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QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO DE
FUNCIONÁRIOS DO SETOR DE TRÁFEGO DA
EMPRESA DE TRENS URBANOS DE PORTO
ALEGRE A PARTIR DE UM PROGRAMA DE
GINÁSTICA LABORAL
Anali Pereira de Menezes
Adriana Marques Toigo
Resumo
Este trabalho foi realizado na Empresa Trensurb
e consistiu da implementação de um programa de ginástica laboral (GL), tendo como público alvo os operadores de trem. Inicialmente foram verificados os pontos de
maior prevalência, intensidade e freqüência de dor através de um questionário aplicado aos 09 participantes
voluntários da pesquisa, bem como os sentimentos dos
mesmos em relação ao programa. As aulas de GL foram
ministradas diariamente, com duração de 10 minutos
durante um período de 6 meses. Ao término do programa, aplicou-se novamente o questionário de informações
sobre dor para verificar se houve diminuição da intensidade e freqüência da dor. Os resultados demonstraram
que o efeito das aulas de GL foram satisfatórias, tanto
para a redução das dores como para a melhoria da relação interpessoal dos funcionários, com conseqüente
melhora da qualidade de vida.
Palavras-chave
Dor, ginástica laboral, qualidade de vida.
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Abstract
This study was carried out at the Trensurb Company
through the implementation of the labor gymnastics (LG),
having as target public the train operators. We verified the
points of great prevalence of pain, such as intensity and
frequency using a questionnaire in 9 people, as well as their
feelings related to the program. The LG classes were daily
with 10 minutes of duration through 6 months. At the end
of the program, the questionnaire was applied again to verify
if there was a reduction in intensity and frequency of pain.
According to the results, we concluded that the LG classes
were satisfactory to the reduction of the pain, as well as to
the improvement of interpersonal relation and quality of
life of the employees.
Keywords
Labor gymnastics, pain, quality of life.
INTRODUÇÃO
A Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A (TRENSURB) iniciou suas atividades comerciais em março de 1985, atendendo as cidades de Porto Alegre, Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul. A partir de 1997, a linha foi estendida até a cidade de São Leopoldo, aumentando assim o seu percurso e tempo de
viagem.
Para o atendimento dos seus 170 mil usuários por dia, a empresa dispõe
de uma frota de 25 trens e 130 funcionários no Setor de Tráfego (SETRA), distribuídos entre supervisores de tráfego e operadores de trem. Este setor funciona
24 horas por dia, todos os dias da semana, fazendo com que seus funcionários
trabalhem em escala de revezamento ou escala semanal.
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O presente estudo justificou-se pela preocupação com a qualidade de
vida dos funcionários deste setor a partir da observação de suas movimentações
dentro das cabines dos trens as quais geram tensões no momento da condução
dos mesmos e pelo fato de não haver um programa de ginástica dentro da empresa que contemplasse esse público.
Os objetivos deste estudo foram a) verificar quais os pontos de maior
prevalência, freqüência e intensidade das dores associadas ao trabalho dos funcionários do setor de tráfego da empresa TRENSURB; b) implantar e avaliar um
programa de ginástica laboral (GL) na redução da freqüência e intensidade da
dor nos pontos de maior prevalência nos funcionários do setor e c) verificar os
sentimentos dos participantes a respeito da intervenção após seu término.
Durante um período de 12 meses foi possível presenciar como é feito o
trabalho dos operadores dos trens no momento da condução, principal atividade
desenvolvida por eles. Durante o trajeto Porto Alegre – São Leopoldo, os operadores realizam muitos movimentos repetitivos devido ao sistema de freio e aceleração do trem. O movimento de abrir e fechar a janela também deve ser levado
em consideração, pois o operador necessita realizar este movimento com o membro superior direito, fazendo uma rotação na coluna e uma hiperextensão do
ombro esquerdo (lado correspondente ao freio). As principais tensões sofridas
são decorrentes do acelerador e do freio de emergência, os quais estão instalados
em um mesmo local. Esse último deve ser pressionado durante todo o trajeto e
movimentado para frente e para trás para poder aumentar ou diminuir a aceleração do trem, portanto, o operador passa toda a viagem com o segmento do
antebraço esquerdo estendido sem nenhum apoio. A articulação do cotovelo,
durante o trajeto, acaba realizando movimentos de flexão e extensão devido à
frenagem do trem, abrir e fechar a janela e de acionar os botões de abrir e fechar
portas. A articulação do ombro destes funcionários também é muito solicitada,
verificando-se como um dos pontos de maior prevalência de dor.
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A seguir, será apresentada uma breve revisão da literatura sobre a ginástica laboral e dor.
GINÁSTICA LABORAL
Cañete (1996) e Lima (2003) afirmam que o primeiro registro da atividade conhecida como GL data de 1925, na Polônia, onde foi editado um pequeno
livro chamado “Ginástica de Pausa”, destinado aos operários. No Brasil, esta
atividade chegou em 1969 através de executivos nipônicos, nos estaleiros Ishiksvajima, onde, ainda hoje, dedicam-se aos exercícios, visando principalmente prevenção de acidentes de trabalho.
A GL é uma atividade física educativa, que se realiza durante o horário de
trabalho e tem como objetivo o desenvolvimento físico, mental, afetivo e social
do trabalhador, com a intenção de melhorar sua qualidade de vida e saúde. As
atividades devem ser prescritas a fim de atingir a musculatura antagônica à que se
encontra em ação durante o trabalho, para que assim haja a compensação e, conseqüentemente, o equilíbrio funcional (KOLLING, 1983).
Conforme Lima (2003), a GL possui algumas classificações quanto a sua
finalidade, a saber:
a) ginástica preparatória: é realizada antes da jornada de trabalho ou nas
primeiras horas com objetivo de preparar os funcionários para o início
do trabalho, aquecendo os grupos musculares que serão solicitados
durante as atividades laborais;
b) ginástica compensatória: seu objetivo é aliviar as tensões através de
exercícios específicos de compensação, evitar o estresse; é realizada
no meio da jornada de trabalho quebrando assim a monotonia do
trabalho;
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c) ginástica de relaxamento: tem um cunho mais reparador, tanto das
estruturas musculares como mentais do trabalhador; é baseada em atividades de alongamento e relaxamento.
A implantação da GL produz uma série de benefícios e vantagens para a
empresa e/ou instituição que a adota, tais como: a) aumento da produtividade
individual e coletiva; b) diminuição da procura ambulatorial e do absenteísmo;
c) promoção da sociabilização; d) aumento do ânimo e e) maior disposição para
o trabalho.
Dentro do contexto da GL, é importante compreender o conceito de
dor, o qual será discutido a seguir.
DOR
“A dor é uma sensação de grande importância para a sobrevivência do homem,
provocada por estímulos potencialmente prejudiciais e para o organismo e que produz reações reflexas com a finalidade de protegê-lo” (PAZO apud HOUSSAY,
et al., 2004).
Através da dor, sabemos que algo não vai bem, representando uma aproximação ou ameaça a integridade de nosso organismo, tanto na parte funcional
como estrutural.
A resposta emocional básica do ser humano à dor é a ansiedade, que por
sua vez, potencializa significativamente a dor, reduzindo o limiar de tolerância a
ela, tornando, assim, um círculo vicioso no qual a dor causa a ansiedade e esta
aumenta a tensão muscular que acarreta um aumento da dor (CAÑETE, 1996).
Existem dois principais tipos de dor: a rápida e a lenta. A dor rápida pode
ser descrita como dor em pontada, em agulhada ou, ainda, dor aguda e não é
sentida pela maioria dos tecidos profundos. A dor lenta, conhecida como dor em
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queimação, continuada, latejante, dor crônica, pode estar relacionada à destruição de tecidos profundos e na pele, bem como por problemas clínicos complexos (DUDLEY apud BLUM e GARCIA, 1999).
Conforme os relatos dos funcionários da empresa observada, as maiores
queixas de dores são na coluna cervical, ombros e braços, o que justifica uma
breve revisão sobre as dores nestes segmentos.
A coluna vertebral tem quatro curvaturas superpostas. A curvatura denominada de lordose encontra-se nos segmentos cervical e lombar, onde a convexidade é anterior, já a curvatura denominada de cifose é encontrada na coluna
torácica e nas vértebras do sacro, onde a convexidade é posterior (CAILLIET,
2003).
A coluna cervical sustenta a cabeça; esta posição apropriada acima da
coluna permite que o ser humano desempenhe suas funções vitais da visão,
audição e alimentação. A dor originada na coluna cervical (cervicalgia) pode
resultar de forças internas ou externas. Essas forças em excesso provocam danos aos tecidos com conseqüentes dores. As forças excessivas externas, segundo Cailliet (1999), são os traumas impostos à coluna cervical, sendo eles geradores de alterações teciduais pelas lesões de hiperflexão e hiperextensão e, ainda, por movimentos repetitivos da região. Já as forças internas são as atividades
musculoesqueléticas defeituosas devido à influência de fatores perturbadores,
como por exemplo, a artrite. A cervicalgia é quase sempre moderada, na forma
de um cansaço doloroso e permanente que agrava com atividades microtraumáticas e movimentos bruscos do segmento cervical, rigidez da musculatura e
limitação das amplitudes de movimento da cabeça. Assim, os fatores musculares que podem causar dor são as contrações isométricas da coluna cervical, os
estiramentos bruscos ou contrações concêntricas violentas (APSIT apud
BLUMM e GARCIA, 1999).
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A cintura escapular engloba o ombro, a escápula e a clavícula. A clavícula
se insere medialmente no manúbrio esternal e lateralmente ao acrômio da escápula. O úmero se articula com a escápula na articulação glenoumeral (denominada também articulação do ombro). Essa articulação é a que tem a maior mobilidade no corpo humano (WHITING e ZERNICKE, 2001) e possui boa estabilidade tanto óssea quanto ligamentar e muscular; vários movimentos podem levála à dor e, conseqüentemente, a lesões, principalmente devido às atividades relacionadas ao trabalho ou, ainda, atividades de vida diária e exercícios com sobrecarga, acima da altura da cabeça e movimentos repetitivos ou sob tensão. Mendonça Jr. e Assunção (2005) sustentam que os distúrbios do ombro são fortemente influenciados por fatores biomecânicos relacionados ao trabalho, como
flexão e abdução dos ombros por tempo prolongado, vibrações, postura estática
ou com sobrecarga no membro superior.
As articulações e músculos do braço e antebraço são estruturados para
servir à mão. Os mesmos proporcionam movimentos da mão pelo espaço (sozinho ou em conjunto com o ombro), diminuindo ou aumentando o comprimento
do membro superior. O braço fica entre as articulações do ombro e do cotovelo
e contém o úmero. O úmero se articula proximalmente com a escápula e distalmente com o rádio e a ulna na articulação do cotovelo. O antebraço está entre as
articulações do cotovelo e do punho e consiste em dois ossos alinhados longitudinalmente, o rádio (lateral) e a ulna (medial). O rádio e a ulna se articulam mutuamente na articulação radioulnar proximal, a ação coordenada dessas articulações gera os movimentos do antebraço de pronação e supinação (WHITING;
ZERNICKE, 2001). Geralmente as causas de dor na região do braço e antebraço
são causadas por fraturas, luxações, contusões, entorses, lacerações tendinosas e
compressões neurais. Os traumas musculares podem variar de um leve alongamento com edema resultante, até uma hemorragia microscópica ou macroscópica. Lesões neurológicas, que são lesões nos nervos, podem provocar uma perda
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na mobilidade articular, resultando na diminuição das capacidades de movimentos no braço e antebraço (HALL; BRODY, 2001). Estes traumas por sua vez,
geram dor e deficiência de força, limitando os indivíduos a desempenhar suas
atividades diárias.
MÉTODOS
PARADIGMA DE INVESTIGAÇÃO
A metodologia dessa investigação baseou-se em algumas características de estudo de caso do paradigma qualitativo, o qual caracteriza-se pela
ênfase em informações holísticas e qualitativas, tentando interpretar um evento
(HUSÉN, 1988). Na pesquisa qualitativa, o investigador admite a utilização
do conhecimento tácito (insights, intuições, apreensões, que nem sempre podem ser colocadas explícita e claramente em formulários de coleta de dados),
o que faz com que os instrumentos utilizados para obter dados sejam flexíveis e sensíveis de maneira a dar uma visão holística sobre os registros obtidos. Os pesquisadores qualitativos não estão interessados em fazer generalizações por acreditarem que o comportamento humano nunca é livre de tempo e contexto, ou seja: o que serve para um grupo, não necessariamente servirá para outro.
PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO
Nove indivíduos, oito homens e uma mulher, voluntários, participaram
do estudo após terem sido informados sobre os procedimentos da pesquisa dentro do setor de tráfego. As pessoas interessadas em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
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Todos participantes responderam um questionário de informações sobre
dor com questões fechadas de Souza e Krieger (2000). Após a coleta e interpretação desses dados, iniciaram-se as aulas de ginástica laboral, totalizando 100
aulas, as quais aconteciam diariamente em dois locais diferentes: a sala de pilotos
do pátio da empresa e a sala de pilotos da estação Mercado em Porto Alegre.
A duração das aulas era de 10 a 15 minutos. No turno da manhã eram ministradas duas aulas, uma em cada local; os horários dependiam do horário de intervalo
dos 7 participantes da manhã. No período da tarde normalmente era feita somente uma aula que também dependia do horário dos 2 participantes e de onde
eles estariam. Estes horários eram fornecidos pela chefia do setor.
As atividades desenvolvidas durante as aulas eram basicamente alongamentos de membros inferiores, superiores, e coluna vertebral dando maior ênfase aos membros superiores e coluna cervical devido ao grande número de queixas em relação a estas musculaturas. Foram feitas durante as aulas também atividades de mobilização articular e, em algumas aulas, dinâmicas de grupo. Os alongamentos eram feitos individualmente e, algumas vezes, em duplas. Durante as
atividades os funcionários foram informados sobre qual musculatura estava sendo alongada e eram solicitados a informar caso houvesse dor na hora da execução do movimento de maneira a possibilitar uma revisão das atividades. No início das atividades os participantes eram somente os funcionários que haviam
respondido os questionários, posteriormente, houve adesão de muitos outros
funcionários do setor, tanto na parte da manhã quanto na parte da tarde. Cabe
destacar que os funcionários que aderiram tardiamente ao programa de exercícios
não foram considerados na análise deste trabalho. No final do programa foi solicitado aos participantes, mesmos aqueles que aderiram posteriormente o programa,
que fizessem um relato do programa, com seus sentimentos e sugestões e fosse
entregue diretamente a professora ou enviado por e-mail com o nome do participante. Esses dados ficaram em sigilo para preservar a identidade dos funcionários.
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RESULTADOS
Nos gráficos de intensidade da dor, no eixo y (intensidade), 1 corresponde a nenhuma dor; 2 a dor leve; 3 a dor média; 4 a dor forte e 5 a dor insuportável. Nos gráficos de freqüência da dor, no eixo y (freqüência), 1 corresponde a
sem dor; 2 corresponde a 1-4 vezes por mês; 3 corresponde a 1-3 vezes por
semana; 4 corresponde a 4-6 vezes por semana e 5 corresponde a 7 vezes por
semana. Os resultados apresentados correspondem a comparação dos questionários aplicados antes e após o programa de GL.
A Figura 1 apresenta os resultados sobre a intensidade da dor na coluna
cervical relatados antes e após o programa de GL e a Figura 2 apresenta os resultados sobre a freqüência da dor no mesmo segmento nas mesmas condições.
Figura 1 – Gráfico de intensidade da dor na coluna cervical.
Fonte: Menezes, 2006.
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Figura 2 – Gráfico de freqüência da dor na coluna cervical.
Fonte: Menezes, 2006.
A Figura 3 apresenta os resultados relativos à intensidade da dor nos
ombros dos funcionários antes e após o programa de GL e a Figura 4 apresenta
os resultados relativos à freqüência da dor nos mesmos segmentos nas mesmas
condições.
Figura 3 – Gráfico de intensidade da dor nos ombros
Fonte: Menezes, 2006.
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Figura 4 – Gráfico de freqüência da dor nos ombros
Fonte: Menezes, 2006.
A Figura 5 apresenta os resultados sobre a intensidade da dor nos braços
(cotovelos) relatados antes e após o programa de GL e a Figura 6 apresenta os
resultados sobre a freqüência da dor nos mesmos segmentos nas mesmas condições.
Figura 5 – Gráfico de Intensidade da dor nos braços
Fonte: Menezes, 2006.
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Figura 6 – Gráfico de Freqüência da dor nos braços
Fonte: Menezes, 2006.
Alguns relatos recebidos dos participantes a respeito do trabalho realizado são transcritos a seguir de forma a dar uma idéia a respeito dos sentimentos e
sensações causadas por este programa aos funcionários. Os excertos foram transcritos em sua forma literal.
No que diz respeito ao teu trabalho no SETRA, considero como positiva a tua
intervenção juntos aos operadores, ministrando aulas de alongamento. Creio que foi
possível através das aulas fornecer uma maior qualidade de vida aos trabalhadores
do setor e principalmente criar uma consciência da importância da realização de
uma atividade física regular em nossas vidas (funcionário 1).
A ginástica laboral aplicada semanalmente pela estagiária Anali durante estes meses
foi muito importante para minha saúde física, emocional, mental e social. Os momentos de descontração que ocorreram nos encontros permitiram uma descontração emocional e mental que contribuíram em muito para o alívio da tensão gerada durante a
execução da tarefa de pilotar trens. Os exercícios posturais (alongamentos), propriamente dito, permitiram a correção de algumas posturas e foram excelentes para o
distensionamento muscular aliviando as dores oriundas da tensão muscular e da repetição dos movimentos exigidos na pilotagem. Os exercícios aplicados, também possibilitaram, no que tange a parte de relacionamento do grupo de trabalho, melhorias.
Considerando que alguns exercícios propostos exigiam serem feitos em dupla, a proxiDiálogo
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midade e o contato favoreceram a “quebra de barreiras de isolamento e distanciamento”. Relato ainda que fiz e faço sessões de fisioterapia para reparar alguns danos
musculoesqueléticos já sofridos. Com a experiência das aulas de ginástica laboral tomei
ciência que a prevenção através dos alongamentos são fundamentais para evitar ou
diminuir a ocorrência destes danos (funcionário 3 grifo do autor).
Na minha opinião a prática desta atividade foi de grande valia. Com o passar do
tempo obtive melhora considerável em algumas partes do corpo (pescoço/braço/
ombro/coluna). Adquiri o hábito de fazer o alongamento antes do “futebol” nos
finais de semana (funcionário 9 grifo do autor).
Os principais problemas no setor são provocados pela atividade de condução dos
trens. É uma atividade repetitiva que provoca lesões, principalmente nos braços e
nos pulsos. Dores lombares, perda da sensibilidade e força e mãos e braços também
são relatados. Em 2006 foi realizada no setor uma experiência de ginástica laboral, conduzida pela estagiária Anali Menezes, foram realizadas sessões de alongamento com duração de dez minutos diariamente, o tempo total foi de aproximadamente seis meses. A responsável também orientou a respeito de correção postural e
alongamentos destinados ao alívio da tensão muscular nas costas, ombros e pescoço,
disponibilizou aos interessados, bibliografia a respeito de ginástica laboral. O trabalho foi bastante abrangente e cobriu todas as faces do problema ora enfrentados pelos
trabalhadores do setor. Particularmente, os efeitos físicos foram significativos, tendo
ocorrido diminuição de dores lombares e diminuição de desconforto muscular em
pernas e braços. Gostaria de destacar ainda o efeito psicológico no grupo participante, como a diminuição do estresse e a elevação da auto estima (funcionário não
participante da pesquisa, mas, participante do programa).
DISCUSSÃO
A partir dos dados obtidos através dos gráficos, verificou-se que o funcionário 1 teve uma diminuição da intensidade de suas dores nos segmentos dos
braços bem como a freqüência da dor neste mesmo segmento; já no segmento
dos ombros se manteve a mesma intensidade e freqüência. A coluna cervical teve
um aumento da intensidade da dor, mas a freqüência de dor se manteve no mesmo nível. Acredita-se que um dos motivos pelo qual este funcionário possa ter
tido um aumento de dor na coluna cervical e estagnação da dor nos ombros, seja
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a prática de atividades esportivas realizadas nos finais de semana (escalada e ciclismo), relatadas pelo próprio funcionário, pois a região da cervical e a região
dos ombros sofrem muitas tensões nessas atividades. Se não houver uma preparação adequada para essas práticas, a tendência é que as dores persistam. Outro
motivo pode ser as atividades paralelas realizadas dentro da jornada de trabalho, as quais incluem, por exemplo, fechamento de janelas nos vagões e manobras dos trens dentro do pátio. Esses movimentos geram ações repetidas de
hiperextensão da coluna cervical e abdução e/ou flexão do ombro acima de
90º. Essas atividades são realizadas por todos os funcionários cuja função é
pilotar os trens.
O funcionário 2, conforme a leitura dos resultados dos gráficos, obteve
uma diminuição da intensidade e da freqüência de suas dores nos segmentos da
coluna cervical, ombros e braços. Cabe ressaltar que a coluna cervical, na variável
intensidade, evoluiu de dor leve para sem nenhuma dor, e, que na variável freqüência houve um declínio de 4-6 vezes por semana para sem dor. Este funcionário não apresentou qualquer alteração na sua rotina dentro ou fora da empresa,
por essa razão, pode-se pensar em um efeito positivo da GL.
Os dados do funcionário 3 demonstraram diminuição da intensidade da
dor na coluna cervical, mas com manutenção da freqüência da mesma. Houve
diminuição importante de intensidade de dor e freqüência da dor nos ombros,
(a intensidade foi de dor forte para nenhuma dor e a freqüência de 4-6 vezes
por semana para sem dor). Os braços também tiveram diminuição na intensidade da dor e na freqüência da mesma. A coluna cervical, mesmo tendo diminuído
a intensidade da dor não diminuiu a freqüência. A razão para isso pode estar
relacionada com a sua baixa estatura em relação ao banco da cabine, pois, o
funcionário acaba tendo que fazer uma rotação de tronco para olhar através da
janela de maneira a evitar que levante e sente em todas as estações. Dessa forma,
acaba realizando uma hiperextensão da coluna cervical.
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O funcionário 4 manteve a mesma intensidade da dor nos segmentos
coluna cervical e ombros. A intensidade de dor diminuiu nos braços e a freqüência da dor deste funcionário se manteve igual nos segmentos dos ombros e braços, diminuindo na coluna cervical.
Observando os resultados do funcionário 5 observa-se que houve uma
diminuição da intensidade e da freqüência da dor no segmento da coluna cervical, mas, um aumento da intensidade e freqüência da dor no segmento dos braços. No segmento dos ombros, o funcionário manteve-se sem nenhuma dor.
Acredita-se que a dor no segmento do braço tenha aumentado por causa das já
citadas atividades realizadas durante o horário de trabalho que não são a condução do trem e o elevado número de horas extras realizadas e relatadas por este
funcionário, as quais acabam por aumentar a sobrecarga de esforços repetitivos.
O funcionário 6 teve um aumento da intensidade e freqüência da dor nos
segmentos da coluna cervical, ombros, braços. Este funcionário esteve afastado
da empresa por problemas administrativos por um período de aproximadamente
2 meses, logo, durante este tempo, não praticou GL, apesar de também ter diminuído os movimentos repetitivos relacionados ao trabalho. O retorno ao trabalho após um longo período de inatividade pode ter sido um dos fatores desencadeantes das dores. Além disso, no seu retorno ele começou a praticar uma atividade diária que não era de seu costume (andar de moto). Essa atividade aumentou a demanda de esforço de grupos musculares que há muito tempo não eram
solicitados, uma vez que o funcionário relatou que nunca teve moto.
O funcionário 7 se manteve sem nenhuma dor no segmento da coluna
cervical. Os ombros e braços mantiveram os mesmos níveis de intensidade da
dor, entretanto, houve uma diminuição na freqüência da dor nos mesmos segmentos. Esse funcionário também esteve afastado da empresa pelo período de
aproximadamente 1 mês. A razão desse afastamento não foi em decorrência de
doença osteoarticular relacionada ao trabalho.
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O funcionário 8 manteve-se sem nenhuma dor na coluna cervical, ombros, e relatou diminuição da intensidade da dor nos braços de dor leve para
nenhuma dor, assim como diminuição da freqüência para nenhuma dor.
O funcionário 9 diminui a intensidade e freqüência da dor na coluna
cervical; o segmento dos braços manteve a mesma intensidade e freqüência da
dor. Os ombros sofreram um aumento na intensidade da dor mas mantiveram a
mesma freqüência. Esse funcionário, no início do programa de GL era operador
do trem, entretanto, um mês após começar as atividades, trocou de função, mas
permaneceu assíduo ao programa. As atividades realizadas neste novo setor eram
totalmente diferentes do que ele fazia antes, exigindo um maior tempo na posição sentada e atendimento do telefone. Devido a sua nova escala de trabalho ele
fazia aulas somente duas vezes por semana, ao contrário dos outros funcionários
que participavam todos os dias. Por essa razão, é possível deduzir que estes tenham sido os motivos pelos quais houve um aumento da intensidade da dor nos
seus ombros e uma estagnação dos demais segmentos que tinham dor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando-se os resultados obtidos no presente estudo, observou-se que
os pontos de maior prevalência de dor antes da implantação do programa de GL
foram a coluna cervical, ombros e braços. A intensidade e freqüência de dor
destes pontos não diminuíram em todos os funcionários, isto é, alguns tiveram
aumento de intensidade e freqüência, outros se mantiveram nos mesmos níveis
do início do programa de GL. Segundo os funcionários, os segmentos dos braços e coluna cervical foram os que apresentaram maior redução de suas dores. Já
em relação aos ombros, o número de funcionários que relataram que suas dores
diminuíram ou que aumentaram foram iguais, mantendo um número maior entre
os funcionários em que a mesma estagnou.
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O programa de GL pareceu eficaz para o que se propôs, isto é, contribuiu para a redução das dores de alguns participantes e melhorou a integração
entre os mesmos (conforme os relatos), aumentando a qualidade de vida desses
funcionários no trabalho e, provavelmente, fora dele.
Acredita-se que para os resultados serem mais eficazes, diminuindo as
dores em um número ainda maior de funcionários, as aulas deveriam ser oferecidas em mais de um horário por turno e com o tempo maior de duração,
podendo, assim, beneficiar outros operadores que trabalham na escala de revezamento.
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Urbanos de Porto Alegre SA – TRENSURB. 2006. 48 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Centro Universitário La Salle, Canoas.
SOUZA, J. L. e KRIEGER, C. M. L. Instrumento de avaliação da dor nas costas.
Revista Kinesis, Santa Maria, n. 22, 2000.
Diálogo
Canoas
n. 12
p. 107 - 125
jan-jun 2008

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