o modelo europeu do desporto

Transcrição

o modelo europeu do desporto
COMISSÃO EUROPEIA
DIRECÇÃO-GERAL X
Informação, Comunicação, Cultura e Audiovisual
Política audiovisual, cultura e desporto
Desporto
O MODELO EUROPEU DO DESPORTO
DOCUMENTO DE REFLEXÃO DA DG X
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1
CAPÍTULO I
O MODELO EUROPEU DO DESPORTO ........................................................................... 3
1
1.1
1.1.1
1.1.1.1
1.1.1.2
1.1.1.3
1.1.1.4
1.1.2
1.2
1.2.1
1.2.2
1.2.3
1.2.4
1.3
O modelo europeu do desporto ............................................................................................................3
Organização do desporto na Europa .......................................................................................................3
Estrutura em pirâmide .............................................................................................................................3
Os clubes ................................................................................................................................................ 3
As federações regionais.......................................................................................................................... 4
As federações nacionais ......................................................................................................................... 4
As federações europeias ......................................................................................................................... 4
Um sistema de promoção e despromoção ...............................................................................................5
Características do desporto na Europa ....................................................................................................5
Abordagem a partir das bases .................................................................................................................5
Ligação à identidade nacional .................................................................................................................5
Competições internacionais.....................................................................................................................6
Aspectos negativos..................................................................................................................................6
Importância do desporto na Europa ........................................................................................................6
2
2.1
2.2
2.3
Evolução.................................................................................................................................................7
Tendência para a globalização ................................................................................................................7
As principais mudanças da década de 1980 ............................................................................................7
Evolução recente da década de 1990 ......................................................................................................8
3
3.1
3.1.1
3.1.2
3.2
3.3
3.4
Problemas...............................................................................................................................................8
Funções das federações desportivas........................................................................................................8
Problemas com os grandes clubes ...........................................................................................................9
Problemas com os pequenos clubes ........................................................................................................9
Direito da concorrência...........................................................................................................................9
Propriedade múltipla .............................................................................................................................10
Aspectos financeiros .............................................................................................................................10
4
4.1
4.2
4.3
4.4
4.5
Perguntas .............................................................................................................................................11
Funções das federações nacionais .........................................................................................................11
Competições fechadas...........................................................................................................................12
Solidariedade ........................................................................................................................................12
Promoção do desporto...........................................................................................................................13
O modelo europeu do desporto .............................................................................................................13
CAPÍTULO II
DESPORTO E TELEVISÃO................................................................................................ 14
5
Desenvolvimento do desporto e da televisão na Europa ..................................................................14
6
6.1
6.2
6.3
6.4
Direitos de transmissão televisiva ......................................................................................................15
Propriedade dos direitos de transmissão ...............................................................................................15
Venda colectiva.....................................................................................................................................16
Exclusividade ........................................................................................................................................17
Aquisição de clubes de futebol..............................................................................................................17
7
O direito à informação........................................................................................................................18
i
8
papel futuro da televisão pública na Europa ....................................................................................18
9
9.1
9.2
9.3
9.4
Perguntas .............................................................................................................................................19
Venda colectiva e duração da exclusividade.........................................................................................19
Interpenetração entre o desporto e a indústria audiovisual....................................................................19
O direito à informação ..........................................................................................................................19
Papel da televisão pública ....................................................................................................................19
CAPÍTULO III
DESPORTO E POLÍTICA SOCIAL ................................................................................... 21
10
O desporto e a educação .....................................................................................................................21
11
O desporto como instrumento de integração social, de combate ao racismo e de promoção da
tolerância ..............................................................................................................................................................21
12
O desporto e o ambiente .....................................................................................................................22
13
O desporto e a saúde pública..............................................................................................................22
14
O desporto e o doping..........................................................................................................................23
15
O desporto e o emprego ......................................................................................................................24
16
16.1
16.2
16.3
16.4
16.5
16.6
Perguntas .............................................................................................................................................25
Educação ...............................................................................................................................................25
Integração social ...................................................................................................................................25
Ambiente...............................................................................................................................................25
Saúde pública ........................................................................................................................................25
Doping ..................................................................................................................................................26
Emprego................................................................................................................................................26
ii
iii
INTRODUÇÃO
No seu documento de trabalho de Setembro de 1998, a Comissão sublinha o papel
desempenhado pelo desporto, tanto a nível da educação e da saúde pública como em termos
sociais, culturais e recreativos. Em termos económicos, o desporto é um sector em rápido
crescimento, responsável por 3% do comércio mundial e um dos sectores mais susceptíveis de
criar novos empregos. Nestes últimos anos, o desporto tem-se desenvolvido rapidamente na
Europa. A importância crescente da vertente económica e comercial do desporto tem estado na
origem de grandes mudanças, por exemplo, no domínio dos direitos de transmissão televisiva de
manifestações desportivas. A União Europeia está atenta ao desporto desde 19741, observando
essa evolução do ponto de vista económico.
As disposições do Tratado CE, o respectivo direito derivado, as políticas e as decisões
comunitárias têm tido um impacto crescente nas actividades e práticas desportivas e toda esta
evolução tem criado uma série de problemas ao desporto europeu. Por exemplo, a DirecçãoGeral da Concorrência (DG IV) da Comissão Europeia recebeu já 55 denúncias relacionadas com
o desporto, no que se refere a questões como as funções das organizações desportivas, os direitos
de transmissão televisiva ou os patrocínios comerciais; a maioria dos processos relacionados com
essas denúncias foram iniciados na sequência do acórdão do TJCE no processo Bosman2. Este
aumento do número de processos revela também que existem lacunas no quadro regulamentar
aplicável ao mundo do desporto.
Em Setembro de 1998, a Comissão publicou um documento de trabalho em que definia a sua
política em matéria de desporto. O desporto não é apenas uma actividade económica, mas é
também parte integrante da identidade europeia. A função social do desporto foi reconhecida na
conferência intergovernamental organizada para rever o Tratado de Maastricht, tendo sido
anexada ao Tratado de Amesterdão uma declaração relativa ao desporto.
A Comissão está ciente de que esta evolução coloca questões no que se refere à organização
futura do desporto na Europa e está disposta a ajudar as organizações desportivas a encontrar
soluções com base em iniciativas das próprias organizações. Para poder apoiar as associações
desportivas e na sequência da Declaração de Amesterdão, a Comissão deseja consultar o mundo
do desporto, com vista a uma reflexão sobre o desenvolvimento do desporto na Europa. A fim de
preparar o terreno, a Comissão está a efectuar um inquérito que ajudará todos os interessados a
identificarem os problemas causados pela evolução em curso e que lhes proporcionará uma
oportunidade de dar a conhecer os seus pontos de vista e de apresentar sugestões sobre a
evolução futura do desporto europeu.
A Comissão utilizará os resultados desse inquérito para duas finalidades:
•
•
preparação de uma Conferência Europeia sobre o Desporto (Assises européennes du sport), a
realizar em Maio de 1999;
identificação mais clara e preservação das características específicas do desporto europeu.
No presente documento, descreve-se a organização do desporto na Europa, as suas
características e evolução recente, referem-se os problemas que surgiram e o questionário em
1
Acórdão do TJCE: C-36/74 Walraeve/UCI, Col.1974, pp. I-1405.
2
Processo C-415/93.
1.-
anexo destina-se a permitir que os interessados enviem os seus comentários à Comissão. Solicitase às partes interessadas que enviem as suas respostas para a Comissão Europeia (Direcção-Geral
X, Unidade "Desporto", Rue de la Loi 102, 1049 Bruxelas) até 25 de Fevereiro de 1999.
2.-
CAPÍTULO I
O MODELO EUROPEU DO DESPORTO
1
O MODELO EUROPEU DO DESPORTO
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial e até meados da década de 80, coexistiam
na Europa dois modelos de desporto, a saber, o modelo da Europa de Leste e o modelo
da Europa Ocidental. O primeiro tinha uma orientação mais ou menos ideológica: o
desporto era parte integrante da propaganda. Nos países da Europa Ocidental
desenvolveu-se um modelo misto, em que coexistiam as iniciativas de organizações
governamentais e não governamentais. É importante sublinhar que o desenvolvimento
do desporto foi paralelo ao da televisão, basicamente em condições de exclusividade da
televisão pública. O desporto na Europa Ocidental é assim resultado de acções públicas
e privadas. Nos países do Norte da Europa, o Estado não desempenha uma função
reguladora, ao passo que, nos países do Sul, o Estado intervém na regulação do
desporto.
1.1
Organização do desporto na Europa
Nos Estados-Membros, o desporto está organizado tradicionalmente em federações
nacionais (geralmente uma por país) que, por sua vez, estão associadas em federações
europeias e internacionais. Esta estrutura forma uma pirâmide hierárquica.
1.1.1
Estrutura em pirâmide
1.1.1.1 Os clubes
Os clubes estão na base da pirâmide. Proporcionam a toda a população a possibilidade
de praticar desporto a nível local, promovendo assim o conceito do “desporto para
todos” e apoiando a geração de desportistas. A este nível, o voluntariado é
especialmente importante e benéfico para o desenvolvimento do desporto europeu. Em
Portugal, por exemplo, há cerca de 70 000 treinadores que não são remunerados e
40 000 membros de direcções e comités que exercem as suas funções em regime de
voluntariado3.
Uma das características do desporto europeu a este nível reside no facto de ser praticado
por amadores. Tal como sublinhado por Marcelino Oreja, membro da Comissão
Europeia responsável pelo desporto, no discurso proferido no 7º Fórum Europeu do
Desporto, em 1997, o desporto amador reflecte o verdadeiro amor ao desporto e a
participação desinteressada numa actividade desportiva. Neste domínio, o desporto
exerce uma função social importante, contribuindo para aproximar as pessoas. Na
Áustria, por exemplo, cerca de 39% da população é sócia de um clube ou de uma
federação desportiva4.
3
Versão final de “O Desporto nos Estados-Membros”, 1991.
4
Boletim de informação desportiva “Sport for All”; Clearing House, 1997, 19.
3.-
1.1.1.2 As federações regionais
As federações regionais situam-se imediatamente acima dos clubes. O seu campo de
acção circunscreve-se normalmente a uma região, onde são responsáveis pela
organização de campeonatos e pela coordenação do desporto a nível regional. Nalguns
países, por exemplo, na Alemanha, há organizações regionais onde estão filiados todos
os clubes de uma região.
1.1.1.3 As federações nacionais
No nível seguinte situam-se as federações nacionais, uma para cada modalidade.
Geralmente todas as federações regionais estão filiadas na respectiva federação
nacional. Estas federações regulam todas as questões gerais da sua modalidade,
representando simultaneamente essa modalidade nas federações europeias ou
internacionais. Organizam também os campeonatos nacionais e actuam como órgãos
reguladores. Uma vez que existe uma única federação nacional para cada modalidade,
estas federações têm uma posição monopolista. Por exemplo, há uma única federação
nacional de futebol em cada país. Só esta federação pode organizar campeonatos
nacionais oficiais. Nalguns países, as funções da federação são reguladas pela legislação
nacional.
1.1.1.4 As federações europeias
No topo da pirâmide estão as federações europeias, organizadas à imagem das
federações nacionais. Só se pode filiar na federação europeia uma única federação
nacional de cada país. Estas organizações procuram afirmar a sua posição impondo
regras que prevêem geralmente sanções para os participantes em campeonatos que não
foram reconhecidos ou autorizados pela federação internacional.
As federações desportiva europeias
As federações desportiva nacionais
As federações desportiva regionais
As federações das bases / clubs
Organização desporto na Europa
Estrutura em pirâmide
4.-
1.1.2
Um sistema de promoção e despromoção
A estrutura em pirâmide implica a interdependência entre os diferentes níveis, não só do
ponto de vista da organização, como também do da competição, uma vez que são
organizadas competições a todos os níveis. Um clube de futebol que joga a nível
regional pode qualificar-se para os campeonatos a nível nacional ou mesmo
internacional (por exemplo, a taça UEFA), ganhando jogos e sendo promovido. Por
outro lado, um clube pode ser despromovido, quando não consegue qualificar-se. A
despromoção e a promoção são características comuns a todos os campeonatos
nacionais. Essa abertura a novos participantes torna os campeonatos nacionais mais
interessantes do que se fossem competições fechadas.
Este sistema de promoção e despromoção existe também a nível europeu. As federações
nacionais de todas as modalidades (ou seja, o topo da pirâmide) estão filiadas nas
respectivas federações europeia e internacional que, por seu turno, organizam
campeonatos europeus e internacionais. Contudo, a qualificação para essas competições
é decidida geralmente a nível nacional.
Este sistema de promoção e despromoção é uma das principais características do
modelo europeu do desporto. Os Estados Unidos criaram um modelo de campeonatos
fechados e de federações desportivas múltiplas. As mesmas equipas que participam num
campeonato continuam a jogar sempre na mesma liga. Na Europa, a tendência vai no
sentido da combinação dos dois sistemas. Numa proposta recente da UEFA, os clubes
qualificar-se-iam não só através de um sistema de promoção e despromoção, como
também preenchendo determinados critérios económicos e técnicos.
1.2
Características do desporto na Europa
1.2.1
Abordagem a partir das bases
Uma das características do desporto europeu reside no facto de assentar numa
abordagem que parte das bases. O desporto desenvolve-se a partir do nível dos clubes,
que organizam o desporto a nível local, não estando tradicionalmente ligado ao Estado
ou a uma empresa.
Tal como comprovado pelo facto de o desporto europeu ser geralmente dirigido por
amadores e por voluntários não remunerados, que são responsáveis pela organização do
desporto na Europa e para quem o desporto representa um passatempo e um contributo
prestado à sociedade. Neste aspecto, o desporto europeu difere do desporto americano,
que é uma actividade comercial. Nos Estados Unidos, o desporto baseia-se numa
abordagem mais profissional.
1.2.2
Ligação à identidade nacional
Como sublinhado na Declaração de Amesterdão, o desporto na Europa tem um
significado social importante. A declaração refere explicitamente que o desporto
desempenha um papel na formação da identidade e na aproximação das pessoas.
O desporto representa e reforça a identidade nacional e regional, dando às pessoas a
sensação de pertencerem a um grupo. Aproxima jogadores e espectadores,
proporcionando a estes últimos a possibilidade de se identificarem com a sua nação,
contribui para a estabilidade social e é um símbolo da cultura e da identidade nacionais.
5.-
Embora, entretanto, globalização também já tenha começado a afectar o desporto
europeu, este pode ser considerado como uma das últimas paixões nacionais. A ligação
à identidade nacional ou mesmo regional é, consequentemente, uma das características
do desporto na Europa.
1.2.3
Competições internacionais
Considera-se que as equipas nacionais representam a nação e é de tradição na Europa
que os diferentes países entrem em competição entre si e organizem competições
internacionais.
Na Europa, o desporto é uma das últimas paixões nacionais. Há uma necessidade
psicológica de confronto entre os países e o desporto é uma forma de confronto sem
derramamento de sangue. As competições internacionais constituem para os países
europeus uma oportunidade de afirmarem a sua cultura e as suas tradições,
salvaguardando assim a diversidade cultural que é uma das características da Europa.
Neste aspecto a Europa difere dos Estados Unidos, onde não há necessidade de
competições entre os estados federais. A Califórnia, por exemplo, não tem de competir
com o Texas.
1.2.4
Aspectos negativos
A função social de formação da identidade pode ter aspectos negativos, tais como o
ultranacionalismo, o racismo e a intolerância.
No passado, as ditaduras tiraram partido da popularidade do desporto para promover a
sua própria ideologia. O regime nazi, por exemplo, utilizou os Jogos Olímpicos de
Berlim como instrumento de promoção da sua ideologia. As vitórias das equipas
nacionais são frequentemente utilizadas como um instrumento de propaganda. O regime
de Mussolini apresentou as vitórias da Itália nos campeonatos do mundo de futebol de
1934 e 1935 como prova da superioridade do fascismo sobre a democracia. E nos países
do antigo bloco de Leste o desporto tinha também uma orientação ideológica e era
utilizado para fins de propaganda.
A violência dos “hooligans” é um problema com que se confronta actualmente o
desporto europeu. O hooliganismo nem sempre tem conotações políticas: alguns
espectadores vítimas da exclusão económica ou social aproveitam as manifestações
desportivas para dar largas à sua frustração. Estas consequências negativas do desporto
são desconhecidas nos Estados Unidos.
1.3
Importância do desporto na Europa
Tradicionalmente, os Estados-Membros da União Europeia sempre foram palco de uma
percentagem significativa de grandes manifestações desportivas: por exemplo, 54% dos
Jogos Olímpicos de Verão, entre 1896-1996, e 50% dos campeonatos do mundo de
futebol, entre 1930 e 1998. Esta concentração significativa de manifestações desportivas
de nível mundial na UE é em parte um fenómeno histórico. A revolução industrial
começou na Europa, e o desenvolvimento económico e social que se lhe seguiu
contribuiu para o desenvolvimento do desporto na Europa. O desporto também teve a
sua origem na Europa. O movimento olímpico, por exemplo, foi consequência de uma
iniciativa europeia. Por outro lado, a maioria das principais organizações desportivas
internacionais estão sediadas na Europa. Por todas estas razões, a Europa pode ser
considerada como o grande motor do desporto a nível mundial e a evolução mais
6.-
recente demonstra que o desporto europeu é muito dinâmico. Apresentamos no ponto
seguinte as principais tendências da evolução do desporto na Europa.
Existe um modelo europeu de desporto com características específicas, que foi
exportado para quase todos os países e continentes, à excepção da América do Norte. O
desporto europeu tem uma estrutura única e essas características específicas devem ser
tidas em conta no desenvolvimento futuro do desporto na Europa.
2
EVOLUÇÃO
2.1
Tendência para a globalização
Até aos anos 50, o desporto a nível europeu estava associado às equipas e aos
representantes nacionais. Só as equipas e os indivíduos que representavam o seu país
participavam em competições no estrangeiro. Um dos primeiros exemplos destas
competições é o Campeonato Mundial de Futebol, que data da primeira metade do
século XX.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os países europeus chegaram à conclusão de que,
no seu próprio interesse, era necessário evitar futuros conflitos e preservar a paz, através
de uma acção comum. Esta evolução no sentido da cooperação esteve na origem da
primeira Comunidade Europeia, em 1952, e da criação de uma televisão pan-europeia
com a fundação da Eurovisão e da União Europeia de Radiodifusão.
Paralelamente a estes primeiros passos no sentido da integração europeia a nível
político, surgiram as primeiras competições desportivas europeias. A UEFA foi fundada
em 1954, e com ela as primeiras competições entre clubes europeu. O jornal francês
“L’Équipe” sugeriu em 1955 a criação de um Campeonato Europeu.
Embora o Campeonato do Mundo de Futebol date da década de 1930, só recentemente o
desporto adquiriu um carácter global. E um dos principais factores que contribuíram
para tal foi a transmissão televisiva das manifestações desportivas mais populares, como
os Jogos Olímpicos e o Mundial de Futebol.
2.2
As principais mudanças da década de 1980
O COI resolveu abolir a distinção entre o desporto amador e o desporto profissional,
abrindo a todos os atletas a participação nos Jogos Olímpicos. Permitiu também que os
jogos tivessem patrocinadores comerciais, contribuindo assim para a comercialização do
desporto em geral. Os patrocínios são hoje uma das principais fontes de financiamento
do desporto.
Em meados da década de 1980, a televisão estatal perdeu o seu monopólio na maioria
dos países da Europa Ocidental. Tal como nos Estados Unidos, surgiu uma concorrência
feroz pelos direitos de transmissão televisiva das principais manifestações desportivas.
A venda dos direitos de transmissão televisiva e os patrocínios são hoje responsáveis
por 65%-85% do financiamento das manifestações desportivas, sendo a principal fonte
de financiamento do desporto profissional na Europa. Porém, outro aspecto a ter
também em conta prende-se com a rápida e extensa evolução tecnológica da televisão.
O bloco de Leste desapareceu, e com ele as restrições impostas aos atletas, o que
contribuiu para aumentar o número de atletas profissionais dos países da Europa Central
e Oriental.
7.-
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias reconheceu, no processo Bosman,
que não há razão para que os atletas profissionais não usufruam dos benefícios do
mercado único e, nomeadamente, da livre circulação dos trabalhadores.
Consequentemente, as competições nacionais foram abertas a jogadores de toda a
Europa, o que contribuiu para a revitalização das grandes ligas europeias5.
2.3
Evolução recente da década de 1990
Para fazer face à criação das superligas europeias, muitos clubes importantes tiveram de
conceber novas formas de financiamento. Os clubes de futebol (Manchester United,
Tottenham Hotspur e muitos outros) estão cotados na bolsa desde Novembro de 1997, o
que lhes permite obter os financiamentos necessários para manter a sua posição de
liderança no desporto europeu. Por outro lado, algumas sociedades de investimento
conquistaram influência adquirindo participações maioritárias em vários clubes de
futebol: por exemplo, a English National Investment Company (ENIC) controla já
quatro clubes, a saber, o Glasgow Rangers, o Slavia de Praga, o Vicenza (Itália) e o
AEK de Atenas.
A nova proposta de criação de uma liga fechada, exterior à UEFA, despertou o interesse
de muitos dos principais clubes europeus. Nessa liga não haveria um sistema de
promoção e despromoção. É uma nova forma de competição que não tem qualquer
ligação com a actual estrutura em pirâmide.
Os principais clubes estão interessados nesta superliga principalmente porque não estão
satisfeitos com a repartição das receitas da Liga dos Campeões por parte da UEFA.
Consideram que essa iniciativa permitiria que os participantes na competição
recebessem directamente uma maior percentagem e os organizadores uma percentagem
menor das receitas. Se se concretizar esta evolução no sentido da adopção do sistema de
competições fechadas que existe há muito nos Estados Unidos, os lucros dos grandes
clubes aumentarão muitíssimo. Nesta nova abordagem, as grandes equipas defrontar-seão regularmente, como acontece há muito nos principais modalidades desportivas
praticadas nos Estados Unidos.
A UEFA foi obrigada a reagir, propondo uma nova iniciativa que procura combinar o
sistema tradicional de promoção e despromoção com o sistema de campeonatos
fechados; está a oferecer assim aos clubes uma quota-parte mais importante das receitas
geradas pela venda dos direitos de transmissão.
3
PROBLEMAS
3.1
Funções das federações desportivas
Até à década de 1980, as federações desportivas eram principalmente órgãos
reguladores. Mas à medida que os direitos de transmissão televisiva adquiriram mais
importância, começaram a negociar esses direitos, agindo assim tal como qualquer outra
empresa comercial. A questão que se coloca é a de saber se as federações podem ser
simultaneamente órgãos reguladores e entidades comerciais. Tanto os principais clube
5
Consequências do acórdão do Tribunal de Justiça no processo “Bosman”, memorando dos comissários
Van Miert, Flynn e Oreja, SEC (96) 212 de 2 de Fevereiro de 1996.
8.-
filiados nessas federações, como os menos importantes entendem que os seus interesses
deixaram de estar adequadamente representados.
Além disso, nalguns países foram criadas ligas que são independentes das federações. É
o que acontece em Inglaterra e em Espanha, no caso do futebol, e na Itália e em França,
no do basquetebol.
3.1.1
Problemas com os grandes clubes
Os grandes clubes pretendem receber uma quota-parte mais importante das receitas da
federação, ameaçando que, caso contrário, sairão da federação e criarão os seus próprios
campeonatos. A maioria das federações nacionais tem regras segundo as quais os clubes
nelas filiados não podem participar em campeonatos que não tenham sido organizados
ou autorizados pela federação, penalizando-os quando infrinjam essas regras. Se os
principais clubes europeus participarem em campeonatos fechados, serão excluídos dos
campeonatos nacionais? Isso seria o fim de uma das principais características do modelo
europeu, a saber, a ligação à identidade nacional. Deverá esta orientação nacional ser
mantida e, se assim for, qual será a melhor maneira de a preservar?
3.1.2
Problemas com os pequenos clubes
Os pequenos clubes, pelo seu lado, queixam-se de que as federações deixaram de
desempenhar a sua missão “pública”, ou seja, a promoção do desporto. Afirmam
também que o sistema de solidariedade que colocava à sua disposição uma parte das
receitas das federação não funciona eficazmente. A questão que se coloca é a de saber se
as federações, que funcionam como empresas privadas, mas que têm simultaneamente a
função de promover o desporto, poderão atingir o equilíbrio mais correcto entre estas
duas tarefas ou se a promoção do desporto deverá ser confiada a um organismo público.
Resta saber o que é que acontecerá às federações se perderem simultaneamente os
grandes e os pequenos clubes.
3.2
Direito da concorrência
Regra geral, o monopólio das federações não é posto em causa, uma vez que se
reconhece que a sua estrutura institucional é a forma mais eficiente de organizar o
desporto. Os regulamentos da maioria das federações nacionais e internacionais
estipulam que os seus filiados só podem participar em manifestações desportivas
organizadas ou, pelo menos, autorizadas pela própria federação. Mas podem surgir
problemas se alguém entender que os seus interesses seriam mais adequadamente
representados por uma nova federação. As federações deverão ser autorizadas a
concorrer livremente nesse mercado? No caso do pugilismo, essa concorrência é já uma
realidade, havendo várias federações internacionais (WBF, WBA, WBC e IBF).
A questão que se coloca neste contexto é se as federações devem alterar os seus
regulamentos e a sua estrutura internacional (uma única federação por país e por
modalidade) para cumprir as disposições do Tratado CE sobre as regras da concorrência,
sobre o mercado único e os acórdãos do Tribunal de Justiça. E se for esse o caso, qual
será o impacto dessas alterações no sistema europeu (modelo em pirâmide)? Numa
decisão recente, o Tribunal de Arbitragem Desportiva6 defende que os órgãos
reguladores do desporto são semelhantes a órgãos estatais, no que se refere à sua
6
Tribunal de Arbitragem Desportiva, 17 de Julho de 1998, CAS 98/200.
9.-
estrutura e às suas funções de órgãos reguladores. Afirma ainda que a sua actuação deve
ser regida por princípios semelhantes, por exemplo, no que se refere à alteração da
legislação ou das regras administrativas.
3.3
Propriedade múltipla
Como já foi dito, algumas sociedades de investimento controlam vários clubes cotados
na Bolsa. O facto poderá ser prejudicial para o desporto, na medida em que podem
adulterar a essência da verdadeira competição desportiva. Em resposta a uma pergunta
parlamentar, a Comissão sublinhou que os limites regulamentares impostos pelas
organizações desportivas à participação nas mesmas competições nacionais ou
internacionais por parte de clubes pertencentes ao mesmo proprietário não são
abrangidos pela aplicação do direito comunitário sobre concorrência. Porém, esses
limites deverão manter-se fiéis ao seu objectivo próprio, a saber, garantir a incerteza dos
resultados das competições e permanecer proporcionais aos objectivos desportivos que
defendem7. Num processo recente, instaurado à UEFA pelo AEK de Atenas e o Slavia
de Praga, o Tribunal de Arbitragem Desportiva decidiu que era ilegal que a UEFA
promulgasse novas regras proibindo a participação nas mesmas competições de clubes
com um proprietário comum sem dar aos clubes de futebol em causa um prazo razoável
para se prepararem para essa alteração das regras. O Tribunal entendeu que as novas
regras tinham entrado em vigor muito rapidamente, surpreendendo os clubes e privandoos da possibilidade de tomar medidas. Contudo, o Tribunal não se pronunciou sobre a
legalidade dessas regras8.
3.4
Aspectos financeiros
O processo Bosman teve repercussões financeiras importantíssimas para o desporto na
Europa. Antes do acórdão Bosman, as indemnizações de transferência representavam
uma quota-parte importante dos recursos financeiros da modalidade. Quando essas
indemnizações foram abolidas, os salários dos jogadores dispararam, os clubes foram
obrigados a fazer grandes investimentos e o financiamento do desporto na Europa sofreu
grandes alterações, estando cada vez mais dependente das receitas derivadas dos
patrocínios e de outras relações comerciais.
As receitas das manifestações desportivas estão dependentes do interesse suscitado por
esse desporto junto do grande público. O problema é que nem todos os desportos se
prestam tão bem como o futebol para serem transmitidos pela televisão. Há o risco de só
sobreviverem os desportos com mais atractivos comerciais e de os desportos menos
populares poderem desaparecer. As receitas da venda dos direitos televisivos estão a
revolucionar o mundo do desporto e a alargar o fosso entre amadores e profissionais e
entre grandes e pequenos clubes europeus9.
As características do desporto (incerteza dos resultados, igualdade de oportunidades
para os participantes na competição), tal como foram reconhecidas pelo advogado-geral
Lenz no processo Bosman, levam a que o mercado do desporto seja muito diferente de
outros mercados. O advogado-geral sugeriu que as receitas deveriam ser repartidas de
7
Resposta do comissário Van Miert, em nome da Comissão, a uma pergunta escrita, JO C 310, 9.10.1998.
8
Tribunal de Arbitragem Desportiva, 17 de Julho de 1998, CAS 98/200.
9
“Competition Policy Newsletter”, Nº 2, 1998.
10.-
modo a preservar o equilíbrio desportivo. É necessário analisar se as receitas do
desporto devem ser distribuídas pelos clubes e pelas associações, e como, pois este
aspecto terá consequências para o financiamento do desporto na Europa.
A UEFA criou um sistema de solidariedade que é aplicado na repartição das receitas da
Liga dos Campeões. De acordo com a UEFA, este sistema destina-se a preservar o
equilíbrio desportivo e financeiro entre os clubes e a promover o futebol em geral10. Os
grandes clubes de futebol acusam a UEFA de não usar de transparência no
financiamento e na repartição das receitas. Os pequenos clubes reclamam a atribuição de
mais fundos para as bases. É duvidoso que o sistema da UEFA esteja a funcionar
convenientemente ou que esse sistema seja efectivamente necessário.
Na maior parte dos Estados-Membros existem jogos de apostas mútuas desportivas que
financiam o desporto. A maioria desses recursos são provenientes de apostas nos
resultados dos jogos de futebol. Mas coloca-se o problema de saber como é que esses
fundos devem ser despendidos. As actuais federações desportivas europeias recebem
fundos do Estado, mas obtêm também receitas com a venda dos direitos de transmissão
televisiva. Será que este sistema ainda se justifica? Como é que deveriam ser
concedidos os auxílios estatais ao desporto?
Nas competições fechadas, as receitas pertencem à organização, que é auto-suficiente e
não se sente obrigada a apoiar outros desportos. Consequentemente, a evolução no
sentido da organização dessas competições será prejudicial para o desporto europeu.
4
PERGUNTAS
4.1
Funções das federações nacionais
10
1.
É possível manter o modelo de uma única federação por Estado-Membro?
2.
É satisfatório que a mesma federação seja responsável por tarefas tão diferenciadas
como a gestão das equipas (agindo assim como uma multinacional), a organização
das ligas e a promoção do desporto? Terá esta capacidade para conjugar
adequadamente essas tarefas?
3.
Acha que as federações nacionais têm capacidade para desempenhar as suas novas
funções comerciais, ou seja, venda dos direitos televisivos, celebração de contratos.
em simultâneo com as suas funções de promoção do desporto e de organização das
competições?
4.
Entidades públicas com fins não lucrativos organizam manifestações desportivas de
grande escala, (“desporto para todos”). Tal significa que as federações nacionais
poderão também organizar esse tipo de competições?
5.
Essas competições constituem uma ameaça para a posição das federações?
6.
O que é que acontecerá às federações se perderem os grandes e os pequenos clubes?
Qual será então o seu papel?
Sistema de solidariedade da UEFA, 16.
11.-
7.
4.2
4.3
As federações deverão limitar-se a estabelecer as regras, a promover o desporto e a
organizar competições entre as equipas nacionais?
Competições fechadas
1.
Quando surgirem as competições fechadas, os grandes clubes deixarão de participar
nas competições nacionais. As ligas nacionais manterão os seus atractivos no futuro
ou tornar-se-ão demasiado pequenas? As ligas nacionais serão desvalorizadas pelas
competições fechadas?
2.
As competições fechadas comprometerão as competições entre países?
3.
As ligas fechadas constituirão uma ameaça para a ligação entre o desporto e a
nacionalidade?
4.
Se as ligas privadas forem por diante (competições fechadas), quais serão as
relações entre essas ligas e as actuais federações?
5.
Se a Europa evoluir no sentido desse modelo, deverão ser impostas condições a
essas ligas?
6.
A participação em ligas fechadas processa-se por convite, deixando de obedecer ao
princípio da qualificação. Será necessário que exista um sistema de qualificação e
de promoção e despromoção? É importante manter a ligação com a estrutura
nacional em pirâmide?
7.
Será vantajoso para a Europa evoluir no sentido do modelo de desporto dos EUA?
8.
As competições fechadas colocam problemas práticos. Pensa que vai haver
problemas quando for necessário dispor de jogadores para participarem em
competições nacionais? Haverá problemas no estabelecimento do calendário? Será
necessário que haja coordenação e como deverá ser colocada em prática?
Solidariedade
1.
Será necessária a solidariedade entre os grandes clubes e as pequenas organizações
desportivas das bases?
2.
Acha que a solidariedade entre os grandes organizações do desporto profissional e
as pequenas organizações desportivas das bases vai ser destruída pelas competições
fechadas?
3.
Será necessário o sistema de solidariedade ? Que modalidades desportivas deverão
receber contribuições e como é que esses fundos deverão ser repartidos?
4.
Se a solidariedade for abolida, tal terá efeitos positivos ou negativos? Deverão ser
disponibilizados fundos públicos para substituir as receitas geradas actualmente
pelas federações?
5.
Acha que o sistema de solidariedade da UEFA funciona bem do ponto de vista da
promoção da igualdade entre os diferentes clubes e as várias modalidades
desportivas?
12.-
4.4
4.5
Promoção do desporto
1.
Como é que este objectivo poderá ser atingido?
2.
Deverá haver uma separação entre os fundos públicos de promoção do desporto e as
receitas privadas geradas por actividades comerciais?
3.
Deverá haver um orçamento público de promoção do desporto? A distinção entre
desporto amador e profissional é necessária?
4.
Acha que as federações nacionais têm capacidade para promover o desporto?
5.
Acha que a promoção do desporto é compatível com um sistema de competições
fechadas?
O modelo europeu do desporto
1.
Será possível manter o modelo europeu do desporto, tal como existe actualmente?
2.
Dever-se-á manter o statu quo ou importa adaptar o sistema actual?
13.-
CAPÍTULO II
DESPORTO E TELEVISÃO
5
DESENVOLVIMENTO DO DESPORTO E DA TELEVISÃO NA EUROPA
A televisão e o desporto têm tido um desenvolvimento paralelo desde a década de 1950.
Ambas foram organizadas a nível nacional, com um canal de televisão pública e uma
federação por país. A nível europeu, o futebol está representado pela UEFA e a televisão
pela EBU (Eurovisão). O equivalente a nível político desde movimento europeu é a
criação de competições desportivas europeias. A UEFA foi fundada em 1954, e as
competições entre clubes europeus surgiram na sequência desse acontecimento. Foi o
jornal francês L’Équipe que sugeriu em 1955 a organização de um Campeonato
Europeu.
Nos EUA, a situação era completamente diferente. As estações de televisão privadas e
as federações desportivas profissionais estavam interessadas em obter mais lucros. As
cadeias de televisão concorrem entre si para transmitir as manifestações desportivas
mais interessantes e espectaculares. Os anunciantes, por sua vez, pretendem captar
grandes audiências, como as que são geralmente atraídas pelas manifestações
desportivas. A interdependência estreita entre o desporto, a televisão e os anunciantes
que existe nos EUA esteve na origem de uma abordagem do desporto completamente
diferente da da Europa.
A televisão privada chegou em meados da década de 1980 à maior parte dos países da
Europa Ocidental, pondo termo ao monopólio da televisão publica. A partir dessa data,
a concorrência entre cadeias de televisão fez disparar os preços dos direitos de
transmissão das grandes manifestações desportivas, tais como o Campeonato do Mundo
de Futebol.
Uma outra causa da intensificação da concorrência foram os progressos da tecnologia
audiovisual. A transição da televisão analógica para a televisão digital esteve na origem
do aparecimento de muitos novos organismos de radiodifusão televisiva na Europa. Este
novo quadro audiovisual, e nomeadamente a introdução da televisão pay-per-view,
intensificou a concorrência entre os organismos de radiodifusão televisiva no domínio
da transmissão das grandes manifestações desportivas, que constituíram sempre um
processo eficaz de atrair novos telespectadores ou novos assinantes dos canais pay-perview.
Com vista a dar resposta às necessidades do desporto televisivo, algumas federações
desportivas alteraram os regulamentos ou introduziram novas regras, o que leva a crer
que existe já uma estreita interdependência comercial entre o desporto e a televisão. Por
exemplo, a Federação Internacional de Basquetebol, a FIBA, introduziu a paragem de
tempo nos jogos transmitidos pela televisão e a Federação Internacional de Ténis o tiebreak, que impede que as partidas de ténis se prolonguem indefinidamente. A
Federação Internacional de Voleibol alterou recentemente o regulamento, de modo a
permitir a marcação de um ponto em todas as mudanças, em vez de só poder marcar
pontos a equipa que está na posse do serviço, como acontecia até aqui.
14.-
6
DIREITOS DE TRANSMISSÃO TELEVISIVA
Os direitos de transmissão são hoje a principal fonte de receitas da maioria das
modalidades desportivas. No caso do futebol, por exemplo, geram receitas superiores às
de bilheteira, pelo que a maioria dos clubes estão mais interessados em vender os
direitos de transmissão pela melhor oferta do que em vender todos os bilhetes.
900.000.000
800.000.000
700.000.000
600.000.000
ECU
500.000.000
400.000.000
300.000.000
200.000.000
100.000.000
0
1990
1998
2002
Campeonato do Mundo de Futebol - Direitos de transmissão 1990-2002
Por outro lado, a transmissão das grandes manifestações desportivas, principalmente de
jogos de futebol, representou sempre para as cadeias de televisão uma forma de
conquistar audiências. Foi este facto, juntamente com a concorrência feroz que
caracteriza o sector audiovisual, que esteve na origem da explosão dos preços dos
direitos de transmissão.
6.1
Propriedade dos direitos de transmissão
Um aspecto fundamental relaciona-se com a propriedades dos direitos de transmissão
das manifestações desportivas. Esta questão foi tratada na legislação nacional. Os
processos judiciais relativos aos direitos de transmissão de jogos de futebol instaurados
em vários tribunais nacionais fornecem-nos já algumas indicações. Num processo
recente, o Bundesgerichtshof alemão decidiu que os direitos de transmissão em
15.-
princípio pertencem aos clubes, que são considerados como os proprietários naturais
desses direitos. Não foi dada resposta à questão de saber se as federações detêm também
direitos de propriedade nesse domínio, em circunstâncias diferentes11.
Após esta decisão, o Bundestag inseriu uma cláusula na legislação alemã sobre cartéis
estipulando que a Federação Alemã de Futebol pode vender os direitos de transmissão
das futuras ligas fechadas12. A Federação Alemã de Futebol e os representantes dos
clubes acordaram em que os clubes poderiam vender os direitos de transmissão dos
jogos disputados em casa da Taça UEFA, da Taça dos Vencedores das Taças e da Taça
Intertoto.
6.2
Venda colectiva
Segundo o TJCE, o desporto está “sujeito ao direito comunitário apenas na medida em
que constitui uma actividade económica na acepção do artigo 2º do Tratado”13. No
entanto, o desporto difere das outras actividades económicas: geralmente um agente
económico concorre no mercado para conquistar um maior segmento de mercado , e as
perdas sofridas por um agente económico devido à instabilidade financeira, por
exemplo, traduzem-se em ganhos para os seus concorrentes. No desporto, porém, os
clubes que competem entre si precisam dos seus concorrentes para que o campeonato
seja interessante e emocionante, pelo que se torna necessário manter o equilíbrio
desportivo entre concorrentes. Um campeonato em que participa um grande clube que
atrai todos os recursos financeiros e que domina portanto a competição é menos
interessante do que um campeonato disputado por competidores em situação de maior
igualdade e solidez financeira. A diferença entre a competição desportiva e a relação de
concorrência entre empresas que competem noutros mercados foi já identificada pelo
advogado-geral Lenz, no processo Bosman14.
Dado que a venda dos direitos de transmissão televisiva constitui uma fonte de receitas
importante, os clubes mais pequenos e menos conhecidos poderão ter dificuldades
financeiras, ao passo que os grandes clubes europeus exigirão ainda mais dinheiro do
que é hoje o caso. O advogado-geral Lenz reconhece assim a necessidade de adoptar
regras que assegurem uma certa igualdade entre os clubes, para evitar que o fosso entre
grandes e pequenos clubes se alargue ainda mais. Coloca-se assim a questão de saber se
a venda colectiva dos direitos de transmissão poderá constituir um instrumento de
preservação desse equilíbrio.
A venda colectiva dos direitos de transmissão pode constituir uma prática concertada
susceptível de restringir a concorrência, e portanto contrário ao disposto no nº 1 do
artigo 85º do Tratado CE, se afectar o comércio entre os Estados-Membros. Neste caso,
a Comissão deverá examinar se essas práticas concertadas satisfazem os critérios de
derrogação.
11
Decisão do Bundesgerichtshof alemão, 11 de Dezembro de 1997, no processo Deutscher Fussball-Bund,
UFA Film e ISPR/Bundeskartellamt.
12
Franfurter Allgemeine Zeitung, 8 de Maio de 1998.
13
Processo C-36/74 Walraeve/UCI, Col. 1974, pp. I-1405.
14
Processo C-415/93; nº 227 do parecer do advogado-geral.
16.-
6.3
Exclusividade
Os organismos de radiodifusão televisiva que dependem financeiramente das receitas
publicitárias tentam conquistar o maior número possível de telespectadores, para gerar
receitas. O desporto, e principalmente o futebol, é assim um dos seus grandes alvos. A
exclusividade dos direitos de transmissão permite aos organismos de radiodifusão
televisiva oferecer programas que não estão disponíveis noutros canais, conquistando
assim audiências, aumentando substancialmente as receitas e diferenciando-se dos seus
concorrentes. Por outro lado, a exclusividade dos direitos de transmissão garante aos
organizadores a rentabilidade máxima a curto prazo de uma manifestação.
A Comissão entende que a exclusividade dos direitos de transmissão não é em si mesma
anti-concorrencial, porém a duração e o âmbito dessa exclusividade podem infringir as
disposições do tratado em matéria de concorrência. O carácter anti-concorrencial da
exclusividade dos direitos de transmissão depende das circunstâncias específicas de
cada caso. No acórdão CODITEL II,15 o TJCE decidiu que as licenças exclusivas de
direitos de autor em si mesmas não infringem o nº 1 do artigo 85º. Nas suas conclusões,
o Tribunal declarava que o exercício desses direitos pode infringir o nº 1 do artigo 85º
quando existe uma situação específica “na esfera económica ou jurídica cujo objectivo
ou efeito é impedir ou restringir a distribuição […] ou distorcer a concorrência no […]
mercado […]”. O Tribunal observava que as características específicas deste mercado
deveriam ser tidas em conta.
Poderiam estabelecer-se paralelos com os direitos exclusivos de transmissão de
manifestações desportivas; no entanto, é necessário ter em conta as características
específicas da relação entre o desporto e a televisão.
6.4
Aquisição de clubes de futebol
Nestes últimos anos, os grandes grupos de comunicação social têm vindo a adquirir um
número crescente de clubes de futebol. O grupo francês Canal Plus, por exemplo,
controla o Paris Saint-Germain e o Servette Genève. Coloca-se assim a questão de saber
se essa posição monopolista (propriedade dos direitos de transmissão e exploração
desses direitos na própria cadeia de televisão) é compatível com a política da
concorrência da UE. Relativamente ao projecto de aquisição do Manchester United pela
BskyB de Rupert Murdoch, o comissário Van Miert, responsável pela concorrência,
afirmou em resposta a uma pergunta parlamentar que esta aquisição não era abrangida
pelo critério do limite do volume de negócios estabelecido na legislação comunitária e
que, portanto, a legislação aplicável era a nacional16.
A Comissão sublinhava, no entanto, que se manteria atenta a todos os casos de
interpenetração entre o desporto e a indústria audiovisual e que asseguraria que essas
aquisições cumprissem as regras comunitárias, se fosse caso disso17.
15
Processo C-262/81.
16
Resposta do comissário Van Miert, em nome da Comissão, a uma pergunta parlamentar, ainda não
publicada no JO.
17
Resposta da Comissão a uma pergunta parlamentar, ainda não publicada no JO.
17.-
7
O DIREITO À INFORMAÇÃO
Enquanto se manteve o monopólio estatal, os telespectadores interessados em visionar
manifestações desportivas populares podiam geralmente fazê-lo sem dificuldade. Hoje
em dia, porém, o telespectador pode ser obrigado a comprar um descodificador, a
tornar-se assinante da televisão por cabo ou a efectuar pagamentos suplementares (payper-view). Contudo, alguns desportos são considerados de importância nacional ou
património da nação, pelo que deverá ser garantido o acesso gratuito e alargado a essas
manifestações desportivas, através da televisão de acesso não condicionado. Este direito
fundamental à informação esteve na origem da alteração da Directiva “Televisão sem
fronteiras”18 e da inserção do novo artigo 3ºA, estipulando que cada Estado-membro
poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os
organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter
de exclusividade acontecimentos que esse Estado-Membro considere de grande
importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do
Estado-membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos. O EstadoMembro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que
considere de grande importância para a sociedade. Os Estados-membros assegurarão
que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os
direitos de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado-Membro
seja impedida de seguir os acontecimentos que constam da lista estabelecida por esse
Estado-Membro.
8
PAPEL FUTURO DA TELEVISÃO PÚBLICA NA EUROPA
O Tribunal de Primeira Instância declarou no acórdão proferido no processo
Telecinco/Comissão Europeia19 que a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe
incumbem por força do Tratado CE, ao abster-se de adoptar uma decisão na sequência
de duas denúncias relativas a auxílios estatais concedidos à televisão pública espanhola.
A Comissão pretende que os canais de televisão pública introduzam uma contabilidade
separada entre os programas que asseguram a oferta pública básica, tal como é definida
na legislação, e outros programas como os desportivos ou de entretenimento, que
deverão ser financiados pela publicidade e pelos patrocínios.
Os auxílios estatais só serão autorizados para o cumprimento da missão de informação
pública do organismo público de radiodifusão televisiva; no que se refere a todos os
outros programas, o financiamento público estará sujeito às disposições do Tratado. Esta
disposição poderá pressupor que os organismos públicos de radiodifusão televisiva
deverão procurar outras formas de financiamento da compra dos direitos de transmissão
de manifestações desportivas.
Em seguida, será necessário analisar se esta evolução é prejudicial para o desporto em si
mesmo, na medida em que o público em geral poderá ser obrigado a pagar mais (por
descodificadores ou canais pay-per-view) para visionar as manifestações desportivas.
18
Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de Junho de 1997 que altera a Directiva
89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e
administrativas dos Estados-membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva.
(JO L 202/60 de 30.7.1997).
19
Processo T-95/96.
18.-
Por outro lado, algumas estações de televisão de menores recursos poderão ter de optar
pela transmissão de desportos menos populares, promovendo assim desportos
“minoritários” que até à data têm merecido menos atenção pública. Um bom exemplo é
o caso do snooker, um desporto minoritário que é hoje um dos principais desportos
televisivos no Reino Unido.
9
PERGUNTAS
9.1
Venda colectiva e duração da exclusividade
1. A venda colectiva é um instrumento apropriado de preservação da igualdade
financeira no desporto europeu?
2. Em caso de venda colectiva, como é que as receitas devem ser afectadas a nível
europeu?
3. Caso existam ligas comerciais, como é que podem colaborar com as organizações
desportivas de base?
4. A venda colectiva deve ser autorizada apenas para garantir a igualdade desportiva
(como acontece nos EUA, onde as ligas comerciais afirmam que necessitam da venda
colectiva dos direitos de transmissão para poderem trabalhar convenientemente), ou
deverá ser associada a um fundo de solidariedade, como sugerido pelo advogadogeral Lenz?
5. Quais são, em sua opinião, os critérios de determinação da duração da exclusividade?
6. Caso as federações mantenham as suas funções monopolistas, será necessário
organizar a venda dos direitos de transmissão através da abertura de concursos?
9.2
Interpenetração entre o desporto e a indústria audiovisual
1. Acha que a compra de clubes desportivos por grupos do sector audiovisual poderá
ter uma influência negativa no desenvolvimento do desporto?
2. Essa interpenetração poderá interferir no curso normal das competições desportivas
na Europa?
3. Como é que a ética do desporto poderá ser salvaguardada nesses casos?
9.3
O direito à informação
1. Acha que a televisão pay-per-view representa uma ameaça para o desporto?
2. Como é que será possível atingir o equilíbrio entre o interesse das organizações
desportivas, que procuram gerar receitas através da venda dos direitos de
transmissão, e a necessidade de tornar o desporto acessível ao público em geral
através da televisão pública?
9.4
Papel da televisão pública
1. Que papel deverá desempenhar a televisão pública na promoção do desporto?
19.-
2. A televisão pública deverá transmitir desportos “minoritários” no âmbito da sua
missão de oferta pública?
3. Será justo que a televisão pública, financiada por fundos públicos, concorra com a
televisão privada na compra dos direitos de transmissão de manifestações
desportivas?
20.-
CAPÍTULO III
DESPORTO E POLÍTICA SOCIAL
O desporto tem funções sociais importantes, identificadas pela Comissão no seu documento de
trabalho sobre o desporto20. O papel do desporto na nossa sociedade, nos sectores da educação,
da saúde e do emprego, será descrito em grandes linhas nos pontos que se seguem.
10
O DESPORTO E A EDUCAÇÃO
O desporto pode ter uma função educativa, na medida em que permite dar uma
perspectiva realista de alguns valores da vida, tais como a competitividade. No mundo
de hoje, as crianças têm de compreender que a vida nem sempre é fácil e que é
necessário lutar pelas nossas ideias e objectivos, para que seja possível realizá-los. Por
outro lado, o carácter competitivo do desporto não pode ser exagerado; o respeito pelas
outras pessoas é também importante. É este o significado do conceito de fair play. O
desporto combina de forma única estas duas características, assumindo assim uma
importância muito especial na educação dos adolescentes.
Um outro valor que pode ser assimilado através da prática do desporto é a perseverança.
O desporto permite-nos conhecer os nossos próprios limites e capacidades, a nossa força
e as nossas fraquezas. A recusa da derrota e a determinação de ganhar são
comportamentos que podem ser transferidos para a vida real.
O desporto amador e profissional é uma grande indústria do espectáculo, mas os atletas
passam também muito tempo a treinar. Por isso mesmo, o desporto protege os seus
praticantes de muitos dos perigos da sociedade moderna, tais como o álcool, o tabaco e
a droga em geral.
11
O DESPORTO COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL, DE COMBATE AO
RACISMO E DE PROMOÇÃO DA TOLERÂNCIA
Se por um lado o desporto promove ideais positivos, por outro lado tem também
aspectos negativos, a nível individual (lesões, doping) e colectivo (intolerância,
violência). Foram lançadas algumas iniciativas europeias destinadas a combater o
racismo, a discriminação e a violência. Estas iniciativas, descritas no documento “Sport
Society”21, distinguem-se pelos grupos-alvo a que se dirigem (tais como imigrantes,
minorias nacionais, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiência e grupos
desfavorecidos) e pelos países onde são executadas. É interessante observar a
importância atribuída ao desporto como instrumento de promoção de uma maior
participação de grupos como os imigrantes, por exemplo, na vida da sociedade. Estas
iniciativas destinam-se a promover a construção de uma sociedade mais tolerante e mais
aberta.
20
Desenvolvimento e perspectivas da acção comunitária no domínio do desporto, Bruxelas, 29 de Setembro
de 1998.
21
SportSOCIETY, estudo efectuado pela Clearing House no âmbito do programa EURATHLON.
21.-
Um outro aspecto social do desporto é a sua importante função de integração. Por
exemplo, as pessoas com deficiência têm muitas vezes mais facilidade em se integrar na
comunidade através da participação numa equipa ou num campeonato.
12
O DESPORTO E O AMBIENTE
Os problemas relacionados com o ambiente geralmente chamam mais a atenção devido
ao seu impacto na vida quotidiana.
O movimento olímpico, que congrega organizações, atletas e indivíduos sob a égide da
Carta Olímpica, desempenha um papel muito importante nos domínios do desporto e do
ambiente. Tem dois grandes objectivos: assegurar que os Jogos Olímpicos se realizem
num espírito de respeito pelo ambiente e pôr em prática um programa de sensibilização
a nível global destinado a promover o respeito pelo ambiente.
Mas em que medida o desporto pode pôr em perigo o ambiente? Alguns desportos, por
exemplo, o futebol, exigem instalações importantes e infra-estruturas específicas.
Outros, como o esqui, são praticados na natureza. O desporto e as instalações
desportivas podem ter um impacto multifacetado na natureza, do ponto de vista da
conservação da diversidade biológica, da protecção dos ecossistemas, da gestão dos
recursos e dos resíduos, da saúde, da segurança e da preservação do património cultural.
13
O DESPORTO E A SAÚDE PÚBLICA
O aforismo latino Mens sana in corpore sano – uma mente saudável num corpo
saudável - é hoje mais verdadeiro do que nunca. Na sociedade da informação, em que
as pessoas passam grande parte do seu dia de trabalho e do seu tempo livre diante do
computador, a actividade física é cada vez mais importante para manter a forma.
A relação entre a prática do desporto e os efeitos benéficos da mesma para a saúde já
não é posta em causa, pois foram efectuados muitos estudos que demonstram que a
prática do desporto melhora a forma física. Uma outra conclusão desses estudos foi que
a inactividade, que é um factor de risco de muitas doenças, constitui um dos principais
problemas de saúde das sociedades ocidentais.
Colocam-se assim duas questões: que forma de exercício físico é mais benéfica para
mais pessoas e qual é a melhor política de promoção da prática desse desporto.
Um outro aspecto importante é o das lesões provocadas pela prática do desporto.
Reconheceu-se já que era necessário adoptar uma abordagem preventiva para minorar
essas lesões. O Conselho da Europa iniciou, no âmbito do plano de acção da OMS
“saúde para todos”, uma investigação destinada a analisar este problema e a elaborar
uma estratégia preventiva. Os principais factores de risco podem ser divididos em duas
categorias: riscos internos, ou seja, riscos ligados à pessoa que pratica o desporto, e
riscos externos, ou seja, riscos ligados à pessoa, mas também a outras circunstâncias. As
medidas preventivas podem assumir várias formas, tais como exercícios de
aquecimento, aplicação estrita das regras pelos árbitros e sanções mais pesadas.
Se bem que o risco de lesões seja inerente à actividade física, os efeitos benéficos do
desporto compensam esse risco.
22.-
14
O DESPORTO E O DOPING
A importância das receitas é cada vez maior tanto no mundo do desporto amador como
no do desporto profissional, pelo que muitos atletas de alta competição se esforçam até
ao limite da sua capacidade física, para obter melhores resultados do que os seus
competidores. Neste clima muito competitivo, o recurso crescente a substâncias ilícitas
para melhorar os resultados é hoje um problema grave no mundo do desporto. Um
aspecto importante deste problema relaciona-se com o facto de ser muito difícil detectar
estas substâncias no organismo. Embora se tenha evidenciado recentemente (Volta à
França de 1998), o problema existe há muitos anos.
Os Jogos Olímpicos confrontam-se há muito com este problema. Os primeiros
campeões nem sequer escondiam as suas poções mágicas, e foi a morte de um atleta em
Roma, em 1960, que alertou as autoridades para os perigos do doping. Contudo, o
problema assumiu proporções de maior gravidade em 1998, quando uma verificação de
rotina permitiu detectar especialidades farmacêuticas proibidas na equipa Festina. E o
problema era ainda agravado pelo facto de estarem em jogo grandes somas de dinheiro
(mil milhões de dólares).
A situação nos vários Estados-Membros é muito diferente. Nalguns Estados-Membros,
por exemplo, em Espanha e na Grécia, o Governo promulgou uma legislação antidoping conforme com os regulamentos do COI ou das federações nacionais. Noutros
Estados-Membros, por exemplo, na Alemanha e na Itália, as entidades reguladoras são
as federações nacionais. A legislação francesa prevê sanções penais para a utilização
ilícita de medicamentos. Tal como acontece em todos os casos, as diferenças entre as
legislações nacionais dos Estados-Membros podem constituir um entrave à livre
circulação de serviços. No caso específico do desporto, um atleta pode ser autorizado a
utilizar num Estado-Membro um medicamento que consta da lista de substâncias
proibidas de outro Estado-Membro.
A Comunidade não tem competência para aplicar uma política de combate ao doping.
Porém a Comissão está sensibilizada para a importância deste problema e está disposta a
intervir, no âmbito de várias políticas e no contexto da cooperação nos domínios da
justiça e dos assuntos internos.
Algumas directivas comunitárias relativas a problemas de saúde aplicam-se também ao
desporto, na medida em que proíbem a utilização de medicamentos para outros fins
além daqueles para que foram autorizados (diagnóstico ou tratamento de estados
patológicos reconhecidos), assim como a utilização desses medicamentos em formas ou
doses não autorizadas22. Além disso, a legislação comunitária proíbe a venda dessas
substâncias sem receita23 e a publicidade a esses produtos24. Esta actividade recente da
União Europeia foi reforçada por uma Resolução do Conselho, de 3 de Dezembro de
1990, relativa a uma acção comunitária de luta contra o doping, incluindo o abuso de
medicamentos, nas actividades desportivas25. Sublinha-se nessa resolução que a
22
Directiva 65/65/CEE, com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 89/341/CEE.
23
Directiva 75/319/CEE, com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 89/341/CEE.
24
Directiva 84/450/CEE.
23.-
cooperação entre os Estados-membros da Comunidade e o Conselho da Europa tem
lugar num espírito de complementaridade.
Os desportistas são abrangidos pelas disposições da directiva relativa à aplicação de
medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no
trabalho26, cujo artigo 6º prevê que a entidade patronal tomará as medidas necessárias à
defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores, incluindo as actividades de prevenção
dos riscos profissionais. A utilização de medicamentos, que têm muitas vezes efeitos
secundários graves, constitui um risco que a entidade patronal deve evitar.
15
O DESPORTO E O EMPREGO
O desporto é hoje uma fonte de emprego da maior importância, tendo sido já
identificado como tal pela Comissão no seu Livro Branco "Crescimento,
Competitividade e Emprego". A Comissão sugere que “os Estados-Membros devem
abordar a questão dos obstáculos à maximização do potencial de criação de postos de
trabalho… dos sectores com potencialidades nesse domínio, através de um conjunto de
medidas destinadas a antecipar e a acelerar o seu desenvolvimento”. Essas medidas
poderiam incluir as seguintes: “promover o desenvolvimento de novas oportunidades de
emprego através do recurso a parcerias público-privadas a todos os níveis, e
nomeadamente em áreas de crescimento potencial tais como… o desporto….”27.
Inicialmente, o desporto era organizado sobretudo por amadores, que trabalhavam em
regime de voluntariado. Hoje em dia, porém, há muita gente que quer praticar desporto
numa base profissional, como modo de vida. Esta tendência para o desenvolvimento do
desporto profissional, associada ao facto de a maioria da população dispor de mais
tempo livre e estar interessada em praticar desporto, esteve na origem da criação e do
crescimento do emprego no sector do desporto.
Mas esta evolução tem também um lado negativo. O risco de lesões e de os jovens não
beneficiarem de uma formação escolar adequada são problemas que se colocam
principalmente em relação aos adolescentes que se dedicam à prática intensiva do
desporto. A maioria desses adolescentes começam a treinar muito jovens, para poderem
vir a ser atletas profissionais. Porém, a sua carreira termina geralmente aos 30 anos, por
duas razões: em primeiro lugar, porque a maioria dos profissionais se esforçaram nos
últimos anos até ao limite máximo da sua capacidade física e, em segundo lugar, porque
são substituídos pela nova geração de profissionais. Por outro lado, coloca-se também o
problema da protecção dos menores. As crianças são empurradas muitas vezes para uma
carreira profissional pelos pais ou pelos treinadores, por diferentes razões, mas nem
sempre são suficientemente bem sucedidas no desporto profissional para poderem optar
por esse modo de vida.
O Conselho adoptou em 1994 uma directiva relativa à protecção dos jovens no
25
Resolução do Conselho e dos representantes dos governos dos Estados-Membros, reunidos em Conselho,
de 3 de Dezembro de 1990, relativa a uma acção comunitária de luta contra o doping, incluindo o abuso
de medicamentos, nas actividades desportivas, JO C 329.
26
Directiva 89/391/CEE.
27
Livro Branco "Crescimento, competitividade e emprego - os desafios e as pistas para entrar no século
XXI", COM(93) 700 final, Bruxelas, 5 de Dezembro de 1993.
24.-
trabalho28 que se aplica a todos os menores de 18 anos que tenham um contrato de
trabalho. A directiva exige que os Estados-Membros tomem todas as medidas
necessárias para proibir o trabalho infantil. Contudo, os Estados-Membros podem, por
via legislativa ou regulamentar, prever que a directiva se não aplique a certos sectores,
tais como as actividades de natureza cultural.
16
PERGUNTAS
16.1
Educação
1. Acha que a rede europeia de universidades e escolas de desporto deve ser reforçada?
2. Há problemas no domínio do reconhecimento mútuo das qualificações?
3. Acha que o desporto está bem integrado no sistema de ensino?
16.2
Integração social
1. Que forma de acção a nível europeu permitirá combater mais eficazmente o racismo
e a intolerância?
2. Como é que a acção comunitária poderá contribuir mais eficazmente para a
integração dos grupos desfavorecidos?
3. Como é que o desporto poderá contribuir para promover a igualdade entre homens e
mulheres?
4. Qual é o significado da discriminação positiva no contexto das competições
desportivas?
5. Como é que a acção comunitária poderá contribuir mais eficazmente para a
integração das pessoas com deficiência?
16.3
Ambiente
1. Em que domínio deverá incidir a acção comunitária? Melhor informação, subvenção
de projectos-piloto ou apoio à investigação no domínio do impacto das instalações
desportivas no ambiente?
16.4
Saúde pública
2. Qual é a função do “desporto para todos “ do ponto de vista da promoção da saúde
pública?
3. Dispõe de meios que lhe permitam determinar se o impacto negativo do desporto do
ponto de vista da saúde (lesões, etc.) é compensado pelos seus efeitos positivos?
4. As federações têm capacidade para promover o conceito do “desporto para todos”?
28
Directiva 94/33/CE do Conselho de 22 de Junho de 1994, JO L 216.
25.-
16.5
Doping
1. A inexistência de uma lista comum de medicamentos proibidos constitui um entrave
à prática do desporto?
2. Acha que uma legislação demasiado restritiva poderá ameaçar a atribuição/afectação
de manifestações desportivas à Europa?
3. Acha que é desejável reforçar a aproximação das legislações nacionais?
4. Qual é, em sua opinião, o grau de responsabilidade das diferentes pessoas
implicadas no doping, tais como os atletas, os médicos e os executivos?
5. Nalgumas grandes ligas dos EUA, os atletas são autorizados a tomar medicamentos.
Acha que a Europa deve adoptar esse modelo?
6. Em que domínio deverá centrar-se a possível acção comunitária? No ensino, na
investigação, numa campanha de sensibilização, na cooperação no domínio da justiça
e dos assuntos internos ou na informação prestada na literatura que acompanha o
medicamento?
16.6
Emprego
1. Deveria haver mais facilidades de treino para as pessoas que se querem dedicar ao
desporto profissional?
2. Deveria haver um diálogo entre as entidades patronais e os trabalhadores no domínio
do desporto?
3. Deveria haver um quadro legal (contratual ou normativo) de regulamentação do
horário de trabalho e da remuneração dos atletas profissionais e quais são as suas
sugestões para a criação desse quadro?
4. Deveria haver sistemas de formação adaptados à estrutura das carreiras desportivas?
26.-