Revista Hist Prof Mat n1

Transcrição

Revista Hist Prof Mat n1
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
1
RHMP
REVISTA
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
PARA PROFESSORES
Revista de História da Matemática para Professores
Ano 1 – nº 1, Março 2014
ISSN 2317-9546
EXPEDIENTE
Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat)
Presidente: Sergio Nobre
Vice-presidente: Clovis Pereira da Silva
Secretário geral: Iran Abreu Mendes
Tesoureiro: Bernadete Morey
Editoras Responsáveis
Bernadete Morey
Ligia Arantes Sad
Comitê editorial
Iran de Abreu Mendes
Sergio Roberto Nobre
Comitê Científico
- Iran de Abreu Mendes
- Sergio Roberto Nobre
- Ubiratan D’Ambrosio (UNIBAN / USP)
- Carlos Henrique Gonçalves Dr. (USP-ABC)
- Antônio Henrique Pinto Dr. (IFES)
- Giselle Costa de Sousa Drª. (UFRN)
- Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFES)
- Rosa Sverzut Baroni, Drª (UNESP)
- John Andrew Fossa, Dr (UFRN)
- Lucieli Maria Trivizoli da Silva Drª (UEM)
- Wagner Valente, Dr (USP)
- Romélia Mara Alves Souto, Drª (UFSJ)
- Tércio Gireli Kill Dr (UFES)
- Moysés Gonçalves Siqueira Filho, Dr (UFES)
- Antonio Carlos Brolezzi Dr (USP)
- Antonio Vicente Marafiotti Garnica (UNESP)
ASSESSORIA
Projeto gráfico e Diagramação
Fabrício Ribeiro
Capa
Edilson Roberto Pacheco
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
SEÇÕES
Editorial................................................................................................................. 5
Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad
Diálogo com um educador................................................................................. 7
Professor Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira – entrevistado por Fernando Guedes Cury
Histórias da Matemática
Artigo 1: A geometria de alguns monumentos megalíticos.............................. 13
John A. Fossa
Artigo 2: De contagens empíricas e jogos ao poder da Ciência Estatístca...... 21
Martha Werneck Poubel e Ligia Arantes Sad
Artigo 3: Alguns aspectos históricos dos números decimais............................. 29
Rosineide de Sousa Jucá e Pedro Franco Sá
Sugestão para sala de aula
Artigo 1: As potencialidade pedagógicas da História da Matemática – Uma
abordagem com alunos da 8a. série..................................................................... 39
Tiago Bissi
Artigo 2: Onde está a proporção?....................................................................... 47
Circe Mary Silva da Silva
Brincadeiras e diversões
A beleza da estrela da felicidade....................................................................... 61
Beatriz Cezar Muller
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Merece ser lido, visto, divulgado
Resenha do filme Alexandria............................................................................. 67
Severino Carlos Gomes
Chamada para submissão de artigos.............................................................. 69
Ligia Arantes Sad e Bernadete Morey
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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EDITORIAL
A
Caro Leitor,
Sociedade Brasileira de História da Matemática – SBHMat,
na busca de consolidar sua mais nova publicação, a Revista de
História da Matemática para Professores (RHMP), publica agora o
primeiro número, Março 2014. Se estão lembrados, o número Zero
que saiu em março de 2013 e foi lançado por ocasião do X Seminário
Nacional de História da Matemática, constituiu-se num chamado geral
para publicação. Muitos foram os que responderam ao nosso apelo contribuindo para o início e continuidade da Revista.
Este número da RHMP traz na sessão Diálogo com um educador, uma entrevista com o Prof. Eduardo Sebastiani Ferreira, professor
de matemática aposentado da UNICAMP, que trabalha também com
História da Matemática e com a Etnomatemática.
Os artigos publicados neste número da RHMP cobrem um leque
variado de temas matemáticos: geometria com monumentos megalíticos de Stonehenge, tópicos em história da Estatística e aspectos históricos dos números decimais na sessão Histórias da Matemática. Na sessão
Sugestões para sala de aula são apresentadas maneiras de explorar a história da matemática nas aulas de matemática. A sessão Merece ser lido,
visto, divulgado traz uma resenha do filme Alexandria, que versa sobre
Hipátia, a única matemática que se conhece da Antiguidade; enquanto
que polígonos e poliedros são objetos abordados em Brincadeiras e
Diversões.
Renovamos aqui nossa expectativa de que professores com
experiências de sala de aula, relacionadas à História da Matemática,
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
possam valorizar esta revista e torná-la significativa aos colegas leitores,
aceitando o convite para submeter propostas que sejam pertinentes às
seções das futuras publicações. Na última página deste exemplar, há um
detalhamento maior sobre a normas para publicação.
Cordialmente,
Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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DIÁLOGO COM UM EDUCADOR
Entrevista com o
Prof. Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira
Concedida à Revista de História da Matemática para Professores em novembro de 2013.
Fonte: foto cedida pelo Prof. Eduardo Sebastiani Ferreira.
O Professor Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira obteve formação
na área de Matemática, e possui experiência na área de Educação com
pesquisas e trabalhos também no campo da Etnomatemática. Ele vem
nos contar em sua entrevista um pouco do seu modo de ver a História
da Matemática como veiculadora do desenvolvimento humano relacionado ao pensar matemático.
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RHMP – Professor Sebastiani, o senhor tem se dedicado ao estudo
da Etnomatemática como uma proposta metodológica, criando até
mesmo uma proposta de ação pedagógica impulsionada pela pesquisa, seguida da utilização da modelagem para alcançar os objetivos educacionais no grupo pesquisado. Como essas ideias podem ser
postas em prática pelos professores da Educação Básica?
ESF – Como em qualquer nível de ensino, minha proposta é sempre
iniciar com a preparação dos alunos para uma pesquisa de campo.
Para isso, o professor necessita anteriormente estar capacitado, isto é,
saber como se prepara alguém para uma pesquisa de campo: saber as
perguntas que pode fazer, conhecer minimamente o pesquisado e seu
entorno, como usar, ou não, a multimídia (projetor), como analisar
as pesquisas, saber do valor sócio cultural dela e principalmente como
encontrar uma maneira de retornar de algum modo essa pesquisa ao
meio do(s) pesquisado(s), isso para que a cultura dele(s) tenha algum
ganho, cresça.
RHMP – Dentro dessa perspectiva, como deve ser encarada a
História da Matemática?
ESF – A História da Matemática nos indica de alguma maneira como
essa ciência, a Matemática, nasceu e acrescentou coisas a nossa cultura. Sua importância também é revelar que a Matemática é uma
ciência dinâmica, feita por homens com erros e acertos e, mais ainda,
não é universal. No retorno da pesquisa de campo, quando algum conceito matemático se faz necessário de ser introduzido para responder
alguma questão que surgiu, o professor deve valer-se da história para
introduzir esse conceito aos alunos.
RHMP – Como o senhor tem visto as contribuições dos estudos
etnomatemáticos para a Educação Matemática ao longo dos anos?
Eles têm atingido seus objetivos?
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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ESF – Como toda a metodologia que se introduz na educação, sempre
aparecem trabalhos muito bons e outros nem tanto. E, neste segundo
caso, por não ter entendido os pressupostos da nova metodologia. Isso
ocorreu com a Etnomatemática, ainda mais que ela não é simplesmente
uma metodologia, mas uma filosofia de ensino e mesmo de vida.
RHMP – O senhor tem conhecimento de como, em outros países,
vêm sendo desenvolvidas as atividades de ensino na perspectiva da
Etnomatemática?
ESF – Alguns países aceitaram muito bem e mesmo já tem gente trabalhando com esse novo olhar para a Matemática. Outro, mais tradicional, ainda tem certo receito de usá-la, esperando resultados mais
convincentes, preferindo se ater ao que já usam – o “back-to-basic”, ou
seja, “de volta ao básico”.
RHMP – Segundo sua opinião, como outras linhas da Educação
Matemática, como por exemplo, as tecnologias de informação e
comunicação (TIC’s) ou a Resolução de Problemas, podem ser aproveitadas para se conhecer ou utilizar a Etnomatemática ou a História
da Matemática no ensino escolar básico?
ESF – Já estamos utilizando toda a tecnologia que aparece para dar a
Etnomatemática a roupagem que necessita para uma melhor aprendizagem. As TIC são ferramentas poderosas na educação de hoje, sem
que nos esqueçamos que são FERRAMENTAS. O que lutamos hoje,
muito, é para que os MENTEFATOS1 sejam mais valorizados, em
detrimento dos ARTEFATOS. Queremos formar alunos, não somente
para ganhar na vida, mas viver a vida.
1Por mentefatos pode-se entender instrumentos de análise como conceitos e teorias, enquanto que os artefatos são aparelhos de observação.
HISTÓRIAS DA MATEMÁTICA
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••• Artigo 1 •••
A Geometria de alguns
Monumentos Megalíticos
John A. Fossa (UFRN)
A
lguns objetos de arte são tão sublimes que, ao atendermos à unicidade da sua perfeição, esquecemos que são exemplares de certos tipos. Transpostos pelo deleite da beleza do objeto, prescindimos de
fazer questões interessantes sobre sua situação histórica e suas relações
com os outros objetos do seu tipo; às vezes, até caímos num misticismo
impensado que realça os nossos devaneios e dificulta uma apreciação
esteticamente mais apurada do objeto como um artefato cultural. Um
exemplo desse fenômeno é a crença popular sobre Stonehenge (ver a
Figura 1), um monumento megalítico localizado no sul da Inglaterra.
Figura 1. Vista aérea de Stonehenge.
Fonte: National Geographic Society (1996-2013).
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Stonehenge, no entanto, não é um objeto único. Há muitos
outros monumentos megalíticos – como as pirâmides do Egito e da
América Central, bem como as construções da região andina – que
desempenhavam papéis culturais semelhantes ao de Stonehenge. As
semelhanças, contudo, podem passar despercebidas se atinarmos apenas
para sua forma e não sua função social. Mesmo pondo as pirâmides de
lado, porém, ainda há centenas de monumentos espalhados na Europa
e no Oriente Médio que têm a mesma forma básica da de Stonehenge:
uma série de enormes pranchas de pedra dispostas de tal maneira a formar uma grande circunferência. De fato, muitos desses monumentos,
como o próprio Stonehenge, são complexos de várias construções (que
aumenta ainda mais as semelhanças entre eles), mas, para nossos propósitos, só a construção principal será de interesse.
Figura 2. Alexander Thom.
Fonte: Society of Oxford University Engineers (2005).
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Figura 3. Vista aérea de Long Meg.
Fonte: Fonte: Foto por Simon Ledingham. Wikipedia (2005).
O primeiro cientista a investigar sistematicamente essas construções henge foi Alexander Thom (1894-1985), um engenheiro escocês, chefe do Departamento de Engenharia da Universidade de Oxford
depois da Segunda Guerra Mundial (ver a Figura 2). Thom observou que
há pequenas diferenças nas construções. Algumas, como Stonehenge
são circulares, mas outras têm a forma de uma elipse, uma oval ou uma
circunferência achatada. A Figura 3 é uma vista aérea de uma construção megalítica conhecida pelo nome chamativo de “Long Meg and her
Daughters”; o monumento é localizado na parte norte da Inglaterra,
perto da fronteira com a Escócia. A referida figura mostra claramente o
achatamento da circunferência (na parte esquerda superior da figura).
Mesmo entre os citados tipos, há ainda certas pequenas variações . Aqui, consideraremos apenas o tipo ilustrado na Figura 4. Na
referida figura, representa-se a planta de um monumento construída
1
1 Para mais detalhes, o leitor pode consultar Fossa (2010).
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de quatro arcos circulares. O arco é uma semicircunferência com raio
; os arcos congruentes e têm raios e , respectivamente; e, finalmente,
o arco tem raio (= ). O único aspecto problemático da construção é a
determinação dos pontos B e D. Segundo uma teoria, esses pontos eram
escolhidos de tal forma a fazer (e, portanto, ) um triângulo pitagórico
simples, como o de lados 3, 4 e 5. Embora os construtores dos monumentos certamente conhecessem esse triângulo, a sugestão não parece
muito acertada.2 Apresentaremos, a seguir, uma construção simples que
resolve o problema.
Figura 4: Uma circunferência achatada.
Fonte: Fossa (2010).
Para tanto, observamos primeiro que os construtores dos monumentos provavelmente usaram pedaços de corda com estacas afixadas
nas suas extremidades para demarcar suas plantas sobre a terra.3 Assim,
um segmento de reta seria determinado por esticar a corda entre duas
2 De novo, para mais detalhes sobre a referida teoria, bem como a construção a seguir no
presente texto, ver Fossa (2010).
3 Para mais sobre esses instrumentos, ver Fossa (2013).
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estacas. Para fazer arcos circulares, a estaca numa extremidade da corda
seria fincada no chão (o que fixa o centro da circunferência), enquanto
a outra seria girada ao redor da primeira. Assim, os construtores teriam
escolhido uma distância conveniente, fixado uma estaca no ponto O e
esticado a corda até o ponto H, onde, para marcar o ponto, teriam fincado uma estaca livre (não afixada a uma corda). A seguir, teriam girado
o raio ao redor do ponto O, sempre mantendo a corda esticada e riscando o chão com a estaca afixada à extremidade móvel da corda. Desta
forma, teriam produzido uma circunferência com centro O e raio . O
diâmetro poderia ser determinado por achar o ponto G que está visualmente alinhado com os pontos O e H. No entanto, parece mais provável
que teriam esticado uma corda que tocava os pontos O e H e marcado o
ponto G (com uma estaca livre) em que ela corta a circunferência.4
O próximo passo seria determinar o diâmetro (ver a Figura
5), perpendicular a . Isto poderia ser feito por esticar duas cordas das
extremidades de de tal forma a formar um triângulo isóscele. É historicamente atestado, contudo, que certos povos antigos faziam nós em
cordas de tal forma a fazer um triângulo 3, 4, 5 e, assim, produzir um
ângulo reto. Não seria necessário usar nós; bastaria dividir um pedaço
de corda nos pontos S e T de tal forma que , e medissem, respectivamente, 3, 4 e 5 unidades. Ao esticar as três partes da corda, fazendo a
extremidade U coincidir com a extremidade R, forma-se um triângulo
retângulo com o ângulo reto em S. Assim, seria posto sobre de tal
forma a fazer S coincidir com O. Desta maneira, o prolongamento de
seria o diâmetro procurado e estacas livres seriam fincadas para marcar
os pontos A e I.
4 Observe que esse procedimento é consoante com o postulado de Euclides que permite que
qualquer segmento seja prolongado sobre sua reta suporte.
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Figura 5: Determinação dos pontos B e D.
Fonte: Fossa (2010), modificado.
Agora é fácil inscrever o meio-quadrado na semicircunferência
por esticar um cordão do ponto G ao ponto I e do ponto I ao ponto H.
Em seguida, os construtores dos monumentos teriam achado o ponto
médio do segmento GI. Para tanto, bastaria dobrar o cordão sobre si
mesmo, fazendo a extremidade I coincidir com a extremidade G. O
ponto médio seria marcado por fincar uma estaca livre no ponto L assim
determinado. O mesmo seria feito para determinar o ponto médio J de .
Os pontos B e D finalmente seriam determinados por esticar
um cordão passando pelos pontos A e L e outro passando pelos pontos
A e J. Os pontos B e D são os pontos nos quais esses dois cordões cortam
o diâmetro.
Com a determinação dos referidos pontos, os construtores
poderiam completar o desenho da sua circunferência achatada. Os dois
arcos congruentes seriam desenhados fazendo o raio girar ao redor de
B até encontrar (prolongado) em C e fazendo o raio girar ao redor de D
até encontrar (prolongado) em E. O arco final seria desenhado fazendo
o raio girar ao redor do ponto A até encontrar .
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Ao concluir, fazemos apenas mais duas observações. Em primeiro lugar, devemos lembrar que, apesar do fato de que os procedimentos aqui reconstruídos têm paralelos com construções geométricas
propriamente ditas, são essencialmente procedimentos empíricos – de
fato, só seriam teorizados pela geometria muito mais tarde na história.
Em segundo lugar, o uso do meio-quadrado na construção é interessante, porque essa figura tem uma longa tradição de associações religiosas e místicas que seriam apropriadas na construção de um monumento
que, ele próprio, tem finalidades religiosas e místicas.
Referências
FOSSA, John A. A Note on Euclid’s First Three Postulates. Revista Brasileira de
História da Matemática. V. 13, n. 26, p. 85-96, 2013.
______. Os Primórdios da Teoria dos Números. Natal: EDUFRN, 2010.
National Geographic Society. “Photos of Stonehenge”. 1996-2013. Disponível em
<science.nationalgeographic.com/science/archaeology/photos/stonehenge>.
Acesso em 15 de 10 de 2013.
Society of Oxford University Engineers. “A Brief History of the Department”. 2005.
Disponível em <www.soue.org/uk>. Acesso em 15 de 10 de 2013.
Wikipedia. Long Meg and her Daughters. 2013. Disponível em <en.wikipedia.org/
wiki/File:LongMegAnd Her Daughters>. Acesso em 15 de 10 de 2013.
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••• Artigo 2 •••
De contagens empíricas e jogos
ao poder da Ciência Estatística
Martha Werneck Poubel
Ligia Arantes Sad
(UFES)
N
ão é tarefa histórica fácil saber quando e como foi gerado qualquer
ramo do conhecimento. A ideia não é buscar uma marca cronológica, mas compreender criticamente as matrizes de constituição do objeto
da pesquisa no tempo (MEMÓRIA, 2004). No caso da constituição histórica da ciência estatística algumas matrizes iniciais são importantes de
serem destacadas. Era, a princípio, praticada de modo empírico por meio
de contagens quantitativas, mas lentamente, envolveu profissionais, até vir a
tornar-se o método para a análise e estudo dos fenômenos sociais, sistematizados numericamente.
A etimologia da palavra Estatística vem do latim status (estado),
designando coleta e apresentação de informações de interesse do Estado.
Ou, segundo o estatístico britânico George Udny Yule (1871-1951), um
conjunto de métodos apropriados ao tratamento de dados (MEMÓRIA,
2004). Atualmente, uma ferramenta poderosa para qualquer profissional
que necessita analisar informações em sua tomada de decisões diárias,
no seu trabalho ou na sua vida pessoal. Enquanto ciência, a estatística
foi particionada em três áreas entrelaçadas: a estatística descritiva, com
a descrição e resumo dos dados; a teoria das probabilidades; e a estatística inferencial, com a análise e interpretação de dados amostrais.
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Apesar da Estatística, enquanto ciência, ser uma consideração
recente, a utilização de estatísticas remonta há muitos anos antes de
Cristo. Naquele período, as informações de interesse dos governos estavam relacionadas à população e riquezas. Assim, aos poucos, o interesse
recaiu sobre a análise descritiva de dados estatísticos, através da organização e apresentação dos dados em tabelas, obtidas de uma forma mais
ampla através dos recenseamentos.
Desde a Antiguidade foram muitos os registros realizados e utilizados, gerando variadas informações estatísticas. Com o aumento da
complexidade das relações humanas e comerciais envolvendo territórios
e riquezas, os registros tornaram-se cada vez mais importantes e desejados para a administração dos acontecimentos. Os números – estatísticas
– ajudam a tornar pensável e conhecido o mundo distante, ajudando a
governá-lo. Governar é deter o poder, dispor da capacidade de controlar os outros, com a renovação permanente dos saberes (SENRA, 2005).
Escolhemos dois exemplos históricos (figuras 1 e 2) que bem ilustram
essas considerações.1
Na China em 2.238 a.C., Yao (2356 –
2255 a. C.), imperador da unificação do
Império chinês, ordenou o primeiro
recenseamento pois desejava conhecer
seus governados, suas opiniões e seus
problemas sociais. Interessava conhecer
o número de habitantes para repartir o
território, cobrar impostos e realizar o
recrutamento militar.1
Figura 1- Imperador Yao
Fonte:< http://www.epochtimes.com.br/author/admin/page/133/>
1 Disponível em < http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1629.html>.
Acesso out 2011.
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Domesday Book foi o maior
registro estatístico (413 páginas,
manuscritas em latim) feito na Idade
Média na Inglaterra, finalizado em
1086. Foi realizado por ordem de
Guilherme I, o conquistador (em
francês: Guillaume le conquérant;
em inglês: William the conqueror),
similar a censos posteriores, eram
registradas informações sobre o
país conquistado com o objetivo
de taxação e recolhimento de
impostos.2
Figura 2- Domesday Book
Fonte: http://www.historyofinformation.com/index.php?id=262
Nos2séculos XVII e XVIII muitos problemas relacionados
à probabilidade e jogos de azar foram formulados como desafio, e as
respostas foram dadas sem demonstrações. A estatística não era ainda
reconhecida como uma disciplina matemática, segundo Hald (2003, p.
3), “Estatística antes de 1750 não era matemática”; uma teoria matemática de erros e estimação surgiu após essa data. A primeira análise matemática de chances em jogos de azar foi obtida por matemáticos italianos
ainda no século XVI. Os principais resultados foram os de Cardano,
em 1566. A teoria de probabilidade só foi tratada novamente 100 anos
depois por Pascal e Fermat, que a fundamentaram em 1654. Esse trabalho foi continuado por Huygens (1657), que publicou o primeiro trabalho sobre a teoria de probabilidade com aplicações para os jogos de azar.
Por volta de 1750 a teoria da probabilidade foi reconhecida como uma
disciplina matemática, com uma firme fundamentação, com problemas
e métodos próprios (HALD, 2003).
A primeira tentativa de tirar conclusões a partir de dados
coletados na prática foi feita por John Graunt (1620-1675), cientista e
2 Disponível em < http://www.historylearningsite.co.uk/domesday.htm >. Acesso jan 2012.
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demógrafo britânico. Graunt é considerado o primeiro estatístico a utilizar o tratamento estatístico de dados demográficos e a tentar aplicar a
teoria a problemas reais, como as Tábuas de Mortalidade, publicadas em
1662 e utilizadas durante a peste na cidade de Londres, em 1665.3
O matemático suíço Jacob Bernoulli (1654-1705) apresentou
um tratamento formal para o cálculo de probabilidades com o seu teorema, conhecido hoje como a Lei Fraca dos Grandes Números, em que
justifica a noção intuitiva de probabilidade pela frequência relativa. Em
notação de probabilidade, P(|X/N – p| < ) 1, quando N
. Logo,
X/N = p. Traduzido em palavras, a frequência relativa de ocorrências de determinado resultado, quando repetimos um experimento um
grande número de vezes, tende a se estabilizar em um valor constante,
chamado probabilidade. Por exemplo, a probabilidade matemática de
obter cara em lances de moeda com faces de cara e coroa, na prática é
aproximada a 50% e, torna-se mais e mais exata em 50% à medida que
se lançar a moeda uma infinidade de vezes.
Em seguida coube ao matemático francês Abraham De Moivre
(1667-1754) chegar à curva normal como limite da Distribuição
Binomial, apresentada pela primeira vez no apêndice da segunda edição
de sua obra intitulada The Doctrine of Chances. Na figura 3 é apresentada
exemplo de uma curva desse tipo – em forma de “sino”, simétrica, com
a média em seu valor máximo e sem nunca tocar o eixo das abscissas.
3
Disponível em
Acesso jan 2012.
<http://www.alea.pt/html/nomesEdatas/swf/biografias.asp?art=10>.
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Figura 3 - Curva normal
Fonte: http://www.ufpa.br/dicas/biome/bionor.htm
No início do século XVIII Thomas Bayes (1702-1761), matemático e pastor presbiteriano inglês, utilizou a probabilidade de forma
intuitiva e estabeleceu as bases para a inferência estatística, tornando-se
conhecido por ter formulado o Teorema de Bayes4, também denominado Teorema da probabilidade das causas, utilizado em diversas áreas
de conhecimento.
Importantes contribuições à estatística, teoria dos números,
álgebra e análise matemática foram dadas também por Adrien-Marie
Legendre (1752-1833). Em 1805 ele propôs uma técnica que se tornou
conhecida como o método dos mínimos quadrados, com ampla aplicação a regressão linear, processamento de sinais, estatística e ajuste de
curvas.
O progresso da estatística foi impulsionado pelos matemáticos, que desenvolveram instrumentos cada vez mais sofisticados para
os empreendimentos estatísticos, ampliando o campo de aplicação da
estatística a diversas áreas do conhecimento. O desenvolvimento feito
por esses matemáticos foi a base para os estudos de Quételet, Galton
e Gauss no campo da teoria dos erros (PORTER, 1986). Os métodos
4 Disponível em <http://www.dmat.uevora.pt/index.php/pt/sobre_a_matematica/matematicos_famosos/thomas_bayes>. Acesso jan 2012.
26
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estatísticos continuaram a ser desenvolvidos por importantes pesquisadores que se seguiram como: Poisson, Pearson, Spearman, Chebyshev,
Markov, Fisher, Neyman, Kolmogorov, dentre outros.
Na educação brasileira a presença dos estudos estatísticos é indicado desde o Ensino Básico, conforme encontramos nos PCN (BRASIL,
1998), que evidenciam um trabalho em que o aluno possa compartilhar de situações nas quais seja necessário coletar, organizar, representar
dados em gráficos e tabelas, levantar hipóteses, interpretar resultados
utilizando porcentagens, médias, medianas, etc. Esse trabalho se insere
aos poucos desde o Ensino Fundamental. Os PCN nesse nível orientam
a parte matemática em quatro blocos: Números e Operações, Espaço e
Forma, Grandezas e Medidas, e Tratamento da Informação (inclui contagem, probabilidade e estatística). Para esse último bloco, a estratégia
pedagógica do professor pode ser de colocar o estudante em contato
com ocorrências informativas da realidade, mescladas por quantidades
numéricas, tabelas e gráficos simples de revistas e jornais, de modo a ser
orientado a estabelecer leituras e até interpretações críticas. O estudo
de tópicos estatísticos possibilita uma aproximação de análise de dados
reais, e, integrar conhecimentos da matemática com os de outras áreas.
A demanda pela informação e formação em Estatística tem-se
manifestado nas transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas atualmente. As organizações modernas (políticas, econômicas,
sociais) estão utilizando largamente informações estatísticas para a
avaliação de seus processos de trabalho, pois essas são concisas, específicas e eficazes quando analisadas mediante a utilização de técnicas
adequadas.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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Referências
BLOCH, M. Apologia da História, ou, o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
BRASIL, MEC – Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais – Matemática (5ª a 8ª séries e ensino Médio). Brasília: MEC/SEF, 1998.
HALD, A. A History of Probability and Statistics and their Applications before 1750.
New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., Publication, 2003.
MEMÓRIA, J. M. P. Breve História da Estatística. Disponível em <http://www.
im.ufrj.br/~lpbraga/prob1/historia_estatistica.pdf>, 2004. Acesso jun 2009.
PORTER, T. M. The Rise of Statistical Thinking, 1820-1900. United Kingdom:
Princeton University Press, Chichester, West Sussex, 1986.
SENRA, N. O Saber e o Poder das Estatísticas: uma história das relações dos
estaticistas com os estados nacionais e com as ciências. Rio de Janeiro: IBGE,
Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2005.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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••• Artigo 3 •••
Alguns aspectos históricos
dos números decimais
Rosineide de Sousa Jucá1
Pedro Franco de Sá2
(UEPA)
A
transição da Renascença para o mundo moderno também se fez
por meio de um grande número de matemáticos, dentre eles,
há alguns que contribuíram para o surgimento das frações decimais
e, consequentemente, dos números decimais. As frações decimais, por
mais simples que nos possa parecer sua invenção, não foram resultado
de uma mente ou de uma época. Sua implantação foi feita por etapas
quase imperceptíveis. Neste trabalho nos propomos a apresentar alguns
aspectos históricos da criação dos números decimais.
A criação dos números decimais surge a partir da utilização das
frações decimais. Com as dificuldades dos cálculos trabalhosos com
essas frações, os matemáticos da época sentiram a necessidade de criar
uma forma de fazer essas operações de modo mais simples.
Apesar de François Viète (1540-1603) ser o primeiro a recomendar o uso das frações decimais, elas já eram aceitas pelos matemáticos
da época. Entre o povo em geral, no entanto, e mesmo entre os praticantes de matemática, as frações decimais só se tornaram conhecidas,
1 Mestre em Educação. Professora assistente da Universidade do Estado do Pará.
[email protected]
2Doutor em Educação. Professor adjunto da Universidade do Estado do Pará.
[email protected]
30
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
quando outro matemático Simon Stevin (1548-1620), em 1585, fez uma
recomendação ainda mais forte em favor da escala decimal para frações
e inteiros (BOYER, 1996).
Simon Stevin deu o primeiro tratamento sistemático às frações
decimais, ele se dispôs a explicar o sistema de modo elementar e completo. Ele queria ensinar como efetuar, com mais facilidade, as computações por meio de inteiros sem frações. No seu livro, La Disme (1585),
descreveu em termos expressivos as vantagens, não só das frações decimais, mas também da divisão decimal dos sistemas de peso e medidas
(CAJORI, 2007).
O livro de Stevin teve grande influência na prática comercial,
na engenharia e na notação matemática. Nesse livro, eram explicadas
as frações decimais, a notação para as representações decimais, regras
para as operações aritméticas e suas justificativas. Essa obra consta de
duas partes: uma sobre as quatro definições e a outra sobre as quatro
operações fundamentais.
A definição I enuncia que, o La Disme é uma espécie de aritmética que permite efetuar todas as contas e medidas utilizando unicamente inteiros, e as outras definições classificam as posições decimais da
progressão. As outras três definições se referem como se devem escrever
os números usando as simbologias propostas por Stevin, que representou os números decimais da seguinte forma, a unidade é seguida do
símbolo (0), o décimo é seguido do (1), o centésimo do (2), e assim por
diante. Após as três primeiras definições seguem explicações que proporcionam exemplos práticos dessa numeração.
Para Cajori (2007), Stevin falhou por não ter uma notação adequada. No lugar da vírgula decimal, empregava um zero, e a cada posição na fração estava associado o índice correspondente. Stevin escrevia
5,912 do seguinte modo:
(0) (1) (2) (3)
5 9 1 2
ou 5
(0)
9
(1)
1 (2) 2 (3)
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
31
O valor de aparecia como:
(0) (1) (2) ( 3) ( 4)
p = 3 (0) 1 (1) 4 (2) 1 (3) 6
(4)
ou
3 1 4 1 6
Stevin (1997), em vez das palavras décimos, centésimos,
etc., usava primo, segundo, etc. O número 8,937 era escrito como
8 (0) 9 (1) 3 (2) 7 (3) e sua leitura era 8 comunzos, 9 primeira 3 segunda
7 terceira, e, analogamente, este número escrito na forma das frações
7
decimais 8 9 3
.
10 100 1000
Na segunda parte do La Disme, Stevin (1997) expõe como
podem ser aplicadas de maneira natural as quatro operações fundamentais a esse novo conjunto de números, e demonstra rigorosamente
as distintas regras aritméticas. Por último, em um apêndice, se propôs a
demonstrar em seus artigos que os cálculos e as medidas podem simplificar-se consideravelmente introduzindo os números decimais.
Apresentamos a seguir os cálculos tal quais aparecem no La
Disme, de Stevin (1997). Para adicionar 27,847 + 37,675 + 875, 782 na
forma de frações decimais.
2 7(0) 8(1) 4(2) 7(3) = 27
37(0) 6(1) 7(2) 5(3) = 37
87 5(0) 7(1)8(2)2(3) = 875
+
+
7
4
847
+
= 27
1000
100
1000
5
675
7
+
= 37
1000
100 1000
+
2
782
8
+
= 875
1000
100 1000
32
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Usando o algoritmo de Stevin para a adição:
Na notação de Stevin, é escrito como 941 (0) 3 (1) 0 (2) 4 (3)
Para subtrair 237,578 - 59, 739, usando as frações decimais na
notação da época:
Usando o algoritmo de Stevin para a subtração:
na notação de Stevin, é escrito como 177 (0) 8 (1) 3 (2) 9 (3)
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
33
A multiplicação 32,57 x 89, 46 em notação da época:
Utilizando o algoritmo de Stevin:
Esse produto em notação moderna é 2913,7122. O menor valor
de ordem, ( )4, é derivado da multiplicação de ( )2 por ( )2, relativo
aos fatores.
Em relação ao quociente 3,44352 ÷ 0,96 de números decimais, a
operação na época:
No texto de Stevin, os dois números foram divididos como
naturais e, posteriormente, foram estabelecidas as suas casas decimais.
34
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Para Cajori (2007), o desenvolvimento de uma notação para os
números decimais foi vagaroso. Depois de Stevin, os números decimais
foram usados pelo suíço Joost Bürgi (1552-1632), e pelo alemão Johann
Hartmann Beyer (1603), que assume como sua a invenção dos números
decimais, e, em 1603, publicou em Frankfurt uma Logística Decimalis.
Entretanto, Vieté, em 1579, usou a barra vertical para diferenciar a parte
inteira da decimal e em 1592, o italiano Magini colocou a vírgula e Bürgi,
em 1603, simplificou a notação ao eliminar a menção inútil da ordem
das frações decimais consecutivas, colocando abaixo do último algarismo da parte inteira o signo º; por exemplo, 568,326 = 568º 326. No
mesmo ano, Magini substituiu a bolinha por um ponto colocado entre
os algarismos das unidades e dos décimos 568.326. Posteriormente,
Wilbord Snellius substituiu o ponto pela vírgula, no início do século
XVII. (IFRAH, 1992),
Para Cajori (2007), os historiadores da matemática não estão
de acordo sobre quem foi o primeiro a utilizar a notação de ponto ou
vírgula nos números decimais, dentre os diversos candidatos, temos
Jonh Napier, haja vista que exibe tal emprego em sua obra intitulada
Rabdologia, de 1617. Boyer (1996) mostra a notação sugerida por John
Napier, o maior impulso ao uso de frações decimais resultou da invenção dos logaritmos. Embora os primeiros logaritmos publicados por
Napier em 1614 não contivessem frações decimais, elas apareceram na
versão inglesa de Napier – Description, de 1616, e aparecem como hoje,
com um ponto como separatriz decimal. Em 1617, em sua Rabdologia,
em latim, na qual descreveu a computação com o uso de barras, Napier
se referiu à aritmética decimal de Stevin, e propôs o uso de um ponto
ou de uma vírgula como separatriz decimal, a notação 1993,273 (com
a sugestão de um ponto ou vírgula), embora também usasse 821, 2’5”
para o atual 821,25.
Ainda segundo Boyer (1996), na obra de Napier intitulada
Constructio de 1619, o ponto decimal se tornou padrão na Inglaterra,
mas muitos países europeus usam a vírgula decimal. Mesmo hoje,
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
35
apesar do amplo uso da notação decimal, não há uma forma universalmente aceita para a separatriz decimal. Para 3.25 (notação americana),
os ingleses escrevem 3 . 25, e os alemães e franceses usavam 3,25. Essa
diferença de notação no sistema decimal causa problemas, devido à globalização dos meios de comunicação e das calculadoras. Em outros países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo, a vírgula e o
ponto têm, nos números, funções opostas às que têm aqui. Nos Estados
Unidos, o ponto indica que vai iniciar a parte fracionária e a vírgula, de
uso eventual, separa grupos de três algarismos. Daí o fato de as nossas
calculadoras usarem ponto ao invés de vírgulas.
No Brasil, o assunto é regulamentado. A resolução no12, de
12/10/1988, do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (INMETRO), estipula que a parte inteira seja
separada da parte decimal pela vírgula – para efeitos fiscais, jurídicos
ou comerciais, essa mesma resolução rege os casos – e, que o ponto deve
ser usado para separar os algarismos de três em três, a partir da vírgula,
para esquerda ou para a direita. (Ponto ou vírgula, 1992).
Considerações finais
Procuramos mostrar como o uso das frações foi sendo substituído pelo uso dos números decimais; haja visto o cálculo trabalhoso com
as frações sexagesimais, procurou-se então substituir estas pelas frações
decimais, e depois essas, pelos números decimais.
Dessa forma, observamos que os números decimais surgiram
como uma forma de substituir os cálculos com frações, mas no contexto
escolar eles aparecem após o tópico de frações de forma desconectada,
como se não tivessem nenhuma relação com as mesmas.
Em seus cálculos, Stevin (1997) realiza as operações com os
números decimais como se fossem naturais, e somente no final dá a
eles um tratamento decimal, estabelecendo as casas decimais, o que se
repete até os dias de hoje.
36
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Este estudo histórico se mostra relevante para o professor de
modo que o mesmo possa entender a evolução dos números decimais
e o processo das operações com esses números, de tal modo que possa
assim superar alguns obstáculos que dificultam a sua compreensão no
contexto escolar. Como, por exemplo, a função do uso do ponto e da
vírgula na calculadora.
Referências
BOYER, C. B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo:
Edgard Blücher, 1996, 496p.
CAJORI, Floriano. Uma história da Matemática. Rio de Janeiro: Ciência Moderna,
2007, 654p.
IFRAH, George. Os números: a história de uma grande invenção. São Paulo:
Globo, 1992, 367p.
Ponto ou vírgula. Revista do professor de Matemática. São Paulo, n. 21, 1992, p. 25.
STEVIN, Simon. La Disme. Reedição. Paris: ACL-Editions, 1997, 8p.
SUGESTÃO PARA
SALA DE AULA
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
39
••• Proposta 1 •••
As potencialidades pedagógicas
da História da Matemática - Uma
abordagem com alunos da 8ª Série
Tiago Bissi
(IESRS)
O
presente texto relata uma experiência vivida em sala de aula.
Utilizando a História da Matemática como um instrumento
auxiliar no ensino de Equações do Segundo Grau para alunos da 8ª
série, foi proposta uma sequência didática que associava elementos e
fatos históricos ao aprendizado da Matemática. As quatro intervenções
em sala de aula ocorreram no município de Santa Maria de Jetibá – ES.
A pesquisa foi realizada em uma escola pública no centro do município.
A importância de se utilizar a História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem está pautada no fato de que não podemos estudar algo, sem sequer, termos um conhecimento, mesmo que
sucinto, do seu escopo histórico. Corroborando com essa explanação
Rosa Neto (2011, p. 7) afirma que
É muito comum escutarmos em sala de aula o aluno perguntar: “De onde veio isso?”. Conhecer a História da disciplina
que está sendo estudada resolve essa impactante questão
[...]. Mas, não estudar só as descobertas, curiosidades, datas
e biografias.
Logo, conhecer os princípios históricos que regem uma disciplina é de fundamental importância para o professor e para os seus
40
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
alunos. Para Mendes (2006) o uso da história na forma de recurso pedagógico tem como principal finalidade promover um ensino e aprendizagem da Matemática de modo a ressignificar o conhecimento matemático
que foi produzido pela sociedade ao longo do tempo. Através dessa prática, é possível imprimir uma maior motivação na sala de aula durante
a ação docente.
As intervenções realizadas, e aqui descritas, ocorreram no ano
de 2012 na escola e cidade supracitadas. Para o professor de matemática
desejoso em aprimorar as suas aulas com recursos didáticos diferenciados, abaixo estão descritas todas as etapas realizadas até o término das
intervenções.
O primeiro passo consistiu em uma leitura e análise dos referenciais teóricos que abordam a temática da História da Matemática inserida
na Educação Matemática. Em seguida, elaboramos os quatro planos de
aula e todos os materiais necessários para a concretização de seus objetivos. A fim de obter respostas mais relevantes acerca das impressões
dos alunos envolvendo as aulas, elaboramos Diários de Aprendizagem1.
Nesses diários, os alunos são convidados a escrever, após cada aula, as
suas concepções acerca de sua vivência no dia. A escrita é livre, mas
sugerimos que eles esclarecessem dúvidas como as do tipo: A forma que
a matemática lhe foi apresentada foi interessante? Quais as suas descobertas? “Os diários de aprendizagem, ou simplesmente os diários, funcionam como uma importante ferramenta para reflexão” (POWELL e
BAIRRAL, 2006, p.72). Em cada espaço reservado para a escrita, havia
ainda uma frase que se relacionava com os objetivos propostos para a
aula. Incentivamos sempre os alunos a lerem as frases, e a partir delas,
também produzir algo.
O primeiro dia de intervenções foi dedicado às fontes mais
primitivas da Matemática: O Papiro de Rhind e a Tableta de Argila
1 A expressão “Diário de Aprendizagem” é sugerida por Powell e Bairral (2006)
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
41
Plimpton 3222. Para que essas fontes fossem apresentadas de forma mais
dinâmica, foram construídas réplicas, conforme figura a seguir.
RÉPLICAS da Tableta de Argila Plimpton 322 e de parte do Papiro Rhind
Fonte: foto do autor
Fonte: foto do autor
A tableta foi moldada com argila e cunhada com diversos tipos
de palitos; já para o papiro, escurecemos uma folha de papel com o auxílio de café e chá preto e reproduzimos a escrita hierática. Vale ressaltar
que a tableta foi feita obedecendo as medidas originais, o Papiro, por
sua vez, representava apenas um fragmento. Nessa aula busquei expor
de forma clara e objetiva toda a importância matemática daqueles objetos. Falei também, de seu contexto histórico e de como ele influenciou
a Matemática. O retorno foi bastante positivo por parte dos alunos. Eles
mostraram bastante interesse e curiosidade, como mostra algumas frases extraídas de seus Diários de Aprendizagem: “A aula foi muito boa,
o que mais chamou a atenção foram as curiosidades, como o Papiro
2 De acordo com Eves (2011) essas duas fontes matemáticas são as mais primitivas e mais
importantes para o conhecimento matemático. O Papiro de Rhind é uma fonte egípcia
e possui aproximadamente 30 cm de largura por 512 cm de comprimento e se encontra
no museu britânico. A tableta de argila Plimpton 322 representa uma fonte matemática
babilônica, com dimensões 13cm X 9 cm, e faz parte de uma coleção particular
42
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
de Rhind e o Plimpton 322” (Aluno Arquimedes)3. Para encerrar essa
aula, pedi aos alunos que resolvessem dois problemas, extraídos do
Papiro de Rhind. É bastante interessante criar contextos para se ensinar
Matemática, neste caso, o contexto que foi elucidado, era interno à própria Matemática. Nesta aula, a Matemática foi associada ao desconhecido, uma vez que, para a maioria dos alunos, a Matemática, até então,
limitava-se apenas a cálculos sem um aparente significado. Descobrir
teorias e histórias matemáticas foi uma grande surpresa para alguns
alunos.
No segundo dia de intervenção, levamos à sala de aula o vídeo
“Esse tal de Bháskara”. O vídeo trazia de forma criativa a história das
Equações do Segundo Grau. Através desse vídeo, buscamos sintetizar
o universo histórico das equações através da utilização de um recurso
diferenciado.
De acordo com a aluna Hipátia “A aula proporcionou uma visão
maior sobre o que realmente é equação de 2º grau, e devido a isso, foi
boa”. Neste aula, foi possível desmistificar que a fórmula resolutiva para
equações do segundo grau, foi obra exclusiva de uma só pessoa, mas,
que a sua consolidação ocorreu a partir da contribuição do estudo de
vários povos. O aluno Heron escreveu: “Gostei do vídeo falando da
famosa fórmula de Bháskara, das contribuições que cada povo teve para
a Matemática [...]”Ao fim da aula, pedimos para os alunos que resolvessem uma equação sugerida pelo vídeo. Alguns conseguiram resolver e
outros não. Relativo a esse fato, o aluno Diofanto, que não gostava de
fazer contas, escreveu a seguinte frase em seu diário “A aula foi boa, mas
a ideia de fazer cálculos não é legal. Mas com tudo que foi mostrado a
aula foi boa”.
Para a terceira intervenção, utilizamos a resolução de problemas históricos como metodologia do dia. Esta forma de utilizar a
3 Por questões éticas de preservação da identidade, aos alunos atribuí pseudônimos, atribuindo nomes de personagens da história da matemática.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
43
História da Matemática é defendida por muitos autores, como Miguel e
Miorim (2008), e os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (2001).
Acerca dos problemas históricos, Miguel e Miorim (2008, p.48) fazem a
seguinte afirmação:
Podemos considerar a utilização de problemas históricos
como mais um elemento motivador para o ensino de matemática. Realmente, a busca de esquemas motivadores para
as aulas de matemática, via utilização da história, tem se
deslocado mais recentemente de um plano no qual eles são
entendidos de forma meramente externa ao conteúdo do
ensino para outro em que essa motivação aparece vinculada
e produzida no ato cognitivo da solução de um problema.
Já para os PCN, a História da Matemática é vista como uma
forma de se fazer Matemática na sala de aula, sendo objeto constante de
contextualização e de novas informações para os alunos.
Para a terceira intervenção, foram confeccionados três cartazes:
Um com a frase de um escriba4, outro com um problema que se traduzia
em uma Equação do Segundo Grau (Qual é o lado de um quadrado se a
sua área menos o lado mede 56?), e um terceiro cartaz que apresentava a
solução mesopotâmica para a resolução da equação exposta no segundo
cartaz. Comentamos acerca da importância de um escriba, e pedimos
que os alunos solucionassem o problema que estava no quadro. Após as
orientações, entregamos uma atividade extraída da prova do Ifes (2009)
que envolvia um problema histórico eminentemente lógico que está
apresentado a seguir.
4 Escriba era a pessoa que na antiguidade dominava a escrita e a usava para fazer registros,
inclusive, registros matemáticos.
44
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
1) O livro “Al-Jabr Wa’l Mugãbalah”escrito pelo matemático árabe
Al-Khwarizmi, que morreu em 850, tem grande importância na
História da Matemática. Um dos clássicos problemas apresentados pede que se “divida o número 10 em duas partes, de modo
que a soma dos produtos obtidos, multiplicando cada parte por
si mesma seja igual a 58”. Sobre tais partes podemos afirmar que
são:
a) 1 e 9.
b) 2 e 8.
c) 3 e 7.
d) 4 e 6.
e) 5 e 5.
Após a entrega da atividade, comentamos sobre a importância do matemático Al-Khwarizmi para a consolidação das equações.
No momento da resolução, constatamos que o segundo problema, que
envolvia lógica, foi mais rapidamente resolvido. Já o que envolvia processos algébricos e interpretação, não. Neste dia o aluno Descartes, que
tem mais facilidade em Matemática escreveu que achou as questões
simples. O aluno Ramanujan escreveu que está achando interessante
estudar com o auxílio da História da Matemática.
O último dia de intervenção funcionou como uma resposta ao
aprendizado obtido nas aulas passadas. Para tal finalidade, preparamos
um jogo de verdade ou mentira que envolvia toda a temática apresentada nos outros encontros.
Com os grupos já divididos, iniciamos a brincadeira. Elaboramos
30 questões sobre a História da Matemática. O envolvimento dos alunos na aula foi muito bom; participaram ativamente. Poucas foram as
perguntas que eles erraram. Essa forma diferente de se apresentar a
Matemática foi destacada positivamente nos diários de aprendizagem,
como afirmou o aluno Cardano – “A aula de hoje foi interessante, pois
foi relembrado a matemática, é importante essa maneira de ensinar,
pois saíram um pouco da rotina e mostraram que a matemática pode
se aprender brincando”. Conforme os relatos dos alunos, a História
da Matemática presente nas aulas pode contribuir no aprendizado.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
45
Segundo o aluno Giuseppe Peano “Todas essas quatro aulas foram
muito interessantes para aprendermos a história que é muito interessante; os problemas, a brincadeira de hoje também foi muito importante
para o aprendizado de todos. Aprendi muita coisa”.
Durante as quatro intervenções busquei mesclar todas as formas de se ensinar Matemática sugerida por pesquisadores no assunto:
A História da Matemática atrelada ao lúdico e curiosidades (Primeira
e Segunda Intervenções); A História da Matemática revelando a
Matemática como uma ciência viva, portanto com história e contexto
(Segunda Intervenção), e a História da Matemática na Resolução de
Problemas (Terceira Intervenção).
A partir das intervenções, foi possível verificar que ainda
muito pode ser investigado acerca dessa temática. Defendo a ideia de
a História da Matemática ser usada sistematicamente por professores,
pois, conforme verificado, os resultados foram positivos. Seu uso amplia
o conhecimento e mostra uma nova face e uma beleza da Matemática
que é desconhecida por muitos alunos. Espero que a leitura deste
texto auxilie no processo de reflexão, para os envolvidos na área da
Educação Matemática, no que diz a respeito à importância da História
da Matemática, e que as ideias discutidas contribuam para novas pesquisas que envolvam História e Educação Matemática, pois de acordo
com D’Ambrósio (2008, p.12)
Há um grande espaço acadêmico para pesquisa em
História da Ciência no Brasil, particularmente História da
Matemática. Há inúmeras possibilidades de trabalho, adequadas para iniciação científica, para trabalhos de conclusão de curso, bem como para mestrado, doutorado e mesmo
projetos avançados de pesquisa individual e em grupo.
Acredito que todas as informações e dicas aqui expostas, farão
com que professores de Matemática busquem, mesmo que de modo
neófito, a utilização da História nas suas aulas. Os pequenos textos de
46
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
História da Matemática presentes em muitos livros didáticos é uma
ótima forma de iniciar essa busca.
Por fim, acredito que esse texto será útil para todos os
Educadores Matemáticos que buscam um ensino de qualidade. Que ele
possa servir de reflexão, fazendo enxergar, assim, as grandes potencialidades pedagógicas da História da Matemática no contexto da Educação
Matemática.
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Matemática. Brasília: MEC/SEF, 2001.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Uma História concisa da Matemática no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 2008.
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. 5 ed. São Paulo: Unicamp,
2011.
MENDES, Iran A. A investigação histórica como agente a cognição matemática na
sala de aula. In: MENDES, Iran A. A História como um agente de cognição na
Educação Matemática. Rio Grande do Sul: Sulina, 2006.
MIGUEL, Antonio; MIORIM, Maria Ângela. História na Educação Matemática:
propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. (Coleção Tendências em
Educação Matemática)
POWELL, Arthur; BAIRRAL, Marcelo. A escrita e o pensamento matemático:
interações e potencialidades. São Paulo: Papirus, 2006.
ROSA NETO, Ernesto. Didática da Matemática. 12 ed. São Paulo: Ática, 2011.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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••• Proposta 2 •••
Onde está a proporção?
Circe Mary Silva da Silva (UFES)
Q
ual professor de matemática já não ouviu a pergunta: “para que
serve isso ou por que preciso aprender isso?”. Algumas vezes, o
docente está preparado para responder tais perguntas, mas nem sempre.
Seria muito bom que estivéssemos sempre em condições de satisfazer a
curiosidade de nossos alunos e, com isso, motivá-los para a aprendizagem da matemática. Você concorda?
Figura 1: Proporções de medidas no corpo do homem.
Fonte: Vitruvius, De Architectura libri decem, Veneza, 1567, p. 89
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Será que a história da matemática pode ser uma aliada do professor, gerando respostas satisfatórias a essas questões? Acreditamos,
firmemente, nessa premissa, pois a história da matemática permite que
conheçamos melhor as relações dos homens com o conhecimento em
diferentes culturas, tempos e contextos. Assim, ela torna-se forte candidata a fornecer respostas sobre as razões, motivações e necessidades de
produção de conhecimentos matemáticos. A seguir, apresentaremos um
exemplo, a partir do conceito de proporcionalidade.
Um conceito basilar na matemática é o de proporcionalidade.
Sabe quando surgiu? Seria com os gregos? Ou teria surgido com os egípcios ou sumérios? Acreditava-se até há poucos anos em que somente
povos, que dominavam a escrita conhecessem e usassem tal conceito.
Todavia pesquisas recentes em arqueologia comprovam que povos da
pré-história, que viveram na região conhecida como Corredor do Rio
Danúbio, no leste da Sérvia, já utilizavam a ideia de proporcionalidade.
No sítio mesolítico de Lepenski Vir foram encontrados vestígios de
edificações que possuíam medidas internas com proporções similares.
Segundo Almeida (2011, p. 232): “Os comprimentos das laterais das
casas eram três quartos do da fachada, ou seja, a largura da parte traseira
da casa está sempre em uma proporção de 1:3 com os lados, e 1:4 com
a fachada”. Para aprofundar nessa fascinante leitura, sugerimos o livro
O nascimento da Matemática de Manoel Campos de Almeida (2011).
Um conceito conhecido e usado em épocas tão remotas, em culturas que ignoravam a escrita, não pode ser de importância secundária!
Tales de Mileto (cerca de 624 a.C – cerca de 547 a.C), já bem antes de
Euclides (cerca de 325 a.C – cerca de 265 a.C), havia estabelecido que:
Feixes de retas paralelas cortadas ou intersectadas por segmentos transversais formam segmentos de retas proporcionalmente correspondentes. Vejamos a figura 2, que ilustra o teorema de Tales:
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
49
AB A' B'
=
BC B'C '
Figura 2: Feixe de retas paralelas intersectadas
por segmentos transversais
Se forem conhecidas nessa relação três medidas, a quarta será
facilmente determinada. Onde podemos usar isso? Com base nessa
importante relação, Tales conseguiu medir a altura de uma pirâmide
(quando o sol estava numa posição em que a sombra de uma pessoa
coincidia com sua altura), usando apenas um bastão de comprimento
conhecido, a sombra do bastão (mensurável) e a sombra da pirâmide.
Pela semelhança dos triângulos, conclui-se que a altura da pirâmide está
para a sombra da pirâmide, assim como a altura do bastão está para a
sombra do bastão.
Figura 3: Pirâmide e sombra
(fonte:http://www.aceav.pt/blogs/ilidiasuarez/Lists/Artigos/Post.aspx?ID=33)
50
RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Segundo o historiador Heath (1981), provavelmente os resultados obtidos por Tales ocorreram por indução. Após fazer medições para
um considerável número de casos, ele inferiu que se o comprimento da
sombra de um objeto particular é igual ao seu comprimento, isso vale
para outros objetos que produzam sombras. É interessante comentar
com os alunos que desde a antiguidade, os resultados alcançados por
matemáticos foram fruto de um longo e árduo trabalho, os quais também incluíram processos de experimentação.
Numa interessante reflexão, Jean Paul Guichard, em seu artigo
História da Matemática no ensino da Matemática1, traz uma severa crítica à forma árida de introduzirmos o teorema de Tales no ensino, sem
o apelo à sua história. Segundo o autor:
A Geometria é astúcia, faz rodeios, pega uma via indireta
para chegar ao que ultrapassa a prática imediata. A astúcia,
aqui, está no modelo: construir por redução de razão constante um esqueleto da pirâmide. De facto, Thales não descobriu outra coisa além da possibilidade da redução, a ideia
de razão, a noção de modelo. Para uma pirâmide inacessível,
Thales inventa a escala. Thales não descobriu senão isso…
mas os nossos estudantes, durante a sua escolaridade, terão
descoberto ao menos isso? As experiências que pude realizar
em várias turmas mostram que não. E, no entanto, partindo
do problema de Thales (medir a pirâmide) desemboca-se
no coração de uma problemática motivadora que mobiliza
o interesse e a reflexão dos estudantes, em que se modela o
real, em que se sente a utilidade prática que pode ter a matemática, na qual se vêm fundir outros conhecimentos como
1 Este artigo é uma tradução adaptada para o português do artigo de Jean Paul Guichard
-. IREM de Lyon in Bouvier, A. (coord), Didactique des Mathèmatiques, Cedic/Nathan,
1986. Disponível em: < http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/mhist.html>. Acesso em: acesso
em 20 nov. 2013.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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a proporcionalidade. Estamos em presença, pois, da criação
de uma situação didática rica em consequências.
No livro intitulado História da Matemática em atividades didáticas, Miguel et al. (2009, p.143), encontramos uma sugestão de atividade,
envolvendo uma construção prática para o cálculo de alturas:
Escolha uma edificação, um objeto ou uma árvore para que
seja possível executar as tarefas a seguir: selecione uma vara
de madeira, de aproximadamente 110 cm e a coloque fincada verticalmente no solo. Sugerimos que a vara de madeira
seja fincada 10 cm no solo ou então a vara poderá ter 100 cm
se ficar apoiada em uma base de madeira; procure observar
as medidas da sombra da vara e do objeto simultaneamente
em diferentes horas do dia para que seja possível determinar
a altura do objeto a partir das medições; anote os resultados
obtidos durante as observações realizadas; represente geometricamente o fato ocorrido utilizando para isso triângulos
retângulos; construa um gráfico cartesiano representando
as medidas efetuadas por você ao longo dos intervalos de
tempo adotados para as medições.
A proporcionalidade tem um potencial tão fecundo que matemáticos como Euclides e Eudoxio (408 a.C – 355 a.C) dispensaram a
esse conceito abordagens teóricas e aprofundadas. Ao apresentar o segmento de linha chamado quarta proporcional, Euclides (Livro VI, 2)
apelou à geometria das áreas. Para um maior conhecimento sobre essa
história, sugerimos a leitura de Theory of proportion and the geometry of
areas de Carlos Correia de Sá (2000).
Abdounur (2012) nos ensina que Euclides, nos Elementos, não se
refere à igualdade de razões, mas discute sobre igualdade de números e
grandezas e não aborda igualdade entre razões como sendo iguais. Esse
pesquisador propõe um experimento musical com uso do monocórdio,
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
a fim de favorecer a percepção de similaridades entre conceitos musicais
e matemáticos. Sugerimos a leitura de seu artigo Uma abordagem histórico/didática de analogias envolvendo razões e proporções em contexto
musical: um ensaio preliminar. Nesse artigo2 o professor interessado
poderá conhecer atividades envolvendo proporções para serem aplicadas em sala de aula.
A Figura 1, do homem vitruviano, foi imortalizada pelos desenhos magistrais de Leonardo da Vinci (1452-1519). Todavia, foi o italiano Vitruvius (século I a.C) quem afirmou em sua obra Arquitetura
que as medidas do corpo humano são proporcionais.
Existem várias edições dessa obra. Há uma versão em língua
latina de 1567, cujo título é De archictetura libri decem e que está disponível no site3 do Instituto Max-Planck4. Nela, Vitrivius afirma, entre
outras, as seguintes proporcionalidades:
•
A longitude dos braços estendidos de um homem é igual à altura de
um homem.
•
A largura máxima dos ombros é um quarto da altura de um homem.
•
O comprimento da mão é um décimo da altura de um homem.
•
A altura da orelha é um terço da longitude da face.
•
A distância do topo da cabeça para os mamilos é um quarto da
altura do homem.
2O artigo está disponível na página http://revistas.pucsp.br/index.php/emp/issue/
view/536.
3
Disponível
em:
<http://echo.mpiwg-berlin.mpg.de/home/search?searchSimple=
Vitruvius>. Acesso em 12/10/2013.
4 O projeto ECHOS disponibiliza fax-simile de livros antigos e relevantes para a História
da Matemática e História da Ciência no portal do Instituto Max-Planck de História da
Ciência (Berlin). Sugerimos fortemente uma visita a este site a todos interessados em estudos mais aprofundados na História da Matemática.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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Sugestão de atividade para a sala de aula
O professor Humberto José Bortolossi, do Departamento de
Matemática e Estatística da UFF, criou exercícios interessantes usando
o Geogebra (software de matemática dinâmica, e desenvolvido para
o ensino e aprendizagem da matemática). No site http://www.uff.br/
cdme/rza/rza-html/rza-vitruvian-br.html, encontraremos um exercício
para calcular as proporcionalidades do homem vitruviano. Com o uso
do Geogebra, o aluno pode sozinho descobrir essas proporções e concretizar mais esse conceito.
Se o professor não dispuser de um laboratório de informática
para fazer uso do software Geogebra, poderá, experimentalmente, com
uma fita métrica, realizar medições nos próprios alunos e calcular as
proporções (veja a Figura 4). Lembrando que Vitruvius considerava
um “homem ideal”, com simetrias perfeitas e no “mundo real”, possivelmente, encontraremos apenas aproximações dessas relações.
Figura 4: Ilustração do site http://www.uff.br/cdme/rza/rza-html/
rza-vitruvian-original-br.html
Conhecer um pouco sobre a história da educação matemática brasileira é uma forma de nos aproximarmos de autores de livros
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
didáticos do passado. Alguns daqueles que viveram na virada do século
XIX para o XX, já intuíam o papel da história da matemática na educação matemática e dialogavam com seus leitores, trazendo fragmentos
históricos de importantes conceitos matemáticos que abordavam.
Ao introduzirem o capítulo “Razões e proporções”, os professores Aarão Reis e Lucano Reis (1902, p. 572) afirmavam: “Embora só
a Matemática precise a ideia de proporcionalidade, não deixa ela contudo de ser universal e espontânea, sugerida pela semelhança, que a
mais simples observação fornece”. Universal e espontânea – por isso, tão
fecunda! Os mesmos autores apontaram que o conceito de proporção
por muitos séculos era usado em linguagem natural, sem um algoritmo
próprio.
Na falta de um algoritmo para expressar a proporcionalidade,
Leonardo de Pisa, também conhecido como Fibonacci (1170-1250),
utilizou um esquema para explicar a resolução da quarta proporcional
(TROPFKE, 1980, p. 361-362).
Em toda a regra de sociedade aparecem sempre quatro
números em proporção, dos quais três são conhecidos e um
é desconhecido. Exemplificando: Se 100 moedas (Rotuli)
correspondem a 40 onças (libri), quanto corresponderá 5
moedas?
l.R.
40100
5
Multiplique as posições contrárias entre si (sugere multiplicar 40x5) e divida pela restante (dividir por 100).
Em livros como o de Fibonacci, as regras de resolução eram
apresentadas sem explicações detalhadas. Ainda muito distante de uma
simbologia como a moderna, ele resolveu o problema, por meio do
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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auxílio de um esquema. Naturalmente, o esquema já é uma representação e constitui-se num avanço em relação ao uso exclusivo da linguagem natural ou retórica.
Gioseffo Zarlino (1517-1590) introduziu, na música, uma escala
chamada de natural ou justa, usando proporções. Sugerimos a leitura
do livro de Gean Pierre Campos, intitulado Música e Matemática na
Educação: é possível (2012), em que ele apresenta atividades de construção de escalas musicais, empregando o conceito de proporcionalidade.
São atividades simples que podem ser realizadas em sala de aula, com
algum conhecimento mínimo de música.
Em 1795, Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) escreveu um livro
sobre matemática elementar baseado em suas aulas, na Escola Normal.
Nele afirmou:
Da teoria das proporções dependem muitas das regras
da aritmética pois ela é primeiramente o fundamento da
famosa regra de três de uso tão generalizador: sabemos que
quando temos os três primeiros termos, para obtermos o
quarto, basta multiplicar os dois últimos, um pelo outro e
dividir o produto pelo primeiro. Pensou-se em seguida em
várias outras regras específicas que se encontram na maioria dos livros de aritmética. Entretanto, podemos viver
sem elas quando concebemos as características da questão:
existem as regras diretas, inversas, simples e compostas. As
regras de companhia, de ligação, etc, tudo se reduz a regra
de três. Temos apenas que considerar como se encontra a
questão e colocar convenientemente os termos da proporção
(LAGRANGE, 2013, p. 47).
Segundo suas palavras, “tudo se reduz à regra de três”, tudo se
reduz à proporção, mas as aplicações na aritmética são inesgotáveis.
Podemos viver sem muitas fórmulas derivadas da regra de três, mas não
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
sem ela, pois ela é fundamento. Com isso, o matemático Lagrange disse
o essencial sobre a proporcionalidade.
Retomando as nossas perguntas iniciais, acreditamos em ter
motivado um pouco o leitor sobre a história das proporções e ter respondido a um dos porquês, que justificam seu estudo. Para um maior
aprofundamento, sugerimos além das leituras indicadas, buscar outras
atividades, envolvendo proporções para tornar suas aulas mais dinâmicas e agradáveis. Use vídeos5 que abordem o conceito de proporcionalidade, para que os alunos possam visualizar a riqueza desse conceito.
Referências
ABDOUNUR, O. J. Uma abordagem histórico/didática de analogias envolvendo
razões e proporções em contexto musical: um ensaio preliminar. Educ. Matem.
Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.386-397, 2012.
ALMEIDA, M. C. Origens da matemática. Progressiva: Curitiba, 2011.
CAMPOS, G.P. Música e matemática na educação: é possível? Vitória: Faculdade
de Música do Espírito Santo, 2012.
HEATH, S. T. A history of greek mathematics. v.1. New York: Dover, 1981.
LAGRANGE, J. L. Lições sobre matemáticas elementares. Livraria da Física: São
Paulo, 2013.
Miguel, A. ; Brito, A.; Carvalho, D.; Mendes, I. História da Matemática em
atividades didáticas. São Paulo: Livraria da Física, 2009.
5 Consulte os seguintes livros: Videos didáticos de história da matemática: produção
e uso na educação básica de Benedito Machado e Iran Mendes (São Paulo, Livraria da
Física, 2013) e Publicações sobre História da Matemática de Iran Mendes e Circe Mary
Silva da Silva (São Paulo, Livraria da Física, 2013)
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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REIS, A.; REIS, L. Curso Elementar de Mathematica. Aritmética. 2. ed. Francisco
Alves: Rio de Janeiro, 1902.
SÁ, C. C. Theory of proportion and geometry of areas. In: John Fauvel e Jan van
Maanen (Ed.) History in Mathematics Education. Kluwer: Dordrecht, 2000. p.
276-279.
TROPFKE, J. Geschichte der Elementarmathematik. Walter de Gruyter: Berlin,
1980.
VITRUVIUS, M. P. De Architectura libri decem, Veneza, 1567.
BRINCADEIRAS E DIVERSÕES
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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A beleza da estrela da felicidade
Beatriz Cezar Muller
A
o pensar em uma atividade mais lúdica para sala de aula do
Ensino Fundamental ocorreu a ideia de realizar oficinas com os
alunos, em que pudéssemos fazer algum material que se relacionasse
ao estudo da parte de polígonos e poliedros. A proposta foi de acompanharmos o fabrico de “estrelas”, assim nomeadas por imigrantes alemães
que se instalaram desde o meado do século XVIII nas proximidades
do Município de Marechal Floriano – ES, lugar onde residia e estava
em contato com as escolas. Em épocas passadas recentes, era comum a
produção desses enfeites na região. Inclusive, tendo infância no mesmo
local, vi esse objeto exposto pelas residências sobre os armários, prateleiras ou mesmo num tradicional cantinho em que ficavam as produções artesanais familiares.
Era muito comum entre pessoas mais velhas das famílias o
fabrico das “estrelas”. No entanto, a tradição se perdeu e às gerações
mais recentes quase nada chegou relacionado a esse costume cultural.
Na figura 1 há uma foto de família que demonstra uma criança fazendo
pose próxima a essa estrela. Na figura 2, apresenta-se uma estrela confeccionada para comercialização via internet.
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Figura 1: Criança com estrela
Fonte: Foto de família de Beatriz
Cezar Muller
Figura 2: Imagem da “estrela”
Fonte: www.estrelagira.blogspot.
com.br
Lembramos que muitos povos, desde a antiguidade (período
Neolítico e Paleolítico), deixaram registros sobre a utilização da forma
geométrica mais requerida nesse artefato, que é o losango ou rombo1. Os
losangos aparecem desde épocas remotas em símbolos religiosos, amuletos, cartas de jogos, lapidação de jóias, etc. Talvez pela beleza visual
de sua forma geométrica bem simétrica. Inclusive, losangos de ouro
(figura 3) foram encontrados em escavações por William Cunnington2
em um túmulo do chefe de um grupo que foi enterrado próximo às
pedras megalíticas de Stonehenge (ver matéria sobre Stonehenge nesta
mesma revista).
1 Conforme o que consta na definição 22 do Livro I, em Os Elementos de Euclides (c. 300
a.C), o rombo é uma figura quadrilátera com quatro lados iguais, mas não com ângulos
retos. O rombo é substituído por August Legendre, em sua obra Elementos de Geometria
(1793) por losango. Esta denominação, como aprendemos até hoje, teve sua definição
simplificada por Hadamard, em 1898, “losango é um quadrilátero que tem os quatro
lados iguais” (Bongiovanni, 2004).
2 Disponível em < http://www.ibtimes.co.uk/stonehenge-treasure-burial-wiltshire-museum-513382> , acesso em mai. 2012.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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Figura 3: Losango de ouro de cerca de 4.000 anos
Fonte: www.ibtimes.co.uk/
stonehenge-treasure-burial-wiltshire- museum-513382
Como se constroem as “estrelas”
A estrela é feita de 60 losangos revestidos um a um de tecido
(figura 4) e depois costurados uns nos outros, sendo que primeiramente
forma-se grupo de 5 peças que então emolduram as faces um total de
12, (figura 5).
Figura 4: Revestindo o losango de
tecido
Fonte: Foto da autora
Figura 5: Face do dodecaedro
Fonte: Foto da autora
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Depois une-se as faces (figura 6) três a três, formando quatro
peças. Ao final, as 4 peças são unidas para formar o dodecaedro rômbico estrelado (figura 7).
Figura 6: Unindo as faces
Fonte: Foto da autora
Figura 7: “Estrela” pronta
Fonte: Foto da autora
Durante a confecção houve oportunidade para questionar e dialogar a respeito de formas geométricas planas e espaciais, suas características, propriedades e denominações matemáticas dos elementos
(como faces, vértices, lados, diagonais, etc.). Observamos que isso pode
ser feito de acordo com o nível de ensino e o desenvolvimento da turma.
No momento da oficina também foi lembrado que o dodecaedro era considerado pelos Pitagóricos como uma forma mística, pois
mantinha a harmonia das forças cósmicas ao redor, promovendo a cura
e a limpeza energética dos ambientes. Há também a vinculação do referido poliedro com os meses do ano, razão pela qual o objeto já servira
de enfeite de natal com o ensejo de felicitações do ano que logo se inicia
– uma estrela da felicidade. Quanto a Pitágoras e pitagóricos, deixamos a
tarefa para investigarmos mais a respeito e conversarmos em uma próxima aula, pois alguns ficaram curiosos a respeito.
Mesmo sem se reportar a Pitágoras no momento da confecção, a
artesã que nos acompanhou durante a oficina concordou e mencionou a
padronização como mística e mencionou outros nomes dado ao objeto:
giramundo – quando colocado no batente da porta para trazer sorte;
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
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segredo ou cofrinho – pois fora apelidado pelas mulheres que guardavam
o artefato no quarto de costura, com dinheiro que ganharam de suas
mães pelo evento do casamento e queriam manter em segredo para que
seus maridos não soubessem daquela reserva financeira.
Por meio da internet pudemos investigar e encontrar outros
codinomes, como Flor de Maracatu, no nordeste; Carambola, no Paraná;
e em Goiás e Mato Grosso são chamados de Espinheiro ou Agulheiro.
Experimente fazer!
É uma oportunidade de conhecer e dar continuidade às atividades relacionadas com o importante desenvolvimento de ideias geométricas. De acordo com o professor-pesquisador Paulus Gerdes (, p. 16)
“para geometrizar são necessários não só objetos geometrizáveis, mas
também a capacidade de percepção destes objetos”, que sendo integrados a uma cultura poderão despertar atenção e abstração necessárias à
incorporação de elementos e produção de conhecimentos geométricos.
À luz da leitura de D’Ambrosio vemos o enlace da cultura tal
como ele nos relata conceituadamente
“Ao reconhecer que os indivíduos de uma nação, de uma
comunidade, de um grupo compartilham seus conhecimentos tais como a linguagem, os sistemas de explicações, os
mitos e cultos, a culinária e os costumes, e têm seus comportamentos compatibilizados e subordinados a sistemas de
valores acordados pelo grupo, dizemos que esses indivíduos
pertencem a uma cultura” (D’AMBROSIO, 2007, p.18 e 19).
Além disso, mesmo sendo de outras culturas, participar na construção das “estrelas” pode divertir a todos e, ao mesmo tempo, aprender
ou aumentar a habilidade de manejar objetos como régua, traçados de
losangos, moldes para corte e até mesmo a costura simples de união das
peças. Experimente!
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
Referências
BONGIOVANNI, Vicenzo. As diferentes definições dos quadriláteros notáveis.
Revista do Professor de Matemática, São Paulo, v.55, p. 29-32, 2004.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. Elo entre as tradições e a
modernidade, 2 ed.. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
GERDES, Paulus. Sobre o despertar do pensamento geométrico. Curitiba: Editora
da UFPR, 1992.
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Merece ser lido, visto, divulgado
Severino Carlos Gomes (IFRN)
ALEXANDRIA
FICHA TÉCNICA
Título original: AGORA
Diretor: Alejandro Amenábar
Duração: 127 minutos
País: Espanha
Ano: 2009
verbalegis-mb.blogspot.com
O
filme é ambientado no período em que a cidade de Alexandria
– sob o domínio romano – viveu uma das mais violentas rebeliões religiosas da história antiga. Enquanto cristãos, pagãos e judeus
disputavam a soberania da cidade, Hipátia surge como líder na luta
pela preservação da biblioteca de Alexandria e todo o conhecimento ali
depositado.
Diversos aspectos da história das ciências são abordados no
filme envolvendo a filosofia neoplatônica, as observações astronômicas, os conflitos sociais e de gênero, a posição geográfica da cidade, o
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RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014
movimento físico dos corpos, alguns paradigmas da ciência e a matemática grega antiga.
Com relação à história da matemática, a ideia central do filme
reside na busca de Hipátia pela explicação para a órbita da Terra em
torno do Sol. O sistema astronômico vigente era o ptolomaico1 (aristotélico, geocêntrico) no qual os planetas giravam tanto ao redor da Terra
como ao redor de si mesmo em órbitas circulares e, ainda, a Terra ocupava o centro do universo.
Não acomodada com as ideias do sistema ptolomaico, Hipátia
procura na hipótese de Aristarco – “a Terra se move” – uma forma
para descrever a órbita da Terra diferente do pensamento de Ptolomeu.
Porém, deparava-se com uma máxima aristotélica: o céu era uma entidade divina perfeita, portanto os corpos celestes se moviam segundo a
mais perfeita das formas: o círculo.
A solução para tal questão aparece envolvida no cone de
Apolônio e suas seções. A frase atribuída a Hipátia no filme: “Por que
o círculo coexiste com formas tão impuras?”, parece corroborar como
possíveis vestígios dos estudos dela sobre as quatro curvas geradas a
partir do cone. Vale lembrar que não sabemos se Hipátia realmente idealizou uma órbita elíptica da Terra em torno do Sol. Esse feito é atribuído a Johannes Kepler no século XVII.
Além do filme Alexandria recomendamos a leitura de:
DZIELSKA, Maria. Hipátia de Alexandria. Tradução: Miguel Serras
Pereira. Lisboa: Relogio D’aqua. 2009.
1 Claudio Ptolomeu publicou o tratado astronômico Almagesto (Syntaxis mathematica)
como base para descrever o sistema ptolomaico. O Almagesto foi usado como livro texto de astronomia por muitos séculos até que a visão heliocêntrica sobrepujou a visão
geocêntrica.
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Chamada para submissão
de artigos
Ligia Arantes Sad
Bernadete Morey
A
RHMP tem o objetivo de constituir-se num instrumento de
divulgação de trabalhos relativos à articulação entre a história
da matemática e a educação matemática. Publica artigos em história da
matemática, relatos de experiências educacionais envolvendo a história
da matemática, proposta de atividade envolvendo história da matemática para sala de aula de matemática, curiosidades e aprofundamentos
em história da matemática, resenhas, jogos que envolvam a história da
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