Volume 16 – número 1 Janeiro – Março 2009
Transcrição
Volume 16 – número 1 Janeiro – Março 2009
ISSN: 1809-2950 FISIOTERAPIA e PESQUISA REVISTA DO CURSO DE FISIOTERAPIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL Volume 16 – número 1 Janeiro – Março 2009 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 1 Fisioterapia e Pesquisa Publicação trimestral do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP Fisioterapia e Pesquisa visa disseminar conhecimento científico rigoroso de modo a subsidiar tanto a docência e pesquisa na área quanto a fisioterapia clínica. Publica, além de artigos de pesquisa originais, revisões de literatura, relatos de caso/s, bem como cartas ao Editor. indexada em: LILACS – Latin American and Caribbean Health Sciences; LATINDEX – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientifícas de Américas; CINAHL – Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature; e SportDiscus. EDITORAS-CHEFES Amélia Pasqual Marques Fofito / FMUSP – Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina / USP Débora Bevilaqua Grossi RAL/ FMRP/USP Depto. Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP EDITORES ESPECIALISTAS Celso R. Fernandes de Carvalho – Fofito / FMUSP Isabel de Camargo Neves Sacco – Fofito / FMUSP Jefferson Rosa Cardoso – Depto. Fisioterapia / Univ. Estadual de Londrina Raquel Simoni Pires – Laboratório de Neurociências / Univ. Cidade de São Paulo Rosângela Corrêa Dias – EEFFTO – Escola Educ. Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional / Univ. Federal de Minas Gerais Silvia Maria Amado João – Fofito / FMUSP CORPO EDITORIAL Anamaria Siriani de Oliveira RAL, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP Ribeirão Preto SP Brasil Depto. Engenharia Telecomunicações e Controle Escola Andre Fabio Kohn São Paulo SP Brasil Politécnica / USP Anke Bergmann Curso de Fisioterapia / Centro Univ. Augusto Motta Rio de Janeiro RJ Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Estadual de Londrina Antonio Fernando Brunetto Londrina PR Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de Pernambuco Armèle Dornelas de Andrade Recife PE Brasil Barbara M. Quaney Medical Center / University of Kansas Kansas City KA EUA Fofito / Faculdade de Medicina / USP Clarice Tanaka São Paulo SP Brasil Cláudia R. Furquim de Andrade Fofito / Faculdade de Medicina / USP São Paulo SP Brasil School of Allied Health and Life Sciences / New York Chukuka S. Enwemeka Nova Iorque NY EUA Institute of Technology École de Réadaptation et GRIS, Faculté de Médecine / Univ. Debbie Feldman Montréal QC Canadá de Montréal Faculdade Ciências da Saúde/ Univ. Metodista de Piracicaba Piracicaba SP Dirceu Costa Brasil Fofito / Faculdade de Medicina / USP Fátima A. Caromano São Paulo SP Brasil Neurological Science Institute/ Oregon Health & Science Univ. Portland OR Fay B. Horak EUA Laboratoire d’Automatique, de Méchanique et d’Informatique, Franck Barbier Le Mont Houy França Industrielles et Humaines / Univ. de Valenciennes Depto. Fisioterapia / Univ. de Ribeirão Preto Gil Lúcio Almeida Ribeirão Preto SP Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos Helenice Jane C. Gil Coury São Carlos SP Brasil Dept. Public Health and Primary Health Care / Univ. of Bergen Bergen HD Jan Magnus Bjordal Noruega Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho João Carlos Ferrari Corrêa São Paulo SP Brasil Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais Belo Horizonte MG Brasil Marcelo Bigal Dept. of Neurology, Albert Einstein College of Medicine Bronx NY EUA Escola de Educação Física / Univ. Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre RS Marco Aurélio Vaz Brasil Marcos Duarte Escola de Educação Fisica e Esportes / USP São Paulo SP Brasil Instituto do Coração, Faculdade de Medicina/ USP Maria Ignêz Zanetti Feltrim São Paulo SP Brasil Mariano Rocabado Facultad de Odontología / Univ. Andres Bello Santiago RMS Chile Fofito / Faculdade de Medicina / USP Raquel A. Casarotto São Paulo SP Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal Rio Grande do Norte Ricardo Oliveira Guerra Natal RN Brasil Rinaldo R. J. Guirro RAL / Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP Ribeirão Preto SP Brasil EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais Sérgio Teixeira da Fonseca Belo Horizonte MG Brasil Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho Simone Dal Corso São Paulo SP Brasil Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos Tânia de Fátima Salvini São Carlos SP Brasil Vera Lúcia Israel Curso Fisioterapia / Univ. Federal do Paraná – Litoral Matinhos PR Brasil 2 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) SUMÁRIO CONTENTS Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Editorial PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH Comparação do risco de queda em idosos sedentários e ativos por meio da escala de equilíbrio de Berg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Comparison of fall risk between sedentary and active aged by means of the Berg balance scale Renata Martins Pimentel, Marcos Eduardo Scheicher Adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta a um programa de alongamento muscular pelo método de Reeducação Postural Global . . . . . . . . 11 Respiratory system adaptations relative to pulmonary function in response to a muscle stretching program using the Global Postural Reeducation method Marlene Aparecida Moreno, Aparecida Maria Catai, Rosana Macher Teodori, Bruno Luis A. Borges, Roberta Silva Zuttin, Ester da Silva Ensino de massoterapia: habilidades envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente . . . . . . . . . . . 16 Massotherapy teaching: abilities involved in the therapist-patient relationship Beatriz Calil P. Campos, Terezinha Calil P. Campos, Clarice Tanaka, Fátima Aparecida Caromano Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral. . . . 22 Relationship between postural alignment and motor performance in children with cerebral palsy Andréa Baraldi Cunha, Graziela Jorge Polido, Geruza Perlato Bella, Daniela Garbellini, Carlos Alberto Fornasari Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serraria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Biomechanical risks in sawmill worker postures André Gustavo S. de Oliveira, Hanne Alves Bakke, Jerônimo Farias de Alencar Perfil epidemiológico de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico cadastrados na Estratégia de Saúde da Família em Diamantina, MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Epidemiological profile of stroke survivors registered at the Health Family Strategy of Diamantina, MG Hércules Ribeiro Leite, Ana Paula N. Nunes, Clynton Lourenço Corrêa Efeito de um programa de fisioterapia funcional em crianças com paralisia cerebral associado a orientações aos cuidadores: estudo preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Effect of a functional physical therapy program on cerebral palsy children, associated to guidance for their caregivers: a preliminary study Ana Carolina G. S. Brianeze, Andréa Baraldi Cunha, Sabrina Messa Peviani, Vanessa Cristina R. Miranda, Virlaine B. Lopes Tognetti, Nelci A. C. Ferreira Rocha, Eloisa Tudella Estratégias para ensino de hábitos posturais em crianças: história em quadrinhos versus experiência prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Strategies for teaching postural habits to children: comic strips vs. practical experience Marilia C. Tenorio Rebolho, Raquel Aparecida Casarotto, Silvia M. Amado João Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 3 Efeitos da manipulação do estímulo visual e da intenção na oscilação postural de idosas . . . . . . . 52 Effects of visual stimulus manipulation and of intention on postural oscillation of elderly women Andrei Guilherme Lopes, Milena Razuk, José Angelo Barela Avaliação das propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas imobilizado e submetido à corrente russa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Mechanical property analysis of the gastrocnemius muscle of rats immobilized and submitted to the Russian current Douglas Reis Abdalla, Dernival Bertoncello, Leonardo César Carvalho Aspectos físicos e mentais na qualidade de vida de pacientes com doença de Parkinson idiopática . . . . . . . . . 65 Physical and mental aspects in quality of life of idiopathic Parkinson disease patients Gustavo Christofoletti, Cibelle Kayenne M. R. Formiga, Guilherme Borges, Florindo Stella, Benito Pereira Damasceno Alinhamento frontal estático do joelho e cargas plantares durante a marcha de adultos jovens assintomáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Static frontal knee alignment and plantar loads during gait in healthy young adults Isabel C.N. Sacco, Francis Trombini-Souza, Ana Paula Ribeiro, Aline A. Gomes, Maria I. Roveri, Dominique R. M. V. Silva, Lina G. Cadamuro, Mariana F. Cagliari, Priscila S. Souza Desenvolvimento de um recurso didático multimídia para o ensino de higiene brônquica . . . . . . 76 Development of a multimedia tool for teaching bronchial hygiene Cibele C. Berto M. da Silva, Sonia Lucia P. de T. Carvalho, Celso R. Fernandes de Carvalho O lugar social do fisioterapeuta brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 The social place of Brazilian physical therapists Ana Lúcia de Jesus Almeida, Raul Borges Guimarães RELATO DE CASOS CASE REPORT Estimulação elétrica funcional na subluxação crônica do ombro após acidente vascular encefálico: relato de casos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Functional electrical stimulation for shoulder subluxation after chronic stroke: a case report Juliana Barbosa Corrêa, Heloise Cazangi Borges, Paulo Roberto G. Lucareli, Richard Eloin Liebano Instruções para os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Ficha de assinatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 4 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) EDITORIAL EDITORIAL Neste ano a fisioterapia brasileira completa 40 anos de regulamentação. Nesse período nossos profissionais construíram uma história de dignificação, de desenvolvimento e de evolução profissional – mas não foi sem lutas e muito trabalho que isso aconteceu. Muito há para se construir e melhorar, porém conseguimos chegar a um resultado que consolida a fisioterapia brasileira como uma das mais desenvolvidas do mundo. Somos hoje, aproximadamente, 140 mil fisioterapeutas que prestam assistência, ensinam, pesquisam e levam o nome de nossa profissão e de nossa ciência para o mundo. Fisioterapia e Pesquisa faz parte dessa história de dignificação profissional, contribuindo para a divulgação de nossos saberes e de nossos fazeres pela publicação de trabalhos relevantes e competentes, mostrando o potencial científico em nosso país e apoiando os eventos que se destinam à comunicação de nossa ciência. Por esse motivo, a revista apóia o XVIII Congresso Brasileiro de Fisioterapia. O primeiro Congresso Brasileiro de Fisioterapia realizou-se na cidade do Rio de Janeiro em 1964. Neste ano, em que completamos 40 anos de profissão, o XVIII Congresso Brasileiro de Fisioterapia será realizado na Cidade Maravilhosa, de 14 a 17 de outubro de 2009. O evento está sob a responsabilidade da AFB – Associação de Fisioterapeutas do Brasil, que recebe apoio do sistema Coffito/Crefito, das associações regionais e de especialidades da Fisioterapia, contando com os mais variados parceiros, ressaltando o apoio da WCPT (Confederação Mundial de Fisioterapia) e da CLAFK (Confederação Latino-Americana de Fisioterapia e Kinesioterapia). O Congresso está sendo preparado por profissionais que representam os diversos estados do Brasil e contará com renomados palestrantes, nacionais e internacionais, além de contar com cursos pré-congresso, mesas redondas e todas as atividades científicas e sociais características desse tipo de evento. As Associações de Especialidades da Fisioterapia participam ativamente da formatação do evento e emprestam seu brilho e prestígio ao Congresso. Vale ressaltar que nos dias 12 e 13 de outubro teremos a honra de sediar o Conselho Consultivo da CLAFK, oportunidade em que receberemos os representantes da fisioterapia dos países latino-americanos e poderemos mostrar-lhes o brilho de nosso país e de nossa profissão. A fisioterapia brasileira merece um evento grandioso. E essa grandiosidade somente será alcançada mediante a presença de nossos profissionais. Por isso convidamos todos os fisioterapeutas e estudantes de fisioterapia do Brasil a congregar-se e celebrar mais esse momento histórico de nossa profissão. O XVIII Congresso Brasileiro de Fisioterapia e a cidade do Rio de Janeiro querem recebê-los com entusiasmo e carinho. Até lá. Reginaldo Antolin Bonatti Presidente da AFB Fisioter Pesq. Fisioter 2 0 09;16(1) Pesq. 2 0 09;16(1) 5 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.6-10, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Comparação do risco de queda em idosos sedentários e ativos por meio da escala de equilíbrio de Berg Comparison of fall risk between sedentary and active aged by means of the Berg balance scale Renata Martins Pimentel1, Marcos Eduardo Scheicher2 Estudo desenvolvido no Depto. de Educação Especial, Curso de Fisioterapia da Unesp – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Marília, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta 2 Prof. Dr. do Curso de Fisioterapia da Unesp ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Marcos E. Scheicher Depto. de Educação Especial / Unesp Av. Hygino Muzzi Filho 737 17525-900 Marília SP e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO set. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO jan. 2009 6 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):6-10 09;16(1) RESUMO: O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, do qual o Brasil apresenta um dos mais agudos processos. A prática regular de exercícios por idosos pode melhorar a capacidade física, proporcionar ganho de auto-estima e confiança, contribuindo para diminuição do risco de quedas, comuns em idosos. Este estudo visou comparar o risco de quedas entre idosos sedentários e ativos, verificando como a prática de exercício físico se reflete no desempenho dos sujeitos na escala de Berg. Foram avaliados por esse instrumento 70 idosos, divididos em 2 grupos: sedentários (n=35) e ativos (n=35). Os escores médios na escala de Berg dos grupos sedentário e ativo foram 47,7±5,6 pontos e 53,6±3,7, respectivamente (p<0,0001). A análise dos escores evidenciou que o grupo sedentário apresentou 15,6 vezes mais risco de quedas do que o grupo ativo (p=0,002). O desempenho na escala de Berg foi pior no grupo sedentário do que no ativo, sugerindo que a prática regular de atividades físicas pode interferir nesse desempenho e que os sujeitos ativos têm menor risco de queda. DESCRITORES: Acidentes por quedas/prevenção e controle; Equilíbrio musculoesquelético; Idoso ABSTRACT: Population aging is a worldwide phenomenon which is particularly acute in Brazil. Regular physical exercise by the aged may improve physical capacity, provide gains in self-esteem and confidence, and contribute to reducing the number of falls, which are common among the elderly. This study aimed at comparing fall risk between sedentary and active elderly subjects, by assessing how the regular practice of physical exercises is reflected by subjects’ performance at the Berg balance scale. Seventy elderly subjects were divided into 2 groups, sedentary (n=35) and active (n=35), and submitted to the Berg test. The sedentary group mean score at the Berg scale was 47.7±5.6, and the active groups’, 53.6±3.7 (p<0.0001). The odds ratio analysis showed that fall risk was 15.6 times higher for the sedentary group as compared to the active group (p=0.002). Since the performance of the sedentary group at the Berg scale was worse than the active group’s, it may be said that regular practice of physical activities affects such performance, and that physically active subjects present less fall risk than sedentary ones. KEY WORDS: Accidental falls/prevention & control; Aged; Musculoskeletal equilibrium Pimentel & Scheicher Quedas e atividade física em idosos INTRODUÇÃO Segundo projeção da Organização Mundial da Saúde, o Brasil terá, até o ano de 2025, um crescimento do número de idosos cinco vezes maior do que o da população total, chegando a 30 milhões, colocando-o entre os seis primeiros países com população mais idosa no mundo1,2. Um estudo realizado no Rio de Janeiro em 19983, sobre saúde e qualidade de vida do idoso, demonstrou que 71% dos idosos eram totalmente independentes quanto à realização das atividades de vida diária (AVD) – dos quais 27% poderiam ser classificados como fisicamente condicionados, por exercerem atividade física moderada –, 10,8% fisicamente frágeis, revelando dependência parcial, e os demais (18,2%) foram considerados fisicamente dependentes. As quedas na população idosa têm sido consideradas um problema de saúde pública. A queda pode ser definida como um evento ou deslocamento nãointencional do corpo que tem como resultado a mudança de posição do individuo para um nível mais baixo em relação à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil4,5. Pereira et al.6 demonstraram que 30% dos idosos do Brasil caem ao menos uma vez ao ano e que a maioria dessas quedas (51%) ocorrem entre idosos com mais de 85 anos. Outros estudos demonstraram que essa prevalência relaciona-se com o grau de independência. Assim, idosos que requerem ajuda para a realização das AVD têm 14 vezes maior probabilidade de cair, quando comparados àqueles de mesma faixa etária, porém independentes6. No que concerne as conseqüências, aproximadamente 5% das quedas levam a fraturas, mais freqüentes entre mulheres do que homens – maior ocorrência de fratura de fêmur proximal em mulheres (90,21/10.000) do que em homens (25,46/10.000)7 –, apesar de os homens apresentarem um índice maior de mortes pós-fraturas8. O desenvolvimento de instrumentos para verificação de risco de quedas visa avaliar a funcionalidade, o equilíbrio, a velocidade e a marcha de cada idoso que sofreu ou que tende a sofrer alguma queda. Dentre esses instrumentos destacam-se o teste de levantar e caminhar cronometrado (timed up and go test), a escala de equilíbrio funcional de Berg e a escala de mobilidade orientada ao desempenho de Tinetti9-11. A escala de equilíbrio de Berg estã diretamente relacionada a outros testes de equilíbrio e mobilidade, apresentando uma confiabilidade de teste re-teste de 98%12. Outra particularidade dessa escala é a relação não-linear entre a pontuação e o risco de queda correspondente. Os escores variam de 0 a 56 e, quanto maior o escore, melhor o equilíbrio do sujeito avaliado12. Assim, cada ponto a menos na escala corresponde a um aumento do risco de quedas; entre os escores 56 a 54, cada ponto a menos é associado a um aumento de 3 a 4% no risco de quedas; entre 54 e 46, a um aumento de 6 a 8% de chances, sendo que abaixo de 36 pontos o risco de quedas é de quase 100%13. Whitney et al.14, em um artigo de revisão, evidenciaram maior confiabilidade e validade para a utilização em pesquisas científicas da escala de equilíbrio de Berg do que outros instrumentos de avaliação, enquanto VanSwearingen et al.15, em outra revisão, destacaram sua utilização na prática clínica da reabilitação. Lajoie e Gallagher8 também demonstram, por meio de elevados índices de sensibilidade e especificidade, que o teste de Berg pode ser considerado valioso para avaliação e previsão de futuras quedas. Shumway-Cook et al.16 relataram que a escala de equilíbrio de Berg foi a que melhor previu o risco de quedas nos idosos residentes na comunidade, quando comparada ao teste de Tinetti. A saúde do idoso está amplamente relacionada a dois fatores: hábitos de vida e nível de atividade física17. Apesar de alguns estudos mostrarem a importância dos exercícios na melhora da saúde do idoso18, ainda se faz necessário avaliar se os mesmos interferem na probabilidade de quedas. Assm, o objetivo do trabalho foi analisar a probabilidade de ocorrência de quedas em idosos sedentários e ativos, por meio do teste de Berg. METODOLOGIA Foram analisados 70 idosos com idades acima de 60 anos. Todos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo este estudo sido aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, SP. Os idosos deviam formar dois grupos, de ativos e sedentários. Para o grupo de ativos (n=35) foram selecionados voluntários integrantes de grupos da terceira idade de Marília, como os mantidos pela Unati – Universidade Aberta da Terceira Idade – e pela União de Aposentados e Pensionistas de Marília, que participavam de atividades físicas como alongamento, exercícios aeróbios (caminhadas) e exercícios com pesos, em duas sessões semanais de 50 minutos cada, há pelo menos 6 meses. O grupo de sedentários foi composto por idosos residentes na cidade de Marília que não realizavam exercícios físicos. Os critérios de inclusão foram ter idade acima de 60 anos e capacidade para compreender as questões feitas pelo avaliador. Foram excluídos idosos que apresentassem doenças que interferissem no equilíbrio (labirintite, anemia etc.) ou que dependessem de auxílio para manter o equilíbrio. Procedimentos Após prévia avaliação (em que foram feitas perguntas sobre doenças, uso de medicamentos e número de quedas no último ano), os idosos foram submetidos à avaliação físico-funcional por meio do teste de Berg. Antes da aplicação do teste, as atividades que compõem a avaliação foram demonstradas pelo avaliador e em seguida os idosos foram submetidos ao teste de Berg. Durante os testes, não houve intervenção por parte dos pesquisadores. O teste é composto por 14 tarefas (movimentos); a cada uma podem ser atribuídos de zero (incapaz de realizar) a quatro pontos (realiza com independência). O teste avalia tanto a forma como é realizada cada tarefa como o tempo para realizá-la. Os escores totais variam de 0 a 56 pontos, sendo que a máxima pontuação corresponde ao me- Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):6-10 7 lhor desempenho. Os elementos do teste são movimentos comuns nas AVD, indicando o equilíbrio do sujeito ao realizar as atividades motoras, podendo assim prever a probabilidade de ocorrência de quedas19. Escores 55 Análise estatística RESULTADOS A Tabela 1 resume as caracerísticas dos sujeitos da amostra quanto ao sexo, idade, número de quedas, realização de atividades físicas, doenças e uso de medicamentos. Não houve diferença significativa entre as idades nos dois grupos (p=0,65). Do total de participantes, 25,7% eram do sexo masculino, tanto no grupo sedentário quanto no ativo. Tabela 1 Características dos sujeitos dp = desvio padrão; M = masculino; F = feminino O Gráfico 1 mostra os valores dos escores individuais obtidos no teste de Berg para cada grupo e a comparação entre os valores dos idosos sedentários e os ativos. O desempenho médio no grupo sedentário foi 47,7±5,6 e, no ati- 8 Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):6-10 09;16(1) 45 35 Média dos valores 30 Sedentários Ativos Gráfico 1 Resultados individuais dos escores obtidos na escala de Berg pelos grupos sedentário (n=35) e ativo (n=35) 70 60 Ativos 50 Sedentários 40 30 20 10 0 Maior risco de quedas Menor risco de quedas Gráfico 2 Distribuição dos idosos dos dois grupos, sedentários (n=35) e ativos (n=35), segundo o maior ou menor risco de quedas (pontuação de corte na escala de Berg = 45) Sedentários Ativos n=35 n=35 Média de idade (anos) r dp 68,6r6,1 67,7r6,3 Sexo (M/F) 9/26 9/26 N médio de quedas 21 (60%) 11(31,5%) Realiza atividades físicas (%) 0 100 N médio de medicamentos 5 4 Doenças Diabetes 22 20 Hipertensão arterial 19 15 Labirintite 0 0 Anemia 0 0 Característica 50 40 Número de sujeitos A comparação entre os valores individuais obtidos na escala de Berg foi realizada por meio do teste de MannWhitney. O risco de quedas foi calculado por meio da razão de chance (odds ratio), levando-se em consideração escores maiores ou menores que 45: segundo Berg et al.12, escores abaixo de 45 são preditivos de futuras quedas. Foi aceito como significante um valor de p ≤0,05. p<0,0001 60 vo, 53,6±3,7 (p<0,0001), revelando uma diferença significativa nos escores da escala de Berg entre idosos que praticam atividades físicas e os que não praticam. Dos 35 indivíduos do grupo sedentário, 24 obtiveram escore superior a 45; e, dos 35 participantes do grupo ativo, 34 tiveram escore acima de 45 na escala de Berg – apenas 1 obteve escore inferior a 45. O Gráfico 2 mostra o risco de quedas (expresso pela OR, odds ratio) entre os grupos sedentário e ativo. O valor da OR foi de 15,58 com intervalo de confiança de 1,8 a 128,9 e p=0,002, ou seja, os sedentários têm mais de 15 vezes mais chance de quedas do que os ativos. DISCUSSÃO As quedas e suas conseqüências, mais freqüentes na população idosa, representam um problema na saúde dessa faixa etária pois, ao cair, os idosos correm mais riscos de lesões20. Além disso, um idoso que sofreu uma queda pode desenvolver o que se chama de “síndrome pós-queda”, em que o impacto psicológico pode levá-lo à diminuição das AVD21. Freitas e Scheicher22, estudando o medo de quedas em uma população idosa, concluíram que a queda e o medo de novas quedas constituem graves problemas para essa população; no grupo estudado, revelou-se grande medo de ocorrência de novas quedas. Parece claro que a prática regular de atividades físicas é uma medida importante na melhora da qualidade de vida dos idosos23,24. A realização de ativida- Pimentel & Scheicher des físicas pode ter efeitos positivos sobre a estabilidade postural e sobre o risco de quedas, proporcionando aumento do equilíbrio, da habilidade funcional, da mobilidade e força e da coordenação25. Um estudo5 com o mesmo objetivo deste comparou idosos que praticavam atividades físicas com aqueles que não praticavam, utilizando o teste de levantar e caminhar cronometrado (timed up and go). Os autores observaram que muitos idosos têm propensão a quedas, pois em ambos os grupos foram encontrados indivíduos com, pelo menos, risco médio de quedas. Porém, aqueles que praticavam atividade física regularmente apresentavam maior nível de mobilidade e menor propensão a quedas, quando comparados ao grupo sedentário. Similarmente aos resultados encontrados por Guimarães et al.5, observouse no presente estudo que os idosos sedentários apresentavam, de acordo com os escores da escala de Berg, uma propensão maior a quedas quando comparados aos idosos ativos. Estudos têm demonstrado que há um risco aumentado na ocorrência de quedas em pessoas com escore menor que 45 na Escala de Berg12,26. Em nosso estudo, no grupo sedentário, 34 idosos apresentaram escore menor que 45, de um total de 35 participantes, enquanto no grupo ativo 14 idosos obtiveram escore menor que 45. A importância do exercício físico tem sido discutida em diversos estudos. A Quedas e atividade física em idosos preocupação com o envelhecimento da população tem mobilizado profissionais da saúde a estabelecer medidas para retardar as conseqüências das doenças crônico-degenerativas. E a maioria dos estudos realizados com essa população defende a realização de atividade física como método de prevenção25,27. Uma preocupação também relevante relacionada ao exercício físico é que normalmente idosos sedentários apresentam diminuição da capacidade funcional – e esse deficit tem papel significativo no aumento da incidência de quedas. Esta, por sua vez, tem relação direta com prejuízo do equilíbrio, comprometimento das atividades instrumentais, limitações da mobilidade articular, da marcha e da força muscular4. Os resultados do presente estudo, ao indicar uma diferença de 40% de probabilidade de quedas em idosos ativos e sedentários (Gráfico 2), estão em concordância com os de Mazo et al.20, de que a atividade física contribui para a menor incidência de quedas na população idosa. Dentre as estratégias para diminuir a ação dos fatores de risco para as quedas, a prática de exercício tem sido comprovada como uma proposta de intervenção eficaz27. No presente estudo, observou-se que os idosos de ambos os grupos apresentaram quedas (antes e durante a realização das atividades físicas), segundo suas respostas às perguntas feitas antes do teste quanto ao número de quedas so- fridas (Tabela 1): o grupo sedentário relatou número maior dessa ocorrência, porém a ocorrência de quedas no grupo ativo não foi nula. De fato, mesmo os idosos que apresentarem pontuação máxima dos escores (56) na escala de Berg ainda têm chance de 10% de queda9. A probabilidade desses 10% de quedas deve-se aos inúmeros fatores que predispõem um indivíduo às quedas, já citados; além disso, defender que somente a prática de atividades físicas pode reduzir o risco de quedas é inconsistente27,29. Neste estudo, tomou-se o cuidado de excluir ao máximo os fatores que diferenciassem a amostra, buscando-se uma amostra homogênea sem diferenças estatísticas quanto a idade, sexo e capacidade de realização de AVD de forma independente, e sem histórico de doenças que poderiam afetar diretamente o equilíbrio. Berg et al.12 também apontaram problemas ambientais como causas freqüentes de quedas, nos quais tropeços e escorregões somaram 59% das causas de quedas, e problemas com degraus representaram 12%. CONCLUSÃO Os resultados permitem concluir que o desempenho no teste de Berg foi pior no grupo sedentário do que no ativo, sugerindo que idosos sedentários têm maior risco de quedas e que a prática regular de atividades físicas interfere nesse desempenho. REFERÊNCIAS 1 Chaimowicz F, Ferreira TJM, Miguel DFA. Uso de medicamentos psicoativos e seu relacionamento com quedas entre idosos. Rev Saude Publica. 2000;34(6):631-5. 2 Silva MC. O processo de envelhecimento no Brasil: desafios e perspectivas. Textos Envelhecimento. 2005;8(1). 3 Anderson MIP, Assis M, Pacheco LC, Silva FA, Menezes IS, Duarte T, et al. Saúde e qualidade de vida na terceira idade. Textos Envelhecimento. 1998;1(1), 4 Perracini MR, Ramos LR. Fatores associados a quedas em uma coorte de idosos residentes da comunidade. Rev Saude Publica. 2002;36(6):709-36. 5 Guimarães LHCT, Galdino DCA, Martins FLM, Vitorino DFM, Pereira KL, Carvalho EM. Comparação da propensão de quedas entre idosos que praticam atividade física e idosos sedentários. Rev Neurocienc. 2004;12(2):[3p]. Disponível em: www.revistaneurociencias.com.br. 6 Pereira SRM, Buksman S, Perracini MPYL, Barreto KML, Leite VMM. Queda em idosos. In: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina. Diretrizes. Rio de Janeiro SBGG; 2001. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :6-10 9 Referências (cont.) 7 Komatsu RS. Incidência de fraturas do fêmur proximal em Marília, São Paulo, Brasil,1994 e 1995 [dissertação]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 1998. 18 Faber MJ, Bosscher RJ, Chin AP, van Wieringen PC. Effects of exercise programs on falls and mobility in frail and prefrail older adults: a multicenter randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil. 2006;87:885-96. 8 Lajoie Y,Gallagher SP. Predicting falls within the elderly community: comparison of postural sway, reaction time, the Berg balance scale and the Activities-specific Balance Confidence (ABC) scale for comparing fallers and non-fallers. Arch Gerontol Geriatr. 2004;38:11-26. 19 Miyamoto ST, Lombardi Júnior I, Berg KO, Ramos LR, Natour J. Brazilian version of the Berg balance scale. Braz J Med Biol Res. 2004;37(9):1411-21. 9 Tinetti M E, Speecheley M. Prevention of falls among the elderly. N Engl J Med. 1989;320:1055-9. 10 Podsiadlo D, Richardson S. The “Timed Up & Go” : a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatric Soc. 1991;39:142-8. 11 Shumway-Cook A, Balwin M, Polissar NL. Gruber W. Predicting the probability for falls in communitydwelling older adults. Phys Ther. 1997;77(8):812-9. 20 Mazo GZ, Liposcki DB, Ananda C, Prevê D. Condições de saúde, incidência de quedas e nível de atividade física dos idosos. Rev Bras Fisioter. 2007;11(6):437-42. 21 Fabrício SCC, Rodrigues RAP, Costa Júnior ML. Causas e conseqüências de quedas em idosos atendidos em hospital público. Rev Saude Publica. 2004;38(1):93-9. 22 Freitas MAV, Scheicher ME. Preocupação de idosos em relação a quedas. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2008;11:57-64. 12 Berg KO, Wood-Dauphinnee SL, Williams JT, Maki B. Measuring balance in the elderly: validation of an instrument. Can J Public Heath. 1992;83(Suppl 2):S7-S11. 23 Lauritizen JB, Schwarz P, Lund B, McNair P, Transbel I. Changing incidence and residual lifetime risk of common osteoporosis-related fractures. Osteoporos Int. 1993;3(3):127-32. 13 Newstead AH, Hinman MR, Tomberlin JA. Reliability of the Berg Balance Scale and balance master limits of stability tests for individuals with brain injury. J Neurol Phys Ther. 2005 Mar;29(1):18-23 24 O'Loughlin JL, Robitaille Y, Boivin JF, Suissa S. Incidence of and risk factors for falls and injurious falls among the community-dwelling elderly. Am J Epidemiol.1993;137:342-54. 14 Whitney SL, Poole JL, Cass SP. A review of balance instruments for older adults. Am J Occup Ther. 1998;52(8):666-71. 25 Skelton DA. Effects of physical activity on postural stability. Age Ageing. 2001;30(Suppl 4):33-9. 15 VanSwearingen JM, Paschal KA, Bonino P, Chen TW. Assessing recurrent fall risk of community-dwelling, frail older veterans using specific tests of mobility and the physical performance test of function. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1998;53(6):M457-64. 16 Shumway-Cook A, Woollacott MH. Controle motor: teorias e aplicações práticas. 2a ed. Barueri: Manole; 2003. 17 Oliveira RF, Matsudo SM, Andrade DR, Matsudo V. Efeitos do Tai Chi Chuan na aptidão física de mulheres adultas e sedentárias. Rev Bras Cienc Mov. 2001;9(3):15-22. 10 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):6-10 09;16(1) 26 VanSwearingen JM, Brach JS. Making geriatric assessment work: selecting useful measures. Phys Ther. 2001;81:1233-52. 27 Gardner MM, Robertson MC, Campbell AJ. Exercise in preventing falls and fall-related injuries in older people: a review of randomised controlled trials. Br J Sports Med. 2000;34(1):7-17. 28 Spirduso WW. Dimensões físicas do envelhecimento. Barueri: Manole; 2005. 29 Gregg EW, Pereira MA, Caspersen CJ. Physical activity, falls, and fractures among older adults: a review of the epidemiologic evidence. J Am Geriatr Soc. 2000;48(8):883-93. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.11-5, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta a um programa de alongamento muscular pelo método de Reeducação Postural Global Respiratory system adaptations relative to pulmonary function in response to a muscle stretching program using the Global Posture Reeducation method Marlene Aparecida Moreno1, Aparecida Maria Catai2, Rosana Macher Teodori3, Bruno Luis Amoroso Borges4, Roberta Silva Zuttin5, Ester da Silva6 Estudo desenvolvido no Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Cardiovascular e de Provas Funcionais do PPG-Ft – Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da Unimep – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do PPG-Ft da Unimep 2 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do PPG-Ft da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP 3 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do PPG-Ft da Unimep 4 Fisioterapeuta; Prof. Ms. do Curso de Fisioterapia da Unimep 5 Fisioterapeuta Ms. 6 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do PPG-Ft da Unimep Colaborador: Marcelo de Castro Cesar, Prof. Dr. do PPG em Educação Física da Unimep ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Marlene A. Moreno R. Santa Cruz 990 Bairro Alto 13419-030 Piracicaba SP e-mail: [email protected] RESUMO: A proposta deste estudo foi analisar as adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta ao alongamento da cadeia muscular respiratória pelo método de Reeducação Postural Global (RPG). Foram estudados 20 homens, sedentários, de antropometria semelhante, sem antecedentes de doenças musculoesqueléticas ou cardiorrespiratórias. Os voluntários foram divididos aleatoriamente em dois grupos de dez, sendo um grupo controle (GC), que não participou do protocolo de alongamento, e o outro submetido à intervenção pelo método de RPG, denominado grupo tratado (GT). O alongamento foi realizado duas vezes por semana, durante oito semanas, totalizando 16 sessões. Os dois grupos foram submetidos à prova de função pulmonar, medindo-se a capacidade vital lenta, capacidade vital forçada e ventilação voluntária máxima, antes e após o período de intervenção. Os valores obtidos em todas as variáveis dos voluntários do GC na avaliação inicial não apresentaram diferença estatisticamente significante quando comparados aos obtidos na avaliação final (p>0,05). No GT os valores finais apresentaram-se significativamente maiores que os iniciais (p<0,05). O protocolo de alongamento da cadeia muscular respiratória proposto pelo método de RPG mostrou pois ser eficiente para promover aumento das variáveis espirométricas, sugerindo que pode ser utilizado como um recurso fisioterapêutico coadjuvante às condutas de fisioterapia respiratória. DESCRITORES: Exercícios de alongamento muscular; Exercícios respiratórios; Postura ABSTRACT: The aim of this study was to analyse the respiratory system adaptations concerning pulmonary function in response to stretching the respiratory muscle chain, by means of Global Posture Reeducation (GPR). Twenty sedentary young men with similar anthropometry and no history of musculoskeletal or cardiorespiratory disease were randomly divided into two groups of ten each: control group (CG), who did no stretching, and treated group (TG), submitted to GPR. Stretching was carried out twice a week for 8 weeks, in a total of 16 sessions. The two groups were submitted to pulmonary function tests to assess slow vital capacity, forced vital capacity and maximal voluntary ventilation, before and after the intervention period. The initial values of all spirometric variables measured in CG volunteers showed no statistically significant differences when compared to those of the final evaluation (p>0.05), whereas in TG all values increased after intervention (p<0.05). The GPR respiratory muscle chain stretching protocol thus proved efficient to promote an increase in spirometric variables, suggesting that it may be used as an auxiliary resource in respiratory physical therapy. KEY WORDS: Breathing exercises; Muscle stretching exercises; Posture Apoio financeiro: Fundo de Apoio à Pesquisa da Unimep APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO jan. 2009 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5 11 INTRODUÇÃO A relação entre atividade física e saúde está bem estabelecida: os exercícios físicos associam-se a um estilo de vida saudável e aumento da expectativa de vida e, cada vez mais, mostram indícios de efeitos benéficos à saúde. Alguns autores estudaram o comportamento da função pulmonar em sujeitos saudáveis frente à realização de treinamentos físicos diversos1,2 e os resultados demonstram que, mesmo saudáveis, os sedentários apresentam pior função pulmonar quando comparados a sujeitos ativos3,4. Como um dos efeitos da inatividade, a mobilidade muscular pode ser alterada devido às modificações das proteínas contráteis e do metabolismo das mitocôndrias, resultando em atrofia, fraqueza5, diminuição do número de sarcômeros e aumento na deposição de tecido conjuntivo6, levando ao encurtamento muscular e limitação da mobilidade articular. Apesar de a musculatura respiratória não ser passível de imobilização, sua constante ação de contração favorece uma postura em inspiração; o encurtamento dos músculos da cadeia respiratória leva ao aumento do volume pulmonar em repouso, caracterizando tórax com grande diâmetro7, restringindo assim a mobilidade da caixa torácica. Portanto, para que ocorram os ciclos respiratórios de forma adequada, deve haver um sincronismo entre a caixa torácica, os pulmões e a musculatura respiratória, atuando de forma harmoniosa e coordenada para tornar possível um fenômeno tão complexo8. O exercício de alongamento muscular tem sido bastante estudado e difundido, pois permite que o músculo recupere seu comprimento necessário para manter o alinhamento postural correto e a estabilidade articular, garantindo principalmente a integridade e a função muscular9,10. No entanto, estudos sobre seu efeito na função pulmonar ainda são incipientes, possivelmente por se tratar de um grupo muscular de funcionamento complexo. O método de Reeducação Postural Global (RPG), baseado nas cadeias musculares posturais, apresenta preocupação especial com o alongamento da musculatura respiratória e tem demonstrado influência 12 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):11-5 09;16(1) positiva na mecânica respiratória11. Considerando a proposta do método de RPG, este estudo visou analisar, em homens sedentários, as adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta ao alongamento da cadeia muscular respiratória, na postura da RPG “rã no chão com os braços abertos”. METODOLOGIA Este é um estudo prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimep. Os voluntários foram informados e esclarecidos a respeito dos objetivos e da metodologia experimental à qual seriam submetidos, explicitando o caráter não-invasivo dos procedimentos. Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O cálculo amostral foi feito usando o aplicativo GraphPad StatMate (v. 1.01i) para o nível de confiança de 95% e poder de força da amostra (power) de 80%, utilizando-se a variável CVF. Participaram do estudo 20 voluntários jovens, estudantes do Curso de Fisioterapia da Unimep, do sexo masculino, nãotabagistas, de antropometria semelhante e sedentários, ou seja, com capacidade aeróbia “fraca”, de acordo com a classificação da American Heart Association12. Esta foi avaliada pelo teste ergoespirométrico realizado em cicloergômetro Corival 400 (Quinton, Seattle, WA, USA), utilizando um analisador metabólico específico (CPXD, Med Graphics, St. Paul, MN, USA). Apesar de hígidos, todos apresentavam força muscular inspiratória abaixo do predito, de acordo com a equação de Tabela 1 predição dos valores normais proposta por Neder et al.13, segundo os as medidas obtidas das pressões inspiratórias máximas (PImáx) (Tabela 1). Não tinham antecedentes de doenças musculoesqueléticas, cardiovasculares ou respiratórias, conforme avaliação clínica prévia, e apresentavam encurtamento da cadeia muscular respiratória, de acordo com avaliação postural preconizada por Souchard e Ollier14. Os voluntários foram divididos em dois grupos de dez por randomização realizada por tabela numérica, sendo um grupo controle (GC), que não participou do protocolo de alongamento, e o outro submetido à intervenção pelo método de RPG, denominado grupo tratado (GT). Antes e após o período de intervenção, todos os voluntários foram submetidos à avaliação da função pulmonar por espirometria. A amostra foi familiarizada com todos os procedimentos antes do início do experimento; durante o período experimental não houve perda amostral. O pesquisador que realizou todas as medidas era cegado, ou seja, não tinha conhecimento se o voluntário era do GC ou GT, para que não houvesse influência nos resultados. Todos os experimentos foram realizados no mesmo período do dia (entre as 14 h e 17 h), com o objetivo de evitar as influências do ciclo circadiano nas variáveis estudadas. O voluntário repousou por 10 minutos antes do teste e todos os procedimentos lhe foram descritos cuidadosamente. As provas de função pulmonar foram realizadas de acordo com as orientações da American Thoracic Society15 e das Características (média ± desvio padrão) dos grupos controle (GC) e tratado (GT) Característica GC (n=10) Idade (anos) 23,4r2,7 Massa corporal (kg) 81,1r7,3 Estatura (cm) 177,7r6,1 25,6r1,2 IMC (kg/m2) PImáx predita (cmH2O) -139,4r3,8 PImáx obtida (cmH2O) -104,5r12,1 VO2pico (mL/kg/min-1) 30,3r4,6 GT (n=10) 22,9r2,0 80,0r4,3 176,4r5,7 25,1r1,9 -139,09r2,4 -105,5r11,1 30,2r4,1 IMC = Índice de massa corporal; PImáx: pressão inspiratória máxima; VO2pico = consumo de oxigênio no pico do exercício (não houve diferença estatisticamente significante em qualquer das variáveis, p>0,05) Moreno et al. diretrizes para testes de função pulmonar de Pereira16, usando um espirômetro (Med Graphics Breeze 6.0, St. Paul, MN, USA). Nessas provas foram medidas a capacidade vital lenta (CVL), capacidade vital forçada (CVF) e ventilação voluntária máxima (VVM). Cada manobra foi realizada até se obterem três curvas aceitáveis e duas reprodutíveis, não excedendo mais que oito tentativas. Os valores de referência utilizados foram os de Pereira16, e os resultados obtidos, expressos em condições de temperatura corporal e pressão ambiente saturada com vapor d’água (BTPS body temperature and pressure saturated). O exame foi realizado com o voluntário sentado, a cabeça mantida em posição neutra e fixa, e um clipe nasal foi usado para evitar vazamento de ar pelas narinas. Pelos testes espirométricos foram obtidos os valores absolutos e em porcentagem do previsto para cada grupo, referentes à CVL, capacidade inspiratória (CI), CVF, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e VVM. As cadeias musculares submetidas ao alongamento utilizando a postura “rã no chão com braços abertos” foram: a) cadeia inspiratória, constituída pelos músculos escalenos, peitoral menor, intercostais e diafragma e seu tendão; b) cadeia ântero-interna do ombro, constituída pelos músculos subescapular, coracobraquial e peitoral maior; c) cadeia anterior do braço, constituída pelos músculos trapézio superior, deltóide médio, coracobraquial, bíceps braquial, braquiorradial, pronador redondo, palmares, flexores dos dedos, tenares e hipotenares; d) cadeia ântero-interna do quadril, constituída pelos músculos psoas ilíaco, pectíneo, adutor curto, adutor longo, grácil e porção anterior do adutor magno17. Previamente à realização da postura, os voluntários do GT foram submetidos à manobra para relaxamento do diafragma, preparando-o para o alongamento7. Esta consistiu de uma massagem realizada bilateralmente com a ponta dos dedos, aplicada desde o ângulo costoxifoidiano até as últimas costelas, utilizando pressões suaves sobre a pele. Para a postura “rã no chão com os braços abertos”, o voluntário foi posicionado em decúbito dorsal com os braços a Método de RPG e função pulmonar Tabela 2 Medidas espirométricas (valores absolutos e percentual em relação aos preditos, %) antes e após o tratamento nos grupos controle (GC) e tratado (GT) Variáveis espirométricas CVL (L) CVL % CI (L) CI % CVF (L/s) CVF % VEF1 (L/s) VEF1 % VVM (L/min) VVM % GC (n=10) Antes 5,42r0,4 97,7r9,3 3,64r0,4 101,2r12,7 5,6r0,5 100,5r7,7 4,57r0,3 99,1r7,7 181,9r21,0 98,1r14,4 Após 5,25r0,6 94,9r16,0 3,72r0,3 104r9,3 5,54r0,3 99,7r7,6 4,53r0,3 98,6r8,3 174,6r15,0 94,4r11,6 Antes GT (n=10) Após 4,98r1,0 92,4r16,3 3,41r0,5 98,1r15,7 5,46r0,7 100,8r10,9 4,49r0,5 99,7r9,7 166,4r22,0 92r7,4 5,38r1,0* 97,3r18,2* 3,76r0,6* 109r17,5* 5,60r0,8* 104,2r11,7* 4,64r0,3* 102,4r8,6* 183,9r26,0* 99,4r12,1* * diferença antes x após significativa (p<0,05); CVL = capacidade vital lenta; CI = capacidade inspiratória; CVF = capacidade vital forçada; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; VVM = ventilação voluntária máxima aproximadamente 45° de abdução, antebraços em supinação, com as palmas das mãos voltadas para cima; membros inferiores com abdução, quadril e joelhos fletidos até a completa aposição das plantas dos pés. Foi realizada a pompagem dorsal, objetivando o alinhamento das curvaturas dorsal e cervical da coluna vertebral, enquanto a pompagem sacral buscou a retificação da coluna lombar. O voluntário foi solicitado a abduzir os quadris a partir da posição inicial, mantendo as plantas dos pés em aposição, alinhadas ao eixo do corpo. Para a realização da postura, o terapeuta utilizou comandos verbais e contatos manuais, solicitando a manutenção do alinhamento e as correções posturais necessárias, com o objetivo de otimizar o alongamento e impedir compensações. O voluntário foi solicitado a realizar inspirações tranqüilas seguidas de expirações prolongadas, com o máximo rebaixamento possível das costelas e protrusão do abdome, visando o alongamento da cadeia muscular respiratória, enquanto o terapeuta auxiliava na manutenção do crescimento axial. Durante a realização da postura, os membros superiores deviam seguir em abdução, com alongamento progressivo dos músculos peitorais, até o limite possível para cada voluntário, evitando compensações. Da mesma forma, os membros inferiores em aposição devi- am avançar em sentido caudal, visando principalmente o alongamento do músculo psoas ilíaco, mantendo a curvatura lombar em contato com a superfície de apoio. A mesma postura foi realizada em todas as sessões, durante 30 minutos, sendo que o terapeuta realizava a progressão da mesma até o limite possível para cada voluntário, dentro de cada sessão, favorecendo o alongamento progressivo das cadeias musculares envolvidas na postura durante o tratamento. O alongamento foi realizado duas vezes por semana, durante oito semanas, totalizando 16 sessões. Para a análise estatística foi utilizado o aplicativo Statistica for Windows (release 6.1 Stat Soft). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a distribuição dos dados, sendo rejeitada a hipótese de normalidade de todas as variáveis. Portanto, foram utilizados testes não-paramétricos, sendo o de Wilcoxon para amostras pareadas e de Mann-Whitney para amostras nãopareadas, com nível de significância α=5%. RESULTADOS Verifica-se na Tabela 2 que os dados obtidos da espirometria, expressos em valores absolutos e percentualmente em relação ao previsto, obtidos antes e após o período de intervenção no GC, não Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5 13 apresentaram diferença estatisticamente significante (p>0,05). Para o GT, observaram-se maiores valores após o treinamento, encontrando-se diferenças significativas em todas as variáveis estudadas (p<0,05). DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Os voluntários estudados não apresentavam discrepância em relação às características antropométricas e à idade, as quais foram cuidadosamente observadas para manter a homogeneidade dos grupos, bem como garantir a qualidade da pesquisa, uma vez que as variáveis espirométricas apresentam variações fisiológicas de acordo com o sexo, idade, massa corporal e estatura18. Os mesmos apresentavam ainda encurtamento da cadeia muscular respiratória e valores de força muscular inspiratória abaixo do predito, com conseqüente desvantagem da mecânica respiratória, sendo essas alterações geralmente decorrentes de encurtamento excessivo da musculatura inspiratória, tendo como principais causas agressões neuropsíquicas (estresse), aumento do volume da massa visceral, postura inadequada, patologias respiratórias, fraqueza muscular e envelhecimento19. A interação entre o pulmão e a caixa torácica constitui um determinante importante dos volumes pulmonares, podendo acarretar conseqüências relevantes para a troca gasosa pulmonar. Os testes de função pulmonar são bastante precisos para verificar a eficácia de técnicas, servindo como método auxiliar na avaliação respiratória20-22, além de fornecerem medidas quantitativas que constituem também indicadores da função neuromuscular23. São poucos na literatura os estudos sobre função pulmonar em sujeitos saudáveis, mas alguns autores demonstram 14 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):11-5 09;16(1) que, mesmo saudáveis, os sedentários apresentam piores resultados quando comparados a sujeitos ativos3,4. Até o momento, são escassos estudos que evidenciem melhora do desempenho da função pulmonar em sujeitos submetidos a intervenção fisioterapêutica pelo método de RPG. No entanto, outras práticas de atividade física têm incluído o alongamento com o objetivo de melhorar a função respiratória, como no trabalho realizado por Mandanmohan et al.24, que observaram aumento de índices espirométricos após treinamento regular de ioga, semelhante ao resultado obtido neste estudo utilizando a RPG – demonstrando assim que o controle da respiração e o alongamento têm efeito benéfico sobre a função pulmonar. Uma vez que a VVM reflete a capacidade do indivíduo de sustentar um alto nível de ventilação, ou seja, simula um esforço físico extenuante, o aumento nos valores dessa variável, encontrado no GT após o período de intervenção, talvez possa estar relacionado ao aumento do número de sarcômeros em série promovido pelo alongamento19,25, melhorando a interação entre os filamentos de actina e miosina e aumentando a capacidade contrátil dos músculos respiratórios, em virtude do aumento do comprimento funcional dos mesmos26. Assim, no presente estudo procurou-se aplicar técnicas de alongamento para melhorar a relação comprimento-tensão das fibras musculares, favorecendo o desempenho da bomba respiratória, considerando que quanto mais alongado estiver um músculo dentro do limite de sua capacidade contrátil, maior será sua capacidade de gerar tensão. Hoje se aceita que existe uma remodelação dos músculos respiratórios em situações de sobrecarga, que consiste tanto em adaptações estruturais (dos sarcômeros) como metabólicas (capacidade oxidativa)27, o que pode ter sido responsável pelo aumento da capacidade contrátil da cadeia muscular respira- tória, com conseqüente aumento da CVL e CI nos sujeitos do GT. Segundo West28 e Leff e Schumacker29, a mudança do volume pulmonar está diretamente relacionada com a pressão que o distende, sendo a pressão gerada para essa distensão dependente de uma contração muscular efetiva. O efeito do alongamento dos músculos respiratórios nas variáveis pulmonares foi investigado em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica; os resultados mostraram que os pacientes apresentaram aumento da mobilidade torácica e do volume corrente e diminuição da dispnéia30, bem como melhora na mecânica respiratória após o período de intervenção31. Apesar das características dos voluntários e os protocolos utilizados nos dois estudos serem diferentes dos do presente estudo, os resultados são concordantes quanto aos efeitos benéficos proporcionados pelo alongamento muscular sobre a função respiratória. O aumento da CVF e do VEF1 no GT após o período de intervenção justificase possivelmente pelo fato de os voluntários desta pesquisa não apresentarem obstrução ao fluxo aéreo; e, como a contração dos músculos expiratórios é bastante exigida durante a realização da postura “rã no chão com os braços abertos”, esta leva a uma melhora na habilidade de coordenar a ação desse grupo muscular, proporcionando maior efetividade na realização da manobra durante os testes de reavaliação. Em conclusão, os resultados deste estudo mostraram que o alongamento da cadeia muscular respiratória realizado na postura “rã no chão com os braços abertos”, do método de RPG, foi eficiente para promover aumento significativo das variáveis espirométricas dos voluntários estudados, sugerindo que pode ser utilizado como recurso fisioterapêutico coadjuvante às condutas de fisioterapia respiratória. Moreno et al. Método de RPG e função pulmonar REFERÊNCIAS 1 2 Valle PHC, Costa D, Jamami M, Oishi J, Baldissera V. Avaliação do treinamento muscular respiratório e do treinamento físico em indivíduos sedentários e atletas. Rev Bras Ativ Fisica Saude. 1997;2(4):27-40. Valle PHC, Winkelmann ER, Kern E, Silva AMV, Marchi PB, Costa D. Efeitos do treinamento e destreinamento da força muscular respiratória em soldados. Ativ Fisica Saude. 2002;7(1):46-54. 3 Hagberg JM, Yerg JE, Seals DR. Pulmonary function in young and older athletes and untrained men. J Appl Physiol. 1988;65(1):101-5. 4 Doherty M, Dimitrou L. Comparison of lung volume in Greek swimmers, land-based athletes, and sedentary controls using allometric scaling. Br J Sports Med. 1997;31(4):337-41. 5 Hall CM, Brody TB. Exercícios terapêuticos: na busca da função. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1996. 6 Williams P. Effect of intermittent stretch on immobilized muscle. Ann Rheum Dis. 1988;47:1014-6. 7 Souchard PE. Respiração. São Paulo: Summus; 1989. 8 Hillman DR, Finucane KE. A model of the respiratory pump. J Appl Physiol. 1987;63(3):951-61. 9 Marques AP, Ferreira EAG, Matsutani LA, Assumpção A, Capela CE, Pereira CAB. Efeito dos exercícios de alongamento na melhora da dor, flexibilidade e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Fisioter Mov. 2004;17(4):35-41. 10 Rosário JLR, Marques AP, Maluf AS. Aspectos clínicos do alongamento: uma revisão de literatura. Rev Bras Fisioter. 2004;8(1):83-8. 11 Teodori RM, Moreno MA, Fiori Junior JF, Oliveira ACS. Alongamento da musculatura inspiratória por intermédio da reeducação postural global (RPG). Rev Bras Fisioter. 2003;7(1):25-30. 12 American Heart Association. Committee on Exercise. Exercise testing and training of apparently healthy individuals: a handbook for physicians. Dallas; 1972. 13 Neder JA, Andreoni S, Lerario MC, Nery LE. Reference values for lung function tests, II: maximal respiratory pressures and voluntary ventilation. Braz J Med and Biol Res. 1999;32(6):719-27. 14 Souchard PE, Ollier M. As escolioses: seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico. São Paulo: Edit. É Realiz.; 2001. 15 American Thoracic Society. Standardization of spirometry 1994 update. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152:1107-36. 16 Pereira CAC. Diretrizes para testes de função pulmonar. J Pneumol. 2002;28 (Suppl 3):1-82. 17 Souchard PE. Reeducação postural global: método do campo fechado. São Paulo: Ícone; 1987. 18 Costa D, Jamami M. Bases fundamentais da espirometria. Rev Bras Fisioter. 2001;5(2):95-102. 19 Shah SB, Peters D, Jordan KA, Milner DJ, Fridén J, Capetanaki Y, et al. Sarcomere number regulation maintained after immobilization in desmin-null mouse skeletal muscle. J Exp Biol. 2001;204:1703-10. 20 Aaron S, Dales RE, Cardinal P. How accurate is spirometry at predicting restrictive pulmonary impairment? Chest. 1999;115(3):869-73. 21 Timothy J, Barreiro DO, Perillo I. An approach to interpreting spirometry. Am Fam Physician. 2004;69(5):1107-14. 22 Pierce R. Spirometry: an essential clinical measurement. Aust Fam Physician. 2005;34(7):535-9. 23 Costa D, Jamami M, Soares LBT, Pinto JM, Oishi J. Função pulmonar em miopatias hereditárias. Rev Bras Fisioter. 1996;1(2):73-7. 24 Mandanmohan UK, Jatiya L, Bhavanani AB. Effect of yoga training on handgrip, respiratory pressures and pulmonary function. Indian J Physiol Pharmacol. 2003;47(4):387-92. 25 Coutinho EL, Gomes ARS, França CN, Salvini TF. The effect of passive stretching on the immobilized soleus muscle fiber morphology. Braz J Med Biol Res. 2004;37(12):1853-61. 26 Lieber RL, Bodine-Fowler SC. Skeletal muscle mechanics: implications for rehabilitation. Phys Ther. 1993;73(12):844-56. 27 Iturri JBG. Función de los músculos respiratorios en la EPOC. Arch Bronconeumol. 2000;36:275-85. 28 West JB. Respiratory physiology: the essentials. Philadelphia: Williams & Wilkins; 2004. 29 Leff AR, Schumacker PT. Respiratory physiology: basics and applications. Phyladelphia: WB Saunders; 1993. 30 Kakizaki F, Shibuya M, Yamazaki Y, Yamada M, Suzuki H, Homma I. Preliminary report on the effects of respiratory muscle stretch gymnastics on chest wall mobility in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Respir Care. 1999;44(4):409-14. 31 Cunha APN, Marinho PEM, Silva TNS, França EET, Amorim C, Galindo-Filho VC, et al. Efeito do alongamento sobre a atividade dos músculos inspiratórios na DPOC. Saude Rev. 2005; 7(17):13-9. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5 15 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.16-21, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Ensino de massoterapia: habilidades envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente Massotherapy teaching: abilities involved in the therapist-patient relationship Beatriz Calil Padis Campos1, Terezinha Calil Padis Campos2, Clarice Tanaka3, Fátima Aparecida Caromano4 Estudo desenvolvido no LaFi.Com – Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia do Fofito/FMUSP – Depto. de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. do LaFi.Com do Fofito/FMUSP 2 Profa. Dra. do Depto. de Fundamento da Educação da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP 3 Profa. Titular do Curso de Fisioterapia do Fofito/FMUSP 3 Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia do Fofito/FMUSP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Fátima Caromano Curso de Fisioterapia /Fofito R. Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-000 São Paulo SP e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO nov. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO jan. 2009 16 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):16-21 RESUMO: Desenvolvido no âmbito da disciplina Recursos Terapêuticos Manuais, o objetivo deste trabalho foi elaborar, aplicar e avaliar a eficácia de um programa de treinamento de habilidades profissionalizantes em sessão de massoterapia, com foco na relação fisioterapeuta-paciente, sem descuidar do autocuidado do terapeuta. Para elaboração do programa, foram identificadas 21 habilidades envolvidas nessa relação, com base na literatura e na observação de 120 sessões de massoterapia. Dez peritos validaram a definição operacional das habilidades, que foram organizadas em um programa de treinamento aplicado a alunos. O desempenho destes nas habilidades treinadas (classificado como adequado, parcialmente adequado, inadequado ou não-realizado) foi avaliado em prova prática. Também foi analisado relato escrito dos alunos sobre o programa. Participaram do estudo 25 graduandos. A análise dos resultados mostrou que todos realizaram 12 das 21 habilidades treinadas adequadamente. Quatro habilidades foram realizadas de forma parcialmente adequada por cinco alunos. Não ocorreu situação de execução inadequada. Na análise dos relatos, 19 dos 25 alunos afirmaram ser o treinamento importante e necessário. O autocuidado físico foi destacado como importante para o desenvolvimento profissional e apropriado para o contexto de ensino por dez alunos. O programa mostrou-se pois eficiente em capacitar os alunos para um bom relacionamento terapeuta-paciente, sendo bem aceito pelos alunos. DESCRITORES: Educação profissionalizante/métodos; Ensino; Massagem/educação; Relações profissional-paciente ABSTRACT: This work was developed within the discipline Manual Therapy Resources. It consisted in designing, applying, and assessing the efficacy of a program of massotherapy training with a focus on therapist-patient relationship, also stressing therapist self care. By drawing on literature and on the observation of 120 massotherapy sessions, 21 professional abilities were defined and organised into a training program. Ten experts validated the abilities operating definition. The program was then applied to a class of 25 undergraduates, whose performance at the end of the program was assessed, in a practical test, as adequate, partially adequate, inadequate or not undertaken. Written final reports by students were also analysed. Twelve out of the 21 trained abilities were found to be adequately performed by all students; four abilities were partially adequately carried out by five students. There was no case of inadequate performance. The analysis of the written reports showed that 19 out of the 25 students approved of the training program, found relevant and necessary. The self-care training was pointed out as relevant for professional development and appropriate to the teaching context by 10 students. The program proved thus efficient in enabling students to perform with adequate therapist-patient relationship, being also well accepted by students. KEY WORDS: Education, professional/methods; Massage/education; Professionalpatient relations; Teaching Campos et al. Ensino da relação fisioterapeuta-paciente INTRODUÇÃO Este estudo, desenvolvido no âmbito da disciplina Recursos Terapêuticos Manuais, focaliza o ensino de habilidades profissionalizantes. Cabe ao docente, como formador, promover o desenvolvimento dessas habilidades, permitindo aos alunos reflexão sobre a relação fisioterapeuta-paciente, especialmente durante a aplicação de massoterapia, por ser este um recurso que demanda exposição corporal e contato físico. O futuro profissional fisioterapeuta deve não só aprender a técnica a ser utilizada como também incorporar uma conduta profissional adequada, respeitando a individualidade do paciente e estabelecendo para com ele uma relação profissional formal e de confiança. No ensino de massoterapia, dois conteúdos são introduzidos como informação e orientação: as habilidades profissionais envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente e o autocuidado físico. O ensino de habilidades envolvidas na relação terapeuta-paciente tem sido relativamente pouco explorado na pesquisa e na prática educacional das ciências da saúde1-3. Publicações didáticas sobre o tema são recentes na Fisioterapia, embora algumas pesquisas apresentem elementos esclarecedores no que se refere a conteúdos e formas de ensino nessa área4-6. Estudos sobre o desempenho na execução de técnicas também começam a surgir na literatura, colaborando para o delineamento de um panorama mais completo sobre o ensino de Fisioterapia7,8. O objetivo deste estudo foi elaborar, aplicar e avaliar a eficácia de um programa de treinamento de habilidades profissionalizantes envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente durante uma sessão de massoterapia, identificando ainda a opinião dos alunos sobre a experiência vivenciada. METODOLOGIA Este estudo consistiu na pesquisa observacional de situação, desenvolvimento de programa de ensino, intervenção e avaliação. Participaram graduandos do quarto semestre do Curso de Fisioterapia do Fofito/ FMUSP – Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – regularmente matriculados na disciplina de Recursos Terapêuticos Manuais que manifestaram concordância em participar da pesquisa. Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, conforme proposto no projeto de pesquisa aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da FMUSP. Foi critério de exclusão o interesse em interromper a participação na pesquisa. Foi desenvolvido em uma sala de aula medindo 6 por 10 metros, onde foi garantido um ambiente reservado e silencioso para treinamento, e no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento, onde ocorreu a filmagem da prova prática, a observação e análise dos conteúdos dos filmes, ambos localizados no Fofito/ FMUSP. Além do programa de ensino de habilidades profissionalizantes, os materiais utilizados foram televisão de 24 polegadas, filmadora e filmes VHS, ficha de checagem e avaliação de habilidades, ficha de registro de tempo de comunicação, ficha para avaliação da postura do fisioterapeuta e os relatos escritos entregues pelos alunos. Procedimentos A pesquisa foi desenvolvida em quatro fases: 1, identificação das habilidades profissionalizantes envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente; 2, sua validação por peritos, bem como sua definição operacional e seqüência; 3, desenvolvimento do programa de treinamento dessas habilidades; e 4, avaliação do desempenho dos alunos nas habilidades treinadas. Na primeira fase, a identificação das habilidades profissionalizantes envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente foi feita com base na análise da literatura9-14 e por observação direta, realizada previamente pela responsável da disciplina e pela pesquisadora, de 120 sessões de massoterapia, desenvolvidas por dez alunos (do 4o ano do curso) em treinamento em massoterapia, junto a dez pacientes, sendo um paciente para cada aluno. Foram selecionadas e operacionalmente definidas 21 habilidades para a prática de massoterapia, a saber: 1 vestimenta do fisioterapeuta 2 preparo do local para tratamento 3 chamada do paciente 4 acomodação do paciente sentado 5 mensuração de freqüência cardíaca pré-intervenção 6 questionamento sobre intercorrências físicas ou emocionais durante a semana 7 avaliação funcional básica do paciente 8 feedback sobre a avaliação 9 explicação sobre a intervenção a ser realizada 10 drapejamento 11 posicionamento na maca 12 autocuidado físico do fisioterapeuta 13 intervenção 14 mensuração de freqüência cardíaca pós-intervenção 15 ajuda para o paciente sentar-se 16 ajuda para o paciente sair da maca 17 ajuda para o paciente vestir-se 18 acomodação do paciente sentado em cadeira, confirmação do retorno 19 preenchimento da ficha de avaliação 20 comunicação verbal entre terapeuta e paciente 21 despedir-se formalmente do paciente. As habilidades selecionadas, entendidas como eticamente corretas e essenciais para o desenvolvimento profissional, compuseram o programa de ensino treinado junto aos alunos. Essa intervenção baseia-se na convicção de que a partir do aprendizado das mesmas o aluno poderá avaliar de forma crítica sua experiência e a relação que estabelece com o paciente, adotando uma forma de intervenção compatível com suas necessidades, possibilidades e expectativas profissionais e pessoais. Na fase 2, com o objetivo de validar a lista de 21 habilidades, utilizou-se o critério de seleção de peritos adotado por Fehring15. O grupo de peritos constituiu-se de profissionais que atuam na área de ensino e/ou de massoterapia. Eles opinaram não só sobre as definições Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):326-32 :16-21 17 operacionais, mas também quanto à seqüência temporal das habilidades propostas durante o atendimento de massoterapia. Os peritos deram notas para cada item utilizando uma escala de pontuação do tipo Likert 13, de cinco pontos. À semelhança de Fehring 15 , usou-se um coeficiente de confiabilidade para comparar as notas, considerando-se que o coeficiente maior ou igual a 0,8 (sendo o máximo 1,0) significa que os peritos concordam que a descrição é muito indicativa da habilidade testada. Para desenvolver o programa de treinamento das habilidades, na fase 3, o recurso didático escolhido foi o treinamento a partir de demonstração. Ocorreram, em sala de aula, oito treinamentos de quatro horas cada, e mais oito períodos de quatro horas de treinamento com monitores. Cada aula foi dividida em duas horas teóricas (técnicas e efeitos fisiológicos da massagem) e duas horas práticas (seqüência de habilidades propostas, considerando suas definições operacionais). Foi entregue uma cartilha com imagens e descrições das posturas de autocuidado utilizadas na massagem clássica. Durante as aulas práticas, foi realizada demonstração das técnicas de massoterapia pela professora e um aluno voluntário fazia o papel de assistente da professora, auxiliando na execução das demais habilidades estipuladas no roteiro, desde o preparo do local de trabalho até a despedida do paciente-aluno. Após a fase de demonstração, os alunos se dividiram em trios para a simulação do atendimento e treinamento prático. Na mesma semana, o aluno agendava horário com um dos monitores para treinamento durante uma hora. Na última fase foram avaliadas as habilidades treinadas em prova prática, realizada ao final do programa de ensino, tendo sido seu registro efetuado pela gravação de filmes. Dezenove das 21 habilidades foram avaliadas, considerando a escala de Likert13 de três pontos adotada, como: adequada, parcialmente adequada, inadequada ou não-realizada. O autocuidado físico foi avaliado pelo tempo, forma (adequada, parcialmente adequada e inadequada) e postura escolhida. A comunicação foi ana- 18 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):16-21 lisada segundo a definição de terapêutica e não-terapêutica14. A atividade de prova consistiu em atender um paciente, em situação real, por meio da aplicação de massagem clássica de corpo inteiro. O aluno deveria apresentar a seqüência de habilidades de acordo com as respectivas definições operacionais. Para tanto, contou-se com a colaboração de pessoas consideradas saudáveis, sem queixa, no papel de paciente. Esses “pacientes” tiveram o conhecimento do termo de consentimento livre e esclarecido e forneceram aquiescência em participar do estudo. O tempo máximo estipulado para a realização da prova foi de uma hora e meia por aluno, em sala individual, com uma câmera filmadora posicionada a uma distância de três metros. A observação dos filmes para análise foi feita com o auxílio de uma lista de checagem e avaliação das habilidades de acordo com a definição operacional estabelecida. Para assegurar a confiabilidade dos resultados obtidos, dois terços dos filmes (16 de 24) foram avaliados por um examinador independente, com conhecimento do conteúdo aplicado. O coeficiente de confiabilidade foi estabelecido para cada habilidade, utilizandose a fórmula proposta por Fehring15: R = A / A+D, onde “R” é o coeficiente de confiabilidade entre observadores; “A”, o número de concordâncias; “D”, o número de discordâncias. O resultado acima de 0,8 demonstra concordância entre os examinadores. Finalmente, foram avaliados relatos escritos pelos alunos sobre a experiência de aprendizagem e treinamento de habilidades profissionalizantes. Foi solicitado que, de forma escrita e nãoidentificada, dessem sua opinião, sugestões ou críticas à disciplina, à monitoria e ao programa de ensino de habilidades profissionalizantes. Os relatos foram analisados de forma quantitativa, agrupando-se os enunciados em categorias. RESULTADOS Iniciaram o estudo 25 alunos, sendo 3 homens e 22 mulheres, com idade média de 19,2±0,8 anos. Não houve desistência; porém a filmagem de uma prova prática de um aluno foi descarta- da por questões técnicas de gravação, ficando portanto válidos 24 filmes para a avaliação das habilidades profissionalizantes. Os dados obtidos pelo relato escrito desse aluno foram considerados para estudo. Atuaram como pacientes 25 voluntários, 15 mulheres e 10 homens, maiores de 18 anos e saudáveis. Quanto à elaboração do programa, na análise das definições operacionais das 21 habilidades profissionalizantes, realizada pelos dez peritos (todos fisioterapeutas), nenhuma das habilidades recebeu escore menor que 0,80; três habilidades receberam escore maior que 0,90 e menor que 1, sendo 0,92 para a habilidade de “preparo do local de tratamento” e 0,95 para as habilidades “feedback sobre avaliação” e “explicação sobre intervenção a ser realizada”. As demais habilidades tiveram um escore de 1,0 para suas definições. Sugestões de complementação das definições foram aceitas pela pertinência. Não houve sugestão de mudança na seqüência temporal. Na avaliação do desempenho dos alunos, dentre as 21 habilidades, duas não foram mensuradas por pontuação (autocuidado e comunicação), sendo comentadas adiante. Das demais 19, 12 foram avaliadas como realizadas adequadamente pelos 24 alunos que participaram do estudo, a saber: vestimenta do terapeuta; preparo do local de tratamento; chamada do paciente; explicação sobre intervenção; drapejamento; posicionamento na maca; intervenção; ajudar o paciente a sentar-se na maca; ajudar o paciente a sair da maca; auxiliar o paciente a vestir-se; despedir-se adequadamente; preencher a ficha de evolução. As habilidades “acomodar o paciente sentado”, “mensurar a freqüência cardíaca pré-intervenção” e “questionar sobre intercorrência física ou emocional durante a semana” tiveram sua execução realizada de forma parcialmente adequada por um aluno cada uma. Observou-se como ocorrência que um aluno iniciou a anamnese com o paciente em pé e, após alguns instantes, pediulhe para sentar-se; um aluno mensurou a freqüência cardíaca pré-intervenção em momento fora da sequência prevista e outro aluno não questionou de manei- Campos et al. ra suficiente sobre intercorrências físicas ou emocionais. Os demais alunos realizaram essas habilidades de forma adequada. Na habilidade “feedback sobre avaliação”, dois alunos realizaram a habilidade de forma parcialmente adequada, dando informações insuficientes sobre seus achados clínicos ao paciente. Os demais alunos fizeram-na adequadamente. Nenhuma habilidade foi realizada de forma inadequada por parte dos alunos. Com relação às habilidades não realizadas, um aluno não coletou a freqüência cardíaca pós-intervenção, um não acomodou o paciente sentado após a intervenção; dois alunos não realizaram a coleta de frequência cardíaca pré-intervenção, assim como não realizaram a avaliação funcional básica; e quatro alunos não deram feedback sobre os achados da avaliação. No que se refere ao pareamento dos resultados obtidos na análise dos filmes feita pela pesquisadora e pelo examinador independente, o índice de concordância obtido foi superior a 0,93 para todas as habilidades pesquisadas. Especificamente, as habilidades “questionamento sobre intercorrências físicas ou emocionais”, “avaliação funcional básica”, feedback, drapejamento e “acomodar o paciente sentado” tiveram um índice de concordância entre 0,93 a 0,95; e as demais habilidades tiveram um índice de concordância de 0,96 a 0,98. Os resultados encontrados sobre o desempenho na habilidade de autocuidado físico demonstram que as posturas adotadas de forma adequada totalizaram 97,6% do tempo total da intervenção. Posturas parcialmente adequadas foram observadas durante 2,4% do tempo total. Não houve ocorrência de postura inadequada. Os resultados referentes ao autocuidado físico apresentam um índice de concordância de 0,95. Durante a análise dos 24 atendimentos, 2004 sentenças foram proferidas e classificadas de acordo com Stefanelli e Carvalho14, com média de 90 sentenças por atendimento. Os fisioterapeutas falaram 72% do total de sentenças. A comunicação foi considerada terapêutica em 86% das sentenças proferidas pelos alunos durante a intervenção (tendo a Ensino da relação fisioterapeuta-paciente comunicação não-terapêutica totalizado 14% das sentenças dos alunos). O índice de concordância entre a pesquisadora e o examinador independente, na habilidade de comunicação, foi de 0,92. Para avaliação dos relatos individuais escritos pelos alunos sobre a disciplina, a monitoria e o ensino de habilidades profissionalizantes, os relatos foram resumidos e as respostas, categorizadas. Em 85% dos relatos foi pontuado que a existência de um roteiro foi fator de segurança e domínio no desenvolvimento da sessão de massoterapia. Em relação à rotina empregada para o ensino das habilidades profissionalizantes, 76% dos alunos a consideraram importante e necessária, sendo alegado que facilitou a relação com o paciente, trazendo os alunos mais próximos da realidade clínica. A habilidade de autocuidado físico foi destacada como importante para o desenvolvimento profissional e apropriada para a situação por 40% dos alunos. A presença do monitor foi destacada por 52% dos alunos como importante para a fixação do conteúdo teórico-prático aprendido, e igualmente foi avaliado de forma positiva o conteúdo programático da disciplina. Contudo, algumas opiniões sugerem necessidade de ajustes do programa oferecido, uma vez que cinco alunos mencionaram a necessidade de aumentar a carga horária da monitoria, dois mencionaram que as habilidades profissionalizantes foram “pouco amigáveis” e dois alunos sugeriram que a parte prática do ensino da massoterapia ocorresse de forma simultânea à demonstração pelo professor. DISCUSSÃO No presente estudo, explorou-se uma área da fisioterapia clínica que é normalmente tida como muito importante no ensino de graduação – mas nem sempre tão lembrada na literatura –, a relação fisioterapeuta-paciente*. * Ao ponto de a relação terapeuta-paciente não constar do tesauro de descritores da Biblioteca Virtual em Saúde, embora inúmeras outras relações interpessoais (mãe-filho, familiar etc.) constem como descritores. A proposta de ensino foi considerada, pelas autoras e pelos alunos, satisfatória para o desenvolvimento de habilidades na relação fisioterapeuta-paciente, em consonância com Altamaier9 e Hojat et al.17, segundo os quais, para ocorrer o desenvolvimento cognitivo, deve ser incluído também o treinamento técnico. Jette6 afirma que os alunos nos primeiros anos de graduação devem dar início ao treinamento de sua independência clínica, mesmo que ainda não em todas as situações vivenciadas. Na pesquisa, a opção por utilizar filmagem e o feedback de um examinador independente com relação à prova prática do aluno baseou-se no estudo de Roberts e Bucksey18 segundo os quais, na prática clínica, a gravação em filme de um dos primeiros atendimentos do aluno pode contribuir com uma informação rica e material para reflexão, ajudando a identificar os pontos a serem mudados ou melhorados nos futuros atendimentos. O fato de 100% dos alunos terem realizado de forma adequada as 12 habilidades mencionadas mostra que esses conteúdos, treinados durante o estudo, foram incorporados de forma integral durante a prática clínica. Acreditamos que essas habilidades possam se tornar parte da rotina clínica em futuros atendimentos, entendendo-se que a manutenção adequada dessas habilidades favoreça um atendimento competente. O programa proposto deve abrir um espaço de reflexão para que alunos e educadores repensem suas atitudes e valores, considerando a ética e o respeito ao próximo, como exemplificado no relato de um aluno: “O treinamento das habilidades do fisioterapeuta foi importante, pois existe uma dificuldade de relacionamento com o paciente no início e acredito que a formalidade realmente deve ser mantida”. Neste estudo, manteve-se atenção à habilidade de comunicação, pois se acredita que, a partir da comunicação eficiente, haverá intervenção adequada e a evolução satisfatória do tratamento. Considerando a comunicação uma habilidade interpessoal necessária para assegurar a competência dos alunos durante um atendimento, a utilização dessa habilidade foi considerada satis- Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32 :16-21 19 fatória, pois se observou a comunicação terapêutica em mais de 80% das sentenças ditas pelos alunos, favorecendo uma terapia mais formal e diretiva, posicionando o paciente numa situação de segurança, caso fosse necessário esclarecer alguma dúvida com seu fisioterapeuta. O treinamento dessa habilidade incentiva o aluno a ultrapassar barreiras de medo, insegurança e desconhecimento, deixando-o mais confiante para orientar e instruir seu paciente em relação às orientações e cuidados, demonstrando assim maior controle da situação clínica. A comunicação inadequada encontrada em 14% das sentenças induziam às respostas “sim” e “não” o que, de acordo com Stefanelli e Carvalho14, deve ser evitado, pois muitas vezes o paciente fica sem alternativa para dar outra resposta que não a contida na pergunta e fica evidente o que o profissional quer ouvir como resposta. É o tipo de comunicação que não estimula nem propicia a expressão verbal dos sentimentos ou pensamentos do outro. No que concerne o autocuidado físico do terapeuta, considerando que em 97,6% do tempo total da intervenção observada o aluno adotou postura adequada, este estudo tem como expectativa que, a partir do ensino prático e 20 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):16-21 aprendizado do autocuidado, sejam evitadas ou minimizadas futuras lesões, contribuindo para a diminuição do alto índice de dores ocupacionais do fisioterapeuta, como encontrado no estudo de Holder et al.19. O ensino direcionado para o autocuidado físico e comunicação propiciou um aprendizado satisfatório, apontando para uma boa evolução terapêutica, o que estimula avaliações mais amplas e detalhadas em estudos posteriores. A adesão de 100% dos alunos ao programa demonstrou a compreensão, por parte deles, da importância dessas habilidades em sua vida profissional, entendendo a situação de treinamento como uma experiência compartilhada por meio de feedback e disponibilidade da professora e da pesquisadora em auxiliar na aprendizagem, sem vigilância, julgamento ou autoritarismo. CONCLUSÃO O programa de ensino proposto mostrou-se eficaz, produzindo aprendizado das habilidades de relação fisioterapeutapaciente selecionadas para este estudo. As 21 habilidades descritas mostraram-se re- levantes para a intervenção fisioterapêutica, contemplando a maioria das sugestões e indicações de conteúdo oferecidas pela literatura e atenderam às normas éticas da profissão. A colaboração dos peritos foi de grande auxílio na elaboração das definições operacionais e da escolha das habilidades profissionalizantes. Este trabalho permitiu compreender a importância da presença de conceitos cognitivos e não-cognitivos no ensino de massoterapia, ou seja, que o graduando necessita aprender conteúdos que lhe permitam adquirir informações consistentes abrangendo teorias, técnicas, habilidades, mas também possa desenvolver aspectos pessoais que envolvam suas emoções e sua interação com o paciente, sempre em busca de um atendimento humanizado. Atitudes preventivas devem ser incentivadas. O autocuidado físico deve ser valorizado e o aluno precisa ser conscientizado de seus limites, possibilidades, dificuldades e cuidados com seu corpo e suas emoções, tornando-se ciente do alcance de sua profissão e de sua responsabilidade social, científica e de seu conforto físico e emocional. Campos et al. Ensino da relação fisioterapeuta-paciente REFERÊNCIAS 1 Vieira J, Nunes MP, Martins M. Directing student response to early patient contact by questionnaire. Med Educ. 2003;37:119-25. 11 Jette DU, Portney LG. Construct validation of a model for professional behavior in physiotherapy students. Phys Ther. 2003;83:433-43. 2 Humphris GM, Kaney S. Assessing the development of communication skills in undergraduate medical students. Med Educ. 2001;35(3):225-31. 12 Ingram D. Opinions of physical therapy education program directors on essential functions. Phys Ther. 1997;77(1):37-9. 3 Cantwell BM, Ramirez AJ. Doctor-patient communication: a study of junior house officer. Med Educ. 1997;31:17-21. 13 Jamieson S. Likert scale: how to (ab)use them. Med Educ. 2004;38:1212-8. 4 Cassar MP. Manual de massagem terapêutica. São Paulo: Manole; 2001. 5 Fritz S. Fundamentos da massagem terapêutica. São Paulo: Manole; 2000. 6 Jette DU, Bertoni A, Coots R, Johnson H, McLaughlin C, Weisback C. Clinical instructors’ perception of behavior that comprise entry-level clinical performance in physical therapy students: a qualitative study. Phys Ther. 2007;87(7):833-43. 7 Marques AP. Cadeias musculares: um programa para ensinar avaliação fisioterapêutica global. 2a ed. São Paulo: Manole; 2005. 8 Braun MB, Simonson, SJ. Massoterapia. São Paulo: Manole; 2007. 9 Altamaier EM, McGuinness G, Wood P, Ross RR, Bartley J, Smith W. Defining successful performance among pediatric residents. Pediatrics. 1990;85:139-43. 10 May WW, Morgan B, Lemke JC, Karst GM, Stone HL. Model for ability-based assessment in physical therapy. J Phys Ther Educ. 1995;9(1):3-6. 14 Stefanelli MC, Carvalho EC. A comunicação nos diferentes contextos de enfermagem. São Paulo: Manole; 2005. 15 Fehring RJ. The Fehring model. In: Carrol-Jonhson RM, Paquete M. Classification of nursing diagnoses: proceedings of the Tenth Conference. Philadelphia: Linppincott; 1994. p.55-62. 16 Fehring RJ. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung (St Louis). 1987;16(6):625-9. 17 Hojat M, Borenstein BD, Veloski JJ. Cognitive and noncognitive factors in predicting the clinical performance of medical school graduates. J Med Educ. 1988;63:323-5. 18 Roberts L, Bucksey S. Communicating with patients: what happens in practice? Phys Ther. 2007; 87(5): 586-94. 19 Holder NL, Clark HA, DiBlasio JM, Hughes CL, Scherp JW, Harding L, et al. Cause, prevalence, and response to occupational musculoskeletal injuries reported by physical therapist and physical therapist assistant. Phys Ther. 1999;79:642-52. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32 :16-21 21 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.22-7, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral Relationship between postural alignment and motor performance in children with cerebral palsy Andréa Baraldi Cunha1, Graziela Jorge Polido2, Geruza Perlato Bella3, Daniela Garbellini4, Carlos Alberto Fornasari5 Estudo desenvolvido na Clínica de Fisioterapia da Unimep – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta especialista em Reabilitação Infantil; mestranda em Fisioterapia na Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP 2 Fisioterapeuta especialista em Reabilitação Infantil 3 Profa. Ms. do Curso de Especialização em Reabilitação Infantil da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP 4 Profa. Ms. do Curso de Fisioterapia da Unimep 5 Prof. Dr. do Curso de Fisioterapia da Unimep ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Andréa Baraldi Cunha R. Marechal Deodoro 1140 ap. 131 Centro 15400-000 Olímpia SP e-mail: [email protected] Trabalho apresentado no XVII Congresso Brasileiro de Fisioterapia, 2007, com publicação de resumo. APRESENTAÇÃO jul. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO fev. 2009 22 Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):22-7 09;16(1) RESUMO: O objetivo deste estudo foi verificar se há correlação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral (PC), além de compará-las com crianças de desenvolvimento motor típico. Participaram 14 crianças com PC tipo espástico, entre 4 e 12 anos, classificadas nos níveis III, IV e V no sistema de classificação de função motora ampla (GMFCS); e 20 com idades entre 4 e 8 anos e desenvolvimento motor adequado, que constituíram o grupo controle. Foi avaliado o alinhamento de lordose cervical e cifose torácica na postura sentada por meio de fotometria; o desempenho motor foi avaliado pelo índice de função motora ampla (Gross motor function measure, GMFM) apenas nas dimensões sentar (B) e ficar em pé (D). O subgrupo de PC nível III obteve maiores escores no GMFM do que o dos níveis IV e V, com diferença significativa nas dimensões B (p=0,00) e D (p=0,016). Quanto ao alinhamento postural, os dois subgrupos de PC apresentaram menor angulação da lordose cervical do que o GC, com diferença significativa; também foram medidos ângulos menores da cifose torácica nos subgrupos PC, sendo que o subgrupo dos níveis IV e V apresentou diferença significativa tanto em relação ao outro subgrupo PC quanto ao controle. Foi encontrada correlação positiva (r=0,748) entre o desempenho motor e o alinhamento postural nos subgrupos de PC, mostrando que, quanto melhor o alinhamento postural, melhor o desempenho motor dessas crianças. DESCRITORES: Avaliação; Criança; Curvaturas da coluna vertebral; Paralisia cerebral ABSTRACT: The purpose was to search for a correlation between postural alignment and motor performance of children with cerebral palsy (CP), and to compare them to typical development children. Twenty of these, aged 4 to 8 years old, formed the control group (CG); and 14 children with CP, aged 4 to 12 years old, were divided into two subgroups (level III, and levels IV and V) according to their classification by the Gross Motor Function Classification System. Cervical lordosis and thoracic kyphosis angles in sitting posture were assessed by photometry; motor performance was assessed at dimensions B (sitting) and D (standing) of the Gross motor function measure (GMFM). PC level III subgroup had higher GMFM scores than levels IV and V subgroup, with significant differences at the B (p=0.00) and D (p=0.016) dimensions. As to posture alignment, significantly lesser cervical lordosis angles were found at both PC subgroups when compared to control group; both subgroups also showed lesser thoracic kyphosis angles; significant differences were found when comparing CP levels IV and V subgroup both to level III subgroup and to CG. Also found was a positive correlation between motor performance and posture alignment in children with CP (r=0.748), showing that the better the postural alignment, the better the motor performance in these children. KEY WORDS: Cerebral palsy; Child; Evaluation; Spinal curvatures Cunha et al. Postura e desempenho motor em crianças com PC INTRODUÇÃO Paralisia cerebral (PC) pode ser definida, de acordo com um consenso internacional, como uma desordem de movimento e postura devido a um defeito ou lesão do encéfalo em desenvolvimento1,2. O problema motor dos indivíduos com PC origina-se de disfunção do sistema nervoso central, que interfere diretamente no desenvolvimento do controle postural contragravidade e impede o desenvolvimento motor normal3. A disfunção no controle postural interfere nas atividades funcionais diárias, sendo um dos problemas principais nessa população4,5. Considerando o modelo de Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde, a PC geralmente interfere no funcionamento do sistema musculoesquelético no que se refere à função de órgãos e sistemas6. Nesse nível, os distúrbios da motricidade e do tônus se manifestam por características específicas, como a falta de controle sobre os movimentos, modificações adaptativas do comprimento muscular e, em alguns casos, podem levar a deformidades ósseas. Isso ocorre nos períodos em que a criança apresenta ritmo acelerado de desenvolvimento, comprometendo o processo de aquisição de marcos motores básicos (rolar, sentar, engatinhar, andar) e, também, nas atividades de vida diária (tomar banho, alimentar-se, vestir-se)7,8. Deformidades musculoesqueléticas associadas ao desalinhamento de tronco prejudicam o desenvolvimento da criança, acarretam alterações na marcha e até mesmo a funcionalidade na postura sentada9,10. Há também uma associação entre a direção da escoliose e obliqüidade pélvica na PC, sendo que a convexidade leva a alterações nos movimentos do tronco, sugerindo que a alteração postural está relacionada à dificuldade de ativação da musculatura de forma adequada11. Limitações no desempenho de atividades e tarefas do cotidiano das crianças com PC estão relacionadas a deficiências neuromotoras que comprometem seu controle postural. Assim, a dificuldade em manter a postura em pé relaciona-se à pequena superfície de contato, que aumenta a demanda do sistema de controle postural. Consequentemente, muitas crianças com PC desempenham mais atividades diárias na postura sentada, que oferece uma situação de maior estabilidade e menor grau de liberdade para ser controlado5. Crianças com PC se beneficiam de terapias no contexto do controle postural, melhorando assim a qualidade do movimento, desde que não haja alterações posturais fixas12. Considerando que a PC é uma desordem de movimento e postura e que alterações posturais podem interferir no desempenho motor, requerem-se estudos que relacionem esses fatores, para que a intervenção em crianças com PC esteja baseada em evidência, desenvolvendo um plano de tratamento adequado que permita não só prevenção de deformidades como também atividades funcionais com melhor qualidade. O objetivo deste estudo foi verificar se há correlação entre o alinhamento postural e o desempenho motor de crianças com PC do tipo espástico, bem como comparar o desempenho motor dessas crianças com as de desenvolvimento motor adequado. METODOLOGIA Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas. Foram selecionadas 34 crianças de forma não-aleatória, com base em critérios de inclusão previamente determinados para cada grupo. Quatorze crianças com PC do tipo espástica foram divididas em dois subgrupos, de acordo com o sistema de classificação de função motora ampla (Gross motor function classification system, GMFCS13), sendo cinco diplégicas (grupo de PC nível III) e nove quadriplégicas (grupo de PC níveis IV e V), de ambos os sexos, atendidas na Clínica de Fisioterapia da Unimep. As crianças que se locomoviam com algum dispositivo foram classificadas como no nível III e as que não se locomoviam, nos níveis IV e V. Para participação no grupo de PC, os critérios de inclusão foram: crianças entre 4 e 12 anos, com diagnóstico médico compro- vado de PC, que tivessem capacidade de se manter sentadas de forma independente ou com apoio do terapeuta; e cujos responsáveis assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Os critérios de não-inclusão foram ter dificuldade de entendimento de ordens simples e hipotonia. O Quadro 1 resume as características desse grupo. A média de idade foi de 7,7±3,1 anos. O GMFCS é um sistema de classificação utilizado para crianças com PC baseado no movimento auto-iniciado, com ênfase no sentar e andar, contendo cinco níveis diferenciados pela limitação funcional e necessidade de assistência externa13. As crianças classificadas no nível III do GMFCS necessitam de um dispositivo auxiliar para marcha e as dos níveis IV e V têm limitações funcionais graves, principalmente na postura em pé. Quadro 1 Características das crianças com PC Paciente Idade* Sexo Topografia Nível† 1 4 F Quadriplegia V 2 4 M Quadriplegia V 3 4 M Quadriplegia V 4 5 F Quadriplegia V 5 6 F Diplegia III 6 6 M Quadriplegia IV 7 7 M Diplegia III 8 8 M Diplegia III 9 8 M Diplegia III 10 9 M Quadriplegia V 11 12 M Diplegia III 12 12 F Quadriplegia IV 13 12 F Quadriplegia IVI 14 12 F Quadriplegia V * em anos; † = segundo o GMFCS, sistema de classificação de função motora ampla; F= feminino; M = masculino Assim, as crianças com PC foram classificadas de acordo com sua limitação funcional na postura em pé e na marcha por meio do GMFCS, sendo subdivididas em dois subgrupos, um com crianças do nível III (n=5) e outro com as crianças dos níveis IV e V (n=9). Constituindo o grupo controle (GC), foram recrutadas em escolas da cidade de Piracicaba 20 crianças com idades entre 4 e 8 anos (média=6,1±1,4), de ambos os sexos, que não apresentavam :326-32 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7 23 diagnóstico de PC, com desenvolvimento motor típico, nascidas a termo com idade gestacional de 37 a 41 semanas e seis dias, sem qualquer tipo de complicação pré, peri ou pós-natal, com marcha independente, sem alterações posturais graves e cujos responsáveis assinaram o TCLE. Procedimentos Tabela 1 Pontuação no GMFM (média ± desvio padrão) de função motora dos dois subgrupos de crianças com PC nas duas dimensões avaliadas Dimensão PC níveis IV e V Sentar (B) 28,2±5,0 Ficar em pé (D) 3,09±1,1 Tabela 2 Grupo Cifose torácica Lordose cervical GC (n=20) 159,3± 5,65 137,35±7,18 PC nível III (n=5) 150,5±11,24 107,75±3,77* PC níveis IV-V (n=9) 133,73±17,15*† 112,55±12,09* Para fotografar os sujeitos foi utilizada uma câmera fotográfica PhotoPC (750Z, Megapixel Zoom Digital Câmera, Epson). A distância entre o tripé da câmera fotográfica e o simetrógrafo foi de 180 cm, e a altura da objetiva foi ajustada à altura da cicatriz onfálica de cada criança. O programa Corel Draw (v.8) foi utilizado para quantificar em graus o ali- 24 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):22-7 nhamento postural. Na vista lateral, os pontos de referência utilizados foram os ápices de cada curvatura encontrados por meio de linhas guias traçadas verticalmente e horizontalmente no software. Por meio desses pontos, os ângulos das curvaturas foram mensurados16. Foram feitas duas medições em cada foto (pelo mesmo avaliador) e calculado seu valor médio. Quando a diferença das duas medidas excedeu os critérios aceitos (três graus de diferença entre elas), uma terceira medida foi realizada e a mais discrepante, descartada17. Foi avaliado o alinhamento da lordose cervical e da cifose torácica na postura sentada. Não foi avaliada a lordose lombar, pois as crianças com PC não apresentam essa curvatura fisiológica, somente uma cifose tóraco-lombar. Análise dos dados Para comparação dos escores de desempenho motor entre os dois subgrupos de crianças com PC (nível III e níveis IV e V) foi utilizado o teste t. O nível de significância foi fixado em p=0,05. Para comparar os ângulos do alinhamento postural entre os dois subgrupos de crianças com PC e o grupo controle, foi utilizada a análise de variância Anova (p<0,05) seguida de teste de Tukey. As análises foram realizadas utilizando o programa estatístico R versão 2.7. Para verificar a correlação entre a angulação da cifose torácica e o desempenho motor (apenas na dimensão B, sentar) nos dois subgrupos de crianças com PC foi aplicado o teste de correlação de Pearson (o coeficiente r varia de -1,0 a 1,0 e, quanto mais próximo de 1,0, mais forte é a correlação). RESULTADOS A Tabela 1 mostra a pontuação média de função motora dos dois subgrupos de crianças com PC, evidenciando mai- 170 160 Cifose torácica (°) O alinhamento postural da coluna foi avaliado por fotometria, que é uma metodologia de interpretação dos valores obtidos a partir de uma fotografia, sendo um instrumento de caráter quantitativo que permite uma avaliação confiável dos desalinhamentos apresentados pelo segmento corporal em análise15,16. As crianças de ambos os grupos foram fotografadas uma única vez na vista lateral do lado dominante, sentadas em um banco, com a mão dominante no ombro oposto, adução de ombro e flexão de cotovelo, flexão de 90º de joelho com 10º de abdução de coxofemoral, os pés afastados em relação à linha do ombro e calcanhares alinhados. p 0,00 0,016 Ângulos (em °, média ± desvio padrão) das curvaturas cifose torácica e lordose cervical nos dois subgrupos de crianças com PC e no grupo controle (GC) Foi realizada uma análise de corte transversal das avaliações de desempenho motor funcional e do alinhamento na postura sentada. Para avaliar o desempenho motor, foi utilizado o índice de função motora ampla Gross motor function measure (GMFM), que avalia o quanto de um item uma criança pode realizar (em vez de medir a qualidade de desempenho na atividade). O GMFM consiste em 88 itens agrupados em cinco diferentes dimensões14, atribuindo-se pontos a cada item. Quanto maior o escore obtido, melhor o desempenho da criança. Foram utilizadas somente as dimensões B, sentar (escore máximo=60) e D, ficar em pé (escore máximo=39) nos dois subgrupos de PC, para efeito de padronização. PC nível III 55,0±2,3* 12,5±3,4* 150 140 130 120 110 100 0 10 20 30 40 50 60 Pontuação na dimensão B (sentar) no teste de função motora Gráfico 1 Correlação entre cifose torácica e função motora na dimensão sentar no grupo de crianças com PC Cunha et al. Postura e desempenho motor em crianças com PC ores escores do subgrupo nível III, com diferença significativa entre ambos nas dimensões sentar e ficar em pé. tronco, mau posicionamento da pelve e falta de aquisição das reações de equilíbrio. Quanto aos ângulos das curvaturas, as crianças dos dois subgrupos de PC apresentaram menor angulação da lordose cervical, com diferença significativa (p<0,05) quando comparadas ao GC, porém não foi encontrada diferença significativa entre os dois subgrupos. Quanto à angulação da cifose torácica, também foi encontrada angulação menor, com diferença significativa (p<0,05) do subgrupo de PC níveis IV e V tanto em relação ao GC quanto ao subgrupo PC nível III (Tabela 2). Kapandji18 afirma que, na primeira semana de vida, a criança levanta a cabeça, graças à musculatura antigravitacional do pescoço, formando a lordose cervical. Aos nove meses, quando a criança já se senta e começa a engatinhar, ocorre ativação da musculatura da região antigravitacional lombar, que molda a curvatura lombar. Na PC, a falta de controle postural resulta em ativação anormal da musculatura, causando a manutenção da postura cifótica e ineficientes estratégias de movimento19. Além da ativação anormal da musculatura, a fraqueza muscular é um dos fatores agravantes das alterações posturais dessas crianças20. Quanto à correlação entre alinhamento postural e função motora na dimensão sentar nos dois subgrupos de crianças com PC, constatou-se correlação significativa (r=0,748; p=0,01), sugerindo que, quanto melhor o alinhamento postural, melhor a função motora na dimensão avaliada (Gráfico 1). DISCUSSÃO Nas crianças com PC, foi encontrada uma correlação positiva entre o ângulo de cifose torácica e o desempenho motor na postura sentada, mostrando que, quanto melhor o alinhamento postural, melhor o desempenho motor dessas crianças nessa posição. No que se refere ao alinhamento postural, foi encontrada diferença significativa nos ângulos de lordose cervical entre os dois subgrupos de PC comparados ao GC, que apresenta desenvolvimento motor e alinhamento postural adequados. A menor angulação nas crianças com PC pode ser propiciada pelo desequilíbrio muscular. Nota-se também diferença significativa na cifose torácica no grupo de PC níveis IV e V quando comparado tanto ao grupo de PC nível III como ao GC. Os resultados mostram que crianças do grupo PC nível III apresentaram angulação de cifose torácica semelhante ao GC, o que é coerente com o melhor controle postural que essas crianças apresentam. O pior alinhamento das crianças do grupo PC níveis IV e V está provavelmente relacionado à diminuição de ativação muscular em extensores de Como mencionado, não foi possível comparar a lordose lombar entre os grupos de PC e GC. Não é possível mensurar essa angulação em crianças com PC porque estas apresentam cifose tóraco-lombar que pode ser justificada pela retroversão pélvica. Sullivan et al.21 mostram que a prevalência da retroversão pélvica em PCs é de 37%, o que leva ao aumento da cifose e ao comprometimento da função motora na postura sentada. A retroversão pélvica na PC está associada à retração de flexores e rotadores internos de quadris e é um dos fatores que leva a criança a sentar-se sobre o sacro, levando o corpo para frente e flexionando a coluna, o que provoca postura cifótica10,21,22. Outros autores afirmam que, aos 10 anos de idade, a criança já apresenta as curvaturas fisiológicas semelhantes às dos adultos18. E que na posição em pé a coluna lombar está em posição de lordose; na posição sentada, a pelve e o sacro estão rodados posteriormente e a curvatura lombar está diminuída18. Isso explica que, além da retroversão pélvica, a postura sentada pode ter influenciado a ausência de lordose lombar das crianças com PC. Estudos têm evidenciado que as deformidades e falta de ativação muscular geram limitações e uma menor capacidade de realizar tarefas. Segundo Howle3, crianças que não apresentam funcionalidade nos membros superiores apresentam flexão da coluna, o que, com o tempo, provocará uma cifose es- trutural com hipertonia flexora de pescoço e tórax, ficando os quadris em flexão. Crianças com PC frequentemente apresentam amplitude restrita de movimento em muitas articulações, incluindo tornozelo, joelho e quadril. As contraturas dos músculos dessas articulações resultam em posturas atípicas quando o sujeito está sentado e em pé. As posturas habituais influenciam a forma pela qual os músculos são recrutados e coordenados para a recuperação da estabilidade23. Segundo Koman et al.9, as deformidades de coluna estão associadas à PC. A freqüência de escoliose na PC é de 25%, sendo que 60 a 75% dos envolvidos são os que apresentam sérios comprometimentos e quadriplegia. A progressão da escoliose acarreta dor, interfere na função motora e comprometimento cardiopulmonar. Ostenjo et al.24 mostram que os quadriplégicos apresentam maior comprometimento referente à espasticidade que os diplégicos e, ainda, que crianças com maior comprometimento no controle motor seletivo apresentam pior desempenho na função motora ampla. Assim, é preciso prevenir que essas contraturas e/ou deformidades se instalem, corrigindo as alterações posturais que interferem diretamente na qualidade de movimento dessas crianças. Quanto ao desempenho motor, como esperado, o subgrupo de PC nível III obteve escore mais alto na dimensão B (sentar) do que o subgrupo de PC níveis IV e V, coerente com as respectivas classificações no GMFCS. Ostensjo et al.24 relatam que a maioria das crianças diplégicas se enquadra no nível III e a maioria dos quadriplégicos se enquadra no nível V do GMFCS. Mancini et al.6 mostraram que crianças com nível mais grave de PC apresentam desempenho inferior às de comprometimento leve em todas as áreas funcionais. Também como esperado, o subgrupo de PC nível III apresenta melhor desempenho motor na postura de pé, já que nas crianças dos níveis IV e V a deficiência motora limita a funcionalidade na postura em pé. Ostensjo et al.25 constataram que crianças com comprometimento moderado (nível III) apresentam mais atividades referentes à mobilidade que aquelas com limitações graves. Voorman et al.26 e :326-32 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7 25 Bjornson et al. 27 mostram ainda que crianças com muita espasticidade, como as quadriplégicas, com pior controle seletivo, fraqueza muscular, limitações no quadril e extensão de joelho, mostram curso de comprometimento da função motora menos favorável que crianças menos afetadas, principalmente na mobilidade. O presente estudo tem limitações devido ao número reduzido de sujeitos. CONCLUSÃO Considerando que o alinhamento postural é a base para um adequado controle de movimento, este estudo mostrou que crianças com paralisia cerebral classificadas no GMFCS como nível III apresentam melhor desempenho motor e alinhamento postural que aquelas nos níveis IV e V; e, ainda, foi encontrada correlação positiva entre essas duas variáveis, mostrando que, quanto melhor o alinhamento postural, melhor o desempenho motor dessas crianças. REFERÊNCIAS 1 Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth N, Dan B, et al. Proposed definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;44:571-6. 2 Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2007;109(Suppl):8-14. 3 Howle JM. Neuro-developmental treatment approach: theoretical foundations and principles of clinical practice. Laguna Beach, CA: NDTA; 2000. 4 Graaf-Peters VB, Blauw-Hospers CH, Dirks T, Bakker H, Blos AF, Hadders-Agra M. Development of postural control in typically developing children and children with cerebral palsy: possibilities for intervention? Neurosci Biobehav Rev. 2007;31:1191-200. 5 Brogren E, Algra MH, Forssberg H. Postural control in sitting children with cerebral palsy. Neurosci Biobehav Rev. 1998;22(4):591-6. 6 Mancini MC, Fiúza PM, Rebelo JM, Magalhães LC, Coelho ZAC, Paixão ML, et al. Comparação do desempenho de atividades funcionais em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisa cerebral. Arq NeuroPsiquiatr. 2002;60(2):446-52. 7 8 9 Allegretti ALC, Mancini MC, Schwartzman JS. Estudo do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral diparética espástica utilizando o Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI). Arq Bras Paralis Cerebral. 2004;1(1):35-40. Mancini MC, Alves ACM, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio RF, Coelho SAC, et al. Gravidade da PC e desempenho funcional. Rev Bras Fisioter. 2004; 8(3):253-60. Koman LA, Smith BP, Shilt JS. Cerebral palsy. Lancet. 2004;363(15):1619-31. 10 Holmes KJ, Michael SM, Thorpe SL, Solomonidis SE. Management of scoliosis with special seating for the non-ambulant spastic cerebral palsy population: a biomechanical study. Clin Biomech. 2003;18:480-7. 26 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):22-7 11 Porter D, Michael S, Kirkwood C. Patterns of postural deformity in non-ambulant people with cerebral palsy: what is the relationship between the direction of scoliosis, direction of pelvic obliquity, direction of windswept hip deformity and side of hip dislocation? Clin Rehabil. 2007;21(12):1087-96. 12 Donker FS, Ledebt A, Roerdink M, Savelsbergh GJP, Beek PJ. Children with cerebral palsy exhibit greater and more regular postural sway than typically developing children. Exp Brain Res. 2008;184(3):363-70. 13 Palisano R, Rosenbaum P, Walter S, Russel D, Wood E, Galuppi B. Gross motor function classification system for cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1997;39(4):214-23. 14 Russell D, Rosenbaum P, Growland C, Hardy S, Lane M, Plews N, et al. Gross motor function measure manual. 2nd ed. Toronto: McMaster University; 1993. Chap.: Administration and scoring, p.2-19. 15 Vieira ER. Análise da confiabilidade de equipamentos e métodos para medir o movimento de flexão anterior da coluna lombar [dissertação]. São Carlos: Depto. de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos; 2002. 16 Abrão SD, Fornasari CA. Avaliação da posição da cabeça e plano de Frankfurt na disfunção da ATM por meio de fotometria. Rev Bras Odontol. 2005;62:82-4. 17 Bolstad G, Benum B, Rokne A. Antropometry of Norwegian light industry and office workers. Appl Ergon. 2001;32(3):239-46. 18 Kapandji IA. The physiology of the joints: the trunk and vertebral column. Edinburgh: Churchill Livingstone; 2000. 19 Casady RL, Nichols-Larsen DS. The effect of hippotherapy on ten children with cerebral palsy. Pediatr Phys Ther. 2005;17(1):72-5. 20 Ohata K, Tsuboyama T, Haruta T, Ichihashi N, Kato T, Nakamura T.Relation between muscle thickness, spasticity, and activity limitations in children and adolescents with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2008;50:152-6. Cunha et al. Postura e desempenho motor em crianças com PC Referências (cont.) 21 Sullivan RO, Walsh M, Jenkinson A, Brien TO. Factors associated with pelvic retraction during gait in cerebral palsy. Gait Posture. 2007;25:425-31. 22 Jones MW, Morgan E, Shelton JE. Primary care of the child with cerebral palsy: a review of systems (Part II). J Pediatr Health Care. 2007;21:226-37. 25 Ostensjo S, Calberg EB, Vollestad NK. Everyday functioning in young children with cerebral palsy: functional skills, caregiver assistance and modifications of the environment. Dev Med Child Neurol. 2003;45:603-12. 23 Shumway-Cook A, Woollacott MH. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2a ed. São Paulo: Manole; 2003. 26 Voorman JM, Dallmeijer AJ, Knol DL, Lankhorst GJ, Becher JG. Prospective longitudinal study of gross motor function in children with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 2007;88(7):871-6. 24 Ostensjo S, Calberg EB, Vollestad NK. Motor impairments in young children with cerebral palsy: relationship to gross motor function and everyday activities. Dev Med Child Neurol. 2004;46:580-9. 27 Bjornson KF, Belza B, Kartin D, Logsdon R, McLaughlin JF. Ambulatory physical activity performance in youth with cerebral palsy and youth who are developing typically. Phys Ther. 2007:87(3):248-60. :326-32 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7 27 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.28-33, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serraria Biomechanical risks in sawmill worker postures André Gustavo Soares de Oliveira1, Hanne Alves Bakke2, Jerônimo Farias de Alencar3 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia do CCS/UFPB – Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil 1 Fisioterapeuta Especialista 2 Fisioterapeuta Ms. 3 Prof. Dr. do Depto. de Fisioterapia do CCS/UFPB ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA André Gustavo S. de Oliveira R. Epitácio Pessoa 4880 apto.1003 Cabo Branco 58045-000 João Pessoa PB e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO jul. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO fev. 2009 28 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):28-33 RESUMO: Os trabalhadores em serrarias estão sujeitos a riscos biomecânicos advindos das posturas adotadas durante suas atividades laborais. Este trabalho visou avaliar as posturas adotadas por esses trabalhadores por meio do método de avaliação rápida do corpo inteiro (REBA, rapid entire body assessment), buscando detectar e classificar os riscos biomecânicos. Participaram 15 trabalhadores do setor de produção de uma serraria em João Pessoa, PB, do sexo masculino, com idade média de 44±10,9), avaliando-se quatro posturas: flexão anterior do tronco com levantamento de carga, agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e corpo estendido para mover uma prensa. Sintomas musculoesqueléticos foram identificados no mapa corporal de Corlett. Um questionário semi-estruturado levantou os dados demográficos, ambientais e as funções executadas. Pelo REBA, a flexão anterior de tronco apresentou nível de risco muito alto e as posturas de agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e movimento do corpo em extensão, nível de risco alto. Uma alta proporção (73,3%) deles queixaram-se de dor ou desconforto na coluna e 26,8% na região dos ombros. Considerando os níveis de riscos apresentados, requerem-se intervenções ergonômicas preventivas no posto de trabalho para adoção de posturas que melhor propiciem a execução das atividades com menor risco à saúde do trabalhador. DESCRITORES: Biomecânica; Fatores de risco; Postura; Saúde do trabalhador ABSTRACT: Workers in sawmills are exposed to biomechanical risks due to the postures adopted during their activities. The purpose here was to assess postures adopted by these workers by using the rapid entire body assessment (REBA), in order to detect and classify possible biomechanical risks. Fifteen male workers from the production section of a sawmill in João Pessoa, PB (mean age 44±10.9 years old) were assessed as to the postures adopted at work. A semi-structured questionnaire collected demographic and environmental data as well as functions in the workplace. Musculoskeletal symptoms were identified using Corlett’s body map. Four postures were evaluated: anterior trunk flexion with weight lifting, deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination and extended body to move a press. The REBA method showed a very high risk level for the anterior trunk flexion; the other postures – deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination, and extended body to move a press – were shown to bear a high risk level. Accordingly, 73.3% of the workers complained of back pain or discomfort and 26.8% of pain in the shoulder area. Considering the risk levels assessed, there is a need for ergonomic and preventive interventions in the workplace so that workers adopt postures that best suit their work activities with lesser risk to their health. KEY WORDS: Biomechanics; Occupational health; Posture; Risk factors Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria INTRODUÇÃO A saúde do trabalhador, definida no Brasil como uma área da saúde pública e de responsabilidade do Sistema Único de Saúde, tem como missão o estudo, a prevenção, a assistência e a vigilância aos agravos à saúde relacionados ao trabalho1. Atualmente, por parte de empresas, há uma preocupação com o desenvolvimento de doenças ocupacionais, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, bem como com o controle dos acidentes de trabalho. O governo vem também tomando medidas importantes na área, a exemplo da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, em vigor desde 2004. A medida tem como foco a redução e controle de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho1. Dentre o vasto universo de atividades ocupacionais, encontram-se as realizadas em serrarias e marcenarias. As máquinas e ferramentas utilizadas nesses locais propiciam a realização de atividades com sobrecargas físicas e riscos biomecânicos2-5. Associado a esse aspecto, existe um baixo grau de instrução do trabalhador, que desconhece os riscos à sua saúde, contribuindo para a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho6. Há ainda outros fatores ambientais que interagem com os trabalhadores, a citar o conforto térmico e a iluminância4. É importante destacar que boas condições de trabalho são associadas não apenas ao cumprimento de normas trabalhistas e à luta contra as doenças ocupacionais, mas também à promoção de melhores condições de vida no ambiente de trabalho, tendo em vista que o homem despende, constitucionalmente, cerca de 8 horas diárias no trabalho, equivalendo a um terço de seu tempo7. Tendo em vista a influência dos fatores pessoais, biomecânicos, organizacionais e psicossociais relacionados ao trabalho, a avaliação desses fatores é necessária para o estabelecimento da associação entre estes e a possibilidade de surgir e/ou agravar um quadro de sinais e sintomas no trabalhador8. Com base na identificação dos fatores de risco e de suas características moduladoras, podem ser tomadas medidas e interven- ções ergonômicas e preventivas para a preservação da saúde desses indivíduos9, para melhor adaptar o trabalho ao homem10. Do ponto de vista biomecânico, os riscos caracterizam-se pelo levantamento de cargas, frequência e intensidade de execução das tarefas, repetitividade, uso excessivo de força, vibrações, compressões mecânicas, geralmente associadas com posturas inadequadas11. Um fator importante na avaliação de uma atividade executada é a investigação das posturas adotadas pelos trabalhadores. Estas, caso inadequadas, podem trazer conseqüências e sequelas incapacitantes para o funcionário. Pela avaliação postural, más posturas eventualmente detectadas podem ser minimizadas por meio de treinamentos direcionados à adoção de posturas corretas, seguras e confortáveis3. Uma forma de fazer essa avaliação é pelo método de avaliação rápida do corpo inteiro (rapid entire body assessment, REBA). Esse método foi desenvolvido por Hignett e McAtamney12 como uma ferramenta de avaliação de posturas dinâmicas e estáticas, para identificar riscos biomecânicos, a existência de mudanças bruscas posturais ou posturas instáveis adotadas durante a atividade realizada. Essa avaliação envolve os membros superiores e inferiores, tronco e pescoço, considerando os fatores carga ou força manuseada e tipo de garra, indicando a necessidade de implantação de medidas corretivas e a urgência de intervenção12. De acordo com os autores, o método REBA foi desenvolvido a partir de outras técnicas – como a proposta pelo National Institute for Occupational Safety and Health dos Estados Unidos, o sistema de análise de posturas ocupacionais (working postures analyzing system, OWAS), a avaliação rápida dos membros superiores (rapid upper limb assessment, RULA) e a pesquisa de desconforto em partes do corpo (body part discomfort survey) – no sentido de estabelecer as amplitudes dos segmentos do corpo com base no diagrama da RULA. Pela associação de várias posturas e interação com cargas foram estabelecidos critérios de classificação do nível de risco e grau de intervenção necessária. Sua aplicação classifica o risco de lesões mus- culoesqueléticas associado a uma postura em: desprezível (1 ponto), baixo (23 pontos), médio (4-7 pontos), alto (810 pontos) e muito alto (11-15 pontos). O método propõe quatro graus de intervenção, que se relacionam ao nível de risco, a saber: não necessária; pode ser necessária, necessária, necessária o quanto antes e imediata, respectivamente12. Trata-se, portanto, de uma ferramenta útil e de fácil aplicação para prevenção de riscos, indicando condições de trabalho inadequadas. O programa do método encontra-se disponível on-line: www.ergonautas.upv.es/metodos/reba/ reba-ayuda.php13. As atividades ocupacionais realizadas em serrarias e madeireiras apresentam risco ocupacional grau 3, de acordo com a classificação nacional de atividades econômicas e o nível de risco de acidente do trabalho associado14. No setor de serraria, percebe-se uma escassez de estudos acerca dos riscos biomecânicos posturais adotados no exercício das atividades, aos quais estão sujeitos os trabalhadores. Assim, este artigo busca avaliar as posturas adotadas pelos trabalhadores de uma serraria, mediante a utilização do método REBA, com o objetivo de detectar possíveis riscos biomecânicos à saúde do trabalhador. METODOLOGIA O estudo foi realizado com 15 trabalhadores do sexo masculino envolvidos exclusivamente no setor de produção de uma serraria em João Pessoa, PB, que exerciam funções variadas em razão do posto de trabalho e adotavam posturas diferenciadas, de acordo com a atividade executada. Foram excluídos aqueles que exerciam outras atividades não-relacionadas à produção, como trabalhador do setor administrativo, motorista e auxiliar de serviços gerais. Os aptos a integrar a pesquisa foram informados sobre os objetivos, a metodologia e quanto à aceitação de participação. Todos concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal da Paraíba. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):326-32 :28-33 29 As posturas adotadas pelos trabalhadores foram registradas por uma máquina fotográfica digital (modelo A502 – Samsung). As queixas musculoesqueléticas foram assinaladas no diagrama corporal de Corlett15. A análise dos níveis de risco das posturas selecionadas foi realizada pela ferramenta de análise postural REBA. Os dados referentes ao ambiente de trabalho, aos funcionários, à linha de produção, função e tempo na função foram coletados por meio de um questionário semi-estruturado. A pesquisa foi realizada pela abordagem in loco no decorrer de cinco visitas, durante o horário normal de expediente e sem interrupção do processo de produção. Inicialmente foi feita a coleta dos dados pelo questionário semiestruturado, envolvendo idade, grau de escolaridade, tipo de atividade, jornada de trabalho, tempo nas funções exercidas na linha de produção e tipos de equipamentos e máquinas utilizadas no setor. Os trabalhadores ainda foram indagados acerca do ambiente de trabalho, quanto a nível de ruído (muito barulhento, barulhento, agradável e silencioso), temperatura (muito quente, quente, agradável, frio e muito frio) e iluminação (agradável, muito claro com reflexão de luz, e escuro). A seguir, procedeu-se ao registro da indicação dos locais das queixas musculoesqueléticas utilizando o diagrama corporal de Corlett e, posteriormente, foram capturadas imagens das posturas adotadas por eles durante a atividade nos postos de trabalho. A Figura 1 30 A seleção das posturas a serem analisadas foi baseada na freqüência das respostas à pergunta: “Das posturas que você adota no trabalho, qual(is) a(s) que mais incomoda(m)?” Foram relatadas e selecionadas para registro fotográfico as seguintes posturas: flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos com carregamento de carga; agachamento profundo; flexão ântero-lateral do tronco; e uso do corpo estendido como apoio (Figura 1). Os dados coletados pelo questionário semi-estruturado e pelo diagrama corporal de Corlett foram analisados descritivamente; a avaliação biomecânica das posturas citadas como mais incômodas foi realizada pela aplicação do software REBA, que indica o grau de risco biomecânico e a necessidade de intervenção de acordo com a pontuação apresentada no programa. RESULTADOS Os trabalhadores da serraria estudada apresentaram idade variando entre 29 e 65 anos (média=44±10,9 anos) e tempo médio na função de 14,9±8,5 anos. O nível de escolaridade foi muito baixo: 92,3% tinham ensino fundamental incompleto e 7,7% eram analfabetos. As principais atividades executadas pelos trabalhadores são: serrar, furar, lixar e montar os produtos comercializados, como portas, janelas, esquadrias e deques em madeira. Também foi observado que, nos postos de trabalho, os B trabalhadores fazem muito levantamento de carga, ao transportar e manipular os produtos fabricados. Os equipamentos utilizados com freqüência são: aparadora, coladeira de bordas, desengrossadeira, esquadrejadeira, furadeira, lixadeira de cinta, desempenadeira, prensa, serra circular, seccionadora, serra de fita, torno manual e tupia. Todos (100%) os trabalhadores queixaram-se do esforço físico para operá-los e da intensidade de vibração em várias regiões do corpo, principalmente nos membros superiores. O início das atividades começa com toras de madeira que serão cortadas e separadas para os mais diversos fins em uma jornada de trabalho de 8 horas/dia. Essas atividades são distribuídas entre os funcionários, que ficam responsáveis por cada etapa da linha de produção, conforme a Tabela 1. Quanto aos dados ambientais sobre temperatura, ruído e iluminância, 80% informaram ambiente quente, 40% re- Tabela 1 Distribuição das funções entre os trabalhadores da serraria Função Marceneiro Operador de máquina Auxiliar Serrador Marceneiro Encarregado Total C n 4 3 4 2 1 1 15 % 26,7 20,0 26,7 13,3 6,7 6,7 100,0 D Posturas avaliadas pelo método REBA. A = Flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos e carregamento de carga; B = Agachamento profundo; C = Flexão ântero-lateral do tronco; D = Uso do corpo estendido como apoio 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):28-33 Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria Tabela 2 Riscos biomecânicos das posturas avaliadas pelo método REBA Item Postura 1 Lado do corpo Nível de risco Muito alto (11-15) Pontuação 12 Intervenção: Grau 4 Necessidade Imediata 2 3 Esquerdo Direito Esquerdo Médio (4-7) 7 2 Necessária Alto (8-10) 8 3 O quanto antes Médio (4-7) 6 2 Necessária 4 Direito Alto (8-10) Alto (8-10) 9 10 3 3 O quanto antes O quanto antes Posturas: 1 = flexão anterior do tronco com semiflexão do joelho e carregamento de carga; 2 = agachamento profundo; 3 = flexão ântero-lateral do tronco; 4 = uso do corpo estendido como apoio lataram como barulhento e 20% alegaram ser escuro. As posturas adotadas que apresentaram mais incômodos foram: 40,0% flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos com carregamento de carga; 13,3% agachamento profundo; 13,3% flexão ântero-lateral do tronco; 13,3% corpo estendido como apoio; e 20,0% não relataram nenhuma postura desconfortável. Os trabalhadores, pelo diagrama corporal de Corlett, referiram presença de desconforto em várias regiões corporais, principalmente na coluna vertebral (73,3%) – dos quais 46,7% na região lombar – e na região dos ombros (26,7%). As quatro posturas submetidas à análise pelo método REBA receberam uma classificação variada quando relacionadas ao nível de risco biomecânico à saúde do trabalhador (Tabela 2). A aplicação do método REBA permitiu constatar o nível de risco biomecânico e a necessidade de intervenção. Na flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos com levantamento de carga, o risco é muito alto, exigindo intervenção imediata; as demais posturas estudadas, com risco alto, também requerem intervenção. DISCUSSÃO A problemática central do estudo são os riscos biomecânicos das posturas adotadas pelos trabalhadores de uma serraria durante a execução de suas tarefas. O uso do método REBA mostrou que existem riscos biomecânicos nas posturas estudadas e necessidade de intervenção. Esses dados assemelham-se aos de um estudo desenvolvido em marcenarias, usando a ferramenta OWAS, que identificou riscos biomecânicos em operadores de diferentes máquinas, demonstrando a necessidade de intervenções4. Além disso, foram evidenciadas em outros estudos sobrecargas físicas em trabalhadores desses ambientes2,3,5. Em quase todo o processo de produção da serraria associado às posturas inadequadas ocorre o manuseio e levantamento de carga, que pode contribuir para o surgimento de desconforto e risco biomecânico, principalmente na coluna lombar, devido ao estresse biomecânico produzido, pois os movimentos do tronco parecem ser combinados com movimento da coluna gerado pela massa do objeto16. Essas atividades não sobrecarregam apenas a coluna vertebral: os membros superiores são igualmente exigidos para manter, transportar e levantar essas cargas. Essa sobrecarga é produzida por mudanças na configuração postural e utilização de força excessiva17. O método REBA evidenciou que a postura mais crítica foi a flexão anterior do tronco. Essa postura induz o trabalhador a adotar uma postura da cabeça que produz aumento da lordose cervical para melhorar sua acuidade visual, além de aumentar a cifose torácica e a retroversão pélvica, com retificação da lordose lombar, interferindo na função fisiológica dos músculos do tronco e contribuindo para o processo de produção de forças sobre os discos intervertebrais, causando lombalgias. Estas se caracterizam por um distúrbio doloroso que gera transtorno à saúde e alta incidência de absenteísmo relacionado ao trabalho, nas ocupações que exigem esforço físico pesado, repetitivo ou contínuo. Recomenda-se que se evite essa posição durante atividades por tempo prolongado18, principalmente porque a lesão tecidual pode ocorrer em resposta às forças externas, mesmo em níveis baixos e modulados, com freqüência excessiva19. No presente estudo, como evidenciam os resultados, essa postura é a que produz mais incômodo (40,0%) ou desconforto, sendo os trabalhadores mais acometidos por dores na coluna vertebral, em especial a região lombar, ratificando a presença de risco biomecânico evidenciado pelo método REBA com exigência de intervenção imediata. O agachamento profundo foi outra postura avaliada, citada por 13,3% dos trabalhadores como provocando desconforto. Nesta, a linha de gravidade se desloca posteriormente ao eixo do joelho, aumentando o torque flexor20,21. Os isquiotibiais promovem estabilização no joelho mediante uma tração posterior na tíbia, para contrapor a força anterior imposta pelo quadríceps22. Se a amplitude de flexão do joelho ficar acima de 50º, haverá aumento das forças de cisalhamento anterior na articulação tibiofemoral. Se essa postura é adotada com a utilização de cargas externas, as forças de cisalhamento tendem a aumentar23. A permanência por um longo período de tempo e repetitivo poderá promover lesões articulares ou miotendíneas, síndromes por uso excessivo24, que podem se tornar crônicas e mesmo levar à incapacidade funcional. Outra postura freqüente relatada como incômoda foi a flexão ântero-lateral do tronco. Esta é muito fatigante, pois exige trabalho estático da musculatura de membros inferiores e do tronco para sua manutenção. Mantê-la exige contrações contínuas e prolongadas da musculatura envolvida, o que afeta o fluxo sanguíneo muscular e, conseqüentemente, o transporte de oxigênio e nutrientes, bem como a remoção dos resí- Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32 :28-33 31 duos do metabolismo local que, ao serem acumulados, causam dor aguda e fadiga muscular10. Para manter a postura ereta, a principal carga que atua na coluna vertebral é a axial, requerendo o sinergismo dos músculos do tronco para sua manutenção. Tendo em vista que os braços de força dos músculos extensores do tronco são relativamente pequenos em relação às articulações vertebrais, esses músculos devem gerar grandes forças para neutralizar os torques produzidos ao redor da coluna, pelos pesos dos segmentos corporais e das cargas externas. Durante a flexão lateral e torção axial do tronco, são necessárias ativações mais complexas dos seus músculos para realizarem os movimentos de flexão e extensão da coluna vertebral, gerando forças de compressão discal25. Essas forças aumentam com o acréscimo do peso do corpo acima do disco vertebral (membros superiores, tronco e cabeça)24. Os movimentos de flexão anterior e torção axial repetidos ou em excesso, especialmente com carga, aumentam a probabilidade de incidência de hérnias de disco, ocasionando sintomas de dor. As duas posturas relacionadas à flexão do tronco ratificam nossos dados, de que 73,3% dos trabalhadores se queixam de algias na coluna. Finalmente, em uma postura adotada para facilitar a execução de uma tarefa, o trabalhador usa o corpo para mover a alavanca de uma prensa da madeira. Conforme a postura adotada, o indivíduo usa seu próprio peso para puxar a prensa, com apoio anterior dos membros inferiores em semiflexão do quadril e joelho bilateralmente, com membros superiores estendidos sustentando a prensa próximo à linha dos ombros ou 90º de flexão, adotando um momento extensor do corpo. A capacidade do indivíduo de empurrar e puxar objetos depende do peso de seu corpo, da postura usada, da freqüência, duração da atividade, da força exercida, da estabilidade dos pés e da habilidade em transferir energia do corpo para o objeto. A força para puxar é dirigida posteriormente e aumenta consideravelmente o momento extensor e a força dos músculos eretores da coluna, devido ao curto braço de alavanca desse grupo muscular. Dessa forma, a carga sobre o disco intervertebral também é aumentada26. Um recente estudo epidemiológico mostrou que o ato de empurrar e puxar carga são fatores de risco para desconforto musculoesquelético, principalmente para queixas na coluna lombar e ombros. Porém tornam-se necessários mais estudos para reconhecê-los como fatores de risco para as lombalgias e artralgias no ombro27. A freqüência e a severidade do desconforto agudo e crônico no ombro podem estar relacionados à tensão postural na qual está exposto durante o trabalho com uso de ferramentas pesadas e em ambiente de trabalho que não oferece condições biomecânicas ou ergonômicas adequadas28. Os distúrbios de ombro podem propiciar a saída precoce do trabalho devido a seu quadro clínico disfuncional e têm alto impacto na utilização dos serviços de atenção primária e secundária da saúde29. A gravidade dos riscos biomecânicos inerente às posturas adotadas por esses trabalhadores foi indicada pelos escores do REBA, apontando para a necessidade de intervenção. Esses distúrbios podem ocasionar diferentes graus de incapacidade, sendo também responsáveis por gastos com afastamentos, indenizações, tratamentos e processos de reinclusão no trabalho. O trabalho não deve ter ênfase apenas na produtividade e no lucro da empresa, mas também na saúde daquele que executa a tarefa. Embora o objetivo deste trabalho tenha sido cumprido, reconhecem-se algumas limitações. A principal está relacionada à ausência de uma avaliação, por instrumentos, das condições ambientais (temperatura, ruído e iluminância); outra diz respeito à limitação da pesquisa à localização da região de desconforto musculoesquelético, não investigando seu grau de intensidade, frequência e fatores que agravam ou melhoram a dor relatada. Estudos por meio de medidas diretas são necessários para quantificar o grau de risco biomecânico e melhor fundamentar os processos de intervenção preventiva e ergonômica. CONCLUSÃO Os resultados obtidos, de que 100% das posturas selecionadas e avaliadas pelo método REBA apontam para riscos biomecânicos, indicam a necessidade de se fazerem intervenções ergonômicas e preventivas nas atividades executadas pelos trabalhadores da serraria, direcionando-os para uma correta adoção de posturas que favoreçam o melhor desenvolvimento de suas funções, com menor risco à sua saúde. REFERÊNCIAS 1 Brasil. Ministério da Saúde. A saúde do trabalhador. Brasília; 2007 [citado jun 2007]. Disponível em: http:// portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/ area.cfm?id_area=928. 2 Fiedler NC, Venturoli F. Avaliação da carga física de trabalho exigida em atividades de fabricação de móveis no Distrito Federal. Cerne [periódico on-line] 2002;8(2):11722 [citado jun 2007]. Disponível em: http://www.scielo.br. 32 Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):28-33 09;16(1) 3 Fiedler CF, Menezes NS, Azevedo INC, Silva JRM. Avaliação biomecânica dos trabalhadores em marcenarias no Distrito Federal. Rev Cienc Florestal. 2003;13(2):99-109. 4 Fiedler NC, Venturolis F, Minetti LJ. Análise de fatores ambientais em marcenarias no Distrito Federal. Rev Bras Eng Agr Amb. 2006;10(3):679-85. Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria Referências (cont.) 5 Fiedler NC, Alves RT, Guimarães PP, Wanderley FB. Análise da carga física de trabalho dos operadores em marcenarias no sul do Espírito Santo. Floresta [periódico on-line] 2008;38(3):423-9 [citado 9 jun 2007]. Disponível em: http://www.scielo.br. 6 Martins R. Segurança em marcenarias [: entrevista a Manfred Pauls]. Rev Móbile sob Medida [periódico na internet] 2002;9 [citado jun 2007]. Disponível em: http://www.sim-rio.org.br. 7 Viera SDG. Estudo de caso: análise ergonômica do trabalho em uma empresa de fabricação de móveis tubulares [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 1997. Disponível em: http:// teses.eps.ufsc.br/disserta97/vieira. 8 9 Baldan C, Rodrigues JS, Nakano K, Walsh IAP, Alem MER, Coury HJCG. Avaliação dos aspectos pessoais ocupacionais e psico-sociais e sua relação no surgimento e/ou agravamento de lesões musculoesqueléticas em um setor de trabalho. Rev Fisioter Mov. 2001/2002;14(2):37-42. Settimi MM, Toledo FF, Paparelli R, Martins M, Souza IM, Pinheiro JA. Lesões por esforços repetitivos (LER) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). Campinas: Centro de Estudos em Saúde e Trabalho; 2000. [citado jul 2007]. Disponível em: www.ergonet.com.br/ download_2/contrib-estudo-lerdort.pdf. 10 Iida I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blucher; 2005. 11 Coury HJCG, Walsh IAP, Pereira ECL, Manfrim GM, Perez L. Indivíduos portadores de L.E.R. acometidos há 5 anos ou mais: um estudo de evolução da lesão. Rev Bras Fisioter. 1999;3(2):79-86. 12 Hignett S, McAtammney L. Rapid entire body assessment (REBA). Appl Ergonomics. 2000;31:201-5. 13 Universidad Politécnica de Valencia. Método REBA. Valencia; 2006 [citado 12 dez 2006]. Disponível em: http://www.ergonautas.upv.es/metodos/reba/reba-ayuda.php. 14 Brasil. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico de acidentes de trabalho 2005. Brasília; 2006 [citado 15 mai 2008]. Disponível em: http://www.mpas.gov.br/anuarios/aeat-2005/ 14_08_01_01_02_01_01.asp. 15 Corlett EN, Bishop RP. A technique for assessing postural discomfort. Ergonomics. 1976;19:175-82. 16 Padula RS, Coury HJCG. Sagittal trunk movements during load carrying activities: a pilot study. Int J Ind Ergon. 2003;32:181-8. 17 Straker LM. An overview of manual handling injury statistics in Western Australia. Int J Ind Ergon. 1999;23:357-64. 18 Ferguson SA, Marras WS, Burr DL, Davis KG, Gupta P. Differences in motor recruitment and resulting kinematics between low-back pain patients and asymptomatic participants during lifting exertions. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2004;19:992-9. 19 Hamil J, Knutzen KM. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo: Manole; 1999. 20 Wilk KE, Escamilla RF, Fleisig GS, Barrentine SW, Andrews JR, Boyd ML. A comparison of tibiofemoral joint forces and electromyographic activity during open and closed kinetic chain exercises. Am J Sports Med. 1996;24:518-27. 21 Van Eijden TM, deBoer W, Weijs WA. The orientation of the distal part of the quadriceps femoris muscle as a function of the knee flexion-extension angle. J Biomech. 1985;18:803-9. 22 Isear JA Jr, Erickson JC, Worrell TW. EMG analysis of lower-extremity muscle recruitment patterns during an unloaded squat. Med Sci Sports Exerc. 1997;29:532-9. 23 Hattin HC, Pierrynowski MR, Ball KA. Effect of load, cadence, and fatigue on tibio-femoral joint force during a half squat. Med Sci Sports Exerc. 1989;21:613-8. 24 Peres CPA. Estudo das sobrecargas posturais em fisioterapeutas: uma abordagem biomecânica ocupacional [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2002 [citado 20 jul 2007]. Disponível em: http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/ 10084.pdf. 25 Hall SJ. Biomecânica básica. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. 26 Chaffin DB, Anderson GBJ, Martin BJ. Biomecânica ocupacional. 3a ed. Belo Horizonte: Ergo; 2001. 27 Hoozemans MJM, Beek AJ, Frings-Dresen MHW, Woude LHV, Dijk FJH. Low-back and shoulder complaints among workers with pushing and pulling tasks. Scand J Work Environ Health. 2002;28(5):293-303. 28 Wiken SF, Chaffin DB, Langolf GD. Shoulder posture and localized muscle fatigue and discomfort. Ergonomics. 1989;32(2):211-37. 29 Svendsen SW, Bonde JP, Mathiassen SE, StengaardPedersen K, Frich LH. Work related shoulder disorders: quantitative exposure response relations with reference to arm posture. Occup Environ Med. 2004;61: 844-53. :326-32 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :28-33 33 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.34-9, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Perfil epidemiológico de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico cadastrados na Estratégia de Saúde da Família em Diamantina, MG Epidemiological profile of stroke survivors registered at the Health Family Strategy of Diamantina, MG Hércules Ribeiro Leite1, Ana Paula Nogueira Nunes2, Clynton Lourenço Corrêa3 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia da UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, Brasil 1 Fisioterapeuta; mestrando em Fisiologia e Farmacologia na UFMG 2 Fisioterapeuta; mestranda em Epidemiologia na UFMG 3 Fisioterapeuta; Prof. Dr. adjunto da Universidade Federal do Paraná – Litoral, Matinhos, PR ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Hércules R. Leite R. Otacílio Negrão de Lima 181 Centro 35774-000 Paraopeba MG e-mail: [email protected]; [email protected] APRESENTAÇÃO maio 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 34 09;16(1) Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32 0 09;16(1):34-9 RESUMO: O acidente vascular encefálico (AVE) pode reduzir a capacidade de realizar tarefas funcionais, limitar a independência e a qualidade de vida dos indivíduos. O trabalho apresentou dois objetivos: identificar o perfil epidemiológico dos sujeitos com hemiplegia no município de Diamantina, MG, e implementar uma ação conjunta entre a universidade e as autoridades locais para atendê-los. Dos 82 pacientes cadastrados nas unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF), 51 foram contatados em seus domicílios e entrevistados usando roteiro semiestruturado. A média de idade foi 67,8 e o tempo de AVE, de 6,7 anos; 50% eram analfabetos e 41,2% mantinham-se com 1 salário mínimo por mês. Dentre os fatores de risco anteriores ao episódio de AVE, foram relatados dieta inadequada, inatividade física, tabagismo, etilismo e histórico de AVE paterno e/ou materno. Na época da pesquisa, 78,4% eram hipertensos; e 35,3% nunca tinham feito fisioterapia após o AVE. Assim, são propostas: inserção de fisioterapeutas nas unidades ESF, mudanças no modo de vida dos indivíduos, bem como melhorias ou modificações nas estratégias de políticas de saúde na região estudada. DESCRITORES: Acidente cerebral vascular/epidemiologia; Fisioterapia (Especialidade) ABSTRACT:Stroke can bring limitations to functional task performance, thus reducing patients’ independence and quality of life. The purpose of this study was to draw the epidemiological profile of hemiparetic, stroke survivors in the city of Diamantina, MG, and to foster a joint program of action by the university and local public health service, in order to attend to these subjects. From 82 subjects registered at the Health Family Strategy units (HFS), 51 were contacted and interviewed, by using a semi-structured questionnaire. Their mean age was 67.8 years old, and time since onset of stroke, 6.7 years; 50% were illiterate and 41.2% lived on one monthly minimum wage. Reported risk factors prior to the stroke were unhealthy diet, physical inactivity, alcoholism, smoking, and family history of stroke (father or mother). At the time of the study 78.73% had high blood pressure and 35.29% had never undergone physiotherapy treatment after the stroke episode. Hence, inclusion of physical therapists in HFS, changes in subjects’ lifestyle, and improvement or changes in local health policies are imperative. KEY WORDS: Physical therapy (Specialty); Stroke/epidemiology Leite et al. Perfil epidemiológico de hemiplégicos INTRODUÇÃO O acidente vascular encefálico (AVE) é caracterizado por um distúrbio neurológico focal, ou às vezes global, durando mais que 24 horas, com desenvolvimento rápido dos sintomas1. Podem ser classificados como isquêmicos ou hemorrágicos. Os isquêmicos ocorrem por obstrução das principais artérias que levam sangue ao encéfalo, onde as áreas por elas irrigadas deixam de receber sangue oxigenado. Os hemorrágicos ocorrem por ruptura de uma dessas artérias do encéfalo, levando ao sangramento intraencefálico. O AVE isquêmico é o mais comum, ocorrendo em aproximadamente 88% dos casos, porém sua mortalidade é menor, quando comparado ao de caráter hemorrágico, em 15 a 20% dos casos2. Os défices apresentados após o acidente incluem deficiência nas funções motoras, sensitivas, mentais, perceptivas e da linguagem, dependendo da localização da artéria acometida, da extensão da lesão e da disponibilidade de fluxo colateral3. Os sintomas neurológicos podem refletir a localização e o tamanho do AVE, porém não os diferem claramente quanto ao tipo de acidente vascular2. Dentre 35 milhões de mortes atribuídas às doenças crônicas que ocorreram em todo o mundo em 2005, o AVE foi responsável por 5,7 milhões (16,6%) das mortes, sendo que 87% ocorreram em países subdesenvolvidos. Dessa forma, o AVE é um problema de saúde mundial4. Nos Estados Unidos, a incidência é de 700.000 casos por ano (165.000 correspondem a óbitos)5, e os respectivos custos anuais chegam a aproximadamente 58 bilhões de dólares6. Na América Latina, o AVE é causa permanente de morbidade4,5 e mortalidade entre adultos7. Estudo realizado na América do Sul revela uma incidência de 35 a 183 casos por 100.000 habitantes. No Brasil, as taxas de mortalidade ajustadas à idade para o AVE estão entre as maiores em nove países da América Latina8. Segundo o Datasus9, órgão vinculado ao governo federal, a taxa de mortalidade em Minas Gerais e em Diamantina em 2003 foi respectivamente de 51 e 45,2 por 100.000 habitantes, na po- pulação acima de 40 anos. Segundo Bueno et al.10, que analisaram os coeficientes de mortalidade por doenças cerebrovasculares no município de Diamantina de 1998 a 2006, foram encontradas taxas superiores desses óbitos em comparação com o estado de Minas Gerais em todos os anos analisados. Este estudo teve por objetivo identificar o perfil epidemiológico dos pacientes com hemiplegia no município de Diamantina, MG, e implementar ações conjuntas entre a universidade e as autoridades locais da região estudada, para criar políticas locais de saúde de atendimento a esses pacientes. METODOLOGIA Pela revisão do cadastro de 82 pacientes com diagnóstico clínico de AVE nas áreas de abrangência das unidades do programa Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Diamantina, os indivíduos foram contatados em seus domicílios e entrevistados pessoalmente por um único entrevistador treinado. Os pacientes que apresentaram outras doenças neurológicas e/ou ortopédicas associadas foram excluídos do estudo. Assim, 51 participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Para a coleta de dados, os coordenadores de todas as unidades ESF de Diamantina autorizaram a realização da pesquisa, após esclarecimentos sobre os objetivos desta pesquisa. Inicialmente os pacientes foram submetidos ao miniexame do estado mental11, um teste que avalia o estado mental geral considerando orientação têmporo-espacial, memória recente, cálculo, linguagem e praxia motora, com pontuação de 0 a 30. O escore preditivo de normalidade varia de acordo com o grau de escolaridade do sujeito: de 18 (para analfabetos), 21 (para indivíduos com 1 a 3 anos de escolaridade), 24 (para indivíduos com 4 a 7 anos de escolaridade), a 26 (para aqueles com mais de 7 anos de escolaridade)12. Os pacientes que obtiveram valores abaixo do determinado não poderiam responder às perguntas do roteiro, sendo estas então feitas a seus respectivos cuidadores. As perguntas do roteiro semi-estruturado envolviam: nome, sexo, idade, grau de instrução, renda familiar, tempo de tratamento na fisioterapia, tempo decorrido desde o primeiro AVE, dimídio acometido, deambulação, tipo de marcha, uso de órteses, alterações na fala, hipertensão arterial sistêmica (HAS), hábitos de vida anteriores ao episódio de AVE (tabagismo, alcoolismo, dieta alimentar e atividade física) e histórico de AVE paterno e/ou materno. A análise estatística dos dados foi descritiva simples, onde as variáveis qualitativas foram apresentadas em freqüências relativas (percentuais) e freqüências absolutas (N), e as variáveis quantitativonuméricas, em média e desvio-padrão. RESULTADOS Dos 82 pacientes cadastrados nas unidades ESF, 3 não contemplaram os critérios de inclusão do estudo e 28 não foram encontrados em seus domicílios. Assim, a amostra foi de 51 indivíduos, Tabela 1 Características sociodemográficas e do AVE dos sujeitos da amostra (n=51) Característica Idade (anos, m ± dp) Sexo masculino feminino n % 67,8±13,6 25 49 26 51 Renda familiar 1 salário 2 salários 3 salários 4 salários ou + 0 salário 21 10 10 8 2 41 20 20 16 4 25 2 22 1 1 49 4 43 2 2 Escolaridade Analfabeto Fundamental completo Fundamental incompleto Médio completo Superior Tempo de AVE (anos, m ± dp) Dimídio esquerdo direito ambos 6,7±5,6 25 22 4 49 43 8 m ± dp = média ± desvio padrão Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):326-32 :34-9 35 terapêutica (necessidade constante do cuidador ou do terapeuta para que o paciente deambule em curta distância). % 30,0 25,5 21,6 21,6 25,0 DISCUSSÃO 17,7 20,0 Segundo o Ministério da Saúde, a partir de 1996 o AVE constitui causa principal de internações, mortalidade e deficiências na população brasileira13. Devido ao processo de envelhecimento da população, vem ocorrendo um aumento na expectativa de vida – e na incidência do AVE, com o avançar da idade14,15, embora haja um declínio nas taxas de mortalidade no país14. 15,0 7,8 10,0 4,0 5,0 2,0 0,0 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80/+ Faixa etária (anos) O AVE tem pico de incidência entre a sétima e oitava década de vida, quando se somam com as alterações cardiovasculares e metabólicas relacionadas à Gráfico 1 Distribuição (%) da idade em que ocorreu o primeiro episódio de acidente vascular encefálico por grupo etário dos sujeitos (n=51), segundo informado por eles distribuídos quase igualmente por sexo. A média de idade dos pacientes foi 67,8±13,6 anos; metade eram analfabetos; a maioria (41,2%) tinha renda familiar de um salário mínimo. O tempo médio decorrido desde o AVE foi de 6,7±5,6 anos. Em relação ao dimídio acometido, embora a distribuição seja semelhante entre o direito e o esquerdo (Tabela 1), 96% (n=49) dos participantes eram destros. Registrou-se ainda se que 35% (n=18) dos pacientes nunca tinham tido tratamento fisioterapêutico e apenas 16% (n=8) o estavam recebendo na época da pesquisa. Quanto às faixas etárias, notou-se que as décadas de maior incidência do AVE foram as de 70-79 anos, 60-69 e 50-59 anos (Gráfico 1). Em relação aos fatores de risco anteriores ao episódio de AVE, o tabagismo e o etilismo foram referidos por mais da Tabela 2 Presença (%) de fatores de risco anteriores ao primeiro episódio de acidente vascular encefálico informados pelos sujeitos Fatores (%) Sim Não Dieta alimentar inadequada Inatividade física Tabagismo Etilismo Histórico de AVE na família 36 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):34- 9 94 90 57 55 33 8 10 43 45 66 45 Extra-comunitária 12 Comunitária 16 Domiciliar Terapêutica Supervisionada Ausente 0 5 12 0 10 20 30 40 50 Gráfico 2 Distribuição (%) dos tipos de marcha informados pelos sujeitos (n=51) metade da amostra; a maioria (94%) não realizava nenhum tipo de dieta alimentar prescrita por especialista e 90% não praticavam atividade física regularmente (Tabela 2). Também foi constatado que 78% (n=40) dos indivíduos entrevistados eram hipertensos e 33% (n=17) tinham histórico de AVE na família. No que se refere aos aspectos físicos, observou-se alteração na fala em 53% (n=27). Quanto à marcha, 78% (n=40) eram deambuladores, dos quais 23 apresentavam marcha extra-comunitária (Gráfico 2), sendo que 33% (n=17) utilizavam algum dispositivo de auxílio à marcha. Poucos pacientes tiveram a marcha supervisionada (necessidade de auxílio eventual do cuidador ou do terapeuta) e nenhum apresentou marcha idade16. Entretanto, pode ocorrer mais precocemente16,17 e ser relacionado a outros fatores de risco, como distúrbios da coagulação, doenças inflamatórias e imunológicas, bem como o uso de drogas16. Apesar do aumento da incidência, há que se considerar as taxas de sobrevivência que declinam com o avanço da idade – de 79% dos 75 aos 84 anos para 67% acima dos 85 anos18–, o que poderia justificar a baixa incidência do AVE na faixa de 80 anos ou mais em nosso estudo. O hemicorpo mais freqüentemente acometido em nossa população foi o esquerdo, contudo isso não parece ser relevante como fator prognóstico, pois a literatura mostra variações nessa freqüência19-21. Leite et al. Appelros et al.22 realizaram uma revisão sistemática de 59 artigos sobre a incidência do AVE quanto ao sexo. Encontrou-se uma média de idade da incidência do primeiro episódio do AVE de 68,6 anos para homens, e 72,9 anos para mulheres. As taxas de incidência (33%) e prevalência (41%) foram maiores nos homens do que nas mulheres. Os valores referentes ao infarto encefálico e hemorragia intraencefálica foram maiores nos homens; as taxas referentes à hemorragia subaracnóidea foram maiores nas mulheres, embora essa diferença não seja estatisticamente significativa. Além do mais, o AVE tende a ser mais grave nas mulheres (24,7%) quando comparado ao dos homens (19,7%). No presente estudo, os sujeitos se distribuíram quase igualmente entre os sexos. O aumento e o envelhecimento da população, somados aos fatores de risco mais prevalentes como hipertensão, tabagismo, dieta inadequada, inatividade física e obesidade, fazem com que o AVE se torne a principal causa de morte prematura e de incapacidade entre adultos4. Assim, a detecção e o controle dos fatores de risco são tarefas prioritárias, pois permitem uma redução significativa da incidência e recidiva do AVE23,24, por meio de mudança nos hábitos de vida, terapêutica medicamentosa, neuro-radiologia intervencionista ou cirurgia24. Os fatores de risco para o AVE podem ser classificados em modificáveis, nãomodificáveis e ambientais. Os modificáveis são: hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, inatividade física, dieta (baixa ingestão de frutas e vegetais), alcoolismo, obesidade e diabetes. Os não-modificáveis são: ocorrência prévia de ataque isquêmico transitório, hipercolesterolemia, estresse, cardiopatias, idade, sexo (por exemplo, alta idade e sexo masculino estão em muitas populações associados ao aumento do risco), raça (afrodescendentes), histórico familiar (fator genético); e fatores ambientais: fumantes passivos e acesso a tratamento médico1,3. Neste estudo, os fatores de risco modificáveis relatados foram dieta inadequada e inatividade física (pela quase totalidade dos participantes), tabagismo e alcoolismo (por mais de metade dos sujeitos – Tabela 2). Perfil epidemiológico de hemiplégicos Em uma campanha inédita no Brasil, a Academia Brasileira de Neurologia uniu-se a um esforço mundial para realizar anualmente o “Dia Internacional do Acidente Vascular Cerebral” em várias capitais brasileiras, com o objetivo de conscientizar a população sobre a gravidade da doença, orientar para reconhecer os sinais e informar as providências necessárias diante de uma pessoa sofrendo de um AVE25. Salienta-se a importância da expansão desse programa de prevenção às demais localidades brasileiras. Tem sido demonstrado que grupos populacionais economicamente desfavorecidos vêm apresentando taxas de mortalidade cardiovasculares mais elevadas do que os que possuem melhores condições de vida. Além de as camadas mais pobres da população também estarem submetidas aos principais fatores de risco, ainda usam produtos mais baratos, portanto de mais baixa qualidade. São consumidos cigarros que contêm alto teor de nicotina, bebidas alcoólicas destiladas (como cachaça), carnes com alto teor de gorduras, frituras com óleos saturados, enlatados etc.26. Dados de 2006 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apontam que 10,38% da população se declaram analfabetos absolutos. O percentual representa 14,3 milhões de brasileiros27. Hoje vivemos na sociedade da informação e do conhecimento; quem não tem condições de ler e escrever acaba excluído de informações que são necessárias para garantir todos os seus direitos de cidadão, destacando-se o acesso à saúde. Epidemiologicamente o AVE é uma doença altamente prevalente no Brasil. Dentre os sobreviventes, aproximadamente 70% recuperam sua marcha normal em um ano; 45 a 60% são capazes de desempenhar seus cuidados pessoais com assistência; e 5 a 9% tornam-se completamente independentes. Profissionalmente, 9% retornam a seus trabalhos originais, 1% mudam suas ocupações, 33% nunca retornam ao trabalho, e 57% permanecem desempregados5. Os pacientes apresentam alterações sensitivas, cognitivas e motoras como fraqueza muscular, espasticidade, padrões anormais de movimento e descondicio- namento físico. Esses défices podem limitar a capacidade de realizar tarefas funcionais como deambular, fazer compras, subir escadas e cuidar-se18. Falcão et al.17 encontraram défices de aproximadamente 80% entre os sobreviventes de AVE entrevistados, com seqüelas motoras em 75% entre os homens e 90% entre as mulheres. Além disso, pouco mais da metade das pessoas apresentavam impedimento para deslocar-se para outros bairros e entre as que se deslocavam havia necessidade da ajuda familiar e/ou do uso de dispositivos auxiliares, como bengala, cadeira de rodas, andador, entre outros. Similarmente, neste estudo, no que se refere à marcha, mais de 50% dos indivíduos apresentaram dificuldades de locomover-se de seus domicílios. A hemiparesia não causa apenas limitações motoras, mas também interfere nas atividades de vida diária dos pacientes, com conseqüente redução da qualidade de vida. Fisioterapeutas têm demonstrado interesse em desenvolver e propor novas terapias de reabilitação e assim assegurar uma melhora de vida desses pacientes5. Segundo Duncan et al.28, uma reabilitação efetiva iniciada precocemente após o AVE pode aumentar os processos de recuperação e minimizar incapacidades funcionais, reduzindo os potenciais custos com cuidados a longo prazo e contribuindo com uma melhora da satisfação do paciente. Salienta-se que os pacientes crônicos com hemiplegia, quando submetidos à fisioterapia (treino de força muscular e condicionamento aeróbio), apresentam melhora da velocidade da marcha, maior capacidade de geração de força, aumento do VO2 máximo, melhora do desempenho funcional e da qualidade de vida20,29. A alta incidência de AVE na população atendida pelas ESF de Diamantina aponta para a necessidade de implantação e melhorias das políticas de saúde locais. Essas ações devem garantir um acompanhamento adequado desde a fase hospitalar até a domiciliar. Na fase domiciliar, salienta-se a importância da inserção do serviço de fisioterapia nas ESF, para identificar, avaliar e tratar os indivíduos com seqüelas neurológicas por AVE, atuar na prevenção dos fatores Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :34-9 37 de risco e encaminhá-los aos centros de reabilitação especializados. São também necessários projetos de saúde que atinjam as camadas sociais mais carentes, como por exemplo a disponibilidade de veículos para garantir o acesso desses indivíduos a esses centros. Devido à alta incidência de AVE encontrado nas ESF, ações de saúde pública que diminuam os altos índices de morbidade e comorbidade dessa doença atuariam como indicadores de melhoria na saúde pública local. Porém, salienta-se que tais indicadores não devem ser analisados individualmente como parâmetros de base para todas as melhorias encontradas, uma vez que podem gerar um resultado falso-positivo. Novos estudos devem ser feitos nessa área, abrangendo não só os indivíduos com AVE, como também de outras doenças presentes no município, para que a Secretaria Municipal de Saúde possa implementar e/ou melhorar políticas de saúde adequadas a toda a população. Com base nos resultados aqui obtidos, apresentados à Secretaria Municipal de Saúde de Diamantina, foram discutidas as políticas de ações na saúde, em especial das competências fisioterapêuticas para a população. Formou-se uma parceria entre a universidade e a Prefeitura Municipal para a viabilização de transporte dos pacientes que, sem condições financeiras, não têm acesso aos serviços ambulatoriais de fisioterapia e permanecem desamparados. Além disso, a inser- ção de profissionais fisioterapeutas nas ESF permitirá um novo cenário de atuação desses profissionais, para a abordagem integral do processo de saúde-doença, bem como para atuar na prevenção e orientação dos sujeitos, evitando novas doenças ou recidivas. Segundo um parecer conjunto dos Conselhos Nacionais de Saúde e Educação30, é necessária a articulação entre saúde e ensino; em consonância, as diretrizes curriculares nacionais para o ensino superior na área da saúde contemplam a construção do perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos contemporâneos, e para que os profissionais atuem com qualidade e resolubilidade no Sistema Único de Saúde. O estudo realizado propõe uma ação conjunta entre município e universidade de modo que a integração ensinosaúde seja transformada em ações de políticas na saúde, gerando prestação de serviço gratuito e de qualidade à população. Além disso, a integração ensinosaúde possibilita a reflexão universitária e municipal, pois objetiva motivar e propor mudanças na formação técnica de graduação e pós-graduação, bem como viabilizar um processo de educação permanente dos trabalhadores da saúde, com base nas necessidades de saúde da população. Apesar de não ter sido este o objetivo do estudo, é importante investigar direta- mente alguns parâmetros – o que poderá ser realizado em outros trabalhos – como por exemplo medidas da pressão arterial, teste de equilíbrio e funcionalidade, além da aplicação de questionários validados que permitam avaliar depressão e qualidade de vida. CONCLUSÃO Observou-se neste estudo maior incidência do AVE com o avançar da idade, embora atingindo também indivíduos jovens. Além disso, revelou-se a presença, na população estudada, de fatores de risco como, dieta inadequada, inatividade física, tabagismo, etilismo, história de AVE paterno e/ou materno, baixa renda salarial e escolar. Embora tenham sido detectados défices funcionais relevantes na população dos sujeitos com hemiplegia, grande parte deles nunca receberam tratamento em fisioterapia. É nessa perspectiva que se percebe a importância da inserção da fisioterapia nas ESF, com o objetivo de atuar na prevenção e controle dos fatores de risco, bem como identificar, avaliar e tratar os indivíduos com seqüelas neurológicas do AVE, por meio de acompanhamento continuado. Ressalta-se ainda, a necessidade de melhorias ou modificações nas estratégias de políticas de saúde em relação à população estudada, bem como a importância da atuação conjunta entre município e universidade. REFERÊNCIAS 1 World Health Organization (WHO). Steps stroke manual [periódico on-line] 2006 Mar-Apr [citado abr 2006]. Disponível em: http://www.who.int/en. 2 Thom T, Haase N, Rosamond W, Howard VJ, Faha JR, Faha TM, et al. Heart disease and stroke statistics: update; a report from the American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2006;113:85-151. 3 O’Sullivan SB, Schimitz TJ. Fisioterapia: avaliação e tratamento. São Paulo: Manole; 2005. 4 Sridharan SE, MPhil U, Sukumaran S, Sylaja PN, Dinesh Nayak S, Sarma S, et al. Incidence, types, risk factors, and outcome of stroke in a developing country. Stroke. 2009;40:1112-8. 38 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):34- 9 5 Fernandes MR, Carvalho LBC, Prado GF. A functional electric orthesis on the paretic leg improves quality of life of stroke patients. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64(1)20-3. 6 Ellis C, Egede LE. Stroke recognition among individuals with stroke risk factors. Stroke. 2009;337(1)5-10. 7 Pontes-Neto OM, Silva GS, Feitosa MR, Figueiredo NL, Fiorot JA, Rocha TN, et al. Stroke awareness in Brazil. Stroke. 2008;39:292-6. 8 Mansur AP, Souza MFM, Favarato D, Avakian SD, César LAM, Aldrigui JM, et al. Stroke and ischemic heart disease mortality trends in Brazil from 1979 to 1996. Neuroepidemiology. 2003;22:179-83. Leite et al. Perfil epidemiológico de hemiplégicos Referências (cont.) 9 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Mortalidade: Minas Gerais [citado set 2006]. Brasília; 2006. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ deftohtm.exe?sim/cnv/obtMG.def. 10 Bueno DAA, Couto JMM, Leite HR, Nunes APN, Alves PAB. Epidemiologia das doenças cerebrovasculares em Diamantina: 1998 a 2006 [monografia, CD-ROM]. Diamantina: Depto. de Ciências Básicas e da Saúde, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; 2008. 11 Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. “Mini-mental state”: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinicians. J Psychiatr Res. 1975;12:189-98. 12 Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 2004;52:1-7. 13 Brasil. Ministério da Saúde. Programas e projetos: doenças cardiovasculares. Brasília; 2000. Disponível em: http://www.saude.gov.br. 14 Minelli C, Fen LF, Minelli DPC. Stroke incidence, prognosis, 30-day, and 1-year case fatality rates in Matão, Brazil: a population-based prospective study. Stroke. 2007;38:2906-11. 15 Zarco LA, González F, Casas JC. Tratamiento actual del ataque cerebrovascular isquêmico (AVC) agudo. Univ Med Bogota (Colômbia) 2008;49(4):467-98. 16 Zétola VHF, Nóvak EM, Camargo CHF, Carraro Júnior H, Coral P, Muzzio JA, et al. Acidente vascular cerebral em pacientes jovens: análise de 164 casos. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(3B)740-5. 17 Falcão IV, Carvalho EMF, Barreto KML, Lessa FJD, Leite VMM. Acidente vascular cerebral precoce: implicações para adultos em idade produtiva atendidos pelo Sistema Único de Saúde. Rev Bras Saude Matern Infant. 2004;4(1):95-102. 18 Teixeira-Salmela LF, Oliveira ESG, Santana EGS, Resende GP. Fortalecimento muscular e condicionamento físico em hemiplégicos. Acta Fisiatr. 2000;7(3)108-18. 19 Sommerfeld DK, Eek EUB, Svensson AK, Holmqvist LW, Arbin MHV. Spasticity after stroke: its occurrence and association with motor impairments and activity limitations. Stroke. 2004;35:134-40. 20 Macko RF, Ivey FM, Forrester LW, Hanley D, Sorkin J, Katzel LI, et al. Treadmill exercise rehabilitation improves ambulatory function and cardiovascular fitness in patients with chronic stroke: a randomized, controlled trial. Stroke. 2005;36;2206-11. 21 Vôos MC, Le RV. Estudo comparativo entre a relação do hemisfério acometido no acidente vascular encefálico e evolução funcional em indivíduos destros. Rev Bras Fisioter. 2008;12(2)113-20. 22 Appelros P, Stegmayr B, Terént. A. Sex differences in stroke epidemiology: a systematic review. Stroke. 2009;40:1082-90. 23 Araújo PS, Silva PCF, Moreira RCPS, Bonilha SF. Prevalência dos fatores de risco em pacientes com acidente vascular encefálico atendidos no Setor de Neurologia da Clínica de Fisioterapia da Unipar, campus sede. Arq Cienc Saude Unipar. 2008;12(1)35-42. 24 Pires SL, Gagliardi RJ, Gorzoni ML. Estudo das freqüências dos principais fatores de risco para acidente vascular cerebral isquêmico em idosos. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3B):844-51. 25 Academia Brasileira de Neurologia (ABNeuro). Campanha Dia Nacional do Acidente Vascular Encefálico. ABNews. 2005;1:1-8. 26 Carvalho EMF, Branco MAF. Perfil de mortalidade por doenças cardiovasculares na região metropolitana de Recife, segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Informativo Epidemiol SUS. 1996;4:61-71. 27 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). PNAD 2006. Rio de Janeiro; 2007 [citado maio 2008]. Disponível em: http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/ trabalhoerendimento/pnad2007/ default.shtm. 28 Duncan PW, Zorovitz R, Bates B, Choi JY, Glasberg JJ, Graham GD, et al. Management of adult stroke rehabilitation care: a clinical practice guideline. Stroke. 2005;36;e100-43. 29 Potempa K, Lopez M, Braun LT, Szidon P, Fogg L, Tincknell T. Physiological outcomes of aerobic exercise training in hemiparetic stroke patients. Stroke. 19995;26:101-5. 30 Brasil. Conselho Nacional de Educação, Conselho Nacional de Saúde. Parecer CNE/CES 1.300/2001; despacho do Ministro em 4/12/2001. DOU. 7 dez 2001; seção 1:25. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :34-9 39 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.40-5, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Efeito de um programa de fisioterapia funcional em crianças com paralisia cerebral associado a orientações aos cuidadores: estudo preliminar Effect of a functional physical therapy program on cerebral palsy children, associated to guidance for their caregivers: a preliminary study Ana Carolina Gama e Silva Brianeze1, Andréa Baraldi Cunha2, Sabrina Messa Peviani3, Vanessa Cristina Ribeiro Miranda4, Virlaine Bardella Lopes Tognetti5, Nelci Adriana Cicuto Ferreira Rocha6, Eloisa Tudella6 Estudo desenvolvido no Núcleo de Estudos em Neuropediatria e Motricidade do Depto. de Fisioterapia da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. Especialista em Neurologia Infantil 2 Fisioterapeuta Especialista em Neurologia Infantil; mestranda em Fisioterapia na UFSCar 3 Fisioterapeuta; doutoranda em Fisioterapia na UFSCar 4 Fisioterapeuta; mestranda em Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP 5 Fisioterapeuta Ms.; doutoranda em Educação do Indivíduo Especial na UFSCar 6 Fisioterapeutas; Profas. Dras. do Depto de Fisioterapia da UFSCar ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Ana Carolina G. S. Brianeze R. Latino Coelho 1301 ap. 1 Bloco A Parque Taquaral 13087-010 Campinas SP e-mail: [email protected] Trabalho apresentado ao IV Congresso Brasileiro de Comportamento Motor da Universidade de São Paulo, São Paulo, jul. 2008, com publicação de resumo. APRESENTAÇÃO jul. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 40 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):40-5 RESUMO: O objetivo foi verificar o efeito de um programa de fisioterapia funcional para crianças com paralisia cerebral, associado a orientações aos pais e/ou cuidadores; e verificar a correlação entre as habilidades funcionais e a assistência do cuidador, utilizando o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI). Participaram quatro crianças entre 24 e 43 meses de idade, hemiplégicas, espásticas e nível I no sistema de classificação da função motora ampla (GMFCS). Foram realizadas quatro avaliações – uma antes do início do programa, as demais aos 30, 60 e 90 dias após a primeira –, empregando-se as partes I (Habilidades funcionais) e II (Assistência do cuidador) do PEDI. As crianças foram submetidas a sessões de uma hora de fisioterapia funcional três vezes por semana, durante três meses: duas vezes a sessão era de fisioterapia com base no conceito neuroevolutivo Bobath e uma vez, treino de atividades da vida diária. Também foram dadas orientações por escrito aos pais e/ou cuidadores quanto à assistência à criança, incentivando-os a praticá-la em casa. A análise dos resultados mostrou que, na última avaliação, as crianças obtiveram escores significativamente maiores que na primeira. Foi verificada correlação altamente significativa (r=1,0; p=0,083) entre as partes I e II. O programa de fisioterapia funcional associado às orientações aos pais e/ou cuidadores foi efetivo em melhorar o desempenho funcional de crianças nível I com hemiplegia espástica. DESCRITORES: Criança; Cuidadores; Modalidades de fisioterapia; Paralisia cerebral ABSTRACT:The purpose was to verify the effect of a functional physical therapy program on children with cerebral palsy, associated to guidance to parents and/or caregivers; and to search for correlations between the child’s functional abilities and caregivers’ assistance, by means of the Pediatric Evaluation Disability Inventory (PEDI). Four hemiplegic, spastic children between 24 and 43 months old, classified at the Gross Motor Function Classification System level I, were submitted to four evaluations, the first prior to program onset, and the others 30, 60, and 90 days after the first one. PEDI parts I (Functional abilities) and II (Caregivers’ assistance) were used. Caregivers were provided with written instructions on how to best deliver care at home. The physical therapy program consisted of three weekly 1-hour sessions for three months; two sessions were of physical therapy based on Bobath concept, and one, of daily activities training. The analysis of results showed children obtained a significantly higher score at the last assessment as compared to the first. A high, significant correlation was found between PEDI parts I and II (r=1.0; p=0.083). The functional physical therapy program associated to instructions to caregivers proved thus effective to improve the functional performance of level-I children with spastic hemiplegia. KEY WORDS: Caregivers; Cerebral palsy; Child; Physical therapy modalities Brianeze et al. Fisioterapia na PC com orientação a cuidadores INTRODUÇÃO O termo paralisia cerebral (PC) descreve um grupo de desordens do desenvolvimento do movimento e da postura, atribuídas a distúrbio não-progressivo que ocorre no encéfalo em desenvolvimento. As desordens motoras da PC causam limitações das atividades de vida diária (AVD) e são freqüentemente acompanhadas por distúrbios da sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, por epilepsia e por problemas musculoesqueléticos secundários1,2. A classificação da PC pode ser baseada na distribuição topográfica do comprometimento, no nível de funcionalidade e no tônus muscular. Quanto à distribuição topográfica, pode ser classificada como hemiplegia, diplegia e quadriplegia3. Quanto ao nível de funcionalidade, o mais utilizado atualmente é o sistema de classificação de função motora ampla (Gross motor function classification system, GMFCS), que é baseado no movimento auto-iniciado, com ênfase no sentar e andar. Apresenta cinco níveis diferentes de função motora, de acordo com a limitação funcional e necessidade de assistência externa. Crianças classificadas no nível I do GMFCS apresentam baixa severidade, bom desempenho motor e limitações funcionais pouco pronunciadas; as do nível V são crianças com múltiplas desordens, que apresentam limitações no controle voluntário dos movimentos e na habilidade de manter postura antigravitária do pescoço e do tronco4. Quanto ao tônus muscular, a PC pode ser classificada em espástica, discinética, atáxica e mista, sendo a forma espástica a mais freqüente, representando 75% dos casos de PC3,5. Estudos têm evidenciado que a espasticidade leva a alterações em propriedades como redução da força muscular e da velocidade do movimento, gerando modificações adaptativas no comprimento muscular e na amplitude do movimento ativo6-8. Esses distúrbios comprometem o processo de aquisição de marcos motores (rolar, sentar, engatinhar, andar) e também o desempenho nas AVD (banhar-se, alimentar-se, vestir-se)9,10. Devese ressaltar porém que o desempenho funcional é influenciado não só pelas propriedades intrínsecas da criança, mas também pela demanda da tarefa, pelo ambiente onde a criança está inserida e pela dinâmica familiar10,11. A habilidade de uma pessoa ao cumprir as demandas da tarefa por meio da interação com o ambiente determina sua capacidade funcional. Assim, as estratégias terapêuticas que auxiliam o paciente a aprender ou reaprender a executar as tarefas funcionais são essenciais para a independência funcional12. A intervenção assume o importante papel de minimizar as dificuldades apresentadas e deve ser direcionada para promover experiência e prática dos movimentos a serem incorporados no repertório motor da criança. Tanto pais quanto profissionais devem, portanto, estimular o desenvolvimento da capacidade funcional dessas crianças. Fisioterapia funcional é a terapia com ênfase na prática de atividades funcionais. Prioriza o aprendizado de habilidades motoras que sejam significantes no ambiente da criança, nas quais ela deseje se engajar, e que sejam percebidas como problemáticas pela criança e seus pais ou cuidadores13,14. A intervenção para a criança com PC realça suas habilidades no contexto da vida diária, relacionando limitação motora com atividade funcional15. Utilizar os resultados de avaliação funcional é pertinente para estabelecer um tratamento eficaz, pois os terapeutas são capazes de identificar o nível funcional atual da criança e documentar mudanças ao longo do tempo16. Demonstrando a importância de dar orientações aos pais e/ou cuidadores das crianças com PC, Mancini et al.17 relatam estudo em que aqueles foram freqüentemente orientados por terapeutas a estimular as crianças em diferentes habilidades e promover sua independência funcional. A importância da participação dos pais na terapia da criança contribui para a otimização do programa de fisioterapia, bem como nos benefícios aos pais, pois os integra nas atividades funcionais do dia-a-dia da criança, levando à redução no estresse e ansiedade deles18. O presente estudo teve como objetivo verificar o efeito de um programa de fisioterapia funcional associado a orientações aos pais e/ou cuidadores nas ha- bilidades funcionais de crianças com paralisia cerebral e verificar possível correlação entre as habilidades funcionais e a assistência do cuidador, utilizando o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade, PEDI (Pediatric Evaluation Disability Inventory)19,20. A hipótese deste estudo é que a fisioterapia funcional associada às orientações aos pais e/ou cuidadores favorecerá positivamente o desempenho funcional da criança com PC. Este estudo pretende contribuir para o embasamento clínico de fisioterapeutas ao estabelecer seus objetivos a médio e longo prazo no desenvolvimento e aperfeiçoamento do repertório funcional da criança com PC, além de destacar a importância da participação ativa dos pais e/ou cuidadores na prática diária dessas crianças, em todos os ambientes que as cercam e em todas as atividades que executam. METODOLOGIA Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos. Participaram do estudo longitudinal quatro crianças com diagnóstico médico clínico de PC, classificadas como hemiplégicas, espásticas e nível I na classificação do GMFCS, com idade entre 24 e 43 meses (média=33,5±9,8), sendo uma do sexo feminino e três do sexo masculino. Apenas essas quatro crianças, dentre as atendidas no serviço de fisioterapia da Universidade, se enquadravam no nível de funcionalidade e distribuição topográfica estabelecidos como critérios de inclusão, com a finalidade de manter a homogeneidade da amostra. Crianças com alterações associadas, como genéticas, comportamentais, deficiência auditiva e/ou visual, malformações no sistema nervoso central, e que foram submetidas a procedimentos cirúrgicos ou à aplicação de toxina botulínica nos seis meses anteriores ao estudo foram excluídas. Ainda, para a inclusão no estudo, os pais ou responsáveis deveriam assinar o termo de consentimento livre e esclarecido; as crianças deveriam estar em tratamento fisioterapêutico há pelo menos 12 meses e deveriam apresentar nível semelhante de compreensão, ou seja, capazes de atender aos comandos do terapeuta. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):40-5 41 Procedimentos As crianças foram avaliadas por meio do PEDI 19, questionário que avalia o desempenho funcional de crianças entre 6 meses e 7 anos e meio em atividades relevantes de sua vida diária. No Brasil, esse instrumento foi validado e adaptado com permissão e colaboração dos autores, para contemplar as especificidades socioculturais das crianças brasileiras20. O PEDI é aplicado em entrevista estruturada com os pais ou responsáveis pela criança, que possam informar sobre seu desempenho funcional em atividades da rotina diária. É dividido em três partes (parte I - Habilidades funcionais, parte II - Assistência do Cuidador e parte III, Modificação do ambiente), que informam sobre as três áreas do desempenho funcional: autocuidado, mobilidade e função social. Na parte I, os itens da cada escala são somados, resultando em um escore total bruto para cada uma das três áreas de habilidades funcionais. Na parte II, a pontuação dada para as tarefas em cada uma das três áreas funcionais é somada, resultando em três escores totais brutos de independência11. Neste estudo foram utilizadas somente as áreas de autocuidado e mobilidade das partes I e II do instrumento e foi utilizado o valor do escore bruto. Quanto maior o escore, melhor o desempenho nas habilidades funcionais e maior a independência da criança em relação ao cuidador nas AVD. Foram realizadas quatro avaliações, sendo a primeira antes do início da intervenção fisioterapêutica, a segunda após 30 dias da primeira avaliação, a terceira após 60 dias e quarta após 90 dias da primeira avaliação, ou seja, ao final do programa. As crianças foram submetidas à fisioterapia funcional três vezes por semana, com uma hora de duração, durante três meses. Duas vezes na semana foi aplicada fisioterapia com base no conceito neuroevolutivo Bobath (Quadro 1). Uma vez por semana foi realizado treino das AVD e fornecidas orientações por escrito aos pais e/ou cuidadores quanto à assistência prestada à criança, de acordo com as respectivas limitações, de modo a estimularem sua independência 42 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):40-5 Quadro 1 Atividades funcionais realizadas com base no conceito neuroevolutivo Bobath Preparação (15 minutos) Alongamentos e mobilizações articulares por meio de manuseio com rolos e bolas Atividades de ativação e controle muscular (30 minutos) Exercícios ativos e resistidos para grupo musculares dos membros superiores e inferiores, especialmente do hemicorpo comprometido e de tronco Treino da atividade funcional (15 minutos) Alimentação Higiene pessoal Vestir-se Banheiro Transferências Quadro 2 Treino de AVD associado a orientações aos pais e/ou cuidadores Autocuidado (partes I e II do PEDI): Alimentação Utilização de utensílios para comer e recipientes para beber Experimentação de diferentes texturas de alimento Higiene pessoal Utilização de escovas, pentes, sabonetes e toalhas Vestir-se Vestir e tirar vestimentas, sapatos e meias Abrir fechos e botões Banheiro Como usar o vaso sanitário, a pia, o papel higiênico, o chuveiro; abrir e fechar box Mobilidade (partes I e II): Transferências Em ambientes internos e externos, em diferentes terrenos e desníveis Subir e descer escadas Entrar e sair de meios de locomoção (carro, ônibus) Treino de marcha em distâncias longas, curtas e em velocidade na realização das AVD (Quadro 2). Por fim, foram realizadas reuniões com os pais e/ou cuidadores para esclarecer dúvidas, caso houvesse dificuldades nas orientações dadas. ficativos e, inferiores a 0,05, altamente significativos. Análise dos dados A Tabela 1 apresenta as médias dos escores brutos no PDEI e os respectivos valores de p da comparação entre os escores obtidos na primeira e quarta avaliações realizadas; o valor do teste de Wilcoxon para dados pareados foi zero. Pode-se notar que todos os valores de p são inferiores a 0,1, indicando que na última avaliação os escores foram significativamente maiores que na primeira. Como apenas quatro crianças foram estudadas, optou-se pelo uso de medidas não-paramétricas para a análise. Para verificar o efeito do programa fisioterapêutico e das orientações aos pais e/ ou cuidadores, foram utilizadas a primeira e a quarta avaliações, em cada parte do PEDI, utilizando-se o teste de Wilcoxon pareado. As médias dos escores brutos das quatro crianças nas áreas de autocuidado e mobilidade nas partes I (Habilidades funcionais) e II (Assistência do cuidador) foram usadas para calcular o coeficiente de correlação entre ambas. Essa associação foi analisada pela correlação de Spearman. Foi utilizado o programa estatístico R (v. 2.7). Em todas as análises, os valores de p inferiores a 0,1 foram considerados signi- RESULTADOS Quanto à correlação entre habilidades funcionais e assistência do cuidador nas avaliações das quatro crianças, o Gráfico 1 traz os valores médios obtidos em cada uma das avaliações das partes I e II do PEDI. Constatou-se correlação altamente significativa (r=1,0; p=0,083), mostrando que, quanto maior o nível de habilidades funcionais da criança, maior é sua independência em relação ao cuidador nas AVD. Brianeze et al. Fisioterapia na PC com orientação a cuidadores Tabela 1 Escores brutos médios obtidos pelas quatro crianças no PEDI na primeira e última avaliações e valor de p da comparação entre ambas Parte do PEDI Autocuidado Mobilidade Autocuidado Assistência do cuidador Mobilidade Habilidades funcionais Escore médio 1a avaliação 4a avaliação 36,75 54,25 44,50 54,50 9,00 26,00 28,50 34,25 p* 0,0625 0,0625 0,0625 0,0488 Escores médios da assistência do cuidador * Sob a hipótese nula de que a diferença entre a 4a e 1a avaliações é maior ou igual a zero 65 A4 A3 55 A2 45 A1 35 80 85 90 95 100 105 110 Escores médios das habilidades funcionais Gráfico 1 Médias dos escores das quatro crianças em cada uma das quatro avaliações das partes I e II do PEDI; A1 = 1a avaliação; A4 = 4a avaliação; A2 e A3 = avaliações intermediárias DISCUSSÃO Os resultados obtidos neste estudo revelaram que o programa de fisioterapia funcional associado às orientações aos pais e/ou cuidadores favoreceu o desempenho das habilidades funcionais e o aumento do nível de independência das crianças com PC em relação ao cuidador. Quanto à fisioterapia funcional, foram enfatizadas técnicas de mobilização articular e ativação de grupos musculares durante o treino das AVD da criança, tais como trocar de roupa, utilizar utensílios domésticos e transferir-se em diferentes ambientes. A realização do treino baseado nas dificuldades da criança contempla sua capacidade de aprender a resolver problemas inerentes à tarefa funcional, mais do que praticar repetitivamente padrões de movimentos normais13. Inferimos que esse modelo de fisioterapia proporcionou a aquisição de novas habilidades funcionais e o aumento das estratégias motoras por meio da prá- tica e da experiência, proporcionando mudanças na capacidade de movimentação. Isso ocorreu pela melhora do desempenho motor global, por desenvolver ações funcionais de movimentos ativos que requerem que a criança atenda ao objetivo da tarefa e aperfeiçoe suas habilidades. Os resultados aqui obtidos estão de acordo com os de ShumwayCook & Woollacott12, Howle21 e Held22, para os quais a fisioterapia funcional manipulada corretamente beneficia crianças com limitações na tarefa. Outros estudos confirmam que a fisioterapia funcional direcionada às habilidades funcionais é mais eficaz em crianças hemiplégicas do que o tratamento convencional23-25. Destacamos ainda que os pais e/ou cuidadores exercem um papel de agentes cooperadores para as modificações do comportamento motor no desenvolvimento de crianças com incapacidades motoras. Por isso, as orientações apropriadas a eles, sua adesão e participação ativa no programa geraram resultados satisfatórios no desempenho de suas habilidades funcionais. De acordo com Jansen et al.18 e Palisano et al.26, as melhoras obtidas nas habilidades dessas crianças foram devidas ao fato de o programa ser focado nas limitações das AVD consideradas problemáticas pelos pais e/ou cuidadores, e por contarem com a participação ativa destes nas atividades. Um aspecto relevante do presente estudo foi ter evidenciado a relação entre habilidades funcionais e assistência do cuidador. Os resultados indicaram que, quanto maior o nível de habilidades funcionais da criança, maior é a sua independência em relação ao cuidador nas AVD. Esses resultados foram atribuídos ao treino das limitações funcionais e à participação ativa dos cuidadores, buscando a independência das crianças nessas atividades. A intervenção terapêutica, o treinamento específico e as orientações aos pais e/ou cuidadores são fatores determinantes, pois encorajam a criança a realizar atividades que melhoram seu desempenho27. Esses resultados estão de acordo com os de Mancini et al.10, Ketelaar et al.13, Knox et al. 27 e Formiga et al.28, segundo os quais o desempenho funcional de crianças com PC é influenciado pelo pai e/ou cuidador através da orientação dada a ele de como assisti-las. Tal orientação, adicionada ao treino direcionado, interferiu no aprimoramento e eficiência da execução da tarefa e seu uso rotineiro, revelando-se útil por tornar as crianças mais independentes. Apesar de contribuir para o embasamento clínico de fisioterapeutas, este estudo apresenta limitações, dado o reduzido número de casos, não-inclusão de grupo controle e não-verificação dos efeitos em longo prazo, sendo necessários mais estudos nessa área. CONCLUSÃO Apesar de não apresentar grupo controle, os resultados deste estudo indicaram claramente que o programa de fisioterapia funcional associado às orientações aos pais e/ou cuidadores foi efetivo em melhorar o desempenho funcional de crianças nível I com hemiplegia espástica. Com a melhora no desempenho nas habilidades funcionais, as crianças demonstraram maior independência em relação ao cuidador nas AVD. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :40-5 43 REFERÊNCIAS 1 Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2007;109(Suppl):8-14. 14 Held MJ, Pay T. Recuperação da função após lesão cerebral. In: Cohen H. Neurociências para fisioterapeutas: incluindo correlações clínicas. 2a ed. São Paulo: Manole; 2001. p.419-40. 2 Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth N, Dan B, et al. Proposed definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;44:571-6. 3 Koman LA, Smith BP, Shilt JS. Cerebral palsy. Lancet. 2004;363(15):1619-31. 15 Ostensjo S, Calberg EB, Vollestad NK. Motor impairments in young children with cerebral palsy: relationship to gross motor function and everyday activities. Dev Med Child Neurol. 2004;46:580-9. 4 Palisano R, Rosenbaum P, Walter S, Russel D, Wood E, Galuppi B. Gross motor function classification system for cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1997;39(4):214-23. 5 Piovesana AMSG. Paralisia cerebral: contribuição do estudo por imagem. In: Sousa AMC, Ferraretto I. Paralisia cerebral: aspectos práticos. São Paulo: Menom; 1998. p.8-32. 6 Siebes RC, Wijnroks L, Vermeer A. Qualitative analysis of therapeutic motor intervention programmes for children with cerebral palsy: an update. Dev Med Child Neurol. 2002;44:593-603. 7 Piovesana AMSG. Paralisia cerebral hemiparética: aspectos evolutivos, plasticidade cerebral e especialização hemisférica [tese]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas; 1999. 8 Delisa JA. Tratado de medicina de reabilitação: princípios e práticas. 3a ed. São Paulo: Manole; 2002. 9 Allegretti ALC, Mancini MC, Schwartzman JS. Estudo do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral diparética espástica utilizando o Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI). Arq Bras Paralis Cerebral. 2004;1(1):35-40. 10 Mancini MC, Alves ACM, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio RF, Coelho SAC, et al. Gravidade da paralisia cerebral e desempenho funcional. Rev Bras Fisioter. 2004;8(3):253-60. 11 Mancini MC, Megale L, Brandão MB, Melo APP, Sampaio RF. Efeito moderador do risco social na relação entre risco biológico e desempenho funcional infantil. Rev Bras Saude Mater Infant. 2004;4(1):25-34. 12 Shumway-Cook A, Woollacott MH. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2a ed. Barueri: Manole; 2003. 13 Ketelaar M, Vermeer A, Hart H, Beek EP, Helders PJM. Effects of a functional therapy program on motor abilities of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2001;81(9):1534-44. 44 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):40-5 16 Oeffinger D, Gorton G, Bagley A, Nicholson D, Barnes D, Calmes J, et al. Outcome assessments in children with cerebral palsy, part I: descriptive characteristics of GMFCS levels I to III. Dev Med Child Neurol. 2007;49:172-80. 17 Mancini MC, Fiúza PM, Rebelo JM, Magalhães LC, Coelho ZAC, Paixão ML, et al. Comparação do desempenho de atividades funcionais em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisa cerebral. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60(2):446-52. 18 Jansen LM, Ketelaar M, Vermeer A. Parental experience of participation in physical therapy for children with physical disabilities. Dev Med Child Neurol. 2003;45:58-69. 19 Haley SM., Coster WJ, Ludlow LH, Haltiwanger JT, Andrellos PJ. Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI), version 1.0: development, standardization and administration manual. Boston: New England Center Hospital; 1992. 20 Mancini CM. Inventário de avaliação pediátrica de incapacidade (PEDI): manual da versão brasileira adaptada. Belo Horizonte: UFMG; 2005. 21 Howle JM. Neuro-developmental treatment approach: theoretical foundations and principles of clinical practice. Laguna Beach, CA: NDTA; 2000. 22 Held JM. Recuperação da função após lesão cerebral: implicações teóricas para a intervenção terapêutica. In: Carr J, Shepherd R. Ciência do movimento: fundamentos para a fisioterapia na reabilitação. 2a ed. Barueri: Manole; 2003. p.189-211. 23 Pierce SR, Daly K, Gallagher KG, Gershkoff AM, Schaumburg SW. Constraint-induced therapy for a child with hemiplegic cerebral palsy: a case report. Arch Phys Med Rehabil. 2002;83:1462-3. 24 Eliasson AC, Sundholm LK, Shaw K, Wang C. Effects of constraint-induced movement therapy in young children with hemiplegic cerebral palsy: an adapted model. Dev Med Child Neurol. 2005;47:266-75. 25 Blauw-Hospers CH, Hadders-Algra M. A systematic rewiew of the effects of early intervention on motor development. Dev Med Child Neurol. 2005;47:421-32. Brianeze et al. Fisioterapia na PC com orientação a cuidadores Referências (cont.) 26 Palisano RJ, Snider LM, Orlin MN. Recent advances in physical and occupational therapy for children with cerebral palsy. Semin Pediatr Neurol. 2004;11(1):66-77. 27 Knox V, Evans AL. Evaluation of the functional effects of a course of Bobath therapy in children with cerebral palsy: a preliminary study. Dev Med Child Neurol. 2002;44:447-60. 28 Formiga CKMR, Pedrazzani ES, Tudella E. Desenvolvimento motor de lactentes pré-termo participantes de um programa de intervenção fisioterapêutica precoce. Rev Bras Fisioter. 2004;8(3):239-45. Agradecimento: a Ana Carolina Cintra Nunes Mafra, estatística, doutoranda em Epidemiologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :40-5 45 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.46-51, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Estratégias para ensino de hábitos posturais em crianças: história em quadrinhos versus experiência prática Strategies for teaching postural habits to children: comic strips vs. practical experience Marilia Christina Tenorio Rebolho1 Raquel Aparecida Casarotto2, Silvia Maria Amado João2 Estudo desenvolvido no PPG (Programa de Pós-Graduação) em Ciências da Reabilitação do Fofito/FMUSP – Depto. de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. 2 Profas. Dras. do Fofito/FMUSP A colaboradora Cardinali Vânia Albuquerque participou na criação da história em quadrinhos. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Marília C. T. Rebolho R. Demóstenes 468 Campo Belo 04614-012 São Paulo SP e-mail: [email protected] O artigo resume a dissertação da autora 1, defendida na FMUSP, sob orientação de R. Casarotto. APRESENTAÇÃO jan. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO nov. 2008 46 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):46-51 RESUMO: Este estudo experimental verificou os efeitos de um programa de educação postural comparando duas estratégias de ensino, a utilização de uma história em quadrinhos (HQ) e a experiência prática de posturas corretas e incorretas (EP). O programa de educação postural foi aplicado em três encontros com escolares das 2a e 3a séries, com idades entre 7 e 11 anos; 40 meninas e 40 meninos foram divididos igualmente em dois grupos, cada um submetido a uma estratégia de ensino: GHQ e GEP. O conhecimento dos hábitos posturais foi verificado por meio de questionários aplicados antes e após 6 meses do término das sessões. Foram ensinadas as posturas corretas em pé, sentado, de transportar mochilas, de abaixar, de mudar objetos de lugar e jeito de dormir. Os resultados do estudo indicaram que, para todas as variáveis estudadas houve aumento significativo no aprendizado e memorização dos hábitos posturais corretos em ambos os grupos, e que não houve diferença significativa entre as duas estratégias educativas. Não foram detectadas diferenças no aprendizado e memorização dos hábitos posturais corretos em crianças de ambos os sexos submetidas às duas metodologias de ensino. DESCRITORES: Criança; Educação em saúde; Hábitos; Postura; Prevenção primária ABSTRACT:This experimental study assessed the effects of a posture education program comparing two teaching strategies: by means of a comic strip (CS) and through practical experience (PE), in which children experienced each correct and incorrect posture. The posture education program was applied to 2nd- and 3rd-grade students aged 7-to-11 in three teaching meetings. The sample consisted of 40 boys and 40 girls evenly distributed into two groups, each taught by one teaching strategy: CS group and PE group. Questionnaires were applied before program onset and six months after the end of the program, in order to assess participants’ postural habits. Correct postures taught were standing, sitting, knapsack carrying, bending down, moving objects, and sleeping posture. Results showed significant improvement in learning and memorizing correct postures by all subjects; no significant differences were found between the groups in all variables assessed. Both comic strip and practical experience teaching strategies were thus efficient in teaching boys and girls healthy postural habits. KEY WORDS: Child; Habits; Health education; Posture; Primary prevention Rebolho et al. Estratégias de ensino de hábitos posturais INTRODUÇÃO Todos os profissionais que trabalham com prevenção primária em saúde desejam que suas orientações preventivas sejam compreendidas e incorporadas cotidianamente pela população que as recebe. Doenças que têm taxas altas de prevalência ou morbidade na população requerem a utilização de diferentes estratégias educativas para aprendizado de medidas preventivas. Esse é o caso de dores na coluna entre crianças e adultos. Estudos epidemiológicos da prevalência de dores nas costas entre escolares apresentam dados que variam de 19,7% a 38,6%1-4. Essa prevalência, no entanto, não é uniforme nas diferentes faixas etárias, apontando um crescimento entre as crianças mais velhas de 18% na faixa etária de 14-16 anos versus 1 % na faixa de 7 anos5,6. As diretrizes européias para prevenção de lombalgia, elaboradas pela Comissão Européia de Pesquisa7, prevêem ações preventivas para adultos e escolares, baseadas na idéia de que os fatores de risco que são potencialmente modificáveis, como: estilo de vida (atividades sedentárias; hábitos alimentares; trabalho; atividade esportiva; sedentarismo; obesidade; hábito de fumar; alcoolismo); fatores físicos (mobilidade e flexibilidade; força muscular); ambiente escolar (mochila e mobiliário escolar) e fatores psicológicos. Se houver modificação destes fatores, a prevalência de dores pode diminuir. Uma das estratégias mais utilizadas nos programas de educação postural é a chamada Back school (escola das costas), criada em 19698 para ser aplicada em grande escala na população adulta visando prevenir a reincidência de dores nas costas. Esse programa é aplicado em três ou quatro encontros, com uma hora de duração, em que os conteúdos de anatomia, fisiologia e biomecânica da coluna, fisiopatologia das dores, orientações ergonômicas e posturais nas atividades ocupacionais e de vida diária, exercícios de alongamento, força e relaxamento muscular são ensinados aos sujeitos que já tiveram crises de dores na coluna vertebral. A eficiência desses programas para a população adulta vem sendo comprovada por estudos de meta-análise9,10. Esses programas também vêm sendo aplicados no ambiente escolar, que é um espaço privilegiado para ações educativas com crianças11-15. E diferentes estratégias de aprendizado de prevenção de dores na coluna vêm sendo aplicadas nesses estudos. Um programa de educação postural foi apresentado por Robertson e Lee11 abordando conceitos sobre a postura sentada correta, técnicas de levantamento de peso e prevenção de lesões esportivas para estudantes de 10 a 12 anos. Eles utilizaram diagramas e práticas de vivência de posturas corretas e incorretas. Os resultados revelam que o programa de educação postural promoveu modificações imediatas na adoção do comportamento correto na postura sentada e nas situações de levantamento de peso. Dentre os autores que estudaram os efeitos da aplicação de programas de educação postural em crianças, uma equipe belga (Cardon et al.)13 verificou o efeito de um programa de educação postural utilizando um circuito, onde os estudantes do grupo experimental realizavam tarefas de levantamento e transporte de pesos, escolha de um conjunto de cadeira-mesa adequado e atividades de escrita para avaliação da postura sentada; depois, respondiam a um questionário relativo à prevalência de dor e cuidados com a coluna vertebral. Esses dados foram avaliados uma semana e três meses após a intervenção e comparados aos do grupo controle. Os estudantes do grupo experimental apresentaram escores mais altos nos testes de conhecimento teórico e prático. Esses dados foram confirmados por outros trabalhos da equipe13, incluindo um seguimento de um ano15. ma de higiene postural, tendo apresentado os seguintes resultados: 12,9% dos alunos do grupo controle apresentaram lombalgia e 4,8%, escoliose, versus 3,2% de lombalgia e nenhum caso de escoliose no grupo experimental. O papel do professor no reforço das orientações posturais foi analisado pela equipe belga13, que encontrou escores mais altos nos testes do grupo que recebia reforço do professor, quando comparado ao grupo que recebia as orientações sem reforço e ao grupo controle. Para otimizar o processo de ensino, várias técnicas de aprendizado das posturas corretas e incorretas são utilizados: videoteipes, circuitos práticos, técnicas de dramatização, cartazes, demonstração das posturas com uso de bonecos. O uso da história em quadrinhos também vem sendo utilizado como estratégia de ensino para aprendizado em ciência e informações sobre educação em saúde. Uma pesquisa recente comparou a utilização de história em quadrinhos com textos tradicionais de literatura científica na memorização de conceitos, aprendizado científico e compreensão16. Os dados mostraram que não havia diferença na retenção de conceitos entre os dois formatos de ensino, apenas a vantagem de que é mais atrativo aprender com as histórias em quadrinhos. A utilização da história em quadrinhos como estratégia de ensino de hábitos posturais ainda não foi avaliada como instrumento de educação em saúde. O objetivo deste estudo foi verificar a eficácia de duas estratégias educacionais – uso de história em quadrinhos e experiência prática – na retenção de informações sobre hábitos posturais corretos em escolares da 2a e 3a séries do ensino fundamental. METODOLOGIA 14 Mendez e Gomes-Conesa aplicaram um programa de educação postural em 106 estudantes, com envolvimento dos pais, professores de educação física, professores do ensino regular e estudantes de fisioterapia. Os alunos foram divididos em três grupos: experimental, controle e placebo; e foram acompanhados no serviço de saúde por um período de quatro anos após o término do progra- O desenho do estudo foi experimental com seguimento de seis meses. Foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A amostra foi formada por 80 escolares de 7 a 11 anos, sendo 40 do sexo feminino e 40 do masculino, da 2a e 3a Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):46-51 47 séries de uma escola municipal de ensino fundamental da cidade de São Paulo. Os sujeitos foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: idade entre 7 e 11 anos; alunos alfabetizados, com habilidade para leitura e escrita; estar cursando a segunda ou terceira séries do ensino fundamental; consentimento dos pais ou responsáveis legais do aluno em participar do estudo, mediante assinatura do termo de consentimento pós-informação. Foram excluídas da amostra as crianças que faltaram a partir do segundo encontro. Procedimentos O trabalho consistiu em cinco encontros. No primeiro encontro foi aplicado um questionário para estimar o quanto as crianças conheciam sobre hábitos posturais, que incluía questões sobre identificação e conhecimento das posturas corretas nas seguintes situações: postura da coluna, quadris e pés durante a posição sentada; da cabeça, coluna e pés na posição em pé; maneira de carregar mochilas; de abaixar; de mudar objetos de lugar; e jeito de dormir. Esse questionário permitiu caracterizar a população, verificar as crianças que poderiam ser incluídas no estudo. Também nesse primeiro encontro, nos dois grupos, foram apresentados conhecimentos sobre anatomia, biomecânica e fisiopatologia da coluna vertebral, estrutura do sistema musculoesquelético e articular, para dar uma noção básica do funcionamento dessas estruturas. No segundo, terceiro e quarto encontros foram realizadas as três sessões educativas, com duração de uma hora. No final de cada encontro os alunos preenchiam um questionário sobre os hábitos posturais aí orientados. No quinto encontro, após seis meses do término do programa, os alunos responderam um questionário igual ao questionário inicial. Quando a aquisição do conhecimento não havia sido 100% alcançada, ou seja, não havia acerto de todas as perguntas, reforços eram ministrados até o domínio total do conteúdo. Esses reforços consistiam em orientar novamente o educando no hábito postural não aprendido. Esta estratégia de ensino é conhecida como programação de ensi- 48 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):46-51 no individualizado17. Uma característica importante nessa forma de ensino é que o aluno só passa para o passo seguinte depois de dominar 100% do conteúdo anterior. Os alunos, divididos em dois grupos, foram submetidos a dois diferentes programas de educação postural: GHQ (n=40, 20 meninas e 20 meninos), que utilizou a estratégia de aprendizado por meio de uma história em quadrinhos expressamente produzida; e GEP, que utilizou a estratégia de experiência prática (n=40, 20 meninas e 20 meninos). Foram ministrados aos dois grupos os mesmos conteúdos sobre hábitos posturais, em três sessões educativas, com o seguinte teor: 2o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados à postura sentada: manutenção das costas eretas apoiadas no encosto da cadeira; posicionamento da região das nádegas o mais próximo possível do encosto da cadeira, e dos pés apoiados no chão. Nos casos em que a cadeira não permitia o adequado apoio dos pés, os estudantes foram orientados a colocar um suporte (livros, lista telefônica, caixa de sapato). 3o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados à postura em pé, deitada e transporte de mochila: manutenção da cabeça ereta, tronca ereto e os pés afastados na largura dos ombros; transportar a mochila nas costas com uma alça em cada ombro; e deitar de lado. 4o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados às técnicas de levantamento e transferência de objetos: para pegar objetos no chão, realizar a atividade dobrando os joelhos e não a coluna; os passos para transferir objetos de um lugar para o outro foram: ficar de frente para o objeto, segurar com as duas mãos e próximo ao corpo, evitando torcer o tronco. Estratégias de ensino Na estratégia pedagógica que utilizou história em quadrinhos18 os alunos assistiam a narrativa da história projetada por transparências enquanto a fisioterapeuta acompanhava a leitura. Em cada aventura da história o aluno era informado, pelos personagens, quanto ao hábito correto da postura. O roteiro da história foi preparado com cinco personagens: um professor de ciências, três estudantes e a mãe de um dos estudantes. O argumento da história baseava-se na preparação de um trabalho de ciências sobre os danos da má postura. Durante a aplicação dessa forma de ensino, os alunos não participaram de experiências práticas das posturas. O gibi foi distribuído às crianças após o final do programa, para não interferir nos dados coletados. Na estratégia de ensino de experiência prática utilizou-se um circuito demonstrativo para o ensino dos hábitos posturais corretos. Para montar esse circuito, foram utilizados um conjunto de mesa e cadeira, um colchonete, uma mochila escolar e alguns livros. Os estudantes experimentavam individualmente cada orientação referente às posturas. Análise estatística Os dados foram analisados usando o programa SAS for Windows, versão 8. Para testar a homogeneidade entre as quatro populações (GHQ masculino/feminino e GEP masculino/feminino) com relação a distribuição de alunos pelas categorias de respostas foi usado o teste exato de Fisher19. Realizamos também uma análise para dados pareados19 para verificar se houve mudança na proporção de respostas dadas antes e depois da aplicação das estratégias de ensino. O nível de significância foi fixado em 0,1%. RESULTADOS A média de idade dos alunos no GHQ foi de 8,42 anos no sexo masculino e 8,67 no feminino; no GEP a média foi de 8,33 anos no sexo masculino e 8,33 no feminino. A perda amostral deste estudo foi de três estudantes, tendo dois sido transferidos de escola e um se mudado do estado. Assim, o GHQ ficou com 38 crianças e o GEP, com 39. O teste exato de Fischer para as variáveis relacionadas às questões sobre os hábitos posturais – quando sentado, em pé, Rebolho et al. Tabela 1 Estratégias de ensino de hábitos posturais Porcentagens de respostas corretas antes e depois da aplicação das estratégias de ensino nos grupos GHQ (história em quadrinhos, n=38) e GEP (experiência prática, n=39) GHQ (%) GEP (%) Hábitos posturais: posição certa Antes Depois Antes Depois Sentada costas 47 97* 49 97** bumbum 71 100* 68 97** pés 55 89* 38 90** cabeça 89 100* 92 95** costas 84 100* 87 100** pés 41 65* 33 64** Transporte de mochila 76 100* 72 97** Em pé Pegar objetos no chão 37 92* 41 90** Transferência de objetos de lugar 84 97* 82 97** Jeito de dormir 84 82 77 95** *, ** = diferença estatística significativa (p<0,1) entre antes e depois, respectivamente no GHQ e GEP Tabela 2 Número total de reforços necessários após aplicação dos questionários nos 2o, 3o e 4o encontros, por estratégia de ensino e sexo Grupo/ Estratégia de ensino Masculino Feminino Questionário Total 2o 3 o 4o Questionário Total 2o 3o 4o HQ (n=38) 2 6 1 9 1 2 0 3 EP (n=39) 0 2 0 2 0 1 3 4 Total 2 8 1 11 1 3 3 7 HQ = história em quadrinhos; EP = experiência prática ao carregar mochila, abaixar, pegar, levantar, transferir um objeto de lugar e quanto ao jeito de dormir – permitiu verificar que, com exceção da variável jeito de dormir (p=0,0783), os testes resultaram não-significantes (p>0,10) para todas as variáveis e, portanto há homogeneidade entre as quatro populações. A Tabela 1 mostra a porcentagem de respostas corretas aos questionários sobre as seis categorias de postura orientadas, antes e após o total de encontros. A Tabela 2 apresenta o número de reforços ministrados após o segundo, terceiro e quarto encontros, segundo a estratégia de ensino e o sexo. DISCUSSÃO Os Parâmetros curriculares nacionais 20 têm um papel preponderante como instrumento de apoio às reflexões sobre educação em saúde. O texto relativo às séries iniciais define claros obje- tivos de ensino (v.9, p.8-9): “conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e a saúde coletiva”. A atenção em saúde foi considerada um dos eixos temáticos do debate em plenário do 12o Congresso Nacional de Saúde21. Nesse evento foi aprovada pelos delegados a inclusão do tema educação postural como uma das ações de saúde a ser implementada junto às secretárias de saúde e educação. Uma pesquisa sobre a temática educação em saúde no currículo de alunos do curso de graduação em Pedagogia mostrou que, embora 85% dos estudantes considerassem importante e até indispensável a atuação do pedagogo no desenvolvimento da educação em saúde no ambiente escolar, 65% não conseguiram identificar a presença desses conteúdos em seu currículo, mostrando a necessidade de uma ampliação da discussão sobre esse assunto, para que o educador possa aprimorar sua concepção de educação em saúde e, também, da saúde em educação, e assim exercer melhor seu papel de educador em saúde22. Apesar disso, um dado interessante deste estudo é que as crianças estudadas já tinham conhecimento prévio superior a 80% quanto à postura correta da cabeça e coluna vertebral na posição em pé e na forma de mudar um objeto de lugar. As informações que as crianças mais desconheciam eram as posturas corretas da coluna vertebral e dos pés na posição sentada, dos pés na posição em pé e a forma de abaixar para pegar objetos no chão. As duas estratégias de ensino utilizadas no presente estudo mostraram-se efetivas no sentido de ensinar e fixar conceitos dos hábitos posturais. Nossos dados confirmam os apresentados por outros estudos11-15,23, de que há mudança no conhecimento de hábitos posturais antes e após a participação dos alunos em programas de educação postural. Com exceção da postura correta de dormir, todas as demais posturas foram apreendidas e relembradas de forma igual pelos dois grupos experimentais. Sobre o “jeito de dormir”, houve um aumento no índice de respostas corretas de 23% no GEP, enquanto no GHQ houve apenas um aumento de 7%. A experiência prática nessa posição mostrou-se mais efetiva. Este estudo também concorda com o de Negrete16, que mediu o quanto de conteúdo científico pode ser entendido e lembrado quando é incluída uma pequena história, comparada a um texto convencional, e encontrou que, a longo prazo, a memorização pelas duas estratégias educativas é igual. A história em quadrinhos pode ser utilizada como um instrumento de ensino e motivação no aprendizado de conceitos relacionados a hábitos posturais. A facilidade com que a história em quadrinhos comunica conhecimentos científicos está relacionada ao fato de que ela transmite informações de forma atrativa, divertida e facilita a memorização de conceitos24. Vários países do mundo já inseriram a história em quadrinhos no currículo escolar25. A aproximação das Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :46-51 49 histórias em quadrinhos das práticas pedagógicas pode favorecer a comunicação do conhecimento especifico. Diversos autores verificaram um aumento na compreensão e na quantidade de informações sobre diferentes assuntos de saúde quando elas eram ministradas por alguma forma de história em quadrinhos: prevenção de hepatite C26, malefícios do cigarro28, imunização29,30. Adolescentes que participaram de um projeto para o desenvolvimento de instrumentos de comunicação para campanhas de prevenção de aids avaliaram os cartoons como ferramentas eficientes para transmissão dessas informações27. Entretanto, no presente estudo, o uso de HQ revelou-se tão eficaz quanto a experiência prática das posturas corporais. Comparando as estratégias educativas utilizadas neste estudo quanto ao número de reforços, a que mais necessitou reforços foi a de HQ, com 12 reforços, contra 6 da EP. Também foi encontrada uma diferença entre os sexos, pois os meninos precisaram de mais repetições que as meninas (11 contra 7). Uma das limitações deste estudo é a falta de um grupo controle para avaliar se há aquisição de conhecimento sem qualquer intervenção educativa. A dificuldade encontrada na operacionalização foi a mudança de cronograma de atividades escolares, que provocou a alteração da realização dos encontros nos dias e locais previamente agendados. Descobrir estratégias que auxiliem a fixar os princípios básicos de hábitos de postura é um desafio constante para os profissionais da saúde; e a história em quadrinhos, tanto quanto a experiência prática, podem ser recursos interessantes nessa tarefa, tão importante e tão difícil para quem trabalha em educação em saúde. CONCLUSÃO Não foram detectadas diferenças no aprendizado e memorização dos hábitos posturais corretos entre os grupos submetidos às duas estratégias de ensino, em ambos os sexos. Com exceção da melhor postura de dormir em um dos grupos, as estratégias de ensino mostraram-se eficazes para a aquisição de hábitos posturais saudáveis. REFERÊNCIAS 1 Salminen JJ. The adolescent back: a field survey of 370 Finnish schoolchildren. Acta Paediatr Scand Suppl. 1984 Suppl;315:1-122. 2 Balagué F, Skrovon ML, Nordin M, Dutoit G, Pol LR, Waldburger M. Low-back pain in school: a study of familial an psychological factors. Spine. 1995;20(11):1265-70. 3 4 Kristjansdottir G. Prevalence of self-report back pain in school children: a study of sociodemographic differences. Eur J Pediatr. 1996;155(11):981-3. Roth-Isigkeit A, Thyen U, Raspe HH, Stoven H, Schmucker P. Reports of pain among German chuildren and adolescent: an epidemiological study. Acta Paediatr. 2004; 93(2):258-263. 5 Taimela S, Kujala UM, Salminen J J, Viljanen T. The prevalence of low-back pain among children and adolescents: a nationwide cohort-based questionnaire survey in Finland. Spine. 1997;22(10):1132-6. 6 Kristjansdottir G, Rhee H. Risk factors of back pain frequency in schoolchildren: search for explanations to a public health problem. Acta Paediatr. 2002;91 (7):849-54. 7 European Commission Research Directorate General. Low back pain. Guidelines for prevention in low back pain. Amsterdam; 2004. Disponível em http:// www.backpaineurope.org. 8 50 Forsell MZ. The back school. Spine. 1981;6(1):104-6. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):46-51 9 Maier-Riehle B, Harter M. The effects of back school: a meta-analysis. Int J Rehabil Res. 2001;24:199-206. 10 Heymans MV, van Tulder MW, Esmail R, Bombardier C, Koes BW. Back schools for non-specific low-back pain. Cochrane Database of Syst Rev. 2001;18(4):CD000261. 11 Robertson HC, Lee VL. Effects of back care lessons on sitting and lifting by primary students. Aust J Physiother. 1990;36(4):245-8. 12 Cardon GM, De Bourdeaudhuij IMM, De Clercq DLR. Back care education in elementary school: a pilot study investigating the complemantary role of the class teacher. Patient Educ Couns. 2001A;45(3):219-26. 13 Cardon GM, De Bourdeaudhuij IMM, De Clercq DLR. Generalization of back education principles by elementary schoolchildren: evaluation with a practical test and a candid camera observation. Acta Paediatr. 2001B;90(2):143-50. 14 Mendez FJ, Gomes-Conesa A. Postural hygiene program to prevent low-back pain. Spine. 2001;26(11): 1280-6. 15 Cardon GM, De Clercq DLR, De Bourdeaudhuij IMM. Back education efficacy in elementary schoolchildren: a 1-year follow up study. Spine. 2002;27(3):299-305. 16 Negrete A. Science via fictional narratives: communicating science through literary forms. Ludus Vitalis. 2002;18:197-204. Rebolho et al. Estratégias de ensino de hábitos posturais Referências (cont.) 17 Keller FS , Sherman JG. The Keller plan handbook: essays on a personalized system of instructions. California: W.A. Benjamin; 1974. 24 Negrete A, Lartigue C. Learning from education to communicate science as a good story. Endeavour. 2004;28(3):120-4. 18 Rebolho MCT, Cardinali VA. Posturinha & sua turma: harmonia com a postura. São Paulo: Scortecci; 2008. 25 Rama A, Vergueiro W, Barbosa A, Ramos P, Vilel T. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto; 2004. 19 Agresti A. Categorical data analysis. New York: John Wiley; 2002. 20 Brasil. Minstério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais de primeira à quarta série: língua portuguesa. Brasília; 1998. Disponível em: http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/ pcn/pdf/livro02.pdf. 21 Brasil. Ministério da Saúde. Relatório final da 12º Conferência Nacional de Saúde. Brasília; 2003. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ 12%AA_Conf_Nacional/index.htm. 22 Leonello VM, Labbate S. Health education in schools: an approach based on the curriculum and perception of undergraduate education students. Interface – Comunic Saude Educ. 2006;19(10):149-66. 23 Cardon GM, De Clercq DLR, De Bourdeaudhuij IMM. Effects of back care education, I: elementary schoolchildren. Acta Paediatr. 2000;89:1010-7. 26 Ingrand I, Verneau A, Silvain C, Beauchant M. PoitouCharentes Hepatitis C Network: prevention of viral hepatitis C; assessment of a comic strip-based information campaign targeting adolescents. Eur J Public Health. 2004;14(2):147-50. 27 Duffy SA, Burton D. Cartoon characters as tobacco warming labels. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154(12):1230-6. 28 Gebreel AO, Butt J. Making health messages interesting. World Health Forum. 1997;18(1):32-4. 29 Leiner M, Handal G, Williams D. Patient communication: a multidisciplinary approach using animated cartoons. Health Educ Res. 2004;19(5):591-5. 30 Spizzichino L, Piccinno F, Pedone G, Gallo P, Valli R, Scotti L, et al. Youth and HIV: information campaigns by and for adolescents. Ann Ist Super Sanita. 2005;41(1):113-8. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :46-51 51 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.52-8, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Efeitos da manipulação do estímulo visual e da intenção na oscilação postural de idosas Effects of visual stimulus manipulation and of intention on postural oscillation of elderly women Andrei Guilherme Lopes1, Milena Razuk2, José Angelo Barela3 Estudo desenvolvido no Laboratório para Estudos do Movimento, Depto. de Educação Física do IB/Unesp – Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, Rio Claro, SP, Brasil 1 Doutorando no Depto. de Educação Física do IB/Unesp 2 Graduanda no IB/Unesp 3 Prof. Dr. do Instituto de Ciências da Atividade Física e Esporte da Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA José Ângelo Barela Instituto de Ciências da Atividade Física e Esporte / Unicsul R. Galvão Bueno 868 01506-000 São Paulo SP e-mail: [email protected] Este estudo contou com bolsas da Capes – Coordenação de Aperfeiçoameto de Pessoal de Nível Superior – e do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. para os autores 1 e 2, respectivamente. APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 52 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):52-8 RESUMO: Este estudo investigou a influência de características do estímulo visual e o efeito da intenção nas respostas do controle postural frente à manipulação visual de adultas idosas. As 20 participantes permaneceram em pé em uma sala móvel durante sete tentativas com duração de 1 minuto cada, olhando para um alvo fixo, medindo-se sua oscilação corporal. Na primeira tentativa não houve qualquer movimento da sala, porém a partir da segunda a sala foi movimentada no sentido ântero-posterior. Para dez participantes, a velocidade de pico da movimentação foi de 0,6 cm/s e, para as demais, de 1,0 cm/s. A partir da quinta tentativa, as participantes foram informadas do movimento da sala e orientadas a resistir à movimentação. Os resultados indicam que a oscilação corporal das idosas é induzida pelo movimento da sala móvel. Intenção e alteração da característica do estímulo visual reduzem a influência da informação visual na oscilação corporal, mas a manipulação de propriedade do estímulo (neste caso, velocidade), é menos efetiva que a intenção. Essa maior dependência da intenção para alterar a influência de um estímulo sensorial no controle postural indica que o funcionamento do sistema de controle postural em idosos não possibilita ajustes “automáticos” de respostas posturais frente a pequenas variações das condições ambientais. Iinformações sobre tais variações podem ser direcionadas de forma a compensar essa diferença. DESCRITORES: Idoso; Mulheres; Percepção visual; Postura ABSTRACT:This study examined the influence of both visual stimulus features and intention on postural control responses due to visual manipulation of elderly women. Twenty participants stood upright inside a moving room, for seven trials for 1 min apiece, staring at a fixed target, their body sway being measured. The room was not moved during the first trial, but from the second trial on, it was continuously oscillated back and forward. For ten participants, the moving room oscillated with peak velocity of 0.6 cm/s and for the others, with peak velocity of 1.0 cm/s. From the fifth trial on, participants were informed about the movement of the room and instructed to resist to its influence. Results show that body sway is induced by visual manipulation in elderly adults. Intention and change in visual stimulus lead to less influence of the visual information on body sway, but changes in the stimulus properties (velocity, for that matter), is less effective than intention. This higher dependency on intention for changing sensory influence on postural control suggests that postural control in elderly adults does not benefit from “automatic” postural responses due to small environmental changes. Tips and information about such kind of environmental changes should be used in order to make up for such difference in automatic adjustments observed in the elderly. KEY WORDS: Aged; Posture; Visual perception; Women Lopes et al. Controle postural em idosas INTRODUÇÃO O controle postural envolve um intrincado relacionamento entre informação sensorial e comandos motores para garantir a estabilidade e a manutenção de uma posição corporal desejada. Recentemente, diversos estudos têm examinado essa relação em adultos idosos, para identificar possíveis alterações no funcionamento do sistema de controle postural nessa população1-3. Entretanto, ainda há muito a ser entendido sobre as alterações funcionais no controle postural decorrentes do processo de envelhecimento. Durante a manutenção da postura em pé, adultos idosos oscilam mais que adultos jovens4-6 e apresentam uma menor e menos controlada região de excursão do centro de pressão7, sendo que essas diferenças são ainda mais marcantes em situações com maior demanda do controle postural1,8. A necessidade de desvendar e entender os mecanismos responsáveis por essas alterações no controle postural de idosos é ainda mais premente dada a maior ocorrência de quedas em adultos idosos9,10 e os inúmeros transtornos que enfrentam, decorrentes dessas quedas. Apesar dos inúmeros esforços em identificar características comportamentais11, indicadores12,13 e sugerir atividades de intervenção14, a ocorrência do elevado número de quedas, o estabelecimento de medidas de prevenção e o entendimento das alterações no funcionamento do controle postural em idosos ainda não foram totalmente estabelecidos15. Horak e McPherson16 sugeriram que o sistema de controle postural tem como objetivos comportamentais a orientação e o equilíbrio postural, que são alcançados por uma complexa e dinâmica relação entre informação sensorial e ação motora. Nesse caso, estímulos provenientes dos diversos canais sensoriais são integrados pelo sistema nervoso central, possibilitando a formação do quadro de referência utilizado para identificar o relacionamento entre os segmentos e a orientação destes em relação ao ambiente17. Com base nesse quadro de referência, atividade muscular específica é desencadeada, buscando manter ou alcançar a orientação e o equilíbrio postural desejado. Nas situações em que essa dependência mútua entre informação sensorial e ação motora é manifestada de forma regular, ocorre a formação do ciclo percepção-ação18, que pode ser examinado para inferir como a informação sensorial é utilizada pelo sistema de controle postural. A influência de informação sensorial no controle postural de idosos tem despertado interesse de diversos estudiosos. Wade e colaboradores6 foram os pioneiros a examinar a influência da manipulação da informação visual na oscilação corporal de adultos idosos, utilizando movimentos discretos de uma sala móvel, e observaram maior oscilação corporal de adultos idosos que jovens. Resultados similares foram observados quando idosos não só foram mais susceptíveis ao movimento discreto de uma sala móvel, mas também apresentaram uma relacão mais forte entre o movimento da sala e a oscilação corporal desencadeada na condição de movimentos oscilatórios e contínuos da sala3. Esses resultados sugerem que, embora idosos apresentem menor acuidade e sensibilidade ao contraste visual19,20, essas alterações não são suficientes para evitar o uso de informação visual pelo sistema de controle postural. Interessante, entretanto, é que os idosos não conseguiram detectar manipulação da informação visual, enquanto adultos jovens foram capazes21. Assim, embora o sistema de controle postural de idosos seja capaz de utilizar informação visual para manter e controlar a posição em pé, o uso da informação visual parece não ser tão refinado quanto em adultos jovens. Mais ainda, a influência da manipulação da informação visual na postura em pé em adultos é alterada quando é apresentada informação sobre a referida manipulação22 ou solicitação para evitar sua influência23,24. Infelizmente, informações sobre os efeitos de manipulação do estímulo visual e da solicitação de evitar sua influência não foram ainda examinadas em idosos. Tais informações podem ser importantes para entender aspectos do funcionamento do sistema de controle postural de idosos. Entretanto, mais importante é compreender como fornecer e manipular informação sensorial a idosos nas situações do dia-a-dia e/ou no delineamento de protocolos de intervenção. Assim, o objetivo deste estudo foi examinar a influência das características do estímulo visual e o efeito da intenção nas respostas do controle postural de idosos frente à manipulação da informação visual. METODOLOGIA Participaram deste estudo 20 idosas (62,5±2,12 anos) fisicamente ativas e sem lesões ou distúrbios musculoesqueléticos conhecidos ou alterações neurológicas que pudessem afetar a capacidade de manter o equilíbrio. A opção por apenas mulheres visou maior homegeneidade da amostra. Elas foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos experimentais: “velocidade baixa” (VB) (n=10; 64,8±6,9 anos), expostas a um estímulo visual com velocidade pico de 0,6 cm/s; e “velocidade alta” (VA) (n=10; 61±3,6 anos), expostas a um estímulo visual com pico de velocidade de 1,0 cm/s. Todas as participantes compareceram uma única vez ao Laboratório para Estudos do Movimento do Departamento de Educação Física, Instituto de Biociências, Unesp – Rio Claro e, antes de participarem do estudo, assinaram um termo de livre consentimento, aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. Procedimentos O experimento foi desenvolvido em uma sala móvel formada por três paredes e um teto montados sobre rodas, que deslizam no sentido ântero-posterior sobre trilhos, de maneira independente do chão. O teto foi pintado de branco e as paredes de preto e branco com faixas verticais de 20 cm de largura. Uma lâmpada fluorescente foi fixada no centro do teto da sala para iluminação interna. Um programa específico (Compumotor – Motion Architect for Windows) controlava o movimento da sala, por um sistema de servo-mecanismo (Compumotor). Os dados sobre os deslocamentos de oscilação corporal e da sala móvel, na freqüência de 100 Hz, foram adquiridos por um sistema de análise tridimensional de movimento (Optotrak 3020 – Northern Digital Inc.), com um emissor infravermelho fixado entre as escápulas das participantes e outro na parede frontal da sala. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):52- 8 53 As participantes foram instruídas a permanecer na postura em pé e paradas dentro da sala móvel, descalças e com os braços relaxados ao lado do corpo, sendo realizadas sete tentativas, cada uma com 60 s de duração. Na primeira tentativa, a sala permaneceu sem movimento, porém nas outras seis a sala foi movimentada na direção ântero-posterior, com movimentos oscilatórios na freqüência de 0,2 Hz. Nas primeiras três tentativas em que a sala se movimentou, as participantes foram orientadas a olhar fixamente para um alvo preso à parede frontal fixa, na altura dos olhos a uma distância de 1 m, e não foram informadas sobre o movimento da sala (condição normal). Nas três tentativas subseqüentes, as participantes foram informadas sobre o movimento da sala e orientadas a, além de fixar o olhar no alvo como nas tentativas anteriores, resistir ao movimento da sala (condição resistida). A sala foi movimentada em diferentes velocidades e amplitudes para cada grupo. O grupo VB foi exposto ao movimento com pico constante de velocidade de 0,6 cm/s e amplitude de 1,2 cm. O grupo VA foi exposto ao movimento da sala com pico constante de velocidade de 1,0 cm/s e amplitude de 1,9 cm. Análise dos dados Em todas as tentativas, foi obtida a amplitude média de oscilação (AMO) como medida da magnitude total da oscilação corporal na direção ântero-posterior. A AMO foi calculada obtendo o desvio padrão do sinal da oscilação corporal depois que um polinômio linear e a média da posição da oscilação corporal foram subtraídos dos valores da respectiva tentativa. Para as tentativas em que a sala foi movimentada, a análise da relação entre o deslocamento da sala e a oscilação corporal foi realizada apenas na direção ântero-posterior, pois a manipulação da informação visual ocorreu nessa direção. Para analisar a relação temporal e a influência da informação visual na oscilação corporal em ambas as condições, normal ou resistida, quatro variáveis foram utilizadas: coerência, ganho, fase e amplitude espectral na freqüência do estímulo (stimulus frequency spectrum 54 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):52-8 amplitude – SFSA). Coerência indica a força da relação entre o estímulo visual e a oscilação corporal: valores de coerência próximos de 1 indicam forte dependência e, inversamente, valores próximos de 0 revelam fraca ou nenhuma dependência entre o estímulo visual e a oscilação corporal. O ganho infere o quanto a manipulação do estímulo visual (ou seja, a oscilação da sala) induz oscilação corporal; é calculado como a razão entre as amplitudes dos espectros da oscilação corporal e da oscilação da sala. Valores de ganho menores ou maiores do que 1 indicam que a amplitude do espectro de oscilação corporal foi menor ou maior do que a amplitude de oscilação da sala, respectivamente. Tanto a coerência quanto o ganho foram calculados na freqüência em que o estímulo visual foi manipulado, neste caso, na freqüência de 0,2 Hz. A variável fase foi utilizada para verificar a relação temporal entre a oscilação corporal e o estímulo visual. Valores de fase maiores ou menores do que zero indicam que a oscilação corporal está adiantada ou atrasada em relação à oscilação da sala móvel, respectivamente. Valores de fase iguais a zero indicam que não há diferença temporal entre a oscilação corporal e o movimento da sala. Finalmente, a SFSA indica a magnitude espectral da oscilação corporal na freqüência de oscilação da sala (0,2 Hz). Nesse caso, valores maiores indicam que a manipulação da informação visual influenciou mais a oscilação corporal das participantes do que valores menores de SFSA. Todas as análises foram realizadas por rotinas específicas, utilizando o programa Matlab (Math Works Inc., v. 7.0). Nenhuma normalização referente à oscilação corporal foi realizada, pois os grupos eram homogêneos quanto à estatura. Uma análise de multivariância (Manova) e duas análises de variância (Anovas), tendo grupo (VB e VA) e condição (normal e resistida) como fatores, esta última tratada como medidas repetidas, foram utilizadas para analisar a influência da manipulação da informação visual na oscilação corporal das participantes. As variáveis dependentes da Manova foram coerência e ganho e da Anova foram fase e SFSA. Uma ter- ceira Anova, tendo grupo (VB e VA) e condição (sem movimento da sala, normal e resistida) como fatores (este último também tratado como medidas repetidas) e variável dependente a amplitude média de oscilação, foi utilizada para verificar a magnitude de oscilação corporal dos participantes. Quando aplicáveis, análises univariadas e teste post hoc de Tukey foram utilizados. O nível de significância foi de 0,05 para todas as análises e os testes estatísticos foram feitos utilizando o programa SPSS (v. 10.0 for Windows). RESULTADOS A manipulação da informação visual, decorrente da oscilação da sala móvel, influenciou a oscilação corporal dos participantes de ambos os grupos e em ambas as condições. A análise feita mostra que a oscilação corporal acoplou-se ao movimento da sala em todas as condições. Gráficos espectrais mostram picos definidos para oscilação corporal e da sala, ao redor de 0,2 Hz, indicando que ambos oscilaram ao redor dessa freqüência. Na condição resistida, o grupo VA apresentou um pico de oscilação corporal menor, comparado ao grupo VB na mesma condição. O Gráfico 1 apresenta os valores de coerência e ganho para os grupos VB e VA nas condições normal e resistida. A análise multivariada revelou efeito significante para grupo [Wilks’ Lambda=0,53; F(2,17)=7,32; p<0,01], condição [Wilks’ Lambda=0,47; F(2,17)=9,95; p<0,005] e interação grupo e condição [Wilks’ Lambda=0,62; F(2,17)=5,21; p<0,05]. A análise univariada para grupo indicou diferença apenas para ganho [F(1,18)=13,69; p<0,005], com o grupo VB apresentando valores maiores de ganho do que o grupo VA. Para condição, indicou diferença para coerência [F(1,18)=17,18; p<0,005] e ganho [F(1,18)=19,98; p<0,001], sendo que para ambas as variáveis os valores na condição resistida foram menores do que na condição normal. A análise univariada para interação grupo e condição não revelou qualquer diferença significativa nas variáveis coerência e ganho. O Gráfico 2 apresenta os valores de Lopes et al. 1.2 Controle postural em idosas a) SFSA (cm2 /freq) 1.0 Coerência 0.8 normal resistida 0.8 0.6 0.4 0.2 1.5 Ganho 0.2 VB VA Grupos Gráfico 3 Valores médios da amplitude espectral na freqüência do estímulo (SFSA) para os grupos de velocidade baixa (VB) e de velocidade alta (VA) nas condições normal e resistida VA Grupos VB Gráfico 1 Valores médios de coerência (a) e ganho (b) para os grupos de velocidade baixa (VB) e velocidade alta (VA) nas condições normal e resistida revelou efeito para grupo [F(1,18)=2,77; p=0,11] nem interação grupo e condição [F(1,18)=0,002; p=0,96]. Os valores de SFSA indicaram que a oscilação corporal desencadeada pelo movimento da sala foi menor na condição resistida do que na condição normal. fase para os grupos VB e VA nas condições normal e resistida. A Anova não revelou qualquer diferença significante para grupo [F(1,18)=0,68; p=0,41], condição [F(1,18)=0,01; p=0,91] nem interação entre grupo e condição [F(1,18)=0,002; p=0,96]. De forma geral, os resultados mostram que os participantes oscilaram em fase com o movimento da sala. O Gráfico 3 apresenta os valores de SFSA para os grupos VB e VA nas condições normal e resistida. A anãlise revelou diferença significante para condição [F(1,18)=20,39; p<0,001], porém não Finalmente, o Grãfico 4 apresenta os valores da amplitude média de oscilação (AMO) dos grupos VB e VA nas condições sem movimento, normal e resistida. A análise revelou diferença significante para condição [F(2,17)=4,66; p<0,05] e interação grupo e condição [F(2,17)=5,50; p<0,05], porém nenhum efeito para grupo [F(1,18)=0,14; p=0,70]. Testes post hoc indicaram apenas que as participantes do grupo VA oscilaram mais na condição normal, em que a sala foi movimentada e as participantes não sabiam do movimento, do que quando a sala não foi movimentada. normal resistida sem mov. L e g e n d 30 norm al 0.9 resis tida 20 10 AMO(cm) Fase (graus) 0.4 0.0 0.5 0 -10 0.7 0.5 0.3 -20 -30 0.6 b) 1.0 0.0 normal resistida VB Grupos VA Gráfico 2 Valores médios de fase para os grupos de velocidade baixa (VB) e de velocidade alta (VA) nas condições normal e resistida 0.1 VB VA GRUPOS Gráfico 4 Valores da amplitude média de oscilação (AMO) dos grupos de velocidade baixa (VB) e de velocidade alta (VA) nas condições sem movimento, normal e resistida DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Os resultados mostraram que a oscilação corporal de idosos é induzida pelo movimento de uma sala móvel. E, ainda, que a intenção e a alteração da característica do estímulo visual reduzem a influência da informação visual na oscilação corporal, porém a manipulação do estímulo é menos efetiva que a intenção. Essa maior dependência da intenção para alterar a influência de um estímulo sensorial na oscilação corporal é um fator complicador para o funcionamento do sistema de controle postural em idosos. Oscilação corporal semelhante em idosos, desencadeada pela manipulação da informação visual, tem sido verificada em diversos estudos, tanto com movimentos discretos3,6 quanto com movimentos contínuos e oscilatórios da sala móvel2,3,21 e, portanto, essa constatação não é nova. Entretanto, é importante salientar que idosos acoplam sua oscilação à da sala, mesmo que o movimento da sala envolva oscilações com amplitudes pequenas (1 cm), como neste e em outros casos3. Assim, mesmo que o processo de envelhecimento implique alterações na acuidade e sensibilidade ao contraste19,20, essas alterações não são suficientes para evitar ou até mesmo prejudicar o uso de informação visual pelo sistema de controle postural. Os valores de ganho e coerência observados neste estudo, indicando a influência e a relação entre o movimento da sala e a oscilação corporal, respectivamente, são similares aos de outros estudos, que utilizaram manipulação visual com parâmetros idênticos e que não observaram diferença entre adultos jovens e idosos3. Na realidade, em algumas situações em que a estabilidade postural é ameaçada de forma mais contundente, idosos apresentaram oscilação corporal maior que adultos jovens3,6. Novamente, qualquer alteração do sistema visual decorrente do envelhecimento não compromete o uso dos estímulos provenientes desse canal sensorial para controlar a oscilação corporal. A magnitude da influência da manipulação visual pode ser alterada quando adultos idosos são informados sobre Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :52- 8 55 o movimento da sala e solicitados a resistir à influência dessa manipulação. Essa redução na influência da manipulação visual havia sido observada em adultos jovens22,23,25 e em crianças24 e a constatação de que adultos idosos também são capazes de reduzir essa influência é importante para o entendimento do funcionamento do sistema de controle postural dessa população. Vale lembrar que, no presente e em outros estudos22,25, participantes não foram capazes de discriminar conscientemente que a informação visual estava sendo manipulada. Assim, o sistema de controle postural acopla-se ao estímulo visual de forma “automática”23 ou que reflita a dinâmica de relacionamento entre informação sensorial e ação motora22,25. Entretanto, essa dinâmica pode ser alterada quando adultos jovens são informados por outrem22 ou solicitados a resistir à manipulação23. Os resultados do presente estudo indicam que essa alteração também ocorre no caso de idosos. Embora idosos consigam reduzir a influência da informação visual quando são informados sobre a manipulação, a alteração da magnitude do estímulo visual quase não induz qualquer alteração na influência visual. Nesse caso, com o aumento da amplitude e velocidade do movimento da sala, apenas a variável ganho foi reduzida, indicando que idosos não acompanharam, com aumento da oscilação correspondente, o aumento do estímulo visual. Esse resultado é diferente de outros recentemente obtidos com adultos jovens25, quando os mesmos foram capazes de reduzir o efeito da manipulação visual. Portanto, adultos idosos parecem não conseguir discriminar pequenas variações dos estímulos sensoriais disponíveis no ambiente e modular as respostas posturais da mesma forma como adultos jovens o fazem. Controle postural em adultos idosos: implicações A constatação de que a manipulação de propriedades do estímulo sensorial provoca uma pequena alteração na oscilação corporal de idosos indica alterações importantes no funcionamento do sistema de controle postural dessa po- 56 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):52-8 pulação. Primeiro, idosos são sensíveis às pequenas variações do estímulo visual, mas, comparando com dados de estudos prévios25, as respostas não são tão bem calibradas quanto as observadas em adultos jovens. Segundo, essa diferença no uso de informação sensorial no controle dos movimentos pode ser compensada por informação fornecida explicitamente aos idosos. A relação entre estímulo sensorial e ação motora correspondente no controle postural não depende de atuação consciente da pessoa, sendo automática23 mesmo em bebês com poucos dias26 ou meses27 de idade, e sugerida como inata da espécie humana28. A independência de atuação consciente que governe esssa relação entre informação sensorial e ação motora permite uma funcionalidade muito importante ao sistema de controle postural, pois não há necessidade de direcionar atenção e controle específico para esse tipo de atividade. Apesar da funcionalidade de não ter de dividir atenção com mecanismos desse tipo de controle, o sistema precisa ainda garantir adaptabilidade, de forma que variações no estímulo sensorial sejam também incorporadas no controle de ação motora. Recentemente, estudos têm buscado investigar e entender a dinâmica desses mecanismos, sugerindo um processo de repesagem sensorial24,29,30. Infelizmente, apenas alguns estudos examinaram esses aspectos em idosos2; e indicaram que idosos apresentam a capacidade de alterar as influências de estímulos sensoriais no controle da postura ereta, sendo mais influenciados por tais manipulações do que adultos jovens3. De forma geral, esses estudos indicaram que idosos apresentam a capacidade de alterar a influência do estímulo sensorial se o mesmo apresentar uma variação abrupta na amplitude, mas mesmo assim essa variação ainda provoca uma maior influência em adultos idosos comparados com adultos jovens. Os resultados deste estudo sugerem que uma possível explicação para tal diferença seria que idosos não conseguem discriminar tão bem pequenas variações do estímulo sensorial e alterar a relação entre a informação que esse estímulo propicia e a ação motora mais adequada para a situação. Novamente, essa alteração não envolve uma atuação consciente do indivíduo, conforme observado nas condições em que os idosos não foram informados sobre o movimento da sala e realizaram oscilação corporal correspondente. Essa diferença em alterar a relação entre o estímulo sensorial e a ação motora realizada, pelo menos quando ocorrem pequenas variações do estímulo sensorial, pode provocar situações de risco para idosos. Por exemplo, durante o caminhar, se ocorre uma pequena variação na superfície (calçada com uma parte mais elevada), essa variação pode passar sem ser notada e, conseqüentemente, a altura da passada não é aumentada, levando a um tropeço ou mesmo a uma queda. A constatação de que idosos conseguem utilizar informação apresentada de forma extrínseca para alterar a influência do estímulo sensorial na ação motora indica que essa informação pode ser utilizada para compensar a diferença em obter as variações dos estímulos de forma implícita. Apesar de essa constatação ter sido observada em adultos jovens22,23,31 e em crianças24, não havia sido examinada em adultos idosos e constitui uma alternativa importante para compensar as alterações decorrentes do processo de envelhecimento. A apresentação de informação explícita possibilita que o sistema apresente alteração na relação entre informação sensorial e ação motora na mesma magnitude que a observada de forma implícita. Portanto, a compensação decorrente do uso de informação explicita possibilita a mesma performance na realização de ações motoras. O custo desse tipo de funcionamento é que o idoso tem de atuar de forma consciente, tendo de “prestar e/ou dirigir” atenção a aspectos apontados por outrem. Esta não é a forma mais eficiente de controlar os movimentos, mas constitui uma estratégia alternativa para essa população, dadas as alterações funcionais na relação entre informação sensorial e ação motora decorrente do envelhecimento. Finalmente, mudanças ambientais também poderiam ser implementadas de forma a que as alterações em superfície, iluminação, textura, degraus etc. fossem destacadas. Para idosos – e para a população em geral – o destaque das mu- Lopes et al. danças nas condições ambientais tem como função “direcionar”, mesmo que explicitamente, a obtenção de informação sobre essas alterações. Assim, essas Controle postural em idosas “dicas” ambientais para os idosos assumem uma importância ainda maior, pois o sistema já apresenta uma diferença na obtenção implícita de pequenas varia- ções ambientais. Portanto, direcionar o sistema para a obtenção dessas variações é crucial para a realização de ações motoras mais eficientes. REFERÊNCIAS 1 Prioli AC, Cardozo AS, Freitas Júnior PB, Barela JA. Task demand effects on postural control in older adults. Hum Mov Sci. 2006;25:435-46. 2 Allison LK, Kiemel T, Jeka JJ. Multisensory reweighting of vision and touch is intact in healthy and fall-prone older adults. Exp Brain Res. 2006. 3 4 Prioli AC, Freitas Júnior PB, Barela JA. Physical activity and postural control in the elderly: coupling between visual information and body sway. Gerontology. 2005;51:145-8. Ferraz MA, Barela JA, Pellegrini AM. Acoplamento sensório-motor no controle postural de indivíduos idosos fisicamente ativos e sedentários. Motriz. 2001;7(2):99-105. 5 McClenaghan BA, Williams HG, Dickerson J, Dowda M, Thombs L, Eleazer P. Spectral characteristics of ageing postural control. Gait Posture. 1996;4:112-21. 6 Wade MG, Lindquist R, Taylor JR, Treat-Jacobson D. Optical flow, spatial orientation, and the control of posture in the elderly. J Gerontol. 1995;50B(1):P51-P8. 7 Blaszczyk JW, Lowe DL, Hansen PD. Ranges of postural stability and their changes in the elderly. Gait Posture. 1994;2:11-7. 8 Amiridis IG, Hatzitaki V, Arabatzi F. Age-influence modifications of static postural control in humans. Neurosci Let. 2003;350:137-40. 9 Berger I, Chuzel M, Buisson G, Rougier P. Undisturbed upright stance control in the elderly: part 1. Age-related changes in undisturbed upright stance control. J Motor Behav. 2005;37(5):348-58. 10 Di Fabio RP, Emasithi A. Aging and the mechanisms underlying head and postural control during voluntary motion. Phys Ther. 1997;77(5):458-75. 11 Melzer I, Benjuya N, Kaplanski J. Postural stability in the elderly: a comparison between fallers and non-fallers. Age Ageing. 2004;33(6):602-7. 12 Lord SR, Menz HB, Tiedemann A. A physiological profile approach to falls risk assessment and prevention. Phys Ther. 2003;83(3):237-52. 13 Menz HB, Morris ME, Lord SR. Foot and ankle risk factors for falls in older people: a prospective study. J Gerontol. 2006;61(8):866-70. 14 Lord SR, Tiedemann A, Chapman k, Munro B, Murray SM, Sherrington C. The effects of an individualized fall prevention program on fall risk and falls in older people: a randomized, controlled trial. J Am Geriatr Soc. 2005;53:1296-304. 15 Horak FB. Postural orientation and equilibrium: what do we need to know about neural control of balance to prevent falls? Age Ageing. 2006;35:7-11. 16 Horak FB, Macpherson JM. Postural orientation and equilibrium. In: Rowell LB, Shepard JT, editors. Handbook of physiology. New York: Oxford University Press; 1996. p. 255-92. 17 Jeka J, Oie KS, Kiemel T. Multisensory information for human postural control: integrating touch and vision. Exp Brain Res. 2000;134:107-25. 18 Barela JA. Estratégias de controle em movimentos complexos: ciclo percepção-ação no controle postural. Rev Paul Educ Fis. 2000;(supl.3):79-88. 19 Grenne HA, Madden DJ. Adult age differences in visual acuity, stereopsis and contrast sensitivity. Am J Optom Physiol Opt. 1987;64:749-53. 20 Verrillo RT, Verrillo V. Sensory and perceptual performance. In: Charness N, editor. Ageing and human performance. New York: J Wiley & Sons; 1985. p.1-46. 21 Polastri PF, Barela AMF, Barela JA. Controle postural em idosos: relacionamento entre informação visual e oscilação corporal. In: IX Congresso Brasileiro de Biomecânica, 2001; Gramado, RS. Anais. Porto Alegre: Escola de Educação Física da UFRGS; 2001. v.2, p.132-7. 22 Freitas Júnior PB, Barela JA. Postural control as a function of self-and object-motion perception. Neurosci Let. 2004;369:64-8. 23 Stoffregen TA, Hove P, Schmit J, Bardy BG. Voluntary and involuntary postural responses to imposed optic flow. Motor Control. 2006;10:24-33. 24 Perotti Jr. A, Barela JA, Polastri PF, Tani G. Influência de diferentes informações comportamentais na dinâmica intrínseca entre informação visual e oscilação corporal. Braz J Motor Behav. 2007;2(1):40-50. 25 Barela AM, Barela, JA, Rinaldi, NM, Toledo DR. Influence of imposed optic flow characteristics and intention on postural responses. Motor Control. 2009;13:1-12. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :52- 8 57 Referências (cont.) 26 Jouen F, Lepecq JC, Gapenne O, Bertenthal BI. Optic flow sensitivity in neonates. Infant Behav Dev. 2000;23:271-84. 27 Barela JA, Godoi D, Freitas Junior P, Polastri PF. Visual information and body sway coupling in infants during sitting acquisition. Infant Behav Dev. 2000;23:285-97. 28 Barela JA. Adapted physical activity in promoting infant motor development. Rev Sobama. 2007;12(1):S42-7. 58 09;16(1):52-8 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 29 Carver S, Kiemel T, Jeka JJ. Modeling the dynamics of sensory reweighting. Biol Cyber. 2006;95(2):123-34. 30 Oie KS, Kiemel T, Barela JA, Jeka JJ. The dynamics of sensory reweighting: a temporal asymmetry. Gait Posture. 2005;21(1):S29. 31 Barela AMF, Barela JA, Rinaldi NM, Toledo DR. The influence of imposed optic flow characteristics and intention on postural responses. Motor Control. 2007. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.59-64, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Avaliação das propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas imobilizado e submetido à corrente russa Mechanical property analysis of the gastrocnemius muscle of rats immobilized and submitted to the Russian current Douglas Reis Abdalla1, Dernival Bertoncello2, Leonardo César Carvalho3 Estudo desenvolvido nos Laboratórios de Bioengenharia e Pesquisa em Materiais Odontológicos da Uniube– Universidade de Uberaba, Uberaba, MG, Brasil 1 Fisioterapeuta; mestrando em Patologia Geral na UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG 2 Fisioterapeuta; Prof. Dr. Adjunto do Curso de Fisioterapia da UFTM 3 Fisioterapeuta; Prof. Dr. do Curso de Fisioterapia e do Laboratório de Bioengenharia da Uniube ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Leonardo César Carvalho R. Vital de Negreiros 607 Fabrício 38065-300 Uberaba MG e-mail: [email protected] O estudo recebeu financiamento do Pape da Uniube APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 RESUMO: A eletroestimulação neuromuscular por corrente russa, recurso utilizado na reabilitação, pode aumentar o trofismo e restabelecer a força muscular, sobretudo dos músculos que apresentam deficit pós-imobilização, como é o caso de lesões durante a prática esportiva. Objetivou-se avaliar as propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas imobilizadas por 14 dias e posteriormente submetidas à eletroestimulação por corrente russa durante 10 dias. Utilizaram-se 32 ratas Wistar divididas em quatro grupos: controle (G1), imobilizado (G2); imobilizado e liberado por 10 dias (G3) e imobilizado e submetido à corrente russa por 10 dias (G4). A avaliação das propriedades mecânicas – carga, alongamento, rigidez e resiliência – foi feita por ensaio de tração longitudinal. Quanto à carga no limite máximo, o G4 apresentou valores mais elevados quando comparado ao grupo apenas imobilizado (G2, p<0,001), embora sem atingir o valor do G1. Na análise da propriedade de alongamento no limite máximo, G3 e G4 alcançaram valores significativamente maiores que o G2 (p<0,001). No que se refere à rigidez, apenas G2 alcançou valores maiores (p<0,05) que o G1. Quanto à resiliência, G4 apresentou valores inferiores ao grupo controle (p<0,05), mas ainda superiores aos do G2 (p<0,001). Portanto conclui-se que a corrente russa, quando aplicada por 10 dias após 14 dias de imobilização, é benéfica, embora não seja capaz de restabelecer todas as propriedades mecânicas do músculo em nível controle. DESCRITORES: Estimulação elétrica; Imobilização; Músculo esquelético ABSTRACT:Neuromuscular electric stimulation by Russian current, used in rehabilitation, is able to increase muscle trophism and strength, especially in muscles with postimmobilization deficit, as is the case of injuries during sports practice. The purpose here was to assess the gastrocnemius muscle mechanical properties of rats immobilized for 14 days and subjected to electric stimulation by Russian current for 10 days. Thirty two Wistar female rats were divided into four groups: control (G1), immobilized (G2), immobilized and freed (G3), and immobilized and afterwards submitted to Russian current (G4). Mechanical properties – maximum load and stretch, stiffness, and resilience – were assessed by longitudinal traction. As to maximum load, G4 showed higher values when compared to the onlyimmobilized group (G2, p<0.001), though not attaining G1 values. In the analysis of maximum elongation results, G3 and G4 presented significantly higher values than G2 (p<0.001). Concerning stiffness, only G2 reached higher values (p<0.05) than G1. As to resilience, G4 presented significantly lower values than G1 (p<0.05), but still higher than G2’s (p<0.001). Hence the study showed that Russian current, applied for 10 days after a 14-day immobilization, is beneficial, though not able to restore all the muscle mechanical properties at control level. KEY WORDS: Electric stimulation; Immobilization; Muscle, skeletal Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64 59 INTRODUÇÃO vendo permanecer apenas durante os primeiros dias após a lesão14. Estudos da mecânica corporal e seus segmentos são indispensáveis para a intervenção terapêutica. A combinação entre o conhecimento biomecânico e histomorfofuncional dos tecidos biológicos, principalmente do sistema musculoesquelético, é importante para o esclarecimento de lesões e alterações nas capacidades adaptativas1,2. O trabalho da fisioterapia desportiva torna-se bastante diferente dos outros. É preciso rapidez e funcionalidade efetivas, pois o atleta precisará executar todas as funções dos músculos, ossos e articulações, no máximo de potência e amplitude, para o perfeito desempenho dos movimentos15. Assim, necessitam-se recursos que tornem a reabilitação mais acelerada. As lesões musculares dos esportistas continuam sendo um tema de constante atualização para os especialistas que têm a responsabilidade de manter em excelentes condições a estrutura osteomioarticular dos atletas, possibilitando assim melhor rendimento físico, técnico e tático3. A imobilização, método de tratamento ainda muito usado após lesões, leva a várias complicações após prolongado período4,5. A imobilização de um segmento corpóreo é o repouso local, contínuo e rígido, utilizada em casos de fraturas, luxações, traumas musculares, manipulações cirúrgicas e outras enfermidades 6. As alterações induzidas pela imobilização não se limitam apenas ao músculo, pois comumente são observados transtornos de inervação e circulação, perda de massa óssea, alterações ligamentares, edema e rigidez articular6. No músculo imobilizado, a partir de seis horas da imobilização, ocorre perda de proteínas, porém sem alteração da quantidade de mioglobina7. A partir do sétimo dia de imobilização, começam a reduzir-se o tecido conectivo e as fibras musculares por área de secção do músculo, promovendo alterações como atrofia e redução da atividade contrátil8-10. Como efeito da imobilização, pode-se evidenciar atrofia muscular e perda exponencial de massa do músculo esquelético em relação ao tempo, em função da diminuição do número de miofibrilas em paralelo e do número de fibras por músculo11,12. A imobilização temporária, por curto período, permite a formação do tecido de granulação, o que propicia ao músculo esquelético força tênsil apropriada e resistência às forças criadas pela contração muscular13. É benéfica na fase precoce da regeneração muscular, de- 60 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):59-64 A estimulação elétrica neuromuscular (EENM) para ativação do músculo esquelético é uma técnica terapêutica que tem sido utilizada na medicina física por mais de meio século. A partir dos anos 1960, o uso da EENM passou a focalizar principalmente o controle da atrofia muscular por desnervação16. A corrente russa é uma corrente sinusoidal alternada (bifásica) de 2.500 Hz. As correntes elétricas de média freqüência ocupam medidas entre 1.000 Hz e 100.000 Hz, sendo múltiplas as vantagens de sua utilização. A principal é a melhor tolerabilidade à corrente pelo indivíduo submetido à EENM. Essa corrente é capaz de produzir níveis mais profundos de contração muscular, além de aumentar a força, sendo mais indicada para tratar músculos com inervação preservada16. A base teórica para o uso da corrente russa está na capacidade em que a estimulação elétrica máxima pode fazer com que quase todas as unidades motoras no músculo se contraiam de forma sincronizada, algo que não pode ser conseguido na contração voluntária. Isso permite a ocorrência de contrações musculares mais fortes com a estimulação elétrica e, portanto maior ganho de força acompanhado de hipertrofia muscular17. A capacidade que a Corrente Russa tem de produzir maior força muscular, acompanhada de menor fadiga, resultado de um programa que apresenta períodos de 10 ms de excitação, seguido por 50 ms de repouso, propriedade que respeita os períodos refratários da célula17. Com finalidade de fortalecimento recomenda-se tipicamente a utilizar freqüências de 35 a 85 Hz18. Tendo em vista o reduzido acervo de trabalhos que abordem tal assunto, e a importância que este pode ter para estudos sobre imobilização, a presente pesquisa teve por finalidade verificar o efeito da aplicação de corrente russa sobre as propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas imobilizadas por 14 dias na posição de encurtamento e, posteriormente, eletroestimulado por corrente russa durante 10 dias. O músculo gastrocnêmio foi utilizado por apresentar melhor facilidade de localização e função e, ainda, porque após dissecação é possível manter origem e inserção óssea, possibilitando ensaio de tração mecânica. METODOLOGIA Foram utilizadas 32 ratas Wistar fêmeas com média de massa corpórea inicial 220,75±20,11 g. Todos os procedimentos aos quais os animais foram submetidos tiveram a aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto), que seguem o International Guiding Principles for Biomedical Research Involving Animals. Os animais doram divididos em quatro grupos, assim caracterizados: 1 G1 composto por 8 animais que permaneceram em observação 14 dias em gaiola padrão, isentos de qualquer intervenção; 2 G2 composto por 8 animais que tiveram o membro posterior direito imobilizado em flexão plantar por 14 dias. 3 G3 composto por 8 animais que tiveram o membro posterior direito imobilizado por 14 dias e liberado do aparelho gessado por 10 dias. 4 G4 composto por 8 animais que tiveram o membro posterior direito imobilizado por 14 dias e em seguida submetido à eletroestimulação por corrente russa durante 10 dias consecutivos. Para a imobilização do membro posterior direito dos animais, foi feito um aparelho gessado que incluía pelve, quadril e joelho em total extensão e a articulação do tornozelo em flexão plantar. Os animais foram previamente anestesiados com cloridrato de ketamina (50 mg/kg) Abdalla et al. Para a intervenção terapêutica por meio de estimulação elétrica neuromuscular (EENM), utilizou-se gerador de corrente russa, uma corrente sinusoidal alternada (bifásica) de 2.500 Hz com freqüência de estímulo de 50 Hz e com um tempo de cada aglomerado de estímulo elétrico (envelope) de 10 ms e intervalo entre eles de 10 ms. Foram utilizados como parâmetros: ciclo on (período em que há passagem da corrente elétrica) de seis segundos, sendo o rise (tempo que a corrente necessita para haver total descarga elétrica) de dois segundos e o decay (tempo necessário para cessar o estímulo) de dois segundos; e o ciclo off (período no qual não há passagem de corrente elétrica) de 13 segundos, provocando um total de 10 contrações. A corrente foi transmitida ao animal por meio de cabos e eletrodos (carbonosilicone). Inicialmente foi aplicada uma camada fina de gel hidrofílico de pH neutro, com aproximadamente 1 mm de espessura a um eletrodo com formato retangular de dimensões 5 x 3 cm fixado na região dorsal inferior do animal. Outro eletrodo utilizado para a estimulação local do músculo gastrocnêmio foi uma caneta desenvolvida em menor escala, com 0,5 cm de diâmetro, acoplada ao ponto motor do músculo gastrocnêmio direito, sendo utilizada uma camada de gel para a adequada condução da corrente ao músculo. 15 LM 10 LP Carga (N) e xilazina (15 mg/kg): a anestesia foi utilizada para preservação da integridade dos animais no que diz respeito ao estresse do procedimento e para facilitar o emprego da técnica, para que não houvesse movimentos compensatórios pelos animais. O período em que ficaram anestesiados variou de 10 a 20 minutos. Após a efetivação da anestesia, as ratas tiveram o membro posterior direito e cintura pélvica envolvidos por uma malha tubular e ataduras de algodão, a fim de evitar ulcerações, e por uma atadura gessada de secagem rápida com 2,5 cm de largura, aplicada de maneira convencional. O gesso foi substituído quando necessário, respeitando o mesmo procedimento. Os animais permaneceram imobilizados por duas semanas (14 dias consecutivos) mantidos a dois por gaiola com livre acesso a água e ração. A imobilização gessada não impediu a alimentação nem a locomoção dos animais dentro da gaiola. Avaliação biomecânica do tecido muscular 5 ș 0 0 Figura 1 2 4 6 8 Alongamento (x10-3mm) A 10 12 14 Representação gráfica do ensaio mecânico de tração: ilustração dos pontos utilizados para calcular as propriedades mecânicas do músculo. LM = ponto de interseção das propriedades mecânicas de carga e alongamento no limite máximo; LP = limite de proporcionalidade, representa a transição entre a fase elástica e a fase plástica do músculo; θ = ângulo formado entre a inclinação da parábola e o eixo x. A rigidez é representada pela tangente do ângulo θ, ou seja, a divisão do segmento LP-A pelo segmento 0-A; a resiliência é representada pela área do triângulo formado entre os pontos 0 – A – LP Ensaio de tração No ensaio mecânico do músculo gastrocnêmio foi utilizada a máquina de ensaio EMIC (modelo DL-3000, do Laboratório de Pesquisa em Materiais Odontológicos da Universidade de Uberaba), equipada com uma célula de carga Kratos de 50 kgf de capacidade. A máquina estava ligada a um microcomputador equipado com o programa Tesc, capaz de captar os valores de carga e alongamento do músculo durante os ensaios mecânicos. Dentre os parâmetros de execução do ensaio, a velocidade de tração longitudinal foi padronizada em 10 mm/min. O músculo gastrocnêmio foi inicialmente dissecado, sendo os animais sacrificados previamente com superdosagem dos já mencionados anestésicos, preservando sua origem (fêmur) e inserção (calcâneo), o que permitiu, por meio de um acessório metálico, a fixação do complexo osso-tendão-músculo-tendãoosso na máquina de ensaio. Para cada aumento de carga aplicada ao músculo, foi obtido um valor resultante de alongamento, o que possibilitou a construção de gráficos carga versus alongamento, por meio do programa Microsoft Excel 2003. Feitos os gráficos, puderam ser efetuados os cálculos das propriedades mecânicas carga no limite máximo, alongamento, rigidez e resiliência. A Figura 1 ilustra os pontos e segmentos necessários para os cálculos dessas propriedades. A carga no limite máximo (CLM) corresponde ao ponto gráfico de maior valor de força em Newton (N) obtido pelo músculo no ensaio de tração. A propriedade de alongamento no limite máximo (ALM) é representada pelo maior valor de deformação em milímetros. A rigidez representa o quanto o músculo é capaz de deformar sem que seja danificada a arquitetura muscular. Por fim, a propriedade de resiliência é o quanto de energia o músculo é capaz de absorver na fase elástica. Análise estatística Os dados relativos às quatro propriedades estudadas foram submetidos inicialmente ao teste de normalidade de Kolmogorov Smirnov. Após constatada a normalidade de distribuição, foram utilizados os testes: Anova para análise simultânea dos grupos e Tukey-Kramer para comparação entre os grupos, adotando-se para os testes significância de 5%. RESULTADOS O valor médio de massa corpórea obtida dos animais ao final do experimento foi de 227,14±15,0,9 g; comparando-se com a média inicial de 220,75±20,11 g, não houve diferença estatística (p>0,05). Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64 61 50 A – Carga B – Alongamento 25 30 20 10 28,25 33,68 18,36 25,54 ALM (x10-3m) CLM (N) 40 20 15 10 18,37 15,82 17,08 G3 G4 10,84 5 0 0 G1 G2 G3 G4 G1 G2 5 400 Rigidez (x103N/m 3 2 1 1,55 2,29 1,70 1,65 Resiliência (x10-3N.m) C – Rigidez 4 D – Resiliência 300 200 100 252,20 0 0 G1 G2 G3 G4 G1 80,43 127,97 G2 G3 136,47 G4 Figura 2 Valores médios de A = carga no limite máximo (CLM); B = alongamento no limite máximo (ALM); C = rigidez; D = resiliência; encontrados nos grupos controle (G1), imobilizado (G2), imobilizado e liberado (G3) e imobilizado e eletroestimulado (G4). Teste de Tukey-Kramer (p<0,05): vs G1; vs G2; vs G3; vs G4 Ao analisar a propriedade mecânica de carga no limite máximo (Figura 2A), observaram-se valores mais altos no G1 comparado aos demais grupos (G2, G3 e G4) (p<0,05). Pela comparação dos grupos G3 e G4 com o G2, evidenciase que tanto a mobilização livre (G2 vs G3, p<0,05) quanto a terapêutica por EENM (G2 vs G4, p<0,05) melhoraram essa propriedade, sendo que a EENM (G4) levou ao maior valor médio, embora sem ter se equiparado ao grupo controle (G1) (p<0,05). A Figura 2B correspondente à propriedade de alongamento no limite máximo. Pode-se observar que o G2 e o G3 reduziram signifcativamente sua capacidade de alongar, se comparados ao G1 (p<0,05). Semelhante à propriedade de carga no limite máximo, houve difirença significativa (p<0,05) entre os G3 e G4 comparados ao G2, porém quando comparados entre si não foi evidenciada diferença significante (p>0,05). Por outro lado, o G4 apresentou maior valor médio de recuperação que o G3. A análise dos valores relativos à rigidez dos músculos (Figura 2C) mostra que 62 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):59-64 apenas a comparação G1 vs G2 apresenta p<0,05. Assim, pode-se observar aumento não-significativo nos valores médios dessa propriedade nos grupos imobilizado e liberado (G3) e imobilizado seguido por eletroestimulação (G4). Em relação à resiliência (Figura 2D), foi encontrada diferença significativa (p<0,05) nas comparações G1 vs G2 e G3 vs G4. Vale ressaltar que mesmo o grupo eletroestimulado (G4) tendo apresentado valores inferiores ao grupo controle (p<0,05), estes ainda são superiores aos do grupo apenas imobilizado (p<0,05). DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Ao quantificar e analisar a massa corpórea dos animais, verificou-se que o modelo experimental permitiu o livre acesso a água e ração, possibilitando a recuperação e manutenção da massa corpórea, já que os resultados mostram não haver diferença entre as médias das massas antes e após o período experi- mental, confirmando que, mesmo imobilizando o membro posterior do animal, ele é capaz de se alimentar normalmente. Sabe-se que o tecido muscular se adapta de acordo com o estímulo que lhe é imposto. Williams e Goldspink19 analisaram o músculo sóleo de ratos imobilizados em encurtamento e alongamento nos períodos de um dia a quatro semanas. Observaram que, diferente da posição encurtada, a posição de alongamento não resultou em mudanças no tecido conjuntivo. Os autores concluíram que as alterações musculares decorrentes da imobilização são dependentes da posição da imobilização da articulação, sendo a posição de encurtamento a que provoca maiores prejuízos na função muscular, estando relacionada a maior atrofia das fibras musculares, maior número de pontes cruzadas, redução no número de sarcômeros e conseqüente diminuição do comprimento muscular6. No presente estudo, foi possível confirmar essas alterações, sendo observado que os músculos imobilizados reduziram a capacidade de supor- Abdalla et al. Avaliação biomecânica do tecido muscular tar carga e se alongarem com conseqüente aumento na rigidez e redução na resiliência; após a imobilização, esse músculo estaria assim mais susceptível a lesões tensionais. das a outras causas que ainda não foram evidenciadas pela avaliação mecânica, mas que talvez pudessem ser elucidadas com auxílio de uma avaliação histomorfológica. Durante a imobilização, as fibras musculares lentas, tipo I, têm maior vulnerabilidade à atrofia se comparadas às fibras musculares rápidas, tipo II. Isso está diretamente relacionado à mudança momentânea do metabolismo, que permanece predominantemente oxidativo durante o período, deixando as fibras susceptíveis à atrofia pela alteração na síntese protéica20,21. O músculo gastrocnêmio apresenta metade de suas fibras de contração rápida (fibras tipo II); dessa forma, a composição mista desse músculo o indica para estudar os efeitos da inatividade. Quando o músculo gastrocnêmio é inativo por suspensão do suporte de peso não há geração de atrofia, quando comparado à inatividade por imobilização gessada21,22. Tendo em vista as alterações nas estruturas e funções musculares que a imobilização desencadeia, ao se efetuar um tratamento adequado, a plasticidade muscular demonstra a capacidade de retorno de suas propriedades originais26. Järvinen et al.17 encontraram que a imobilização do membro posterior de ratos por períodos maiores que sete dias em posição de encurtamento apresentam redução das propriedades biomecânicas, destacando a redução da elasticidade do músculo, bem como redução da capacidade de absorver energia. No presente estudo, foi visto que a rigidez do grupo submetido apenas à imobilização em posição encurtada apresentou valores superiores quando comparado aos demais grupos, concordando com os estudos de Caierão et al.23 e Mcdonough24. Esses autores relataram que a imobilização propicia o acúmulo de tecido conjuntivo no tecido muscular, fazendo com que as fibras colágenas tenham contato mais íntimo umas com as outras, podendo estimular a formação de ligação cruzada anormal, o que resulta em perda da extensibilidade e aumento na rigidez tecidual. Dentre os fatores que poderiam interferir, alterando as propriedades mecânicas do músculo, encontrase o aumento da quantidade de tecido conectivo produzido pela matriz extracelular nas fibras musculares. Todavia, a imobilização por um período de 14 dias não seria capaz de proporcionar um aumento de tecido conectivo significativo, capaz de induzir tais alterações mecânicas25. As alterações encontradas no presente estudo estariam relaciona- Este estudo focalizou a eletroestimulação com corrente russa pois, de acordo com a literatura, a eletroestimulação com corrente de média freqüência modulada a 50 Hz é capaz de restabelecer as propriedades do músculo esquelético 26. Após períodos de imobilização, os efeitos deletérios musculares podem ser minimizados e/ou revertidos por meio de recursos como a mobilização e o alongamento. Autores relatam que a mobilização ativa pode auxiliar no desaparecimento do edema, aumento da extensibilidade, organização e regeneração das miofibrilas27. A mobilização também é importante para reorganização do tecido conjuntivo23. Isso porque o exercício promove alinhamento mais funcional das fibras colágenas, minimizando o surgimento de aderências no tecido cicatricial após lesão muscular ou período de imobilização27. Além disso, segundo Stone28, o exercício físico pode aumentar a força do tecido conjuntivo, bem como a massa muscular, tornando o músculo mais resistente. Neste estudo, pôde-se confirmar que a movimentação livre é capaz de aumentar os limites de alongamento e rigidez. Este estudo incluiu um grupo imobilizado e posteriormente liberado (G3). Os resultados corroboram achados histológicos segundo os quais animais imobilizados por 14 dias e em seguida liberados na gaiola por 10 dias apresentam menor perda do diâmetro das fibras tipo I e II em relação ao grupo imobilizado29,30. As fibras musculares de contração rápida (tipo II) são recrutadas para acrescentar força muscular e agilidade ao movimento; estas respondem às freqüências na faixa de 50-150 Hz. As fibras do tipo I (contração lenta) são as primeiras a se tornarem ativas; têm uma freqüência tetânica de 20-30 Hz. Assim, para restabelecer a força muscular per- dida durante a imobilização, optou-se por utilizar uma freqüência de 50 Hz pois, segundo relatos da literatura, após um período de 14 dias de imobilização eletroestimulando o músculo com essa freqüência são restabelecidas algumas propriedades mecânicas como rigidez, resiliência, carga e alongamento no limite máximo17. A estimulação neuromuscular seria capaz de gerar hipertrofia nas fibras tipo II, preferencialmente eletroestimuladas à freqüência de 50 Hz. Neste estudo, pôde-se confirmar que a estimulação por corrente russa a uma freqüência de 50 Hz é capaz de devolver ao músculo pósimobilizado suas propriedades de carga máxima, alongamento máximo e rigidez. O deficit nas propriedades mecânicas pode estar vinculado ao acúmulo de tecido conjuntivo junto ao tecido muscular. Autores relatam que a imobilização de músculo em encurtamento e eletroestimulado levou à redução dos sarcômeros em série, mas não provocou mudanças na constituição de tecido conjuntivo30-31. Pode-se pois concluir que a atividade contrátil limita a proliferação de tecido conjuntivo em músculos imobilizados. Esses resultados foram reforçados por pesquisadores que investigaram os efeitos da imobilização com e sem o uso da eletroestimulação no músculo tibial anterior de coelhos e concluíram que a EENM foi eficiente em prevenir a proliferação de tecido conjuntivo no grupo que foi imobilizado e eletroestimulado31-32. Verificou-se aqui que, após a imobilização, a EENM por corrente russa, seguindo o protocolo proposto, foi capaz de restabelecer as propriedades mecânicas de rigidez, carga e alongamento no limite máximo, porém não aumentou os valores de resiliência do músculo até o nível do controle, sugerindo a necessidade de um período superior a 10 dias de estimulação elétrica. Evidencia-se que a reabilitação utilizando a eletroestimulação por corrente russa pode ser um recurso bem empregado visando o reestabelecimento das aptidões físicas relacionadas às disfunções musculares decorrente de contusões, estiramentos, fraturas, pós-operatórios, lesões ligamentares, entre outros motivos que levam à imobilização por aparelho gessado ou por inatividade. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64 63 REFERÊNCIAS 1 Whiting WC, Zernicke RF. Biomecânica da lesão musculoesquelética. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 2 Wang LC, Kernell D. Quantification of fibre type regionalization: an analysis of lower hindlimb muscles in the rat. J Anat London. 2001;198:295-308. 3 Brancaccio N, Klein AA, Böettche GA, Colla PHS, Machado DM, Moser GR, et al. Análise de lesão muscular em ratos treinados e sedentários submetidos à crioterapia. Fisioter Mov. 2005;18(1):59-65. 4 Lehto MUK, Jarvinen MJ. Muscle injuries, their healing process and treatment. Ann Chir Gynaecol. 1991;80(2):102-8. 5 Venojarvi M. Recovery from immobilization: responses of fast-twitch muscle fibres to spontaneous and intensive exercise in rat calf muscles. Pathophysiology. 2004;11:17-22. 17 Järvinen M, Einola SA, Virtanem EO. Effect of the position of immobilization upon the tensile properties of the rat gastrocnemius muscle. Arch Phys Med Rehabil. 1992;73(3):253-7. 18 Appell HJ. Skeletal muscle atrophy during immobilization. Int J Sports Med. 1986;7(1):1-5. 19 Williams PE, Goldspink G. Connective tissue changes in immobilized muscle. J Anat. 1984;138(Pt 2):343-50. 20 Williams JPC, Street M. Sequential faradism in quadriceps rehabilitation. Physiotherapy. 1976;62(8):252-4. 21 Fulbright JS. Electrical stimulation to reduce chronic toeflexor hypertonicity: a case report. Phys Ther. 1984;64(4):523-5. 22 Appell HJ. Muscular atrophy following immobilization. Sports Med. 1990;7:42-58. 6 Booth FW. Time course of muscular atrophy during immobilization of hindlimbs in rats. J Appl Physiol. 1977;43:656-61. 7 Williams PE, Catanese T, Lucey EG, Goldspink G. The importance of stretch and contractile activity in the prevention of connective tissue accumulation in muscle. J Anat London. 1988;158:109-14. 24 Mcdonough AL. Effects of immobilization and exercise on articular cartilage: a review of the literature. J Orthop Sports Phys Ther. 1981;3(1):2-5. 8 Booth FW, Kelso JR. Protection of rat muscle atrophy by cast fixation. J Appl Physiol. 1973;34:404-6. 25 Johnson MA, Polgar J, Weightman D, Appleton D. Data on the distribution of fiber types in thirty six human muscles: an autopsy study. J Neurol Sci. 1973;18:111-29. 9 Musacchia XJ, Steffen JM, Fell RD. Disuse atrophy of skeletal muscle animal models. Exerc Sport Sci Rev. 1988;16:61-87. 10 Faulkner JA, Niemeyer JH, Maxwell LC, White TP. Contractile properties of transplanted extensor digitorum longus muscle of the cat. J Appl Physiol. 1980;238:C120-6. 11 Kasper CE, White TP, Maxwell LC. Running during recovery from hindlimb suspension induces muscular injury. J Appl Physiol. 1990;68:533-9. 12 Carvalho LC, Shimano AC, Picado CHF. Estimulação elétrica neuromuscular e o alongamento passivo manual na recuperação das propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio imobilizado. Acta Ortop Bras. 2008;16:161-4. 13 Jarvinen TAH, Kaariainen M, Jarvinen M, Kalimo H. Muscle strain injuries. Curr Op Rheumatol. 2000;12:155-61. 14 Jarvinen M, Lehto MYK. The effect of early mobilization and immobilization on the healing process following muscle injuries. Sports Med. 1993;15:78-89. 15 Azevedo DC, Carvalho SC, Leal EWPS, Damasceno SP, Ferreira ML. Influência da limitação da amplitude de movimento sobre a melhora da flexibilidade do ombro após um treino de seis semanas. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(2):119-21. 16 Fournier M, Roy RR, Perham H, Simard CP, Edgerton VR. Is limb immobilization a model of muscle disuse? Exp Neurol. 1983;80:147-56. 64 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):59-64 23 Caierão QM, Teodori RM, Minamoto VB. The influence of immobilization on the muscle connective tissue: a review. Fisioter Mov. 2007;20(3):87-92. 26 Herbison GJ, Jaweed MM, Ditunno JF. Muscle fiber atrophy after cast immobilization in the rat. Arch Phys Med Rehabil. 1978;59:301-5. 27 Matheus JPC, Oliveira JGP, Gomide LB, Volpon JB, Shimano AC. Efeitos da estimulação elétrica neuromuscular durante a imobilização nas propriedades mecânicas do músculo esquelético. Rev Bras Med Esporte. 2007;13(1):55-9. 28 Stone MH. Implications for connective tissue and bone alterations resulting from resistance exercise training. Med Sci Sports Exerc. 1988;20(5):162-8. 29 Järvinen M. Immobilization effect on the tensile properties of striated muscle: an experimental study in the rat. Arch Phys Med Rehabil. 1977;58:123-7. 30 Mattiello-Sverzut AC, Carvalho LC, Cornachione A, Nagashima M, Neder L, Shimano AC. Morphological effects of electrical stimulation and intermittent muscle strech after immobilization in soleus muscle. Histol Histopathol. 2006;21:957-64. 31 Kujala UM, Orava S, Järvinen MJ. Hamstring injuries: current trends in treatment and prevention. Sports Med. 1997;23:397-404. 32 Qin L, Appell HJ, Chan KM, Maffulli N. Electrical stimulation prevents immobilization atrophy in skeletal muscle of rabbits. Arch Phys Med Rehabil. 1997;78(5):512-7. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.65-9, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Aspectos físicos e mentais na qualidade de vida de pacientes com doença de Parkinson idiopática Physical and mental aspects in quality of life of idiopathic Parkinson disease patients Gustavo Christofoletti1, Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga2, Guilherme Borges3, Florindo Stella4, Benito Pereira Damasceno5 Estudo desenvolvido na FCM/ Unicamp – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil 1 Doutorando na FCM/Unicamp 2 Profa. Dra. do Curso de Fisioterapia da Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, GO 3 Prof. Dr. Livre-docente da FCM/ Unicamp 4 Prof. Dr. do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, campus Rio Claro, SP 5 Prof. Dr. titular da FCM/ Unicamp ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Gustavo Christofoletti R. Dr. Hilário da Silva Miranda 118 Jardim Novo Chapadão 13070-034 Campinas SP e-mail: [email protected] O estudo recebeu apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 R ESUMO: A doença de Parkinson (DP) é um distúrbio crônico e progressivo, caracterizado pela degeneração de neurônios dopaminérgicos da substantia nigra mesencefálica. A lesão das vias subcorticais, em especial a nigro-estriato-palidal, é particularmente comum e ocasiona uma série de sinais e sintomas incapacitantes. O objetivo deste trabalho foi analisar a qualidade de vida (QV) relacionada à saúde de sujeitos com DP e compará-la à de indivíduos controles saudáveis. Foram avaliados 40 sujeitos com idades entre 61 e 83 anos, de ambos os sexos, que foram divididos em dois grupos: grupo Parkinson (n=21), composto por sujeitos com DP idiopática, e grupo controle (n=19), de indivíduos sem distúrbios neurodegenerativos. Para a coleta de dados, foi utilizada a versão brasileira do questionário Brasil SF36. Os resultados foram analisados estatisticamente, com nível de significância fixado em 1%. Os sujeitos do grupo Parkinson apresentaram escores significativamente mais baixos do que os do grupo controle, tanto no domínio físico quanto no mental, medidos pelo SF-36. Essa baixa QV provavelmente é explicada pela co-ocorrência de fenômenos neurodegenerativos e do sofrimento psíquico gerado pela doença e pelo estigma que ela produz. Abordagens interdisciplinares devem ser estimuladas a pacientes com DP, com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida e postergar o declínio físico e mental inerente às condições degenerativas. DESCRITORES: Doença de Parkinson; Perfil de impacto da doença; Qualidade de vida ABSTRACT: Parkinson disease (PD) is a chronic and progressive disorder characterized by degeneration of dopaminergic neurons in the mesencephalic substantia nigra. Lesions involving the subcortical pathways, especially the nigro-striato-pallidal path, are particularly common, and cause a series of disabling signs and symptoms. The aim of this study was to analyse the quality of life of individuals with PD and compare them to healthy controls. Forty subjects of both sexes were analysed, aged between 61 and 83, divided into two groups: Parkinson group (n=21), made up of individuals with idiopathic PD; and control group (n=19), of subjects with no neurodegenerative disorder. Data were collected by means of the Brazilian version of the Short Form-36 (SF-36) questionnaire. Data were statistically analysed and the significance level set at 1%. PD group subjects had SF-36 scores significantly lower than control ones, both in physical and mental health domains. Such low, perceived health-related quality of life among PD subjects is probably due to the co-occurrence of the neurodegenerative phenomena and the psychological distress provoked both by the disease itself and the stigma assigned to it. Interdisciplinary approaches should be encouraged to improve the quality of life of PD patients, aiming at postponing the physical and mental decline inherent to this degenerative condition. KEY WORDS: Parkinson disease; Quality of life; Sickness impact profile Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9 65 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas o Brasil vem apresentando aumento da sobrevida de sua população1. A pirâmide etária nacional, caracterizada na década de 1980 por base alargada e ápice estreito, hoje se encontra mais homogênea em relação às diversas faixas etárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1, a população de idosos – ou seja, pessoas com idade superior a 59 anos – já representa índices próximos a 10% da população brasileira. Tal envelhecimento ressalta a importância e a função do Estado em garantir aos indivíduos não apenas maior longevidade, mas também índices satisfatórios de qualidade de vida (QV), tanto no que se refere à saúde quanto à satisfação pessoal e ao lazer2. O conceito de QV é bastante complexo e, por conseguinte, apresenta pontos de vista diferentes na literatura internacional 3,4, especialmente dois: QV como um conceito mais genérico e QV relacionada à saúde (health-related quality of life). No primeiro caso, a definição apresenta uma ampla aceitação – “envelhecimento bem-sucedido”, mas não faz referência às disfunções ou aos agravos patológicos4,5. No segundo, temse o conceito elaborado pela Organização Mundial da Saúde, que insere a QV como a percepção que o indivíduo tem de si mesmo no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive, e em relação às expectativas, aos objetivos, aos padrões e às concepções adotadas6. Neste último caso, a QV relacionada à saúde é vista em um contexto abrangente e pode ser afetada tanto pela saúde física e mental quanto pelo nível de independência, além de relacionamentos sociais, crenças pessoais e relações com o meio ambiente7. Na prática fisioterapêutica, a avaliação dos sinais e sintomas consiste em um parâmetro essencial para se identificarem a pertinência e os resultados de uma determinada conduta. Ouvir o que o paciente tem a dizer corrobora uma perspectiva de atendimento integral em saúde e permite avaliar os efeitos dos procedimentos terapêuticos. Nas doenças neurodegenerativas, como é o caso da doença de Parkinson (DP), torna-se imprescindível uma análise sintomatológica associada à de QV. 66 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):65-9 A DP é um processo neurodegenerativo, caracterizado por atrofia de estruturas mesencefálicas, sobre a qual se observa extensa depleção de dopamina decorrente da apoptose de neurônios responsáveis pela produção desse neurotransmissor8,9. Trata-se de uma doença progressiva, de evolução crônica, de etiologia idiopática e altamente incapacitante. Os sintomas são geralmente percebidos em torno de 60 anos de idade, sendo os homens mais afetados do que as mulheres10,11. A incapacidade é produzida pela sintomatologia característica da doença, a saber: tremor em repouso, hipertonia plástica (com sinal positivo para “roda denteada”), instabilidade postural, bradicinesia, deficit na realização das atividades de vida diária, falta de expressão facial, dificuldade de deglutição, sialorréia, disartria, marcha a passos curtos (petit pas), distúrbio do equilíbrio e um importante “congelamento motor” (freezing). Pode ocorrer também um declínio das funções cognitivas – em especial as executivas. Outros sinais envolvem a incapacidade de iniciar espontaneamente atividades funcionais, vocabulário “pobre” de palavras, fala monótona e micrografia11,12. Com o objetivo de analisar o quadro clínico de cada paciente, várias escalas e testes motores foram criados. A escala unificada de classificação da doença de Parkinson (UPDRS, Unified Parkinson’s disease rating scale) avalia os sinais, sintomas e determinadas atividades funcionais, por meio do auto-relato e da observação clínica. É composta por 42 itens, divididos em quatro partes: atividade mental, comportamento e humor; atividades de vida diária; funcionalidade motora; e complicações da terapia medicamentosa13,14. A pontuação em cada item varia de 0 a 4, sendo que o valor máximo indica maior comprometimento pela doença e, o mínimo, normalidade. Seguindo raciocínio semelhante, Hoehn e Yahr15 realizaram um estadiamento da DP em cinco estágios, conforme a evolução do quadro clínico e o conseqüente grau de acometimento nigro-estriatal. No estágio 1, os sinais e sintomas são leves e, com prejuízo discreto do desempenho motor, manifestase em apenas um lado do corpo. O es- tágio 2 caracteriza-se por comprometimento bilateral, com disfunção mínima da postura e da marcha. O estágio 3 é marcado por uma lentidão significativa do aparato motor, causando alterações importantes no equilíbrio. No 4, os sintomas são mais graves, havendo rigidez, bradicinesia, distúrbios graves na marcha e incapacidade de viver sozinho. O último estágio é caracterizado por invalidez, perda da autonomia e total dependência do paciente a um cuidador. De acordo com o estágio da DP, o paciente pode apresentar diferentes níveis de prejuízo dos aspectos físicos e mentais da QV. Apesar de comprovado constantemente na literatura científica, a verificação do declínio da QV em indivíduos com DP usualmente ocorre por meio de análises univariadas limitadas ao fator causal16. Diante disso, o presente estudo objetivou analisar os aspectos físicos e mentais da QV de sujeitos com DP idiopática em estágios avançados (medidos pelas escalas UPDRS13 e Hoehn e Yahr15) e compará-los com indivíduos controles saudáveis. A hipótese levantada pelos autores é a de que QV estará bastante afetada nos participantes com DP, tanto no que se refere aos aspectos físicos quanto aos mentais. Por meio deste trabalho, pretende-se contribuir para o conhecimento do fisioterapeuta acerca dos possíveis fatores que interfiram na QV de pacientes com DP. Segundo Carod-Artal et al.17, há um número escasso de trabalhos envolvendo amostras de países ‘subdesenvolvidos’. Assim sendo, espera-se, com esta pesquisa, promover reflexões sobre a temática da DP e analisar os prováveis meios terapêuticos capazes de impedir ou minimizar o declínio da QV da população em questão. METODOLOGIA A pesquisa, de delineamento transversal, envolveu 40 participantes com idade entre 61 e 83 anos, de ambos os sexos, diferentes credos e graus de escolaridade. Os sujeitos foram divididos em dois grupos, a saber: grupo Parkinson e grupo controle. O grupo Parkinson foi composto por 21 indivíduos diagnosticados com DP idiopática, conforme os critérios diagnósticos clínicos estabelecidos pela Christofoletti et al. Sociedade Britânica de Doença de Parkinson18. Todos os sujeitos, examinados no Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas da Unicamp, apresentaram comprometimento moderado nos itens da subescala motora da UPDRS13 e se encontravam nos estágios 3 e 4 da escala de Hoehn e Yahr15. O grupo controle foi composto por 19 indivíduos saudáveis que não apresentavam doenças neurodegenerativas. Foram excluídos do estudo indivíduos diagnosticados com outros distúrbios neurológicos e/ou psiquiátricos, além daqueles com comorbidades cardiovasculares e/ ou osteomioarticulares associadas. A análise da QV foi feita por meio do instrumento SF-36 (Short Form-36). O SF-36 consiste em um questionário de qualidade de vida relacionada à saúde, validado para a população brasileira por Ciconelli et al.19. É formado por 11 questões e 36 itens que englobam, entre outros, os domínios saúde física e saúde mental, inquirindo o quanto o respondente percebe que cada um interfere em sua QV relacionada à saúde. O indivíduo recebe um escore em cada domínio, que varia entre 0 e 100 pontos, sendo que escores baixos representam piores índices de QV. O SF-36 é um instrumento de rápida e fácil aplicação, e apresenta adequada confiabilidade intra e inter-avaliador (0,45<|r|<0,84 e 0,55<|r|<0,81, respectivamente)19. Consiste, ainda, em uma escala adequada para aplicação em sujeitos com DP20. A coleta dos dados foi realizada na residência de cada paciente. Os pesquisadores foram treinados para aplicar o questionário de forma adequada. Todos os participantes do grupo Parkinson usavam agentes dopaminérgicos e foram avaliados na fase on da medicação, ou seja, sob benefício da ação farmacológica. Para análise quantitativa dos resultados foi utilizada estatística descritiva (média e erro-padrão); foi aplicado o teste não-paramétrico U Mann-Whitney para comparar os escores de QV dos grupos Parkinson e controle. As análises foram realizadas sob um nível de significância de 1% (p<0,01). Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo sido explicados os benefícios e as metas da pesquisa, além de assegurados Qualidade de vida na doença de Parkinson os procedimentos para monitoramento da coleta de dados, garantindo adequada confidencialidade e caráter voluntário do estudo. O presente estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas. controle, sugerindo que os primeiros percebem interferência maior desses quesitos em sua qualidade de vida. O teste U de Mann-Whitney apontou diferença significativa entre os dois grupos, tanto no que se refere ao escore total no SF-36 quanto aos subescores saúde física e mental (Tabela 2). RESULTADOS A média de idade dos 21 sujeitos do grupo Parkinson foi 69 anos e, no controle, 71 anos. De acordo com a Tabela 1, não foi constatada diferença significativa entre ambos os grupos, tanto no que se refere à idade quanto em relação ao sexo dos participantes, sugerindo que tais variáveis não interferiram nos resultados da pesquisa. Tabela 1 Distribuição por sexo (n) e idade (média ± erro padrão) dos participantes dos grupos Parkinson (GP, n=21) e controle (GC, n=19) e valor de p da comparação entre os grupos Característica GP GC UMW p Sexo (M/ F) 14/ 7 13/ 6 196,0 0,91 Idade (anos) 69,1±1,4 71,5±1,3 147,5 0,16 M = masculino; F = feminino; UMW: verificação pelo teste U Mann-Whitney Em relação ao escore total no SF-36, o grupo Parkinson apresentou uma média de 45,1 pontos, enquanto o grupo controle obteve um escore de 81,8 pontos. No SF-36, quanto maior o escore, melhor a QV do sujeito. Nesse sentido, os pacientes com DP apresentaram uma média de pontuação significativamente menor em relação aos indivíduos do grupo controle (Tabela 2). Os escores médios dos pacientes com DP nos domínios saúde física e saúde mental foram significativamente menores que os respectivos escores do grupo Tabela 2 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO O presente estudo objetivou analisar as possíveis diferenças entre a percepção de QV de sujeitos com DP avançada (segundo as escalas UPDRS 13 e Hoehn e Yahr15), em relação a controles saudáveis. A análise dos resultados mostrou valores significativamente mais baixos nos índices do SF-36 no grupo Parkinson, indicando comprometimento tanto de ordem física quanto mental, discutidos a seguir. Camargo et al.21 relatam que baixos índices de QV em sujeitos com doenças neurodegenerativas, em especial a DP, podem ser explicados pela influência de diversas dimensões, como a biológica (causada pela doença per se), a mental, a social e a econômica. Ou seja, segundo esses autores, a degeneração nigroestriatal de origem idiopática seria responsável pelos baixos subescores “físicos” nos índices de QV. As dificuldades constatadas pelos pacientes em realizar as atividades cotidianas da vida diária – sejam elas instrumentais ou básicas – causariam isolamento e exclusão social e, em médio prazo, contribuiriam para o decréscimo do subescore mental na QV22,23. Verificou-se neste estudo que os pacientes com DP apresentaram escores do domínio físico e do mental muito próximos, e muito baixos, na escala SF-36. Apesar de a grande maioria dos estudos remeterem à idéia de interferência motriz antes que a psíquica, indagamos se Escores médios no SF-36 dos grupos Parkinson (GP, n=21) e controle (GC, n=19) e valor de p da comparação entre os grupos SF-36 GP GC UMW p 45,1±4,2 81,8±1,7 21,0 0,001 Domínio saúde física 46,8 78,7 37,5 0,001 Domínio saúde mental 43,7 82,9 23,5 0,001 Total (média ± erro padrão) Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9 67 o diagnóstico da doença, atribuído quando os sintomas motores ainda são relativamente leves, não causaria um quadro depressivo condizente com uma interferência na QV do domínio mental antes que o físico24. Afinal, o paciente visualizará a doença até o momento incurável, embora ele apresente melhora aguda do aparato motor, sob a ação específica da medicação dopaminérgica25. Os resultados do presente estudo mostram que os escores do grupo Parkinson foram ligeiramente mais altos no domínio físico do que no mental. Corroborando esse resultado, encontra-se elevada incidência de depressão em sujeitos com DP, mesmo nos estágios leves da doença26. Também utilizando o SF-36, Quittenbaum e Grahn27 investigaram a QV de pacientes com DP associada à presença de dor. Os autores constataram que há intensa relação entre o processo degenerativo, a manifestação álgica e o sofrimento mental – fatores esses que deterioram a QV do sujeito. Ainda sob esse aspecto, o processo degenerativo que atinge o sistema nigroestriatal acometeria, progressivamente, outras estruturas e sistemas cerebrais. Zgaljardic et al.28 descreveram a associação da depleção de dopamina e os distúrbios de movimentos daí decorrentes, como também a relação da degeneração das vias colinérgicas determinando declínio cognitivo e das vias serotoninérgicas e noradrenérgicas, levando à depressão. Calabresi et al.29 confirmam que a degeneração neurológica na DP não está restrita às vias nigro-estriatais. Para esses autores, o núcleo basal de Meynert (comumente afetado na demência de Alzheimer) e outras estruturas colinérgicas também sofreriam alterações nos estágios mais avançados da doença. Assim, a degeneração difusa do sistema nervoso, evidenciada também por Lieberman30, afetaria diretamente a autopercepção de QV do indivíduo. 68 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):65-9 Estudos realizados em países ‘subdesenvolvidos’ reforçam uma associação importante entre QV e suporte financeiro de cada paciente. Diferentemente de estudos feitos nos países europeus e norte-americanos, as amostras coletadas na Índia e no Brasil acusaram forte influência econômica sobre os índices de QV dos participantes17,31. De uma forma geral, tais resultados corroboram a dificuldade constante de aquisição de medicação e de suporte fisioterapêutico contínuo, presente de forma insuficiente nos serviços públicos de saúde desses países. Obviamente, fenômenos de natureza psicológica, como o sofrimento emocional gerado pela possível trajetória de perda de autonomia e exclusão social, também contribuem para o comprometimento da QV. No entanto, isso estaria mais relacionado à estigmatização do paciente pela sociedade do que pelas alterações neurológicas per se. Atualmente, debate-se muito a respeito da QV dos idosos, uma vez que essa população vem representando uma faixa expressiva na pirâmide etária nacional1. O direito à saúde, afirmado pela Constituição Nacional de 1988 e reimpresso sob o artigo sexto da Emenda Constitucional n.26 de 200032, deveria estimular a criação de políticas públicas como forma de obter envelhecimento com qualidade e dignidade. A atuação da fisioterapia, quer na prevenção quer na reabilitação de doenças, consiste em uma ferramenta importante na promoção da saúde, especialmente quando associada a processos incapacitantes (como é o caso da DP). Unindo a necessidade de proporcionar vida de qualidade a esses indivíduos com os novos paradigmas que têm influenciado as políticas e as práticas do setor da saúde nas últimas décadas, os profissionais da área da saúde deveriam desenvolver programas de tratamento que minimizassem as limitações decorrentes das doenças, contribuindo assim para a melhora da QV do paciente. Nessa linha de raciocínio, a abordagem fisioterapêutica deve ser focada em estímulos motores, sensoriais e cognitivos, que objetivam ativar as funções corticais superioras necessárias para a realização das atividades básicas e instrumentais da vida diária. A fisioterapia apresenta, para tal, uma série de ferramentas capazes de alcançar esse objetivo. Cabe ao profissional discernir qual mecanismo terapêutico será mais eficaz em cada caso. Uma possível limitação deste estudo refere-se ao pequeno tamanho amostral, que não permitiu alcançar um poder estatístico ideal (próximo a 80%). No entanto, como forma de minimizar essa interferência estatística, conseguiu-se, na medida do possível, manter as amostras mais homogêneas (vide os critérios de inclusão e exclusão, além da homogeneidade de sexo e idade entre os grupos). Além disso, o fato de as características amostrais não terem sido condizentes com a curvatura normal estipulada por Gauss nem com o teste de homogeneidade de Levenne exigiu a utilização dos procedimentos estatísticos em conformidade com amostras não-paramétricas. Em conclusão, foi possível observar que a QV de sujeitos com DP encontrase significativamente comprometida, quando comparada à de indivíduos controles saudáveis. Provavelmente, a baixa QV deve-se à co-ocorrência de fenômenos neurodegenerativos – amplamente discutidos na literatura – e ao sofrimento psíquico determinado pela doença e pelo estigma que ela produz. Apesar de não constituírem o foco deste estudo, abordagens interdisciplinares de pacientes com DP devem ser estimuladas, com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida relacionada à saúde e postergar o declínio físico e mental inerente às condições degenerativas. A interação desses aspectos constitui uma questão que se reflete na QV dos indivíduos e mereceria novos estudos. Christofoletti et al. Qualidade de vida na doença de Parkinson REFERÊNCIAS 1 IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil. Rio de Janeiro; 2002. 18 Gibb WR, Lees AJ. The relevance of the Lewy body to the pathogenesis of idiopathic Parkinson’s disease. J Neurol Neurosur Psychiatry. 1988;51:745-52. 2 Joia LC, Ruiz T, Donalisio MR. Condições associadas ao grau de satisfação com a vida entre a população de idosos. Rev Saude Publica. 2007;41(1):131-8. 3 Paschoal SMP. Qualidade de vida. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML, editores. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p.147-53. 19 Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50. 4 Floriano PJ, Dalgalarrondo P. Saúde mental, qualidade de vida e religião em idosos de um Programa de Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2007;56(3):162-70. 5 Teixeira IND, Neri AL. Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida. Psicol USP. 2008;19(1):81-94. 6 Orley J, Kuyken W. Quality of life assessment: international perspectives. Heildelberg: Springer; 1994. p.41-60. 7 8 9 Assumpção FBJ, Kuczynski E, Sporovieri MH, Aranha EMG. Escalas de avaliação de qualidade de vida. Arq Neuropsiquiatr. 2000;58:119-27. Kish SJ, Shannak K, Hornykiewicz O. Uneven pattern of dopamine loss in the striatum of patients with idiopathic Parkinson's disease: pathophysiologic and clinical implications. N Eng J Med. 1988;14:876-80. Wolters EC. Variability in the clinical expression of Parkinson’s disease. J Neurol Sci. 2008;266:197-203. 10 Stella F, Bonzatto CEM, Quagliato EMAB, Viana MA, Christofoletti G. Dementia and functional decline in patients with Parkinson’s disease. Dement Neuropsychol. 2008;2(2):96-101. 11 Guttman M, Kish SJ, Furukawa Y. Current concepts in the diagnosis and management of Parkinson’s disease. Can Med Assoc J. 2003;168(3):293-301. 12 Janrovic J. Parkinsonismo. In: Goldman L, Ausiello DC. Tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p.2697-700. 13 Martinez-Martín P, Gil-Nagel A, Gracia LM, Gómez JB, Martínez-Sarriés J, Bermejo F. Unified Parkinson’s Disease Rating Scale characteristics and structure. Mov Disord. 1994;9(1):76-83. 20 Rito M. Doença de Parkinson: instrumentos avaliativos. Arq Fisioter. 2006;2(1):27-45. 21 Camargo ACR, Cópio FCQ, Sousa TRR, Goulart F. O impacto da doença de Parkinson na qualidade de vida: uma revisão de literatura. Rev Bras Fisioter. 2004;8(3):267-72. 22 Christofoletti G, Oliani MM, Gobbi S, Bucken-Gobbi LT, Stella F. Risco de quedas em idosos com doença de Parkinson e demência de Alzheimer: um estudo transversal. Rev Bras Fisioter. 2006;10(4):429-33. 23 Gonçalves LHT, Alvarez AM, Arruda MC. Pacientes portadores da doença de Parkinson: significado de suas vivências. Acta Paul Enf. 2007;(20)1:62-8. 24 Kuopio AM, Marttila RJ, Helenius H, Toivone M, Rinne UK. The quality of life in Parkinson’s disease. Mov Disord. 2000;15(2):216-23. 25 Nutt JG. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of levodopa. Mov Disord. 2008;23(3):S580-4. 26 Giupponi G, Pycha R, Erfurth A, Hausmann A, Conca A. Depressive symptoms and idiopathic Parkinson’s syndrome (IPS): a review. Neuropyichiatry. 2008;22(2):71-82. 27 Quittenbaum BH, Grahn B. Quality of life and pain in Parkinson’s disease: a controlled cross-sectional study. Parkinsonism Rel Disord. 2004;10:129-36. 28 Zgaljardic DJ, Foldi NS, Borod JC. Cognitive and behavioral dysfunction in Parkinson’s disease: neurochemical and clinicopathological contributions. J Neural Transm. 2004;111(10-11):1287-301. 29 Calabresi P, Picconi B, Parnetti L, Di Filippo M. A convergent model for cognitive dysfunction in Parkinson’s disease: the critical dopamine-acetylcholine synaptic balance. Lancet. 2006;5:974-83. 30 Lieberman A. Depression in Parkinson’s disease: a review. Acta Neurol Scand. 2006;113:1-8. 14 Goulart F, Pereira LX. Uso de escalas para avaliação da doença de Parkinson em fisioterapia. Fisioter Pesq. 2005;11(1):49-56. 31 Ray J, Das SK, Gangopadhya PK, Roy T. Quality of life in Parkinson’s disease: Indian scenario. J Assoc Physicians India. 2006;54:17-21. 15 Hoehn MM, Yahr MD. Parkinsonism: onset, progression and mortality. Neurology. 1967;17(5):427-42. 32 Brasil. Presidência da República. Emenda constitucional no 26, de 14 de fevereiro de 2000. Brasília, 2000. [citado out. 2008]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ constituicao/Emendas/Emc/emc26.htm#art6. 16 Muslimovic D, Post J, Speelman JD, Schmand B, Haan RJ. Determinants of disability and quality of life of mild to moderate Parkinson’s disease. Neurology. 2008;70(23):2241-7. 17 Carod-Artal FJ, Vargas AP, Martinez-Maríin P. Determinants of quality of life in Brazilian patients with Parkinson’s disease. Mov Disord. 2007;22(10):1408-15. 33 Canning CG, Sherington C, Lord SR, Fung VS, Clase JC, Latt MD, et al. Exercise therapy for prevention of falls in people with Parkinson’s disease: a protocol for randomized controlled trial and economic evaluation. BMC Neurol. 2009;9:4. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9 69 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.70-5, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Alinhamento frontal estático do joelho e cargas plantares durante a marcha de adultos jovens assintomáticos Static frontal knee alignment and plantar loads during gait in healthy young adults Isabel C.N. Sacco1, Francis Trombini-Souza2, Ana Paula Ribeiro2, Aline A. Gomes2, Maria I. Roveri3, Dominique R. M. V. Silva3, Lina G. Cadamuro3, Mariana F. Cagliari3, Priscila S. Souza4 Estudo desenvolvido no LABIMPH – Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana do Curso de Fisioterapia do Fofito/FMUSP – Depto. de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 1 Profa. Dra. do Fofito/FMUSP, coordenadora do LABIMPH 2 Mestrandos em Ciências da Reabilitação no LABIMPH do Fofito/FMUSP 3 Graduandas em Fisioterapia no Fofito/FMUSP 4 Fisioterapeuta do LABIMPH do Fofito/FMUSP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Profa. Dra. Isabel de C. N. Sacco Fofito/FMUSP Rua Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 70 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):70-5 RESUMO: Na prática fisioterapêutica, pressupõe-se que alterações posturais do membro inferior influenciem a biomecânica e função dos demais complexos durante o movimento. No entanto, a literatura sobre a relação entre desalinhamentos estáticos do joelho e possíveis alterações dinâmicas ainda é escassa e inconclusiva. Assim, buscou-se avaliar o efeito do alinhamento frontal estático do joelho sobre a distribuição da pressão plantar durante a marcha. Foram avaliados inicialmente 44 adultos jovens assintomáticos. Por fotogrametria digital, mediu-se o ângulo frontal do joelho, classificado como normal (170° a 175°), valgo <170º e varo >175°. Dado o baixo número de valgos, foram analisados dois grupos: de joelhos normais (n=18) e de joelhos varos (n=23). A distribuição da pressão plantar foi avaliada durante a marcha em cinco áreas. Os grupos mostraram-se estatistica-mente semelhantes em todas as variáveis cinéticas avaliadas em todas as áreas plantares. Joelhos normais apresentaram significativa correlação com o tempo de contato no antepé lateral e médio-pé; e os varos, correlação com a área e tempo de contato em duas e três áreas plantares, e com a pressão integral no antepé lateral. Os resultados mostraram que o desalinhamento frontal de 3° do joelho, embora com moderada correlação, não influencia a distribuição de cargas na superfície plantar durante a marcha. Sugere-se pois que a avaliação clínica não se limite à avaliação articular estática do joelho, mas inclua atividades dinâmicas. DESCRITORES: Articulação do joelho; Biomecânica; Marcha; Postura ABSTRACT:In physical therapy practice, it is assumed that lower-limb posture changes may influence other complexes’ biomechanics or function during movement. However, literature on the relationship between static knee alignment and possible dynamic changes is still scarce and inconclusive. This study assessed the effect of static frontal knee alignment on plantar pressure distribution during gait. At first 44 young asymptomatic adults were evaluated. Front knee angles were measured by digital photogrammetry and classified as normal (170° to 175°), valgus <170°, or varus >175°. Given the low number of valgus found, two groups were analysed: normal knees (n=18) and varus knees (n=23). Plantar pressure distribution was measured during gait in five plantar surface areas. Groups were found to be statistically similar in all kinetic variables assessed in all plantar surface areas. Normal knees showed significant correlation with the contact time at lateral forefoot and midfoot. Varus knees showed correlation with contact area and time at respectively two and three plantar areas, and with full pressure at lateral forefoot. Results thus show that a 3° frontal knee malalignment, though with moderate correlation, does not influence pressure distribution on plantar surface during gait. It is hence suggested that clinical evaluation should not be limited to static knee assessment, but rather include dynamic activities. KEY WORDS: Biomechanics; Gait; Knee joint; Posture Sacco et al. Alinhamento do joelho e cargas plantares INTRODUÇÃO O membro inferior pode ser considerado como uma cadeia cinética1-3 e, como tal, pressupõe-se que uma alteração biomecânica em um dos complexos articulares dessa cadeia pode influenciar negativamente a biomecânica e função dos demais complexos. A literatura tem demonstrado que um moderado desalinhamento frontal do joelho piora o prognóstico de doenças degenerativas, como a osteoartrite4. Dependendo da orientação do desvio do joelho, se em valgo ou em varo, mesmo que de apenas dez graus5, as forças articulares tanto estática quanto dinâmica não mais homogeneamente distribuídas favoreceriam o surgimento de processos degenerativos nos compartimentos lateral5 e medial do joelho6, respectivamente. Pode-se inferir poir que uma alteração postural frontal no joelho comprometeria sobremaneira as estruturas articulares, levando ao desenvolvimento de lesões nesse segmento, o que conseqüentemente prejudicaria sua função. De toda essa cadeia, o pé desempenha um papel de grande importância, uma vez que, sendo o segmento mais distal da extremidade inferior, é o responsável pela base de suporte do corpo. Qualquer alteração na superfície desse apoio poderia influenciar ou induzir estratégias motoras compensatórias que resultariam em mudanças ascendentes, como por exemplo no joelho, o que poderia levar a alteração nas atividades da vida diária, tal como na marcha3. Uma das proposições clínico-científicas descritas na literatura relativa à fisioterapia é um elo mecânico funcional entre o joelho e o complexo do tornozelo e pé7-10. Uma diminuição no ângulo frontal do joelho, decorrente de uma modificação nas articulações proximais do membro inferior (quadril), poderia influenciar a angulação do fêmur e/ou da tíbia e, secundariamente, o complexo do tornozelo e pé11,12. Em um sistema ascendente, uma movimentação anormal (maior ou menor) da articulação subtalar geralmente pode desencadear lesões no joelho, devido à influência mecânica entre essas duas articulações, por meio da conexão com a tíbia13. A importância do complexo tornozelo e pé para a estabilidade mecânica da cadeia cinética dos membros inferiores é destacada por outros autores, já que ajustes motores nesse complexo são fundamentais para a execução das habilidades de locomoção13,14. Guichet et al.15 estabelecem que a função do membro inferior deve ser clinicamente avaliada em situações estáticas e dinâmicas, levando-se em conta, particularmente, a progressão e geometria de colocação do pé no solo, considerando sua influência substancial no alinhamento mecânico do membro inferior. Jaarsma et al.2 encontraram forte e significativa associação entre o ângulo de progressão do pé (toe out angle) durante a marcha e a rotação lateral do fêmur, após redução de fratura por meio de haste intra-medular. Keenan et al.7 demonstraram, durante a marcha, uma associação entre o desalinhamento em valgo dos joelhos e o valgo do antepé de pacientes com doenças reumáticas. Os autores sugerem que esse tipo de desalinhamento de joelho levaria a uma maior força em pronação do complexo tornozelo e pé, particularmente sobre a articulação subtalar, o que resultaria em mudanças nos padrões da marcha. A sobrecarga medial em antepé durante a marcha induzida pelo desalinhamento em valgo de joelho também foi discutida por Sobel et al.9. Partindo desses princípios, pode-se pressupor que um desalinhamento postural ascendente ou descendente nessa cadeia cinética inferior resultaria em alterações na dinâmica da marcha. Porém, a literatura ainda é deficitária na comprovação consistente da relação entre os desalinhamentos estáticos dos joelhos e as possíveis compensações ou alterações na dinâmica da locomoção de indivíduos assintomáticos, tanto que Poletto et al.16, por fotogrametria e eletrogoniometria, não encontraram correlação entre a postura estática dos joelhos e a variação angular dinâmica na marcha. Mesmo assim, na prática fisioterapêutica, ao avaliar estaticamente os desalinhamentos posturais do joelho, ainda se infere que, quando as estruturas dessa articulação se encontram desalinhadas e em posições biomecânicas desfavoráveis, haverá desvantagem na execução da marcha. Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do alinhamento frontal estático do joelho na distribuição das pressões sobre a superfície das solas dos pés durante a marcha em adultos jovens assintomáticos. METODOLOGIA Foram estudados 44 indivíduos assintomáticos de ambos os sexos, com idade entre 18 e 40 anos. Foram excluídos indivíduos amputados, com presença de alteração neurológica periférica ou central, fratura de membros inferiores, que apresentaram algum quadro álgico nos últimos 6 meses ou que possuíam discrepância entre os membros inferiores maior do que 2 cm. Os indivíduos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido formal; o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Avaliação postural do joelho O indivíduo, trajando roupas de banho, foi posicionado ortostaticamente diante de uma parede não reflexiva a uma distância de 15 cm da mesma, com os pés descalços e um retângulo de etilvinil-acetado de 7,5 cm de largura entre os pés para manter uma distância padrão. Foram demarcadas, sempre pelo mesmo fisioterapeuta, as espinhas ilíacas ântero-superiores (EIAS) e os centros de ambas as patelas, utilizando-se etiquetas brancas de 0,9 cm. Utilizou-se um fio de prumo afixado no teto e ao lado do sujeito para posterior calibração da imagem. A captura da imagem foi realizada por meio de uma câmera fotográfica digital (Sony) com resolução de 4.1 megapixels posicionada sobre um tripé em frente e perpendicular ao indivíduo fotografado, a uma distância de 2,5 m e uma altura de 0,75 m do solo, adequadamente centralizado e nivelado17. Para avaliação das imagens e mensuração do ângulo frontal do joelho foi utilizado o programa para avaliação postural SAPO (v.0.63). Por meio deste, traçou-se uma reta da EIAS até o ponto médio bicondilar na altura da patela e daí até o ponto médio bimaleolar do tornozelo (Figura 1). Utilizou-se essa metodologia pois a espinha do platô tibial, Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5 71 utilizadas palmilhas capacitivas do sistema Pedar X (Novel, Alemanha) compostas de 99 sensores com resolução de 1 sensor/cm2. As palmilhas foram fixadas ao pé do indivíduo por meio de uma meia antiderrapante e conectadas a um acondicionador colocado dentro de uma mochila fixada e justaposta às costas dos sujeitos avaliados (Figura 2). Figura 1 Ilustração da mensuração do ângulo frontal do joelho considerada por Norkin e Levangie18 como o centro articular do joelho e comumente visualizada por meio de exame radiográfico, não poderia ser estimada diretamente por imagens fotográficas. Os joelhos foram classificados como: normais (170° a 175°), varos (>175°) e valgos (<170º), de acordo com Neumann19. Após a mensuração dos ângulos articulares dos sujeitos, avaliados estatisticamente, constatou-se, pela classificação adotada, apenas seis joelhos valgos (três sujeitos). Optou-se então por analisar apenas os casos de joelhos normais e varos, em um total de 41 sujeitos. Os indivíduos foram divididos em dois grupos, de acordo com o alinhamento frontal do joelho: grupo de joelhos normais (GJN) – n=18; 173,5±2,1° de alinhamento frontal de joelho; 25±7 anos, 56,2±11,0 kg, 167,0±8,8 cm; e grupo de joelhos varos (GJVr) – n=23, 177,5±1,1° de alinhamento frontal de joelho; 25±6 anos, 58,6±14,9 kg, 170,0±10,5 cm. Avaliação da distribuição da pressão plantar Para mensuração da distribuição da pressão plantar durante a marcha, foram 72 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):70-5 Os sujeitos caminharam por uma pista de borracha de 10 m com cadência auto-selecionada (aproximadamente 100 bpm). Os dados foram amostrados a 100 Hz e a transmissão dos dados para o computador foi feita via bluetooth para posterior análise. As variáveis da pressão plantar pico de pressão (kPa), área de contato (cm2), integral de pressão (kPa.s) e tempo de contato (ms) foram avaliadas em cinco áreas plantares: retropé lateral e medial, médio-pé e antepé medial e lateral. A aquisição, o processamento e a análise dos sinais foram feitos por meio de programas do sistema Novel (Novel Multiprojects) e a análise estatística foi realizada no programa Statistica v.8. Após a confirmação dos pressupostos de normalidade, por meio do teste W de Shapiro Wilk e de homogeneidade de variâncias pelo teste de Levene, as quatro variáveis de pressão plantar foram comparadas entre os grupos por meio de quatro Anovas dois fatores (2x5), tendo como fatores independentes os dois grupos e como medidas repetidas as cinco áreas do pé. Também se buscou investigar a correlação entre as medidas angulares do joelho e as variáveis da pressão plantar por meio da correlação de Pearson. Adotou-se um nível de significância de 5%. RESULTADOS A descrição dos resultados da distribuição da pressão plantar está na Tabela 1. Os grupos mostraram-se estatisticamente semelhantes em todas as variáveis avaliadas em todas as áreas plantares. O ângulo de alinhamento normal de joelhos apresentou moderada e significativa correlação com o tempo de contato no antepé lateral (r=0,40; p=0,018) e médio-pé (r=0,48; p=0,003). Já o ângulo de alinhamento varo dos joelhos Figura 2 Sujeito instrumentado com as palmilhas fixadas ao pé por meio de meias antiderrapantes e a mochila para acondicionamento dos equipamentos apresentou mais correlação com a distribuição da pressão plantar, ou seja, as variáveis área de contato, tempo de contato e integral da pressão também no antepé e médio-pé correlacionaram-se moderada e significativamente com os ângulos em varo do joelho (0,34 < r > 0,40; p<0,02) (Tabela 2). DISCUSSÃO O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do alinhamento frontal estático do joelho na distribuição da pressão plantar durante a marcha de adultos jovens assintomáticos. Os resultados mostraram que em sujeitos sem sintomas e queixas por conta de seu alinhamento frontal estático do joelho não há influencia dessa postura na distribuição de cargas na superfície plantar, muito embora quan- Sacco et al. Tabela 1 Alinhamento do joelho e cargas plantares Área de contato (cm2), pico de pressão (kPa), tempo de contato (ms) e integral da pressão (kPa.s) nas cinco áreas plantares (média±desvio padrão) dos grupos com joelhos normais (GJN) e com joelhos varos (GJVr) e valores de p da comparação entre os grupos Áreas plantares GJN (n=18) GJVr (n=23) p Retropé medial Retropé lateral Área de contato (cm²) Médio-pé Antepé medial Antepé lateral 19,59±3,57 9,64±3,83 18,09±7,44 35,40±3,39 24,92±3,93 19,23±3,93 10,90±4,14 17,08±6,49 35,92±5,04 25,46±4,24 0,990 0,970 0,995 0,999 0,999 Retropé medial Retropé lateral Pico de pressão (kPa) Médio-pé Antepé medial Antepé lateral 355,44±87,33 248,44±68,43 93,60±37,72 403,42±79,72 275,53±80,52 344,61±70,25 291,02±82,45 90,23±28,14 367,13±74,61 308,04±82,22 0,999 0,198 1,000 0,422 0,587 Tempo de contato (ms) Retropé medial Retropé lateral Médio-pé Antepé medial Antepé lateral 538,86±88,56 457,79±102,79 435,08±93,93 568,76±45,44 568,89±43,09 530,70±92,69 485,21±107,22 436,56±72,88 584,19±44,08 591,99±43,70 0,999 0,863 1,000 0,996 0,948 Integral da pressão (kPa.s) Retropé medial Retropé lateral Médio-pé Antepé medial Antepé lateral 81,77±16,77 56,65±17,78 25,70±11,60 96,63±16,40 75,80±24,99 81,45±18,25 68,57±17,70 25,20±8,28 97,88±20,43 89,02±23,06 1,000 0,122 1,000 1,000 0,136 Tabela 2 Correlação (coeficiente r de Pearson e valor de p) entre o ãngulo de alinhamento do joelho e variáveis da distribuição da pressão plantar Variáveis da pressão plantar Alinh. r p Tempo de contato médio-pé JN 0,48 0,003 Tempo de contato antepé lateral JN 0,40 0,018 Área de contato médio-pé JV 0,33 0,022 Área de contato antepé medial JV 0,35 0,018 Tempo de contato médio-pé JV 0,40 0,006 Tempo de contato antepé medial JV 0,34 0,021 Tempo de contato antepé lateral JV 0,40 0,005 Integral da pressão antepé lateral JV 0,34 0,018 riabilidade característica da distribuição da pressão plantar durante a marcha. A primeira hipótese que justificaria os resultados do presente estudo é que de fato não haja influência da postura estática frontal de joelho sobre as respostas dinâmicas do pé durante a marcha, e não necessariamente a não-existência de associação entre os segmentos joelho e pé. CorroAlinh. = alinhamento dos joelhos; JN = joelhos normais; JV = joelhos varos borando parcialmente essa hipótese, Poletto et al. 16 to mais varo o ângulo frontal de joelho, também verificaram a aumaiores as correlações com essa distrisência de correlação entre a postura esbuição de pressão na marcha. tática dos joelhos, avaliada por Estes resultados podem ser explica- fotogrametria, e a dinâmica na marcha, dos por algumas hipóteses: (i) ausência avaliada por eletrogoniometria. Contude associação entre as medidas estáti- do, os autores não incluíram medidas cas (fotogrametria) e dinâmicas (distri- que relacionassem o alinhamento do buição de pressão plantar) utilizadas joelho com a funcionalidade do pé, tal como metodologia; (ii) características como a distribuição das forças no pé inerentes à amostra estudada; e (iii) va- decorrente desse alinhamento. Por outro lado, Shohei et al.20, ao utilizarem somente mensurações dinâmicas (cinemetria e pressão plantar), encontraram associação entre o alinhamento do joelho e do pé. A tarefa motora analisada foi a de aterrissagem unipodal a partir de uma caixa de 30 cm de altura. Isso a torna uma tarefa que gera maior sobrecarga à base de sustentação do membro inferior, o que, segundo os autores, leva a um aumento da pressão na região do arco longitudinal do pé, devido a alterações mais acentuadas no alinhamento dinâmico dos membros inferiores. Porém, durante a aterrissagem, grande parte da sobrecarga corporal é imposta predominantemente sobre uma única região do pé – nesse caso, o médio-pé. Já durante a marcha, a tarefa avaliada no presente estudo, a sobrecarga é distribuída ao longo de toda a superfície plantar durante o processo de rolamento do pé. Diante disso, acredita-se que os discretos desalinhamentos estáticos do joelho observados na amostra estudada não tenham sido suficientes para alterar a distribuição da pressão plantar durante a marcha, ao ponto de resultar em diferenças entre os grupos. Silva et al.21, em um estudo com iniciantes de atividade física em academia, também observaram uma associação entre as posturas do joelho e do pé, mais precisamente, entre o valgismo do joelho e desabamento do arco plantar. Contudo, cabe ressaltar que esses resultados foram obtidos por inspeção visual durante a marcha e na postura estática. Além disso, Silva et al.21 não descrevem se as correlações discutidas em seu estudo foram obtidas somente em uma condição, ou seja, nas observações estáticas ou dinâmicas. A segunda hipótese que explicaria os resultados do presente estudo seria a própria característica da amostra. A mesma foi composta de adultos jovens assintomáticos, não atletas, sem queixas, sem sobrepeso e apresentando discretos desalinhamentos estáticos dos membros inferiores (de 169º a 180º). Diante disso, pouca ou nenhuma alteração poderia ser esperada sobre a distribuição da pressão durante a marcha, uma vez que grande parte dos joelhos estava inserida dentro dos parâmetros da normalidade – 170° a 175°, de acordo com Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5 73 Neumann19. Vale ressaltar que, de um total de 88 joelhos avaliados, somente seis foram classificados como valgos de acordo com os parâmetros descritos por Neumann19, para quem o valgo fisiológico recebe a classificação “normal” (daí a opção por avaliar somente dois grupos, de joelhos varos e normais). Diante desses resultados, acredita-se que os indivíduos avaliados estão bem adaptados à marcha, que é uma habilidade motora diária e habitual. Talvez se poderia esperar que as respostas biomecânicas fossem alteradas em tarefas motoras mais desafiadoras em termos de controle e de exigência muscular, como correr, saltar, subir e descer escadas. Isso certamente levaria a uma exacerbação do alinhamento frontal do joelho, semelhante ao que foi observado no estudo de Shohei et al.20. Contudo, não se pode predizer que esse resultado se reproduza em amostras compostas por indivíduos susceptíveis a maiores sobrecargas dos membros inferiores, como é o caso de atletas, obesos ou mesmo em indivíduos sintomáticos ou, ainda, com importantes desalinhamentos frontais de joelhos. Por fim, com base na terceira hipótese, as não-diferenças significativas entre os grupos podem ter sido atribuídas à razoável variabilidade da distribuição da pressão plantar (coeficiente de variação entre 35 e 50%), além do efeito do erro do tipo b provocado pela amostra reduzida deste estudo. Acredita-se que, com aumento da amostra estudada, a variabilidade poderia ter sido atenuada e diferenças entre os grupos poderiam ficar mais evidentes. CONCLUSÃO O alinhamento frontal estático do joelho não influenciou a distribuição das pressões plantares durante a marcha de adultos jovens assintomáticos. Devido à moderada correlação encontrada entre o alinhamento frontal estático do joelho e as respostas biomecânicas dinâmicas sugere-se que essa relação seja ponderada, e que a avaliação clínica fisioterapêutica estática não seja feita isoladamente e sim, avaliada em conjunto com atividades dinâmicas, como na marcha, corrida ou no subir e descer escadas. Em situações de maior acentuação do alinhamento frontal do joelho, no caso de varo ou valgo extremos, acredita-se que alguma alteração da pressão na superfície plantar possa ser observada. REFERÊNCIAS 1 Guskiewicz KM, Perrin DH. Research and clinical applications of assessing balance. J Sport Rehabil. 1996;5(1):45-63. 8 McLauren CAN, Wootton JR, Heath PD, Wynn Jones CH. Pes planus after tibial osteotomy. Foot Ankle. 1989;9(6):300-3. 2 Jaarsmaa RL, Ongkiehonga BF, Grünebergb C, Verdonschota N, Duysensb J, van Kampena A. Compensation for rotational malalignment after intramedullary nailing for femoral shaft fractures: an analysis by plantar pressure measurements during gait. Injury. 2004;35(12):1270-8. 9 Sobel M, Stern SH, Manoli A II, Bohne WHD. The association of posterior tibial tendon insufficiency with valgus osteoarthritis of the knee. Am J Knee Surg. 1992;5:59-64. 3 Cote KP, Brunet ME, Gansneder BM, Shultz SJ. Effects of pronated and supinated foot postures on static and dynamic postural stability. J Athl Train. 2005;40(1):41-6. 4 Felson DT, Goggins J, Niu J, Zhang Y, Hunter DJ. The effect of body weight on progression of knee osteoarthritis is dependent on alignment. Arthritis Rheum. 2004;50(12):3904-9. 5 Johnson RJ, Ettlinger CF, Shealy JE, Meader C. Impact of super sidecut skis on the epidemiology of skiing injuries. Sportsverletz Sportschaden. 1997;11:150-2. 6 Sharma L, Song J, Felson DT, Cahue S, Shamiyeh E, Dunlop DD. The role of knee alignment in disease progression and functional decline in knee osteoarthritis. JAMA. 2001;286(2):188-95. 7 Keenan MA, Peabody T, Gronley J, Perry J. Valgus deformities of the feet and characteristics of gait in patients who have rheumatoid arthritis. J Bone Joint Surg. 1991;73(2):237-47. 74 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):70-5 10 Teitge RA, MacMahon E. Osteoarthritis of the knee: concepts behind osteotomy. Semin Arthroplasty. 1996;7(2):114-23. 11 Verderi E. Programa de educação postural. São Paulo: Phort; 2001. 12 Cailliet, R. Síndromes dolorosas: joelho, dor e incapacidade. São Paulo: Manole; 1987. 13 Williams DS, McClay IS, Hamil J. Arch structure and injury patterns in runners. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2001;16:341-7. 14 Belchior ACG, Arakaki JC, Bevilaqua-Grossi D, Reis FA, Carvalho PTC. Effects in the Q angle measurement with maximal voluntary isometric contraction of the quadriceps muscle. Rev Bras Med Esporte. 2006;12(1):5e-8e. 15 Guichet JM, Javed A, Russell J, Saleh M. Effect of the foot on the mechanical alignment of the lower limbs. Clin Orthop Relat Res. 2003;415:193-201. Sacco et al. Alinhamento do joelho e cargas plantares Referências (cont.) 16 Poletto PR, Sato TO, Carnaz L, Lobo DA, Costa PH, Gil Coury HJC. Indivíduos que apresentam diferença estática entre os joelhos também apresentam diferença durante a marcha? Rev Bras Fisioter. 2007;11(1):43-8. 17 Iunes DH, Castro FA, Salgado HS, Moura IC, Oliveira AS, Bevilaqua-Grossi D. Confiabilidade inter e intraexaminadores e repetibilidade da avaliação postural pela fotogrametria. Rev Bras Fisioter. 2005;9(3):249-55. 18 Norkin CC, Levangie PK. Joint: structure & function; a comprehensive analysis. Philadelphia: Davis; 1992. 19 Neumann DA. Kinesiology of the musculoskeletal system: foundations for physical rehabilitation. Philadelphia: Mosby; 2002. 20 Shohei M, Shumpei M, Nao U, Naoyuki M, Issei O, Masahiro T, et al. The relation between medial longitudinal arch of foot and the knee alignment at single-legged landing maneuver. In: 12th Annual Congress of the ECSS; 11-14 July, Jyyaskyla, Finland; 2007. Disponível em: https://ecss2007.cc. jyu.fi/ schedule/proceedings/pdf/1786.pdf. 21 Silva AS, Souza MSC, Morais ER, Silva JMF, Canuto OS, Athayde RA, et al. Prevalência de alterações posturais para prescrição do programa de exercícios em academias de ginástica – PB. Rev Saude.com. 2005;1(2):124-33. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5 75 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.76-81, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Desenvolvimento de um recurso didático multimídia para o ensino de higiene brônquica Development of a multimedia tool for teaching bronchial hygiene Cibele Cristine Berto Marques da Silva1, Sonia Lucia Pacheco de Toledo Carvalho2, Celso Ricardo Fernandes de Carvalho3 Estudo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do Fodito/FMUSP – Depto. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Ms. do Fofito/ FMUSP 2 Bibliotecária da Biblioteca Central da FMUSP 3 Fisioterapeuta; Prof. Livredocente do Fofito/FMUSP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Cibele C. B. M. da Silva Fofito/FMUSP R. Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-000 São Paulo SP e-mail: [email protected] Este estudo recebeu apoio da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo APRESENTAÇÃO out. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 76 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):76-81 RESUMO: As novas tecnologias da informação têm sido amplamente utilizadas no ensino em saúde. No entanto, não há descrição na literatura do desenvolvimento de recurso multimídia para o ensino de fisioterapia respiratória. O objetivo deste trabalho foi desenvolver material didático multimídia para o ensino de manobras de higiene brônquica (MHB) disponibilizado na internet. O material elaborado foi dividido em três módulos: Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e MHB. O material foi disponibilizado em diversos formatos (páginas on-line, apostila e recursos audiovisuais) e inserido no sítio da internet Ambiente Colaborativo de Aprendizagem. A página on-line de introdução contém links para acesso aleatório aos módulos e um link para acesso à apostila. No módulo Princípios fisiológicos há links para informações sobre o aparelho mucociliar, produção do muco e fatores prejudiciais à defesa pulmonar. No módulo Fisiopatologia há links para informações sobre as principais doenças ou condições causadoras de hipersecreção pulmonar. No módulo MHB há links para informações sobre as manobras e para vídeos. Este recurso didático multimídia para o ensino de MHB, disponibilizado na internet, pode facilitar o aprendizado em fisioterapia respiratória. Entretanto, há necessidade de se avaliar sua efetividade. DESCRITORES: Instrução por computador; Materiais de ensino; Multimídia; Terapia respiratória/educação ABSTRACT: Advances in information technology have been widely used in teaching health care providers. However, no reports were found on its use in the instruction on respiratory therapy. The purpose here was to develop audiovisual supporting material for teaching bronchial hygiene techniques (BHT) available through the internet. The material was organized into three modules: Physiological principles, Physiopathology, and BHT. Each module is available in several formats (online page, booklet and audiovisual resources) and is inserted in a collaborative learning environment at the internet. The opening online page has links for random access to the modules and to the booklet. The Physiological principles module has links to information on the mucociliary system, mucous formation and factors that affect the defence mechanisms. The Physiopathology module has links to access information on diseases that lead to hypersecretion. The BHT module has links to access information on techniques and videos. This multimedia material for teaching BHT, available through the internet, may ease respiratory therapy learning. However, an evaluation of its effectiveness is needed. KEY WORDS: Computer-assisted instruction; Multimedia; Respiratory therapy/ education; Teaching materials Silva et al. Recurso para ensino de higiene brônquica INTRODUÇÃO O ensino de profissionais da saúde vem sendo, tradicionalmente, realizado por meio de aulas teóricas e práticas e pela consulta a materiais didáticos escritos. Entretanto, questionamentos acerca da necessidade de novas metodologias para o ensino em saúde são freqüentes e constituem preocupação contínua1-3. A utilização de recursos tecnológicos como o computador e a internet constitui novas possibilidades para o ensino4; inúmeros estudos vêm sugerindo o uso dessas tecnologias em diversas áreas da saúde, como em medicina5,6, odontologia7,8 e enfermagem9,10. Tais estudos evidenciam os benefícios alcançados pela aplicação no ensino das tecnologias da informação. Na fisioterapia, a aplicação de tecnologias da informação para o ensino de alunos de graduação tem se limitado à avaliação do uso do computador nas disciplinas básicas11-13 e à comparação da sua utilização com o ensino tradicional14. Por outro lado, não foram encontrados relatos do desenvolvimento de multimídia para o ensino clínico da fisioterapia respiratória. Diversas doenças respiratórias agudas e crônicas estão comumente associadas ao acúmulo de secreção e/ou ao aumento da produção de muco, redução do transporte mucociliar ou tosse ineficaz15. As manobras de higiene brônquica (MHB) são técnicas comumente empregadas na remoção da secreção do trato respiratório15,16 e seu uso ocorre de maneira ampla tanto na prática clínica ambulatorial quanto nas unidades de terapia intensiva17. São várias as manobras de higiene brônquica e, segundo o Consenso de Lyon17, podem ser classificadas de acordo com a produção de ondas de choque ou compressão do gás. O aprendizado das MHB requer uma diversidade de conhecimentos relacionados à sua aplicabilidade, posicionamento adequado do paciente, materiais necessários, bem como suas indicações e contra-indicações. Todas essas informações são fundamentais para a correta aplicação das MHB e a utilização de tecnologias da informação pode auxiliar no aprendizado de fisioterapeutas e melhorar o atendimento clínico dos pacientes. O objetivo do presente trabalho foi descrever o desenvolvimento de um material didático para o ensino das MHB disponibilizado na internet. METODOLOGIA O conteúdo do material didático multimídia foi dividido em três módulos: Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e MHB. Para cada módulo foram desenvolvidos recursos audiovisuais (filmes e animações gráficas) e conteúdo teórico (apostila). Em seguida, o material foi disponibilizado no sítio da internet Ambiente Colaborativo de Aprendizagem. Desenvolvimento do material didático Apostila: foi realizado um levantamento bibliográfico das publicações relacionadas ao tema MHB, no período de 1990 a 2009, nas bases de dados Medline e Embase, utilizando as palavras-chave: br onchial hygiene or bronchial therapy or chest physiotherapy or airway clearance and review18-26. Com base nesse levantamento, foi elaborado um texto contendo informações sobre cada um dos módulos idealizados. No módulo Princípios fisiológicos foram abordados os temas: funcionamento ciliar, funções do muco, formação e estrutura do muco e fatores que prejudicam os mecanismos de defesa. No módulo Fisiopatologia foram abordadas as principais doenças (bronquite crônica, bronquiectasia, fibrose cística, fase tardia da asma brônquica, síndrome dos cílios imóveis) ou condições (pósoperatório) causadoras de hipersecreção pulmonar, descrevendo-se a definição, a fisiopatologia e o quadro clínico de cada doença. No módulo MHB foi elaborado um organograma, com base no Consenso de Lyon17, que classifica as manobras de acordo com seu princípio de ação. As MHB foram classificadas em vibratórias ou de vibração – vibrocompressão, osciladores de alta freqüência (OAF) e colete vibratório –, percussiva ou de percussão (tapotagem) e de fluxo – expiração lenta total com a glote aberta em decúbito infralateral (Eltgol), técnica de expiração forçada (TEF), drenagem autógena e tosse assistida e estimulada. Além disso, são apresentadas duas técnicas coadjuvantes às manobras, classificadas em postural ou de postura (drenagem postural) e de umidificação (inaloterapia). Cada manobra é detalhadamente apresentada nos itens: definição, modo de aplicação, materiais necessários, posicionamento do terapeuta e paciente e contra-indicações. As referências bibliográficas para cada manobra são citadas ao final da apostila. Páginas on-line: As páginas de acesso on-line foram desenvolvidas no programa Macromedia Dream Weaver (Adobe Systems) seguindo a organização da apostila e pontuando as informações mais relevantes para um material on-line, como sugerido por Palloff et al.27. A página on-line de introdução disponibiliza os links para acesso aleatório aos módulos (Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e MHB), além de um link para acesso à apostila. No módulo Princípios fisiológicos há links para as informações sobre o funcionamento do aparelho mucociliar, produção do muco e fatores prejudiciais aos mecanismos de defesa. No módulo Fisiopatologia há links para as informações sobre as principais doenças (bronquite crônica, bronquiectasia, fibrose cística, asma brônquica, síndrome dos cílios imóveis) ou condições (pós-operatório) causadoras de hipersecreção pulmonar, pontuando a definição, fisiopatologia e quadro clínico de cada uma. No módulo MHB, há um organograma, adaptado do Consenso de Lyon17, com a classificação das manobras de acordo com seu princípio de ação. No próprio organograma são disponibilizados links para acesso às informações sobre as principais MHB: vibratórias (vibrocompressão, OAF e colete vibratório), percussiva (tapotagem) e de fluxo (Eltgol, TEF, drenagem autógena e tosse assistida e estimulada), e às duas técnicas coadjuvantes às manobras: postural (drenagem postural) e de umidificação (inaloterapia). Para todas as MHB foram incluídos os seguintes tópicos: definição, modo de aplicação, materiais necessários, posicionamento do terapeuta e paciente, bem como as contra-indicações. Foram disponibilizados links para visualização de vídeos demonstrativos das manobras e das técnicas coadjuvantes. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :76-81 77 le do acesso por login e senha e disponibiliza uma série de ferramentas para auxiliar o aluno em seu aprendizado. Dentre essas ferramentas, destacamos o correio eletrônico e o perfil, que visam promover a comunicação entre os participantes do curso e a socialização entre os mesmos. Figura 1 Página on-line do material sobre manobras de higiene brônquica com links Recursos audiovisuais: foram produzidos vídeos para as manobras vibrocompressão, OAF, tapotagem, Eltgol, TEF, tosse assistida e estimulada, bem como das técnicas coadjuvantes, drenagem postural e inaloterapia. Todos os vídeos foram produzidos com base em roteiros previamente elaborados, que continham a descrição da cena de filmagem ou da animação e seu respectivo áudio explicativo na seguinte ordem de informações: definição, modo de aplicação, posicionamento, materiais necessários, contra-indicações. As manobras de vibrocompressão, OAF, tapotagem, Eltgol, TEF, tosse assistida e estimulada foram filmadas com câmera digital (DCR-TRV 80 Sony) num estúdio profissional simulando um ambiente hospitalar, enquanto drenagem postural e inaloterapia foram filmadas num ambiente hospitalar. Os participantes das filmagens foram voluntários sadios ou pacientes que deram seu consentimento para exibição da imagem. de acordo com termo da comissão de ética da instituição, previamente esclarecido e assinado. Os vídeos tinham, em média, 3 minutos e foram editados utilizando o programa Adobe Premiere. Os vídeos sobre vibrocompressão, OAF, tapotagem, TEF, tosse assistida e estimulada apresentavam animações, desenvolvidas em 3D MAX, para simular algumas condições fisiopatológicas. 78 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):76-81 RESULTADOS Foi desenvolvido um material didático composto por páginas on-line, vídeos e apostila escrita, que constituíram o conteúdo de um recurso multimídia sobre MHB disponibilizado no Ambiente Colaborativo de Aprendizagem (ACA), na internet. O ACA é um sítio na internet desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP para disponibilizar cursos de saúde e facilitar a conexão entre as diversas ferramentas utilizadas. O material didático desenvolvido foi disponibilizado nesse ambiente que permite contro- Ao acessar o ACA (http://www.med. fm.usp.br/aca/sumario.asp?cab=&rod=), com login e senha, é permitido o acesso aleatório a diversos links. Antes de acessar o conteúdo de MHB propriamente dito, foram disponibilizados links com o objetivo de incentivar o aluno a seguir adiante (Boas vindas), informar sobre o material (Informações gerais) e sobre os softwares necessários para visualização dos recursos audiovisuais (Guia do Curso), e explicar como usar as ferramentas do ambiente virtual (Primeiros passos). Na primeira página de acesso do ACA também existe a possibilidade de acessar o link para o conteúdo de MHB. Na página com o conteúdo de MHB, há links para acesso aleatório aos módulos, além de um link para acesso ao conteúdo em formato de apostila MHB com a opção de imprimi-la para estudo (Figura 1). Ao acessar o módulo Princípios fisiológicos, o aluno tem informações sobre a função do aparelho mucociliar dividida em: funcionamento ciliar, funções do muco, formação e estrutura do muco e fatores que prejudicam os mecanismos de defesa. Ao acessar o módulo Fisiopatologia das doenças hipersecretivas, o aluno tem informações sobre as principais doenças ou condições relacionadas ao MANOBRAS DE HIGIENE BRÔNQUICA Classificação segundo o Consenso de Lyon17 modificado POSTURA VIBRAÇÃO DRENAGEM POSTURAL VIBROCOMPRESSÃO OSCILAÇÃO DE ALTA FREQÜÊNCIA COLETE VIBRATÓRIO MHB PERCUSSÃO 1-8 Hz TAPOTAGEM ELTGOL TÉCNICA DE EXPIRAÇÃO FORÇADA UMIDIFICAÇÃO FLUXO INALOTERAPIA DRENAGEM AUTÓGENA TOSSE ASSISTIDA TOSSE ESTIMULADA Figura 2 Reprodução do organograma exibido quando o módulo MHB é acessado Silva et al. Recurso para ensino de higiene brônquica aumento da produção de muco na prática clínica – bronquite crônica, fibrose cística, bronquiectasia, fase tardia da asma, síndrome dos cílios imóveis e pósoperatório. Ao acessar o módulo MHB, o aluno visualiza um organograma das MHB (adaptado do Consenso de Lyon17) que possibilita acesso aleatório às informações: definição, modo de aplicação, materiais necessários, posicionamento do terapeuta e paciente, bem como as contra-indicações de cada manobra ou técnica coadjuvante (Figura 2). Além disso, são disponibilizados links para visualização dos vídeos produzidos. DISCUSSÃO O presente estudo descreve o desenvolvimento de um material multimídia disponível na internet para o ensino de MHB, que pode ser utilizado tanto por alunos de graduação como por fisioterapeutas em todo o território nacional e auxiliar no ensino de fisioterapia respiratória. O processo educacional é alvo de constante discussão e a necessidade de desenvolver novas estratégias que favoreçam a melhoria da qualidade do ensino vem sendo amplamente debatida2. Existem vários estudos sobre o emprego de recursos multimídia em outras áreas da saúde5,7, entretanto, em fisioterapia, os estudos sobre a aplicação de novas tecnologias para o ensino têm se limitado a avaliar a importância do uso do computador11-14. Este estudo avançou em relação aos estudos de fisioterapia supracitados, na medida em que foi desenvolvido um recurso multimídia para reforço do ensino clínico, no caso das MHB. Dessa forma, o aprendizado do aluno pode ser beneficiado pelas vantagens do ensino on-line, como facilidade de formatação e acesso ao material, personalização das necessidades individuais, acesso a material de múltiplos locais, capacidade de acessar links e outros websites, incorporação de mate- rial audiovisual, custo relativamente baixo, redução do formato linear de ensino e promoção de alta interatividade entre aluno e tutor e com os colegas8. cussões, que permitem a interatividade entre os alunos e com um tutor, o que parece ser importante para a melhora do aprendizado33. Uma preocupação com o aprendizado on-line diz respeito ao desenvolvimento do pensamento crítico do aluno, isto é, a capacidade de analisar, avaliar, questionar, investigar, divergir, argumentar e experimentar28,29. Entretanto, diversos estudos sugerem que o uso de novas ferramentas tecnológicas aplicadas ao ensino é capaz de promover o pensamento crítico6,30,31. Uma das maneiras de estimular o senso crítico é apresentar ao aluno informações disponíveis na literatura que mostrem, de maneira imparcial, os aspectos positivos e negativos daquilo que ele está aprendendo, permitindo que ele construa seu conhecimento. No recurso desenvolvido, foi elaborada uma apostila fundamentada com as evidências da literatura sobre a efetividade das MHB18-26 e, apesar da efetividade de algumas MHB ainda serem controversas, entende-se que é essencial para o aluno ter esse conhecimento e refletir sobre sua prática baseada em evidências. O acesso a um material escrito também parece ser importante para incentivar revisões, reflexões e reforçar os conhecimentos transmitidos em sala de aula1,32. Esse aspecto educacional foi contemplado ao permitir que o aluno tivesse acesso e pudesse imprimir uma revisão bibliográfica sobre todos os assuntos abordados18-26. O uso de novas tecnologias também apresenta barreiras que parecem estar mais relacionadas a problemas técnicos e fatores sociais e de aptidão do aluno34-36. Allen et al.1 identificaram as maiores barreiras relatadas por alunos para o uso das novas tecnologias: maior susceptibilidade a colapso, os alunos se consideram incapazes de trabalhar com computador e/ou acreditam que a experiência mediada por computador não substitui a aula presencial. Este último argumento não se aplica ao nosso material, uma vez que foi desenvolvido para atuar como suporte ao ensino presencial, pois compreende-se que o professor continua sendo essencial para o sucesso do processo ensino-aprendizagem, seja em sala de aula ou na tutoria on-line. Obviamente, a tecnologia não ensina sozinha e, portanto, concordamos com Cyrs37, segundo o qual alunos não aprendem de meios tecnológicos, mas de instrutores competentes que devem ter sido treinados a se comunicar através desses meios. Acreditamos que o material didático desenvolvido possa auxiliar no ensino das MHB e que este modelo possa ser aplicado ao ensino de diversas outras disciplinas, uma vez que estudos realizados em outras áreas da saúde já vêm sugerindo que o uso de novas tecnologias pode facilitar o aprendizado dos alunos5-7. Segundo Allen et al.1, quanto mais canais sensoriais são estimulados durante o aprendizado do aluno, mais amplas e positivas são suas possibilidades de aquisição da informação. O material didático desenvolvido é inédito e foi elaborado visando abordar as diversas possibilidades do aluno para melhorar seu aprendizado (recursos audiovisuais, páginas on-line, material escrito). Além disso, também foi previsto o uso de ferramentas, como o e-mail e listas de dis- CONCLUSÃO O presente estudo descreveu o desenvolvimento de um recurso didático multimídia para o ensino de manobras de higiene brônquica num ambiente colaborativo de aprendizagem, na internet. Embora esse recurso possa vir a facilitar o aprendizado em fisioterapia respiratória, há necessidade de se avaliar sua efetividade. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :76-81 79 REFERÊNCIAS 1 2 3 Allen M, Bourhis J, Burrell N, Mabry E. Comparing student satisfaction with distance education to traditional classrooms in higher education: a metaanalysis. Am J Dist Educ. 2002;16(2):83-97. Demiris G. Integration of telemedicine in graduate medical informatics education. J Am Med Inform Assoc. 2003;10:310-4. Williams P, Nicholas D, Gunter B. E-learning: what the literature tells us about distance education: an overview. Aslib Proceedings: new information perspectives. 2005;57(2):109-22. Disponível em: http:// www.emeralinsight.com/0001-253X.htm. 4 Goldschalk CR, Lacey L. Learning at distance: technology impacts on planning education. J Plann Educ Res. 2001;20:476-89. 5 Chamberlain NR, Yates HA. Use of a computer-assisted clinical case (CACC) SOAP note exercise to asses student`s application of osteopathic principles and practice. J Am Osteopath Assoc. 2000;100(7):437-40. 6 Brahler CJ, Quitadamo IJ, Johnson EC. Students critical thinking is enhanced by developing exercise prescriptions using on-line learning modules. Adv Physiol Educ. 2002;26:210-21. 15 Hess, DR. Secretion clearance techniques: absence of proof or proof of absence? [Editorial]. Respir Care. 2002;47(7):757-8. 16 Fink JB, Rubin BK. New horizons in respiratory care: airway clearance techniques. Foreword. Respir Care. 2002;47(7):759-60. 17 Conferénce de Consensus sur la Kinésithérapie Respiratoire, 1994 Déc. 2-3, Lyon, FR. Kinesither Scientif. 1995;344(4):45-54. 18 AARC – American Association for Respiratory Care. Clinical practice guideline: postural drainage therapy. Respir Care. 1991;36:1418-26. 19 AARC – American Association for Respiratory Care. 17th Annual New Horizons Symposium: airway clearance techniques; American Association for Respiratory Care´s International Respiratory Congress, 2001, San Antonio, Texas. Respir Care. 2002;47:757-828. 20 Fink JB, Mahlmeister MJ. High frequency oscillation of the airwaiy and chest wall. Respir Care. 2002;47(7): 797-807. 21 Goodfellow LT, Jones M. Bronchial hygiene therapy: from traditional hands-on techniques to modern technological approaches. Am J Nurs. 2002;102(1):37-43. 7 Lowe CI, Wright JL, Bearn DR. Computer-aided learning (CAL): an effective way to teach the index of orthodontic treatment need? J Orthodont. 2001;28(4):307-11. 22 Lapin CD. Airway physiology, autogenic drainage and active cicle of breathing. Respir Care. 2002;47(7): 778-85. 8 Grimes EB. Student perceptions of an online dental terminology course. J Dent Educ. 2002;66(1):100-7. 9 Cooper C, Taft LB, Thelen M. Examining the role of technology in learning: an evaluation of online clinical conferencing. J Prof Nurs. 2004;20(3):160-6. 23 Main E, Prasad A, Schans C. Conventional chest physiotherapy compared to other airway techniques for cystic fibrosis. Cochrane Database Syst Rev. 2005;25(1):CD002011. 10 Harrington SS, Walker BL. The effects of computer-based training on immediate and residual learning of nursing facility staff. J Cont Educ Nurs. 2004;35(4):154-63. 11 Williams CS, Chalmers RJ, Salter PM. Microcomputers in physiotherapy education. Physiotherapy. 1982;68(10):318-20. 12 Sanford MK, Hazelwood SE, Bridges AJ, Cutts JH 3rd, Mitchell JA, Reid JC, et al. Effectiveness of computerassisted interactive videodisc instruction in teaching rheumatology to physical and occupational therapy students. J Allied Health. 1996;25(2):141-8. 24 Hristara-Papadopoulou A, Tsanakas J, Diomou G, Papadopoulou O. Current devices of respiratory physiotherapy. Hippokratia. 2008;12(4):211-20. 25 Bhowmik A,Chalal K, Austin G, Chakravorty I. Improving mucociliary clearance in chronic obstructive pulmonary disease. Respir Med. 2008;103(40):486-502. 26 Morrison L, Agnew J. Oscillating devices for airway clearance in people with cystic fibrosis. Cochrane Database Syst Rev. 2009;21(1):CD006842. 27 Palloff R, Pratt K, Rapp C. Building learning communities in cyberspace: effective strategies for the online classroom. San Francisco: Jossey-Bass; 1999. 13 Kinney P, Keskula DR, Perry JF. The effect of a computerassisted instructional program on physical therapy students. J Allied Health. 1997;26(2):57-61. 28 Facione NC, Facione PA. Externalizing the critical thinking in knowledge development inventory and clinical judgement. Nurs Outlook. 1996;44(3):129-35. 14 Thompson EC. Computer-assisted instruction in curricula of physical therapist assistants. Phys Ther. 1987;67(8):1237-9. 29 Jacobs PM, Ott B, Sulivan B, Ulrich Y. An approach to defining and operationalizing critical thinking. J Nurs Educ. 1997;36(1):19-22. 80 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):76-81 Silva et al. Recurso para ensino de higiene brônquica Referências (cont.) 30 Loos G, Diether JW. Occupational safety and health training on the Internet: developing quality instruction. AAOHN J. 2001;49(5):231-4. 34 Comeaux P. The impact of an interactive distance learning network on classroom communication. Communic Educ.1995;44(4):353-61. 31 Peters MW, Smith MF, Smith GW. Use of critical thinking exercises in teaching reproductive physiology to undergraduate students. J Anim Sci. 2002;80:862-5. 35 Howard D. Enhanced by technology, not diminished: a practical guide for effective, distance communication. New York: McGraw-Hill; 2002. 32 Donnelly AB, Agius RM. The distance learning courses in occupational medicine: 20 years and onwards. Occup Med. 2005;55:319-23. 36 Williams P. The learning web: the development, implementation and evaluation of internet-based undergraduate materials for the teaching of key skills. Active Learn Higher Educ. 2002;3(1):40-53. Disponível em: http://alh.sagepub.com/cgi/reprint/3/1/40. 33 Wen CL, Silveira PSP, Azevedo RS, Böhm GM. Internet discussion lists as an educational tool. J Telemed Telecare. 2000;6(5):302-4. 37 Cyrs, TE. New directions for teaching and learning. San Francisco: Jossey-Bass; 1997. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :76-81 81 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.82-8, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 O lugar social do fisioterapeuta brasileiro The social place of Brazilian physical therapists Ana Lúcia de Jesus Almeida1, Raul Borges Guimarães2 Estudo desenvolvido na FCT/ Unesp – Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, SP, Brasil 1 Profa. Dra. do Depto. de Fisioterapia da FCT/Unesp 2 Prof. Livre-docente do Depto. de Geografia da FCT/Unesp ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA R. Felipe Carnevale 110 Jardim das Rosas 19060-220 Presidente Prudente SP e-mail: [email protected] Artigo extraído da tese de doutorado defendida pela autora 1 no Programa de PósGraduação em Geografia da FCT em dezembro de 2008. APRESENTAÇÃO dez. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 82 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):82-8 RESUMO: Este estudo visa compreender a produção do lugar social do fisioterapeuta brasileiro por meio de suas práticas. O material empírico utilizado foram 89 entrevistas, dados do I Censo de Fisioterapeutas do Estado de São Paulo e informações sobre os cursos de graduação em Fisioterapia no Brasil. A análise dos dados mostrou que o lugar social do fisioterapeuta está fortemente ligado ao modelo curativo, identificado com o ideário liberal-privatista, com instituições formadoras predominantemente privadas e concentradas na região Sudeste. Os resultados sustentam evidências de uma prática profissional fragmentada, estimulada pelo modelo hegemônico, mas também apresenta marcas de superação, mostrando a disputa de dois modelos na atenção à saúde: hegemônico e contra-hegemônico. O primeiro toma a parte pelo todo, fragmenta o conhecimento e o corpo, identificase com o liberalismo e tem a saúde como mercadoria; a organização dos serviços é centrada na doença e na especialização. O segundo, sem negar a importância do conhecimento técnico, valoriza as dimensões sociais e humanas na prática profissional, está centrado na pessoa e busca a integralidade e a interdisciplinaridade. Esse modelo permite ampliar a prática do fisioterapeuta para além da clínica, em direção a um lugar social mais humano e solidário, identificado com os princípios do Sistema Único de Saúde. Também permite repensar o atual lugar social, oferecendo parâmetros para a reorientação dos caminhos da profissão. DESCRITORES: Fisioterapia (Especialidade); Papel profissional; Sistemas de saúde/ tendências ABSTRACT: This study aimed at understanding the social role played by Brazilian physical therapists by drawing on their practices. Empirical data included the recordings of 89 interviews with physical therapists, data from the Sao Paulo State First Census of Physical Therapists, and information on physical therapy undergraduate courses. The analysis showed that mainstream physical therapy is strongly linked to the healing model, of liberal ideology; training courses are mostly private and concentrated in the country’s Southeast, richest region. Results sustain evidence of a fragmented professional practice, encouraged by the hegemonic model, but also of signs of conflict between two opposing concepts of health care. The hegemonic model takes the part for the whole, fragments body and knowledge, bears on liberalism, where health is taken as a commodity; health care services focus on illness and value specialization. The counter-hegemonic principles, while not denying the relevance of technical knowledge, value social and human dimensions of professional practice, focus on the person, aim at integration of services and support interdisciplinarity. The counter-hegemonic model tends to widen physical therapy practice beyond the clinic toward a humanized social role, in accordance with the national health system guidelines. It also allows for rethinking therapists current social place, offering parameters for reorientating the profession course of action. KEY WORDS: Health systems/trends; Physical therapy (Specialty); Professional role Almeida & Guimarães O lugar social do fisioterapeuta brasileiro INTRODUÇÃO O objeto de estudo do presente artigo é o lugar social dos fisioterapeutas, produzido por suas práticas. Conforme iremos argumentar, as práticas tradicionais dos fisioterapeutas, muitas vezes, resultam em ações fragmentadas e distantes do conceito de integralidade na saúde1-4. Essa característica é fruto de um modelo hegemônico que tende a fazer do exercício profissional a reunião de ações isoladas, individualizadas, descontextualizadas4-7. Por outro lado, contraditoriamente, os pacientes ao apresentarem suas demandas solicitam do profissional uma postura mais global, o que exige a superação da condição acima com ações potencialmente integradoras. Por várias razões o fisioterapeuta4,6,7, bem como outros profissionais da saúde5,8, caminharam para a definição de uma forma de atuar com uma lógica de valorização excessiva da doença, associando a profissão com a visão curativa, além de desenvolver práticas distantes da interlocução com outras profissões. Na clínica, é comum observar a escassa existência de equipe multiprofissional e a dificuldade de encaminhar o paciente para outras especialidades, porque estas não se comunicam. Também se observam oportunidades restritas para a pessoa com deficiência, no mercado de trabalho, na escola, na sociedade. Estes são alguns exemplos que limitam a prática profissional e tornam o trabalho da fisioterapia fragmentado e incompleto. Acreditamos que se uma visão multidimensional da saúde9-11 estivesse mais presente na prática dos fisioterapeutas e de outros profissionais, poderíamos observar uma maior freqüência de ações que fossem ao encontro da superação das dificuldades acima. O debate sobre o conceito de promoção e vigilância à saúde enquanto elementos multidimensionais e interdisciplinares aproximase desse desafio, levando-nos a pensar o indivíduo e a coletividade de uma maneira social e relacional1,5,9,12-14. Entretanto, verificamos que a maioria dos fisioterapeutas tendem a acreditar que os problemas de saúde se resolvem apenas por meio do setor saúde, o que diminui seu campo de intervenção e participação, reforçando a manutenção do modelo hegemônico em saúde, bem como limi- tando o lugar social do fisioterapeuta. O lugar social é construído pelos fisioterapeutas por suas práticas, que carregam significados relacionados com a forma de compreender a sociedade, com sua visão de saúde, com as relações de poder estabelecidas no seu espaço. O conceito de lugar enquanto espaço relacional oferece elementos da reprodução da vida social15, portanto, da reprodução da fisioterapia na sociedade. Compreender e refletir sobre esse lugar social é fundamental como parâmetro de reorientação dos caminhos da profissão. METODOLOGIA Para caracterizar o lugar social do fisioterapeuta, foram analisados dados de 89 entrevistas feitas por 45 alunos do 1o ano do Curso de Fisioterapia do campus de Presidente Prudente da Unesp, no primeiro semestre de 2008. As entrevistas foram realizadas tendo como referência um roteiro predefinido (Quadro 1). Foram digitadas sínteses de cada uma das 89 entrevistas realizadas pelos alunos em planilhas, para facilitar a associação de informações comuns, fazendo o exercício, de acordo com Minayo16, de partir de uma leitura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado, que ultrapassa os significados manifestos. Uma parte dos temas abordados nas entrevistas foi aqui utilizada, associada a dados disponibilizados pelo Crefito-3 – Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3a Região – oriundos do I Censo dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais do Estado de São Paulo17 e uma publicação do Ministério da Educação sobre o curso de Fisioterapia no Brasil18. RESULTADOS A Fisioterapia teve o auge do seu reconhecimento em meados da década de 1990, o que aumentou a procura pelo curso. Na ocasião, muitas instituições de ensino superior passaram a oferecer grandes números de vagas em Fisioterapia, principalmente as instituições privadas, carregando consigo uma prática pedagógica da Medicina influenciada pelo paradigma newtoniano-cartesiano14. O crescimento foi grande e o número total de fisioterapeutas registrados no Coffito – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – em 1995 era 16.068; em 2005, os dados apontam para 79.382 profissionais, mostrando um crescimento absoluto de 394% em apenas dez anos18. Esses números estão desigualmente distribuídos pelo país. A Figura 1 permite melhor visualizar as diferenças de tamanho de cada Crefito em 2005. As representações geométricas são proporcionais ao total de fisioterapeutas de cada Conselho, refletindo as grandes diferenças existentes: a maioria estão concentrados nos estados de São Paulo (Crefito-3), Rio de Janeiro e Espírito Santo (Crefito-2), e Minas Gerais (Crefito-4), todos na região Sudeste18. O processo de formação tem grande responsabilidade por essa situação. Em 1969, existiam 6 cursos de graduação em Fisioterapia; em 1981, esse número Quadro 1 Roteiro de entrevista com fisioterapeutas 1 2 3 4 5 6 7 Tempo de atuação profissional Facilidades e adversidades encontradas assim que se formou Área de maior atuação Motivo da escolha da área Principais conquistas alcançadas nessa área pela Fisioterapia Principais dificuldades nessa área Aspectos financeiros: valor aproximado da sessão; número de pacientes que atende por dia e em quantas horas de trabalho; salário mensal aproximado 8 Que recomendações daria para alunos que estão no 1o ano do Curso de Ft 9 Cidade onde o entrevistado reside e trabalha 10 Comentários Fonte: Brasil, 200618 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8 83 10,0% em instituições filantrópicas17. É notável a reduzida proporção de fisioterapeutas no setor público (15%) comparado aos demais, evidenciando uma tímida presença do fisioterapeuta no serviço público, o que contribui para demarcar seu lugar social. Fonte: Inep/MEC18,19 Figura 1 Distribuição dos fisioterapeutas pelos Conselhos Regionais (Crefitos), Brasil, 2005 cresceu para 20 e, em 1991, havia 48. A partir daí o crescimento foi muito rápido, até atingir o total de 457 cursos em 200718,19 (Figura 2). O número de vagas disponíveis aumentou rapidamente, bem como o número de formandos a cada ano. Se em 1991 formavam-se 1.951 fisioterapeutas, em 2004 esse número cresceu para 13.63118 e, em 2007, foram 14.162 novos fisioterapeutas20. Ao associar o número de vagas ao local em que as vagas são oferecidas, reconhecem-se as instituições privadas de ensino superior como importantes agentes na definição do atual lugar social do fisioterapeuta. A inserção dos fisioterapeutas no mercado de trabalho mostra uma predominância no setor privado. Dos 89 fisioterapeutas entrevistados pelos alunos, 53 (59,6%) trabalhavam no setor privado ou dedicavam a maior parte do tempo a esse setor; os demais 36 atuavam ou no setor público ou em ambos. Essa característica também está presente nos dados do Censo realizado pelo Crefito3, em que dos 13.712 fisioterapeutas que responderam ao questionário, 70,5% trabalhavam no setor privado, 15,2% em instituições públicas, 4,3% em mistas e 500 457 450 420 379 339 350 297 300 256 250 211 176 200 146 150 52 59 1994 1995 80 1997 52 68 1996 48 1993 50 115 63 1992 100 1991 Número de cursos 400 Ano Fonte: Crefito-3 17 Figura 2 84 Evolução do número de cursos de Fisioterapia no Brasil, 1991- 2007 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):82-8 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 0 Uma das questões da entrevista referiu-se às facilidades encontradas pelos entrevistados no início da carreira, tendo dois aspectos sido mais citados. O primeiro refere-se à importância dada pelos entrevistados à especialização. Para eles, ao especializar-se adquirem maior segurança profissional, principalmente no momento da conquista de uma vaga no mercado de trabalho. Essa necessidade de especializar-se também foi observada entre os fisioterapeutas que responderam ao Censo do Crefito-3, em que, dos 24.844 fisioterapeutas que responderam essa questão, 18.299 (73.7%) relataram ter realizado algum tipo de curso de pós-graduação, seja lato sensu (71%), stricto sensu (10%) ou outros17. O segundo aspecto tido como um facilitador para a conquista do primeiro emprego pelos fisioterapeutas entrevistados foi a realização de estágios extracurriculares durante a graduação, ou logo em seguida, como estágio voluntário. De acordo com os entrevistados, o estágio extracurricular, além de proporcionar experiência prática, pode ser a oportunidade de garantir uma vaga no mercado de trabalho pelo vínculo criado, pela chance de mostrar a capacidade de trabalho. Quanto às dificuldades encontradas no mercado de trabalho, os aspectos mais apontados foram o baixo salário, seguido por mercado de trabalho saturado e com grande concorrência e sensação de pouco reconhecimento social. Sobre o salário, dentre os entrevistados observam-se salários variando de 700 reais até 8.000 reais, com valores da sessão que variam de R$ 3,00 a R$ 150,00. Há fisioterapeutas que atendem um paciente em uma hora de sessão até os que atendem a 14 pessoas em uma hora – são os que recebem os mais baixos salários. A análise dos rendimentos de todos os fisioterapeutas entrevistados mostra que mais de 40, do total de 89, relataram ganhar menos que R$ 2.000,00. Os dados do Censo do Crefito-3 confir- Almeida & Guimarães O lugar social do fisioterapeuta brasileiro mais de R$ 10.001,00 R$5.001,00 a R$10.000,00 R$3.001,00 a R$5.000,00 R$2.001,00 a R$3.000,00 R$1.001,00 a R$2.000,00 2,1% 3,4% 3,8% 13,4% 34,8% até R$1.000,00 42,5% Fonte: Crefito-3 17 Figura 3 Pirâmide de renda dos fisioterapeutas do Estado de São Paulo, 2007 mam essa tendência, apontando que a maior parte dos fisioterapeutas tem renda inferior a R$ 2.000,00 por mês17, como mostra a Figura 3. Sobre o reconhecimento social, os profissionais entrevistados relataram como um aspecto dificultador o desconhecimento por parte dos profissionais da saúde, e mesmo por usuários do serviço, sobre o fazer do fisioterapeuta. Sobre esse aspecto é preciso também contrapor que, quando os fisioterapeutas foram solicitados a apontar as conquistas da Fisioterapia, o item mais citado foi “o maior reconhecimento social”, mostrando que, apesar de desafios a serem superados, vários profissionais percebem que muito já foi conquistado. Outros fisioterapeutas apresentaram como conquista “o reconhecimento e a valorização por parte dos profissionais da saúde, principalmente, pelo médico”, ou seja, há um sentimento de que a profissão passou por um período de reconhecimento e consolidação social, tanto na relação com os colegas profissionais da saúde quanto por parte da sociedade. DISCUSSÃO A origem da Fisioterapia direcionou sua prática para o processo de recuperar as condições de saúde das pessoas para níveis anteriores a um episódio de doença ou incapacidade. Foi nesse espaço que a profissão se solidificou, demarcando seu reconhecimento social no campo das ações curativas, tema apontado e debatido por Rebelato e Botomé6. Por sua vez, os fisioterapeutas Schmidt4 e Freitas7 mostram que pouco se vê a fisioterapia atuando na atenção básica em saúde. Neste estudo, pôde-se inferir uma identidade forte do lugar social do fisioterapeuta com níveis de atenção mais complexos e mais distantes da atenção primária à saúde. Essa característica justifica a ânsia pela especialização presente entre os entrevistados e nos dados do Censo, indo na contramão das novas diretrizes curriculares21, segundo as quais o profissional deve ter uma visão generalista. Reforçando esse aspecto, a literatura aponta para a formação no campo da saúde consistindo em processos de ensino-aprendizagem que enfatizam a área técnica, a especialidade, a intervenção curativa. Também aponta para um crescimento quantitativo de cursos em detrimento da qualidade22. Na Fisioterapia esse crescimento se materializa num espaço concentrado na região Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo e predominantemente vinculado ao ensino privado, como mostram os resultados. Ao priorizar quantidade no ensino, há uma desqualificação do processo de formação que pode estar estimulando ainda mais a necessidade de busca imediata por especialização. Também, o profissional despreparado pode estar visualizando no estágio não-obrigatório e no trabalho voluntário uma possibilidade de melhorar sua qualificação, não se importando em ser explorado como mão de obra não-remunerada. Nota-se que os entrevistados não percebem a contradição aí presente, pois o fato de alunos de graduação atenderem em clínicas não-vinculadas a instituições de nível superior, ou profissionais formados se submeterem a fazer estágios voluntários, significa redução das oportunidades de trabalho para aqueles que já estão no mercado. Não são poucas as instituições que se aproveitam dessa condição e deixam de contratar profissionais para oferecer estágios e explorar a força de trabalho de graduandos. Sobre a qualidade do atendimento fisioterapêutico, ao constatar profissionais atendendo 14 pacientes em uma hora, pode-se inferir o uso acentuado de recursos tecnológicos terapêuticos, o que dificilmente é compatível com a resolutividade do cuidado. Para Merhy23, a organização do trabalho em saúde deveria contemplar três tipos de tecnologias: tecnologias leves, caracterizadas como a forma de agir entre sujeitos trabalhadores e usuários, individuais e coletivos, implicados com a produção do cuidado; tecnologias duras, que estão inscritas nos instrumentos já estruturados para elaborar produtos da saúde; e as tecnologias leves-duras, caracterizadas pelos saberes estruturados que operam esses processos. Portanto, seria possível identificar uma parte dura, estruturada e outra leve, relacionada com o modo como cada profissional aplica o conhecimento no momento da produção do cuidado. Observando o cotidiano de um trabalhador da saúde, Merhy e Franco24 argumentam que, ao prover o cuidado, o trabalhador opera um núcleo tecnológico composto de “trabalho morto” (TM) e “trabalho vivo” (TV). TM são instrumentos e é assim definido porque sobre eles já se aplicou um trabalho pregresso no momento de sua elaboração; TV é o trabalho em ato, campo próprio das tecnologias leves. Por fim, a relação entre TM e TV no interior do processo de trabalho reflete uma correlação chamada pelos autores de composição técnica do trabalho (CTT). A CTT estando favorável ao TM reflete predominância de tecnologias duras, direcionadas à utilização de procedimentos; e quando, ao contrário, predominar TV, o provimento do cuidado está centrado nas tecnologias leves. Uma análise qualitativa das tecnologias de cuidado presentes no processo de trabalho permite também pensar que, no atual modo de produzir saúde – modelo hegemônico – a razão entre TM e TV faz prevalecer o TM. Portanto, se queremos alterar o modo de produzir saúde, temos de alterar essa correlação, produzindo mudanças no núcleo tecnológico do cuidado, compondo uma hegemonia do TV24. Esse modelo hegemônico na saúde toma a parte pelo todo e, com isso, frag- Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8 85 ções e de suas interações, distanciando a prática da realidade, fragmentando o conhecimento e o corpo humano. menta o conhecimento e também o corpo, supervalorizando as especialidades, o uso indiscriminado de recursos tecnológicos e se identificando com uma dimensão política favorável ao liberalismo. Nesse modelo, os serviços de fisioterapia estão organizados com base em ações curativas e individualizadas, centradas na doença e não na pessoa, valorizando a especialização, as tecnologias e, portanto, o trabalho morto. Em contrapartida, o modelo contra-hegemônico, sem negar a importância do conhecimento técnico, valoriza as dimensões sociais e humanas. É um modelo que tem a dimensão do todo, está centrado no usuário do serviço, por isso busca a integralidade, valorizando a interdisciplinaridade, a intersetorialidade e a continuidade da atenção, ficando evidente a prioridade ao trabalho vivo5,7,14,24. No modelo contra-hegemônico o profissional da saúde, ao lidar com o usuário do serviço de saúde, preocupa-se com o sujeito e não apenas com a enfermidade. Lida com a singularidade de cada um, sem abrir mão da ontologia das doenças e suas possibilidades, mostrando competência em lidar com pessoas13. Os dois modelos apresentam concepções distintas caracterizadas por ações, muitas vezes, opostas e presentes na prática dos profissionais da saúde. São duas grandes linhas em disputa em torno da política de saúde: uma vinculada ao projeto empresarial neoliberal médicohegemônico, que vê a saúde como uma mercadoria, e outro, que defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), regulado pelo Estado e compromissado com a saúde como direito de todos, não como bem de mercado. A Figura 4 apresenta uma sistematização dos dois modelos que representam a prática profissional do fisioterapeuta. No modelo contra-hegemônico, o método dialético permite ao fisioterapeuta observar o processo pelo qual está submetido o objeto de intervenção, preservando sua totalidade e reconhecendo as contradições inerentes ao objeto. Por outro lado, o método metafísico separa o sujeito do objeto e define os seres e as idéias separadas de suas rela- O debate até agora desenvolvido mostra que o modelo de atuação hegemônico leva o profissional da saúde a ações parceladas, não dando conta de mudar a realidade e responder às demandas individuais e sociais de grande parte da população brasileira. Ele percebe que não responde às necessidades PRÁTICA PROFISSIONAL DO FISIOTERAPEUTA EM DISPUTA Dimensão epistemológica Dimensão epistemológica Dimensão técnica Metafísica Definida no processo de tocar o corpo do outro MODELO HEGEMÕNICO Dimensão política LIBERALISMO • trata da doença • modelo hospitalocêntrico • demanda espontânea • medicina curativa • especialidades Figura 4 86 PROCESSO DE TRABALHO Toma a parte pelo todo Dialética Tem a visão do todo MODELO CONTRA-HEGEMÕNICO Dimensão política ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL • cuida do sujeito • modelo da promoção • busca ativa • vigilância em saúde • integralidade Modelos de atuação profissional do fisioterapeuta: hegemônico e contrahegemônico Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):82-8 humanas por falta de resolutividade, por distanciamento da vida e das necessidades das pessoas. Isso desmotiva, desilude, pois os resultados não promovem satisfação profissional. A resposta do SUS para a superação do modelo hegemônico está no fortalecimento da atenção básica, concentrada atualmente nas Estratégias de Saúde da Família (ESF), visando edificar um novo modelo de atenção à saúde. A resposta dos Ministérios da Educação e da Saúde para mudar a formação dos profissionais da saúde está nas novas diretrizes curriculares, construídas a partir da necessidade de pensar a formação dos profissionais como uma estratégia importante para o fortalecimento do SUS4,21. Portanto, cabe às instituições formadoras, aos docentes, aos alunos e aos profissionais fisioterapeutas observar o quanto suas práticas têm se direcionado para uma atuação centrada na promoção da saúde, na prevenção, que valorize mais as condições sociais e humanas na manifestação dos desequilíbrios orgânicos, uma atenção à saúde centrada no sujeito e de forma integral. CONCLUSÃO Como exposto, não são poucos os desafios para que a Fisioterapia amplie seu papel social. Para avançar nessa direção, é necessário que nas ações dos fisioterapeutas estejam presentes a atenção integral, a resolutividade do cuidado, o acolhimento, a formação de vínculo, potencializando a capacidade que o fisioterapeuta tem de produzir saúde e não apenas recuperar. Nessa direção, o SUS tem se fortalecido e vem sendo construído a cada dia como uma alternativa possível frente ao modelo hegemônico e com muito mais possibilidades para a Fisioterapia ampliar seu lugar social. Para isso, é preciso substituir ações reprodutoras por ações que busquem a produção de um conhecimento tal que venha a melhorar a qualidade de vida das pessoas que acorrem aos serviços de saúde. É preciso construir caminhos que possibilitem a percepção cada vez menos segmentada da realidade e do sa- Almeida & Guimarães ber, mais crítica e mais social. Produzir conhecimentos e ações mais contextualizados, portanto mais próximos da vida das pessoas atendidas, e com maior potencial para levá-las a perceber sua coresponsabilidade pela manutenção de sua saúde, compreendendo-a como um recurso que se conquista no dia-a-dia, conferindo aos usuários dos serviços mais independência em relação ao modelo hegemônico. O lugar social do fisioterapeuta brasileiro A prática centrada na doença provoca o obscurecimento de grande parte das possibilidades de atuação, crescimento e reconhecimento profissional do fisioterapeuta, alimentando a manutenção de muitas das dificuldades apontadas neste estudo. Ao fixar seu lugar social na atuação curativa, no modelo privatista, na especialização, entre outras, os profissionais da saúde ferem o princípio da integralidade que deve garantir o direi- to da população de ser assistida em todas as suas necessidades. Diante destas, a Fisioterapia pode contribuir muito mais. Para isso, entretanto, é preciso rever e ampliar seu lugar social. Acreditando que a gestão do novo se desenvolve no que já está estabelecido25, uma Fisioterapia crítico-social está se desenvolvendo a partir do confronto e da disputa desses dois modelos, para além da clínica e em direção ao social. REFERÊNCIAS 1 Ceccim RB. Equipe de saúde: a perspectiva entredisciplinar na produção dos atos terapêuticos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Cepesc/Uerj; Abrasco; 2006. p.259-78. 10 Barcellos CC, Monken M. Instrumentos para o diagnóstico sócio-sanitário do Programa de Saúde da Família. In: Fonseca AF, Corbo AD, editores. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV/ Fiocruz; 2007. 2 Pinheiro R, Luz MT. Práticas eficazes x modelos ideais: ação e pensamento na construção da integralidade. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: Cepesc/Uerj; Abrasco; 2005. p.7-34. 11 Czeresnia D. Ribeiro AM. O conceito de espaço em epidemiologia: uma interpretação histórica e epistemológica. Cad Saude Publica. 2000;16(3): 595-617. 3 Teixeira CF. A mudança do modelo de atenção à saúde no SUS: desatando nós, criando laços. Saude Debate. 2003;27(65):257-77. 4 Schmidt LA. Os cursos de Fisioterapia no Paraná frente aos conceitos contemporâneos de saúde [dissertação]. Londrina: Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina; 2002. 5 Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. 6 Rebelato JR, Botomé SP. Fisioterapia no Brasil: fundamentos para uma ação preventiva e perspectivas profissionais. 2a ed. São Paulo: Manole; 1999. 7 8 9 Freitas MS. A atenção básica como campo de atuação da fisioterapia no Brasil: as diretrizes curriculares resignificando a prática profissional [tese]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2006. Campos GWS. O SUS entre a tradição dos sistemas nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(supl):1865-74. Barcelos CC, Sabroza PC, Peiter P, Rojas LI. Organização espacial, saúde e qualidade de vida: análise espacial e uso de indicadores na avaliação de situações de saúde. Inf Epidemiol SUS. 2002; 11(3):129-38. 12 Ceccim RB, Feurwerker LCM. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad Saude Publica. 2004;20(5):1400-10. 13 Cunha GT. A construção da clínica ampliada na atenção básica [dissertação]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas; 2004. 14 Gil CRR. Práticas profissionais em saúde da família: expressões de um cotidiano em construção [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2006. 15 Silva AC. Geografia e lugar social. São Paulo: Contexto; 1991. 16 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6a ed. São Paulo: Hucitec; 1999. 17 Crefito 3 – Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. I Censo dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais do estado de São Paulo. [Malerbi FEK, Castro Y, organizadores]. São Paulo; 2008 [citado maio 2008]. Disponível em: http://www.crefito3.com.br. 18 Brasil. Ministério da Educação. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; 2006. 19 Brasil. Ministério da Educação. Sinopses estatísticas da educação superior: graduação. Brasília: Inep; 2008 [citado abr 2009]. Disponível em: http:// www.inep.gov.br/superior/censosuperior/ sinopse. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8 87 Referências (cont.) 20 Brasil. Ministério da Educação. Enade 2007: relatório síntese – Fisioterapia. Brasília; 2008. 23 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002. 21 Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmera de Educação Superior. Brasília: Diário Oficial da União. Resolução n.4/2002 CNE/CES, 19 fev. 2002, p.11. 24 Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho em saúde centrada no campo relacional e nas tecnologias leves: apontando mudanças para os modelos tecno-assistenciais. Saude Debate. 2003;27(65):316-23. 22 Behrens MA. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. Rev Bras Est Pedag (Brasília). 1999;80(196):383-403. 88 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):82-8 25 Massey D. Pelo espaço: uma nova política da espacialização. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2008. Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.89-93, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950 Estimulação elétrica funcional na subluxação crônica do ombro após acidente vascular encefálico: relato de casos Functional electrical stimulation for shoulder subluxation after chronic stroke: a case report Juliana Barbosa Corrêa1, Heloise Cazangi Borges2, Paulo Roberto Garcia Lucareli3, Richard Eloin Liebano4 Estudo desenvolvido no Curso de Especialização em Fisioterapia Motora e Hospitalar aplicada à Neurologia da EPM/Unifesp – Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Motora e Hospitalar aplicada à Neurologia 2 Profa. Coordenadora do Curso de Especialização em Fisioterapia Motora e Hospitalar aplicada à Neurologia da EPM/Unifesp 3 Prof.Dr. do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP 4 Prof. Dr. do Curso de Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo, SP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Juliana B. Corrêa R. Caetezal 157 02334-130 São Paulo SP e-mail: [email protected] Apresentado ao IV Progress Motor In Control, Santos, 2007 e ao Cobraf – Congresso Brasileiro de Fisioterapia, São Paulo, 2007. RESUMO: A subluxação do ombro é comum em indivíduos que sofreram acidente vascular encefálico (AVE), podendo gerar dor, lesões do plexo braquial, capsulite adesiva e lesões nos músculos da bainha rotatória, implicando atraso da reabilitação e interferência na qualidade de vida. O objetivo deste estudo foi verificar os efeitos da estimulação elétrica funcional (EEF) na subluxação crônica do ombro em pacientes hemiplégicos que sofreram AVE. Foram avaliados três pacientes tendo tido AVE há mais de um ano com subluxação do ombro confirmada por exame de raios X. Foram analisados, antes e após o tratamento, o grau de subluxação e amplitude de movimento (ADM) do ombro, função sensório-motora pela escala de Fugl-Meyer e dor em repouso e à movimentação passiva por meio de escala visual analógica. Todos os pacientes foram submetidos a tratamento com fisioterapia convencional e EEF no membro hemiplégico por dez sessões. A análise dos resultados mostrou melhora em relação às medidas iniciais da ADM, da avaliação sensório-motora, dor e subluxação do ombro após o uso da EEF. Concluiu-se que a EEF, asociada à fisioterapia convencional, mostrou-se eficaz em produzir diminuição da subluxação, aumento da função do membro superior e agir no alívio da dor em pacientes com subluxação do ombro pós-AVE. DESCRITORES: Acidente cerebral vascular; Luxação do ombro/reabilitação; Terapia por estimulação elétrica ABSTRACT: Shoulder subluxation is a common complication among stroke survivors; it may cause pain, brachial plexus injuries, adhesive capsulitis and rotator cuff muscle injuries, leading to rehabilitation delay and interference in patients’ quality of life. The purpose of this study was to assess the effects of functional electrical stimulation (FES) in post-stroke hemiplegia shoulder subluxation. Three patients with over one year of stroke onset and shoulder subluxation confirmed by X ray were assessed prior to, and after FES treatment, as to: degree of shoulder subluxation and range of motion (ROM); sensory-motor function by the Fugl-Meyer scale; and pain at rest and at passive movement by means of a visual analog scale. All patients were treated with conventional physical therapy and FES in the hemiplegic member for ten sessions. Results showed improvement in final measures of ROM and sensorymotor assessments, pain relief and shoulder subluxation reduction after treatment. FES associated to conventional physical therapy has thus proved effective in decreasing subluxation, increasing upper limb function and in relieving pain in post-stroke shoulder subluxation patients. KEY WORDS: Electrical stimulation therapy; Shoulder dislocation/rehabilitation; Stroke APRESENTAÇÃO dez. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO mar. 2009 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93 89 INTRODUÇÃO A subluxação do ombro é uma complicação secundária freqüentemente encontrada nos pacientes que sofreram acidente vascular encefálico (AVE), apresentando incidência relatada em até 81% dos casos1,2. O prejuízo no controle motor do membro superior (MS) representa uma grave conseqüência do AVE, em que 13% dos pacientes apresentam défices no MS já nas duas primeiras semanas e 66% dos sobreviventes apresentam danos severos após 6 meses do AVE3. Na hemiplegia, a paresia ou plegia dos músculos do ombro, juntamente com a instabilidade inferior da articulação glenoumeral, contribuem para a ocorrência do deslocamento inferior da cabeça do úmero. A subluxação do ombro pode ser definida como uma mudança na integridade mecânica na articulação glenoumeral, que causa um “degrau” entre o acrômio e a cabeça do úmero. Nos portadores de AVE, a redução da atividade muscular leva a um estiramento contínuo dos tecidos moles da articulação do ombro, como a cápsula articular, músculos, nervos e ligamentos, resultando na subluxação do ombro4. Estudos eletromiográficos e eletrofisiológicos mostram que o deslocamento inferior da articulação do ombro é prevenido por um sistema de travamento dependente de fatores como a inclinação da fossa glenóide, junto com o estiramento da parte superior da cápsula articular e do ligamento coracoumeral, além da atividade dos músculos supraespinal e das fibras posteriores do deltóide, sendo estes músculos-chave para a prevenção da ocorrência de subluxação inferior5. A subluxação do ombro pode ocasionar dor, limitações de movimento, lesões do plexo braquial, capsulite adesiva e lesões nos músculos da bainha rotatória6. Esses fatores contribuem para o atraso da recuperação do membro superior e estão diretamente relacionados à interferência na qualidade de vida desses pacientes7. A aplicação clínica da estimulação elétrica funcional (EEF) na reabilitação 90 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):89-93 após o AVE fornece benefícios terapêuticos e funcionais em diversas articulações. Estudos preliminares indicam a EEF como um recurso terapêutico eficaz para a ativação da musculatura ao redor do ombro, proporcionando melhora na congruência da articulação glenoumeral e permitindo melhora funcional e da dor nessa articulação8,9. Entretanto, o tempo de estimulação utilizado nesses estudos chegou a até 6 horas diárias8-10, mostrando que esse tipo de intervenção fica restrito a uma pequena parcela da população, sendo praticamente inviável no sistema de reabilitação fisioterapêutica, em que as sessões variam de 40 a 60 minutos. Assim, o objetivo deste relato de casos foi avaliar os efeitos da EEF associada à fisioterapia convencional na subluxação do ombro em três pacientes que haviam sofrido AVE. METODOLOGIA Participaram do estudo três pacientes do sexo masculino apresentando hemiplegia após AVE com subluxação na articulação do ombro confirmada por exame de raios X (RX), recrutados no Centro de Reabilitação Lar Escola São Francisco, vinculado à EPM/ Unifesp – Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, mediante palpação do ombro acometido para verificação da suspeita de subluxação. Os critérios de inclusão foram: ter sofrido AVE isquêmico ou hemorrágico há mais de um ano; subluxação do ombro confirmada por RX; não se encontrar em tratamento de reabilitação; não estar usando analgésicos. Foram excluídos candidatos portadores de marca-passo, ou que apresentassem doença ortopédica e/ou reumatológica prévia no ombro, afasia de compreensão e alteração da sensibilidade na região do ombro. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram realizados exames de RX para confirmação da subluxação do membro hemiplégico. Todos os exames foram feitos no Hospital São Paulo (também vinculado à EPM/Unifesp), e as medidas da subluxação foram realizadas por um avaliador cego. Avaliação Todos os pacientes foram avaliados antes e após o tratamento com os seguintes recursos: exame de RX, goniometria dos ombros, avaliação sensório-motora pela escala de Fugl-Meyer para domínio de membro superior11, dor em repouso e à movimentação passiva por escala visual analógica (EVA)2. Exames de RX: foram realizados na região de ombros bilateralmente, cinco dias antes e cinco dias após o término do protocolo. A incidência do exame foi ântero-posterior e os pacientes permaneceram em posição ortostástica durante sua realização. Uma régua milimetrada foi utilizada para determinar a distância (d) da borda inferior da fossa glenóide à linha inferior entre o colo anatômico da cabeça do úmero em ambos os ombros. A diferença da distância d entre o lado afetado e o não-afetado foi definida como distância D de medida da subluxação8. Goniometria: foram avaliadas a amplitude de movimento12 (ADM) da articulação do ombro, cotovelo, punho e dedos com goniômetro manual. Avaliação sensório-motora: a escala sensório-motora de Fugl-Meyer foi utilizada somente para o domínio membro superior neste estudo. A escala compreende: testes de atividade reflexa, movimentos executados em sinergias flexoras e/ou extensoras, desempenho de movimento voluntário associado às sinergias flexoras e/ou extensoras dinâmicas, movimentos voluntários com pouca ou nenhuma interferência sinérgica, atividade reflexa normal, testes para o punho, testes para a mão e testes de coordenação/ velocidade11. O escore máximo da escala para membro superior é 66 pontos; quanto maior a pontuação, menor o grau de acometimento11. Avaliação da dor: uma escala visual analógica foi usada para registrar a intensidade da dor no ombro acometido. Os pacientes foram instruídos a marcar com uma caneta em uma linha de 10 cm, a intensidade da dor ao repouso e aos movimentos passivos de abdução, flexão e rotação externa do ombro. O zero indicava sem dor e 10, a pior dor imaginável2. Corrêa et al. EE na subluxação crônica do ombro Tratamento Todos os pacientes foram submetidos a tratamento com fisioterapia convencional e aplicação da EEF no membro superior hemiplégico. O tratamento foi realizado duas vezes por semana com duração de 60 a 70 minutos por sessão em um período de cinco semanas, totalizando dez sessões. O programa de tratamento fisioterapêutico incluiu alongamento muscular passivo de rombóides, peitoral maior, trapézios, grande dorsal e bíceps braquial, mobilização escapular passiva, co-contração ativa e estímulos manuais rápidos (tapping) na musculatura ao redor do ombro, fortalecimento de abdominais, extensores profundos da coluna e de musculatura serrátil13. Em seguida, era aplicada a EEF por eletrodos de superfície Pals Flex (Plantinum 42080, formato retangular, com 4 x 6 cm), posicionados nos músculos supraespinal e deltóide posterior simultaneamente9. Os eletrodos foram posicionados no sentido das fibras musculares, sendo utilizado gel condutor e fixação com fita crepe. Durante o tratamento com a EEF, os pacientes permaTabela 1 neceram sentados em uma cadeira com o membro superior acometido repousando sobre uma mesa. Foi utilizado o estimulador elétrico FesMed (Carci). O posicionamento correto dos eletrodos foi observado durante a estimulação, com observação da contração dos músculos supraespinal e deltóide posterior com mínima interferência do trapézio superior, além da palpação do encaixe da cabeça do úmero na cavidade glenóide durante o período de contração muscular (T-on). Para este estudo, foram adotados os seguintes parâmetros12: corrente pulsada bifásica assimétrica balanceada; freqüência de 30 pulsos por segundo; tempo de duração de pulso, 300 microssegundos; T-on de 15 segundos (s); tempo de relaxamento muscular (T-off, em que não há passagem de corrente elétrica), 10 s; subida (rise, em que a amplitude do pulso aumenta até atingir o valor máximo) de 2 s; descida (decay, em que a amplitude do pulso diminui gradualmente até cessar a contração) de 2 s; tempo de tratamento (timer) de 30 minutos e amplitude de acordo com a tolerância de cada indivíduo8. Além disso, todos os participantes receberam, no primeiro dia de tratamen- Características dos sujeitos Paciente Idade (anos) 1 58 2 50 3 56 Sexo M M M Tipo de AVE I H I TI AVE (anos) 6 6 3 Lado acometido E E E M= masculino; I= isquêmico; H= hemorrágico; TI = Tempo de instalação; E= esquerdo Tabela 2 Medidas obtidas dos três sujeitos nas avaliações antes e depois do tratamento Variáveis ADM (°) AB F RE Escore (Fugl-Meyer) Subluxação (mm) Dor (cm) R AB F RE Sujeito 1 Antes Após 160 160 70 18 10 0 0 1 1 180 180 80 22 7 0 0 0 0 Sujeito 2 Antes Após 90 110 50 13 13 0 3 6 7 110 150 70 20 9 0 0 2 4 Sujeito 3 Antes Após 90 90 60 13 13 4 6 5 4 120 150 70 20 8 0 0 3 1 ADM = amplitude de movimento; AB = abdução do ombro; F = flexão do ombro; RE = rotação externa do ombro; R = repouso to, um manual de orientações contendo ilustrações mostrando o posicionamento correto do membro superior nas posições de decúbito dorsal e lateral, sentado à mesa e na poltrona. Todos os itens foram explicados pelo pesquisador e os pacientes foram orientados a não realizar exercícios domiciliares ou outros tratamentos para o membro acometido durante a realização do estudo. RESULTADOS Dados de idade, sexo e clínicos de cada paciente são apresentados na Tabela 1. A Tabela 2 mostra os resultados das avaliações antes e após o término do protocolo de tratamento dos três casos. Os valores das medidas depois do tratamento sugerem vantagens do uso da fisioterapia adicionada à EEF em relação às medidas iniciais da ADM, avaliação sensório-motora, dor e subluxação do ombro. DISCUSSÃO No presente estudo, foram investigados os efeitos da EEF junto com a fisioterapia convencional em três pacientes que sofreram AVE, ocorrendo melhoras em todos os parâmetros avaliados. A ocorrência da subluxação do ombro parece estar correlacionada a alguns fatores, como AVE do tipo hemorrágico, perda da propriocepção e grau de recuperação do MS14. Uma variedade de objetivos terapêuticos têm sido alcançados com o uso da EEF, como a facilitação de movimentos voluntários, melhora da destreza manual, ganhos nas atividades de vida diária15, redução da dor16 e espasticidade17. Wang et al.9 relatam que, após seis semanas de tratamento com EEF, a subluxação do ombro teve melhora significante no grupo de hemiplégicos somente na fase aguda. No entanto, Kobayashi et al. também apresentam resultados favoráveis com uso de EEF em fase crônica do AVE8, corroborando os achados de Yu et al.10, que relataram efeitos benéficos da EEF na dor e subluxação crônica do ombro. Pesquisas relatam que a utilização da EEF para prevenção ou redução da subluxação do ombro em fase aguda do Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93 91 AVE tem grande eficácia, porém estes efeitos não são mantidos com a retirada da estimulação1,9. Segundo Chantraine et al.18, a melhora com uso da EEF foi mantida minimamente após 24 meses, porém mostrou influência direta no grau de subluxação e média de recuperação da função do membro superior. Nesta pesquisa, não foi possível verificar se os efeitos da EEF foram mantidos após o tratamento; faz-se necessário um follow up de alguns meses para verificação fidedigna dos resultados obtidos. A dor no ombro é um problema comum em indivíduos que sofreram AVE. Na fase aguda da hemiplegia, a mecânica do complexo do ombro encontrase afetada pela perda do controle motor e desenvolvimento de movimentos anormais do membro superior. Mudanças secundárias, como alterações dos tecidos da articulação glenoumeral e a subluxação, também contribuem para o ocorrência da dor19. A melhora da dor no ombro foi investigada em diversos estudos em pacientes hemiplégicos. Um programa de tratamento com a EEF tem impacto na diminuição da dor no ombro destes pacientes, com maior eficácia em pacientes em fase crônica do AVE comparado com pacientes em fase aguda da doença1. A pesquisa realizada por Barlak et al.20 em 187 pacientes com AVE não encontrou relação significante entre a dor e espasticidade, subluxação ou dor talâmica. A capsulite adesiva foi vista como importante causador de dor no ombro. No entanto, a dor é tida como multifatorial e não pode ser atribuída a uma única causa. Outro estudo com 327 participantes mostra que não há relação significante entre dor e fatores clínicos, porém mos- 92 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 09;16(1):89-93 tra correlação entre dor e subluxação. O aparecimento da dor já pode ser observado nos primeiros seis meses após o AVE14. Ikeai et al.2 e Lianza et al.21 também relatam que a subluxação do ombro é somente uma das causas da dor, sendo a capsulite adesiva e a diminuição da ADM os principais causadores de dor no ombro. Outro importante fator biomecânico encontrado em pacientes hemiplégicos é a diminuição da ADM, principalmente nos movimentos de abdução, flexão e rotação externa do ombro. A análise do grau de espasticidade também mostra relação direta com o grau de limitações da articulação do ombro, contribuindo para a alteração da biomecânica e restrição dos movimentos do ombro21. Os sujeitos desta pesquisa apresentavam dor e diminuição da ADM no ombro, principalmente nos movimentos de abdução e rotação externa, tal como relatado por outros estudos2,21. A melhora da dor com o uso da EEF pode ter relação com o aumento da ADM ocorrido após o tratamento. Justin et al.22 sugerem que em aproximadamente três semanas após o AVE já é possível predizer o grau de recuperação do MS. A melhora da função e força da articulação do ombro é relatada em alguns estudos após o uso da EEF8,9. Por exemplo, Kobayashi et al.8 obtiveram melhora significativa da força para abdução do ombro em 22 pacientes crônicos após uso da EEF. Já uma metanálise mostra que o uso da EEF foi favorável na melhora da função quando aplicada precocemente, e com menor relevância quando aplicada em fase crônica do AVE1. No entanto, ainda há carência de estudos sobre o uso da EEF na subluxação crônica do ombro. No presente estudo foi avaliada a função sensório-motora, ocorrendo, após o programa de tratamento com EEF, aumento dos escores totais. A escala de FuglMeyer foi utilizada incluindo os itens relacionados aos reflexos tendíneos; o estudo feito por Michelle et al.23, sugerindo que esse item seja retirado, foi publicado após a realização do presente estudo. O tratamento com EEF da subluxação do ombro de pacientes que sofreram AVE é especialmente efetivo quando aplicado precocemente, como mostram alguns estudos7,24. O estímulo aos músculos paralisados também deve ser otimizado com o uso de fisioterapia convencional e outros recursos para que não haja ocorrência ou piora da subluxação, proporcionando recuperação do membro superior, diminuição da dor e melhora da função do ombro25. Outros estudos devem ser realizados com amostra maior e com a análise de outras medidas, como a eletromiografia para verificação de ativação muscular. Entretanto, este estudo sugere que a EEF pode ser utilizada como recurso coadjuvante no tratamento da subluxação crônica do ombro, já que mostrou reduzir a subluxação, melhorar a dor e a função sensório-motora. CONCLUSÃO Não há dados conclusivos no presente estudo devido ao reduzido número de casos. Entretanto, a EEF associada ao tratamento convencional da fisioterapia produziu diminuição da subluxação, aumento da função do membro superior e agiu no alívio da dor em pacientes que haviam sofrido AVE há mais de um ano. Corrêa et al. EE na subluxação crônica do ombro REFERÊNCIAS 1 Ada L, Foongchomcheay A. Efficacy of electrical stimulation in preventing or reducing subluxation of the shouder after stroke: a meta-analysis. Aust J Phys. 2002;48:257-67. 2 Ikeai T, Kenshaku T, Yoshiro K, Miyano S, Yonemoto K. Evaluation and treatment of shoulder subluxation in hemiplegia: relationship between subluxation and pain. Am J Phys Med Rehabil. 1998;77:421-6. 3 4 5 6 7 8 9 Kwakkel G, Kollen BJ, van der Grond J, Prevo AJ. Probability of regaining dexterity in the flaccid upper limb: impact of severity of paresis and time since onset in acute stroke. Stroke. 2003;34(9):2181-6. Paci M, Nanneti l, Rinaldi LA. Glenohumeral subluxation in hemiplegia: an overview. J Rehabil Res Dev. 2005;42:557-68. Basmajian JV, Bazant FJ. Factors preventing downward dislocation of the adducted shoulder joint. J Bone Joint Surg. 1959;41A:1182-6. Turner-Stokes L, Jackson D. Shoulder pain after stroke: a review of the evidence base to inform the development of an integrated care pathway. Clin Rehabil. 2002;16:276-98. Chae J, Mascarenhas D, Yu DT, Kirsteins A, Elovic EP, Flanagan AR, et al. Poststroke shoulder pain: its relationship to motor impairment, activity limitation and quality of life. Arch Phys Med Rehabil. 2007;88:298-301. Kobayshi H, Onishi H, Ihashi K, Yagi R, Handa Y. Reduction in subluxation and improved muscle function of the hemiplegic shoulder joint after therapeutic electrical stimulation. J Electromyogr Kinesiol. 1999;9(5):327-36. Wang RY, Chan RC, Tsai MW. Functional electrical stimulation on chronic and acute hemiplegic shoulder subluxation. Am J Phys Med Rehabil. 2000;79:385-90. 10 Yu DT, Chae J, Walker ME, Fang Z. Percutaneous Intramuscular neuromuscular electric stimulation for the treatment of shoulder subluxation and pain with chronic hemiplegia: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2001;82:20-5. 11 Fugl-Meyer AR, Jääskö L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke hemiplegic patient: a method for evaluation of physical performance. Scand J Rehabil Med. 1975;7:13- 31. 12 Bohannon RW, Smith MB. Interrater reliability of a modified Ashworth scale of muscle spasticity. Phys Ther. 1987;67:206-7. 13 Umphred DA. Fisioterapia neurológica. 2a ed. São Paulo: Manole; 1994. 14 Suethanapornkul S, Kuptniratsaikul PS, Kuptniratsaikul V, Uthensut P, Dajpratha P, Wongwisethkarn J. Post-stroke shoulder subluxation and shoulder pain: a cohort multicenter study. J Med Assoc Thai. 2008;91(12): 1885-92. 15 Popovic MB, Popovic DB, Sinkjaer T, Stefanovic A, Schwirtlich L. Clinical evaluation of functional electrical therapy in acute hemiplegic subjects. J Rehabil Res Dev. 2003;40(5):443-53. 16 Ring H, Rosenthal N. Controlled study of neuroprosthetic functional electrical stimulation in subacute post-stroke rehabilitation. J Rehabil Med. 2005;37(1):32-6. 17 Popovic MR, Keller T. Modular transcutaneous functional electrical stimulation system. Med Eng Phys. 2005;27(1):81-92. 18 Chantraine A, Baribeault A, Uebelhart D, Gremion G. Shouder pain and dysfunction in hemiplegia: effects of functional electrical stimulation. Arch Phys Med Rehabil. 1999;80:328-31. 19 Bender L, McKenna K. Hemiplegic shoulder pain: defining the problem and its management. Disabil Rehabil. 2001;10:698-705. 20 Barlak A, Unsal S, Kaya K, Sahin-Onat S, Ozel S. Poststroke shoulder pain in Turkish stroke patients: relationship with clinical factors and functional outcomes. Int J Rehabil Res. 2008;31(4) [publ. ahead-ofprint]. 21 Lianza S, Pavan K, Schmidt K, Lopes E, Silva RM, Carvalho NAA. Avaliação da amplitude de movimento de ombros em pacientes hemiplégicos. Med Rehabil. 2005;24(1):2-5. 22 Beebe JA, Lang CE.Active range of motion predicts upper extremity function 3 months after stroke. Stroke. 2009;40(5):1772-9. 23 Woodbury ML, Velozo CA, Richards LG, Duncan PW, Studenski S, Lai SM. Longitudinal stability of the FuglMeyer assessment of the upper extremity. Arch Phys Med Rehabil. 2008;89(8):1563-9. 24 Mangold S, Schuster C, Keller T, Zimmermann-Schlatter A, Ettlin T. Motor training of upper extremity with functional electrical stimulation in early stroke rehabilitation. Neurorehabil Neural Repair. 2009;23(2):184-90. 25 Vuagnat H, Chantraine A. Shouder pain in hemiplegia revisited: contribution of functional electrical stimulation and other therapies. J Rehabil Med. 2003;35:49-56. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93 93 INSTRUÇÕES PARA AUTORES A revista FISIOTERAPIA E PESQUISA, editada pelo Curso de Fisioterapia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, prioriza a publicação de pesquisas originais, cujos resultados possam ser replicados, publicando também ensaios de revisão sistemática ou crítica de literatura, relatos de casos e cartas ao editor. Os manuscritos apresentados à Revista devem ser originais, redigidos em português. Caso uma versão semelhante, em qualquer língua, já tiver sido publicada ou enviada a outro veículo, essa informação deve constar da folha de rosto, para que o Conselho Editorial possa ponderar sobre a pertinência de sua publicação. Processo de julgamento Todo manuscrito enviado para FISIOTERAPIA E PESQUISA é examinado pelo Conselho Editorial, para consideração de sua adequação às normas e à política editorial da Revista. Os manuscritos que não estiverem de acordo com estas normas serão devolvidos aos autores para adequação antes de serem submetidos à apreciação dos pares. Em seguida, o manuscrito é apreciado por dois pareceristas de reconhecida competência na temática abordada, garantindo-se o anonimato de autores e pareceristas. Dependendo dos pareceres recebidos, os autores podem ser solicitados a fazer ajustes (no prazo de um mês), que serão examinados para aceitação. Uma vez aceito, o manuscrito é submetido à edição de texto, podendo ocorrer nova solicitação de ajustes formais – nesse caso, os autores têm o prazo máximo de duas semanas para efetuá-los. O não-cumprimento dos prazos de ajuste será considerado desistência, sendo o artigo retirado da pauta da Revista. Os manuscritos aprovados são publicados de acordo com a ordem cronológica do aceite na secretaria da Revista. Responsabilidade e ética O conteúdo e as opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores. Artigos de pesquisa envolvendo sujeitos humanos devem indicar, na seção Metodologia, sua expressa concordância com os padrões éticos e com o devido consentimento livre e esclarecido dos participantes (de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata do Código de Ética para Pesquisa em Seres Humanos). As pesquisas com humanos devem trazer na folha de rosto o número do parecer de aprovação pela respectiva Comissão de Ética em Pesquisa, que deve estar registrada no Conselho Nacional de Saúde. Estudos envolvendo animais devem explicitar o acordo com os princípios éticos internacionais e instruções nacionais (Leis 6638/79, 9605/98, Decreto 24665/34) que regulamentam pesquisas com animais. A menção a instrumentos, materiais ou substâncias de propriedade privada deve ser acompanhada da indicação de seus fabricantes. A reprodução de imagens ou outros elementos de autoria de terceiros, que já tiverem sido publicados, deve 94 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) vir acompanhada da autorização de reprodução pelos detentores dos direitos autorais; se não acompanhados dessa indicação, tais elementos serão considerados originais do/s autor/es do manuscrito. Autoria Deve ser feita explícita distinção entre autor/es e colaborador/es. O crédito de autoria deve ser atribuído a quem preencher os três requisitos: (1) deu contribuição substantiva à concepção, desenho ou coleta de dados da pesquisa, ou à análise e interpretação dos dados; (2) redigiu ou procedeu à revisão crítica do conteúdo intelectual; e (3) deu sua aprovação final à versão a ser publicada. No caso de trabalho realizado por um grupo ou em vários centros, devem ser identificados os indivíduos que assumem inteira responsabilidade pelo manuscrito (que devem preencher os três critérios acima e serão considerados autores). Os nomes dos demais integrantes do grupo serão listados como colaboradores. A ordem de indicação de autoria é decisão conjunta dos co-autores. Em qualquer caso, deve ser indicado o endereço para correspondência do autor principal. A carta que acompanha o envio dos manuscritos deve ser assinada por todos os autores, tal como acima definidos. Envio dos manuscritos Os manuscritos devem ser submetidos por via eletrônica pelo site www.mdpesquisa.com.br/FP. Ao submeter um manuscrito para publicação os autores devem enviar: Declaração de responsabilidade, de conflitos de interesse e de autoria do conteúdo do artigo. Os autores devem declarar a existência ou não de eventuais conflitos de interesse (profissionais, financeiros e benefícios diretos e indiretos) que possam influenciar os resultados da pesquisa e a responsabilidade do(s) autor(es) pelo conteúdo do manuscrito. Ver modelo no site www.mdpesquisa.com.br/FP. Declaração de transferência de direitos autorais (copyright) para Fisioterapia e Pesquisa, assinada por todos os autores, com os respectivos números de CPF, caso o artigo venha a ser aceito para publicação (modelo também no site acima). No caso de ensaio clínico, informar o número de registro validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), cujos endereços estão disponíveis no site do ICMJE: www.icmje.org/faq.pdf. Preparação dos manuscritos 1 Apresentação – O texto deve ser digitado em processador de texto Word ou compatível, em tamanho A4, com espaçamento de linhas e tamanho de letra que permitam plena legibilidade. O texto completo, incluindo páginas de rosto e de referências, tabelas e legendas de figuras, deve conter no máximo 25 mil caracteres com espaços. 2 A página de rosto deve conter: a) título do trabalho (preciso e conciso) e sua versão para o inglês; b) título condensado (máximo de 50 caracteres) c) nome completo dos autores, com números sobrescritos remetendo à afiliação institucional e vínculo; d) instituição que sediou, ou em que foi desenvolvido o estudo (curso, laboratório, departamento, hospital, clínica etc.), faculdade, universidade, cidade, estado e país; e) afiliação institucional dos autores (com respectivos números sobrescritos); no caso de docência, informar título; se em instituição diferente da que sediou o estudo, fornecer informação completa, como em “d)”; no caso de não-inserção institucional atual, indicar área de formação e eventual título (a Revista não indica em quê nem em qual instituição o título foi obtido); d) endereços postal e eletrônico do autor principal; e) indicação de órgão financiador de parte ou todo o estudo, se for o caso; f) indicação de eventual apresentação em evento científico; g) no caso de estudos com seres humanos, indicação do parecer de aprovação pelo comitê de ética; no caso de ensaio clínico, o número de registro internacional. 3 Resumo, abstract, descritores e key words – A segunda página deve conter os resumos do conteúdo em português e inglês. O resumo em português deve ocupar o máximo de 1.500 caracteres com espaços (cerca de 220 a 230 palavras). Resumo e abstract devem ser redigidos em um único parágrafo, buscando-se o máximo de precisão e concisão; seu conteúdo deve seguir a estrutura formal do texto, ou seja, indicar objetivo, procedimentos básicos, resultados mais importantes e principais conclusões. São seguidos, respectivamente, da lista de até cinco descritores e key words (sugerese a consulta aos DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da Biblioteca Virtual em Saúde do Lilacs (http://decs.bvs.br) e ao MeSH – Medical Subject Headings do Medline (www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html). 4 Estrutura do texto – Sugere-se que os trabalhos sejam organizados mediante a seguinte estrutura formal: a) Introdução, estabelecendo o objetivo do artigo, justificando sua relevância frente ao estado atual em que se encontra o objeto investigado; b) em Metodologia, descrever em detalhe a seleção da amostra, os procedimentos e materiais utilizados, de modo a permitir a reprodução dos resultados, além dos métodos usados na análise estatística – lembrando que apoiar-se unicamente nos testes estatísticos (como no valor de p) pode levar a negligenciar importantes informações quantitativas; c) os Resultados são a sucinta exposição factual da observação, em seqüência lógica, em geral com apoio em tabelas e gráficos –cuidando tanto para não remeter o leitor unicamente a estes quanto para não repetir no texto todos os dados dos elementos gráficos; d) na Discussão, comentar os achados mais importantes, discutindo os resultados alcançados comparando-os com os de estudos anteriores; e) a Conclusão sumariza as deduções lógicas e fundamentadas dos Resultados e Discussão. 5 Tabelas, gráficos, quadros, figuras, diagramas – são considerados elementos gráficos. Só serão apreciados manuscritos contendo no máximo cinco desses elementos. Recomenda-se especial cuidado em sua seleção e pertinência, bem como rigor e precisão nos títulos. Note que os gráficos só se justificam para permitir rápida apreensão do comportamento de variáveis complexas, e não para ilustrar, por exemplo, diferença entre duas variáveis. Todos devem ser fornecidos no final do texto, mantendo-se neste marcas indicando os pontos de sua inserção ideal. As tabelas (títulos na parte superior) devem ser montadas no próprio processador de texto e numeradas (em arábicos) na ordem de menção no texto; decimais são separados por vírgula; eventuais abreviações devem ser explicitadas por extenso, em legenda. Figuras, gráficos, fotografias e diagramas trazem os títulos na parte inferior, devendo ser igualmente numerados (em arábicos) na ordem de inserção. Abreviações e outras informações vêm em legenda, a seguir ao título. 6 Remissões e referências bibliográficas – Para as remissões no texto a obras de outros autores adota-se o sistema de numeração seqüencial, por ordem de menção no texto. Assim, a lista de referências ao final não vem em ordem alfabética. Visando adequar-se a padrões internacionais de indexação, para apresentação das referências a Revista adota a norma conhecida como de Vancouver, elaborada pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org), também disponível em http://www.icmje.org/index.html#references. Alguns exemplos: Forattini OP. Ecologia, epidemiologia e sociedade. São Paulo: Edusp; 1992. Laurenti R. A medida das doenças. In: Forattini OP, editor. Epidemiologia geral. São Paulo: Artes Médicas; 1996. p.64-85. Simões MJS, Farache Filho A. Consumo de medicamentos em região do Estado de São Paulo (Brasil), 1988. Rev Saude Publica. 1988;32:71-8. Riera HS, Rubio TM, Ruiz FO, Ramos PC, Castillo DD, Hernandez TE, et al. Inspiratory muscle training in patients with COPD: effect on dyspnea and exercise performance. Chest. 2001;120:748–56. [nomear até seis autores antes de “et al”] Rocha JSY, Simões BJG, Guedes GLM. Assistência hospitalar como indicador da desigualdade social. Rev Saude Publica [periódico on-line] 1997 [citado 23 mar 1998];31(5). Disponível em: http://www.fsp.usp.br/ ~rsp. Correia FAS. Prevalência da sintomatologia nas disfunções da articulação temporomandibular e suas relações com idade, sexo e perdas dentais [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo; 1991. Sacco ICN, Costa PHL, Denadai RC, Amadio AC. Avaliação biomecânica de parâmetros antropométricos e dinâmicos durante a marcha em crianças obesas. In: VII Congresso Brasileiro de Biomecânica, Campinas, 2830 maio 1997. Anais. Campinas: Ed. Unicamp; 1997. p.447-52. Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) 95 7 Agradecimentos – Quando pertinentes, dirigidos a pessoas ou instituições que contribuíram para a elaboração do trabalho, são apresentados ao final das referências. Apresentação eletrônica da versão final Após a comunicação do aceite do artigo, o autor deverá proceder aos eventuais ajustes sugeridos pelos pareceristas, para o quê terá o prazo de quatro semanas (findo esse prazo, se a versão final não tiver sido enviada à Revista, será considerada desistência). A versão final será ainda editada, ocasião em que o editor poderá solicitar novos ajustes e esclarecimentos – e, nesse caso, o prazo para os ajustes será de apenas duas semanas. Solicita-se que, na preparação da versão final, o autor: • use fonte comum, simples; use itálico apenas para títulos de obras e palavras em língua estrangeira; o negrito é reservado a títulos e intertítulos, claramente diferenciados; • não use a barra de espaço para recuos nem a tecla “tab”, apenas recursos de formatação do processador de texto; • não separe parágrafos com sinal de parágrafo adicional; • use o próprio processador de texto (e não planilhas) para elaborar tabelas; • use o próprio processador de texto (recurso “Desenho”) para elaborar diagramas simples, organogramas etc. (não insira figuras ou organogramas do Microsoft PowerPoint®); • inversamente, use programa apropriado (como Microsoft® Excel) para elaborar gráficos, e não o recurso “Gráficos” do processador de texto; • no caso de gráficos ou diagramas elaborados por softwares específicos, devem ser convertidos (exportados) em formatos que possam ser abertos por programas de uso comum (verifique os tipos de arquivos que podem ser aber- tos no Adobe Photoshop®, para figuras em escala de cinza, no CorelDraw®, para desenhos, ou no Excel® ou Origin®, para gráficos), para permitir eventuais ajustes, adequação de fonte etc.; • forneça fotografias ou outras ilustrações com resolução mínima de 300 dpi, e em tamanho compatível; • em qualquer caso, forneça simultaneamente um arquivo em TIFF do elemento gráfico, para permitir visualização e conferência. Envio dos arquivos Os dados de texto (em Word ou compatível) e de ilustrações devem ser enviados em arquivos separados. Os dados devem ser acompanhados da informação precisa de todos os programas utilizados, inclusive de compressão, se for o caso; sugere-se que os nomes dos arquivos sejam curtos e permitam rápida identificação (por exemplo, “sobrenome do autor fig1....”). Exemplares dos autores Serão enviados ao autor principal dois exemplares do número da Revista em que seu artigo for publicado, mais um exemplar para cada co-autor. *** No bojo do processo de aprimoramento de FISIOTERAPIA E PESQUISA, estas normas estão em construção, podendo sofrer alterações. Para informação atualizada, sugere-se a consulta ao site da Revista (http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/revista.php) ou às instruções do último número publicado. Para contato com a secretaria da Revista, use [email protected]. O endereço completo da Revista encontra-se na terceira capa, a seguir. Assinatura Para assinar Fisioterapia e Pesquisa, preencha o cupom abaixo e envie-o à revista, junto com um cheque nominal à Fundação Faculdade de Medicina (ver endereço ao lado, na 3a capa) no valor de R$ 64,00 ou recibo de depósito no Banespa (banco 033), agência 0201, cc 13004086-7. A ficha de assinatura está disponível no site da revista: <http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/ revista.php>. Números anteriores solicitar à revista. Valor unitário: R$ 16,00. FICHA DE ASSINATURA Assinatura anual (quatro números) de Fisioterapia e Pesquisa a contar de (data) _________________________ Nome: _______________________________________________________________________________________ Endereço: _____________________________________________________________________________________ CEP: ______________ Cidade: ___________________________________________________ Estado: _______ e-mail: _______________________________________________________________________________________ Instituição (opcional): __________________________________________________________________________ 96 Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
Documentos relacionados
Volume 17 – número 3 Julho – Setembro 2010
School of Allied Health and Life Sciences / New York Chukuka S. Enwemeka Nova Iorque NY EUA Institute of Technology École de Réadaptation et GRIS, Faculté de Médecine / Debbie Feldman Montréal QC C...
Leia mais