O REGRESSO ÀS ORIGENS DE ATENAS A ATENAS 776 A.C.

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O REGRESSO ÀS ORIGENS DE ATENAS A ATENAS 776 A.C.
O REGRESSO ÀS ORIGENS
DE ATENAS A ATENAS
776 A.C. - 2004
OLIMPISMO CLÁSSICO – OLIMPISMO MODERNO
Carlos Jaca
Diário do Minho 14 de Julho 2004
De quatro em quatro anos adquire estatuto e ganha aspectos de ressonância, a nível
mundial, o tema dos Jogos Olímpicos. Por um momento, tal como acontecia na Grécia
Antiga – em que os conflitos bélicos paravam completamente quando tinham lugar as
Olimpíadas -, outras notícias de maior importância, como guerras, catástrofes, grandes
fomes e confrontos diplomáticos, passam a segundo plano. Todos os jornais e, em geral, os
meios de comunicação de massa, fixam a sua atenção na festa desportiva por excelência, em
que nascem para a fama atletas de excepcional condição física, que confirmam o lema dos
Jogos Olímpicos: Citius, Altius, Fortius, o que quer dizer: mais rápido, mais alto, mais forte,
ao derrotar estrondosamente anteriores marcas que muitos consideravam difíceis de
ultrapassar. De quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos consagram o desafio dos seres
humanos aos seus próprios limites físicos e atléticos.
OLÍMPIA. BERÇO DOS JOGOS.
A origem dos Jogos Olímpicos apresenta-se-nos de tal forma incerta que, ainda hoje,
é muito discutida, sendo várias as teorias ou versões propostas por diferentes historiadores.
A tradição dizia-os fundados por Hércules
e honrava Pélops como o primeiro herói dessas
lides.
Embora tratando-se, fundamentalmente, de
manifestações desportivo-culturais não deixavam
de ter implicações sociais e políticas, se bem que a
sua realização se deva, acima de tudo, a razões de
ordem religiosa, já que é inegável a sua estreita
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ligação ao culto dos deuses, dos heróis e à vontade de celebrar os seus combates. De qualquer
modo, as Olimpíadas tornaram-se progressivamente uma festa do mundo grego e um factor
de união entre todas as cidades rivais, as quais, deste modo, tomavam consciência de
pertencer a uma mesma nação que falava uma só língua.
Os jogos decorriam em Olímpia, banhada pelo rio Alfeu, a noroeste do Peloponeso. O
Vale de Olímpia fora reconhecido um estado neutral, tendo sido considerado lugar sagrado,
que não podia estar exposto ao risco de guerras.
Realizados quadrienalmente, a partir do ano 776 a.C., os Jogos Olímpicos serviam de
calendário aos Gregos. Cada período de 4 anos era uma
Olimpíada.
Duravam uma semana. Oferecido um sacrifício ao
deus e feito juramento de lealdade pelos atletas (no primeiro
dia) seguiam-se as provas: no estádio, corridas a pé,
pugilato, pancrácio (misto de luta e pugilato), corrida com
armas (capacete e escudo); no hipódromo corridas de
cavalos e de carros de cavalos; de novo no estádio, o
pentatlo (cinco provas): salto, lançamento do disco, lançamento de dardo, corrida e luta.
Os Jogos destinavam-se, apenas, à minoria dos que fossem gregos livres, filhos de
ambos os pais gregos e que não trabalhassem; isto, pelo menos, no período histórico
considerado o de maior prestígio das competições.
O apogeu da festa era naturalmente a distribuição dos prémios, não pelo seu valor
intrínseco (os vencedores só recebiam uma coroa de louros), mas pela imperecível honraria a
que esse facto se ligava. Recebidos triunfalmente em toda a Grécia, os vencedores eram
considerados como grandes heróis e cumulados de honras na sua cidade: grandes poetas,
como Simónides e Píndaro cantavam a sua glória.
Para além de um estádio, Olímpia era também um lugar de culto: A missão do
santuário de Olímpia era de representar, sacralizar e manter o espírito de competição na
honra, sob todas as formas e todos os aspectos ... o espírito de competição espantava todos os
estrangeiros, incluindo o Rei dos Persas, Xerxes, que afrontara Leónidas em Termópilas e
que, surpreendido por ver os Jogos continuarem, apesar da invasão e da guerra, exclamou:
“Que espécie de homens são estes que não combatem pelo ouro, mas apenas pela glória?”
Os Jogos Olímpicos eram preparados para exercerem um papel unificador. Em
Olímpia, concorrentes, espectadores e preparadores reconheciam o seu traço comum, a
despeito da rivalidade e por vezes da hostilidade das suas cidades.
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Nas competições desportivas os antigos nunca tiveram outras ambições que as do
triunfo dos seus concorrentes. A noção de recorde era-lhes totalmente estranha. A
“performance”, que caracteriza o desporto moderno, não existia. Apenas era necessário ser o
melhor.
As competições em Olímpia não eram apenas atléticas. A vontade sempre presente,
no mundo grego, de estabelecer um equilíbrio entre o corpo e o espírito, justificam a
presença simultânea de concursos artísticos: concursos de canto, de música, de poesia e de
declamação, de filosofia, de teatro. A enorme multidão atraída de todos os lados pelos Jogos,
dava aos artistas, aos poetas, aos dramaturgos, uma
ocasião única de os tornar conhecidos. Também aí,
se impunha ser o melhor entre os bons.
Ultrapassado o período clássico, a evolução
dos Jogos, declínio e desaparecimento apresenta-nos
impressionantes analogias com a evolução dos
tempos modernos.
Muito sumariamente, refira-se a utilização dos Jogos para fins políticos, o
profissionalismo dos atletas, a preparação especializada, as irregularidades e os logros nas
competições, a multiplicação indefinida de géneros e tipos de prova e o gigantismo de tudo
quanto respeitasse aos Jogos. Esse gigantismo afectou particularmente os Jogos Gregos a
partir do período romano. Foi a consequência do domínio de uma superpotência.
Após o cristianismo ter sido adoptado como religião oficial de Roma, o Imperador
Teodósio I, de Milão, que combatera ardentemente todos os costumes pagãos, proibiu a
manifestação olímpica que, aliás, ia morrendo por si mesma.
Uma geração depois, o Imperador do mesmo nome ordena a demolição dos edifícios
sagrados da cidade de Olímpia; à destruição seguiu-se um tremor de terra e deslocação de
terrenos. Por fim, as repetidas inundações do rio Alfeu cobriram toda a região com uma
espessa camada de aluviões.
Só em 1824 o arqueólogo britânico Stanhope procederia às primeiras escavações, que
acabariam por devolver Olímpia à luz do sol e à admiração do homem moderno.
Os últimos Jogos Olímpicos da Antiguidade tinham-se realizado em 393 d.C.. Seria
preciso esperar milénio e meio para que fosse reacendida a chama de Olímpia.
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JOGOS OLÍMPICOS DA ERA MODERNA – COUBERTIN
O nome de Pierre de Frédy, mais tarde barão de Coubertin, que nasceu em Paris a 1
de Janeiro de 1863, ficará para sempre ligado ao renascimento da tradição dos Jogos
Olímpicos da Era Moderna, aos quais votou grande parte da sua vida e até a sua fortuna
pessoal.
Para compreendermos a criação dos Jogos Olímpicos Modernos, torna-se
indispensável conhecer a ideologia do seu animador e o que ele exprime dos mitos do seu e
nosso tempo.
Pierre de Coubertin, aristocrata francês, fez os seus primeiros estudos no Colégio dos
Jesuítas em Paris ingressando depois, por vontade paterna, na Academia Militar de Saint-Cir.
Porém, o jovem Pierre considerando-se já um pacifista renuncia à carreira militar a
que parecia destinado por tradição de família, acabando por vir a formar-se em Pedagogia na
Escola Politécnica.
Com efeito, a perspectiva coubertiana sobre o
desporto é essencialmente educativa, aspecto que
desenvolve
em
conferências,
vários
livros
e
numerosos artigos, propondo-se demonstrar o valor
do desporto no sistema educativo francês. Apesar do
seu excepcional poder persuasivo e dos largos
conhecimentos sociais que possuía encontrou uma
enorme resistência às suas ideias.
Pierre de Coubertin era economicamente
independente, com fortuna pessoal para viver dos
rendimentos e, portanto, possuía tempo e dinheiro para entregar-se à concretização do seu
grande sonho: o restabelecimento dos Jogos Olímpicos. Só que ... o poder e o dinheiro não
eram condição suficiente para realizar uma Olimpíada, sendo indispensável actuar com
perseverança, paciência e tolerância, qualidades que sobejamente demonstrou possuir.
Restaurar os Jogos Olímpicos foi para Coubertin uma verdadeira obsessão, que lhe
trouxe muitos cansaços, trabalheiras e incompreensões, mas que lhe deu também um renome
que, doutro modo, não alcançaria.
Coubertin estava, sem dúvida, imbuído de um enorme idealismo nele convergindo um
conjunto de interesses que estiveram na origem da sua luta de muitos anos para o Movimento
Olímpico Moderno e fazer dos Jogos Olímpicos uma das maiores manifestações culturais e
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desportivas de todos os tempos: uma aguda ambição de glória que recusara a via militar, o
seu grande patriotismo pela França que ele considerava um país que carecia de renovação
espiritual e física e o desejo de contribuir para a modificação social, vieram a cristalizar-se no
conceito do Olimpismo como movimento de fraternidade e de paz que Coubertin esperava
que viesse a modificar a própria humanidade.
Trata-se de uma perspectiva utópica e romântica, que não tomava em consideração a
realidade das sociedades e as características dos indivíduos, mas que se estruturava numa
autêntica filosofia desportiva que possui ainda hoje, inegáveis valores humanistas.
Em 25 de Novembro de 1892, no festival comemorativo do 5º aniversário da União
das Sociedades Francesas de Desportos Atléticos, Pierre de Coubertin, falando num dos
anfiteatros da Sorbonne, revelava ao mundo o sonho de fazer renascer os Jogos Olímpicos.
Demonstrando um admirável exemplo de tenacidade, dois anos depois, estimulado
pela campanha no jornal “Les Temps” de Pascal Grousset, que propunha a realização dos
Jogos Olímpicos, Coubertin percorre a Inglaterra e os Estados Unidos onde estabelece
importantes contactos e realiza uma série de conferências na intenção do restabelecimento
dos Jogos.
Os esforços do Barão de Coubertin viriam a ser recompensados com a realização do
1º Congresso Olímpico Internacional, na prestigiosa Sorbonne, entre 16 e 23 de Junho.
Reunem-se 79 representantes de 14 países e de 49 sociedades; mais 21 nações enviam
mensagens de adesão. No último dia foi aprovada por unanimidade a seguinte resolução:
“Deverão efectuar-se competições desportivas de quatro em quatro anos, continuando as
directivas dos Jogos Olímpicos Gregos, e serão convidadas todas as nações para que
participem, sem distinções de país, pessoa, cor, religião ou ideias políticas.”
Elegeu-se, nessa altura, o Comité Olímpico Internacional a quem competia assegurar
a perenidade das Olimpíadas e desenvolver as manifestações desportivas e artísticas que
caracterizavam a sua celebração. O actual C.O.I. é ainda um organismo permanente,
independente das instâncias governamentais, responsável pela
perpetuação do espírito olímpico.
Ainda no mesmo ano (1894) o poeta grego Bikelas foi
nomeado o primeiro presidente do Comité Olímpico Internacional e
Pierre de Coubertin o seu primeiro secretário-geral.
O Barão de Coubertin vence a sua primeira batalha ao
conseguir que os Jogos Modernos se realizassem pela primeira vez
na pátria do Olimpismo Clássico, mas as dificuldades pareciam
omnipresentes e para pôr de pé os Jogos Olímpicos da Era Moderna
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foi o cabo dos trabalhos!
A Grécia já então se distinguia por ser das nações mais pobres da Europa e os cofres
do Estado não suportavam os gastos exigidos por tão dispendioso acontecimento. A corte
grega patrocinou, de facto a ideia... Todavia só após uma subscrição pública, que reuniu 130
mil dracmas, houve a certeza de que se efectuariam em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos
da Era Moderna.
O dia 5 de Abril de 1896 marcou o reaparecimento dos Jogos Olímpicos. Depois de
ter cumprido 239 edições até à extinção, decretada, no ano de 393, pelo Imperador Teodósio,
o grande evento desportivo era recriado e recebia uma inovação importante: alargava as suas
fronteiras muito para além das da Grécia Antiga.
A cerimónia inaugural, a que presidiu o rei Jorge I, decorreu no Estádio Olímpico de
Atenas – reconstruído a partir do antigo Estádio Panatenaico. Oitenta mil espectadores
assistiram, em ambiente de grande festa, ao desfile de 311 atletas, entre os quais se
encontravam 230 gregos e ... nenhuma mulher e nenhum negro.
O Barão de Coubertin assistiu à cerimónia de abertura. E, ao sentir que o seu sonho de
muitos anos estava concretizado, não conteve as lágrimas. Chorou, convulsivamente, como
uma criança.
Dirigindo-se à juventude de todas as nações, Coubertin formulava o voto de que o
Olimpismo constituísse uma escola de nobreza e de energia física, destinado a tornar-se uma
das maiores manifestações pacíficas da Humanidade, uma instituição à escala planetária, sem
fronteiras. O ideal olímpico visava a fraternidade dos povos e, de quatro em quatro anos,
esquecendo mútuas acusações, os homens do mundo inteiro poderiam rivalizar lealmente e
designar os melhores.
Para Coubertin, o importante nos Jogos Olímpicos não era vencer, mas participar. O
importante na vida não seria conquistar mas lutar dignamente; a tónica dominante da sua
mensagem residia fundamentalmente na convicção de que ao desporto não devia
exigir-se-lhe apenas benefícios de ordem física, mas também intelectual, moral e social.
O Barão de Coubertin no seu apelo, lançado durante a cerimónia da inauguração dos
Jogos da I Olimpíada dos tempos modernos, argumentava o carácter internacional dos Jogos
Olímpicos da época contemporânea; o futuro emblema olímpico cujo motivo são cinco anéis
entrelaçados entre si, simbolizam a união de todos os países dos cinco continentes. Da
esquerda para a direita os anéis têm as seguintes cores: azul, da Europa; amarelo, da Ásia;
negro, de África; verde, da Oceânia; e o vermelho, da América. A divisa são três palavras em
latim, que condensam os anseios e ideais de todos os desportistas que tomam parte nestas
competições: Citius, Altius, Fortius (mais rápido, mais alto, mais forte).
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A Coubertin, apesar de excessos e erros que envolveram algumas das suas
concepções (por exemplo era frontalmente contra a participação das mulheres nos Jogos) não
pode deixar de lhe ser reconhecida a força constante e o valor genial de ter elaborado a
perspectiva humanística que manteve o Ideal Olímpico, pacífico, rico em valores culturais
num mundo conturbado e que sofreu uma grande transformação, enquanto os Jogos
Olímpicos se foram realizando somente com algumas interrupções provocadas pelas duas
Grandes Guerras.
Pierre de Coubertin veio a falecer em Genebra no ano de 1937, mas o seu corpo jaz
em Lausanne, onde o Comité Olímpico Internacional tem a sua sede. Por seu expresso
desejo, o coração foi colocado numa urna de bronze e transladado para a cidade de Olímpia,
que tanto significado tivera na vida do fundador dos Modernos Jogos Olímpicos, onde se
encontra num monumento especialmente erguido para o efeito em pleno Bosque Sagrado.
JOGOS OLÍMPICOS E JOGO DE INTERESSES.
Na perspectiva de Coubertin os Jogos Olímpicos Modernos podiam estabelecer no
mundo um clima de paz e compreensão entre os homens. E mais: fazer ressaltar as virtudes
do “fair play” promovendo o desenvolvimento integral do espírito e do corpo entre uma
juventude universalmente fraterna.
À época em que os Jogos Modernos foram restaurados, o desporto olímpico era tido
principalmente como um passatempo extrínseco; o desporto era praticado, mesmo em alta
competição, unicamente por amor ao desporto.
Actualmente a participação deixou de ser um simples passatempo, passando a
envolver uma proposta séria não só para os atletas mas também para os Estados, os negócios
e os média.
Factores vários explicam o motivo que levou uma
instituição, como as Olimpíadas, a ser dirigida por outras
orientações.
Sem dúvida, Coubertin não ficaria nada satisfeito se
pudesse observar alguns aspectos de que se revestem hoje as
Olimpíadas.
Progressivamente
foi-se
registando
um
certo
abrandamento na rigidez das normas e desrespeito pelo
regulamento olímpico, não sendo raros os casos em que o
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amadorismo cedeu lugar a um profissionalismo disfarçado – ou descarado?
Na verdade, toda a louvável ideia de juntar os maiores atletas do Mundo numa
competição à escala planetária, em que participariam pelo simples prazer de participar e em
que as medalhas não seriam um fim em si mas apenas um prémio a marcar a superioridade
momentânea, foi ficando pelo caminho todos os quatro anos. À vontade de vencer e à entrega
dos atletas foram-se juntando interesses da mais variada ordem, desde os comerciais aos
políticos.
Como consequência das consequências que os Jogos podem ter, tem a festa sido
algumas vezes manchada com histórias em que grandes figuras do Desporto, atletas e
dirigentes, protagonizam episódios que são a completa negação dos ideais com que o Barão
de Coubertin repescou da Antiguidade o maior acontecimento desportivo de sempre.
A alienação do atleta que faz batota usando substâncias que falseiam a verdade das
suas capacidades naturais, ou a entrega dos dirigentes à ambição de alguns cifrões ou outras
mordomias a troco de um voto ou de uma influência, não têm sido infelizmente casos-virgem
no mundo olímpico.
O espírito coubertiano dos Jogos, em que o mais importante não era vencer mas
participar foi-se diluindo, sendo inegável que as grandes potências, desde há muito, utilizam
as Olimpíadas em benefício da sua própria política. Com efeito, a regra n.º 7, determinando
que os Jogos são competições entre indivíduos e não entre nações é frequentemente
infringida. Deste modo, o espírito olímpico não tem sido respeitado, porquanto já não é o
atleta individual que entra realmente em competição com os outros concorrentes, mas sim a
nação à qual ele pertence que se opõe aos outros países numa luta de prestígio. Os Jogos
Olímpicos tornam-se o campo fechado no qual se enfrentam propagandas. Desta forma um
nacionalismo exacerbado substitui o patriotismo legítimo; assim patenteiam-se pretensões ao
afirmar-se, pelo palmarés dos Jogos, a superioridade de certos regimes políticos sobre outros.
Quando Pierre Coubertin restabeleceu as Olimpíadas, previu os estados-nações do seu
tempo em comparação com as cidades da Grécia Antiga e, de maneira idealística, supôs que
os estados do mundo moderno poderiam parar com as hostilidades para a paz olímpica, como
o faziam os Estados Antigos. Embora ele fosse bem realista quando procurou a protecção dos
monarcas e dos estados soberanos para o novo movimento, não foi capaz de ver o inverso, ou
seja, a utilização para finalidades nacionalistas. A sua fé no poder do movimento olímpico e
a sua confiança na benevolência dos governos para respeitar e observar os ideais olímpicos
verificaram-se serem demasiado optimistas.
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Efectivamente, a própria história do olimpismo moderno tem evidenciado ser
absolutamente utópico aceitar que os Jogos se podem manter alheados do contexto político
internacional.
Para além do aspecto puramente desportivo, a organização e todo o sistema olímpico,
oferecem às autoridades políticas uma oportunidade extraordinária no sentido da utilização
efectiva das Olimpíadas.
Contrariando os ideais do movimento olímpico, o sistema está organizado de modo a
situar-se numa posição dependente da ordem política do mundo. Repare-se que os comités
nacionais olímpicos e até o próprio Comité Olímpico Internacional movimentam-se num
quadro de semi-autonomia, devendo sempre tomar em conta a sua dependência de forças
políticas externas.
Constituindo os Jogos um instrumento nas mãos daqueles que dominam o Poder, o
nacionalismo nunca poderia ter sido uma coisa estranha nas Olimpíadas, já que os países do
mundo interpretam a participação nos Jogos como uma oportunidade de exprimir os
sentimentos nacionais e a identificação nacional.
Os ideais dos Jogos não foram rejeitados, mas foram traduzidos numa língua de
utilização prática totalmente diferente. Os Jogos foram utilizados não tanto para o “fair play”
internacional, mas mais para o interesse e o orgulho nacional.
Uma vez que os êxitos olímpicos têm uma importância especial na propaganda das
grandes potências e na luta ideológica entre elas, não será de estranhar que , não poucas
vezes, o desenvolvimento e agudização de um clima racista e chauvinista tenham provocado
separações de homens e nações.
O internacionalismo tão do agrado de Pierre de Coubertin é posto em causa pelas
exclusividades, as segregações e as ameaças de cisão de toda a espécie.
O aproveitamento político do desporto olímpico não foi a única realidade externa que
levou o movimento a desviar-se dos objectivos iniciais. A intromissão do comercialismo é
um facto.
Até aos primeiros anos da década de 50, o problema económico era acerca do
amadorismo “versus” profissionalismo; a maior controvérsia respeitava à perca de lucros e
do subsídio quotidiano para compensar o tempo perdido.
A partir de Melburne (1956), quando a tecnologia dos “mass media” moderna, com a
televisão entra nas Olimpíadas a situação modifica-se radicalmente; os Jogos passam a
oferecer uma oportunidade fascinante para serem utilizados não só para fins governamentais,
mas também para fins comerciais. E em segundo, os lucros da venda dos direitos de
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televisão, aumentando vertiginosamente, deram ao próprio movimento olímpico uma
oportunidade cheia de promessas para fazer dos Jogos um acontecimento bastante lucrativo.
Hoje em dia as mais importantes competições dos Jogos deixaram de ser desportivas,
tornaram-se financeiras, comerciais e publicitárias. Milhares de firmas de todo o género,
desde empresas de betão armado, fabricantes de cronómetros, companhias de electrónica,
cadeias de televisão, passando pelas indústrias de solas de borracha dos sapatos de desporto,
estão na mira dos lucros e da publicidade que podem fazer, graças aos Jogos que cada vez
mais se confundem com a feira comercial, de que se tornaram pretexto.
Sob o ponto de vista do movimento olímpico a situação não deixa de ser
problemática; todavia o envolvimento do desporto em operações comerciais, confere-lhe
vantagens que muito contribuem para ajudar a suportar o custo cada vez mais elevado do
espectáculo olímpico. Por conseguinte, o movimento ter-se-á visto forçado a fechar os olhos
sobre a ideologia olímpica, nomeadamente o amadorismo.
Os próprios atletas não estão isentos de responsabilidade, porquanto alguns deles, em
conivência com outros intervenientes, aceitam técnicas, métodos e produtos químicos dos
mais modernos como anabolisantes, dopantes e hormonas utilizados para “fabricar”
campeões, o que mais tarde, poderá levá-los à destruição física e mental.
Concluindo este capítulo, Jogos Olímpicos e jogo de interesses, pode dizer-se que o
movimento olímpico provou ser muito ineficaz quando tentava implantar uma ideologia dum
mundo mais pacífico num padrão internacional das condições humanas. Depois não só foi
ineficaz mas também um tanto elástico quando compromete os seus próprios ideais como o
amadorismo, a competição entre os indivíduos, direitos de participação iguais e até o “fair
play”. E ainda, além de tudo, foi forçado a satisfazer objectivos de forças externas. O papel
da política internacional ao utilizar os Jogos tem sido especialmente característico do que tem
acontecido e que comodamente e sem riscos – constituem um instrumento nas mãos daqueles
que estão no Poder.
Obviamente, apenas poderei referir alguns casos que me parecem mais significativos
como prova da má utilização das Olimpíadas.
BERLIM – 1936
Os Jogos Olímpicos de 1936 não podem ser dissociados do nazismo.
Adolfo Hitler aproveitou o facto de o mundo ter os olhos colocados em Berlim para
demonstrar a força da raça ariana.
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Pouco tempo depois de ter ascendido ao poder, o Fuhrer festejou a escolha de Berlim
como cidade-sede dos Jogos de 1936. E sobraram-lhe motivos para o fazer. Entre outras
razões, a grande manifestação desportiva mundial era a montra ideal para a Alemanha exibir
ao mundo o seu poder.
O homem-forte do nazismo não poupou esforços – e muito menos dinheiro – para
rentabilizar a passagem do mundo olímpico por Berlim. Hitler disponibilizou um orçamento
praticamente ilimitado, não apenas para acautelar os aspectos organizativos, como, também,
para fomentar a preparação dos seus atletas.
Apesar das medidas discriminatórias em relação aos judeus, o Comité Olímpico
Internacional não deixara de atribuir à Alemanha a organização dos Jogos.
No Congresso do C.O.I., o prestigioso Dr. Theodor Lewald, representante da
delegação alemã, e com o assentimento do Reich, declarou que por ocasião da XI Olimpíada
seriam observadas em Berlim todas as prescrições olímpicas e que, em princípio, os judeus
alemães não seriam excluídos da equipa alemã. Acontece que o primeiro a ser excluído foi o
próprio Dr. Lewald (Presidente do Comité Olímpico Alemão), quando alguém descobriu nele
uma vaga ascendência judaica. E mais... em Setembro de 1935, Hitler proclamou as
chamadas Leis de Nuremberga que retiraram aos judeus, a título definitivo, a cidadania
alemã.
Entre 1932 e 1933 abandonava a Conferência de Desarmamento, em Genebra, e a
Sociedade das Nações. De facto, só um distraído ou pateta poderia esperar dos Jogos
apadrinhados por Hitler, o espaço ideal para o desenvolvimento das relações cordiais entre os
homens e as nações. Demais, os alemães, cegos pela propaganda e pelo fanatismo político,
esperavam que as competições olímpicas consagrassem os métodos e a doutrina nazis... o
Fuhrer pretendia era instrumentalizar os Jogos ao serviço da sua ideologia expansionista e
racista.
A 2 de Julho foram declarados abertos os Jogos pelo próprio Hitler, rodeado pela sua
“entourage”, Goebbles, Goering, Hess, Blomberg, figuras sinistras do regime.
Do ponto de vista estritamente desportivo a Alemanha nazi conseguiu suplantar os
habituais vencedores dos Jogos: os Estados Unidos. A Itália fascista alcançou mais medalhas
que a França e o Japão superou largamente a Grã-Bretanha – quer isto dizer que o “Eixo”
triunfa no estádio.
Apesar disso, Hitler sofreu meia-derrota, pois a grande figura da competição não foi
um homem alto e louro. Nem sequer foi baixo e moreno. Foi um negro...
Jesse Owens, descendente de escravos, natural de Cleveland-Ohio, “um negro de
sorriso permanente”, que tentou, e conseguiu, um êxito na verdade extraordinário: o de haver
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conquistado quatro medalhas de ouro, no atletismo. Três delas individuais, nos 100 metros,
nos 200 e no salto em comprimento; e uma colectiva, na estafeta dos 4 x 100 metros.
O Fuhrer, não escondendo o seu ódio, abandona a tribuna e delega nos membros do
Comité Olímpico a entrega das medalhas, porquanto se recusaria a cumprimentar qualquer
negro. E, para seu desespero, das 12 provas de atletismo ganhas pelos americanos, 9 foram
vencidas por negros.
Portugal conquistou uma medalha de bronze, na prova hípica de obstáculos,
denominada Prémio das Nações.
Três anos depois, a 1 de Setembro de 1939, os exércitos alemães cruzavam a fronteira
polonesa iniciando a 2ª Guerra Mundial.
Tal como aconteceu durante a 1ª Guerra, os Jogos não se realizaram durante a
Segunda, nem em 1940 nem em 1944, voltando a efectuar-se em Londres em 1948.
MUNIQUE – 1972
Para fazer dos 17ºs Jogos Olímpicos da 20ª Olimpíada um êxito perfeito a R.F.A.
despendeu globalmente cerca de 1972 milhões de marcos.
Tratava-se então, sob este aspecto de fazer esquecer a imagem dos Jogos de Berlim
(1936) e dar à Alemanha moderna uma imagem mais favorável.
Trinta e seis anos depois, e de novo em território alemão, a lembrança destes Jogos
não deixou de ficar tristemente assinalada.
Os Jogos Olímpicos de Munique serão, de todos os do pós-guerra, aqueles que ficarão
na História devido a um acontecimento que nada teve a ver com feitos desportivos. A política
mais uma vez interveio nos Jogos pela negativa. Em causa, a situação do Médio Oriente, e
mais propriamente, as terras da Palestina.
Uma primeira “nódoa” registou-se quando o Comité Olímpico Internacional decidiu
proibir a participação dos 47 atletas da Rodésia (dos quais oito negros) numa altura em que já
haviam assistido ao tradicional hastear da bandeira de todos os países concorrentes.
Porém o incidente mais dramático de todo o historial olímpico iria ter o seu início na
madrugada do dia 5 de Setembro, quando onze israelitas instalados no pavilhão 31 da aldeia
olímpica foram sequestrados por um comando palestiniano pertencente à Organização
denominada de “Setembro Negro”. Tratava-se de um ramo da organização Al-Fatah, que
exigia a libertação de 17 prisioneiros palestinianos encarcerados em prisões de Israel.
Após diversas negociações, com a participação do próprio chanceler alemão Willy
Brandt, e que ainda hoje não se encontram perfeitamente esclarecidas, simula-se a partida
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dos 19 homens (8 árabes e 11 reféns) dois deles já mortos no n.º 31 da Connolystrasse) para o
Cairo. Entretanto, preparava-se a emboscada no aeroporto militar de Furstenfeldbruck a
cargo de polícias e atiradores especiais alemães.
Na placa do aeroporto encontrava-se, efectivamente, um “Boeing 727”, que deveria
servir para a fuga. Dois dos palestinianos saíram de um dos helicópteros, para verificar o
avião e, imediatamente, começou o tiroteio.
Na tentativa de libertar os reféns, foram provocadas mais 15 mortes. As dos nove
reféns, de 5 terroristas e um agente da polícia alemã.
Suspensos por um dia, os Jogos prosseguiram, pois foi esse o desejo manifestado pela
maioria das delegações, até pela israelita, que se retirou, no entanto, da competição, por
respeito à memória dos atletas assassinados. A Noruega, a Holanda e as Filipinas também
abandonaram Munique.
Nesta edição dos Jogos Olímpicos, a presença portuguesa foi muito discreta; Carlos
Lopes e Fernando Mamede também estiveram presentes, mas ambos foram eliminados nas
séries de 10.000 e 800 metros, respectivamente.
Nos Jogos seguintes Carlos Lopes brilharia a grande altura.
MOSCOVO – 1980
Mais uma vez e não seria a última, os Jogos Olímpicos estiveram sob o signo da
politização.
Em Dezembro de 1979, numa altura em que Moscovo se preparava para receber a
maior competição desportiva internacional, as tropas soviéticas entraram no Afeganistão,
irritando um Mundo ocidental que liderado por Jimmy Carter decreta o boicote americano
aos Jogos Olímpicos de Moscovo aconselhando tácita ou explicitamente, a mesma posição
aos países considerados amigos, pretendendo desviar a atenção internacional para questões
de natureza política.
Apesar de terem sido boicotados por um número elevado de países, os Jogos
Olímpicos de 1980, realizados em Moscovo, constituíram um êxito, tanto no aspecto
organizativo como na vertente desportiva.
O Governo Português, identificando-se com a posição dos Estados Unidos, declarou
que a equipa portuguesa não deveria viajar até Moscovo. Porém, julgo que hipocritamente, o
nosso governo deixaria ao Comité Olímpico a decisão.
A opção não recaiu sobre o boicote, mas o Estado não suportou os custos inerentes à
presença em Moscovo e os atletas nacionais sofreram pressões... para ficarem em casa.
Carlos Jaca
13
A ameaça pairou no ar: quem fosse a Moscovo ficaria sem o subsídio que na altura, já
era atribuído a atletas de alta competição; quem por cá permanecesse, poderia usufruir de
“benesses”, como por exemplo, receber dinheiro para participar em “meetings”
internacionais.
Fernando Mamede e Carlos Lopes ficaram em Lisboa. O primeiro teve medo de
represálias, enquanto o segundo foi traído por uma lesão. Tal como as duas grandes vedetas
do atletismo português, outros desportistas nacionais faltaram à chamada olímpica.
Assim, os Jogos de Moscovo registaram a participação de apenas 11 atletas lusitanos,
que competiram em seis modalidades diferentes e não alcançaram resultados de relevo.
LOS ANGELES – 1984
Como já o haviam sido em 1932, Los Angeles, na Califórnia, foram palco de mais
uma edição dos Jogos Olímpicos. Jogos que não foram os da reconciliação como seria desejo
da grande maioria dos desportistas.
Os países comunistas boicotaram a competição californiana e, assim, escreveram mais
um capítulo da Guerra Fria, que, em grande parte da segunda metade do século, dividiu o
planeta em dois.
Desta vez, questões de segurança e de natureza financeira foram as razões invocadas
pelos países do bloco socialista que ditaram o boicote à 23ª Olimpíada.
A indisponibilidade da União Soviética para competir em Los Angeles foi,
essencialmente, um acto de retaliação ao boicote decretado pelos Estados Unidos à edição
dos Jogos Olímpicos realizada, quatro anos antes, em Moscovo.
Pela terceira vez consecutiva (os africanos, recorde-se, boicotaram Montreal – 76),
um grupo de países utilizava os Jogos Olímpicos – e logo pelo lado negativo – para defender
interesses extradesportivos.
Releve-se a presença da República Socialista da Roménia que, embora fazendo parte
dos países de Leste, membro do Pacto de Varsóvia e do Comecon, enviou a Los Angeles uma
equipa de 127 atletas.
A maioria dos países africanos e asiáticos, que se tinham recusado a aceitar os
argumentos persuasivos, resistiram igualmente à pressão de Moscovo no sentido de aderirem
ao boicote. Foi a vez de os russos ficarem isolados.
Carlos Jaca
14
Além disso, os Jogos de Los Angeles constituíram uma demonstração dos resultados
do sistema empresarial americano. Ao provar que os Jogos Olímpicos podiam gerar receitas
importantes, Los Angeles deu muita força ao Movimento Olímpico. Os países recomeçaram
a disputar o privilégio de acolher os Jogos no seu território.
Porém, essa vitória, tal como a derrota ideológica infligida pelo Ocidente ao
comunismo, encerrava em si mesma o germe de uma nova ameaça aos Jogos: o
comercialismo, a cobiça, o império do rei dólar.
Denominados de Jogos da electrónica, os direitos televisivos
foram concedidos por uma soma astronómica à cadeia comercial ABC,
que viria a manifestar descarada parcialidade e “caseirismo” nas suas
transmissões. Até os próprios trajectos da “Chama Olímpica” seriam
comercializados, contrariando as regras do
protocolo olímpico. Curiosamente, a “Chama
Olímpica” entraria no Memorial Coliseum
pela mão de Gina Menphil, neta do “tal”, Jesse Owens, que em
Berlim na Olimpíada de 1936, ao conquistar 4 medalhas de ouro,
cravara uma espinha na garganta de Adolfo Hitler.
Em Los
Angeles
a
participação
portuguesa
pode
considerar-se a mais notável de sempre, três atletas iriam subir ao
pódio: Carlos Lopes (Medalha de Ouro, obtém a melhor marca
conseguida até então 2h, 09’ 25’’), Rosa Mota (Medalha de Bronze
na Maratona feminina), Rosa de...”ouro”, quatro anos depois nos Jogos de Seoul e António
Leitão (Medalha de Bronze nos 5 000 metros).
ATLANTA – 1996
Doze anos depois, os Estados Unidos voltaram a receber a família olímpica, à boa
maneira americana. Com espectáculo, chauvinismo, grandes figuras, resultados notáveis e
alegria, e ainda, um novo acontecimento que marcou pela negativa os Jogos, a deflagração de
uma bomba no coração da cidade olímpica voltando a chamar as atenções do mundo.
Realizados entre 20 de Julho (cerimónia de abertura a 19) e 4 de Agosto, os Jogos
Olímpicos de Atlanta, denominados de Jogos do Centenário, representaram em termos de
investimento económico um esforço financeiro de 400 milhões de dólares só para a
construção da cidade olímpica.
Carlos Jaca
15
Participaram cerca de 10.000 atletas entre os quais 3.700 mulheres, representando à
volta de 200 países, 5.000 treinadores e delegados de equipa, 2.500 membros da Família
Olímpica e VIP, e ainda 15.000 representantes dos meios de comunicação acreditados.
Cerca de seis meses antes realizara-se em Lisboa a cerimónia de lançamento das
moedas comemorativas dos Jogos de Atlanta; presentes várias individualidades entre as quais
a embaixatriz dos Estados Unidos, Elisabeth Bagley e Rosa
Mota. Foram apresentados 16 exemplares de ouro, prata e
cuproníquel, constituindo esta colecção a maior série de
moedas alguma vez produzida nos E.U. A., prevendo-se a sua
circulação em mais de 40 países distribuídos pelos cinco
continentes. Estas moedas também assumiram valor de
particular relevância para o movimento olímpico português.
Com efeito, cerca de três por cento da verba pelas vendas
realizadas no nosso país, seriam transferidos para o Comité
Olímpico Português, com vista a apoiar o treino dos atletas que
iriam a Atlanta.
Bill Payne, Presidente do Comité Olímpico de Atlanta,
garantia não ter dúvidas de sucesso, prometendo os maiores e melhores jogos de sempre. A
seis meses do seu início já não havia bilhetes à venda, cadeias de televisão pagaram milhões
de dólares pelos direitos de transmissão e companhias multinacionais pagaram outras
dezenas de milhões de dólares para serem patrocinadoras dos Jogos. O que chega para fazer
torcer o nariz aos puristas dos Jogos Olímpicos, que não gostaram da ideia de ver os
hamburguers Mc Donalds serem vendidos como hamburguers oficiais das Olimpíadas.
Apesar dos defeitos, gigantismo e todas as controvérsias, os Jogos Olímpicos podem
considerar-se, indiscutivelmente, um espectáculo único no Mundo.
Só que... mais uma vez a festa foi manchada.
Embora fosse quase inimaginável que Atlanta se tornasse como Munique, as
autoridades pensavam ter feito tudo o que podiam para garantir que estes seriam os Jogos
Olímpicos mais seguros da História. Mesmo antes da explosão do voo 800 da TWA, a Casa
Branca estava bem consciente de que os Jogos constituiriam um enorme e convidativo alvo
terrorista, e o vice-presidente Al-Gore passou pessoalmente em revista todas as medidas de
segurança tomadas em Atlanta.
O certo é que na madrugada de Sábado, 27 de Julho, uma bomba de fabrico caseiro
explodiu no Parque do Centenário Olímpico de Atlanta. Resultado: Alice Hawthorne, 44
anos, residente em Albany, Georgia, morreu no atentado; Melih Uzunyol, um operador de
Carlos Jaca
16
câmara turco de 37 anos, faleceu de ataque cardíaco quando corria para o parque a fim de
cobrir a notícia; e 111 pessoas ficaram feridas, a maioria por estilhaços que voaram até à
distância de cem metros do local da explosão.
Enfim, os terroristas conseguiram o que queriam, os Jogos voltaram a ser sangrentos.
Terrorismo interno ou conspiração internacional? Trata-se de uma questão que até
hoje não encontrou resposta.
Quanto à participação portuguesa, e numa análise feita a frio, tem de se dizer que o
saldo foi positivo. Além das sempre importantes medalhas – o ouro de Fernanda Ribeiro, nos
10 mil metros, do Atletismo, e o bronze, de Hugo Rocha – Nuno Barreto, na classe 470 da
Vela –, há que assinalar toda uma série de resultados de plano médio, que, quando olhados
com atenção, levam a concluir que Atlanta, 96 (mesmo sem igualar as três medalhas de Los
Angeles, 84) proporcionou aos portugueses o melhor somatório de sempre.
Sidney 2000
A Austrália, potência económica do
Pacífico, e Sidney, uma cidade do hemisfério
sul que quer ser o símbolo de uma ordem
mundial mais descentralizada e de qualidade
de vida urbana tinha os olhos do mundo sobre
si.
A grande invasão começou duas
semanas antes de a chama olímpica iluminar a
noite de Homebush Bay, a zona de 760
hectares nos subúrbios da cidade onde se
localiza o coração dos Jogos. Mas só nos
últimos dias se começou a perceber a
dimensão de uma vaga humana que incluía
mais de 30.000 pessoas acreditadas na
organização. Eram 11.000 atletas, 5.000
oficiais e acompanhantes, 15.000 jornalistas e
técnicos ligados à informação, sem falar nos visitantes que se deslocaram a este canto do
mundo para seguirem de perto as proezas desportivas dos melhores atletas do planeta e
viverem o ambiente único de uma cidade olímpica.
O Estádio Austrália, designação oficial daquele que ficará para sempre conhecido
como estádio olímpico de Sidney, é uma obra de arte de concepção arquitectónica.
Carlos Jaca
17
Concluído em 1996, após dois anos e cinco meses de edificação, é o maior entre
todos os seus pares que acolheram Jogos Olímpicos e custou 690 milhões de dólares
australianos (cerca de 89,7 milhões de contos).
A cerimónia de abertura já é uma instituição olímpica. De 4 em 4 anos, os
organizadores dos Jogos gastam milhões para suplantar em espectacularidade a edição
anterior.
A organização australiana, apesar da confidencialidade com que blindou os
preparativos da festa, tinha há muito deixado perceber que pretendia surpreender tudo e todos
com a abertura da sua Olimpíada.
De facto um grande espectáculo de luz e cor iria marcar a sessão de abertura dos
Jogos Olímpicos – Sidney 2000.
O cenário era de luxo, deslumbrante, de sonho.
Milhares de pessoas assistiram e participaram vendo dançar aborígenes, números a
cavalo, orquestras em actuação, fogo de artifício. Viu-se arrojo, inovação, alta tecnologia e
efeitos especiais combinados em perfeita harmonia.
A festa iria constituir também um momento televisivo de inigualável beleza, que
poderia ser visto em todo o mundo.
A menos de um mês das Olimpíadas, já existia uma certeza: estes seriam os Jogos
mais (tele) vistos da história, prevendo-se 3.700 milhões de espectadores, ou seja mais 700
milhões do que em Atlanta.
Diga-se, a propósito, que várias multinacionais, em particular, cadeias de televisão,
investiram milhões de dólares para comprarem os direitos de associação comercial ao maior
espectáculo desportivo do mundo. Os números impressionam.
Estes Jogos de Sidney também quiseram ficar na história como um símbolo que
ultrapassou difíceis barreiras políticas e sociais, internas e externas.
Pela primeira vez, a Austrália assumiu perante o mundo uma imagem de
reconciliação com a sua própria ancestralidade. Prova disso foi a escolha deliberada de
aborígenes como figuras centrais em toda a cerimónia, com destaque especial para Cathy
Freeman. A recordista mundial, campeã olímpica dos 400 metros, acabou por ter mais uma
tarde de glória ao fazer o último percurso com o facho olímpico e acender a pira na apoteose
final da cerimónia.
Nem todos estavam de acordo, devido à polémica em que Cathy se envolvera pouco
antes com o Comité Olímpico australiano, ao proclamar que daria uma volta ao estádio com a
bandeira aborígene caso ganhasse a medalha de ouro.
Carlos Jaca
18
As regras do C.O.I. não permitem manifestações de índole política, mas o comité
australiano mudou de opinião e decidiu que a não sancionaria caso ela cumprisse mesmo a
promessa. E cumpriu. Cathy fez mais 400 metros de consagração, depois de ter tirado os
sapatos. Ficou descalça, e muita gente notou que isso não seria senão uma homenagem ao
povo aborígene, o seu povo. Correu para a bancada e recolheu duas bandeiras, a australiana e
a aborígene. Apoteótico. Cathy tornou-se símbolo da nova cultura australiana, devido às suas
raízes aborígenes e ao desejo da Austrália de ficar de bem com a sua história. A vitória de
Cathy nos 400 metros, foi a vitória desportiva mas também política e social da nova
Austrália.
Conquanto os Jogos de Sidney ficassem assinalados por duas semanas de uma
concepção festiva do desporto como em nenhum lado se viu, o “doping” não deixou de ser
uma presença incontornável nos últimos Jogos do milénio.
Nunca uns Jogos Olímpicos foram tão punitivos. Medalhas foram retiradas e atletas
foram desclassificados por acusarem substâncias proibidas.
Para garantir que Sidney fosse o palco dos melhores Jogos de sempre, a organização
deixou bem clara a sua intenção de lutar contra o “doping”. Foram desenvolvidos novos
processos para a despistagem da eritropoietina (EPO); o controlo nas alfândegas foi mais
apertado que nunca e várias foram as apreensões de substâncias proibidas. Ficaram também
famosos os raides-surpresa aos aposentos das comitivas, que também resultaram em
apreensões.
Durante os Jogos foram efectuados cerca de 3600 testes – mais do que em qualquer
outra edição – que, de acordo com os números oficiais, tiveram menos de 0,5 por cento de
resultados positivos, correspondentes a nove atletas dopados durante as provas. E será esta
uma das razões apontadas pelos responsáveis para que, por exemplo, não tenham sido
estabelecidos recordes do mundo no atletismo – algo que já não se verificava desde Londres
1948.
As medidas restritivas começaram logo a fazer baixas. Antes de os Jogos começarem,
o Comité Olímpico Chinês expulsou 27 atletas da sua comitiva, a maioria dos quais da
equipa de natação e atletismo.
A ginasta romena Andrea Raducan perdeu a sua medalha de ouro porque o teste
efectuado após a competição acusou a presença do estimulante pseudo-efedrina, um produto
incluído na composição de um medicamento que a atleta tomou para tratar uma gripe e que é
proibido pelo C.O.I.. Aqui parece ter havido alguma negligência ou irresponsabilidade do
médico que receitou o comprimido errado.
Carlos Jaca
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De qualquer modo Andrea foi o exemplo utilizado nos Jogos de Sidney para mostrar
que o juramento olímpico feito pelos atletas, onde se comprometem a não fazer batota, era
mesmo para cumprir.
A missão portuguesa aos Jogos de Sidney regressou com duas medalhas de bronze e
outros tantos recordes no bornal. O pecúlio é magro tendo em conta as expectativas com que
partiu.
Efectivamente, a verdade é que até ao início da competição foram escassas as críticas
e instalou-se a convicção de que tudo tinha sido feito com tal rigor, que os resultados seriam,
obrigatoriamente, melhores do que os de Atlanta. Porém, não o foram.
Fernanda Ribeiro (10 mil metros) e Nuno Delgado (judo) foram os melhores,
arrebatando a medalha de bronze. Só que estes casos não apagam as desilusões
protagonizadas por aqueles de quem mais se esperava.
De facto, a última campanha olímpica do milénio pode ter desagradado a muitos
portugueses mas, pelo menos, fez ressaltar um pormenor digno de registo: Armando Vara, o
então titular da pasta do Desporto, assumiu sem tibiezas estar disposto a avançar com uma
candidatura de Portugal aos Jogos de 2012.
Concluindo:
Podemos afirmar que a Austrália foi a grande vencedora dos Jogos Olímpicos do ano
2000. Um povo verdadeiramente extraordinário num país que ainda se sente ser futuro.
Todos os recintos estiveram cheios, foram batidos todos os recordes de venda de bilhetes
(mais de 90 por cento) e tornou-se evidente que é difícil encontrar um povo com uma cultura
desportiva assim. Entusiasmo transbordante em relação aos seus atletas e um respeito digno e
raro pelos campeões dos outros países. Simplesmente notável.
Atenas – 2004
“O Desporto é, aliás, a contradição da guerra, o
verso desse reverso humano que é a morte em batalha
e, por isso, o Desporto assume desde tempos
imemoriais, a sua condição de inquestionável parceiro
da paz”. (Vítor Serpa – “A Bola” 20/3/2003)
Os Jogos Olímpicos voltam ao berço. Em termos simbólicos, significa o regresso aos
fundamentos do espírito olímpico. Mas também aos fundamentos da civilização ocidental, o
que poderá tornar a capital grega no alvo do terrorismo fundamentalista.
Carlos Jaca
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Na Grécia Antiga, como já referi, paravam as guerras para que os homens,
confraternizassem nos Jogos Olímpicos, hoje, infelizmente, o Desporto não tem tal poder e é
ele que pára, para que os homens se guerreiem.
Pelo menos no nosso país, talvez por via do Euro-2004, as pessoas parecem
esquecidas dos Jogos Olímpicos de Atenas que, no momento em que faço a abordagem
possível, estão à distância de pouco mais de sessenta dias.
De 13 a 29 de Agosto a capital da Grécia recebe o maior evento desportivo mundial –
os Jogos Olímpicos representam, sem dúvida, a maior e mais variada manifestação
desportiva, é um planeta inteiro que neles está exaltado.
História e tradição são os trunfos que Atenas irá jogar na tentativa de tornar
memorável mais uma edição dos Jogos Olímpicos. Durante duas semanas a capital grega
prepara-se para ser o centro do mundo, ela que viu nascer os Jogos – em 776 a.C. – e foi
berço dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896. Em Setembro de 1997, a
capital helénica soube que fora escolhida pelo Comité Olímpico Internacional (C.O.I.) para
albergar a 28ª edição dos Jogos.
Desde então, deitou mãos à obra, mas, passados quase sete anos, os problemas
tendem a não ter fim. Derrapagens orçamentais, obras
que parecem intermináveis e falta de camas para albergar
os visitantes levam os mais cépticos a acreditar que
Atenas não estará à altura do acontecimento.
Atenas tem, ainda, um longo caminho a percorrer
quando faltam pouco mais de dois meses para o início
dos Jogos Olímpicos. Mas, há quem acredite que esse difícil caminho conduzirá ao sucesso.
Pelo menos Gianna Angelopoulos – Daskalaki, presidente do Comité Organizador dos Jogos,
garante que os espectadores descobrirão uma nova Grécia e os Jogos Olímpicos serão uma
festa única da história antiga, da Grécia Moderna e do desporto mundial. Esta ideia é
corroborada, em parte, por Jacques Rogge, presidente do Comité Olímpico Internacional
(C.O.I.), que não deixa de avisar para a necessidade de cumprir todos os prazos estipulados.
Em Fevereiro do ano corrente, afirmava: “Atenas progrediu muito nos últimos dez meses. É
realmente impressionante constatar a forma como as obras têm evoluído. Contudo, é preciso
não esquecer que existem prazos para cumprir que, em alguns casos, são muito apertados
mas penso que não existem motivos para alarme”.
Efectivamente, para que tudo corra na perfeição, trabalha-se dia e noite a fim de que
Atenas esteja à altura do enorme desafio. Porém, ainda há muito que fazer, e as dores de
cabeça aumentam a cada dia que passa.
Carlos Jaca
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A tão pouco tempo do início dos Jogos, o que deveria ser uma longa maratona está
transformada num louco “sprint” de construção civil. A preocupação da comunidade
olímpica está nos limites, mas os gregos continuam a sublinhar que Atenas está pronta a
tempo e horas e que os Jogos não só serão uma realidade, mas também os melhores de
sempre.
Refira-se que entre as muitas obras ainda por concluir, a que reúne maior
preocupação é a instalação da cobertura de vidro e de aço do Estádio Olímpico de Atenas,
curiosamente idealizado pelo espanhol Santiago Calatrava, o mesmo que pensou a Gare do
Oriente, em Lisboa.
Este projecto que impressiona pela imagem, assume números que podem até justificar
a morosidade do seu processo de montagem. Os dois enormes arcos suportarão a estrutura
translúcida, de onde sairão os focos de 2500 projectores luminosos, com 5000 quilowatt,
energia suficiente para iluminar um aeroporto ou uma pequena cidade de 2000 habitantes.
A estrutura foi objecto de aturados estudos de engenharia e aerodinâmica, capaz de
suportar os efeitos de um sismo até oito pontos
na escala de Richter, ou ventos até 120 Km /
hora.
A
água,
propositadamente
da
chuva
sobre
ou
a
bombeada,
cobertura,
proporcionará um efeito refrescante sobre os
espectadores.
Depois
de
recolectada,
será
bombeada junto às bases dos arcos (cada um com
o peso de 9000 toneladas), para criar efeitos de
quedas de água no exterior do estádio.
O problema será a colocação das gigantescas estruturas sobre as bancadas, tendo para
isso que ser içadas e deslizadas cerca de 70 metros, e à velocidade
de 5,70 metros por hora, antes de se ligarem no topo do estádio.
Quando iniciados os trabalhos, por mais de uma vez já adiados,
levarão duas semanas a completar.
A par dos atrasos das obras, os factos inerentes ao 11 de Setembro só complicaram
ainda o que já parecia complicado. E o 11 de Março foi a última gota. Os orçamentos
estoiraram. A segurança se já era prioridade, passou a ser uma natural obsessão e … nada há
de estranho nisso.
De facto, a menos de três meses da inauguração dos Jogos Olímpicos de Atenas, é na
Grécia que se vive a maior obsessão securitária.
Carlos Jaca
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Todos os comboios com destino a Atenas atravessam necessariamente a instável
região dos Balcãs, o que faz da segurança dos carris uma prioridade absoluta. Mas o lema das
autoridades gregas parece ser “não facilitar”, por isso apostam numa segurança apertada em
qualquer via de comunicação.
Desde 10 de Março, que esteve em curso um grande exercício de segurança com o
nome de código “Escudo de Hércules 2004”.
Durante duas semanas, cerca de 400 militares
norte-americanos,
1500
gregos
e
peritos
britânicos, alemães, israelitas e canadianos
estudam formas eficazes de anular qualquer tipo
de ameaça, desde desvio de aviões até ataques
com “bombas sujas”.
Em
meados
de
Março,
um
grupo
autodenominado “Luta Revolucionária”, tornava mais do que justificado o porquê de tanta
preocupação, ao reivindicar uma tentativa de ataque à bomba contra uma filial do Citibank
nos subúrbios de Atenas. Em comunicado divulgado, o grupo legitimava a tentativa de
atentado com o envolvimento da NATO na segurança das Olimpíadas.
Na madrugada de 5 de Maio, três bombas de média potência explodiram nos
arredores de Atenas, em Kallithea, acontecendo separadamente no espaço de 45 minutos,
próximo dos hotéis que receberão os dirigentes olímpicos, em Agosto. Os engenhos
apresentavam semelhanças com outros utilizados em Setembro passado pelo grupo terrorista
grego de extrema-esquerda, o “Luta Revolucionária”, em frente de um tribunal em Atenas.
A segurança durante os Jogos é um assunto que preocupa os especialistas,
acreditando ser o evento um alvo preferencial de grupos terroristas. E o certo, porém, é que
alguns grupos contrários aos Jogos têm manifestado a sua oposição à realização das
Olimpíadas. Segundo o “site” da B.B.C., alguns grupos de esquerda são contrários aos Jogos
que classificam como festa capitalista. Fora de questão parece ser a relação com o terrorismo
islamista, mas pode ser sinal da existência de operacionais de organizações extremistas de
esquerda, colocando em causa o desmantelamento total, a 17 de Novembro, do grupo “Luta
Revolucionária Popular”.
Em Abril, os responsáveis do Estado-Maior das Forças Armadas gregas e a NATO
estiveram reunidos para discutir os detalhes da ajuda da Aliança Atlântica à Grécia durante
os Jogos Olímpicos. A reunião teve como objectivo “examinar a maneira e os detalhes da
ajuda da NATO” à Grécia, para garantir a segurança durante os Jogos.
Carlos Jaca
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Conforme comunicado do Estado-Maior grego, a ajuda da Aliança Atlântica vai
abranger o controlo aéreo, através da utilização de aviões de reconhecimento Awacs, e a
vigilância marítima, levada a cabo pela força permanente da NATO estacionada no
Mediterrâneo, a “STANAFORMED”. A Aliança Atlântica vai também colocar à disposição
da Grécia um batalhão multinacional para enfrentar um ataque terrorista, químico e
biológico.
A tentativa de fazer renascer a tradição antiga de um cessar de hostilidades durante os
16 dias dos Jogos Olímpicos é apadrinhada por Nelson Mandela, ex-presidente da África do
Sul e Nobel da Paz. A iniciativa grega é apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU)
e pelo Comité Olímpico Internacional (C.O.I.). O Papa João Paulo II, também ele laureado
com o Prémio Nobel, juntou-se ao apelo: “Espero que num mundo problemático e incerto o
desporto possa ser uma manifestação feliz de companheirismo e fraternidade de todas as
comunidades. Apelo a uma verdadeira trégua para que o espírito da paz estimule aquelas que
são as bases dos Jogos Olímpicos e que este se espalhe por todas as sociedades e
continentes”.
A Grécia preparou já uma campanha que vai difundir por todos os países, e nos
diferentes cartazes poderá ver-se desportistas a saltar por cima de arame farpado, ao mesmo
tempo que enviará cartas à Índia, Paquistão, Israel e Palestina pedindo que respeitem a trégua
olímpica.
O primeiro exemplo parece vir das Coreias, à semelhança do que aconteceu em
Sidney, em que os representantes do Sul e do Norte transportaram uma bandeira conjunta. Ri
Tong Ri, responsável da Coreia do Norte nos Jogos Asiáticos de Inverno, admitiu a
possibilidade de a sua equipa marchar ao lado da Coreia do Sul, em Atenas, ou até mesmo
competir com uma só equipa.
Chama Olímpica. A cerimónia pagã do acender da tocha olímpica teve lugar no
passado dia 21 de Março, nas ruínas da Olímpia Antiga, no templo de Hera, onde a grande
sacerdotisa – interpretada pela terceira vez pela actriz grega Thalia Prokopiou – invocou
Apolo para acender a chama, a qual foi, posteriormente, colocada num vaso de cerâmica e
transportada para o estádio de Olímpia. Após a dança das vestais, realizada ao som do
tambor, a tocha olímpica foi finalmente acesa pela grande sacerdotisa e entregue ao primeiro
dos onze mil estafetas que a irão transportar, o lançador de dardo grego Constantin
Gatsioudis.
Entre as onze mil pessoas que carregarão a chama no seu périplo global não estão só
atletas. Embora seja o referido grego, Gatsioudis, a ter a honra de inaugurar a passagem do
Carlos Jaca
24
testemunho, o príncipe Alberto do Mónaco e a actriz Angelina Jolie também se associaram a
esta estafeta universal.
Na primeira fase do périplo mundial da tocha olímpica, esta viajou por toda a Grécia,
tendo chegado a 31 de Março ao estádio de mármore de Atenas – berço dos Jogos da Era
Moderna em 1896 – onde ficou depositada. Apenas a 4 de Abril partiu para a 2ª fase do
percurso, que pela primeira vez atravessará mesmo os cinco continentes. Depois de 78 mil
quilómetros percorridos, a tocha olímpica, que tem a forma de uma folha de oliveira, símbolo
da Grécia e da paz, regressa às origens, onde a 13 de Agosto estará no Estádio Olímpico, para
a cerimónia de mais uma abertura dos Jogos Olímpicos de Verão.
Nenhuma cidade portuguesa faz parte do roteiro que a chama olímpica iniciou em 25
de Março, na Grécia. Aliás, o mais próximo que esta imagem moderna de um ramo de
oliveira alumiado vai estar de Portugal, será … Barcelona, em 27 de Junho. A chama apenas
vai às cidades onde já decorreram os Jogos Olímpicos. Só num caso, ou noutro, passará por
locais que nunca realizaram olimpíadas.
A este propósito, Vicente de Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal,
afirmou não perder a esperança de ver Portugal como último anfitrião da tocha: “Organizar
os Jogos Olímpicos é um sonho antigo meu. Para quando uma candidatura portuguesa?
Deixemos passar o Euro 2004. Depois logo se vê”. Ainda bem que não passará de um sonho.
Bom, no caso de Portugal vir a organizar os Jogos Olímpicos, teria pelo menos três
medalhas garantidas (ouro, prata e cobre) na modalidade de “lançamento” de… impostos!
Adiante.
A união de culturas pretendida pelos gregos não é apenas geográfica. Por isso, à
passagem pelo Cairo (Egipto) será um camelo a transportar a tocha, em Nova Deli (Índia) um
elefante, e o périplo não acabará sem a chama viajar de avião, carro e comboio.
Aldeia Olímpica. É na Aldeia Olímpica que mais de 16.000 pessoas – entre atletas,
treinadores e restantes comitivas – vão ficar hospedadas durante os Jogos. Dividida em duas
zonas – área de residência e área de lazer – este espaço, cuja superfície total ascende a um
milhão de metros quadrados, fica situado nas imediações de Atenas e será inaugurado a 30 de
Julho. O ambicioso projecto prevê que o complexo seja espectacular: piscina olímpica, pista
de atletismo, quatro courts de ténis, cinema ao ar livre, vários cafés e uma… discoteca, são
algumas das facilidades que os atletas poderão encontrar. Tudo isto na área de lazer,
enquanto a residencial comportará, além dos indispensáveis quartos, salas de conferência,
restaurantes, uma clínica e várias igrejas.
Será no meio da Aldeia Olímpica, relativamente perto da entrada, que os atletas
portugueses vão ficar alojados durante os Jogos de Atenas, após a escolha do local ter sido
Carlos Jaca
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feita com muita antecedência pelo Comité Olímpico de Portugal. Como vizinhos vamos ter a
delegação anfitriã e a comitiva dos Estados Unidos da América, o que significará, muito
provavelmente, que a segurança será redobrada. Duzentos e quarenta milhões de euros é
quanto custa a Aldeia Olímpica, o mais caro projecto dos Jogos.
Alguns números: 28 modalidades em 38 competições, 10.500 atletas e 301
cerimónias de medalhas; 202 comités olímpicos participantes, 21.500 jornalistas esperados
em Atenas e 15.000 quartos de hotel na área da capital grega; 4 mil milhões de
telespectadores e 5,5 milhões de bilhetes colocados à venda, a quatro preços diferentes;
40.000 elementos da força especial de segurança e 45.000 voluntários; orçamento global em
euros, 4.400.000.000.
Portugal, apesar de todas as carências estruturais que impedem um desenvolvimento
mais rápido do nosso desporto, estará em Atenas com uma representação que, julgo,
quantitativamente não andará muito longe daquela que esteve presente em Sidney.
O nosso país tem algumas responsabilidades nos Jogos, tem tido comportamentos
brilhantes e, até, “dourados”, motivos suficientes para que as suas representações tenham
sempre de ser acompanhadas de preparações condignas. Mas… os atletas inseridos na alta
competição estão sem receber o respectivo subsídio de apoio desde Janeiro, situação que se
mantinha, ainda, em meados de Maio. É evidente que o nível de vida dos portugueses, e
consequentemente da maioria dos desportistas, sofre de graves limitações.
Assim, àqueles que estiverem em Atenas, e estarão por mérito próprio porque
alcançaram os mínimos estabelecidos, não se pode, nem se deve exigir vitórias nem
medalhas, mas esperar que façam o melhor na altura de competir. E mais: que a sua
participação seja sempre feita com dignidade dentro e fora dos estádios, ou dos outros
recintos.
A bracarense Raquel Felgueiras alcançou no passado dia 15 de Maio os mínimos para
os Jogos de Atenas, ao nadar os 200 metros mariposa, num novo recorde pessoal de 2.13,08
minutos, nos campeonatos da Europa de natação, que decorreram em Madrid.
A atleta do Clube de Natação de Vila Verde prepara, desse modo, a sua segunda
presença nos Jogos Olímpicos (também esteve em Sidney), igualando sua antiga colega do
Sporting de Braga Ana Alegria, única nadadora presente em duas Olimpíadas.
O navio-escola Sagres será embaixador itinerante de Portugal nos Jogos Olímpicos de
Atenas, quando permanecer pela primeira vez atracado ao porto do Pireu (Atenas) de 12 a 19
de Agosto.
Carlos Jaca
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O navio-escola Sagres vai fazer-se ao mar em Portimão a 28 de Julho, escalando nos
portos de Corfu e Pireu. Este navio da marinha portuguesa tem 67 anos e já navegou o
equivalente a 21 voltas ao mundo.
Bibliografia consultada
Carvalho, A. Melo de e Constantino, José Manuel – “O que é o Olimpismo?” – Livros Horizonte.
Comité Francês Pierre de Coubertin – “Manifesto para a salvaguarda do Olimpismo e dos Jogos Olímpicos””
– Ministério da Educação e Cultura. Lisboa, 1978.
Conselho da Europa – “Os Jogos Olímpicos e as suas perspectivas futuras” – Tradução de Maria Eduarda
Gusmão. Ministério da Educação e Cultura. Agosto, 1986.
Esteves, José – “Racismo e Desporto”. Básica Editora.
Fernandes, Rui – “Jogos Olímpicos”. Porto Editora.
Marreiros, João – “Jogos Olímpicos e Olimpismo”
Pereira, Maria Helena Rocha – “Hélade”, Antologia da Cultura Grega – organizada e traduzida do original.
Coimbra, 1959.
Peredo, Miguel Gusmán – “A História dos Desportos Olímpicos”. Círculo de Leitores. Junho, 1992.
Sérgio, Manuel – “Ao Redor do Olimpismo” – “Seara Nova”, N.º 1569, Julho 1976.
Sérgio, Manuel – “Heróis Olímpicos do Nosso Tempo” – Prefácio de Urbano Tavares Rodrigues.
Compendium.
Seppänen, Paavo – “As Olimpíadas, uma perspectiva sociológica” – Ministério da Educação e Cultura. Maio,
1978.
Jornais: “A Bola”, 24/1/96, 31/1/96, 20/3/2003, 13/2/2004, 23/3/2004, 12/4/2004, 6/5/2004,9/5/2004; “Diário
do Minho”, 16/5/2004; “Diário de Notícias”, 1/4/2004; “Público”, 26/3/2004, 5/5/2004, 6/5/2004;
Revista “Expresso”, 20/3/2004; Revista “Pública”, 28/12/2003.
Obviamente com exclusão da parte referente a “Atenas-2004”, o texto apresentado foi objecto de uma
conferência, “De Atenas a Sidney”, proferida no auditório da Escola Secundária de Alberto Sampaio, em 14 de
Novembro de 2000, e que teve a valiosa colaboração da minha querida amiga Dra. Teresa Vilaça, aliás, como
tem acontecido muitas outras vezes.
Carlos Jaca
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