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1
Paulo Fernando Bava de Camargo
ARQUEOLOGIA DAS
FORTIFICAÇÕES
OITOCENTISTAS DA
PLANÍCIE COSTEIRA
CANANÉIA/ IGUAPE, SP
Dissertação de mestrado. Orientadora:
profª. Drª. Maria Cristina Mineiro
SCATAMACCHIA
Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de
São Paulo
São Paulo, junho de 2002
2
Paulo Fernando Bava de Camargo
ARQUEOLOGIA DAS
FORTIFICAÇÕES OITOCENTISTAS DA
PLANÍCIE COSTEIRA CANANÉIA/
IGUAPE, SP
Dissertação de mestrado.
Orientadora:
Maria
profª.
Cristina
Drª.
Mineiro
SCATAMACCHIA
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de
São Paulo
São Paulo, junho de 2002
3
Resumo
Esta pesquisa de mestrado, que está inserida dentro de um projeto mais
amplo, visa a localização, mapeamento e análise das fortificações da planície
costeira Cananéia/ Iguape. O trabalho justifica-se pela necessidade de levar à
luz o subsistema defensivo que foi concebido para essa região, no século 19,
para depois podermos compará-lo com os subsistemas defensivos implantados
nas outras regiões do litoral do Estado o qual, ao contrário de algumas regiões
do Brasil, teve sua estratégia de defesa alicerçada em baluartes de reduzidas
dimensões e parco poder de fogo.
Geralmente esquecidos pela história ou pela arquitetura - por não
possuírem registros escritos em quantidade ou edificações significativas -, eles
são essenciais para a compreensão das estratégias políticas e militares que
regeram as elites coloniais e imperiais no processo da construção da identidade
nacional brasileira.
A
teoria
e
a
metodologia seguidas por esta pesquisa estão
fundamentadas na arqueologia de raiz materialista histórica, como a
arqueologia social e a crítica. Seguindo esta linha de pensamento, as
fortificações seriam apenas o ponto de partida para a elaboração de uma
história – regional e nacional - baseada na arqueologia, na qual estariam
evidentes os mecanismos que regulam o poder dentro da sociedade enfocada.
Do ponto de vista das técnicas arqueológicas, conjugamos dados
obtidos pelas prospecções terrestres e subaquáticas1, que devem ser
encaradas como complementares apesar de serem aplicadas em meios
diferentes. As intervenções arqueológicas subaquáticas são pontuais, o que é
possível graças ao uso de métodos prospectivos geofísicos (magnetometria,
sonar de varredura lateral, etc).
Palavras chave: arqueologia subaquática; arqueologia histórica; fortificação;
artilharia; vale do Ribeira; Cananéia
1
A fortificação da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, está hoje, submersa. Já o forte de Sepitiba, em
São Sebastião, litoral norte (que é estudado a título de comparação), está em cima de um morro.
4
Abstract
This master's degree research that is part of a greater project aims to
locate, map and analyse the fortifications of the coastal plain Cananéia/Iguape.
The work is justified by the need of taking to the light the defensive subsystem
conceived for that area in the 19th century and to compare it later to the
defensive subsystems implanted in other coastal areas of São Paulo which,
unlike some areas of Brazil have had its defense strategy based on ramparts of
reduced dimensions and scanty fire power.
Usually forgotten by history or architecture, they are essential to
understand the political and military strategies that ruled the colonial and
imperial élite in the construction of the Brazilian national identity processes.
The theory and methodology followed in this research are based on the
archaeology of historical materialistic root, as the social archaeology and the
critic. Following this thought the fortifications would just be the starting point for
the elaboration of a history - regional and national - based on the archaeology.
Then the mechanisms that regulate power inside the focused society would be
clarified.
According to the archaeological techniques, we conjugate data obtained
by the terrestrial and underwater research2 that should be considered as
complementary in spite of being applied in different means. The underwater
archaeological interventions are punctual thank to the use of geophysical
prospective methods (magnetometer survey, side scan sonar, etc).
Key
words:
underwater
archaeology;
historical
archaeology;
fortification;
artillery; valey of the Ribeira; Cananéia.
The Ponta da Trincheira fortification, in the Comprida island, it is now submerged. The Sepitiba fo rt, in São
Sebastião, north coast (which is studied for comparison), is in top of a hill.
5
À Priscila, Haroldo, Maria Amália e
Daniela, que incentivaram e
suportaram (de todas as formas) o
pesquisador.
6
Agradecimentos
Á FAPESP, pela concessão da bolsa.
À minha orientadora, Maria Cristina, por apoiar essa e tantas outras iniciativas
de suma importância para a pesquisa arqueológica no Brasil.
A Gilson Rambelli, amigo, coordenador dos campos “molhados”, parceiro de
discussões e grande divulgador da arqueologia subaquática em águas tão
turbulentas.
Ao prof. Dr. Francisco Y. Hiodo (IAG-USP) e sua equipe, por terem
desenvolvido o magnetômetro subaquático.
A Flávio R. Calippo, amigo e parceiro de equipe a quem devo a interpretação
dos mistérios das terras submersas.
Ao Luís A. P. de Souza (IPT), por ter feito o levantamento com o sonar de
varredura lateral.
Aos arqueólogos Jerônimo Angueyra e Patrícia Baiod, companheiros de
mergulhos e de grandes descobertas.
Ao prof. Dr. Francisco J. S. Alves (CNANS, Portugal) e ao prof. Dr. Luis Filipe
Castro (INA, EUA) por me proporcionarem grandes escavações subaquáticas
na lusa terra.
Ao prof. Dr. Marc-Andrè Bernier (Parcs Canadá) por compartilhar de seus
conhecimentos, simpatia e paciência com os arqueólogos da América Latina,
não raro esquecidos pelo hemisfério superior.
Ao prof. Adler H. F. Castro (DEPROT-IPHAN), grande conhecedor dos mistérios
bélicos.
Aos profs. Drs. Maria I. d’A. Fleming e José Luis de Moraes pela importante
contribuição no exame de Qualificação.
Ao prof. Dr. Moysés Tessler, por ter oferecido grandes informações e contatos.
À Juliana Leitão, amiga que também suportou as pesquisas no Rio de Janeiro.
Ao Carlo Manfredi, camarada ítalo-cananeense que tantas vezes nos auxiliou.
E a tantos outros que contribuíram de inúmeras maneiras para o sucesso dessa
empreitada.
7
“4) Se algum navio ou navios estrangeiros vierem buscar este
porto em tempo de paz, logo que o Comandante perceber que
bandeira não é portuguesa mandará dar fogo a uma peça sem
bala, para que dêem fundo e não o fazendo mandará disparar
outra bala por elevação, e se ainda assim o não fizerem, os
tratará como a inimigos; porém, se obedecerem e mandarem
lancha a terra, o Comandante irá à praia, saber o que querem,
não consentindo que entrem na Fortaleza, e se quiserem entrar
com os navios para dentro me renderá algum de seus oficiais,
por soldados de suposição para me falar, e enquanto eu não
mandar ordem para que entrem, o não consentirá de modo
algum, e lhe mandará meter guarda para que não negociem
com os moradores, e se por não terem ainda entrado na barra
para dentro não o quiserem admitir, a guarda lhes porá o
Comandante em venda no mar e um Sargento e alguns
soldados para impedirem a dita negociação;(...)
13)
Toda a embarcação que sair a pescar, será obrigada,
quando entrar, a chegar à Fortaleza, a vender peixe à
guarnição por menos a terça parte do que se costuma vender
nesta vila; e, quando não o queiram chegar, o Comandante
mandará buscar os mestres e os meterá no tronco de pescoço
por tempo de meio dia, e depois os soltará servindo-lhes este
castigo de exemplo para não faltarem mais;”
Ordens, Alexandre Luís de Sousa Menezes, Governador da Praça de Santos,
século 183.
3
Série de 18 artigos sobre os procedimentos necessários para controlar o tráfego de
embarcações pela barra Grande de Santos. Transcritas nas notas do tabelião
Silvério Gurgel do Amaral Coutinho em 18/08/1808. Costa e Silva Sobrinho, 2000:
40-46.
8
Índice
Abreviações
9
Introdução
10
Capítulo 1
11
Capítulo 2
31
Capítulo 3
80
Capítulo 4
133
Considerações finais
150
Anexos
151
Glossário
187
Bibliografia
189
9
Abreviações
?? ABN – Anais da Biblioteca Nacional
?? AESP – Arquivo do Estado de São Paulo, S. Paulo, SP
?? AHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ
?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro, RJ
?? ARHEX – Arquivo Histórico do Exército, R. de Janeiro, RJ
?? AMS-FM – Arquivo Municipal de Santos, SP – Fundo Milícias
?? BN - Biblioteca Nacional, R. de Janeiro, RJ
?? C. ou Cx. – caixa
?? CCSP – Códice da Capitania de São Paulo (ARHEX)
?? CEHB+número – Catálogo da Exposição de História do Brasil (realizada
na BN na década de 1880)
?? DI – Documentos Interessantes para a História de São Paulo
?? Doc./ docs. – documento(s)
?? E+número – documentos do AESP encadernados
?? FMG – Fundo do Ministério da Guerra (ANRJ)
?? FMM – Fundo do Ministério da Marinha (ANRJ)
?? Gr. – grupo
?? PABVR – Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira
?? PFBC – Paulo Fernando Bava de Camargo
?? RHUSP – Revista de História da USP
?? RIHGSP – Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo
?? V.E. – vossa excelência
10
Introdução
A primeira coisa que deve ser colocada é que esta pesquisa retrocedeu
da marcha para o oeste e voltou para o leste, tão ao leste que agora o
pesquisador encontra-se na água, construindo arqueologia e história do Baixo
Vale do Ribeira (e, conseqüentemente, do Brasil) de dentro de um barco, o que
vale dizer que os padrões de estabelecimento dessa região e suas
conseqüentes paisagens arqueológicas são concebidos através do olhar do
navegante, aquele ser que carrega a herança que damos às costas, mesmo às
vezes estando na costa.
Esta abordagem encontrou espaço no Programa Arqueológico do Baixo
Vale do Ribeira, projeto de longa duração encabeçado pela profª. Drª. Maria
Cristina Mineiro Scatamacchia e patrocinado pela FAPESP. Nesse programa
arqueológico, que envolve tanto a arqueologia da história antiga brasileira
quanto a arqueologia da história pós-conquista, procuram ser investigados os
padrões de estabelecimento da região, bem como suas paisagens, tanto na
terra quanto embaixo d’água, essa última, atividade pioneira.
É nesse contexto extremamente diversificado – que ainda conta com
pesquisadores vindos da arquitetura, das ciências sociais, da geografia, da
história e da oceanografia – que encontramos espaço para desenvolver este
trabalho que envolve a pesquisa de documentos escritos, levantamentos
geofísicos e prospecções arqueológicas terrestres e subaquáticas, as últimas
com maior ênfase, uma vez que os vestígios da maior fortificação da área estão
submersos.
Esperamos que com esta pesquisa, multidisciplinar e pioneira no campo
subaquático, tenhamos fornecido algumas pistas para que os próximos
arqueólogos descubram outros trechos dos “caminhos das pedras”.
11
Capítulo 1
1 Objetivos
Esta pesquisa faz parte de um programa arqueológico mais amplo, sobre
os padrões de estabelecimento das populações do Baixo Vale do Ribeira4,
coordenado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e financiado
pela FAPESP.
O mapeamento e a análise dessas estruturas defensivas têm como
objetivos levantar dados e localizar as estruturas de defesa que foram erguidas
na planície costeira Cananéia/ Iguape, correlacionando estes dados com a
situação defensiva encontrada no litoral central e norte do Estado de São
Paulo.
Com a pesquisa visamos, principalmente, a localização e identificação
das fortificações mencionadas na documentação textual e que, atualmente, não
apresentam estruturas visíveis, ou por terem sido encobertas pela vegetação
ou pelas águas, bem como pelo esquecimento.
A importância deste trabalho reside no fato dessas estruturas nunca
terem sido alvo de estudos sistemáticos, podendo-se, traçar paralelos para as
outras situações defensivas encontradas em outras partes do litoral paulista,
um pouco melhor exploradas. Tal comparação visa à elaboração de um
conhecimento
arqueológico
sobre
as
várias
estratégias
militares
(conseqüentemente, geopolíticas) adotadas nas diferentes administrações,
para cada região, em diversos tempos.
Para tal feito, obtemos algumas informações específicas desses
baluartes: funções, potencial de fogo, dentre outras (que serão detalhadas mais
4
O fato da pesquisa não ser desenvolvida em todo o Baixo Vale do Ribeira (como o título
sugere é apenas na planície costeira) descarta as fortificações da retroterra, até agora pouco
tratadas pela literatura especializada. O exemplo mais nítido que temos, na região, é a cidade
de Registro que, como o próprio nome diz, era um local de controle do fluxo de mercadorias e
pessoas, onde, segundo a “Planta corográfica, hidrográfica e topográfica das Barras da Vila de
Iguape” (cópia de 1849 existente no ARHEX), existiria, em ilha no rio Ribeira de Iguape, uma
“fortaleza”. Como era essa estrutura? Possuía artilharia? Qual era sua importância para o
controle do fluxo de embarcações pelo Ribeira? O que teria sobrado dela? Estaria emersa ou
submersa? São essas e outras questões que teriam que ser tratadas por um trabalho
específico.
12
adiante), para que possam ser caracterizados os sistemas defensivos que
foram criados para proteger os portos e barras do sul do Estado de São Paulo.
A caracterização individual de cada uma das fortificações só teve sentido
porque, durante o desenrolar da pesquisa, a produção do conhecimento
caminhou para a formação de quadros que permitiram abordar, do ponto de
vista da cultura material, as mudanças geopolíticas ocorridas dentro do período
em questão.
Figuras 1, 2 e 3: Mapas do
Estado, do litoral de SP e PR
(com a área da pesquisa
assinalada) e da barra de
Cananéia (com a área da
pesquisa subaquática
assinalada).
13
A pesquisa também envolveu prospecções arqueológicas subaquáticas
devido à dinâmica marítima da região, que faz com que áreas antes emersas
encontrem-se hoje imersas e vice-versa. Um exemplo da necessidade de
intervenção subaquática pode ser fornecido pela situação do forte da
Trincheira, localizado nas águas próximas à praia da Trincheira, no município
de Ilha Comprida, SP. Antonio Paulino de Almeida (1962: 192-217) afirma que
esta fortificação, construída entre 1824-1825, já durante os conflitos da Guerra
do Paraguai (1864-1870) encontrava-se parcialmente destruída pela erosão
marítima e que, no final do século passado, não era possível avistar nada além
de uns poucos aglomerados de pedra. Diante dessa situação, somente técnicas
subaquáticas rigorosas de prospecção puderam ajudar a recuperar os dados
sobre esse baluarte.
O limite temporal do trabalho estava originalmente compreendido entre a
chegada do colonizador de além mar, com o estabelecimento das primeiras
povoações
e,
conseqüentemente,
das
primeiras
estruturas
defensivas
européias, e o momento no qual o uso do baluarte fixo, desenvolvido na Idade
Média e na Moderna, passa a ser, de certa forma, obsoleto, e novas
fortificações surgem para fazer frente à maior potência das armas pósrevolução industrial, como, por exemplo, a artilharia de raiada de carregar pela
culatra. Entretanto, com o desenrolar das pesquisas modificações foram feitas.
A época abrangida pelo trabalho foi restringida ao século 19, porque: (1)
a implantação do subsistema defensivo oitocentista forneceu uma quantidade
bastante grande de documentos escritos e documentos materiais (canhões)
que são de grande complexidade tecnológica e simbólica; (2) o Primeiro
Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840) - juntamente com o Estado
Novo (1937-1945) -, são grandes marcos da formação da identidade nacional
brasileira (Mota, 2000: 23), o que os torna revestidos de grande complexidade,
merecendo serem estudados cuidadosamente.
Além da melhor compreensão de períodos-chave do processo histórico,
uma questão de cunho teórico e metodológico é sanada com essa a nova
limitação temporal e espacial. Dizer que serão pesquisadas todas as
fortificações criadas a partir da chegada dos europeus engloba, também,
estudar as que possivelmente teriam sido desenvolvidas contra eles, as
14
fortificações dos indígenas, objeto de pesquisa bastante denso, pouco tratado
na bibliografia arqueológica.
A existência de aldeias fortificadas é um fato bastante conhecido.
Entretanto, a questão que pode ser colocada é: teria ocorrido alguma mudança
tipológica, estimulada pela presença de um novo tipo de agressor que portava
um novo tipo de arma? Os famosos desenhos do livro de Hans Staden retratam
o único tipo desenvolvido ao longo de milênios (1974: 87, além de várias
ilustrações)? Tratar de questões tão importantes de forma breve e,
seguramente,
leviana,
iria
contra
os
princípios
de
um
conhecimento
arqueológico que pretende ser mais do que um mero ilustrativo da história
oficial. O não tratamento dessas questões, dentro do objetivo de trabalho
anterior e através da perspectiva da arqueologia social e da crítica, seria
perpetuar um conhecimento que exalta as origens européias e deliberadamente
esquece as nativas, realimentando uma ideologia de dominação.
2 Justificativa
Os trabalhos sobre as fortificações paulistas são quase inexistentes.
Quando os encontramos, dão ênfase à visão histórica e à arquitetônica,
ignorando completamente o potencial arqueológico desses monumentos.
Talvez os dois únicos trabalhos arqueológicos levados a cabo em fortificações
paulistas tenham sido o realizado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro
Scatamacchia, em fins da década de 80, na fortaleza da Barra Grande
(Guarujá), e o que está para ser realizado no forte de São João de Bertioga, no
município de mesmo nome, por ocasião do restauro realizado pelo IPHAN-SP.
Em outras regiões do país, a realização de trabalhos arqueológicos em
fortificações é um pouco mais extensa, não chegando a ser, no geral,
comparável, em quantidade, às empreitadas norte-americanas, canadenses ou
portuguesas. Apresentamos, logo abaixo, alguns exemplos.
Entre os anos de 1989/ 90, devido à necessidade de se realizarem obras
de restauro na fortaleza de São José da Ponta Grossa, em Florianópolis, SC,
foram realizadas escavações sistemáticas por arqueólogos da Universidade
Federal de Santa Catarina.
15
O arqueólogo Marcos Albuquerque, da Universidade Federal de
Pernambuco é um dos poucos arqueólogos que se dedica integralmente à
exploração dos baluartes do Nordeste brasileiro, tendo já publicado farto
material a respeito (Albuquerque & Lucena, 1997, com referências anteriores).
Com este quadro em mente, a elaboração desta pesquisa justifica-se
pela inexistência quase que total de trabalhos no litoral de São Paulo. A
arqueologia pode dar contribuições inestimáveis para a compreensão da
realidade social na qual estavam imersos esses monumentos de terra, pedra e
cal. Pode contribuir, também, para o adequado restauro das fortificações, uma
vez que a maior parte deles é executado apenas com base nos registros
primários escritos, e a diferença entre o escrito e o realmente concretizado é
bastante
grande.
Outra
contribuição
está
na
musealização
para
o
aproveitamento turístico dos monumentos (no caso da fortificação da ponta da
Trincheira podemos ter o desenvolvimento do turismo cultural subaquático,
tema que será desenvolvido no último capítulo).
Um outro fator que demanda maiores estudos são as características sui
generis de alguns dos baluartes litorâneos paulistas. A primeira imagem que se
tem quando falamos de fortificações é a de portentosas estruturas, tais como o
forte do Mar, em Salvador, o Príncipe da Beira, em Rondônia ou mesmo a
fortaleza da Barra Grande, no Guarujá. Não imaginamos que elas também
podem ser apenas aglomerados de pedra e terra - trincheiras, praticamente com pouquíssimas bocas de fogo. Em São Paulo, uma boa parte das
fortificações que iremos encontrar tinha esse caráter, muitas vezes chamado de
“provisório” (Müller, 1978: 86-88).
As poucas escavações realizadas em fortificações privilegiam as
grandes estruturas, de forma que os redutos, trincheiras ou fortins ficam
relegados ao esquecimento. E no caso de São Paulo, sua trajetória militar está
fortemente apoiada nesses baluartes simplórios até fins do século 19.
Privilegiando as grandes estruturas, estamos, de certa forma, pegando a
exceção. As grandes construções só foram estabelecidas na praça de Santos e
de Paranaguá (hoje localizada no Estado do Paraná): todos os outros portos
eram guarnecidos por pequenas estruturas, com parco poder de fogo.
16
Essas pequenas estruturas, construídas com poucos recursos materiais
e humanos, de duração efêmera e eficácia duvidosa, muitas vezes não
despertam o interesse da maioria dos arquitetos, por não possuírem estruturas
relevantes, e dos historiadores, por terem sido demasiado pequenas para
figurarem em um universo significativo de registros escritos à época de
operação. Mas, para o arqueólogo, essas edificações podem ser tão
importantes quanto as grandes estruturas, pois, em alguns casos, os fortes ou
fortalezas não funcionavam sem os pequenos redutos.
Esse é o caso da fortaleza da Barra Grande (Guarujá, SP). Sem a
trincheira do Góis, que impedia desembarques indesejáveis, na praia de
mesmo nome, vizinha à referida fortificação, a fortaleza seria tomada pelo
flanco esquerdo sem grande resistência. Na mesma relação de dependência,
se não existisse o forte Augusto ou da Estacada - uma paliçada situada na
margem norte da barra, construída para cruzar fogos com a dita fortaleza - os
navios inimigos alcançariam com maior facilidade o porto de Santos, pois
poderiam desviar do fogo da Barra Grande aproximando-se da margem oposta
do canal.
Esse também é o caso do sistema defensivo oitocentista do mar
Pequeno, canal marítimo que separa a ilha Comprida, em toda a sua extensão,
do continente. No início do século passado, para a proteção da costa, são
traçados planos de fortificar pontos estratégicos vulneráveis, e é neste
momento, entre as décadas de 1820 e 1830, já dentro da estratégia imperial de
defesa do território, que a planície costeira Cananéia/ Iguape ganha um
subsistema defensivo, consistindo em um canhão na vila de Icapara (que nunca
foi montado em bateria), na extremidade nordeste do canal, e um forte na ilha
Comprida, protegendo o porto de Cananéia e a extremidade sudoeste do canal.
Neste caso, é também flagrante a necessidade de estudo do subsistema, pois
as “duas” fortificações foram concebidas para atuar em conjunto, fechando as
duas barras.
Enfim, dando ênfase às grandes ou às modestas fortificações, quem
desejar estudar o sistema defensivo do território paulista terá que fazê-lo
levando em conta a existência de subsistemas de defesa: uma fortificação
isolada não defenderia um porto. Portanto, a compreensão de uma realidade
social, vista pela materialidade da organização político-militar, tem que cuidar
17
não de estruturas isoladas, mas sim do seu conjunto, numa tentativa de
estabelecer uma espacialidade, um todo organizacional.
3 Bases teóricas da pesquisa
3.1 Arqueologia histórica
O
conceito
de
arqueologia
histórica
utilizado neste trabalho é
desenvolvido a partir do que não é arqueologia histórica. Fonseca (1990: 39-62)
coloca que, para a arqueologia social latino-americana, não existe uma
arqueologia da pré-história e sim uma arqueologia da história antiga americana.
Logo estaríamos trabalhando com um conceito de arqueologia histórica que
poderia ser mais bem entendido se o chamássemos de arqueologia da história
contemporânea americana ou arqueologia americana pós-conquista européia
(Orser, 1992: 17-29). Mas, o mais importante para este trabalho é que essa
divisão não se dá através da existência de escrita ou não. A derrubada desse
marco favorece a percepção do documento escrito e do material, ambos, como
documentos arqueológicos, atenuando as fronteiras dos domínios científicos
exclusivos. Veremos mais a fundo essa discussão no próximo item.
Para além da nomenclatura, acreditamos que, chamando de arqueologia
histórica, ou arqueologia da história contemporânea ou arqueologia pósconquista européia, o arqueólogo deve ter em mente que essas denominações
enunciam um conceito de arqueologia que se preocupa com os restos materiais
de uma formação econômico-social mercantilista e capitalista e que, portanto,
extrapola os limites de um sítio ou de uma paisagem arqueológica, atingindo os
mais diferentes cantos do planeta (Orser, 1994: 5-22), uma vez que a produção
de mercadorias depende da possibilidade de distribuí-las. Assim, a existência
de porcelana chinesa em aldeias indígenas americanas deve levar à
compreensão da produção artesanal/ industrial chinesa, das formas de
distribuição européias e do uso atribuído ao objeto pelos ameríndios e não a
percepção de apenas um desses momentos.
Finalmente, apesar da insolúvel questão da delimitação cronológica
entre pré-história e história americana (ou história antiga e pós conquista) não
18
estar em cheque - porque tratamos de contextos do século 18 e 19, claramente
inseridos na realidade capitalista ocidental moderna e contemporânea acreditamos que essa divisão, seguindo as idéias de Charles Orser, só pode
ser estabelecida regionalmente, de acordo com a época de contato entre
culturas e da forma que isso se deu. Tratando especificamente do vale do
Ribeira, um grupo de discussão foi estabelecido dentro das reuniões do PABVR
para tratar dessa e de outras questões que estimulam a reflexão sobre o papel
do arqueólogo na forma como ele constrói o conhecimento.
3.2 Arqueologia e história: questões contemporâneas
O litoral paulista é região que despertou, e ainda desperta, grande
interesse e curiosidade tanto no leigo quanto no estudioso. Essa fascinação é
tal que, muitas vezes, o leigo torna-se estudioso e o estudioso, leigo em relação
ao conhecimento produzido pelo ex-leigo. Tal jogo de palavras expressa,
rudemente, a situação encontrada na planície costeira Cananéia/ Iguape.
Muitos são aqueles que escreveram sobre a história de Cananéia e
região. Desde fins do século 18 até meados do século 20, diversos autores
tentaram
sistematizar
fatos
ocorridos
desde
o
século
16
em
obras
memorialistas (principalmente em fins do século 18 e início do 19) e narrativas,
já no começo do século passado. As primeiras obras são coleções de
anotações sobre fatos notáveis e fragmentos de documentos perdidos ou que
estavam a se perder, o que podemos chamar quase de um diário (Almeida,
1981: 9-36). Já as obras de fins do 19 e início do 20, das quais Antonio Paulino
de Almeida é o arcano maior, propõem uma interpretação sobre esses fatos
passados, organizados em forma de narrativa dos acontecimentos, onde as
figuras históricas (pessoas) de Cananéia e do Estado de São Paulo teriam
papel determinante nos rumos da história.
O que propomos neste trabalho é um distanciamento dessa visão
histórica para a produção de um conhecimento que enxergue a realidade como
uma totalidade social e não mais como a vontade das personalidades. Apesar
de parecer uma obviedade (não é o que todos os que vêm depois tentam?) e
19
até arrogância (pretensões demasiadas para um simples mestrado?) dizer isso,
acreditamos que essa é a chave para o entendimento da região.
Sendo este um trabalho de arqueologia, examinemos agora em que
medida ela está envolvida com a história e em conseqüência na problemática
acima levantada.
Arqueologia e história encontram-se em dois momentos da evolução do
pensamento: no Iluminismo, antes dos dois campos do conhecimento
ganharem forma própria, distinguindo-se do grande corpo de conhecimento que
era o estudo das línguas; e contemporaneamente (a partir dos anos 1960), num
movimento de engajamento às realidades sociais graças à análise do discurso
dos vários atores sociais, o que vai de encontro à pretensa isenção científica
(exata) das delimitações positivistas. Tendo as realidades sociais em foco, a
arqueologia não poderia deixar de perceber os restos materiais da vida diária
do “povo miúdo” e nem a história poderia ignorar que os textos são geralmente
escritos pelas camadas dominantes (Funari, 1998: 7-34).
A percepção desse diálogo eminente entre arqueologia e história levou
os arqueólogos a conceberem a arqueologia como uma história social que deve
mesclar a cultura material com os documentos escritos (Funari, 1998: 8). Vale
ressaltar que arqueologia e história, apesar de terem sempre sido associadas
uma a outra pelo senso comum (incluindo aí o senso comum acadêmico), só há
pouco passaram a interagir. Anteriormente uma servia de “muleta” para a outra
e, em geral, a arqueologia era o apoio, uma vez que por muitos não era
considerada uma disciplina passível de se sustentar, ganhando, assim, a
designação de “ciência auxiliar” da história.
Dito isso, voltemo-nos a uma questão contemporânea bastante
importante da construção do conhecimento histórico para depois retornarmos
às questões diretamente ligadas à arqueologia.
Segundo Peter Burke (1992: 327-348) à história concebida como
narrativa dos acontecimentos sucedeu a história estrutural, um dos elementos
principais da plataforma da Escola dos Anais, preocupada justamente com a
análise do processo histórico em detrimento da descrição. Tal processo deu-se
a partir do início do século 20 e durou até fins da década de 1970, quando
temos um ressurgimento da narrativa. Ainda segundo Burke, o embate entre as
duas correntes é sem propósito, uma vez que ambos os lados pressupõe que é
20
fácil separar os acontecimentos das estruturas. Outro detalhe é que ninguém
concebe narrar sem estruturar ou estruturar sem narrar, donde chegamos à
conclusão que a saída para esse impasse não é a confecção de obras que
contemplem uma e outra corrente e sim a utilização de métodos e técnicas
(inclusive literárias) embasados em uma teoria sem a distinção de narrativa e
estrutura, porque estaria ciente de que uma e outra não estão apenas juntas e
sim entrelaçadas.
É nesse ponto que tentaremos transformar a forma de escrever o
conhecimento sobre Cananéia, Iguape e região. Não vamos propor uma
interpretação estrutural da história de Cananéia para chocar-se com as
narrativas de acontecimentos até agora feitas. Vamos propor uma versão que
analise o processo histórico como um todo, sem distinções entre estrutura e
narrativa.
Não distinguiremos, também, arqueologia de história, uma vez que a
documentação escrita, objeto por excelência da história, será enxergada
através do arcabouço teórico da arqueologia, e a ela será dado o mesmo valor
do documento arqueológico, porque aboliremos o desdobramento do conflito
narrativa x estrutura na arqueologia, o embate entre escavação x teoria.
A forma de pensamento dentro da qual nascerá essa interpretação será
o materialismo histórico. Vejamos agora suas utilizações na arqueologia e qual
corrente de pensamento satisfaria melhor nossos objetivos.
3.3 O materialismo histórico na formação da teoria arqueológica
O materialismo histórico corre sempre riscos de ser associado a uma
teoria das estruturas, a uma análise econômica do capitalismo (muito
empregado pelos economistas) ou, de forma mais vulgar, aos “modelões”
políticos empregados pela direita radical e pelos fascistóides de esquerda
(pessoas e instituições). Esqueçamos tudo isso e tratemo-lo como uma forma
de pensar lógica e bem estruturada, tributária de seu expoente maior, K. Marx,
mas também de muitos outros (inclusive de seus inimigos e de seus maus
intérpretes).
21
Segundo Fonseca (1990: 39-62), a arqueologia, durante a primeira
metade do século 20, vai trilhar dois caminhos diferentes: um deles, calcado em
um materialismo histórico desenvolvido através do esquema evolucionista de
Morgan, terá como maior expoente Vere Gordon Childe, o qual concebia a
arqueologia como uma ciência social; o outro, derivado do pensamento de
Franz Boas, anti-evolucionista, evidenciava a necessidade de recuperar
informações sobre antigas culturas, sendo que o acúmulo das mesmas
permitiria, através do método indutivo, a construção de uma história cultural.
Ainda segundo Fonseca, na década de 1960, dentro da arqueologia
ocorrem dois movimentos opostos. Em parte da América Latina desenvolve-se
a arqueologia social, descendente direta da perspectiva histórico-materialista
de Childe; nos EUA (e, por influência, em outras partes da América Latina),
esboça-se a nova arqueologia (ou arqueologia processual), um movimento,
longe de ser homogêneo, que vai de encontro ao pensamento indutivo e
descritivo da velha guarda, propondo-se dedutivo e explicativo, lançando mão
de métodos quantitativos, da teoria dos sistemas e do neo-evolucionismo.
Apesar desses dois movimentos teóricos continuarem em voga até hoje,
um outro surge nos EUA, a partir de fins dos anos 1970, numa tentativa de
demolir o pensamento processualista.
A arqueologia pós-processual, tal como a processual, está longe de ser
um movimento único (curso Arqueologia pós-processual, 1999, anotações de
aula). Dentro dessa macro-denominação existem vários grupos teóricos, dos
quais destacaremos a arqueologia crítica que, junto com a arqueologia social
constituirá os alicerces teóricos da pesquisa.
Apesar de serem abordagens desenvolvidas em períodos distintos e por
razões inversas (a arqueologia social como instrumento de resistência frente à
arqueologia imperialista dos EUA e a crítica devido à descoberta e aceitação do
marxismo por parte dos EUA, uma vez que ele não representava mais o “perigo
vermelho”) elas possuem uma base comum que é justamente o materialismo
histórico.
Segundo Bate (1989: 8-9), estudioso ligado à arqueologia social latinoamericana, o materialismo histórico seria a melhor resposta para compreender
uma sociedade como totalidade concreta a partir da classe de informação com
a qual a arqueologia geralmente lida, a empírica.
22
A arqueologia de base materialista histórica, por ser uma ciência social,
deve produzir conhecimento a partir da “explicitação dos nexos recíprocos entre
os aspectos da realidade que se pretende refletir nas categorias de formação
econômico-social, modo de vida e cultura” (1989: 15). É no âmbito da cultura
que estão compreendidas as “singularidades fenomênicas da cultura” (1989: 8),
visíveis para os arqueólogos através de sua expressão concreta, os restos, as
ruínas, os artefatos, vestígios, etc. Cabe, então, ao arqueólogo desenvolver as
citadas categorias analíticas a partir dos vestígios, mas levando em conta que o
objetivo final é a compreensão de uma realidade pretérita e não a compreensão
da expressão física de um fenômeno. Ou seja, há que se transcender o artefato
e chegar a quem o fez.
É visando entender melhor os elementos fenomênicos concretos da
cultura (os cacos, os fragmentos, os artefatos) da planície costeira Cananéia/
Iguape no século 19, que escolhemos a arqueologia crítica como teoria da
realidade. Não iremos nos centrar na arqueologia social porque ela tem seu
desenvolvimento ligado ao estudo da história antiga americana 5 enquanto que
a arqueologia crítica está intrinsecamente ligada à história pós-conquista
americana 6. Dessa forma, a evolução da última caminhou no sentido de atingir
a materialização da ideologia dentro do âmbito da mudança social, enquanto
que o da primeira, devido às limitações que a inexistência dos registros escritos
impõem, não consegue atingir com tanta eficácia o nível ideológico7.
Essa não é uma mera diferença de alcance de resultados. Apesar delas
terem a base em comum, a elaboração do corpo teórico-metodológico da
arqueologia crítica vai procurar respaldo na produção intelectual da Escola de
Frankfurt e nos autores que seguiram em linhas semelhantes (a exemplo de
Foucault), produzindo um outro desdobramento do materialismo histórico. Além
disso, a escolha de um contexto histórico pós-conquista também vai afetar a
5
“O arqueólogo, como estudioso das sociedades antigas, deve reconstruir o desenvolvimento
das mesmas e estudar seu processo de transformação até seu encontro com sociedades
recentes” (Fonseca, 1990:48).
6
Muito se tem discutido sobre a utilização de termos politicamente corretos na nomeação
dessas duas disciplinas. Arqueologia da história antiga é extraído de Fonseca (1990: 39-62) e
histórica pós conquista é elaborado a partir de discussões em Orser Jr. (1992: 17-29).
7
“Não podemos deixar de reconhecer que outras facetas são de maior dificuldade de inferência,
por exemplo, a religião e a ética (Childe, 1973), sua reconstituição se apóia fundamentalmente
em analogias com grupos atuais e no método comparativo de disciplinas tais como a das
religiões comparadas e seus apoios na psicologia e filosofia” (Fonseca, 1990: 55).
23
construção teórica. Novamente de acordo com Bate (1989), “a teoria é, em
cada momento e ao mesmo tempo, resultado das pesquisas precedentes e
ponto de partida das novas pesquisas (p.8)”.
Se a teoria é produtora e produto da pesquisa, então aquela teoria que
acabou por ser utilizada com maior freqüência em contextos arqueológicos
históricos pós-conquista, que lidou com os elementos fenomênicos de uma
cultura histórica capitalista, passou a ser também tributária dessa utilização, e
pode levar estudos que se iniciam a partir dela a caminhos mais específicos.
3.4 A arqueologia crítica
Em linhas gerais, a arqueologia crítica, além de estar preocupada com a
análise da produção social da cultura através de sua manifestação palpável, a
cultura material, pretende examinar a construção das ideologias que mantém a
produção social das sociedades capitalistas. O objetivo da arqueologia crítica
transcende a tentativa de mostrar quem são os donos dos meios de produção e
quem constitui a força de trabalho: procura desvendar a ideologia8 que mantém
e legitima as posições dentro de um contexto social. Vamos examinar um caso
da aplicação dessa teoria.
Leone e Hurry (1998: 34-62), em estudo sobre planejamento urbano no
Estado de Maryland (EUA), mais especificamente nas cidades de Saint Mary
(em ruínas), Annapolis e Baltimore colocam que a utilização dos princípios
urbanísticos, primeiro barrocos, depois panópticos, revestidos com elementos
neoclássicos, espelham não só tendências estéticas, mas também idéias sobre
a manutenção e legitimação do poder. A utilização do primeiro, que remonta à
primeira metade do século 17 e se estende até o terceiro quartel do 18, vai
gerar povoações onde todos os caminhos e perspectivas levam às edificações
pertencentes às instituições dominantes (Estado e Igreja), sugerindo uma
emanação direta do poder monárquico por sobre os súditos. Quando, em
meados do século 18, desponta uma elite nativa endinheirada, mas excluída do
8
Pensada como a representação imaginária das relações reais nas quais os indivíduos vivem
(Handsman & Leone, 1995: 117-120).
24
cenário político, tais artifícios urbanísticos são aplicados em jardins de
mansões, como a de William Pacca, o mais importante exemplo.
A segunda, baseada nas idéias de, principalmente, Jeremy Bentham,
passa a ser utilizada desde fins do século 18. Esta política urbanística cria
paisagens onde as várias formas de um poder pulverizado, são prontamente
alcançadas pelo olhar, levando a crer que a vigilância agora não mais era feita
diretamente pelas instituições (universidade, casa de câmara, prisão), mas pela
moral individualista republicana burguesa emanada delas. A idéia que se
tentava passar era a de que, uma vez que o poder agora era uma emanação
dos desejos da sociedade civil da nova nação, cada indivíduo deveria observar
a sua própria conduta, espelhando-a nos símbolos materiais das instituições
construídas pelo poder emanado do povo. No entanto, tais artifícios panópticos
envoltos em idéias neoclássicas, representariam a materialização ideológica
que garantiria o poder nas mãos das elites burguesas nativas tributárias da
pulverização do poder monárquico inglês. Seriam novos mecanismos de
dominação e não expressão de uma pretensa vontade de um povo. É dentro
dessa linha de trabalho que se pretende seguir esta pesquisa. Entretanto,
algumas ressalvas devem ser feitas.
Esse tipo de interpretação realizada pelos pesquisadores norteamericanos, também foi possível porque eles têm um contexto arqueológico
muito bem definido e escavado, o que os permite até difundir essas idéias para
o público em geral através de folhetos turísticos (Leone, Potter Jr., 1996: 570598). No caso do estudo do baixo vale do Ribeira, com maior ênfase em
Cananéia, as pesquisas arqueológicas estão apenas começando, iniciando um
processo de longo termo na construção do conhecimento crítico, o que nos
levará a várias descrições e algumas interpretações modestas, caracterizando
uma investigação que G. Gibbon (1984: 79-81) classificaria como exploratória,
que seria um tipo intermediário entre a pesquisa que procura testar hipóteses e
a que descreve contextos. Pretende-se descrever um contexto arqueológico,
ainda desconhecido e sem referencial, mas não até o ponto em que a
dissertação gire em torno dessa ferramenta. Serão necessários testes de
hipóteses sim. Todavia, não é nossa intenção provar que elas são absolutas - o
conhecimento definitivo.
25
4 Bases metodológicas da pesquisa
Metodologia é a sistematização dos procedimentos lógicos adequados
para conhecer uma classe de fenômenos reais (Bate, 1989: 7).
Ainda segundo Bate, não existe uma única série de procedimentos para
cada tipo de pesquisa: eles são determinados pela teoria da realidade que será
empregada no estudo. Uma vez que explicamos o porquê da escolha do
cabedal teórico da arqueologia crítica, passaremos adiante com a explicação
dos métodos definidos por esta escolha.
A necessidade de um levantamento bibliográfico extenso explica-se pela
mudança da concepção de história exigida pela corrente teórica adotada pela
pesquisa.
A arqueologia crítica, voltada para a compreensão dos mecanismos de
manutenção e legitimação do poder, através dos vestígios materiais, permite
enxergar as realidades - tanto pretérita quanto presente - de Cananéia e Iguape
de uma outra maneira, transcendendo as abordagens baseadas nas fontes
desenvolvidas pela historiografia local tradicional, principal recurso disponível9.
Foi necessário, então, fazer um grande levantamento bibliográfico não só das
fontes primárias e secundárias sobre a região (com ênfase nos aspectos da
organização militar, explicados no capítulo 2), mas também de outras partes do
litoral e do Estado.
Uma grata surpresa foi a descoberta de um grande número de
documentos escritos referentes ao subsistema defensivo da planície costeira
Cananéia/ Iguape. Eles permitiram não só um quadro histórico bastante
completo como também possibilitaram a elaboração de um Corpus documental
voltado especificamente para decifrar o aspecto material das fortificações do
subsistema em questão - construção, reformas, reedificações, usos, condições
de operação, etc. – e periodizações, transformando o registro escrito em uma
registro material virtual.
9
Apesar das limitações conceituais e interpretativas da historiografia local tradicional, muito do
trabalho desenvolvido é baseado nos levantamentos documentais feitos por Ernesto G. Young e
Antonio P. de Almeida, trabalho este que, nas primeiras décadas do século 20, demandou
imenso esforço. Cabe aos que vieram depois louvá-los por isso.
26
O fato da principal fortificação desse subsistema estar submersa devido
à erosão da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, obrigou-nos a, antes de
efetuar os mergulhos de prospecção e a pesquisa geofísica (o que será
explicado no capítulo 3), levantar a cartografia histórica referente ao local.
Foram localizadas e copiadas diversas cartas náuticas do século 18 ao 20, as
quais contribuíram para a elucidação da evolução da dinâmica erosiva da ponta
da Trincheira nos últimos 200 anos10.
Durante a elaboração do projeto desta pesquisa, determinamos que o
trabalho de campo daria ênfase às prospecções amplas e superficiais (tanto
terrestres quanto subaquáticas), uma vez que os sítios pareciam estar
dispersos por uma grande área e o nosso interesse principal era levantar e
mapear o subsistema e não ter um exaustivo conhecimento intra-sítio. No
decorrer do levantamento bibliográfico e das prospecções arqueológicas
confirmou-se esta proposta; no entanto, na parte subaquática, às prospecções
arqueológicas superficiais (fundo marinho) foram incluídas prospecções
geofísicas do solo marinho e de sua sub superfície e escavações subaquáticas,
o que transforma este trabalho em único no gênero no Brasil. As explicações
são fornecidas com detalhes no capítulo 3.
À literal superficialidade da prospecção dos sítios é contraposta a
densidade da análise das evidências arqueológicas por excelência para esta
pesquisa, as peças de artilharia. Elas foram minuciosamente analisadas
através de técnicas que serão explicadas no capítulo 2. Os resultados são sem
precedentes na arqueologia histórica brasileira e através deles conseguimos
superar o mero levantamento e mapeamento, propondo interpretações.
Com essa grande quantidade de informações de diversas qualidades
sobre o subsistema defensivo do litoral sul, deparamo-nos com a questão: o
10
A futura elaboração de um mapa base e a transposição das profundidades e margens
assinaladas nos mapas históricos para essa base, tudo em uma mesma escala, permitirá
estabelecer curvas de profundidade para o solo marinho que indicam os sentidos de
deslocamento do canal da barra através dos séculos 19 e primeira metade do 20. Já o uso de
cartas náuticas modernas, fotos aéreas, fotos de satélites e comparações científicas anteriores
(Suguio & Tessler, 1992: 24) contribuirá para o posicionamento das linhas de costa durante a
segunda metade do século 20.
Este trabalho está sendo realizado com a ajuda de Flávio R. Calippo, oceanógrafo e aluno de
mestrado da profª. Scatamacchia, e também poderá ser utilizado em trabalhos futuros da equipe
que visem à detecção de sítios de naufrágio naquela localidade.
Trabalhos deste tipo já foram realizados por Long e Paim (1987) objetivando acompanhar a
evolução da barra de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos 200 anos.
27
que é típico dele e o que não é? Para resolvê-la elaboramos um quadro
analítico sobre as condições dos diversos subsistemas do litoral paulista,
estabelecendo categorias-base e escolhendo um outro subsistema defensivo
para a comparação. Veremos isso no capítulo 2.
Após esses procedimentos, encerramos a pesquisa, no capítulo 4, com
algumas conclusões sobre as diferentes motivações de implantação dos dois
subsistemas defensivos. Apesar deles serem bastante parecidos em aspectos
construtivos e de terem sido instalados no mesmo período, os objetivos aos
quais se destinavam eram diferentes.
5 As técnicas, principalmente as subaquáticas
Finalmente, permeando todas as questões teóricas e metodológicas
temos a arqueologia subaquática, ferramenta extremamente necessária para
esta pesquisa, pois a única fortificação que deixou evidências materiais na
planície costeira Cananéia/ Iguape está submersa no canal da barra de
Cananéia. Com suas especificidades técnicas, a arqueologia subaquática não é
nada mais que arqueologia, apesar de, no Brasil, ainda encontrarmos
resistência tanto na Academia, na Marinha, quanto na sociedade em geral.
Essa resistência ou ignorância da causa é particularmente sentida na
aprovação da lei 10.166 de 27/12/200011, a qual institui recompensas
financeiras ao mergulhador ou empresa que resgatar peças arqueológicas de
naufrágios, além de permitir que toda a carga12 seja incorporada pelo
11
Altera a Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986, que dispõe sobre a pesquisa, exploração,
remoção e demolição de coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em
águas sob jurisdição nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos
marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar, e dá outras providências.
12
A carga, para o arqueólogo, assume outro sentido, porque ela permite que entendamos o
contexto social de uma realidade passada. Segundo Bass (1985: 6), em carta enviada ao
Senado norte-americano para rebater os argumentos dos caçadores de tesouros em prol da
aprovação do projeto de lei que liberava o saque subaquático: “12 Os caçadores de tesouros
dizem que não há inconveniente em vender artefatos duplicados. Usando novas técnicas,
estivemos recentemente a estudar artefatos aparentemente idênticos aos que escavamos vinte
anos antes, e aprendemos o suficiente para escrever novos capítulos e artigos sobre eles.
Somos capazes de fazer este novo estudo apenas porque os artefatos estão ainda juntos num
museu em vez de terem sido dispersos através das vendas.” Caso algum arqueólogo “terrestre”
sequer cogitassem em vender uma das estátuas do exército de terracota chinês ou as múmias
28
empreendedor para que ele disponha da forma como bem entender (leia-se
vender para o mercado externo).
O que mostramos neste trabalho é que a arqueologia subaquática é
usada de forma integrada com a arqueologia “terrestre” sem nenhum problema,
sendo apenas a extensão “molhada” dos trabalhos em terra.
Cabem agora algumas palavras sobre a arqueologia subaquática, a
começar pelo básico, que muitas vezes é esquecido: ela não pode ser
confundida com o resgate subaquático.
A confusão entre a arqueologia subaquática e o resgate subaquático
pode ser entendida se levarmos em conta que a primeira é extremamente
jovem e que deu seu primeiro “passo do gigante”13 com o arqueólogo norteamericano George Bass, na década de 1960. Do outro lado temos o resgate
subaquático, tributário de séculos de história, existente desde que a primeira
embarcação afundou e houve o desejo recuperar sua carga.
Para termos uma idéia de sua ancestralidade, as atividades de resgate
subaquático já eram reguladas desde a antiguidade através da lex Rhodia, a
qual garantia uma dada porcentagem da carga, para o mergulhador, de acordo
com a profundidade em que ela se encontrava (Blot, 1996: 14). Afinal, este ser
de incrível capacidade pulmonar, físico bem desenvolvido, acostumado com
uma atividade perigosa em um meio alienígena, merecia uma boa recompensa.
Avançando bastante no tempo, chegamos ao século 19, quando é criado
o primeiro equipamento de mergulho que permitia ao mergulhador ter
suprimento de ar enviado da superfície, o escafandro (Blot, 1996: 18). Já não
eram necessários homens com muito fôlego, mas homens capazes de suportar
longos períodos debaixo d’água fria carregando pesados capacetes e botas,
que sabiam que qualquer problema transformaria seu traje em sua sepultura.
Mas, na década de 1940, com a criação do aqualung, houve uma radical
mudança na exploração dos ambientes subaquáticos. Esse equipamento de
mergulho, usado até hoje, permite que qualquer ser humano, desde que tenha
um mínimo de treinamento e um mínimo de condição física, mergulhe,
deixando o mundo das águas aberto a quase todos. Ele já não mais pertence
peruanas – afinal elas existem aos milhares – estaria preso no segundo seguinte. Por que
embaixo d’água deveria ser diferente?
13
Movimento que o mergulhador faz para cair na água na posição vertical, em pé.
29
exclusivamente ao ser destemido e forte que arriscava sua vida pelo lucro das
profundezas.
Surge a partir daí a oportunidade dos arqueólogos irem para a água e
trabalharem com naufrágios antigos e suas cargas (porque, afinal, elas também
são arqueológicas, os restos palpáveis das rotas comerciais) e outros sítios
submersos (aldeias, santuários, fortificações, etc) que, desde a renascença,
instigavam a imaginação dos humanistas. Cria-se, então, a arqueologia
subaquática, que é uma especialização dentro da arqueologia, uma ciência
social consagrada. Logo, a arqueologia subaquática também é ciência.
Sendo nada mais do que um ramo da arqueologia, a arqueologia
subaquática possui os mesmos problemas teórico-metodológicos encontrados
na ciência de origem: estudar a trajetória da humanidade através dos restos de
cultura material (os elementos palpáveis da intervenção humana sobre uma
realidade social e ambiental). A única diferença entre a arqueologia “terrestre” e
a subaquática está no campo das técnicas, pois estas devem ser adequadas ao
meio físico de intervenção (Rambelli, 1998): um sítio emerso deve ser
escavado com pás; já um sítio imerso deve ser escavado com sugadoras.
(Sobre as técnicas utilizadas nessa pesquisa, entraremos em detalhes no
capítulo 3).
Paralelamente
à
arqueologia
subaquática,
ligada
geralmente
às
seguradoras, temos a milenar atividade de resgate subaquático, a qual continua
exigindo mergulhadores profissionais dispostos a correr riscos para recuperar
navios recentemente afundados e suas cargas, usando explosivos e
ferramentas pesadas para buscar, o mais rápido possível, o lucro.
Agindo entre essas bem estruturadas atividades estão os “caçadores de
tesouros”, pessoas que aplicam as técnicas do resgate subaquático aos sítios
arqueológicos submersos e que mascaram a busca pelo lucro com ciência. Um
ramo mais inocente (mas igualmente pernicioso) dessa atividade é a retirada de
souvenirs de sítios arqueológicos por mergulhadores desportivos. Ambas as
atividades são consideradas, internacionalmente, como apropriações privadas
de um bem público (de todos os povos), finito e não renovável14.
14
A Carta Internacional do ICOMOS Sobre Proteção e Gestão do Patrimônio Cultural
Subaquático. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, n º. 7,
p.209, 1997. ICOMOS - International Committee on Monuments and Sites.
30
Fato bastante intrigante é que a lei brasileira, citada acima, confunde
arqueologia subaquática com o resgate e com a caça ao tesouro, o que acaba
favorecendo o último, transformando-a numa lex Rhodia do terceiro milênio d.
C.
O caso da fortificação submersa na barra de Cananéia coloca questões
interessantes sobre a eficácia da lei ao regular as atividades subaquáticas. Em
primeiro lugar, nos próximos capítulos o leitor verá que o estudo dessa
fortificação é essencial para a compreensão do sistema defensivo paulista do
século 19, bem como da sociedade que o planejou e o construiu. Entretanto, a
lei não diz nada a respeito dos procedimentos que devem ser adotados para a
pesquisa porque simplesmente a lei só trata de naufrágios, ou seja, apenas um
dos tipos de sítios que podem ser encontrados embaixo d’água.
Prosseguindo, deixamos no ar intrigantes questões: existiam 6 canhões
na fortificação; 3 estão embaixo d’água e 3 foram retirados (sendo que hoje
restam apenas 2). Os dois que estão no monumento em Cananéia podem ser
considerados documentos arqueológicos e podem até ser tombados pelos
órgãos que normalmente fazem isso. Porque então o CONDEPHAAT (Estado)
ou o IPHAN (União) não poderiam cuidar das armas que estão no fundo do mar
se poderia cuidar das que estão em terra? O fato de estarem submersos delega
a função à Marinha? Mas como a Marinha poderia cuidar deles se a lei que
deveria regular essa situação só é voltada aos naufrágios? Então só os que
estão fora d’água são arqueológicos? Podemos concluir que canhões
submersos não são bens arqueológicos? Mas aí então os canhões que
estivessem em embarcações não seriam arqueológicos só pelo fato de serem
canhões submersos? Mas canhões são canhões, não?
31
Capítulo 2
O segundo capítulo discorrerá sobre o sistema defensivo do litoral
paulista e sobre os subsistemas defensivos do referido litoral no século 19.
Inicialmente começaremos com uma apresentação da evolução das
estratégias militares e das obras de fortificação a partir do fim da Idade Média,
época em que são lançadas as bases do baluarte moderno devido ao
aperfeiçoamento das armas de fogo.
A importância de mostrar o desenvolvimento das estratégias e das
fortificações está na formação de um contexto adequado para o entendimento
da criação das defesas de São Paulo no século 19. Não podemos simplesmente
recortar uma história militar mundial e colar nesse capítulo. Apesar de existir
uma ligação entre os grandes castelos europeus, as engenhosas fortalezas das
grandes aglomerações humanas coloniais e as nossas trincheiras paulistas, é
particularmente necessário compreender a fundo a construção das últimas, pois
não adianta sabermos como eram construídos os aterros e como eles eram
revestidos com muros de pedra se as fortificações com as quais lidamos muitas
vezes não tinham muralhas permanentes.
Após esse panorama geral é apresentado o contexto histórico da
fortificação do litoral paulista, bem como sua divisão em subsistemas.
Os subsistemas são quatro: Paranaguá; Cananéia/ Iguape; Santos/ São
Vicente; e São Sebastião/ Ilhabela. Neste capítulo damos ênfase ao subsistema
de Sã Sebastião e de Cananéia. A maior dedicação a esses subsistemas devese ao fato deles terem sido desenvolvidos contemporaneamente, no século 19,
apesar de fortificações esparsas existirem em Ilhabela e S. Sebastião desde o
século 18.
A análise dos subsistemas (que se estende para o capítulo 3 e também
para o 4) é feita através dos seguintes parâmetros:
Tipos de fortificações (análise da estrutura edificada de cada uma);
Implantação das fortificações (análise do conjunto);
Armamentos: quantidade e qualidade;
Tropas: quantidades e qualidades;
Funcionamento: ideal e efetivo.
32
Ainda dentro dos critérios de análise, como nossas pesquisas foram
mais aprofundadas em Cananéia e Iguape, dois outros parâmetros, específicos
desse subsistema são estudados: a importância dos Pontos de Parada Militar
(vigias) e a fortificação dos portos (controle dos desembarques).
1 A evolução das obras de fortificação e das estratégias militares
O princípio básico para o entendimento da evolução das obras de
fortificação, do final da Idade Média até contemporaneamente é bastante
simples: o desenvolvimento da artilharia pirobalística15 (potência de tiro,
cadência de tiro, precisão nos disparos, mobilidade das armas, tanto na terra
quanto no mar) aliadas ao desenvolvimento das técnicas de combate (eficiência
do sítio e, paradoxalmente, potencial de deslocamento das tropas) fizeram com
que, gradualmente, as fortificações tivessem muralhas mais baixas e mais
grossas, até que elas desaparecessem por completo das vistas, indo para
debaixo da terra, confundindo-se com a própria paisagem. É claro que esse
processo envolve diversos eventos bastantes complexos e está embasado no
desenvolvimento histórico da geopolítica (dentro da qual está a esfera militar).
Figuras 1 e 2: Dois extremos de tipos
de fortificações. Na figura 1, acima, a
torre Solidor, em Saint-Servant-sur-Mer,
França. Construída no século 14, é a
marca de um tempo em que a artilharia
pirobalística ainda não fazia grandes
ameaças.
Na figura 2 temos a casamata
Simserhof, obra de grande importância
da famosa linha Maginot, instalada na
fronteira da França com a Alemanha.
Foi construída entre 1929 e 1937 para
resistir às descargas de artilharia
pesada (Ministère de la Défense, 1996).
15 “Por pirobalística entendemos o processo de tiro em que se utiliza, como força propulsora do
projéteis, os gases resultantes da explosão da pólvora.” (Pereira, 1994: 36).
33
Entretanto, para os fins desta pesquisa, discutiremos, neste capítulo,
apenas os eventos que diretamente afetam a engenharia militar portuguesa e
brasileira de fins do século 18 e primeira metade do 19.
Alguns desses eventos que guiam o princípio básico de evolução das
fortificações são bastante antigos, mas são cruciais para o entendimento do
sistema defensivo paulista do século 19.
Em primeiro lugar devemos entender que a evolução do baluarte está
ligada ao desenvolvimento das embarcações, desde o fim da Idade Média até,
pelo menos, a Segunda Guerra Mundial.
O desenvolvimento do baluarte ou das linhas de baluartes, construções
especialmente preparadas para comportar artilharia e fazer com que elas
varressem um grande contingente de tropas ou uma esquadra com o fogo
cruzado16 está diretamente envolvido com o aperfeiçoamento da caravela,
embarcação que podia navegar com ventos contrários (através do zigue-zague,
valendo-se da força de ventos contrários), para as grandes navegações e para
a guerra17. E este envolvimento dá-se da seguinte maneira.
Não é mera coincidência que os estudos italianos renascentistas sobre a
melhor forma de edificar os baluartes acontecessem contemporaneamente ao
desenvolvimento da caravela portuguesa: eles são respostas para sanar
problemas concretos, baseadas no princípio medieval (a base da mecânica
gótica) da concordia membrorum, ou seja, a convertibilidade da compressão
frontal em tensões laterais oblíquas (Moreira, 1994: 85-89).
Esses dois eventos paralelos encontram-se a partir do momento em que
a caravela, bem armada e passível de carregar toda sua força através de
qualquer oceano ameaça todas as localidades banhadas por cursos d’água que
a comportem. Diante dessa ameaça, a resposta em terra vem na construção de
fortificações abaluartadas que sejam verdadeiras naves de guerra terrestre. A
torre de Belém, em Lisboa, é a epítome dessa forma de pensar e agir.
Por outro lado, já na segunda metade do século 16, começam a
aparecer fortificações que se valem das possibilidades de estar em terra: dispor
16 Apesar de, hoje em dia, esse conceito de cruzar fogos entre duas ou mais frentes de
combate ser banal, foi extremamente inovador no século 15 e alicerçou o desenvolvimento das
fortificações por muitos séculos (Cid, 1998: 32-49).
17
A mais importante invenção foi o tiro rasteiro, rente à água, desenvolvido por D. João II,
monarca de Portugal, nas décadas de 1480-1490 (Moreira, 1994: 85-89).
34
de espaço para o manuseio da artilharia e as virtudes de uma posição física
estável. Tais constantes inovações tanto no mar quanto na terra faziam com
que embarcações de guerra e baluartes caminhassem pari passo. Essa é uma
das chaves para entender o funcionamento das fortificações paulistas do século
19.
Vejamos agora outros eventos de transição que vão influir sobremaneira
em nosso estudo.
A engenharia militar do século 15, sofre grandes mudanças estimuladas
pela adoção da artilharia embarcada e também pela ampliação do burgo
medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer proteger já não
está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção de território. As
cintas das muralhas medievais já não comportam, por exemplo as atividades da
Lisboa do século 15: há que se fortificar Cascais, extensão marítima do porto
fluvial lisboeta, e a costa da Caparica, margem do Além Tejo, para cruzar fogos
com a Torre de Belém, além de espalhar outras fortificações pelo estuário do
referido rio (Cid, 1998: 32-49). Surgida, em Portugal, no século 15 e
desenvolvida na Restauração (a partir de 1640), a noção de território nacional,
de território do Estado que precisava ser centralizado e defendido integralmente
(Pereira, 1994: 35-42) só chegará ao Brasil a partir da segunda metade do
século 1818.
Avançando bastante no tempo, chegaremos à segunda metade do
século 17 e à grande evolução das obras de defesa e das estratégias militares
encabeçadas por Sébastien Le Prestre de Vauban (1633-1707), engenheiro e
soldado francês. Suas estratégias de cerco às praças fortes foram tão bem
pensadas e executadas que passaram a ser imitadas por todos os exércitos
europeus, o que acabou por fazê-lo adaptar os baluartes franceses às suas
táticas de guerra (Faucherre, 1996: 39-46). Entretanto, o que mais nos
interessa são suas táticas de cerco, baseadas em uma série de cordões de
trincheiras que gradativamente aproximavam-se dos baluartes. Como as
defesas do sistema paulista e, principalmente, das regiões norte e sul do
18
É interessante ressaltar que é justamente com a Restauração que surge, em Lisboa, em
1647, a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, embrião da Academia Militar (Silva, 1991: 145;
A engenharia militar..., 1997). No Brasil o ensino da engenharia militar só é sistematizado
quando, em 1774, ainda sob influência pombalina, é aberta a disciplina de “Arquitetura Militar”
dentro da “Aula do Regimento de Artilharia” da cidade do Rio de Janeiro (Tavares, 2000: 50).
35
Estado, eram baseadas em trincheiras e baterias, examinar as complexas
formas poligonais desenvolvidas para as praças fortes de Vauban seria inútil
para os objetivos da pesquisa.
Visando mínimas perdas humanas e o máximo de eficiência (menos
tempo e, claro, dinheiro), Vauban aperfeiçoou as trincheiras – notabilizadas na
Primeira Guerra Mundial – e tornou-as elemento distinguível dentro do campo
das fortificações. O dado que nos é importante no momento – e que
caracterizará as nossas fortificações, mais à frente – é que cestos recheados
com pedras, areia e outros materiais, formavam excelentes e sólidas barreiras
que protegiam totalmente os atacantes dos tiros frontais. É do uso desse
recurso singelo que vem a natureza “provisória” das fortificações de São Paulo.
Figura 3: Trincheiras francesas ao redor do reduto Malakoff (posição russa). Essa foto, tirada
pelo fotógrafo J. Robertson durante as operações da guerra da Criméia (1854-1856), mostra os
materiais e as estruturas utilizadas nas trincheiras. As fortificações paulistas teriam uma
constituição bem próxima à que é mostrada na foto (Musée de l’Armée, 1994: 38).
A essa altura é necessário dizer que a influência da engenharia militar
francesa
era
total
no
ensino de engenharia militar em Portugal e,
posteriormente, no Brasil. Toda a bibliografia destinada aos aprendizes de
oficial de engenharia, desde meados do século 18 até pelo menos as primeiras
36
décadas do século 19, era constituída por obras francesas ou por traduções de
obras francesas19 (Tavares, 2000: 66; Camargo & Moraes, 1993: 128-129).
Ainda tratando da influência francesa, chegamos à segunda metade do
século 18 e início do 19, no tempo do também francês marquês de
Montalembert (1714-1800). O que nos interessa em sua obra é o retorno do
uso das torres, característica do período medieval. Apesar de ser uma ruptura
da corrente de pensamento anterior indicando uma regressão técnica
(Faucherre, 1996: 66-68) o uso das torres é uma tentativa de proteger os
defensores do novo material de artilharia (mais potente, mais preciso), que
agora também disparava projéteis explosivos e/ou incendiários (Guillerm, 1994:
191-192). O uso de torres seria rapidamente abandonado, mas a necessidade
de proteção mais efetiva das tropas de defesa permaneceria, tornando-se a
pedra fundamental da elaboração de obras de defesa.
Esse período marca também a construção de nossas provisórias
fortificações, abertas e efêmeras (as novas fortificações são obras maciças,
que exigem uma imensa quantidade de material construtivo), o que,
teoricamente, seria o indicador ideal da ineficácia e obsolescência delas. No
entanto, eram perfeitamente adequadas para seu contexto de atuação, no qual
os recursos eram escassos e as forças navais a serem combatidas não tinham
grande poder de fogo.
2
O contexto de implantação do sistema defensivo costeiro e seus
subsistemas
Apesar de em nenhum momento as autoridades militares do século 19
utilizarem os termos “sistema” ou “subsistema” para a organização das defesas
costeiras de São Paulo, é extremamente plausível utilizar essas designações,
uma vez que as mesmas autoridades agiam como se houvesse a necessidade
19
ARHEX, CCSP, 79, p. 269 verso, 17/05/1824 – “Relação dos livros que se remetem ao
Presidente da Província [SP]”(...)
Tratado de artilharia do dito autor [La Croix] de nova tradução:30;
Dito de arte militar e fortificação por Guy de Vernon – Tom. 1 º.: 30;
Dito dito, parte 2 ª.: 30;
Dito – Tom. 2 º.: 10;
Dito – Tom. 3 º.: 20.”
37
de criar um cinturão defensivo de alguma forma interligado (mesmo que
precariamente) e não mais praças isoladas que defenderiam portos e regiões
muito específicas, procedimento largamente adotado desde a conquista
européia20.
Pode parecer prosaica essa discussão, mas a adoção desses termos faz
com que percebamos uma radical mudança de ideologia nas mentes das elites
militares e políticas.
A engenharia militar portuguesa, no século 15, começa a sofrer grandes
mudanças estimuladas pela adoção da artilharia embarcada e pela ampliação
do burgo medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer
proteger já não está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção
de território (Cid, 1998: 32-49). Da mesma forma, no século 19, veremos mais
adiante que as necessidades de defesa extrapolam as regiões onde portos ou
vilas chaves estão implantados. No final da agonia metropolitana no Brasil
defende-se uma colônia inteira, o último baluarte do Absolutismo lusitano,
ameaçado de esfacelar-se à menor centelha.
Então, em 1819, devido às articulações diplomáticas entre França,
Espanha e os Estados Platinos e a conseqüente movimentação da Armada
espanhola, são encontrados motivos de sobra para se estabelecer uma linha de
defesa com fortificações integradas. Divide-se a costa paulista em três porções
que iam das margens marítimas à retroterra, delimitada pelas montanhas que
separam a planície costeira do planalto: a primeira, ia da divisa com a Capitania
do Rio de Janeiro até São Sebastião; a segunda, ficava compreendida entre
São Sebastião e São Vicente; e a terceira, ia de São Vicente para o sul, até a
atual divisa do Paraná com Santa Catarina. A primeira divisão ficou a cargo do
marechal Arouche, a segunda a cargo do coronel Muller e a terceira era
comandada pelo marechal Cândido Xavier (Machado d’Oliveira, 1978: 236-237).
Apesar de, já no início de 1820, esse esquema de defesa ter sido desarticulado,
ele nortearia as decisões de fortificação futuras, juntamente com o levantamento
sobre as necessidades de fortificação da costa paulista efetuado pelo coronel
Afonso Furtado de Mendonça em 181921.
20
É interessante ressaltar que, na costa paulista, até a segunda metade do século 18, só
existiam fortificações “permanentes” na região de Santos.
21
BN, Manuscritos, II-35,26,70.
38
Os subsistemas defensivos paulistas, na primeira metade do século 19,
eram 4: vindo de sul para norte tínhamos o de Paranaguá (que englobava
Guaratuba, Morretes, Antonina e todas as outras localidades da baía de
Paranaguá). A fortificação chave desse subsistema era a fortaleza de Nossa
Senhora dos Prazeres, situada na ilha do Mel e edificada na gestão do
Morgado de Mateus (1764-1775) (fig. 5, 1).
Até o final da década de 1820 a fortificação da ponta da Trincheira, na
barra de Cananéia, era subordinada à praça22 de Paranaguá, porque a
companhia de milicianos de Cananéia era comandada pelo governador das
armas de Paranaguá (Rodrigues, 1978: 72-73). Com a extinção das tropas de
milícia e a criação da Guarda nacional, em 1831, a citada fortificação passa a
ser atribuição da câmara de Cananéia e demais poderes locais, adequando a
administração das armas às característica geográficas dominantes23, o que
incluiria a barra de Icapara e o município de Iguape. É a partir desse momento
que podemos considerar a existência do subsistema Cananéia/ Iguape, que era
composto por dois pontos fortificados (ponta da Trincheira e barra de Icapara),
uma peça de campanha em Cananéia e outra em Iguape, além de nove pontos
de parada militar, ou seja, vigias (fig. 5, 2).
22
Praça forte é um conjunto de fortificações destinadas a proteger uma dada região, termo
arcaico que, numa tradução moderna, designaria um sistema ou subsistema defensivo,
dependendo do parâmetro utilizado (o subsistema defensivo paulista está dentro do sistema
brasileiro). Para efeitos da análise desse trabalho, utilizaremos os termos éticos sistema e
subsistema que explicam melhor a situação. O termo êmico praça forte é estanque, e não
permite subdivisões (Laguens, 1988).
23
O ecossistema do Lagamar, que antes da construção do canal do Varadouro não se
comunicava com a baía de Paranaguá.
39
Figura 4: Na foto vemos as muralhas principais, o quartel e a capela da fortaleza de Santo
Amaro da Barra Grande, Guarujá, construída a partir do século 18 (embora o local fosse
fortificado desde o século 16). Foto: PFBC (1998).
A Baixada Santista era guarnecida pelo subsistema de Santos, o qual
abrangia a fortaleza da Barra Grande e o forte da Estacada ou Augusto, no
canal da barra Grande; o forte de São João (anteriormente, São Tiago) e o de
São Luiz (anteriormente, São Felipe), no canal da barra de Bertioga; e,
finalmente, para proteger o porto de Santos existiam o forte da Vila ou de
Nossa Senhora de Monte Serrat, na própria povoação e, logo na margem
oposta, o fortim ou forte de Itapema (que recebeu diversos nomes antes desse)
(Bastos et al., 1998: 4-12). Em São Vicente ainda existiria uma bateria em local
incerto (Müller, 1978: 218-225). As origens dessas fortificações remontam ao
século 16, entretanto, àquela época, não poderíamos considerar a existência
de um sistema defensivo paulista (fig. 5, 3).
E, finalmente, ao norte, havia o subsistema São Sebastião/ Ilhabela que,
anteriormente a 1831, estava ligado à Santos, pelo mesmo motivo que
Cananéia estava ligada a Paranaguá: as tropas de milícia de São Sebastião e
Ilhabela respondiam ao governador de armas da praça de Santos.
Segundo Müller (1978: 86-88), na década de 1830, existiam 5
fortificações provisórias em São Sebastião e 4 em Ilhabela. Entretanto, dos 9,
apenas 6 poderiam operar, sendo 3 em São Sebastião (Sepitiba, da Cruz e
Araçá) e 3 em Ilhabela (Rabo Azedo, Vila Bela e Feiticeira) (Müller, 1978: 218225).
Antes dessa data, na segunda metade do século 18, foram implantadas
duas fortificações em São Sebastião e duas em Ilhabela a mando do Morgado
de Mateus, em 1767 (Almeida, 1946: 11)24 (fig. 5, 4).
Logo adiante estudaremos o caso de alguns desses fortes.
Sobre Ubatuba e ilhas circunvizinhas, pouco pode ser dito. Em nenhuma
das fontes pesquisadas consta a existência de fortificações na região.
Entretanto, a localidade Fortaleza, situada a alguns quilômetros ao sul da
cidade de Ubatuba, sugere que algum ponto fortificado pode ter lá sido
24
Uma fortificação ficaria na ponta das Canas, na ilha, outra na vila de São Sebastião, uma ao
sul da última vila e outra na frente dessa, na ilha.
40
edificado. Mesmo o porto de Ubatuba, a exemplo de diversas outras povoações
no litoral, deveria ter alguma peça de artilharia para rechaçar desembarques
indesejados.
Outro local que pode ter sido fortificado é a ilha dos Porcos. O inglês
John Mawe, quando em viagem de Santos ao Rio de Janeiro, em 1807, diz-nos
que havia um pequeno destacamento lá, voltado para combater o contrabando
(1978:77).
Essas são as únicas informações disponíveis sobre a região de Ubatuba.
Figura 5: Mapa mostrando os subsistemas defensivos paulistas na década de 1820.
3 Os subsistemas defensivos do litoral paulista: comparações
A simples comparação aleatória entre subsistemas defensivos poderia
levar a conclusões banais tais como: a praça de Santos é melhor implantada
que o subsistema Cananéia/ Iguape.
Para que pudéssemos estabelecer comparações que efetivamente
propiciassem informações úteis para a pesquisa, estabelecemos quatro
variáveis para todos os subsistemas que pudessem indicar padrões de
estabelecimento militar. Tais variáveis foram elaboradas a partir dos
parâmetros de avaliação da qualidade das edificações das fortificações
utilizados pelo brigadeiro Müller na primeira metade do século 19 (fortificações
41
permanentes e provisórias) e a partir das observações de campo (qualidade
das peças de artilharia).
As categorias estrutura “permanente” e estrutura “provisória” baseiam-se
no estudo realizado pelo brigadeiro Daniel P. Muller, em parte publicado no livro
“Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo”, editado pela
primeira vez em 1838. Embora Müller não aponte quais características
compunham uma categoria e outra, podemos deduzir, pela observação in loco
de algumas fortificações25 e pelos exemplos citados que as permanentes
dispunham de edificações finalizadas, bem feitas e bem conservadas, segundo
os padrões da época. Já as provisórias falhariam em um ou mais desses
pontos (1978: 86-88, 218-225).
Para determinar a qualidade das peças de artilharia cruzamos as
informações obtidas nas observações de campo e em inventários bélicos26 com
a bibliografia existente sobre o tema e pudemos perceber que algumas peças
são superiores às outras e que elas foram distribuídas de forma desigual pelos
diferentes subsistemas. Grosso modo classificamos como material “obsoleto”
as peças de ferro do padrão Armstrong27 e como material “adequado” as de
padrão Blomefield28,. Mais adiante serão dadas maiores explicações sobre
esses padrões de armas.
Na tabela abaixo podemos ver o resultado da comparação entre as
variantes:
Tabela 1
Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19
Subsistema
Paranaguá
Cananéia/ Iguape
25
Estruturas
Estruturas
Armamento
Armamento
Permanentes
Provisórias
Adequado
Obsoleto
X
X
X
29
?
X
X
Trabalhos de campo realizados na fortaleza da Barra Grande, Guarujá e forte de São João,
Bertioga em 1998; fortificação de Sepitiba, São Sebastião em 1998 e 2000.
26
Almeida, 1946: 19; Muller, 1978: 218-225; Castro, 1994: 4-26; “Notícia das fortificações
existentes em cada uma província do Império; de suas denominações; artilharia que têm e
importância”. Rio de Janeiro, 1 º. de janeiro de 1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4).
27
Nome do general que, em 1722, introduziu esse padrão de canhão nas forças armadas
inglesas (Castro & Andrada, 1993: 18).
28
Thomas Blomefield foi quem desenvolveu esse padrão no ano de 1787.
29
A interrogação nesse campo explica-se pela impossibilidade de afirmarmos se alguma das
propostas do brigadeiro Muller (1824), de estabelecer baterias em Antonina ou Morretes foram
adotadas (AESP, C02374 e 02375).
42
Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19
Subsistema
Estruturas
Estruturas
Armamento
Armamento
Permanentes
Provisórias
Adequado
Obsoleto
X
X
X
X
X
X
X
Santos
São Sebastião/ Ilhabela
A conclusão a qual chegamos é que a comparação deveria ser feita
entre o subsistema de Cananéia/ Iguape e o de São Sebastião, principalmente
porque
ambos
os
subsistemas
possuem
exclusivamente
fortificações
provisórias. Além desse fator, ambos os subsistemas foram desenvolvidos a
partir da década de 1820, apesar de São Sebastião e Ilhabela já possuírem
fortificações na segunda metade do século 18.
4 Os subsistemas defensivos de Cananéia/ Iguape e de São Sebastião
4.1 Os recursos humanos: as tropas milicianas e a Guarda Nacional
Desde a conquista européia, até 1831, a organização militar do Império
Português e, mais tarde, do Brasil, esteve embasada no uso de três tipos de
tropas: as pagas ou de primeira linha, constituídas por profissionais da guerra;
as de auxiliares, depois de milícias, ou de segunda linha; e as de ordenanças,
ou de terceira linha (Rodrigues, 1978: 7-80).
Em 1824 começa a se estabelecer um exército nacional, o qual será
constituído pelas tropas de 1a. linha e as tropas milicianas, agora chamadas de
2a. linha.
E, finalmente, a partir de 1831 (até 1891) vemos a extinção da 2a. linha,
a diminuição drástica dos efetivos das tropas de 1a. (quadro este que se
mantém até a década de 1850) e a criação da Guarda Nacional, instituição
inspirada nas experiências revolucionária francesa e norte-americana (Castro,
1979).
As tropas de auxiliares foram criadas em Portugal no ano de 1645, após
a
Restauração
(Rodrigues,
1978:
51).
No
Brasil,
esses
terços
e,
posteriormente, regimentos, eram constituídos por habitantes das localidades
43
aptos a ingressarem no serviço militar, mas que por suas condições sociais não
poderiam pertencer aos corpos de 1a. linha. Esses eram, por exemplo,
lavradores, comerciantes e artesãos, pessoas com ocupações, que acabavam
por formar tropas de reserva para a 1a. linha. No caso das localidades aqui
estudadas, essas tropas constituíam a força militar que efetivamente as
defenderia, não existindo qualquer companhia, de qual arma que fosse, de 1a.
linha, em Cananéia ou Iguape.
Quanto
à
estrutura
das
milícias,
interessa-nos
aquela
que
foi
estabelecida a partir de 1796 quando as tropas de auxiliares passaram a ser
denominadas tropas de milícia (Rodrigues, 1978: 54). Embora Rodrigues (1978:
54) escreva que um regimento fosse constituído por Estado Maior, mais oito
companhias de fuzileiros, uma de granadeiros e uma de caçadores (cada qual
com 80 homens), num total de 800 praças, a documentação mostra que estes
números eram bastante flexíveis, como pode ser apreciado em diversos
documentos do Arquivo do Estado de São Paulo e do Arquivo Municipal de
Santos. Em tempos de paz os números ficavam bem abaixo dos 800.
Uma companhia de milícias reunia-se, grosso modo, em tempos de paz,
uma vez por mês, na assembléia da companhia, que poderia ser qualquer local
pré-determinado na localidade onde ela estaria destacada. Nesta ocasião, a
tropa seria passada em revista, exercícios militares seriam realizados e o
material de guerra seria limpo, dentre outras coisas. Em caso de urgência,
geralmente salvas de canhão serviriam para avisar os milicianos, dispersos por
vasto território. Todos deveriam reunir-se na assembléia e ficar em estado de
prontidão.
Todas as questões que envolvessem a companhia deveriam ser
enviadas do comandante da companhia ao comandante do regimento. Daí as
questões seriam enviadas ao governador das armas da Capitania ou Província,
que poderia enviá-las ao ministro da guerra, eventualmente. Os postos de
comando, principalmente os do Estado Maior, eram preenchidos por oficiais de
1a. linha. Eventualmente os cargos de comando das companhias eram
confiados a soldados profissionais. Geralmente os comandantes locais eram
pessoas de posses.
44
Figura 6: Modelo do
uniforme de um coronel de
milícias paulista (1823). O
desenho é de Wladimir
Douchkine (Rodrigues,
1978).
Os soldados deste tipo de tropa não eram pagos, recebiam apenas o
prêt d`Étape - que era uma certa quantidade de alimento, constituído por
farinha e toucinho - também chamado de “munição de boca” -, uniformes,
munição de guerra e armas. Somente os oficiais de patente recebiam soldo.
Tudo isso deveria ser fornecido pelo governo, mas, algumas vezes, os
comandantes provinham algumas coisas as suas custas, esperando serem
reembolsados ou receberem favores do governo.
As tropas de ordenanças foram criadas, em Portugal, a partir de 1549.
Tinham como intuito formar contingente de reserva, agregando, principalmente,
homens que não poderiam ser incorporados na 1a. ou na 2a. linha, pela idade
ou por serem casados, por exemplo (Rodrigues, 1978: 75-76). Elas deveriam
ser formadas pelos capitães mores das vilas, mas, no Brasil, em localidades
onde existisse abundância das outras tropas, seu estabelecimento era sempre
relegado ao segundo plano.
O litoral de São Paulo, que até 1853 compreendia também o litoral do
atual Estado do Paraná, até 1824 possuía dois regimentos de artilharia
miliciana: o 1o., com o governo das armas situado na praça de Santos e o 2o.,
com o governo na praça de Paranaguá. Cada regimento tinha 8 companhias
com número variável de praças, destacadas em diferentes vilas:
Tabela 2
o
1 . Regimento
Companhias
Local de assembléia
o
1.
Santos e S. Vicente
o
Itanhaém
2.
45
o
1 . Regimento
Companhias
Local de assembléia
o
3.
Iguape
o
4.
Iguape
o
5.
São Sebastião
o
6.
São Sebastião
o
7.
Vila Bela da Princesa (Ilhabela)
o
Ubatuba
8.
(Inventário Fundo Milícias, 1997).
Tabela 3
o
2 . Regimento
Companhias
Local de assembléia
1.
o
Paranaguá
o
2.
Paranaguá
o
3.
Paranaguá
o
4.
Paranaguá
o
5.
Morretes
o
6.
Antonina
o
7.
Paranaguá
o
Cananéia
8.
(Rodrigues, 1978: 72-73)
Apesar de existirem duas companhias com assembléia em Iguape, em
1823 uma delas estava destacada em Cananéia30, muito provavelmente por ser
este o ponto mais vulnerável de toda a costa, de Itanhaém até Paranaguá.
Outro fator que levaria ao destacamento dessa companhia em Cananéia é o da
deficiência de material bélico e humano, uma vez que o município tinha poucas
armas em condições de fazer fogo31, população reduzida em número e
dispersa em área muito grande, além da carência de pessoal que pudesse
comandar os militares, seja por falta de habilidade, seja pela idade avançada.
Tais fatores, somados à distância e periculosidade do caminho marítimo entre
Cananéia e Paranaguá (fator alegado em inúmeros documentos) e ao término
da guerra Cisplatina, levaram à extinção da 8a. Companhia, a partir de 1828.
30
AESP, C00860, pasta 1, doc. 30.
A menção “60 armas velhas em Cananéia” aparece em inúmeros mapas das tropas das
o
companhias do 2 . Regimento, enviados ao governador das armas da província, AESP, C02374
e 2375.
31
46
Ela seria extinta definitivamente quando o último oficial de patente pudesse ser
reformado32. Assim, em 1829 encontramos a oitava com 44 soldados, 10
oficiais (inferiores e de patente), contra 64 soldados e 14 oficiais (inferiores e de
patente), em 182333.
Outra possibilidade de defesa em caso de invasão por mar, estabelecida
pelo conselho de guerra em 1803, seria a descida de tropas de Xiririca (hoje
Eldorado) para Cananéia e Iguape (Almeida, 1962: 199-200), o que reforça a
idéia de que a proteção das portas de entrada daquela região era prioridade.
A partir de 01 de dezembro de 1824, começa a ser reformulada a
estrutura dos regimentos milicianos. Eles passam a ser incorporados ao
exército nacional, agora composto por tropas de 1a. e de 2a. linhas, as antigas
de milícias (Inventário Fundo Milícias, 1997). O 1o. Regimento de Artilharia
Miliciana da praça de Santos passa a chamar-se Batalhão de Caçadores n º.
38, da 2a. Linha. O 2o. Regimento de Artilharia Miliciana da praça de Paranaguá
torna-se Batalhão de Caçadores n º. 39, da 2a. linha. Tais mudanças só
consumam-se em 19 de agosto de 1826 e, mesmo assim, por mais alguns anos
as antigas denominações perduraram.
Apesar de, em teoria, ter mudado a característica militar dos regimentos,
de artilharia para caçadores (infantaria ligeira), na prática isso foi apenas a
adequação de categoria a uma realidade existente: com raríssimas exceções, o
contingente de praças das milícias de artilharia, incluindo os oficiais, inferiores
ou de patente, saberia manejar peças de artilharia34. Quando isso era preciso,
tropas de artilharia de primeira linha eram enviadas às fortificações35.
A partir de 1831, com o término do 1o. Reinado e o estabelecimento da
Regência, a estrutura de defesa brasileira vai mudar radicalmente.
A inspiração liberal da Regência vai provocar grandes mudanças na
estrutura militar da jovem nação. O exército, considerado um dos grandes focos
de insubordinação e de fomento das revoltas contra a unidade nacional, terá
seu contingente diminuído drasticamente (Holanda, 1965: 275-277). Em seu
lugar, tendo como inspiração as guardas nacionais criadas pela França e pelos
32
33
34
35
AESP, C02375, 17/11/1829.
AESP, C02374, diversos.
BN, II-34,24,30, II-35,26,30; AMS-FM, 1A/37/6.
AESP, C02374 e C02375, entre outros.
47
EUA, será criada a Guarda Nacional, responsável pela manutenção da ordem
interna. Tal organização teria caráter eminentemente municipal, sendo os seus
corpos recrutados entre os habitantes de um mesmo município, facilitando o
controle do contingente pelo poder local. No que concerne aos assuntos
militares, seus comandantes, que poderiam chegar ao grau máximo de coronel,
responderiam diretamente ao governador das armas da Província e não mais a
um comandante de regimento, num movimento que, ao mesmo tempo,
descentralizava a organização dos corpos e centralizava o comando (Castro,
1979). É a partir desse momento que voltam a ser organizadas companhias
militares em Cananéia.
4.2 Peças de artilharia
Apesar dos canhões serem os objetos arqueológicos por excelência
neste trabalho, pode parecer difícil entendê-los como fragmentos que podem
ajudar na montagem do contexto social do qual eles faziam parte. Eles são
mais facilmente assimilados como monumentos do que como peças
arqueológicas. Mas examinemos dois trabalhos subaquáticos onde eles foram
peças chave para o entendimento dos contextos arqueológico e do social.
O primeiro exemplo é o estudo do sítio de naufrágio do navio-almirante
francês Oceán, afundado em 18/08/1759 nas proximidades da praia de Salema,
Vila do Bispo, Portugal36. Segundo as informações documentais escritas, os
regulamentos para o armamento desse tipo de vaso, nunca canhões de 12
libras poderiam ser instalados nas baterias do navio. Entretanto, as pesquisas
arqueológicas subaquáticas evidenciaram justamente um canhão de 12 libras
no sítio do Oceán, o que leva a pensar que, em época de guerra (Guerra dos 7
anos), o que vale mesmo é armar a esquadra com o material disponível, fato
que nenhum texto revela.
36
Todo ano, de junho a setembro é montado um circuito de visitação, atividade fundamental
para a divulgação do trabalho do centro de pesquisas e para a conscientização dos
mergulhadores da importância daquele patrimônio submerso (site www.ipa.mincultura.pt/cnans).
48
O segundo trabalho foi realizado na embarcação francesa Ça Ira, vaso
de guerra de 80 canhões afundado em 1796, no golfo de Saint-Florent,
Córsega, sob à bandeira do Reino Unido (a embarcação havia sido capturada
em 1795). Nesse caso, a ausência dos canhões (junto com a variedade e a
desorganização dos projéteis encontrados nos destroços) além de corroborar a
história escrita (Villié & Acerra, 1998), forneceu importantes elementos para a
compreensão das táticas e do espírito da guerra marítima. Ao contrário do que
era praticado no Brasil no século 19, onde os marinheiros destinados à guerra
eram recrutados à força e mantidos às chibatadas, na marinha inglesa o marujo
era tratado com dignidade pois era um soldado especializado. Essa diferença
de tratamento reflete-se no Ça Ira porque um grande vaso de guerra foi
desarmado e transformado em um navio hospital.
Sendo documentos materiais, os canhões devem ser classificados para a
sua melhor compreensão. Abaixo segue uma tabela das peças envolvidas neste
estudo e de algumas de suas características que são explicadas nos próximos
itens.
Tabela 4
1452,8
SP-CA-01
A 12 117,42
255
60
A 12 117,42
251
214
61
Data de
chegada
177518
267
1792
1822
1775-
1516,2
SP-CA-02
Datação
absoluta
Lb bala/ lb
canhão
Cal. de
comprimento
Comp.
Funcional
(cm)
Massa (kg)
Largura
(cm)
Comp. Total
(cm)
Calibre
(mm)
Calibre (lb)
Denominaçã
o
Padrão
Canhões existentes em Cananéia, Ilhabela e São Sebastião
213
18
279
1792
1822
1727-
SP-IB-01
A 12 117,42
250
58
212
18
SP-IB-02
B 18 134,42
294
67
258
19
SP-IB-03
A 12 117,42
251
53
218
19
SP-IB-04
B 18 134,42
252
59
214
16
1830
1825-1827
SP-SS-01
B 18 134,42
292
68
258
19
1825
1825-1827
SP-SS-02
A 12 117,42
249
60
212
18
SP-SS-03
B 18 134,42
294
68
258
19
1792
17921830
1825-1827
17271792
1792-
1775-
1494,0
275
1780
1787-?
1825
1825-1827
49
1714-
SP-SS-04
Bo 18 134,42
313
58
278
21
SP-SS-05
A 18 134,42
313
59
275
20
SP-SS-06
A 12 117,42
253
60
1506,7
213
18
277
SP-SS-07
A 12 117,42
250
60
1421,1
214
18
261
SP-SS-08
B 18 134,42
293
65
258
19
SP-SS-09
B 24 147,93
299
73
257
17
SP-SS-10
A
236
54
200
19
1722
?-1827
17271760
?-1827
17781786
17771792
1787-?
1825
1825-1827
17921822
1819-1830
1778-
9 106,68
1223,1
300
1786
1809-1819
4.2.1 A análise qualitativa
A análise qualitativa do material de artilharia baseia-se na observação in
situ das características das peças. Para esse fim foi criada uma ficha (anexo 2)
bastante sintética – baseada em um modelo mais completo fornecido pelo
IPHAN (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 14-16) – a qual elenca
uma série de características que são cruciais para o entendimento desse tipo
de material bélico. As peças foram nomeadas e os dados gerados foram
cruzados com informações bibliográficas e a partir daí pudemos juntar as peças
de artilharia dos dois subsistemas em três diferentes grupos e entender o
funcionamento deles em termos de eficiência, o que é essencial para o tema
deste trabalho.
Abaixo, seguem algumas explicações necessárias para a compreensão
dos quesitos técnicos empregados na ficha: calibre, comprimento total,
comprimento funcional, largura e calibre de comprimento.
Para descobrirmos o calibre, em milímetros, basta que meçamos o
diâmetro interno da boca do canhão. Caso isso não seja possível, pode ser
medido o diâmetro de um dos munhões, tradicionalmente igual ao da boca
(MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 34). Uma eventual diferença
entre a designação oficial do calibre e a medição da boca de uma peça pode
ser explicada pelo aumento do vento – causado pela fricção entre a bala e o
50
tubo da alma gerada nos disparos -, pela maior corrosão sofrida na boca, parte
mais diretamente em contato com o clima de marinha 37 e com a curiosidade e
vandalismo dos seres humanos.
Para obtermos o comprimento total da arma, basta que todo o
comprimento dela, da boca ao cascavel, seja medido.
Já o comprimento funcional é obtido pela mensuração da alma da peça.
Caso isso não seja possível, pela obstrução da mesma – o que é freqüente –
temos que medir a distância entre a boca e o ouvido (Alves, 1990-1992: 367).
A obtenção da largura das peças de antecarga com munhões é obtida
pela mensuração da distância da extremidade distal de um munhão até a do
outro.
Dividindo o calibre das peças (expresso em milímetros) por seu
comprimento funcional, ou seja, o comprimento da alma (também expresso em
milímetros), temos uma importante função, que fornecerá um dado essencial
para a classificação das armas: o calibre de comprimento. Dessa forma
teremos, para a peça SP-SS-04, de 2775mm de comprimento funcional, 21
calibres de comprimento (2775mm:132mm=21,02 calibres de comprimento).
Quanto maior for o comprimento da arma, maior será o seu alcance, isso
porque a força de detonação é diretamente proporcional “à duração e às
pressões geradas durante o processo de disparo” (Alves, 1959: 221 apud
Castro & Andrada, 1993: 71). Mas essa função só se observa tendo um
propelente padrão. Caso haja variações na composição dele, o resultado
também irá variar. No caso da pólvora negra - propelente por excelência para
as armas antigas - uma mistura variável em sua composição e em seus efeitos
-, essa regra não podia ser aplicada. Grosso modo, a pólvora negra geraria seu
máximo de potencial para alcance em peças que tivessem entre 18 e 19
calibres (Guilmartin, 1988: 50 apud Castro & Andrada, 1993: 71). A observação
dessa relação, no século 18, era de extrema importância, principalmente
quando estamos tratando de peças que, para serem eficazes, dependiam da
capacidade de conversão da energia cinética gerada pelos disparos de
projéteis sólidos (Castro & Andrada, 1993: 66). Mas, a partir do final do século
18, ela passa a ser relegada ao segundo plano porque a maximização da
37
Cabe dizer que as peças estão ao ar livre, sem qualquer cobertura.
51
potência cede espaço à capacidade das peças serem transportadas e
manobradas, sendo necessárias armas mais leves e compactas.
Figura 7:
Nomenclatura
das peças de
artilharia (Alves,
1990-1992: 368)
4.2.2 Os grupos de canhões
Para a análise dos canhões de Cananéia e São Sebastião vamos
agrupá-los da seguinte maneira: o grupo 1, composto pelo canhão mais velho,
SP-SS-04; grupo 2, no qual figuram os canhões padrão Armstrong; e
finalmente, o grupo 3, formado pelas armas do padrão 1787, também
conhecido como Blomefield mais recentes e também bastante conhecidos.
52
Parte das considerações pode ser estendida às peças de artilharia de Ilhabela,
que não podem ser tratadas com o mesmo rigor, uma vez que estão muito
deterioradas.
Tabela 5
Distribuição das peças de artilharia
Grupo
Padrão
Subsistema
Denominação
1
Bogart (1714-
S. Sebastião/ Ilhabela
SP-SS-04
Armstrong
S. Sebastião/ Ilhabela;
SP-SS-02, 05, 06, 07 e 10;
(1722-1792)
Cananéia/ Iguape
SP-IB-01 e 03;
1722)
2
SP-CA-01 e 02
3
Blomefield
S. Sebastião/ Ilhabela
SP-SS-01, 03, 08 e 09;
(1792-1830)
A
despeito
das
variações,
SP-IB-02 e 04;
todas
as
peças
possuem
algumas
características morfológicas em comum: são de ferro, de antecarga e de alma
lisa.
Quanto ao uso, todas elas foram feitas para sítios ou praças fortes,
incluídos aí os navios. Um dos indicadores desta característica é o
comprimento total das peças38. Canhões longos eram indicados para
embarcações grandes e fortificações, pois evitavam danos que eventualmente
poderiam ser causados pelas descargas de gases dos disparos de canhões
mais curtos às cortinas das fortificações e aos costados dos navios (Castro &
Andrada, 1993: 71).
Outro indicador é a relação da massa do canhão por libra de bala, obtida
pela divisão da massa dos canhões (expressa em libras) pelo calibre. Canhões
utilizados em campanhas ou em embarcações pequenas tendiam a ter menos
libras por libra de bala do que os de sítio ou praça, justamente para facilitar o
deslocamento e manobra, em terra, e o equilíbrio da embarcação.
4.2.2.1 Grupo 1
38
A peça SP-SS-10 talvez seja a única exceção.
53
Segundo Adler H. F. Castro, o canhão SP-SS-04 é do padrão Bogart,
utilizado na Inglaterra entre 1714 e 1722, período correspondente ao reinado de
George I (1714-1727). Essas peças são bastante raras no Brasil, uma vez que
elas têm baixos níveis de enxofre, o que possibilita que elas sejam refundidas
(Castro, 2001: 1).
As características dessa peça são bastante peculiares frente as das
outras peças de artilharia. O calibre de 132mm, medida não usual, foi sendo
deixado de lado com o aperfeiçoamento da artilharia (Castro, 1999: 36). Seu
tubo é bastante alongado e sua largura é reduzida em proporção ao
comprimento, o que demonstra a vocação naval da peça, pois armas mais
estreitas encaixavam-se melhor nas portinholas dos costados (Castro, 1994:
17). As linhas do tubo também fogem do padrão adotado com o
desenvolvimento da artilharia científica, uma vez que elas se assemelham a da
colubrina, arma bastante difundida no século 17.
Essa peça já equipava as fortificações setecentistas da região e,
portanto, será descartada das comparações.
Tabela 6
Figura 8: Foto do canhão
padrão Bogart (primeiro plano)
de São Sebastião. Autor: PFBC
(2000).
4.2.2.2 Grupo 2
21
278
1714-1722
Data de
chegada
58
Datação
absoluta
313
Lb bala/ lb
canhão
Cal. de
comprimento
18 134,42
Largura
(cm)
Massa (kg)
Comp.
Funcional
(cm)
Bo
Comp. Total
(cm)
SP-SS-04
Calibre
(mm)
Padrão
Denominação
Calibre (lb)
Canhões padrão Bogart
?-1827
54
A principal característica morfológica que define o padrão Armstrong, é a
forma da culatra, repleta de frisos e molduras. Esses elementos decorativos
desaparecem no desenho do modelo 1787, como veremos adiante.
Essas seriam boas peças de artilharia, tributárias do desenvolvimento
tecnológico de ponta, do início da estandardização e da necessidade de grande
quantidade de peças que otimizassem o poder de fogo. Isso tudo é verdade,
até seu descarte. Após isso, elas não passariam de uma sucata mortal, tanto
para o inimigo, quanto para quem as operasse. Em caso de explosão da peça,
problema comum às peças de ferro com alto teor de enxofre, que se acentuava
com o desgaste da peça, essa estilhaçar-se-ia, matando boa parte da
guarnição de um convés de uma embarcação ou de uma bateria de terra. Um
canhão de bronze, caso explodisse, rachar-se-ia, matando apenas quem
estivesse ao redor dele (José Bittencourt, com. pes., 2000).
De 1792 a 1808, os canhões Armstrong foram sendo gradativamente
descartados pela Inglaterra. Como eles não serviam para serem refundidos
(José Bittencourt, com. pessoal, 2000), começaram a ser usados como postes
de iluminação pública, hastes para a atracação, lastro de navio, marcos e
monumentos. Mas eles também continuaram a ser vendidos ainda como
artefatos militares, para clientes muito especiais.
Nessa grande renovação de arsenal e expansão do capitalismo industrial
inglês, o Brasil foi um grande parceiro da Inglaterra. Baratas, essas armas
puderam ser adquiridas de carregação, equipando a maioria das fortificações
brasileiras. A seguir veremos algumas das peculiaridades das armas desse
padrão, que fornecem valiosas informações para o desenrolar desta pesquisa.
Tabela 7
SP-IB-01
12 117,42 250 58
18
212
Alma brocada
SOLID
Data de chegada
279
Datação absoluta
18
Broad arrow
12 117,42 251 61 1516 213
Lb bala/ lb canhão
SP-CA-02
Cal. de
comprimento
267
Massa (kg)
Comp. Funcional
(cm)
18
Largura (cm)
12 117,42 255 60 1453 214
Calibre (mm)
SP-CA-01
Calibre (lb)
Denominação
Comp. Total (cm)
Canhões padrão Armstrong
2
1775-1792
1822
2
1775-1792
1822
1727-1792
55
SP-IB-03
12 117,42 251 53
218
19
SP-SS-02
12 117,42 249 60 1494 212
18
SP-SS-05
18 134,42 313 59
275
20
SP-SS-06
12 117,42 253 60 1507 213
18
SP-SS-07
12 117,42 250 60 1421 214
SP-SS-10
9 106,68 236 54 1223 200
1727-1792
275
SOLID
2
1775-1780
1787-
0
1727-1760
-1827
277
3
1778-1786
18
261
2
1777-1792
1787-
19
300
3
1778-1786
1809-1819
SOLID
Figura 9: os canhões da praça
Martim Afonso, no centro de
Cananéia. Foto: PFBC (1997).
A seqüência numérica do peso
A seqüência numérica gravada no primeiro reforço, próxima à culatra,
exprime a massa da peça. Para exemplificar, peguemos a numeração da peça
SP-CA-01: 28-2-15. O primeiro número, 28, indica a quantidade de quintais (o
inglês vale 50,736kg); o segundo, 2, representa as arrobas (12,684kg); e
finalmente, o terceiro, expressa as libras (0,453kg). Assim, para saber o peso
das peças, em kg, basta multiplicar os componentes da seqüência por seus
valores em kg e depois somá-los:
28 x 50,736kg +
2 x 12,684kg +
15 x 0,453kg
= 1452,84kg
Vale salientar que muitas pessoas pensam que esta seqüência
representa a data de confecção da peça.
56
Tabela 8
Massa dos canhões Armstrong de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/Ilhabela
Denominação
Quintais
Arrobas
Libras
Massa em quilos
SP-CA-01
28
2
15
1452,771
SP-CA-02
29
3
15
1516,191
SP-SS-02
29
1
22
1493,994
SP-SS-05
ilegível
1
21
?
SP-SS-06
29
2
22
1506,678
SP-SS-07
28
0
1
1421,061
SP-SS-10
24
0
12
1223,100
Figura 10: Foto de
detalhe do canhão
SP-SS-02, onde
podemos ver a
seqüência numérica
da massa da arma
(PFBC, 2000)
A seta
Única, em dupla ou em trio, a seta ou broad arrow, é a expressão de
uma atividade que se impregnava cada vez mais da ciência e dos benefícios da
experimentação.
Tabela 9
Quantidade de broad arrows por peça de artilharia
Denominação
Broad arrows
SP-CA-01
2
SP-CA-02
2
SP-SS-02
2
SP-SS-05
0
57
Quantidade de broad arrows por peça de artilharia
Denominação
Broad arrows
SP-SS-06
3 (1 no cascavel)
SP-SS-07
2
SP-SS-10
3 (1 no cascavel)
Uma única seta gravada no primeiro reforço, próxima à moldura do
segundo reforço, significa que aquela peça havia sido testada e aprovada por
uma comissão de testes das forças armadas inglesas (Castro & Andrada, 1993:
26).
Segundo Caruana (1997: 11-13), em 1783, Thomas Blomefield foi
encarregado de formar uma equipe para uma segunda prova de todos os
canhões da armada inglesa. O teste demorou anos, terminando em 1796,
aparentemente. Um fato a destacar-se desta segunda prova é o de que todos
os canhões aprovados deveriam levar a marca de uma segunda seta, logo
abaixo da primeira. De acordo com Adler H. F. Castro (com. pes., 2000), a
maior parte dos canhões do padrão Armstrong existente no Brasil não possui a
segunda seta, o que indica que eles teriam vindo para o Brasil antes do período
1783-1796 ou que eles tenham sido julgados fracos demais para serem
testados, reforçando a hipótese da compra de sucata militar.
Ainda segundo Caruana (1997:13), em 1810 a marinha de guerra inglesa
encontrava-se totalmente armada com os canhões do padrão 1787 (ou
Blomefield). O que teria acontecido com os canhões padrão Armstrong?
Castro & Andrada (1993: 18) colocam que, a partir de 1792 os canhões
Armstrong da Armada foram sendo substituídos pelos Blomefield. Os canhões
do antigo padrão que haviam passado pelo teste foram sendo transferidos para
as fortificações terrestres, e os que haviam sido rejeitados eram vendidos como
armamento para outros países ou reaproveitados para outros fins (postes,
monumentos, hastes de atracação, etc.).
Em 1811, outra pesquisa realizada pelo mesmo T. Blomefield, condenou
todos os canhões Armstrong que ainda operavam nas fortificações (Caruana,
1997: 263). Após eles terem sido definitivamente descartados das forças
armadas inglesas, eles equiparam as forças armadas do Império Português e
das jovens repúblicas americanas, garantindo sobrevida militar às peças de
58
artilharia. Para se ter uma idéia, a maior parte do arsenal paraguaio, por
ocasião da guerra contra a Tríplice Aliança (1864-1870), era formado por esse
tipo de canhão (Castro & Andrada, 1993: 18).
Um detalhe que deve ser acrescentado é que essas peças não serviam
para a refundição porque elas possuíam alto teor de enxofre, o que tornaria os
novos canhões ainda menos maleáveis e mais quebradiços que os originais
(Castro, 2000, com. pes.).
Quanto à terceira seta, encontrada nos cascavéis dos canhões SP-SS06 e 10, nada pode ser dito por enquanto.
Figura 11:
Detalhe do canhão
SP-CA-01,
mostrando as
duas broad arrows
(PFBC, 2000).
Os brasões
O padrão Armstrong, estabelecido em 1727, foi utilizado durante o
reinado de dois soberanos: George II (1727-1760) e parte do reinado de
George III (1760-1820). Apesar de suas características não mudarem através
dos 70 anos em que foram produzidos, os canhões encontrados aqui no Brasil
apresentam dois tipos de brasões, gravados no segundo reforço, que os
distinguem: o de George II e o de George III. Em Cananéia as duas peças são
do tempo de George III. Já em S. Sebastião, encontramos uma com o brasão
de George II (SP-SS-05) e quatro com o de George III (SP-SS-02, 06, 07 e 10).
59
Figura 12: Detalhe do brasão da
peça SP-CA-02. É possível notar
o número 3 entrelaçado com a
letra G que por sua vez está
ligada à letra R, formando os
dizeres “3 George Rex” (PFBC,
2000).
Os números do segundo reforço
Os números que alguns dos canhões possuem entre o brasão e um dos
munhões comprovam suas trajetórias do mar para a terra. Esses números
representam a posição que estas armas ocupavam nas embarcações portuguesas ou
inglesas (Adler H. F. Castro, 2000, com. pes.).
As inscrições nos munhões
Tabela 10
Inscrições dos munhões das peças de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/ Ilhabela
Denominação
Munhão direito
Munhão esquerdo
SP-CA-01
?S
WC
SP-CA-02
B
SOLID
SP-SS-02
No. 133
O
SP-SS-05
[SÍMBOLO]
SP-SS-06
[ILEGÍVEL]
Z
SP-SS-07
IC
33
SP-SS-10
SOLID 54
Z
Quanto à inscrição do munhão direito da peça 01 de Cananéia, nada
pode ser dito. Já a inscrição do munhão esquerdo refere-se à fundição “Samuel
Walker and Company” (1746-1817), instalada na cidade de Rotherham,
60
Inglaterra. Essa empresa passou a fornecer armas para as forças armadas
inglesas a partir de 1775 (Castro & Andrada, 1993: 26).
O significado da inscrição do munhão direito da peça 02 de Cananéia até
agora é desconhecido. Entretanto, a inscrição do munhão esquerdo, “SOLID”
indica que a peça teve a alma brocada, isto é, a peça foi fundida por inteiro,
solidificou-se e posteriormente a alma do canhão foi furada. Essa técnica de
confecção, utilizada
largamente a partir de 1775 (Castro, 2001: 1), visava
melhorar a qualidade do armamento (Castro & Andrada, 1993: 27).
No canhão SP-SS-02, no munhão direito temos uma numeração que
parece corresponder à posição da peça numa seqüência de produção. Quanto
à marca do munhão esquerdo, pode corresponder ao fabricante 39.
Das inscrições da peça de artilharia SP-SS-05 nada pode ser dito.
O canhão SS-06 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de seu
fabricante, George Matthews, da Calcutts Ironworks, Inglaterra. Fundiu canhões
para as forças inglesas, sob esta marca, de 1778 a 1786 (Castro & Andrada,
1993: 26).
A peça SS-07 tem, no munhão direito, a sigla de seu fundidor, John
Cookson, da cidade de Whitehill, Inglaterra. Ele passou a fornecer esse tipo de
arma a partir de 1777 (Castro & Andrada, 1993: 18). No munhão direito existe
uma numeração que não pôde ser decifrada.
Finalmente, a peça SS-10 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de
seu fabricante, o mesmo da peça SS-06. No munhão direito apresenta um
número, ao qual não podemos atribuir qualquer significado, e uma palavra,
“SOLID”, que indica que a peça foi brocada.
Figura 13:
detalhe do
munhão
direito da SPCA-02 onde
se vê a letra
B (PFBC,
2000).
39
Essa peça também apresenta a palavra “SOLID”, só que na moldura da culatra. No mesmo
local encontra-se a inscrição “B & CO”, que designa a fábrica Harrison & Co., a qual fundiu esse
canhão entre 1775 e 1780 (Castro, 2001: 1).
61
Datação absoluta das peças
Através de algumas das especificações técnicas e das marcas dos
fabricantes é possível estabelecer as datações absolutas das peças do padrão
Armstrong.
Tabela 11
Datação absoluta das peças de artilharia
Denominação
Data
SP-CA-01
1775-1792
SP-CA-02
1775-1792
SP-SS-02
1775-1780
SP-SS-05
40
1727-1760
SP-SS-06
1778-1786
SP-SS-07
1777-1792
SP-SS-10
1778-1786
4.2.2.3 Grupo 3
As inscrições desse grupo são bastante sucintas. O modelo Blomefield,
também chamado de 1787, era um modelo bastante sóbrio, prático e sem
detalhes decorativos, vislumbrando o que seria o posterior desenvolvimento da
artilharia. Ele foi adotado, na Inglaterra a partir de 1792, ficando em uso até por
volta de 1830 (Castro, 1994: 14-16).
As peças SP-SS-01, 03 e 08 apresentam as mesmas características: no
munhão esquerdo, uma numeração, seguida pelo nome da fábrica, que seria o
mesmo da localidade onde ela estava instalada (Carron, Escócia); finalizando,
a data que, embora apagada na peça 01, deve ser a mesma que a das outras
peças, 1825. No direito temos a inscrição “18 P” abreviação de 18 pounds, ou
seja, 18 libras, o calibre da peça (Castro, 2001: 1). Tais peças foram feitas sob
40
Esse tipo de peça de artilharia começa a ser fabrica em 1722, mas só torna-se padrão a partir
de 1727.
62
encomenda para o Império Brasileiro (Castro, 2000, com. pes.), e a sua
existência, em São Sebastião, será decisiva para as considerações que serão
feitas na comparação dos sistemas defensivos do litoral norte com o do sul.
Já a peça 09 é anterior às outras, apesar de ser do mesmo padrão. Foi
fundida na Inglaterra, para as forças armadas de Portugal, já sob o domínio de
João VI. Sobre as inscrições nos munhões, nada pode ser dito ainda.
Como já foi dito anteriormente, essas peças de artilharia são do padrão
Blomefield, o qual passou a equipar os vasos da marinha inglesa a partir de
1792 e as fortificações, maciçamente, a partir de 1811.
O desenho desse padrão é bastante simples, eliminando elementos
decorativos presentes em outros padrões. Traz uma importante evolução
tecnológica que consiste na adoção de um anel do vergueiro sobre o cascavel,
peça que, anteriormente, só era possível de ser incluída em canhões de bronze
(Castro, 1994: 14-16).
Os canhões do grupo 3, com exceção do 09, fundido entre 1792-1822,
foram fabricados por encomenda do Império Brasileiro em 1825, como pode ser
atestado pelas datas gravadas nos munhões. Apesar dessa discrepância de
datas, as quatro peças, em comparação às dos outros grupos, além de serem
de maior calibre eram, qualitativamente, superiores. Esses canhões foram
levados para São Sebastião e Ilhabela entre 1825, data de sua confecção, e
1827, data de um inventário local de material bélico (Almeida, 1946: 19).
Tabela 12
Data de
chegada
Datação
absoluta
Lb bala/ lb
canhão
Cal. de
comprimento
Massa (kg)
Comp.
Funcional
(cm)
Largura
(cm)
Calibre
(mm)
Comp. Total
(cm)
Padrão
Denominação
Calibre (lb)
Canhões padrão Blomefield
1825SP-IB-02
B
18 134,42 294
67
258
19
1792-1830
1827
1825-
SP-IB-04
B
18 134,42 252
59
214
16
1792-1830
1827
1825-
SP-SS-01
B
18 134,42 292
68
258
19
1825
1827
1825-
SP-SS-03
B
18 134,42 294
68
258
19
1825
1827
63
1825SP-SS-08
B
18 134,42 293
65
258
19
1825
1827
1819-
SP-SS-09
B
24 147,93 299
73
257
17
1792-1822
1830
Figuras 14 e 15: canhões do
padrão Blomefield de São
Sebastião. Notem-se as
linhas sóbrias contrastando
com os detalhes decorativos
do padrão Armstrong. Em
destaque temos a grande
inovação desse padrão, a
adoção do anel do vergueiro
em peças de ferro. Fotos:
PFBC, 2000.
4.3 Os pontos de parada militar: vigias
Cada companhia destacava seus praças em postos de parada militar, ou
seja, vigias, estabelecidas de acordo com as necessidades que a extensão da
localidade demandava. Tais postos podiam ser em locais de vista privilegiada,
registros de mercadorias, barras de rios, de mar ou quartéis. No caso do distrito
de Iguape, eram destacados militares, em 1819, para 5 postos de parada:
“Recebi o ofício de V. I.(x). de 10, em 19 do corrente, e em
observância do mesmo fiz destacar 5 soldados Milicianos para
as 5 Paradas do distrito desta Vila, para suprirem a falta dos
soldados de Linha que nelas estavam, e se recolhem nesta
ocasião ao seu Quartel, ficando o Anspeçada Lourenço do
Prado na Parada da Vila, [por] assim ser determinado pelo
64
Ilmo. Sr. Cel. Comandante da 3a. Divisão do Centro Daniel
Pedro Müller. (...)”41
Em Iguape, esses postos ficavam situados: (1) no pontal sul da barra do
Ribeira42; (2) na vila 43, e (3) no morro do Espia (Almeida, 1963: 180-184). Podese especular sobre um outro posto, que seria o da vila de Icapara.
No distrito de Cananéia existiam, em 1824, 4 postos de parada (CD, doc.
1824b), mas infelizmente não temos qualquer dica de suas localizações.
Em São Sebastião e Ilhabela certamente existiram essas vigias uma vez
que esta técnica é tão antiga quanto a idéia de se defender uma localidade.
Mas o levantamento e o mapeamento delas exigiria estudos mais aprofundados
dispensáveis para este trabalho.
4.4 As defesas contra desembarques em Cananéia e Iguape
De acordo com a documentação escrita, Cananéia e Iguape possuíram
peças de artilharia, de campanha, destinadas a, principalmente, defenderem
seus portos contra desembarques indesejados.
Embora seja bastante complicado traçar com precisão a trajetória desse
tipo de arma (canhões de campanha, como o nome sugere, são bastante
móveis), entre 1803 (CD, docs. 1803a e b) e 1819 (CD, doc. 1819a) um canhão
de bronze, de campanha, calibre 3, foi transportado para Cananéia e, entre
1803 e 182844 um canhão de mesmo tipo foi levado à Iguape.
41
AMS, FM, doc. 1/009/cx. 2, 21/11/1819.
a
o
AMS, FM, doc. 06/002/cx.2, sem data.
“Relação da 4 . Companhia de Artilharia do 1 .
Regimento (?) da praça de Santos aquartelado na vila de Iguape.
Capitão Francisco Duarte Castro
[segue relação]
Soldado Joaquim Bernardo - destacado no pontal do sul na Barra da Ribeira”
[segue relação]
43
Idem.
44
Período de tempo entre os documentos 1803a e b e o documento 1828c, que informa
indiretamente da existência de um canhão de campanha (embora o trecho não tenha sido
transcrito para o CD). Provavelmente ele foi levado para Iguape na mesma data em que foi
enviado o canhão de campanha para Cananéia.
42
65
Figura 16: peça de campanha
montada em uma carreta de
campanha em Vila Bela da
Santíssima Trindade, Mato
Grosso, em 1906. O canhão,
obsoleto para a época, fazia
parte das baterias móveis
instaladas na margem direita
do rio Guaporé, no século 19
(Rondon, 191?).
Sobre a peça de Iguape, sabemos que ela foi transportada para o front
da guerra dos Farrapos, de acordo com documento enviado pela câmara da
mesma localidade, em 1839, ao presidente da Província (CD, doc. 1839d). A
peça não mais foi devolvida à Iguape.
Podemos aventar a hipótese de que uma peça de sítio tenha sido
mandada para Iguape, a fim de substituir o canhão de campanha. Em ofício
datado de 1867 (CD, doc. 1867c), o presidente da Província relata ao ministro
da Guerra que o juiz de Iguape havia cogitado o envio de uma peça de ferro, de
calibre 26, para a Corte, a fim de ser refundida ou reutilizada como tal. Mas o
mais provável é que o juiz de Iguape não entendesse absolutamente nada de
artilharia45 e estivesse se referindo ao canhão de Icapara (calibre 12) que
naquela época poderia encontrar-se em Iguape.
Quanto ao canhão de campanha de Cananéia, pouco pode ser dito.
Certo é que ele não foi levado, junto com o de Iguape, para os conflitos no sul:
em 1840, por ocasião da maioridade de Pedro II, foram disparadas salvas de
artilharia tanto da fortificação da ponta da Trincheira quanto da vila (CD, doc.
1840a), o que indica que a peça ainda estava lá.
Já as defesas contra desembarques no subsistema São Sebastião/
Ilhabela eram mais bem organizadas, uma vez que as duas localidades
dispunham de fortificações junto a seus portos.
45
Este calibre, 26, parece ter desaparecido (se é que existiu!) bem antes da segunda metade do
século 18, datação mínima de fundição da maior parte das peças de artilharia existentes nos
dois subsistemas enfocados neste capítulo.
66
4.5 Os pontos fortificados do subsistema São Sebastião/ Ilhabela
4.5.1 São Sebastião: levantamento estrutural do forte de Sepitiba
Apresentamos o resultado dos levantamentos do forte de Sepitiba,
localizado na ponta da Prainha, elevação situada ao sul da praia da Cigarra. Há
que se notar que as designações se confundem. A praia hoje conhecida como
da Cigarra, no mapa do IBGE é chamada de praia do Barro. O mesmo ocorre
com o forte. Segundo o mapa acima referido, a ponta de Sepituba (outra grafia),
situa-se mais ao sul. Entretanto, podemos imaginar que, há 200 anos atrás,
toda essa península fosse designada como ponta de Sepitiba.
Essa foi uma das fortificações “provisórias” erguidas a partir de 1819
(Almeida, 1946: 11). Segundo dados do brigadeiro Müller (1978: 220), em 1837,
nesse forte, em tempos de guerra, deveriam ser destacados 8 artilheiros, o que
nos faz crer que o forte poderia ter até 4 canhões46.
Figuras 17 e 18 (abaixo): São
Sebastião e Ilha Bela. O
retângulo em preto delimita a
área que está sendo estudada.
Fonte (17): Atlas Rodoviário,
2000. Sem escala.
Figura 18
46
Na fortificação da ponta da Trincheira, segundo o mesmo levantamento, existiam 12
artilheiros para 6 canhões. A partir desse dado deduzimos o número de canhões existentes no
forte de Sepitiba.
67
Figura 19
68
Memorial da elaboração do croqui (fig. 19)
Foram utilizadas duas técnicas de medição. Na primeira, estendemos
uma trena, a partir do ponto A (um furo na rocha, provavelmente feito para
prospecções geológicas) até o ponto que desejávamos medir e depois fizemos
o mesmo a partir de B, outro furo nas mesmas condições de A. A distância
entre A e B também foi medida. Tal técnica chama-se triangulação e é muito
utilizada na arqueologia subaquática.
A outra técnica consistiu em determinar azimutes (0, 45, 90 graus, etc.)
com uma bússola a partir do ponto A e estender a trena até a extremidade da
ruína alcançada pela visada.
De
posse
das
medidas,
elaboramos
o
croqui
manualmente,
originalmente na escala de 1:150, que depois foi reduzido (portanto deve-se
ignorar a escala descrita no título do croqui), scaneado e trabalhado em
computador.
Abaixo poderemos ver algumas fotos dos restos da fortificação.
Figura 20: Visão das pedras
da muralha principal.
Aparentemente não há
argamassa unindo-as. PFBC,
1998.
69
Figura 21: Vista da
fortificação, a partir da
estrada SP-055. PFBC,
1998.
Figura 22: Vista da
rampa, a partir do
muro principal, na
saída da trilha para a
praia. PFBC, 1998.
Figura 23: Vista da
ilha de S. Sebastião
tomada das ruínas. Na
ponta oposta encontrase os vestígios do forte
da ponta das Canas.
PFBC, 1998.
70
Figura 24:
Perspectiva da
rampa, de baixo
para cima, em
direção ao platô.
PFBC, 1998.
Figura 25: Vista da
parte posterior da
fortificação. Ao
fundo, a SP-055.
PFBC, 1998.
Figura 26: Foto
tirada do reduto
traseiro para o
muro principal.
PFBC, 2000.
71
Figura 27: Detalhe das
pedras que formam o
reduto posterior, que
vigia a praia ao sul da
ponta. PFBC, 2000.
Figura 28:
Foto tirada
do reduto
posterior
para o muro
principal.
PFBC,
2000.
Figura 29: O forte Alexander, em Sebastopol, Criméia. A foto de James Robertson, tirada
durante os conflitos da guerra da Criméia (1854-1856) mostra muralhas baixas de pedra
encimadas por cestos cheios de entulho, que dariam proteção à guarnição. Muito semelhante a
essa configuração deveria ser a do forte de Sepitiba e talvez a das outras fortificações da área
(Musée de l’Armée, 1993: 75).
72
4.5.2 Ilhabela: forte de ponta das Canas
A fortificação de ponta das Canas fica na ponta rochosa de mesmo
nome, situada no extremo norte da ilha de São Sebastião, município de
Ilhabela. Não discorreremos longamente sobre ela, porque não foi possível
fazer um levantamento de campo de suas estruturas47.
Segundo Antonio P. de Almeida (1946: 11), essa fortificação foi
planejada ainda no século 18. Não se sabe ao certo qual foi o ritmo das obras
mas o mesmo autor coloca que o baluarte não foi terminado, tendo suas obras
paralisadas em, provavelmente, 1831 (p.20). No levantamento de 1837 do
brigadeiro Müller consta a existência do forte na seção que descreve os
equipamentos das localidades (1978: 88). Entretanto a fortificação não está
assinalada no “Mapa das guarnições que competem aos pontos fortificados
desta Província” (p.219-220), o que nos leva a crer que ele não tinha a menor
condição de operar.
Pelo que podemos ver através das fotos, seria ela a mais consistente da
praça, com muros sólidos de pedra e cal, emoldurando uma espessa camada
de terra batida, contrastando bastante com a fortificação da ponta de Sepitiba,
a qual não possui muralha de terra batida e seus muros foram levantados com
pedra sem aglutinante. Planos ambiciosos que não chegaram a ser
concretizados.
47
Agradecemos ao arqueólogo Plácido Cali por ter gentilmente cedido as fotos aqui utilizadas.
73
Figura 30: Aspecto geral da
fortificação de ponta das Canas,
cujas obras foram paralisadas em
1831.
Figura 31: Detalhe da
obra de cantaria da
muralha da fortificação.
Figura 32:
Planta do forte
de ponta das
Canas.
74
Figura 33: Vista de
Ilhabela em 1827 por
Debret. No detalhe
vemos o forte da Vila,
hoje destruído.
(São Paulo, 1995: 36).
4.6 Os pontos fortificados do subsistema Cananéia/ Iguape
Figura 34: Mapa mostrando a localização dos elementos do sistema defensivo da planície
costeira Cananéia/ Iguape.
75
4.6.1 Iguape: bateria ou trincheira de Icapara
Confrontando os dados obtidos com as prospecções arqueológicas
“terrestres” e o levantamento documental escrito, chegamos à conclusão de
que o ponto fortificado de Icapara (antecâmara do porto de Iguape) consistia
em um canhão de ferro, de sítio, calibre 12, instalado em algum local de seu
porto. A seguir veremos alguns detalhes sobre essa “quase” fortificação.
A fortificação do município de Iguape foi sempre legada ao segundo
plano. A explicação para isso vem do levantamento efetuado em 1819-20 pelo
coronel Afonso Furtado de Mendonça (CD, docs. 1819b e 1820b) o qual coloca
que todo o município de Iguape era “naturalmente defensável” devido à
impossibilidade de ocorrerem desembarques na ilha Comprida. A barra de
Icapara, sem contar a do Ribeira e a do Una do Prelado, não são levadas em
consideração como pontos de penetração para a região por parecerem
inexpugnáveis ao referido militar.
Em 1821, um levantamento do então coronel Müller a respeito da
quantidade de peças de artilharia distribuídas pelo litoral paulista ressalta a
necessidade de levantar-se a fortificação planejada para Cananéia (CD, doc.
1821), mas em momento algum fala da importância de guarnecer-se a barra
oposta.
De qualquer forma, em 1822, é enviada à Iguape, na mesma
embarcação que transportava as peças para Cananéia, uma peça de artilharia,
calibre 12, que ficaria assentada próxima à barra do Icapara, (figura 34).
Entretanto, nenhum documento indica que esta peça jamais tenha tido um
reparo, impossibilitando-a de funcionar.
Um ofício de 1823, informa-nos da ida de um carpinteiro do arsenal de
Santos à Cananéia para montar a artilharia lá existente (CD, doc. 1823b). Em
nenhum momento cita a necessidade dele ir à Iguape.
Em 1828, quando houve grandes esforços para fazer funcionar a
trincheira da barra de Cananéia, em apenas um momento é mencionada a
necessidade de se fazer funcionar o canhão da barra de Icapara. A referida
peça é citada por ocasião do roubo de uma embarcação carregada de arroz,
ancorada entre Iguape e Icapara e da frustrada – devido ao naufrágio, por
encalhe, de uma das embarcações inimigas - invasão de corsários platinos. Um
76
ofício do presidente de São Paulo para o ministro da guerra, datado de 1828
(CD, doc. 1828d), além de pedir a efetiva construção de uma trincheira para a
acomodação do canhão, pede que um destacamento com um oficial inferior e
oito soldados de primeira linha sejam mandados para Iguape e Cananéia.
Entretanto, esse destacamento é enviado apenas para Cananéia (CD, doc.
1828e).
A questão da fortificação de Iguape fica em suspenso até a invasão de
Laguna, SC, em 1839. A partir dessa data temos outras notícias da peça de
Icapara.
Em ofício datado de 1839 (CD, doc. 1839c), o delegado de Santos instrui
que sejam postas em operação as baterias de Cananéia e de Iguape. Um
documento da câmara municipal de Iguape ao presidente da Província, de
novembro de 1839, informa que a peça de campanha da vila havia sido enviada
para o front meridional e que a peça de Icapara estava “descavalgada”, ou seja,
sem reparo (CD, doc. 1839d).
Se o canhão de Icapara ficou em condições de funcionar, em 1839, nada
podemos dizer. Fato é que uma fortificação, na barra do Icapara, no século 19,
nunca existiu, afirmação esta reforçada por ofício enviado pela câmara de
Iguape ao ministério da Marinha (CD, doc. 1854), o qual afirma que o governo
imperial, naquele momento, não poderia satisfazer a demanda dos habitantes
de Iguape pela sinalização da barra de Icapara e pela construção uma “atalaia”
na referida barra.
Onde ficava o canhão? Existiria alguma evidência material do
funcionamento da peça? Teria o canhão permanecido na vila?
Tentando sanar essas e outras dúvidas, fomos atrás dos vestígios
arqueológicos.
Não foram localizados quaisquer restos de estrutura no alto do morro do
Bacharel, local onde existia uma vigia e onde imaginávamos que poderia ter
sido colocado o canhão, devido ao excelente campo de tiro proporcionado pela
elevação. Entretanto, encontrava-se instalado, bem no cume do morro, um farol
da Marinha.
Aventamos então a hipótese de que ou a fortificação tinha sido destruída
pela edificação do farol ou que ela nunca poderia ter sido instalada no alto do
morro.
77
Figura 35: O farol do
morro do Bacharel, na
vila de Icapara,
município de Iguape.
PFBC, 2000.
Chega-se ao cume do morro do Bacharel através de uma trilha que sai
da estrada que leva ao bairro pontal de Icapara. São poucos minutos de subida
razoavelmente íngreme, se levarmos apenas o peso do corpo. Imaginemos,
então, carregar uma peça de 2,5m de comprimento e 1500 kg de massa,
aproximadamente.
Seriam
necessários
dias,
imensa
quantidade
de
48
trabalhadores e grande soma de dinheiro . E tudo isso para que? Para ela
permanecer sem reparo e incapaz de funcionar por dezenas de anos? A
hipótese da trincheira no alto do morro não tinha sustentação.
A partir desse e de outros fatos49 pudemos propor que o canhão estaria
no mesmo local onde foi desembarcado em 1822 (CD, doc. 1822), nos
48
O documento de 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc. 10) afirma que, para serem
transportados os canhões da fortificação da barra de Cananéia por 70 ou 90m, do barranco do
pontal até o paiol, um percurso pouco ou nada íngreme, seriam necessários de 30 a 40 mil réis.
O ofício de 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc. 78) diz que o serviço ainda não havia sido
feito e que custaria de 40 a 50 mil réis. Imaginemos, então, o que não seria transportar um
canhão, por centenas de metros, em uma picada de 70m de desnível.
49
Durante as prospecções de março de 2001 localizamos antigos informantes, moradores do
bairro pontal de Icapara ou Pontalzinho, situado no sopé do morro do Bacharel, que já haviam
fornecido depoimentos, colhidos em 1992 pela prof ª. Scatamacchia, sobre a existência de um
“canhão e um fuzil”.
A história contada é que um certo “cabo Melo” sabia da localização dos artefatos bélicos em
questão. Entretanto, esse cabo já havia morrido há muitos anos, e havia contado as histórias ao
pai dos informantes, o qual também já havia falecido há alguns anos. Os informantes, em
verdade, nunca puderam confirmar essas histórias, pois nunca haviam localizado as peças,
apesar de terem morado, por toda a vida, próximo ao local de onde estaria o canhão. Os
habitantes mais antigos da vila de Icapara nem sequer conheciam a história.
Na história contada pelo cabo, o canhão e o fuzil poderiam estar em uma fenda na rocha,
próximo a uma bica, no pé do morro do Bacharel. Entretanto, ainda segundo um dos
informantes que já havia descido fenda abaixo, nada havia sido encontrado. Outro fato que
78
arredores do porto de Icapara. Sem reparo, sua locomoção, mesmo no plano,
seria muito difícil, e ele teria lá ficado a espera de uma carreta. Entretanto,
existem dois problemas. O primeiro refere-se à localização do porto de Icapara;
o segundo, ao possível transporte da peça para a cidade de Iguape.
É impossível, levando em conta o conhecimento arqueológico disponível,
localizar o porto de 1822, porque toda a vila é um porto – não existe um ponto
específico. A vila é uma localidade de pescadores que, até 30 anos atrás,
construíam suas casas na beira do mar Pequeno para encostarem suas
embarcações de fronte a elas. Dessa forma todas as ruas, caminhos ou
picadas que desembocam no mar são, até hoje, conhecidas como “porto de
Elói”, “porto de João”, etc. Soma-se isso à dinâmica marinha do local. O canal
do mar Pequeno, assim como a barra de Cananéia ou a de Icapara, é
meandrante. Na toca do Bugio, por exemplo, temos um sítio arqueológico que
em parte está submerso devido à erosão das margens do canal (Rambelli,
1998). Já no Pontal de Icapara, temos uma área que vem sendo assoreada
gradativamente. Segundo informações dos moradores, na década de 1960, o
bairro ainda era banhado pelo mar. A dinâmica da vila de Icapara, numa rápida
análise, parece seguir à do Pontalzinho, tendo o mar distanciado das casas
mais antigas gradativamente. Sendo assim, seria necessário localizar primeiro
as linhas de costa do início e de meados do século 19, para depois tentarmos
localizar os ancoradouros e áreas de desembarque do mesmo período, tarefa
para uma tese de doutorado.
Mesmo se tudo isso fosse feito, ainda restaria um problema: a
possibilidade do canhão ter sido removido da vila.
Todos em Iguape conhecem a história do canhão, o qual foi explodido
durante as comemorações do quarto centenário da cidade, em 1938. Segundo
a história, pedaços da peça foram atirados há centenas de metros de distância
(Cananéia, Iguape e Iporanga, 1981/82: 112). Isso só seria possível se a peça
fosse de ferro, pois somente a artilharia feita com esse material estilhaça
(peças de bronze, por exemplo, racham-se).
Em 1822 existiam 2 dois canhões em Iguape: um, de campanha, de
bronze, com pequeno calibre, trazido nos primeiros anos do século 19, ficava
impossibilitava a colocação da peça de artilharia naquele lugar era a extrema estreiteza da
fenda.
79
guardado no quartel da milícia; o outro, uma peça de sítio, calibre 12,
confeccionada em ferro, deveria estar assentada em Icapara. O primeiro foi
levado de Iguape durante a guerra dos Farrapos e nunca foi devolvido. Já o
segundo permaneceu na região, mesmo durante a guerra do Paraguai, pois era
inútil para a refundição e pesado demais para ser transportado nos campos de
batalha. O que podemos supor é que, assim como alguns canhões foram
retirados da barra de Cananéia e levados para a cidade de Cananéia, antes de
1897 (Almeida, 1962: 194) o canhão de Icapara pode ter sido levado para a
cidade de Iguape, servindo também como monumento. E, tal como em
Cananéia, podem, alguns eufóricos habitantes, ter explodido a peça, fazendo
desaparecer, assim, qualquer vestígio material que hoje possa ser estudado.
Figura 36: Foto
aérea da barra
de Icapara e do
Ribeira. O ponto
vermelho
assinala o morro
do Bacharel e o
ponto amarelo
marca o centro
da vila de
Icapara.
Levantamento
feito pela CESP,
1981. Escala 1:
100.000.
80
Capítulo 3
Cananéia: fortificação da ponta da Trincheira, um estudo de caso
Apesar do subsistema defensivo oitocentista da planície costeira
Cananéia/ Iguape ser constituído por diversas formas de defesa integradas (9
vigias nos dois municípios, 2 canhões de campanha nos principais portos, 1
fortificação na barra de Cananéia e 1 “quase” fortificação em Icapara), vamos
nos deter na fortificação da ponta da Trincheira. Em primeiro lugar porque ela
foi a única que deixou vestígios e em segundo lugar porque existe farta
documentação escrita sobre ela, permitindo conjugar várias informações para a
construção de um conhecimento mais detalhado sobre a região.
Começamos com a apresentação de um quadro histórico voltado para a
compreensão dos caminhos que demandavam a região (como objetivo final e
como passagem) e de como os poderes centrais estabelecem o controle (ou
não) da região.
Na seqüência apresentamos uma “escavação virtual”: a partir da
documentação escrita (transcrita para o Corpus documental, anexo 1)
compomos um quadro de distribuição espacial das construções e da evolução
das modificações ambientais.
Depois continuamos com a apresentação de um pequeno panorama
geomorfológico, incluindo aí os fatores que determinaram as modificações da
ponta da Trincheira, vistos através da oceanografia.
Mais à frente apresentamos as pesquisas geofísicas e as subaquáticas,
conjugação inédita na arqueologia brasileira.
Finalmente mostramos algumas das possibilidades para usos e
escavações futuras do sítio.
1 Antecedentes históricos da implantação do subsistema defensivo da
planície costeira Cananéia/ Iguape: uma longa digressão
81
Para compreender os outros usos das fortificações da planície costeira
Cananéia/ Iguape há que se examinar o processo histórico de formação da
região através dos padrões de ocupação dela, que são determinados pelas
rotas de comércio marítimas e fluviais desde os primórdios da ocupação
européia (sem falar nas ocupações bem anteriores aos europeus, as
sambaquieiras, desenvolvidas na interface entre a terra firme e as águas). Esse
fato parece banal mas geralmente é esquecido pelas pessoas (e mesmo pelos
pesquisadores), uma vez que todos perdemos de vista a influência dos
transportes marítimos e fluviais no passado, em parte porque, em nossas vidas,
eles são diretamente pouco importantes.
1.2 Primórdios (1500-1640)
O senso comum coloca a elevação de São Vicente à condição de vila,
em 1532, como o marco do início da colonização do litoral de S. Paulo.
Entretanto, esse é apenas o momento em que Portugal resolve assumir a
posse de suas terras americanas mais austrais, impulsionando a ocupação
através do estabelecimento de engenhos de cana-de-açúcar com capital
privado.
A descrição do cosmógrafo da esquadra de Caboto, Alonso de Santa
Cruz, fornece uma interessante descrição de S. Vicente, em 1526, portanto,
seis anos antes da elevação da povoação à vila:
“Têm os portugueses dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus
telhados e uma torre para a defesa contra os índios em caso de necessidade”
(Prado Jr., 1966: 142).
Como podemos perceber já havia uma ocupação sistemática do lugar
antes da ereção do povoado à vila. O que Martim Afonso de Sousa faz é
apenas tomar posse de um povoado situado em terras que, pelo tratado de
Tordesilhas, eram definitivamente da Coroa. Antes disso a localidade era mais
um porto de passagem, constituído por degredados, náufragos, marinheiros,
fugitivos e alguns poucos colonos. Além das atividades agrícolas e da interação
82
com o indígena, viviam do fornecimento de serviços aos viajantes50. Muito
semelhante à ocupação de S. Vicente deveria ser a ocupação de Cananéia e
Iguape.
Figura 1: Mapa de autoria de
João Teixeira Albernaz, o
moço, 1627-1675, denominado
“Demonstração da baía de
Paranaguá e da barra de
Cananéia” (Mapa, 1993: 287).
Vemos na figura só o detalhe
da região de Cananéia.
Tais observações permitem que se avente a hipótese de que essas
localidades constituíam portos de passagem, uma espécie de porto de
comércio51 inserido na lógica capitalista mercantilista, onde seus habitantes
mantinham-se pela prestação de serviços aos aventureiros que iam em busca
das mercadorias preciosas da época. Tais localidades não tinham mercados
organizados, mas possuíam ancoradouros seguros. E, principalmente, estavam
à margem de duas potências da época.
Em 1531, Martim Afonso de Sousa desprezou o povoado de Cananéia
para a elevação da primeira vila do Brasil, em parte por existir grande número
de castelhanos, preferindo instalar-se em área eminentemente de Portugal
50
A localidade conhecida como “porto das Naus”, situada no município de Praia Grande, é tida
como um local onde as embarcações, no início da colonização, eram reparadas.
51
Segundo K. Polanyi (1963) - em ensaio que procura sintetizar os vários aspectos dos portos
de comércio-, apesar deles terem existido em praticamente todos os continentes e em diferentes
épocas, fato este que inviabiliza a definição de um conceito rígido de sua essência, pode-se
dizer que sua criação precede o estabelecimento de mercados internacionais competitivos.
Teriam eles surgido como instrumentos de “Estados insipientes” para proporcionar a segurança
dos mercadores e das cargas, sujeitos, ao longo dos percursos, à pirataria e aos saques, modo
de vida aceito e amplamente praticado. Inseridos em realidades onde o poder governamental
sobrepunha-se ao poder econômico, as negociações realizadas em seus recintos eram
baseadas em preços fixos, evitando-se assim as transações competitivas e reforçando o caráter
neutro da localidade. Os habitantes locais, em contrapartida, provinham os portos de serviços e
de instrumentos para a negociação, fazendo dessas atividades, e do recolhimento de taxas, as
fontes de renda dessas localidades.
83
(Prado Jr., 1966: 139-146). Isso indica que a localidade em questão estava em
situação ambiental (bons ancoradouros, terras para cultivo, fontes de água)
muito semelhante à de S. Vicente. Outro fator que pode ter levado o navegador
a ignorá-la era a existência de um potentado local, o chamado Bacharel de
Cananéia. Em relatos de cronistas do século 16 ele aparece como uma figura
muito influente a qual todos tinham que recorrer se quisessem prosseguir com
seus intuitos. Pode ter parecido a Martim Afonso que o confronto entre os
interesses da metrópole, seus interesses e os do Bacharel não levaria a nada.
Dessa forma, S. Vicente, a partir daquele momento, começaria a perder seu
caráter de porto de passagem, pois seria ela incluída em uma dinâmica de
mercado, produzindo açúcar e servindo como entreposto comercial, onde
mercadorias européias seriam trocadas pela prata andina.
Parecia, àquela época, que o destino das duas localidades do Ribeira
seria parecido, só que sob o domínio espanhol, apesar das tentativas dos
colonos vicentinos de tomar a região, provocando as escaramuças com Rui
Mosquera, por volta de 1535. Em 1541, o governador do Paraguai, o
castelhano Cabeza de Vaca, toma posse da povoação quando da sua
passagem para Assunção (Prado Jr., 1966: 139-146).
Visando consolidar o domínio da rota que tentava ligar o Peru ao
Atlântico, em 1547 é concedida uma capitulação a dom Juan de Sanábria para
estabelecer povoações na região de São Francisco (SC) e outra na foz do Rio
da Prata, o que não foi realizado. Mas, no ano de 1557 é concedida nova
capitulação, a qual exigia que Jaime de Rasquin fundasse quatro entrepostos:
um em São Francisco (SC), outro na região conhecida como Patos (RS), outra
na ilha de São Gabriel (estuário do Prata) e a última em Espírito Santo
(Canabrava, 1984: 52-53).
Entretanto é só a partir da união das coroas portuguesa e espanhola, em
1580 que os espanhóis vêem à oportunidade de colocar o litoral sul
definitivamente sob o seu domínio, cessando a justificativa para qualquer tipo
de disputa. Essa parte do litoral era bastante ocupada por súditos de vários
reinos europeus, o que reforça a hipótese de haver um baixo controle, tanto
lusitano, quanto espanhol, no litoral sul paulista (Stella, 2000: 81-109).
Como já foi dito, a ocupação do litoral sul paulista, em meados do século
16, não era decorrente de um só reino. A presença luso-brasileira também é
84
bastante sentida porque o sul paulista, além de ser uma região em litígio entre
duas metrópoles européias, era uma zona de expansão para o apresamento de
mão de obra escrava indígena, necessária nos engenhos distribuídos pelo
litoral da Capitania de São Vicente. As tribos Carijós e Guaranis, habitantes do
sul do Brasil, incluso o litoral (IBGE, 1987), foram largamente escravizadas
(Monteiro, 1994: 68), uma vez que a preação no litoral norte mostrava-se
inviável, pois ele era ocupado por tribos Tamoios, nação de difícil captura
(Monteiro, 1994: 37). Outro fator que impulsionava a colonização da região
eram as possibilidades de lucrar com o contrabando de prata das minas de
Potosí (Canabrava, 1984).
É só a partir de fins do século 16, que as vilas de Cananéia e Iguape,
passam a envolver-se com a exploração aurífera do vale do Ribeira,
principalmente no processo de distribuição da mercadoria e de regulação dos
acessos para o sertão: Cananéia aproveitava-se do fluxo de embarcações, o
que favoreceu o desenvolvimento de atividades voltadas para a confecção de
embarcações e o reparo das mesmas (Almeida, 1965: 465-470); em Iguape
(juntamente com Icapara), povoação mais próxima da foz do Ribeira, uma das
principais rotas de penetração e escoamento da produção aurífera - cujo início
está ainda nas décadas de 1570/ 1580 (Smelian et al., 1995: 59) -, montou-se
uma das primeiras fundições de ouro do Brasil52, em meados do século 17
(Demartini, 1997: 30). Dessa forma, a região passou a figurar, por um tempo,
como uma região prioritária dentro da exploração colonial, a qual se renovara,
junto com a política externa portuguesa, após a Restauração (1640), quando foi
reafirmada a tendência, desencadeada desde o século 15, de investir na
porção Atlântica de seus domínios (Barata, 2000: 105-126).
É importante ressaltar que os imigrantes espanhóis, os quais vieram em
quantidades consideráveis para o Brasil, a partir da união entre as duas coroas,
não foram expulsos e nem tampouco formaram guetos isolados dos lusobrasileiros.
Eles
acabaram
misturando-se
com
os
outros
contingentes
populacionais formando a base da sociedade atual (Stella, 2000: 81-109). Tal
característica elimina a idéia da formação de uma sociedade composta, no que
tange o elemento europeu, exclusivamente por súditos portugueses.
52
Apesar de não se ter a data exata de abertura dessa fundição, pode-se dar como referência a
de Paranaguá, a qual foi montada em 1649 (Smelian et al., 1995).
85
1.3 O domínio físico da fronteira marítima centro-meridional (1640-1808)
A partir de fins do século 17 há um deslocamento do eixo de interesses
da metrópole lusitana em sua maior colônia. Com a separação das Coroas de
Portugal e Espanha, surge a necessidade de delimitar os territórios de uma e
de outra na América (Prado Jr., 1966: 149). Somando-se a isso, vem a queda
da lucratividade da produção canavieira do nordeste, na segunda metade do
século 17, e a descoberta de grandes minas de ouro e diamante nas Gerais, a
partir de 1680, e no centro-oeste, em 1718, o que faz com que as atenções da
metrópole voltem-se para o centro-sul de sua possessão americana, região de
convergência da produção aurífera. Novas estradas começam a ser abertas53,
melhorias nos caminhos são feitas, casas de fundição são estabelecidas54 e
fortificações são construídas55 sendo que o ápice desse plano de estruturação
é o deslocamento da capital do Vice-Reino do Brasil de Salvador para o Rio de
Janeiro, em 1763 (Smelian et al., 1995).
Mas, entre 1750-1760, a produção aurífera começava a dar mostras de
diminuição (Zemella, 1990: 232), o que levou a metrópole a planejar outras
formas de obter ganhos de sua maior colônia.
Uma das alternativas era incrementar a exploração do comércio do rio da
Prata, área muito promissora mas bastante instável. A colônia de Sacramento,
fundada em 1680, constantemente mudava de domínio: ora era portuguesa, ora
espanhola.
Dessa forma, para garantir o domínio português do comércio, havia que
se garantir as fronteiras, ainda mal consolidadas, através da colonização e do
estabelecimento de forças militares que dispusessem de todo o auxílio
possível, com a criação de uma rota de suprimentos e de postos de produção e
53
Rio de Janeiro - S. Paulo (1725), Cuiabá - S. Paulo (1726), S. Paulo - Rio Grande (1727),
Cuiabá - Goiás (1736), dos campos de Curitiba ao rio da Prata (1738) (Smelian et al., 1995).
54
Em S. Paulo (1686-1703, 1752, 1765), Taubaté (1695), Santos e Parati (1703), as de MG
(funcionando a partir de 1725), Vila Boa de Goiás (1752) (Smelian et al., 1995).
55
Do Calabouço, 1696; da ilha das Cobras e do morro de S. Bento, 1711, no Rio de Janeiro; de
S. João e Sto. Inácio, 1726; de N. S. do Monte Santo, 1730, no Espírito Santo; de Sto. Amaro,
1735; do Rio Grande de S. Pedro, 1737, no Rio Grande do Sul; início da fortificação da ilha de
Sta. Catarina, 1739, atual Estado de Sta. Catarina; da Estacada, 1743, em Santos (SP)
(Smelian et al., 1995).
86
distribuição dos mesmos que interligasse o centro-sul ao sul do Brasil (Bellotto,
1978).
É a partir de então que o estímulo à ocupação do sul ganha impulso. Em
1738 é criada a Capitania da Ilha de Sta. Catarina, onde são fundadas diversas
fortificações pelo brigadeiro José da Silva Paes. Mas como, segundo o
brigadeiro “fortalezas sem gente são como corpo sem alma”, a partir de 1748
começam a chegar os casais açorianos e madeirenses que iriam povoar o
litoral de SC e RS (Piazza, 1992: 45-51).
Qual foi, pois, o papel da Capitania de São Paulo na consolidação das
fronteiras meridionais do Brasil que, até 1737, tinha como povoação mais
austral a vila de Laguna?
Segundo Heloisa L. Bellotto (1978), é dentro desse contexto geral de
defesa do sul e de busca de alternativas para a reativação econômica do
sistema colonial que é restaurada, em 1764, a autonomia da Capitania de São
Paulo (retirada em 1751). Juntamente com a do Rio de Janeiro, propiciaria
recursos para o abastecimento das tropas no sul. Além disso, era ela vista como
um terreno selvagem, passível de ser cultivado e domesticado. Para a tarefa do
restabelecimento de São Paulo foi escolhido, em 1764, o fidalgo dom Luís
Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, que permaneceu no
cargo até 1775. Apesar de não ter conseguido realizar todas as tarefas
pretendidas, suas decisões alicerçaram o desenvolvimento da Capitania por
muitos anos.
A fim de lograr êxito em suas tarefas, o Morgado de Mateus tomou uma
série de medidas, tais como a melhoria de antigas e a criação de novas
povoações, além do incentivo à lavoura, para garantir a fixação da errante
população em locais determinados, facilitando o controle e o alistamento,
garantindo assim provisões para as lutas do sul. As novas povoações foram
estabelecidas ao redor de rotas de deslocamento para o sul, tanto no interior
(Lajes, hoje SC, por exemplo) como no litoral (Sabaúma, SP e Guaratuba, hoje
PR, por exemplo). Da mesma forma que foram criadas novas povoações ao
redor dessas rotas, as antigas, nelas também situadas, foram alvo de atenção.
É dentro desse contexto que se inserem Cananéia e Iguape.
87
Com o desinteresse estatal pela produção aurífera do vale do Ribeira, na
primeira metade do século 1856, suas vilas assumem novamente um papel
secundário dentro da lógica da exploração colonial. No entanto, algumas
décadas mais tarde, elas passariam a representar, para D. Luís Antonio e para
a metrópole, elos fundamentais na corrente que atrelaria o extremo sul ao
centro-sul. Essas vilas, com seus bons ancoradouros, vastas planícies
alagadiças (onde o arroz poderia ser cultivado em grande escala) e indústrias
voltadas para a construção e reparo de embarcações, poderiam garantir o
abastecimento de gêneros para os colonos e as campanhas do sul, além de
serem bons pontos de entrada para a serra de Paranapiacaba, rica em
minérios57. É dessa maneira que as duas vilas assumem um papel relevante
dentro de um sistema colonial, e é nesse ponto que se chega à questão do
conflito do modo de vida das localidades com os interesses de Portugal.
Figura 2: “Prospeto de Cananea da pte. do porto”. José Custódio de Sá e Faria, 1776 (Reis,
2000: 204)
Tem-se, em fins do século 18, uma região que por quase três séculos
estivera distante do controle lusitano, e que, a partir daquele momento, teria
que ser enquadrada na nova lógica da exploração colonial, o que restringiria as
possibilidades de negócios para seus moradores, acostumados a comerciar
com quem quer que passasse pela região. Tal processo revelou-se longo e só
foi completado em meados do século 19.
Paradoxalmente, a metrópole portuguesa continuou necessitando da
vocação de ponto de apoio de Cananéia e Iguape, uma vez que a conquista
56
Em 1738 ainda funcionava a casa de fundição em Iguape (Young, 1905: 182-184), mas em
1750 já não há mais notícias de sua operação, pois os mineiros eram obrigados a se deslocar à
cidade de São Paulo ou à do Rio de Janeiro para fundir o ouro (Bellotto, 1978).
57
1
ANRJ, Fundos dos Ministérios – da Guerra, IG 149, 1824-1825, 21/03/1825. O ofício
menciona a abertura do Valo Grande. Um dos propósitos de sua construção seria o transporte
de peças grandes fundidas na fábrica de ferro de Ipanema.
88
definitiva do sul dependia do estabelecimento de rotas que pudessem
abastecer tropas e colonos. Fortalecidas com o aumento do fluxo comercial,
tais rotas favoreciam o domínio português, mas, ao mesmo tempo, abriam
novas frentes para os negociantes das localidades em questão, dando novo
alento às características do modo de vida da sociedade do litoral sul da
Capitania de S. Paulo.
Do ponto de vista defensivo, o plano de restabelecimento da Capitania
envolvia também a sua militarização, não só com o recrutamento compulsório,
mas também com a reforma de fortificações deterioradas – forte de São João
da Bertioga (Bastos et al., 1998; Bava de Camargo, 1998), por exemplo -, bem
como a construção de novas - fortaleza da barra de Paranaguá (Bellotto, 1978:
114).
Na planície costeira Cananéia/ Iguape, apesar de defesas costeiras
serem pleiteadas desde o início do século 18 (Young, 1904: 342-343), é só no
governo do Morgado que se planeja a construção de uma fortificação58. Mas,
como muito da obra do Morgado de Mateus e do Marquês de Pombal, o plano
de fortificação foi abandonado e só foi retomado anos depois, na década de
1820, nos últimos anos do domínio português.
1.4 O fim do Absolutismo: a “nova Corte” lusitana, o Primeiro Império e a
Regência
O sistema defensivo paulista foi estabelecido num momento bastante
peculiar. Desde 1808, não apenas o eixo do sistema colonial estava situado no
centro-sul. Todo o staff da metrópole havia se transferido para o centro-sul da
América portuguesa, na tentativa de fazer consolidar “um império no Brasil, que
deveria servir de baluarte do absolutismo” (Silva Dias, 1972: 169). No entanto,
a tradicional ameaça espanhola e a nova ameaça republicana platina faziam-se
presentes, servindo de justificativa para o estabelecimento de uma rede de
58
Na ponta do Itacuruçá (Almeida, 1962: 198), na Ilha do Cardoso, defronte à ilha do Bom
Abrigo, ancoradouro obrigatório para as embarcações que demandavam a difícil barra de
Cananéia.
89
fortificações que salvaguardasse o novo centro do Império Português. Mas
seriam os castelhanos um problema maior do que já representavam?
Se a ameaça espanhola/ platina esteve presente desde o século 16,
porque só no início do século 19, quando a Coroa portuguesa tentava
fortemente manter uma velha ordem social que sustentava o Brasil em seu
poder, é que foi implantado o sistema defensivo dessa região?
Segundo Maria Odila S. Dias (1972: 169-170), “a insegurança das
tensões internas, sociais, raciais, da fragmentação, dos regionalismos” fizeram
com que os estratos das classes dominantes, embora opositores no que tange
as
preferências
pelo
direcionamento
político-econômico
(liberal
ou
conservador), buscassem o abrigo na idéia de uma monarquia forte ligada a
Portugal, pois não havia condições do aparecimento de uma sociedade nacional
brasileira. Uma das formas de proteção desses estratos privilegiados era o
investimento em “aparelhamento policial e militar”, muitas vezes sob o pretexto
de garantir a segurança desses estratos dominantes frente à imensa massa de
despossuídos e escravos ou de defesa da “infiltração de idéias jacobinas pela
América espanhola”. E essas justificativas não cessam com a Independência,
uma vez que ela não produziu - e nem poderia -, de imediato, uma nova e
consolidada nação. É só a partir da Regência (1831-1840) que vemos o quadro
mudar, sendo que é só a partir do Ministério da Conciliação (1853-1856) que
podemos afirmar que o Brasil ganha corpo e alma.
Figura 3: Cananéia
em 1815 (Reis, 2000:
204).
90
Os regentes e a intelectualidade luso-brasileira, influenciados pelas
idéias liberais pós-revoluções norte-americana e francesa, que só agora
encontravam calor para “levantar fervura”, acreditavam que os meios mais
eficazes para a manutenção da ordem interna da jovem nação eram os meios
de coerção civis e não os militares (Castro, 1979). O controle bélico das
fortificações da herança absolutista colonial, da força física material, cedia
espaço à eficácia legislativa do novo funcionalismo genuinamente brasileiro,
encabeçado pela Assembléia Provincial que, a partir de 1834 (Castro, 1979),
passou a subordinar as câmaras municipais, antes detentoras de grande poder.
A título de exemplificação, o Morgado de Mateus, em seu governo,
freqüentemente desobedeceu a ordens da metrópole porque ele sabia que elas
iriam conflitar diretamente com os interesses das câmaras. E, sem o apoio
delas, seria praticamente impossível realizar qualquer tarefa.
2 Do melhor local para a instalação da fortificação da barra
Pode ser inusitado uma fortificação ser construída em um terreno tão
instável e friável quanto o arenoso, numa região onde abundam terrenos
rochosos e firmes. Mas a razão da escolha do local onde a fortificação da barra
de Cananéia foi levantada não passa só pela procura do terreno ideal.
Já em 1767 cogitava-se a construção de uma fortificação na ponta do
Itacuruça (CD, doc. 1767). Esse pontal rochoso, bastante sólido, apresenta
outra característica: está bem em frente à ilha do Bom Abrigo, excelente
ancoradouro para quem demanda a barra de Cananéia (fig. 4). Em 1809 (CD,
doc. 1809) volta-se a cogitar a elevação de uma estrutura defensiva mas, como
no século anterior, a idéia não se concretiza.
Três razões podem ter contribuído para o fato: a relativamente grande
distância que separa a ponta da vila, o perigo de se atravessar a barra e a
possibilidade dos atacantes evitarem a ilha do Bom Abrigo.
O documento 1803a mostra que houve alguma movimentação para o
estabelecimento de uma trincheira no morro de S. João, pouco ao sul da vila de
Cananéia (fig. 4). Chegou-se a ordenar que duas peças fossem enviadas para
Cananéia (CD, doc. 1803b). Mas, segundo um mapa de 1815 (fig. 4), parece
91
que essa idéia de se construir uma fortificação morro acima não foi levada a
cabo, porque nada consta na carta. O que provavelmente aconteceu é que uma
das peças tenha sido enviada para Cananéia (CD, doc. 1819a) e outra para
Iguape. Uma vez que essas peças seguramente eram de campanha, menores
e mais leves, optou-se por mantê-las nas guarnições das vilas para diferentes
propósitos.
Figura 4: Mapa
indicando os locais
onde foi cogitada a
instalação de
fortificações e onde foi
efetivamente instalada
a fortificação da barra
de Cananéia
(elaborada sobre carta
Cananéia, 1:50.000 do
Ministério do Exército,
1983).
Uma outra possibilidade, aventada em 1838, quando discutia-se o que
fazer com os canhões da trincheira, era a de trazer a dita artilharia para a vila
92
para que assim fossem evitados desembarques indesejados (CD, doc. 1838d).
Essa seria uma solução bastante racional e realista, mas não foi levada em
consideração (fig. 4).
Figura 5: vista da ponta da Trincheira, a partir do canal da barra de Cananéia. Foto: F. Calippo
(2000).
Figura 6: vista dos morrotes do Perequê, na ilha do Cardoso, tirada da baía de Trapandé. Foto:
F. Calippo (2002).
93
3 Uma outra bateria?
Os documentos 1819b e 1820a dão a impressão de que já havia outra
fortificação em Cananéia: o primeiro alega que a “bateria que defende a barra”
necessitava de oficial que soubesse manejar artilharia; e o segundo pede
bandeiras para as fortalezas de Paranaguá e de Cananéia. Mas, em verdade,
eles estão considerando a única peça de campanha para lá transportada após
o ano de 1803 (CD, doc. 1803b) como uma fortificação ou ao menos como uma
bateria. Ou podemos considerar uma alternativa mais prosaica: que, pelo
menos o autor do ofício 1820a estivesse equivocado porque mal informado.
4 A construção: 1822-1825
As primeiras idéias para a construção da fortificação no pontal do Norte
da barra de Cananéia, hoje chamado de pontal da Trincheira vieram da
inspeção do litoral paulista feita pelo coronel Afonso Furtado de Mendonça no
ano de 1819 (CD, docs. 1819b e 1820b). Segundo os documentos que se
seguem no Corpus Documental, foram tomadas enérgicas atitudes para a
imediata construção da fortificação. Entretanto, foi só a partir de 1822, com a
chegada da artilharia à vila que podemos considerar o início da construção,
apesar de só ter efetivamente progredido com a chegada do tenente Antonio
Mariano dos Santos, em 1824 (CD, doc. 1824b). Só em 1825, sob sua
supervisão, é que ficaria pronta a primeira edificação da fortificação da barra de
Cananéia (CD, doc. 1825 e fig. 4).
E por que instalar a fortificação lá, em um local sujeito à erosão marinha?
A primeira resposta é bastante simples: porque era um local estratégico. Todas
as embarcações que demandassem Cananéia ou Iguape (a menos que
quisessem arriscar-se pela perigosíssima barra de Icapara) teriam que passar
em frente ao pontal (fig. 4).
Até hoje os barcos, mesmo motorizados, passam bastante próximos à
ponta da Trincheira, pois é o trajeto mais curto para atingir-se Cananéia, além
de ser uma área onde não há arrebentação. No tempo da navegação à vela, as
embarcações também eram obrigadas a passar rentes ao pontal, devido às
94
maiores profundidades. Isso as deixava ainda mais sujeitas aos canhões da
fortificação.
5 Reformas e possível reedificação
5.1 Reforma de 1828
No documento 1828a consta que, em 10 dias, foram erguidos um
rancho 59 para acomodar o destacamento que iria operar na fortificação, por
ocasião da guerra da Cisplatina, e uma outra edificação menor, para servir de
paiol. As obras foram executadas em madeira e palha e, segundo o documento
1828e, três meses e meio após a edificação do rancho, a palha que recobria o
mesmo já não mais estava íntegra. O mesmo documento coloca ainda que o
rancho era todo aberto, e que não oferecia proteção alguma contra as
intempéries. Todas as construções haviam sido erguidas aos pés das peças, o
que contrasta bastante com a estratégia da reforma de 1834-35.
5.2 Reforma de 1834-35
Nessa reforma foi edificado um telheiro, de pilares de pedra e cal, para
acomodar as peças de artilharia, que haviam sido pintadas, tapadas e
brocadas, a fim de que se mantivessem protegidas (CD, docs. 1834, 1835 e
1836a). A instalação do telheiro60 deu-se entre 30 e 40 braças (entre 66 e 88
metros) do barranco onde estavam as peças (CD, doc. 1838c). Somando-se
este último dado à evidência de que as peças estavam a ponto de cair do
barranco, podemos ver que o processo erosivo no local já se fazia evidente
para as autoridades da época e que eram tomadas iniciativas para reposicionar a fortificação.
59
Rancho é, segundo Ferreira (1982), uma casa provisória ou uma casa pobre.
O telheiro deveria ter mais de 6 metros de comprimento e por volta de 3 metros de largura,
para cobrir totalmente as peças (suposições do autor).
60
95
5.3 Reforma ou reedificação de 1839
A reforma de 1834-35 implicava também no transporte das peças para o
telheiro. Entretanto, devido à grande massa das mesmas e da distância em que
encontrava-se o novo telheiro do barranco, o recolhimento dos canhões não
seria tarefa nem fácil, nem barata (CD, docs. 1836a e b; 1837a, 1838a, b e c).
Por anos arrastou-se a questão, até que, em 1839, já no segundo semestre, as
tropas rebeldes sulistas tomaram a cidade de Laguna, SC. Até aquele
momento, o palco da Guerra dos Farrapos estava circunscrito ao interior do RS,
pois as tropas imperiais dominavam todos os portos do litoral gaúcho, deixando
os rebeldes sem saída para o mar. Numa manobra astuciosa, os Farrapos
atravessaram um lanchão, por terra, até atingir mar aberto. Daí seguiram para
Laguna, tomaram o porto e fundaram a república Juliana. A partir desse
episódio, a integridade do território nacional estaria seriamente ameaçada.
Cientes desse problema, as autoridades imperiais empreenderam
esforços para manter os rebeldes longe das povoações mais setentrionais,
além de impedir a guerra de corso. Daí segue-se o re-aparelhamento da
fortaleza dos Prazeres, em Paranaguá (Castro, 1994: 8) e a reforma ou
reedificação da trincheira da barra de Cananéia (CD, docs. 1839b, c, f, g e h)
que, a partir daquele momento passa a receber, mais freqüentemente, a
denominação de “forte”, até com regulamento para auxiliar na abordagem das
embarcações (CD, doc. 1839e).
6 A fortificação como prisão (1850)
Após a retomada de Laguna, perde-se o interesse pela fortificação. De
1842 até 1846, apenas de um a dois guardas nacionais são destacados para,
principalmente, evitar o ataque de vândalos e assaltantes aos equipamentos do
forte (docs. 1842, 1845a, 1846b). Em 1846 o destacamento do forte é extinto
(doc. 1849).
Em 1850 ocorre um fato curioso. É apreendida, nas proximidades de
Cananéia, uma embarcação suspeita de traficar escravos. Em seu interior não
96
havia nenhuma identificação de seu armador, bem como de seu porto de saída
ou de destino. Mas, alguns dias depois, é capturado um homem negro e
encarcerado na “casa da Trincheira da Barra” (doc. 1850a). Dias depois
descobre-se que ele era um africano recém capturado, possibilitando associá-lo
com o carregamento ilegal da embarcação apreendida (doc. 1850b).
O interessante para essa pesquisa é que esse homem foi mantido preso
em uma edificação fechada na fortificação da Trincheira, o que indica que as
mudanças empreendidas na fortificação entre 1839-1840 foram bastante
profundas.
Outro fato interessante é que a fortificação, a partir desse momento,
definitivamente não teria mais uso militar, servindo para outros propósitos.
7 A fortificação como enfermaria (1855-56) e seu abandono final
Em 1855, ela ganha uma função diferente: servir de enfermaria para
possíveis doentes de cólera. Devido a uma epidemia que grassava pela Corte,
as autoridades sanitárias haviam estabelecido enfermarias por todos os portos
para impedir a disseminação da moléstia nas povoações litorâneas. Como a
trincheira distava mais ou menos 6 km da vila de Cananéia, pareceu razoável
instalar lá um destacamento, além de construir um cômodo para abrigar os
contaminados (docs. 1855a, b, c).
Mas, já no final de 55 e início de 56, a epidemia parecia controlada.
Seguem-se ordens para a desmobilização do pessoal e dos equipamentos,
muito
embora
as
autoridades
locais
fossem
contra
esse
repentino
desmantelamento (docs. 1855d, 1856a, b).
É interessante notar que, quando a fortificação assume essa função
secundária para a qual ela não havia sido planejada, ela volta a ser chamada
de “trincheira”, denotando uma perda de importância acentuada.
Daí para frente, a fortificação perde totalmente o seu valor funcional
(tanto primário, bélico, quanto secundário, barreira sanitária) e simbólico. Em
1863 (doc. 1863), houve um levantamento, bastante objetivo, de todas as
fortificações do litoral brasileiro. Na Província de S. Paulo figuram apenas duas,
no litoral central. De início imaginamos que o documento tratasse apenas de
97
grandes
fortificações.
Mas,
no
Estado
do
RS,
o
autor
assinala
entrincheiramentos e redutos, fortificações singelas, o que comprova que o uso
da trincheira ou forte da barra de Cananéia não estava mais em questão.
Anos mais tarde, em 1867, já dentro do conflito com o Paraguai, uma
série de documentos (1867a, b, c, d) aventa a hipótese do aproveitamento de
peças de artilharia de ferro espalhadas pela planície Cananéia/ Iguape. O
documento 1867a dá uma idéia do estado ruinoso da antiga trincheira. Mas,
pelo menos, a artilharia poderia servir para ser refundida ou utilizada no teatro
de guerra, hipótese a qual o documento 1867c sepulta definitivamente.
A penúltima menção da fortificação da ponta da Trincheira é feita em
livro publicado em 1875 (CD, doc. 1875). A descrição da orientação do litoral
sul da Província toma como referência a “fortaleza da barra” ou “bateria da
barra” como ela também é chamada. O mais provável é que o autor do trabalho
tenha se baseado em alguma descrição feita por morador de Cananéia que
ocupava algum cargo na administração pública, porque a fortificação
encontrava-se abandonada há muito e já não mais era considerada por
pessoas de fora. Servia ela apenas como ponto de referência para algum
saudoso morador da região e acabou servindo de ponto de referência para um
autor sem conhecimento de sua real situação.
Segue-se um silêncio de mais de 20 anos até que se ouça falar
novamente na trincheira ou, pelo menos, nos canhões dela (doc. 1897). Só que
agora seu uso seria outro. Teriam as peças uma função decorativa e
comemorativa, até hoje evidentes na praça Martim Afonso.
8 Elementos específicos da construção
8.1 Da muralha ou cortina
A partir da interpretação dos documentos escritos, podemos dizer que a
fortificação pode nunca ter tido uma muralha. Embora o documento n.º 1824b
discorra sobre o material mais conveniente para a edificação da mesma, os
documentos 1837a, 1838a e 1838b relatam que as peças encontravam-se à
beira do barranco. Ora, é de se supor, então, que se houvesse alguma
98
muralha, mesmo que de madeira, esta tivesse desmoronado devido ao avanço
do mar. Mas em nenhum documento é citada a existência de uma muralha
desmoronada ou deteriorada. Pelo contrário. No documento 1839c, as
determinações são colocadas no sentido de erguer “cortina de faxina”, ou seja,
uma paliçada de madeira ou barricadas com cestos, o que induz a acreditar na
inexistência anterior de tal equipamento.
Outra evidência é a utilização de diferentes expressões para designar a
fortificação. O termo “bateria” é freqüentemente utilizado, de 1819 a 1824, para
denominar àquela fortificação. Este termo é geralmente usado para designar
um local preparado para receber canhões apontados no mesmo sentido e
direção (Fauchere, 1996: 105). Refere-se a um local ou a uma situação, e não
às edificações, muito embora ele fosse empregado, algumas vezes,
erroneamente. Nesse período podemos dizer, com segurança, que não havia
nenhuma muralha na fortificação.
Já a termo “trincheira”, usado com maior freqüência de 1825 até 1839,
informa-nos que, nesse período, a fortificação ganhou outros equipamentos.
Apesar do termo designar uma fortificação efêmera, ele tem um status mais
elevado que o termo “bateria”, que designa apenas um local. Entretanto, nada
especifica
que
um
componente
desse
conjunto
de
equipamentos
acrescentados fosse uma cortina. Ele está mais relacionado à elevação de
edifícios singelos para abrigar às peças, às carretas ou aos militares.
Da mesma forma, temos o termo “forte”, empregado mais amplamente a partir
de 1840. Teria a possível reedificação, iniciada em 1839, acrescido um muro à
fortificação? Muito provavelmente o uso desse termo esteja associado à
construção de uma casa, edificação mais consistente que um rancho, que
serviria de quartel e de paiol. Entretanto, essas questões realmente só serão
mais bem entendidas com as futuras prospecções arqueológicas nos locais
onde foram detectadas anomalias geofísicas.
Figura 7: desenho (1765) da muralha do forte Augusto,
ou da Estacada, construído em Santos de fronte à
fortaleza da barra Grande, no Guarujá (Mapa, 1993:
260). Podemos supor que se a fortificação da ponta da
Trincheira tivesse uma muralha, ela fosse assim ou
como a mostrada n a fig. 29 do cap. 2.
99
9
Contexto geomorfológico para a implantação e destruição da
fortificação da ponta da Trincheira: sobre a terra e o mar
O vale do Ribeira constitui-se em um sistema geográfico, delimitado
principalmente pelo rio Ribeira de Iguape, maior afluente da bacia hidrográfica
de mesmo nome. Ele nasce “na serra das Almas, município de Ponta Grossa,
Paraná, em altitude próxima a 1200 m” (Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998:
75), percorrendo 470 km até sua foz natural. É interessante notar que nos 290
km iniciais ele sofre um desnível de aproximadamente 900 m de altitude. Nos
90 km seguintes ele desce mais 90 m e, em Registro, ainda a 70 km de sua
desembocadura marítima, fica apenas a 5 m acima do nível do mar
(Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998: 75). Tal característica faz com que o
baixo vale do Ribeira abranja também os municípios de “serra acima” e não só
os implantados nas planícies.
Os municípios de “serra acima” (Eldorado - antiga Xiririca -, Registro,
Jacupiranga, entre outros) estão intrinsecamente ligados aos municípios
litorâneos (Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, este último emancipado de
Iguape
e
Cananéia
desde
1991)
tanto
geográfica,
histórica,
e
arqueologicamente. Esses municípios são mais bem entendidos se tratarmo-los
como integrantes da Baixada do Ribeira, uma subdivisão do vale do Ribeira
que engloba as terras situadas entre 0 e 100 metros (Petrone, 1966: 19), dentre
as quais destacam-se a região estuarino lagunar de Cananéia/ Iguape, as
faixas de sedimentação marinha da planície da Juréia, a planície fluvial e os
altos terraços do baixo Ribeira, inclusas as colinas sub-litorâneas (Pinto, 1997:
14 in Rambelli, 1998: 74). Vale ressaltar que essa subdivisão dá-se porque a
Baixada do Ribeira tem dinâmica climática, morfológica e de ocupação humana
bastante singulares, o que possibilita considerá-la em separado (Petrone, 1966:
13-46).
Um dos componentes da Baixada é a planície costeira Cananéia/ Iguape,
delineada pela linha estrutural de Itatins, onde temos a nordeste o complexo
cristalino da serra do Mar e a sudoeste a ilha do Cardoso (Suguio & Tessler,
1992). É sobre esse compartimento geomorfológico que centraremos foco, pois
100
foi nele que se implantou o sistema de defesa que impediria tanto eventuais
invasões estrangeiras nas localidades litorâneas quanto a penetração do
inimigo pelo interior. Também seria possível um maior controle do fluxo da
produção de todo o Vale - tanto aurífera, no início da colonização, quanto
agrícola, a partir de fins do século 18 -, fazendo com que ela fosse forçada a se
integrar aos interesses da metrópole portuguesa e depois aos do Império
Brasileiro.
Iguape e Cananéia situam-se nas extremidades da margem esquerda do
mar Pequeno, canal marítimo formado pelo continente e a ilha Comprida que se
estende de NE (barra de Icapara) a SO (barra de Cananéia) por mais ou menos
74 km. Dessa forma temos duas localidades marítimas, portuárias, protegidas
do “mar grosso”. Tal peculiaridade geográfica acabou criando uma relativa
facilidade de comunicação entre as cidades61, transformando-as em povoações
intrinsecamente conectadas, pois todas as embarcações que demandavam
Iguape tinham que passar por Cananéia, a menos que fossem obrigadas a
enfrentar os perigos da barra de Icapara. Por isso, a defesa da barra de
Cananéia resguardaria também Iguape, uma vez que o melhor caminho para a
última localidade dá-se pela barra sudoeste.
Mas a margem norte da barra de Cananéia, onde se situa a ponta da
Trincheira é um local de constantes mudanças morfológicas. Associando a
intensa dinâmica marítima à constituição geológica peculiar do local, composta
na maior parte por areia e argila, elementos característicos da Formação
Cananéia (Suguio & Tessler, 1992: 14), e aos fatores sociais, tais como a perda
do valor militar e simbólico dos baluartes, é que teremos a submersão da
fortificação mais importante da região.
61
Relativa facilidade porque, apesar de ser um canal com águas calmas, existem inúmeros
obstáculos em seu percurso, o que demanda um certo conhecimento em sua navegação (Carta
náutica n º. 1702).
101
Figura 8: Foto mostrando a estratificação da Formação Cananéia na ponta da Trincheira. A
primeira camada é de areia e a segunda, mais escura, é de argila muito compacta. Foto: F.
Calippo, 2000.
Da mesma forma que nos propusemos a levantar os aspectos sociais
que levaram à criação e destruição da fortificação, há que se considerar os
fatores naturais que levaram a mesma a passar do ambiente emerso ao imerso.
Em artigo de 1983, Suguio e Tessler (apud Callipo, 2001: 1-2) colocam
que, durante a transgressão holocênica poderia ter-se formado um paleovale,
hoje submerso, na área do canal da barra de Cananéia o que garantiria que,
até hoje, o referido canal mantivesse profundidades em torno de 20 metros.
Apesar da estabilidade estrutural do canal, a interação entre as intensas
correntes de maré e a ação local das correntes geradas pela incidência de
ondas provenientes de S-SE e E, tem sido responsável pela translação das
margens do canal de desembocadura (em relação à linha de costa SO-NE)
para NO, resultando em deslocamentos da Ponta do Perigo (ilha do Cardoso) e
da Ponta da Trincheira.
O deslocamento da Ponta do Perigo é resultado direto do embate das
correntes de maré vazante com as correntes de deriva litorânea (principal
responsável pelo transporte de sedimentos que ocorre paralelamente à linha de
costa) e com as ondas provenientes de S-SE. Neste local, a interação entre
esses três mecanismos vem resultando em um bloqueio do transporte realizado
pela deriva litorânea, o qual acaba interrompendo o aporte de sedimentos à
102
Ponta do Perigo, comprometendo assim, sua estabilidade morfológica. Com o
bloqueio da fonte de sedimentos que estabelecia o equilíbrio dinâmico entre o
aporte e a retirada de sedimentos (realizado pelas correntes de deriva), os
sedimentos que deviam ser depositados na Ponta do Perigo, passam, cada vez
mais, a serem depositados a jusante (E) desta área, contribuindo assim para o
deslocamento desta feição para O, à sua retaguarda.
Na Ponta da Trincheira, apesar da incidência de ondas S-SE e E que
agem sobre a margem norte do canal lagunar de Cananéia, erodindo cada vez
a sua face S, é o predomínio das correntes de maré vazante sobre as de
enchente o principal responsável pelo contínuo avanço desta feição para O. O
contínuo crescimento da Ponta da Trincheira (na forma de um esporão
arenoso) é conseqüência direta de processos erosivos e deposicionais
decorrente dos agentes hidrodinâmicos que atuam na parte mais interna da
margem do Canal da Ilha Comprida, onde a corrente de maré vazante
proveniente da Baía de Trapandé encontra-se com a corrente de maré vazante
do Mar de Cananéia, antes de fluírem pela desembocadura lagunar (Tessler et
al., 1990). Durante a ocorrência de fenômenos metereológicos muito intensos,
devido ao grande volume de água retido nos canais lagunares, ocorrem
intensas remobilizações dos sedimentos subaquosos desta área, chegando até
a romper a porção terminal deste esporão.
Tais considerações levam a crer que apesar da intensa remobilização
dos sedimentos adjacentes à Ponta da Trincheira, vestígios da fortificação
poderiam ainda estar submersos próximos à margem do canal. Isso se torna
possível na medida em que a estabilidade geomorfológica da Ponta da
Trincheira não é estática, ocorrendo neste local, portanto, um intenso
retrabalhamento dos vestígios que ali estivessem. Assim como os sedimentos,
os vestígios estariam hora em subsuperfície, hora aflorando sobre o leito ou às
margens do canal de desembocadura lagunar ou do Mar de Cananéia.
Quanto à possibilidade destes vestígios estarem recobertos por
sedimentos transportados pelas massas d’água estuarinas, acredita-se que
esta hipótese seja muito pouco provável. Segundo Tessler (2001, com. pes.) a
competência das águas do canal como agente transportador é muito baixa para
que sedimentos suficientes para recobrir estes vestígios possam ser
transportados e depositados sobre o fundo.
103
Então o mais provável é que os restos da trincheira estivessem sob
feições arenosas formadas entre a porção mais a SO da lha Comprida e o
canal de desembocadura. Entretanto, devido ao intenso equilíbrio dinâmico dos
sedimentos nesta área e à falta de evidências que indiquem o preciso local de
instalação da trincheira, é difícil precisar o local onde estes restos encontrar-seiam (Calippo, 2002, com. pes.).
A
partir
daí
iniciamos
prospecções
arqueológicas
e
geofísicas
subaquáticas que conjugadas proporcionaram a localização exata de vestígios
da fortificação.
10 As primeiras prospecções arqueológicas subaquáticas
Com a evolução do levantamento bibliográfico e dos trabalhos de campo,
várias informações foram colhidas, influenciando, de diferentes maneiras, as
estratégias
de
intervenção.
Outro
fator
que
pesa
sobremaneira
no
desenvolvimento da pesquisa é a melhor compreensão da dinâmica marinha e
do clima da região que, por várias vezes, impossibilitaram a realização das
pesquisas.
Quando o projeto de mestrado desta pesquisa foi elaborado, tínhamos a
idéia de que a fortificação da ponta da Trincheira estivesse submersa a até 1km
de raio da referida ponta.
Optamos pela técnica de prospecção que havia sido utilizada nos sítios
abordados pela dissertação de Gilson Rambelli (1998): a partir de um local
seco, próximo ao sítio submerso, estendemos um cabo até um ponto qualquer,
já dentro do sítio ou na área de maior concentração de vestígios. Dessa linha
base, construiríamos triângulos eqüilaterais (fig. 9), os quais permitiriam
posicionar os artefatos arqueológicos com precisão, além de possibilitarem uma
expansão infinita da extensão da marcação do sítio, se este assim a
demandasse.
104
Figura 9: Desenho da elaboração de triângulos eqüilaterais embaixo d’água. A grande
vantagem deles é que os triângulos podem ser materializados em águas com pouca
visibilidade, por apenas um mergulhador, quantas vezes o tamanho do sítio demandar
(Rambelli, 2002).
Entretanto, após algumas tentativas, mudamos de tática devido: (1) às
correntes, (2) à profundidade, (3) ao tráfego marítimo, (4) à atividade pesqueira,
a qual envolve o arrasto de redes que podem enganchar-se em eventuais
marcações (estacas) no fundo do mar e (5) à suposta distância do local da
fortificação da praia - segundo fontes locais, ela realmente estaria a mais de 300
metros de distância da praia -, resolvemos optar por outra forma de
investigação.
Deparamo-nos, então, pela primeira vez, com as inóspitas características
físicas da barra: pouca visibilidade, fortes correntes e grandes profundidades.
Tais fatores forçaram-nos a procurar fontes de informações que pudessem
precisar a localização dos vestígios.
Tomamos contato, então, com o relato popular, narrado por jovens,
adultos e anciãos que dizia que os moradores da ilha Comprida e da ilha do
Cardoso, naquele ponto, conseguiam comunicar-se “de boca”, ou seja, que as
pessoas da ilha do Cardoso falavam de viva voz com as que estavam na ponta
da Trincheira, o que é impossível hoje.
105
Outra informação intrigante foi obtida em conversa com um mergulhador
local62: havia ele localizado algum enrosco de rede na parte mais funda do
canal.
De posse dessas informações orais e de documentação primária escrita,
conseguida em arquivos de S. Paulo, Santos e Rio de Janeiro, planejamos os
mergulhos da campanha seguinte.
Com uma embarcação munida de uma ecosonda63 (fig. 10), começamos
a detectar os pontos de maior profundidade do canal da barra que
apresentassem anomalias de relevo no visor da sonda, indicando possíveis
vestígios afundados.
Figura 10: Ecosonda
instalada na ponte de
comando do barco Tritão.
Foto: PFBC, 2000.
Colocamos, então, bóias de marcação para realizar prospecções
subaquáticas que descrevem movimentos pendulares e circulares (fig. 11), as
quais obrigam o mergulhador a girar em torno de um mesmo eixo, a partir de
distâncias que vão sendo gradativamente ampliadas. No caso dos três canhões
que, segundo relatos da época, foram engolidos pelo mar estarem cobertos
pela areia do fundo do canal, utilizou-se um detector de metais por batimento
de freqüência próprio para prospecções subaquáticas.
62
O sr. Hélio, pintor de barcos e mergulhador de resgate. Por algumas vezes havia ele
mergulhado no canal da barra, contratado por pescadores para desenroscar redes de pesca de
“alguma coisa”, segundo suas próprias palavras, que obstruía o fundo do canal. O mergulhador
não soube nos explicar o que tal “coisa” era, mas disse que ela está situada da metade do canal
para a ilha do Cardoso.
63
Aparelho que transmite um sinal de curto espectro para o fundo marinho o qual, refletido, volta
ao aparelho e permite estabelecer um perfil do mesmo fundo (NAS, 2001: 15).
106
Figura 11: Desenho indicativo da forma de realizar as prospecções circulares (Rambelli, 2002).
Uma vez mais encontramos dificuldades ambientais.
Quanto à sinalização dos pontos nos quais foram detectadas anomalias
no solo marinho, ela tornou-se precária uma vez que as bóias lançadas da
embarcação não resistiram às fortes correntes ou aos propulsores dos barcos
que trafegam pelo canal, sendo levadas para longe.
Os mergulhos, então, foram baseados nas leituras feitas por GPS,
aparelho que registra as coordenadas de posicionamento de um determinado
local através do sinal de satélites, sempre com alguma margem de erro
(algumas dezenas de metros), o que, no caso dessa pesquisa é bastante
complicado, uma vez que não temos visibilidade embaixo d’água para
buscarmos vestígios dispersos ou eventuais pontos de referência.
Tendo chegado ao fundo do canal, percebemos outro aspecto da
dinâmica marinha do local: na mudança da maré ocorre um descompasso entre
as correntes do fundo e de superfície; enquanto as águas de superfície podem
estar paradas, as do fundo ainda correm, e vice-versa, forçando o mergulhador
a um maior desgaste, e diminuindo o tempo de fundo.
Por fim, outro limitador de tempo de fundo é a temperatura da água no
outono e no inverno. Se, na superfície da água temos a temperatura de 20ºC, é
107
certo que, aos 20m teremos por volta de 15ºC, o que não chega a ser
empecilho para a realização do trabalho, mas demanda um maior consumo de
ar.
Figura 12: Mergulhadores
embarcados prontos para realizar os
trabalhos arqueológicos subaquáticos
na barra. Foto: G. Rambelli (2000).
Levando em consideração todos esses fatores, temos de 20 a 25
minutos de fundo, tempo insignificante para uma prospecção detalhada do
fundo marinho, dadas as condições já expostas.
Optamos, então, por investir nas leituras geofísicas, as quais otimizariam
nossa pesquisa.
11 Os resultados das prospecções geofísicas subaquáticas
11.1 O detector de metais por batimento de freqüência
A fortificação da ponta da Trincheira, a obra defensiva de maior
importância da planície costeira Cananéia/ Iguape, segundo a documentação
escrita primária não passava de uma trincheira, uma fortificação muito simples,
sem grandes edificações erguidas para sua operação. Nem sequer podemos
dizer que ela tenha possuído uma muralha, por mais efêmera que fosse.
Os únicos vestígios seguros dessa fortificação eram seus canhões, no
total de 6. Apesar de, em fins do século 19, três deles terem sido transportados
para a cidade de Cananéia, três deles permaneceram na ponta da Trincheira, e
acabaram submersos, ainda em fins do 19.
108
Dessa maneira dispúnhamos de três artefatos de ferro de pouco mais de
2,5 metros, com massa girando em torno de 1,5 toneladas, que indicariam a
localização da fortificação.
Apesar do detector de metais por batimento de freqüência (fig. 13) - o
tipo de detector comercial, normalmente mostrado pela mídia - ter pouca
penetração, contávamos com a experiência adquirida nas outras fases do
trabalho de campo além de um grande acúmulo de documentação escrita
primária que continuava a ser processada.
Figura 13: Esquema
do detector de metais
do tipo comercial.
Através da organização do Corpus documental percebemos que a
fortificação da ponta da Trincheira teve várias edificações, seja pela melhoria
gradual dos equipamentos, seja para escapar da erosão das margens do canal,
que já era bastante conhecida na época. Sendo assim, a fortificação teria sido
construída e reconstruída numa área bastante ampla, o que obrigar-nos-ia a
prospectar boa porção do fundo marinho, algo ainda em torno de 1km de raio
da ponta.
Voltamo-nos, então, para uma técnica que já havia sido utilizada,
anteriormente: a prospecção em círculos concêntricos (Rambelli, 1998: 55). Só
que dessa vez o pêndulo seria efetuado em uma única direção, com o auxílio
das correntes marinhas.
Com um cabo de 200m fixado em uma estaca na ponta da Trincheira,
dois mergulhadores entrariam na água 200m a leste da estaca, nadariam
contra a corrente em direção ao meio do canal e retornariam à praia 200m a
109
oeste da estaca, mantendo o cabo firmemente estendido, aproveitando a força
da correnteza, descrevendo, assim, um semi-círculo. No trajeto eles teriam a
oportunidade de prospectar o solo marinho com o detector de metais (fig. 14).
Figura 14: Desenho mostrando a maneira de se proceder a uma varredura pendular
sistemática a partir de pontos conhecidos, uma das técnicas empregadas nas prospecções dos
vestígios da trincheira (Rambelli, 2002).
Tal iniciativa não deu certo pois os mergulhadores não conseguiram
vencer a força da correnteza, no trajeto em direção ao meio do canal.
Tentamos outra vez, só que agora um barco levaria os mergulhadores,
pela superfície, os duzentos metros demarcados pelo cabo até o meio do canal.
Quando o último estivesse totalmente esticado, os mergulhadores lançar-seiam e seriam levados novamente à praia num ponto mais distante que o inicial,
a oeste da estaca, descrevendo um quarto de círculo.
Esse procedimento revelou-se mais adequado, mas, ainda assim, não
surtiu os efeitos desejados, pois a volta dos mergulhadores não obedeceu o
trajeto definido pelo cabo. Esses eventos, que demandaram demasiada força
110
dos mergulhadores, estimularam-nos a procurar, ainda mais fortemente, os
meios geofísicos de prospecção.
11.2 O magnetômetro gradiômetro fluxgate subaquático
Para lidar com o ambiente imerso, trabalhamos em conjunto com o
Laboratório de Geofísica Aplicada do IAG-USP que, através do prof. Dr.
Francisco Y. Hiodo desenvolveu um magnetômetro gradiométrico64 para uso
em ambiente subaquático.
O magnetômetro tem sido usado, na arqueologia anglo-saxônica, desde
a década de 1950, de forma que, hoje, ele faz parte da “caixa de ferramentas”
do arqueólogo contemporâneo, poupando tempo e dinheiro (Silliman et al.,
2000: 89). Seu uso na arqueologia subaquática remonta a meados da década
de 1960 (Arnold III & Clausen, 1975: 26).
Na arqueologia brasileira de contextos emersos o uso sistemático é algo
bem mais recente, começando nos últimos anos do século passado65. Na
arqueologia subaquática brasileira, este é o primeiro trabalho sistemático e
científico que envolve a magnetometria.
O prof. Hiodo desenvolveu, especialmente para esta pesquisa, que
visava a detecção de alvos ferromagnéticos rasos, um magnetômetro fluxgate
de núcleo toroidal do tipo gradiométrico, de sensibilidade da ordem de 2nT/m
(nano Tesla por metro), adaptado em um “torpedo” estanque com 2 sensores
fluxgate na configuração gradiométrica, próprio para a utilização em ambientes
subaquáticos, que pode fazer leituras contínuas dos dados tanto no modo
analógico como no digital.
O detector de metais por batimento de freqüência - que é um tipo manual
de magnetômetro, já utilizado pela equipe de arqueologia subaquática - precisa
ser arrastado por mergulhadores logo acima da superfície do solo marinho e
64
Equipamento que, segundo o prof. Hiodo, mede o campo gravimétrico de objetos metálicos
ferrosos.
65
Trabalhos desenvolvidos pelo prof. Dr. Carlos Mendonça e pela profª. Paula M. A. Britto, do
IAG-USP no: sambaquis fluviais de Cajati, SP, 1999; centro de S. Caetano do Sul, SP, 1999;
porto do Ribeira, Iguape, SP, 2000; sambaquis fluviais de Miracatu, SP, 2001.
111
pode detectar alvos ferrosos enterrados a mais ou menos 1 metro de
profundidade.
Já o magnetômetro fluxgate gradiométrico pode realizar medições
contínuas arrastado por um barco de pequenas proporções e possui grande
poder de penetração, detectando o campo magnético de alvos ferrosos da
magnitude equivalente a dos canhões enterrados a até 5 metros de
profundidade (fig. 15).
Figura 15:
gradiômetro
desenvolvido
pela equipe do
prof. Hiodo.
Foto: PFBC,
2001.
As primeiras leituras com o gradiômetro foram então realizadas. Nos
primeiros dias foram efetuados testes e ajustes no aparelho, primeiramente no
local da pesquisa (fig. 16); num segundo momento o aparelho foi descido sobre
o sítio de naufrágio Cananéia 1, constituído por diversos vestígios de ferro de
uma embarcação a vapor do século 19 (Rambelli, 2001). O medidor acusou a
presença do campo magnético da massa ferrosa. Tínhamos, então, certeza que
o aparelho estava funcionando.
Apenas depois dos testes fizemos prospecções sistemáticas da área
imersa da ponta da Trincheira, obtendo leituras significativas, resultantes da
detecção de campos magnéticos ao longo da parte mais profunda do canal da
barra de Cananéia.
112
Figura 16: testes
preliminares feitos a partir
do barco Tritão do Parque
Estadual da Ilha do
Cardoso.
Inúmeros problemas logísticos apresentavam-se para a utilização do
aparelho.
O primeiro deles relaciona-se ao tempo de trabalho disponível.
Uma vez que a correnteza é muito forte no canal da barra de Cananéia,
geralmente dispomos de, no máximo, 2 horas de trabalho no mar, seja para o
mergulho, seja para a navegação de prospecção. Essas 2 horas correspondem
ao estofo da maré, momento de inflexão entre a preamar e a baixa-mar. Fora
desse curto período, é praticamente impossível estabilizar o barco em uma
posição, salvo em alguns dias durante as marés das fases lunares quarto
crescente ou quarto minguante, ocasiões em que a amplitude entre a maré alta
e a maré baixa não passa de alguns poucos centímetros (Harari & Mesquita:
1999).
O posicionamento da embarcação e, por conseqüência, do “torpedo”,
também constituíam um intrigante problema a ser sanado.
Duas soluções foram aventadas. A primeira delas consistia na utilização
de dois DGPSs66 que, combinados, proporcionam precisão milimétrica no
posicionamento de um objeto. Em recente trabalho realizado pelo INA, o DGPS
forneceu coordenadas com margem de erro de 3m (Arnold III, 1999: 138),
margem bastante aceitável.
Entretanto, a indisponibilidade desses equipamentos fez com que
adotássemos um teodolito com distanciômetro Wild/ Zeiss (alcance de 7 km
com precisão de 1 cm) para posicionarmos a embarcação em relação à praia
(fig. 17).
66
GPS Diferencial, aparelho que mescla as informações obtidas com o sistema do GPS com as
informações obtidas por outro GPS, ou algum outro meio de posicionamento (sinal de
radiofarol), ou por tabelas de correção.
113
Uma outra opção de posicionamento é o uso de sinais de rádio. Dois
emissores são posicionados em local emerso próximo à área de prospecção,
um de cada lado da linha que será seguida pela embarcação de pesquisa. Na
dita embarcação é instalado um receptor com duas luzes: uma para a correção
do rumo à direita, outra à esquerda. Se a embarcação desviar-se de sua trilha,
situada na zona de sombra entre os dois sinais, a interferência fará com que
uma das luzes se acenda, obrigando o piloto a corrigir o rumo. Esse tipo de
posicionamento, simples e eficiente, foi utilizado nas prospecções do golfo de
Galveston, Texas, EUA, no início dos anos 1980 (Arnold III, 1987: 18-47).
Apesar de simples, não houve tempo hábil para o desenvolvimento desses
aparelhos pelo Laboratório de Geofísica Aplicada.
Figura 17:
teodolito com
distanciômetro,
balisa e
embarcação
alinhadas.
Foto: PFBC,
2001.
Uma vez solucionado o problema do posicionamento do barco e do
“torpedo” na área de prospecção, deparamo-nos com a impossibilidade de
arrastar o “torpedo” ligeiramente acima do solo marinho. Como a força
desenvolvida pelas embarcações disponíveis era muito grande, o “torpedo”, ao
ser puxado, tendia a flutuar na superfície.
Para sanar esse problema optamos por fazer as medidas pontualmente:
o topógrafo estabelecido na praia determinaria linhas virtuais, perpendiculares
às linhas materializadas na praia (que acompanhavam o comprimento da
última), em pontos materializados a cada 10 m na linha da praia. A
embarcação, então, seguiria no rumo
114
Figura 18
determinado, parando de 10 em 10 m no eixo das linhas virtuais para que o
torpedo fosse descido até o fundo do mar. Tal estratégia funcionou, exceto pelo
intervalo espacial de uma medição à outra: é praticamente impossível fazer
com que o barco pare a distâncias tão regulares como 10, 20, 30...490, 500,
510 m. Sendo assim, contando com a habilidade do barqueiro, foi apenas
possível manter o barco nas linhas perpendiculares à praia e as medições
foram efetuadas em distâncias aleatórias.
Os resultados podem ser vistos na figura 18. Nas 3 linhas que foram
percorridas, percebemos anomalias nas partes mais profundas do canal, a mais
ou menos 500 m da praia, nas linhas de 70 m e de 80 m, e a mais ou menos
300 m na linha de 90 m.
Posteriormente, retornamos à área para novos testes e foram
constatadas anomalias, só que agora extensas e não mais pontuais, ao longo
do canal, nas águas mais profundas, justamente próximas da área onde foram
detectadas as primeiras anomalias, em maio.
115
Arrastando o magnetômetro no fundo marinho, sem balizamento
terrestre, localizamos anomalias extensas e tomamos suas coordenadas com o
GPS. Mais tarde, viemos a descobrir que as anomalias poderiam ter sido
provocadas por naufrágios recentes. Sendo assim necessitávamos de dados
mais precisos antes de empreender novos mergulhos.
11.3 O uso do sonar de varredura lateral
Como a magnetometria identificou inúmeros alvos em uma área com
precárias condições de trabalho, necessitávamos de mais dados, a fim de
identificar as formas desses alvos e se eles correspondiam aos canhões ou aos
naufrágios recentes. Para este fim utilizamos um consagrado método de
prospecção, há décadas presente nas pesquisas arqueológicas subaquáticas.
O prof. Dr. Moysés Tessler (IO-USP), muito interessado na problemática
levantada, indicou-nos o doutorando Luiz Antonio Pereira de Souza, seu
orientando e funcionário do IPT, para que pudéssemos combinar com ele
leituras do solo marinho através do sonar de varredura lateral67 (fig. 19).
A emissão de pulsos sonoros para a detecção de alvos submersos ou
determinação do relevo marinho vem sendo usada desde a Segunda Guerra
Mundial. Na arqueologia o uso dessa tecnologia remonta meados da década de
70 do século passado.
O sonar de varredura lateral é um aparelho que, através da emissão de
pulsos sonoros por um “torpedo” usualmente denominado “peixe”, pode
produzir imagens pictóricas do fundo oceânico (uma “foto aérea” da superfície
do solo marinho). Com adequadas condições ambientais essas imagens podem
ter definição fotográfica, independentemente da visibilidade das águas.
Do “peixe” saem os pulsos sonoros, os quais abrangem um comprimento
muito pequeno e uma razoável largura. Com a movimentação da embarcação,
temos imagens de faixas do fundo marinho. Se houver algum vestígio
arqueológico que não esteja enterrado por sedimento, este será detectado pelo
aparelho (Edgerton, 1976: 46-47).
67
Em inglês, side scan sonar.
116
Figura 19: esquema de
funcionamento do side scan
(adaptado de Rambelli,
1998: 60).
Apesar dessas leituras já terem sido feitas para alguns trechos da região
da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas objetivavam a análise de formações
geológicas do fundo marinho, e que, possivelmente não teriam registrado
quaisquer sítios arqueológicos submersos.
Devido a isso, resolvemos realizar leituras com o sonar de varredura
lateral na baía de Trapandé, no mar Pequeno e no canal da barra de Cananéia
e
obtivemos
resultados
excepcionais,
localizando
diversos
vestígios
submersos, dentre os quais destacamos os canhões afundados, encontrados
em áreas distantes do local das leituras com magnetômetro. É importante
ressaltar que a localização das coordenadas foi feita com o DGPS, que
apresentou precisão de, por vezes, 15 cm, isso graças a uma estação
calibradora68 existente na sede do IPT, o que vem a provar que, ao contrário do
que foi pensado nas pesquisas com o magnetômetro, é possível utilizar o
DGPS em ambiente tão hostil.
68
Que, segundo Luiz A. P. de Souza, é um outro DGPS, só que fixo num mesmo ponto.
117
Figura 20: O
“peixe” de metal,
pesado e
hidrodinâmico.
Preso a uma
bobina fixada na
lateral do barco,
ele está prestes a
ser lançado e
arrastado. Foto:
LAPS, 2001.
Figura 21:
Detalhe do sensor
do “peixe”. Foto:
LAPS, 2001.
Figura 22: O
registro do sonar
analógico é obtido
na hora. Sua
impressão
obedece ao
mesmo princípio
que o do fax: a
queima de um
papel especial.
Foto: LAPS, 2001.
118
Figura 23: DGPS
ao lado dos
comandos do
sonar de varredura
lateral. Foto:
LAPS, 2001.
Figura 24: Antena do
DGPS. Foto: LAPS,
2001.
12
As últimas prospecções arqueológicas subaquáticas e o início da
escavação
Em seguida à leitura do sonar de varredura lateral, realizamos alguns
mergulhos para tentar encontrar a fonte das anomalias magnéticas e também a
fonte das anomalias detectadas pelo sonar. Mais uma vez encontramos as
119
dificuldades características da área e não conseguimos localizar os alvos
desejados.
Posteriormente, empreendemos o que imaginávamos ser as últimas
prospecções arqueológicas subaquáticas para procurar os alvos detectados
pelo sonar de varredura lateral, especialmente aqueles que tinham a forma e o
tamanho de peças de artilharia, situados todos em águas rasas, onde as cotas
de até 6m de profundidade obedecem o contorno oitocentista da margem da
ponta sul da ilha Comprida. Alvos mais profundos foram descartados pois,
provavelmente, correspondem a naufrágios de diversas épocas, os quais
merecem ser investigados por outras pesquisas, específicas.
Contrariando
a
regra,
encontramos
águas
quentes
(27oC)
com
visibilidade em torno de 3 a 5 metros, o que possibilitou prospecções mais
longas e mais detalhadas.
Nesses mergulhos realizamos buscas em círculos concêntricos com o
eixo instalado na âncora da embarcação, que por sua vez era baixada na
coordenada geográfica correspondente à detecção da anomalia.
No ponto 1, aquele que apresentou a imagem de um objeto com formas e
dimensões muito próximas às dos canhões da praça de Cananéia (figs. 39 e
40), conseguimos realizar buscas concêntricas com raio de até 60m. Mas foi
durante uma verificação mais detalhada, entre 20 e 30m da âncora que
encontramos a única coisa que sobressaía do sedimento arenoso em toda a
área prospectada, uma pequena bóia de 5cm de diâmetro, amarrada a um
objeto enterrado.
Através de escavação manual que, na água, consiste em balançar a
palma da mão de um lado para o outro, fazendo com que o turbilhão provocado
pelo movimento retire o sedimento, percebemos que a bóia fazia parte de um
conjunto de bóias, amarradas a uma rede enganchada em algum objeto, que só
poderia ser o canhão, mas que estava recoberto pela areia.
Imaginando que seria fácil desenterrar a rede e, conseqüentemente,
desenterrar o canhão, improvisamos uma sugadora a ar: um cilindro de
mergulho foi levado para o local submerso da rede e conectado a um cano que
se projetava para a superfície. A medida em que o ar era injetado no cano, ele
só poderia subir; como a pressão diminui na mesma proporção em que diminui
a coluna d’água, o volume do ar expande-se enquanto ele dirige-se à superfície.
120
Isso cria um vácuo bastante forte, que aspira o sedimento do local quando
colocamos a boca do tubo imersa na área a ser desobstruída. Esse sistema é
normalmente utilizado com uma bomba enviando ar da superfície, mas o
princípio é o mesmo (fig. 25).
Figura 25: Esquema de aspirador a ar. Apesar de termos utilizado uma versão improvisada, o
princípio é o mesmo (Rambelli, 2002).
Ao término do dia de escavação, descobrimos que a rede era imensa69 e
que ela ainda estava muito enterrada, o que exigiria que montássemos a nossa
sugadora à água e escavássemos por vários dias, desviando-nos um pouco de
nossos objetivos iniciais, que não contemplavam escavações de grandes
superfícies.
Figura 26: A rede,
depois de alguns
dias de escavação.
Uma pequena bóia
levou-nos a
encontrá-la. Foto: G.
Rambelli, 2002.
69
Ela pode ser uma rede de arrasto, a qual é puxada de um barco, ou pode ser uma rede
independente, lançada para seguir com a correnteza estuário adentro, através de bóias que a
sustentam na superfície e pesos que fazem com que uma de suas bordas permanecer
submersa. Em ambos os casos elas são de grandes proporções.
121
Notemos que a própria rede acentuou um processo natural na área, a
saber, o enterramento de objetos que são depositados no solo marinho. A rede,
ao ficar presa no objeto, formou uma barreira que acelerou o processo de
sedimentação no local. Logo, o provável canhão estaria recoberto por uma
imensa quantidade de areia e para chegarmos até ele teríamos que cavar uma
área indeterminada a uma profundidade incerta. Ainda assim resolvemos
escavar o local.
É interessante notar que durante todos os dias alcançamos as
coordenadas dos alvos através da navegação com GPS, apesar delas terem
sido obtidas com um DGPS. Notamos então que sempre chegávamos
exatamente ao mesmo ponto, o que vale dizer que todos os dias ancoramos a
uma mesma distância e direção do alvo, concluindo que o grande problema dos
GPSs comerciais está na marcação do ponto e não na navegação, o que
estabelece novos padrões para a aquisição e utilização desse tipo de
equipamento.
Na etapa de escavação procedemos da seguinte maneira: atingíamos o
ponto e lançávamos âncora; logo, um dos membros da equipe mergulhava e
esticava um cabo guia até a área a ser escavada; finalmente era instalado o
equipamento de escavação e a primeira dupla começava a trabalhar removendo
o sedimento da área, dragando-o para um local afastado alguns metros, sempre
a favor da corrente, evitando cobrir novamente o sítio.
A sugadora que utilizamos para a remoção do sedimento é impulsionada
à água. Um motor à explosão aciona uma bomba d’água (estes ficam na
superfície, em um barco destinado para este fim) que injeta a própria água do
mar a grandes pressões através de uma mangueira de bombeiro, que por sua
vez é conectada a um cano rijo comprido (repousado próximo ao sítio
submerso) no qual existe uma saída em Y. Nessa saída é colocado um outro
tubo, flexível, o qual é manobrado pela dupla de mergulhadores para a
aspiração do fundo marinho. A passagem da água, a grande pressão, no tubo
comprido, formará um vácuo no cano flexível (efeito Ventury), efeito esse que
provocará a aspiração do sedimento, seu transporte para o cano rijo e a
eliminação do mesmo junto com a água (figs. 27, 28, 29 e 30).
122
Figura 27: Esquema geral do aspirador subaquático movido à água (Rambelli, 2002).
Figura 28: Detalhe da acoplagem do estágio final da sugadora (Rambelli, 2002).
A escavação foi realizada como determinam os fundamentos da
arqueologia subaquática adotados internacionalmente, com mergulhos em
duplas rigidamente controlados da superfície.
123
A equipe era composta por 5 pessoas. Duas duplas de mergulhadores
revezavam-se no trabalho de escavação, enquanto um mergulhador ocupavase da montagem e desmontagem do equipamento. Cada dupla, devido a pouca
profundidade e à temperatura da água, podia permanecer mais de uma hora
escavando, apesar da correnteza nem sempre moderada.
Figuras 29 e 30: Estas fotos mostram os
procedimentos durante a escavação.
Notemos que o manuseio do flexível
exige o mesmo cuidado empregado nas
escavações sistemáticas em terra (G.
Rambelli, 2002).
Embora tenhamos tomado todos os cuidados para não desenterrar o
sítio e jogar a areia novamente sobre ele, a própria mudança de maré fazia
isso. Esse fenômeno, mais tarde, traria um novo tipo de dificuldade à pesquisa.
Com a certeza de estarmos escavando um sedimento recentíssimo, por
vezes utilizamos o jato d’água injetado pela bomba diretamente sobre o sítio, tal
como é mostrado na figura 31.
Figura 31: Esquema
do jato d’água usado
como escavadeira
(Rambelli, 2002).
124
Ao final da etapa de escavação, tendo aberto uma sondagem de mais de
1m de profundidade e 4m2 de área, ainda não havíamos descoberto o canhão.
Novas atitudes seriam necessárias e isso exigiria, mais uma vez, a utilização da
geofísica.
Figuras 32 e 33:
Os trabalhos
englobam desde a
manutenção do
funcionamento da
moto-bomba até a
elaboração de
croquis
submersos. Fotos:
G. Rambelli, 2002.
Figura 34:
Trabalhos
de
escavação.
Foto: G.
Rambelli,
2002.
125
Figura 35:
Trabalhos
de
escavação.
Foto: G.
Rambelli,
2002.
Figura 36:
Trabalhos
de
escavação.
Foto: G.
Rambelli,
2002.
13 Novamente, o magnetômetro e a confirmação do achado
A questão que se colocava era se valia à pena continuar a escavação no
ponto 1, uma vez que acreditávamos que a rede estivesse enrolada no canhão,
mas ainda faltava respaldo científico.
A solução encontrada foi levar o magnetômetro gradiômetro novamente
para a área. Passando o magnetômetro sobre as áreas apontadas pelo sonar
de varredura lateral, em especial no local onde a rede estava presa, teríamos a
126
certeza de que o canhão encontrar-se-ia enterrado, e poderíamos continuar a
escavação.
Voltamos à barra de Cananéia com o magnetômetro, prontos para
mergulhar e escavar. Já no primeiro mergulho percebemos que teríamos
complicadores extras. As águas claras e quentes do verão foram substituídas
por águas turvas e um pouco mais frias do outono e o ponto onde a rede estava
presa havia sido completamente recoberto pela areia, e não foi localizado pelos
mergulhadores.
Resolvemos, então, fazer o procedimento inverso: da superfície,
colocamos uma bóia sinalizadora no ponto indicado pelo GPS; navegamos até
o ponto onde estaria a rede e lançamos outra bóia. Assim tínhamos uma linha
de referência e poderíamos passar o magnetômetro sistematicamente para
encontrar o alvo onde a rede havia se enroscado. Se detectássemos uma
anomalia magnética, teríamos a posição precisa da rede e a confirmação de
que ela estaria enrolada no canhão, podendo então escavar em volta da
mesma.
Figura 37: Do lado esquerdo da foto vemos o morro de São João, limite sul da zona urbana de
Cananéia. À direita temos o morrote da i. Comprida. Bem abaixo do último vemos uma das
bóias de balizamento. Foto: F. Calippo, 2002.
Surgiu um outro problema durante a leitura geofísica. O aparelho deveria
ser arrastado no solo marinho na posição vertical, tarefa bastante complicada,
pois nem sempre tínhamos a certeza de que ele estava encostado no chão na
posição correta. Por diversas vezes o aparelho indicou anomalias magnéticas
mas na realidade ele estava sendo arrastado horizontalmente na areia. Outro
127
complicador era a velocidade do barco: mesmo a mínima velocidade deitava o
“torpedo” no fundo.
A solução encontrada foi trabalhar com as forças da natureza. Em
primeiro lugar, como a área a ser prospectada não passava de 7m de
profundidade e o alcance do aparelho, levando em conta as dimensões e a
massa do canhão, era de 5m, se colocássemos o aparelho à meia água, a 5m
abaixo da superfície, ele ficaria na posição vertical e ainda detectaria o canhão
se ele estivesse coberto por até 3m de areia, o que já era uma profundidade
bastante grande.
Figura 38: Trabalhos de leitura
com o magnetômetro. Foto: F.
Calippo, 2001.
Com o aparelho à meia água, restava-nos o problema de como deslocálo sem fazer com que ele flutuasse, pois a resultante do arrasto gerado pelo
magnetômetro e seu fio tendia a empurrá-lo para cima. Daí resolvemos utilizar
a força das águas a nosso favor: posicionamos o barco a uma certa distância
da nossa linha imaginária, de forma que ele ficasse contra a corrente;
desligamos o motor e deixamos que a correnteza nos levasse em direção à
linha. Dessa forma o barco era naturalmente levado à área desejada, a uma
velocidade bastante reduzida e o aparelho permanecia na posição correta.
Realizamos essa operação diversas vezes, compondo um grid virtual
nas águas próximas à ponta da Trincheira. Por fim localizamos uma forte
anomalia magnética justamente no ponto onde estaria localizada a rede.
Mergulhamos mas a condição do mar não permitiu mais prospecções
subaquáticas e nem escavações e demos por encerrada a última etapa de
campo.
Estava confirmado que a rede está presa no canhão e que deveríamos
escavar aquele ponto. Mas essa operação toma agora proporções que
128
transcendem os objetivos e os meios dessa pesquisa de mestrado. Vejamos o
porquê.
14 As intervenções futuras: perspectivas
Com a certeza de termos achado, pelo menos, um dos canhões,
podemos, finalmente, integrar todos os objetivos dessa pesquisa de mestrado.
A
pesquisa
documental
escrita
está
totalmente
integrada
ao
levantamento documental material, que por sua vez uniu, de forma pioneira, a
prospecção arqueológica tradicional, terrestre, com a pesquisa arqueológica
subaquática e com as prospecções geofísicas. E nesse último campo devemos
ressaltar
que
avançamos
como
ninguém
antes,
no
Brasil,
porque
desenvolvemos, em parceria com outras instituições, equipamentos, técnicas e
metodologias inovadoras, especiais para o ambiente subaquático.
Ao lado disso temos um corpo teórico bem lastreado que norteou do
início ao fim esta pesquisa, fazendo com que trabalhássemos metodologias e
técnicas em uníssono, produzindo conhecimento sobre uma área pouco
compreendida, o que esperamos deixar mais evidente no próximo capítulo.
Apesar disso tudo, podem surgir as perguntas: onde estão os canhões,
afinal? Por que eles não foram escavados? Porque não há nenhuma foto dos
canhões que estão embaixo d’água?
Em primeiro lugar, há que se dizer que o desenrolar das pesquisas
levou-nos a uma compreensão bastante grande dos processos de formação
dos sítios arqueológicos em barras, de modo que atestamos que a escavação
dos canhões submersos da ponta da Trincheira demanda esforços de outro
tipo: uma embarcação grande, diversos cilindros e uma numerosa equipe de
arqueólogos-mergulhadores trabalhando todo o dia, com ou sem visibilidade,
com ou sem correnteza. Ou seja, um trabalho braçal de limpeza, que será
realizado num futuro próximo.
Em segundo lugar, é necessário que tenhamos em mente que a região
que circunda a ponta da Trincheira é um dos locais mais dinâmicos do canal da
desembocadura lagunar de Cananéia. Além de estes depósitos estarem
sujeitos às conseqüências do encontro das diversas correntes de maré vazante
129
e do impacto direto das ondas que penetram através da barra de Cananéia, a
estabilidade deste local depende principalmente das intensas variações
sazonais a que estão sujeitos estes processos.
Com a mudança das estações e, conseqüentemente, com a alteração
dos principais fatores que condicionam a hidrodinâmica local, como por
exemplo, o padrão de ondas, a precipitação atmosférica, a intensidade e
direção dos ventos, a amplitude das marés metereológicas, etc, a estabilidade
morfológica do local se altera. Na prática, isto significa que para um mesmo
local nas adjacências da ponta da Trincheira, dependendo da época do ano,
fatores como correntes de ondas e marés, taxas de transporte e deposição de
sedimentos, profundidades, etc podem variar significativamente (Calippo, 2002,
com. pes.).
Daí surgem algumas outras questões: escavando o canhão localizado,
achando os outros canhões e outros sítios, até, como será gerenciado este
patrimônio submerso? Seriam construídas estruturas para assegurar a
autodragagem das estruturas? Seriam implantados museus de sítio?
Pensando especificamente nos canhões, se não houvesse condições da
implantação dos museus de sítio, deveríamos retirá-los de seu repouso
centenário? Teríamos condições de conservá-los ad aeterno?
Toda a problemática levantada transcende a dissertação de mestrado.
Para seus fins, desenterrar os canhões, tirar fotos ou montar circuitos de
visitação são coisas dispensáveis e poderíamos dar por encerrada esta
questão. Entretanto, para o desenvolvimento da arqueologia subaquática no
Brasil e para o próprio desenvolvimento social da região, isso seria
indispensável.
A mobilização de recursos para a escavação dos canhões seria
indubitavelmente
utilizada
para
a
evidenciação
de
outros
vestígios
arqueológicos (já localizados) presentes no fundo do canal da barra de
Cananéia, um canal que, há milhares de anos é utilizado pelos seres humanos
para a navegação e para o controle do fluxo da última. Com tudo isso, mais
conhecimento seria produzido com o auxílio da arqueologia subaquática e mais
e mais mostraríamos que estamos interessados em vestígios materiais de
qualquer espécie e não atrás de baús cheios de brumas de tesouros, dentro de
fictícias e intactas embarcações rodeadas de seres fantásticos.
130
Essa empreitada justificar-se-ia para o desenvolvimento da região
porque colocaria novos paradigmas em discussão. As duas possibilidades, a
criação de um museu de sítio e a retirada dos canhões suscitariam, um
investimento de idéias: realizar uma ou outra coisa demandaria uma ampla
discussão que indefectivelmente teria que caminhar para o desenvolvimento do
turismo patrimonial subaquático ou a criação de uma estrutura para a
conservação e musealização das peças fora d’água, feito sem precedentes no
país.
131
25o5’
Figura 39: Mapa:
F. Calippo, 2002.
47o53’
132
Figura 40: Montagem da
seqüência interpretativa dos
dados obtidos com as
prospecções geofísicas e
arqueológicas.
133
Capítulo 4
Comparação entre subsistemas
Apesar das fortificações dos subsistemas São Sebastião/ Ilhabela e
Cananéia/ Iguape serem da mesma época e classificadas como “provisórias”,
percebemos ao longo da pesquisa arqueológica que a edificação e o
armamento delas, obedecem a motivações e critérios diferentes. Qual
informação levaria a essa consideração? Examinemos o equipamento mais
característico dos baluartes, as muralhas.
A comparação entre as construções das fortificações dos dois
subsistemas só pode ser feita através de documentos escritos para Cananéia/
Iguape e de documentação material no caso de São Sebastião/ Ilhabela. Apesar
dessa disparidade entre qualidades de documentos, os resultados são bastante
bons.
O levantamento de campo de São Sebastião levou-nos à localização de
uma das fortificações e os contatos com outros pesquisadores levaram à
obtenção de documentação gráfica de algumas fortificações de Ilhabela. Tanto
a fortificação em S. Sebastião quanto às de Ilhabela são bastante simples, à
exceção da fortificação de ponta das Canas, que seria uma obra “permanente”
se não tivesse sua edificação interrompida em 1831.
Vamos excluir as fortificações de Ilhabela da comparação70 e tomemos a
fortificação de Sepitiba, em S. Sebastião, que foi mais bem estudada. Apesar de
suas muralhas estarem bastante deterioradas, podemos perceber que ela é
composta por pedras sem qualquer argamassa e que o aterro que absorveria o
impacto dos disparos adversários é bastante irregular, não se sabendo a razão
dessa última característica.
Quanto à fortificação da ponta da Trincheira, apesar de termos localizado
durante as prospecções arqueológicas subaquática, seguramente, um dos
canhões submersos, não achamos nenhum vestígio de construção do baluarte.
70
Vamos excluir a fortificação da praia da Feiticeira porque suas ruínas foram arrasadas pelo
dono do terreno, segundo informações do arqueólogo Plácido Cali. À fortificação de ponta das
Canas retornaremos mais para frente.
134
Entretanto, existe farta documentação escrita a respeito dos equipamentos da
fortificação e nela não consta que a qualquer momento tenha existido uma
muralha fixa para sua defesa.
A tendência, então, seria atribuir à fortificação de Sepitiba uma maior
solidez, dentro de sua precariedade. Mas isso seria uma atitude precipitada.
Na seção referente à evolução das fortificações, dissemos que na época
da construção do sistema defensivo paulista, as fortificações primavam pela
segurança das guarnições, que passaram a ficar protegidas dos novos projéteis
explosivos e incendiários. Perto desses parâmetros, as fortificações de ambos
os subsistemas seriam obsoletas. Mas, se pensarmos que elas eram
trincheiras, fortins, redutos ou fortes efêmeros, veremos que elas estão mais
próximas das obras de cerco (embora as fortificações não fossem voltadas para
sitiar e sim para proteger), as trincheiras, obras de rápida execução, do que das
inexpugnáveis casamatas que passaram a ser construídas a partir do início do
século 19. Logo, para entender as fortificações em questão precisaríamos
pensá-las como estruturas desenvolvidas e construídas da noite para o dia,
praticamente.
Essas obras, apesar de serem pleiteadas ou planejadas, muitas vezes,
até cem anos antes, só foram executadas perante a situação de máxima tensão
do precário equilíbrio de forças no centro-sul da América do Sul, durante as
guerras de independência no Prata e a movimentação da esquadra espanhola
ao longo das costas brasileiras (1819-1820). Foi essa situação o principal
catalisador para a construção de um cinturão defensivo integrado e não mais
para a edificação de defesas que protegessem pontos específicos. Findas as
ameaças, as fortificações passaram a servir para outros propósitos, somente
voltando a ser alvo das atenções em épocas de guerra.
Outro fator que nos ajuda a entender o papel das fortificações na defesa
do território é a percepção de que as forças contra as quais elas se defenderiam
eram bastante exíguas. A exceção da frota espanhola, nenhuma das armadas
platinas ofereceria grande poder de fogo (geralmente eram embarcações
pequenas, de comércio, adaptadas para a guerra), o que colocaria as precárias
fortificações em vantagem. E se combinarmos o poder de fogo delas com uma
pequena força naval de combate, estratégia largamente utilizada no cone sul
(Vidigal, 1985: 16), teríamos uma boa defesa.
135
Finalmente chegamos a uma evidência material das muralhas que
poderia gerar interpretações errôneas sobre essas precárias obras de defesa.
Uma característica desse tipo de construção, a trincheira do século 19, é que
ela é composta por barreiras de cestos cheios de terra, areia, pedra, entulho
enfim. Devido às condições do meio ambiente na qual encontram-se essas
fortificações (ventos, maresia), do registro arqueológico desaparecem os cestos
de cipó e só permanece o conteúdo deles. Então, o monte de pedra e entulho
que os arqueólogos encontram, muitas vezes representa uma muralha
construída às pressas, para um alerta ou um combate, não refletindo uma
situação de longa duração, não evidenciando uma fortificação “permanente”
como o registro arqueológico levaria a entender. Além de sua deterioração
muitas vezes esses cestos eram retirados e só recolocados em situação de
beligerância. Dessa forma, podemos dizer que muitas das informações
materiais das fortificações foram perdidas porque ou os cestos foram retirados
ou eles simplesmente apodreceram, transformando uma efêmera porém
organizada muralha em um monte de entulho. E são boas as pistas que nos
levam a acreditar que foi isso que aconteceu com aquelas fortificações, uma vez
que o documento 1839c do Corpus documental ordena aos comandantes da
Guarda Nacional de Iguape e Cananéia que seja levantada “alguma cortina de
faxina” nas baterias existentes na região.
Vimos que através das muralhas não é possível estabelecer uma
diferenciação entre os subsistemas. Passemos então das muralhas para os
canhões para tentar compreender as singularidades de um e outro subsistema.
Tanto em Cananéia e Iguape quanto em S. Sebastião e Ilhabela encontramos
peças de artilharia inglesas de meados do século 18, todas elas do padrão
Armstrong. Essas peças foram levadas para essas localidades na segunda
década do século 19. Nessa época elas já eram obsoletas – refugo da Marinha
e do Exército Inglês. Entretanto, em S. Sebastião e em Ilhabela encontramos
peças de artilharia inglesas do padrão Blomefield as quais foram fundidas em
1825 e levadas para lá em 1827, em plena guerra da Cisplatina (1825-1828).
Representavam elas a alta tecnologia bélica da época, conjugando produção
em massa com eficiência de tiro.
A diferença entre o armamento dos dois subsistemas pode ser explicada
por três fatores.
136
O primeiro é de caráter geográfico: o canal de São Sebastião é muito
mais largo e mais profundo do que o canal da barra de Cananéia. Para que a
estratégia de cruzar fogos entre as fortificações de São Sebastião e Ilhabela
desse certo (e mesmo assim, minimamente), seriam necessárias peças mais
potentes e que pudessem ser levadas ao extremo sem o perigo de explodirem.
Já o canal da barra de Cananéia, estreito e com diversos bancos de areia,
poderia muito bem ser defendido pelo equilibrado conjunto de obsoletas peças
instaladas na ponta da Trincheira (caso elas não explodissem, caso alguém
soubesse operá-las, etc).
O segundo explica-se pela circulação de mercadorias. O litoral norte,
devido a um maior fluxo comercial, tinha maior necessidade de ser controlado/
protegido do que Iguape ou Cananéia. No trabalho do brigadeiro Müller (1978:
228-232), em 1837, o movimento comercial de S. Sebastião, Ilhabela e,
principalmente, Ubatuba, que recebiam a produção de café do vale do Paraíba,
suplantava em muitas vezes a movimentação de Iguape e Cananéia.
O terceiro é o que mais nos interessa. A necessidade de armamento mais
eficiente para as “provisórias” fortificações do litoral norte explica-se pela
proximidade dessa região com o Rio de Janeiro. O ofício transcrito abaixo,
escrito no início da guerra Cisplatina, dá mostras da crescente preocupação que
inspirava a praça de São Sebastião (Ilhabela inclusa):
“Tendo nesta ocasião ordenado aos governadores dessa
Praça, e da Vila de S. Sebastião reforcem as guarnições das
Fortalezas e dos Fortes por isso que consta haverem saído do
Chile uma Fragata, 2 Corvetas e um Brigue, as quais foram
compradas ali pelo Governo de Buenos Aires, com o intento
de infestar as Costas deste Império, e que por conseqüência
se deveriam tomar todas as medidas de precaução para
repelir, e frustrar qualquer tentativa do inimigo, cumpre
portanto que V. S. ordene a todos os Comandantes das
Companhias do Batalhão do seu Comando, que se conservem
prevenidas, e tenham prontas suas Companhias para pegarem
em armas, afim de evitarem toda e qualquer surpresa,
principalmente na Vila de S. Sebastião, cujas Companhias
deverão prestar a todas as ordens do respectivo Governador,
bem como V. S. ao dessa Praça.
137
Deus Guarde V. S.
Quartel General de S. Paulo, 17 de Outubro de 1826
José da Silva Brandão71
O documento, endereçado à Santos, trata do subsistema de São
Sebastião/ Ilhabela com grande ênfase, o que reforça a idéia da implantação
consciente de um sistema defensivo no litoral paulista que se integrasse às
defesas da costa próximas à Corte, que até a década de 1850 enfrentaria
grandes problemas para manter unidas as heterogêneas Províncias de um
imenso território. De fato, além do cinturão defensivo da baía de Guanabara, o
litoral próximo à cidade do Rio de Janeiro era guarnecido por fortificações em
Parati (forte Defensor Perpétuo, reformado em 1822), Angra dos Reis e em
Cabo Frio (forte S. Mateus), no atual Estado do Rio de Janeiro. A preocupação
em defender a praça onde situava-se a administração da colônia, depois a
Corte e posteriormente, a capital da república é uma constante a partir do
século 18 que só vai terminar com a transferência da capital para Brasília, na
década de 1960. É claro que, a partir do final do século 19, o desenvolvimento
das armas acaba por proporcionar outras soluções defensivas que não passam
pela construção de fortificações. Mas, na primeira metade do século 19, a
preocupação em defender é evidenciada justamente pela construção e
equipagem de fortificações.
Todas essas considerações são apropriadas para o curto período que vai
desde 1819 até 1831 e nos períodos de combates mais encarniçados das
guerras e revoltas da primeira metade do século 19. A partir desse período,
dentro do contexto militar brasileiro, as prioridades mudam e dá-se mais ênfase
à guerra de movimento (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.)72, além de surgir
uma marinha de guerra estruturada, com equipamento próprio para o combate.
No contexto militar internacional surgem embarcações de guerra cada vez mais
poderosas, demandando fortificações cada vez mais sólidas. É durante a guerra
71
AMS-FM, grupo 3: regulamentação geral; série: ofícios; doc. 1/57/6.
Além das fortificações precárias serem esquecidas, as obras “permanentes” são fechadas e,
as que estavam em construção, tal como a fortificação da ponta das Canas, são abandonadas.
Esse “sucateamento” era conseqüência da política adotada pela regência, a partir de 1831, de
diminuição do efetivo do exército (Holanda, 1965: 275-278) e da manutenção de poucas
fortificações em funcionamento, optando pela guerra de deslocamento e pela ação da Guarda
Nacional.
72
138
da Criméia (1854-1856), divisor de águas, que são percebidas as virtudes dos
novos encouraçados e das suas novas armas, bem como das desvantagens
das baterias e fortificações de terra. E os efeitos da nova forma de guerrear são
sentidos rapidamente no Brasil, com os episódios da Questão Cristie, em 1862,
quando embarcações de guerra inglesas bombardeiam as fortificações do Rio
de Janeiro, demonstrando, indiretamente, que nossas fortificações precisavam
ser reformuladas (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.).
Apesar das fortificações das áreas em questão serem voltadas, do ponto
de vista militar, para sanar problemas bélicos específicos, seus usos não param
por aí. No caso da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas assumem diferentes
papéis, que vão desde o controle do fluxo de embarcações até o isolamento de
doentes de cólera.
Vamos adiante examinar os usos atribuídos às fortificações da Planície e
como a compreensão desse processo serviu para uma interpretação
arqueológica da história da região. Quanto às fortificações de São Sebastião e
Ilhabela, seria necessário um outro trabalho para a compreensão dos usos não
bélicos das fortificações.
A fortificação da ponta da Trincheira nas guerras
O funcionamento da fortificação da ponta da Trincheira só trouxe
preocupação real por ocasião da guerra Cisplatina (1825-1828) e a revolução
Farroupilha (1835-1845), as quais poderiam animar os ímpetos separatistas de
uma região pouco acessível ao poder central, como era o caso do vale do
Ribeira.
A questão da defesa do território, ameaçado de invasão pelas Províncias
Unidas do Prata (atual Argentina), durante a guerra Cisplatina, foi organizada da
melhor forma possível. No caso da fortificação da ponta da Trincheira, tropas de
primeira linha foram enviadas para operar a referida fortificação73 (CD, docs.
1828a e 1828e) e reformas foram realizadas no que se pode chamar de
73
Raramente as companhias milicianas ou da guarda nacional tinham elementos que
soubessem manobrar as peças, motivo de queixa de vários ofícios levantados (AMS-FM, cx. 5,
doc. 1A/37/6, BN, loc. II-35,26,70).
139
primeira fase da fortificação, que iria de 1824-1825 a 1839 (CD, diversos
documentos). Entretanto, o fator mais importante do conflito, a guerra de corso,
que ameaçou falir o país, só poderia ser enfrentada eficazmente pela marinha
de guerra74.
Em todo o litoral brasileiro, até Pernambuco, ocorriam as atividades de
corso: certos capitães, que poderiam ser oficiais de armadas européias, eram
credenciados para atacar embarcações brasileiras, ficando com parte do saque
e dando outra ao governo que lhe autorizara75 (Holanda, 1965: 300-328; Atlas
histórico, 1998). Dessa forma a ameaça era mais às embarcações mercantes
do que às localidades. Dificilmente o pequeno contingente dos navios corsários
arriscar-se-ia em escaramuças em terra firme e desconhecida76.
A região tinha papel vital nesse tipo de tática de guerra. Apesar de
alguns habitantes ficarem apreensivos com a movimentação dos corsários pela
área, é certo que alguns se beneficiavam disso como podemos ver no trecho
transcrito:
“É um porto de mar [Paranaguá], muito próximo ao inimigo
atual, é quase sempre freqüentado de Estrangeiros, tem não
pequeno número de Embarcações, e por isso é preciso que
haja nele uma vigorosa Polícia, a qual é feita pelas Patrulhas
que vigilante rondam de noite e de dia, a fim de promoverem o
sossego e a paz que gozam seus moradores fiados em seus
guardas” (p.1, 18a. linha).
“O grande conhecimento e imensas relações que tem deste
Porto os habitantes de Buenos Aires, me dá bastante cuidado
para me acautelar, e V. E. mesmo reconhecendo o me
74
Geralmente as embarcações inimigas se esquivavam das fortificações, como ocorreu no caso
da tomada de uma lancha carregada de arroz no porto de Iguape em 1828 (CD, docs. 1828a, c
e d). Outro exemplo disso é o bombardeamento de uma embarcação mercante nas
proximidades da fortaleza da ilha do Mel, próxima à Paranaguá, PR. A guarnição da fortificação,
sem poder intervir no combate, devido à distância, só pôde assistir ao evento (AESP, C02375,
05/06/1828).
75
Segundo Leandro Duran (2002: com. pes.), nem sempre os corsários eram obrigados a dar
parte do butim para o governo que lhe fornecia a carta de corso porque só o fato do inimigo ser
atacado já era vantajoso para o oponente.
76
Quando o faziam, geralmente praticavam atos pontuais de sabotagem, como é o caso da
investida ao sítio do Poço, em São Sebastião, em julho de 1827 (Almeida, 1946: 18-19).
140
recomenda, e como o posso eu fazer sem guarnição” (p.2, 4a.
linha)77.
Saindo da foz do rio da Prata e navegando mais para o norte e a favor do
correr do tempo, encontramos outros portos muito ligados ao sul da Província
de São Paulo, os portos das Províncias do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina. Quando irrompe a revolução Farroupilha, em 1835, o mais longo e
ameaçador conflito à unidade do Império ocorrido na primeira metade do século
19, ainda não era possível sentir seus impactos no litoral de São Paulo, mas
quando os rebeldes tomam Laguna, em 1839, tudo muda de figura.
É a partir da tomada do porto de Laguna, SC que as forças navais riograndenses, através das proezas náutico-bélicas de Anita e Giuseppe Garibaldi,
conseguem, mesmo que por pouco tempo, uma saída para o mar (Atlas
Histórico, 1998: 62-63; Spalding, 1980: 55). Só então é que as autoridades
militares de S. Paulo vão empreender reformas consideráveis na fortificação,
podendo-se até mesmo aventar a hipótese de que essa fortificação tenha sido
inteiramente reconstruída nessa época, sugerindo uma segunda e mais sólida
fase, de 1839 a 1856 (CD, diversos documentos).
Mais uma vez temos o dúbio papel da região. Apesar da guerra de corso
ser novamente aplicada, minando o comércio regular marítimo e a vida das
gentes de mar, uma parcela da população beneficiava-se da guerra.
Em 16/02/1838, o administrador da Mesa de Diversas Rendas de
Cananéia, Fidêncio José Nolasco, escreve ao presidente da Província de São
Paulo comunicando o recebimento de aviso imperial sobre a venda de gêneros
produzidos na Província aos Farrapos. O administrador escreve que fará forte
fiscalização e que não seriam mais repassadas mercadorias para as
localidades em conflito 78. Mas pelo visto a determinação do administrador da
mesa não foi o suficiente para controlar o fluxo dos rebeldes na região: vários
ofícios trocados entre o Presidente da Província e o ministério da Guerra, em
1839, falam da ameaça que os “corsários” representavam às vilas de Iguape e,
77
Ofício enviado pelo Coronel graduado e Comandante Militar João Francisco Bellegarde ao
Brigadeiro José da Silva Brandão, referente a diminuição do efetivo da guarnição (AESP,
C02374, 20/01/1826).
78
AESP, C00861, pasta 1, doc. 46, 16/02/1838.
141
principalmente, Cananéia. Temia-se, de certa forma ingenuamente, que os
rebeldes já houvessem feito contato com terra79.
Novamente, a exemplo da guerra Cisplatina, somos levados a crer que
as esperanças do governo para deter a guerra de corso e as infiltrações dos
rebeldes eram legadas à marinha.
Em 1839, a corveta Regeneração já havia perseguido os rebeldes nos
mares da Planície. Estes ficavam entre a ponta da Juréia e a barra de
Cananéia, escondidos em locais de baixo calado, inadequados à corveta 80.
Também em 1839 temos informações de que os comboios escoltados por
navios de guerra eram a solução para enfrentar o problema da pilhagem
(Young, 1904: 346-347), deixando as fortificações apenas para cuidar de
revoltosos realmente abusados.
Ainda na parte naval temos a dupla proteção oferecida pela canhoneira
Iguape, que baixou ferros no porto de Cananéia em junho de 184281. Dupla
proteção porque garantia que os rebeldes se mantivessem afastados da região
e ainda controlava um porto de uma Província que encabeçava uma outra
rebelião, a chamada Revolução Liberal de 184282.
A defesa da região contra ameaças “estrangeiras” era feita através de
uma interação entre fortificações e forças navais (embora as últimas tivessem
papel mais notável). Mas o controle dos habitantes, de seu modo de vida e do
fluxo de mercadorias ficava, até o período Regencial, a cargo das fortificações e
de suas guarnições. As embarcações de guerra só se deslocavam para a área
em situações de grande ameaça, como no caso narrado acima. Vejamos abaixo
como a fortificação da ponta da Trincheira se enquadra nessa situação e como
o controle interno se fez presente depois do fim do Primeiro Império.
79
1
ANRJ, Fundos dos Ministérios: da Guerra. IG 150, 1832-1839, Ministério da Guerra - S.
Paulo, correspondência do presidente da Província - Rel. - 1A. Documentos 486, 487, 488, 489,
490, 491, 492, 493, 494 e 495 da pasta de 1839.
80
A corveta era comandada por Joaquim Leal Ferreira, capitão de fragata e comandante, o qual
pedia um barco de guerra de menor calado. As referências são as mesmas da nota anterior.
81
AESP, C00861, pasta 2, doc. 99, 13/06/1842.
82
É importante ressaltar que a canhoneira chega à Cananéia pouco mais de um mês depois do
início da revolução, que havia começado em Sorocaba e atingido Itapetininga e Itapeva da
Faxina, localidades próximas ao vale do Ribeira (Atlas Histórico, 1998: 64-65).
142
O controle do fluxo de embarcações: o combate ao “contrabando”
A manutenção e consolidação das fronteiras meridionais, a partir de
meados do século 18, dependiam do estabelecimento de rotas de comunicação
entre o sul e o centro-sul do Estado do Brasil. Tais rotas, ao mesmo tempo em
que criaram condições de sustentação do projeto colonial, possibilitaram o
intercâmbio comercial entre partes outrora isoladas. O caráter restritivo do
comércio permitido pela metrópole e a expansão da capacidade inglesa de
produção de bens favoreciam a prática do contrabando e, os grandes centros
de distribuição de mercadorias eram justamente as localidades do rio da Prata
(Bellotto, 1978). Daí os esforços da coroa portuguesa em regular essa rota.
Teria o contrabando sido tão importante para a sociedade colonial
brasileira? Pode isso ser mensurável no registro arqueológico? Teriam os
comerciantes do litoral sul de São Paulo alguma relação com o contrabando
platino?
Tudo leva a crer que as respostas às perguntas acima são positivas. A
importância do contrabando é bastante grande na vida material e na formação
dos vestígios arqueológicos.
Quando, em 1785 é decretada a proibição de manufaturas nas colônias
portuguesas, tal medida foi mais voltada para coibir o contrabando do que a
produção manufatureira, que se resumia a uns poucos teares em Minas Gerais
ou na Bahia (Novais, 1966: 145-166).
Quanto à importância de objetos outrora contrabandeados em registros
arqueológicos, pode ser citado o trabalho de Denise Ognibeni realizado em
sítios do RS. Segundo a autora, certos artefatos que só seriam encontrados no
Brasil colônia a partir de 1808, com a liberação dos portos das colônias às
nações amigas, são encontrados em estratos arqueológicos anteriores a essa
data (1997: com. pes.; Anais do IX congresso da SAB, 2000).
Apesar da resposta à última pergunta ainda não ser, do ponto de vista do
contexto arqueológico do baixo vale do Ribeira, possível, evidências textuais
colocam a ilha do Bom Abrigo, situada a SO da entrada da barra de Cananéia,
como pólo receptador de atividades comerciais ilícitas. E. Young (1905: 306),
transcreve um documento datado de 18/09/1833, enviado para o juiz de paz da
vila de Iguape, no qual exige-se que sejam tomadas providências contra o
143
desembarque de escravos africanos na ilha do Bom Abrigo, os quais
supostamente seriam contrabandeados para o distrito de Iguape.
Também em 1850 deparamo-nos com a apreensão de uma embarcação,
que traficava negros africanos, nos arredores de Cananéia (CD, 1850a e b).
Tendo sido exposta a situação, podemos dizer que uma das funções do
sistema defensivo era coibir qualquer fluxo comercial indesejado, de alguma
forma apoiado pela população local, que escapasse ao controle da metrópole,
algo muito comum no litoral de São Paulo, mas mais ainda nessa região, tão
ligada à foz do rio da Prata.
Mas a percepção dessa forma de controle seria mais complexa do que
poderíamos imaginar. Como vimos, a fortificação era armada com equipamento
obsoleto e mesmo assim este só estava em condições de ser utilizado em
épocas de guerra, quando eram enviados soldados que sabiam efetivamente
manejar a artilharia que somente nesses períodos era propriamente montada.
Então, de que forma dar-se-ia esse controle?
Até agora falamos da fortificação como um aparato militar, sua função
mais óbvia. Contudo, a partir de agora exploraremos sua função simbólica, que
não está absolutamente dissociada da militar, porque ela também faz parte dos
jogos de guerra do Antigo Regime. A apresentação das forças armadas no
campo de batalha, com reluzentes uniformes e canhões, diversos estandartes e
pavilhões, tudo isso encadeado em um balé sincronizado, do qual participavam
todos os beligerantes, era considerado parte essencial da “arte da guerra” e “um
exército era julgado tanto por sua aparência no campo de batalha como pela
perícia e bravura” (Rapoport in Clausewitz, 1979: 13-14).
A preocupação com a pompa é notória em vários documentos escritos.
Freqüentemente preocupava-se mais com fardas e bandeiras do que com
armas (Sousa, 1922: 175-197), e é muito mais fácil encontrar botões do que
projéteis em escavações arqueológicas de fortificações paulistas83.
De acordo com o que foi exposto acima, poderíamos pensar que a
fortificação foi concebida para coibir o comércio ilegal através da ostentação de
83
Entre 1997 e 1998 tive a oportunidade de trabalhar com o material encontrado em
escavações da fortaleza da Barra Grande, Guarujá, SP, realizada em 1988 pela prof ª.
Scatamacchia. Dentro do universo de vestígios especificamente militares, foram encontrados
mais botões do que projéteis. Apesar do fato não estabelecer um padrão, é mais uma pista para
ser futuramente investigada.
144
seu perfil imponente, de suas vistosas bandeiras e de seus reluzentes canhões.
Mas mais uma vez isso não é tão simples. Se a fortificação se apresentasse de
uma forma impecável, apesar de incapaz de dar um tiro, essa hipótese seria
plausível. Entretanto era ela uma simples trincheira, ruinosa, largada num lugar
praticamente desabitado, onde só existiam pescadores ao redor.
A bem da verdade, tanto a eficácia bélica quanto a eficácia simbólica
explicariam o papel da fortificação na regulação do fluxo de embarcações.
Entretanto, vimos que ambas falham, isso porque a fortificação é um elemento
de controle fora da realidade daquele período, colocado lá tardiamente. É um
marco físico de longo termo que, num espaço de pouco mais de uma década
(de 1819, quando se planeja construir uma fortificação naquele local, até 1831,
quando grande parte das fortificações do litoral é desativada) torna-se obsoleto.
Dentro do princípio de manutenção de poder no qual está inserida a
fortificação, o desacato à ordem monárquica portuguesa era punido com a
aniquilação física, possível, em tese, pelo bombardeamento. Esse tipo de
castigo, aplicado por barreiras físicas e punições corpóreas, é característico
ainda da lógica do Antigo Regime. Com o domínio do modo de produção
capitalista, ocidental e contemporâneo, as punições passam a ter conotações
mais morais do que físicas. A idéia do poder barroco, monárquico e religioso,
emanado diretamente do monarca por sobre o súdito, cede espaço à idéia de
que o poder das várias instituições liberais e democráticas, tributárias da
pulverização do poder real, pune moralmente. Uma vez que o poder ao qual um
cidadão é submetido é também uma emanação da sua própria vontade em
constituir esse poder, o maior castigo para ele é ficar excluído do seu papel de
indivíduo dentro da sociedade. É claro que o uso da força física não é
descartado: ele é utilizado onde a negociação já não é mais possível, como foi
o caso da guerra Cisplastina e a dos Farrapos. E o poder físico continuou a ser
utilizado, de forma paradigmática, por um embrião de sociedade civil classista 84
que ostentava ser liberal e moderna 85, enquanto a mão de obra escrava
predominou.
84
Para uma melhor compreensão do assunto, ver o 4 º. Capítulo de A revolução burguesa no
Brasil, de Florestan Fernandes.
85
Para uma maior compreensão do assunto ver: Andrade Lima, Tânia et al. A Tralha Doméstica
em Meados do Século XIX: Reflexos da Emergência da Pequena Burguesia do Rio de Janeiro.
In Dédalo. São Paulo, Publicação Avulsa, 1989, 1, pp. 205-230.
145
A fortificação da ponta da Trincheira é instalada justamente no momento
em que consolida-se essa transição do absolutismo metropolitano para a
monarquia constitucional nacional. Apesar dela ter certo peso nos períodos de
lutas, seu papel é incerto numa época em que surgem novas formas de garantir
o poder e novos marcos dessas novas formas. Isso pode ser vislumbrado no
episódio da captura do negro africano em 1850, o qual fica aprisionado na
fortificação (CD, docs. 1850a e b). Naquele momento, quando o judiciário86 e o
legislativo municipal já tinham papéis definidos no município, conduzindo os
assuntos de polícia e de administração local, ainda não existia um imóvel
específico para funcionar como casa de câmara e cadeia em Cananéia87. Ainda
não havia surgido um marco para a nova forma de poder. Então o imóvel mais
apropriado para o aprisionamento daquele homem era a afastada casa da
fortificação, um antigo símbolo de poder ao qual dava-se um outro uso.
Essa pode parecer uma hipótese apressada, mas ela ainda é respaldada
por outros eventos. Entre 1855 e 1856 uma epidemia de cólera assola o Rio de
Janeiro (CD, 1855a, b, c e d, 1856a e b). Como conseqüência, todas as
localidades portuárias são obrigadas a estabelecer locais de quarentena onde
possíveis infectados pudessem permanecer isolados. Como Cananéia não
possuía um “lazareto” e nem os locais aventados pelo delegado de polícia ou
pela câmara foram aprovados (Almeida, 1963: 209-211), a fortificação da ponta
da Trincheira é escolhida para ser o local da quarentena. Outra vez temos uma
preocupação nova para a época, a de se tratar convenientemente os infectados
por moléstias contagiosas, uma preocupação sanitizadora, mas que não tinha o
respaldo material, imóvel (hospital), utilizando-se de um antigo marco de poder
esvaziado, que poderia ser utilizado para um fim que certamente o
desqualificaria para qualquer outro uso88.
86
As questões de polícia passam a figurar a partir de 1849 (pasta 3, vários); em 1852 é criado o
corpo de guardas municipais permanentes (pasta 3 e 4, vários) e nesse mesmo ano surge um
regulamento para o uso de instrumentos pérfuro-cortantes (pasta 4, vários). AESP, C00862.
87
AESP, C00862, pasta 5, doc. 48, 08/07/1860. A casa de câmara e cadeia estava quase
pronta. Paredes estavam erguidas e cobertas de telhas.
88
Almeida (1963: 210), transcrevendo documento enviado da câmara de Cananéia para o
delegado, em 1855, mostra-nos que os locais aventados, pelo delegado, para a quarentena,
eram casas ou na i. do Bom Abrigo ou na praia de Ipanema (i. do Cardoso, em mar aberto),
localidades extremamente afastadas da vila. O local sugerido pela câmara eram as casas
desabitadas nos arredores do Pereirinha, na i. do Cardoso (base do atual IPEC), já dentro da
baía de Trapandé e, conseqüentemente, mais próximo da vila. Entretanto sugere ela que as
embarcações em quarentena fiquem mais ou menos há uma milha de distância da terra. Com
146
E esse foi seu último uso. Num levantamento sobre as condições das
fortificações do litoral brasileiro, feito em 1863, a fortificação da ponta da
Trincheira nem ao menos figurava como um local desativado que poderia ser
reutilizado (CD, 1863). Então podemos estabelecer um fim para a fortificação
entre os anos de 1856 e 1863, justamente o período em que surge um marco
físico dos novos poderes (casa de câmara e cadeia).
Outro evento que legitima nossa hipótese é a destruição física da
fortificação da ponta da Trincheira. É interessante notar que a fortificação não
foi simplesmente abandonada e tornou-se ruína. Ela foi destruída pelo mar e
seus vestígios saíram das vistas dos habitantes de Cananéia e dos navegantes
da área.
A barra de Cananéia, a exemplo de outras no litoral brasileiro, não tem
margens estáveis89. À época da existência da fortificação, essa variação
também ocorria, o que nos levaria a pensar que, para ter sido destruída pelo
mar somente a partir da última década do século 19, ela teria sido reformada e/
ou reconstruída, em área mais recuada, algumas vezes.
E foi exatamente isso o que aconteceu. O término da primeira
construção deu-se em 1825. Apesar de boa parte das fortificações ter sido
desativada a partir de 1831 (por uma questão de prioridades do governo), entre
1834 e 1839 algumas das edificações da ponta da Trincheira são reconstruídas
em área mais afastada, em parte porque as anteriores estavam arruinadas,
mas principalmente porque as peças de artilharia estavam ameaçadas de cair
no mar.
Em 1839-1840, a fortificação pode ter sido inteiramente reconstruída, o
que podemos chamar de segunda fase da mesma. Apesar dos documentos
escritos não permitirem definir a distribuição das novas obras, é de se supor
que elas contemplaram o avanço do mar.
Em 1867, tem-se notícia de que as edificações estavam arruinadas,
restando íntegras somente as peças de artilharia. Trinta anos mais tarde, em
todas essas precauções para evitar contágios, quem quereria ocupar o imóvel usado pelo
lazareto depois de terminada a epidemia? Uma vez que essa epidemia matou quase a metade
da população de Cananéia, segundo o mesmo autor, é de se imaginar que tal fato não seria
facilmente apagado da memória e que a casa do lazareto seria definitivamente abandonada.
89
Como é o caso da barra de Rio Grande, RS. Flávio R. Calippo relatou que algumas
fortificações construídas nas margens da barra de Rio Grande desapareceram porque a
variação da posição do canal acabou erodindo as bases das mesmas (2000: com. pes.).
147
1897, apenas uma das peças estava fora da água. Enquanto ela teve uma
função dentro do contexto da manutenção da ordem interna, ela foi recuada.
Quando ela se esvazia completamente de sentido, ela é ignorada e acaba por
ser destruída pelas águas. Dessa maneira, o desaparecimento do forte nunca
pode ser considerado apenas natural. Sua destruição foi também social.
Mas o teste dessa hipótese, nesse trabalho, não é o objetivo principal.
Ela apenas abre as portas para trabalhos futuros que pretenderão, a partir dela,
estudar as outras formas de dominação e seus marcos de poder. Abaixo,
damos algumas idéias sobre isso.
A manutenção do poder na era do liberalismo: uma outra jornada
O controle da planície costeira Cananéia/ Iguape é possível através da
regulamentação do fluxo das mercadorias produzidas ou comercializadas na
região. Se isso é realizado pela presença do poder central, primeiramente
lusitano, depois nacional, materializado em um sistema defensivo, poderiam ser
novos símbolos do poder o controle do fluxo comercial através de novas linhas
de barcos a vapor?
Não seriam essas linhas as possibilidades quase que únicas de
escoamento de mercadorias, em grande escala, dessa região? Não passavam
elas, obrigatoriamente, por Santos e Rio de Janeiro, onde estavam
centralizadas as casas comerciais, bancárias e os poderes provincial e
monárquico? Esses vapores, embarcações maiores que as que costumavam
demandar o porto de Cananéia, passaram a necessitar de estruturas portuárias
maiores e mais elaboradas, que obrigaram o deslocamento dos embarcadouros
para o mar Pequeno, saindo da foz do rio Olaria e das barrancas do riacho
Ipiranga90, hoje canalizado e aterrado, em torno dos quais a cidade cresceu,
retirando das entranhas da povoação o fluxo portuário, deixando-o visível e
centralizado em estruturas municipais e não mais embarcadouros particulares,
que eram às margens das casas dos habitantes.
90
Onde, em suas margens, desenvolveu-se o “porto dos Bugres”, conforme era popularmente
chamado, o primitivo conjunto de embarcadouros (Almeida, 1964: 443-444).
148
Podemos também colocar perguntas sobre o período anterior ao
estabelecimento do sistema defensivo na região. Como se dava o fluxo das
embarcações durante a consolidação das rotas comerciais e das fronteiras
meridionais, na segunda metade do século 18 e início do 19? Quais
embarcações demandavam o porto de Cananéia? Para que aportavam em
Cananéia? O que traziam como mercadoria? O contrabando enviado também
para o rio da Prata? Quem participava do comércio? Enfim, como era a
realidade de Cananéia dentro de um outro esquema de dominação? Quem,
afinal, controlava o que? O estudo de um naufrágio dessa época elucidaria
alguns desses aspectos?
149
Considerações finais
Os canhões da fortificação da ponta da Trincheira, no final do século 19,
foram retirados do local onde permaneciam esquecidos e levados para
Cananéia. Como já foi anteriormente dito, isso aconteceu antes de 1897.
Em 1895 Cananéia passa de vila à cidade, um fato significativo para
àquela localidade. Poderiam os canhões ter sido transportados para o núcleo
urbano por ocasião de alguma festividade relativa a tal evento?
Mesmo sem ter essa certeza, em 1931 os canhões foram transformados
em monumento, dispostos ao lado de um marco comemorativo da passagem
de Martim Afonso pela localidade. Foi dado um novo uso às obsoletas peças de
artilharia e é esse o intuito final desse e dos outros trabalhos de arqueologia
subaquática na região.
Chegou a hora de darmos um novo uso ao patrimônio cultural
subaquático da planície costeira Cananéia/ Iguape. Temos que incorporar
esses velhos marcos de poder novamente à vida das populações locais, só que
dando a eles novos usos, a saber o usufruto turístico e educacional dos
vestígios submersos in loco, desmistificando a idéia de que esses vestígios têm
que ser retirados do fundo do mar para ter essa função, por que o grande
chamariz deles é justamente o fato de estarem dentro d’água, integrados a um
ambiente tão diferente e fascinante. E assim esses velhos marcos de poder,
anteriormente
erguidos
desenvolvimento
da
para
região
controlar,
de
forma
estariam
propiciando
sustentável,
através
o
livre
de
suas
peculiaridades culturais, outrora vigiadas e reprimidas.
Além disso, essa também é uma maneira de divulgarmos que o
patrimônio cultural subaquático deve ser tratado com o mesmo cuidado com o
qual tratamos o patrimônio cultural emerso: com estudos arqueológicos,
históricos, arquitetônicos, musealização, conservação, etc. Um exemplo disso
vem da situação dos sambaquis da área: um sambaqui emerso não pode ser
depredado porque é um bem arqueológico e leis o protegem. Mas e os
sambaquis submersos (existem vários com suas bases submersas na região)?
Uma vez que a lei 10.166 só regula resgates (e não arqueologia) de naufrágios,
os sambaquis podem ser explorados para virar cal?
150
Figura 1:
explicação sobre
trabalhos na
Trincheira
oferecida aos
alunos de uma
escola de Sete
Barras (25/5/01).
Foto: PFBC.
151
Anexo 1
Corpus Documental: sistema defensivo da planície Cananéia/ Iguape
As referências bibliográficas abaixo referem-se às localizações de postos de
parada e fortificações, bem como às edificações, reformas e armamentos das
mesmas. Às vezes, não há referências às fortificações ou qualquer dos outros
temas correlatos. Entretanto, no caso de alguns documentos, a ausência da
referência é uma pista importante. Juntamente com as prospecções
arqueológicas, geofísicas e a história oral, ele alicerça o desenvolvimento das
pesquisas arqueológicas.
?? 1767 – (DI 67, 1943).
Câmara municipal de Cananéia é informada de que os custos para a
edificação da fortificação na ponta do Itacuruça, na ilha do Cardoso, ficariam
por conta dos habitantes da vila.
?? 1803a
12/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Determinação do
conselho de guerra da Capitania de SP.
“Cananéia - fazer-se uma trincheira no morro de S. João, na parte que olha
para a Barra, e colocar nela duas Peças. No caso de ataque ou
desembarque socorrem-se mutuamente as duas Vilas de Iguape e
Cananéia: Iguape avisa a Companhia Miliciana de Xiririca para descer a
socorrê-las.” (AESP, maço 45 [Tempo Colonial], pasta 2, doc.44 - esta é
uma ordem antiga).
?? 1803b 14/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Ordens baseadas nas
determinações do conselho de guerra.
“O Sargento Mor Engenheiro João da Costa Ferreira, parta imediatamente
para a Vila de Santos, e em execução das deliberações tomadas no
Conselho de Guerra de doze do presente mês relativo à segurança de
152
defesa desta Capitania fará aprontar como lhe tenho insinuado, Seis Peças
de Artilharia com o seu competente Corretame e Palamenta para serem
conduzidas sem demora, duas à Vila de Cananéia e quatro a de Paranaguá,
pelo Oficial que para isso tenho nomeado”.
?? 30/04/1809 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do ten. c.el João Jácomo de
Baumann ao cap. gen. da Capitania de SP, Franca e Horta.
“Cheguei à esta Vila ontem à noite pelas seis horas e meia e esta Manhã fui
ver a Barra deste Porto, e achei que era muito Necessário fazer-se um
pequeno Forte na Ponta chamada Itacuruça - que faz o estreito da dita
Barra. Logo que se souber que há alguns Corsários pela Costa, como
também na Barra da Ribeira d’Iguape precisa de uma Defesa, aliás poderá
com muita facilidade Ser invadido todo este Distrito. Assim achei que era da
minha obrigação participar a V. E. para bem do Real Serviço, a fim de se
poder regular no caso que Seja preciso. (...)”.
?? 1819a 30/09/1819 (AMS, FM, CX5, 1A/37/6) - Do ten. c.el comandante
Januário M. Castro Carmo ao sargento mor B. P. Gouvea.
O dito militar precisava de soldados especializados “...no manejo da peça do
calibre de 3 que existe nessa Vila [Cananéia] (...)”, a qual deveria ser
disparada todos os “Domingos e dias Santos”.
?? 1819b
Furtado
05/12/1819 P. 131, n º. 187 (ABN, 74)- “Ofício do c.el. Afonso
de
Mendonça
a
João
Carlos
Augusto
Oeynhausen e
Gravemburg, governador e capitão general da Capitania de S. Paulo,
apresentando o resultado da inspeção de reconhecimento que realizara
no litoral de S. Paulo e declarando ter requerido ao ministro Tomás
Antonio de Villanova Portugal fossem adotadas urgentes medidas de
defesa de seus portos. São Paulo, 05 de dezembro de 1819”.
Localização: II-35,26,70.
Excerto:
P. 3, 18a. linha - “O Major graduado Bento Puppo de Gouvea Comandante
das 2 companhias de Iguape, está nas mesmas circunstâncias que o
antecedente [velho demais e doente].
153
A Vila de Cananéia, que é o único ponto defensável que há desde o de
Santos, até a de Paranaguá; precisa de um oficial hábil que dirija a força
armada, e de um outro de Artilharia para comandar a Bateria, que defende a
Barra. Entre os oficiais que se me apresentaram, tanto neste Distrito, como
no de Iguape, não achei nenhum com os requisitos necessários, para
qualquer dos dois cargos; sendo a defesa destes dois Distritos,
reciprocamente dependente pelas razões expostas na Memória que junto a
esse ofício. (...)”.
?? 1820a
02/01/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do Mal. Cândido
Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao gov. da Capitania.
“Havendo nos Armazéns da Vila de Santos mais bandeiras do que as
precisa para as Fortalezas daquela Praça, rogo a V. E. a mercê de mandar
aplicar duas para as Fortalezas da Barra desta Vila e da de Cananéia”.
?? 1820b 10/01/1820 P. 131, n º. 190 (ABN, 74) - “Ofício do c.el A. F. de
Mendonça ao ministro do Império, T. A. de Villanova Portugal,
remetendo uma memória dos reconhecimentos militares que fizera na
costa de S. Paulo. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1820”.
Localização: II-34,24,30.
Excerto:
P.15 do Anexo - “Distrito de Iguape - A extensão deste Distrito são 28
léguas; 22 desde o Porto do Rio de Una, até a Vila; e 6 da Vila Até ao
extremo do Norte do Distrito de Cananéia: todo este Distrito é naturalmente
defendido, pelas mesmas razões que tem o Distrito da Conceição [braveza
do mar que não deixa desembarcar]. A Vila é muito povoada, e tem algum
Comércio; e toda a exportação se faz pela Barra de Cananéia, que dista da
Vila de Iguape 12 léguas; podendo Embarcações grandes vir perto da Vila,
navegando pelo Mar Pequeno.
Há neste Distrito duas Companhias de Artilharia de Milícias, como se vê do
Mapa junto.
Distrito de Cananéia - Todos os pontos da Costa neste Distrito, que tem 17
léguas de extensão, são por si mesmos defensáveis, a exceção da Barra de
Cananéia, que fica fronteira à Baía de Trapandé, na qual desemboca o Mar
154
Pequeno. Esta Barra tem légua e quarto de largo, e 4 a 5 de fundo. Julgou o
Engenheiro conveniente, que se fortificasse esta Barra, estabelecendo-se
uma Bateria no Pontal do Norte, que defenda o Canal. A Vila da Cananéia é
muito pouco povoada, admite 200 homens aboletados, e só é de
consideração, pela comunicação que tem com a Vila de Iguape. Tem uma
companhia de Milícias, como mostra o Mapa junto. (...)”.
?? 1820c
16/02/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do M.al Cândido
Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao governador da Capitania.
Solicita a nomeação do “Capitão da 4a. Comp. do 1o. Bat. Do Reg. De
Caçadores Manuel Gomes Pereira de Albuquerque, para dirigir o serviço de
fortificação da vila de Cananéia, onde já se acham prontos os materiais para
a projetada Fortificação”.
?? 1820d
13/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el. D. Pedro
Müller ao governador da Capitania.
Ofício “acusando o recebimento de uma ordem de S. E. pela qual ficava
encarregado da conclusão das Obras Reais da praça de Santos e bem as
Fortificações de Cananéia e Paranaguá”.
O dito c.el. dirigiu-se “ao Marechal Cândido, pedindo “noções das Baterias
de Cananéia, afim de resolver a minha jornada: julgo que aquela está
acabada pelas informações que obtive do 1o. Tenente Rofino Felizardo, que
quando de lá partiu, pouco faltava para sua conclusão”.
?? 1820e 24/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el Daniel Pedro
Müller ao governador da Capitania.
Deveria “revistar as fortificações”. Iria prontamente.
?? 1820f
19/04/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor de
Cananéia, Alexandre de Souza Guimarães ao capitão general (?).
Oficiava que havia se dirigido ao mal. C. X. de Almeida e Souza explicando
que as obras da fortificação necessitavam de outro diretor.
155
?? 06/10/1821 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 207) - “Relação das diferentes
Bocas de fogo distribuídas pelas Baterias da Costa desta Província”.
Do c.el D. Pedro Müller, do batalhão de engenheiros para o governo da
Província.
“Depois de referir-se à vilas de Santos, S. Sebastião, Vila Bela e Paranaguá,
dando os números de 83 peças e seus calibres...
N.B.: Sendo porém da maior necessidade levantar a Bateria que se projetou
em Cananéia, para a qual se deve pedir, pelo menos, 6 peças de Calibre
12, deve-se reputar a totalidade das que se [acestão] na Costa de 89 bocas
de fogo. (AESP, maço 53 (T.C.), doc. 24)”
?? 02/11/1822 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 208) - Do quartel do governo
das armas e praça de Santos para o governador da Província, Joaquim
A. Barreto de Camargo.
“(...) Estão embarcadas na lancha “S. Vicente” que Segue para Iguape uma
peça de Calibre - 12 - para a dita Vila, e seis do dito Calibre para Cananéia,
segundo as Ordens antigas que aqui achei, e também cento e quarenta
Espingardas para serem entregues aos Capitães Mores para quais estão
destinadas, e fico Ciente para a Remessa das duzentas e quarenta clavinas
para Paranaguá na primeira ocasião oportuna (...)”
?? 1823a 30/01/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.30)
“Il.mo e Ex.mo Senhor
Muito meus Senhores. Em cumprimento do Ofício de V. E. e Artigos nele
declarados, dos quais respondo a cada um [1 palavra], visto [1 palavra]
instrução para o fazer por Mapa como V. E. me determinam.
Achava-se em poder de João Jacinto Peniche Capitão de Milícias da
Companhia desta Vila, Sessenta Espingardas com suas baionetas,
Seiscentos cartuchos embalados porém faltas de Patronas [Boldriês], com
mais pertences assim mais uma Peça de Bronze montada, e tudo sem mais
munição alguma de Guerra, e porque existem algumas Espingardas em
poder do Capitão Mor porém como quase todas desconsertadas por falta de
Armeiro, por isso não faço menção de seu número. Acham-se mais seis
Peças de Artilharia /de ferro/ desmontadas e faltas de todos os seus
156
pertences, e munições de Guerra. A guarnição em gente consta de duas
companhias Milicianas uma desta Vila, e outra de Iguape que se acha nesta
destacada sem a [1 palavra] guarnição alguma de Fortalezas, nem
Trincheiras assim como nem Armazéns, Hospitais, Quartéis, ou Edifícios
algum Militar. Deus Guarde V. E. por muitos anos. Vila de Cananéia 30 de
Janeiro 1823 [ao governo da Província] Joaquim José da Costa”.
?? 1823b 01/03/1823 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 205) - De “membros do
governo” ao capitão mor de Cananéia.
“Da Vila de Santos segue em diligência para a de Cananéia o mestre do
Trem Manoel Francisco de Azevedo, para o fim de fazer montar as seis
Peças que se acham, na mesma Vila para defenderem aquele Porto:
Ordena portanto o Governo Provisório ao Sr. Capitão Mor da Vila, ou quem
suas vezes fizer, preste ao dito Mestre todo o auxílio necessário, para que
com brevidade possível fiquem as mesmas Peças em estado de serem
úteis” (folhas 19 v. e 20, livro 101t).
?? 1823c 08/05/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.28)
“Muito meus Senhores. A Ordem de V. E. relativa aos Preparos para montar
Artilharia, e Colocá-la no Pontal do Norte desta Barra se acha exatamente
cumprida, Restando; somente as providências para no caso preciso se fazer
delas o devido uso, o que tudo V. E. provirão. Deus Guarde a V. E. por
muitos anos. Vila de Cananéia 8 de Maio 1823. [ao governo da Província] J.
J. da Costa”.
?? 1823d 20/08/1823 (AESP, C02374)
“Il.mo. e Ex.mo. Senhor
Acuso a recepção do ofício que V. E. me dirigiu na data de 24 do mês
próximo passado, o qual me foi entregue no dia 15 do corrente mês pela
uma hora da tarde, determinando-me V. E. no sobre dito Ofício a já de
mandar diminuir um igual número de Milicianos Destacados na Fortaleza da
Barra desta Vila, com aquele de Artilharia da 1a. Linha que, por ordem de V.
E. deverá marchar da Praça de Santos para a referida Vila, afim de servir de
guarnição na mencionada Fortaleza, e pelo prazo de seis meses, devendo o
157
Comandante do mesmo Destacamento inspecionar as Baterias de
Cananéia, assim como da parte de V. E. do resultado da sua inspeção logo
que o mencionado Destacamento haja de chegar a este Quartel, farei
executar as respeitáveis Ordens de V. E..
Deus Guarde V. E.
Quartel do Governo da Vila de Paranaguá, 20 de Agosto de 1823.”
Observação: o referido destacamento chegou à Paranaguá em 23/08/1823.
?? 1824a
08/05/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor
interino Joaquim José da Costa para “membros do governo”.
Declarava ter cumprido as ordens “para montar Artilharia e colocá-la no
Pontal da Barra, restando somente as providências para no caso preciso de
se fazer delas o devido uso”.
?? 1824b 30/09/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962; AESP, C00860) - Do
ten. Antonio Mariano dos Santos, comandante militar da vila de
Cananéia ao presidente da Província, Lucas Antônio Monteiro de Barros.
“Tendo chegado, e tomado entrega do Comando desta Vila, dei
imediatamente parte ao Ex.mo. Governador das Armas, assim como de tudo
o mais que pareceu necessário, supondo desta maneira ter preenchido o
meu dever no que enganei-me, e “né”[é] por isso que agora tenho a honra
de dirigir-me diretamente a V. E. Ex.mo. Sr. tendo-me de Ordem de V. E.
sido mandado a esta Vila, e construir uma bateria com uma despesa devia
ser feita pelo Cap. mor encarregado pela Junta da Fazenda, a qual por não
ter, já participou em fins do mês passado a mesma Junta, a qual até o
presente não tem dado outras providências pelo que não tenho podido fazer
mais que o Conserto do reparo, e uma casa que abrigue do tempo as
carretas que não estando Oleadas muito breve se perderiam. Igualmente
participo a V. E. que sendo a bateria de madeira é nenhuma a duração e
que segundo o seu lugar precisa-se ser constante, a qual sendo da mesma
sorte rasa, com paredes de pedra cheia de areia em pouco mais pode
montar sua despesa, atendida a duração, a abundância de pedras que há
em curta distância e não hei ceder a Cal de 80 réis o alqueire, e mesmo
158
porque deve ser construída em lugar donde alcança o preamar, por ficar
assim em menos distância do Canal. Incluso remeto a V. E. o Ofício da
Câmara desta Vila, pelo qual Verá V. E. a falta de dinheiro e mesmo de
providências a este respeito, as quais são muito necessárias principalmente
nesta Vila, na qual se necessita ainda que seja uma muito pequena
guarnição por estar muito próxima à barra, e ser necessário para
acompanhar as Recrutas e outros casos em que se tornam indispensáveis
visto que durante a semana fica despovoada de pessoas que com prontidão
possam suprir estas faltas, além de haver neste distrito quatro postos de
parada em distância de 20 tantas léguas, cujas canoas até agora têm sido
dos mesmos paradeiros; pelos quais e por si mesmos nada se lhes dá,
sendo mais necessário uma grande que por vezes tenho pedido pelo que
rogo a V. E. determinações positivas porque minha vontade é em tudo
obedecer as determinações de V. E. como até agora tenho feito suprindo a
minha custa algumas coisas para não constranger ao povo e poder
conservar entre todos a união e a boa Ordem, (...)”.
?? 1824c
28/10/1824 (AESP, C00860) - Do ten. A. M. dos Santos ao
presidente da Província
Faz uma lista com os tipos das madeiras utilizadas em Cananéia para
construção, bem como a quantidade de trabalhadores (carpinteiros e
calafates) e os respectivos ordenados. Não especifica qual obra está sendo
feita.
?? 06/01/1825 (AESP, C00860, pasta 1, doc.38)
“Ex.mo Sr.
Dou parte a V. E. que as Carretas construídas neste lugar por Manoel
Francisco, Mestre do Trem da Praça de Santos, se não pode chegar em
bateria sem grande perigo, e mesmo muito trabalho por não terem
colocados os munhões em seu lugar, Resultando deste considerável defeito
tombarem-se as mesmas para frente, motivado pela falta de equilíbrio, o
que se pode reparar mudando seis, ou oito polegadas as duas primeiras
todas para frente sem o que elas se tornam inúteis pelo erro que nisto teve
o seu construtor; e não podendo eu reparar este defeito por falta do
159
necessário [1 palavra] a V. E. assim como de ter comprado alguns alqueires
de farinha para distribuir pelos trabalhadores da Trincheira a Razão de seis
décimos por semana, a qual me não foi possível obter gratuitamente de
pessoa alguma, e como sem este gênero se não podia continuar a dita obra
que espero ver concluída até o fim do corrente Mês, pelo que peço a
Aprovação de V. E. relativa ante meu procedimento, sem o qual sofrerei
além [1 palavra] prejuízo que daqui me pode relatar. D. G. a V. E. por muitos
Anos.
Cananéia, 6 de Janeiro de 1825
Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província de S. Paulo Lucas Antonio Monteiro
de Barros
Antonio Mariano dos Santos, Ten. Com. Militar”
?? 1828a 12/04/1828 (AESP, C00860, pasta 4, doc.62a) - Série de ofícios
enviados pelo chefe de divisão Paulo Freire de Andrade ao presidente
da Província, Thomas Xavier Garcia de Almeida.
Linha 12 - “Há quatro para cinco anos, que se mandou, para a barra
desta Vila, Bala, Pólvora, Seis boas Peças de artilharia de Calibre 12, fizeramse carretas para elas, e uma Trincheira no que tudo gastou o Governo, uns
poucos de centos de mil réis, e para que fim? Foi sem dúvida, para a defesa do
porto, e das Vilas. O Tenente Antonio Mariano enquanto aqui esteve, tinha o
forte preparado, disciplinada a Companhia de Milícias, fez muitas obras úteis,
todos aqui o louvam; apenas ele se foi, ficou tudo em um total desleixo, as
carretas sem ter uma pintura d’Óleo, nem ao menos de alcatrão, que as
preservassem do risco do tempo; o Forte arruinando-se pelas Ervas, que nele
crescia, e as Peças abandonadas, servindo tão somente de motivo de risadas,
à Guarnição de um corsário, que sabendo, não ter ali Guarnição, mandou uma
lancha buscar uma sumaca, que muito acima do Forte estava fundeada;
sucedeu isto a pouco tempo.
Como V. E. me pediu, que visto andar
em Comissão, por esta Costa, o informasse das coisas de urgência, a que se
deviam dar providências, e sabendo, que chegando ao conhecimento de V. E.,
a precisão que havia, de conservar este tão útil, como necessário Forte, daria
sem dúvida providências; [1 palavra] por na presença de V. E. este triste
quadro: lembrei-me depois, que as ordens são aqui muito morosamente
160
executadas, e que quando se manda fazer qualquer obra, ou reparo, excede a
despesa, ao verdadeiro custo, resolvi-me pois, nos dias, em que minha
Comissão, exigiu demorar nesta Vila; fazer eu mesmo, o que V. E. mandaria se
viesse: Mandei por as seis Peças em estado de poderem fazer fogo; dar nas
carretas com alcatrão, e Almagre; limpar o Forte; fazer um rancho, para abrigar
um pequeno Destacamento, e próximo outro mais pequeno, para Pólvora, e
pertences à Artilharia, tudo ali ao pé das Peças; o que se fez em dez dias: o
Forte é distante da Vila uma légua, e precisa-se atravessar o rio de Cananéia,
para vir à Vila, e por isso tudo deve estar no Forte. (...)”
Observações: Em 03/04 já estava o forte em condições de enfrentar
corsários que ameaçaram adentrar na barra. Vale a pena ler o resto do
documento.
A peça de artilharia calibre 3 que estava na vila era de campanha e feita de
bronze.
?? 1828b 13/04/1828 (AESP, C00860)
“Cópia da Ordem que julguei dar ao Capitão Comandante de Milícia na
minha saída desta Vila
Ficará [presestindo] no Forte da Barra de Cananéia um destacamento de
um Sargento, e oito Soldados, que serão rendidos de quinze em quinze
dias; cuja relação será mandada todos os Meses, ao Coronel Comandante
do Batalhão. Esta Guarnição se reformará com o inimigo à vista. Do Forte
não deve sair ninguém. O Sargento Comandante ficará por isto responsável.
As espingardas não se consideram a pessoa alguma, para as ter no sítio,
como até agora sucedia; ordem estas de se acharem quebradas, e de as
não haver na Vila em caso preciso, elas estarão no Quartel sempre, e serão
limpas pelos Milicianos de manhã nos 1o. Domingos de cada Mês para de
tarde quando o Sr. Capitão passar revistas à sua Companhia, também a
passar ao seu armamento. Quando se ouvirem dois tiros de Peça, todos os
Milicianos devem acudir à Vila não o fazendo devem ser castigados, do que
serão avisados o Sr. Capitão Comandante da Companhia, será responsável
pelas faltas dessas execuções. Esta Ordem prevalecerá enquanto o
Governo, ou o Ex.mo. Governador das Armas não mandar o contrário. Vila
161
de Cananéia 13 de Abril 1828. Assinado = Paulo Freire de Andrade = Chefe
de Divisão = Senhor Capitão João Jacinto Peniche.
--------------------------------------------------------------------------------------------------Cópia - Recebi do Il.mo. Ex.mo. Sr. Paulo Freire de Andrade Chefe de
Divisão a quantia de quatro mil, cento, e vinte réis que despendi em
alcatrão, e várias coisas para a pintura de seis carretas que estão no Forte
da barra desta Vila, o que fiz por ordem do dito Sr., e por ter recebido papéis
o presente Vila de Cananéia 12 de Abril de 1828 = Assinado = João Jacinto
Peniche = Capitão.”
[Junto esta anexada lista de materiais já copiada]
?? 1828c 14/06/1828 (Almeida, RHUSP, 53, 1963) - Do cap. com. da 4a.
cia. de artilharia miliciana, destacada em Cananéia, José Xavier Roiz
(leia-se Rodrigues) ao vice-presidente da Província, Dom Manoel
Joaquim Gonçalves de Andrade.
O comandante procura defender-se das acusações de que teria sido relapso
durante os eventos ocorridos nos dias 10 e 11 de maio, na barra e na vila de
Icapara, quando corsários entraram pela dita barra e ameaçaram saquear
as vilas do município de Iguape.
“(...)
Um
Corsário
empreendeu
saquear
esta
Vila,
e
apresar
as
Embarcações surtas neste porto, seu primeiro projeto foi entrar pela barra
de Cananéia; mas aprisionando um Brigue na dita Barra, soube pela
tripulação dele, que junto àquela Vila existe uma trincheira com seis peças;
mudou pois de projeto, e o formou de vir a esta Vila, entrando pela barra de
Capara em pequenas Embarcações.(...)”.
Observações: Em nenhum momento é citada a trincheira de Icapara ou a
peça de artilharia que nela existia.
Toda a movimentação foi observada da vila de Iguape, com “óculos de
alcance”. Tais eventos só poderiam ser observados do morro do Espia, que
estava nos limites da vila, mas muito próximo a ela. Tal ponto, àquela
época, seria conhecido como um posto de parada militar. Não consistia em
uma fortificação.
162
?? 1828d 21/06/1828 (ANRJ,FMG,IG1 149)
“N º 69
Guarde-se
E. Sr.
(85) Achando-se indefeso o Porto da Vila de Iguape, onde apenas há uma
peça de calibre 12, com a qual não sabem trabalhar os soldados de uma
Companhia de Caçadores de 2 ª Linha, ali aquartelada, não foi possível
apresentar nessa ocasião resistência alguma ao Corsário, que ultimamente
mandou tirar de dentro do mesmo porto uma Embarcação carregada de
arroz, a qual foi levada a reboque por duas lanchas, que para este fim
mandara, constando de mais, que sua intenção era saquear, e incendiar a
mesma Vila, o que não pôde realizar em razão de encalhar, e fazer se em
pedaços outra Lancha maior, que com as duas mencionadas dirigiu ao
Porto com uma peça de artilharia, e 43 homens armados, os quais por não
terem conhecimento do canal apenas puderam entrar com as duas Lanchas
mais pequenas, perdendo-se a maior, e todo o armamento, e munições, que
nela traziam: nestes termos trata-se de construir uma trincheira para na
mesma colocar-se aquela peça, e ao Comandante das Armas faço constar a
necessidade de mandar, não só para aquela Vila, como para a de
Cananéia, um pequeno Destacamento de oito soldados, e um oficial Inferior
do 3 º Corpo de Artilharia de Posição de 1 ª Linha, em quanto as
circunstâncias o exigirem, a fim de evitar-se a repetição de acontecimentos
tais, de que podem resultar funestas consequências, principalmente na de
Iguape, que é uma Vila populosa, e de não pequeno Comércio, em cujo o
Porto entram muitas embarcações: e porque não há nesta Província peças
de Artilharia disponíveis, que se possam mandar para a sobre dita Vila, por
não ser bastante, a que ali existe para sua defesa, visto ter duas Barras, vou
rogar à Sua Majestade o Imperador se Digne Mandar, que dessa Corte
sejam remetidas pelo menos quatro peças de calibre 8, ou daquele que
melhor parecer. D. G. a V. E. São Paulo 21 de Junho de 1828.
E. Sr. Bento Barrozo Pereira
Manoel Bispo de S. Paulo”
Observação: resumo a lápis do conteúdo do ofício.
163
?? 1828e 27/07/1828 (AESP, C002375)
“Ex.mo. Senhor
Tive satisfação de participar a V. E., o motivo, e Estado do Destacamento
na Barra da Vila; em o 1o. e 18, de Maio, e só a honra da Solução de 18 em
data de 3 de Junho, em que me nota não te declarado o N º de Praças
destacados: se V. E. ver com atenção a da [1 palavra] que em ambos
declarei. No dia 11 do Corrente, Recebi [1 ou 2 palavras] de V. E. em data
de 2 do mesmo, e com ela se me apresentaram um Cabo e 8 Soldados, os
quais no dia 15 tomaram Conta do Destacamento; e no dia 25 pegou o
Sargento Firmino de Godoi Moreira, o qual me faz ver que achando-se
doente o Soldado Vicente Antonio, o faça em regressar ao seu Corpo,
ficando em seu lugar o Cabo porque; melhor pode substituir com a falta do
Soldado do que com a do Cabo, e que para as manobras de peça vale o
mesmo, e que a bom do mesmo serviço precisa de um [1 palavra]; portanto
assim o cumpro.
Representa-me mais, que se faz mister novas
Estradas para se poder trabalhar com as peças:
Uma Casa melhor, em
que se possa acomodar os apetrechos, e estar o Oficial separado dos
Soldados, porque o Rancho que existe, foi apressadamente feito, todo em
aberto, e já se está Corrompendo-se a Palha de que é Coberto.
Incluso V. E. achará a Relação do que é mister na fortaleza, a qual já a dei,
sendo-me pedida pelo Chefe de divisão quando aqui esteve, mas até agora
nada tem vindo. Faço ver a V. E. com toda a submissão e Respeito que
para estes serviços, se faz mister uma Ordem superior, e pagamento
porque ao contrário nada se arranjará.
O Sargento Mor Comandante da
Vila, em nada [1 palavra] prestar [1 palavra] ao serviço quando este é
determinado pela Repartição do meu Comando, bem Como nem Canoa
quer dar aos Soldados que vieram para o Destacamento, e se eu lha não
desse não sei como eles dariam a parte de qualquer novidade, à ele a quem
mais pertence o sossego, tranquilidade e segurança do País, e eu para [1
palavra] quando me for de [1 palavra].
Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828.
Il.mo. Ex.mo. Senhor Governador das Armas
J. Jacinto Peniche, Capitão.
?? 1828f 27/07/1828 (AESP, C002375)
164
“Cópia - Relação da Munição de Guerra que faz mister para o Forte da
Barra da Vila de Cananéia”
Buzina para fala
Soquetes para as Peças - C - 12
Espoletas para o C.
- dito
Velas de Composição
200 - Pederneiras
Cartuchos para -
C - 12
Ditos para -
C - 03
Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828 = Assinado = João Jacinto
Peniche, Capitão
?? 1828g 30/07/1828 (AESP, C002375)
Documento no qual o forte é citado. Sem maior interesse. Soldos e prèts
d’etape eram recebidos em Iguape.
?? 28/08/1833 (AESP, C00860, pasta 2, doc.72) - Do juiz de paz, José de
Souza Guimarães ao presidente de SP, Rafael Tobias de Aguiar.
Relata o estado ruinoso da trincheira.
?? 10/01/1834 (AESP, C00860)
“Il.mo e Ex.mo Sr.
Dando cumprimento à ordem de V. E. de 7 de Dezembro do ano próximo
passado, pus em Praça pública obra do rancho para o abrigo das peças de
Artilharia que existem na Trincheira da barra desta vila, e correndo os dias
de praça efetuando-se sua arrematação pela quantia de Réis 116$920=,
não havendo quem por menos quisesse; e por isso o mandei arrematar de
baixo das condições que julguei necessárias, tanto em qualidade de
materiais, como na segurança, e perfeição da obra marcando o prazo de
dois meses para sua conclusão.
Igualmente levo ao conhecimento de V.
E. o quanto se despendeu com as tintas óleo que mandei dar nas peças e
outros bens físicos precisos para isso; como também fazendo tapar os
ouvidos das mesmas na conformidade da determinação de V. E. como da
conta inclusa, se mostra ser ela o da quantia de Réis 13$440, porém estas
165
peças se acham muito mal cavalgadas porque as carretas estão podres, e
algumas delas sem rodas como já participei à V. E. a tal respeito, quanto à
conclusão do rancho depois de efetuado [1 palavra] ao conhecimento de V.
E. o estado do mesmo, e de tudo o mais que me é encarregado a tal
respeito. Deus Guarde a V. E. muitos anos como havemos mister. Cananéia
10 de Janeiro de 1834.
Il.mo e Ex.mo Sr. Rafael Tobias de Aguiar Presidente desta Província.
José de Souza Guimarães”.
05/01/1834 - Doc. 38 a - “Conta da Despesa feita para olear as Peças [e das
em Cravar] os Ouvidos e fazer-lhes tampa para a boca das ditas e todos os
matos. O seguinte:
5 [1 símbolo] de óleo a 400
2$000
7 [1 símbolo] de tinta verde a 480
3$600
8 [1 símbolo] dita branca a 320
2$560
1 Medida de Aguardente para decante das tintas a 320
$320
[1 símbolo] Carpinteiro para fazer as tampas para a boca das $640
peças
Madeira para as ditas tampas
$240
2 Ferreiros para broquearem o ouvido das Peças e limpá-las
1$440
Dias de serviço para todos os matos que estavam cobrindo 1$640
as Peças
De fazer as tintas e olear as Peças
2$000
Cananéia 5 de Janeiro de 1834
José de S. Guimarães Juiz de Paz”.
?? 22/03/1835 (AESP, C00860, pasta 3, doc.1) - Do juiz de paz Francisco
Antonio Nóbrega Silva para o presidente da Província, Rafael Tobias de
Aguiar.
“Participo a V. E. que achando-se efetuada a obra do rancho para nela se
recolher as Peças que se acham na Trincheira da barra desta Vila, que de
ordem de V. E. ali se edificou por arrematação; e sendo do meu dever ir
examinar se com efeito estava ou não conforme, segundo o orçamento
166
condições daquela arrematação, com efeito achei conforme, por ser
fundada de bons pilares de pedra e cal, com boas madeiras coberto de
telhas achando unicamente uma pequena deformação de um palmo até dois
no comprimento e largura, que fora [detalhado], bem como de algumas ripas
serem um tanto fracas, porém não causando por isso a menor ruína, [1
palavra] por se achar com comodidade muito suficiente para o abrigo das
Peças ordenando ao arrematante quanto antes houvesse de cumprir
naquela [1 palavra] ao que logo tentou satisfazer para ter lugar [1 palavra]
haver [o seu] total [reembolso] pelo que [teria] arrematado [restando]
efetuar-se o recolhimento daquela Artilharia para o dito rancho, cujo
recolhimento não deixará de ser com algum laborioso trabalho, porquanto
todas elas se acham desmontadas por motivo de que as carretas estão
todas podres apenas [1 palavra] firmagens das mesmas; assim como para
se poder consumar aquele rancho [1 palavra] ser de necessidade de
tempos, em tempos fazer rocio descortinando os matos para que não
deteriore aquele rancho, e se conserve arejado o que tudo executarei como
V. E. achar por bem determinar-me. (...)”.
?? 1836a 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.10) - Do juiz de paz, F.
A. Nobrega Silva ao prefeito de Cananéia, Joaquim José de Oliveira.
Recolhimento das peças ao rancho custaria 30 ou 40$000.
?? 1836b
09/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.9) - Do prefeito de
Cananéia ao presidente da Província.
Envia o ofício do juiz de paz.
?? 1836c 1836 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Juiz de Paz de Cananéia,
Francisco Antonio Nóbrega e Silva.
Reclama contra o abandono do material bélico da fortificação e mostra o
orçamento das despesas extras feitas com a conservação do novo rancho.
?? 1837a 20/12/1837 (AESP, C00860, pasta 1, doc.35)
“Recebido a 27 de Janeiro
Il.mo e Ex.mo Sr.
167
Tenho a honra de apresentar na Presença respeitável do Il.mo Governo
Ofício incluso que na data do 9 de que rege me enviou o Sr. Juiz de Paz
desta vila* pedindo providências para recolher e acautelar as Peças de
Artilharia que existem no lugar chamado Trincheira, na barra desta vila. No
lugar mencionado se fez a dois Anos um telheiro destinado para nele serem
guardadas ditas Peças e desde então ele existe, a despesa foi feita, e se
acha inutilizado, e as Peças desmontadas por terem apodrecido as carretas,
e enfim [p. Terra ] a borda do Barranco ou Piçarra que com os tempos de
Vento Sul se altera o Mar derruba pedaços apresentando evidentes
prejuízos por se acharem mesmo este precipício. No estado atual de nada
servem, mas também deixar que mergulhem e se percam não é justo; fico
em conseqüência esperando as ordens de V. E. para cumprir. D. G. V. E.
Cananéia 20 de Dezembro de 1837.
Il.mo Ex.mo Sr. Presidente de G. da Província
Joaquim J. Oliveira, P. de M.”.
Observação: O ofício do j. de paz está na pasta 1, doc.33.
?? 1837b
1837 - Daniel P. Müller – “Ensaio d’um quadro estatístico da
Província de S. Paulo” (1978).
“Tabela 10 - Mapa das Guarnições que competem aos pontos fortificados
desta Província
Em tempo de paz
Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila
Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...).
Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...);
Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S.
Vicente(...);
Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0,
Soldados de Infantaria 3.
Cananéia: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0,
Soldados de Infantaria 3.
Paranaguá(...).
Em tempo de guerra
168
Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila
Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...).
Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...);
Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S.
Vicente(...);
Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 1, Artilheiros 2, ditos Serventes 6,
Soldados de Infantaria 10.
Cananéia: Oficiais 1, ditos Inferiores 2, Artilheiros 12, ditos Serventes 36,
Soldados de Infantaria 30.
Paranaguá(...).
N.B. Este detalhe é feito supondo em tudo completos os referido postos
fixos para defesa dos portos marítimos, e segundo a Memória que
apresentei ao Ex.mo. Sr. Presidente no princípio deste ano. A maior parte
destes estão em mau estado de apetrechos, e de outros apenas restam
vestígios, segundo coligi das informações que me foram transmitidas. Os
que se podem reputar como obras permanentes são o de S. João e S. Luiz
(da Bertioga), o de Itapema, o da Barra Grande (atualmente bem
guarnecido) e o de Paranaguá, os quais somente necessitam de pequenas
reparações no que respeita à parte construção.”.
?? 1838a 21/02/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.47)
Edital do prefeito que solicita a apresentação de orçamento para
recolhimento das peças da trincheira ao telheiro. As peças e os reparos
estavam à beira mar.
?? 1838b 31/08/1838 (AESP, C00861) Do juiz municipal, S. L. Pontes, ao
presidente da Província. Respondido em 01/10.
“Tendo-se edificado um rancho coberto de telhas, por ordem do Ex.mo
Governo da Província para nele se recolher as seis bocas de fogo
existentes no lugar de uma Trincheira na barra desta vila; e porque aquela
artilharia ali se acha abandonada em risco de ir abaixo,(...)”.
?? 1838c 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.78) - Do juiz municipal,
S. L. Pontes, ao presidente de SP.
169
Cumpre a portaria de 01/10 e inspeciona a trincheira do pontal da barra de
Cananéia. Fala das excelências do rancho (pilares de pedra e cal, boas
madeiras) e diz que precisa ele ser re-telhado, pois uma tempestade o havia
destelhado.
3o. parágrafo: “Quanto para o recolhimento das Peças de Artilharia ao
rancho situado 30 a 40 braças onde elas existem calculando-se
regularmente as despesas se não poderá efetuar por menos de 40$ a
50$000 segundo suas circunstâncias, pelo estado das mesmas a vista dos
objetos que representa.(...)”.
?? 1838d 16/?/1838 (AESP, C00861) - Do capitão mor J. J. de Oliveira ao
presidente da Província.
Encarregado, pela portaria de 27/01/1838, de recolher as seis peças ao
telheiro.
“(...) 3o. Que este Telheiro feito acima [1 palavra], de [1 palavra] [vendes],
pouco duradouras, sem habilitador, e sem fogo dentro, mui aberto, também
se não se tirar a telha virá a perder-se, ficando para [1 abreviação] as Peças
cobertas com os Cacos de mencionados.
4o. Que então as Peças na
Vila fazendo-se as Carretas, podem ficar em postos que sirvam para a
defesa de desembarques, fazendo [1 palavra], um rancho para cima de
cada uma, o que chamam - barriga de Boi - Para ficarem abrigadas dos
tempos.(...)”.
?? 1839a 18/09/1839 (AESP, C00861, pasta 1, doc.97) - Do juiz municipal
Sebastião Lourenço Pontes ao presidente da Província.
Pela portaria do governo provincial de 18/03 do corrente, as peças deveriam
ser recolhidas. O juiz argumenta que elas seriam muito necessárias para
defender não só Cananéia, como Iguape também, dos rebeldes do RS. Só
que para isso elas precisariam estar montadas. Esse ofício foi respondido a
04/10/1839.
170
?? 1839b 20/09/1839 (ANRJ, FMG, IG1 297) - Do quartel general da vila de
Paranaguá para o conde de Lajes, ministro da Guerra.
Peças da barra de Cananéia estavam sem reparos. Existiam, também, 2
peças de bronze de campanha, cal. 3, 1 em Cananéia, a outra em Iguape.
Ambas estavam desmontadas.
Pede-se artífices que saibam fazer reparos à Onofre além de pedir carretas
para as peças de campanha.
Ofício respondido ou analisado em 25/10/1839.
?? 1839c
31/10/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.487) - Do chefe de
polícia, em Santos, José A. Pimenta Bueno ao desembargador Manoel
Machado Nunes.
“(...) Ao Comandante da Guarda Nacional de Iguape recomendo, que faça
quanto antes reforçar os destacamentos d`aquela, e da Vila de Cananéia;
que compre, ou obtenha por empréstimo do comércio a pólvora de mister,
que ponha a artilharia em ponto de servir levantando alguma cortina de
faxina; em fim que tome todas as medidas para repelir qualquer insulto.
(...)”.
?? 1839d 01/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - Da câmara municipal de
Iguape ao presidente da Província.
Sobre corsários na i. do Bom Abrigo.
“(...) Quem pensará Ex.mo. Sr. Que a vila de Iguape, uma das que precisa
de forças esteja sem defesa alguma, que a única peça de campanha que
tinha, essa mesma fosse mandada à fronteira, e que na mesma barra de
Icapara existe uma descavalgada, e que não tenha armamento pólvora e
bala, e que consta a esta Câmara que só existem oitenta armas e não muito
boas, e que destas mesmas se repartirem com a vila de Cananéia, e sendo
assim é um impossível se poder rebater as forças inimigas que
naturalmente trarão artilharia. (...)”.
?? 1839e 06/11/1839 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - “Regulamento para o
Forte do Bicho da Barra da Vila de Cananéia”, elaborado pelo ten. c.el
José Jacinto de Toledo.
171
?? 1839f 15/11/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.486) - Do presidente da
Província ao ministro da Guerra.
Diz que já havia tomado providências “mandando montar algumas peças e
guarnecer os lugares expostos com pequenos destacamentos”.
O documento diz ainda que ele foi obrigado a realizar algumas medidas e
solicitava a aprovação das que foram tomadas e das que ainda deveriam
ser tomadas.
A aprovação está no início do documento, datada de 19/11/1839.
?? 1839g
18/11/1839 (AESP, E00561, p.164, frente) – Para o major
Manoel José da Conceição Ramalho.
Nomeado para dirigir as obras de fortificação de Iguape e de Cananéia –
deveria apresentar-se ao ten. C.el José Jacinto Toledo – deveria
permanecer na região até segunda ordem do presidente ou do juiz de direito
chefe de polícia desta comarca (S.Paulo ?). Iria aproveitar e inspecionar a
fortaleza de Paranaguá.
?? 1839h
21/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - De José Antonio
Pimenta Bueno, juiz de direito da comarca [Santos] ao ten. c.el José
Jacinto de Toledo [Cananéia].
Sobre as providências tomadas pelo presidente da Província para expulsar
os corsários.
“(...) e voltarão dali [Paranaguá] dando comboio as embarcações mercantis
até a Ilha do Abrigo, onde fundearão, então entrará a barra de Cananéia
uma Lancha que levará por sinal uma bandeira branca em uma vara na
proa, e irá desembarcar [em Cananéia] e deixar as ordens de V. S. 2 peças
de Campanha 40 armas de Infantaria 12 arrobas de pólvora e mais artigos
que então comunicar-lhe-ei. Irá também nessa ocasião o Major Ramalho de
Artilharia para servir sob as ordens do V. S. um modelo de carretão e
provavelmente 2 carpinteiros para fazer montar a artilharia tanto de
Cananéia como de Icapara regularmente, fazer velas de composição e
172
espoletas, devendo V. S. aproveitar ocasião para por no melhor pé possível
os fortes desses 2 portos”.
?? 1839i 11/12/1839 (AESP, C00861, pasta 2, doc.11)
“Il.mo e Ex.mo Sr.
O Juiz Municipal da Vila de Cananéia desta Província tem a honra de levar
ao respeitável conhecimento de V. E. que tendo dado cumprimento à
Portaria de 4 de outubro, acerca das ameaças desta nossa Província pelas
tentativas dos rebeldes de Laguna que deu motivo a propor a V. E. em ofício
de 18 de outubro próximo passado para o fim de se retificar a Trincheira, e
nela se montarem as peças de Artilharia que ali se achavam caídas sem
carretas para defesa da barra. Não foram diminutas as providências que de
minha parte julguei necessárias a bem da segurança deste litoral
coadjuvando-me com as Autoridades constituídas propondo os precisos
fornecimentos de Armamento e destacamento, e colocando três peças de
Artilharia; que segundo a necessidade não dera lugar para melhor ficarem,
porém prontas para a defesa em casos tão urgentes.
Pelas
notícias
do
Feliz sucesso da restauração da Laguna, Lajes e tomada dos três corsários
todo este município se alegrou que em satisfação se propôs uma iluminação
por três noites sucessivas, e agradecendo todas as sábias deliberações de
V. E. que olhando com atenção a nossa Província nos livrou dos açoites dos
inimigos da Ordem e do Governo.
Muito desejoso de cooperar para a
segurança deste Município, pareceu-me ser conveniente propor a V. E. que
suposto acharei em sossego pelo motivo da Fausta notícia por isso mesmo
que a Trincheira da barra desta Vila se deveria continuar em sua
reedificação e de tudo o mais necessário, não só para que em casos
idênticos tenha a defesa ligeira e mesmo para o respeito da barra por ser
ela franca e livrar de toda e qualquer ocasião ser cometido este litoral e o de
Iguape, sendo a precaução dada em tempo e assim seguros de qualquer
tentativa de [faciozos], que estes sempre se aproveitam dos descuidos para
seus Funestos fins apesar de ser este Município pequeno em população,
mas sua localidade perigosa à Província uma vez que por desgraça fosse [1
palavra] pelos rebeldes. Estes motivos me fazem não deixar em
173
esquecimento de levar ao respeitável conhecimento de V. E. a quem Deus
Guarde como é mister. Vila de Cananéia 11 de Dezembro de 1839.
Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província
Sebastião Lourenço Pontes, Juiz Municipal”.
?? 1839j 12/12/1839 (AESP, E00561, p.168f.) – Para o major Manoel José
da Conceição.
Dispensa o mesmo da comissão de dirigir os trabalhos das fortificações de
Cananéia e Iguape. Mas deveria elaborar plano e orçamento para as obras
indispensáveis para deixar vilas em condição de repelir ataques. Deveria
verificar nº. de pessoal necessário para cuidar das obras e evitar
deterioração.
?? 1840a
11/09/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.38) - Do juiz de paz
Joaquim Pedro Nolasco ao presidente da Província, R. Tobias de Aguiar.
Sobre comemorações da maioridade de D. Pedro II. Linha 10: “(...), as
Salvas de Artilharia da vila foram repetidas no Forte da Barra, (...)”.
??1840b
16/11/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.44) - Do capitão da
Guarda Nacional, Sebastião Lourenço Pontes ao presidente de SP.
A respeito do gasto de pólvora nas comemorações da maioridade de D.
Pedro II. Menciona o “Forte da vila”. O dito capitão era encarregado do trem
bélico da vila e do forte.
??29/04/1841 (AESP, C00861, pasta 2, doc.73) - Do juiz municipal, J. J.
Oliveira ao presidente de SP.
Informa que no dia 28/04 o patacho que ia do Rio de Janeiro à Porto Alegre,
Desempenho, havia sido roubado no mar da vila. Solicita, dentre outras
coisas, o envio de 1 destacamento da GN para a “Trincheira da barra”.
??26/04/1842 (AESP, C00861, pasta 2, doc. 99) - De Antonio de Andrade
ao governo da Província.
Diz que não havia guardas nacionais destacados na trincheira. Pede soldo
para pelo menos 1 deles lá ficar.
174
??1845a 16/09/1845 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)
“Geral n º. 36 - Em solução ao ofício de V. S., com data de 29 de Julho
precedente, tenho a dizer-lhe que, atendendo à necessidade que há de
conservar-se no Forte do Bicho da Barra de Cananéia, as duas Praças de
Artilharia, podem elas por hora continuar no mesmo serviço percebendo os
competentes vencimentos. Deus Guarde a V. S. - M. da F. Lima e Silva.
Sr. Inspetor interino da Tesouraria”.
Observação: Extraído por A.P.A. do periódico “d’O Governista”, 385,
16/09/1845.
?? 1845b
25/10/1845 (AESP, C00861, pasta 4, doc.70) - Do ten.
comandante de artilharia Antonio José de Medeiros ao presidente da
Província.
Recebeu ordens de dar salvas de tiros por ocasião da visita do imperador à
Província de S. Paulo. O oficial diz não haver “pólvora nacional” no forte e
pede autorização para comprá-la.
?? 1846a
14/03/1846 (AESP, C00862 ,pasta 1, doc.6) - Da Câmara de
Cananéia ao governador da Província.
Em 09/03/1846, a chegada do imperador à Santos foi saudada com tiros de
canhão do “forte da barra”.
?? 1846b 08/12/1846 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do cap. com. da cia.
de artilharia (quartel em Iguape), Manoel Bento de Jesus ao conselheiro
Manoel da Fonseca Lima e Silva e ao presidente da Província.
“É meu dever participar a V. E. que o Forte do Bicho da Barra da Vila de
Cananéia existe fechado e em abandono. Os objetos de artigos bélicos que
dentro do mesmo existem, são: peças, carretas, balas, lanadas, bandeira,
etc. e a continuar fechado o mesmo Forte os malévolos estragarão não só a
casa como extraviarão os objetos. Os dois Guardas Nacionais de Artilharia
prostrados como destacados em dito Forte serão suficientes para tomar
conta e velar sobre os ditos objetos. Se V. E. em sua sabedoria ver que
175
estas minhas reflexões merecem aprovação de V. E., então se dignará
transmitir-me suas ordens para eu pontualmente cumpri-las como costumo”.
?? 08/05/1849 (AESP, C00862, pasta 1, doc.80) - Da tesouraria do governo
da Província ao presidente da Província.
“Geral n º. 299
E. Sr.
Devolvendo o ofício do Capitão Sebastião Lourenço Pontes, da Vila de
Cananéia, em que pede se mande pagar os aluguéis de uma casa que ali
servia de Quartel do Destacamento do Forte do Bicho, cumpre-me informar
à V. E. que essa despesa cessando desde que foi abolido aquele
Destacamento pela ordem do E. Governo Provincial de 12 de Setembro de
1846, o que se comunicou ao respectivo Coletor para sua inteligência; e
quando por ventura houvesse de se fazer esse pagamento, tendo ele caído
em exercícios findos, não se pode realizá-lo sem a competente liquidação.
D.G.V.E.
Tesouraria de S. Paulo 8 de Maio de 1849
I.E. Sr. Doutor Vicente Pires da Motta Presidente da Província
[assinado]”
?? 1850a 26/11/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.560) – Ofício do juiz
de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província.
Informa da apreensão de uma embarcação, abandonada nas proximidades
de Cananéia, suspeita de trazer escravos africanos.
“P. S. Ao fechar este para seguir por correio chegou um africano boçal
apreendido na Trincheira da Barra, pela escolta que para aquela parte dirigi;
continuo nas diligências precisas”.
?? 1850b 05/12/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.561) – Ofício do juiz
de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província.
“Tendo em data de 26 do passado participado a V. E. a apreensão da Barca
Trenton, que se acha ancorada neste porto, cumpre-me agora comunicar a
V. E. que nesse mesmo dia foi apreendido um africano na casa da
176
Trincheira da Barra por falta de tempo também comuniquei a V. E. em post
scriptum, a quem passei a fazer indagações precisas, chamando vários
pretos para servirem de intérprete, mas foram baldadas todas as diligências
porque só repetia aquilo que se lhe perguntava, sem que se pudesse
conhecer ao menos de que Nação é; passei pois a fazer o exame por
peritos, afim de conhecer se era dos proibidos, o que se verificou, e feito o
auto em que se declarou todos os sinais, o diz depositar até V. E. lhe dê
conveniente destino. Não tenho cessado nas diligências para descobrir os
interessados a fim de proceder na forma da lei. (...)”.
?? 1851a 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.4) - De M. J. Gomes da
Silva, major comandante, ao presidente da Província.
Questão do aluguel da casa para servir de trem ainda persiste.
?? 1851b 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.5) - De M. J. Gomes da
Silva, major comandante, ao presidente da Província.
Segundo parágrafo: “Lembro-me dizer a V. E. que no forte do Bicho achamse seis peças sobre areia algumas encravadas, e umas carretas mal feitas
recolhido no Telheiro do dito forte e parecem que com pouco trabalho e
despesa com o acréscimo de Rancho e reparo do mesmo aonde se
pudessem acomodar as peças montadas, sendo de suma utilidade”.
?? 18/02/1854 (ANRJ, FMM, XM 1128)
“Cópia - n º. 11 - Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios da Marinha em
18/02/1854.
E. S.
Em resposta ao ofício n º 22, que V. E. dirigiu a esta Secretaria de Estado
em 28/07 último, remetendo cópia de uma representação da Câmara
Municipal da Cidade de Iguape, sobre a conveniência de se estabelecerem
bóias, e construir-se uma Atalaia na barra de Capara, tenho a honra de
significar a V. E. para o fazer contar a referida Câmara, que, posto se
reconheça a necessidade de tais melhoramentos, não é possível ocorrer-se,
já a eles; mas que o Governo Imperial os terá presentes, quando informar
177
ao Corpo Legislativo sobre semelhantes assuntos. D. G. a V. E. José Maria
da Silva Paranhos = Sr. Presidente da Província de S. Paulo.
O Ofício n º 1081 de 29 de Novembro de 1853 do Quartel General da
Marinha que cobre todos os papéis, a que este Aviso se refere estão em
poder de S. E.”
Observação: Algumas anotações a lápis - rascunho da resposta. Nada de
significante no rascunho.
?? 1855a
05/09/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,
doc.50a) - Do delegado Joaquim Gomes Mendes ao delegado da cidade
de Iguape.
Ofício sobre a quarentena de embarcação. Faz menção à trincheira. Uma
nota traz mais informações.
“NB Estando a casa da Trincheira inteiramente inabitada, e não havendo
onde o Destacamento [1 palavra] abrigar-se do tempo, hoje faço [3 palavras]
e preparos, para uma reedificação e vou reforçar o Destacamento”.
?? 1855b
07/10/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,
doc.77a) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província.
Sobre a necessidade de botar em quarentena as embarcações, por causa
de epidemia no R. de Janeiro. O referido delegado alega ter feito
retificações na casa da trincheira para servir de abrigo ao destacamento que
lá ficaria posicionado.
?? 1855c
05/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,
doc.84) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província.
Segundo parágrafo: “Além da casa acima dita, estou mandando, fazer na
casa da Trincheira onde por hora está o Destacamento um pequeno
cômodo, onde se possa acomodar, 1 ou 2 doentes, para no caso de
aparecer a bordo das Embarcações em quarentena, algum indivíduo
atacado da moléstia reinante, ser primeiramente para ali sendo conduzido, e
178
tratado a fim de evitar o que for possível a introdução do mal no centro da
população”.
?? 1855d
25/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,
doc.87) - Do comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da
Província.
Informa que estava suspendendo o destacamento postado na Trincheira
pois a epidemia já estava controlada.
?? 1856a
26/01/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,
doc.94) - Do comandante M. J. Gomes da Silva respondendo ao
presidente da Província.
Destacamento da GN deveria ser mantido na barra da Vila e que deveriam
ser levados utensílios para as duas enfermarias lá estabelecidas.
?? 1856b 25/03/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”) - Do
comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da Província.
O comandante afirma que seria melhor manter o destacamento, a despeito
das ordens contrárias superiores. Pergunta, novamente, se o destacamento
deveria ser suspenso, bem como a enfermaria.
?? 01/01/1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4)
“Notícia das fortificações existentes em cada uma província do Império; de
suas denominações; artilharia que têm e importância”. Rio de Janeiro, 1 º.
De janeiro de 1863.
Excertos:
“Fortaleza da Barra Grande de Santos
Está situada na Barra do mesmo nome. É importante.
Tem 21 bocas de fogo, sendo 11 peças de ferro de cal. 24, 8 de 12, em bom
estado, e 2 de ferro de cal. 6, em mau estado.
Fortaleza de S. João da Barra da Bertioga
Está situada na Barra do mesmo nome. De pouca importância.
Tem 6 bocas de fogo, sendo 2 peças de ferro de cal. 12, 2 de 9 e 2 de 6,
todas em mau estado.”
179
Observações: não há menção à fortificação de Cananéia. De início pensei
que o relatório só mencionasse fortificações mais consistentes. Mas o
trabalho também examina fortificações efêmeras (entrincheiramentos,
redutos, etc.) no Rio Grande do Sul, por exemplo.
?? 1867a
26/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do delegado de
Cananéia, Alexandre Pedro Nolasco ao juiz de direito interino da
comarca de Iguape, Francisco Ferreira Correia.
“Il.mo. Sr.
Em cumprimento do exigido no ofício de V. S. de 18 do corrente, passo a
informar.
E para o fazer, dirigi-me ao pontal da Barra, no lugar da antiga trincheira, da
qual não existe mais as paredes da fortificação por ter o mar consumido; da
casa que servia de quartel não existe mais que os pilares; as peças
desmontadas, e sobre a areia, e são as seguintes: 2 de 30-0-0; 3 de 29-315; 1 de 28-2-15.
Estas seis peças são de ferro, tem no interior algum cascalho de ferrugem,
e por fora parecem em bom estado; foram fundidas no reinado de D. João,
ainda Príncipe Regente, pela marca assim indicar.”.
?? 1867b 30/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)
O juiz de direito interino da comarca de Iguape passa a informação ao
presidente da Província, José Tavares Bastos.
?? 1867c 19/06/1867 (ANRJ, FMG, IG1 159)
3a. Seção. Nº. 65
Palácio do Governo de S. Paulo 19 de Junho de 1867.
“Participou-me o Juiz de Direito Substituto da Comarca de Iguape, que,
tendo oficiado ao comandante do Vapor - Telegrapho - para conduzir à
Corte a peça de ferro de calibre 26, de que tratei em meu ofício de 4 de
Fevereiro último, respondera-lhe o dito comandante não lhe ser possível
encarregar-se da sua condução por não ter aparelhos próprios para
suspender o seu peso, além de que entende que o valor da peça não
180
corresponde às despesas do seu transporte, no que diz concordar o Dr.
Guilherme Schutz(?) Capanema.
Participou-me além disto o mesmo juiz de Direito que na barra de Cananéia
existem abandonadas 6 outras peças de ferro.
V. E. pois se dignará resolver sobre o destino que convirá dar-lhes.
D. G. V. E.
E. Sr. Cons. João Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro e Secretário
d`Estado dos Negócios da Guerra
José Bastos”
Resposta (no mesmo papel, ao lado esquerdo)
“Sendo a peça de que se trata de ferro e inutilizada, como deverá estar por
ter feito parte do armamento de uma bateria de costa onde esteve por
algum tempo exposta à ação dos vapores marinhos, o valor que ela hoje
tem como matéria prima para fundição é tão insignificante em relação às
despesas com o seu transporte, que não vale por forma alguma a pena de
efetuá-lo.
Sou pois de parecer que não se invista em tais remessas se não quando as
peças forem de bronze, caso em que o valor do metal pode cobrir as
despesas.
5-7-67
Rapozo”
?? 1867d 19/07/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)
O acima citado ofício é repassado ao Ministério da Guerra. Em anexo,
seguiu informação (17/07/1867) prestada pela 3 a. seção (?).
“(...) Sendo de difícil transporte tais peças, pelo peso, e falta de aparelhos
nos navios mercantes, que poderiam, com grande despesa, transportá-las
ao Arsenal da Corte, parece que apenas se poderá dar disto parte ao
Ministério da Guerra para resolver o que for conveniente.”.
?? 1875 – (Godoi, 1978: 09)
181
Capítulo “Hidrografia”, seção “Mar da Província”. Descrição e orientação da
costa de S. Paulo:
“Da Ponta do Itaipu [Praia Grande] até a fortaleza da Barra, na extremidade
sudoeste da ilha do Mar Pequeno [ilha Comprida] do nordeste para
sudoeste.
Da bateria da Barra à ponta setentrional da ilha do Cardoso, o mar entrando
ao ocidente de Cananéia forma a enseada de Trapandé e vai ao oceano.
(...)”.
?? 1897 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)
Três peças de artilharia haviam sido transportadas para a vila. Três
permaneceram no pontal da Trincheira e acabaram por serem engolidas
pelo mar.
182
Anexo 2
Fichas cadastrais do material de artilharia
A primeira coluna de cada ficha, inspirada na Ficha de Inventário
Nacional (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999), traz uma síntese dos
dados obtidos pela análise. A segunda, apresenta um croqui geral, que esboça
as linhas de uma peça de artilharia com suas principais partes, sobre o qual
são inseridas as informações iconográficas de cada peça. As esferas
projetadas dos munhões representam os mesmos vistos de perfil.
Veremos,
exemplificação.
adiante,
uma
ficha
vazia
e
outra
preenchida,
para
183
Data
UF/Município/Cidade
Localidade/Endereço
Número provisório
Proprietário
Responsável
Objeto
Data/Época
Autoria/Fabricação/
Manufatura
Material/Técnica
Descrição
Padrão
Origem (país/cidade)
Procedência
Comprimento total
(cm)
Comprimento
funcional (cm)
Largura (cm)
Calibre (mm/lb)
Calibres
Peso (kg)
N º. De fotos
Proteção (qual tipo?)
Segurança
(boa/razoável/ruim)
Conservação
(ex./boa/reg./má/pés.)
Caract.
Iconográficas/
ornamentais
185
186
Data
UF/Município/Cidade
Localidade/Endereço
Número provisório
Proprietário
Responsável
Objeto
Data/Época
Autoria/Fabricação/
Manufatura
Material/Técnica
Descrição
Padrão
Origem (país/cidade)
Procedência
Comprimento total (cm)
Comprimento funcional
(cm)
Largura (cm)
Calibre (mm/lb)
Calibres
Peso (kg)
N º. De fotos
Proteção (qual tipo?)
Segurança
(boa/razoável/ruim)
Conservação
(ex./boa/reg./má/pés.)
Caract. Iconográficas/
ornamentais
Caract. Técnicas
22/10/2000
SP/ São Sebastião
Centro/ r. Antonio dos Santos com r. Expedicionário Brasileiro
SP-SS-10
?
Prefeitura
Canhão de sítio
1778-1786
George Matthews/ Calcutts Ironworks
Ferro fundido
Canhão de ferro, antecarga, tubo liso, produzido no reinado de
George III da Inglaterra (1760-1820). Cascavel está amassada.
Armstrong
Inglaterra/ Calcutts
236
200
54
107/ 9
19 (18,69)
1223,10
1
Nenhuma
Boa
Boa
Culatra padrão Armstrong; inscrições nos munhões, 1o. e 2o.
(brasão) reforços.
Peça fundida inteiriçamente, com tubo brocado, de acordo com
a inscrição no munhão (“SOLID”).
187
Glossário
Antecarga – de carregar pela frente.
Baluarte – apesar de poder designar “1- Construção avançada, alta, saliente,
situada nos ângulos das fortalezas. 2- Espécie de muralha fortificada. 3Obra de fortificação avançada, em ponta, com face e flanco de defesa (o
mesmo
que
bastião)”91, neste trabalho o termo é utilizado mais
genericamente, designando fortificação.
Bateria – conjunto de peças de artilharia prontas para fazer fogo e que apontam
todas para uma mesma direção. Outro sentido, mais arcaico, não pode ser
esquecido. “Colocar em bateria” seria também aprontar a peça de forma que
ela fosse capaz de fazer fogo.
Boca de fogo – termo arcaico que designa peça de artilharia (canhão, morteiro,
obus,etc.).
Brigue – “antigo navio à vela, de mastreação constituída de gurupés e de dois
mastros de brigue, o de ré envergando também vela latina quadrangular, e
com velas de entremastro”.92
Calibre – hoje em dia é conhecido apenas como o diâmetro da boca do cano
das armas. Até meados do século 19, era também o peso do projétil em
libras (Castro & Andrada, 1993: 84).
Canhão – peça de artilharia que disparava projéteis maciços e em trajetória
reta.
Canhoneira – “navio de combate, de pequeno tamanho e pouca borda livre,
empregado em operação de defesa e fluvial”.93
Carretilha – cilindro munido de manivela que permite o esticar ou recolher
ordenadamente um cabo-guia.
Cavalgada – termo arcaico que designa quando uma peça de artilharia está
assentada em uma carreta.
91
92
93
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. S. Paulo, Nova Cultural, 1995, vol. 3, p.613.
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. S. Paulo, Nova Fronteira, 1982, p. 227.
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. S. Paulo, Nova Fronteira, 1982, p. 270.
188
Colubrina – “tipo de canhão mais comprido que o normal, tendo mais de 25
calibres de comprimento. Originalmente era um tipo de canhão, de 20 libras
de calibre” (Castro et al., 1999: 48).
Cortina (ou muralha) – muro da fortificação.
Costado – lateral da embarcação.
Eco-batímetro – mapeia o relevo do solo marinho através do envio e captação
de pulsos sonoros.
Fortaleza – uma ou mais baterias dispostas em vários corpos de edificações
(Miranda, 1975).
Forte – uma ou mais baterias dispostas em um mesmo corpo de edificação
(Miranda, 1975).
Fortificação – qualquer edificação militar, defensiva ou de sítio (Miranda, 1975).
Lancha artilhada – embarcação pequena, rápida e bastante manobrável munida
de artilharia.
Lanchão – variação da lancha.
Leito – plataforma, de madeira ou alvenaria, sobre a qual era instalada uma
peça de artilharia com carreta.
Praça – conjunto de fortificações (Miranda, 1975).
Rancho – edificação semelhante a um galpão semi-aberto, não chegando a ser
uma casa.
Tempo de fundo – quantidade de tempo que se permanece imerso descartando
o tempo de descida e o de ascensão.
Transect – caminhamento prospectivo em linhas paralelas, eqüidistantes, sobre
um dado território.
Trincheira – fortificação efêmera.
Vento – espaço entre a bala e o tubo da alma (Castro & Andrada, 1993: 87).
189
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século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1990.

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