1 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer

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1 Vol XX 2011 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 20, nº 1, Março 2011
20|
1
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2011 Volume | XX Número | 01
Directora | Editor-in-Chief | Sílvia Álvares; Director Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Directora Executiva | Executive Editor | Margarida Lima
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves
Corpo Redactorial | Editorial Board
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Porto (MJD - CHP); Armando Pinto, Instituto Português de
Oncologia Francisco Gentil (IPOPF-G); Carmen Carvalho,
MJD - CHP; Conceição Mota, Hospital Maria Pia (HMP –
CHP); Cristina Rocha, Centro Hospitalar de Entre Douro e
Vouga (CHEDV); Gustavo Rocha, Hospital São João (HSJ),
João Barreira, HSJ; Laura Marques, HMP - CHP; Margarida
Guedes, HMP - CHP; Miguel Coutinho, HMP - CHP; Rui
Almeida, Hospital Pedro Hispano - Unidade Local de saúde
Matosinhos (HPH – ULSM).
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, HMP - CHP; Maria
do Carmo Santos, HMP - CHP; Tojal Monteiro, Instituto de
Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, Centro de
Genética Médica Jacinto Magalhães - Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge (CGMJC – INSA, I.P.)
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo,
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP);
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho,
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC); Fátima Pinto,
Hospital de Santa Marta (HSM); Maria Ana Sampaio, Hospital Cruz Vermelha (HCV), Maria João Baptista, (HSJ); Paula
Martins, Hospital Pediátrico Coimbra (HPC), Rui Anjos, Hospital de Santa Cruz (HSC); Sílvia Álvares, (HMP - CHP).
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Carla Moreira,
Hospital Braga – Escala Braga (HB – EB), Armando Pinto,
IPOPF-G; Carla Carvalho, Hospital Santa Maria Maior
(HSMM); Conceição Santos Silva, Centro Hospitalar da Póva
de Varzim - Vila do Conde (CHPV-VC); Fátima Santos, Centro
Hospitalar de Vila Nova de Gaia - Espinho (CHVNG-E); Inês
Azevedo, HSJ; Isolina Aguiar, Centro Hospitalar do Alto Ave
(CHAA); Joaquim Cunha, Centro Hospitalar do Tâmega e
Sousa (CHTS); Susana Tavares, Centro Hospitalar de Entre
Douro e Vouga (CHEDV); Cármen Carvalho, MJD - CHP;
Rosa Lima, HMP - CHP; Soa Aroso, HPH - ULSM; Sónia
Carvalho, Centro Hospitalar do Médio Ave (CHMA).
Caso Dermatológico – Manuela Selores, Hospital de Santo
António (HSA) - CHP; Susana Machado, HSA - CHP
Caso Electroencefalográco – Rui Chorão, HMP - CHP
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, HMP - CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, HMP - CHP
Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, HMP - CHP;
Margarida Reis Lima, Hospitais Privados de Portugal (HPP)
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HMP - CHP, ICBAS
Consultor Técnico | Consultant
Gama de Sousa, Porto
Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica |
| Advisor of Epidemiology and Biostatistics
Maria José Bento, IPOPF-G
Conselho Cientíco Nacional |
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Paz, Madrid
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Madrid
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2011, vol XX, n.º 1
número1.vol.XX
7 Editorial
9 Artigos Originais
Sílvia Álvares
Atrésia das vias biliares extrahepáticas: estudo clínico retrospectivo
Ermelinda Silva, Margarida Medina, Paula Rocha,
Berta Bonet, J. A. Ferreira de Sousa, Carlos Enes
16
Impacto da doença crónica na adolescência
Sónia Santos, Elisabete Santos, Alzira Ferrão, Carlos Figueiredo
20 Casos Clínicos
Trombocitopenia severa neonatal
Amélia Moreira, Maria José Vale, Joana Neves, Clara Paz Dias
23
Hemoperfusão com carvão activado na intoxicação grave por carbamazepina
Maria José Cálix, Márcia Gonçalves, José Manuel Castro,
Ana Ventura, Marta Vila Real, António Vilarinho
26 Artigo de Revisão
NIDCAP®: uma losoa de cuidados
Andrea Oliveira Santos
32 Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar
Mielite transversa aguda
Maria João Sampaio, Ana Garrido, Maria João Oliveira,
Ana Vilan, Rui Almeida, Joaquim Cunha
do Norte
35 Artigo Recomendado
38
40 Perspectivas Actuais em Bioética
Helena Mansilha
Maria do Carmo Santos
Privacidade e sigilo em deontologia prossional:
uma perspectiva no cuidar pediátrico
Soa Nunes
NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Cardiologia Pediátrica na Prática
45 AClínica
Insuciência respiratória aguda: quando o tempo conta...
Miguel Fonte, Ana C. Braga, Luísa Lopes, Ana Guedes, J. Pombeiro Veloso,
Teresa Vaz, José Monterroso, Mónica Rebelo, Manuel Ferreira,
Albino Pedro, Elisa Proença
49 Qual o seu Diagnóstico?
Caso electroencefalográco
Sandrina Martins, Luís Ribeiro, Miguel Fonte, Rui Chorão
51
Caso endoscópico
Fernando Pereira
53
Caso estomatológico
José M. S. Amorim
55
Caso radiológico
Filipe Macedo
57 Pequenas Histórias
Uns e... os outros
Margarida Guedes
do Prémio
58 Regulamento
Nascer e Crescer
59 Normas de Publicação
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2011, vol XX, n.º 1
number1.vol.XX
7 Editorial
9 Original Articles
Sílvia Álvares
Biliary atresia: retrospective clinical study
Ermelinda Silva, Margarida Medina, Paula Rocha, Berta Bonet, J. A. Ferreira de
Sousa, Carlos Enes
16
Impact of chronic disease in adolescence
Sónia Santos, Elisabete Santos, Alzira Ferrão, Carlos Figueiredo
20 Case Reports
Severe neonatal thrombocytopenia
Amélia Moreira, Maria José Vale, Joana Neves, Clara Paz Dias
23
Hemoperfusion with activated charcoal in the treatment
of severe poisoning by carbamazepine
Maria José Cálix, Márcia Gonçalves, José Manuel Castro,
Ana Ventura, Marta Vila Real, António Vilarinho
26 Review Article
NIDCAP®: a philosophy of care
Andrea Oliveira Santos
32 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting
Acute transverse myelitis
Maria João Sampaio, Ana Garrido, Maria João Oliveira,
Ana Vilan, Rui Almeida, Joaquim Cunha
35 Recommended Article
38
40 Current Perspectives in Bioethics
Helena Mansilha
Maria do Carmo Santos
Privacy and secrecy in professional deontology:
a perspective in paediatric care…
Soa Nunes
NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Cardiology in Clinical
45 Paediatric
Practice
Acute respiratory failure: when time matters...
Miguel Fonte, Ana C. Braga, Luísa Lopes, Ana Guedes, J. Pombeiro Veloso,
Teresa Vaz, José Monterroso, Mónica Rebelo, Manuel Ferreira,
Albino Pedro, Elisa Proença
49 What is your Diagnosis?
EEG case report
Sandrina Martins, Luís Ribeiro, Miguel Fonte, Rui Chorão
51
Endoscopic case
Fernando Pereira
53
Oral pathology case
José M. S. Amorim
55
Radiological case
Filipe Macedo
57 Short Stories
This... and the others
Margarida Guedes
58 Nascer e Crescer Prize’s Instructions
59 Instructions for Authors
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
editorial
Os progressos da ciência e da tecnologia nas últimas décadas, a melhoria das
condições socio-económicas foram factores determinantes na evolução do estado
de saúde das populações. A Pediatria beneciou igualmente destes avanços, estando hoje confrontada com uma população crescente de crianças e adolescentes
com doença crónica que exigem uma abordagem pluridisciplinar, abrangendo, não
só os cuidados de saúde mas, também, a educação e o serviço social. Também o
alargamento da idade pediátrica aos 18 anos abriu novos desaos nas instituições
hospitalares cuja estrutura não sofreu, paralelamente, as modicações estruturais
fundamentais para receberem esta nova população de doentes com necessidades
particulares. A sobrevida de jovens com patologias complexas, consideradas até há
algum tempo rapidamente fatais, nomeadamente as doenças metabólicas, cardíacas, neurológicas, entre outras, obriga a uma mudança nos serviços de saúde de
modo a preparar a sua transição para os serviços de adultos, sem que haja interrupção na prestação de cuidados. Estão identicadas várias questões fulcrais para
o sucesso do processo da transição de um serviço pediátrico, centrado no doente
e família, para um serviço de adultos, das quais salientamos a acessibilidade aos
cuidados de saúde, o treino dos especialistas de adultos no tratamento de patologias crónicas anteriormente limitadas à idade pediátrica, o estabelecimento de
um sistema de comunicação coordenada e envolvente entre os doentes, famílias,
pediatras e especialistas de adultos.
Muito embora um programa de transição deva ser individualizado, tendo em
conta a situação clínica do doente e o seu desenvolvimento, é importante desenvolver uma estratégia de actuação dos serviços, adequada às condições existentes e
simultaneamente exível. É importante que a preparação deste processo comece
cedo (a Academia Americana de Pediatria recomenda o seu inicio aos 12 anos),
proporcionando informação aos pais sobre a doença crónica e preparando a autonomia do adolescente para que ele próprio seja um interveniente activo no processo. A ansiedade dos pais face a uma doença crónica leva muitas vezes a uma
sobreprotecção que diculta a transferência da responsabilidade da “gestão” da
doença para o adolescente. A actividade física, os comportamentos de risco, a sexualidade, o aconselhamento genético e a orientação prossional não podem ser
esquecidos na abordagem global do doente.
editorial
7
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
A falta de experiência dos serviços de adultos em patologias da idade pediátrica,
de que são exemplo as doenças metabólicas ou as cardiopatias congénitas, diculta
a transferência para estes serviços, sendo essencial o investimento na formação dos
prossionais para que haja continuidade dos cuidados. Acresce que nem sempre o
ambiente dos serviços de adultos oferece o apoio social e humano a que estes doentes e famílias se habituaram, o que pode levar ao abandono do seguimento.
A articulação com os cuidados primários de saúde não pode ser esquecida.
É frequente nas situações de doença crónica uma ligação muito estreita da família
e criança aos serviços pediátricos, deixando de fora o médico de família. Há que
melhorar a comunicação entre os cuidados primários e diferenciados, respeitando
as competências destas duas vertentes.
Têm-se implementado vários modelos no processo de transição. Este terá que
ser adaptado às condições estruturais e de funcionalidade das unidades de saúde.
Os nossos objectivos estão bem denidos: manter cuidados de saúde de qualidade
e ininterruptos na passagem da adolescência para a vida adulta. A implementação
do modo de concretização é mais difícil, exige um esforço empenhado e uma nova
cultura organizacional, um diálogo constante entre doente e família e os vários níveis de prestação de cuidados. A estratégia tem de ser conjunta e com base num
trabalho de equipa multidisciplinar.
Sílvia Álvares
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editorial
NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Atrésia das vias biliares extrahepáticas:
estudo clínico retrospectivo
Ermelinda Santos Silva1, Margarida Medina1, Paula Rocha2, Berta Bonet3, J.A. Ferreira de Sousa3, Carlos Enes3
RESUMO
Objectivo: Conhecer o comportamento de uma população
de doentes com atrésia das vias biliares nas distintas fases da
doença e determinar a sua sobrevida e factores prognósticos.
Doentes e Métodos: Estudo retrospectivo, transversal,
descritivo, incluindo os doentes com atrésia das vias biliares
diagnosticados e tratados de Janeiro de 1992 a Dezembro de
2007; este período foi subdividido em duas partes: P1 de Janeiro
de 1992 a Dezembro de 1999 e P2 de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007.
Foram analisadas as seguintes variáveis: dados clínicos e
bioquímicos; achados imagiológicos, histológicos e cirúrgicos;
idade de realização do Kasai; realização de transplante hepático
e resultado.
Resultados: Foram atendidos 15 doentes (seis em P1 e
nove em P2). O tempo mediano entre a admissão e a portoenterostomia (PE) de Kasai foi 10 dias (14 dias em P1; 7 dias em
P2). A idade mediana de execução da PE de Kasai foi 58 dias
(89 dias em P1; 45 dias em P2). A PE de Kasai funcionou em
46,67% (33,33% em P1; 55,56% em P2). A sobrevida global aos
cinco anos foi 83.33% (66,67% em P1; 100% em P2). A sobrevida com fígado nativo aos cinco anos foi 41.67% (16,67% em P1;
66.67% em P2).
Conclusões: Apesar do número reduzido de doentes operados/ano (1,125 doentes) os resultados em P2 são comparáveis aos observados nos centros europeus de referência. Esta
melhoria foi obtida à custa dum diagnóstico mais precoce, com
consequente diminuição da idade de execução da PE Kasai;
acresce também a importância da experiência acumulada pela
equipa ao longo dos anos.
Palavras-chave: Atrésia das vias biliares, colestase neonatal, transplante hepático
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 9-15
INTRODUÇÃO
A atrésia das vias biliares extrahepáticas (AVBEH) é uma
entidade rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por uma
bro-obliteração inamatória progressiva dos ductos biliares ex-
__________
1
2
3
S. Gastrenterologia Pediátrica, CHPorto-HMPia
S. Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, CHPorto-HMPia
S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto-HMPia
tra e intrahepáticos, que ocorre exclusivamente nos primeiros
meses de vida. Os casos não tratados evoluem para colestase
crónica, cirrose biliar e morte nos primeiros dois anos de vida(1).
A falta de conhecimento da patogenia da AVBEH tem impedido maiores progressos no seu tratamento. Compreender a
etiologia e os mecanismos patogénicos da AVBEH é actualmente
um dos maiores desaos da Hepatologia Pediátrica, já que nenhuma outra doença hepática produz mortalidade e morbilidade
equivalentes sem transplante na idade pediátrica.
O tratamento recomendado actualmente é sequencial: nas
primeiras semanas de vida a realização da portoenterostomia
(PE) de Kasai(2), ou suas variantes técnicas, com o objectivo de
restabelecer o uxo biliar para o intestino; no caso de insucesso
desta operação e/ou complicações graves da cirrose será necessário efectuar um transplante hepático (TRH)(3).
O prognóstico dos doentes com AVBEH melhorou dramaticamente nas últimas décadas. Depois do aparecimento da PE
de Kasai nos anos 60 e do TRH nos anos 80, a sobrevida global
dos doentes com AVBEH nos países desenvolvidos é próxima
dos 90% aos 5 anos(4,5,6), mas menos de um quarto dos doentes
atinge a idade adulta com o fígado nativo(7,8,9). Nos sobreviventes, a percentagem de doentes transplantados depende dos resultados da PE de Kasai e da duração do seguimento.
Vários factores de prognóstico têm sido identicados. Alguns estão relacionados com características da doença e não
podem ser modicados: o prognóstico é pior quando a AVBEH
está associada a síndrome polimalformativo, quando é completa
(tipo 4 da classicação francesa), e quando a brose hepática
é extensa no momento da realização da PE de Kasai. Outros
factores prognósticos estão relacionados com a abordagem
diagnóstica e terapêutica e podem ser melhorados: precocidade
do diagnóstico e da realização da PE de Kasai, experiência do
centro no tratamento destes doentes, e acessibilidade a TRH(10).
Apresentamos os resultados de um estudo retrospectivo,
transversal, descritivo, dos doentes tratados num centro português, com um número reduzido de doentes operados/ano, em
que ao longo dos anos foram efectuados progressos no sentido
de efectuar um diagnóstico mais precoce, e de concentrar o tratamento dos doentes na mesma equipa médica e cirúrgica.
DOENTES E MÉTODOS
Foram analisados os registos de todos os doentes admitidos no Hospital de Crianças Maria Pia com AVBEH entre Janeiro
de 1992 e Dezembro de 2007 (16 anos). Este período foi ana-
artigo original
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
lisado na globalidade e depois foi subdividido em duas partes:
primeira parte (Janeiro de 1992 a Dezembro de 1999) – P1, e
segunda parte (Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007) – P2.
Critérios de inclusão:
Doentes com AVBEH diagnosticada com base em critérios
clínicos, bioquímicos, imagiológicos, histológicos e cirúrgicos, todos concordantes com AVBEH.
Análise dos registos:
Os dados analisados incluíram: data de nascimento; dados
clínicos e bioquímicos do período pré, peri, e pós Kasai; achados
imagiológicos, histológicos e cirúrgicos; tempo entre a admissão
e a realização do Kasai; idade de realização do Kasai; realização
ou não de transplante hepático; resultado nal; data da última
observação em consulta de seguimento; causa de morte; causas
para a não realização de Kasai ou de transplante hepático.
A classicação macroscópica da AVBEH foi baseada no
padrão anatómico do remanescente biliar extrahepático de acordo com a classicação francesa: tipo 1 (atrésia biliar limitada ao
ducto hepático comum), tipo 2 (quisto biliar no hilo hepático comunicando com ductos biliares intra-hepáticos distrócos, tipo 3
(vesícula biliar, ducto cístico, e ducto biliar comum patentes), e
tipo 4 (atrésia biliar extrahepática completa).
A PE de Kasai ou suas modicações bem como o transplante hepático estiveram disponíveis para todos os doentes durante este período.
O sucesso da PE de Kasai foi denido como resolução
completa da icterícia e bilirrubina total < 20 mol/l. Um resultado parcial foi denido para valores de bilirrubina total de 20-50
mol/l. Um insucesso foi denido como valores de bilirrubina que
nunca baixaram para < 50 mol/l.
Antes de 1994 todos os doentes candidatos a transplante
foram referenciados a centros europeus. A partir de 1994 o TRH
passou a ser realizado no único centro de transplante hepático
pediátrico português (Coimbra), excepto em situações de especial diculdade técnica, para as quais se recorreu ao centro de
Bruxelas.
A equipa responsável pelo tratamento destes doentes
foi composta por duas pediatras (as mesmas ao longo dos 16
anos), e dois cirurgiões pediátricos (os mesmos dois cirurgiões
na segunda parte do período analisado).
RESULTADOS
Foram admitidos 15 doentes (cinco de sexo feminino e 10
de sexo masculino) com o diagnóstico de AVBEH, entre Janeiro
de 1992 e Dezembro de 2007 (16 anos). Seis doentes no período
denido como primeira parte da série (Tabela 1) e nove doentes
no período denido como segunda parte da série (Tabela 2).
Vericamos que todos os doentes efectuaram hemograma, doseamento de bilirrubinas e enzimas hepáticas, urocultura,
doseamento sérico de alfa-1-antitripsina, observação do fundo
ocular, ECG e Ecocardiograma 2D; todos os doentes efectuaram
ecograa abdominal que excluiu a presença de quisto do colé-
10
artigo original
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doco mas não forneceu informações conclusivas em relação ao
diagnóstico de AVBEH.
O cintilograma hepatobiliar com IDA foi efectuado em quatro
doentes de P1 (não foi efectuado nos dois que se apresentaram
após os 120 dias de vida), e nos primeiros cinco de P2. A partir
de 2006 nenhum doente efectuou este exame complementar de
diagnóstico.
Em todos os doentes foi efectuada biópsia hepática per-operatória, e em todos os achados histológicos foram concordantes com o diagnóstico de AVBEH.
Catorze doentes apresentaram AVBEH de tipo 4 e apenas
um doente uma AVBEH de tipo 3. Nenhum doente era portador
de síndrome de poliesplenia (AVBEH sindromática). Uma doente
era portadora de déce de alfa-1-antitripsina (fenótipo SZ) e esta
associação colocou algumas dúvidas no diagnóstico de AVBEH,
esclarecidas pela colangiograa per-operatória.
O intervalo mediano entre a admissão do doente no hospital
e a realização da PE de Kasai foi de 10 dias (4-26 dias). Em P1
foi de 14 dias (5-26 dias) e em P2 foi de sete dias (4-20 dias).
Portoenterostomia de Kasai
A PE de Kasai foi efectuada em 14 dos 15 doentes; num
doente de P1 não foi efectuada por ter sido referenciado já com
128 dias de vida.
A idade mediana de realização da PE de Kasai foi de 58
dias (31-126 dias). Em P1 foi de 89 dias (63-126 dias) e em P2
foi de 45 dias (31-63 dias).
Em P1 não foi usado nenhum protocolo estandardizado de
tratamento médico no pós-operatório. Em P2 todos os doentes
efectuaram no pré-operatório prolaxia antibiótica com neomicina, via oral, durante 24 horas, e no pós-operatório cefoxitina, por
via endovenosa, durante sete dias, seguida de cotrimozaxol, via
oral, durante um ano, e ácido ursodesoxicólico 20 mg/kg/dia, via
oral, dividido em duas tomas diárias, a partir do sétimo dia, e que
mantêm permanentemente.
O doente nº 10, portador de AVBEH de tipo 3, aos 33 dias
de vida foi submetido com sucesso a uma hepaticoportocolecistostomia. Por ter voltado a ter fezes acólicas e bilirrubina total >
50 mol/l, na ausência de infecção, foi submetido a PE de Kasai
aos 54 dias, com sucesso.
O doente nº 12 sofreu uma deiscência da anastomose distal e peritonite em D10 de pós-operatório, tendo necessitado de
reintervenção cirúrgica e alimentação parentérica total durante
duas semanas. A PE de Kasai que era funcionante deixou de o
ser e a evolução ulterior foi para a cirrose biliar com trombose
da veia porta.
Apenas a doente nº 15, com fezes parcialmente pigmentadas pós-Kasai, efectuou tratamento com corticoesteróide.
Vericou-se uma melhoria do uxo biliar e redução da hiperbilirrubinemia para metade dos valores iniciais (de 204 para 102
mol/l,), mas nesta altura a doente teve uma colangite bacteriana e após cobertura antibiótica de largo espectro as fezes voltaram a pigmentar mas a hiperbilirrubinemia manteve-se.
Todos os doentes tiveram um episódio de colangite bacteriana no primeiro mês de pós-operatório, excepto um. Apenas
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ano 2011, vol XX, n.º 1
dos devido a complicações de hipertensão portal. Os sete doentes cuja bilirrubina total permaneceu superior a 50 mol/l foram
submetidos a transplante hepático (cinco doentes) ou faleceram
em lista (dois doentes).
um doente teve colangites de repetição após o primeiro ano de
vida (doente nº 10). Este doente não tem sinais de hipertensão
portal e entre os episódios de colangite as bilirrubinas e as enzimas hepáticas são normais. A ecograa não evidencia dilatação
das vias biliares intrahepáticas e o cintilograma hepatobiliar com
IDA não mostrou atraso na eliminação do radiofármaco ao nível
da ansa em Y de Roux.
Sobrevida com fígado nativo
A sobrevida com fígado nativo aos um, dois, cinco e 10 anos,
é apresentada na Tabela 3. A sobrevida com fígado nativo após
PE de Kasai esteve fortemente associada ao sucesso desta operação. Em doentes com sucesso da PE de Kasai a sobrevida com
fígado nativo foi de 100% (5/5) aos dois anos e aos cinco anos.
Em doentes com insucesso na PE de Kasai a sobrevida com fígado nativo foi de 0% (0/7) aos dois anos. A sobrevida mais longa
com fígado nativo, neste grupo de doentes, foi de 21 meses.
Resolução da icterícia após operação de Kasai
Após a PE de Kasai a bilirrubina total normalizou em sete
dos 14 doentes (33.33% de P1 e 55.5% de P2), e manteve-se
superior a 50 mol/l nos restantes. Cinco dos sete doentes cuja
bilirrubina total voltou ao normal não precisaram de transplante
hepático até ao momento. Os restantes dois foram transplanta-
Tabela 1 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: características clínicas dos doentes de P1 (1992 – 1999)
Caso
nº
DN
Sexo
Admissão
Kasai (dias)
Idade Kasai
(dias)
Resultado
Kasai
Tipo
anatómico
Observações
1
20/07/92
Fem
26
63
F
4
-
2
04/08/92
Masc
13
84
NF
4
-
3
28/09/92
Masc
10
128
não
efectuado
4
-
4
03/03/95
Masc
26
64
F
4
-
5
05/03/96
Fem
5
126
NF
4
-
6
17/11/98
Masc
16
94
NF
4
-
Sobrevida /
Estado actual
Viva c/fígado nativo
(s/ HTP)
Falecido em lista para
TRH
Vivo c/ 2 TRH:
aos 8M e aos 5A 6M
Vivo c/ TRH aos
2 A 3M (por HTP)
Falecida em lista para
TRH
Vivo c/ TRH
aos 21 M
Idade actual
(Fev. 2011)
18 A 7M
Falecido aos
17 M
18 A 5M
15 A 11M
Falecida aos
8M
12A 3M
Tabela 2 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: características clínicas dos doentes de P2 (2000 – 2007)
Caso
nº
DN
Sexo
Admissão
Kasai (dias)
Idade Kasai
(dias)
Resultado
Kasai
Tipo
anatómico
Observações
7
23/04/00
Masc
4
50
NF
4
-
8
26/06/00
Fem
16
31
NF
4
Déce de alfa-1-antitripsina
(SZ)
9
12/11/00
Masc
7
47
F
4
-
10
29/09/01
Masc
10
33
F
3
HPC aos 33 dias
Kasai aos 54 dias
11
19/09/05
Fem
20
38
F
4
-
12
14/02/06
Masc
5
41
NF
4
Deiscência da anastomose
distal em D10 de pós-operatório
13
02/02/07
Fem
10
45
F
4
-
14
25/02/07
Masc
4
58
F
4
-
15
03/04/07
Masc
4
63
NF
4
-
Sobrevida /
Estado actual
Vivo c/ TRH aos
14 M
Viva c/ TRH aos
16M e re-transplantada
Vivo c/ TRH aos
6 A 9M (por HTP)
Vivo c/ fígado nativo
(s/ HTP)
Viva c/ fígado nativo
(s/ HTP)
Vivo c/ TRH aos
13M
Viva c/ fígado nativo
(s/ HTP)
Vivo c/ fígado nativo
(s/ HTP)
Vivo c/ TRH aos
11M
Idade actual
(Fev. 2011)
10A 10M
10A 8M
10A 3M
9A 5M
5A 5M
5A
4A
4A
3A 10M
Legenda: F – Funcionante; NF – Não Funcionante; TRH – Transplante hepático; HTP – Hipertensão portal;
HPC – Hepatoportocolecistostomia; c/ - com; s/ - sem; Fem – femimino; Masc – masculino; A – anos; M – meses
artigo original
original article
11
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Transplante hepático e sobrevida após transplante
O TRH foi necessário em 10 doentes, incluindo um sem PE
de Kasai prévia. Portanto, 10 em 14 doentes (71,43%) necessitaram de TRH após PE de Kasai. Seis doentes foram transplantados antes dos dois anos de idade por cirrose biliar com colestase
crónica, e dois com PE de Kasai funcionante e sem icterícia foram transplantados por complicações de hipertensão portal. Dois
doentes de P1, com PE de Kasai não funcionante, faleceram em
lista de espera para transplante.
No total foram efectuados 10 transplantes em oito doentes,
incluindo dois retransplantes. Oito transplantes foram efectuados no centro de transplante de Coimbra, e dois no centro de
transplante de Bruxelas (o primeiro transplante do doente nº 3, e
o transplante do doente nº 12). Apenas um doente recebeu um
transplante de dador vivo (o doente nº 12).
O TRH foi realizado numa idade mediana de 15 meses (8-81 meses). Todos os doentes estão vivos após o transplante,
com um seguimento mediano de 114 meses (35-213 meses).
Sobrevida global
A sobrevida global dos doentes com AVBEH aos um, dois,
cinco e 10 anos é apresentada na Tabela 3.
Na Tabela 4 apresentamos um algoritmo com o estado actual dos doentes correlacionado com a execução e o funcionamento da PE de Kasai.
DISCUSSÃO
Apesar do prognóstico dos doentes com AVBEH ter melhorado signicativamente nas últimas décadas, esta doença
continua a ser a principal indicação de transplante hepático em
Tabela 3 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: casuística do Hospital de Crianças Maria Pia
Nº total doentes operados
(nº doentes operados/ ano)
Admissão PE Kasai
(mediana)
Idade de execução da PE de Kasai
(mediana)
PE de Kasai funcionante
Sobrevida c/ fígado nativo
1 Ano
2 Anos
5 Anos
10 Anos
Sobrevida global (PE Kasai + TRH)
1 Ano
2 Anos
5 Anos
10 Anos
1992-1999 (8 anos)
2000-2007 (8 anos)
1992-2007 (16 anos)
6 (0,75/ano)
9 (1,125/ano)
15 (0,94/ano
14 dias
7 dias
10 dias
89 dias
45 dias
58 dias
33,33%
(2/6)
55,56%
(5/9)
46,67%
(7/15)
66,67%
33,33%
16,67%
16,67%
(4/6)
(2/6)
(1/6)
(1/6)
83,33% (5/6)
66,67% (4/6)
66,67% (4/6)
66,67% (4/6)
89,89%
55,56%
66,67%
0%
100%
100%
100%
100%
(8/9)
(5/9)
(4/6)
(0/3)
(9/9)
(9/9)
(6/6)
(3/3)
80,00%
46,67%
41,67%
11,11%
(12/15)
(7/15)
(5/12)
(1/9)
93,33%
86,67%
83,33%
77,78%
(14/15)
(13/15)
(10/12)
(7/9)
Tabela 4 – Atrésia das vias biliares extrahepáticas: 1992 – 2007 (16 anos = 15 doentes)
12
artigo original
original article
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
idade pediátrica; nenhuma outra doença produz mortalidade e
morbilidade idênticas.
Vários tipos de estratégia têm sido tentados para obter uma
melhoria de resultados inuenciando factores como a precocidade do diagnóstico e da realização da PE de Kasai, e a experiência do centro no tratamento destes doentes e acessibilidade
a TRH(10).
Em Taiwan, onde a incidência da doença é muito elevada
(37/100000)(11), conseguiu-se uma assinalável melhoria dos resultados com o programa de rastreio universal aos 30 dias de vida,
através do método do cartão com fotograas da cor das fezes(11,12).
A percentagem de doentes submetidos à PE de Kasai antes dos
60 dias de vida aumentou signicativamente e não houve doentes
a efectuar a PE de Kasai depois dos 90 dias. A percentagem de
doentes sem icterícia aos três meses pós-Kasai passou de 37%
(dados de 1976-2000) para 59.5% (2004-2005)(12).
A incidência de AVBEH na Europa, baseada numa compilação de estudos, será de 5 a 6/100000 nascimentos1, bastante
inferior à registada em certos países asiáticos.
No Reino Unido (incidência de 6.0/100000) (13) (cerca de
650000 nascimentos/ano) dois estudos mostraram uma grande
variação na sobrevida com fígado nativo em função da experiência dos centros. Estes resultados levaram à centralização dos
doentes com AVBEH em três centros, aptos a tratar os doentes
do diagnóstico ao TRH. Esta política provou ser eciente pois
levou a uma melhoria dos resultados(4,13,14).
Em França (incidência de 5.1/100000)(15) (cerca de 800000
nascimentos/ano) foi observada uma mesma discrepância de resultados, de acordo com o número de doentes operados/ano,
o que levou à criação do Observatório Francês da AVBEH e à
promoção de uma colaboração aumentada entre centros, para
estandardização de procedimentos e optimização de resultados(16). Esta política foi menos ecaz (a sobrevida com fígado
nativo permaneceu inalterada no centro que realizou mais de
20 operações/ano, melhorou de 31% para 45% nos centros que
realizaram 3-5/ano e permaneceu baixa nos centros que realizaram um número inferior ou igual a 2/ano(5).
Em Portugal, país com cerca de 100 000 nascimentos/ano,
de acordo com a incidência da doença em outros países da Europa, estima-se a ocorrência de 5-6 novos casos/ano de AVBEH.
No nosso país existem cinco centros de referência para diagnóstico e tratamento desta doença: dois no Norte (Porto), um no
Centro (Coimbra), e dois no Sul (Lisboa); nenhum deles tem um
número de doentes operados/ano superior a dois.
Os resultados do nosso centro aqui apresentados reportam-se a um período de 16 anos. Consideramos útil dividir esta experiência em duas partes, como forma de evidenciar os progressos
conseguidos no que respeita à idade do diagnóstico e da realização da PE de Kasai. A dimensão da amostra impõe limitações no
que respeita ao tratamento estatístico dos dados mas permite, a
nosso ver, registar a evolução ao longo dos anos e ainda assim a
comparação com os resultados de centros internacionais.
Na nossa série a idade mediana da realização da PE de
Kasai foi de 58 dias (31-126 dias), mais elevada que a de algumas séries publicadas: 54 dias (7-151) no Reino Unido e País
de Gales(4), 57 dias (12-151) em França(5); mas mais baixa que
em outras: 61 dias (11-153) na US-BARC série(17), 68 dias (30-126) na Suíça(18), e 61-70 dias no Japão(6). Vericamos que em
P2 a idade mediana da realização da PE de Kasai foi de 45 dias
(31-63 dias) (melhor que em qualquer das séries anteriormente
referidas), em contraponto com P1, em que foi de 89 dias (63-128 dias).
Estudos de grandes séries têm conrmado que a idade na
execução da PE de Kasai é um importante factor prognóstico
nos doentes com AVBEH, não só porque inuencia o sucesso
desta intervenção, mas sobretudo porque inuencia a sobrevida
com fígado nativo(4,5,6,15,17,19).
Na nossa série a taxa de sucesso da PE de Kasai foi de
46,67% (55.56% em P2). A sobrevida com fígado nativo aos
cinco anos foi de 41.67%, inferior aos resultados apresentados
por centros europeus de referência (em Paris Bicêtre 48% aos
quatro anos(5), nos três centros supraregionais ingleses de Birmingham, Leeds e Londres 51% aos cinco anos(4)); no entanto,
foi superior aos resultados do estudo nacional suíço (37.1% aos
cinco anos)(18), país com cerca de 72000 nascimentos/ano e uma
política de dispersão por múltiplos centros com reduzido número
de doentes tratados/ano. Em P2 a sobrevida com fígado nativo
aos cinco anos aumentou para 66.67%.
O TRH foi necessário em 10 dos 15 doentes, incluindo um
sem PE de Kasai prévia. Na nossa série dois doentes faleceram
enquanto aguardavam transplante, ambos em P1, altura em que
as técnicas de divisão do fígado e de dador vivo não eram frequentemente utilizadas. A sobrevida após o transplante foi de
100%.
No Japão a sobrevida global aos cinco anos foi de 75.5%
(93 centros, 1381 doentes, 1989-1999)(6), e na Inglaterra e Irlanda foi de 85% (15 centros, 93 doentes, 1993-1995)(13). Em França
a sobrevida global aos quatro anos foi de 87,1% (22 centros,
271 doentes, 1997-2002)(5), na Inglaterra e País de Gales foi de
89% (três centros, 148 doentes, 1999-2002)(4), e na Suíça foi de
91.7% (cinco centros, 48 doentes, 1994-2004)(18).
Na nossa série a sobrevida global dos doentes com AVBEH
aos 5 anos foi de 83.33%. Em P1 a sobrevida aos cinco anos foi
de 66,67% e os seis doentes de P2 com seguimento de cinco
anos estão vivos (100%).
Pensamos que a melhoria de resultados conseguida em P2
foi obtida à custa da conjugação de dois factores: o diagnóstico
precoce (incluindo a referenciação mais atempada dos doentes
e a diminuição do tempo de investigação dos mesmos) e a experiência acumulada pela equipa ao longo dos anos (incluindo a
execução da PE de Kasai pela mesma equipa cirúrgica).
O envio mais atempado dos doentes ao hospital é com
certeza fruto da maior sensibilidade dos médicos que observam
recém-nascidos e lactentes no que respeita ao diagnóstico e à
necessidade de referenciação rápida dos casos de colestase neonatal. A diminuição do tempo mediano de investigação (de 14
dias em P1 para sete dias em P2) é fruto da experiência acumulada pela equipa hospitalar.
Num país como Portugal, com 5-6 novos casos/ano, a estratégia de concentração em centros de referência utilizada em
artigo original
original article
13
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Inglaterra não recomendaria a existência de mais de um centro
no país (logicamente aquele em que está disponível também o
transplante hepático). Tal opção comportaria os incómodos da
deslocação dos doentes de todo o país para esse centro, bem
como os riscos de falha de serviço inerentes à condição de serviço único.
É nossa opinião que em Portugal é importante estudar medidas que permitam um diagnóstico mais precoce; de facto, os
dados recentes sugerem que a sobrevida a longo prazo com fígado nativo pode ser alcançada em maior percentagem se a PE
de Kasai for realizada muito precocemente, nos primeiros 30-45
dias de vida(5,10,18).
A AVBEH é uma doença grave, e, embora rara, tem enormes implicações para a criança e para a família, e cada doente
representa elevados custos para a sociedade (é a principal causa de TRH na idade pediátrica); é possível efectuar o diagnóstico precocemente, o que resulta na melhoria do prognóstico; há
tratamento disponível, tanto mais ecaz quanto mais cedo for
efectuado.
Entre as medidas já implementadas para o seu diagnóstico
precoce citamos o método colorimétrico(11,12) de rastreio da acolia fecal, considerado ável, não invasivo e pouco dispendioso.
Outras medidas, nomeadamente a pesquisa de bilirrubinúria nos
recém-nascidos com icterícia prolongada, poderão rastrear ecazmente a AVBEH bem como outras doenças cursando com
colestase neonatal(20).
BILIARY ATRESIA: RETROSPECTIVE CLINICAL STUDY
ABSTRACT
Objective: To obtain further insight into the natural history
of patients with biliary atresia and to determine survival and prognostic factors.
Patients and Methods: we performed a retrospective
cross-sectional, descriptive, case series study, that included all
patients with biliary atresia attended in our hospital from January
1992 to December 2007. This period was divided in two parts: P1
from January 1992 to December 1999 and P2 from January 2000
to December 2007.
The following variables were analysed: clinical biochemical,
imagiological, histological and surgical data; age of Kasai procedure; need of liver transplant and outcome.
Results: There were 15 patients attended (six in P1 and
nine in P2). Median time between admission and Kasai procedure was 10 days (14 days in P1; 7days in P2). Median age at
Kasai procedure was 58 days (89 days in P1; 45 days in P2). Kasai procedure was successful in 46,67% (33,33% in P1; 55.56%
in P2). Overall ve years survival was 83.33% (66,67% in P1;
100% in P2). Five years survival with native liver was 41.67%
(16,67% in P1; 66.67 % in P2).
Conclusions: Despite the low rate of admissions (1,125
patients/year) the P2 results are similar to those of Reference
European Centers. This improvement was achieved with an early
diagnosis (early reference of patients and more rapid investi-
14
artigo original
original article
gation, with consequent lowering of Kasai procedure`s median
age); it was also important the increased experience of the team
within the years.
Keywords: Biliary atresia, neonatal cholestasis, liver transplantation.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 9-15
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(3):141-3.
CORRESPONDÊNCIA
Ermelinda Santos Silva
Serviço Gastrenterologia Pediátrica
Hospital de Crianças Maria Pia /
/ Centro Hospitalar do Porto
Rua da Boavista, 827,
4050 Porto, Portugal
[email protected]
artigo original
original article
15
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Impacto da doença crónica na adolescência
Sónia Santos1, Elisabete Santos1, Alzira Ferrão1, Carlos Figueiredo1
RESUMO
Introdução: A adolescência, as suas alterações biopsicossociais e a doença crónica inuenciam-se mutuamente, com
especial relevância no comportamento social, rendimento académico e comportamento sexual.
Objectivos: Avaliar se a doença crónica inuencia comportamentos de risco nesta idade.
Material e Métodos: Estudo transversal e comparativo,
realizado entre 15 de Julho e 30 de Setembro de 2008, a jovens
entre os 13-20 anos com doença crónica (DC) seguidos em consultas do Hospital São Teotónio de Viseu (HSTV) e a adolescentes saudáveis de duas escolas.
Foi aplicado um inquérito especíco para avaliação de dados sociodemográcos, história da doença, comportamentos de
risco, auto-estima e relacionamento amoroso. Os testes estatísticos utilizados para o tratamento de dados foram o teste X2 e de
t-student.
Resultados: A amostra foi constituída por 125 sujeitos
do grupo adolescentes com DC e 135 do grupo de adolescentes saudáveis. Comparando os dois grupos, constatou-se que
os adolescentes com DC reprovam mais que os adolescentes
saudáveis. Todos os 22 sujeitos sexualmente activos com DC
referiam o uso de preservativo. Registou-se um menor consumo
de hábitos tabágicos e alcoólicos no grupo de DC. Nenhum adolescente com DC admitiu o consumo de outras drogas.
Discussão: A literatura refere que os adolescentes com
doença crónica têm a mesma ou maior tendência para comportamentos de risco. No entanto, no actual estudo, os adolescentes
com DC apresentam menos comportamentos de risco.
Palavras-chave: Adolescência, comportamentos de risco,
doença crónica.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 16-19
INTRODUÇÃO
Não existe consenso quanto à verdadeira prevalência de
doença crónica nos adolescentes. Este facto, deve-se às diferentes metodologias dos estudos efectuados acerca deste tema,
assim como às diferentes denições de doença crónica utilizadas.(1,2,3) Estima-se que cerca de 10% dos adolescentes em idade
escolar têm uma doença crónica.(4)
__________
1
S. Pediatria, Hospital de São Teotónio, Viseu
16
artigo original
original article
Neste estudo, denimos doença crónica como uma incapacidade permanente ou residual, alteração patológica não reversível, que exige um longo período de supervisão, observação,
prestação de cuidados e/ou reabilitação.(5)
As alterações físicas, psicológicas e sociais decorrentes da
adolescência podem ter repercussões na doença crónica e esta,
por sua vez, pode inuenciar os parâmetros referidos.(1)
OBJECTIVOS
Caracterizar um grupo de adolescentes com doença crónica orientados em consulta de adolescentes do Hospital São
Teotónio de Viseu (HSTV) no que respeita ao historial da doença
(tipo e início da doença, medicação e cumprimento desta, seguimento e assiduidade em consulta e suporte familiar).
Comparar as características sociodemográcas (idade,
sexo, habilitações literárias e aproveitamento escolar) entre os
dois grupos.
Comparar os grupos relativamente à auto-estima, namoro
e iniciação sexual.
Avaliar se a doença crónica inuencia comportamentos
de risco (actividade sexual desprotegida, consumo de drogas,
álcool e tabaco).
MATERIAL E MÉTODOS
Para poder responder aos nossos objectivos, utilizou-se
um protocolo de investigação, criado e desenvolvido especicamente para este estudo, composto por cinco partes: dados
sociodemográcos (idade, sexo, habilitações literárias e aproveitamento escolar), historial da doença (tipo e início da doença, medicação e cumprimento desta, seguimento e assiduidade em consulta e suporte familiar), comportamentos de risco
(actividade sexual desprotegida, consumo de drogas, álcool e
tabaco), auto-estima e relacionamento amoroso (namoro e iniciação sexual).
Trata-se de um estudo transversal e comparativo, onde os
dados foram colhidos através de inquéritos anónimos durante o
período de 15 de Julho a 30 de Setembro de 2008.
Foram estudados dois grupos (com consentimento prévio
do adolescente e familiar).
- Grupo de adolescentes com doença crónica (DC): Com
idades compreendidas entre os 13 e os 20 anos, seguidos em
consulta (Pediatria Geral, Adolescentes, Diabetes, Gastroenterologia, Hiperactividade e Pneumologia) no HSTV.
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ano 2011, vol XX, n.º 1
- Grupo de adolescentes saudáveis: Foram distribuídos inquéritos em duas escolas de Viseu (Escola Alves Martins e Colégio Via Sacra) a turmas do 7º ao 12º anos de escolaridade.
Deste grupo foram eliminados os sujeitos que apresentavam
doença crónica e idades inferiores a 13 anos e superiores a 20
anos (critérios de exclusão).
Os testes estatísticos utilizados para o tratamento de dados
foram o teste de X2 e de t-student (de acordo com o tamanho da
amostra e o tipo de variável). Para tal, recorreu-se ao programa
informático SPSS 15.0. O nível de signicância utilizado foi de
p<0,05.
RESULTADOS
A amostra foi constituída por 125 sujeitos do grupo adolescentes com DC (57% do sexo feminino e 43% do sexo masculino) e 135 do grupo adolescentes “saudáveis” (42% do sexo
feminino e 58% do sexo masculino).
A média de idades foi de 15,54 anos (desvio-padrão de
1,92) no grupo com DC e de 15,67 anos (desvio-padrão de 1,48)
nos adolescentes saudáveis. No grupo com DC as patologias registadas foram: asma/rinite alérgica/atopia em 43 casos (34,4%),
diabetes em 25 (20%), obesidade em 14 (11,2%), anorexia/bulimia nervosa em 13, perturbação de hiperactividade e déce de
atenção em 12, doença reumatológica em oito, epilepsia em cinco, doença inamatória intestinal em dois e cardiopatia, síndrome genético e anemia, com um caso cada.
Dos adolescentes com DC, 51% (64 casos) referiu ter a
doença há cinco ou mais anos. Cerca de 58% (73 casos) referiu
fazer medicação diária e destes, 51 casos (cerca de 70%) disse
cumprir sempre a medicação prescrita. Cinquenta e seis adolescentes frequentavam três a quatro consultas/ano e apenas cinco
jovens admitiram faltar.
A mãe foi o acompanhante preferencial em 48 casos do
sexo feminino (67%) e 30 casos do sexo masculino (55%).
Apenas cinco jovens referiram não sentir o apoio da família
no que respeita à doença (dois adolescentes com obesidade, um
com anorexia, um com epilepsia e um caso com diabetes).
A média de escolaridade foi o 10º ano (desvio-padrão de
1,92) no grupo de adolescentes com DC e o 11º ano (desvio-padrão de 1,4) no grupo de adolescentes saudáveis.
Ao comparar os dois grupos (DC e adolescentes saudáveis)
quanto às variáveis previamente referidas constatou-se que:
- Aproveitamento escolar: 47,2% dos adolescentes com DC já
tinham reprovado (mínimo uma vez e máximo quatro vezes),
comparativamente com 17,8% no grupo saudável (mínimo
uma vez e máximo quatro vezes). Houve diferença estatística
entre os grupos (X2 = 26,91; p = 0,001).
- Namoro: 42,4% dos adolescentes com DC responderam
que namoravam versus 30,4% nos adolescentes saudáveis.
Vericou-se existir diferença estatística entre os grupos (X2 =
4,1; p = 0,040). Apenas dois casos referiram que o namorado(a)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
desconhecia a doença (um adolescente com diabetes e um
adolescente com epilepsia).
Início da actividade sexual: 22 adolescentes com DC já tinham iniciado actividade sexual (17,6%), (14 raparigas e oito
rapazes); comparativamente com 43 adolescentes no grupo
saudável (31,8%) (13 raparigas e 30 rapazes). Houve diferença estatisticamente signicativa entre os grupos em estudo
(X2 = 10,43; p = 0,005).
Idade de início da actividade sexual: No grupo de adolescentes com DC, sexualmente activos, registou-se um mínimo
de 14 anos e máximo de 17 anos (média de 16,14 anos para
os rapazes e de 15,57 anos para as raparigas). No grupo de
adolescentes saudáveis sexualmente activos registou-se um
mínimo de 11 anos e um máximo de 18 anos (média para os
rapazes de 14,91 anos e de 15,80 anos para as raparigas).
Estatisticamente é signicativa a diferença entre a média de
início da actividade sexual e o grupo (t = 3,14; p = 0,014).
Uso de preservativo: Todos os 22 sujeitos sexualmente activos com DC referiam o uso de preservativo, enquanto que
no grupo saudável, dos 41 sexualmente activos, apenas 31
referiam o seu uso (72,1%). Houve diferença estatística entre
os grupos (X2 = 7,53; p = 0,023).
Uso de outro método contraceptivo: 45,4% dos adolescentes com DC sexualmente activos referiam usar outro método
contraceptivo, comparativamente com 34,9% nos adolescentes saudáveis, não tendo existido diferença estatística entre os
grupos (X2 = 3,65; p = 0,161).
Hábitos tabágicos: 7,2% (nove casos) dos adolescentes com
DC referiram fumar (sete raparigas e dois rapazes), enquanto
que no grupo saudável esse número elevou-se para 17,8% (24
casos), 17 rapazes e sete raparigas. Houve diferença signicativa entre os grupos (X2 = 6,55; p = 0,010).
Consumo de outras drogas: Nenhum adolescente com DC
admitiu o seu consumo, enquanto que no grupo saudável 8,1%
(onze casos) consome outras drogas (nove rapazes e duas raparigas); sendo a diferença estatisticamente signicativa (X2 =
10,63; p = 0,005). Vericou-se que dos onze consumidores de
drogas, dez tinham hábitos tabágicos (X2 = 4,90; p = 0,001).
Consumo de bebidas alcoólicas: 48,8% dos adolescentes com DC referiu consumir álcool, comparativamente com
80,7% no grupo saudável. Houve diferença estatística entre os
grupos e o consumo de álcool (X2 = 35,94; p = 0,001).
Idade de início do consumo de álcool: No grupo de adolescentes com DC com hábitos alcoólicos registou-se um mínimo
de 11 anos e um máximo de 18 anos (média de 14,4 anos,
desvio-padrão de 1,58) e no grupo saudável um mínimo de 10
anos e um máximo de 17 anos (média de 14,01 anos, desvio-padrão de 1,28). Não se vericou diferença estatística entre
os grupos (t = 0,74; p = 0,744).
Auto-estima (“gostas de ti?”): 80% dos adolescentes com
DC arma gostar de si (52% do sexo masculino) e 17,6% diz
não gostar (cerca de 91% do sexo feminino). No grupo saudável 86,7% arma gostar de si (59% do sexo masculino) e
13,3% diz não gostar. Contudo não houve diferença estatística
signicativa entre os grupos (X 2 = 4,35; p = 0,113).
artigo original
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NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Nas tabelas I, II e III apresentam-se o número de não respostas (“missings”) para cada variável e grupo em estudo.
DISCUSSÃO
Cerca de 30% dos adolescentes do nosso estudo com DC,
referiram não cumprir a terapêutica instituída de forma regular,
dados um pouco mais optimistas em relação a outros estudos,
que têm demonstrado que aproximadamente 50% dos jovens
com doença crónica refere não cumprir as recomendações terapêuticas(6,7,8).
Os adolescentes com DC precisam de se sentir apoiados
pelos familiares(9), o que aconteceu em 96% dos nossos jovens.
Constatámos que o grupo com DC apresentou menor aproveitamento escolar. Este resultado está em consonância com
estudos internacionais, que atribuem esta situação ao maior absentismo escolar, provocado quer pela doença em si, quer pelos
tratamentos e hospitalizações inerentes a esta.(1,6,10)
No actual estudo, a percentagem de adolescentes com DC
a namorar foi maior do que nos jovens saudáveis. Esta diferença percentual pode ser explicada pela importância do relacionamento com os pares, na aceitação e na “forma de lidar” com a
doença.(9,11)
A actividade sexual já se tinha iniciado em 17,6% dos adolescentes com DC e em 31,8% dos jovens saudáveis. Este achado vem contrariar a literatura existente, que refere que estudantes com doença crónica têm maior percentagem de actividade
sexual do que os seus pares.(4,12,13) Ao contrário de alguns estudos(4,14), os nossos jovens com DC tiveram uma média de idade
de início de actividade sexual mais elevada que os adolescentes
saudáveis.
Durante muito tempo defendeu-se que ser portador de uma
doença crónica seria um factor protector contra os comportamentos de risco. Contudo, existe já uma vasta literatura a referir
que os adolescentes com doença crónica têm a mesma ou maior
tendência para os comportamentos de risco (p.e. consumo de
drogas, álcool e hábitos tabágicos e relações sexuais desprotegidas) que os seus pares saudáveis, situação que pode ser
explicada pelo desejo inconsciente destes adolescentes serem
parecidos com os seus pares “be alike”. (1,4,12,13,14,15) No entanto,
no presente estudo, vericámos precisamente o oposto, pois os
adolescentes com DC referiram mais frequentemente o uso do
preservativo e menor consumo de tabaco, álcool e outras drogas. Relacionada com esta evidência poderá estar o facto de
os adolescentes com DC serem indivíduos sinalizados e com
seguimento em consultas, na maioria consultas de adolescência,
onde é efectuada uma abordagem biopsicossocial que procura
prevenir comportamentos de risco e fortalecer a resiliência destes adolescentes.
Quanto à auto-estima, vários estudos revelam que baixa
auto-estima e dependência social é mais comum em adolescentes com DC que nos seus pares saudáveis.(6,9) Contudo, neste
estudo, não houve diferença estatisticamente signicativa entre
os grupos, no que diz respeito a estes itens.
Os autores salientam, no entanto, a eventualidade de poderem existir factores de enviesamento neste estudo: o tamanho
18
artigo original
original article
da amostra, a variabilidade das doenças crónicas e a possibilidade das fontes de informação relativamente a comportamentos de
risco serem distintas nos diferentes grupos.
CONCLUSÃO
Não podemos esquecer que a doença crónica pode perturbar o relacionamento social, o rendimento académico e o
comportamento sexual de um adolescente; modica permanentemente a vida do indivíduo e requer uma constante adaptação.(6)
Por outro lado, um jovem com um problema de saúde crónico não
deixa de ser um adolescente, com todas as implicações inerentes a este grupo etário. Sendo assim, os prossionais de saúde,
para além de abordarem os aspectos relativos à doença, devem
também desenvolver competências para lidar com a temática da
adolescência, nomeadamente no que respeita à prevenção de
comportamentos de risco, sendo de facto a sua abordagem em
consulta um factor protector para a sua ocorrência.
Tabela I – Namoro e actividade sexual - “Missings”
Variáveis
Grupo Doença
Crónica
Respostas
Namoro
125
Início da actividade sexual
Idade de início da actividade sexual
Grupo Saudável
Não
Não
Respostas
respostas
respostas
0
135
0
125
0
135
0
21*
1
32*
11
Uso de preservativo
22*
0
41*
2
Uso de outro método contraceptivo
21*
1
33*
10
* Responderam à questão os que iniciaram a actividade sexual
Tabela II – Hábitos e consumos - “Missings”
Variáveis
Grupo Doença
Crónica
Respostas
Grupo Saudável
Não
Respostas
Não
respostas
respostas
Hábitos tabágicos
125
0
135
0
Consumo de outras drogas
122
3
132
3
Consumo de bebidas alcoólicas
122
3
134
1
Idade de início do consumo de álcool
39*
22
74
35
* Responderam à questão os que consumiam bebidas alcoólicas
Tabela III – Aproveitamento escolar e auto-estima - “Missings”
Variáveis
Grupo Doença
Crónica
Respostas
Grupo Saudável
Não
Não
Respostas
respostas
respostas
Aproveitamento escolar
123
2
134
1
Auto-estima
122
3
135
0
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IMPACT OF CHRONIC DISEASE IN ADOLESCENCE
ABSTRACT
Introduction: Adolescence and its biopsychosocial alterations and the chronic disease inuence each other, with special
relevance on social behaviour, school performance and sexual
behaviour.
Objectives: To assess whether chronic disease inuences
risk behaviours at this age.
Material and Methods: A cross-sectional and comparative
study, conducted between July 15th and September 30th 2008, to
young people between the ages of 13 and 20 with chronic disease (CD), monitored in regular visits at São Teotónio Hospital of
Viseu (HSTV), and healthy adolescents from two schools.
We applied a specic questionnaire to assess socialdemographic data, history of the disease, risk behaviours, self-esteem
and sexual behaviour. The X2 and t-student tests were used for
statistical analysis.
Results: The sample consisted of 125 subjects from group
adolescents with CD and 135 adolescents in the group “healthy.”
Comparing the two groups, it was found that adolescents with
CD fail in school more than the healthy adolescents. All the 22
subjects with CD sexually active reported the use of condom.
There was a lower consumption of alcohol and smoking habits
in the group of CD. None of the adolescents with CD admitted
consumption of other drugs.
Discussion: Literature mentions that adolescents with
chronic disease have the same or greater tendency to risk behaviours. However, in our study, adolescents with CD have less
risk behaviours.
Keywords: Adolescence, risk behaviours, chronic disease.
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Nascer e Crescer 2011; 20(1): 16-19
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CORRESPONDÊNCIA
Sónia Santos
Hospital São Teotónio de Viseu
Avenida Rei D.Duarte
3504-509 Viseu
[email protected]
AGRADECIMENTOS
- Equipa de enfermagem do sector de Consulta Externa de
Pediatria do HSTV (Enf. Rosa, Enf. São Luís e Enf. Ana);
- Aos professores da Escola Secundária Alves Martins e
Colégio Via Sacra de Viseu.
artigo original
original article
19
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Trombocitopenia severa neonatal
Amélia Moreira1, Maria José Vale1, Joana Neves1, Clara Paz Dias1
RESUMO
Introdução: A redução do número de plaquetas nas primeiras horas de vida deve-se frequentemente a factores maternos ou eventos perinatais. A trombocitopenia aloimune, embora
subdiagnosticada, é a causa mais frequente de trombocitopenia
severa no recém-nascido de termo saudável e resulta da destruição imuno-mediada das plaquetas fetais/neonatais por aloanticorpos maternos.
Caso clínico: Apresenta-se o caso de um recém-nascido
com trombocitopenia aloimune, com clínica típica e evolução favorável, sublinhando-se o impacto positivo de um elevado índice
de suspeição e do tratamento empírico com plaquetas HPA-1a
negativas.
Conclusão: O diagnóstico atempado desta entidade permite uma orientação terapêutica ecaz, baseada na administração
de plaquetas compatíveis, prevenindo eventuais complicações,
nomeadamente, a hemorragia intracraniana. Possibilita ainda o
planeamento da vigilância em gestações futuras do casal e o
tratamento pré-natal.
Palavras-chave: plaquetas HPA-1a negativas, recém-nascido de termo, trombocitopenia aloimune.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 20-22
INTRODUÇÃO
A trombocitopenia neonatal traduz-se por uma contagem de
plaquetas inferior a 150 x 109/l. Porém, na maioria dos casos,
a redução é apenas modesta, isto é, acima dos 50 x 109/l(1,2). A
trombocitopenia grave (< 50 x 109/l), detectada no primeiro dia
de vida, pode ter várias etiologias, tais como: sépsis vírica ou
bacteriana, infecções pelo grupo TORCH (toxoplasmosis, others,
rubella, cytomegalovirus, herpes simplex), trombocitopenias imunes (como a aloimune), trombose da veia renal, e trombocitopenias hereditárias (como a amegacariocítica)(3). Assim, a redução
da contagem de plaquetas nas primeiras horas de vida deve-se frequentemente a factores maternos ou eventos perinatais,
sendo que a trombocitopenia aloimune, embora rara (incidência
aproximada de 1/1000 a 2000 nascimentos), é a causa mais fre-
__________
1.
S. Pediatria, Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), C H
Alto Ave, Guimarães
20
casos clínicos
case reports
quente de trombocitopenia severa em recém-nascidos de termo
saudáveis e, entre estes, a causa mais frequente de hemorragia
intracraniana(3-9). Trata-se de uma incompatibilidade fetomaterna,
em que ocorre destruição das plaquetas fetais/neonatais imuno-mediada por aloanticorpos maternos dirigidos contra antigénios
das glicoproteínas IIb/IIIa, Ib/IX, Ia/IIa, e CD109 das plaquetas
fetais(7,8). Entre os 16 antigénios plaquetares humanos (Human
Platelet Antigen - HPA) identicados, a incompatibilidade fetomaterna ocorre, em 95% dos casos em relação a três deles
(HPA-1a, HPA-5b e HPA-15b); o anticorpo mais frequente (75%
casos) é o anti-HPA-1a, isto é, o dirigido contra a glicoproteina IIb/IIIa(5,6). Geralmente o diagnóstico é efectuado logo após o
nascimento perante um recém-nascido com petéquias, púrpura
ou hemorragia activa(3,10). No entanto, em alguns, a trombocitopenia é um achado acidental (como parte de um rastreio séptico) ou existe um irmão previamente afectado3. Raramente, a
forma de apresentação é uma hidrocefalia isolada, anemia fetal
de causa inexplicada, abortamentos de repetição ou, hidropisia
fetal(10). Os recém-nascidos com maior probabilidade de ter trombocitopenia aloimune são aqueles com contagens inferiores a 50
x 109/l, permitindo este valor limite identicar 90% dos casos3.
O diagnóstico precoce possibilita terapêutica ecaz baseada na
administração de plaquetas compatíveis (de dador ou maternas).
A complicação mais grave é a hemorragia intracraniana (10-30%
dos casos) com déces neurológicos permanentes (20%) ou
morte (10%)(10). Pode ainda existir anemia associada, secundária a hemorragia8.
Assim, o presente relato clínico pretende divulgar a trombocitopenia aloimune como patologia rara, mas também como
diagnóstico a considerar em caso de trombocitopenia grave em
recém-nascido de termo e aparentemente saudável, possibilitando desta forma a abordagem mais adequada.
CASO CLÍNICO
Recém-nascido (RN) do sexo feminino, de termo, caucasiano, com peso adequado à idade gestacional, fruto de uma primeira gestação sem intercorrências; parto por cesariana, devido
a trabalho de parto estacionário. Internado na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) logo após o nascimento por
apresentar gemido e lesões petequiais/ purpúricas dispersas, em
evolução. Notada ainda hemorragia activa nos locais de punção
venosa. Restante exame normal. Mãe saudável, com contagem
de plaquetas normal. Analiticamente, o RN apresentava: trombocitopenia (8 x 109/l), Hb 13,5 g/dL e leucócitos 31,4 x 109/l; proteína
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
C reactiva negativa. O estudo da coagulação, a telerradiograa
de tórax e a ecograa transfontanelar foram normais; caram em
curso hemocultura e serologias víricas. Iniciou ampicilina e gentamicina e foi efectuada transfusão de plaquetas randomizadas e
gamaglobulina, o que elevou a contagem para 10 x 109/l. Perante
a suspeita de trombocitopenia aloimune, recebeu ainda em D1
de vida 15 mL/kg de plaquetas HPA-1a negativas, com resposta
favorável (contagem de 209 x 109/l). Em D5, com culturas e serologias negativas, suspendeu-se a antibioterapia. O RN necessitou
ainda de mais três transfusões de plaquetas HPA-1a negativas.
Teve alta no 18º dia de vida, clinicamente assintomático, com 108
x 109/l plaquetas. Foi efectuada genotipagem plaquetar e rastreio
de anticorpos antiplaquetares nos pais: a mãe era HPA-1b1b e
o pai HPA-1a1a. Foram ainda detectados anticorpos anti-HPA-1a
no soro materno. Aos 12 meses de idade a criança encontrava-se
bem, com normalização da contagem de plaquetas.
DISCUSSÃO
A possibilidade de trombocitopenia aloimune deve ser colocada em qualquer neonato com trombocitopenia grave isolada,
com ou sem hemorragia. Independentemente da etiologia, a abordagem terapêutica actual de uma trombocitopenia grave começa pela transfusão imediata de plaquetas randomizadas, sendo
esta geralmente indicada se o número de plaquetas for inferior
a 30 x 109/l. No caso da coexistência de uma hemorragia intracraniana, a contagem deve ser mantida acima dos 100 x 109/l. O
efeito e a duração do efeito da transfusão devem ser controlados
cuidadosamente, para determinar a necessidade de repetição e/
ou terapêutica adicional, como a perfusão de gamaglobulina (1g/
kg em dois dias consecutivos) e/ou transfusão de plaquetas HPA
compatíveis. De um modo geral, as plaquetas HPA-1a negativas
aumentam mais e durante mais tempo as contagens plaquetares
pela sua maior sobrevida em relação às randomizadas porém,
estas últimas devem ser utilizadas enquanto não se encontrarem
disponíveis plaquetas compatíveis(7). A neuroimagem (ecograa
transfontanelar, TAC ou RMN) é mandatória no RN trombocitopénico com trombocitopenia aloimune suspeitada ou conrmada(3,11).
No caso descrito todas estas recomendações foram cumpridas, e
a trombocitopenia aloimune foi conrmada, com óptima recuperação. A detecção de anticorpos maternos contra antigénios plaquetares (por métodos imunoenzimáticos) e a genotipagem parental
(utilizando técnicas moleculares baseadas na Polymerase Chain
Reaction) conrmam o diagnóstico, sendo a genotipagem fundamental para o aconselhamento em futuras gestações. Em cerca
de 30% dos casos não se detectam anticorpos no soro materno,
além de que os títulos não se correlacionam com a gravidade da
situação(12). Tipicamente, há um agravamento da trombocitopenia
nas primeiras 48 horas com normalização na segunda semana de
vida, tal como veio a acontecer.
Podemos pensar nesta entidade como o equivalente plaquetário de uma incompatibilidade Rh e, como tal, após sensibilização materna na primeira gravidez, o risco aumenta numa segunda gestação3. Porém, ao contrário da incompatibilidade Rh,
em 30% dos casos afecta gravemente a primeira gravidez(10,13).
Os anticorpos são produzidos precocemente na gestação e os
aloantigénios fetais encontram-se completamente expressos a
partir da 18ª semana de gestação, pelo que a transferência placentar de aloanticorpos IgG pode resultar em trombocitopenia
fetal signicativa tão precocemente como às 16 semanas(4,8,12).
Neste caso, sendo o pai homozigoto para o HPA-1a e a mãe
homozigota para o HPA-1b com anticorpos anti-HPA-1a, todos
os fetos deste casal serão afectados. Sendo que não houve hemorragia intracraniana, a mãe deverá efectuar imunoglobulina
(1g/kg/semana) e prednisona (0,5 mg/kg/dia) desde as 20-26 semanas de gestação. Nas situações complicadas de hemorragia
intracraniana, o tratamento deverá ser iniciado às 12 semanas. A
taxa de resposta a esta terapêutica varia entre os 30 e os 85%.
Todavia, estudos observacionais sugeriram que a administração
de imunoglobulinas diminui o risco de hemorragia intracraniana
mesmo nos fetos em que não ocorre aumento da contagem de
plaquetas(14). De referir a existência de vários mecanismos possíveis para o benefício das imunoglobulinas: na mãe, diluição dos
anticorpos anti-HPA em circulação e diminuição da permeabilidade da placenta à sua passagem; no feto, possível bloqueio dos
receptores Fc nos macrófagos evitando a destruição das plaquetas revestidas por anticorpos(14). Sempre que possível deve
evitar-se a cordocentese(3). Nos casos de heterozigotia paterna,
a genotipagem HPA pré-natal do feto (a partir de DNA presente
no líquido amniótico) é essencial logo no primeiro trimestre para
decidir a melhor atitude. De referir que 97% dos caucasianos são
HPA-1a positivos, pelo que em cerca de 3% das gestações, as
mães são HPA-1a negativas e os fetos HPA-1a positivos. Dentro
destas gestações de risco apenas 3% são efectivamente afectadas2. Pensa-se existir uma maior probabilidade de aloimunização
aos antigénios plaquetares se a mãe for HLA-DR3 positiva(12,14).
Com a descrição deste caso pretendeu-se sublinhar o impacto positivo de um elevado nível de suspeição e tratamento empírico com plaquetas HPA-1a negativas no prognóstico da trombocitopenia aloimune. Assim, todos os RN com número de plaquetas
< 50 x 109/l no primeiro dia de vida devem ser rastreados para
trombocitopenia aloimune, após exclusão de sépsis, doença sistémica ou anomalias esqueléticas. A estratégia terapêutica imediata
consiste na administração de plaquetas randomizadas e gamaglobulina e, quando disponível, optar por plaquetas compatíveis.
Na gravidez seguinte o feto será ainda mais gravemente afectado (com risco de hemorragia intracraniana in utero), pelo que o
diagnóstico da patologia vai possibilitar o tratamento pré-natal e
prevenir trombocitopenias graves e suas complicações.
A reectir será, no futuro, fazer a detecção sistemática de
todas as grávidas HPA-1a negativas para prevenir as complicações potenciais, tal como é preconizado na doença hemolítica
do RN.
SEVERE NEONATAL THROMBOCYTOPENIA
ABSTRACT
Introduction: Thrombocytopenia in the rst hours of life is
generally due to maternal factors or perinatal events. Alloimune
thrombocytopenia, although underdiagnosed, is the most fre-
casos clínicos
case reports
21
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
quent type of severe thrombocytopenia in a term and otherwise
healthy newborn, resulting from an immune mediated destruction
of foetal/neonatal platelets by maternal alloantibodies.
Case report: We present the case of a newborn with alloimune thrombocytopenia, a typical clinical presentation and good
outcome, highlighting the positive impact in the prognosis of a
high index of suspicion and of empirical treatment with HPA-1a
negative platelets.
Conclusion: An early diagnosis of this entity allows effective treatment with the infusion of compatible platelets, preventing
eventual complications, namely intracranial haemorrhage. Also
guides the monitoring of future pregnancies and antenatal treatment.
Keywords: alloimune thrombocytopenia, HPA-1a negative
platelets, term newborn.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 20-22
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CORRESPONDÊNCIA
Amélia José Faria Moreira
UCIN - Serviço de Pediatria,
CHAA – Guimarães
Rua dos Cutileiros – Creixomil
4835-044 Guimarães
[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Hemoperfusão com carvão activado na
intoxicação grave por carbamazepina
Maria José Cálix1, Márcia Gonçalves1, José Manuel Castro2, Ana Ventura3, Marta Vila Real1, António Vilarinho1
RESUMO
Caso clínico: Os autores apresentam o caso de uma adolescente admitida no Serviço de Urgência por alterações neurológicas de início agudo e progressivas, existindo na residência
um familiar medicado com um antiepiléptico. A avaliação inicial
revelou sonolência, discurso adequado, disartria, nistagmo, dismetria bilateral e ataxia da marcha.
Foi efectuado doseamento sérico de carbamazepina, que
revelou valores muito elevados, conrmando intoxicação aguda por este fármaco. Não houve resposta à administração com
carvão activado por via gastrointestinal, havendo mesmo agravamento do estado de consciência. Por esta razão, iniciou hemoperfusão com carvão activado, com recuperação completa do
quadro neurológico ao m de três horas de tratamento.
Conclusão: Os autores sublinham as diculdades na abordagem de intoxicações graves provocadas por fármacos com
forte ligação às proteínas, realçando a ecácia da hemoperfusão
com carvão activado.
Palavras-chave: Carbamazepina, intoxicação, sobredosagem, antiepilépticos, hemoperfusão, carvão activado, alteração
do estado de consciência.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 23-25
INTRODUÇÃO
A alteração do estado de consciência representa um desao
de diagnóstico, nomeadamente na adolescência pelas especicidades deste grupo etário. Ao clínico cabe a difícil tarefa de questionar, colocar diagnósticos diferenciais, pedir os exames complementares necessários ao esclarecimento do quadro e, nalmente,
obter um diagnóstico que permita uma intervenção atempada,
diminuindo a morbilidade e mortalidade destes episódios.
A intoxicação acidental ou intencional por carbamazepina
(CBZ) tem-se tornado cada vez mais frequente em todos os grupos etários(1,2), sendo actualmente o segundo antiepiléptico responsável por intoxicações, a seguir ao valproato(2). A American Association of Poison Control Centers refere um total de exposições à
CBZ de 2352 casos em 2007, sendo que destes 44% ocorreram
__________
1
2
3
Serviço de Pediatria
Serviço de Neurologia
Serviço de Nefrologia – CH Vila Nova de Gaia / Espinho
em indivíduos com idades inferiores a 19 anos(3). Em Portugal, não
existe actualmente um registo nacional de intoxicações, sendo que
os únicos dados disponíveis provêm dos registos do Centro de
Informação Antivenenos (CIAV). São, portanto, dados relativos a
consultas telefónicas provenientes de todo o país, abrangendo o
pré-hospitalar e hospitalar. Segundo os registos do CIAV referentes
ao ano de 1999, os medicamentos que actuam no Sistema Nervoso Central encontram-se no topo da lista representando 46,6%
de um total de 9469 intoxicações medicamentosas noticadas. Os
antiepilépticos foram responsáveis por 255 noticações (5,1%) das
quais 110 devidas a intoxicação por carbamazepina(4). Não existem, contudo, dados relativos à intoxicação em idade pediátrica.
Os sinais da intoxicação aguda por CBZ surgem geralmente quando as concentrações séricas excedem o intervalo de referência(1) e incluem alterações respiratórias, gastrointestinais
e sobretudo neurológicas(1,5), sendo destas as mais frequentes
a síndroma cerebelosa e a alteração da vigília ou consciência,
desde simples sonolência até coma(6). No que se refere às alterações cardiovasculares, estas raramente ocorrem em crianças sem patologia cardíaca prévia. A hiponatremia pode ocorrer
nas intoxicações agudas; contudo, está geralmente associada
ao tratamento crónico. Os efeitos hematológicos (neutropenia,
trombocitopenia e anemia aplásica), surgem apenas com a administração crónica (1).
O tratamento consiste na lavagem gástrica e na administração de carvão activado e, nos casos graves, na hemoperfusão
com carvão activado. A hemodiálise é inecaz, pela forte ligação
do fármaco às proteínas plasmáticas, e a diurese forçada não
está indicada.
Os autores descrevem um caso de uma adolescente admitida no Serviço de Urgência por intoxicação por CBZ, focando o
modo de apresentação clínica e o tratamento.
CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso de uma adolescente de 15 anos de
idade, com história de diculdades na aprendizagem, sem outros
antecedentes patológicos relevantes, admitida no Serviço de
Urgência por quadro de cefaleias com cerca de cinco horas de
evolução, acompanhada de sonolência, desequilíbrio e alteração
da articulação verbal. Questionadas relativamente à eventual ingestão de fármacos, referiram, a própria e a mãe, a ingestão de
50 mg de diclofenac e 500 mg de paracetamol por dor abdominal
e cefaleias, negando a ingestão de outros fármacos, drogas de
abuso, álcool ou outras substâncias.
casos clínicos
case reports
23
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Na admissão hospitalar, apresentava razoável estado geral embora sonolenta, com Glasgow de 14, FC de 87 bpm, TA
de 131/77mmHg, FR de 14cpm, Saturação de O2 de 99% (com
FiO2 21%), temperatura axilar 36,7ºC e glicemia capilar de
119 mg/dl. Ao exame neurológico mostrava-se sonolenta, com
discurso coerente, disartria, nistagmo no olhar neutro e em todas
as direcções do olhar e síndroma cerebeloso estático e cinético
bilateral de predomínio esquerdo com ataxia da marcha.
Foram realizados: tomograa axial computorizada cranio-encefálica: normal; hemograma, gasimetria, ionograma, função
renal e hepática: sem alterações; pesquisa de drogas de abuso
na urina: negativa para benzodiazepinas, cocaína, anfetaminas,
tetra-hidrocanabinol, opiáceos, barbitúricos, metadona e antidepressivos triciclícos. Perante o quadro neurológico foi questionada novamente quanto à existência de outros fármacos no
domicílio, ao que a mãe informou do uso pelo avô de medicação
antiepiléptica cujo nome desconhecia.
Face a estes dados, foi colocada a hipótese de intoxicação
aguda por antiepiléptico e o doseamento sérico de CBZ revelou
níveis de 26,99 g/ml (níveis de referência: 4 a 12 g/ml).
Fez lavagem gástrica e administração de carvão activado
por sonda nasogástrica, sob monitorização cardio-respiratória
contínua e vigilância neurológica. Vericou-se agravamento clínico progressivo, com depressão do estado de consciência (Escala de Glasgow de 8) e midríase pupilar reactiva, mantendo-se
em respiração espontânea e com estabilidade cardiocirculatória.
Repetiu doseamento sérico da CBZ nove horas após admissão,
que era de 45,67 g/ml.
Devido ao agravamento do quadro clínico e laboratorial foi
decidido iniciar hemoperfusão com carvão activado, com reversão clínica completa após três horas de tratamento.
aumentando a excreção biliar (1,2,8,9). A ecácia deste método diminui signicativamente quando iniciado mais de uma hora após
a ingestão do fármaco(1,2). Perante esta situação há necessidade
de um tratamento dialítico, a hemoperfusão com carvão activado, claramente indicado em intoxicações graves por fármacos
com forte ligação ás proteínas, como os barbitúricos, digitálicos,
metotrexato, acetaminofeno entre outros, na presença de hipomotilidade gastrointestinal(1,2,5,6,8,10). Este procedimento consiste
na passagem do sangue circulante do doente através de uma
substância adsorvente com carvão activado que, por sua vez,
compete com as proteínas plasmáticas pela CBZ, removendo as
toxinas(1,2,11). Assim, a hemoperfusão com carvão está indicada
em situações em que a hipomotilidade gastrointestinal ou ileum
está presente, tornando o uso de carvão activado inecaz, em
situações de agravamento do estado clínico do doente apesar da
administração entérica de carvão activado, e perante uma intoxicação grave ameaçadora de vida com coma, crises epilépticas,
arritmias ou depressão respiratória(1).Este método, apesar de invasivo, necessitando de um acesso vascular e monitorização, é
extremamente ecaz, como vericado no caso descrito; só estando disponível, contudo, em centros especializados.
DISCUSSÃO
Em quadros de alteração do estado de consciência e quando a história clínica não é orientadora para o diagnóstico etiológico, importa excluir diferentes entidades patológicas, incluindo as
intoxicações por fármacos.
A intoxicação aguda por CBZ apresenta diversas manifestações clínicas que se correlacionam com os níveis plasmáticos(7). Devido à lenta absorção do fármaco pela sua ligação às
proteínas plasmáticas, valores inicialmente baixos, traduzidos
por disfunção vestibulo-cerebelosa, com disartria, nistagmo e
ataxia, podem evoluir para quadros neurológicos graves, com
crises epilépticas, coma e depressão respiratória que, se não
forem tomadas as medidas adequadas, poderão ser fatais.
O mecanismo terapêutico da CBZ, bem como o seu efeito
tóxico cardiovascular e neurológico, devem-se ao efeito bloqueador dos canais de sódio pré-sinápticos dependentes de voltagem
e também a efeitos anticolinérgicos(1).
O tratamento da intoxicação aguda por CBZ consiste na
lavagem gástrica seguida da administração de carvão activado
em múltiplas doses, cada 4h, até à resolução do quadro – diálise
gastrointestinal(1). O carvão activado liga-se à CBZ presente no
lúmen intestinal, impedindo a sua absorção primária, e promove
a sua eliminação, interrompendo a circulação entero-hepática e
ABSTRACT
Case report: The authors present a case of a teenage girl
admitted to the emergency room with a sudden progressive neurologic disorder. A family member was on antiepileptic drug treatment. The initial assessment revealed a drowsy adolescent with
appropriate speech, though dysarthric, presenting nystagmus
and bilateral dysmetria and gait ataxia.
Serum assay was performed and revealed high levels of
carbamazepine thus conrming acute poisoning with this drug.
Activated charcoal therapy was done with no reponse, even with
deterioration of the level of consciousness. Hemoperfusion with
activated charcoal was then performed with complete neurological recovery within three hours.
Conclusion: The authors underline the difculties in dealing
with severe cases of poisoning caused by drugs with high protein
binding and emphasize the effectiveness of hemoperfusion with
activated charcoal.
Keywords: Carbamazepine, poisoning, overdose, antiepileptic drugs, hemoperfusion, activated charcoal, disturbed level
of consciousness.
24
casos clínicos
case reports
Perante uma encefalopatia aguda, particularmente na adolescência, deve ser sempre excluída uma intoxicação aguda
(avaliando se acidental ou não), mantendo-se um elevado nível
de suspeição, mesmo que a pesquisa inicial se revele negativa.
EFFICACY OF HEMOPERFUSION WITH ACTIVATED
CHARCOAL IN THE TREATMENT OF SEVERE POISONING
BY CARBAMAZEPINE
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 23-25
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
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CORRESPONDÊNCIA
Maria José Cálix
[email protected]
casos clínicos
case reports
25
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
NIDCAP®: Uma losoa de cuidados…
Andrea Oliveira Santos1
RESUMO
Introdução: Os partos pré-termo constituem um desao
cada vez maior. A incidência tem aumentado nos países ocidentais, com o acréscimo dos tratamentos de fertilidade e o aumento da idade das grávidas. Pesquisas recentes sugerem que, à
medida que se processa a maturação dos recém-nascidos (RN)
prematuros, frequentemente estes não adquirem competências
adequadas na função cognitiva, no processamento mental e na
regulação comportamental, assim como na adaptação social e
emocional. É reconhecida a responsabilidade dos prossionais
das Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), que asseguram a sobrevivência destas crianças, em lhes proporcionar
uma qualidade de vida apropriada.
Objectivos: Dar a conhecer o Programa de Cuidados Centrados no Desenvolvimento (©NIDCAP); enumerar os princípios
básicos da fundamentação teórica deste programa; identicar
vantagens da implementação deste programa nas Unidades de
Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN).
Desenvolvimento: O Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN (©NIDCAP) foi criado numa tentativa de reduzir o impacto negativo do
ambiente da UCIN no bebé prematuro fora do útero materno. A
observação detalhada do comportamento do RN parece ser o
melhor guia para os prossionais promoverem de forma continuada cuidados individualizados de suporte adaptados ao seu
desenvolvimento. A integração da abordagem do NIDCAP nas
UCIN reduz as complicações iatrogénicas relacionadas com o
seu ambiente, uma vez que aumenta as competências do RN,
a conança dos pais e a satisfação dos prossionais de saúde.
O modelo de cuidados NIDCAP envolve treino e educação formais e requer um compromisso multidisciplinar para denição
da equipa, introduzindo modicações quer no hospital e quer na
comunidade. Cada registo clínico, baseado na observação detalhada do RN, interpreta o signicado do seu comportamento no
contexto da situação clínica e da etapa de desenvolvimento, dos
desejos, preocupações e dúvidas da família, assim como das
capacidades de interacção social dos prossionais da saúde da
UCIN e do ambiente físico da mesma.
__________
1
Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediatria, HMPia,
CHPorto
26
artigo de revisão
review articles
Conclusão: Gradualmente está a ocorrer uma grande
transformação nos cuidados prestados nas UCIN e nos programas de intervenção precoce, consistindo na substituição de procedimentos baseados apenas em protocolos por cuidados individualizados, com base na interacção e colaboração com o RN
e a família. As UCIN começam a denir-se, não apenas como
locais de cuidados ao corpo físico, mas também como locais que
concedem bem-estar emocional, gerando assim benefícios para
os bebés e as suas famílias.
Palavras-chave: NIDCAP; UCIN; prematuro; recém-nascido; cuidados de enfermagem; neurodesenvolvimento.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 26-31
INTRODUÇÃO
Os partos prematuros, que se referem aos nascimentos
antes das 37 semanas de gestação, são um desao global em
evolução. Cerca de 13 milhões de partos prematuros ocorrem
por ano em todo o mundo, com uma média de aproximadamente
9%. Nas regiões mais desenvolvidas do mundo a incidência varia entre os 5-12%, e é mais elevada em cerca de 40% em zonas
menos desenvolvidas, em países mais pobres. A incidência tem
aumentado nos países ocidentais com o acréscimo dos tratamentos de fertilidade e o aumento da idade das grávidas. (1)
Dados os recentes e signicativos avanços na perinatologia e na neonatologia nas sociedades industrializadas tecnologicamente as taxas de sobrevivência dos recém-nascidos (RN)
prematuros têm aumentado drasticamente mesmo para recém-nascidos de muito baixo peso e extremo baixo peso. Hoje em
dia mais de 95% das crianças nascidas antes das 28 semanas
de gestação e com peso de nascimento inferior a 1250g sobrevive. (1, 2)
Os RN nascidos às 24 semanas de gestação têm 50% de
hipótese de sobrevivência quando internadas em centros de
cuidados diferenciados. A taxa de morbilidade para RN com 25
semanas de gestação ou menos ronda os 25% e para RN entre as 25 e as 37 semanas ronda os 15%. RN com menos de
26 semanas de gestação compreendem apenas uma pequena
percentagem de nascimentos, no entanto contribuem desproporcionadamente para o aumento da taxa média de mortalidade e
morbilidade infantil e incorre em elevados custos em serviços
médicos e educacionais. (1, 2)
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Pesquisas recentes sugerem que os RN prematuros frequentemente não adquirem competências adequadas na função
cognitiva, no processamento mental, na concretização académica e na regulação comportamental assim como na adaptação
social e emocional. (2)
Assegurar uma qualidade de vida apropriada é reconhecido como a responsabilidade dos prossionais das Unidades de
Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) que asseguram a sobrevivência destas crianças. (2)
O feto foi considerado durante muito tempo como dependente apenas da função do tronco encefálico, no entanto, agora
é reconhecido como um ser complexo, receptivo e reactivo à estimulação social e sensorial que simultaneamente tenta regular
o seu próprio limiar de reacção e resposta. A percepção conceptual e os resultados de estudos têm obtido ganhos, nos últimos
25 anos com a observação detalhada do comportamento dos
RN prematuros. O aumento dos suportes clínicos para avaliar e
compreender estes RN e os seus pontos fortes, as suas vulnerabilidades, limiares de stress e desorganização e regulação funcional, prognósticos de aprendizagem fornecem recomendações
apropriadas para suporte e cuidados. (1)
DESENVOLVIMENTO
Bases neurobiológicas do NIDCAP
Os três últimos meses de gestação correspondem a uma
das fases de maior velocidade de crescimento e especialização
do cérebro humano, que se concretiza dentro do ambiente evolutivamente esperado do útero, onde os estímulos são ltrados
e fornecidos numa sequência adequada. Ao nal da gestação,
com 40 semanas, o RN está desenvolvido e pronto para o contacto directo com o colo da mãe, participando na família. (3)
Nesta fase é capaz de demonstrar todo o funcionamento do
seu sistema sensorial (tacto, paladar e olfacto, audição e visão),
de perceber e de reagir aos estímulos do meio, podendo também
demonstrar habituação, preferências, memória e aprendizagem. (4)
Os RN esperam “herdar” três ambientes seguros: o útero
materno, o colo dos pais e do grupo familiar e a comunidade. O
parto prematuro retira estes RN dos ambientes prometidos e esperados. Dada a imaturidades dos seus órgãos, eles requerem
cuidados apenas disponíveis nas UCIN. (3, 4)
O ambiente tradicional das UCIN representa para a maioria
dos RN a completa separação dos pais, excesso de estímulos e
simultaneamente a frequente experiência de procedimentos invasivos e dolorosos. Estas situações diferem do esperado para o
desenvolvimento normal do sistema nervoso central, o que pode,
inevitavelmente, levar a mudanças signicativas e ao comprometimento do cérebro. (5)
Apesar dos avanços das UCIN os procedimentos invasivos
praticados colocam estas crianças sob o risco de invalidez de
determinados órgãos desenvolvendo morbilidades nas quais se
incluem a doença pulmonar crónica ou displasia broncopulmonar,
hemorragia intra-ventricular, retinopatia da prematuridade, enterocolite necrosante entre outras. À parte destas morbilidades, a
incompatibilidade entre as expectativas do cérebro do feto sobre
o útero materno e a realidade das UCI providencia desaos sig-
nicativos e inuencia o desenvolvimento neuro-siológico, neuropsicológico, psico-emocional e psico-social do RN. (1)
Períodos prolongados de sono difuso, choro inconsolável,
mudanças abruptas do uxo sanguíneo devido às rotinas, mudanças de posicionamento, manipulação agressiva, procedimentos invasivos tais como aspiração de secreções, ambiente
ruidoso e luminoso, impossibilidade de mamar e diminuição de
interacção social e de cuidados, provocam efeitos no cérebro e
parecem consequentemente provocar alterações no desenvolvimento. (1)
Parece que o desenvolvimento no ambiente extra-uterino
antes das 37 semanas de gestação, pode levar a trajectórias de
desenvolvimento diferentes e potencialmente desadaptativas. É
por isso importante descobrir como e quando será crucial garantir que o desenvolvimento do feto fora do útero materno se
processe de forma suave e equilibrada para prevenir desadaptações do RN. (2)
A observação do comportamento do RN prematuro providencia uma forma de aferir os objectivos do desenvolvimento
infantil e monitorizar as competências funcionais e o estado
de equilíbrio. Mesmo os RN muito prematuros e frágeis podem
oferecer observações credíveis segundo as quatro linhas de
orientação: o sistema autónomo, o sistema motor, o sistema de
organização de estados (que inclui o subsistema de atenção e
interacção); o sistema de auto regulação e equilíbrio. (2, 3)
Durante cada etapa do desenvolvimento os sistemas
desenvolvem-se independentemente e, ao mesmo tempo, interagindo continuamente uns com os outros e com o ambiente.
O processo de desenvolvimento é descrito como uma série de
círculos concêntricos, iniciando pelo sistema autónomo e terminando no subsistema de atenção/ interacção, com cada um dos
sistemas e subsistemas continuamente promovendo a recíproca
alimentação para os restantes. (2,3)
Os sinais comunicativos do comportamento do sistema
autónomo incluem os padrões respiratórios, utuações da coloração e respostas viscerais tais como cuspir, tosse, atulência,
defecção entre outras. Os sinais comunicativos do sistema motor
incluem o tónus muscular, modelações da face e extremidades,
acidez ou hipertonicidade, assim como padrões de postura e
movimento, dedos em leque, corpo em arco entre outros. Os sinais comunicativos do sistema de estado/atenção, sistema que
dene o nível de atenção, incluem os períodos de sono, o acordado, o despertar, os padrões de transição entre cada estado,
assim como a sua duração. O sistema da regulação expressa-se
nos esforços e sucessos no equilíbrio de todos os outros sistemas, pode incluir esforços como levar as mãos à boca e sugar,
enrolar-se sobre si mesmo, mudar de posição de dorsal para
lateral, etc. (2, 3)
Os sistemas de um RN de termo funcionam todos de uma
forma harmoniosa, permitindo uma estável interacção com o
meio, já no RN prematuro a “energia” disponível está distribuída de forma diferente: as exigências do sistema autónomo são
enormes, seguidas pelas do sistema motor, o que deixa muito
pouca energia para os demais funcionarem. Além disso, o RN
prematuro possui um limiar muito baixo para responder ao meio,
artigo de revisão
review articles
27
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
sendo assim frente a estímulos visuais, por exemplo, poderá responder à custa da desorganização nos restantes sistemas. Esta
desorganização poderá ser evidenciada por taquicardia, apneia,
hipotonia e até por um estado de hiperalerta ou de completa
exaustão, por outro lado, os esforços para diminuir a exigência
de um sistema podem inuenciar positivamente os restantes,
traduzindo-os em maior homeostase. (2, 3)
A palavra-chave passa a ser a organização do RN, que
reecte a sua habilidade em estabelecer um nível de funcionamento integrado entre os sistemas siológicos e comportamentais. A habilidade desses sistemas trabalhar em harmonia afecta
a sobrevivência do RN e permeia todas as interacções que ele
executa com o meio. (2, 3)
Torna-se rapidamente evidente que a criança procura continuamente a co-regulação disponível, uma função que habitualmente é preenchida pelo útero e que agora é prestada pelos
cuidadores. No entanto, este contínuo papel de co-regulação
ultrapassa a capacidade dos prestadores de cuidados que têm
que cuidar de várias crianças em simultâneo.(2, 3)
NIDCAP – Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN
NIDCAP é o Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN que foi desenvolvido
por Heidelise Als e sua equipa de colaboradores no início dos anos
80 como uma estratégia para responder a preocupações quanto
ao impacto negativo do ambiente das UCIN nos recém-nascidos
prematuros. Com o tempo, o conceito foi alargado para englobar,
além dos aspectos físicos do ambiente, todos os procedimentos
de cuidar bem como os aspectos sociais envolvidos.
A abordagem compreensiva do NIDCAP foi criada no intuito de diminuir a discrepância entre as expectativas imaturas do
cérebro humano e a experiência efectiva vivenciada no ambiente
da UCIN. O modelo NIDCAP tem em vista criar uma relação baseada num ambiente de suporte para o RN e a família, e propõe
que as interacções relativas aos cuidados e ao ambiente, que
deverão ter em conta os subsistemas do RN, tenham um suporte
a longo prazo. (1, 6)
O fundamento dos cuidados centrados no desenvolvimento não é simplesmente cobrir a incubadora ou utilizar suportes
para o posicionamento do bebé, assim como também não é simplesmente diminuir as luzes e os ruídos. Embora estas acções
possam fazer parte do plano de cuidados e se tornem parte do
cuidar de um bebé, estas não constituem o cerne do NIDCAP. O
foco principal depende dos relacionamentos que o cuidador está
disposto a construir com o seu paciente. (8, 9)
O recém-nascido passa a ser encarado como um activo
colaborador no seu próprio cuidado, lutando de forma determinada a continuar a trajectória de desenvolvimento fetal iniciada
no útero. Desta forma, postula-se que os comportamentos do
recém-nascido (respostas siológicas e pistas comportamentais)
fornecem a melhor informação a partir da qual podemos modelar
os cuidados. (3, 4)
É uma abordagem comportamental individualizada para a
prestação de cuidados baseada na informação que o compor-
28
artigo de revisão
review articles
tamento do RN nos fornece. Permite a formulação de um plano
de cuidados que melhora e fortalece as forças do RN e que o
suporte em situações de sensibilidade e vulnerabilidade. O objectivo deste programa individualizado de cuidados centrado no
desenvolvimento é melhorar a longo prazo as consequências da
prematuridade na criança e família. (8, 9)
A descrição comportamental das funções do RN é entendido no contexto do estado clínico e da sua história, assim como
a história da sua família. A estimativa dos objectivos comportamentais do RN tem em conta toda a sua história. (1, 2)
Todas estas observações áveis da comunicação comportamental providenciam informação valiosa quer para os enfermeiros quer para os médicos, sobre como estruturar e adaptar
os cuidados e as interacções no intuito de realçar as competências e forças da criança para prevenir ou diminuir sinais de
desconforto, stress e/ou dor. (1, 2)
Os prestadores de cuidados e a família formulam os objectivos do RN com base nos objectivos aferidos nas observações
iniciais do RN, são formulados potenciais oportunidades no que
diz respeito ao ambiente da UCIN, ao ambiente imediato como
a incubadora e linhas de perfusão e tubos, e ao ambiente social
no que diz respeito ao tempo, suporte, gentileza dos cuidados e
interacções. (8, 9)
As sugestões e recomendações têm sempre em conta o
bem-estar do RN, as suas forças, competências, eciência e
também um óptimo ambiente de suporte. Estas considerações
iniciam-se providenciando apropriados suportes, carinho e atenção para o RN e a família, que é a principal reguladora do seu
desenvolvimento, atmosfera e o ambiente emocional da UCIN; a
organização e planicação da unidade do RN; a forma como são
prestados os cuidados de enfermagem e médicos, os cuidados
com os procedimentos mais especícos; assegurar intimidade e
privacidade para o RN e a família. (1, 2)
Os elementos chave do NIDCAP são: coordenação; avaliação; meio ambiente tranquilo; consistência no cuidar/cuidados
colaborativos; agrupamento de cuidados/estruturar às 24 horas;
posicionamento adequado; oportunidades para contacto pele-a-pele; suporte individualizado para a alimentação; conforto para
a família. (3, 4)
Coordenação: a implementação dos cuidados com base
nesta perspectiva requer compreensão e conhecimento do desenvolvimento da criança, dos pais e da família e da história
actual da doença assim como os seus efeitos no desenvolvimento. Para obter a colaboração da equipa multidisciplinar na
implementação dos cuidados com base no desenvolvimento é
necessária a apreciação de cada grupo prossional em interacção, assim como a compreensão aprofundada das estruturas
organizacionais do hospital e mais especicamente da UCIN.
Os prossionais integrados nesta complexa metodologia devem
assumir o compromisso para elevar o seu crescimento pessoal,
o auto-conhecimento e a maturidade emocional. Requer o empenho de prossionais de elevado nível tais como neonatologistas, enfermeiros, pediatras, neurologistas, psiquiatras, siatras,
sioterapeutas, terapeutas da fala, nutricionistas, educadores e
assistentes sociais. (7)
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Avaliação: é utilizada uma cha de avaliação e registo dos
sinais comunicativos do RN antes, durante e após os cuidados
prestados e procedimentos. Esta avaliação fornecerá dados para
um relatório sobre o cuidar individualizado da respectiva semana, que estará disponível para consulta pela equipa e pelos pais.
Este procedimento deve ser repetido semanalmente. As observações, principalmente quando efectuadas repetidamente, asseguram muita informação sobre o RN no que diz respeito à sua
robustez, equilíbrio, assim como a evolução enquanto o RN tenta
integrar e tirar o máximo proveito dos cuidados e interacções
que lhe são proporcionadas. As observações fornecem registos
escritos que por si descrevem as forças do RN, sensibilidades,
limiares de stress e os seus esforços na auto-regulação. As informações obtidas de todos os registos fornecem bases para a
aferição dos aparentes objectivos do RN tendo em conta adaptações aos cuidados prestados, a interacção e o ambiente que
pode melhorar as conquistas dos objectivos do RN, aumentar as
suas forças e reduzir o seu stress comportamental. (1, 3)
Meio ambiente tranquilo: A maioria das UCIN não foi
construída para ser um ambiente tranquilo. As prioridades do
design tradicional no aproveitamento do espaço e no controle
de infecções, inadvertidamente, determinaram que as unidades
fossem ruidosas pelo pouco espaço, actividade frenética e superfícies altamente reverberantes. A aplicação das mudanças
físicas na unidade, após um planeamento cuidadoso, pode ser
um dos aspectos de mais fácil aplicação, no entanto permanece
o aspecto da actividade humana, principal elemento produtor de
ruído dentro das UCIN. Entre os efeitos siológicos dos ruídos
em RN, incluem-se a alteração da frequência cardíaca, aumento
da tensão arterial, diminuição na saturação de oxigénio e apneia,
aumento da pressão intracraniana, possíveis danos cocleares
pelo ruído e pelo uso simultâneo de medicamentos ototóxicos. A
audição está intimamente ligada ao sistema alerta, sendo muito
importante para a sobrevivência, pois prepara o indivíduo para
reagir ao som de perigo. Nas UCIN o alto nível de ruído a todo o
instante pode tornar difícil a manutenção dos estados de sono,
que parecem ser tão importantes para um adequado desenvolvimento do sistema nervoso central. Alterações na fala, problemas
relacionados com a linguagem e aprendizagem acontecem com
frequência em RN prematuros e parecem estar relacionados com
a caótica experiência auditiva da UCIN. A luz forte e contínua é
um factor de stress para o RN internado na UCIN por apresentar
menos defesas em relação à luz ambiente. Apesar de algumas
controvérsias, a utilização dos ciclos dia/noite na UCIN tem sido
recomendada por especialistas e por instituições como forma de
beneciar o desenvolvimento dos RN. (10, 11, 12, 13)
Agrupamento de cuidados/estruturar às 24 horas: sempre que possível toda a equipa deve conhecer o programa de
cuidados do RN, discutindo o plano de cuidados entre si e com a
família. Os procedimentos que provocam stress deverão ser realizados em dupla (em que um atende ás necessidades do RN e
o outro realiza o procedimento) uma parceria entre médicos, enfermeiros e família. Realizando as actividades de acordo com as
reais necessidades do RN e não de forma rotineira. Agrupar os
cuidados respeitando os ciclos de sono, realizando os procedi-
mentos de acordo com os sinais do RN mantendo-o organizado.
Garantindo um mínimo de 60 minutos de tranquilidade após o
procedimento sem que haja nenhum manuseio ou estimulação.
Organizar o meio ambiente, planear a actividade para evitar interrupções, observar o RN antes da intervenção, sinalizar ao RN
que ele vai ser manipulado (voz suave, toque com contenção),
usar os suportes e pausas que forem requisitados pela organização comportamental do RN. (2)
Posicionamento: O RN prematuro frequentemente faz
tentativas repetidas, ainda que mal sucedidas, de obter limites
estendendo os braços e as pernas, esses esforços motores repetidos podem extenuar o RN, que usa um suprimento limitado
de “energia”. Os cuidados posturais são dirigidos para minimizar
o gasto de energia, enquanto promovem um equilíbrio entre a
exão e a extensão, para qualquer RN. Algumas técnicas de posicionamento podem incluir posturas exoras com alinhamento
da cabeça com o corpo e membros junto a ele durante o repouso
e o manuseio. Utilizar rolos que mantenham o corpo contido e
que estejam em íntimo contacto com todo o corpo evitando que
algum membro que fora da contenção. A posição ideal é a lateral, respeitando-se as necessidades clínicas do RN. Os suportes
são usados para aumentar o bem-estar e a tranquilidade do RN
e serão gradualmente diminuídos conforme for melhorando a
sua organização motora. (3)
Oportunidades para contacto pele-a-pele: a técnica do
Canguru é um componente importante dos cuidados centrados
no desenvolvimento. Envolve a colocação do RN apenas de fralda, em posição erecta, sobre o tórax da mãe ou do pai, sendo
então coberto por um pano ou faixa de tecido. Fornece um equilíbrio entre os sistemas táctil e proporioceptivo (desenvolvimento
mais precoce) e os sistemas visual e auditivo (desenvolvimento
mais tardio), ambos sob estimulação inadequada. Protege o RN
da estimulação nociva da UCIN auxiliando inicialmente no sono
e, mais tarde, na atenção dirigida à mãe. Favorece a manutenção
da temperatura adequada, melhora aspectos cardio-respiratórios
e permite melhor ganho de peso em RN prematuros. Tem ainda
um efeito positivo no aleitamento materno exclusivo após a alta,
no desenvolvimento de afecto e na conança e satisfação materna. (14, 15, 16)
Conforto para a família: Assegurar aos pais que eles são
os principais cuidadores da criança, que são os primeiros a providenciar carinho e atenção factores críticos para o desenvolvimento futuro do RN. O ambiente hospitalar pode ser a sua casa
durante alguns meses. A organização e planicação dos cuidados devem incluir oportunidade de interacção entre o RN e a
família. Os pais e a criança esperam que o ambiente da UCIN
lhes conceda um ambiente de suporte, respeito, prossional e
espaço onde sejam capazes de dar carinho e atenção e que
os ajude no seu papel de pais e lho, e a tornar-se famílias de
conança e com mútuo bom funcionamento. Em muitos países,
incluindo os Estados Unidos, a alta hospitalar da mãe antes da
alta do seu lho prematuro é baseado apenas no bem-estar da
mãe e falha ao não ter em conta a saúde mental e emocional
quer da mãe quer do RN. Em algumas sociedades esta situação é tida em conta e favorecem a mãe nanceiramente e
artigo de revisão
review articles
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NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
socialmente permitindo-lhe que permaneça no hospital até à
alta do seu lho. Por conseguinte, o ambiente da UCIN deve
favorecer o acompanhamento dos pais, em vez do ambiente
médico intensivo onde os pais são meros visitantes. Favorecer
a amamentação, reduzir o nível de stress decorrente da prematuridade, reduzir ou evitar a depressão pós-parto são factores
altamente considerados e favorecedores da teoria de manter a
mãe e o RN sempre juntos. (1, 17)
CONCLUSÃO
Este artigo pretendia ser uma revisão do programa NIDCAP,
das mudanças que requerem a sua implementação na estrutura
física da UCIN mas principalmente na mudança de comportamentos por parte de toda a equipa multidisciplinar.
A sua implementação leva ao respeito e ao investimento
mútuo entre o RN e a sua família ao longo do seu desenvolvimento. Isto porque esta perspectiva vê o RN, os pais e os prossionais de saúde envolvidos numa contínua co-regulação uns
com os outros e ao mesmo tempo inseridos no seu ambiente
físico e social.
As evidências, no entanto, são ainda inconclusivas para
considerar NIDCAP como o modelo de cuidados ideal. Sem dúvida, o Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do RN prematuro serve como uma
matriz muito adequada para o cuidar atento e em resposta aos
sinais comunicativos do RN, preservando a sua “energia” para
um funcionamento mais adequado.
Segundo Heidelise Als uma grande transformação está gradualmente a ganhar força nos cuidados na UCIN e na intervenção
precoce, consistindo na mudança dos procedimentos baseados
em protocolos para os cuidados com base nos relacionamentos
com o RN. As UCIN começam a denir-se não apenas como
locais de cuidados ao corpo físico, mas também, locais que dão
suporte ao bem-estar emocional e que geram mais benefícios
para os RN e as famílias. (1, 7)
NIDCAP: A PHILOSOPHY OF CARE
ABSTRACT
Introduction: Preterm births are an evolving global challenge. Its incidence has increased in Western countries with
the escalating of fertility treatments and the increasing age of
pregnant women. Recent research suggests that as preterm
newborns (NB) mature they often do not acquire adequate
skills in cognitive functions, mental processing, and behavioural regulation as well as in social and emotional adaptation.
Promoting an appropriate quality of life of these children is
recognized as a responsibility of the professionals of Neonatal Intensive Care Units (NICU) that ensure their survival.
Objectives: To acquaint the Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP ®); to list the
basic principles of the theoretical foundation of this program; and
to identify advantages of implementing this program in the NICU.
Development: The Newborn Individualized Development Care
30
artigo de revisão
review articles
and Assessment Program (NIDCAP ®) was created aiming to
reduce the negative impact of NICU environment in the premature babies outside mother’s womb. Detailed observations of the
newborns’ behaviour can be the best guide for professionals to
arrange continuous individualized care adapted to support their
development. Integration of NIDCAP approach in NICU reduces
iatrogenic complications related to intensive care environment,
since it increases the skills of the newborn, the parents’ trust and
satisfaction of health professionals. The model of care NIDCAP
involves training and formal education, and requires a commitment to a multidisciplinary team setting, ensuing changes in the
hospital and the community. Each clinical report based on detailed infant’s observation interprets the meaning of the observed
behaviour within the current clinical setting and stage of development, family’s desires, concerns and worries, as well NICU staff
care and social interaction skills.
Conclusion: A great transformation is gradually gaining
strength in the care given in the NICU and in early intervention
programs, consisting of switching procedure-based protocols for
care based on individual adapted interactions and collaboration
with the NB and the family. The NICU begin to dene themselves
not only as places taking care of the physical aspects, but also
supporting the emotional well-being, thus generating benets to
the babies and their families.
Keywords: NIDCAP; NICU; premature; newborn; nursing
care; neurodevelopment.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 26-31
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CORRESPONDÊNCIA
Email: [email protected]
artigo de revisão
review articles
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Mielite transversa aguda
Maria João Sampaio1, Ana Garrido2, Maria João Oliveira3, Ana Vilan1, Rui Almeida1, Joaquim Cunha1
RESUMO
Introdução: A retenção urinária aguda é pouco frequente
na criança. A presença de alterações no exame neurológico é um
dado fundamental para orientar o diagnóstico.
Caso clínico: Os autores apresentam o caso de um rapaz
de dez anos, sem antecedentes de relevo, com quadro clínico
caracterizado por retenção urinária aguda, obstipação e sinais
de lesão do primeiro neurónio. A investigação conduziu ao diagnóstico de mielite transversa aguda idiopática. Foi instituída
terapêutica com bloqueador alfa e cateterização vesical, tendo
evolução favorável.
Conclusão: A mielite transversa aguda é uma doença inamatória medular, cuja etiopatogenia não está, ainda, bem esclarecida, e que se manifesta clinicamente por disfunção motora,
sensitiva e/ou autonómica. O exame do líquido cefalo-raquidiano
(LCR) e a ressonância magnética nuclear (RM) medular permitem, em regra, demonstrar a inamação medular. O tratamento
não é, ainda, consensual, e o prognóstico é muito variável.
Palavras-chave: retenção urinária aguda, mielite transversa aguda, lesão primeiro neurónio.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 32-34
INTRODUÇÃO
A mielite transversa aguda (MTA) é uma doença inamatória aguda da espinal medula, com consequências potencialmente graves(1,2). A etiopatogenia não está ainda completamente
esclarecida, parecendo estar implicado um mecanismo imunológico(3). Caracteriza-se por sinais e sintomas de disfunção neurológica aguda ou subaguda motora, sensitiva e/ou autonómica(4,5).
A evolução e o prognóstico são variáveis, podendo-se vericar
desde a resolução completa do quadro em pouco tempo, a déces permanentes.
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino, dez anos de idade, sem antecedentes patológicos relevantes. Recorreu ao serviço de urgência
(SU) por quadro clínico com três dias de evolução caracterizado
__________
1
2
3
S. Pediatria, CHTâmega e Sousa, Unidade Hospital Padre Américo
S. Pediatria, CHVila Nova de Gaia/Espinho
S. Pediatria, CHPorto - HSAntónio
32
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
por diculdade em iniciar e completar a micção, sensação de
esvaziamento vesical incompleto e desconforto abdominal que
condicionava diculdade em deambular. Concomitantemente,
havia referência a obstipação com quatro dias de evolução. Sem
história recente de traumatismo, vacinação ou infecção.
Ao exame objectivo, à admissão, apresentava globo vesical, discreta diminuição da força muscular do membro superior
esquerdo, reexos cremasteriano e cutâneo-abdominal não despertáveis à esquerda, reexos osteotendinosos dos membros
inferiores muito vivos bilateralmente e de área normal, clónus do
membro inferior esquerdo e sinal de Babinski bilateral. Não foi
objectivado nível sensitivo. Toque rectal: tónus esncteriano normal. O restante exame objectivo não apresentava alterações.
No SU teve uma micção espontânea, com jacto no e sensação de esvaziamento incompleto, vericando-se reaparecimento
do globo vesical pouco tempo depois. Posteriormente, manteve
incapacidade em urinar espontaneamente, pelo que foi necessária
cateterização vesical, com saída imediata de 1400 ml de urina.
O estudo analítico (hemograma, função renal, ionograma,
proteína C reactiva, sedimento urinário e urocultura), radiograa
abdominal simples em pé e ecograa abdominal e renovesical
(realizada com o doente algaliado) não revelaram alterações. Foi
efectuada punção lombar (PL) que demonstrou líquido cefalo-raquidiano sem pleocitose, com glicorráquia e proteinorráquia
normais, índice de IgG normal e pesquisa de bandas oligoclonais
negativa. A pesquisa no líquido cefalo-raquidiano (LCR) de DNA
viral de CMV, Herpes simplex I e II e EBV, e RNA de Enterovirus,
assim como a pesquisa de DNA de Mycoplasma pneumoniae,
foi negativa. A ressonância magnética nuclear cerebral e medular, com e sem contraste, realizada no sexto dia de doença,
não revelou alterações. O estudo imunológico (complemento,
imunoglobulinas, ANAs, anticorpos anti-citoplasma do neutrólo)
foi normal, e as serologias para CMV, HHV-6, EBV, Coxsackiae,
Varicela zoster, Borrelia burgdorferi e Mycoplasma pneumoniae
não foram sugestivas de infecção aguda.
Dado manter incapacidade em urinar e defecar espontaneamente iniciou, ao terceiro dia de internamento, terapêutica com
bloqueador alfa (terazosina, 2,5mg/dia) e lactulose, mantendo
cateterização vesical, com desclampagem intermitente.
Durante o internamento foram feitas várias tentativas para
suspender a cateterização vesical, sem sucesso, por episódios
recorrentes de retenção urinária. Os reexos osteotendinosos
dos membros inferiores mantiveram-se alterados, assim como o
cutâneo abdominal e o cremasteriano, mas sem clónus do mem-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
bro inferior. O reexo cutâneo-plantar era indiferente ao terceiro dia, e em exão bilateralmente ao nono dia de internamento.
Houve normalização da força muscular desde o quarto dia de
internamento.
Teve alta ao décimo dia de internamento, com algaliação
intermitente, medicado com terazosina, prolaxia da infecção do
tracto urinário com cotrimoxazol, orientado para as consultas de
pediatria geral, neuropediatria, urologia e siatria.
Um mês após a alta referia micções e dejecções voluntárias
e de características normais e apresentava exame neurológico
normal.
DISCUSSÃO
Na população geral, a incidência da MTA é estimada em
1-4 casos por milhão de habitantes/ano, podendo atingir todas
as idades. Verica-se, contudo, uma distribuição bimodal, com
maior incidência nos grupos etários dos 10-19 anos e 30-39
anos(4,5).
No que respeita à etiologia, é frequentemente referida a relação temporal com infecções víricas ou bacterianas (ex: EBV,
Herpes, Inuenza, Mycoplasma, etc) ou vacinação (ex: DTP,
hepatite, etc)(1,2,4). Não está, contudo, determinada uma relação
causa-efeito entra MTA e vacinação. Pode, ainda, estar associada a alterações vasculares (nomeadamente isquemia), a doenças auto-imunes e do tecido conjuntivo (Lupus Eritematoso
Sistémico, Doença de Behçet, Síndrome de Sjögren, etc.). Por
outro lado, pode ser uma primeira manifestação de uma doença desmielinizante como a Esclerose Múltipla(5), ou ainda estar
relacionada com neoplasia intra ou extra-axial. A MTA é descrita
como idiopática em 10-45% dos casos(6).
Clinicamente, manifesta-se como disfunção:
- motora aguda/subaguda, com diminuição da força muscular (paralisia ácida), que pode ser simétrica ou não (2,5),
progride para paralisia espástica, com sinais de lesão do
primeiro neurónio (hiperreexia, sinal de Babinski, diminuição ou ausência dos reexos cremasteriano e/ou cutâneo-abdominal);
- sensitiva - demonstração de um nível sensitivo, geralmente na região medio-torácica, e/ou autonómica (disfunção
vesical, obstipação)(2,3).
O diagnóstico baseia-se, para além das manifestações
clínicas, na demonstração de inamação medular: pleocitose e
aumento do índice de IgG no liquor, e na RM medular aumento
da captação de contraste (edema medular, sinal hiperintenso na
ponderação T2 (com menor frequência, sinal iso ou ligeiramente hipointenso em T1), geralmente atingindo vários segmentos
vertebrais e mais frequentemente ao nível da medula toraco-lombar)(5,7). A evidência da inamação medular pode não estar
presente no início do quadro, pelo que há autores que sugerem
a sua repetição entre o segundo e o sétimo dia de doença(5). No
caso apresentado, dado que a investigação foi efectuada neste período de tempo e dada a boa evolução clínica, apesar de
não se ter objectivado na avaliação inicial a inamação medular,
optou-se por não repetir os estudos (PL e RM).
O tratamento não é, actualmente, consensual. Diversos estudos concluíram que o uso da metilprednisolona endovenosa
nas formas graves pode reduzir o tempo de doença e minimizar
os déces resultantes(8,9), o que é contrariado noutros(6). O tratamento não farmacológico pode incluir a cateterização vesical
intermitente, no sentido de preservar a função vesical(10), e a sioterapia(3). No caso descrito, a evolução foi favorável.
A recuperação espontânea ocorre geralmente nas primeiras semanas a meses e é completa em 40 a 50% dos doentes(3), sendo a disfunção vesical um dos déces residuais mais
frequentes(6,10).
Alguns autores referem uma associação entre a instalação rápida dos déces e gravidade, com consequente pior prognóstico(2).
Perspectiva-se que futuramente se encontrem marcadores bioquímicos que melhor se relacionem com a MTA, quer no
que respeita à patogénese quer ao prognóstico, encontrando-se
actualmente em investigação (ex: proteína 14-3-3, neuromielite
óptica IgG (NMO-IgG), neuroenolase especíca, etc)(7).
CONCLUSÃO
Apesar de, no caso descrito, não ter sido possível demonstrar um nível sensitivo nem objectivar sinais de inamação medular, quer no LCR quer na RM medular, foram excluídas as outras
etiologias mais prováveis que poderiam cursar com os sintomas
e sinais descritos, nomeadamente as doenças desmielinizantes,
tumorais ou infecciosas. A boa evolução clínica permitiu-nos inferir que, provavelmente, se tratou de uma forma frustre e “incompleta” de MTA idiopática, com uma total recuperação dos déces
neurológicos.
ACUTE TRANSVERSE MYELITIS
ABSTRACT
Introduction: Acute urinary retention is unusual in children.
Careful neurological examination is very important, as abnormal
neurological signs may be the clue for the diagnosis.
Case report: The authors report the case of a ten-year-old
boy, with no previous relevant diseases, presenting acute urinary
retention, constipation and signs of upper motor neuron lesion.
The evaluation suggested an idiopathic acute transverse myelitis. Treatment included alpha blockers and vesical catheterization
with favorable evolution.
Conclusion: Acute transverse myelitis is a spinal cord inammatory disease, characterized by signs of motor, sensitive
and autonomic disfunction. Etiology and pathogenesis are not
well established. Cerebrospinal uid examination and spinal cord
magnetic resonance imaging usually demonstrate spinal cord inammation. Treatment is controversial and prognosis is variable.
Keywords: acute urinary retention, acute transverse myelitis, upper motor neuron lesion.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 32-34
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
paediatric inter-hospitalar meeting
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paediatric inter-hospitalar meeting
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children: long-term urological outcomes. J Urol 2006;
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AGRADECIMENTOS
Dra. Clara Barbot – S. Neuropediatria, Centro Hospitalar do
Porto - Hospital Maria Pia
Dr. Armando Reis – S. Urologia, Centro Hospitalar do Porto
- Hospital Maria Pia
CORRESPONDÊNCIA
Maria João Sampaio
CH Tâmega e Sousa
Unidade Hospital Padre Américo
Serviço de Pediatria
Lugar do Tapadinho, Guilhufe,
4564-007 Penael
[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Supplementation of Infant Formula With Probiotics
and/or Prebiotics: A Systematic Review and Comment
by the ESPGHAN Committee on Nutrition
ESPGHAN Committee on Nutrition: Christian Braegger, Anna Chmielewska, Tamas Decsi, Sanja Kolacek,
Walter Mihatsch, Luis Moreno, Magorzata Piescik, John Puntis, Raanan Shamir,
Hania Szajewska, Dominique Turck, and Johannes van Goudoever
In Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition. 2011;52: 238-50
ABSTRACT
Infant formulae are increasingly supplemented with probiotics, prebiotics, or synbiotics despite uncertainties regarding
their efcacy. The present article, developed by the Committee on Nutrition of the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition, systematically reviews
published evidence related to the safety and health effects of
the administration of formulae supplemented with probiotics
and/or prebiotics compared with unsupplemented formulae.
Studies in which probiotics/prebiotics were not administered
during the manufacturing process, but there after, for example in capsules, the contents of which were supplemented to
infant formula or feeds, were excluded. On the basis of this
review, available scientic data suggest that the administration
of currently evaluated probiotic and/or prebiotic-supplemented
formula to healthy infants does not raise safety concerns with
regard to growth and adverse effects. The safety and clinical effects of 1 product should not be extrapolated to other
COMENTÁRIO
O uso dos probióticos e prebióticos na Indústria Alimentar
tem vindo a despertar um interesse crescente como área de investigação, nomeadamente nos produtos dietéticos destinados
aos lactentes.
Nos últimos anos, evidência cientíca tem vindo a ser compilada sobre o papel da ora intestinal, na manutenção e equilíbrio da saúde humana. Os probióticos (e os prebióticos como
seus substratos), que parecem interagir com ela, poderão ser
implicados na sua modulação, em fases precoces e determinantes do desenvolvimento humano.
De facto, a microora intestinal é uma comunidade microbiana complexa. O estudo destas comunidades tem tido um enorme desenvolvimento como área de investigação nos últimos 30
anos. As bactérias anteriormente encaradas como organismos
primitivos, nas últimas décadas, tornou-se óbvio que possuem
sosticados comportamentos de grupo. Comunicam entre si e
com o hospedeiro produzindo, recebendo e respondendo com sinais químicos, equivalente às hormonas nos seres eucariontes.
Assim, apercebem-se do meio circundante, adaptando-se; têm
products. At present, there is insufcient data to recommend
the routine use of probiotic- and/or prebiotic-supplemented
formulae. The Committee considers that the supplementation
of formula with probiotics and/or prebiotics is an important eld
of research. There is a need in this eld for well-designed and
carefully conducted randomised controlled trials, with relevant
inclusion/exclusion criteria and adequate sample sizes. These
studies should use validated clinical outcome measures to assess the effects of probiotic and/or prebiotic supplementation
of formulae. Such trials should also dene the optimal doses
and intake durations, as well as provide more information
about the long-term safety of probiotics and/or prebiotics. Because most of the trials were company funded, independent
trials, preferentially nanced jointly by national/governmental/
European Union bodies and other international organisations,
would be desirable.
Keywords: feeding, microbiota, modication, paediatric
nutrition
uma consciência colectiva. Essa linguagem, o quórum sensing
permite às bactérias sincronizar a expressão génica do grupo e
assim actuar em uníssono. Mais, estes sinais são transmitidos
às células eucariontes do hospedeiro e estas, por seu lado, produzem hormonas que sinalizam as bactérias, mediando relações
simbióticas ou patogénicas entre as duas partes (microora/hospedeiro). Assim, a era metagenómica que estuda o material genético recolhido directamente de amostras do ambiente natural,
permite o alargamento da abrangência do estudo quer de microbiomas (totalidade de microorganismos de uma comunidade, do
seu genoma e das suas interacções, num determinado ambiente) por exemplo a microora intestinal, quer de metabolomas (totalidade de metabolitos e outras moléculas sinalizadoras de uma
amostra biológica, que são os produtos nais da sua expressão
génica), que dão um cenário muito mais completo da bioquímica,
siologia e microbiologia humanas. De facto, na microbiologia
clássica o estudo da vasta maioria da diversidade microbiana é
perdida quando usados os métodos culturais clássicos 1. Assim,
esta plasticidade da expressão génica, modulação e programação metabólicas, decorrente de sinais ambientais em janelas críticas do desenvolvimento, imprimem um cunho único e pessoal,
artigo recomendado
recommended article
35
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
ou seja, uma plasticidade semelhante na homeostasia humana,
afectando mais ou menos directamente o desenvolvimento de
um estado de saúde ou de doença, no imediato ou em deferido 2.
Um exemplo será a plausível inuência da microora intestinal no
metabolismo energético por diferentes mecanismos como sejam
a extracção de energia a partir dos componentes não digeridos da
dieta, a regulação do armazenamento de gordura (expressão do
fasting-induced adipose factor - FIAF), a regulação da lipogénese através da regulação da expressão de enzimas como a aceil-CoA carboxilase (ACC) e a sintetase de ácidos gordos (FAS), e/
ou a expressão de proteínas como a carbohydrate responsive
element binding protein (ChREBP), a sterol responsive element
binding protein (SREBP-1), ou ainda a regulação da oxidação
dos ácidos gordos (actividade da AMP-activated protein kinase)
3,4
. Ainda outra característica destas comunidades bacterianas,
mesmo em estirpes idênticas, diferenças no proteoma (o total
das proteínas expressadas por um genoma) e/ou no secretoma
(o total dos produtos segregados por estes microorganismos)
podem ter impacto na funcionalidade destas comunidades, por
exemplo de comunidades de probióticos (associados ou não
a prebióticos como substrato), que podem estar na génese de
resultados não concordantes da sua ecácia 1,2.
Assim, a abordagem metagenómica poderá permitir o desenvolvimento da engenharia probiótica (probióticos recombinantes) e a selecção racional de estirpes, podendo os probióticos e prebióticos serem adicionados a alimentos tornando-os
funcionais, ou ainda a sua utilização como “fármacos”, na prevenção e tratamento adjuvante de patologia. O uso apropriado
do conhecimento do microbioma e metaboloma da comunidade
microora intestinal poderá permitir a compreensão das interacções entre microorganismos comensais, probióticos e patogénios e o seu hospedeiro a nível molecular, celular e populacional,
nomeadamente através da identicação de substratos-chave e
mediadores 1,2.
Assim, numerosos trabalhos têm sido publicados e escrutinados em metanálises 5,6, no sentido de demonstrar evidência
cientíca da ecácia do uso dos probióticos na prevenção e/ou
tratamento de diversas patologias tais como a diarreia aguda, a
doença alérgica, a enterocolite necrotizante, a doença inamatória intestinal, entre muitas outras.
Ora, o seu uso na alimentação do lactente parece assim
pertinente, no sentido de obter precocemente tais pressupostos
benefícios. O tipo de aleitamento, se materno ou com fórmula
láctea, assume particular importância na nutrição do lactente, especialmente nas primeiras semanas de vida, nomeadamente na
composição e modulação da microora intestinal.
De facto, o papel do aleitamento materno neste tema tem
sido alvo de intensa investigação e interesse, no que se refere a esse possível efeito programador e modulador não só pelo
teor proteico, teor de colesterol, mas também pela presença de
oligossacáridos com função prebiótica e pela presença de microorganismos com possível função probiótica 1,7-9.
Neste seguimento, recentemente, as fórmulas infantis têm
vindo a ser cada vez mais suplementadas com probióticos (e/ou
prebióticos) no sentido de aspirar à obtenção dos efeitos bené-
36
artigo recomendado
recommended article
cos para a saúde aventados anteriormente, apesar das fragilidades na evidência cientíca apurada da sua ecácia. Diversos
Comités de Peritos têm vindo a pronunciar-se sobre este tema.
A FAO/WHO, em 2002, bem como a French Agency for Food
Safety (AFFSA), em 2003, advertem quanto à segurança nos
grupos de risco da suplementação das fórmulas infantis com probióticos. A Scientic Committee on Food of European Commission, em 2004 não objecta a adição de probióticos a fórmulas
de continuação. A ESPGHAN (European Society for Paediatric
Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), em 2004 aprova a
adição a fórmulas de continuação e especiais; no entanto, o suplemento de outras fórmulas só poderia ter lugar sob supervisão
médica. Este parecer da ESPGHAN foi revisto em 2011, após
análise sistemática das publicações cientícas sobre o tema.
Assim, o Comité de Nutrição da ESPGHAN da análise efectuada não apurou efeitos clínicos consistentes na administração
de fórmulas infantis suplementadas com probióticos antes dos
4 meses; depois dessa idade a suplementação pode estar associada a alguns benefícios clínicos (exemplo, redução da incidência de infecções gastrointestinais inespecícas), não sendo
a robustez da evidência cientíca suciente para recomendar o
uso universal das formulas suplementadas com probióticos em
lactentes. No entanto, acrescenta que em lactentes saudáveis
estas fórmulas não parecem trazer problemas de segurança,
nomeadamente no que respeita a crescimento e efeitos adversos. Mais ainda, adverte e reforça que quer a segurança, quer
os efeitos clínicos de um determinado probiótico não podem ser
extrapolados para outros microorganismos, bem como adverte
para a ausência de conhecimento quanto aos efeitos a longo
prazo desta suplementação, mesmo após a sua cessação. Esta
opinião é sobreponível à publicada em 2010 pelo Comité de Nutrição da Secção de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição
da Academia Americana de Pediatria.
Quanto à segurança, segundo metanálises recentes os probióticos parecem ser inócuos para o uso na população em geral
10,11
. Historicamente, desde épocas remotas que diversos grupos
de alimentos eram fermentados como forma de conservação,
especialmente o leite mas também os cereais, o peixe, os legumes, e os frutos. Assim, os alimentos fermentados constituem
um bom paradigma de tolerância, segurança e efeitos benécos
efectivos, nomeadamente a hidrólise da lactose, a libertação de
péptidos hipotensores e o efeito antimicrobiano 12-14, que têm vindo a ser documentados. Este conhecimento e experiência acumulados são certamente a alavanca para o uso dos probióticos
na alimentação e, em particular, na alimentação do lactente. No
entanto, existem grupos de risco, nomeadamente imunocomprometidos, doentes com risco acrescido de infecção (cardiopatia
estrutural, cateteres) ou com compromisso da integridade intestinal (pós-operatórios) em que o seu uso deve ser acautelado.
Assim, o uso de probióticos e prebióticos na alimentação do
lactente e, em particular a sua adição às fórmulas infantis, apresenta aspectos consensuais que devem ser considerados: 1) o
impacto da complexidade de comunidades bacterianas endógenas (microora intestinal) e eventualmente exógenas (probióticos) e a sua inter-relação no estado de saúde do hospedeiro;
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
2) historicamente há noção de ecácia e segurança através do
uso de alimentos fermentados há centenas de anos; 3) também
parece pacíco aceitar a muito plausível importância da programação/modulação precoce da ora individual pelos probióticos e
prebióticos na prevenção da morbilidade a longo prazo.
Por outro lado, aspectos menos consensuais serão: 1) a
ainda evidência cientíca frágil do benefício do uso de probiótico e prebióticos, nomeadamente pela ausência de marcadores
siológicos validados das funções da mucosa; 2) questões de
segurança no seu uso (grupos de risco); 3) a falta de conhecimento da relação entre a estirpe, dose, modo de administração e
efeitos a longo prazo por um lado, e a prevenção ou tratamento
adjuvante da patologia alvo por outro.
Em conclusão, embora os probióticos e prebióticos (como
substrato) não sejam de todo um conceito recente, estaremos
certamente nos primórdios da exploração do seu potencial na
prática clínica. Os efeitos postulados dos probióticos, mesmo
que promissores, carecem de evidência cientíca inequívoca.
Por isso, o seu papel na alimentação do lactente (fórmulas infantis e outros alimentos a ele destinados), à luz da evidência
cientíca actual, embora não parecendo veícular efeitos adversos, não conferem de forma convincente benefícios clínicos demonstráveis pelos métodos vigentes que determinem o seu uso
universal.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 35-37
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__________
1
Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP
artigo recomendado
recommended article
37
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Longitudinal Pathways Linking Child Maltreatment,
Emotion Regulation, Peer Relations, and Psychopathology
Kim Jungmeen, Cicchetti Dante
In Journal of Child Psychology and Psychiatry. 2010; 51 (6): 706-16
Background: The aim of this study was to investigate
longitudinal relations among child maltreatment, emotion regulation, peer acceptance and rejection, and psychopathology.
Methods: Data were collected on 215 maltreated and
206 nonmaltreated children (ages 6-12 years) from low-income
families. Children were evaluated by camp counselors on emotion regulation and internalizing and externalizing symptomatology and were nominated by peers for peer acceptance and
rejection.
Results: Structural equation modeling analyses revealed
that experiencing neglect, physical and/or sexual abuse, multiple maltreatment subtypes, and earlier onset of maltreatment were related to emotion dysregulation. Lower emotion
Acerca da importância da regulação emocional na relação
com os pares na origem de psicopatologia em crianças vítimas
de maus-tratos.
COMENTÁRIOS
A regulação emocional tem sido considerada como um conceito fundamental na compreensão da psicopatologia infantil e
em adultos. Esta pode ser considerada como a capacidade da
pessoa modular o seu estado emocional de forma a atingir um
bom nível de actuação com o ambiente. Como exemplo, uma
pessoa perante uma situação ameaçadora deve conseguir uma
regulação adequada dos seus níveis de medo, para conseguir
avaliar, pensar e decidir como actuar nessa situação. Esta competência é adquirida na infância, quando as crianças perante estímulos do meio ambiente, começam a experimentar as emoções
mais básicas como medo, raiva ou alegria, e aprendem as pistas
faciais associadas; depois, a cada expressão facial irá ligar-se
uma palavra que exprimirá essa emoção (Machado Vaz, citando
Widen & Russell)(1). Através deste processo, a criança irá adquirindo uma maior capacidade de perceber o seu estado emocional
e o dos outros, de forma a poder reagir de forma mais adaptativa:
decidir parar de falar quando, na sala de aula percebe pela expressão da professora que esta está aborrecida, ou quando avalia como amistoso e não como uma provocação um cumprimento
38
artigo recomendado
recommended article
regulation (Time 1) was associated with higher externalizing
symptomatology (Time 1) that contributed to later peer rejection (Time 2), which in turn was related to higher externalizing
symptomatology (Time 2). Conversely, higher emotion regulation was predictive of higher peer acceptance over time, which
was related to lower internalizing symptomatology controlling
for initial levels of symptomatology.
Conclusions: The ndings emphasize the important role
of emotion regulation as a risk or a protective mechanism in the
link between earlier child maltreatment and later psychopathology through its inuences on peer relations.
Keywords: Emotion regulation, maltreatment, peer relations, psychopatology.
pelo sorriso que lhe é dirigido por um colega. Cuidadores sensíveis e disponíveis, que estabelecem uma vinculação segura com
a criança, são ecientes a ajudar a criança nesta aprendizagem
de regular as suas emoções na relação com o ambiente. Perante
a dor, a frustração ou o desconforto do bebé, os pais saudáveis
são capazes de apaziguar e acalmar, ajudando-o a experimentar
um estado emocional melhor tolerado. A regulação emocional é
um processo que nos primeiros quatro anos é muito inuenciada
pelos comportamentos dos cuidadores.
Quando uma criança é sujeita a maus-tratos, todo este processo é comprometido, pela ausência de interacções sensíveis
que respondam adequadamente às necessidades da criança.
Por exemplo, uma criança pequena que nas suas explorações
do ambiente se assusta perante um estímulo estranho e começa
a chorar, poderá receber da parte de uma mãe negligente uma
reacção de indiferença perante esse estado de alarme, ou uma
reacção punitiva ao comportamento de autonomia, da parte de
uma mãe que avalia o choro como irritante e perturbador.
As famílias em que existem maus-tratos são, deste modo,
pouco capazes de apoiar e proteger quando as crianças estão
perturbadas, perdendo a oportunidade de aprender estratégias
para lidar com os seus estados emocionais. Assim, irão ter maior
diculdade na regulação emocional, que se pensa estar intimamente ligada com a maior ocorrência de psicopatologia: quadros
internalizadores como ansiedade e depressão e quadros externalizadores como problemas de atenção, hiperactividade, oposição e outros problemas de conduta.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
O que este trabalho pretende analisar é o papel da regulação emocional na origem da psicopatologia em crianças de 6-12
anos, sujeitas a maus-tratos, focalizando-se nos efeitos mediadores das relações com os pares. Sabe-se que as crianças com
uma boa regulação emocional possuem um leque de respostas
variadas e socialmente aceitáveis, enquanto que aquelas que não
a possuem, apresentam uma reactividade emocional excessiva
ou decitária, fraca empatia ou reacções afectivas inadequadas
ao contexto. Nestas, as reacções de agressividade e comportamentos disruptivos são frequentes nas suas interacções(2).
O estudo abrangeu 215 crianças vítimas de maus-tratos
que foram avaliadas com vários instrumentos de medida em dois
momentos, durante um período consecutivo de dois anos.
Os resultados apontam que os maus-tratos – particularmente a negligência, o abuso físico e/ou sexual e um início precoce – se associam a má regulação emocional, que contribui de
forma directa para sintomatologia internalizadora e externalizadora e de forma indirecta através das relações negativas com
os pares.
Curiosamente, o abuso emocional, que neste estudo dizia
respeito sobretudo a frustração persistente ou grave das necessidades emocionais das crianças, como segurança psicológica
e aceitação, não se associava a problemas signicativos na regulação emocional. Estas crianças, quando comparadas com o
grupo de controlo, apresentavam antes problemas no desenvolvimento da sua auto-estima, sendo um factor de risco preditivo
para o desenvolvimento de depressão.
As crianças que mostravam melhor regulação emocional e
que dispunham de comportamentos afectivos adequados, eram
melhor aceites pelos pares, e tinham menos probabilidade de sofrer de sintomatologia internalizadora mais tarde, constituindo-se
com um factor protector. Esta regulação emocional adaptativa,
permite à criança mais facilmente estabelecer relações positivas
com os outros, ao fomentar qualidades sociais, como a empatia
e ter em conta outras perspectivas.
Nas que manifestavam uma desregulação emocional, isto
tornava-se um factor de risco para o desenvolvimento de sintomatologia externalizadora e rejeição pelos pares, já que são
crianças que manifestam frequentes comportamentos agressivos e disruptivos nas suas interacções sociais.
Assim, na intervenção com crianças vítimas de maus-tratos, há que ter em conta a relevância da aprendizagem de
estratégias de regulação emocional e à sua aplicação na relação
com os pares.
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 38-39
BIBLIOGRAFIA
1. Vaz, F. Diferenciação e regulação emocional na idade adulta:
tradução e validação de dois instrumentos de avaliação para
a população portuguesa. Dissertação de mestrado em Psicologia apresentada ao Instituto de Educação e Psicologia da
Universidade do Minho. Disponível em: www: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/9898.
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of Caregivers and Emotion Dysregulation as Predictors of
Maltreated Children’s Rejection by Peers. Developmental
Psychology 2001; 37(3): 321-7.
__________
1
Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CHPorto
artigo recomendado
recommended article
39
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Privacidade e sigilo em deontologia prossional:
uma perspectiva no cuidar pediátrico
Soa Raquel Teixeira Nunes1
RESUMO
A Deontologia Prossional reecte um conjunto de deveres
inerentes ao exercício das prossões de saúde. Prossões organizadas e regulamentadas possuem um código que as orienta no
percurso das suas práticas prossionais. A Deontologia garante
um bom exercício prossional e, sendo assim, a Deontologia e a
Bioética permanecem juntas pois não se podem dissociar tendo
em conta o mais elevado potencial prossional.
O sigilo prossional e o dever de privacidade são extremamente importantes e são requisitos essenciais na conduta dos
prossionais de saúde, principalmente em contexto pediátrico. É
absolutamente indiscutível o valor que a criança foi conquistando
ao longo destas últimas décadas. A criança tem características
muito especiais e, por vezes, torna-se complicado armar a sua
autonomia. Cuidar de uma criança, nas diversas fases do seu desenvolvimento, é um desao para os prossionais de saúde pois
requer um esforço constante e respeito por todo o contexto familiar. A criança não pode ser desagregada da sua família em âmbito
hospitalar, por isso é importante acolher a família e colocá-la a
par dos tratamentos e intervenções. A comunicação pode ser uma
importante ferramenta de trabalho onde os valores sociais e éticos
poderão ser enaltecidos. A condencialidade e a privacidade devem ser valores a manter na conduta prossional de acordo com
a competência, respeitando a criança e a família.
Palavras-chave: Ética Prossional; Bioética; Autonomia
Pessoal; Condencialidade; Privacidade; Cuidado da Criança.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 40-44
INTRODUÇÃO
Quando se pensa nos valores circundantes à criança, rapidamente se consegue percepcionar o porquê de serem seres
tão frágeis e vulneráveis quando estão doentes ou mesmo em
contexto de saúde de rotina. Hoje é o dia em que prossionais
de saúde continuam a sentir alguma insegurança e renitência
no que diz respeito à prestação de cuidados de saúde em contexto pediátrico, quer pela complexidade da criança quer pela
família. Quando hospitalizada, uma criança congura um enor__________
1
Mestre em Bioética e Doutoranda em Biomedicina pela FMUP
Bolseira Fundação para a Ciência e Tecnologia
40
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
me desao aos prossionais de saúde e à família: inicialmente,
família e criança encontram-se completamente desenquadradas
da sua normalidade e rotina, sendo que terão de se adaptar à
nova situação para rapidamente poderem restabelecer as suas
actividades normais. Ainda que de uma outra forma, os prossionais de saúde têm de se adaptar igualmente a todo o contexto
envolvente àquela criança em particular.
Uma criança hospitalizada em cuidados intensivos, ainda
que sedada e portanto inconsciente, é um repto permanente
para os cuidadores e família, pois existe uma necessidade de
protecção máxima no que concerne esta dinâmica. Mas igualmente complexa é a situação em que a criança é submetida a
exames complementares de diagnóstico ou intervenções invasivas em que tem de ser sedada programadamente. Nesse contexto, a criança não poderá exercer a sua autonomia (ainda que
esta autonomia seja limitada pela maturidade da criança) e a sua
privacidade será afectada. No âmbito da ética pediátrica, a privacidade pode ser um problema, quer para a criança, quer para
a família (1). Para além de toda esta dinâmica, conitos diversos
poderão ser levantados na relação familiar e em todo o contexto
da prestação de cuidados (2). Sendo assim, todo este trabalho
será uma reexão no que diz respeito à criança hospitalizada
tendo em conta a necessidade de privacidade, condencialidade
e sigilo, para além de se abordar a importância da comunicação
e da gestão da família. Questões como a autonomia nesta fase
de desenvolvimento serão também exploradas.
A CRIANÇA E A FAMÍLIA EM CONTEXTO HOSPITALAR
Ao longo dos tempos, a criança teve vários signicados em
diversas culturas, e actualmente na nossa sociedade a criança é
caracterizada como um ser individual e não como um adulto pequeno ou como uma dependência dos pais. Desta forma, a criança é revestida de vulnerabilidades, fragilidades e até alguma dependência. Devido a estas características as crianças tornam-se
inaptas para praticarem a sua autonomia e incompetentes para
uso da sua plena liberdade, dependendo do seu estádio de desenvolvimento. A relação entre pais e lhos signica, entre outros
conceitos, amor e disponibilidade e portanto a relação de poder
subjacente há umas décadas atrás está ultrapassada, dando então abertura a uma relação de acompanhamento e ajuda (3). Tal
como já referido, a criança em contexto hospitalar transgura um
enorme desao, principalmente porque coloca a sensibilidade e
competência dos prossionais de saúde à prova. Num hospital
existe uma necessidade frequente de submeter crianças a inter-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
venções invasivas como por exemplo as cardíacas (cateterismo
cardíaco, estudo hemodinâmico para diagnóstico de doenças
cardíacas várias, etc.), e neste caso existe a necessidade de
sedar a criança. Reduzir a ansiedade e a dor, diminuir as necessidades de oxigénio, diminuir o esforço respiratório, controlar a
via aérea, melhorar a tolerância do doente para procedimentos
e permitir melhor monitorização invasiva, são alguns dos propósitos para sedar uma criança. Realça-se ainda que nenhuma
instituição hospitalar é o ambiente familiar que a criança conhece, pelo que esta necessidade de sedar é uma prática frequente.
Normalmente, quanto menor é a idade da criança menor a sua
capacidade cognitiva e maior a sua necessidade de sedação
para determinado procedimento (4,5).
Se bem que todos estes factores são preponderantes para
o sucesso da intervenção, o impacto a nível da própria criança por desconhecimento das actividades é enorme e, assim
sendo, a família não deverá ser deixada de parte. Dentro das
suas possibilidades, a família deverá acompanhar acriança em
todo o percurso interventivo. Desaos éticos como promover os
melhores interesses da criança, preservar a gestão da “aliança”
terapêutica entre prossionais e pais /cuidadores, proteger a privacidade e condencialidade da criança e da família, equilibrar o
papel de prestador de cuidados de saúde e de cidadão, embora
com autoridade prossional adequada, são reptos a conquistar
diariamente (6). Será fácil de perceber que, num serviço onde
se cruzam crianças e familiares para exames complementares
diagnósticos, intervenções e mesmo internamentos, para além
de todos os prossionais de saúde implícitos forma-se uma linha
muito ténue no que diz respeito à preservação da privacidade
e condencialidade (em relação à criança e família), e ainda às
boas práticas e excelência do exercício prossional.
A PRIVACIDADE E A CONFIDENCIALIDADE
As crianças têm o direito de assumir que os prossionais
vão comunicar com elas e suas famílias honestamente, que ninguém lhes fará mal e que irão ser bem tratados, de acordo com a
sua autonomia e privacidade (1). A privacidade é um conceito multidimensional, pois através dos seus signicados conseguem-se
entender determinadas realidades. Assim sendo, a privacidade
poderá ter três diferentes signicados: privacidade física, privacidade de informação e privacidade familiar. Independentemente
de qualquer um destes signicados, conceitos como respeito,
conança, condencialidade, veracidade, dignidade, humanidade, direitos e autonomia deverão ser valorizados e associados à
privacidade (2).
A privacidade física dirá respeito à necessidade de proteger uma pessoa de modo a evitar constrangimentos sobre o
seu corpo, revelando mais respeito aquando a realização de
procedimentos invasivos em contexto hospitalar (por exemplo).
De acordo com este signicado deve-se associar de imediato o
conceito de dignidade. A privacidade de informação refere-se à
importância da condencialidade, isto é, possíveis conitos entre
privacidade das crianças e jovens e seus pais, ou mesmo entre
prossionais de saúde (o controlo da informação poderá ser visto
como um exercício do poder) (2). Relembre-se que condenciali-
dade pressupõe sigilo e que esta será uma realidade a levar em
conta dentro da deontologia prossional (7).
Em investigação, por exemplo, existem muitas informações
disponíveis como o estado físico, a saúde, as redes sociais das
pessoas, e mesmo os pensamentos e sentimentos. Na recolha
de informações biológicas e/ ou comportamentais é extremamente importante manter a condencialidade do indivíduo, principalmente quando os indivíduos estudados são crianças (1).
A informatização de dados que se demonstra tão simples
e por vezes de tão fácil acesso é uma das questões que não se
poderá descurar. Para além disso, nas publicações cientícas
a questão da publicação de fotos deverá ser acautelada, pois
nunca poderão ser reveladas identidades se não se obtiver o
consentimento respectivo (7). A privacidade familiar está directamente ligada aos direitos da família. Desta forma, em pediatria, a
criança ou jovem deverão ser percepcionados como indivíduos e
não como “adjuvantes” dos pais (2).
Diferentes culturas e signicados poderão alterar também o
signicado de privacidade e o modo como familiares e prossionais os percepcionam. O dever de respeitar a condencialidade
numa relação prossional de saúde gira em torno do princípio do
respeito e da autonomia do paciente. Será uma relação isenta e
transparente onde existe uma preocupação constante em privilegiar a verdade. Em pediatria, o respeito pela condencialidade
pode entrar em conito com o dever de promover o bem-estar
da criança pois a tutela/guarda e a paternidade, poderão não ser
funções coincidentes (por exemplo, em casos de maus tratos)
(6)
. As crianças e os jovens têm um carácter especial no que diz
respeito ao seu estádio de desenvolvimento e à sua independência e, principalmente os jovens, têm o direito de conhecer a
verdade e encontrar respostas para as perguntas iminentes nas
suas vidas.
O princípio do respeito passa pelo dever de respeitar os direitos, a autonomia e a dignidade das pessoas, articulado ainda
com o dever de promover o bem-estar e o dever de cumprir a
veracidade, a honestidade e a sinceridade (2). A autonomia surge
neste contexto como sinónimo de procura de bem-estar individual e social. Idealmente, educar uma criança não se trata somente
de a alimentar e esperar que ela cresça. Trata-se também de a
educar (no sentido lato do conceito), prepará-la para a liberdade
e para a autonomia. A relação entre o prossional de saúde e a
criança deve ser repleta de respeito pela dignidade e liberdade
se bem que, para além da criança, tem de se atender ao facto de
se laborar também com a família. Através da comunicação pode-se estabelecer uma relação de proximidade em que se podem
conhecer na totalidade os elementos presentes. Na abordagem
à criança existem dois aspectos importantes a considerar: o primeiro diz respeito ao acolhimento dos pais e criança e o segundo
refere-se à participação dos pais em actos de intervenção (promoção da humanização) (3).
O Alto Comissariado da Saúde (ACS) em 2010 forneceu um
modelo e ferramenta de auto-avaliação de desempenho sobre
os direitos da criança hospitalizada, a respeito da importância da
protecção dos direitos das crianças nos hospitais e nos serviços
de saúde (8). Sendo assim, todas estas unidades devem garantir
perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
o direito ao acesso de todas as crianças sem discriminação e os
prossionais de saúde devem explicar à criança o seu estado de
saúde, de modo adequado à sua idade, maturidade e nível de
compreensão. Ainda segundo o ACS, a criança tem o direito a
expressar a sua opinião e as suas preferências no tratamento, e
devem ser respeitadas na sua privacidade e condencialidade.
Para além disto, os hospitais e serviços de saúde devem ter espaços adequados a todas as crianças e proporcionar-lhes actividades educativas e de lazer, sempre que possível (respeitando
a situação clínica em causa). Existe uma necessidade crescente
na gestão da situação clínica da criança e, por esta razão, a
nalidade máxima é a implementação de medidas e acções que
garantam os direitos das crianças nos serviços de saúde (7).
A maturidade e a idade condicionam a verdade possível de
compreender e de ouvir, mas a criança tem direito a saber o seu
diagnóstico e o tratamento prestado. De qualquer forma, é importante relembrar que tanto se tem o direito de saber a verdade como
o de não querer saber nada (7). Uma correcta comunicação poderá
ser uma ferramenta extremamente importante em toda esta dinâmica. Se por um lado a comunicação facilita a relação entre as
pessoas (criança, família, prossionais de saúde), por outro lado
ela poderá ser um meio de partilha e compreensão (9).
QUESTÕES DE DEONTOLOGIA EM CUIDADOS PEDIÁTRICOS
Os prossionais de saúde devem conhecer as suas responsabilidades legais (de acordo com os códigos deontológicos)
para proteger a privacidade das informações de saúde das pessoas. Os registos têm actualmente padrões de privacidade mas,
devido à evolução ao nível da informação, podem haver falhas,
principalmente através das vias electrónicas. Estratégias de segurança adequadas para impedir o acesso não autorizado e uso
inapropriado de dados do doente são necessários e essenciais.
Compreender e respeitar a legislação que vise a condencialidade, assim como armazenar e permitir a acessibilidade a outros prossionais às informações clínicas é fundamental. Não se
deve descurar o direito que os doentes e a família têm ao acesso
dos registos clínicos, como se referirá adiante (10).
Para os respectivos casos omissos não se poderá esquecer o artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
que refere: “Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as
jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem
os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela
lei” (11). O artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, no âmbito da privacidade e à defesa desta, refere ainda
que “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família (…)” e “contra tais intromissões ou ataques
toda a pessoa tem direito à protecção da lei” (12). Também o Artigo
17.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
refere que “ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou
ilegais na sua vida privada, na sua família” e “toda e qualquer
pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções ou
tais atentados” (13).
A Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu artigo 26.º refere ainda que “(…) a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade huma-
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perspectivas actuais em bioética
current perspectives in bioethics
na, de informações relativas às pessoas e famílias” e “(…) a lei
garantirá a dignidade pessoal (…) (14). A obrigação do segredo
ou sigilo abrange não só as condências mas também os factos
decorrentes do exercício prossional. Trata-se, pois, de uma relação de conança a uma acção terapêutica rigorosa e coerente. O Juramento de Hipócrates é uma referência da Deontologia
Médica, onde deveres como não fazer mal ou não causar dano,
conservar a arte e o segredo são premissas essenciais (15,16).
Actualmente, o Artigo 39.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere-se ao dever de respeito, onde “o médico
tem o direito de exigir condições para a prática médica que permitam o cumprimento” deste dever. Sendo assim, dever-se-á ter
em conta a idade, o sexo, as convicções, e a vulnerabilidade da
pessoa. No artigo 44.º (esclarecimento do médico ao doente) é
referido que “o doente tem o direito a receber (…) esclarecimento sobre o diagnóstico, terapêutica e prognóstico”. O esclarecimento deve ser prestado com palavras adequadas, devendo ter
em conta o seu estado emocional, a capacidade cultural e o nível
de compreensão. O capítulo XI (concretamente os artigos 85.º e
86.º) é referente ao segredo médico e caracteriza-se como “uma
condição essencial ao relacionamento médico-doente”, para
além de mencionar ainda que o “interesse moral, social, prossional e ético” são essenciais (17).
Também o Juramento de Nightingale resume a Deontologia
dos Enfermeiros com o seu compromisso com as pessoas e comunidade, em losoa de dedicação permanente e usando sigilo
em todas as situações (18). Neste caso, o Código Deontológico
dos Enfermeiros é também peremptório no que concerne ao sigilo (artigo 85.º). “Considerar condencial toda a informação acerca do destinatário de cuidados e família” é fulcral, mas o dever
de “partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão
implicados no plano terapêutico” é igualmente importante (19).
A revelação do segredo prossional é permitida quando é
imposta pela lei, quando é autorizada pelo interessado (depois
de esclarecido) e quando é pedida pelos representantes legais
de um menor ou de um incapaz no próprio interesse destes últimos. O Artigo 80.º do Código Civil (“Direito à reserva sobre a
intimidade da vida privada”) refere que “todos devem guardar
reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, e a extensão da reserva é denida conforme a natureza do caso e a
condição das pessoas” (20).
O respeito pela vida privada da criança e família pressupõe
e contempla direitos como aceder ao processo clínico, e solicitar
a correcção ou dados que lhes digam respeito. Este direito implica ainda o dever dos prossionais de manter o respeito pela
intimidade da pessoa “alvo” de cuidados de saúde, incluindo no
arquivo e transmissão de informação. Relativamente a esta última questão, a CRP no seu artigo 35.º - n.º 1, ressalta o “direito
de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito”,
mas no n.º 3 do mesmo artigo destaca que “a informática não
pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a (…)
vida privada”. Ainda a Lei de Protecção de Dados Pessoais estabelece que o tratamento de dados deverá ser realizado de acordo com a privacidade, e de forma exemplar para a segurança da
pessoa (21).
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A Ordem dos Enfermeiros, de acordo com o previsto na
alínea c) do artigo 85.º do estatuto da Ordem dos Enfermeiros
(aprovado pelo Decreto de Lei n.º 104/98 de 21 de Abril e alterado e republicado pela lei n.º 111/2009 de 16 de Setembro)
regulamenta o aconselhamento ético e deontológico no âmbito
do dever de sigilo, onde anuncia a importância de “respeitar e
proteger o direito das pessoas à reserva da intimidade da vida
privada”, e ainda “à condencialidade dos dados pessoais”. Este
documento também salienta a essência em promover a conança das pessoas relativamente aos prossionais de saúde (22).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em serviços hospitalares tais como Unidades de Cuidados
Intensivos os prossionais vêm-se muitas vezes confrontados
com problemas relacionados com o direito à privacidade da
criança e da família. Para se exercerem cuidados de qualidade
é necessário assegurar a dignidade da pessoa a cuidar e da sua
família ou entes queridos (23). Esta realidade não é única neste
tipo de serviços, pois em contexto hospitalar a fragilidade de uma
criança sobressai facilmente. Em qualquer local onde existam
prossionais de saúde, familiares e crianças doentes, ou mesmo em âmbito diagnóstico, é fundamental exercer a prossão
dentro da deontologia subjacente e com a ponderação devida
de cidadania.
Tal como evidenciado nesta exposição, o sigilo ou segredo
prossional surge como o respeito devido ao direito da privacidade das pessoas (23). É essencial manter a privacidade em todas
as suas diversidades assim como manter condencial qualquer
dado subjacente à vida das pessoas e aos tratamentos prestados. Por este motivo, os prossionais confrontam-se frequentemente com questões éticas, deontológicas e até de justiça civil.
A comunicação é um elo importante em toda esta dinâmica, pois
só através do esforço de todas as partes se conseguirão prestar
verdadeiros cuidados de qualidade. Esta qualidade será avaliada pelo grau de satisfação da criança e familiares, e ainda pela
excelência com que se executam estes cuidados.
Em suma, qualquer contexto de prestação de cuidados de
saúde poderá ser um local preenchido de contingências relativamente a problemas ético-deontológicos. No entanto, a maturidade e competência dos prossionais de saúde será extremamente
importante para a perfeita condução no plano de cuidados delineados para a criança e família em particular, já que uma e outra
não se podem dissociar.
PRIVACY AND SECRECY IN PROFESSIONAL
DEONTOLOGY:
A PERSPECTIVE IN PAEDIATRIC CARE
ABSTRACT
Professional Deontology reects a set of duties involved in
the exercise of health professions. Organized and regulated professions have a code that directs the course of their professional
practices. Deontology provides a good professional exercise,
and thus, Deontology and Bioethics remain linked since they can-
not be dissociated, taking into account the highest professional
potential.
The professional secrecy and the duty of privacy are extremely important and they are essential requirements for the behavior of health professionals, particularly in a pediatric context.
It is absolutely unquestionable the value that the child has gained
over the last few decades. The child has many special features
and sometimes it becomes difcult to assert their autonomy. Caring for a child during the several stages of its development, is a
challenge for health professionals because it requires constant
effort and respect for all family context. The child cannot be separated from his family in a hospital context, so it is important to
accept the family and inform its members about the treatments
and interventions.
Communication may be an important working tool , where
social and ethic values could be praised. Condentiality and privacy should be respected values in maintaining a professional
conduct in accordance with competence, while respecting the
child and family.
Keywords: Ethics, Professional; Bioethics; Personal Autonomy; Condentiality; Privacy; Child care.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 40-44
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22. Ordem dos Enfermeiros. Disponível em: www:<URL:http://
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VCorrecta_21Jun2010.pdf.
23. Garros D. A “good” death in pediatric ICU: is it possible?. J
Pediatr (Rio J) 2003; 79(2):S243-54.
CORRESPONDÊNCIA
[email protected]
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Insuciência respiratória aguda:
quando o tempo conta…
Miguel Fonte1, Ana C. Braga1, Luísa Lopes1, Ana Guedes1, J. PombeiroVeloso1, TeresaVaz2,
José Monterroso2, Mónica Rebelo3, Manuel Ferreira3, Albino Pedro3, Elisa Proença1
RESUMO
A drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) é
uma cardiopatia congénita rara em que as veias pulmonares não
apresentam a normal conexão à aurícula esquerda. A sua classicação relaciona-se com o local de ligação. Na sua variante
obstrutiva, tem uma evolução rapidamente fatal na ausência de
tratamento cirúrgico emergente. Apresenta-se o caso clínico de
um recém-nascido que iniciou diculdade respiratória com gemido e necessidade de oxigénio suplementar aos quinze minutos
de vida. Foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos
Neonatais por insuciência respiratória com hipóxia aguda e instalação de hipertensão pulmonar. Iniciou ventilação mecânica e
terapêutica com prostaglandina E1. A radiograa do tórax mostrou sinais sugestivos de edema pulmonar. O ecocardiograma
revelou DVPAT para a veia cava superior com obstrução grave.
Foi transferido com carácter de emergência para Centro especializado em cirurgia cardíaca neonatal, onde foi submetido a
correcção cirúrgica nas primeiras 24 horas de vida. Actualmente,
com doze meses, é uma criança saudável com crescimento e
desenvolvimento adequados. A DVPAT obstrutiva é uma das raras verdadeiras emergências cirúrgicas cardíacas, salientando-se a importância da sua suspeição clínica perante um RN com
cianose precoce refractária associada a sinais de insuciência
cardíaca de baixo débito e hipertensão pulmonar.
Palavras-chave: recém-nascido, insuciência respiratória,
cianose, cardiopatia congénita, cirurgia cardíaca.
pulmonar à região sino-auricular do coração, é normalmente incorporada na parede da aurícula esquerda quando as conexões
venosas pulmonares-esplâncnicas desaparecem(3). A ausência da
correcta união da veia pulmonar comum à aurícula esquerda origina padrões anatómicos de drenagem venosa pulmonar heterogéneos, uma vez que as conexões venosas esplâncnicas persistentes podem ocorrer em qualquer ponto do sistema umbilico-vitelino
ou cardinal central(4). Podem existir, portanto, diversas variações
anatómicas e a classicação da DVPAT(3,5) relaciona-se com o local de ligação das veias pulmonares, podendo ser supracardíaca
(à veia inominada, veia cava superior ou veia ázigos) em 49% dos
casos (Figura 1), infracardíaca (à veia porta, ductus venoso ou
veia hepática) em 18%, cardíaca (à aurícula direita ou seio coronário) em 25%, ou mista em 8%.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 45-48
INTRODUÇÃO
A drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) é uma
cardiopatia congénita rara, com uma incidência de 0,06-0,08:1000
nados-vivos(1), representando apenas 2% das doenças cardíacas congénitas(2). Caracteriza-se pela ausência da normal conexão das veias pulmonares à aurícula esquerda, com drenagem
anómala do sangue venoso pulmonar para a circulação cardíaca
direita. Tem origem numa anomalia do desenvolvimento embrionário pulmonar. A veia pulmonar comum, que liga o plexo venoso
__________
1
2
3
Unid. Cuidados Intensivos Neonatais, MJDinis, CHPorto
S. Cardiologia Pediátrica, HSJoão
S. Cardiologia e Cirurgia Pediátrica, HCruz Vermelha Portuguesa
Figura 1 – Drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT)
supracardíaca na veia cava superior.
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
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O espectro anatómico da DVPAT, nomeadamente a presença de obstrução e a sua gravidade, vai condicionar o quadro
siopatológico e as manifestações clínicas após o nascimento.
Uma vez que todo o retorno venoso pulmonar é reencaminhado
para a aurícula direita, é necessária a existência de uma comunicação interauricular com shunt ” direito-esquerdo para a manutenção do débito sistémico. A pressão arterial pulmonar poderá
ser superior à sistémica na obstrução grave e o ductus arteriosus apresentará shunt direito-esquerdo, sem o habitual diferencial pós-ductal. A obstrução grave é mais frequente na DVPAT
infracardíaca, podendo ocorrer também nos canais venosos
pulmonares turtuosos das conexões supracardíacas(3). Quanto
maior a gravidade da obstrução, mais precoce o aparecimento
dos sintomas, apresentando o recém-nascido, logo após o nascimento, taquipneia, “gasping”, tiragem, cianose e hepatomegalia.
Por vezes pode não haver sopro cardíaco audível, mas apenas
reforço do segundo som. A radiograa de tórax evidencia edema
pulmonar e, por vezes, cardiomegalia. O ecocardiograma permite fazer o diagnóstico anatómico. A obstrução da DVPAT é um
factor preditivo de mau prognóstico, com evolução rapidamente
fatal, na ausência de tratamento cirúrgico emergente. Na história
natural da doença, 50% dos doentes morrem nos primeiros três
meses de vida na ausência de correcção cirúrgica e 80% no nal
do primeiro ano(6).
Os autores apresentam um caso de DVPAT obstrutiva diagnosticada por ecocardiograa nas primeiras horas de vida, com
necessidade de correcção cirúrgica urgente.
CASO CLÍNICO
Recém-nascido (RN) do sexo masculino, segundo lho de
casal jovem não-consanguíneo, fruto de uma gravidez vigiada,
com serologias do primeiro, segundo e terceiro trimestres negativas. Realizou três ecograas fetais às 11, 23 e 36 semanas
de idade gestacional, sem alterações. A pesquisa de Streptococcus do grupo B revelou-se negativa. O parto foi eutócico, às 39
semanas, com ruptura de bolsa de águas peri-parto. O índice
de Apgar foi de 8/10/10 ao 1º, 5º e 10º minutos de vida, respectivamente. O exame físico evidenciou um RN sem dismoras
aparentes, com fractura da clavícula direita e antropometria adequada à idade gestacional
Aos quinze minutos de vida iniciou quadro de diculdade
respiratória, gemido e cianose, com necessidade crescente de
oxigénio suplementar (12 L/min à face, Sat.O2-70%). A auscultação cardíaca revelava um segundo som aumentado, sem sopros
audíveis; não se detectaram ruídos adventícios na auscultação
pulmonar. Os pulsos eram palpáveis mas globalmente diminuídos, sem gradiente tensional.
Foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) por insuciência respiratória hipóxica aguda, tendo
iniciado ventilação mecânica (VM), antibioticoterapia (ampicilina
e gentamicina) e prostaglandina E1.
Entre a primeira e a segunda hora de vida foi realizado
estudo analítico, que revelou leucocitose e neutrolia (31,1x109
leucócitos com 72% de neutrólos) e PCR negativa. A gasimetria
arterial (FiO2 a 100%) mostrava hipóxia grave e acidose respi-
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a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
ratória moderada (pH 7,24; pCO2 63,2mmHg; pO2 17,1mmHg;
HCO3 26,2 mmol/L; ABE -2,6); o índice de oxigenação era de 64.
A radiograa de tórax mostrou um inltrado difuso compatível
com congestão pulmonar (Figura 2), sem cardiomegalia.
Às quatro horas de vida fez ecocardiograma que evidenciou predomínio das cavidades direitas, sinais indirectos de hipertensão pulmonar (HTP), foramen ovale patente com shunt
direito-esquerdo, patência de canal arterial, não se visualizando
a entrada das veias pulmonares na aurícula esquerda (Figura 3).
Perante a suspeita de DVPAT iniciou inotrópicos, morna e furosemida. Com seis horas de vida, foi observado pelo Cardiologista
Pediátrico que conrmou o diagnóstico de DVPAT supracardíaca
com obstáculo grave na drenagem na veia cava superior.
Foi transferido às 13 horas de vida com carácter de emergência para Centro especializado em cirurgia cardíaca neonatal,
em estado crítico, com VM agressiva, sedação, suporte inotrópico e furosemida. Manteve cianose refractária com saturação de
O2 de 50% e acidose mista grave (pH- 6,9). Realizou correcção
cirúrgica às 20 horas de vida, que decorreu sem intercorrências.
No pós-operatório vericou-se disfunção ventricular com baixo débito, secundária à acidose metabólica grave. Recuperou
a função ventricular cerca de 36 horas depois, após correcção
electrolítica. Necessitou de diálise peritoneal durante 48 horas
por insuciência renal aguda pré-renal e manteve VM, suporte
inotrópico e antibioticoterapia (vancomicina e gentamicina) até
ao sexto dia de internamento.
Teve alta clinicamente estável ao décimo dia de vida, medicado com furosemida e espironolactona. Actualmente, com doze
meses, é uma criança saudável com crescimento e desenvolvimento adequados.
Figura 2 – Radiograa de tórax: inltrado difuso compatível com congestão pulmonar sem cardiomegalia.
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ano 2011, vol XX, n.º 1
DISCUSSÃO
Perante a instalação precoce de insuciência respiratória
hipóxica aguda num RN logo após o nascimento devemos ter
em consideração dois grandes grupos de etiologias possíveis,
as causas cardíacas e não-cardíacas de cianose(7,8). Dentro das
causas não-cardíacas, as doenças pulmonares são as mais comuns (alterações estruturais congénitas do pulmão, alteração
da perfusão-ventilação, obstrução da via aérea, pneumotórax,
hipoventilação), podendo também dever-se a doenças infecciosas (sépsis, meningite), a doenças do sistema nervoso central
(hemorragia cerebral ou doenças neuromusculares), a HTP com
shunt direito-esquerdo através do canal arterial ou secundária
a outras patologias como hérnia diafragmática congénita, metemoglobinemia, policitemia, hipotermia ou hipoglicemia. No que
respeita às causas cardíacas, são de considerar as cardiopatias
congénitas cianóticas conhecidas como os cinco T’s (transposição dos grandes vasos, DVPAT, atrésia tricúspide, tetralogia de
Fallot e truncus arteriosus), assim como formas de dupla saída
do ventrículo direito, a atrésia pulmonar e o síndrome do coração
esquerdo hipoplásico.
No caso clínico apresentado, o RN não tinha antecedentes
pré-natais ou peri-parto de relevo. Ao exame físico, os achados
mais relevantes eram a cianose e o gemido, sem sopro cardíaco
nem assimetrias ou ruídos adventícios na auscultação pulmonar,
sugestivos de defeitos congénitos estruturais. Perante o agravamento progressivo da insuciência respiratória e da cianose,
refractárias à terapêutica instituída (ventilação mecânica e oxigénio suplementar), iniciou prostaglandina E1, sem melhoria clínica
aparente. Por suspeita de doença infecciosa foi instituída antibioticoterapia empírica com ampicilina e gentamicina. As alterações analíticas não eram sucientemente sugestivas de etiologia
infecciosa, com leucocitose e neutrolia, mas PCR negativa. A
radiograa torácica permitiu a conrmação da ausência de alterações estruturais pulmonares, revelando a existência de edema
pulmonar. A ecocardiograa precoce foi a chave do diagnóstico
deste caso clínico, constituindo a ferramenta diagnóstica de eleição para as cardiopatias congénitas.
O ecocardiograma permite fazer o diagnóstico de certeza, através da identicação de sinais directos e indirectos de
DVPAT(1,9). Os sinais indirectos são: dilatação da aurícula direita,
do ventrículo direito e da artéria pulmonar; presença de aurícula
esquerda pequena, dilatação de veia cava superior; elevação da
pressão da artéria pulmonar em caso de obstrução; shunt direito-esquerdo através do foramen ovale ou de uma comunicação
inter-auricular; achatamento do septo interventricular com movimento paradoxal. Os sinais directos são: ausência de visualização da entrada na aurícula esquerda das veias pulmonares (de
notar que as inferiores são dicilmente visualizadas mesmo num
coração estruturalmente normal); visualização da conuência venosa pulmonar comum atrás da aurícula esquerda e do seu trajecto de drenagem para a veia cava superior ou veia inominada,
no caso de DVPAT supracardíaca. Os sinais indirectos da DVPAT
também se podem observar na HTP e apenas a visualização de
pelo menos uma veia pulmonar na aurícula esquerda permite
excluir DVPAT. Actualmente o diagnóstico pré-natal desta cardiopatia é possível, sobretudo nos casos de DVPAT intracardíacas
Figura 3 – A) Eixo curto precordial: ventrículo direito muito dilatado com recticação do septo inter-ventricular,
B) Plano de quatro câmaras apical demonstrando dilatação das cavidades direitas e ausência de conexão
das veias pulmonares à aurícula esquerda [AD- aurícula direita, AE- aurícula esquerda, VD- ventrículo direito,
VE- ventrículo esquerdo]
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
47
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
devido ao diagnóstico mais fácil por ecocardiograa fetal, sendo
preconizada a transferência in-utero para centro especializado
em cardiologia pediátrica.
A existência de obstrução na DVPAT é um factor preditivo
de gravidade e de mau prognóstico, com deterioração progressiva após o nascimento, sobretudo se o canal arterial encerrar.
A evolução é rapidamente fatal na ausência de tratamento cirúrgico emergente. Os resultados cirúrgicos têm vindo a melhorar
signicativamente nas últimas décadas tendo a mortalidade cirúrgica diminuído para menos de 5% em alguns centros(10). Esta
melhoria dos resultados cirúrgicos é, provavelmente, multifactorial, relacionando-se com a evolução das técnicas cirúrgicas, um
diagnóstico mais precoce através da ecocardiograa e o tratamento agressivo pré, peri e pós-operatório(4,12). O uso de rotina
da ecocardiograa como ferramenta diagnóstica gold-standard e
os avanços nas especicidades da técnica cirúrgica, permitiram
alguns autores armar que factores de risco como a obstrução
venosa à apresentação, a urgência da correcção cirúrgica e o
tipo infracardíaco de DVPAT deixaram de estar correlacionados
com mortalidade precoce(3).
A DVPAT é dicilmente identicada no ecocardiograma fetal, pelo que só excepcionalmente é possível o seu diagnóstico
pré-natal. Cabe ao neonatologista a suspeição clínica da DVPAT
obstrutiva perante um RN com cianose precoce refractária,
com sinais de HTP e de baixo débito. Por ser uma verdadeira
emergência cirúrgica, o diagnóstico e a intervenção atempados
são condições sine qua non para a sobrevivência do RN. Neste contexto, o treino do neonatologista em ecocardiograa, em
articulação estreita com a cardiologia pediátrica, é uma prática
recomendada nas UCIN.
ACUTE RESPIRATORY FAILURE: WHEN TIME MATTERS...
ABSTRACT
Total anomalous pulmonary venous connection (TAPVC) is
a rare congenital heart disease in which all the pulmonary veins
from both lungs fail to connect to the left atrium. The classication
of TPAVC is related with the local of connection. The obstructive
variant of TAPVC represents a severe cause of pulmonary hypertension and refractory cyanosis, with rapidly fatal evolution in the
absence of emergent surgical repair. We present the clinical case
of a newborn that initiated respiratory difculty with continuous
grunting and need for supplemental oxygen at fteen minutes
of life. He was transferred to the Neonatal Intensive Care Unit
presenting acute hypoxic respiratory failure, initiated mechanical
ventilation with subsequent installation of persistent pulmonary
hypertension. Prostaglandin E1 was then added to the treatment.
The chest X-ray showed pulmonary edema. The echocardiogram
revealed a severe obstructive supracardiac TAPVC. He was
transferred to a specialized neonatal heart surgical center and
was submitted to corrective surgery within the rst 24 hours of
life. Today, he is a twelve months’ healthy child, with normal growth and development. Obstructive TAPVC is one of the rare true
48
a cardiologia pediátrica na prática clínica
paediatric cardiology in clinical practice
surgical cardiac emergencies, and should be considered in any
newborn with precocious refractory cyanosis, signs of pulmonary
hypertension and low cardiac output.
Keywords: newborn, respiratory failure, cyanosis, congenital heart disease, cardiac surgery.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 45-48
BIBLIOGRAFIA
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Caso electroencefalográco
Sandrina Martins1, Luís Ribeiro1, Miguel Fonte2, Rui Chorão1,3
CASO CLÍNICO
Expõe-se o caso de um adolescente com 13 anos de idade
na data em que foi referenciado ao nosso hospital.
Dos antecedentes patológicos, salientava-se história de sarampo aos sete meses de idade, com resolução do quadro sem
intercorrências, e epilepsia focal idiopática com crises motoras do
hemicorpo esquerdo de início aos 12 meses de idade e remissão
aos três anos. Apresentava até à data do quadro clínico descrito
um desenvolvimento psicomotor normal.
Aos 12 anos de idade começou a manifestar deterioração
cognitiva, com perturbações mnésicas ligeiras e mau aproveitamento escolar. Posteriormente surgiram “abalos” com desequilíbrio e quedas bruscas. Foram ainda notadas posturas anómalas
sustentadas. O quadro teve agravamento progressivo ao longo de
um ano, particularmente célere nos três meses antes da admissão. Nesta altura apresentava “abalos” mais intensos e repetitivos,
discurso incompreensível, incapacidade para a marcha sem apoio
e perda de autonomia para as actividades de vida diária. O exame
neurológico mostrava deterioração cognitiva; disartria marcada;
síndrome piramidal irritativo bilateral, decitário à esquerda; ataxia
cerebelosa; distonia generalizada, mais marcada nos membros
inferiores; e mioclonias faciais, distais dos membros superiores e
axiais, estas muitas vezes com quedas associadas. O fundo ocular era normal.
Efectuou EEG que mostrou surtos generalizados de ondas
lentas delta a 1,5-2 Hz, associando alguns potenciais abruptos
(pontas), com duração até 2 segundos, que se repetiam periodicamente a intervalos de cerca de 5 segundos. (Figura 1). Por
vezes apresentava mioclonias negativas concomitantes.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1 - Complexos periódicos característicos da panencefalite esclerosante subaguda. (Base de tempo 15 mm/s)
1
2
3
S. Neurologia Pediátrica, HMPia, CHPorto;
S. Pediatria, CHTMADouro, Vila Real;
U. de Neurosiologia Pediátrica, CHPorto
caso electroencefalográco
EEG case report
49
NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
DIAGNÓSTICO
Panencefalite Esclerosante Subaguda (pós-sarampo)
A ressonância magnética cerebral evidenciou ligeiro hipersinal em T2 da substância branca das regiões posteriores. A pesquisa de bandas oligoclonais no líquido cefalorraquidiano (LCR) foi
positiva e foram detectados níveis elevados de anticorpos IgG anti-sarampo no LCR e soro. Estes resultados laboratoriais conrmaram, assim, o diagnóstico clínico e electroencefalográco. Iniciou
tratamento com isoprinosina oral, não tendo sido possível reunir
condições para terapêutica intratecal. As mioclonias foram tratadas com associação de fármacos, que incluíram carbamazepina,
clonazepam e levetiracetam; outros dos tratamentos sintomáticos
incluíram tri-hexifenidilo, biperideno, baclofeno e toxina botulínica.
Após um período de rápida deterioração clínica, houve estabilização dos déces neurológicos. Actualmente, com 17 anos de idade,
apresenta déce cognitivo grave, quase sem linguagem, tetraparésia espástica com hemiplegia esquerda e distonia generalizada.
DISCUSSÃO
A Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES) é uma
doença degenerativa do sistema nervoso central, lentamente
progressiva, provocada pela infecção persistente por uma forma
mutante do vírus do sarampo (1-4).
Era, já no passado, uma entidade pouco comum, tornando-se ainda mais rara nos países desenvolvidos desde a implementação da vacinação contra o sarampo(1-4). É mais frequente no
sexo masculino, havendo aumento da susceptibilidade quando a
doença exantemática ocorre antes dos dois anos de idade(1,3-5).
O tempo de latência até ao aparecimento dos sintomas neurológicos varia habitualmente entre seis a 15 anos (3-5).
A forma de apresentação da doença é variável, embora
classicamente se descreva uma evolução estereotipada (Estadios de Jabbour)(2). As alterações comportamentais e a deterioração cognitiva são frequentemente as primeiras manifestações
da doença, a que se seguem, semanas ou meses depois, as
mioclonias características. À medida que a doença progride
associam-se sinais piramidais, cerebelosos e extrapiramidais,
crises convulsivas, alterações visuais e, nalmente, um estado
vegetativo que culmina com a morte do doente (1-4).
O electroencefalograma (EEG) evidencia tipicamente complexos periódicos (a cada 4 a 15 segundos) de ondas delta de alta
voltagem, com 0,5 a 2 segundos de duração(1-5), frequentemente
concomitantes com “espasmos mioclónicos” axiais ou das extremidades. Este padrão do EEG pode, contudo, não ser evidente em
fases precoces ou avançadas da doença(4). A ressonância magnética cerebral apresenta alterações inespecícas, como hipersinal
cortical ou subcortical na sequência T2 e atroa cortical de grau
variável(2,4,5). O LCR revela frequentemente hiperproteinorraquia,
gamaglobulina elevada (com presença de bandas oligoclonais) e
títulos elevados de anticorpos anti-sarampo (>1:4). Estes títulos
são também elevados no soro (>1:256)(4). A biópsia cerebral, efectuada em casos excepcionais, mostra corpos de inclusão intranucleares ou citoplasmáticos que contêm antigénios virais(4,5).
À luz dos conhecimentos actuais, nenhum fármaco modica
a evolução da doença e, em 80% dos casos, a morte ocorre num
50
caso electroencefalográco
EEG case report
período de três a cinco anos após o início dos sintomas, variando
a apresentação clínica de quadros fulminantes a doença crónica
prolongada(1). A terapêutica combinada com isoprinosina oral e
interferão-alfa intratecal é a que tem demonstrado maiores benefícios(2,4,5). O tratamento sintomático visa o controlo das mioclonias,
crises convulsivas, distonia e espasticidade(2,4). Considerando a
evolução da doença e a ausência de tratamentos ecazes, a vacinação constitui a alternativa para evitar esta complicação tardia
do sarampo, rara, mas invariavelmente fatal. Contudo, o seu risco
mantém-se sobretudo nos casos de sarampo mais precoces.
O diagnóstico de PEES deve ser sempre considerado em
crianças ou adolescentes com deterioração cognitiva, alterações
de comportamento e mioclonias, sobretudo se houver história de
sarampo em idades precoces.
ABSTRACT
Introduction: Subacute sclerosing panencephalitis is a very
rare disease in countries with measles vaccination programs, and
is due to a persistent infection by a defective measles virus. The
disease has a progressive fatal course.
Case report: We describe the case of a 13 year-old boy
with a progressive clinical picture of cognitive impairment, myoclonus, and pyramidal, extrapyramidal and cerebellar signs. The
diagnosis was based upon clinical manifestations, the presence
of characteristic periodic EEG discharges, and the demonstration of raised antibody titres against measles in the plasma and
cerebrospinal uid.
Conclusions: Diagnosis of subacute sclerosing panencephalitis is based on clinical suspicion, very characteristic electroencephalographic abnormalities (typical periodic complexes)
and raised antibodies to measles virus in the cerebrospinal uid.
It seldom occurs in patients with immunisation against measles,
except in those with early onset of measles.
Keywords: Subacute sclerosing panencephalitis; electroencephalogram; periodic complexes; measles virus.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 49-50
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Caso endoscópico
Fernando Pereira1
O Felisberto era um rapaz de oito anos, pouco falador, que
por vezes tinha pouco apetite e que não gostava de comer carne. Apesar disso tinha bom desenvolvimento estaturo-ponderal
e psicomotor e rendimento escolar médio. Num dos períodos de
menos apetite foi observado pelo seu médico assistente, que
decidiu efectuar-lhe um estudo analítico, tendo então constatado a presença de quadro de anemia hipocrómica e microcítica
associado a valores diminuídos de ferro sérico e ferritina, com
acentuada elevação da capacidade de xação do ferro. Decidiu-se iniciar tratamento com ferro oral, procedeu a desparasitação
e insistiu-se na necessidade de comer carne.
Dois meses depois a anemia estava quase corrigida, os valores do ferro eram já aceitáveis, mas o rapaz continuava a não
comer carne, mastigava-a mas não a engolia. O médico assistente decidiu suspender o tratamento com ferro oral e insistiu na
necessidade de hábitos alimentares correctos.
Alguns meses depois o Felisberto parecia um pouco pálido,
pelo que repetiu o estudo analítico e apresentava de novo anemia
ferropénica. Foi então enviado para a consulta de Hematologia
Pediátrica, para esclarecimento da sua situação. Depois de um
Figura 1
Figura 2
exaustivo estudo para exclusão das principais causas possíveis
para a sua anemia, chegou-se à conclusão que provavelmente
tinha perdas digestivas, apesar da negatividade da pesquisa de
sangue oculto nas fezes, razão pela qual o doente foi observado
na consulta de Gastroenterologia Pediátrica.
Era um rapaz simpático, pouco colaborante no diálogo, com
bom desenvolvimento, que continuava a comer mal e a recusar
a carne, vomitando esporadicamente quando a mãe insistia para
comer.
Não tinha antecedentes pessoais ou familiares relevantes e
o seu exame objectivo era normal.
Decidimos efectuar uma endoscopia digestiva alta que nos
permitiu observar as imagens que a seguir apresentamos e que
correspondem a:
1 - Esófago normal
2 - Estenose esofágica congénita
3 - Síndroma de Plummer-Vinson
4 - Esofagite péptica grave (grau IV)
Figura 3
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
caso endoscópico
endoscopic case
51
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ano 2011, vol XX, n.º 1
COMENTÁRIOS
As imagens que mostramos revelam efectivamente um
quadro de esofagite grave, com estenose acentuada do esófago. Observamos uma estenose com cerca de 6 mm de diâmetro
(gura 1), uma úlcera esofágica (g.2) e o cárdia aberto em inversão (gura 3).
Perante este quadro o doente efectuou inibidores da bomba
de protões, dilatações esofágicas e, posteriormente, foi operado,
tendo efectuado uma fundoplicatura, com resolução denitiva do
seu quadro clínico, aceitando nalmente comer carne.
A estenose congénita do esófago provoca sintomas mais
precoces e não se associa a quadro de esofagite e o Síndroma
de Plummer-Vinson caracteriza-se pelo aparecimento de estenoses em anel secundárias a acentuada e prolongada deciência
de ferro, mas também não apresenta componente inamatório.
Este caso merece duas chamadas de atenção: Uma criança deste grupo etário com uma anemia por deciência de ferro
que, após responder ao tratamento com ferro oral, tem recidiva,
até prova em contrário, está a perder ferro e deve ser enviada à
consulta de Gastroenterologia. Por outro lado se mastiga a carne
e não a engole, terá provavelmente disfagia, o que nos deverá
pôr na pista de um quadro de esofagite e obrigar à realização de
endoscopia.
52
caso endoscópico
endoscopic case
ABSTRACT
We present the case of a eight-year old boy with microcytic
hypochromic anemia, who refused to ingest meat products for
the last years. He had a good response to therapy with oral iron
supplements, but with further recurrence of symptoms after stopping treatment. Investigation by Haematology was inconclusive. The upper endoscopy showed severe peptic esophagitis with
stenosis. The patient was treated with proton pump inhibitors,
dilation of the stenosis and surgery (Nissen fundoplication), with
good outcome.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 51-52
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Caso estomatológico
José M. S. Amorim1
Adolescente de 17 anos de idade referenciada à consulta
de Estomatologia Pediátrica por tumefacção cervico-facial dolorosa, febre, trismo e disfagia de instalação insidiosa. O quadro
tinha-se iniciado há três dias, tendo já recorrido ao Serviço de
Urgência às 48h da doença, onde foi feita drenagem da tumefacção e início de antibioticoterapia.
Ao exame objectivo apresentava volumosa tumefacção
cervico-facial, com intensos sinais inamatórios, trismo marcado, disfagia, sem dispneia ou diculdade respiratória. Na região
da incisão para drenagem havia uma escorrência sero-hemática
escassa. (Figura 1)
Realizou ortopantomograa que revelou imagem radiolucente apical ao nível da raiz mesial de 46 e cárie extensa.
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
caso estomatológico
oral pathology case
53
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ano 2011, vol XX, n.º 1
O caso clínico descrito refere-se a uma situação infecciosa,
relativamente frequente, que é a Angina de Ludwig.
Esta patologia é um processo infeccioso que consiste numa
celulite cervico-facial e do pavimento da boca, normalmente de
origem dentária.
Pode ter outras causas, tais como traumatismos, extracção
dentária, ou infecção por microrganismos oportunistas em pacientes com sistema imunológico comprometido.
No quadro inicial há edema e dor local, mas a infecção
difunde-se rapidamente levando a um aumento de volume importante no pavimento da boca, sendo a característica mais
importante uma celulite agressiva, tóxica, rme que envolve os
espaços submandibular e sublingual, podendo estender-se até
ao espaço submentoniano.
Os agentes bacterianos podem ser mistos (aeróbios e anaeróbios) e por ser uma celulite, o conteúdo infeccioso encontra-se disseminado nos tecidos e há pouca ou nenhuma secreção.
A patologia exige tratamento adequado e especíco. Se
não for tratada atempadamente irá ocorrer disseminação para
os espaços faringo-maxilar, mediastino e pericárdio.
A antibioterapia é o tratamento a realizar na fase inicial e
o mais precocemente possível, estando recomendada a associação de Amoxacilina/Acido Clavulámico de 8-8 horas na dose
de 50 mg/kg/dia EV e Gentamicina de 12-12 horas na dose de
2mg/kg/dia EV; devem utilizar-se anti inamatórios e analgési-
54
caso estomatológico
oral pathology case
cos para controlar os sinais e sintomas infecciosos. A remoção
da(s) peça(s) dentarias responsáveis pelo quadro clínico deve
ser efectuada logo que as condições do doente o permitam (resolução do trismus).
ABSTRACT
A 17 year-old-girl was referred to our department because
of facial swelling, trismus and pain. She had had previous drainage of the swelling and was on antibioticotherapy. Ludwigs angina
was diagnosed; the orthopanthomagraphy showed dental abscess and caries. She had intravenous antibiotherapy and dental
extraction with resolution of the condition.
Keywords: Ludwig’s Angina, cervical abscess, trismus,
antibiotics.
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 53-54
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NASCER E CRESCER
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ano 2011, vol XX, n.º 1
Caso radiológico
Filipe Macedo1
Criança do sexo feminino 15 meses de idade, que na sequência de
ITU febril faz cistouretrograa miccional seriada (CUMS).
Qual o seu diagnóstico?
Detalhe da CUMS
Figura 1
Figura 2
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto
caso radiológico
radiological case
55
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ACHADOS
Observa-se reuxo vesico-ureteral esquerdo, de grau 3,
apenas para o pielon inferior.
DIAGNÓSTICO
Duplicação pielo-ureteral esquerda com reuxo para o pielon inferior.
DISCUSSÃO
A duplicação é a anomalia mais frequente do sistema pielo-calicial e ureteral. Vai desde a bidez piélica até à duplicação
pielocalicial completa, com dois ureteres que entram na bexiga
em locais diferentes.
O reuxo vesicoureteral (RVU) é a anomalia mais frequente num rim duplex. Pode haver RVU para o pielon superior e/ou
inferior mas é mais frequente para o pielon inferior (1). Este facto
explica-se pela lei de Weigert-Mayers que descreve que num rim
duplex o ureter que drena o pielon inferior se insere na bexiga em
posição mais inferior e lateral do que o ureter que drena o pielon
superior. Esta topograa favorece o reuxo para o pielon inferior.
A dilatação do pielon inferior associa-se geralmente a RVU
enquanto que a dilatação do pielon superior se associa geralmente a ectopia ureteral ou ureterocelo com obstrução secundária.
O RVU associado a uma duplicação pielo-ureteral pode ter
a mesma evolução do RVU associado a um sistema pielocalicial
simples, podendo ocorrer resolução expontânea ou nefropatia
de reuxo (2).
Um rim duplex não complicado é geralmente um achado
ecográco ocasional e na ausência de indicação clínica não requer outro tipo de avaliação.
2 – CUMS
Demonstra o reuxo vesico-ureteral apenas para o pielon
inferior assumindo uma conguração típica e classica o grau
do reuxo.
3 – TC
Interesse apenas no caso de complicação infecciosa associada ao reuxo (pionefrose/abcesso) caso não seja possível
realizar RMN.
4 – RM
Poderá demonstrar a conguração de duplicação pielo-ureteral, com dilatação limitada ao pielon inferior do rim bem como
do seu ureter permitido uma boa avaliação morfológica. Pode ter
também aplicação em caso de complicações infecciosas.
ABSTRACT
We present a case of a 15 month old female in whom a voiding cystourethrography (VCU) was performed following a febrile
urinary tract infection. The exam showed a duplex left kidney with
vesicouretral reux (VUR) to the lower moiety.
VCU is the most common method for initial diagnosis of
VUR and reux to the lower moiety of a duplex kidney has a typical conguration.
Keywords: Duplex kidey, vesicouretral reux
Nascer e Crescer 2011; 20(1): 55-56
IMAGIOLOGIA
BIBLIOGRAFIA
1 – Ecograa
É o primeiro exame. Pode demonstrar a morfologia bída
do rim e a eventual dilatação circunscrita ao pielon inferior e ao
seu ureter. Com administração de contraste vesical apropriado
pode demonstrar a existência de reuxo vesico-ureteral.
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caso radiológico
radiological case
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
Uns e… os outros
Margarida Guedes
Carolina, 12 anos, olhava-me com os olhos doces, enquanto recusava delicadamente a sopa que lhe ofereciam. Explicou-me que o pai e a tia tinham ido a
casa buscar roupa, pois não esperavam que ela casse internada, mas voltariam
depressa…
A tentar ganhar a sua conança fui-lhe perguntando alguns dados informais,
como por exemplo se aquele número de telefone, que constava na identicação, era
o dos pais. Talvez o do meu pai, respondeu ela, mas não tenho a certeza… Sabe,
ele tem 3 telemóveis. Um para o trabalho, outro para os amigos e ainda outro para
nós. O que eu sei é que não é o da minha mãe, porque ela não está agora connosco….mas já sabe que eu estou no hospital – concluiu, após uma pequena hesitação.
E esta é a tua direcção? Sim, mas moro na torre 3, respondeu ela muito rápido. Eu
não queria mostrar ignorância, por isso apenas limitei-me a perguntar - quer dizer
que gostas da torre 3? Claro -respondeu, como se não conseguisse compreender a
minha dúvida - na torre 1 e 2 é que se fazem as asneiras. Não é nas outras! Percebi
então que falávamos de um bairro problemático da cidade e fui-me aproximando do
que a tinha levado ao hospital. A tosse começou há um mês, contou-me ela, mas
a sair assim só há 2 semanas. A minha avó, que sofre do coração, também teve
o mesmo e cou muito tempo no hospital. O meu pai é que tem uma mancha no
pulmão, disse-lhe o doutor que nos mandou fazer as fotograas que trouxemos. E
a tua tia, mora com vocês? Indaguei. Não doutora. Ela não vive connosco. Só nos
vai ajudar enquanto a minha mãe está na “precária”.
Fomos conversando, mas tudo já se tinha encaixado no meu diagnóstico
perfeito! Os telemóveis extra, o bairro e a prisão da mãe só podiam estar associados a drogas, e daí a relação com a provável tuberculose pulmonar era fácil de
estabelecer.
Um dias depois teve alta hospitalar, orientada para a consulta externa.
Mas anal tinha-me enganado mais uma vez com as rápidas conclusões –
o tráco de droga existia mas a Carolina nunca tinha tido tosse ou expectoração
hemoptoica. Ela só queria, tal como a avó quando teve edema pulmonar, ir para o
hospital muito tempo, e poder car longe das torres…
pequenas histórias
short stories
57
PRÉMIO NASCER E CRESCER
MELHOR ARTIGO ORIGINAL 20101
A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA
INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA
VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA.
REGULAMENTO
1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer
2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um.
3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original
4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores
5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista
6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens:
a) Relevância e originalidade
b) Clareza e pertinência dos objectivos
c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados
d) Apresentação clara e sintética dos resultados
e) Discussão fundamentada
f ) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados
7. Não caberá recurso contra as decisões do júri
8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano
9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os prossionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos cientícos
relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem
e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A
revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião.
Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os
artigos publicados carão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser
reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores.
Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista
Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, ou endereçados a
[email protected]
como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconograa, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico.
Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e
cabe ao Editor a responsabilidade de os:
- aceitar sem modicações,
- aceitar após alterações propostas,
- ou rejeitar,
com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma
anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores.
Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da
responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e
deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de
Ética. Deve constar declaração de conito de interesses ou nanciamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação
de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional
de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts
submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October
2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconograa, devem ser enviados em suporte electrónico.
O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem:
1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português
e inglês. Palavras--chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliograa; 6- Legendas; 7Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque.
As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás.
No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado
em formato electrónico.
Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s)
nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos
os autores, bem como as aliações prossionais. No fundo da página devem
constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em
que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal,
endereço electrónico e telefone).
Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua
utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos
artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado
segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte
forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente
aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em
Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá
constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por
ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem
estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH).
Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou
espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização:
Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos
de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s)
e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especicação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO,
1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os
números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais
ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em
algarismos árabes, excepto se no início da frase.
Bibliograa: As referências devem ser classicadas e numeradas por
ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir
a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para
artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem vericar se todas
as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo
Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine
relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência.
Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index
Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low
birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da
contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade
e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis,
and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de
página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford
University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em
formato digital de boa qualidade. Cada quadro e gura deverá ser numerado
sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a gura
ou quadro é cópia de uma publicação ou modicada, deve ser mencionada a
sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotograas
ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identicação
devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo
doente ou seu responsável legal.
O total de guras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos
originais e cinco para os casos clínicos. As guras ou quadros coloridos, ou os
que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos
autores.
Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação
de conito de interesses de algum dos autores ou nanciamento do estudo
devem gurar na última página.
Destaque: Incluir três a quatro frases curtas (até 50 palavras cada) salientando os aspectos mais relevantes do trabalho. Estas deverão ser escritas
em português e em inglês.
Modicações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modicações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As
provas tipográcas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo
a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da
Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores,
sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
normas de publicação
instructions for authors
59
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2011, vol XX, n.º 1
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of
Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and
publishes scientic articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood
and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The
Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published
under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted
must not have been published previously in any form. The opinions therein are
the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property
of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior
consent of the editors.
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, Portugal, or to
[email protected]
and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If
using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also
be sent.
Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to
an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous
reviewers. Articles may be:
- accepted with no modications,
- accepted with corrections or modications,
- or rejected.
Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts.
Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological
principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the
Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written
consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of
conict of interest and nancial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements
for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008).
All the components of the paper, including images must be submitted in
electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key
words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights.
Pages should be numbered according the above sequence. If a second
version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format.
Title and Authors: The rst page should contain the title in Portuguese
and English. The title should be concise and revealing. A separate page should
contain name(s) degree(s), the authors’ professional afliations, the name and
the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Keywords: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate
page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case
reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and
Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report
and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should
be followed by the proposed Keywords in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
60
normas de publicação
instructions for authors
Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish.
The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review
articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments
and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a
succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled
out the rst time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of
papers. Parameters or values measured should be expressed in international
(SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full,
except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are
written as gures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the text by Arabic numerals,
and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited
to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the
reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be
given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c)
books written or edited by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which
case the rst three are listed followed by “et al.”), the title of the article,
the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year,
volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or
contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name
and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, rst and last page of the chapter. Ex: Phillips
SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd
ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and
name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of
Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high
quality. Each table and gure should be numbered in sequence, in the order in
which they are referenced in the text. They should each have their own page
and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and
symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted
from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend
and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should
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The total number of gures or tables must not exceed eight for original
articles and ve for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess
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Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conicts of interest.
All nancial and material support for the research and the work should
be clearly and completely identied in an Acknowledgment section of the manuscript.
Highlights: They should include three to four short sentences (each limited to 50 words) emphasizing the relevant message of the study. These should
be written in Portuguese and English.
Modications and revisions: If the paper is accepted subject to modications, these must be submitted within fteen days of notication. Proof copies
will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the
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accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.

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