FABIANA TOLOMELLI A RELIGIÃO NA VIDA E NA OBRA DE ERICH
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FABIANA TOLOMELLI A RELIGIÃO NA VIDA E NA OBRA DE ERICH
FABIANA TOLOMELLI A RELIGIÃO NA VIDA E NA OBRA DE ERICH FROMM Orientador: Prof. Dr. Eduardo Gross Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora 2005. FABIANA TOLOMELLI A RELIGIÃO NA OBRA E NA VIDA DE ERICH FROMM Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre ao Programa de PósGraduação em Ciência da Religião, do Instituto de Ciências Humanas e de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora 2005 Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, do Instituto de Ciências Humanas e de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, examinada e avaliada pela comissão formada pelos professores: Orientador: ______________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Gross - UFJF Titular: _________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Cazarotto- CES Membro: _________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Afonso de Araújo - UFJF 4 Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Eduardo Gross pela dedicação, paciência e confiança. Ao Luís Gustavo Mandarano Cruz pelo apoio incondicional. Aos meus pais e irmão pela constante presença. 5 SUMÁRIO RESUMO........................................................................................................................................6 INTRODUÇÃO..............................................................................................................................7 1- ERICH FROMM: VIDA E RELIGIÃO...............................................................................12 1.1- A infância e o judaísmo ortodoxo....................................................................................... 12 1.2- Adolescência e reflexão...................................................................................................... 17 1.3- Fase adulta: perto da Ciência e mais distante da religião............................................... 19 1.4- A confirmação da sua identidade pessoal.......................................................................... 31 1.5- Maturidade: mudanças profundas.....................................................................................35 2- LIBERDADE, ÉTICA E RELIGIÃO....................................................................................46 2.1- O Medo à Liberdade............................................................................................................46 2.2- Análise do Homem................................................................................................................56 2.3- Psicanálise e Religião............................................................................................................72 3- A PSICANÁLISE HUMANISTA, O AMOR E A AUTO-REALIZAÇÃO......................79 3.1- Psicanálise da Sociedade Contemporânea..........................................................................79 3.2- A Arte de Amar......................................................................................................................88 3.3- Zen Budismo e Psicanálise....................................................................................................95 4- A NECESSIDADE DE CERTEZA E O SENTIDO DA VIDA ..........................................102 4.1- A Revolução da Esperança...................................................................................................102 4.2- Ter ou Ser?............................................................................................................................109 CONCLUSÃO..............................................................................................................................114 BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................................118 6 RESUMO O objetivo do presente trabalho é buscar, através de uma análise da vida e das principais obras de Erich Fromm, a sua visão e os seus principais pensamentos em relação à religião. Das suas dezenove obras escritas em vida, que tiveram publicação em inglês a partir do início da década de quarenta até o final da década de setenta, foram escolhidas oito para compor esta dissertação: “O Medo à Liberdade”, “Análise do Homem”, “Psicanálise e Religião”, “Psicanálise da Sociedade Contemporânea”, “A arte de Amar”, “Zen Budismo e psicanálise, A Revolução da Esperança e “Ter e Ser”. Os livros escolhidos abordam de forma direta e/ou indireta a religião e importantes conceitos ligados a essa temática, como “liberdade”, “orientação de caráter”, psicanálise humanista, razão, amor, ética e auto-realização. Estes conceitos surgirão no decorrer da pesquisa para que haja um maior entendimento e aprofundamento sobre os pensamentos do autor frente à religião. Pode-se dizer que a religião, enquanto um assunto a ser estudado ou uma prática a ser experienciada, fez parte de toda a vida desse autor do século XX. Sociólogo com formação em psicanálise e pensamento filosóficos, Erich Fromm teve como grande objetivo de vida entender o comportamento humano e oferecer, através de seus escritos e de sua prática profissional, um possível caminho para o máximo desenvolvimento das potencialidades humanas. ABSTRACT This paper intends to analyze, through his life and main works, Erich Fromm´s point of view and development of thoughts about religion. Among his nineteen released works while alive, published in English from the early forties to the late seventies, eight books were selected to compose this dissertation: Escape from Freedom, Man for Himself, Psychoanalysis and Religion, The Sane Society, The Art of Love, Psychoanalysis and Zen Buddhism, The Revolution of Hope and Have or Be. The chosen books treat his understanding of religion and his main concepts such as freedom, character, humanist psychoanalysis, reason, love, ethics, and self-realization. These concepts will emerge through the research providing a better understanding of his thoughts about religion. We can state that religion, while a subject to be studied or a practice to be experienced, was part of Fromm´s life through the twentieth century. Sociologist, with psychoanalytic background and philosophical thoughts, Erich Fromm tried, as an important object to his life, to understand human behavior and offer, through his ideas and professional practice, a possible way to human development and possibilities. 7 1- INTRODUÇÃO Estudar as obras de Erich Fromm com um corte voltado para o seu olhar e entendimento sobre a religião requer uma análise prévia da sua história de vida. Todas as obras do autor, seja de forma explícita ou implícita, abordam questões filosóficas, psicológicas e sociais referentes aos mais variados acontecimentos históricos, principalmente àqueles relacionados ao seu tempo. Desde a sua infância até a idade madura Erich Fromm participou de um cenário histórico marcado por guerras. Quando pré-adolescente viu de perto as conseqüências da Primeira Guerra Mundial; quando adulto teve que refugiar-se nos Estados Unidos devido à perseguição nazista contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial e em sua fase madura participou ativamente dos movimentos em prol da paz mundial e a favor do desarmamento nuclear durante o período da Guerra Fria. Tais fatos históricos entre outros influenciaram diretamente no conteúdo de suas obras. Em vários dos seus livros Fromm reflete sobre a capacidade destrutiva do ser humano, sobre regimes políticos e religiões autoritárias, sobre a ética e a liberdade, sobre a esperança e o amor, sobre o ter e o ser, como também sobre a sociedade voltada para o consumo e a alienação, sobre a tecnologia desumanizada e sobre os caminhos que deveriam ser verdadeiramente buscados pelo ser humano a fim de uma maior auto-realização. Durante toda a sua vida profissional e pessoal Erich Fromm lutou para expor seus pensamentos e ideais. Enquanto um sociólogo com formação psicanalítica e uma vasta bagagem filosófica Erich Fromm procurava observar o ser humano de forma ampla no intuito de identificar as mazelas da condição humana e propor caminhos que pudessem levar as pessoas à máxima utilização da razão e do amor rumo à liberdade e ao desenvolvimento produtivo. 8 O propósito da presente dissertação é o de apresentar aspectos relevantes da vida de Erich Fromm que possam contribuir para o entendimento e um maior aprofundamento frente às oito obras escolhidas que perpassam pelo tema da religião. A pesquisa mostrará o desenvolvimento das idéias do autor frente à religião que passam por sua infância até sua fase madura. Será dada uma ênfase maior aos seus pensamentos a partir da década de quarenta até o final da década de setenta por ser este o período que Fromm passou a ser mais reconhecido mundialmente com suas obras, pensamentos e trabalhos. A pesquisa também mostrará alguns dos seus principais conceitos como: a religião autoritária e a religião humanista, seu conceito sobre a liberdade, a esperança, o amor, a ética, as orientações do caráter, os mecanismos de fuga e a psicanálise humanista. Quem teve a oportunidade de estudar os pensamentos de Fromm consegue perceber naturalmente que todos esses conceitos caminham de forma coesa e representam a harmonia e a coerência das suas idéias. O autor não aborda diretamente a religião em todas as suas obras, então foram escolhidos oito livros seguindo a ordem cronológica das publicações em inglês onde Erich Fromm apresenta seus pensamentos frente à religião mesclando-os com os seus principais conceitos. As obras escolhidas que tratam da religião na ordem de publicação foram: O Medo à Liberdade (1941), Análise do Homem (1947), Psicanálise e Religião (1950), Psicanálise da Sociedade Contemporânea (1955), A Arte de Amar (1956), Zen Budismo e Psicanálise (1960), A Revolução da Esperança (1968) e Ter ou Ser (1976). Tais obras serão analisadas nesta pesquisa por apresentarem, cada uma a seu modo e tempo, aspectos relevantes sobre os pensamentos de Erich Fromm diante do tema religião. No decorrer deste trabalho, poder-se-á perceber que o autor, ao longo de sua vida, abandona o judaísmo ortodoxo e passa a procurar e a encontrar no misticismo uma experiência mais profunda consigo mesmo e com as pessoas que estão à sua volta. Este “caminho de transição 9 religiosa” que Erich Fromm percorre pode ser observado, principalmente de forma indireta, nestas obras acima descritas, como por exemplo, na obra Psicanálise e Religião, onde é destacado o seu conceito de religião humanista. Entre as dezenove obras escritas em vida por Erich Fromm, vale ressaltar que além das oito obras que compõem esta pesquisa por abordarem a religião, outras duas também o fazem com singular importância: são elas O Dogma de Cristo, com publicação original em alemão em 1930 e publicação em inglês em 1963; e O Espírito de Liberdade, que foi publicado em inglês em 1966. Tais obras não constam neste trabalho pelos seguintes motivos: quando Erich Fromm escreveu e publicou O Dogma de Cristo em 1932 suas idéias em relação à religião seguiam as idéias freudianas sobre a mesma, ou seja, seguiam a visão de Freud, que considerava toda e qualquer religião um mecanismo infantil de defesa e de dependência de forças exteriores. Com o passar do tempo, Erich Fromm mudou sua opinião e passou a ver em determinadas religiões e principalmente no misticismo uma forma positiva de buscar e expressar crescimento pessoal, social e espiritual. Quando tal obra foi publicada em inglês em 1963 o autor fez um epílogo destacando que muitas das idéias que são encontradas neste livro não fazem mais parte da sua atual forma de pensar. Sendo assim, a pesquisa opta por analisar os pensamentos do autor que datam de 1941 até 1976. Já O Espírito de Liberdade tratase de uma interpretação que o autor faz do Antigo Testamento, sendo uma obra muito mais teológica que psicológica ou filosófica. Tal trabalho tenta fazer um corte psicológico-filosófico do pensamento do autor e por este motivo não a incluirá neste trabalho. Para a realização desta pesquisa, além das leituras complementares foram devidamente analisadas e estudadas as dezenove principais obras publicadas em vida por Erich Fromm que datam de 1941 a 1976. Estas, como também as leituras complementares, podem ser encontradas na bibliografia dessa dissertação. 10 O primeiro capítulo, intitulado “Erich Fromm: vida e religião”, tratará de expor os principais acontecimentos de sua vida desde a sua infância até a sua maturidade oferecendo importante visão do autor sobre a religião, a psicanálise freudiana e o desenvolvimento da psicanálise humanista, assim denominada por ele próprio. Para o estudo da biografia de Erich Fromm, foi utilizado o livro escrito pelo autor Rainer Funk que tem como título Erich Fromm: His life and Ideas. Este autor foi o escolhido para abordar a biografia de Fromm devido à relação de cunho pessoal e profissional que foi estabelecida entre ambos a partir de 1974 em Locarno na Suíça. Rainer Funk foi escolhido por Fromm para ser o seu assistente pessoal, tendo acesso às suas correspondências, à revisão e à atualização de suas obras. Até hoje, Rainer Funk é o executor literário das obras de Erich Fromm. O segundo capítulo “Liberdade, Ética e Religião” analisará respectivamente as obras O Medo à Liberdade, Análise do Homem e Psicanálise e Religião. Na primeira obra, a pesquisa ressaltará o conceito e a reflexão que Fromm faz frente à busca e a fuga à liberdade. Na segunda obra a pesquisa apontará o estudo que Erich Fromm fez da natureza e do caráter do ser humano, bem como a análise da ética junto à psicologia, as premissas da ética humanista, a dicotomia da existência humana e a fé enquanto um traço de caráter. Na terceira obra será apontada a visão do autor frente ao seu conceito de religião, a atitude religiosa, a postura do psicólogo frente ao tema religião e o seu conceito de religião humanista e religião autoritária. O terceiro capítulo intitulado “A Psicanálise Humanista, O Amor e a Auto-realização”, através da obra Psicanálise da Sociedade Contemporânea, sistematizará os preceitos da psicanálise humanista que estão baseados nas premissas da ética humanista, como também apresentará o conceito do autor sobre alienação. Na obra A Arte de Amar será mostrado o conceito do autor sobre o amor e como a religião pode ou não estar vinculada a tal conceito. 11 Ainda neste capítulo será abordada a obra Zen Budismo e Psicanálise, onde o autor apresenta uma relação entre os pensamentos da psicanálise humanista com o zen-budismo No quarto e último capítulo, “A Necessidade de Certeza e o Sentido da Vida”, serão analisadas as obras A Revolução da Esperança e Ter ou Ser. Na primeira obra deste capítulo, a pesquisa mostrará o parecer do autor sobre o que é a esperança, a fé e a firmeza, como também apontará o panorama da sociedade tecnológica de seu tempo, ressaltará ainda as condições da existência humana, a necessidade de sistemas de orientação e devoção e o planejamento humanista proposto pelo autor como uma resposta saudável ao desenvolvimento humano. Na obra Ter ou Ser, a pesquisa apontará a visão do autor sobre a diferença entre ter e ser voltada para o consumo, como também discutirá o ser e o ter frente a experiência da fé e do amor e analisará as necessidades religiosas e o sentido da vida frente ao “novo homem”. A presente dissertação tem o objetivo de sistematizar de forma clara e coesa os principais fatos da vida e da obra de Erich Fromm frente à religião. 12 I- ERICH FROMM: VIDA E RELIGIÃO 1.1- A infância e o judaísmo ortodoxo Erich Siligman Pinchas Fromm nasceu no dia 23 de março de 1900 em Frankfurt. Era filho único do casal judeu Naphtali Fromm e Rosa Krause. Erich Fromm cresceu em um ambiente carregado pela ortodoxia judaica que diferia do espírito liberal burguês de Frankfurt que se espalhava no início do século XX.1 Quando adulto Fromm referia-se à atmosfera medieval na qual passou sua infância como se fosse um lugar à parte do mundo exterior. Para a família de Fromm, estudar as escrituras religiosas do judaísmo era a principal ocupação e dever das pessoas. Tanto os parentes maternos quanto os paternos investiam severamente nos estudos talmúdicos do pequeno Fromm para que este seguisse a carreira religiosa na vida adulta. Porém, com o passar do tempo, Fromm percebeu que o principal ponto não foi diretamente o que ele passou estudando na sua infância, mas sim o valor e a disciplina que ele conseguiu adquirir frente aos estudos ao longo de sua vida.2 A tradição da família de Fromm valorizava muito mais o estudo religioso do que a obtenção de lucros. Desde muito cedo Fromm passou a ter uma visão socialista, fato este que culminou em diversas críticas à sociedade burguesa e capitalista no decorrer de suas obras.3 A base de sua personalidade foi formada no contexto da ortodoxia judaica de sua família, bem como pela experiência e convivência intensa com seus tios e primos, ____________________ 1. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 8. Vale ressaltar que esta obra de Rainer Funk foi a escolhida para ilustrar a vida de Erich Fromm devido a relação pessoal estabelecida entre ambos a partir de 1974 na Suíça. Rainer Funk tornou-se acessor pessoal de Fromm e até hoje é o executor literário das obras de Fromm. 2. Ibid., p. 8-9. 3. Ibid., p. 12. 13 pela educação escolar e pelas conseqüências emocionais e sócio-econômicas da I Guerra Mundial.4 Seus pais, Naphtali Fromm e Rosa Krause, casaram-se em Frankfurt, no dia 06 de junho de 1899, sendo que após nove meses nascia Erich Fromm. Enquanto filho único, já adulto, Fromm declarou em artigos e entrevistas que havia crescido cercado pelos cuidados dos seus familiares, porém, isso não havia sido o suficiente para que ele crescesse sem a sensação de ter sido uma criança sozinha. Mais tarde, durante a sua análise pessoal e, posteriormente, enquanto psicanalista, Fromm enfatizou a influência neurótica de seus pais principalmente durante a sua infância. Em sua obra Beyond the chains of illusions de 1962, traduzido para o português como: Meu encontro com Marx e Freud, ele descreveu seu pai como ansioso e temperamental e sua mãe como uma pessoa propensa a depressão.5 Na maturidade, Erich Fromm percebeu amplamente a carga de ter sido educado e criado por pais neuróticos e ansiosos. Por outro lado afirmou que tal acontecimento lhe possibilitou desde muito cedo intrigar-se com a força dos comportamentos humanos irracionais. O comportamento de seus pais foi um grande estímulo para que Fromm enveredasse para buscar conhecer profundamente os sentimentos humanos. Fromm recordava-se de seu pai como um homem neurótico, obsessivo e ansioso: Eu sofri com a influência ansiosa e patológica do meu pai, ele me dominava por completo com sua ansiedade, ao mesmo tempo não me dava nenhuma orientação e não teve nenhuma influência positiva na minha educação. Ele não me ensinou nada: ele não estava interessado no meu desenvolvimento pessoal.6 ____________________ 4. Rainer FUNK, Erich Fromm: his life and ideas, p. 13. 5. No decorrer de sua infância e adolescência Erich Fromm teve muitos conflitos emocionais com seus pais. 6. Ibid., p. 17. 14 Fromm cita vários exemplos de como seu pai o manipulava e, às vezes, o coagia. Um deles foi que durante a maior parte de sua infância não podia sair para brincar no jardim de sua casa, pois seu pai temia que este viesse a resfriar-se. Quase no final de sua adolescência desejou ampliar seus estudos talmúdicos na Universidade da Lithuania, mas seu pai não permitiu afirmando ser muito longe. Fromm relatou sobre a ansiedade do seu pai, em 1922, no dia do seu exame de doutorado: Eu me lembro do dia em 1922, eu estava passando pelo meu exame de doutorado em Heidelberg, meu pai transferiu seu poderoso sentimento de inferioridade por si mesmo indo para lá, porque ele estava com medo de eu não receber meu título e que eu pudesse cometer suicídio.7 Erich sentia-se insatisfeito com o pouco interesse e credibilidade que seu pai demonstrava pelo seu desenvolvimento pessoal. Por várias vezes citou que seu pai desejava que ele permanecesse para sempre como o seu bebê de três anos de idade, pois desta forma jamais teria autonomia sobre si mesmo. Quando psicanalista Erich Fromm apontou seu sentimento ambivalente em relação ao seu pai fazendo uma analogia às religiosas e profanas autoridades, para as quais o real interesse não está na autonomia e na liberdade pessoal.8 Por um breve período, Erich Fromm encontrou uma figura amiga e paternal que estava realmente interessada no seu desenvolvimento pessoal. Quando tinha doze anos de idade, Oswaldo Sussmann, um empregado judeu da loja de vinhos de seu pai, veio estar na família por dois anos. Foi ele quem apresentou a Fromm as idéias socialistas e o levou pela primeira vez ao Museu de Frankfurt considerando-o seriamente quando conversavam sobre política. Fromm ____________________ 6. Rainer FUNK, Erich Fromm: his life and ideas, p. 17. 7. Ibid., p. 17. 8. Foi a partir das idéias de Freud frente à religião que Erich Fromm começou a fazer suas próprias reflexões sobre o autoritarismo, tal conceito será visto na obra O Medo à Liberdade. Posteriormente Fromm estabeleceu os seus conceitos sobre a religião autoritária e humanista, que serão analisados na obra Psicanálise e Religião. 15 o definia como um homem extremamente honesto, corajoso e com grande integridade moral. Em 1914, Sussmann foi recrutado para a Guerra e Fromm continuou buscando em outras figuras masculinas o pai que desejava ter.9 O relacionamento com sua mãe também foi difícil. Na idade adulta, Fromm descreveu-a como depressiva, narcisista e possessiva. Rosa Krause ressaltava as qualidades que lhe pertenciam e na mesma intensidade denegria o que não era da sua família. Demonstrava um padrão narcisista no relacionamento entre mãe e filho. Minha mãe era uma esposa típica da educação formal da época e inteiramente focada no seu papel de mãe de filho único. Era muito amarrada à sua própria família; ela realmente gostava muito de mim, eu era um Krause, nome da sua família. Tudo que era bom em mim era tipicamente Krause e tudo ruim era Fromm.10 Fromm sentia-se uma criança controlada por seus pais, sendo que sua mãe tinha um poder de persuasão maior sobre o mesmo, pois ela o manipulava através da atenção exagerada e dos carinhos, que segundo Fromm, eram intermináveis. Sobre sua mãe, a principal queixa era a mesma referente ao seu pai. Rosa Krause também não estava interessada em Erich Fromm como um ser individual. Rosa fazia planos e investia para que seu filho viesse a tornar-se um pianista reconhecido e famoso internacionalmente. Enquanto criança o sonho musical de Fromm era o de aprender a tocar violino. Sonho que foi sucumbido pelo desejo narcisista de sua mãe. A prática religiosa esteve presente de forma marcante na infância de Erich Fromm. Seus parentes tinham como preocupação e dever manter a religião dentro da família. Para eles era como se um não pudesse existir sem o outro. Todas às sextas-feiras havia um ritual específico ____________________ 9. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 20. 10. Ibid., p. 21. 16 na casa de Fromm. Seu pai podia ser ouvido pela vizinhança cantando hinos judaicos, fazendo orações e discursos. Não podia haver passos pela casa, pois todos deveriam estar estritamente ocupados com suas devoções. Para Fromm, este tipo de vida religiosa que teve em sua infância, bem como as neuroses de seus pais foram os principais motivos para que ele, no início de sua fase adulta, quisesse compreender mais sobre o ser humano, mas ao mesmo tempo refere-se ao estado de alienação em que passou sua infância e boa parte da sua adolescência devido a esta atmosfera familiar e social que não o permitiu ir além das convenções.11 _____________________ 11. Durante toda a sua vida Fromm procurou ligar-se a relacionamentos e a instituições baseados no crescimento humano e no desenvolvimento de suas potencialidades internas. Desde muito cedo Fromm passou a lutar contra qualquer tipo de ortodoxia. Para ele o homem deve ser livre para refletir e tomar suas próprias decisões rumo à sua auto-realização. Tais assuntos como: liberdade, autonomia, desenvolvimento das potencialidades internas e produtividade são discutidos em muitas das obras do autor, porém, em O Medo à liberdade tais conceitos serão analisados de uma forma mais específica pela presente pesquisa. 17 1.2- Adolescência e reflexão Após o término do convívio com o judeu Oswald Sussmann, entre o período de 1912 a 1914, Fromm passou a buscar a figura paterna idealizada nos seus professores. Observava atentamente aqueles que poderiam lhe servir como modelo de autonomia e independência. O adolescente Erich Fromm passou a mudar suas perspectivas religiosas quando descobriu as idéias messiânicas do Antigo Testamento. Tais idéias tornaram-se uma corporação de princípios, não somente na sua religião, mas também na sua vida pessoal e social.12 A partir de sua adolescência, quanto mais Fromm vivia com a sua família, mais ele tentava escapar das várias restrições que eram impostas pela mesma. Sua casa era dominada pelo ritual religioso ortodoxo e pelos diversos problemas emocionais e sociais que provinham da angústia religiosa. Sua importante forma de escapar e de começar a se desligar desta angústia familiar e religiosa aconteceu em 1920, através do Dr. Salman Baruch Rabinkou de Heidelberg, um professor de Talmude que aos poucos foi lhe apresentando as idéias messiânicas dos profetas. Com tais ensinamentos Fromm foi criando sua própria interpretação da missão dos profetas. Aqueles que proclamam idéias e que ao mesmo tempo as vivem podem ser chamados de profetas. O Antigo Testamento dos profetas proclama a idéia que o homem tinha encontrado uma resposta para sua existência e essa resposta era desenvolvida pela razão e pelo amor. Eles achavam que a humildade e a justiça estavam inseparavelmente conectadas ao amor e à razão. Eles viveram de acordo com o que eles pregaram. Eles não procuraram poder e eles falavam a verdade mesmo que isso os conduzisse ao ostracismo ou a morte.13 ____________________ 12. Raner FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 36. 13. Ibid., p. 37. 18 Tal esboço da natureza da missão profética demonstrou por muito tempo a preocupação de Fromm pelo assunto. A partir de tais reflexões, Fromm passou a ter muito mais cuidado com seus pensamentos e atos. Para ele se alguém recomenda algum tipo de idéia é preciso também praticá-la. Essas idéias devem fazer com que as pessoas tenham um real questionamento e em contrapartida quem pergunta precisa de alguém para tentar responder. O poder do profeta deve ser aquele baseado no amor e na moderação desenvolvidos juntamente com a humildade e a justiça.14 Erich Fromm realizou seu exame final na primavera de 1918 em Wöhlerschule, no mesmo ano matriculou-se na Universidade de Frankfurt para estudar jurisprudência. No verão de 1919 foi estudar em Heidelberg e manteve a busca pela sua realização pessoal que ainda era estranha para ele como o resultado da sua restrita educação enquanto criança. Em seus depoimentos, Fromm afirma que encontrou alguma satisfação pessoal em Heidelberg com seu professor de Talmude, Rabbi Nobel, com o seu supervisor do doutorado Weber, Irmão de Max Weber; com sua namorada, mais tarde sua esposa, Frieda Reichmann e com o médico George Groddeck de Baden Baden.15 ____________________ 14. Por volta dos 20 anos de idade, através dos seus questionamentos frente à religião judaica ortodoxa e do seu envolvimento com as idéias messiânicas, Erich Fromm começou a fazer suas reflexões sobre o amor. Durante toda a sua vida, além desta ser uma preocupação prática, passou também a ser uma preocupação teórica, o que culminou em uma das obras mais vendidas e traduzidas do autor: A Arte de Amar. Tal obra será posteriormente analisada pela presente pesquisa 15. Rainer FUNK, Erich Fromm: His Life and Ideas, p. 44. 19 1.3- Fase adulta: Perto da Ciência e mais distante da religião Fromm estava com vinte e dois anos quando defendeu sua tese de doutorado em filosofia em Heidelberg. Na pesquisa ele examinou a função da lei do judaísmo afirmando a coesão social existente em três comunidades judaicas. Tal coesão social tornou-se possível através do ortodoxo cumprimento da lei judaica, que era capaz de distinguir os judeus das outras pessoas. Isso é como se os judeus estivessem prontos para morar com outras pessoas dentro e fora do seu próprio mundo. Em tal pesquisa, Fromm menciona quão notável é a situação do povo judeu após a diáspora, por continuar a existir como um grupo coerente, unidos apesar da perda do estado, do território e da linguagem comum secular. Na sua tese Fromm escreveu sobre a função da lei judaica no sentido de uma aplicação moral do código religioso. Mais tarde, porém, com os “instrumentos” da psicanálise, Fromm retoma a sua tese e acrescenta uma interpretação psicológica dizendo que as manifestações da moralidade são entendidas como estruturas psicológicas, as quais constituem a dinâmica da força autônoma.16 Em 1925, a vida de Fromm seguiu um decisivo caminho passando lentamente do judaísmo ortodoxo à psicanálise. Sua amiga, Frieda Reichmam (1889-1957), uma psiquiatra onze anos mais velha que Fromm, com quem mais tarde ele se casou, foi fundamental para que esse desenvolvimento acontecesse. A princípio, Fromm tornou-se amigo de Frieda indo visitá-la no Sanatório de Hirsch _____________________ 16. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 55. 20 em Dresden, onde a mesma trabalhava. Desta forma, ele passou a descobrir a psicanálise. Fascinados pelas descobertas de Freud, os dois decidiram abrir um núcleo terapêutico para pacientes judeus, a fim de ajudá-los a tornarem-se conscientes das suas repressões, principalmente aquelas provindas da moralidade ortodoxa judaica. Durante o período da hiperinflação na Alemanha em 1923, Fromm e Reichamam juntaram dinheiro e fizeram empréstimos para comprar e mobiliar uma casa em Heidelberg.17 Antes de tornar-se amigo de Frieda, Fromm submeteu-se a um período de análise com a mesma. Quando perceberam que a relação estava passando dos limites terapêuticos decidiram interromper o tratamento e estabeleceram uma relação mais íntima. Diz-se, então, que o romance entre Frieda e Fromm surgiu a partir da relação terapêutica, cresceu na amizade e foi consolidado com o casamento. A cerimônia aconteceu no dia 16 de junho de 1926, tal data foi escolhida por Fromm por ser a data do aniversário de casamento de seus pais. Além de ter sido a “responsável” pelos primeiros encontros do casal, a psicanálise também afetou os dois em suas atitudes em relação à religião. Fromm comenta que ao aprofundar seus estudos psicanalíticos aconteceu “a queda do encanto” frente à ortodoxia religiosa. Em 1927, Fromm e Frieda publicaram um artigo sobre os rituais judaicos. Este foi o primeiro artigo de Fromm que incluía a psicanálise. Convencido sobre a Teoria da Libido de Freud, Fromm interpretou o ritual do Sabbath em 1927 numa direção em que restou pouco espaço para o sentimento religioso: O Sabbath era originalmente considerado como a lembrança da morte do pai e a lamúria da morte da mãe, o trabalho proibido é ao mesmo tempo a repetição do pecado original e sua repetição acontece através da regressão ao nível prégenital.18 _____________________ 17. Mesmo após a separação do casal, Frieda Reichaman continuou a ser uma grande amiga de Erich Fromm por toda a vida. 18. Rainer FUNK, Erich Fromm: His Life and Ideas, P. 61. 21 Ao mesmo tempo sua interpretação reflete sua própria mudança psicológica, a qual aconteceu através da renúncia da religião de seus pais e do seu olhar voltado para a psicanálise. Em 1928, Fromm foi terminar sua formação analítica em Berlim, com Hanns Sachs no Instituto Karl Abraham. O período de Erich Fromm em Heidelberg seria incompleto sem a menção de Georg Groddeck (1866-1934), que teve uma enorme influência em Fromm. Groddeck era diretor do Sanatório Marienhöhe e especialista em massagem terapêutica. Inicialmente, ele era amigo de Frieda. Eles se visitavam freqüentemente, fato que possibilitou a Erich Fromm se aproximar cada vez mais de Groddeck.19 Fromm o definia como um analista original, verdadeiro, corajoso e gentil com todos os seus pacientes. Groddeck tinha a capacidade de atingir o inconsciente do seu paciente sem machucá-lo. Era humano e sensato, o que na opinião de Fromm, o diferenciava da maioria dos psicanalistas. A visão teórica e a prática terapêutica de Fromm foram extremamente influenciadas durante as conversas e encontros com Groddeck em Baden Baden. Foi a partir do seu encontro com Groddeck que Fromm, aos poucos, foi desenvolvendo as suas críticas à psicanálise ortodoxa, como a tendência patriarcal embutida nos pensamentos de Freud, a Teoria da Libido, a universalidade do Complexo de Édipo e a Teoria da Inveja do Pênis. Mais tarde, muitos psicanalistas e teóricos seguiram os pensamentos de Fromm, que desde o início de sua fase adulta passou a lutar contra qualquer tipo de ortodoxia, seja ela religiosa, científica, teórica, pessoal ou política. Para Fromm, toda ortodoxia tem um caráter alienante que impede o ser humano de usufruir e desenvolver suas potencialidades. Erich Fromm abandonou a ortodoxia judaica ao conhecer a psicanálise, mas quanto mais _____________________ 19. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 62. 22 estudava os pensamentos de Freud, mais percebia uma ortodoxia em suas teorias e principalmente naqueles que a praticavam. Desta forma, ao longo de toda a sua vida, Fromm foi desenvolvendo, apesar das inúmeras críticas, o que chamou de Psicanálise Humanista. O mais importante da prática de Groddeck para Fromm foi o caminho que ele entendeu da doença. Para ele, muitas doenças são produto do estilo de vida das pessoas. Se alguém quer curar tais doenças, tem que mudar seu estilo de vida, somente em poucos casos a doença pode por ela mesma ser resolvida. Um homem à frente do seu tempo, Groddeck escreveu tais pensamentos em sua dissertação em 1889. Fromm experenciou a humanidade de Groddeck quando ele mesmo foi seu paciente.20 Em julho de 1931 Fromm estava com tuberculose e teve que morar um longo tempo separado de Frieda na Suíça. Groddeck entendeu a doença de Fromm como uma expressão do seu desejo interno de separar-se de Frieda, ao mesmo tempo mostrando sua dificuldade sobre esta idéia. Ele pontuou Fromm fortemente sobre suas questões, mas também com empatia e entendimento. O processo de decisão para separar-se de sua esposa levou um longo período e somente quando sua separação interna estava completa ele partiu de Davos e aceitou o convite de Karen Horney para estar como convidado no Instituto de Psicanálise em Chicago.21 Em contraste com a maioria dos outros analistas que estão mais interessados na manipulação das teorias, Groddeck e Ferenczi eram profissionais que enfatizavam a pessoa. Eles queriam entender o que o paciente estava contando a eles. Para Fromm ambos eram pessoas de grande humanidade e para eles o paciente não era um objeto, mas um parceiro.22 _____________________ 20. Groddeck foi um dos importantes precursores dos pensamentos de Fromm, principalmente no que diz respeito ao tipo de relação entre analista e paciente. 21. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 64. 22. Ibid., p. 64. 23 Alfred Weber, Salman Baruch Rabinkow, Frieda Reichamam e Georg Groddeck foram professores marcantes na formação de Fromm durante os anos da sua educação em Heidelberg. Os pensamentos de Freud também abriram um mundo novo para Fromm: Ele ensinou-me, e a milhares de pessoas, que nós somos conscientes apenas de uma pequena parte de nós mesmos. Ele distinguiu dois tipos de inconsciente: o então chamado pré-consciente, sendo aquilo que pode ser consciente, mas não no momento, pois nos levaria a insanidade se sempre pensássemos sobre tudo o que vai no nosso cérebro ao mesmo tempo. E existe o inconsciente , o senso de repressão que impediu por alguma força interna de tornar-se consciente. Vergonha, vaidade, inveja, todos esses tipos de sentimentos podem levar a repressão e freqüentemente isso é feito.23 Tomar conhecimento sobre a psicanálise fez Fromm mudar internamente vários conceitos e concepções que antes estavam pré-estabelecidos. Fromm passou a olhar-se interiormente e externamente de forma ampla e profunda. Estava sempre à procura de conhecer novos teóricos e psicanalistas que pudessem ajudá-lo cada vez mais nesse amadurecimento pessoal e profissional. Enquanto um sociólogo com educação em estudos religiosos, jurisprudência, psiquiatria e psicanálise, buscou ter um maior contato com teóricos e psicanalistas de tendência socialista ou marxista, tais como Siegfried Bernfeld, Ernest Simmel e Wilhelm Reich. Ele dividiu suas críticas e dúvidas sobre o Complexo de Édipo, sobre a versão patriarcal e a Teoria da Libido com Karen Horney que também seguia os pensamentos de Groddeck. Fromm queria aplicar suas experiências psicanalíticas no social, sendo um dos precursores da psicanálise social. Desde que Fromm tornou-se conhecedor da psicanálise, a questão do inconsciente coletivo, do inconsciente das sociedades, estava em sua mente como sendo as motivações inconscientes que ligam pessoas em classes, nações, religiões, comunidades intelectuais ou profissionais. _____________________ 23. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 65-66. 24 Em 1929, através do trabalho de um grupo de psicanalistas em Frankfurt, a sociologia e a psicanálise tornaram-se áreas de estudo muito pesquisadas no sudoeste da Alemanha. Fromm acompanhou o relacionamento de psicanalistas e sociólogos, desde o início com uma visão particular. Para ele o indivíduo somente existe enquanto um ser relacional. Ele não se identificava com os psicanalistas que entendiam a psique somente nos termos dos impulsos dinâmicos, nem com os sociólogos que não reconheciam o social com o indivíduo socializado. O interesse de Fromm era fazer a psicologia e a psicanálise se aproximarem, de forma proveitosa, da sociologia, e vice-versa, no intuito de estudarem o ser humano de forma ampla e profunda. A partir dos seus trinta anos de idade, Erich Fromm foi aprofundando seus estudos rumo à psicologia social e distanciou-se definitivamente da Teoria da Libido de Freud. Como parte do seu programa de ensino em Frankfurt, Fromm ofereceu um seminário sobre psicologia e sociologia durante o semestre do verão de 1930. Nesse seminário, Fromm explicou em detalhes seu esforço para avançar o vínculo entre o pensamento psicanalítico e a sociologia orientada por Marx.24 Incitado pelo trabalho de psicologia da religião de Theodor Reik intitulado, Dogma e Compulsão, no qual Reik fala sobre o dogma da crucificação do filho de Deus como uma analogia ao ódio rejeitado do indivíduo pelo seu pai, Fromm publicou seu primeiro livro, O dogma de Cristo, em 1930, em alemão, sendo publicado em língua inglesa em 1963. Nesta obra Fromm discute sobre a transformação da história do rebelde crucificado, o filho do homem, no dogma do Filho de Deus como uma reflexão _____________________ 24. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 70. do desenvolvimento do 25 Cristianismo, que passa de uma perseguição e supressão dos seus membros que eram minoria à passagem ao estado de religião. Ainda neste livro, Fromm formula o estudo detalhado de seu método sócio-psicológico25 e compara a dependência religiosa e a “subserviência cega a Deus” à situação psíquica da infância, quando a criança dependente projeta e transfere todos os seus desejos e necessidades para as figuras paternas e maternas esperando receber seu provento do exterior, pois ainda é dependente. Seguindo os pensamentos freudianos, nesta época, Fromm somente via a religião como uma poderosa força social supressora das potencialidades internas. A partir de 1930, Fromm começou a consolidar-se e ser mais reconhecido profissionalmente, principalmente por causa das suas idéias sócio-psicológicas. Nesta época, através de Leo Löwenthal, Erich Fromm foi apresentado a Marx Horkheimer e suas disciplinas. Horkheimer tinha a idéia e a vontade de incorporar a psicanálise nas discussões interdisciplinares do Institute for Social Research, amplamente conhecido como a Escola de Frankfurt. Desta forma, Horkheimer convidou Fromm para trabalhar no Instituto, a princípio como voluntário, sendo apenas reembolsado quando viajava a trabalho. No início dos anos 30, o clima político na Alemanha era perigoso, por isso os diretores do Instituto mudaram seus empreendimentos para a Suíça, em 1932. A conexão de Fromm com o Instituto solidificou quando ele, pela primeira vez, teve tuberculose e foi obrigado parar com sua prática em Berlim. Ele mudou-se para Davos, na Suíça, em busca de sua cura. Em Davos ele conseguiu um emprego regular com a recolocação do Instituto. A primeira fase de sua doença durou até junho de 1932. A partir de julho de 1932 Fromm estava apto para trabalhar por curtos períodos durante o dia.26 _____________________ 25. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 72. 26. A doença de Fromm o impossibilitou de trabalhar ativamente, porém foram anos de dedicação exclusivos a leituras e a produção de artigos para a Escola de Frankfurt. 26 Ainda no início dos anos 30, a teoria sócio-psicológica de Fromm foi muito utilizada e discutida pelos teóricos que faziam parte da Escola de Frankfurt nesta época. Em particular, Fromm desenvolveu o conceito do caráter autoritário pelo qual o Instituto manteve interesse por volta de dez anos. Escrever era freqüentemente a única atividade que sua doença permitia. Às vezes nem isso era possível. Em alguns períodos ele estava apto a receber visitas, como a de Frieda e Hebert Marcuse da Escola de Frankfurt. Ele era um dos interessados, assim como Ernest Schachtel, em suas pesquisas sócio-psicológicas. Paradoxalmente, estes períodos de doença foram muito criativos, científicos e produtivos na vida de Fromm. No outono de 1933, Fromm aceitou o convite de Karen Horney para participar do Instituto Psicanalítico em Chicago, que nessa época era dirigido por Franz Alexander. Fromm estava dando alguns seminários para a base honorária da Escola de Frankfurt. Ele usou sua estadia nos Estados Unidos para checar a possibilidade de abrir uma filial do “Institute for Social Research” neste país. Fromm fez contato em Chicago com Harold Lasswell e John Dollard, em Boston com Lloyd Warner e Conrad Alkon, na Filadélfia com Bebsy Libbey, Kenneth Prey e Caroline Newton e, em Nova Iorque com Sándor Rádo e Benjamin Stolberg. Nesse tempo sua preferência por uma cidade era a Filadélfia. Fromm voltou para Davos no final de 1933 em conseqüência do seu estado de saúde, que se agravou novamente, e também por conta do falecimento do seu pai.27 Pouco depois de Hitler subir ao poder em 1933, o Instituto estabeleceu um novo endereço em Nova Iorque. Desta forma, os membros do Instituto procuraram refúgio nos Estados Unidos devido à situação política na Europa e principalmente na Alemanha. A maioria dos membros do Instituto, embora não fossem judeus praticantes, era de origem judaica e trabalhava com a _____________________ 27. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas , p. 77. 27 sociologia e filosofia de Karl Marx. No dia 31 de maio de 1934, Erich Fromm chegou pela segunda vez aos Estados Unidos, desta vez como judeu emigrante solicitando refúgio do poder autoritário do Nazismo que se expandia pela Europa. Os numerosos contatos científicos que Fromm tinha feito no outono de 1933 em Chicago, Boston, Nova Iorque e Filadélfia promoveram uma grande oportunidade para Fromm frente aos seus estudos sócio-psicológicos sobre o autoritarismo e o projeto de psicologia social enraizado no materialismo histórico. Quando Fromm chegou em Nova Iorque, Horkheimer já tinha dado continuação aos contatos inicializados por Fromm e, então, no dia 20 de julho de 1934, Horkheimer recebeu uma carta da administração da Universidade da Colúmbia confirmando uma antecipação amistosa do trabalho futuro com o Institute for Social Research. No dia 07 de julho de 1934, Herbert Marcuse chegou em Nova Iorque e no final do mesmo mês chegou Leo Löwenthal.28 Porém, a alegria de Fromm de estar novamente perto dos seus amigos e de voltar a atuar diariamente no Instituto durou pouco. Meses após sua chegada “definitiva” nos Estados Unidos sua tuberculose voltou e ele teve que mudar por três meses para um lugar que tivesse um clima melhor para sua recuperação. Nesta época Erich Fromm já estava tendo um relacionamento mais íntimo com Karen Horney que o acompanhou nesta fase do seu restabelecimento em Santa Fé, no México. Depois desses meses ele retornou a Nova Iorque. Fromm conseguia trabalhar por pequenos períodos, o que causou certa dificuldade, pois seus atendimentos clínicos psicanalíticos tiveram que ser reduzidos, e com isso ele investiu a maior parte do seu tempo trabalhando em casa para o Instituto. Seus pulmões precisavam do clima do mar ou das montanhas para a recuperação total. Por isso durante mais de quatro anos, a partir de 1934 Fromm teve que fazer _____________________ 28. Rainer FUNK, Erich Fromm:His life and ideas, p. 80-81. 28 inúmeras viagens sempre acompanhado por Karen Horney. O Instituto pagava as suas despesas e Fromm continuava produzindo material escrito e os enviando para as diversas publicações e discussões do Instituto. Em cartas enviadas a Horkheimer, Fromm relatou ler dois livros a cada três dias e que tudo estava contribuindo para a sua cura. Conhecer quase meio continente por causa da tuberculose não trazia alegria nenhuma a Fromm. Sua maior vontade, como relatam diversas cartas endereçadas aos seus amigos, era a de estar realmente curado e voltar a ter sua vida normal tanto no plano pessoal quanto profissional. Porém, Fromm teve que travar sua maior e última batalha contra a tuberculose em julho de 1938. Fromm não ia à Europa desde 1934 e teve que voltar para a Suíça neste período. Ao longo de sua doença, seu medo de uma guerra era crescente. Contudo, a sua cura definitiva aconteceu em fevereiro de 1939, fato este que propiciou o retorno de Erich Fromm a Nova Iorque. A despeito das numerosas recaídas da saúde de Fromm entre 1931 e 1939, seu trabalho para a Escola de Frankfurt continuou e ele contribuiu ativamente para as discussões que mais tarde foram chamadas de teorias críticas.29 Em 1934 Fromm começou a escrever sobre o caráter autoritário, em 1935 iniciou seu livro: Escape from Freedom, que após exaustivas revisões foi publicado somente em 1941. Tal obra, que em português teve o título traduzido para O medo à liberdade, trata de uma análise que Fromm faz sobre as razões que levam o homem moderno a fugir, de forma consciente ou não, da liberdade. Segundo Fromm, ter consciência sobre tal análise pode ajudar o ser humano a combater as forças totalitárias que têm como um dos maiores objetivos a supressão da razão rumo à liberdade. _____________________ 29. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 85-87. 29 Após o término de Escpe from Freedom, Erich Fromm lançou-se profundamente no seu projeto de pesquisas sócio-psicológicas. Fromm teve a idéia de fazer tais pesquisas não somente com os estudantes, mas principalmente com os trabalhadores. A pesquisa foi realizada com mais de 600 trabalhadores, sendo que cada um respondeu a 270 questões. Estas respostas foram consideradas por Fromm como se elas fossem as palavras dos pacientes no divã. Fromm quis checar um modelo coerente de contradições para revelar as atitudes inconscientes e os traços de caráter dos seus pacientes. Tal pesquisa foi realizada a partir de 1936 até 1937. Antes de ir para a Europa, em 1938, Fromm estava pronto para levar seus resultados para oferecer a uma editora em Nova Iorque, porém Horkheimer estava hesitante frente a tal publicação. Durante este tempo, Fromm foi para a Suíça e na sua volta em fevereiro de 1939 Horkheimer disse que o manuscrito não seria publicado, pois o Instituto estava sem capital disponível. Esta foi uma grande decepção para Fromm frente ao tempo e energia gastos em tal pesquisa.30 Em 1939, com a sua saúde refeita, Fromm recebeu a notícia de que o Instituto não poderia pagar seu salário por muito mais tempo, devido à situação financeira precária em que a instituição se encontrava. Nos últimos anos, devido ao agravamento da sua tuberculose, Fromm, apesar de desejar, não estava contribuindo muito com o Instituto. Após a sua saída, em outubro de 1939, Fromm ficou recebendo seu salário por mais um ano. Desde a entrada de Theodor Wiesengrund Adorno em 1937 para o “Institute for Social Research”, o relacionamento amistoso entre Erich Fromm e Horkheimer passou por mudanças profundas. O afastamento dos dois teve início quando Fromm começou a questionar a teoria da libido de Freud e passou a construir o que ele denominou como estrutura social _____________________ 30. A partir do momento que Fromm começou a criticar muitos dos pensamentos da psicanálise de Freud, como a teoria da libido, a universalidade do complexo de Édipo e a relação entre analista e paciente, o mesmo passou a receber críticas dos parceiros do Instituto que eram seguidores da psicanálise. 30 libidinosa. Para Fromm, os impulsos que caracterizam o comportamento humano não são explicados somente pelos instintos. Segundo Fromm, a psicologia diferentemente de Freud que baseia nos fatores naturais, a estrutura do caráter, como os instintos, é o resultado da adaptação dada pela condição social e não produto das zonas erógenas. Para Fromm, os instintos têm um grande peso na vida dos seres humanos, mas essas emoções, as quais motivam essencialmente a ação humana, são historicamente e socialmente condicionadas.31 Neste contexto, Adorno era o principal teórico contra as idéias de Fromm. Adorno defendia no Instituto as idéias da psicanálise freudiana, fato este que aos poucos fez cair sobre Fromm diversas críticas teóricas e que também contribuiu para distanciar ainda mais o relacionamento entre Fromm e Horkheimer. Desta forma, a nova abordagem psicanalítica de Fromm, desenvolvida a partir dos anos 30, que tinha como ponto de referência a pessoa socializada, e a chegada de Adorno com sua visão estrita da psicanálise freudiana, no verão de 1937, foram os principais motivos para a saída de Fromm do Instituto em 1939. A nova abordagem psicanalítica de Fromm que foi mal recebida e interpretada pelo “Institute for Social Research” foi ao mesmo tempo muito bem aceita pelos novos contatos que Fromm começava a realizar. A saída de Fromm da Escola de Frankfurt delimitou decisivamente a separação do mesmo com a psicanálise ortodoxa e foi o marco para seu novo caminho pessoal, intelectual e profissional rumo à liberdade de pensamento. _____________________ 31. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 93. 31 1.4- A confirmação da sua identidade pessoal Erich Fromm e Karen Horney fizeram contato com muitas pessoas interessadas nas influências psicológicas da sociedade e cultura. Entre eles estavam Margaret Mead, Ruth Benedict, John Dollard, Harold D. Lasswell e Abram Kardiner. Uma grande motivação para Fromm continuar investindo em sua nova abordagem veio do parecer positivo de Harry Stack Sullivan. Em outubro de 1936, Fromm recebeu um convite de Sullivan, que era presidente da Fundação Psicanalítica William Alonso White, para lecionar e desenvolver seminários na Nova Escola de Psiquiatria em Washington. Fromm ficou muito entusiasmado com o convite, pois nesta Escola de Psiquiatria estudantes de diversas disciplinas como: medicina, antropologia, psicologia entre outras áreas afins estavam abordando o ser humano como um organismo psicológico numa orientação social.32 O convite de Sullivan a Fromm em 1936 para cooperar na Escola de Psiquiatria em Washington não veio como uma surpresa total, mas foi o resultado do contato de Fromm com Clara Thompson e com Frieda Fromm-Reichmam, sua primeira esposa. Clara Thompson foi a primeira presidente da Washington-Baltimore Sociedade de Psicanálise, da qual Sullivan era um membro e Frieda nesta época já era uma psiquiatra de renome devido à grande repercussão do seu trabalho com pacientes esquizofrênicos. Clara Thompson foi uma parceira das idéias de Fromm principalmente durante as confusões e rupturas das sociedades psicanalíticas durante os anos 40. Para Erich Fromm, o contato com Sullivan proporcionou um novo começo em vários caminhos. A experiência terapêutica de Sullivan era amplamente similar à de Fromm, como _____________________ 32.Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 104-105. 32 também à de Frieda, Thompson, Groddeck e Ferenczi. Todos eles concordavam em não ter uma postura como terapeutas usando o modelo ideal de Freud que seguia a premissa do observador neutro, do terapeuta opaco para o paciente, liso como a face de um espelho sem conceder o desejo de amor que o paciente procura. Porém, para Fromm e seus amigos a observação dos pacientes não implica uma distância objetiva, nem envolve deixar à parte um nível de relacionamento humano. A observação pode tornar-se entendida pela expansão que o observador tem da sua participação sem neutralizá-la fria e objetivamente. Fromm tinha aprendido a técnica clássica psicanalítica em seu próprio tratamento analítico com Hanns Sachs em Berlim e a tinha praticado por algum tempo com seus pacientes. Ele criticou as regras de Freud na sua própria experiência analítica enquanto paciente e terapeuta. Desde então passou a dedicar-se à sua nova abordagem: a psicanálise humanista.33 De acordo com Fromm, as estruturas psicológicas e os conflitos neuróticos são resultado de uma experiência atual conectada à realidade interna e externa. A realidade interna é composta pelas representações internas dos objetos e o ego é formado pelas imagens que geralmente compõem os primeiros anos de vida, sendo a realidade externa tudo que está ao redor do sujeito, incluindo os fatos e pessoas de que muitas vezes não se tem consciência, mas que atuam de forma direta ou indireta no social. Desta forma, Fromm rejeitou a idéia de Freud de que a estrutura psicológica se desenvolve unicamente através de um processo automático pelo qual um ou diversos impulsos embutidos são experenciados e acordados com a realidade. A partir de sua prática e reflexões Fromm desenvolveu sua abordagem que visa atender o ser humano de uma forma ampla. Na psicanálise humanista o sujeito é visto a partir de sua _____________________ 33. A base da psicanálise humanista está em analisar o ser humano em sua amplitude: da natureza de sua existência, passando pelo sistema cultural até chegar à sua individualidade. O objetivo máximo da psicanálise humanista é a obtenção da plena percepção sobre si mesmo e seus semelhantes, através do advento do inconsciente ao consciente. Na obra Psicanálise da Sociedade Contemporânea Erich Fromm trabalha os pressupostos da psicanálise humanista, como será ressaltado pela presente pesquisa mais adiante. 33 realidade interna e externa através de uma relação terapêutica mais humana. Tendo como seus precursores Ferenczi e Sullivan, Fromm ressalta que participar é ainda estar fora. Porém, esta distância necessária é muito diferente da concepção de Freud do observador neutro. Com o lançamento do seu livro: Escape for freedom, em 1941, já considerado como um cientista americano, Erich Fromm tornou-se muito conhecido na América do Norte e na América Central como um psicanalista social e, posteriormente, na América do Sul e na Europa. Nesta época ele já atuava de forma significativa na Fundação psiquiátrica William Alanson White, onde além de atender clinicamente, dar aulas, coordenar seminários, ministrar a formação psicanalítica dos alunos, Fromm tinha seus artigos e pesquisas publicados pela Fundação com o apoio de Sullivan. Em 1947, como fruto dos seus seminários, Fromm publicou a obra Man for Himself, Análise do homem, onde ele aborda o conceito da ética humanista e autoritária. Sua relação pessoal com Karen Horney que vinha desde 1934 não estava como antes, o que culminou em término no ano de 1943. Neste mesmo ano muitos teóricos, incluindo Fromm, deixaram a Sociedade Psicanalítica de Nova Iorque para abrirem também em Nova Iorque uma filial da Nova Escola de Psiquiatria de Washington. Entre os fundadores estavam Sullivan, Fromm, Frieda, Thompson, David e Janet Rioch. Depois da Segunda Guerra Mundial, as atividades puderam ser estendidas de forma significante. Na filial da Escola de Psiquiatria Fromm continuou a fazer o trabalho que desenvolvia em Washington treinando psiquiatras e psicólogos na teoria e prática da sua abordagem psicanalítica, além de instruir professores, trabalhadores sociais, enfermeiros e médicos sobre os conceitos psicanalíticos, os quais estenderiam seus conhecimentos em suas próprias profissões.34 _____________________ 34. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 118. 34 Meses após terminar seu romance com Karen Horney, ainda em 1943, Erich Fromm conheceu Henny Gurland com quem se casou no dia 21 de julho de 1944. Henny nasceu em 1900, teve uma educação religiosa católica por parte de sua mãe, apesar de seu pai ser um judeu praticante, trabalhou muito tempo como secretária, casou-se aos 22 anos com Otto Rosenthal e teve com ele seu filho Joseph. O casamento não durou por muito tempo. Henny esteve engajada politicamente com a democracia social. Após os nazistas terem invadido sua casa em 1934, ela fugiu com seu filho para a França onde conheceu seu novo marido Rafael Gurland. No início da Segunda Guerra Mundial, Rafael lutou contra os nazistas e foi capturado como prisioneiro de guerra. As tropas alemãs adentraram em Paris e Henny tratou de providenciar a sua entrada e a de seu filho nos Estados Unidos. Porém, ambos não tinham o visto francês, então, através de Walter Benjamim, os três tentaram uma travessia ilegal pela fronteira da França com a Espanha em setembro de 1940. Eles foram pegos pelos guardas que lhes propuseram voltar para a França. Nessas circunstâncias, Walter Benjamim como judeu tinha boas razões para temer o controle nazista na administração da França. Num ato de desespero Benjamim cometeu suicídio diante dos olhos de Henny e Joseph. Para evitar maiores problemas com a morte de Benjamim os guardas permitiram que Henny viajasse com seu filho. Em 1943 seu casamento com Rafael já tinha sido desfeito e em 1944 Henny se casou com seu terceiro marido: Erich Fromm. Nesta mesma época Fromm foi convidado a tornar-se professor do Colégio Bennington no estado de Vermont e ministrar seminários de psicanálise e religião na Universidade de Yale durante o inverno de 1948 e 1949. A partir destes seminários, em 1950, Fromm publicou seu livro Psicanálise e Religião, onde distingue suas próprias críticas das de Freud e Jung.35 _____________________ 35. Em Psicanálise e Religião o autor aborda os seus conceitos de religião humanista e autoritária como a presente pesquisa mostrará mais adiante. 35 1.5-Maturidade: mudanças profundas Em 1950, Fromm e Henny mudaram-se para o México seguindo orientações médicas. Visavam encontrar um lugar mais calmo, na tentativa de amenizar os sintomas da artrite que estavam consumindo a saúde de Henny. Fromm dedicou-se muito à tentativa de reabilitação de sua esposa. Diminuiu trabalhos e compromissos sociais, porém a doença piorou de forma gradativa levando-a à morte no dia 04 de junho de 1952. Durante e após seu período de luto, Fromm continuou morando no México, pois estava satisfeito com o desenvolvimento do seu trabalho de formação de psicanalistas mexicanos. Sabia que a psicanálise era dificilmente conhecida no México nessa época. A idéia inicial surgiu através do convite feito por José Diaz, diretor da Universidade Nacional Autônoma do México, para que Erich Fromm viesse coordenar a formação de psicanalistas que teria duração de cinco anos. A primeira turma teve início em 1951 e terminou em 1956. Porém, até 1959, Fromm ia para Nova Iorque a cada primavera a fim de continuar seu trabalho com palestras e seminários. Em 1953, Fromm começou a desenvolver suas idéias sobre a alienação da sociedade orientada pela mercadologia, que culminou em 1955 na publicação do seu livro: The Sane Society, que em português é encontrado como: Psicanálise da Sociedade Contemporânea. Em 1951, ele publicou The Forgotten Language, traduzido para o português como: A Linguagem Esquecida, que foi o resultado de suas reflexões e pesquisas sobre a estrutura do caráter e a linguagem simbólica do inconsciente. Fromm via o inconsciente como uma energia positiva da humanidade. Não o via somente como o que está reprimido, mas também como a totalidade humana com toda a sua profundidade e potencial imaginativo. Este pensamento começou a ficar mais claro para Fromm a partir do momento que ele teve contato com o zen-budismo, através de Daisetz Suzuki, com quem mais 36 tarde, em 1960, Fromm publicou o livro: Psychoanalysis and Zen Buddhism, que aborda como os princípios do zen-budismo podem ser aplicados na psicanálise. Segundo Fromm, tanto o zenbudismo como a psicanálise oferecem caminhos de experiência consigo mesmo através da percepção da realidade externa e interna, na qual os limites do ego são derrotados e o ser humano pode, então, estar unido com o inconsciente, ilimitado por tempo ou espaço. Fromm alerta que isso ocorre saudavelmente quando não há a desintegração psicótica do ego. Depois dos seus primeiros contatos com Suzuki e, principalmente, a partir de 1956, quando estabeleceram uma relação mais próxima, Fromm passou a meditar diariamente e analisar os seus sonhos em busca de uma percepção maior sobre o seu inconsciente. Fromm sempre foi um estudioso das religiões, mas após este contato com o zen-budismo ele iniciou uma pesquisa mais profunda referente às tradições místicas de várias religiões. E em todas as tradições místicas pesquisadas, como a cabala, o sufismo, o zen-budismo e o budismo mahathera, Fromm encontrou o que ele denominou como a experiência com o “único”. Em sua obra: You shall be as God, com publicação em 1966 traduzida para o português como: O Espírito de Liberdade, Fromm faz uma interpretação do Antigo Testamento, como também da sua tradição, pontuando que a experiência com “Deus” é pessoal e não deve acontecer de fora para dentro através dos ritos e mitos, mas sim de dentro para fora.36 Através desta obra Erich Fromm pontua que na Bíblia Deus não é encontrado como uma criação humana, ao contrário, o homem é o resultado da criação divina. Para Fromm a partir de tal visão o ser humano passa de criador à criatura e aliena-se em sua própria criação. Aponta ainda, que neste contexto o homem somente consegue imitar “Deus” e nunca tornar-se Deus. Ressalta que o homem ao afastar-se da idolatria estará dando um dos primeiros passos rumo à sua liberdade pessoal e espiritual. _____________________ 36. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 135. Esta visão de Fromm está baseada nos pensamentos da ética humanista que ressalta as potencialidades do ser humano e o seu “dever” de buscar recursos internos para o seu desenvolvimento. A ética humanista será abordada pela presente pesquisa na obra Análise do Homem. 37 Fromm desenvolveu uma aguçada crítica contra as instituições religiosas. Para ele muitas religiões ao invés de promoverem a reflexão e a liberdade do ser humano fazem exatamente o contrário quando põem em prática suas idéias ortodoxas. Através dos dogmas e ritos, alienam e dominam. Neste aspecto Fromm compara tais religiões, as quais por ele foram denominadas como religiões autoritárias, em sua obra: Psychoanalysis and Religion, publicada em 1950, com os sistemas políticos autoritários, nos quais poucos detêm o poder e ditam as regras para a grande maioria. Em oposição às religiões e aos governos autoritários, Fromm passou a admirar profundamente as religiões e as relações humanas que tinham como base o traço humanitário. Porém, para ele, as relações só apresentam verdadeiramente este traço humanitário quando estão baseadas no amor. Em sua obra: The Art of Loving, publicada em 1956, Fromm aborda o amor como sendo uma arte e enquanto tal necessita ser praticada para ser aprimorada. Após o luto pela morte de Henny, Fromm voltou a trabalhar e a fazer contatos com toda sua energia e vigor. Em um destes contatos Fromm reencontrou-se com Annis Freeman que recentemente havia perdido seu marido. Fromm conheceu o casal em 1948 em Nova Iorque na conexão com a UNESCO num projeto sobre as tensões políticas da época. Seu reencontro com Annis culminou num intenso e tranqüilo amor que durou 28 anos até a sua morte.37 Tendo ideais parecidos com os de Fromm, Annis estava interessada na política internacional, na diversidade das culturas e nas múltiplas formas da organização social. Fromm sempre a considerou como uma companheira nas discussões científicas. Ela leu todos os seus manuscritos e lhe entregava as suas críticas comentadas. Annis foi a musa que o inspirou na “arte de amar”. Casaram-se no final de 1953. Mudaram-se, no fim de 1956, para a cidade de Cuernavaca, no México, onde haviam construído uma casa. _____________________ 37. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and idea, p. 138. 38 Em sua obra A Arte de Amar, Fromm ressalta que estar apto para amar não é uma questão de ser amado ou estar amando, mas ter a capacidade de conectar-se ao amor interno e externo às realidades. Para Fromm, o amor é um poder que encontra-se dentro do ser humano e torna-se potente na medida em que é praticado. Desde a sua primeira publicação, em 1956, a obra: A arte de Amar foi traduzida para mais de cinqüenta línguas diferentes e teve mais de vinte e cinco milhões de cópias vendidas.38 A partir de 1956, Fromm iniciou seus seminários em espanhol na Universidade do México para estudantes de medicina e passou a interessar-se profundamente não apenas pelos problemas sociais do México, como também se envolveu com as questões sociais da América Latina. Desta forma, Fromm passou a ter um maior contato com pessoas que estavam engajadas na luta contra os diversos tipos de opressão, seja ela política, econômica, religiosa ou étnica. Neste contexto, Erich Fromm estabeleceu uma relação mais próxima com Ivan Illich, que abandonou sua carreira como um diplomata da Igreja Católica Romana e criou um Centro de Informações em Cuernavaca para a emancipação dos latino-americanos aprisionados politicamente, conhecido como Centro Intercultural de Documentação (CIDOC). Através desse Centro, Fromm encontrou-se e manteve contato com Paulo Freire.39 Cada vez mais com o olhar voltado para as questões internas e externas do ser humano, Erich Fromm iniciou no final dos anos 50, com o apoio financeiro americano, uma pesquisa sócio-psicológica, que teve como objetivo analisar a interação entre o estilo de vida e a estrutura de caráter dos camponeses do México. Tal pesquisa foi finalizada e publicada com a parceria de Michael Maccoby em 1970 com o título: Social Character in a Mexican Village, em português como: Caráter Social de uma Aldeia, que tentou mostrar como o caráter dos 800 camponeses de _____________________ 38. Através da obra A Arte de Amar, as idéias de Fromm foram lançadas mundialmente. 39. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 138-139. 39 como: Caráter Social de uma Aldeia, que tentou mostrar como o caráter dos 800 camponeses de uma vila mexicana era formado e influenciado pela situação da classe.40 Mesmo aprofundando seu interesse pelas questões sociais da América Central e da América Latina, Fromm nunca abandonou seu trabalho nos Estados Unidos e na Europa. Contudo, sua vida profissional a partir de 1950 ficou dividida principalmente entre o México e os Estados Unidos, países escolhidos por Fromm para semear suas idéias, trabalhos e amigos. Após a repercussão e o sucesso obtidos com a divulgação da obra A Arte de Amar, Fromm tornou-se ainda mais conhecido e requisitado para dar palestras, aulas, seminários e entrevistas. Tornou-se mundialmente conhecido como psicanalista e escritor sendo convidado por diversos países para expor suas idéias. Fromm falava sobre as questões psicológicas e ao mesmo tempo sobre as questões sociais, pois acreditava que ambas eram as responsáveis pelo desenvolvimento do sujeito. Em 1964, Fromm publicou: The Heart of Man, em português: O Coração do Homem, onde fala sobre o narcisismo e a necrofilia. Em 1957, ele instaurou um significante movimento pela paz nos Estados Unidos. Fromm lutou contra a corrida armamentista, contra o armamento nuclear e tentou através dos seus seminários convencer os estudantes a aderirem à política a favor do desarmamento.41 Em 1959, sua mãe, Rosa Krause, que morava nos Estados Unidos desde 1941, faleceu aos 83 anos de idade devido a um câncer. Em 1961, Fromm publicou sua obra: May Man Prevail? Em português: A Sobrevivência da Humanidade, onde ele analisou as questões da Guerra Fria e as suas argumentações para o fim deste conflito, que na época ameaçou e aterrorizou toda a humanidade. Erich Fromm conseguiu sensibilizar uma geração de jovens que estava ávida por mudanças religiosas, culturais _____________________ 40. Ibid., p. 141. 41. Rainer FUNK, Erich Fromm: his life and ideas, p. 142. 40 e políticas. A partir dos anos 60, o público alvo de Erich Fromm deixou de restringir-se ao meio profissional sócio-psicológico e passou a abranger jovens estudantes das mais variadas disciplinas e países. Por algum tempo considerável nos anos 60, Fromm procurou organizar o Movimento de Humanistas Socialistas mantendo contato com diversas pessoas conhecidas no panorama intelectual mundial, como: Tom Bottomore, Lucien Goldman, Norman Birnbaum, Bertrand Russel, entre outros.42 Para Fromm, o socialismo humanista era a mais importante alternativa para o capitalismo Ocidental e para o estilo soviético comunista. Em 1960, Fromm escreveu para Karl Polany sobre a desumanidade do sistema econômico ocidental: Eu estou fortemente convencido que as idéias as quais Marx expressou em seus Manuscritos são ainda vitais como foram há cem anos atrás.43 Enquanto um convicto admirador e estudioso dos pensamentos de Karl Marx, Fromm convenceu Tom Bottomore, professor da Escola de Economia de Londres, a traduzir para o inglês parte dos primeiros escritos de Marx. O próprio Fromm, em 1961, também escreveu uma introdução extensa e publicou os primeiros escritos de Karl Marx com o título: Marx’s Concept of Man, em português: Conceito Marxista do Homem, que é um apêndice dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 de Karl Marx. Fromm tentava passar através de suas obras, aulas, entrevistas e seminários que o ser humano deveria sempre buscar a sua auto-realização, a qual deve ter como objetivo maior a auto-expressão e não a aquisição de coisas materiais. No início dos anos 60, Fromm não mais limitou seus contatos políticos e religiosos aos ativistas da esquerda, mas passou a fazer contato _____________________ 42. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and Ideas, p. 147. 43. Ibid., p. 147-148. 41 com todos aqueles que de alguma forma demonstravam alguma abertura para o diálogo e para a mudança. Desta forma, Fromm começou a entrar em contato com católicos, como o brasileiro Arcebispo Dom Helder Câmara, com o Monge Thomas Merton, o Jesuíta Karl Rahner e o Arcebispo de Viena, o Cardeal König.44 Em 1963, ele desenvolveu planos para publicar uma revista que seria chamada de: Estudos Humanistas. Fromm tentou trazer humanistas de diferentes etnias e credos, mas tal trabalho nunca frutificou devido à falta de incentivos financeiros. Em setembro de 1963, os editores seriam os católicos Karl Rahner e Jean Damiélou; os protestantes Albert Schweitzer e Paul Tillich; os filósofos e cientistas seriam representados por Bertrand Russell e Robert Oppenheiner; o lado marxista por Adam Schaff e Erich Fromm; e o budismo por Daisetz Suzuki. Outra tentativa frustrada de Erich Frommm aconteceu em 1966 quando tentou convencer o Papa Paulo VI para comparecer em uma Conferência Internacional na qual personalidades de todo o mundo estariam presentes para dar sugestões de como capacitar a humanidade para sobreviver. Porém, o Papa não deu suporte a essa iniciativa e a mesma acabou não acontecendo. A disputa de armas e o agravamento da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética intensificaram a possibilidade de uma guerra atômica no início dos anos 60, especialmente durante a crise de Cuba em 1962. Essa situação de ameaça internacional e sua vasta observação terapêutica clínica levaram Fromm a seguir pesquisando as rotas psicológicas da destrutividade humana. 45 Em 1920, Freud supôs através da sua Teoria dos Instintos que o ímpeto da destruição _____________________ 44. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 148-149. 45. Por ter vivenciado de perto os horrores da 1a e da 2a Guerra Mundial, como também as ameaças psicológicas da Guerra Fria, na maioria de suas obras Fromm preocupa-se em analisar e discutir sobre as forças autoritárias, sobre a alienação do homem moderno e sobre seus impulsos destrutivos. Para todas essas questões Fromm vê somente uma saída saudável: a busca pela orientação produtiva. Tal assunto será visto na obra Análise do Homem. 42 humana é causado pelo “impulso de morte” que nasce da mesma fonte que o “impulso de vida”. Para Fromm isso não acontece, pois ele se baseia nas considerações biológicas. Fromm acentua que a preservação da vida é a suprema lei biológica e, então toda vida tem a tendência primária a crescer e a desenvolver-se. Desta forma, a tendência destrutiva do homem teria a sua rota na obstrução da lei inerente ao ser humano. Essa obstrução seria decorrente de um modo de vida inadequado. Contudo, Fromm não está se referindo às consideradas “agressões de defesa” que são naturais aos seres humanos e necessárias para a sua sobrevivência como a reação à ameaça e ao medo, mas sim às atitudes destrutivas geradas pelo social de forma consciente, como por exemplo as guerras. Tal agressão humana tem a sua marca naquela orientação de caráter que precisa constantemente agir de forma hostil frente aos outros e que ativamente busca suas vítimas. Fromm aborda os tipos de orientação de caráter na sua obra de 1947 Análise do Homem e retoma a discussão em 1973 no livro: The Anatomy of Human Destructiveness, que em português é encontrado como: A Anatomia da Destrutividade Humana.46 Aos 66 anos de idade, Erich Fromm sofreu seu primeiro ataque cardíaco. Este o deixou de cama por dez semanas. Ele teve que abandonar o trabalho por alguns meses até se recuperar, então ele e Annis decidiram passar uma temporada na Europa retornando ao México no outono de 1967. A partir de 1967, resolveram passar os meses do inverno em Cuernavaca e morar na Europa durante o verão. Em 1968, Fromm publicou: The Revolution of Hope, que em português é encontrado como: A Revolução da Esperança, onde Fromm aponta a esperança como uma resposta à sociedade tecnológica e desumanizada. Em 1974, Fromm e Annis decidiram em comum acordo mudar para Locarno. Lá alugaram um apartamento e nunca mais retornaram ao México. Fromm já sentia alguns sinais de cansaço e preferiu se afastar da coordenação da _____________________ 46.Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 150-152. 43 formação dos psicanalistas mexicanos e ter uma vida mais sossegada na Europa. Lá ele dedicouse quase que exclusivamente a escrever e a dar entrevistas quando solicitado. Em 1976 Fromm publicou o livro: To Have or To Be? encontrado em português como: Ter ou Ser? Tal obra também teve milhões de cópias vendidas e foi traduzida em diversas línguas. Neste livro Fromm retoma os tipos de orientação de caráter previamente discutidos nas obras Análise do Homem e Anatomia da Destrutividade Humana, porém, diferencia a orientação de caráter produtivo da orientação de caráter não produtivo frente à sociedade orientada pelo consumo. Para Fromm, o processo de pensar, sentir e agir são capazes de confirmar e reforçar as tendências psicológicas para o desenvolvimento ou para a paralisação. A tendência primária do sistema psicológico que busca o desenvolvimento pode ser danificada e obstruída se o sujeito não é capaz de contar com a sua própria capacidade psíquica e com a sua força interna. Para Fromm, estas pessoas são chamadas de não produtivas e contam com os valores, forças, pessoas, coisas e qualidades externas. As coisas as quais as pessoas orientadas pelo “ter” possuem, na realidade, não são suas, mas funcionam como uma compensação pela carência do “ser”. Já os impulsos psicológicos e as orientações que resultam das forças internas das pessoas são chamadas por Fromm de seres orientados ou produtivos, pois estão direcionados ao “ser”. Naturalmente, o sujeito orientado também experencia a perda de algumas coisas próximas a ele, porém, essa perda não representa uma aniquilação. Tal sujeito é mais do que possui, pois o seu ser é baseado na sua própria força interna.47 Apesar de ter sido escrito em 1976, o livro: Ter ou Ser é extremamente atual, pois analisa o contexto social em que as demandas do mercado são criadas artificialmente e _____________________ 47. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 156-158. 44 manipuladas através daqueles que estão sempre em busca do que é oferecido de fora e raramente em busca daquilo que pode ser conseguido internamente. Fromm aponta que ser uma pessoa autêntica e integrada não é o objetivo principal da sociedade de consumo. A finalidade da sociedade moderna não é a realização do ser humano, mas sim o lucro enquanto sinal do mais racional e correto controle. Sua esposa Annis e seu assistente Rainer Funk ajudaram diretamente na elaboração, correção e publicação da obra: Ter ou Ser. Após tal publicação em 1976, Fromm tornou-se tão conhecido na Europa quanto foi na América nos anos 60. Antagonicamente, Fromm mudou-se para a Europa tentando conseguir uma tranqüilidade maior, mas isso foi praticamente impossível durante a elaboração e publicação deste livro. Em meados de 1975, Fromm foi acometido por uma grave dor na vesícula. Teve que submeter-se a uma cirurgia no Hospital de Nova Iorque para a remoção dos cálculos, onde ficou internado por mais de dez semanas. No verão de 1977, ele sofreu um segundo ataque cardíaco e recuperou-se somente na primavera de 1978, porém, após sua recuperação ele sofreu o terceiro ataque cardíaco, desta vez mais sério que os outros. Fromm teve que ir a Zurique implantar um marca-passos. A partir disso, ele passou a escrever com muita dificuldade, mas, no final de 1979, a sua saúde havia melhorado bastante. Em fevereiro de 1980 ele celebrou seus 80 anos de idade em Locarno com sua esposa Annis e seus amigos mais próximos. Contudo, na manhã do 18 de março de 1980 ele sofreu o quarto e fatal ataque cardíaco.48 Ivan Illich, amigo íntimo de Fromm, organizou uma pequena cerimônia no crematório de Bellizona. Fromm não quis ser enterrado. Suas cinzas foram espalhadas sobre o Lago Maggore. _____________________ 48. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 163-164. 45 No final de 1982, Annis Fromm deixou a Suíça e retornou para o Alabama. Lá ela faleceu em setembro de 1985. Dias antes de sua morte Fromm em uma entrevista declarou: É uma coisa estranha: a maioria das pessoas deseja ter uma vida agradável, mas não fazem o que deveriam fazer para tal.49 Através de sua vida e obra50, Erich Fromm tentou transmitir, por onde passou, que a vida não é feita de pressupostos, mas é algo a ser construído. Segundo Fromm, a “arte de viver” nem sempre é fácil e demanda prática diária, demanda uso constante da força interna de cada um. Esta arte deve ser descoberta individualmente e em interação com a realidade externa, pois o objetivo da “arte de viver” está conectado com a realidade interior e exterior, ou seja, com os sentimentos próprios, com as emoções e as reflexões individuais e com o mundo que nos cerca.51 _____________________ 49. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 164. 50. Vale ressaltar que a obra de Erich Fromm é muito ampla e rica em conteúdo. A pesquisa não tem a intenção de sintetizar o pensamento do autor, apenas a de fazer um corte com as suas principais obras e conceitos voltados para a religião. 51. No decorrer da presente pesquisa uma questão referente às idéias de Erich Fromm foi levantada: o que teria acontecido com os pensamentos de Fromm que tiveram grande repercussão mundial entre as décadas de 60 e 70 e que depois dessa época, apesar de ainda serem temas extremamente atuais foram perdendo o seu vigor no meio acadêmico? Qual o motivo de faculdades, principalmente a de psicologia, não indicar as suas obras para pesquisas e nem dedicar um espaço ao estudo da vida e da obra deste autor, já que o mesmo teve tanta relevância mundial há menos de 40 anos atrás? A resposta não passa de uma especulação particular e apenas ressalta a possibilidade de uma reflexão sobre o assunto. Ao ler e estudar sobre a vida e as obras de Erich Fromm pude constatar que o autor era uma pessoa dotada de grande carisma. Principalmente nas décadas de 60 e 70, através de seus cursos, palestras, entrevistas e seminários difundidos mundialmente, Erich Fromm arrastava milhares de ouvintes, principalmente os jovens acadêmicos. Muitos destes viveram parte da 2a Segunda Guerra Mundial e estavam vivenciando a Guerra Fria. A postura de Fromm era enfática sobre as guerras, sobre as formas de autoritarismo, de ortodoxia e alienação. Sempre ressaltava que a intenção primeira do ser humano deveria ser a de buscar sua liberdade positiva, de conquistar sua auto-realização e de conseguir através da razão e da experiência sadia o pleno desenvolvimento de suas forças internas. Erich Fromm fez das suas palavras e pensamentos seu maior exemplo de vida. Fromm seguia e praticava seus ideais. Ao estudar sua vida pude perceber que Erich Fromm tinha uma presença marcante, talvez mais marcante que suas idéias, apesar de uma não estar separada da outra. Parece que após a morte de Erich Fromm suas idéias perderam grande parte da força sem a sua presença, suas lutas e seus exemplos. Como disse anteriormente esta é apenas uma suposição, mas com a sua morte parece que suas idéias também foram “adormecendo”. Independente de ser a favor ou contra as idéias de Erich Fromm, tal pesquisa além de estudar a religião na vida e na obra do autor, tenta de alguma forma trazer seus pensamentos novamente para o circuito acadêmico. 46 II- LIBERDADE, ÉTICA E RELIGIÃO 2.1- O Medo à Liberdade Esta obra teve a sua edição original em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial. Apesar de Fromm a ter iniciado em 1935, a mesma passou pelo processo de muitas revisões. Escape from Freedom chegou às mãos dos leitores justamente em um momento histórico no qual o conceito e a prática da liberdade estavam sendo suprimidos pela guerra. Em todas as suas obras, Erich Fromm procura ter o cuidado de observar os processos mentais que ocorrem no indivíduo em relação à sua realidade externa, ou seja, a observação psicológica torna-se completa a partir da investigação da cultura e vice-versa. Erich Fromm não prioriza uma visão em detrimento da outra. A observação de ambas faz-se extremamente necessária para a obtenção de um amplo entendimento humano. Em O Medo à Liberdade Fromm analisa a diferença entre a liberdade “de” e a liberdade “para”, como também quais são as forças sociais e psicológicas que permitem a eclosão da submissão em detrimento da liberdade e quais são os mecanismos de fuga à liberdade utilizados pelo homem moderno decorrentes da insegurança do sentir-se isolado. Segundo Erich Fromm, a história social do homem começou saindo de um estado de unicidade com o mundo natural para um outro estado de percepção de si mesmo como uma entidade separada dos outros homens e da natureza que o rodeava. O homem emerge do estágio pré-humano ao dar os primeiros passos para libertar-se dos instintos coercitivos (...) Quanto mais baixo está o animal na escala da evolução, tanto mais a sua adaptação à natureza e todas as suas atividades são controladas por mecanismos instintivos e atos reflexos. Por outro lado, quanto mais alto o animal se acha na escala da evolução, tanto maior é a flexibilidade dos padrões de suas ações e tanto menos completo é o seu ajustamento estrutural ao nascer. Esta evolução atinge o auge com o homem. Ele é o mais inerme de todos os animais ao nascer. Sua adaptação à natureza baseia- 47 se essencialmente no processo da aprendizagem e não em determinação instintiva.52 A existência humana e a liberdade são desde o início inseparáveis. Porém, Fromm ressalta que a liberdade que está sendo tratada neste momento não é a liberdade positiva “para”, mas sim a liberdade no sentido negativo “de”, ou seja, liberdade da determinação instintiva de suas ações. A liberdade neste sentido é um dom ambíguo, pois desde o seu nascimento o homem passa por todos os perigos e temores que decorrem da ausência de recursos instintivos, deixando-o dependente dos cuidados do “outro” muito mais tempo do que qualquer outro animal. No entanto, esta mesma debilidade do homem é a base do surgimento do desenvolvimento humano. A partir da fraqueza biológica do homem encontra-se o requisito da cultura humana: o pensamento. Segundo Fromm, a liberdade da determinação instintiva choca a existência humana, pois desta forma deixa de ser desconhecido seu trágico destino: (...) Ser parte da natureza e, no entanto, transcendê-la. Dá-se conta da morte como sua sina final, embora procure contestá-la através de múltiplas fantasias.53 Para Fromm, através do mito bíblico da expulsão do homem do paraíso, há uma representação da relação entre o homem e a liberdade. O mito de Adão e Eva identifica a origem da História humana com um ato de escolha, porém ressalta a essência pecaminosa deste primeiro ato de liberdade e sofrimento dele resultante. O mito relata que enquanto o homem e a mulher viveram em harmonia entre si e a natureza no Jardim do Éden, a paz dominava e não havia necessidade de trabalhar. Também não havia escolhas a fazer, nem liberdade e pensamento. _____________________ 52. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 35. 53. Ibid., p.36. 48 Tinham direito a tudo, menos de comerem da árvore do conhecimento. Porém, Adão e Eva contrariaram a vontade de Deus e romperam, desta forma, com o estado de harmonia que havia entre eles e a Natureza. Sob o ponto de vista da Igreja isto é essencialmente pecaminoso; sob o ponto de vista do homem isso representa o início da liberdade humana. Fromm ressalta que esta ação contra o comando da autoridade, contra as ordens de Deus, significa libertar-se da coação, emergir da existência inconsciente da vida pré-humana para o primeiro ato de liberdade - o ato de desobediência como um ato de liberdade marcando o nascimento da razão. Porém, com tal ato o homem ficou separado da natureza e o mito salienta o sofrimento decorrente deste ato: ele está só e nu sentindo-se envergonhado, impotente e temeroso. Desta forma, a recém conquistada liberdade aparece-lhe como uma maldição: (...) ele está livre do doce cativeiro do paraíso, mas não está livre para governarse e para realizar sua individualidade.54 Fromm menciona que tanto na história da vida social como na história da vida do indivíduo é encontrado o processo similar no que diz respeito ao advento da liberdade “de”. O estar longe da dependência instintiva é um grande passo à liberdade, mas ao mesmo tempo causa um sentimento de solidão e angústia. Uma criança nasce quando não mais está unida à mãe e torna-se uma entidade biológica separada da mesma. No entanto, a criança permanece funcionalmente unida à mãe, sendo este um processo normal do desenvolvimento humano até o início do seu processo de individuação. Quanto mais uma criança cresce até o ponto em que são rompidos os vínculos primários, tanto mais ela busca a liberdade e a independência. Porém, tanto no plano social quanto no plano individual há uma ambigüidade frente a esta busca de liberdade _____________________ 54. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 37. 49 e independência. À medida que a criança tem a capacidade de crescer, ela torna-se mais forte fisicamente, emocionalmente e mentalmente. Forma-se uma estrutura organizada, dirigida pela vontade e pela razão do indivíduo, sendo que os limites de crescimento da individuação e do eu são estabelecidos pelas condições individuais e sociais. O outro aspecto do processo de individuação é a solidão crescente. Os vínculos primários oferecem segurança e um sentimento básico de unicidade com o mundo exterior a cada um. À medida que a criança emerge deste mundo ela dáse conta de estar só, de ser uma entidade separada de todas as outras. Para Fromm, essa separação de um mundo, que em comparação com a existência individual é esmagadoramente forte e poderoso, e muitas vezes ameaçador e perigoso, cria uma sensação de impotência e angústia. Enquanto se era parte integral daquele mundo, sem perceber as possibilidades e responsabilidades de ação individual, não era necessário ter medo. Porém, quando se passa a ser um indivíduo, fica-se só e enfrenta-se o mundo em todos os seus aspectos perigosos e avassaladores.55 Uma vez alcançado o estágio de individuação completa, ficando o indivíduo liberto destes vínculos primários, ele defronta-se com uma nova e difícil tarefa: orientar-se e radicar-se no mundo e encontrar segurança por outros meios que não os característicos de sua existência préindividual. Assim como uma criança jamais pode retornar fisicamente ao ventre materno, tampouco pode inverter, psiquicamente, de forma sadia, o processo de individuação, as tentativas para assim proceder assumem forçosamente o caráter de submissão, em que a contradição básica entre a autoridade e a criança que a ela se submete nunca é eliminada. É como se tais indivíduos _____________________ 55. Como a psicanálise humanista analisa o homem a partir da sua natureza existencial Erich Fromm aborda este assunto em muitas de suas obras como em O Medo à Liberdade, Análise do Homem, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, A arte de Amar e Revolução da Esperança. 50 buscassem retornar aos vínculos primários para sentirem novamente o estado unificado de antes, porém, tal procedimento impede a plenitude de seu desenvolvimento humano; eles se antepõem no caminho do desenvolvimento de sua razão e da sua capacidade crítica; só lhe permitem reconhecer-se e aos outros por meio de sua participação dependente em uma comunidade social ou religiosa e não como seres humanos independentes e produtivos. Porém, esta identidade total com o social e com a religião concede ao indivíduo a sensação primária de proteção. Ele sente-se pertencente a algo, sente que está radicado em um conjunto estruturado em que tem um lugar inquestionável. Pode até sofrer de algum tipo de privação, como fome ou opressão, mas não sofre as piores das dores: a solidão, a dúvida e angústia, que por vezes assolam àqueles que escolhem a liberdade positiva.56 Porém, a submissão não é a única forma de evitar o isolamento insuportável e a ansiedade avassaladora. Segundo Fromm,57 o outro e único modo produtivo para evitar as “piores dores” da existência humana está no relacionamento espontâneo entre o indivíduo e a Natureza, um relacionamento que liga a pessoa ao mundo sem eliminar sua individualidade. Para Fromm, esta espécie de relacionamento, cujos melhores exemplos são o amor e o trabalho produtivo, radicase na integração e no vigor da personalidade total. Desta forma, na opinião de Fromm, só há uma solução possível e produtiva para o relacionamento do homem individualizado com o mundo: sua solidariedade ativa, sua atividade, amor e trabalhos espontâneos, que o unem uma vez mais com o mundo não por meio de vínculos primários, mas como indivíduos livres e independentes. Uma vez que sejam rompidos os vínculos primários que davam segurança ao indivíduo, uma vez que este enfrente o mundo exterior como uma entidade completamente independente, _____________________ 56. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 32-33; 38. 57. Ibid., p. 38-39. 51 Fromm ressalta os dois caminhos para superar o estado insuportável de impotência e solidão. Ele pode progredir para a “liberdade positiva” relacionando-se produtivamente sem renunciar à sua independência e à integridade do seu ego, como anteriormente foi mencionado, ou pode recuar, desistir da sua liberdade e procurar vencer sua solidão através da fuga e da rendição de sua individualidade. Para Fromm, esta não é uma solução que leva à felicidade e à liberdade positiva; ela é, em princípio, uma solução que se encontra em todos os fenômenos neuróticos.58 Ela mascara a angústia insuportável e evita o pânico possibilitando que o indivíduo sobreviva, contudo, não resolve os problemas de uma forma sadia. Fromm analisa os mecanismos de fuga à liberdade por ele considerados como culturalmente significativos que são: o autoritarismo, a destrutividade e o conformismo de autômatos.59 O autoritarismo aparece como um mecanismo de fuga à liberdade que renuncia à independência do próprio ego individual no intuito de fundi-lo com alguém ou algo no mundo exterior, pois assim a fantasia de sentir-se amparado prevalece. Este mecanismo de fuga apresenta-se através da submissão ou da dominação, impulsos também conhecidos como masoquismo e sadismo, ambos servindo como fuga de uma solidão insuportável. Os impulsos masoquistas podem ser demonstrados pelos sentimentos de inferioridade, impotência e insignificância individual. Estas pessoas mostram uma tendência para diminuir a si mesmas, para tornar-se fracas e para não comandar as suas próprias vidas. Com grande regularidade, estas pessoas evidenciam uma dependência marcante de forças a elas alheias, como dependência do comando de outras pessoas e de instituições. Elas se submetem a ordens reais ou supostas dessas _____________________ 58. Segundo os autores Laplanche e Pontalis no livro Vocabulário de Psicanálise, p. 296. Neurose é a afecção psicogêncica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito e constitui compromissos entre o desejo e a defesa. Para Fromm o homem que toma os mecanismos de fuga à liberdade como forma de fugir à dor da separação existencial assume uma postura infantil de dependência que não leva ao crescimento. 59. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 118. 52 forças externas. O oposto das tendências masoquistas, ou seja, as tendências sádicas são expressadas pelo sentimento de tornar “os outros” dependentes da pessoa. Alguns sádicos não contentam-se em apenas “governar os outros”, mas sentem a necessidade de usá-los, de manipulá-los, explorá-los e roubá-los. Este desejo pode referir-se tanto a coisas materiais como imateriais. E, segundo Fromm, uma outra espécie sádica surge a partir de fazer o outro sofrer ou de vê-lo sofrer, este sofrimento pode ser físico ou mental.60 Neste contexto, tanto os impulsos masoquistas quanto os sádicos tendem a auxiliar o indivíduo a fugir do seu intolerável sentimento de solidão e impotência através da submissão e do poder. Fromm ressalta que este tipo de poder buscado pelo sádico refere-se a ter um tipo de poder sobre alguém a partir da capacidade de dominá-lo. Este tipo de poder 61 é diferente daquele de conseguir algo, de ser capaz de obter alguma coisa sem necessitar sobrepujar “o outro”. Para Fromm, este tipo de poder é totalmente saudável no que diz respeito ao desenvolvimento das potencialidades individuais. Fromm também diferencia a autoridade racional da autoridade inibidora. Para ele, autoridade refere-se a uma relação interpessoal em que uma pessoa vê outra como seu superior. Na autoridade racional podem ser encontrados elementos prevalecentes como o amor, admiração ou gratidão, neste caso a autoridade é apenas um êmulo com quem a pessoa quer identificar seu eu, parcial ou inteiramente. Já na autoridade inibidora formam-se ressentimentos ou hostilidades contra o explorador, pois subordinar-se a ele contraria os interesses próprios da pessoa. Este conceito de autoridade racional e inibidora difere do conceito de sadismo e masoquismo, onde há uma dependência patológica do sádico e do masoquista. Frente à autoridade racional há _____________________ 60. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 118-125. 61. Ibid., p. 133. 53 a possibilidade de crescimento e frente a autoridade inibidora há o descontentamento de quem é explorado, diferente do que acontece com o masoquista que sente proteção e prazer na figura do sádico que o explora.62 Desta forma, o conceito de autoritarismo que está vinculado ao poder e à submissão irá diferir do conceito de autoridade enquanto uma relação interpessoal. No mecanismo de fuga destrutivo não existe a necessidade de uma relação de poder e submissão como acontece no autoritarismo, mas há o desejo da eliminação do objeto, que também tem a sua fonte na insustentabilidade da solidão. Em tal mecanismo, a destruição total do objeto, que surge como uma ameaça para quem utiliza este tipo de defesa, torna-se a única chance do mesmo conseguir manter sua integridade. Enquanto o sádico visa a incorporação do objeto, o destrutivo visa o seu afastamento. Segundo Fromm, a destrutividade é o produto da vida não vivida. Isso quer dizer que o grau de destrutividade de cada indivíduo é proporcional à intensidade com que sua vida foi tolhida, ao bloqueio da espontaneidade do crescimento e da expansão das suas capacidades humanas emocionais e intelectuais. Desta forma, quanto mais obstruído for o impulso para viver, tanto mais forte poderá ser o impulso para destruir.63 O último mecanismo de fuga à liberdade que Erich Fromm aborda é o conformismo de autômatos. Para ele este mecanismo é a solução que a maioria dos indivíduos normais encontra na sociedade moderna. Ao utilizar este mecanismo de fuga o indivíduo cessa de ser ele mesmo, ou seja, adota o tipo de personalidade que lhe é oferecido através dos padrões culturais tornandose exatamente como todos os outros são e como estes esperam que ele seja. Deste modo, a _____________________ 62. Ibid., p. 145-149. 63. Erich Fromm analisa de forma mais profunda o conceito de destrutividade em sua obra: A Anatomia da Destrutividade Humana, que foi publicado em 1973. 54 Discrepância entre o eu e o mundo desaparece e, com ela, o temor consciente à solidão. Fromm ressalta: (...) A pessoa que desiste do seu ego individual e converte-se em autômato, idêntico a milhões de outros autômatos em torno dela, não mais precisa sentir-se sozinha nem angustiada. O preço que ela paga, porém, é alto: é a perda de sua individualidade.64 Neste tipo de fuga, Erich Fromm enfatiza como pensamentos e sentimentos podem ser induzidos por algo, alguém ou instituições que não o indivíduo e, no entanto, ser sentidos subjetivamente como sendo dele próprio, e também como os sentimentos e pensamentos da própria pessoa podem ser reprimidos e, assim, podem deixar de fazer parte do seu eu. Fromm relata vários exemplos destes pseudopensamentos, nos quais a pessoa fala e age acreditando estar seguindo os seus pensamentos, mas na verdade seus pensamentos estão sendo induzidos de forma direta e/ ou indireta. Para Fromm, tal processo acontece diariamente sem que muitos se dêem conta, como: quando alguém lê uma matéria sobre um determinado assunto e logo em seguida sai repetindo a informação que recebeu como se esta realmente fosse a sua opinião; quando uma jovem se depara com um anúncio sedutor de roupas e logo passa a ser tomada por uma “necessidade” de comprar roupas; quando grupos políticos e religiões autoritárias discursam efusivamente sem abrir a oportunidade para a reflexão, muitos acabam acreditando que tais discursos também representam seus pensamentos e os tomam como verdades absolutas. A automatização do indivíduo na sociedade moderna agravou a desorientação e a insegurança das pessoas comuns. Por isso, elas se mostram prontas e receptivas a sujeitarem-se a novas autoridades e pensamentos que lhes ofereçam segurança e alívio às dúvidas. Contudo, Erich Fromm ressalta que ainda há pensamentos e ações genuínas entre nós. Tais pensamentos e ____________________ 64. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 151. 55 ações pertencem às pessoas que buscam a liberdade rumo a auto-realização. A análise até então apresentada pela presente pesquisa concentrou-se em mostrar a diferença entre a liberdade da determinação instintiva e a liberdade positiva. Fromm ressalta que o advento da razão marcou o desenvolvimento humano. Porém, a razão que liberta também pode aprisionar. Quando o homem deseja retornar aos vínculos primários em busca de segurança e do sentimento básico com o mundo exterior, ocorre um tipo de regressão psíquica levando-o à dependência de forças externas e a uma conseqüente paralisação do seu auto-desenvolvimento. A não aceitação ou percepção do desenvolvimento sadio através da utilização da razão para o aprimoramento das forças internas leva o ser humano à utilização dos mecanismos de fuga à liberdade. Pessoas emocionalmente imaturas procuram proteção fora de si, através de relacionamentos autoritários, como também grupos políticos e religiões autoritárias em que não há a necessidade do questionamento e da reflexão, pois as respostas estão prontas. Já aqueles que escolhem um relacionamento espontâneo com a natureza sem eliminar sua individualidade estão escolhendo o desenvolvimento da razão e da auto-realização. A liberdade positiva permite ao homem relacionar-se com o mundo sem ser através dos vínculos primários. Para Fromm, as pessoas que usufruem da liberdade positiva buscam relacionamentos maduros, grupos sociais saudáveis e, se religiosos estão pautados em uma fé religiosa racional na qual a busca pelo desenvolvimento das forças internas prevalece sobre qualquer autoritarismo transcendente ao homem. Durante a sua vida, Erich Fromm rompeu com relacionamentos e instituições autoritárias. Afastou-se do judaísmo ortodoxo e da psicanálise também ortodoxa. Passou a admirar profundamente as religiões, as relações humanas e os pensamentos que tinham como base o traço humanitário, como a ética humanista e as religiões humanistas que serão discutidas na obra: Psicanálise e Religião. 56 2.2- Análise do Homem Em 1947, a partir dos seminários ministrados na Fundação Psiquiátrica William Alanson White e no Colégio de Bennington, Erich Fromm publicou Man for Himself. Nesta obra Fromm aprofunda sua visão e seus pensamentos sobre a relevância da observação frente aos acontecimentos internos e externos ao homem como um todo. Para o autor, é a partir de tal visão que a psicologia poderá obter uma ampla análise do homem. Fromm faz um estudo sobre a Natureza e o caráter do ser humano; aborda a questão da ética junto à psicologia, como também as premissas da ética humanista e o seu conceito da ética objetiva, subjetiva e autoritária; reflete sobre a dicotomia da existência humana e discute a fé como um traço de caráter. Erich Fromm seguiu o raciocínio dos grandes pensadores éticos humanistas do passado, como Aristóteles e Spinoza que acreditavam que a compreensão da natureza do homem, como a compreensão dos seus valores e das suas normas, circulava de uma forma interdependente. Segundo Fromm, a psicologia deve desmascarar os falsos juízos éticos e ainda servir de base à criação de normas de conduta objetivas e válidas. A psicologia não pode ser dissociada da filosofia, nem da sociologia e da economia. Com tais pensamentos Fromm distanciou-se de vez da psicanálise ortodoxa, na qual a ética não é levada em consideração por tratar de valores morais, pois para Freud o inconsciente é amoral e não cabe à psicanálise fazer nenhum julgamento de valor. Fromm critica tal pensamento afirmando que considerar as avaliações como sendo unicamente racionalizações de desejos irracionais inconscientes é deturpar a imagem da personalidade total do sujeito.65 _____________________ 65. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 9-10. 57 As idéias do Iluminismo ensinaram ao homem que este poderia confiar em sua própria razão como um guia no estabelecimento de normas éticas e válidas e que poderia contar consigo mesmo, dispensando a autoridade da Igreja e da Revelação para distinguir o “bem” do “mal”. O lema do Iluminismo: “Atreva-se a saber” tornou-se o incentivo para as realizações e empreendimentos do homem moderno. Porém, a dúvida crescente sobre a autonomia e a razão criou um estado de confusão moral em que o homem se vê desprovido de orientação. De acordo com Fromm poucas são as pessoas que possuem e conseguem sustentar a liberdade concedida pela razão em prol do seu próprio desenvolvimento, pois a maioria ainda se vê perdida frente à questão paradoxal da razão: saber-se finito e nada de concreto poder fazer para mudar tal fato. Assim sendo, as forças sociais autoritárias são apresentadas ao homem como resposta, quando a orientação interna, por motivos diversos, não foi capaz de lidar com as angústias existenciais. Para Fromm, o relativismo que foi criado pela razão faz com que o ser humano torne-se presa fácil de sistemas irracionais de valores. As exigências do Estado, o entusiasmo pelas qualidades mágicas dos líderes poderosos, as máquinas potentes e o sucesso material tornaram-se as fontes de suas normas e julgamentos de valores. De acordo com os pensamentos da ética humanista Fromm ressalta que a psicologia moderna e a psicanálise humanista66 devem estimular o desenvolvimento das normas morais que se baseiam nas qualidades inerentes ao homem e cuja violação produz patologias mentais e emocionais. A psicologia deve preocupar-se com a totalidade do ser humano, em como este vive e o que deve fazer para viver produtivamente. Na obra Análise do Homem, Fromm reflete que o progresso da psicologia enquanto ciência será alcançado quando o ser humano for pesquisado sem a separação entre “material” e _____________________ 66. A tese principal da psicanálise humanista é a de que as paixões básicas do homem não estão arraigadas em suas necessidades instintivas, mas nas condições específicas da existência humana, na necessidade de encontrar nova relação com o homem e a natureza após haver perdido a relação primária da etapa pré-humana. A perda da harmonia inicial entre o homem e a natureza será analisada nesta obra, já a visão de Fromm sobre a psicanálise humanista será mais detalhada na obra, Psicanálise da Sociedade Contemporânea. 58 “espiritual”. Para Fromm, a partir do momento em que a psicologia volta-se à grande Tradição Ética Humanista, que encarava o ser humano em sua totalidade físico-espiritual, a contribuição estará sendo verdadeiramente profunda. A Tradição Filosófica Ética da Humanista entende que o objetivo do homem é ser ele mesmo e de que a condição para atingir tal situação é o homem bastar-se a si mesmo. A psicologia pode e deve ajudar o homem a refletir sobre suas próprias questões fazendo-o entrar em contato com o seu interior, para então refletir e conviver produtivamente com a realidade social que o cerca sem a necessidade dependente de ser orientado por forças externas. Para bastar-se a si mesmo o homem precisa conhecer-se e ter os seus valores para o seu desenvolvimento pessoal. Para Fromm, estes valores são os valores supremos da Ética Humanista, que são: o amor próprio, a auto-afirmação.67 Estes formam o alicerce necessário para que haja uma convivência sadia entre o homem e seus semelhantes. Frente à Ética Humanista, Erich Fromm criou o seu conceito de Ética Autoritária. Nesta é uma autoridade quem enuncia o que é bom para o homem e promulga as leis e normas de conduta. Na Ética Humanista o próprio homem é quem fixa as normas e a elas sujeita-se, sendo ao mesmo tempo sua fonte formal e seu tema. Como vimos em O Medo à Liberdade, Erich Fromm faz uma distinção entre autoridade e autoritarismo. Para ele existe a autoridade racional que está baseada na competência e no respeito pelo outro; a autoridade inibidora, em que a pessoa coagida está insatisfeita frente ao superior; e a autoridade irracional, que vem representar o próprio autoritarismo por basear-se no medo e no poder físico ou mental exercido sobre outras pessoas sem que estas consigam demonstrar qualquer tipo de ação para uma possível mudança. Fromm distingue a ética autoritária da ética humanista por dois critérios: um formal e _____________________ 67. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 17. 59 outro material. Formalmente, a ética autoritária nega ao homem a capacidade de saber o que é bom ou mau, quem enuncia as normas é sempre uma autoridade que está fora do sujeito. Materialmente, a ética autoritária responde o que é bom ou mau em função dos seus interesses e não dos seus subordinados. Ela é exploradora, apesar do súdito poder obter dela certos benefícios psíquicos ou materiais. Na ética autoritária estão em jogo os interesses de quem lidera, desta forma a autoridade estabelece que a obediência é a virtude capital e a desobediência torna-se o principal pecado.68 O pecado imperdoável na ética autoritária, que pode apresentar-se em grupos políticos, religiões diversas e relacionamentos, é a desobediência e a rebeldia. Um outro exemplo dado por Fromm é o mito de Adão e Eva exposto no Antigo Testamento, que foi visto anteriormente na obra: O Medo à Liberdade. A ética humanista também pode ser distinguida pelo critério formal e material. Formalmente é o próprio homem quem determina o critério do que é virtude ou pecado e não uma autoridade fora de si; e materialmente baseia-se no princípio de que “bom” é o que propicia o desenvolvimento pessoal e social e mau o que é contrário a este pensamento. Para Fromm e para os defensores da ética humanista uma das características da natureza humana é a de que o homem só pode ser feliz de forma saudável e produtiva em ligação a algum tipo de solidariedade com seus semelhantes.69 Na ética humanista o bem é a afirmação da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade pela própria existência. O mal constitui a mutilação das capacidades do ser humano, sendo que o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo.70 _____________________ 68. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 20. 69. Ibid., p. 21-22. 70. Ibid., p. 28. 60 Contudo, seguindo o pensamento dos humanistas, Erich Fromm vê que a ética não pode ser somente subjetiva, pois se assim fosse o relativismo seria levado ao extremo até chegar-se em uma ética hedonista. Nesta todos os desejos que causam prazer incluindo aqueles que são obtidos através da perversão e do ódio seriam válidos. E para Fromm os desejos que tomam este caminho são patológicos, ou seja, não seguiram o caminho saudável do auto-desenvolvimento. Desta forma, as normas éticas devem ser universais e aplicáveis a todos os homens, portanto os preceitos da ética humanista dividem-se na ética subjetiva e também na ética objetiva que inclui as normas éticas universais. O princípio da ética humanista objetiva baseia-se na norma ética universal da afirmação da vida rumo ao desenvolvimento das capacidades humanas. Segundo Fromm, a natureza de toda vida consiste em preservar e afirmar sua própria existência. Todos os organismos têm uma tendência intrínseca para preservar uma existência. O primeiro “dever” de um organismo é estar vivo, sendo que o impulso para viver é inerente a todo organismo e o suicídio encontra-se como um fenômeno patológico frente ao curso “natural” da vida. Todos os organismos têm uma tendência inerente para concretizar suas potencialidades específicas. Em termos gerais, a escolha entre vida e morte é mais aparente do que real; a escolha real e diária do homem é entre uma vida “boa” e uma vida “má”. O homem, entretanto, não existe “de modo geral”, conquanto compartilhe a essência das qualidades humanas com outros membros de sua espécie, ele é sempre um indivíduo, uma entidade original, diferente das demais. Ele difere em sua mistura particular de caráter, temperamento, talentos e aptidões. Só pode afirmar suas potencialidades humanas concretizando sua individualidade junto ao social.71 _____________________ 71. Eich FROMM, Análise do Homem, p. 26-28. 61 O dever de estar vivo é o mesmo que o dever de transformar-se em si próprio, ou seja, de transformar-se no indivíduo que cada um é em potencial. Porém, neste contexto, Fromm ressalta que o indivíduo é “ele”, mas também é a representação de todos. Ele é um indivíduo com suas peculiaridades e, nesse sentido é único, mas ao mesmo tempo é representativo de todas as características da raça humana. Por isso, Erich Fromm considera necessário fazer uma análise da situação humana72 antes de fazer uma análise da personalidade humana.73 O aparecimento do homem pode ser definido no ponto do processo da evolução em que a adaptação instintiva atingiu o seu mínimo. Ele aparece, porém, com novas qualidades que o diferem do animal, como: sua consciência de si mesmo como entidade independente, sua capacidade de lembrar o passado, de visualizar o futuro, sua razão para conceber e compreender o mundo e sua imaginação. Segundo Fromm, a debilidade biológica do homem frente aos outros animais é a base de sua força, a causa primordial do desenvolvimento de suas qualidades especificamente humanas. Consciência de si mesmo, razão e imaginação romperam a “harmonia” que caracteriza a existência animal. (...) Seu surto fez do homem uma anomalia, a aberração do universo. Ele faz parte da natureza, está sujeito a suas leis físicas e é incapaz de mudá-las, no entanto ultrapassa o resto da natureza. Ele é posto à parte, embora sendo uma parte; ele não tem casa própria embora esteja acorrentado à casa que compartilha com todas as outras criaturas (...) Tendo consciência de si mesmo, percebe sua impotência e as limitações de sua existência. Ele visualiza seu próprio fim: a morte. Nunca se vê livre da dicotomia de sua existência: não pode livrar-se de sua morte, mesmo que o quisesse; não pode livrar-se do seu corpo enquanto estiver vivo e seu corpo faz com que ele queira estar vivo.74 _____________________ 72. Em parte tal assunto foi abordado na obra exposta anteriormente quando Fromm comenta sobre a saída do estado de unicidade que o homem tinha com o mundo natural a partir do momento em que passa a perceber-se como uma entidade separada dos outros homens e da natureza que o rodeava. Desta forma deu-se início à liberdade da determinação instintiva de suas ações. Erich FROMM, O Medo à Liberdade, p. 35-36. 73. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 43. 74. Ibid., p. 43-44. 62 Fromm coloca a razão como sendo benção e maldição do homem. Benção no que se refere à possibilidade de liberdade e crescimento, e maldição a partir do momento em que precisa resolver, conviver ou fugir das suas angústias existenciais75 dependendo do seu caráter e da sua cultura. O aparecimento da razão criou uma dicotomia dentro do homem que o força a anelar incessantemente por novas soluções, mas nada é capaz de levá-lo para longe da dicotomia existencial que Fromm denomina como a mais primária de todas: a dicotomia entre a vida e a morte. O fato de termos de morrer é inalterável. A morte, porém, permanece sendo o contrário da vida. Tudo o que se sabe sobre a morte não alterará o fato de ela não ser parte significativa da vida. O homem tem procurado negar ou amenizar essa dicotomia por meio de ideologias, como por exemplo, a concepção cristã de imortalidade, que, segundo Fromm, postulando a existência de uma alma imortal, contesta o trágico fato de a vida do homem terminar com a morte.76 A vida do homem, começando e acabando em um certo ponto da marcha evolutiva da raça humana, choca-se tragicamente com a reivindicação do indivíduo para realizar todas as suas potencialidades. Para Fromm frente a essa contradição entre o que ele poderia realizar e o que de fato realiza, ele tem, pelo menos, uma vaga noção. Certas ideologias tendem a reconciliar ou a negar a contradição, presumindo que a plenitude da vida seja atingida após a morte, ou que o período histórico de cada um é o ato final de coroamento da humanidade. Outra sustenta que o significado da vida não há de ser encontrado em sua máxima manifestação, mas no serviço à coletividade e nos deveres para com a sociedade; que o desenvolvimento, liberdade e felicidade do indivíduo se subordinam a, ou são mesmo irrelevantes em comparação com, o bem-estar do Estado, da comunidade, ou do que quer que simbolize poder eterno, transcendendo o indivíduo.77 _____________________ 75. Ver Mecanismos de fuga à liberdade em Erich FROMM, O Medo à liberdade, p. 114-150. 76. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 44-45. 77. Ibid., p. 45-46. 63 De acordo com os pensamentos de Fromm, não há como o ser humano anular as dicotomias existenciais, ainda que possa reagir contra elas de maneiras diversas. Ele pode apaziguar sua mente com ideologias sedativas e harmonizadoras. Pode procurar fugir à inquietação interior mantendo-se permanentemente ocupado, trabalhando ou se divertindo. Pode tentar abolir sua própria liberdade e converter-se em instrumento de poderes extrínsecos a ele, submergindo neles o próprio eu. Porém, para Fromm ainda que o indivíduo faça tudo isso ele continuará insatisfeito, ansioso e inquieto. Frente a tal cenário existencial Fromm apresenta uma solução para o problema existencial do homem: enfrentar a verdade, admitir sua solidão e isolamento fundamental em um universo indiferente à sua sorte, reconhecer que não há poder algum superior a ele que possa lhe resolver o problema. Para Fromm o homem tem de aceitar a responsabilidade por si próprio e o fato de que somente empregando suas forças é que poderá dar um significado à sua vida. Significado, todavia, não implica certeza. Com efeito, a busca de certeza impede a de significado. A incerteza é exatamente o que impele o homem a expandir suas forças. Se ele enfrentar a realidade sem pânico, reconhecerá que não há outro significado para a vida senão o que o homem dá à própria vida pela expansão de suas forças, vivendo produtivamente, e que só constante vigília, atividade e empenho podem evitar que falhemos na única missão que importa: o desenvolvimento total de nossas forças, dentro das limitações impostas pelas leis de nossa existência.78 Fromm encerra sua reflexão sobre a natureza humana na obra Análise do Homem, afirmando que este nunca deixará de ficar desconcertado, de ter dúvidas e de formular novas perguntas. Porém, somente reconhecendo a situação humana, as dicotomias inerentes à sua _____________________ 78. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 47. 64 existência e sua capacidade para ampliar suas forças será capaz de conseguir êxito na missão de ser ele próprio e por si mesmo conseguir a felicidade por meio da concretização total das faculdades que lhe são peculiares: a razão, o amor e o trabalho produtivo. A psicologia baseada em uma concepção antropológico-filosófica da existência humana79 pode ajudar o ser humano na busca da sua auto-realização. De acordo com Fromm o aspecto mais saliente do comportamento humano é a intensidade de paixões e anelos revelada pelo homem. Ele pode ansiar pelo poder, pelo amor, ou pela destruição; pode arriscar sua vida por ideais religiosos, políticos ou humanistas. E para Fromm são esses anelos que constituem e caracterizam a peculiaridade da vida humana. Dentro desta peculiaridade da vida humana encontra-se o que Fromm denominou como uma “necessidade de crença intrínseca”, que pode ser explicada por sua existência natural. A desarmonia da existência humana gera necessidades que ultrapassam as de sua origem animal.80 Desta forma, o homem tenta restaurar a unidade e o equilíbrio entre ele e o resto da Natureza. Contudo, para um sistema de orientação ser satisfatório é necessário que estejam implicados não apenas elementos intelectuais, mas também elementos de sentimento e sensibilidade, pois segundo Fromm o homem não é dotado apenas de intelecto, mas também de espírito.81 As respostas dadas à necessidade do homem de uma orientação e de devotamento podem variar tanto no conteúdo quanto na forma. O devotamento a um objetivo, a uma idéia, ou a um poder transcendente ao homem, como Deus, é uma expressão dessa necessidade de perfeição no processo de viver. _____________________ 79. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 48. 80. Ibid., p. 48. 81. Erich Fromm não fornece qual é o seu conceito de espírito. 65 Há sistemas primitivos como o animismo e o totemismo, em que objetos naturais ou ancestrais representam respostas à procura de significado pelo homem. Há sistemas ateístas como o budismo, que são geralmente chamados de religiosos, apesar de em sua forma original não haver uma concepção de Deus. Há sistemas filosóficos como o estoicismo, e há sistemas religiosos monoteístas que dão a solução à busca de significado pelo homem como referência à concepção de Deus (...) A todos os sistemas de idéias que procuram dar respostas à busca de significado pelo homem e à tentativa deste para compreender sua própria existência os denominarei de “estruturas de orientação e devoção”.82 Fromm ressalta que muitas aspirações ditas seculares, não obstante, estão enraizadas na mesma necessidade de que brotam os sistemas religiosos e filosóficos. Na época atual há milhões de pessoas devotadas à obtenção de sucesso e prestígio. Em outras culturas podem ser encontradas uma devoção fanática por partidários de sistemas ditatoriais de conquista e denominação. Para Fromm a intensidade e o fanatismo com que são perseguidas as metas seculares são os mesmos que podem ser encontrados nas religiões, e todos esses sistemas seculares de orientação e devoção diferem no conteúdo, mas não na necessidade básica a que procuram oferecer soluções. Desta forma, o que diz respeito ao problema geral da motivação humana é que, enquanto a necessidade de um sistema de orientação e devoção é comum a todos os homens, varia o conteúdo dos sistemas que aderem a essa necessidade. Para Fromm tais diferenças são de valor. A pessoa amadurecida, produtiva e racional tenderá a escolher um sistema que lhe permita ser amadurecida, produtiva e racional. A pessoa que foi detida em seu desenvolvimento tenderá a voltar-se para sistemas irracionais prolongando e acentuando sua dependência e irracionalidade.83 A partir das idéias acima citadas sobre a natureza humana, Erich Fromm aprofunda suas reflexões no que diz respeito à personalidade do homem através dos seus estudos do caráter. Para _____________________ 82. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 49. 83. Ibid., p. 50-51. 66 o autor, o caráter pode ser definido como a forma relativamente permanente por que a energia humana é canalizada no processo de assimilação e socialização.84 A base do caráter é vista em tipos específicos de relacionamento da pessoa com o mundo. Para Fromm, no curso da vida o homem relaciona-se com o mundo adquirindo e assimilando coisas, como também relaciona-se com as pessoas e consigo mesmo. No processo de assimilação o ser humano pode adquirir e assimilar coisas recebendo-as ou tirando-as de uma fonte exterior, ou produzindo-as através de seu próprio esforço. Tem, porém, de adquiri-las e assimila-las de algum modo a fim de atender a suas necessidades. Por outro lado, o homem não pode viver sozinho e desligado dos outros. Precisa associar-se ao próximo para fins de defesa, trabalho, satisfação sexual, divertimento, criação dos filhos, transmissão de conhecimentos e de posses materiais. É necessário ao homem fazer parte do grupo. Segundo Fromm, o isolamento total é insuportável e incompatível com a sanidade mental.85 (...) Mais uma vez, o homem pode relacionar-se com outros de várias maneiras: pode amar ou odiar, competir ou cooperar; pode construir um sistema social baseado na igualdade ou na autoridade, na liberdade ou na opressão; mas tem de relacionar-se de alguma forma, e essa forma particular de relacionamento exprime seu caráter.86 Fromm salienta que o caráter é a base de ajustamento do indivíduo à sociedade. O caráter da criança é modelado pelo caráter de seus pais, pois se desenvolve como réplica deste. Os pais e seus métodos de educação sobre os filhos são determinados pela estrutura social da cultura deles. Desta forma, muitos membros de uma classe social ou cultura podem compartilhar elementos _____________________ 84. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 52. 85. Ibid., p. 58. 86. Ibid., p. 58. 67 significativos do caráter. Fato este que levou Erich Fromm a falar sobre o “caráter social”, como a representação da essência de uma estrutura comum à maior parte das pessoas de uma dada cultura. Assim sendo, o caráter é essencialmente formado pelas experiências das pessoas, especialmente na infância, e modificável até certo ponto pelos insights e por novas experiências.87 Erich Fromm distingue os tipos de caráter a partir das Orientações Improdutivas e da Orientação Produtiva. Dentro das Orientações Improdutivas encontram-se: a orientação receptiva, a orientação exploradora, a orientação acumulativa e a orientação mercantil. Na orientação receptiva, a pessoa acha que a “fonte de todo o bem” está fora de si mesma e crê que o único modo de obter o que quer, seja algo de material, seja afeição, amor, conhecimentos ou prazer é recebê-lo de uma fonte exterior. Se religiosas, tais pessoas têm uma concepção de Deus em que esperam tudo dele e nada de sua própria atividade. Se não-religiosas estão sempre esperando receber algo de alguém. Tais pessoas, segundo Fromm, sentem-se perdidas quando sós, pois acham que não podem fazer coisa alguma sem auxílio.88 A orientação exploradora, como também a receptiva, tem como premissa básica a sensação de que a fonte de todo o bem está no exterior, de que seja o que for que se quiser tem de ser procurado “fora”, e que a própria pessoa nada pode produzir. A diferença entre as duas, entretanto, é que o tipo explorador não espera receber coisas dos outros como dádivas, e sim tomá-las por meio da força ou da astúcia.89 Na orientação acumulativa a segurança da pessoa baseia-se na acumulação, sendo que gastar é visto como uma ameaça. Tais pessoas vivem numa constante batalha no _____________________ 87. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 53-58. 88. Ibid., p. 61-62. 89. Ibid., p. 62-63. 68 intuito de armazenar o máximo e entregar o mínimo. Seus mais altos valores são a ordem e a segurança. Em suas relações com outros, a intimidade é uma ameaça; o alheamento ou a posse de uma pessoa significam segurança. O acumulativo mostra-se inclinado à desconfiança.90 A orientação mercantil, segundo Fromm, só veio predominar na era moderna quando o mercado é caracterizado por uma procura abstrata e impessoal e o homem tem a impressão de que se é também uma mercadoria. Neste tipo de orientação, o homem enfrenta suas próprias forças como mercadorias dele alienadas. Não está unificado com elas, pois elas estão dissimuladas para ele, porque o que importa não é sua realização pessoal ao empregá-las, mas sim seu sucesso em vendê-las. Tanto suas forças quanto o que elas criam se afastam, tornam-se algo diferentes de si, algo para os outros julgarem e usarem; assim, sua sensação de identidade torna-se tão frágil quanto sua auto-estima, sendo constituída do total de papéis que ele pode desempenhar. A pessoa orientada por este tipo de caráter passa a ser o que o “social” deseja momentaneamente que ela seja.91 Ao discutir o caráter produtivo, Erich Fromm investiga a natureza do caráter completamente desenvolvido que, segundo ele, é o objetivo do desenvolvimento humano e, simultaneamente, o ideal da ética humanista.92 A orientação produtiva da personalidade refere-se à capacidade do homem para usar suas forças em prol do seu desenvolvimento e para realizar as potencialidades a ele inerentes. A produtividade significa que ele experimenta a si mesmo como a corporificação de suas forças e, ao mesmo tempo, que estas não estão escondidas e alienadas dele. Para Fromm produtividade é a realização pelo homem das potencialidades que o _____________________ 90. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 63-64. 91. Ibid., p. 65-66. 92. Ibid., p. 77-84. 69 caracterizam de uma maneira particular de relacionamento com o mundo. Após analisar as condições da natureza humana e as orientações de caráter, Erich Fromm reflete sobre a fé enquanto um traço de caráter. Apesar da suposição de muitos de que a fé é uma situação em que a pessoa aguarda passivamente a realização de suas esperanças, Fromm ressalta a fé como a atitude básica de uma pessoa, ou seja, o traço de caráter que impregna as suas experiências, que capacita o homem a enfrentar a realidade sem ilusões e, no entanto, a viver por sua fé, a experiência de sua própria produtividade.93 Frente àqueles que encaram a fé num contexto passivo e aos que assumem a fé numa atitude produtiva, Erich Fromm faz uma distinção entre a fé irracional e a fé racional. A fé irracional concentra-se na crença em uma pessoa, idéia ou símbolo, que não resulta da experiência da própria pessoa, de pensamento ou sentimento, mas se fecunda na submissão emocional a uma autoridade irracional. A fé irracional é uma convicção fanática em alguém ou algo, radicada na sujeição e na autoridade irracional, pessoal ou impessoal.94 É a aceitação de algo como verdadeiro só porque uma autoridade ou a maioria assim o declararam. A fé irracional está vinculada ao poder e conseqüentemente à submissão. Isso pode ocorrer nas religiões autoritárias95 , nos sistemas políticos ditatoriais e nas relações pessoais. Já a fé racional baseia-se no processo do pensamento criador, que pode ser visto em qualquer campo do esforço humano principiado por uma visão racional, onde ela mesma _____________________ 93. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 173. 94. Ibid., p. 175. 95. O conceito de Religião Autoritária será apresentado na próxima obra de Erich Fromm a ser analisada: Psicanálise e Religião. 70 representa o resultado de considerável estudo, reflexão e observação anteriores. A história da Ciência está repleta de casos de fé na razão e visão da verdade. Copérnico, Kepler, Galileu e Newton, todos estavam imbuídos de uma fé na razão.96 Para Fromm em todos os passos, desde a concepção de uma visão racional até a formulação de uma teoria, a fé é necessária; fé na visão como uma meta racionalmente válida a ser procurada, fé na hipótese como uma proposição provável e plausível. Essa fé tem suas raízes na experiência própria, na confiança em sua capacidade de pensar, observar e julgar. Fromm ressalta que nas relações humanas a fé é uma qualidade indispensável, pois “ter fé” em outra pessoa significa estar certo da fidedignidade e imutabilidade de suas atitudes fundamentais de sua personalidade. Isso não quer dizer que uma pessoa não possa mudar de opinião, mas que suas motivações básicas permanecem as mesmas. A fé racional está baseada nas próprias observações e reflexões rumo ao máximo desenvolvimento do indivíduo. O alicerce da fé racional é a produtividade. Segundo Fromm, não há como falar de fé racional sem mencionar as idéias de amor, razão e justiça como produtos de uma experiência individual Viver por nossa fé significa viver produtivamente e ter a única certeza que existe: a certeza que germina da atividade produtiva e da experiência de que cada um de nós é o sujeito ativo de quem essas atividades constituem o predicado. Logo, a crença no poder (no senso de dominação) e o uso do poder são o reverso da fé. Crer no poder que existe é descrer no crescimento das potencialidades humanas e do desenvolvimento humano.97 Para o autor, a fé religiosa também pode ser irracional ou racional. A fé irracional _____________________ 96. Erich FROMM, Análise do Homem, p. 175-176. 97. Ibid., p. 178. 71 pode ser encontrada nas religiões que pregam a submissão a um poder transcendente e a fé racional pode ser encontrada nas seitas místicas que estimulam a reflexão e o desenvolvimento do homem através da sua razão e do amor. Para Fromm o homem não pode viver sem fé. A questão crucial é saber se essa fé será uma fé irracional, baseada em chefes, máquinas, sucesso, símbolos, ou a fé racional no homem fundada na experiência da atividade produtiva. Por toda a sua vida Erich Fromm preocupou-se com o desenvolvimento máximo das potencialidades humanas. Enquanto um seguidor dos pensamentos da Ética Humanista muito esforçou-se para divulgar seus trabalhos, atos e idéias referentes aos possíveis caminhos rumo a produtividade e a auto-realização. Na obra Análise do Homem, Fromm salienta a importância da psicologia em observar o ser humano em toda a sua amplitude. Sendo a psicologia uma ciência responsável pelo estudo do comportamento humano, Fromm ressalta que também esta deveria preocupar-se em saber como o homem vive e o que deve fazer para viver produtivamente. Para isto faz-se imprescindível a discussão sobre a ética no campo da psicologia. De acordo com Fromm, para o homem ter uma vida produtiva é necessário usar a razão em prol do seu desenvolvimento. As pessoas amadurecidas não necessitam de “forças exteriores” para guiarem seus caminhos e escolhas. O vínculo com o social não acontece pela dependência, mas sim através da vontade esclarecida de conviver, trabalhar, amar e produzir. Tais pessoas estão pautadas nas premissas da ética humanista, da liberdade positiva, do caráter produtivo, do amor, da fé racional, se religiosas são adeptas das religiões humanistas98.. Enfim, as pessoas produtivas dão significado às suas vidas, embora não tenham certezas absolutas. Vivem produtivamente dentro das limitações impostas pelas leis da existência. _____________________ 98. O conceito de Religião Humanista será analisado na obra: Psicanálise e Religião. 72 2.3- Psicanálise e Religião Dando prosseguimento aos seus trabalhos na Fundação Psiquiátrica William Alanson White situada em Nova Iorque e no Colégio Bennington no estado de Vermont, em 1948 Fromm foi convidado para ministrar seminários de psicanálise e religião na Universidade de Yale. A partir destes seminários, em 1950, Fromm publicou a sua obra Psicanálise e Religião, onde o autor faz uma certa revisão dos pensamentos expressos na obra Análise do Homem.99 Porém, em Psicanálise e Religião100 Erich Fromm enfatiza o problema da religião. Para Fromm o problema da religião não se resume ao problema de “Deus”, mas principalmente ao problema do homem, nas suas relações consigo mesmo e com os outros. O mais importante para o autor é reconhecer se a atitude religiosa é “honesta” e genuína, e se concorre para o seu pleno desenvolvimento e felicidade, ou se eqüivale à idolatria permanecendo o ser humano em um estado de alienação e aniquilamento da sua própria individualidade a despeito de forças externas às suas. Fromm também aborda o problema das responsabilidades morais do homem em face das dificuldades do momento presente e procura definir a natureza do fenômeno religioso, que considera como expressão de um anseio fundamental da personalidade humana. As discussões em torno do assunto religioso são dificultadas muitas vezes por um _____________________ 99. Na obra Análise do Homem, Erich Fromm reflete principalmente sobre o problema psicológico da ética; analisa as condições da Natureza Humana e suas principais dicotomias existenciais, além de discutir sobre os tipos de caráter e sobre o conceito de fé racional e irracional. 100. Em Psicanálise e Religião, Erich Fromm ressalta que religião e ética estão intimamente relacionadas, desde que os líderes do poder espiritual têm procurado oferecer ao homem não apenas um objeto de devoção, mas também sistemas de orientação. Desta forma, o leitor poderá perceber de acordo com o prosseguimento desta pesquisa, que os pensamentos de Fromm estão entrelaçados. A maioria das obras do autor faz uma revisão conceitual inevitável. Porém, tal fato contribui para um maior aprofundamento e entendimento frente a visão do autor, que tem como a principal característica a análise ampla do ser humano. 73 obstáculo terminológico. Embora o pensamento ocidental reconheça a existência de muitas religiões não monoteístas, a tendência é considerar a religião monoteísta como ponto de referência para a compreensão de todas as outras religiões.101 Deste modo torna-se duvidoso usar o termo religião para sistemas espirituais em que, como no budismo, taoísmo e confucionismo, não existem divindades. Fromm esclarece o seu entendimento por religião da seguinte forma: Entendo por religião qualquer sistema de pensamento e ação seguido por um grupo, e capaz de conferir ao indivíduo uma linha de orientação e um objeto de devoção. Não existe, na verdade, qualquer cultura do passado, e parece-nos que não existirá no futuro, de que a religião, no sentido extenso da nossa definição, deixe de ser parte integrante.102 Segundo Fromm, o estudo do homem permite reconhecer que a necessidade de um sistema comum de orientação e de um objeto de devoção está profundamente enraizada nas condições da existência humana.103 Neste sentido, o ser humano não pode escolher entre ter ou não ter ideais, pois todos os homens são idealistas, mas o homem é “livre” para escolher entre os vários tipos de ideais. Pode escolher devotar-se ao culto de uma força exterior autoritária, ou pode preferir cultivar a razão e o desenvolvimento interior. Desta forma, todos os tipos de ideais, incluindo os das ideologias seculares, precisam ser entendidos como expressões da mesma necessidade humana, e devem ser vistos em relação à verdade que encerram. Para Fromm, tanto a necessidade de ter ideais quanto a necessidade _____________________ 101. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 29. 102. Ibid., p.30. 103. Ver através das páginas 61-65 da presente pesquisa as questões sobre as necessidades da natureza humana de um sistema de orientação e um objeto de devoção na obra anteriormente apresentada Análise do Homem. 74 religiosa, provêm da mesma necessidade de crença, de um sistema de orientação e de um objeto de devoção. Porém, é necessário perceber se tais ideais têm levado o ser humano rumo ao seu aperfeiçoamento ou à sua estagnação.104 A importante questão para Fromm não é a presença ou ausência de religião, mas sim a espécie de religião. O homem pode adorar animais, árvores, ídolos de ouro ou pedra, um Deus invisível, um homem moralmente superior, ou líderes diabólicos; os objetos da devoção podem ser os ancestrais, a nação, a própria classe social, ou partido político, dinheiro, e até mesmo o sucesso; a religião pode conduzir no sentido da destruição ou do amor, da dominação ou da fraternidade; pode desenvolver os poderes racionais ou paralisá-los; tanto é possível que o homem reconheça o seu sistema como de natureza religiosa, embora diferente dos seculares, quanto pensar que não tem religião alguma, e interpretar sua devoção a certas forças, como por exemplo o dinheiro e o sucesso, como simples preocupação pelo aspecto pragmático da vida. O importante é saber a espécie de religião; é saber se a religião escolhida concorre realmente para o desenvolvimento das potencialidades humanas, ou ao contrário, para a sua paralisação.105 Do mesmo modo que o psicólogo deve preocupar-se com a questão da ética, deve também preocupar-se com o conteúdo da religião, pois é importante saber qual a atitude emocional que se exprime pela religião, e quais os efeitos positivos e negativos que determinada crença tem sobre o ser humano. Para tal análise, Erich Fromm faz a distinção entre as religiões autoritárias e as religiões humanistas. Nas religiões autoritárias toda a ênfase encontra-se no reconhecimento de que o homem é dirigido por um poder exterior que é capaz de controlá-lo e dirigi-lo. Tal poder exige uma atitude de obediência, reverência e devoção por parte daqueles que a ele estão submetidos, sendo que a falta de respeito e obediência constituem pecado.106 Portanto, o elemento essencial na religião _____________________ 104. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 33-34. 105. Ibid., p. 35. 106. Ibid., p. 56. 75 autoritária e nas experiências de tal natureza é a submissão a um poder transcendental. Enquanto postula que a divindade é onisciente e onipresente, concebe o ser humano como insignificante e fraco. Nestes casos, o homem somente sente-se forte quando amparado pela divindade, graças à submissão, que lhe “arranca” a integridade enquanto indivíduo, mas que lhe oferece uma “proteção divina”.107 Segundo Fromm, na teologia calvinista pode ser encontrada uma representação do sentimento teísta autoritário quando Calvino ressalta que o conceito de humildade é: (...) a submissão sistemática de quem se sente dominado por uma profunda certeza da sua miséria; pois esta é a definição uniforme de humildade, nas palavras do próprio Deus.108 Para Fromm a experiência que Calvino descreve, de desprezo pela personalidade humana, representa a essência de todas as religiões autoritárias, independente de usarem uma linguagem secular, ou uma linguagem teológica. Nas religiões desse tipo, Deus é símbolo de poder e força, enquanto o homem mostra-se infinitamente fraco e dependente. A religião humanista, ao contrário, está centralizada pela idéia do homem e das suas potencialidades. O homem deve desenvolver a força da sua razão, para que possa entender a si próprio, as suas relações com os seus semelhantes e o lugar que ocupa no universo. Fromm ressalta que o homem deve reconhecer a verdade, tanto no que se refere às suas limitações, como às suas potencialidades. A experiência religiosa, nessa espécie de religião, é a experiência de união com o universo, como o homem o concebe e sente. Na religião humanista o objetivo _____________________ 107. A submissão a uma autoridade poderosa constitui um dos mecanismos de fuga à liberdade como anteriormente foi analisado na obra, O Medo à Liberdade. O leitor poderá retornar às páginas 49-54 da presente pesquisa onde o assunto da submissão é abordado de forma mais detalhada. 108. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 46-47. 76 humano consiste em atingir a máxima força. A virtude da religião humanista é a realização pessoal, e não a passividade da obediência. A fé, na religião humanista é a racional,109 ela está alicerçada na convicção obtida através das experiências intelectuais e emocionais, ao passo que na religião autoritária o homem aceita proposições porque acredita em quem as formulou. Na religião autoritária, o que predomina é a tristeza e a culpa. Na religião humanista, Deus aparece como símbolo dos próprios poderes humanos, do que o homem procura realizar na vida, e não como símbolo de força e dominação. Fromm ilustra as religiões humanistas dando como exemplo o budismo, o taoísmo, os ensinamentos de Isaías, Jesus, Sócrates, Spinoza, como também o lado místico da crença judaica e cristã.110 Enquanto que na religião humanista Deus constitui a imagem do Eu superior do homem, na religião autoritária Deus aparece como monopolizador do que pertencia originariamente ao homem: a sua razão. Neste sentido, quanto mais perfeito se torna Deus, mais imperfeito parece o homem. Este projeta o melhor da sua natureza na figura de Deus, e fica empobrecido.111 A divindade passa a ter todo o amor, toda a sabedoria e justiça, e o homem perde essas qualidades, ficando vazio e pobre. Nesse processo de separação das suas potencialidades, ele se aliena de si mesmo. Nesta espécie de crença o homem passa a ficar tão distante de si, que a única via de acesso a ele mesmo passa a ser através da divindade. Quando adora tal divindade, o homem procura entrar em contato com uma parte de si mesmo, a parte perdida pelo mecanismo de projeção. Para ter de volta um “pedaço” de si é necessário reconhecer que somente pela graça de Deus poderá reconquistar um pouco das suas qualidades. _____________________ 109. Ver o conceito de fé racional que consta na obra, Análise do Homem, nas páginas 69-71 da presente pesquisa. 110. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 47-49. 111. Ibid., p. 61-62. 77 De acordo com Erich Fromm, as religiões autoritárias estimulam a dependência humana. É fato que o homem está sujeito à morte, ao envelhecimento e à doença, mas uma coisa é reconhecer a dependência do homem e suas limitações, e outra é estimular essa dependência e cultuar as forças que escapam ao seu controle. Compreender realisticamente, e nas justas proporções, as limitações humanas faz parte essencial da sabedoria adulta, mas adorar essas limitações constitui atitude masoquista e autodestrutiva. O desenvolvimento completo da razão depende da obtenção de plena liberdade e independência. Até que esse fato seja conseguido, o homem terá a tendência a aceitar como verdade o que a maioria do seu grupo deseja postular como tal. Para Fromm o julgamento do homem é determinado pela necessidade de contato com o grupo e pelo medo de ver-se isolado. Poucos indivíduos podem suportar o isolamento e afirmar a verdade, ante o perigo do ostracismo.112 Porém, se os ensinamentos religiosos estimulam o crescimento, a força, a liberdade, a razão e a felicidade de seus crentes não há motivos para não considerar válida uma crença baseada na produtividade. Mas se contribuem para a constrição das potencialidades humanas, para a infelicidade, alienação e paralisação, não há como considerar tal crença produtiva para o homem, mesmo que algum dogma assim o afirme. Erich Fromm faz uma comparação entre a religião humanista e a psicanálise humanista ressaltando que ambas buscam e acreditam no desenvolvimento das potencialidades humanas. Enquanto a psicanálise trabalha de forma terapêutica para “libertar” o sujeito das suas próprias mazelas inconscientes rumo à sua liberdade, a religião humanista trabalha promovendo a reflexão, a independência e a liberdade. Ambas, psicanálise e religião humanista, visam estimular que o homem por si mesmo seja capaz de distinguir a voz madura e sábia da sua _____________________ 112. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 73. 78 própria consciência. Tanto no pensamento religioso humanista como na psicanálise humanista, a habilidade humana de procurar a verdade113 é considerada como inseparavelmente ligada à concepção de liberdade e independência. A função do analista é ajudar o indivíduo a obter um conhecimento profundo sobre si mesmo e sobre o ambiente que o cerca. Procurar torná-lo forte e apto a ver a verdade, a amar, a tornar-se livre e responsável, e a viver de acordo com a sua consciência. Nesse sentido, Fromm pontua que a psicanálise tem uma função religiosa humanista e vice-versa.114 Vale ressaltar que Erich Fromm cresceu num ambiente familiar rodeado pelos ritos e regras do judaísmo ortodoxo que não lhe permitia ir além do que lhe era ensinado. Já na adolescência, descontente com o clima religioso autoritário que o cercava, Fromm passou a estudar outras religiões. Sua primeira busca por pensamentos religiosos diferentes dos até então aprendidos aconteceu em 1920, através do Dr. Salman Baruch Rabinkou115, um professor de Talmude que lhe passou as idéias messiânicas dos profetas. A partir do contato com tais idéias116 Fromm passou a refletir sobre a razão e o amor117; sentiu-se também impulsionado a pesquisar outras religiões, observando quais eram capazes de estimular a produtividade e quais paralisavam as forças internas do homem. _____________________ 113. O conceito de verdade que aqui está sendo abordado, refere-se à questão de saber se o motivo dado por uma pessoa, como razão para as suas ações, constitui a motivação mais importante. Não se trata da verdade da afirmação racionalizada em si mesma. Por exemplo, se alguém, que tem medo de encontrar uma pessoa, explicará que evitará o encontro porque está chovendo, trata-se de racionalização. A razão legítima é o seu medo, não a chuva, mas a afirmação racionalizada, isto é, que está chovendo, pode ser verdadeira em si mesma. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 74. 114. Erich FROMM, Psicanálise e Religião, p. 116. 115. Rainer FUNK, Erich Fromm: His life asd ideas, p. 36. 116. Ver a página 17 desta pesquisa, onde encontra-se uma citação dos pensamentos messiânicos estudados por Fromm. 117. Na obra, A Arte de Amar, a pesquisa irá analisar o conceito do autor sobre o amor e a sua importância na vida do ser humano. 79 III- A PSICANÁLISE HUMANISTA, O AMOR E A AUTO-REALIZAÇÃO 3.1- Psicanálise da Sociedade Contemporânea Em 1950 Fromm e sua esposa Henny Gurland mudaram-se para o México em busca de uma clima mais ameno, onde Henny pudesse tratar os sintomas decorrentes da sua artrite.118 Apesar de todos os esforços de Erich Fromm, Henny faleceu no dia 04 de junho de 1952. Após a morte de sua esposa, Fromm continuou morando e trabalhando no México. Em 1951 ele havia iniciado um trabalho de coordenação e de formação de psicanalistas mexicanos. A primeira turma dos novos psicanalistas teve sua formação concluída em 1956. Em 1953 Fromm começou a desenvolver suas idéias sobre a responsabilidade do homem moderno em uma sociedade cujo interesse principal está na produção econômica e não no aprimoramento do valor humano. Neste contexto Fromm publica, em 1955, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, onde o autor trabalha o seu conceito de alienação, como também reforça a sua reflexão sobre a natureza humana, que foi exposta na obra Análise do Homem e dá continuidade aos seus pensamentos sobre a fuga à liberdade produtiva discutidos em O Medo à liberdade,119 além de desenvolver os conceitos básicos da psicanálise humanista. Com o seu olhar de sociólogo voltado para o exterior e o seu olhar de psicanalista voltado para o interior, Fromm escreve mais uma obra na qual o ser humano é abordado de forma ampla. _____________________ 118- Rainer FUNK, Erich Fromm: His life and ideas, p. 134. 119. No prefácio da obra, Psicanálise da Sociedade Contemporânea Erich Fromm ressalta que tal livro é uma continuação de O Medo à liberdade e Análise do Homem. Nestas três obras Fromm salienta as condições da natureza humana, a necessidade de orientação, os tipos de caráter, os mecanismos de fuga à liberdade e os possíveis caminhos que levarão os homens a uma maior produtividade e auto-realização. 80 Dando continuidade aos pensamentos expressos em O Medo à Liberdade e Análise do Homem, Fromm ressalta na obra Psicanálise da Sociedade Contemporânea que quando o homem nasce, tanto como espécie quanto como indivíduo, o mesmo é arrancado de uma situação definida e lançado em outra situação, que é indefinida, incerta e aberta.120 Tal situação humana difere, a esse respeito, da de todos os demais organismos, ou seja, permanece em estado de desequilíbrio constante e interminável. Esse desequilíbrio humano é causado pelo mesmo motivo que também o faz crescer e desenvolver: a razão. Segundo Fromm, a autoconsciência e a imaginação romperam com a harmonia característica da existência animal. Ao mesmo tempo que a razão libertou o ser humano da determinação instintiva animal, também o aprisionou na sua angústia existencial. O homem tem consciência da sua morte e nada de concreto pode fazer para mudar seu fim. Não pode voltar ao estado pré-humano de harmonia com a natureza. Ao contrário precisa prosseguir no aprimoramento de sua razão até tornar-se o senhor da natureza e de si mesmo.121 De acordo com os preceitos da psicanálise humanista, a necessidade de encontrar soluções sempre renovadas para as contradições da existência, bem como de encontrar formas cada vez mais elevadas de unidade com a natureza, com seus próximos e consigo mesmo, deve ser a fonte de todas as forças psíquicas motivadoras do homem, de todas as suas paixões, seus afetos e ansiedades. Desta forma, para Fromm o conhecimento da psique humana tem de basear-se na análise das necessidades do homem resultantes das condições de sua existência. Fromm aponta que a vida do ser humano é determinada pela inevitável alternativa entre a _____________________ 120. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 38. 121.Contudo, o homem pode seguir o caminho que o levará ao crescimento e à produtividade, através da utilização da razão humanista, ou pode devido a questões individuais e sociais acabar por seguir as orientações improdutivas e os mecanismos de fuga à liberdade positiva como foi visto nas obras, O Medo à Liberdade e Análise do Homem. 81 regressão e a progressão, entre a volta à existência animal e o alcance da existência humana. De acordo com os pensamentos de Fromm qualquer tentativa de regresso ao estado de harmonia antes do nascimento do homem122 é penosa, conduzindo inevitavelmente ao sofrimento e à patologia. A única opção saudável, mesmo que ainda dolorosa para o homem, é seguir adiante; é promover suas potencialidades; é reconhecer sua finitude e querer desenvolver-se ao máximo enquanto vida nele houver. Diferentemente dos demais animais o ser humano não resolve o problema da sua existência somente com a satisfação das suas necessidades instintivas. O homem transcende as mesmas. Suas paixões e necessidades mais intensas não são somente aquelas que estão arraigadas em seu corpo, mas na própria peculiaridade de sua existência.123 Em tal peculiaridade da existência humana encontra-se a chave da psicanálise humanista, que visa analisar o homem levando em consideração o início da sua condição humana, para então, observá-lo socialmente e individualmente no intuito de promover sua saúde emocional. Para Fromm todas as paixões e esforços do homem são tentativas para encontrar uma resposta para a sua existência ou, para evitar a loucura. Tanto a pessoa mentalmente sadia como a que sofre de alguma patologia emocional são impelidas pela necessidade de encontrar respostas. A diferença entre elas está na busca pelas respostas e não necessariamente nas perguntas.124 A pessoa sadia procurará respostas para suas questões desenvolvendo sua reflexão e suas potencialidades, enquanto quem sofre de algum tipo de patologia emocional encontra-se, _____________________ 122. Segundo Fromm este nascimento pode representar tanto o advento da espécie humana, como também o nascimento individual. Em ambos, antes do nascimento, ou seja, antes da separação inicial havia o estado de harmonia. Tal harmonia é quebrada a partir do momento que o sujeito passa a ter consciência sobre si enquanto um indivíduo separado. Erich Fromm, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 39-40. 123. Erich Fromm, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 41. 124. Ibid., p. 41-42. 82 geralmente preso a rituais irracionais individuais e sociais125 .Todas as culturas oferecem um sistema modelado no qual certas soluções são predominantes. As religiões primitivas, as teístas e as não-teístas são todas tentativas de encontrar uma solução para o problema da existência do homem. Para Fromm todas as culturas têm a mesma função, a diferença está apenas no tipo de solução apresentada. No sentido de conferirem um sistema de orientação, as culturas passam a ser “religiosas”126 e todas as patologias emocionais representam uma forma privada de religião.127 A necessidade de unir-se a outros seres vivos e de relacionar-se com eles é uma necessidade imperativa da qual depende a saúde mental do homem. Essa necessidade está por trás de todos os fenômenos que constituem toda a gama de relações humanas íntimas. Segundo Fromm, há várias maneiras pelas quais essa união pode ser buscada e alcançada. O homem pode tornar-se uno com o mundo pela submissão a uma pessoa, a um grupo, a uma instituição ou a uma religião. Dessa forma ele transcende a separação de sua existência individual por tornar-se parte de alguém ou de algo maior do que ele próprio, experimentando a identidade por intermédio do poder a 128 que se tenha submetido. Outra possibilidade de superar a separação está na orientação oposta: O homem pode tentar unir-se ao mundo pelo poder sobre ele, por tornar os demais uma parte de si, e assim transcender a sua existência individual pela dominação.129 _____________________ 125. No que diz respeito aos rituais irracionais individuais, Fromm aponta os rituais praticados em alguns tipos de neuroses, onde a pessoa não sabe racionalmente o porquê dos seus atos, como por exemplo, o neurótico obsessivo compulsivo e a sua compulsão obsessiva no ato de lavar as mãos. No que se refere aos rituais irracionais sociais Fromm exemplifica religiões autoritárias, onde seus praticantes também não refletem racionalmente sobre seus atos, apenas obedecem a uma ordem externa. Fromm aborda tais questões em sua obra, Análise do Homem, p. 173-179. 126. ver o conceito de religião para Erich Fromm na p. 73 desta pesquisa. 127. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 42. 128. Ibid., p. 43. 129. Ibid., p. 43. 83 Fromm ressalta que o elemento comum à submissão e à dominação é a natureza simbiótica da relação, ou seja, as pessoas envolvidas perderam sua integridade e liberdade. Conquanto esse tipo de relação tende a criar a sensação de união, elas destroem a sensação de integridade e liberdade. Para Fromm somente um tipo de relacionamento pode satisfazer à necessidade humana de unir-se com o mundo de uma forma produtiva, adquirindo, ao mesmo tempo, sensação de integridade e individualidade: o amor.130 O autor entende por amor a união com alguém, ou algo, fora da criatura, sob a condição de manter a separação e integridade própria. Ressalta que é uma sensação de partilha, de comunhão, que permite a plena manifestação da atividade interior.131 Outro aspecto da situação humana, estreitamente ligado à necessidade de relação, é a situação do homem como criatura e a sua necessidade de transcender esse mesmo estado de criatura passiva. O homem é lançado neste mundo sem seu conhecimento, consentimento ou vontade. A esse respeito, ele não difere dos demais animais, das plantas e da matéria orgânica. Mas, por ser dotado de razão e imaginação, não se pode contentar com o papel da criatura. Desta forma, o homem é movido pelo impulso de transcender o papel da criatura, o caráter acidental e a passividade de sua existência, procurando tornar-se um criador.132 Criar pressupõe atividade e zelo. Segundo Fromm, pressupõe também amor por aquilo que se cria. Contudo, quando o homem não é capaz de criar e de amar, ele pode submeter-se a forças externas, pode dominar coisas e pessoas e pode também destruí-las. Fromm salienta que destruir a vida também é uma _____________________ 130. Aqui o autor concede uma prévia do seu conceito de amor. Este será o assunto da próxima obra a ser analisada pela presente pesquisa intitulada como: A Arte de Amar. 131. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 44-45. 132. Ibid., p. 48-49. 84 forma de transcendê-la. A vontade de destruir está arraigada na natureza humana, assim como também o está o impulso criador. A criação e a destruição, o amor e o ódio não são dois instintos que existam independentemente. Para Fromm ambos são soluções para a mesma necessidade de transcendência, e a vontade de destruir cresce quando não pode ser satisfeita a vontade de criar. Porém, a satisfação da necessidade de criar conduz à produtividade e ao crescimento; a destruição conduz à paralisação e ao sofrimento.133 O homem se encontra rodeado de inúmeros fenômenos enigmáticos e, dispondo do uso da razão, tem de procurar entendê-los, tem de incluí-los em um contexto que lhe seja compreensível e lhe permita manejá-los em seus pensamentos. Ainda que os sistemas de orientação e devoção apresentados ao homem sejam ilusórios, satisfazem à sua necessidade de um quadro para ele significativo. Acredite ele no poder de um animal totêmico, em um deus da chuva ou na superioridade do destino de sua raça, fica satisfeita a sua necessidade de uma estrutura de orientação. Porém, Fromm salienta que quanto mais se desenvolver a razão humanista, tanto mais adequado à realidade se tornará o sistema de orientação. A razão humanista, ou seja, o uso racional da utilização máxima das forças humanas produtivas, leva o ser humano ao seu desenvolvimento e auto-realização. Através da sua liberdade positiva o homem consegue escolher sistemas de orientação que são capazes de promover e manter a sua saúde mental, ao invés de ficar dependente de sistemas ilusórios, ainda que estes sejam capazes de oferecer algum tipo de resposta134 . Para Fromm a saúde mental se caracteriza pela capacidade de amar e criar, pela libertação dos vínculos de dependência, por uma sensação de liberdade e identidade baseada no sentimento _____________________ 133. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 50. 134. Ibid., p. 73. 85 de si mesmo como sujeito e agente das capacidades próprias, pela captação da realidade interior e exterior, isto é, pelo desenvolvimento da objetividade e da razão. Segundo o autor, este conceito de saúde mental coincide com as normas postuladas pelos grandes mestres espirituais da humanidade. (...) Nos pontos mais diversos deste mundo e em épocas muito diferentes da História, os iluminados formularam as mesmas normas sem nenhuma ou com remotíssima influência entre si. Moisés, Confúcio, Lao-tse, Buda, Isaías, Sócrates e Jesus postularam as mesmas normas para a vida humana, com diferenças somente muito pequenas e insignificantes. 135 Erich Fromm faz uma reflexão sobre a alienação e a saúde mental do homem moderno, na qual ele ressalta o seu conceito de alienação: Entendemos por alienação um modo de experiência em que a pessoa se sente como um estranho. Poder-se-ia dizer que a pessoa se alienou de si mesma. Não se sente como centro de seu mundo, como criadora de seus próprios atos, tendo sido seus atos e as conseqüências destes transformados em seus senhores, aos quais obedece e aos quais quiçá até adora. A pessoa alienada não tem um contato produtivo consigo mesma e também não o tem com nenhuma outra pessoa.136 Segundo Fromm, a vida moderna traz em si um aspecto específico, que é a rotinização e a repressão da consciência dos problemas básicos da existência humana.137 O homem moderno ocupa-se integralmente com as numerosas tarefas da vida diária que consomem tempo e energia. Ele se vê envolvido em rotinas que passam a ser necessárias à realização de suas tarefas. Constrói uma ordem social, convenções, hábitos e idéias que o ajudam a fazer o que é necessário e a viver com os seus semelhantes com um mínimo de atritos. Para Fromm é característica de toda cultura a construção de um mundo artificial, feito pelo homem que se sobrepõe ao mundo _____________________ 135. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 78. 136. Ibid., p. 124. 137. Ibid., p. 145. 86 natural em que ele próprio vive. Porém, o homem só pode realizar-se a si mesmo se está em contato com os fatos fundamentais de sua existência, se pode experimentar a exaltação das suas atividades produtivas, como o amor e a solidariedade, bem como o fato trágico de sua solidão e do caráter fragmentário de sua existência.138 Fromm ressalta que se o homem estiver completamente envolvido pela rotina e pelos artefatos da vida, se não puder ver mais que a aparência do mundo, feita por ele mesmo e acomodada ao senso comum, então o mesmo perdeu seu verdadeiro contato com o exterior e com a percepção de si mesmo. Neste contexto, a alienação tem um efeito sobre a saúde mental do homem moderno. A pessoa alienada, segundo Fromm, não pode ser sadia. Como sente a si mesma como uma coisa, como uma inversão que pode ser manipulada por ela própria ou por outros, carece de sentido do eu, carência essa que cria profunda ansiedade. A pessoa alienada se sente inferior sempre que se crê em desacordo com os demais. Como o seu sentido de valor se baseia na aprovação como recompensa pela conformidade, sente-se naturalmente ameaçada em sua apreciação do eu e em sua auto-estima, por qualquer sentimento, idéia ou ato de que se pudesse suspeitar ser um desvio. Desta forma, tem que se esforçar ao máximo para adaptar-se, para ser aprovada, para ter êxito. Não é voz da consciência que vem comunicar força e segurança, mas a sensação angustiante de imaginar-se sozinho e sem contato com o grupo.139 O ser alienado está no lado oposto do que Erich Fromm considera como saúde mental, já que tal conceito também está baseado nas _____________________ 138. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 145-146. 139. A questão da solidão nos remete aos pensamentos de Fromm que anteriormente foram vistos em, O Medo à Liberdade, Análise do Homem e Psicanálise e Religião, onde o autor reflete sobre a tentativa humana de retornar à harmonia existencial que foi quebrada com o advento da razão. Para Fromm o homem pode escolher assumir as dores e as alegrias da sua realidade existencial, através do amor, da razão humanista, do desenvolvimento das suas potencialidades internas e de relacionamentos saudáveis, ou pode alienar-se, paralisar-se internamente e obter respostas ilusórias e compensatórias aos mais diversos tipos de ansiedade, como em relacionamentos e religiões autoritárias, sistemas individuais irracionais como as neuroses e dependências psíquicas e materiais diversas. 87 premissas da sua visão humanista. Somente o olhar profundo voltado para o interior e o exterior pode conferir ao homem a possibilidade do seu desenvolvimento e da sua auto-realização. Ao construir a nova máquina industrial, o homem tornou-se tão absorvido pela nova tarefa que ela se tornou o mais importante objetivo de sua vida. Suas energias, antes devotadas à procura de Deus, foram dirigidas para o domínio da natureza e a conquista de conforto material. Deixou de usar a produção como um meio para uma vida melhor, transformando-a em um fim em si, um fim ao qual a vida está subordinada. A felicidade para o espírito do homem moderno tornou-se idêntica ao consumo de mercadorias novas e melhores, como à ingestão de diversões, sexo, bebidas e drogas. Desta forma, sem uma profunda noção do seu eu, o homem moderno encontra-se inseguro, ansioso e dependente de aprovação. Está alienado de si, adora o produto de suas próprias mãos, como no caso da idolatria religiosa. Adora da mesma forma os líderes por ele produzidos, como se estivessem acima dele e não tivessem sido por ele feitos. Segundo os pensamentos de Fromm expressos na conclusão desta obra, a alternativa para uma vida mais humanizada encontra-se no estímulo das esferas individuais, bem como nas transformações das esferas econômica, política e cultural.140 Somente através de uma mudança profunda o homem moderno deixará de idolatrar o produto do trabalho de suas próprias mãos. Somente através da formulação de uma sociedade mais sadia o homem será estimulado a relacionar-se com os demais de uma forma mais solidária e construtiva e, a partir de então, terá a possibilidade de transcender a natureza pela criação e não pela dependência ou pela aniquilação. O advento de uma vida mais humanizada não representará o fim dos conflitos humanos, pois é destino do homem defrontar-se com contradições, mas seus poderes internos e externos poderão estar voltados para o crescimento e não para a destruição. _____________________ 140. Erich FROMM, Psicanálise da Sociedade Contemporânea, p. 345. 88 3.2- A Arte de Amar Em 1953 Erich Fromm casou-se com Annis Freeman. Uma mulher que tinha ideais parecidos com os seus. Annis estava interessada em assuntos da política internacional, como também na diversidade das culturas e nas múltiplas formas de organização social.141 Fromm a via como uma companheira, tanto nas discussões científicas, como na vida pessoal. Em 1956, quando Fromm publicou a obra A Arte de Amar, Annis foi considerada pelo seu marido como a sua musa inspiradora no desenvolvimento da “arte de amar.”142 Fromm e Annis permaneceram juntos por 28 anos até a morte de Erich Fromm em 1980. Em tal obra o autor preocupa-se em ressaltar que o amor é a única resposta sadia e satisfatória para o problema da existência humana e que poucos são capazes de amar genuinamente. Reflete também sobre o amor como sendo uma arte, além de discutir sobre o amor de Deus. Desde a sua primeira publicação em 1956 a obra, A Arte de Amar, foi traduzida para mais de cinqüenta línguas diferentes e teve mais de vinte e cinco milhões de cópias vendidas.143 Para Fromm o amor é visto como uma arte. O autor ressalta que se quisermos aprender como se ama, devemos agir da mesma forma como quem deseja aprender qualquer outra arte, seja ela a música, a pintura ou a arte da medicina ou da carpintaria. Fromm reforça que toda arte para ser verdadeiramente aprendida necessita, além de uma parte teórica e outra prática, muita disciplina e determinação, assim também deve acontecer na arte de amar. Sobre o problema da existência humana, Fromm aponta que sendo o homem dotado de _____________________ 141. Rainer FUNK, Erich Fromm: His Life and Ideas, p. 136. 142. Para ele o amor é uma resposta amadurecida ao problema da existência. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 14. 143. Rainer FUNK, Erich Fromm: His Life and Ideas, p. 138. 89 razão tem consciência de si e dos seus semelhantes, do seu passado e das possibilidades do seu futuro, como também da sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da sociedade. Tudo isso faz de sua existência uma efêmera, desunida e angustiante passagem. Para amenizar a dor de existir, o ser humano necessita estabelecer relações com seus semelhantes e com o mundo externo.144 Desta forma, uma das mais profundas necessidades do homem é a de superar sua separação existencial145 e os sentimentos advindos desta separação, que são a solidão e a angústia. O caminho mais profundo e completo para responder ao problema da existência está na realização da unidade interpessoal, da fusão com outra pessoa: está no amor. Fromm pontua que a falência absoluta em alcançar esse alvo significa a instalação da loucura, pois o pânico do isolamento completo só pode ser ultrapassado por um afastamento do mundo exterior de tal modo radical que o sentimento da separação desapareça. Isso somente ocorre quando o mundo exterior, de que se está separado, também tenha desaparecido.146 O desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem. Segundo Fromm, é a paixão mais fundamental, é a força que conserva junta a raça humana. O fracasso em realizá-la significa loucura ou destruição. Sem amor, a humanidade não poderia existir.147 O amor é uma força ativa no homem capaz de uni-lo aos seus semelhantes. O amor leva o ser humano a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo e reter sua _____________________ 144. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 17. 145. Ver as páginas 47-51 da pesquisa, onde é abordada a separação do estado harmonioso do homem com a natureza. 146. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 19. 147. Fromm trabalha com o seu conceito de amor (vide notas 142 e p. 89) e prefere não deter-se às discussões semânticas sobre o que pode ou deve ser chamado de amor. Da mesma forma, o autor fez com o seu conceito de religião em Psicanálise e Religião. Ao invés de discutir amplamente sobre o que poderia ou não ser chamado de religião, Fromm procurou concentrar sua atenção no tipo de religião (ver páginas 74-76). Preferiu observar se a religião concorria para a produtividade ou estagnação do ser humano. Erich Fromm assim também procedeu em, A Arte de Amar, onde se preocupa principalmente em discutir sobre a espécie de amor. 90 individualidade e integridade. Para Fromm, no amor ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois.148 Este tipo de amor genuíno e profundo é vivenciado pelas pessoas orientadas pelo caráter produtivo,149 em que a doação de sentimentos não é vista como uma ameaça a integridade do indivíduo, mas sim como a expressão máxima de sua vitalidade. Além da doação, o caráter ativo do amor torna-se evidente no fato de implicar certos elementos básicos, comuns a todas as formas de amor, sendo eles: o cuidado, a responsabilidade, o respeito e o conhecimento. Para Fromm esses elementos são encontrados nas relações orientadas pelo caráter produtivo, independentemente do tipo de amor como: no amor fraternal das religiões humanistas; no amor erótico das relações amadurecidas; no amor cuidadoso entre amigos, pais e filhos; no amor responsável ao executar um trabalho e no amor próprio, em que amar a si mesmo representa o início da prática na arte de amar. O egoísmo e o amor próprio, longe de serem idênticos, são efetivamente opostos.150 A pessoa egoísta só se interessa por si mesma, não sente prazer na doação, ao contrário sente-se poderosa quando toma algo de alguém para si; falta-lhe interesse pelas necessidades alheias, respeito por sua dignidade e integridade. Não pode ela ver senão a si mesma; julga tudo e todos pela utilidade que lhe possam ter. Para Fromm tais pessoas são incapazes de amar genuinamente. Segundo Fromm, a base da necessidade de amar reside na experiência da separação e na necessidade resultante de superar a ansiedade da separação pela experiência de união.151 Neste contexto a forma religiosa de amor, que se chama Deus, não é diferente. Em todas as religiões teístas, sejam politeístas ou monoteístas, Deus representa o mais alto valor e o bem mais _____________________ 148. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 32. 149. Ver o conceito de caráter produtivo nas páginas 68-69 desta pesquisa. 150. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 76-77. 151. Ibid., 80. 91 desejável. Para Fromm a compreensão do conceito de Deus depende do grau de maturidade alcançado pelo indivíduo e, daí, como o mesmo percebe o conceito de Deus e como é vivenciado o seu amor em relação a Deus.152 Segundo Fromm, as religiões monoteístas, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo representam fortes traços de uma sociedade patriarcal. Para o autor, no desenvolvimento da história da religião patriarcal houve uma mudança considerável do conceito de Deus. No começo encontra-se um Deus ciumento, despótico, que considera o homem, por ele criado, como propriedade sua, tendo o direito de fazer com ele o que lhe aprouver. Esta é a fase da religião em que Deus expulsa o homem do paraíso, para que ele não coma da árvore do conhecimento e assim não fique igual a Deus; é a fase em que Deus decide destruir a raça humana pelo dilúvio, porque ninguém lhe agrada, com exceção do filho favorito, Noé; é a fase em que Deus exige de Abraão que mate seu único e amado filho Isaac, para provar seu amor a Deus através do ato da extrema obediência. Mas, simultaneamente, nova fase começa. Deus faz uma aliança com Noé, em que promete nunca voltar a destruir a raça humana. Desta forma, Deus, vendo-se obrigado por seu próprio princípio da justiça, concede ao pedido de Abraão para que poupe Sodoma.153 O desenvolvimento culmina na transformação de Deus e do seu caráter despótico em uma figura amorosa. Deus é verdade, Deus é justiça. Deus torna-se um símbolo do princípio de unidade, passando a ser inominável.154 (...) Deus torna-se amor, verdade e justiça. Torna-se Eu, da mesma forma que sou humano. Com toda evidência, esta evolução do princípio antropomórfico para o puramente monoteísta faz toda a diferença quanto à natureza do amor de Deus. O Deus de Abraão pode ser amado ou temido como um pai, sendo às _____________________ 152. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 85. 153. Ibid., p. 84-85. 154. Ibid., p. 86. 92 vezes o aspecto predominante a sua misericórdia, ou a sua cólera. Assim como Deus é o pai, eu sou o filho. Não emergi completamente do desejo autístico de onisciência e onipotência. Ainda não adquiri a objetividade de verificar minhas limitações como ser humano, minha ignorância, meu desamparo. Ainda proclamo, como uma criança, que deve haver um pai que me socorra, que me vigie, que, me puna, um pai que goste de mim quando sou obediente, que se lisonjeie com meu louvor e se encolerize com a minha desobediência.155 Para Fromm a maioria das pessoas não suplantou em seu desenvolvimento pessoal essa etapa infantil de dependência. Daí ser a crença em Deus, para a maioria, a crença num pai auxiliador. Apesar de tal conceito ter sido superado por algumas religiões e por uma minoria de crentes, é ele ainda a forma predominante de religião. Segundo Fromm, a pessoa verdadeiramente religiosa, se segue a essência da idéia monoteísta, não pede coisa alguma, nada espera obter de Deus; não ama a Deus como um filho ama seu pai ou sua mãe. Este, porém, adquiriu a humildade de sentir suas limitações até o grau de saber que nada sabe a respeito de Deus, mas ao mesmo tempo tem o estímulo interno para lutar pela justiça e para praticar o amor rumo ao seu desenvolvimento pessoal. Esta passa a ser a única realidade que importa e acaba não falando a respeito de Deus.156 Desta forma, para Fromm, amar a Deus significa, então, ansiar pela obtenção da plena capacidade de amar, pela realização daquilo que “Deus” representa em alguém. A pessoa orientada produtivamente não submete seus pensamentos e ações às forças exteriores e ilusórias, ao contrário está empenhada no seu próprio desenvolvimento que é ampliado através da “arte de amar”. O amor de Deus não é o conhecimento de Deus em pensamento, nem o pensamento do amor de alguém a Deus, mas o ato de experimentar a unidade com Deus. O pensamento só nos pode levar ao conhecimento de não nos poder dar a última resposta. O único meio pelo qual o mundo pode ser aprendido de forma final não está no pensamento, mas no ato, na experiência da unidade.157 _____________________ 155. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 88. 156. Ibid., p. 88-89. 157. Ibid., p. 95. 93 De acordo com os pensamentos de Fromm isto conduz à ênfase sobre o modo reto de viver. Tudo o que há na vida, toda ação pequena, como também toda ação importante, devotamse ao conhecimento de Deus, mas a um conhecimento não necessariamente em reto pensamento, e sim em reta ação. Isto pode ser visto nas religiões orientais.158 Fromm exemplifica que no bramanismo, assim como no budismo e no taoísmo, a meta final da religião não é a crença reta, mas a ação reta. Para ele no Ocidente o amor a Deus acontece através de uma experiência do pensamento. No sistema religioso ocidental predominante, o amor a Deus é essencialmente o mesmo que a crença em Deus, na existência de Deus, na justiça de Deus e no amor de Deus. O amor a Deus é essencialmente uma experiência do pensamento. Nas religiões orientais e no misticismo, o amor a Deus é uma experiência inseparavelmente ligada à expressão do amor no próprio ato de viver.159 Segundo o autor, a natureza do amor dedicado a Deus é correspondente à natureza do amor que o ser humano dedica a si mesmo e ao seu semelhante. O amor é uma capacidade do caráter produtivo e maduro, sendo que grande parte da responsabilidade do tipo da orientação de caráter refere-se ao tipo de estrutura da sociedade. Se a estrutura social é de submissão à autoridade, seu conceito de Deus deve ser infantil e afastado do conceito maduro, porém se a estrutura social promove a independência e a reflexão, seu conceito de Deus tende a ser produtivo e enriquecedor. Para Fromm, o que acontece na sociedade ocidental contemporânea é uma regressão a um conceito idólatra de Deus, e uma transformação do amor de Deus numa relação conveniente a uma estrutura de caráter alienada. As pessoas são ansiosas e não são portadoras de uma fé _____________________ 158. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 95. 159. Ibid., p. 98 94 racional.160 A maioria ainda necessita de uma força externa que seja capaz de orientá-la e que ao mesmo tempo lhe dê respostas prontas. Tais pessoas não são possuidoras de um amor genuíno, pois este reside na doação, na reflexão e na preocupação consigo mesmo e com os outros. Segundo Fromm, aqueles que apenas esperam receber ainda não podem praticar “a arte de amar.” A prática da arte de amar exige a prática da fé racional. Esta é uma convicção enraizada na própria experiência que se tem de pensamento ou sentimento.161 A fé racional não é primordialmente a crença em algo, mas a qualidade de certeza e firmeza que cada um possui. Só quem tem fé em si mesmo é capaz de ser fiel ao outro e amá-lo verdadeiramente. A fé racional tem raízes na atividade produtiva intelectual e emocional. Para Fromm não pode haver um sentimento de amor profundo sem que os envolvidos sejam seres maduros e produtivos, pois amar é um ato de fé. Pessoas maduras e orientadas produtivamente exercitam sua fé em si mesmas e nos seus semelhantes. Se religiosas vivenciam o conceito de Deus através dos seus atos e não exclusivamente através do pensamento; são capazes de agir produtivamente; exercitam a fé racional que está baseada na reflexão e no desenvolvimento das forças internas. São seres que há muito superaram a liberdade das ações instintivas e que dedicam-se à liberdade criadora; são guiados pelos preceitos da ética humanista e estão aptos para a arte de amar. Segundo escreveu Rainer Funk na obra Erich Fromm: His Life and Ideas, ao publicar esta obra Erich Fromm estava praticando e aprimorando na sua vida pessoal a arte de amar. Sua esposa foi sua inspiração ao escrever A Arte de Amar. _____________________ 160. Ver o conceito de fé racional nas páginas 69-71 e 76 desta pesquisa. 161. Erich FROMM, A Arte de Amar, p. 144. 95 3.3- Zen-budismo e Psicanálise A partir de 1956 Fromm passou a ter um contato maior com o mestre Zen Daisetz Suzuki. Erich Fromm estava interessado em conseguir uma maior percepção sobre o seu inconsciente. Passou a analisar seus sonhos e a meditar diariamente acreditando, desta forma, estar aprofundando seus conhecimentos a respeito de si mesmo, como também de tudo e todos a sua volta. Desde adolescente Erich Fromm sentiu-se atraído pelo estudo das religiões. Com o passar do tempo Fromm foi analisando as religiões que realmente contribuíam para o crescimento das forças internas inerentes ao homem denominando-as como religiões humanistas e analisou, da mesma forma, as religiões que faziam por manter a dependência e a paralisação dos seus seguidores chamando-as de religiões autoritárias.162 No que diz respeito as religiões humanistas, Fromm as encontrou principalmente nas tradições místicas,163 como na Cabala, no Sufismo, no Budismo Mahathera e no Zen-budismo. Após um curso sobre Zen-budismo e psicanálise, durante a primeira semana de agosto de 1957, em Cuernavaca, no México, Erich Fromm e Suzuki decidiram escrever o livro Zenbudismo e psicanálise. Neste, Suzuki esclarece o que vem a ser o Zen-budismo e como deve ser experenciada a sua prática. Na segunda parte do livro, na qual a presente pesquisa se deterá, Erich Fromm explica, a partir dos seus estudos com Suzuki, o seu entendimento sobre o zen; ressalta o papel da psicanálise humanista e faz uma comparação entre a semelhança de pensamentos e objetivos da psicanálise com o Zen-budismo. _____________________ 162. Nas páginas 74-77 desta pesquisa encontram-se os conceitos de religião humanista e autoritária. 163. Ao escrever e pontuar as semelhanças entre a psicanálise e o zen-budismo, Erich Fromm não faz referência alguma às outras tradições místicas, apesar destas também serem consideradas pelo autor como religiões humanistas. 96 Para Fromm tanto a psicanálise humanista164 quanto o zen tratam da natureza do homem e de uma determinada prática que conduz à sua transformação. Ambos visam o aperfeiçoamento das forças produtivas humanas, através de uma maior percepção do inconsciente. A psicanálise humanista aspira conseguir a compreensão da natureza humana165, a aspiração da liberdade positiva,166 da felicidade e do amor.167 Nesta mesma linha de pensamento, o zen-budismo busca dar ampla liberdade de ação a todos os impulsos criativos e benévolos inerentes ao ser humano. Seguindo os pensamentos de Suzuki, Fromm define o zen-budismo da seguinte forma: Em sua essência, zen é a arte de descobrir a natureza do próprio ser mostrando o caminho para a libertação. (...) Podemos dizer que zen são todas as energias adequadas e naturalmente armazenadas em cada um de nós, que são, em circunstâncias comuns, tolhidas e desvirtuadas de modo que não podem encontrar um canal apropriado à sua atividade. (...) Por conseguinte, o objetivo do zen é impedir que fiquemos loucos ou emocionalmente aleijados.168 _____________________ 164. Analiso o conceito de psicanálise humanista na p. 80 desta pesquisa. Vale ressaltar que o termo “psicanálise” que está sendo trabalhado pelo autor nesta comparação com o zen-budismo é o seu conceito de psicanálise humanista. Este transcende alguns conceitos postulados pela psicanálise freudiana, como a teoria da libido e a relação terapêutica entre analista e paciente. Erich Fromm busca analisar o homem desde as condições do advento da natureza humana à participação efetiva do ambiente social na construção do tipo da orientação de caráter do sujeito, (ver páginas 66-68 desta pesquisa) para então, analisar cada pessoa em sua individualidade. Para Fromm a pulsão sexual da teoria da libido de Freud representa somente uma parte da totalidade humana e por isso seus pensamentos não se detêm em tal teoria. No que diz respeito à relação terapêutica entre analista e paciente, Fromm segue os pensamentos de seus antecessores Groddeck e Ferenczi (ver p. 22 desta pesquisa) que não viam seus pacientes como objetos, mas como parceiros. Para Fromm é de extrema importância que o analista esteja mais próximo ao seu paciente, ainda que seja necessário manter-se fora da história do mesmo. Desta forma, fica evidente a distância que Fromm toma de pensamentos por ele considerados ortodoxos. A psicanálise humanista de Erich Fromm postula o conhecimento aprofundado da natureza humana e a convivência plena e sadia entre os seres humanos através de uma maior percepção consciente. Esta percepção consciente aprimora-se a partir do momento em que o indivíduo passa a tomar conhecimento acerca do seu inconsciente, que não se restringe à sede da irracionalidade postulada por Freud, mas à representação do homem universal. Segundo Fromm o inconsciente é todo o homem, exceto a parte deste que corresponde à sua sociedade, pois esta é consciente. 165. Falo sobre a compreensão da natureza humana nas páginas 46-48; 61-63 desta pesquisa. 166. Ver o conceito de liberdade positiva nas páginas 50-51 desta pesquisa. 167. Ver o conceito de amor nas páginas 89-90 desta pesquisa. 168. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 142. 97 Segundo o autor, a essência de zen é a aquisição da iluminação, da libertação também denominada como satori.169 Zen é a arte de descobrir a natureza do próprio ser que libera as energias naturais, a fim de expressar profundamente a capacidade de ser feliz e amar. O satori não é um estado de espírito anormal, ao contrário, representa a realização do estado de bemestar.170 É o estado em que a pessoa se acha completamente afinada com a realidade fora e dentro de si mesma. Tal estado permite uma percepção mais aguçada e uma maior facilidade para apreender e compreender os sentimentos internos e tudo o que está a sua volta. Em termos psicológicos, o pleno despertar para a realidade ou a plena libertação traduz-se pela pessoa haver atingido uma orientação plenamente produtiva.171 Em zen o conhecimento de si mesmo é o conhecimento não necessariamente intelectual, mas necessariamente experiencial. Diferente do pensamento ocidental, zen se baseia na premissa de que a resposta definitiva ao problema da existência não pode ser dada pelo pensamento. Para Fromm as respostas intelectuais como “sim” ou “não” são capazes de acomodar o ser humano frente à busca pela auto-realização e pelo crescimento, pois podem surgir como respostas prontas à busca pessoal. A experiência, ao contrário, pode e deve motivar o homem à reflexão, mas ao mesmo tempo o impulsiona a agir e a buscar suas respostas. Por esta razão, de acordo com Fromm, a experiência do satori não pode ser transmitida apenas intelectualmente. _____________________ 169. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 134. 170. Para Fromm “bem-estar” é estar de acordo coma natureza do homem respondendo satisfatoriamente à pergunta existencial: Como superar o sofrimento causado pela experiência da separação, do isolamento? Como é possível encontrar a união com cada ser individualmente, com os outros semelhantes e com a natureza? Segundo Fromm o bem-estar prevaleceria, se cada pessoa conseguisse responder a tal questão produtivamente, ou seja, utilizando ao máximo as potencialidades internas rumo ao crescimento. 171. Analiso o conceito de orientação produtiva na p. 68 desta pesquisa. 98 É uma experiência que nenhuma quantidade de explicações e argumentos poderá tornar inteiramente comunicável a outros, a menos que estes outros já tenham passado por ela. O satori convertido em conceito deixa de sê-lo; e já não será uma experiência zen.172 Segundo Fromm, o máximo que pode ser conseguido através do intelecto são especulações, pois a grandeza Zen encontra-se na experiência e essa é individual, apesar de na prática do zen ser necessária a companhia de um mestre junto ao aluno, a intenção não é a de passar conhecimentos intelectuais, como no Ocidente, mas de mostrar algumas pistas experenciais, para que cada aluno, de acordo com o seu tempo realize o seu próprio despertar.173 Como meta positiva, o objetivo zen é alcançar a “completa segurança” e o destemor frente à existência; é passar do cativeiro à liberdade. Para Fromm zen é uma questão de caráter e não de intelecto. Neste contexto Erich Fromm aponta semelhanças importantes entre a psicanálise humanista e o zen-budismo, como a insistência na independência de qualquer espécie de autoritarismo. Em ambos os sistemas faz-se mister um guia, alguém que já tenha passado pela experiência a qual o paciente ou o discípulo sob os seus cuidados deverá passar. Porém, tanto o psicanalista quanto o mestre zen têm a preocupação e o cuidado constante de estimular a independência e o crescimento individual, sendo este o objetivo final de ambos os sistemas e não a dependência e a paralisação individual, como geralmente acontece nas instituições e nos relacionamentos autoritários. Contudo, ainda que ambos estimulem a independência, esta somente pode ser alcançada através de uma transformação interna e pessoal. Suzuki, assim, pontua a respeito desta relação paradoxal entre mestre e discípulo: _____________________ 172. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 138. 173. Erich Fromm ressalta que os seus conceitos a respeito do satori, que nesta obra foram apresentados, não passam de especulações, pois apesar de praticar o zen Fromm não havia obtido a sua iluminação. 99 Na verdade, nada tenho a transmitir-te e, se tentasse fazê-lo, terias ocasião de transformar-se em objeto de riso. Além disso, o que quer que eu possa dizer-te é meu, e nunca poderá ser teu.174 Outra similaridade entre a psicanálise e o zen-budismo encontra-se na conduta do analista e do mestre zen, na qual ambos pontuam as ficções provindas da mente do paciente ou do discípulo, a fim de que os mesmos sejam capazes de entrar em contato com a realidade sem deturpações individuais e/ou sociais. Porém, o ponto mais importante para Fromm, no que diz respeito às similaridades entre a psicanálise humanista e zen-budismo, reside no fato de que ambos os sistemas, ainda que utilizem caminhos diversos, têm a mesma preocupação final; têm o mesmo objetivo com nomes distintos: a psicanálise humanista tem como meta o desrecalque175 e o zen-budismo o despertar. Sendo o objetivo da psicanálise tornar consciente o inconsciente,176 o desrecalque representa um estado em que se readquire a apreensão imediata e não deformada da realidade. Segundo Fromm, a pessoa que vive em estado de recalcamento é uma pessoa alheada. Projeta seus próprios sentimentos e idéias nos objetos e, então, não experimenta como o objeto dos seus sentimentos, mas é governado pelos objetos carregados com os seus sentimentos.177 Para a psicanálise humanista o desrecalque é capaz de devolver ao homem parte da sua harmonia existencial, pois este passa a se conhecer de forma mais profunda ao analisar o seu inconsciente, passa a perceber e a respeitar mais os seus semelhantes e começa a refletir sobre as suas experiências. _____________________ 174. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 145. 175. Para Fromm o desrecalque consiste no processo de se ter consciência daquilo de que não se tinha consciência, desta forma a realidade deixa de estar alheada. O indivíduo passa a estar aberto e consciente sobre a realidade sem as possíveis deturpações. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 148. 176. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 147. 177. Ibid., p. 148. 100 Para Fromm tornar o inconsciente consciente significa sobrepujar o recalcamento e a alheação. Significa desfazer-se de ilusões e mentiras. Significa ver a realidade como ela é. A mentira só é possível num estado de alheamento, em que só se experimenta a realidade como um pensamento. O processo de se ter consciência daquilo que não se tinha consciência constitui a revolução interior do homem.178 O despertar que é almejado pelos discípulos da prática zen-budista tem como meta desfazer-se de ilusões e ficções. Visa a liberdade humana, que acontece através da percepção da própria realidade e da realidade do mundo em toda a sua profundeza. De acordo com os ensinamentos de Suzuki, Erich Fromm faz a seguinte especulação sobre a iluminação: O objetivo de zen é a iluminação: a apreensão imediata da realidade, sem a contaminação afetiva e social que acontece através da intelectualização. É a realização da relação entre o eu e o Universo. Essa nova experiência é uma repetição da apreensão pré-intelectual, imediata, da criança, porém num novo plano, o plano do desenvolvimento completo da razão, da objetividade e da individualidade do homem. Enquanto que a experiência da criança, de imediação e unidade, ocorre antes da experiência do alheamento e da cisão entre sujeito e objeto, a experiência da iluminação ocorre depois dela.179 Enquanto o zen busca o aprofundamento da percepção e a realidade em sua profundeza, através da “posição sentada”, da meditação e da ajuda de um mestre, a psicanálise, através da ajuda de um psicanalista, convida o sujeito a vasculhar seu inconsciente, principalmente através da associação livre.180 _____________________ 178. Para Fromm a revolução interna acontece quando a pessoa, num processo de transformação e desenvolvimento, consegue romper com um tipo de orientação improdutiva (ver as páginas 67-68 desta pesquisa) e conquista a orientação produtiva, que é baseada no auto-conhecimento, no ato de amar a si mesmo e aos demais semelhantes e na aguçada percepção da realidade sem as deturpações sociais. Nesse sentido o desrecalque é semelhante ao despertar proposto como meta final da prática do zen-budismo. 179. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 156. 180. Segundo Laplanche e Pontalis, Vocabulário da Psicanálise, p. 38. Associação Livre é o método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado, quer de forma espontânea. Vale ressaltar que este método foi implementado por Freud, porém na psicanálise humanista de Erich Fromm, a associação livre também é utilizada como um instrumento investigativo do inconsciente. 101 Segundo Fromm, a psicanálise é uma expressão característica do pensamento ocidental e o zen é uma expressão característica do pensamento oriental. A psicanálise humanista é um método de investigação que consiste em evidenciar o significado amplo do inconsciente de um sujeito; zen é uma teoria e uma técnica para se chegar ao esclarecimento ou à iluminação. Ambos tratam da natureza do homem e de uma prática que conduz à transformação. Ainda que os métodos sejam distintos, Fromm tenta aproximar as semelhanças entre dois sistemas aparentemente tão distantes. O autor ressalta que os ensinamentos do zen podem ajudar o psicanalista a chegar a um conceito mais amplo da apreensão da realidade como supremo objetivo da percepção plena e consciente e a psicanálise humanista pode ajudar o estudante de zen a evitar ilusões, cuja ausência é a própria condição da iluminação. Para Fromm mesmo que o sujeito não consiga chegar às metas finais do zen e da psicanálise, ou seja, a iluminação e a ampla percepção de si mesmo e da sua realidade, deve ser levado em consideração o esforço que a pessoa demonstra. A menor mudança em relação à conduta do sujeito rumo ao seu crescimento e desenvolvimento das suas potencialidades deve ser vista como um passo muito importante frente ao seu processo de transformação. Fromm reafirma tal pensamento ao recordar-se de uma conversa pessoal com Suzuki, na qual este mencionou: Se se trouxer uma vela a uma sala absolutamente escura, a escuridão desaparecerá e haverá luz. Mas se à primeira se acrescentarem dez, cem ou mil velas, a sala ficará cada vez mais clara. Não obstante, a mudança decisiva foi operada pela primeira vela que penetrou a escuridão.181 Para Fromm ainda que o pensamento ocidental e oriental sejam tão distintos, o homem e a sua existência são categorias universais. Neste contexto Erich Fromm se interessou pelas mais diversas religiões e através das premissas da ética humanista desenvolveu os seus conceitos a respeito do seu objeto de estudo: o ser humano. _____________________ 181. Erich FROMM, Zen-budismo e Psicanálise, p. 159. 102 IV- A NECESSIDADE DE CERTEZA E O SENTIDO DA VIDA 4.1- A Revolução da Esperança Em 1966 Erich Fromm sofreu seu primeiro ataque cardíaco. Por este motivo ele teve que abandonar seu trabalho por alguns meses até se recuperar. Fromm e sua esposa Annis decidiram passar uma temporada na Europa retornando ao México no outono de 1967. A partir de então, resolveram passar o inverno em Cuernavaca e morar na Europa durante o verão. Neste contexto, após um tempo para sua reabilitação, em 1968, Fromm publicou A Revolução da Esperança, onde o autor aponta o seu parecer sobre o que é a esperança, a fé e a firmeza; traça um panorama da atual sociedade tecnológica; ressalta as condições da existência humana,182 como também a necessidade de sistemas de orientação e devoção183 e o planejamento humanista. Segundo Erich Fromm, ter esperança em algo ou alguém é diferente de ter desejos e anseios, pois, se assim fosse, as pessoas que desejam mais e melhores “coisas” seriam pessoas esperançosas. Para Fromm, ter esperança ou ser uma pessoa esperançosa é buscar uma vida mais plena. É estar distante da espera e da passividade, pois estas são as formas disfarçadas da desesperança e da impotência.184 Desta forma, a esperança não é uma espera passiva nem um forçar irreal de circunstâncias que não podem ocorrer. Para Fromm, ter esperança significa estar pronto a todo momento para aquilo que ainda não nasceu. 184 Segundo Fromm, a esperança está intrinsecamente ligada à fé. Esta, no seu sentido amplo, _____________________ 182. Ver as páginas 46-50 desta pesquisa, onde as condições da existência são abordadas com mais especificidade na obra O Medo à Liberdade. 183. Ver as páginas 62-63, 73-74 e 81-82, onde o autor através das respectivas obras Analise do Homem, Psicanálise e Religião e Psicanálise da Sociedade Contemporânea, analisa a necessidade de sistemas de orientação e devoção. 184. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 26. 103 ou seja, a fé racional não é uma forma fraca de crença ou conhecimento185; a fé é a convicção sobre o que ainda não foi provado. A fé, como a esperança, não é a previsão do futuro, mas sim a visão do presente num estado de construção e desenvolvimento. Em hebraico a palavra fé significa certeza.186 Porém, Fromm ressalta que a fé é a certeza sobre a realidade da possibilidade, mas não é certeza no sentido da previsão indiscutível. Para ele, o paradoxo da fé encontra-se na certeza do incerto. A fé representa a crença em algo que pode ser objetivado, buscado e construído, apesar da possibilidade de não ser alcançado. Neste sentido a esperança é o estado de espírito que acompanha a fé. A fé não poderia ser sustentada sem o estado de espírito da esperança. Para Fromm, a esperança não pode ser baseada senão na fé. Neste contexto, a firmeza também está entrelaçada à esperança e à fé. Seguindo o pensamento de Spinoza,187 Fromm entende por firmeza a capacidade saudável em manter a esperança e a fé racional através do destemor produtivo. Este pode ser encontrado nas pessoas plenamente desenvolvidas,188 que se apoiam principalmente em si mesmas, que amam a vida e aos seus semelhantes. Segundo Fromm tais pessoas superaram a cobiça e não se prendem a nenhum tipo de ídolo, sistemas e/ou relacionamentos autoritários. Tais pessoas são ricas por estarem vazias. São fortes porque já não são mais escravas dos seus desejos. Podem abandonar os ídolos, os desejos irracionais e as fantasias porque estão em pleno contato com a realidade, dentro e fora de si mesmas. Se estas pessoas atingiram o “esclarecimento total,”189 elas são _____________________ 185. Ver as páginas 69-71 desta pesquisa, onde é apresentada a discussão de Fromm sobre a fé racional e irracional. 186. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 31. 187. Fromm pontua que Spinoza chamou de firmeza a capacidade de resistir à tentação em comprometer a esperança e a fé em otimismo vazio ou em fé irracional. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 32. 188. Ver o conceito de orientação produtiva nas páginas 68-71 da presente pesquisa. 189. Ver páginas 99-101 desta pesquisa, onde se faz referência à análise de Fromm sobre o desrecalque e a iluminação. 104 completamente destemidas.190 No que diz respeito ao panorama atual da sociedade tecnológica, Erich Fromm chama a atenção para a reflexão de dois pontos específicos: para a máxima de que algo deve ser feito porque é tecnicamente possível fazê-lo e para o princípio da eficiência e produção máximas191. Segundo Fromm, a sociedade tecnológica atual não está preocupada com os pensamentos difundidos pela ética humanista,192 que visa o desenvolvimento máximo pessoal. Na atual sociedade tecnológica, a preocupação voltou-se para o máximo desenvolvimento da produção de “coisas” e de serviços, fato este que deixa o ser humano afastado de sua própria essência.193 Neste contexto, se é possível criar armas nucleares, não importa se elas serão capazes de destruir a todos. O importante é criá-las; o importante é fabricá-las. O “possível” desenvolvimento das coisas passou a ser mais importante que o desenvolvimento do homem em sua amplitude. Desta forma, a exigência da eficiência máxima conduz, como conseqüência, à exigência da individualidade mínima. A fim de se atingir o resultado esperado pelo sistema tecnológico, os homens passam a ser desindividualizados e ensinados a encontrar suas identidades fora em vez de em si mesmos. Para Fromm, o efeito desta atual sociedade tecnológica sobre o homem é a redução do mesmo a um apêndice da máquina194, governado pelo seu próprio ritmo e exigências. A máquina _____________________ 190. Vale ressaltar que na obra Zen-budismo e Psicanálise, Fromm menciona que mesmo aqueles que não chegaram ao desrecalque completo ou à iluminação merecem louvores, pois, de alguma forma, já transpuseram os pensamentos e as ações puramente usuais e lançaram-se em busca do caminho pessoal. 191. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 49. 192. Ver as páginas 58-61 desta pesquisa que trazem a discussão sobre a ética humanista realizada por Fromm em sua obra Análise do Homem. 193. Ver as páginas 85-87 da presente pesquisa, onde há o conceito de alienação que foi analisado na obra Psicanálise da Sociedade Contemporânea. 194. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 53. 105 transforma o homem no consumidor total, cuja meta é ter mais em vez de ser mais.195 O homem da atual sociedade tecnológica, enquanto um ser alienado, tem como “companheira” a esperança no sentido passivo e a fé irracional que o restringe e o limita. É um total dependente das forças externas; ele é submisso e receptivo; não consegue readquirir de um modo produtivo o que herdou da sua raça, que é a capacidade de raciocinar em prol da sua liberdade positiva196 apenas busca acumular bens e/ou consumir serviços e produtos. A partir dos dois principais tópicos das condições da existência humana,197 o homem passou a tomar decisões as quais não eram exclusivamente tomadas pelo instinto e passou a decidir e escolher através da sua razão. Segundo Fromm, frente a tal situação o preço que o homem começou a pagar pela sua consciência foi o advento do sentimento de insegurança e solidão. Para conseguir vencer de uma forma saudável tais sentimentos, Fromm aponta a obtenção da orientação produtiva como o único caminho rumo ao desenvolvimento. Nesta o homem produtivo é capaz de construir através da sua própria experiência e da sua própria razão criadora as respostas para a sua existência.199 Porém, o caminho oposto ao crescimento pessoal, ou seja, a obtenção das orientações improdutivas estimuladas pela atual sociedade tecnológica, vem assumindo cada vez mais o lugar do “homem livre” e senhor da sua razão. Tornou-se _____________________ 195. Este será o próximo assunto a ser abordado pela presente pesquisa através da obra Ter ou Ser? 196. Ver a página 51 da presente pesquisa, onde é abordado o conceito de Fromm sobre liberdade positiva. 197. Ver as páginas 46-51 desta pesquisa, onde em O Medo à liberdade, são trabalhadas as condições da existência humana e os mecanismos de fuga à liberdade positiva. Para Fromm os dois principais tópicos da existência humana são: a diminuição do determinismo instintivo e o aumento em tamanho e complexidade do cérebro. 198. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 75. Ver também as páginas 51-55 desta pesquisa, onde são apontados os mecanismos de fuga à liberdade e a orientação produtiva enquanto o único caminho sadio a seguir rumo ao auto-desenvolvimento. Ver ainda página 61-63, onde pode ser encontrada a visão de Fromm, sobre o advento da razão e as necessidades humanas, através da obra Análise do Homem. 199. Ver as páginas 68-71 desta pesquisa, onde o caráter produtivo é analisado. 106 comum o surgimento do homem dependente, passivo, alienado e emocionalmente infantil. As forças externas autoritárias assumem o papel de produzir respostas prontas para que a dor da insegurança e da solidão existencial não venha à tona. Neste sentido, o advento da razão traz uma questão paradoxal: a razão pode possibilitar ao homem seu desenvolvimento e crescimento rumo à sua liberdade, ou pode “aprisioná-lo” ao oferecer respostas prontas às suas angústias existenciais. Para Fromm, tanto o homem desenvolvido quanto o homem dependente são idealistas e necessitam acreditar em algo que lhes confira algum tipo de significado e sentido frente à existência. Os seres humanos têm intensa necessidade de certeza. O que pode diferenciá-los não está no fato de acreditarem ou não em algo, mas reside em observar se a crença escolhida, seja ela religiosa ou não, é capaz de levar o ser humano ao crescimento ou à estagnação.200 A necessidade de um sistema de orientação e devoção é comum a todos os homens, varia o conteúdo dos sistemas que aderem a essa necessidade. As pessoas amadurecidas tenderão a se aproximar de sistemas que sejam capazes de lhes conferir desenvolvimento e produtividade. As pessoas emocionalmente dependentes e imaturas tenderão a se aproximar de sistemas irracionais que acentuarão ainda mais suas fraquezas e a irracionalidade. As religiões humanistas e autoritárias representam, respectivamente, o estímulo ao desenvolvimento humano e à sua estagnação. Segundo Fromm, a única solução saudável para o problema existencial é que o homem consiga enfrentar a verdade e admitir sua solidão e isolamento fundamental em um universo indiferente à sua sorte. O ser humano precisa aceitar a responsabilidade por si próprio, pois somente empregando suas forças internas rumo ao seu desenvolvimento é que poderá dar um _____________________ 200. Observar as páginas 63-65 da presente pesquisa, que apresenta a discussão de Erich Fromm na obra Análise do Homem sobre a necessidade de certeza e sobre a necessidade de sistemas de orientação e devoção. Especificamente na p. 65 encontra-se uma citação de Fromm a respeito do seu conceito de estruturas de orientação e devoção. 107 significado pessoal e mais profundo à sua vida. Frente ao problema existencial, Fromm propõe a busca pela orientação produtiva201 que é capaz de conferir um sentido mais amplo à existência humana. Frente ao problema da atual sociedade tecnológica, Erich Fromm propõe a criação de um planejamento humanista, que também tem como finalidade o desenvolvimento máximo do ser humano. Contudo, uma pessoa pode conseguir obter sua orientação produtiva mediante o seu próprio desempenho, mesmo se o ambiente social não a estimular para tal. Fromm pontua que tal aquisição não é fácil, pois o sujeito, neste caso, precisa individualmente desvencilhar-se dos pensamentos e das ações convencionais. Porém, o autor ressalta que tal proeza não será impossível se a pessoa for madura o suficiente para lutar contra as limitações socialmente estabelecidas e desbravar, através da esperança, da firmeza e da fé racional o seu caminho de auto-conhecimento e crescimento. Já o planejamento humanista não pode ser conseguido individualmente, pois ele ultrapassa a dimensão do desenvolvimento individual. O planejamento humanista, através das premissas da ética humanista, visa a formulação de uma sociedade tecnológica humanizada. Para tal, faz-se necessária a mudança da vida social, econômica e cultural da sociedade tecnológica, de maneira tal que estimule e intensifique o crescimento e a vivência de todas as pessoas em vez de incapacitá-las. O planejamento humanista proposto por Fromm tem o intuito de fazer com que as capacidades tecnológicas sirvam ao crescimento do homem e não à sua paralisação e alienação. As máquinas devem tornar-se meios para fins que são determinados pela razão e pela vontade do homem. Este, e não a técnica, deve ser a fonte básica de valores; o desenvolvimento humano _____________________ 201. A formação dos tipos de orientação de caráter é em grande parte influenciada pelo social, mas segundo Fromm não há um impedimento real para que uma pessoa não mude a sua orientação de caráter se assim ela verdadeiramente desejar. Ver as páginas 66-68 desta pesquisa, onde é apresentada a discussão de Fromm na obra Análise do Homem, sobre a formação dos tipos de caráter e suas especificidades. 108 e não a produção máxima deve ser o critério para todo planejamento.202 No planejamento humanista o social deve estimular o homem para que este se sinta também um planejador. O homem deve estar cônscio da importância da sua participação efetiva através da sua razão e, desta forma, sentir-se parte integrante de todo o sistema. Seu conhecimento, sua natureza e as possibilidades reais das suas manifestações devem tornar-se um dos dados básicos para que aconteça qualquer planejamento social. Para isso, tanto a classe dominante quanto toda a população tem que estar baseadas nas premissas da ética humanista, bem como na orientação produtiva, na qual o desejo de dominação e a necessidade de submissão deram lugar à igualdade e ao amor. Ao propor tal planejamento humanista, Fromm não estipula se tal mudança social deve começar da população rumo à classe dominante ou vice-versa. Ressalta, contudo, que esta deve ser uma mudança social e não meramente individual.203 Para Fromm, aqueles que acreditam na realidade do que ainda não nasceu terão mais confiança de que o homem poderá encontrar novas formas produtivas para expressar suas necessidades vitais, muito embora neste atual momento e na atual situação em que se encontra a sociedade tecnológica, exista apenas uma pomba branca com um ramo de oliveira indicando o fim do dilúvio. Estamos bem no meio da crise do homem moderno. Não nos resta muito tempo. Se não começarmos agora, talvez seja tarde demais. Mas há esperança – porque existe uma possibilidade real de que o homem se possa reafirmar e que pode tornar humana a sociedade tecnológica. Não nos cabe completar a tarefa, mas não temos o direito de nos abster dela.204 _____________________ 202. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 107-108. 203. Em momento algum desta obra Fromm deixou de mencionar a importância da transformação individual, porém para que haja a implantação do planejamento humanista a transformação necessita ser ampla e necessita atingir a todos. Tal pensamento é bastante utópico frente a realidade social que vivemos, mas essa crença no ser humano é uma característica ímpar de Erich Fromm. Na próxima obra a ser vista Ter ou Ser?, na p. 170, ele mesmo se autointitula como um “utópico desperto” que segundo ele é diferente de ser um sonhador. Ele vê a tarefa como difícil por perceber a realidade social, mas não a julga impossível se todos assim a quiserem. Mesmo vendo todas as mazelas humanas, ele ainda acreditava na mudança e via no desenvolvimento da produtividade do ser o caminho que levaria o homem a uma vida mais plena e feliz. 204. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 169. 109 4.2- Ter ou Ser? Em 1974 Fromm e Annis decidiram morar definitivamente na Europa. Alugaram um apartamento em Locarno, na Suíça, e nunca mais retornaram ao México. Após o seu primeiro ataque cardíaco Fromm planejou ter uma vida mais sossegada ao lado de sua esposa, desta forma decidiu abandonar a coordenação da formação dos psicanalistas mexicanos. Porém, em 1976, quando Erich Fromm publicou a obra Ter ou Ser, tudo o que ele não teve foi o sossego anteriormente almejado. Tal obra teve milhões de cópias vendidas e traduzidas para diversas línguas. Sua esposa Annis e seu assistente pessoal Rainer Funk205 ajudaram diretamente na elaboração, na correção e na publicação deste livro. Após tal publicação, em 1976, Fromm tornou-se muito conhecido na Europa. Desde então, passou a ser muito requisitado para dar entrevistas a diversos canais de televisão e rádio, palestras, eventos e seminários. Tranqüilidade e descanso foram o que Fromm não encontrou no final da sua carreira devido ao seu sucesso como escritor e orador. No livro Ter ou Ser? Erich Fromm analisa o contexto social em que as demandas do mercado são criadas artificialmente e manipuladas para pessoas que possuem uma orientação de caráter improdutivo, ou seja, para aqueles que não são capazes de contar com a sua própria capacidade psíquica e com a sua força interna. Tais pessoas são dependentes, emocionalmente imaturas e facilmente manipuláveis. O ter para a orientação improdutiva assume o lugar do ser, que é o objetivo das pessoas orientadas produtivamente. Neste sentido, a pesquisa ressaltará as idéias de Erich Fromm sobre a importância da diferença entre ser e ter na sociedade voltada para o consumo; observará o ser e o ter frente à experiência cotidiana da fé e do amor e analisará o sentido da vida frente ao “novo homem”. _____________________ 205. Rainer Funk é o autor da obra Erich Fromm: His Life and Ideas, apresentada no início desta pesquisa. 110 Segundo Fromm, o ter passou a ser uma função normal na sociedade voltada para o consumo. Na sociedade atual a meta suprema é ter. O valor moral de ser mais humano foi destronado pela força alienante do ato de consumir sem haver a real necessidade. Neste contexto as pessoas passam a adquirir os mais variados bens e tipos de utensílios sem realmente precisar destes para a sua sobrevivência. Para Fromm a idéia de ser implica mudança, isto é, ser é transformar-se e não simplesmente consumir. As estruturas vivas só podem existir se mudarem. Mudança e crescimento são qualidades inerentes do processo vital. Fromm exemplifica o pensamento de alguns homens, que segundo ele viveram para o ato de ser. Contudo, os grandes mestres da vida fizeram da alternativa entre ter e ser a questão central de seus respectivos sistemas. Buda ensina que, para chegarmos ao mais elevado estágio do desenvolvimento humano, não devemos ansiar pelas posses. Jesus ensina: “Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se, ou a causar dano a si mesmo? (Lucas, 9:2425). Mestre Eckhart ensinava que ter nada e tornar-se aberto e “vazio”, e não colocar o eu no centro é a condição para conseguir riqueza e robustez espiritual. Marx ensinava que o luxo é tanto um mal como a miséria, e que nosso ideal deve consistir em ser muito, e não ter muito.206 Uma forma contrária aos pensamentos acima citados encontra-se na atitude inerente no consumismo que é a de “engolir o mundo”. Para Fromm, consumir é uma forma de ter, e talvez seja a mais importante da atual sociedade tecnológica.207 Porém, Fromm ressalta que o ato de consumir apresenta qualidades ambíguas: pode aliviar ansiedades, pois cria a falsa sensação de preenchimento existencial, através do poder e do status, mas por outro lado cria-se uma dependência que exige que se consuma cada vez mais, porque o consumo anterior logo perde sua característica de satisfação absoluta. O consumo satisfaz parcialmente, então um novo consumo deve ser realizado, e assim sucessivamente. Fromm pontua a descartabilidade e a vulnerabilidade dos produtos oferecidos pelo mercado, como também acentua a necessidade que é criada, _____________________ 206. Erich FROMM, Ter ou Ser?, p. 35. 207. Ver o panorama traçado por Fromm sobre a atual sociedade tecnológica nas páginas 104-106 desta pesquisa. 111 instalada e estimulada nas pessoas, para que estas estejam sempre à procura de algo novo a ser consumido. Segundo o autor, essa necessidade de troca frente aos produtos também pode ser observada em muitos relacionamentos, nos quais a pessoa perde o seu valor humano e passa a ter um valor descartável. O homem orientado improdutivamente enxerga seu semelhante como um mero produto que pode ser usado e descartado quando melhor lhe convier. O modo ter de existência não se estabelece por um processo vivo e criativo entre o sujeito e o objeto; ele transforma em coisas tanto o sujeito como o objeto. Este tipo de relação é de inércia e não de vida.208 Esse tipo vigente de pensamento e conduta na atual sociedade tecnológica é contrário aos pensamentos da ética humanista que luta pelo máximo desenvolvimento do ser. Ser refere-se à experiência humana, que deve ter como requisito a independência, a liberdade positiva e a presença da razão crítica. Nesse sentido, o homem deve ser ativo, ou seja, deve estar atarefado no emprego criativo dos poderes humanos. O homem que procura ser em vez de exclusivamente ter procura renovar-se, transformar-se, evoluir, dar de si e amar. Através da busca pelo ser o homem pode ultrapassar a prisão do próprio eu isolado e mostrar-se interessado em doar-se aos seus semelhantes.209 Segundo Fromm, a fé e o amor podem ser encontrados na experiência cotidiana do ter e do ser. A fé, no modo ter, é a posse de uma resposta para o que não se tem prova racional. Ela consiste de formulações criadas por outros e, desta forma, alivia a árdua tarefa de pensar e tomar decisões próprias, porém cria um vínculo de dependência frente às forças externas. A fé no modo ter dá a certeza sem reflexão; dá um sentido para a vida sem que a pessoa tenha que procurá-lo _____________________ 208. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 88. 209. Ibid., p. 97. 112 por si mesma.210 A fé no modo ser não é a crença em idéias pré-estabelecidas, mas uma orientação íntima, uma atitude. Segundo Fromm é preferível aquele que se encontra na fé, àquele que tem a fé.211 Neste sentido, pode-se estar em fé consigo mesmo e com outros. A pessoa religiosa pode estar em fé para com Deus através da fé em si mesma e em seus semelhantes. Essa fé também implica certeza, mas certeza baseada na busca da experiência própria e não na submissão a uma autoridade que dita determinada crença. A fé, no modo ser, é a fé racional. É a fé que possibilita a expansão da capacidade humana ao invés de paralisá-la. De acordo com os pensamentos de Fromm, o amor também pode ser encontrado tanto no modo ser, quanto no modo ter. O amor deve ser visto como uma atividade criadora. Implica cuidado, conhecimento, ajuste, afirmação e gozo. Amar implica liberdade, amadurecimento e crescimento. O amor é um processo auto-renovador e auto-crescente.212 Porém, quando o amor é vivido no modo ter, ele implica confinamento, aprisionamento ou controle do objeto que se “ama”. Segundo Fromm o que se chama amor nestas circunstâncias é quase sempre um emprego equivocado da palavra, a fim de ocultar a realidade do desamor. As pessoas que vivenciam o amor no modo ter são improdutivas, emocionalmente infantis e dependentes. Da mesma forma que Fromm propôs o planejamento humanista para a atual sociedade tecnológica213 como uma transformação interna da sociedade, ele também o faz nesta obra ao _____________________ 210. A fé no modo ter é o que Fromm conceitua como fé irracional. Ver as páginas 69-70 desta pesquisa onde há um comentário do autor sobre o assunto. 211. Erich FROMM, A Revolução da Esperança, p. 58. 212. Ibid., p. 60. Ver também p. 88 desta pesquisa, Fromm na obra A Arte de Amar define o amor como sendo uma arte. 213. Ver páginas 107-108 da pesquisa que mostra o comentário de Erich Fromm sobre o planejamento humanista para a atual sociedade tecnológica na obra A Revolução da Esperança. 113 refletir sobre o surgimento do “novo homem”. Para que este surja será necessária uma transformação no coração da espécie humana. Segundo Fromm, somente uma mudança fundamental no caráter humano, uma mudança do modo ter para o modo ser da existência poderá mudar o rumo da atual sociedade desumanizada. Da mesma forma, para que aconteça a mudança social proposta pelo planejamento humanista analisado na obra anterior, o surgimento do “novo homem”, ao qual Fromm se refere na obra Ter ou Ser, engloba uma mudança social e não apenas desenvolvimentos individuais. Seguindo seus pensamentos anteriores, para que o “novo homem” surja faz-se fundamental a aplicação dos preceitos da ética humanista. É necessário valorizar o ser em vez de cultuar o ter.214 De acordo com Fromm, para que surja o “novo homem” será necessária a construção de uma sociedade que seja capaz de favorecer os alicerces para essa profunda transformação. O novo homem compartilhará com os seus semelhantes a orientação produtiva, que neste ponto não deverá ser apenas individual, mas social. O novo homem pertencerá a uma sociedade humanizada na qual a real alegria poderá ser encontrada no ato de dar e participar, e não no ato egoísta de acumular e explorar. O novo homem conseguirá viver sem adorar ídolos e sem ter ilusões, pois será capaz de perceber a realidade externa e interna; será capaz de usufruí-las em seu próprio benefício e dos seus semelhantes. O novo homem da nova sociedade será livre no sentido positivo; sentirá a necessidade de evoluir e será feliz por saber amar.215 _____________________ 214. Erich FROMM, Ter ou Ser?, p. 167. 215. Ibid., p. 168. 114 CONCLUSÃO Enquanto sociólogo com formação em psicanálise e doutorado em filosofia, Erich Fromm buscou por toda a sua vida analisar o ser humano em sua profundidade. Assim sendo, através das premissas da ética humanista, que tem como objetivo observar o homem em sua totalidade, Erich Fromm desenvolveu o seu trabalho como psicanalista. Tal visão do ser humano culminou na construção da, assim por ele denominada, psicanálise humanista. Como autor, Erich Fromm desenvolveu vários conceitos e pensamentos voltados para a análise da situação da natureza humana, para então analisar a situação social e psicológica do homem moderno. Desde a sua infância o autor esteve cercado pelo tema religião. Quando criança recebeu uma herança familiar religiosa baseada na ortodoxia judaica. Esta, efetivamente, fez parte de sua vida até o início de sua fase adulta quando então Fromm começou a formular suas próprias questões sobre as religiões e a ortodoxia. Foi através dos pensamentos da psicanálise freudiana frente à religião que Erich Fromm começou a escrever e a pesquisar de forma mais profunda sobre o assunto. Na fase adulta, ao romper com a ortodoxia judaica que lhe foi passada por sua família, Erich Fromm enveredou-se nos estudos psicanalíticos. Porém, com o passar do tempo, começou a observar que tanto a psicanálise freudiana, quanto seus seguidores apresentavam muitas vezes uma visão ortodoxa. A partir de então, baseado nos pensamentos de Freud, porém com uma maior flexibilidade principalmente frente à teoria da libido e a relação entre psicanalista e paciente, Erich Fromm passou a desenvolver a psicanálise humanista, que tem como um dos maiores objetivos trazer a amplitude do inconsciente à consciência. Isso acontece através de uma busca profunda pelo conhecimento das condições da natureza humana e do amplo conhecimento da própria história individual, a fim de promover o máximo desenvolvimento e crescimento 115 pessoal. As premissas da psicanálise humanista foram abordadas pela presente pesquisa na obra Psicanálise da Sociedade Contemporânea. Sendo contra qualquer tipo de ortodoxia, por acreditar que esta limita o desenvolvimento reflexivo do ser humano, Erich Fromm fundamenta toda a sua obra na tentativa de oferecer uma resposta saudável à expansão das forças produtivas inerentes ao homem. Neste contexto, através da vida e da obra do autor, a dissertação buscou apontar seus principais conceitos e pensamentos frente à religião. Na obra O Medo à Liberdade a pesquisa buscou levantar quais são as questões existenciais, sociais e individuais que levam muitas pessoas a fugirem à liberdade positiva e acabarem por submeter-se ao autoritarismo irracional externo e/ou interno, como é o caso da neurose obsessiva compulsiva. Segundo Fromm, ao fugir ou ao renunciar à liberdade positiva o homem torna-se presa fácil de sistemas autoritários, como no caso das religiões autoritárias. O conceito do autor sobre religião e os tipos de religião por ele denominados como religião autoritária e humanista foram analisados pela presente pesquisa na obra Psicanálise e Religião. A importância fundamental para Fromm não está no fato de o homem acreditar ou não em um ou mais deuses, de ser ou não de fato religioso, mas sim de observar se as suas crenças irão conduzi-lo a um processo de desenvolvimento pessoal ou de estagnação. Para Fromm o ser humano tem uma necessidade intrínseca de crença, uma necessidade inerente de orientação e devoção independente de ser religiosa ou não. Porém, segundo ele, durante toda a história da humanidade, nada tem se revelado tão poderoso quanto a religião no sentido de canalizar e direcionar a manifestação dessa crença. Desta forma, no que é possível analisar as religiões deve ser observado se as mesmas motivam ou paralisam a razão produtiva. Caso a religião estimule a reflexão e o desenvolvimento humano, esta poderá ser considerada uma religião humanista, 116 porém se a religião não estimula a individualidade, a reflexão e o crescimento, esta poderá ser considerada uma religião autoritária. Para Erich Fromm, é imprescindível ao trabalho do psicólogo lançar um olhar amplo e profundo sobre o ser humano. Para que isto venha a acontecer, faz-se necessário um constante estudo das condições da natureza humana. Através da obra Análise do Homem a pesquisa demonstrou que para Fromm é preciso que o psicólogo tenha uma visão que ultrapasse as questões sociais e individuais. A ética humanista preocupa-se em ter esta visão global do ser humano. Seguindo tal visão da ética humanista, quanto mais desenvolvido emocionalmente estiver o ser humano, mais ele estará apto a viver e a amar verdadeiramente. Na obra A Arte de Amar foi mostrado que somente o homem orientado produtivamente, ou seja, aquele que reflete por si mesmo, que é independente emocionalmente, que procura crescer e desenvolver suas forças internas, será capaz de amar genuinamente e de fazer escolhas maduras. Para Fromm o amor exige maturidade emocional, exige doação e a superação do egoísmo. Somente as pessoas amadurecidas e desenvolvidas conseguem doar-se aos seus semelhantes. Neste contexto, o amor fraternal pode ser encontrado nas religiões humanistas através dos atos cotidianos daqueles que as professam. A prática da arte de amar exige a prática da fé racional, pois somente quem tem fé em si mesmo, nas suas potencialidades e capacidades é capaz de ser fiel ao seu semelhante e amá-lo verdadeiramente. Neste sentido, para Fromm amar é um ato de fé. Ao analisar a obra Zen-budismo e Psicanálise a pesquisa expôs os pontos de maior proximidade entre o pensamento zen e a teoria da psicanálise humanista. Entre todos os pontos analisados o mais destacado foi o desrecalque proposto pela psicanálise e a iluminação proposta pelo zen-budismo. Apesar de parecerem ser pensamentos tão diferentes, ambos têm a mesma finalidade: o desenvolvimento humano. O zen-budismo é considerado por Fromm uma religião 117 humanista. Nela, podem ser encontrados o amor genuíno, a orientação produtiva, a fé racional, a liberdade positiva e as premissas da ética humanista. Contudo, para Fromm o homem moderno está muito mais voltado para o consumo dos mais variados e supérfluos produtos e para relacionamentos superficiais do que para o desenvolvimento das suas forças internas e produtivas. A pesquisa aborda tais questões nas obras A Revolução da Esperança e Ter ou Ser, onde o autor faz uma reflexão sobre a atual situação humana e propõe caminhos alternativos para o crescimento e para o surgimento do “novo homem” em detrimento da figura alienada e vazia da atual sociedade de consumo. Nela, segundo Fromm, o ter vale mais que o ser e somente através de uma inversão destes valores é que o ser humano começará a entrar em contato com a sua real essência para então desenvolver-se plenamente. A presente dissertação atingiu o seu objetivo maior ao apresentar um estudo dos principais pontos da vida e das obras selecionadas de Erich Fromm relacionando seus conceitos e pensamentos frente à sua concepção de religião. Seja de forma direta e/ou indireta, através desta pesquisa ficou demonstrado como o tema da religião acompanhou toda a vida e a obra de Fromm. Sua visão extensa sobre o assunto abriu a possibilidade de esta dissertação pesquisar vários sistemas tais como regimes governamentais, instituições, grupos e relacionamentos, enquanto capazes de conferir ao indivíduo uma linha de orientação e devoção, um sentido religioso humanista ou autoritário. Desta forma, conceitos e obras foram por ele desenvolvidos perpassando o tema escolhido. O assunto, todavia, de forma alguma se esgota no corte proposto por esta pesquisa, ao contrário, a mesma teve por todo o tempo como um objetivo secundário trazer novamente os pensamentos de Erich Fromm para as reflexões e discussões acadêmicas. 118 BIBLIOGRAFIA: EVANS, Richard. Diálogo com Erich Fromm. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. FREUD, Sigmund, Moisés e o Monoteísmo In: _____. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XXIII, 1996. _______. O futuro de uma ilusão. In: ________. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XXI, p. 16-18, 1996. ______. O Mal-Estar na Civilização In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XXI, 1996. _______. Totem e Tabu In: _______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XIII, 1996. FROMM, Erich. A análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1974 FROMM, Erich. A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990. FROMM, Erich. A crise da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. FROMM, Erich. A linguagem esquecida. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. FROMM, Erich. A missão de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. FROMM, Erich. A revolução da esperança: por uma tecnologia humanizada. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. FROMM, Erich. A sobrevivência da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FROMM, Erich. Caráter social de uma aldeia. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FROMM, Erich. Conceito marxista do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. FROMM, Erich. Meu encontro com Marx e Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. FROMM, Erich. O coração do homem: seu gênio para o bem e para o mal. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. 119 FROMM, Erich. O dogma de Cristo. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FROMM, Erich. O espírito de liberdade: interpretação radical do velho testamento de sua tradição. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FROMM, Erich. Psicanálise da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FROMM, Erich. Psicanálise e religião. Rio de Janeiro: Libro Ibero-americano, (s. d). FROMM, Erich. Ter ou ser? Rio de Janeiro: Zahar, 1977. FROMM, Erich e SUZUKI, Daisetz. Zen budismo e psicanálise. São Paulo: Cultrix, 1960. FUNK, Rainer. Erich Fromm: His Life and Ideas. New York: Continuum, 2000. LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1992. SCHULTZ, Duane. A história da psicologia moderna. São paulo: Cultrix, 1992.
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