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1 Paulo Fernando Bava de Camargo ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES OITOCENTISTAS DA PLANÍCIE COSTEIRA CANANÉIA/ IGUAPE, SP Dissertação de mestrado. Orientadora: profª. Drª. Maria Cristina Mineiro SCATAMACCHIA Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo São Paulo, junho de 2002 2 Paulo Fernando Bava de Camargo ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES OITOCENTISTAS DA PLANÍCIE COSTEIRA CANANÉIA/ IGUAPE, SP Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria profª. Cristina Drª. Mineiro SCATAMACCHIA Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo São Paulo, junho de 2002 3 Resumo Esta pesquisa de mestrado, que está inserida dentro de um projeto mais amplo, visa a localização, mapeamento e análise das fortificações da planície costeira Cananéia/ Iguape. O trabalho justifica-se pela necessidade de levar à luz o subsistema defensivo que foi concebido para essa região, no século 19, para depois podermos compará-lo com os subsistemas defensivos implantados nas outras regiões do litoral do Estado o qual, ao contrário de algumas regiões do Brasil, teve sua estratégia de defesa alicerçada em baluartes de reduzidas dimensões e parco poder de fogo. Geralmente esquecidos pela história ou pela arquitetura - por não possuírem registros escritos em quantidade ou edificações significativas -, eles são essenciais para a compreensão das estratégias políticas e militares que regeram as elites coloniais e imperiais no processo da construção da identidade nacional brasileira. A teoria e a metodologia seguidas por esta pesquisa estão fundamentadas na arqueologia de raiz materialista histórica, como a arqueologia social e a crítica. Seguindo esta linha de pensamento, as fortificações seriam apenas o ponto de partida para a elaboração de uma história – regional e nacional - baseada na arqueologia, na qual estariam evidentes os mecanismos que regulam o poder dentro da sociedade enfocada. Do ponto de vista das técnicas arqueológicas, conjugamos dados obtidos pelas prospecções terrestres e subaquáticas1, que devem ser encaradas como complementares apesar de serem aplicadas em meios diferentes. As intervenções arqueológicas subaquáticas são pontuais, o que é possível graças ao uso de métodos prospectivos geofísicos (magnetometria, sonar de varredura lateral, etc). Palavras chave: arqueologia subaquática; arqueologia histórica; fortificação; artilharia; vale do Ribeira; Cananéia 1 A fortificação da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, está hoje, submersa. Já o forte de Sepitiba, em São Sebastião, litoral norte (que é estudado a título de comparação), está em cima de um morro. 4 Abstract This master's degree research that is part of a greater project aims to locate, map and analyse the fortifications of the coastal plain Cananéia/Iguape. The work is justified by the need of taking to the light the defensive subsystem conceived for that area in the 19th century and to compare it later to the defensive subsystems implanted in other coastal areas of São Paulo which, unlike some areas of Brazil have had its defense strategy based on ramparts of reduced dimensions and scanty fire power. Usually forgotten by history or architecture, they are essential to understand the political and military strategies that ruled the colonial and imperial élite in the construction of the Brazilian national identity processes. The theory and methodology followed in this research are based on the archaeology of historical materialistic root, as the social archaeology and the critic. Following this thought the fortifications would just be the starting point for the elaboration of a history - regional and national - based on the archaeology. Then the mechanisms that regulate power inside the focused society would be clarified. According to the archaeological techniques, we conjugate data obtained by the terrestrial and underwater research2 that should be considered as complementary in spite of being applied in different means. The underwater archaeological interventions are punctual thank to the use of geophysical prospective methods (magnetometer survey, side scan sonar, etc). Key words: underwater archaeology; historical archaeology; fortification; artillery; valey of the Ribeira; Cananéia. The Ponta da Trincheira fortification, in the Comprida island, it is now submerged. The Sepitiba fo rt, in São Sebastião, north coast (which is studied for comparison), is in top of a hill. 5 À Priscila, Haroldo, Maria Amália e Daniela, que incentivaram e suportaram (de todas as formas) o pesquisador. 6 Agradecimentos Á FAPESP, pela concessão da bolsa. À minha orientadora, Maria Cristina, por apoiar essa e tantas outras iniciativas de suma importância para a pesquisa arqueológica no Brasil. A Gilson Rambelli, amigo, coordenador dos campos “molhados”, parceiro de discussões e grande divulgador da arqueologia subaquática em águas tão turbulentas. Ao prof. Dr. Francisco Y. Hiodo (IAG-USP) e sua equipe, por terem desenvolvido o magnetômetro subaquático. A Flávio R. Calippo, amigo e parceiro de equipe a quem devo a interpretação dos mistérios das terras submersas. Ao Luís A. P. de Souza (IPT), por ter feito o levantamento com o sonar de varredura lateral. Aos arqueólogos Jerônimo Angueyra e Patrícia Baiod, companheiros de mergulhos e de grandes descobertas. Ao prof. Dr. Francisco J. S. Alves (CNANS, Portugal) e ao prof. Dr. Luis Filipe Castro (INA, EUA) por me proporcionarem grandes escavações subaquáticas na lusa terra. Ao prof. Dr. Marc-Andrè Bernier (Parcs Canadá) por compartilhar de seus conhecimentos, simpatia e paciência com os arqueólogos da América Latina, não raro esquecidos pelo hemisfério superior. Ao prof. Adler H. F. Castro (DEPROT-IPHAN), grande conhecedor dos mistérios bélicos. Aos profs. Drs. Maria I. d’A. Fleming e José Luis de Moraes pela importante contribuição no exame de Qualificação. Ao prof. Dr. Moysés Tessler, por ter oferecido grandes informações e contatos. À Juliana Leitão, amiga que também suportou as pesquisas no Rio de Janeiro. Ao Carlo Manfredi, camarada ítalo-cananeense que tantas vezes nos auxiliou. E a tantos outros que contribuíram de inúmeras maneiras para o sucesso dessa empreitada. 7 “4) Se algum navio ou navios estrangeiros vierem buscar este porto em tempo de paz, logo que o Comandante perceber que bandeira não é portuguesa mandará dar fogo a uma peça sem bala, para que dêem fundo e não o fazendo mandará disparar outra bala por elevação, e se ainda assim o não fizerem, os tratará como a inimigos; porém, se obedecerem e mandarem lancha a terra, o Comandante irá à praia, saber o que querem, não consentindo que entrem na Fortaleza, e se quiserem entrar com os navios para dentro me renderá algum de seus oficiais, por soldados de suposição para me falar, e enquanto eu não mandar ordem para que entrem, o não consentirá de modo algum, e lhe mandará meter guarda para que não negociem com os moradores, e se por não terem ainda entrado na barra para dentro não o quiserem admitir, a guarda lhes porá o Comandante em venda no mar e um Sargento e alguns soldados para impedirem a dita negociação;(...) 13) Toda a embarcação que sair a pescar, será obrigada, quando entrar, a chegar à Fortaleza, a vender peixe à guarnição por menos a terça parte do que se costuma vender nesta vila; e, quando não o queiram chegar, o Comandante mandará buscar os mestres e os meterá no tronco de pescoço por tempo de meio dia, e depois os soltará servindo-lhes este castigo de exemplo para não faltarem mais;” Ordens, Alexandre Luís de Sousa Menezes, Governador da Praça de Santos, século 183. 3 Série de 18 artigos sobre os procedimentos necessários para controlar o tráfego de embarcações pela barra Grande de Santos. Transcritas nas notas do tabelião Silvério Gurgel do Amaral Coutinho em 18/08/1808. Costa e Silva Sobrinho, 2000: 40-46. 8 Índice Abreviações 9 Introdução 10 Capítulo 1 11 Capítulo 2 31 Capítulo 3 80 Capítulo 4 133 Considerações finais 150 Anexos 151 Glossário 187 Bibliografia 189 9 Abreviações ?? ABN – Anais da Biblioteca Nacional ?? AESP – Arquivo do Estado de São Paulo, S. Paulo, SP ?? AHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro, RJ ?? ARHEX – Arquivo Histórico do Exército, R. de Janeiro, RJ ?? AMS-FM – Arquivo Municipal de Santos, SP – Fundo Milícias ?? BN - Biblioteca Nacional, R. de Janeiro, RJ ?? C. ou Cx. – caixa ?? CCSP – Códice da Capitania de São Paulo (ARHEX) ?? CEHB+número – Catálogo da Exposição de História do Brasil (realizada na BN na década de 1880) ?? DI – Documentos Interessantes para a História de São Paulo ?? Doc./ docs. – documento(s) ?? E+número – documentos do AESP encadernados ?? FMG – Fundo do Ministério da Guerra (ANRJ) ?? FMM – Fundo do Ministério da Marinha (ANRJ) ?? Gr. – grupo ?? PABVR – Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira ?? PFBC – Paulo Fernando Bava de Camargo ?? RHUSP – Revista de História da USP ?? RIHGSP – Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo ?? V.E. – vossa excelência 10 Introdução A primeira coisa que deve ser colocada é que esta pesquisa retrocedeu da marcha para o oeste e voltou para o leste, tão ao leste que agora o pesquisador encontra-se na água, construindo arqueologia e história do Baixo Vale do Ribeira (e, conseqüentemente, do Brasil) de dentro de um barco, o que vale dizer que os padrões de estabelecimento dessa região e suas conseqüentes paisagens arqueológicas são concebidos através do olhar do navegante, aquele ser que carrega a herança que damos às costas, mesmo às vezes estando na costa. Esta abordagem encontrou espaço no Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira, projeto de longa duração encabeçado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e patrocinado pela FAPESP. Nesse programa arqueológico, que envolve tanto a arqueologia da história antiga brasileira quanto a arqueologia da história pós-conquista, procuram ser investigados os padrões de estabelecimento da região, bem como suas paisagens, tanto na terra quanto embaixo d’água, essa última, atividade pioneira. É nesse contexto extremamente diversificado – que ainda conta com pesquisadores vindos da arquitetura, das ciências sociais, da geografia, da história e da oceanografia – que encontramos espaço para desenvolver este trabalho que envolve a pesquisa de documentos escritos, levantamentos geofísicos e prospecções arqueológicas terrestres e subaquáticas, as últimas com maior ênfase, uma vez que os vestígios da maior fortificação da área estão submersos. Esperamos que com esta pesquisa, multidisciplinar e pioneira no campo subaquático, tenhamos fornecido algumas pistas para que os próximos arqueólogos descubram outros trechos dos “caminhos das pedras”. 11 Capítulo 1 1 Objetivos Esta pesquisa faz parte de um programa arqueológico mais amplo, sobre os padrões de estabelecimento das populações do Baixo Vale do Ribeira4, coordenado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e financiado pela FAPESP. O mapeamento e a análise dessas estruturas defensivas têm como objetivos levantar dados e localizar as estruturas de defesa que foram erguidas na planície costeira Cananéia/ Iguape, correlacionando estes dados com a situação defensiva encontrada no litoral central e norte do Estado de São Paulo. Com a pesquisa visamos, principalmente, a localização e identificação das fortificações mencionadas na documentação textual e que, atualmente, não apresentam estruturas visíveis, ou por terem sido encobertas pela vegetação ou pelas águas, bem como pelo esquecimento. A importância deste trabalho reside no fato dessas estruturas nunca terem sido alvo de estudos sistemáticos, podendo-se, traçar paralelos para as outras situações defensivas encontradas em outras partes do litoral paulista, um pouco melhor exploradas. Tal comparação visa à elaboração de um conhecimento arqueológico sobre as várias estratégias militares (conseqüentemente, geopolíticas) adotadas nas diferentes administrações, para cada região, em diversos tempos. Para tal feito, obtemos algumas informações específicas desses baluartes: funções, potencial de fogo, dentre outras (que serão detalhadas mais 4 O fato da pesquisa não ser desenvolvida em todo o Baixo Vale do Ribeira (como o título sugere é apenas na planície costeira) descarta as fortificações da retroterra, até agora pouco tratadas pela literatura especializada. O exemplo mais nítido que temos, na região, é a cidade de Registro que, como o próprio nome diz, era um local de controle do fluxo de mercadorias e pessoas, onde, segundo a “Planta corográfica, hidrográfica e topográfica das Barras da Vila de Iguape” (cópia de 1849 existente no ARHEX), existiria, em ilha no rio Ribeira de Iguape, uma “fortaleza”. Como era essa estrutura? Possuía artilharia? Qual era sua importância para o controle do fluxo de embarcações pelo Ribeira? O que teria sobrado dela? Estaria emersa ou submersa? São essas e outras questões que teriam que ser tratadas por um trabalho específico. 12 adiante), para que possam ser caracterizados os sistemas defensivos que foram criados para proteger os portos e barras do sul do Estado de São Paulo. A caracterização individual de cada uma das fortificações só teve sentido porque, durante o desenrolar da pesquisa, a produção do conhecimento caminhou para a formação de quadros que permitiram abordar, do ponto de vista da cultura material, as mudanças geopolíticas ocorridas dentro do período em questão. Figuras 1, 2 e 3: Mapas do Estado, do litoral de SP e PR (com a área da pesquisa assinalada) e da barra de Cananéia (com a área da pesquisa subaquática assinalada). 13 A pesquisa também envolveu prospecções arqueológicas subaquáticas devido à dinâmica marítima da região, que faz com que áreas antes emersas encontrem-se hoje imersas e vice-versa. Um exemplo da necessidade de intervenção subaquática pode ser fornecido pela situação do forte da Trincheira, localizado nas águas próximas à praia da Trincheira, no município de Ilha Comprida, SP. Antonio Paulino de Almeida (1962: 192-217) afirma que esta fortificação, construída entre 1824-1825, já durante os conflitos da Guerra do Paraguai (1864-1870) encontrava-se parcialmente destruída pela erosão marítima e que, no final do século passado, não era possível avistar nada além de uns poucos aglomerados de pedra. Diante dessa situação, somente técnicas subaquáticas rigorosas de prospecção puderam ajudar a recuperar os dados sobre esse baluarte. O limite temporal do trabalho estava originalmente compreendido entre a chegada do colonizador de além mar, com o estabelecimento das primeiras povoações e, conseqüentemente, das primeiras estruturas defensivas européias, e o momento no qual o uso do baluarte fixo, desenvolvido na Idade Média e na Moderna, passa a ser, de certa forma, obsoleto, e novas fortificações surgem para fazer frente à maior potência das armas pósrevolução industrial, como, por exemplo, a artilharia de raiada de carregar pela culatra. Entretanto, com o desenrolar das pesquisas modificações foram feitas. A época abrangida pelo trabalho foi restringida ao século 19, porque: (1) a implantação do subsistema defensivo oitocentista forneceu uma quantidade bastante grande de documentos escritos e documentos materiais (canhões) que são de grande complexidade tecnológica e simbólica; (2) o Primeiro Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840) - juntamente com o Estado Novo (1937-1945) -, são grandes marcos da formação da identidade nacional brasileira (Mota, 2000: 23), o que os torna revestidos de grande complexidade, merecendo serem estudados cuidadosamente. Além da melhor compreensão de períodos-chave do processo histórico, uma questão de cunho teórico e metodológico é sanada com essa a nova limitação temporal e espacial. Dizer que serão pesquisadas todas as fortificações criadas a partir da chegada dos europeus engloba, também, estudar as que possivelmente teriam sido desenvolvidas contra eles, as 14 fortificações dos indígenas, objeto de pesquisa bastante denso, pouco tratado na bibliografia arqueológica. A existência de aldeias fortificadas é um fato bastante conhecido. Entretanto, a questão que pode ser colocada é: teria ocorrido alguma mudança tipológica, estimulada pela presença de um novo tipo de agressor que portava um novo tipo de arma? Os famosos desenhos do livro de Hans Staden retratam o único tipo desenvolvido ao longo de milênios (1974: 87, além de várias ilustrações)? Tratar de questões tão importantes de forma breve e, seguramente, leviana, iria contra os princípios de um conhecimento arqueológico que pretende ser mais do que um mero ilustrativo da história oficial. O não tratamento dessas questões, dentro do objetivo de trabalho anterior e através da perspectiva da arqueologia social e da crítica, seria perpetuar um conhecimento que exalta as origens européias e deliberadamente esquece as nativas, realimentando uma ideologia de dominação. 2 Justificativa Os trabalhos sobre as fortificações paulistas são quase inexistentes. Quando os encontramos, dão ênfase à visão histórica e à arquitetônica, ignorando completamente o potencial arqueológico desses monumentos. Talvez os dois únicos trabalhos arqueológicos levados a cabo em fortificações paulistas tenham sido o realizado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, em fins da década de 80, na fortaleza da Barra Grande (Guarujá), e o que está para ser realizado no forte de São João de Bertioga, no município de mesmo nome, por ocasião do restauro realizado pelo IPHAN-SP. Em outras regiões do país, a realização de trabalhos arqueológicos em fortificações é um pouco mais extensa, não chegando a ser, no geral, comparável, em quantidade, às empreitadas norte-americanas, canadenses ou portuguesas. Apresentamos, logo abaixo, alguns exemplos. Entre os anos de 1989/ 90, devido à necessidade de se realizarem obras de restauro na fortaleza de São José da Ponta Grossa, em Florianópolis, SC, foram realizadas escavações sistemáticas por arqueólogos da Universidade Federal de Santa Catarina. 15 O arqueólogo Marcos Albuquerque, da Universidade Federal de Pernambuco é um dos poucos arqueólogos que se dedica integralmente à exploração dos baluartes do Nordeste brasileiro, tendo já publicado farto material a respeito (Albuquerque & Lucena, 1997, com referências anteriores). Com este quadro em mente, a elaboração desta pesquisa justifica-se pela inexistência quase que total de trabalhos no litoral de São Paulo. A arqueologia pode dar contribuições inestimáveis para a compreensão da realidade social na qual estavam imersos esses monumentos de terra, pedra e cal. Pode contribuir, também, para o adequado restauro das fortificações, uma vez que a maior parte deles é executado apenas com base nos registros primários escritos, e a diferença entre o escrito e o realmente concretizado é bastante grande. Outra contribuição está na musealização para o aproveitamento turístico dos monumentos (no caso da fortificação da ponta da Trincheira podemos ter o desenvolvimento do turismo cultural subaquático, tema que será desenvolvido no último capítulo). Um outro fator que demanda maiores estudos são as características sui generis de alguns dos baluartes litorâneos paulistas. A primeira imagem que se tem quando falamos de fortificações é a de portentosas estruturas, tais como o forte do Mar, em Salvador, o Príncipe da Beira, em Rondônia ou mesmo a fortaleza da Barra Grande, no Guarujá. Não imaginamos que elas também podem ser apenas aglomerados de pedra e terra - trincheiras, praticamente com pouquíssimas bocas de fogo. Em São Paulo, uma boa parte das fortificações que iremos encontrar tinha esse caráter, muitas vezes chamado de “provisório” (Müller, 1978: 86-88). As poucas escavações realizadas em fortificações privilegiam as grandes estruturas, de forma que os redutos, trincheiras ou fortins ficam relegados ao esquecimento. E no caso de São Paulo, sua trajetória militar está fortemente apoiada nesses baluartes simplórios até fins do século 19. Privilegiando as grandes estruturas, estamos, de certa forma, pegando a exceção. As grandes construções só foram estabelecidas na praça de Santos e de Paranaguá (hoje localizada no Estado do Paraná): todos os outros portos eram guarnecidos por pequenas estruturas, com parco poder de fogo. 16 Essas pequenas estruturas, construídas com poucos recursos materiais e humanos, de duração efêmera e eficácia duvidosa, muitas vezes não despertam o interesse da maioria dos arquitetos, por não possuírem estruturas relevantes, e dos historiadores, por terem sido demasiado pequenas para figurarem em um universo significativo de registros escritos à época de operação. Mas, para o arqueólogo, essas edificações podem ser tão importantes quanto as grandes estruturas, pois, em alguns casos, os fortes ou fortalezas não funcionavam sem os pequenos redutos. Esse é o caso da fortaleza da Barra Grande (Guarujá, SP). Sem a trincheira do Góis, que impedia desembarques indesejáveis, na praia de mesmo nome, vizinha à referida fortificação, a fortaleza seria tomada pelo flanco esquerdo sem grande resistência. Na mesma relação de dependência, se não existisse o forte Augusto ou da Estacada - uma paliçada situada na margem norte da barra, construída para cruzar fogos com a dita fortaleza - os navios inimigos alcançariam com maior facilidade o porto de Santos, pois poderiam desviar do fogo da Barra Grande aproximando-se da margem oposta do canal. Esse também é o caso do sistema defensivo oitocentista do mar Pequeno, canal marítimo que separa a ilha Comprida, em toda a sua extensão, do continente. No início do século passado, para a proteção da costa, são traçados planos de fortificar pontos estratégicos vulneráveis, e é neste momento, entre as décadas de 1820 e 1830, já dentro da estratégia imperial de defesa do território, que a planície costeira Cananéia/ Iguape ganha um subsistema defensivo, consistindo em um canhão na vila de Icapara (que nunca foi montado em bateria), na extremidade nordeste do canal, e um forte na ilha Comprida, protegendo o porto de Cananéia e a extremidade sudoeste do canal. Neste caso, é também flagrante a necessidade de estudo do subsistema, pois as “duas” fortificações foram concebidas para atuar em conjunto, fechando as duas barras. Enfim, dando ênfase às grandes ou às modestas fortificações, quem desejar estudar o sistema defensivo do território paulista terá que fazê-lo levando em conta a existência de subsistemas de defesa: uma fortificação isolada não defenderia um porto. Portanto, a compreensão de uma realidade social, vista pela materialidade da organização político-militar, tem que cuidar 17 não de estruturas isoladas, mas sim do seu conjunto, numa tentativa de estabelecer uma espacialidade, um todo organizacional. 3 Bases teóricas da pesquisa 3.1 Arqueologia histórica O conceito de arqueologia histórica utilizado neste trabalho é desenvolvido a partir do que não é arqueologia histórica. Fonseca (1990: 39-62) coloca que, para a arqueologia social latino-americana, não existe uma arqueologia da pré-história e sim uma arqueologia da história antiga americana. Logo estaríamos trabalhando com um conceito de arqueologia histórica que poderia ser mais bem entendido se o chamássemos de arqueologia da história contemporânea americana ou arqueologia americana pós-conquista européia (Orser, 1992: 17-29). Mas, o mais importante para este trabalho é que essa divisão não se dá através da existência de escrita ou não. A derrubada desse marco favorece a percepção do documento escrito e do material, ambos, como documentos arqueológicos, atenuando as fronteiras dos domínios científicos exclusivos. Veremos mais a fundo essa discussão no próximo item. Para além da nomenclatura, acreditamos que, chamando de arqueologia histórica, ou arqueologia da história contemporânea ou arqueologia pósconquista européia, o arqueólogo deve ter em mente que essas denominações enunciam um conceito de arqueologia que se preocupa com os restos materiais de uma formação econômico-social mercantilista e capitalista e que, portanto, extrapola os limites de um sítio ou de uma paisagem arqueológica, atingindo os mais diferentes cantos do planeta (Orser, 1994: 5-22), uma vez que a produção de mercadorias depende da possibilidade de distribuí-las. Assim, a existência de porcelana chinesa em aldeias indígenas americanas deve levar à compreensão da produção artesanal/ industrial chinesa, das formas de distribuição européias e do uso atribuído ao objeto pelos ameríndios e não a percepção de apenas um desses momentos. Finalmente, apesar da insolúvel questão da delimitação cronológica entre pré-história e história americana (ou história antiga e pós conquista) não 18 estar em cheque - porque tratamos de contextos do século 18 e 19, claramente inseridos na realidade capitalista ocidental moderna e contemporânea acreditamos que essa divisão, seguindo as idéias de Charles Orser, só pode ser estabelecida regionalmente, de acordo com a época de contato entre culturas e da forma que isso se deu. Tratando especificamente do vale do Ribeira, um grupo de discussão foi estabelecido dentro das reuniões do PABVR para tratar dessa e de outras questões que estimulam a reflexão sobre o papel do arqueólogo na forma como ele constrói o conhecimento. 3.2 Arqueologia e história: questões contemporâneas O litoral paulista é região que despertou, e ainda desperta, grande interesse e curiosidade tanto no leigo quanto no estudioso. Essa fascinação é tal que, muitas vezes, o leigo torna-se estudioso e o estudioso, leigo em relação ao conhecimento produzido pelo ex-leigo. Tal jogo de palavras expressa, rudemente, a situação encontrada na planície costeira Cananéia/ Iguape. Muitos são aqueles que escreveram sobre a história de Cananéia e região. Desde fins do século 18 até meados do século 20, diversos autores tentaram sistematizar fatos ocorridos desde o século 16 em obras memorialistas (principalmente em fins do século 18 e início do 19) e narrativas, já no começo do século passado. As primeiras obras são coleções de anotações sobre fatos notáveis e fragmentos de documentos perdidos ou que estavam a se perder, o que podemos chamar quase de um diário (Almeida, 1981: 9-36). Já as obras de fins do 19 e início do 20, das quais Antonio Paulino de Almeida é o arcano maior, propõem uma interpretação sobre esses fatos passados, organizados em forma de narrativa dos acontecimentos, onde as figuras históricas (pessoas) de Cananéia e do Estado de São Paulo teriam papel determinante nos rumos da história. O que propomos neste trabalho é um distanciamento dessa visão histórica para a produção de um conhecimento que enxergue a realidade como uma totalidade social e não mais como a vontade das personalidades. Apesar de parecer uma obviedade (não é o que todos os que vêm depois tentam?) e 19 até arrogância (pretensões demasiadas para um simples mestrado?) dizer isso, acreditamos que essa é a chave para o entendimento da região. Sendo este um trabalho de arqueologia, examinemos agora em que medida ela está envolvida com a história e em conseqüência na problemática acima levantada. Arqueologia e história encontram-se em dois momentos da evolução do pensamento: no Iluminismo, antes dos dois campos do conhecimento ganharem forma própria, distinguindo-se do grande corpo de conhecimento que era o estudo das línguas; e contemporaneamente (a partir dos anos 1960), num movimento de engajamento às realidades sociais graças à análise do discurso dos vários atores sociais, o que vai de encontro à pretensa isenção científica (exata) das delimitações positivistas. Tendo as realidades sociais em foco, a arqueologia não poderia deixar de perceber os restos materiais da vida diária do “povo miúdo” e nem a história poderia ignorar que os textos são geralmente escritos pelas camadas dominantes (Funari, 1998: 7-34). A percepção desse diálogo eminente entre arqueologia e história levou os arqueólogos a conceberem a arqueologia como uma história social que deve mesclar a cultura material com os documentos escritos (Funari, 1998: 8). Vale ressaltar que arqueologia e história, apesar de terem sempre sido associadas uma a outra pelo senso comum (incluindo aí o senso comum acadêmico), só há pouco passaram a interagir. Anteriormente uma servia de “muleta” para a outra e, em geral, a arqueologia era o apoio, uma vez que por muitos não era considerada uma disciplina passível de se sustentar, ganhando, assim, a designação de “ciência auxiliar” da história. Dito isso, voltemo-nos a uma questão contemporânea bastante importante da construção do conhecimento histórico para depois retornarmos às questões diretamente ligadas à arqueologia. Segundo Peter Burke (1992: 327-348) à história concebida como narrativa dos acontecimentos sucedeu a história estrutural, um dos elementos principais da plataforma da Escola dos Anais, preocupada justamente com a análise do processo histórico em detrimento da descrição. Tal processo deu-se a partir do início do século 20 e durou até fins da década de 1970, quando temos um ressurgimento da narrativa. Ainda segundo Burke, o embate entre as duas correntes é sem propósito, uma vez que ambos os lados pressupõe que é 20 fácil separar os acontecimentos das estruturas. Outro detalhe é que ninguém concebe narrar sem estruturar ou estruturar sem narrar, donde chegamos à conclusão que a saída para esse impasse não é a confecção de obras que contemplem uma e outra corrente e sim a utilização de métodos e técnicas (inclusive literárias) embasados em uma teoria sem a distinção de narrativa e estrutura, porque estaria ciente de que uma e outra não estão apenas juntas e sim entrelaçadas. É nesse ponto que tentaremos transformar a forma de escrever o conhecimento sobre Cananéia, Iguape e região. Não vamos propor uma interpretação estrutural da história de Cananéia para chocar-se com as narrativas de acontecimentos até agora feitas. Vamos propor uma versão que analise o processo histórico como um todo, sem distinções entre estrutura e narrativa. Não distinguiremos, também, arqueologia de história, uma vez que a documentação escrita, objeto por excelência da história, será enxergada através do arcabouço teórico da arqueologia, e a ela será dado o mesmo valor do documento arqueológico, porque aboliremos o desdobramento do conflito narrativa x estrutura na arqueologia, o embate entre escavação x teoria. A forma de pensamento dentro da qual nascerá essa interpretação será o materialismo histórico. Vejamos agora suas utilizações na arqueologia e qual corrente de pensamento satisfaria melhor nossos objetivos. 3.3 O materialismo histórico na formação da teoria arqueológica O materialismo histórico corre sempre riscos de ser associado a uma teoria das estruturas, a uma análise econômica do capitalismo (muito empregado pelos economistas) ou, de forma mais vulgar, aos “modelões” políticos empregados pela direita radical e pelos fascistóides de esquerda (pessoas e instituições). Esqueçamos tudo isso e tratemo-lo como uma forma de pensar lógica e bem estruturada, tributária de seu expoente maior, K. Marx, mas também de muitos outros (inclusive de seus inimigos e de seus maus intérpretes). 21 Segundo Fonseca (1990: 39-62), a arqueologia, durante a primeira metade do século 20, vai trilhar dois caminhos diferentes: um deles, calcado em um materialismo histórico desenvolvido através do esquema evolucionista de Morgan, terá como maior expoente Vere Gordon Childe, o qual concebia a arqueologia como uma ciência social; o outro, derivado do pensamento de Franz Boas, anti-evolucionista, evidenciava a necessidade de recuperar informações sobre antigas culturas, sendo que o acúmulo das mesmas permitiria, através do método indutivo, a construção de uma história cultural. Ainda segundo Fonseca, na década de 1960, dentro da arqueologia ocorrem dois movimentos opostos. Em parte da América Latina desenvolve-se a arqueologia social, descendente direta da perspectiva histórico-materialista de Childe; nos EUA (e, por influência, em outras partes da América Latina), esboça-se a nova arqueologia (ou arqueologia processual), um movimento, longe de ser homogêneo, que vai de encontro ao pensamento indutivo e descritivo da velha guarda, propondo-se dedutivo e explicativo, lançando mão de métodos quantitativos, da teoria dos sistemas e do neo-evolucionismo. Apesar desses dois movimentos teóricos continuarem em voga até hoje, um outro surge nos EUA, a partir de fins dos anos 1970, numa tentativa de demolir o pensamento processualista. A arqueologia pós-processual, tal como a processual, está longe de ser um movimento único (curso Arqueologia pós-processual, 1999, anotações de aula). Dentro dessa macro-denominação existem vários grupos teóricos, dos quais destacaremos a arqueologia crítica que, junto com a arqueologia social constituirá os alicerces teóricos da pesquisa. Apesar de serem abordagens desenvolvidas em períodos distintos e por razões inversas (a arqueologia social como instrumento de resistência frente à arqueologia imperialista dos EUA e a crítica devido à descoberta e aceitação do marxismo por parte dos EUA, uma vez que ele não representava mais o “perigo vermelho”) elas possuem uma base comum que é justamente o materialismo histórico. Segundo Bate (1989: 8-9), estudioso ligado à arqueologia social latinoamericana, o materialismo histórico seria a melhor resposta para compreender uma sociedade como totalidade concreta a partir da classe de informação com a qual a arqueologia geralmente lida, a empírica. 22 A arqueologia de base materialista histórica, por ser uma ciência social, deve produzir conhecimento a partir da “explicitação dos nexos recíprocos entre os aspectos da realidade que se pretende refletir nas categorias de formação econômico-social, modo de vida e cultura” (1989: 15). É no âmbito da cultura que estão compreendidas as “singularidades fenomênicas da cultura” (1989: 8), visíveis para os arqueólogos através de sua expressão concreta, os restos, as ruínas, os artefatos, vestígios, etc. Cabe, então, ao arqueólogo desenvolver as citadas categorias analíticas a partir dos vestígios, mas levando em conta que o objetivo final é a compreensão de uma realidade pretérita e não a compreensão da expressão física de um fenômeno. Ou seja, há que se transcender o artefato e chegar a quem o fez. É visando entender melhor os elementos fenomênicos concretos da cultura (os cacos, os fragmentos, os artefatos) da planície costeira Cananéia/ Iguape no século 19, que escolhemos a arqueologia crítica como teoria da realidade. Não iremos nos centrar na arqueologia social porque ela tem seu desenvolvimento ligado ao estudo da história antiga americana 5 enquanto que a arqueologia crítica está intrinsecamente ligada à história pós-conquista americana 6. Dessa forma, a evolução da última caminhou no sentido de atingir a materialização da ideologia dentro do âmbito da mudança social, enquanto que o da primeira, devido às limitações que a inexistência dos registros escritos impõem, não consegue atingir com tanta eficácia o nível ideológico7. Essa não é uma mera diferença de alcance de resultados. Apesar delas terem a base em comum, a elaboração do corpo teórico-metodológico da arqueologia crítica vai procurar respaldo na produção intelectual da Escola de Frankfurt e nos autores que seguiram em linhas semelhantes (a exemplo de Foucault), produzindo um outro desdobramento do materialismo histórico. Além disso, a escolha de um contexto histórico pós-conquista também vai afetar a 5 “O arqueólogo, como estudioso das sociedades antigas, deve reconstruir o desenvolvimento das mesmas e estudar seu processo de transformação até seu encontro com sociedades recentes” (Fonseca, 1990:48). 6 Muito se tem discutido sobre a utilização de termos politicamente corretos na nomeação dessas duas disciplinas. Arqueologia da história antiga é extraído de Fonseca (1990: 39-62) e histórica pós conquista é elaborado a partir de discussões em Orser Jr. (1992: 17-29). 7 “Não podemos deixar de reconhecer que outras facetas são de maior dificuldade de inferência, por exemplo, a religião e a ética (Childe, 1973), sua reconstituição se apóia fundamentalmente em analogias com grupos atuais e no método comparativo de disciplinas tais como a das religiões comparadas e seus apoios na psicologia e filosofia” (Fonseca, 1990: 55). 23 construção teórica. Novamente de acordo com Bate (1989), “a teoria é, em cada momento e ao mesmo tempo, resultado das pesquisas precedentes e ponto de partida das novas pesquisas (p.8)”. Se a teoria é produtora e produto da pesquisa, então aquela teoria que acabou por ser utilizada com maior freqüência em contextos arqueológicos históricos pós-conquista, que lidou com os elementos fenomênicos de uma cultura histórica capitalista, passou a ser também tributária dessa utilização, e pode levar estudos que se iniciam a partir dela a caminhos mais específicos. 3.4 A arqueologia crítica Em linhas gerais, a arqueologia crítica, além de estar preocupada com a análise da produção social da cultura através de sua manifestação palpável, a cultura material, pretende examinar a construção das ideologias que mantém a produção social das sociedades capitalistas. O objetivo da arqueologia crítica transcende a tentativa de mostrar quem são os donos dos meios de produção e quem constitui a força de trabalho: procura desvendar a ideologia8 que mantém e legitima as posições dentro de um contexto social. Vamos examinar um caso da aplicação dessa teoria. Leone e Hurry (1998: 34-62), em estudo sobre planejamento urbano no Estado de Maryland (EUA), mais especificamente nas cidades de Saint Mary (em ruínas), Annapolis e Baltimore colocam que a utilização dos princípios urbanísticos, primeiro barrocos, depois panópticos, revestidos com elementos neoclássicos, espelham não só tendências estéticas, mas também idéias sobre a manutenção e legitimação do poder. A utilização do primeiro, que remonta à primeira metade do século 17 e se estende até o terceiro quartel do 18, vai gerar povoações onde todos os caminhos e perspectivas levam às edificações pertencentes às instituições dominantes (Estado e Igreja), sugerindo uma emanação direta do poder monárquico por sobre os súditos. Quando, em meados do século 18, desponta uma elite nativa endinheirada, mas excluída do 8 Pensada como a representação imaginária das relações reais nas quais os indivíduos vivem (Handsman & Leone, 1995: 117-120). 24 cenário político, tais artifícios urbanísticos são aplicados em jardins de mansões, como a de William Pacca, o mais importante exemplo. A segunda, baseada nas idéias de, principalmente, Jeremy Bentham, passa a ser utilizada desde fins do século 18. Esta política urbanística cria paisagens onde as várias formas de um poder pulverizado, são prontamente alcançadas pelo olhar, levando a crer que a vigilância agora não mais era feita diretamente pelas instituições (universidade, casa de câmara, prisão), mas pela moral individualista republicana burguesa emanada delas. A idéia que se tentava passar era a de que, uma vez que o poder agora era uma emanação dos desejos da sociedade civil da nova nação, cada indivíduo deveria observar a sua própria conduta, espelhando-a nos símbolos materiais das instituições construídas pelo poder emanado do povo. No entanto, tais artifícios panópticos envoltos em idéias neoclássicas, representariam a materialização ideológica que garantiria o poder nas mãos das elites burguesas nativas tributárias da pulverização do poder monárquico inglês. Seriam novos mecanismos de dominação e não expressão de uma pretensa vontade de um povo. É dentro dessa linha de trabalho que se pretende seguir esta pesquisa. Entretanto, algumas ressalvas devem ser feitas. Esse tipo de interpretação realizada pelos pesquisadores norteamericanos, também foi possível porque eles têm um contexto arqueológico muito bem definido e escavado, o que os permite até difundir essas idéias para o público em geral através de folhetos turísticos (Leone, Potter Jr., 1996: 570598). No caso do estudo do baixo vale do Ribeira, com maior ênfase em Cananéia, as pesquisas arqueológicas estão apenas começando, iniciando um processo de longo termo na construção do conhecimento crítico, o que nos levará a várias descrições e algumas interpretações modestas, caracterizando uma investigação que G. Gibbon (1984: 79-81) classificaria como exploratória, que seria um tipo intermediário entre a pesquisa que procura testar hipóteses e a que descreve contextos. Pretende-se descrever um contexto arqueológico, ainda desconhecido e sem referencial, mas não até o ponto em que a dissertação gire em torno dessa ferramenta. Serão necessários testes de hipóteses sim. Todavia, não é nossa intenção provar que elas são absolutas - o conhecimento definitivo. 25 4 Bases metodológicas da pesquisa Metodologia é a sistematização dos procedimentos lógicos adequados para conhecer uma classe de fenômenos reais (Bate, 1989: 7). Ainda segundo Bate, não existe uma única série de procedimentos para cada tipo de pesquisa: eles são determinados pela teoria da realidade que será empregada no estudo. Uma vez que explicamos o porquê da escolha do cabedal teórico da arqueologia crítica, passaremos adiante com a explicação dos métodos definidos por esta escolha. A necessidade de um levantamento bibliográfico extenso explica-se pela mudança da concepção de história exigida pela corrente teórica adotada pela pesquisa. A arqueologia crítica, voltada para a compreensão dos mecanismos de manutenção e legitimação do poder, através dos vestígios materiais, permite enxergar as realidades - tanto pretérita quanto presente - de Cananéia e Iguape de uma outra maneira, transcendendo as abordagens baseadas nas fontes desenvolvidas pela historiografia local tradicional, principal recurso disponível9. Foi necessário, então, fazer um grande levantamento bibliográfico não só das fontes primárias e secundárias sobre a região (com ênfase nos aspectos da organização militar, explicados no capítulo 2), mas também de outras partes do litoral e do Estado. Uma grata surpresa foi a descoberta de um grande número de documentos escritos referentes ao subsistema defensivo da planície costeira Cananéia/ Iguape. Eles permitiram não só um quadro histórico bastante completo como também possibilitaram a elaboração de um Corpus documental voltado especificamente para decifrar o aspecto material das fortificações do subsistema em questão - construção, reformas, reedificações, usos, condições de operação, etc. – e periodizações, transformando o registro escrito em uma registro material virtual. 9 Apesar das limitações conceituais e interpretativas da historiografia local tradicional, muito do trabalho desenvolvido é baseado nos levantamentos documentais feitos por Ernesto G. Young e Antonio P. de Almeida, trabalho este que, nas primeiras décadas do século 20, demandou imenso esforço. Cabe aos que vieram depois louvá-los por isso. 26 O fato da principal fortificação desse subsistema estar submersa devido à erosão da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, obrigou-nos a, antes de efetuar os mergulhos de prospecção e a pesquisa geofísica (o que será explicado no capítulo 3), levantar a cartografia histórica referente ao local. Foram localizadas e copiadas diversas cartas náuticas do século 18 ao 20, as quais contribuíram para a elucidação da evolução da dinâmica erosiva da ponta da Trincheira nos últimos 200 anos10. Durante a elaboração do projeto desta pesquisa, determinamos que o trabalho de campo daria ênfase às prospecções amplas e superficiais (tanto terrestres quanto subaquáticas), uma vez que os sítios pareciam estar dispersos por uma grande área e o nosso interesse principal era levantar e mapear o subsistema e não ter um exaustivo conhecimento intra-sítio. No decorrer do levantamento bibliográfico e das prospecções arqueológicas confirmou-se esta proposta; no entanto, na parte subaquática, às prospecções arqueológicas superficiais (fundo marinho) foram incluídas prospecções geofísicas do solo marinho e de sua sub superfície e escavações subaquáticas, o que transforma este trabalho em único no gênero no Brasil. As explicações são fornecidas com detalhes no capítulo 3. À literal superficialidade da prospecção dos sítios é contraposta a densidade da análise das evidências arqueológicas por excelência para esta pesquisa, as peças de artilharia. Elas foram minuciosamente analisadas através de técnicas que serão explicadas no capítulo 2. Os resultados são sem precedentes na arqueologia histórica brasileira e através deles conseguimos superar o mero levantamento e mapeamento, propondo interpretações. Com essa grande quantidade de informações de diversas qualidades sobre o subsistema defensivo do litoral sul, deparamo-nos com a questão: o 10 A futura elaboração de um mapa base e a transposição das profundidades e margens assinaladas nos mapas históricos para essa base, tudo em uma mesma escala, permitirá estabelecer curvas de profundidade para o solo marinho que indicam os sentidos de deslocamento do canal da barra através dos séculos 19 e primeira metade do 20. Já o uso de cartas náuticas modernas, fotos aéreas, fotos de satélites e comparações científicas anteriores (Suguio & Tessler, 1992: 24) contribuirá para o posicionamento das linhas de costa durante a segunda metade do século 20. Este trabalho está sendo realizado com a ajuda de Flávio R. Calippo, oceanógrafo e aluno de mestrado da profª. Scatamacchia, e também poderá ser utilizado em trabalhos futuros da equipe que visem à detecção de sítios de naufrágio naquela localidade. Trabalhos deste tipo já foram realizados por Long e Paim (1987) objetivando acompanhar a evolução da barra de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos 200 anos. 27 que é típico dele e o que não é? Para resolvê-la elaboramos um quadro analítico sobre as condições dos diversos subsistemas do litoral paulista, estabelecendo categorias-base e escolhendo um outro subsistema defensivo para a comparação. Veremos isso no capítulo 2. Após esses procedimentos, encerramos a pesquisa, no capítulo 4, com algumas conclusões sobre as diferentes motivações de implantação dos dois subsistemas defensivos. Apesar deles serem bastante parecidos em aspectos construtivos e de terem sido instalados no mesmo período, os objetivos aos quais se destinavam eram diferentes. 5 As técnicas, principalmente as subaquáticas Finalmente, permeando todas as questões teóricas e metodológicas temos a arqueologia subaquática, ferramenta extremamente necessária para esta pesquisa, pois a única fortificação que deixou evidências materiais na planície costeira Cananéia/ Iguape está submersa no canal da barra de Cananéia. Com suas especificidades técnicas, a arqueologia subaquática não é nada mais que arqueologia, apesar de, no Brasil, ainda encontrarmos resistência tanto na Academia, na Marinha, quanto na sociedade em geral. Essa resistência ou ignorância da causa é particularmente sentida na aprovação da lei 10.166 de 27/12/200011, a qual institui recompensas financeiras ao mergulhador ou empresa que resgatar peças arqueológicas de naufrágios, além de permitir que toda a carga12 seja incorporada pelo 11 Altera a Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986, que dispõe sobre a pesquisa, exploração, remoção e demolição de coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar, e dá outras providências. 12 A carga, para o arqueólogo, assume outro sentido, porque ela permite que entendamos o contexto social de uma realidade passada. Segundo Bass (1985: 6), em carta enviada ao Senado norte-americano para rebater os argumentos dos caçadores de tesouros em prol da aprovação do projeto de lei que liberava o saque subaquático: “12 Os caçadores de tesouros dizem que não há inconveniente em vender artefatos duplicados. Usando novas técnicas, estivemos recentemente a estudar artefatos aparentemente idênticos aos que escavamos vinte anos antes, e aprendemos o suficiente para escrever novos capítulos e artigos sobre eles. Somos capazes de fazer este novo estudo apenas porque os artefatos estão ainda juntos num museu em vez de terem sido dispersos através das vendas.” Caso algum arqueólogo “terrestre” sequer cogitassem em vender uma das estátuas do exército de terracota chinês ou as múmias 28 empreendedor para que ele disponha da forma como bem entender (leia-se vender para o mercado externo). O que mostramos neste trabalho é que a arqueologia subaquática é usada de forma integrada com a arqueologia “terrestre” sem nenhum problema, sendo apenas a extensão “molhada” dos trabalhos em terra. Cabem agora algumas palavras sobre a arqueologia subaquática, a começar pelo básico, que muitas vezes é esquecido: ela não pode ser confundida com o resgate subaquático. A confusão entre a arqueologia subaquática e o resgate subaquático pode ser entendida se levarmos em conta que a primeira é extremamente jovem e que deu seu primeiro “passo do gigante”13 com o arqueólogo norteamericano George Bass, na década de 1960. Do outro lado temos o resgate subaquático, tributário de séculos de história, existente desde que a primeira embarcação afundou e houve o desejo recuperar sua carga. Para termos uma idéia de sua ancestralidade, as atividades de resgate subaquático já eram reguladas desde a antiguidade através da lex Rhodia, a qual garantia uma dada porcentagem da carga, para o mergulhador, de acordo com a profundidade em que ela se encontrava (Blot, 1996: 14). Afinal, este ser de incrível capacidade pulmonar, físico bem desenvolvido, acostumado com uma atividade perigosa em um meio alienígena, merecia uma boa recompensa. Avançando bastante no tempo, chegamos ao século 19, quando é criado o primeiro equipamento de mergulho que permitia ao mergulhador ter suprimento de ar enviado da superfície, o escafandro (Blot, 1996: 18). Já não eram necessários homens com muito fôlego, mas homens capazes de suportar longos períodos debaixo d’água fria carregando pesados capacetes e botas, que sabiam que qualquer problema transformaria seu traje em sua sepultura. Mas, na década de 1940, com a criação do aqualung, houve uma radical mudança na exploração dos ambientes subaquáticos. Esse equipamento de mergulho, usado até hoje, permite que qualquer ser humano, desde que tenha um mínimo de treinamento e um mínimo de condição física, mergulhe, deixando o mundo das águas aberto a quase todos. Ele já não mais pertence peruanas – afinal elas existem aos milhares – estaria preso no segundo seguinte. Por que embaixo d’água deveria ser diferente? 13 Movimento que o mergulhador faz para cair na água na posição vertical, em pé. 29 exclusivamente ao ser destemido e forte que arriscava sua vida pelo lucro das profundezas. Surge a partir daí a oportunidade dos arqueólogos irem para a água e trabalharem com naufrágios antigos e suas cargas (porque, afinal, elas também são arqueológicas, os restos palpáveis das rotas comerciais) e outros sítios submersos (aldeias, santuários, fortificações, etc) que, desde a renascença, instigavam a imaginação dos humanistas. Cria-se, então, a arqueologia subaquática, que é uma especialização dentro da arqueologia, uma ciência social consagrada. Logo, a arqueologia subaquática também é ciência. Sendo nada mais do que um ramo da arqueologia, a arqueologia subaquática possui os mesmos problemas teórico-metodológicos encontrados na ciência de origem: estudar a trajetória da humanidade através dos restos de cultura material (os elementos palpáveis da intervenção humana sobre uma realidade social e ambiental). A única diferença entre a arqueologia “terrestre” e a subaquática está no campo das técnicas, pois estas devem ser adequadas ao meio físico de intervenção (Rambelli, 1998): um sítio emerso deve ser escavado com pás; já um sítio imerso deve ser escavado com sugadoras. (Sobre as técnicas utilizadas nessa pesquisa, entraremos em detalhes no capítulo 3). Paralelamente à arqueologia subaquática, ligada geralmente às seguradoras, temos a milenar atividade de resgate subaquático, a qual continua exigindo mergulhadores profissionais dispostos a correr riscos para recuperar navios recentemente afundados e suas cargas, usando explosivos e ferramentas pesadas para buscar, o mais rápido possível, o lucro. Agindo entre essas bem estruturadas atividades estão os “caçadores de tesouros”, pessoas que aplicam as técnicas do resgate subaquático aos sítios arqueológicos submersos e que mascaram a busca pelo lucro com ciência. Um ramo mais inocente (mas igualmente pernicioso) dessa atividade é a retirada de souvenirs de sítios arqueológicos por mergulhadores desportivos. Ambas as atividades são consideradas, internacionalmente, como apropriações privadas de um bem público (de todos os povos), finito e não renovável14. 14 A Carta Internacional do ICOMOS Sobre Proteção e Gestão do Patrimônio Cultural Subaquático. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, n º. 7, p.209, 1997. ICOMOS - International Committee on Monuments and Sites. 30 Fato bastante intrigante é que a lei brasileira, citada acima, confunde arqueologia subaquática com o resgate e com a caça ao tesouro, o que acaba favorecendo o último, transformando-a numa lex Rhodia do terceiro milênio d. C. O caso da fortificação submersa na barra de Cananéia coloca questões interessantes sobre a eficácia da lei ao regular as atividades subaquáticas. Em primeiro lugar, nos próximos capítulos o leitor verá que o estudo dessa fortificação é essencial para a compreensão do sistema defensivo paulista do século 19, bem como da sociedade que o planejou e o construiu. Entretanto, a lei não diz nada a respeito dos procedimentos que devem ser adotados para a pesquisa porque simplesmente a lei só trata de naufrágios, ou seja, apenas um dos tipos de sítios que podem ser encontrados embaixo d’água. Prosseguindo, deixamos no ar intrigantes questões: existiam 6 canhões na fortificação; 3 estão embaixo d’água e 3 foram retirados (sendo que hoje restam apenas 2). Os dois que estão no monumento em Cananéia podem ser considerados documentos arqueológicos e podem até ser tombados pelos órgãos que normalmente fazem isso. Porque então o CONDEPHAAT (Estado) ou o IPHAN (União) não poderiam cuidar das armas que estão no fundo do mar se poderia cuidar das que estão em terra? O fato de estarem submersos delega a função à Marinha? Mas como a Marinha poderia cuidar deles se a lei que deveria regular essa situação só é voltada aos naufrágios? Então só os que estão fora d’água são arqueológicos? Podemos concluir que canhões submersos não são bens arqueológicos? Mas aí então os canhões que estivessem em embarcações não seriam arqueológicos só pelo fato de serem canhões submersos? Mas canhões são canhões, não? 31 Capítulo 2 O segundo capítulo discorrerá sobre o sistema defensivo do litoral paulista e sobre os subsistemas defensivos do referido litoral no século 19. Inicialmente começaremos com uma apresentação da evolução das estratégias militares e das obras de fortificação a partir do fim da Idade Média, época em que são lançadas as bases do baluarte moderno devido ao aperfeiçoamento das armas de fogo. A importância de mostrar o desenvolvimento das estratégias e das fortificações está na formação de um contexto adequado para o entendimento da criação das defesas de São Paulo no século 19. Não podemos simplesmente recortar uma história militar mundial e colar nesse capítulo. Apesar de existir uma ligação entre os grandes castelos europeus, as engenhosas fortalezas das grandes aglomerações humanas coloniais e as nossas trincheiras paulistas, é particularmente necessário compreender a fundo a construção das últimas, pois não adianta sabermos como eram construídos os aterros e como eles eram revestidos com muros de pedra se as fortificações com as quais lidamos muitas vezes não tinham muralhas permanentes. Após esse panorama geral é apresentado o contexto histórico da fortificação do litoral paulista, bem como sua divisão em subsistemas. Os subsistemas são quatro: Paranaguá; Cananéia/ Iguape; Santos/ São Vicente; e São Sebastião/ Ilhabela. Neste capítulo damos ênfase ao subsistema de Sã Sebastião e de Cananéia. A maior dedicação a esses subsistemas devese ao fato deles terem sido desenvolvidos contemporaneamente, no século 19, apesar de fortificações esparsas existirem em Ilhabela e S. Sebastião desde o século 18. A análise dos subsistemas (que se estende para o capítulo 3 e também para o 4) é feita através dos seguintes parâmetros: Tipos de fortificações (análise da estrutura edificada de cada uma); Implantação das fortificações (análise do conjunto); Armamentos: quantidade e qualidade; Tropas: quantidades e qualidades; Funcionamento: ideal e efetivo. 32 Ainda dentro dos critérios de análise, como nossas pesquisas foram mais aprofundadas em Cananéia e Iguape, dois outros parâmetros, específicos desse subsistema são estudados: a importância dos Pontos de Parada Militar (vigias) e a fortificação dos portos (controle dos desembarques). 1 A evolução das obras de fortificação e das estratégias militares O princípio básico para o entendimento da evolução das obras de fortificação, do final da Idade Média até contemporaneamente é bastante simples: o desenvolvimento da artilharia pirobalística15 (potência de tiro, cadência de tiro, precisão nos disparos, mobilidade das armas, tanto na terra quanto no mar) aliadas ao desenvolvimento das técnicas de combate (eficiência do sítio e, paradoxalmente, potencial de deslocamento das tropas) fizeram com que, gradualmente, as fortificações tivessem muralhas mais baixas e mais grossas, até que elas desaparecessem por completo das vistas, indo para debaixo da terra, confundindo-se com a própria paisagem. É claro que esse processo envolve diversos eventos bastantes complexos e está embasado no desenvolvimento histórico da geopolítica (dentro da qual está a esfera militar). Figuras 1 e 2: Dois extremos de tipos de fortificações. Na figura 1, acima, a torre Solidor, em Saint-Servant-sur-Mer, França. Construída no século 14, é a marca de um tempo em que a artilharia pirobalística ainda não fazia grandes ameaças. Na figura 2 temos a casamata Simserhof, obra de grande importância da famosa linha Maginot, instalada na fronteira da França com a Alemanha. Foi construída entre 1929 e 1937 para resistir às descargas de artilharia pesada (Ministère de la Défense, 1996). 15 “Por pirobalística entendemos o processo de tiro em que se utiliza, como força propulsora do projéteis, os gases resultantes da explosão da pólvora.” (Pereira, 1994: 36). 33 Entretanto, para os fins desta pesquisa, discutiremos, neste capítulo, apenas os eventos que diretamente afetam a engenharia militar portuguesa e brasileira de fins do século 18 e primeira metade do 19. Alguns desses eventos que guiam o princípio básico de evolução das fortificações são bastante antigos, mas são cruciais para o entendimento do sistema defensivo paulista do século 19. Em primeiro lugar devemos entender que a evolução do baluarte está ligada ao desenvolvimento das embarcações, desde o fim da Idade Média até, pelo menos, a Segunda Guerra Mundial. O desenvolvimento do baluarte ou das linhas de baluartes, construções especialmente preparadas para comportar artilharia e fazer com que elas varressem um grande contingente de tropas ou uma esquadra com o fogo cruzado16 está diretamente envolvido com o aperfeiçoamento da caravela, embarcação que podia navegar com ventos contrários (através do zigue-zague, valendo-se da força de ventos contrários), para as grandes navegações e para a guerra17. E este envolvimento dá-se da seguinte maneira. Não é mera coincidência que os estudos italianos renascentistas sobre a melhor forma de edificar os baluartes acontecessem contemporaneamente ao desenvolvimento da caravela portuguesa: eles são respostas para sanar problemas concretos, baseadas no princípio medieval (a base da mecânica gótica) da concordia membrorum, ou seja, a convertibilidade da compressão frontal em tensões laterais oblíquas (Moreira, 1994: 85-89). Esses dois eventos paralelos encontram-se a partir do momento em que a caravela, bem armada e passível de carregar toda sua força através de qualquer oceano ameaça todas as localidades banhadas por cursos d’água que a comportem. Diante dessa ameaça, a resposta em terra vem na construção de fortificações abaluartadas que sejam verdadeiras naves de guerra terrestre. A torre de Belém, em Lisboa, é a epítome dessa forma de pensar e agir. Por outro lado, já na segunda metade do século 16, começam a aparecer fortificações que se valem das possibilidades de estar em terra: dispor 16 Apesar de, hoje em dia, esse conceito de cruzar fogos entre duas ou mais frentes de combate ser banal, foi extremamente inovador no século 15 e alicerçou o desenvolvimento das fortificações por muitos séculos (Cid, 1998: 32-49). 17 A mais importante invenção foi o tiro rasteiro, rente à água, desenvolvido por D. João II, monarca de Portugal, nas décadas de 1480-1490 (Moreira, 1994: 85-89). 34 de espaço para o manuseio da artilharia e as virtudes de uma posição física estável. Tais constantes inovações tanto no mar quanto na terra faziam com que embarcações de guerra e baluartes caminhassem pari passo. Essa é uma das chaves para entender o funcionamento das fortificações paulistas do século 19. Vejamos agora outros eventos de transição que vão influir sobremaneira em nosso estudo. A engenharia militar do século 15, sofre grandes mudanças estimuladas pela adoção da artilharia embarcada e também pela ampliação do burgo medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer proteger já não está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção de território. As cintas das muralhas medievais já não comportam, por exemplo as atividades da Lisboa do século 15: há que se fortificar Cascais, extensão marítima do porto fluvial lisboeta, e a costa da Caparica, margem do Além Tejo, para cruzar fogos com a Torre de Belém, além de espalhar outras fortificações pelo estuário do referido rio (Cid, 1998: 32-49). Surgida, em Portugal, no século 15 e desenvolvida na Restauração (a partir de 1640), a noção de território nacional, de território do Estado que precisava ser centralizado e defendido integralmente (Pereira, 1994: 35-42) só chegará ao Brasil a partir da segunda metade do século 1818. Avançando bastante no tempo, chegaremos à segunda metade do século 17 e à grande evolução das obras de defesa e das estratégias militares encabeçadas por Sébastien Le Prestre de Vauban (1633-1707), engenheiro e soldado francês. Suas estratégias de cerco às praças fortes foram tão bem pensadas e executadas que passaram a ser imitadas por todos os exércitos europeus, o que acabou por fazê-lo adaptar os baluartes franceses às suas táticas de guerra (Faucherre, 1996: 39-46). Entretanto, o que mais nos interessa são suas táticas de cerco, baseadas em uma série de cordões de trincheiras que gradativamente aproximavam-se dos baluartes. Como as defesas do sistema paulista e, principalmente, das regiões norte e sul do 18 É interessante ressaltar que é justamente com a Restauração que surge, em Lisboa, em 1647, a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, embrião da Academia Militar (Silva, 1991: 145; A engenharia militar..., 1997). No Brasil o ensino da engenharia militar só é sistematizado quando, em 1774, ainda sob influência pombalina, é aberta a disciplina de “Arquitetura Militar” dentro da “Aula do Regimento de Artilharia” da cidade do Rio de Janeiro (Tavares, 2000: 50). 35 Estado, eram baseadas em trincheiras e baterias, examinar as complexas formas poligonais desenvolvidas para as praças fortes de Vauban seria inútil para os objetivos da pesquisa. Visando mínimas perdas humanas e o máximo de eficiência (menos tempo e, claro, dinheiro), Vauban aperfeiçoou as trincheiras – notabilizadas na Primeira Guerra Mundial – e tornou-as elemento distinguível dentro do campo das fortificações. O dado que nos é importante no momento – e que caracterizará as nossas fortificações, mais à frente – é que cestos recheados com pedras, areia e outros materiais, formavam excelentes e sólidas barreiras que protegiam totalmente os atacantes dos tiros frontais. É do uso desse recurso singelo que vem a natureza “provisória” das fortificações de São Paulo. Figura 3: Trincheiras francesas ao redor do reduto Malakoff (posição russa). Essa foto, tirada pelo fotógrafo J. Robertson durante as operações da guerra da Criméia (1854-1856), mostra os materiais e as estruturas utilizadas nas trincheiras. As fortificações paulistas teriam uma constituição bem próxima à que é mostrada na foto (Musée de l’Armée, 1994: 38). A essa altura é necessário dizer que a influência da engenharia militar francesa era total no ensino de engenharia militar em Portugal e, posteriormente, no Brasil. Toda a bibliografia destinada aos aprendizes de oficial de engenharia, desde meados do século 18 até pelo menos as primeiras 36 décadas do século 19, era constituída por obras francesas ou por traduções de obras francesas19 (Tavares, 2000: 66; Camargo & Moraes, 1993: 128-129). Ainda tratando da influência francesa, chegamos à segunda metade do século 18 e início do 19, no tempo do também francês marquês de Montalembert (1714-1800). O que nos interessa em sua obra é o retorno do uso das torres, característica do período medieval. Apesar de ser uma ruptura da corrente de pensamento anterior indicando uma regressão técnica (Faucherre, 1996: 66-68) o uso das torres é uma tentativa de proteger os defensores do novo material de artilharia (mais potente, mais preciso), que agora também disparava projéteis explosivos e/ou incendiários (Guillerm, 1994: 191-192). O uso de torres seria rapidamente abandonado, mas a necessidade de proteção mais efetiva das tropas de defesa permaneceria, tornando-se a pedra fundamental da elaboração de obras de defesa. Esse período marca também a construção de nossas provisórias fortificações, abertas e efêmeras (as novas fortificações são obras maciças, que exigem uma imensa quantidade de material construtivo), o que, teoricamente, seria o indicador ideal da ineficácia e obsolescência delas. No entanto, eram perfeitamente adequadas para seu contexto de atuação, no qual os recursos eram escassos e as forças navais a serem combatidas não tinham grande poder de fogo. 2 O contexto de implantação do sistema defensivo costeiro e seus subsistemas Apesar de em nenhum momento as autoridades militares do século 19 utilizarem os termos “sistema” ou “subsistema” para a organização das defesas costeiras de São Paulo, é extremamente plausível utilizar essas designações, uma vez que as mesmas autoridades agiam como se houvesse a necessidade 19 ARHEX, CCSP, 79, p. 269 verso, 17/05/1824 – “Relação dos livros que se remetem ao Presidente da Província [SP]”(...) Tratado de artilharia do dito autor [La Croix] de nova tradução:30; Dito de arte militar e fortificação por Guy de Vernon – Tom. 1 º.: 30; Dito dito, parte 2 ª.: 30; Dito – Tom. 2 º.: 10; Dito – Tom. 3 º.: 20.” 37 de criar um cinturão defensivo de alguma forma interligado (mesmo que precariamente) e não mais praças isoladas que defenderiam portos e regiões muito específicas, procedimento largamente adotado desde a conquista européia20. Pode parecer prosaica essa discussão, mas a adoção desses termos faz com que percebamos uma radical mudança de ideologia nas mentes das elites militares e políticas. A engenharia militar portuguesa, no século 15, começa a sofrer grandes mudanças estimuladas pela adoção da artilharia embarcada e pela ampliação do burgo medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer proteger já não está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção de território (Cid, 1998: 32-49). Da mesma forma, no século 19, veremos mais adiante que as necessidades de defesa extrapolam as regiões onde portos ou vilas chaves estão implantados. No final da agonia metropolitana no Brasil defende-se uma colônia inteira, o último baluarte do Absolutismo lusitano, ameaçado de esfacelar-se à menor centelha. Então, em 1819, devido às articulações diplomáticas entre França, Espanha e os Estados Platinos e a conseqüente movimentação da Armada espanhola, são encontrados motivos de sobra para se estabelecer uma linha de defesa com fortificações integradas. Divide-se a costa paulista em três porções que iam das margens marítimas à retroterra, delimitada pelas montanhas que separam a planície costeira do planalto: a primeira, ia da divisa com a Capitania do Rio de Janeiro até São Sebastião; a segunda, ficava compreendida entre São Sebastião e São Vicente; e a terceira, ia de São Vicente para o sul, até a atual divisa do Paraná com Santa Catarina. A primeira divisão ficou a cargo do marechal Arouche, a segunda a cargo do coronel Muller e a terceira era comandada pelo marechal Cândido Xavier (Machado d’Oliveira, 1978: 236-237). Apesar de, já no início de 1820, esse esquema de defesa ter sido desarticulado, ele nortearia as decisões de fortificação futuras, juntamente com o levantamento sobre as necessidades de fortificação da costa paulista efetuado pelo coronel Afonso Furtado de Mendonça em 181921. 20 É interessante ressaltar que, na costa paulista, até a segunda metade do século 18, só existiam fortificações “permanentes” na região de Santos. 21 BN, Manuscritos, II-35,26,70. 38 Os subsistemas defensivos paulistas, na primeira metade do século 19, eram 4: vindo de sul para norte tínhamos o de Paranaguá (que englobava Guaratuba, Morretes, Antonina e todas as outras localidades da baía de Paranaguá). A fortificação chave desse subsistema era a fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, situada na ilha do Mel e edificada na gestão do Morgado de Mateus (1764-1775) (fig. 5, 1). Até o final da década de 1820 a fortificação da ponta da Trincheira, na barra de Cananéia, era subordinada à praça22 de Paranaguá, porque a companhia de milicianos de Cananéia era comandada pelo governador das armas de Paranaguá (Rodrigues, 1978: 72-73). Com a extinção das tropas de milícia e a criação da Guarda nacional, em 1831, a citada fortificação passa a ser atribuição da câmara de Cananéia e demais poderes locais, adequando a administração das armas às característica geográficas dominantes23, o que incluiria a barra de Icapara e o município de Iguape. É a partir desse momento que podemos considerar a existência do subsistema Cananéia/ Iguape, que era composto por dois pontos fortificados (ponta da Trincheira e barra de Icapara), uma peça de campanha em Cananéia e outra em Iguape, além de nove pontos de parada militar, ou seja, vigias (fig. 5, 2). 22 Praça forte é um conjunto de fortificações destinadas a proteger uma dada região, termo arcaico que, numa tradução moderna, designaria um sistema ou subsistema defensivo, dependendo do parâmetro utilizado (o subsistema defensivo paulista está dentro do sistema brasileiro). Para efeitos da análise desse trabalho, utilizaremos os termos éticos sistema e subsistema que explicam melhor a situação. O termo êmico praça forte é estanque, e não permite subdivisões (Laguens, 1988). 23 O ecossistema do Lagamar, que antes da construção do canal do Varadouro não se comunicava com a baía de Paranaguá. 39 Figura 4: Na foto vemos as muralhas principais, o quartel e a capela da fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, Guarujá, construída a partir do século 18 (embora o local fosse fortificado desde o século 16). Foto: PFBC (1998). A Baixada Santista era guarnecida pelo subsistema de Santos, o qual abrangia a fortaleza da Barra Grande e o forte da Estacada ou Augusto, no canal da barra Grande; o forte de São João (anteriormente, São Tiago) e o de São Luiz (anteriormente, São Felipe), no canal da barra de Bertioga; e, finalmente, para proteger o porto de Santos existiam o forte da Vila ou de Nossa Senhora de Monte Serrat, na própria povoação e, logo na margem oposta, o fortim ou forte de Itapema (que recebeu diversos nomes antes desse) (Bastos et al., 1998: 4-12). Em São Vicente ainda existiria uma bateria em local incerto (Müller, 1978: 218-225). As origens dessas fortificações remontam ao século 16, entretanto, àquela época, não poderíamos considerar a existência de um sistema defensivo paulista (fig. 5, 3). E, finalmente, ao norte, havia o subsistema São Sebastião/ Ilhabela que, anteriormente a 1831, estava ligado à Santos, pelo mesmo motivo que Cananéia estava ligada a Paranaguá: as tropas de milícia de São Sebastião e Ilhabela respondiam ao governador de armas da praça de Santos. Segundo Müller (1978: 86-88), na década de 1830, existiam 5 fortificações provisórias em São Sebastião e 4 em Ilhabela. Entretanto, dos 9, apenas 6 poderiam operar, sendo 3 em São Sebastião (Sepitiba, da Cruz e Araçá) e 3 em Ilhabela (Rabo Azedo, Vila Bela e Feiticeira) (Müller, 1978: 218225). Antes dessa data, na segunda metade do século 18, foram implantadas duas fortificações em São Sebastião e duas em Ilhabela a mando do Morgado de Mateus, em 1767 (Almeida, 1946: 11)24 (fig. 5, 4). Logo adiante estudaremos o caso de alguns desses fortes. Sobre Ubatuba e ilhas circunvizinhas, pouco pode ser dito. Em nenhuma das fontes pesquisadas consta a existência de fortificações na região. Entretanto, a localidade Fortaleza, situada a alguns quilômetros ao sul da cidade de Ubatuba, sugere que algum ponto fortificado pode ter lá sido 24 Uma fortificação ficaria na ponta das Canas, na ilha, outra na vila de São Sebastião, uma ao sul da última vila e outra na frente dessa, na ilha. 40 edificado. Mesmo o porto de Ubatuba, a exemplo de diversas outras povoações no litoral, deveria ter alguma peça de artilharia para rechaçar desembarques indesejados. Outro local que pode ter sido fortificado é a ilha dos Porcos. O inglês John Mawe, quando em viagem de Santos ao Rio de Janeiro, em 1807, diz-nos que havia um pequeno destacamento lá, voltado para combater o contrabando (1978:77). Essas são as únicas informações disponíveis sobre a região de Ubatuba. Figura 5: Mapa mostrando os subsistemas defensivos paulistas na década de 1820. 3 Os subsistemas defensivos do litoral paulista: comparações A simples comparação aleatória entre subsistemas defensivos poderia levar a conclusões banais tais como: a praça de Santos é melhor implantada que o subsistema Cananéia/ Iguape. Para que pudéssemos estabelecer comparações que efetivamente propiciassem informações úteis para a pesquisa, estabelecemos quatro variáveis para todos os subsistemas que pudessem indicar padrões de estabelecimento militar. Tais variáveis foram elaboradas a partir dos parâmetros de avaliação da qualidade das edificações das fortificações utilizados pelo brigadeiro Müller na primeira metade do século 19 (fortificações 41 permanentes e provisórias) e a partir das observações de campo (qualidade das peças de artilharia). As categorias estrutura “permanente” e estrutura “provisória” baseiam-se no estudo realizado pelo brigadeiro Daniel P. Muller, em parte publicado no livro “Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo”, editado pela primeira vez em 1838. Embora Müller não aponte quais características compunham uma categoria e outra, podemos deduzir, pela observação in loco de algumas fortificações25 e pelos exemplos citados que as permanentes dispunham de edificações finalizadas, bem feitas e bem conservadas, segundo os padrões da época. Já as provisórias falhariam em um ou mais desses pontos (1978: 86-88, 218-225). Para determinar a qualidade das peças de artilharia cruzamos as informações obtidas nas observações de campo e em inventários bélicos26 com a bibliografia existente sobre o tema e pudemos perceber que algumas peças são superiores às outras e que elas foram distribuídas de forma desigual pelos diferentes subsistemas. Grosso modo classificamos como material “obsoleto” as peças de ferro do padrão Armstrong27 e como material “adequado” as de padrão Blomefield28,. Mais adiante serão dadas maiores explicações sobre esses padrões de armas. Na tabela abaixo podemos ver o resultado da comparação entre as variantes: Tabela 1 Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19 Subsistema Paranaguá Cananéia/ Iguape 25 Estruturas Estruturas Armamento Armamento Permanentes Provisórias Adequado Obsoleto X X X 29 ? X X Trabalhos de campo realizados na fortaleza da Barra Grande, Guarujá e forte de São João, Bertioga em 1998; fortificação de Sepitiba, São Sebastião em 1998 e 2000. 26 Almeida, 1946: 19; Muller, 1978: 218-225; Castro, 1994: 4-26; “Notícia das fortificações existentes em cada uma província do Império; de suas denominações; artilharia que têm e importância”. Rio de Janeiro, 1 º. de janeiro de 1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4). 27 Nome do general que, em 1722, introduziu esse padrão de canhão nas forças armadas inglesas (Castro & Andrada, 1993: 18). 28 Thomas Blomefield foi quem desenvolveu esse padrão no ano de 1787. 29 A interrogação nesse campo explica-se pela impossibilidade de afirmarmos se alguma das propostas do brigadeiro Muller (1824), de estabelecer baterias em Antonina ou Morretes foram adotadas (AESP, C02374 e 02375). 42 Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19 Subsistema Estruturas Estruturas Armamento Armamento Permanentes Provisórias Adequado Obsoleto X X X X X X X Santos São Sebastião/ Ilhabela A conclusão a qual chegamos é que a comparação deveria ser feita entre o subsistema de Cananéia/ Iguape e o de São Sebastião, principalmente porque ambos os subsistemas possuem exclusivamente fortificações provisórias. Além desse fator, ambos os subsistemas foram desenvolvidos a partir da década de 1820, apesar de São Sebastião e Ilhabela já possuírem fortificações na segunda metade do século 18. 4 Os subsistemas defensivos de Cananéia/ Iguape e de São Sebastião 4.1 Os recursos humanos: as tropas milicianas e a Guarda Nacional Desde a conquista européia, até 1831, a organização militar do Império Português e, mais tarde, do Brasil, esteve embasada no uso de três tipos de tropas: as pagas ou de primeira linha, constituídas por profissionais da guerra; as de auxiliares, depois de milícias, ou de segunda linha; e as de ordenanças, ou de terceira linha (Rodrigues, 1978: 7-80). Em 1824 começa a se estabelecer um exército nacional, o qual será constituído pelas tropas de 1a. linha e as tropas milicianas, agora chamadas de 2a. linha. E, finalmente, a partir de 1831 (até 1891) vemos a extinção da 2a. linha, a diminuição drástica dos efetivos das tropas de 1a. (quadro este que se mantém até a década de 1850) e a criação da Guarda Nacional, instituição inspirada nas experiências revolucionária francesa e norte-americana (Castro, 1979). As tropas de auxiliares foram criadas em Portugal no ano de 1645, após a Restauração (Rodrigues, 1978: 51). No Brasil, esses terços e, posteriormente, regimentos, eram constituídos por habitantes das localidades 43 aptos a ingressarem no serviço militar, mas que por suas condições sociais não poderiam pertencer aos corpos de 1a. linha. Esses eram, por exemplo, lavradores, comerciantes e artesãos, pessoas com ocupações, que acabavam por formar tropas de reserva para a 1a. linha. No caso das localidades aqui estudadas, essas tropas constituíam a força militar que efetivamente as defenderia, não existindo qualquer companhia, de qual arma que fosse, de 1a. linha, em Cananéia ou Iguape. Quanto à estrutura das milícias, interessa-nos aquela que foi estabelecida a partir de 1796 quando as tropas de auxiliares passaram a ser denominadas tropas de milícia (Rodrigues, 1978: 54). Embora Rodrigues (1978: 54) escreva que um regimento fosse constituído por Estado Maior, mais oito companhias de fuzileiros, uma de granadeiros e uma de caçadores (cada qual com 80 homens), num total de 800 praças, a documentação mostra que estes números eram bastante flexíveis, como pode ser apreciado em diversos documentos do Arquivo do Estado de São Paulo e do Arquivo Municipal de Santos. Em tempos de paz os números ficavam bem abaixo dos 800. Uma companhia de milícias reunia-se, grosso modo, em tempos de paz, uma vez por mês, na assembléia da companhia, que poderia ser qualquer local pré-determinado na localidade onde ela estaria destacada. Nesta ocasião, a tropa seria passada em revista, exercícios militares seriam realizados e o material de guerra seria limpo, dentre outras coisas. Em caso de urgência, geralmente salvas de canhão serviriam para avisar os milicianos, dispersos por vasto território. Todos deveriam reunir-se na assembléia e ficar em estado de prontidão. Todas as questões que envolvessem a companhia deveriam ser enviadas do comandante da companhia ao comandante do regimento. Daí as questões seriam enviadas ao governador das armas da Capitania ou Província, que poderia enviá-las ao ministro da guerra, eventualmente. Os postos de comando, principalmente os do Estado Maior, eram preenchidos por oficiais de 1a. linha. Eventualmente os cargos de comando das companhias eram confiados a soldados profissionais. Geralmente os comandantes locais eram pessoas de posses. 44 Figura 6: Modelo do uniforme de um coronel de milícias paulista (1823). O desenho é de Wladimir Douchkine (Rodrigues, 1978). Os soldados deste tipo de tropa não eram pagos, recebiam apenas o prêt d`Étape - que era uma certa quantidade de alimento, constituído por farinha e toucinho - também chamado de “munição de boca” -, uniformes, munição de guerra e armas. Somente os oficiais de patente recebiam soldo. Tudo isso deveria ser fornecido pelo governo, mas, algumas vezes, os comandantes provinham algumas coisas as suas custas, esperando serem reembolsados ou receberem favores do governo. As tropas de ordenanças foram criadas, em Portugal, a partir de 1549. Tinham como intuito formar contingente de reserva, agregando, principalmente, homens que não poderiam ser incorporados na 1a. ou na 2a. linha, pela idade ou por serem casados, por exemplo (Rodrigues, 1978: 75-76). Elas deveriam ser formadas pelos capitães mores das vilas, mas, no Brasil, em localidades onde existisse abundância das outras tropas, seu estabelecimento era sempre relegado ao segundo plano. O litoral de São Paulo, que até 1853 compreendia também o litoral do atual Estado do Paraná, até 1824 possuía dois regimentos de artilharia miliciana: o 1o., com o governo das armas situado na praça de Santos e o 2o., com o governo na praça de Paranaguá. Cada regimento tinha 8 companhias com número variável de praças, destacadas em diferentes vilas: Tabela 2 o 1 . Regimento Companhias Local de assembléia o 1. Santos e S. Vicente o Itanhaém 2. 45 o 1 . Regimento Companhias Local de assembléia o 3. Iguape o 4. Iguape o 5. São Sebastião o 6. São Sebastião o 7. Vila Bela da Princesa (Ilhabela) o Ubatuba 8. (Inventário Fundo Milícias, 1997). Tabela 3 o 2 . Regimento Companhias Local de assembléia 1. o Paranaguá o 2. Paranaguá o 3. Paranaguá o 4. Paranaguá o 5. Morretes o 6. Antonina o 7. Paranaguá o Cananéia 8. (Rodrigues, 1978: 72-73) Apesar de existirem duas companhias com assembléia em Iguape, em 1823 uma delas estava destacada em Cananéia30, muito provavelmente por ser este o ponto mais vulnerável de toda a costa, de Itanhaém até Paranaguá. Outro fator que levaria ao destacamento dessa companhia em Cananéia é o da deficiência de material bélico e humano, uma vez que o município tinha poucas armas em condições de fazer fogo31, população reduzida em número e dispersa em área muito grande, além da carência de pessoal que pudesse comandar os militares, seja por falta de habilidade, seja pela idade avançada. Tais fatores, somados à distância e periculosidade do caminho marítimo entre Cananéia e Paranaguá (fator alegado em inúmeros documentos) e ao término da guerra Cisplatina, levaram à extinção da 8a. Companhia, a partir de 1828. 30 AESP, C00860, pasta 1, doc. 30. A menção “60 armas velhas em Cananéia” aparece em inúmeros mapas das tropas das o companhias do 2 . Regimento, enviados ao governador das armas da província, AESP, C02374 e 2375. 31 46 Ela seria extinta definitivamente quando o último oficial de patente pudesse ser reformado32. Assim, em 1829 encontramos a oitava com 44 soldados, 10 oficiais (inferiores e de patente), contra 64 soldados e 14 oficiais (inferiores e de patente), em 182333. Outra possibilidade de defesa em caso de invasão por mar, estabelecida pelo conselho de guerra em 1803, seria a descida de tropas de Xiririca (hoje Eldorado) para Cananéia e Iguape (Almeida, 1962: 199-200), o que reforça a idéia de que a proteção das portas de entrada daquela região era prioridade. A partir de 01 de dezembro de 1824, começa a ser reformulada a estrutura dos regimentos milicianos. Eles passam a ser incorporados ao exército nacional, agora composto por tropas de 1a. e de 2a. linhas, as antigas de milícias (Inventário Fundo Milícias, 1997). O 1o. Regimento de Artilharia Miliciana da praça de Santos passa a chamar-se Batalhão de Caçadores n º. 38, da 2a. Linha. O 2o. Regimento de Artilharia Miliciana da praça de Paranaguá torna-se Batalhão de Caçadores n º. 39, da 2a. linha. Tais mudanças só consumam-se em 19 de agosto de 1826 e, mesmo assim, por mais alguns anos as antigas denominações perduraram. Apesar de, em teoria, ter mudado a característica militar dos regimentos, de artilharia para caçadores (infantaria ligeira), na prática isso foi apenas a adequação de categoria a uma realidade existente: com raríssimas exceções, o contingente de praças das milícias de artilharia, incluindo os oficiais, inferiores ou de patente, saberia manejar peças de artilharia34. Quando isso era preciso, tropas de artilharia de primeira linha eram enviadas às fortificações35. A partir de 1831, com o término do 1o. Reinado e o estabelecimento da Regência, a estrutura de defesa brasileira vai mudar radicalmente. A inspiração liberal da Regência vai provocar grandes mudanças na estrutura militar da jovem nação. O exército, considerado um dos grandes focos de insubordinação e de fomento das revoltas contra a unidade nacional, terá seu contingente diminuído drasticamente (Holanda, 1965: 275-277). Em seu lugar, tendo como inspiração as guardas nacionais criadas pela França e pelos 32 33 34 35 AESP, C02375, 17/11/1829. AESP, C02374, diversos. BN, II-34,24,30, II-35,26,30; AMS-FM, 1A/37/6. AESP, C02374 e C02375, entre outros. 47 EUA, será criada a Guarda Nacional, responsável pela manutenção da ordem interna. Tal organização teria caráter eminentemente municipal, sendo os seus corpos recrutados entre os habitantes de um mesmo município, facilitando o controle do contingente pelo poder local. No que concerne aos assuntos militares, seus comandantes, que poderiam chegar ao grau máximo de coronel, responderiam diretamente ao governador das armas da Província e não mais a um comandante de regimento, num movimento que, ao mesmo tempo, descentralizava a organização dos corpos e centralizava o comando (Castro, 1979). É a partir desse momento que voltam a ser organizadas companhias militares em Cananéia. 4.2 Peças de artilharia Apesar dos canhões serem os objetos arqueológicos por excelência neste trabalho, pode parecer difícil entendê-los como fragmentos que podem ajudar na montagem do contexto social do qual eles faziam parte. Eles são mais facilmente assimilados como monumentos do que como peças arqueológicas. Mas examinemos dois trabalhos subaquáticos onde eles foram peças chave para o entendimento dos contextos arqueológico e do social. O primeiro exemplo é o estudo do sítio de naufrágio do navio-almirante francês Oceán, afundado em 18/08/1759 nas proximidades da praia de Salema, Vila do Bispo, Portugal36. Segundo as informações documentais escritas, os regulamentos para o armamento desse tipo de vaso, nunca canhões de 12 libras poderiam ser instalados nas baterias do navio. Entretanto, as pesquisas arqueológicas subaquáticas evidenciaram justamente um canhão de 12 libras no sítio do Oceán, o que leva a pensar que, em época de guerra (Guerra dos 7 anos), o que vale mesmo é armar a esquadra com o material disponível, fato que nenhum texto revela. 36 Todo ano, de junho a setembro é montado um circuito de visitação, atividade fundamental para a divulgação do trabalho do centro de pesquisas e para a conscientização dos mergulhadores da importância daquele patrimônio submerso (site www.ipa.mincultura.pt/cnans). 48 O segundo trabalho foi realizado na embarcação francesa Ça Ira, vaso de guerra de 80 canhões afundado em 1796, no golfo de Saint-Florent, Córsega, sob à bandeira do Reino Unido (a embarcação havia sido capturada em 1795). Nesse caso, a ausência dos canhões (junto com a variedade e a desorganização dos projéteis encontrados nos destroços) além de corroborar a história escrita (Villié & Acerra, 1998), forneceu importantes elementos para a compreensão das táticas e do espírito da guerra marítima. Ao contrário do que era praticado no Brasil no século 19, onde os marinheiros destinados à guerra eram recrutados à força e mantidos às chibatadas, na marinha inglesa o marujo era tratado com dignidade pois era um soldado especializado. Essa diferença de tratamento reflete-se no Ça Ira porque um grande vaso de guerra foi desarmado e transformado em um navio hospital. Sendo documentos materiais, os canhões devem ser classificados para a sua melhor compreensão. Abaixo segue uma tabela das peças envolvidas neste estudo e de algumas de suas características que são explicadas nos próximos itens. Tabela 4 1452,8 SP-CA-01 A 12 117,42 255 60 A 12 117,42 251 214 61 Data de chegada 177518 267 1792 1822 1775- 1516,2 SP-CA-02 Datação absoluta Lb bala/ lb canhão Cal. de comprimento Comp. Funcional (cm) Massa (kg) Largura (cm) Comp. Total (cm) Calibre (mm) Calibre (lb) Denominaçã o Padrão Canhões existentes em Cananéia, Ilhabela e São Sebastião 213 18 279 1792 1822 1727- SP-IB-01 A 12 117,42 250 58 212 18 SP-IB-02 B 18 134,42 294 67 258 19 SP-IB-03 A 12 117,42 251 53 218 19 SP-IB-04 B 18 134,42 252 59 214 16 1830 1825-1827 SP-SS-01 B 18 134,42 292 68 258 19 1825 1825-1827 SP-SS-02 A 12 117,42 249 60 212 18 SP-SS-03 B 18 134,42 294 68 258 19 1792 17921830 1825-1827 17271792 1792- 1775- 1494,0 275 1780 1787-? 1825 1825-1827 49 1714- SP-SS-04 Bo 18 134,42 313 58 278 21 SP-SS-05 A 18 134,42 313 59 275 20 SP-SS-06 A 12 117,42 253 60 1506,7 213 18 277 SP-SS-07 A 12 117,42 250 60 1421,1 214 18 261 SP-SS-08 B 18 134,42 293 65 258 19 SP-SS-09 B 24 147,93 299 73 257 17 SP-SS-10 A 236 54 200 19 1722 ?-1827 17271760 ?-1827 17781786 17771792 1787-? 1825 1825-1827 17921822 1819-1830 1778- 9 106,68 1223,1 300 1786 1809-1819 4.2.1 A análise qualitativa A análise qualitativa do material de artilharia baseia-se na observação in situ das características das peças. Para esse fim foi criada uma ficha (anexo 2) bastante sintética – baseada em um modelo mais completo fornecido pelo IPHAN (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 14-16) – a qual elenca uma série de características que são cruciais para o entendimento desse tipo de material bélico. As peças foram nomeadas e os dados gerados foram cruzados com informações bibliográficas e a partir daí pudemos juntar as peças de artilharia dos dois subsistemas em três diferentes grupos e entender o funcionamento deles em termos de eficiência, o que é essencial para o tema deste trabalho. Abaixo, seguem algumas explicações necessárias para a compreensão dos quesitos técnicos empregados na ficha: calibre, comprimento total, comprimento funcional, largura e calibre de comprimento. Para descobrirmos o calibre, em milímetros, basta que meçamos o diâmetro interno da boca do canhão. Caso isso não seja possível, pode ser medido o diâmetro de um dos munhões, tradicionalmente igual ao da boca (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 34). Uma eventual diferença entre a designação oficial do calibre e a medição da boca de uma peça pode ser explicada pelo aumento do vento – causado pela fricção entre a bala e o 50 tubo da alma gerada nos disparos -, pela maior corrosão sofrida na boca, parte mais diretamente em contato com o clima de marinha 37 e com a curiosidade e vandalismo dos seres humanos. Para obtermos o comprimento total da arma, basta que todo o comprimento dela, da boca ao cascavel, seja medido. Já o comprimento funcional é obtido pela mensuração da alma da peça. Caso isso não seja possível, pela obstrução da mesma – o que é freqüente – temos que medir a distância entre a boca e o ouvido (Alves, 1990-1992: 367). A obtenção da largura das peças de antecarga com munhões é obtida pela mensuração da distância da extremidade distal de um munhão até a do outro. Dividindo o calibre das peças (expresso em milímetros) por seu comprimento funcional, ou seja, o comprimento da alma (também expresso em milímetros), temos uma importante função, que fornecerá um dado essencial para a classificação das armas: o calibre de comprimento. Dessa forma teremos, para a peça SP-SS-04, de 2775mm de comprimento funcional, 21 calibres de comprimento (2775mm:132mm=21,02 calibres de comprimento). Quanto maior for o comprimento da arma, maior será o seu alcance, isso porque a força de detonação é diretamente proporcional “à duração e às pressões geradas durante o processo de disparo” (Alves, 1959: 221 apud Castro & Andrada, 1993: 71). Mas essa função só se observa tendo um propelente padrão. Caso haja variações na composição dele, o resultado também irá variar. No caso da pólvora negra - propelente por excelência para as armas antigas - uma mistura variável em sua composição e em seus efeitos -, essa regra não podia ser aplicada. Grosso modo, a pólvora negra geraria seu máximo de potencial para alcance em peças que tivessem entre 18 e 19 calibres (Guilmartin, 1988: 50 apud Castro & Andrada, 1993: 71). A observação dessa relação, no século 18, era de extrema importância, principalmente quando estamos tratando de peças que, para serem eficazes, dependiam da capacidade de conversão da energia cinética gerada pelos disparos de projéteis sólidos (Castro & Andrada, 1993: 66). Mas, a partir do final do século 18, ela passa a ser relegada ao segundo plano porque a maximização da 37 Cabe dizer que as peças estão ao ar livre, sem qualquer cobertura. 51 potência cede espaço à capacidade das peças serem transportadas e manobradas, sendo necessárias armas mais leves e compactas. Figura 7: Nomenclatura das peças de artilharia (Alves, 1990-1992: 368) 4.2.2 Os grupos de canhões Para a análise dos canhões de Cananéia e São Sebastião vamos agrupá-los da seguinte maneira: o grupo 1, composto pelo canhão mais velho, SP-SS-04; grupo 2, no qual figuram os canhões padrão Armstrong; e finalmente, o grupo 3, formado pelas armas do padrão 1787, também conhecido como Blomefield mais recentes e também bastante conhecidos. 52 Parte das considerações pode ser estendida às peças de artilharia de Ilhabela, que não podem ser tratadas com o mesmo rigor, uma vez que estão muito deterioradas. Tabela 5 Distribuição das peças de artilharia Grupo Padrão Subsistema Denominação 1 Bogart (1714- S. Sebastião/ Ilhabela SP-SS-04 Armstrong S. Sebastião/ Ilhabela; SP-SS-02, 05, 06, 07 e 10; (1722-1792) Cananéia/ Iguape SP-IB-01 e 03; 1722) 2 SP-CA-01 e 02 3 Blomefield S. Sebastião/ Ilhabela SP-SS-01, 03, 08 e 09; (1792-1830) A despeito das variações, SP-IB-02 e 04; todas as peças possuem algumas características morfológicas em comum: são de ferro, de antecarga e de alma lisa. Quanto ao uso, todas elas foram feitas para sítios ou praças fortes, incluídos aí os navios. Um dos indicadores desta característica é o comprimento total das peças38. Canhões longos eram indicados para embarcações grandes e fortificações, pois evitavam danos que eventualmente poderiam ser causados pelas descargas de gases dos disparos de canhões mais curtos às cortinas das fortificações e aos costados dos navios (Castro & Andrada, 1993: 71). Outro indicador é a relação da massa do canhão por libra de bala, obtida pela divisão da massa dos canhões (expressa em libras) pelo calibre. Canhões utilizados em campanhas ou em embarcações pequenas tendiam a ter menos libras por libra de bala do que os de sítio ou praça, justamente para facilitar o deslocamento e manobra, em terra, e o equilíbrio da embarcação. 4.2.2.1 Grupo 1 38 A peça SP-SS-10 talvez seja a única exceção. 53 Segundo Adler H. F. Castro, o canhão SP-SS-04 é do padrão Bogart, utilizado na Inglaterra entre 1714 e 1722, período correspondente ao reinado de George I (1714-1727). Essas peças são bastante raras no Brasil, uma vez que elas têm baixos níveis de enxofre, o que possibilita que elas sejam refundidas (Castro, 2001: 1). As características dessa peça são bastante peculiares frente as das outras peças de artilharia. O calibre de 132mm, medida não usual, foi sendo deixado de lado com o aperfeiçoamento da artilharia (Castro, 1999: 36). Seu tubo é bastante alongado e sua largura é reduzida em proporção ao comprimento, o que demonstra a vocação naval da peça, pois armas mais estreitas encaixavam-se melhor nas portinholas dos costados (Castro, 1994: 17). As linhas do tubo também fogem do padrão adotado com o desenvolvimento da artilharia científica, uma vez que elas se assemelham a da colubrina, arma bastante difundida no século 17. Essa peça já equipava as fortificações setecentistas da região e, portanto, será descartada das comparações. Tabela 6 Figura 8: Foto do canhão padrão Bogart (primeiro plano) de São Sebastião. Autor: PFBC (2000). 4.2.2.2 Grupo 2 21 278 1714-1722 Data de chegada 58 Datação absoluta 313 Lb bala/ lb canhão Cal. de comprimento 18 134,42 Largura (cm) Massa (kg) Comp. Funcional (cm) Bo Comp. Total (cm) SP-SS-04 Calibre (mm) Padrão Denominação Calibre (lb) Canhões padrão Bogart ?-1827 54 A principal característica morfológica que define o padrão Armstrong, é a forma da culatra, repleta de frisos e molduras. Esses elementos decorativos desaparecem no desenho do modelo 1787, como veremos adiante. Essas seriam boas peças de artilharia, tributárias do desenvolvimento tecnológico de ponta, do início da estandardização e da necessidade de grande quantidade de peças que otimizassem o poder de fogo. Isso tudo é verdade, até seu descarte. Após isso, elas não passariam de uma sucata mortal, tanto para o inimigo, quanto para quem as operasse. Em caso de explosão da peça, problema comum às peças de ferro com alto teor de enxofre, que se acentuava com o desgaste da peça, essa estilhaçar-se-ia, matando boa parte da guarnição de um convés de uma embarcação ou de uma bateria de terra. Um canhão de bronze, caso explodisse, rachar-se-ia, matando apenas quem estivesse ao redor dele (José Bittencourt, com. pes., 2000). De 1792 a 1808, os canhões Armstrong foram sendo gradativamente descartados pela Inglaterra. Como eles não serviam para serem refundidos (José Bittencourt, com. pessoal, 2000), começaram a ser usados como postes de iluminação pública, hastes para a atracação, lastro de navio, marcos e monumentos. Mas eles também continuaram a ser vendidos ainda como artefatos militares, para clientes muito especiais. Nessa grande renovação de arsenal e expansão do capitalismo industrial inglês, o Brasil foi um grande parceiro da Inglaterra. Baratas, essas armas puderam ser adquiridas de carregação, equipando a maioria das fortificações brasileiras. A seguir veremos algumas das peculiaridades das armas desse padrão, que fornecem valiosas informações para o desenrolar desta pesquisa. Tabela 7 SP-IB-01 12 117,42 250 58 18 212 Alma brocada SOLID Data de chegada 279 Datação absoluta 18 Broad arrow 12 117,42 251 61 1516 213 Lb bala/ lb canhão SP-CA-02 Cal. de comprimento 267 Massa (kg) Comp. Funcional (cm) 18 Largura (cm) 12 117,42 255 60 1453 214 Calibre (mm) SP-CA-01 Calibre (lb) Denominação Comp. Total (cm) Canhões padrão Armstrong 2 1775-1792 1822 2 1775-1792 1822 1727-1792 55 SP-IB-03 12 117,42 251 53 218 19 SP-SS-02 12 117,42 249 60 1494 212 18 SP-SS-05 18 134,42 313 59 275 20 SP-SS-06 12 117,42 253 60 1507 213 18 SP-SS-07 12 117,42 250 60 1421 214 SP-SS-10 9 106,68 236 54 1223 200 1727-1792 275 SOLID 2 1775-1780 1787- 0 1727-1760 -1827 277 3 1778-1786 18 261 2 1777-1792 1787- 19 300 3 1778-1786 1809-1819 SOLID Figura 9: os canhões da praça Martim Afonso, no centro de Cananéia. Foto: PFBC (1997). A seqüência numérica do peso A seqüência numérica gravada no primeiro reforço, próxima à culatra, exprime a massa da peça. Para exemplificar, peguemos a numeração da peça SP-CA-01: 28-2-15. O primeiro número, 28, indica a quantidade de quintais (o inglês vale 50,736kg); o segundo, 2, representa as arrobas (12,684kg); e finalmente, o terceiro, expressa as libras (0,453kg). Assim, para saber o peso das peças, em kg, basta multiplicar os componentes da seqüência por seus valores em kg e depois somá-los: 28 x 50,736kg + 2 x 12,684kg + 15 x 0,453kg = 1452,84kg Vale salientar que muitas pessoas pensam que esta seqüência representa a data de confecção da peça. 56 Tabela 8 Massa dos canhões Armstrong de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/Ilhabela Denominação Quintais Arrobas Libras Massa em quilos SP-CA-01 28 2 15 1452,771 SP-CA-02 29 3 15 1516,191 SP-SS-02 29 1 22 1493,994 SP-SS-05 ilegível 1 21 ? SP-SS-06 29 2 22 1506,678 SP-SS-07 28 0 1 1421,061 SP-SS-10 24 0 12 1223,100 Figura 10: Foto de detalhe do canhão SP-SS-02, onde podemos ver a seqüência numérica da massa da arma (PFBC, 2000) A seta Única, em dupla ou em trio, a seta ou broad arrow, é a expressão de uma atividade que se impregnava cada vez mais da ciência e dos benefícios da experimentação. Tabela 9 Quantidade de broad arrows por peça de artilharia Denominação Broad arrows SP-CA-01 2 SP-CA-02 2 SP-SS-02 2 SP-SS-05 0 57 Quantidade de broad arrows por peça de artilharia Denominação Broad arrows SP-SS-06 3 (1 no cascavel) SP-SS-07 2 SP-SS-10 3 (1 no cascavel) Uma única seta gravada no primeiro reforço, próxima à moldura do segundo reforço, significa que aquela peça havia sido testada e aprovada por uma comissão de testes das forças armadas inglesas (Castro & Andrada, 1993: 26). Segundo Caruana (1997: 11-13), em 1783, Thomas Blomefield foi encarregado de formar uma equipe para uma segunda prova de todos os canhões da armada inglesa. O teste demorou anos, terminando em 1796, aparentemente. Um fato a destacar-se desta segunda prova é o de que todos os canhões aprovados deveriam levar a marca de uma segunda seta, logo abaixo da primeira. De acordo com Adler H. F. Castro (com. pes., 2000), a maior parte dos canhões do padrão Armstrong existente no Brasil não possui a segunda seta, o que indica que eles teriam vindo para o Brasil antes do período 1783-1796 ou que eles tenham sido julgados fracos demais para serem testados, reforçando a hipótese da compra de sucata militar. Ainda segundo Caruana (1997:13), em 1810 a marinha de guerra inglesa encontrava-se totalmente armada com os canhões do padrão 1787 (ou Blomefield). O que teria acontecido com os canhões padrão Armstrong? Castro & Andrada (1993: 18) colocam que, a partir de 1792 os canhões Armstrong da Armada foram sendo substituídos pelos Blomefield. Os canhões do antigo padrão que haviam passado pelo teste foram sendo transferidos para as fortificações terrestres, e os que haviam sido rejeitados eram vendidos como armamento para outros países ou reaproveitados para outros fins (postes, monumentos, hastes de atracação, etc.). Em 1811, outra pesquisa realizada pelo mesmo T. Blomefield, condenou todos os canhões Armstrong que ainda operavam nas fortificações (Caruana, 1997: 263). Após eles terem sido definitivamente descartados das forças armadas inglesas, eles equiparam as forças armadas do Império Português e das jovens repúblicas americanas, garantindo sobrevida militar às peças de 58 artilharia. Para se ter uma idéia, a maior parte do arsenal paraguaio, por ocasião da guerra contra a Tríplice Aliança (1864-1870), era formado por esse tipo de canhão (Castro & Andrada, 1993: 18). Um detalhe que deve ser acrescentado é que essas peças não serviam para a refundição porque elas possuíam alto teor de enxofre, o que tornaria os novos canhões ainda menos maleáveis e mais quebradiços que os originais (Castro, 2000, com. pes.). Quanto à terceira seta, encontrada nos cascavéis dos canhões SP-SS06 e 10, nada pode ser dito por enquanto. Figura 11: Detalhe do canhão SP-CA-01, mostrando as duas broad arrows (PFBC, 2000). Os brasões O padrão Armstrong, estabelecido em 1727, foi utilizado durante o reinado de dois soberanos: George II (1727-1760) e parte do reinado de George III (1760-1820). Apesar de suas características não mudarem através dos 70 anos em que foram produzidos, os canhões encontrados aqui no Brasil apresentam dois tipos de brasões, gravados no segundo reforço, que os distinguem: o de George II e o de George III. Em Cananéia as duas peças são do tempo de George III. Já em S. Sebastião, encontramos uma com o brasão de George II (SP-SS-05) e quatro com o de George III (SP-SS-02, 06, 07 e 10). 59 Figura 12: Detalhe do brasão da peça SP-CA-02. É possível notar o número 3 entrelaçado com a letra G que por sua vez está ligada à letra R, formando os dizeres “3 George Rex” (PFBC, 2000). Os números do segundo reforço Os números que alguns dos canhões possuem entre o brasão e um dos munhões comprovam suas trajetórias do mar para a terra. Esses números representam a posição que estas armas ocupavam nas embarcações portuguesas ou inglesas (Adler H. F. Castro, 2000, com. pes.). As inscrições nos munhões Tabela 10 Inscrições dos munhões das peças de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/ Ilhabela Denominação Munhão direito Munhão esquerdo SP-CA-01 ?S WC SP-CA-02 B SOLID SP-SS-02 No. 133 O SP-SS-05 [SÍMBOLO] SP-SS-06 [ILEGÍVEL] Z SP-SS-07 IC 33 SP-SS-10 SOLID 54 Z Quanto à inscrição do munhão direito da peça 01 de Cananéia, nada pode ser dito. Já a inscrição do munhão esquerdo refere-se à fundição “Samuel Walker and Company” (1746-1817), instalada na cidade de Rotherham, 60 Inglaterra. Essa empresa passou a fornecer armas para as forças armadas inglesas a partir de 1775 (Castro & Andrada, 1993: 26). O significado da inscrição do munhão direito da peça 02 de Cananéia até agora é desconhecido. Entretanto, a inscrição do munhão esquerdo, “SOLID” indica que a peça teve a alma brocada, isto é, a peça foi fundida por inteiro, solidificou-se e posteriormente a alma do canhão foi furada. Essa técnica de confecção, utilizada largamente a partir de 1775 (Castro, 2001: 1), visava melhorar a qualidade do armamento (Castro & Andrada, 1993: 27). No canhão SP-SS-02, no munhão direito temos uma numeração que parece corresponder à posição da peça numa seqüência de produção. Quanto à marca do munhão esquerdo, pode corresponder ao fabricante 39. Das inscrições da peça de artilharia SP-SS-05 nada pode ser dito. O canhão SS-06 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de seu fabricante, George Matthews, da Calcutts Ironworks, Inglaterra. Fundiu canhões para as forças inglesas, sob esta marca, de 1778 a 1786 (Castro & Andrada, 1993: 26). A peça SS-07 tem, no munhão direito, a sigla de seu fundidor, John Cookson, da cidade de Whitehill, Inglaterra. Ele passou a fornecer esse tipo de arma a partir de 1777 (Castro & Andrada, 1993: 18). No munhão direito existe uma numeração que não pôde ser decifrada. Finalmente, a peça SS-10 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de seu fabricante, o mesmo da peça SS-06. No munhão direito apresenta um número, ao qual não podemos atribuir qualquer significado, e uma palavra, “SOLID”, que indica que a peça foi brocada. Figura 13: detalhe do munhão direito da SPCA-02 onde se vê a letra B (PFBC, 2000). 39 Essa peça também apresenta a palavra “SOLID”, só que na moldura da culatra. No mesmo local encontra-se a inscrição “B & CO”, que designa a fábrica Harrison & Co., a qual fundiu esse canhão entre 1775 e 1780 (Castro, 2001: 1). 61 Datação absoluta das peças Através de algumas das especificações técnicas e das marcas dos fabricantes é possível estabelecer as datações absolutas das peças do padrão Armstrong. Tabela 11 Datação absoluta das peças de artilharia Denominação Data SP-CA-01 1775-1792 SP-CA-02 1775-1792 SP-SS-02 1775-1780 SP-SS-05 40 1727-1760 SP-SS-06 1778-1786 SP-SS-07 1777-1792 SP-SS-10 1778-1786 4.2.2.3 Grupo 3 As inscrições desse grupo são bastante sucintas. O modelo Blomefield, também chamado de 1787, era um modelo bastante sóbrio, prático e sem detalhes decorativos, vislumbrando o que seria o posterior desenvolvimento da artilharia. Ele foi adotado, na Inglaterra a partir de 1792, ficando em uso até por volta de 1830 (Castro, 1994: 14-16). As peças SP-SS-01, 03 e 08 apresentam as mesmas características: no munhão esquerdo, uma numeração, seguida pelo nome da fábrica, que seria o mesmo da localidade onde ela estava instalada (Carron, Escócia); finalizando, a data que, embora apagada na peça 01, deve ser a mesma que a das outras peças, 1825. No direito temos a inscrição “18 P” abreviação de 18 pounds, ou seja, 18 libras, o calibre da peça (Castro, 2001: 1). Tais peças foram feitas sob 40 Esse tipo de peça de artilharia começa a ser fabrica em 1722, mas só torna-se padrão a partir de 1727. 62 encomenda para o Império Brasileiro (Castro, 2000, com. pes.), e a sua existência, em São Sebastião, será decisiva para as considerações que serão feitas na comparação dos sistemas defensivos do litoral norte com o do sul. Já a peça 09 é anterior às outras, apesar de ser do mesmo padrão. Foi fundida na Inglaterra, para as forças armadas de Portugal, já sob o domínio de João VI. Sobre as inscrições nos munhões, nada pode ser dito ainda. Como já foi dito anteriormente, essas peças de artilharia são do padrão Blomefield, o qual passou a equipar os vasos da marinha inglesa a partir de 1792 e as fortificações, maciçamente, a partir de 1811. O desenho desse padrão é bastante simples, eliminando elementos decorativos presentes em outros padrões. Traz uma importante evolução tecnológica que consiste na adoção de um anel do vergueiro sobre o cascavel, peça que, anteriormente, só era possível de ser incluída em canhões de bronze (Castro, 1994: 14-16). Os canhões do grupo 3, com exceção do 09, fundido entre 1792-1822, foram fabricados por encomenda do Império Brasileiro em 1825, como pode ser atestado pelas datas gravadas nos munhões. Apesar dessa discrepância de datas, as quatro peças, em comparação às dos outros grupos, além de serem de maior calibre eram, qualitativamente, superiores. Esses canhões foram levados para São Sebastião e Ilhabela entre 1825, data de sua confecção, e 1827, data de um inventário local de material bélico (Almeida, 1946: 19). Tabela 12 Data de chegada Datação absoluta Lb bala/ lb canhão Cal. de comprimento Massa (kg) Comp. Funcional (cm) Largura (cm) Calibre (mm) Comp. Total (cm) Padrão Denominação Calibre (lb) Canhões padrão Blomefield 1825SP-IB-02 B 18 134,42 294 67 258 19 1792-1830 1827 1825- SP-IB-04 B 18 134,42 252 59 214 16 1792-1830 1827 1825- SP-SS-01 B 18 134,42 292 68 258 19 1825 1827 1825- SP-SS-03 B 18 134,42 294 68 258 19 1825 1827 63 1825SP-SS-08 B 18 134,42 293 65 258 19 1825 1827 1819- SP-SS-09 B 24 147,93 299 73 257 17 1792-1822 1830 Figuras 14 e 15: canhões do padrão Blomefield de São Sebastião. Notem-se as linhas sóbrias contrastando com os detalhes decorativos do padrão Armstrong. Em destaque temos a grande inovação desse padrão, a adoção do anel do vergueiro em peças de ferro. Fotos: PFBC, 2000. 4.3 Os pontos de parada militar: vigias Cada companhia destacava seus praças em postos de parada militar, ou seja, vigias, estabelecidas de acordo com as necessidades que a extensão da localidade demandava. Tais postos podiam ser em locais de vista privilegiada, registros de mercadorias, barras de rios, de mar ou quartéis. No caso do distrito de Iguape, eram destacados militares, em 1819, para 5 postos de parada: “Recebi o ofício de V. I.(x). de 10, em 19 do corrente, e em observância do mesmo fiz destacar 5 soldados Milicianos para as 5 Paradas do distrito desta Vila, para suprirem a falta dos soldados de Linha que nelas estavam, e se recolhem nesta ocasião ao seu Quartel, ficando o Anspeçada Lourenço do Prado na Parada da Vila, [por] assim ser determinado pelo 64 Ilmo. Sr. Cel. Comandante da 3a. Divisão do Centro Daniel Pedro Müller. (...)”41 Em Iguape, esses postos ficavam situados: (1) no pontal sul da barra do Ribeira42; (2) na vila 43, e (3) no morro do Espia (Almeida, 1963: 180-184). Podese especular sobre um outro posto, que seria o da vila de Icapara. No distrito de Cananéia existiam, em 1824, 4 postos de parada (CD, doc. 1824b), mas infelizmente não temos qualquer dica de suas localizações. Em São Sebastião e Ilhabela certamente existiram essas vigias uma vez que esta técnica é tão antiga quanto a idéia de se defender uma localidade. Mas o levantamento e o mapeamento delas exigiria estudos mais aprofundados dispensáveis para este trabalho. 4.4 As defesas contra desembarques em Cananéia e Iguape De acordo com a documentação escrita, Cananéia e Iguape possuíram peças de artilharia, de campanha, destinadas a, principalmente, defenderem seus portos contra desembarques indesejados. Embora seja bastante complicado traçar com precisão a trajetória desse tipo de arma (canhões de campanha, como o nome sugere, são bastante móveis), entre 1803 (CD, docs. 1803a e b) e 1819 (CD, doc. 1819a) um canhão de bronze, de campanha, calibre 3, foi transportado para Cananéia e, entre 1803 e 182844 um canhão de mesmo tipo foi levado à Iguape. 41 AMS, FM, doc. 1/009/cx. 2, 21/11/1819. a o AMS, FM, doc. 06/002/cx.2, sem data. “Relação da 4 . Companhia de Artilharia do 1 . Regimento (?) da praça de Santos aquartelado na vila de Iguape. Capitão Francisco Duarte Castro [segue relação] Soldado Joaquim Bernardo - destacado no pontal do sul na Barra da Ribeira” [segue relação] 43 Idem. 44 Período de tempo entre os documentos 1803a e b e o documento 1828c, que informa indiretamente da existência de um canhão de campanha (embora o trecho não tenha sido transcrito para o CD). Provavelmente ele foi levado para Iguape na mesma data em que foi enviado o canhão de campanha para Cananéia. 42 65 Figura 16: peça de campanha montada em uma carreta de campanha em Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso, em 1906. O canhão, obsoleto para a época, fazia parte das baterias móveis instaladas na margem direita do rio Guaporé, no século 19 (Rondon, 191?). Sobre a peça de Iguape, sabemos que ela foi transportada para o front da guerra dos Farrapos, de acordo com documento enviado pela câmara da mesma localidade, em 1839, ao presidente da Província (CD, doc. 1839d). A peça não mais foi devolvida à Iguape. Podemos aventar a hipótese de que uma peça de sítio tenha sido mandada para Iguape, a fim de substituir o canhão de campanha. Em ofício datado de 1867 (CD, doc. 1867c), o presidente da Província relata ao ministro da Guerra que o juiz de Iguape havia cogitado o envio de uma peça de ferro, de calibre 26, para a Corte, a fim de ser refundida ou reutilizada como tal. Mas o mais provável é que o juiz de Iguape não entendesse absolutamente nada de artilharia45 e estivesse se referindo ao canhão de Icapara (calibre 12) que naquela época poderia encontrar-se em Iguape. Quanto ao canhão de campanha de Cananéia, pouco pode ser dito. Certo é que ele não foi levado, junto com o de Iguape, para os conflitos no sul: em 1840, por ocasião da maioridade de Pedro II, foram disparadas salvas de artilharia tanto da fortificação da ponta da Trincheira quanto da vila (CD, doc. 1840a), o que indica que a peça ainda estava lá. Já as defesas contra desembarques no subsistema São Sebastião/ Ilhabela eram mais bem organizadas, uma vez que as duas localidades dispunham de fortificações junto a seus portos. 45 Este calibre, 26, parece ter desaparecido (se é que existiu!) bem antes da segunda metade do século 18, datação mínima de fundição da maior parte das peças de artilharia existentes nos dois subsistemas enfocados neste capítulo. 66 4.5 Os pontos fortificados do subsistema São Sebastião/ Ilhabela 4.5.1 São Sebastião: levantamento estrutural do forte de Sepitiba Apresentamos o resultado dos levantamentos do forte de Sepitiba, localizado na ponta da Prainha, elevação situada ao sul da praia da Cigarra. Há que se notar que as designações se confundem. A praia hoje conhecida como da Cigarra, no mapa do IBGE é chamada de praia do Barro. O mesmo ocorre com o forte. Segundo o mapa acima referido, a ponta de Sepituba (outra grafia), situa-se mais ao sul. Entretanto, podemos imaginar que, há 200 anos atrás, toda essa península fosse designada como ponta de Sepitiba. Essa foi uma das fortificações “provisórias” erguidas a partir de 1819 (Almeida, 1946: 11). Segundo dados do brigadeiro Müller (1978: 220), em 1837, nesse forte, em tempos de guerra, deveriam ser destacados 8 artilheiros, o que nos faz crer que o forte poderia ter até 4 canhões46. Figuras 17 e 18 (abaixo): São Sebastião e Ilha Bela. O retângulo em preto delimita a área que está sendo estudada. Fonte (17): Atlas Rodoviário, 2000. Sem escala. Figura 18 46 Na fortificação da ponta da Trincheira, segundo o mesmo levantamento, existiam 12 artilheiros para 6 canhões. A partir desse dado deduzimos o número de canhões existentes no forte de Sepitiba. 67 Figura 19 68 Memorial da elaboração do croqui (fig. 19) Foram utilizadas duas técnicas de medição. Na primeira, estendemos uma trena, a partir do ponto A (um furo na rocha, provavelmente feito para prospecções geológicas) até o ponto que desejávamos medir e depois fizemos o mesmo a partir de B, outro furo nas mesmas condições de A. A distância entre A e B também foi medida. Tal técnica chama-se triangulação e é muito utilizada na arqueologia subaquática. A outra técnica consistiu em determinar azimutes (0, 45, 90 graus, etc.) com uma bússola a partir do ponto A e estender a trena até a extremidade da ruína alcançada pela visada. De posse das medidas, elaboramos o croqui manualmente, originalmente na escala de 1:150, que depois foi reduzido (portanto deve-se ignorar a escala descrita no título do croqui), scaneado e trabalhado em computador. Abaixo poderemos ver algumas fotos dos restos da fortificação. Figura 20: Visão das pedras da muralha principal. Aparentemente não há argamassa unindo-as. PFBC, 1998. 69 Figura 21: Vista da fortificação, a partir da estrada SP-055. PFBC, 1998. Figura 22: Vista da rampa, a partir do muro principal, na saída da trilha para a praia. PFBC, 1998. Figura 23: Vista da ilha de S. Sebastião tomada das ruínas. Na ponta oposta encontrase os vestígios do forte da ponta das Canas. PFBC, 1998. 70 Figura 24: Perspectiva da rampa, de baixo para cima, em direção ao platô. PFBC, 1998. Figura 25: Vista da parte posterior da fortificação. Ao fundo, a SP-055. PFBC, 1998. Figura 26: Foto tirada do reduto traseiro para o muro principal. PFBC, 2000. 71 Figura 27: Detalhe das pedras que formam o reduto posterior, que vigia a praia ao sul da ponta. PFBC, 2000. Figura 28: Foto tirada do reduto posterior para o muro principal. PFBC, 2000. Figura 29: O forte Alexander, em Sebastopol, Criméia. A foto de James Robertson, tirada durante os conflitos da guerra da Criméia (1854-1856) mostra muralhas baixas de pedra encimadas por cestos cheios de entulho, que dariam proteção à guarnição. Muito semelhante a essa configuração deveria ser a do forte de Sepitiba e talvez a das outras fortificações da área (Musée de l’Armée, 1993: 75). 72 4.5.2 Ilhabela: forte de ponta das Canas A fortificação de ponta das Canas fica na ponta rochosa de mesmo nome, situada no extremo norte da ilha de São Sebastião, município de Ilhabela. Não discorreremos longamente sobre ela, porque não foi possível fazer um levantamento de campo de suas estruturas47. Segundo Antonio P. de Almeida (1946: 11), essa fortificação foi planejada ainda no século 18. Não se sabe ao certo qual foi o ritmo das obras mas o mesmo autor coloca que o baluarte não foi terminado, tendo suas obras paralisadas em, provavelmente, 1831 (p.20). No levantamento de 1837 do brigadeiro Müller consta a existência do forte na seção que descreve os equipamentos das localidades (1978: 88). Entretanto a fortificação não está assinalada no “Mapa das guarnições que competem aos pontos fortificados desta Província” (p.219-220), o que nos leva a crer que ele não tinha a menor condição de operar. Pelo que podemos ver através das fotos, seria ela a mais consistente da praça, com muros sólidos de pedra e cal, emoldurando uma espessa camada de terra batida, contrastando bastante com a fortificação da ponta de Sepitiba, a qual não possui muralha de terra batida e seus muros foram levantados com pedra sem aglutinante. Planos ambiciosos que não chegaram a ser concretizados. 47 Agradecemos ao arqueólogo Plácido Cali por ter gentilmente cedido as fotos aqui utilizadas. 73 Figura 30: Aspecto geral da fortificação de ponta das Canas, cujas obras foram paralisadas em 1831. Figura 31: Detalhe da obra de cantaria da muralha da fortificação. Figura 32: Planta do forte de ponta das Canas. 74 Figura 33: Vista de Ilhabela em 1827 por Debret. No detalhe vemos o forte da Vila, hoje destruído. (São Paulo, 1995: 36). 4.6 Os pontos fortificados do subsistema Cananéia/ Iguape Figura 34: Mapa mostrando a localização dos elementos do sistema defensivo da planície costeira Cananéia/ Iguape. 75 4.6.1 Iguape: bateria ou trincheira de Icapara Confrontando os dados obtidos com as prospecções arqueológicas “terrestres” e o levantamento documental escrito, chegamos à conclusão de que o ponto fortificado de Icapara (antecâmara do porto de Iguape) consistia em um canhão de ferro, de sítio, calibre 12, instalado em algum local de seu porto. A seguir veremos alguns detalhes sobre essa “quase” fortificação. A fortificação do município de Iguape foi sempre legada ao segundo plano. A explicação para isso vem do levantamento efetuado em 1819-20 pelo coronel Afonso Furtado de Mendonça (CD, docs. 1819b e 1820b) o qual coloca que todo o município de Iguape era “naturalmente defensável” devido à impossibilidade de ocorrerem desembarques na ilha Comprida. A barra de Icapara, sem contar a do Ribeira e a do Una do Prelado, não são levadas em consideração como pontos de penetração para a região por parecerem inexpugnáveis ao referido militar. Em 1821, um levantamento do então coronel Müller a respeito da quantidade de peças de artilharia distribuídas pelo litoral paulista ressalta a necessidade de levantar-se a fortificação planejada para Cananéia (CD, doc. 1821), mas em momento algum fala da importância de guarnecer-se a barra oposta. De qualquer forma, em 1822, é enviada à Iguape, na mesma embarcação que transportava as peças para Cananéia, uma peça de artilharia, calibre 12, que ficaria assentada próxima à barra do Icapara, (figura 34). Entretanto, nenhum documento indica que esta peça jamais tenha tido um reparo, impossibilitando-a de funcionar. Um ofício de 1823, informa-nos da ida de um carpinteiro do arsenal de Santos à Cananéia para montar a artilharia lá existente (CD, doc. 1823b). Em nenhum momento cita a necessidade dele ir à Iguape. Em 1828, quando houve grandes esforços para fazer funcionar a trincheira da barra de Cananéia, em apenas um momento é mencionada a necessidade de se fazer funcionar o canhão da barra de Icapara. A referida peça é citada por ocasião do roubo de uma embarcação carregada de arroz, ancorada entre Iguape e Icapara e da frustrada – devido ao naufrágio, por encalhe, de uma das embarcações inimigas - invasão de corsários platinos. Um 76 ofício do presidente de São Paulo para o ministro da guerra, datado de 1828 (CD, doc. 1828d), além de pedir a efetiva construção de uma trincheira para a acomodação do canhão, pede que um destacamento com um oficial inferior e oito soldados de primeira linha sejam mandados para Iguape e Cananéia. Entretanto, esse destacamento é enviado apenas para Cananéia (CD, doc. 1828e). A questão da fortificação de Iguape fica em suspenso até a invasão de Laguna, SC, em 1839. A partir dessa data temos outras notícias da peça de Icapara. Em ofício datado de 1839 (CD, doc. 1839c), o delegado de Santos instrui que sejam postas em operação as baterias de Cananéia e de Iguape. Um documento da câmara municipal de Iguape ao presidente da Província, de novembro de 1839, informa que a peça de campanha da vila havia sido enviada para o front meridional e que a peça de Icapara estava “descavalgada”, ou seja, sem reparo (CD, doc. 1839d). Se o canhão de Icapara ficou em condições de funcionar, em 1839, nada podemos dizer. Fato é que uma fortificação, na barra do Icapara, no século 19, nunca existiu, afirmação esta reforçada por ofício enviado pela câmara de Iguape ao ministério da Marinha (CD, doc. 1854), o qual afirma que o governo imperial, naquele momento, não poderia satisfazer a demanda dos habitantes de Iguape pela sinalização da barra de Icapara e pela construção uma “atalaia” na referida barra. Onde ficava o canhão? Existiria alguma evidência material do funcionamento da peça? Teria o canhão permanecido na vila? Tentando sanar essas e outras dúvidas, fomos atrás dos vestígios arqueológicos. Não foram localizados quaisquer restos de estrutura no alto do morro do Bacharel, local onde existia uma vigia e onde imaginávamos que poderia ter sido colocado o canhão, devido ao excelente campo de tiro proporcionado pela elevação. Entretanto, encontrava-se instalado, bem no cume do morro, um farol da Marinha. Aventamos então a hipótese de que ou a fortificação tinha sido destruída pela edificação do farol ou que ela nunca poderia ter sido instalada no alto do morro. 77 Figura 35: O farol do morro do Bacharel, na vila de Icapara, município de Iguape. PFBC, 2000. Chega-se ao cume do morro do Bacharel através de uma trilha que sai da estrada que leva ao bairro pontal de Icapara. São poucos minutos de subida razoavelmente íngreme, se levarmos apenas o peso do corpo. Imaginemos, então, carregar uma peça de 2,5m de comprimento e 1500 kg de massa, aproximadamente. Seriam necessários dias, imensa quantidade de 48 trabalhadores e grande soma de dinheiro . E tudo isso para que? Para ela permanecer sem reparo e incapaz de funcionar por dezenas de anos? A hipótese da trincheira no alto do morro não tinha sustentação. A partir desse e de outros fatos49 pudemos propor que o canhão estaria no mesmo local onde foi desembarcado em 1822 (CD, doc. 1822), nos 48 O documento de 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc. 10) afirma que, para serem transportados os canhões da fortificação da barra de Cananéia por 70 ou 90m, do barranco do pontal até o paiol, um percurso pouco ou nada íngreme, seriam necessários de 30 a 40 mil réis. O ofício de 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc. 78) diz que o serviço ainda não havia sido feito e que custaria de 40 a 50 mil réis. Imaginemos, então, o que não seria transportar um canhão, por centenas de metros, em uma picada de 70m de desnível. 49 Durante as prospecções de março de 2001 localizamos antigos informantes, moradores do bairro pontal de Icapara ou Pontalzinho, situado no sopé do morro do Bacharel, que já haviam fornecido depoimentos, colhidos em 1992 pela prof ª. Scatamacchia, sobre a existência de um “canhão e um fuzil”. A história contada é que um certo “cabo Melo” sabia da localização dos artefatos bélicos em questão. Entretanto, esse cabo já havia morrido há muitos anos, e havia contado as histórias ao pai dos informantes, o qual também já havia falecido há alguns anos. Os informantes, em verdade, nunca puderam confirmar essas histórias, pois nunca haviam localizado as peças, apesar de terem morado, por toda a vida, próximo ao local de onde estaria o canhão. Os habitantes mais antigos da vila de Icapara nem sequer conheciam a história. Na história contada pelo cabo, o canhão e o fuzil poderiam estar em uma fenda na rocha, próximo a uma bica, no pé do morro do Bacharel. Entretanto, ainda segundo um dos informantes que já havia descido fenda abaixo, nada havia sido encontrado. Outro fato que 78 arredores do porto de Icapara. Sem reparo, sua locomoção, mesmo no plano, seria muito difícil, e ele teria lá ficado a espera de uma carreta. Entretanto, existem dois problemas. O primeiro refere-se à localização do porto de Icapara; o segundo, ao possível transporte da peça para a cidade de Iguape. É impossível, levando em conta o conhecimento arqueológico disponível, localizar o porto de 1822, porque toda a vila é um porto – não existe um ponto específico. A vila é uma localidade de pescadores que, até 30 anos atrás, construíam suas casas na beira do mar Pequeno para encostarem suas embarcações de fronte a elas. Dessa forma todas as ruas, caminhos ou picadas que desembocam no mar são, até hoje, conhecidas como “porto de Elói”, “porto de João”, etc. Soma-se isso à dinâmica marinha do local. O canal do mar Pequeno, assim como a barra de Cananéia ou a de Icapara, é meandrante. Na toca do Bugio, por exemplo, temos um sítio arqueológico que em parte está submerso devido à erosão das margens do canal (Rambelli, 1998). Já no Pontal de Icapara, temos uma área que vem sendo assoreada gradativamente. Segundo informações dos moradores, na década de 1960, o bairro ainda era banhado pelo mar. A dinâmica da vila de Icapara, numa rápida análise, parece seguir à do Pontalzinho, tendo o mar distanciado das casas mais antigas gradativamente. Sendo assim, seria necessário localizar primeiro as linhas de costa do início e de meados do século 19, para depois tentarmos localizar os ancoradouros e áreas de desembarque do mesmo período, tarefa para uma tese de doutorado. Mesmo se tudo isso fosse feito, ainda restaria um problema: a possibilidade do canhão ter sido removido da vila. Todos em Iguape conhecem a história do canhão, o qual foi explodido durante as comemorações do quarto centenário da cidade, em 1938. Segundo a história, pedaços da peça foram atirados há centenas de metros de distância (Cananéia, Iguape e Iporanga, 1981/82: 112). Isso só seria possível se a peça fosse de ferro, pois somente a artilharia feita com esse material estilhaça (peças de bronze, por exemplo, racham-se). Em 1822 existiam 2 dois canhões em Iguape: um, de campanha, de bronze, com pequeno calibre, trazido nos primeiros anos do século 19, ficava impossibilitava a colocação da peça de artilharia naquele lugar era a extrema estreiteza da fenda. 79 guardado no quartel da milícia; o outro, uma peça de sítio, calibre 12, confeccionada em ferro, deveria estar assentada em Icapara. O primeiro foi levado de Iguape durante a guerra dos Farrapos e nunca foi devolvido. Já o segundo permaneceu na região, mesmo durante a guerra do Paraguai, pois era inútil para a refundição e pesado demais para ser transportado nos campos de batalha. O que podemos supor é que, assim como alguns canhões foram retirados da barra de Cananéia e levados para a cidade de Cananéia, antes de 1897 (Almeida, 1962: 194) o canhão de Icapara pode ter sido levado para a cidade de Iguape, servindo também como monumento. E, tal como em Cananéia, podem, alguns eufóricos habitantes, ter explodido a peça, fazendo desaparecer, assim, qualquer vestígio material que hoje possa ser estudado. Figura 36: Foto aérea da barra de Icapara e do Ribeira. O ponto vermelho assinala o morro do Bacharel e o ponto amarelo marca o centro da vila de Icapara. Levantamento feito pela CESP, 1981. Escala 1: 100.000. 80 Capítulo 3 Cananéia: fortificação da ponta da Trincheira, um estudo de caso Apesar do subsistema defensivo oitocentista da planície costeira Cananéia/ Iguape ser constituído por diversas formas de defesa integradas (9 vigias nos dois municípios, 2 canhões de campanha nos principais portos, 1 fortificação na barra de Cananéia e 1 “quase” fortificação em Icapara), vamos nos deter na fortificação da ponta da Trincheira. Em primeiro lugar porque ela foi a única que deixou vestígios e em segundo lugar porque existe farta documentação escrita sobre ela, permitindo conjugar várias informações para a construção de um conhecimento mais detalhado sobre a região. Começamos com a apresentação de um quadro histórico voltado para a compreensão dos caminhos que demandavam a região (como objetivo final e como passagem) e de como os poderes centrais estabelecem o controle (ou não) da região. Na seqüência apresentamos uma “escavação virtual”: a partir da documentação escrita (transcrita para o Corpus documental, anexo 1) compomos um quadro de distribuição espacial das construções e da evolução das modificações ambientais. Depois continuamos com a apresentação de um pequeno panorama geomorfológico, incluindo aí os fatores que determinaram as modificações da ponta da Trincheira, vistos através da oceanografia. Mais à frente apresentamos as pesquisas geofísicas e as subaquáticas, conjugação inédita na arqueologia brasileira. Finalmente mostramos algumas das possibilidades para usos e escavações futuras do sítio. 1 Antecedentes históricos da implantação do subsistema defensivo da planície costeira Cananéia/ Iguape: uma longa digressão 81 Para compreender os outros usos das fortificações da planície costeira Cananéia/ Iguape há que se examinar o processo histórico de formação da região através dos padrões de ocupação dela, que são determinados pelas rotas de comércio marítimas e fluviais desde os primórdios da ocupação européia (sem falar nas ocupações bem anteriores aos europeus, as sambaquieiras, desenvolvidas na interface entre a terra firme e as águas). Esse fato parece banal mas geralmente é esquecido pelas pessoas (e mesmo pelos pesquisadores), uma vez que todos perdemos de vista a influência dos transportes marítimos e fluviais no passado, em parte porque, em nossas vidas, eles são diretamente pouco importantes. 1.2 Primórdios (1500-1640) O senso comum coloca a elevação de São Vicente à condição de vila, em 1532, como o marco do início da colonização do litoral de S. Paulo. Entretanto, esse é apenas o momento em que Portugal resolve assumir a posse de suas terras americanas mais austrais, impulsionando a ocupação através do estabelecimento de engenhos de cana-de-açúcar com capital privado. A descrição do cosmógrafo da esquadra de Caboto, Alonso de Santa Cruz, fornece uma interessante descrição de S. Vicente, em 1526, portanto, seis anos antes da elevação da povoação à vila: “Têm os portugueses dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus telhados e uma torre para a defesa contra os índios em caso de necessidade” (Prado Jr., 1966: 142). Como podemos perceber já havia uma ocupação sistemática do lugar antes da ereção do povoado à vila. O que Martim Afonso de Sousa faz é apenas tomar posse de um povoado situado em terras que, pelo tratado de Tordesilhas, eram definitivamente da Coroa. Antes disso a localidade era mais um porto de passagem, constituído por degredados, náufragos, marinheiros, fugitivos e alguns poucos colonos. Além das atividades agrícolas e da interação 82 com o indígena, viviam do fornecimento de serviços aos viajantes50. Muito semelhante à ocupação de S. Vicente deveria ser a ocupação de Cananéia e Iguape. Figura 1: Mapa de autoria de João Teixeira Albernaz, o moço, 1627-1675, denominado “Demonstração da baía de Paranaguá e da barra de Cananéia” (Mapa, 1993: 287). Vemos na figura só o detalhe da região de Cananéia. Tais observações permitem que se avente a hipótese de que essas localidades constituíam portos de passagem, uma espécie de porto de comércio51 inserido na lógica capitalista mercantilista, onde seus habitantes mantinham-se pela prestação de serviços aos aventureiros que iam em busca das mercadorias preciosas da época. Tais localidades não tinham mercados organizados, mas possuíam ancoradouros seguros. E, principalmente, estavam à margem de duas potências da época. Em 1531, Martim Afonso de Sousa desprezou o povoado de Cananéia para a elevação da primeira vila do Brasil, em parte por existir grande número de castelhanos, preferindo instalar-se em área eminentemente de Portugal 50 A localidade conhecida como “porto das Naus”, situada no município de Praia Grande, é tida como um local onde as embarcações, no início da colonização, eram reparadas. 51 Segundo K. Polanyi (1963) - em ensaio que procura sintetizar os vários aspectos dos portos de comércio-, apesar deles terem existido em praticamente todos os continentes e em diferentes épocas, fato este que inviabiliza a definição de um conceito rígido de sua essência, pode-se dizer que sua criação precede o estabelecimento de mercados internacionais competitivos. Teriam eles surgido como instrumentos de “Estados insipientes” para proporcionar a segurança dos mercadores e das cargas, sujeitos, ao longo dos percursos, à pirataria e aos saques, modo de vida aceito e amplamente praticado. Inseridos em realidades onde o poder governamental sobrepunha-se ao poder econômico, as negociações realizadas em seus recintos eram baseadas em preços fixos, evitando-se assim as transações competitivas e reforçando o caráter neutro da localidade. Os habitantes locais, em contrapartida, provinham os portos de serviços e de instrumentos para a negociação, fazendo dessas atividades, e do recolhimento de taxas, as fontes de renda dessas localidades. 83 (Prado Jr., 1966: 139-146). Isso indica que a localidade em questão estava em situação ambiental (bons ancoradouros, terras para cultivo, fontes de água) muito semelhante à de S. Vicente. Outro fator que pode ter levado o navegador a ignorá-la era a existência de um potentado local, o chamado Bacharel de Cananéia. Em relatos de cronistas do século 16 ele aparece como uma figura muito influente a qual todos tinham que recorrer se quisessem prosseguir com seus intuitos. Pode ter parecido a Martim Afonso que o confronto entre os interesses da metrópole, seus interesses e os do Bacharel não levaria a nada. Dessa forma, S. Vicente, a partir daquele momento, começaria a perder seu caráter de porto de passagem, pois seria ela incluída em uma dinâmica de mercado, produzindo açúcar e servindo como entreposto comercial, onde mercadorias européias seriam trocadas pela prata andina. Parecia, àquela época, que o destino das duas localidades do Ribeira seria parecido, só que sob o domínio espanhol, apesar das tentativas dos colonos vicentinos de tomar a região, provocando as escaramuças com Rui Mosquera, por volta de 1535. Em 1541, o governador do Paraguai, o castelhano Cabeza de Vaca, toma posse da povoação quando da sua passagem para Assunção (Prado Jr., 1966: 139-146). Visando consolidar o domínio da rota que tentava ligar o Peru ao Atlântico, em 1547 é concedida uma capitulação a dom Juan de Sanábria para estabelecer povoações na região de São Francisco (SC) e outra na foz do Rio da Prata, o que não foi realizado. Mas, no ano de 1557 é concedida nova capitulação, a qual exigia que Jaime de Rasquin fundasse quatro entrepostos: um em São Francisco (SC), outro na região conhecida como Patos (RS), outra na ilha de São Gabriel (estuário do Prata) e a última em Espírito Santo (Canabrava, 1984: 52-53). Entretanto é só a partir da união das coroas portuguesa e espanhola, em 1580 que os espanhóis vêem à oportunidade de colocar o litoral sul definitivamente sob o seu domínio, cessando a justificativa para qualquer tipo de disputa. Essa parte do litoral era bastante ocupada por súditos de vários reinos europeus, o que reforça a hipótese de haver um baixo controle, tanto lusitano, quanto espanhol, no litoral sul paulista (Stella, 2000: 81-109). Como já foi dito, a ocupação do litoral sul paulista, em meados do século 16, não era decorrente de um só reino. A presença luso-brasileira também é 84 bastante sentida porque o sul paulista, além de ser uma região em litígio entre duas metrópoles européias, era uma zona de expansão para o apresamento de mão de obra escrava indígena, necessária nos engenhos distribuídos pelo litoral da Capitania de São Vicente. As tribos Carijós e Guaranis, habitantes do sul do Brasil, incluso o litoral (IBGE, 1987), foram largamente escravizadas (Monteiro, 1994: 68), uma vez que a preação no litoral norte mostrava-se inviável, pois ele era ocupado por tribos Tamoios, nação de difícil captura (Monteiro, 1994: 37). Outro fator que impulsionava a colonização da região eram as possibilidades de lucrar com o contrabando de prata das minas de Potosí (Canabrava, 1984). É só a partir de fins do século 16, que as vilas de Cananéia e Iguape, passam a envolver-se com a exploração aurífera do vale do Ribeira, principalmente no processo de distribuição da mercadoria e de regulação dos acessos para o sertão: Cananéia aproveitava-se do fluxo de embarcações, o que favoreceu o desenvolvimento de atividades voltadas para a confecção de embarcações e o reparo das mesmas (Almeida, 1965: 465-470); em Iguape (juntamente com Icapara), povoação mais próxima da foz do Ribeira, uma das principais rotas de penetração e escoamento da produção aurífera - cujo início está ainda nas décadas de 1570/ 1580 (Smelian et al., 1995: 59) -, montou-se uma das primeiras fundições de ouro do Brasil52, em meados do século 17 (Demartini, 1997: 30). Dessa forma, a região passou a figurar, por um tempo, como uma região prioritária dentro da exploração colonial, a qual se renovara, junto com a política externa portuguesa, após a Restauração (1640), quando foi reafirmada a tendência, desencadeada desde o século 15, de investir na porção Atlântica de seus domínios (Barata, 2000: 105-126). É importante ressaltar que os imigrantes espanhóis, os quais vieram em quantidades consideráveis para o Brasil, a partir da união entre as duas coroas, não foram expulsos e nem tampouco formaram guetos isolados dos lusobrasileiros. Eles acabaram misturando-se com os outros contingentes populacionais formando a base da sociedade atual (Stella, 2000: 81-109). Tal característica elimina a idéia da formação de uma sociedade composta, no que tange o elemento europeu, exclusivamente por súditos portugueses. 52 Apesar de não se ter a data exata de abertura dessa fundição, pode-se dar como referência a de Paranaguá, a qual foi montada em 1649 (Smelian et al., 1995). 85 1.3 O domínio físico da fronteira marítima centro-meridional (1640-1808) A partir de fins do século 17 há um deslocamento do eixo de interesses da metrópole lusitana em sua maior colônia. Com a separação das Coroas de Portugal e Espanha, surge a necessidade de delimitar os territórios de uma e de outra na América (Prado Jr., 1966: 149). Somando-se a isso, vem a queda da lucratividade da produção canavieira do nordeste, na segunda metade do século 17, e a descoberta de grandes minas de ouro e diamante nas Gerais, a partir de 1680, e no centro-oeste, em 1718, o que faz com que as atenções da metrópole voltem-se para o centro-sul de sua possessão americana, região de convergência da produção aurífera. Novas estradas começam a ser abertas53, melhorias nos caminhos são feitas, casas de fundição são estabelecidas54 e fortificações são construídas55 sendo que o ápice desse plano de estruturação é o deslocamento da capital do Vice-Reino do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763 (Smelian et al., 1995). Mas, entre 1750-1760, a produção aurífera começava a dar mostras de diminuição (Zemella, 1990: 232), o que levou a metrópole a planejar outras formas de obter ganhos de sua maior colônia. Uma das alternativas era incrementar a exploração do comércio do rio da Prata, área muito promissora mas bastante instável. A colônia de Sacramento, fundada em 1680, constantemente mudava de domínio: ora era portuguesa, ora espanhola. Dessa forma, para garantir o domínio português do comércio, havia que se garantir as fronteiras, ainda mal consolidadas, através da colonização e do estabelecimento de forças militares que dispusessem de todo o auxílio possível, com a criação de uma rota de suprimentos e de postos de produção e 53 Rio de Janeiro - S. Paulo (1725), Cuiabá - S. Paulo (1726), S. Paulo - Rio Grande (1727), Cuiabá - Goiás (1736), dos campos de Curitiba ao rio da Prata (1738) (Smelian et al., 1995). 54 Em S. Paulo (1686-1703, 1752, 1765), Taubaté (1695), Santos e Parati (1703), as de MG (funcionando a partir de 1725), Vila Boa de Goiás (1752) (Smelian et al., 1995). 55 Do Calabouço, 1696; da ilha das Cobras e do morro de S. Bento, 1711, no Rio de Janeiro; de S. João e Sto. Inácio, 1726; de N. S. do Monte Santo, 1730, no Espírito Santo; de Sto. Amaro, 1735; do Rio Grande de S. Pedro, 1737, no Rio Grande do Sul; início da fortificação da ilha de Sta. Catarina, 1739, atual Estado de Sta. Catarina; da Estacada, 1743, em Santos (SP) (Smelian et al., 1995). 86 distribuição dos mesmos que interligasse o centro-sul ao sul do Brasil (Bellotto, 1978). É a partir de então que o estímulo à ocupação do sul ganha impulso. Em 1738 é criada a Capitania da Ilha de Sta. Catarina, onde são fundadas diversas fortificações pelo brigadeiro José da Silva Paes. Mas como, segundo o brigadeiro “fortalezas sem gente são como corpo sem alma”, a partir de 1748 começam a chegar os casais açorianos e madeirenses que iriam povoar o litoral de SC e RS (Piazza, 1992: 45-51). Qual foi, pois, o papel da Capitania de São Paulo na consolidação das fronteiras meridionais do Brasil que, até 1737, tinha como povoação mais austral a vila de Laguna? Segundo Heloisa L. Bellotto (1978), é dentro desse contexto geral de defesa do sul e de busca de alternativas para a reativação econômica do sistema colonial que é restaurada, em 1764, a autonomia da Capitania de São Paulo (retirada em 1751). Juntamente com a do Rio de Janeiro, propiciaria recursos para o abastecimento das tropas no sul. Além disso, era ela vista como um terreno selvagem, passível de ser cultivado e domesticado. Para a tarefa do restabelecimento de São Paulo foi escolhido, em 1764, o fidalgo dom Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, que permaneceu no cargo até 1775. Apesar de não ter conseguido realizar todas as tarefas pretendidas, suas decisões alicerçaram o desenvolvimento da Capitania por muitos anos. A fim de lograr êxito em suas tarefas, o Morgado de Mateus tomou uma série de medidas, tais como a melhoria de antigas e a criação de novas povoações, além do incentivo à lavoura, para garantir a fixação da errante população em locais determinados, facilitando o controle e o alistamento, garantindo assim provisões para as lutas do sul. As novas povoações foram estabelecidas ao redor de rotas de deslocamento para o sul, tanto no interior (Lajes, hoje SC, por exemplo) como no litoral (Sabaúma, SP e Guaratuba, hoje PR, por exemplo). Da mesma forma que foram criadas novas povoações ao redor dessas rotas, as antigas, nelas também situadas, foram alvo de atenção. É dentro desse contexto que se inserem Cananéia e Iguape. 87 Com o desinteresse estatal pela produção aurífera do vale do Ribeira, na primeira metade do século 1856, suas vilas assumem novamente um papel secundário dentro da lógica da exploração colonial. No entanto, algumas décadas mais tarde, elas passariam a representar, para D. Luís Antonio e para a metrópole, elos fundamentais na corrente que atrelaria o extremo sul ao centro-sul. Essas vilas, com seus bons ancoradouros, vastas planícies alagadiças (onde o arroz poderia ser cultivado em grande escala) e indústrias voltadas para a construção e reparo de embarcações, poderiam garantir o abastecimento de gêneros para os colonos e as campanhas do sul, além de serem bons pontos de entrada para a serra de Paranapiacaba, rica em minérios57. É dessa maneira que as duas vilas assumem um papel relevante dentro de um sistema colonial, e é nesse ponto que se chega à questão do conflito do modo de vida das localidades com os interesses de Portugal. Figura 2: “Prospeto de Cananea da pte. do porto”. José Custódio de Sá e Faria, 1776 (Reis, 2000: 204) Tem-se, em fins do século 18, uma região que por quase três séculos estivera distante do controle lusitano, e que, a partir daquele momento, teria que ser enquadrada na nova lógica da exploração colonial, o que restringiria as possibilidades de negócios para seus moradores, acostumados a comerciar com quem quer que passasse pela região. Tal processo revelou-se longo e só foi completado em meados do século 19. Paradoxalmente, a metrópole portuguesa continuou necessitando da vocação de ponto de apoio de Cananéia e Iguape, uma vez que a conquista 56 Em 1738 ainda funcionava a casa de fundição em Iguape (Young, 1905: 182-184), mas em 1750 já não há mais notícias de sua operação, pois os mineiros eram obrigados a se deslocar à cidade de São Paulo ou à do Rio de Janeiro para fundir o ouro (Bellotto, 1978). 57 1 ANRJ, Fundos dos Ministérios – da Guerra, IG 149, 1824-1825, 21/03/1825. O ofício menciona a abertura do Valo Grande. Um dos propósitos de sua construção seria o transporte de peças grandes fundidas na fábrica de ferro de Ipanema. 88 definitiva do sul dependia do estabelecimento de rotas que pudessem abastecer tropas e colonos. Fortalecidas com o aumento do fluxo comercial, tais rotas favoreciam o domínio português, mas, ao mesmo tempo, abriam novas frentes para os negociantes das localidades em questão, dando novo alento às características do modo de vida da sociedade do litoral sul da Capitania de S. Paulo. Do ponto de vista defensivo, o plano de restabelecimento da Capitania envolvia também a sua militarização, não só com o recrutamento compulsório, mas também com a reforma de fortificações deterioradas – forte de São João da Bertioga (Bastos et al., 1998; Bava de Camargo, 1998), por exemplo -, bem como a construção de novas - fortaleza da barra de Paranaguá (Bellotto, 1978: 114). Na planície costeira Cananéia/ Iguape, apesar de defesas costeiras serem pleiteadas desde o início do século 18 (Young, 1904: 342-343), é só no governo do Morgado que se planeja a construção de uma fortificação58. Mas, como muito da obra do Morgado de Mateus e do Marquês de Pombal, o plano de fortificação foi abandonado e só foi retomado anos depois, na década de 1820, nos últimos anos do domínio português. 1.4 O fim do Absolutismo: a “nova Corte” lusitana, o Primeiro Império e a Regência O sistema defensivo paulista foi estabelecido num momento bastante peculiar. Desde 1808, não apenas o eixo do sistema colonial estava situado no centro-sul. Todo o staff da metrópole havia se transferido para o centro-sul da América portuguesa, na tentativa de fazer consolidar “um império no Brasil, que deveria servir de baluarte do absolutismo” (Silva Dias, 1972: 169). No entanto, a tradicional ameaça espanhola e a nova ameaça republicana platina faziam-se presentes, servindo de justificativa para o estabelecimento de uma rede de 58 Na ponta do Itacuruçá (Almeida, 1962: 198), na Ilha do Cardoso, defronte à ilha do Bom Abrigo, ancoradouro obrigatório para as embarcações que demandavam a difícil barra de Cananéia. 89 fortificações que salvaguardasse o novo centro do Império Português. Mas seriam os castelhanos um problema maior do que já representavam? Se a ameaça espanhola/ platina esteve presente desde o século 16, porque só no início do século 19, quando a Coroa portuguesa tentava fortemente manter uma velha ordem social que sustentava o Brasil em seu poder, é que foi implantado o sistema defensivo dessa região? Segundo Maria Odila S. Dias (1972: 169-170), “a insegurança das tensões internas, sociais, raciais, da fragmentação, dos regionalismos” fizeram com que os estratos das classes dominantes, embora opositores no que tange as preferências pelo direcionamento político-econômico (liberal ou conservador), buscassem o abrigo na idéia de uma monarquia forte ligada a Portugal, pois não havia condições do aparecimento de uma sociedade nacional brasileira. Uma das formas de proteção desses estratos privilegiados era o investimento em “aparelhamento policial e militar”, muitas vezes sob o pretexto de garantir a segurança desses estratos dominantes frente à imensa massa de despossuídos e escravos ou de defesa da “infiltração de idéias jacobinas pela América espanhola”. E essas justificativas não cessam com a Independência, uma vez que ela não produziu - e nem poderia -, de imediato, uma nova e consolidada nação. É só a partir da Regência (1831-1840) que vemos o quadro mudar, sendo que é só a partir do Ministério da Conciliação (1853-1856) que podemos afirmar que o Brasil ganha corpo e alma. Figura 3: Cananéia em 1815 (Reis, 2000: 204). 90 Os regentes e a intelectualidade luso-brasileira, influenciados pelas idéias liberais pós-revoluções norte-americana e francesa, que só agora encontravam calor para “levantar fervura”, acreditavam que os meios mais eficazes para a manutenção da ordem interna da jovem nação eram os meios de coerção civis e não os militares (Castro, 1979). O controle bélico das fortificações da herança absolutista colonial, da força física material, cedia espaço à eficácia legislativa do novo funcionalismo genuinamente brasileiro, encabeçado pela Assembléia Provincial que, a partir de 1834 (Castro, 1979), passou a subordinar as câmaras municipais, antes detentoras de grande poder. A título de exemplificação, o Morgado de Mateus, em seu governo, freqüentemente desobedeceu a ordens da metrópole porque ele sabia que elas iriam conflitar diretamente com os interesses das câmaras. E, sem o apoio delas, seria praticamente impossível realizar qualquer tarefa. 2 Do melhor local para a instalação da fortificação da barra Pode ser inusitado uma fortificação ser construída em um terreno tão instável e friável quanto o arenoso, numa região onde abundam terrenos rochosos e firmes. Mas a razão da escolha do local onde a fortificação da barra de Cananéia foi levantada não passa só pela procura do terreno ideal. Já em 1767 cogitava-se a construção de uma fortificação na ponta do Itacuruça (CD, doc. 1767). Esse pontal rochoso, bastante sólido, apresenta outra característica: está bem em frente à ilha do Bom Abrigo, excelente ancoradouro para quem demanda a barra de Cananéia (fig. 4). Em 1809 (CD, doc. 1809) volta-se a cogitar a elevação de uma estrutura defensiva mas, como no século anterior, a idéia não se concretiza. Três razões podem ter contribuído para o fato: a relativamente grande distância que separa a ponta da vila, o perigo de se atravessar a barra e a possibilidade dos atacantes evitarem a ilha do Bom Abrigo. O documento 1803a mostra que houve alguma movimentação para o estabelecimento de uma trincheira no morro de S. João, pouco ao sul da vila de Cananéia (fig. 4). Chegou-se a ordenar que duas peças fossem enviadas para Cananéia (CD, doc. 1803b). Mas, segundo um mapa de 1815 (fig. 4), parece 91 que essa idéia de se construir uma fortificação morro acima não foi levada a cabo, porque nada consta na carta. O que provavelmente aconteceu é que uma das peças tenha sido enviada para Cananéia (CD, doc. 1819a) e outra para Iguape. Uma vez que essas peças seguramente eram de campanha, menores e mais leves, optou-se por mantê-las nas guarnições das vilas para diferentes propósitos. Figura 4: Mapa indicando os locais onde foi cogitada a instalação de fortificações e onde foi efetivamente instalada a fortificação da barra de Cananéia (elaborada sobre carta Cananéia, 1:50.000 do Ministério do Exército, 1983). Uma outra possibilidade, aventada em 1838, quando discutia-se o que fazer com os canhões da trincheira, era a de trazer a dita artilharia para a vila 92 para que assim fossem evitados desembarques indesejados (CD, doc. 1838d). Essa seria uma solução bastante racional e realista, mas não foi levada em consideração (fig. 4). Figura 5: vista da ponta da Trincheira, a partir do canal da barra de Cananéia. Foto: F. Calippo (2000). Figura 6: vista dos morrotes do Perequê, na ilha do Cardoso, tirada da baía de Trapandé. Foto: F. Calippo (2002). 93 3 Uma outra bateria? Os documentos 1819b e 1820a dão a impressão de que já havia outra fortificação em Cananéia: o primeiro alega que a “bateria que defende a barra” necessitava de oficial que soubesse manejar artilharia; e o segundo pede bandeiras para as fortalezas de Paranaguá e de Cananéia. Mas, em verdade, eles estão considerando a única peça de campanha para lá transportada após o ano de 1803 (CD, doc. 1803b) como uma fortificação ou ao menos como uma bateria. Ou podemos considerar uma alternativa mais prosaica: que, pelo menos o autor do ofício 1820a estivesse equivocado porque mal informado. 4 A construção: 1822-1825 As primeiras idéias para a construção da fortificação no pontal do Norte da barra de Cananéia, hoje chamado de pontal da Trincheira vieram da inspeção do litoral paulista feita pelo coronel Afonso Furtado de Mendonça no ano de 1819 (CD, docs. 1819b e 1820b). Segundo os documentos que se seguem no Corpus Documental, foram tomadas enérgicas atitudes para a imediata construção da fortificação. Entretanto, foi só a partir de 1822, com a chegada da artilharia à vila que podemos considerar o início da construção, apesar de só ter efetivamente progredido com a chegada do tenente Antonio Mariano dos Santos, em 1824 (CD, doc. 1824b). Só em 1825, sob sua supervisão, é que ficaria pronta a primeira edificação da fortificação da barra de Cananéia (CD, doc. 1825 e fig. 4). E por que instalar a fortificação lá, em um local sujeito à erosão marinha? A primeira resposta é bastante simples: porque era um local estratégico. Todas as embarcações que demandassem Cananéia ou Iguape (a menos que quisessem arriscar-se pela perigosíssima barra de Icapara) teriam que passar em frente ao pontal (fig. 4). Até hoje os barcos, mesmo motorizados, passam bastante próximos à ponta da Trincheira, pois é o trajeto mais curto para atingir-se Cananéia, além de ser uma área onde não há arrebentação. No tempo da navegação à vela, as embarcações também eram obrigadas a passar rentes ao pontal, devido às 94 maiores profundidades. Isso as deixava ainda mais sujeitas aos canhões da fortificação. 5 Reformas e possível reedificação 5.1 Reforma de 1828 No documento 1828a consta que, em 10 dias, foram erguidos um rancho 59 para acomodar o destacamento que iria operar na fortificação, por ocasião da guerra da Cisplatina, e uma outra edificação menor, para servir de paiol. As obras foram executadas em madeira e palha e, segundo o documento 1828e, três meses e meio após a edificação do rancho, a palha que recobria o mesmo já não mais estava íntegra. O mesmo documento coloca ainda que o rancho era todo aberto, e que não oferecia proteção alguma contra as intempéries. Todas as construções haviam sido erguidas aos pés das peças, o que contrasta bastante com a estratégia da reforma de 1834-35. 5.2 Reforma de 1834-35 Nessa reforma foi edificado um telheiro, de pilares de pedra e cal, para acomodar as peças de artilharia, que haviam sido pintadas, tapadas e brocadas, a fim de que se mantivessem protegidas (CD, docs. 1834, 1835 e 1836a). A instalação do telheiro60 deu-se entre 30 e 40 braças (entre 66 e 88 metros) do barranco onde estavam as peças (CD, doc. 1838c). Somando-se este último dado à evidência de que as peças estavam a ponto de cair do barranco, podemos ver que o processo erosivo no local já se fazia evidente para as autoridades da época e que eram tomadas iniciativas para reposicionar a fortificação. 59 Rancho é, segundo Ferreira (1982), uma casa provisória ou uma casa pobre. O telheiro deveria ter mais de 6 metros de comprimento e por volta de 3 metros de largura, para cobrir totalmente as peças (suposições do autor). 60 95 5.3 Reforma ou reedificação de 1839 A reforma de 1834-35 implicava também no transporte das peças para o telheiro. Entretanto, devido à grande massa das mesmas e da distância em que encontrava-se o novo telheiro do barranco, o recolhimento dos canhões não seria tarefa nem fácil, nem barata (CD, docs. 1836a e b; 1837a, 1838a, b e c). Por anos arrastou-se a questão, até que, em 1839, já no segundo semestre, as tropas rebeldes sulistas tomaram a cidade de Laguna, SC. Até aquele momento, o palco da Guerra dos Farrapos estava circunscrito ao interior do RS, pois as tropas imperiais dominavam todos os portos do litoral gaúcho, deixando os rebeldes sem saída para o mar. Numa manobra astuciosa, os Farrapos atravessaram um lanchão, por terra, até atingir mar aberto. Daí seguiram para Laguna, tomaram o porto e fundaram a república Juliana. A partir desse episódio, a integridade do território nacional estaria seriamente ameaçada. Cientes desse problema, as autoridades imperiais empreenderam esforços para manter os rebeldes longe das povoações mais setentrionais, além de impedir a guerra de corso. Daí segue-se o re-aparelhamento da fortaleza dos Prazeres, em Paranaguá (Castro, 1994: 8) e a reforma ou reedificação da trincheira da barra de Cananéia (CD, docs. 1839b, c, f, g e h) que, a partir daquele momento passa a receber, mais freqüentemente, a denominação de “forte”, até com regulamento para auxiliar na abordagem das embarcações (CD, doc. 1839e). 6 A fortificação como prisão (1850) Após a retomada de Laguna, perde-se o interesse pela fortificação. De 1842 até 1846, apenas de um a dois guardas nacionais são destacados para, principalmente, evitar o ataque de vândalos e assaltantes aos equipamentos do forte (docs. 1842, 1845a, 1846b). Em 1846 o destacamento do forte é extinto (doc. 1849). Em 1850 ocorre um fato curioso. É apreendida, nas proximidades de Cananéia, uma embarcação suspeita de traficar escravos. Em seu interior não 96 havia nenhuma identificação de seu armador, bem como de seu porto de saída ou de destino. Mas, alguns dias depois, é capturado um homem negro e encarcerado na “casa da Trincheira da Barra” (doc. 1850a). Dias depois descobre-se que ele era um africano recém capturado, possibilitando associá-lo com o carregamento ilegal da embarcação apreendida (doc. 1850b). O interessante para essa pesquisa é que esse homem foi mantido preso em uma edificação fechada na fortificação da Trincheira, o que indica que as mudanças empreendidas na fortificação entre 1839-1840 foram bastante profundas. Outro fato interessante é que a fortificação, a partir desse momento, definitivamente não teria mais uso militar, servindo para outros propósitos. 7 A fortificação como enfermaria (1855-56) e seu abandono final Em 1855, ela ganha uma função diferente: servir de enfermaria para possíveis doentes de cólera. Devido a uma epidemia que grassava pela Corte, as autoridades sanitárias haviam estabelecido enfermarias por todos os portos para impedir a disseminação da moléstia nas povoações litorâneas. Como a trincheira distava mais ou menos 6 km da vila de Cananéia, pareceu razoável instalar lá um destacamento, além de construir um cômodo para abrigar os contaminados (docs. 1855a, b, c). Mas, já no final de 55 e início de 56, a epidemia parecia controlada. Seguem-se ordens para a desmobilização do pessoal e dos equipamentos, muito embora as autoridades locais fossem contra esse repentino desmantelamento (docs. 1855d, 1856a, b). É interessante notar que, quando a fortificação assume essa função secundária para a qual ela não havia sido planejada, ela volta a ser chamada de “trincheira”, denotando uma perda de importância acentuada. Daí para frente, a fortificação perde totalmente o seu valor funcional (tanto primário, bélico, quanto secundário, barreira sanitária) e simbólico. Em 1863 (doc. 1863), houve um levantamento, bastante objetivo, de todas as fortificações do litoral brasileiro. Na Província de S. Paulo figuram apenas duas, no litoral central. De início imaginamos que o documento tratasse apenas de 97 grandes fortificações. Mas, no Estado do RS, o autor assinala entrincheiramentos e redutos, fortificações singelas, o que comprova que o uso da trincheira ou forte da barra de Cananéia não estava mais em questão. Anos mais tarde, em 1867, já dentro do conflito com o Paraguai, uma série de documentos (1867a, b, c, d) aventa a hipótese do aproveitamento de peças de artilharia de ferro espalhadas pela planície Cananéia/ Iguape. O documento 1867a dá uma idéia do estado ruinoso da antiga trincheira. Mas, pelo menos, a artilharia poderia servir para ser refundida ou utilizada no teatro de guerra, hipótese a qual o documento 1867c sepulta definitivamente. A penúltima menção da fortificação da ponta da Trincheira é feita em livro publicado em 1875 (CD, doc. 1875). A descrição da orientação do litoral sul da Província toma como referência a “fortaleza da barra” ou “bateria da barra” como ela também é chamada. O mais provável é que o autor do trabalho tenha se baseado em alguma descrição feita por morador de Cananéia que ocupava algum cargo na administração pública, porque a fortificação encontrava-se abandonada há muito e já não mais era considerada por pessoas de fora. Servia ela apenas como ponto de referência para algum saudoso morador da região e acabou servindo de ponto de referência para um autor sem conhecimento de sua real situação. Segue-se um silêncio de mais de 20 anos até que se ouça falar novamente na trincheira ou, pelo menos, nos canhões dela (doc. 1897). Só que agora seu uso seria outro. Teriam as peças uma função decorativa e comemorativa, até hoje evidentes na praça Martim Afonso. 8 Elementos específicos da construção 8.1 Da muralha ou cortina A partir da interpretação dos documentos escritos, podemos dizer que a fortificação pode nunca ter tido uma muralha. Embora o documento n.º 1824b discorra sobre o material mais conveniente para a edificação da mesma, os documentos 1837a, 1838a e 1838b relatam que as peças encontravam-se à beira do barranco. Ora, é de se supor, então, que se houvesse alguma 98 muralha, mesmo que de madeira, esta tivesse desmoronado devido ao avanço do mar. Mas em nenhum documento é citada a existência de uma muralha desmoronada ou deteriorada. Pelo contrário. No documento 1839c, as determinações são colocadas no sentido de erguer “cortina de faxina”, ou seja, uma paliçada de madeira ou barricadas com cestos, o que induz a acreditar na inexistência anterior de tal equipamento. Outra evidência é a utilização de diferentes expressões para designar a fortificação. O termo “bateria” é freqüentemente utilizado, de 1819 a 1824, para denominar àquela fortificação. Este termo é geralmente usado para designar um local preparado para receber canhões apontados no mesmo sentido e direção (Fauchere, 1996: 105). Refere-se a um local ou a uma situação, e não às edificações, muito embora ele fosse empregado, algumas vezes, erroneamente. Nesse período podemos dizer, com segurança, que não havia nenhuma muralha na fortificação. Já a termo “trincheira”, usado com maior freqüência de 1825 até 1839, informa-nos que, nesse período, a fortificação ganhou outros equipamentos. Apesar do termo designar uma fortificação efêmera, ele tem um status mais elevado que o termo “bateria”, que designa apenas um local. Entretanto, nada especifica que um componente desse conjunto de equipamentos acrescentados fosse uma cortina. Ele está mais relacionado à elevação de edifícios singelos para abrigar às peças, às carretas ou aos militares. Da mesma forma, temos o termo “forte”, empregado mais amplamente a partir de 1840. Teria a possível reedificação, iniciada em 1839, acrescido um muro à fortificação? Muito provavelmente o uso desse termo esteja associado à construção de uma casa, edificação mais consistente que um rancho, que serviria de quartel e de paiol. Entretanto, essas questões realmente só serão mais bem entendidas com as futuras prospecções arqueológicas nos locais onde foram detectadas anomalias geofísicas. Figura 7: desenho (1765) da muralha do forte Augusto, ou da Estacada, construído em Santos de fronte à fortaleza da barra Grande, no Guarujá (Mapa, 1993: 260). Podemos supor que se a fortificação da ponta da Trincheira tivesse uma muralha, ela fosse assim ou como a mostrada n a fig. 29 do cap. 2. 99 9 Contexto geomorfológico para a implantação e destruição da fortificação da ponta da Trincheira: sobre a terra e o mar O vale do Ribeira constitui-se em um sistema geográfico, delimitado principalmente pelo rio Ribeira de Iguape, maior afluente da bacia hidrográfica de mesmo nome. Ele nasce “na serra das Almas, município de Ponta Grossa, Paraná, em altitude próxima a 1200 m” (Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998: 75), percorrendo 470 km até sua foz natural. É interessante notar que nos 290 km iniciais ele sofre um desnível de aproximadamente 900 m de altitude. Nos 90 km seguintes ele desce mais 90 m e, em Registro, ainda a 70 km de sua desembocadura marítima, fica apenas a 5 m acima do nível do mar (Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998: 75). Tal característica faz com que o baixo vale do Ribeira abranja também os municípios de “serra acima” e não só os implantados nas planícies. Os municípios de “serra acima” (Eldorado - antiga Xiririca -, Registro, Jacupiranga, entre outros) estão intrinsecamente ligados aos municípios litorâneos (Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, este último emancipado de Iguape e Cananéia desde 1991) tanto geográfica, histórica, e arqueologicamente. Esses municípios são mais bem entendidos se tratarmo-los como integrantes da Baixada do Ribeira, uma subdivisão do vale do Ribeira que engloba as terras situadas entre 0 e 100 metros (Petrone, 1966: 19), dentre as quais destacam-se a região estuarino lagunar de Cananéia/ Iguape, as faixas de sedimentação marinha da planície da Juréia, a planície fluvial e os altos terraços do baixo Ribeira, inclusas as colinas sub-litorâneas (Pinto, 1997: 14 in Rambelli, 1998: 74). Vale ressaltar que essa subdivisão dá-se porque a Baixada do Ribeira tem dinâmica climática, morfológica e de ocupação humana bastante singulares, o que possibilita considerá-la em separado (Petrone, 1966: 13-46). Um dos componentes da Baixada é a planície costeira Cananéia/ Iguape, delineada pela linha estrutural de Itatins, onde temos a nordeste o complexo cristalino da serra do Mar e a sudoeste a ilha do Cardoso (Suguio & Tessler, 1992). É sobre esse compartimento geomorfológico que centraremos foco, pois 100 foi nele que se implantou o sistema de defesa que impediria tanto eventuais invasões estrangeiras nas localidades litorâneas quanto a penetração do inimigo pelo interior. Também seria possível um maior controle do fluxo da produção de todo o Vale - tanto aurífera, no início da colonização, quanto agrícola, a partir de fins do século 18 -, fazendo com que ela fosse forçada a se integrar aos interesses da metrópole portuguesa e depois aos do Império Brasileiro. Iguape e Cananéia situam-se nas extremidades da margem esquerda do mar Pequeno, canal marítimo formado pelo continente e a ilha Comprida que se estende de NE (barra de Icapara) a SO (barra de Cananéia) por mais ou menos 74 km. Dessa forma temos duas localidades marítimas, portuárias, protegidas do “mar grosso”. Tal peculiaridade geográfica acabou criando uma relativa facilidade de comunicação entre as cidades61, transformando-as em povoações intrinsecamente conectadas, pois todas as embarcações que demandavam Iguape tinham que passar por Cananéia, a menos que fossem obrigadas a enfrentar os perigos da barra de Icapara. Por isso, a defesa da barra de Cananéia resguardaria também Iguape, uma vez que o melhor caminho para a última localidade dá-se pela barra sudoeste. Mas a margem norte da barra de Cananéia, onde se situa a ponta da Trincheira é um local de constantes mudanças morfológicas. Associando a intensa dinâmica marítima à constituição geológica peculiar do local, composta na maior parte por areia e argila, elementos característicos da Formação Cananéia (Suguio & Tessler, 1992: 14), e aos fatores sociais, tais como a perda do valor militar e simbólico dos baluartes, é que teremos a submersão da fortificação mais importante da região. 61 Relativa facilidade porque, apesar de ser um canal com águas calmas, existem inúmeros obstáculos em seu percurso, o que demanda um certo conhecimento em sua navegação (Carta náutica n º. 1702). 101 Figura 8: Foto mostrando a estratificação da Formação Cananéia na ponta da Trincheira. A primeira camada é de areia e a segunda, mais escura, é de argila muito compacta. Foto: F. Calippo, 2000. Da mesma forma que nos propusemos a levantar os aspectos sociais que levaram à criação e destruição da fortificação, há que se considerar os fatores naturais que levaram a mesma a passar do ambiente emerso ao imerso. Em artigo de 1983, Suguio e Tessler (apud Callipo, 2001: 1-2) colocam que, durante a transgressão holocênica poderia ter-se formado um paleovale, hoje submerso, na área do canal da barra de Cananéia o que garantiria que, até hoje, o referido canal mantivesse profundidades em torno de 20 metros. Apesar da estabilidade estrutural do canal, a interação entre as intensas correntes de maré e a ação local das correntes geradas pela incidência de ondas provenientes de S-SE e E, tem sido responsável pela translação das margens do canal de desembocadura (em relação à linha de costa SO-NE) para NO, resultando em deslocamentos da Ponta do Perigo (ilha do Cardoso) e da Ponta da Trincheira. O deslocamento da Ponta do Perigo é resultado direto do embate das correntes de maré vazante com as correntes de deriva litorânea (principal responsável pelo transporte de sedimentos que ocorre paralelamente à linha de costa) e com as ondas provenientes de S-SE. Neste local, a interação entre esses três mecanismos vem resultando em um bloqueio do transporte realizado pela deriva litorânea, o qual acaba interrompendo o aporte de sedimentos à 102 Ponta do Perigo, comprometendo assim, sua estabilidade morfológica. Com o bloqueio da fonte de sedimentos que estabelecia o equilíbrio dinâmico entre o aporte e a retirada de sedimentos (realizado pelas correntes de deriva), os sedimentos que deviam ser depositados na Ponta do Perigo, passam, cada vez mais, a serem depositados a jusante (E) desta área, contribuindo assim para o deslocamento desta feição para O, à sua retaguarda. Na Ponta da Trincheira, apesar da incidência de ondas S-SE e E que agem sobre a margem norte do canal lagunar de Cananéia, erodindo cada vez a sua face S, é o predomínio das correntes de maré vazante sobre as de enchente o principal responsável pelo contínuo avanço desta feição para O. O contínuo crescimento da Ponta da Trincheira (na forma de um esporão arenoso) é conseqüência direta de processos erosivos e deposicionais decorrente dos agentes hidrodinâmicos que atuam na parte mais interna da margem do Canal da Ilha Comprida, onde a corrente de maré vazante proveniente da Baía de Trapandé encontra-se com a corrente de maré vazante do Mar de Cananéia, antes de fluírem pela desembocadura lagunar (Tessler et al., 1990). Durante a ocorrência de fenômenos metereológicos muito intensos, devido ao grande volume de água retido nos canais lagunares, ocorrem intensas remobilizações dos sedimentos subaquosos desta área, chegando até a romper a porção terminal deste esporão. Tais considerações levam a crer que apesar da intensa remobilização dos sedimentos adjacentes à Ponta da Trincheira, vestígios da fortificação poderiam ainda estar submersos próximos à margem do canal. Isso se torna possível na medida em que a estabilidade geomorfológica da Ponta da Trincheira não é estática, ocorrendo neste local, portanto, um intenso retrabalhamento dos vestígios que ali estivessem. Assim como os sedimentos, os vestígios estariam hora em subsuperfície, hora aflorando sobre o leito ou às margens do canal de desembocadura lagunar ou do Mar de Cananéia. Quanto à possibilidade destes vestígios estarem recobertos por sedimentos transportados pelas massas d’água estuarinas, acredita-se que esta hipótese seja muito pouco provável. Segundo Tessler (2001, com. pes.) a competência das águas do canal como agente transportador é muito baixa para que sedimentos suficientes para recobrir estes vestígios possam ser transportados e depositados sobre o fundo. 103 Então o mais provável é que os restos da trincheira estivessem sob feições arenosas formadas entre a porção mais a SO da lha Comprida e o canal de desembocadura. Entretanto, devido ao intenso equilíbrio dinâmico dos sedimentos nesta área e à falta de evidências que indiquem o preciso local de instalação da trincheira, é difícil precisar o local onde estes restos encontrar-seiam (Calippo, 2002, com. pes.). A partir daí iniciamos prospecções arqueológicas e geofísicas subaquáticas que conjugadas proporcionaram a localização exata de vestígios da fortificação. 10 As primeiras prospecções arqueológicas subaquáticas Com a evolução do levantamento bibliográfico e dos trabalhos de campo, várias informações foram colhidas, influenciando, de diferentes maneiras, as estratégias de intervenção. Outro fator que pesa sobremaneira no desenvolvimento da pesquisa é a melhor compreensão da dinâmica marinha e do clima da região que, por várias vezes, impossibilitaram a realização das pesquisas. Quando o projeto de mestrado desta pesquisa foi elaborado, tínhamos a idéia de que a fortificação da ponta da Trincheira estivesse submersa a até 1km de raio da referida ponta. Optamos pela técnica de prospecção que havia sido utilizada nos sítios abordados pela dissertação de Gilson Rambelli (1998): a partir de um local seco, próximo ao sítio submerso, estendemos um cabo até um ponto qualquer, já dentro do sítio ou na área de maior concentração de vestígios. Dessa linha base, construiríamos triângulos eqüilaterais (fig. 9), os quais permitiriam posicionar os artefatos arqueológicos com precisão, além de possibilitarem uma expansão infinita da extensão da marcação do sítio, se este assim a demandasse. 104 Figura 9: Desenho da elaboração de triângulos eqüilaterais embaixo d’água. A grande vantagem deles é que os triângulos podem ser materializados em águas com pouca visibilidade, por apenas um mergulhador, quantas vezes o tamanho do sítio demandar (Rambelli, 2002). Entretanto, após algumas tentativas, mudamos de tática devido: (1) às correntes, (2) à profundidade, (3) ao tráfego marítimo, (4) à atividade pesqueira, a qual envolve o arrasto de redes que podem enganchar-se em eventuais marcações (estacas) no fundo do mar e (5) à suposta distância do local da fortificação da praia - segundo fontes locais, ela realmente estaria a mais de 300 metros de distância da praia -, resolvemos optar por outra forma de investigação. Deparamo-nos, então, pela primeira vez, com as inóspitas características físicas da barra: pouca visibilidade, fortes correntes e grandes profundidades. Tais fatores forçaram-nos a procurar fontes de informações que pudessem precisar a localização dos vestígios. Tomamos contato, então, com o relato popular, narrado por jovens, adultos e anciãos que dizia que os moradores da ilha Comprida e da ilha do Cardoso, naquele ponto, conseguiam comunicar-se “de boca”, ou seja, que as pessoas da ilha do Cardoso falavam de viva voz com as que estavam na ponta da Trincheira, o que é impossível hoje. 105 Outra informação intrigante foi obtida em conversa com um mergulhador local62: havia ele localizado algum enrosco de rede na parte mais funda do canal. De posse dessas informações orais e de documentação primária escrita, conseguida em arquivos de S. Paulo, Santos e Rio de Janeiro, planejamos os mergulhos da campanha seguinte. Com uma embarcação munida de uma ecosonda63 (fig. 10), começamos a detectar os pontos de maior profundidade do canal da barra que apresentassem anomalias de relevo no visor da sonda, indicando possíveis vestígios afundados. Figura 10: Ecosonda instalada na ponte de comando do barco Tritão. Foto: PFBC, 2000. Colocamos, então, bóias de marcação para realizar prospecções subaquáticas que descrevem movimentos pendulares e circulares (fig. 11), as quais obrigam o mergulhador a girar em torno de um mesmo eixo, a partir de distâncias que vão sendo gradativamente ampliadas. No caso dos três canhões que, segundo relatos da época, foram engolidos pelo mar estarem cobertos pela areia do fundo do canal, utilizou-se um detector de metais por batimento de freqüência próprio para prospecções subaquáticas. 62 O sr. Hélio, pintor de barcos e mergulhador de resgate. Por algumas vezes havia ele mergulhado no canal da barra, contratado por pescadores para desenroscar redes de pesca de “alguma coisa”, segundo suas próprias palavras, que obstruía o fundo do canal. O mergulhador não soube nos explicar o que tal “coisa” era, mas disse que ela está situada da metade do canal para a ilha do Cardoso. 63 Aparelho que transmite um sinal de curto espectro para o fundo marinho o qual, refletido, volta ao aparelho e permite estabelecer um perfil do mesmo fundo (NAS, 2001: 15). 106 Figura 11: Desenho indicativo da forma de realizar as prospecções circulares (Rambelli, 2002). Uma vez mais encontramos dificuldades ambientais. Quanto à sinalização dos pontos nos quais foram detectadas anomalias no solo marinho, ela tornou-se precária uma vez que as bóias lançadas da embarcação não resistiram às fortes correntes ou aos propulsores dos barcos que trafegam pelo canal, sendo levadas para longe. Os mergulhos, então, foram baseados nas leituras feitas por GPS, aparelho que registra as coordenadas de posicionamento de um determinado local através do sinal de satélites, sempre com alguma margem de erro (algumas dezenas de metros), o que, no caso dessa pesquisa é bastante complicado, uma vez que não temos visibilidade embaixo d’água para buscarmos vestígios dispersos ou eventuais pontos de referência. Tendo chegado ao fundo do canal, percebemos outro aspecto da dinâmica marinha do local: na mudança da maré ocorre um descompasso entre as correntes do fundo e de superfície; enquanto as águas de superfície podem estar paradas, as do fundo ainda correm, e vice-versa, forçando o mergulhador a um maior desgaste, e diminuindo o tempo de fundo. Por fim, outro limitador de tempo de fundo é a temperatura da água no outono e no inverno. Se, na superfície da água temos a temperatura de 20ºC, é 107 certo que, aos 20m teremos por volta de 15ºC, o que não chega a ser empecilho para a realização do trabalho, mas demanda um maior consumo de ar. Figura 12: Mergulhadores embarcados prontos para realizar os trabalhos arqueológicos subaquáticos na barra. Foto: G. Rambelli (2000). Levando em consideração todos esses fatores, temos de 20 a 25 minutos de fundo, tempo insignificante para uma prospecção detalhada do fundo marinho, dadas as condições já expostas. Optamos, então, por investir nas leituras geofísicas, as quais otimizariam nossa pesquisa. 11 Os resultados das prospecções geofísicas subaquáticas 11.1 O detector de metais por batimento de freqüência A fortificação da ponta da Trincheira, a obra defensiva de maior importância da planície costeira Cananéia/ Iguape, segundo a documentação escrita primária não passava de uma trincheira, uma fortificação muito simples, sem grandes edificações erguidas para sua operação. Nem sequer podemos dizer que ela tenha possuído uma muralha, por mais efêmera que fosse. Os únicos vestígios seguros dessa fortificação eram seus canhões, no total de 6. Apesar de, em fins do século 19, três deles terem sido transportados para a cidade de Cananéia, três deles permaneceram na ponta da Trincheira, e acabaram submersos, ainda em fins do 19. 108 Dessa maneira dispúnhamos de três artefatos de ferro de pouco mais de 2,5 metros, com massa girando em torno de 1,5 toneladas, que indicariam a localização da fortificação. Apesar do detector de metais por batimento de freqüência (fig. 13) - o tipo de detector comercial, normalmente mostrado pela mídia - ter pouca penetração, contávamos com a experiência adquirida nas outras fases do trabalho de campo além de um grande acúmulo de documentação escrita primária que continuava a ser processada. Figura 13: Esquema do detector de metais do tipo comercial. Através da organização do Corpus documental percebemos que a fortificação da ponta da Trincheira teve várias edificações, seja pela melhoria gradual dos equipamentos, seja para escapar da erosão das margens do canal, que já era bastante conhecida na época. Sendo assim, a fortificação teria sido construída e reconstruída numa área bastante ampla, o que obrigar-nos-ia a prospectar boa porção do fundo marinho, algo ainda em torno de 1km de raio da ponta. Voltamo-nos, então, para uma técnica que já havia sido utilizada, anteriormente: a prospecção em círculos concêntricos (Rambelli, 1998: 55). Só que dessa vez o pêndulo seria efetuado em uma única direção, com o auxílio das correntes marinhas. Com um cabo de 200m fixado em uma estaca na ponta da Trincheira, dois mergulhadores entrariam na água 200m a leste da estaca, nadariam contra a corrente em direção ao meio do canal e retornariam à praia 200m a 109 oeste da estaca, mantendo o cabo firmemente estendido, aproveitando a força da correnteza, descrevendo, assim, um semi-círculo. No trajeto eles teriam a oportunidade de prospectar o solo marinho com o detector de metais (fig. 14). Figura 14: Desenho mostrando a maneira de se proceder a uma varredura pendular sistemática a partir de pontos conhecidos, uma das técnicas empregadas nas prospecções dos vestígios da trincheira (Rambelli, 2002). Tal iniciativa não deu certo pois os mergulhadores não conseguiram vencer a força da correnteza, no trajeto em direção ao meio do canal. Tentamos outra vez, só que agora um barco levaria os mergulhadores, pela superfície, os duzentos metros demarcados pelo cabo até o meio do canal. Quando o último estivesse totalmente esticado, os mergulhadores lançar-seiam e seriam levados novamente à praia num ponto mais distante que o inicial, a oeste da estaca, descrevendo um quarto de círculo. Esse procedimento revelou-se mais adequado, mas, ainda assim, não surtiu os efeitos desejados, pois a volta dos mergulhadores não obedeceu o trajeto definido pelo cabo. Esses eventos, que demandaram demasiada força 110 dos mergulhadores, estimularam-nos a procurar, ainda mais fortemente, os meios geofísicos de prospecção. 11.2 O magnetômetro gradiômetro fluxgate subaquático Para lidar com o ambiente imerso, trabalhamos em conjunto com o Laboratório de Geofísica Aplicada do IAG-USP que, através do prof. Dr. Francisco Y. Hiodo desenvolveu um magnetômetro gradiométrico64 para uso em ambiente subaquático. O magnetômetro tem sido usado, na arqueologia anglo-saxônica, desde a década de 1950, de forma que, hoje, ele faz parte da “caixa de ferramentas” do arqueólogo contemporâneo, poupando tempo e dinheiro (Silliman et al., 2000: 89). Seu uso na arqueologia subaquática remonta a meados da década de 1960 (Arnold III & Clausen, 1975: 26). Na arqueologia brasileira de contextos emersos o uso sistemático é algo bem mais recente, começando nos últimos anos do século passado65. Na arqueologia subaquática brasileira, este é o primeiro trabalho sistemático e científico que envolve a magnetometria. O prof. Hiodo desenvolveu, especialmente para esta pesquisa, que visava a detecção de alvos ferromagnéticos rasos, um magnetômetro fluxgate de núcleo toroidal do tipo gradiométrico, de sensibilidade da ordem de 2nT/m (nano Tesla por metro), adaptado em um “torpedo” estanque com 2 sensores fluxgate na configuração gradiométrica, próprio para a utilização em ambientes subaquáticos, que pode fazer leituras contínuas dos dados tanto no modo analógico como no digital. O detector de metais por batimento de freqüência - que é um tipo manual de magnetômetro, já utilizado pela equipe de arqueologia subaquática - precisa ser arrastado por mergulhadores logo acima da superfície do solo marinho e 64 Equipamento que, segundo o prof. Hiodo, mede o campo gravimétrico de objetos metálicos ferrosos. 65 Trabalhos desenvolvidos pelo prof. Dr. Carlos Mendonça e pela profª. Paula M. A. Britto, do IAG-USP no: sambaquis fluviais de Cajati, SP, 1999; centro de S. Caetano do Sul, SP, 1999; porto do Ribeira, Iguape, SP, 2000; sambaquis fluviais de Miracatu, SP, 2001. 111 pode detectar alvos ferrosos enterrados a mais ou menos 1 metro de profundidade. Já o magnetômetro fluxgate gradiométrico pode realizar medições contínuas arrastado por um barco de pequenas proporções e possui grande poder de penetração, detectando o campo magnético de alvos ferrosos da magnitude equivalente a dos canhões enterrados a até 5 metros de profundidade (fig. 15). Figura 15: gradiômetro desenvolvido pela equipe do prof. Hiodo. Foto: PFBC, 2001. As primeiras leituras com o gradiômetro foram então realizadas. Nos primeiros dias foram efetuados testes e ajustes no aparelho, primeiramente no local da pesquisa (fig. 16); num segundo momento o aparelho foi descido sobre o sítio de naufrágio Cananéia 1, constituído por diversos vestígios de ferro de uma embarcação a vapor do século 19 (Rambelli, 2001). O medidor acusou a presença do campo magnético da massa ferrosa. Tínhamos, então, certeza que o aparelho estava funcionando. Apenas depois dos testes fizemos prospecções sistemáticas da área imersa da ponta da Trincheira, obtendo leituras significativas, resultantes da detecção de campos magnéticos ao longo da parte mais profunda do canal da barra de Cananéia. 112 Figura 16: testes preliminares feitos a partir do barco Tritão do Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Inúmeros problemas logísticos apresentavam-se para a utilização do aparelho. O primeiro deles relaciona-se ao tempo de trabalho disponível. Uma vez que a correnteza é muito forte no canal da barra de Cananéia, geralmente dispomos de, no máximo, 2 horas de trabalho no mar, seja para o mergulho, seja para a navegação de prospecção. Essas 2 horas correspondem ao estofo da maré, momento de inflexão entre a preamar e a baixa-mar. Fora desse curto período, é praticamente impossível estabilizar o barco em uma posição, salvo em alguns dias durante as marés das fases lunares quarto crescente ou quarto minguante, ocasiões em que a amplitude entre a maré alta e a maré baixa não passa de alguns poucos centímetros (Harari & Mesquita: 1999). O posicionamento da embarcação e, por conseqüência, do “torpedo”, também constituíam um intrigante problema a ser sanado. Duas soluções foram aventadas. A primeira delas consistia na utilização de dois DGPSs66 que, combinados, proporcionam precisão milimétrica no posicionamento de um objeto. Em recente trabalho realizado pelo INA, o DGPS forneceu coordenadas com margem de erro de 3m (Arnold III, 1999: 138), margem bastante aceitável. Entretanto, a indisponibilidade desses equipamentos fez com que adotássemos um teodolito com distanciômetro Wild/ Zeiss (alcance de 7 km com precisão de 1 cm) para posicionarmos a embarcação em relação à praia (fig. 17). 66 GPS Diferencial, aparelho que mescla as informações obtidas com o sistema do GPS com as informações obtidas por outro GPS, ou algum outro meio de posicionamento (sinal de radiofarol), ou por tabelas de correção. 113 Uma outra opção de posicionamento é o uso de sinais de rádio. Dois emissores são posicionados em local emerso próximo à área de prospecção, um de cada lado da linha que será seguida pela embarcação de pesquisa. Na dita embarcação é instalado um receptor com duas luzes: uma para a correção do rumo à direita, outra à esquerda. Se a embarcação desviar-se de sua trilha, situada na zona de sombra entre os dois sinais, a interferência fará com que uma das luzes se acenda, obrigando o piloto a corrigir o rumo. Esse tipo de posicionamento, simples e eficiente, foi utilizado nas prospecções do golfo de Galveston, Texas, EUA, no início dos anos 1980 (Arnold III, 1987: 18-47). Apesar de simples, não houve tempo hábil para o desenvolvimento desses aparelhos pelo Laboratório de Geofísica Aplicada. Figura 17: teodolito com distanciômetro, balisa e embarcação alinhadas. Foto: PFBC, 2001. Uma vez solucionado o problema do posicionamento do barco e do “torpedo” na área de prospecção, deparamo-nos com a impossibilidade de arrastar o “torpedo” ligeiramente acima do solo marinho. Como a força desenvolvida pelas embarcações disponíveis era muito grande, o “torpedo”, ao ser puxado, tendia a flutuar na superfície. Para sanar esse problema optamos por fazer as medidas pontualmente: o topógrafo estabelecido na praia determinaria linhas virtuais, perpendiculares às linhas materializadas na praia (que acompanhavam o comprimento da última), em pontos materializados a cada 10 m na linha da praia. A embarcação, então, seguiria no rumo 114 Figura 18 determinado, parando de 10 em 10 m no eixo das linhas virtuais para que o torpedo fosse descido até o fundo do mar. Tal estratégia funcionou, exceto pelo intervalo espacial de uma medição à outra: é praticamente impossível fazer com que o barco pare a distâncias tão regulares como 10, 20, 30...490, 500, 510 m. Sendo assim, contando com a habilidade do barqueiro, foi apenas possível manter o barco nas linhas perpendiculares à praia e as medições foram efetuadas em distâncias aleatórias. Os resultados podem ser vistos na figura 18. Nas 3 linhas que foram percorridas, percebemos anomalias nas partes mais profundas do canal, a mais ou menos 500 m da praia, nas linhas de 70 m e de 80 m, e a mais ou menos 300 m na linha de 90 m. Posteriormente, retornamos à área para novos testes e foram constatadas anomalias, só que agora extensas e não mais pontuais, ao longo do canal, nas águas mais profundas, justamente próximas da área onde foram detectadas as primeiras anomalias, em maio. 115 Arrastando o magnetômetro no fundo marinho, sem balizamento terrestre, localizamos anomalias extensas e tomamos suas coordenadas com o GPS. Mais tarde, viemos a descobrir que as anomalias poderiam ter sido provocadas por naufrágios recentes. Sendo assim necessitávamos de dados mais precisos antes de empreender novos mergulhos. 11.3 O uso do sonar de varredura lateral Como a magnetometria identificou inúmeros alvos em uma área com precárias condições de trabalho, necessitávamos de mais dados, a fim de identificar as formas desses alvos e se eles correspondiam aos canhões ou aos naufrágios recentes. Para este fim utilizamos um consagrado método de prospecção, há décadas presente nas pesquisas arqueológicas subaquáticas. O prof. Dr. Moysés Tessler (IO-USP), muito interessado na problemática levantada, indicou-nos o doutorando Luiz Antonio Pereira de Souza, seu orientando e funcionário do IPT, para que pudéssemos combinar com ele leituras do solo marinho através do sonar de varredura lateral67 (fig. 19). A emissão de pulsos sonoros para a detecção de alvos submersos ou determinação do relevo marinho vem sendo usada desde a Segunda Guerra Mundial. Na arqueologia o uso dessa tecnologia remonta meados da década de 70 do século passado. O sonar de varredura lateral é um aparelho que, através da emissão de pulsos sonoros por um “torpedo” usualmente denominado “peixe”, pode produzir imagens pictóricas do fundo oceânico (uma “foto aérea” da superfície do solo marinho). Com adequadas condições ambientais essas imagens podem ter definição fotográfica, independentemente da visibilidade das águas. Do “peixe” saem os pulsos sonoros, os quais abrangem um comprimento muito pequeno e uma razoável largura. Com a movimentação da embarcação, temos imagens de faixas do fundo marinho. Se houver algum vestígio arqueológico que não esteja enterrado por sedimento, este será detectado pelo aparelho (Edgerton, 1976: 46-47). 67 Em inglês, side scan sonar. 116 Figura 19: esquema de funcionamento do side scan (adaptado de Rambelli, 1998: 60). Apesar dessas leituras já terem sido feitas para alguns trechos da região da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas objetivavam a análise de formações geológicas do fundo marinho, e que, possivelmente não teriam registrado quaisquer sítios arqueológicos submersos. Devido a isso, resolvemos realizar leituras com o sonar de varredura lateral na baía de Trapandé, no mar Pequeno e no canal da barra de Cananéia e obtivemos resultados excepcionais, localizando diversos vestígios submersos, dentre os quais destacamos os canhões afundados, encontrados em áreas distantes do local das leituras com magnetômetro. É importante ressaltar que a localização das coordenadas foi feita com o DGPS, que apresentou precisão de, por vezes, 15 cm, isso graças a uma estação calibradora68 existente na sede do IPT, o que vem a provar que, ao contrário do que foi pensado nas pesquisas com o magnetômetro, é possível utilizar o DGPS em ambiente tão hostil. 68 Que, segundo Luiz A. P. de Souza, é um outro DGPS, só que fixo num mesmo ponto. 117 Figura 20: O “peixe” de metal, pesado e hidrodinâmico. Preso a uma bobina fixada na lateral do barco, ele está prestes a ser lançado e arrastado. Foto: LAPS, 2001. Figura 21: Detalhe do sensor do “peixe”. Foto: LAPS, 2001. Figura 22: O registro do sonar analógico é obtido na hora. Sua impressão obedece ao mesmo princípio que o do fax: a queima de um papel especial. Foto: LAPS, 2001. 118 Figura 23: DGPS ao lado dos comandos do sonar de varredura lateral. Foto: LAPS, 2001. Figura 24: Antena do DGPS. Foto: LAPS, 2001. 12 As últimas prospecções arqueológicas subaquáticas e o início da escavação Em seguida à leitura do sonar de varredura lateral, realizamos alguns mergulhos para tentar encontrar a fonte das anomalias magnéticas e também a fonte das anomalias detectadas pelo sonar. Mais uma vez encontramos as 119 dificuldades características da área e não conseguimos localizar os alvos desejados. Posteriormente, empreendemos o que imaginávamos ser as últimas prospecções arqueológicas subaquáticas para procurar os alvos detectados pelo sonar de varredura lateral, especialmente aqueles que tinham a forma e o tamanho de peças de artilharia, situados todos em águas rasas, onde as cotas de até 6m de profundidade obedecem o contorno oitocentista da margem da ponta sul da ilha Comprida. Alvos mais profundos foram descartados pois, provavelmente, correspondem a naufrágios de diversas épocas, os quais merecem ser investigados por outras pesquisas, específicas. Contrariando a regra, encontramos águas quentes (27oC) com visibilidade em torno de 3 a 5 metros, o que possibilitou prospecções mais longas e mais detalhadas. Nesses mergulhos realizamos buscas em círculos concêntricos com o eixo instalado na âncora da embarcação, que por sua vez era baixada na coordenada geográfica correspondente à detecção da anomalia. No ponto 1, aquele que apresentou a imagem de um objeto com formas e dimensões muito próximas às dos canhões da praça de Cananéia (figs. 39 e 40), conseguimos realizar buscas concêntricas com raio de até 60m. Mas foi durante uma verificação mais detalhada, entre 20 e 30m da âncora que encontramos a única coisa que sobressaía do sedimento arenoso em toda a área prospectada, uma pequena bóia de 5cm de diâmetro, amarrada a um objeto enterrado. Através de escavação manual que, na água, consiste em balançar a palma da mão de um lado para o outro, fazendo com que o turbilhão provocado pelo movimento retire o sedimento, percebemos que a bóia fazia parte de um conjunto de bóias, amarradas a uma rede enganchada em algum objeto, que só poderia ser o canhão, mas que estava recoberto pela areia. Imaginando que seria fácil desenterrar a rede e, conseqüentemente, desenterrar o canhão, improvisamos uma sugadora a ar: um cilindro de mergulho foi levado para o local submerso da rede e conectado a um cano que se projetava para a superfície. A medida em que o ar era injetado no cano, ele só poderia subir; como a pressão diminui na mesma proporção em que diminui a coluna d’água, o volume do ar expande-se enquanto ele dirige-se à superfície. 120 Isso cria um vácuo bastante forte, que aspira o sedimento do local quando colocamos a boca do tubo imersa na área a ser desobstruída. Esse sistema é normalmente utilizado com uma bomba enviando ar da superfície, mas o princípio é o mesmo (fig. 25). Figura 25: Esquema de aspirador a ar. Apesar de termos utilizado uma versão improvisada, o princípio é o mesmo (Rambelli, 2002). Ao término do dia de escavação, descobrimos que a rede era imensa69 e que ela ainda estava muito enterrada, o que exigiria que montássemos a nossa sugadora à água e escavássemos por vários dias, desviando-nos um pouco de nossos objetivos iniciais, que não contemplavam escavações de grandes superfícies. Figura 26: A rede, depois de alguns dias de escavação. Uma pequena bóia levou-nos a encontrá-la. Foto: G. Rambelli, 2002. 69 Ela pode ser uma rede de arrasto, a qual é puxada de um barco, ou pode ser uma rede independente, lançada para seguir com a correnteza estuário adentro, através de bóias que a sustentam na superfície e pesos que fazem com que uma de suas bordas permanecer submersa. Em ambos os casos elas são de grandes proporções. 121 Notemos que a própria rede acentuou um processo natural na área, a saber, o enterramento de objetos que são depositados no solo marinho. A rede, ao ficar presa no objeto, formou uma barreira que acelerou o processo de sedimentação no local. Logo, o provável canhão estaria recoberto por uma imensa quantidade de areia e para chegarmos até ele teríamos que cavar uma área indeterminada a uma profundidade incerta. Ainda assim resolvemos escavar o local. É interessante notar que durante todos os dias alcançamos as coordenadas dos alvos através da navegação com GPS, apesar delas terem sido obtidas com um DGPS. Notamos então que sempre chegávamos exatamente ao mesmo ponto, o que vale dizer que todos os dias ancoramos a uma mesma distância e direção do alvo, concluindo que o grande problema dos GPSs comerciais está na marcação do ponto e não na navegação, o que estabelece novos padrões para a aquisição e utilização desse tipo de equipamento. Na etapa de escavação procedemos da seguinte maneira: atingíamos o ponto e lançávamos âncora; logo, um dos membros da equipe mergulhava e esticava um cabo guia até a área a ser escavada; finalmente era instalado o equipamento de escavação e a primeira dupla começava a trabalhar removendo o sedimento da área, dragando-o para um local afastado alguns metros, sempre a favor da corrente, evitando cobrir novamente o sítio. A sugadora que utilizamos para a remoção do sedimento é impulsionada à água. Um motor à explosão aciona uma bomba d’água (estes ficam na superfície, em um barco destinado para este fim) que injeta a própria água do mar a grandes pressões através de uma mangueira de bombeiro, que por sua vez é conectada a um cano rijo comprido (repousado próximo ao sítio submerso) no qual existe uma saída em Y. Nessa saída é colocado um outro tubo, flexível, o qual é manobrado pela dupla de mergulhadores para a aspiração do fundo marinho. A passagem da água, a grande pressão, no tubo comprido, formará um vácuo no cano flexível (efeito Ventury), efeito esse que provocará a aspiração do sedimento, seu transporte para o cano rijo e a eliminação do mesmo junto com a água (figs. 27, 28, 29 e 30). 122 Figura 27: Esquema geral do aspirador subaquático movido à água (Rambelli, 2002). Figura 28: Detalhe da acoplagem do estágio final da sugadora (Rambelli, 2002). A escavação foi realizada como determinam os fundamentos da arqueologia subaquática adotados internacionalmente, com mergulhos em duplas rigidamente controlados da superfície. 123 A equipe era composta por 5 pessoas. Duas duplas de mergulhadores revezavam-se no trabalho de escavação, enquanto um mergulhador ocupavase da montagem e desmontagem do equipamento. Cada dupla, devido a pouca profundidade e à temperatura da água, podia permanecer mais de uma hora escavando, apesar da correnteza nem sempre moderada. Figuras 29 e 30: Estas fotos mostram os procedimentos durante a escavação. Notemos que o manuseio do flexível exige o mesmo cuidado empregado nas escavações sistemáticas em terra (G. Rambelli, 2002). Embora tenhamos tomado todos os cuidados para não desenterrar o sítio e jogar a areia novamente sobre ele, a própria mudança de maré fazia isso. Esse fenômeno, mais tarde, traria um novo tipo de dificuldade à pesquisa. Com a certeza de estarmos escavando um sedimento recentíssimo, por vezes utilizamos o jato d’água injetado pela bomba diretamente sobre o sítio, tal como é mostrado na figura 31. Figura 31: Esquema do jato d’água usado como escavadeira (Rambelli, 2002). 124 Ao final da etapa de escavação, tendo aberto uma sondagem de mais de 1m de profundidade e 4m2 de área, ainda não havíamos descoberto o canhão. Novas atitudes seriam necessárias e isso exigiria, mais uma vez, a utilização da geofísica. Figuras 32 e 33: Os trabalhos englobam desde a manutenção do funcionamento da moto-bomba até a elaboração de croquis submersos. Fotos: G. Rambelli, 2002. Figura 34: Trabalhos de escavação. Foto: G. Rambelli, 2002. 125 Figura 35: Trabalhos de escavação. Foto: G. Rambelli, 2002. Figura 36: Trabalhos de escavação. Foto: G. Rambelli, 2002. 13 Novamente, o magnetômetro e a confirmação do achado A questão que se colocava era se valia à pena continuar a escavação no ponto 1, uma vez que acreditávamos que a rede estivesse enrolada no canhão, mas ainda faltava respaldo científico. A solução encontrada foi levar o magnetômetro gradiômetro novamente para a área. Passando o magnetômetro sobre as áreas apontadas pelo sonar de varredura lateral, em especial no local onde a rede estava presa, teríamos a 126 certeza de que o canhão encontrar-se-ia enterrado, e poderíamos continuar a escavação. Voltamos à barra de Cananéia com o magnetômetro, prontos para mergulhar e escavar. Já no primeiro mergulho percebemos que teríamos complicadores extras. As águas claras e quentes do verão foram substituídas por águas turvas e um pouco mais frias do outono e o ponto onde a rede estava presa havia sido completamente recoberto pela areia, e não foi localizado pelos mergulhadores. Resolvemos, então, fazer o procedimento inverso: da superfície, colocamos uma bóia sinalizadora no ponto indicado pelo GPS; navegamos até o ponto onde estaria a rede e lançamos outra bóia. Assim tínhamos uma linha de referência e poderíamos passar o magnetômetro sistematicamente para encontrar o alvo onde a rede havia se enroscado. Se detectássemos uma anomalia magnética, teríamos a posição precisa da rede e a confirmação de que ela estaria enrolada no canhão, podendo então escavar em volta da mesma. Figura 37: Do lado esquerdo da foto vemos o morro de São João, limite sul da zona urbana de Cananéia. À direita temos o morrote da i. Comprida. Bem abaixo do último vemos uma das bóias de balizamento. Foto: F. Calippo, 2002. Surgiu um outro problema durante a leitura geofísica. O aparelho deveria ser arrastado no solo marinho na posição vertical, tarefa bastante complicada, pois nem sempre tínhamos a certeza de que ele estava encostado no chão na posição correta. Por diversas vezes o aparelho indicou anomalias magnéticas mas na realidade ele estava sendo arrastado horizontalmente na areia. Outro 127 complicador era a velocidade do barco: mesmo a mínima velocidade deitava o “torpedo” no fundo. A solução encontrada foi trabalhar com as forças da natureza. Em primeiro lugar, como a área a ser prospectada não passava de 7m de profundidade e o alcance do aparelho, levando em conta as dimensões e a massa do canhão, era de 5m, se colocássemos o aparelho à meia água, a 5m abaixo da superfície, ele ficaria na posição vertical e ainda detectaria o canhão se ele estivesse coberto por até 3m de areia, o que já era uma profundidade bastante grande. Figura 38: Trabalhos de leitura com o magnetômetro. Foto: F. Calippo, 2001. Com o aparelho à meia água, restava-nos o problema de como deslocálo sem fazer com que ele flutuasse, pois a resultante do arrasto gerado pelo magnetômetro e seu fio tendia a empurrá-lo para cima. Daí resolvemos utilizar a força das águas a nosso favor: posicionamos o barco a uma certa distância da nossa linha imaginária, de forma que ele ficasse contra a corrente; desligamos o motor e deixamos que a correnteza nos levasse em direção à linha. Dessa forma o barco era naturalmente levado à área desejada, a uma velocidade bastante reduzida e o aparelho permanecia na posição correta. Realizamos essa operação diversas vezes, compondo um grid virtual nas águas próximas à ponta da Trincheira. Por fim localizamos uma forte anomalia magnética justamente no ponto onde estaria localizada a rede. Mergulhamos mas a condição do mar não permitiu mais prospecções subaquáticas e nem escavações e demos por encerrada a última etapa de campo. Estava confirmado que a rede está presa no canhão e que deveríamos escavar aquele ponto. Mas essa operação toma agora proporções que 128 transcendem os objetivos e os meios dessa pesquisa de mestrado. Vejamos o porquê. 14 As intervenções futuras: perspectivas Com a certeza de termos achado, pelo menos, um dos canhões, podemos, finalmente, integrar todos os objetivos dessa pesquisa de mestrado. A pesquisa documental escrita está totalmente integrada ao levantamento documental material, que por sua vez uniu, de forma pioneira, a prospecção arqueológica tradicional, terrestre, com a pesquisa arqueológica subaquática e com as prospecções geofísicas. E nesse último campo devemos ressaltar que avançamos como ninguém antes, no Brasil, porque desenvolvemos, em parceria com outras instituições, equipamentos, técnicas e metodologias inovadoras, especiais para o ambiente subaquático. Ao lado disso temos um corpo teórico bem lastreado que norteou do início ao fim esta pesquisa, fazendo com que trabalhássemos metodologias e técnicas em uníssono, produzindo conhecimento sobre uma área pouco compreendida, o que esperamos deixar mais evidente no próximo capítulo. Apesar disso tudo, podem surgir as perguntas: onde estão os canhões, afinal? Por que eles não foram escavados? Porque não há nenhuma foto dos canhões que estão embaixo d’água? Em primeiro lugar, há que se dizer que o desenrolar das pesquisas levou-nos a uma compreensão bastante grande dos processos de formação dos sítios arqueológicos em barras, de modo que atestamos que a escavação dos canhões submersos da ponta da Trincheira demanda esforços de outro tipo: uma embarcação grande, diversos cilindros e uma numerosa equipe de arqueólogos-mergulhadores trabalhando todo o dia, com ou sem visibilidade, com ou sem correnteza. Ou seja, um trabalho braçal de limpeza, que será realizado num futuro próximo. Em segundo lugar, é necessário que tenhamos em mente que a região que circunda a ponta da Trincheira é um dos locais mais dinâmicos do canal da desembocadura lagunar de Cananéia. Além de estes depósitos estarem sujeitos às conseqüências do encontro das diversas correntes de maré vazante 129 e do impacto direto das ondas que penetram através da barra de Cananéia, a estabilidade deste local depende principalmente das intensas variações sazonais a que estão sujeitos estes processos. Com a mudança das estações e, conseqüentemente, com a alteração dos principais fatores que condicionam a hidrodinâmica local, como por exemplo, o padrão de ondas, a precipitação atmosférica, a intensidade e direção dos ventos, a amplitude das marés metereológicas, etc, a estabilidade morfológica do local se altera. Na prática, isto significa que para um mesmo local nas adjacências da ponta da Trincheira, dependendo da época do ano, fatores como correntes de ondas e marés, taxas de transporte e deposição de sedimentos, profundidades, etc podem variar significativamente (Calippo, 2002, com. pes.). Daí surgem algumas outras questões: escavando o canhão localizado, achando os outros canhões e outros sítios, até, como será gerenciado este patrimônio submerso? Seriam construídas estruturas para assegurar a autodragagem das estruturas? Seriam implantados museus de sítio? Pensando especificamente nos canhões, se não houvesse condições da implantação dos museus de sítio, deveríamos retirá-los de seu repouso centenário? Teríamos condições de conservá-los ad aeterno? Toda a problemática levantada transcende a dissertação de mestrado. Para seus fins, desenterrar os canhões, tirar fotos ou montar circuitos de visitação são coisas dispensáveis e poderíamos dar por encerrada esta questão. Entretanto, para o desenvolvimento da arqueologia subaquática no Brasil e para o próprio desenvolvimento social da região, isso seria indispensável. A mobilização de recursos para a escavação dos canhões seria indubitavelmente utilizada para a evidenciação de outros vestígios arqueológicos (já localizados) presentes no fundo do canal da barra de Cananéia, um canal que, há milhares de anos é utilizado pelos seres humanos para a navegação e para o controle do fluxo da última. Com tudo isso, mais conhecimento seria produzido com o auxílio da arqueologia subaquática e mais e mais mostraríamos que estamos interessados em vestígios materiais de qualquer espécie e não atrás de baús cheios de brumas de tesouros, dentro de fictícias e intactas embarcações rodeadas de seres fantásticos. 130 Essa empreitada justificar-se-ia para o desenvolvimento da região porque colocaria novos paradigmas em discussão. As duas possibilidades, a criação de um museu de sítio e a retirada dos canhões suscitariam, um investimento de idéias: realizar uma ou outra coisa demandaria uma ampla discussão que indefectivelmente teria que caminhar para o desenvolvimento do turismo patrimonial subaquático ou a criação de uma estrutura para a conservação e musealização das peças fora d’água, feito sem precedentes no país. 131 25o5’ Figura 39: Mapa: F. Calippo, 2002. 47o53’ 132 Figura 40: Montagem da seqüência interpretativa dos dados obtidos com as prospecções geofísicas e arqueológicas. 133 Capítulo 4 Comparação entre subsistemas Apesar das fortificações dos subsistemas São Sebastião/ Ilhabela e Cananéia/ Iguape serem da mesma época e classificadas como “provisórias”, percebemos ao longo da pesquisa arqueológica que a edificação e o armamento delas, obedecem a motivações e critérios diferentes. Qual informação levaria a essa consideração? Examinemos o equipamento mais característico dos baluartes, as muralhas. A comparação entre as construções das fortificações dos dois subsistemas só pode ser feita através de documentos escritos para Cananéia/ Iguape e de documentação material no caso de São Sebastião/ Ilhabela. Apesar dessa disparidade entre qualidades de documentos, os resultados são bastante bons. O levantamento de campo de São Sebastião levou-nos à localização de uma das fortificações e os contatos com outros pesquisadores levaram à obtenção de documentação gráfica de algumas fortificações de Ilhabela. Tanto a fortificação em S. Sebastião quanto às de Ilhabela são bastante simples, à exceção da fortificação de ponta das Canas, que seria uma obra “permanente” se não tivesse sua edificação interrompida em 1831. Vamos excluir as fortificações de Ilhabela da comparação70 e tomemos a fortificação de Sepitiba, em S. Sebastião, que foi mais bem estudada. Apesar de suas muralhas estarem bastante deterioradas, podemos perceber que ela é composta por pedras sem qualquer argamassa e que o aterro que absorveria o impacto dos disparos adversários é bastante irregular, não se sabendo a razão dessa última característica. Quanto à fortificação da ponta da Trincheira, apesar de termos localizado durante as prospecções arqueológicas subaquática, seguramente, um dos canhões submersos, não achamos nenhum vestígio de construção do baluarte. 70 Vamos excluir a fortificação da praia da Feiticeira porque suas ruínas foram arrasadas pelo dono do terreno, segundo informações do arqueólogo Plácido Cali. À fortificação de ponta das Canas retornaremos mais para frente. 134 Entretanto, existe farta documentação escrita a respeito dos equipamentos da fortificação e nela não consta que a qualquer momento tenha existido uma muralha fixa para sua defesa. A tendência, então, seria atribuir à fortificação de Sepitiba uma maior solidez, dentro de sua precariedade. Mas isso seria uma atitude precipitada. Na seção referente à evolução das fortificações, dissemos que na época da construção do sistema defensivo paulista, as fortificações primavam pela segurança das guarnições, que passaram a ficar protegidas dos novos projéteis explosivos e incendiários. Perto desses parâmetros, as fortificações de ambos os subsistemas seriam obsoletas. Mas, se pensarmos que elas eram trincheiras, fortins, redutos ou fortes efêmeros, veremos que elas estão mais próximas das obras de cerco (embora as fortificações não fossem voltadas para sitiar e sim para proteger), as trincheiras, obras de rápida execução, do que das inexpugnáveis casamatas que passaram a ser construídas a partir do início do século 19. Logo, para entender as fortificações em questão precisaríamos pensá-las como estruturas desenvolvidas e construídas da noite para o dia, praticamente. Essas obras, apesar de serem pleiteadas ou planejadas, muitas vezes, até cem anos antes, só foram executadas perante a situação de máxima tensão do precário equilíbrio de forças no centro-sul da América do Sul, durante as guerras de independência no Prata e a movimentação da esquadra espanhola ao longo das costas brasileiras (1819-1820). Foi essa situação o principal catalisador para a construção de um cinturão defensivo integrado e não mais para a edificação de defesas que protegessem pontos específicos. Findas as ameaças, as fortificações passaram a servir para outros propósitos, somente voltando a ser alvo das atenções em épocas de guerra. Outro fator que nos ajuda a entender o papel das fortificações na defesa do território é a percepção de que as forças contra as quais elas se defenderiam eram bastante exíguas. A exceção da frota espanhola, nenhuma das armadas platinas ofereceria grande poder de fogo (geralmente eram embarcações pequenas, de comércio, adaptadas para a guerra), o que colocaria as precárias fortificações em vantagem. E se combinarmos o poder de fogo delas com uma pequena força naval de combate, estratégia largamente utilizada no cone sul (Vidigal, 1985: 16), teríamos uma boa defesa. 135 Finalmente chegamos a uma evidência material das muralhas que poderia gerar interpretações errôneas sobre essas precárias obras de defesa. Uma característica desse tipo de construção, a trincheira do século 19, é que ela é composta por barreiras de cestos cheios de terra, areia, pedra, entulho enfim. Devido às condições do meio ambiente na qual encontram-se essas fortificações (ventos, maresia), do registro arqueológico desaparecem os cestos de cipó e só permanece o conteúdo deles. Então, o monte de pedra e entulho que os arqueólogos encontram, muitas vezes representa uma muralha construída às pressas, para um alerta ou um combate, não refletindo uma situação de longa duração, não evidenciando uma fortificação “permanente” como o registro arqueológico levaria a entender. Além de sua deterioração muitas vezes esses cestos eram retirados e só recolocados em situação de beligerância. Dessa forma, podemos dizer que muitas das informações materiais das fortificações foram perdidas porque ou os cestos foram retirados ou eles simplesmente apodreceram, transformando uma efêmera porém organizada muralha em um monte de entulho. E são boas as pistas que nos levam a acreditar que foi isso que aconteceu com aquelas fortificações, uma vez que o documento 1839c do Corpus documental ordena aos comandantes da Guarda Nacional de Iguape e Cananéia que seja levantada “alguma cortina de faxina” nas baterias existentes na região. Vimos que através das muralhas não é possível estabelecer uma diferenciação entre os subsistemas. Passemos então das muralhas para os canhões para tentar compreender as singularidades de um e outro subsistema. Tanto em Cananéia e Iguape quanto em S. Sebastião e Ilhabela encontramos peças de artilharia inglesas de meados do século 18, todas elas do padrão Armstrong. Essas peças foram levadas para essas localidades na segunda década do século 19. Nessa época elas já eram obsoletas – refugo da Marinha e do Exército Inglês. Entretanto, em S. Sebastião e em Ilhabela encontramos peças de artilharia inglesas do padrão Blomefield as quais foram fundidas em 1825 e levadas para lá em 1827, em plena guerra da Cisplatina (1825-1828). Representavam elas a alta tecnologia bélica da época, conjugando produção em massa com eficiência de tiro. A diferença entre o armamento dos dois subsistemas pode ser explicada por três fatores. 136 O primeiro é de caráter geográfico: o canal de São Sebastião é muito mais largo e mais profundo do que o canal da barra de Cananéia. Para que a estratégia de cruzar fogos entre as fortificações de São Sebastião e Ilhabela desse certo (e mesmo assim, minimamente), seriam necessárias peças mais potentes e que pudessem ser levadas ao extremo sem o perigo de explodirem. Já o canal da barra de Cananéia, estreito e com diversos bancos de areia, poderia muito bem ser defendido pelo equilibrado conjunto de obsoletas peças instaladas na ponta da Trincheira (caso elas não explodissem, caso alguém soubesse operá-las, etc). O segundo explica-se pela circulação de mercadorias. O litoral norte, devido a um maior fluxo comercial, tinha maior necessidade de ser controlado/ protegido do que Iguape ou Cananéia. No trabalho do brigadeiro Müller (1978: 228-232), em 1837, o movimento comercial de S. Sebastião, Ilhabela e, principalmente, Ubatuba, que recebiam a produção de café do vale do Paraíba, suplantava em muitas vezes a movimentação de Iguape e Cananéia. O terceiro é o que mais nos interessa. A necessidade de armamento mais eficiente para as “provisórias” fortificações do litoral norte explica-se pela proximidade dessa região com o Rio de Janeiro. O ofício transcrito abaixo, escrito no início da guerra Cisplatina, dá mostras da crescente preocupação que inspirava a praça de São Sebastião (Ilhabela inclusa): “Tendo nesta ocasião ordenado aos governadores dessa Praça, e da Vila de S. Sebastião reforcem as guarnições das Fortalezas e dos Fortes por isso que consta haverem saído do Chile uma Fragata, 2 Corvetas e um Brigue, as quais foram compradas ali pelo Governo de Buenos Aires, com o intento de infestar as Costas deste Império, e que por conseqüência se deveriam tomar todas as medidas de precaução para repelir, e frustrar qualquer tentativa do inimigo, cumpre portanto que V. S. ordene a todos os Comandantes das Companhias do Batalhão do seu Comando, que se conservem prevenidas, e tenham prontas suas Companhias para pegarem em armas, afim de evitarem toda e qualquer surpresa, principalmente na Vila de S. Sebastião, cujas Companhias deverão prestar a todas as ordens do respectivo Governador, bem como V. S. ao dessa Praça. 137 Deus Guarde V. S. Quartel General de S. Paulo, 17 de Outubro de 1826 José da Silva Brandão71 O documento, endereçado à Santos, trata do subsistema de São Sebastião/ Ilhabela com grande ênfase, o que reforça a idéia da implantação consciente de um sistema defensivo no litoral paulista que se integrasse às defesas da costa próximas à Corte, que até a década de 1850 enfrentaria grandes problemas para manter unidas as heterogêneas Províncias de um imenso território. De fato, além do cinturão defensivo da baía de Guanabara, o litoral próximo à cidade do Rio de Janeiro era guarnecido por fortificações em Parati (forte Defensor Perpétuo, reformado em 1822), Angra dos Reis e em Cabo Frio (forte S. Mateus), no atual Estado do Rio de Janeiro. A preocupação em defender a praça onde situava-se a administração da colônia, depois a Corte e posteriormente, a capital da república é uma constante a partir do século 18 que só vai terminar com a transferência da capital para Brasília, na década de 1960. É claro que, a partir do final do século 19, o desenvolvimento das armas acaba por proporcionar outras soluções defensivas que não passam pela construção de fortificações. Mas, na primeira metade do século 19, a preocupação em defender é evidenciada justamente pela construção e equipagem de fortificações. Todas essas considerações são apropriadas para o curto período que vai desde 1819 até 1831 e nos períodos de combates mais encarniçados das guerras e revoltas da primeira metade do século 19. A partir desse período, dentro do contexto militar brasileiro, as prioridades mudam e dá-se mais ênfase à guerra de movimento (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.)72, além de surgir uma marinha de guerra estruturada, com equipamento próprio para o combate. No contexto militar internacional surgem embarcações de guerra cada vez mais poderosas, demandando fortificações cada vez mais sólidas. É durante a guerra 71 AMS-FM, grupo 3: regulamentação geral; série: ofícios; doc. 1/57/6. Além das fortificações precárias serem esquecidas, as obras “permanentes” são fechadas e, as que estavam em construção, tal como a fortificação da ponta das Canas, são abandonadas. Esse “sucateamento” era conseqüência da política adotada pela regência, a partir de 1831, de diminuição do efetivo do exército (Holanda, 1965: 275-278) e da manutenção de poucas fortificações em funcionamento, optando pela guerra de deslocamento e pela ação da Guarda Nacional. 72 138 da Criméia (1854-1856), divisor de águas, que são percebidas as virtudes dos novos encouraçados e das suas novas armas, bem como das desvantagens das baterias e fortificações de terra. E os efeitos da nova forma de guerrear são sentidos rapidamente no Brasil, com os episódios da Questão Cristie, em 1862, quando embarcações de guerra inglesas bombardeiam as fortificações do Rio de Janeiro, demonstrando, indiretamente, que nossas fortificações precisavam ser reformuladas (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.). Apesar das fortificações das áreas em questão serem voltadas, do ponto de vista militar, para sanar problemas bélicos específicos, seus usos não param por aí. No caso da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas assumem diferentes papéis, que vão desde o controle do fluxo de embarcações até o isolamento de doentes de cólera. Vamos adiante examinar os usos atribuídos às fortificações da Planície e como a compreensão desse processo serviu para uma interpretação arqueológica da história da região. Quanto às fortificações de São Sebastião e Ilhabela, seria necessário um outro trabalho para a compreensão dos usos não bélicos das fortificações. A fortificação da ponta da Trincheira nas guerras O funcionamento da fortificação da ponta da Trincheira só trouxe preocupação real por ocasião da guerra Cisplatina (1825-1828) e a revolução Farroupilha (1835-1845), as quais poderiam animar os ímpetos separatistas de uma região pouco acessível ao poder central, como era o caso do vale do Ribeira. A questão da defesa do território, ameaçado de invasão pelas Províncias Unidas do Prata (atual Argentina), durante a guerra Cisplatina, foi organizada da melhor forma possível. No caso da fortificação da ponta da Trincheira, tropas de primeira linha foram enviadas para operar a referida fortificação73 (CD, docs. 1828a e 1828e) e reformas foram realizadas no que se pode chamar de 73 Raramente as companhias milicianas ou da guarda nacional tinham elementos que soubessem manobrar as peças, motivo de queixa de vários ofícios levantados (AMS-FM, cx. 5, doc. 1A/37/6, BN, loc. II-35,26,70). 139 primeira fase da fortificação, que iria de 1824-1825 a 1839 (CD, diversos documentos). Entretanto, o fator mais importante do conflito, a guerra de corso, que ameaçou falir o país, só poderia ser enfrentada eficazmente pela marinha de guerra74. Em todo o litoral brasileiro, até Pernambuco, ocorriam as atividades de corso: certos capitães, que poderiam ser oficiais de armadas européias, eram credenciados para atacar embarcações brasileiras, ficando com parte do saque e dando outra ao governo que lhe autorizara75 (Holanda, 1965: 300-328; Atlas histórico, 1998). Dessa forma a ameaça era mais às embarcações mercantes do que às localidades. Dificilmente o pequeno contingente dos navios corsários arriscar-se-ia em escaramuças em terra firme e desconhecida76. A região tinha papel vital nesse tipo de tática de guerra. Apesar de alguns habitantes ficarem apreensivos com a movimentação dos corsários pela área, é certo que alguns se beneficiavam disso como podemos ver no trecho transcrito: “É um porto de mar [Paranaguá], muito próximo ao inimigo atual, é quase sempre freqüentado de Estrangeiros, tem não pequeno número de Embarcações, e por isso é preciso que haja nele uma vigorosa Polícia, a qual é feita pelas Patrulhas que vigilante rondam de noite e de dia, a fim de promoverem o sossego e a paz que gozam seus moradores fiados em seus guardas” (p.1, 18a. linha). “O grande conhecimento e imensas relações que tem deste Porto os habitantes de Buenos Aires, me dá bastante cuidado para me acautelar, e V. E. mesmo reconhecendo o me 74 Geralmente as embarcações inimigas se esquivavam das fortificações, como ocorreu no caso da tomada de uma lancha carregada de arroz no porto de Iguape em 1828 (CD, docs. 1828a, c e d). Outro exemplo disso é o bombardeamento de uma embarcação mercante nas proximidades da fortaleza da ilha do Mel, próxima à Paranaguá, PR. A guarnição da fortificação, sem poder intervir no combate, devido à distância, só pôde assistir ao evento (AESP, C02375, 05/06/1828). 75 Segundo Leandro Duran (2002: com. pes.), nem sempre os corsários eram obrigados a dar parte do butim para o governo que lhe fornecia a carta de corso porque só o fato do inimigo ser atacado já era vantajoso para o oponente. 76 Quando o faziam, geralmente praticavam atos pontuais de sabotagem, como é o caso da investida ao sítio do Poço, em São Sebastião, em julho de 1827 (Almeida, 1946: 18-19). 140 recomenda, e como o posso eu fazer sem guarnição” (p.2, 4a. linha)77. Saindo da foz do rio da Prata e navegando mais para o norte e a favor do correr do tempo, encontramos outros portos muito ligados ao sul da Província de São Paulo, os portos das Províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Quando irrompe a revolução Farroupilha, em 1835, o mais longo e ameaçador conflito à unidade do Império ocorrido na primeira metade do século 19, ainda não era possível sentir seus impactos no litoral de São Paulo, mas quando os rebeldes tomam Laguna, em 1839, tudo muda de figura. É a partir da tomada do porto de Laguna, SC que as forças navais riograndenses, através das proezas náutico-bélicas de Anita e Giuseppe Garibaldi, conseguem, mesmo que por pouco tempo, uma saída para o mar (Atlas Histórico, 1998: 62-63; Spalding, 1980: 55). Só então é que as autoridades militares de S. Paulo vão empreender reformas consideráveis na fortificação, podendo-se até mesmo aventar a hipótese de que essa fortificação tenha sido inteiramente reconstruída nessa época, sugerindo uma segunda e mais sólida fase, de 1839 a 1856 (CD, diversos documentos). Mais uma vez temos o dúbio papel da região. Apesar da guerra de corso ser novamente aplicada, minando o comércio regular marítimo e a vida das gentes de mar, uma parcela da população beneficiava-se da guerra. Em 16/02/1838, o administrador da Mesa de Diversas Rendas de Cananéia, Fidêncio José Nolasco, escreve ao presidente da Província de São Paulo comunicando o recebimento de aviso imperial sobre a venda de gêneros produzidos na Província aos Farrapos. O administrador escreve que fará forte fiscalização e que não seriam mais repassadas mercadorias para as localidades em conflito 78. Mas pelo visto a determinação do administrador da mesa não foi o suficiente para controlar o fluxo dos rebeldes na região: vários ofícios trocados entre o Presidente da Província e o ministério da Guerra, em 1839, falam da ameaça que os “corsários” representavam às vilas de Iguape e, 77 Ofício enviado pelo Coronel graduado e Comandante Militar João Francisco Bellegarde ao Brigadeiro José da Silva Brandão, referente a diminuição do efetivo da guarnição (AESP, C02374, 20/01/1826). 78 AESP, C00861, pasta 1, doc. 46, 16/02/1838. 141 principalmente, Cananéia. Temia-se, de certa forma ingenuamente, que os rebeldes já houvessem feito contato com terra79. Novamente, a exemplo da guerra Cisplatina, somos levados a crer que as esperanças do governo para deter a guerra de corso e as infiltrações dos rebeldes eram legadas à marinha. Em 1839, a corveta Regeneração já havia perseguido os rebeldes nos mares da Planície. Estes ficavam entre a ponta da Juréia e a barra de Cananéia, escondidos em locais de baixo calado, inadequados à corveta 80. Também em 1839 temos informações de que os comboios escoltados por navios de guerra eram a solução para enfrentar o problema da pilhagem (Young, 1904: 346-347), deixando as fortificações apenas para cuidar de revoltosos realmente abusados. Ainda na parte naval temos a dupla proteção oferecida pela canhoneira Iguape, que baixou ferros no porto de Cananéia em junho de 184281. Dupla proteção porque garantia que os rebeldes se mantivessem afastados da região e ainda controlava um porto de uma Província que encabeçava uma outra rebelião, a chamada Revolução Liberal de 184282. A defesa da região contra ameaças “estrangeiras” era feita através de uma interação entre fortificações e forças navais (embora as últimas tivessem papel mais notável). Mas o controle dos habitantes, de seu modo de vida e do fluxo de mercadorias ficava, até o período Regencial, a cargo das fortificações e de suas guarnições. As embarcações de guerra só se deslocavam para a área em situações de grande ameaça, como no caso narrado acima. Vejamos abaixo como a fortificação da ponta da Trincheira se enquadra nessa situação e como o controle interno se fez presente depois do fim do Primeiro Império. 79 1 ANRJ, Fundos dos Ministérios: da Guerra. IG 150, 1832-1839, Ministério da Guerra - S. Paulo, correspondência do presidente da Província - Rel. - 1A. Documentos 486, 487, 488, 489, 490, 491, 492, 493, 494 e 495 da pasta de 1839. 80 A corveta era comandada por Joaquim Leal Ferreira, capitão de fragata e comandante, o qual pedia um barco de guerra de menor calado. As referências são as mesmas da nota anterior. 81 AESP, C00861, pasta 2, doc. 99, 13/06/1842. 82 É importante ressaltar que a canhoneira chega à Cananéia pouco mais de um mês depois do início da revolução, que havia começado em Sorocaba e atingido Itapetininga e Itapeva da Faxina, localidades próximas ao vale do Ribeira (Atlas Histórico, 1998: 64-65). 142 O controle do fluxo de embarcações: o combate ao “contrabando” A manutenção e consolidação das fronteiras meridionais, a partir de meados do século 18, dependiam do estabelecimento de rotas de comunicação entre o sul e o centro-sul do Estado do Brasil. Tais rotas, ao mesmo tempo em que criaram condições de sustentação do projeto colonial, possibilitaram o intercâmbio comercial entre partes outrora isoladas. O caráter restritivo do comércio permitido pela metrópole e a expansão da capacidade inglesa de produção de bens favoreciam a prática do contrabando e, os grandes centros de distribuição de mercadorias eram justamente as localidades do rio da Prata (Bellotto, 1978). Daí os esforços da coroa portuguesa em regular essa rota. Teria o contrabando sido tão importante para a sociedade colonial brasileira? Pode isso ser mensurável no registro arqueológico? Teriam os comerciantes do litoral sul de São Paulo alguma relação com o contrabando platino? Tudo leva a crer que as respostas às perguntas acima são positivas. A importância do contrabando é bastante grande na vida material e na formação dos vestígios arqueológicos. Quando, em 1785 é decretada a proibição de manufaturas nas colônias portuguesas, tal medida foi mais voltada para coibir o contrabando do que a produção manufatureira, que se resumia a uns poucos teares em Minas Gerais ou na Bahia (Novais, 1966: 145-166). Quanto à importância de objetos outrora contrabandeados em registros arqueológicos, pode ser citado o trabalho de Denise Ognibeni realizado em sítios do RS. Segundo a autora, certos artefatos que só seriam encontrados no Brasil colônia a partir de 1808, com a liberação dos portos das colônias às nações amigas, são encontrados em estratos arqueológicos anteriores a essa data (1997: com. pes.; Anais do IX congresso da SAB, 2000). Apesar da resposta à última pergunta ainda não ser, do ponto de vista do contexto arqueológico do baixo vale do Ribeira, possível, evidências textuais colocam a ilha do Bom Abrigo, situada a SO da entrada da barra de Cananéia, como pólo receptador de atividades comerciais ilícitas. E. Young (1905: 306), transcreve um documento datado de 18/09/1833, enviado para o juiz de paz da vila de Iguape, no qual exige-se que sejam tomadas providências contra o 143 desembarque de escravos africanos na ilha do Bom Abrigo, os quais supostamente seriam contrabandeados para o distrito de Iguape. Também em 1850 deparamo-nos com a apreensão de uma embarcação, que traficava negros africanos, nos arredores de Cananéia (CD, 1850a e b). Tendo sido exposta a situação, podemos dizer que uma das funções do sistema defensivo era coibir qualquer fluxo comercial indesejado, de alguma forma apoiado pela população local, que escapasse ao controle da metrópole, algo muito comum no litoral de São Paulo, mas mais ainda nessa região, tão ligada à foz do rio da Prata. Mas a percepção dessa forma de controle seria mais complexa do que poderíamos imaginar. Como vimos, a fortificação era armada com equipamento obsoleto e mesmo assim este só estava em condições de ser utilizado em épocas de guerra, quando eram enviados soldados que sabiam efetivamente manejar a artilharia que somente nesses períodos era propriamente montada. Então, de que forma dar-se-ia esse controle? Até agora falamos da fortificação como um aparato militar, sua função mais óbvia. Contudo, a partir de agora exploraremos sua função simbólica, que não está absolutamente dissociada da militar, porque ela também faz parte dos jogos de guerra do Antigo Regime. A apresentação das forças armadas no campo de batalha, com reluzentes uniformes e canhões, diversos estandartes e pavilhões, tudo isso encadeado em um balé sincronizado, do qual participavam todos os beligerantes, era considerado parte essencial da “arte da guerra” e “um exército era julgado tanto por sua aparência no campo de batalha como pela perícia e bravura” (Rapoport in Clausewitz, 1979: 13-14). A preocupação com a pompa é notória em vários documentos escritos. Freqüentemente preocupava-se mais com fardas e bandeiras do que com armas (Sousa, 1922: 175-197), e é muito mais fácil encontrar botões do que projéteis em escavações arqueológicas de fortificações paulistas83. De acordo com o que foi exposto acima, poderíamos pensar que a fortificação foi concebida para coibir o comércio ilegal através da ostentação de 83 Entre 1997 e 1998 tive a oportunidade de trabalhar com o material encontrado em escavações da fortaleza da Barra Grande, Guarujá, SP, realizada em 1988 pela prof ª. Scatamacchia. Dentro do universo de vestígios especificamente militares, foram encontrados mais botões do que projéteis. Apesar do fato não estabelecer um padrão, é mais uma pista para ser futuramente investigada. 144 seu perfil imponente, de suas vistosas bandeiras e de seus reluzentes canhões. Mas mais uma vez isso não é tão simples. Se a fortificação se apresentasse de uma forma impecável, apesar de incapaz de dar um tiro, essa hipótese seria plausível. Entretanto era ela uma simples trincheira, ruinosa, largada num lugar praticamente desabitado, onde só existiam pescadores ao redor. A bem da verdade, tanto a eficácia bélica quanto a eficácia simbólica explicariam o papel da fortificação na regulação do fluxo de embarcações. Entretanto, vimos que ambas falham, isso porque a fortificação é um elemento de controle fora da realidade daquele período, colocado lá tardiamente. É um marco físico de longo termo que, num espaço de pouco mais de uma década (de 1819, quando se planeja construir uma fortificação naquele local, até 1831, quando grande parte das fortificações do litoral é desativada) torna-se obsoleto. Dentro do princípio de manutenção de poder no qual está inserida a fortificação, o desacato à ordem monárquica portuguesa era punido com a aniquilação física, possível, em tese, pelo bombardeamento. Esse tipo de castigo, aplicado por barreiras físicas e punições corpóreas, é característico ainda da lógica do Antigo Regime. Com o domínio do modo de produção capitalista, ocidental e contemporâneo, as punições passam a ter conotações mais morais do que físicas. A idéia do poder barroco, monárquico e religioso, emanado diretamente do monarca por sobre o súdito, cede espaço à idéia de que o poder das várias instituições liberais e democráticas, tributárias da pulverização do poder real, pune moralmente. Uma vez que o poder ao qual um cidadão é submetido é também uma emanação da sua própria vontade em constituir esse poder, o maior castigo para ele é ficar excluído do seu papel de indivíduo dentro da sociedade. É claro que o uso da força física não é descartado: ele é utilizado onde a negociação já não é mais possível, como foi o caso da guerra Cisplastina e a dos Farrapos. E o poder físico continuou a ser utilizado, de forma paradigmática, por um embrião de sociedade civil classista 84 que ostentava ser liberal e moderna 85, enquanto a mão de obra escrava predominou. 84 Para uma melhor compreensão do assunto, ver o 4 º. Capítulo de A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes. 85 Para uma maior compreensão do assunto ver: Andrade Lima, Tânia et al. A Tralha Doméstica em Meados do Século XIX: Reflexos da Emergência da Pequena Burguesia do Rio de Janeiro. In Dédalo. São Paulo, Publicação Avulsa, 1989, 1, pp. 205-230. 145 A fortificação da ponta da Trincheira é instalada justamente no momento em que consolida-se essa transição do absolutismo metropolitano para a monarquia constitucional nacional. Apesar dela ter certo peso nos períodos de lutas, seu papel é incerto numa época em que surgem novas formas de garantir o poder e novos marcos dessas novas formas. Isso pode ser vislumbrado no episódio da captura do negro africano em 1850, o qual fica aprisionado na fortificação (CD, docs. 1850a e b). Naquele momento, quando o judiciário86 e o legislativo municipal já tinham papéis definidos no município, conduzindo os assuntos de polícia e de administração local, ainda não existia um imóvel específico para funcionar como casa de câmara e cadeia em Cananéia87. Ainda não havia surgido um marco para a nova forma de poder. Então o imóvel mais apropriado para o aprisionamento daquele homem era a afastada casa da fortificação, um antigo símbolo de poder ao qual dava-se um outro uso. Essa pode parecer uma hipótese apressada, mas ela ainda é respaldada por outros eventos. Entre 1855 e 1856 uma epidemia de cólera assola o Rio de Janeiro (CD, 1855a, b, c e d, 1856a e b). Como conseqüência, todas as localidades portuárias são obrigadas a estabelecer locais de quarentena onde possíveis infectados pudessem permanecer isolados. Como Cananéia não possuía um “lazareto” e nem os locais aventados pelo delegado de polícia ou pela câmara foram aprovados (Almeida, 1963: 209-211), a fortificação da ponta da Trincheira é escolhida para ser o local da quarentena. Outra vez temos uma preocupação nova para a época, a de se tratar convenientemente os infectados por moléstias contagiosas, uma preocupação sanitizadora, mas que não tinha o respaldo material, imóvel (hospital), utilizando-se de um antigo marco de poder esvaziado, que poderia ser utilizado para um fim que certamente o desqualificaria para qualquer outro uso88. 86 As questões de polícia passam a figurar a partir de 1849 (pasta 3, vários); em 1852 é criado o corpo de guardas municipais permanentes (pasta 3 e 4, vários) e nesse mesmo ano surge um regulamento para o uso de instrumentos pérfuro-cortantes (pasta 4, vários). AESP, C00862. 87 AESP, C00862, pasta 5, doc. 48, 08/07/1860. A casa de câmara e cadeia estava quase pronta. Paredes estavam erguidas e cobertas de telhas. 88 Almeida (1963: 210), transcrevendo documento enviado da câmara de Cananéia para o delegado, em 1855, mostra-nos que os locais aventados, pelo delegado, para a quarentena, eram casas ou na i. do Bom Abrigo ou na praia de Ipanema (i. do Cardoso, em mar aberto), localidades extremamente afastadas da vila. O local sugerido pela câmara eram as casas desabitadas nos arredores do Pereirinha, na i. do Cardoso (base do atual IPEC), já dentro da baía de Trapandé e, conseqüentemente, mais próximo da vila. Entretanto sugere ela que as embarcações em quarentena fiquem mais ou menos há uma milha de distância da terra. Com 146 E esse foi seu último uso. Num levantamento sobre as condições das fortificações do litoral brasileiro, feito em 1863, a fortificação da ponta da Trincheira nem ao menos figurava como um local desativado que poderia ser reutilizado (CD, 1863). Então podemos estabelecer um fim para a fortificação entre os anos de 1856 e 1863, justamente o período em que surge um marco físico dos novos poderes (casa de câmara e cadeia). Outro evento que legitima nossa hipótese é a destruição física da fortificação da ponta da Trincheira. É interessante notar que a fortificação não foi simplesmente abandonada e tornou-se ruína. Ela foi destruída pelo mar e seus vestígios saíram das vistas dos habitantes de Cananéia e dos navegantes da área. A barra de Cananéia, a exemplo de outras no litoral brasileiro, não tem margens estáveis89. À época da existência da fortificação, essa variação também ocorria, o que nos levaria a pensar que, para ter sido destruída pelo mar somente a partir da última década do século 19, ela teria sido reformada e/ ou reconstruída, em área mais recuada, algumas vezes. E foi exatamente isso o que aconteceu. O término da primeira construção deu-se em 1825. Apesar de boa parte das fortificações ter sido desativada a partir de 1831 (por uma questão de prioridades do governo), entre 1834 e 1839 algumas das edificações da ponta da Trincheira são reconstruídas em área mais afastada, em parte porque as anteriores estavam arruinadas, mas principalmente porque as peças de artilharia estavam ameaçadas de cair no mar. Em 1839-1840, a fortificação pode ter sido inteiramente reconstruída, o que podemos chamar de segunda fase da mesma. Apesar dos documentos escritos não permitirem definir a distribuição das novas obras, é de se supor que elas contemplaram o avanço do mar. Em 1867, tem-se notícia de que as edificações estavam arruinadas, restando íntegras somente as peças de artilharia. Trinta anos mais tarde, em todas essas precauções para evitar contágios, quem quereria ocupar o imóvel usado pelo lazareto depois de terminada a epidemia? Uma vez que essa epidemia matou quase a metade da população de Cananéia, segundo o mesmo autor, é de se imaginar que tal fato não seria facilmente apagado da memória e que a casa do lazareto seria definitivamente abandonada. 89 Como é o caso da barra de Rio Grande, RS. Flávio R. Calippo relatou que algumas fortificações construídas nas margens da barra de Rio Grande desapareceram porque a variação da posição do canal acabou erodindo as bases das mesmas (2000: com. pes.). 147 1897, apenas uma das peças estava fora da água. Enquanto ela teve uma função dentro do contexto da manutenção da ordem interna, ela foi recuada. Quando ela se esvazia completamente de sentido, ela é ignorada e acaba por ser destruída pelas águas. Dessa maneira, o desaparecimento do forte nunca pode ser considerado apenas natural. Sua destruição foi também social. Mas o teste dessa hipótese, nesse trabalho, não é o objetivo principal. Ela apenas abre as portas para trabalhos futuros que pretenderão, a partir dela, estudar as outras formas de dominação e seus marcos de poder. Abaixo, damos algumas idéias sobre isso. A manutenção do poder na era do liberalismo: uma outra jornada O controle da planície costeira Cananéia/ Iguape é possível através da regulamentação do fluxo das mercadorias produzidas ou comercializadas na região. Se isso é realizado pela presença do poder central, primeiramente lusitano, depois nacional, materializado em um sistema defensivo, poderiam ser novos símbolos do poder o controle do fluxo comercial através de novas linhas de barcos a vapor? Não seriam essas linhas as possibilidades quase que únicas de escoamento de mercadorias, em grande escala, dessa região? Não passavam elas, obrigatoriamente, por Santos e Rio de Janeiro, onde estavam centralizadas as casas comerciais, bancárias e os poderes provincial e monárquico? Esses vapores, embarcações maiores que as que costumavam demandar o porto de Cananéia, passaram a necessitar de estruturas portuárias maiores e mais elaboradas, que obrigaram o deslocamento dos embarcadouros para o mar Pequeno, saindo da foz do rio Olaria e das barrancas do riacho Ipiranga90, hoje canalizado e aterrado, em torno dos quais a cidade cresceu, retirando das entranhas da povoação o fluxo portuário, deixando-o visível e centralizado em estruturas municipais e não mais embarcadouros particulares, que eram às margens das casas dos habitantes. 90 Onde, em suas margens, desenvolveu-se o “porto dos Bugres”, conforme era popularmente chamado, o primitivo conjunto de embarcadouros (Almeida, 1964: 443-444). 148 Podemos também colocar perguntas sobre o período anterior ao estabelecimento do sistema defensivo na região. Como se dava o fluxo das embarcações durante a consolidação das rotas comerciais e das fronteiras meridionais, na segunda metade do século 18 e início do 19? Quais embarcações demandavam o porto de Cananéia? Para que aportavam em Cananéia? O que traziam como mercadoria? O contrabando enviado também para o rio da Prata? Quem participava do comércio? Enfim, como era a realidade de Cananéia dentro de um outro esquema de dominação? Quem, afinal, controlava o que? O estudo de um naufrágio dessa época elucidaria alguns desses aspectos? 149 Considerações finais Os canhões da fortificação da ponta da Trincheira, no final do século 19, foram retirados do local onde permaneciam esquecidos e levados para Cananéia. Como já foi anteriormente dito, isso aconteceu antes de 1897. Em 1895 Cananéia passa de vila à cidade, um fato significativo para àquela localidade. Poderiam os canhões ter sido transportados para o núcleo urbano por ocasião de alguma festividade relativa a tal evento? Mesmo sem ter essa certeza, em 1931 os canhões foram transformados em monumento, dispostos ao lado de um marco comemorativo da passagem de Martim Afonso pela localidade. Foi dado um novo uso às obsoletas peças de artilharia e é esse o intuito final desse e dos outros trabalhos de arqueologia subaquática na região. Chegou a hora de darmos um novo uso ao patrimônio cultural subaquático da planície costeira Cananéia/ Iguape. Temos que incorporar esses velhos marcos de poder novamente à vida das populações locais, só que dando a eles novos usos, a saber o usufruto turístico e educacional dos vestígios submersos in loco, desmistificando a idéia de que esses vestígios têm que ser retirados do fundo do mar para ter essa função, por que o grande chamariz deles é justamente o fato de estarem dentro d’água, integrados a um ambiente tão diferente e fascinante. E assim esses velhos marcos de poder, anteriormente erguidos desenvolvimento da para região controlar, de forma estariam propiciando sustentável, através o livre de suas peculiaridades culturais, outrora vigiadas e reprimidas. Além disso, essa também é uma maneira de divulgarmos que o patrimônio cultural subaquático deve ser tratado com o mesmo cuidado com o qual tratamos o patrimônio cultural emerso: com estudos arqueológicos, históricos, arquitetônicos, musealização, conservação, etc. Um exemplo disso vem da situação dos sambaquis da área: um sambaqui emerso não pode ser depredado porque é um bem arqueológico e leis o protegem. Mas e os sambaquis submersos (existem vários com suas bases submersas na região)? Uma vez que a lei 10.166 só regula resgates (e não arqueologia) de naufrágios, os sambaquis podem ser explorados para virar cal? 150 Figura 1: explicação sobre trabalhos na Trincheira oferecida aos alunos de uma escola de Sete Barras (25/5/01). Foto: PFBC. 151 Anexo 1 Corpus Documental: sistema defensivo da planície Cananéia/ Iguape As referências bibliográficas abaixo referem-se às localizações de postos de parada e fortificações, bem como às edificações, reformas e armamentos das mesmas. Às vezes, não há referências às fortificações ou qualquer dos outros temas correlatos. Entretanto, no caso de alguns documentos, a ausência da referência é uma pista importante. Juntamente com as prospecções arqueológicas, geofísicas e a história oral, ele alicerça o desenvolvimento das pesquisas arqueológicas. ?? 1767 – (DI 67, 1943). Câmara municipal de Cananéia é informada de que os custos para a edificação da fortificação na ponta do Itacuruça, na ilha do Cardoso, ficariam por conta dos habitantes da vila. ?? 1803a 12/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Determinação do conselho de guerra da Capitania de SP. “Cananéia - fazer-se uma trincheira no morro de S. João, na parte que olha para a Barra, e colocar nela duas Peças. No caso de ataque ou desembarque socorrem-se mutuamente as duas Vilas de Iguape e Cananéia: Iguape avisa a Companhia Miliciana de Xiririca para descer a socorrê-las.” (AESP, maço 45 [Tempo Colonial], pasta 2, doc.44 - esta é uma ordem antiga). ?? 1803b 14/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Ordens baseadas nas determinações do conselho de guerra. “O Sargento Mor Engenheiro João da Costa Ferreira, parta imediatamente para a Vila de Santos, e em execução das deliberações tomadas no Conselho de Guerra de doze do presente mês relativo à segurança de 152 defesa desta Capitania fará aprontar como lhe tenho insinuado, Seis Peças de Artilharia com o seu competente Corretame e Palamenta para serem conduzidas sem demora, duas à Vila de Cananéia e quatro a de Paranaguá, pelo Oficial que para isso tenho nomeado”. ?? 30/04/1809 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do ten. c.el João Jácomo de Baumann ao cap. gen. da Capitania de SP, Franca e Horta. “Cheguei à esta Vila ontem à noite pelas seis horas e meia e esta Manhã fui ver a Barra deste Porto, e achei que era muito Necessário fazer-se um pequeno Forte na Ponta chamada Itacuruça - que faz o estreito da dita Barra. Logo que se souber que há alguns Corsários pela Costa, como também na Barra da Ribeira d’Iguape precisa de uma Defesa, aliás poderá com muita facilidade Ser invadido todo este Distrito. Assim achei que era da minha obrigação participar a V. E. para bem do Real Serviço, a fim de se poder regular no caso que Seja preciso. (...)”. ?? 1819a 30/09/1819 (AMS, FM, CX5, 1A/37/6) - Do ten. c.el comandante Januário M. Castro Carmo ao sargento mor B. P. Gouvea. O dito militar precisava de soldados especializados “...no manejo da peça do calibre de 3 que existe nessa Vila [Cananéia] (...)”, a qual deveria ser disparada todos os “Domingos e dias Santos”. ?? 1819b Furtado 05/12/1819 P. 131, n º. 187 (ABN, 74)- “Ofício do c.el. Afonso de Mendonça a João Carlos Augusto Oeynhausen e Gravemburg, governador e capitão general da Capitania de S. Paulo, apresentando o resultado da inspeção de reconhecimento que realizara no litoral de S. Paulo e declarando ter requerido ao ministro Tomás Antonio de Villanova Portugal fossem adotadas urgentes medidas de defesa de seus portos. São Paulo, 05 de dezembro de 1819”. Localização: II-35,26,70. Excerto: P. 3, 18a. linha - “O Major graduado Bento Puppo de Gouvea Comandante das 2 companhias de Iguape, está nas mesmas circunstâncias que o antecedente [velho demais e doente]. 153 A Vila de Cananéia, que é o único ponto defensável que há desde o de Santos, até a de Paranaguá; precisa de um oficial hábil que dirija a força armada, e de um outro de Artilharia para comandar a Bateria, que defende a Barra. Entre os oficiais que se me apresentaram, tanto neste Distrito, como no de Iguape, não achei nenhum com os requisitos necessários, para qualquer dos dois cargos; sendo a defesa destes dois Distritos, reciprocamente dependente pelas razões expostas na Memória que junto a esse ofício. (...)”. ?? 1820a 02/01/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do Mal. Cândido Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao gov. da Capitania. “Havendo nos Armazéns da Vila de Santos mais bandeiras do que as precisa para as Fortalezas daquela Praça, rogo a V. E. a mercê de mandar aplicar duas para as Fortalezas da Barra desta Vila e da de Cananéia”. ?? 1820b 10/01/1820 P. 131, n º. 190 (ABN, 74) - “Ofício do c.el A. F. de Mendonça ao ministro do Império, T. A. de Villanova Portugal, remetendo uma memória dos reconhecimentos militares que fizera na costa de S. Paulo. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1820”. Localização: II-34,24,30. Excerto: P.15 do Anexo - “Distrito de Iguape - A extensão deste Distrito são 28 léguas; 22 desde o Porto do Rio de Una, até a Vila; e 6 da Vila Até ao extremo do Norte do Distrito de Cananéia: todo este Distrito é naturalmente defendido, pelas mesmas razões que tem o Distrito da Conceição [braveza do mar que não deixa desembarcar]. A Vila é muito povoada, e tem algum Comércio; e toda a exportação se faz pela Barra de Cananéia, que dista da Vila de Iguape 12 léguas; podendo Embarcações grandes vir perto da Vila, navegando pelo Mar Pequeno. Há neste Distrito duas Companhias de Artilharia de Milícias, como se vê do Mapa junto. Distrito de Cananéia - Todos os pontos da Costa neste Distrito, que tem 17 léguas de extensão, são por si mesmos defensáveis, a exceção da Barra de Cananéia, que fica fronteira à Baía de Trapandé, na qual desemboca o Mar 154 Pequeno. Esta Barra tem légua e quarto de largo, e 4 a 5 de fundo. Julgou o Engenheiro conveniente, que se fortificasse esta Barra, estabelecendo-se uma Bateria no Pontal do Norte, que defenda o Canal. A Vila da Cananéia é muito pouco povoada, admite 200 homens aboletados, e só é de consideração, pela comunicação que tem com a Vila de Iguape. Tem uma companhia de Milícias, como mostra o Mapa junto. (...)”. ?? 1820c 16/02/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do M.al Cândido Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao governador da Capitania. Solicita a nomeação do “Capitão da 4a. Comp. do 1o. Bat. Do Reg. De Caçadores Manuel Gomes Pereira de Albuquerque, para dirigir o serviço de fortificação da vila de Cananéia, onde já se acham prontos os materiais para a projetada Fortificação”. ?? 1820d 13/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el. D. Pedro Müller ao governador da Capitania. Ofício “acusando o recebimento de uma ordem de S. E. pela qual ficava encarregado da conclusão das Obras Reais da praça de Santos e bem as Fortificações de Cananéia e Paranaguá”. O dito c.el. dirigiu-se “ao Marechal Cândido, pedindo “noções das Baterias de Cananéia, afim de resolver a minha jornada: julgo que aquela está acabada pelas informações que obtive do 1o. Tenente Rofino Felizardo, que quando de lá partiu, pouco faltava para sua conclusão”. ?? 1820e 24/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el Daniel Pedro Müller ao governador da Capitania. Deveria “revistar as fortificações”. Iria prontamente. ?? 1820f 19/04/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor de Cananéia, Alexandre de Souza Guimarães ao capitão general (?). Oficiava que havia se dirigido ao mal. C. X. de Almeida e Souza explicando que as obras da fortificação necessitavam de outro diretor. 155 ?? 06/10/1821 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 207) - “Relação das diferentes Bocas de fogo distribuídas pelas Baterias da Costa desta Província”. Do c.el D. Pedro Müller, do batalhão de engenheiros para o governo da Província. “Depois de referir-se à vilas de Santos, S. Sebastião, Vila Bela e Paranaguá, dando os números de 83 peças e seus calibres... N.B.: Sendo porém da maior necessidade levantar a Bateria que se projetou em Cananéia, para a qual se deve pedir, pelo menos, 6 peças de Calibre 12, deve-se reputar a totalidade das que se [acestão] na Costa de 89 bocas de fogo. (AESP, maço 53 (T.C.), doc. 24)” ?? 02/11/1822 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 208) - Do quartel do governo das armas e praça de Santos para o governador da Província, Joaquim A. Barreto de Camargo. “(...) Estão embarcadas na lancha “S. Vicente” que Segue para Iguape uma peça de Calibre - 12 - para a dita Vila, e seis do dito Calibre para Cananéia, segundo as Ordens antigas que aqui achei, e também cento e quarenta Espingardas para serem entregues aos Capitães Mores para quais estão destinadas, e fico Ciente para a Remessa das duzentas e quarenta clavinas para Paranaguá na primeira ocasião oportuna (...)” ?? 1823a 30/01/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.30) “Il.mo e Ex.mo Senhor Muito meus Senhores. Em cumprimento do Ofício de V. E. e Artigos nele declarados, dos quais respondo a cada um [1 palavra], visto [1 palavra] instrução para o fazer por Mapa como V. E. me determinam. Achava-se em poder de João Jacinto Peniche Capitão de Milícias da Companhia desta Vila, Sessenta Espingardas com suas baionetas, Seiscentos cartuchos embalados porém faltas de Patronas [Boldriês], com mais pertences assim mais uma Peça de Bronze montada, e tudo sem mais munição alguma de Guerra, e porque existem algumas Espingardas em poder do Capitão Mor porém como quase todas desconsertadas por falta de Armeiro, por isso não faço menção de seu número. Acham-se mais seis Peças de Artilharia /de ferro/ desmontadas e faltas de todos os seus 156 pertences, e munições de Guerra. A guarnição em gente consta de duas companhias Milicianas uma desta Vila, e outra de Iguape que se acha nesta destacada sem a [1 palavra] guarnição alguma de Fortalezas, nem Trincheiras assim como nem Armazéns, Hospitais, Quartéis, ou Edifícios algum Militar. Deus Guarde V. E. por muitos anos. Vila de Cananéia 30 de Janeiro 1823 [ao governo da Província] Joaquim José da Costa”. ?? 1823b 01/03/1823 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 205) - De “membros do governo” ao capitão mor de Cananéia. “Da Vila de Santos segue em diligência para a de Cananéia o mestre do Trem Manoel Francisco de Azevedo, para o fim de fazer montar as seis Peças que se acham, na mesma Vila para defenderem aquele Porto: Ordena portanto o Governo Provisório ao Sr. Capitão Mor da Vila, ou quem suas vezes fizer, preste ao dito Mestre todo o auxílio necessário, para que com brevidade possível fiquem as mesmas Peças em estado de serem úteis” (folhas 19 v. e 20, livro 101t). ?? 1823c 08/05/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.28) “Muito meus Senhores. A Ordem de V. E. relativa aos Preparos para montar Artilharia, e Colocá-la no Pontal do Norte desta Barra se acha exatamente cumprida, Restando; somente as providências para no caso preciso se fazer delas o devido uso, o que tudo V. E. provirão. Deus Guarde a V. E. por muitos anos. Vila de Cananéia 8 de Maio 1823. [ao governo da Província] J. J. da Costa”. ?? 1823d 20/08/1823 (AESP, C02374) “Il.mo. e Ex.mo. Senhor Acuso a recepção do ofício que V. E. me dirigiu na data de 24 do mês próximo passado, o qual me foi entregue no dia 15 do corrente mês pela uma hora da tarde, determinando-me V. E. no sobre dito Ofício a já de mandar diminuir um igual número de Milicianos Destacados na Fortaleza da Barra desta Vila, com aquele de Artilharia da 1a. Linha que, por ordem de V. E. deverá marchar da Praça de Santos para a referida Vila, afim de servir de guarnição na mencionada Fortaleza, e pelo prazo de seis meses, devendo o 157 Comandante do mesmo Destacamento inspecionar as Baterias de Cananéia, assim como da parte de V. E. do resultado da sua inspeção logo que o mencionado Destacamento haja de chegar a este Quartel, farei executar as respeitáveis Ordens de V. E.. Deus Guarde V. E. Quartel do Governo da Vila de Paranaguá, 20 de Agosto de 1823.” Observação: o referido destacamento chegou à Paranaguá em 23/08/1823. ?? 1824a 08/05/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor interino Joaquim José da Costa para “membros do governo”. Declarava ter cumprido as ordens “para montar Artilharia e colocá-la no Pontal da Barra, restando somente as providências para no caso preciso de se fazer delas o devido uso”. ?? 1824b 30/09/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962; AESP, C00860) - Do ten. Antonio Mariano dos Santos, comandante militar da vila de Cananéia ao presidente da Província, Lucas Antônio Monteiro de Barros. “Tendo chegado, e tomado entrega do Comando desta Vila, dei imediatamente parte ao Ex.mo. Governador das Armas, assim como de tudo o mais que pareceu necessário, supondo desta maneira ter preenchido o meu dever no que enganei-me, e “né”[é] por isso que agora tenho a honra de dirigir-me diretamente a V. E. Ex.mo. Sr. tendo-me de Ordem de V. E. sido mandado a esta Vila, e construir uma bateria com uma despesa devia ser feita pelo Cap. mor encarregado pela Junta da Fazenda, a qual por não ter, já participou em fins do mês passado a mesma Junta, a qual até o presente não tem dado outras providências pelo que não tenho podido fazer mais que o Conserto do reparo, e uma casa que abrigue do tempo as carretas que não estando Oleadas muito breve se perderiam. Igualmente participo a V. E. que sendo a bateria de madeira é nenhuma a duração e que segundo o seu lugar precisa-se ser constante, a qual sendo da mesma sorte rasa, com paredes de pedra cheia de areia em pouco mais pode montar sua despesa, atendida a duração, a abundância de pedras que há em curta distância e não hei ceder a Cal de 80 réis o alqueire, e mesmo 158 porque deve ser construída em lugar donde alcança o preamar, por ficar assim em menos distância do Canal. Incluso remeto a V. E. o Ofício da Câmara desta Vila, pelo qual Verá V. E. a falta de dinheiro e mesmo de providências a este respeito, as quais são muito necessárias principalmente nesta Vila, na qual se necessita ainda que seja uma muito pequena guarnição por estar muito próxima à barra, e ser necessário para acompanhar as Recrutas e outros casos em que se tornam indispensáveis visto que durante a semana fica despovoada de pessoas que com prontidão possam suprir estas faltas, além de haver neste distrito quatro postos de parada em distância de 20 tantas léguas, cujas canoas até agora têm sido dos mesmos paradeiros; pelos quais e por si mesmos nada se lhes dá, sendo mais necessário uma grande que por vezes tenho pedido pelo que rogo a V. E. determinações positivas porque minha vontade é em tudo obedecer as determinações de V. E. como até agora tenho feito suprindo a minha custa algumas coisas para não constranger ao povo e poder conservar entre todos a união e a boa Ordem, (...)”. ?? 1824c 28/10/1824 (AESP, C00860) - Do ten. A. M. dos Santos ao presidente da Província Faz uma lista com os tipos das madeiras utilizadas em Cananéia para construção, bem como a quantidade de trabalhadores (carpinteiros e calafates) e os respectivos ordenados. Não especifica qual obra está sendo feita. ?? 06/01/1825 (AESP, C00860, pasta 1, doc.38) “Ex.mo Sr. Dou parte a V. E. que as Carretas construídas neste lugar por Manoel Francisco, Mestre do Trem da Praça de Santos, se não pode chegar em bateria sem grande perigo, e mesmo muito trabalho por não terem colocados os munhões em seu lugar, Resultando deste considerável defeito tombarem-se as mesmas para frente, motivado pela falta de equilíbrio, o que se pode reparar mudando seis, ou oito polegadas as duas primeiras todas para frente sem o que elas se tornam inúteis pelo erro que nisto teve o seu construtor; e não podendo eu reparar este defeito por falta do 159 necessário [1 palavra] a V. E. assim como de ter comprado alguns alqueires de farinha para distribuir pelos trabalhadores da Trincheira a Razão de seis décimos por semana, a qual me não foi possível obter gratuitamente de pessoa alguma, e como sem este gênero se não podia continuar a dita obra que espero ver concluída até o fim do corrente Mês, pelo que peço a Aprovação de V. E. relativa ante meu procedimento, sem o qual sofrerei além [1 palavra] prejuízo que daqui me pode relatar. D. G. a V. E. por muitos Anos. Cananéia, 6 de Janeiro de 1825 Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província de S. Paulo Lucas Antonio Monteiro de Barros Antonio Mariano dos Santos, Ten. Com. Militar” ?? 1828a 12/04/1828 (AESP, C00860, pasta 4, doc.62a) - Série de ofícios enviados pelo chefe de divisão Paulo Freire de Andrade ao presidente da Província, Thomas Xavier Garcia de Almeida. Linha 12 - “Há quatro para cinco anos, que se mandou, para a barra desta Vila, Bala, Pólvora, Seis boas Peças de artilharia de Calibre 12, fizeramse carretas para elas, e uma Trincheira no que tudo gastou o Governo, uns poucos de centos de mil réis, e para que fim? Foi sem dúvida, para a defesa do porto, e das Vilas. O Tenente Antonio Mariano enquanto aqui esteve, tinha o forte preparado, disciplinada a Companhia de Milícias, fez muitas obras úteis, todos aqui o louvam; apenas ele se foi, ficou tudo em um total desleixo, as carretas sem ter uma pintura d’Óleo, nem ao menos de alcatrão, que as preservassem do risco do tempo; o Forte arruinando-se pelas Ervas, que nele crescia, e as Peças abandonadas, servindo tão somente de motivo de risadas, à Guarnição de um corsário, que sabendo, não ter ali Guarnição, mandou uma lancha buscar uma sumaca, que muito acima do Forte estava fundeada; sucedeu isto a pouco tempo. Como V. E. me pediu, que visto andar em Comissão, por esta Costa, o informasse das coisas de urgência, a que se deviam dar providências, e sabendo, que chegando ao conhecimento de V. E., a precisão que havia, de conservar este tão útil, como necessário Forte, daria sem dúvida providências; [1 palavra] por na presença de V. E. este triste quadro: lembrei-me depois, que as ordens são aqui muito morosamente 160 executadas, e que quando se manda fazer qualquer obra, ou reparo, excede a despesa, ao verdadeiro custo, resolvi-me pois, nos dias, em que minha Comissão, exigiu demorar nesta Vila; fazer eu mesmo, o que V. E. mandaria se viesse: Mandei por as seis Peças em estado de poderem fazer fogo; dar nas carretas com alcatrão, e Almagre; limpar o Forte; fazer um rancho, para abrigar um pequeno Destacamento, e próximo outro mais pequeno, para Pólvora, e pertences à Artilharia, tudo ali ao pé das Peças; o que se fez em dez dias: o Forte é distante da Vila uma légua, e precisa-se atravessar o rio de Cananéia, para vir à Vila, e por isso tudo deve estar no Forte. (...)” Observações: Em 03/04 já estava o forte em condições de enfrentar corsários que ameaçaram adentrar na barra. Vale a pena ler o resto do documento. A peça de artilharia calibre 3 que estava na vila era de campanha e feita de bronze. ?? 1828b 13/04/1828 (AESP, C00860) “Cópia da Ordem que julguei dar ao Capitão Comandante de Milícia na minha saída desta Vila Ficará [presestindo] no Forte da Barra de Cananéia um destacamento de um Sargento, e oito Soldados, que serão rendidos de quinze em quinze dias; cuja relação será mandada todos os Meses, ao Coronel Comandante do Batalhão. Esta Guarnição se reformará com o inimigo à vista. Do Forte não deve sair ninguém. O Sargento Comandante ficará por isto responsável. As espingardas não se consideram a pessoa alguma, para as ter no sítio, como até agora sucedia; ordem estas de se acharem quebradas, e de as não haver na Vila em caso preciso, elas estarão no Quartel sempre, e serão limpas pelos Milicianos de manhã nos 1o. Domingos de cada Mês para de tarde quando o Sr. Capitão passar revistas à sua Companhia, também a passar ao seu armamento. Quando se ouvirem dois tiros de Peça, todos os Milicianos devem acudir à Vila não o fazendo devem ser castigados, do que serão avisados o Sr. Capitão Comandante da Companhia, será responsável pelas faltas dessas execuções. Esta Ordem prevalecerá enquanto o Governo, ou o Ex.mo. Governador das Armas não mandar o contrário. Vila 161 de Cananéia 13 de Abril 1828. Assinado = Paulo Freire de Andrade = Chefe de Divisão = Senhor Capitão João Jacinto Peniche. --------------------------------------------------------------------------------------------------Cópia - Recebi do Il.mo. Ex.mo. Sr. Paulo Freire de Andrade Chefe de Divisão a quantia de quatro mil, cento, e vinte réis que despendi em alcatrão, e várias coisas para a pintura de seis carretas que estão no Forte da barra desta Vila, o que fiz por ordem do dito Sr., e por ter recebido papéis o presente Vila de Cananéia 12 de Abril de 1828 = Assinado = João Jacinto Peniche = Capitão.” [Junto esta anexada lista de materiais já copiada] ?? 1828c 14/06/1828 (Almeida, RHUSP, 53, 1963) - Do cap. com. da 4a. cia. de artilharia miliciana, destacada em Cananéia, José Xavier Roiz (leia-se Rodrigues) ao vice-presidente da Província, Dom Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade. O comandante procura defender-se das acusações de que teria sido relapso durante os eventos ocorridos nos dias 10 e 11 de maio, na barra e na vila de Icapara, quando corsários entraram pela dita barra e ameaçaram saquear as vilas do município de Iguape. “(...) Um Corsário empreendeu saquear esta Vila, e apresar as Embarcações surtas neste porto, seu primeiro projeto foi entrar pela barra de Cananéia; mas aprisionando um Brigue na dita Barra, soube pela tripulação dele, que junto àquela Vila existe uma trincheira com seis peças; mudou pois de projeto, e o formou de vir a esta Vila, entrando pela barra de Capara em pequenas Embarcações.(...)”. Observações: Em nenhum momento é citada a trincheira de Icapara ou a peça de artilharia que nela existia. Toda a movimentação foi observada da vila de Iguape, com “óculos de alcance”. Tais eventos só poderiam ser observados do morro do Espia, que estava nos limites da vila, mas muito próximo a ela. Tal ponto, àquela época, seria conhecido como um posto de parada militar. Não consistia em uma fortificação. 162 ?? 1828d 21/06/1828 (ANRJ,FMG,IG1 149) “N º 69 Guarde-se E. Sr. (85) Achando-se indefeso o Porto da Vila de Iguape, onde apenas há uma peça de calibre 12, com a qual não sabem trabalhar os soldados de uma Companhia de Caçadores de 2 ª Linha, ali aquartelada, não foi possível apresentar nessa ocasião resistência alguma ao Corsário, que ultimamente mandou tirar de dentro do mesmo porto uma Embarcação carregada de arroz, a qual foi levada a reboque por duas lanchas, que para este fim mandara, constando de mais, que sua intenção era saquear, e incendiar a mesma Vila, o que não pôde realizar em razão de encalhar, e fazer se em pedaços outra Lancha maior, que com as duas mencionadas dirigiu ao Porto com uma peça de artilharia, e 43 homens armados, os quais por não terem conhecimento do canal apenas puderam entrar com as duas Lanchas mais pequenas, perdendo-se a maior, e todo o armamento, e munições, que nela traziam: nestes termos trata-se de construir uma trincheira para na mesma colocar-se aquela peça, e ao Comandante das Armas faço constar a necessidade de mandar, não só para aquela Vila, como para a de Cananéia, um pequeno Destacamento de oito soldados, e um oficial Inferior do 3 º Corpo de Artilharia de Posição de 1 ª Linha, em quanto as circunstâncias o exigirem, a fim de evitar-se a repetição de acontecimentos tais, de que podem resultar funestas consequências, principalmente na de Iguape, que é uma Vila populosa, e de não pequeno Comércio, em cujo o Porto entram muitas embarcações: e porque não há nesta Província peças de Artilharia disponíveis, que se possam mandar para a sobre dita Vila, por não ser bastante, a que ali existe para sua defesa, visto ter duas Barras, vou rogar à Sua Majestade o Imperador se Digne Mandar, que dessa Corte sejam remetidas pelo menos quatro peças de calibre 8, ou daquele que melhor parecer. D. G. a V. E. São Paulo 21 de Junho de 1828. E. Sr. Bento Barrozo Pereira Manoel Bispo de S. Paulo” Observação: resumo a lápis do conteúdo do ofício. 163 ?? 1828e 27/07/1828 (AESP, C002375) “Ex.mo. Senhor Tive satisfação de participar a V. E., o motivo, e Estado do Destacamento na Barra da Vila; em o 1o. e 18, de Maio, e só a honra da Solução de 18 em data de 3 de Junho, em que me nota não te declarado o N º de Praças destacados: se V. E. ver com atenção a da [1 palavra] que em ambos declarei. No dia 11 do Corrente, Recebi [1 ou 2 palavras] de V. E. em data de 2 do mesmo, e com ela se me apresentaram um Cabo e 8 Soldados, os quais no dia 15 tomaram Conta do Destacamento; e no dia 25 pegou o Sargento Firmino de Godoi Moreira, o qual me faz ver que achando-se doente o Soldado Vicente Antonio, o faça em regressar ao seu Corpo, ficando em seu lugar o Cabo porque; melhor pode substituir com a falta do Soldado do que com a do Cabo, e que para as manobras de peça vale o mesmo, e que a bom do mesmo serviço precisa de um [1 palavra]; portanto assim o cumpro. Representa-me mais, que se faz mister novas Estradas para se poder trabalhar com as peças: Uma Casa melhor, em que se possa acomodar os apetrechos, e estar o Oficial separado dos Soldados, porque o Rancho que existe, foi apressadamente feito, todo em aberto, e já se está Corrompendo-se a Palha de que é Coberto. Incluso V. E. achará a Relação do que é mister na fortaleza, a qual já a dei, sendo-me pedida pelo Chefe de divisão quando aqui esteve, mas até agora nada tem vindo. Faço ver a V. E. com toda a submissão e Respeito que para estes serviços, se faz mister uma Ordem superior, e pagamento porque ao contrário nada se arranjará. O Sargento Mor Comandante da Vila, em nada [1 palavra] prestar [1 palavra] ao serviço quando este é determinado pela Repartição do meu Comando, bem Como nem Canoa quer dar aos Soldados que vieram para o Destacamento, e se eu lha não desse não sei como eles dariam a parte de qualquer novidade, à ele a quem mais pertence o sossego, tranquilidade e segurança do País, e eu para [1 palavra] quando me for de [1 palavra]. Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828. Il.mo. Ex.mo. Senhor Governador das Armas J. Jacinto Peniche, Capitão. ?? 1828f 27/07/1828 (AESP, C002375) 164 “Cópia - Relação da Munição de Guerra que faz mister para o Forte da Barra da Vila de Cananéia” Buzina para fala Soquetes para as Peças - C - 12 Espoletas para o C. - dito Velas de Composição 200 - Pederneiras Cartuchos para - C - 12 Ditos para - C - 03 Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828 = Assinado = João Jacinto Peniche, Capitão ?? 1828g 30/07/1828 (AESP, C002375) Documento no qual o forte é citado. Sem maior interesse. Soldos e prèts d’etape eram recebidos em Iguape. ?? 28/08/1833 (AESP, C00860, pasta 2, doc.72) - Do juiz de paz, José de Souza Guimarães ao presidente de SP, Rafael Tobias de Aguiar. Relata o estado ruinoso da trincheira. ?? 10/01/1834 (AESP, C00860) “Il.mo e Ex.mo Sr. Dando cumprimento à ordem de V. E. de 7 de Dezembro do ano próximo passado, pus em Praça pública obra do rancho para o abrigo das peças de Artilharia que existem na Trincheira da barra desta vila, e correndo os dias de praça efetuando-se sua arrematação pela quantia de Réis 116$920=, não havendo quem por menos quisesse; e por isso o mandei arrematar de baixo das condições que julguei necessárias, tanto em qualidade de materiais, como na segurança, e perfeição da obra marcando o prazo de dois meses para sua conclusão. Igualmente levo ao conhecimento de V. E. o quanto se despendeu com as tintas óleo que mandei dar nas peças e outros bens físicos precisos para isso; como também fazendo tapar os ouvidos das mesmas na conformidade da determinação de V. E. como da conta inclusa, se mostra ser ela o da quantia de Réis 13$440, porém estas 165 peças se acham muito mal cavalgadas porque as carretas estão podres, e algumas delas sem rodas como já participei à V. E. a tal respeito, quanto à conclusão do rancho depois de efetuado [1 palavra] ao conhecimento de V. E. o estado do mesmo, e de tudo o mais que me é encarregado a tal respeito. Deus Guarde a V. E. muitos anos como havemos mister. Cananéia 10 de Janeiro de 1834. Il.mo e Ex.mo Sr. Rafael Tobias de Aguiar Presidente desta Província. José de Souza Guimarães”. 05/01/1834 - Doc. 38 a - “Conta da Despesa feita para olear as Peças [e das em Cravar] os Ouvidos e fazer-lhes tampa para a boca das ditas e todos os matos. O seguinte: 5 [1 símbolo] de óleo a 400 2$000 7 [1 símbolo] de tinta verde a 480 3$600 8 [1 símbolo] dita branca a 320 2$560 1 Medida de Aguardente para decante das tintas a 320 $320 [1 símbolo] Carpinteiro para fazer as tampas para a boca das $640 peças Madeira para as ditas tampas $240 2 Ferreiros para broquearem o ouvido das Peças e limpá-las 1$440 Dias de serviço para todos os matos que estavam cobrindo 1$640 as Peças De fazer as tintas e olear as Peças 2$000 Cananéia 5 de Janeiro de 1834 José de S. Guimarães Juiz de Paz”. ?? 22/03/1835 (AESP, C00860, pasta 3, doc.1) - Do juiz de paz Francisco Antonio Nóbrega Silva para o presidente da Província, Rafael Tobias de Aguiar. “Participo a V. E. que achando-se efetuada a obra do rancho para nela se recolher as Peças que se acham na Trincheira da barra desta Vila, que de ordem de V. E. ali se edificou por arrematação; e sendo do meu dever ir examinar se com efeito estava ou não conforme, segundo o orçamento 166 condições daquela arrematação, com efeito achei conforme, por ser fundada de bons pilares de pedra e cal, com boas madeiras coberto de telhas achando unicamente uma pequena deformação de um palmo até dois no comprimento e largura, que fora [detalhado], bem como de algumas ripas serem um tanto fracas, porém não causando por isso a menor ruína, [1 palavra] por se achar com comodidade muito suficiente para o abrigo das Peças ordenando ao arrematante quanto antes houvesse de cumprir naquela [1 palavra] ao que logo tentou satisfazer para ter lugar [1 palavra] haver [o seu] total [reembolso] pelo que [teria] arrematado [restando] efetuar-se o recolhimento daquela Artilharia para o dito rancho, cujo recolhimento não deixará de ser com algum laborioso trabalho, porquanto todas elas se acham desmontadas por motivo de que as carretas estão todas podres apenas [1 palavra] firmagens das mesmas; assim como para se poder consumar aquele rancho [1 palavra] ser de necessidade de tempos, em tempos fazer rocio descortinando os matos para que não deteriore aquele rancho, e se conserve arejado o que tudo executarei como V. E. achar por bem determinar-me. (...)”. ?? 1836a 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.10) - Do juiz de paz, F. A. Nobrega Silva ao prefeito de Cananéia, Joaquim José de Oliveira. Recolhimento das peças ao rancho custaria 30 ou 40$000. ?? 1836b 09/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.9) - Do prefeito de Cananéia ao presidente da Província. Envia o ofício do juiz de paz. ?? 1836c 1836 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Juiz de Paz de Cananéia, Francisco Antonio Nóbrega e Silva. Reclama contra o abandono do material bélico da fortificação e mostra o orçamento das despesas extras feitas com a conservação do novo rancho. ?? 1837a 20/12/1837 (AESP, C00860, pasta 1, doc.35) “Recebido a 27 de Janeiro Il.mo e Ex.mo Sr. 167 Tenho a honra de apresentar na Presença respeitável do Il.mo Governo Ofício incluso que na data do 9 de que rege me enviou o Sr. Juiz de Paz desta vila* pedindo providências para recolher e acautelar as Peças de Artilharia que existem no lugar chamado Trincheira, na barra desta vila. No lugar mencionado se fez a dois Anos um telheiro destinado para nele serem guardadas ditas Peças e desde então ele existe, a despesa foi feita, e se acha inutilizado, e as Peças desmontadas por terem apodrecido as carretas, e enfim [p. Terra ] a borda do Barranco ou Piçarra que com os tempos de Vento Sul se altera o Mar derruba pedaços apresentando evidentes prejuízos por se acharem mesmo este precipício. No estado atual de nada servem, mas também deixar que mergulhem e se percam não é justo; fico em conseqüência esperando as ordens de V. E. para cumprir. D. G. V. E. Cananéia 20 de Dezembro de 1837. Il.mo Ex.mo Sr. Presidente de G. da Província Joaquim J. Oliveira, P. de M.”. Observação: O ofício do j. de paz está na pasta 1, doc.33. ?? 1837b 1837 - Daniel P. Müller – “Ensaio d’um quadro estatístico da Província de S. Paulo” (1978). “Tabela 10 - Mapa das Guarnições que competem aos pontos fortificados desta Província Em tempo de paz Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...). Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...); Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S. Vicente(...); Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0, Soldados de Infantaria 3. Cananéia: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0, Soldados de Infantaria 3. Paranaguá(...). Em tempo de guerra 168 Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...). Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...); Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S. Vicente(...); Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 1, Artilheiros 2, ditos Serventes 6, Soldados de Infantaria 10. Cananéia: Oficiais 1, ditos Inferiores 2, Artilheiros 12, ditos Serventes 36, Soldados de Infantaria 30. Paranaguá(...). N.B. Este detalhe é feito supondo em tudo completos os referido postos fixos para defesa dos portos marítimos, e segundo a Memória que apresentei ao Ex.mo. Sr. Presidente no princípio deste ano. A maior parte destes estão em mau estado de apetrechos, e de outros apenas restam vestígios, segundo coligi das informações que me foram transmitidas. Os que se podem reputar como obras permanentes são o de S. João e S. Luiz (da Bertioga), o de Itapema, o da Barra Grande (atualmente bem guarnecido) e o de Paranaguá, os quais somente necessitam de pequenas reparações no que respeita à parte construção.”. ?? 1838a 21/02/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.47) Edital do prefeito que solicita a apresentação de orçamento para recolhimento das peças da trincheira ao telheiro. As peças e os reparos estavam à beira mar. ?? 1838b 31/08/1838 (AESP, C00861) Do juiz municipal, S. L. Pontes, ao presidente da Província. Respondido em 01/10. “Tendo-se edificado um rancho coberto de telhas, por ordem do Ex.mo Governo da Província para nele se recolher as seis bocas de fogo existentes no lugar de uma Trincheira na barra desta vila; e porque aquela artilharia ali se acha abandonada em risco de ir abaixo,(...)”. ?? 1838c 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.78) - Do juiz municipal, S. L. Pontes, ao presidente de SP. 169 Cumpre a portaria de 01/10 e inspeciona a trincheira do pontal da barra de Cananéia. Fala das excelências do rancho (pilares de pedra e cal, boas madeiras) e diz que precisa ele ser re-telhado, pois uma tempestade o havia destelhado. 3o. parágrafo: “Quanto para o recolhimento das Peças de Artilharia ao rancho situado 30 a 40 braças onde elas existem calculando-se regularmente as despesas se não poderá efetuar por menos de 40$ a 50$000 segundo suas circunstâncias, pelo estado das mesmas a vista dos objetos que representa.(...)”. ?? 1838d 16/?/1838 (AESP, C00861) - Do capitão mor J. J. de Oliveira ao presidente da Província. Encarregado, pela portaria de 27/01/1838, de recolher as seis peças ao telheiro. “(...) 3o. Que este Telheiro feito acima [1 palavra], de [1 palavra] [vendes], pouco duradouras, sem habilitador, e sem fogo dentro, mui aberto, também se não se tirar a telha virá a perder-se, ficando para [1 abreviação] as Peças cobertas com os Cacos de mencionados. 4o. Que então as Peças na Vila fazendo-se as Carretas, podem ficar em postos que sirvam para a defesa de desembarques, fazendo [1 palavra], um rancho para cima de cada uma, o que chamam - barriga de Boi - Para ficarem abrigadas dos tempos.(...)”. ?? 1839a 18/09/1839 (AESP, C00861, pasta 1, doc.97) - Do juiz municipal Sebastião Lourenço Pontes ao presidente da Província. Pela portaria do governo provincial de 18/03 do corrente, as peças deveriam ser recolhidas. O juiz argumenta que elas seriam muito necessárias para defender não só Cananéia, como Iguape também, dos rebeldes do RS. Só que para isso elas precisariam estar montadas. Esse ofício foi respondido a 04/10/1839. 170 ?? 1839b 20/09/1839 (ANRJ, FMG, IG1 297) - Do quartel general da vila de Paranaguá para o conde de Lajes, ministro da Guerra. Peças da barra de Cananéia estavam sem reparos. Existiam, também, 2 peças de bronze de campanha, cal. 3, 1 em Cananéia, a outra em Iguape. Ambas estavam desmontadas. Pede-se artífices que saibam fazer reparos à Onofre além de pedir carretas para as peças de campanha. Ofício respondido ou analisado em 25/10/1839. ?? 1839c 31/10/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.487) - Do chefe de polícia, em Santos, José A. Pimenta Bueno ao desembargador Manoel Machado Nunes. “(...) Ao Comandante da Guarda Nacional de Iguape recomendo, que faça quanto antes reforçar os destacamentos d`aquela, e da Vila de Cananéia; que compre, ou obtenha por empréstimo do comércio a pólvora de mister, que ponha a artilharia em ponto de servir levantando alguma cortina de faxina; em fim que tome todas as medidas para repelir qualquer insulto. (...)”. ?? 1839d 01/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - Da câmara municipal de Iguape ao presidente da Província. Sobre corsários na i. do Bom Abrigo. “(...) Quem pensará Ex.mo. Sr. Que a vila de Iguape, uma das que precisa de forças esteja sem defesa alguma, que a única peça de campanha que tinha, essa mesma fosse mandada à fronteira, e que na mesma barra de Icapara existe uma descavalgada, e que não tenha armamento pólvora e bala, e que consta a esta Câmara que só existem oitenta armas e não muito boas, e que destas mesmas se repartirem com a vila de Cananéia, e sendo assim é um impossível se poder rebater as forças inimigas que naturalmente trarão artilharia. (...)”. ?? 1839e 06/11/1839 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - “Regulamento para o Forte do Bicho da Barra da Vila de Cananéia”, elaborado pelo ten. c.el José Jacinto de Toledo. 171 ?? 1839f 15/11/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.486) - Do presidente da Província ao ministro da Guerra. Diz que já havia tomado providências “mandando montar algumas peças e guarnecer os lugares expostos com pequenos destacamentos”. O documento diz ainda que ele foi obrigado a realizar algumas medidas e solicitava a aprovação das que foram tomadas e das que ainda deveriam ser tomadas. A aprovação está no início do documento, datada de 19/11/1839. ?? 1839g 18/11/1839 (AESP, E00561, p.164, frente) – Para o major Manoel José da Conceição Ramalho. Nomeado para dirigir as obras de fortificação de Iguape e de Cananéia – deveria apresentar-se ao ten. C.el José Jacinto Toledo – deveria permanecer na região até segunda ordem do presidente ou do juiz de direito chefe de polícia desta comarca (S.Paulo ?). Iria aproveitar e inspecionar a fortaleza de Paranaguá. ?? 1839h 21/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - De José Antonio Pimenta Bueno, juiz de direito da comarca [Santos] ao ten. c.el José Jacinto de Toledo [Cananéia]. Sobre as providências tomadas pelo presidente da Província para expulsar os corsários. “(...) e voltarão dali [Paranaguá] dando comboio as embarcações mercantis até a Ilha do Abrigo, onde fundearão, então entrará a barra de Cananéia uma Lancha que levará por sinal uma bandeira branca em uma vara na proa, e irá desembarcar [em Cananéia] e deixar as ordens de V. S. 2 peças de Campanha 40 armas de Infantaria 12 arrobas de pólvora e mais artigos que então comunicar-lhe-ei. Irá também nessa ocasião o Major Ramalho de Artilharia para servir sob as ordens do V. S. um modelo de carretão e provavelmente 2 carpinteiros para fazer montar a artilharia tanto de Cananéia como de Icapara regularmente, fazer velas de composição e 172 espoletas, devendo V. S. aproveitar ocasião para por no melhor pé possível os fortes desses 2 portos”. ?? 1839i 11/12/1839 (AESP, C00861, pasta 2, doc.11) “Il.mo e Ex.mo Sr. O Juiz Municipal da Vila de Cananéia desta Província tem a honra de levar ao respeitável conhecimento de V. E. que tendo dado cumprimento à Portaria de 4 de outubro, acerca das ameaças desta nossa Província pelas tentativas dos rebeldes de Laguna que deu motivo a propor a V. E. em ofício de 18 de outubro próximo passado para o fim de se retificar a Trincheira, e nela se montarem as peças de Artilharia que ali se achavam caídas sem carretas para defesa da barra. Não foram diminutas as providências que de minha parte julguei necessárias a bem da segurança deste litoral coadjuvando-me com as Autoridades constituídas propondo os precisos fornecimentos de Armamento e destacamento, e colocando três peças de Artilharia; que segundo a necessidade não dera lugar para melhor ficarem, porém prontas para a defesa em casos tão urgentes. Pelas notícias do Feliz sucesso da restauração da Laguna, Lajes e tomada dos três corsários todo este município se alegrou que em satisfação se propôs uma iluminação por três noites sucessivas, e agradecendo todas as sábias deliberações de V. E. que olhando com atenção a nossa Província nos livrou dos açoites dos inimigos da Ordem e do Governo. Muito desejoso de cooperar para a segurança deste Município, pareceu-me ser conveniente propor a V. E. que suposto acharei em sossego pelo motivo da Fausta notícia por isso mesmo que a Trincheira da barra desta Vila se deveria continuar em sua reedificação e de tudo o mais necessário, não só para que em casos idênticos tenha a defesa ligeira e mesmo para o respeito da barra por ser ela franca e livrar de toda e qualquer ocasião ser cometido este litoral e o de Iguape, sendo a precaução dada em tempo e assim seguros de qualquer tentativa de [faciozos], que estes sempre se aproveitam dos descuidos para seus Funestos fins apesar de ser este Município pequeno em população, mas sua localidade perigosa à Província uma vez que por desgraça fosse [1 palavra] pelos rebeldes. Estes motivos me fazem não deixar em 173 esquecimento de levar ao respeitável conhecimento de V. E. a quem Deus Guarde como é mister. Vila de Cananéia 11 de Dezembro de 1839. Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província Sebastião Lourenço Pontes, Juiz Municipal”. ?? 1839j 12/12/1839 (AESP, E00561, p.168f.) – Para o major Manoel José da Conceição. Dispensa o mesmo da comissão de dirigir os trabalhos das fortificações de Cananéia e Iguape. Mas deveria elaborar plano e orçamento para as obras indispensáveis para deixar vilas em condição de repelir ataques. Deveria verificar nº. de pessoal necessário para cuidar das obras e evitar deterioração. ?? 1840a 11/09/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.38) - Do juiz de paz Joaquim Pedro Nolasco ao presidente da Província, R. Tobias de Aguiar. Sobre comemorações da maioridade de D. Pedro II. Linha 10: “(...), as Salvas de Artilharia da vila foram repetidas no Forte da Barra, (...)”. ??1840b 16/11/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.44) - Do capitão da Guarda Nacional, Sebastião Lourenço Pontes ao presidente de SP. A respeito do gasto de pólvora nas comemorações da maioridade de D. Pedro II. Menciona o “Forte da vila”. O dito capitão era encarregado do trem bélico da vila e do forte. ??29/04/1841 (AESP, C00861, pasta 2, doc.73) - Do juiz municipal, J. J. Oliveira ao presidente de SP. Informa que no dia 28/04 o patacho que ia do Rio de Janeiro à Porto Alegre, Desempenho, havia sido roubado no mar da vila. Solicita, dentre outras coisas, o envio de 1 destacamento da GN para a “Trincheira da barra”. ??26/04/1842 (AESP, C00861, pasta 2, doc. 99) - De Antonio de Andrade ao governo da Província. Diz que não havia guardas nacionais destacados na trincheira. Pede soldo para pelo menos 1 deles lá ficar. 174 ??1845a 16/09/1845 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) “Geral n º. 36 - Em solução ao ofício de V. S., com data de 29 de Julho precedente, tenho a dizer-lhe que, atendendo à necessidade que há de conservar-se no Forte do Bicho da Barra de Cananéia, as duas Praças de Artilharia, podem elas por hora continuar no mesmo serviço percebendo os competentes vencimentos. Deus Guarde a V. S. - M. da F. Lima e Silva. Sr. Inspetor interino da Tesouraria”. Observação: Extraído por A.P.A. do periódico “d’O Governista”, 385, 16/09/1845. ?? 1845b 25/10/1845 (AESP, C00861, pasta 4, doc.70) - Do ten. comandante de artilharia Antonio José de Medeiros ao presidente da Província. Recebeu ordens de dar salvas de tiros por ocasião da visita do imperador à Província de S. Paulo. O oficial diz não haver “pólvora nacional” no forte e pede autorização para comprá-la. ?? 1846a 14/03/1846 (AESP, C00862 ,pasta 1, doc.6) - Da Câmara de Cananéia ao governador da Província. Em 09/03/1846, a chegada do imperador à Santos foi saudada com tiros de canhão do “forte da barra”. ?? 1846b 08/12/1846 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do cap. com. da cia. de artilharia (quartel em Iguape), Manoel Bento de Jesus ao conselheiro Manoel da Fonseca Lima e Silva e ao presidente da Província. “É meu dever participar a V. E. que o Forte do Bicho da Barra da Vila de Cananéia existe fechado e em abandono. Os objetos de artigos bélicos que dentro do mesmo existem, são: peças, carretas, balas, lanadas, bandeira, etc. e a continuar fechado o mesmo Forte os malévolos estragarão não só a casa como extraviarão os objetos. Os dois Guardas Nacionais de Artilharia prostrados como destacados em dito Forte serão suficientes para tomar conta e velar sobre os ditos objetos. Se V. E. em sua sabedoria ver que 175 estas minhas reflexões merecem aprovação de V. E., então se dignará transmitir-me suas ordens para eu pontualmente cumpri-las como costumo”. ?? 08/05/1849 (AESP, C00862, pasta 1, doc.80) - Da tesouraria do governo da Província ao presidente da Província. “Geral n º. 299 E. Sr. Devolvendo o ofício do Capitão Sebastião Lourenço Pontes, da Vila de Cananéia, em que pede se mande pagar os aluguéis de uma casa que ali servia de Quartel do Destacamento do Forte do Bicho, cumpre-me informar à V. E. que essa despesa cessando desde que foi abolido aquele Destacamento pela ordem do E. Governo Provincial de 12 de Setembro de 1846, o que se comunicou ao respectivo Coletor para sua inteligência; e quando por ventura houvesse de se fazer esse pagamento, tendo ele caído em exercícios findos, não se pode realizá-lo sem a competente liquidação. D.G.V.E. Tesouraria de S. Paulo 8 de Maio de 1849 I.E. Sr. Doutor Vicente Pires da Motta Presidente da Província [assinado]” ?? 1850a 26/11/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.560) – Ofício do juiz de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província. Informa da apreensão de uma embarcação, abandonada nas proximidades de Cananéia, suspeita de trazer escravos africanos. “P. S. Ao fechar este para seguir por correio chegou um africano boçal apreendido na Trincheira da Barra, pela escolta que para aquela parte dirigi; continuo nas diligências precisas”. ?? 1850b 05/12/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.561) – Ofício do juiz de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província. “Tendo em data de 26 do passado participado a V. E. a apreensão da Barca Trenton, que se acha ancorada neste porto, cumpre-me agora comunicar a V. E. que nesse mesmo dia foi apreendido um africano na casa da 176 Trincheira da Barra por falta de tempo também comuniquei a V. E. em post scriptum, a quem passei a fazer indagações precisas, chamando vários pretos para servirem de intérprete, mas foram baldadas todas as diligências porque só repetia aquilo que se lhe perguntava, sem que se pudesse conhecer ao menos de que Nação é; passei pois a fazer o exame por peritos, afim de conhecer se era dos proibidos, o que se verificou, e feito o auto em que se declarou todos os sinais, o diz depositar até V. E. lhe dê conveniente destino. Não tenho cessado nas diligências para descobrir os interessados a fim de proceder na forma da lei. (...)”. ?? 1851a 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.4) - De M. J. Gomes da Silva, major comandante, ao presidente da Província. Questão do aluguel da casa para servir de trem ainda persiste. ?? 1851b 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.5) - De M. J. Gomes da Silva, major comandante, ao presidente da Província. Segundo parágrafo: “Lembro-me dizer a V. E. que no forte do Bicho achamse seis peças sobre areia algumas encravadas, e umas carretas mal feitas recolhido no Telheiro do dito forte e parecem que com pouco trabalho e despesa com o acréscimo de Rancho e reparo do mesmo aonde se pudessem acomodar as peças montadas, sendo de suma utilidade”. ?? 18/02/1854 (ANRJ, FMM, XM 1128) “Cópia - n º. 11 - Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios da Marinha em 18/02/1854. E. S. Em resposta ao ofício n º 22, que V. E. dirigiu a esta Secretaria de Estado em 28/07 último, remetendo cópia de uma representação da Câmara Municipal da Cidade de Iguape, sobre a conveniência de se estabelecerem bóias, e construir-se uma Atalaia na barra de Capara, tenho a honra de significar a V. E. para o fazer contar a referida Câmara, que, posto se reconheça a necessidade de tais melhoramentos, não é possível ocorrer-se, já a eles; mas que o Governo Imperial os terá presentes, quando informar 177 ao Corpo Legislativo sobre semelhantes assuntos. D. G. a V. E. José Maria da Silva Paranhos = Sr. Presidente da Província de S. Paulo. O Ofício n º 1081 de 29 de Novembro de 1853 do Quartel General da Marinha que cobre todos os papéis, a que este Aviso se refere estão em poder de S. E.” Observação: Algumas anotações a lápis - rascunho da resposta. Nada de significante no rascunho. ?? 1855a 05/09/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”, doc.50a) - Do delegado Joaquim Gomes Mendes ao delegado da cidade de Iguape. Ofício sobre a quarentena de embarcação. Faz menção à trincheira. Uma nota traz mais informações. “NB Estando a casa da Trincheira inteiramente inabitada, e não havendo onde o Destacamento [1 palavra] abrigar-se do tempo, hoje faço [3 palavras] e preparos, para uma reedificação e vou reforçar o Destacamento”. ?? 1855b 07/10/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”, doc.77a) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província. Sobre a necessidade de botar em quarentena as embarcações, por causa de epidemia no R. de Janeiro. O referido delegado alega ter feito retificações na casa da trincheira para servir de abrigo ao destacamento que lá ficaria posicionado. ?? 1855c 05/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”, doc.84) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província. Segundo parágrafo: “Além da casa acima dita, estou mandando, fazer na casa da Trincheira onde por hora está o Destacamento um pequeno cômodo, onde se possa acomodar, 1 ou 2 doentes, para no caso de aparecer a bordo das Embarcações em quarentena, algum indivíduo atacado da moléstia reinante, ser primeiramente para ali sendo conduzido, e 178 tratado a fim de evitar o que for possível a introdução do mal no centro da população”. ?? 1855d 25/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”, doc.87) - Do comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da Província. Informa que estava suspendendo o destacamento postado na Trincheira pois a epidemia já estava controlada. ?? 1856a 26/01/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”, doc.94) - Do comandante M. J. Gomes da Silva respondendo ao presidente da Província. Destacamento da GN deveria ser mantido na barra da Vila e que deveriam ser levados utensílios para as duas enfermarias lá estabelecidas. ?? 1856b 25/03/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”) - Do comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da Província. O comandante afirma que seria melhor manter o destacamento, a despeito das ordens contrárias superiores. Pergunta, novamente, se o destacamento deveria ser suspenso, bem como a enfermaria. ?? 01/01/1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4) “Notícia das fortificações existentes em cada uma província do Império; de suas denominações; artilharia que têm e importância”. Rio de Janeiro, 1 º. De janeiro de 1863. Excertos: “Fortaleza da Barra Grande de Santos Está situada na Barra do mesmo nome. É importante. Tem 21 bocas de fogo, sendo 11 peças de ferro de cal. 24, 8 de 12, em bom estado, e 2 de ferro de cal. 6, em mau estado. Fortaleza de S. João da Barra da Bertioga Está situada na Barra do mesmo nome. De pouca importância. Tem 6 bocas de fogo, sendo 2 peças de ferro de cal. 12, 2 de 9 e 2 de 6, todas em mau estado.” 179 Observações: não há menção à fortificação de Cananéia. De início pensei que o relatório só mencionasse fortificações mais consistentes. Mas o trabalho também examina fortificações efêmeras (entrincheiramentos, redutos, etc.) no Rio Grande do Sul, por exemplo. ?? 1867a 26/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do delegado de Cananéia, Alexandre Pedro Nolasco ao juiz de direito interino da comarca de Iguape, Francisco Ferreira Correia. “Il.mo. Sr. Em cumprimento do exigido no ofício de V. S. de 18 do corrente, passo a informar. E para o fazer, dirigi-me ao pontal da Barra, no lugar da antiga trincheira, da qual não existe mais as paredes da fortificação por ter o mar consumido; da casa que servia de quartel não existe mais que os pilares; as peças desmontadas, e sobre a areia, e são as seguintes: 2 de 30-0-0; 3 de 29-315; 1 de 28-2-15. Estas seis peças são de ferro, tem no interior algum cascalho de ferrugem, e por fora parecem em bom estado; foram fundidas no reinado de D. João, ainda Príncipe Regente, pela marca assim indicar.”. ?? 1867b 30/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) O juiz de direito interino da comarca de Iguape passa a informação ao presidente da Província, José Tavares Bastos. ?? 1867c 19/06/1867 (ANRJ, FMG, IG1 159) 3a. Seção. Nº. 65 Palácio do Governo de S. Paulo 19 de Junho de 1867. “Participou-me o Juiz de Direito Substituto da Comarca de Iguape, que, tendo oficiado ao comandante do Vapor - Telegrapho - para conduzir à Corte a peça de ferro de calibre 26, de que tratei em meu ofício de 4 de Fevereiro último, respondera-lhe o dito comandante não lhe ser possível encarregar-se da sua condução por não ter aparelhos próprios para suspender o seu peso, além de que entende que o valor da peça não 180 corresponde às despesas do seu transporte, no que diz concordar o Dr. Guilherme Schutz(?) Capanema. Participou-me além disto o mesmo juiz de Direito que na barra de Cananéia existem abandonadas 6 outras peças de ferro. V. E. pois se dignará resolver sobre o destino que convirá dar-lhes. D. G. V. E. E. Sr. Cons. João Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro e Secretário d`Estado dos Negócios da Guerra José Bastos” Resposta (no mesmo papel, ao lado esquerdo) “Sendo a peça de que se trata de ferro e inutilizada, como deverá estar por ter feito parte do armamento de uma bateria de costa onde esteve por algum tempo exposta à ação dos vapores marinhos, o valor que ela hoje tem como matéria prima para fundição é tão insignificante em relação às despesas com o seu transporte, que não vale por forma alguma a pena de efetuá-lo. Sou pois de parecer que não se invista em tais remessas se não quando as peças forem de bronze, caso em que o valor do metal pode cobrir as despesas. 5-7-67 Rapozo” ?? 1867d 19/07/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) O acima citado ofício é repassado ao Ministério da Guerra. Em anexo, seguiu informação (17/07/1867) prestada pela 3 a. seção (?). “(...) Sendo de difícil transporte tais peças, pelo peso, e falta de aparelhos nos navios mercantes, que poderiam, com grande despesa, transportá-las ao Arsenal da Corte, parece que apenas se poderá dar disto parte ao Ministério da Guerra para resolver o que for conveniente.”. ?? 1875 – (Godoi, 1978: 09) 181 Capítulo “Hidrografia”, seção “Mar da Província”. Descrição e orientação da costa de S. Paulo: “Da Ponta do Itaipu [Praia Grande] até a fortaleza da Barra, na extremidade sudoeste da ilha do Mar Pequeno [ilha Comprida] do nordeste para sudoeste. Da bateria da Barra à ponta setentrional da ilha do Cardoso, o mar entrando ao ocidente de Cananéia forma a enseada de Trapandé e vai ao oceano. (...)”. ?? 1897 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) Três peças de artilharia haviam sido transportadas para a vila. Três permaneceram no pontal da Trincheira e acabaram por serem engolidas pelo mar. 182 Anexo 2 Fichas cadastrais do material de artilharia A primeira coluna de cada ficha, inspirada na Ficha de Inventário Nacional (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999), traz uma síntese dos dados obtidos pela análise. A segunda, apresenta um croqui geral, que esboça as linhas de uma peça de artilharia com suas principais partes, sobre o qual são inseridas as informações iconográficas de cada peça. As esferas projetadas dos munhões representam os mesmos vistos de perfil. Veremos, exemplificação. adiante, uma ficha vazia e outra preenchida, para 183 Data UF/Município/Cidade Localidade/Endereço Número provisório Proprietário Responsável Objeto Data/Época Autoria/Fabricação/ Manufatura Material/Técnica Descrição Padrão Origem (país/cidade) Procedência Comprimento total (cm) Comprimento funcional (cm) Largura (cm) Calibre (mm/lb) Calibres Peso (kg) N º. De fotos Proteção (qual tipo?) Segurança (boa/razoável/ruim) Conservação (ex./boa/reg./má/pés.) Caract. Iconográficas/ ornamentais 185 186 Data UF/Município/Cidade Localidade/Endereço Número provisório Proprietário Responsável Objeto Data/Época Autoria/Fabricação/ Manufatura Material/Técnica Descrição Padrão Origem (país/cidade) Procedência Comprimento total (cm) Comprimento funcional (cm) Largura (cm) Calibre (mm/lb) Calibres Peso (kg) N º. De fotos Proteção (qual tipo?) Segurança (boa/razoável/ruim) Conservação (ex./boa/reg./má/pés.) Caract. Iconográficas/ ornamentais Caract. Técnicas 22/10/2000 SP/ São Sebastião Centro/ r. Antonio dos Santos com r. Expedicionário Brasileiro SP-SS-10 ? Prefeitura Canhão de sítio 1778-1786 George Matthews/ Calcutts Ironworks Ferro fundido Canhão de ferro, antecarga, tubo liso, produzido no reinado de George III da Inglaterra (1760-1820). Cascavel está amassada. Armstrong Inglaterra/ Calcutts 236 200 54 107/ 9 19 (18,69) 1223,10 1 Nenhuma Boa Boa Culatra padrão Armstrong; inscrições nos munhões, 1o. e 2o. (brasão) reforços. Peça fundida inteiriçamente, com tubo brocado, de acordo com a inscrição no munhão (“SOLID”). 187 Glossário Antecarga – de carregar pela frente. Baluarte – apesar de poder designar “1- Construção avançada, alta, saliente, situada nos ângulos das fortalezas. 2- Espécie de muralha fortificada. 3Obra de fortificação avançada, em ponta, com face e flanco de defesa (o mesmo que bastião)”91, neste trabalho o termo é utilizado mais genericamente, designando fortificação. Bateria – conjunto de peças de artilharia prontas para fazer fogo e que apontam todas para uma mesma direção. Outro sentido, mais arcaico, não pode ser esquecido. “Colocar em bateria” seria também aprontar a peça de forma que ela fosse capaz de fazer fogo. Boca de fogo – termo arcaico que designa peça de artilharia (canhão, morteiro, obus,etc.). Brigue – “antigo navio à vela, de mastreação constituída de gurupés e de dois mastros de brigue, o de ré envergando também vela latina quadrangular, e com velas de entremastro”.92 Calibre – hoje em dia é conhecido apenas como o diâmetro da boca do cano das armas. Até meados do século 19, era também o peso do projétil em libras (Castro & Andrada, 1993: 84). Canhão – peça de artilharia que disparava projéteis maciços e em trajetória reta. Canhoneira – “navio de combate, de pequeno tamanho e pouca borda livre, empregado em operação de defesa e fluvial”.93 Carretilha – cilindro munido de manivela que permite o esticar ou recolher ordenadamente um cabo-guia. Cavalgada – termo arcaico que designa quando uma peça de artilharia está assentada em uma carreta. 91 92 93 Grande Enciclopédia Larousse Cultural. S. Paulo, Nova Cultural, 1995, vol. 3, p.613. FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. S. Paulo, Nova Fronteira, 1982, p. 227. FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. 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Rancho – edificação semelhante a um galpão semi-aberto, não chegando a ser uma casa. Tempo de fundo – quantidade de tempo que se permanece imerso descartando o tempo de descida e o de ascensão. Transect – caminhamento prospectivo em linhas paralelas, eqüidistantes, sobre um dado território. Trincheira – fortificação efêmera. Vento – espaço entre a bala e o tubo da alma (Castro & Andrada, 1993: 87). 189 Bibliografia ADAMS, Robert M., BASS, George F., et alli. The Black Cloud Survey, Liberty County, Texas. Archaeological investigation and underwater reconnaissance. College Station: INA-TAMU, 1978. ALBUQUERQUE, Marcos. O Processo Interétnico Numa Feitoria Quinhentista no Brasil. Revista de Arqueologia, São Paulo, vol. 7, p. 99-123, 1993. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Arraial Novo do Bom Jesus. Consolidando um processo, iniciando um futuro. Recife: Ed. Graftorre, 1997. ALMEIDA, Antonio Paulino de. O forte da ilha Comprida. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. 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