o comboio da madrugada

Transcrição

o comboio da madrugada
O COMBOIO DA
MADRUGADA
DE
TENNESSEE WILLIAMS
ENCENAÇÃO
CARLOS AVILEZ
O COMBOIO DA MADRUGADA
10 mai – 17 jun’12
SALA GARRETT
4.ª a sáb. 21h | dom. 16h
FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA
de Tennessee Williams
tradução António Barahona
dramaturgia Miguel Graça
encenação Carlos Avilez
cenografia e figurinos Fernando Alvarez
lutas e movimento Georges Stobbaerts
com Eunice Muñoz, Lia Gama, Carlos Reiriz, Henrique Carvalho, Lídia Muñoz, Pedro
Caeiro, Renato Pino, Ricardo Alas, Rita Cabaço, Sérgio Silva
fotografia Gonçalo Fabião
direção de montagem Manuel Amorim
montagem Augusto Loureiro, Rui Casares, Rui Martins
assistência de ensaios Jorge Saraiva
ponto Diogo Tavares
mestre de guarda-roupa Teresa Louro
costureiras Maria José Baptista, Natália Ferreira, Palmira Abranches
Eunice Muñoz maquilhada por Joana Isfer; Eunice Muñoz e Lia Gama penteadas
por Gena Ramos
produção Teatro Experimental de Cascais
M/12
O Comboio da Madrugada estreou a 17 fev’11, no Teatro Municipal Mirita Casimiro
2
DISTRIBUIÇÃO DE PERSONAGENS
[por ordem de entrada em cena]
Renato Pino - Um
Carlos Reiriz - Dois
Ricardo Alas - Três
Eunice Muñoz - Flora Goforth
Lídia Muñoz - Frances Black
Pedro Caeiro - Christopher Flanders
Sérgio Silva - Rudy
Henrique Carvalho - Giuglio
Rita Cabaço - Simonetta
Lia Gama - Bruxa De Capri
3
O Espetáculo
Doente, sozinha, numa fase em que nada mais importa a não ser a derradeira
vontade de ser desejada, a excêntrica e cruel Flora Goforth dita as suas memórias,
recordando os maridos, os amantes e o único amor da sua vida. É nessa altura que
recebe a inesperada visita do jovem poeta Chris Flanders, apelidado de “Anjo da
Morte”, que a tentará convencer a entregar-se ao suicídio.
Sob o título original The Milk Train Doesn’t Stop Here Anymore, O Comboio da
Madrugada estreou em 1963 nos Estados Unidos.
Este espetáculo é protagonizado por Eunice Muñoz que comemora 70 anos de
carreira.
4
Doze anos depois
texto de Carlos Avilez
É com grande orgulho que regresso a esta casa mítica à qual continuo ligado
emocionalmente e onde me estreei em 1956 como actor, sob direcção de Amélia
Rey-Colaço. Foram doze anos de ausência deste palco, e por isso um
agradecimento especial ao meu colega João Mota pelo convite para apresentar
aqui novamente um espectáculo, e os sinceros votos de que o seu trabalho
enquanto Director Artístico do Teatro Nacional D. Maria II seja recheado de
qualidade e sucessos.
Esta apresentação d' O Comboio da Madrugada marca também o regresso de
Eunice Muñoz a uma casa que é dela e de onde nunca devia ter saído. É uma
grande Senhora do Teatro com quem tive a experiência inesquecível e
maravilhosa de trabalhar ao longo de muitos anos. Obrigado, Eunice.
Saúdo também o meu feliz reeencontro com outra grande actriz: Lia Gama, que
esta nova apresentação permitiu. Foi com um enorme entusiasmo que voltei a
trabalhar com ela.
Numa altura em que o teatro português vive momentos de grande dificuldade, é a
paixão das pessoas que faz com esta arte continue a existir. Todos os jovens que
me acompanharam nesta aventura fascinante são uma esperança para o futuro do
teatro. Desejo-lhes a eles, a toda a minha equipa e aos técnicos e colaboradores do
TNDMII que comigo trabalharam no passado as maiores felicidades.
Tennessee Williams é um autor que muito admiro e estimo. Escreveu peças
tremendas e personagens femininas marcantes. Há muito tempo que queria fazer
O Comboio da Madrugada com Eunice Muñoz porque acreditava que o papel de
Flora Goforth era perfeito para ela. A sua interpretação é um acontecimento ao
mais alto nível. O sucesso dos três meses e meio de apresentações no Teatro Mirita
Casimiro e um mês no Teatro Rivoli, prova isso mesmo. Acredito que o sucesso se
repetirá agora na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II.
* Este texto não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico
5
Quando a magia se
transforma em grotesco
texto de Miguel Graça
O Comboio da Madrugada [The Milk Train Doesn’t Stop Here Anymore] foi quase
sempre um estrondoso fracasso. Se é certo que não há razões objectivas que
expliquem o insucesso de uma peça que continua a ser amiúde revisitada, também
não é difícil encontrar argumentos que justificam a fragilidade do texto, que é
objectivamente um tour de force megalómano, excessivamente longo e centrado
numa Flora Goforth que pretende ser uma figura alegórica da humanidade mas
que se revela um monstro grotesco e cruel que devora tudo e todos sem deixar
espaço para que as outras personagens respirem.
O próprio Tennessee Williams nunca se mostrou satisfeito com a peça. Baseada
num conto de sua autoria – Homem Trazer Isto Estrada Acima, de 1953 – escreveu-a em 1961, durante um período negro da sua vida, em que o sucesso o levou à
depressão e à dependência do álcool e de drogas. Reescreveu-a duas vezes em
1963, como resposta à morte de Frank Merlo, um dos grandes amores de Williams,
depois de o acompanhar durante meses na derrota contra um cancro no pulmão.
Mais tarde voltou a fazer uma nova versão para a adaptação cinematográfica de
1968 de Joseph Losey, que intitulou Boom!, e que apesar de contar com a dupla
Taylor/ Burton e a participação de Noel Coward como Bruxa de Capri, tal como
tinha sucedido com as duas estreias na Broadway, voltou a revelar-se um
insucesso, quer para o público quer para a crítica. A sua insatisfação com o texto
era tal que até 1972 continuou a tentar aperfeiçoá-lo.
É uma peça distante das que valeram a Tennessee Williams o epíteto de maior
dramaturgo americano. A acção começa de forma bizarra se tivermos em conta
quem é o autor. Impressionado com o teatro Kabuki, Williams decide iniciá-la com
os Assistentes de Cena, que não só nos remetem para um efeito de distanciamento,
como também nos dizem de forma muito clara que vamos assistir aos últimos dois
dias de vida da senhora Goforth. Ou seja, no que toca ao enredo, está tudo dito; a
protagonista há-de morrer e a nós resta-nos descobrir de que forma, uma espécie
de colagem entre o passado recente de Williams e a ficção dramática, uma vez
6
que a senhora Goforth é, no fundo, uma reencarnação do sofrimento final de Frank
Merlo, o que faz da peça uma mistura de recusa da morte com uma apologia da
eutanásia. Estranho paradoxo, poder-se-á dizer, mas a derrota anunciada de Flora
pelos assistentes parece querer insinuar que a certa altura devemos desistir, e não
será coincidência que Christopher Flanders, o “Anjo da Morte”, seja em quase tudo
um duplo de Alex – o grande amor da senhora Goforth, o único homem com quem
esta caçadora de fortunas casou por amor – a mesma roupa, a mesma beleza e a
mesma personalidade poética – somente se diferenciam numa coisa, Alex suicida-se e Chris ajuda ao suicídio.
Estamos, portanto, ainda num claro registo do Simbolismo que Williams tanto
apreciava. Os exemplos são inúmeros e por vezes mais e outras vezes menos
decifráveis, começam logo no nome de Flora Goforth (em inglês, go forth significa
“ir embora”) e continuam com os mobiles de Chris, a vivenda cor-de-rosa, as
referências históricas e geográficas, e, principalmente, com a dicotomia claroescuro entre a beleza e o grotesco, que ganha especial relevância no antagonismo
entre o branco do leite que o jovem Chris ambiciona e o café negro que a velha
senhora Goforth lhe dá.
Tudo somado, temos uma obra alegórica de difícil análise onde a surpresa maior é
a própria Flora Goforth, que ao contrário do que seria de esperar não é uma
mulher frágil, inadaptada e sonhadora, mas sim uma milionária despótica e
libertina que se diverte a maltratar um leque de personagens com quem
dificilmente conseguimos criar empatia e que surgem como meros adereços que
lhe prestam um serviço ou atendem aos seus desejos. Blackie, responsável por
resgatar-lhe o passado ao transcrever as suas memórias, vai alternando a sua
relação com ela entre a preocupação e o desinteresse, a “amiga” Bruxa de Capri
fornece-lhe informações sobre o “Anjo da Morte” ao mesmo tempo que o tenta
resgatar para si, e quanto aos restantes, são meros auxiliares que pouco mais
fazem que manter ou guardar a montanha-torre-de-marfim onde ela se refugiou,
aproveitando sempre que possível qualquer oportunidade para compensar os
maus tratos a que estão sujeitos com o roubo de jóias ou outras riquezas. A
excepção neste jogo de senhor/ escravo é o ainda mais ambíguo Chris Flanders,
jovem poeta que tem por hábito visitar velhas senhoras à beira da morte, e de
quem nunca chegamos a perceber as reais intenções, se é efectivamente de um
altruísmo extremo, disposto a libertar-nos do sofrimento ao conceder-nos a morte,
ou se é um simples assassino que se aproveita do medo para garantir a sua
subsistência.
7
O confronto entre Christopher Flanders e a senhora Goforth acaba por isso por ser
o clímax de uma peça que desde o início nos avisa que não quer funcionar em
crescendo, e a luta entre os dois é resultado dessa negação, o que resulta num
complicado desequilíbrio entre duas personagens excessivas e contraditórias. O
apolíneo Chris não nos consegue convencer inteiramente da sua pureza ao furtar-se aos avanços sexuais da dionisíaca Flora, que é demasiado egocêntrica e cruel
para ser uma figura alegórica da humanidade. Se a Blanche DuBois do Eléctrico
prefere a magia à realidade, a senhora Goforth é o paradigma de tudo o que é
terreno, porque, tal como ela diz, «o comboio da madrugada – que traz o leite – já
não pára mais aqui», frase que acaba por ser o melhor exemplo da contradição em
que a peça se transforma: Flora quer recusar o pathos associado a Chris Flanders
mas momentos depois rende-se, talvez consciente que é preferível morrer nos
braços de um desconhecido – mesmo que seja um charlatão – do que sozinha.
É por tudo isto que mais de um ano e meio depois de termos iniciado os ensaios
damos por nós a continuar a olhar para O Comboio da Madrugada com uma certa
desconfiança, não em relação ao seu valor artístico, mas em relação à forma como
“lemos” o texto e definimos a orientação e as relações entre as personagens. Nesse
processo houve que cortar e reorganizar a peça, mutilando-a significativamente.
Foi um caminho hesitante de constantes avanços e retrocessos que teve um duplo
objectivo: reduzir a duração do espectáculo e clarificar os objectivos e intenções
de personagens demasiado dúbias e, por vezes, perdidas num lirismo grotesco.
* Este texto não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico
8
Diário de Tennessee Williams
Em junho de 1953, após a estreia de Camino Real, Tennessee Williams viajou pela
Europa, onde se manteve até ao início de novembro. Parte desse tempo passou-o
em Itália, na Divina Costiera que serve de cenário para O Comboio da Madrugada.
O excerto do diário que a seguir se apresenta relata, para além de muito da
própria personalidade de Williams, o início da escrita do conto Homem Trazer Isto
Estrada Acima.
Quarta-feira, 19 de Agosto de 1953
Quarta –
O velho monumento novamente revelado. Mas mantive-me firme.
Causas da derrota: primeiro, idade. A espontaneidade da juventude está perdida, o
que me valeu contra muitos obstáculos passados. A deterioração física e a fadiga
mental que me fazem ser completamente estúpido. Incapacidade de descansar, o
que me poderia restaurar as energias. Não consigo, não sei porquê. Não consigo
enfrentar um dia sem as curtas horas de fuga para um intenso trabalho,
independentemente de se tornar fútil. Vazio. Nada no meu mundo para além do
trabalho. Por exemplo, em Santa Monica (1943), estava a escrever sobre isso esta
manhã1, quando o trabalho não resultava, como acontecia por vezes, podia saltar
para a minha bicicleta e libertar a tensão com o exercício físico. O meu corpo
agora está na bancarrota. O cérebro também. Uma grande tempestade deixou-me
despido, nu, como uma daquelas palmeiras quebradas depois de um furacão as ter
atravessado. Debaixo destas condições, como é que uma pessoa continua?
Suponho que simplesmente continuando. Ou não. Depende do que nos acontece, e
não mais do que fazemos.
Do outro lado da rua, um ensaio de ópera com vozes e orquestra. Para mim, um
barulho sem sentido.
Mandei ontem a nova parte final de Battle of Angels para ser dactilografada e
acordei hoje de manhã a pensar quão clinicamente louco irá parecer quando voltar
a ler a peça.
Secador frio – junto ao peito. A Maria2 acabou de me telefonar para ir ter com ela
ao bar. É o que vou fazer. Rien d’autre. En avant.
1
O conto The Matress by the Tomato Patch, que foi incluido em Hard Candy: a Book of Stories (1954).
Maria Britneva (1921-1994), mais tarde Maria St. Just depois de casar com Peter Grenfell, Lord St.
Just. Enquanto aspirante a actriz conheceu Tennessee Williams em Londres, no final de Julho de 1948.
Rapidamente se tornaram grandes amigos.
2
9
(Tenho de admitir corajosamente que depois do Eléctrico não tenho sido capaz de
escrever mais nada, excepto um terrível apertar do cérebro e dos nervos.) (Agora
estou exausto.)
Domingo, 23 de Agosto de 1953
Domingo –
Aquela disposição passou-me outra vez. Eu e a Maria acabámos de chegar a
Nápoles. Conduzi o dia todo. Está uma noite de luar e temos quartos e varandas
sobre a baía de Excelsior. Couraçados americanos jazem junto à costa e a cidade
está repleta de marujos.
Amanhã tenho de trabalhar no argumento3 para o Visconti – nem paro na Battle –
que me pareceu um fiasco quando a recomecei a ler. Ainda a espero salvar. Pelo
menos até ao regresso da próxima fase negra.
Segunda-feira, 24 de Agosto de 1953
Segunda. Manhã.
A Maria quer ir à Sicília. Não me entusiasma semelhante tarefa, principalmente no
Verão. Além disso, provavelmente cortam-me a garganta. Perdi a minha letra de
crédito.
Estou aqui sentado à espera do café. Vou tentar qualquer coisa com a Battle e
depois suponho que tenho de voltar ao trabalho naquele temível argumento.
Ontem à noite uma aventura al fresco – o Felix das Termas!
Terça-feira, 25 de Agosto de 1953
Terça. Noite –
Um dia agradável, bastante agradável, o que não é costume. Trabalhei bem, quer
no argumento quer na Battle.
Nadei à tarde. Foi bom.
Ao jantar, eu e a Maria rimos que nem perdidos.
Depois disso encontrámos um pintor americano, um Peter qualquer coisa, e uma
bonita mulher de meia-idade de Houston, e fomos montanha acima atrás de um
cavalo que se peidava em cada meia dúzia de passos que dávamos. Não havia
mais nada a fazer a não ser rir, e por isso rimo-nos.
Mais tarde, sozinho, fui à praia e tive uma pequena aventura com um jovem
lunático. Não houve satisfação, apenas contacto. Ambos fugimos quando alguém se
3
Senso de Luchino Visconti (1954).
10
aproximou. É muito tarde, devem ser duas da manhã, mas dormi uma sesta antes
do jantar. En avant.
Quarta-feira, 26 de Agosto de 1953
Quarta.
Outro dia agradável. Acabei praticamente o argumento do filme durante a manhã,
e passei a tarde a remar de um lado para o outro com a Maria numa pequena
“barchetta” que era leve como uma rolha. Nadámos em vários sítios. Encontrei o
Gordon Sager4, que prometeu apresentar-me os mistérios sexuais do local esta
noite na praia, onde vai haver uma espécie de dança.
Acometeu-se de mim uma tristeza terna, “heimwehr”5 ou qualquer coisa parecida,
quando tentei dormir uma sesta antes do jantar. Doía-me o calo do dedo mindinho
do pé, por isso levantei-me, fiz a barba, vesti-me e preparei-me para o jantar –
cheio de fome. Mas a Maria não está pronta. E não quero enfrentar aquelas pessoas
lá em baixo sozinho. Comecei a ler um livro, Calipso6, que parece ser bom, mas este
sítio não vai servir para nada até os melros me oferecerem pelo menos uma
serenata. Pet-eutre ce soir!?
En avant
Sim, os melros cantaram nessa noite!
Terça-feira, 27 de Agosto de 1953
Terça. Noite –
À tarde choveu e surgiu sobre o mar um enorme arco-íris, violeta, verde, amarelo,
laranja e rosa.
Tomámos banho debaixo da chuva, já era tarde. Agora estou a descansar antes do
jantar. A Maria é uma magnífica companhia, faz-me lembrar a Rose7, ou uma
daquelas minhas amigas de infância.
De manhã trabalhei bem na Battle.
Se calhar amanhã vamo-nos embora.
Sábado, 29 de Agosto de 1953
Sexta à noite (duas da manhã de sábado)
Ainda aqui estamos, mas estamos a planear partir amanhã. Hoje trabalhei bem
outra vez, numa história nova e no filme do Visconti.
4
Gordon Sager (1915-1991), escritor americano.
“Saudades de casa” em alemão.
6
Romance do escritor inglês Humphrey Slater publicado em 1953.
7
Rose Williams, a sua irmã.
5
11
Jantámos com duas senhoras velhotas no topo da montanha. Vi a Valli8 dançar no
Sirenusa9. Foi um dia um bocado chato sem sexo no programa. Acho que estou
farto deste sítio, apesar de ter sido realmente agradável e produtivo.
Talvez a Sicília? Se esta fome de libido continuar, não me parece.
Noite de Sábado
Ainda aqui estou. Apesar de talvez não ter a plena consciência disso neste
momento, este pequeno período de tempo é provavelmente um dos mais felizes e
tranquilos da minha vida.
Ao jantar o Gordon enviou-me um jovem mensageiro que acabou por se tornar na
mensagem. Felizmente que estava a jantar tarde e sozinho, deixei a Maria numa
festa e vim para casa para dormir uma sesta. Ela só voltou quando o mensageiro
estava a entregar a mensagem, por isso disse-lhe, sem abrir a porta, que ia ter
com ela à Buca10, mas em vez disso tomei um comprimido para dormir e estou a ler
o meu livro, Calipso, que afinal não é nada de jeito. Se calhar vamos mesmo
embora amanhã, mas não tenho a certeza. Hoje à noite está calor – não há vento –
e a música do Sirenusa que vem da porta ao lado parece muito entediante. Tenho
saudades do Horse11. Afinal, não há nada que se pareça com ele, pois não? Mas... a
ausência proporciona outras coisas e por aí fora.
Escrevi hoje a primeira versão de uma história sobre um sítio onde almocei, com
tês vivendas coloridas como ovos de Páscoa entre aqui e Amalfi, mas o herói não é
o Gordon, é uma a senhora que é uma espécie de mistura de vários vampiros que
conheci. Mas não tem nada a ver com a Peggy12 nem com a Libby13. O conto ainda
não está bom, aliás, parece um pouco rasca, mas talvez o consiga elevar amanhã.
Domingo, 30 de Agosto de 1953
Domingo.
Reescrevi a história hoje. Comecei devagar, mas apanhei-lhe o ritmo depois de
dois whiskys. Ainda precisa de ser trabalhada.
Tive uma tarde muito agradável na outra praia com a Lorna Lindsley14 ao almoço, e
depois dei uma longa volta de barco com um jovem marquês15 italiano e com o
“conde”16 da Maria.
8
Alida Valli (1921-2006), actriz italiana de grande beleza, principalmente conhecida pela sua
participação em O Caso Paradine (1947) e O Terceiro Homem (1949) de Carol Reed.
9
O hotel Le Sirenuse em Positano.
10
La Buca, um restaurante.
11
Alcunha de Frank Merlo.
12
Peggy Guggenheim (1898-1979), milionária americana conhecida pela sua colecção de arte.
13
Libby Holman (1904-1971), cantora e actriz americana, muito conhecida pelos excessos da sua vida
pessoal.
14
Margaret “Lorna” Lindsley (1889-1956), escritora e activista pelos direitos humanos.
15
O Marquês Paolo Sersale, presidente da Câmara de Positano, cuja família era dona do hotel Le
Sirenuse.
12
Estou com demasiado sono para acompanhar a Maria ao barulhento “Sirenusa”.
Corre o rumor de que o Paul Bowles17 chega esta noite ou amanhã. Estou com muita
vontade de voltar para Roma e para o Frank. Mas ofereci-me para ir a Verona se o
Visconti precisar de mim. Acho que vou à vila comprar cigarros – ou não? É difícil
dizer. Boa noite.
Segunda-feira, 31 de Agosto de 1953
Segunda –
Sim, está na altura de ir embora.
Outro bom dia de trabalho mas este sítio fecha-me como um túmulo e eu anseio
pela minha velha vida em Roma. A Maria arranjou dois cavalheiros com título
nobiliário que para ela estão bem, mas “niente per me”. Mais uma noite e uma
manhã, não aguento mais do que isso. Ainda não há sinais do Paul. A senhora
simpática de Houston, a Mildred, foi-se embora. Ainda assim foi bom estar aqui,
produtivo, tranquilo e, no geral, bastante agradável.
Esta noite há uma leve brisa triste de Outono no ar. Ouvem-se ao longe gritos de
crianças, o céu escurece, partem autocarros que buzinam à medida que se
afastam de Amalfi. De vez em quando, uma onda distante do mar – vozes de
pássaros – a luz que se esvanece – alguém a correr apressado – uma tristeza
subjectiva, mas em nada profunda. Na verdade acho que estou só um pouco
cansado. Espero conseguir dormir antes do jantar para depois me apetecer sair.
Mais tarde – Saí. Dormi quase duas horas mas ainda estava cansado depois do
jantar. A minha fadiga deve-se provavelmente ao meu intenso trabalho matinal:
desde as sete e meia ou das oito até ao meio-dia, o que é mais uma hora ou duas
do que eu aguentava em Roma. Além disso o vinho dá-me sono. Mas fui sair. Tive
um confronto verbal com uma bêbada que achou que me podia espetar umas
alfinetadas e sair impune – tive de lhe demonstrar o contrário. Estar com a Maria
tem aguçado a minha língua. Um desconhecido amistoso disse «Buena Sera» e eu
fui dar um passeio à praia – acompanhado... Mais tarde, no hotel – acompanhado –
os melros cantaram... não cantaram muito alto, mas cantaram docemente.
Agora estou deitado sozinho na cama e a maré vai empurrando com violência o
fundo da falésia. Mais uma manhã de trabalho e depois: andiamo!
16
Possivelmente Peter Grenfell, que, segundo Maria Britneva, havia ido até Itália para a propôr em
casamento.
17
Paul Bowles (1910-1999): escritor, compositor e tradutor americano, principalmente conhecido pelo
seu romance, em parte autobiográfico, Um Chá no Deserto. Williams e Bowles conheceram-se em
1940 e tornaram-se amigos para o resto da vida. Bowles compôs a música para Jardim Zoológico de
Cristal, Verão e Fumo, Doce Pássaro da Juventude e O Comboio da Madrugada. Williams dedicou-lhe
o romance The Roman Spring of Mrs. Stone.
13
O Bowles está cá, em Positano, mas ainda não desceu a colina para olhar para nós.
Suspeito que ele esteja chateado comigo, com a Maria ou com ambos. Ele tem a
tendência para pensar que estão sempre a abusar dele, mas eu gosto tanto do
Paul... e irrita-me a atitude que a Maria tem em relação a ele. Acho que ela arranjou
umas confusões entre nós que eu espero que o Paul esteja disposto a esclarecer
com uma conversa. Mas ele é muito matreiro.
Terça-feira, 1 de Setembro de 1953
Terça.
Comportei-me de uma forma desgraçada hoje... bebi demais, parece-me. A escrita
intensiva arrasou-me os nervos e o álcool em cima disso faz com que eu faça
figuras parvas. Insultei duas velhotas pela humilhação de ontem e agora parece
que provavelmente elas não tinham culpa nenhuma. No entanto, é evidente que
por alguma razão o Paul estava relutante em ver-nos. Acho que nunca mais vou
sentir o mesmo que sentia por ele, ou à volta dele, o que é muito mau, para mim,
porque eu idolatrava-o como uma espécie de herói antes deste último encontro.
Talvez eu esteja a ficar um pouco como o Hart Crane18 ficou nos seus últimos dias –
um pouco louco.
Hoje alterei a história19 – retirei o melodrama, mas provavelmente com isso retirei
também demasiado da substância. Surpreender-me-ia se a lê-se daqui a pouco
tempo e tivesse um daqueles choques terríveis que o meu trabalho criativo tem
tantas vezes causado nos últimos tempos.
Apetece-me uma bebida.
O Marco20 esteve cá. Depois tive uma agonizante sensação de vergonha e
embaraço. Não sei porquê.
Quarta-feira, 2 de Setembro de 1953
Quarta de manhã (11:20)
Mesmo que não tenha feito mais nada este Verão, e às vezes suponho que
realmente não fiz mais nada, pelo menos de certeza que “insisti”. Às vezes quando
volto a ler o meu trabalho parece a obra de um lunático ou de um bêbado, na
melhor das hipóteses a segunda.
Mas de todas as vezes recupero a minha
esperança cega, ou fé, e continuo outra vez no dia seguinte. Agora vou à praia dar
um mergulho, depois vou almoçar e depois fazemo-nos à estrada de volta para
Roma com as bandeiras ainda a esvoaçar – En Avant!
18
Hart Crane (1899-1932): poeta americano e um dos escritores que Tennessee Williams mais
admirava.
19
Homem Trazer Isto Estrada Acima.
20
Um prostituto.
14
Sábado, 5 de Setembro de 1953
Sábado. Meia-noite.
De novo em Roma. A energia não durou e as duas manhãs desde que voltei não
foram um sucesso. Hoje à noite mal tive forças para subir as escadas e meter-me
na cama. Mas agora tenho um copo de água gelada ao meu lado e um belíssimo
livro sobre um matador amaldiçoado21. Amanhã vou gastar outro dia na velha
senhora Goforth. Tenho medo. Em breve partimos para Verona, talvez todos nós.
Boa noite.
(assustado)
Tennessee Williams, 2006. Notebooks. New Haven: Yale University Press, 581-591.
[trad. Miguel Graça]
* Este texto não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico
21
Provavelmente Death in the Afternoon de Ernest Hemingway.
15
Entrevista a Tennessee
Williams
Em 1965, durante um dos períodos mais negros da sua vida, Tennessee Williams foi
entrevistado por John Gruen para a revista Close-Up. A entrevista, que aqui se
apresenta na íntegra, é não só um duro relato da ascenção e queda do
dramaturgo, mas também um dos melhores relatos da disposição de Williams na
altura em que estava a escrever a versão definitiva d’ O Comboio da Madrugada.
JOHN GRUEN – Porque é que escreve?
TENNESSEE WILLIAMS – Sei que não há mais nada que eu consiga fazer a não ser
escrever. Não acredito que haja aquilo a que se chama um escritor nato, mas eu...
eu não conseguiria enfrentar um dia sem escrever, quando a noite chegasse sentirme-ia tão vazio que me ia apetecer dar um tiro na cabeça.
JG – Quando é que se apercebeu de que tinha a vocação da escrita? O que é que o
incentivou, em criança ou em jovem, a pegar na caneta e no papel?
TW – Bem, eu comecei a escrever quando tinha dez anos. Espantei a minha
professora do liceu ao escrever uma coisa que ela achou que era uma boa
redacção. Lembra-se que era isso que lhe chamavam nessa altura: “redacções”?
Bem, eu escrevi sobre a Lady of Shallott22. A professora pediu-nos para olharmos à
volta da sala – havia muitos quadros emoldurados – e escolhermos uma imagem.
Numa dessas imagens a Lady of Shallot descia um rio num barco, e tendo já na
altura uma atitude romântica em relação às coisas, escolhi-a como tema. Desde
essa altura que percebi que ia ser escritor. Pensei que ia ser um escritor – está a
perceber? – sem sucesso; nunca fui, de todo um optimista em relação a isso.
JG – Como era o ambiente da sua infância?
TW – A minha infância foi feliz até aos sete anos, quando adoeci. Tínhamos um
médico de família que ficava um pouco desconcertado com as doenças, pelo
menos com a minha ficou: diagnosticou que tinha difteria. Passados uns cinco ou
22
Lady of Shallot é uma balada vitoriana de Alfred, Lord Tennyson baseada em fontes medievais
referentes ao Rei Artur e aos cavaleiros da Távola Redonda. [N. do T.]
16
seis meses desenvolvi outra doença que ele mais uma vez diagnosticou
erradamente como sendo doença de Bright. Por essa altura, eu estava tão fraco
que tinha de me arrastar pelo chão, não conseguia andar. Naturalmente que daí
em diante me tornei numa criança neurótica e introvertida. Lembro-me que tive a
minha primeira neurose a sério aos dez anos. Tinha pânico de adormecer à noite,
porque o sono me parecia muito semelhante à morte. Tive o meu primeiro
esgotamento nervoso – isto parece uma coisa hiper-sentimentalista – quando
trabalhava numa empresa de sapatos em Saint Louis. Estava preso àquilo há três
anos. Trabalhava o dia todo na empresa de sapatos como escriturário e
dactilógrafo e à noite ficava acordado a escrever e a beber café simples – o mais
forte que conseguia – a martelar numa máquina de escrever. Eu era um bom
dactilógrafo, e rápido, martelava à brava na máquina de escrever. Mas ao mesmo
tempo também me martelava a mim próprio, e de repente, numa noite, aconteceu-me uma coisa esquisita no peito. O meu coração, do qual eu nunca tinha tido
consciência até àquele momento da minha vida, começou a bater como uma coisa
sincopada. Sabe: um, dois, pausa, três. Era simplesmente aquele café todo e a
imensa infelicidade de trabalhar na empresa de sapatos. Fiz aquilo que suponho
que seja o menos aconselhável de fazer mediante aquelas circunstâncias: saí de
casa a correr – à toa. Caminhei durante horas com o meu coração assim e pensei –
deixe ver, eu devia ter vinte e três anos na altura – pensei que ia cair morto a
qualquer momento. Eu nem nunca tinha pensado que tinha um coração, percebe?
– um órgão dentro do meu corpo – e de repente ali estava eu confrontado com um
coração frenético dentro do meu peito. Caminhei numa passada larga durante
umas três horas – isto aconteceu no início da Primavera – e lembro-me de passar
debaixo de umas árvores que estavam a começar a florir. Sabe, isto parece uma
coisa muito pirosa e romântica, mas olhei para as árvores e de alguma maneira
elas deram-me uma sensação de conforto. Percebi que ia sobreviver.
JG – Qual foi a primeira peça que viu?
TW – Em Saint Louis, onde vivi enquanto andava na escola e depois durante o
início da minha juventude, só havia um teatro. Chamava-se The American, na baixa
da cidade, junto ao rio. Às vezes havia uns espectáculos que passavam por lá. Eu
ganhava sessenta e cinco dólares por mês, por isso não tinha dinheiro para
comprar um lugar na plateia, nem sequer no primeiro balcão. Tinha de ir para uma
coisa que chamávamos a “galeria do amendoim”. Vi The Barretts of Wimpole
Street23
com
a
Katharine
Cornell,
e
gostei.
Não
fiquei
particularmente
23
Apresentado em Portugal como Miss Ba em 1944 pelos Comediantes de Lisboa com tradução de
António Lopes Ribeiro e encenação de Francisco Ribeiro. [N. do T.]
17
impressionado com o espectáculo, mas gostei. Depois vi um que já não me lembro.
Mas o terceiro nunca me vou esquecer... Foi o Espectros do Ibsen, com a Nazimova.
E foi fabuloso, uma coisa tão impressionante que eu nem conseguia ficar sentado!
De repente levantei-me e fui até ao corredor da “galeria do amendoim”, andava de
um lado para o outro enquanto tentava ouvir o que estavam a dizer no palco, mas
ao mesmo tempo não conseguia mais olhar para aquilo. Foi na cena em que a
senhora Alving percebe que o filho, o Oswald, tem sífilis e que ele já tem o cérebro
afectado.
JG – Costumava ler peças de teatro antes disso?
TW – Andava a ler as peças do [Eugene] O’ Neill e de Shakespeare. Comecei a ler
Shakespeare quando ainda andava na primária. O meu avô tinha as obras
completas. Eu tinha uma predilecção especial pelas peças violentas.
JG – Se chamarmos “influências” a qualquer uma das obras que leu, quais é que
escolheria?
TW – Creio que a maior influência que tive, enquanto dramaturgo, foi Tchéckov.
JG – Quais são os seus hábitos de escrita? Quero dizer com isto, o seu modus
operandi ou ritual.
TW – Fico contente que tenha dito “ritual”, porque é um ritual. Começo a escrever
assim que me levanto de manhã, encarando essa terrível pergunta o mais cedo
possível: será que hoje vou ser capaz de escrever? E como é que vou escrever?
Começo com duas chávenas de café, bastante forte. Depois vou para o meu quarto
e dou uma injecção a mim próprio para acordar. Ao princípio, tinha um medo
terrível de levar injecções – de as dar a mim mesmo. Mas tenho aprendido
gradualmente a fazê-lo. E dou a mim próprio um centímetro cúbico de não sei quê,
é uma mistura de coisas... não sei o que é... Só sei que depois de tomar aquilo sinto-me como um ser vivo! Depois vou até à minha secretária e começo a trabalhar. Há
dias, claro, em que o trabalho não corre nada bem. Há outros dias em que corre
bem. Escrevo à máquina muito depressa. E se uma página não está perfeita, tiro-a
da máquina de escrever e começo outra. É um hábito terrível, porque eu devia ser
capaz de riscar as coisas. Mas odeio uma página cheia de riscos.
JG – Escreve preferencialmente de manhã? Durante quantas horas?
TW – Quase exclusivamente de manhã. Escrevo duas horas e meia. Às vezes, se
estiver num dia bom, escrevo umas boas cinco horas.
18
JG – Consegue escrever em qualquer lado?
TW – Tenho de escrever onde quer que esteja. Porque, tal como já disse, se eu não
começar o dia a escrever, vai ser um dia vazio para mim. Sinto como se o tivesse
perdido. Obviamente que isso significa que a minha vida não é suficiente. Percebe?
Que a matéria da minha vida quotidiana é insuficiente.
JG – Trabalha em mais do que uma coisa ao mesmo tempo? Ou seja, é capaz de
saltar de uma peça que esteja a escrever para um poema ou um romance?
TW – Às vezes levanto-me de manhã e aquilo em que tenho estado a trabalhar
parece-me repugnante. Não me atrai nada. Sinto que aquilo não me vai levar a
lado nenhum. Por isso, nessas alturas, pego noutra coisa em que tenho andado a
trabalhar. Acho absolutamente necessário ter duas coisas em que trabalhar ao
mesmo tempo, para poder andar a saltar de uma para a outra.
JG – O que é que acha que as suas peças contêm para incendiar a imaginação do
público?
TW – Eu sinto uma grande vontade de entusiasmar as pessoas! E para mim é mais
fácil fazer isso numa peça do que em histórias ou em poemas. Nunca achei que
fosse bom poeta.
JG – A sua agente, a Audrey Wood, uma vez disse que o senhor deu todo um novo
material de escrita para uma nova geração de jovens dramaturgos. Sente que isso
é verdade?
TW – Não me parece. Apesar de ser mais habitual ela mandar-me abaixo do que
elogiar-me! Nesse caso acho que ela me estava a elogiar excessivamente. Lembro-me que nessa ocasião eu respondi: «estou muito contente por ter aberto portas
para os dramaturgos, mas sabes, Audrey, não quero ser apenas um porteiro».
JG – Foi dificíl para si que fizessem as suas peças?
TW – Sim, houve imensos problemas por causa disso. E talvez muitos deles sejam
compreensíveis. Sempre tive a tendência para ir longe demais. Acho que escrevo
de uma forma demasiado violenta. Esta manhã – não, foi ao início da tarde – contei
ao meu psiquiatra um sonho que tinha tido. Ele disse que sim, pois, que sabia que
eu tenho muita violência dentro de mim, mas que não a podia retirar de um
momento para o outro.
19
JG – Escreveu um artigo para o New York Times em que descreve o súbito sucesso
que lhe apareceu depois da estreia de O Jardim Zoológico de Cristal... um relato
muito tocante sobre de repente se encontrar famoso e de ter alugado uma suite
extraordinária num hotel bastante caro... mantas de damasco no sofá e por aí fora.
Mas de repente percebeu que não era nada disso que queria da fama.
TW – Não acho que a mobília dessa pequena suite me incomodasse hoje em dia.
Porque era apenas uma normal suite de um hotel. Mas eu vivia no YMCA24, sabe? E
no Men’s Residence Club e sítios desses, onde se arranjam quartos a dez dólares
por semana. Naturalmente que me parecia muito extravagante estar naquela suite.
Estava no último andar e tinha uma vista magnífica sobre o East River. Mas a coisa
mais importante foi sempre sentar-me a escrever. Nada do resto era muito
importante.
JG – Também encontrou várias mudanças nas atitudes dos seus amigos.
TW – Sim, de repente percebi que estava na posição de me tornar um escritor
profissional. Antes, havia sido sempre um escritor amador, no sentido de alguém
que ama escrever. Agora era um escritor profissional, e isso perturbou-me
terrivelmente.
JG – Até que ponto as suas peças são autobiográficas?
TW – Todo o trabalho criativo é autobiográfico.
JG – Tem criado toda uma galeria de personagens femininas muito provocadoras,
desde a Blanche DuBois até à Gnadiges Fraulein. Tem uma ideia fixa em relação às
mulheres, e às mulheres do Sul em particular?
TW – Não sei porquê, mas acho muito mais fácil, e mais interessante, escrever
sobre as mulheres. A minha irmã e a minha mãe eram ambas pessoas que se
expressavam muito bem. Falavam com um grande charme. Na maior parte da
minha escrita tento recuperar o charme da maneira como elas falavam.
JG – Muitas das suas mulheres têm um marca profunda dentro delas, ou de
violência ou de uma grande vulnerabilidade – tal como a Blanche Dubois – muitas
vezes têm também, debaixo da superfície, uma camada que é pura e que muitas
vezes se revela como uma força de vontade destruída.
TW – Nunca encontrei uma força de vontade destruída nas mulheres que admiro. A
minha irmã, como toda a gente sabe por esta altura, é mentalmente inválida, sofre
24
Young Men’ s Christian Association. [N. do T.]
20
de esquizofrenia. Posso dizer isto porque sei que ela nunca o vai ouvir. Mas a força
de vontade dela é muito mais forte do que a minha. Ninguém que a quisesse
derrubar o conseguiria fazer.
JG – As suas personagens masculinas, por outro lado, parecem marcadas com
características que são ou de uma grande rudeza, como o Stan Kowalski, ou de
uma grande fragilidade, como o Brick.
TW – Receio que não me identifico muito facilmente com esses Stanley Kowalskis e
por aí fora. Talvez o devesse fazer. São uma espécie de mistério para mim.
JG – Dentro das suas peças, quais são as suas favoritas?
TW – Essa é uma pergunta que surge sempre. E é uma pergunta a que eu nunca sei
responder. É evidente que uma pessoa tem sempre a esperança que aquilo em que
se está a trabalhar nesse momento seja o que tem maior significado. Há
determinadas peças em que senti isso. Outras percebi que não eram importantes –
acho que o Period of Adjustment não é uma peça importante. Não tenho a certeza
se achei que A Rosa Tatuada era importante, apesar de ter trabalhado
intensamente nela. Escrevi-a num período muito feliz da minha vida. As peças que
eu escrevi que acho mais importantes são o Eléctrico, O Jardim Zoológico de
Cristal – são as duas que as pessoas acham melhores – e Gata em Telhado de
Zinco Quente. Bom, quanto à peça mais longa, quer dizer, a peça em que trabalhei
mais tempo, O Comboio da Madrugada, teve várias produções. Primeiro com a
Hermione Baddeley, que fazia muito bem, apesar da peça ter sido um falhanço.
Depois no ano a seguir consegui que a fizessem outra vez, dessa vez com a
Tallulah Bankhead, que contracenava com o Tab Hunter. O Tab Hunter não foi uma
escolha minha, apesar de ele ter provado que era melhor actor do que se seria de
esperar de um garoteco de Hollywood. Mas a Tallulah Bankhead, ela era perfeita
para a Flora Goforth... Por que razão é que falhou? Porque falhou mesmo.
JG – Li recentemente que há ainda uma terceira versão d’ O Comboio da
Madrugada.
TW – Fui a São Francisco trabalhar com o Actor’s Workshop. Um jovem encenador,
brilhante, chama-se John Hancok, desenterrou-a como uma peça gótica. E ele fez
um trabalho absolutamente extraordinário. Tenho aí algures uma série de
fotografias a cores. Apesar do espectáculo não ter recebido críticas positivas,
ainda está em cena, sempre com casa cheia.
21
JG – Obviamente que acredita em rever o que escreve.
TW – Sim, eu estou sempre a rever porque nunca fico satisfeito. Proponho a mim
próprio dizer uma série de coisas, mas nunca fico com a certeza se as disse
exactamente como queria. O Camino Real era uma peça mutilada. Foi nela que
coloquei a minha melhor escrita. Mas havia lá coisas que não pareciam racionais,
mesmo dentro do contexto de rebeldia da peça. Havia dicotomias muito confusas.
Depois da morrer, o Kilroy arranca o coração de ouro do seu próprio corpo e vai
até uma loja de penhores com ele. O penhorista consegue vê-lo. O que é estranho.
Uma vez que ele está morto. O penhorista consegue vê-lo, aceita o coração de
ouro e dá-lhe todo o tipo de coisas que chamariam a atenção de uma filha de uma
cigana. Depois ele vai a correr ter com a filha da cigana com essas coisas e grita
por ela. E a filha da cigana pensa que ele é só um gato!
JG – Disse recentemente numa entrevista que a sua contribuição para o drama
lírico ou poético pode já não ser aquilo que o público de teatro deseja.
TW – Hoje em dia o teatro reduz-se a tantos musicais, sabe... E ao teatro do
absurdo, que para mim não é apelativo. Não consigo trabalhar no teatro do
absurdo. Só consigo trabalhar na fantasia – na fantasia romântica – e também
consigo trabalhar em peças pouco convencionais. Mas nunca conseguiria
transformar a existência humana numa piada.
JG – O que é que acha que aconteceu ao clima do teatro? Quero dizer, mesmo nas
peças sérias.
TW – A resposta óbvia é que as pessoas perderam o seu sentido de decência.
JG – Há uma série de peças suas, como Camino Real, A Noite da Iguana e
Bruscamente no Verão Passado, que têm lugar num ambiente exótico que produz
uma atmosfera fabulosa. Quando usa esse tipo de cenários, pretende que eles
complementem a textura das suas peças, ou são todos locais que têm um
significado especial para si? A Noite da Iguana, por exemplo, passa-se no México.
TW – Eu estava em Acapulco quando aquilo ainda era uma aldeia primitiva e
maravilhosa. Eu achava que havia ali muita poesia. Agora parece Las Vegas... é
pena.
JG – Ao lermos as suas peças, percebe-se que em última análise os mais fortes são
os mais vulneráveis, e que os mais fracos acabam por ter uma grande força e
resistência. Isto é o que observa da vida em geral?
22
TW – Eu acho que os fracos – se não forem apenas pessoas que não têm coragem
para reagir – são forçados a ter mais força do que aqueles que são abertamente
fortes. Não conseguiriam sobreviver, a não ser que tivessem essa força interior.
Podem sofrer bastante por causa disso – e suponho que sofram. Mas sempre senti
que a Blanche era mais forte do que o Stanley Kowalski.
JG – Qual é a sua reacção à crítica teatral? Considera-a útil ou destrutiva?
TW – Fico sempre profundamente impressionado com o facto de os críticos
entregarem as críticas em tão pouco tempo. Mas acho que eles tentam ser justos.
Têm determinados preconceitos, tal como todos nós. Há uma ou duas peças
minhas
que
eu
considero
que
deveriam
ter
sido
mais
bem
recebidas.
Principalmente o Orpheus Descending, e talvez a minha última peça, O Comboio da
Madrugada.
JG – É conhecido por ser tímido e uma pessoa solitária. Como é que essas
características invadem o seu trabalho?
TW – Às vezes acho que sou tão tímido como um rinoceronte.
JG – Mas essas características existem, são verdadeiras?
TW – Porque é que acha que ando a ser tratado por psiquiatras?
JG – Então e aquela escola de pensamento que diz: se é um artista, evite a
psicanálise?
TW – Bem, eu hoje discuti isso com o meu médico, e ele disse: «Tom» – que é o meu
nome, eu não me chamo Tennessee. Ele disse: «Tom, não sabe que é você que está
a fazer a maior parte do trabalho?» Disse-me assim: «eu estou a prender consigo –
você é que me está a dizer coisas, eu não lhe estou a dizer nada». Eu não sei se
gosto muito do Freud, da Karen Horney ou de qualquer um deles – eu só sei que
gosto de psiquiatras (e gosto deste a que vou agora), há alguma coisa que
acontece que me ajuda a suportar o resto do dia.
JG – E as suas peças que transformaram em filmes? Que versões cinematográficas
é que lhe agradaram e quais as que não lhe agradaram?
TW – Tudo o que o [Elia] Kazan fez da minha escrita – fez dois filmes. Gostei d’ A
Voz do Desejo25 – que era um argumento original. E é claro que me agradou imenso
o que o Kazan fez com o Eléctrico. Também adorei o que fizeram no ecrã com o
25
Baby Doll no original, filme de 1956. [N. do T.]
23
Orpheus Descending26 – com a Magnani e o Brando, apesar de eles não se terem
dado muito bem, sabe.
JG – O que é que aconteceu?
TW – O Sid Lumet realizou o filme brilhantemente. Contra grandes obstáculos.
JG – Então e Gata em Telhado de Zinco Quente?
TW – Não gostei.
JG – Acha que a Elizabeth Taylor não foi bem escolhida?
TW – Não, acho que ela foi brilhantemente escolhida. Achei é que o argumento em
si – que eu não escrevi – não transmitia o que eu queria dizer com a peça.
JG – Quer falar sobre as suas últimas peças?
TW – As Slapstick Tragedy27... acho que não vão funcionar. São peças que estão na
mesma linha de Camino Real, e o Camino Real não correu muito bem. Além disso,
estou bastante mais velho do que estava... e é mais difícil à medida que se
envelhece. Tem de se trabalhar muito mais e com muito mais intensidade naquilo
que se está a fazer. O animal humano está sujeito ao atrito, cansa-se... e depois tem
de ir a médicos maravilhosos, como o doutor Max.
JG – Quais os dramaturgos mais jovens que admira?
TW – É tão fácil responder a essa pergunta. Lamento que tenha dito “mais jovens”,
porque eu vou dizer Beckett, que não é mais novo que eu. Gosto muito do Edward
Albee. Nunca vi nenhuma peça dele em que não me achasse absolutamente
envolvido na acção. Ele é decididamente um grande dramaturgo, o maior
dramaturgo da América.
JG – E os seus contemporâneos, como o Arthur Miller?
TW – O Arthur tem uma grande qualidade dinâmica. É um belo escritor. Quando fui
à Grécia, há um ano atrás, na Primavera, uns jornalistas disseram-me que ele tinha
passado por lá pouco tempo antes de mim e que tinha dito que a minha escrita não
vinha da minha cabeça nem do meu coração, que vinha do meu abdómen! Isso
pôs-me um bocadinho de pé atrás (não sei como é que se escreve à máquina com
o abdómen), mas ainda não mudei a minha opinião acerca do Arthur Miller.
26
O Homem na Pele da Serpente (1960) na tradução portuguesa do filme de Sidney Lumet. [N. do T.]
Slapstick Tragedy é o título que designa duas peças curtas de Tennessee Williams: The Gnadiges
Fraulein e The Mutilated, apresentadas em conjunto em Nova Iorque em 1966. [N. do T.]
27
24
Encontrei-me com o Faulkner três vezes. Ele é tão tímido quanto se pode imaginar.
Estava com uma rapariga muito bonita e só conseguia falar em sussurros com ela.
Nem tentei puxá-lo para uma conversa. A segunda vez que o encontrei foi em Paris
e estava com ele outra rapariga muito bonita. E tudo se repetiu: ele olhava para
baixo e não falava. Às vezes também tenho essa dificuldade, é-me muito difícil falar
e uma das minha fobias é não ser capaz de dizer nada. Mas o Faulkner não dizia
nada. Por isso, eu finalmente tomei a decisão de falar directamente com ele,
percebe? E foi o que fiz. Falei directamente com o Faulkner. De repente ele
levantou os olhos e vi tanto sofrimento naqueles olhos que senti que eu ia começar
a chorar.
JG – Como é que um dramaturgo observa a vida?
TW – É um processo gradual. É muito gradual. O meu dia-a-dia tem muito a ver
com isso, acho eu... Não consigo responder a essa pergunta.
JG – Se me permite que entre na sua privacidade... a sua vida pessoal é muito
preenchida?
TW – Oh, tremendamente preenchida. Sim.
JG – Com que tipo de coisas é que ocupa o seu tempo?
TW – A vida e a morte. Nos últimos dois anos morreram dois amigos que me eram
muito queridos – o que me chocou profundamente. E eu acho que não devia ser
permitido que eles sofressem como sofreram. Não sei porquê. Um deles28 estava
deitado numa cama que tinha de se inclinar para trás e para a frente como um
baloiço, para que o sangue dele continuasse a circular. E o movimento do
mecanismo causava-lhe dores que o agonizavam. Por isso eu não acho que a morte
deva ser uma coisa que uma pessoa tenha de passar sem ser pela sua própria
vontade, à sua própria maneira. Não acredito em hospitais. Espero nunca ter de
ficar enterrado num. Espero que quando tiver de morrer seja capaz de tratar disso.
O Hemingway tinha uma grande sensibilidade para a capacidade de escolha do
Homem. Ele era um existencialista – percebeu o existencialismo muito antes do
Sartre. Talvez todos nós tenhamos percebido o existencialismo muito antes do
Sartre. O Hemingway tomou uma decisão corajosa, ele fez o que tinha a fazer, uma
coisa digna – pelo menos é nisso que acredito. Porque... como é que teria sido o
final da vida dele, percebe? Ia ficar reduzido a uma coisa destruída... No final da
vida as pessoas ficam quase sempre sem vontade própria. Não devem permitir-se
28
Frank Merlo. [N. do T.]
25
chegar a esse estado. Talvez os médicos não devam permitir que elas cheguem a
esse estado.
JG – É difícil, para si, viver? É uma luta enquanto artista?
TW – Tudo depende do trabalho ter sido bom ou mau nesse dia. Se se trabalhou, se
se acha que se conseguiu alguma coisa nesse dia, então o dia é mais brilhante e
consegue chegar-se à noite razoavelmente bem.
JG – Sente que há um ponto em que um escritor não pode continuar, no que toca à
sua criatividade?
TW – Bem, é claro que sim. Toda a gente sabe disso.
JG – Já li várias biografias e autobiografias de escritores. Todos eles afirmam que
é cada vez mais difícil escrever depois de passada a juventude, apesar de
compensarem isso com uma certa experiência acumulada.
TW – Convém lembrar que estamos sempre a competir com o trabalho que já
fizemos em jovens. É necessário que isso aconteça. No meu caso, toda a gente diz:
«Oh, aquele Jardim Zoológico de Cristal!», até ao ponto em que começamos quase
a odiar a nossa própria obra! Porque sabemos que temos trabalhado intensamente
desde essa altura. E não é muito possível acreditar que nunca mais criámos nada
de jeito.
JG – E os actores? E os encenadores? E todo o mundo do teatro? Aprecia essas
consequências de ser um dramaturgo no meio teatral?
TW – Sempre fui muito tímido ao lado dos actores porque eu não acredito que eles
não sintam ódio pelo dramaturgo. O dramaturgo escreveu a peça e eles estão a
representá-la. Escondem isso muito bem, mas ainda assim o dramaturgo sente que
eles o odeiam.
JG – Há actores que não têm mais do que uma enorme admiração por si...
TW – Sim, há alguns. São aqueles que percebem que eu sou tão distorcido quanto
eles.
JG – O que é que acha da Tallulah Bankhead fazer a Blanche Dubois?
TW – Acho que ela finalmente fez um trabalho com uma grande força. Parecia um
tigre – quer dizer, uma tigreza!
26
JG – Houve muitos risos abafados durante o espectáculo. Porque é que isso
aconteceu?
TW – Isso é porque a pobre da Tallulah atrai um tipo de público que está inclinado
para se rir – não dela, mas da sua imagem pública.
JG – Porque é que o Elia Kazan conseguiu com tanto sucesso dar uma determinada
aura às suas peças que ele encenou?
TW – A relação entre um encenador e um dramaturgo é muito delicada. Eu e o
Kazan resolvemos isso muito bem. Gostámos de trabalhar juntos. O Kazan parecia
gostar muito do meu trabalho, e eu adorava-o como encenador.
JG – Há alguma área do teatro que ainda não tenha explorado e que gostasse de
tentar?
TW – Não me lembro de nenhuma área do teatro que eu não tenha tentado
explorar. Escrevi peças realistas, escrevi fantasias, escrevi alegorias. Este ano
trabalhei num romance. Mas aconteceu uma coisa horrível. Ontem de manhã tirei-o
de um envelope e as páginas caíram todas ao chão. Dois terços das páginas não
estão numeradas, por isso vai ser uma tarefa terrível voltar a pôr tudo no lugar.
JG – Pode dizer-nos sobre o que é?
TW – Chama-se The Knightly Quest.
JG – Do que é que trata?
TW – Nem em sonhos eu lhe diria.
In Conversations with Tennessee Williams. Jackson: University Press of Mississippi,
1986, 112-123.
[trad. Miguel Graça]
* Este texto não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico
27
Curricula
Criativos
António Barahona (tradução)
A sua carreira poética esteve inicialmente ligada ao Surrealismo e ao Grupo do Café Gelo,
mas acabou por enveredar por um caminho individual, principalmente ligado à
religiosidade mística, que culminou nas traduções de Brihhad Âranyaka Upanishad e
Bhagavad Gita. Para o teatro, traduziu obras de Copi, Pier Paolo Pasolini, Jean Racine,
Fernando Arrabal, entre outros. Destacam-se no conjunto da sua obra poética a antologia O
sentido da Vida é só Cantar (Assírio & Alvim) e a sua mais recente publicação Raspar o
Fundo da Gaveta e Enfunar a Gávea (Averno).
Carlos Avilez (encenação)
Ingressa profissionalmente, em 1956, na Companhia Amélia Rey-Colaço – Robles Monteiro,
onde se manteve até 1963. Após experiências nas áreas da representação e escrita teatral,
orienta o seu trabalho para o campo da encenação, depressa ganhando o estatuto de
enfant terrible, principalmente depois dos seus trabalhos no Teatro Experimental do Porto e
no CITAC, estrutura que dirigiu em 1964. Em 1965, funda, em conjunto com o ator João
Vasco, o Teatro Experimental de Cascais, que se mantém em atividade até hoje, onde
encenou alguns dos espetáculos mais marcantes do teatro português no séc. XX,
nomeadamente: D. Quixote, Fedra, Ivone, Princesa de Borgonha, Fuenteovejuna, Galileu
Galilei, O Balcão, A Morte de Danton, Rei Lear, Os Biombos, La Nonna, O Dia de uma
Sonhadora, Lorca, Federico, Os Negros, O Leão no Inverno, Casamento, A Cozinha e
Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos. Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian,
trabalhou em França com Peter Brook e, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, na
Polónia com Jerzy Grotowski. Encenou várias óperas no Teatro Nacional de São Carlos,
encenou Hamlet no ACARTE, e exerceu variados cargos na cena cultural portuguesa,
destacando-se o seu papel enquanto: diretor artístico do Dia de Portugal na Expo’70 de
Osaka; Presidente do Instituto de Artes Cénicas; diretor do Teatro Nacional S. João e
diretor do Teatro Nacional D. Maria II. Foi ainda fundador da Escola Profissional de Teatro
de Cascais, onde mantém os cargos de diretor e professor. Ao longo de mais de cinquenta
anos dedicados ao teatro, recebeu inúmeros prémios e homenagens.
No TNDM II: (espetáculos que encenou) Pedro, o Cru de António Patrício; Fígados de Tigre
de Francisco Gomes de Amorim; Virginia de Edna O'Brien; Guerras do Alecrim e Mangerona
de António José da Silva, António Teixeira; O Leque de Lady Windermere de Oscar Wilde;
Ricardo II de William Shakespeare; O Crime da Aldeia Velha de Bernardo Santareno; A
Maçon de Lídia Jorge; A Real Caçada ao Sol de Peter Shaffer.
28
Miguel Graça (dramaturgia)
Nasceu em Lisboa, em 1980. Na Universidade Nova de Lisboa, licenciou-se em Línguas e
Literaturas Modernas e concluiu uma pós-graduação em Tradução. Em 2004, integrou o
corpo docente da Escola Profissional de Teatro de Cascais, onde se mantém até hoje
lecionando a cadeira de Dramaturgia. Foram levadas à cena as suas peças Grécia, Fedra e
Répteis (que também encenou). Desde de 2007 que colabora regularmente com Carlos
Avilez no Teatro Experimental de Cascais, destacando-se dos seus últimos trabalhos a
tradução e dramaturgia de A Nossa Cidade de Thornton Wilder, Bruxas de Salem de Arthur
Miller e Roberto Zucco de Bernard-Marie Koltès.
No TNDM II: Os Anjos e o Sangue de Bernardo Santareno (leitura encenada).
Fernando Alvarez (cenografia e figurinos)
Licenciou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema – Curso de Realização Plástica do
Espectáculo, em 1991. Iniciou o seu trabalho com o Teatro Experimental de Cascais em 1986,
tendo colaborado enquanto assistente com José Rodrigues, Graça Morais, Juan Soutullo e
Maria Helena Reis. Em 1991, tornou-se colaborador permanente do TEC enquanto
cenógrafo, figurinista e produtor na maioria das encenações de Carlos Avilez, destacando-se os seus trabalhos em Alta Vigilância, Os Biombos, O Leão no Inverno, Lorca, Federico, Os
Negros, Casamento, O Percevejo, Auto do Solstício de Inverno, Inês de Portugal, A Cozinha,
Muito Barulho por Nada, Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos, Deserto, Deserto e
Roberto Zucco.
Foi responsável pela cenografia e figurinos de Caixa de Sombras, no Teatro São Luiz, com
encenação de Marco D’Almeida.
No TNDM II: Ricardo II de William Shakespeare (enc. Carlos Avilez).
Georges Stobbaerts (coreografia e movimento)
Dedica-se há mais de 40 anos ao ensino do Aiki-Do e do Yoga. Foi convidado pela Fundação
Calouste Gulbenkian para lecionar Antropologia Teatral, no antigo Conservatório Nacional
de Lisboa. É também nessa altura que edita o seu primeiro livro sobre Hatha Yoga.
Colabora com conceituados encenadores no âmbito da postura e da movimentação em
cena do ator. Destacam-se as suas colaborações nos espetáculos Opereta, Lisístrata, Rei
Lear, Harold e Maude, Alta Vigilância e Os Biombos (Teatro Experimental de Cascais),
Romeu e Julieta (Novo Grupo/Teatro Aberto)), A Prisão (Teatro da Cornucópia) e O
Príncipe Constante (CTA - Companhia de Teatro de Almada). Face à atual evolução das
artes ditas marciais e da sociedade em direção à competição e à violência, cria uma nova
arte do movimento – o Tenchi Tessen.
29
Atores
Eunice Muñoz (Flora Goforth)
Principiou a sua carreira de atriz em 1941, no TNDM II, ainda antes de concluir o curso de
Atores do Conservatório de Lisboa. Ao longo de mais de seis décadas dedicadas à
representação, marcou de forma definitiva o teatro português, trabalhando com os mais
importantes encenadores e companhias. Mãe Coragem, As Criadas, Fedra, A Casa do Lago,
Joana d’Arc, A Casa de Bernarda Alba, Zerlina, Madame, O Caminho Para Meca, Memórias
de Sarah Bernhardt ou A Maçon são alguns dos muitos exemplos onde a excelência das
suas interpretações lhe garantiram não só um vasto rol de prémios mas também o epíteto
de maior atriz portuguesa. Presença assídua na televisão e rádio, é ainda de destacar o seu
trabalho enquanto diseur de poesia.
No TNDM II: As Troianas de Jean-Paul Sartre (enc. João Mota); As Fúrias de Agustina BessaLuís (enc. Filipe La Féria); O Avarento de Molière (enc. Erwin Meyenburg); Felizmente Há
Luar! de Luís de Sttau Monteiro (enc. Luís de Sttau Monteiro); Auto da Alma de Gil Vicente
(enc. Amélia Rey Colaço); Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett (enc. Amélia Rey Colaço); O
Vendaval de Virgínia Vitorino (enc. Amélia Rey Colaço, Robles Monteiro), entre outras.
Lia Gama (Bruxa de Capri)
Estudou na Escola René Simon, em Paris. Trabalhou no Teatro Estúdio de Lisboa, sob a
direção de Luzia Maria Martins, no Teatro Experimental de Cascais com Carlos Avilez, na
Casa da Comédia trabalhou com João Lourenço e Morais e Castro, no Teatro da
Cornucópia com Luis Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. Trabalhou ainda com Osório Mateus
(Os Cómicos), Jorge Listopad (Teatro da Graça), Fernando Gusmão (Teatro Aberto), João
Mota (Comuna), Norberto Barroca, Carlos Fernando (Teatro da Graça), Filipe La Féria,
Solveig
Nordlund,
Lucinda
Loureiro,
Fernanda
Lapa.
No TNDM II: As Fúrias de Agustina Bessa-Luís (enc. Filipe La Féria); António, Um Rapaz de
Lisboa de Jorge Silva Melo (enc. Jorge Silva Melo); O Crime da Aldeia Velha de Bernardo
Santareno (enc. Carlos Avilez); Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices de Harold
Pinter e vários autores (enc. Jorge Silva Melo); Remix Deluxe, canções; A Mais Velha
Profissão de Paula Vogel (enc. Fernanda Lapa); Esta Noite Improvisa-se de Luigi Pirandello
(enc. Jorge Silva Melo); Agosto em Osage de Tracy Letts (enc. Fernanda Lapa); Rei Édipo a
partir de Sófocles (enc. Jorge Silva Melo).
Carlos Reiriz (Dois)
Nasceu em 1990. Tem o curso de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
No Teatro Experimental de Cascais trabalhou com Carlos Avilez em A Nossa Cidade de
Thornton Wilder, Exilado a Sul de José Jorge Letria, Bruxas de Salem de Arthur Miller e
Roberto Zucco de Bernard-Marie Koltès.
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Henrique Carvalho (Giuglio)
Nasceu em 1991. Tem o curso de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
No Teatro Experimental de Cascais, trabalhou com Carlos Avilez em Muito Barulho por
Nada de William Shakespeare. Participou em Leandro, Rei da Helíria de Alice Vieira com
encenação de Marco Medeiros. Tem trabalhado também em televisão.
Lídia Muñoz (Blackie)
Nasceu em 1990. Tem o curso de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais,
estando neste momento a frequentar a Escola Superior de Teatro e Cinema. No Teatro
Experimental de Cascais, trabalhou com Carlos Avilez em Muito Barulho por Nada de
William Shakespeare. Tem trabalhado também em televisão.
No TNDM II: O Ano do Pensamento Mágico de Joan Didion (enc. Diogo Infante).
Pedro Caeiro (Christopher Flanders)
Nasceu em Oeiras, em 1985. Estreia-se em 2003 no São Luiz, com a peça Caixa de Sombras
de Michael Cristofer, onde também veio a participar em Romeu e Julieta, com encenação
de John Retallack. Em 2005, concluiu o curso de Interpretação da Escola Profissional de
Teatro de Cascais, onde foi aluno de Carlos Avilez, com quem trabalha em vários
espetáculos no TEC. Participou em Répteis de Miguel Graça. Desde 2007 que colabora
regularmente com o Teatro do Vestido. Para além de alguns trabalhos em cinema, tem sido
presença regular na televisão.
No TNDM II: Os Anjos e o Sangue de Bernardo Santareno (leitura encenada).
Renato Pino (Um)
Nasceu em 1990. Tem o curso de Interpretação da Sociedade Guilherme Cossoul, com
supervisão de Raul Solnado, o curso de Expressão Dramática da Casa do Artista e o curso
de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Participou em Répteis de
Miguel Graça. No Teatro Experimental de Cascais, trabalhou com Carlos Avilez em João
Bosco de Maria do Céu Ricardo, A Nossa Cidade de Thornton Wilder, Exilado a Sul de José
Jorge Letria, Bruxas de Salem de Arthur Miller e Roberto Zucco de Bernard-Marie Koltès.
Ricardo Alas (Três)
Nasceu em 1988. Tem o curso de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
No Teatro Experimental de Cascais, trabalhou com Carlos Avilez em O Inferno de Bernardo
Santareno. No Projeto Novos Atores, trabalhou com Renato Godinho em Sonho de Arthur
Schnitzler, Les Parents Terribles de Jean Cocteau, Grécia de Miguel Graça e Seis Graus de
Separação de John Guare. Participou ainda em Off Man a partir de Samuel Beckett, com
direção de Luiz Antunes.
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Rita Cabaço (Simonetta)
Nasceu em 1992. Tem o curso de Interpretação da Escola Profissional de Teatro de Cascais,
estando neste momento a frequentar a Escola Superior de Teatro e Cinema. No Teatro
Experimental de Cascais, trabalhou com Carlos Avilez em A Nossa Cidade de Thornton
Wilder, Exilado a Sul de José Jorge Letria, Bruxas de Salem de Arthur Miller e Roberto
Zucco de Bernard-Marie Koltès.
Sérgio Silva (Rudy)
Em 1985, estreia-se como ator profissional, com a Associação Cultural Marionetas de Lisboa,
na peça D. Quixote e Sancho Pança de António José da Silva, no Centro de Arte Moderna da
Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1987, termina o Curso de Formação de Atores da Escola
Superior de Teatro e Cinema. Passando pelo Centro de Arte Moderna, Teatro Nacional D.
Maria II, Teatro Maria Matos, Teatro da Trindade, Teatro Aberto, Teatro Eunice Muñoz,
Teatro Ruy de Carvalho e Teatro Experimental de Cascais, onde se encontra desde 1987,
participou em peças de Molière, Brecht, Shakespeare, Genet, Gombrowicz, Aristófanes,
Georg Büchner, Miguel Rovisco, Bernardo Santareno, Roberto Cossa, Luiz Francisco Rebello,
Copi, Yves Jamiaque, James Goldman, Ronald Harwood, entre outros. Tem trabalhado com
regularidade na televisão.
No TNDM II: Mãe Coragem de Bertolt Brecht (enc. Vera San Payo de Lemos); Guerras de
Alecrim e Mangerona de António José da Silva, António Teixeira (enc. Carlos Avilez); A Filha
Rebelde de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz (enc. Helena Pimenta).
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