa época repleta de mudanças econômicas e
financeiras, fusões, associações, processos de racionalização e expansão acelerada. O autor
explica como as companhias de todos os tipos (sejam elas sociedades abertas, fechadas,
limitadas e civis ou organizações sem fins lucrativos) precisam demonstrar de maneira
transparente, clara e sucinta os resultados de suas iniciativas e perspectivas imediatas, de
forma a valorizar suas atividades e atrair, cada vez mais, investimentos.
O livro é indicado para profissionais, analistas, alunos e interessados no tema e, enfim,
para todos que, de um lado, precisam prestar contas aos proprietários, investidores, parceiros
e à sociedade em geral e, de outro lado, para os que gostariam de entender mais sobre esse
veículo por excelência da comunicação institucional.
Lélio Lauretti é economista, com pós-graduação na Harvard Business School e Presidente
da Comissão Avaliadora do Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual.
Panelas de fondue fabricadas no sul da Bahia são exportadas – imagine – para a Suíça.
Os vinhos brasileiros seguem para a França. O país lança tendência de moda, design e
tecnologia no mercado internacional. São os empresários colocando o “pé lá fora” e descobrindo
que o Brasil tem potencial produtivo, com qualidade e diversidade de produtos.
Os casos narrados deixam claro que o caminho para ampliar as exportações brasileiras é
aumentar o universo de empresas engajadas no processo, incluindo as de pequeno porte e
localizadas fora dos grandes centros, como está sendo o caso dos produtores de cachaça.
As exportações brasileiras desse segmento têm crescido em média 10% a cada ano e
deverão atingir 12,2 milhões de litros em 2002, segundo estimativa da Agência de Promoção
de Exportações. Ao mesmo tempo, estão tendo início negociações para a venda de produtos
como água mineral e algodão colorido no mercado internacional.
A Primeira Exportação a Gente Nunca Esquece procura mostrar, de forma clara e simples,
como as empresas estão chegando ao mercado externo. Fatos curiosos são relatados pelos
gerentes de projetos e pelas empresas que estão participando do esforço de promoção
comercial, em parceria com a APEX.
São os relatos de alguns empresários que venceram as fronteiras do medo e participam
de feiras e eventos internacionais, conhecem as necessidades dos clientes, o que o concorrente
está comercializando lá fora e se surpreendem ao concluir que podem fazer mais e, muitas
vezes, melhor.
A APEX faz parte da estrutura do SEBRAE. Começou a operar em abril de 1998, com o
objetivo de apoiar a implementação da política de promoção comercial das exportações, de
acordo com objetivos traçados pela CAMEX – Câmara de Comércio Exterior.
Editora Qualitymark
Rio de Janeiro, 2002
164 p. – R$ 25,00
113
leitura recomendada
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
João Vicente
Cegato Bertomeu
CRIAÇÃO NA PROPAGANDA
IMPRESSA
Editora Futura
São Paulo, 2002
128 p. – R$ 25,00
Márcia Esteves
Agostinho/Ruben
Bauer/ José
Predebon
CONVIVENCIALIDADE –
a expressão da vida
nas empresas
Editora Atlas
São Paulo, 2002
192 p. – R$ 32,00
Benny Kramer
Costa/Martinho
Isnard Ribeiro de
Almeida –
Coordenadores
ESTRATÉGIA –
perspectiva e aplicações
Editora Atlas
São Paulo, 2002
344 p. – R$ 55,00
114
Nesta obra, o publicitário João Vicente Cegato descreve todos os passos para realizar
uma campanha de mídia impressa bem-sucedida. O autor explica o “abc” das campanhas
publicitárias e todas as curiosidades que permeiam o mundo da criação. Grandes nomes da
publicidade, como Duailibi e Washington Olivetto, dão importantes depoimentos.
Quando surgiu a propaganda, como foi sua evolução até hoje, qual a sua importância,
por onde começar, o que é e como fazer um bom briefing, o que é insight, rafs e finalizações,
como fazê-los. Enfim, uma viagem com escalas por todo o processo da criação.
O autor disseca 5 campanhas de sucesso: Home Theather Semp Toshiba, Kibon (Frutare),
Natura, Audi (A6) e ANER. Desde o pedido do cliente, passando pelo briefing, rafs, opções de
layout, até a peça pronta. A propaganda sem mistérios, para estudantes e profissionais da
área ou para simples curiosos.
João Vicente Cegato Bertomeu é professor no MBA Executivo ESPM. Leciona também
na Faculdade de Belas Artes, IMES e Faculdades Oswaldo Cruz. Atualmente, dirige o
departamento de criação da Mercado de Idéias Propaganda. É graduado em Publicidade e
Propaganda pela Metodista e mestre em Comunicação e Semiótica em processos de criação
pela PUC/SP.
O termo convivência pode provocar uma sensação de conforto descomprometido, ligado a
uma idéia de “não estar trabalhando”. Convivência seria algo externo ao trabalho, um churrasco
no fim-de-semana, ou um chope depois do expediente; convivência seria sinônimo de futebol,
bate-papo informal, social, piadas e descontração. Horário de trabalho é coisa séria e convivência
entre as pessoas no trabalho é antiprofissionalismo... E é nessa mentalidade de separação que
temos vivido até então. Convivência é, sim, sinônimo de conforto, pois é a possibilidade de nos
sentirmos bem por sermos humanos. É permitir ser gente no trabalho e não máquina de produção.
Isso exige mudança de valores, ressignificação de crenças e, em muitos casos, reformulação
de identidade. Quem está disposto a essas mudanças?
A obra traz informações sobre o universo do relacionamento entre as pessoas, repensado
à luz da filosofia, mas discutido no contexto do mundo atual, principalmente no ambiente de
trabalho. A obra foi idealizada pela R.E.D.E (Rede para a Educação, o dom e a Expressão),
uma comunidade auto-organizante e autogovernada, dedicada a promover, divulgar e fomentar
a convivencialidade nas empresas, organizações e na sociedade, para que nestas se desenvolva
a expressão dos potenciais humanos.
Márcia Esteves Agostinho, engenheira química pela UFRJ, doutora e mestre em engenharia
da produção pela COPPE/RJ e professora da Universidade Católica de Goiás.
Ruben Bauer é consultor, conferencista, professor da PUC/RJ e da FGV. Autor do livro
Gestão da mudança: caos e complexidade nas organizações, publicado pela Atlas.
José Predebon é professor da ESPM e autor de vários livros sobre criatividade, publicados
pela Atlas.
As rápidas transformações que vêm ocorrendo no mundo têm induzido nações e
organizações a buscar novas alternativas, a fim de enfrentar esses desafios e acontecimentos.
Nesse contexto, insere-se o tema Estratégia como importante elemento na busca de caminhos,
objetivos e alternativas futuras, relevantes ao processo de decisão e gestão das organizações
e instituições.
Em função disso, a Sociedade Latino-Americana de Estratégia – SLADE –, há 14 anos,como
um organismo de discussões, por meio de seus congressos anuais, reúne pesquisadores,
acadêmicos, consultores e gestores de organizações privadas e públicas pertencentes a diversos
países da América Latina. No congresso realizado em Buenos Aires, em 2001, houve uma
seleção dos melhores trabalhos de brasileiros.
Essa coletânea versa sobre o tema “Estratégia”, constituindo-se numa obra relevante para
todos os que se interessam pelo assunto. A elaboração dos textos envolveu um grupo de
professores, pesquisadores, consultores e empreendedores com experiência dos diversos
assuntos abordados no livro. A participação dessa discussão viva sobre a estratégia implica a
decisão de não ficar apenas em experiências isoladas ou num modelo único de autor, mas
precisamente buscar, refletir e considerar o que tantos participantes têm para dizer e contribuir.
Benny Kramer Costa é doutor pela FEA/USP e professor de pós-graduação na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Martinho Isnard Ribeiro de Almeida é professor-doutor da FEA/USP.
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Al Ries/Laura Ries
A QUEDA DA PROPAGANDA
– da mídia paga à mídia
espontânea
Editora Campus
Rio de Janeiro, 2002
312 p. – R$ 55,00
José Luiz Tejon
Megido/Charles
John Szulcsewski
ADMINISTRAÇÃO
ESTRATÉGICA DE VENDAS E
CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO
Editora Atlas
São Paulo, 2002
176 p. – R$ 27,00
Antonio Carlos
Giuliani
MARKETING EM UM
AMBIENTE
GLOBALIZADO
Em A Queda da Propaganda, os autores desejam provar que surgiu uma nova era: a das
relações públicas. Para a dupla de consultores, propaganda e publicidade têm significados bem
diferentes: a primeira é tratada como a conhecemos aqui: comunicação persuasiva que visa,
prioritariamente, a venda de um produto ou serviço. Publicidade, porém, engloba o trabalho de RP.
A diferença no emprego das duas palavras é tão marcante, que Al e Laura Ries afirmam que
as principais marcas da atualidade nasceram da publicidade, não da propaganda. No livro, há
cases bem-sucedidos de campanhas de RP x campanhas fracassadas no mundo da propaganda. O confronto tem o intuito de mostrar que esta carece de credibilidade, um ingrediente
crucial para a construção da marca, o que somente o trabalho de relações públicas pode
proporcionar.
De acordo com os autores, a maioria das abordagens grandiosas, defendida pelos profissionais
de propaganda, deveria ser abandonada em favor da construção lenta pelas relações públicas. E
mais, a dupla afirma que a propaganda só deveria ser usada para manter as marcas depois de
elas já terem sido estabelecidas por meio da publicidade.
Al e Laura Ries partem do princípio de que, para tirar algo do nada, é preciso ter a validade
que só o endosso de terceiros pode proporcionar. E alegam que, no futuro, o setor de propaganda tende a “gritar”, não apenas pelo dinheiro, mas pela perda de sua função tradicional como
parceiro de marketing, pois o marketing entrou na era das relações públicas.
Al Ries é estrategista de marketing e co-autor de Posicionamento: a batalha por sua mente e,
junto com sua filha e sócia, Laura Ries, de As 22 consagradas leis do marketing. Sua empresa, a
Ries & Ries, sediada em Atlanta, trabalha para muitas empresas incluídas na lista das 500 maiores
da Fortune.
“O mundo dos negócios está redescobrindo a verdadeira importância da vendas, e das forças
de vendas em particular, como fator essencial do êxito das campanhas de marketing. A
administração das relações entre fornecedores e revendedores (ou usuários) de produtos e serviços
de todos os tipos é hoje uma necessidade básica de marketing. Falar de parcerias, e não de
contatos esporádicos, já se tornou lugar-comum. As empresas fornecedoras alinham-se agora
aos grandes usuários e revendedores e entregam o atendimento dessas contas a verdadeiros
gerentes de contas, com funções executivas.” (Francisco Gracioso – Presidente da ESPM)
A frase do prefácio do livro bem ilustra a natureza do relacionamento e posicionamento que
a força de vendas necessita para enfrentar o novo mercado global.
Entre eles destacam-se: Evolução do conceito de marketing; Marketing mix; Marketing de
relacionamento; Liderança; Era da economia digital; Comércio eletrônico; inteligência psicológica
em vendas; A venda na prática; Estudos de casos Brasileiros; Vendas pela Internet.
José Luiz Tejon Megido é jornalista e publicitário com mestrado em Educação, Arte e
Cultura. Professor de pós-graduação da ESPM, professor convidado e membro do Conselho do
Programa de Estudos dos Negócios do Setor Agroindustrial da FEA-USP. Diretor de Marketing
na OESP Mídia Ltda., coordenador do grupo de Estudos dos Negócios e Operações de Marketing em Agribusiness (Genoma) junto ao Centro de Estudos da Gestão (CEG).
Charles John Szulcsewski é graduado em Administração de Empresas, pós-graduado em
Marketing, com especialização em Marketing de Relacionamento pela Anglo-Continental School
(Inglaterra), e mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP).Professor do curso de pós-graduação em Marketing da ESPM – Porto Alegre, Salvador e São Paulo.
O livro apresenta um esquema de ações práticas que permite uma leitura fácil e agradável,
procurando levar o leitor a refletir sobre suas práticas mercadológicas e adequá-las ao seu
negócio. Foi projetado para alunos dos cursos de administração, marketing, comunicação e
propaganda, e para pessoas de negócios que precisam de uma compreensão clara das práticas
e aplicações de marketing.
O autor dá cores ao marketing por meio de exemplos saborosos e atualizados de estratégias
de sucesso, e ensina-nos a aprender com o fracasso de determinados produtos. A leitura
desse livro leva ao entendimento de um novo e descomplicado marketing.
Ao desmistificar o marketing, preenche, com exemplos, todos os espaços onde o marketing moderno está presente; do campo social ao de negócios, do conceito às estratégias, do
marketing eletrônico impulsionado pela Internet, do marketing de varejo ao marketing do futuro hoje.
Antonio Carlos Giuliani é administrador, diretor de empresa, doutor e mestre em
Administração pela UNIMEP, com especialização em Marketing pela University of Califórnia.
Cobra Editora & Marketing
São Paulo, 2003
287 p. – R$ 75,00
115
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
PEQUENA HISTÓRIA COMENTADA DA PESQUISA DE MERCADO E DE OPINIÃO PÚBLICA NO BRASIL:
PÁG. 9
OCTAVIO DA COSTA EDUARDO
Artigo sobre as origens e história da pesquisa de mercado e de opinião pública no Brasil da década de
1930 até o fim da década de 1960, com destaque inicial para as duas primeiras pesquisas de âmbito
nacional realizadas no país: uma pesquisa de mercado em 1933 sobre a redução do consumo do café e
uma pesquisa de opinião pública realizada em 1940/41 sobre as atitudes, opiniões e preferências dos
brasileiros com relação aos países envolvidos na Segunda Grande Guerra, iniciada em 1939, e a outras
nações que eventualmente se envolvessem mais tarde.
A criação e desenvolvimento do IBOPE, criado em 1942, são tratados detalhadamente, seguindo-se
informações sobre o surgimento e trabalhos dos três institutos que começaram a operar na década de
1950 (IPOM, MARPLAN e INESE) e de mais três da década iniciada em 1960 (LPM, Gallup e Azzi e
Marchi).
É dado destaque aos desenvolvimentos conceituais e técnicos da atividade, especialmente à introdução
e crescimento, primeiro da pesquisa motivacional na década de 1950 e, a seguir, da pesquisa qualitativa
na década de 1960, sendo focada a contribuição de Alfredo Augusto de Carvalho e Silva Carmo aos
estudos qualitativos no Brasil.
Um adendo avaliativo, sobre os livros de pesquisa de mercado publicados em português na década de
1960, completa o artigo que será continuado por outro sobre o período 1970 até o presente.
O VALOR PARA O CONSUMIDOR COMO UMA ORIENTAÇÃO
NA DEFINIÇÃO DE PRODUTO E ATENDIMENTO NO RAMO IMOBILIÁRIO
PÁG. 24
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA
Considerar o valor para o consumidor nas estratégias tem sido ressaltado na literatura, mas a visão
predominante é que o valor é idiossincrático e não pode ser pesquisado. No presente artigo pretende-se
demonstrar que é possível conhecer os valores dos consumidores através de um modelo e que tal
conhecimento é o caminho para a construção de estratégia no ramo imobiliário. Valor no modelo proposto
é um dos componentes da qualidade, que se cria e se modifica em vários processos de interação entre o
consumidor e outros participantes do negócio, o que influencia na construção da satisfação do consumidor.
Para investigar esta afirmativa realizou-se uma pesquisa com um grupo de gerentes de vendas de
imobiliárias, analisando-se o discurso pela técnica de Análise de conteúdo. Verificou-se que o tema básico
do grupo girou ao redor dos modelos de atendimento, ou de persuasão, ou de relacionamento; cada qual
com valores implícitos. Uma das conclusões do trabalho é que a pesquisa e explicitação dos valores
presentes nas negociações podem ser utilizadas como a informação básica a partir da qual se constroe a
estratégia de valor no ramo imobiliário. Em vista dos dados o modelo proposto é colocado como uma
alternativa de estratégia, com uma orientação voltada ao consumidor. Sugere-se que a ferramenta utilizada
no modelo deve ser testada para ajustes e validação.
OS DESAFIOS ESTRATÉGICOS DE UM PROGRAMA DE FIDELIZAÇÃO EM FRANQUIAS
PÁG. 36
THELMA ROCHA
FABIANE MORAES
De acordo com a Associação Brasileira de Franchising, as franquias têm crescido continuamente nos
últimos anos (20% ao ano), fazendo do Brasil hoje o 3º maior país franqueador do mundo, atrás somente
dos EUA e Japão. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 600 empresas que franqueiam, o que
corresponde a aproximadamente 53.000 pontos de vendas em todo o Brasil nos mais diversos segmentos.
As franquias nacionais enfrentam lado a lado a concorrência internacional, ficando o desafio estratégico
de como criar valor para seus clientes.
Assim surgiu o Programa Fidelidade O Boticário, com o intuito de tornar os clientes mais fiéis e mais
próximos ao estabelecimento e à marca. Esta tarefa, que poderia ser simples, fica um pouco mais complexa
se considerarmos o distanciamento do franqueador do ponto de venda e do cliente final.
Este artigo percorre o conceito de lealdade em franquias, programas de fidelização e promoções, e
aponta as principais dificuldades de um programa de fidelidade neste setor. Como caso é analisado o
Programa Fidelidade O Boticário.
116
NOS INTERVALOS DA GUERRA:
PAN-AMERICANISMO E PROPAGANDA COMERCIAL NO BRASIL DOS ANOS 40
PÁG. 44
ÉRICA GOMES DANIEL
O artigo é resultado de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq e do Laboratório de História Oral
e Iconografia da Universidade Federal Fluminense. Busca analisar as mudanças ocorridas no campo dos
padrões de sociabilidade e de consumo no Brasil, a partir dos anos 40, com a consolidação das agências
de propaganda, além de discutir como a política do pan-americanismo utilizou o espaço publicitário para
divulgar a política de Boa Vizinhança entre Brasil e Estados Unidos. A pesquisa teve como fontes os
artigos de jornalistas e publicitários publicados nos anuários de propaganda e nas revistas especializadas
em publicidade, além dos anúncios veiculados na Revista Seleções do Reader’s Digest de maio a agosto
de 1944.
O MODELO DE FARMÁCIA NO ENSINO DE E-BUSINESS
PÁG. 57
LUÍS GONZAGA TRABASSO
E-business tem alterado a forma de competição, a velocidade de ação e a natureza das lideranças das
empresas. Os dirigentes empresariais têm lutado para compreender esse fenômeno. Quando eles começam
a entender os cenários e arquiteturas de e-business, já um novo cenário e novas arquiteturas os estão
desafiando novamente. Estudos de caso analisados como modelos de e-business deixam de existir em
curto espaço de tempo. Aprender e ensinar e-business é um grande desafio. Esse trabalho apresenta um
método pedagógico original para o curso de E-business que procura auxiliar professores e alunos na tarefa
de ensino e aprendizado de assunto tão desafiador. O método tem sido usado com sucesso no curso de Ebusiness, oferecido no programa de MBA em E-Management da ESPM – São Paulo.
SALVEM AS PADARIAS!
PÁG. 63
ALINE RICOMINI
FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA
As dificuldades enfrentadas pelos pequenos varejistas, para obterem êxito e tornarem-se competitivos
perante os grandes varejistas, levantaram a questão de verificar se o setor panificador estaria receptivo a
oferta de uma consultoria especializada.
Para este estudo usou-se a metodologia de estudo de caso e os dados foram coletados em pesquisas
bibliográfica, documental e entrevistas pessoais.
Verificou-se que 83% da amostra possuem a percepção que o mercado está em queda e 70% acreditam
que uma consultoria externa contribuiria para a melhoria do negócio.
Para tornar o mercado panificador competitivo e rentável propõe-se uma maior especialização e
diferenciação do setor no que se refere às áreas de Marketing, Recursos Humanos, Finanças e Logística.
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Sumário Executivo
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
A SHORT HISTORY OF PUBLIC OPINION AND MARKETING RESEARCH IN BRAZIL: THE PIONEER YEARS
P. 9
OCTAVIO DA COSTA EDUARDO
ABSTRACT
This is a text about the origins and history of public opinion and marketing research in Brazil, from the
30s through the end of the 60s, with special focus in the two first nation-wide surveys undertaken in the
year 1933 about a reduction in coffee consumption and a public opinion survey, conducted in 1940/41
about attitudes, opinions and preferences of Brazilians concerning the countries involved (or about to be)
in the Second World War.
The founding in 1942 – and evolution of the IBOPE research institute are dealt with in detail, followed
by information about the beginnings of the other three institutes founded in the decade of 1950 (IPOM,
MARPLAN and INESE), and of the institutes founded in the 60s (LPM, Gallup and Azzi & Marchi).
The article emphasizes conceptual and technical developments, specially concerning the introduction
and growth of motivational studies, in the 50s, and of qualitative studies, in the 60s with a special mention
about the contribution of Alfredo Augusto de Carvalho e Silva Carmo.
A list and evaluation of the books on marketing research published in the 60s closes the article, which
will be followed by a study covering the years 1970 to the present.
CUSTOMER VALUE AS AN ORIENTATION IN THE DEFINITION OF PRODUCT
AND CUSTOMER SERVICE IN THE REAL ESTATE BUSINESS
P. 24
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA
ABSTRACT
The literature has emphasized the need to consider customer value in business strategies, but the
predominant vision is that value is idiosyncratic and cannot be researched. The present article intends to
demonstrate that it is possible to establish customer value through a model and that such knowledge is the
path to strategy-building in the real estate sector. Value, in the proposed model, is one of the components
of quality, that is built and modified in several interaction processes between the customer and other
business players, which influences the build-up of consumer satisfaction. To investigate this hypothesis, a
survey was conducted with a group of real estate sales managers, and their speech was examined with
the technique of Content Analysis. It was verified that the basic theme of the group was that of the service
models, or persuasion models, or relationship models; each one with its implicit values. One of the
conclusions of this work is that the research and clarification of the values present in negotiations can be
used as the basic information from which the strategy of value is built in the real estate sector. In view of
the data the model is proposed as an alternative strategy, with strong consumer orientation. It is also
suggested that the tool used in the model should be tested for adjustments and validation.
STRATEGIC CHALLENGES OF A LOYALTY PROGRAM IN FRANCHISING
P. 36
THELMA ROCHA/FABIANE MORAES
ABSTRACT
According to the Brazilian Association of Franchising, franchises have been growing consistently in
recent years (some 20% a year), what made Brazil today the 3rd largest franchiser country of the world,
behind the USA and Japan. Brazil has about 600 franchising companies, which operate approximately
53.000 points of sales throughout the country in the most diversied sectors.
Local franchises are facing strong international competition, which raises the challenge of how to create
value for their customers.
In this context the Loyalty Program of O Boticário was created. The intention was to make customers
more faithful and bring them closer to the shops and to the brand. This task, which could, eventually, be
relatively simple, is more complex when considering the distances between franchiser and franchisees and
final customers.
This article examines the loyalty concept in franchises – in the form of loyalty programs and promotions
– and points to the main difficulties of such programs in this business sector, through the analysis of The
Loyalty Program of O Boticario.
118
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
P. 44
ÉRICA GOMES DANIEL
ABSTRACT
This article is the result of a research project undertaken with the support of CNPq and of the Oral
History and Iconography Laboratory of Universidade Federal Fluminense. It intends to analyze the changes
that intervened in the patterns of sociability and consumption in Brazil, starting in the forties, with the
consolidation of international advertising agencies. It also discusses how the politics of Pan-Americanism
used product advertisiments to promote the Good Neighborhood policies between the United States and
Brazil. Sources for research were articles by journalists and adpeople published in advertising annuals
and advertising magazines, as well as the advertisements published in the Reader’s Digest Brazilian
version, Revista Seleções between May and August, 1944.
THE PHARMACY MODEL IN E-BUSINESS TEACHING
P. 57
LUÍS GONZAGA TRABASSO
ABSTRACT
E-business has altered forms of competition, the speed of reaction and the very nature of business leadership. Business leaders have been struggling to understand that phenomenon. But when they begin to understand some of the scenarios and architectures of e-business, already new scenarios and new architectures are
challenging them. Case studies considered to be models for e-business cease to exist in short spans of time. To
learn and to teach e-business is a great challenge. This text proposes an original pedagogic method for the ebusiness course that tries to aid teachers and students in the tasks of teaching and learning such a challenging
subject. The method has been used with success in the course of e-business, offered in the MBA program in eManagement of ESPM - São Paulo.
SAVE THE BAKERIES!
P. 63
ALINE RICOMINI/FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA
ABSTRACT
The difficulties faced by small retailers to obtain success and be competitive with the big retailers have raised
the question of whether the bakeries sector would be receptive to the offer of a specialized consultancy.
For this study, the methodology of case study was used, and the data were collected through bibliographical
and documental research, as well as personal interviews.
It was found that 83% of the sample has the perception that the market is diminishing and 70% believe that
an external consultancy could contribute to the improvement of the business.
To make the smaller bakeries competitive and profitable, a higher degree of specialization and differentiation
of the business is proposed, mainly in the areas of Marketing, Human Resources, Finance and Logistics.
119
English abstracts
BETWEEN WARS:
PAN-AMERICANISM AND COMMERCIAL ADVERTISING IN BRAZIL IN THE 1940’S
Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
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Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
CARTAS
Cher Monsieur,
J’ai bien reçu les deux exemplaires de la
Revista da ESPM que vous avez eu la grande
aimabilité de me faire parvenir. Je vous
félicite pour la qualité de la mise en page et
du design visuel, qui est très grande.
Avec mes remerciements renouvelés, je vous
prie de bien vouloir accepter, cher Monsieur,
l’assurance de mes sentiments les plus
cordiaux.
Pascal Beucler
Diretor geral da agência Carré Noir
(França) associada ao Grupo Publicis
Consultant
www.carrenoir.com
Prezada Coordenadora
Recebi e agradeço o nº 5 (set./out./02) da
Revista da ESPM. Não me passa
desapercebido o grande mérito de se pôr a
circular uma publicação desse porte. Por isso,
venho louvá-la e a seus companheiros do
Conselho Editorial, ao Editor, ao Diretor de
Arte, aos Diagramdores, à Revisão e outros
auxiliares, que fazem a Revista, sem lisonja,
uma das maiores em seu gênero mundo afora.
Nela se aprende a trabalhar em assuntos de
alta especialização e a adquirir fundos
conhecimentos. Embora desnecessário,
envio-lhe parabéns e votos de permanente
êxito.
Fernando Segismundo
[email protected]
Gostei da última edição da Revista,
especialmente das matérias “A propaganda
brasileira através do cartão-postal” e “O
paradoxo da obrigação fecunda”.
Enquanto lia esta última, impossível foi não
associar o que ocorreu com a publicidade
francesa de bebidas, desde a implantação da
lei Évin em 1991, com a explosão de
criatividade que as manifestações artísticas
brasileira – e especialmente a música, na
minha opinião – experimentaram durante o
regime militar e censor de um passado ainda
recente.
Curioso também descobrir, numa livre
associação, que segundo os registros postais
do começo do século 20, as primeiras
gravações musicais do país tenham sido feitas
justamente por bandas militares, “algumas
com nomes deliciosos: a de Cornetas e
Tambores do Batalhão Naval, a dos
Aprendizes de Marinheiros, a do Primeiro
Batalhão de Artilharia de Posição, a do 52º
Batalhão de Caçadores e, evidente, a do
Corpo de Bombeiros, uma instituição de seu
tempo, regida pelo maestro Anacleto de
Medeiros. Nessas Bandas nasceram 90% dos
músicos profissionais brasileiros do período”.
Ou seja, a história, às vezes, é deliciosamente
irônica.
Parabéns pelo conteúdo da Revista que,
espero, reflita o da Escola.
Abraços.
Kleber Fonseca
[email protected]
Gostaria de parabenizar a Revista da ESPM,
pelos excelentes artigos que vem
apresentando. Destaque para: “A propaganda
brasileira através do cartão postal”, e “Os
novos códigos da sedução”.
Pretendo adquirir o livro “A propaganda
brasileira através do cartão postal” e quero
saber se já está a venda nas livrarias em geral.
Mara Silvia Rasteiro
Mara,
Agradecemos os elogios à Revista. Quanto
ao livro “A propaganda brasileira através
do cartão postal”, você já pode encontrá-lo
nas livrarias. Para maiores informações,
entre em contato direto com o autor/editor
pelo e-mail:
[email protected]
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Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003
PONTO DE VISTA
A pesquisa é ótima quando ilumina idéias,
não quando escora a aprovação
• Percival Caropreso
Diretor de Criação e Gerente Geral da McCann-Erickson
Quando comecei neste ofício há mais de
30 anos, uma das primeiras máximas que
escutei, e de que mais gostei, era algo mais
ou menos assim:
A PESQUISA DEVE SER USADA COMO
UM VIAJANTE USA UM POSTE NO MEIO
DA NOITE: PARA ILUMINAR SEUS PASSOS,
DE MODO QUE ELE CONTINUE A
AVENTURAR-SE NA SUA JORNADA.
A PESQUISA NÃO DEVE SER USADA
COMO UM BÊBADO USA UM POSTE: PARA
SE ESCORAR ATÉ GANHAR CORAGEM
PARA SEGUIR ANDANDO.
Vivíamos naquela época o período da
criação pela criação ou da idéia pela idéia,
como se dizia. Mas ele começava a dar sinais
de que iria acabar. Bobagem, porque idéia
nunca morre, mesmo que não seja aprovada
nem produzida. Ela existe em si.A idéia existe
em si, mas tem que ser concebida antes.
Ninguém mais acredita que idéia nasce por
geração espontânea ou que a cegonha a traz
no bico, viajando de Cannes até aqui. Idéia
tem pai e mãe. O pai é o Conhecimento.
É o nosso conhecimento humano geral,
quem somos, como somos não profissionalmente, mas como pessoas. Que visão de
mundo, e de vida, temos? Quais nossas
crenças e valores? Como nos relacionamos
com a realidade à nossa volta e com as
pessoas acima e abaixo? Somos alegres,
divertidos, positivos? Curiosos, interessados,
inquietos na busca do novo e do melhor?
Responsáveis, éticos, conscientes, solidários,
do Bem? Nosso acervo de vivências pessoais,
nosso conhecimento humano determina em
muito o DNA de nossas idéias.
Outro conhecimento que concorre para a
concepção de idéias é o conhecimento
específico e focado na tarefa que estamos
desenvolvendo. Quanto conhecemos da marca
para a qual estamos criando comunicação? E
dos concorrentes? E dos mecanismos do
mercado, das forças que regem os negócios?
Esse conhecimento mercadológico vale pouco
se não tivermos conhecimento do consumidor.
Mais: se não tivermos a compreensão sensível
do consumidor. Seu cérebro e seu coração,
sua alma – ele é alguém igual a nós. E seu
cérebro, seu coração e sua alma de consumo
– alguém que tem cabeça, tronco, membro e
bolsos. Suas virtudes e fraquezas, suas
ambições e medos, o que o atrai e o afasta, o
que o mobiliza como pessoa e como
consumidor.
Aí entra a pesquisa como porta para esse
122
conhecimento, a essa compreensão sensível
do consumidor. Pesquisas que não apenas
revelam fatos, mas que inspiram, sugerem
hipóteses, fazem com que a gente de Criação
sinta coceiras mentais. Quantas e quantas
vezes a idéia de uma campanha não nasceu
ali mesmo, numa sala de pesquisa, onde o
pessoal de Criação pôde sentir os
consumidores em suas reações, atitudes,
sentimentos, cacoetes de vida? Mas, para esse
momento mágico acontecer, precisamos de
duas coisas: estar fisicamente presentes
nessas sessões de pesquisa; manter o espírito
desarmado, isento e mal-intencionado, com os
sensores em alerta, prontos para detectar
inspirações que passariam batidas por muita
gente desavisada ou arrogante intelectualmente.
Aqui na McCann temos um procedimento
rotineiro, que faz parte natural do nosso jeito
de trabalhar. Tem o nome de PULSE e não é
pesquisa. É assuntamento. Toda semana, um
grupo de consumidores se reúne conosco para
um papo. Pessoal da Criação e de outras áreas
da agência fica levando prosa solta com esses
consumidores, sem agenda, sem pauta. E sem
ninguém da área de pesquisa.
Não seguimos metodologia formal, não
mostramos anúncios nem filmes, não pedimos
opinião direta sobre nada concreto. Apenas
queremos saber e entender o que rola na vida
real das pessoas, sentimentos sobre o novo
governo, sobre as matrículas escolares caras,
sobre as mudanças na novela Esperança,
sobre a violência e o desemprego, sobre o futuro dos filhos, sobre as ambições e fantasias.
É prosa mesmo, por isso dizemos que
PULSE é um assuntamento: a gente vai
assuntando o que se passa na cabeça, no
coração e na alma desses consumidores. A
gente vai entendendo melhor, sentindo quem e
como eles são, o que estão vivendo no mundo
real. E absorvendo as idéias que eles
involuntariamente nos entregam de mão beijada.
Para mim, esse tipo de informação
qualitativa e inspiradora é a verdadeira
contribuição que pesquisas devem dar à
criação. Não ao pessoal do Depto. de Criação,
mas à criação em si. Criação de pensamento,
criação de planejamento, criação de mídia,
criação de idéias de comunicação – que podem
até vir a ser, eventualmente, um filme, um
anúncio convencional. Isso é usar o poste para
iluminar nosso caminho e a ambição de nos
aventurarmos.
As pesquisas de conceitos e caminhos
criativos, um pouco mais adiante no processo,
também são ótimas, desde que tenham a
mesma intenção: fazer pensar, aprender e
inspirar. Bater piques das nossas convicções
e idéias com as convicções e idéias do
consumidor sempre faz bem à saúde do nosso
trabalho e à nossa própria saúde pessoal. O
problema é quando a pesquisa é usada como
muleta, ponto de apoio na falta de coragem ou
visão para se tomarem decisões. O tal uso que
o bêbado faz do poste, que o ancora ao seguro
e ao conhecido, ao invés de ajudá-lo a seguir
adiante, descobrir novos caminhos.
A concentração do capital e das grandes
empresas, a formação dos mega grupos
econômicos leva à necessidade de controle.
Desde antes do Império Romano, diluir e
esvaziar autoridade, inibir a tomada de
decisão são formas clássicas de aumentar
o controle central. Criam-se mecanismos,
que fazem as imensas redes funcionarem
de forma razoavelmente homogênea em
cada um e em todos os seus terminais,
filiais, sucursais, operações remotas. A
pesquisa pode vir a ser um desses
mecanismos, junto com os guidelines, polices, mandatories, tudo by the book. Um
book que muita gente não leu até o fim. E
que raramente tem um final feliz.
O apego evangélico a esses mecanismos
resulta num fanatismo cego por processos e
procedimentos, que muitas vezes faz todos
esquecermos que estamos numa profissão –
Marketing e Comunicação – cuja missão é
pensar e criar, ter idéias que funcionem.
Se, na concepção de uma idéia, o pai é o
Conhecimento, a Ignorância é a mãe.
Reconhecer que somos ignorantes e, portanto,
que precisamos aprender, escutar, refletir sobre
informações que desconhecemos ou
conhecemos pero no mucho. Nesse nosso
mundo privilegiado, corremos o risco de formar
uma cultura e uma estética fechadas e
distantes do consumidor. E mais uma vez a
pesquisa pode desempenhar um papel
estimulante: o papel de alcoviteira, cruzando o
Conhecimento com a Ignorância. Esse
exercício nos traz luz e prazer, abre nossos
olhos, expande nosso conhecimento antes de
a idéia vir ao mundo.
Edwin Land, inventor da Polaroid, definiu que
“Uma idéia geralmente é um repentino cessar da
estupidez”. Todos os profissionais de pesquisa
com quem trabalhei sempre detestaram ser
confundidos com zeladores da estupidez.

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