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Revista da ESPM - Volume 10 - Ano 9 - Edição nº 1 - Janeiro/Fevereiro 2003 Revista da MESA-REDONDA PANORAMA PANORAMA DA DA PESQUISA PESQUISA DE DE MERCADO MERCADO NO NO BRASIL BRASIL OCTAVIO DA COSTA EDUARDO ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA THELMA ROCHA FABIANE MORAES ÉRICA GOMES DANIEL PEQUENA HISTÓRIA COMENTADA DA PESQUISA DE MERCADO E OPINIÃO PÚBLICA NO BRASIL: A ETAPA PIONEIRA O VALOR PARA O CONSUMIDOR COMO UMA ORIENTAÇÃO NA DEFINIÇÃO DE PRODUTO E ATENDIMENTO NO RAMO IMOBILIÁRIO OS DESAFIOS ESTRATÉGICOS DE UM PROGRAMA DE FIDELIZAÇÃO EM FRANQUIAS NOS INTERVALOS DA GUERRA: PAN-AMERICANISMO E PROPAGANDA COMERCIAL NO BRASIL DOS ANOS 40 LUÍS GONZAGA TRABASSO O MODELO DE FARMÁCIA NO ENSINO DE E-BUSINESS ALINE RICOMINI FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA SALVEM AS PADARIAS! UM CASE EM FOCO AS CRIANÇAS E OS SUCOS PRONTOS DEL VALLE ENTREVISTA COM CARLOS AUGUSTO MONTENEGRO TEMAS & LIVROS SUMÁRIO EXECUTIVO CARTAS PONTO D E VISTA Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Objetivos e filosofia editorial da Revista da ESPM A Revista da ESPM completou sete anos ininterruptos de publicação em Agosto passado. Atualmente, ela tem periodicidade bimestral, com uma tiragem de 15.000 exemplares. Sua circulação é dirigida principalmente aos seguintes grupos: a) b) c) professores e alunos da ESPM empresários e executivos de empresa, veículos e agências de propaganda mundo acadêmico – professores e bibliotecas universitárias Seus objetivos e filosofia editorial são os seguintes: I. Objetivos gerais 1. Estimular o hábito da pesquisa e publicação entre os professores da ESPM 2. Reforçar a imagem da ESPM, como centro de excelência no ensino da comunicação com o mercado, marketing e administração 3. Servir como fonte de estímulo e reflexão para nossos alunos e professores 4. Divulgar novos conceitos, idéias e experiências em nossas áreas de concentração entre profissionais e professores de todo o país 5. Servir de instrumento de informação e contato entre a escola e seus ex-alunos II. Filosofia Editorial 1. A revista deve refletir o posicionamento pedagógico da escola, que é o de procurar servir de “ponte” entre a teoria e a prática, combinando o rigor científico e a evolução constante nas empresas e mercados 2. Neste contexto, a revista dará preferência a estudos e artigos que descrevam ou proponham idéias, experiências e contribuições originais para a solução de problemas e a busca de oportunidades nas áreas de concentração da escola 3. A revista publicará também artigos e estudos que esclareçam ou debatam o substrato econômico, político e social do universo publicitário e empresarial 4. A revista acolherá artigos de professores da ESPM, ou de outros professores e estudiosos, que se enquadrem nos pré-requisitos acima e satisfaçam os seus padrões mínimos de clareza, objetividade e qualidade literária 5. Na medida do possível, a revista dará preferência a artigos e estudos escritos que reflitam a nossa realidade social, econômica e empresarial 6. Autores nacionais terão também preferência, mas autores estrangeiros serão incluídos sempre que discorrerem sobre temas e experiências relevantes para o nosso país Publicações Os artigos deverão ser enviados à Redação, e-mail: [email protected], para serem avaliados pelo Conselho. Os artigos devem ter de 10 a 12 laudas, corpo 12 e deverão vir acompanhados de um sumário executivo de 10 a 15 linhas e de um resumo para o índice de 3 a 4 linhas. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Revista da CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso – Presidente Alex Periscinoto Aylza Munhoz Jacques Marcovitch J. Roberto Whitaker Penteado Luiz Francisco Gracioso EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado Mtb N.º 178/01/93 e-mail:[email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza DIRETOR DE ARTE Antonio Celso Collaro DIAGRAMAÇÃO Antonio Celso Collaro REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos IMPRESSÃO, DISTRIBUIÇÃO E PUBLICIDADE Editora Referência Rua François Coty, 228 CEP 01524-030 Tel: (11) 6165-0766 Fax: (11) 272-6921 REDAÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo - SP CEP 04018-010 Tel: (11) 5085-4500 Fax: (11) 5085-4600 E-mail: [email protected] REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a Coordenadora Editorial. Editorial Na abertura desta edição da Revista da ESPM, dedicada predominantemente à pesquisa de mercado no Brasil, nada mais justo do que relembrar as figuras dos pioneiros que introduziram e deram a forma inicial a esta atividade em nosso país. Foram homens e mulheres extraordinários, como Auricélio Penteado, fundador do IBOPE; Maxime Castelneau, fundador do IPOM; Otávio da Costa Eduardo, criador do INESE; Carlos Matheus, criador do Instituto Gallup; Alfredo Carmo, pioneiro da pesquisa motivacional; Dalton Souza, primeiro presidente da Marplan e muitos outros como Clarice Herzog, Pergentino Mendes de Almeida e Hélio Silveira da Motta, inventor do aparelho que registra a audiência na TV. A esses pioneiros segue-se outra geração de profissionais brilhantes, muitos dos quais ainda estão em atividade. Seria arriscado mencionar nomes tanto são eles, mas lembramos de pesquisadoras como Olenka Franco e Vera Aldrighi, símbolos da importância que as mulheres assumiram nesse campo. Foi extraordinário o trabalho realizado por esses e outros profissionais a tal ponto que a pesquisa de mercado brasileira se coloca hoje entre as melhores do mundo. Mas como não poderia deixar de ser, enfrenta também os problemas decorrentes das rápidas mudanças que estão ocorrendo no mercado. Alguns desses problemas foram levantados pelos participantes da mesa-redonda cujo teor está sendo publicado nesta edição. Premidas pela própria necessidade de competir, as empresas de pesquisa acabaram se especializando demais e perderam o foco estratégico. Hoje, muitos clientes esperam dessas empresas pouco mais que uma série de gráficos e tabelas cuja interpretação cabe a terceiros. Nada mais injusto, pois os próprios pesquisadores seriam os instrumentos mais adequados para desenvolver o pensamento estratégico que se segue à coleta de informações. Na verdade este é um dilema que muitos usuários de pesquisa ainda não conseguiram resolver: como evoluir de um sistema de informações de mercado para um sistema de inteligência de marketing. Talvez seja a oportunidade que se abre às empresas fornecedoras de pesquisas. Cabe a elas estimular esta evolução e retomar a iniciativa, repetindo o exemplo de seus predecessores. Francisco Gracioso Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Índice 9 Pequena história comentada da pesquisa de mercado e opinião pública no Brasil: a etapa pioneira OCTAVIO DA COSTA EDUARDO Neste artigo, o autor descreve as origens e a história da pesquisa de mercado e de opinião pública no Brasil da década de 1930 até o fim da década de 1960, destacando a criação e o desenvolvimento dos grandes institutos de pesquisa. 24 Valor para o consumidor como uma orientação na definição de produto e atendimento no ramo Imobiliário ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO O MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA Proposta de uma metodologia de desenvolvimento de novos produtos imobiliários residenciais, a partir de um modelo de estratégia de valor para o consumidor, construído pelo autor e fundamentado em tese de doutorado. Propõe-se pesquisas que dêem validade à ferramenta. 36 Os desafios estratégicos de um Programa de Fidelização em franquias THELMA ROCHA FABIANE MORAES Este estudo tem como objetivo mostrar o impacto que os programas de fidelização estão tendo nas franquias. Como caso prático, estaremos analisando como O Boticário vem enfrentando este desafio com o Programa Fidelidade O Boticário. 44 Nos Intervalos da Guerra: pan-americanismo e propaganda comercial no Brasil dos anos 40. ÉRICA GOMES DANIEL O artigo busca mostrar que a propaganda conta História, ao analisar as mudanças ocorridas no campo dos padrões de sociabilidade e de consumo no Brasil, a partir dos anos 40, com a consolidação das agências de propaganda, discutindo como a política do pan-americanismo utilizou o espaço publicitário para divulgar a política de Boa Vizinhança entre Brasil e Estados Unidos. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 O modelo de farmácia no ensino de E-business 57 LUÍS GONZAGA TRABASSO Esse trabalho apresenta um método pedagógico original para o curso de E-business que procura auxiliar professores e alunos na tarefa de ensino e aprendizado de assunto tão desafiador. O método tem sido usado com sucesso no curso de E-business, oferecido no programa de MBA em EManagement da ESPM – São Paulo. 63 Salvem as padarias! ALINE RICOMINI FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA O artigo aborda as principais dificuldades do setor panificador, expõe a metodologia do estudo, os resultados obtidos e propõe melhorias para setor. 69 91 MESA-REDONDA Panorama da pesquisa de mercado no Brasil Entrevista com Carlos Augusto Montenegro 107 As crianças e os sucos prontos Del Valle UM CASE EM FOCO 113 Livros 116 Sumário Executivo 121 CARTAS 122 PONTO DE VISTA Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 • OCTAVIO DA COSTA EDUARDO 9 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 O início da pesquisa de mercado no Brasil data dos primeiros anos da década de 1930. Não foi um início tardio. Até mesmo nos Estados Unidos, de onde nos vieram as técnicas apropriadas, a pesquisa de mercado só passou a ser uma atividade organizada em meados da década de 1920. Eram poucas, então e também nos primeiros anos de 1930, as universidades americanas que tinham a matéria “Pesquisa de Marketing” em seus currículos. E só em 1937, a American Marketing Association (Associação Americana de Marketing) deu sua chancela à atividade com a publicação As Técnicas da Pesquisa de Marketing, por vários autores, um dos quais o renomado cientista social Paul Lazarsfeld. Alguns livros sobre pesquisa de mercado tinham sido publicados nos Estados Unidos na década de 1920, mas a primeira contribuição realmente importante sobre a matéria – Marketing Research Analysis (Pesquisa de Mercado Analítica) – de Lyndon O. Brown, só foi publicada em 1937.(1) No Brasil, os introdutores da pesquisa de mercado foram principalmente duas agências americanas de publicidade que haviam iniciado suas atividades no país nos primeiros anos da década de 1930, a N. W. Ayer & Son, importante agência da cidade da Filadelfia, e a McCann-Erickson, uma das principais agências americanas, e duas indústrias de produtos de consumo – a Lever e a Sidney Ross –, a primeira estabelecida no país em 1929 e a segunda pela mesma época. Na década de 1930, a Lever e a Sidney Ross começaram a fazer pesquisas de mercado em nosso país sobre hábitos e preferências dos consumidores e audiência de rádio. É provável que outras empresas de origem americana também estivessem pesquisando os mercados consumidores de seu interesse, mas só as duas – Lever e Sidney Ross – são mencionadas, nas fontes disponíveis, como pioneiras da pesquisa de mercado no Brasil juntamente com a N. W. Ayer & Son e a McCann-Erickson. 10 “Sete anos depois da pesquisa de mercado sobre o café, foi realizada no país a primeira pesquisa nacional de opinião pública.” 1. A Primeira Pesquisa de Mercado de Âmbito Nacional A N. W. Ayer & Son tem seu nome ligado à primeira grande pesquisa de mercado, de âmbito nacional, em nosso país. Foi uma pesquisa sobre os hábitos de consumo de café. O patrocinador foi o Departamento Nacional do Café, importante órgão do Governo Federal. Não se falava na época em globalização, como nos dias de hoje, mas o país havia sido duramente atingido, como todo o mundo, pela crise econômica que se iniciara com a debacle da bolsa nos Estados Unidos em 1929. As exportações do café, nosso principal produto, haviam caído de forma dramática e o consumo interno também havia-se reduzido assustadoramente. O governo comprava o produto dos fazendeiros e comerciantes, armazenavao e queimava-o em grandes quantidades. E pensava, assustado, em como poderia reverter o quadro, aumentando o nível de consumo no país e no exterior. A esperança para o mercado interno era uma campanha publicitária de larga amplitude. A agência escolhida foi a Ayer, tendo-se decidido que deveria ser realizada antes uma pesquisa para dar elementos ao planejamento da campanha sobre a extensão e as razões da redução do consumo. A notícia que se tem da pesquisa da Ayer é que foi de grande porte. Teria sido realizada, segundo o publicitário Francisco Teixeira Orlandi, que era na época funcionário da agência americana, com uma amostra de “12.000 consumidores e 3.000 torradores e revendedores em 18 estados.” (2) Esse depoimento é surpreendente pelo tamanho e cobertura da amostra que teria sido utilizada na pesquisa. Serão verdadeiros os números apresentados ou teria o autor do artigo, que o escreveu anos depois de realizada a pesquisa, inflacionado o tamanho da amostra e sua extensão por falha de memória? Esta última possibilidade não deve ser afastada. É o próprio autor do artigo que a admite com a seguinte observação: “Estas notas são o resultado de um esforço de memória.” Infelizmente, o depoimento de Francisco Teixeira Orlandi não incluiu detalhes sobre a metodologia usada na pesquisa, segmentação da amostra, número e natureza das perguntas do questionário ou tempo de duração da entrevista; nem tampouco informações sobre a responsabilidade técnica do projeto. Como Orlandi e seus demais colegas brasileiros da Ayer não eram profissionais de pesquisa, e sim de propaganda, pode-se pressumir que a orientação técnica do projeto tenha vindo da matriz em Filadélfia. Tampouco sabemos se os dados foram processados no Brasil ou nos Estados Unidos e até que ponto serviram aos propósitos do cliente de utilização dos dados em campanha de persuasão para aumento do consumo do café, como originalmente planejada. Do ponto de vista histórico, esta foi “a primeira grande pesquisa (até) então realizada no Brasil,” nas palavras do próprio Francisco Orlandi, e tem, como tal, não obstante o provável exagero na informação sobre o tamanho da amostra, a aura do pioneirismo que não pode deixar de ser destacada. Provavelmente, a pesquisa da Ayer foi mais modesta do que as indicações disponíveis, o que não lhe tira, porém, o mérito pioneiro pela abrangência nacional e pelos objetivos corretamente postos do ponto de vista do marketing moderno. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 A N. W. Ayer continuaria a trabalhar no Brasil em propaganda por mais alguns anos após aquela pesquisa, encerrando suas atividades no país em 1943. 2. A Primeira Pesquisa Nacional de Opinião P ública Pú (1940 – 41) Sete anos depois da pesquisa de mercado sobre o café, foi realizada no país a primeira pesquisa nacional de opinião pública. O projeto teve dois objetivos: conhecer as opiniões e atitudes do povo brasileiro sobre a guerra que eclodira na Europa em 1939, sobre as partes em conflito e outras que poderiam envolverse; e determinar a penetração das emissoras internacionais de ondas curtas no país. Ao Governo Americano, patrocinador do estudo, embora não declarado, interessava conhecer para onde pendiam as simpatias do povo brasileiro e para onde elas penderiam no caso de os Estados Unidos se envolverem no conflito. A informação era valiosa devido à posição geográfica, estrategicamente importante, do Brasil que tinha então um governo autoritário (o Estado Novo do Presidente Getúlio Vargas) com indicações de simpatia para com os países do Eixo (Alemanha Nazista e Itália Fascista). Por outro lado, havia o interesse em determinar a proporção e perfil dos brasileiros que ouviam rádio de ondas curtas com o objetivo de orientar irradiações que serviriam para criar clima de opinião mais favorável aos Estados Unidos e aos países democráticos envolvidos no conflito. Esses foram os objetivos da pesquisa iniciada nos últimos meses (Novembro/ Dezembro, 1940). Dirigiu o projeto o pesquisador americano Lloyd Free, então na casa de seus trinta e poucos anos. Formado em direito pela Universidade de Stanford, colega de escola e amigo de Nelson Rockefeller, Free dedicou a maior parte de sua vida profissional à pesquisa de opinião pública colaborando intima- mente com Hadley Cantril, uma das figuras mais importantes da psicologia social e de estudos sobre opinião pública nos Estados Unidos de meados da década de 1930 até sua morte em 1969. Não conhecendo o Brasil nem português, Free veio acompanhado de um estudioso conceituado, Roy Nash, que tinha estado no país na década de 1920. Da estada de Nash e de suas observações e estudos havia resultado o livro The Conquest of Brazil, publicado em 1924 nos Estados Unidos e no Brasil em 1939 (A Conquista do Brasil, tradução de Moacyr Vasconcelos, Cia EditoraNacional, Coleção Brasiliana), livro que contém, além de um breve relato histórico, a descrição e análise do país, dos nossos recursos naturais e características do nosso povo. Além de Nash, Free contava com a colaboração de Waldemar Augusto da Silva, importante funcionário da J. Walter Thompson, “emprestado,” escreveu ele, 11 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 para participar do projeto, e de uma secretária bilíngüe competente e afável. Faltava, porém, a equipe de campo para fazer as entrevistas. Free pediu a ajuda do Prof. Donald Pierson, sociólogo eminente, então a serviço da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Instituição Complementar da Universidade de São Paulo. Pierson e Free convidaram o autor desta “Pequena História Comentada,” então com 21 anos e prestes a concluir o curso de ciências sociais naquela escola pioneira, a participar do projeto e a recrutar mais 5 ou 6 universitários para trabalharem como entrevistadores, o que foi feito em curto espaço de tempo. E assim se constituiu a equipe que por cerca de 4 a 5 meses percorreu 6 Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco) com a tarefa de entrevistar uma amostra da população brasileira, sobre suas opiniões e atitudes com referência a questões candentes da época e seus hábitos de ouvir rádio. A amostra compreendeu não mais de 2.000 pessoas nas 6 capitais dos Estados mencionados, em cerca de 18 a 20 cidades, de grande e pequeno porte. Em suas linhas gerais, foi uma amostra por cotas, com algum controle por sexo, idade, escolaridade e faixa de renda. À época, inclusive nos Estados Unidos, ainda não se haviam estabelecido padrões rigorosos de amostragem para as pesquisas de mercado e de opinião pública. Eram poucos os que aplicavam critérios válidos de amostragem, entre eles o Instituto Gallup, de George Gallup, que então se projetava, após ter previsto em 1936 a reeleição do Presidente Roosevelt, embora de forma não tão acurada (54% na previsão contra 61%, resultado real).(3) A pesquisa foi realizada através de entrevistas pessoais com questionário de duração aproximada de 30 minutos. Os resultados foram processados e analisados nos Estados Unidos. Atualmente, uma pesquisa de campo à base de uma amostra nacional de 2.000 casos exige no máximo 20 a 30 dias. Mas, em 1940-41, o projeto então realizado só foi concluído em 5/6 meses a partir dos preparativos iniciais. É preciso considerar 12 “A iniciativa foi do advogado, e empresário, Auricélio Penteado, que deve, com justiça, ser considerado o pioneiro da pesquisa de mercado e de opinião pública em nosso país.” que naquela época não havia institutos ou organizações com uma estrutura de entrevistadores e supervisores de campo; e os meios de transporte eram difíceis e demorados. Viajava-se de navio entre os Estados litorâneos, e a espera por um dos famosos Ita podia ser demorada. Para o Autor deste artigo, que 8/9 anos mais tarde ingressaria em pesquisa de mercado e de opinião pública foi um batismo-de-fogo extremamente gratificante. 3. A Criação do IBOPE em 1942 e seu Desenvolvimento Inicial A criação do IBOPE em 1942 deu início à atividade regular e sistemática da pesquisa de mercado e de opinião pública “Foi o início no Brasil da pesquisa sistemática de audiência da mídia eletrônica.” no Brasil. A iniciativa foi do advogado e empresário Auricélio Penteado, que deve, com justiça, ser considerado o pioneiro da pesquisa de mercado e de opinião pública em nosso país. O jornalista Mário Fonseca Neto descreveu a criação da nova empresa em tom algo picaresco: “O IBOPE foi fundado em São Paulo em 13 de Maio de 1942, por Auricélio Penteado, um advogado, sócio da Rádio Kosmos, de São Paulo, e com inclinação para a política, ciências sociais e a polêmica. Tinha curiosidade em conhecer os ouvintes de sua rádio e aprendeu técnicas de pesquisa com George Gallup. Quando as aplicou, descobriu que sua emissora estava em último lugar em audiência e se convenceu de que não entendia de rádio, e sim de pesquisa.”(4) Auricélio tinha espírito empresarial e tratou de usá-lo tanto na criação da nova organização como para difundir suas atividades. Em primeiro lugar, saiu à procura de subscritores do capital inicial para a nova empresa. Conseguiu, após muito esforço de persuasão, dezenove contos e novecentos e vinte e cinco mil reis, capital que foi rateado entre diferentes fontes: algumas agências de publicidade, algumas empresas fabricantes de produtos de consumo popular, e, pelo então presidente da Associação Comercial de São Paulo, Brasílio Machado Neto, um paulista de família tradicional que foi a quem Auricélio recorreria em momentos financeiros difíceis.(5) A nova organização se instalou em duas modestas salas em prédio sito à Rua Senador Feijó, n.º 183, junto à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no centro da cidade, e deu inicio a suas atividades, procurando angariar clientes, o que era conseguido de forma esparsa após muita insistência. Pouco ou quase nada se sabia então sobre pesquisa de mercado e sua utilidade como instrumento importante de apoio às atividades de marketing e de propaganda das empresas. Na verdade, pouco se sabia sobre marketing e suas funções e a propaganda estava apenas saindo da sua fase romântica, como dizia o publicitário Ricardo Ramos. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 O clima não era, portanto, muito favorável ao desenvolvimento da pesquisa do comportamento do consumidor e de suas opiniões e atitudes. A fim de despertar interesse de eventuais clientes, Auricélio publicava pequenos anúncios em jornais de São Paulo com títulos como “É o Povo Quem Julga”, “Como Está Sendo Aceito Seu Produto”, “Boas Informações, fator de êxito”, que, em geral, terminavam com uma mensagem sobre os serviços oferecidos: “Estudos de Mercados e Pesquisas Sobre Hábitos, Gostos e Preferências do Público.” E um deles apelava sugestivamente para o fator preço: “ESTUDOS DE MERCADO – mediante condições acessíveis a qualquer comerciante, industrial ou publicitário.” O IBOPE começou suas atividades com dois produtos ou serviços que procurava vender cooperativamente a diversos clientes: “um serviço permanente de controle de rádio em todas as horas do dia, apurando os índices de audiência de cada estação,” e um estudo de mercado que foi chamado a princípio de “Serviço X.”(6) O serviço de assinatura de rádio, inicialmente em São Paulo e depois estendido ao Rio de Janeiro, era uma pesquisa diária junto a uma amostra de residências que possuíam rádio pelo método do flagrante, determinando-se a cada 15 minutos se o rádio das casas amostradas estava ligado ou não, para que estação e quantos e quais as características dos ouvintes (por sexo e idade). Foi o início no Brasil da pesquisa sistemática de audiência da mídia eletrônica. As emissoras de rádio, que passaram aos poucos a manifestar interesse pelas informações, reagiam ora com aplausos (quando os resultados lhes eram favoráveis), ora com críticas e acusações, quando seus índices de audiência eram baixos. O IBOPE se defendia com vigor, insistindo na credibilidade de seus índices chegando Auricélio a gestos dramáticos para provar a credibilidade das suas pesquisas. Em algumas ocasiões, conta Silvana Gontijo, ele “levou sacos e sacos com questionários preenchidos à Associação Paulista de Propaganda para, na presença de empresários e profissionais, apresentar as provas de seu método de trabalho”. (7) A técnica do flagrante para medir a audiência, a princípio do rádio e depois da televisão, sempre esteve sujeita a dúvidas e críticas. Ela não depende apenas de entrevistadores honestos e bem treinados e verificação de uma razoável proporção de entrevistas realizadas. Depende também do tamanho da amostra para cada período considerado de forma a se ter base estatística significativa para garantir a validade dos resultados. E, em se tratando de pesquisa contínua, as amostras devem ser comparáveis quanto à composição sociodemográfica. Talvez, na época, tenha havido alguma falha de natureza amostral, o que, de certa forma, explicaria as distorções de que o IBOPE foi muitas vezes acusado na primeira década da sua existência. Os detratores da nova empresa não dispunham de nenhum meio para contestar objetivamente os índices apresentados, louvando-se tão só em suas opiniões, 13 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 expectativas e interesses, o que certamente enfraquece sobremaneira as críticas e diatribes dirigidas ao IBOPE. As empresas no Brasil, inclusive as estrangeiras abertas naturalmente às influências de suas matrizes no exterior, ainda faziam pouco marketing e, naturalmente, pouca e até nenhuma pesquisa. Mas, o IBOPE crescia. Um ano depois da fundação, abria seus escritórios no Rio de Janeiro, para onde a sede da empresa logo se transferiu. O serviço de pesquisa entre consumidores, “pesquisa omnibus” patrocinada por diversos clientes que desejavam resposta à aceitação de seus produtos e marcas, expandiu-se de São Paulo e Rio de Janeiro para outras capitais (Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Salvador e Curitiba) e para as cidades de Campinas e Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Era o início das pesquisas omnibus no país. Em 1945, a empresa realizou sua primeira incursão em prévias eleitorais, com uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo que foi assim noticiada pelo jornal A Gazeta: “Uma estatística do IBOPE sobre o resultado das Eleições do dia 2: O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, mobilizando todo seu pessoal, está fazendo um inquérito entre o eleitorado da Capital em torno das eleições do dia 2 de Dezembro. O trabalho de investigação do IBOPE será encerrado amanhã, às 10 horas. É este um sistema muito em voga nos Estados Unidos e a investigação do IBOPE está sendo aguardada com interesse. A Gazeta deverá publicar, na edição de amanhã, o resultado dessa interessante pesquisa.” E o resultado apresentado foi: Brigadeiro Eduardo Gomes, 67%; General Dutra, 33%. Na década de 1950, e no inicío da década seguinte, o IBOPE se dedicou com empenho à realização de pesquisas políticas de intenção de voto, obtendo grande sucesso com a maioria de suas previsões. Usava o IBOPE na época um sistema inteiramente subjetivo de classificação sócio-econômica dos respondentes. A 14 “As emissoras de rádio, que passaram aos poucos a manifestar interesse pelas informações, reagiam ora com aplausos (quando os resultados lhes eram favoráveis) ora com críticas e acusações quando seus índices eram baixos.” classificação incluía três classes: rica, média e pobre. Em que classe seria encaixada o respondente dependia inteiramente da avaliação do entrevistador que usava a aparência dos entrevistados e dos domicílios amostrados como único critério de avaliação. Só anos mais tarde, na década de 1960 tentativamente e, definitivamente a partir de 1979, passaria a pesquisa de mercado no Brasil a dispor de um critério objetivo de classificação sócioeconômica, o critério ABA–ABIPEME –, que representou significativo avanço sobre os critérios subjetivos. A tabulação dos resultados das pesquisas do IBOPE, a princípio manual, foi substituída pelo sistema mecânico IBM através de máquinas digitadoras e classificadoras, tendo o Instituto sido pioneiro também nesse particular. O IBOPE foi a única empresa especializada em pesquisa de mercado e de opinião pública durante toda a década de 1940. O mercado era incipiente, eram reduzidas a procura e aceitação de “Em que classe seria encaixada o respondente dependia inteiramente da avaliação do entrevistador que usava a aparência dos entrevistados e dos domicílios amostrados como único critério de avaliação.” pesquisas sobre o comportamento e atitudes dos consumidores e limitadas, portanto, as possibilidades de sucesso para novas empresas do setor. Parece ter havido na década uma ou outra tentativa de criação de novos institutos como indica Silvana Gontijo: “cinco outras empresas similares tinham fracassado na tentativa de se estabelecer no mercado brasileiro, duas inclusive eram dirigidas por americanos com know-how de seu país”.(8) 4. A International Research Associates No final da década e 1940, o instituto americano Internacional Research Associates, de New York, sob a direção de Elmo Wilson, passou a ter interesse em se instalar no Brasil, a fim de atender a dois importantes clientes: o Departamento de Estado dos Estados Unidos e uma importante empresa distribuidora de gasolina e óleo. Em 1949, a organização americana de pesquisa encarregou Octavio da Costa Eduardo, então jovem professor da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, da condução de uma pesquisa de campo para medir os efeitos de uma grande campanha publicitária pelo rádio e jornais com o objetivo de persuadir o público brasileiro das vantagens do capital e “know-how” estrangeiros para a exploração e refino do petróleo no país. A pesquisa, planejada e orientada por profissionais da organização americana, usou sofisticada metodologia, compreendendo duas etapas: a primeira, antes da campanha, a segunda após seu término. Realizada através de entrevistas pessoais com a aplicação do mesmo questionário a duas amostras diferentes, porém, comparáveis, isto é, com as mesmas características sociodemograficas, a pesquisa inaugurou no Brasil a metodologia “antes/depois,” altamente recomendada para a mensuração dos resultados de campanhas de comunicação e propaganda. Na época, estava também em curso a campanha “O Petróleo é Nosso,” de Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 inspiração governamental, deflagrada com forte apelo emocional aos sentimentos nacionalistas da população. O Congresso votou pela nacionalização da exploração e refino do petróleo brasileiro e daí surgiu a Petrobras. Na sua avaliação da pesquisa “antes/ depois,” os analistas da Research International Associates concluíram que a campanha a favor da contribuição estrangeira, supostamente de persuasão, havia funcionado como um bumerangue, mostrando resultados mais desfavoráveis à participação estrangeira na segunda fase que na etapa-base. 5. O Aparecimento de Outros Institutos A fase pioneira da pesquisa de mercado e de opinião pública no Brasil que, na década de 1940, foi marcada pela presença quase que exclusiva do IBOPE, desabrochou na década de 1950 com a criação de três novos institutos: IPOM, Instituto de Pesquisa de Opinião e Mercado Ltda., INESE, Instituto de Estudos Sociais e Econômicos Ltda., e Marplan, Pesquisas e Estudos de Mercado. As condições para ampliação do mercado de pesquisa haviam-se tornado mais favoráveis: o crescimento industrial e o processo de urbanização vinham-se tornando efetivos desde o término em 1945 da tenebrosa 2.ª Grande Guerra. A economia brasileira começava a se modernizar e as empresas a se desenvolver, ao mesmo tempo que novos empreendimentos e investimentos eram feitos por empresas nacionais e estrangeiras. A concorrência se tornava mais forte, impondo políticas e procedimentos de marketing racionais e eficientes. Criaram-se a Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (1952) voltada para a formação de administradores de empresas e profissionais de marketing capazes de enfrentar os novos desafios impostos pelo “Na época, estava também em curso a campanha “O Petróleo é Nosso”, de inspiração governamental, deflagrada com forte apelo emocional aos sentimentos nacionalistas da população.” crescimento industrial e pela urbanização, e a Escola Superior de Propaganda (1954), a princípio associada ao Museu de Arte, com o objetivo de ajudar a formação de novos publicitários. As duas novas instituições incluíram pesquisa de mercado em seus currículos, conscientes os seus fundadores do importante papel da nova disciplina para a formação de administradores de empresa, profissionais de marketing e publicitários. 6. IPOM, Instituto de Pesquisa de Opinião e Mercado Ao contrário do IBOPE, que teve início difícil, o IPOM, filiado à empresa International Research Associates, começou com alguns clientes cativos e certa garantia de receita que lhe assegurava a sobrevivência. Era o ano de 1952. Com o correr do tempo, porém, o IPOM teve de enfrentar a concorrência e procurar novos clientes, oferecendo-lhes, de um lado, participação em pesquisas omnibus e, de outro, projetos mais ambiciosos desenvolvidos para atender a necessidades explicitadas pelos clientes. A entrada da International Research Associates no Brasil, através do IPOM, foi importante do ponto de vista conceitual e técnico. O diretor geral da nova organização no Brasil, o pesquisador Monroe Mendelsohn, era um profissional da especialidade, com experiência adquirida em escritórios de pesquisa nos Estados Unidos. Com a retaguarda da equipe americana, o IPOM introduziu no país o processo de amostragem probabilística e uma maior preocupação com o treinamento e fiscalização dos entrevistadores. Por essa época, estabeleceu-se, além da crítica de todos os questionários preenchidos, a prática de verificação de 20% das entrevistas realizadas no campo. O IPOM foi uma escola para diferentes pesquisadores brasileiros. O autor deste artigo deve muito de sua formação à experiência de 3 anos em que permaneceu no IPOM. Arthur de Morais César, que me sucedeu na gerência de São Paulo em 1955, e Plínio Figueiredo também se iniciaram em pesquisa de mercado e de opinião pública no IPOM, tornando-se importantes e respeitados profissionais. O diretor-geral Monroe Mendelsohn foi substituído pelo pesquisador americano Charles Sobel em 1958, data em que voltou aos Estados Unidos onde deu início a uma empresa, a Monroe Mendelsohn Research, que em pouco tempo se tornou importante e respeitada. Em 1969, Máxime Castleneau, que tinha tido experiência em pesquisas na França e como cliente na qualidade de diretor de importante empresa americana no Brasil, assumiu a direção do IPOM a que imprimiu grande desenvolvimento. Em 1969, Máxime deu início a um novo serviço de mensuração da audiência de televisão, com a implantação do “tevêmetro,” aparelho acoplado a televisores domésticos. E ao mesmo tempo, deu início, juntamente com Paulo Pinheiro, a um painel de consu-midores em São Paulo e Rio de Janeiro, associando-se, mais tarde, a um grupo suíço. O IPOM criou as empresas Audi-Tv e Audi-Market, que em 1980 foram vendidas à Nielsen, que havia se insta-lado no Brasil em 1972. 15 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 7. INESE, Instituto de Estudos Sociais e Econômicos Ltda. Em meados de 1955, após ter-se desligado do IPOM, o autor deste “Pequena História Comentada” criou o terceiro instituto de pesquisa de mercado e de opinião pública do país. A escolha do nome tinha muito a ver com a formação acadêmica do fundador, graduado em ciências sociais e com pós-graduação em antropologia cultural. Professor universitário, desejava manter-se fiel a suas origens acadêmicas e dedicar-se, não só a pesquisas de mercado e de opinião pública, mas também a estudos sobre assuntos e problemas sociais: educação, saúde, urbanização, família, relações e problemas sociais e econômicos. O objetivo foi em parte alcancado com vários estudos que, realizados ao correr dos anos, atenderam às necessidades dos patrocinadores e serviram ao propósito de maior conhecimento da sociedade brasileira, seus problemas e tendências. Mas o INESE, como o IBOPE nos seus 16 primeiros anos, teve de lutar duramente por um lugar ao sol. O mercado era ainda muito restrito e em grande parte tinha de ser despertado. O interesse por marketing e pesquisa estava apenas começando a se desenvolver. O que podia ser oferecido que atendesse às necessidades dos eventuais clientes? Nos primeiros anos, o INESE lançou alguns produtos que eram novos no Brasil: um store-audit (auditoria de lojas) em São Paulo e Rio de Janeiro restrito, porém, a farmácias e drogarias; e o índice INESE de Penetração de Anúncios, modalidade alterada do Índice Starch que havia sido testado pela McCann-Erickson em 1951. O “store-audit” iniciado pelo INESE atendia à necessidade de informações sobre o tamanho e participação de mercado para vários produtos vendidos principalmente através de farmácias e teve continuidade por vários anos. O Índice de “O mercado era ainda muito restrito e em grande parte tinha de ser despertado.” Penetração de Anúncios teve duração efêmera. Os baixos índices de visibilidade e identificação de muitos anúncios publicados em revistas eram decepcionantes e as agências de publicidade simplesmente se recusavam a aceitá-los. O INESE, por outro lado, manteve durante anos um estudo regular sobre hábitos e atitudes e preferências com referência a diversos produtos de consumo, à base de uma amostra de 8.400 donasde-casa em seis capitais do país. Na década de 1960, o INESE realizou vários projetos importantes, não só pelos resultados proporcionados, como também pelas inovações conceituais e metodológicas introduzidas. Os mais importantes foram os seguintes: • o estudo nacional realizado em 1962 sobre as aspirações, expectativas e temores dos brasileiros, sob a direção de Lloyd Free, o mesmo pesquisador que havia dirigido o primeiro estudo de opinião pública no Brasil em 1940-41. Essa pesquisa usou uma amostra probabilística modificada da população brasileira (2.759 pessoas), tendo sido o primeiro grande estudo de opinião pública no Brasil que incluiu uma subamostra probabilística da população rural, (inclusive residentes em áreas rurais, isto é, sítios e fazendas). Os resultados desse estudo foram apresentados em livro nos Estados Unidos. (9) • as primeiras clínicas de carros (“car clinics”) realizadas, a partir de 1964, visando a princípio determinar o tamanho potencial do mercado para modelos novos e, em anos subseqüentes, para servir de base a alterações nos protótipos testados; • o primeiro estudo sobre o lançamento de uma grande revista nacional (Realidade) em 1966, à base da investigação das reações de uma ampla amostra de população às diferentes seções do número zero da futura revista. O estudo previu que Realidade seria um grande sucesso editorial para a época, o que efetivamente aconteceu. • o primeiro estudo multinacional originado no Brasil. Tendo como objetivo prever a aceitação pelo mercado nacional e por mais 4 países (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão) de produtos industrializados à base de purê de banana, a pesquisa, realizada em 1966, foi talvez Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pioneira ao introduzir a técnica do teste de conceito em antecipação a um teste de produto. Foi uma inovação importante no Brasil. Os testes de conceitos tornaram-se fundamentais para o lançamento de novos produtos e relançamentos, acompanhando a modernização das pesquisas experimentais em curso nos Estados Unidos e na Europa. 8. Marplan, Pesquisas e Estudos de Mercado Inicialmente designada ENOP, Empresa Nacional de Organização e Pesquisa, a Marplan nasceu do Departamento de Pesquisa da McCann-Erickson criado em 1948. Em 1951, o Departamento de Pesquisa da MacCann-Erickson, sob a direção de Dalton Manzo de Souza, criou dois serviços de pesquisa para clientes da agência. Para a revista *O Cruzeiro, o Departamento criou um serviço de mensuração da visibilidade e penetração dos anúncios publicados na revista. O serviço consistia em determinar a proporção de leitores de revista, que ao ver e ler determinado exemplar, se lembrava de ter notado na ocasião da leitura cada um de seus anúncios, de ter lido menos ou mais de metade do texto e capaz ou não de identificar a marca anunciada. O método estava em uso há muitos anos nos Estados Unidos e era conhecido por Índice Starch, nome de seu iniciador naquele país. Foi uma iniciativa pioneira, mas de curta duração. Para outros clientes da Agência, o Departamento de Pesquisa criou um serviço de mensuração das reações de rádio-ouvintes a programas e comerciais que eram submetidos a teste. O rádio era então um grande veículo de comunicação no Brasil. O novo serviço foi pioneiro na introdução, no país, de um aparelho – o analisador de programa, por pressão de botões (“program analyser/push button”), através do qual as pessoas que ouviam um programa ou comercial de rádio podiam indicar seu agrado pressionando um de dois botões, o da direita, de cor verde, ou o seu desagrado pressionando o botão da esquerda, vermelho. Para aprofundar a informação procurada, o serviço incluía ao final a realização de uma discussão sobre as reações e impressões dos participantes dos testes. Foi a introdução da discussão de grupo no Brasil, mas, como o índice Starch usado para a revista “A McCannErickson foi sem dúvida pioneira na implantação no Brasil das pesquisas de mercado de natureza psicológica.” 17 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 “O Cruzeiro”, descontinuada após um ou dois anos, ficando ambos muito restritos ao âmbito da agência.(10) Em 1952, a McCann-Erickson conratou para seus escritórios de São Paulo os serviços de Alfredo Augusto de Carvalho e Silva Castro, que na época terminava seu curso de graduação em Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Contratado para o Departamento de Redação, Alfredo foi logo solicitado a participar das pesquisas da agência. Foi o início de uma carreira brilhante, em pesquisa de mercado e de propaganda, passando, Alfredo, em pouco tempo, a dirigir pesquisas para medir a eficácia da propaganda de produtos de clientes da Agência. A McCann-Erickson foi sem dúvida pioneira na implantação no Brasil das pesquisas de mercado de natureza psicológica. E Alfredo foi seu principal agente, com a colaboração de Júlio Vercesi, que mais tarde iria destacarse pela introdução da metodologia de discussões-de-grupo seqüenciais em nosso país. Paralelamente à pesquisa, Alfredo ensinou Psicologia na Escola de Propaganda de São Paulo, posteriormente, Escola Superior de Propaganda e Marketing, e escreveu assiduamente, sobretudo na década de 1960, sobre temas candentes de pesquisa qualitativa e motivacional. Palestrante e conferencista requisitado, Alfredo Carmo foi uma das figuras mais importantes no desenvolvi-mento da pesquisa de mercado qualitativa no Brasil.(11) A Marplan, além da notável contribuição na área qualitativa, desempenhou também a partir de 1959 papel capital no desenvolvimento da pesquisa de mídia impressa no Brasil. Data de 1959 o primeiro Estudo Marplan que era então realizado em sete capitais sobre os hábitos de leitura de jornais e revistas pelos diferentes segmentos da população. O empenho da Marplan em desenvolver seus estudos de mídia impressa foi exemplar desde o começo, empenhando-se, ano após ano, em melhorar o nível da coleta e tratamento dos dados e a ampliação das amostras, para assegurar a representatividade dos diferentes 18 “Paralelamente à pesquisa, Alfredo ensinou Psicologia na Escola de Propaganda de São Paulo, posteriormente, Escola Superior de Propaganda e Marketing, e escreveu assiduamente, sobretudo na década de 1960, sobre temas candentes de pesquisa qualitativa e motivacional.” segmentos da população. Os Estudos Marplan se tornaram a partir da década de 1960 instrumento indispensável para a orientação das agências de publicidade e de anunciantes em suas decisões de veiculação na mídia impressa. 9. Os Quatro Institutos Ao fim da década de 1950 e prolongando-se por alguns anos da Os Estudos Marplan se tornaram, a partir da década de 1960, instrumento indispensável para a orientação das agências de publicidade e de anunciantes em suas decisões de veiculação na mídia impressa.” década seguinte, os serviços de pesquisa de mercado no Brasil eram oferecidos e prestados quase que só exclusivamente pelos 4 institutos mencionados até agora: IBOPE, IPOM, Marplan e INESE. Na década de 1950, o IBOPE se consolidou e cresceu. Logo no início da década passou a publicar um boletim semanal, o Boletim das Classes Dirigentes, veículo de que se servia para divulgar dados de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior bem como informações sobre a avaliação pela imprensa de questões públicas, personalidade e partidos. A publicação foi, porém, interrompida em 1956. Em 1954, Auricélio Penteado, o fundador, deixou a empresa e foi substituído na direção por José Perigault, de origem panamenha, formado em direito, que contou com a colaboração, entre outros de Paulo Montenegro, admitido na empresa em 1947 na função de contato para venda de serviços a clientes. Paulo Montenegro se tornou sócio de Perigault e a partir de 1975 tornouse o principal diretor e controlador do IBOPE, imprimindo à organização um grande e duradouro dinamismo. O IBOPE manteve durante toda a década de 1960 seu serviço de “assistência de rádio”. Com a televisão, iniciada no Brasil em 1950 e sua expansão a partir de meados da década, o IBOPE voltou-se rapidamente para a nova mídia e passou a pesquisar os hábitos de audiência de televisão e preferências da população, a princípio na cidade de São Paulo e depois no Rio de Janeiro, usando a mesma metodologia das pesquisas de flagrante de rádio. Essa metodologia foi usada por muitos anos pelo IBOPE e esteve sozinha no mercado até 1969 quando foi implantado pelo IPOM o seu serviço de mensuração da audiência Audi Tv de televisão por meios eletrônicos. Posteriormente, este serviço bem como o Painel de Consumidores Audi-Market, criado inicialmente pelo IPOM, foram incorporados pelo IBOPE. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 10. Outros Institutos e Serviços na Década de 1960 Em 1964, a Lintas, que era na época uma “house-agency” da então GessyLever, re-introduziu no Brasil a técnica da discussão de grupo. A técnica estava então largamente difundida nos Estados Unidos e na Europa e robustecida pela experiência. Quem a trouxe para o Brasil foi Pergentino Mendes de Almeida, na época responsável pelo setor de planejamento da agência, após estágio na Alemanha e na Inglaterra. Usada inicialmente para avaliar as reações a pré-testes de campanhas publicitárias, a nova técnica constituiu-se objeto de estudo também, pelo Departamento de pesquisa da J. W. Thompson, então sob a direção de Arthur de Moraes César, antigo gerente do IPOM em São Paulo. Com a re-introdução da discussão-degrupo e sua crescente aceitação por agências de propaganda e anunciantes, ganhou renovado vigor a tendência de crescimento da pesquisa qualitativa no Brasil. Pergentino deixou a Lintas, após ter consolidado o uso da técnica de discussão-de-grupo, na agência, e fundou, em 1966, a LPM, Levantamento e Pesquisa de Mercado, que, dirigida inicialmente por ele e Julio Vercesi, se tornou importante veículo da pesquisa qualitativa no Brasil. Alguns anos depois, em 1969, surgiu a Azzi e Marchi, que, embora tenha tido existência fugaz (encerrou sua atividade em 1972), se constituiu, sob a direção de Arthur de Moraes César, Álvaro Marchi e Rodolfo Azzi, em um dos institutos mais renovadores e criativos do país, destacando-se pela formação de uma plêiade nova de pesquisadores na área qualitativa (Olenka Souza Franco, Neyza Furgler, Nelson Raul e outros) e pela “A McCannErickson foi sem dúvida pioneira na implantação no Brasil das pesquisas de mercado de natureza psicológica.” excelência de seus trabalhos quantitativos dirigidos por Álvaro Marchi, estatístico e pesquisador de altíssimo nível. Ainda na década de 1960, teve início o Instituto Gallup, sob a direção de Carlos Matheus, intelectual e pesquisador de escola. O Gallup cresceu rapidamente disputando com a LPM o mercado na área de pós-testes de comerciais de propaganda pela televisão através da técnica do DAR (Day After Recall). E, como o IBOPE, passou a ter importante papel no desenvolvimento de pesquisas de intenção de votos, realizando, além disso, importantes projetos ad-hoc e um estudo omnibus nacional. Encerra-se, assim, a década de 1960, com um notável crescimento da pesquisa de mercado no Brasil. Aos quatro institutos iniciais – IBOPE, IPOM, INESE e Marplan – se acrescentaram a LPM, Azzi, Marchi e Instituto Gallup, numa indicação de que a demanda por serviços de pesquisa estava crescendo no Brasil. Era o prenúncio da fase de consolidação, desenvolvimento e crescente aceitação e utilização da pesquisa de mercado que, começando na década de 1970, se prolongaria até os dias atuais. Adendo Os Livros Sobre Pesquisa de Mercado publicados no Brasil na Década de 1960 Em 1960, a McCann Erickson fazia 25 anos de Brasil. Em comemoração à data, a importante agência lançou, pela Editora Civilização Brasileira, o Livro Técnica e Prática da Propaganda com o subtítulo Princípios Gerais de Propaganda segundo a experiência de uma agência no Brasil. Trata-se, como indica o título, de um livro sobre temas e métodos da área publicitária. O capítulo III, sob o título “A pesquisa na propaganda”, é muito mais abrangente do que diz o título. Trata de pesquisa de mercado em geral, dedicando, porém, parte expositiva de suas 30 páginas especificamente à pesquisa da propaganda, importante aplicação da pesquisa de mercado. Esa foi a primeira matéria escrita 19 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 sistematicamente e com conhecimento de causa por profissionais brasileiro sobre os objetivos, natureza e métodos da pesquisa de mercado.(1) O capítulo foi escrito a duas mãos por Alfredo Carmo e Dalton de Souza, ambos da Marplan e teve a ajuda, segundo informação de Dalton de Souza, de Antonio Leal de Santa Inez, também funcionário da Marplan. A leitura da matéria, mais de 42 anos após ter sido escrita, pode levar o leitor moderno a ter hoje a impressão de que o assunto foi tratado de forma superficial e um tanto desconexa. Para a época, era um trabalho pioneiro que teve o mérito de apresentar pela primeira vez, de forma sistemática, os métodos então em uso e discutir temas candentes da matéria, chamando a atenção para a fase que então se vivia: • “No Brasil, a designação genérica pesquisa de mercado confunde-se com um tipo específico de investigação: pesquisa de consumidor ou pesquisa das características de mercado. Não existe, ainda, no Brasil, uma terminologia de pesquisa fixada pelo uso ou consagrada por convenções.” (2) Estávamos na verdade vivendo no Brasil uma época ainda inicial no desenvolvimento da pesquisa de mercado como instrumento de marketing. Não obstante, os profissionais brasileiros, então em pequeno número, procuravam ensinamentos e orientação no que se fazia no exterior, especialmente nos Estados Unidos. O capítulo sobre pesquisa de mercado do livro da MccCann-Erickson contém a seguinte explicação básica da diferenciação entre pesquisa qualitativa e quantitativa. • “Com a incorporação das técnicas psicológicas ao sistema de métodos da Pesquisa de Mercado, certos autores procuram estabelecer dois grandes grupos de pesquisa: pesquisas qualitativas e pesquisas quantitativas.” A parte final do capítulo, que trata de pesquisa motivacional, advertiu os profissionais e usuários de pesquisas de mercado de natureza psicológica sobre a necessidade de atenção redobrada aos resultados: • “Quando perguntamos “por quê,” 20 “Com a reintrodução da discussão-de-grupo e sua crescente aceitação por agências de propaganda e anunciantes, ganhou renovado vigor a tendência de crescimento da pesquisa qualitativa no Brasil.” estamos necessariamente convidando o respondente a fazer um esforço introspectivo. É provável que ele se desobrigue da reconstituição dos motivos recorrendo a fórmulas verbais, puramente convencionais e estereotipadas. Nesse caso, geralmente encontramos os mesmos motivos justificando preferências radicalmente opostas.”(3) Muitos anos depois, já em 1986, dois renomados pesquisadores levantaram a mesma questão em artigo de grande repercussão em que propunham o uso de métodos facilitadores em discussões de grupo, como meio de evitar conclusões falsas à base, como dizia Alfredo Carmo, de “formulas verbais convencionais e estereotipadas”. Isto é, a qualidade da informação depende em grande parte da qualidade da técnica empregada na sua obtenção. (4) Excetuando-se o capítulo sobre pesquisa de mercado, do livro da McCann, nenhum outro havia sido publicado no Brasil sobre a matéria até o inicio da década de 1960. Os interessados e profissionais da matéria e os professores e alunos dos cursos de administração de empresas bem como de marketing tinham de recorrer às fontes estrangeiras, em geral em inglês. Mas, já começava a se desenvolver um mercado para publicações em português. Os pioneiros na edição de livros sobre pesquisa de mercado no Brasil foram a Fundação Getulio Vargas e a Livraria Pioneira Editora, esta última sob a direção de Enio Matheos Guazelli, editor inteligente e dinâmico. Num mesmo ano – 1964 – foram publicados no país os dois primeiros livros sobre pesquisa de mercado: pela Fundação Getúlio Vargas, a tradução brasileira do livro Marketing Research – Text and Cases, de Harper W. Boyd e Ralph Westfall, sob o título Pesquisa Mercadológica, um grosso volume de 800 páginas na reedição de 1973; e pela Livraria Pioneira Editora, a tradução do livro de Max Adler, Modern Market Research – A Guide for Business Executives, sob o título A Moderna Pesquisa de Mercado. Pioneira do ensino e difusão do marketing no Brasil, procurava a Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, criada em 1951, tradução adequada para os termos ingleses usados pelos teóricos e profissionais de marketing. O termo mercadologia passou a ser usado como a tradução de marketing e pesquisa mercadológica foi a tradução encontrada para pesquisa de marketing. A tradução do livro de Boyd e Westfall, professores da renomada Escola de Administração de Empresas da Northwerstern University dos Estados Unidos, feita pelos professores Afonso Arantes e Maria Isabel Hoppi, ambos da GV, é um trabalho de bom nível, o contrário do que ocorreria mais tarde com as traduções de vários outros livros sobre a matéria em língua inglesa. A obra em si era o que havia de melhor na época. Os conceitos, métodos e técnicas são apresentados de forma acessível, porém sem nenhuma concessão à superficialidade, e complementados por grande quantidade de histórias de casos que dão vida aos fundamentos teóricos. Atualizada para a época, Pesquisa Mercadológica trata também das novas tendências de então no desenvolvimento da matéria e de suas aplicações práticas. Quando publicado nos Estados Unidos na década de 1950, estava na moda a pesquisa chamada motivacional associada principalmente ao psicanalista austríaco Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Ernst Dichter que, fugindo do nazismo em 1939, se estabelecera em Nova York de onde realizava pesquisas à base de pequeno número de observações e entrevistas em profundidade, das quais procurava extrair conclusões e recomendações práticas para a propaganda de produtos e para o marketing das empresas. Embora não dê destaque aos trabalhos de Dichter, o livro de Boyd e Westfull contém um substancial capítulo sobre pesquisa motivacional em que são discutidas as técnicas mais usadas, inclusive as projetivas, assim concluindo: “No transcorrer de anos futuros, esperamos maiores progressos no uso desse tipo de pesquisa que auxiliará a solução do velho problema do motivo que leva o consumidor a ter certo comportamento.”(5) A expectativa seria cumprida, inclusive no Brasil, com o repúdio ao “guruismo”, que caracterizou importante parcela de pesquisadores motivacionais, Dichter inclusive. Importante mudança de ênfase na década de 1960 levou à pesquisa qualitativa nos moldes propostos pelos eminentes cientistas e pesquisadores Paul Lazarsfeld e Robert Merton, o primeiro considerado por muitos como o principal teórico das pesquisas psicológicas dos anos 1950 a 70, e “modelo” de Alfredo da Silva Carmo, e o segundo, Robert Merton, que, além de outras enormes contribuições sociológicas, foi o introdutor na década de 1940 da técnica da “entrevista focada” e da técnica da discussão de grupo, a princípio designada como “entrevista em grupo”. A Pesquisa Mercadológica de Boyd e Westfall foi importante no desenvolvimento da pesquisa de mercado no Brasil. Os professores da matéria, na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, usaram-no como livro de texto (eu próprio o fiz nos anos em que dei cursos na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de 74 e 76) e também na Escola Superior de Propaganda de 1956 a 1968), tendo dados ensejo a profissionais e usuários e alunos de pesquisa a se orientar e resolver dúvidas consultando seus diferentes capítulos. A Pesquisa de Mercado Moderna foi escrito por Max Adler, de origem também austríaca como Lazarsfeld, e professor na Universidade de Manchester. O livro é um volume pequeno (155 páginas na tradução brasileira) que, como diz o subtítulo, não apresentado na edição brasileira, se propunha a ser “um guia para diretores da empresa” (A Guide for Business Executives). Mas, na tradução brasileira, o objetivo foi explicitado: “Este livro surgiu da necessidade de explicar pesquisa de 21 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 mercado ao número sempre crescente de homens de negócios que a têm empregado ou pensam empregá-la no futuro.”(6) Escrito em linguagem acessível e bem planejado. A Moderna Pesquisa de Mercado, embora bem menos completo que Pesquisa Mercadológica de Boyd e Westfall, não recebeu no Brasil o tratamento que merecia. A edição brasileira não contém o índice de matérias do original, omissão que priva os leitores de um importante sinalizador para a leitura em geral e a consulta de tópicos especiais. O mais grave, porém, é a tradução. O tradutor, senhor Oswaldo Chiquetto, cometeu muitos erros primários que, com freqüência, dificultam a leitura do texto. Não obstante essas falhas, A Moderna Pesquisa de Mercado foi muito útil para profissionais, estudantes e executivos que leram ou consultaram a obra. A discussão inicial sobre pesquisa de mercado interna é apresentada em termos muito esclarecedores e adequados, e pode ainda ser utilizada como ponto de referência para a classificação dos tipos de pesquisa de mercado segundo a origem das informações. Em minhas aulas, tanto na Escola Superior de Propaganda como na Getulio Vargas, fiz uso da distinção. Temas como amostragem e trabalho de campo são tratados com propriedade, embora não profundamente. À época em que o texto foi escrito (1956), a pesquisa motivacional não tinha ainda se propagado na Inglaterra. Disse Adler: “Até aqui não se conhece uma publicação sequer de um caso de pesquisa de motivação neste país,”(7) omissão que seria amplamente sanada nos anos seguintes, tendo-se tornado a Inglaterra um dos países de maior desenvolvimento da pesquisa qualitativa. Adler faz uma crítica à pesquisa motivacional da época concluindo peremptoriamente, “.... a pesquisa de motivação, pelo menos na sua forma presente, não deve ser supervalorizada.”(8) É relevante um ponto importante: o alto custo da pesquisa motivacional, devido à remuneração elevada que se devia pagar aos poucos psicólogos e psicanalistas que se dedicavam à especialidade. Mas isso não se repetiria no Brasil quando a pesquisa qualitativa ganhou raízes, a partir de meados da década de 1960. Referências bibliográficas 1 FERBER Robert, organizador, Handbook of Marketing Research,Mc Graw Hill Book Company, New York, 1974. P. 1-3-/1-15, capítulo sob o título “History and Development of Marketing Research,” por Lawrence C. Lockley. 2 Em artigo sob o título “Alguns Subsídios Para a História da Propaganda no Brasil,” in Propaganda, Setembro de 1967, p. 18. CONVERSE Jean M., Survey Research in The United States (1890-1960), University of California Press, Berkeley, 1987, p. 49. Este livro tem à pág. 152/153 um breve relato da Pesquisa de Free no Brasil. 4 Revista Administração e Serviços, Junho, 1982. 5 GONTIJO, Silvana, A Voz do Povo O IBOPE DO BRASIL, Editora Objetiva, p. 220. 6 GONTIJO, Silvana, op. citada. 7 GONTIJO, Silvana,op. citada, p. 214/215. 8 GONTIJO, Silkvana, op. citada, p. 220. 9 CANTRIL, Hadley, The Pattern of Human Concern, Rutgers University Press, New Brunswick, 1965. 10 BARROS, Altino João de, “Uma Visão da Mídia em Cinco Décadas” capítulo de A História da Pesquisa da Propaganda no Brasil, Renato Castelo Branco, Rodolfo Lima Martensen, Fernando Reis, organizadores, T. A Queiroz Editor, São Paulo, 1990, p. 130. Estas informações foram confirmadas telefonicamente por Dalton de Souza. 11 A bibliografia de Alfredo Carmo, na área da pesquisa de propaganda, compreende, além de outros, os seguintes estudos e artigos: “Pesquisa motivacional, criador de anúncios”, Propaganda, agosto, 1956. “Criação e Pesquisa”, O Estado de S. Paulo, set., 1965; out. 03, 1965; out. 05, 1965; out., 10,1965. “Pesquisador não é cartomante”, Propaganda, março, 1972. “Testemunhal, humor e sexo”, Mercado Global, n.os 22/23, fevereiro/março, 1976. “A pesquisa castra a criação?”; Propaganda, 1980. “Tendências da pesquisa na propaganda”, Propaganda, março, 1988. 3 Referências bibliográficas do Adendo 1 Devo à gentileza de Altino João de Barros e de Helena Quadrado o acesso a este capítulo. Técnica e Prática da Propaganda, p. 60. 3 Ibid., p. 86. 4 SAMPSON, Peter e BHADURi, Monika. “Getting the Basics Right, Qualitative Data: Interpretation or Misinterpretation,” ESOMAR, Seminar On Qualitative Methods, Feb. 1986, p. 29-71. 5 Boyd e Westfall, op. citada, p. 630. 6 Prefácio da 1ª Edição. 7 A Moderna Pesquisa de Mercado, p. 94. 8 Ibid, p. 97. 2 • Octavio da Costa Eduardo – Diretor do INESE, Instituto de Estudos Sociais e Econômicos, decano da pesquisa de mercado no Brasil. 22 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 23 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 24 Ernesto Michelangelo Giglio Martinho Isnard Ribeiro de Almeida Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Introdução Considerar o valor para o consumidor nas estratégias tem sido ressaltado na literatura. Como exemplo pode-se citar o trabalho de KAPLAN (in SZAFIR, 2000), que propõe um meio de mensurar o desempenho das empresas, incluindo essa perspectiva. Compreender claramente o que os consumidores consideram como valor e qualidade é fundamental no estabelecimento das estratégias e um dos caminhos é realizar entrevistas em grupo, como foi desenvolvido nesta pesquisa. Existem várias definições de estratégia de valor, mas há um consenso de que o termo significa colocar os valores dos consumidores como a informação básica que orienta todas as decisões. A diferença entre os autores está no conceito de valor. A palavra pode estar relacionada ao aspecto financeiro (tal como o valor de uma ação); ou ao valor de uma marca (ainda no plano financeiro); ou ao valor de uso (a funcionalidade de um produto); ou ao valor de troca (na valorização de um imóvel, por exemplo); ou ao valor agregado (conjunto de características); ou ao valor dos resultados obtidos (o elogio de uma roupa). Definições de valor e a proposta teórica e metodológica deste artigo ZEITHAML (1988) afirma que o valor refere-se ao julgamento sobre o que foi recebido, enquanto MONROE (in WOODRUFF, 1997) refere-se a uma troca de compensações entre a qualidade dos benefícios percebidos no produto e o sacrifício percebido para pagar o preço. Butz and Goldstein (in WOODRUFF, 1997) mencionam que valor para o consumidor é uma ligação emocional estabelecida entre o consumidor e o for- necedor depois que o consumidor utilizou um produto. Após fazer uma revisão dos conceitos de valor para o consumidor, WOODRUFF (1997) propõe que a expressão indica a percepção da preferência e avaliação de atributos de produto, atributos de funcionalidade e as conseqüências de obtenção dos objetivos e propósitos do uso do produto. São, portanto, definições operacionais, mas que não consideram as variáveis relativas ao relacionamento. Autores como ZEITHAML (1988) têm colocado que o valor parece designar um processo altamente pessoal e idiossincrático, multidimensional e difícil de mensurar. Nesse mesmo texto de ZEITHAML (1988:15), Holbrook afirma que a percepção de valor é situacional e contextual, variando inclusive em cada fase do processo de aquisição. Afirma ainda Holbrook que não existem instrumentos validados para a pesquisa de criação de valor. No presente artigo pretende-se demonstrar que é possível conhecer os valores dos consumidores e de outros participantes e que tal conhecimento é o caminho para a construção de estratégias de definição de produto e atendimento no ramo imobiliário. Secundariamente pretende-se mostrar que a técnica de análise de conteúdo, quando aplicada a uma proposta de estratégia de valor para consumidores do ramo imobiliário, é um instrumento válido que contribui para a revelação destes valores, podendo substituir com vantagens ferramentas tradicionalmente utilizadas, tais como mapa BCG, matriz SWOT, matriz G.E. (KOTLER, 2000). O desenvolvimento de uma estratégia de valor A revisão da literatura sobre estratégia e mais especificamente sobre estratégia de valor (PORTER, 1989; F ISCHMANN, 1991; MCKENNA, 1993; MINTZBERG, 2000; KOTLER, 2000) mostra que há um consenso sobre a seqüência da construção da mesma, conforme se vê na figura 1 seguinte. A figura mostra que os valores dos consumidores só entram no circuito ao final de todo o processo, na etapa de satisfação. Estratégia de valor Comprador Empresa Expectativas Estratégia, missão, valores, objetivos Análise de ameaças e oportunidades Definição da estratégia do produto Configuração dos produtos e serviços Compra Formas de relacionamento Vendas Valores na satisfação Figura 1 – Seqüência de um modelo de desenvolvimento de estratégia de valor, a partir do padrão encontrado em FISCHMANN (1991), com os termos adaptados pelos autores. 25 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Utilizando a definição de Butz and Goldstein (in W O O D R U F F, 1 9 9 7 ) j á mencionada, construiu-se um modelo que acompanha os valores dos consumidores ao longo do processo de desenvolvimento da estratégia e agrega as variáveis dos vendedores na interrelação com os valores dos consumidores. A satisfação do consumidor é colocada como o resultado deste conjunto de inter-relações de valores O novo desenho pode ser visto na figura 2. Conforme se observa no modelo da figura 2, os valores estão presentes entre os participantes, nas Antecedentes do relacionamento Consumidor Vendedor Empresa Valores nas expectativas Valores nas expectativas Estratégia atual, missão, valores, objetivos Valores nas representações sociais Valores nas representações sociais Análise dos valores e ameaças e oportunidades Momento do relacionamento e da compra Comportamento de compra Valores na qualidade de relacionamento e na qualidade de produto Definição da estratégia de valor para o consumidor Comportamento de venda Configuração dos produtos e serviços Realimentação da implementação da estratégia de valor Pós-compra e uso Indicadores: - Reclamações - Propaganda - Recompra Valores na satisfação sobre o produto e o atendimento Figura 2 – Proposta de um modelo construído pelos autores, mostrando as relações entre os valores dos consumidores, os valores dos vendedores e a estratégia de valor da empresa. 26 várias etapas de consumo. Uma das contribuições do modelo, baseado em PARASURAMAN (1985), é a afirmativa de que as expectativas e representações sociais dos fornecedores também são importantes para a qualidade do atendimento e, portanto, para o resultado final de satisfação do consumidor. A seqüência da estratégia está fundamentada no modelo em etapas de ENGEL (2000) e contribuições e adaptações de outros autores (GIGLIO, 1998). Segundo esse modelo, o processo de procura, compra e uso de produtos e serviços segue uma seqüência. A proposta é que essa seqüência seja utilizada como base da criação da estratégia de valor para o consumidor. As expectativas referem-se a planos sobre o futuro, que podem conter valores. Por exemplo, a expectativa de proporcionar qualidade de vida aos filhos, comprando uma casa na praia, tem implícito o valor de que o patrimônio é que traz a qualidade de vida. As representações sociais são construções sobre a realidade social, que também contém valores que existem tanto Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 individualmente, como coletivamente. Por exemplo, a imagem de um consumidor sobre o corretor de imóveis pode ser influenciada pelos valores sociais de que todo vendedor é uma pessoa insistente e chata.O conceito de representação social vem de MOSCOVICI (1988). Para o conceito de qualidade de relacionamento e qualidade de produto utilizam-se os modelos de PARASURAMAN (1985), mais voltado para os serviços, e de COHEN (1980), mais voltado para a negociação. Em ambos os modelos aparecem algumas categorias que são utilizadas pelo consumidor para construir sua noção de qualidade, tais como confiança no vendedor e na empresa, qualidade da comunicação, segurança transmitida, conhecimento do vendedor, uso do tempo. Todas essas variáveis têm valores implícitos que influenciam o resultado final de satisfação do consumidor. A clareza da comunicação, por exemplo, tem uma componente objetiva, quando um corretor informa qual o preço de um imóvel; mas também tem uma componente subjetiva: um valor, quando o consumidor não acredita nas informações do corretor, pois tem uma imagem negativa sobre esta categoria profissional. Durante a negociação, portanto, o julgamento sobre a qualidade de um produto é o resultado da avaliação do consumidor sobre as expectativas que o produto pode satisfazer; bem como sobre as representações nele colocadas, enquanto o produto está sendo apresentado e negociado. Por exemplo, acompanhamos a compra de um apartamento de 3 dormitórios realizada por um casal de noivos, que valorizava o número de quartos em função de expectativas que tinham sobre o futuro; mas, ao mesmo tempo, tinham imagens negativas sobre o bairro (“é só residência, não tem diversão e é muito perto do Rio Pinheiros”). Após a compra e uso do produto, esses valores serão novamente utilizados para a conclusão sobre a satisfação. Já o julgamento da qualidade do relacionamento é o resultado da avaliação do consumidor sobre as expectativas criadas sobre o atendimento, bem como da confirmação, ou não, das representações sociais sobre ele construídas. Ainda no exemplo anterior, o casal imaginava que o atendimento de um corretor era algo extremamente irritante, mas se surpreenderam com a jovialidade da atendente e sua cultura geral. Para o conceito de Satisfação do consumidor utiliza-se o modelo de PARASURAMAN (1985) e o modelo de WOODRUFF (1997). O primeiro tem seu ponto básico nos processos comparativos que o consumidor realiza entre o que esperava obter (produto + atendimento) e o que percebe estar obtendo. O segundo tem seu ponto básico nas respostas finais do consumidor após a posse do produto, indicativas de sua (in) satisfação, tais como indicação para outras pessoas, reclamações, recompra, cancelamento, propaganda. Va l o r , portanto, no modelo proposto, é um dos componentes da qualidade, que se cria e se modifica em vários processos de interação entre o consumidor e outros participantes do negócio, o que influencia na construção da satisfação do consumidor. Para investigar essa afirmativa, realizou-se uma pesquisa com um grupo de gerentes de vendas de imobiliárias, analisando-se o discurso pela técnica de Análise de conteúdo. O mercado imobiliário Escolheu-se esta área de negócios por ser um campo em que os autores vêm refletindo e trabalhando há alguns anos. Além disso, o negócio imobiliário reveste-se de algumas características peculiares. Do lado das construtoras, por exemplo, tem-se verificado um processo empírico na tomada de decisão sobre um novo produto. A equação mais utilizada é: se o último deu certo, então este também dará. Do lado da imobiliária, responsável pela venda e atendimento, tem- se verificado uma padronização nos serviços, sem o uso mais profundo dos princípios de segmentação e diferenciação de produto. O ramo imobiliário residencial aloca volumosos recursos das empresas e das pessoas envolvidas, às vezes por muitos anos. Esta situação de multiplicidade e complexidade de variáveis coloca o mercado de imóveis como altamente influenciado pelas políticas econômicas e trabalhistas do País, bem como pelas crenças e valores dos consumidores. Segundo dados do Secovi (Sindicato das Empresas de Construção Civil) e de profissionais da área, em situações de crise, como mudança de moeda, esse ramo de negócios é um dos primeiros a ser afetado e um dos últimos a se recuperar. Para atender aos consumidores, o mercado imobiliário brasileiro é composto de 150 mil corretores; 30 mil imobiliárias cadastradas. Só no Estado de São Paulo, são 50 mil corretores e 19 mil imobiliárias. Esses dados indicam a importância econômica e social do ramo 27 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 imobiliário, bem como a validade de se realizar pesquisas na área. Metodologia da pesquisa O fenômeno da compra de um imóvel implica em confrontar-se com a diversidade e complexidade do comportamento das pessoas. O desenho do modelo proposto mostra linhas de junção que correm nos dois sentidos, indicando um fenômeno mais apropriadamente abordado pelos métodos sistêmicos do que pelos métodos causais. O sistemismo aceita, e até coloca como condição para o estudo dos fenômenos, que existam relações recíprocas. Outra característica é que o sistemismo não separa pessoa e grupo, pois são considerados níveis diferentes do mesmo fenômeno (o sistema). Uma das técnicas que possibilita trabalhar os dados de pesquisa nas duas dimensões (pessoa e grupo) é a Análise de Conteúdo, conforme definida por BARDIN (1977). A aplicação dessa técnica permite analisar todas as formas em que aparecem as representações sociais, tais como romances, fábulas, considerações, argumentos científicos, notícias, documentários, opiniões. 28 Desenho da pesquisa Conforme se observa na figura 2, as variáveis do modelo são qualitativas, o que leva a técnicas também qualitativas. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, conforme definida por BARDIN (1977:42): “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos, ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Para investigar a proposta da estratégia de valor apresentada, realizou-se uma pesquisa com um grupo de 10 gerentes de vendas de uma imobiliária. Os sujeitos do grupo tinham características homogêneas, já que eram todos gerentes de vendas de lançamentos imobiliários; trabalhavam na mesma empresa há alguns anos e todos já foram corretores. Para início da dinâmica, colocou-se o seguinte tema geral: Se vocês tivessem uma empresa, uma construtora, uma imobiliária, vocês fariam alguma mudança nesse esquema de lançamento de imóveis, ou funciona dessa maneira? Na técnica de grupo focado, coloca-se uma questão inicial básica e dirige-se a discussão para as variáveis do modelo. Pelo relato dos sujeitos procura-se levantar as categorias referentes ao fenômeno em estudo e criamse interpretações sobre possíveis relações entre elas. O objetivo é exploratório, investigando quais categorias aparecem e que relações podem ser criadas entre elas (em análise de conteúdo utiliza-se a palavra categoria como equivalente a variável). Para a interpretação dos dados fazse uma análise temática, buscando-se inferir as variáveis no discurso todo, nos parágrafos, nas frases, nas expressões lingüísticas. Basicamente, trata-se de uma inferência dos significantes para os significados (ou do manifesto para o latente). Alguns estudos utilizando a téc- Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 nica de análise de conteúdo (HOLSTI in BARDIN, 1977:138; SPINK: 1993) têm validado os processos de inferências sobre atitudes e valores. Apresentação e Análise dos dados da pesquisa realizada considerados valores da empresa (ou seja, dos acionistas, diretores); nem de grupos sociais envolvidos (família, sindicato da categoria) e nem de empresas co-participantes (diretores de concorrentes, prestadores de serviços tais como agências de propagandas). c. Elaboração dos indicadores Os indicadores de satisfação estão explicitados no desenho da pesquisa, na figura 2. Seguindo a seqüência proposta para apresentação dos dados de uma análise de conteúdo, chegamos aos seguintes pontos: d. Regras de recorte, categorização, codificação a. Formulação das hipóteses e dos objetivos A técnica de recorte, categorização e codificação do material é a análise temática, ou seja, o recorte é realizado por assunto e não por seqüência. A afirmativa central é de que os valores dos participantes de um encontro de negociação imobiliária estão presentes nas quatro etapas do processo (nas expectativas, nas representações sociais, na negociação e na satisfação) e são variáveis importantes na definição de estratégia de valor, cujo fim é a satisfação do consumidor. b. Dimensão e direções da análise Na pesquisa apresentada, não foram e. Administração das técnicas sobre o corpus As frases do quadro 1 seguinte são uma amostra dos temas que surgiram na discussão do grupo. Os temas principais foram: os modelos de venda (focado no atendimento x focado na técnica x focado na persuasão); as variações do mercado (consumidores exigentes; competição acirrada); falhas nos serviços das construtoras e imobiliárias (plantões desconfortáveis; qualificação dos corretores, serviços de venda e pós-venda); futuro da profissão de corretor (o relacionamento vai-se tornar cada vez mais importante, as mulheres estarão dominando). Sobre os modelos de venda, um subgrupo afirma que o corretor deve ser treinado para vender para outro deve ser treinado para atender. Os que defendem que o principal é vender afirmam que a venda em lançamento é imediata, impulsiva, emocional e não adianta se preocupar em atender o consumidor, pois isto até traria problemas. Como argumentos para esta última posição colocaram que o mercado é muito concorrido e que se deve tentar conquistar a venda logo no primeiro encontro. “Se o consumidor for a Quadro 1 – Algumas frases que ilustram os temas surgidos no grupo “o consumidor não é mais bobo, o mercado imobiliário teve problemas e alertou o consumidor e isto dificultou o trabalho do corretor” “os corretores antigos estão morrendo no mercado” “o corretor de lançamento cria sonhos de situações futuras para o visitante, esta é a sua função” “consumidor não gosta de corretor pegajoso” “as mulheres corretoras vendem mais que os homens, porque sabem criar um carisma” “a situação é muito simples: o corretor de usados obtém um consumidor e vai atrás do produto e o corretor de lançamento obtém um produto e vai atrás do consumidor” outro plantão, já se perdeu a venda.” Os defensores da outra posição afirmam que o principal é conhecer o consumidor e o produto que ele busca. Como argusmentos, os participantes colocam situações presenciadas por eles, sobre consumidores que decidiram pela compra por terem sido bem atendidos e compreendidos nos seus desejos. Claramente são posições distintas entre persuadir o consumidor sobre a qualidade do produto, ou buscar situações futuras em que suas expectativas são satisfeitas, cada uma das quais com valores implícitos. No modelo de venda, por exemplo, aceita-se que o consumidor pode ser persuadido (é um valor, um julgamento do vendedor sobre o consu- 29 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 midor, que influencia a forma de negociação e a satisfação final). Essa questão sobre o modelo de venda esteve presente durante toda a reunião e pode-se resumi-la em três posições básicas: • Um subgrupo defende que o atendimento é um momento de persuasão, já que a compra de um imóvel na planta é emocional, é impulsiva. Chamamos esse modelo de persuasão. • Outro subgrupo defende que o atendimento é um momento de esclarecimento do produto, uma vez que o consumidor já sabe qual produto está procurando. Chamamos este modelo de técnico. • Numa terceira posição, outro subgrupo defende que o atendimento é o momento do relacionamento, de conhecer o consumidor e criar um vínculo dele com o corretor e a empresa. Chamamos esse modelo de relacionamento. Outro tema debatido foi a questão da qualificação do corretor de imóveis em lançamento e de imóveis usados. Um participante definiu operacionalmente a questão do corretor de lançamento e do corretor de usados: o corretor de usados obtém um consumidor e vai atrás do produto e o corretor de lançamento obtém um produto e vai atrás do consumidor. Um dos gerentes definiu que o corretor de lançamento tem a importante função de propiciar ao consumidor visões de futuro no uso do imóvel, transportandoo para uma situação em que a pessoa vive o futuro naquele imóvel. Outro tema tratou das reclamações (que é um dos indicadores de satisfação). A discussão girou ao redor da falta de um preparo de pós-venda, tanto das imobiliárias, quanto das construtoras. Concordam todos que deveria haver um pósvenda ainda na imobiliária, o que traria mais consumidores para as empresas participantes. O conjunto de falas indica que o grupo tem consciência da falta de ações de relacionamento, nas quatro etapas do processo de consumo, mas, por motivos políticos e falta de visão, tudo fica na mesma. Estes foram os temas principais encontrados no discurso do grupo. 30 f. Inferências e interpretações dos dados Analisando-se o conteúdo do discurso, verifica-se que o grupo discute o tema dos modelos de atendimento, mas não discute os valores dos pressupostos de cada um deles. No modelo de persuasão, por exemplo, pode-se perguntar por que alguém teria que persuadir um outro alguém a comprar um imóvel? A persuasão não está mais estreitamente relacionada a negócios que não são procurados, tais como seguros de vida e jazigos? Ou uma pergunta mais básica: é possível persuadir alguém num item de compra tão importante quanto um imóvel? Esses raciocínios lógicos não estiveram presentes. Nas figuras 3, 4, 5, que são divisões do modelo proposto, são apresentadas as interpretações sobre o discurso do grupo.3 A figura 3 refere-se à parte dos antecedentes do atendimento; a figura 4 à qualidade de atendimento e a figura 5 aos resultados de satisfação. Na figura 3 percebe-se que sobre as expectativas dos consumidores não Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 houve consenso sobre sua origem e importância. As expectativas dos corretores não foram comentadas. Sobre as representações sociais dos consumidores sobre os corretores, os comentários convergiram para uma visão que ainda tem mais aspectos negativos. Sobre as representações sociais dos corretores sobre os consumidores, o grupo convergiu na afirmativa de que os corretores devem-se livrar de pressupostos, pois cada consumidor é diferente. Sobre a qualidade de atendimento, na figura 4, existiram três posições básicas. O modelo de persuasão foi o dominante na discussão e o modelo de relacionamento apareceu como uma alternativa ao novo consumidor exigente. Na figura 5, sobre a satisfação do consumidor, objetivo final de todo o modelo, surgiram poucos comentários. O foco esteve no pós-venda, com falhas nos serviços de acompanhamento. A análise do conteúdo latente (incluindo manifestações corporais e verbais, presentes no vídeo e no áudio) mostra que a posição do modelo de persuasão é o dominante e que o modelo de relacionamento é o alternativo. O modelo de Antecedentes do relacionamento Vendedor Empresa Valores nas expectativas: – não comentado Estratégia atual, missão, valores, objetivos Valores nas representações sociais: – o maior problema hoje é a qualificação do corretor; o corretor deve-se preparar em vários campos – o corretor, por vezes, só está interessado na venda – o corretor não pode prejulgar as pessoas Análise dos valores e ameaças e oportunidades Comprador Valores nas expectativas – – eles são concretos, querem estar no local;não adianta outra forma – já sabem o que querem x são compulsivos Valor nas representações sociais: – consumidor não gosta de corretor pegajoso – eles têm conhecimento sobre o assunto;são impulsivos, compram pela emoção Figura 3 – Os resultados da análise de conteúdo colocados na primeira parte do modelo proposto, os antecedentes do relacionamento. persuasão foi defendido pelos gerentes com maior tempo de profissão e com maior liderança no grupo. Estes próprios gerentes, no entanto, afirmam que o cor- retor da venda está morrendo. O modelo de relacionamento foi criticado pelos opositores, afirmando que Momento do relacionamento e da compra Valores na qualidade de relacionamento e na qualidade do produto Houve uma divisão entre 3 modelos de atendimento: a. atendimento como persuasão – criar um estado de prontidão para a compra; as variáveis mais importantes são: gerar empatia, segurança, credibilidade b. atendimento como detalhamento do produto e dos processos de aquisição– as variáveis mais importantes são: clareza de comunicação, conhecimento profundo do produto, segurança gerada quanto a adequação do que se busca e o produto oferecido c. atendimento como relacionamento – criar um vínculo entre as partes, de tal maneira que o consumidor torne-se cliente e vendedor do corretor; as variáveis importantes são: clareza da comunicação, empatia, credibilidade, segurança, imagem Definição da estratégia de valor para o consumidor Configuração dos produtos e serviços Realimentação da implementação da estratégia de valor Comentários sobre as variáveis: Clareza da Comunicação entre as partes: os participantes não informam tudo que poderiam Conhecimento das partes: corretor deve dominar vários campos Empatia gerada entre as partes; Credibilidade gerada no consumidor; Segurança gerada no consumidor; Imagem gerada entre as partes: não comentadas Jogos de poder: clara divisão conforme os dois modelos acima Tangibilidade do serviço: o plantão deve ser confortável Temas de conflito: • pressionar para vender x criar um relacionamento • cliente não gosta de corretor pegajoso x ele quer ficar livre depressão • corretor deve transportar a pessoa para o futuro naquele imóvel x tratar dos aspectos do presente Figura 4 – Os resultados da análise de conteúdo colocados na segunda parte do modelo proposto, ou seja, o momento do relacionamento e da compra. 31 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 o negócio de lançamento de imóveis caracteriza um encontro mais fortuito e menos duradouro entre os compradores e vendedores. Assim, argumenta-se que seria inútil tentar construir um relacionamento. Aparentemente a crítica é sustentável, quando se considera a negociação presente, porém, num horizonte estratégico (isto é, de longo prazo) a crítica torna-se menos sustentável, já que na maioria das definições sobre orientação ao consumidor encontra-se a afirmativa de que se deve trabalhar para as futuras negociações e não só para a presente.4 Os autores consideram que o fato de esse tema ter sido o central (sem estimulação) mostra que os modelos de venda nesse negócio encontram-se numa situação de mudança, ou pelo menos de discussão. Os gerentes mais experientes defendem o modelo de persuasão. Alguns, por sua formação técnica, defendem um modelo de explicação do produto e outros, que se colocam como mais de vanguarda, defendem o modelo de relacionamento. Pela discussão e pelo conteúdo, considera-se que o modelo proposto, que defende o relacionamento, foi justificado, isto é, ele se coloca como uma posição defensável, com seguidores. Conclusões Uma das conclusões desta pesquisa é que existe uma divisão de modelos mentais sobre as táticas de atendimento, o que leva a estratégias pouco refletidas e pouco esclarecidas no ramo imobiliário. Os modelos mentais são pressupostos sobre os fenômenos, mediados por valores, que acabam influenciando as decisões sobre como abordar o próprio fenômeno. No objeto de estudo deste trabalho, o fenômeno em questão é a satisfação do consumidor no ramo imobiliário e a ação básica consiste no atendimento. Os pressupostos partem de dois pontos básicos, mutuamente exclusivos: o poder e a persuasão estão com o corretor x o poder e a persuasão estão com o consumidor. Essas posições iniciais criam outros pressupostos, que se encadeiam até chegar ao modelo de atendimento. 32 Pós-compra e uso Indicadores: - Reclamações - Propaganda - Recompra Valores na Satisfação Valores na satisfação do consumidor: Sobre o produto: não comentado Sobre o relacionamento: são raras as reclamações de mal atendimento Sobre compra, ou proposta: a imobiliária deixa a pessoa abandonada com a construtora, depois da venda; deveria haver um serviço de pós venda Resultado sobre fidelidade, ou rejeição da empresa e participantes: a imobiliária não faz pós venda, por isso não desenvolve clientes fiéis. Resultados sobre fazer propaganda: um bom pós-venda transforma o comprador em vendedor da empresa. Realimentação da implementação da estratégia de valor Figura 5 - Os resultados da análise de conteúdo colocados na terceira parte do modelo proposto, no pós-compra. Esquematicamente os modelos mentais poderiam ser resumidos como no Quadro 2 seguinte. Afirma-se que os dados desta pesquisa são esclarecedores no sentido de mostrarem uma mudança de paradigma do negócio. Para uma boa parte dos gerentes, o corretor ainda desempenha só o papel de vendedor porque existe deman- da; pouca concorrência e o consumidor pode ser influenciado. É este quadro que parece estar mudando, pelo menos no mercado em São Paulo. Os consumidores já não estão submissos e passivos como em décadas anteriores, tendo conhecimento e exigindo atenção, conforme se verifica em trabalhos anteriores (GIGLIO, 1998). Hoje é comum que o Quadro 2 – Os modelos mentais sobre o atendimento, numa pesquisa em grupo, com gerentes de imobiliárias. Modelo persuasão Modelo técnico Modelo relacionamento Poder está com corretor Poder está com consumidor Poder está com consumidor Consumidor não sabe o que quer Consumidor sabe o que quer Consumidor sabe o que quer Consumidor está pronto para compra Deve-se criar uma prontidão para compra, ou facilitar quando já estiver pronto Deve-se criar uma prontidão para a compra Corretor deve pressionar para vender Corretor deve ser técnico e vender Corretor deve ser prestador de serviço Consumidor pode ser influenciado Consumidor não pode ser influenciado Consumidor pode ser influenciado Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 consumidor conheça mais sobre o mercado do que o próprio corretor, que nem sempre tem uma boa idéia dos produtos concorrentes. Pode-se também afirmar que as táticas das imobiliárias, baseadas em orientações de vendas, estariam sendo forçadas (pelos consumidores, pelos concorrentes) a construírem novas formas de atuação (por exemplo, valorizando o relacionamento com o consumidor) o que exigiria uma nova orientação. Em vista dos dados até agora analisados, acreditam os autores que o modelo e a ferramenta propostos colocam-se como uma alternativa de desenvolvimento de estratégia de produto e atendimento, com uma orientação voltada ao consumidor. Conforme se verifica na figura 2, a adoção dessa estratégia exige mudanças na estrutura e dinâmica das empresas e nos modelos de atuação dos participantes. Uma dessas mudanças, por exemplo, seria formar equipes de trabalho desde o início da concepção do produto. Como a proposta é de uma equipe (das empresas participantes) que aprende ao longo do desenvolvimento da estratégia, concluise que o modelo proposto leva à necessidade de as empresas organizaremse em matrizes complexas, para o gerenciamento dos produtos e do relacionamento. Essa conclusão está coerente com a literatura atual sobre estruturas de empresas (VASCONCELLOS, 1997), apoiando o modelo. Em termos metodológicos, a pesquisa mostrou que o uso de técnica de grupo e análises de conteúdo é apropriado quando se lida com fenômenos considerados complexos, conforme definição de complexidade dada por MORIN (1991) e considerados sistêmicos, conforme definidos por SENGE (1990). A pesquisa focou nas relações entre os gerentes (representando as empresas), os vendedores e os consumidores, investigando como estas relações influenciam a qualidade do atendimento e a satisfação do consumidor. A técnica de análise de conteúdo mostra ser uma ferramenta fundamental para a estratégia de valor para o consumidor, já que a interpretação dos valores, em al- guns pontos do processo, só é possível a partir do discurso de pessoas. Aliando essa técnica com a ferramenta de passos de pesquisa de valores que foi construída pelos autores, acredita-se que se tem um novo instrumento de desenvolvimento de estratégias, além dos tradicionais já mencionados ao início. Assumindo os princípios do sistemismo, principalmente a relação entre o funcionamento do sistema e seu objetivo; foi possível analisar que existem dois objetivos últimos em jogo nos encontros entre compradores e vendedores do ramo imobiliário. Num deles, acredita-se que o objetivo assumido pelas partes é a realização da compra. Nesse modelo o corretor é um vendedor, que utiliza técnicas de persuasão. Num outro sistema, o objetivo último assumido pelas partes é a realização de um serviço, calcado num relacionamento de confiança, que possibilite ao comprador esclarecer-se sobre qual o melhor produto para suas expectativas. Nesse modelo, o corretor é um prestador 33 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 de serviço, que utiliza técnicas de relacionamento. Os sistemas, porém, não são assim tão claramente definidos, por isso é necessário utilizar alguns princípios da complexidade, conforme definidos por MORIN (1991). O principal deles refere-se ao indeterminismo e imprevisibilidade do comportamento humano. Implica em dizer que, apesar de algumas linhas mestras de desenvolvimento de estratégia, ela mesma deve ser continuamente realimentada com dados da realidade, para ir se ajustando. É exatamente o princípio da escola clássica de aprendizagem (MINTZBERG, 2000). Em termos práticos, pretende-se oferecer um instrumento de criação de estratégia de desenvolvimento de produtos; qualidade de atendimento e obtenção de consumidores satisfeitos no ramo imobiliário. Para sua utilização, é necessário realizar algumas mudanças nas relações de trabalho das empresas, criando unidades de negócios e equipes de trabalho; nas táticas de capacitações humanas (por exemplo, treinando e motivando os vendedores); nos processos de decisões sobre os produtos (por exemplo, criando participações dos possíveis compradores) e nas formas de atendimento aos consumidores (por exemplo, desenvolvendo novos paradigmas de negociação). A estratégia, portanto, propõe uma mudança no paradigma de decisão de produto no ramo imobiliário, normalmente orientado para o empirismo, seguindo padrões de senso comum e cópias de sucessos anteriores, sem a participação dos consumidores, ou vendedores. O modelo também sugere alterações no paradigma de atendimento. Isso incluiria a parte física (os plantões de venda são locais desconfortáveis, o que altera a disposição física e emocional do visitante) e os objetivos e expectativas sobre os corretores (corretores pressionados por um sistema de vendas que os obriga a atuar na base da persuasão, acabam reforçando as imagens negativas que existem sobre estes profissionais). Como ficou claro na análise, o modelo é sustentado pelos dados, mas pode ser ampliado e deve ser testado de outras formas, por exemplo, com um grupo de consumidores. Uma outra pesquisa interessante e necessária poderia focar a questão dos recursos humanos na área imobiliária. Conforme se viu, há reclamações e pressões sobre gerentes e corretores; premia-se basicamente a venda e não a satisfação do consumidor. Entrevistas em profundidade e grupos com corretores poderiam trazer mais informações e ajustes ao modelo. Referências bibliográficas 1. BARDIN, L.Análise de Conteúdo, tradução Luís Antero Reto, Lisboa, Edições 70, 1977 2. 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ZEITHAML, Valarie A. “Consumer perceptions of price, quality and value: a means-end model and synthesis of evidence”, Journal of Marketing, New York; Jul 1988; v. 52, Iss. 3; pg. 2/23 Notas 1 Por uma questão de espaço, deixamos de publicar a íntegra do discurso do grupo, o que demandaria aproximadamente 14 páginas e passamos a apresentar diretamente as interpretações. 2 Ainda sobre esse argumento, vale lembrar que é comum os corretores entrarem em contato com consumidores que atenderam num plantão, para oferecerem outros produtos, continuando, portanto, o relacionamento. Ernesto Michelangelo Giglio – Professor da ESPM e da PUC-São Paulo, consultor de empresas do ramo imobiliário Martinho Isnard Ribeiro de Almeida – Professor da FEA-USP, consultor de empresas 34 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Os desafios estratégicos de um programa de fidelização em franquias 36 Thelma Rocha Fabiane Moraes Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Introdução Conforme aponta a Associação Brasileira de Franchising, o franchising tem crescido continuamente nos últimos anos (20% ao ano), fazendo do Brasil hoje o 3.º maior país franqueador do mundo, atrás somente dos EUA e Japão. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 600 empresas que franqueiam e aproximadamente 53.000 pontos-de-vendas em todo o Brasil nos mais diversos segmentos. Com faturamento anual na faixa de R$ 25 bilhões em 20011 , o franchising atrai o empresário que deseja promover uma expansão de seus negócios, sem precisar investir muito. Por outro lado, seduz todo aquele que sonha em ter seu negócio próprio, que muitas vezes perdeu seu emprego, e opta pela segurança e pelas vantagens de trabalhar com uma marca conhecida. O franqueador é a empresa detentora da marca, que idealiza, formata e concede a franquia do negócio ao franqueado que é uma pessoa física ou jurídica, que adere à rede de franquia. A essência do franchising está na parceria, e o sistema tem alcançado elevados índices de êxito em diversos ramos de atividade, com destaque ao setor de alimentos, onde o McDonald’s é o maior franqueador do mundo. Como conseqüência dessa expansão do franchising, a concorrência entre as franquias também tem aumentado. Nos shoppings centers, as franquias de perfumes nacionais enfrentam lado a lado a concorrência internacional, ficando o desafio estratégico de como criar um diferencial para seus clientes. Nesse ambiente, o conceito de Marketing de Relacionamento aparece como uma possibilidade de se retomar o relacionamento entre vendedor-comprador, objetivando mantê-lo fiel e satisfeito através de uma relação longa e duradoura vantajosa para as empresas e seus consumidores. Os programas de fidelização representam uma estratégia de marketing, em que as empresas tentam superar seus concorrentes através de ações que reconheçam e retribuam os melhores consumidores pela preferência. "A criação de valor para clientes constitui o alicerce de qualquer sistema de negócios bemsucedido, gerando lealdade, crescimento, lucros e mais valor." Assim surgiu o Programa Fidelidade O Boticário, com o intuito de tornar os clientes mais fiéis e mais próximos ao estabelecimento e da marca. Essa tarefa, que poderia ser simples, fica um pouco mais complexa se considerarmos o distanciamento do franqueador do ponto-de-venda e do cliente final. Este artigo percorre o conceito de lealdade e cliente fiel para franquias, as diferenças entre promoções e programas de fidelização, e as principais dificuldades de um programa de fidelidade neste setor. Como caso é analisado o Programa Fidelidade O Boticário. Construindo lealdade em franquias O fortalecimento estratégico das franquias se inicia pelo conhecimento do consumidor e pela velocidade de adaptação da empresa às mudanças. Em síntese, é necessária uma constante reinvenção da franquia para atender ao novo consumidor, superar os desafios e prosseguir na busca de novas referências. As franquias estão cada vez mais atentas aos hábitos e costumes de seus consumidores, pois já perceberam que quanto maior o conhecimento sobre o cliente, melhores seus resultados. Por outro lado, CHERTO e RIZZO (1991) destacam que um dos desafios do franqueador é a perda do acesso direto ao consumidor. Então, como criar lealdade nas franquias? Segundo SCHIFFMAN (2000), especialista na teoria do comportamento do consumidor, existem diferentes tipos de lealdade: 1. Lealdade à loja. O consumidor “aprende” em qual loja encontra determinado produto que lhe agrada e, ao procurar e encontrar novamente este produto na mesma loja, a sua fidelidade é reforçada e aumenta a probabilidade de querer repetir a compra no mesmo local. Este tipo de fidelidade está associado ao desejo do cliente de reduzir o risco na compra, pois já tem um histórico de sucesso. É importante observar que nesse caso a fidelidade não ocorre em relação ao fabricante, mas ao ponto-de-venda. Assim, quem dá a garantia de respeitabilidade de um produto não é o fabricante, mas o vendedor. 2. Lealdade à marca. Ser leal a uma marca significa buscar uma marca específica, procurar por um produto até encontrá-lo, independendo do ponto-devenda onde se realiza a transação. Criar esse tipo de lealdade reduz largamente os riscos, principalmente em produtos de consumo como detergentes, shampoos e alimentos, pois este relacionamento funciona como um gerenciador das expectativas e necessidades do consumidor. As franquias costumam apostar na lealdade à marca como um importante diferencial competitivo, que muitas vezes define até o preço que o franqueado paga para poder comercializar produtos de um determinado franqueador. Infelizmente, com o aumento da concorrência, o consumidor acaba tendo mais e mais opções de compras, tanto em termos de lojas como de marcas, e os custos para se manter a leadade à marca acabam ficando impraticáveis. Em função desse declínio da lealdade à marca, ROCHA e VELOSO (1999) definem que a empresa precisa estabelecer relações sólidas com seus clientes, 37 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 para envolvê-lo e manter sua fidelidade, provando ser a sua opção mais confiável não só para esta compra, mas também a médio e longo prazo. Para conseguir essa fidelidade, as franquias podem trabalhar basicamente em dois caminhos: 1. Ter uma marca forte que crie por si só lealdade nos consumidores; 2. Envolver os clientes pelos diferenciais que oferece, criando uma percepção de produto e marca que cative o consumidor de uma maneira emocional, vencendo a disputa racional por um lugar em sua lista de compras. A criação de valor para clientes constitui o alicerce de qualquer sistema de negócios bem-sucedido, gerando lealdade, crescimento, lucros e mais valor. Promoções ou Programas de Fidelização? "Não sendo possível dar benefícios para todos, pois o custo é elevado, a empresa age conforme sua receita permite, ofertando benefícios tangíveis para os melhores clientes." Conforme a figura 1, observa-se que enquanto os programas de fidelização têm por objetivo estabelecer um vínculo que resista ao tempo e traga resultados em médios e longos prazos, as promoções são utilizadas para sanar um problema ou criar um volume de vendas num determinado momento, geralmente em curto prazo. No dia-a-dia de uma franquia, muitas vezes são necessárias promoções para aquecer as vendas em determinadas épocas do ano, ou praças específicas. A base de um programa de fidelização está no conhecimento dos clientes, geralmente armazenado em bancos de dados. Não sendo possível dar benefícios para todos, pois o custo é elevado, a empresa age conforme sua receita permite, ofertando benefícios tangíveis para os melhores clientes. Para NASCIMENTO (1996), os programas de fidelização surgiram como ferramenta do Marketing de Relacionamento que permite “tangibilizar aos olhos do cliente” as vantagens que a empresa oferece. O conceito desses programas envolve uma troca: a empresa oferece vantagens e benefícios a quem dá preferência a seus produtos e serviços. Um programa de fidelização implica o uso de várias ferramentas promocionais, mas não pode ser confundido com elas. Figura 1 – Diferenças entre programas de fidelização e promoções Programas de fidelização Promoções OBJETIVO Criar um relacionamento permanente entre cliente e empresa Aumentar o volume de vendas em situações específicas PÚBLICO Consumidores mais freqüentes, maior gasto médio, mais fiéis Qualquer comprador, independentemente do seu perfil RECOMPENSA PARA O CLIENTE De longo prazo De curto prazo DURAÇÃO Contínua, de longo prazo Prazo determinado Fonte: ROCHA e VELOSO(1999:56). 38 Para SCHULTZ(1994), os custos com os programas de fidelidade justificam-se porque estão baseados na premissa de que o cliente tem “long-term value”2 . A intensidade do esforço de marketing e a verba alocada para a conquista e manutenção de um cliente trarão lucro para a empresa, comprando repetidamente ou pela compra de reposição. Para STONE(1998:24), o coração de um programa de fidelização é a persuasão customizada (“Customized persuasion”), que parte da premissa de que nem todos os clientes são iguais – aproximadamente 80% de todas as compras repetidas de produtos e serviços vêm de 20% da base de clientes. Os programas de fidelização realizam esforços de Marketing específicos por segmentos de mercado ou públicoalvo para esses 20% dos clientes mais rentáveis de seu database. Segundo BOGMAN(2000), embora os programas de fidelização possam variar conforme a área em que a empresa atua, existem quatro pré-requisitos básicos para o sucesso desse tipo de ação: 1. Os programas de fidelização devem ter apoio da cúpula: independentemente da organização ou da sua estrutura empresarial, o comportamento da alta direção é vital para o sucesso do programa; 2. Estratégias de marketing focadas no consumidor: a organização deve atuar, comprometida com o cliente, buscando adaptar seus produtos e serviços às necessidades e expectativas dos consumidores; 3. O programa deve ser percebido como vantagem competitiva: quando a concorrência é muito grande, a distribuição é muito equilibrada, a formação de preços igual e os parâmetros de qualidade, a única arma competitiva disponível são as ações que fidelizam os clientes, que devem-se transformar em vantagem sustentável para a organização; 4. A responsabilidade pelo programa deve ser centralizada: deve existir uma gerência responsável por definir uma estratégia para a implantação e manutenção do programa, de modo que exista um relacionamento claro com os consumidores, e esses, em caso de Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 problemas tenham um defensor interno. Concluindo, as franquias estão buscando cada vez mais meios para recompensar os seus clientes fiéis, e o programa de fidelidade é um modo de reconhecer e retribuir o consumidor pela sua preferência por determinada marca. Vejamos a seguir uma experiência real brasileira. Programa Fidelidade O Boticário Esta análise foi elaborada a partir de pesquisa documental, bibliográfica e empírica diretamente nas lojas e através de entrevista, realizada via telefone, com o responsável pela implementação do programa na empresa O Boticário. Desde a primeira essência, O Boticário teve um posicionamento diferenciado, com a meta de promover a beleza e o bem-estar do seu consumidor. Em 1979, inaugurou uma loja no Aeroporto Afonso Pena, que atendia Curitiba e região. Em pouco tempo começaram a surgir pessoas interessadas em abrir lojas para revender os produtos em suas cidades de origem, iniciando-se assim o processo de franchising, até então inédito no Brasil, e em 1980 a primeira franquia O Boticário. Em 1985, O Boticário inaugurou sua primeira loja fora do Brasil, no Shopping das Amoreiras, na capital portuguesa. Hoje, possui a maior rede de franquias em número de revendas de Portugal, com 69 lojas. A relacionamentos, direcionados mais precisamente para o público infantil e jovem, que são: – Clube Amigos do Boti, que fica em contato com crianças que têm entre 3 e 8 anos, enviando dicas de como preservar o meio ambiente; – Clube Amiga Ma “Chérie”, que se relaciona com meninas de 5 a 12 anos, contando novidades da Linha Ma “Chérie” e dando dicas de produtos; – Para as mocinhas com mais de 12 anos, há o Clube Garota Thaty, que envia dicas de beleza e informações sobre a fragrância O Boticário Thaty. Figura 2 – A empresa O Boticário Marca Empresa Ano de fundação Inicio do Franchising: N.º empregados Lojas próprias da indústria Lojas franqueadas: Empregos gerados Lojas no exterior O Boticário Scorpius Assessoramento de Marketing S/C Ltda. Empresa 100% nacional. 1977 1980 1.220 (dez./2001) 2.142 (site nov./2002) 14 em Curitiba e 11 em Belo Horizonte 72 lojas Portugal, Bolívia, Peru, Paraguai e no Japão. Fonte : Entrevista e site O Boticário – nov/2002. O Boticário iniciou suas atividades em 22 de março de 1977 como farmácia de manipulação, no centro histórico de Curitiba. "O Boticário é uma empresa nacional de destaque no segmento de cosméticos, com um programa de fidelidade inovador para o setor." rede de franqueados expandiu-se para o Paraguai, Peru e Bolívia. Além de 399 pontos-de-venda distribuídos pelo Japão. A sua rede de distribuição é apoiada por 22 master-franqueados. Cada um deles com autonomia e experiência para selecionar franqueados de sua região, treiná-los, abastecer suas lojas no tempo e medida certos e ouvir suas queixas. Anualmente, O Boticário realiza seu Plano de Expansão, pesquisando o potencial de cada mercado e identificando as oportunidades de negócios. Do resultado desse estudo depende a abertura de cada uma das franquias. Só depois de avaliadas todas as possibilidades de sucesso, uma nova loja é aberta. O Programa Fidelidade, implantado em 2000, foi criado pela franquia O Boticário para recompensar os clientes mais fiéis. No período de maio a nov./2000, este Programa já havia inscrito mais de 700.000 clientes, distribuídos em 62 milhões de pontos e oferecido 24 mil prêmios. Sua mecânica é simples. Ao realizar uma compra em uma loja O Boticário participante, o cliente recebe na hora e gratuitamente seu cartão Fidelidade, mais os pontos equivalentes àquela compra. Cada real gasto nas lojas vale um ponto. Descrição do Programa Fidelidade O Boticário Atualmente há mais três clubes de 39 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 A maior parte das lojas participa do programa. As lojas participantes são sinalizadas com um adesivo em suas vitrines. As transações são 100% "on line", ou seja, o cliente pode acumular e trocar seus pontos na hora ou através de vouchers retirados nas lojas. Nem sempre os vouchers são retirados na loja onde as compras foram feitas, causando um desconforto entre os franqueados. A premiação é bem diversificada. Alguns parceiros importantes são: • Cinemark – 1 ingresso – 340 pontos • Editora Abril – 1 assinatura semestral de Veja – 4.450 pontos • Hopi Hari – 1 ingresso – 920 pontos • McDonald's – 1 Big Mac – 75 pontos • Livraria Saraiva – 1 vale-presente de R$ 25,00 – 1150 pontos Na própria O Boticário, um batom equivale a 353 pontos. Os pontos têm validade de 2 anos. Os meios de comunicação com o Programa são: uma central de atendimento por telefone; o site www.boticariofidelidade.com.br e as próprias lojas participantes do programa. Um dos grandes benefícios do programa para o Boticário é o "Database", que possibilita conhecer melhor seus clientes, buscando novas formas de relacionamento e melhor direcionamento das ações de marketing e comerciais. Análise do Programa de Fidelidade O Boticário O Boticário é uma empresa nacional de destaque no segmento de cosméticos, com um programa de fidelidade inovador para o setor. Pontos fortes do programa de Fidelidade O Boticário: • O Boticário tem uma imagem forte no mercado, o que facilita o ingresso do consumidor ao programa. • O programa tem grandes parceiros, como McDonald’s, Editora Abril, Cinemark, Livraria Saraiva, entre outros. • O atendimento ao cliente (SAC) é bem treinado para prestar orientações e tirar dúvidas. 40 "A própria diversidade do perfil dos franqueados dificulta uma divulgação mais constante do programa, pois a franquia não possui autonomia sobre o ponto de venda." • O site sobre o programa é bem completo. Desafios do programa de Fidelidade O Boticário: • A loja não oferece o programa aos clientes, ou seja, falta treinamento e incentivo para os atendentes. • Não há divulgação na mídia sobre o programa . • Nem todas as lojas participam do programa. • O cartão não é pedido na hora do pagamento da compra, demonstrando falta de envolvimento do franqueado com o programa. • Os pontos nem sempre são resgatados no local da compra, gerando um desgaste do programa perante os franqueados. • Alguns produtos da premiação têm a pontuação muito alta (ex.: assinatura Revista Veja – 4.450 pontos), desmotivando o consumidor. Oportunidades do programa de Fidelidade O Boticário: • Divulgar mais o programa para os clientes já inscritos e para os não inscritos. • Maior propaganda do programa nas lojas do O Boticário. • Utilizar o mailing que está sendo acumulado na divulgação de novos produtos O Boticário aos melhores clientes. • Envolver mais os franqueados, desenvolvendo um treinamento sobre o programa, conscientizando da importância de se trabalhar o relacionamento com a sua base de cliente. Assim, o programa de fidelidade do Boticário necessita de alguns ajustes para se tornar mais popular e mais desejado pelos consumidores. Falta uma comunicação mais agressiva com os consumidores, e principalmente com os clientes potenciais. A própria diversidade do perfil dos franqueados dificulta uma divulgação mais constante do programa, pois a franquia não possui autonomia sobre o ponto-de-venda. Conclusão Relacionamos alguns cuidados que as franquias precisam ter para a implantação desse tipo de programa: As franquias e os franqueados precisam estar motivados para realmente criar um valor e um relacionamento com os clientes, e não apenas seguir um modismo mundial ou copiar a concorrência. MCKENNA (1993) aponta que: "se uma empresa puder desenvolver uma cultura que enfatize a qualidade e a confiabilidade, ou o serviço e as relações com o cliente, seus funcionários provavelmente trabalharão duro para garantir que este objetivo seja realizado". O apoio da direção da empresa e dos funcionários é fundamental para o sucesso do programa. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 O estabelecimento de relacionamentos com o cliente é, hoje, um compromisso que precisa ser assumido por todos, franqueador e franqueados. Da alta gerência ao staff, todos precisam ter consciência de que sua influência não apenas é importante, mas decisiva para a imagem empresarial como um todo. As comunicações diretas com a base de clientes devem ser claras, dando follow-up sobre as promoções, mostrando novas oportunidades. Manter um fluxo de comunicações coerente com seus consumidores, de maneira clara e coerente é um princípio essencial. Deve-se considerar o fator lucratividade no desenvolvimento dos programas. O cálculo dos custos envolvidos, a expectativa de adesão de clientes, o volume de prêmios a ser pago pelos franqueados e franqueadores deve ser claramente discutido. É melhor não ter um programa de fidelização, do que ter uma ação que promete algo e não entrega. O sucesso do programa é gerar clientes satisfeitos, com uma boa imagem da empresa, predisposto a uma recompra, e até fazendo uma propaganda positiva "boca a boca". O fracasso representa propaganda negativa "boca a boca", ou até mesmo escrita, e acaba gerando a perda do consumir, muitas vezes irado. Conquistar a lealdade do cliente é uma tarefa muito difícil e custosa. Para se construir a fidelização é essencial que as franquias entendam suas necessidades, desejos e valores. O objetivo dos programas de fidelidade não é tornar todos os clientes fiéis, mas, sim, aumentar a fidelidade daqueles mais propensos a reagir. O consumidor possui muitas marcas ao seu redor e conseqüentemente a diferença entre uma empresa e outra será a qualidade e a profundidade do relacionamento consumidor-empresa. Os programas de fidelidade servem para construir esse tipo de relacionamento, propiciando para a organização dados importantes sobre seus clientes, e para os consumidores vantagens ao optarem por determinada marca. O programa do O Boticário pode ser comparado a um bolo: o recheio está pronto, falta apenas decorá-lo e mostrar na vitrine para as pessoas sentirem vontade de provar. Referências Bibliográficas BOGMANN, Itzhak Meir. Marketing de Relacionamento: estratégias de fidelização e suas implicações financeiras. São Paulo: Nobel, 2000. CHERTO, Marcelo; RIZZO, Marcus. Franchising: como comprar sua franquia passo a passo. São Paulo: Makron, 1991. MCKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento: estratégias bem sucedidas para a era do cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1993. MCKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento. Tradução de outras palavras, Rio de Janeiro: Campus, 1999 NASCIMENTO, José Augusto. Programa de Fidelização e clubes de clientes. Seminário Diretotal: Programa de Fidelização de Cliente. São Paulo:Apostila Diretotal, 1996. ROCHA, Thelma; VELOSO, André. A hora da recompensa: como obter sucesso através dos programas de fidelização. 1a.Ed.São Paulo: Cobra Ed., 1999. SCHIFFMAN, Leon G. O Comportamento do consumidor. 6.ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. SCHULTZ, Don E. O novo paradigma do marketing: como obter resultados mensuráveis através do uso do database e das comunicações integradas de marketing. São Paulo: Makron Books, 1994. STONE, Merlin; WOODCOCK, Neil. Marketing e Relacionamento. Tradução: Luiz Liske. São Paulo: Littera Mundi, 1998. Sites ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRANCHISING [site da associação]. 2002. Disponível em <www.abf.com.br> [Nov. 2002]. BOTICÁRIO [site da empresa]. 2001. Disponível em <www.oboticario.com.br> [19 Ago. 2001]. PROGRAMA DE FIDELIDADE O BOTICÁRIO [site do programa]. 2001. Disponível em <www.programafidelidadeoboticario.com.br> [19 Ago. 2001]. Thelma Rocha – Professora da ESPM/SP e Consultora de Empresas na área de Marketing. Mestre em Administração Mercadológica pela EAESP/FGV, e autora do livro A Hora da Recompensa em parceria com André Veloso, pela Cobra Editora. E-mail: [email protected] Fabiane Moraes – Graduada em Administração Mercadológica pela ESPM/SP, obteve nota máxima em sua monografia sobre Programas de Fidelização. Atualmente cursa MBA em economia na FEA/USP. E-mail: [email protected] 41 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 • ÉRICA GOMES DANIEL N enhuma nação fez sua a vontade de um outro povo, mas todas as nacões da América hoje só têm uma vontade [...]. A união da vontade das nacões não se alcança pela subordinação e sim através de um processo de persuasão e de evolução política, religiosa e espiritual [...]. Iniciamos a construção de uma estrutura econômica americana que atravessará os tempos [...]. Pela primeira vez todo um continente se declara unido para uma ação comum em defesa de um ideal comum, que é o de toda a América.1 Oswaldo Aranha (Discurso realizado no encerramento da 3.ª Conferência dos Chanceleres no Rio de Janeiro) 44 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 As agências norteamericanas e a consolidação da propaganda no Brasil O objetivo deste trabalho é compreender as mudanças ocorridas no campo dos padrões de sociabilidade e de consumo no Brasil a partir dos anos 40, com penetração do pan-americanismo. Tendo como fontes os artigos de jornalistas e publicitários publicados nos anuários de propaganda e nas revistas especializadas em publicidade, além dos anúncios publicitários veiculados na Revista Seleções do Reader’s Digest de maio a agosto de 1944. Ao pesquisar as mais importantes revistas ilustradas das décadas de 30 a 60, como: O Cruzeiro, Careta, Revista da Semana etc., um dos aspectos que mais me chamava a atenção era a publicidade veiculada nestes periódicos. Resolvi, então, estudar a imagem publicitária e a forma como esta se baseia em convenções socialmente aceitas, na elaboração dos anúncios, acreditando que a publicidade é um relevante instrumento para análise histórica, sendo, no entanto, ainda pouco trabalhada pela historiografia. Partindo do princípio de que os anúncios publicitários da década de 40, divulgados nas revistas ilustradas, veiculavam além de novos produtos, um estilo de vida identificado com o American way of life; passei a pesquisar a chegada das agências de publicidade norteamericanas no Brasil, e os anúncios publicados na Revista Seleções do Reader’ s Digest, durante o período da Segunda Guerra Mundial. O fato que mais chamou atenção em minha pesquisa foi perceber que o crescimento do mercado publicitário brasileiro estava nitidamente relacionado à chegada das agências de publicidade americanas. O ano de 1929 marca a chegada ao “Foi esse departamento que, primeiramente, trouxe para o Brasil os métodos do mercado norteamericano de propaganda.” Brasil da primeira agência norteamericana, a Ayer. No entanto, a mudança fundamental para o progresso da propaganda no Brasil foi estabelecida com a instalação do Departamento de Propaganda da General Motors. Foi este departamento que, primeiramente, trouxe para o Brasil os métodos do mercado norte-americano de propaganda. Revista Seleções – Julho de 1944 Porém é como a vinda da J.W. Thompson, que absorveu, junto com a Ayer, os antigos profissionais do Departamento da G.M, que o mercado de propaganda no Brasil se profissio-naliza, pois a Thompson passou a utilizar no Brasil os mesmos padrões e métodos que utilizava em sua sede nos Estado Unidos. A partir de 1930, apesar do período conturbado pelo qual passava o país com os sucessivos golpes e revoluções, novas agências apareceram no mercado com as nacionais Standard (1933), InterAmericana (1938), e as americanas McCann-Erickson (1935) e Grant (1939). O nome Standard, para uma agência de publicidade brasileira, foi escolhido pelo fundador porque remetia ao glamour americano. A década de 40 na propaganda é marcada pelas turbulências da Segunda Guerra Mundial, pela fundação do IBOPE em 1942, e pela chegada ao Brasil da revista Seleções do Reader’s Digest2, neste mesmo ano, a pedido de Nelson Rockefeller. Nessa revista passariam a circular os principais anúncios das grandes marcas norte-americanas. A chegada da prática de pesquisa de mercado ao Brasil, no final da Segunda Guerra Mundial, foi mais uma contribuição das agências internacionais, com destaque para a McCann-Erickson, que fundou um departamento especializado neste ramo denominado de Marplan. A pesquisa de mercado traçava um perfil dos hábitos de consumo, as potencialidades do mercado, realizava testes de visual, embalagem etc., e era feita pela agência ou pelos próprios clientes em departamentos próprios. A Thompson, em 1945 e a McCann, em 1948, fundaram seus próprios departamentos de pesquisa. A Thompson fazia pesquisas para a revista Seleções e a McCann, para 45 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 passou a chamar-se Política e Negócios. Além das revistas, três anuários foram publicados regularmente, por vários anos: o Anuário de Publicidade, o Anuário Brasileiro de Imprensa e o Anuário de Rádio. Esta explosão de publicações sobre imprensa e propaganda, juntamente com a vinda das agências norte-americanas, foi, sem dúvida, fundamental para a consolidação do mercado de consumo no Brasil. A propaganda no Brasil ampliou seus horizontes e preparou-se para receber a avalanche de anunciantes estrangeiros, majoritaria-mente norte-americanos, que penetraram no país. Em tempos de Guerra Em setembro de 1939, eclodia na Europa a Segunda Guerra Mundial, jornais e revistas esgotaram-se nas bancas, os brasileiros tentavam informarse sobre a grande catástrofe. Diante da ofensiva alemã, o Brasil, assim como toda a América, preparava suas defesas. O clima era tenso e acima de tudo incerto, afinal o Brasil tinha boas relações com ambos os lados em conflito. A postura oficial do governo brasileiro era de compasso de espera, pois o governo de Getúlio Vargas aproximava-se ideologicamente dos regimes autoritários, mas estava preso Revista Seleções – Maio de 1944 a revista O Cruzeiro, que eram as duas revistas de maior circulação neste período. A utilização desses instrumentos de pesquisa mostra a preocupação tanto da revista Seleções, quanto da O Cruzeiro, com a opinião do consumidor em relação a elas e o grau de recepção alcançada pelos anúncios que veiculavam. Foi também a partir dos anos 30, com a vinda das agências internacionais, que o mercado das publicações especializa-das em propaganda ganhou novo fôlego e passou a inspirar-se no estilo americano. Em 1932, por exemplo, temos no Rio 46 a publicação do primeiro jornal específico, cujo nome era Propaganda, que mais tarde transformou-se numa revista de vida efêmera. Em 1937, surgiu a revista Propaganda, lançada em São Paulo, que atuou por dois anos. Para substituí-la surgiu no Rio de Janeiro, em 1940, a revista Publicidade do jornalista Lycurgo Costa. Essa revista foi dirigida por Genival Rabelo e Manoel de Vasconcellos, tendo mudado de nome em 1947 para Publicidade e Negócios. Circulou até 1961, quando havia mudado novamente de nome; “O nome Standard, para uma agência de publicidade brasileira, foi escolhido pelo proprietário porque remetia ao glamour americano.” Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 à órbita norte-americana por relações econômicas. Os Estados Unidos, por outro lado, desejavam com sua política de incentivo às democracias liberais conseguir estabelecer uma hegemonia sobre a América. No Brasil, os políticos dividiram-se entre os pró Eixo e os favoráveis aos Estados Unidos. Todavia, o que acabou prevalecendo nos primeiros anos do conflito foi uma tentativa de conciliação encabeçada por Getúlio Vargas, onde o Brasil comercializava com a Alemanha e com os Estados Unidos ao mesmo tempo. Contudo, à medida que a guerra avançava, tal postura do Brasil tornouse incômoda para os americanos, que clamavam por uma aliança continental de defesa da América. Nos círculos políticos favoráveis aos alemães (Dutra, Gois Monteiro e Filinto Muller) a penetração norte-americana (por exemplo, a proposta da base militar no nordeste brasileiro) era vista com apreensão. Mas a ofensiva desenfreada dos alemães na Europa também gerava inquietude. Tal impasse sofreu um impacto decisivo quando, em 1941, o Japão bombardeou Pearl Harbor, tornando essencial à entrada direta dos Estados Unidos na Guerra. A partir de tal acontecimento, as idéias da cooperação e solidariedade do continente americano diante do inimigo nazista ganharam cada vez mais forças. O ano de 1942 foi extremamente conturbado. AFEB (Força Expedicionária Brasileira criada em 1941) patrulhava o país, a UNE (União Nacional dos Estudantes) promovia passeatas, a população respirava ares de guerra experimentando máscaras contra gases. A sociedade passou a mobilizar-se em favor da entrada do Brasil no conflito mundial ao lado dos Aliados, e ao governo restou ceder às pressões internas e externas. Finalmente, em Agosto de 1942, Getúlio Vargas declarava guerra ao Eixo. No país cresceu o recrutamento de soldados, a população foi chamada através da propaganda governamental colaborar com o esforço de guerra. “Esta explosão de publicações sobre imprensa e propaganda, juntamente com a vinda das agências norte-americanas foi, sem dúvida, fundamental para a consolidação do mercado de consumo no Brasil.” A partir daquele momento, o Brasil lutava no front junto aos aliados pela defesa da democracia. Estreitavam-se cada vez mais os laços de cooperação e amizade entre o Brasil e os EUA. A visita do presidente Roosevelt em 1943 à base de Natal e seu encontro com Vargas davam o tom da política de boa vizinhança. A política norte-americana, desde a Doutrina Monroe, estava c a l c a d a no conceito de proteção, cabendo aos norte-americanos o papel de protetor dos interesses do continente frente aos europeus. Em nome de tal “proteção” vários países sofreram intervenções armadas. No entanto, diante da Segunda Guerra, a estratégia política americana modificou-se devido ao estreitamento de relações comerciais existentes entre os países americanos e a Alemanha. De mãos dadas com Tio Sam A atitude americana, de ação pela força, foi modificada por idéias de cooperação e reciprocidade. Em seu artigo publicado na revista Publicidade de 1940, Manoel de Vasconcelos traçou um panorama entre a Segunda Guerra e a “descoberta” da América Latina pelos americanos. A guerra impossibilitou completamente as excursões turísticas ao velho Mundo. Ficaram assim as companhias americanas deste ramo de negócios com um verdadeiro colapso. E lembraram-se então da América Latina [...] E o turista fatigado da civilização ou ávido de curiosidade está, por fim, descobrindo a América do Sul3. Essa política de reciprocidade, converteu-se em uma intensificação das relações culturais entre Brasil e Estados Unidos. Ao mesmo tempo, artistas americanos invadiam o Brasil, Walt Disney criava Zé Carioca, assim como Guiomar Novaes e Carmem Miranda encantaram os americanos. Re vis t e aS leç õe [...] a arte latinoamericana já começou a invadir a Norte-América, chamando a atenção do mundo intelectual. 4 94 Diego de Rivera do e1 d to México, há muito que se s o Ag impoz a crítica de arte do EUA. E o – s 47 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 nosso Portinari, quando revelado recentemente na Feira Mundial de New York, quase monopolizou a atenção da maior imprensa do mundo, que não fez restrições ao mérito desse admirável artista que o Brasil lhe mandava. [...] Bidú Sayão, Guiomar Novaes( a quem a imprensa americana chamou de “maior pianista do mundo”) Carmem Miranda, com o “Bando da Lua”, são aquelas duas, afirmação de que o Brasil pode mandar para a terra dos dóla-res artistas incontáveis – e esta última, a nossa “pequena notável” (ou Miss-Mai-randa como dizem os americanos) uma prova de que temos ritmos exóticos e originais, de uma cadência dolente ou cheios dessa beleza de nossas paisa-gens. É tudo isso o que tem feito com que os norteamericanos passam agora chamar ao Rio de Janeiro “The world’s gayest city...” [...] A imprensa da América do Norte tem falado na possibilidade dos nossos mercados, e na oportunidade de aplicação de capitais norte-americanos... Numa palavra: o Brasil, por meio da maior imprensa do mundo, está começando a deixar de ser um país de la bas, para ser um centro de interesses econômicos e de atração turística.4 Vasconcelos finalizou seu artigo, destacando o papel fundamental da propaganda no estreitamento da relação entre os dois países. E para que a atenção que agora despertamos não seja efêmera, apenas forçado pelas circunstâncias anormais que o mundo atravessa, é preciso que a propaganda, principalmente comercial, seja capaz de alicerçar o ideal e o PanAmericanismo pelo entrelace dos interesses econômicos.5 Deste modo, os brasileiros passaram a familiarizar-se com a cultura norteamericana. Os filmes hollywoodianos encantaram com seu glamour o Brasil, e a revista Seleções do Reader’s Digest trouxe para dentro dos lares brasileiros o estilo de vida americano estampado em sua publicidade. Nas ondas do Rádio, o Repórter Esso era a companhia dos que 48 queriam saber as últimas notícias sobre a guerra. A propaganda comercial aproveitou este clima favorável para vender os produtos das indústrias norteamericanas, sem esquecer de fomentar os ideais do pan-americanismo. A política norteamericana de Boa Vizinhança atuou em muitas frentes, como o cinema, o rádio etc. Contudo, neste trabalho focalizo a análise sobre o pan-americanismo pelo viés da propaganda. Para empreender tal estudo, tenho como fonte os artigos dos anuários e das revistas especializadas em propa-ganda, além das imagens publicitárias, veiculadas na revista Seleções, que demonstram como o mercado brasileiro estava sendo cobiçado pelas indústrias norte-americanas. Num informe publicitário da agência Inter-Americana de Propaganda, publicado na revista Publicidade ficava claro interesse norte-americano pelo mercado brasileiro. [...] dos Estados Unidos, grande número de importantes industriais e capitalistas têm consultado a Inter-Americana pessoalmente ou por correspondência, sôbre possibilidades de negócios no Brasil.6 “Ao mesmo tempo, artistas americanos invadiam o Brasil, Walt Disney criava Zé Carioca, assim como Guiomar Novaes e Carmem Miranda encantaram os americanos.” Re v a ist Se leç õ – es Ju lh e od 19 44 As visitas de representantes das grandes marcas eram constantes e geralmente vinham conhecer nosso mercado e lançar produtos. Procedente dos Estados Unidos chegou [...] o Sr. James S. Hauck vicepresidente de Lehn & Fink Products Corporation, conhecido fabricantes dos famosos produtos; de beleza Hinds e Dorothy Gray. A visita do Sr. Hauck ao nosso país tem por fim especial estudar o nosso mercado com a intenção de lançar aqui novos produtos é possível que o nosso público não esteja ainda bem familiarizado com o nome Lehn & Fink, entretanto os seus produtos têm já larga aceitação entre nós, especialmente o Hinds Honey & Almond Cream, aqui vendidos com o nome de Água de Beleza Hinds. O Sr. Hauck, que viajava em companhia de sua esposa, pretende demorar-se em nosso país por duas outras semanas, durante cujo tempo, Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 acompanhado pelo Sr. R. T. Turner, gerente da Lehn & Fink, para a América do Sul, visitará atacadistas e varejistas de produtos de beleza, procurando conhecer de perto os assuntos concernentes a distribuição de seus produtos e estudando um interessante programa de propaganda.7 O Sr. Shirley Woodell da Inter-nacional Division da J Walter Thompson de NY, numa prolongada viagem pela América Latina, permaneceu vários dias no Rio e em SP. O Sr. Woodell mostrou-se impressionado com o rápido progres-so do Rio e de SP e declarou acreditar que os produtos norte-americanos estão se interessando cada vez mais pelo nosso mercado.1 A Erwin, Wasey & Co. de Nova York, que há mais de 30 anos trabalha no mercado norte-americano, com filiais em Londres, Paris, Toronto, Haia, Helsingfore e Estocolmo e escritórios nas principais cidades dos Estados Unidos, abrirá agora escritórios no Brasil. [...] Atualmente conta a Erwin, Wasey entre os seus principais clientes nos Estados Unidos os seguintes: Texas Co., creme de barba Barbasol, tônico de cabelo Kreml, tostadores Toast Master, produtos medicinais Lydia Pinkham, pasta dental Forhan’s, Beech Aircraft, Air Transport Association, etc. Para o estrangeiro a Erwin, Wasey & Co. controla as seguintes contas: rádios Philips, pneus Goodyear, automóveis Chrysler, etc. [...] O presidente da companhia, o Sr. Howard P. Williams, passou recente-mente três semanas entre nós ultimando as providências para a organização da Publicidade – Erwin, Wasey S.A. que será a denominação da empresa no Brasil. O Sr. Williams foi durante muitos anos gerente geral da National Cash and Register Company, visitando várias vezes o Brasil a serviço dessa companhia.9 Por outro lado, a ida de publicitários brasileiros aos EUA, Advertising Agencies, junto às quais pleiteará a criação de bolsas de estudo para publicitários brasileiros.10 “A partir daquele momento, o Brasil lutava no front junto aos aliados pela defesa da democracia.” como relatavam os anuários, também era um fato comum e evidenciava os contatos entre os dois círculos publicitários. Cícero Leuenroth pretende fazer sua viagem útil, não só aos seus interesses particulares, como à Associação Brasileira de Propaganda. Entrará em contato com as principais associações publicitárias norte-americanas, especialmente com a American Association of Chegou a São Paulo recentemente de regresso dos Estados Unidos o publicitário N. de Macedo, que em fins do ano passado, representou o Brasil no Congresso Inter-Americano de Rádio realizado no México. [...] Aproveitando sua estadia no México, N. de Macedo rumou para o Canadá e para os Estados Unidos onde se demorou cinco meses, tendo percorrido 32 estados do país amigo, e realizado vários negócios, inclusive ter firmado conta com Melchor Guzman, representante nos Estados Unidos de grande número de estações de rádio do interior dos EUA e de todos os países da América Latina, a exceção, até aqui, de emissoras do Brasil.11 Ficaram assombrados, disse-nos Nestor, com as informações sobre o Brasil. Sem dúvida, a publicidade, apesar de ainda pouco estudada, foi um dos campos mais férteis para a penetração do panamericanismo no Brasil. Na medida em que a maioria dos periódicos dependia da publicidade para sobreviver, pois esta era uma das suas mais importantes fontes de captação de recursos, as agências conseguiram grandes espaços para anunciar os produtos, e, no caso americano em conjunto, divulgar também a integração pan-americana. Como, nesta pesquisa, analiso a publicidade de personagens e de marcas norte-americanas, a escolha da revista Seleções do Reader’s Digest, no período de maio a agosto de 1944, como fonte, se deu pelo fato de essa publicar, em suas páginas, na maioria dos casos, anúncios de marcas americanas, além do fato de ser uma revista norte-americana de grande aceitação por parte do público leitor brasileiro da época. A escolha do ano de 1944, se deu pelo fato de ser o ano anterior ao fim da guerra. Revista Seleções – Maio de 1944 49 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 A propaganda e a política de Boa Vizinhança A revista Seleções do Reader’s Digest era uma das mais lidas no Brasil nos anos 40 e sua publicidade chamava a atenção de seus leitores, como mostra este artigo publicado na revista Publicidade e Negócios: Duas vezes “Seleções do Reader’s Digest” realizou concursos populares no Brasil, nos quais pedia que os leitores dissessem “por que gostavam de Seleções”. Mais de 120.000 respostas foram recebidas nos dois concursos. As razões dadas por esses milhares de leitores confirmavam, acima de tudo, a escolha feliz da leitura que lhes era oferecida sinceramente falando. “Seleções esperava por essas respostas. Mas houve uma surpresa: entre as razões estavam uma inesperada … Sim, milhares e milhares de leitores diziam gostar também de ‘Seleções’ pelos anúncios que apresentava, pois um anúncio pode prender a atenção dos leitores. É essa, mesmo a sua finalidade. Mas os anúncios, de modo geral, já é mais raro”. Entretanto, milhares de leitores assinalaram este fato, fizeram essa afirmação: “… E gosto também de seus anúncios, bem feitos e bem apresentados” dizia um leitor entre muitos. Por quê? Seguramente pelo interesse incontido do que “Seleções” desperta em seus leitores, levando-os a ler a revista do princípio ao fim, inclusive os anúncios. E certamente pelas classes dos anunciantes de “ Seleções” que não poupam esforços para apresentar anúncios realmente bem feitos e eficientes, capazes de agradar e convencer. Como se explica, porém, a alta categoria dos anúncios de “Seleções”? Porque os anunciantes sabem, por experiência própria ou alheia, que “Seleções” é realmente um veículo da mais alta eficiência. Prova isso o fato de que as páginas reservadas para anúncios 50 nos números de outubro, novembro e dezembro de “Seleções” estão todos tomados. Os anunciantes sabem que vale a pena capitalizar os 346 mil exemplares12 de “Seleções”, lidos por milhões de pessoas, exempla-res que prolongam por semanas nas mãos do leitor e que vivem anos e anos em coleções regularmente manuseadas. Consulte qualquer anunciante de “Seleções” e ouvirá novas e talvez mais convincentes razões para utilizar a força de vendas da revista de maior circulação líquida no Brasil.1 [grifo meu] A variedade de produtos era uma característica marcante de seus anúncios. Em suas páginas estavam sempre presentes anúncios de: automóveis, cosméticos, produtos industriais, bebidas etc. como demonstra o quadro feito a partir das imagens veiculadas na revista Seleções do Reader’s Digest de maio a agosto de 1944. Analisando o quadro, percebemos que durante os quatro meses da revista selecionados para estudo, os setores que mais anunciaram foram: o industrial com o percentual de 41% dos anúncios, o de transporte com 21,9% e o de produtos para o lar, juntamente com os cosméticos, com 9,5%. Em relação ao índice de anúncios que se associam de alguma forma à guerra, encontramos, num total de 178 anúncios, um total de 106, ou seja, 59,6%. Dentre estes, Ramo de Atividade Indústria Transporte Produtos para o lar Cosmético/Produtos femininos Produtos para escritório Alimento Bebidas Medicina Cinema Totais Totais em % Re v a ist Se leç õ – es Ma i e od os ramos de atividades que mais fizeram menção à guerra foram: o de transporte, com 92,3%, o de produtos para o lar, com 82,3%, e o industrial, com 67,1%. No que tange a presença do símbolo da união pan-americana e da aliança na guerra, o setor de bebidas foi o que teve a maior percentagem dos seus anúncios com o símbolo. Num total de sete anúncios seis o traziam, ou seja, um percentual de 85,7%, seguido pelo setor de produtos para o lar com 35,3% e os de produtos para escritório com 22,2%. Total Associam-se de Anúncios a Guerra1 73 49 39 36 17 14 17 0 9 5 7 0 7 1 6 0 3 1 178 106 100 59,6 Obs.: Dois Anúncios da Esso fazem propaganda do "Repórter Esso". Um Anúncio da RCA faz menção ao correspondente estrangeiro RCA de rádio 1 Anúncios que mencionam a guerra. 2 Anúncios que trazem o símbolo da união pan-americana e da aliança na guerra Incluem o Símbolo2 13 2 6 0 2 1 6 1 0 31 17,4 19 44 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Os anúncios publicitários utiliza-vam uma linguagem simples e muitas ilustrações. Em seus textos, em muitos casos, falavam dos esforços que a indústria estava fazendo devido a guerra e salientavam a importância de a sociedade também colaborar na luta pela liberdade e pela democracia. Os anúncios, portanto, associavam os produtos aos ideais do pan-americanis-mo. No caso da Esso e da RCA, patrocinadoras de programas de rádio, aproveitavam o seu espaço publicitário também para divulgá4 94 los. e1 d lho O discurso do pan-americanisJu – es mo – que é um marco nas publicidades õ ç ele dos anos 40 –, ao penetrar nos anúncios, S ta vis auxiliou na expansão dos hábitos de e R consumo de massa e da cultura norteamericana no Brasil e no resto da Desse modo, fica claro que apesar América Latina. Desse modo, a do conflito, e do fato de muitas indústrias propaganda foi um veículo vital para terem voltado sua produção para o que a penetração cultural fosse esforço de guerra, as grandes empresas encoberta ou vista como necessária a investiram maciçamente em qualquer país que deseja tornar-se propaganda, seja para que suas marcas moderno. O próprio Office of the não fossem esquecidas, para criar Coordinator of Inter-American Affairs demanda de consumo no mercado incentivava as indústrias e empresas do brasileiro do pós guerra, ou ainda para setor privado norte-americano a fomentar os laços da aliança pandivulgar seus produtos nos periódicos americana. Tal aliança solidificada no da América Latina. período da guerra seria extremamente Apesar de, em 1943, a produção de importante para os planos de expansão bens de consumo estar passan-do por um da indústria norte-americana no Brasil, período de retração devido às intem-péries quando o conflito findasse. da guerra, o volume de anúncios não Num período de incertezas, fomentavam parava de crescer. Afinal, a publicidade o sonho dos segmentos da classe média tinha um papel maior do que apenas urbana com as novidades industriais, que, promover a demanda de novos produtos em muitos casos, só estariam disponíveis no no mercado brasileiro. Para o Office of Brasil com o fim da Guerra. the Coordinator of Inter-American Affairs A receptividade a essa campanha foi grande[...] em 1943 um total de 210 [...] o projeto de anúncios em firmas comprometeu-se gastar um jornais e revistas é “parte de um total de 11 milhões e oitocentos mil esforço amplo de bom vizinho para dólares em anúncios no Brasil. (Os promover a ajuda entre as Américas”. mais dispostos a gastar eram a O projeto se casava bem com as noções Sterling Products, a Standard Oil, a de “esforço de guerra” de todo o Coca Cola e a RCA Victor.) 14 continente: os anúncios explicavam as razões da escassez naquele momento e a necessidade de sacrifícios imediatos (no consumo) de modo a garantir a abundância do futuro(pós guerra).15 Para exemplificar esses anúncios publicitários, analisei quinze entre os divulgados na revista Seleções do Reader’s Digest de maio a agosto de 1944. Os três primeiros anúncios são da indústria de bebidas Coca-Cola Refrescos S.A. Uma das marcas que mais se popularizou, no Brasil e nos demais países da América Latina, mudando os hábitos de consumo, foi a Coca-Cola. Cliente de uma das maiores agências de publicidade do mundo: a McCann–Erickson, a bebida com gosto de remédio, tornou-se um convite universal para todos os povos, “Beba Coca-Cola” era o slogan que conquistou brasileiros, venezuelanos, colombianos, chilenos, ou seja, os latinos que passaram a saborear aquele refrigerante. No Brasil a Coca-Cola, chegou em 1942, e foi oferecida a um Ministro de Estado brasileiro juntamente com uma carta que dizia: “Em comemoração ao lançamento do famoso produto Pan Americano “Coca-Cola, Coca-Cola Refrescos S.A tem a súbida honra de oferecer a V. Excia, uma caixa do seu refrigerante. (...) esperamos que o mesmo constitua um elo de fraternidade entre as Américas”.16 A marca buscava, assim, associarse à colaboração hemisférica entre Brasil e os Estados Unidos. No entanto, até mesmo uma grande empresa como a Coca-Cola enfrentou resistências e investiu maciçamente em propaganda para solidificar-se como um produto agradável, como demonstra uma nota publicada na revista Publicidade. Coca-Cola é uma indústria corajosa: (...) essa firma encerrou suas atividades em 1943 com um déficit superior de 3 milhões e meio de cruzeiros. Desde que se instalou no Brasil, a Coca-Cola vem desenvolvendo uma 51 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 campanha sistemática. Boa parte do seu capital é assim investido em publicidade. À 1a vista, o resultado financeiro, neste seu 2.o ano de permanência no Brasil, pode parecer assustador. Tal não acontece, porém. O plano da Coca-Cola abrange um período longo de tempo de emprego de capital para só então passar do equilíbrio financeiro ao lucro. (...) É bastante louvável, portanto, a sua persistência e largueza de vistas, procurando vencer as resistências do mercado com os mais modernos métodos de propaganda mas sem procurar 'forçálos' (...). É que a Coca-Cola, menos imediatista, acredita na parábola que ensina a lavrar e preparar o terreno, antes de plantá-lo. (...)17 Sendo uma marca importante dentro do mercado norte-americano, a CocaCola buscou ressaltar em sua publicidade sua fama mundial, como estímulo para o seu consumo. Em seu próprio símbolo comercial, o grande círculo vermelho, trazia o mapa do continente americano e o slogan “unidas hoje unidas sempre”. Dessa forma vendia o produto e passava a mensagem da aliança pan-americana. Nos anúncios selecionados, buscavase ressaltar as qualidades dos países em conjunto com a do refrigerante. Como no caso do que tem como tema o Chile, ou mostrando como se tornou um hábito entre a população, na publicidade inspirada na Colômbia. Na publicidade que tem como tema a Venezuela, é ressaltada a singularidade e a popularidade universal da Coca-Cola. Entretanto, em tempos de guerra, o que mais as grandes marcas ilustraram em seus anúncios eram as dificuldades que o esforço bélico impunha às suas produções. As grandes indústrias buscavam informar, em sua publicidade, os motivos de não poderem atender a suas demandas no momento. No período da guerra, as indústrias continuam anunciando, mesmo que não estejam em condições de fornecer o que divulgam. O objetivo era fazer com que as marcas não fossem esquecidas pelo público. Os anunciantes – ao demonstrarem que também colaboravam para a vitória da liberdade – ganhavam a simpatia do público, como no caso da publicidade 52 “Sem dúvida, a publicidade, apesar de ainda pouco estudada, foi um dos campos mais férteis para a penetração do panamericanismo no da Esso, que diz que “a organização se orgulha de sua contribuição”. A interligação com a ideologia pan-americana podia ser exposta de forma explícita, como nos anúncios da Rádio Zenith, que traziam um símbolo onde se lê “união vitória e liberdade”. Ou implícita, demonstrando aos seus consumidores que a imprensa tem o mesmo ideal que seus clientes, como afirma o anúncio da Kodak, “por nossos ideais comuns de Liberdade”. A Kodak agradece a “Uma das marcas que mais se popularizou, no Brasil e nos demais países da América Latina, mudando os hábitos de consumo, foi a Coca-Cola.” paciência e cooperação dos clientes, na falta de seu produto, e afirma que isso foi essencial para que pudesse enfrentar com êxito “o que podia ter sido uma situação perigosa para todos”. Essa interligação entre a marca e o cliente criava uma relação de confiança. Afirmando que se, hoje, os filmes da Kodak eram vitais para os que lutam pela liberdade, no pós-guerra estariam disponíveis para todos. Já no anúncio da Parker, a caneta era apresentada ao lado de munições bélicas, e o slogan afirmava que esta “nunca foi tão preciosa como hoje”. A ansiedade era grande, afinal os leitores das revistas e jornais tinham – entre uma página e outra de Re vis t e aS leç õe A s– go st e od 19 44 notícias – muitos anúncios prometendo uma verdadeira transformação na sua vida diária, pelos novos produtos que as empresas americanas afirmavam que chegariam ao Brasil, assim que o conflito cessasse. Os anúncios da Philco, Norge, Westinghouse e Easy tinham em comum a divulgação de novidades industriais e a preocupação Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Revista Seleções – Junho de 1944 dessas empresas na expansão de mercado pós-guerra. No anúncio da Philco são ilustrados dois globos terrestres: um representando os dias de hoje e a guerra, com o mapa da Europa sendo cortado por uma espada, e outro representando o amanhã, com o mapa do continente americano, de que brota um ramo que simbolizava um porvir de nova vida. O anúncio salientava que a pesquisa de guerra proporcio-naria um amanhã de “novos prazeres para V.S e seu lar... em rádio, fonografia, televisão, refrigeração e ar condicionado”. Novidades que simbolizavam a modernidade da sociedade americana, mas que estavam ainda distantes da realidade dos países da América Latina, como o Brasil. A Norge, contudo, afirmava: “vale bem a pena esperá-las!” Ao mesmo tempo, a Easy Washing prometia facilitar a vida das donas de casa, não esquecendo de fomentar a cooperação entre as Américas, ao estampar um símbolo no canto direito do seu anúncio que afirma: “as Américas unidas, unidas vencerão”. Já a Westinghouse, em sua ilustração, demonstrava seu estabilizador de canhão construído para auxiliar os exércitos aliados, garantindo que o mundo de paz usaria os novos usos da virão revolucionar os aviões comerciais eletrônica, descobertos durante de após-guerra”. a guerra, para aperfeiçoar seus O paradigma norte-americano aparelhos para consumo encantava as camadas médias urbanas, e doméstico. a publicidade voltava seus esforços para Uma das imagens mais satisfazê-la. Num artigo da revista utilizadas na publicidade era o Publicidade, o periódico O Radical núcleo familiar. A imagem da chamava atenção de seus anunciantes para família idealizada pela propao potencial de compra e fidelidade deste ganda pode ser bem percebida segmento social. no anúncio da Kellogg’s Corn A análise do material publicitário e dos Flakes, onde uma família, com artigos dos anuários deixa claro que a traços nitidamente nortepenetração cultural norte-americana no americanos, saboreia sorridenBrasil e a busca por novos mercados pelas temente corn flakes. Este empresas norte-americanas, durante os alimento, ligado aos hábitos anos da Segunda Guerra, foram projetos alimentares dos norte-americaque se alicerçaram numa aliança entre os nos, buscava inserir-se na objetivos da política internacional do alimentação das famílias governo americano, de consolidar uma brasileiras. O produto, como supremacia continental, e os interesses afirma em seu anúncio, seria econômicos privados, que passam através capaz de provocar sorrisos e da publicidade, a divulgar anúncios que também combateria o cansaço, tenham estampados tanto os ideais pandando energia. americanos, quanto a necessidade de Até mesmo o imaginário consumo de novos produtos. infantil passaria por transforA publicidade comercial, além de mações, como exemplifica o anúncio do promover uma transformação dos suplemento infantil O Guri, onde as hábitos de consumo no Brasil, e no resto personagens infantis nacionais passaram da América Latina, contribui para a concorrer com seus similares nortesolidificar uma imagem favorável dos americanos, como Capitão América, Mary Marvel etc. O futuro era idealizado na propaganda como um belo filme de Hollywood. Assim, os rádios da GE prometiam para após a guerra a melhoria da transmissão radiofônica com a chegada dos receptores FM, que dariam “cor e vida à música [...] sendo o instrumento musical mais fino que jamais se conheceu”. Já a companhia de aviação Aircraft Northrop, que durante a guerra se dedicava a fabricar aviões mortíferos, salienta a seus clientes que ao cessar o conflito seria possível, até para pessoas de posses moderadas, viajar em aviões a custo que ficaria a seu alcance. Uma vez que “as pesquisas e aperfeiçoamentos do tempo de guerra nos EUA Revista Seleções – Maio de 1944 53 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Re eleçõe vista S 1944 ho de s – Jun Estados Unidos, visto como um país amigo e um exemplo de democracia e modernidade a ser seguido. O contexto Revista Seleções – Agosto de 1944 54 do pós-guerra, com as favoráveis relações diplomáticas estabelecidas entre o Brasil e os Estados Unidos, a consolidação crescente do American way of life, além do crescimento do consumo de massa, são evidências de que o projeto norte-americano teve o êxito desejado. O estudo dessa publicidade da década de 40 mostrou-se uma fonte pertinente para problematizar algumas questões referentes à política de Boa Vizinhança norte-americana para a América Latina, sobretudo para o Brasil, que sem dúvida – como demonstram os artigos dos anuários e as imagens publicitárias – teve um papel vital na consolidação do projeto de hegemonia continental encampado pelos americanos. Através dos artigos e da publicidade estampados nas revistas ilustradas, em especial a revista Seleções, instrumento deste estudo, é possível conhecer melhor as alterações dos hábitos de comportamento, consumo e sociabilidade, sofridas pela classe média urbana brasileira, com a chegada do paradigma de vida norteamericano, além da influência americana na profissionalização do mercado publicitário brasileiro. Fato que facilitou a instalação das grandes agências de propaganda americana no país e a criação de demanda de consumo para os produtos americanos, ao mesmo tempo em que promovia a divulgação direta ou indireta da ideologia do pan-americanismo. Assim sendo, para compreender uma sociedade como a brasileira, que começava a se industrializar e urbanizar, acredito que o estudo das fontes visuais, como a imagem publicitária, torna-se imprescindível, na medida em que a expansão do consumo no país caminhou ao lado da proliferação de imagens a ele associadas. Afinal, a cultura dos principais centros urbanos no Brasil passou a se espelhar nas Revista Cruzeiro – Dezembro de 1944 imagens publicitárias veiculadas pelas grandes marcas norte-americanas. A propaganda comercial converteu cidadania e democracia em poder de compra, ao associar a ideologia pan-americanista aos seus anúncios publicitários. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi demonstrar que a propaganda comercial foi fundamental para edificar no Brasil uma imagem cordial e amigável dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Além disso, foi uma ponte de aliança entre os Revista Seleções – Agosto de 1944 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 interesses do setor privado e do governo norte-americano, que respectivamente buscavam novos mercados de consumo e estabelecer uma supremacia econômica e político-cultural no Brasil. Desse modo, ao se estudar o setor publicitário e as imagens por ele veiculadas nos anos 40, vislumbram-se novas técnicas exploradas pela política pan-americana, para a consolidação do American way of life, como modelo de modernidade, progresso, e democracia, para países como o Brasil. E salienta-se a relevância da propaganda como fonte para estudos que buscam compreender as transformações ocorridas na sociedade. “O futuro era idealizado na propaganda como um belo filme de Hollywood.” Rev is el ta S eçõ es – o Mai de 1 944 Notas 1 ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1985, vol. 6 (1930-1945 – A Era de Vargas 2ª parte), p. 96. Ver JUNQUEIRA, Mary. “A visão da América Latina na Revista Seleções do Reader’s Digest”. In.: TORRES, Sônia (org). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em Estudos Americanos. Ed. 7 Letras, 2001. pp. 126-135. 3 Revista Publicidade, n.º 1, setembro de 1940, p. 28. 4 Ibidem. 5 Ibidem. 6 Revista Publicidade, n.º 1, setembro de 1940, p. 07. 7 Ibidem, p. 22. 8 Revista Publicidade e Negócios. Janeiro de 1947, pp. 20-21. 9 Ibidem, pp. 30-31. 10 Revista Publicidade e Negócios. Abril de 1947, p. 24. 11 Ibidem, p. 38. 12 Brasil (294.806), Portugal (42.000), Colônias Portuguesas (7.500) e outros países (2.000). Dados precisos sobre a circulação líquida total e sua distribuição geográfica estão à disposição das agências e dos anunciantes. 13 Revista Publicidade e Negócios. Julho e Novembro de 1950. p. 03. 14 MOURA, Gerson. O Tio San Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988. p. 69. 15 Ibidem. 16 Ibidem, p.72. 17 Revista Publicidade Abril 2 Referências bibliográficas BRANCO, Renato C., Martensen, Rodolfo L., Reis, Fernando (coord.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T.A Queiroz, 1999. MAUAD, Ana Maria. A América é aqui: um Estudo sobre a influência cultural norte-americana no cotidiano brasileiro, In.: Torres, Sônia (Org). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em Estudos Americanos. Ed. 7 Letras, 2001. MOURA, Gerson. O Tio Sam Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1988. _______________ Sucessos e Ilusões – Relações Internacionais do Brasil Durante e Após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991. VESTERGARD, Torben. A Linguagem da Propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1994. • Érica Gomes Daniel – Bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professora de História da rede particular de ensino. 55 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 56 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 O modelo de farmácia no ensino de 1 E-business Luís Gonzaga Trabasso 57 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 1. O desafio: ensinar e-business Atualmente, a transição de um modelo de negócios tradicional para um modelo e-business tem merecido profundas reflexões por parte dos empresários. Dirigentes empresariais em toda parte estão sob pressão: há muitas formas para a execução dessa transição, uma vez decida pela transição, o que, em si, é uma decisão difícil de ser tomada. Quais são os modelos de negócios, estratégias e táticas de gerenciamento que irão fazer de suas empresas casos de sucesso? Essas são questões que certamente têm incomodado os empresários provocando, conseqüentemente, dores de cabeça, de estômago, apenas para lembrar as mais freqüentes. Alguém poderia pensar: há algum tipo de “remédio” ou “tratamento” que poderia ser receitado para esses empresários? A partir desse insight metafórico foi criada uma proposta pedagógica para o curso de E-business, cuja estrutura, recursos didáticos e ferramentas de avaliação são apresentados neste trabalho. Na primeira aula do curso, os principais aplicativos de E-business, tais como CRM – Customer Relationship Management –, ERP – Enterprise Resource Planning – e SCM – Supply Chain Management – são apresentados aos alunos como “remédios” a serem “ingeridos” pelas empresas como parte do tratamento para que elas se tornem ebusiness. Cada “remédio” é apresentado aos alunos em um frasco com rótulo que os faz lembrar de remédios que podem ser comprados em farmácias espalhadas pela cidade. A Figura 1 apresenta a visão geral dos “remédios” do curso de Ebusiness. Figura 1: Aplicativos de E-business apresentados como “remédios” Vários desdobramentos podem ser vislumbrados a partir desse cenário de farmácia: pense no remédio CRM. Qual é a dosagem correta? Há efeitos colaterais previstos? Há reações adversas se tomado com outros “remédios”? Quais são as advertências que o paciente deve conhecer? Quais são os “laboratórios” certificados de CRM? Quanto custa um “frasco de CRM?” À medida que o curso de E-business avança, as respostas a essas perguntas são elaboradas através da literatura, estudos de caso, experiências profissionais do professor e dos alunos, bem como através de “visitas” de representantes dos “laboratórios” de alguns aplicativos de E-business. Ao longo do curso, é solicitada dos alunos, como trabalho complementar, a elaboração de “bulas” de todos os “remédios” apresentados no curso. As “bulas” contêm as informações que um paciente usualmente encontra em remé- dios comuns, adaptadas ao ambiente de E-business. A Figura 2 mostra a “bula” e o frasco do “remédio” SCM – Supply Chain Management. As bulas geram material complementar do curso, ampliando o conjunto de informações sobre os aplicativos ebusiness e são usadas como parte da nota de produto do curso. A maior parcela dessa nota provém, no entanto, do projeto de um e-business, que é o trabalho final do curso. No trabalho final, os alunos apresentam a proposta de uma cadeia de valor de um negócio, salientando a contribuição de cada um dos “remédios” por eles escolhidos. É importante salientar que o “modelo de farmácia” leva os alunos também a praticar exercícios de estratégia de forma natural. Escolher qual “remédio” deve ser receitado para uma determinada “patologia” é um exercício de estratégia em sua essência. Figura 2: Bula e frasco do “remédio” SCM 58 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 2. O modelo de farmácia em funcionamento – passo a passo Quando alguém não está se sentindo bem, usualmente consulta um médico. O médico irá fazer uma série de perguntas, medir a pressão sangüínea, a temperatura corporal antes de receitar qualquer remédio, se ele achar que são necessários. Essa fase é a diagnóstica. 2.1 Fase Diagnóstica O modelo de farmácia para o ensino de e-business também possui a fase diagnóstica. O empresário de um potencial e-business tem que saber identificar as tendências sociais, econômicas e técnicas que emergem do mercado, necessárias para o desenho do negócio. Que sinais emergem do mercado? Qual a sua “temperatura” ou “pressão arterial?” Em vez de apontar um único dedo para as tendências de e-business, os alunos são convidados a colocar mão cheia sobre elas. É o modelo “mão do médico”, mostrada na Figura 3. problema causa solução ícone exemplos impactos sobre e-business Hoje em dia, milhões de pessoas não procuram pelas chaves do carro para sair e comprar itens de informática e som, presentes e alimentos. Eles procuram as teclas do teclado de seus computadores. Figura 3: Diagnose do Mercado através do modelo “Mão do Médico” Indubitavelmente, self service é uma tendência que os empresários não podem ignorar. A “Mão do Médico” colocada sobre essa tendência resulta: Problema – restrições de tempo e burocracia Causa – infra-estrutura inadequada e controle excessivo Solução – Self-service Exemplo – Internet banking e evendas Impacto sobre e-business – processos de suporte ao cliente mais enxutos. Os alunos são solicitados a analisar uma série de casos reais através do modelo “A mão do Médico”, para aprender a auscultar os sinais do mercado. 2.2 Fase de Aprendizado Na analogia de modelos e-business – farmácia, a fase subseqüente à diagnóstica é a fase de prescrição do tra- 59 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 tamento. Quais remédios ou tratamentos são os mais adequados para a doença detectada? Naturalmente, o médico deve estar ciente das indicações, contra-indicações e dosagem de cada um dos remédios que ele irá prescrever. Para tanto, os alunos – médicos – iniciam uma etapa de aprendizado sobre cada um dos “remédios” – aplicativos de e-business. A partir de vários modelos de e-business da literatura [Kalakotta, 2000; Turban 2000], experiências de mercado e estudos de caso, um conjunto de seis “remédios” foi escolhido. São eles: Interação com “Remédios” Informação ao paciente o utros remédios Precauções CRM Necessário para tratar clientes diferentes, diferentemente. SeCM, ERP e DSS Usar CRM somente com clientes de maior valor. SeCM Permite usar mais tempo para entender as reais necessidades do cliente. CRM e ERP Somente tecnologia (ex. configuradores de produtos) não garante resultados esperados. ERP É a espinha dorsal do e-business. Use-o antes de qualquer outro remédio. CRM, SeCM, SCM, ORM e DSS Expõe o dilema gerencial: colocar ERP na empresa ou viceversa? SCM Necessário para substituir estoques por informação. ERP e SeCM Defina métricas para avaliar o desempenho da cadeia de fornecimento. ORM Necessário para reduzir custos do ciclo de compras de materiais não produtivos. ERP, DSS E-procurement não dispensa compradores profissionais. DSS Necessário para transformar dados em informação estratégica. CRM, SeCM e ERP Tenha uma infraestrutura adequada de TI para armazenamento de dados. • CRM – Customer Relationship Management • SeCM – Selling Chain Management • ERP – Enterprise Resource Management • SCM – Supply Chain Management • ORM – Operating Resource Management (e-procurement) • DSS – Decision Support Systems O estudo de cada um dos aplicativos de e-business é feito através da forma tradicional de um curso MBA: apresentação da base conceitual seguida por discussões e estudos de caso. Particularmente para três “remédios” do conjunto – CRM, ERP e SCM –, são convidados palestrantes de empresas relacionadas ao tema, que podem ser: desenvolvedores, implementadores ou usuários do aplicativo. As palestras apresentadas em sala de aula têm proporcionado discussões esclarecedoras entre os alunos e os “representantes de laboratório” e têm contribuído para esclarecer vários aspectos sobre o uso dos aplicativos. Após a conclusão do estudo de cada aplicativo, os alunos têm as informações necessárias para compor as bulas de cada um dos remédios. A Tabela 1 apresenta algumas das contribuições feitas pelos alunos, resultante da prática d escrever “bulas”. 60 Tabela 1:Seções das “bulas de remédios”. Um outro recurso didático é usado nessa fase. Ele é formado por um conjunto de acrônimos ou princípios funcionais (“princípios ativos”) associados com os aplicativos de e-business, escritos em tiras de papel e colocados dentro dos frascos de “remédios”. Por exemplo, no frasco CRM [Peppers and Rogers, 1999] são colocados os seguintes princípios ativos: CTI – Computer Telephone Integration –, VRU – Voice Response Unit, Cross-Sell e Up-Sell. Ver Figura 4. Figura 4: Princípios ativos do “remédio CRM” Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 3. Avaliação do “Modelo de Farmácia” No final da aula de CRM, alguns alunos retiram essas tiras de papel do frasco CRM. Até a aula seguinte, eles irão pesquisar sobre o princípio ativo, levantando informações conceituais, casos de aplicação e exemplos. No início da aula seguinte à de CRM, os alunos são convidados a apresentar para a classe os resultados de suas pesquisas. Esse tem se mostrado um método eficiente de revisão de conteúdo e que, ao mesmo tempo, incentiva a participação dos alunos. É muito importante para os alunos, ter um retorno regular a respeito de seus trabalhos. Isso é feito através do método “semáforo2 ”, enviado semanalmente aos alunos via e-mail. Ver Figura 5. Nos trabalhos entregues, o professor escreve comentários, correções e sugestões de leituras complementares. 2.3 Fase de Prescrição Uma vez que os alunos têm o conhecimento da “doença do paciente”, bem como dos remédios potenciais que podem ser prescritos, eles são agora considerados capazes de fazer a prescrição. Essa fase pode ser pensada como um exercício de estratégia, que nunca deve ficar à margem de qualquer e-business [Porter, 2001], desde que a atividade principal dessa fase é escolher o coquetel ideal de remédios, adequado para um negócio específico. Aos alunos é dada a tarefa de desenhar a cadeia de valor de um e-business (real ou não), que mostra em detalhes a contribuição de cada “remédio” ou aplicativo para aumentar ou evidenciar a proposta de valor do negócio proposto. A ESPM possui um instrumento de avaliação de curso (pesquisa de opinião) bastante detalhado. Este formulário, preenchido pelos alunos no final dos cursos, é composto de três seções: (a) Resultados obtidos no curso (b) Contribuição do aluno para o resultado do curso e (c) Contribuição do professor para o resultado do curso. Algumas das questões propostas avaliam especificamente o processo de aprendizado. Exemplos dessas questões são: 1. A seqüência de aulas proporcionou um encadeamento adequado para facilitar o seu aprendizado? 2. Você teve feedback do professor quanto ao seu aproveitamento através de comentários sobre o resultado de provas, trabalhos, etc.? 3. Você participou efetivamente de todas as atividades propostas em sala ou fora dela? 4. O professor abordou os temas de forma a facilitar seu aprendizado? Status dos Exercícios Exercício Alexander Neide Patrícia Legenda 25/Fev 1 2 04/Mar 3 Entregou no prazo Entregou atrasado Não entregou Figura 5: Semáforo de acompanhamento de Exercícios 61 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Os alunos preenchem a pesquisa de opinião de acordo com a escala de avaliação de 1(mínimo) – 4(máximo). Em um período de 2 anos, o curso de Ebusiness foi oferecido quatro vezes, com um total de 92 alunos. As avaliações das questões 1 - 4 são mostradas na Figura 6. 100% – 4. Conclusões 20% – Foi apresentada uma proposta pedagógica inovadora para ensino e aprendizado do curso de E-business. Ela atende adequadamente ao desafio inerente ao ensino do conteúdo do curso, uma vez que ao longo do curso 0% – Grade 4 80% – Grade 3 60% – Grade 2 Grade 1 40% – Figura 6: Avaliação do Curso de E-business feita pelos alunos os alunos trabalham com conceitos do dia-a-dia, adaptados para o ambiente de e-business. O modelo de farmácia para o ensino de e-business tem sido usado com sucesso nos últimos 2 anos. Referências Bibliográficas KALAKOTA, R. and Robinson, M. E-business 2.0– Roadmap for Success, Addison-Wesley, 2000, ISBN: 0-201-721651. PEPPERS, D. ,Rogers, M.and Dorf, B. Is your Company Ready for One-to-One Marketing?, Harvard Business Review, Jan/Feb 1999 , p. 3-12. PORTER, M.E. Strategy and Internet Harvard Business Review, March 2001, p. 63-78. TURBAN, E. et al. Electronic Commerce – A Managerial Perspective, Prentice Hall, 2000, ISBN 0-13-975285-4. Notas 1 Título original: “A drugstore model for teaching E-business”, apresentado na 8th International Conference on Concurrent Enterprising. – ICE2002 - 17 –19 June , Rome – Italy. ISBN 0-85358-113-4. p. 461-466. 2 Você deve estar se perguntando: qual a relação entre “semáforo” e “farmácia”? Ora, esse é o semáforo defronte à farmácia. Agradecimentos Este trabalho é fruto de uma interação medicamentosa positiva entre a ESPM e o ITA. À ESPM, por ter viabilizado a apresentação do trabalho na 8th International Conference on Concurrent Enterprising Luís Gonzaga Trabasso – Professor da Pós-Graduação da ESPM e Professor Adjunto do ITA. 62 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 • Aline Ricomini • Flávia Preuss Siqueira 63 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Seguindo um modelo clássico de análise setorial, as autoras propõem medidas que podem aumentar a competitividade das padarias brasileiras. 1. Introdução As dificuldades enfrentadas pelos pequenos varejistas são um fato amplamente divulgado e conhecido. Atualmente, há uma tendência de os grandes varejistas fazerem aquisições e fusões entre si, aumentando ainda mais seu poder de barganha perante os fornecedores e gerando uma dificuldade de continuidade para os pequenos varejistas. Estes últimos, por sua vez, não possuem poder na hora da compra perante seus fornecedores, já que esta é realizada em pequenas quantidades. Isso gera uma situação inviável na competição estratégica de preços baixos para esses pequenos esta- 64 belecimentos, tendo possibilidade de crescimento somente quando identificam nichos específicos. Ao notarmos essa tendência, identificamos uma oportunidade de negócio: ofertar uma consultoria especializada no setor de panificadoras ofertando serviços nas áreas de Marketing, Recursos Humanos, Finanças e Logística. Porém, será que esse setor estaria receptivo a essa oferta? É a esta pergunta que desejamos responder através de uma análise do setor de panificação. O presente trabalho está subdividido em cinco tópicos. Este introdutório, que expõe o problema de pesquisa. O segundo tópico nos traz uma breve revisão teórica sobre consultoria e pequeno varejo assim como nos posiciona sobre o mercado de panificação. O tópico 3 descreve a metodologia adotada para a realização deste trabalho, enquanto o tópico 4 se dedica aos resultados obtidos na pesquisa de campo. Por fim, o quinto tópico trata das conclusões e das considerações finais, sendo seguido pela bibliografia utilizada para embasar este estudo. 2. Revisão Teórica 2.1 Consultoria Consultoria empresarial tem como definição ser “um processo interativo de um agente de mudanças externo à empresa, o qual assume a responsabilidade de auxiliar os executivos e profissionais da referida empresa nas tomadas de decisões, não tendo, entretanto, o controle direto da situação” (OLIVEIRA, 1996:21). A pessoa ou empresa que deseja prestar consultoria deve interagir, isto é, receber e fornecer informações à empresa-cliente que a ajudem em suas decisões empresariais (sejam elas estratégicas, operacionais ou mercadológicas, por exemplo), sem, portanto, realmente Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 executá-las. Além disso, uma consultoria deve ter bem clara sua definição no que se refere a estrutura e amplitude. A estrutura de uma consultoria pode ser dividida em pacote ou artesanal. Uma consultoria empresarial do tipo pacote é aquela em que há uma transferência de fortes estruturas de metodologias e de técnicas administrativas, sem se preocupar com a adequação da realidade atual da empresa-cliente. Já uma consultoria do tipo artesanal é aquela que procura atender às necessidades do cliente através de projetos específicos. Seria esta a proposta deste estudo. Isso não a impede, porém, de utilizar o know-how já adquirido em outros trabalhos. Com relação à amplitude, uma consultoria pode ser especializada, isto é, atuar em poucos assuntos; ou global-integrada, ou seja, atuar de forma interativa em todas as atividades do cliente. A consultoria proposta neste trabalho seria a do tipo artesanal especializada, uma vez que visa atender de forma especializada as panificadoras, ofertando propostas nas áreas de marketing, RH, finan- ças e logística. 2.2 Pequeno Varejo e Panificadoras Segundo o Instituto ACNielsen do Brasil Ltda., Censo 2000, o Pequeno Varejo abrange estabelecimentos que podem ser divididos em lojas tradicionais, onde é necessária a presença de vendedor/balconista e auto-serviço, cujos produtos estão dispostos de maneira acessível, permitindo aos fregueses se “auto-servirem”. Dentro da divisão auto-serviço enquadram-se, no pequeno varejo, as lojas que possuem até 9 check outs (balcão na saída da loja, com caixa registradora ou qualquer outro equipamento que permita a soma e conferência das compras). Acima de 10 check outs, os estabelecimentos são considerados médio varejo e/ou lojas Key Account, normalmente grandes redes. O volume de Vendas do Pequeno Varejo, segundo esse Instituto, representa 57% do total Brasil, com 325.300 estabelecimentos, sendo que na Grande São Paulo estes representam 26%, com um total de 21.300 estabelecimentos. O Instituito ACNielsen do Brasil não considera as informações da Região Norte. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação – ABIP, há atualmente quatro tipos de panificadoras. São eles: Padaria tipo Boutique: Localizadas em regiões com alto poder aquisitivo, oferecendo produtos próprios e importados. Sua quantidade não é representativa; Padaria de Serviço: Localizadas em regiões centrais e ruas com grande circulação e concentração de lojas comerciais ou escritórios. Além dos produtos de padaria, confeitaria e rotisserie, oferecem serviços de bar, lanchonete, fast-food etc; Padarias de Conveniência: Localizadas em bairros residenciais. Além dos produtos próprios: padaria, confeitaria, rotisserie e serviços de bar e lanchonete, oferecem uma gama de produtos de conveniência, chegando algumas a oferecer cerca de 3.000 itens; Pontos Quentes: Uma tendência européia em que a padaria abre uma filial, envia alguns tipos de pães já embalados e outros tipos de pães congelados (ou resfriados) para assar no local. Não há necessidade de grandes espaços, pois não há setor de produção, o estoque é de reposto diariamente pela matriz, utilizando menor número de mãode-obra. Segundo pesquisa realizada pela ABIP, uma panificadora possui cerca de 350 m2. Trabalham, em média, cerca de 12 pessoas, sendo 10 empregados. Normalmente, seu horário de funcionamento é das 6h00 às 22h00, todos os dias da semana, porém, há aquelas que permanecem abertas 24 horas todos os dias. Ainda segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação, o segmento de Panificação e Confeitaria no Brasil representa um faturamento ao redor de U$ 16 bilhões/ano, empregando como mão-de-obra direta mais de 530.000 pessoas e um número estimado de mão-de-obra indireta ao redor de 1,5 milhão. Atualmente estima-se que há 45.000 panificadoras no Brasil distribuídas pelas regiões brasileiras conforme demonstrado no gráfico 1.6. Em 1984 esse número era estimado em 32.000 panificadoras e já atingiu, em 1996, cerca de 55.000 pequenas empresas. 65 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 3. Metodologia Essa elevação na quantidade de panificadoras teve diversas influências, tais como empreendedores investindo ou mudando de ramo, desempregados, o novo conceito de “mini-padaria”, entre outros. Atualmente estima-se uma tendência de redução nesse universo na ordem de 10% nos próximos 2 anos. Porém, segundo levantamento realizado pelo Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de São Paulo – SINDIPAN, através de visita “in loco” nas panificadoras de seu cadastro em sua base territorial, ou seja, na cidade de São Paulo, foi constatado que em 1998 fecharam 305 padarias das 2.944 visitadas, representando 10,4%. Essa queda é classificada pela Associação como forma de depuração natural da economia e como influência da falta de experiência e perfil de alguns novos empresários, uma vez que para o Sindicato houve uma explosão na abertura de panificadoras, existindo em algumas regiões concentração desses estabelecimentos, às vezes com menos de 50 metros de distância. Essa queda também pode ser explicada pela mudança no perfil dos consumidores, que estão mais exigentes, a entrada de novos empresários no segmento de panificação através de influência do Sebrae, ou fabricantes de equipamentos com o conceito Mini-Padaria em um mercado livre para a concorrência direta. Outro fator que também influencia essa queda no setor, de acordo com o SINDIPAN, é a concorrência das redes de supermercados que não permitem que as panificadoras recomponham os seus custos uma vez que o preço de um pão na padaria custa, em média, R$ 0,18 e no supermercado R$0,13. Além disto, existem as padarias clandestinas (ou fundo de quintal) onde, sem nenhuma higiene, regularização, registros contábeis ou empregatícios, pagamentos de impostos e taxas, qualidade incerta e peso inferior a 50 g, produzem e vendem em carros ambulantes pacotes de pães com 20 unidades a R$ 1,00. Quadro 1 - Principais dificuldades do setor de Panificação • Faturamento e rentabilidade em declínio (preço do pão não consegue se igualar aos preços praticados pelos supermercados); • Falta de competência para enfrentar concorrência agressiva (supermercados fábricas clandestinas e vendas ambulantes e outras panificadoras); • Falta de capital de giro para investimento; • Queda no consumo nas padarias. Fonte: Sindipan (1999) 66 O estudo da viabilidade de uma consultoria para panificadoras foi desenvolvido utilizando-se a metodologia do estudo de caso. Segundo GIL (1991), o estudo de caso é caracterizado pelo “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”, o que permite o estímulo a novas descobertas. A coleta dos dados para este estudo deu-se em duas etapas. Na primeira foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, as quais possibilitaram o levantamento de dados secundários sobre o macro e microambientes, consultoria, pequeno varejo, setor de panificação e análise financeira. Já na segunda etapa desenvolvemos um questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas, totalizando 22 questões, o qual foi aplicado através de entrevistas pessoais a uma amostra de 100 proprietários de panificadoras na cidade de São Paulo. Esse questionário teve caráter exploratório cujos objetivos principais foram um maior aprofundamento sobre em que a visão dos proprietários sobre o setor em que estão inseridos e a verificação de aceitação da consul-toria proposta para eles. Conceito da INOPAN – Inovação em Panificadoras Prestadorsa de Serviços Ltda., apresentado durante as entrevistas pessoais: Uma Prestadora de Serviços para Padarias, cuja idéia principal é prestar serviços na áreas de Marketing, Recursos Humanos, Finanças ou Logística, dependendo das necessidades do estabelecimento, visando ao aumento da sua lucratividade. Na área de Marketing serão disponibilizados os serviços de: – Pesquisa de mercado para avaliar satisfação e verificar oportunidades de negócios; e – Desenvolvimento de planos de propaganda. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Quanto a Recursos Humanos, os serviços ofertados serão: – Auxílio na contratação de pessoal; – Treinamento para a padronização do atendimento; e – Definição de políticas de incentivos. Já na área de Finanças serão avaliados novos investimentos e fluxo de caixa, a fim de incrementar o potencial lucrativo, priorizar esforços e reduzir custos. E no que se refere à Logística avaliará fornecedores, a fim de padronizar o contato e verificar oportunidades de redução de custos junto a eles. 4. Resultados Através dos questionários aplicados nas entrevistas pessoais aos proprietários de panificadoras, pudemos constatar que 83% possuem a percepção de que o mercado de panificação está em queda, contra 9% que acham que o mercado está em crescimento e apenas 8% que o mercado está estável. Abaixo as principais justificativas que para os proprietários de panificadoras influenciam a queda no mercado Panificador: estão no ramo há menos de 5 anos. Sendo que 25% da amostra sempre atuou no ramo de panificação e mais 29% sempre no ramo alimentício com outros comércios, tais como restaurante, lanchonete e mercearia. Quanto à compra conjunta com outros estabelecimentos, 75% nunca fizeram, cujos motivos constam do quadro 3. Quadro 3 – Motivos por que não faz compras conjuntas % 35% Nunca pensei nisso/ não tenho interesse e/ou necessidade Dificuldade para achar um parceiro/ Classe desunida/ desconfiada 29% Sou novo no negócio/ Não tenho contatos/ não conheço ninguém 11% 11% Nunca ofereceram/ não tive oportunidade 8% Não compensa para compras em pequenas quantidades 4% Trabalhamos de maneira diferenciada comparando aos outros estabelecimentos 3% Não acredito que daria certo 3% Não existe quem faça isso/ cooperativa 1% Fornecedores não oferecem vantagens Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100 estabelecimentos. Outra questão levantada através da pesquisa foi se os proprietários assinam ou recebem algum tipo de revista do ramo. Constatamos que 84% recebem, sendo as principais revistas: Panificação e Confeitaria (revista do Sindicato de Panificação), Padaria 2000, Indústria da Panificação e Padaria Moderna. Quadro 2 – Fatores que influenciam a queda no mercado de panificadoras, segundo os proprietários das panificadoras % Concorrência com supermercados – preços, horário de atendimento (24 h, finais de semana), produtos ofertados Economia brasileira em recessão Grande número de padarias Situação socioeconômica da população (queda do poder aquisitivo, desemprego) Falta de investimento/ inovação/ reformas Aluguel/ encargos altos Fornecedores – não facilitam a forma de pagto/ cobram preços altos Shoppings Outros 78% 16% 13% 8% 7% 7% 4% 4% 8% Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100 estabelecimentos. Pela amostra identificamos que 40% dos proprietários estão há mais de 15 anos no ramo de panificação, 33% possuem entre 6 e 15 anos e apenas 27% Outro dado interessante que constatamos foram as famílias/produtos que trazem as melhores margens para o negócio: 42% afirmam que são os pães, 29% absorvem as melhores margens na lanchonete, 12% acreditam ser nas bebidas, 7% afirmam ser na Confeitaria e apenas 3% consideram os frios e outros 3% os doces os principais itens a trazerem margem. As principais feiras visitadas pelos proprietários (62% da amostra) são Fispan (Feira Internacional da Indústria da Panificação – Sindicato) e Fispal. Após levantarmos questões gerais sobre o negócio dos panificadores, conforme resultados acima, apresentamos o conceito da Prestadora de Serviço e obtivemos que 84% acharam a idéia boa, ótima ou válida e apenas 16% não viram necessidade desse tipo de serviço para o seu estabelecimento. Outro dado importante foi que 70% acreditam que uma prestadora de serviços contribuiria para a melhoria do seu negócio. Quase metade destes proprietários afirma que uma prestadora de serviços ofereceria ferramentas que ajudariam a panificadora crescer, o proprietário a tomar melhores decisões, reduzir custos; outros 20% acreditam que traria informações das quais os proprietários não sabem ou não têm tempo para procurar; 16% afirmaram que os serviços ofertados são de áreas das quais eles não são especializados e/ou não têm conhecimento e que precisam de ajuda, enquanto outros 13% afirmaram que a prestadora de serviços cuidaria de áreas às quais eles não têm tempo para dar atenção. Verificamos também que metade da amostra está propensa a contratar esse tipo de serviço, conforme demonstrado no gráfico abaixo. Extrapolando esse percentual 67 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 para nosso universo de 18.900 panificadoras na cidade de São Paulo, obtém-se um mercado de atuação de aproximadamente 9.600 padarias. Gráfico 2 – Porcentagem de panificadoras que contratariam ou não os serviços de uma prestadora de serviços Em contrapartida, as autoras puderam desenvolver técnicas de comunicação e até mesmo negociação para obtenção das informações, verificando a riqueza na percepção e maior produtividade no levantamento de informações através do contato pessoal. 5. Conclusões Fonte: Pesquisa realizada pelas autoras em 100 estabelecimentos. Para aplicação desses questionários encontramos diversas dificuldades, porém obtivemos um grande aprendizado. Dentre as dificuldades podemos citar nãocomprometimento/falta de interesse dos proprietários em responder ao questionário, medo destes em passar informações, falta de tempo, recusa em responder ao questionário e ausência do proprietário na panificadora na hora da pesquisa; sendo assim, foi necessária a visita em mais de 180 estabelecimentos para conseguirmos entrevistar 100 proprietários. Através deste estudo, pudemos identificar como principais dificuldades do setor de panificação e explicação para a diminuição do número de estabelecimentos a forte concorrência perante as redes de supermercados, que possuem como grande diferencial a competitividade por baixos preços, a concorrência de outras panificadoras devido ao seu grande número e proximidade, situação socioeconômica do país, falta de inovação e investimentos no setor, falta de conhecimentos teóricos e técnicos dos proprietários de panificadoras e crescente exigência dos consumidores por qualidade de produtos, bom atendimento e preços baixos. Para reverter essa situação, ou seja, tornar o mercado panificador competitivo e rentável, propomos uma maior especialização e diferenciação dos estabelecimentos. Para isso é necessário um estudo do mercado local onde a panificadora está presente, a fim de focar a oferta de produtos e serviços dos quais os seus consumidores estão propensos a adquirir, alinhar os preços praticados pelas outras panificadoras próximas, identificar oportunidades de vendas de novos produtos e/ou prática de serviços diferenciados tais como café da manhã e entrega domiciliar, por exemplo. Outra alteração necessária no setor e a prática de treinamento, padronização e implantação de políticas de incentivos para os funcionários visando melhorar o atendimento e diminuir a rotatividade característica desse setor. Necessidade de maiores controles financeiros possibilitando identificar e incrementar o potencial lucrativo do estabelecimento (quais os produtos com maior margem e como podemos fazer para aumentar as vendas?), melhorias no fluxo de caixa, como organizar os pagamentos de acordo com os recebimentos, e estudo para reduzir custos. Identificação de parceiros para o fornecimento de matérias-primas, verificação e realização de associações para compra de produtos com preço mais competitivo, obtendo assim reduções de custos. Com estas melhorias envolvendo as áreas de Marketing, Recursos Humanos, Finanças e Logística nas panificadoras, acreditamos num desenvolvimento e crescimento deste setor. Referências bibliográficas ABIP. Perfil do Mercado. 2000; [13]. Disponível em <URL:http://www.abip.org.br/perfil/perf99.html>[2000 Nov 23]. ACNielsen, Instituto do Brasil Ltda., Censo 2000. ESTADO DE SÃO PAULO (03/04/2000). Pequenos supermercados tiveram boas vendas. O Estado de S. Paulo. ESTADO DE SÃO PAULO (03/04/2000). Pesquisa com cliente aumenta. o faturamento. O Estado de S. Paulo. FAHEY, L e RANDALL. MBA Curso Prático / Estratégia. Ed MackronBooks, 1999. GAZETA MERCANTIL (1999). Panorama Setorial, Pães e Padarias. Gazeta Mercantil. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3ed. São Paulo: Atlas, 1991 KOTLER, Philip. Marketing para século XXI – Como criar, conquistar e dominar mercado - São Paulo: Ed. Futura, 1999. KOTLER, Philip; e ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. São Paulo: Ed. Atlas, 1998. LASCASAS, Alexandre L. Marketing de Serviços. São Paulo: Ed. Atlas, 1991. LEVY, Alberto R. Estratégia em Ação: administração estratégica; estratégia competitiva, análise de portfólio, posicionamento de produtos. São Paulo: Atlas,1996. LONGENECKER, Justin G; MOORE, Carlos W e outros. Administração de Pequenas Empresas. São Paulo: Makron Books, 1997. MONTOGOMERY,Cynthia e PORTER, Michael E. Estratégia: A busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. OLIVEIRA, Djalma de Pinho. Manual de Consultoria Empresarial: conceitos; metodologia, práticas. São Paulo:Ed Atlas, 1996. PEREIRA, Heitor José; SANTOS, Silvio Ap. Criando seu próprio negócio: como desenvolver o potencial empreendedor. Brasília:Sebrae, 1995. PORTER, Michael E; Estratégia Competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Trad. Elizabeth Maria de Pinho Braga, 17ª . Ed. Rio de Janeiro. • Aline Ricomini e Flávia Preuss Siqueira – Alunas do Curso de Administração com ênfase em administração mercadológica da ESPM – graduadas em 2001. 68 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL 69 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Participar de uma mesa-redonda sobre pesquisa de mercado foi uma experiência estimulante e – por incrível que possa parecer – saudosista. As minhas primeiras experiências pessoais, profissionais, com o marketing foram, justamente, com pesquisa – no inicio dos anos 60. Era um tempo complicado. Não havia mapas confiáveis para as principais cidades brasileiras, nem mesmo Rio e São Paulo. Entrevistas pelo telefone, só se a sua amostra fosse exclusivamente de Classe A e – assim mesmo – corriam-se riscos, pois a Classe A não falava – como não fala – ao telefone com estranhos. O jeito era instruir o entrevistador para ir batendo em cada terceira casa – ou apartamento – e tratar de fazer a entrevista de qualquer jeito. Era o tipo de amostra randômica da época. Redigir um questionário era tarefa para sábios. Só os profundos conhecedores da natureza humana brasileira, como Alfredo Carmo ou Octavio da Costa Eduardo, eram capazes de criar perguntas que não estimulassem respostas prontas, pois – entre outras coisas – os 70 Participantes Celso Forster ESPM Daina Ruttul Godinho Ipsos-Marplan Francisco Gracioso ESPM Francisco José de Toledo Toledo & Associados Pesquisa de Mercado e Opinião Pública Jaime Troiano Troiano Consultoria de Marca Paulo Secches InterScience J. Roberto Whitaker Penteado Moderador consumidores brasileiros detestavam desagradar o entrevistador. Depois dos questionários preenchidos, vinha a tabulação. A mão, mesmo, até chegarem os cartões perfurados. Depois era tudo transformado em porcentagens. Precisava ser muito bom gerente de produto – minha primeira função – para descobrir que aquela tabelinha tão precisa, em que 67% eram usuários e 33% não, baseava-se em apenas três entrevistados... Mudou muito a pesquisa, como mudou o marketing – e essas reflexões surgem-me depois de participar de uma mesa de debates com alguns dos nossos melhores pesquisadores no Brasil de hoje, de posse quase universal de telefones e computadores quase inteligentes. Mas só quase, pois – como o leitor irá constatar, depois de ler esse debate interessante e rico – o problema mais complicado, com seus clientes modernos e globalizados, é lembrálos de que, de ambos os lados do processo de pesquisa, o que ainda existe é gente. J. Roberto Whitaker Penteado Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 JR – Vamos dar início ao nosso debate com os profissionais da área de pesquisa. O prof. Gracioso pediu a palavra. FG – Sinto-me feliz em ter aqui elementos tão representativos da nossa pesquisa. Nos meus longos anos de carreira, sempre dei grande valor à contribuição que a pesquisa pode dar à propaganda, ao marketing de modo geral. Vocês – melhor do que eu – sabem que essas contribuições vão além do operacional – estão na área estratégica, adquirindo uma multiplicidade de utilizações de que os leigos sequer desconfiam. Até onde vai a utilidade que a pesquisa pode ter para a empresa, para os profissionais de marketing, de comunicação; a evolução que ela teve no Brasil nos últimos anos em tecnologia, concei-tuação. A implicação da pesquisa dentro deste contexto mais amplo de sistemas de informações que, hoje, muitas empresas procuram introduzir. Tudo isso espero que seja tratado nessa reunião, que terá grande valor para nossos alunos e professores. JR – Meu primeiro estágio na área de marketing foi em pesquisa. E, naquela época, já se discutia se o nome da atividade era pesquisa de mercado ou pesquisa de marketing. Mas o primeiro tema da pauta é – como se compara a pesquisa de hoje com a de 10 ou 20 anos atrás. Como vocês vêem a sua atividade? Como ela se insere na estratégia de marketing? CF – Diferentemente dos companheiros da mesa, eu sempre fui usuário de pesquisa e não especialista na área. Tive duas vivências distintas em agências de propaganda – uma na área de mídia e outra em atendimento – e sempre me coloquei na condição de parceiro dos clientes, na utilização da informação. Mas percebo tanto um uso da pesquisa de mercado para informações gerenciais do mercado como um todo, como as pesquisas voltadas instalação de shopping centers. Claro que isso é algo mais amplo do que só pesquisa, mas a pesquisa é fundamental para estudos desse tipo. “Numa palavra, a atividade é produção de conhecimento.” para a área de marketing, onde incluo a área de comunicação. Quando se fala de pesquisa de mercado, de certa forma se generaliza. Mas talvez haja certa diferença entes as duas coisas, ou seja, uma informação a respeito do próprio mercado e uma outra informação específica para a área de marketing, onde entram os sistemas de informação de marketing que estão adquirindo grande importância dentro das empresas. FT – Em certos momentos, surge a discussão sobre pesquisa de marketing e pesquisa de mercado. Mas não considero isso importante. Quando penso em pesquisa de marketing, estou imaginando a extensão da atividade de pesquisa. Tanto pode ser de serviços de marketing quanto de operações de marketing – pode ser uma pesquisa de produtos, de vendas, de propaganda, de promoção – ela lida com o ambiente de marketing. Mas, hoje, utilizamos expressões mais diretas – pesquisa de varejo, de opinião pública, de produto, day after recall. Nada disso importa muito. O que importa é a atividade que, numa palavra, é produção de conhecimento. FG – Sem falar da contribuição da pesquisa para outras disciplinas. Você mencionava – há poucos instantes – estudos de viabilidade para JR – Um aspecto importante nessa discussão do antes e depois é a questão tecnológica. Gostaria de que alguém falasse sobre isso: se a tecnologia evoluiu no sentido de contribuir para uma pesquisa de melhor qualidade hoje do que há 20 anos. PS – Talvez em excesso. Na verdade, se eu tivesse que definir, eu diria que pesquisa trata de gente. O que tenho aprendido é que, talvez, uma das grandes falácias de pesquisa de mercado seja criar abstrações. "Correntista", ou "comprador de carro", "comprador de supermercado". Essas coisas não têm existência real. O que existe é um indivíduo, com determinadas características, um comportamento, expectativas, sonhos, desejos, necessidades que se manifestam em diferentes categorias de produto. Mas é sempre a mesma pessoa. No meu modo de ver, essa é uma das grandes falácias da própria pesquisa, que não percebe isso. O tempo todo, estou falando da mesma pessoa, que é o leitor, o correntista de banco. Esses dias, estava discutindo um projeto – uma apresentação de identidade corporativa de uma instituição financeira – e mostrei um fato que tinha acontecido com uma professora, no interior do Pará – um problema com a casa dela – para tentar recomendar aos presidentes da organização como deveriam orientar sua comunicação corporativa. Acho que a utilização da tecnologia – que é importante em pesquisa de mercado – vai automatizando os pesquisadores. Há dois anos, licenciamos a metodologia de uma empresa norteamericana e mandamos o nosso pessoal para ser treinado lá. Quando voltaram, parecia que tinham tido implantado um chip no cérebro, não conseguiam mais pensar. Tive que encontrar a chave e arrancar o chip fora. Esse é o problema, porque você 71 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 vai aprendendo a tecnologia, o instrumento, e vai-se distanciando do indivíduo, do ser humano – que é quem comanda o processo. alvo do nosso trabalho – diz o que pensa, mas faz o que sente. Daina – Gostaria de falar sobre isso, mas na minha área de pesquisa de mídia. Quando comecei a trabalhar, há 25 anos, tudo era manual, muito difícil de ser feito. JT – Sim. Mas principalmente o que sente, porque é a expressão do desejo – e é difícil ficar satisfeito com a tecnologia, esperando que ela resolva apenas identificando o que se diz, porque, o que se diz, muitas vezes, oculta grandes segredos, grandes patrulhamentos etc. Se você não mergulhar na vida dessas pessoas, é muito difícil entendê-las. Às vezes, tecnologia pode ser boa para outras coisas, mas, para esse mergulho, ela é apenas uma ferramenta primária. Já passou esse ciclo. Concordo com o Paulo: ele foi um dos primeiros a mergulhar nele, e terminou. Talvez não "terminou", mas incorporou uma visão nova e estamos de novo diante da realidade de que o que precisamos entender é de gente. JR – Ou o que quer. FG – Você chegou a pegar os cartões perfurados? Daina – Cartões perfurados, cálculo de audiência – aqueles de 30 em 30 minutos, de 15 em 15 minutos, depois de minuto a minuto. Para essa área, o avanço da tecnologia foi fundamental. Porque, naquela época, você analisava um mercado e não dava tempo de analisar o outro. Havia a informação, mas era subutilizada. Hoje, com tudo que há de disponível nessa área, você consegue ter bancos imensos, cruzamentos quase infinitos – e-mails, hábitos de lazer, consumo de produto, marca, atitude. Então, você monta um quadro completíssimo, um retrato completo daquele público-alvo, para o Brasil inteiro ou para um dado mercado, em segundos. JR – Gostaria que o Jaime também falasse um pouco do antes e depois. JT – Fiquei muito feliz de ouvir o que disse o Paulo. Eu o conheço há bastante tempo e sempre tive uma impressão... PS – De que eu era doidinho por uma máquina... JT – Até pelo nome da sua empresa – InterScience – informação e tecnologia. JR – Ele é um dos responsáveis por essa evolução. PS – Quem começa uma coisa, termina mais rápido. 72 JT – É exatamente como o Paulo disse. Nós vivemos uma febre de fusão de sistemas de informação, de microcomputadores, de uso exacerbado de SPSS, de técnicas de análise sofisticadíssimas. Mas, na verdade, o que sinto é que – nos últimos 10, 15 anos – as idéias mais maravilhosas que vi serem implantadas, em marketing e comunicação, são idéias que saíram de mentes arejadas – talvez, até, alimentadas por tecnologia – mas que entenderam que as pessoas estão por trás desse processo. Por isso também não acredito nessa divisão de marketing/ mercado. O consumidor – que é o “Talvez uma das grandes falácias da pesquisa de mercado seja criar abstrações.” PS – Existem empresas que estruturam o assunto em pesquisa quantitativa e qualitativa, como se o problema que eu fosse estudar devesse ser qualitativo; isso é faca Guinzo – n.os 15, 30, 45. Na cozinha, você vai usar a faca Guinzo que você tiver que usar para cortar o alimento que você tiver que cortar. Mas você não pode estruturar a empresa por tipo de faca Guinzo. JR – Isso é antigo. Já o nosso doutor vienense, Ernst Dichter, dizia que o consumidor não compra brocas de determinados tamanhos; ele quer buracos. PS – A sociedade passou por um processo de plastificação tão intenso, nas últimas décadas, que, na verdade, esses conceitos se perderam. E a turma acreditava que as pessoas queriam comprar broca, e fazia pesquisa para saber exatamente qual era a espessura da broca que você tinha que oferecer. Esse processo, na minha opinião, não foi bom Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 nem para as empresas de pesquisa de mercado. Foi extremamente danoso para o negócio. Onde está a diferença entre pesquisa de mercado e consultoria? Por que um cliente chora para pagar R$ 50 mil numa pesquisa de mercado e paga R$ 2 milhões, sorrindo, para um trabalho de consultoria? FG – No caso das empresas de pesquisas, muitas vezes, vocês vão lá para contar coisas desagradáveis. E ainda querem ser bem pagos! FT – Gostaria de acrescentar meu comentário: acho que, nesses 20 JR – Não é o que os consultores dizem… PS – Eu estava fazendo um trabalho, organizando o nosso plano de negócio do ano passado e constatando: você sabe qual é a lucratividade média dos grandes grupos de pesquisa, de nível internacional? Dois a três por cento. Quem ganha muito, uns 7%. As empresas de consultoria chegam a 18, 20, 23%. Por quê? Porque um vende pensamento e o outro vende a medida – fita métrica. “A utilização da tecnologia vai automatizando os pesquisadores.” anos, não houve muita mudança. Também comecei como comprador de pesquisa – do outro lado. Tive uma carreira profissional curiosa. Fui executivo de marketing, dirigi organização jornalística de televisão e, quando montei uma empresa de consultoria, – depois de ter trabalhado como executivo – cheguei à conclusão de que, na área de consultoria, eu gostava mesmo era de pesquisa. Isso me fascinava. Então abandonei a consultoria e mergulhei na pesquisa. Concordo que essa questão da informática, da tecnologia, às vezes, irrita. Mas o que sinto é a carência de talentos que temos hoje. A primeira pesquisa de mercado feita no Brasil foi em 1934, pelo Otávio da Costa Eduardo, na N. W. Ayer – uma agência de propaganda – sobre consumo de café. A segunda foi em 1941, paga 73 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pelo Rockefeller – secretário de estado – sobre questões relacionadas com a entrada do Brasil na guerra. Foram as agências de propaganda que começaram a introduzir pesquisa de mercado no Brasil, para atender às empresas multinacionais. Hoje a formação desse pessoal é muito difícil. De um modo geral você tem muita dificuldade de pegar gente boa saída da faculdade. “Quando voltaram, parecia que tinham tido implantado um chip no cérebro.” JT – No tempo em que fui professor, ficávamos reclamando dos alunos. Agora, se de fato não existem, nós somos um pouco responsáveis por isso. FT – Até muito. FG – Acho que vocês estão sendo modestos, quando procuro lembrar das coisas novas que fazemos graças às tecnologias que têm sido incorporadas. A Daina citou, com muita propriedade, a possibilidade de cruzamentos infinitos, por exemplo, portanto muito mais insight. Eu citaria outro aspecto: a maior velocidade nas decisões e nas ações de marketing, hoje em dia, tem muito a ver com a tecnologia de pesquisa, com a tecnologia da informação, que dá embasamento e segurança para decisões que, antigamente, levavam meses para serem tomadas. Vocês, no começo de suas carreiras, participaram de processos de lançamento de produtos que, hoje, nos parecem até ridículos. Começava com um conceito – que era discutido durante seis meses; depois, na etapa seguinte, mais um semestre, até chegar ao teste de mercado que levaria um ano ou dois. Era, realmente, um outro mundo. Hoje as coisas ocorrem com tanta velocidade, em todos os sentidos – se, numa estratégia, uma ação operacional não deu certo, imediatamente mudamos. Isso tem muito a ver com essa velocidade – com a tecnologia da informação. Vocês poderiam citar inúmeros outros exemplos – auditorias de consumo, de varejo, mil maneiras diferentes de mídia – que dão 74 mais segurança ao marketing. O marketing é o que é hoje por causa das novas tecnologias na pesquisa. JR – Isso me leva a um outro aspecto: antes dessa fase – digamos, nos anos 60 – era voz corrente, entre os usuários da pesquisa, que esse ou aquele Instituto não produzia resultados acurados, que a pesquisa não era de qualidade, a amostra não tinha sido bem feita, etc. Hoje, isso parece ser assunto resolvido. Não se ouve mais esse tipo de crítica. Embora os políticos continuem reclamando de que as pesquisas não refletem a realidade… JT – Eu acho que piorou – e muito – por uma razão. Houve, em função dos enxugamentos nas empresas, uma multiplicação de pequenas oficinas, free-lancers, pequenos escritórios. Vez por outra eu ouço, de clientes, ou constato, por ter acesso direto a material feito por empresas menos qualificadas. Mas isso não é só característica do mercado de pesquisa. No mercado de design, o cara tem um Macintosh em casa, um consultor de recursos humanos, que acha que entende de organizações. Então, tenho sérias dúvidas se melhorou. Existe um segmento de empresas de pesquisa que tem essa qualificação assegurada. Mas, não sei se o conjunto do mercado não se tem banalizado, em muitos casos. Não sei se todos foram capazes de acompanhar a evolução, ou se não há ainda muitos aproveitadores nesse processo. JR – Ou seja, ainda existe um problema de qualidade em pesquisa. JT – Existe. PS – Você citou o caso do design. A disponibilização de tecnologia e de software permite, rapidamente, a alguém fazer um site. Agora, você olha e percebe que 80% deles são lixo. JR – Você está falando dos sites? PS – Sim – e de grandes corporações. 80% deles são lixo. Então, a disponibilização de tecnologia de pesquisa, o acesso a computador, software etc., permite que apareçam os look alike... JR – Você sabia que o Microsoft Word vem com Plano de Marketing, com questionário e tudo. PS – Sim. Eles têm "templates" para fazer isso tudo, mas nem eles sabem usar, garanto. Que houve um desenvolvimento tecnológico, não resta a menor dúvida. Mas estou presumindo que isso é um pouco default hoje. Ou seja, se não dá para Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 fazer uma pesquisa que demore 3 meses – não existe mais esse tempo; não dá mais para trabalhar num teste de conceito de 2 meses. Então, a tecnologia foi efetivamente incorporada em pesquisa como foi em n outras áreas de negócios. Mas insisto que isso é um pouco default, hoje. Nesse projeto do mercado financeiro – sobre o qual falava há pouco – a importância da tecnologia, como fator de decisão de escolha de uma instituição financeira, está perdendo a importância. Por quê? Porque foi tão incorporado, que é default. Não que não tenha importância. O cara não vai abrir conta em um banco que tenha fichário, que não tenha acesso à Internet, que não tenha ATM etc. Agora, o fator emergente no processo de escolha está absolutamente ligado a um outro fator, que não tecnologia… FG – Qualidade das cabeças. PS – Relacionamento, no caso. Essa é a discussão que eu estava trazendo para pesquisa de mercado. Houve uma evolução, sem dúvida nenhuma. Temos um projeto de satisfação, que fizemos para um cliente, em que nós colhemos a informação, transmitimos, via Internet, para a InterScience, que ajusta, transmite para o computador do cliente e, no dia seguinte, o cliente está analisando aquela informação com software específico, sabendo o que mudou, o que não mudou, a cada ação específica que desenvolve. Então, há incorporação de tecnologia e um ganho de velocidade muito grande. Mas em tudo isso há um problema gravíssimo, que é que, quanto mais você automatiza o processo, menos você está se aprofundando e menos conhecimento efetivo das pessoas acaba gerando. Produz-se a sensação de que se tem a informação disponível, quando, na verda- de, só se tem o dado bruto. Para gerar conhecimento, isso exige inteligência e essa é uma mercadoria muito mais cara. FT – No meu entender, piorou também na área do cliente. Temos, com alguns, dificuldades imensas para manter o diálogo. Não há cultura suficiente. Como disse o Paulo, nós mexemos com gente, queremos saber a respeito de gente. E a nossa gente – a gentecliente – às vezes é muito complicada. Tive uma experiência recente, com um cliente grande, cujo responsável por pesquisa era uma pessoa desprovida de qualquer capacitação para tratar do assunto. Pois não tive dúvida: disse a esse cliente que não havia possibilidade de atendê-lo, porque a sua funcionária não tinha condições para dialogar com meu pessoal. E não que meu pessoal seja o melhor, mas não havia condição. CF – Você tocou num ponto impor- 75 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 tante. De certa forma, quem começou a utilizar pesquisa, no país, foram as agências de propaganda – em época que a remuneração das agências talvez permitisse que investissem recursos nisso. Acho que houve, também nesse mercado, uma involução – de negociações – que fizeram com que a agência tivesse menos fôlego para poder investir. Isso traz a outro ponto: a qualidade dos briefings de pesquisa. É quase inexistente. Na verdade, o que dizem é: "Meu problema é o seguinte: eu preciso descobrir isso aqui". Quando você senta com alguém, com um briefing e diz: "Olha, estou precisando disso aqui; o problema é esse". Se parece um pouco mais organizado, as pessoas se surpreendem. O outro é o ponto em que você tocou: quem analisa, com que talento, que qualidade. Uma vez participei de uma apresentação dos resultados de uma pesquisa e o entendimento do cliente foi o inverso do que estava sendo demonstrado. Não era um pouco diferente; era inteiramente contrário. Tivemos que voltar para reorganizar a informação de forma que ele entendesse claramente o que nós – agência e Instituto de Pesquisa – estávamos apresentando. Isso é algu- “Há 25 anos, tudo era manual, muito difícil de ser feito.” ma coisa para ser colocada em discussão. Como é que a gente forma profissionais, que tenham capacidade? Não de fazer a pesquisa, mas de preparar um briefing para um Instituto. Isso vale para a agência e também para o cliente. JR – Você já entrou no item 3 da pauta... Quando dava aulas, discutíamos em sala os "sistemas de informação de marketing". Eu já não trabalhava mais como executivo e nunca tinha visto um, mas não se podia deixar de falar que as empresas modernas utilizavam os Sistemas de Informação de Marketing e as iniciais eram "SIM". Afinal de contas, como é que a empresa lida, de fato, com a informação? Como as empresas, no Brasil, estão usando seus sistemas de informações ou bancos de dados para administrar o relacionamento com os clientes? PS – Não usam. Isso nunca existiu, nem no Brasil e nem fora, só nos livros. Nós atendemos grandes clientes nacionais e internacionais e, até hoje – em 35 anos de trabalho – não consegui encontrar uma só empresa que tivesse o cadastro de seus clientes, apesar de todos os computadores. Não me fale em sistema de informação de marketing! Na prática, nada dis- 76 so existe – o que há é gente correndo atrás do frango, nas empresas, não importa se são nacionais ou internacionais. Grande parte das empresas não tem nem budget de pesquisa, ou para informação como um todo. E não reclamo mais disso. Acho até bom, por duas razões: uma porque alimenta o negócio, porque, se todos tivessem as coisas bem estruturadas, comprariam menos pesquisa. A outra é porque você tem a possibilidade de geração de conhecimento novo. O pesquisador, via de regra, é muito "caxias". Ao estudar uma realidade, acha que tem que sair dali com alguma coisa pronta. Mas o conhecimento é cumulativo, evolutivo. Por que, ao fazer um trabalho, você precisa gerar todo o conhecimento logo de primeira? Não. Só a investigação contínua gera os aprofundamentos, os detalhamentos. Acho, mesmo, que, na prática, o processo é ainda mais aleatório do que nos livros. Na prática, as empresas vão contratando gente nova; há troca de profissionais – e cada um que entra quer fazer a coisa de novo. JR – Mas isso é o processo caótico de administração… FT – Deixem-me colocar uma coisa, não só como dono de Instituto de Pesquisa, mas como presidente de uma associação – a ABIPEME. Estamos preocupados no nosso diaa-dia, na associação, com essa questão. Eu costumo dizer que a pesquisa é a filha pobre do marketing. Para se ter uma idéia, as verbas de propaganda, no ano passado, somaram R$ 10 bilhões e de pesquisa R$ 450 milhões (número, aliás, que ninguém consegue provar). É claro que não há uma relação direta entre as duas coisas – é só para estabelecer um parâmetro. Há verbas dos governos – federal, estadual e municipal – mas não se consegue descobrir, não se sabe o suficiente para dizer: "Olha, o mercado tem esse tamanho". A propaganda tem ABA, ABAP, APP, ABP, Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 sindicatos; tinha a Lei 4.680 e uma personalidade de atividade reconhecida, de carreira, de escolas, respeito e remuneração. O que têm as pesquisas? É terra de ninguém. Não falo do resultado do nosso trabalho; mas da atividade. Ela não é reconhecida. Qualquer escritoriozinho de consultoria, auditoria, faz pesquisa com a maior desfaçatez. Alguns com qualidade e outros sem nenhuma, concorrendo conosco da maneira mais incrível. Outro grande concorrente são as fundações – das universidades federais, estaduais e municipais. Não pagam impostos, remuneram mal os pesquisadores – que, geralmente, são alunos – usam o bem público e concorrem conosco da maneira mais perversa – vendendo para empresa privada. O maior estudo sobre bancos, feito no Brasil, é feito na USP, pela FEA. PS – E um dos mais criticados também. Justamente porque falta inteligên- cia. É um acumulado de dados brutos. FT – Mas recebem um volume de dinheiro que poucos Institutos de Pesquisa, no Brasil, faturam por ano. A remuneração é um mercado persa. Hoje, em São Paulo, um entrevistador recebe R$ 60 por dia, mais R$ 10 de ajuda de custo. Agora, no Nordeste, deixamos de trabalhar com algumas empresas porque estavam pagando R$ 15 por dia e queriam nos cobrar os R$ 60. O que precisamos, hoje, é de nos organizar por cima, criar respeito. Vejam esse recorte da Folha de S. Paulo, de 1/11/ 1998 – "Governo paga R$ 4,1 milhões a assessor de campanha de 1994". O Paulo Secches, o Jaime Troiano provavelmente não souberam dessa concorrência. Esse Sr. Antonio Lavareda recebeu R$ 4,1 milhões da presidência da república de uma concorrência que ninguém teve conhecimento; não foi publicado. E continuou ganhando depois. “Nós vivemos uma febre de fusão de sistemas de informação.” JR – Concorrência para que tipo de trabalho? FT – Pesquisa, exclusivamente. E continuou, nesse segundo mandato, na campanha presidencial. E tem mais. "Antonio Lavareda envolvido diretamente com crimes econômicos." Ninguém mexeu mais nisso. Isso saiu em Recife e há páginas e 77 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 páginas de denúncia contra esse Sr. que se apropriou de um Instituto, que era de uma Fundação. Então, os governos precisam respeitar a nossa atividade. Em 1991, eu escrevi ao Sr. Fernando Collor de Melo, pedindo que nós – Institutos de Pesquisa – tivéssemos um tratamento igual ao de agência de propaganda, e que fosse feita uma concorrência pública para que os Institutos de Pesquisa pudessem disputar as verbas do Governo Federal. As agências têm direito à licitação porque são as filhas ricas do marketing. Os Institutos não têm esse direito. E contratam gente indicada pelo Sr. Lavareda que, até o final do governo, vai estar nadando de braçadas. É denúncia mesmo. Como presidente do sindicato é que estou dizendo isso. JR – Você está chamando atenção para uma situação que parece séria. Mas como é em outros países? Os Institutos são regulamentados e mais reconhecidos, profissionalmente? FT – Sim. A ESOMAR, por exemplo, que é a associação de Instituto de Pesquisa da Europa, está presente em todo o Continente, promove reuniões e encontros para troca de idéias com outras instituições. Na Argentina, já há muitos anos, criou-se o Sindicato dos Institutos de Pesquisa e criou-se o Sindicato dos Trabalhadores do setor. Aqui, dentro de 3 ou 4 meses, também deveremos ter um. Aí, não vai haver consultoria fazendo pesquisa, ou escritório de contabilidade; imagine que recolhemos impostos para a SESCON – Sindicato dos Contabilistas! Para ter uma idéia, a Toledo Associados está sendo processada pelo Conselho Regional de Estatística do Ceará, do Piauí e de São Paulo porque todos querem que a empresa recolha contribuições para esse sindicato porque fizemos as pesquisas eleitorais daqueles estados… O Conselho Regional de Administração quer que os institutos recolham pelo CRA. E também os de Economia, de Psicologia porque to- 78 formou para congregar os institutos. Como uma ABIPEME, uma ANEP que evoluiu – até porque cobra dos associados suas taxas em euros e isso permite um fôlego maior. Mas pesquisa não existe, como atividade efetivamente organizada, como profissão, nem nos Estados Unidos. Não há uma faculdade que forme um "pesquisador". JR – No Brasil, a formação geralmente aceita é em administração, com especialização em marketing. dos acham que têm direito. Nós não temos personalidade. JR – Um caso grave de falta de identidade. FT – Nós não temos identidade alguma. PS – Mas mesmo em âmbito mundial, pesquisa de mercado sempre foi uma atividade paralela. Não há a profissão do pesquisador. No caso da ESOMAR, na Europa, ela age como uma entidade privada que se FG – Quero informar que, a partir do ano que vem, vamos ter um curso de pós-graduação em Pesquisa de Mercado, em parceria com o IBOPE. E, certamente, outros serão convidados a colaborar. Esperamos oferecer um curso sério, de alto nível. Não é um curso para entrevistador, é claro, mas que contribua para essa definição da profissão de que você fala. FT – O Paulo disse que a pesquisa corre na paralela, como se fôssemos marginais. Mas não podemos ser marginais na economia do conhecimento. Temos uma função importante na fase de pesquisa de produto, de opinião pública. Quanta coisa eu já fiz. Algum de vocês já fez pesquisa sobre transtornos mentais? PS – Ainda não, mas acho que tenho vivência do assunto... “O consumidor diz o que pensa, mas faz o que sente.” FT – Pois eu tive o prazer de fazer uma pesquisa com uma amostra de dois mil domicílios em São Paulo, para medir fatos interessantíssimos sobre alcoolismo, demência, esquizofrenia e depressão. Que maravilha! Então, não posso ser um marginal, se sou capaz de produzir tanto conhecimento para a pesquisa de uma médica que estava se doutorando! E que me disse: "Toledo, jamais poderia imaginar que pesquisa me trouxesse tanta riqueza de informação". PS – Mas são duas coisas diferen- Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 tes. É claro que é uma profissão que gera orgulho, é prazerosa. Na verdade, essa é uma visão um pouco mais ampla de pesquisa. Mas essas coisas são comandadas pela realidade e não por associações, por regras. A mesma coisa é o negócio de propaganda, que está cheio de regras, de associações, sempre tentando resgatar, e o negócio em queda livre. Por quê? Porque é uma questão de dinâmica de mercado, de competências estabelecidas e não de associações, órgãos, sindicatos. Isso não funciona em nenhuma área de negócio. FT – Desculpe, Paulo. Você pode exercer a função de jornalista? Pode assinar um balanço contábil, uma petição legal? Você não pode. JT – O que o Paulo está querendo dizer – e acho que isso se aplica ao nosso caso – é o seguinte: essas experiências de cartelizar as relações, num determinado mercado, não criam, obrigatoriamente, qualidade. FT – Também não estou dizendo isso. Nós precisamos ter uma personalidade, precisamos ser reconhecidos como atividade. JT – Isso depende muito do que consigamos entregar, de fato, como benefício da nossa atividade. Eu acho fundamental a integração das entidades – batalhei muito para a criação da SBPM. Minha empresa não é associada à ANEP, nem à ABIPEME, por uma questão de posicionamento. Mas acho que a entidade tem um papel fundamental. Mas qualidade vem de outras coisas e não desse aspecto sindical – ou "associativista" – que a entidade possa ter. PS – A profissão de estatístico é regulamentada por sindicato. A profissão de jornalista é regulamentada por sindicato. E melhorou o quê? PS – Imagine que a gente tomasse como exemplo essa pesquisa das entidades financeiras, feita pelo pessoal da USP, e o sindicato determinasse que não pode, por ser uma fundação da USP. O que iria acontecer? Eles montariam uma empresinha de pesquisa de mercado, registravam na ABIPEME e continuariam fazendo. O mercado é que tem de amadurecer e definir como e de quem vai comprar as pesquisas. mente exercida pelo Estado – que é o registro demográfico, a contagem, a estatística. Isso tem sido feito pelos governos há muito tempo. Depois, veio o nascimento da Ciência Social, com Durkheim e outros. Surge uma integração desse conhecimento social, do conhecimento psicológico, comportamental, e as técnicas matemáticas. É uma coisa complicada. Não sei como esse cidadão arvorou-se em pesquisador; parece impossível. Diria até que seria mais fácil o sujeito posar de publicitário… JR – Acho que são duas as vertentes que resultaram na atividade que vocês exercem. Uma – tradicional- FT – Você está falando do Lavareda? Ele é pesquisador; antropólogo por formação. JT – Os jornalistas mais importantes do mercado não são jornalistas. JR – Mas digamos que é algo difícil de improvisar. “Estamos diante da realidade de que o que precisamos entender é de gente.” Daina – Há o FOPEC – Fórum de Pesquisa em Comunicação hoje que, de uma certa forma, se propõe a fazer isso. Ele foi criado há dois anos exatamente para medir essa qualidade da pesquisa, fazer esse equilíbrio, ser um órgão que reúna tudo isso – pesquisa de mídia, mercado. JR – No Brasil, durante muito tempo, se dizia que as estatísticas não eram confiáveis – a fornecida pelo 79 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Governo. E os Institutos de Pesquisa já sofriam com essa questão da má qualidade dos dados. Aí vocês apontam para essa desorganização do ramo. Será que não está havendo certo exagero? JT – Se isso vai ser lido pelos alunos, eles, provavelmente, não vão querer ser pesquisadores. Talvez o Prof. Gracioso deva esquecer esse curso de pós-graduação... Mas não é isso! Acho que estamos tentando estabelecer, aqui, o patamar da verdade e – a partir daí – entender melhor o que o pesquisador pode fazer, de uma forma mais inteligente, que não é, apenas, dependência de tecnologia, ou a burocracia do produto – e que ainda pode ser importante, no mercado de pesquisa, ser orientado pela maravilha da técnica e não pela importância do benefício. Acho que a partir dessa discussão, os alunos, ou quem quer que seja, pode entender para onde vai esse mercado e como, de fato, se pode ser um bom pesquisador. Não sei como é na ESPM, mas em certas escolas que conheço, tenta-se ensinar a pesquisa, mostrando que o bom pesquisador – mal comparando – como um bom jogador de hóquei é o que sabe andar sobre pa- 80 tins. Não é isso. Que um bom pesquisador é saber fazer qui-quadrado. Não é isso! Isso é default, para usar a expressão do Paulo. Acho que deveríamos pensar em mostrar caminhos – evitando essas armadilhas mentais. Gostaria de dizer mais – eu tinha feito umas anotações: que o pesquisador está diante de três grandes desafios, que apontam na direção futura da sua formação plena. Uma é entender claramente a frase: “O consumidor diz o que pensa, mas faz o que sente”. Precisamos estar preparados para entender a emoção da relação dele com o mercado, produtos, mar- “Por que um cliente chora para pagar R$ 50 mil numa pesquisa e paga R$ 2 milhões, sorrindo, para uma consultoria?” cas, muito mais do que numerologia. Numa publicação da própria ESOMAR, eu lia que o problema não é mais técnico, o problema é de inteligência. A ESOMAR, que talvez seja a entidade de pesquisa mais importante do mundo, vem alertando: “Olha, não pensem em produto. Pensem em benefício”. Quem escreveu o artigo foi Kevin Roberts, que é CEO da Saatchi & Saatchi e diz que os pesquisadores deveriam quebrar a sua prisão mental – é a expressão que ele usa. A primeira coisa a fazer é isso. Entender que estamos comprometidos com entender pessoas. Segundo, acho que o pesquisador precisa parar com essa bobagem de achar que é um cientista, fora do mercado, que não se imiscui nas questões comerciais, não participa de decisão, para incorporar sua identidade verdadeira de profissional de marketing, de mercado, de negócios. Dividir angústia com o cliente na hora de tomar uma decisão, esquecer as 150 primeiras páginas de um relatório e entender que importante são as 10 últimas, e, quando chegar às 10 últimas, jogar fora as outras 140. E, terceiro,acho que é um tema dos mais atuais – lembrar que nós somos importantes. Nossa importân- Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 cia é ajudar a cultura de marketing a ter medidas sólidas e precisas de eficácia. Quer dizer, como posso contribuir para que investimentos de marketing, mídia, comunicação sejam feitos com mais precisão, com a velocidade que o tempo exige. Então, esquecer a idéia que, se sou profissional de pesquisa, não tenho compromisso com resultado. Quem tem é o cara de logística, transporte, produto etc. Lembrar que nós, como profissionais de pesquisa, estamos acompanhando o processo que começou no ABC, mas hoje é completado na 15 de Novembro. Hoje, a grande discussão está na (rua) 15 de Novembro. Então, a gente tem de ajudar as empresas na área de marketing, comunicação, a entender como se faz o cálculo de eficácia de investimentos – e como isso tem impacto no fim da linha, no bottom line. É aí que começa nossa missão fundamental, que é de ajudar as empresas a ter essas medidas mais precisas. São três grandes desafios. Fiquei feliz com algumas coisas que o Paulo disse. Conheçoo há bastante tempo; trabalhamos juntos, uma época, depois dividimos os caminhos, mas um acompanha o outro. É curioso como compartilhamos de algumas opiniões, de forma clara, como: as divisões de nomenclatura não interessam tanto, as divisões temáticas do que é o trabalho para banco ou detergente em pó também não é tão fundamental. O que interessa é desenvolver a sensibilidade para romper a prisão mental. FG – Jaime, se você me permite: minha percepção da pesquisa, hoje, é que há uma tendência a uma especialização cada vez maior. Pelo menos a imagem que os grandes Institutos projetam é, cada vez mais, de especialização em áreas bem determinadas. Entretanto, você – nesse terceiro item da sua trilogia – fala da importância estratégica que a pesquisa deveria assumir no relacionamento com a empresa. Você fala, na verdade, de preocupações que são de cunho geral estratégico. Será que os Institutos – como já ocorreu com as agências de propaganda – estão perdendo essa função de parceiro estratégico, que já tiveram no passado? PS – Acredito que estão é começando a ganhar. A visão que eu tenho – tentando ajudar também na questão mais histórica do processo – é de que pesquisa de mercado, num primeiro momento, lá atrás, tinha um caráter fortemente empirista e dependia da capacidade de percepção e análise de um indivíduo determinado. À medida que esse processo evoluiu, esse profissional começou a formatar o modo como estudava alguma coisa. E diria que – quase que num terceiro estágio desse processo – alguém o via formatar e começou a se formar um conjunto que eu chamo de "aprendiz de feiticeiro". Ele misturava rabo de cobra, duas asas de morcego e um pouco de ácido sulfúrico. Mas um dia falta rabo de cobra. E aí? Você precisa saber por que está usando rabo de cobra. Qual a substância que existe nele. Se eu souber, conceitualmente, que substância está ali, eventualmente, vou encontrar na casca do mamão a alternativa para a falta de rabo de cobra. Quando o negócio todo de pes- “Um vende pensamento e o outro vende só a medida.” quisa começou a crescer, foi-se gerando uma situação inadminis-trável, do ponto de vista empresarial. As empresas de pesquisas, até 10 anos atrás, estavam no princípio da Revolução Industrial. Como se equaciona isso? Como fazer o negócio crescer? Por outro lado, preciso formatar a minha poção mágica. Há pessoas que tenho que treinar para fazer isso. E aí, as empresas de pesquisa começam a formatar metodologias. E dar nomes para elas. Foi assim que o negócio de pesquisa cresceu, nos últimos anos – formatando técnicas, metodologias e dando nomes e fazendo o marketing daquilo como um produto de pesquisa. Esse processo foi fundamental para o negócio. É o que permitiu que o negócio crescesse, sem que você precisasse de um profissional com 20 anos de experiência. Porque você pega o indivíduo, implanta um chip na cabeça dele, ele aprende a fazer aquilo e isso permite que o negócio cresça. Esse é bem o estágio da pesquisa, hoje. Temos a sensação de que o mercado está se especializando, porque você treina um indivíduo para aplicar essa metodologia, um outro para aplicar essa metodologia e um 81 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 outro para aplicar essa metodologia. E aí tem o cara que vende e o cara que aplica a metodologia. Quanto mais isso acontece, quanto mais o processo se desenvolve e o negócio cresce, as empresas de pesquisa em nível mundial, nos últimos 10 anos, mais do que dobraram de tamanho. Como conseqüência, você tem um negócio muito maior, mas a margem foi lá embaixo. Trabalha-se com margens de 2%, 3%, o que é ridículo. E por quê? Porque não há valor agregado. Qual será o próximo estágio? Na minha perspectiva, é esse de que estava falando e que o Jaime está colocando. Se vocês vão começar um curso de pós-graduação, sugiro que você tenham filosofia, lingüística, epistemologia do conhecimento como parte do currículo. Porque, para ensinar técnica, não precisa de pós-graduação. Você pega um indivíduo, com R$ 2 mil treina e o ele sai fazendo. Mas pessoas que dominam conceitualmente – e sabem por que se usa rabo de 82 cobra – aí é que está o problema. E você precisa disso para poder dar esse salto, ao qual o Jaime estava se referindo. Em última instância, consegue gerar conhecimento, compreender o problema em sua totalidade e ter a visão de negócio para dar a esse conhecimento a visão aplicada de negócio. Porque também não adianta produzir – nessa área em que estamos – conhecimento se ele não for aplicado, no minuto seguinte, se não perde a função. E é nesse estágio que estamos mesmo em termos mundiais. A única diferença é que as empresas internacionais fazem um marketing um pouco melhor, trabalham mais a metodologia – simplesmente porque têm um pouco mais de dinheiro. Mas quando você pega a metodologia e vai destrinchando, percebe, em 99,9% dos casos, que é lixo. “Foram as agências de propaganda que começaram a introduzir pesquisa no Brasil.” FG – Paulo, você fez uma comparação entre a percepção de valor agregado que as empresas têm das empresas de pesquisa e das consultorias e que parece ser favorável à consultoria. Eles chamam a consultoria e perguntam: "O mercado está aí; tenho tais e tais problemas, tais e tais recursos; ajudeme a montar um modelo de desenvolvimento para os próximos 10 anos". É um negócio realmente difícil e ele vai pagar milhões por Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Associados, várias solicitações para consultoria, mas eu não quero, não acho que seja o momento da empresa fazer isso. Mas admito que é uma tendência. Quando surgiu a Internet, as agências de propaganda não perceberam, de imediato, o que significava aquela mudança – e, quando perceberam, embarcaram nele de maneira atabalhoada. Hoje reclamam de queda nos negócios. Se pesquisarmos, vamos descobrir que o que houve foi uma reprogramação na utilização da verba. Ela foi aplicada em promoção, em B-toB, ponto-de-venda e as agências estão paradas, pensando que o negócio delas é fazer anúncio para rádio, jornal e televisão. isso se for o caso. Na sua visão, seria possível que um dia chamassem empresas de pesquisa para fazer o mesmo tipo de consulta? PS – Essa é a condição de sobrevivência do negócio de pesquisa de mercado. É sua única condição de sobrevivência. JR – Mas o que faz a empresa que vende a coleta de dados? Elas estão mal preparadas, talvez, mas o cliente quer saber de um dado objetivo e não dispõe da máquina para fazer o trabalho. PS – Ele vai comprar custo básico, sem nenhum valor agregado. JR – De quem? PS – De algum produtor. JT – E muitos desses dados estão disponíveis hoje, a custo muito baixo, senão gratuito, através da Internet ou em publicações. O que custa é esse salto da inteligência – o cliente que nos chama para dizer: "Estou vendendo água Prata há 40 anos e as pessoas me dizem: Você tem uma marca conhecida, respeitada, um produto confiável. Como é que você acha que eu poderia desenvolver negócios, nos próximos 5 anos, a partir dessa plataforma?" Essa é uma pergunta típica para um pesquisador. FG – Não é! JT – Não estou dizendo que seja usual, mas é uma pergunta para ser respondida por um pesquisador. FG – Sem dúvida alguma. PS – E está sendo cada vez mais. FT – Concordo com o Jaime e o Paulo, que o negócio de pesquisa está passando por mudanças. Não pode ser sempre aquela atitude passiva, do grande perdigueiro que pega dado e mostra para ele – com boa interpretação ou não. Em determinadas circunstâncias, determinadas empresas querem uma definição de perfil mais elevada do que no passado. Quando se pensa em consultoria, a primeira coisa que vem à cabeça é: "Esse cara é da Getúlio Vargas, fez isso, fez aquilo". Quando se pensa no pesquisador, não se atribui a ele a qualificação de ser um homem de consultoria, que pode chegar e apresentar um relatório, com propostas sobre o que fazer. Temos, na Toledo “A maior velocidade nas decisões e nas ações de marketing têm muito a ver com a tecnologia de pesquisa.” FG – A coisa é curiosa. No tempo em que fui diretor de contas, em agências, eu era um consultor dos meus grandes clientes. Participava de conversas e decisões estratégicas de companhias do porte de uma Nestlé, Anakol, Goodyear, General Motors. É evidente que isso não acontece hoje. O homem da agência não é mais chamado para participar dessas discussões estratosféricas, é mais o dia-a-dia operacional. CF – São pouquíssimas as pessoas eleitas, dentro da agência, para participar dessas discussões com o cliente. Hoje você encontra diretores de contas com 27 anos – nas agências – que têm nível de diretor de contas, mas não tiveram formação adequada para ser convidados por um diretor de marketing ou pelo presidente de uma grande corporação para participar das decisões estratégicas da companhia. Acho que são pouquíssimas, essas pessoas, e – mesmo quando existem – têm uma função estratégica dentro da própria agência e não necessariamente têm tempo para aconselhar o cliente. FG – Para concluir meu pensamento: quando as empresas precisam de parceiros para diálogos estratégicos, já não podem mais contar com a 83 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 agência. Contaram, talvez, com empresas de pesquisa no passado – não sei. Mas, certamente, não contam mais, pela imagem que a gente está percebendo, nesse debate. Em desespero de causa, são obrigados a recorrer aos benditos consultores. CF – E na relação, por exemplo, de pré-teste, pós-teste? Daina – Fui agência até um ano atrás. Aliás, sou mais agência do que Instituto e concordo com o Celso. Em todas as agências há uma ou mais pessoas que se envolvem – e muito – com o cliente. Mas também do lado do anunciante, as pessoas não estão preparadas para fazer isso. Da mesma forma que você tem um atendimento com gente jovem, nas agências, do outro lado também. Então, juntam-se as duas coisas. CF – Não a agência. A agência recomenda normalmente aos clientes. CF – Nas grandes agências, em geral, há uma pessoa que faz o papel – não só de atendimento – mas tem pensamento estratégico, dentro da agência. Às vezes é o próprio atendimento, às vezes é um diretor de planejamento. O enxugamento das agências fez com que o diretor de contas, ou vicepresidente, ficassem tão envolvidos com a própria operação, a realização das coisas, que foi impedido de parar para pensar e dedicar aquele tempo – que você tinha, Gracioso – para pensar o negócio do cliente. PS – Desde quando a agência faz pré-teste? Desde quando a agência coloca um centavo para fazer um pré-teste ou um pós-teste? PS – A agência não recomenda. Quando o cliente insiste, a agência aceita. Se o resultado for bom, você é maravilhoso; se for ruim, foi problema de metodologia. Há 35 anos ouço essa ladainha. O fato é que a agência desempenhou um papel de liderança no processo de introdução e desenvolvimento de pesquisa de mercado no Brasil. Agora, it's over! Acabou. cliente, as reuniões com o Instituto de Pesquisa eram uma coisa e reunião com agência era outra. E quem cuidava disso era o marketing. Daina – Acho que há uma parte de planejamento, de comunicação e de marketing que é feita em conjunto – agência e cliente. PS – Pois eu tenho uma visão completamente diferente. Fico pensando e acho que nem 1% da receita vem de agência de propaganda. Se meu negócio depender de agência de propaganda, estou morto. Há alguma coisa na mídia, mas fora da mídia, não existe. CF – Quem compra a informação é o cliente, mas a operação é conjunta. JT – No caso do Toledo, do Paulo, do meu, se chegar a 5%, hoje, o volume de negócios que entram para a empresa através de uma agência, é muito. FG – Com 25% de comissão, era fácil. CF – É verdade. Ganhava-se honorários que permitiam uma estrutura mais generosa. Eu diria que isso se perdeu. Mas ainda existem, dentro das agências, pessoas dedicadas a pensar estrategicamente o negócio do cliente. Talvez, não com a mesma profundidade. E aí que entram, por exemplo, os Institutos de Pesquisa como os aliados dessas pessoas – seja no atendimento ou no planejamento. JR – Por que vocês insistem em ligar agência de propaganda com Instituto de Pesquisa? Pode ser que a pesquisa, no Brasil, tenha nascido nas agências, mas, quando eu fui 84 Daina – Mas algumas vezes entra através da agência. O cliente paga, mas num mix que foi feito junto… “Eles têm "templates" para fazer isso tudo, mas nem eles sabem usar.” JT – Mas a iniciativa é do cliente. E muitas vezes, na agência, afirmam que eles é que lhe recomendaram, mas você vai conversar com o cliente e percebe que não foi. FT – Concordo que há uma relação. A minha empresa também não vive nem 5% de projetos vindos por intermédio de agência. Mas, veja bem: estamos falando de serviços de marketing, externos às empresas. Os principais são propaganda, pesquisa de mercado e, às vezes, rela- Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 ções públicas. Então o cliente quase automaticamente agrupa agência com instituto de Pesquisa. Mas, até uns 2, 3 anos atrás, a agência tinha muito mais prestígio do que o Instituto de Pesquisa e, hoje, já não é assim. Por isso que eu digo que a organização formal, no negócio da propaganda, contribuiu muito. Na medida em que formos nos organizando – e não querendo ser cartoriais –, conseguiremos chegar ao cliente para mostrar que o pessoal do Instituto pode discutir sobre estratégia, sobre logística... PS – Na medida em que nos formos qualificando. FT – Vocês já se deram conta de que nós, pesquisadores, sabemos muito? O Paulo sabe demais. O Jaime sabe demais. Eu sei demais. Por quê? Porque estamos, a cada dia, pesquisando produtos de natureza completamente diferente. Gracioso, em toda sua carreira, alguma vez, você já pensou em potencial de mercado para cemitério de animal doméstico – cemitério? Pois eu fiz uma pesquisa, recentemente, para um crematório de animal doméstico. O que aprendi foi fantástico. Nas entrevistas, pessoas que haviam perdido, há pouco tempo, um animal, começavam a chorar quando falavam dele. E se existisse o crematório, eles comprariam, porque a morte de um cachorro, gato é um problema sério de saúde pública. Quem tem uma casa maior, enterra no jardim. E quem não tem? Muitas vezes vai para o esgoto. Pesquisas dessa natureza – de distúrbios mentais, telecomunicações, shopping – todos nós aprendemos muito. Quando o cliente souber disso, poderemos conquistar sua confiança. Ele dirá: "Esse cara pode falar comigo sobre estratégia". Agora, no operacional, acho que os dados secundários cada vez mais vão ficar por conta do cliente – bem como o sistema de gerenciamento disso, e do levantamento dos dados. Como disse o Jai- me, hoje está muito fácil coletar dados na Internet. Mas não os dados primários. Para esses, sempre haverá os Institutos de Pesquisa. JT – Acho que nós, pesquisadores, precisamos dar os passos corretos para não sermos as agências do ano 2020. JR – Vocês ainda se dão tanto tempo assim? JT – Talvez 2010. Vejo que roubei a frase do presidente da Mercedes, que falou isso quando lançava o Classe A: "Nós não queremos ser o Rolls Royce do ano 2020". A idéia é “Não existe mais esse tempo, não dá mais para trabalhar num teste de conceito de 2 meses.” essa. Sei que o negócio é outro; tem outra dinâmica; remuneração diferente, mas é para evitar que, de alguma forma, a gente corra o mesmo risco. PS – As grandes empresas mundiais de pesquisa passaram a década de 80 estagnadas. Na década de 90, elas iniciaram um processo de crescimento – na verdade, as empresas de pesquisa foram as últimas a internacionalizar-se. Todas, ao longo da década de 90, apresentaram um crescimento vertiginoso, essencialmente em função da internacionalização. Nos seus países, o negócio continuou "flat", mas elas cresceram em função da diversificação internacional. Apesar de terem mais do que dobrado de tamanho, suas margens mantêm-se em volta de 2%. Como é que vão sobreviver daqui para a frente? Acabou o processo de crescimento pela internacionalização e em função da incorporação de negócios regionais. E agora? Com essa margenzinha de 2%, como vão ser os próximos 5 anos? Como é que se vai ganhar dinheiro? JR – Mas você está vendo isso do ponto de vista do empresário, o que é muito compreensivo. E o mercado de trabalho? 85 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pessoal muito grande – e com níveis de escolaridade e capacitação intelectual ascendente. FG – Daina, no contexto da pesquisa de mídia – que, sei, continua sendo muito importante – há muito anos trabalhamos com modelos de simulação, que não devem ter avançado muito. Mas, também há muitos anos, fala-se da otimização como o alvo final. Já chegamos lá, ou ainda há obstáculos no caminho? FG – O que ele diz reflete, evidentemente, o mercado de trabalho. JR – Sim. Mas ele também disse que as empresas cresceram. Hoje, no Brasil, há mais pessoas trabalhando em pesquisa de mercado do que há 20 anos – o número de profissionais é muito maior. Como o profissional não é empresário, ele não raciocina em termos de 2% de margem, mas do que recebe de salários. FG – Aparentemente, todos concordam com essa sua afirmação de que há mais gente trabalhando em pesquisa. Mas isso não se deve ao fato de que existem mais áreas que nós associamos à pesquisa? Por exemplo, toda a enorme área de auditoria de varejo e de consumo – que hoje é importantíssima – deve empregar milhares de pessoas e praticamente não existia há 10 anos. FT – Cresceu aquilo que o mercado demandava. Mas não nos esqueçamos do seguinte. Na época em que você era executivo da McCannErickson – uma fábrica da Volkswagen tinha 15 mil empregados; hoje, tem 2 mil. Um dos 86 callcenters da Atento tem 8 mil pessoas trabalhando. Isso é um fenômeno. Mas o que eles fazem é pesquisa? Não. Eles fazem uma série de coisas, algumas, inclusive, assemelhadas a pesquisa. Na pesquisa, a tecnologia não refletiu tanto em demissão de pessoal. Pelo contrário, nos Estados Unidos, hoje, é impensável fazer certas pesquisas com entrevistas domiciliares. Hoje, há telefone com videofone. Daqui a pouco, vamos poder fazer teste de cor e formato pelo videofone. Então, a pesquisa, de certa forma, tem mantido um grau de ocupação de “Quanto mais se automatiza o processo, menos conhecimento efetivo das pessoas acaba gerando.” Daina – Chegamos. O que acontece com a otimização é uma questão de software. O banco de dados é o mesmo: o mesmo que simula, o mesmo de que você faz análise. O que se precisa para a otimização? Um software que consiga juntar as informações que você está pedindo para montar um plano de mídia. O primeiro software de otimização foi feito pela Marplan – em 80, 81. Era um software bastante sofisticado, fazia otimização de todos os meios, inclusive multimídia e tinha um conceito interessante, que era o de diminuir o desvio-padrão da distribuição de freqüência. O que ele fazia? Juntar o maior número de pessoas num determinado ponto da distribuição de freqüência, em torno da freqüência média. Foi um software sofisticado para a época, e o mercado não o entendeu muito bem, até porque, na medida em que ele otimizava, precisava de mais verba. O mercado também entrou, naquela época – 81, 82 – numa forte crise; vieram planos econômicos um atrás do outro e ninguém mais falou em otimização. No exterior, foram desenvolvidos e testados outros modelos de otimização, e alguns estão em uso no mercado. Nesse momento, estou implantando no mercado, pela IpsosMarplan, um software que tem desde a análise, o planejamento e a otimização de mídia. O que nós aprendemos sobre otimização? Que otimização não é apertar um botão e deixar o computador fazer um plano de mídia. Otimização é você saber Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 muito bem o que quer de um plano de mídia, definir uma estratégia e buscar a melhor combinação que um computador pode fazer e que você não conseguiria fazer por mais contas que fosse possível fazer. CF – O software é burro, não é? Você precisa orientá-lo. Daina – Exatamente. E nós estamos orientando o mercado. FG – E as agências, os grandes anunciantes estão revelando interesse nesse projeto? Daina – Sim. É um software que ajuda – e muito. Só que cada vez mais as pessoas aprenderam, nesse tempo todo, a apertar botão. Então, são pouquíssimas as que conseguem sentar na frente de um software desses e montar um plano, começando desde uma análise do público-alvo – de que ele precisa, qual a sua estratégia, a tática - porque você tem que estar muito integrado com o marketing do cliente, saber muito bem interpretar o briefing e buscar os objetivos de mídia. FT – Gostaria de contar uma história. Em 1993, desenvolvi, com um técnico muito competente, um sistema de medição de audiência de televisão com características diferentes do que existia no mercado, pelo IBOPE. Com um controle, você entrava no lar dos seus colaboradores e fazia uma pesquisa da programação – se estava gostando do que via – para programas ao vivo e também gravados. Foi testado e mostrei, em primeira mão para O Estado de S. Paulo – e eles deram uma página de matéria. Um banco que financiaria o projeto de U$ 40 milhões – e seria sócio. Fui procurar a Globo. O diretor de comunicações, na época, era um amigo, que me disse: "Ah! Toledo. Deixe para lá. Já tem o IBOPE". Aí fui no SBT e o Guilherme Stoliar disse: "Desculpe Toledo. Não vou fazer isso porque nós temos um técnico chamado Alfonso e ele vai lançar o alfonsímetro". Isso foi em 1993 e só está sendo lançado agora! E eu disse que não queria financiamento. As emissoras de televisão deram U$1,75 milhão para o IBOPE para implantação do tevêmetro e as agências deram U$ 750 mil. Fui nas agências de propaganda e o presidente da ABAP era o Roberto “A qualidade dos briefings de pesquisa é quase inexistente.” 87 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Duailibi. Ele disse: "Toledo, nós não temos dinheiro para lhe dar". E eu disse a ele que só queria assinatura; não queria dinheiro. Em 1993, a Toledo Associados investiu U$ 70 mil no desenvolvimento desse sistema e ele não foi aceito porque o mercado não tinha interesse de ter um concorrente para o IBOPE. Hoje, o Sílvio Santos está esbravejando – e diz que, finalmente, vai lançar o alfonsímetro. Nós queremos lançar, em 2003, uma medição eletrônica de audiência de rádio. Vamos ver se agora eu consigo. Daina – Na área de pesquisa de mídia, a concorrência é complicada porque não dá para comprar dois; tem-se que optar por um. Inclusive, a Ipsos-Marplan sobrevive com o IBOPE do outro lado, cada um fazendo uma coisa. Um procura não entrar na área do outro. JR – Vamos falar um pouco sobre o mercado de trabalho. PS – Eu acho que, quando a Daina falou sobre os modelos de otimização em mídia, a forma como você explicou que funcionam e a desmistificação dos modelos – o que se aprendeu aqui é que não é só apertar o botão. Esse é o ponto X da história. Eu fiz especialização em forecasting e o grande segredo é justamente você não acreditar que os modelos vão resolver – que é só apertar o botão e o modelo resolve. Houve uma época que a moda eram as análises multivariadas, quando se acreditava que, para fazer segmentação, bastava ter um grande conjunto de variáveis, punha tudo no computador e saía tudo pronto. Foi-se descobrindo, através da experiência com o uso de tecnologia mais avançada, que se precisava de conhecimento avançado, previamente, para poder manipular o modelo matemático, o modelo de software e o seu uso deveria ocorrer de forma experimental, com um bom domínio sobre onde você 88 Daina – É esse que vai ter. “O entendimento do cliente foi o inverso do que estava sendo demonstrado. Não um pouco diferente; inteiramente contrário.” queria chegar e, aí, você ia usando os instrumentos tecnológicos. Acho que esse processo só se acentuou, de lá para cá, e é ele que determina a cara do profissional do futuro. Esse profissional terá que ser muito menos um aprendiz de receitas e muito mais um homem de conhecimento, que domina a questão conceitual por trás das metodologias e desse conhecimento. JR – Além da matemática envolvida. PS – Além da técnica. Mas a técnica é fácil de ensinar. Você pega o indivíduo, treina, implanta o chip e ele faz. A questão é o domínio do conhecimento. Por isso, eu acho que, se a Escola vai fazer um curso de pósgraduação nessa área, ela tem um papel muito importante a desempenhar – que é o de dar formação para que esses profissionais não saiam apenas como técnicos de pesquisas, mas como pessoas com a capacidade de gerar conhecimento e saber utilizar os instrumentais tecnológicos que vão estar disponíveis. Esse é o caminho. Daqui para a frente, se houver alguém interessado em pesquisa de mercado, eu diria que é isso que ele deveria procurar. JR – Esse profissional vai ter trabalho ou emprego? PS – Eu diria que esse é o único que vai ter um ou outro e com remuneração adequada. Essa história que estamos discutindo de agência, pesquisa é uma questão de qualificação. Onde são empregados todos os profissionais que chegam com MBA feito fora do Brasil? Nas agências? FG – Não. Nas consultorias. PS – Nas consultorias ou nos anunciantes. Em pesquisa de mercado, você tem profissionais qualificados pela vida e pela experiência profissional adquirida ao longo do tempo. Mas não vai dar para esperar 35 anos para o indivíduo se qualificar. Então, ele tem que ter uma formação escolar que lhe dê esse nível de qualificação. JR – Vocês estão falando em pós-graduação. Mas, de que área ele deve vir? Da área quantitativa, engenharia? PS – Eu fiz Ciências Sociais e demorei 4 anos para entender onde estava a verdadeira riqueza de ter feito Ciências Sociais. A InterScience chama-se InterScience não por acaso. Foi porque eu entendi que tinha de estudar uma determinada realidade. E, do mesmo modo que eu não podia segmentá-la com instrumental qualitativo e quantitativo, eu não poderia estudá-la através de ópticas específicas da psicologia, vendo apenas o útero materno; ou da economia, vendo apenas valores e utilidades. Eu tinha que estudar a realidade na multiplicidade das suas dimensões. E isso era o que a Sociologia me tinha dado e o nome InterScience vem daí. Análise de uma realidade por múltiplas ópticas, por múltiplas ciências. Se essa formação multidisciplinar vai ser dada pela sociologia, então ele deveria ser um sociólogo; se for dada por uma outra ciência qualquer, ele deve ser essa outra coisa. O fato é que se precisa ter essa formação multidisciplinar Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 focada na análise de uma realidade. Ou uma visão de negócio. Tem que ter muito cuidado para não deixar de ter uma visão de negócio, porque o sociólogo também é mestre em fazer essa análise multidisciplinar e, depois, não saber aplicar no negócio. A visão de negócio é vital. JT – Eu queria reforçar o que o Paulo está dizendo. O cara que tem apenas essa conceituação acadêmica, ampla, rica de sociologia, vai, mas não volta. E, se você vai, mas não volta, cria grandes ensaios, poesias. E, se você não vai, é medíocre. O profissional rico – desse futuro do qual estamos falando – é esse cara capaz de ter essa abertura universalista, além de saber andar de patins – e que vai e volta. FT – Também tive uma escolaridade confusa. Comecei fazendo direito; no 4.º ano veio a Revolução de 64 e abandonei o curso. Tive uma atuação em política estudantil. Mas pensei: não vai haver mais estado de direito no Brasil, então vou parar. Aí fiz a ESPM, na época que ainda era Escola Superior de Propaganda de São Paulo. Com muita honra, tive o Gracioso como professor de atendimento e planejamento. Depois, fiz o curso da Fundação Brasileira de Marketing. O que eu consegui de melhor na Sociologia – fiz o curso de Sociologia na Fundação Escola de Sociologia e Política – foi organizar o meu conhecimento. Foi muito importante. E aconselho – mesmo que não sejam oriundos da área de sociologia – que no curso de vocês tenham Sociologia, Psicologia Social, Metodologia. JR – Mas qual é a diferença essencial desse profissional que vocês estão descrevendo para o estrategista de marketing? PS – Tenho um filho que terminou de fazer o MBA fora do Brasil e a síntese dele era de que estava aprendendo as técnicas para tirar a última gota de uma laranja esmagada, isso era o que estava tendo no curso. O que é típico, numa sociedade desenvolvida onde tudo que é produzido virou plástico. A diferença é justamente aí. Porque esse processo contínuo de esmagamento da laranja liquida o mercado no estágio seguinte – leva a sociedade a um processo de desintegração, que é o que está ocorrendo na sociedade norte-americana e que ocorreu nas grandes empresas e corporações dos Estados Unidos. Aplicaram-se essas técnicas de negócio e de finanças, esse processo todo, sem uma visão de futuro e destruiu-se o negócio futuro em função do objetivo do curto prazo. Só se você tiver essa formação mais abrangente, consegue enxergar isso. Acho que a sociedade como um todo caminha para um outro estágio. Esses dias, estava lendo 89 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 uma matéria que falava de um processo que começa a ocorrer na Europa, a Slow Food. Quanto mais plástico houver, mais vai-se valorizar o trabalho manual, artesanal qualificado. Com o desenvolvimento da China – e a massificação, a pulverização de produtos de baixíssimo valor agregado ao mercado – o que vai começar a ter valor são as coisas absolutamente diferenciadas, que ocuparem espaços específicos. Vejam o processo de destruição de marcas que está ocorrendo em todo o mundo. Assim que uma marca começa a ter certa legitimidade, criam-se 555 extensões, e ela vira nada. Na minha perspectiva, o que se vislumbra é uma outra realidade. Essas manifestações contra os processos de globalização estão ocorrendo no primeiro mundo, justamente onde estão os supostos beneficiários dos processos. São sinais que o mundo começa a dar de que há uma outra realidade. E essa outra realidade, sob certos aspectos – depois desse processo que você acentuou o processo de industrialização, de competição, de lucro. A FEDESC, a semana passada, aumentou o lucro dela no trimestre em 24%. No mesmo dia, as ações caíram 12% porque esperavam mais. FT – E esse profissional deve ter a consciência daquilo que Robert Heiblonner escreveu, que diz o seguinte: “As mudanças são as únicas certezas que existem”. Outra coisa: esse profissional estrategista tem que ficar atento a tudo que está acontecendo. Como, por exemplo, um movimento que existe hoje nos Estados Unidos, chamado “Voluntary Simplicity” – “Simplicidade voluntária”. Vocês não fazem idéia de quanto esse movimento está crescendo e a mídia não fala, ninguém toca no assunto porque ataca frontalmente a nossa concepção de consumo. Então, é preciso estar atento. CF – A gente falou sobre os 10, 20 anos de pesquisa e acabamos não 90 “Até hoje não consegui encontrar uma só empresa que tivesse o cadastro de seus clientes, apesar de todos os computadores.” falando da própria pesquisa de mídia com relação a essa evolução. Eu peguei a fase crucial. A grande dificuldade que existia, o acesso à pesquisa de mídia era feito, basicamente, pelo IBOPE. A Marplan enfrentava uma luta para conseguir vender. Hoje, existe uma oferta de informação no mercado. Talvez não se tenha nem a quantidade de profissionais necessários para manuseá-las e uma época em que nossa luta era para ter a informação. Daina – Ela era quantitativa; hoje, é qualitativa e falta mão-de-obra para isso. Estamos vivendo um momento complicadíssimo. FT – Queria deixar registrado o meu pedido, de que o governo, nos três níveis – Federal, Estadual e Municipal – respeite a atividade de pesquisa, a qual usam muito, e concedamnos o direito de participar de concorrências, independentemente da participação das agências e das verbas alocadas para a propaganda. Acho que é um direito profissional – e quanto mais um governo, uma administração, trabalhar tendo, a seu lado, um homem de pesquisa, melhor ele vai saber interpretar as necessidades da população. JT – Gostaria de deixar três mensagens para os alunos, e para os profissionais de pesquisa que acre- ditam no desenvolvimento dessa atividade – para quem estiver lendo a revista – lembrando que nós vamos crescer em importância – independentemente da importância das associações – se, em primeiro lugar, a gente lembrar uma frase de um publicitário norte-americano: “Você não entra na carteira do consumidor sem antes entrar na vida dele”. Se não conseguirmos entender que precisamos de menos numerologia e de mais antropologia. A segunda é que nós somos profissionais de mercado, profissionais de negócio. É preciso acabar com a sensação de que ainda existem muitos pesquisadores, que nós somos acadêmicos, cientistas e que não nos envolvemos com o dia-adia das decisões comerciais. E a terceira é o grande desafio de criar e aperfeiçoar mecanismos de avaliação de eficácia para marketing. O Don Schutz, da Kellogg’s dizia: “Ou vamos fazer isso e criar sistemas que ajudem a entender o nível de risco ou potencialidade de investimento, e vamos ter essas métricas nas mãos; ou os financeiros das empresas vão começar a fazer isso por nós, porque eles estão mais habituados com esse tipo de linguagem.” Isso pode acontecer e seria um pecado mortal para a nossa profissão. Essas três mensagens são positivas. Falamos muito de problemas que vivemos na história – como ela está cheia de obstáculos e armadilhas – mas essas são três mensagens para a frente, positivas, para quem nos estiver lendo, num futuro próximo. JR – Acho as três mensagens muito adequadas para o encerramento dessa mesa-redonda e quero, em nome da Revista da ESPM e da própria ESPM, agradecer a contribuição que vocês trouxeram para esse nosso trabalho, essa tentativa cotidiana de preparar melhores profissionais de propaganda e marketing para o Brasil. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Entrevista com Carlos Augusto Montenegro A experiência de entrevistar Carlos Augusto Montenegro é a de lidar com uma dupla celebridade. Uma é a do entrevistado, que – além de ter ficado conhecido em todo o Brasil pelo público esportivo, como o apaixonado dirigente do Botafogo do Rio – também se torna uma das presenças mais requisitadas pelos veículos de comunicação em tempos de eleição. Não há quem não queira conhecer as previsões de Montenegro para os resultados eleitorais – a começar pelos candidatos em todos os níveis, os ministros e o próprio presidente da República em exercício. “Infelizmente – ou felizmente – isso acaba”, confidenciou-me C.A.M., “no dia seguinte ao das eleições, agora que os resultados saem quase instantaneamente”. Aliás, foi por essa razão que marcamos a entrevista para a Revista da ESPM para uma semana depois das eleições. A outra celebridade é do próprio IBOPE. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – como foi batizado pelo seu fundador, o radialista e meu primo, em segundo grau, Auricélio Penteado, em 1942 – ficou não só universalmente conhecido pela sigla, como se transformou em sinônimo de pesquisa, entrando para os dicionários da língua como outras marcas tornadas substantivos comuns, como gilete, aspirina ou maizena... Assim, a escolha de Montenegro como entrevistado dessa edição de nossa revista cujo tema principal é a pesquisa de mercado, constitui-se também numa dupla homenagem: ao profissional que presidiu à transformação de um negócio familiar (em 1950, o IBOPE passou dos Penteados aos Montenegros) em grande empresa multinacional e à instituição que se transformou em sinônimo da própria atividade de pesquisa e é o mais importante grupo brasileiro do setor, hoje incluindo-se entre os mais importantes de todo o mundo. J. Roberto Whitaker Penteado 91 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 JR – Carlos, o IBOPE, fundado em 1942, tem 60 anos e é uma instituição respeitada no Brasil e no exterior. Como você estabeleceria o paralelo entre o desenvolvimento do IBOPE e o desenvolvimento do marketing brasileiro? CM – O IBOPE foi fundado em 3 de maio de 1942. Por ter sido o primeiro da América Latina, acabou ficando muito conhecido pelo aspecto da pesquisa de audiência, tanto de rádio e, a partir dos anos 50, de televisão. Seguimos a televisão desde o seu início e – com isso – você passa a ter um nicho de clientes que são as agências de publicidade, os anunciantes e os próprios veículos. Na pesquisa de mercado, atuamos através da IBOPE Solution. Outra 92 empresa do Grupo cuida do painel de consumidores; é um painel com cerca de 6 mil famílias, no Brasil, visitadas semanalmente para ver que produtos consomem – desde alimentícios até cartão de crédito etc. Outra empresa que contribuiu para tornar o IBOPE conhecido foi a de opinião pública – a parte política. Enfim, não é comum, hoje em dia, institutos que atuem em tantas áreas, pois o que há, no mundo, são grandes empresas, especializadas apenas em audiência de televisão, rádio ou as que fazem pesquisa de mercado, pesquisa adhoc. A Nielsen, por exemplo, faz um painel diferente do nosso que é um painel de varejo; o nosso é de consumo. Você tem empresas como Datafolha, Vox Populi, especializadas em pesquisas políticas. E, no mundo, “Não é comum, hoje em dia, institutos que atuem em tantas áreas.” há a GFK, uma grande empresa alemã especializada em audiência. Hoje, mais do que as pesquisas, isoladamente, os clientes querem a informação; não querem só dados; Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 querem a informação e com recomendações. Nisso, o IBOPE tem certa facilidade porque pode cruzar uma quantidade de informações de várias fontes e fornecer elementos estratégicos em relação ao consumidor. JR – Por que vocês continuaram a ser um Instituto full-service, enquanto as outras se especializaram? JR – O IBOPE é controlado majoritariamente pelos sócios brasileiros? “Mais do que as pesquisas, isoladamente, os clientes querem a informação.” CM – Sinceramente, acho que foi o acaso e não uma estratégia. A maior glória do IBOPE é ter entrado no dicionário. JR – Vocês devem ser o único caso, no mundo, de uma empresa que virou sinônimo de pesquisa... CM – Entrar no Aurélio foi motivo de orgulho para nós. As pessoas passaram a usar o termo – o programa tal dá ibope, fulano dá ibope. -- ibope. ---[De Ibope, Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística.] S. m. Bras. 1. Número-índice (q. v.) obtido mediante pesquisas de opinião pública, com a primordial finalidade de orientar a propaganda e a moderna técnica de vendas, preparar estudos de mercado e fazer sondagens sobre preferências do público. 2 . Restr. Índice de audiência (4): [€] 3. P. ext. Prestígio (4): [€] JR – Vocês estão ligados a algum grupo multinacional? CM – Vários. JR – Como acionistas? CM – Nesse caso, também o IBOPE foi pioneiro no Brasil e na América Latina. Hoje, temos concorrentes importantes, sérios, em cada área de atuação. Em painel, a Nielsen. Se bem que é metade concorrente e metade dos serviços são complementares. Eles informam, com muita precisão, a quantidade dos produtos vendidos e nós ajudamos, informando quem comprou e por quê, já que fazem auditoria nas lojas, mas não sabem quem compra. E nós sabemos, através da pesquisa pelo painel de consumidores. Mas, embora isso não tenha sido uma estratégia, essa posição nos favorece, esse mix de informações, porque o mercado está preocupado em orientação, mais do que quantidade de informações ou pura e simplesmente só dados sobre audiência, política, só painel de consumidores ou software. Eles querem de tudo, mas principalmente querem soluções. “A maior glória do IBOPE é ter entrado no dicionário.” CM – Sim, o que fizemos foi uma holding – o IBOPEPAR – onde, na mídia, temos cerca de 60% da empresa. Somos sócios da WPP e da Nielsen. A WPP tem cerca de 30% e a Nielsen 10%. No caso da IBOPE Solution, nosso sócio é o Nelson Marangoni. No Painel de Consumidores, temos, como sócios, a NPD, que é uma empresa especializada norte-americana, e a Taylor Nelson, que é inglesa e que comprou a operação francesa e a maior empresa de painéis da Europa. Na área da pesquisa política, não temos sócios. JR – Quando o Auricélio Penteado chamou a empresa que fundara de Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, você não acha que ele estava sendo meio profético? CM – Hoje em dia é difícil você colocar as expressões “Brasil” ou “brasileiro” na sua marca. Naquela época, era possível, e isso fez com que – durante muito tempo, até hoje – muita gente não soubesse que o IBOPE é uma empresa privada. Acham que é do governo. No começo, isso incomodava um pouco; hoje em dia, é até positivo. Engraçado é que esse nome tão imponente – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística –, que todos achavam muito comprido, acabou como sigla, IBOPE, e o que entrou no dicionário foi a sigla. JR – Não sei se você viveu uma fase – no final dos anos 60 – em que o IBOPE não era muito boa referência. Eu era gerente de produtos e, quando precisávamos de pesquisas, preferíamos contratar os serviços de outras empresas, porque o IBOPE não tinha a melhor imagem, havia perdido um pouco de credibilidade. Você passou por essa experiência? 93 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Eu soube disso. Acho que peguei só o final dessa fase e foi por contingências, entrei aqui por acaso. Meu pai teve um problema de saúde, na época, eu estava cursando engenharia e entrei para fazer um estágio. Lá se vão 30 anos. Entrei e gostei tanto, que parei meu curso de engenharia e fui fazer um curso de administração/economia. Mas vender pesquisa, naquela época, era muito difícil. As pessoas não davam valor à informação, como hoje. Chamavam o IBOPE de “miséria dourada”. Miséria porque era uma empresa cheia de problemas, com falta de dinheiro – às vezes, até falta de credibilidade – e dourada pela força do nome. Quando entrei, tínhamos, realmente, muitos problemas, problemas trabalhistas – funcionários que não eram optantes do FGTS e que se tornaram, praticamente, donos da empresa. Foi um trabalho grande. Meu irmão entrou logo depois e me ajudou muito. Havíamos chegado à conclusão de que, entre construir uma casa nova ou reformar a antiga, era melhor construir uma nova. Mas, no nosso caso, estávamos impedidos pela força do nome IBOPE. “Então, vamos ter 94 que reformar a antiga” – decidimos. Logo descobrimos que todo o legado quase que se resumia na força do nome, que tinha credibilidade, seriedade, ética da empresa – e que o nosso negócio era principalmente pessoas com credibilidade. Essa era a matéria-prima do IBOPE – as pessoas que analisam, que tabulam os dados. E começamos a investir em pessoas. Mais adiante é que abrimos o leque. Depois dessa reforma concluída, fomos atrás de pessoas reconhecidas no mercado como o Paulo Pinheiro, o Castelneau, que tinham a AudiTV. Fizemos questão que integrassem o Grupo e aprendemos muito com eles. Nós uníamos a nossa juventude e vontade de expandir com a experiência que eles tinham, junto com a do meu pai, pois ele voltara a atuar nessa época, como conselheiro. A década de 70 foi de consolidação. A década de 80 foi para encontrar profissionais de gabarito. No final de 80, início de 90, foi a nossa entrada na América Latina, medindo audiência e isso consolidou de vez o Grupo. Mais recentemente veio o Marangoni, para a área de mercado. Também conseguimos trazer a Vera Frucci para dirigir a Millward Brown, que é mais uma empresa do Grupo. Enfim, “Hoje em dia é difícil você colocar as expressões "Brasil" ou "brasileiro" na sua marca.” conseguimos preservar as grandes pessoas, como a Márcia Cavallari, que dirige a opinião pública, o Luiz Antonio Silveira da Mota que, junto com o pai, desenvolveu o aparelho medidor de audiência de TV. Creio que o segredo do IBOPE é um pouco isso – talento e trabalho JR – Além dessas pessoas que você mencionou, há o filho do Homero Icaza Sanchez... CM – O Homero Icaza Filho, que cuida de mais de uma área de dados. Tem a Ana Lúcia que cuida de toda a área de mídia, o Flávio Ferrari e o Carlos Ferrari, que são pessoas bem conhecidas nessa área. Apesar de controlar a holding que coordena tudo, demos autonomia a eles, sempre pensando em crescer. E, nesse país, com todos os problemas que temos – a desvalorização do real –, mesmo assim, estamos entre as 25 maiores empresas do mundo. Vocês, da ESPM – que completou 50 anos – sabem o que é uma empresa brasileira sobreviver 50, 60 anos nesse país confuso – vários regimes etc. – é complicado. JR – Você deve ter ouvido ou lido uma frase do Millor Fernandes que diz o seguinte: “Os Institutos de Pesquisa continuam a fazer as suas pesquisas científicas, mas o povo insiste em continuar votando leigo”. Com essa ironia, o Millor está verbalizando um preconceito da nossa cultura, de que os institutos, de alguma forma, enganam, influenciam ou manipulam. Existe quase que um culto popular de desconfiança em relação à pesquisa. Você deve ter vivido isso, inclusive, aparecendo na imprensa, sido questionado. Como você vê a inserção de uma instituição científica, que lida com estatística, uma ciência exata, nessa nossa cultura brasileira, que rejeita a matemática? Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Existe muita gente que não acredita em pesquisa. Isso é natural. Mas, com relação à manipulação, eu acho que o Instituto que manipular qualquer resultado – e isso for comprovado – fecha as portas no dia seguinte. É mais fácil, antes de manipular, vender a sua empresa, do que fazer uma coisa dessas. Qual é o patrimônio de um Instituto de Pesquisa, especialmente na área de audiência e de pesquisa eleitoral? É a credibilidade. Ao mesmo tempo, os erros ocorrem... A pesquisa política é a única em que se podem comprovar os resultados 20 horas depois. No resto, a comprovação é muito difícil, pois o IBOPE, esse ano, deu muita sorte. Fez pesquisas nos 27 Estados e não houve problema. Isso é raro, tivemos até um pouco de sorte. Se se fazem os 27 Estados e o Brasil, obrigatoriamente, você deveria ter problema em um ou outro. Às vezes, um Estado tem muitos indecisos, que decidem em cima da hora. E a gente não faz boca de urna em todos. Quanto à influência da pesquisa na própria eleição já está provado que é zero. O que eu acho é que a pesquisa pode ter uma influência indireta. Por exemplo, nas capa de revistas, no espaço da mídia. A mídia gosta de dedicar espaço aos candidatos mais bem colocados. Segundo, o financiamento de campanhas. Os que investem preferem os que estão mais bem colocados. Na coligação de partidos: o que está mais fraco faz coligação com o que está mais forte. No ânimo ou desânimo dos cabos eleitorais. A cada divulgação, há os que comemoram mais. Agora, influenciar o eleitor a votar em quem está em primeiro, isso não existe. Se fosse assim, quem saísse em primeiro terminaria em primeiro. Veja as eleições em São Paulo. O Maluf saiu em primeiro, passou para segundo e terminou em terceiro. No Rio Grande do Sul, o Antonio Brito começou em primeiro, depois o Tarso Genro e depois o Germano Oliveto em primeiro. Então, que influência é essa? O que decide é campanha, comício. “Com todos os problemas que temos, mesmo assim, estamos entre as 25 maiores empresas do mundo.” O caso do Ciro Gomes ele: aproximou-se do Lula, os dois ficaram no patamar de 30% e o Serra e o Garotinho no patamar de 10%. O que provoca as mudanças? Comícios, denúncias, frases infelizes, no caso do Ciro; fotos de dinheiro em cima da mesa, no caso da Roseana. Isso é que faz a campanha: o programa de televisão, o marketing. A pesquisa só vem atrás, fotografando. O eleitor que ia votar no Ciro, de repente, desistiu, por causa de alguma coisa que ele disse, ou achou que faltou consistência. A pesquisa mostrou simplesmente os 30% e depois os 12%. Agora, acho que o Millor – que para mim é um gênio – exprime um pouco a incredulidade que as pessoas têm em relação à pesquisa. Mas acho também que isso é culpa da falta de exercício democrático durante os quase 30 anos de uma ditadura muito longa. A cada eleição, o brasileiro dá provas de maturidade. Ele votou em 89. Errou. Depois, votou em 94. Achou que o primeiro governo foi bom, votou de novo nele, em 98. Agora, queria mudança. Mudou. JR – Você foi citado, no jornal, como tendo dito ao presidente Fernando Henrique Cardoso – dois anos antes da eleição – que o governo ia perder. Você confirma? CM – Confirmo. Até é bom esclarecer como aconteceu isso. Em agosto de 2001, fui chamado pelo Andrea Matarazzo – Secretário de Comunicação – para ter um almoço com o Serra, que era Ministro da Saúde e pré-candidato do PSDB. Ele queria uma análise minha, sobre as pesquisas que estávamos fazendo em 2001. Então mostrei a eles que o desgaste do governo era muito grande. A avaliação do FHC estava muito ruim. Qualquer candidato do governo teria dificuldade. Dei o exemplo do sapato velho, aquele que você usa 10 anos, deu seis meias solas, já costurou… Vem uma hora, que tem que jogar fora. Aí perguntam: “Mas você não gostava do sapato?” Tanto gostei, que usei muitos anos. Mas agora, sou obrigado a trocar, não dá mais. Expliquei tudo isso e eles concordaram. O Andrea perguntoume se me incomodaria de repetir o diagnóstico ao presidente?” Disse que não. Ele me perguntou se eu poderia ficar lá à tarde. Então, primeiro foi um almoço com o Serra e, no final da tarde, fui ao Palácio do Planalto onde tive uma conversa de uma hora e meia com o presidente – o Andrea Matarazzo estava presente, o Serra não – e eu repeti tudo. O presidente concordou. Na época, o governo ainda não tinha candidato. Havia o Paulo Renato, o Tarso Gereissati, o próprio José Serra, o Aécio. Muitos précandidatos. Mas eu dizia que – independente do candidato – a figura do governo contra alguém da oposição, ia ser muito difícil o governo prevalecer. Ninguém agüenta 14 anos – o Brasil já teve muito tempo com a ditadura. De fato, o Fernando Henrique foi, dois anos, primeiro ministro e depois mais oito anos de governo. Teve uma fase boa, depois caiu, até em função de várias crises que não foram de sua responsabilidade. Não era difícil esse prognóstico. Nunca quis passar por futurologista. Tratava-se de uma avaliação – sempre em cima de resultado de pesquisa – que mostrava que 60% da população não estavam contentes com o governo, não estavam contentes com o Fernando Henrique Cardoso. E, por outro lado, 95 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 apresentada. E – se era para prevalecer a mudança – eu acho que o eleitor preferiu a mudança total. Via-se, já no primeiro turno, que os candidatos da oposição somavam 77% e o Serra 23%. No segundo turno, ele chegou a 38%. Esses 15%, que ele ganhou, acho até que eram pessoas que tinham medo do PT ou tinham medo do Lula. Não foi um voto próSerra. Pessoas que votaram contra o governo no primeiro turno ficaram com receio de um governo do PT. mostravam o Lula sempre na frente: desde fevereiro de 2000 até o final da campanha em 27 de outubro, ele sempre liderou as pesquisas. Nunca esteve em segundo lugar, a rejeição sempre caindo. JR – O Serra foi para o segundo turno como candidato do governo, enquanto o Lula – que já era candidato da oposição – capitalizou os eleitorados dos outros dois, que sempre se disseram de oposição. Foi uma atitude suicida do candidato do governo tentar dizer que não o era. Ele ficou sem discurso para o segundo turno. CM – Foi uma campanha cinzenta porque ele nunca deixou claro nem o preto e nem o branco. Ele falou, o tempo todo, em mudança quando, na verdade, havia muita coisa interessante no governo FHC, que acabou não sendo 96 tem um papel fundamental. Aliás, a mídia brasileira – as redes de televisão, as rádios noticiosas, os jornais, as grandes revistas – está de parabéns, pelo espetáculo de democracia que deu nessas eleições: de abertura, espaço, debate, entrevista, tudo. Como brasileiro, senti–me orgulhoso. O Brasil ficou tanto tempo sem eleições, que, hoje em dia, dá aula para o mundo todo. O desempenho do TSE foi fantástico, as urnas eletrônicas deram um show. JR – Você não acha que, na origem dessa qualidade, estão os bancos? CM – Por quê? JR – Porque no Brasil – pelas suas características e extensão territorial – os bancos se anteciparam ao governo, pelas necessidades de atuação nacional – o governo atua muito através dos bancos. JR – Por que devemos continuar fazendo eleições – que são tão caras – se a pesquisa é tão precisa, em termos de preferência da população? Por que simplesmente não nomear um presidente através da pesquisa? CM – Pode ser. Mas o Brasil tem coisas realmente fora de série. No sistema eleitoral, ele é um dos primeiros do mundo. Agora, não podemos substituir nunca; a pretensão da pesquisa é ajudar os candidatos a informar a população sobre o placar, como está o jogo etc. Não decidir o resultado. CM – Nem de brincadeira. Nunca. Primeiro, a pesquisa não é infalível. Segundo, ela dá uma tendência; é mais uma informação para o eleitor, durante a campanha. A mídia é que JR – Entendo. Como diretor de uma empresa que faz pesquisa, você não tem interesse em posar de onipotente. Mas, no duro, o que é uma eleição? É uma grande pesquisa. Um censo. Um levantamento das preferências da população. Se você tem outra forma de fazer esse levantamento, sem precisar tirar as pessoas de casa… Deixe-me dar um exemplo: vamos supor que todas as pessoas do Brasil tivessem um terminal de computador na sua casa. E você divulga o seguinte: Amanhã, a tal hora, todo mundo vai até o computador e vota. Você concorda que seria possível? “O Instituto que manipular qualquer resultado – e isso for comprovado – fecha as portas no dia seguinte.” Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CM – Concordo. Poderia haver uma senha… JR – Tecnologicamente, é uma possibilidade. Isso abriria uma possibilidade fantástica: depois de eleito presidente, governador, prefeito e, principalmente, deputado e senador, se não estivesse fazendo as coisas de acordo com a vontade de seu eleitor – e houvesse essa rede de consulta – por que não consultar, então, se deveria continuar ou não? CM – Acho que as pesquisas ajudam muito os governos, nas prioridades, nas preferências. É moderno, é correto governar de acordo com o que a opinião pública deseja. Então, é importante a utilização de pesquisas para definir prioridades. Mas ainda tenho medo. Mesmo que o Brasil esteja dando um show de velocidade, maturidade etc., o nosso sistema político ainda é muito frágil. Uma das reformas mais importantes que o Brasil precisa é a política, porque o fundamento da política são os partidos. Eles são os pilares da democracia e, no Brasil, são muito frágeis. As pessoas votam nos nomes e não nos partidos. E você precisa de fidelidade partidária, precisa diminuir o número dos partidos, porque hoje há muitos “partidos-laranjas”. É preciso melhorar, redimensionar – ou acabar, mesmo – com a propaganda eleitoral gratuita na televisão, que me parece ainda um entulho da democracia. Tudo que é obrigatório é ruim. E por que não pensar no fim do voto obrigatório? JR – Já fizeram alguma simulação de qual teria sido o resultado da eleição se o voto não fosse obrigatório. É possível esse estudo? CM – É possível, mas não fizemos. Junto com a intenção de voto do eleitor, teríamos de perguntar se ele votaria se não fosse obrigatório. Notase, às vezes, pela abstenção – hoje “A pesquisa política é a única em que se podem comprovar os resultados 20 horas depois.” os cadastros do TSE, do IBGE são bem melhores – e a quantidade de votos brancos e nulos em cada eleição. Há lugares em que 35% a 40% de pessoas aptas a votar não votam. Alguns partidos temem o fim do voto obrigatório, achando que pessoas de menor poder aquisitivo não votariam. Ficaria mais para as pessoas qualificadas, mais formadoras de opinião. Acho que isso daria vantagem aos partidos de esquerda. Sinceramente, acho que a gente tem que, primeiro, fazer uma reforma política para definir oito ou dez partidos que é o que “cabe” no Brasil. Fortalecer esses partidos, o voto proporcional distrital misto – fundamental. Alguns representando regiões, outros o Estado todo, mas principalmente a fidelidade partidária. É ruim, no Brasil, isso de a pessoa arranjar um problema, dentro do partido, e não brigar por suas idéias. Sai, simplesmente, funda outro partido ou afilia-se a outro. Nisso, os Estados Unidos estão à nossa frente porque lá há brigas violentas dentro do partido, democrata e republicano, mas, a partir do momento em que o resultado é oficializado todos fecham com ele. O Brasil está precisando disso – fortalecer os seus partidos. JR – Outro dia, estava lendo uma afirmação sua, de que, hoje, é possível fazer pesquisas pelo telefone. Sou de uma época em que pesquisa telefônica não tinha credibilidade pelo simples fato de que 80% da população não tinham telefone. Qual é a situação hoje? CM – Depois da privatização – nos últimos 3, 4 anos – a telefonia fixa teve uma expansão muito grande em todo o Brasil – mas, principalmente, nas regiões Sudeste e Sul. Tanto é que adquirimos parte de uma empresa que se chama MQI do Paraná – Curitiba – e que tem – através de um convênio com a Embratel – um cadastro de todos os telefones fixos no Brasil. Há regiões em que 70, 80% da população já possui telefone convencional. Nós já fizemos pesquisas – não só em alguns Estados como uma amostra do Brasil – por telefone, e os resultados aproximaram-se muito da pesquisa face a face. Nas próximas eleições de 2004 e 2006 já vamos usar mais o telefone, podendo também confiar mais nos resultados. JR – Uma questão de cuidados com a amostragem... “Quanto à influência da pesquisa na própria eleição já está provado que é zero. O que decide é campanha, comício.” CM – Representar bem o questionário. A pesquisa, hoje, nos Estados Unidos e na Europa, é feita pelo telefone. Para contrapor a esse exemplo do telefone, temos, aqui, na mídia, a pesquisa mais moderna do mundo, que é em real time. E, quando iniciamos isso, há dez anos, o Brasil era subdesen-volvido em relação a telefones. A pesquisa de audiência – no Japão, Estados Unidos e Europa – é feita usando a rede 97 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 telefônica, porque lá 90, 95% das pessoas têm telefone. Isso é um caso interessante. Como eles não podem usar o telefone da pessoa durante o dia todo, eles usam um sistema overnight. Eles colocam o aparelhinho – o meter – para medir a audiência, que acumula os dados do dia e, de madrugada, 2, 3 horas da manhã, uma central, no Instituto de Pesquisa liga para aqueles números da amostra e coleta as informações. No dia seguinte, pela manhã, têm o resultado do dia anterior. Quando fomos fazer isso no Brasil, só 20% tinham telefone. Perguntamos o que iríamos fazer. Resolvemos fazer via rádio – ou via linha privada. Aí, pensamos: se vamos colocar linha privada nos 80% que não tinham telefone, por que não colocar nos 100%, passando a ter uma linha dedicada a nós 24 horas por dia? Podíamos dar o resultado minuto a minuto, em real time – que hoje todas as redes de televisão têm! JR – Mas isso não era feito pelo tevêmetro? 98 CM – Com tevêmetro, era minuto a minuto, mas semanal. Era preciso ir buscar uma fita gravada, nas casas das pessoas, semanalmente. O que estou contando é que você, tendo uma ALT – uma linha privada – podia ter o resultado minuto a minuto, na hora do programa. O IBOPE, então, acabou oferecendo um serviço de audiência minuto a minuto – real time – que não existe nem nos Estados Unidos, nem na Europa ou no Japão, pura e simplesmente porque nossa população não tinha telefone. Esse fato propiciounos um serviço de primeiro mundo, que continua não existindo em outros países. JR – Quem assina esse serviço? CM – As grandes redes de televisão, as agências de publicidade. Até alguns anunciantes, durante alguns eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas. JR – Esse serviço se paga? CM – Sim. Quer dizer, é um subproduto do nosso negócio de “Ele votou em 89. Errou. Depois, votou em 94 e 98. Achou que o primeiro governo foi bom. Agora, queria mudança. Mudou.” audiência. As áreas comerciais das televisões e as agências trabalham mais com os resultados semanais e mensais, porque estão estruturados por sexo, classe, faixa etária, zona geográfica etc. E é assim que os comerciais são programados. Isso para a área comercial, porque, na área de programação das redes de televisão, essa informação sobre a audiência real time tem muito valor. Porque o noticiário, por exemplo, eles podem estender em função da audiência. Programas grava-dos não podem fazer nada, mas em programação ao vivo – programas de domingo, eventos esportivos, jornalís-ticos, uma pessoa que está fazendo uma cobertura de um seqüestro ou outro fato – a emissora de televisão está vendo a audiência daquilo minuto a minuto e pode estender a cobertura ou diminuir, se não estiver “dando ibope”. JR – Esse é o estado atual da arte. Mas qual será o próximo passo? Faça um pouco de futurologia. CM – Acho que o futuro é a Internet. Depois do telefone, a Internet. Só que a Internet vinha numa progressão geométrica e não aritmética – uma falsa euforia. Mas é uma grande invenção, é o futuro, mas o futuro andando passo a passo. JR – Vocês já fazem pesquisa pela Internet? CM – Temos uma empresa, que faz parte da nossa operação de mídia, chamada IBOPE E-RATINGS em que medimos mensalmente os sites visitados. JR – Mas fazem pesquisa, com perguntas, questionário? CM – Estamos começando a fazer, embrionariamente. O Nelson Marangoni, no IBOPE Solution, tem um painel de internautas e está começando a fazer pesquisa, para alguns produtos. Mas está muito no início. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 JR – Fora do Brasil, está acontecendo com mais freqüência? CM – Acho que todo mundo deu uma meia trava… O pessoal está se reciclando. JR – Há quem diga que o computador é a porta errada para entrar na casa das pessoas. Que as pessoas vão-se comunicar pela TV e é preciso tornar a TV interativa e não transformar o computador em televisão. CM – Pode ser. Isso é uma previsão arriscada, mas acho que podem acontecer as duas coisas. No fundo, acredito na TV interativa dentro da Internet. Acho que, uma hora, todas as mídias vão fluir e você vai poder fazer sua programação de filmes, jornais, música. JR – É a questão da pergunta criativa. Por que não questionar certas coisas? Quem disse que a Internet precisa estar ligada através de computador? Não necessariamente. Se há uma rede e ela é eletrônica, no mundo todo, e permite que as pessoas se comuniquem – hoje, é através de computador. Mas precisa ser? CM – Não necessariamente. Mas muita gente apostou na Internet, há 3, 4 anos, e vi idéias simplesmente desabarem. Ainda acho que se trata de uma das grandes descobertas da época. Também a histeria está diminuindo. Mas não há dúvidas de que se trata de uma mídia nova – porque tira a audiência das outras. Se você está sentado na Internet, não está vendo televisão. JR – Hoje, você vê muitas pessoas, no escritório, trabalhando no computador e ouvindo a Rádio FM através do próprio computador. Tecnicamente, nada impede que você tenha a sua televisão conectada à Internet. “A avaliação do FHC estava muito ruim. Qualquer candidato do governo teria dificuldade.” CM – Acho que, no futuro – não sei qual futuro – vai haver uma confluência, na rede, seja através da televisão ou do computador. Acredito que vá ser a televisão. JR – Numa entrevista recente com o Eugênio Staub, da Gradiente, falamos exatamente sobre isso. Mas, Carlos, gostaria de conversar com você sobre um outro aspecto da pesquisa que, no Brasil, me parece mais crítico do que em outros países: a dificuldade que o brasileiro tem de lidar com números. Nós não somos um país matemático. Você mencionou o tempo da ditadura. Lembra – no tempo da ditadura – nosso ministro das finanças foi, muitas vezes, o Delfim Neto – era um homem muito poderoso. Ele tinha o hábito de lidar com dados estatísticos e – quando “O Fernando Henrique foi, dois anos, primeiro ministro e depois mais oito anos de governo.” entrevistado – soltava aqueles números, e nem os jornalistas que o entrevistavam entendiam muito bem. Como é que você vê esta questão? Você não acha que isso pode atrapalhar um pouco a pesquisa, a dificuldade no uso da estatística? CM – Realmente atrapalha. E você me deu espaço para falar de uma coisa interessante que estamos fazendo. Já notamos isso, na divulgação dos dados das pesquisas políticas, onde nós – e imagino os outros institutos – queremos cada vez mais precisão nos números. Mas o eleitorado não está interessado em saber com quanto a pessoa ganhou, qual foi a diferença, se estava dentro da margem de erro. O que vale para eles é: Fulano vai ganhar? Vai. Ganhou? Ganhou. Então, acertou. Se você disser que vai ganhar com 55% e ele ganha com 70%, ninguém liga, você acertou. Mas, para nós, é um erro crasso. Às vezes, em eleições muito disputadas, errase o vencedor, mas o resultado fica dentro da margem científica. Mas o que marca é o fato de que você errou. Isso demonstra a falta de intimidade de grande parte dos brasileiros com os números. Quando se conversa com os jornalistas, que vão fazer a cobertura das eleições, procuramos ser bem didáticos, explicar como interpretar, fazer as análises etc., em relação aos números. Mas a gente percebe uma dificuldade muito grande. Isso tem melhorado, a cada eleição, mas ainda é complicado. Pensando nisso, o IBOPE abriu um Instituto, que é uma ONG – o Instituto Paulo Montenegro, com o nome do meu pai. Decidimos que tínhamos que investir em alguma coisa para ajudar o país – foi uma unanimidade de que devia ser em educação. Fundamos o Instituto até para retribuir um pouco do que o país nos deu nesses últimos seis anos. O foco do Instituto Paulo Montenegro é a educação e estamos funcionando em três frentes. O projeto “Nossa escola”, para ensinar pesquisas aos alunos da 1.ª a 8.ª série. 99 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Isso já está acontecendo em São Paulo, com convênios com várias escolas no Brasil todo. Nós editamos o material didático e vamos às escolas, ensinar aos professores como aplicar a pesquisa, fazer um questionário, tabular, interpretar etc. Aí, os alunos fazem pesquisas sobre a praça da cidade, sobre conservação das ruas, sobre drogas. Quer dizer, pegam temas atuais e aprendem a fazer pesquisa sobre eles. O segundo ponto é que resolvemos medir o analfabetismo funcional do Brasil, através de uma pesquisa anual. Analfabetismo funcional não é não saber ler e escrever, mas não saber interpretar o que lê, mesmo num texto simples e curto. Já medimos isso o ano passado e, esse ano, vamos fazer a parte do cálculo. Vamos tentar saber até que ponto a pessoa é alfabetizada em números e, para isso, há metodologia, regras, alguns cálculos básicos. E vamos medir a evolução a cada ano. 100 JR – Há resultados sobre isso? CM – Foi para o campo agora. JR – A que está no campo é sobre texto? CM – Não. Sobre texto, já temos o resultado. Foi feito no ano passado. A que está entrando no campo, agora, é sobre cálculo. Então, estamos procurando medir até que ponto as “Esses 15%, que [Serra] ganhou, acho que eram pessoas que tinham medo do PT ou do Lula.” pessoas são alfabetizadas em português e matemática, pois isso é o analfabetismo funcional. Nisso, temos que melhorar a qualidade de ensino – e espero que, a cada ano, o Brasil progrida, nessas comparações, sempre em relação aos anos anteriores. JR – Você estaria exercendo a sua responsabilidade social exatamente através da pesquisa? CM – Da pesquisa, certo. O Ministério da Educação está participando da metodologia, várias entidades do exterior também. Temos o apoio das pessoas mais renomadas. JR – A coisa vai mais fundo. O primeiro pronunciamento do presidente Lula foi sobre a questão da fome. Quando ele falou sobre o assunto, ainda como candidato, falou em 50 milhões de pessoas que passam fome, em algum Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 momento. 30 milhões foi o número do Betinho. E ouvi 11 milhões de uma fonte do governo passado. Eu atribuo também isso a essa dificuldade funcional de que você está falando e que se constata num líder político importante, que acaba de tornar-se nosso presidente; num homem da respeitabilidade do Betinho, professor universitário e uma fonte oficial, que também era uma pessoa com formação. Por que essas discrepâncias? CM – Isso é fruto de uma coisa que o Brasil não levou a sério durante muito tempo e que acaba, inclusive, nos prejudicando, porque todas as nossas amostras são feitas em cima de dados oficiais. E os dados oficiais, no Brasil, sempre foram muito precários. Têm melhorado, de uns quatro anos para cá, tanto no nível do IBGE, como do TSE. O IBGE para nós é importante porque é em cima de seus dados que fazemos as projeções. O exemplo da fome ocorre pela falta de um conceito, de critérios. Do que estamos falando? De miséria total ou de uma “semifome”? De pessoas que só fazem uma refeição por dia ou pessoas que não comem nada? Até para a definição de analfabeto, se você pegar o TSE e o IBGE, os dados são conflitantes. Tanto assim, que o IBOPE faz levantamentos próprios, para verificar a questão de instrução primária, secundária, superior porque os dados oficiais não batem. Essa é uma das razões por que decidimos investir nisso. Claro, é uma semente, mas – daqui a dez anos – terei os dados reais de analfabetismo no Brasil. Isso é muito importante, porque às vezes estamos lidando com um “chute” e cada um apresenta seus números como quer – ou há a ausência total de números oficiais mas, principalmente, de critérios. O analfabetismo funcional é um critério. Lembro-me de que, quando levamos a idéia para o Ministro Paulo Renato, ele levou um susto. “Poxa! A cada ano que passa, diminui o analfabetismo, “O Brasil ficou tanto tempo sem eleições que, hoje em dia, dá aula para o mundo todo.” já está em 11%. Agora, você vem com analfabetismo funcional!” JR – O Brasil tem problemas, mas eles ocorrem também internacionalmente. A ONU finalmente questionou a comparabilidade dos números de PIB. Quer dizer, não se pode comparar o PIB de um país de moeda forte com o de um cuja moeda está desvalorizada. CM – Não só problemas de metodologia. Eu, por exemplo, tenho críticas pessoais – e sérias – sobre a inflação – como se calculam as taxas de inflação. Existem itens importantes que não fazem parte do cálculo. E há outros, que fazem parte, mas não são essenciais na vida do brasileiro. Virou moda, no Brasil, falar em “risco-país”. Divulga-se que o risco do país aumenta, diminui. É outro absurdo “A pretensão da pesquisa é informar a população sobre o placar; não decidir o resultado.” porque não se explicita que risco-país é de uma seleção de 20 a 30 países em que os muito ricos investem. Não se diz que há outros 170 países, que não fazem parte, porque o pessoal sequer pensa em investir lá. Às vezes, tem-se a impressão de que estamos atrás de Uganda, Nigéria, Equador, Paraguai etc., quando não são nem cogitados como receptores de investimento. Há coisas que devem ser mais explicadas, mais explícitas – as questões de metodologia e critério. É um absurdo que todo mundo queira reajustar os preços – serviços públicos, gasolina – em função de uma especulação de petróleo, uma entressafra de mandioca. JR – Essa inabilidade funcional acaba favorecendo os especuladores mal-intencionados, até porque levam uma certa vantagem, em conhecimento. CM – Até nessa questão da fome, você pode usar a palavra especulação. Quando um diz que a fome é 20, outro diz que é 30 e outro diz que é 50, não deixam de estar especulando em cima da fome. E precisamos saber o dado exato das pessoas que realmente estão passando fome; das pessoas que são muito pobres, mas não passam fome, porque o brasileiro é solidário, há sempre gente, na família, que ajuda. Outra coisa com que temos que tomar cuidado é a questão do desemprego. Às vezes, numa família de cinco pessoas, três estão desempregadas, mas duas estão empregadas, até bem, e a família acaba vivendo. E há o problema da economia informal. JR – Você deu uma boa resposta, ao dizer que o instituto que manipulasse os dados estava-se autodestruindo. No entanto, estamos conversando aqui sobre manipulação de dados numéricos por várias entidades, algumas bemintencionadas, como ONGs. Outros que se dizem bem-intencionados, como os jornalistas. Mas, se você 101 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pensar bem, a motivação do jornalista é notícia, aquela história que ensinam na escola: se o homem mordeu o cachorro é notícia. Mas a normalidade do mundo é que os cachorros mordam as pessoas. E são só alguns cachorros que mordem algumas pessoas. A maioria não morde. CM – Comentava com o Luis Paulo e a Márcia Cavallari como nós fomos notícia durante os últimos oito meses. Todo o Brasil respirou pesquisa, do início ao fim – o dólar caiu, o dólar subiu. Que pesquisa vai ganhar? Fulano ou beltrano? Veio 28, 29 de outubro, e ninguém mais falou do IBOPE, nem de pesquisa, nem fizeram comparação. Por quê? Porque acertamos, passamos a não ser notícia. Agora, bastava você ter um 102 erro crasso num Estado qualquer, e ia ser um escarcéu. tural e pode ocorrer em vários segmentos. Manipulação, em pesquisa, é palavrão. JR – A manipulação desmoraliza... CM – É preciso cuidado ao falar de manipulação, é uma palavra sobrena- “Uma das reformas mais importantes de que o Brasil precisa é a política.” JR – Falo de um político, no seu discurso; do jornalista, dando mais destaque a uma coisa do que a outra… CM – O político que usa a pesquisa de forma a que só o dado que interessa a ele é divulgado na propaganda eleitoral gratuita – isso é manipulação. A lei deveria ser mais rigorosa. JR – Nem estou falando de vender produto. Mas do indivíduo que diz: “O cigarro mata tantos milhões de pessoas por dia. A cada quinze segundos, uma mulher é agredida no Brasil”. As pessoas gostam de Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 acreditar, porque os problemas existem, mas as estatísticas são fantasiosas. Isso é antiético. Além de estar contribuindo, na exposição e correção dessa inabilidade funcional, que mais poderíamos fazer? CM – Muita educação. É igual ao combate à fome. Você tem que dar educação de manhã, de tarde, de noite. JR – Não precisaríamos revalorizar a matemática no país? Tornar os números menos assustadores? CM – Mas isso está dentro da educação. Acho que quanto mais cultura o povo adquirir, mais educação, mais sapiência, estará afinado com o que está acontecendo, mais possibilidade de interpretação, o que nós dois temos agora. Graças a Deus, fomos beneficiados na linha de vida, cultura, aprendizado. Então, quanto maior a dose da educação, menos chutes, menos manipulações. Só há essa saída. JR – Carlos, alguma coisa que eu tenha esquecido de lhe perguntar e que você queira mencionar? CM – É importante destacar que a maior parte das pesquisas que o IBOPE faz não é divulgada, talvez uns 20%. Das pesquisas políticas – uns 30% não são. São usadas como estratégias de campanha, pelo marketing. JR – São os partidos políticos que compram essas pesquisas? CM – Não. Além dos partidos políticos, são instituições financeiras, empresários, marqueteiros que querem saber pontos fracos e fortes do seu candidato e dos adversários. Da mesma forma que temos pesquisas – como de audiência e o Painel de Consumidores – que são abertas para o mercado, há pesquisas políticas que não são divulgadas. As pesquisas de mercado, basicamente, são para uso interno. Nunca são divulgadas. Uma empresa de cosméticos assina o Painel de Consumidores para verificar a sua posição. Tudo bem, pode ser até um dado público. Mas, para lançar um novo produto fazer um teste de sabor, faz-se uma pesquisa específica, que a gente chama de ad hoc – sob medida. É como comprar um terno no varejo e mandar fazer no alfaiate. JR – Como você vê a pesquisa como mercado de trabalho para os jovens recém-formados. “É preciso melhorar – ou acabar – com a propaganda eleitoral gratuita na televisão. Tudo que é obrigatório é ruim.” CM – Não é só pela pesquisa, mas pelo fato de ela dar a possibilidade de se ter a coisa mais preciosa do mundo – talvez mais do que petróleo – que é a informação. Informação é o X do negócio, nesse mundo globalizado. O jovem que se dedicar à pesquisa vai ter maior facilidade de se inserir no mercado – cada vez mais competitivo – por saber interpretar – ou fornecer – alguma coisa supervaliosa que é a informação. Seja de que tipo for. JR – E qual é a formação que deve ter esse profissional? Engenharia, informática, administração? CM – Acho que comunicação e administração. Pode passar também pela parte de economia. Engenharia, não acho. Informática, muito específico. JR – Mas você vem de engenharia! CM – Não. Comecei e saí depois de seis meses, porque vi que não tinha nada a ver. Tem uma parte que acho interessante, que é a engenharia de produção. Naquela época, havia as “profissões da moda” – direito, medicina e engenharia. Eu e meu irmão quisemos fazer engenharia 103 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 porque não pensávamos no IBOPE. Depois nos apaixonamos. Eu larguei a engenharia e mudei. Ele resolveu continuar com a engenharia de produção. Mas, hoje, acho que escolheríamos economia, administração, comunicação e marketing. comunicação – que compram para divulgar –, instituições financeiras. As instituições financeiras substituem, hoje, as empreiteiras. Antigamente, as empreiteiras tinham interesse na política por causa de obras, contratos etc. Hoje, a categoria mais interessada são as instituições financeiras. JR – Uma curiosidade: como se dividem os seus clientes entre anunciantes, veículos de comunicação e agências? CM – São várias empresas no Grupo. No caso da televisão, certamente, são as redes. Numa proporção de 65/35 com as agências de publicidade. Temos clientes em televisão, rádio, jornal e revista, como veículo, e as agências. No Painel de Consumidores, são 100% anunciantes. No que se refere à política, a divisão fica interessante porque há partidos políticos, empresários, veículos de 104 “Nós já fizemos pesquisas por telefone e os resultados aproximaram-se muito da pesquisa face a face.” JR – Qual foi o maior erro de que você já participou ou cometeu diretamente na vida de pesquisador? CM – Foi um erro de decisão – numa pesquisa política, em 1985. Ficou marcada e aprendemos muito. Na nossa avaliação, achávamos que a eleição para prefeito, em Fortaleza, estava decidida 20 dias antes e o candidato Paes de Andrade iria ganhar. E a eleição de Recife era muito difícil. Paramos de fazer pesquisa em Fortaleza e mandamos os pesquisadores para Recife. Moral da história: em Recife, acertamos por meio ponto. Mas, em Fortaleza, foi o maior erro do IBOPE, porque a candidata que estava em quarto lugar – Maria Luiza Fontenelle, do PT – houve uma série de acontecimentos, e ela acabou ganhando a eleição. Quer dizer, não foi um erro da Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 pesquisa; foi um erro de avaliação. A partir daí, em todos os Estados onde nos comprometemos a divulgar, vamos até o final. E introduzimos a cédula nos questionários. Independentemente de fazer a entrevista, damos uma cédula para o entrevistado, que ele põe numa urna de pano. Com isso,queremos combater o voto “envergonhado”. Enfim, mudamos uma série de formas de trabalhar – a partir desse erro de decisão – e aprendemos que o jogo só termina quando acaba. JR – E, agora, por uma questão de justiça, qual é o acerto ou fato de que você tem maior orgulho profissional? CM – Olha, não é porque está recente, mas foi o acerto do IBOPE nessas eleições – pelo tamanho do desafio. Pela primeira vez, cobrimos os 27 Estados – antes eram 15, no máximo 18. Pela primeira vez, cobrimos uma eleição nacional em todos os Estados. E, pelo acerto contundente, acho que esse foi o maior acerto na vida do IBOPE. Um fato que me marcou muito também foi quando anunciei, numa eleição disputada em 89, a vitória do Collor sobre o Lula. Mas isso talvez tenha sido porque foi a primeira eleição depois da ditadura e eu nunca tinha votado para presidente. Então, foi um fato que marcou. Como era uma eleição muito dividida, as pessoas acharam muita coragem você acreditar assim na pesquisa. Mas acho que o acerto desse ano de 2002 foi exuberante. 105 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Fundado em 1942, o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) foi o primeiro instituto de pesquisa de mercado da América Latina. O produto do GRUPO IBOPE é a informação, utilizada como instrumento de orientação do processo decisório dos clientes, permitindo-lhes minimizar riscos e maximizar retornos. No Brasil, o IBOPE é o maior e mais diversificado fornecedor de informações para a tomada de decisões de marketing, propaganda, mídia e Internet, nas esferas empresarial, política e governamental. Com mais de mil funcionários distribuídos entre as suas empresas, o GRUPO IBOPE conta com profissionais especializados em cada um dos mercados em que atua. Por meio de acordos de cooperação técnica com grupos internacionais de pesquisa, assegura a utilização das mais atualizadas práticas profissionais, dentro de padrões europeus e norte-americanos de qualidade, com ênfase ao controle sistemático de qualidade e ao atendimento personalizado com o intuito permanente de bem atender às expectativas dos seus clientes. O IBOPE tem sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro, filiais nas principais cidades brasileiras e empresas coligadas em diversas capitais latino-americanas, além de um escritório em Nova Iorque. Atualmente, o GRUPO IBOPE reúne 12 empresas, cada uma com parceiros estratégicos atuando em seu respectivo mercado-alvo. Sete empresas pertencem à holding IBOPE.com, criada em 2001 com o objetivo de cuidar de todos os interesses do GRUPO relacionados à Internet. IBOPE e-Clipping: notícias personalizadas e medição de imagem de marca. IBOPE eRatings.com: medição da audiência e publicidade na Internet. IBOPE eSurvey: pesquisas customizadas com internautas e sobre a Internet. IBOPE Inteligência: conteúdo de alto valor agregado, análises estratégicas e de tendência. IBOPE Medialog: plataforma para automação de agências de publicidade e planejamento, otimização e checking de mídia. IBOPE Megadata: terceirização de serviços de informática. IBOPE Mídia: pesquisas sobre audiência e investimentos publicitários. IBOPE Opinião: pesquisas de opinião pública e políticas. IBOPE Solution: pesquisas de produto e hábitos de compra feitas sob encomenda. Instituto Paulo Montenegro: instituição sem fins lucrativos responsável pela coordenação das ações sociais do IBOPE. LatinPanel: painéis de consumidores. Millward Brown: pesquisa especializada em metodologias da saúde e do desenvolvimento da comunicação das marcas. 106 Um case em foco Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 As crianças e os sucos prontos Del Valle Até que ponto é possível pedir às próprias crianças (e não às mães) que nos digam o que preferem? Com a ajuda da SINAL, a empresa Sucos Del Valle apostou no diálogo com as crianças e acertou. Este case mostra como surgiu a sua nova linha de sucos infantis, com personagens e situações escolhidos pelas próprias crianças e que conquistou rapidamente a liderança desse segmento de mercado de sucos. Este case foi elaborado pela SINAL-Pesquisas sob a coordenação de Olenka Franco. Olenka Franco é presidente da SINAL-Pesquisas e professora da ESPM. Este case faz parte da coleção da Central de Cases ESPM/ EXAME, criada para estimular a utilização de cases nas escolas brasileiras. 107 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 C ada vez mais cresce o poder de compra das crianças, desde muito pequenas – três, quatro anos –, até a adolescência. Não só compram elas próprias, mas também influenciam decisivamente na escolha de itens das mais diversas categorias: de alimentos a roupas e produtos de higiene; de brinquedos a computadores; locais de entretenimento a freqüentar e filmes a serem vistos (e revistos). Muitas companhias disputam a utilização do dinheiro que as crianças levam diariamente para as cantinas escolares. Muitos produtos são desenvolvidos e posicionados para o público infantil. A questão que se coloca é como ter sucesso ante a proliferação de tantos produtos dirigidos às crianças. Como conseguir sua atenção e interesse? E, mais idealmente, como conseguir sua lealdade? Sem dúvida, é necessário antes de mais nada entender os processos mentais das crianças nas suas várias faixas etárias, as quais correspondem a diferentes fases de desenvolvimento (cognitivo, perceptual, ético, de socialização, tipo de humor), bem como a diferentes reações emocionais, necessidades e desejos. Piaget, Erikson e outros autores desenvolveram estudos aprofundados sobre esses temas. E, além disso, convém sempre pesquisar especificamente a reação das crianças aos estímulos mercadológicos que pretendemos efetivar: do produto e sua embalagem, à propaganda e distribuição. Com tais objetivos em mente, a empresa Sucos Del Valle decidiu posicionar um de seus produtos, o suco pronto comercializado em caixinhas individuais de tetrabrik, 200 ml, para o público infantil, passando a denominá-lo Mini Valle Kids. 108 Antes de lançar o Mini Valle Kids no Brasil, em 2001, a empresa vendia todos os sucos em embalagens com o mesmo padrão visual, destinadas ao mercado de sucos em geral, sem personagens desenhados, mas apenas com a foto da fruta evidenciando o tipo de suco em seu interior. As crianças não se identificavam particularmente com elas, a não ser pelo fato de serem pequenas e caberem em suas lancheiras. Depois de trabalhar 21 anos na Quaker e acompanhar todo o desenvolvimento do Toddynho, bem como a campanha de seu lançamento no mercado brasileiro, Horácio Rocha, diretor da Del Valle acumulara experiência sobre a importância de diferenciar os produtos destinados ao público infantil e, disposto a estimular as vendas das caixinhas, foi até o México com uma nova proposta de embalagem, que já incorporava personagens. O pessoal da matriz concordou com a idéia, mas preferiu lançar no mercado brasileiro o mesmo formato da linha Mini Valle Kids então comercializada no México. Os quatro sucos comercializados pela marca para o público infantil – de uva, manga, pêssego e morango – traziam, então, personagens que representavam cada uma dessas frutas em práticas esportivas diferentes, mas dissociadas de seu contexto específico. Por exemplo, a manga caía na água, não se sabe se de uma piscina ou de um tanque, pois apenas a água aparecia desenhada na embalagem; o morango andava de patins e o pêssego de skate, mas como não havia pista ou solo sobre seus pés, eles pareciam de fato estar brincando no espaço, assim como a uva, que pedalava uma bicicleta no ar. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Qual a percepção que as crianças tinham das figuras que decoravam as caixinhas conhecidas como Mini Valle Kid's, quais os seus pontos fracos e fortes, que fantasias e associações elas suscitavam e qual a identidade e o diferencial que elas produziam na mente do público infantil? Tais figurinhas já se compunham como verdadeiros personagens? Qual a dinâmica que se estabelecia entre elas, na percepção das crianças? Esses eram pontos que preocuparam então a Sucos Del Valle. A SINAL-Pesquisas saiu a campo atrás de respostas para essas questões, no primeiro semestre de 2001, buscando a avaliação dos personagens das embalagens de sucos prontos Del Valle destinadas ao público infantil. A pesquisa utilizou técnicas projetivas, como desenhos e histórias feitos por crianças de 5 a 10 anos de idade, das classes A e B, residentes em São Paulo. A partir da observação desse material foi possível analisar suas reações às embalagens, elucidando o significado dos personagens dos sucos Mini Valle Kids, no universo mental das crianças, do ponto de vista da criação de vínculo emocional, do papel nas fantasias e das possibilidades de identificação. Realmente, as crianças têm muito mais a dizer sobre os produtos que consomem do que os adultos podem imaginar. São observadoras, detalhistas e compartilham pressupostos fundamentais a respeito do mundo em que vivem e do papel do outro dentro dele. Mas é preciso conhecimento técnico, além de perspicácia, para entender seu jeito de interpretar a realidade. Costuma ser sutil. Por exemplo, foi consenso entre as crianças pesquisadas o seguinte grupo de impressões: os personagens eram "pequenos e frágeis"; pareciam "correr perigo", como o risco de acidente; não pareciam manter relação de amizade uns com os outros uma vez que todos usavam óculos escuros (sic!); eram sujos e precisavam de banho; entravam em brigas e acabavam machucados, tinham formas estranhas, como a uva "com sete cabeças" e assim por diante. A maioria das histórias que eles criaram com os personagens trazia um final não muito feliz, ou uma descrição das figuras como "é que a uva, ela tem 7 cabeças, aqui : 1, 2 , 3 , 4, 5, 6, 7 cabecinhas... mas só que na verdade o que eu estou estranhando é que parece cabeças mas não são; isso daqui são as uvinhas que a gente compra, que é a cara, a boquinha, o narizinho, que é a perninha e o bracinho, mas parece que ela tem 7 cabeças" seres estranhos. Tanto as meninas como os meninos sentiram, ainda, a falta de definição de gênero nos personagens da linha Mini Valle Kids e se incomodaram com o fato de todos usarem óculos escuros. A criança quer ver e ser vista, e a falta de olhos nos personagens os desperso-nalizava e não lhes transmitia confiança. A indefinição do gênero foi digna de nota em todas as histórias e comentários, uma vez que o público pesquisado vivia justamente a fase de desenvolvimento da identidade como menino ou menina. A ausência da linha de terra, como é denominado tecnicamente o espaço inferior de enquadramento dos personagens ou objetos de um desenho, e que de fato não existia na série pesquisada, era outro fator de comprometimento da identificação das crianças com as figuras das embalagens. Elas não tinham um chão para se sentir seguras. Nas histórias que as crianças contaram, os personagens eram atropelados, esmagados ou enfrentavam outras situações desastrosas. " O tubarão comeu o limão que estava surfando. Ele estava com as pernas amarradas, não conseguia sair. Estava mordido pelo tubarão, morreu." " era uma vez uma fruta que andava de bicicleta que tombou, amassetou-se e formou um suco." 109 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 As crianças não se incluíam nas histórias e desenhos. Não se relacionavam com os bonecos nem se identificavam com eles, que eram sempre tratados assim, na terceira pessoa. Os elementos e contextos dos desenhos eram em geral pobres, independentemente da faixa etária das crianças pesquisadas. A pobreza é estranha ao desenho típico da idade, pautada por desenhos com características tais como: formalismo, realismo, excesso de crítica e idéia de completude. Não aparecia o contexto nos desenhos nem "linha de terra", indicação de que os bonecos não faziam parte do universo mental das crianças. O foco das histórias e desenhos recaía sempre sobre o equipamento usado pelo boneco e não sobre sua personalidade. Os bonecos eram sempre associados às frutas. Ou seja, representavam a categoria genérica e não determinados indivíduos. Não tinham personalidade. Os resultados da pesquisa levaram a Del Valle a modificar completamente o perfil dos personagens estampados em suas caixinhas de sucos para esse público, não só no Brasil mas nos demais países onde a empresa, de origem mexicana, comercializa seus produtos. Com a mudança, a subsidiária brasileira conseguiu ampliar de 15% para 20% a participação desse segmento no total de suas vendas de sucos de frutas no país desde o início de 2002. Não é pouco. A Del Valle detém 35% do mercado brasileiro de sucos naturais embalados (em volume) e 40% em valores e vem aumentando essa participação ano a ano. EXPANSÃO CONTÍNUA Crescimento da Del Valle (em unidades/mês) 1999........................155 2000........................257 2001........................500 2002........................750 110 mil mil mil mil Horácio Rocha, diretor de vendas e marketing da Del Valle apresentou o resultado da primeira pesquisa feita pela SINAL ao pessoal da Del Valle mexicana em 2001. Recebeu autorização para mudar a linha e lançou os novos personagens no início de 2002 no mercado brasileiro. Os novos personagens foram desenhados pelo Estúdio Packing, de Fábio Mestriner. Nova pesquisa foi realizada pela SINAL, comparando o resultado da avaliação dos desenhos iniciais dos personagens – primeira fase da pesquisa – com as novas embalagens Mini Valle Kids, a linha atual, responsável pela expansão das vendas dos sucos de caixinha. Ela traz personagens com identidade sexual, olhos à vista, em situações que envolvem contexto, bem como cenários definidos. Os desenhos e histórias que as crianças pesquisadas criaram com os novos personagens das embalagens Del Valle mostraram que tinham características afetivas, refletindo a possibilidade de aproximação e elo entre o público-alvo e os bonecos. Os contextos e a forma estavam adequados ao desenvolvimento de cada idade. A definição de gênero permitiu a identificação das meninas com as meninas e dos meninos com os meninos. O sexo dos personagens, identificado pela roupa usada, aparecia nas histórias: "A manga e a uva são meninas. Elas estão de saínha e eles de short (o morango e o pêssego)", as crianças diziam. Na interpretação delas, ainda, as frutas-personagens dessa vez formavam um conjunto que podia brincar entre si, o que de resto era confirmado no verso da embalagem das caixinhas. "Eles vão votar pra escolher a brincadeira", imaginavam as crianças ouvidas. "Dá pra jogar bola junto e eles tem outros brinquedos". A expressão das figuras, com olhos à mostra, revelava sentimentos e permitiam a identificação delas com os sentimentos das crianças. "O morango e o pêssego estão felizes", afirmavam. Outros detalhes da caracterização dos personagens, como o cabelo arrepiado por gel do morango, levava a novas identificações. O corte tornava o morango aparentemente o mais velho do grupo, na percepção das crianças. A uva seria a mais nova porque era a menor. Os desenhos feitos na segunda fase da pesquisa foram exemplares da identificação das crianças com a proposta das embalagens. Eles têm sol, chão, os personagens brincam uns com os outros ao ar livre, o que tem tudo a ver com o produto pesquisado, o suco, que na mente das crianças está ligado à prática de alguma atividade física, um esporte. O Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 cenário desenhado para as brincadeiras dos bonecos mantinha relação estreita com a realidade urbana das crianças ouvidas, todas de São Paulo e moradoras de condomínios. As frutas brincavam nas quadras das áreas de lazer dos prédios, em um ambiente que lembra segurança e reflete os valores da classe média atual, que a criança preza e revela nos desenhos. A realidade urbana atual aparecia também no comentário sobre a origem das frutas. "De onde elas vêm, como se conhecem e formam um grupo?", a SINAL quis saber. As crianças têm noção de que, para virar suco, as frutas são esmagadas, destruídas, o que poderia ser uma idéia negativa, mas interpretam o fato magicamente. Não levam em conta a diferença entre as árvores que dão origem às frutas dos vários sucos nas caixinhas, como o morango, que vem de uma planta rasteira, ou a uva, que nasce em parreiras. Diferente do leite, que vem da vaca, que continua inteira depois de ser ordenhada, para essa criança urbana as frutas nascem em caixinhas, no supermercado. Esse, aliás, é sem dúvida um lugar importante na vida delas, ao lado da escola, do condomínio e do shopping center. Com o resultado da segunda pesquisa, que confirmou a identificação das crianças com a nova linha Mini Valle Kids foi a vez do México mudar as embalagens: As personagens de Fábio M e s t r i n e r, que é professor da ESPM, foram adotadas pela Del Valle no resto da América Latina, além do México, no final do primeiro semestre deste ano. 111 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Conclusão – Desafios Este case confirma que o sucesso dos produtos destinados às crianças depende, em última análise, de sua capacidade de comunicar-se e interagir com elas. Se os personagens associados ao produto forem capazes de estimular a imaginação infantil, e levar a criança a projetar-se nas histórias que imaginam, o sucesso estará quase garantido. Como tópicos de discussão do case, sugeremse os seguintes: 1) Você está de acordo com o enunciado do case? Em outras palavras, acha que a interpretação da pesquisa e as decisões posteriores da Del Valle foram corretas? Por quê? 2) Caso esteja de acordo com a estratégia adotada, que outras formas de utilização poderiam ser encontradas para os personagens? Basta lembrar o suces- 112 so que a Parmalat obteve com a venda dos bichinhos ilustrados em seus anúncios. 3) Procure fazer analogias com outros produtos existentes no mercado destinados às crianças. Cite e comente os exemplos bons e maus de utilização de personagens e outros elementos destinados a estimular a imaginação infantil. Jorge Duarte – Organizador ASSESSORIA DE IMPRENSA E RELACIONAMENTO COM A MÍDIA: TEORIA E TÉCNICA A questão das relações entre as organizações e a imprensa não é nova. Como tema e problema, é até coisa velha, de quase um século. Na verdade, se nos identificarmos como profissionais ou estudiosos da comunicação chamada empresarial, institucional ou organizacional, somos mais ou menos herdeiros de um jornalista americano: Ivy Lee. Em 1906, ele inventou a atividade especializada a que hoje chamamos de Assessoria de imprensa. O livro trata de teoria e prática em temas como relacionamento fonte/jornalista e assessor/ assessorado, administração de crises, ética, imagem, notícia, implantação de uma Assessoria, avaliação dos resultados, produtos e serviços, release. Há ainda capítulos mostrando a história da prática de Assessoria de Imprensa nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, e um texto tratando apenas sobre como funciona uma redação jornalística. O organizador e os colaboradores cederam os direitos autorais para a ONG “Missão Criança”, instituição voltada ao combate de todas as formas de pobreza e exclusão social, especialmente por meio de investimentos na área de educação. Jorge Duarte é jornalista e relações públicas, mestre e doutorando em Comunicação Social pela Umesp, atuando em Assessoria de Comunicação e de Imprensa, na pesquisa e no ensino há mais de uma década. É professor do Centro Universitário de Brasília, do Centro Universitário Nilton Lins e da Universidade Católica de Brasília. Editora Atlas São Paulo, 2002 416 p. – R$ 49,00 Lélio Lauretti RELATÓRIO ANUAL – Veículo por excelência da comunicação institucional Editora Saraiva São Paulo, 2002 – 2.ª edição 144 p. – R$ 35,00 Scott Bedbury e Stephen Fenichell Equipe APEX A Primeira Exportação a Gente Nunca Esquece – como as empresas brasileiras estão chegando ao mercado externo Procurando continuar a ser referência na área, essa obra sobre o Relatório Anual das empresas traz, na nova edição, assuntos inéditos e originais. Entre os novos temas, destacamse governança corporativa, relatório social, ativos intangíveis, valorização do patrimônio social, gestão de riscos, transparência, responsabilidade social e ética na comunicação. O foco da obra baseia-se em mostrar a importância do relatório anual para a boa comunicação da instituição, principalmente nessa época repleta de mudanças econômicas e financeiras, fusões, associações, processos de racionalização e expansão acelerada. O autor explica como as companhias de todos os tipos (sejam elas sociedades abertas, fechadas, limitadas e civis ou organizações sem fins lucrativos) precisam demonstrar de maneira transparente, clara e sucinta os resultados de suas iniciativas e perspectivas imediatas, de forma a valorizar suas atividades e atrair, cada vez mais, investimentos. O livro é indicado para profissionais, analistas, alunos e interessados no tema e, enfim, para todos que, de um lado, precisam prestar contas aos proprietários, investidores, parceiros e à sociedade em geral e, de outro lado, para os que gostariam de entender mais sobre esse veículo por excelência da comunicação institucional. Lélio Lauretti é economista, com pós-graduação na Harvard Business School e Presidente da Comissão Avaliadora do Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual. Panelas de fondue fabricadas no sul da Bahia são exportadas – imagine – para a Suíça. Os vinhos brasileiros seguem para a França. O país lança tendência de moda, design e tecnologia no mercado internacional. São os empresários colocando o “pé lá fora” e descobrindo que o Brasil tem potencial produtivo, com qualidade e diversidade de produtos. Os casos narrados deixam claro que o caminho para ampliar as exportações brasileiras é aumentar o universo de empresas engajadas no processo, incluindo as de pequeno porte e localizadas fora dos grandes centros, como está sendo o caso dos produtores de cachaça. As exportações brasileiras desse segmento têm crescido em média 10% a cada ano e deverão atingir 12,2 milhões de litros em 2002, segundo estimativa da Agência de Promoção de Exportações. Ao mesmo tempo, estão tendo início negociações para a venda de produtos como água mineral e algodão colorido no mercado internacional. A Primeira Exportação a Gente Nunca Esquece procura mostrar, de forma clara e simples, como as empresas estão chegando ao mercado externo. Fatos curiosos são relatados pelos gerentes de projetos e pelas empresas que estão participando do esforço de promoção comercial, em parceria com a APEX. São os relatos de alguns empresários que venceram as fronteiras do medo e participam de feiras e eventos internacionais, conhecem as necessidades dos clientes, o que o concorrente está comercializando lá fora e se surpreendem ao concluir que podem fazer mais e, muitas vezes, melhor. A APEX faz parte da estrutura do SEBRAE. Começou a operar em abril de 1998, com o objetivo de apoiar a implementação da política de promoção comercial das exportações, de acordo com objetivos traçados pela CAMEX – Câmara de Comércio Exterior. Editora Qualitymark Rio de Janeiro, 2002 164 p. – R$ 25,00 113 leitura recomendada Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 João Vicente Cegato Bertomeu CRIAÇÃO NA PROPAGANDA IMPRESSA Editora Futura São Paulo, 2002 128 p. – R$ 25,00 Márcia Esteves Agostinho/Ruben Bauer/ José Predebon CONVIVENCIALIDADE – a expressão da vida nas empresas Editora Atlas São Paulo, 2002 192 p. – R$ 32,00 Benny Kramer Costa/Martinho Isnard Ribeiro de Almeida – Coordenadores ESTRATÉGIA – perspectiva e aplicações Editora Atlas São Paulo, 2002 344 p. – R$ 55,00 114 Nesta obra, o publicitário João Vicente Cegato descreve todos os passos para realizar uma campanha de mídia impressa bem-sucedida. O autor explica o “abc” das campanhas publicitárias e todas as curiosidades que permeiam o mundo da criação. Grandes nomes da publicidade, como Duailibi e Washington Olivetto, dão importantes depoimentos. Quando surgiu a propaganda, como foi sua evolução até hoje, qual a sua importância, por onde começar, o que é e como fazer um bom briefing, o que é insight, rafs e finalizações, como fazê-los. Enfim, uma viagem com escalas por todo o processo da criação. O autor disseca 5 campanhas de sucesso: Home Theather Semp Toshiba, Kibon (Frutare), Natura, Audi (A6) e ANER. Desde o pedido do cliente, passando pelo briefing, rafs, opções de layout, até a peça pronta. A propaganda sem mistérios, para estudantes e profissionais da área ou para simples curiosos. João Vicente Cegato Bertomeu é professor no MBA Executivo ESPM. Leciona também na Faculdade de Belas Artes, IMES e Faculdades Oswaldo Cruz. Atualmente, dirige o departamento de criação da Mercado de Idéias Propaganda. É graduado em Publicidade e Propaganda pela Metodista e mestre em Comunicação e Semiótica em processos de criação pela PUC/SP. O termo convivência pode provocar uma sensação de conforto descomprometido, ligado a uma idéia de “não estar trabalhando”. Convivência seria algo externo ao trabalho, um churrasco no fim-de-semana, ou um chope depois do expediente; convivência seria sinônimo de futebol, bate-papo informal, social, piadas e descontração. Horário de trabalho é coisa séria e convivência entre as pessoas no trabalho é antiprofissionalismo... E é nessa mentalidade de separação que temos vivido até então. Convivência é, sim, sinônimo de conforto, pois é a possibilidade de nos sentirmos bem por sermos humanos. É permitir ser gente no trabalho e não máquina de produção. Isso exige mudança de valores, ressignificação de crenças e, em muitos casos, reformulação de identidade. Quem está disposto a essas mudanças? A obra traz informações sobre o universo do relacionamento entre as pessoas, repensado à luz da filosofia, mas discutido no contexto do mundo atual, principalmente no ambiente de trabalho. A obra foi idealizada pela R.E.D.E (Rede para a Educação, o dom e a Expressão), uma comunidade auto-organizante e autogovernada, dedicada a promover, divulgar e fomentar a convivencialidade nas empresas, organizações e na sociedade, para que nestas se desenvolva a expressão dos potenciais humanos. Márcia Esteves Agostinho, engenheira química pela UFRJ, doutora e mestre em engenharia da produção pela COPPE/RJ e professora da Universidade Católica de Goiás. Ruben Bauer é consultor, conferencista, professor da PUC/RJ e da FGV. Autor do livro Gestão da mudança: caos e complexidade nas organizações, publicado pela Atlas. José Predebon é professor da ESPM e autor de vários livros sobre criatividade, publicados pela Atlas. As rápidas transformações que vêm ocorrendo no mundo têm induzido nações e organizações a buscar novas alternativas, a fim de enfrentar esses desafios e acontecimentos. Nesse contexto, insere-se o tema Estratégia como importante elemento na busca de caminhos, objetivos e alternativas futuras, relevantes ao processo de decisão e gestão das organizações e instituições. Em função disso, a Sociedade Latino-Americana de Estratégia – SLADE –, há 14 anos,como um organismo de discussões, por meio de seus congressos anuais, reúne pesquisadores, acadêmicos, consultores e gestores de organizações privadas e públicas pertencentes a diversos países da América Latina. No congresso realizado em Buenos Aires, em 2001, houve uma seleção dos melhores trabalhos de brasileiros. Essa coletânea versa sobre o tema “Estratégia”, constituindo-se numa obra relevante para todos os que se interessam pelo assunto. A elaboração dos textos envolveu um grupo de professores, pesquisadores, consultores e empreendedores com experiência dos diversos assuntos abordados no livro. A participação dessa discussão viva sobre a estratégia implica a decisão de não ficar apenas em experiências isoladas ou num modelo único de autor, mas precisamente buscar, refletir e considerar o que tantos participantes têm para dizer e contribuir. Benny Kramer Costa é doutor pela FEA/USP e professor de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida é professor-doutor da FEA/USP. Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Al Ries/Laura Ries A QUEDA DA PROPAGANDA – da mídia paga à mídia espontânea Editora Campus Rio de Janeiro, 2002 312 p. – R$ 55,00 José Luiz Tejon Megido/Charles John Szulcsewski ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA DE VENDAS E CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO Editora Atlas São Paulo, 2002 176 p. – R$ 27,00 Antonio Carlos Giuliani MARKETING EM UM AMBIENTE GLOBALIZADO Em A Queda da Propaganda, os autores desejam provar que surgiu uma nova era: a das relações públicas. Para a dupla de consultores, propaganda e publicidade têm significados bem diferentes: a primeira é tratada como a conhecemos aqui: comunicação persuasiva que visa, prioritariamente, a venda de um produto ou serviço. Publicidade, porém, engloba o trabalho de RP. A diferença no emprego das duas palavras é tão marcante, que Al e Laura Ries afirmam que as principais marcas da atualidade nasceram da publicidade, não da propaganda. No livro, há cases bem-sucedidos de campanhas de RP x campanhas fracassadas no mundo da propaganda. O confronto tem o intuito de mostrar que esta carece de credibilidade, um ingrediente crucial para a construção da marca, o que somente o trabalho de relações públicas pode proporcionar. De acordo com os autores, a maioria das abordagens grandiosas, defendida pelos profissionais de propaganda, deveria ser abandonada em favor da construção lenta pelas relações públicas. E mais, a dupla afirma que a propaganda só deveria ser usada para manter as marcas depois de elas já terem sido estabelecidas por meio da publicidade. Al e Laura Ries partem do princípio de que, para tirar algo do nada, é preciso ter a validade que só o endosso de terceiros pode proporcionar. E alegam que, no futuro, o setor de propaganda tende a “gritar”, não apenas pelo dinheiro, mas pela perda de sua função tradicional como parceiro de marketing, pois o marketing entrou na era das relações públicas. Al Ries é estrategista de marketing e co-autor de Posicionamento: a batalha por sua mente e, junto com sua filha e sócia, Laura Ries, de As 22 consagradas leis do marketing. Sua empresa, a Ries & Ries, sediada em Atlanta, trabalha para muitas empresas incluídas na lista das 500 maiores da Fortune. “O mundo dos negócios está redescobrindo a verdadeira importância da vendas, e das forças de vendas em particular, como fator essencial do êxito das campanhas de marketing. A administração das relações entre fornecedores e revendedores (ou usuários) de produtos e serviços de todos os tipos é hoje uma necessidade básica de marketing. Falar de parcerias, e não de contatos esporádicos, já se tornou lugar-comum. As empresas fornecedoras alinham-se agora aos grandes usuários e revendedores e entregam o atendimento dessas contas a verdadeiros gerentes de contas, com funções executivas.” (Francisco Gracioso – Presidente da ESPM) A frase do prefácio do livro bem ilustra a natureza do relacionamento e posicionamento que a força de vendas necessita para enfrentar o novo mercado global. Entre eles destacam-se: Evolução do conceito de marketing; Marketing mix; Marketing de relacionamento; Liderança; Era da economia digital; Comércio eletrônico; inteligência psicológica em vendas; A venda na prática; Estudos de casos Brasileiros; Vendas pela Internet. José Luiz Tejon Megido é jornalista e publicitário com mestrado em Educação, Arte e Cultura. Professor de pós-graduação da ESPM, professor convidado e membro do Conselho do Programa de Estudos dos Negócios do Setor Agroindustrial da FEA-USP. Diretor de Marketing na OESP Mídia Ltda., coordenador do grupo de Estudos dos Negócios e Operações de Marketing em Agribusiness (Genoma) junto ao Centro de Estudos da Gestão (CEG). Charles John Szulcsewski é graduado em Administração de Empresas, pós-graduado em Marketing, com especialização em Marketing de Relacionamento pela Anglo-Continental School (Inglaterra), e mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Professor do curso de pós-graduação em Marketing da ESPM – Porto Alegre, Salvador e São Paulo. O livro apresenta um esquema de ações práticas que permite uma leitura fácil e agradável, procurando levar o leitor a refletir sobre suas práticas mercadológicas e adequá-las ao seu negócio. Foi projetado para alunos dos cursos de administração, marketing, comunicação e propaganda, e para pessoas de negócios que precisam de uma compreensão clara das práticas e aplicações de marketing. O autor dá cores ao marketing por meio de exemplos saborosos e atualizados de estratégias de sucesso, e ensina-nos a aprender com o fracasso de determinados produtos. A leitura desse livro leva ao entendimento de um novo e descomplicado marketing. Ao desmistificar o marketing, preenche, com exemplos, todos os espaços onde o marketing moderno está presente; do campo social ao de negócios, do conceito às estratégias, do marketing eletrônico impulsionado pela Internet, do marketing de varejo ao marketing do futuro hoje. Antonio Carlos Giuliani é administrador, diretor de empresa, doutor e mestre em Administração pela UNIMEP, com especialização em Marketing pela University of Califórnia. Cobra Editora & Marketing São Paulo, 2003 287 p. – R$ 75,00 115 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 PEQUENA HISTÓRIA COMENTADA DA PESQUISA DE MERCADO E DE OPINIÃO PÚBLICA NO BRASIL: PÁG. 9 OCTAVIO DA COSTA EDUARDO Artigo sobre as origens e história da pesquisa de mercado e de opinião pública no Brasil da década de 1930 até o fim da década de 1960, com destaque inicial para as duas primeiras pesquisas de âmbito nacional realizadas no país: uma pesquisa de mercado em 1933 sobre a redução do consumo do café e uma pesquisa de opinião pública realizada em 1940/41 sobre as atitudes, opiniões e preferências dos brasileiros com relação aos países envolvidos na Segunda Grande Guerra, iniciada em 1939, e a outras nações que eventualmente se envolvessem mais tarde. A criação e desenvolvimento do IBOPE, criado em 1942, são tratados detalhadamente, seguindo-se informações sobre o surgimento e trabalhos dos três institutos que começaram a operar na década de 1950 (IPOM, MARPLAN e INESE) e de mais três da década iniciada em 1960 (LPM, Gallup e Azzi e Marchi). É dado destaque aos desenvolvimentos conceituais e técnicos da atividade, especialmente à introdução e crescimento, primeiro da pesquisa motivacional na década de 1950 e, a seguir, da pesquisa qualitativa na década de 1960, sendo focada a contribuição de Alfredo Augusto de Carvalho e Silva Carmo aos estudos qualitativos no Brasil. Um adendo avaliativo, sobre os livros de pesquisa de mercado publicados em português na década de 1960, completa o artigo que será continuado por outro sobre o período 1970 até o presente. O VALOR PARA O CONSUMIDOR COMO UMA ORIENTAÇÃO NA DEFINIÇÃO DE PRODUTO E ATENDIMENTO NO RAMO IMOBILIÁRIO PÁG. 24 ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA Considerar o valor para o consumidor nas estratégias tem sido ressaltado na literatura, mas a visão predominante é que o valor é idiossincrático e não pode ser pesquisado. No presente artigo pretende-se demonstrar que é possível conhecer os valores dos consumidores através de um modelo e que tal conhecimento é o caminho para a construção de estratégia no ramo imobiliário. Valor no modelo proposto é um dos componentes da qualidade, que se cria e se modifica em vários processos de interação entre o consumidor e outros participantes do negócio, o que influencia na construção da satisfação do consumidor. Para investigar esta afirmativa realizou-se uma pesquisa com um grupo de gerentes de vendas de imobiliárias, analisando-se o discurso pela técnica de Análise de conteúdo. Verificou-se que o tema básico do grupo girou ao redor dos modelos de atendimento, ou de persuasão, ou de relacionamento; cada qual com valores implícitos. Uma das conclusões do trabalho é que a pesquisa e explicitação dos valores presentes nas negociações podem ser utilizadas como a informação básica a partir da qual se constroe a estratégia de valor no ramo imobiliário. Em vista dos dados o modelo proposto é colocado como uma alternativa de estratégia, com uma orientação voltada ao consumidor. Sugere-se que a ferramenta utilizada no modelo deve ser testada para ajustes e validação. OS DESAFIOS ESTRATÉGICOS DE UM PROGRAMA DE FIDELIZAÇÃO EM FRANQUIAS PÁG. 36 THELMA ROCHA FABIANE MORAES De acordo com a Associação Brasileira de Franchising, as franquias têm crescido continuamente nos últimos anos (20% ao ano), fazendo do Brasil hoje o 3º maior país franqueador do mundo, atrás somente dos EUA e Japão. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 600 empresas que franqueiam, o que corresponde a aproximadamente 53.000 pontos de vendas em todo o Brasil nos mais diversos segmentos. As franquias nacionais enfrentam lado a lado a concorrência internacional, ficando o desafio estratégico de como criar valor para seus clientes. Assim surgiu o Programa Fidelidade O Boticário, com o intuito de tornar os clientes mais fiéis e mais próximos ao estabelecimento e à marca. Esta tarefa, que poderia ser simples, fica um pouco mais complexa se considerarmos o distanciamento do franqueador do ponto de venda e do cliente final. Este artigo percorre o conceito de lealdade em franquias, programas de fidelização e promoções, e aponta as principais dificuldades de um programa de fidelidade neste setor. Como caso é analisado o Programa Fidelidade O Boticário. 116 NOS INTERVALOS DA GUERRA: PAN-AMERICANISMO E PROPAGANDA COMERCIAL NO BRASIL DOS ANOS 40 PÁG. 44 ÉRICA GOMES DANIEL O artigo é resultado de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq e do Laboratório de História Oral e Iconografia da Universidade Federal Fluminense. Busca analisar as mudanças ocorridas no campo dos padrões de sociabilidade e de consumo no Brasil, a partir dos anos 40, com a consolidação das agências de propaganda, além de discutir como a política do pan-americanismo utilizou o espaço publicitário para divulgar a política de Boa Vizinhança entre Brasil e Estados Unidos. A pesquisa teve como fontes os artigos de jornalistas e publicitários publicados nos anuários de propaganda e nas revistas especializadas em publicidade, além dos anúncios veiculados na Revista Seleções do Reader’s Digest de maio a agosto de 1944. O MODELO DE FARMÁCIA NO ENSINO DE E-BUSINESS PÁG. 57 LUÍS GONZAGA TRABASSO E-business tem alterado a forma de competição, a velocidade de ação e a natureza das lideranças das empresas. Os dirigentes empresariais têm lutado para compreender esse fenômeno. Quando eles começam a entender os cenários e arquiteturas de e-business, já um novo cenário e novas arquiteturas os estão desafiando novamente. Estudos de caso analisados como modelos de e-business deixam de existir em curto espaço de tempo. Aprender e ensinar e-business é um grande desafio. Esse trabalho apresenta um método pedagógico original para o curso de E-business que procura auxiliar professores e alunos na tarefa de ensino e aprendizado de assunto tão desafiador. O método tem sido usado com sucesso no curso de Ebusiness, oferecido no programa de MBA em E-Management da ESPM – São Paulo. SALVEM AS PADARIAS! PÁG. 63 ALINE RICOMINI FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA As dificuldades enfrentadas pelos pequenos varejistas, para obterem êxito e tornarem-se competitivos perante os grandes varejistas, levantaram a questão de verificar se o setor panificador estaria receptivo a oferta de uma consultoria especializada. Para este estudo usou-se a metodologia de estudo de caso e os dados foram coletados em pesquisas bibliográfica, documental e entrevistas pessoais. Verificou-se que 83% da amostra possuem a percepção que o mercado está em queda e 70% acreditam que uma consultoria externa contribuiria para a melhoria do negócio. Para tornar o mercado panificador competitivo e rentável propõe-se uma maior especialização e diferenciação do setor no que se refere às áreas de Marketing, Recursos Humanos, Finanças e Logística. 117 Sumário Executivo Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 A SHORT HISTORY OF PUBLIC OPINION AND MARKETING RESEARCH IN BRAZIL: THE PIONEER YEARS P. 9 OCTAVIO DA COSTA EDUARDO ABSTRACT This is a text about the origins and history of public opinion and marketing research in Brazil, from the 30s through the end of the 60s, with special focus in the two first nation-wide surveys undertaken in the year 1933 about a reduction in coffee consumption and a public opinion survey, conducted in 1940/41 about attitudes, opinions and preferences of Brazilians concerning the countries involved (or about to be) in the Second World War. The founding in 1942 – and evolution of the IBOPE research institute are dealt with in detail, followed by information about the beginnings of the other three institutes founded in the decade of 1950 (IPOM, MARPLAN and INESE), and of the institutes founded in the 60s (LPM, Gallup and Azzi & Marchi). The article emphasizes conceptual and technical developments, specially concerning the introduction and growth of motivational studies, in the 50s, and of qualitative studies, in the 60s with a special mention about the contribution of Alfredo Augusto de Carvalho e Silva Carmo. A list and evaluation of the books on marketing research published in the 60s closes the article, which will be followed by a study covering the years 1970 to the present. CUSTOMER VALUE AS AN ORIENTATION IN THE DEFINITION OF PRODUCT AND CUSTOMER SERVICE IN THE REAL ESTATE BUSINESS P. 24 ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA ABSTRACT The literature has emphasized the need to consider customer value in business strategies, but the predominant vision is that value is idiosyncratic and cannot be researched. The present article intends to demonstrate that it is possible to establish customer value through a model and that such knowledge is the path to strategy-building in the real estate sector. Value, in the proposed model, is one of the components of quality, that is built and modified in several interaction processes between the customer and other business players, which influences the build-up of consumer satisfaction. To investigate this hypothesis, a survey was conducted with a group of real estate sales managers, and their speech was examined with the technique of Content Analysis. It was verified that the basic theme of the group was that of the service models, or persuasion models, or relationship models; each one with its implicit values. One of the conclusions of this work is that the research and clarification of the values present in negotiations can be used as the basic information from which the strategy of value is built in the real estate sector. In view of the data the model is proposed as an alternative strategy, with strong consumer orientation. It is also suggested that the tool used in the model should be tested for adjustments and validation. STRATEGIC CHALLENGES OF A LOYALTY PROGRAM IN FRANCHISING P. 36 THELMA ROCHA/FABIANE MORAES ABSTRACT According to the Brazilian Association of Franchising, franchises have been growing consistently in recent years (some 20% a year), what made Brazil today the 3rd largest franchiser country of the world, behind the USA and Japan. Brazil has about 600 franchising companies, which operate approximately 53.000 points of sales throughout the country in the most diversied sectors. Local franchises are facing strong international competition, which raises the challenge of how to create value for their customers. In this context the Loyalty Program of O Boticário was created. The intention was to make customers more faithful and bring them closer to the shops and to the brand. This task, which could, eventually, be relatively simple, is more complex when considering the distances between franchiser and franchisees and final customers. This article examines the loyalty concept in franchises – in the form of loyalty programs and promotions – and points to the main difficulties of such programs in this business sector, through the analysis of The Loyalty Program of O Boticario. 118 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 P. 44 ÉRICA GOMES DANIEL ABSTRACT This article is the result of a research project undertaken with the support of CNPq and of the Oral History and Iconography Laboratory of Universidade Federal Fluminense. It intends to analyze the changes that intervened in the patterns of sociability and consumption in Brazil, starting in the forties, with the consolidation of international advertising agencies. It also discusses how the politics of Pan-Americanism used product advertisiments to promote the Good Neighborhood policies between the United States and Brazil. Sources for research were articles by journalists and adpeople published in advertising annuals and advertising magazines, as well as the advertisements published in the Reader’s Digest Brazilian version, Revista Seleções between May and August, 1944. THE PHARMACY MODEL IN E-BUSINESS TEACHING P. 57 LUÍS GONZAGA TRABASSO ABSTRACT E-business has altered forms of competition, the speed of reaction and the very nature of business leadership. Business leaders have been struggling to understand that phenomenon. But when they begin to understand some of the scenarios and architectures of e-business, already new scenarios and new architectures are challenging them. Case studies considered to be models for e-business cease to exist in short spans of time. To learn and to teach e-business is a great challenge. This text proposes an original pedagogic method for the ebusiness course that tries to aid teachers and students in the tasks of teaching and learning such a challenging subject. The method has been used with success in the course of e-business, offered in the MBA program in eManagement of ESPM - São Paulo. SAVE THE BAKERIES! P. 63 ALINE RICOMINI/FLÁVIA PREUSS SIQUEIRA ABSTRACT The difficulties faced by small retailers to obtain success and be competitive with the big retailers have raised the question of whether the bakeries sector would be receptive to the offer of a specialized consultancy. For this study, the methodology of case study was used, and the data were collected through bibliographical and documental research, as well as personal interviews. It was found that 83% of the sample has the perception that the market is diminishing and 70% believe that an external consultancy could contribute to the improvement of the business. To make the smaller bakeries competitive and profitable, a higher degree of specialization and differentiation of the business is proposed, mainly in the areas of Marketing, Human Resources, Finance and Logistics. 119 English abstracts BETWEEN WARS: PAN-AMERICANISM AND COMMERCIAL ADVERTISING IN BRAZIL IN THE 1940’S Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 120 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 CARTAS Cher Monsieur, J’ai bien reçu les deux exemplaires de la Revista da ESPM que vous avez eu la grande aimabilité de me faire parvenir. Je vous félicite pour la qualité de la mise en page et du design visuel, qui est très grande. Avec mes remerciements renouvelés, je vous prie de bien vouloir accepter, cher Monsieur, l’assurance de mes sentiments les plus cordiaux. Pascal Beucler Diretor geral da agência Carré Noir (França) associada ao Grupo Publicis Consultant www.carrenoir.com Prezada Coordenadora Recebi e agradeço o nº 5 (set./out./02) da Revista da ESPM. Não me passa desapercebido o grande mérito de se pôr a circular uma publicação desse porte. Por isso, venho louvá-la e a seus companheiros do Conselho Editorial, ao Editor, ao Diretor de Arte, aos Diagramdores, à Revisão e outros auxiliares, que fazem a Revista, sem lisonja, uma das maiores em seu gênero mundo afora. Nela se aprende a trabalhar em assuntos de alta especialização e a adquirir fundos conhecimentos. Embora desnecessário, envio-lhe parabéns e votos de permanente êxito. Fernando Segismundo [email protected] Gostei da última edição da Revista, especialmente das matérias “A propaganda brasileira através do cartão-postal” e “O paradoxo da obrigação fecunda”. Enquanto lia esta última, impossível foi não associar o que ocorreu com a publicidade francesa de bebidas, desde a implantação da lei Évin em 1991, com a explosão de criatividade que as manifestações artísticas brasileira – e especialmente a música, na minha opinião – experimentaram durante o regime militar e censor de um passado ainda recente. Curioso também descobrir, numa livre associação, que segundo os registros postais do começo do século 20, as primeiras gravações musicais do país tenham sido feitas justamente por bandas militares, “algumas com nomes deliciosos: a de Cornetas e Tambores do Batalhão Naval, a dos Aprendizes de Marinheiros, a do Primeiro Batalhão de Artilharia de Posição, a do 52º Batalhão de Caçadores e, evidente, a do Corpo de Bombeiros, uma instituição de seu tempo, regida pelo maestro Anacleto de Medeiros. Nessas Bandas nasceram 90% dos músicos profissionais brasileiros do período”. Ou seja, a história, às vezes, é deliciosamente irônica. Parabéns pelo conteúdo da Revista que, espero, reflita o da Escola. Abraços. Kleber Fonseca [email protected] Gostaria de parabenizar a Revista da ESPM, pelos excelentes artigos que vem apresentando. Destaque para: “A propaganda brasileira através do cartão postal”, e “Os novos códigos da sedução”. Pretendo adquirir o livro “A propaganda brasileira através do cartão postal” e quero saber se já está a venda nas livrarias em geral. Mara Silvia Rasteiro Mara, Agradecemos os elogios à Revista. Quanto ao livro “A propaganda brasileira através do cartão postal”, você já pode encontrá-lo nas livrarias. Para maiores informações, entre em contato direto com o autor/editor pelo e-mail: [email protected] 121 Revista da ESPM – Janeiro/Fevereiro de 2003 PONTO DE VISTA A pesquisa é ótima quando ilumina idéias, não quando escora a aprovação • Percival Caropreso Diretor de Criação e Gerente Geral da McCann-Erickson Quando comecei neste ofício há mais de 30 anos, uma das primeiras máximas que escutei, e de que mais gostei, era algo mais ou menos assim: A PESQUISA DEVE SER USADA COMO UM VIAJANTE USA UM POSTE NO MEIO DA NOITE: PARA ILUMINAR SEUS PASSOS, DE MODO QUE ELE CONTINUE A AVENTURAR-SE NA SUA JORNADA. A PESQUISA NÃO DEVE SER USADA COMO UM BÊBADO USA UM POSTE: PARA SE ESCORAR ATÉ GANHAR CORAGEM PARA SEGUIR ANDANDO. Vivíamos naquela época o período da criação pela criação ou da idéia pela idéia, como se dizia. Mas ele começava a dar sinais de que iria acabar. Bobagem, porque idéia nunca morre, mesmo que não seja aprovada nem produzida. Ela existe em si.A idéia existe em si, mas tem que ser concebida antes. Ninguém mais acredita que idéia nasce por geração espontânea ou que a cegonha a traz no bico, viajando de Cannes até aqui. Idéia tem pai e mãe. O pai é o Conhecimento. É o nosso conhecimento humano geral, quem somos, como somos não profissionalmente, mas como pessoas. Que visão de mundo, e de vida, temos? Quais nossas crenças e valores? Como nos relacionamos com a realidade à nossa volta e com as pessoas acima e abaixo? Somos alegres, divertidos, positivos? Curiosos, interessados, inquietos na busca do novo e do melhor? Responsáveis, éticos, conscientes, solidários, do Bem? Nosso acervo de vivências pessoais, nosso conhecimento humano determina em muito o DNA de nossas idéias. Outro conhecimento que concorre para a concepção de idéias é o conhecimento específico e focado na tarefa que estamos desenvolvendo. Quanto conhecemos da marca para a qual estamos criando comunicação? E dos concorrentes? E dos mecanismos do mercado, das forças que regem os negócios? Esse conhecimento mercadológico vale pouco se não tivermos conhecimento do consumidor. Mais: se não tivermos a compreensão sensível do consumidor. Seu cérebro e seu coração, sua alma – ele é alguém igual a nós. E seu cérebro, seu coração e sua alma de consumo – alguém que tem cabeça, tronco, membro e bolsos. Suas virtudes e fraquezas, suas ambições e medos, o que o atrai e o afasta, o que o mobiliza como pessoa e como consumidor. Aí entra a pesquisa como porta para esse 122 conhecimento, a essa compreensão sensível do consumidor. Pesquisas que não apenas revelam fatos, mas que inspiram, sugerem hipóteses, fazem com que a gente de Criação sinta coceiras mentais. Quantas e quantas vezes a idéia de uma campanha não nasceu ali mesmo, numa sala de pesquisa, onde o pessoal de Criação pôde sentir os consumidores em suas reações, atitudes, sentimentos, cacoetes de vida? Mas, para esse momento mágico acontecer, precisamos de duas coisas: estar fisicamente presentes nessas sessões de pesquisa; manter o espírito desarmado, isento e mal-intencionado, com os sensores em alerta, prontos para detectar inspirações que passariam batidas por muita gente desavisada ou arrogante intelectualmente. Aqui na McCann temos um procedimento rotineiro, que faz parte natural do nosso jeito de trabalhar. Tem o nome de PULSE e não é pesquisa. É assuntamento. Toda semana, um grupo de consumidores se reúne conosco para um papo. Pessoal da Criação e de outras áreas da agência fica levando prosa solta com esses consumidores, sem agenda, sem pauta. E sem ninguém da área de pesquisa. Não seguimos metodologia formal, não mostramos anúncios nem filmes, não pedimos opinião direta sobre nada concreto. Apenas queremos saber e entender o que rola na vida real das pessoas, sentimentos sobre o novo governo, sobre as matrículas escolares caras, sobre as mudanças na novela Esperança, sobre a violência e o desemprego, sobre o futuro dos filhos, sobre as ambições e fantasias. É prosa mesmo, por isso dizemos que PULSE é um assuntamento: a gente vai assuntando o que se passa na cabeça, no coração e na alma desses consumidores. A gente vai entendendo melhor, sentindo quem e como eles são, o que estão vivendo no mundo real. E absorvendo as idéias que eles involuntariamente nos entregam de mão beijada. Para mim, esse tipo de informação qualitativa e inspiradora é a verdadeira contribuição que pesquisas devem dar à criação. Não ao pessoal do Depto. de Criação, mas à criação em si. Criação de pensamento, criação de planejamento, criação de mídia, criação de idéias de comunicação – que podem até vir a ser, eventualmente, um filme, um anúncio convencional. Isso é usar o poste para iluminar nosso caminho e a ambição de nos aventurarmos. As pesquisas de conceitos e caminhos criativos, um pouco mais adiante no processo, também são ótimas, desde que tenham a mesma intenção: fazer pensar, aprender e inspirar. Bater piques das nossas convicções e idéias com as convicções e idéias do consumidor sempre faz bem à saúde do nosso trabalho e à nossa própria saúde pessoal. O problema é quando a pesquisa é usada como muleta, ponto de apoio na falta de coragem ou visão para se tomarem decisões. O tal uso que o bêbado faz do poste, que o ancora ao seguro e ao conhecido, ao invés de ajudá-lo a seguir adiante, descobrir novos caminhos. A concentração do capital e das grandes empresas, a formação dos mega grupos econômicos leva à necessidade de controle. Desde antes do Império Romano, diluir e esvaziar autoridade, inibir a tomada de decisão são formas clássicas de aumentar o controle central. Criam-se mecanismos, que fazem as imensas redes funcionarem de forma razoavelmente homogênea em cada um e em todos os seus terminais, filiais, sucursais, operações remotas. A pesquisa pode vir a ser um desses mecanismos, junto com os guidelines, polices, mandatories, tudo by the book. Um book que muita gente não leu até o fim. E que raramente tem um final feliz. O apego evangélico a esses mecanismos resulta num fanatismo cego por processos e procedimentos, que muitas vezes faz todos esquecermos que estamos numa profissão – Marketing e Comunicação – cuja missão é pensar e criar, ter idéias que funcionem. Se, na concepção de uma idéia, o pai é o Conhecimento, a Ignorância é a mãe. Reconhecer que somos ignorantes e, portanto, que precisamos aprender, escutar, refletir sobre informações que desconhecemos ou conhecemos pero no mucho. Nesse nosso mundo privilegiado, corremos o risco de formar uma cultura e uma estética fechadas e distantes do consumidor. E mais uma vez a pesquisa pode desempenhar um papel estimulante: o papel de alcoviteira, cruzando o Conhecimento com a Ignorância. Esse exercício nos traz luz e prazer, abre nossos olhos, expande nosso conhecimento antes de a idéia vir ao mundo. Edwin Land, inventor da Polaroid, definiu que “Uma idéia geralmente é um repentino cessar da estupidez”. Todos os profissionais de pesquisa com quem trabalhei sempre detestaram ser confundidos com zeladores da estupidez.