Volume 16 – número 1 Janeiro – Março 2009

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Volume 16 – número 1 Janeiro – Março 2009
ISSN: 1809-2950
FISIOTERAPIA e
PESQUISA
REVISTA DO CURSO DE FISIOTERAPIA DA FACULDADE
DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO
BRASIL
Volume 16 – número 1
Janeiro – Março 2009
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
1
Fisioterapia e Pesquisa
Publicação trimestral do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP
Fisioterapia e Pesquisa visa disseminar conhecimento científico rigoroso de modo a subsidiar
tanto a docência e pesquisa na área quanto a fisioterapia clínica. Publica, além de artigos de
pesquisa originais, revisões de literatura, relatos de caso/s, bem como cartas ao Editor.
indexada em: LILACS – Latin American and Caribbean Health Sciences; LATINDEX –
Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientifícas de Américas; CINAHL
– Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature; e SportDiscus.
EDITORAS-CHEFES
Amélia Pasqual Marques
Fofito / FMUSP – Depto. Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional,
Faculdade de Medicina / USP
Débora Bevilaqua Grossi
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Medicina e Reabilitação do Aparelho
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Ribeirão Preto / USP
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Isabel de Camargo Neves Sacco – Fofito / FMUSP
Jefferson Rosa Cardoso – Depto. Fisioterapia / Univ. Estadual de Londrina
Raquel Simoni Pires – Laboratório de Neurociências / Univ. Cidade de São
Paulo
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Ocupacional / Univ. Federal de Minas Gerais
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CORPO EDITORIAL
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RAL, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP
Ribeirão Preto SP
Brasil
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São Paulo SP
Brasil
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Curso de Fisioterapia / Centro Univ. Augusto Motta
Rio de Janeiro RJ
Brasil
Depto. Fisioterapia / Univ. Estadual de Londrina
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Londrina PR
Brasil
Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de Pernambuco
Armèle Dornelas de Andrade
Recife PE
Brasil
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Medical Center / University of Kansas
Kansas City KA
EUA
Fofito / Faculdade de Medicina / USP
Clarice Tanaka
São Paulo SP
Brasil
Cláudia R. Furquim de Andrade Fofito / Faculdade de Medicina / USP
São Paulo SP
Brasil
School of Allied Health and Life Sciences / New York
Chukuka S. Enwemeka
Nova Iorque NY
EUA
Institute of Technology
École de Réadaptation et GRIS, Faculté de Médecine / Univ.
Debbie Feldman
Montréal QC
Canadá
de Montréal
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Dirceu Costa
Brasil
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Fátima A. Caromano
São Paulo SP
Brasil
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Fay B. Horak
EUA
Laboratoire d’Automatique, de Méchanique et d’Informatique,
Franck Barbier
Le Mont Houy
França
Industrielles et Humaines / Univ. de Valenciennes
Depto. Fisioterapia / Univ. de Ribeirão Preto
Gil Lúcio Almeida
Ribeirão Preto SP
Brasil
Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos
Helenice Jane C. Gil Coury
São Carlos SP
Brasil
Dept. Public Health and Primary Health Care / Univ. of Bergen Bergen HD
Jan Magnus Bjordal
Noruega
Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho
João Carlos Ferrari Corrêa
São Paulo SP
Brasil
Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte MG
Brasil
Marcelo Bigal
Dept. of Neurology, Albert Einstein College of Medicine
Bronx NY
EUA
Escola de Educação Física / Univ. Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre RS
Marco Aurélio Vaz
Brasil
Marcos Duarte
Escola de Educação Fisica e Esportes / USP
São Paulo SP
Brasil
Instituto do Coração, Faculdade de Medicina/ USP
Maria Ignêz Zanetti Feltrim
São Paulo SP
Brasil
Mariano Rocabado
Facultad de Odontología / Univ. Andres Bello
Santiago RMS
Chile
Fofito / Faculdade de Medicina / USP
Raquel A. Casarotto
São Paulo SP
Brasil
Depto. Fisioterapia / Univ. Federal Rio Grande do Norte
Ricardo Oliveira Guerra
Natal RN
Brasil
Rinaldo R. J. Guirro
RAL / Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP
Ribeirão Preto SP
Brasil
EEFFTO / Univ. Federal de Minas Gerais
Sérgio Teixeira da Fonseca
Belo Horizonte MG
Brasil
Depto. Ciências da Saúde / Univ. Nove de Julho
Simone Dal Corso
São Paulo SP
Brasil
Depto. Fisioterapia / Univ. Federal de São Carlos
Tânia de Fátima Salvini
São Carlos SP
Brasil
Vera Lúcia Israel
Curso Fisioterapia / Univ. Federal do Paraná – Litoral
Matinhos PR
Brasil
2
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
SUMÁRIO
CONTENTS
Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Editorial
PESQUISA ORIGINAL
ORIGINAL RESEARCH
Comparação do risco de queda em idosos sedentários e ativos por meio da escala
de equilíbrio de Berg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Comparison of fall risk between sedentary and active aged by means of the Berg balance scale
Renata Martins Pimentel, Marcos Eduardo Scheicher
Adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta
a um programa de alongamento muscular pelo método de Reeducação Postural Global . . . . . . . . 11
Respiratory system adaptations relative to pulmonary function in response to a muscle stretching program
using the Global Postural Reeducation method
Marlene Aparecida Moreno, Aparecida Maria Catai, Rosana Macher Teodori,
Bruno Luis A. Borges, Roberta Silva Zuttin, Ester da Silva
Ensino de massoterapia: habilidades envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente . . . . . . . . . . . 16
Massotherapy teaching: abilities involved in the therapist-patient relationship
Beatriz Calil P. Campos, Terezinha Calil P. Campos, Clarice Tanaka, Fátima Aparecida Caromano
Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral. . . . 22
Relationship between postural alignment and motor performance in children with cerebral palsy
Andréa Baraldi Cunha, Graziela Jorge Polido, Geruza Perlato Bella,
Daniela Garbellini, Carlos Alberto Fornasari
Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serraria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Biomechanical risks in sawmill worker postures
André Gustavo S. de Oliveira, Hanne Alves Bakke, Jerônimo Farias de Alencar
Perfil epidemiológico de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico cadastrados
na Estratégia de Saúde da Família em Diamantina, MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Epidemiological profile of stroke survivors registered at the Health Family Strategy of Diamantina, MG
Hércules Ribeiro Leite, Ana Paula N. Nunes, Clynton Lourenço Corrêa
Efeito de um programa de fisioterapia funcional em crianças com paralisia cerebral
associado a orientações aos cuidadores: estudo preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Effect of a functional physical therapy program on cerebral palsy children, associated to guidance for their
caregivers: a preliminary study
Ana Carolina G. S. Brianeze, Andréa Baraldi Cunha, Sabrina Messa Peviani,
Vanessa Cristina R. Miranda, Virlaine B. Lopes Tognetti, Nelci A. C. Ferreira Rocha, Eloisa Tudella
Estratégias para ensino de hábitos posturais em crianças: história em quadrinhos
versus experiência prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Strategies for teaching postural habits to children: comic strips vs. practical experience
Marilia C. Tenorio Rebolho, Raquel Aparecida Casarotto, Silvia M. Amado João
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
3
Efeitos da manipulação do estímulo visual e da intenção na oscilação postural de idosas . . . . . . . 52
Effects of visual stimulus manipulation and of intention on postural oscillation of elderly women
Andrei Guilherme Lopes, Milena Razuk, José Angelo Barela
Avaliação das propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas imobilizado
e submetido à corrente russa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Mechanical property analysis of the gastrocnemius muscle of rats immobilized and submitted to the Russian current
Douglas Reis Abdalla, Dernival Bertoncello, Leonardo César Carvalho
Aspectos físicos e mentais na qualidade de vida de pacientes com doença de Parkinson idiopática . . . . . . . . . 65
Physical and mental aspects in quality of life of idiopathic Parkinson disease patients
Gustavo Christofoletti, Cibelle Kayenne M. R. Formiga, Guilherme Borges,
Florindo Stella, Benito Pereira Damasceno
Alinhamento frontal estático do joelho e cargas plantares durante a marcha de adultos
jovens assintomáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Static frontal knee alignment and plantar loads during gait in healthy young adults
Isabel C.N. Sacco, Francis Trombini-Souza, Ana Paula Ribeiro, Aline A. Gomes, Maria I. Roveri,
Dominique R. M. V. Silva, Lina G. Cadamuro, Mariana F. Cagliari, Priscila S. Souza
Desenvolvimento de um recurso didático multimídia para o ensino de higiene brônquica . . . . . . 76
Development of a multimedia tool for teaching bronchial hygiene
Cibele C. Berto M. da Silva, Sonia Lucia P. de T. Carvalho, Celso R. Fernandes de Carvalho
O lugar social do fisioterapeuta brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
The social place of Brazilian physical therapists
Ana Lúcia de Jesus Almeida, Raul Borges Guimarães
RELATO DE CASOS
CASE REPORT
Estimulação elétrica funcional na subluxação crônica do ombro após acidente vascular
encefálico: relato de casos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Functional electrical stimulation for shoulder subluxation after chronic stroke: a case report
Juliana Barbosa Corrêa, Heloise Cazangi Borges, Paulo Roberto G. Lucareli, Richard Eloin Liebano
Instruções para os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Ficha de assinatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
4
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
EDITORIAL
EDITORIAL
Neste ano a fisioterapia brasileira completa 40 anos de regulamentação. Nesse período
nossos profissionais construíram uma história de dignificação, de desenvolvimento e
de evolução profissional – mas não foi sem lutas e muito trabalho que isso aconteceu.
Muito há para se construir e melhorar, porém conseguimos chegar a um resultado
que consolida a fisioterapia brasileira como uma das mais desenvolvidas do mundo.
Somos hoje, aproximadamente, 140 mil fisioterapeutas que prestam assistência,
ensinam, pesquisam e levam o nome de nossa profissão e de nossa ciência para o
mundo.
Fisioterapia e Pesquisa faz parte dessa história de dignificação profissional,
contribuindo para a divulgação de nossos saberes e de nossos fazeres pela publicação
de trabalhos relevantes e competentes, mostrando o potencial científico em nosso
país e apoiando os eventos que se destinam à comunicação de nossa ciência. Por
esse motivo, a revista apóia o XVIII Congresso Brasileiro de Fisioterapia.
O primeiro Congresso Brasileiro de Fisioterapia realizou-se na cidade do Rio de Janeiro
em 1964. Neste ano, em que completamos 40 anos de profissão, o XVIII Congresso
Brasileiro de Fisioterapia será realizado na Cidade Maravilhosa, de 14 a 17 de outubro
de 2009. O evento está sob a responsabilidade da AFB – Associação de Fisioterapeutas
do Brasil, que recebe apoio do sistema Coffito/Crefito, das associações regionais e de
especialidades da Fisioterapia, contando com os mais variados parceiros, ressaltando
o apoio da WCPT (Confederação Mundial de Fisioterapia) e da CLAFK (Confederação
Latino-Americana de Fisioterapia e Kinesioterapia).
O Congresso está sendo preparado por profissionais que representam os diversos
estados do Brasil e contará com renomados palestrantes, nacionais e internacionais,
além de contar com cursos pré-congresso, mesas redondas e todas as atividades
científicas e sociais características desse tipo de evento. As Associações de
Especialidades da Fisioterapia participam ativamente da formatação do evento e
emprestam seu brilho e prestígio ao Congresso.
Vale ressaltar que nos dias 12 e 13 de outubro teremos a honra de sediar o Conselho
Consultivo da CLAFK, oportunidade em que receberemos os representantes da
fisioterapia dos países latino-americanos e poderemos mostrar-lhes o brilho de nosso
país e de nossa profissão.
A fisioterapia brasileira merece um evento grandioso. E essa grandiosidade somente
será alcançada mediante a presença de nossos profissionais. Por isso convidamos
todos os fisioterapeutas e estudantes de fisioterapia do Brasil a congregar-se e celebrar
mais esse momento histórico de nossa profissão. O XVIII Congresso Brasileiro de
Fisioterapia e a cidade do Rio de Janeiro querem recebê-los com entusiasmo e carinho.
Até lá.
Reginaldo Antolin Bonatti
Presidente da AFB
Fisioter Pesq.
Fisioter
2 0 09;16(1)
Pesq. 2 0 09;16(1)
5
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.6-10, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Comparação do risco de queda em idosos sedentários e ativos por meio
da escala de equilíbrio de Berg
Comparison of fall risk between sedentary and active aged by means
of the Berg balance scale
Renata Martins Pimentel1, Marcos Eduardo Scheicher2
Estudo desenvolvido no Depto.
de Educação Especial, Curso de
Fisioterapia da Unesp –
Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho,
campus de Marília, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta
2
Prof. Dr. do Curso de
Fisioterapia da Unesp
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Marcos E. Scheicher
Depto. de Educação Especial /
Unesp
Av. Hygino Muzzi Filho 737
17525-900 Marília SP
e-mail:
[email protected]
APRESENTAÇÃO
set. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
jan. 2009
6
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):6-10
09;16(1)
RESUMO: O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, do qual o Brasil
apresenta um dos mais agudos processos. A prática regular de exercícios por idosos
pode melhorar a capacidade física, proporcionar ganho de auto-estima e confiança,
contribuindo para diminuição do risco de quedas, comuns em idosos. Este estudo
visou comparar o risco de quedas entre idosos sedentários e ativos, verificando
como a prática de exercício físico se reflete no desempenho dos sujeitos na escala
de Berg. Foram avaliados por esse instrumento 70 idosos, divididos em 2 grupos:
sedentários (n=35) e ativos (n=35). Os escores médios na escala de Berg dos grupos
sedentário e ativo foram 47,7±5,6 pontos e 53,6±3,7, respectivamente (p<0,0001).
A análise dos escores evidenciou que o grupo sedentário apresentou 15,6 vezes
mais risco de quedas do que o grupo ativo (p=0,002). O desempenho na escala de
Berg foi pior no grupo sedentário do que no ativo, sugerindo que a prática regular
de atividades físicas pode interferir nesse desempenho e que os sujeitos ativos têm
menor risco de queda.
DESCRITORES: Acidentes por quedas/prevenção e controle; Equilíbrio
musculoesquelético; Idoso
ABSTRACT: Population aging is a worldwide phenomenon which is particularly acute
in Brazil. Regular physical exercise by the aged may improve physical capacity,
provide gains in self-esteem and confidence, and contribute to reducing the number
of falls, which are common among the elderly. This study aimed at comparing fall
risk between sedentary and active elderly subjects, by assessing how the regular
practice of physical exercises is reflected by subjects’ performance at the Berg
balance scale. Seventy elderly subjects were divided into 2 groups, sedentary (n=35)
and active (n=35), and submitted to the Berg test. The sedentary group mean score
at the Berg scale was 47.7±5.6, and the active groups’, 53.6±3.7 (p<0.0001). The
odds ratio analysis showed that fall risk was 15.6 times higher for the sedentary
group as compared to the active group (p=0.002). Since the performance of the
sedentary group at the Berg scale was worse than the active group’s, it may be said
that regular practice of physical activities affects such performance, and that
physically active subjects present less fall risk than sedentary ones.
KEY WORDS: Accidental falls/prevention & control; Aged; Musculoskeletal
equilibrium
Pimentel & Scheicher
Quedas e atividade física em idosos
INTRODUÇÃO
Segundo projeção da Organização
Mundial da Saúde, o Brasil terá, até o
ano de 2025, um crescimento do número de idosos cinco vezes maior do que
o da população total, chegando a 30
milhões, colocando-o entre os seis primeiros países com população mais idosa no mundo1,2.
Um estudo realizado no Rio de Janeiro em 19983, sobre saúde e qualidade
de vida do idoso, demonstrou que 71%
dos idosos eram totalmente independentes quanto à realização das atividades
de vida diária (AVD) – dos quais 27%
poderiam ser classificados como fisicamente condicionados, por exercerem
atividade física moderada –, 10,8% fisicamente frágeis, revelando dependência
parcial, e os demais (18,2%) foram considerados fisicamente dependentes.
As quedas na população idosa têm
sido consideradas um problema de saúde pública. A queda pode ser definida
como um evento ou deslocamento nãointencional do corpo que tem como resultado a mudança de posição do
individuo para um nível mais baixo em
relação à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil4,5.
Pereira et al.6 demonstraram que 30%
dos idosos do Brasil caem ao menos uma
vez ao ano e que a maioria dessas quedas (51%) ocorrem entre idosos com
mais de 85 anos. Outros estudos demonstraram que essa prevalência relaciona-se com o grau de independência.
Assim, idosos que requerem ajuda para
a realização das AVD têm 14 vezes maior probabilidade de cair, quando comparados àqueles de mesma faixa etária,
porém independentes6.
No que concerne as conseqüências,
aproximadamente 5% das quedas levam
a fraturas, mais freqüentes entre mulheres do que homens – maior ocorrência
de fratura de fêmur proximal em mulheres (90,21/10.000) do que em homens
(25,46/10.000)7 –, apesar de os homens
apresentarem um índice maior de mortes pós-fraturas8.
O desenvolvimento de instrumentos
para verificação de risco de quedas visa
avaliar a funcionalidade, o equilíbrio, a
velocidade e a marcha de cada idoso
que sofreu ou que tende a sofrer alguma queda. Dentre esses instrumentos
destacam-se o teste de levantar e caminhar cronometrado (timed up and go
test), a escala de equilíbrio funcional de
Berg e a escala de mobilidade orientada ao desempenho de Tinetti9-11.
A escala de equilíbrio de Berg estã
diretamente relacionada a outros testes
de equilíbrio e mobilidade, apresentando uma confiabilidade de teste re-teste
de 98%12. Outra particularidade dessa
escala é a relação não-linear entre a
pontuação e o risco de queda correspondente. Os escores variam de 0 a 56
e, quanto maior o escore, melhor o equilíbrio do sujeito avaliado12. Assim, cada
ponto a menos na escala corresponde a
um aumento do risco de quedas; entre
os escores 56 a 54, cada ponto a menos
é associado a um aumento de 3 a 4%
no risco de quedas; entre 54 e 46, a um
aumento de 6 a 8% de chances, sendo
que abaixo de 36 pontos o risco de quedas é de quase 100%13.
Whitney et al.14, em um artigo de revisão, evidenciaram maior confiabilidade e validade para a utilização em pesquisas científicas da escala de equilíbrio
de Berg do que outros instrumentos de
avaliação, enquanto VanSwearingen et
al.15, em outra revisão, destacaram sua
utilização na prática clínica da reabilitação. Lajoie e Gallagher8 também demonstram, por meio de elevados índices de sensibilidade e especificidade,
que o teste de Berg pode ser considerado valioso para avaliação e previsão de
futuras quedas. Shumway-Cook et al.16
relataram que a escala de equilíbrio de
Berg foi a que melhor previu o risco de
quedas nos idosos residentes na comunidade, quando comparada ao teste de
Tinetti.
A saúde do idoso está amplamente
relacionada a dois fatores: hábitos de
vida e nível de atividade física17. Apesar de
alguns estudos mostrarem a importância
dos exercícios na melhora da saúde do
idoso18, ainda se faz necessário avaliar
se os mesmos interferem na probabilidade de quedas. Assm, o objetivo do trabalho foi analisar a probabilidade de
ocorrência de quedas em idosos sedentários e ativos, por meio do teste de Berg.
METODOLOGIA
Foram analisados 70 idosos com idades acima de 60 anos. Todos assinaram
um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo este estudo sido aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de
Marília, SP.
Os idosos deviam formar dois grupos,
de ativos e sedentários. Para o grupo de
ativos (n=35) foram selecionados voluntários integrantes de grupos da terceira
idade de Marília, como os mantidos pela
Unati – Universidade Aberta da Terceira
Idade – e pela União de Aposentados e
Pensionistas de Marília, que participavam de atividades físicas como alongamento, exercícios aeróbios (caminhadas)
e exercícios com pesos, em duas sessões
semanais de 50 minutos cada, há pelo
menos 6 meses. O grupo de sedentários
foi composto por idosos residentes na
cidade de Marília que não realizavam
exercícios físicos. Os critérios de inclusão foram ter idade acima de 60 anos e
capacidade para compreender as questões feitas pelo avaliador. Foram excluídos idosos que apresentassem doenças
que interferissem no equilíbrio (labirintite, anemia etc.) ou que dependessem
de auxílio para manter o equilíbrio.
Procedimentos
Após prévia avaliação (em que foram
feitas perguntas sobre doenças, uso de
medicamentos e número de quedas no
último ano), os idosos foram submetidos à avaliação físico-funcional por meio
do teste de Berg. Antes da aplicação do
teste, as atividades que compõem a avaliação foram demonstradas pelo avaliador e em seguida os idosos foram submetidos ao teste de Berg. Durante os testes, não houve intervenção por parte dos
pesquisadores.
O teste é composto por 14 tarefas
(movimentos); a cada uma podem ser
atribuídos de zero (incapaz de realizar)
a quatro pontos (realiza com independência). O teste avalia tanto a forma
como é realizada cada tarefa como o
tempo para realizá-la. Os escores totais
variam de 0 a 56 pontos, sendo que a
máxima pontuação corresponde ao me-
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):6-10
7
lhor desempenho. Os elementos do teste são movimentos comuns nas AVD,
indicando o equilíbrio do sujeito ao realizar as atividades motoras, podendo
assim prever a probabilidade de ocorrência de quedas19.
Escores
55
Análise estatística
RESULTADOS
A Tabela 1 resume as caracerísticas
dos sujeitos da amostra quanto ao sexo,
idade, número de quedas, realização de
atividades físicas, doenças e uso de medicamentos. Não houve diferença significativa entre as idades nos dois grupos (p=0,65). Do total de participantes,
25,7% eram do sexo masculino, tanto
no grupo sedentário quanto no ativo.
Tabela 1 Características dos sujeitos
dp = desvio padrão; M = masculino; F = feminino
O Gráfico 1 mostra os valores dos
escores individuais obtidos no teste de
Berg para cada grupo e a comparação
entre os valores dos idosos sedentários
e os ativos. O desempenho médio no
grupo sedentário foi 47,7±5,6 e, no ati-
8
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):6-10
09;16(1)
45
35
Média dos valores
30
Sedentários
Ativos
Gráfico 1 Resultados individuais dos escores obtidos na escala de Berg pelos grupos
sedentário (n=35) e ativo (n=35)
70
60
Ativos
50
Sedentários
40
30
20
10
0
Maior risco de quedas
Menor risco de quedas
Gráfico 2 Distribuição dos idosos dos dois grupos, sedentários (n=35) e ativos
(n=35), segundo o maior ou menor risco de quedas (pontuação de
corte na escala de Berg = 45)
Sedentários Ativos
n=35
n=35
Média de idade (anos) r dp 68,6r6,1 67,7r6,3
Sexo (M/F)
9/26
9/26
N médio de quedas
21 (60%) 11(31,5%)
Realiza atividades físicas (%)
0
100
N médio de medicamentos
5
4
Doenças
Diabetes
22
20
Hipertensão arterial
19
15
Labirintite
0
0
Anemia
0
0
Característica
50
40
Número de sujeitos
A comparação entre os valores individuais obtidos na escala de Berg foi
realizada por meio do teste de MannWhitney. O risco de quedas foi calculado por meio da razão de chance (odds
ratio), levando-se em consideração escores maiores ou menores que 45: segundo Berg et al.12, escores abaixo de
45 são preditivos de futuras quedas. Foi
aceito como significante um valor de
p ≤0,05.
p<0,0001
60
vo, 53,6±3,7 (p<0,0001),
revelando uma diferença
significativa nos escores da
escala de Berg entre idosos
que praticam atividades físicas e os que não praticam.
Dos 35 indivíduos do grupo sedentário, 24 obtiveram
escore superior a 45; e, dos
35 participantes do grupo
ativo, 34 tiveram escore acima de 45 na escala de Berg
– apenas 1 obteve escore
inferior a 45.
O Gráfico 2 mostra o risco de quedas (expresso pela
OR, odds ratio) entre os grupos sedentário e ativo. O valor da OR foi de 15,58
com intervalo de confiança de 1,8 a
128,9 e p=0,002, ou seja, os sedentários têm mais de 15 vezes mais chance
de quedas do que os ativos.
DISCUSSÃO
As quedas e suas conseqüências, mais
freqüentes na população idosa, representam um problema na saúde dessa faixa etária pois, ao cair, os idosos correm
mais riscos de lesões20. Além disso, um
idoso que sofreu uma queda pode desenvolver o que se chama de “síndrome
pós-queda”, em que o impacto psicológico pode levá-lo à diminuição das
AVD21. Freitas e Scheicher22, estudando
o medo de quedas em uma população
idosa, concluíram que a queda e o medo
de novas quedas constituem graves problemas para essa população; no grupo
estudado, revelou-se grande medo de
ocorrência de novas quedas.
Parece claro que a prática regular de
atividades físicas é uma medida importante na melhora da qualidade de vida
dos idosos23,24. A realização de ativida-
Pimentel & Scheicher
des físicas pode ter efeitos positivos sobre a estabilidade postural e sobre o risco de quedas, proporcionando aumento do equilíbrio, da habilidade funcional, da mobilidade e força e da coordenação25.
Um estudo5 com o mesmo objetivo
deste comparou idosos que praticavam
atividades físicas com aqueles que não
praticavam, utilizando o teste de levantar e caminhar cronometrado (timed up
and go). Os autores observaram que
muitos idosos têm propensão a quedas,
pois em ambos os grupos foram encontrados indivíduos com, pelo menos, risco médio de quedas. Porém, aqueles que
praticavam atividade física regularmente apresentavam maior nível de mobilidade e menor propensão a quedas,
quando comparados ao grupo sedentário.
Similarmente aos resultados encontrados por Guimarães et al.5, observouse no presente estudo que os idosos sedentários apresentavam, de acordo com
os escores da escala de Berg, uma propensão maior a quedas quando comparados aos idosos ativos. Estudos têm demonstrado que há um risco aumentado
na ocorrência de quedas em pessoas
com escore menor que 45 na Escala de
Berg12,26. Em nosso estudo, no grupo sedentário, 34 idosos apresentaram escore
menor que 45, de um total de 35 participantes, enquanto no grupo ativo 14 idosos obtiveram escore menor que 45.
A importância do exercício físico tem
sido discutida em diversos estudos. A
Quedas e atividade física em idosos
preocupação com o envelhecimento da
população tem mobilizado profissionais
da saúde a estabelecer medidas para
retardar as conseqüências das doenças
crônico-degenerativas. E a maioria dos
estudos realizados com essa população
defende a realização de atividade física
como método de prevenção25,27.
Uma preocupação também relevante relacionada ao exercício físico é que
normalmente idosos sedentários apresentam diminuição da capacidade funcional – e esse deficit tem papel significativo no aumento da incidência de quedas. Esta, por sua vez, tem relação direta com prejuízo do equilíbrio, comprometimento das atividades instrumentais,
limitações da mobilidade articular, da
marcha e da força muscular4.
Os resultados do presente estudo, ao
indicar uma diferença de 40% de probabilidade de quedas em idosos ativos
e sedentários (Gráfico 2), estão em concordância com os de Mazo et al.20, de
que a atividade física contribui para a
menor incidência de quedas na população idosa. Dentre as estratégias para diminuir a ação dos fatores de risco para
as quedas, a prática de exercício tem
sido comprovada como uma proposta de
intervenção eficaz27.
No presente estudo, observou-se que
os idosos de ambos os grupos apresentaram quedas (antes e durante a realização das atividades físicas), segundo suas
respostas às perguntas feitas antes do
teste quanto ao número de quedas so-
fridas (Tabela 1): o grupo sedentário relatou número maior dessa ocorrência,
porém a ocorrência de quedas no grupo ativo não foi nula. De fato, mesmo
os idosos que apresentarem pontuação
máxima dos escores (56) na escala de Berg
ainda têm chance de 10% de queda9. A
probabilidade desses 10% de quedas
deve-se aos inúmeros fatores que predispõem um indivíduo às quedas, já citados; além disso, defender que somente a prática de atividades físicas pode
reduzir o risco de quedas é inconsistente27,29. Neste estudo, tomou-se o cuidado de excluir ao máximo os fatores que
diferenciassem a amostra, buscando-se
uma amostra homogênea sem diferenças estatísticas quanto a idade, sexo e
capacidade de realização de AVD de
forma independente, e sem histórico de
doenças que poderiam afetar diretamente o equilíbrio.
Berg et al.12 também apontaram problemas ambientais como causas freqüentes de quedas, nos quais tropeços
e escorregões somaram 59% das causas
de quedas, e problemas com degraus
representaram 12%.
CONCLUSÃO
Os resultados permitem concluir que
o desempenho no teste de Berg foi pior
no grupo sedentário do que no ativo,
sugerindo que idosos sedentários têm
maior risco de quedas e que a prática
regular de atividades físicas interfere
nesse desempenho.
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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.11-5, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta a um
programa de alongamento muscular pelo método de Reeducação Postural Global
Respiratory system adaptations relative to pulmonary function in response to a
muscle stretching program using the Global Posture Reeducation method
Marlene Aparecida Moreno1, Aparecida Maria Catai2, Rosana Macher Teodori3,
Bruno Luis Amoroso Borges4, Roberta Silva Zuttin5, Ester da Silva6
Estudo desenvolvido no
Laboratório de Pesquisa em
Fisioterapia Cardiovascular e de
Provas Funcionais do PPG-Ft –
Programa de Pós-Graduação
em Fisioterapia da Unimep –
Universidade Metodista de
Piracicaba, Piracicaba, SP,
Brasil
1
Fisioterapeuta; Profa. Dra. do
PPG-Ft da Unimep
2
Fisioterapeuta; Profa. Dra. do
PPG-Ft da Universidade Federal
de São Carlos, São Carlos, SP
3
Fisioterapeuta; Profa. Dra. do
PPG-Ft da Unimep
4
Fisioterapeuta; Prof. Ms. do
Curso de Fisioterapia da
Unimep
5
Fisioterapeuta Ms.
6
Fisioterapeuta; Profa. Dra. do
PPG-Ft da Unimep
Colaborador: Marcelo de
Castro Cesar, Prof. Dr. do PPG
em Educação Física da Unimep
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Marlene A. Moreno
R. Santa Cruz 990 Bairro Alto
13419-030 Piracicaba SP
e-mail:
[email protected]
RESUMO: A proposta deste estudo foi analisar as adaptações do sistema respiratório
referentes à função pulmonar em resposta ao alongamento da cadeia muscular
respiratória pelo método de Reeducação Postural Global (RPG). Foram estudados
20 homens, sedentários, de antropometria semelhante, sem antecedentes de doenças
musculoesqueléticas ou cardiorrespiratórias. Os voluntários foram divididos
aleatoriamente em dois grupos de dez, sendo um grupo controle (GC), que não
participou do protocolo de alongamento, e o outro submetido à intervenção pelo
método de RPG, denominado grupo tratado (GT). O alongamento foi realizado
duas vezes por semana, durante oito semanas, totalizando 16 sessões. Os dois
grupos foram submetidos à prova de função pulmonar, medindo-se a capacidade
vital lenta, capacidade vital forçada e ventilação voluntária máxima, antes e após
o período de intervenção. Os valores obtidos em todas as variáveis dos voluntários
do GC na avaliação inicial não apresentaram diferença estatisticamente significante
quando comparados aos obtidos na avaliação final (p>0,05). No GT os valores
finais apresentaram-se significativamente maiores que os iniciais (p<0,05). O
protocolo de alongamento da cadeia muscular respiratória proposto pelo método
de RPG mostrou pois ser eficiente para promover aumento das variáveis
espirométricas, sugerindo que pode ser utilizado como um recurso fisioterapêutico
coadjuvante às condutas de fisioterapia respiratória.
DESCRITORES: Exercícios de alongamento muscular; Exercícios respiratórios; Postura
ABSTRACT: The aim of this study was to analyse the respiratory system adaptations
concerning pulmonary function in response to stretching the respiratory muscle
chain, by means of Global Posture Reeducation (GPR). Twenty sedentary young
men with similar anthropometry and no history of musculoskeletal or
cardiorespiratory disease were randomly divided into two groups of ten each: control
group (CG), who did no stretching, and treated group (TG), submitted to GPR.
Stretching was carried out twice a week for 8 weeks, in a total of 16 sessions. The
two groups were submitted to pulmonary function tests to assess slow vital capacity,
forced vital capacity and maximal voluntary ventilation, before and after the
intervention period. The initial values of all spirometric variables measured in CG
volunteers showed no statistically significant differences when compared to those
of the final evaluation (p>0.05), whereas in TG all values increased after intervention
(p<0.05). The GPR respiratory muscle chain stretching protocol thus proved efficient
to promote an increase in spirometric variables, suggesting that it may be used as
an auxiliary resource in respiratory physical therapy.
KEY WORDS: Breathing exercises; Muscle stretching exercises; Posture
Apoio financeiro: Fundo de
Apoio à Pesquisa da Unimep
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
jan. 2009
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5
11
INTRODUÇÃO
A relação entre atividade física e saúde está bem estabelecida: os exercícios
físicos associam-se a um estilo de vida
saudável e aumento da expectativa de
vida e, cada vez mais, mostram indícios
de efeitos benéficos à saúde.
Alguns autores estudaram o comportamento da função pulmonar em sujeitos saudáveis frente à realização de treinamentos físicos diversos1,2 e os resultados demonstram que, mesmo saudáveis,
os sedentários apresentam pior função
pulmonar quando comparados a sujeitos ativos3,4. Como um dos efeitos da
inatividade, a mobilidade muscular pode
ser alterada devido às modificações das
proteínas contráteis e do metabolismo
das mitocôndrias, resultando em atrofia,
fraqueza5, diminuição do número de
sarcômeros e aumento na deposição de
tecido conjuntivo6, levando ao encurtamento muscular e limitação da mobilidade articular.
Apesar de a musculatura respiratória
não ser passível de imobilização, sua
constante ação de contração favorece
uma postura em inspiração; o encurtamento dos músculos da cadeia respiratória leva ao aumento do volume pulmonar em repouso, caracterizando tórax com grande diâmetro7, restringindo
assim a mobilidade da caixa torácica.
Portanto, para que ocorram os ciclos
respiratórios de forma adequada, deve
haver um sincronismo entre a caixa
torácica, os pulmões e a musculatura respiratória, atuando de forma harmoniosa
e coordenada para tornar possível um
fenômeno tão complexo8.
O exercício de alongamento muscular
tem sido bastante estudado e difundido,
pois permite que o músculo recupere seu
comprimento necessário para manter o
alinhamento postural correto e a estabilidade articular, garantindo principalmente a integridade e a função muscular9,10.
No entanto, estudos sobre seu efeito na
função pulmonar ainda são incipientes,
possivelmente por se tratar de um grupo
muscular de funcionamento complexo.
O método de Reeducação Postural Global
(RPG), baseado nas cadeias musculares
posturais, apresenta preocupação especial
com o alongamento da musculatura respiratória e tem demonstrado influência
12
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):11-5
09;16(1)
positiva na mecânica respiratória11. Considerando a proposta do método de RPG,
este estudo visou analisar, em homens
sedentários, as adaptações do sistema
respiratório referentes à função pulmonar
em resposta ao alongamento da cadeia
muscular respiratória, na postura da RPG
“rã no chão com os braços abertos”.
METODOLOGIA
Este é um estudo prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Unimep. Os voluntários foram informados e esclarecidos a respeito dos objetivos e da metodologia experimental à
qual seriam submetidos, explicitando o
caráter não-invasivo dos procedimentos.
Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
O cálculo amostral foi feito usando o
aplicativo GraphPad StatMate (v. 1.01i)
para o nível de confiança de 95% e poder de força da amostra (power) de 80%,
utilizando-se a variável CVF. Participaram do estudo 20 voluntários jovens,
estudantes do Curso de Fisioterapia da
Unimep, do sexo masculino, nãotabagistas, de antropometria semelhante e sedentários, ou seja, com capacidade aeróbia “fraca”, de acordo com a
classificação da American Heart
Association12. Esta foi avaliada pelo teste ergoespirométrico realizado em
cicloergômetro Corival 400 (Quinton,
Seattle, WA, USA), utilizando um
analisador metabólico específico (CPXD, Med Graphics, St. Paul, MN, USA).
Apesar de hígidos, todos apresentavam
força muscular inspiratória abaixo do
predito, de acordo com a equação de
Tabela 1
predição dos valores normais proposta
por Neder et al.13, segundo os as medidas obtidas das pressões inspiratórias
máximas (PImáx) (Tabela 1). Não tinham
antecedentes de doenças musculoesqueléticas, cardiovasculares ou respiratórias, conforme avaliação clínica prévia, e
apresentavam encurtamento da cadeia
muscular respiratória, de acordo com
avaliação postural preconizada por
Souchard e Ollier14.
Os voluntários foram divididos em
dois grupos de dez por randomização
realizada por tabela numérica, sendo um
grupo controle (GC), que não participou
do protocolo de alongamento, e o outro
submetido à intervenção pelo método de
RPG, denominado grupo tratado (GT).
Antes e após o período de intervenção, todos os voluntários foram submetidos à avaliação da função pulmonar
por espirometria. A amostra foi familiarizada com todos os procedimentos antes do início do experimento; durante o
período experimental não houve perda
amostral. O pesquisador que realizou
todas as medidas era cegado, ou seja,
não tinha conhecimento se o voluntário
era do GC ou GT, para que não houvesse influência nos resultados. Todos os
experimentos foram realizados no mesmo período do dia (entre as 14 h e 17 h),
com o objetivo de evitar as influências
do ciclo circadiano nas variáveis estudadas.
O voluntário repousou por 10 minutos antes do teste e todos os procedimentos lhe foram descritos cuidadosamente.
As provas de função pulmonar foram
realizadas de acordo com as orientações
da American Thoracic Society15 e das
Características (média ± desvio padrão) dos grupos controle (GC) e
tratado (GT)
Característica
GC (n=10)
Idade (anos)
23,4r2,7
Massa corporal (kg)
81,1r7,3
Estatura (cm)
177,7r6,1
25,6r1,2
IMC (kg/m2)
PImáx predita (cmH2O) -139,4r3,8
PImáx obtida (cmH2O) -104,5r12,1
VO2pico (mL/kg/min-1)
30,3r4,6
GT (n=10)
22,9r2,0
80,0r4,3
176,4r5,7
25,1r1,9
-139,09r2,4
-105,5r11,1
30,2r4,1
IMC = Índice de massa corporal; PImáx: pressão inspiratória máxima; VO2pico = consumo de
oxigênio no pico do exercício (não houve diferença estatisticamente significante em qualquer das
variáveis, p>0,05)
Moreno et al.
diretrizes para testes de função pulmonar de Pereira16, usando um espirômetro
(Med Graphics Breeze 6.0, St. Paul, MN,
USA). Nessas provas foram medidas a
capacidade vital lenta (CVL), capacidade vital forçada (CVF) e ventilação voluntária máxima (VVM). Cada manobra
foi realizada até se obterem três curvas
aceitáveis e duas reprodutíveis, não excedendo mais que oito tentativas. Os
valores de referência utilizados foram os
de Pereira16, e os resultados obtidos, expressos em condições de temperatura
corporal e pressão ambiente saturada com
vapor d’água (BTPS body temperature and
pressure saturated).
O exame foi realizado com o voluntário sentado, a cabeça mantida em posição neutra e fixa, e um clipe nasal foi
usado para evitar vazamento de ar pelas narinas. Pelos testes espirométricos
foram obtidos os valores absolutos e em
porcentagem do previsto para cada grupo, referentes à CVL, capacidade inspiratória (CI), CVF, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e VVM.
As cadeias musculares submetidas ao
alongamento utilizando a postura “rã no
chão com braços abertos” foram: a) cadeia inspiratória, constituída pelos músculos escalenos, peitoral menor, intercostais e diafragma e seu tendão; b) cadeia
ântero-interna do ombro, constituída pelos músculos subescapular, coracobraquial e peitoral maior; c) cadeia anterior do braço, constituída pelos músculos trapézio superior, deltóide médio,
coracobraquial, bíceps braquial,
braquiorradial, pronador redondo,
palmares, flexores dos dedos, tenares e
hipotenares; d) cadeia ântero-interna do
quadril, constituída pelos músculos
psoas ilíaco, pectíneo, adutor curto,
adutor longo, grácil e porção anterior do
adutor magno17.
Previamente à realização da postura,
os voluntários do GT foram submetidos
à manobra para relaxamento do diafragma, preparando-o para o alongamento7.
Esta consistiu de uma massagem realizada bilateralmente com a ponta dos
dedos, aplicada desde o ângulo costoxifoidiano até as últimas costelas, utilizando pressões suaves sobre a pele. Para
a postura “rã no chão com os braços
abertos”, o voluntário foi posicionado
em decúbito dorsal com os braços a
Método de RPG e função pulmonar
Tabela 2 Medidas espirométricas (valores absolutos e percentual em relação aos
preditos, %) antes e após o tratamento nos grupos controle (GC)
e tratado (GT)
Variáveis
espirométricas
CVL (L)
CVL %
CI (L)
CI %
CVF (L/s)
CVF %
VEF1 (L/s)
VEF1 %
VVM (L/min)
VVM %
GC (n=10)
Antes
5,42r0,4
97,7r9,3
3,64r0,4
101,2r12,7
5,6r0,5
100,5r7,7
4,57r0,3
99,1r7,7
181,9r21,0
98,1r14,4
Após
5,25r0,6
94,9r16,0
3,72r0,3
104r9,3
5,54r0,3
99,7r7,6
4,53r0,3
98,6r8,3
174,6r15,0
94,4r11,6
Antes
GT (n=10)
Após
4,98r1,0
92,4r16,3
3,41r0,5
98,1r15,7
5,46r0,7
100,8r10,9
4,49r0,5
99,7r9,7
166,4r22,0
92r7,4
5,38r1,0*
97,3r18,2*
3,76r0,6*
109r17,5*
5,60r0,8*
104,2r11,7*
4,64r0,3*
102,4r8,6*
183,9r26,0*
99,4r12,1*
* diferença antes x após significativa (p<0,05); CVL = capacidade vital lenta; CI = capacidade
inspiratória; CVF = capacidade vital forçada; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro
segundo; VVM = ventilação voluntária máxima
aproximadamente 45° de abdução, antebraços em supinação, com as palmas
das mãos voltadas para cima; membros
inferiores com abdução, quadril e joelhos fletidos até a completa aposição das
plantas dos pés. Foi realizada a pompagem dorsal, objetivando o alinhamento
das curvaturas dorsal e cervical da coluna vertebral, enquanto a pompagem
sacral buscou a retificação da coluna
lombar. O voluntário foi solicitado a
abduzir os quadris a partir da posição
inicial, mantendo as plantas dos pés em
aposição, alinhadas ao eixo do corpo.
Para a realização da postura, o terapeuta utilizou comandos verbais e
contatos manuais, solicitando a manutenção do alinhamento e as correções
posturais necessárias, com o objetivo de
otimizar o alongamento e impedir compensações. O voluntário foi solicitado a
realizar inspirações tranqüilas seguidas
de expirações prolongadas, com o máximo rebaixamento possível das costelas e protrusão do abdome, visando o
alongamento da cadeia muscular respiratória, enquanto o terapeuta auxiliava
na manutenção do crescimento axial.
Durante a realização da postura, os
membros superiores deviam seguir em
abdução, com alongamento progressivo dos músculos peitorais, até o limite
possível para cada voluntário, evitando
compensações. Da mesma forma, os
membros inferiores em aposição devi-
am avançar em sentido caudal, visando
principalmente o alongamento do músculo psoas ilíaco, mantendo a curvatura
lombar em contato com a superfície de
apoio. A mesma postura foi realizada em
todas as sessões, durante 30 minutos,
sendo que o terapeuta realizava a progressão da mesma até o limite possível
para cada voluntário, dentro de cada
sessão, favorecendo o alongamento progressivo das cadeias musculares envolvidas na postura durante o tratamento.
O alongamento foi realizado duas vezes por semana, durante oito semanas,
totalizando 16 sessões.
Para a análise estatística foi utilizado
o aplicativo Statistica for Windows
(release 6.1 Stat Soft). O teste de
Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a distribuição dos dados, sendo
rejeitada a hipótese de normalidade de
todas as variáveis. Portanto, foram utilizados testes não-paramétricos, sendo o
de Wilcoxon para amostras pareadas e
de Mann-Whitney para amostras nãopareadas, com nível de significância
α=5%.
RESULTADOS
Verifica-se na Tabela 2 que os dados
obtidos da espirometria, expressos em
valores absolutos e percentualmente em
relação ao previsto, obtidos antes e após
o período de intervenção no GC, não
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5
13
apresentaram diferença estatisticamente significante (p>0,05). Para o GT, observaram-se maiores valores após o treinamento, encontrando-se diferenças significativas em todas as variáveis estudadas (p<0,05).
DISCUSSÃO E
CONCLUSÃO
Os voluntários estudados não apresentavam discrepância em relação às
características antropométricas e à idade, as quais foram cuidadosamente observadas para manter a homogeneidade
dos grupos, bem como garantir a qualidade da pesquisa, uma vez que as variáveis espirométricas apresentam variações
fisiológicas de acordo com o sexo, idade, massa corporal e estatura18. Os mesmos apresentavam ainda encurtamento
da cadeia muscular respiratória e valores de força muscular inspiratória abaixo do predito, com conseqüente desvantagem da mecânica respiratória, sendo
essas alterações geralmente decorrentes
de encurtamento excessivo da musculatura inspiratória, tendo como principais causas agressões neuropsíquicas
(estresse), aumento do volume da massa visceral, postura inadequada, patologias respiratórias, fraqueza muscular e
envelhecimento19.
A interação entre o pulmão e a caixa
torácica constitui um determinante importante dos volumes pulmonares, podendo acarretar conseqüências relevantes para a troca gasosa pulmonar. Os testes de função pulmonar são bastante
precisos para verificar a eficácia de técnicas, servindo como método auxiliar na
avaliação respiratória20-22, além de fornecerem medidas quantitativas que
constituem também indicadores da função neuromuscular23.
São poucos na literatura os estudos
sobre função pulmonar em sujeitos saudáveis, mas alguns autores demonstram
14
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):11-5
09;16(1)
que, mesmo saudáveis, os sedentários
apresentam piores resultados quando
comparados a sujeitos ativos3,4. Até o
momento, são escassos estudos que evidenciem melhora do desempenho da
função pulmonar em sujeitos submetidos a intervenção fisioterapêutica pelo
método de RPG. No entanto, outras práticas de atividade física têm incluído o
alongamento com o objetivo de melhorar a função respiratória, como no trabalho realizado por Mandanmohan et
al.24, que observaram aumento de índices espirométricos após treinamento regular de ioga, semelhante ao resultado
obtido neste estudo utilizando a RPG –
demonstrando assim que o controle da
respiração e o alongamento têm efeito
benéfico sobre a função pulmonar.
Uma vez que a VVM reflete a capacidade do indivíduo de sustentar um alto
nível de ventilação, ou seja, simula um
esforço físico extenuante, o aumento nos
valores dessa variável, encontrado no GT
após o período de intervenção, talvez
possa estar relacionado ao aumento do
número de sarcômeros em série promovido pelo alongamento19,25, melhorando
a interação entre os filamentos de actina
e miosina e aumentando a capacidade
contrátil dos músculos respiratórios, em
virtude do aumento do comprimento
funcional dos mesmos26. Assim, no presente estudo procurou-se aplicar técnicas de alongamento para melhorar a relação comprimento-tensão das fibras
musculares, favorecendo o desempenho
da bomba respiratória, considerando
que quanto mais alongado estiver um
músculo dentro do limite de sua capacidade contrátil, maior será sua capacidade de gerar tensão.
Hoje se aceita que existe uma remodelação dos músculos respiratórios em
situações de sobrecarga, que consiste
tanto em adaptações estruturais (dos
sarcômeros) como metabólicas (capacidade oxidativa)27, o que pode ter sido
responsável pelo aumento da capacidade contrátil da cadeia muscular respira-
tória, com conseqüente aumento da CVL
e CI nos sujeitos do GT. Segundo West28
e Leff e Schumacker29, a mudança do
volume pulmonar está diretamente relacionada com a pressão que o distende,
sendo a pressão gerada para essa distensão dependente de uma contração
muscular efetiva.
O efeito do alongamento dos músculos respiratórios nas variáveis pulmonares foi investigado em portadores de
doença pulmonar obstrutiva crônica; os
resultados mostraram que os pacientes
apresentaram aumento da mobilidade
torácica e do volume corrente e diminuição da dispnéia30, bem como melhora na mecânica respiratória após o período de intervenção31. Apesar das características dos voluntários e os protocolos utilizados nos dois estudos serem
diferentes dos do presente estudo, os
resultados são concordantes quanto aos
efeitos benéficos proporcionados pelo
alongamento muscular sobre a função
respiratória.
O aumento da CVF e do VEF1 no GT
após o período de intervenção justificase possivelmente pelo fato de os voluntários desta pesquisa não apresentarem
obstrução ao fluxo aéreo; e, como a contração dos músculos expiratórios é bastante exigida durante a realização da
postura “rã no chão com os braços abertos”, esta leva a uma melhora na habilidade de coordenar a ação desse grupo
muscular, proporcionando maior efetividade na realização da manobra durante os testes de reavaliação.
Em conclusão, os resultados deste
estudo mostraram que o alongamento da
cadeia muscular respiratória realizado
na postura “rã no chão com os braços
abertos”, do método de RPG, foi eficiente para promover aumento significativo das variáveis espirométricas dos
voluntários estudados, sugerindo que
pode ser utilizado como recurso fisioterapêutico coadjuvante às condutas de
fisioterapia respiratória.
Moreno et al.
Método de RPG e função pulmonar
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :11- 5
15
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.16-21, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Ensino de massoterapia: habilidades envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente
Massotherapy teaching: abilities involved in the therapist-patient relationship
Beatriz Calil Padis Campos1, Terezinha Calil Padis Campos2, Clarice Tanaka3, Fátima Aparecida Caromano4
Estudo desenvolvido no
LaFi.Com – Laboratório de
Fisioterapia e Comportamento
do Curso de Fisioterapia do
Fofito/FMUSP – Depto. de
Fisioterapia, Fonoaudiologia e
Terapia Ocupacional da
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta Ms. do LaFi.Com
do Fofito/FMUSP
2
Profa. Dra. do Depto. de
Fundamento da Educação da
Faculdade de Educação da
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São
Paulo, SP
3
Profa. Titular do Curso de
Fisioterapia do Fofito/FMUSP
3
Profa. Dra. do Curso de
Fisioterapia do Fofito/FMUSP
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Fátima Caromano
Curso de Fisioterapia /Fofito
R. Cipotânea 51 Cidade
Universitária
05360-000 São Paulo SP
e-mail: [email protected]
APRESENTAÇÃO
nov. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
jan. 2009
16
09;16(1)
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):16-21
RESUMO: Desenvolvido no âmbito da disciplina Recursos Terapêuticos Manuais, o
objetivo deste trabalho foi elaborar, aplicar e avaliar a eficácia de um programa de
treinamento de habilidades profissionalizantes em sessão de massoterapia, com
foco na relação fisioterapeuta-paciente, sem descuidar do autocuidado do terapeuta.
Para elaboração do programa, foram identificadas 21 habilidades envolvidas nessa
relação, com base na literatura e na observação de 120 sessões de massoterapia.
Dez peritos validaram a definição operacional das habilidades, que foram
organizadas em um programa de treinamento aplicado a alunos. O desempenho
destes nas habilidades treinadas (classificado como adequado, parcialmente
adequado, inadequado ou não-realizado) foi avaliado em prova prática. Também
foi analisado relato escrito dos alunos sobre o programa. Participaram do estudo
25 graduandos. A análise dos resultados mostrou que todos realizaram 12 das 21
habilidades treinadas adequadamente. Quatro habilidades foram realizadas de
forma parcialmente adequada por cinco alunos. Não ocorreu situação de execução
inadequada. Na análise dos relatos, 19 dos 25 alunos afirmaram ser o treinamento
importante e necessário. O autocuidado físico foi destacado como importante para
o desenvolvimento profissional e apropriado para o contexto de ensino por dez
alunos. O programa mostrou-se pois eficiente em capacitar os alunos para um
bom relacionamento terapeuta-paciente, sendo bem aceito pelos alunos.
DESCRITORES: Educação profissionalizante/métodos; Ensino; Massagem/educação;
Relações profissional-paciente
ABSTRACT: This work was developed within the discipline Manual Therapy Resources.
It consisted in designing, applying, and assessing the efficacy of a program of
massotherapy training with a focus on therapist-patient relationship, also stressing
therapist self care. By drawing on literature and on the observation of 120
massotherapy sessions, 21 professional abilities were defined and organised into a
training program. Ten experts validated the abilities operating definition. The program
was then applied to a class of 25 undergraduates, whose performance at the end of
the program was assessed, in a practical test, as adequate, partially adequate,
inadequate or not undertaken. Written final reports by students were also analysed.
Twelve out of the 21 trained abilities were found to be adequately performed by all
students; four abilities were partially adequately carried out by five students. There
was no case of inadequate performance. The analysis of the written reports showed
that 19 out of the 25 students approved of the training program, found relevant and
necessary. The self-care training was pointed out as relevant for professional
development and appropriate to the teaching context by 10 students. The program
proved thus efficient in enabling students to perform with adequate therapist-patient
relationship, being also well accepted by students.
KEY WORDS: Education, professional/methods; Massage/education; Professionalpatient relations; Teaching
Campos et al.
Ensino da relação fisioterapeuta-paciente
INTRODUÇÃO
Este estudo, desenvolvido no âmbito
da disciplina Recursos Terapêuticos Manuais, focaliza o ensino de habilidades
profissionalizantes. Cabe ao docente,
como formador, promover o desenvolvimento dessas habilidades, permitindo
aos alunos reflexão sobre a relação fisioterapeuta-paciente, especialmente durante a aplicação de massoterapia, por
ser este um recurso que demanda exposição corporal e contato físico. O futuro
profissional fisioterapeuta deve não só
aprender a técnica a ser utilizada como
também incorporar uma conduta profissional adequada, respeitando a individualidade do paciente e estabelecendo
para com ele uma relação profissional
formal e de confiança.
No ensino de massoterapia, dois conteúdos são introduzidos como informação e orientação: as habilidades profissionais envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente e o autocuidado físico.
O ensino de habilidades envolvidas
na relação terapeuta-paciente tem sido
relativamente pouco explorado na pesquisa e na prática educacional das ciências
da saúde1-3. Publicações didáticas sobre
o tema são recentes na Fisioterapia, embora algumas pesquisas apresentem elementos esclarecedores no que se refere
a conteúdos e formas de ensino nessa
área4-6. Estudos sobre o desempenho na
execução de técnicas também começam
a surgir na literatura, colaborando para o
delineamento de um panorama mais completo sobre o ensino de Fisioterapia7,8.
O objetivo deste estudo foi elaborar,
aplicar e avaliar a eficácia de um programa de treinamento de habilidades
profissionalizantes envolvidas na relação
fisioterapeuta-paciente durante uma sessão de massoterapia, identificando ainda a opinião dos alunos sobre a experiência vivenciada.
METODOLOGIA
Este estudo consistiu na pesquisa
observacional de situação, desenvolvimento de programa de ensino, intervenção e avaliação.
Participaram graduandos do quarto
semestre do Curso de Fisioterapia do
Fofito/ FMUSP – Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia
Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – regularmente matriculados na disciplina
de Recursos Terapêuticos Manuais que
manifestaram concordância em participar da pesquisa. Todos os participantes
assinaram termo de consentimento livre
e esclarecido, conforme proposto no
projeto de pesquisa aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos
de Pesquisa da FMUSP. Foi critério de
exclusão o interesse em interromper a
participação na pesquisa.
Foi desenvolvido em uma sala de aula
medindo 6 por 10 metros, onde foi garantido um ambiente reservado e silencioso para treinamento, e no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento,
onde ocorreu a filmagem da prova prática, a observação e análise dos conteúdos dos filmes, ambos localizados no
Fofito/ FMUSP. Além do programa de
ensino de habilidades profissionalizantes, os materiais utilizados foram televisão de 24 polegadas, filmadora e filmes
VHS, ficha de checagem e avaliação de
habilidades, ficha de registro de tempo
de comunicação, ficha para avaliação
da postura do fisioterapeuta e os relatos
escritos entregues pelos alunos.
Procedimentos
A pesquisa foi desenvolvida em quatro fases: 1, identificação das habilidades profissionalizantes envolvidas na
relação fisioterapeuta-paciente; 2, sua
validação por peritos, bem como sua
definição operacional e seqüência; 3,
desenvolvimento do programa de treinamento dessas habilidades; e 4, avaliação
do desempenho dos alunos nas habilidades treinadas.
Na primeira fase, a identificação das
habilidades profissionalizantes envolvidas na relação fisioterapeuta-paciente foi
feita com base na análise da literatura9-14
e por observação direta, realizada previamente pela responsável da disciplina e pela pesquisadora, de 120 sessões
de massoterapia, desenvolvidas por dez
alunos (do 4o ano do curso) em treinamento em massoterapia, junto a dez
pacientes, sendo um paciente para cada
aluno.
Foram selecionadas e operacionalmente definidas 21 habilidades para a
prática de massoterapia, a saber:
1 vestimenta do fisioterapeuta
2 preparo do local para tratamento
3 chamada do paciente
4 acomodação do paciente sentado
5 mensuração de freqüência cardíaca
pré-intervenção
6 questionamento sobre intercorrências
físicas ou emocionais durante a
semana
7 avaliação funcional básica do paciente
8 feedback sobre a avaliação
9 explicação sobre a intervenção a
ser realizada
10 drapejamento
11 posicionamento na maca
12 autocuidado físico do fisioterapeuta
13 intervenção
14 mensuração de freqüência cardíaca
pós-intervenção
15 ajuda para o paciente sentar-se
16 ajuda para o paciente sair da maca
17 ajuda para o paciente vestir-se
18 acomodação do paciente sentado em
cadeira, confirmação do retorno
19 preenchimento da ficha de avaliação
20 comunicação verbal entre terapeuta e paciente
21 despedir-se formalmente do paciente.
As habilidades selecionadas, entendidas como eticamente corretas e essenciais para o desenvolvimento profissional, compuseram o programa de ensino
treinado junto aos alunos. Essa intervenção baseia-se na convicção de que a
partir do aprendizado das mesmas o aluno poderá avaliar de forma crítica sua
experiência e a relação que estabelece
com o paciente, adotando uma forma
de intervenção compatível com suas
necessidades, possibilidades e expectativas profissionais e pessoais.
Na fase 2, com o objetivo de validar
a lista de 21 habilidades, utilizou-se o
critério de seleção de peritos adotado
por Fehring15. O grupo de peritos constituiu-se de profissionais que atuam na
área de ensino e/ou de massoterapia.
Eles opinaram não só sobre as definições
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17
operacionais, mas também quanto à seqüência temporal das habilidades propostas durante o atendimento de
massoterapia. Os peritos deram notas
para cada item utilizando uma escala de
pontuação do tipo Likert 13, de cinco
pontos. À semelhança de Fehring 15 ,
usou-se um coeficiente de confiabilidade para comparar as notas, considerando-se que o coeficiente maior ou igual
a 0,8 (sendo o máximo 1,0) significa que
os peritos concordam que a descrição é
muito indicativa da habilidade testada.
Para desenvolver o programa de treinamento das habilidades, na fase 3, o
recurso didático escolhido foi o treinamento a partir de demonstração. Ocorreram, em sala de aula, oito treinamentos de quatro horas cada, e mais oito
períodos de quatro horas de treinamento com monitores. Cada aula foi dividida em duas horas teóricas (técnicas e
efeitos fisiológicos da massagem) e duas
horas práticas (seqüência de habilidades
propostas, considerando suas definições
operacionais). Foi entregue uma cartilha
com imagens e descrições das posturas
de autocuidado utilizadas na massagem
clássica.
Durante as aulas práticas, foi realizada demonstração das técnicas de
massoterapia pela professora e um aluno
voluntário fazia o papel de assistente da
professora, auxiliando na execução das
demais habilidades estipuladas no roteiro, desde o preparo do local de trabalho até a despedida do paciente-aluno.
Após a fase de demonstração, os alunos
se dividiram em trios para a simulação
do atendimento e treinamento prático.
Na mesma semana, o aluno agendava
horário com um dos monitores para treinamento durante uma hora.
Na última fase foram avaliadas as
habilidades treinadas em prova prática,
realizada ao final do programa de ensino, tendo sido seu registro efetuado pela
gravação de filmes. Dezenove das 21
habilidades foram avaliadas, considerando a escala de Likert13 de três pontos
adotada, como: adequada, parcialmente adequada, inadequada ou não-realizada. O autocuidado físico foi avaliado
pelo tempo, forma (adequada, parcialmente adequada e inadequada) e postura escolhida. A comunicação foi ana-
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lisada segundo a definição de terapêutica e não-terapêutica14.
A atividade de prova consistiu em
atender um paciente, em situação real,
por meio da aplicação de massagem clássica de corpo inteiro. O aluno deveria
apresentar a seqüência de habilidades de
acordo com as respectivas definições
operacionais. Para tanto, contou-se com
a colaboração de pessoas consideradas
saudáveis, sem queixa, no papel de paciente. Esses “pacientes” tiveram o conhecimento do termo de consentimento livre e esclarecido e forneceram aquiescência em participar do estudo. O tempo máximo estipulado para a realização
da prova foi de uma hora e meia por
aluno, em sala individual, com uma
câmera filmadora posicionada a uma
distância de três metros. A observação
dos filmes para análise foi feita com o
auxílio de uma lista de checagem e avaliação das habilidades de acordo com a
definição operacional estabelecida.
Para assegurar a confiabilidade dos
resultados obtidos, dois terços dos filmes (16 de 24) foram avaliados por um
examinador independente, com conhecimento do conteúdo aplicado. O coeficiente de confiabilidade foi estabelecido para cada habilidade, utilizandose a fórmula proposta por Fehring15: R =
A / A+D, onde “R” é o coeficiente de
confiabilidade entre observadores; “A”,
o número de concordâncias; “D”, o número de discordâncias. O resultado acima de 0,8 demonstra concordância entre os examinadores.
Finalmente, foram avaliados relatos
escritos pelos alunos sobre a experiência de aprendizagem e treinamento de
habilidades profissionalizantes. Foi solicitado que, de forma escrita e nãoidentificada, dessem sua opinião, sugestões ou críticas à disciplina, à monitoria
e ao programa de ensino de habilidades
profissionalizantes. Os relatos foram
analisados de forma quantitativa, agrupando-se os enunciados em categorias.
RESULTADOS
Iniciaram o estudo 25 alunos, sendo
3 homens e 22 mulheres, com idade
média de 19,2±0,8 anos. Não houve
desistência; porém a filmagem de uma
prova prática de um aluno foi descarta-
da por questões técnicas de gravação,
ficando portanto válidos 24 filmes para
a avaliação das habilidades profissionalizantes. Os dados obtidos pelo relato
escrito desse aluno foram considerados
para estudo. Atuaram como pacientes 25
voluntários, 15 mulheres e 10 homens,
maiores de 18 anos e saudáveis.
Quanto à elaboração do programa,
na análise das definições operacionais
das 21 habilidades profissionalizantes,
realizada pelos dez peritos (todos fisioterapeutas), nenhuma das habilidades
recebeu escore menor que 0,80; três
habilidades receberam escore maior que
0,90 e menor que 1, sendo 0,92 para a
habilidade de “preparo do local de tratamento” e 0,95 para as habilidades
“feedback sobre avaliação” e “explicação sobre intervenção a ser realizada”.
As demais habilidades tiveram um escore de 1,0 para suas definições. Sugestões de complementação das definições
foram aceitas pela pertinência. Não houve sugestão de mudança na seqüência
temporal.
Na avaliação do desempenho dos alunos, dentre as 21 habilidades, duas não
foram mensuradas por pontuação
(autocuidado e comunicação), sendo
comentadas adiante. Das demais 19, 12
foram avaliadas como realizadas adequadamente pelos 24 alunos que participaram do estudo, a saber: vestimenta
do terapeuta; preparo do local de tratamento; chamada do paciente; explicação sobre intervenção; drapejamento;
posicionamento na maca; intervenção;
ajudar o paciente a sentar-se na maca;
ajudar o paciente a sair da maca; auxiliar o paciente a vestir-se; despedir-se adequadamente; preencher a ficha de evolução.
As habilidades “acomodar o paciente sentado”, “mensurar a freqüência cardíaca pré-intervenção” e “questionar
sobre intercorrência física ou emocional durante a semana” tiveram sua execução realizada de forma parcialmente
adequada por um aluno cada uma. Observou-se como ocorrência que um aluno iniciou a anamnese com o paciente
em pé e, após alguns instantes, pediulhe para sentar-se; um aluno mensurou
a freqüência cardíaca pré-intervenção
em momento fora da sequência prevista
e outro aluno não questionou de manei-
Campos et al.
ra suficiente sobre intercorrências físicas ou emocionais. Os demais alunos
realizaram essas habilidades de forma
adequada. Na habilidade “feedback sobre avaliação”, dois alunos realizaram
a habilidade de forma parcialmente adequada, dando informações insuficientes
sobre seus achados clínicos ao paciente. Os demais alunos fizeram-na adequadamente.
Nenhuma habilidade foi realizada de
forma inadequada por parte dos alunos.
Com relação às habilidades não realizadas, um aluno não coletou a freqüência cardíaca pós-intervenção, um não
acomodou o paciente sentado após a
intervenção; dois alunos não realizaram
a coleta de frequência cardíaca pré-intervenção, assim como não realizaram
a avaliação funcional básica; e quatro
alunos não deram feedback sobre os
achados da avaliação.
No que se refere ao pareamento dos
resultados obtidos na análise dos filmes
feita pela pesquisadora e pelo examinador independente, o índice de concordância obtido foi superior a 0,93 para
todas as habilidades pesquisadas. Especificamente, as habilidades “questionamento sobre intercorrências físicas ou
emocionais”, “avaliação funcional básica”, feedback, drapejamento e “acomodar o paciente sentado” tiveram um
índice de concordância entre 0,93 a 0,95;
e as demais habilidades tiveram um índice de concordância de 0,96 a 0,98.
Os resultados encontrados sobre o
desempenho na habilidade de autocuidado físico demonstram que as posturas
adotadas de forma adequada totalizaram
97,6% do tempo total da intervenção.
Posturas parcialmente adequadas foram
observadas durante 2,4% do tempo total. Não houve ocorrência de postura
inadequada. Os resultados referentes ao
autocuidado físico apresentam um índice de concordância de 0,95.
Durante a análise dos 24 atendimentos, 2004 sentenças foram proferidas e
classificadas de acordo com Stefanelli e
Carvalho14, com média de 90 sentenças
por atendimento. Os fisioterapeutas falaram 72% do total de sentenças. A comunicação foi considerada terapêutica
em 86% das sentenças proferidas pelos
alunos durante a intervenção (tendo a
Ensino da relação fisioterapeuta-paciente
comunicação não-terapêutica totalizado
14% das sentenças dos alunos). O índice de concordância entre a pesquisadora e o examinador independente, na
habilidade de comunicação, foi de 0,92.
Para avaliação dos relatos individuais
escritos pelos alunos sobre a disciplina,
a monitoria e o ensino de habilidades
profissionalizantes, os relatos foram resumidos e as respostas, categorizadas. Em
85% dos relatos foi pontuado que a existência de um roteiro foi fator de segurança e domínio no desenvolvimento da
sessão de massoterapia. Em relação à
rotina empregada para o ensino das habilidades profissionalizantes, 76% dos
alunos a consideraram importante e necessária, sendo alegado que facilitou a
relação com o paciente, trazendo os alunos mais próximos da realidade clínica.
A habilidade de autocuidado físico foi
destacada como importante para o desenvolvimento profissional e apropriada para a situação por 40% dos alunos.
A presença do monitor foi destacada
por 52% dos alunos como importante
para a fixação do conteúdo teórico-prático aprendido, e igualmente foi avaliado de forma positiva o conteúdo
programático da disciplina.
Contudo, algumas opiniões sugerem
necessidade de ajustes do programa oferecido, uma vez que cinco alunos mencionaram a necessidade de aumentar a carga
horária da monitoria, dois mencionaram
que as habilidades profissionalizantes
foram “pouco amigáveis” e dois alunos
sugeriram que a parte prática do ensino
da massoterapia ocorresse de forma simultânea à demonstração pelo professor.
DISCUSSÃO
No presente estudo, explorou-se uma
área da fisioterapia clínica que é normalmente tida como muito importante
no ensino de graduação – mas nem sempre tão lembrada na literatura –, a relação fisioterapeuta-paciente*.
*
Ao ponto de a relação terapeuta-paciente não
constar do tesauro de descritores da Biblioteca Virtual em Saúde, embora inúmeras outras relações interpessoais (mãe-filho, familiar etc.) constem como descritores.
A proposta de ensino foi considerada,
pelas autoras e pelos alunos, satisfatória
para o desenvolvimento de habilidades
na relação fisioterapeuta-paciente, em
consonância com Altamaier9 e Hojat et
al.17, segundo os quais, para ocorrer o
desenvolvimento cognitivo, deve ser incluído também o treinamento técnico.
Jette6 afirma que os alunos nos primeiros anos de graduação devem dar início
ao treinamento de sua independência
clínica, mesmo que ainda não em todas
as situações vivenciadas.
Na pesquisa, a opção por utilizar filmagem e o feedback de um examinador independente com relação à prova
prática do aluno baseou-se no estudo de
Roberts e Bucksey18 segundo os quais,
na prática clínica, a gravação em filme
de um dos primeiros atendimentos do
aluno pode contribuir com uma informação rica e material para reflexão, ajudando a identificar os pontos a serem
mudados ou melhorados nos futuros
atendimentos.
O fato de 100% dos alunos terem realizado de forma adequada as 12 habilidades mencionadas mostra que esses
conteúdos, treinados durante o estudo,
foram incorporados de forma integral
durante a prática clínica. Acreditamos
que essas habilidades possam se tornar
parte da rotina clínica em futuros atendimentos, entendendo-se que a manutenção adequada dessas habilidades favoreça um atendimento competente. O
programa proposto deve abrir um espaço de reflexão para que alunos e educadores repensem suas atitudes e valores,
considerando a ética e o respeito ao próximo, como exemplificado no relato de
um aluno: “O treinamento das habilidades do fisioterapeuta foi importante,
pois existe uma dificuldade de relacionamento com o paciente no início e
acredito que a formalidade realmente
deve ser mantida”.
Neste estudo, manteve-se atenção à
habilidade de comunicação, pois se
acredita que, a partir da comunicação
eficiente, haverá intervenção adequada
e a evolução satisfatória do tratamento.
Considerando a comunicação uma habilidade interpessoal necessária para
assegurar a competência dos alunos
durante um atendimento, a utilização
dessa habilidade foi considerada satis-
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32
:16-21
19
fatória, pois se observou a comunicação
terapêutica em mais de 80% das sentenças ditas pelos alunos, favorecendo
uma terapia mais formal e diretiva,
posicionando o paciente numa situação
de segurança, caso fosse necessário esclarecer alguma dúvida com seu fisioterapeuta. O treinamento dessa habilidade incentiva o aluno a ultrapassar barreiras de medo, insegurança e desconhecimento, deixando-o mais confiante para
orientar e instruir seu paciente em relação às orientações e cuidados, demonstrando assim maior controle da situação
clínica. A comunicação inadequada encontrada em 14% das sentenças induziam às
respostas “sim” e “não” o que, de acordo com Stefanelli e Carvalho14, deve ser
evitado, pois muitas vezes o paciente
fica sem alternativa para dar outra resposta que não a contida na pergunta e
fica evidente o que o profissional quer
ouvir como resposta. É o tipo de comunicação que não estimula nem propicia
a expressão verbal dos sentimentos ou
pensamentos do outro.
No que concerne o autocuidado físico do terapeuta, considerando que em
97,6% do tempo total da intervenção
observada o aluno adotou postura adequada, este estudo tem como expectativa que, a partir do ensino prático e
20
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Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
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aprendizado do autocuidado, sejam evitadas ou minimizadas futuras lesões,
contribuindo para a diminuição do alto
índice de dores ocupacionais do fisioterapeuta, como encontrado no estudo de
Holder et al.19.
O ensino direcionado para o
autocuidado físico e comunicação propiciou um aprendizado satisfatório,
apontando para uma boa evolução terapêutica, o que estimula avaliações
mais amplas e detalhadas em estudos
posteriores.
A adesão de 100% dos alunos ao programa demonstrou a compreensão, por
parte deles, da importância dessas habilidades em sua vida profissional, entendendo a situação de treinamento
como uma experiência compartilhada
por meio de feedback e disponibilidade
da professora e da pesquisadora em auxiliar na aprendizagem, sem vigilância,
julgamento ou autoritarismo.
CONCLUSÃO
O programa de ensino proposto mostrou-se eficaz, produzindo aprendizado
das habilidades de relação fisioterapeutapaciente selecionadas para este estudo. As
21 habilidades descritas mostraram-se re-
levantes para a intervenção fisioterapêutica, contemplando a maioria das sugestões e indicações de conteúdo oferecidas pela literatura e atenderam às normas éticas da profissão.
A colaboração dos peritos foi de grande auxílio na elaboração das definições
operacionais e da escolha das habilidades profissionalizantes.
Este trabalho permitiu compreender
a importância da presença de conceitos
cognitivos e não-cognitivos no ensino de
massoterapia, ou seja, que o graduando
necessita aprender conteúdos que lhe
permitam adquirir informações consistentes abrangendo teorias, técnicas, habilidades, mas também possa desenvolver aspectos pessoais que envolvam suas
emoções e sua interação com o paciente, sempre em busca de um atendimento humanizado.
Atitudes preventivas devem ser incentivadas. O autocuidado físico deve ser
valorizado e o aluno precisa ser conscientizado de seus limites, possibilidades, dificuldades e cuidados com seu corpo e
suas emoções, tornando-se ciente do alcance de sua profissão e de sua responsabilidade social, científica e de seu conforto físico e emocional.
Campos et al.
Ensino da relação fisioterapeuta-paciente
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32
:16-21
21
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.22-7, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Relação entre alinhamento postural e desempenho motor
em crianças com paralisia cerebral
Relationship between postural alignment and motor performance in
children with cerebral palsy
Andréa Baraldi Cunha1, Graziela Jorge Polido2, Geruza Perlato Bella3, Daniela Garbellini4, Carlos Alberto Fornasari5
Estudo desenvolvido na Clínica
de Fisioterapia da Unimep –
Universidade Metodista de
Piracicaba, Piracicaba, SP,
Brasil
1
Fisioterapeuta especialista em
Reabilitação Infantil; mestranda
em Fisioterapia na
Universidade Federal de São
Carlos, São Carlos, SP
2
Fisioterapeuta especialista em
Reabilitação Infantil
3
Profa. Ms. do Curso de
Especialização em Reabilitação
Infantil da Faculdade de
Ciências Médicas da
Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP
4
Profa. Ms. do Curso de
Fisioterapia da Unimep
5
Prof. Dr. do Curso de
Fisioterapia da Unimep
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Andréa Baraldi Cunha
R. Marechal Deodoro 1140 ap.
131 Centro
15400-000 Olímpia SP
e-mail:
[email protected]
Trabalho apresentado no XVII
Congresso Brasileiro de
Fisioterapia, 2007, com
publicação de resumo.
APRESENTAÇÃO
jul. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
fev. 2009
22
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):22-7
09;16(1)
RESUMO: O objetivo deste estudo foi verificar se há correlação entre alinhamento
postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral (PC), além de
compará-las com crianças de desenvolvimento motor típico. Participaram 14
crianças com PC tipo espástico, entre 4 e 12 anos, classificadas nos níveis III, IV e
V no sistema de classificação de função motora ampla (GMFCS); e 20 com idades
entre 4 e 8 anos e desenvolvimento motor adequado, que constituíram o grupo
controle. Foi avaliado o alinhamento de lordose cervical e cifose torácica na postura
sentada por meio de fotometria; o desempenho motor foi avaliado pelo índice de
função motora ampla (Gross motor function measure, GMFM) apenas nas dimensões
sentar (B) e ficar em pé (D). O subgrupo de PC nível III obteve maiores escores no
GMFM do que o dos níveis IV e V, com diferença significativa nas dimensões B
(p=0,00) e D (p=0,016). Quanto ao alinhamento postural, os dois subgrupos de PC
apresentaram menor angulação da lordose cervical do que o GC, com diferença
significativa; também foram medidos ângulos menores da cifose torácica nos
subgrupos PC, sendo que o subgrupo dos níveis IV e V apresentou diferença
significativa tanto em relação ao outro subgrupo PC quanto ao controle. Foi
encontrada correlação positiva (r=0,748) entre o desempenho motor e o
alinhamento postural nos subgrupos de PC, mostrando que, quanto melhor o
alinhamento postural, melhor o desempenho motor dessas crianças.
DESCRITORES: Avaliação; Criança; Curvaturas da coluna vertebral; Paralisia cerebral
ABSTRACT: The purpose was to search for a correlation between postural alignment
and motor performance of children with cerebral palsy (CP), and to compare them
to typical development children. Twenty of these, aged 4 to 8 years old, formed the
control group (CG); and 14 children with CP, aged 4 to 12 years old, were divided
into two subgroups (level III, and levels IV and V) according to their classification
by the Gross Motor Function Classification System. Cervical lordosis and thoracic
kyphosis angles in sitting posture were assessed by photometry; motor performance
was assessed at dimensions B (sitting) and D (standing) of the Gross motor function
measure (GMFM). PC level III subgroup had higher GMFM scores than levels IV
and V subgroup, with significant differences at the B (p=0.00) and D (p=0.016)
dimensions. As to posture alignment, significantly lesser cervical lordosis angles
were found at both PC subgroups when compared to control group; both subgroups
also showed lesser thoracic kyphosis angles; significant differences were found
when comparing CP levels IV and V subgroup both to level III subgroup and to CG.
Also found was a positive correlation between motor performance and posture
alignment in children with CP (r=0.748), showing that the better the postural
alignment, the better the motor performance in these children.
KEY WORDS: Cerebral palsy; Child; Evaluation; Spinal curvatures
Cunha et al.
Postura e desempenho motor em crianças com PC
INTRODUÇÃO
Paralisia cerebral (PC) pode ser definida, de acordo com um consenso internacional, como uma desordem de
movimento e postura devido a um defeito ou lesão do encéfalo em desenvolvimento1,2. O problema motor dos indivíduos com PC origina-se de disfunção
do sistema nervoso central, que interfere diretamente no desenvolvimento do
controle postural contragravidade e impede o desenvolvimento motor normal3.
A disfunção no controle postural interfere nas atividades funcionais diárias,
sendo um dos problemas principais nessa população4,5.
Considerando o modelo de Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde proposta pela
Organização Mundial de Saúde, a PC
geralmente interfere no funcionamento
do sistema musculoesquelético no que
se refere à função de órgãos e sistemas6.
Nesse nível, os distúrbios da motricidade
e do tônus se manifestam por características específicas, como a falta de controle sobre os movimentos, modificações
adaptativas do comprimento muscular
e, em alguns casos, podem levar a deformidades ósseas. Isso ocorre nos períodos em que a criança apresenta ritmo
acelerado de desenvolvimento, comprometendo o processo de aquisição de
marcos motores básicos (rolar, sentar,
engatinhar, andar) e, também, nas atividades de vida diária (tomar banho, alimentar-se, vestir-se)7,8.
Deformidades musculoesqueléticas
associadas ao desalinhamento de tronco prejudicam o desenvolvimento da
criança, acarretam alterações na marcha
e até mesmo a funcionalidade na postura sentada9,10. Há também uma associação entre a direção da escoliose e
obliqüidade pélvica na PC, sendo que a
convexidade leva a alterações nos movimentos do tronco, sugerindo que a alteração postural está relacionada à dificuldade de ativação da musculatura de
forma adequada11.
Limitações no desempenho de atividades e tarefas do cotidiano das crianças com
PC estão relacionadas a deficiências
neuromotoras que comprometem seu
controle postural. Assim, a dificuldade em
manter a postura em pé relaciona-se à
pequena superfície de contato, que aumenta a demanda do sistema de controle postural. Consequentemente, muitas crianças com PC desempenham mais
atividades diárias na postura sentada, que
oferece uma situação de maior estabilidade e menor grau de liberdade para ser
controlado5. Crianças com PC se beneficiam de terapias no contexto do controle postural, melhorando assim a qualidade do movimento, desde que não
haja alterações posturais fixas12.
Considerando que a PC é uma desordem de movimento e postura e que alterações posturais podem interferir no
desempenho motor, requerem-se estudos que relacionem esses fatores, para
que a intervenção em crianças com PC
esteja baseada em evidência, desenvolvendo um plano de tratamento adequado que permita não só prevenção de
deformidades como também atividades
funcionais com melhor qualidade.
O objetivo deste estudo foi verificar se
há correlação entre o alinhamento
postural e o desempenho motor de crianças com PC do tipo espástico, bem como
comparar o desempenho motor dessas
crianças com as de desenvolvimento
motor adequado.
METODOLOGIA
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de
Campinas.
Foram selecionadas 34 crianças de
forma não-aleatória, com base em critérios de inclusão previamente determinados para cada grupo. Quatorze crianças
com PC do tipo espástica foram divididas em dois subgrupos, de acordo com
o sistema de classificação de função
motora ampla (Gross motor function
classification system, GMFCS13), sendo
cinco diplégicas (grupo de PC nível III)
e nove quadriplégicas (grupo de PC níveis IV e V), de ambos os sexos, atendidas na Clínica de Fisioterapia da
Unimep. As crianças que se locomoviam
com algum dispositivo foram classificadas como no nível III e as que não se
locomoviam, nos níveis IV e V. Para participação no grupo de PC, os critérios
de inclusão foram: crianças entre 4 e 12
anos, com diagnóstico médico compro-
vado de PC, que tivessem capacidade
de se manter sentadas de forma independente ou com apoio do terapeuta; e
cujos responsáveis assinassem o termo
de consentimento livre e esclarecido
(TCLE). Os critérios de não-inclusão foram ter dificuldade de entendimento de
ordens simples e hipotonia. O Quadro
1 resume as características desse grupo.
A média de idade foi de 7,7±3,1 anos.
O GMFCS é um sistema de classificação utilizado para crianças com PC
baseado no movimento auto-iniciado,
com ênfase no sentar e andar, contendo
cinco níveis diferenciados pela limitação
funcional e necessidade de assistência
externa13. As crianças classificadas no
nível III do GMFCS necessitam de um
dispositivo auxiliar para marcha e as dos
níveis IV e V têm limitações funcionais
graves, principalmente na postura em pé.
Quadro 1 Características das crianças
com PC
Paciente Idade* Sexo
Topografia
Nível†
1
4
F
Quadriplegia
V
2
4
M
Quadriplegia
V
3
4
M
Quadriplegia
V
4
5
F
Quadriplegia
V
5
6
F
Diplegia
III
6
6
M
Quadriplegia
IV
7
7
M
Diplegia
III
8
8
M
Diplegia
III
9
8
M
Diplegia
III
10
9
M
Quadriplegia
V
11
12
M
Diplegia
III
12
12
F
Quadriplegia
IV
13
12
F
Quadriplegia
IVI
14
12
F
Quadriplegia
V
* em anos; † = segundo o GMFCS, sistema de
classificação de função motora ampla; F=
feminino; M = masculino
Assim, as crianças com PC foram classificadas de acordo com sua limitação
funcional na postura em pé e na marcha
por meio do GMFCS, sendo subdivididas
em dois subgrupos, um com crianças do
nível III (n=5) e outro com as crianças dos
níveis IV e V (n=9).
Constituindo o grupo controle (GC),
foram recrutadas em escolas da cidade
de Piracicaba 20 crianças com idades
entre 4 e 8 anos (média=6,1±1,4), de
ambos os sexos, que não apresentavam
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7
23
diagnóstico de PC, com desenvolvimento motor típico, nascidas a termo com
idade gestacional de 37 a 41 semanas e
seis dias, sem qualquer tipo de complicação pré, peri ou pós-natal, com marcha independente, sem alterações
posturais graves e cujos responsáveis
assinaram o TCLE.
Procedimentos
Tabela 1
Pontuação no GMFM (média ± desvio padrão) de função motora dos dois
subgrupos de crianças com PC nas duas dimensões avaliadas
Dimensão
PC níveis IV e V
Sentar (B)
28,2±5,0
Ficar em pé (D) 3,09±1,1
Tabela 2
Grupo
Cifose torácica Lordose cervical
GC (n=20)
159,3± 5,65
137,35±7,18
PC nível III (n=5)
150,5±11,24
107,75±3,77*
PC níveis IV-V (n=9) 133,73±17,15*† 112,55±12,09*
Para fotografar os sujeitos foi utilizada uma câmera fotográfica PhotoPC
(750Z, Megapixel Zoom Digital Câmera,
Epson). A distância entre o tripé da
câmera fotográfica e o simetrógrafo foi
de 180 cm, e a altura da objetiva foi ajustada à altura da cicatriz onfálica de cada
criança.
O programa Corel Draw (v.8) foi utilizado para quantificar em graus o ali-
24
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nhamento postural. Na vista lateral, os
pontos de referência utilizados foram os
ápices de cada curvatura encontrados
por meio de linhas guias traçadas verticalmente e horizontalmente no software.
Por meio desses pontos, os ângulos das
curvaturas foram mensurados16. Foram
feitas duas medições em cada foto (pelo
mesmo avaliador) e calculado seu valor
médio. Quando a diferença das duas
medidas excedeu os critérios aceitos
(três graus de diferença entre elas), uma
terceira medida foi realizada e a mais
discrepante, descartada17. Foi avaliado
o alinhamento da lordose cervical e da
cifose torácica na postura sentada. Não
foi avaliada a lordose lombar, pois as
crianças com PC não apresentam essa
curvatura fisiológica, somente uma
cifose tóraco-lombar.
Análise dos dados
Para comparação dos escores de desempenho motor entre os dois subgrupos
de crianças com PC (nível III e níveis IV
e V) foi utilizado o teste t. O nível de
significância foi fixado em p=0,05. Para
comparar os ângulos do alinhamento
postural entre os dois subgrupos de crianças com PC e o grupo controle, foi utilizada a análise de variância Anova
(p<0,05) seguida de teste de Tukey. As
análises foram realizadas utilizando o
programa estatístico R versão 2.7. Para
verificar a correlação entre a angulação
da cifose torácica e o desempenho motor (apenas na dimensão B, sentar) nos
dois subgrupos de crianças com PC foi
aplicado o teste de correlação de
Pearson (o coeficiente r varia de -1,0 a
1,0 e, quanto mais próximo de 1,0, mais
forte é a correlação).
RESULTADOS
A Tabela 1 mostra a pontuação média de função motora dos dois subgrupos
de crianças com PC, evidenciando mai-
170
160
Cifose torácica (°)
O alinhamento postural da coluna foi
avaliado por fotometria, que é uma
metodologia de interpretação dos valores obtidos a partir de uma fotografia,
sendo um instrumento de caráter quantitativo que permite uma avaliação
confiável dos desalinhamentos apresentados pelo segmento corporal em análise15,16. As crianças de ambos os grupos
foram fotografadas uma única vez na
vista lateral do lado dominante, sentadas em um banco, com a mão dominante no ombro oposto, adução de ombro
e flexão de cotovelo, flexão de 90º de
joelho com 10º de abdução de coxofemoral, os pés afastados em relação à linha do ombro e calcanhares alinhados.
p
0,00
0,016
Ângulos (em °, média ± desvio padrão) das curvaturas cifose torácica e
lordose cervical nos dois subgrupos de crianças com PC e no grupo
controle (GC)
Foi realizada uma análise de corte
transversal das avaliações de desempenho motor funcional e do alinhamento
na postura sentada.
Para avaliar o desempenho motor, foi
utilizado o índice de função motora
ampla Gross motor function measure
(GMFM), que avalia o quanto de um item
uma criança pode realizar (em vez de
medir a qualidade de desempenho na
atividade). O GMFM consiste em 88
itens agrupados em cinco diferentes dimensões14, atribuindo-se pontos a cada
item. Quanto maior o escore obtido, melhor o desempenho da criança. Foram
utilizadas somente as dimensões B, sentar (escore máximo=60) e D, ficar em
pé (escore máximo=39) nos dois subgrupos de PC, para efeito de padronização.
PC nível III
55,0±2,3*
12,5±3,4*
150
140
130
120
110
100
0
10
20
30
40
50
60
Pontuação na dimensão B (sentar) no teste de função motora
Gráfico 1 Correlação entre cifose torácica e função motora na dimensão sentar no
grupo de crianças com PC
Cunha et al.
Postura e desempenho motor em crianças com PC
ores escores do subgrupo nível III, com
diferença significativa entre ambos nas
dimensões sentar e ficar em pé.
tronco, mau posicionamento da pelve e
falta de aquisição das reações de equilíbrio.
Quanto aos ângulos das curvaturas,
as crianças dos dois subgrupos de PC
apresentaram menor angulação da
lordose cervical, com diferença significativa (p<0,05) quando comparadas ao
GC, porém não foi encontrada diferença significativa entre os dois subgrupos.
Quanto à angulação da cifose torácica,
também foi encontrada angulação menor, com diferença significativa (p<0,05)
do subgrupo de PC níveis IV e V tanto
em relação ao GC quanto ao subgrupo
PC nível III (Tabela 2).
Kapandji18 afirma que, na primeira
semana de vida, a criança levanta a cabeça, graças à musculatura antigravitacional
do pescoço, formando a lordose cervical.
Aos nove meses, quando a criança já se
senta e começa a engatinhar, ocorre ativação da musculatura da região
antigravitacional lombar, que molda a
curvatura lombar. Na PC, a falta de controle postural resulta em ativação anormal da musculatura, causando a manutenção da postura cifótica e ineficientes
estratégias de movimento19. Além da ativação anormal da musculatura, a fraqueza muscular é um dos fatores agravantes das alterações posturais dessas crianças20.
Quanto à correlação entre alinhamento postural e função motora na dimensão sentar nos dois subgrupos de
crianças com PC, constatou-se correlação significativa (r=0,748; p=0,01), sugerindo que, quanto melhor o alinhamento postural, melhor a função motora
na dimensão avaliada (Gráfico 1).
DISCUSSÃO
Nas crianças com PC, foi encontrada
uma correlação positiva entre o ângulo
de cifose torácica e o desempenho motor na postura sentada, mostrando que,
quanto melhor o alinhamento postural,
melhor o desempenho motor dessas
crianças nessa posição.
No que se refere ao alinhamento
postural, foi encontrada diferença significativa nos ângulos de lordose cervical
entre os dois subgrupos de PC comparados ao GC, que apresenta desenvolvimento motor e alinhamento postural
adequados. A menor angulação nas crianças com PC pode ser propiciada pelo
desequilíbrio muscular.
Nota-se também diferença significativa na cifose torácica no grupo de PC
níveis IV e V quando comparado tanto
ao grupo de PC nível III como ao GC.
Os resultados mostram que crianças do
grupo PC nível III apresentaram angulação de cifose torácica semelhante ao
GC, o que é coerente com o melhor
controle postural que essas crianças
apresentam. O pior alinhamento das crianças do grupo PC níveis IV e V está provavelmente relacionado à diminuição de
ativação muscular em extensores de
Como mencionado, não foi possível
comparar a lordose lombar entre os grupos de PC e GC. Não é possível mensurar essa angulação em crianças com
PC porque estas apresentam cifose
tóraco-lombar que pode ser justificada
pela retroversão pélvica. Sullivan et al.21
mostram que a prevalência da retroversão pélvica em PCs é de 37%, o que
leva ao aumento da cifose e ao comprometimento da função motora na postura sentada. A retroversão pélvica na PC
está associada à retração de flexores e
rotadores internos de quadris e é um dos
fatores que leva a criança a sentar-se
sobre o sacro, levando o corpo para frente e flexionando a coluna, o que provoca postura cifótica10,21,22. Outros autores
afirmam que, aos 10 anos de idade, a
criança já apresenta as curvaturas fisiológicas semelhantes às dos adultos18. E
que na posição em pé a coluna lombar
está em posição de lordose; na posição
sentada, a pelve e o sacro estão rodados
posteriormente e a curvatura lombar está
diminuída18. Isso explica que, além da
retroversão pélvica, a postura sentada
pode ter influenciado a ausência de
lordose lombar das crianças com PC.
Estudos têm evidenciado que as deformidades e falta de ativação muscular
geram limitações e uma menor capacidade de realizar tarefas. Segundo
Howle3, crianças que não apresentam
funcionalidade nos membros superiores
apresentam flexão da coluna, o que,
com o tempo, provocará uma cifose es-
trutural com hipertonia flexora de pescoço e tórax, ficando os quadris em
flexão. Crianças com PC frequentemente
apresentam amplitude restrita de movimento em muitas articulações, incluindo
tornozelo, joelho e quadril. As contraturas dos músculos dessas articulações
resultam em posturas atípicas quando o
sujeito está sentado e em pé. As posturas habituais influenciam a forma pela
qual os músculos são recrutados e coordenados para a recuperação da estabilidade23.
Segundo Koman et al.9, as deformidades de coluna estão associadas à PC.
A freqüência de escoliose na PC é de
25%, sendo que 60 a 75% dos envolvidos são os que apresentam sérios comprometimentos e quadriplegia. A progressão da escoliose acarreta dor, interfere na
função motora e comprometimento
cardiopulmonar. Ostenjo et al.24 mostram que os quadriplégicos apresentam
maior comprometimento referente à
espasticidade que os diplégicos e, ainda, que crianças com maior comprometimento no controle motor seletivo apresentam pior desempenho na função
motora ampla. Assim, é preciso prevenir que essas contraturas e/ou deformidades se instalem, corrigindo as alterações posturais que interferem diretamente na qualidade de movimento dessas
crianças.
Quanto ao desempenho motor, como
esperado, o subgrupo de PC nível III
obteve escore mais alto na dimensão B
(sentar) do que o subgrupo de PC níveis
IV e V, coerente com as respectivas classificações no GMFCS. Ostensjo et al.24
relatam que a maioria das crianças
diplégicas se enquadra no nível III e a
maioria dos quadriplégicos se enquadra
no nível V do GMFCS. Mancini et al.6
mostraram que crianças com nível mais
grave de PC apresentam desempenho
inferior às de comprometimento leve em
todas as áreas funcionais. Também como
esperado, o subgrupo de PC nível III
apresenta melhor desempenho motor na
postura de pé, já que nas crianças dos
níveis IV e V a deficiência motora limita
a funcionalidade na postura em pé.
Ostensjo et al.25 constataram que crianças com comprometimento moderado
(nível III) apresentam mais atividades
referentes à mobilidade que aquelas com
limitações graves. Voorman et al.26 e
:326-32
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7
25
Bjornson et al. 27 mostram ainda que
crianças com muita espasticidade, como
as quadriplégicas, com pior controle
seletivo, fraqueza muscular, limitações
no quadril e extensão de joelho, mostram curso de comprometimento da função motora menos favorável que crianças menos afetadas, principalmente na
mobilidade.
O presente estudo tem limitações
devido ao número reduzido de sujeitos.
CONCLUSÃO
Considerando que o alinhamento
postural é a base para um adequado
controle de movimento, este estudo
mostrou que crianças com paralisia cerebral classificadas no GMFCS como
nível III apresentam melhor desempenho
motor e alinhamento postural que aquelas nos níveis IV e V; e, ainda, foi encontrada correlação positiva entre essas duas
variáveis, mostrando que, quanto melhor
o alinhamento postural, melhor o desempenho motor dessas crianças.
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :22-7
27
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.28-33, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serraria
Biomechanical risks in sawmill worker postures
André Gustavo Soares de Oliveira1, Hanne Alves Bakke2, Jerônimo Farias de Alencar3
Estudo desenvolvido no Depto.
de Fisioterapia do CCS/UFPB –
Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal da
Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
1
Fisioterapeuta Especialista
2
Fisioterapeuta Ms.
3
Prof. Dr. do Depto. de
Fisioterapia do CCS/UFPB
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
André Gustavo S. de Oliveira
R. Epitácio Pessoa 4880
apto.1003 Cabo Branco
58045-000 João Pessoa PB
e-mail:
[email protected]
APRESENTAÇÃO
jul. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
fev. 2009
28
09;16(1)
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):28-33
RESUMO: Os trabalhadores em serrarias estão sujeitos a riscos biomecânicos advindos
das posturas adotadas durante suas atividades laborais. Este trabalho visou avaliar
as posturas adotadas por esses trabalhadores por meio do método de avaliação
rápida do corpo inteiro (REBA, rapid entire body assessment), buscando detectar e
classificar os riscos biomecânicos. Participaram 15 trabalhadores do setor de
produção de uma serraria em João Pessoa, PB, do sexo masculino, com idade
média de 44±10,9), avaliando-se quatro posturas: flexão anterior do tronco com
levantamento de carga, agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e
corpo estendido para mover uma prensa. Sintomas musculoesqueléticos foram
identificados no mapa corporal de Corlett. Um questionário semi-estruturado
levantou os dados demográficos, ambientais e as funções executadas. Pelo REBA,
a flexão anterior de tronco apresentou nível de risco muito alto e as posturas de
agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e movimento do corpo em
extensão, nível de risco alto. Uma alta proporção (73,3%) deles queixaram-se de
dor ou desconforto na coluna e 26,8% na região dos ombros. Considerando os
níveis de riscos apresentados, requerem-se intervenções ergonômicas preventivas
no posto de trabalho para adoção de posturas que melhor propiciem a execução
das atividades com menor risco à saúde do trabalhador.
DESCRITORES: Biomecânica; Fatores de risco; Postura; Saúde do trabalhador
ABSTRACT: Workers in sawmills are exposed to biomechanical risks due to the postures
adopted during their activities. The purpose here was to assess postures adopted by
these workers by using the rapid entire body assessment (REBA), in order to detect
and classify possible biomechanical risks. Fifteen male workers from the production
section of a sawmill in João Pessoa, PB (mean age 44±10.9 years old) were assessed
as to the postures adopted at work. A semi-structured questionnaire collected
demographic and environmental data as well as functions in the workplace.
Musculoskeletal symptoms were identified using Corlett’s body map. Four postures
were evaluated: anterior trunk flexion with weight lifting, deep crouching, anterior
trunk flexion with lateral inclination and extended body to move a press. The REBA
method showed a very high risk level for the anterior trunk flexion; the other postures
– deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination, and extended
body to move a press – were shown to bear a high risk level. Accordingly, 73.3% of
the workers complained of back pain or discomfort and 26.8% of pain in the
shoulder area. Considering the risk levels assessed, there is a need for ergonomic
and preventive interventions in the workplace so that workers adopt postures that
best suit their work activities with lesser risk to their health.
KEY WORDS: Biomechanics; Occupational health; Posture; Risk factors
Oliveira et al.
Riscos biomecânicos em uma serraria
INTRODUÇÃO
A saúde do trabalhador, definida no
Brasil como uma área da saúde pública
e de responsabilidade do Sistema Único de Saúde, tem como missão o estudo, a prevenção, a assistência e a vigilância aos agravos à saúde relacionados
ao trabalho1.
Atualmente, por parte de empresas,
há uma preocupação com o desenvolvimento de doenças ocupacionais, distúrbios osteomusculares relacionados ao
trabalho, bem como com o controle dos
acidentes de trabalho. O governo vem
também tomando medidas importantes
na área, a exemplo da Política Nacional
de Saúde do Trabalhador, em vigor desde 2004. A medida tem como foco a
redução e controle de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho1.
Dentre o vasto universo de atividades ocupacionais, encontram-se as realizadas em serrarias e marcenarias. As
máquinas e ferramentas utilizadas nesses locais propiciam a realização de atividades com sobrecargas físicas e riscos
biomecânicos2-5. Associado a esse aspecto, existe um baixo grau de instrução do
trabalhador, que desconhece os riscos à
sua saúde, contribuindo para a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho6.
Há ainda outros fatores ambientais que
interagem com os trabalhadores, a citar
o conforto térmico e a iluminância4.
É importante destacar que boas condições de trabalho são associadas não
apenas ao cumprimento de normas trabalhistas e à luta contra as doenças
ocupacionais, mas também à promoção
de melhores condições de vida no ambiente de trabalho, tendo em vista que
o homem despende, constitucionalmente, cerca de 8 horas diárias no trabalho,
equivalendo a um terço de seu tempo7.
Tendo em vista a influência dos fatores pessoais, biomecânicos, organizacionais e psicossociais relacionados
ao trabalho, a avaliação desses fatores é
necessária para o estabelecimento da
associação entre estes e a possibilidade
de surgir e/ou agravar um quadro de sinais e sintomas no trabalhador8. Com
base na identificação dos fatores de risco e de suas características moduladoras,
podem ser tomadas medidas e interven-
ções ergonômicas e preventivas para a
preservação da saúde desses indivíduos9,
para melhor adaptar o trabalho ao homem10. Do ponto de vista biomecânico,
os riscos caracterizam-se pelo levantamento de cargas, frequência e intensidade de execução das tarefas, repetitividade, uso excessivo de força, vibrações,
compressões mecânicas, geralmente associadas com posturas inadequadas11.
Um fator importante na avaliação de
uma atividade executada é a investigação das posturas adotadas pelos trabalhadores. Estas, caso inadequadas, podem trazer conseqüências e sequelas
incapacitantes para o funcionário. Pela
avaliação postural, más posturas eventualmente detectadas podem ser
minimizadas por meio de treinamentos
direcionados à adoção de posturas corretas, seguras e confortáveis3.
Uma forma de fazer essa avaliação é
pelo método de avaliação rápida do corpo inteiro (rapid entire body assessment,
REBA). Esse método foi desenvolvido por
Hignett e McAtamney12 como uma ferramenta de avaliação de posturas dinâmicas e estáticas, para identificar riscos
biomecânicos, a existência de mudanças bruscas posturais ou posturas instáveis adotadas durante a atividade realizada. Essa avaliação envolve os membros superiores e inferiores, tronco e
pescoço, considerando os fatores carga
ou força manuseada e tipo de garra, indicando a necessidade de implantação
de medidas corretivas e a urgência de
intervenção12.
De acordo com os autores, o método
REBA foi desenvolvido a partir de outras
técnicas – como a proposta pelo National
Institute for Occupational Safety and
Health dos Estados Unidos, o sistema de
análise de posturas ocupacionais
(working postures analyzing system,
OWAS), a avaliação rápida dos membros
superiores (rapid upper limb assessment,
RULA) e a pesquisa de desconforto em
partes do corpo (body part discomfort
survey) – no sentido de estabelecer as
amplitudes dos segmentos do corpo
com base no diagrama da RULA. Pela
associação de várias posturas e interação
com cargas foram estabelecidos critérios de classificação do nível de risco e
grau de intervenção necessária. Sua aplicação classifica o risco de lesões mus-
culoesqueléticas associado a uma postura em: desprezível (1 ponto), baixo (23 pontos), médio (4-7 pontos), alto (810 pontos) e muito alto (11-15 pontos).
O método propõe quatro graus de intervenção, que se relacionam ao nível de
risco, a saber: não necessária; pode ser
necessária, necessária, necessária o
quanto antes e imediata, respectivamente12. Trata-se, portanto, de uma ferramenta útil e de fácil aplicação para prevenção de riscos, indicando condições de
trabalho inadequadas. O programa do
método encontra-se disponível on-line:
www.ergonautas.upv.es/metodos/reba/
reba-ayuda.php13.
As atividades ocupacionais realizadas
em serrarias e madeireiras apresentam
risco ocupacional grau 3, de acordo com
a classificação nacional de atividades
econômicas e o nível de risco de acidente do trabalho associado14. No setor
de serraria, percebe-se uma escassez de
estudos acerca dos riscos biomecânicos
posturais adotados no exercício das atividades, aos quais estão sujeitos os trabalhadores.
Assim, este artigo busca avaliar as
posturas adotadas pelos trabalhadores de
uma serraria, mediante a utilização do
método REBA, com o objetivo de detectar possíveis riscos biomecânicos à saúde do trabalhador.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado com 15 trabalhadores do sexo masculino envolvidos
exclusivamente no setor de produção de
uma serraria em João Pessoa, PB, que
exerciam funções variadas em razão do
posto de trabalho e adotavam posturas
diferenciadas, de acordo com a atividade executada. Foram excluídos aqueles
que exerciam outras atividades não-relacionadas à produção, como trabalhador do setor administrativo, motorista e
auxiliar de serviços gerais. Os aptos a
integrar a pesquisa foram informados
sobre os objetivos, a metodologia e
quanto à aceitação de participação. Todos concordaram e assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido. O
projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da
Universidade Federal da Paraíba.
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):326-32
:28-33
29
As posturas adotadas pelos trabalhadores foram registradas por uma máquina fotográfica digital (modelo A502 –
Samsung). As queixas musculoesqueléticas foram assinaladas no diagrama corporal de Corlett15. A análise dos níveis
de risco das posturas selecionadas foi
realizada pela ferramenta de análise
postural REBA. Os dados referentes ao
ambiente de trabalho, aos funcionários,
à linha de produção, função e tempo na
função foram coletados por meio de um
questionário semi-estruturado.
A pesquisa foi realizada pela abordagem in loco no decorrer de cinco visitas, durante o horário normal de expediente e sem interrupção do processo de
produção. Inicialmente foi feita a coleta
dos dados pelo questionário semiestruturado, envolvendo idade, grau de
escolaridade, tipo de atividade, jornada
de trabalho, tempo nas funções
exercidas na linha de produção e tipos
de equipamentos e máquinas utilizadas
no setor. Os trabalhadores ainda foram
indagados acerca do ambiente de trabalho, quanto a nível de ruído (muito
barulhento, barulhento, agradável e silencioso), temperatura (muito quente,
quente, agradável, frio e muito frio) e iluminação (agradável, muito claro com
reflexão de luz, e escuro). A seguir, procedeu-se ao registro da indicação dos
locais das queixas musculoesqueléticas
utilizando o diagrama corporal de
Corlett e, posteriormente, foram capturadas imagens das posturas adotadas por
eles durante a atividade nos postos de
trabalho.
A
Figura 1
30
A seleção das posturas a serem analisadas foi baseada na freqüência das respostas à pergunta: “Das posturas que
você adota no trabalho, qual(is) a(s) que
mais incomoda(m)?” Foram relatadas e
selecionadas para registro fotográfico as
seguintes posturas: flexão anterior do
tronco com semiflexão dos joelhos com
carregamento de carga; agachamento
profundo; flexão ântero-lateral do tronco; e uso do corpo estendido como
apoio (Figura 1).
Os dados coletados pelo questionário semi-estruturado e pelo diagrama
corporal de Corlett foram analisados
descritivamente; a avaliação biomecânica das posturas citadas como mais incômodas foi realizada pela aplicação do
software REBA, que indica o grau de risco biomecânico e a necessidade de intervenção de acordo com a pontuação
apresentada no programa.
RESULTADOS
Os trabalhadores da serraria estudada apresentaram idade variando entre 29
e 65 anos (média=44±10,9 anos) e tempo médio na função de 14,9±8,5 anos.
O nível de escolaridade foi muito baixo: 92,3% tinham ensino fundamental
incompleto e 7,7% eram analfabetos.
As principais atividades executadas
pelos trabalhadores são: serrar, furar, lixar e montar os produtos comercializados, como portas, janelas, esquadrias
e deques em madeira. Também foi observado que, nos postos de trabalho, os
B
trabalhadores fazem muito levantamento
de carga, ao transportar e manipular os
produtos fabricados. Os equipamentos
utilizados com freqüência são:
aparadora, coladeira de bordas, desengrossadeira, esquadrejadeira, furadeira,
lixadeira de cinta, desempenadeira,
prensa, serra circular, seccionadora, serra de fita, torno manual e tupia. Todos
(100%) os trabalhadores queixaram-se
do esforço físico para operá-los e da intensidade de vibração em várias regiões
do corpo, principalmente nos membros
superiores.
O início das atividades começa com
toras de madeira que serão cortadas e
separadas para os mais diversos fins em
uma jornada de trabalho de 8 horas/dia.
Essas atividades são distribuídas entre os
funcionários, que ficam responsáveis por
cada etapa da linha de produção, conforme a Tabela 1.
Quanto aos dados ambientais sobre
temperatura, ruído e iluminância, 80%
informaram ambiente quente, 40% re-
Tabela 1 Distribuição das funções entre
os trabalhadores da serraria
Função
Marceneiro
Operador de máquina
Auxiliar
Serrador
Marceneiro
Encarregado
Total
C
n
4
3
4
2
1
1
15
%
26,7
20,0
26,7
13,3
6,7
6,7
100,0
D
Posturas avaliadas pelo método REBA. A = Flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos e carregamento de
carga; B = Agachamento profundo; C = Flexão ântero-lateral do tronco; D = Uso do corpo estendido como apoio
09;16(1)
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):28-33
Oliveira et al.
Riscos biomecânicos em uma serraria
Tabela 2 Riscos biomecânicos das posturas avaliadas pelo método REBA
Item
Postura
1
Lado do corpo
Nível de risco
Muito alto (11-15)
Pontuação
12
Intervenção: Grau
4
Necessidade
Imediata
2
3
Esquerdo
Direito
Esquerdo
Médio (4-7)
7
2
Necessária
Alto (8-10)
8
3
O quanto antes
Médio (4-7)
6
2
Necessária
4
Direito
Alto (8-10)
Alto (8-10)
9
10
3
3
O quanto antes O quanto antes
Posturas: 1 = flexão anterior do tronco com semiflexão do joelho e carregamento de carga; 2 = agachamento profundo; 3 = flexão ântero-lateral do
tronco; 4 = uso do corpo estendido como apoio
lataram como barulhento e 20% alegaram ser escuro.
As posturas adotadas que apresentaram mais incômodos foram: 40,0%
flexão anterior do tronco com semiflexão
dos joelhos com carregamento de carga; 13,3% agachamento profundo;
13,3% flexão ântero-lateral do tronco;
13,3% corpo estendido como apoio; e
20,0% não relataram nenhuma postura
desconfortável. Os trabalhadores, pelo
diagrama corporal de Corlett, referiram
presença de desconforto em várias regiões corporais, principalmente na coluna vertebral (73,3%) – dos quais 46,7%
na região lombar – e na região dos ombros (26,7%).
As quatro posturas submetidas à análise pelo método REBA receberam uma
classificação variada quando relacionadas ao nível de risco biomecânico à saúde do trabalhador (Tabela 2). A aplicação do método REBA permitiu constatar
o nível de risco biomecânico e a necessidade de intervenção. Na flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos com levantamento de carga, o risco é muito alto, exigindo intervenção
imediata; as demais posturas estudadas,
com risco alto, também requerem intervenção.
DISCUSSÃO
A problemática central do estudo são
os riscos biomecânicos das posturas
adotadas pelos trabalhadores de uma
serraria durante a execução de suas tarefas.
O uso do método REBA mostrou que
existem riscos biomecânicos nas posturas estudadas e necessidade de intervenção. Esses dados assemelham-se aos de
um estudo desenvolvido em marcenarias, usando a ferramenta OWAS, que
identificou riscos biomecânicos em operadores de diferentes máquinas, demonstrando a necessidade de intervenções4.
Além disso, foram evidenciadas em outros estudos sobrecargas físicas em trabalhadores desses ambientes2,3,5.
Em quase todo o processo de produção da serraria associado às posturas
inadequadas ocorre o manuseio e levantamento de carga, que pode contribuir
para o surgimento de desconforto e risco biomecânico, principalmente na coluna lombar, devido ao estresse biomecânico produzido, pois os movimentos
do tronco parecem ser combinados com
movimento da coluna gerado pela massa do objeto16. Essas atividades não sobrecarregam apenas a coluna vertebral:
os membros superiores são igualmente
exigidos para manter, transportar e levantar essas cargas. Essa sobrecarga é
produzida por mudanças na configuração postural e utilização de força excessiva17.
O método REBA evidenciou que a
postura mais crítica foi a flexão anterior
do tronco. Essa postura induz o trabalhador a adotar uma postura da cabeça
que produz aumento da lordose cervical
para melhorar sua acuidade visual, além
de aumentar a cifose torácica e a retroversão pélvica, com retificação da
lordose lombar, interferindo na função
fisiológica dos músculos do tronco e
contribuindo para o processo de produção de forças sobre os discos intervertebrais, causando lombalgias. Estas se
caracterizam por um distúrbio doloroso
que gera transtorno à saúde e alta incidência de absenteísmo relacionado ao
trabalho, nas ocupações que exigem
esforço físico pesado, repetitivo ou contínuo. Recomenda-se que se evite essa
posição durante atividades por tempo
prolongado18, principalmente porque a
lesão tecidual pode ocorrer em resposta
às forças externas, mesmo em níveis
baixos e modulados, com freqüência
excessiva19.
No presente estudo, como evidenciam os resultados, essa postura é a que
produz mais incômodo (40,0%) ou desconforto, sendo os trabalhadores mais
acometidos por dores na coluna vertebral, em especial a região lombar, ratificando a presença de risco biomecânico
evidenciado pelo método REBA com
exigência de intervenção imediata.
O agachamento profundo foi outra
postura avaliada, citada por 13,3% dos
trabalhadores como provocando desconforto. Nesta, a linha de gravidade se
desloca posteriormente ao eixo do joelho, aumentando o torque flexor20,21. Os
isquiotibiais promovem estabilização no
joelho mediante uma tração posterior na
tíbia, para contrapor a força anterior
imposta pelo quadríceps22. Se a amplitude de flexão do joelho ficar acima de
50º, haverá aumento das forças de
cisalhamento anterior na articulação
tibiofemoral. Se essa postura é adotada
com a utilização de cargas externas, as
forças de cisalhamento tendem a aumentar23. A permanência por um longo período de tempo e repetitivo poderá promover lesões articulares ou miotendíneas, síndromes por uso excessivo24,
que podem se tornar crônicas e mesmo
levar à incapacidade funcional.
Outra postura freqüente relatada
como incômoda foi a flexão ântero-lateral do tronco. Esta é muito fatigante,
pois exige trabalho estático da musculatura de membros inferiores e do tronco para sua manutenção. Mantê-la exige contrações contínuas e prolongadas
da musculatura envolvida, o que afeta o
fluxo sanguíneo muscular e, conseqüentemente, o transporte de oxigênio e nutrientes, bem como a remoção dos resí-
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :326-32
:28-33
31
duos do metabolismo local que, ao serem acumulados, causam dor aguda e
fadiga muscular10. Para manter a postura ereta, a principal carga que atua na
coluna vertebral é a axial, requerendo o
sinergismo dos músculos do tronco para
sua manutenção. Tendo em vista que os
braços de força dos músculos extensores
do tronco são relativamente pequenos
em relação às articulações vertebrais,
esses músculos devem gerar grandes forças para neutralizar os torques produzidos ao redor da coluna, pelos pesos dos
segmentos corporais e das cargas externas. Durante a flexão lateral e torção
axial do tronco, são necessárias ativações
mais complexas dos seus músculos para
realizarem os movimentos de flexão e
extensão da coluna vertebral, gerando
forças de compressão discal25. Essas forças aumentam com o acréscimo do peso
do corpo acima do disco vertebral
(membros superiores, tronco e cabeça)24.
Os movimentos de flexão anterior e torção axial repetidos ou em excesso, especialmente com carga, aumentam a
probabilidade de incidência de hérnias
de disco, ocasionando sintomas de dor.
As duas posturas relacionadas à flexão
do tronco ratificam nossos dados, de que
73,3% dos trabalhadores se queixam de
algias na coluna.
Finalmente, em uma postura adotada para facilitar a execução de uma tarefa, o trabalhador usa o corpo para
mover a alavanca de uma prensa da
madeira. Conforme a postura adotada,
o indivíduo usa seu próprio peso para
puxar a prensa, com apoio anterior dos
membros inferiores em semiflexão do
quadril e joelho bilateralmente, com
membros superiores estendidos sustentando a prensa próximo à linha dos
ombros ou 90º de flexão, adotando um
momento extensor do corpo. A capacidade do indivíduo de empurrar e puxar
objetos depende do peso de seu corpo,
da postura usada, da freqüência, duração da atividade, da força exercida, da
estabilidade dos pés e da habilidade em
transferir energia do corpo para o objeto.
A força para puxar é dirigida posteriormente e aumenta consideravelmente o momento extensor e a força dos músculos
eretores da coluna, devido ao curto braço
de alavanca desse grupo muscular. Dessa
forma, a carga sobre o disco intervertebral
também é aumentada26.
Um recente estudo epidemiológico
mostrou que o ato de empurrar e puxar
carga são fatores de risco para desconforto musculoesquelético, principalmente para queixas na coluna lombar e ombros. Porém tornam-se necessários mais
estudos para reconhecê-los como fatores de risco para as lombalgias e
artralgias no ombro27. A freqüência e a
severidade do desconforto agudo e crônico no ombro podem estar relacionados à tensão postural na qual está exposto durante o trabalho com uso de
ferramentas pesadas e em ambiente de
trabalho que não oferece condições
biomecânicas ou ergonômicas adequadas28. Os distúrbios de ombro podem
propiciar a saída precoce do trabalho
devido a seu quadro clínico disfuncional
e têm alto impacto na utilização dos serviços de atenção primária e secundária
da saúde29.
A gravidade dos riscos biomecânicos
inerente às posturas adotadas por esses
trabalhadores foi indicada pelos escores do REBA, apontando para a necessidade de intervenção. Esses distúrbios
podem ocasionar diferentes graus de
incapacidade, sendo também responsáveis por gastos com afastamentos, indenizações, tratamentos e processos de
reinclusão no trabalho. O trabalho não
deve ter ênfase apenas na produtividade e no lucro da empresa, mas também
na saúde daquele que executa a tarefa.
Embora o objetivo deste trabalho tenha sido cumprido, reconhecem-se algumas limitações. A principal está relacionada à ausência de uma avaliação,
por instrumentos, das condições ambientais
(temperatura, ruído e iluminância); outra
diz respeito à limitação da pesquisa à
localização da região de desconforto
musculoesquelético, não investigando
seu grau de intensidade, frequência e
fatores que agravam ou melhoram a dor
relatada. Estudos por meio de medidas
diretas são necessários para quantificar
o grau de risco biomecânico e melhor
fundamentar os processos de intervenção preventiva e ergonômica.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos, de que 100%
das posturas selecionadas e avaliadas
pelo método REBA apontam para riscos
biomecânicos, indicam a necessidade de
se fazerem intervenções ergonômicas e
preventivas nas atividades executadas
pelos trabalhadores da serraria,
direcionando-os para uma correta adoção de posturas que favoreçam o melhor desenvolvimento de suas funções,
com menor risco à sua saúde.
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :28-33
33
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.34-9, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Perfil epidemiológico de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico
cadastrados na Estratégia de Saúde da Família em Diamantina, MG
Epidemiological profile of stroke survivors registered at the Health Family
Strategy of Diamantina, MG
Hércules Ribeiro Leite1, Ana Paula Nogueira Nunes2, Clynton Lourenço Corrêa3
Estudo desenvolvido no Depto.
de Fisioterapia da UFVJM –
Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri,
Diamantina, MG, Brasil
1
Fisioterapeuta; mestrando em
Fisiologia e Farmacologia na
UFMG
2
Fisioterapeuta; mestranda em
Epidemiologia na UFMG
3
Fisioterapeuta; Prof. Dr. adjunto
da Universidade Federal do
Paraná – Litoral, Matinhos, PR
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Hércules R. Leite
R. Otacílio Negrão de Lima
181 Centro
35774-000 Paraopeba MG
e-mail:
[email protected];
[email protected]
APRESENTAÇÃO
maio 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
34
09;16(1)
Fisioter Pesq. 22008;15(4):326-32
0 09;16(1):34-9
RESUMO: O acidente vascular encefálico (AVE) pode reduzir a capacidade de realizar
tarefas funcionais, limitar a independência e a qualidade de vida dos indivíduos.
O trabalho apresentou dois objetivos: identificar o perfil epidemiológico dos sujeitos
com hemiplegia no município de Diamantina, MG, e implementar uma ação
conjunta entre a universidade e as autoridades locais para atendê-los. Dos 82
pacientes cadastrados nas unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF), 51
foram contatados em seus domicílios e entrevistados usando roteiro semiestruturado. A média de idade foi 67,8 e o tempo de AVE, de 6,7 anos; 50% eram
analfabetos e 41,2% mantinham-se com 1 salário mínimo por mês. Dentre os fatores
de risco anteriores ao episódio de AVE, foram relatados dieta inadequada,
inatividade física, tabagismo, etilismo e histórico de AVE paterno e/ou materno.
Na época da pesquisa, 78,4% eram hipertensos; e 35,3% nunca tinham feito
fisioterapia após o AVE. Assim, são propostas: inserção de fisioterapeutas nas
unidades ESF, mudanças no modo de vida dos indivíduos, bem como melhorias ou
modificações nas estratégias de políticas de saúde na região estudada.
DESCRITORES: Acidente cerebral vascular/epidemiologia; Fisioterapia (Especialidade)
ABSTRACT:Stroke can bring limitations to functional task performance, thus reducing
patients’ independence and quality of life. The purpose of this study was to draw
the epidemiological profile of hemiparetic, stroke survivors in the city of Diamantina,
MG, and to foster a joint program of action by the university and local public
health service, in order to attend to these subjects. From 82 subjects registered at
the Health Family Strategy units (HFS), 51 were contacted and interviewed, by
using a semi-structured questionnaire. Their mean age was 67.8 years old, and
time since onset of stroke, 6.7 years; 50% were illiterate and 41.2% lived on one
monthly minimum wage. Reported risk factors prior to the stroke were unhealthy
diet, physical inactivity, alcoholism, smoking, and family history of stroke (father
or mother). At the time of the study 78.73% had high blood pressure and 35.29%
had never undergone physiotherapy treatment after the stroke episode. Hence,
inclusion of physical therapists in HFS, changes in subjects’ lifestyle, and
improvement or changes in local health policies are imperative.
KEY WORDS: Physical therapy (Specialty); Stroke/epidemiology
Leite et al.
Perfil epidemiológico de hemiplégicos
INTRODUÇÃO
O acidente vascular encefálico (AVE)
é caracterizado por um distúrbio neurológico focal, ou às vezes global, durando mais que 24 horas, com desenvolvimento rápido dos sintomas1. Podem ser
classificados como isquêmicos ou
hemorrágicos. Os isquêmicos ocorrem
por obstrução das principais artérias que
levam sangue ao encéfalo, onde as áreas por elas irrigadas deixam de receber
sangue oxigenado. Os hemorrágicos
ocorrem por ruptura de uma dessas artérias do encéfalo, levando ao sangramento intraencefálico. O AVE isquêmico
é o mais comum, ocorrendo em aproximadamente 88% dos casos, porém sua
mortalidade é menor, quando comparado ao de caráter hemorrágico, em 15
a 20% dos casos2.
Os défices apresentados após o acidente incluem deficiência nas funções
motoras, sensitivas, mentais, perceptivas
e da linguagem, dependendo da localização da artéria acometida, da extensão da lesão e da disponibilidade de fluxo colateral3. Os sintomas neurológicos
podem refletir a localização e o tamanho do AVE, porém não os diferem claramente quanto ao tipo de acidente
vascular2.
Dentre 35 milhões de mortes atribuídas às doenças crônicas que ocorreram
em todo o mundo em 2005, o AVE foi
responsável por 5,7 milhões (16,6%) das
mortes, sendo que 87% ocorreram em
países subdesenvolvidos. Dessa forma, o
AVE é um problema de saúde mundial4.
Nos Estados Unidos, a incidência é de
700.000 casos por ano (165.000 correspondem a óbitos)5, e os respectivos custos anuais chegam a aproximadamente
58 bilhões de dólares6. Na América Latina, o AVE é causa permanente de
morbidade4,5 e mortalidade entre adultos7. Estudo realizado na América do Sul
revela uma incidência de 35 a 183 casos por 100.000 habitantes. No Brasil,
as taxas de mortalidade ajustadas à idade para o AVE estão entre as maiores em
nove países da América Latina8.
Segundo o Datasus9, órgão vinculado ao governo federal, a taxa de mortalidade em Minas Gerais e em Diamantina em 2003 foi respectivamente de 51
e 45,2 por 100.000 habitantes, na po-
pulação acima de 40 anos. Segundo
Bueno et al.10, que analisaram os coeficientes de mortalidade por doenças
cerebrovasculares no município de
Diamantina de 1998 a 2006, foram encontradas taxas superiores desses óbitos
em comparação com o estado de Minas
Gerais em todos os anos analisados.
Este estudo teve por objetivo identificar o perfil epidemiológico dos pacientes com hemiplegia no município de
Diamantina, MG, e implementar ações
conjuntas entre a universidade e as autoridades locais da região estudada, para
criar políticas locais de saúde de atendimento a esses pacientes.
METODOLOGIA
Pela revisão do cadastro de 82 pacientes com diagnóstico clínico de AVE
nas áreas de abrangência das unidades
do programa Estratégias de Saúde da
Família (ESF) do município de Diamantina, os indivíduos foram contatados em
seus domicílios e entrevistados pessoalmente por um único entrevistador treinado. Os pacientes que apresentaram
outras doenças neurológicas e/ou ortopédicas associadas foram excluídos do
estudo. Assim, 51 participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFVJM – Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Para a coleta de dados, os coordenadores de todas as unidades ESF de Diamantina autorizaram a realização da pesquisa, após esclarecimentos sobre os objetivos desta pesquisa.
Inicialmente os pacientes foram submetidos ao miniexame do estado mental11, um teste que avalia o estado mental geral considerando orientação
têmporo-espacial, memória recente, cálculo, linguagem e praxia motora, com
pontuação de 0 a 30. O escore preditivo
de normalidade varia de acordo com o
grau de escolaridade do sujeito: de 18
(para analfabetos), 21 (para indivíduos
com 1 a 3 anos de escolaridade), 24
(para indivíduos com 4 a 7 anos de escolaridade), a 26 (para aqueles com mais
de 7 anos de escolaridade)12. Os pacientes que obtiveram valores abaixo do determinado não poderiam responder às
perguntas do roteiro, sendo estas então
feitas a seus respectivos cuidadores. As
perguntas do roteiro semi-estruturado
envolviam: nome, sexo, idade, grau de
instrução, renda familiar, tempo de tratamento na fisioterapia, tempo decorrido desde o primeiro AVE, dimídio acometido, deambulação, tipo de marcha,
uso de órteses, alterações na fala, hipertensão arterial sistêmica (HAS), hábitos
de vida anteriores ao episódio de AVE
(tabagismo, alcoolismo, dieta alimentar
e atividade física) e histórico de AVE
paterno e/ou materno.
A análise estatística dos dados foi descritiva simples, onde as variáveis qualitativas foram apresentadas em freqüências
relativas (percentuais) e freqüências absolutas (N), e as variáveis quantitativonuméricas, em média e desvio-padrão.
RESULTADOS
Dos 82 pacientes cadastrados nas
unidades ESF, 3 não contemplaram os
critérios de inclusão do estudo e 28 não
foram encontrados em seus domicílios.
Assim, a amostra foi de 51 indivíduos,
Tabela 1 Características
sociodemográficas e do AVE
dos sujeitos da amostra
(n=51)
Característica
Idade (anos, m ± dp)
Sexo masculino
feminino
n
%
67,8±13,6
25
49
26
51
Renda familiar
1 salário
2 salários
3 salários
4 salários ou +
0 salário
21
10
10
8
2
41
20
20
16
4
25
2
22
1
1
49
4
43
2
2
Escolaridade
Analfabeto
Fundamental completo
Fundamental incompleto
Médio completo
Superior
Tempo de AVE
(anos, m ± dp)
Dimídio esquerdo
direito
ambos
6,7±5,6
25
22
4
49
43
8
m ± dp = média ± desvio padrão
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):326-32
:34-9
35
terapêutica (necessidade constante do
cuidador ou do terapeuta para que o
paciente deambule em curta distância).
%
30,0
25,5
21,6
21,6
25,0
DISCUSSÃO
17,7
20,0
Segundo o Ministério da Saúde, a
partir de 1996 o AVE constitui causa
principal de internações, mortalidade e
deficiências na população brasileira13.
Devido ao processo de envelhecimento
da população, vem ocorrendo um aumento na expectativa de vida – e na incidência do AVE, com o avançar da idade14,15, embora haja um declínio nas taxas de mortalidade no país14.
15,0
7,8
10,0
4,0
5,0
2,0
0,0
20-29
30-39
40-49
50-59
60-69
70-79
80/+
Faixa etária (anos)
O AVE tem pico de incidência entre
a sétima e oitava década de vida, quando se somam com as alterações cardiovasculares e metabólicas relacionadas à
Gráfico 1 Distribuição (%) da idade em que ocorreu o primeiro episódio de
acidente vascular encefálico por grupo etário dos sujeitos (n=51),
segundo informado por eles
distribuídos quase igualmente por sexo.
A média de idade dos pacientes foi
67,8±13,6 anos; metade eram analfabetos; a maioria (41,2%) tinha renda familiar de um salário mínimo. O tempo
médio decorrido desde o AVE foi de
6,7±5,6 anos.
Em relação ao dimídio acometido,
embora a distribuição seja semelhante
entre o direito e o esquerdo (Tabela 1),
96% (n=49) dos participantes eram destros. Registrou-se ainda se que 35%
(n=18) dos pacientes nunca tinham tido
tratamento fisioterapêutico e apenas
16% (n=8) o estavam recebendo na época da pesquisa. Quanto às faixas etárias,
notou-se que as décadas de maior incidência do AVE foram as de 70-79 anos,
60-69 e 50-59 anos (Gráfico 1).
Em relação aos fatores de risco anteriores ao episódio de AVE, o tabagismo
e o etilismo foram referidos por mais da
Tabela 2 Presença (%) de fatores de
risco anteriores ao primeiro
episódio de acidente vascular
encefálico informados pelos
sujeitos
Fatores
(%) Sim Não
Dieta alimentar inadequada
Inatividade física
Tabagismo
Etilismo
Histórico de AVE na família
36
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):34- 9
94
90
57
55
33
8
10
43
45
66
45
Extra-comunitária
12
Comunitária
16
Domiciliar
Terapêutica
Supervisionada
Ausente
0
5
12
0
10
20
30
40
50
Gráfico 2 Distribuição (%) dos tipos de marcha informados pelos sujeitos (n=51)
metade da amostra; a maioria (94%) não
realizava nenhum tipo de dieta alimentar prescrita por especialista e 90% não
praticavam atividade física regularmente (Tabela 2). Também foi constatado que
78% (n=40) dos indivíduos entrevistados eram hipertensos e 33% (n=17) tinham histórico de AVE na família.
No que se refere aos aspectos físicos,
observou-se alteração na fala em 53%
(n=27). Quanto à marcha, 78% (n=40)
eram deambuladores, dos quais 23 apresentavam marcha extra-comunitária
(Gráfico 2), sendo que 33% (n=17) utilizavam algum dispositivo de auxílio à
marcha. Poucos pacientes tiveram a
marcha supervisionada (necessidade de
auxílio eventual do cuidador ou do
terapeuta) e nenhum apresentou marcha
idade16. Entretanto, pode ocorrer mais
precocemente16,17 e ser relacionado a
outros fatores de risco, como distúrbios
da coagulação, doenças inflamatórias e
imunológicas, bem como o uso de drogas16. Apesar do aumento da incidência,
há que se considerar as taxas de sobrevivência que declinam com o avanço da
idade – de 79% dos 75 aos 84 anos para
67% acima dos 85 anos18–, o que poderia justificar a baixa incidência do AVE
na faixa de 80 anos ou mais em nosso
estudo.
O hemicorpo mais freqüentemente
acometido em nossa população foi o
esquerdo, contudo isso não parece ser
relevante como fator prognóstico, pois
a literatura mostra variações nessa freqüência19-21.
Leite et al.
Appelros et al.22 realizaram uma revisão sistemática de 59 artigos sobre a
incidência do AVE quanto ao sexo. Encontrou-se uma média de idade da incidência do primeiro episódio do AVE de
68,6 anos para homens, e 72,9 anos para
mulheres. As taxas de incidência (33%)
e prevalência (41%) foram maiores nos
homens do que nas mulheres. Os valores referentes ao infarto encefálico e
hemorragia intraencefálica foram maiores nos homens; as taxas referentes à
hemorragia subaracnóidea foram maiores nas mulheres, embora essa diferença não seja estatisticamente significativa. Além do mais, o AVE tende a ser mais
grave nas mulheres (24,7%) quando
comparado ao dos homens (19,7%). No
presente estudo, os sujeitos se distribuíram quase igualmente entre os sexos.
O aumento e o envelhecimento da
população, somados aos fatores de risco mais prevalentes como hipertensão,
tabagismo, dieta inadequada, inatividade física e obesidade, fazem com que o
AVE se torne a principal causa de morte
prematura e de incapacidade entre adultos4. Assim, a detecção e o controle dos
fatores de risco são tarefas prioritárias,
pois permitem uma redução significativa da incidência e recidiva do AVE23,24,
por meio de mudança nos hábitos de
vida, terapêutica medicamentosa,
neuro-radiologia intervencionista ou cirurgia24.
Os fatores de risco para o AVE podem
ser classificados em modificáveis, nãomodificáveis e ambientais. Os modificáveis são: hipertensão arterial sistêmica,
tabagismo, inatividade física, dieta (baixa ingestão de frutas e vegetais), alcoolismo, obesidade e diabetes. Os não-modificáveis são: ocorrência prévia de ataque
isquêmico transitório, hipercolesterolemia, estresse, cardiopatias, idade, sexo
(por exemplo, alta idade e sexo masculino estão em muitas populações associados ao aumento do risco), raça (afrodescendentes), histórico familiar (fator genético); e fatores ambientais: fumantes passivos e acesso a tratamento médico1,3.
Neste estudo, os fatores de risco modificáveis relatados foram dieta inadequada e inatividade física (pela quase totalidade dos participantes), tabagismo e alcoolismo (por mais de metade dos sujeitos – Tabela 2).
Perfil epidemiológico de hemiplégicos
Em uma campanha inédita no Brasil,
a Academia Brasileira de Neurologia
uniu-se a um esforço mundial para realizar anualmente o “Dia Internacional do
Acidente Vascular Cerebral” em várias
capitais brasileiras, com o objetivo de
conscientizar a população sobre a gravidade da doença, orientar para reconhecer os sinais e informar as providências
necessárias diante de uma pessoa sofrendo de um AVE25. Salienta-se a importância da expansão desse programa de prevenção às demais localidades brasileiras.
Tem sido demonstrado que grupos
populacionais economicamente desfavorecidos vêm apresentando taxas de
mortalidade cardiovasculares mais elevadas do que os que possuem melhores
condições de vida. Além de as camadas
mais pobres da população também estarem submetidas aos principais fatores de
risco, ainda usam produtos mais baratos,
portanto de mais baixa qualidade. São
consumidos cigarros que contêm alto
teor de nicotina, bebidas alcoólicas destiladas (como cachaça), carnes com alto
teor de gorduras, frituras com óleos
saturados, enlatados etc.26.
Dados de 2006 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, apontam que 10,38% da
população se declaram analfabetos absolutos. O percentual representa 14,3
milhões de brasileiros27. Hoje vivemos
na sociedade da informação e do conhecimento; quem não tem condições de
ler e escrever acaba excluído de informações que são necessárias para garantir todos os seus direitos de cidadão,
destacando-se o acesso à saúde.
Epidemiologicamente o AVE é uma
doença altamente prevalente no Brasil.
Dentre os sobreviventes, aproximadamente 70% recuperam sua marcha normal em um ano; 45 a 60% são capazes
de desempenhar seus cuidados pessoais com assistência; e 5 a 9% tornam-se
completamente independentes. Profissionalmente, 9% retornam a seus trabalhos originais, 1% mudam suas ocupações, 33% nunca retornam ao trabalho,
e 57% permanecem desempregados5.
Os pacientes apresentam alterações sensitivas, cognitivas e motoras como fraqueza muscular, espasticidade, padrões
anormais de movimento e descondicio-
namento físico. Esses défices podem limitar a capacidade de realizar tarefas
funcionais como deambular, fazer compras, subir escadas e cuidar-se18. Falcão
et al.17 encontraram défices de aproximadamente 80% entre os sobreviventes
de AVE entrevistados, com seqüelas
motoras em 75% entre os homens e 90%
entre as mulheres. Além disso, pouco
mais da metade das pessoas apresentavam impedimento para deslocar-se para
outros bairros e entre as que se deslocavam havia necessidade da ajuda familiar e/ou do uso de dispositivos auxiliares, como bengala, cadeira de rodas,
andador, entre outros. Similarmente,
neste estudo, no que se refere à marcha,
mais de 50% dos indivíduos apresentaram dificuldades de locomover-se de
seus domicílios.
A hemiparesia não causa apenas limitações motoras, mas também interfere nas atividades de vida diária dos pacientes, com conseqüente redução da
qualidade de vida. Fisioterapeutas têm
demonstrado interesse em desenvolver
e propor novas terapias de reabilitação
e assim assegurar uma melhora de vida
desses pacientes5. Segundo Duncan et
al.28, uma reabilitação efetiva iniciada
precocemente após o AVE pode aumentar os processos de recuperação e
minimizar incapacidades funcionais,
reduzindo os potenciais custos com cuidados a longo prazo e contribuindo com
uma melhora da satisfação do paciente.
Salienta-se que os pacientes crônicos
com hemiplegia, quando submetidos à
fisioterapia (treino de força muscular e
condicionamento aeróbio), apresentam
melhora da velocidade da marcha, maior capacidade de geração de força, aumento do VO2 máximo, melhora do desempenho funcional e da qualidade de
vida20,29.
A alta incidência de AVE na população atendida pelas ESF de Diamantina
aponta para a necessidade de implantação e melhorias das políticas de saúde
locais. Essas ações devem garantir um
acompanhamento adequado desde a
fase hospitalar até a domiciliar. Na fase
domiciliar, salienta-se a importância da
inserção do serviço de fisioterapia nas
ESF, para identificar, avaliar e tratar os
indivíduos com seqüelas neurológicas
por AVE, atuar na prevenção dos fatores
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :34-9
37
de risco e encaminhá-los aos centros de
reabilitação especializados. São também
necessários projetos de saúde que atinjam as camadas sociais mais carentes,
como por exemplo a disponibilidade de
veículos para garantir o acesso desses
indivíduos a esses centros. Devido à alta
incidência de AVE encontrado nas ESF,
ações de saúde pública que diminuam
os altos índices de morbidade e comorbidade dessa doença atuariam como
indicadores de melhoria na saúde pública local. Porém, salienta-se que tais
indicadores não devem ser analisados
individualmente como parâmetros de
base para todas as melhorias encontradas, uma vez que podem gerar um resultado falso-positivo. Novos estudos
devem ser feitos nessa área, abrangendo não só os indivíduos com AVE, como
também de outras doenças presentes no
município, para que a Secretaria Municipal de Saúde possa implementar e/ou
melhorar políticas de saúde adequadas
a toda a população.
Com base nos resultados aqui obtidos,
apresentados à Secretaria Municipal de
Saúde de Diamantina, foram discutidas
as políticas de ações na saúde, em especial das competências fisioterapêuticas
para a população. Formou-se uma parceria entre a universidade e a Prefeitura
Municipal para a viabilização de transporte dos pacientes que, sem condições
financeiras, não têm acesso aos serviços
ambulatoriais de fisioterapia e permanecem desamparados. Além disso, a inser-
ção de profissionais fisioterapeutas nas
ESF permitirá um novo cenário de atuação desses profissionais, para a abordagem integral do processo de saúde-doença, bem como para atuar na prevenção e orientação dos sujeitos, evitando
novas doenças ou recidivas.
Segundo um parecer conjunto dos
Conselhos Nacionais de Saúde e Educação30, é necessária a articulação entre saúde e ensino; em consonância, as
diretrizes curriculares nacionais para o
ensino superior na área da saúde contemplam a construção do perfil acadêmico e profissional com competências,
habilidades e conteúdos contemporâneos, e para que os profissionais atuem
com qualidade e resolubilidade no Sistema Único de Saúde.
O estudo realizado propõe uma ação
conjunta entre município e universidade de modo que a integração ensinosaúde seja transformada em ações de
políticas na saúde, gerando prestação de
serviço gratuito e de qualidade à população. Além disso, a integração ensinosaúde possibilita a reflexão universitária e municipal, pois objetiva motivar e
propor mudanças na formação técnica
de graduação e pós-graduação, bem
como viabilizar um processo de educação permanente dos trabalhadores da
saúde, com base nas necessidades de
saúde da população.
Apesar de não ter sido este o objetivo
do estudo, é importante investigar direta-
mente alguns parâmetros – o que poderá ser realizado em outros trabalhos –
como por exemplo medidas da pressão
arterial, teste de equilíbrio e funcionalidade, além da aplicação de questionários validados que permitam avaliar depressão e qualidade de vida.
CONCLUSÃO
Observou-se neste estudo maior incidência do AVE com o avançar da idade,
embora atingindo também indivíduos
jovens. Além disso, revelou-se a presença, na população estudada, de fatores de
risco como, dieta inadequada, inatividade física, tabagismo, etilismo, história de AVE paterno e/ou materno, baixa
renda salarial e escolar. Embora tenham
sido detectados défices funcionais relevantes na população dos sujeitos com
hemiplegia, grande parte deles nunca
receberam tratamento em fisioterapia. É
nessa perspectiva que se percebe a importância da inserção da fisioterapia nas
ESF, com o objetivo de atuar na prevenção e controle dos fatores de risco, bem
como identificar, avaliar e tratar os indivíduos com seqüelas neurológicas do
AVE, por meio de acompanhamento
continuado. Ressalta-se ainda, a necessidade de melhorias ou modificações nas
estratégias de políticas de saúde em relação à população estudada, bem como
a importância da atuação conjunta entre município e universidade.
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :34-9
39
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.40-5, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Efeito de um programa de fisioterapia funcional em crianças com paralisia
cerebral associado a orientações aos cuidadores: estudo preliminar
Effect of a functional physical therapy program on cerebral palsy children,
associated to guidance for their caregivers: a preliminary study
Ana Carolina Gama e Silva Brianeze1, Andréa Baraldi Cunha2, Sabrina Messa Peviani3, Vanessa Cristina Ribeiro Miranda4,
Virlaine Bardella Lopes Tognetti5, Nelci Adriana Cicuto Ferreira Rocha6, Eloisa Tudella6
Estudo desenvolvido no Núcleo
de Estudos em Neuropediatria e
Motricidade do Depto. de
Fisioterapia da UFSCar –
Universidade Federal de São
Carlos, São Carlos, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta Ms. Especialista
em Neurologia Infantil
2
Fisioterapeuta Especialista em
Neurologia Infantil; mestranda
em Fisioterapia na UFSCar
3
Fisioterapeuta; doutoranda em
Fisioterapia na UFSCar
4
Fisioterapeuta; mestranda em
Clínica Médica na Faculdade
de Medicina da Universidade
de São Paulo, São Paulo, SP
5
Fisioterapeuta Ms.; doutoranda
em Educação do Indivíduo
Especial na UFSCar
6
Fisioterapeutas; Profas. Dras. do
Depto de Fisioterapia da
UFSCar
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Ana Carolina G. S. Brianeze
R. Latino Coelho 1301 ap. 1
Bloco A Parque Taquaral
13087-010 Campinas SP
e-mail: [email protected]
Trabalho apresentado ao IV
Congresso Brasileiro de
Comportamento Motor da
Universidade de São Paulo,
São Paulo, jul. 2008, com
publicação de resumo.
APRESENTAÇÃO
jul. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
40
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):40-5
RESUMO: O objetivo foi verificar o efeito de um programa de fisioterapia funcional
para crianças com paralisia cerebral, associado a orientações aos pais e/ou
cuidadores; e verificar a correlação entre as habilidades funcionais e a assistência
do cuidador, utilizando o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI).
Participaram quatro crianças entre 24 e 43 meses de idade, hemiplégicas, espásticas
e nível I no sistema de classificação da função motora ampla (GMFCS). Foram
realizadas quatro avaliações – uma antes do início do programa, as demais aos 30,
60 e 90 dias após a primeira –, empregando-se as partes I (Habilidades funcionais)
e II (Assistência do cuidador) do PEDI. As crianças foram submetidas a sessões de
uma hora de fisioterapia funcional três vezes por semana, durante três meses: duas
vezes a sessão era de fisioterapia com base no conceito neuroevolutivo Bobath e
uma vez, treino de atividades da vida diária. Também foram dadas orientações por
escrito aos pais e/ou cuidadores quanto à assistência à criança, incentivando-os a
praticá-la em casa. A análise dos resultados mostrou que, na última avaliação, as
crianças obtiveram escores significativamente maiores que na primeira. Foi
verificada correlação altamente significativa (r=1,0; p=0,083) entre as partes I e II.
O programa de fisioterapia funcional associado às orientações aos pais e/ou
cuidadores foi efetivo em melhorar o desempenho funcional de crianças nível I
com hemiplegia espástica.
DESCRITORES: Criança; Cuidadores; Modalidades de fisioterapia; Paralisia cerebral
ABSTRACT:The purpose was to verify the effect of a functional physical therapy program
on children with cerebral palsy, associated to guidance to parents and/or caregivers;
and to search for correlations between the child’s functional abilities and caregivers’
assistance, by means of the Pediatric Evaluation Disability Inventory (PEDI). Four
hemiplegic, spastic children between 24 and 43 months old, classified at the Gross
Motor Function Classification System level I, were submitted to four evaluations,
the first prior to program onset, and the others 30, 60, and 90 days after the first
one. PEDI parts I (Functional abilities) and II (Caregivers’ assistance) were used.
Caregivers were provided with written instructions on how to best deliver care at
home. The physical therapy program consisted of three weekly 1-hour sessions for
three months; two sessions were of physical therapy based on Bobath concept, and
one, of daily activities training. The analysis of results showed children obtained a
significantly higher score at the last assessment as compared to the first. A high,
significant correlation was found between PEDI parts I and II (r=1.0; p=0.083). The
functional physical therapy program associated to instructions to caregivers proved
thus effective to improve the functional performance of level-I children with spastic
hemiplegia.
KEY WORDS: Caregivers; Cerebral palsy; Child; Physical therapy modalities
Brianeze et al.
Fisioterapia na PC com orientação a cuidadores
INTRODUÇÃO
O termo paralisia cerebral (PC) descreve um grupo de desordens do desenvolvimento do movimento e da postura,
atribuídas a distúrbio não-progressivo
que ocorre no encéfalo em desenvolvimento. As desordens motoras da PC causam limitações das atividades de vida
diária (AVD) e são freqüentemente
acompanhadas por distúrbios da sensação, percepção, cognição, comunicação
e comportamento, por epilepsia e por
problemas musculoesqueléticos secundários1,2.
A classificação da PC pode ser baseada na distribuição topográfica do comprometimento, no nível de funcionalidade e
no tônus muscular. Quanto à distribuição
topográfica, pode ser classificada como
hemiplegia, diplegia e quadriplegia3.
Quanto ao nível de funcionalidade, o
mais utilizado atualmente é o sistema de
classificação de função motora ampla
(Gross motor function classification
system, GMFCS), que é baseado no movimento auto-iniciado, com ênfase no
sentar e andar. Apresenta cinco níveis
diferentes de função motora, de acordo
com a limitação funcional e necessidade de assistência externa. Crianças classificadas no nível I do GMFCS apresentam baixa severidade, bom desempenho
motor e limitações funcionais pouco
pronunciadas; as do nível V são crianças com múltiplas desordens, que apresentam limitações no controle voluntário dos movimentos e na habilidade de
manter postura antigravitária do pescoço
e do tronco4. Quanto ao tônus muscular,
a PC pode ser classificada em espástica,
discinética, atáxica e mista, sendo a forma espástica a mais freqüente, representando 75% dos casos de PC3,5.
Estudos têm evidenciado que a
espasticidade leva a alterações em propriedades como redução da força muscular e da velocidade do movimento,
gerando modificações adaptativas no
comprimento muscular e na amplitude
do movimento ativo6-8. Esses distúrbios
comprometem o processo de aquisição
de marcos motores (rolar, sentar, engatinhar,
andar) e também o desempenho nas AVD
(banhar-se, alimentar-se, vestir-se)9,10. Devese ressaltar porém que o desempenho
funcional é influenciado não só pelas
propriedades intrínsecas da criança, mas
também pela demanda da tarefa, pelo
ambiente onde a criança está inserida e
pela dinâmica familiar10,11.
A habilidade de uma pessoa ao cumprir as demandas da tarefa por meio da
interação com o ambiente determina sua
capacidade funcional. Assim, as estratégias terapêuticas que auxiliam o paciente a aprender ou reaprender a executar
as tarefas funcionais são essenciais para
a independência funcional12. A intervenção assume o importante papel de
minimizar as dificuldades apresentadas
e deve ser direcionada para promover
experiência e prática dos movimentos a
serem incorporados no repertório motor da criança. Tanto pais quanto profissionais devem, portanto, estimular o
desenvolvimento da capacidade funcional dessas crianças.
Fisioterapia funcional é a terapia com
ênfase na prática de atividades funcionais. Prioriza o aprendizado de habilidades motoras que sejam significantes
no ambiente da criança, nas quais ela
deseje se engajar, e que sejam percebidas como problemáticas pela criança e
seus pais ou cuidadores13,14. A intervenção para a criança com PC realça suas
habilidades no contexto da vida diária,
relacionando limitação motora com atividade funcional15. Utilizar os resultados de avaliação funcional é pertinente
para estabelecer um tratamento eficaz,
pois os terapeutas são capazes de identificar o nível funcional atual da criança
e documentar mudanças ao longo do
tempo16.
Demonstrando a importância de dar
orientações aos pais e/ou cuidadores das
crianças com PC, Mancini et al.17 relatam estudo em que aqueles foram freqüentemente orientados por terapeutas
a estimular as crianças em diferentes
habilidades e promover sua independência funcional. A importância da participação dos pais na terapia da criança
contribui para a otimização do programa de fisioterapia, bem como nos benefícios aos pais, pois os integra nas atividades funcionais do dia-a-dia da criança, levando à redução no estresse e
ansiedade deles18.
O presente estudo teve como objetivo verificar o efeito de um programa de
fisioterapia funcional associado a orientações aos pais e/ou cuidadores nas ha-
bilidades funcionais de crianças com
paralisia cerebral e verificar possível correlação entre as habilidades funcionais e
a assistência do cuidador, utilizando o
Inventário de Avaliação Pediátrica de
Incapacidade, PEDI (Pediatric Evaluation
Disability Inventory)19,20.
A hipótese deste estudo é que a fisioterapia funcional associada às orientações
aos pais e/ou cuidadores favorecerá positivamente o desempenho funcional da
criança com PC. Este estudo pretende
contribuir para o embasamento clínico
de fisioterapeutas ao estabelecer seus
objetivos a médio e longo prazo no desenvolvimento e aperfeiçoamento do
repertório funcional da criança com PC,
além de destacar a importância da participação ativa dos pais e/ou cuidadores
na prática diária dessas crianças, em todos os ambientes que as cercam e em
todas as atividades que executam.
METODOLOGIA
Este estudo foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal de São Carlos. Participaram do
estudo longitudinal quatro crianças com
diagnóstico médico clínico de PC, classificadas como hemiplégicas, espásticas
e nível I na classificação do GMFCS,
com idade entre 24 e 43 meses (média=33,5±9,8), sendo uma do sexo feminino e três do sexo masculino. Apenas essas quatro crianças, dentre as atendidas no serviço de fisioterapia da Universidade, se enquadravam no nível de
funcionalidade e distribuição topográfica estabelecidos como critérios de inclusão, com a finalidade de manter a
homogeneidade da amostra. Crianças
com alterações associadas, como genéticas, comportamentais, deficiência auditiva e/ou visual, malformações no sistema nervoso central, e que foram submetidas a procedimentos cirúrgicos ou à
aplicação de toxina botulínica nos seis
meses anteriores ao estudo foram excluídas. Ainda, para a inclusão no estudo,
os pais ou responsáveis deveriam assinar o termo de consentimento livre e
esclarecido; as crianças deveriam estar
em tratamento fisioterapêutico há pelo
menos 12 meses e deveriam apresentar
nível semelhante de compreensão, ou
seja, capazes de atender aos comandos
do terapeuta.
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):40-5
41
Procedimentos
As crianças foram avaliadas por meio
do PEDI 19, questionário que avalia o
desempenho funcional de crianças entre 6 meses e 7 anos e meio em atividades relevantes de sua vida diária. No
Brasil, esse instrumento foi validado e
adaptado com permissão e colaboração
dos autores, para contemplar as especificidades socioculturais das crianças
brasileiras20. O PEDI é aplicado em entrevista estruturada com os pais ou responsáveis pela criança, que possam informar sobre seu desempenho funcional
em atividades da rotina diária. É dividido em três partes (parte I - Habilidades
funcionais, parte II - Assistência do
Cuidador e parte III, Modificação do
ambiente), que informam sobre as três
áreas do desempenho funcional: autocuidado, mobilidade e função social.
Na parte I, os itens da cada escala são
somados, resultando em um escore total bruto para cada uma das três áreas
de habilidades funcionais. Na parte II, a
pontuação dada para as tarefas em cada
uma das três áreas funcionais é somada,
resultando em três escores totais brutos
de independência11. Neste estudo foram
utilizadas somente as áreas de autocuidado
e mobilidade das partes I e II do instrumento e foi utilizado o valor do escore
bruto. Quanto maior o escore, melhor o
desempenho nas habilidades funcionais
e maior a independência da criança em
relação ao cuidador nas AVD.
Foram realizadas quatro avaliações,
sendo a primeira antes do início da intervenção fisioterapêutica, a segunda
após 30 dias da primeira avaliação, a
terceira após 60 dias e quarta após 90
dias da primeira avaliação, ou seja, ao
final do programa.
As crianças foram submetidas à fisioterapia funcional três vezes por semana, com uma hora de duração, durante
três meses. Duas vezes na semana foi
aplicada fisioterapia com base no conceito neuroevolutivo Bobath (Quadro 1).
Uma vez por semana foi realizado treino das AVD e fornecidas orientações por
escrito aos pais e/ou cuidadores quanto
à assistência prestada à criança, de acordo com as respectivas limitações, de
modo a estimularem sua independência
42
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):40-5
Quadro 1 Atividades funcionais realizadas com base no conceito neuroevolutivo
Bobath
Preparação (15 minutos)
Alongamentos e mobilizações articulares por
meio de manuseio com rolos e bolas
Atividades de ativação e
controle muscular (30 minutos)
Exercícios ativos e resistidos para grupo
musculares dos membros superiores e
inferiores, especialmente do hemicorpo
comprometido e de tronco
Treino da atividade funcional
(15 minutos)
Alimentação
Higiene pessoal
Vestir-se
Banheiro
Transferências
Quadro 2 Treino de AVD associado a orientações aos pais e/ou cuidadores
Autocuidado (partes I e II do PEDI):
Alimentação
Utilização de utensílios para comer e recipientes para beber
Experimentação de diferentes texturas de alimento
Higiene pessoal Utilização de escovas, pentes, sabonetes e toalhas
Vestir-se
Vestir e tirar vestimentas, sapatos e meias
Abrir fechos e botões
Banheiro
Como usar o vaso sanitário, a pia, o papel higiênico, o
chuveiro; abrir e fechar box
Mobilidade (partes I e II):
Transferências Em ambientes internos e externos, em diferentes terrenos e
desníveis
Subir e descer escadas
Entrar e sair de meios de locomoção (carro, ônibus)
Treino de marcha em distâncias longas, curtas e em velocidade
na realização das AVD (Quadro 2). Por
fim, foram realizadas reuniões com os
pais e/ou cuidadores para esclarecer
dúvidas, caso houvesse dificuldades nas
orientações dadas.
ficativos e, inferiores a 0,05, altamente
significativos.
Análise dos dados
A Tabela 1 apresenta as médias dos
escores brutos no PDEI e os respectivos
valores de p da comparação entre os
escores obtidos na primeira e quarta avaliações realizadas; o valor do teste de
Wilcoxon para dados pareados foi zero.
Pode-se notar que todos os valores de p
são inferiores a 0,1, indicando que na
última avaliação os escores foram significativamente maiores que na primeira.
Como apenas quatro crianças foram
estudadas, optou-se pelo uso de medidas não-paramétricas para a análise. Para
verificar o efeito do programa fisioterapêutico e das orientações aos pais e/
ou cuidadores, foram utilizadas a primeira e a quarta avaliações, em cada parte
do PEDI, utilizando-se o teste de
Wilcoxon pareado. As médias dos escores brutos das quatro crianças nas áreas
de autocuidado e mobilidade nas partes I (Habilidades funcionais) e II (Assistência do cuidador) foram usadas para
calcular o coeficiente de correlação entre ambas. Essa associação foi analisada
pela correlação de Spearman. Foi utilizado o programa estatístico R (v. 2.7).
Em todas as análises, os valores de p inferiores a 0,1 foram considerados signi-
RESULTADOS
Quanto à correlação entre habilidades funcionais e assistência do cuidador
nas avaliações das quatro crianças, o
Gráfico 1 traz os valores médios obtidos em cada uma das avaliações das
partes I e II do PEDI. Constatou-se correlação altamente significativa (r=1,0;
p=0,083), mostrando que, quanto maior o nível de habilidades funcionais da
criança, maior é sua independência em
relação ao cuidador nas AVD.
Brianeze et al.
Fisioterapia na PC com orientação a cuidadores
Tabela 1 Escores brutos médios obtidos pelas quatro crianças no PEDI na primeira
e última avaliações e valor de p da comparação entre ambas
Parte do PEDI
Autocuidado
Mobilidade
Autocuidado
Assistência do cuidador
Mobilidade
Habilidades funcionais
Escore médio
1a avaliação 4a avaliação
36,75
54,25
44,50
54,50
9,00
26,00
28,50
34,25
p*
0,0625
0,0625
0,0625
0,0488
Escores médios da assistência do
cuidador
* Sob a hipótese nula de que a diferença entre a 4a e 1a avaliações é maior ou igual a zero
65
A4
A3
55
A2
45
A1
35
80
85
90
95
100
105
110
Escores médios das habilidades funcionais
Gráfico 1 Médias dos escores das quatro crianças em cada uma das quatro
avaliações das partes I e II do PEDI; A1 = 1a avaliação; A4 = 4a avaliação;
A2 e A3 = avaliações intermediárias
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos neste estudo
revelaram que o programa de fisioterapia funcional associado às orientações
aos pais e/ou cuidadores favoreceu o
desempenho das habilidades funcionais
e o aumento do nível de independência
das crianças com PC em relação ao
cuidador.
Quanto à fisioterapia funcional, foram enfatizadas técnicas de mobilização
articular e ativação de grupos musculares durante o treino das AVD da criança, tais como trocar de roupa, utilizar
utensílios domésticos e transferir-se em
diferentes ambientes. A realização do
treino baseado nas dificuldades da criança contempla sua capacidade de
aprender a resolver problemas inerentes
à tarefa funcional, mais do que praticar
repetitivamente padrões de movimentos
normais13.
Inferimos que esse modelo de fisioterapia proporcionou a aquisição de novas habilidades funcionais e o aumento
das estratégias motoras por meio da prá-
tica e da experiência, proporcionando
mudanças na capacidade de movimentação. Isso ocorreu pela melhora do desempenho motor global, por desenvolver ações funcionais de movimentos ativos que requerem que a criança atenda
ao objetivo da tarefa e aperfeiçoe suas
habilidades. Os resultados aqui obtidos
estão de acordo com os de ShumwayCook & Woollacott12, Howle21 e Held22,
para os quais a fisioterapia funcional
manipulada corretamente beneficia crianças com limitações na tarefa.
Outros estudos confirmam que a fisioterapia funcional direcionada às habilidades funcionais é mais eficaz em crianças hemiplégicas do que o tratamento convencional23-25.
Destacamos ainda que os pais e/ou
cuidadores exercem um papel de agentes cooperadores para as modificações
do comportamento motor no desenvolvimento de crianças com incapacidades
motoras. Por isso, as orientações apropriadas a eles, sua adesão e participação ativa no programa geraram resultados satisfatórios no desempenho de suas
habilidades funcionais. De acordo com
Jansen et al.18 e Palisano et al.26, as melhoras obtidas nas habilidades dessas
crianças foram devidas ao fato de o programa ser focado nas limitações das AVD
consideradas problemáticas pelos pais
e/ou cuidadores, e por contarem com a
participação ativa destes nas atividades.
Um aspecto relevante do presente
estudo foi ter evidenciado a relação entre habilidades funcionais e assistência
do cuidador. Os resultados indicaram
que, quanto maior o nível de habilidades funcionais da criança, maior é a sua
independência em relação ao cuidador
nas AVD. Esses resultados foram atribuídos ao treino das limitações funcionais
e à participação ativa dos cuidadores,
buscando a independência das crianças
nessas atividades. A intervenção terapêutica, o treinamento específico e as orientações aos pais e/ou cuidadores são
fatores determinantes, pois encorajam a
criança a realizar atividades que melhoram seu desempenho27.
Esses resultados estão de acordo com
os de Mancini et al.10, Ketelaar et al.13,
Knox et al. 27 e Formiga et al.28, segundo
os quais o desempenho funcional de
crianças com PC é influenciado pelo pai
e/ou cuidador através da orientação
dada a ele de como assisti-las. Tal orientação, adicionada ao treino direcionado,
interferiu no aprimoramento e eficiência
da execução da tarefa e seu uso rotineiro, revelando-se útil por tornar as crianças mais independentes.
Apesar de contribuir para o embasamento clínico de fisioterapeutas, este
estudo apresenta limitações, dado o reduzido número de casos, não-inclusão
de grupo controle e não-verificação dos
efeitos em longo prazo, sendo necessários mais estudos nessa área.
CONCLUSÃO
Apesar de não apresentar grupo controle, os resultados deste estudo indicaram claramente que o programa de fisioterapia funcional associado às orientações aos pais e/ou cuidadores foi efetivo em melhorar o desempenho funcional de crianças nível I com hemiplegia
espástica. Com a melhora no desempenho nas habilidades funcionais, as crianças demonstraram maior independência em relação ao cuidador nas AVD.
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :40-5
43
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :40-5
45
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.46-51, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Estratégias para ensino de hábitos posturais em crianças: história
em quadrinhos versus experiência prática
Strategies for teaching postural habits to children: comic strips
vs. practical experience
Marilia Christina Tenorio Rebolho1 Raquel Aparecida Casarotto2, Silvia Maria Amado João2
Estudo desenvolvido no PPG
(Programa de Pós-Graduação)
em Ciências da Reabilitação do
Fofito/FMUSP – Depto. de
Fisioterapia, Fonoaudiologia e
Terapia Ocupacional da
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta Ms.
2
Profas. Dras. do Fofito/FMUSP
A colaboradora Cardinali Vânia
Albuquerque participou na
criação da história em
quadrinhos.
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Marília C. T. Rebolho
R. Demóstenes 468 Campo
Belo
04614-012 São Paulo SP
e-mail:
[email protected]
O artigo resume a dissertação
da autora 1, defendida na
FMUSP, sob orientação de R.
Casarotto.
APRESENTAÇÃO
jan. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
nov. 2008
46
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):46-51
RESUMO: Este estudo experimental verificou os efeitos de um programa de educação
postural comparando duas estratégias de ensino, a utilização de uma história em
quadrinhos (HQ) e a experiência prática de posturas corretas e incorretas (EP). O
programa de educação postural foi aplicado em três encontros com escolares das
2a e 3a séries, com idades entre 7 e 11 anos; 40 meninas e 40 meninos foram
divididos igualmente em dois grupos, cada um submetido a uma estratégia de
ensino: GHQ e GEP. O conhecimento dos hábitos posturais foi verificado por meio
de questionários aplicados antes e após 6 meses do término das sessões. Foram
ensinadas as posturas corretas em pé, sentado, de transportar mochilas, de abaixar,
de mudar objetos de lugar e jeito de dormir. Os resultados do estudo indicaram
que, para todas as variáveis estudadas houve aumento significativo no aprendizado
e memorização dos hábitos posturais corretos em ambos os grupos, e que não
houve diferença significativa entre as duas estratégias educativas. Não foram
detectadas diferenças no aprendizado e memorização dos hábitos posturais corretos
em crianças de ambos os sexos submetidas às duas metodologias de ensino.
DESCRITORES: Criança; Educação em saúde; Hábitos; Postura; Prevenção primária
ABSTRACT:This experimental study assessed the effects of a posture education program
comparing two teaching strategies: by means of a comic strip (CS) and through
practical experience (PE), in which children experienced each correct and incorrect
posture. The posture education program was applied to 2nd- and 3rd-grade students
aged 7-to-11 in three teaching meetings. The sample consisted of 40 boys and 40
girls evenly distributed into two groups, each taught by one teaching strategy: CS
group and PE group. Questionnaires were applied before program onset and six
months after the end of the program, in order to assess participants’ postural habits.
Correct postures taught were standing, sitting, knapsack carrying, bending down,
moving objects, and sleeping posture. Results showed significant improvement in
learning and memorizing correct postures by all subjects; no significant differences
were found between the groups in all variables assessed. Both comic strip and
practical experience teaching strategies were thus efficient in teaching boys and
girls healthy postural habits.
KEY WORDS: Child; Habits; Health education; Posture; Primary prevention
Rebolho et al.
Estratégias de ensino de hábitos posturais
INTRODUÇÃO
Todos os profissionais que trabalham
com prevenção primária em saúde desejam que suas orientações preventivas
sejam compreendidas e incorporadas
cotidianamente pela população que as
recebe.
Doenças que têm taxas altas de
prevalência ou morbidade na população
requerem a utilização de diferentes estratégias educativas para aprendizado de
medidas preventivas. Esse é o caso de
dores na coluna entre crianças e adultos. Estudos epidemiológicos da prevalência de dores nas costas entre escolares apresentam dados que variam de
19,7% a 38,6%1-4.
Essa prevalência, no entanto, não é
uniforme nas diferentes faixas etárias,
apontando um crescimento entre as crianças mais velhas de 18% na faixa etária
de 14-16 anos versus 1 % na faixa de 7
anos5,6.
As diretrizes européias para prevenção de lombalgia, elaboradas pela Comissão Européia de Pesquisa7, prevêem
ações preventivas para adultos e escolares, baseadas na idéia de que os fatores de risco que são potencialmente
modificáveis, como: estilo de vida (atividades sedentárias; hábitos alimentares;
trabalho; atividade esportiva; sedentarismo; obesidade; hábito de fumar; alcoolismo); fatores físicos (mobilidade e
flexibilidade; força muscular); ambiente escolar (mochila e mobiliário escolar) e fatores psicológicos. Se houver
modificação destes fatores, a prevalência
de dores pode diminuir.
Uma das estratégias mais utilizadas
nos programas de educação postural é
a chamada Back school (escola das costas), criada em 19698 para ser aplicada
em grande escala na população adulta
visando prevenir a reincidência de dores nas costas. Esse programa é aplicado em três ou quatro encontros, com
uma hora de duração, em que os conteúdos de anatomia, fisiologia e biomecânica da coluna, fisiopatologia das dores, orientações ergonômicas e posturais
nas atividades ocupacionais e de vida
diária, exercícios de alongamento, força e relaxamento muscular são ensinados aos sujeitos que já tiveram crises de
dores na coluna vertebral. A eficiência
desses programas para a população
adulta vem sendo comprovada por estudos de meta-análise9,10.
Esses programas também vêm sendo
aplicados no ambiente escolar, que é um
espaço privilegiado para ações educativas com crianças11-15. E diferentes estratégias de aprendizado de prevenção de
dores na coluna vêm sendo aplicadas
nesses estudos.
Um programa de educação postural
foi apresentado por Robertson e Lee11
abordando conceitos sobre a postura
sentada correta, técnicas de levantamento de peso e prevenção de lesões esportivas para estudantes de 10 a 12 anos.
Eles utilizaram diagramas e práticas de
vivência de posturas corretas e incorretas. Os resultados revelam que o programa de educação postural promoveu
modificações imediatas na adoção do
comportamento correto na postura sentada e nas situações de levantamento de
peso.
Dentre os autores que estudaram os
efeitos da aplicação de programas de
educação postural em crianças, uma
equipe belga (Cardon et al.)13 verificou
o efeito de um programa de educação
postural utilizando um circuito, onde os
estudantes do grupo experimental realizavam tarefas de levantamento e transporte de pesos, escolha de um conjunto
de cadeira-mesa adequado e atividades
de escrita para avaliação da postura sentada; depois, respondiam a um questionário relativo à prevalência de dor e
cuidados com a coluna vertebral. Esses
dados foram avaliados uma semana e
três meses após a intervenção e comparados aos do grupo controle. Os estudantes do grupo experimental apresentaram escores mais altos nos testes de
conhecimento teórico e prático. Esses
dados foram confirmados por outros trabalhos da equipe13, incluindo um seguimento de um ano15.
ma de higiene postural, tendo apresentado os seguintes resultados: 12,9% dos
alunos do grupo controle apresentaram
lombalgia e 4,8%, escoliose, versus
3,2% de lombalgia e nenhum caso de
escoliose no grupo experimental.
O papel do professor no reforço das
orientações posturais foi analisado pela
equipe belga13, que encontrou escores
mais altos nos testes do grupo que recebia reforço do professor, quando comparado ao grupo que recebia as orientações sem reforço e ao grupo controle.
Para otimizar o processo de ensino,
várias técnicas de aprendizado das posturas corretas e incorretas são utilizados:
videoteipes, circuitos práticos, técnicas
de dramatização, cartazes, demonstração das posturas com uso de bonecos.
O uso da história em quadrinhos também
vem sendo utilizado como estratégia de
ensino para aprendizado em ciência e
informações sobre educação em saúde.
Uma pesquisa recente comparou a utilização de história em quadrinhos com
textos tradicionais de literatura científica na memorização de conceitos, aprendizado científico e compreensão16. Os
dados mostraram que não havia diferença na retenção de conceitos entre os dois
formatos de ensino, apenas a vantagem
de que é mais atrativo aprender com as
histórias em quadrinhos. A utilização da
história em quadrinhos como estratégia
de ensino de hábitos posturais ainda não
foi avaliada como instrumento de educação em saúde.
O objetivo deste estudo foi verificar
a eficácia de duas estratégias educacionais – uso de história em quadrinhos e
experiência prática – na retenção de informações sobre hábitos posturais corretos em escolares da 2a e 3a séries do
ensino fundamental.
METODOLOGIA
14
Mendez e Gomes-Conesa aplicaram
um programa de educação postural em
106 estudantes, com envolvimento dos
pais, professores de educação física, professores do ensino regular e estudantes
de fisioterapia. Os alunos foram divididos em três grupos: experimental, controle e placebo; e foram acompanhados
no serviço de saúde por um período de
quatro anos após o término do progra-
O desenho do estudo foi experimental com seguimento de seis meses. Foi
aprovado pela Comissão de Ética para
Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A amostra foi formada por 80 escolares de 7 a 11 anos, sendo 40 do sexo
feminino e 40 do masculino, da 2a e 3a
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):46-51
47
séries de uma escola municipal de ensino fundamental da cidade de São Paulo.
Os sujeitos foram selecionados de
acordo com os seguintes critérios de inclusão: idade entre 7 e 11 anos; alunos
alfabetizados, com habilidade para leitura e escrita; estar cursando a segunda
ou terceira séries do ensino fundamental; consentimento dos pais ou responsáveis legais do aluno em participar do
estudo, mediante assinatura do termo de
consentimento pós-informação. Foram
excluídas da amostra as crianças que
faltaram a partir do segundo encontro.
Procedimentos
O trabalho consistiu em cinco encontros. No primeiro encontro foi aplicado
um questionário para estimar o quanto
as crianças conheciam sobre hábitos
posturais, que incluía questões sobre
identificação e conhecimento das posturas corretas nas seguintes situações:
postura da coluna, quadris e pés durante a posição sentada; da cabeça, coluna
e pés na posição em pé; maneira de carregar mochilas; de abaixar; de mudar
objetos de lugar; e jeito de dormir. Esse
questionário permitiu caracterizar a população, verificar as crianças que poderiam ser incluídas no estudo. Também
nesse primeiro encontro, nos dois grupos, foram apresentados conhecimentos
sobre anatomia, biomecânica e fisiopatologia da coluna vertebral, estrutura do
sistema musculoesquelético e articular,
para dar uma noção básica do funcionamento dessas estruturas.
No segundo, terceiro e quarto encontros foram realizadas as três sessões
educativas, com duração de uma hora.
No final de cada encontro os alunos preenchiam um questionário sobre os hábitos posturais aí orientados. No quinto
encontro, após seis meses do término do
programa, os alunos responderam um
questionário igual ao questionário inicial.
Quando a aquisição do conhecimento não havia sido 100% alcançada, ou
seja, não havia acerto de todas as perguntas, reforços eram ministrados até o
domínio total do conteúdo. Esses reforços consistiam em orientar novamente
o educando no hábito postural não
aprendido. Esta estratégia de ensino é
conhecida como programação de ensi-
48
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):46-51
no individualizado17. Uma característica importante nessa forma de ensino é
que o aluno só passa para o passo seguinte depois de dominar 100% do conteúdo anterior.
Os alunos, divididos em dois grupos,
foram submetidos a dois diferentes programas de educação postural: GHQ
(n=40, 20 meninas e 20 meninos), que
utilizou a estratégia de aprendizado por
meio de uma história em quadrinhos
expressamente produzida; e GEP, que
utilizou a estratégia de experiência prática (n=40, 20 meninas e 20 meninos).
Foram ministrados aos dois grupos os
mesmos conteúdos sobre hábitos posturais, em três sessões educativas, com
o seguinte teor:
2o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados à postura sentada: manutenção das costas eretas apoiadas no encosto da cadeira;
posicionamento da região das nádegas
o mais próximo possível do encosto da
cadeira, e dos pés apoiados no chão.
Nos casos em que a cadeira não permitia o adequado apoio dos pés, os estudantes foram orientados a colocar um
suporte (livros, lista telefônica, caixa de
sapato).
3o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados à postura em pé, deitada e transporte de mochila: manutenção da cabeça ereta,
tronca ereto e os pés afastados na largura dos ombros; transportar a mochila nas
costas com uma alça em cada ombro; e
deitar de lado.
4o encontro: Os alunos foram instruídos sobre hábitos relacionados às técnicas de levantamento e transferência de
objetos: para pegar objetos no chão, realizar a atividade dobrando os joelhos e
não a coluna; os passos para transferir
objetos de um lugar para o outro foram:
ficar de frente para o objeto, segurar com
as duas mãos e próximo ao corpo, evitando torcer o tronco.
Estratégias de ensino
Na estratégia pedagógica que utilizou
história em quadrinhos18 os alunos assistiam a narrativa da história projetada
por transparências enquanto a fisioterapeuta acompanhava a leitura. Em cada
aventura da história o aluno era informado, pelos personagens, quanto ao
hábito correto da postura. O roteiro da
história foi preparado com cinco personagens: um professor de ciências, três
estudantes e a mãe de um dos estudantes.
O argumento da história baseava-se na
preparação de um trabalho de ciências
sobre os danos da má postura. Durante
a aplicação dessa forma de ensino, os
alunos não participaram de experiências práticas das posturas. O gibi foi distribuído às crianças após o final do programa, para não interferir nos dados
coletados.
Na estratégia de ensino de experiência prática utilizou-se um circuito demonstrativo para o ensino dos hábitos
posturais corretos. Para montar esse circuito, foram utilizados um conjunto de
mesa e cadeira, um colchonete, uma
mochila escolar e alguns livros. Os estudantes experimentavam individualmente cada orientação referente às posturas.
Análise estatística
Os dados foram analisados usando o
programa SAS for Windows, versão 8.
Para testar a homogeneidade entre as
quatro populações (GHQ masculino/feminino e GEP masculino/feminino) com
relação a distribuição de alunos pelas
categorias de respostas foi usado o teste
exato de Fisher19. Realizamos também
uma análise para dados pareados19 para
verificar se houve mudança na proporção de respostas dadas antes e depois da
aplicação das estratégias de ensino. O
nível de significância foi fixado em 0,1%.
RESULTADOS
A média de idade dos alunos no GHQ
foi de 8,42 anos no sexo masculino e
8,67 no feminino; no GEP a média foi
de 8,33 anos no sexo masculino e 8,33
no feminino.
A perda amostral deste estudo foi de
três estudantes, tendo dois sido transferidos de escola e um se mudado do estado. Assim, o GHQ ficou com 38 crianças e o GEP, com 39.
O teste exato de Fischer para as variáveis
relacionadas às questões sobre os hábitos posturais – quando sentado, em pé,
Rebolho et al.
Tabela 1
Estratégias de ensino de hábitos posturais
Porcentagens de respostas corretas antes e depois da aplicação das
estratégias de ensino nos grupos GHQ (história em quadrinhos, n=38) e
GEP (experiência prática, n=39)
GHQ (%)
GEP (%)
Hábitos posturais: posição certa Antes Depois Antes Depois
Sentada
costas
47
97*
49
97**
bumbum
71
100*
68
97**
pés
55
89*
38
90**
cabeça
89
100*
92
95**
costas
84
100*
87
100**
pés
41
65*
33
64**
Transporte de mochila
76
100*
72
97**
Em pé
Pegar objetos no chão
37
92*
41
90**
Transferência de objetos de lugar
84
97*
82
97**
Jeito de dormir
84
82
77
95**
*, ** = diferença estatística significativa (p<0,1) entre antes e depois, respectivamente no GHQ e GEP
Tabela 2
Número total de reforços necessários após aplicação dos questionários
nos 2o, 3o e 4o encontros, por estratégia de ensino e sexo
Grupo/
Estratégia
de ensino
Masculino
Feminino
Questionário
Total
2o 3 o 4o
Questionário
Total
2o 3o 4o
HQ (n=38)
2
6
1
9
1
2
0
3
EP (n=39)
0
2
0
2
0
1
3
4
Total
2
8
1
11
1
3
3
7
HQ = história em quadrinhos; EP = experiência prática
ao carregar mochila, abaixar, pegar, levantar, transferir um objeto de lugar e
quanto ao jeito de dormir – permitiu
verificar que, com exceção da variável
jeito de dormir (p=0,0783), os testes resultaram não-significantes (p>0,10) para
todas as variáveis e, portanto há homogeneidade entre as quatro populações.
A Tabela 1 mostra a porcentagem de
respostas corretas aos questionários sobre as seis categorias de postura orientadas, antes e após o total de encontros.
A Tabela 2 apresenta o número de reforços ministrados após o segundo, terceiro e quarto encontros, segundo a estratégia de ensino e o sexo.
DISCUSSÃO
Os Parâmetros curriculares nacionais 20 têm um papel preponderante
como instrumento de apoio às reflexões
sobre educação em saúde. O texto relativo às séries iniciais define claros obje-
tivos de ensino (v.9, p.8-9): “conhecer e
cuidar do próprio corpo, valorizando e
adotando hábitos saudáveis como um
dos aspectos básicos da qualidade de
vida e agindo com responsabilidade em
relação à sua saúde e a saúde coletiva”.
A atenção em saúde foi considerada
um dos eixos temáticos do debate em
plenário do 12o Congresso Nacional de
Saúde21. Nesse evento foi aprovada pelos delegados a inclusão do tema educação postural como uma das ações de
saúde a ser implementada junto às secretárias de saúde e educação.
Uma pesquisa sobre a temática educação em saúde no currículo de alunos
do curso de graduação em Pedagogia
mostrou que, embora 85% dos estudantes considerassem importante e até indispensável a atuação do pedagogo no
desenvolvimento da educação em saúde no ambiente escolar, 65% não conseguiram identificar a presença desses
conteúdos em seu currículo, mostrando
a necessidade de uma ampliação da discussão sobre esse assunto, para que o
educador possa aprimorar sua concepção
de educação em saúde e, também, da saúde em educação, e assim exercer melhor
seu papel de educador em saúde22.
Apesar disso, um dado interessante
deste estudo é que as crianças estudadas já tinham conhecimento prévio superior a 80% quanto à postura correta
da cabeça e coluna vertebral na posição
em pé e na forma de mudar um objeto
de lugar. As informações que as crianças mais desconheciam eram as posturas corretas da coluna vertebral e dos
pés na posição sentada, dos pés na posição em pé e a forma de abaixar para
pegar objetos no chão.
As duas estratégias de ensino utilizadas no presente estudo mostraram-se
efetivas no sentido de ensinar e fixar
conceitos dos hábitos posturais. Nossos
dados confirmam os apresentados por
outros estudos11-15,23, de que há mudança no conhecimento de hábitos posturais
antes e após a participação dos alunos
em programas de educação postural.
Com exceção da postura correta de dormir, todas as demais posturas foram apreendidas e relembradas de forma igual
pelos dois grupos experimentais. Sobre
o “jeito de dormir”, houve um aumento
no índice de respostas corretas de 23%
no GEP, enquanto no GHQ houve apenas um aumento de 7%. A experiência
prática nessa posição mostrou-se mais
efetiva.
Este estudo também concorda com
o de Negrete16, que mediu o quanto de
conteúdo científico pode ser entendido
e lembrado quando é incluída uma pequena história, comparada a um texto
convencional, e encontrou que, a longo prazo, a memorização pelas duas
estratégias educativas é igual.
A história em quadrinhos pode ser
utilizada como um instrumento de ensino e motivação no aprendizado de conceitos relacionados a hábitos posturais.
A facilidade com que a história em quadrinhos comunica conhecimentos científicos está relacionada ao fato de que
ela transmite informações de forma atrativa, divertida e facilita a memorização
de conceitos24. Vários países do mundo
já inseriram a história em quadrinhos no
currículo escolar25. A aproximação das
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :46-51
49
histórias em quadrinhos das práticas
pedagógicas pode favorecer a comunicação do conhecimento especifico.
Diversos autores verificaram um aumento na compreensão e na quantidade de informações sobre diferentes assuntos de saúde quando elas eram ministradas por alguma forma de história
em quadrinhos: prevenção de hepatite
C26, malefícios do cigarro28, imunização29,30. Adolescentes que participaram
de um projeto para o desenvolvimento
de instrumentos de comunicação para
campanhas de prevenção de aids avaliaram os cartoons como ferramentas eficientes para transmissão dessas informações27. Entretanto, no presente estudo,
o uso de HQ revelou-se tão eficaz quanto a experiência prática das posturas
corporais.
Comparando as estratégias educativas
utilizadas neste estudo quanto ao número de reforços, a que mais necessitou
reforços foi a de HQ, com 12 reforços,
contra 6 da EP. Também foi encontrada
uma diferença entre os sexos, pois os
meninos precisaram de mais repetições
que as meninas (11 contra 7).
Uma das limitações deste estudo é a
falta de um grupo controle para avaliar
se há aquisição de conhecimento sem
qualquer intervenção educativa. A dificuldade encontrada na operacionalização foi a mudança de cronograma de
atividades escolares, que provocou a
alteração da realização dos encontros
nos dias e locais previamente agendados.
Descobrir estratégias que auxiliem a
fixar os princípios básicos de hábitos de
postura é um desafio constante para os
profissionais da saúde; e a história em
quadrinhos, tanto quanto a experiência
prática, podem ser recursos interessantes nessa tarefa, tão importante e tão difícil para quem trabalha em educação
em saúde.
CONCLUSÃO
Não foram detectadas diferenças no
aprendizado e memorização dos hábitos posturais corretos entre os grupos
submetidos às duas estratégias de ensino, em ambos os sexos. Com exceção
da melhor postura de dormir em um dos
grupos, as estratégias de ensino mostraram-se eficazes para a aquisição de hábitos posturais saudáveis.
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ISSN 1809-2950
Efeitos da manipulação do estímulo visual e da intenção na oscilação
postural de idosas
Effects of visual stimulus manipulation and of intention on postural
oscillation of elderly women
Andrei Guilherme Lopes1, Milena Razuk2, José Angelo Barela3
Estudo desenvolvido no
Laboratório para Estudos do
Movimento, Depto. de
Educação Física do IB/Unesp –
Instituto de Biociências da
Universidade Estadual Paulista,
campus de Rio Claro, Rio
Claro, SP, Brasil
1
Doutorando no Depto. de
Educação Física do IB/Unesp
2
Graduanda no IB/Unesp
3
Prof. Dr. do Instituto de
Ciências da Atividade Física e
Esporte da Universidade
Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
José Ângelo Barela
Instituto de Ciências da
Atividade Física e Esporte /
Unicsul
R. Galvão Bueno 868
01506-000 São Paulo SP
e-mail:
[email protected]
Este estudo contou com bolsas
da Capes – Coordenação de
Aperfeiçoameto de Pessoal de
Nível Superior – e do CNPq –
Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. para os autores 1
e 2, respectivamente.
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
52
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):52-8
RESUMO: Este estudo investigou a influência de características do estímulo visual e o
efeito da intenção nas respostas do controle postural frente à manipulação visual
de adultas idosas. As 20 participantes permaneceram em pé em uma sala móvel
durante sete tentativas com duração de 1 minuto cada, olhando para um alvo fixo,
medindo-se sua oscilação corporal. Na primeira tentativa não houve qualquer
movimento da sala, porém a partir da segunda a sala foi movimentada no sentido
ântero-posterior. Para dez participantes, a velocidade de pico da movimentação
foi de 0,6 cm/s e, para as demais, de 1,0 cm/s. A partir da quinta tentativa, as
participantes foram informadas do movimento da sala e orientadas a resistir à
movimentação. Os resultados indicam que a oscilação corporal das idosas é
induzida pelo movimento da sala móvel. Intenção e alteração da característica do
estímulo visual reduzem a influência da informação visual na oscilação corporal,
mas a manipulação de propriedade do estímulo (neste caso, velocidade), é menos
efetiva que a intenção. Essa maior dependência da intenção para alterar a influência
de um estímulo sensorial no controle postural indica que o funcionamento do
sistema de controle postural em idosos não possibilita ajustes “automáticos” de
respostas posturais frente a pequenas variações das condições ambientais.
Iinformações sobre tais variações podem ser direcionadas de forma a compensar
essa diferença.
DESCRITORES: Idoso; Mulheres; Percepção visual; Postura
ABSTRACT:This study examined the influence of both visual stimulus features and
intention on postural control responses due to visual manipulation of elderly women.
Twenty participants stood upright inside a moving room, for seven trials for 1 min
apiece, staring at a fixed target, their body sway being measured. The room was not
moved during the first trial, but from the second trial on, it was continuously
oscillated back and forward. For ten participants, the moving room oscillated with
peak velocity of 0.6 cm/s and for the others, with peak velocity of 1.0 cm/s. From
the fifth trial on, participants were informed about the movement of the room and
instructed to resist to its influence. Results show that body sway is induced by
visual manipulation in elderly adults. Intention and change in visual stimulus lead
to less influence of the visual information on body sway, but changes in the stimulus
properties (velocity, for that matter), is less effective than intention. This higher
dependency on intention for changing sensory influence on postural control suggests
that postural control in elderly adults does not benefit from “automatic” postural
responses due to small environmental changes. Tips and information about such
kind of environmental changes should be used in order to make up for such
difference in automatic adjustments observed in the elderly.
KEY WORDS: Aged; Posture; Visual perception; Women
Lopes et al.
Controle postural em idosas
INTRODUÇÃO
O controle postural envolve um
intrincado relacionamento entre informação sensorial e comandos motores
para garantir a estabilidade e a manutenção de uma posição corporal desejada. Recentemente, diversos estudos
têm examinado essa relação em adultos
idosos, para identificar possíveis alterações no funcionamento do sistema de
controle postural nessa população1-3.
Entretanto, ainda há muito a ser entendido sobre as alterações funcionais no
controle postural decorrentes do processo de envelhecimento.
Durante a manutenção da postura em
pé, adultos idosos oscilam mais que
adultos jovens4-6 e apresentam uma menor e menos controlada região de excursão do centro de pressão7, sendo que
essas diferenças são ainda mais marcantes em situações com maior demanda
do controle postural1,8. A necessidade de
desvendar e entender os mecanismos
responsáveis por essas alterações no
controle postural de idosos é ainda mais
premente dada a maior ocorrência de
quedas em adultos idosos9,10 e os inúmeros transtornos que enfrentam, decorrentes dessas quedas. Apesar dos inúmeros esforços em identificar características comportamentais11, indicadores12,13
e sugerir atividades de intervenção14, a
ocorrência do elevado número de quedas, o estabelecimento de medidas de
prevenção e o entendimento das alterações no funcionamento do controle
postural em idosos ainda não foram totalmente estabelecidos15.
Horak e McPherson16 sugeriram que
o sistema de controle postural tem como
objetivos comportamentais a orientação
e o equilíbrio postural, que são alcançados por uma complexa e dinâmica
relação entre informação sensorial e
ação motora. Nesse caso, estímulos provenientes dos diversos canais sensoriais
são integrados pelo sistema nervoso central, possibilitando a formação do quadro de referência utilizado para identificar o relacionamento entre os segmentos e a orientação destes em relação ao
ambiente17. Com base nesse quadro de
referência, atividade muscular específica é desencadeada, buscando manter ou
alcançar a orientação e o equilíbrio
postural desejado. Nas situações em que
essa dependência mútua entre informação sensorial e ação motora é manifestada de forma regular, ocorre a formação
do ciclo percepção-ação18, que pode ser
examinado para inferir como a informação sensorial é utilizada pelo sistema de
controle postural.
A influência de informação sensorial
no controle postural de idosos tem despertado interesse de diversos estudiosos.
Wade e colaboradores6 foram os pioneiros a examinar a influência da manipulação da informação visual na oscilação
corporal de adultos idosos, utilizando
movimentos discretos de uma sala móvel, e observaram maior oscilação corporal de adultos idosos que jovens. Resultados similares foram observados
quando idosos não só foram mais susceptíveis ao movimento discreto de uma
sala móvel, mas também apresentaram
uma relacão mais forte entre o movimento da sala e a oscilação corporal desencadeada na condição de movimentos
oscilatórios e contínuos da sala3. Esses
resultados sugerem que, embora idosos
apresentem menor acuidade e sensibilidade ao contraste visual19,20, essas alterações não são suficientes para evitar o
uso de informação visual pelo sistema
de controle postural.
Interessante, entretanto, é que os idosos não conseguiram detectar manipulação da informação visual, enquanto
adultos jovens foram capazes21. Assim,
embora o sistema de controle postural
de idosos seja capaz de utilizar informação visual para manter e controlar a posição em pé, o uso da informação visual
parece não ser tão refinado quanto em
adultos jovens. Mais ainda, a influência
da manipulação da informação visual na
postura em pé em adultos é alterada
quando é apresentada informação sobre
a referida manipulação22 ou solicitação
para evitar sua influência23,24. Infelizmente, informações sobre os efeitos de
manipulação do estímulo visual e da
solicitação de evitar sua influência não
foram ainda examinadas em idosos. Tais
informações podem ser importantes para
entender aspectos do funcionamento do
sistema de controle postural de idosos.
Entretanto, mais importante é compreender como fornecer e manipular informação sensorial a idosos nas situações
do dia-a-dia e/ou no delineamento de
protocolos de intervenção. Assim, o objetivo deste estudo foi examinar a influência das características do estímulo visual e o efeito da intenção nas respostas
do controle postural de idosos frente à
manipulação da informação visual.
METODOLOGIA
Participaram deste estudo 20 idosas
(62,5±2,12 anos) fisicamente ativas e
sem lesões ou distúrbios musculoesqueléticos conhecidos ou alterações neurológicas
que pudessem afetar a capacidade de manter o equilíbrio. A opção por apenas mulheres visou maior homegeneidade da
amostra. Elas foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos experimentais:
“velocidade baixa” (VB) (n=10; 64,8±6,9
anos), expostas a um estímulo visual com
velocidade pico de 0,6 cm/s; e “velocidade alta” (VA) (n=10; 61±3,6 anos), expostas a um estímulo visual com pico
de velocidade de 1,0 cm/s. Todas as participantes compareceram uma única vez
ao Laboratório para Estudos do Movimento do Departamento de Educação
Física, Instituto de Biociências, Unesp –
Rio Claro e, antes de participarem do
estudo, assinaram um termo de livre consentimento, aprovado pelo Comitê de
Ética da instituição.
Procedimentos
O experimento foi desenvolvido em
uma sala móvel formada por três paredes e um teto montados sobre rodas, que
deslizam no sentido ântero-posterior
sobre trilhos, de maneira independente
do chão. O teto foi pintado de branco e
as paredes de preto e branco com faixas
verticais de 20 cm de largura. Uma lâmpada fluorescente foi fixada no centro
do teto da sala para iluminação interna.
Um programa específico (Compumotor
– Motion Architect for Windows) controlava o movimento da sala, por um sistema de servo-mecanismo (Compumotor).
Os dados sobre os deslocamentos de
oscilação corporal e da sala móvel, na
freqüência de 100 Hz, foram adquiridos
por um sistema de análise tridimensional
de movimento (Optotrak 3020 – Northern
Digital Inc.), com um emissor infravermelho fixado entre as escápulas das participantes e outro na parede frontal da
sala.
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1):52- 8
53
As participantes foram instruídas a
permanecer na postura em pé e paradas
dentro da sala móvel, descalças e com
os braços relaxados ao lado do corpo,
sendo realizadas sete tentativas, cada
uma com 60 s de duração. Na primeira
tentativa, a sala permaneceu sem movimento, porém nas outras seis a sala foi
movimentada na direção ântero-posterior, com movimentos oscilatórios na freqüência de 0,2 Hz. Nas primeiras três
tentativas em que a sala se movimentou, as participantes foram orientadas a
olhar fixamente para um alvo preso à
parede frontal fixa, na altura dos olhos
a uma distância de 1 m, e não foram
informadas sobre o movimento da sala
(condição normal). Nas três tentativas
subseqüentes, as participantes foram informadas sobre o movimento da sala e
orientadas a, além de fixar o olhar no
alvo como nas tentativas anteriores, resistir ao movimento da sala (condição
resistida). A sala foi movimentada em
diferentes velocidades e amplitudes para
cada grupo. O grupo VB foi exposto ao
movimento com pico constante de velocidade de 0,6 cm/s e amplitude de 1,2
cm. O grupo VA foi exposto ao movimento da sala com pico constante de
velocidade de 1,0 cm/s e amplitude de
1,9 cm.
Análise dos dados
Em todas as tentativas, foi obtida a
amplitude média de oscilação (AMO)
como medida da magnitude total da oscilação corporal na direção ântero-posterior. A AMO foi calculada obtendo o
desvio padrão do sinal da oscilação corporal depois que um polinômio linear e
a média da posição da oscilação corporal foram subtraídos dos valores da respectiva tentativa.
Para as tentativas em que a sala foi
movimentada, a análise da relação entre
o deslocamento da sala e a oscilação
corporal foi realizada apenas na direção
ântero-posterior, pois a manipulação da
informação visual ocorreu nessa direção.
Para analisar a relação temporal e a influência da informação visual na oscilação corporal em ambas as condições,
normal ou resistida, quatro variáveis foram utilizadas: coerência, ganho, fase e
amplitude espectral na freqüência do
estímulo (stimulus frequency spectrum
54
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):52-8
amplitude – SFSA). Coerência indica a
força da relação entre o estímulo visual
e a oscilação corporal: valores de coerência próximos de 1 indicam forte dependência e, inversamente, valores próximos de 0 revelam fraca ou nenhuma
dependência entre o estímulo visual e a
oscilação corporal. O ganho infere o
quanto a manipulação do estímulo visual (ou seja, a oscilação da sala) induz
oscilação corporal; é calculado como a
razão entre as amplitudes dos espectros
da oscilação corporal e da oscilação da
sala. Valores de ganho menores ou maiores do que 1 indicam que a amplitude
do espectro de oscilação corporal foi
menor ou maior do que a amplitude de
oscilação da sala, respectivamente. Tanto
a coerência quanto o ganho foram calculados na freqüência em que o estímulo
visual foi manipulado, neste caso, na freqüência de 0,2 Hz.
A variável fase foi utilizada para verificar a relação temporal entre a oscilação corporal e o estímulo visual. Valores de fase maiores ou menores do que
zero indicam que a oscilação corporal
está adiantada ou atrasada em relação à
oscilação da sala móvel, respectivamente. Valores de fase iguais a zero indicam
que não há diferença temporal entre a
oscilação corporal e o movimento da
sala. Finalmente, a SFSA indica a magnitude espectral da oscilação corporal
na freqüência de oscilação da sala (0,2
Hz). Nesse caso, valores maiores indicam que a manipulação da informação
visual influenciou mais a oscilação corporal das participantes do que valores
menores de SFSA. Todas as análises foram realizadas por rotinas específicas,
utilizando o programa Matlab (Math
Works Inc., v. 7.0). Nenhuma normalização referente à oscilação corporal foi
realizada, pois os grupos eram homogêneos quanto à estatura.
Uma análise de multivariância
(Manova) e duas análises de variância
(Anovas), tendo grupo (VB e VA) e condição (normal e resistida) como fatores,
esta última tratada como medidas repetidas, foram utilizadas para analisar a
influência da manipulação da informação visual na oscilação corporal das
participantes. As variáveis dependentes
da Manova foram coerência e ganho e
da Anova foram fase e SFSA. Uma ter-
ceira Anova, tendo grupo (VB e VA) e
condição (sem movimento da sala, normal e resistida) como fatores (este último também tratado como medidas repetidas) e variável dependente a amplitude média de oscilação, foi utilizada
para verificar a magnitude de oscilação
corporal dos participantes. Quando aplicáveis, análises univariadas e teste post
hoc de Tukey foram utilizados. O nível
de significância foi de 0,05 para todas
as análises e os testes estatísticos foram
feitos utilizando o programa SPSS (v.
10.0 for Windows).
RESULTADOS
A manipulação da informação visual,
decorrente da oscilação da sala móvel,
influenciou a oscilação corporal dos
participantes de ambos os grupos e em
ambas as condições. A análise feita mostra que a oscilação corporal acoplou-se
ao movimento da sala em todas as condições. Gráficos espectrais mostram picos definidos para oscilação corporal e
da sala, ao redor de 0,2 Hz, indicando
que ambos oscilaram ao redor dessa freqüência. Na condição resistida, o grupo VA apresentou um pico de oscilação
corporal menor, comparado ao grupo VB
na mesma condição.
O Gráfico 1 apresenta os valores de
coerência e ganho para os grupos VB e
VA nas condições normal e resistida. A
análise multivariada revelou efeito
significante para grupo [Wilks’
Lambda=0,53; F(2,17)=7,32; p<0,01],
condição [Wilks’ Lambda=0,47;
F(2,17)=9,95; p<0,005] e interação grupo e condição [Wilks’ Lambda=0,62;
F(2,17)=5,21; p<0,05]. A análise
univariada para grupo indicou diferença apenas para ganho [F(1,18)=13,69;
p<0,005], com o grupo VB apresentando valores maiores de ganho do que o
grupo VA. Para condição, indicou diferença para coerência [F(1,18)=17,18;
p<0,005] e ganho [F(1,18)=19,98;
p<0,001], sendo que para ambas as variáveis os valores na condição resistida
foram menores do que na condição normal. A análise univariada para interação
grupo e condição não revelou qualquer
diferença significativa nas variáveis coerência e ganho.
O Gráfico 2 apresenta os valores de
Lopes et al.
1.2
Controle postural em idosas
a)
SFSA (cm2 /freq)
1.0
Coerência
0.8
normal
resistida
0.8
0.6
0.4
0.2
1.5
Ganho
0.2
VB
VA
Grupos
Gráfico 3 Valores médios da amplitude
espectral na freqüência do
estímulo (SFSA) para os
grupos de velocidade baixa
(VB) e de velocidade alta (VA)
nas condições normal e
resistida
VA
Grupos
VB
Gráfico 1 Valores médios de
coerência (a) e ganho (b)
para os grupos de
velocidade baixa (VB) e
velocidade alta (VA) nas
condições normal e
resistida
revelou efeito para grupo [F(1,18)=2,77;
p=0,11] nem interação grupo e condição [F(1,18)=0,002; p=0,96]. Os valores de SFSA indicaram que a oscilação
corporal desencadeada pelo movimento da sala foi menor na condição resistida do que na condição normal.
fase para os grupos VB e VA nas condições normal e resistida. A Anova não
revelou qualquer diferença significante
para grupo [F(1,18)=0,68; p=0,41], condição [F(1,18)=0,01; p=0,91] nem
interação entre grupo e condição
[F(1,18)=0,002; p=0,96]. De forma geral, os resultados mostram que os participantes oscilaram em fase com o movimento da sala.
O Gráfico 3 apresenta os valores de
SFSA para os grupos VB e VA nas condições normal e resistida. A anãlise revelou diferença significante para condição
[F(1,18)=20,39; p<0,001], porém não
Finalmente, o Grãfico 4 apresenta os
valores da amplitude média de oscilação
(AMO) dos grupos VB e VA nas condições sem movimento, normal e resistida.
A análise revelou diferença significante
para condição [F(2,17)=4,66; p<0,05] e
interação grupo e condição [F(2,17)=5,50;
p<0,05], porém nenhum efeito para grupo [F(1,18)=0,14; p=0,70]. Testes post
hoc indicaram apenas que as participantes do grupo VA oscilaram mais na condição normal, em que a sala foi movimentada e as participantes não sabiam
do movimento, do que quando a sala
não foi movimentada.
normal
resistida
sem mov.
L e g e n d
30
norm al
0.9
resis tida
20
10
AMO(cm)
Fase (graus)
0.4
0.0
0.5
0
-10
0.7
0.5
0.3
-20
-30
0.6
b)
1.0
0.0
normal
resistida
VB
Grupos
VA
Gráfico 2 Valores médios de fase para
os grupos de velocidade
baixa (VB) e de velocidade
alta (VA) nas condições
normal e resistida
0.1
VB
VA
GRUPOS
Gráfico 4 Valores da amplitude média
de oscilação (AMO) dos
grupos de velocidade baixa
(VB) e de velocidade alta (VA)
nas condições sem
movimento, normal e resistida
DISCUSSÃO E
CONCLUSÃO
Os resultados mostraram que a oscilação corporal de idosos é induzida pelo
movimento de uma sala móvel. E, ainda, que a intenção e a alteração da característica do estímulo visual reduzem
a influência da informação visual na
oscilação corporal, porém a manipulação do estímulo é menos efetiva que a
intenção. Essa maior dependência da
intenção para alterar a influência de um
estímulo sensorial na oscilação corporal é um fator complicador para o funcionamento do sistema de controle
postural em idosos.
Oscilação corporal semelhante em
idosos, desencadeada pela manipulação
da informação visual, tem sido verificada
em diversos estudos, tanto com movimentos discretos3,6 quanto com movimentos
contínuos e oscilatórios da sala móvel2,3,21
e, portanto, essa constatação não é nova.
Entretanto, é importante salientar que
idosos acoplam sua oscilação à da sala,
mesmo que o movimento da sala envolva oscilações com amplitudes pequenas
(1 cm), como neste e em outros casos3.
Assim, mesmo que o processo de envelhecimento implique alterações na
acuidade e sensibilidade ao contraste19,20, essas alterações não são suficientes para evitar ou até mesmo prejudicar
o uso de informação visual pelo sistema
de controle postural. Os valores de ganho e coerência observados neste estudo, indicando a influência e a relação
entre o movimento da sala e a oscilação
corporal, respectivamente, são similares
aos de outros estudos, que utilizaram
manipulação visual com parâmetros
idênticos e que não observaram diferença entre adultos jovens e idosos3. Na
realidade, em algumas situações em que
a estabilidade postural é ameaçada de
forma mais contundente, idosos apresentaram oscilação corporal maior que
adultos jovens3,6. Novamente, qualquer
alteração do sistema visual decorrente
do envelhecimento não compromete o
uso dos estímulos provenientes desse
canal sensorial para controlar a oscilação corporal.
A magnitude da influência da manipulação visual pode ser alterada quando adultos idosos são informados sobre
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :52- 8
55
o movimento da sala e solicitados a resistir à influência dessa manipulação.
Essa redução na influência da manipulação visual havia sido observada em
adultos jovens22,23,25 e em crianças24 e a
constatação de que adultos idosos também
são capazes de reduzir essa influência é
importante para o entendimento do funcionamento do sistema de controle postural dessa população. Vale lembrar que,
no presente e em outros estudos22,25,
participantes não foram capazes de discriminar conscientemente que a informação visual estava sendo manipulada.
Assim, o sistema de controle postural
acopla-se ao estímulo visual de forma
“automática”23 ou que reflita a dinâmica de relacionamento entre informação
sensorial e ação motora22,25. Entretanto,
essa dinâmica pode ser alterada quando adultos jovens são informados por
outrem22 ou solicitados a resistir à manipulação23. Os resultados do presente
estudo indicam que essa alteração também ocorre no caso de idosos.
Embora idosos consigam reduzir a
influência da informação visual quando
são informados sobre a manipulação, a
alteração da magnitude do estímulo visual quase não induz qualquer alteração na influência visual. Nesse caso,
com o aumento da amplitude e velocidade do movimento da sala, apenas a
variável ganho foi reduzida, indicando
que idosos não acompanharam, com
aumento da oscilação correspondente,
o aumento do estímulo visual. Esse resultado é diferente de outros recentemente obtidos com adultos jovens25,
quando os mesmos foram capazes de
reduzir o efeito da manipulação visual.
Portanto, adultos idosos parecem não
conseguir discriminar pequenas variações dos estímulos sensoriais disponíveis
no ambiente e modular as respostas
posturais da mesma forma como adultos jovens o fazem.
Controle postural em adultos
idosos: implicações
A constatação de que a manipulação
de propriedades do estímulo sensorial
provoca uma pequena alteração na oscilação corporal de idosos indica alterações importantes no funcionamento do
sistema de controle postural dessa po-
56
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):52-8
pulação. Primeiro, idosos são sensíveis
às pequenas variações do estímulo visual, mas, comparando com dados de
estudos prévios25, as respostas não são
tão bem calibradas quanto as observadas em adultos jovens. Segundo, essa
diferença no uso de informação sensorial no controle dos movimentos pode
ser compensada por informação fornecida explicitamente aos idosos.
A relação entre estímulo sensorial e
ação motora correspondente no controle postural não depende de atuação
consciente da pessoa, sendo automática23 mesmo em bebês com poucos dias26
ou meses27 de idade, e sugerida como
inata da espécie humana28. A independência de atuação consciente que governe esssa relação entre informação
sensorial e ação motora permite uma
funcionalidade muito importante ao sistema de controle postural, pois não há
necessidade de direcionar atenção e
controle específico para esse tipo de atividade. Apesar da funcionalidade de não
ter de dividir atenção com mecanismos
desse tipo de controle, o sistema precisa ainda garantir adaptabilidade, de forma que variações no estímulo sensorial
sejam também incorporadas no controle de ação motora. Recentemente, estudos têm buscado investigar e entender a
dinâmica desses mecanismos, sugerindo
um processo de repesagem sensorial24,29,30. Infelizmente, apenas alguns estudos examinaram esses aspectos em idosos2; e indicaram que idosos apresentam
a capacidade de alterar as influências de
estímulos sensoriais no controle da postura ereta, sendo mais influenciados por
tais manipulações do que adultos jovens3.
De forma geral, esses estudos indicaram
que idosos apresentam a capacidade de
alterar a influência do estímulo sensorial
se o mesmo apresentar uma variação
abrupta na amplitude, mas mesmo assim essa variação ainda provoca uma
maior influência em adultos idosos comparados com adultos jovens.
Os resultados deste estudo sugerem
que uma possível explicação para tal
diferença seria que idosos não conseguem discriminar tão bem pequenas
variações do estímulo sensorial e alterar a relação entre a informação que esse
estímulo propicia e a ação motora mais
adequada para a situação. Novamente,
essa alteração não envolve uma atuação
consciente do indivíduo, conforme observado nas condições em que os idosos não foram informados sobre o movimento da sala e realizaram oscilação
corporal correspondente. Essa diferença em alterar a relação entre o estímulo
sensorial e a ação motora realizada, pelo
menos quando ocorrem pequenas variações do estímulo sensorial, pode provocar situações de risco para idosos. Por
exemplo, durante o caminhar, se ocorre
uma pequena variação na superfície
(calçada com uma parte mais elevada),
essa variação pode passar sem ser notada e, conseqüentemente, a altura da
passada não é aumentada, levando a um
tropeço ou mesmo a uma queda.
A constatação de que idosos conseguem utilizar informação apresentada de
forma extrínseca para alterar a influência do estímulo sensorial na ação motora
indica que essa informação pode ser utilizada para compensar a diferença em
obter as variações dos estímulos de forma implícita. Apesar de essa constatação
ter sido observada em adultos jovens22,23,31 e em crianças24, não havia
sido examinada em adultos idosos e
constitui uma alternativa importante
para compensar as alterações decorrentes do processo de envelhecimento. A
apresentação de informação explícita
possibilita que o sistema apresente alteração na relação entre informação sensorial e ação motora na mesma magnitude que a observada de forma implícita. Portanto, a compensação decorrente
do uso de informação explicita possibilita a mesma performance na realização
de ações motoras. O custo desse tipo de
funcionamento é que o idoso tem de
atuar de forma consciente, tendo de
“prestar e/ou dirigir” atenção a aspectos
apontados por outrem. Esta não é a forma mais eficiente de controlar os movimentos, mas constitui uma estratégia
alternativa para essa população, dadas
as alterações funcionais na relação entre informação sensorial e ação motora
decorrente do envelhecimento.
Finalmente, mudanças ambientais
também poderiam ser implementadas de
forma a que as alterações em superfície,
iluminação, textura, degraus etc. fossem
destacadas. Para idosos – e para a população em geral – o destaque das mu-
Lopes et al.
danças nas condições ambientais tem
como função “direcionar”, mesmo que
explicitamente, a obtenção de informação sobre essas alterações. Assim, essas
Controle postural em idosas
“dicas” ambientais para os idosos assumem uma importância ainda maior, pois
o sistema já apresenta uma diferença na
obtenção implícita de pequenas varia-
ções ambientais. Portanto, direcionar o
sistema para a obtenção dessas variações
é crucial para a realização de ações
motoras mais eficientes.
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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.59-64, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Avaliação das propriedades mecânicas do músculo gastrocnêmio de ratas
imobilizado e submetido à corrente russa
Mechanical property analysis of the gastrocnemius muscle of rats immobilized and
submitted to the Russian current
Douglas Reis Abdalla1, Dernival Bertoncello2, Leonardo César Carvalho3
Estudo desenvolvido nos
Laboratórios de Bioengenharia
e Pesquisa em Materiais
Odontológicos da Uniube–
Universidade de Uberaba,
Uberaba, MG, Brasil
1
Fisioterapeuta; mestrando em
Patologia Geral na UFTM –
Universidade Federal do
Triângulo Mineiro, Uberaba,
MG
2
Fisioterapeuta; Prof. Dr.
Adjunto do Curso de
Fisioterapia da UFTM
3
Fisioterapeuta; Prof. Dr. do
Curso de Fisioterapia e do
Laboratório de Bioengenharia
da Uniube
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Leonardo César Carvalho
R. Vital de Negreiros 607
Fabrício
38065-300 Uberaba MG
e-mail: [email protected]
O estudo recebeu
financiamento do Pape da
Uniube
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
RESUMO: A eletroestimulação neuromuscular por corrente russa, recurso utilizado na
reabilitação, pode aumentar o trofismo e restabelecer a força muscular, sobretudo
dos músculos que apresentam deficit pós-imobilização, como é o caso de lesões
durante a prática esportiva. Objetivou-se avaliar as propriedades mecânicas do
músculo gastrocnêmio de ratas imobilizadas por 14 dias e posteriormente
submetidas à eletroestimulação por corrente russa durante 10 dias. Utilizaram-se
32 ratas Wistar divididas em quatro grupos: controle (G1), imobilizado (G2);
imobilizado e liberado por 10 dias (G3) e imobilizado e submetido à corrente
russa por 10 dias (G4). A avaliação das propriedades mecânicas – carga,
alongamento, rigidez e resiliência – foi feita por ensaio de tração longitudinal.
Quanto à carga no limite máximo, o G4 apresentou valores mais elevados quando
comparado ao grupo apenas imobilizado (G2, p<0,001), embora sem atingir o
valor do G1. Na análise da propriedade de alongamento no limite máximo, G3 e
G4 alcançaram valores significativamente maiores que o G2 (p<0,001). No que se
refere à rigidez, apenas G2 alcançou valores maiores (p<0,05) que o G1. Quanto
à resiliência, G4 apresentou valores inferiores ao grupo controle (p<0,05), mas
ainda superiores aos do G2 (p<0,001). Portanto conclui-se que a corrente russa,
quando aplicada por 10 dias após 14 dias de imobilização, é benéfica, embora
não seja capaz de restabelecer todas as propriedades mecânicas do músculo em
nível controle.
DESCRITORES: Estimulação elétrica; Imobilização; Músculo esquelético
ABSTRACT:Neuromuscular electric stimulation by Russian current, used in rehabilitation,
is able to increase muscle trophism and strength, especially in muscles with postimmobilization deficit, as is the case of injuries during sports practice. The purpose
here was to assess the gastrocnemius muscle mechanical properties of rats
immobilized for 14 days and subjected to electric stimulation by Russian current
for 10 days. Thirty two Wistar female rats were divided into four groups: control
(G1), immobilized (G2), immobilized and freed (G3), and immobilized and
afterwards submitted to Russian current (G4). Mechanical properties – maximum
load and stretch, stiffness, and resilience – were assessed by longitudinal traction.
As to maximum load, G4 showed higher values when compared to the onlyimmobilized group (G2, p<0.001), though not attaining G1 values. In the analysis
of maximum elongation results, G3 and G4 presented significantly higher values
than G2 (p<0.001). Concerning stiffness, only G2 reached higher values (p<0.05)
than G1. As to resilience, G4 presented significantly lower values than G1 (p<0.05),
but still higher than G2’s (p<0.001). Hence the study showed that Russian current,
applied for 10 days after a 14-day immobilization, is beneficial, though not able to
restore all the muscle mechanical properties at control level.
KEY WORDS: Electric stimulation; Immobilization; Muscle, skeletal
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64
59
INTRODUÇÃO
vendo permanecer apenas durante os
primeiros dias após a lesão14.
Estudos da mecânica corporal e seus
segmentos são indispensáveis para a intervenção terapêutica. A combinação
entre o conhecimento biomecânico e
histomorfofuncional dos tecidos biológicos, principalmente do sistema musculoesquelético, é importante para o esclarecimento de lesões e alterações nas
capacidades adaptativas1,2.
O trabalho da fisioterapia desportiva
torna-se bastante diferente dos outros. É
preciso rapidez e funcionalidade efetivas, pois o atleta precisará executar todas as funções dos músculos, ossos e
articulações, no máximo de potência e
amplitude, para o perfeito desempenho
dos movimentos15. Assim, necessitam-se
recursos que tornem a reabilitação mais
acelerada.
As lesões musculares dos esportistas
continuam sendo um tema de constante atualização para os especialistas que
têm a responsabilidade de manter em
excelentes condições a estrutura osteomioarticular dos atletas, possibilitando assim melhor rendimento físico, técnico e tático3.
A imobilização, método de tratamento ainda muito usado após lesões, leva
a várias complicações após prolongado
período4,5. A imobilização de um segmento corpóreo é o repouso local, contínuo e rígido, utilizada em casos de fraturas, luxações, traumas musculares, manipulações cirúrgicas e outras enfermidades 6. As alterações induzidas pela
imobilização não se limitam apenas ao
músculo, pois comumente são observados transtornos de inervação e circulação, perda de massa óssea, alterações
ligamentares, edema e rigidez articular6.
No músculo imobilizado, a partir de
seis horas da imobilização, ocorre perda de proteínas, porém sem alteração da
quantidade de mioglobina7. A partir do
sétimo dia de imobilização, começam
a reduzir-se o tecido conectivo e as fibras musculares por área de secção do
músculo, promovendo alterações como
atrofia e redução da atividade contrátil8-10.
Como efeito da imobilização, pode-se
evidenciar atrofia muscular e perda
exponencial de massa do músculo
esquelético em relação ao tempo, em
função da diminuição do número de
miofibrilas em paralelo e do número de
fibras por músculo11,12.
A imobilização temporária, por curto período, permite a formação do tecido de granulação, o que propicia ao
músculo esquelético força tênsil apropriada e resistência às forças criadas pela
contração muscular13. É benéfica na fase
precoce da regeneração muscular, de-
60
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):59-64
A estimulação elétrica neuromuscular
(EENM) para ativação do músculo
esquelético é uma técnica terapêutica
que tem sido utilizada na medicina física por mais de meio século. A partir dos
anos 1960, o uso da EENM passou a focalizar principalmente o controle da
atrofia muscular por desnervação16.
A corrente russa é uma corrente
sinusoidal alternada (bifásica) de 2.500
Hz. As correntes elétricas de média freqüência ocupam medidas entre 1.000
Hz e 100.000 Hz, sendo múltiplas as
vantagens de sua utilização. A principal
é a melhor tolerabilidade à corrente pelo
indivíduo submetido à EENM. Essa corrente é capaz de produzir níveis mais
profundos de contração muscular, além
de aumentar a força, sendo mais indicada para tratar músculos com inervação
preservada16.
A base teórica para o uso da corrente
russa está na capacidade em que a
estimulação elétrica máxima pode fazer
com que quase todas as unidades motoras no músculo se contraiam de forma
sincronizada, algo que não pode ser
conseguido na contração voluntária. Isso
permite a ocorrência de contrações
musculares mais fortes com a estimulação elétrica e, portanto maior ganho
de força acompanhado de hipertrofia
muscular17. A capacidade que a Corrente
Russa tem de produzir maior força muscular, acompanhada de menor fadiga,
resultado de um programa que apresenta períodos de 10 ms de excitação, seguido por 50 ms de repouso, propriedade que respeita os períodos refratários
da célula17. Com finalidade de fortalecimento recomenda-se tipicamente a
utilizar freqüências de 35 a 85 Hz18.
Tendo em vista o reduzido acervo de
trabalhos que abordem tal assunto, e a
importância que este pode ter para estudos sobre imobilização, a presente
pesquisa teve por finalidade verificar o
efeito da aplicação de corrente russa
sobre as propriedades mecânicas do
músculo gastrocnêmio de ratas imobilizadas por 14 dias na posição de encurtamento e, posteriormente, eletroestimulado por corrente russa durante 10
dias. O músculo gastrocnêmio foi utilizado por apresentar melhor facilidade
de localização e função e, ainda, porque após dissecação é possível manter
origem e inserção óssea, possibilitando
ensaio de tração mecânica.
METODOLOGIA
Foram utilizadas 32 ratas Wistar fêmeas
com média de massa corpórea inicial
220,75±20,11 g. Todos os procedimentos aos quais os animais foram submetidos tiveram a aprovação do Comitê de
Ética no Uso de Animais da Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto), que seguem o International Guiding
Principles for Biomedical Research
Involving Animals.
Os animais doram divididos em quatro grupos, assim caracterizados:
1 G1 composto por 8 animais que
permaneceram em observação 14
dias em gaiola padrão, isentos de
qualquer intervenção;
2 G2 composto por 8 animais que
tiveram o membro posterior direito imobilizado em flexão plantar
por 14 dias.
3 G3 composto por 8 animais que tiveram o membro posterior direito
imobilizado por 14 dias e liberado
do aparelho gessado por 10 dias.
4 G4 composto por 8 animais que
tiveram o membro posterior direito imobilizado por 14 dias e em
seguida submetido à eletroestimulação por corrente russa durante
10 dias consecutivos.
Para a imobilização do membro posterior direito dos animais, foi feito um aparelho gessado que incluía pelve, quadril e
joelho em total extensão e a articulação
do tornozelo em flexão plantar. Os animais foram previamente anestesiados
com cloridrato de ketamina (50 mg/kg)
Abdalla et al.
Para a intervenção terapêutica por
meio de estimulação elétrica neuromuscular (EENM), utilizou-se gerador de
corrente russa, uma corrente sinusoidal
alternada (bifásica) de 2.500 Hz com freqüência de estímulo de 50 Hz e com um
tempo de cada aglomerado de estímulo
elétrico (envelope) de 10 ms e intervalo
entre eles de 10 ms. Foram utilizados
como parâmetros: ciclo on (período em
que há passagem da corrente elétrica)
de seis segundos, sendo o rise (tempo
que a corrente necessita para haver total descarga elétrica) de dois segundos
e o decay (tempo necessário para cessar
o estímulo) de dois segundos; e o ciclo
off (período no qual não há passagem
de corrente elétrica) de 13 segundos,
provocando um total de 10 contrações.
A corrente foi transmitida ao animal por
meio de cabos e eletrodos (carbonosilicone). Inicialmente foi aplicada uma
camada fina de gel hidrofílico de pH
neutro, com aproximadamente 1 mm de
espessura a um eletrodo com formato
retangular de dimensões 5 x 3 cm fixado na região dorsal inferior do animal.
Outro eletrodo utilizado para a estimulação local do músculo gastrocnêmio foi
uma caneta desenvolvida em menor escala, com 0,5 cm de diâmetro, acoplada
ao ponto motor do músculo gastrocnêmio direito, sendo utilizada uma camada de gel para a adequada condução
da corrente ao músculo.
15
LM
10
LP
Carga (N)
e xilazina (15 mg/kg): a anestesia foi utilizada para preservação da integridade
dos animais no que diz respeito ao estresse do procedimento e para facilitar
o emprego da técnica, para que não
houvesse movimentos compensatórios
pelos animais. O período em que ficaram anestesiados variou de 10 a 20 minutos. Após a efetivação da anestesia,
as ratas tiveram o membro posterior direito e cintura pélvica envolvidos por
uma malha tubular e ataduras de algodão, a fim de evitar ulcerações, e por
uma atadura gessada de secagem rápida com 2,5 cm de largura, aplicada de
maneira convencional. O gesso foi substituído quando necessário, respeitando
o mesmo procedimento. Os animais
permaneceram imobilizados por duas
semanas (14 dias consecutivos) mantidos a dois por gaiola com livre acesso a
água e ração. A imobilização gessada
não impediu a alimentação nem a locomoção dos animais dentro da gaiola.
Avaliação biomecânica do tecido muscular
5
ș
0
0
Figura 1
2
4
6
8
Alongamento (x10-3mm)
A
10
12
14
Representação gráfica do ensaio mecânico de tração: ilustração dos
pontos utilizados para calcular as propriedades mecânicas do músculo.
LM = ponto de interseção das propriedades mecânicas de carga e
alongamento no limite máximo; LP = limite de proporcionalidade,
representa a transição entre a fase elástica e a fase plástica do músculo; θ
= ângulo formado entre a inclinação da parábola e o eixo x. A rigidez é
representada pela tangente do ângulo θ, ou seja, a divisão do segmento
LP-A pelo segmento 0-A; a resiliência é representada pela área do
triângulo formado entre os pontos 0 – A – LP
Ensaio de tração
No ensaio mecânico do músculo
gastrocnêmio foi utilizada a máquina de
ensaio EMIC (modelo DL-3000, do Laboratório de Pesquisa em Materiais
Odontológicos da Universidade de
Uberaba), equipada com uma célula de
carga Kratos de 50 kgf de capacidade. A
máquina estava ligada a um microcomputador equipado com o programa Tesc,
capaz de captar os valores de carga e
alongamento do músculo durante os
ensaios mecânicos. Dentre os parâmetros
de execução do ensaio, a velocidade de
tração longitudinal foi padronizada em
10 mm/min. O músculo gastrocnêmio foi
inicialmente dissecado, sendo os animais
sacrificados previamente com superdosagem dos já mencionados anestésicos,
preservando sua origem (fêmur) e inserção (calcâneo), o que permitiu, por meio
de um acessório metálico, a fixação do
complexo osso-tendão-músculo-tendãoosso na máquina de ensaio. Para cada
aumento de carga aplicada ao músculo,
foi obtido um valor resultante de alongamento, o que possibilitou a construção
de gráficos carga versus alongamento, por
meio do programa Microsoft Excel 2003.
Feitos os gráficos, puderam ser efetuados os cálculos das propriedades mecânicas carga no limite máximo, alongamento, rigidez e resiliência. A Figura 1
ilustra os pontos e segmentos necessários
para os cálculos dessas propriedades. A
carga no limite máximo (CLM) corresponde ao ponto gráfico de maior valor
de força em Newton (N) obtido pelo
músculo no ensaio de tração. A propriedade de alongamento no limite máximo (ALM) é representada pelo maior
valor de deformação em milímetros. A
rigidez representa o quanto o músculo
é capaz de deformar sem que seja
danificada a arquitetura muscular. Por
fim, a propriedade de resiliência é o
quanto de energia o músculo é capaz
de absorver na fase elástica.
Análise estatística
Os dados relativos às quatro propriedades estudadas foram submetidos inicialmente ao teste de normalidade de
Kolmogorov Smirnov. Após constatada
a normalidade de distribuição, foram
utilizados os testes: Anova para análise
simultânea dos grupos e Tukey-Kramer
para comparação entre os grupos, adotando-se para os testes significância de 5%.
RESULTADOS
O valor médio de massa corpórea
obtida dos animais ao final do experimento foi de 227,14±15,0,9 g; comparando-se com a média inicial de
220,75±20,11 g, não houve diferença
estatística (p>0,05).
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64
61
50
A – Carga
B – Alongamento
25
30
20
10
28,25
33,68
18,36
25,54
ALM (x10-3m)
CLM (N)
40
20
15
10
18,37
15,82
17,08
G3
G4
10,84
5
0
0
G1
G2
G3
G4
G1
G2
5
400
Rigidez (x103N/m
3
2
1
1,55
2,29
1,70
1,65
Resiliência (x10-3N.m)
C – Rigidez
4
D – Resiliência
300
200
100
252,20
0
0
G1
G2
G3
G4
G1
80,43
127,97
G2
G3
136,47
G4
Figura 2 Valores médios de A = carga no limite máximo (CLM); B = alongamento no limite máximo (ALM); C = rigidez; D =
resiliência; encontrados nos grupos controle (G1), imobilizado (G2), imobilizado e liberado (G3) e imobilizado e
eletroestimulado (G4). Teste de Tukey-Kramer (p<0,05): vs G1; vs G2; vs G3; vs G4
Ao analisar a propriedade mecânica
de carga no limite máximo (Figura 2A),
observaram-se valores mais altos no G1
comparado aos demais grupos (G2, G3
e G4) (p<0,05). Pela comparação dos
grupos G3 e G4 com o G2, evidenciase que tanto a mobilização livre (G2 vs
G3, p<0,05) quanto a terapêutica por
EENM (G2 vs G4, p<0,05) melhoraram
essa propriedade, sendo que a EENM
(G4) levou ao maior valor médio, embora sem ter se equiparado ao grupo
controle (G1) (p<0,05).
A Figura 2B correspondente à propriedade de alongamento no limite máximo. Pode-se observar que o G2 e o G3
reduziram signifcativamente sua capacidade de alongar, se comparados ao G1
(p<0,05). Semelhante à propriedade de
carga no limite máximo, houve difirença
significativa (p<0,05) entre os G3 e G4
comparados ao G2, porém quando comparados entre si não foi evidenciada diferença significante (p>0,05). Por outro
lado, o G4 apresentou maior valor médio de recuperação que o G3.
A análise dos valores relativos à rigidez dos músculos (Figura 2C) mostra que
62
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):59-64
apenas a comparação G1 vs G2 apresenta p<0,05. Assim, pode-se observar
aumento não-significativo nos valores
médios dessa propriedade nos grupos
imobilizado e liberado (G3) e imobilizado seguido por eletroestimulação (G4).
Em relação à resiliência (Figura 2D),
foi encontrada diferença significativa
(p<0,05) nas comparações G1 vs G2 e
G3 vs G4. Vale ressaltar que mesmo o
grupo eletroestimulado (G4) tendo apresentado valores inferiores ao grupo controle (p<0,05), estes ainda são superiores aos do grupo apenas imobilizado
(p<0,05).
DISCUSSÃO E
CONCLUSÃO
Ao quantificar e analisar a massa
corpórea dos animais, verificou-se que
o modelo experimental permitiu o livre
acesso a água e ração, possibilitando a
recuperação e manutenção da massa
corpórea, já que os resultados mostram
não haver diferença entre as médias das
massas antes e após o período experi-
mental, confirmando que, mesmo imobilizando o membro posterior do animal, ele é capaz de se alimentar normalmente.
Sabe-se que o tecido muscular se
adapta de acordo com o estímulo que
lhe é imposto. Williams e Goldspink19
analisaram o músculo sóleo de ratos
imobilizados em encurtamento e alongamento nos períodos de um dia a quatro semanas. Observaram que, diferente
da posição encurtada, a posição de alongamento não resultou em mudanças no
tecido conjuntivo. Os autores concluíram que as alterações musculares decorrentes da imobilização são dependentes da posição da imobilização da articulação, sendo a posição de encurtamento a que provoca maiores prejuízos
na função muscular, estando relacionada a maior atrofia das fibras musculares, maior número de pontes cruzadas,
redução no número de sarcômeros e
conseqüente diminuição do comprimento muscular6. No presente estudo, foi
possível confirmar essas alterações, sendo observado que os músculos imobilizados reduziram a capacidade de supor-
Abdalla et al.
Avaliação biomecânica do tecido muscular
tar carga e se alongarem com conseqüente aumento na rigidez e redução na
resiliência; após a imobilização, esse
músculo estaria assim mais susceptível
a lesões tensionais.
das a outras causas que ainda não foram evidenciadas pela avaliação mecânica, mas que talvez pudessem ser
elucidadas com auxílio de uma avaliação histomorfológica.
Durante a imobilização, as fibras
musculares lentas, tipo I, têm maior
vulnerabilidade à atrofia se comparadas
às fibras musculares rápidas, tipo II. Isso
está diretamente relacionado à mudança momentânea do metabolismo, que
permanece predominantemente oxidativo durante o período, deixando as fibras
susceptíveis à atrofia pela alteração na
síntese protéica20,21. O músculo gastrocnêmio apresenta metade de suas fibras
de contração rápida (fibras tipo II); dessa forma, a composição mista desse
músculo o indica para estudar os efeitos da inatividade. Quando o músculo
gastrocnêmio é inativo por suspensão do
suporte de peso não há geração de
atrofia, quando comparado à inatividade por imobilização gessada21,22.
Tendo em vista as alterações nas estruturas e funções musculares que a imobilização desencadeia, ao se efetuar um
tratamento adequado, a plasticidade
muscular demonstra a capacidade de
retorno de suas propriedades originais26.
Järvinen et al.17 encontraram que a
imobilização do membro posterior de
ratos por períodos maiores que sete dias
em posição de encurtamento apresentam redução das propriedades biomecânicas, destacando a redução da elasticidade do músculo, bem como redução
da capacidade de absorver energia. No
presente estudo, foi visto que a rigidez
do grupo submetido apenas à imobilização em posição encurtada apresentou
valores superiores quando comparado aos
demais grupos, concordando com os estudos de Caierão et al.23 e Mcdonough24.
Esses autores relataram que a imobilização propicia o acúmulo de tecido
conjuntivo no tecido muscular, fazendo
com que as fibras colágenas tenham
contato mais íntimo umas com as outras, podendo estimular a formação de
ligação cruzada anormal, o que resulta
em perda da extensibilidade e aumento
na rigidez tecidual. Dentre os fatores que
poderiam interferir, alterando as propriedades mecânicas do músculo, encontrase o aumento da quantidade de tecido
conectivo produzido pela matriz extracelular nas fibras musculares. Todavia,
a imobilização por um período de 14
dias não seria capaz de proporcionar um
aumento de tecido conectivo significativo, capaz de induzir tais alterações
mecânicas25. As alterações encontradas
no presente estudo estariam relaciona-
Este estudo focalizou a eletroestimulação com corrente russa pois, de acordo com a literatura, a eletroestimulação
com corrente de média freqüência modulada a 50 Hz é capaz de restabelecer as
propriedades do músculo esquelético 26.
Após períodos de imobilização, os
efeitos deletérios musculares podem ser
minimizados e/ou revertidos por meio
de recursos como a mobilização e o
alongamento. Autores relatam que a
mobilização ativa pode auxiliar no desaparecimento do edema, aumento da
extensibilidade, organização e regeneração das miofibrilas27. A mobilização
também é importante para reorganização do tecido conjuntivo23. Isso porque
o exercício promove alinhamento mais
funcional das fibras colágenas, minimizando o surgimento de aderências no
tecido cicatricial após lesão muscular ou
período de imobilização27. Além disso,
segundo Stone28, o exercício físico pode
aumentar a força do tecido conjuntivo,
bem como a massa muscular, tornando
o músculo mais resistente. Neste estudo, pôde-se confirmar que a movimentação livre é capaz de aumentar os limites de alongamento e rigidez.
Este estudo incluiu um grupo imobilizado e posteriormente liberado (G3).
Os resultados corroboram achados
histológicos segundo os quais animais
imobilizados por 14 dias e em seguida
liberados na gaiola por 10 dias apresentam menor perda do diâmetro das fibras
tipo I e II em relação ao grupo imobilizado29,30. As fibras musculares de contração rápida (tipo II) são recrutadas para
acrescentar força muscular e agilidade
ao movimento; estas respondem às freqüências na faixa de 50-150 Hz. As fibras do tipo I (contração lenta) são as
primeiras a se tornarem ativas; têm uma
freqüência tetânica de 20-30 Hz. Assim,
para restabelecer a força muscular per-
dida durante a imobilização, optou-se
por utilizar uma freqüência de 50 Hz
pois, segundo relatos da literatura, após
um período de 14 dias de imobilização
eletroestimulando o músculo com essa
freqüência são restabelecidas algumas
propriedades mecânicas como rigidez,
resiliência, carga e alongamento no limite máximo17.
A estimulação neuromuscular seria
capaz de gerar hipertrofia nas fibras tipo
II, preferencialmente eletroestimuladas
à freqüência de 50 Hz. Neste estudo,
pôde-se confirmar que a estimulação por
corrente russa a uma freqüência de 50
Hz é capaz de devolver ao músculo pósimobilizado suas propriedades de carga
máxima, alongamento máximo e rigidez. O deficit nas propriedades mecânicas pode estar vinculado ao acúmulo
de tecido conjuntivo junto ao tecido
muscular. Autores relatam que a imobilização de músculo em encurtamento e
eletroestimulado levou à redução dos
sarcômeros em série, mas não provocou
mudanças na constituição de tecido conjuntivo30-31. Pode-se pois concluir que a
atividade contrátil limita a proliferação
de tecido conjuntivo em músculos imobilizados. Esses resultados foram reforçados por pesquisadores que investigaram os efeitos da imobilização com e
sem o uso da eletroestimulação no músculo tibial anterior de coelhos e concluíram que a EENM foi eficiente em prevenir a proliferação de tecido conjuntivo no grupo que foi imobilizado e
eletroestimulado31-32.
Verificou-se aqui que, após a imobilização, a EENM por corrente russa, seguindo o protocolo proposto, foi capaz
de restabelecer as propriedades mecânicas de rigidez, carga e alongamento no
limite máximo, porém não aumentou os
valores de resiliência do músculo até o
nível do controle, sugerindo a necessidade de um período superior a 10 dias
de estimulação elétrica. Evidencia-se
que a reabilitação utilizando a eletroestimulação por corrente russa pode ser
um recurso bem empregado visando o
reestabelecimento das aptidões físicas
relacionadas às disfunções musculares
decorrente de contusões, estiramentos,
fraturas, pós-operatórios, lesões ligamentares, entre outros motivos que levam à
imobilização por aparelho gessado ou
por inatividade.
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :59-64
63
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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.65-9, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Aspectos físicos e mentais na qualidade de vida de pacientes com
doença de Parkinson idiopática
Physical and mental aspects in quality of life of idiopathic Parkinson
disease patients
Gustavo Christofoletti1, Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga2,
Guilherme Borges3, Florindo Stella4, Benito Pereira Damasceno5
Estudo desenvolvido na FCM/
Unicamp – Faculdade de
Ciências Médicas da
Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, Brasil
1
Doutorando na FCM/Unicamp
2
Profa. Dra. do Curso de
Fisioterapia da Universidade
Estadual de Goiás, Goiânia,
GO
3
Prof. Dr. Livre-docente da FCM/
Unicamp
4
Prof. Dr. do Instituto de
Biociências da Universidade
Estadual Paulista, campus Rio
Claro, SP
5
Prof. Dr. titular da FCM/
Unicamp
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Gustavo Christofoletti
R. Dr. Hilário da Silva Miranda
118 Jardim Novo Chapadão
13070-034 Campinas SP
e-mail:
[email protected]
O estudo recebeu apoio do
CNPq – Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e
Tecnológico.
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
R ESUMO: A doença de Parkinson (DP) é um distúrbio crônico e progressivo,
caracterizado pela degeneração de neurônios dopaminérgicos da substantia nigra
mesencefálica. A lesão das vias subcorticais, em especial a nigro-estriato-palidal,
é particularmente comum e ocasiona uma série de sinais e sintomas incapacitantes.
O objetivo deste trabalho foi analisar a qualidade de vida (QV) relacionada à saúde
de sujeitos com DP e compará-la à de indivíduos controles saudáveis. Foram
avaliados 40 sujeitos com idades entre 61 e 83 anos, de ambos os sexos, que foram
divididos em dois grupos: grupo Parkinson (n=21), composto por sujeitos com DP
idiopática, e grupo controle (n=19), de indivíduos sem distúrbios neurodegenerativos.
Para a coleta de dados, foi utilizada a versão brasileira do questionário Brasil SF36. Os resultados foram analisados estatisticamente, com nível de significância
fixado em 1%. Os sujeitos do grupo Parkinson apresentaram escores
significativamente mais baixos do que os do grupo controle, tanto no domínio
físico quanto no mental, medidos pelo SF-36. Essa baixa QV provavelmente é
explicada pela co-ocorrência de fenômenos neurodegenerativos e do sofrimento
psíquico gerado pela doença e pelo estigma que ela produz. Abordagens
interdisciplinares devem ser estimuladas a pacientes com DP, com o objetivo de
melhorar sua qualidade de vida e postergar o declínio físico e mental inerente às
condições degenerativas.
DESCRITORES: Doença de Parkinson; Perfil de impacto da doença; Qualidade de vida
ABSTRACT: Parkinson disease (PD) is a chronic and progressive disorder characterized
by degeneration of dopaminergic neurons in the mesencephalic substantia nigra.
Lesions involving the subcortical pathways, especially the nigro-striato-pallidal path,
are particularly common, and cause a series of disabling signs and symptoms. The
aim of this study was to analyse the quality of life of individuals with PD and
compare them to healthy controls. Forty subjects of both sexes were analysed,
aged between 61 and 83, divided into two groups: Parkinson group (n=21), made
up of individuals with idiopathic PD; and control group (n=19), of subjects with no
neurodegenerative disorder. Data were collected by means of the Brazilian version
of the Short Form-36 (SF-36) questionnaire. Data were statistically analysed and
the significance level set at 1%. PD group subjects had SF-36 scores significantly
lower than control ones, both in physical and mental health domains. Such low,
perceived health-related quality of life among PD subjects is probably due to the
co-occurrence of the neurodegenerative phenomena and the psychological distress
provoked both by the disease itself and the stigma assigned to it. Interdisciplinary
approaches should be encouraged to improve the quality of life of PD patients,
aiming at postponing the physical and mental decline inherent to this degenerative
condition.
KEY WORDS: Parkinson disease; Quality of life; Sickness impact profile
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9
65
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas o Brasil vem apresentando aumento da sobrevida de sua
população1. A pirâmide etária nacional,
caracterizada na década de 1980 por
base alargada e ápice estreito, hoje se
encontra mais homogênea em relação
às diversas faixas etárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1,
a população de idosos – ou seja, pessoas
com idade superior a 59 anos – já representa índices próximos a 10% da
população brasileira. Tal envelhecimento ressalta a importância e a função do
Estado em garantir aos indivíduos não
apenas maior longevidade, mas também
índices satisfatórios de qualidade de vida
(QV), tanto no que se refere à saúde
quanto à satisfação pessoal e ao lazer2.
O conceito de QV é bastante complexo e, por conseguinte, apresenta pontos de vista diferentes na literatura internacional 3,4, especialmente dois: QV
como um conceito mais genérico e QV
relacionada à saúde (health-related
quality of life). No primeiro caso, a definição apresenta uma ampla aceitação –
“envelhecimento bem-sucedido”, mas
não faz referência às disfunções ou aos
agravos patológicos4,5. No segundo, temse o conceito elaborado pela Organização Mundial da Saúde, que insere a QV
como a percepção que o indivíduo tem
de si mesmo no contexto da cultura e
sistemas de valores em que vive, e em
relação às expectativas, aos objetivos,
aos padrões e às concepções adotadas6.
Neste último caso, a QV relacionada à
saúde é vista em um contexto abrangente e pode ser afetada tanto pela saúde
física e mental quanto pelo nível de independência, além de relacionamentos
sociais, crenças pessoais e relações com
o meio ambiente7.
Na prática fisioterapêutica, a avaliação dos sinais e sintomas consiste em
um parâmetro essencial para se identificarem a pertinência e os resultados de
uma determinada conduta. Ouvir o que
o paciente tem a dizer corrobora uma
perspectiva de atendimento integral em
saúde e permite avaliar os efeitos dos
procedimentos terapêuticos. Nas doenças neurodegenerativas, como é o caso
da doença de Parkinson (DP), torna-se
imprescindível uma análise sintomatológica associada à de QV.
66
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):65-9
A DP é um processo neurodegenerativo, caracterizado por atrofia de estruturas mesencefálicas, sobre a qual se
observa extensa depleção de dopamina
decorrente da apoptose de neurônios
responsáveis pela produção desse neurotransmissor8,9. Trata-se de uma doença
progressiva, de evolução crônica, de
etiologia idiopática e altamente incapacitante. Os sintomas são geralmente percebidos em torno de 60 anos de idade,
sendo os homens mais afetados do que
as mulheres10,11.
A incapacidade é produzida pela
sintomatologia característica da doença,
a saber: tremor em repouso, hipertonia
plástica (com sinal positivo para “roda
denteada”), instabilidade postural,
bradicinesia, deficit na realização das
atividades de vida diária, falta de expressão facial, dificuldade de deglutição,
sialorréia, disartria, marcha a passos
curtos (petit pas), distúrbio do equilíbrio
e um importante “congelamento motor”
(freezing). Pode ocorrer também um
declínio das funções cognitivas – em
especial as executivas. Outros sinais
envolvem a incapacidade de iniciar espontaneamente atividades funcionais,
vocabulário “pobre” de palavras, fala
monótona e micrografia11,12.
Com o objetivo de analisar o quadro
clínico de cada paciente, várias escalas
e testes motores foram criados. A escala
unificada de classificação da doença de
Parkinson (UPDRS, Unified Parkinson’s
disease rating scale) avalia os sinais, sintomas e determinadas atividades funcionais,
por meio do auto-relato e da observação clínica. É composta por 42 itens,
divididos em quatro partes: atividade
mental, comportamento e humor; atividades de vida diária; funcionalidade
motora; e complicações da terapia medicamentosa13,14. A pontuação em cada
item varia de 0 a 4, sendo que o valor
máximo indica maior comprometimento
pela doença e, o mínimo, normalidade.
Seguindo raciocínio semelhante,
Hoehn e Yahr15 realizaram um estadiamento da DP em cinco estágios, conforme a evolução do quadro clínico e o
conseqüente grau de acometimento
nigro-estriatal. No estágio 1, os sinais e
sintomas são leves e, com prejuízo discreto do desempenho motor, manifestase em apenas um lado do corpo. O es-
tágio 2 caracteriza-se por comprometimento bilateral, com disfunção mínima
da postura e da marcha. O estágio 3 é
marcado por uma lentidão significativa
do aparato motor, causando alterações
importantes no equilíbrio. No 4, os sintomas são mais graves, havendo rigidez,
bradicinesia, distúrbios graves na marcha e incapacidade de viver sozinho. O
último estágio é caracterizado por invalidez, perda da autonomia e total dependência do paciente a um cuidador. De
acordo com o estágio da DP, o paciente
pode apresentar diferentes níveis de prejuízo dos aspectos físicos e mentais da QV.
Apesar de comprovado constantemente na literatura científica, a verificação do declínio da QV em indivíduos
com DP usualmente ocorre por meio de
análises univariadas limitadas ao fator
causal16. Diante disso, o presente estudo objetivou analisar os aspectos físicos
e mentais da QV de sujeitos com DP
idiopática em estágios avançados (medidos pelas escalas UPDRS13 e Hoehn e
Yahr15) e compará-los com indivíduos
controles saudáveis.
A hipótese levantada pelos autores é
a de que QV estará bastante afetada nos
participantes com DP, tanto no que se
refere aos aspectos físicos quanto aos
mentais. Por meio deste trabalho, pretende-se contribuir para o conhecimento do fisioterapeuta acerca dos possíveis
fatores que interfiram na QV de pacientes com DP. Segundo Carod-Artal et al.17,
há um número escasso de trabalhos envolvendo amostras de países ‘subdesenvolvidos’. Assim sendo, espera-se, com
esta pesquisa, promover reflexões sobre
a temática da DP e analisar os prováveis meios terapêuticos capazes de impedir ou minimizar o declínio da QV da
população em questão.
METODOLOGIA
A pesquisa, de delineamento transversal, envolveu 40 participantes com idade
entre 61 e 83 anos, de ambos os sexos,
diferentes credos e graus de escolaridade.
Os sujeitos foram divididos em dois grupos, a saber: grupo Parkinson e grupo
controle. O grupo Parkinson foi composto por 21 indivíduos diagnosticados com
DP idiopática, conforme os critérios diagnósticos clínicos estabelecidos pela
Christofoletti et al.
Sociedade Britânica de Doença de
Parkinson18. Todos os sujeitos, examinados no Ambulatório de Neurologia do
Hospital das Clínicas da Unicamp, apresentaram comprometimento moderado
nos itens da subescala motora da
UPDRS13 e se encontravam nos estágios
3 e 4 da escala de Hoehn e Yahr15. O
grupo controle foi composto por 19 indivíduos saudáveis que não apresentavam doenças neurodegenerativas. Foram
excluídos do estudo indivíduos diagnosticados com outros distúrbios neurológicos e/ou psiquiátricos, além daqueles
com comorbidades cardiovasculares e/
ou osteomioarticulares associadas.
A análise da QV foi feita por meio do
instrumento SF-36 (Short Form-36). O
SF-36 consiste em um questionário de
qualidade de vida relacionada à saúde,
validado para a população brasileira por
Ciconelli et al.19. É formado por 11 questões e 36 itens que englobam, entre outros, os domínios saúde física e saúde
mental, inquirindo o quanto o respondente percebe que cada um interfere em
sua QV relacionada à saúde. O indivíduo recebe um escore em cada domínio,
que varia entre 0 e 100 pontos, sendo
que escores baixos representam piores
índices de QV. O SF-36 é um instrumento
de rápida e fácil aplicação, e apresenta
adequada confiabilidade intra e inter-avaliador (0,45<|r|<0,84 e 0,55<|r|<0,81,
respectivamente)19. Consiste, ainda, em
uma escala adequada para aplicação em
sujeitos com DP20.
A coleta dos dados foi realizada na
residência de cada paciente. Os pesquisadores foram treinados para aplicar o
questionário de forma adequada. Todos
os participantes do grupo Parkinson usavam agentes dopaminérgicos e foram
avaliados na fase on da medicação, ou
seja, sob benefício da ação farmacológica.
Para análise quantitativa dos resultados foi utilizada estatística descritiva
(média e erro-padrão); foi aplicado o
teste não-paramétrico U Mann-Whitney
para comparar os escores de QV dos
grupos Parkinson e controle. As análises
foram realizadas sob um nível de
significância de 1% (p<0,01).
Os participantes assinaram um termo
de consentimento livre e esclarecido,
tendo sido explicados os benefícios e as
metas da pesquisa, além de assegurados
Qualidade de vida na doença de Parkinson
os procedimentos para monitoramento
da coleta de dados, garantindo adequada confidencialidade e caráter voluntário do estudo. O presente estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual
de Campinas.
controle, sugerindo que os primeiros
percebem interferência maior desses
quesitos em sua qualidade de vida. O
teste U de Mann-Whitney apontou diferença significativa entre os dois grupos,
tanto no que se refere ao escore total no
SF-36 quanto aos subescores saúde física e mental (Tabela 2).
RESULTADOS
A média de idade dos 21 sujeitos do
grupo Parkinson foi 69 anos e, no controle, 71 anos. De acordo com a Tabela
1, não foi constatada diferença significativa entre ambos os grupos, tanto no
que se refere à idade quanto em relação
ao sexo dos participantes, sugerindo que
tais variáveis não interferiram nos resultados da pesquisa.
Tabela 1
Distribuição por sexo (n) e
idade (média ± erro padrão)
dos participantes dos grupos
Parkinson (GP, n=21) e
controle (GC, n=19) e valor
de p da comparação entre os
grupos
Característica
GP
GC
UMW
p
Sexo (M/ F)
14/ 7
13/ 6 196,0 0,91
Idade (anos) 69,1±1,4 71,5±1,3 147,5 0,16
M = masculino; F = feminino; UMW:
verificação pelo teste U Mann-Whitney
Em relação ao escore total no SF-36,
o grupo Parkinson apresentou uma média de 45,1 pontos, enquanto o grupo
controle obteve um escore de 81,8 pontos. No SF-36, quanto maior o escore,
melhor a QV do sujeito. Nesse sentido,
os pacientes com DP apresentaram uma
média de pontuação significativamente
menor em relação aos indivíduos do grupo controle (Tabela 2).
Os escores médios dos pacientes com
DP nos domínios saúde física e saúde
mental foram significativamente menores que os respectivos escores do grupo
Tabela 2
DISCUSSÃO E
CONCLUSÃO
O presente estudo objetivou analisar
as possíveis diferenças entre a percepção de QV de sujeitos com DP avançada (segundo as escalas UPDRS 13 e
Hoehn e Yahr15), em relação a controles
saudáveis. A análise dos resultados mostrou valores significativamente mais baixos nos índices do SF-36 no grupo
Parkinson, indicando comprometimento tanto de ordem física quanto mental,
discutidos a seguir.
Camargo et al.21 relatam que baixos
índices de QV em sujeitos com doenças
neurodegenerativas, em especial a DP,
podem ser explicados pela influência de
diversas dimensões, como a biológica
(causada pela doença per se), a mental,
a social e a econômica. Ou seja, segundo esses autores, a degeneração nigroestriatal de origem idiopática seria responsável pelos baixos subescores “físicos” nos índices de QV. As dificuldades
constatadas pelos pacientes em realizar
as atividades cotidianas da vida diária –
sejam elas instrumentais ou básicas – causariam isolamento e exclusão social e, em
médio prazo, contribuiriam para o decréscimo do subescore mental na QV22,23.
Verificou-se neste estudo que os pacientes com DP apresentaram escores do
domínio físico e do mental muito próximos, e muito baixos, na escala SF-36.
Apesar de a grande maioria dos estudos
remeterem à idéia de interferência motriz antes que a psíquica, indagamos se
Escores médios no SF-36 dos grupos Parkinson (GP, n=21) e controle
(GC, n=19) e valor de p da comparação entre os grupos
SF-36
GP
GC
UMW
p
45,1±4,2
81,8±1,7
21,0
0,001
Domínio saúde física
46,8
78,7
37,5
0,001
Domínio saúde mental
43,7
82,9
23,5
0,001
Total (média ± erro padrão)
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9
67
o diagnóstico da doença, atribuído
quando os sintomas motores ainda são
relativamente leves, não causaria um
quadro depressivo condizente com uma
interferência na QV do domínio mental
antes que o físico24. Afinal, o paciente
visualizará a doença até o momento incurável, embora ele apresente melhora
aguda do aparato motor, sob a ação específica da medicação dopaminérgica25.
Os resultados do presente estudo mostram que os escores do grupo Parkinson
foram ligeiramente mais altos no domínio físico do que no mental. Corroborando esse resultado, encontra-se elevada incidência de depressão em sujeitos
com DP, mesmo nos estágios leves da
doença26.
Também utilizando o SF-36, Quittenbaum
e Grahn27 investigaram a QV de pacientes com DP associada à presença de dor.
Os autores constataram que há intensa
relação entre o processo degenerativo,
a manifestação álgica e o sofrimento
mental – fatores esses que deterioram a
QV do sujeito.
Ainda sob esse aspecto, o processo
degenerativo que atinge o sistema nigroestriatal acometeria, progressivamente,
outras estruturas e sistemas cerebrais.
Zgaljardic et al.28 descreveram a associação da depleção de dopamina e os distúrbios de movimentos daí decorrentes,
como também a relação da degeneração das vias colinérgicas determinando
declínio cognitivo e das vias serotoninérgicas e noradrenérgicas, levando à
depressão. Calabresi et al.29 confirmam
que a degeneração neurológica na DP não
está restrita às vias nigro-estriatais. Para
esses autores, o núcleo basal de Meynert
(comumente afetado na demência de
Alzheimer) e outras estruturas colinérgicas também sofreriam alterações nos
estágios mais avançados da doença. Assim,
a degeneração difusa do sistema nervoso,
evidenciada também por Lieberman30, afetaria diretamente a autopercepção de
QV do indivíduo.
68
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):65-9
Estudos realizados em países ‘subdesenvolvidos’ reforçam uma associação
importante entre QV e suporte financeiro de cada paciente. Diferentemente de
estudos feitos nos países europeus e norte-americanos, as amostras coletadas na
Índia e no Brasil acusaram forte influência econômica sobre os índices de QV
dos participantes17,31. De uma forma geral, tais resultados corroboram a dificuldade constante de aquisição de medicação e de suporte fisioterapêutico contínuo, presente de forma insuficiente nos
serviços públicos de saúde desses países.
Obviamente, fenômenos de natureza psicológica, como o sofrimento emocional gerado pela possível trajetória de
perda de autonomia e exclusão social,
também contribuem para o comprometimento da QV. No entanto, isso estaria
mais relacionado à estigmatização do
paciente pela sociedade do que pelas
alterações neurológicas per se.
Atualmente, debate-se muito a respeito da QV dos idosos, uma vez que essa
população vem representando uma faixa expressiva na pirâmide etária nacional1. O direito à saúde, afirmado pela
Constituição Nacional de 1988 e reimpresso sob o artigo sexto da Emenda
Constitucional n.26 de 200032, deveria
estimular a criação de políticas públicas como forma de obter envelhecimento com qualidade e dignidade. A atuação da fisioterapia, quer na prevenção
quer na reabilitação de doenças, consiste em uma ferramenta importante na
promoção da saúde, especialmente
quando associada a processos incapacitantes (como é o caso da DP). Unindo
a necessidade de proporcionar vida de
qualidade a esses indivíduos com os
novos paradigmas que têm influenciado as políticas e as práticas do setor da
saúde nas últimas décadas, os profissionais da área da saúde deveriam desenvolver programas de tratamento que
minimizassem as limitações decorrentes
das doenças, contribuindo assim para a
melhora da QV do paciente.
Nessa linha de raciocínio, a abordagem fisioterapêutica deve ser focada em
estímulos motores, sensoriais e cognitivos, que objetivam ativar as funções
corticais superioras necessárias para a
realização das atividades básicas e instrumentais da vida diária. A fisioterapia
apresenta, para tal, uma série de ferramentas capazes de alcançar esse objetivo. Cabe ao profissional discernir qual
mecanismo terapêutico será mais eficaz
em cada caso.
Uma possível limitação deste estudo
refere-se ao pequeno tamanho amostral,
que não permitiu alcançar um poder
estatístico ideal (próximo a 80%). No entanto, como forma de minimizar essa
interferência estatística, conseguiu-se, na
medida do possível, manter as amostras
mais homogêneas (vide os critérios de
inclusão e exclusão, além da homogeneidade de sexo e idade entre os grupos). Além disso, o fato de as características amostrais não terem sido condizentes com a curvatura normal estipulada
por Gauss nem com o teste de homogeneidade de Levenne exigiu a utilização
dos procedimentos estatísticos em conformidade com amostras não-paramétricas.
Em conclusão, foi possível observar
que a QV de sujeitos com DP encontrase significativamente comprometida,
quando comparada à de indivíduos controles saudáveis. Provavelmente, a baixa QV deve-se à co-ocorrência de fenômenos neurodegenerativos – amplamente discutidos na literatura – e ao sofrimento psíquico determinado pela doença e pelo estigma que ela produz.
Apesar de não constituírem o foco
deste estudo, abordagens interdisciplinares de pacientes com DP devem ser
estimuladas, com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida relacionada à
saúde e postergar o declínio físico e
mental inerente às condições degenerativas. A interação desses aspectos constitui uma questão que se reflete na QV dos
indivíduos e mereceria novos estudos.
Christofoletti et al.
Qualidade de vida na doença de Parkinson
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :65- 9
69
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.70-5, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Alinhamento frontal estático do joelho e cargas plantares durante a marcha de
adultos jovens assintomáticos
Static frontal knee alignment and plantar loads during gait in healthy young adults
Isabel C.N. Sacco1, Francis Trombini-Souza2, Ana Paula Ribeiro2, Aline A. Gomes2, Maria I. Roveri3,
Dominique R. M. V. Silva3, Lina G. Cadamuro3, Mariana F. Cagliari3, Priscila S. Souza4
Estudo desenvolvido no
LABIMPH – Laboratório de
Biomecânica do Movimento e
Postura Humana do Curso de
Fisioterapia do Fofito/FMUSP –
Depto. de Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia
Ocupacional da Faculdade de
Medicina da Universidade de
São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
1
Profa. Dra. do Fofito/FMUSP,
coordenadora do LABIMPH
2
Mestrandos em Ciências da
Reabilitação no LABIMPH do
Fofito/FMUSP
3
Graduandas em Fisioterapia no
Fofito/FMUSP
4
Fisioterapeuta do LABIMPH do
Fofito/FMUSP
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Profa. Dra. Isabel de C. N.
Sacco
Fofito/FMUSP
Rua Cipotânea 51 Cidade
Universitária
05360-160 São Paulo SP
e-mail: [email protected]
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
70
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):70-5
RESUMO: Na prática fisioterapêutica, pressupõe-se que alterações posturais do membro
inferior influenciem a biomecânica e função dos demais complexos durante o
movimento. No entanto, a literatura sobre a relação entre desalinhamentos estáticos
do joelho e possíveis alterações dinâmicas ainda é escassa e inconclusiva. Assim,
buscou-se avaliar o efeito do alinhamento frontal estático do joelho sobre a
distribuição da pressão plantar durante a marcha. Foram avaliados inicialmente 44
adultos jovens assintomáticos. Por fotogrametria digital, mediu-se o ângulo frontal
do joelho, classificado como normal (170° a 175°), valgo <170º e varo >175°.
Dado o baixo número de valgos, foram analisados dois grupos: de joelhos normais
(n=18) e de joelhos varos (n=23). A distribuição da pressão plantar foi avaliada
durante a marcha em cinco áreas. Os grupos mostraram-se estatistica-mente
semelhantes em todas as variáveis cinéticas avaliadas em todas as áreas plantares.
Joelhos normais apresentaram significativa correlação com o tempo de contato no
antepé lateral e médio-pé; e os varos, correlação com a área e tempo de contato
em duas e três áreas plantares, e com a pressão integral no antepé lateral. Os
resultados mostraram que o desalinhamento frontal de 3° do joelho, embora com
moderada correlação, não influencia a distribuição de cargas na superfície plantar
durante a marcha. Sugere-se pois que a avaliação clínica não se limite à avaliação
articular estática do joelho, mas inclua atividades dinâmicas.
DESCRITORES: Articulação do joelho; Biomecânica; Marcha; Postura
ABSTRACT:In physical therapy practice, it is assumed that lower-limb posture changes
may influence other complexes’ biomechanics or function during movement.
However, literature on the relationship between static knee alignment and possible
dynamic changes is still scarce and inconclusive. This study assessed the effect of
static frontal knee alignment on plantar pressure distribution during gait. At first 44
young asymptomatic adults were evaluated. Front knee angles were measured by
digital photogrammetry and classified as normal (170° to 175°), valgus <170°, or
varus >175°. Given the low number of valgus found, two groups were analysed:
normal knees (n=18) and varus knees (n=23). Plantar pressure distribution was
measured during gait in five plantar surface areas. Groups were found to be
statistically similar in all kinetic variables assessed in all plantar surface areas. Normal
knees showed significant correlation with the contact time at lateral forefoot and
midfoot. Varus knees showed correlation with contact area and time at respectively
two and three plantar areas, and with full pressure at lateral forefoot. Results thus
show that a 3° frontal knee malalignment, though with moderate correlation, does
not influence pressure distribution on plantar surface during gait. It is hence
suggested that clinical evaluation should not be limited to static knee assessment,
but rather include dynamic activities.
KEY WORDS: Biomechanics; Gait; Knee joint; Posture
Sacco et al.
Alinhamento do joelho e cargas plantares
INTRODUÇÃO
O membro inferior pode ser considerado como uma cadeia cinética1-3 e,
como tal, pressupõe-se que uma alteração biomecânica em um dos complexos
articulares dessa cadeia pode influenciar
negativamente a biomecânica e função
dos demais complexos.
A literatura tem demonstrado que um
moderado desalinhamento frontal do
joelho piora o prognóstico de doenças
degenerativas, como a osteoartrite4. Dependendo da orientação do desvio do
joelho, se em valgo ou em varo, mesmo
que de apenas dez graus5, as forças articulares tanto estática quanto dinâmica
não mais homogeneamente distribuídas
favoreceriam o surgimento de processos
degenerativos nos compartimentos lateral5
e medial do joelho6, respectivamente.
Pode-se inferir poir que uma alteração
postural frontal no joelho comprometeria
sobremaneira as estruturas articulares,
levando ao desenvolvimento de lesões
nesse segmento, o que conseqüentemente prejudicaria sua função.
De toda essa cadeia, o pé desempenha um papel de grande importância,
uma vez que, sendo o segmento mais
distal da extremidade inferior, é o responsável pela base de suporte do corpo. Qualquer alteração na superfície
desse apoio poderia influenciar ou induzir estratégias motoras compensatórias que resultariam em mudanças ascendentes, como por exemplo no joelho, o que poderia levar a alteração nas
atividades da vida diária, tal como na
marcha3.
Uma das proposições clínico-científicas descritas na literatura relativa à fisioterapia é um elo mecânico funcional
entre o joelho e o complexo do tornozelo e pé7-10. Uma diminuição no ângulo frontal do joelho, decorrente de uma
modificação nas articulações proximais
do membro inferior (quadril), poderia
influenciar a angulação do fêmur e/ou
da tíbia e, secundariamente, o complexo
do tornozelo e pé11,12. Em um sistema ascendente, uma movimentação anormal
(maior ou menor) da articulação subtalar
geralmente pode desencadear lesões no
joelho, devido à influência mecânica
entre essas duas articulações, por meio
da conexão com a tíbia13.
A importância do complexo tornozelo e pé para a estabilidade mecânica da
cadeia cinética dos membros inferiores
é destacada por outros autores, já que
ajustes motores nesse complexo são fundamentais para a execução das habilidades de locomoção13,14. Guichet et al.15
estabelecem que a função do membro
inferior deve ser clinicamente avaliada
em situações estáticas e dinâmicas, levando-se em conta, particularmente, a
progressão e geometria de colocação do
pé no solo, considerando sua influência
substancial no alinhamento mecânico
do membro inferior.
Jaarsma et al.2 encontraram forte e significativa associação entre o ângulo de
progressão do pé (toe out angle) durante a marcha e a rotação lateral do fêmur,
após redução de fratura por meio de
haste intra-medular. Keenan et al.7 demonstraram, durante a marcha, uma associação entre o desalinhamento em
valgo dos joelhos e o valgo do antepé
de pacientes com doenças reumáticas.
Os autores sugerem que esse tipo de
desalinhamento de joelho levaria a uma
maior força em pronação do complexo
tornozelo e pé, particularmente sobre a
articulação subtalar, o que resultaria em
mudanças nos padrões da marcha. A
sobrecarga medial em antepé durante a
marcha induzida pelo desalinhamento
em valgo de joelho também foi discutida por Sobel et al.9.
Partindo desses princípios, pode-se
pressupor que um desalinhamento
postural ascendente ou descendente
nessa cadeia cinética inferior resultaria
em alterações na dinâmica da marcha.
Porém, a literatura ainda é deficitária na
comprovação consistente da relação
entre os desalinhamentos estáticos dos
joelhos e as possíveis compensações ou
alterações na dinâmica da locomoção
de indivíduos assintomáticos, tanto que
Poletto et al.16, por fotogrametria e eletrogoniometria, não encontraram correlação
entre a postura estática dos joelhos e a
variação angular dinâmica na marcha.
Mesmo assim, na prática fisioterapêutica, ao avaliar estaticamente os desalinhamentos posturais do joelho, ainda se
infere que, quando as estruturas dessa
articulação se encontram desalinhadas
e em posições biomecânicas desfavoráveis, haverá desvantagem na execução
da marcha.
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do alinhamento frontal estático do joelho na
distribuição das pressões sobre a superfície das solas dos pés durante a marcha
em adultos jovens assintomáticos.
METODOLOGIA
Foram estudados 44 indivíduos
assintomáticos de ambos os sexos, com
idade entre 18 e 40 anos. Foram excluídos indivíduos amputados, com presença de alteração neurológica periférica ou
central, fratura de membros inferiores,
que apresentaram algum quadro álgico
nos últimos 6 meses ou que possuíam
discrepância entre os membros inferiores maior do que 2 cm. Os indivíduos
assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido formal; o estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Avaliação postural do joelho
O indivíduo, trajando roupas de banho, foi posicionado ortostaticamente
diante de uma parede não reflexiva a
uma distância de 15 cm da mesma, com
os pés descalços e um retângulo de etilvinil-acetado de 7,5 cm de largura entre os pés para manter uma distância
padrão. Foram demarcadas, sempre pelo
mesmo fisioterapeuta, as espinhas ilíacas
ântero-superiores (EIAS) e os centros de
ambas as patelas, utilizando-se etiquetas brancas de 0,9 cm. Utilizou-se um
fio de prumo afixado no teto e ao lado
do sujeito para posterior calibração da
imagem. A captura da imagem foi realizada por meio de uma câmera fotográfica digital (Sony) com resolução de 4.1
megapixels posicionada sobre um tripé
em frente e perpendicular ao indivíduo
fotografado, a uma distância de 2,5 m e
uma altura de 0,75 m do solo, adequadamente centralizado e nivelado17.
Para avaliação das imagens e mensuração do ângulo frontal do joelho foi
utilizado o programa para avaliação
postural SAPO (v.0.63). Por meio deste,
traçou-se uma reta da EIAS até o ponto
médio bicondilar na altura da patela e
daí até o ponto médio bimaleolar do
tornozelo (Figura 1). Utilizou-se essa
metodologia pois a espinha do platô tibial,
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5
71
utilizadas palmilhas capacitivas do sistema Pedar X (Novel, Alemanha) compostas de 99 sensores com resolução de
1 sensor/cm2. As palmilhas foram fixadas ao pé do indivíduo por meio de uma
meia antiderrapante e conectadas a um
acondicionador colocado dentro de uma
mochila fixada e justaposta às costas dos
sujeitos avaliados (Figura 2).
Figura 1
Ilustração da mensuração do
ângulo frontal do joelho
considerada por Norkin e Levangie18 como
o centro articular do joelho e comumente
visualizada por meio de exame radiográfico, não poderia ser estimada diretamente por imagens fotográficas.
Os joelhos foram classificados como:
normais (170° a 175°), varos (>175°) e
valgos (<170º), de acordo com Neumann19.
Após a mensuração dos ângulos articulares dos sujeitos, avaliados estatisticamente, constatou-se, pela classificação
adotada, apenas seis joelhos valgos (três
sujeitos). Optou-se então por analisar
apenas os casos de joelhos normais e
varos, em um total de 41 sujeitos. Os
indivíduos foram divididos em dois grupos, de acordo com o alinhamento frontal do joelho: grupo de joelhos normais
(GJN) – n=18; 173,5±2,1° de alinhamento frontal de joelho; 25±7 anos,
56,2±11,0 kg, 167,0±8,8 cm; e grupo
de joelhos varos (GJVr) – n=23,
177,5±1,1° de alinhamento frontal de
joelho; 25±6 anos, 58,6±14,9 kg,
170,0±10,5 cm.
Avaliação da distribuição
da pressão plantar
Para mensuração da distribuição da
pressão plantar durante a marcha, foram
72
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):70-5
Os sujeitos caminharam por uma pista de borracha de 10 m com cadência
auto-selecionada (aproximadamente
100 bpm). Os dados foram amostrados
a 100 Hz e a transmissão dos dados para
o computador foi feita via bluetooth para
posterior análise. As variáveis da pressão plantar pico de pressão (kPa), área
de contato (cm2), integral de pressão
(kPa.s) e tempo de contato (ms) foram
avaliadas em cinco áreas plantares:
retropé lateral e medial, médio-pé e
antepé medial e lateral. A aquisição, o
processamento e a análise dos sinais foram feitos por meio de programas do sistema Novel (Novel Multiprojects) e a
análise estatística foi realizada no programa Statistica v.8.
Após a confirmação dos pressupostos de normalidade, por meio do teste
W de Shapiro Wilk e de homogeneidade
de variâncias pelo teste de Levene, as
quatro variáveis de pressão plantar foram comparadas entre os grupos por
meio de quatro Anovas dois fatores (2x5),
tendo como fatores independentes os
dois grupos e como medidas repetidas
as cinco áreas do pé. Também se buscou investigar a correlação entre as medidas angulares do joelho e as variáveis
da pressão plantar por meio da correlação de Pearson. Adotou-se um nível de
significância de 5%.
RESULTADOS
A descrição dos resultados da distribuição da pressão plantar está na Tabela
1. Os grupos mostraram-se estatisticamente semelhantes em todas as variáveis
avaliadas em todas as áreas plantares.
O ângulo de alinhamento normal de
joelhos apresentou moderada e significativa correlação com o tempo de contato no antepé lateral (r=0,40; p=0,018)
e médio-pé (r=0,48; p=0,003). Já o ângulo de alinhamento varo dos joelhos
Figura 2
Sujeito instrumentado com as
palmilhas fixadas ao pé por
meio de meias
antiderrapantes e a mochila
para acondicionamento dos
equipamentos
apresentou mais correlação com a distribuição da pressão plantar, ou seja, as
variáveis área de contato, tempo de contato e integral da pressão também no
antepé e médio-pé correlacionaram-se
moderada e significativamente com os
ângulos em varo do joelho (0,34 < r >
0,40; p<0,02) (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi avaliar
o efeito do alinhamento frontal estático do
joelho na distribuição da pressão plantar durante a marcha de adultos jovens
assintomáticos. Os resultados mostraram
que em sujeitos sem sintomas e queixas
por conta de seu alinhamento frontal
estático do joelho não há influencia dessa postura na distribuição de cargas na
superfície plantar, muito embora quan-
Sacco et al.
Tabela 1
Alinhamento do joelho e cargas plantares
Área de contato (cm2), pico de pressão (kPa), tempo de contato (ms) e
integral da pressão (kPa.s) nas cinco áreas plantares (média±desvio
padrão) dos grupos com joelhos normais (GJN) e com joelhos varos
(GJVr) e valores de p da comparação entre os grupos
Áreas plantares
GJN (n=18)
GJVr (n=23)
p
Retropé medial
Retropé lateral
Área de
contato (cm²) Médio-pé
Antepé medial
Antepé lateral
19,59±3,57
9,64±3,83
18,09±7,44
35,40±3,39
24,92±3,93
19,23±3,93
10,90±4,14
17,08±6,49
35,92±5,04
25,46±4,24
0,990
0,970
0,995
0,999
0,999
Retropé medial
Retropé lateral
Pico de
pressão (kPa) Médio-pé
Antepé medial
Antepé lateral
355,44±87,33
248,44±68,43
93,60±37,72
403,42±79,72
275,53±80,52
344,61±70,25
291,02±82,45
90,23±28,14
367,13±74,61
308,04±82,22
0,999
0,198
1,000
0,422
0,587
Tempo de
contato (ms)
Retropé medial
Retropé lateral
Médio-pé
Antepé medial
Antepé lateral
538,86±88,56
457,79±102,79
435,08±93,93
568,76±45,44
568,89±43,09
530,70±92,69
485,21±107,22
436,56±72,88
584,19±44,08
591,99±43,70
0,999
0,863
1,000
0,996
0,948
Integral da
pressão
(kPa.s)
Retropé medial
Retropé lateral
Médio-pé
Antepé medial
Antepé lateral
81,77±16,77
56,65±17,78
25,70±11,60
96,63±16,40
75,80±24,99
81,45±18,25
68,57±17,70
25,20±8,28
97,88±20,43
89,02±23,06
1,000
0,122
1,000
1,000
0,136
Tabela 2
Correlação (coeficiente r de Pearson e
valor de p) entre o ãngulo de alinhamento
do joelho e variáveis da distribuição da
pressão plantar
Variáveis da pressão plantar
Alinh. r
p
Tempo de contato médio-pé
JN 0,48 0,003
Tempo de contato antepé lateral JN 0,40 0,018
Área de contato médio-pé
JV 0,33 0,022
Área de contato antepé medial
JV 0,35 0,018
Tempo de contato médio-pé
JV 0,40 0,006
Tempo de contato antepé medial JV 0,34 0,021
Tempo de contato antepé lateral JV 0,40 0,005
Integral da pressão antepé lateral JV 0,34 0,018
riabilidade característica
da distribuição da pressão
plantar durante a marcha.
A primeira hipótese que
justificaria os resultados do
presente estudo é que de
fato não haja influência da
postura estática frontal de
joelho sobre as respostas
dinâmicas do pé durante a
marcha, e não necessariamente a não-existência de
associação entre os segmentos joelho e pé. CorroAlinh. = alinhamento dos joelhos; JN = joelhos normais; JV =
joelhos varos
borando parcialmente essa
hipótese, Poletto et al. 16
to mais varo o ângulo frontal de joelho,
também verificaram a aumaiores as correlações com essa distrisência de correlação entre a postura esbuição de pressão na marcha.
tática dos joelhos, avaliada por
Estes resultados podem ser explica- fotogrametria, e a dinâmica na marcha,
dos por algumas hipóteses: (i) ausência avaliada por eletrogoniometria. Contude associação entre as medidas estáti- do, os autores não incluíram medidas
cas (fotogrametria) e dinâmicas (distri- que relacionassem o alinhamento do
buição de pressão plantar) utilizadas joelho com a funcionalidade do pé, tal
como metodologia; (ii) características como a distribuição das forças no pé
inerentes à amostra estudada; e (iii) va- decorrente desse alinhamento.
Por outro lado, Shohei et al.20, ao utilizarem somente mensurações dinâmicas (cinemetria e pressão plantar), encontraram associação entre o alinhamento do joelho e do pé. A tarefa motora
analisada foi a de aterrissagem unipodal
a partir de uma caixa de 30 cm de altura.
Isso a torna uma tarefa que gera maior
sobrecarga à base de sustentação do membro inferior, o que, segundo os autores,
leva a um aumento da pressão na região
do arco longitudinal do pé, devido a alterações mais acentuadas no alinhamento dinâmico dos membros inferiores.
Porém, durante a aterrissagem, grande
parte da sobrecarga corporal é imposta
predominantemente sobre uma única
região do pé – nesse caso, o médio-pé.
Já durante a marcha, a tarefa avaliada
no presente estudo, a sobrecarga é distribuída ao longo de toda a superfície
plantar durante o processo de rolamento do pé. Diante disso, acredita-se que
os discretos desalinhamentos estáticos
do joelho observados na amostra estudada não tenham sido suficientes para
alterar a distribuição da pressão plantar
durante a marcha, ao ponto de resultar
em diferenças entre os grupos.
Silva et al.21, em um estudo com iniciantes de atividade física em academia, também observaram uma associação entre
as posturas do joelho e do pé, mais precisamente, entre o valgismo do joelho e
desabamento do arco plantar. Contudo,
cabe ressaltar que esses resultados foram obtidos por inspeção visual durante a marcha e na postura estática. Além
disso, Silva et al.21 não descrevem se as
correlações discutidas em seu estudo
foram obtidas somente em uma condição, ou seja, nas observações estáticas
ou dinâmicas.
A segunda hipótese que explicaria os
resultados do presente estudo seria a
própria característica da amostra. A mesma foi composta de adultos jovens
assintomáticos, não atletas, sem queixas,
sem sobrepeso e apresentando discretos desalinhamentos estáticos dos membros inferiores (de 169º a 180º). Diante
disso, pouca ou nenhuma alteração poderia ser esperada sobre a distribuição
da pressão durante a marcha, uma vez
que grande parte dos joelhos estava
inserida dentro dos parâmetros da normalidade – 170° a 175°, de acordo com
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5
73
Neumann19. Vale ressaltar que, de um
total de 88 joelhos avaliados, somente
seis foram classificados como valgos de
acordo com os parâmetros descritos por
Neumann19, para quem o valgo fisiológico recebe a classificação “normal” (daí
a opção por avaliar somente dois grupos, de joelhos varos e normais).
Diante desses resultados, acredita-se
que os indivíduos avaliados estão bem
adaptados à marcha, que é uma habilidade motora diária e habitual. Talvez se
poderia esperar que as respostas biomecânicas fossem alteradas em tarefas
motoras mais desafiadoras em termos de
controle e de exigência muscular, como
correr, saltar, subir e descer escadas. Isso
certamente levaria a uma exacerbação
do alinhamento frontal do joelho, semelhante ao que foi observado no estudo
de Shohei et al.20.
Contudo, não se pode predizer que
esse resultado se reproduza em amostras compostas por indivíduos susceptíveis a maiores sobrecargas dos membros
inferiores, como é o caso de atletas, obesos ou mesmo em indivíduos sintomáticos ou, ainda, com importantes desalinhamentos frontais de joelhos.
Por fim, com base na terceira hipótese, as não-diferenças significativas entre os grupos podem ter sido atribuídas
à razoável variabilidade da distribuição
da pressão plantar (coeficiente de variação entre 35 e 50%), além do efeito do
erro do tipo b provocado pela amostra
reduzida deste estudo. Acredita-se que,
com aumento da amostra estudada, a
variabilidade poderia ter sido atenuada
e diferenças entre os grupos poderiam
ficar mais evidentes.
CONCLUSÃO
O alinhamento frontal estático do joelho não influenciou a distribuição das
pressões plantares durante a marcha de
adultos jovens assintomáticos. Devido à
moderada correlação encontrada entre
o alinhamento frontal estático do joelho e as respostas biomecânicas dinâmicas sugere-se que essa relação seja
ponderada, e que a avaliação clínica
fisioterapêutica estática não seja feita
isoladamente e sim, avaliada em conjunto com atividades dinâmicas, como
na marcha, corrida ou no subir e descer
escadas. Em situações de maior acentuação do alinhamento frontal do joelho,
no caso de varo ou valgo extremos, acredita-se que alguma alteração da pressão
na superfície plantar possa ser observada.
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :70- 5
75
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.76-81, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Desenvolvimento de um recurso didático multimídia para o ensino
de higiene brônquica
Development of a multimedia tool for teaching bronchial hygiene
Cibele Cristine Berto Marques da Silva1, Sonia Lucia Pacheco de Toledo Carvalho2,
Celso Ricardo Fernandes de Carvalho3
Estudo desenvolvido no
Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Reabilitação do
Fodito/FMUSP – Depto.
Fisioterapia, Fonoaudiologia e
Terapia Ocupacional da
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta Ms. do Fofito/
FMUSP
2
Bibliotecária da Biblioteca
Central da FMUSP
3
Fisioterapeuta; Prof. Livredocente do Fofito/FMUSP
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Cibele C. B. M. da Silva
Fofito/FMUSP
R. Cipotânea 51 Cidade
Universitária
05360-000 São Paulo SP
e-mail: [email protected]
Este estudo recebeu apoio da
Pró-Reitoria de Graduação da
Universidade de São Paulo
APRESENTAÇÃO
out. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
76
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):76-81
RESUMO: As novas tecnologias da informação têm sido amplamente utilizadas no
ensino em saúde. No entanto, não há descrição na literatura do desenvolvimento
de recurso multimídia para o ensino de fisioterapia respiratória. O objetivo deste
trabalho foi desenvolver material didático multimídia para o ensino de manobras
de higiene brônquica (MHB) disponibilizado na internet. O material elaborado foi
dividido em três módulos: Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e MHB. O material
foi disponibilizado em diversos formatos (páginas on-line, apostila e recursos
audiovisuais) e inserido no sítio da internet Ambiente Colaborativo de
Aprendizagem. A página on-line de introdução contém links para acesso aleatório
aos módulos e um link para acesso à apostila. No módulo Princípios fisiológicos
há links para informações sobre o aparelho mucociliar, produção do muco e fatores
prejudiciais à defesa pulmonar. No módulo Fisiopatologia há links para informações
sobre as principais doenças ou condições causadoras de hipersecreção pulmonar.
No módulo MHB há links para informações sobre as manobras e para vídeos. Este
recurso didático multimídia para o ensino de MHB, disponibilizado na internet,
pode facilitar o aprendizado em fisioterapia respiratória. Entretanto, há necessidade
de se avaliar sua efetividade.
DESCRITORES: Instrução por computador; Materiais de ensino; Multimídia; Terapia
respiratória/educação
ABSTRACT: Advances in information technology have been widely used in teaching
health care providers. However, no reports were found on its use in the instruction
on respiratory therapy. The purpose here was to develop audiovisual supporting
material for teaching bronchial hygiene techniques (BHT) available through the
internet. The material was organized into three modules: Physiological principles,
Physiopathology, and BHT. Each module is available in several formats (online
page, booklet and audiovisual resources) and is inserted in a collaborative learning
environment at the internet. The opening online page has links for random access
to the modules and to the booklet. The Physiological principles module has links to
information on the mucociliary system, mucous formation and factors that affect
the defence mechanisms. The Physiopathology module has links to access
information on diseases that lead to hypersecretion. The BHT module has links to
access information on techniques and videos. This multimedia material for teaching
BHT, available through the internet, may ease respiratory therapy learning. However,
an evaluation of its effectiveness is needed.
KEY WORDS: Computer-assisted instruction; Multimedia; Respiratory therapy/
education; Teaching materials
Silva et al.
Recurso para ensino de higiene brônquica
INTRODUÇÃO
O ensino de profissionais da saúde
vem sendo, tradicionalmente, realizado
por meio de aulas teóricas e práticas e
pela consulta a materiais didáticos escritos. Entretanto, questionamentos acerca
da necessidade de novas metodologias
para o ensino em saúde são freqüentes e
constituem preocupação contínua1-3. A
utilização de recursos tecnológicos
como o computador e a internet constitui novas possibilidades para o ensino4;
inúmeros estudos vêm sugerindo o uso
dessas tecnologias em diversas áreas da
saúde, como em medicina5,6, odontologia7,8 e enfermagem9,10. Tais estudos evidenciam os benefícios alcançados pela
aplicação no ensino das tecnologias da
informação.
Na fisioterapia, a aplicação de tecnologias da informação para o ensino de
alunos de graduação tem se limitado à
avaliação do uso do computador nas
disciplinas básicas11-13 e à comparação da
sua utilização com o ensino tradicional14.
Por outro lado, não foram encontrados
relatos do desenvolvimento de multimídia
para o ensino clínico da fisioterapia respiratória.
Diversas doenças respiratórias agudas
e crônicas estão comumente associadas
ao acúmulo de secreção e/ou ao aumento da produção de muco, redução do
transporte mucociliar ou tosse ineficaz15.
As manobras de higiene brônquica
(MHB) são técnicas comumente empregadas na remoção da secreção do trato
respiratório15,16 e seu uso ocorre de maneira ampla tanto na prática clínica
ambulatorial quanto nas unidades de
terapia intensiva17.
São várias as manobras de higiene
brônquica e, segundo o Consenso de
Lyon17, podem ser classificadas de acordo com a produção de ondas de choque ou compressão do gás. O aprendizado das MHB requer uma diversidade
de conhecimentos relacionados à sua
aplicabilidade, posicionamento adequado do paciente, materiais necessários,
bem como suas indicações e contra-indicações. Todas essas informações são
fundamentais para a correta aplicação
das MHB e a utilização de tecnologias
da informação pode auxiliar no aprendizado de fisioterapeutas e melhorar o
atendimento clínico dos pacientes.
O objetivo do presente trabalho foi
descrever o desenvolvimento de um
material didático para o ensino das MHB
disponibilizado na internet.
METODOLOGIA
O conteúdo do material didático
multimídia foi dividido em três módulos:
Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e
MHB. Para cada módulo foram desenvolvidos recursos audiovisuais (filmes e
animações gráficas) e conteúdo teórico
(apostila). Em seguida, o material foi
disponibilizado no sítio da internet Ambiente Colaborativo de Aprendizagem.
Desenvolvimento
do material didático
Apostila: foi realizado um levantamento bibliográfico das publicações relacionadas ao tema MHB, no período de
1990 a 2009, nas bases de dados
Medline e Embase, utilizando as palavras-chave: br onchial hygiene or
bronchial therapy or chest physiotherapy
or airway clearance and review18-26. Com
base nesse levantamento, foi elaborado
um texto contendo informações sobre
cada um dos módulos idealizados.
No módulo Princípios fisiológicos
foram abordados os temas: funcionamento ciliar, funções do muco, formação e estrutura do muco e fatores que
prejudicam os mecanismos de defesa.
No módulo Fisiopatologia foram abordadas as principais doenças (bronquite
crônica, bronquiectasia, fibrose cística,
fase tardia da asma brônquica, síndrome
dos cílios imóveis) ou condições (pósoperatório) causadoras de hipersecreção
pulmonar, descrevendo-se a definição,
a fisiopatologia e o quadro clínico de
cada doença. No módulo MHB foi elaborado um organograma, com base no
Consenso de Lyon17, que classifica as
manobras de acordo com seu princípio
de ação. As MHB foram classificadas em
vibratórias ou de vibração – vibrocompressão, osciladores de alta freqüência
(OAF) e colete vibratório –, percussiva
ou de percussão (tapotagem) e de fluxo
– expiração lenta total com a glote aberta
em decúbito infralateral (Eltgol), técnica de expiração forçada (TEF), drenagem
autógena e tosse assistida e estimulada.
Além disso, são apresentadas duas técnicas coadjuvantes às manobras, classificadas em postural ou de postura (drenagem postural) e de umidificação (inaloterapia). Cada manobra é detalhadamente
apresentada nos itens: definição, modo
de aplicação, materiais necessários,
posicionamento do terapeuta e paciente e contra-indicações. As referências
bibliográficas para cada manobra são
citadas ao final da apostila.
Páginas on-line: As páginas de acesso on-line foram desenvolvidas no programa Macromedia Dream Weaver
(Adobe Systems) seguindo a organização da apostila e pontuando as informações mais relevantes para um material
on-line, como sugerido por Palloff et al.27.
A página on-line de introdução
disponibiliza os links para acesso aleatório aos módulos (Princípios fisiológicos, Fisiopatologia e MHB), além de um
link para acesso à apostila. No módulo
Princípios fisiológicos há links para as
informações sobre o funcionamento do
aparelho mucociliar, produção do muco
e fatores prejudiciais aos mecanismos de
defesa. No módulo Fisiopatologia há
links para as informações sobre as principais doenças (bronquite crônica,
bronquiectasia, fibrose cística, asma
brônquica, síndrome dos cílios imóveis)
ou condições (pós-operatório) causadoras de hipersecreção pulmonar, pontuando a definição, fisiopatologia e quadro clínico de cada uma. No módulo
MHB, há um organograma, adaptado do
Consenso de Lyon17, com a classificação
das manobras de acordo com seu princípio de ação. No próprio organograma
são disponibilizados links para acesso às
informações sobre as principais MHB:
vibratórias (vibrocompressão, OAF e
colete vibratório), percussiva (tapotagem) e de fluxo (Eltgol, TEF, drenagem
autógena e tosse assistida e estimulada),
e às duas técnicas coadjuvantes às manobras: postural (drenagem postural) e
de umidificação (inaloterapia). Para todas as MHB foram incluídos os seguintes
tópicos: definição, modo de aplicação,
materiais necessários, posicionamento do
terapeuta e paciente, bem como as contra-indicações. Foram disponibilizados
links para visualização de vídeos demonstrativos das manobras e das técnicas coadjuvantes.
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77
le do acesso por login e senha e disponibiliza uma série de ferramentas para
auxiliar o aluno em seu aprendizado.
Dentre essas ferramentas, destacamos o
correio eletrônico e o perfil, que visam
promover a comunicação entre os participantes do curso e a socialização entre os mesmos.
Figura 1 Página on-line do material sobre manobras de higiene brônquica com links
Recursos audiovisuais: foram produzidos vídeos para as manobras vibrocompressão, OAF, tapotagem, Eltgol,
TEF, tosse assistida e estimulada, bem
como das técnicas coadjuvantes, drenagem postural e inaloterapia. Todos os
vídeos foram produzidos com base em
roteiros previamente elaborados, que
continham a descrição da cena de filmagem ou da animação e seu respectivo áudio explicativo na seguinte ordem
de informações: definição, modo de
aplicação, posicionamento, materiais
necessários, contra-indicações.
As manobras de vibrocompressão,
OAF, tapotagem, Eltgol, TEF, tosse assistida e estimulada foram filmadas com
câmera digital (DCR-TRV 80 Sony) num
estúdio profissional simulando um ambiente hospitalar, enquanto drenagem
postural e inaloterapia foram filmadas num
ambiente hospitalar. Os participantes das
filmagens foram voluntários sadios ou pacientes que deram seu consentimento para
exibição da imagem. de acordo com termo da comissão de ética da instituição,
previamente esclarecido e assinado.
Os vídeos tinham, em média, 3 minutos e foram editados utilizando o programa Adobe Premiere. Os vídeos sobre vibrocompressão, OAF, tapotagem,
TEF, tosse assistida e estimulada apresentavam animações, desenvolvidas em
3D MAX, para simular algumas condições fisiopatológicas.
78
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
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RESULTADOS
Foi desenvolvido um material didático composto por páginas on-line, vídeos
e apostila escrita, que constituíram o
conteúdo de um recurso multimídia sobre MHB disponibilizado no Ambiente
Colaborativo de Aprendizagem (ACA),
na internet.
O ACA é um sítio na internet desenvolvido na Faculdade de Medicina da
USP para disponibilizar cursos de saúde e facilitar a conexão entre as diversas ferramentas utilizadas. O material
didático desenvolvido foi disponibilizado nesse ambiente que permite contro-
Ao acessar o ACA (http://www.med.
fm.usp.br/aca/sumario.asp?cab=&rod=),
com login e senha, é permitido o acesso
aleatório a diversos links. Antes de
acessar o conteúdo de MHB propriamente dito, foram disponibilizados links
com o objetivo de incentivar o aluno a
seguir adiante (Boas vindas), informar
sobre o material (Informações gerais) e
sobre os softwares necessários para
visualização dos recursos audiovisuais
(Guia do Curso), e explicar como usar as
ferramentas do ambiente virtual (Primeiros passos). Na primeira página de acesso
do ACA também existe a possibilidade de
acessar o link para o conteúdo de MHB.
Na página com o conteúdo de MHB, há
links para acesso aleatório aos módulos,
além de um link para acesso ao conteúdo
em formato de apostila MHB com a opção de imprimi-la para estudo (Figura 1).
Ao acessar o módulo Princípios fisiológicos, o aluno tem informações sobre
a função do aparelho mucociliar dividida em: funcionamento ciliar, funções do
muco, formação e estrutura do muco e
fatores que prejudicam os mecanismos
de defesa. Ao acessar o módulo Fisiopatologia das doenças hipersecretivas, o aluno tem informações sobre as principais
doenças ou condições relacionadas ao
MANOBRAS DE HIGIENE BRÔNQUICA
Classificação segundo o Consenso de Lyon17 modificado
POSTURA
VIBRAÇÃO
DRENAGEM POSTURAL
VIBROCOMPRESSÃO
OSCILAÇÃO DE ALTA
FREQÜÊNCIA
COLETE VIBRATÓRIO
MHB
PERCUSSÃO
1-8 Hz
TAPOTAGEM
ELTGOL
TÉCNICA DE
EXPIRAÇÃO FORÇADA
UMIDIFICAÇÃO
FLUXO
INALOTERAPIA
DRENAGEM AUTÓGENA
TOSSE ASSISTIDA
TOSSE ESTIMULADA
Figura 2 Reprodução do organograma exibido quando o módulo MHB é acessado
Silva et al.
Recurso para ensino de higiene brônquica
aumento da produção de muco na prática clínica – bronquite crônica, fibrose
cística, bronquiectasia, fase tardia da
asma, síndrome dos cílios imóveis e pósoperatório. Ao acessar o módulo MHB,
o aluno visualiza um organograma das
MHB (adaptado do Consenso de Lyon17)
que possibilita acesso aleatório às informações: definição, modo de aplicação,
materiais necessários, posicionamento
do terapeuta e paciente, bem como as
contra-indicações de cada manobra ou
técnica coadjuvante (Figura 2). Além
disso, são disponibilizados links para
visualização dos vídeos produzidos.
DISCUSSÃO
O presente estudo descreve o desenvolvimento de um material multimídia
disponível na internet para o ensino de
MHB, que pode ser utilizado tanto por
alunos de graduação como por fisioterapeutas em todo o território nacional e
auxiliar no ensino de fisioterapia respiratória.
O processo educacional é alvo de
constante discussão e a necessidade de
desenvolver novas estratégias que favoreçam a melhoria da qualidade do ensino vem sendo amplamente debatida2.
Existem vários estudos sobre o emprego
de recursos multimídia em outras áreas
da saúde5,7, entretanto, em fisioterapia,
os estudos sobre a aplicação de novas
tecnologias para o ensino têm se limitado a avaliar a importância do uso do
computador11-14. Este estudo avançou em
relação aos estudos de fisioterapia
supracitados, na medida em que foi desenvolvido um recurso multimídia para
reforço do ensino clínico, no caso das
MHB. Dessa forma, o aprendizado do
aluno pode ser beneficiado pelas vantagens do ensino on-line, como facilidade
de formatação e acesso ao material,
personalização das necessidades individuais, acesso a material de múltiplos
locais, capacidade de acessar links e
outros websites, incorporação de mate-
rial audiovisual, custo relativamente baixo, redução do formato linear de ensino e promoção de alta interatividade
entre aluno e tutor e com os colegas8.
cussões, que permitem a interatividade
entre os alunos e com um tutor, o que
parece ser importante para a melhora do
aprendizado33.
Uma preocupação com o aprendizado on-line diz respeito ao desenvolvimento do pensamento crítico do aluno,
isto é, a capacidade de analisar, avaliar,
questionar, investigar, divergir, argumentar e experimentar28,29. Entretanto, diversos estudos sugerem que o uso de novas
ferramentas tecnológicas aplicadas ao
ensino é capaz de promover o pensamento crítico6,30,31. Uma das maneiras de
estimular o senso crítico é apresentar ao
aluno informações disponíveis na literatura que mostrem, de maneira imparcial, os aspectos positivos e negativos
daquilo que ele está aprendendo, permitindo que ele construa seu conhecimento. No recurso desenvolvido, foi elaborada uma apostila fundamentada com
as evidências da literatura sobre a
efetividade das MHB18-26 e, apesar da
efetividade de algumas MHB ainda serem
controversas, entende-se que é essencial
para o aluno ter esse conhecimento e
refletir sobre sua prática baseada em
evidências. O acesso a um material escrito também parece ser importante para
incentivar revisões, reflexões e reforçar
os conhecimentos transmitidos em sala
de aula1,32. Esse aspecto educacional foi
contemplado ao permitir que o aluno
tivesse acesso e pudesse imprimir uma
revisão bibliográfica sobre todos os assuntos abordados18-26.
O uso de novas tecnologias também
apresenta barreiras que parecem estar
mais relacionadas a problemas técnicos e
fatores sociais e de aptidão do aluno34-36.
Allen et al.1 identificaram as maiores
barreiras relatadas por alunos para o uso
das novas tecnologias: maior susceptibilidade a colapso, os alunos se consideram incapazes de trabalhar com computador e/ou acreditam que a experiência mediada por computador não substitui a aula presencial. Este último argumento não se aplica ao nosso material,
uma vez que foi desenvolvido para atuar como suporte ao ensino presencial,
pois compreende-se que o professor
continua sendo essencial para o sucesso
do processo ensino-aprendizagem, seja
em sala de aula ou na tutoria on-line.
Obviamente, a tecnologia não ensina
sozinha e, portanto, concordamos com
Cyrs37, segundo o qual alunos não aprendem de meios tecnológicos, mas de instrutores competentes que devem ter sido
treinados a se comunicar através desses
meios. Acreditamos que o material didático desenvolvido possa auxiliar no
ensino das MHB e que este modelo possa ser aplicado ao ensino de diversas
outras disciplinas, uma vez que estudos
realizados em outras áreas da saúde já
vêm sugerindo que o uso de novas
tecnologias pode facilitar o aprendizado
dos alunos5-7.
Segundo Allen et al.1, quanto mais
canais sensoriais são estimulados durante o aprendizado do aluno, mais amplas
e positivas são suas possibilidades de
aquisição da informação. O material
didático desenvolvido é inédito e foi elaborado visando abordar as diversas possibilidades do aluno para melhorar seu
aprendizado (recursos audiovisuais, páginas on-line, material escrito). Além disso, também foi previsto o uso de ferramentas, como o e-mail e listas de dis-
CONCLUSÃO
O presente estudo descreveu o desenvolvimento de um recurso didático
multimídia para o ensino de manobras
de higiene brônquica num ambiente
colaborativo de aprendizagem, na
internet. Embora esse recurso possa vir a
facilitar o aprendizado em fisioterapia
respiratória, há necessidade de se avaliar
sua efetividade.
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79
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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.82-8, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
O lugar social do fisioterapeuta brasileiro
The social place of Brazilian physical therapists
Ana Lúcia de Jesus Almeida1, Raul Borges Guimarães2
Estudo desenvolvido na FCT/
Unesp – Faculdade de Ciências
e Tecnologias da Universidade
Estadual Paulista, campus de
Presidente Prudente, SP, Brasil
1
Profa. Dra. do Depto. de
Fisioterapia da FCT/Unesp
2
Prof. Livre-docente do Depto.
de Geografia da FCT/Unesp
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
R. Felipe Carnevale 110
Jardim das Rosas
19060-220 Presidente
Prudente SP
e-mail: [email protected]
Artigo extraído da tese de
doutorado defendida pela
autora 1 no Programa de PósGraduação em Geografia da
FCT em dezembro de 2008.
APRESENTAÇÃO
dez. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
82
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):82-8
RESUMO: Este estudo visa compreender a produção do lugar social do fisioterapeuta
brasileiro por meio de suas práticas. O material empírico utilizado foram 89
entrevistas, dados do I Censo de Fisioterapeutas do Estado de São Paulo e
informações sobre os cursos de graduação em Fisioterapia no Brasil. A análise dos
dados mostrou que o lugar social do fisioterapeuta está fortemente ligado ao modelo
curativo, identificado com o ideário liberal-privatista, com instituições formadoras
predominantemente privadas e concentradas na região Sudeste. Os resultados
sustentam evidências de uma prática profissional fragmentada, estimulada pelo
modelo hegemônico, mas também apresenta marcas de superação, mostrando a
disputa de dois modelos na atenção à saúde: hegemônico e contra-hegemônico.
O primeiro toma a parte pelo todo, fragmenta o conhecimento e o corpo, identificase com o liberalismo e tem a saúde como mercadoria; a organização dos serviços
é centrada na doença e na especialização. O segundo, sem negar a importância
do conhecimento técnico, valoriza as dimensões sociais e humanas na prática
profissional, está centrado na pessoa e busca a integralidade e a
interdisciplinaridade. Esse modelo permite ampliar a prática do fisioterapeuta para
além da clínica, em direção a um lugar social mais humano e solidário, identificado
com os princípios do Sistema Único de Saúde. Também permite repensar o atual
lugar social, oferecendo parâmetros para a reorientação dos caminhos da profissão.
DESCRITORES: Fisioterapia (Especialidade); Papel profissional; Sistemas de saúde/
tendências
ABSTRACT: This study aimed at understanding the social role played by Brazilian physical
therapists by drawing on their practices. Empirical data included the recordings of
89 interviews with physical therapists, data from the Sao Paulo State First Census of
Physical Therapists, and information on physical therapy undergraduate courses.
The analysis showed that mainstream physical therapy is strongly linked to the
healing model, of liberal ideology; training courses are mostly private and
concentrated in the country’s Southeast, richest region. Results sustain evidence of
a fragmented professional practice, encouraged by the hegemonic model, but also
of signs of conflict between two opposing concepts of health care. The hegemonic
model takes the part for the whole, fragments body and knowledge, bears on
liberalism, where health is taken as a commodity; health care services focus on
illness and value specialization. The counter-hegemonic principles, while not
denying the relevance of technical knowledge, value social and human dimensions
of professional practice, focus on the person, aim at integration of services and
support interdisciplinarity. The counter-hegemonic model tends to widen physical
therapy practice beyond the clinic toward a humanized social role, in accordance
with the national health system guidelines. It also allows for rethinking therapists
current social place, offering parameters for reorientating the profession course of
action.
KEY WORDS: Health systems/trends; Physical therapy (Specialty); Professional role
Almeida & Guimarães
O lugar social do fisioterapeuta brasileiro
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo do presente artigo
é o lugar social dos fisioterapeutas, produzido por suas práticas. Conforme iremos argumentar, as práticas tradicionais
dos fisioterapeutas, muitas vezes, resultam em ações fragmentadas e distantes
do conceito de integralidade na saúde1-4.
Essa característica é fruto de um modelo hegemônico que tende a fazer do
exercício profissional a reunião de ações
isoladas, individualizadas, descontextualizadas4-7. Por outro lado, contraditoriamente, os pacientes ao apresentarem suas demandas solicitam do profissional uma postura mais global, o que
exige a superação da condição acima
com ações potencialmente integradoras.
Por várias razões o fisioterapeuta4,6,7,
bem como outros profissionais da saúde5,8, caminharam para a definição de
uma forma de atuar com uma lógica de
valorização excessiva da doença, associando a profissão com a visão curativa,
além de desenvolver práticas distantes
da interlocução com outras profissões.
Na clínica, é comum observar a escassa
existência de equipe multiprofissional e
a dificuldade de encaminhar o paciente
para outras especialidades, porque estas não se comunicam. Também se observam oportunidades restritas para a
pessoa com deficiência, no mercado de
trabalho, na escola, na sociedade. Estes
são alguns exemplos que limitam a prática profissional e tornam o trabalho da
fisioterapia fragmentado e incompleto.
Acreditamos que se uma visão multidimensional da saúde9-11 estivesse mais
presente na prática dos fisioterapeutas e
de outros profissionais, poderíamos observar uma maior freqüência de ações
que fossem ao encontro da superação
das dificuldades acima. O debate sobre
o conceito de promoção e vigilância à
saúde enquanto elementos multidimensionais e interdisciplinares aproximase desse desafio, levando-nos a pensar o
indivíduo e a coletividade de uma maneira social e relacional1,5,9,12-14. Entretanto, verificamos que a maioria dos fisioterapeutas tendem a acreditar que os
problemas de saúde se resolvem apenas
por meio do setor saúde, o que diminui
seu campo de intervenção e participação,
reforçando a manutenção do modelo
hegemônico em saúde, bem como limi-
tando o lugar social do fisioterapeuta.
O lugar social é construído pelos
fisioterapeutas por suas práticas, que carregam significados relacionados com a
forma de compreender a sociedade, com
sua visão de saúde, com as relações de
poder estabelecidas no seu espaço. O
conceito de lugar enquanto espaço
relacional oferece elementos da reprodução da vida social15, portanto, da reprodução da fisioterapia na sociedade.
Compreender e refletir sobre esse lugar
social é fundamental como parâmetro
de reorientação dos caminhos da profissão.
METODOLOGIA
Para caracterizar o lugar social do fisioterapeuta, foram analisados dados de
89 entrevistas feitas por 45 alunos do 1o
ano do Curso de Fisioterapia do campus
de Presidente Prudente da Unesp, no
primeiro semestre de 2008. As entrevistas foram realizadas tendo como referência um roteiro predefinido (Quadro
1). Foram digitadas sínteses de cada uma
das 89 entrevistas realizadas pelos alunos em planilhas, para facilitar a associação de informações comuns, fazendo
o exercício, de acordo com Minayo16,
de partir de uma leitura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado, que ultrapassa os significados
manifestos.
Uma parte dos temas abordados nas
entrevistas foi aqui utilizada, associada
a dados disponibilizados pelo Crefito-3
– Conselho Regional de Fisioterapia e
Terapia Ocupacional da 3a Região –
oriundos do I Censo dos Fisioterapeutas
e Terapeutas Ocupacionais do Estado de
São Paulo17 e uma publicação do Ministério da Educação sobre o curso de Fisioterapia no Brasil18.
RESULTADOS
A Fisioterapia teve o auge do seu reconhecimento em meados da década de
1990, o que aumentou a procura pelo
curso. Na ocasião, muitas instituições de
ensino superior passaram a oferecer grandes números de vagas em Fisioterapia,
principalmente as instituições privadas,
carregando consigo uma prática pedagógica da Medicina influenciada pelo
paradigma newtoniano-cartesiano14. O
crescimento foi grande e o número total
de fisioterapeutas registrados no Coffito
– Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – em 1995 era
16.068; em 2005, os dados apontam
para 79.382 profissionais, mostrando um
crescimento absoluto de 394% em apenas dez anos18.
Esses números estão desigualmente
distribuídos pelo país. A Figura 1 permite
melhor visualizar as diferenças de tamanho de cada Crefito em 2005. As representações geométricas são proporcionais
ao total de fisioterapeutas de cada Conselho, refletindo as grandes diferenças
existentes: a maioria estão concentrados
nos estados de São Paulo (Crefito-3), Rio
de Janeiro e Espírito Santo (Crefito-2), e
Minas Gerais (Crefito-4), todos na região
Sudeste18.
O processo de formação tem grande
responsabilidade por essa situação. Em
1969, existiam 6 cursos de graduação
em Fisioterapia; em 1981, esse número
Quadro 1 Roteiro de entrevista com fisioterapeutas
1
2
3
4
5
6
7
Tempo de atuação profissional
Facilidades e adversidades encontradas assim que se formou
Área de maior atuação
Motivo da escolha da área
Principais conquistas alcançadas nessa área pela Fisioterapia
Principais dificuldades nessa área
Aspectos financeiros: valor aproximado da sessão; número de pacientes
que atende por dia e em quantas horas de trabalho; salário mensal
aproximado
8 Que recomendações daria para alunos que estão no 1o ano do Curso de Ft
9 Cidade onde o entrevistado reside e trabalha
10 Comentários
Fonte: Brasil, 200618
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8
83
10,0% em instituições filantrópicas17. É
notável a reduzida proporção de fisioterapeutas no setor público (15%) comparado aos demais, evidenciando uma
tímida presença do fisioterapeuta no serviço público, o que contribui para demarcar seu lugar social.
Fonte: Inep/MEC18,19
Figura 1
Distribuição dos fisioterapeutas pelos Conselhos Regionais (Crefitos),
Brasil, 2005
cresceu para 20 e, em 1991, havia 48.
A partir daí o crescimento foi muito rápido, até atingir o total de 457 cursos
em 200718,19 (Figura 2).
O número de vagas disponíveis aumentou rapidamente, bem como o número de formandos a cada ano. Se em
1991 formavam-se 1.951 fisioterapeutas,
em 2004 esse número cresceu para
13.63118 e, em 2007, foram 14.162 novos fisioterapeutas20. Ao associar o número de vagas ao local em que as vagas
são oferecidas, reconhecem-se as instituições privadas de ensino superior
como importantes agentes na definição
do atual lugar social do fisioterapeuta.
A inserção dos fisioterapeutas no
mercado de trabalho mostra uma predominância no setor privado. Dos 89 fisioterapeutas entrevistados pelos alunos,
53 (59,6%) trabalhavam no setor privado ou dedicavam a maior parte do tempo a esse setor; os demais 36 atuavam
ou no setor público ou em ambos. Essa
característica também está presente nos
dados do Censo realizado pelo Crefito3, em que dos 13.712 fisioterapeutas que
responderam ao questionário, 70,5% trabalhavam no setor privado, 15,2% em
instituições públicas, 4,3% em mistas e
500
457
450
420
379
339
350
297
300
256
250
211
176
200
146
150
52
59
1994
1995
80
1997
52
68
1996
48
1993
50
115
63
1992
100
1991
Número de cursos
400
Ano
Fonte: Crefito-3 17
Figura 2
84
Evolução do número de cursos de Fisioterapia no Brasil, 1991- 2007
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):82-8
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
0
Uma das questões da entrevista referiu-se às facilidades encontradas pelos
entrevistados no início da carreira, tendo dois aspectos sido mais citados. O
primeiro refere-se à importância dada
pelos entrevistados à especialização.
Para eles, ao especializar-se adquirem
maior segurança profissional, principalmente no momento da conquista de uma
vaga no mercado de trabalho. Essa necessidade de especializar-se também foi
observada entre os fisioterapeutas que
responderam ao Censo do Crefito-3, em
que, dos 24.844 fisioterapeutas que responderam essa questão, 18.299 (73.7%)
relataram ter realizado algum tipo de
curso de pós-graduação, seja lato sensu
(71%), stricto sensu (10%) ou outros17.
O segundo aspecto tido como um
facilitador para a conquista do primeiro
emprego pelos fisioterapeutas entrevistados foi a realização de estágios extracurriculares durante a graduação, ou logo
em seguida, como estágio voluntário. De
acordo com os entrevistados, o estágio
extracurricular, além de proporcionar
experiência prática, pode ser a oportunidade de garantir uma vaga no mercado de trabalho pelo vínculo criado, pela
chance de mostrar a capacidade de trabalho.
Quanto às dificuldades encontradas
no mercado de trabalho, os aspectos
mais apontados foram o baixo salário,
seguido por mercado de trabalho saturado e com grande concorrência e sensação de pouco reconhecimento social.
Sobre o salário, dentre os entrevistados
observam-se salários variando de 700
reais até 8.000 reais, com valores da sessão que variam de R$ 3,00 a R$ 150,00.
Há fisioterapeutas que atendem um paciente em uma hora de sessão até os que
atendem a 14 pessoas em uma hora –
são os que recebem os mais baixos salários. A análise dos rendimentos de todos os fisioterapeutas entrevistados mostra que mais de 40, do total de 89, relataram ganhar menos que R$ 2.000,00.
Os dados do Censo do Crefito-3 confir-
Almeida & Guimarães
O lugar social do fisioterapeuta brasileiro
mais de R$ 10.001,00
R$5.001,00 a R$10.000,00
R$3.001,00 a R$5.000,00
R$2.001,00 a R$3.000,00
R$1.001,00 a R$2.000,00
2,1%
3,4%
3,8%
13,4%
34,8%
até R$1.000,00
42,5%
Fonte: Crefito-3 17
Figura 3
Pirâmide de renda dos fisioterapeutas do Estado de São Paulo, 2007
mam essa tendência, apontando que a
maior parte dos fisioterapeutas tem renda inferior a R$ 2.000,00 por mês17,
como mostra a Figura 3.
Sobre o reconhecimento social, os
profissionais entrevistados relataram
como um aspecto dificultador o desconhecimento por parte dos profissionais
da saúde, e mesmo por usuários do serviço, sobre o fazer do fisioterapeuta.
Sobre esse aspecto é preciso também
contrapor que, quando os fisioterapeutas foram solicitados a apontar as conquistas da Fisioterapia, o item mais citado foi “o maior reconhecimento social”, mostrando que, apesar de desafios
a serem superados, vários profissionais
percebem que muito já foi conquistado. Outros fisioterapeutas apresentaram
como conquista “o reconhecimento e a
valorização por parte dos profissionais
da saúde, principalmente, pelo médico”,
ou seja, há um sentimento de que a profissão passou por um período de reconhecimento e consolidação social, tanto
na relação com os colegas profissionais
da saúde quanto por parte da sociedade.
DISCUSSÃO
A origem da Fisioterapia direcionou
sua prática para o processo de recuperar as condições de saúde das pessoas
para níveis anteriores a um episódio de
doença ou incapacidade. Foi nesse espaço que a profissão se solidificou, demarcando seu reconhecimento social no
campo das ações curativas, tema apontado e debatido por Rebelato e Botomé6.
Por sua vez, os fisioterapeutas Schmidt4
e Freitas7 mostram que pouco se vê a
fisioterapia atuando na atenção básica
em saúde. Neste estudo, pôde-se inferir
uma identidade forte do lugar social do
fisioterapeuta com níveis de atenção
mais complexos e mais distantes da atenção primária à saúde. Essa característica justifica a ânsia pela especialização
presente entre os entrevistados e nos
dados do Censo, indo na contramão das
novas diretrizes curriculares21, segundo
as quais o profissional deve ter uma visão generalista.
Reforçando esse aspecto, a literatura
aponta para a formação no campo da
saúde consistindo em processos de ensino-aprendizagem que enfatizam a área
técnica, a especialidade, a intervenção
curativa. Também aponta para um crescimento quantitativo de cursos em detrimento da qualidade22. Na Fisioterapia
esse crescimento se materializa num espaço concentrado na região Sudeste,
principalmente no Estado de São Paulo e
predominantemente vinculado ao ensino privado, como mostram os resultados.
Ao priorizar quantidade no ensino, há
uma desqualificação do processo de formação que pode estar estimulando ainda mais a necessidade de busca imediata por especialização. Também, o profissional despreparado pode estar visualizando no estágio não-obrigatório e no
trabalho voluntário uma possibilidade de
melhorar sua qualificação, não se importando em ser explorado como mão
de obra não-remunerada.
Nota-se que os entrevistados não percebem a contradição aí presente, pois o
fato de alunos de graduação atenderem
em clínicas não-vinculadas a instituições
de nível superior, ou profissionais formados se submeterem a fazer estágios
voluntários, significa redução das oportunidades de trabalho para aqueles que
já estão no mercado. Não são poucas as
instituições que se aproveitam dessa condição e deixam de contratar profissionais
para oferecer estágios e explorar a força
de trabalho de graduandos.
Sobre a qualidade do atendimento
fisioterapêutico, ao constatar profissionais atendendo 14 pacientes em uma
hora, pode-se inferir o uso acentuado de
recursos tecnológicos terapêuticos, o
que dificilmente é compatível com a
resolutividade do cuidado. Para Merhy23,
a organização do trabalho em saúde
deveria contemplar três tipos de tecnologias: tecnologias leves, caracterizadas
como a forma de agir entre sujeitos trabalhadores e usuários, individuais e coletivos, implicados com a produção do
cuidado; tecnologias duras, que estão
inscritas nos instrumentos já estruturados
para elaborar produtos da saúde; e as
tecnologias leves-duras, caracterizadas
pelos saberes estruturados que operam
esses processos. Portanto, seria possível
identificar uma parte dura, estruturada
e outra leve, relacionada com o modo
como cada profissional aplica o conhecimento no momento da produção do
cuidado.
Observando o cotidiano de um trabalhador da saúde, Merhy e Franco24
argumentam que, ao prover o cuidado,
o trabalhador opera um núcleo tecnológico composto de “trabalho morto”
(TM) e “trabalho vivo” (TV). TM são instrumentos e é assim definido porque
sobre eles já se aplicou um trabalho pregresso no momento de sua elaboração;
TV é o trabalho em ato, campo próprio
das tecnologias leves. Por fim, a relação
entre TM e TV no interior do processo
de trabalho reflete uma correlação chamada pelos autores de composição técnica do trabalho (CTT). A CTT estando
favorável ao TM reflete predominância
de tecnologias duras, direcionadas à utilização de procedimentos; e quando, ao
contrário, predominar TV, o provimento
do cuidado está centrado nas tecnologias
leves. Uma análise qualitativa das
tecnologias de cuidado presentes no processo de trabalho permite também pensar
que, no atual modo de produzir saúde –
modelo hegemônico – a razão entre TM
e TV faz prevalecer o TM. Portanto, se
queremos alterar o modo de produzir
saúde, temos de alterar essa correlação,
produzindo mudanças no núcleo tecnológico do cuidado, compondo uma
hegemonia do TV24.
Esse modelo hegemônico na saúde
toma a parte pelo todo e, com isso, frag-
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8
85
ções e de suas interações, distanciando
a prática da realidade, fragmentando o
conhecimento e o corpo humano.
menta o conhecimento e também o corpo, supervalorizando as especialidades,
o uso indiscriminado de recursos tecnológicos e se identificando com uma dimensão política favorável ao liberalismo.
Nesse modelo, os serviços de fisioterapia estão organizados com base em
ações curativas e individualizadas, centradas na doença e não na pessoa, valorizando a especialização, as tecnologias
e, portanto, o trabalho morto. Em contrapartida, o modelo contra-hegemônico,
sem negar a importância do conhecimento técnico, valoriza as dimensões
sociais e humanas. É um modelo que tem
a dimensão do todo, está centrado no
usuário do serviço, por isso busca a integralidade, valorizando a interdisciplinaridade, a intersetorialidade e a continuidade da atenção, ficando evidente a prioridade ao trabalho vivo5,7,14,24.
No modelo contra-hegemônico o
profissional da saúde, ao lidar com o
usuário do serviço de saúde, preocupa-se
com o sujeito e não apenas com a enfermidade. Lida com a singularidade de
cada um, sem abrir mão da ontologia
das doenças e suas possibilidades, mostrando competência em lidar com pessoas13.
Os dois modelos apresentam concepções distintas caracterizadas por ações,
muitas vezes, opostas e presentes na prática dos profissionais da saúde. São duas
grandes linhas em disputa em torno da
política de saúde: uma vinculada ao projeto empresarial neoliberal médicohegemônico, que vê a saúde como uma
mercadoria, e outro, que defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde
(SUS), regulado pelo Estado e compromissado com a saúde como direito de
todos, não como bem de mercado.
A Figura 4 apresenta uma sistematização dos dois modelos que representam a prática profissional do fisioterapeuta. No modelo contra-hegemônico,
o método dialético permite ao fisioterapeuta observar o processo pelo qual está
submetido o objeto de intervenção, preservando sua totalidade e reconhecendo as contradições inerentes ao objeto.
Por outro lado, o método metafísico separa o sujeito do objeto e define os seres e as idéias separadas de suas rela-
O debate até agora desenvolvido
mostra que o modelo de atuação hegemônico leva o profissional da saúde a
ações parceladas, não dando conta de
mudar a realidade e responder às demandas individuais e sociais de grande
parte da população brasileira. Ele percebe que não responde às necessidades
PRÁTICA PROFISSIONAL DO FISIOTERAPEUTA EM DISPUTA
Dimensão
epistemológica
Dimensão
epistemológica
Dimensão técnica
Metafísica
Definida no
processo de tocar o
corpo do outro
MODELO HEGEMÕNICO
Dimensão política
LIBERALISMO
• trata da doença
• modelo hospitalocêntrico
• demanda espontânea
• medicina curativa
• especialidades
Figura 4
86
PROCESSO DE TRABALHO
Toma a
parte pelo
todo
Dialética
Tem a
visão do
todo
MODELO
CONTRA-HEGEMÕNICO
Dimensão política
ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL
• cuida do sujeito
• modelo da promoção
• busca ativa
• vigilância em saúde
• integralidade
Modelos de atuação profissional do fisioterapeuta: hegemônico e contrahegemônico
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):82-8
humanas por falta de resolutividade, por
distanciamento da vida e das necessidades das pessoas. Isso desmotiva, desilude, pois os resultados não promovem
satisfação profissional.
A resposta do SUS para a superação
do modelo hegemônico está no fortalecimento da atenção básica, concentrada atualmente nas Estratégias de Saúde
da Família (ESF), visando edificar um
novo modelo de atenção à saúde. A resposta dos Ministérios da Educação e da
Saúde para mudar a formação dos profissionais da saúde está nas novas diretrizes curriculares, construídas a partir
da necessidade de pensar a formação
dos profissionais como uma estratégia
importante para o fortalecimento do
SUS4,21.
Portanto, cabe às instituições formadoras, aos docentes, aos alunos e aos
profissionais fisioterapeutas observar o
quanto suas práticas têm se direcionado
para uma atuação centrada na promoção da saúde, na prevenção, que valorize mais as condições sociais e humanas
na manifestação dos desequilíbrios orgânicos, uma atenção à saúde centrada
no sujeito e de forma integral.
CONCLUSÃO
Como exposto, não são poucos os
desafios para que a Fisioterapia amplie
seu papel social. Para avançar nessa direção, é necessário que nas ações dos
fisioterapeutas estejam presentes a atenção integral, a resolutividade do cuidado, o acolhimento, a formação de vínculo, potencializando a capacidade que
o fisioterapeuta tem de produzir saúde
e não apenas recuperar. Nessa direção,
o SUS tem se fortalecido e vem sendo
construído a cada dia como uma alternativa possível frente ao modelo hegemônico e com muito mais possibilidades para a Fisioterapia ampliar seu lugar social.
Para isso, é preciso substituir ações
reprodutoras por ações que busquem a
produção de um conhecimento tal que
venha a melhorar a qualidade de vida
das pessoas que acorrem aos serviços de
saúde. É preciso construir caminhos que
possibilitem a percepção cada vez menos segmentada da realidade e do sa-
Almeida & Guimarães
ber, mais crítica e mais social. Produzir
conhecimentos e ações mais contextualizados, portanto mais próximos da vida
das pessoas atendidas, e com maior potencial para levá-las a perceber sua coresponsabilidade pela manutenção de
sua saúde, compreendendo-a como um
recurso que se conquista no dia-a-dia,
conferindo aos usuários dos serviços
mais independência em relação ao modelo hegemônico.
O lugar social do fisioterapeuta brasileiro
A prática centrada na doença provoca o obscurecimento de grande parte das
possibilidades de atuação, crescimento
e reconhecimento profissional do fisioterapeuta, alimentando a manutenção de
muitas das dificuldades apontadas neste estudo. Ao fixar seu lugar social na
atuação curativa, no modelo privatista,
na especialização, entre outras, os profissionais da saúde ferem o princípio da
integralidade que deve garantir o direi-
to da população de ser assistida em todas as suas necessidades. Diante destas,
a Fisioterapia pode contribuir muito
mais. Para isso, entretanto, é preciso rever e ampliar seu lugar social. Acreditando que a gestão do novo se desenvolve
no que já está estabelecido25, uma Fisioterapia crítico-social está se desenvolvendo a partir do confronto e da disputa desses dois modelos, para além da
clínica e em direção ao social.
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :82- 8
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
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espacialização. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2008.
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.89-93, jan./mar. 2009
ISSN 1809-2950
Estimulação elétrica funcional na subluxação crônica do ombro após acidente
vascular encefálico: relato de casos
Functional electrical stimulation for shoulder subluxation after chronic
stroke: a case report
Juliana Barbosa Corrêa1, Heloise Cazangi Borges2, Paulo Roberto Garcia Lucareli3, Richard Eloin Liebano4
Estudo desenvolvido no Curso
de Especialização em
Fisioterapia Motora e
Hospitalar aplicada à
Neurologia da EPM/Unifesp –
Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil
1
Fisioterapeuta Especialista em
Fisioterapia Motora e
Hospitalar aplicada à
Neurologia
2
Profa. Coordenadora do Curso
de Especialização em
Fisioterapia Motora e
Hospitalar aplicada à
Neurologia da EPM/Unifesp
3
Prof.Dr. do Curso de
Fisioterapia do Centro
Universitário São Camilo, São
Paulo, SP
4
Prof. Dr. do Curso de
Fisioterapia da Universidade
Cidade de São Paulo, SP
ENDEREÇO PARA
CORRESPONDÊNCIA
Juliana B. Corrêa
R. Caetezal 157
02334-130 São Paulo SP
e-mail:
[email protected]
Apresentado ao IV Progress
Motor In Control, Santos, 2007
e ao Cobraf – Congresso
Brasileiro de Fisioterapia, São
Paulo, 2007.
RESUMO: A subluxação do ombro é comum em indivíduos que sofreram acidente
vascular encefálico (AVE), podendo gerar dor, lesões do plexo braquial, capsulite
adesiva e lesões nos músculos da bainha rotatória, implicando atraso da reabilitação
e interferência na qualidade de vida. O objetivo deste estudo foi verificar os efeitos
da estimulação elétrica funcional (EEF) na subluxação crônica do ombro em
pacientes hemiplégicos que sofreram AVE. Foram avaliados três pacientes tendo
tido AVE há mais de um ano com subluxação do ombro confirmada por exame de
raios X. Foram analisados, antes e após o tratamento, o grau de subluxação e
amplitude de movimento (ADM) do ombro, função sensório-motora pela escala
de Fugl-Meyer e dor em repouso e à movimentação passiva por meio de escala
visual analógica. Todos os pacientes foram submetidos a tratamento com fisioterapia
convencional e EEF no membro hemiplégico por dez sessões. A análise dos
resultados mostrou melhora em relação às medidas iniciais da ADM, da avaliação
sensório-motora, dor e subluxação do ombro após o uso da EEF. Concluiu-se que a
EEF, asociada à fisioterapia convencional, mostrou-se eficaz em produzir diminuição
da subluxação, aumento da função do membro superior e agir no alívio da dor em
pacientes com subluxação do ombro pós-AVE.
DESCRITORES: Acidente cerebral vascular; Luxação do ombro/reabilitação; Terapia
por estimulação elétrica
ABSTRACT: Shoulder subluxation is a common complication among stroke survivors;
it may cause pain, brachial plexus injuries, adhesive capsulitis and rotator cuff
muscle injuries, leading to rehabilitation delay and interference in patients’ quality
of life. The purpose of this study was to assess the effects of functional electrical
stimulation (FES) in post-stroke hemiplegia shoulder subluxation. Three patients
with over one year of stroke onset and shoulder subluxation confirmed by X ray
were assessed prior to, and after FES treatment, as to: degree of shoulder subluxation
and range of motion (ROM); sensory-motor function by the Fugl-Meyer scale; and
pain at rest and at passive movement by means of a visual analog scale. All patients
were treated with conventional physical therapy and FES in the hemiplegic member
for ten sessions. Results showed improvement in final measures of ROM and sensorymotor assessments, pain relief and shoulder subluxation reduction after treatment.
FES associated to conventional physical therapy has thus proved effective in
decreasing subluxation, increasing upper limb function and in relieving pain in
post-stroke shoulder subluxation patients.
KEY WORDS: Electrical stimulation therapy; Shoulder dislocation/rehabilitation;
Stroke
APRESENTAÇÃO
dez. 2008
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO
mar. 2009
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93
89
INTRODUÇÃO
A subluxação do ombro é uma complicação secundária freqüentemente
encontrada nos pacientes que sofreram
acidente vascular encefálico (AVE), apresentando incidência relatada em até 81%
dos casos1,2. O prejuízo no controle motor do membro superior (MS) representa
uma grave conseqüência do AVE, em
que 13% dos pacientes apresentam
défices no MS já nas duas primeiras semanas e 66% dos sobreviventes apresentam danos severos após 6 meses do
AVE3.
Na hemiplegia, a paresia ou plegia
dos músculos do ombro, juntamente
com a instabilidade inferior da articulação glenoumeral, contribuem para a
ocorrência do deslocamento inferior da
cabeça do úmero. A subluxação do ombro pode ser definida como uma mudança na integridade mecânica na articulação glenoumeral, que causa um “degrau”
entre o acrômio e a cabeça do úmero.
Nos portadores de AVE, a redução da
atividade muscular leva a um estiramento contínuo dos tecidos moles da
articulação do ombro, como a cápsula
articular, músculos, nervos e ligamentos,
resultando na subluxação do ombro4.
Estudos eletromiográficos e eletrofisiológicos mostram que o deslocamento inferior da articulação do ombro é
prevenido por um sistema de travamento
dependente de fatores como a inclinação da fossa glenóide, junto com o estiramento da parte superior da cápsula
articular e do ligamento coracoumeral,
além da atividade dos músculos supraespinal e das fibras posteriores do deltóide,
sendo estes músculos-chave para a prevenção da ocorrência de subluxação
inferior5.
A subluxação do ombro pode ocasionar dor, limitações de movimento, lesões
do plexo braquial, capsulite adesiva e
lesões nos músculos da bainha rotatória6.
Esses fatores contribuem para o atraso
da recuperação do membro superior e
estão diretamente relacionados à interferência na qualidade de vida desses
pacientes7.
A aplicação clínica da estimulação
elétrica funcional (EEF) na reabilitação
90
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):89-93
após o AVE fornece benefícios terapêuticos e funcionais em diversas articulações. Estudos preliminares indicam a EEF
como um recurso terapêutico eficaz para
a ativação da musculatura ao redor do
ombro, proporcionando melhora na
congruência da articulação glenoumeral
e permitindo melhora funcional e da dor
nessa articulação8,9. Entretanto, o tempo de estimulação utilizado nesses estudos chegou a até 6 horas diárias8-10,
mostrando que esse tipo de intervenção
fica restrito a uma pequena parcela da
população, sendo praticamente inviável
no sistema de reabilitação fisioterapêutica, em que as sessões variam de
40 a 60 minutos. Assim, o objetivo deste relato de casos foi avaliar os efeitos
da EEF associada à fisioterapia convencional na subluxação do ombro em três
pacientes que haviam sofrido AVE.
METODOLOGIA
Participaram do estudo três pacientes do sexo masculino apresentando
hemiplegia após AVE com subluxação
na articulação do ombro confirmada por
exame de raios X (RX), recrutados no
Centro de Reabilitação Lar Escola São
Francisco, vinculado à EPM/ Unifesp –
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, mediante
palpação do ombro acometido para verificação da suspeita de subluxação. Os
critérios de inclusão foram: ter sofrido
AVE isquêmico ou hemorrágico há mais
de um ano; subluxação do ombro confirmada por RX; não se encontrar em tratamento de reabilitação; não estar usando analgésicos. Foram excluídos candidatos portadores de marca-passo, ou que
apresentassem doença ortopédica e/ou
reumatológica prévia no ombro, afasia
de compreensão e alteração da sensibilidade na região do ombro. A pesquisa
foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de São
Paulo e os participantes assinaram um
termo de consentimento livre e esclarecido. Foram realizados exames de RX
para confirmação da subluxação do
membro hemiplégico. Todos os exames
foram feitos no Hospital São Paulo (também vinculado à EPM/Unifesp), e as
medidas da subluxação foram realizadas por um avaliador cego.
Avaliação
Todos os pacientes foram avaliados
antes e após o tratamento com os seguintes recursos: exame de RX, goniometria
dos ombros, avaliação sensório-motora
pela escala de Fugl-Meyer para domínio
de membro superior11, dor em repouso e
à movimentação passiva por escala visual analógica (EVA)2.
Exames de RX: foram realizados na
região de ombros bilateralmente, cinco
dias antes e cinco dias após o término
do protocolo. A incidência do exame foi
ântero-posterior e os pacientes permaneceram em posição ortostástica durante
sua realização. Uma régua milimetrada
foi utilizada para determinar a distância
(d) da borda inferior da fossa glenóide à
linha inferior entre o colo anatômico da
cabeça do úmero em ambos os ombros.
A diferença da distância d entre o lado
afetado e o não-afetado foi definida
como distância D de medida da subluxação8.
Goniometria: foram avaliadas a amplitude de movimento12 (ADM) da articulação do ombro, cotovelo, punho e
dedos com goniômetro manual.
Avaliação sensório-motora: a escala
sensório-motora de Fugl-Meyer foi utilizada somente para o domínio membro
superior neste estudo. A escala compreende: testes de atividade reflexa, movimentos executados em sinergias flexoras
e/ou extensoras, desempenho de movimento voluntário associado às sinergias
flexoras e/ou extensoras dinâmicas, movimentos voluntários com pouca ou nenhuma interferência sinérgica, atividade reflexa normal, testes para o punho,
testes para a mão e testes de coordenação/ velocidade11. O escore máximo da
escala para membro superior é 66 pontos; quanto maior a pontuação, menor
o grau de acometimento11.
Avaliação da dor: uma escala visual
analógica foi usada para registrar a intensidade da dor no ombro acometido.
Os pacientes foram instruídos a marcar
com uma caneta em uma linha de 10
cm, a intensidade da dor ao repouso e
aos movimentos passivos de abdução,
flexão e rotação externa do ombro. O
zero indicava sem dor e 10, a pior dor
imaginável2.
Corrêa et al.
EE na subluxação crônica do ombro
Tratamento
Todos os pacientes foram submetidos
a tratamento com fisioterapia convencional e aplicação da EEF no membro superior hemiplégico. O tratamento foi
realizado duas vezes por semana com
duração de 60 a 70 minutos por sessão
em um período de cinco semanas,
totalizando dez sessões.
O programa de tratamento fisioterapêutico incluiu alongamento muscular
passivo de rombóides, peitoral maior,
trapézios, grande dorsal e bíceps braquial,
mobilização escapular passiva, co-contração ativa e estímulos manuais rápidos (tapping) na musculatura ao redor
do ombro, fortalecimento de abdominais, extensores profundos da coluna e
de musculatura serrátil13.
Em seguida, era aplicada a EEF por
eletrodos de superfície Pals Flex
(Plantinum 42080, formato retangular,
com 4 x 6 cm), posicionados nos músculos supraespinal e deltóide posterior
simultaneamente9. Os eletrodos foram
posicionados no sentido das fibras musculares, sendo utilizado gel condutor e
fixação com fita crepe. Durante o tratamento com a EEF, os pacientes permaTabela 1
neceram sentados em uma cadeira com
o membro superior acometido repousando sobre uma mesa. Foi utilizado o
estimulador elétrico FesMed (Carci).
O posicionamento correto dos eletrodos foi observado durante a estimulação,
com observação da contração dos músculos supraespinal e deltóide posterior
com mínima interferência do trapézio
superior, além da palpação do encaixe
da cabeça do úmero na cavidade
glenóide durante o período de contração
muscular (T-on). Para este estudo, foram
adotados os seguintes parâmetros12: corrente pulsada bifásica assimétrica balanceada; freqüência de 30 pulsos por segundo; tempo de duração de pulso, 300
microssegundos; T-on de 15 segundos (s);
tempo de relaxamento muscular (T-off,
em que não há passagem de corrente
elétrica), 10 s; subida (rise, em que a amplitude do pulso aumenta até atingir o
valor máximo) de 2 s; descida (decay,
em que a amplitude do pulso diminui
gradualmente até cessar a contração) de
2 s; tempo de tratamento (timer) de 30
minutos e amplitude de acordo com a
tolerância de cada indivíduo8.
Além disso, todos os participantes
receberam, no primeiro dia de tratamen-
Características dos sujeitos
Paciente Idade (anos)
1
58
2
50
3
56
Sexo
M
M
M
Tipo de AVE
I
H
I
TI AVE (anos)
6
6
3
Lado acometido
E
E
E
M= masculino; I= isquêmico; H= hemorrágico; TI = Tempo de instalação; E= esquerdo
Tabela 2
Medidas obtidas dos três sujeitos nas avaliações antes e depois do
tratamento
Variáveis
ADM (°) AB
F
RE
Escore (Fugl-Meyer)
Subluxação (mm)
Dor (cm) R
AB
F
RE
Sujeito 1
Antes
Após
160
160
70
18
10
0
0
1
1
180
180
80
22
7
0
0
0
0
Sujeito 2
Antes
Após
90
110
50
13
13
0
3
6
7
110
150
70
20
9
0
0
2
4
Sujeito 3
Antes
Após
90
90
60
13
13
4
6
5
4
120
150
70
20
8
0
0
3
1
ADM = amplitude de movimento; AB = abdução do ombro; F = flexão do ombro; RE = rotação
externa do ombro; R = repouso
to, um manual de orientações contendo
ilustrações mostrando o posicionamento
correto do membro superior nas posições de decúbito dorsal e lateral, sentado à mesa e na poltrona. Todos os itens
foram explicados pelo pesquisador e os
pacientes foram orientados a não realizar exercícios domiciliares ou outros tratamentos para o membro acometido
durante a realização do estudo.
RESULTADOS
Dados de idade, sexo e clínicos de
cada paciente são apresentados na Tabela 1. A Tabela 2 mostra os resultados
das avaliações antes e após o término
do protocolo de tratamento dos três casos. Os valores das medidas depois do
tratamento sugerem vantagens do uso da
fisioterapia adicionada à EEF em relação às medidas iniciais da ADM, avaliação sensório-motora, dor e subluxação
do ombro.
DISCUSSÃO
No presente estudo, foram investigados os efeitos da EEF junto com a fisioterapia convencional em três pacientes
que sofreram AVE, ocorrendo melhoras
em todos os parâmetros avaliados.
A ocorrência da subluxação do ombro parece estar correlacionada a alguns
fatores, como AVE do tipo hemorrágico,
perda da propriocepção e grau de recuperação do MS14.
Uma variedade de objetivos terapêuticos têm sido alcançados com o uso da
EEF, como a facilitação de movimentos
voluntários, melhora da destreza manual,
ganhos nas atividades de vida diária15,
redução da dor16 e espasticidade17. Wang
et al.9 relatam que, após seis semanas
de tratamento com EEF, a subluxação do
ombro teve melhora significante no grupo de hemiplégicos somente na fase
aguda. No entanto, Kobayashi et al. também apresentam resultados favoráveis
com uso de EEF em fase crônica do AVE8,
corroborando os achados de Yu et al.10,
que relataram efeitos benéficos da EEF
na dor e subluxação crônica do ombro.
Pesquisas relatam que a utilização da
EEF para prevenção ou redução da
subluxação do ombro em fase aguda do
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93
91
AVE tem grande eficácia, porém estes
efeitos não são mantidos com a retirada
da estimulação1,9. Segundo Chantraine
et al.18, a melhora com uso da EEF foi
mantida minimamente após 24 meses,
porém mostrou influência direta no grau
de subluxação e média de recuperação
da função do membro superior. Nesta
pesquisa, não foi possível verificar se os
efeitos da EEF foram mantidos após o
tratamento; faz-se necessário um follow
up de alguns meses para verificação fidedigna dos resultados obtidos.
A dor no ombro é um problema comum em indivíduos que sofreram AVE.
Na fase aguda da hemiplegia, a mecânica do complexo do ombro encontrase afetada pela perda do controle motor
e desenvolvimento de movimentos anormais do membro superior. Mudanças
secundárias, como alterações dos tecidos da articulação glenoumeral e a
subluxação, também contribuem para o
ocorrência da dor19. A melhora da dor
no ombro foi investigada em diversos
estudos em pacientes hemiplégicos. Um
programa de tratamento com a EEF tem
impacto na diminuição da dor no ombro destes pacientes, com maior eficácia em pacientes em fase crônica do AVE
comparado com pacientes em fase aguda da doença1.
A pesquisa realizada por Barlak et al.20
em 187 pacientes com AVE não encontrou relação significante entre a dor e
espasticidade, subluxação ou dor talâmica. A capsulite adesiva foi vista como
importante causador de dor no ombro.
No entanto, a dor é tida como multifatorial e não pode ser atribuída a uma
única causa.
Outro estudo com 327 participantes
mostra que não há relação significante
entre dor e fatores clínicos, porém mos-
92
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
09;16(1):89-93
tra correlação entre dor e subluxação.
O aparecimento da dor já pode ser observado nos primeiros seis meses após o
AVE14. Ikeai et al.2 e Lianza et al.21 também relatam que a subluxação do ombro é somente uma das causas da dor,
sendo a capsulite adesiva e a diminuição
da ADM os principais causadores de dor
no ombro.
Outro importante fator biomecânico
encontrado em pacientes hemiplégicos
é a diminuição da ADM, principalmente nos movimentos de abdução, flexão
e rotação externa do ombro. A análise
do grau de espasticidade também mostra relação direta com o grau de limitações da articulação do ombro, contribuindo para a alteração da biomecânica
e restrição dos movimentos do ombro21.
Os sujeitos desta pesquisa apresentavam dor e diminuição da ADM no ombro, principalmente nos movimentos de
abdução e rotação externa, tal como
relatado por outros estudos2,21. A melhora da dor com o uso da EEF pode ter
relação com o aumento da ADM ocorrido após o tratamento.
Justin et al.22 sugerem que em aproximadamente três semanas após o AVE já
é possível predizer o grau de recuperação do MS. A melhora da função e força
da articulação do ombro é relatada em
alguns estudos após o uso da EEF8,9. Por
exemplo, Kobayashi et al.8 obtiveram
melhora significativa da força para
abdução do ombro em 22 pacientes crônicos após uso da EEF. Já uma metanálise
mostra que o uso da EEF foi favorável na
melhora da função quando aplicada precocemente, e com menor relevância
quando aplicada em fase crônica do
AVE1. No entanto, ainda há carência de
estudos sobre o uso da EEF na subluxação crônica do ombro.
No presente estudo foi avaliada a função sensório-motora, ocorrendo, após o
programa de tratamento com EEF, aumento dos escores totais. A escala de FuglMeyer foi utilizada incluindo os itens
relacionados aos reflexos tendíneos; o
estudo feito por Michelle et al.23, sugerindo que esse item seja retirado, foi
publicado após a realização do presente estudo.
O tratamento com EEF da subluxação
do ombro de pacientes que sofreram AVE
é especialmente efetivo quando aplicado precocemente, como mostram alguns
estudos7,24. O estímulo aos músculos
paralisados também deve ser otimizado
com o uso de fisioterapia convencional
e outros recursos para que não haja ocorrência ou piora da subluxação, proporcionando recuperação do membro superior, diminuição da dor e melhora da
função do ombro25.
Outros estudos devem ser realizados
com amostra maior e com a análise de
outras medidas, como a eletromiografia
para verificação de ativação muscular.
Entretanto, este estudo sugere que a EEF
pode ser utilizada como recurso coadjuvante no tratamento da subluxação
crônica do ombro, já que mostrou reduzir a subluxação, melhorar a dor e a
função sensório-motora.
CONCLUSÃO
Não há dados conclusivos no presente estudo devido ao reduzido número
de casos. Entretanto, a EEF associada ao
tratamento convencional da fisioterapia
produziu diminuição da subluxação,
aumento da função do membro superior e agiu no alívio da dor em pacientes
que haviam sofrido AVE há mais de um
ano.
Corrêa et al.
EE na subluxação crônica do ombro
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1) :89-93
93
INSTRUÇÕES PARA AUTORES
A revista FISIOTERAPIA E PESQUISA, editada pelo Curso
de Fisioterapia do Departamento de Fisioterapia,
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94
Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
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No caso de ensaio clínico, informar o número de registro validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
e International Committee of Medical Journal Editors
(ICMJE), cujos endereços estão disponíveis no site do
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Preparação dos manuscritos
1 Apresentação – O texto deve ser digitado em
processador de texto Word ou compatível, em tamanho A4,
com espaçamento de linhas e tamanho de letra que permitam plena legibilidade. O texto completo, incluindo páginas
de rosto e de referências, tabelas e legendas de figuras, deve
conter no máximo 25 mil caracteres com espaços.
2 A página de rosto deve conter:
a) título do trabalho (preciso e conciso) e sua versão para
o inglês;
b) título condensado (máximo de 50 caracteres)
c) nome completo dos autores, com números sobrescritos
remetendo à afiliação institucional e vínculo;
d) instituição que sediou, ou em que foi desenvolvido o
estudo (curso, laboratório, departamento, hospital, clínica etc.), faculdade, universidade, cidade, estado e país;
e) afiliação institucional dos autores (com respectivos números sobrescritos); no caso de docência, informar título; se em instituição diferente da que sediou o estudo,
fornecer informação completa, como em “d)”; no caso
de não-inserção institucional atual, indicar área de formação e eventual título (a Revista não indica em quê
nem em qual instituição o título foi obtido);
d) endereços postal e eletrônico do autor principal;
e) indicação de órgão financiador de parte ou todo o estudo, se for o caso;
f) indicação de eventual apresentação em evento científico;
g) no caso de estudos com seres humanos, indicação do
parecer de aprovação pelo comitê de ética; no caso de
ensaio clínico, o número de registro internacional.
3 Resumo, abstract, descritores e key words – A segunda
página deve conter os resumos do conteúdo em português e
inglês. O resumo em português deve ocupar o máximo de
1.500 caracteres com espaços (cerca de 220 a 230 palavras).
Resumo e abstract devem ser redigidos em um único parágrafo, buscando-se o máximo de precisão e concisão; seu
conteúdo deve seguir a estrutura formal do texto, ou seja,
indicar objetivo, procedimentos básicos, resultados mais importantes e principais conclusões. São seguidos, respectivamente, da lista de até cinco descritores e key words (sugerese a consulta aos DeCS – Descritores em Ciências da Saúde
da Biblioteca Virtual em Saúde do Lilacs (http://decs.bvs.br) e
ao MeSH – Medical Subject Headings do Medline
(www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html).
4 Estrutura do texto – Sugere-se que os trabalhos sejam
organizados mediante a seguinte estrutura formal: a) Introdução, estabelecendo o objetivo do artigo, justificando sua relevância frente ao estado atual em que se encontra o objeto
investigado; b) em Metodologia, descrever em detalhe a seleção da amostra, os procedimentos e materiais utilizados, de
modo a permitir a reprodução dos resultados, além dos métodos usados na análise estatística – lembrando que apoiar-se
unicamente nos testes estatísticos (como no valor de p) pode
levar a negligenciar importantes informações quantitativas;
c) os Resultados são a sucinta exposição factual da observação, em seqüência lógica, em geral com apoio em tabelas e
gráficos –cuidando tanto para não remeter o leitor unicamente
a estes quanto para não repetir no texto todos os dados dos
elementos gráficos; d) na Discussão, comentar os achados
mais importantes, discutindo os resultados alcançados comparando-os com os de estudos anteriores; e) a Conclusão
sumariza as deduções lógicas e fundamentadas dos Resultados e Discussão.
5 Tabelas, gráficos, quadros, figuras, diagramas – são considerados elementos gráficos. Só serão apreciados manuscritos contendo no máximo cinco desses elementos. Recomenda-se especial cuidado em sua seleção e pertinência, bem
como rigor e precisão nos títulos. Note que os gráficos só se
justificam para permitir rápida apreensão do comportamento
de variáveis complexas, e não para ilustrar, por exemplo, diferença entre duas variáveis. Todos devem ser fornecidos no
final do texto, mantendo-se neste marcas indicando os pontos
de sua inserção ideal. As tabelas (títulos na parte superior)
devem ser montadas no próprio processador de texto e numeradas (em arábicos) na ordem de menção no texto; decimais são separados por vírgula; eventuais abreviações devem
ser explicitadas por extenso, em legenda.
Figuras, gráficos, fotografias e diagramas trazem os títulos
na parte inferior, devendo ser igualmente numerados (em arábicos) na ordem de inserção. Abreviações e outras informações vêm em legenda, a seguir ao título.
6 Remissões e referências bibliográficas – Para as remissões no texto a obras de outros autores adota-se o sistema de
numeração seqüencial, por ordem de menção no texto. Assim,
a lista de referências ao final não vem em ordem alfabética.
Visando adequar-se a padrões internacionais de indexação, para
apresentação das referências a Revista adota a norma conhecida como de Vancouver, elaborada pelo Comitê Internacional
de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org), também disponível em http://www.icmje.org/index.html#references. Alguns
exemplos:
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)
95
7 Agradecimentos – Quando pertinentes, dirigidos a pessoas ou instituições que contribuíram para a elaboração do
trabalho, são apresentados ao final das referências.
Apresentação eletrônica da versão final
Após a comunicação do aceite do artigo, o autor deverá
proceder aos eventuais ajustes sugeridos pelos pareceristas,
para o quê terá o prazo de quatro semanas (findo esse prazo,
se a versão final não tiver sido enviada à Revista, será considerada desistência). A versão final será ainda editada, ocasião em que o editor poderá solicitar novos ajustes e esclarecimentos – e, nesse caso, o prazo para os ajustes será de apenas duas semanas.
Solicita-se que, na preparação da versão final, o autor:
• use fonte comum, simples; use itálico apenas para títulos
de obras e palavras em língua estrangeira; o negrito é reservado a títulos e intertítulos, claramente diferenciados;
• não use a barra de espaço para recuos nem a tecla “tab”,
apenas recursos de formatação do processador de texto;
• não separe parágrafos com sinal de parágrafo adicional;
• use o próprio processador de texto (e não planilhas) para
elaborar tabelas;
• use o próprio processador de texto (recurso “Desenho”)
para elaborar diagramas simples, organogramas etc. (não
insira figuras ou organogramas do Microsoft PowerPoint®);
• inversamente, use programa apropriado (como
Microsoft® Excel) para elaborar gráficos, e não o recurso “Gráficos” do processador de texto;
• no caso de gráficos ou diagramas elaborados por softwares
específicos, devem ser convertidos (exportados) em formatos que possam ser abertos por programas de uso comum (verifique os tipos de arquivos que podem ser aber-
tos no Adobe Photoshop®, para figuras em escala de cinza, no CorelDraw®, para desenhos, ou no Excel® ou
Origin®, para gráficos), para permitir eventuais ajustes,
adequação de fonte etc.;
• forneça fotografias ou outras ilustrações com resolução
mínima de 300 dpi, e em tamanho compatível;
• em qualquer caso, forneça simultaneamente um arquivo em TIFF do elemento gráfico, para permitir
visualização e conferência.
Envio dos arquivos
Os dados de texto (em Word ou compatível) e de ilustrações devem ser enviados em arquivos separados. Os dados
devem ser acompanhados da informação precisa de todos os
programas utilizados, inclusive de compressão, se for o caso;
sugere-se que os nomes dos arquivos sejam curtos e permitam rápida identificação (por exemplo, “sobrenome do autor
fig1....”).
Exemplares dos autores
Serão enviados ao autor principal dois exemplares do número da Revista em que seu artigo for publicado, mais um
exemplar para cada co-autor.
***
No bojo do processo de aprimoramento de FISIOTERAPIA E
PESQUISA, estas normas estão em construção, podendo sofrer
alterações. Para informação atualizada, sugere-se a consulta ao
site da Revista (http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/revista.php) ou
às instruções do último número publicado. Para contato com a
secretaria da Revista, use [email protected].
O endereço completo da Revista encontra-se na terceira
capa, a seguir.
Assinatura
Para assinar Fisioterapia e Pesquisa, preencha o cupom abaixo e envie-o à revista, junto com um cheque nominal à Fundação
Faculdade de Medicina (ver endereço ao lado, na 3a capa) no valor de R$ 64,00 ou recibo de depósito no Banespa (banco 033),
agência 0201, cc 13004086-7. A ficha de assinatura está disponível no site da revista: <http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/
revista.php>. Números anteriores solicitar à revista. Valor unitário: R$ 16,00.
FICHA DE ASSINATURA
Assinatura anual (quatro números) de Fisioterapia e Pesquisa a contar de (data) _________________________
Nome: _______________________________________________________________________________________
Endereço: _____________________________________________________________________________________
CEP: ______________ Cidade: ___________________________________________________ Estado: _______
e-mail: _______________________________________________________________________________________
Instituição (opcional): __________________________________________________________________________
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Fisioter Pesq. 2 0 09;16(1)

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