courrier/courrier 18-05-07
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courrier/courrier 18-05-07
e ditorial c onvidado Londres, cidade global R ESISTIU às bombas de Hitler, sobreviveu à queda do Império, esteve na moda nos anos 1960 — na verdade nunca deixou de estar — e, segundo os especialistas, vai tornar-se a grande capital do Ocidente nestas primeiras décadas do século XXI, suplantando Nova Iorque. Londres é a cidade global do momento e, pelo menos até aos Jogos Olímpicos de 2012, não parará de crescer. Nomeadamente para instalar os 800 mil novos habitantes que deverá receber nos próximos quatro anos, passando sFernando Madrinha dos 7,5 para os 8,3 milhões. Quando se pergunta ao presidente da Câmara, Ken Livingstone, o segredo do sucesso da capital britânica, ele responde: menos regulamentação financeira e mais imigração. Enquanto praça financeira, a cidade beneficia dos efeitos de uma liberalização que começou no tempo de Margareth Thatcher e prosseguiu na década de Blair. Enquanto destino de imigrantes das sete partidas — e, desde logo, dos países que integraram o maior Império da História —, Londres revitaliza-se. Os que chegam compensam largamente os muitos milhares de habitantes que deixam a cidade anualmente para se instalarem noutras regiões da Grã-Bretanha. E a capital transforma-se na cidade que tem porventura a população mais exótica do mundo, mas também a mais rica em termos de diversidade e de oferta cultural, com os proveitos económicos que esse cruzamento e essa convivência de culturas também representa. É interessante verificar que Livingstone evoca a imigração como um trunfo e não como uma desvantagem quando, por esse planeta fora, as migrações são encaradas como um dos problemas mais sérios que a humanidade vai enfrentar nas próximas décadas. Basta lembrar os dados do último relatório da ONU sobre demografia mundial, já referidos pelo Courrier (n.º 105): até 2050, a população vai aumentar 46 por cento, atingindo os nove mil milhões. E dois terços destes seres humanos viverão nas cidades. Os problemas daqui resultantes são difíceis de imaginar, pela sua dimensão e complexidade. Mas, pelos vistos, há em Londres quem já tenha começado a trabalhar. Talvez por isso, possa dar-se ao luxo de não se declarar preocupado. [email protected] GENTE D’AMANHÃ PENELOPE CLARKE Saiote divertido A segunda dama? OS quatro anos, já tinha um público — a sua família de origem filipina, numerosa, cheia de tias e tios — que a aplaudiam quando imitava a mãe. Aos dez anos, esta americana sabia que queria ser actriz. Hoje, aos 31, é, nas palavras do «site» Asia Sentinel, «uma estrela internacional». O seu palco é a Internet, nomeadamente o «YouTube», onde acaba de obter o segundo prémio dos YouTube Awards para a categoria de «melhor comédia». A sua série de vídeos intitulada «Happy Slip» (um nome derivado de «half slip», «saiote» em inglês, que a mãe pronunciava mal, mas diariamente, dizendo-lhe: «Christine, puseste o teu saiote?») conquistou um verdadeiro sucesso em nove meses. «Mixed Nuts», o vídeo que lhe valeu o prémio, foi visto três milhões de vezes e a série começa a interessar os publicitários. Christine Gambito (que nesta série faz tudo: escreve o guião, maquilha-se, filma-se a si própria, encarna as diferentes personagens, monta e distribui) decidiu passar a dedicar-se a ela inteiramente. Até agora também era enfermeira. Uma profissão que escolheu pela sua flexibilidade e para não ceder à tentação de aceitar qualquer papel para poder pagar a renda da casa. STA britânica de 51 anos pode instalar-se em breve no Hotel Matignon (residência oficial do primeiro-ministro francês), a reboque do marido, François Fillon, dado como favorito para ser o próximo chefe do Governo. Oriunda de uma família de cinco filhos, Penelope Clarke — «Penny», como lhe chama familiarmente The Independent, ao que parece bastante orgulhoso com a ideia de uma galesa poder tornar-se «segunda dama da França» — é filha de um notário, criada numa pequena aldeia galesa perto de Abervenny, no sudoeste do país de Gales. Os Fillon conheceram-se quando ela estudava Direito em Paris; nessa altura, ele era adido parlamentar do deputado por Sarthe Joël Le Theule; casados há 27 anos e pais de cinco filhos, vivem no castelo de Beaucé, perto de Mans. Penny é «uma mulher natural e despretensiosa», diz uma jornalista da imprensa local. «Estou convencida de que tem a inteligência e a discrição para se tornar uma boa ‘segunda dama’ da França». Fala perfeitamente francês com uma ligeira pronúncia galesa. Também é boa amazona. Segundo a embaixada britânica em Paris, é «absolutamente adorável», «muito dedicada à família», «extremamente leal ao país de Gales e orgulhosa de ser galesa». DR A JEAN FRANÇOIS MONIER/AFP CHRISTINE GAMBITO E EDIÇÃO 111 * 18.05.07 Israel-Palestina: um salto pela paz ANA GOMES Eurodeputada socialista e ex-dirigente do PS com Ferro Rodrigues, nasceu em Lisboa em 1954. Diplomata formada em Direito, foi consultora de Eanes em Belém e representou Portugal na ONU, Tóquio e Londres. Destacou-se na secção de interesses de Portugal na Indonésia (e tornou-se embaixadora), pela defesa do povo de Timor-Leste. “Q UANDO eu e a Hannan começámos a trabalhar juntas, andávamos de crianças nos braços. Hoje, passados 30 anos, cá andamos porque ainda não temos paz. As crianças é que são outras” disse Naomi Chazan, ex-Presidente do Knesset, o parlamento israelita. Falava de Hannan Ashrawi, a negociadora de Oslo e membro do Conselho de Estado palestiniano. Estávamos em Jerusalém Leste, no fim-de-semana passado, mulheres israelitas, palestinianas e internacionais, sentadas à roda de uma mesa a discutir como pressionar por negociações de paz e como pôr mulheres à mesa dessas negociações. Há dois anos, formámos a International Women’s Commission, coordenada pela UNIFEM, para levar à prática a resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, o qual determina que seja dada voz às mulheres em negociações e operações de paz. Ouvimos muitas outras mulheres, activas nas sociedades palestiniana e israelita. E fomos aos negociadores oficiais, Saeb Erekat e Tzipi Livni (a MNE de Israel), levar o que elas dizem e eles sabem: que israelitas e palestinianos podem trabalhar juntos e a paz não é só possível como é desesperadamente urgente. Porque as mulheres nas bases dizem que, cada dia que passa, encolhe o número dos que acreditam na paz: num lado, preparam-se para a próxima guerra, no outro, engole-se mais humilhação e opressão. Cada dia que passa sem negociações que vão ao fundo do conflito — a ocupação da terra palestiniana e o reconhecimento de Israel por parte do mundo árabe — e levem à solução de dois Estados, a situação degrada-se. Como Israel já reconhece. Sem Estado, vamos ver mais do mesmo na Palestina: bloqueio económico asfixiante, mais «check-points», mais colonatos a roubar terra, caos sangrento em Gaza, bandos armados à solta. E o caos serve os interesses de quem, no Hamas e não só, não quer a paz. O muro que serpenteia por cada vez mais colinas não empareda apenas os palestinianos: empareda Israel, na deslegitimação e na insegurança. O sentido de urgência chegou à região (pela sombra crescente de Teerão) e há mudanças: um governo de unidade nacional palestiniano e a oferta árabe de reconhecer Israel em troca de negociações para a criação do Estado palestiniano. A MNE israelita reconhece a viragem histórica e já teve um primeiro contacto formal com a Liga Árabe. E em Israel, um relatório oficial concluiu pela suprema irresponsabilidade do Governo ao partir para a guerra no Líbano sem cuidar de respostas alternativas. Tzipi Livni, que se opôs à escalada no Líbano, pode suceder a Olmert. Também a Administração Bush acorda para a realidade: descobriu por fim a utilidade de falar com a Síria e o Irão, fala com o Governo de unidade nacional palestiniano e concebeu um plano para melhorar condições de vida aos palestinianos sob ocupação. Não é muito, mas é novo, e pode ajudar a negociar a paz. Em 1977, quatro anos após a guerra de Yom Kippur, o Presidente egípcio foi a Jerusalém falar ao parlamento israelita e iniciou um processo diplomático que culminou no primeiro acordo de paz entre um país árabe e Israel. Anwar Sadat pagou um preço: foi assassinado e o país esteve expulso da Liga Árabe durante 10 anos. Mas mostrou que nada substitui a coragem política dos líderes. O que falta agora é um 'salto à Sadat': um rasgo de liderança visionária que corte o nó górdio e transforme sinais positivos avulsos num Estado palestiniano viável que garanta segurança a Israel. As mulheres israelitas e palestinianas com quem estive afirmam que sem pressão internacional sustentada sobre ambos os lados nada acontecerá, mais uma vez. Face à falhada liderança americana, mais crucial é que a Europa assuma responsabilidades. Não o fará sob presidência alemã. Portugal não tem estrutura diplomática, nem estratégia sustentada para o Médio Oriente, apesar da retórica ocasional; mas vai ter a presidência da UE em breve. E países assim muitas vezes fazem a diferença. Para a Europa encorajar israelitas e palestinianos a darem «o salto». Pela Paz.