Tese de Doutorado em Saúde Coletiva ÍNDICE DE
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Tese de Doutorado em Saúde Coletiva ÍNDICE DE
Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Departamento de Medicina Preventiva Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Tese de Doutorado em Saúde Coletiva ÍNDICE DE VULNERABILIDADE SOCIAL PARA A ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE INUNDAÇÕES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: 2000 A 2013 Aluna: Maíra Lopes Mazoto Rio de Janeiro 2015 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Tese de Doutorado em Saúde Coletiva ÍNDICE DE VULNERABILIDADE SOCIAL PARA A ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE INUNDAÇÕES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: 2000 A 2013 . Orientadora: Profª Drª. Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus Coorientador: Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas Aluna: Maíra Lopes Mazoto Rio de Janeiro 2015 M458 Mazoto, Maíra Lopes. Índice de vulnerabilidade social para a análise da ocorrência de inundações no estado do Rio de Janeiro: 200 a 2013/ Maíra Lopes Mazoto. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2015. 263 f.; il.; 30cm. Orientador: Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus; Carlos Machado de Freitas Tese (Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2015. Referências: f. 248-263. 1. Inundações. 2. Vulnerabilidade social. 3. População vulnerável. 4. Indicadores sociais. 5. Fatores de risco. 6. Saúde pública. I. Asmus, Carmen Ildes Rodrigues Fróes. II. Freitas, Carlos Machado. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. IV. Título. CDD 363.3493 DEDICATÓRIA À Deus, sem Ele nada é possível. À Nossa Senhora, minha mãe protetora, por me dar as mãos durante todo o caminho. À minha família pelo apoio incondicional na realização deste sonho. Ao meu pai que estará sempre presente em lembranças e ensinamentos. À todos aqueles que tem um sonho. Jamais desistam. É possível. AGRADECIMENTOS Bem, mais difícil do que finalizar esse longo trabalho, foi expressar em poucas palavras a gratidão que sinto por todas as pessoas que me acompanharam e apoiaram de perto e de longe nesse desafio imenso. Espero, de coração, não esquecer de ninguém. Em primeiro lugar agradeço a Deus e Nossa Senhora que sempre me levantaram nos momentos de desânimo e descrença. Que não me deixaram fraquejar diante dos muitos obstáculos e me guiaram por esse longo caminho. O meu MUITO obrigada para a minha família que, apesar de pequena em número é ENORME em carinho, apoio e amor. Obrigada por entenderem minha ausência, apesar de não entenderem muito bem os caminhos “loucos” que traço para a minha vida. E obrigada por estarem sempre atentas para me ouvir quando eu mais preciso. Lulu, mãe, vovó e Maluzinha....sem vocês nada disso seria possível. Jamais conseguirei expressar em palavras a parcela de participação que vocês têm em mais esse degrau alcançado. Não sei separar o que sou eu e o que são vocês. Dessa forma, essa vitória é NOSSA!! Pai, meu anjo, mesmo num plano superior, sei que está hoje de pé aplaudindo mais essa vitória dessa sua filha teimosa e persistente e esteve, durante todo o tempo, intercedendo por mim nos muitos momentos de angústia e dificuldades que passei nesse período. Maluzinha, minha princesa, obrigada pelas lambidas molhadas e cheias de amor que me recebiam a cada visita à família, mesmo depois de um longo período ausente. Você é, sem dúvidas, há 6 anos e 10 meses o motivo dos meus sorrisos mais sinceros e afetuosos. Um amor que só quem tem um anjinho de 4 patas consegue compreender. Aos meus amigos queridos que souberam entender a minha ausência em festas, comemorações, choppinhos, praias, sambas, viagens e outros. Amores, serei doutora!! (espero) Aguardem a comemoração ;) Agradeço aos professores e funcionários do IESC que acompanharam meu crescimento e amadurecimento desde 2009 nessa instituição. Mudei o rumo da minha vida e jamais me arrependi. Agradeço também aos amigos que fiz nesses 7 anos aqui. Não são muitos, mas sei que os levarei para toda a vida. Agradeço à minha orientadora Dra. Carmen Ildes R.F. Asmus que sempre acreditou no meu potencial e me abriu muitas portas. Muito do que me tornei tem você como inspiração. Espero poder contar com o seu apoio para dar continuidade ao meu caminho. Agradeço aos amigos do LABEAD/IESC que sempre me apoiaram e entenderam. E sempre me receberam com um sorriso no rosto, apesar dos contratempos. Agradeço aos amigos do CEPEDES/FIOCRUZ pelo acolhimento e o carinho verdadeiro que lá encontrei. Por todas as lições aprendidas, as risadas e os momentos de tensão (poucos, graças a Deus). Em especial a hj minha amiga Tais Ariza. Você foi um grande presente da vida! Obrigada pela paciência e pelas palavras amigas. Foram essenciais. Agradeço aos amigos do FHRC de Londres. Saí do Brasil com medo de encontrar pessoas frias e pouco receptivas. Encontrei amigos queridos e super divertidos que fizeram dos meus 6 meses de PDSE uma experiência inesquecível. Um carinho especial para a Sue Tapsell, minha orientadora londrina, uma mulher atenciosa e super profissional, mas com um lado humano e divertido que jamais esquecerei. Uma verdadeira lady! Sinto que ela não possa estar aqui conosco, mas tenho certeza que está feliz por mim. Obrigada especial à Meghan, Sangita e Cari com quem desfrutei os meus melhores momentos em Londres e na Europa. Meninas, nos vemos em breve!!! (rezem para o dólar cair...rs) Algumas pessoas, sem dúvidas, fizeram TOTAL diferença nesse caminho. Sem elas, certamente, eu teria desistido desse título durante esse último ano. Para eles dedicarei um espaço especial. Macu e Izabel, em vocês encontrei palavras maduras, sábias e amigas. Jamais conseguirei agradecer o apoio e o carinho com que sempre me trataram. Obrigada pelos conselhos, ideias e “puxões de orelha”. Aprendi muito com vocês, especialmente como ser uma pessoa mais doce e humana e enxergar a vida com outros olhos. Carlos, não tenho palavras para agradecer o fato de ter me “adotado” na fase final do meu trabalho. MUITO obrigada por toda paciência, atenção, orientação, disponibilidade e cuidado. E obrigada também por ter me dado a oportunidade de trabalhar com você. Tenho vivido meses de intenso aprendizado. Saiba que tenho IMENSA admiração por você. Raphael Guimarães....ah, garoto. O que falar de você? Como falar de tudo o que fez por mim sem me emocionar? Eu consegui, v&%*#. Estou aqui. E a culpa é sua. JAMAIS teria seguido adiante se não fosse o seu apoio, as suas “sacudidas”, as suas dicas, os seus conselhos e, claro, as suas piadinhas..rs. Poderia escrever 100 páginas que não seriam suficientes para expressar a gratidão, a admiração e o carinho que sinto por esse gordinho que tem um coração tão grande quanto a inteligência que possui. Um MUITO obrigada público. Felizes aqueles que podem te ter por perto! Finalmente agradeço à Defesa Civil do ERJ por ter cedido os dados para a presente pesquisa. RESUMO As inundações são fenômenos naturais históricos no nosso planeta, sendo hoje um importante problema de Saúde Pública no Brasil. No Estado do Rio de Janeiro (ERJ) as inundações são um fenômeno natural e recorrente, especialmente devido ao volume de chuvas no verão. No entanto, o risco de inundações não é igualmente distribuído. Algumas regiões e/ou áreas são mais vulneráveis a este tipo de evento. No Brasil a vulnerabilidade está estreitamente vinculada à pobreza ou desvantagem social, modulando o risco da ocorrência de inundações. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo analisar a vulnerabilidade social à inundações dos 92 municípios do ERJ. Seguindo a metodologia proposta e desenvolvida no Flood Hazard Centre (FHRC) da MiddleSex University do Reino Unido foi elaborado um Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), tendo como base 14 indicadores sociais e econômicos selecionados. O município de Niterói, localizado na Região Metropolitana do ERJ, apresentou o maior IVS do Estado, o 58 0 lugar no ranking de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 e o 8 0 maior percentual da população afetada por inundações no ERJ no período estudado. Isso pode ser explicado pela combinação de alta vulnerabilidade social do município de Niterói com alta vulnerabilidade institucional (baixa capacidade de resposta: 54 0 do Estado), motivada, principalmente, pelas profundas iniquidades encontradas no município, explicitadas pelo indicador de Razão de Renda, a segunda maior do ERJ. Pode-se concluir que a pobreza e a desigualdade social são componentes da vulnerabilidade. Indivíduos mais pobres estão menos aptos a mobilizar recursos para responder frente à situações de desastres e, portanto, são potencialmente mais expostos. Palavras-chave: inundações, vulnerabilidade, exposição. ABSTRACT Floods are historic and natural phenomenon in our world and in Brazil an important Public Health problem. In Rio de Janeiro State floods are a natural and usual phenomenon, specially due to heavy rainfalls during the Summer period. Therefore, floods risks are not equally distributed. Some regions and/or areas are more vulnerable to this type of disaster. In Brazil, vulnerabity is closely linked to poverty and social disadvantage, modulating the risk of floods occurrences. So, the present study aims to analyse the social and environmental vulnerability to floods in the 92 Rio de Janeiro State municipalities. According the methodology proposed by Flood Hazard Centre (FHRC) from MiddleSex University, London, UK. A social and environmental vulnerabity index (SVI) was elaborated based on 14 social and economic indicators selected. Niterói, located in Metropolitan region, presented the highest SVI in the State, the 58th position in number of floods occurrences and the 8th higher percentage of total population affected by floods in Rio de Janeiro State in the period between 2000 to 2013. It can be justified by the combination of high social vulnerability with high institutional vulnerability (low response capacity) of the municipality, motivated mainly by the presence of deep social inequalities showed by income ratio indicator, the second highest one in Rio de Janeiro state. So, it is possible to conclude that poverty and social inequalities are components of vulnerability and the poorest people are less able to mobilize resources to respond to disasters situations and, hence, they are potencially more exposed. Key words: floods, vulnerability, exposure LISTA DE SIGLAS ABDN – Atlas Brasileiro de Desastres Naturais a.C. – antes de Cristo APP – Acidentes com produtos perigosos AVADAN - Avaliação de Dados CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEPED/UFSC – Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina COMDEC - Coordenação Municipal de Defesa Civil CONDEC - Conselho Nacional de Defesa Civil CNM - Confederação Nacional dos Municípios CR – Capacidade de Resposta CRED – Centre for Research on the Epidemiology of Disasters DAB - Dados da Atenção Básica DATASUS - Departamento de Informática do SUS EM-DAT – Emergency Disasters Database ERJ – Estado do Rio de Janeiro ESF - Estratégia da Saúde da Família FHRC - Flood Hazard Research Centre FVI - Índice de Vulnerabilidade a Inundações GIS – Geographic Information System IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change Ivg - Índice sintético de vulnerabilidade geral IVS – Índice de Vulnerabilidade Social LA RED – La Red de Estudios Sociales en Prevención de Desastres en América Latina MCV - Macrorregião da Costa Verde NA – não se aplica NOPRED - Notificação Preliminar de Desastre NUDEC - Núcleos Comunitários de Defesa Civil OPAS – Organização Panamericana de Saúde PAR - Modelo Pressão e Lançamento PDSE – Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior PIB – Produto Interno Bruto PMRR - Plano Municipal de Redução de Riscos PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PVI - Índice de Vulnerabilidade Prevalente RM - Região Metropolitana SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SFVI – Social Flood Vulnerability Index SIAB – Sistema de Informação da Atenção Básica SIPACS - Sistema de Informação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde SoVI - Índice de Vulnerabilidade Social UF - Unidade da Federação UNDP – United Nation Development Programme UN-ISDR - United Nations International Strategy for Disaster Reduction WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION LISTA DE QUADROS Quadro 1. Consequências das inundações 40 Quadro 2. Os efeitos diretos e indiretos das inundações na saúde humana 42 Quadro 3. Principais conceitos de vulnerabilidade disponíveis na literature 69 Quadro 4. Teoria do paradigma dominante e teoria do paradigma da vulnerabilidade social a desastres: principais características 72 Quadro 5. Definições de vulnerabilidade social 85 Quadro 6. Estudos de vulnerabilidade social/socioambiental a desastres naturais no mundo e no Brasil 120 Quadro 7. Critérios para a classificação dos indicadores 129 Quadro 8. Propriedades desejáveis dos indicadores 131 Quadro 9. Divisão político-administrativa do ERJ 149 Quadro 10. Indicadores escolhidos para a construção do IVS do ERJ 158 Quadro 11. Ficha de qualificação dos indicadores escolhidos 161 Quadro 12. Instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações utilizados para avaliação da CR 172 Quadro 13. Síntese do resultados encontrados 183 Quadro 14. Ranking CR à inundações dos municípios do ERJ 223 Quadro 15. CR à inundações dos municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 224 Quadro 16. CR dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no período de 2000 a 2010 – instrumentos ausentes 229 Quadro 17. CR à inundações dos municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 231 Quadro 18. CR dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ período de 2000 a 2010 – instrumentos de gerenciamento de riscos ausentes 233 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Destruição do mundo por um “dilúvio”. Obra de Gustave Doré 18 Figura 2. Transformação do cenário de risco atual em um novo cenário após um desastre 32 Figura 3. Diferença entre uma situação normal e eventos de enchente e inundação Figura 4. Ranking dos 10 países por número de eventos reportados em 2013 37 Figura 5. A estrutura bifacetada da vulnerabilidade Segundo BOHLE (2001) 75 Figura 6. A evolução do conceito de vulnerabilidade segundo BIRKMANN (2005) 80 Figura 7. Modelo conceitual da vulnerabilidade proposto por GALLOPÍN (2006) Figura 8. Modelo conceitual da vulnerabilidade proposto por ALEXANDER (2014) Figura 9. Perigos do local – modelos de vulnerabilidade 83 Figura 10. O modelo PAR Figura 11. Modelo de Acesso 94 97 Figura 12. ERJ – Regiões de governo e municípios - 2014 Figura 13. Mapa IVS no ERJ 148 177 Figura 14. Mapa de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 179 Figura 15. Mapa do percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 181 Figura 16. Distribuição das mulheres no ERJ por regiões nos anos de 2000 a 2010 187 Figura 17. População residente no município de Niterói segundo idade e sexo 189 Figura 18. Causalidade direta e indireta entre iniquidades sociais e vulnerabilidade 195 Figura 19. A Região Metropolitana do ERJ – 2014 203 Figura 20. O processo de gestão do risco de desastres 220 62 84 91 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Classificação de desastres naturais e seus subtipos 29 Tabela 2. Relação subdesenvolvimento e mortalidade por desastres no período de 1970 a 1999 33 Tabela 3. Número de eventos, danos humanos e econômicos por desastres hidrológicos no ano de 2013 e no período de 2003-2012 por continente 57 Tabela 4. Número de ocorrências de inundações, mortes, total de afetados e prejuízos econômicos (em milhões de dólares) no mundo no período de 2000 a 2014 58 Tabela 5. Ocorrências de inundações nas Américas no período de 2000 a 2014 60 Tabela 6. Registro de desastres naturais no Brasil, 1991-2010 Tabela 7. Ranking IVS no ERJ Tabela 8. Ranking dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 63 178 180 Tabela 9. Ranking dos municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 182 Tabela 10. Municípios com os maiores IVS do ERJ e seus indicadores Tabela 11. Esperança de vida ao nascer da população do ERJ Tabela 12. Municípios com maior registro de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores Tabela 13. Municípios com maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores Tabela 14. Situação atual do ERJ quanto aos instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações 186 Tabela 15. Cobertura populacional da ESF dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000-2013 235 Tabela 16. Cobertura populacional da ESF dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000-2013 236 Tabela 17. Classe de tamanho dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 238 192 212 216 222 Tabela 18. Classe de tamanho dos 10 municípios maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 239 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Trabalhos científicos sobre publicados no período de 2009 a 2015 desastres naturais 20 Gráfico 2. Desastres naturais registrados no mundo no período de 1975 a 2011 56 Gráfico 3. Comparativo de ocorrências de desastres naturais por tipo entre décadas 61 Gráfico 4. Ocorrência anual de inundação no Brasil no período de 1991 a 2010 64 Gráfico 5. Idade média da população do ERJ – 2000 e 2010 190 Gráfico 6. Pirâmide etária da RM do ERJ 190 Gráfico 7. ERJ: População residente por situação de domicílio – 1960 a 2010 204 Gráfico 8 . O processo de urbanização no ERJ 205 Gráfico 9. Concentração populacional (%) por região administrativa do ERJ 206 Gráfico 10. Taxa de crescimento populacional no ERJ no período de 2000 a 2010 por regiões 207 Gráfico 11. Gastos com prevenção e resposta a desastres naturais no Brasil no período de 2006 a 2010 221 Gráfico 12. Municípios do ERJ por classe de tamanho 237 Gráfico 13. Municípios do Brasil com instrumentos de gerenciamento de riscos de desastres decorrentes de inundações por classe de tamanho do município 238 LISTA DE FOTOS Foto 1. Consequências das chuvas em Xerém, RJ 66 Foto 2. Chuva na Região Serrana 67 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 17 CAPITULO 2 – AS INUNDAÇÕES COMO DESASTRES 25 2.1. Conceito de desastre 2.2. As inundações como desastre e seus efeitos sobre a saúde 2.3. A evolução e distribuição dos desastres provocados por inundações no mundo e no Brasil 25 35 55 CAPÍTULO 3 - MARCO TEÓRICO E CONCEITUAL 68 3.1. Vulnerabilidade social e desastres 3.2. Índices de vulnerabilidade social 68 105 CAPÍTULO 4 - DESENHO METODOLÓGICO 147 176 CAPÍTULO 5 – RESULTADOS 5.1. IVS 5.2. Inundações: Exposição - Ocorrências e Afetados 176 178 CAPÍTULO 6 – DISCUSSÃO 184 6.1. IVS 6.2. Inundações: Exposição (Ocorrências e Afetados) X IVS 6.3. Inundações: Exposição (Ocorrências e Afetados) X CR 185 210 218 CAPÍTULO 7 – CONCLUSÃO 241 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 248 . 17 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO Com o aumento na frequência e magnitude dos desastres naturais no mundo ao longo dos anos e necessidade de se reduzir as perdas causadas por eles, o interesse do homem pelo estudo dos desastres naturais e suas possíveis causas vêm aumentando. O Brasil é o país do continente americano com o maior número de pessoas afetadas por desastres naturais, estando entre os países do mundo mais atingidos por inundações (CRED, 2009). As inundações são fenômenos naturais históricos no nosso planeta, sendo que as primeiras ocorrências antecedem a existência do próprio homem na Terra. Relatos de “dilúvios” são encontrados na Bíblia e na história de civilizações antigas como a Mesopotâmia sempre com a conotação de destruição para um recomeço (uma civilização ou local é destruído e uma nova era começa) (TUCCI, 2004; SILVA, 2009). Com o processo de colonização dos países, os povoados foram aparecendo ao redor dos rios, vistos como fonte de alimentação e sustento pelas populações antigas. A partir da segunda metade do século XX com o intenso processo de urbanização e industrialização e consequente adensamento populacional e ocupação desordenada das áreas urbanas, os rios passaram a inundar com maior frequência, trazendo consequências de diversas ordens para a população a depender do grau de ocupação da área atingida pela população e da impermeabilização e canalização da rede de drenagem (TUCCI, 2004; SILVA, 2009; FREITAS E XIMENES, 2012). Dentre essas consequências estão a interrupção de serviços de saúde pública básicos e a deterioração das condições de vida da população que podem causar doenças. Por isso, as inundações configuram como um importante problema de Saúde Pública, especialmente em países de baixa renda. 18 Figura 1. Destruição do mundo por um “dilúvio”. Obra de Gustave Doré. Reproduzido de: www.victorianweb.org No Brasil as inundações são responsáveis por inúmeras vítimas fatais e por vultuosos prejuízos econômicos, além dos efeitos imediatos e não imediatos na saúde da população. 19 No Estado do Rio de Janeiro (ERJ), em especial, as inundações são um fenômeno natural e recorrente, especialmente devido ao volume de chuvas no verão. Os municípios mais atingidos estão localizados em regiões de maior adensamento populacional, evidenciando que fatores como a ação antrópica, rápido e desordenado crescimento populacional, ocupação de encostas e margens de rios, aumentam a vulnerabilidade da região a este tipo de evento (CEPED/UFSC, 2012). Ou seja, a ocorrência das inundações está diretamente ligada às condições de risco existentes em uma localidade, às suas características geoambientais e à sua suscetibilidade, assim como também à vulnerabilidade do sistema social sob impacto, isto é, o sistema econômico-social-político-cultural. Em poucas palavras: só haverá risco se houver vulnerabilidade (o perigo sempre irá existir) (ALCÁNTARA-AYALA, 2002; NARVÁEZ et al., 2009). Dessa forma, pode-se afirmar que países em vias de desenvolvimento como o Brasil, são especialmente vulneráveis a desastres naturais devido ao processo de industrialização e urbanização acelerados e desordenados que causam desigualdades sociais severas. A partir de meados dos anos 80 os desastres deixaram de ser vistos como eventos naturais inevitáveis ou “fúrias da natureza” e passaram a ser vistos como fruto da incisiva intervenção humana no meio ambiente buscando sua organização enquanto sociedade e sua sobrevivência. A partir de então, multiplicaram-se os estudos sobre vulnerabilidade social buscando explicitar a existência de uma forte evidência de que a vulnerabilidade social à ocorrência de desastres aos fatores sociais estruturais como, por exemplo, falta de acesso ao poder político e distribuição desigual de renda, entre outros. (BIRKMMAN, 2006). Ou seja, os sistemas sociais seriam responsáveis por gerar uma exposição diferenciada aos riscos fazendo com que certas pessoas sejam mais vulneráveis do que outras a um mesmo evento (FORDHAM et al., 2013). O aumento da produção científica acerca do tema é evidente. No entanto, quando observa-se os trabalhos científicos sobre desastres naturais com a interface saúde, o número de trabalhos reduz significativamente, apontando para uma carência de estudos acerca do tema na área de Saúde. O gráfico 1 ilustra o resultado das buscas por artigos cujos descritores eram desastres naturais” ou 20 “desastres naturales” realizadas no Scielo, PubMed e repositório de teses e dissertações da CAPES. Gráfico 1. Trabalhos científicos sobre desastres naturais publicados no período de 2009 a 2015 Fo nte: Elaborado pelo próprio autor, 2015. No entanto, apesar do aumento da produção científica sobre o tema, somente a partir do Marco de Hyogo (2005-2015), assinado na Conferência Mundial para Redução de Desastres em Kobe, no Japão, assume-se que, a avaliação/mensuração da vulnerabilidade, através da operacionalização dos conceitos apresentados na teoria com o uso de indicadores e índices, é um aspecto-chave para uma gestão dos riscos de desastres exitosa (FORDHAM et al., 2013; KUHLICKE et al., 2011). Diante deste contexto, o objeto de estudo escolhido para o presente trabalho foi a vulnerabilidade, considerada um instrumento-chave para uma efetiva gestão dos riscos de desastres e consequente redução da frequência e dos impactos provocados por eles. Para isso, foram observados aspectos sociais, econômicos e ambientais do local de estudo. 21 O presente estudo justifica-se por motivações acadêmicas e sociais, a saber: - Aumento da frequência e da gravidade das ocorrências de inundações no mundo e no Brasil, assim como também das perdas econômicas, humanas e materiais causadas por elas. As inundações foram o segundo maior desastre em número de ocorrências no período de 1991 a 2010 (aproximadamente 40% do total ou 6.771 ocorrências registradas) e em número de afetados (quase 40% do total no período), ficando atrás apenas da seca (CEPED/UFSC, 2012). - Importância de se conhecer a vulnerabilidade da população e/ou local como estratégia para a redução do risco de ocorrência de novas inundações; - Necessidade de informações/dados/produção científica capazes de subsidiar a predição e a gestão do risco de inundações e a elaboração de políticas públicas para a redução dos riscos, preparação e resposta a inundações, além de promover uma cultura de resiliência; - Necessidade de maior inserção do Setor Saúde no que diz respeito ao reconhecimento do seu papel e responsabilidades no processo intersetorial de gestão do risco de desastres no Brasil. Consciente da relevância do tema e considerando os, embora crescentes, ainda escassos estudos sobre a temática no país, a pesquisadora julgou fundamental buscar novos conhecimentos fora do país para o desenvolvimento da tese. Dessa forma, candidatou-se ao Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Tendo o seu plano de trabalho aprovado pelo centro de pesquisa no exterior e pela instituição de fomento no Brasil, ela foi contemplada com a bolsa e passou 6 meses no Flood Hazard Research Centre (FHRC) da MiddleSex University em Londres, Reino Unido. O objetivo foi aprofundar o conhecimento teórico acerca dos conceitos e indicadores de vulnerabilidade e 22 conhecer e aplicar a metodologia utilizada pelos pesquisadores para mensuração da vulnerabilidade social nos países europeus. Durante os 6 meses de PDSE a pesquisadora esteve envolvida como colaboradora no “RISC-KIT Project”, um projeto da Comissão Europeia com 18 instituições europeias cujo objetivo é desenvolver métodos e ferramentas para redução do risco e aumento a resiliência a eventos hidro-meteorológicos. Dessa forma, o presente trabalho é um estudo ecológico de base populacional cujo o objetivo geral é elaborar um Índice vulnerabilidade social (IVS) para análise das ocorrências de inundações nos 92 municípios do ERJ no período de 2000 a 2013. Para isso, ele foi desenvolvido em 3 (três) momentos distintos: no Brasil no período de abril de 2012 a junho de 2014; durante os 6 meses (agosto de 2014 a janeiro de 2015) do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) na Inglaterra; no Brasil no período de março a novembro de 2015. Os objetivos específicos são: - Caracterizar as inundações como desastres, seus efeitos sobre a saúde da população e sua evolução e distribuição no mundo e no Brasil; - Descrever, sistematizar e sintetizar os conceitos de vulnerabilidades, bem como os indicadores e índices de vulnerabilidade social desenvolvidos no mundo e no Brasil; - Elaborar o índice de vulnerabilidade social (IVS) a partir da seleção de indicadores para análise da ocorrência de inundações nos municípios do ERJ no período de 2000 a 2013; - Analisar e discutir o IVS a partir da construção de indicadores para Exposição (Ocorrências e Afetados) e da Capacidade de Resposta dos municípios. A hipótese principal do estudo é: A vulnerabilidade social, apesar de ser constituída por múltiplas dimensões pode ser sintetizada em um indíce que subsidie políticas públicas de redução de 23 riscos de desastres. Ao mesmo tempo, este processo de construção de índices deve ser problematizado a partir das dimensões que constituem o próprio conceito de desastres e vulnerabilidade (ameaças, exposição e capacidade de respostas). Diante deste contexto, as perguntas norteadoras são: - O que é vulnerabilidade? - Quais os fatores determinantes da vulnerabilidade social no ERJ? - Quais municípios do ERJ são mais vulneráveis? - Quais os municípios mais expostos à inundações e com menor capacidade de respostas no ERJ no período de 2000 a 2013? Para atingir os objetivos propostos, a tese está organizada em 7 (sete) capítulos, a saber: Capítulo 2 – apresenta o conceito de desastres, as inundações como desastres e seus efeitos à saúde da população e a evolução e distribuição dos desasres provocados por inundações no mundo e no Brasil; Capítulo 3 - apresenta o marco teórico-conceitual do trabalho: vulnerabilidade e tipos de vulnerabilidade e aspectos conceituais que permeiam a sua compreensão: risco, perigo, ameaça, resiliência, capacidade de resposta, indicadores e índices de vulnerabilidade social desenvolvidos no mundo e no Brasil; Capítulo 4 – apresenta o desenho metodológico com a caracterização da natureza e área de estudo e delineamento de todas as etapas percorridas para a obtenção dos resultados: revisão bibliográfica, levantamento, sistematização e análise dos dados para a elaboração do índice de vulnerabilidade social (IVS) e análise da ocorrência de inundações nos municípios do ERJ no período de 2000 a 2013; 24 Capítulo 5 – apresenta os resultados encontrados no estudo oriundos da avaliação da vulnerabilidade social e da análise da ocorrência de desastres provocados por inundações (afetados e capacidade de resposta) no ERJ no período de 2000 a 2013. Capítulo 6 – apresenta a discussão acerca dos resultados encontrados. Capítulo 7 – apresenta as conclusões do estudo com base em um breve resumo dos principais resultados encontrados, suas limitações e a proposição do aprofundamento do tema para investigações futuras. 25 CAPITULO 2. AS INUNDAÇÕES COMO DESASTRES O capítulo 2 aborda as inundações enquanto ameaça e enquanto desastres. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica das principais teorias e conceitos acerca das inundações e dos desastres provocados por inundações, os seus efeitos das inundações sobre a saúde e a sua evolução e distribuição no mundo e no Brasil. Esse trabalho foi realizado em 2 (dois) momentos distint os: no Brasil, antes do PDSE e durante o PDSE realizado no FHRC no Reino Unido. Os descritores “floods” and “floods and health” foram utilizados para a busca de trabalhos científicos disponíveis nas bases de dados, além de livros e materiais didáticos. No PDSE essa pesquisa foi supervisionada pela orientadora externa em reuniões semanais e a orientadora do Brasil auxiliou na discussão mediante reuniões pontuais via Skype. Dessa forma, o presente capítulo apresenta os resultados desse extenso trabalho organizados de forma a apresentar os conceitos de desastres naturais, risco, perigo/ameaça, sua classificação e principais fatores de riscos; os principais conceitos de inundação encontrados na literatura, sua classificação no mundo e no Brasil, suas consequências ambientais, sobre infraestrutura, serviços e economia local, assim como seus seus efeitos sobre saúde da população. Além disso, são apresentados dados sobre a evolução e distribuição dos desastres provocados por inundações no mundo e no Brasil nos últimos anos. 2.1. Conceito de desastres O primeiro estudo sobre desastres ocorreu em 1917, quando Samuel Henry Prince resolveu estudar o tema após um choque entre dois navios que causou uma explosão da munição. Essa explosão matou e feriu dez mil pessoas, deixando vinte e cinco mil desabrigados (QUARENTELLI, 1998). No entanto, somente a partir da Segunda Guerra Mundial observou-se a produção de pesquisas recorrentes sobre o tema. Desde então, diversos estudiosos e instituições vêm desenvolvendo estudos e apresentando diferentes conceitos de desastres (QUARENTELLI, 1998). Segundo os estudos de GILBERT (1998), existem diferentes abordagens sobre o conceito de desastres que foram subdivididas por ele em 3 paradigmas: o 26 desastre como um agente externo ameaçador; o desastre como expressão social da vulnerabilidade; e o desastre como um estado de incertezas gerado pelas instituições. O primeiro paradigma, “o desastre como um agente externo ameaçador”, concebe o desastre como um agente externo que causa danos à sociedade, “são as chuvas que matam, que deixam desabrigados” e é fruto de uma política de guerra, visto que surgiu nos Estados Unidos durante o período da Guerra Fria (MARCHEZINI, 2009). O segundo paradigma, “o desastre como expressão social da vulnerabilidade”, surgiu a partir de uma mudança iniciada em 1970, com os estudos realizados por Erico Quarantelli. A teoria apresentada por esse paradigma define os desastres como eventos que devem ser compreendidos dentro da própria estrutura social, ou seja, os riscos são “fabricados” socialmente, através da incisiva intervenção do homem na natureza. Diante deste contexto, a natureza dos desastres deve ser buscada na forma de organização social, compreendendo que os mesmos estão ligados aos aspectos da vulnerabilidade social, ou seja, as causas dos desastres podem ser explicadas por problemas de cunho estrutural da sociedade. A partir dessa mudança, os desastres foram reconhecidos como objeto de estudo das Ciências Sociais e foram ampliados os debates acerca do tema (MARCHEZINI, 2009). O terceiro paradigma, por sua vez, surgiu no final da década de 80 e compreende o desastre como fruto de “um estado de incertezas gerado pelas instituições”. Essas incertezas, no entanto, não seriam geradas somente pela falta de informação ou comunicação, mas também pela proliferação anárquica de informações que acabam por interferir nas formas de pensamento dos cidadãos e, consequentemente, nas formas de organização da sociedade (MARCHEZINI, 2009). KOBIYAMA et al. (2006) define desastres naturais como situações onde fenômenos intensos (inundações, escorregamentos, secas, furacões, entre outros) ocorrem em locais onde os seres humanos vivem, resultando em danos materiais e humanos e prejuízos socioeconômicos. O Glossário de Defesa Civil Nacional define os desastres como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema 27 (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais” (CASTRO, 1998). MARCELINO (2008) afirma que os desastres naturais podem ser definidos também como o resultado do impacto de fenômenos naturais extremos ou intensos sobre um sistema social, causando sérios danos e prejuízos que excedem a capacidade da comunidade ou da sociedade atingida em conviver com o impacto. Segundo o United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UN-ISDR): “...os desastres são uma perturbação grave do funcionamento normal de uma comunidade ou sistema cujos efeitos nas pessoas, assim como as perdas e danos materiais ou ambientais, superam a capacidade de resposta e a recuperação dessa comunidade” (UN-ISDR, 2009). Esse conceito está baseado em critérios objetivos adotados no Relatório Estatístico Anual do EM-DAT (Emergency Disasters Data Base) publicado no ano de 2007 e é o mais utilizado atualmente. Segundo ele, um evento é classificado como desastre se atender a, pelo menos, um dos seguintes critérios: 10 ou mais óbitos; 100 ou mais pessoas afetadas; declaração de estado de emergência; pedido de auxílio internacional. Para compreender bem o conceito de desastres, é importante conhecer também os conceitos de perigo e risco. Essas palavras, muitas vezes, são utilizadas como sinônimos, mas não são. O perigo (ou ameaça) é um fenômeno natural que ocorre em tempo e local conhecidos e que pode causar sérios danos na região atingida. Assim, perigos naturais (natural hazards) são processos ou fenômenos naturais que ocorrem na biosfera, podendo constituir um evento danoso e serem modificados pela atividade humana, tais como a degradação do ambiente e urbanização (UNDP, 2004). O risco, por sua vez, é a probabilidade de perda esperada para uma área habitada em um determinado tempo, devido à presença iminente de um perigo (UNDP, 2004). Conhecendo esses conceitos, KOBIYAMA et al. (2006) afirmam que um fenômeno atmosférico extremo, como por exemplo um tornado, que ocorre com certa frequência em uma determinada área (susceptibilidade) e tempo conhecidos, causa uma situação de perigo. Se este se deslocar na direção de uma região 28 povoada, com uma possibilidade real de prejuízos em um determinado período (vulnerabilidade), teremos então uma situação de risco. Se o tornado atingir a área povoada, provocando danos materiais e vítimas, será denominado como um desastre natural. Caso o mesmo ocorra, não ocasionando danos, será considerado apenas um evento natural. Assim, quando se fala em risco, deve-se levar em consideração o perigo e as condições de vulnerabilidade da região que será/foi atingida (KOBIYAMA et al., 2006). O CRED, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a pesquisa sobre epidemiologia dos desastres, classifica os desastres como naturais e tecnológicos. Os desastres naturais são aqueles provocados por fenômenos e desequilíbrios da natureza. Os desastres tecnológicos incluem os acidentes com produtos químicos perigosos (APP) e os acidentes industriais e de trânsito, por exemplo (CRED, 2012). Na tabela 1 abaixo é apresentada a classificação dos desastres naturais com os seus subtipos, segundo o CRED. 29 Tabela 1. Classificação de desastres naturais e seus subtipos SUBGRUPO DEFINIÇÃO TIPO DE OCORRÊNCIA EXEMPLOS Geofísico Provenientes de terra sólida Abalo sísmico; Terremoto; Vulcão; Movimento de massa (seco) Terremoto; Tsunami; Erupção vulcânica; Queda de bloco/rocha; Avalanche de neve; Fluxo de detritos -Lahar Meteorológico Causados por eventos atmosféricos de curta duração (de minutos a dias) Tempestades Tempestade tropical; Ciclone Hidrológico Causados por desvios no ciclo da água normal e/ou transbordamento de corpos d'água Inundação, movimento de massa (molhado) Alagamento; Enchentes; Inundações costeiras; Deslizamento de terra; Subsidência Climatológico Causados por eventos longa duração (variabilidade climática) Temperaturas extremas; Seca Onda de calor; Onda de frio; Incendios florestais Biológico Causados por exposição a organismos vivos e substâncias tóxicas Epidemia por exposição a substâncias tóxicas, Infestação de insetos, Debandada de animais Doenças infecciosas; Doenças parasitárias; Infestação de gafanhotos Fonte: Adaptado do CRED, 2012. 30 Além da classificação apresentada acima, é importante saber que, de acordo com as suas características, os desastres podem também ser intensivos ou extensivos. Segundo FREITAS et al. (2012), os desastres intensivos são caracterizados por possuírem baixa frequência de eventos, porém são geograficamente concentrados e com grande potencial de perdas, danos e mortalidade. Já os desastres extensivos correspondem a 97% dos eventos, sendo caracterizados por possuírem baixos impactos e alta frequência de eventos. No entanto, é importante se observar que embora os desastres extensivos não causem números significativos de óbitos, são responsáveis por grandes danos à infraestrutura local e às habitações e às condições de vida das comunidades e sociedades de baixa renda. Diante deste contexto, chama-se a atenção para o risco dos desastres extensivos, que acabam sendo considerados “normais” para muitas sociedades e comunidades, poderem vir a se tornar desastres intensivos no futuro. Para ilustrar essa afirmação, podemos utilizar como exemplo as chuvas fortes e deslizamentos que atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro (Brasil), em janeiro do ano de 2011 (FREITAS et al., 2012). A ocorrência de desastres está diretamente ligada às condições de risco existentes em uma localidade, às suas características geoambientais e à sua suscetibilidade, assim como também à vulnerabilidade do sistema social sob impacto, isto é, o sistema econômico-social-político-cultural. Cada região afetada apresenta condições sociais, econômicas, políticas, geográficas e sanitárias particulares (ALCÁNTARA-AYALA, 2002). Trazendo o conceito de risco para o âmbito dos desastres, o risco de ocorrência de um desastre pode ser definido como a probabilidade da ocorrência de danos e perdas futuras, associada com o impacto de um evento físico externo sobre uma sociedade vulnerável, onde a magnitude e a extensão excedem a capacidade de resposta da sociedade afetada. Resumindo: o risco deriva de uma relação dinâmica entre as ameaças físicas e as vulnerabilidades de uma sociedade ou um componente particular da mesma (NARVÁEZ et al., 2009). No âmbito da saúde pública, FREITAS et al. (2012) afirmam que, 31 “...para que um evento se constitua em um desastre é necessário que combine alguns fatores que devem ser bem compreendidos. Primeiro, é necessário um evento detonador, conceituado como ameaça, que se relaciona a qualidade dos eventos físicos que podem ser gerados por dinâmicas geológicas, hidrometeorológicas e biológicas da natureza ou da sociedade (degradação ambiental ou ameaças tecnológicas como rompimentos de barragens, acidentes químicos e nucleares). Este evento deve resultar na exposição de populações humanas, gerando o potencial de danos e agravos à saúde. E estes serão mais ou menos graves a depender das condições de vulnerabilidade, que resultam tanto na propensão de uma comunidade, ou sociedade, de sofrer de modo mais intenso e grave os efeitos dos desastres, como também nas limitações das capacidades de redução de riscos e de resiliência frente a estes eventos”. (p.1578) Assim, podemos concluir que, para que um evento se constitua em um desastre, é necessário que combine ameaças (naturais e/ou tecnológicas), exposição, condições de vulnerabilidade e insuficiência da capacidade de adotar medidas para reduzir o risco de potenciais consequências negativas. Ou seja, a ocorrência de um desastre é consequência de um conjunto de fatores que envolvem condições físicas e sociais que, quando combinadas, constituem-se em fatores de risco de desastres (NARVÁEZ et al., 2009). A figura 2 ilustra a transformação do cenário de risco atual em um novo cenário após um desastre. 32 Figura 2. Transformação do cenário de risco atual em um novo cenário após um desastre Diante deste contexto, os fatores de risco para a ocorrência de desastres naturais são: padrão de desenvolvimento, crescimento populacional, urbanização inadequada, mudanças climáticas e degradação ambiental (GONZALEZ et al., 2002). O padrão desenvolvimento é, provavelmente, o fator de risco número um para a ocorrência de desastres, visto que os países em vias de desenvolvimento apresentam importantes limitações em todas as etapas do processo de gestão do risco de desastres. Somado a isto, podemos dizer que, quanto mais baixo o padrão de desenvolvimento econômico e social do país, tanto maiores as condições de vulnerabilidade e menor a capacidade de redução dos riscos de desastres do mesmo (GONZALEZ et al., 2002). VANACKER et al. (2003) mostraram em seu estudo que, em países em desenvolvimento, o risco de ocorrência de desastres naturais está aumentando. O aumento da pressão populacional e o desenvolvimento econômico forçam cada vez mais a população, em especial a de baixa renda, a migrar para áreas de risco, as 33 quais são menos adequadas para a agricultura e para o adensamento populacional. É importante destacar também que, devido à falta de estrutura para o enfrentamento da situação de desastres, os países em desenvolvimento sofrem muito mais com os desastres do que os países desenvolvidos, principalmente em relação ao número de vítimas. A tabela abaixo mostra a relação entre o subdesenvolvimento e as mortes por desastres no período de 1970 a 1999. Tabela 2. Relação subdesenvolvimento e mortalidade por desastres no período de 1970 a 1999. Nível de desenvolvimento Baixo Médio Alto Mortes/desastre 3.300 (26,4)* 500 (6,6) 125 (1) Mortes/1000 habitantes 69 (3,6) 28 (2,4) 19 (1) Mortes/1000 km2 48 (48) 8 (6) 1 (1) Fonte: Reproduzido e Traduzido de GONZALEZ et al., 2002. * entre parênteses está o risco relativo tomando como base a população não exposta dos países de alto nível de desenvolvimento. Observando os dados, pode-se concluir que os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento possuem uma maior mortalidade por desastres quando comparados aos países desenvolvidos. Os fenômenos de explosão demográfica, por sua vez, também configuram como um importante fator de risco, visto que implicam em uma diminuição dos recursos existentes e conduzem a outros fatores de risco associados como, por exemplo, a escassa planificação de serviços e ao surgimento de assentamentos precários (GONZALEZ et al., 2002). Para se ter uma ideia do fenômeno, no ano 2000 havia no mundo 19 cidades com mais de 10 milhões de habitantes. A previsão é que, em 2015, esse número aumente para 23. Dessas 23 cidades, 19 estarão ainda em processo de desenvolvimento. Se a previsão estiver correta, 9 das 19 cidades em 34 desenvolvimento, terão uma população de 148 milhões de pessoas (WISNER et al., 2004). O crescimento populacional acelerado gera falta de oferta de habitações adequadas às populações de baixa renda, impelindo-as a ocupar as chamadas “zonas de sacrifício”, áreas geograficamente vulneráveis (margens de rios ou encostas de morros e montanhas). Desta forma a urbanização inadequada, que é parte de uma cadeia de outras condições, se configura um importante fator de risco na ocorrência de desastres naturais no mundo (GONZALEZ et al., 2002; WISNER et al., 2004; FREITAS E PORTO, 2006). Outro fator de risco importante e muito citado nos dias atuais são as mudanças climáticas. As mudanças climáticas são responsáveis por alterações na frequência de eventos climáticos extremos, no comportamento dos vetores de enfermidades transmissíveis, na produção de alimentos, no nível do mar e na disponibilidade de radiações ultravioletas sobre a superfície do nosso planeta. Além disso, elas são apontadas como responsáveis também pelo aumento na frequência e na intensidade dos desastres naturais, tendência que provavelmente continuará devido ao fenômeno do aquecimento global e ao aumento do nível do mar. Considerando-se esses fatores, as mudanças climáticas serão, muito provavelmente, o fator de risco de desastres com o maior impacto no futuro, tanto nos países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, como nos países desenvolvidos (GONZALEZ et al., 2002, WISNER et al., 2004). No entanto, as mudanças climáticas só passaram a ser apontadas como forças motrizes ou pressões dinâmicas, que causam mudanças no padrão de funcionamento dos ecossistemas e a perda da biodiversidade, no final do século XXI. Esse fato pode ser associado ao aumento das concentrações atmosféricas de gás carbônico (de 280 partes por milhão para 376 partes por milhão) no período de 1975 a 2003, causado pelo intenso uso de combustíveis fósseis e também pelas mudanças no uso do solo (FREITAS E PORTO, 2006). Segundo as projeções do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), até o ano de 2100 a temperatura média da superfície global aumentará de 2 a 6,4 graus Celsius. Como consequência, há uma tendência de aumento do número e magnitude de eventos como enchentes, deslizamentos, furacões e temperaturas extremas (FREITAS E PORTO, 2006). 35 Além disso, há projeções também de aumento no nível dos mares de 8 a 88 centímetros no período de 1990 a 2100. É importante destacar que, aproximadamente metade das maiores cidades do mundo (mais de 500 mil habitantes) estão a, aproximadamente, 50 quilômetros da costa, o que gera preocupação com os possíveis efeitos dos desastres naturais nessas localidades (FREITAS E PORTO, 2006). A degradação do meio ambiente, outro fator de risco importante, afeta os processos naturais, alterando a base de recursos de que dispõe a humanidade e aumentando a vulnerabilidade. Ela agrava também o impacto das ameaças naturais, reduz a resiliência e põe em cheque as estratégias tradicionais para o enfrentamento da situação (GONZALEZ et al., 2002; WISNER et al., 2004). De um modo geral, podemos dizer que, os desastres naturais são determinados a partir da relação entre o homem e a natureza, ou seja, os desastres naturais resultam das tentativas humanas, na maioria das vezes não exitosas, de dominar a natureza (ALCÁNTARA-AYALA, 2002; KOBIYAMA et al., 2006). 2.2. As inundações como desastre e seus efeitos sobre a saúde As inundações são ameaças naturais históricas no nosso planeta. As chuvas sempre causaram, naturalmente, o aumento do nível de rios, mares, córregos e lagos. Desde a segunda metade do século XX, com o intenso processo de urbanização e industrialização e consequente adensamento populacional e ocupação desordenada das áreas urbanas, os rios passaram a inundar com maior frequência. Esse fato, associado à precarização das condições de vida da população que geram vulnerabilidade, podem causar uma situação de desastre. Uma inundação ocorre quando um volume de água inunda uma área, construída ou não, antes não submersa. Normalmente é causada por uma combinação de eventos meteorológicos e hidrológicos (JHA et al., 2012). A inundação, popularmente tratada como enchente, é o aumento do nível dos rios além da sua vazão normal, ocorrendo o transbordamento de suas águas sobre as áreas próximas a ele, ocupando áreas utilizadas pela população para 36 moradia, transporte, recreação, comércio, indústria, entre outros. Por ocorrer em um período de tempo curto, este fenômeno costuma surpreender por sua violência e menor previsibilidade, provocando danos materiais e humanos mais intensos do que as inundações graduais (KOBIYAMA et al., 2006). Segundo a United Nations International Strategy for Disaster Reduction (UNISDR, 2004), “as inundações e enchentes são problemas geoambientais derivados de fenômenos ou perigos naturais de caráter hidrometeorológico ou hidrológico, ou seja, aqueles de natureza atmosférica, hidrológica ou oceanográfica”. SOUZA (1998), por sua vez, afirma que “as inundações estão relacionadas com a quantidade e intensidade da precipitação atmosférica”. BRASIL (2007) define inundação como “...o transbordamento das águas de um curso d’água atingindo a planície de inundação ou área de várzea.” A figura abaixo ilustra a diferença entre uma situação normal do volume de água no canal de um curso d’água e nos eventos de enchente e inundação. 37 Figura 3. Diferença entre uma situação normal e eventos de enchente e inundação Fonte: Reproduzido de AMARAL E RIBEIRO, 2009, p.41 É importante destacar, no entanto, que existem também os conceitos de alagamento e enxurrada. Segundo BRASIL (2007), o alagamento é o “...acúmulo momentâneo de águas em uma dada área por problemas no sistema de drenagem, podendo ter ou não relação com processos de natureza fluvial. A enxurrada, por sua vez, é o escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte, que pode ou não estar associado a áreas de domínio dos processos fluviais. É comum a sua ocorrência ao longo de vias implantadas sobre antigos cursos d’água com alto gradiente hidráulico e em terrenos com alta declividade natural” (BRASIL, 2007, p.93). Segundo CASTRO (2003), é comum a combinação dos fenômenos de inundação brusca (enxurrada) e alagamento em áreas urbanas acidentadas, como ocorre no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em cidades serranas, causando danos ainda mais severos. A Defesa Civil Brasileira classifica as inundações de acordo com a sua magnitude em: excepcionais, de grande magnitude, normais ou regulares e de 38 pequena magnitude. Podem ser classificadas também em função do seu padrão evolutivo como: inundações graduais, inundações bruscas, alagamentos e inundações litorâneas. A maior parte das situações de emergência ou estado de calamidade pública é causada pelas inundações graduais e bruscas (CASTRO, 2003). Segundo CASTRO (2003), as inundações graduais ocorrem quando a água eleva-se de forma lenta e previsível, mantêm-se em situação de cheia durante algum tempo, e a seguir escoa-se gradualmente. Citando os rios Amazonas, Nilo e Mississipi como exemplos, o mesmo autor mencionou que este tipo de inundação possui uma sazonalidade (periodicidade). Aparentemente, essa inundação não é tão violenta, mas sua área de impacto é extensa. Por outro lado, popularmente conhecida como enxurrada, a inundação brusca ocorre devido à chuvas intensas e concentradas, principalmente em regiões de relevo acidentado. A elevação dos caudais é súbita e seu escoamento é violento. Ela ocorre em um tempo próximo ao evento da chuva que a causa. A elevação das águas ocorre repentinamente, causando mais mortos, apesar da área de impacto ser bem menor do que as inundações graduais (CASTRO, 2003). Internacionalmente, no entanto, as inundações são classificadas segundo sua velocidade (flash floods), aspectos geográficos (inundações costeiras) e causas (urban floods, river floods, ponding floods). As inundações rápidas ou “flash floods” são o resultado de intensa e persistente quantidade de chuva em uma pequena área em um curto período de tempo (inferior a 6 horas) ou até mesmo durante semanas que excedem a capacidade do solo de absorver e escoar a água rapidamente. São, portanto, na maioria das vezes, eventos locais e dispersos no tempo e no espaço. A principal característica desse tipo de inundação é o seu início extremamente repentino e a velocidade da água, o que as tornam muito perigosas, arrastando casas, carros, tudo o que houver pelo caminho. São comuns em regiões montanhosas mas podem ocorrer também em áreas planas onde a inclinação não permite o escoamento imediato da água e esta acumula-se nas áreas mais baixas. Normalmente a área atingida por uma “flash flood” é pequena quando comparada 39 aos outros tipos de inundação. No entanto, a água pode atingir grandes alturas (BARREDO, 2007; KRON, 2002; FLOODSITE PROJECT, 2008). As inundações costeiras acontecem quando uma região costeira é inundada pelo mar. A causa geralmente é uma forte tempestade que gera a formação de grandes ondas. A inundação ocorre quando as ondas invadem a costa e rompem as suas defesas, normalmente diques e dunas. A principal característica desse tipo de inundação e que o nível da agua varia de acordo com a maré (FLOODSITE PROJECT, 2008). As inundações fluviais ou “river floods”, por sua vez, são resultado de chuvas persistentes durante um período de tempo (dias ou semanas) em uma determinada área que causa o transbordamento de rios, lagos e córregos. Elas acometem grandes áreas e ocorrem, na maioria das vezes, gradualmente, o que permite as autoridades decidirem pela evacuação ou não da populacao. No entanto, quando há o rompimento de um dique ou de uma represa, esse tipo de inundação pode se assemelhar com uma “flash flood” devido à velocidade das águas, podendo causar grandes danos (KRON, 2002; BARREDO, 2007; FLOODSITE PROJECT, 2008). As inundações urbanas ou “urban floods” são causadas especificamente pela incapacidade do sistema de drenagem local em escoar ou drenar a quantidade de chuva que caiu em um determinado local em um determinado período de tempo. Dessa forma, a água transborda e inunda ruas e propriedades, causando vultuosos prejuízos econômicos. Elas geralmente impedem as pessoas de transitarem, irem para o trabalho e escolas, mas não causam muitos prejuízos humanos. A água normalmente sobe lentamente e não costuma atingir grandes alturas. Podemos dizer que esse tipo de inundação é fruto do processo de desenvolvimento e urbanização de uma determinada área e suas consequências para o meio ambiente e população (FLOODSITE PROJECT, 2008). As inundações pluviais ou “ponding floods” são inundações comuns em áreas relativamente planas. A água da chuva cai e é normalmente armazenada no solo, canais ou lagos, ou é drenada ou bombeada para fora. A inundação ocorre, portanto, quando a quantidade de água armazenada excede a capacidade. Nesse caso a chuva é a fonte da inundação e não a água proveniente do transbordamento 40 de um rio. São parecidas com as inundações urbanas, no entanto, sem os problemas com os sistemas de esgoto e drenagem e ocorrem mais comumente em áreas mais afastadas dos grandes centros. Devido ao seu caráter gradual, a população tem tempo de deixar as áreas e evitar grandes danos. A água não atinge grandes alturas, o que também não gera grandes ameaças materiais ou humanas, sendo o maior tipo de dano causado o econômico com destruição de culturas e pastagens (FLOODSITE PROJECT, 2008). Existem outros tipos de inundações menos conhecidos ao redor do mundo como, por exemplo, aquelas causadas pelo derretimento rápido do gelo (ocorre no Alasca, por exemplo); aquelas causadas pelo rompimento de barragens (ocorridas em Nova Orleans em agosto de 2005, por exemplo) e ainda aquelas chamadas de “inundações de detritos”, ou seja, inundações seguidas por deslizamentos de terra ou corridas de massa úmida (comuns no estado do Rio de Janeiro. Um bom exemplo seria o evento ocorrido na Região Serrana em 2011) (KRON 2002; JONKMAN, 2005). As inundações podem causar diversas consequências para o ambiente, a saúde humana, a infraestrutura, serviços e economia local, ilustradas no quadro 2. As consequências das inundações, no entanto, vão depender do grau de ocupação da área atingida pela população e da impermeabilização e canalização da rede de drenagem (TUCCI, 2004). O quadro 1 apresenta as principais consequências das inundações. Quadro 1. Consequências das inundações TIPO DE CONSEQUÊNCIA Consequências ambientais Consequências sobre a infraestrutura, serviços e economia local DESCRIÇÃO Contaminação biológica e/ou química da água para consumo humano e alimentos e alteração nos ciclos dos vetores, hospedeiros e reservatórios de doenças e nas formas de exposição ambiental dos humanos. Interrupção do atendimento de saúde, efeitos sobre a agricultura e pecuária atingindo a produção e qualidade dos alimentos 41 Consequências sobre a saúde humana Diarreias e gastrointerites, cólera, febre tifoide, varíola, hepatites A e E, poliomielite, malária, desnutrição, leptospirose, transtornos psicológicos, pressão arterial alta, asma, infecções pulmonares, rinite alérgica, dermatites e erupções cutâneas. Fonte: Adaptado de FREITAS E XIMENES, 2012. As inundações são consideradas um importante problema de Saúde Pública, visto que 102 milhões de pessoas são afetadas pelo evento a cada ano, em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento e em grandes centros urbanos, com tendência de aumento nas próximas décadas (EURIPIDOU E MURRAY, 2004; FREITAS E XIMENES, 2012). São consideradas também o mais difundido perigo climático que expõe a saúde humana a riscos, embora ainda existem poucos estudos a respeito do assunto, causando uma incerteza com relação ao grande número de impactos à saúde causados por elas (AHERN et al., 2005; TUNSTALL et al., 2006). Nos últimos anos, no entanto, têm aumentado a preocupação geral com relação aos impactos de longo prazo das inundações na saúde humana. Especialmente pelo fato de estudos realizados recentemente apontarem para o fato de que mais pessoas estarão expostas ao risco no futuro, o que torna urgente uma sistematização dos impactos das inundações na saúde humana (AHERN et al., 2005; TUNSTALL et al., 2006). Como visto anteriormente, as inundações possuem diversos efeitos na saúde da população que podem ser divididos em duas categorias: efeitos diretos (mortes, lesões, surtos de doenças infecciosas) e efeitos indiretos (destruição da infraestrutura de saúde e perda de medicamentos essenciais). No entanto, esses efeitos variam entre as populações devido a vulnerabilidade diferenciada das populações e o tipo de inundação ocorrido. Eles variam diretamente também de acordo com as fases do evento: pré-evento, evento e pós-evento (AHERN et al., 2005; FEW et al., 2004). O quadro abaixo ilustra os potenciais efeitos diretos e indiretos das inundações sobre a saúde humana nas suas diferentes fases do processo. 42 Quadro 2. Os efeitos diretos e indiretos das inundações na saúde humana EFEITOS Á SAÚDE PRÉ-EVENTO Lesões Diretos DURANTE O EVENTO Morte (afogamento) Lesões Indiretos PÓS-EVENTO Doenças de transmissão fecal-oral Doenças causadas por vetores e roedores Infecções respiratórias Infecções de pele Saúde mental Efeitos na saúde associados com: Danos a infraestrutura de saúde Contaminação química da comida e do sistema de abastecimento de água Danos ao sistema de abastecimento de água Danos as plantações e ao abastecimento de alimentos Danos/destruição das propriedades Ex: a falta de abrigos pode aumentar a exposição aos vetores. Deslocamento da população. Fonte: Traduzido e reproduzido de FEW et al., 2004. As inundações são responsáveis por sérios danos físicos aos indivíduos afetados na sua fase inicial. No entanto, a medida que o nível da água vai voltando ao seu estado normal, mais ameaças vão surgindo a vida da população (NI et al., 2014). As mortes e as lesões relacionadas a inundações são mais comuns no período do evento por afogamento ou lesões fatais ocorridas pelo arraste de detritos pela água das chuvas. Surtos de doenças infecciosas e efeitos adversos na saúde mental são mais comuns a médio e longo prazos. No entanto, isso não exclui o fato das lesões e outros efeitos acontecerem em uma ou mais fases ao mesmo tempo (FEW et al., 2004). As consequências das inundações sobre a saúde humana podem ser imediatas, a médio ou longo prazos. Entre as consequências imediatas podemos citar as lesões, os afogamentos e os traumas, responsáveis pelos óbitos. Entre as 43 consequências a médio ou longo prazo estão as doenças potencialmente epidêmicas transmitidas por água e alimentos contaminados, assim como por vetores e hospedeiros, principalmente em países menos desenvolvidos. É importante citar também o registro na literatura de efeitos sobre a saúde mental e emocional das populações expostas e/ou vítimas deste tipo de evento: pânico, depressão, suicídio, distúrbios do sono, entre outros (FREITAS E XIMENES, 2012). Efeitos a curto prazo das inundações na saúde a. Mortes Estudos apontam para o aumento no número das taxas de mortalidade e morbidade nos países atingidos por inundações (TUNSTALL et al., 2006). Mortes relacionadas a eventos de inundações são reportadas em bancos de dados sobre desastres como, por exemplo, o EM-DAT. Grande parte das fatalidades imediatas ocorrem em inundações bruscas, geralmente causadas por afogamentos e trauma agudo. Estudos mostram que a maioria das mortes causadas por inundação ocorrem em regiões onde a água é muito profunda e violenta, arrastando pessoas e objetos. No entanto, o número de mortes causado por um evento depende diretamente das características da inundação: rapidez do seu início, por exemplo. Inundações com início mais repentino tendem a ser mais perigosas do que inundações com início mais lento (AHERN et al., 2005). Estudos realizados com populações atingidas por grandes inundações comprovam um aumento de mortes por múltiplas causas no ano seguinte à inundação (BENNET, 1970; HANDMER E SMITH, 1983; CARMO E ANAZAWA, 2014). Estudos realizados sobre as causas-morte em inundações apontam o afogamento como principal causa de mortes em eventos de inundações. Um estudo realizado sobre o Furacão Katrina revelou que a causa mais frequente de morte foi afogamento (40%), lesões e traumas (25%), doenças cardíacas (11%) (BRUNKARD et al., 2008). Muitas mortes por afogamentos ocorrem quando os carros são arrastados pela água da chuva (especialmente nos Estados Unidos). 44 Nesses casos as maiores vítimas são os homens e os idosos são as principais vítimas no caso de afogamentos dentro de casa (AHERN et al., 2005; ALDERMAN et al., 2012). Nos países industrializados estudos apontam para um aumento da mortalidade total após inundações (FEW et al., 2004). É importante lembrar, no entanto, que a mortalidade varia entre países com alta renda e os de baixa renda. Nos países de baixa renda os indivíduos pobres que moram em habitações frágeis e instáveis, as mulheres, os idosos e as minorias étnicas são os mais vulneráveis (ALDERMAN et al., 2012). Um estudo realizado no Nepal mostrou que o risco de vítimas fatais em casos de inundações bruscas aumenta entre pessoas que vivem em casas de sapê e possuem um status socioeconômico baixo quando comparadas com aquelas que moram em casas feitas de tijolo (PRADHAN et al., 2007). Além disso é importante ressaltar a maior vulnerabilidade de grupos como minorias étnicas e idosos em casos de inundações. BRUNKARD et al. (2008) apontaram para uma mortalidade em negros maior 4 vezes quando comparada com a de brancos no Furacão Katrina em Nova Orleans. JONKMAN E KELMAN (2005) mostraram que nos furacões Katrina e Rita os idosos representaram grande número dentre os mortos, estando 85% das vítimas fatais acima dos 50 anos e quase 50% acima dos 75 anos. Um terço das mortes ocorre dentro de casa e as causas-morte mais frequentes são: desidratação, insolação, ataque cardíaco ou outras associadas com a falta de suplementos médicos adequados para manutenção da qualidade de vida (JONKMAN et al., 2009). YEO E BLONG (2010) realizaram um estudo onde concluíram que o risco de morte em eventos de inundações é significativamente superior em homens. Segundo os autores, o elevado número de mortes em homens deve-se, principalmente, ao início inesperado do evento adverso (normalmente durante a noite ou madrugada), falha nos sistemas de alerta e alarme, problemas durante a evacuação (pessoas que não sabem nadar, inexistência de botes ou barcos, etc.) e pelo fato deles estarem envolvidos nas operações de socorro e resgate das vítimas. 45 b. Lesões As lesões causadas em inundações podem ocorrer antes, durante e após o evento. As lesões pré-evento e durante o evento ocorrem principalmente quando os indivíduos estão tentando remover seus pertencentes, amigos, vizinhos e familiares. Essas lesões podem ser graves ou não, como por exemplo: cortes, queimaduras, entorses, quedas, lacerações, choques e fraturas. As lesões mais graves normalmente ocorrem quando há algum objeto pesado carreado pelas águas. No entanto, ainda há o risco de lesões quando as pessoas voltam para as suas casas após a água baixar e quando iniciam a limpeza dos locais atingidos. Nesse estágio a estrutura das construções (instável) e os cabos elétricos podem representar um perigo potencial (AHERN et al., 2005; FEW et al., 2004). É importante ressaltar que existem disponíveis poucos dados sobre lesões nos bancos de desastres porque, muitas vezes, elas não são reportadas ou simplesmente é muito difícil associa-las ao evento. No entanto, pode-se afirmar que as inundações com início súbito causam mais lesões (AHERN et al., 2005; FEW et al., 2004). As lesões não fatais associadas ao agravamento do quadro de doenças crônicas são as principais causas de morbidade entre os afetados por inundações após a ocorrência do evento (ALDERMAN et al., 2012). No furacão Hugo ocorrido em 1989 nos Estados Unidos quase 90% dos pacientes atendidos nos hospitais e emergências eram vítimas de lesões. Após os furacões Katrina/Rita a cidade de Nova Orleans registrou mais de 7.500 lesões não fatais entre residentes e trabalhadores da região afetada. É importante ressaltar, no entanto, que os que se encontram em maior risco são os homens jovens e de meia idade, visto que participam das ações de socorro e recuperação (limpeza da área) (SULLIVENT et al., 2006). c. Doenças transmitidas pela água Nos últimos anos diversos estudos têm demonstrado a associação entre a ocorrência de inundações e o aumento do risco de doenças causadas pela contaminação da água. O risco aumenta no caso de necessidade de deslocamento 46 da população e quando o sistema de tratamento de água é afetado, levando à contaminação da água para consumo humano. As doenças causadas pela contaminação da água, nesse caso, são: cólera, doença diarreica, hepatite A e E, doenças parasitárias, rotavírus, Shigelose e febre tifóide (LIGON, 2006). É importante ressaltar que o aumento da transmissão de doenças de origem fecal-oral em caso de inundações é comum especialmente em locais sem acesso à água limpa e sem condições sanitárias adequadas (AHERN et al., 2005). Doenças gastrointestinais O risco de doenças gastrointestinais após inundações é maior em ambientes com higiene precária e com provisão inadequada de água potável (ALDERMAN et al., 2012). A doença diarreica é a principal causa de mortalidade e morbidade infantil em países em desenvolvimento. No entanto, devido às melhorias no tratamento (reidratação oral, por exemplo) as taxas de mortalidade têm diminuído, mas a morbidade continua alta (FEW et al., 2004). A mortalidade por doença diarreia após a ocorrência de inundações têm sido observada nos últimos 10 anos em países do continente africano, assim como na Indonésia e Bangladesh (ABAYA et al., 2009; SCHWARTZ et al., 2006). Assentamentos pós inundações, explosão demográfica e comprometimento da qualidade da água para consumo humano e deterioração das condições de higiene contribuem, por exemplo, para a alta incidência de doença diarreica na Etiopia (ABAYA et al., 2009). Em países de alta renda, no entanto, o risco de aumento de números de casos de doença diarreica relacionado à ocorrência de inundações é baixo. No entanto, ele pode aumentar de acordo com a magnitude da inundação, explosão demográfica e condições não higiênicas (MURRAY et al., 2009; YEE et al., 2007). Casos de aumento de gastrointerites foram revelados durante o furacão Katrina devido à explosão demográfica, sanitização inadequada e comprometimento das 47 condições de saúde nos abrigos. 4% da população dos abrigos ficaram doentes (YEE et al., 2007). HELLER et al. (2003) encontraram associação significativa entre casos de diarreia e a ocorrência de inundações em Betim, Brasil. MONDAL et al. (2001) também encontraram um maior número de casos de diarreia em áreas inundadas em comparação com áreas não inundadas em um estudo realizado na Índia em 1998. Um estudo realizado na região do Rio Mississipi nos Estados Unidos no ano de 2001 encontrou uma associação positiva e significativa entre a ocorrência de inundações e doenças gastrointestinais em 1.110 indivíduos estudados (WADE et al., 2004). NI et al. (2014) realizaram um estudo em cidades do norte da província de Henan na China que são frequentemente atingidas por inundações com o objetivo de examinar a associação entre a ocorrência de inundações e a morbidade por disenteria no período de 2004 a 2009. Os resultados encontrados mostraram que uma inundação brusca contribui com um maior risco para a morbidade por disenteria do que uma inundação persistente e constante. Poliomielite A poliomielite é uma doença viral causada pela Poliovírus tipos 1,2 e 3 e é transmitida pela via fecal-oral. Alguns estudos apontam para uma associação positiva entre surtos da doença e a ocorrência de inundações em países da Ásia e África (FEW et al., 2004). Hepatites A e E As hepatites A e E são doenças com rota fecal-oral causadas principalmente pela contaminação da água e da comida e endêmicas em países pobres (WATSON et al., 2007). 48 Surtos de hepatite E após inundações são frequentes. Os surtos de hepatite A, no entanto, não são frequentes pois a maioria da população de países pobres são imunes à doença (WATSON et al., 2007). HAUT et al. (1999) realizaram um estudo seccional para investigar a prevalência de Hepatite A e E no Vietnã. Os resultados do estudo sugerem que as inundações periódicas do Rio Mekong e seus afluentes provavelmente teriam contribuído para a contaminação dos cursos d’agua com lixo e dejetos, aumentando o risco de exposição e favorecendo os casos das doenças. d. Infecções respiratórias e de pele A infecção respiratória foi o tipo de doença infecciosa mais comum apos a ocorrência de inundações em países como os Estados Unidos e o sul da Ásia (LIGON, 2006). Após as inundações ocorridas na Inglaterra no ano de 2005 sintomas de gripe foram relatados pela população afetada, incluindo infecções de garganta e tosse, principalmente aquelas cujas casas foram inundadas (CARROL et al., 2010). Sintomas de gripe também foram os sintomas mais frequentemente relatados em 29.478 indivíduos morando em abrigos após o furacão Katrina (MURRAY et al., 2009). As infecções de pele também aparecem em populações afetadas por inundações. Após as inundações do ano de 2005 na Tailândia 102 pacientes reportaram problemas de pele e 59 foram posteriormente diagnosticados com dermatites inflamatórias (58%) e 40 com infecções de pele (39%) (VACHIRAMON et al., 2008). As infecções por fungos também foram relatadas em estudos conduzidos após eventos como os Furacões Katrina e Rita em residentes de casas que foram inundadas pelas águas (BARBEAU et al., 2010). 49 e. Doenças transmitidas por vetores A relação entre a ocorrência de inundações e as doenças transmitidas por vetores é complexa. Muitas doenças são transmitidas por mosquitos que se reproduzem dentro ou perto da água e picam as pessoas transmitindo o vírus. A picada pode ser de mosquitos ou até mesmo de morcegos e gambás arrastados pela água das chuvas. Diante deste contexto, a água estagnada, causada pelas falhas no sistema de drenagem local podem mudar o habitat natural dos animais, assim como aumentar as condições favoráveis para a reprodução deles. As doenças causadas por vetores que têm o seu aumento associado à ocorrência de inundações são: Malária, Dengue, Febre amarela e Febre do Nilo (AHERN et al., 2005; ALDERMAN et al., 2012; LIGON, 2006). Cólera A cólera é uma doença bacteriana aguda causada pelo agente infeccioso Vibrio Cholarea e os seres humanos são os principais reservatórios. No entanto, há algum tempo atrás descobriu-se que é possível a existência de reservatórios ambientais como, por exemplo, zooplânctons localizados em águas salobras ou estuários. As principais formas de transmissão da doença são pela ingestão de água ou comida contaminada. Historicamente originária de Bengal, a doença encontra-se atualmente concentrada em países do continente africano onde mais de 80% dos casos do mundo são registrados (FEW et al., 2004). Muitos estudos têm demostrado evidências do aumento do número de casos de cólera após inundações, incluindo surtos da doença em países da África e Ásia (FEW et al., 2004). Após as inundações ocorridas em Bengal, na Índia em 1998 16.590 casos de cólera foram reportados e 276 mortes pela doença. Foram realizadas investigações mas não existem evidências epidemiológicas significativas de que exista associação entre o surto da doença e as inundações, funcionando como um fator de transmissão da doença (SUR et al., 2000). 50 Infecções parasitárias – Giardíase, Malária, Dengue As infecções parasitárias, por sua vez, podem ser causadas por água ou solo contaminado e são relacionadas, principalmente, com condições inadequadas de saneamento e higiene. Estudos apontam para um aumento de casos de infecções parasitárias após a ocorrência de inundações. O fato pode ser justificado pois alguns parasitas (os helmintos, por exemplo) necessitam de um hospedeiro aquático para completar o seu ciclo de vida e encontra condições ideais nessas situações (FEW et al., 2004). PRADO et al. (2003) apontaram as inundações como fator de risco potencial para Giardíase em um estudo realizado com 694 crianças em Salvador, Brasil. A Malária é uma doença parasitária que acomete os humanos e é transmitida pela picada de um mosquito fêmea. Estudos apontam para um aumento na ocorrência de Malária em vários países da América Latina e países africanos associado a períodos de inundações intensos. Surtos da doença relacionados à inundações foram reportados na Costa Rica e Índia. No entanto, a associação não apresentou forte evidência epidemiológica (AHERN et al., 2005; ALDERMAN et al., 2012; ABAYA et al., 2009; FEW et al., 2004). A dengue é uma doença viral aguda transmitida para os humanos pelo mosquito Aedes aegypti predominante em ambientes urbanos e que reproduz-se preferencialmente em água estocada em recipientes. Os surtos da doença podem ser comuns após inundações, quando o mosquito encontra condições favoráveis para a sua reprodução nas águas paradas. Apenas um trabalho foi encontrado sugerindo a associação entre surtos de dengue e a ocorrência de inundações e ele não encontrou evidência epidemiológica para a hipótese estudada (FEW et al., 2004; RIGAU-PEREZ et al., 2001). Doenças causadas por roedores - Leptospirose As doenças causadas por roedores, por sua vez, podem aumentar durante grandes tempestades seguidas por grandes inundações (KAWAGUCHI et al., 2008). 51 A leptospirose, por exemplo, é uma doença de origem bacteriana transmitida pela urina de roedores infectados (cachorros, gatos, gado, roedores e animais selvagens) e que entra no organismo através de uma ferida na pele (transmissão direta) ou através da agua ou solo contaminados (transmissão indireta). A doença ocorre no mundo todo em áreas urbanas e rurais e caracterizase por quadros leves ou graves que podem levar a morte. No entanto, sua incidência é maior em regiões tropicais. Áreas com drenagem precária (favelas, por exemplo), áreas com baixa altitude e pequenas ilhas apresentam maior risco para a doença (FEW et al., 2004; BHARTI et al., 2003; GUIMARÃES et al., 2014). Um estudo realizado por GUIMARÃES et al. (2014) no município do Rio de Janeiro mostrou uma associação positiva entre o aumento dos casos de leptospirose no local e o aumento da precipitação pluviométrica no período analisado. O resultado desse estudo corrobora com o de outros realizados em diferentes regiões do planeta: município do Rio de Janeiro - Brasil (BARCELLOS E SABROZA, 2001; PELLEGRINI, 2002; PAULA, 2005; SARKAR et al., 2002), Argentina (VANASCO et al., 2008), Salvador – Brasil (SARKAR et al., 2002); Cuba (SUAREZ HERNANDEZ et al., 1999), México (LEAL-CASTELLANOS et al., 2003), Nicarágua (ASHFORD et al., 2000; CDC, 1995; TREVEJO et al., 1998), Porto Rico (SANDERS et al., 1999) e França (SCOLOVSCHI et al., 2011; ZHANG et al., 2012). Efeitos a longo prazo das inundações na saúde Não podemos deixar de considerar aqui os efeitos a longo prazo das inundações. Dentre eles, podemos citar: aumento do número de mortes por doenças diarreicas em países de baixa renda e impactos indiretos na alimentação, nos sistemas de saúde e na economia que podem ser responsáveis pela exacerbação da pobreza, desnutrição e diversas doenças não transmissíveis (SCHWARTZ et al., 2006; RAMIN, MCMICHAEL, 2009). 52 a. Efeitos na saúde mental Atualmente reconhece-se os efeitos das inundações na saúde mental da população, apesar do tópico ainda não ser largamente estudado. A Organização Mundial de Saúde afirma que desastres naturais como terremotos, inundações e furacões têm um forte impacto na saúde mental dos indivíduos envolvidos, especialmente nos países em desenvolvimento onde a capacidade de lidar com os problemas é mais reduzida (WHO, 2001). As maiores evidências são de distúrbios mentais, ansiedade, depressão, síndrome de estresse pós-traumático e suicídio. No entanto, a maioria dos estudos existentes foram realizados em países de renda média e média-alta como Austrália, Reino Unido e Estados Unidos (AHERN et al., 2005; FEW et al., 2004). Um estudo realizado por GINEXI et al. (2000) comparou os sintomas de depressão de indivíduos antes e após períodos de inundação. Eles descobriram que entre os indivíduos com diagnóstico de depressão pré evento houve um aumento significativo do diagnostico de depressão pós evento. REACHER et al. (2004) realizaram um estudo tipo caso-controle no Reino Unido que apontou para um aumento de 4 vezes nos sintomas de estresse entre adultos que tiveram suas casas afetadas por uma inundação, quando comparados com adultos que não tiveram suas casas afetadas. No estudo realizado por TUNSTALL et al. (2006) os danos psicológicos ou mentais (ansiedade, estresse, depressão, entre outros) apareceram como a principal queixa de saúde após um evento de inundação. O estresse pós traumático é um distúrbio que aumenta com eventos estressantes e é caracterizado por perturbações do sono, irritabilidade, fúria, falta de concentração, estado constante de vigília. Estudos apontam para um aumento desse tipo de diagnóstico após a ocorrência de inundações (AHERN et al., 2005). O suicídio e sua associação com a ocorrência de inundações, por sua vez, ainda possui limitadas evidências. Um estudo realizado em uma área periodicamente afetada por inundações na China mostrou um aumento de 40% nas taxas de suicídio quando comparadas a outros países. No entanto, não há evidência epidemiológica direta que sustente a causalidade (HE, 1998). 53 b. Exposição/contaminação química As inundações podem ocasionar a liberação/vazamento de substâncias químicas anteriormente estocadas no local atingido pelo evento, o que pode ser comum em regiões próximas a áreas industriais ou agrícolas. Alguns estudos mostram que após eventos de inundação a água e a terra apresentaram-se contaminados por substâncias químicas como monóxido de carbono, pesticidas, químicos agrícolas, dioxina e um grande número de metais pesados. Os efeitos da exposição a esse tipo de substância são conhecidos: câncer, doenças cardiovasculares, gastrointestinais, renais, neurológicas, dentre outros (COX et al., 2008). Um estudo realizado nos EUA sugeriu que o uso incorreto de geradores durante o furacão Katrina foi responsável pela intoxicação da população das regiões afetadas com monóxido de carbono (COX et al., 2008). Em Honduras, um estudo realizado após o Furacão Mitch (outubro de 2008) mostrou uma associação entre as águas da inundação e a contaminação do solo e do sistema de abastecimento de água por substâncias químicas, apontando-as como responsáveis por carrear os produtos durante o evento e ocasionar o seu vazamento/liberação (BALLUZ et al., 2001). No entanto, os estudos que analisam a associação deste tipo de evento com a morbidade e/ou mortalidade por contaminação química ainda não são conclusivos (ALDERMAN et al., 2012; EURIPIDOU E MURRAY, 2004; FOX et al., 2009). c. Doenças crônicas não transmissíveis As doenças crônicas não transmissíveis podem ser agravadas pela ocorrência de um desastre, aumentando a vulnerabilidade da população a outros tipos de doenças no período pós inundações (SHARMA et al., 2008). Muitas internações foram registradas nos Estados Unidos no período imediatamente após as inundações particularmente de idosos (SHARMA et al., 2008). 54 Nas inundações ocorridas no Japão em 2006 indivíduos com idade superior a 75 anos ou mais e indivíduos em tratamento médico apresentam maior risco de terem sua medicação interrompida durante o evento e, como consequência, quatro vezes maior risco de agravamento dos problemas de saúde (TOMIO et al., 2010). d. Efeitos no estado nutricional As inundações podem afetar o estado nutricional da população de diversas formas. O acesso e a distribuição dos alimentos pode se tornar mais difícil. Outro aspecto importante a se considerar e a destruição das plantações nas áreas atingidas pelo evento que pode gerar escassez de alimentos. Isso é comum em Bangladesh, na África e em algumas regiões da Austrália (FEW et al., 2004). Estudos sobre os efeitos das inundações no estado nutricional da população atingida ainda não são muito comuns. A desnutrição é comumente associada as inundações em estudos com crianças e bebês em áreas rurais e em aglomerados subnormais em países em desenvolvimento (BERRY et al., 2011; GOUDET et al., 2011). Em países de alta renda as consequências das inundações são impactos na economia e no bem-estar da população. Em países de baixa renda vê-se uma queda na já não abundante disponibilidade de recursos e na saúde da população (BERRY et al., 2011, ABAYA et al., 2009; GOUDET et al., 2011). Apos o furacão George que devastou a República Dominicana no ano de 1998, 300 mortes foram registradas e muitos outras pessoas foram afetadas pela escassez de comida e medicamentos (BOURQUE et al., 2006). Um estudo longitudinal realizado durante dois anos após as inundações do ano de 1998 em Bangladesh mostraram que crianças que viviam em áreas atingidas pela águas da chuva apresentavam menor estatura quando comparadas às não afetadas pelo evento (DEL NINNO E LUNDBERG, 2005). Especificamente no caso de inundações, um estudo realizado por FOSTER (1995) revelou que esse tipo de evento estava associado com baixo peso em crianças. Resumidamente pode-se dizer que os desastres naturais causam prejuízos 55 e danos econômicos as famílias, o que gera, como consequência, uma queda nas condições de vida das crianças. Isso podendo afetar a sua saúde, o seu estado nutricional (baixo peso e baixa estatura), e até mesmo o seu desenvolvimento, visto que estudos mostram uma redução na frequência escolar de crianças cujas famílias foram afetadas por desastres (BAEZ E SANTOS, 2007). e. Efeitos em recém-nascidos e crianças Alguns relatos são encontrados também sobre os efeitos das inundações na saúde de recém-nascidos e crianças. A existência de sentimentos de incerteza e perda podem ser experimentados durante e após o evento e a gestante pode sofrer estresse. Estudos em recém nascidos mostram um aumento nos níveis de estresse em bebês de mães cujas estiveram expostas a inundações durante o período de gestação (TONG et al., 2011). Um estudo realizado em gestantes após o furacão Katrina mostrou que uma exposição severa ao evento está significativamente associada com a piora nos resultados no parto (XIONG et al., 2008). Estudos relataram também distúrbios comportamentais e psiquiátricos em crianças (KINNEY et al., 2008). No entanto, é importante destacar que os efeitos a longo prazo das inundações ainda não parecem muito claros e os resultados ainda não são bem compreendidos (SCHWARTZ et al., 2006; RAMIN E MCMICHAEL, 2009). 2.3. Evolução e Distribuição das Inundações no Mundo e no Brasil Mundialmente observa-se uma tendência de aumento no número de ocorrências de desastres naturais ao longo dos anos, resultado de um processo de desenvolvimento desordenado e não sustentável. O gráfico abaixo ilustra o aumento do número de ocorrências de desastres naturais no mundo no período de 1975 a 2011 (KOBYIAMA et al., 2006; CRED, 2013). 56 Gráfico 2. Desastres naturais registrados no mundo no período de 1975 a 2011. Fonte: CRED, 2013. No ano de 2013 foram registrados 330 desastres naturais ao redor do mundo, com 21.610 mortes, 96,5 milhões de vítimas e 118,6 bilhões em danos. Destes 330 desastres registrados, 159 (48%) foram desastres do tipo hidrológicos (CRED, 2014). Os danos humanos causados por desastres naturais no ano de 2013 foram da ordem de 96,5 milhões de vítimas, menor número dos últimos 16 anos. Os desastres hidrológicos, por sua vez, foram responsáveis por 33% dessas vítimas (32 milhões), especialmente nos continentes asiático, americano, Europa e Oceania. Uma inundação ocorrida na Tailândia, por exemplo, fez sozinha 3,5 milhões de vítimas (CRED, 2014). As vítimas fatais por desastres naturais ficaram em 21.610, quarto número mais baixo desde o ano de 2003. Os desastres hidrológicos contribuíram com 9.819 mortes, representando 45% do total e o maior número desde o ano de 2003. 57 Dentre os 10 desastres naturais mais fatais do ano, 4 são inundações. A inundação ocorrida na China em junho de 2013 foi responsável por 6.054 mortes, ou seja, 37% do total de vítimas fatais registradas no ano (CRED, 2014). Com relação aos prejuízos econômicos causados por desastres naturais, no ano de 2013 foram computados U$ 118,6 bilhões, o quinto menor valor desde o ano de 2003. Os maiores prejuízos econômicos causados por desastres naturais nos últimos anos foram registrados no continente asiático, seguido pela Europa e o continente americano. Quatro países (China, Alemanha, Estados Unidos da América e Filipinas) computaram 83% de todos os prejuízos econômicos causados por desastres naturais no mundo no ano de 2013. O continente asiático, por sua vez, registrou os maiores prejuízos econômicos com inundações dos últimos anos (CRED, 2014). Os desastres hidrológicos causaram U$ 53,2 bilhões em prejuízos econômicos em 2013, representando aproximadamente 45% do total computado no ano de 2013 (CRED, 2014). As inundações ocorridas na China e na Alemanha, por sua vez, foram responsáveis por prejuízos na ordem de 16 bilhões (30% do total) e 13 bilhões de dólares (24,5% do total), respectivamente, representando os desastres mais caros do ano. Pode-se afirmar, portanto, que os eventos de origem hidrológica constituem a grande maioria das ocorrências registradas nos últimos anos, principalmente tempestades e enchentes, sendo os eventos mais comuns em países desenvolvidos e em desenvolvimento, representando, aproximadamente, 40% do total de desastres naturais ocorridos em todo o mundo (TORTI, 2012). A tabela 3 apresenta o número de eventos, danos humanos e econômicos por desastres hidrológicos no ano de 2013 e no período de 2003-2012 por continente. Tabela 3. Número de eventos, danos humanos e econômicos por desastres hidrológicos no ano de 2013 e no período de 2003-2012 por continente. Continente Número de eventos – 2013 2003-2012 Número de vítimas (U$ milhões) – 2013 África 34 (73,9%) Américas 32 (82%) 46 (23,7%) 2,18 (74%) 39 (20,1%) 1,76 (40,5%) Ásia 75 (90%) 83 (42,7%) 26,65 (26,6%) Europa 16 (80%) Oceania 2 (33,3%) 20 (10,3%) 1,41 (783%) 6 (3,1%) 0,05 (62,5%) Global 159 (82%) 194 32,05 (29,7%) 58 2003-2012 Danos econômicos (U$ bilhões) – 2013 2003-2012 2,95 (2,7%) 0,14 (35%) 4,34 (4%) 9,86 (234%) 100,17 (93%) 25,97 (140,7%) 0,18 (0,1%) 17,2 (483%) 0,08 (0%) 0 0,4 (1,4%) 4,2 (15%) 18,45 (66%) 3,56 (12,7%) 1,31 (4,7%) 107,72 53,17 (190,3%) 27,93 Fonte: CRED, 2014. Comparando-se o ano de 2013 com o período de 2003-2012, observa-se que, enquanto em 2013 foram registradas 159 ocorrências de desastres hidrológicos no mundo, no período de 2003-2012 observou-se o registro de, aproximadamente, 19 eventos por ano. Isso representa um aumento de mais de 800% no número de ocorrências de desastres hidrológicos no mundo. Os continentes asiático e americano foram os mais atingidos por esse tipo de evento no mundo, sendo que a Europa teve o maior aumento no número de vítimas dentre os continentes. Com relação aos danos econômicos causados pelos eventos hidrológicos, pode-se perceber que, em todos os continentes, o aumento nos danos econômicos é bastante significativo. No ano período de 2000 a 2014 foram registradas 2480 ocorrências de inundações no mundo (165,3 inundações/ano), com 85.292 vítimas fatais, 1410 milhões de afetados e U$ 402,4 milhões de prejuízos econômicos. A tabela 4 apresenta o número de ocorrências de inundações, mortes, total de afetados e prejuízos econômicos (em milhões de dólares) no mundo no período de 2000 a 2014. Tabela 4. Número de ocorrências de inundações, mortes, total de afetados e prejuízos econômicos (em milhões de dólares) no mundo no período de 2000 a 2014. ANO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 OCORRÊNCIAS 158 157 172 158 129 193 MORTES 6025 5014 4236 3884 6984 5754 TOTAL DE AFETADOS (MILHÕES) 73,9 34,5 167,7 169,4 116,9 75,0 PREJUÍZOS ECONÔMICOS (MILHÕES U$) 25,8 4,7 26,8 20,8 10,3 17,9 59 226 218 166 151 184 156 136 147 129 2480 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 TOTAL 5843 8607 4009 3627 8454 6154 3541 9816 3344 85292 30,3 178,8 44,9 59,7 189,3 136,4 64,1 31,9 36,5 1410,0 7,8 24,5 19,4 8,0 49,1 70,7 25,6 54,7 36,3 402,4 Fonte: CRED, 2015. É possível visualizar uma queda no número de ocorrências de inundações do ao longo dos anos. No entanto, paralelamente a isso observa-se um aumento no número de afetados e no montante de dados econômicos causados pelas inundações no mundo no período analisado. O mesmo pode ser observado no continente americano no mesmo período (tabela 5). Confirmando a teoria de que, apesar do número de ocorrências de inundações não estarem aumentando ao longo dos últimos anos, as inundações tornaram-se mais severas com um maior número de afetados e maior volume de prejuízos econômicos para os locais afetados ao longo dos anos estudados. Daí a importância de estudar as vulnerabilidades dos locais afetados para a mitigação dos riscos existentes. Só assim é possível reduzir os impactos causados por esse tipo de evento cada vez mais comum ao redor do mundo. Tabela 5. Ocorrências de inundações nas Américas no período de 2000 a 2014. ANO OCORRÊNCIAS MORTES TOTAL AFETADOS 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 39 29 41 41 24 34 36 39 495 265 376 552 3603 545 302 656 442.010 760.568 991.422 871.767 641.062 1.031.306 814.647 5.878.874 TOTAL PREJUÍZOS ECONÔMICOS (em bilhões U$) 0,6 1,1 1,4 1,5 0,7 1,6 1,6 4,6 60 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 TOTAL MÉDIA ANUAL 36 34 33 39 24 29 26 504 33,6 625 351 1249 1679 206 446 211 11.461 764 15.898.647 2.454.724 4.651.572 5.254.513 941.043 1.622.046 1.276.656 43.530.857 2.902.057 12,0 1,3 1,9 11,8 0,5 9,9 1,8 52,3 3,4 Fonte: CRED, 2015. Seguindo tendências mundiais, observa-se no Brasil um aumento significativo da ocorrência de desastres naturais. Este aumento pode ser explicado como consequência do intenso processo de urbanização ocorrido no país nas últimas décadas, ocasionando um crescimento desordenado das cidades em áreas impróprias para a ocupação. Ações antropogênicas nestas áreas, tais como, desmatamentos, aterros e construção de moradias, sem uma infraestrutura adequada, também são responsáveis pelo aumento dos riscos de desastres. Estudos revelam que, no Brasil, há uma estreita relação entre o avanço da degradação ambiental, a intensidade do impacto dos desastres e o aumento da vulnerabilidade humana (CARVALHO E GALVÃO, 2006; TOMINAGA et al., 2009; MAFFRA E MAZZOLA, 2007). No entanto, é importante destacar que, como o Brasil é um país com dimensões continentais e, portanto, apresenta características regionais distintas que ocasionam uma variação no tipo de desastres naturais mais prevalentes no país, de região para região. Na Região Sul, as inundações, os vendavais e o granizo são os desastres naturais mais frequentes. Na Região Norte predominam os incêndios florestais e as inundações. No Nordeste, as secas e as inundações e no Centro-Oeste prevalecem os incêndios florestais. No Sudeste os deslizamentos e as inundações são os desastres naturais mais comuns causados, principalmente, pelas intensas chuvas de verão registradas no período de novembro a março. (TOMINAGA et al., 2009). 61 O gráfico 3 apresenta um comparativo de ocorrências de desastres naturais por tipo entre as décadas de 1990 e 2000. Gráfico 3. Comparativo de ocorrências de desastres naturais por tipo entre décadas. Fonte: Reproduzido de CEPED/UFSC, 2012 (p.28). Segundo dados do EM-DAT de 2014, o Brasil está em oitavo lugar no ranking dos 10 países com o maior número de desastres naturais reportados no ano de 2013, sendo o segundo país do continente americano em número de eventos no período (atrás somente dos Estados Unidos das América). É importante destacar, no entanto, que mais de 70% desses eventos são desastres hidrológicos (veja a figura 4). 62 Figura 4. Ranking dos 10 países por número de eventos reportados em 2013. Fonte: Reproduzido de CRED (2014) – p. 15. Apesar do grande número de eventos registrados no ano de 2013, o Brasil não está presente nos rankings dos 10 países com o maior número de vítimas fatais, maior número de afetados e maiores prejuízos econômicos no ano de 2013. No entanto, no ano de 2011 o país foi apontado como um dos vinte maiores receptores mundiais de empréstimos no mundo para financiar gastos com emergências relacionadas a desastres naturais, mesmo não estando figurando dentre os 10 países com maiores impactos no PIB (CRED, 2012; 2014). A tabela 6 apresenta o número de desastres naturais registrados no período de 1991 a 2010 por tipologia e com dados de mortalidade, morbidade e diretamente expostos (desabrigados e desalojados). 63 Tabela 6. Registro de desastres naturais no Brasil, 1991-2010. Tipos De Desastres Total De Eventos Afetados Mortos Doentes Diretamente Expostos Hidrológico 10.444 38.836.257 1.567 309.529 4.176.851 Climatológico 18.450 49.868.081 273 167.582 1.554.450 Meteorológico 2.290 4.120.439 161 4.917 276.847 Geológico/Geofí sico 724 3.544.059 1.043 5.530 173.259 TOTAL 31.909 96.368.836 3.404 487.558 6.181.407 Fonte: Reproduzido de FREITAS et al., 2014 (a) – p. 3652. Segundo os dados da Defesa Civil, foram registradas 31.909 ocorrências de desastres naturais no Brasil no período de 1991 a 2010. Os eventos do tipo hidrológicos (inundações graduais e bruscas) totalizaram 32,7% do total de eventos registrados no Brasil no período de 1991 a 2010, representando o segundo maior desastre em número de ocorrências registradas no período, atrás apenas dos desastres climatológicos (estiagem e seca) (CEPED/UFSC, 2012). Os desastres hidrológicos foram responsáveis também por aproximadamente 40% do total de afetados, 45% do total de vítimas fatais (mortalidade) e 67% do total dos diretamente expostos no período. Com relação à morbidade, os desastres hidrológicos foram os eventos com a maior representatividade no período, aproximadamente 60% do total (CEPED/UFSC, 2012). Isso pode ser explicado pelo fato das inundações, como visto anteriormente, causarem doenças associadas com a interrupção dos serviços de saúde pública básicos e com a deterioração das condições de moradia da população, como por exemplo, doenças gastrointestinais e surtos de doenças transmissíveis, como a Leptospirose e a Malária (OPS, 2000). O gráfico 4 apresenta a ocorrência anual de inundação no Brasil no período de 1991 a 2010. 64 Gráfico 4. Ocorrência anual de inundação no Brasil no período de 1991 a 2010. Fonte: CEPED/UFSC, 2012. Segundo FREITAS et al. (2014), os dados do ABDN no período de 19912010: “....revelam que no período houve um aumento na frequência das inundações uanto bruscas no rasil com picos em e . distribuição no ano aneiro e fevereiro foram os meses de maior ocorrência no país. (p. 3650)” Ainda observando a tabela 4, FREITAS et al. (2014a) concluíram que: “...os desastres hidrológicos são os que apresentam maior média de morbidade (n= 29) e expostos (n= 399) por evento. cerca do dobro da proporção de morbidade (n = 15) e expostos (n= 193) por eventos para todas as categorias de desastres (p.3651).” É importante destacar que as inundações no Brasil possuem um caráter cíclico. Nas regiões sul e sudeste as inundações predominam nos meses do verão 65 (novembro, dezembro e janeiro), com picos na região sul também nos meses de abril, maio e junho (outono); na região nordeste a ocorrência deste tipo de evento se dá no período de janeiro a junho; na região norte ocorre, predominantemente, nos meses de março a maio. A Região Sudeste registrou o maior número de afetados e computou 52% do total de óbitos por inundações bruscas registrados no país no período de 1991 a 2010. As inundações graduais, por sua vez, apresentaram o maior número de ocorr ncias nas Regiões Sudeste (31,5%), Nordeste (28%) e Sul (22,6%). As regiões Nordeste e Norte também foram afetadas, mas apresentaram menor número de registros (FREITAS et al., 2014). As inundações são um fenômeno natural e recorrente no ERJ. Ele apresenta diversidade climática e a distribuição de chuvas é mais concentrada (cerca de 70% a 80%) no verão, com a estação chuvosa ocorrendo no período de outubro a março. A estação seca (20% a 30% das precipitações) ocorre no inverno, entre os meses de abril e setembro. No entanto, alguns fatores têm influenciado a extensão e intensidade das ocorrências registradas, como a ação antrópica, a explosão demográfica e a ocupação de encostas e margens de rios, os quais aumentam a vulnerabilidade da região a este tipo de evento (CEPED/UFSC, 2012). No período de 1991 a 2010 83% dos municípios do Estado do RJ foram atingidos por inundações no período. A região mais atingida foi a Metropolitana do Estado. Isso pode ser explicado pela maior densidade populacional na área em relação às outras regiões do Estado (CEPED/UFSC, 2012). Seguindo tendências mundiais, o número de registros de ocorrências no ERJ aumentou ao longo dos anos, sendo que a década de 2000 a 2010 apresentou a maior parte das ocorrências de inundação registradas no período analisado (CEPED/UFSC, 2012). Entre os principais eventos ocorridos no ERJ nos últimos anos, podemos destacar as inundações e deslizamentos de terra que atingiram a Região Serrana do Estado no ano de 2011 e as inundações e deslizamentos de terra em Angra dos Reis no ano de 2010. O evento ocorrido na Região Serrana foi considerado o maior desastre climático da história do país, com 916 vítimas fatais, 345 desaparecidos e cerca de 35 mil desalojados. A seguir foram selecionados alguns eventos de inundações ocorridos no ERJ nos últimos anos divulgados na mídia. 66 Foto 1. Consequências das chuvas em Xerém, RJ Fonte: Jornal O Globo, 14/01/2014. 67 Foto 2. Chuva na Região Serrana Fonte: Jornal O Globo – 13/01/2011. 68 CAPÍTULO 3 – MARCO TEÓRICO E CONCEITUAL O capítulo 3 foi resultado de uma vasta revisão bibliográfica das principais teorias e conceitos acerca da vulnerabilidade social e os desastres e os indicadores e índices para mensuração da vulnerabilidade a desatres já desenvolvidos no mundo e no Brasil. Foram 3 meses de revisão realizada durante o PDSE no FHRC no Reino Unido com o auxílio da orientadora externa. Os descritores “social vulnerability and disaster” e “social vulnerability índex” foram utilizados para a busca de trabalhos científicos disponíveis nas bases de dados, além de livros e materiais didáticos indicados pela orientadora. Foram realizadas reuniões via Skype com a orientadora do Brasil para discussão dos resultados da pesquisa, balizamento e validação dos mesmos. 3.1. Vulnerabilidade Social e Desastres A palavra vulnerabilidade é derivada do Latim “vulnerare” que significa “ferir”. Basicamente, a vulnerabilidade pode ser definida como “a capacidade de ser ferido” ou “potencial para perder” (CUTTER, 1996; RYGEL et al., 2006). O termo vulnerabilidade possui diversos conceitos e definições na literatura, visto que o termo é utilizado em distintas áreas do conhecimento como: direito, segurança alimentar, macroeconomia, psiquiatria, saúde, geográfica e prevenção de desastres naturais (KUHLICKE, et al. 2011; BIRKMANN, 2006; CUTTER, 1996; RYGEL et al., 2006). Na economia, a vulnerabilidade está associada ao desempenho econômico, vinculando-se à macroeconomia e às crises econômicas dos países. Já na área da saúde, a vulnerabilidade indica a sensibilidade dos indivíduos a um evento de risco. No campo da geografia, o conceito de vulnerabilidade está associado ao conceito de natural hazard (perigos naturais) e a capacidade de resposta ao dano. Ou seja, a vulnerabilidade diz respeito às características demográficas que caracterizam as populações de baixa renda: localização espacial periférica, índice de dependência econômica mais alta, dentre outros. No âmbito das ciências sociais, o conceito de 69 vulnerabilidade concentra-se na perda de direitos básicos que garantem a proteção social, apontando os efeitos negativos da economia globalizada. (MARANDOLA E HOGAN, 2005; KOWARICK, 2002). Constitui-se, portanto, tarefa complexa achar o conceito adequado para o termo, visto que não existe uma única definição aceita. O quadro 3 apresenta uma breve revisão dos principais conceitos de vulnerabilidade disponíveis na literatura. Quadro 3. Principais conceitos de vulnerabilidade disponíveis na literatura AUTOR DEFINIÇÃO TIMMERMAN (1981) Vulnerabilidade é o grau em que o sistema age adversamente em virtude da ocorrência de um evento perigoso. DOW (1992) São as diferentes capacidades de grupos e indivíduos para lidar com perigos naturais, com base em suas posições dentro da sociedade e no espaço. WARMINGTON (1995) Uma condição que, adversamente, afeta a habilidade das pessoas de se prepararem para enfrentar ou responder a um perigo. COMFORT et al. (1999) São as circunstâncias que colocam as pessoas em risco enquanto reduzem sua capacidade de resposta ou negam-lhe a proteção disponível. UNDP (2004) Uma condição ou processo resultante de fatores físicos, sociais, econômicos e ambientais, os quais determinam a probabilidade e escala dos danos causados pelo impacto de um determinado perigo. BIRKMANN (2005) É o resultado da interação entre exposição a estressores externos e a capacidade de enfrentamento de uma família, grupo ou sociedade. GALLOPÍN (2006) Constituída por componentes que incluem exposição a perturbações ou estresses externos, sensibilidade a perturbações e capacidade de se adaptar. Pode ser vista como uma suscetibilidade para o dano, um potencial para mudanças e transformações do sistema quando confrontado 70 com uma perturbação como resultado desse confronto. YARNAL (2007) Definida como uma função da exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa. TAPSELL et al. (2010) É vista como uma função da suscetibilidade e valor. É um estado do sistema que antecede o sistema, ou seja, uma característica intrínseca ao sistema. Fonte: Elaborado pelo autor (2015). Pode-se concluir, portanto que, de forma bem resumida, a vulnerabilidade é a qualidade do vulnerável, ou seja, uma condição ou predisposição do sistema para ser ferido ou sofrer danos causados por um agente externo. Mais adiante serão apresentados detalhadamente os principais conceitos e abordagens para o termo vulnerabilidade no âmbito dos desastres naturais. Um Pouco da História da Vulnerabilidade Até a década de 70, a teoria do paradigma dominante era aceita para explicar a ocorrência dos desastres e seus impactos negativos na sociedade. Ela entendia a natureza, ou seja, os aspectos geofísicos do perigo, como os principais agentes causadores dos desastres. Assim, os danos materiais e humanos causados por eles seriam fruto de reações extremas da natureza e os atingidos por eles eram vistos como afortunados incapazes de reagir ao evento. Os desastres seriam, portanto, incidentes imprevisíveis e inesperados ou terríveis tragédias e pouco se poderia fazer para evitá-los. Ou seja, fenômenos da natureza incapazes de serem geridos (FORDHAM et al., 2013). A teoria do paradigma dominante surgiu nos Estados Unidos durante a Guerra Fria, quando os “ataques da natureza” eram combatidos da mesma forma como os inimigos da Guerra Civil em curso e foi denominada como a Teoria do Paradigma Dominante. Essa teoria, que vê o problema como sendo exclusivamente de políticas públicas, propõe como solução para tais fenômenos medidas estruturais como grandes obras de engenharia para gestão de todos os tipos de desastres, inclusive os tecnológicos e os humanos. Pode-se dizer, portanto, que a teoria do 71 paradigma dominante enfatiza a preparação e resposta ao evento adverso, dando pouca ou nenhuma importância para a prevenção e a mitigação dos riscos (FORDHAM et al., 2013). A partir da década de 70, no entanto, as medidas estruturais voltadas para a mitigação dos riscos propostas pela teoria falharam ao tentar prevenir eventos importantes como o furacão Andrew (1992) e as inundações no Mississipi (1993), dentre outros grandes eventos ocorridos e que geraram vultuosos danos à humanidade no período. Diante deste contexto, cientistas sociais da época começaram a questionar o paradigma dominante, ou seja, a “tal naturalidade” dos desastres e, especialmente, a imprevisibilidade dos mesmos. Surgem, a partir de então, estudos interessados em investigar as causas dos desastres e as possíveis formas de mitigação dos seus impactos. Ou seja, a teoria de que “estar em risco” não significa simplesmente estar no lugar errado na hora errada. Dessa forma, os desastres passaram a ser vistos, pela primeira vez, como o resultado das ações do homem na natureza, ou seja, eles ocorrem por falhas da sociedade ao aplicar medidas efetivas para a redução dos impactos (FORDHAM et al., 2013; GILBERT, 1998). A partir de então, cientistas sociais de todo o mundo passaram a apontar para a existência de uma forte evidência de que a vulnerabilidade social à ocorrência de desastres está relacionada aos fatores sociais estruturais como, por exemplo, falta de acesso ao poder político e distribuição desigual de renda, entre outros. Ou seja, os sistemas sociais seriam responsáveis por gerar uma exposição diferenciada aos riscos fazendo com que certas pessoas sejam mais vulneráveis do que outras a um mesmo evento. Essa exposição diferenciada, por sua vez, pode ser vista como uma função das relações de poder (classe, idade, gênero e etnia, entre outros) presentes dentro de cada sociedade (FORDHAM et al., 2013). Um novo paradigma é proposto. A teoria do paradigma da vulnerabilidade social surgiu a partir do “rompimento do pressuposto recorrente na literatura como um status quo de normalidade”, sendo iniciadas, a partir de então, as discussões da teoria da sociedade de risco. Os desastres deixariam de ser vistos como efeito, mas sim como o resultado de um conjunto complexo de perigos naturais e ações humanas sendo, portanto, produto da convergência dos fatores sociais, políticos e econômicos que levam a população a se expor a riscos e sua capacidade/habilidade de se preparar, responder e se recuperar frente a eventos extremos. Em outras 72 palavras, os riscos são produzidos ou fabricados socialmente, ou seja, são fruto da incisiva intervenção humana no meio e a natureza dos desastres deveria ser buscada na forma de organização da sociedade, sendo suas causas explicadas pelos problemas estruturais. Assim surgiu a teoria do paradigma da vulnerabilidade social, disseminado e aceito até os dias atuais e que visa entender como as relações sociais, econômicas e políticas influenciam, criam, potencializam e podem reduzir os perigos em uma dada região (MARCHEZINI, 2009; CANNON, 1994; FORDHAM et al., 2013). O quadro abaixo apresenta comparativamente as principais características das duas teorias. Quadro 4. Teoria do paradigma dominante e teoria do paradigma da vulnerabilidade social a desastres: principais características PARADIGMA DOMINANTE Concentrado nas características e processos físicos do perigo Gestão enfatiza o problema e centralizase na mão de autoridades PARADIGMA DA VULNERABILIDADE Concentrado nas influências dos aspectos socioeconômicos e politicos Gestão descentralizada que estimula a participação da comunidade para a solução do problema Visão vertical Visão centrada nas raízes do problema Usa soluções estruturais e o uso da Usa os conhecimentos locais, redes engenharia para redução dos riscos sociais, a imaginação e a criatividade para o enfrentamento do problema. O objetivo e reduzir os danos físicos O objetivo é reduzir a vulnerabilidade social da população A visão filosófica é de conquista da A ideia filosófica é de trabalhar em natureza conjunto com a natureza Enfatiza sistemas fechados Enfatiza sistemas abertos Fonte: Traduzido de THOMAS, et al. 2013. Uma das mais importantes diferenças entre as duas teorias apresentadas anteriormente é o fato da teoria do paradigma dominante estar focada na resposta ao evento perigoso, enquanto a teoria do paradigma da vulnerabilidade social preocupa-se centralmente em entender as causas raízes do problema, ou seja, as causas políticas e socioeconômicas da vulnerabilidade do local ou da população ao desastre (THOMAS et al., 2013). Um bom exemplo prático do rompimento e mudança de paradigmas: antes das fortes inundações ocorridas em Bangladesh no ano de 1998, as ações para 73 redução dos riscos constituíam-se de “mega” planos estruturais como a construção de aterros nas regiões ao redor dos principais rios do país e sistemas de drenagem para manter os níveis de água. Após os severos impactos causados pelas inundações, esses planos foram avaliados e substituídos por programas que visavam a melhoria do desenvolvimento econômico a longo prazo e o bem-estar da população para que ela tenha capacidade de se recuperar dos danos e perdas causados por eventos perigosos (THOMAS et al., 2013). Para o paradigma da vulnerabilidade social, a vulnerabilidade surge devido às formas que o sistema social é construído, escolhas que são feitas e o fato de alguns grupos serem, muitas vezes, mais protegidos do que outros. Ou seja, o paradigma da vulnerabilidade social estaria profundamente enraizado no contexto histórico, estruturas sociais existentes, assim como a falta de acesso a poder político e uma desigual distribuição de renda. Ela não aparece de repente, mas sim fruto de problemas ou desequilíbrios do sistema. Dessa forma, os desastres trariam à tona a pobreza que assola as vidas de muitos habitantes locais (THOMAS et al., 2013). Nos anos 90, emergiu um consenso global de que uma preparação, resposta e assistência adequadas não necessariamente reduzem o risco de desastres, sejam eles naturais, tecnológicos ou induzidos pelo homem. Nessa mesma época foi lançada a Década Internacional para Redução de Desastres e, subsequentemente, a Estratégia Internacional para Redução de Desastres com grandes esforços para a redução da vulnerabilidade através da divulgação de campanhas para escolas e hospitais mais seguros, reforçando o paradigma da vulnerabilidade social. Diante deste contexto, surgiu a ideia de que as vulnerabilidades precedem os desastres, contribuem para a sua severidade, impedem uma resposta efetiva e continuam atuando posteriormente (ENARSON, 2007). Posteriormente, o Marco de Hyogo foi assinado na Conferência Mundial para Redução de Desastres em Kobe, no Japão. Ele constitui em uma política chave com 10 anos de plano de ação (2005-2015) assinado por 168 nações com o objetivo de aumentar a resiliência de comunidades e nações através, principalmente, de ações voltadas para a redução a vulnerabilidade, dentre outras 74 estratégias. Esse documento é considerado o objetivo do milênio no âmbito dos desastres (THOMAS et al., 2013). Vulnerabilidade: Conceitos e Abordagens Como visto de forma resumida anteriormente, numerosos são os estudos e as abordagens utilizadas para definir o termo vulnerabilidade disponíveis na literatura. Esses estudos e abordagens, no entanto, são, em sua maioria, divergentes. Os autores concordam em um único ponto: a vulnerabilidade está relacionada com a propensão para se machucar/ferir de pessoas ou lugares ou objetos de valor devido a ocorrência de um evento perigoso, como um furacão ou enchentes/inundações causadas por um furacão. A concordância acaba aqui. Daqui por diante, as divergências aparecem (YARNAL, 2007). No entanto, segundo BIRKMANN (2006), apesar das divergências encontradas nas conceituações do termo vulnerabilidade, “….quase todos os conceitos veem a vulnerabilidade como o “lado interno do risco” intimamente relacionada discussão da vulnerabilidade como uma característica intrínseca do sistema ou elemento em risco (p.16).” Ou seja, a vulnerabilidade refere-se às características intrínsecas dos elementos expostos ou em risco (suscetibilidade) que são vistas como o núcleo das características da vulnerabilidade (BIRKMANN, 2005). BOHLE (2001), no entanto, apresentou a vulnerabilidade como um conceito que possui uma estrutura bifacetada, ou seja, composta de 2 (dois) lados: um lado interno e um lado externo. O lado interno é constituído pela capacidade de antecipação, de enfrentamento, de resistência e de recuperação frente à um evento adverso. Em contraste, o lado externo envolve a exposição a choques, estresses e perturbações externas. Dessa forma, para o autor, a vulnerabilidade seria o resultado da interação entre a exposição a agentes estressores externos e a capacidade dos afetados em lidar, enfrentar e responder à situação adversa. A figura 5 ilustra a proposta do autor. 75 Figura 5. A estrutura bifacetada da vulnerabilidade segundo BOHLE (2001). Lado interno da vulnerabilidade (CAPACIDADE DE ENFRENTAMENTO) Lado externo da vulnerabilidade (EXPOSIÇÃO) Fonte: Traduzido e Adaptado de BIRKMANN (2006) – p. 20. TAPSELL et al. (2010) entendem a vulnerabilidade como o estado do sistema pré desastre, ou seja, uma característica intrínseca do sistema. No entanto, a vulnerabilidade não é algo natural. Ela é um conceito complexo que engloba fatores de ordem econômica, social, cultural, institucional, ambiental e, até mesmo, psicológicos (conceito multidimensional). Sendo, portanto, um conceito dinâmico, uma vez que as características e as forças que conduzem a vulnerabilidade mudam com o tempo, especialmente entre grupos de indivíduos; cumulativo, uma vez que podem ser adicionados outros tipos de vulnerabilidade através de outras condições de riscos. Assim, segundo os autores, pode-se entender o termo vulnerabilidade simplificadamente como um grande guarda-chuva para um diferentes tipos de vulnerabilidade, a saber: - Vulnerabilidade física: é a incapacidade de se recuperar do impacto de um perigo natural; - Vulnerabilidade organizacional/institucional: é a organizações e/ou instituições em lidar com o desastre; incapacidade de 76 - Vulnerabilidade politica: é a incapacidade do poder politico, sua legitimidade e controle; manifesta a inadequação das politicas publicas implantadas para lidar com o desastre; - Vulnerabilidade social ou socioeconômica: á a incapacidade da aquisição igualitária e democrática aos bens e serviços básicos a população. - Vulnerabilidade cultural ou psicológica: é a incapacidade em formar percepções adequadas de risco, conhecido como paradigma de segurança inadequada. Os autores da publicação “Los Desastres No Son Naturales” (1993) da Red de Estudios Sociales en Prevención de Desastres en América Latina (LA RED) enxergam a vulnerabilidade por ângulos diversos: a vulnerabilidade natural (intrínseca ao indivíduo), a vulnerabilidade física (localização em area de risco), a vulnerabilidade econômica (insuficiência de recursos), a vulnerabilidade social (nível de coesão interna de uma comunidade), a vulnerabilidade política (nível de autonomia de uma comunidade para a tomada de decisões), a vulnerabilidade técnica (falta de estratégias como casas resistentes à terremotos), a vulnerabilidade ideológica (consciência que cada indivíduo tem a respeito do seu papel no mundo e na comunidade onde vive), a vulnerabilidade cultural (pode definir, por exemplo, as relações de poder dentro de uma comunidade), a vulnerabilidade educativa (valorização de conhecimentos existentes para redução das incertezas), a vulnerabilidade ecológica (padrão de desenvolvimento insustentável que levou à degradação ambiental e exploração irracional de recursos naturais) e a vulnerabilidade institucional (gestão burocrática de recursos e políticas públicas para redução do risco de desastres e/ou seu enfrentamento). CUTTER et al. (2003) e CUTTER (2006), em seus trabalhos, consideram três tipos de abordagens para o tema: - a vulnerabilidade como exposição ao risco/perigo: condições inseguras que tornam os indivíduos ou os lugares vulneráveis aos perigos; - a vulnerabilidade como uma condição ou resposta social, ou seja, a construção social da vulnerabilidade, uma condição enraizada em processos 77 históricos, sociais e econômicos que incidem diretamente na capacidade individual e da sociedade como um todo em lidar com os desastres e responder adequadamente a eles (medida pela resistência e resiliência da população aos perigos); - vulnerabilidade como combinação da exposição com a condição social: a vulnerabilidade é concebida ao mesmo tempo como risco biofísico e resposta social, mas dentro de uma área ou domínio geográfico. Assim, para CUTTER (2006) as causas da vulnerabilidade podem ser explicadas por condições sociais subjacentes que são, frequentemente, anteriores/remotas ao perigo ou evento desastroso. No âmbito dos desastres naturais, por sua vez, o conceito de vulnerabilidade expressa o caráter multidimensional dos desastres, focando nas distintas relações existentes dentro de uma condição social que, em combinação com forças ambientais, produzem um desastre. Ou seja, a vulnerabilidade estará sempre associada à uma exposição diferenciada ao risco e refere-se à maior suscetibilidade de determinados grupos populacionais preverem o perigo e/ou enfrentarem as suas consequências (CARTIER et al., 2009). Assim, a vulnerabilidade explica o porquê dos diferentes níveis de risco que diferentes grupos experimentam ao serem submetidos a perigos naturais de mesma intensidade. De forma bem simples e didática, a vulnerabilidade a desastres ambientais poderia ser entendida, portanto, como a incapacidade de um indivíduo ou grupo populacional de evitar o perigo relacionado a catástrofes naturais, ou a condição de ser forçado a viver em condições de perigo. Diante deste contexto, a vulnerabilidade passou a ser vista como uma ferramenta chave para a compreensão das condições da população que fazem com que um perigo se transforme em um desastre (TAPSELL et al., 2010). É importante destacar que o conceito de vulnerabilidade no campo dos desastres não diz respeito somente aos riscos e perturbações aos quais o indivíduo 78 está exposto, mas também à capacidade do indivíduo de “lidar” com eles (ALVES, 2012). Pensando nisso, CARDONA (2004) apresenta três componentes principais da vulnerabilidade: - Fragilidade ou exposição: refere-se ao componente físico e ambiental da vulnerabilidade, que explicita quanto um grupo populacional é suscetível a um fenômeno adverso em função de fatores como a sua localização ou a ausência de resistência física. - Suscetibilidade: pode ser entendida como o componente socioeconômico e demográfico da vulnerabilidade, que apresenta a predisposição de um grupo populacional ou indivíduo de sofrer danos frente a um evento adverso. Tal predisposição pode ser fruto de diversos fatores como, por exemplo, o grau de marginalidade, segregação social e fragilidade econômica. e falta de resiliência. A fragilidade ou exposição; - Resiliência: refere-se ao componente comportamental, comunitário e político que mede a capacidade de um grupo populacional ou indivíduo de absorver o choque causado por um evento adverso e se adaptar para voltar a um estado aceitável. BIRKMANN (2005) em seu estudo destacou a evolução do conceito de vulnerabilidade ao longo do tempo, denominada pelo autor como “alargamento” do conceito (widening of the concept). Esse “alargamento” foi explicado por ele usando a figura de uma esfera composta por 5 (cinco) camadas. Segundo o autor, inicialmente a definição do termo vulnerabilidade estava centrada apenas nas características internas do sistema que independem da situação de risco para existirem (primeira camada da esfera). Posteriomente, houve uma extensão dessa definição (segunda camada da esfera): a vulnerabilidade passou a ser definida como a probabilidade de ser ferido, morto ou sofrer danos causados pela ocorrência de um evento extremo. Dessa forma a vulnerabilidade estava centrada na figura humana e passa a levar em conta as características centrais do sistema que aumentam a sua probabilidade de sofrer danos ou de ser ferido. Num estágio acima (a terceira camada da esfera) a definição passou a ser vista como uma 79 estrutura dualística composta por duas características principais: suscetibilidade ou probabilidade de ser ferido e dificuldades no processo de enfrentamento (resposta) e reconstrução frente aos impactos de eventos perigosos. Na quarta camada da esfera, novos estudos revelaram a vulnerabilidade como um conceito com estrutura múltipla, englobando elementos como: suscetibilidade (probabilidade de ser ferido ou sofrer danos), capacidade de enfrentamento ou resposta, exposição e capacidade adaptativa. Ou seja, foram incorporados ao conceito elementos externos ao sistema em risco. A quinta e última camada derruba a perspectiva tradicional que define a vulnerabilidade focando apenas nos aspectos físicos do evento. A vulnerabilidade passa a ser vista como um conceito multidimensional que engloba características físicas, econômicas, sociais, ambientais e institucionais. A figura 6 apresenta a esfera utilizada por BIRKMANN (2005) para ilustrar a evolução do conceito de vulnerabilidade ao longo do tempo. 80 Figura 6. A evolução do conceito de vulnerabilidade segundo BIRKMANN (2005). Fonte: Traduzido e adaptado de BIRKMANN (2006) – p. 17. Assim, utilizando como subsídio a evolução do conceito sugerida por BIRKMANN (2005), pode-se afirmar que alguns autores abordam a vulnerabilidade através da suscetibilidade do sistema ou comunidade (característica intrínseca) de sofrer os efeitos oriundos de uma perturbação ou estresse externo. São eles: BLAIKIE et al., 1994; TAPSELL et al., 2010). Outros, por sua vez, levam em consideração as características e as condições de vida dos indivíduos ou grupo afetados que influenciam sua capacidade de antecipação, resposta e resistência, além é claro da sua capacidade de recuperação frente a um evento adverso (WISNER et al., 2004). 81 Para WISNER et al. (2004) a vulnerabilidade engloba: “...as características das pessoas ou grupos e a situação deles que influenciam a sua capacidade de se antecipar, lidar com, resistir e se recuperar do impacto de um desastre natural. Envolve a combinação de fatores que determinam o grau que a vida da pessoa, sua família, propriedade e outros ativos são colocados em risco por um evento (ou séries ou até mesmo “cascatas” deles) na natureza e nas sociedade.” (p.11) Outros estudiosos ainda veem a vulnerabilidade como uma função de elementos internos e externos do sistema em risco: exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa. Ou seja, a vulnerabilidade física seria um resultado da exposição e a vulnerabilidade social emanaria de fatores sociais que levam as pessoas a viverem em áreas de alta exposição, afetam a sua sensibilidade para aquela exposição e influenciam a sua capacidade de resposta e adaptação. A exposição seria o nível/grau ao qual pessoas ou lugares ou coisas de valor estão em contato com um potencial evento danoso. A sensibilidade seria o nível/grau ao qual as pessoas e os lugares ou objetos de valor podem ser afetados/machucados pela exposição a uma situação perigosa. Como já discutido, alguns indivíduos, comunidades e objetos são mais sensíveis do que outros quando expostos a algum evento. Ou seja, a sensibilidade pode ser vista como uma característica inerente ao sistema e que pode ser mudada ao longo do tempo. A capacidade de adaptação ou adaptativa seria então o nível no qual as pessoas podem mitigar o seu potencial para ser machucado/afetado tomando medidas/ações para reduzir a exposição ou sensibilidade nos períodos pré e pós evento. Diante deste contexto, os recursos físicos, sociais, econômicos e espirituais que possuem, incluindo recursos como nível de educação e acesso à informação ou tecnologia, podem determinar a capacidade de adaptação do indivíduo, comunidade e/ou local (YARNAL, 2007; GALLOPÍN, 2006). É importante destacar aqui que capacidade de enfrentamento não é o mesmo que capacidade adaptativa (será visto com mais detalhes adiante). Um exemplo bem simples para a melhor compreensão dos conceitos anteriormente apresentados. Supondo como evento adverso uma forte inundação 82 numa cidade X. As casas mais precárias estão localizadas em locais mais suscetíveis a inundações (exposição). Elas são atingidas mais duramente do que as casas mais sólidas (sensibilidade). As famílias com maior disponibilidade de recursos possuem maior capacidade de se recuperar dos danos causados pela água (capacidade de resposta ou enfrentamento) (GALLOPÍN, 2006). Seguindo a mesma linha de raciocínio, ou seja, incorporando elementos externos e internos na constituição do risco, há ainda autores que veem a vulnerabilidade como uma função da exposição, sensibilidade (suscetibilidade) e resiliência que exercem influência na sua habilidade para resistir, absorver e se adaptar ao impacto de um evento perigoso (GALLOPIN, 2006; YARNAL, 2007; ALEXANDER, 2014). Segundo GALLOPÍN (2006) a vulnerabilidade seria constituída por componentes que incluem exposição a perturbações ou estresses externos, sensibilidade a perturbações e capacidade para se adaptar, ou seja, para aprender, evoluir e implementar estratégias de adaptação (vide figura 7). Pode ser vista, portanto, como uma suscetibilidade ao dano, um potencial para mudanças ou transformações do sistema quando confrontado com uma perturbação, em vez de um resultado desse confronto. O autor afirma ainda que a vulnerabilidade não é somente algo negativo. Ela pode ser positiva em alguns casos onde a mudança gera transformações benéficas para a sociedade como, por exemplo, o colapso de um regime opressivo. 83 Figura 7. Modelo conceitual da vulnerabilidade proposto por GALLOPÍN (2006) Exposição Capacidade de enfrentamento (Curto prazo) Vulnerabilidade Resiliência Sensibilidade Capacidade adaptativa (Longo prazo) Fonte: Traduzido e adaptado de ALEXANDER (2014), p. 19. ALEXANDER (2014), por sua vez, propõe em sua tese de doutorado a vulnerabilidade como uma função da sensibilidade ou suscetibilidade, da capacidade de resposta e da exposição e vincula o conceito de vulnerabilidade diretamente à resiliência e à capacidade adaptativa. A figura 8 ilustra o modelo proposto pela autora. 84 Figura 8. Modelo conceitual da vulnerabilidade proposto por ALEXANDER (2014) Resiliência Sensibilidade Vulnerabilidade Capacidade de Resposta Exposição Capacidade de resposta Fonte: Traduzido e adaptado de ALEXANDER (2014). CANNON et al. (2003), por sua vez, afirmam que a vulnerabilidade é um conceito muldimensional (última camada da esfera de BIRKMANN) que engloba características físicas, sociais, econômicas, ambientais e institucionais. Segundo eles: “A vulnerabilidade é somente parcialmente determinada pelo tipo de perigo. Ela é principalmente impulsionada por meios de vida precários, grau/nível de autoproteção ou proteção social, qualificações e configurações institucionais que definem todo o contexto no qual uma 85 pessoa ou uma comunidade experimenta e responde aos impactos negativos de eventos perigosos.” (p.5). No entanto, existe ainda uma abordagem mais recente para o conceito de vulnerabilidade. Alguns autores veem nas características sociais, mais especificamente nas desigualdades sociais, a principal razão para a suscetibilidade de um indivíduo ou grupo em situações de emergência, visto que afetam a resiliência e a capacidade de enfrentamento dos mesmos. Esse tipo de abordagem é muito comum, especialmente em países em desenvolvimento, onde o contexto político-econômico apresenta constante instabilidade (CUTTER & EMRICH, 2006; CUTTER et al., 2003). Surge então o conceito de vulnerabilidade social para explicar a ocorrência de desastres e os impactos diferenciados produzidos por tais eventos nos locais atingidos. O termo vulnerabilidade social é relativamente novo no campo dos desastres naturais. O quadro abaixo lista os principais conceitos de vulnerabilidade social encontrados na literatura. Quadro 5. Definições de vulnerabilidade social DEFINIÇÕES As características de uma pessoa ou grupo ou a situação deles que influenciam a sua capacidade de antecipar, responder, resistir e se recuperar frente ao impacto de um perigo natural. Isso envolve uma combinação de fatores que determinam o grau em que a vida dos indivíduos e as suas propriedades, por exemplo, são colocadas em risco por um evento, seja ele natural ou não. O produto das iniquidades sociais é definido como a suscetibilidade de grupos sociais aos impactos de perigos, assim como sua resiliência e habilidade para se recuperar adequadamente deles. A suscetibilidade não é somente relacionada às características demográficas, AUTORES BLAIKIE et al., 1994 CUTTER & EMRICH, 2006 86 mas também à questões mais complexas como provimento de cuidados médicos, capital social e o acesso às necessidades básicas. Emana de fatores socais que colocam as pessoas em áreas de alta exposição, afetam a sensibilidade das pessoas a essa exposição e exercem influência em sua capacidade de responder e se adaptar. A vulnerabilidade social pode ser medida pela suscetibilidade física e sistêmica à perda. Ela reflete a fragilidade frente a estresses externos e os processos pelos quais as pessoas são privadas de meios para enfrentar situações adversas para experimentarem perdas que possam os deixar fisicamente fracos, economicamente pobres, socialmente dependentes e psicologicamente prejudicados. A vulnerabilidade social está intimamente relacionada com as desigualdades sociais e com as questões de justiça social e ambiental. YARNAL, 2007 MENONI et al., 2012 KUHLICKE et al., 2011 Fonte: Traduzido e adaptado de TAPSELL et al., 2010, p. 7. De forma resumida, diante deste contexto, diz-se vulnerável aquele que não possui condições para se defender do agente externo e/ou condição adversa e é lesionado. No entanto, para que sofra o dano, são necessárias 3 (três) condições: a existência de um evento potencialmente adverso, ou seja, um risco endógeno ou exógeno; a incapacidade de resposta a tal evento e a inabilidade para adaptar-se às novas condições geradas como consequências do evento (DESCHAMPS, 2004). BLAIKIE et al. (1994) afirma que a vulnerabilidade está diretamente relacionada à capacidade de um grupo ou família para resistir a efeitos nocivos e perigo e de se recuperar facilmente. Assim, a vulnerabilidade envolve uma combinação de fatores que determina o grau em que a vida de alguém ou de um grupo é colocada em risco por um evento discreto e identificável (ou uma série de tais eventos), na natureza e na sociedade. 87 Assim, no âmbito da vulnerabilidade social, a capacidade de resposta e adaptação de um indivíduo, local ou comunidade englobam os recursos que este possui e/ou sua capacidade de mobilizá-los para o enfrentamento de uma situação adversa (VIGNOLI, 2001). Por exemplo, uma família pobre não tem condições para mitigar os riscos, morar em locais seguros e bancar uma evacuação quando alertados da iminência de um evento perigoso. Diante deste contexto, pode-se concluir que a vulnerabilidade social reflete o problema político e econômico de alocação dos recursos entre os indivíduos, grupos e classes e resulta de processos de iniquidade social e padrões históricos das relações sociais que se manifestam como barreiras estruturais envolvidas profundamente no âmbito social e resistentes a mudanças. Assim, pode-se citar como fatores que influenciam a vulnerabilidade social: falta de acesso a recursos (informação, conhecimento e tecnologia, por exemplo); acesso limitado ao poder e representação política; status socioeconômico; gênero; comportamentos e costumes; qualidade da moradia; idade; limitações físicas; etc. (THOMAS et al., 2013; CUTTER et al., 2003). A vulnerabilidade social, portanto, pode ser determinada por uma gama de fatores sociais e econômicos, constituindo-se em um conceito multifacetado que incorpora aspectos da habitação, segurança, gênero, infraestrutura, raça, dentre outros (ENSURE PROJECT, 2010). BARTON (1969) ainda na década de 60 afirmou que os desastres revelam os problemas sociais incorporados em todas as sociedades. CUNY (1993), por sua vez, apontou a pobreza como a principal fonte de risco e precisa ser combatida para minimizar os impactos humanos. Ou seja, para o autor a solução seria o combate às injustiças sociais. CUTTER et al. (2003) corrobora com CUNY (1993) afirmando que a vulnerabilidade social é, parcialmente, um produto das desigualdades sociais, ou seja, fatores sociais que influenciam ou moldam a suscetibilidade dos grupos populacionais. Podemos citar como exemplos: grau de urbanização, taxas de crescimento da população, vitalidade econômica, entre outros. Para VIGNOLI (2001) a vulnerabilidade social corresponde a um conjunto de características demográficas dos domicílios que, numa sociedade moderna, 88 ocasiona a limitação da acumulação de recursos, implicando em manifestações de desvantagens sociais. O autor elenca algumas características sócio-demográficas que dificultariam a mobilização de ativos, ou seja, aumentariam a vulnerabilidade. São elas: - pautas de estruturação ou tipo de formação das unidades domésticas: A uniparentalidade, por exemplo, seria uma característica que acentuaria a vulnerabilidade; - ciclo de vida: as fases inicias e finais da vida familiar são períodos mais críticos e trazem algumas dificuldades inerentes a cada fase da vida. Ou seja, a idade pode acentuar a vulnerabilidade dos indivíduos; - condições demográficas básicas: muitas características demográficas estão diretamente relacionadas à desvantagem social. As mais importantes seriam: número de membros residentes no domicílio, condições de infraestrutura da moradia, dentre outros. Quanto maior o número de membros residentes no domicílio, mais difícil a mobilização de ativos para uma resposta ou recuperação adequada frente à um evento adverso (VIGNOLI, 2001; DESCHAMPS, 2004). DOWINING et al. (2006) caracterizam a vulnerabilidade social como um processo dinâmico; em que há exposição diferenciada pelas unidades de análise; de origem e influenciada por múltiplos agentes; que se manifesta simultaneamente em mais de uma escala e quase sempre e determinado por redes sociais, econômicas, institucionais e do meio ambiente. No entanto, verifica-se que a vulnerabilidade social não está limitada apenas às fragilidades sociais, mas incluem múltiplos temas, tais como gênero, raça, idade, renda e aspectos do ambiente construído e características da comunidade. Para CANNON et al. (2003) a vulnerabilidade social é uma configuração complexa de características que incluem bem-estar pessoal, meios de subsistência, resistência a eventos adversos, autoproteção e redes politicas, sociais e 89 institucionais. Este nível de bem-estar de indivíduos, comunidades e da sociedade, inclui aspectos relacionados ao grau de instrução, escolaridade, segurança e politicas públicas, respeito aos direitos humanos, igualdade social, entre outros. De acordo como HILL & CUTTER (2001), a vulnerabilidade social descreve as características demográficas de diferentes grupos sociais que os fazem mais ou menos suscetíveis aos impactos negativos de um evento extremo. Para estes autores a vulnerabilidade social sugere que as pessoas criam a sua própria vulnerabilidade, através de suas ações e decisões. Dessa forma, segundo muitos autores, a vulnerabilidade social é construída pela sociedade por meio de condições distintas que geram respostas diferenciadas a situações adversas nos diferentes grupos e/ou locais. Diante deste contexto, a vulnerabilidade social seria parcialmente um produto das desigualdades sociais, ou seja, de fatores sociais que influenciam ou determinam a susceptibilidade de grupos ao perigo e sua capacidade de resposta e adaptação ao mesmo (ENSURE PROJECT, 2010). Resumidamente, quanto maior a disponibilidade e capacidade para mobilização de recursos ou de capital humano (ativos, informação e rede social), menor seria a vulnerabilidade. Pode-se dizer que as desvantagens sociais afetam negativamente o desempenho das comunidades, lugares e pessoas. As condições de vida precárias e a insatisfação das necessidades básicas afetam o ordenamento social e territorial da população (VIGNOLI, 2000; BIRKMANN, 2006). No entanto, as desigualdades sociais são vistas como características inerentes à estrutura social. Indivíduos que possuem uma situação financeira melhor, caso sejam colocados em situação de risco, possuem meios para deixar o local com maior facilidade e possuem a opção de acionar o seguro para proteger bens e propriedades. Somado a isso, possuem redes sociais (capital social) e habilidades (capital humano) para garantir que sejam atendidos mais rapidamente. Os mais pobres, por sua vez, podem até estar conscientes do risco a ser enfrentado, no entanto, possuem disponíveis menos escolhas para local de moradia e qualidade de suas habitações. Além disso, não possuem condições de arcar com os custos de um seguro para proteger os seus poucos bens (THOMAS et al., 2013). Diante deste contexto, alguns autores e teorias reconhecem a desigualdade social como um tipo de vulnerabilidade e incluem no escopo de perigos as condições adversas que milhões de pessoas enfrentam diariamente ao redor do mundo: água 90 contaminada, falta de instalações sanitárias, estradas inseguras e inadequações alimentares e nutricionais (THOMAS et al., 2013). Pode-se afirmar, portanto, que o conceito de vulnerabilidade social levanta questões de justiça social. Salvo raras exceções, os pobres e marginalizados são mais vulneráveis aos desastres. Independente de onde residem, eles são menos aptos a responderem adequadamente frente à um evento adverso (THOMAS et al., 2013). CUTTER et al. (2003) argumentam que a vulnerabilidade a perigos naturais pode ser estudada a partir de dois princípios: - identificando as condições que fazem pessoas ou locais vulneráveis a perigos naturais; - assumindo que a vulnerabilidade é uma condição social. Neste sentido, notase que não haveria vulnerabilidade sem sociedade. Ou seja, as características que fazem uma sociedade, localidade ou mesmo uma única residência mais ou menos vulneráveis são reflexos de decisões e/ou condições sociais frequentemente anteriores ou remotas ao perigo ou evento desastroso (CUTTER, 2006). A figura 9 apresenta o modelo conceitual proposto por CUTTER (2006). 91 Figura 9. Perigos do local – modelos de vulnerabilidade Risco Contexto geográfico Vulnerabilidade biofísica Perigo Vulnerabilidade do local Mitigação Contexto social Fonte: Traduzido e reproduzido de CUTTER (2006) – p. 78. Vulnerabilidade social 92 Alguns autores, no entanto, possuem uma visão mais específica do problema. Eles corroboram a ideia de que o conceito de vulnerabilidade está correlacionado a uma construção teórica, anterior a ela. No entanto, ela é específica e definida como exclusão social, que serviu de referência para a caracterização de situações sociaislimite, de pobreza ou marginalidade, e para a consequente formulação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento destas questões (BRASIL, 2007; CASTEL, 1997). A exclusão social teve sua origem na França, no século XX, e se estendeu a outros países europeus para ressaltar situações que iam além do mercado de trabalho e que representavam rupturas de vínculos sociais e perdas da base de sustentação da reprodução da vida: a casa, a vizinhança e a família (CASTEL, 1997). A desvantagem/exclusão social possui diversos componentes. Entre eles está a desigualdade econômica. Ou seja, a pobreza pode constituir-se em um fator de desvantagem social, visto que impõe limitações aos indivíduos (DESCHAMPS, 2004). Na América Latina, por sua vez, a noção de vulnerabilidade estreitamente vinculada à pobreza é abordada por diversos autores, especialmente devido à situação de fragilidade político-econômica vigente na região há anos (RODRIGUEZ, 2001). RODRIGUEZ (2001) apresenta outra faceta importante e muitas vezes ignorada da desigualdade social: a vulnerabilidade demográfica. Ou seja, o processo de marginalização das camadas mais pobres da sociedade “empurradas” para morarem nas áreas de risco da cidade, perto de lixões, encostas e margens de rios, locais esses onde a especulação imobiliária não tem interesses (menor concorrência = menores preços). Assim, pode-se dizer que a vulnerabilidade social se encontra diretamente relacionada com grupos socialmente vulneráveis, ou seja, indivíduos que, por determinadas características ou contingências, são menos propensos a uma resposta positiva mediante algum evento adverso (por exemplo, crianças, idosos e mulheres) (THOMAS et al., 2013). 93 Diante deste contexto, pode-se afirmar que a análise da vulnerabilidade deve levar em conta aspectos muldimensionais, ou seja, características físicas, econômicas, sociais, ambientais e institucionais (THOMAS et al., 2013). Modelos Explicativos da Vulnerabilidade WISNER et al. (2004) propuseram três (3) modelos explicativos para explicar a vulnerabilidade que visam descrever a relação entre eventos naturais e os processos sociais que geram condições inseguras, ou seja, vulnerabilidade. Para os autores: “A vulnerabilidade é definida pelas características das pessoas ou grupos e a situação deles que influenciam a sua capacidade de se antecipar, lidar com, resistir e se recuperar do impacto de um desastre natural. Envolve a combinação de fatores que determinam o grau que a vida da pessoa, sua família, propriedade e outros ativos são colocados em risco por um evento na natureza e na sociedade.”(p.11) O primeiro modelo proposto foi o modelo PAR (Modelo Pressão e Lançamento). Ele é uma ferramenta simples para mostrar como os desastres acontecem onde os perigos naturais afetam pessoas vulneráveis. Segundo ele, a vulnerabilidade está enraizada em processos sociais e causas subjacentes que podem ser bastante remotas ao evento em si. A base deste modelo é que o desastre é representado pela intersecção de duas forças opostas: processos que geram vulnerabilidade de um lado e o perigo de um evento natural do outro. Assim, para aliviar a pressão do evento, a vulnerabilidade deve ser reduzida (WISNER et al., 2004). 94 A figura 10 ilustra o modelo PAR. Figura 10. O modelo PAR Fonte: Traduzido e reproduzido de WISNER et al., 2004 95 A explicação para a vulnerabilidade no modelo PAR, por sua vez, tem três conjuntos de “links” que conectam o desastre a processos que estão localizados em níveis decrescentes de especificidade das pessoas impactadas por desastres: - causas primárias ou “raiz”: processos econômicos, demográficos e políticos dentro da sociedade e/ou da economia mundial que, por afetar a alocação e distribuição de recursos entre diferentes grupos de pessoas, dão origem à vulnerabilidade; - pressões dinâmicas: processos e atividades que transformam os efeitos das causas primárias, tais como o crescimento populacional, a rápida urbanização, desmatamento e um declínio na produtividade do solo, guerras e conflitos violentos (WISNER et al., 2004); - condições inseguras: formas específicas pelas quais a vulnerabilidade da população manifesta-se no tempo e no espaço, juntamente com o perigo. Elas dependem da condição inicial de bem-estar das pessoas e como estas condições variam entre regiões, microrregiões, famílias e indivíduos. Um exemplo: pessoas vivendo em locais inseguros, sem proteção do Estado (WISNER et al., 2004). Tomando o processo de crescimento populacional e a rápida urbanização como exemplos. O acesso desigual a terra e a pobreza das famílias forçou grande número de indivíduos a buscar outros lugares para morar. Na maioria das vezes, ao longo dos rios, ou seja, em áreas consideradas de risco. Como consequência do crescimento populacional, temos o acelerado processo de urbanização, apontado como o principal fator no crescimento da vulnerabilidade da população. O processo de urbanização gera pressão na terra devido à chegada de imigrantes em cidades já “super” povoadas. Dessa forma, quem chega depois, não tem outra opção a não ser ocupar áreas consideradas inseguras. Daí o fato do crescimento populacional e o acelerado processo de urbanização serem considerados fatores de risco para a ocorrência de desastres (visto anteriormente). 96 Pode-se concluir, portanto que, segundo o modelo PAR, as causas “raiz” ou primárias quando sofrem a ação das pressões dinâmicas, geram condições inseguras à população, que, em situações de perigo (terremotos, ciclones, furacões, inundações, erupções vulcânicas, deslizamentos de terra, seca, vírus e pestes), torna-as vulneráveis à ocorrência de desastres. Ou seja, o modelo PAR delineia a hierarquia de fatores causais que, juntos, constituem as pré-condições para a ocorrência de um desastre. É importante lembrar, no entanto, que se trata de um modelo estático. O Modelo PAR, apesar de apresentar os fatores causais que constituem précondições para a ocorrência de um desastre, não fornece uma análise detalhada e precisa das interações entre o ambiente e a sociedade em "pontos de pressão", no ponto onde e quando o desastre começa a acontecer (WISNER et al., 2004). Diante deste contexto, um novo modelo explicativo foi desenvolvido pensando nessas lacunas. Segundo WISNER et al. (2004), “O Modelo de Acesso ou Modelo “Access” foi desenhado com o objetivo de ilustrar o complexo e variado conjunto de eventos sociais e ambientais e os processos de longo prazo que podem ser associados com um evento específico que é chamado de desastre. Ele explica os detalhes precisos do que acontece no ponto de pressão entre o evento natural e os processos sociais de longo prazo.” (p.89) De uma maneira geral, pode-se dizer que o Modelo de Acesso busca explicar como o nível de acesso domiciliar a recursos influencia fortemente a sua capacidade para responder ao impacto dos riscos, gerando condições inseguras, ou seja, vulnerabilidade. Os recursos, nesse caso, podem ser econômicos (por exemplo, renda, crédito e emprego), relacionados à saúde ou infraestrutura (incluindo comunicações) ou às informações. Assim, o acesso adequado aos recursos seria a chave pra melhorar a resistência e a resiliência da população a eventos adversos, tornando-as capazes de restaurar a sua subsistência, por exemplo, após a ocorrência de um desastre (WISNER et al., 2004). 97 A figura 11 apresenta uma representação esquemática do Modelo de Acesso proposto. Figura 11. Modelo de Acesso Perigo específico Tempo/espaço Natureza do perigo Evento detonador Relações sociais Estrutura de dominação Proteção social: relações sociais/estrutura de dominação Condições inseguras Família/comuni dade Transição para o desastre Proteção social Vida normal Impactos na vida normal Novo ciclo Para o próximo desastre ou ação para redução do desastre Reação, enfrentamento, adaptação, intervenções e impacto dinâmico Desastre como processo Fonte: Traduzido de WISNER et al., 2004. 98 Seguindo o raciocínio proposto, a população vulnerável seria composta por aqueles que estão em risco. Não simplesmente por estarem expostos ao perigo, mas como resultado de um processo de marginalização que os torna seres em constante estado de emergência. A marginalização, por sua vez, é fruto de uma combinação de variáveis como classe, gênero, idade, etnia e deficiências, dentre outras, características que afetam diretamente esses indivíduos no que diz respeito ao acesso aos seus direitos básicos (BIRKMANN, 2006). Um exemplo bem simples seria o fato dos indivíduos ou grupos menos favorecidos economicamente serem “empurrados” para as áreas de risco da cidade, perto de lixões, encostas e margens de rios, locais esses onde a especulação imobiliária não tem interesses (menor concorrência = menores preços). Pode-se concluir, portanto, que a redução das desigualdades sociais e a melhoria no acesso a recursos seriam a chave para a redução da vulnerabilidade social do indivíduo/local, permitindo uma melhor resposta, adaptação e recuperação frente a uma condição adversa e reduzindo, consequentemente, os danos causados pelos desastres naturais. Conceitos Importantes no Estudo da Vulnerabilidade É importante, no entanto, conhecer outros conceitos-chave que, algumas vezes, complementam ou confundem-se com o conceito de vulnerabilidade. Exposição A exposição é um conceito-chave no âmbito da Saúde Ambiental. Através dele é possível estabelecer inter-relações entre a população local e as situações ambientais alteradas pelos eventos físicos. No entanto, nem sempre é possível estabelecer relações causais diretas entre a condição de exposição e os efeitos decorrentes do evento sobre a saúde da população (FREITAS et al., 2014). É importante ressaltar, no entanto, que, apesar da exposição ocorrer em um contexto espacial (local exposto) e temporal (tempo de exposição) específicos, a exposição não ocorre da mesma forma nos lugares e população. Pode-se dizer que a exposição será diferenciada pelas condições de vulnerabilidade do local ou da 99 população exposta. Pode-se dizer que a exposição de um dado local ou população será modulado pelas condições de vulnerabilidade (FREITAS et al., 2014): “...que resultam de estruturas socioeconômicas que produzem simultaneamente condições de vida precárias e ambientes deteriorados e se expressa como menor capacidade de redução do risco e baixa resiliência.” (p. ) MENONI et al. (2012) afirmam que a exposição é definida por ativos físicos, ambientais e pessoais (casas, rodovias, solo, ecossistema, comunidades, famílias) localizados em áreas de risco. Para YARNAL (2007) a exposição reflete o nível/grau ao qual pessoas ou lugares ou coisas de valor estão “abertas” a um potencial evento danoso. As coisas de valor não dizem respeito apenas à valor econômico e riquezas, mas também os valores culturais, espirituais e pessoais e infraestrutura social (serviços de saúde, segurança, entre outros). GALLOPÍN (2006), por sua vez, define a exposição como grau, duração e/ou extensão na qual o sistema está em contato com ou sujeito à perturbação. A exposição, segundo PENNING-ROWSELL et al. (2005), pode ser definida também como a probabilidade dos indivíduos ou bens físicos (infraestrutura, herança cultural, dentre outros) serem impactados por um evento extremo, como uma inundação. Risco Para NARVAÉZ et al. (2009) risco é, de forma bem simplificada, a probabilidade da ocorrência de um evento físico danoso. Ainda para esses autores: “El riesgo es una condición latente que, al no ser modificada a través de la intervención humana o por médio de un cambio de las condiciones del entorno físico-ambiental, anuncia un determinado nível de impacto social y econômico hacia el futuro, cuando un evento físico detona o actualiza el riesgo existente. Este riesgo se expressa y se concreta con la existência de población humana, producción e infraestructura expuesta al posible impacto de los diversos tipos de eventos físicos posibles, y que además se 100 encuentra en condiciones de vulnerabilidade, es decir, en una condición que predispone a la sociedade y sus medios de vida a sufrir daños y perdidas.” (p.09). Dessa forma, o nível de risco estará condicionado à intensidade ou magnitude do evento físico, ao grau de exposição e à vulnerabilidade do local ou população (NARVAÉZ et al., 2009). Para GALLOPÍN (2006) a exposição refere-se ao grau, duração e/ou extensão na qual o sistema está em contato com ou sujeito à perturbação. YARNAL (2007) afirma que exposição diz respeito ao nível/grau ao qual pessoas ou lugares ou coisas de valor estão propensos à um potencial evento danoso. No estudo de BARROCA et al. (2006) o risco de inundações é definido pela combinação de fatores que determinam a vulnerabilidade e a exposição potencial de um indivíduo ou local. Diante deste contexto, o risco poderia ser simplificadamente definido através da seguinte equação: Risco = Exposição + Vulnerabilidade Segundo ALCÂNTARA (2013), risco e vulnerabilidade são conceitos complementares. A diferença está basicamente nas suas competências de avaliação. O risco tem como foco apenas os perigos que são introduzidos na sociedade, logo sua análise é imediata. A vulnerabilidade, por sua vez, possui uma análise a longo prazo e tem como foco múltiplas dimensões (econômico, social, cultural, institucional, etc.) (ALCÂNTARA, 2013). ALMEIDA (2010) define risco como um constructo eminentemente social, ou seja, é uma percepção humana. Risco é a percepção de um indivíduo ou grupo de indivíduos da probabilidade de ocorrência de um evento potencial/perigoso e causador de danos, cujas consequências são uma função da vulnerabilidade intrínseca do indivíduo ou grupo. 101 Segundo GOERL (2012), no entanto, risco é a probabilidade de consequências prejudiciais ou perdas (econômicas, sociais ou ambientais) resultantes da interação entre perigos naturais e os sistemas humanos. O autor aponta a fórmula abaixo como representativa do conceito de risco. Risco = f (p, v) A Vigiliância em Saúde Ambiental, por sua vez, considera que o risco (R) é decorrente do perigo (P), evento potencializado pela vulnerabilidade (V) e inversamente proporcional à capacidade de resposta (CR) (MACHADO et al., 2011). R=PxV CR Perigo ou Ameaça É um dos componentes do risco. É uma ameaça potencial para as pessoas e seus bens, enquanto o risco é a probabilidade da ocorrência de um perigo e de gerar perdas (ALMEIDA, 2010). Um bom exemplo para a melhor compreensão da diferença entre perigo e risco. Dois indivíduos estão cruzando um oceano. Uma num transatlântico e a outra num barco a remo. O principal perigo (águas profundas e grandes ondas) é o mesmo para os dois. Mas o risco (probabilidade de naufrágio e afogamento) é muito maior para o indivíduo do barco a remo (ALMEIDA, 2010). O perigo ou ameaça só causará risco à população se houver exposição e condições de vulnerabilidade. 102 Capacidade de enfrentamento x Capacidade adaptativa A capacidade de enfrentamento refere-se à capacidade ou habilidade para responder de forma imediata às novas condições impostas pelos impactos causados pelo evento perigoso. Ou seja, é a habilidade para se ajustar a perturbações, moderar potenciais danos, tirar vantagem das oportunidades e enfrentar as consequências da transformação que ocorre. É um atributo do sistema que existe antes do evento (GALLOPÍN, 2006). Está diretamente vinculado ao conceito de vulnerabilidade. Diz-se vulnerável aquele que pode ser ferido pois não é capaz de mobilizar recursos para o enfrentamento ou pronta resposta à situação adversa (GALLOPÍN, 2006). A capacidade adaptativa, por sua vez, é um conceito polêmico. Adaptação, segundo ALEXANDER (2014) é vista como um processo ou resultado que permite ao sistema social enfrentar e se ajustar às mudanças. Ou seja, é vista como um meio de se reduzir a vulnerabilidade social. Segundo a autora, o propósito da adaptação ou da capacidade adaptativa é reduzir a sensibilidade e a exposição e aumentar a resili ncia, conceitos “pilares” da vulnerabilidade. GALLOPÍN (2006) afirma que a capacidade adaptativa refere-se aos ajustes necessários para uma adaptação a longo prazo às consequências do evento. YARNAL (2007), por sua vez, diz que capacidade adaptativa é o nível no qual as pessoas podem mitigar o seu potencial para ser ferido ou afetado tomando medidas para reduzir a exposição ou sensibilidade antes e após o evento. Essas medidas são tomadas a partir da mobilização de recursos físicos, sociais e econômicos disponíveis. De forma resumida pode-se dizer que a capacidade de enfrentamento engloba ações/medidas a curto prazo e a capacidade adaptativa é composta por ações/medidas a longo prazo (ALEXANDER, 2014; GALLOPÍN, 2006). 103 A capacidade de enfrentamento e a capacidade adaptativa fazem parte do escopo da vulnerabilidade dentro da sua perspectiva múltipla, como visto anteriormente (BIRKMANN, 2005): VULNERABILIDADE = suscetibilidade + capacidade de enfrentamento ou resposta + exposição + capacidade adaptativa TAPSELL et al. (2010) e LA RED (1993) são autores que entendem a capacidade de enfrentamento como um dos componentes da vulnerabilidade, sendo definida como a vulnerabilidade institucional ou organizacional. Suscetibilidade ou Sensibilidade A suscetibilidade é um dos componentes da vulnerabilidade e refere-se à pré-condição de uma pessoa ou de um grupo de sofrer dano porque experimenta algum nível de fragilidade ou condição de desvantagem. É uma característica intrínseca ao indivíduo ou sistema (KUHLICKE et al., 2012). Segundo GALLOPÍN (2006) a sensibilidade é a capacidade do indivíduo ou sistema natural de absorver impactos sem sofrer danos de longo prazo ou outra mudança significativa. Ou o nível/grau que um sistema é modificado ou afetado por distúrbios internos ou externos ou uma série de perturbações. Pode ser medida pela quantidade de transformações sofridas pelo sistema. É uma característica inerente ao sistema existente antes da perturbação. Resiliência Os primeiros trabalhos acerca do tema foram conduzidos por HOLLING em 1973 no âmbito do manejo de recursos e mudanças climáticas. Para o autor a resiliência diz respeito a perturbações, capacidade de auto-organização e a capacidade de aprender e se adaptar em situações de emergência. 104 No âmbito dos desastres, TIMMERMAN (1981) foi o primeiro autor a introduzir o conceito nas discussões sobre o tema. MILETI (1999) definiu resiliência como a habilidade da comunidade para suportar um evento natural extremo sem sofre danos, perdas e sem reduzir a sua produtividade ou qualidade de vida e sem uma grande quantidade de assistência externa. No entanto, assim como acontece com a vulnerabilidade, o termo resiliência possui variações nas suas definições com a identificação de três escolas de pensamentos. A primeira escola vê a resiliência como a outra face da vulnerabilidade, ou seja, o outro lado da moeda. Isso significaria que comunidades mais resilientes seriam menos vulneráveis, enquanto comunidades menos resilientes seriam mais vulneráveis (ALEXANDER, 2014). A segunda escola define a resiliência como um componente da vulnerabilidade (ADGER, 2006). Ou seja, a resiliência refere-se à capacidade de enfrentamento e adaptação para a recuperação rápida frente a uma situação de desastre. A terceira escola, por sua vez, considera resiliência e vulnerabilidade como 2 conceitos distintos (PATON, 2008; MANYENA, 2006). Ou seja, algo ou alguém mais vulnerável não é necessariamente menos resiliente. Assim a resiliência seria definida como (PEACOCK, 2010): “….a habilidade de um sistema para absorver, desviar ou resistir ao potencial impacto de um desastre e a habilidade para se recuperar apos ser impactado“ (p. ). Diante deste contexto, a resiliência seria vista como uma propriedade do sistema anterior à perturbação (não inclui exposição), ou seja, refere-se à conservação/preservação do “status quo” do sistema contra as perturbações (ALEXANDER, 2014). Para o ISDR, no contexto da compreensão dos riscos de desastres, resiliencia significa: 105 “The ability of a system community or society exposed to hazards to resist absorb, accommodate to and recover from the effects of a hazard in a timely and efficient manner, including through the preservation and restoration of its essential basic structures and functions. Resilience means the ability to ‘resile from’ or ‘spring back from’ a shock. The resilience of a community in respect to potencial hazard events is determined by the degree to which the community has the necessary resources and is capable of organizing itself both prior to and during times of need” (ISDR, 2009). Assim como a vulnerabilidade, o conceito de resiliência é recente e ainda não possui uma construção bem definida, possuindo múltiplas interpretações. 3.2. Índices de vulnerabilidade social Como visto anteriormente, a vulnerabilidade é um componente do risco e configura-se em um processo dinâmico, em constante desenvolvimento (ADGER et al., 2004; ADGER, 2006). Dessa forma, a capacidade para medir a vulnerabilidade é reconhecida como uma peça-chave para promover a efetiva redução do risco e uma cultura de resiliência a desastres (BIRKMANN, 2006). Com o aumento comprovado da ocorrência, frequência e danos causados por eventos adversos, a capacidade para medir a vulnerabilidade tem sido reconhecida como uma peça-chave para promover a efetiva redução do risco e uma cultura de resiliência a desastres. No entanto, a mensuração da vulnerabilidade não é uma tarefa simples e envolve diversos desafios, visto que não possui abordagem exclusivamente quantitativa, podendo abarcar diversos tipos de metodologias capazes de traduzir conceitos abstratos de vulnerabilidade em ferramentas práticas a serem aplicadas no território estudado (LEE, 2014; BIRKMANN, 2006). A Conferência de Yokohama, ocorrida em 1994, foi a 1ª conferência internacional onde os aspectos sociais da vulnerabilidade foram melhor considerados nos estudos sobre vulnerabilidade. Anteriormente havia uma forte ênfase na ciência e na tecnologia. Uma clara evidência dessa mudança de paradigma veio na 1ª mensagem da conferência: 106 “...os mais afetados por desastres naturais e outros desastres são os países pobres e grupos em desvantagem social em países em desenvolvimento devido ao fato de estarem menos preparados (“equipados”) para lidar com eles” (WISNER et al., 2004). A partir de então, surgiram numerosos estudos em escala global com o objetivo de medir a vulnerabilidade social. No entanto, uma importante limitação desses estudos é a pouca informação a respeito da precisão e validade dos mesmos, visto que, como vimos anteriormente, a vulnerabilidade não é uma condição que possa ser facilmente reduzida à uma medida, nem facilmente quantificada (ADGER, 2006; DILLEY et al., 2005). Os estudos sobre vulnerabilidade social visam explicitar a relação entre o sistema social e o meio ambiente, operacionalizando os conceitos apresentados na teoria e colocando-os em prática através do uso de indicadores e índices. Segundo KUHLICKE et al. (2011) esse tipo de estudo visa comprovar a hipótese da existência de uma forte correlação entre baixo status socioeconômico e alta vulnerabilidade ou reforçar a teoria que diz "os pobres sofrem mais com os perigos do que os ricos". No entanto, pode-se dizer que somente após a assinatura do Marco de Hyogo (2005-2015) na Conferência Mundial para Redução de Desastre realizada em 2005 em Kobe no Japão, a comunidade internacional ratificou a necessidade de se promover e sistematizar a redução de vulnerabilidades e do risco de desastres. Este documento preconizou que o impacto dos desastres nas condições sociais, econômicas e ambientais deve ser analisado através de indicadores. Assim, o desenvolvimento de indicadores e índices para a mensuração da vulnerabilidade social deveria ser visto como uma prioridade das organizações internacionais signatárias (BIRKMANN, 2006). O Marco de Ação de Hyogo (2005-2015) salienta a importância disso: “…develop systems of indicators of disaster risk and vulnerability at national and sub-national scales that will enable decision-makers to assess the impact of disasters on social, economic and environmental conditions and 107 disseminate the results to decision-makers, the public and population at risk”. Como visto anteriormente, os estudos de vulnerabilidade começaram a surgir em maior número após a Conferência de Yokohama realizada em 1994. Nessa conferência, pela primeira vez, os aspectos sociais foram considerados para a definição da vulnerabilidade. A partir de então, surgiram numerosos estudos em escala global com o objetivo de medir a vulnerabilidade social. No entanto, uma importante limitação desses estudos é a pouca informação a respeito da precisão e validade destes estudos, visto que, como vimos anteriormente, a vulnerabilidade não é uma condição que possa ser facilmente reduzida à uma medida, nem facilmente quantificada (ADGER, 2006; DILLEY et al., 2005). É importante ressaltar também que a mensuração da vulnerabilidade social através do uso de indicadores tem vantagens e desvantagens. A principal vantagem são as implicações positivas nas políticas publicas, inserindo o tema na agenda política governamental. Com relação às desvantagens, podemos citar a possibilidade deste tipo de mensuração apresentar o que chamamos de "falsos positivos", por exemplo, no caso de grupos considerados mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências). Eles podem não ser mais vulneráveis do que os outros grupos, mas sim apresentar necessidades especiais. Outra desvantagem seria o fato da vulnerabilidade social ser medida, na maioria das vezes, usando-se, exclusivamente, dados estatísticos ou através de métodos quantitativos e as dificuldades de comparação dos dados coletados de diferentes formas e dos procedimentos e conceitos distintos utilizado. Devido às dificuldades encontradas para a mensuração da vulnerabilidade social usando como base os indicadores, alguns autores consideram essa prática muito limitada (KUHLICKE et al., 2011). Sabendo-se que o estudo das dimensões que englobam o conceito de vulnerabilidade é recente, é importante ressaltar que a maioria dos índices de vulnerabilidade social já desenvolvidos no mundo não sofreu avaliações quanto à sua validade e robustez, ou seja, não foi estabelecido se o índice representa um modelo legítimo da vulnerabilidade social do local ou população em estudo. Alguns 108 autores afirmam também que eles possuem confiabilidade questionável devido a conflitos conceituais e pela falta de evidência empírica, normas e avaliação da qualidade dos mesmos. Apesar disso e, devido principalmente ao fato de serem vistos hoje como uma ferramenta indispensável para subsidiar a efetiva gestão do risco de desastres e alocação adequada de recursos para redução da vulnerabilidade, tem crescido o interesse de estudiosos na construção de índices de vulnerabilidade social (BIRKMANN, 2006; KUHLICKE et al., 2011). Diante deste contexto, apesar de ser ainda um tema recente, a literatura mundial possui um escopo de estudos que avaliam a vulnerabilidade social ou socioambiental utilizando índices sintéticos de vulnerabilidade e risco de desastres naturais. CUTTER et al. (2000) apresentou uma metodologia para avaliação da vulnerabilidade utilizando indicadores sociais e biofísicos. Foram selecionadas 12 ameaças ambientais e 8 características sociais para a área de estudo, Georgetown County, Carolina do Sul. Os resultados encontrados sugerem que as áreas consideradas mais vulneráveis do ponto de vista biofísico, nem sempre coincidem espacialmente com as populações mais vulneráveis. Este é um achado importante, pois traz uma discussão sobre os prováveis "custos sociais" dos perigos na região, promovendo avanços para a compreensão teórica e conceitual das dimensões espaciais da vulnerabilidade. TAPSELL et al. (2002) realizaram um estudo onde combinou-se métodos qualitativos (entrevistas e grupos focais) com métodos quantitativos (construção de um Índice de Vulnerabilidade a inundações – SFVI) para avaliar a vulnerabilidade de comunidades afetadas por inundações no Reino Unido. O SFVI foi construído com base em 3 características sociais e 4 indicadores de privação financeira. Foram utilizados métodos como logaritmo natural e raiz quadrada para transformação dos fatores e compilação do SFVI. Após a transformação, os dados foram padronizados como escores Z e, em seguida, resumidos para formar o SFVI. O SFVI foi então categorizado em 5 grupos: muito baixa vulnerabilidade, baixa vulnerabilidade, média vulnerabilidade, alta vulnerabilidade e muito alta vulnerabilidade. Considerando as 3 áreas selecionadas para o estudo: Manchester, Maindenhead e área central, as 109 comunidades residentes em Manchester se mostraram muito mais vulneráveis a inundações do que as outras duas. CUTTER et al. (2003) elaboraram um índice de vulnerabilidade a perigos ambientais para 3141 países dos Estados Unidos chamado de Índice de Vulnerabilidade Social (SoVI) baseando-se em dados do Censo do ano de 1990. Usando a Análise Fatorial (análise de componentes principais), um escopo de 42 variáveis socioeconômicas e demográficas foi reduzido em 11 fatores independentes que explicavam 76% da variância do modelo. Esses fatores, por sua vez, foram inseridos em um modelo e deram origem a um score, o SoVI. Os resultados desse estudo apontam para o fato de haver comportamentos distintos do SoVI para cada país, sendo que os países que apresentaram os maiores valores do SoVI, ou seja, maior vulnerabilidade social a perigos ambientais, foram os países da região metropolitana, corroborando com a hipótese de interação da natureza com indicadores sociais. VINCENT (2004) realizou um estudo com o objetivo de elaborar um índice de vulnerabilidade social a mudanças climáticas na África usando indicadores econômicos, demográficos, institucionais e sociais provenientes do Banco Mundial. Com estes indicadores foram criados 5 sub índices: bem estar e estabilidade econômica, estrutura demográfica, estabilidade institucional e forca da estrutura publica, interconectividade global (globalização), dependência de recursos naturais. O índice de vulnerabilidade social foi criado então a partir da agregação desses sub índices através de uma média ponderada onde o sub índice de bem estar e estabilidade econômica e o de estrutura demográfica representavam 20% cada um, o de estabilidade institucional e forca da estrutura política 40% e os de interconectividade global e dependência de recursos naturais 10% cada. Os resultados mostraram que o país com maior vulnerabilidade social a mudanças climáticas da África e a Nigéria. RYGEL et al. (2006) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a vulnerabilidade social a tempestades causadas por furacões na região de Hampton Roads no sudeste da Virgínia (EUA), uma região turística, muito desenvolvida e populosa, vulnerável a furacões e tempestades (1/3 da área estudada está constantemente em risco de inundações causadas por tempestades). Para isso, foi 110 elaborado um índice de vulnerabilidade combinando indicadores de vulnerabilidade como pobreza, gênero, raça e etnia, idade e deficiências. Foi utilizada a Análise Fatorial para redução das 59 variáveis selecionadas em fatores. Os resultados do estudo revelaram que, aproximadamente, 90% da região de estudo apresenta baixa a moderada vulnerabilidade social e que as áreas com vulnerabilidade social alta e muito alta estão localizadas nas áreas mais desenvolvidas da região. O estudo realizado por CARDONA (2007) elaborou o chamado Índice de Vulnerabilidade Prevalente (PVI) para medir a exposição em áreas de risco, fragilidade social e falta de resiliência social. O PVI foi obtido como resultado da média de três tipos de indicadores compostos: indicador de exposição, indicador de fragilidade e indicador de resiliência (PVI = PVI exposição + PVIfragilidade + PVI resiliência) . BALICA et al. (2009) realizaram um estudo no qual propuseram uma metodologia para cálculo de um Índice de Vulnerabilidade a Inundações (FVI) para bacias hidrográficas usando 11 indicadores socioeconômicos, demográficos e ambientais divididos em 4 componentes ou fatores: Componente Social, Componente Econômico, Componente Ambiental e Componente Físico. Após sua construção, o FVI foi aplicado em 11 casos selecionados para comparação e interpretação dos resultados. Os resultados mostraram que a bacia hidrográfica do Rio Danúbio é a mais economicamente vulnerável a inundações. KUHLICKE et al. (2011) realizaram um estudo de casos na Alemanha, Itália e Reino Unido entre os anos de 2005 e 2007 utilizando métodos qualitativos e quantitativos com o objetivo de investigar a vulnerabilidade social a inundações combinando diversos tipos de dados. Foram realizadas entrevistas com membros de comunidades expostas ao risco de inundações e/ou recentemente afetadas por elas. Os questionários aplicados continham perguntas sobre percepção de riscos, capacidade de antecipação ao evento, capacidade de evacuação, ajuda e informações recebidas durante e após o evento, preparação para resposta aos eventos adversos, capacidade de lidar e se recuperar após um evento, impactos em longo prazo, entre outras. Na etapa quantitativa foram utilizados indicadores de vulnerabilidade social para os casos estudados: indicadores econômicos, demográficos e institucionais. Os indicadores recebiam positivo, no caso de aumentarem a vulnerabilidade, e negativo, quando reduziam a vulnerabilidade para 111 cada caso estudado. Os resultados do estudo mostraram que os indicadores que apresentaram relação positiva ou negativa com a vulnerabilidade social, ou seja, aumentam ou diminuem a vulnerabilidade social respectivamente, são comuns para os casos estudados. FREITAS E CUNHA (2012) realizaram um estudo na região central de Portugal cujo objetivo foi apresentar uma modelagem de dados socioambientais que tem como resultado um mapa de vulnerabilidade socioambiental de 17 concelhos da Região Central de Portugal. A metodologia adotada no estudo baseia-se na teoria da Vulnerabilidade Social como resultado do produto entre criticidade e capacidade de suporte, com ponderação baseada na percentagem da variância explicada pelos fatores. Os resultados obtidos corroboram com a realidade da maioria dos concelhos estudados e mostram como os principais fatores de vulnerabilidade socioambiental estão relacionados à falta de dinamismo econômico e ao envelhecimento da população. Tendo como base a análise de bases cartográficas do Atlas do Ambiente Digital produzido pela Agência Portuguesa do Ambiente, juntamente com os levantamentos censitários do Instituto Nacional de Pesquisas Estatísticas de Portugal para o ano de 2011 e alguns censos anteriores, foi realizado um mapeamento das principais variáveis associadas aos riscos ambientais às quais as populações de tais áreas estão expostas. Através da análise fatorial relativa a criticidade e capacidade de suporte avaliou-se a vulnerabilidade socioambiental da área. Foram selecionadas 108 variáveis, obtendo-se, por análise estatística, 43 variáveis explicativas para cada um dos grupos de variáveis selecionadas: 8 grandes grupos economia e condição de vida; população; saúde e proteção social; condição de alojamento e edifícios; condições territoriais e ambientais; educação; justiça e agricultura. Para determinação da criticidade, foram selecionados 5 fatores a partir dessas 43 variáveis que explicavam 76% da variância acumulada. A criticidade foi calculada com ponderação baseada na porcentagem da variância explicada pelos fatores. Para determinação da capacidade de suporte foram selecionadas 84 variáveis dos 8 grandes grupos formados, de onde foram selecionadas 41 variáveis explicativas. De tais variáveis foi possível selecionar 6 fatores que detinham 73% da variância acumulada. A capacidade de suporte foi calculada com ponderação baseada na porcentagem da variância explicada pelos fatores. O índice de vulnerabilidade socioambiental e o produto da criticidade pela capacidade de 112 suporte. Finalizando o estudo foi realizado o mapeamento. Os resultados obtidos nesse estudo apontam para as condições econômicas e os déficits demográficos como os principais fatores de vulnerabilidade. Os concelhos com valores altos ou muito altos de vulnerabilidade são os que apresentam menor desenvolvimento econômico e condições ambientais e infraestruturais para enfrentar riscos limitadas. Os concelhos com baixa vulnerabilidade socioambiental foram aqueles que apresentaram melhor capacidade de suporte e economia mais forte. No continente latino-americano, por sua vez, os estudos acerca da vulnerabilidade social/socioambiental no contexto urbano tem como objetivo apresentar uma matriz com os principais fatores socioambientais que influenciam o fato da população menos favorecida instalar-se em áreas consideradas de risco. Diante deste contexto, pode-se afirmar que a vulnerabilidade socioambiental no continente latino-americano está vinculada aos fenômenos de adensamento populacional, aos processos de exclusão social e as injustiças ambientais, por sua vez especialmente ligados a explosão demográfica e a falta de infraestrutura urbana gerada pela escassez de politicas publicas eficazes (MAIOR E CANDIDO, 2014). Além disso, deve-se considerar a instabilidade politica e econômica observada na América Latina. Esse cenário pode ser apontado também como um fator que aumenta a vulnerabilidade devido à falta de oportunidades existente: desemprego, pobreza, falta de proteção social, entre outros (MAIOR E CANDIDO, 2014). Os fenômenos de exclusão social fragilizam a população menos favorecida e, como consequência direta, influenciam na capacidade de resposta diante de uma situação de risco. Assim, os aspectos sociais são de extrema importância em países onde as injustiças sociais prevalecem (ABRAMOVAY et al., 2002). Os estudos sobre vulnerabilidade socioambiental na América Latina, por sua vez, tem como objetivo apresentar os fatores socioambientais responsáveis pela ocupação das áreas de risco por populações menos favorecidas economicamente. Diante deste contexto, a vulnerabilidade socioambiental nesses países está diretamente vinculada a fatores como adensamento populacional, segregação espacial urbana, exclusão social e injustiças ambientais, processos diretamente ligados aos fenômenos de explosão demográfica e a falta de eficácia das políticas 113 públicas. Esses fatores são responsáveis por fragilizar um grupo de pessoas com consequências como perdas materiais ou humanas (MAIOR E CANDIDO, 2014). Segundo BLAIKE et al. (1996), as variáveis raça, sexo, idade, educação, renda e situação de trabalho são determinantes para a vulnerabilidade de uma população ou grupo, visto que incidem diretamente na resiliência desta. A dimensão ambiental, assim, fica refletida na perspectiva do adensamento populacional e na dinâmica urbana das grandes cidades que levam a população mais pobre a ocupar áreas periféricas ou de preservação ambiental como, por exemplo, encostas de rios (MAIOR E CANDIDO, 2014). No Brasil, desde o século passado, tem-se observado um significativo aumento populacional. Esse fenômeno, associado a escassez de politicas publicas eficazes para organização do espaço urbano, gera uma condição crescente de vulnerabilidade na população, especialmente aquelas instaladas nas áreas periféricas das cidades, onde os fatores de risco ambientais tendem a ser maiores (MAIOR E CANDIDO, 2014). Diante deste contexto, MAIOR E CANDIDO (2014) afirmam que “No Brasil a vulnerabilidade é tratada utilizando uma sobreposição de riscos tanto ambientais quanto sociais, considerando que os riscos sociais se relacionam com aspectos ligados, dentre outros, a dinâmica social, segregação urbana, injustiças ambientais – os vulneráveis como vítimas de uma proteção desigual -, enquanto os ambientais são relacionados às ameaças naturais ocorrentes em áreas especificas” (p. 254). Diante deste contexto, ainda segundo MAIOR E CANDIDO (2014), pode-se concluir que: “...a vulnerabilidade é entendida como um processo gerado por diversos fatores socioambientais, os quais, em conjunto, fragilizam as pessoas, gerando consequências desastrosas como perdas materiais e/ou de vida.” (p. 242) MAIOR E CANDIDO (2014) citam ABRAMOVAY (2002): 114 “...os estudos ancorados na vulnerabilidade na América Latina foram motivados pela preocupação em abordar, de forma mais integral e completa, não somente os fenômenos da pobreza, mas ainda, as diversas modalidades de desvantagem social. Tais estudos buscaram observar os riscos de mobilidade social que afetam a todos, independentemente de sua classe social, abarcando a vulnerabilidade na dinâmica do bem-estar social atrelada às dimensões associadas a esse processo. “ No contexto brasileiro, o trabalho realizado por MAIOR E CANDIDO (2014) fez uma revisão dos principais estudos brasileiros sobre avaliação da vulnerabilidade socioambiental. Neles estabeleceu-se que a vulnerabilidade é uma “combinação de características de um grupo social derivada de suas condições sociais e econômicas relacionadas a um perigo específico”. Diante disso, para avaliação da vulnerabilidade socioambiental, nos 5 estudos analisados no trabalho, os autores trabalharam com as seguintes dimensões: econômica, social e ambiental, além de descreverem também algumas características demográficas que tendem a aumentar a vulnerabilidade: estrutura familiar, ciclo de vida e aspectos demográficos. Na dimensão econômica as variáveis utilizadas são: famílias chefiadas por analfabetos, mulheres, idosos ou adolescentes. Segundo estudos realizados, esses grupos estariam em situação de maior vulnerabilidade visto que, famílias chefiadas por indivíduos com nível educacional alto, do gênero masculino ou numa faixa etária adulta pressupõem condições de renda e trabalho melhores (BLAIKIE, 1996). Para avaliação da vulnerabilidade sociodemográfica foram consideradas as variáveis: quantidade de filhos, agregados, presença de idosos, de jovens e adolescentes. Pressupõem-se que esses fatores têm uma forte correlação com a desvantagem econômica (pobreza, trabalho informal, baixa escolaridade e condições inadequadas de moradia (MAIOR E CANDIDO, 2014). No trabalho realizado por MAIOR E CANDIDO (2014) avaliou-se ainda o percentual de indicadores por dimensões avaliadas nos 5 estudos sobre vulnerabilidade analisados. 77% dos indicadores utilizados estão nas dimensões social e sociodemográfica, 13% pertencem à dimensão econômica e 10% à dimensão ambiental. Essa distribuição mostra a fragilidade dos estudos pela falta de 115 dados ambientais no processo de determinação das condições de vulnerabilidade. Os autores utilizam como justificativa o fato de que, num país com tantas desigualdades sociais, os aspectos socioeconômicos merecem destaque. No entanto, não pode-se esquecer do papel de “gatilho” exercido pelos aspectos ambientais na vulnerabilidade. Assim, é importante destacar que a maioria dos estudos latino-americanos que tem como objetivo avaliar a vulnerabilidade socioambiental consideram os aspectos socioeconômicos com maior peso do que os ambientais, visto que são motivados pela preocupação em abordar a pobreza, além das diversas formas de desvantagem social. Essa realidade não é diferente no Brasil, onde o destaque dado à dimensão socioeconômica é baseado no paradigma que, na sociedade moderna, determinadas características dos grupos e/ou população são responsáveis por limitar a acumulação de recursos (MAIOR E CANDIDO, 2014). Considerando-se esse contexto, apresenta-se a seguir uma revisão dos principais estudos sobre vulnerabilidade social/socioambiental realizados no Brasil. DESCHAMPS (2008) realizou um estudo no município de Curitiba onde foi feita a identificação das áreas de concentração de pessoas e/ou famílias em situação de vulnerabilidade socioambiental através do georreferenciamento da vulnerabilidade pela combinação de dois tipos de mapeamento. Primeiramente foi realizado o mapeamento da vulnerabilidade ambiental utilizando-se informações sobre as áreas que sofreram inundação/saturação hídrica no período de 1987-2002 combinadas com as de alguns órgãos estaduais. Posteriormente foi realizado o mapeamento das áreas segundo seu grau de vulnerabilidade social, identificadas utilizando-se a combinação de alguns fatores formados por variáveis demográficas, sociais e econômicas. Utilizando-se o geoprocessamento foi possível fazer a sobreposição dos mapas gerados (overlayer), possibilitando a identificação dos pontos com maior vulnerabilidade socioambiental. As variáveis foram selecionadas baseando-se nas premissas conceituais e, portanto, foram selecionadas variáveis relacionadas a situações de desvantagem social. Utilizando a análise fatorial essas variáveis foram convertidas em 21 indicadores, fatores ou componentes. A análise de agrupamentos foi utilizada para agrupar as áreas de acordo com a sua vulnerabilidade (altíssima, alta, média para alta, média para baixa, baixa e 116 baixíssima). O resultado do estudo apontou para o fato da renda ser o elemento norteador da vulnerabilidade social, visto que está fortemente relacionado a todos os demais fatores indicadores de pobreza, e grupos em desvantagem social estarem mais vulneráveis ao risco ambiental. O estudo de FURLAN et al. (2011), por sua vez, teve o objetivo de desenvolver uma metodologia para calcular a vulnerabilidade socioeconômica a eventos extremos, usando técnicas de análise espacial. Foi gerado um banco de dados com informações socioeconômicas: PIB per capita, densidade populacional, população urbana e rural, incidência de pobreza, faixa etária de risco, educação, número de estabelecimentos de saúde, razão de dependência e razão de sexo; com o número total de eventos para cada tipo de desastre (inundação gradual, inundação brusca, vendaval, estiagem e granizo) no período de 1980 a 2009 e o total de pessoas afetadas por desastres naturais no Paraná. Tendo como base o conceito de vulnerabilidade apresentado por CARDONA (2001), o índice de vulnerabilidade foi calculado através da combinação de três índices para cada tipo de evento: índice de fragilidade física ou exposição, ou seja, mapeamento das áreas mais vulneráveis à ocorrência dos eventos (número total de ocorrências de cada evento integrado aos mapas de declividade do terreno, drenagem, unidades de relevo); índice de fragilidade econômica, relacionado com a predisposição de uma população a sofrer danos em função de situações de marginalidade e segregação social, assim como indicadores sociais e econômicos ruins (incidência de pobreza, densidade populacional, população rural e/ou urbana, faixa etária de risco e escolaridade); índice de falta de resiliência, ou seja, capacidade da população de reagir ao evento e de se adaptar (PIB per capita, número de estabelecimentos de saúde, razão de sexo, razão de dependência). ALVES (2012) realizou um estudo no município de Cubatão (SP) cujo objetivo era operacionalizar os conceitos de desigualdade ambiental e de vulnerabilidade ambiental. Para operacionalização do conceito de desigualdade ambiental foi trabalhada a hipótese de que existe uma associação entre maior risco ambiental e piores condições socioeconômicas. Para isso as áreas de risco foram categorizadas utilizando-se o seguinte critério: com alta exposição ao risco ambiental (mais de 50% do seu território composto por áreas de risco ambiental); baixa exposição ao risco ambiental (menos de 50% do seu território composto por áreas de risco ambiental). 117 Foi observado que aproximadamente 49% da população de Cubatão reside em áreas com alto risco ambiental. Assim para testar a hipótese que diz existir uma associação entre exposição ao risco ambiental e piores indicadores socioeconômicos, foi realizada uma análise comparativa entre os indicadores socioeconômicos e demográficos fornecidos pelo Censo 2010 entre as áreas de alta exposição ao risco ambiental e as áreas de baixa exposição ambiental. O resultado revela que a população que reside em áreas com alta exposição ao risco ambiental apresenta piores indicadores socioeconômicos, comprovando a hipótese inicial. No entanto, levando em consideração que essa análise leva em consideração apenas uma dimensão da vulnerabilidade, foi construído um índice de vulnerabilidade socioambiental, para operacionalização do conceito de vulnerabilidade socioambiental. Esse índice foi construído através da combinação entre um indicador de renda domiciliar per capita com o indicador de exposição de risco ambiental citado anteriormente, utilizando o conceito que considera que a vulnerabilidade possui duas dimensões: exposição ao risco e suscetibilidade ao risco. Assim, a dimensão “exposição ao risco” foi representada pelo indicador de exposição ao risco e a dimensão suscetibilidade ao risco foi representada pelo indicador de renda per capita. Para isso, o indicador de renda per capita foi categorizado em dois grupos: alta pobreza/suscetibilidade (renda domiciliar média abaixo de 1 salário mínimo) e baixa pobreza/suscetibilidade (renda domiciliar média acima de 1 salário mínimo). Assim, a partir desses 2 índices construídos, foi gerado o índice de vulnerabilidade socioambiental. Alta vulnerabilidade socioambiental = alta exposição ao risco ambiental e alta suscetibilidade/pobreza. Moderada vulnerabilidade socioambiental com alto risco = alta exposição ao risco ambiental e baixa pobreza/suscetibilidade. Moderada vulnerabilidade socioambiental com alta pobreza = baixa exposição ao risco ambiental e alta pobreza/suscetibilidade. Baixa vulnerabilidade socioambiental = baixa exposição ao risco ambiental e baixa pobreza/suscetibilidade. Os resultados do estudo revelaram que a população residente em áreas de alta exposição ao risco ambiental (próximas de cursos d’água, altas declividades e manguezais) no município de Cubatão apresentam condições socioeconômicas inferiores, comprovando a hipótese de associação entre o risco ambiental e piores indicadores socioeconômicos. 118 ALCÂNTARA (2013), em seu estudo realizado na Macrorregião da Costa Verde (MCV) do Rio de Janeiro, propõe uma metodologia para a construção do índice de vulnerabilidade socioambiental utilizando-se indicadores socioeconômicos e demográficos provenientes do Censo 2010, além de dados físicos e institucionais do Sistema de Informações Geográficas. Para a elaboração do chamado Índice Sintético de Vulnerabilidade Geral (Ivg) são previamente construídos três índices: índice de vulnerabilidade social que identifica áreas socialmente vulneráveis; índice de vulnerabilidade ambiental para identificar espaços ambientalmente vulneráveis; e índice de vulnerabilidade institucional do município para identificar a vulnerabilidade institucional do município aos eventos do tipo enchentes e movimentos de massa. Posteriormente foi realizada a espacialização destes índices e a sua sobreposição, o que permite estabelecer uma classificação de grupos populacionais e de espaços urbanos, de acordo com sua capacidade (ou incapacidade) de resposta diante de algum evento ambiental adverso. Dessa forma podemos determinar a fragilidade desses grupos mediante a ocorrência de algum evento ambiental passíveis de lhes causar dano. Os resultados do estudo mostraram que, dos 636 setores censitários que compõe a MCV, 79 setores são considerados de baixa vulnerabilidade, 290 são considerados média vulnerabilidade e 267 setores são considerados de alta vulnerabilidade. Paraty é o único município a apresentar percentual de setores na classe de baixa vulnerabilidade, sendo 97%. Dentre os setores considerados de média vulnerabilidade, Itaguaí e Mangaratiba se destacam 91% e 88%, respectivamente. O menor percentual é encontrado em Paraty, 2%. E entre aqueles considerados de alta vulnerabilidade, Angra dos Reis apresenta a sua maioria nesta classe, 85% enquanto que Paraty não apresenta valor. O estudo realizado por ALVES (2010) visa analisar as interrelações entre os processos de expansão urbana e situações de vulnerabilidade socioambiental na cidade de Tiradentes e seu entorno no município de São Paulo, totalizando 16 municípios do litoral paulista. A pesquisa parte do pressuposto que a presença de populações de baixa renda em áreas sem infraestrutura, serviços urbanos e com risco de degradação ambiental podem gerar novas condições de vulnerabilidade socioambiental as mudanças climáticas. Para tanto o autor construiu indicadores que representassem as dimensões da vulnerabilidade – suscetibilidade e exposição 119 ao risco ambiental – com o uso agregado de dados socioeconômicos, demográficos e ambientais. ALMEIDA (2010), por sua vez, realizou um estudo cujo objetivo foi explorar as vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos na Região Metropolitana de Fortaleza no Estado do Ceará. A hipótese do estudo é que existe uma coincidência entre espaços susceptíveis a processos naturais perigosos, especificamente inundações, com espaços da cidade que apresentam os piores indicadores sociais, econômicos e de acesso a serviços e infraestrutura urbana. O resultado foi a elaboração de dois índices: Índice de Vulnerabilidade Social e Índice de Vulnerabilidade Físico-Espacial as inundações. DESCHAMPS (2004) trabalha com a vulnerabilidade socioambiental em 2 regiões diferentes: no primeiro trabalho o local de estudo e a cidade de Curitiba em 2004 e, posteriormente, ela compara a vulnerabilidade socioambiental nas principais metrópoles do país. A hipótese da autora é que a intensa mobilidade intraurbana é responsável pelos deslocamentos populacionais e a ocupação de áreas sujeitas a riscos ambientais pela população mais pobre. A metodologia aplicada utiliza três dimensões: econômica, social e ambiental. O quadro abaixo apresenta um breve resumo dos principais estudos de vulnerabilidade social/socioambiental a desastres naturais no mundo e no Brasil. 120 Quadro 6. Estudos de vulnerabilidade social/socioambiental a desastres naturais no mundo e no Brasil ESTUDO CUTTER et al. (2000) LOCAL INDICADORES UTILIZADOS Georgetown County, População total; total de unidades habitacionais; número de mulheres; número de residentes nãoSouth Carolina – EUA brancos; número de pessoas com menos de 18 anos; número de pessoas com mais de 65 anos; valor principal da casa; número de casas móveis TAPSELL et al. (2002) Inglaterra CUTTER et al.(2003) Estados Unidos Taxa de desemprego, densidade demográfica; casas sem carro; % de famílias sem casa própria; número de residentes com doenças crônicas; número de pessoas com mais de 65 anos; pais/mães solteiros (as). Indicadores socioeconômicos e dados demográficos Gênero, status socioeconômico, raça, idade, desenvolvimentos comercial e industrial, desemprego, condições de infraestrutura, estrutura familiar, escolaridade, crescimento populacional, serviços de saúde, ocupação. RYGEL et al. (2006) Região Metropolitana da Pobreza, gênero, raça, idade e inabilidades físicas ou mentais. Virgínia (EUA) Indicadores de exposição e suscetibilidade: crescimento populacional (taxa anual média); crescimento urbano (taxa média anual); Densidade populacional (pessoas / 5 Km2); população que vive com menos de U$ 1 por dia; Capital social em milhões de dólares por mil quilômetros quadrados; exportações de bens e serviços como percentual do PIB; Investimento fixo interno bruto como um Chile, Peru, Costa Rica, percentual do PIB; terras aráveis e culturas permanentes como percentual da área terrestre. Equador, Trinidad & CARDONA (2007) Tobago, México, Indicadores de fragilidade socioeconômica: Índice de Pobreza Humana, IPH-1; Dependentes como Interamerican República Dominicana, uma proporção da população em idade ativa; Desigualdade medida pelo Índice de Gini; desemprego (% Development Bank Argentina, Bolívia, do total da força de trabalho); aumento anual dos preços dos alimentos (%); participação da agricultura (IDB) Colômbia, Jamaica, El no PIB total (% anual); degradação do solo decorrente das atividades humanas (GLASOD); Salvador, Guatemala, Indicadores de (falta de) resiliência: Índice de Desenvolvimento Humano; Índice de Desenvolvimento Nicarágua ajustado ao gênero; Gastos sociais com pensões, saúde e educação como percentual do PIB; Índice de Governança; televisores por 1.000 pessoas; camas de hospital por mil pessoas; Índice de Sustentabilidade Ambiental. 121 Indicadores de desvantagem social: % de famílias chefiadas por pessoas menores; % de famílias chefiadas por idosos; % de famílias chefiadas por mulheres sem cônjuge; % de famílias com alto número de filhos; % de famílias com alta frequência de componentes; % de adolescentes com experiência * reprodutiva; parturição de mulheres jovens e adultas; % de crianças de 0 a 14 anos; % de pessoas com DESCHAMPS (2008) Região metropolitana de idade acima de 64 anos; taxa de imigração; índice de independência infantil; % de famílias com renda Curitiba – Brasil insuficiente; % de ocupados com baixo rendimento no trabalho principal; grau de informatização do mercado de trabalho; taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais; taxa de analfabetismo funcional dos chefes de família; % de crianças fora da escola; % de adolescentes fora da escola; % de jovens adultos com nível de escolaridade inadequado; % de domicílios com densidade por dormitório ** *** inadequada ; % de domicílios com inadequação geral . Componente Social: Densidade populacional, população em área de risco, população em situação de pobreza, população na área urbana, população na área rural, população com deficiência. Componente Econômico: uso da terra, proximidade do rio, proximidade da área de inundação. BALICA et al. (2009) Europa Componente Ambiental: uso da terra, área degradada, tipo de vegetação. Componente Físico: topografia, chuvas, duração da inundação, proximidade do rio, velocidade de fluxo, umidade do solo, etc. FEKETE (2010) KUHLICKE et al. (2011) Alemanha Residentes com menos de 6 anos; residentes entre 30 e 50 anos; residentes com 65 anos ou mais; pessoas com necessidades especiais; desempregados; pessoas do sexo feminino; renda; mulheres empregadas; estrangeiros empregados; empregados com alta qualificacao; mulheres estrangeiras; nivel de escolaridade; numero de estrangeiros; numero de medicos por pessoa; numero de camas de hospital; populacao rural; numero de pessoas na residencia; tamanho da residencia; etc. Variáveis socioeconômicas e demográficas: idade, gênero, emprego, ocupação, nível de escolaridade, deficiências, composição familiar, renda familiar, ter casa própria ou não, tamanho da Alemanha, Itália e Reino residência. Unido. Variáveis de redes sociais: ter Corpo de Bombeiros e/ou Defesa Civil ou não, nível de confiança nas autoridades locais. 122 Fragilidade física: Declividade; Drenagem; Ocorrência dos eventos. FURLAN et al. (2011) Estado do Paraná – Brasil Fragilidade socioeconômica: Densidade populacional; Percentagem de população urbana e rural; Faixas etárias; Educação; Índice de GINI. Falta de resiliência: PIB per capita; Número de estabelecimentos de saúde; Razão de sexo; Razão de dependência. Bem estar econômico: PNB per capita; índice de Gini; pagamentos de serviços de dívida como percentual do PNB. Saúde e nutrição: despesas com saúde per capita (em dólares corrigidos pela paridade de poder de compra ou como % do PNB); expectativa de vida ajustada por invalidez (DALE); consumo calórico per capita; % de adultos infectados por AIDS/HIV. Educação: gastos com educação (como percentual do total de gastos públicos ou como % do PNB); taxa de alfabetização (população acima de 15 anos). VINCENT (2004) Tyndall Centre for Climate Change África Infraestrutura física: estradas (Km/área habitada); população sem acesso a saneamento (%); população rural sem acesso a água potável (%). Instituições, governança, conflito e capital social: refugiados (% da população), controle da corrupção, efetividade do governo; estabilidade política; qualidade regulatória; aplicabilidade da legislação; transparência. Fatores demográficos e geográficos: densidade populacional; km de linha costeira (ponderado pela área não costeira); população residente até 100km de distância da linha costeira. Dependência agrícola: população ocupada no setor agrícola (% do total da população); população rural (% da população total); exportações agrícolas (% do PNB). Recursos naturais e ecossistemas: área protegida; percentual de cobertura florestal; recursos hídricos per capita; águas subterrâneas percapta; área não povoada (%); taxa de conversão florestal (% anual). 123 ALVES (2012) Cubatão (SP) Indicadores socioeconômicos e demográficos: domicílios com coleta de lixo (%), domicílios com rede geral de água (%), domicílios com rede geral de esgoto (%),domicílios com fossa séptica (%), pessoas de cor branca (%) , pessoas de cor preta ou parda (%), pessoas até 4 anos de idade (%), pessoas até 10 anos de idade (%), pessoas até 19 anos de idade (%), domicílios com renda per capita de até ½ salário mínimo (%), domicílios com renda per capita de até 1 salário mínimo (%), renda per capita média (reais), renda per capita média (salário mínimo de 2010), população em aglomerados subnormais, população em aglomerados subnormais (%), população em aglomerados subnormais (distribuição percentual). Indicadores sociais e ambientais. FREITAS & CUNHA 17 conselhos da região P.S.: Não especifica quais. (2012) central de Portugal Socioeconômicos: % de famílias chefiadas por pessoas menores; % de famílias chefiadas por pessoas idosas; % de famílias chefiadas por mulheres; % de famílias com alta frequência de componentes; % de crianças de 0 a 14 anos; % de pessoas com idade acima de 64 anos; Índice de dependência infantil; % de dependência do idoso; % de domicílios inadequados quanto ao abastecimento de água; % de domicílios inadequados quanto ao esgotamento sanitário; % de domicílios inadequados quanto à coleta de lixo; % de domicílios sem energia elétrica; Ambientais: % da declividade; % de áreas próximas a rios; % do uso do solo. ALCÂNTARA (2013) Macrorregião da Costa Verde – RJ Institucionais: Lei de zoneamento; desenvolvimento de projetos voltados para a educação no campo, indígena e ambiental; Conselho municipal de habitação – existência; O conselho realizou reunião nos últimos 12 meses; o município possui legislação específica sobre regularização fundiária; Fundo Municipal de Meio Ambiente – existência; o Fundo Municipal teve ações e projetos para questões ambientais financiadas nos últimos 12 meses; o município realiza licenciamento ambiental de impacto local; o município tem algum instrumento de cooperação com órgão estadual de Meio Ambiente para delegação de competência de licenciamento ambiental relacionado a atividades que vão além do impacto local; processo de elaboração da Agenda 21 local; estágio atual da Agenda local; fórum da Agenda 21 local se reuniu com que frequência nos últimos 12 meses; presença do sistema de alerta de cheias. 124 * Parturição = Razão entre o n º de nascidos vivos das mulheres de 10 a 34 anos e o total de mulheres da mesma faixa etária (filhos por mulher)**% de domicílios com densidade por dormitório inadequada = Mais de 2 pessoas por cômodo servindo de dormitório/ *** % de domicílios com inadequação geral = Abastecimento de água, escoamento sanitário, coleta de lixo e densidade por dormitório 125 Os Indicadores e os Estudos de Vulnerabilidade É importante ressaltar que a preocupação com o entendimento das relações entre as condições sociais e ambientais com o processo saúde-doença sempre fez parte, de formas diversas, da história da Saúde Pública no mundo (BRASIL, 2011). No entanto, a primeira publicação acerca do assunto surgiu no século V a.C., assinada por Hipócrates. O tratado Ares, Água e Lugares apresentava as relações causais entre fatores do meio físico e social e a produção das doenças, mostrando a importância dos fatores ambientais para a saúde da população. Em sua publicação, Hipócrates falava da importância da observação dos fatores ambientais, tais como a qualidade das águas para determinar a saúde da população (BRASIL, 2011). No final do século VIII e início do século IX com o processo de industrialização e urbanização e seus consequentes efeitos na vida da população, surgiram novos esforços visando compreender a relação entre os determinantes sociais e o processo saúde-doença. Diante deste contexto, surgiram os indicadores com o objetivo de fornecer subsídios para a estruturação de sistemas que permitissem o monitoramento de uma determinada situação de interesse (BRASIL, 2011). Segundo BELLEN (2005): “...o termo indicador é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar, anunciar, estimar. O indicador comunica ou informa sobre o progresso em direção a uma determinada meta, e é utilizado como um recurso para deixar mais nítida uma tendência ou fenômeno não imediatamente detectável por meio dos dados isolados.” (p.28) Segundo GALLOPÍN (1997), os indicadores podem ser definidos como: “...um sinal que resume informações relevantes sobre um fenômeno particular” (p. 14). 126 MACIEL FILHO (1999), por sua vez, define um indicador como um valor agregado a dados e estatísticas, transformando-os em informação que expressa a relação entre a saúde e o ambiente. Dessa forma, devido a sua capacidade de síntese, tendem a facilitar a interpretação dos problemas para uma tomada de decisão efetiva e eficaz e contribuir para aprimorar o planejamento, gerenciamento e implementação de políticas públicas pelos gestores. Segundo MAGALHÃES JÚNIOR (2007), os indicadores são modelos simplificadores da realidade com a capacidade de facilitar a compreensão dos fenômenos, eventos ou percepções, aumentando assim a capacidade de comunicação dos dados brutos e de adaptar as informações à linguagem e aos interesses dos diferentes atores sociais. Dessa forma, para os gestores, eles se constituem em ferramentas essenciais ao processo de tomada de decisão e para a sociedade são instrumentos importantes para o controle social. Uma definição mais precisa vê os indicadores como (GALLOPÍN, 1997): “....variáveis (não valores) que são representações operacionais de um atributo, como a qualidade e/ou uma característica do sistema”: (p.14). O principal objetivo da construção e uso dos indicadores é a estruturação de sistemas que permitam a articulação do monitoramento da situação ambiental com a vigilância dos determinantes e condicionantes da exposição das populações aos riscos à saúde. Ou seja, os indicadores visam monitorar, detectar e identificar situações relacionadas aos riscos ambientais à saúde das populações a eles expostas, comparando e identificando as áreas prioritárias para investigação e ações, além de avaliar o impacto das políticas públicas sobre as condições ambientais e a situação de saúde das populações. Pode-se afirmar, portanto que, os indicadores buscam variáveis e fontes de informação que melhor ilustrem esta inter-relação (BARCELLOS et al., 2002). No âmbito da saúde, por sua vez, também se faz necessária a existência de informações que orientem na identificação e priorização dos problemas. Estas informações irão subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas e a definição de 127 parâmetros. Pensando nisso surgiram os indicadores de saúde (MACIEL FILHO, 2011). Olhando para o campo da Epidemiologia, o indicador de saúde pode ser definido como fontes de informação sobre as condições de saúde da população, sendo utilizados pelos gestores e população em geral para monitorá-las, ou seja, são utilizadas nas ações de vigilância em saúde, contribuindo de forma significativa para a promoção da saúde (BRASIL, 2002; MACIEL FILHO, 2011; FREITAS, 2003). Diante deste contexto, podemos afirmar que o indicador de saúde é útil para a quantificação, monitorização e avaliação da saúde e seus determinantes de uma população ou de uma pessoa, ou o monitoramento de uma dada situação ambiental ou de saúde (BRASIL, 2002; MACIEL FILHO, 2011; FREITAS, 2003). Os indicadores de saúde mais utilizados são: demográficos (grau de urbanização, mortalidade proporcional por idade, esperança de vida ao nascer); socioeconômicos (níveis de escolaridade, razão de renda, PIB, proporção de pobres, taxa de desemprego); morbidade (proporção de internações hospitalares por grupos de causas); recursos (gasto público em saúde como proporção do PIB) e cobertura (proporção de internações hospitalares por especialidade, cobertura de redes de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo) (SOBRAL et al., 2011; FREITAS, 2003). Na área ambiental, a prática de produção de indicadores é relativamente recente. Ela esbarra em alguns limitadores em especial a pouca disponibilidade de informações e a necessidade de consenso em torno de um marco conceitual e metodológico que permita a agregação de informações e a minimização da existência de dados incompatíveis e de baixa qualidade (SOBRAL et al., 2011). Pensando dessa forma, pode-se afirmar que a relevância do indicador para estimar uma certa qualidade ou característica do sistema surge da interpretação feita sobre o indicador e a sua relação com o fenômeno de interesse (BIRKMANN, 2006). O uso de indicadores não é uma prática recente. Nos anos 40, por exemplo, os indicadores econômicos eram largamente utilizados para mensurar o 128 desenvolvimento econômico. Atualmente, indicadores como o Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de desemprego são muito utilizados para avaliar o estado e evolução da economia no planeta (BIRKMANN, 2006). No entanto, os indicadores sociais foram desenvolvidos somente nos anos 60 e 70, produtos de estudos das Ciências Sociais (BIRKMANN, 2006). Os indicadores ambientais, por sua vez, surgiram somente a partir dos anos 70 com o aparecimento de politicas voltadas para a questão ambiental (BIRKMANN, 2006). Pode-se dizer, portanto, um indicador de vulnerabilidade a perigos de origem natural pode ser definido como: “...uma variável que representa, operacionalmente, as características ou qualidades de um sistema capaz de prover informações a respeito da suscetibilidade, capacidade de enfrentamento e resiliência do sistema ao impacto de um evento não definido ligado a um perigo de origem natural.” (GALLOPÍN, 2006) Critérios para a classificação e propriedades dos indicadores Os indicadores podem ser classificados segundo diversos critérios. No entanto, utilizaremos aqui a classificação proposta por JANUZZI (2004) pela sua didática e facilidade de compreensão (quadro 7). Adicionalmente, para que um indicador seja aceito como medida de referência na tomada de decisões, ou seja, para que ele seja considerado confiável, ele precisa apresentar algumas características/critérios e propriedades específicas descritos nos quadros 7 e 8 apresentados abaixo. 129 Quadro 7. Critérios para a classificação dos indicadores CLASSIFICAÇÃO TIPOS DESCRIÇÃO Simples Construídos com base em uma estatística específica, referida a apenas uma dimensão. Escolaridade média Composto Também chamados de sintéticos, ou índices. São elaborados a partir da síntese de dois ou mais indicadores simples, referidos a uma mesma ou diferentes dimensões da realidade. Índice de desenvolvimento humano (IDH) Descritivos Descrevem as características e aspectos da realidade e não fortemente dotados de significados valorativos. Rendimento trabalho Normativos Refletem juízos normativos. Proporção de pobres Complexidade metodológica Incorporação de significados valorativos Objetivos/Quantitativos Fenômeno sintetizado Subjetivos/Qualitativos Insumo de valor EXEMPLO ou critérios Referem-se a fenômenos concretos ou entes empíricos da realidade social Referem-se às medidas construídas com base na avaliação individual subjetiva dos cidadãos ou de especialistas sobre diferentes aspectos da realidade. Representam a alocação de recursos para políticas sociais. médio do Percentual de domicílios com acesso a saneamento básico Indicador de qualidade de vida Quantidade de médico por habitante 130 Natureza Processo Indicador intermediário que traduz em medidas quantitativas o esforço operacional na alocação dos recursos necessários (indicador-insumo) para a obtenção de melhorias efetivas de algo previamente estabelecido. Número de consultas de pediatria por mês por total de crianças Produto Refere-se às variáveis resultantes de processos sociais complexos. Geralmente representam as condições de vida, de saúde, o nível de renda ou a presença, ausência, avanços ou retrocessos das políticas sociais formuladas. Taxa de mortalidade infantil Saúde Ambiente Temas De acordo com a área temática da realidade a que se referem. Educação Taxa de dengue incidência Taxa anual desmatamento de Taxa de analfabetismo Mercado de Trabalho Taxa de desemprego Demografia Taxa de urbanização Infraestrutura Urbana Fonte: Reproduzido e Adaptado de SOBRAL et al., 2011. de Proporção de adequados domicílios 131 Quadro 8. Propriedades desejáveis dos indicadores PROPRIEDADE DESCRIÇÃO Relevância social Importância/ relevância para a sociedade. Justificativa para a sua produção e emprego na análise, formulação e implementação de políticas públicas. Validade Proximidade entre o conceito do indicador à sua medida, ou seja, a sua capacidade de refletir o conceito que se propõe a medir. Confiabilidade Relaciona-se à qualidade dos dados utilizados para a elaboração do indicador e à confiabilidade da fonte destes dados, ou seja, da instituição que produz as estatísticas. Cobertura Grau de cobertura espacial e populacional do indicador. Sensibilidade Sua capacidade de mostrar se ocorreram mudanças significativas nos fatores que afetam as condições sociais, ambientais e de saúde ao longo do tempo. Especificidade O grau de associação existente entre os dados utilizados para a construção de um indicador. O indicador deve refletir as alterações estritamente ligadas às mudanças relacionadas à dimensão de interesse. Inteligibilidade de sua construção Comunicabilidade Está relacionada à transparência da metodologia empregada na sua elaboração/construção. Propriedade importante no processo de decisão política sobre programas em áreas específicas ou sobre as formas de alocação de recursos públicos. Periodicidade de atualização Disponibilização regular dos indicadores. Factibilidade para obtenção Acessibilidade aos indicadores disponíveis. Desagregabilidade Possibilidade de ser relacionado aos grupos populacionais de interesse, espaços geográficos definidos, composições sociodemográficas ou vulnerabilidades sociais específicas. Historicidade Possibilidade de se dispor de séries históricas comparáveis, de modo a permitir contrapor valores do presente a situações do passado, inferir tendências e avaliar os efeitos de políticas eventualmente implantadas. 132 Fonte: Reproduzido e Adaptado de SOBRAL et al., 2011. Indicadores/variáveis utilizados nos estudos de vulnerabilidade Considerando que o conceito de vulnerabilidade social é multidimensional e multidisciplinar, pode-se afirmar que ainda não existe um consenso sobre os indicadores a serem utilizados para a sua mensuração. Assim como também não existe ainda uma metodologia universal para tal. Diante deste contexto, o processo de desenvolvimento/escolha de indicadores para mensuração da vulnerabilidade pode ser definido como um processo ainda baseado na subjetividade (BIRKMANN, 2006). No entanto, alguns estudos apontam para os principais fatores que afetariam a vulnerabilidade, a saber: renda, educação, habilidades de linguagem e comunicação, gênero, idade, capacidades físicas e mentais, acesso a recursos e poder político e capital social (LEE, 2014, CUTTER et al., 2003, BIRKMANN, 2006). É importante ressaltar que a mensuração da vulnerabilidade social através do uso de indicadores tem vantagens e desvantagens. A principal vantagem diz respeito às implicações positivas nas políticas públicas, inserindo o tema na agenda política governamental. Com relação às desvantagens, podemos citar a possibilidade deste tipo de mensuração apresentar o que chamamos de "falsos positivos". Por exemplo, no caso de grupos considerados mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências), eles podem não ser mais vulneráveis do que os outros grupos, mas sim apresentar necessidades especiais. Outra desvantagem seriam as dificuldades de comparação dos dados coletados de diferentes formas e dos procedimentos e conceitos distintos utilizados no caso da medição realizada por métodos quantitativos usando, exclusivamente, dados estatísticos (KUHLICKE et al., 2011). Diante deste contexto, devido às dificuldades encontradas para a mensuração da vulnerabilidade social usando como base os indicadores, alguns autores consideram essa prática muito limitada (KUHLICKE et al., 2011). 133 Considerando a revisão realizada acerca dos estudos de vulnerabilidade realizados no mundo e no Brasil, algumas dimensões/variáveis/indicadores foram considerados onipresentes. Portanto, julgou-se pertinente explicar com mais detalhes o mecanismo como afetam a vulnerabilidade de populações, comunidades ou locais. Essa explicação embasará a futura escolha dos indicadores/variáveis que serão utilizados no presente estudo. 1. Status Econômico e Social O status socioeconômico significa renda, prestígios políticos e poder e exerce um importante papel na vida social dos indivíduos. Ele determinará direta ou indiretamente as suas expectativas de vida, as suas relações sociais, assim como as suas chances e oportunidades em situações normais e em situações de emergências como, por exemplo, em casos de desastres (o desastre é um fenômeno social) (FOTHERGILL E PEEK, 2004). Como visto anteriormente, a vulnerabilidade no âmbito dos desastres naturais está relacionada com a capacidade de mobilizar recursos e ativos para enfrentar e responder adequadamente, absorver as perdas e aumentar a resiliência aos impactos frente à uma situação adversa. Diante deste contexto, pode-se dizer que o status socioeconômico é inversamente proporcional à vulnerabilidade. Ou seja, quanto maior ou melhor o status socioeconômico do local, comunidade ou indivíduo menor a sua vulnerabilidade, maior a sua percepção de risco e maior a sua capacidade de recuperação pós evento (ADGER, 2003; BLAIKIE et al., 1994; CUTTER, 2000; CUTTER et al., 2003; DESCHAMPS, 2008; FEKETE, 2010; KUHLICKE et al., 2011; ALVES, 2012; ALCANTARA, 2013; FOTHERGILL E PEEK, 2004). Diante deste contexto, pode-se afirmar que locais, indivíduos ou grupos mais pobres ou em desvantagens econômicas (menor disponibilidade de capital) são mais vulneráveis a desastres naturais quando comparados aos mais ricos. Ou seja, o pobre está mais propenso aos efeitos adversos do evento como, por exemplo, fome e desnutrição. Somado a isso, eles são menos capazes de suportar ou resistir frente às perdas ou impactos oriundos do desastre e se recuperarem rapidamente, visto que não possuem recursos para pagarem seguros ou obter crédito no mercado para financiar a sua recuperação (DESCHAMPS, 2004). 134 Além disso, o status socioeconômico irá influenciar também na qualidade e local de moradia do indivíduo. Pode-se dizer que o pobre tende a morar em casas menos seguras, normalmente construídas há muitos anos e com material frágil ou de qualidade inferior e sem manutenção por um longo período. Somado a isso, devido à especulação imobiliária especialmente presente nos grandes centros, os pobres têm sido “empurrados” para áreas mais afastadas da cidade, próximas a lixões, encostas de rios e morros, dentre outros, consideradas áreas de risco (um bom exemplo são as favelas da cidade do Rio de Janeiro). Considerando esse cenário, pode-se dizer que o tipo de moradia dos mais pobres configura também um outro fator de vulnerabilidade para o grupo (THOMAS et al., 2006). Os indicadores mais usados para medir a pobreza são o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), renda per capita, % de população pobre (PHILIP E RAYHAN, 2004). A palavra pobreza, por sua vez, tem uma gama de significados em todas as culturas e ao longo da historia. Segundo PHILIP E RAYHAN (2004) a pobreza é vista principalmente como uma falta de recursos e oportunidades de renda. Uma das principais causas da pobreza, especialmente em países em vias de desenvolvimento, são as iniquidades sociais que consistem basicamente em uma alocação ou segregação de indivíduos em determinadas categorias ou status social durante o seu nascimento com base em preceitos religiosos, étnicos ou características raciais. Atualmente alguns autores vêm utilizando o termo desvantagem social ao invés de pobreza. Segundo RODRIGUEZ (2001) a desvantagem social exerce um importante papel no estudo da vulnerabilidade pois significa “condições sociais que afetam negativamente o desempenho de comunidades, lares e pessoas, o que corresponde a menores acessos (conhecimento e/ou disponibilidade) e capacidade de gestão dos recursos e das oportunidades que a sociedade entrega para o desenvolvimento dos seus membros”. Pensando na lógica do Modelo de Acesso proposto por WISNER et al. (2004) para explicar a vulnerabilidade, o acesso adequado aos recursos seria a chave para melhorar a resistência e a resiliência da população a eventos adversos, tornando-as capazes de restaurar a sua subsistência, por exemplo, após a ocorrência de um desastre. 135 Diante deste contexto, a pobreza seria, portanto, um componente da desigualdade social pelo fato de constituir um fator de desvantagem social impondo limitações diversas aos indivíduos (DESCHAMPS, 2004). 2. Situação de trabalho - Desemprego A variável desemprego está diretamente relacionada ao status socioeconômico, visto que o emprego é a principal fonte de renda do indivíduo. Sem emprego ele não possui renda e, portanto, torna-se mais vulnerável a qualquer alteração na sua vida cotidiana. Ou seja, incapaz de enfrentar ou de responder adequadamente a qualquer situação de estresse, visto que não possui ativos ou recursos para mobilizar para tal. Além disso, deve-se considerar que o ambiente de trabalho consiste em uma importante rede de contatos e informações, ou seja, capital humano, também importantes no caso de uma situação de emergência (FEKETE, 2010; DESCHAMPS, 2008; TAPSELL et al., 2002). 3. Educação A escolaridade está intimamente associada com a pobreza e a marginalização, visto que, quanto menor a escolaridade, menor a capacidade de prover os seus próprios recursos ou conseguir um emprego estável e melhor remunerado. Assim, quanto menor a escolaridade, mais vulnerável o indivíduo será aos perigos naturais pois possui menor acesso a ativos e recursos ou maiores dificuldades para obtê-los (quase sempre em quantidades inadequadas). Vivem o hoje e vendem a sua força de trabalho para pagar as contas do mês, sempre rezando para que nada de anormal ou imprevisto aconteça (THOMAS et al., 2006). Assim, pode-se afirmar que a escolaridade está associada ao status socioeconômico. E, como visto anteriormente, por questões relacionadas à especulação imobiliária, as pessoas mais pobres normalmente vão em busca de moradia em áreas de risco, terras mais acessíveis para eles financeiramente. Esse é um outro fator que aumenta a vulnerabilidade dessa camada da população (ADGER, 2004; THOMAS et al., 2006). 136 Além disso, indivíduos com menor escolaridade normalmente possuem menor poder politico, o que faz com que o seu bem-estar não seja pauta de prioridade para os governantes (ADGER, 2004; THOMAS et al., 2006). Outra questão importante é o fato dos indivíduos menos esclarecidos possuírem dificuldades na leitura e compreensão de instruções e informações divulgadas para prevenção, preparação e resposta a desastres naturais, agravando a sua situação de vulnerabilidade a esses eventos. Além disso, esses indivíduos geralmente são excluídos de ações voltadas para a gestão do risco na comunidade e possuem também uma percepção diferenciada do risco. Uma menor percepção do risco por si só já é capaz de colocar o individuo em risco, visto que ele não dará a devida importância às ações de prevenção, preparação e resposta, simplesmente porque não se considera em risco (ADGER, 2004). Somado a isso, os mais pobres e menos esclarecidos normalmente são mais propensos a dependerem de algum tipo de agricultura, seja ela de subsistência ou não, fortemente dependente das condições climáticas e facilmente destruída ou danificada pela ocorrência de um desastre (ADGER, 2004). Os indicadores mais usados para mensuração do nível de escolaridade de uma população são: índice de analfabetismo e anos de estudo (ADGER, 2004). 4. Gênero Muitos estudos apontam para uma menor vulnerabilidade do gênero feminino aos desastres naturais. NEUMAYER E PUMPER (2007) analisaram os efeitos dos desastres em 141 países no período de 1981 a 2002 com o objetivo de avaliar as diferenças nas taxas de mortalidade por desastres por gênero. Os resultados mostraram que os desastres naturais e suas consequências matam mais mulheres do que homens no mundo, além de diminuir os índices de expectativa de vida das mesmas. Mas por quê as mulheres seriam mais vulneráveis a desastres do que os homens? Segundo WISNER et al. (2004) o gênero é um marcador importante de iniquidade. Recursos como transporte, habitação segura, boa saúde, renda e voz política, essenciais para o processo de preparação, resposta e reconstrução frente a um desastre, não estão igualmente distribuídos na sociedade para homens e mulheres. Dessa forma, as iniquidades ligadas ao gênero são responsáveis por 137 limitar a autonomia, a educação, os meios de subsistência, a saúde, a segurança e a representação politica de mulheres e crianças do sexo feminino. Ou seja, ainda hoje vivemos numa sociedade marcada pela “gender stratification”, onde os maiores privilégios são dos homens (THOMAS et al., 2006). Assim, pode-se dizer que o gênero feminino é mais vulnerável aos desastres, visto que, dentre outras, apresentam maiores dificuldades durante o período de recuperação quando comparadas ao gênero masculino. Ainda nos dias de hoje, as mulheres possuem uma renda inferior aos homens no mercado de trabalho, o que coloca-as em desvantagem também na capacidade de mobilização de recursos e ativos para uma resposta adequada a situações adversas e emergências de qualquer natureza. Assim, pode-se dizer, resumidamente, que a maior vulnerabilidade da mulher em comparação ao homem é socialmente construída e deve-se às diferenças no seu status socioeconômico, geradas principalmente pela estratificação de gênero ainda predominante na sociedade (BLAIKIE et al., 1994; MORROW AND PHILLIPS, 1999; CUTTER, 1996). No entanto, não podemos esquecer das diferenças biológicas e psicológicas existentes entre os gêneros. Os homens podem estar melhor preparados psicologicamente para suportar os impactos dos desastres, além de serem mais fortes fisicamente do que as mulheres. Os homens possuem maior facilidade de locomoção (pular muros, subir em arvores, entre outras possíveis rotas de fuga), especialmente se considerarmos as mulheres grávidas. Além disso, não pode-se deixar de destacar aqui as questões culturais e/ou religiosas muito fortes em alguns países que não permitem que as mulheres aprendam coisas que para a nossa cultura parecem simples como nadar, o que, no caso de inundações, reduziria consideravelmente as suas chances de sobrevivência (NEUMAYER E PUMPER, 2007). Além desses fatores devemos considerar também algumas particularidades e normas de comportamento especialmente presentes em determinadas culturas. Em países muçulmanos as mulheres são obrigadas a se cobrir com roupas longas (os sáris) que dificultam a locomoção. Elas também são totalmente submissas ao pai e depois ao marido, sendo proibidas de tomar qualquer tipo de decisão, mesmo que seja para proteger a família. Essas particularidades e normas de comportamento podem se refletir também na distribuição de recursos. Em sociedades onde existe 138 discriminação por gênero existem privilégios no tratamento e nas ações de socorro em casos de emergências (NEUMAYER E PUMPER, 2007). Outro fato que poderia aumentar a mortalidade feminina em casos de desastres é o fato delas, em alguns casos, não trabalharem fora e, portanto, sofrerem mais diretamente as consequências dos impactos dos desastres em suas casas. 5. Raça e etnia Categorizações como raça e etnia determinarão, na maioria das vezes, o grupo ao qual o indivíduo pertencerá na sociedade. No entanto, essas categorizações não são por si só um problema no âmbito da vulnerabilidade. O problema é gerado pela discriminação e marginalização politica geradas por elas. Segundo, THOMAS et al. (2006): “O racismo, ou seja, a discriminação e um problema inerente que cria condições estruturais que impactam a capacidade dos grupos minoritários de ganharem os recursos necessários (poder e dinheiro, por exemplo) para se prepararem e responderem adequadamente aos desastres”. Diante disso, a raça e a etnia irão criar polarizações e reger o “lugar” do indivíduo ou grupo na sociedade, ou seja, as suas oportunidades e privilégios dentro de uma sociedade ou comunidade: grupo majoritário ou minoritário. O grupo majoritário terá acesso a mais oportunidades e privilégios, enquanto o minoritário sofrera com as consequências da segregação que, em suas diversas formas, essencialmente limitara as oportunidades e, consequentemente, restringira o acesso aos recursos (THOMAS et al., 2006). Raça e etnia estão diretamente ligadas às questões de injustiça ambiental. Estudos mostram que, geralmente, as minorias marginalizadas tendem a sofrer mais com a degradação ambiental, por exemplo. Como visto anteriormente, a segregação ambiental torna o local mais vulnerável a ocorrência e aos impactos dos desastres (THOMAS et al., 2006). 139 A marginalização das minorias tem impacto direto na organização do espaço (fenômeno chamado de segregação espacial). Ou seja, grupos minoritários têm sido diretamente afetados pela especulação imobiliária presente nos grandes centros. Como não podem pagar os preços cobrados pelos imóveis, tem sido “empurrados” para regiões mais distantes e acabam indo morar próximo a lixões, encostas e margens de rios, planícies de inundação, encostas de morros, dentre outras áreas consideradas de risco em caso de desastres. Além disso, como possuem poucas opções de escolha para moradia, suas casas tendem a ser de qualidade inferior, construídas ha muitos anos, com materiais de baixa qualidade e resistência e com pouca ou nenhuma manutenção ha anos, o que aumenta a sua vulnerabilidade (THOMAS et al., 2006). É importante ressaltar também que, a mesma dinâmica que leva a segregação espacial, irá prejudicar os mecanismos de alerta para preparação e resposta a desastres. Grupos minoritários tendem a viver em locais mais isolados (razões citadas anteriormente) e, portanto, estarem mais afastadas de notícias veiculadas pela mídia por possuírem uma rotina diferenciada. Além disso, como visto anteriormente, a percepção do risco varia de individuo para individuo de acordo com as experiências vivenciadas. Assim, grupos minoritários fatalmente terão uma percepção de risco diferente quando comparada à percepção de risco dos grupos majoritários, considerando-se as suas experiências de vida. Isso influenciará as ações de resposta e pode torná-los mais vulneráveis por não reconhecerem um risco iminente como risco e não tomarem medidas para se protegerem do mesmo (THOMAS et al., 2006). Outros fatores que podem aumentar a vulnerabilidade dos grupos minoritários são relacionados ao idioma e a cultura podem afetar o acesso a recursos pósdesastres e a informações sobre as ações de preparação e resposta a desastres. Somado a isso, especialmente pelo fato de constituírem grupos minoritários, tendem a ser excluídos do processo de gestão do risco de desastres por possuírem menos “voz” politica (marginalização politica) (FEKETE, 2010, VINCENT, 2004). Devido à todos os fatores citados acima, os grupos minoritários, juntamente com os pobres, são os grupos mais propensos a sofrerem com os impactos e as perdas causadas pelos desastres. Estudos mostram que a mortalidade causada por desastres é maior em grupos minoritarios. Um estudo realizado após o Furacão Katrina nos Estados Unidos mostrou que a maioria dos mortos pelo evento eram 140 negros e que a mortalidade em negros era 1,4 a 4 vezes superior quando comparada à mortalidade em brancos (THOMAS et al., 2006). Além dos impactos diretos, os grupos minoritários apresentam também maiores dificuldades no processo de reconstrução pós-evento, visto que possuem limitações para a geração de recursos, não possuem privilégios e “voz” politica e são incapazes de pagar por seguros, fatores importantes para agilizar o processo de reconstrução local (THOMAS et al., 2006). Assim, pode-se afirmar que a raça e etnia são fatores que influenciam diretamente a vulnerabilidade, tornando os grupos minoritários mais vulneráveis aos desastres em todas as fases do ciclo. No Brasil, por exemplo, estudos mostram que indivíduos não brancos são mais vulneráveis a desastres do que indivíduos da raça branca (FEKETE, 2010, VINCENT, 2004.) 6. Idade Segundo DESCHAMPS (2004) a variável idade está relacionada ao ciclo de vida e suas etapas. No caso de crianças, nas etapas iniciais do ciclo de vida, a falta de experiência e o fato de possuírem poucos ativos para dispor em uma situação adversa. No caso dos idosos, que estão nas etapas finais do ciclo, e atravessam restrições de ordem biológica pelo esgotamento das reservas e perda de habilidade. Assim, devido a sua limitada capacidade de se auto proteger idosos e crianças são considerados grupos especialmente vulneráveis aos desastres. As crianças possuem uma vulnerabilidade especial a agentes ambientais. Por isso, pode-se afirmar que elas são altamente vulneráveis a qualquer risco ambiental. Isso pode ser explicado pelo fato das crianças possuírem um metabolismo e um comportamento diferenciado em relação aos adultos, respirando maiores volumes de ar (dobro), ingerindo mais água e comendo mais do que eles, especialmente nos primeiros seis meses de vida. Outro fato importante é o comportamento infantil. Eles estão sempre próximos ao chão brincando, o que os faz mais expostos aos possíveis contaminantes (GUIMARÃES E ASMUS, 2010; MAZOTO et al., 2011). Estudos sobre mudanças climáticas mostram que as crianças são especialmente mais vulneráveis pois são psicologicamente e metabolicamente menos capazes do que os adultos de se adaptarem as ondas de calor e a outros tipos de exposições. Elas são também mais propensas a serem mortas ou 141 machucadas em casos de desastres (GUIMARÃES E ASMUS, 2010; MAZOTO et al., 2011). No caso dos desastres naturais, a crise econômica causada pelos efeitos adversos no período pós-evento pode afetar o status educacional e a saúde de toda a população afetada, especialmente das crianças (BAEZ E SANTOS, 2007). No caso dos idosos, deve-se considerar que a longevidade é uma das mudanças demográficas mais significantes do século 21. Os idosos representam 11,5% da população mundial e a expectativa e que em 2050 a população de idosos chegue ao dobro, ou seja, 22% da população mundial (BODSTEIN et al., 2014). O Brasil, seguindo a tendência mundial, tem visto a proporção de população jovem cair e a proporção de indivíduos idosos aumentar ao longo dos anos. Em 1960 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos de idade ou mais (representando 4,7% da população nacional). No ano de 2000, 14,5 milhões de brasileiros (8,5% da população) entraram para esse grupo. No ano de 2010, portanto, esse grupo já representava 10,8% da população total do país, chegando a 20,6 milhões de pessoas. Em 50 anos a expectativa de vida do brasileiro aumentou de 48 anos de idade para 73,4 anos (BODSTEIN et al., 2014). Uma questão importante a respeito do crescimento da população de idosos em todo o mundo e que, segundo uma reportagem da Global Health and Aging do ano de 2011, na França, por exemplo, passaram-se 100 anos até a porcentagem de idosos na população subir de 7 para 14%, enquanto em países como o Brasil, a China e a Tailândia, a mudança do perfil demográfico se dará em apenas duas décadas. Diante deste contexto, a previsão e que em 2020 80% dos idosos viverão em países considerados de baixa renda. Isso significa que em países como o Brasil a população idosa é um desafio real (BODSTEIN et al., 2014). Mais da metade dos idosos (52,5%) de todo o mundo vivem em grandes cidades (com mais de 100 mil habitantes). No entanto, essas cidades não apresentam-se preparadas estruturalmente para o estilo de vida e limitações dessa população especifica como, por exemplo, adaptações no transporte e vias públicas, no trânsito, nos acessos, entre outros, que poderiam reduzir o risco de acidentes e o aumento da vulnerabilidade dessa população além, é claro, de aumentar a autonomia e independência dos mesmos (BODSTEIN et al., 2014). Estudos sobre os efeitos dos desastres na população mostram que os idosos configuram um grupo especialmente vulnerável aos impactos negativos de 142 emergências. As razões para isso incluem mobilidade física prejudicada, diminuída consciência sensorial, condições crônicas de saúde e social e limitações econômicas que impedem uma preparação adequada e dificultam a capacidade de adaptação durante desastres. Esses fatores contribuem para reduzir a sua resiliência e aumentar a sua vulnerabilidade, como por exemplo doenças, obesidade, inabilidades, entre outros (BODSTEIN et al., 2014). Um importante aspecto presente nesse cenário, frequentemente negligenciado pela população, é que os idosos têm sua consciência sensorial reduzida com o tempo. Sua percepção de sabor, cheiro, visual ou auditiva vão reduzindo ao longo do tempo. Somado a isso, a sua percepção de risco, estado de alerta, agilidade e mobilidade também encontram-se, possivelmente, parcialmente ou totalmente comprometidos, prejudicando ou comprometendo a sua capacidade de reação frente a uma situação adversa (BODSTEIN et al., 2014). Além disso, os idosos são, geralmente, mais propensos a doenças crônicas, limitações funcionais e enfraquecimento do sistema imunológico. Com o sistema imunológico vulnerável, os idosos ficam mais propensos aos surtos epidêmicos (leptospirose e outras) comuns no período pós-desastre (BODSTEIN et al., 2014). A queda funcional dos idosos, que limita a sua capacidade de deslocamento em uma situação de emergência, pode ser ainda exacerbada por consequências de acidentes ocorridos em casa ou na rua, o que aumenta mais ainda a sua vulnerabilidade, visto que esses acidentes podem causar lesões que comprometem a mobilidade e agilidade, tornando mais difícil a reação ou resposta a emergências por limitar ainda mais a sua habilidade para se deslocar. No Brasil as quedas de idosos e suas consequências têm alcançado proporções epidêmicas, podendo causar mortes, fragilidade, hospitalização e uma piora generalizada no estado de saúde. Esses acidentes podem ser causados principalmente pela fragilidade física do idoso, pelo uso de medicação que alteram a visão, por quadros de osteoporose, entre outros (BODSTEIN et al., 2014). Após os principais desastres mundiais, os números registrados de mortes são especialmente compostos pela população idosa. Podemos citar nesse cenário o tsunami na Indonésia em 2004, o terremoto em Kobe no Japão em 1995, o tsunami no Japão em 2011, entre outros. No entanto, segundo FERNANDEZ et al. (2002), 143 “...a idade não faz a pessoa vulnerável. O que faz a pessoa vulnerável é a correlação proporcionalmente em crescimento entre a idade e a probabilidade de precisar de cuidados especiais que aumenta a fragilidade” (p.68). Além de todos os aspectos biológicos e psicológicos citados acima, ainda pode-se acrescentar fatores de ordem econômica. Muitos idosos enfrentam dificuldades financeiras. Programas de pensão, aposentadorias e planos de previdência são uma grande ajuda mas alguns ainda estão longe do ideal, dificultando o acesso as necessidades básicas do idoso (alimentação, moradia, vestuário, etc.). Estudos mostram que 11% dos idosos entre 65 e 74 anos de idade possuem renda abaixo da linha da pobreza. Esse quadro e agravado em idosos não brancos nos Estados Unidos, por exemplo. Assim, como visto anteriormente, ativos e recursos insuficientes para a mobilização, geram vulnerabilidade aos idosos, incapazes de se prepararem e responderem adequadamente ao desastre (FERNANDEZ, et al., 2002). Pessoas idosas tipicamente residem em casas inadequadas com recursos insuficientes e possuem maiores riscos de quedas de saúde do que a maioria da população (MORROW, 1999). Outra questão importante para esse grupo é a situação de saúde. Idosos são mais suscetíveis a doenças crônicas e inabilidade o que os tornam mais vulneráveis a situações de emergência. Aproximadamente 80% dos idosos tem pelo menos uma doença crônica e 50% tem 2 ou mais (ALDRICH E BENSON, 2008). Isso limita suas capacidades de preparação, resposta e recuperação frente a uma situação adversa. Estudos sobre a mortalidade no Furacão Katrina revelaram que um grande número dos mortos durante e após o evento eram idosos africanos. A vulnerabilidade específica de idosos têm sido discutida e analisada em alguns trabalhos científicos recentemente. Alguns propõem inclusive que a experiência e conhecimento deles sejam usados como “bagagem” para a preparação em caso de desastres. No entanto, pouco ainda tem sido feito nessa direção. 144 7. Infraestrutura e segurança Segundo ADGER et al. (2004) a qualidade e situação das habitações e infraestrutura pública determinam a vulnerabilidade física aos impactos imediatos de eventos adversos como chuvas fortes, inundações e tempestades. A qualidade e eficiência do sistema de transporte, por exemplo, irá determinar a capacidade da população rural acessar os mercados locais para vender seus produtos em situações de crise e irá influenciar também a viabilidade e eficácia dos programas de distribuição de alimentos em resposta a eventos como secas, inundações e fome (ADGER et al., 2004). A qualidade da infraestrutura sanitária e a disponibilidade de agua potável para o consumo humano, por sua vez, estão diretamente ligadas a infraestrutura física local e também fortemente associadas às condições de saúde da população (ADGER et al., 2004). Os indicadores que poderiam representar essa dimensão: Km de estradas disponíveis, percentual da população sem acesso a saneamento básico, percentual da população sem acesso a agua potável (ADGER et al., 2004). 8. Estrutura familiar O tamanho da família, ou seja, o número de membros da família é, segundo DESCHAMPS (2004) um indicativo de vulnerabilidade. Isso se deve ao fato de uma família numerosa requerer um maior volume de recursos para o seu sustento. Além disso, a rotina, compromissos, hábitos e o funcionamento de uma família numerosa podem interferir no dia a dia da sociedade, visto que o mais comum é uma família menor. Ainda segundo DESCHAMPS (2004), evidências empíricas apontam para um menor rendimento em famílias maiores. Ou seja, os pobres normalmente vivem em famílias maiores, o que dilui as riquezas que já não são muito abundantes. Outro fator que pode gerar vulnerabilidade e que se refere à estrutura familiar é o numero de crianças. Quanto maior o numero de crianças, maior a vulnerabilidade familiar, visto que os recursos disponíveis diluem-se para sustento e criação dos menores, incapazes ainda de gerar seus próprios recursos (DESCHAMPS, 2004). 145 Estudos mostram que normas culturais regulam os padrões e comportamentos familiares como, por exemplo, o número de membros da família e variam de acordo com fatores demográficos e econômicos. Um exemplo simples é o fato de famílias cuja atividade econômica predominante é a agricultura beneficiamse com famílias mais numerosas pois isso significa um maior numero de “braços” para o trabalho. No entanto, após o período de industrialização essa tendência mudou acompanhando as tendências de um mundo mais moderno (MORROW, 1999). Considera-se que um arranjo familiar comum seja o pai, a mãe e suas crianças. Ou seja, agregados (tios, sobrinhos, avós, etc.) já seriam um indicativo de vulnerabilidade por aumentarem a composição familiar residente na mesma moradia (MORROW, 1999). Além disso, como vimos anteriormente, famílias menos favorecidas economicamente tendem a morar em casas mais velhas, com menos manutenção e em locais de risco. Considerando uma família mais numerosa, o risco seria ainda maior pelo número de possíveis vitimas. 9. Crescimento populacional (densidade populacional) Segundo ADGER (2004), a densidade populacional também pode ser considerada um fator que influencia a vulnerabilidade. Populações com rápido crescimento tem maior propensão a crescerem desordenadamente e, portanto, possuírem uma infraestrutura física mais vulnerável. Além disso, um processo de urbanização desordenado leva grande parte da população a procurar residência em locais de risco. Somado a isso, áreas com grande adensamento populacional tendem a apresentar serviços básicos precários como saneamento, não disponível para todos, o que pode gerar, como visto anteriormente, o surgimento de diversas doenças que, por sua vez, gerarão outras vulnerabilidades na população (ADGER, 2004). Dentre os problemas enfrentados por uma superpopulação pode-se citar também a escassez de empregos, visto que a demanda pode ser maior do que a oferta, levando a população a procurar empregos não formais, cuja a renda não é suficiente para o sustento da família. Assim, essa dimensão poderia estar ligada 146 também ao status socioeconômico: escassez de ativos ou recursos e igual a maior vulnerabilidade da população. 10. População com necessidades especiais Indivíduos com necessidades especiais possuem uma saúde mais frágil devido a alguma limitação ou incapacidade física, mental ou social. Dessa forma, assim como as crianças e idosos, eles são incapazes de se auto proteger, tornandoos especialmente vulneráveis em situações de emergência. Além disso, sua condição de saúde pode causar limitações de locomoção e percepção de risco. Deve-se considerar também que indivíduos com necessidades especiais, geralmente, possuem menores chances de se inserir no mercado de trabalho devido a sua condição de saúde. Quando não conseguem precisam recorrer a ajuda da família ou aos benefícios sociais do governo que, muitas vezes, são inadequados para suprir suas necessidades básicas, gerando problemas de ordem financeira. No entanto, apesar de se conhecer as dimensões e variáveis mais importantes e os grupos mais vulneráveis em casos de desastres naturais, muitos planos voltados para a gestão de risco de desastres ainda não possuem um olhar cuidadoso nessa direção. Um bom exemplo são os planos de evacuação para terremotos desenvolvidos no Japão. Apesar de serem considerados os mais modernos do mundo eles não priorizam um olhar especial para os mais vulneráveis (THOMAS et al., 2006). 147 CAPÍTULO 4 – DESENHO METODOLÓGICO Natureza do estudo Trata-se de um estudo ecológico que, buscando alcançar os objetivos propostos, foi organizado em 3 (três) etapas que possuem como marco temporal o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (antes, durante e após o PDSE). Na primeira etapa foi realizada uma revisão da literatura sobre os temas: inundações e seus efeitos à saúde humana, vulnerabilidade social e índices de vulnerabilidade social disponíveis no mundo e no Brasil. O objetivo dessa etapa foi definir o conceito de vulnerabilidade a ser utilizado no presente estudo e os indicadores de vulnerabilidade a serem utilizados na elaboração do Índice de Vulnerabilidade Social para análise da ocorrência de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. Na segunda etapa foi elaborado um IVS utilizando-se os indicadores escolhidos e tendo como base a metodologia proposta pelo FHRC MiddleSex University, Reino Unido. Posteriormente, foi realizada a distribuição especial do índice. Na terceira etapa foi realizada uma análise da ocorrência de inundações nos 92 municípios do ERJ no período de 2000 a 2013 através do cálculo e distribuição especial de duas variáveis: número de eventos registrados, percentual da população total afetada por inundações e capacidade de resposta à desastres. Área de estudo O presente estudo foi realizado tendo como referências os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, localizado na Região Sudeste do país. O ERJ possui uma extensão territorial de 43.696.054 km² e, de acordo com suas características geográficas, é dividido em 8 (oito) regiões políticoadministrativas: Baixadas Litorâneas, Centro-Sul Fluminense, Costa Verde, Médio Paraíba, Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense e Serrana (CEPED/UFSC, 2012; IBGE, 2014) (ver Figura 12 e quadro 9). 148 Figura 12. ERJ – Regiões de governo e municípios - 2014 Fonte: Reproduzido http://www.ceperj.rj.gov.br/ceep/info_territorios/Reg%20Gov_2013.pdf de 149 Quadro 9. Divisão político-administrativa do ERJ REGIÃO Baixadas Litorâneas (10 municípios) Centro-Sul Fluminense (10 municípios) Costa Verde (3 municípios) Médio Paraíba (12 municípios) Metropolitana (21 municípios) MUNICÍPIOS Armação dos Búzios Araruama Arraial do Cabo Cabo Frio Casimiro de Abreu Iguaba Grande Rio das Ostras São Pedro D’ aldeia Saquarema Silva Jardim Areal Comendador Levy Gasparian Engenheiro Paulo de Frontin Mendes Miguel Pereira Paraíba do Sul Paty do Alferes Três Rios Sapucaia Vassouras Angra dos Reis Mangaratiba Paraty Barra do Piraí Barra Mansa Itatiaia Pinheiral Piraí Porto Real Quatis Rio Claro Rio das Flores Resende Valença Volta Redonda Belford Roxo Cachoeiras de Macacu Duque de Caxias Guapimirim Itaboraí Itaguaí Japeri Magé Maricá Mesquita Nilópolis Niterói Nova Iguaçu Paracambi Queimados Rio Bonito Rio de Janeiro São Gonçalo São João de Meriti Seropédica 150 Tanguá Noroeste Fluminense (13 municípios) Norte Fluminense (9 municípios) Serrana (14 municípios) Aperibé Bom Jesus do Itabapoana Cambuci Italva Itaperuna Itaocara Laje do Muriaé Miracema Natividade Porciúncula Santo Antônio de Pádua São José do Ubá Varre-Sai Campos dos Goytacazes Carapebus Cardoso Moreira Conceição de Macabu Macaé Quissamã São Fidélis São Francisco do Itabapoana São João da Barra Bom Jardim Cantagalo Carmo Cordeiro Duas Barras Macuco Nova Friburgo Petrópolis Santa Maria Madalena São José do Vale do Rio Preto São Sebastião do Alto Sumidouro Teresópolis Trajano de Moraes É o terceiro estado brasileiro mais populoso (16,5 milhões de habitante ou 8,1% da população total do país), ficando atrás apenas de São Paulo (44 milhões de habitantes ou 21,7%) e Minas Gerais (20,7 milhões ou 10, 2%) (IBGE, 2014). No ERJ estão 4 (quatro) dos 25 municípios mais populosos do país, a saber: Rio de Janeiro capital (segundo município mais populoso do Brasil com 6.453.682 habitantes), São Gonçalo (décimo sexto na lista dos municípios mais populosos do país com 1.031.903 habitantes), Duque de Caxias (décimo oitavo com 878.402 habitantes) e Nova Iguaçu (vigésimo terceiro com 806.177 habitantes) (IBGE, 2014). 151 Considerando a distribuição dos municípios por classe de tamanho populacional, o ERJ é o segundo em maior número de municípios com mais de 500 mil habitantes no país com 4 municípios (IBGE, 2014). O ERJ apresenta diversidade climática e a distribuição de chuvas é mais concentrada (cerca de 70% a 80%) no verão, com a estação chuvosa ocorrendo no período de outubro a março. A estação seca (20% a 30% das precipitações) ocorre no inverno, entre os meses de abril e setembro (CEPED/UFSC, 2012). As inundações são desastres recorrentes no Estado, cuja magnitude e frequência vêm aumentando ao longo do tempo. Segundo o ABDN, no período de 1991 a 2010, 76 dos 92 municípios do Estado foram atingidos por inundações com um total de 262 ocorrências, aproximadamente 2 milhões de afetados e 300 óbitos. A região mais atingida foi a Metropolitana do Estado com 89 registros de ocorrências (CEPED/UFSC, 2012). Fontes de dados e variáveis O presente estudo foi realizado tendo como base 3 (três) fontes de dados distintas: - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) . Censo Demográfico – ano 2010; . Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) – ano 2011; . Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Perfil dos Municípios Brasileiros – ano 2013. O Censo Demográfico 2010 realiza um levantamento de informações sobre os domicílios localizados nos municípios brasileiros. A ideia central é responder às seguintes questões: quem somos, quanto somos, onde estamos e como vivemos. No ano de 2010 foram recenseados 67,6 milhões de domicílios do país em 5.565 municípios brasileiros e os primeiros resultados foram divulgados no mês de novembro de 2010. A PNAD é uma pesquisa que coleta informações anualmente sobre características socioeconômicas (educação, trabalho e rendimento, por exemplo) e 152 demográficas (características do domicílio) da população tendo como unidade os domicílios. Pesquisa de Informações Básicas Municipais é uma pesquisa realizada nas prefeituras dos municípios brasileiros que busca coletar informações relevantes acerca da gestão e da estrutura dos municípios. Para isso o questionário aplicado é dividido em eixos: perfil dos gestores municipais, recursos humanos das administrações municipais, legislação e instrumentos de planejamento, saúde, meio ambiente, política de gênero. O eixo gestão de riscos e resposta a desastres foi inserido pela primeira vez na pesquisa no ano de 2013. - Departamento de Informática do SUS (DATASUS): . TABNET – indicadores demográficos e socioeconômicos; . Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) – dados sobre existência e cobertura populacional da Estratégia da Saúde da Família (ESF). O TABNET é um tabulador genérico de domínio público desenvolvido pelo DATASUS para gerar informações das bases de dados do SUS. Ele permite organizar dados de forma rápida de acordo com a consulta que se deseja realizar, gerando tabelas, gráficos e mapas. O SIAB foi implantada no ano de 1998 em substituição ao Sistema de Informação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde – SIPACS. Foi desenvolvido como instrumento gerencial dos Sistemas Locais de Saúde e, através dele, obtêm-se informações sobre cadastros de famílias, condições de moradia e saneamento, situação de saúde, produção e composição das equipes de saúde. É o principal instrumento de monitoramento das ações do Saúde da Família. É importante destacar, no entanto, que as fontes de dados IBGE e DATASUS disponibilizam variáveis e indicadores destinados à avaliação da situação de saúde de uma forma genérica. Ainda não há nada específico para as situações de desastres. 153 - Defesa Civil do ERJ: dados de ocorrência de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013, organizado em um banco de dados cedido à pesquisadora. . Notificação Preliminar de Desastre (NOPRED) . Avaliação de Dados e Necessidades (AVADAN) O banco de dados de ocorrências de desastres da Defesa Civil do ERJ é alimentado periodicamente tendo como base as informações preenchidas em 2 (dois) formulários: Notificação Preliminar de Desastre (NOPRED) e Avaliação de Dados e Necessidades (AVADAN). O NOPRED é um formulário a ser preenchido num prazo máximo de 12 (doze) horas após a ocorrência do desastre e encaminhado imediata e simultaneamente aos níveis estadual e federal. Ele tem como objetivo alertar sobre a ocorrência de um desastre e encaminhar oficialmente as informações preliminares sobre o mesmo aos órgãos de coordenação. No formulário NOPRED estão disponíveis os seguintes dados: - Tipificação; - Data de ocorrência; - Localização; - Área afetada; - Causas do desastre; - Estimativa de danos: danos humanos, danos materiais e serviços essenciais; - Instituição informante: nome, cargo, assinatura/carimbo, telefone, data; - Instituições informadas; O AVADAN é um formulário a ser preenchido e enviado pelo município atingido por um desastre em um prazo de até 120 horas após a ocorrência do mesmo (5 dias). Os seus objetivos são: - Apresentar informações detalhadas sobre: as características intrínsecas do evento e a área afetada; - Apresentar uma avaliação detalhada sobre o desastre, caracterizando perdas (danos e prejuízos); 154 - Realizar um levantamento in loco da situação. No formulário AVADAN estão disponíveis os seguintes dados: - tipo do evento e denominação; - data e hora da ocorrência; - localização: unidade da federação (UF) e município; - área afetada: tipo de ocupação – residencial, comercial, industrial agrícola, pecuária e outros; - descrição da área afetada; - causas do desastre; - danos humanos desabrigadas, (número desaparecidas, de pessoas): levemente desalojadas, feridas, deslocadas, gravemente feridas, enfermas, mortas e afetadas por grupos (0-14 anos, 15-64 anos, acima de 65 anos, gestantes, total); - danos materiais (efiicações): residências populares, residências – outras, edificações públicas de saúde, edificações públicas de ensino, infraestrutura púbica (obras de arte, estradas, pavimentação de vias públicas, outras), edificações comunitárias, edificações particulares de ensino, edificações rurais, edificações industriais e edificações comerciais; - danos ambientais (recursos naturais): água (esgotos sanitários, efluentes industriais, resíduos químicos e outros), solo (erosão, deslizamento, contaminação, outros); - prejuízos econômicos – setores da economia: agricultura - quantidade e valor (grãos/cereais/leguminosa, fruticultura, horticultura, silvicultura/extrativismo, comercial, outras) e pecuária – cabeças e valor (grande porte, pequeno porte, avicultura, piscicultura, outras). - prejuízos econômicos – setores da economia: indústria (extração mineral, transformação, construção e outras) e serviços (comércio, instituição financeira e outros); - prejuízos sociais – serviços essenciais (quantidade e valor): transporte (vias, terminais, meios), comunicações (rede de comunicação e estação retransmissora), esgoto (rede coletora e estação de tratamento), gás (geração e distribuição), lixo (coleta e tratamento), saúde (assistência média e 155 prevenção), educação (alunos sem aula), alimentos básicos (estabelecimentos armazenadores e estabelecimentos comerciais) - informações sobre o município: população, orçamento, Produto Interno Bruto (PIB), arrecadação; - avaliação da intensidade do desastre. Etapas do Estudo Como visto anteriormente, o estudo foi desenvolvido em 3 (três) etapas. A seguir, cada uma dessas etapas do presente trabalho será descrita com detalhes. Etapa 1 – Revisão da literatura científica Na primeira etapa foi realizada uma revisão da literatura sobre os temas: inundações e seus efeitos à saúde humana, vulnerabilidade social e indices de vulnerabilidade social disponíveis no mundo e no Brasil. A revisão da literatura científica acerca dos temas de interesse foi realizada em 2 (dois) momentos: no Brasil no período de abril de 2012 a junho de 2014 e na Inglaterra durante o PDSE no período de agosto de 2014 a janeiro de 2015. Ela serviu como base para a construção de todo o referencial teórico conceitual (capítulos 2 e 3) que embasa o presente estudo e, especialmente, para a definição de conceitos-chave como vulnerabilidade e a escolha de indicadores a serem utilizados para a construção do IVS dos 92 municípios do ERJ. Para isso foram escolhidos dois descritores para a revisão: vulnerabilidade social e desastre e índice de vulnerabilidade e desastre que foram utilizados para a busca de trabalhos científicos em bases de dados como PubMed, Bireme, Scielo, livros e materiais cedidos pela orientadora na Inglaterra. A busca pelos descritores no PubMed gerou 174 resultados para vulnerabilidade social e desastres e 51 resultados para índice de vulnerabilidade e desastre, dos quais os “abstracts” eram cuidadosamente lidos pela pesquisadora. Assim, considerando que, como visto anteriormente, o termo vulnerabilidade é utilizado em distintas áreas do conhecimento e possui diversos conceitos, a revisão da literatura científica permitiu a escolha do conceito de vulnerabilidade a ser 156 utilizado no presente estudo. Essa escolha foi realizada em consenso com as orientadoras do PDSE e do Brasil, considerando as características dos desastres no Brasil. Assim, para fins desse estudo, a vulnerabilidade é definida como: “As características de uma pessoa ou grupo ou a situação deles que influenciam a sua capacidade de antecipar, responder, resistir e se recuperar frente ao impacto de um perigo natural. Isso envolve uma combinação de fatores que determinam o grau em que a vida dos indivíduos e as suas propriedades, por exemplo, são colocadas em risco por um evento, seja ele natural ou não. ” (BLAIKIE et al., 1994). Somado ao conceito de BLAIKIE et al. (1994), a revisão dos estudos de vulnerabilidade social realizados na América Latina (RODRIGUEZ, 2001; CASTEL, 1997; DESCHAMPS, 2004, GOMES E PEREIRA, 2005) apontou para uma nova tendência em estudiosos do tema: incluir a desvantagem social como um componente da vulnerabilidade ou como um tipo de vulnerabilidade. Diante disso, as condições adversas que milhões de pessoas enfrentam diariamente ao redor do mundo: água contaminada, falta de instalações sanitárias, estradas inseguras e inadequações alimentares e nutricionais, são consideradas parte do escopo de perigos. A explicação para isso está no fato de, em países em desenvolvimento, as políticas públicas não serem tão eficazes a ponto de reduzir ou eliminar tais problemas. Uma vez escolhido o conceito de vulnerabilidade a ser utilizado no estudo, a segunda etapa foi a identificação e sistematização de um conjunto de indicadores para a elaboração de um índice de vulnerabilidade social para a análise dos desastres provocados por inundações no Estado do Rio de Janeiro no período de 2000 a 2013. Foi realizada em 3 (três) momentos: a parte inicial foi realizada no Brasil no período de abril de 2012 a fevereiro de 2014, uma parte foi ampliada na Inglaterra a partir do aprofundamento dos conhecimentos e a última parte (indicadores de capacidade de resposta a desastres) foi realizada após a volta ao Brasil no período de abril a novembro de 2015. O IVS foi elaborado durante o PDSE tendo como base a metodologia desenvolvida pelo Flood Hazard Research Centre (FHRC) da MiddleSex University, localizado em Londres, no Reino Unido, e amplamente utilizada nos países 157 europeus para gerar subsídios para a gestão do risco de desastres no continente. O “Social Flood Vulnerability Index” (SFVI) proposto por eles utiliza 4 (quatro) indicadores: - % desempregados da população total com 16 anos ou mais; - densidade demográfica; - % indivíduos sem automóveis da população total; - % indivíduos sem casa própria da população total. Considerando que esses indicadores não esgotam as condições de vulnerabilidade existentes nosso país e que a Inglaterra é um país desenvolvido que, por exemplo, já quase zerou problemas como o analfabetismo, a escolha dos indicadores para o IVS do ERJ foi realizada mediante ampla discussão e adaptação, baseadas nas premissas conceituais abordadas e discutidas no presente trabalho. Assim, de acordo com o conceito adotado no estudo, os indicadores escolhidos deveriam representar características de desvantagem, iniquidade ou exclusão social que implicam em vulnerabilidade (RODRIGUEZ, 2001; CASTEL, 1997; DESCHAMPS, 2004, GOMES E PEREIRA, 2005). Dessa forma, o processo de escolha dos indicadores a serem utilizados para a construção do IVS no ERJ contou com uma abordagem dedutiva, testando hipóteses e pressupostos com base em um marco teórico já existente. Duas dimensões foram abordadas no presente estudo: social e econômica. O quadro 10 apresenta os 14 (catorze) indicadores sociais escolhidos para a construção do IVS do ERJ. 158 Quadro 10. Indicadores escolhidos para a construção do IVS do ERJ DIMENSÕES INDICADORES % mulheres % indivíduos não brancos % crianças e jovens (abaixo de 19 anos) SOCIAL % indivíduos acima dos 60 anos de idade % indivíduos residindo em aglomerados subnormais Densidade populacional Densidade de residentes por domicílio (% residências com JUSTIFICATIVA Recursos não estão igualmente distribuídos na sociedade para homens e mulheres. As iniquidades ligadas ao gênero são responsáveis por limitar a autonomia, a educação, os meios de subsistência, a saúde, a segurança e a representação política de mulheres e crianças do sexo feminino, além do fato de, ainda hoje, as mulheres possuírem renda inferior a dos homens. Raça e etnia são fatores que influenciam diretamente a vulnerabilidade regendo o “lugar” do indivíduo/grupo na sociedade. Indivíduos não brancos compõem grupos minoritários que sofrem com questões de injustiça ambiental sendo “empurrados” para regiões mais distantes (vulnerabilidade geográfica). Grupos minoritários tendem a ser excluídos do processo de gestão do risco de desastres por possuírem menos “voz” política e terem mais dificuldades no processo de reconstrução devido à menor disponibilidade de recursos. Limitada capacidade de se autoproteger, tornando-se grupos especialmente vulneráveis a desastres. Crianças possuem metabolismo e comportamento diferenciado em relação aos adultos, sendo altamente vulneráveis a qualquer risco ambiental. Idosos possuem mobilidade física prejudicada (dificulta a resposta), diminuída consciência sensorial (o que reduz sua percepção de risco), condições crônicas de saúde (sistema imunológico enfraquecido) e limitações econômicas (renda não suficiente para as necessidades básicas) que impedem uma preparação e resposta adequadas e dificultam a capacidade de adaptação frente à situações de desastres. Qualidade e situação das habitações e infraestrutura pública determinam a vulnerabilidade física aos impactos imediatos de eventos adversos. Populações com rápido crescimento populacional tem maior propensão a crescerem desordenadamente e, portanto, possuírem uma infraestrutura física mais vulnerável. Processo de urbanização desordenado leva a população a procurar residência em locais de risco. Adensamento populacional = serviços básicos precários = surgimento de doenças Superpopulação = escassez de emprego = renda insuficiente Arranjo familiar com grande número de membros (agregados) aumenta a vulnerabilidade pela necessidade de diluição dos recursos disponíveis. 159 mais de 3 indivíduos por domicílio) % indivíduos com necessidades especiais Taxa de analfabetismo % população sem sanitários, água e coleta de lixo % indivíduos com baixa renda Razão de renda Possuem saúde mais frágil devido à algum tipo de limitação ou incapacidade física, mental ou social. São incapazes de se autoproteger, tornando-os especialmente vulneráveis. Sua condição de saúde pode causar limitações de locomoção e percepção de risco. Possuem menores chances de inserção no mercado de trabalho = renda insuficiente São excluídos do processo de gestão de risco de desastres. Escolaridade está intimamente associada com a pobreza e a marginalização. Indivíduos com baixa escolaridade vivem em áreas de risco e possuem menor representação política. Menor escolaridade = menor capacidade de prover seus próprios recursos (menos ativos para mobilizar) Indivíduos com baixa escolaridade possuem menor percepção de risco e são, geralmente, excluídos do processo de gestão de risco de desastres – dificuldades na compreensão de informações. Qualidade e situação das habitações e infraestrutura pública determinam a vulnerabilidade física aos impactos imediatos de eventos adversos. A qualidade da infraestrutura sanitária e a disponibilidade de água potável para o consumo humano estão diretamente ligadas à infraestrutura física local e também fortemente associadas às condições de saúde da população. Quanto maior a renda maior a capacidade de mobilizar recursos e ativos para enfrentar e responder adequadamente frente à uma situação de desastre, maior a percepção de risco e maior a capacidade de recuperaçãoo pós evento. Renda influencia na qualidade e local de sua moradia = casas menos seguras e em áreas de risco Desigualdade social exerce papel importante no estudo da vulnerabilidade. Ela corresponde à menor acesso e capacidade de gestão de recursos. Significa condições sociais que afetam negativamente o desempenho. ECONÔMICA Taxa de desemprego % indivíduos idosos dependentes Emprego é a principal fonte de renda do indivíduo. Desempregado = sem renda, ativos e recursos para mobilizar = incapaz de enfrentar ou responder adequadamente à qualquer situação de emergência. Possuem saúde mais frágil o que pode causar limitações de locomoção e percepção de risco. São excluídos do processo de gestão de risco de desastres. Causam uma maior a diluição dos recursos disponíveis, visto que são incapazes de gerar seus próprios recursos. 160 É importante salientar que os indicadores sociais e econômicos são mais amplamente utilizados no estudo quando comparados aos indicadores ambientais. Isso se justifica pelo fato do Brasil ser um país cuja conjuntura política e econômica não privilegia politicas públicas de abrangência nacional voltadas para a redução da pobreza e das desigualdades sociais, que segundo diversos autores (RODRIGUEZ, 2001; CASTEL, 1997; DESCHAMPS, 2004, GOMES E PEREIRA, 2005; PHILIP E RAYHAN, 2004; ADGER, 1999; THOMAS et al. 2013; WISNER et al., 2004; BALICA et al. 2009) encontram-se na raiz das vulnerabilidades aos desastres. O quadro 11 apresenta um maior detalhamento dos indicadores escolhidos: explica o significado de cada indicador escolhido, fonte dos dados e forma de cálculo. 161 Quadro 11. Ficha de qualificação dos indicadores escolhidos Indicador Definicao/Interpretação Proporção da população residente com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário mínimo, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Expressa a proporção da população considerada em situação de pobreza, de acordo com a renda domiciliar mensal per capita. Proporção de pessoas com baixa renda Razão de renda Número de vezes que a renda do quinto superior da distribuição da renda ( 0 mais ricos) é maior do que a renda do quinto inferior Usos Dimensionar o contingente de pessoas em condições de vida precárias. Analisar variações geográficas e temporais da proporção da população em situação de pobreza, identificando situações que podem demandar avaliação mais aprofundada. Contribuir para a análise da situação socioeconômica da população, identificando a magnitude do estrato populacional que requer maior atenção de políticas públicas de saúde, educação e proteção social, entre outras. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas de distribuição de renda. Analisar diferenciais na concentração da renda pessoal entre os estratos superior e inferior da população, identificando Limitações A informação está baseada na “semana anual de refer ncia” em que foi realizada a pesquisa, refletindo apenas a renda informada naquele período. A fonte usualmente utilizada para construir o indicador (PNAD) não cobria até 2003 a zona rural da região Norte (exceto Tocantins). Além disso, a PNAD não permite a desagregação dos dados por município. Por se tratar de uma pesquisa amostral, o valor do indicador pode não ter significância estatística quando desagregado para segmentos populacionais específicos, tais como indígenas, amarelos e pretos, pois estes grupos são muito pequenos em alguns estados e regiões. Séries históricas defrontam-se com eventuais mudanças do poder aquisitivo do salário mínimo. As comparações intertemporais devem ser feitas com valores corrigidos, com relação a um salário mínimo específico. A informação está baseada na1. semana anual de refer ncia" em que foi realizada a pesquisa, refletindo apenas a renda Fonte IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). IBGE: Censo Demográfico e Pesquisa Nacional por Amostra de Como é calculado População residente com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário mínimo X 100/ populacao total residente Valor agregado do quinto superior de renda domiciliar per capita /Valor agregado do quinto inferior de renda 162 ( 0 mais pobres) na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Expressa a concentração da renda pessoal, ao comparar os estratos extremos de renda. uanto mais elevados os valores, maior o desnível de renda entre grupos populacionais dos estratos considerados. tend ncias e situações de desigualdade que podem demandar estudos especiais. Contribuir para a análise da situação socioeconômica da população, identificando segmentos que requerem maior atenção de políticas públicas de saúde, educação e proteção social, entre outras. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas de distribuição de renda. % mulheres Proporção da população residente representada por mulheres. Dimensionar o contingente da população total composto por mulheres. % indivíduos não brancos Proporção da população residente representada por indivíduos não brancos. Dimensionar o contingente da população total composto por indivíduos não brancos. informada naquele período. Domicílios (PNAD). domiciliar per capita Os dados são fornecidos espontaneamente pelo informante, que pode ser seletivo nas suas declarações. A fonte usualmente utilizada para construir o indicador (PNAD) não cobre a zona rural da região Norte (exceto em Tocantins) até 003 e não permite a desagregação dos dados por município. ma vez que a amostra da PNAD não foi desenhada para ser representativa para todas as raças, os indicadores para índios, amarelos e pretos devem ser vistos com muita cautela, pois estes grupos são muito pequenos em alguns estados e regiões. uanto aos brancos e pardos, suas amostras são mais robustas, oferecendo maior garantia de uso. Não se aplica. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas na declaração da cor/raça nos IBGE: Censo Demográfico, Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). População residente composta por mulheres X 100/ população total residente IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). População residente composta por indivíduos não brancos X 100/ população total residente 163 % crianças (abaixo de 19 anos de idade) % pessoas acima dos 65 anos de idade Proporção da população residente representada por indivíduos com idade inferior a 19 anos. Percentual de pessoas com 60 e mais anos de idade, na população total residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. A definição de idoso como pessoa maior de 60 anos de idade é estabelecida na legislação brasileira. Indica a participação relativa de idosos na população geral. Reflete o ritmo de envelhecimento da população. O crescimento da população de idosos está associado à redução das taxas de fecundidade e de natalidade e ao aumento da esperança de Dimensionar o contingente da população total composto por indivíduos com idade inferior a 19 anos. Analisar variações geográficas e temporais na distribuição de idosos. Contribuir para o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas relacionadas a saúde, previdência e assistência social de idosos. levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas na declaração da idade nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas na declaração da idade nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. As migrações seletivas por idade exercem influência na composição desse grupo populacional. IBGE: Censo Demográfico, Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). IBGE: Censo Demográfico, Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). População residente composta por indivíduos com idade inferior a 19 anos X 100/ população total residente excluída a de idade ignorada* * A exclusão de pessoas de idade ignorada resulta em que o indicador se refira ao total da população com idade conhecida. Número de pessoas residentes de 60 e mais anos de idade X 100/ População total residente, excluída a de idade ignorada* * A exclusão de pessoas de idade ignorada resulta em que o indicador se refira ao total da população com idade conhecida. 164 Taxa de desemprego % casas sem abastecimento de água, sem coleta de lixo e sem sanitário vida. Percentual da população residente economicamente ativa que se encontra sem trabalho na semana de referência, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Define-se como População Economicamente Ativa (PEA) o contingente de pessoas com 10 ou mais anos de idade que está trabalhando ou procurando trabalho. Mede o grau de insucesso das pessoas que desejam trabalhar e não conseguem encontrar uma ocupação no mercado de trabalho (desemprego aberto). Taxas elevadas de desemprego resultam na perda do poder aquisitivo e na possível desvinculação do sistema de seguro social e de algum plano de saúde de empresa, o que pressupõe aumento da demanda ao Sistema Único de Saúde. Percentual da população total residente sem qualquer tipo de abastecimento de água, sem coleta de lixo e sem sanitário Analisar variações geográficas e temporais na distribuição do desemprego, identificando tendências e situações de desigualdade que podem demandar a realização de estudos especiais. Subsidiar a análise da condição social, identificando oscilações do mercado de trabalho. Contribuir para a análise da situação socioeconômica da população, identificando estratos que requerem maior atenção de políticas públicas de emprego, saúde, educação e proteção social, entre outras. A informação está baseada na “semana anual de refer ncia” em que foi realizada a pesquisa, refletindo apenas a desocupação informada para aquele período. Não mede aspectos qualitativos do desemprego. A fonte usualmente utilizada para construir o indicador (PNAD) não cobria até 2003 a zona rural da região Norte (exceto Tocantins). Além disso, a PNAD não permite a desagregação dos dados por município. Por se tratar de uma pesquisa amostral, o valor do indicador pode não ter significância estatística quando desagregado para segmentos populacionais específicos, tais como indígenas, amarelos e pretos, pois estes grupos são muito pequenos em alguns estados e regiões. IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Número de residentes e economicamente ativos que se encontram desocupados e procurando trabalho, na semana de referencia X 100/ Numero de residentes economicamente ativos (PEA) Contribuir para a análise das condições de vida da população, identificando estratos que requerem maior atenção de políticas públicas. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. IBGE: Censo Demográfico População total sem qualquer tipo de abastecimento de água, sem coleta de lixo e sem sanitário X 100/população total residente 165 % pessoas vivendo em aglomerados subnormais Percentual da população total residente em aglomerados subnormais Contribuir para a análise das condições de vida da população, identificando estratos que requerem maior atenção de políticas públicas. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). População total residente em aglomerados subnormais X 100/população total residente Densidade de residentes por domicílio (% residências com mais de 3 indivíduos por domicílio) Número de indivíduos residentes no mesmo dormitório. Contribuir para a análise das condições de vida da população, identificando estratos que requerem maior atenção de políticas públicas. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Número de residências com mais de 3 indivíduos por dormitório X 100/ número total de residências Percentual de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem, na população total residente da mesma faixa etária, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Mede a proporção de analfabetos na população com 15 anos ou mais de idade. Analisar variações geográficas e temporais do analfabetismo, identificando situações que podem demandar necessidade de avaliação mais profunda. Dimensionar a situação de desenvolvimento socioeconômico de um grupo social em seu aspecto educacional. Propiciar comparações nacionais e 1 internacionais . Contribuir para a análise das condições de vida e de saúde da população, utilizando esse indicador como aproximação (proxy) da condição socioeconômica da A fonte usualmente utilizada para construir o indicador (PNAD) não cobria até 2003 a zona rural da região Norte (exceto Tocantins). Além disso, a PNAD não permite a desagregação dos dados por município. Por se tratar de uma pesquisa amostral, o valor do indicador pode não ter significância estatística quando desagregado para segmentos populacionais específicos, tais como indígenas, amarelos e pretos, pois estes grupos são muito pequenos em alguns estados e regiões. IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Número de pessoas residentes de 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever um bilhete simples, no idioma que conhecem x 100/ populacao total residente desta faixa etaria Taxa de analfabetismo 166 população. A situação de saúde das crianças é influenciada positivamente pela alfabetização da população adulta, sobretudo das mães. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas de saúde e de educação. Pessoas não alfabetizadas requerem formas especiais de abordagem nas práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde. Densidade populacional Medida que expressa a relação entre a população e a superfície do território. É geralmente expressa em habitantes por quilômetro quadrado. Contribuir para a análise das condições de vida da população, identificando áreas que requerem maior atenção de políticas públicas de saúde, previdência, assistência social, entre outras. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas a falhas nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. IBGE: Censo Demográfico Número total de residentes/área total % indivíduos idosos dependentes (Proporção de idosos residentes em domicílios na condição de outro parente) Proporção de idosos (60 anos ou mais de idade) que residem em domicílios como outro 1 parente ou como 2 agregado , ou seja, não chefiam, nem são cônjuges do chefe do domicílio em que residem. Expressa a proporção de idosos que vivem em um arranjo familiar ou domiciliar no -Analisar variações geográficas e temporais da proporção da população idosa em situação de dependência, identificando situações que podem demandar avaliação mais aprofundada. - Contribuir para a análise da situação socioeconômica da população idosa, identificando estratos que requerem maior atenção de A fonte utilizada para construir o indicador (PNAD) não cobria, até 2003, a zona rural da região Norte (exceto em Tocantins). Além disso, a PNAD não permite a desagregação dos dados por município. Por se tratar de uma pesquisa amostral, o valor do indicador pode não ter significância estatística quando desagregado para segmentos populacionais específicos, tais como indígenas, IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Numero de idosos (60 anos ou mais) que residem em domicilios particulares permanentes na condicao de outro parente ou agregado x 100/ total de idosos (60 anos ou mais) que residem em domicilios particulares permanentes 167 % indivíduos com necessidades especiais qual não são chefes, nem cônjuges, o que pode indicar algum tipo de dependência, seja por falta de renda ou por incapacidade funcional. políticas públicas de saúde, previdência, assistência social, entre outras. -Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas de distribuição de renda e atenção aos idosos. amarelos e pretos, pois estes grupos são muito pequenos em alguns estados e regiões. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas à coleta de dados demográficos ou à conceituação de domicílios. Por exemplo, os idosos residentes em instituições de longa permanência não são captados pela amostra. Percentual de pessoas com deficiência, na população total residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Analisar variações geográficas e temporais na distribuição de indivíduos com deficiência. Contribuir para o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas. Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, nos levantamentos estatísticos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. IBGE: Censo Demográfico, Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). Número de indivíduos com deficiência X 100/ População total residente 168 Etapa 2 – Elaboração de um Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) A segunda etapa do estudo foi a elaboração do IVS baseado na metodologia proposta pelo Flood Hazard Research Centre (FHRC) da Middlesex University de Londres, no Reino Unido. Essa etapa foi realizada em 3 (três) momentos: antes do PDSE no Brasil no período de abril de 2012 a junho de 2014 quando foram coletados os dados referentes aos Censo 2010; na Inglaterra durante o PDSE de agosto de 2014 a janeiro de 2015 quando foi elaboradoo IVS e após o PDSE na volta ao Brasil, no período de abril a novembro de 2015, quando os dados referentes à ocorrência de inundações (eventos, % população afetada e capacidade de resposta) foram analisados. Foram coletados os dados referentes aos 14 indicadores escolhidos para todos os 92 municípios do ERJ e os mesmos foram inseridos em uma planilha do software EXCEL versão 14.4.8 (2010). Foram realizadas análises descritivas: valor máximo, valor mínimo, média e desvio-padrão para cada indicador selecionado de cada município. O teste de normalidade de KOLMOGOROV-SMIRNOV (teste K-S) foi realizado no SPSS 21.0 para verificar se a distribuição era normal. Os Z-Escores para cada indicador escolhido de cada um dos municípios foram calculados utilizando-se módulos, de forma a obter apenas valores positivos, segundo a fórmula abaixo: Fórmula para cálculo do Z- Escore: Z- Escore = | x – média| |desvio-padrão| Sendo: x = valor da variável O cálculo dos Z-Escores permite a comparação entre conjuntos de dados diferentes, homogeneamente distribuídos. Ele indica o quanto acima ou abaixo da média um escore está em termos de unidades padronizadas de desvio-padrão e 169 ajuda a entender onde um determinado escore se encontra em relação aos demais numa distribuição (LEE, 2014). O somatório dos Z-Escores de cada 1 dos 14 indicadores do município deu origem ao IVS. Ou seja, IVS município X = (Z-escore1) + (Z-escore2) + (Z-escore3) + (Z-escore4) + (Zescore5) + (Z-escore6) + (Z-escore7) + (Z-escore8) + (Z-escore8) + (Z-escore9) + (Z-escore10) + (Z-escore11) + (Z-escore12) + (Z-escore13) + (Z-escore14) Uma vez calculados os IVS dos 92 municípios do ERJ, foi realizada uma associação de bases de dados e sobreposições de informações georreferenciadas no software GIS 2.4. A classificação dos dados foi realizada através de um método padrão denominado Natural Breaks que visa arranjar os valores semelhantes em um mesmo grupo. Dessa forma, uma vez definido o número de classes, grupos ou categorias desejado, o GIS calcula os valores máximos e mínimos da distribuição através de análises estatísticas descritivas realizadas automaticamente e distribuílos em um histograma. Os “natural breaks” ou pontos de corte ocorrem nos pontos mais altos do histograma e são determinados a partir dos “tamanhos” desses “picos”. Dessa forma, valores similares são alocados na mesma classe, grupo ou categoria. Os valores do IVS dos 92 municípios do ERJ foram classificados em 5 (cinco) categorias ou classes: muito alta vulnerabilidade, alta vulnerabilidade, média vulnerabilidade, baixa vulnerabilidade e muito baixa vulnerabilidade. Após essa classificação, os IVS foram distribuídos espacialmente no GIS, o que possibilita a identificação de municípios onde há vulnerabilidade social, ou seja, os municípios do ERJ que merecem especial atenção de gestores e tomadores de decisão na elaboração de estratégias e políticas públicas que visam evitar danos e perdas materiais, econômicas e humanas decorrentes da ocorrência de desastres. 170 Etapa 3 – Análise das ocorrências de inundações nos 92 municípios do ERJ no período de 2000 a 2013 A etapa 3 constituiu na análise do número de ocorrências de inundações registradas nos 92 municípios do ERJ no período de 2000 a 2013, tendo como base o banco de dados de ocorrências de desastres cedido pela Defesa Civil do ERJ. Considerando que o banco de dados utilizado contém ocorrências de todos os tipos de desastres, como primeiro passo para utilização dos dados, foram excluídos os eventos não referentes à inundações (incêndios, deslizamentos de terra, seca, estiagem, etc) e os eventos ocorridos fora do período do estudo (antes de 2000). Dessa forma, foram encontrados 234 registros de ocorrências de inundações, sendo que 45 foram excluídos por não possuírem descrição e dados suficientes acerca do evento. Sobraram, portanto, 189 ocorrências cujos dados foram inseridos no software GIS 2.4. A classificação dos dados no GIS foi realizada utilizando-se o método Natural Breaks em 3 (três) classes, categorias ou grupos. Após essa classificação, as ocorrências de inundações foram distribuídas espacialmente no GIS utilizando a associação de bases de dados e sobreposições de informações georreferenciadas, o que possibilita a distribuição espacial dos municípios atingidos por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. Ainda visando a subsidiar a análise das ocorrências de inundações no ERJ foram utilizadas 2 (duas) variáveis: - % da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 (exposição relativa); - capacidade de resposta (CR) a desastres do município = vulnerabilidade institucional do município (vulnerabilidade institucional). Segundo o Glossário da Defesa Civil, afetado é qualquer pessoa que tenha sido atingida ou prejudicada por desastre (deslocado, desabrigado, ferido etc.). Dessa forma, para o cálculo do percentual da população total afetada por inundações no período estudado, o número absoluto de afetados por inundações de cada um dos municípios atingidos foi dividido pelo número de ocorrências do evento registradas no período. Exemplo: total de afetados = 30.000, número de eventos no município no período estudado = 3, total de afetados = 10.000. Dessa forma, obtém- 171 se a exposição relativa. Posteriormente, esse valor foi transformado em percentual da população total através de uma regra de três simples. Os dados foram inseridos no software GIS 2.4 e classificados utilizando-se o método Natural Breaks em 4 (quatro) classes, categorias ou grupos. Após a classificação, o percentual da população total afetada por inundações no ERJ foi distribuído espacialmente no GIS utilizando a associação de bases de dados e sobreposições de informações georreferenciadas, o que possibilita a identificação dos municípios do ERJ com o maior percentual da população total afetada por inundações no período de 2000 a 2013. A análise da CR dos 92 municípios do ERJ foi realizada a partir de dados disponíveis na publicação “Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Perfil dos Municípios Brasileiros – ano 013” do IBGE. Nela, cada um dos municípios do país responde a um questionário com perguntas diversas divididas em 7 (sete) “blocos”: - perfil dos gestores municipais; - recursos humanos das administrações municipais; - legislação e instrumentos de planejamento; - saúde; - meio ambiente; - política de gênero; - gestão de riscos e resposta a desastres. Os dados de CR foram oriundos dos blocos 5 (meio ambiente) e 7 (gestão de riscos e resposta a desastres) do questionário com foco específico para inundações. Além desses dados, foram utilizadas também a classificação do porte populacional dos municípios disponibilizada pelo IBGE no ano de 2010 e as informações acerca da cobertura populacional da ESF disponíveis no SIAB. Dessa forma, a análise descritiva da capacidade de resposta foi realizada com base em 11 (onze) variáveis ou indicadores, representados por instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações, listados no quadro abaixo. 172 Quadro 12. Instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações utilizados para avaliação da CR 1. Existência ou não de plano Previsto no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001). É um instrumento diretor que contemple a fundamental para evitar os desastres socioambientais, pois induz a ocupação de prevenção de enchentes e áreas adequadas, evitando a ocupação de áreas de risco e promovendo um inundações desenvolvimento urbano sustentável. CAPACIDADE DE RESPOSTA (CR) 2. Ter ou não legislação sobre A regulamentação do uso do solo através de leis ambientais que especifiquem e zoneamento ou uso e ocupação proíbam a ocupação de áreas de risco denota a preocupação do gestor municipal do solo com os desastres socioambientais. O zoneamento, por sua vez, tem o objetivo de proteger os recursos ambientais. 3. Existência ou não de lei Isso se dá através do planejamento voltado para uma cidade sustentável. específica para prevenção de enchentes e inundações 4. Plano Municipal de Redução O PMRR é parte do Programa de rbanização, Regularização e Integração de de Riscos (PMRR) Assentamentos Precários Ação de Apoio à Prevenção e Erradicação de Riscos em Assentamentos Precários firmado entre os municípios e o inistério das Cidades, com repasse de recursos pela Caixa Econômica Federal. É um instrumento base que subsidiará o planejamento urbano através da elaboração de políticas públicas baseadas na identificação e gestão de riscos em áreas de ocupação precária do município. 5. Existência ou não de Segundo a Lei n.12.608/2012 (artigo 80), que institui a Política Nacional de mapeamento de áreas de risco Proteção e Defesa Civil, os municípios devem mapear suas áreas de riscos. Dessa de enchentes forma é possível priorizar as ações voltadas para a minimização de riscos e vulnerabilidades. 6. Existência ou não de Cadastro Segundo a Lei n.12.608/2012 (artigo 60), que institui a Política Nacional de de riscos Proteção e Defesa Civil, uma das competências da União é instituir e manter cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou 173 hidrológicos correlatos. 7. Existência ou não de plano de O Plano de Contingência para enchentes e inundações estabelece os contingência para enchentes e procedimentos a serem adotados pelos órgãos envolvidos na resposta à inundações inundações quando da atuação direta ou indireta, recomendando e padronizando os aspectos relacionados ao monitoramento, alerta, alarme e resposta. Inclui-se também as ações de socorro, ajuda humanitária e reabilitação de cenários, a fim de reduzir os danos e prejuízos decorrentes. De forma simplificada ele irá definir os fluxos de ações e decisões a serem tomadas em uma situação de inundação, definindo atores envolvidos e seus papéis, visando uma resposta mais organizada e mais efetiva. 8. Existência ou não de sistema O Sistema de Alerta antecipado de desastres visa a antecipação ao evento visando de alerta antecipado de desastres uma melhor resposta e a redução dos seus impactos no local. Dá-se através da transmissão e disseminação de informações meteorológicas que desencadearão as ações de gestão de riscos previamente planejadas. 9.Existência ou não de A COMDEC é o órgão municipal responsável pela execução, coordenação e Coordenação Municipal de mobilização de todas as ações de defesa civil no município. A principal atribuição Defesa Civil (COMDEC) da COMDEC é conhecer e identificar os riscos de desastres no município. A partir deste conhecimento é possível preparar-se para enfrentá-los, com a elaboração de planos específicos onde é planejado o que fazer, quem faz e quando fazer. É de grande importância a criação da COMDEC, visto que é no município que os desastres acontecem e a ajuda externa normalmente demora a chegar. Dessa forma, é necessário que a população esteja organizada e preparada e orientada sobre como agir. 10. Existência ou não de Núcleos O NUDEC é formado por um grupo comunitário organizado em um distrito, bairro, Comunitários de Defesa Civil rua, edifício, associação comunitária, entidade, entre outros, que participa de (NUDEC) atividades de defesa civil como voluntário. A instalação do NUDEC é prioritária em áreas de risco de desastres e tem por objetivo organizar e preparar a comunidade local a dar a pronta resposta aos desastres. O NUDEC deve reunir-se, frequentemente, em local determinado, para planejar as atividades. 11. Elaboração ou não da A Agenda 21 Local é um instrumento de planejamento para a construção de Agenda 21 local sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Ela é fruto das resoluções tomadas na Conferência Internacional Eco-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992. Fonte: Adaptado de IBGE (2013) e COUTINHO et al. (2015). 174 175 Tendo como base os instrumentos listados no quadro acima e visando avaliar quantitativamente a CR dos 92 municípios do ERJ frente aos desastres foram criados “escores” para os 11 indicadores/variáveis de CR escolhidos, obecendo à seguinte codificação: - Não = 0 - Não se aplica (NA) = 0 - Sim = 1 Posteriormente, esses códigos foram somados e deram origem à escores com variação entre 0 a 11. menor m maior “escore” significaria uma maior CR ou uma vulnerabilidade institucional. 176 CAPÍTULO 5 – RESULTADOS Para melhor compreensão dos resultados encontrados no presente estudo, os mesmos foram divididos em 2 (dois) grupos de indicadores: 1. Índice de Vulnerabilidade Social (IVS); 2. Inundações: exposição (ocorrências e afetados) e capacidade de Resposta (CR) ou vulnerabilidade institucional. 5.1. IVS De acordo com o IVS calculado, 22 dos 92 (24%) municípios do ERJ apresentam alta e muito alta vulnerabilidade social. A figura 13 apresenta o mapa do ERJ com a classificação do IVS dos seus 92 municípios. 177 Figura 13. Mapa IVS no ERJ 178 Para observação do IVS por município, foi elaborado um ranking com os 10 maiores IVS encontrados dentre os municípios do ERJ (tabela 7). Tabela 7. Ranking IVS no ERJ MUNICÍPIO Niterói São João de Meriti Nilópolis Rio de Janeiro Belford Roxo Japeri São Francisco do Itabapoana Trajano de Moraes Rio das Ostras Nova Friburgo IVS 24,97 23,28 21,60 20,63 18,72 18,03 17,53 16,63 16,49 16,10 REGIÃO Metropolitana Metropolitana Metropolitana Metropolitana Metropolitana Metropolitana Norte Fluminense Serrana Baixada litorânea Serrana Cinco dos 10 municípios (50%) com os maiores IVS do ERJ estão localizados na Região Metropolitana (RM), 2 (20%) estão na Região Serrana, 1 (10%) na Região Norte Fluminense e 1 (10%) na Região da Baixada Litorânea. O município de Niterói, localizado na RM, apresentou o maior IVS do Estado. 5.2. Inundações: Exposição - Ocorrências e Afetados No período de 2000 a 2013 foram registradas no ERJ 189 ocorrências (13,5 por ano) que atingiram 66 municípios (71,7% do total). A figura 14 apresenta o mapa de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. 179 Figura 14. Mapa de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 180 O Noroeste Fluminense foi a região do ERJ que registrou o maior número de ocorrências de inundações no período estudado (52 registros ou 27,5% do total de ocorrências) (Tabela 8). A tabela 8 apresenta o ranking dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013. Tabela 8. Ranking dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013. Município ERJ Bom Jesus do Itabapoana Duque de Caxias Aperibé Barra Mansa Cambuci Campos dos Goytacazes Cardoso Moreira Laje do Muriaé Macuco Miracema TOTAL Total de ocorrências 189 11 6 5 5 5 5 5 5 5 5 57 Região XXXX Noroeste Fluminense Metropolitana Noroeste Fluminense Médio Paraíba Noroeste Fluminense Norte Fluminense Serrana Noroeste Fluminense Serrana Noroeste Fluminense Xxxxxx Dentre os 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013, 5 (50%) estão localizados na Região Noroeste Fluminense, 2 (20%) na Região Serrana, 1 (10%) na Região Norte do Estado, 1 (10%) na Região do Médio Paraíba e 1 (6,67%) na RM do Estado. O município com o maior número de registros de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 foi Bom Jesus do Itabapoana, localizado na Região Noroeste do Estado. As 189 inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 atingiram 66 dos 92 municípios e afetaram, aproximadamente, 2.700.000 pessoas no período estudado. A figura 15 apresenta o mapa do percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período estudado. 181 Figura 15. Mapa do percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. 182 A tabela 9 apresenta o ranking dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. Tabela 9. Ranking dos municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 % POPULAÇÃO MUNICÍPIO TOTAL AFETADA REGIÃO Carapebus 79,9 Norte Fluminense Sumidouro 73,8 Serrana Paraty 66,6 Costa verde Laje do Muriaé 65,8 Noroeste Fluminense Paty do Alferes 61,4 Centro-sul fluminense Tanguá 58,8 Metropolitana Itaocara 54,6 Noroeste Fluminense Niterói 48,3 Metropolitana Quissamã 45,5 Noroeste Fluminense Eng. Paulo de Frontin 30,4 Centro-sul fluminense Dentre os 10 municípios com o maior percentual da população total afetada (exposição relativa) por inundações no período analisado, 3 (30%) estão localizados na Região Noroeste Fluminense, 2 (20%) na Região Centro-sul fluminense, 2 (20%) na RM, 1 (10%) na Região Serrana, 1 (6,67%) na Região da Costa Verde e 1 (6,67%) na Região Norte. O município de Carapebus, localizado na Região Norte Fluminense, foi o município com o maior percentual da população total afetada por inundações no período. O quadro 13 apresenta uma síntese dos resultados encontrados no presente estudo. 183 Quadro 13. Síntese do resultados encontrados IVS Bom Jesus do Itabapoana Duque de Caxias Aperibé Barra Mansa Cambuci INUNDAÇÕES % POP. TOTAL AFETADA Carapebus Sumidouro Paraty Laje do Muriaé Paty do Alferes Campos dos Goytacazes Tanguá Cardoso Moreira Laje do Muriaé Macuco Miracema Itaocara Niterói Quissamã Eng. Paulo de Frontin OCORRÊNCIAS Niterói São João de Meriti Nilópolis Rio de Janeiro Belford Roxo Japeri São Francisco do Itabapoana Trajano de Moraes Rio das Ostras Nova Friburgo CR Volta Redonda Bom Jardim Rio de Janeiro Três Rios Angra dos Reis Campos dos Goytacazes Macaé Nova Friburgo São João de Meriti Teresópolis 184 CAPÍTULO 6 – DISCUSSÃO Nesse capítulo procurou-se discutir como cada um dos indicadores/variáveis influenciaram os valores encontrados no IVS encontrados para os 92 municípios do ERJ estudados visando analisar as ocorrências de inundações registradas no período de 2000 a 2013. Como visto anteriormente, o risco (R) é decorrente do perigo (P), evento potencializado pela vulnerabilidade (V) e inversamente proporcional à capacidade de resposta (CR) (MACHADO et al., 2011). R=PxV CR Dessa forma, um local ou população com alta vulnerabilidade social (alto valor de IVS) teria um risco aumentado para desastres provocados por inundações. Isso aumenta ainda mais quando a alta vulnerabilidade está associada à baixa CR causando aumento na frequência dos eventos e na magnitude dos danos humanos causados. Visando a compreensão dos resultados encontrados no estudo, a discussão foi dividida seguindo a seguinte lógica: 1. Índice de Vulnerabilidade Social (IVS): nesse item os altos IVS encontrados nos municípios do ERJ serão analisados à luz dos indicadores escolhidos para o estudo; 2. Inundações: exposição (ocorrências e afetados) x IVS: as ocorrências de inundações e o percentual da população total afetada serão analisados à luz da vulnerabilidade social; 185 3. Inundações: exposição (ocorrências e afetados) x capacidade de Resposta (CR): as ocorrências de inundações e o percentual da população total afetada serão analisadas à luz da capacidade de resposta (CR). 6.1. IVS A tabela 10 apresenta os 10 municípios com maiores IVS do ERJ e seus indicadores ambientais. 186 Tabela 10. Municípios com os maiores IVS do ERJ e seus indicadores Indicadores/ Municípios Niterói S.J. de Meriti Nilópolis Rio de Janeiro B. Roxo Japeri S.F. do Itabapoana Trajano de Moraes Rio das Ostras Nova Friburgo % mulheres 53,6 52,4 53,2 53,1 51,6 49,6 49,6 48,8 50,5 52 % não brancos 36,4 64,4 58,3 48,8 67,6 71,2 51,5 46,9 49,1 27,9 % crianças e jovens 23,4 31,2 28,3 26,7 34 35,6 33,1 29,9 31,4 27,2 % > 60 anos 17,3 11,3 13,3 15 9,6 8,7 12,2 14,6 9,5 14,4 % em aglomerados subnormais 10,77 12 6,8 7,7 19,2 27,4 14,5 19,9 10,2 13,2 Densidade populacional 3,76 13,1 8,2 5,3 5,8 1,1 0 0 0,4 1,5 Densidade de residentes por domicílio 3,61 11 8,2 5,9 12,3 13,9 6 2,3 6,8 2,8 % indiv. com necessidades especiais 21,9 26,6 21,5 24,6 24,9 23 27 29,8 16,4 19 Taxa de analfabetismo 2,3 3,4 2 2,7 5,1 7,4 18,4 14,3 3,3 5 % indiv. baixa renda 19,9 40,5 32,1 29,5 53,2 61,3 81,8 58,2 25,1 21,3 Razão de Renda 32,8 13,8 15,5 38,5 16,2 16,5 29,5 17,1 18,9 13,8 Taxa de desemprego 6,2 9,1 9,7 7,1 9,9 10,9 9,9 4,7 8,2 3,7 % idosos dependents 15,6 13,2 16,2 24,6 11,6 12,2 8,6 29,8 16,4 10,9 % sem sanitários, água e coleta de lixo 6,3 2,2 2,5 8,1 8 13 1 3,1 0,4 5,4 Fonte: IBGE, 2010. 187 O município de Niterói, localizado na RM do ERJ, apresentou o maior IVS do Estado. Ele possui uma população de 487.562 habitantes e uma taxa de crescimento populacional de 0,60 no período de 2000 a 2010 (IBGE, 2010). Com uma área de 129,3 Km2 e densidade demográfica de 3,76 habitantes/km 2, é o sétimo maior entre os municípios brasileiros. Ostenta o maior IDH dentre os municípios do país e está dentre os municípios do Brasil com os melhores indicadores sociais (IBGE, 2010). Analisando comparativamente os indicadores sociais de Niterói (tabela 9), observa-se que o município destaca-se por apresentar o maior percentual de mulheres e de indivíduos acima dos 60 anos de idade dentre os municípios com o maior IVS do Estado, considerados grupos reconhecidamente vulneráveis no âmbito dos desastres naturais. As mulheres são maioria em quase todos os municípios do ERJ (81,5% deles). No entanto, essa realidade é ainda mais evidente na RM do Estado. Niterói, por sua vez, é o município do ERJ com o maior contingente populacional composto por mulheres (Figura 16). Figura 16. Distribuição das mulheres no ERJ por regiões nos anos de 2000 a 2010. 188 Fonte: Reproduzido de OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011 (p.6) Conforme é possível visualizar no gráfico acima, o crescimento populacional das mulheres no período de 2000 a 2010 ocorre em todas as regiões do ERJ. No entanto, na RM ele é levemente superior, especialmente nas regiões periféricas. Nas regiões centrais da RM observa-se uma tendência de estagnação. Isso pode ser explicado pelo fato, por exemplo, das regiões periféricas apresentarem uma tendência de crescimento populacional mais acentuado do que as regiões mais centrais justificada pelo processo de periferização da população descrito anteriormente. Como visto anteriormente, as mulheres são menos propensas à uma resposta positiva frente à uma situação de desastre, apresentando maiores taxas de mortalidade quando comparadas aos homens. Essa vulnerabilidade perpassa todas as fases do processo de gestão dos riscos de desastres, desde a prevenção (são submissas aos homens ainda em muitas culturas e civilizações e não tem voz ativa em questões decisórias da sociedade) até a recuperação. Isso se deve, dentre outras coisas, às iniquidades de todas as ordens vinculadas às questões de gênero, ainda enraizadas em nossa sociedade, que limitam a autonomia, a educação, os meios de subsistência, a saúde, a segurança e a representação política do grupo composto pelas mulheres. Além disso, ainda hoje nas sociedades mais modernas as mulheres possuem salários inferiores aos dos homens, gerando desvantagens também na capacidade de mobilização de recursos e ativos para uma resposta adequada. Essa vulnerabilidade acentua-se ainda mais em locais onde existem normas de comportamentos específicas para as mulheres, excluindo-as do mercado de trabalho, da sociedade, da educação, da saúde, da representação política, dentre outras, privilegiando predominantemente o gênero masculino e reduzindo a resiliência do grupo (NEUMAYER E PLUMPER, 2007; THOMAS et al., 2013). Assim, pode-se considerar que o fato do município de Niterói possui o maior contingente populacional de mulheres do Estado, é um fator potencializador da vulnerabilidade, visto que elas apresentam limitações na capacidade de prevenção, manejo e resposta frente à situações adversas. Além disso, quando observa-se o percentual de mulheres na população por faixa etária em Niterói, ele se eleva à medida que a população envelhece (figura 19). 189 Ou seja, a população mais idosa do município é composta, predominantemente, por mulheres, o que representa uma sobreposição de vulnerabilidades. A figura 17 apresenta um “overlap” dos indicadores idade e sexo da população residente no município de Niterói. Figura 17. População residente no município de Niterói segundo idade e sexo. Fonte: Reproduzido de Censo Demográfico, 2010 – IBGE. Seguindo uma tendência de todo o país, a população do ERJ está envelhecendo. A idade média no Estado, que era de 31,5 anos em 2000, em 2010 aumentou para 34,5 anos. Esse processo de envelhecimento gradativo é levemente superior no núcleo da RM, apontando para um processo mais acelerado especialmente na capital do Estado (Gráficos 5 e 6). 190 Gráfico 5. Idade média da população do ERJ – 2000 e 2010 Fonte: Reproduzido de OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011 (p.7) O gráfico 6 apresenta a pirâmide etária da RM do ERJ. Gráfico 6. Pirâmide etária da RM do ERJ 191 Fonte: OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011 (p.17) Através do gráfico acima, pode-se visualizar que o processo de envelhecimento populacional na RM do ERJ no período de 2000 a 2010 foi mais significativo nas faixas etárias de 25 a 29 anos, 30 a 34 anos, 45 a 49, 50 a 64 anos, 75 a 79 e 80 anos ou mais, especialmente para o gênero feminino. Esse envelhecimento pode ser explicado também pela queda nas taxas de fecundidade ao longo dos anos. Se em 2000 cada mulher residente no ERJ tinha, em média, 1,9 filhos, no ano de 2010 esse número caiu para 1,68. Esse fenômeno foi causado pelas transformações sofridas pela sociedade atual, especialmente com a mudança no papel da mulher na sociedade, na família e no mercado de trabalho, e é vivenciado por todos os países em desenvolvimento. Dessa forma, a composição e a organização das famílias não são mais as mesmas. As mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho e, atualmente, dividem-se em sua dupla jornada. Além disso, com o advento da industrialização, a quantidade de filhos deixou de ser entendida como um aumento de “mão-de-obra” para o trabalho no campo e nas tarefas domésticas. Essa situação é ainda mais evidente no núcleo do Estado - RM (1,7 filhos/mulher) do que na periferia (2,6 filhos/mulher). O aumento nos anos de escolaridade da população (especialmente das mulheres) também é um fator que contribui positivamente para essa nova realidade. Outro fator importante para explicar o processo de envelhecimento da população é o aumento da esperança de vida ao nascer, decorrente das melhoras nas condições de vida e, consequentemente, na saúde. Dessa forma, as pessoas podem desfrutar de uma vida mais longa. A Tabela 11 apresenta a esperança de vida ao nascer da população do ERJ nos anos censitários. 192 Tabela 11. Esperança de vida ao nascer da população do ERJ ANO ESPERANÇA DE VIDA AO NASCER (em anos) 1980 64,18 1991 67,14 2000 70,82 2010 73,95 Fonte: IBGE – Censos demográficos. Observa-se que houve um aumento de 9,77 anos (aproximadamente 15%) no período de 1980 a 2010. Estudos afirmam que uma população mais envelhecida torna o local mais vulnerável a situações de desastres. Idosos constituem um grupo especialmente vulnerável pois, assim como as crianças, possuem limitada capacidade de se autoproteger. Eles apresentam, muitas vezes, declínio funcional que pode ocasionar múltiplas limitações: biológicas (doenças crônicas, perda de habilidade, redução do estado de alerta e redução da consciência sensorial que reduz a percepção dos riscos, sistema imunológico mais vulnerável), físicas (agilidade e mobilidade parcialmente ou totalmente comprometidas, quedas e lesões) e econômicas (problemas financeiros acarretados por aposentadorias, pensões e/ou planos de previdência que estão longe das suas necessidades reais). Estudos mostram que, em uma situação de desastre, a mortalidade de idosos pode representar parcela significativa da população total. No Estado da Lousiania nos EUA, por exemplo, os impactos do furacão Katrina provocaram inúmeras mortes, sendo que 71% dessas foram de indivíduos com idade superior a 60 anos (BODSTEIN et al., 2014). Dessa forma, um local ou população com maior percentual de idosos possui maior vulnerabilidade social a perigos de todos os tipos, incluindo os desastres naturais do tipo inundação. 193 Apesar de possuir indicadores sociais invejáveis, o município de Niterói sofre com um problema comum em todo o país: a concentração das riquezas, gerando profundas desigualdades (iniquidades) e exclusão social. Um retrato dessa realidade é o fato de apresentar o segundo maior valor do indicador razão de renda do ERJ (32,85), que analisa a concentração de renda pessoal comparando a renda dos mais ricos com a dos mais pobres. Como visto anteriormente, esse indicador analisa a concentração de renda pessoal, comparando a renda dos estratos mais ricos da sociedade com os mais pobres (IBGE, 2010). Como visto anteriormente, no Brasil as iniquidades sociais foram geradas pelas transformações econômicas, sociais e culturais ocorridas no país, fruto do modelo de desenvolvimento econômico adotado. Isso gerou a acumulação de riquezas nas mãos de um pequeno grupo, enquanto elevava os níveis de pobreza de outros. Como consequência, há uma desigualdade vigente também na produção e na distribuição dos riscos sociais e ambientais, afetando as condições de vida da população (GOMES & PEREIRA, 2005). Para os autores PHILIP & RAYHAN (2004) a iniquidade social é um tipo de pobreza e deriva, além do âmbito econômico, de ideias pré existentes na sociedade que dão valores relativos à determinadas características do indivíduo ou grupo (por exemplo, raça e etnia) e, devido à isso, dão origem à diferentes grupos dentro da sociedade (exemplo: pretos e brancos). Segundo ADGER (1999), as iniquidades sociais são fatores determinantes da vulnerabilidade coletiva da população ou local. No entanto, essa relação não é unidirecional. A concentração das riquezas em “poucas mãos” restringe estratégias de enfrentamento em uma situação de desastre. Um bom exemplo é a restrição de linhas de crédito para recuperação de bens no período pós desastre. Dessa forma, as iniquidades sociais e, de forma análoga a exclusão social, funcionam como agentes potencializadores das vulnerabilidades locais, visto que os grupos excluídos se encontram fora do foco das políticas sociais básicas. Como visto anteriormente, no âmbito dos desastres naturais a vulnerabilidade está relacionada com a capacidade de mobilizar recursos e ativos para enfrentar e responder adequadamente, absorver as perdas e aumentar a resiliência aos impactos frente à uma situação adversa. Ou seja, quanto menor ou pior o status 194 socioeconômico do local, comunidade ou indivíduo maior a sua vulnerabilidade, menor a sua percepção de risco e menor a sua capacidade de recuperação pós evento. Diante deste contexto, pode-se afirmar que locais, indivíduos ou grupos em situação de desvantagem econômica (menor disponibilidade de capital) são mais vulneráveis a desastres naturais quando comparados aos mais favorecidos economicamente. Somado a isso, eles são menos capazes de suportar ou resistir frente às perdas ou impactos oriundos do desastre e se recuperarem rapidamente, visto que não possuem recursos para pagarem seguros ou obter crédito no mercado para financiar a sua recuperação (BLAIKIE et al., 1994; PHILIP E RAYHAN, 2004; DESCHAMPS, 2004). Além disso, as iniquidades sociais e a situação de desvantagem econômica irão influenciar diretamente a qualidade e o local de moradia do indivíduo. Ou seja, a vulnerabilidade social gerada pela exclusão pode desencadear outros tipos de vulnerabilidade como a vulnerabilidade demográfica, por exemplo. Essa, por sua vez, será especialmente importante no contexto das inundações, visto que, geralmente, os excluídos ou menos favorecidos, tendem a viver em áreas mais afastadas dos grandes centros ou até mesmo em áreas de risco como perto de lixões, encostas de rios e montanhas, fugindo da especulação imobiliária comum nos grandes centros urbanos do país ou em casas de qualidade inferior e sem manutenção adequada, menos seguras e mais vulneráveis a eventos extremos (GROSTEIN, 2001). No município de Niterói, aproximadamente 11% da população total vivem nos chamados aglomerados subnormais, locais considerados vulneráveis por sua falta de infraestrutura e segurança (IBGE, 2010). Para PHILIP & RAYHAN (2004): “Poorer nations and disadvantaged groups within nations are more vulnerable to disasters than the rich nations. It is usually the poor who are among the most vulnerable to famine, malnutrition, and hunger. At a local level the highest levels of household vulnerability are characterized by low household incomes.”(p. ) RODRIGUEZ (2001), por sua vez, afirma que a desvantagem social representa condições sociais que afetam negativamente o desempenho de comunidades, lares e pessoas, o que corresponde à menor quantidade de 195 oportunidades e recursos e capacidade de gestão desses para o enfrentamento de situações de emergência como, por exemplo, as inundações. Ou seja, a situação de desvantagem social exerce importante papel na vulnerabilidade. A Figura 18 ilustra a causalidade direta e indireta entre desigualdade social (ou iniquidades sociais) e vulnerabilidade. Figura 18. Causalidade direta e indireta entre iniquidades sociais e vulnerabilidade. Acesso a recursos Vulnerabilidade e capacidade de enfrentamento Iniquidade Pobreza Onde: Causalidade indireta Causalidade direta 196 Fonte: Reproduzido e traduzido de ADGER, 1999 (p.256). Como visto na figura, a concentração de riquezas nas mãos de um pequeno grupo restringe a capacidade de enfrentamento em situações de desastres, visto que, a distribuição desigual de riquezas gera condições desiguais de vida, além de uma percepção diferente dos riscos. Essa seria a causalidade direta entre as iniquidades socias e a vulnerabilidade social. A causalidade indireta, por sua vez, seria representada pelo fato do aumento das iniquidades não, necessariamente, significar pobreza mas, elas estarem, em conjunto, diretamente associadas à restrição das estratégias de enfrentamento. Um bom exemplo aqui seria a restrição ao crédito descrita anteriormente. Ou seja, direta ou indiretamente, as iniquidades sociais podem potencializar as vulnerabilidades locais, seja gerando pobreza ou dificultando ou reduzindo a resiliência. De forma resumida: salvo raras exceções, os pobres e marginalizados são mais vulneráveis aos desastres. Independente de onde residem, eles são menos aptos a responderem adequadamente frente à um evento adverso (THOMAS et al., 2013; ADGER, 1999). Alguns autores reconhecem a desigualdade social como um tipo de vulnerabilidade. As condições adversas que os menos favorecidos enfrentam no dia a dia: água contaminada, falta de instalações sanitárias, estradas inseguras e inadequações alimentares e nutricionais, fazem parte do escopo de perigos e constituem um fator de risco para as inundações (THOMAS et al., 2013). Pensando na vulnerabilidade como fenômeno construído e enraizado em processos sociais com causas subjacentes bem remotas, os modelos propostos por WISNER et al. (2004) buscam explicá-la. Serão utilizados os modelos PAR e de Acesso aqui para tentar entender como a desvantagem social pode agir nesse processo. O Modelo PAR define o desencadeamento do desastre por 2 (duas) forças opostas: processos que geram vulnerabilidade de um lado e o perigo de um evento natural do outro. Diante deste contexto, as causas primárias seriam os sistemas político e econômico; as pressões dinâmicas seriam crescimento populacional, rápida urbanização, distribuição desigual de riscos, renda, bens e ativos, baixa representação politica; as causas primárias potencializadas pelas pressões dinâmicas geram condições inseguras como, por exemplo, pessoas vivendo em locais de risco, sem proteção do Estado (vulnerabilidade demográfica) que, com a 197 ocorrência de uma ameaça ou perigo, resulta em uma situação de desastre. Assim, para aliviar a pressão do evento, a vulnerabilidade deve ser reduzida. Raciocinando nessa linha, as iniquidades sociais causadas pelo sistema político e econômico no município de Niterói são responsáveis por gerar condições inseguras na parcela da população em desvantagem social e econômica que, por sua vez, fazem com que ela seja mais vulnerável e potencialmente mais exposta no caso de um evento adverso como, por exemplo, uma inundação (WISNER et al., 2004). No Modelo de Acesso, por sua vez, o acesso adequado aos recursos seria a chave para melhorar a resistência e a resiliência da população a eventos adversos, tornando-as capazes de restaurar a sua subsistência, por exemplo, após a ocorrência de uma inundação. A pobreza seria, portanto, um componente da desigualdade social pois impõe limitações diversas aos indivíduos, especialmente em uma situação de desastre. Pensando dessa forma, as iniquidades sociais presentes no município de Niterói limitariam o acesso da população em situação de desvantagem social aos recursos necessários para a gestão dos riscos de desastres, tornando-as mais vulneráveis (DESCHAMPS, 2004; WISNER et al., 2004). Diante do cenário apresentado, pode-se concluir que o fato da cidade de Niterói apresentar a maior vulnerabilidade social do ERJ pode ser explicado, principalmente, pelos seguintes fatores: iniquidades sociais geradas pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado (expressas pelo indicador de razão de renda) e forte presença de grupos vulneráveis: mulheres e idosos. Apesar de serem, reconhecidamente, grupos vulneráveis, existem poucos estudos caracterizando os afetados por desastres no mundo e, em especial, no Brasil. Isso pode ser explicado, em grande parte, pelas falhas na notificação das vítimas desse tipo de evento. Em estudo realizado após o terremoto do Haiti ocorrido em 2010, 7% (em torno de 84.000) dos 1.2 milhão de haitianos deslocados tinham mais de 60 anos de idade. Em dezembro de 2004, após o tsunami asiático, 92.000 pessoas acima de 60 anos foram deslocadas de suas casas. No furacão Katrina em 2005, por sua vez, metade das 1000 vidas perdidas eram idosos acima de 75 anos de idade (BODSTEIN et al., 2014). 198 O artigo “Decline in health among older adults affected by Hurricane Katrina” (2009) observou o ano após o Furacão Katrina ocorrido na cidade de Nova Orleans nos Estados Unidos. Além do aumento da mortalidade, a vida dos sobreviventes do desastre com idades entre 65 ou mais apresentou um significativo declínio. Segundo a autora houve um aumento na prevalência de casos de patologias cardíacas, falências cardíacas e problemas relacionados ao sono. Outro artigo que observou as consequências do Furacão Katrina “Current status of the social situation, wellbeing, participation in development and rights of older persons worldwide” ( NITED NATIONS, 011) revelou que das 1330 mortes causadas pelo desastre, a maioria eram idosos. No Estado da Louisiana 71% das mortes foram de indivíduos com mais de 60 anos de idade. Na onda de calor que atingiu a Europa no ano de 2003 a maioria dos mortos foram idosos. Na França 70% das mortes causadas pelo evento r foram de indivíduos com 75 anos de idade ou mais (BODSTEIN et al., 2014). Observando os outros 9 (nove) municípios com muito alta ou alta vulnerabilidade social no ERJ, verifica-se que o municípios de São João de Meriti (20 no ranking do IVS) possui a mais alta densidade populacional de todo o Estado. Como visto anteriormente, populações que crescem rapidamente, tendem a crescer de forma desordenada sem uma infraestrutura física e de serviços básicos adequada. Uma das consequências desse processo é a ocupação de áreas de risco pelos estratos da população mais pobres que, devido aos altos valores das habitações nos grandes centros (especulação imobiliária), vê-se “empurrada” para as regiões periféricas das cidades. Esse processo de ocupação, muitas vezes, é acompanhado pela degradação ambiental e precarização das condições de vida da população. Além disso, um município com alto adensamento populacional, tende a causar também escassez de empregos, visto que o mercado de trabalho tem dificuldades de absorver a mão-de-obra disponível. Uma população sem emprego e sem condições prover seu sustento é mais propensa à violência, ameaçando a segurança pública e aumentando a vulnerabilidade já existente. Dessa forma, muitos são os fatores de vulnerabilidade gerados por uma alta densidade populacional: ocupação de áreas de risco, degradação ambiental, colapso no sistema de serviços e desemprego, dentre outros. 199 O município do Rio de Janeiro, capital do ERJ, é o 40 no ranking do IVS. Dentre os indicadores escolhidos para o estudo, ele apresenta a maior razão de renda do Estado. Como visto anteriormente, esse desequilíbrio pode ser considerado um dos fatores determinantes da vulnerabilidade do local e da população, visto que restringe as estratégias e os recursos utilizados para a mitigação e resposta aos riscos existentes (ADGER, 1999; DESCHAMPS, 2004; GRONSTEIN, 2001). O município de Belford Roxo, 50 no ranking do IVS, destaca-se pelo alto percentual de população não branca (o 30 maior de todo o Estado). Conforme discutido anteriormente, raça e etnia são fatores que influenciam diretamente a vulnerabilidade pois regem o “lugar” que o indivíduo ocupa na sociedade em que vive. Ainda hoje no Brasil, mais de 100 anos após a abolição da escravidão, indivíduos não brancos compõem grupos minoritários que sofrem, dentre outras violências, com questões de injustiça ambiental, sendo obrigados a viver em áreas periféricas da cidade pois não podem pagar os altos preços cobrados pelas moradias nas regiões centrais. Essas áreas, na maioria das vezes, são áreas de risco (encostas de morros, planícies de inundação, por exemplo). A discriminação de várias naturezas que sofrem inclui as questões políticas, afastando-os de todo o processo de gestão do risco de desastres local. Assim, essa combinação de fatores faz com que, um local cuja população é, predominantemente não branca, como é o caso do município de Belford Roxo (67,6%), seja considerado um município vulnerável a desastres. O município de Japeri, 60 no ranking da vulnerabilidade social do ERJ, possui uma combinação de fatores potencializadores de vulnerabilidade: o maior percentual de crianças e jovens (35,6%), o maior percentual de indivíduos residindo em aglomerados subnormais (27,4%) e a maior densidade de residentes por domicílio (13,9%) do Estado; uma alta taxa de desemprego (dentre as 5 mais altas do Estado) e o maior percentual de domicílios sem sanitários, água e coleta de lixo dentre os 10 municípios com alto IVS. Como discutido em capítulos anteriores, as crianças, assim como os idosos, constitutem um grupo vulnerável a desastres, visto que são incapazes de se autoproteger. Além disso, são especialmente vulneráveis à qualquer tipo de risco ambiental relacionado à eles, visto que possuem padrões de comportamento diferenciados. Por exemplo, no caso de uma inundação que tenha causado danos 200 em um depósito de produtos químicos e, por consequência, contaminado o solo, as crianças seriam um grupo de especial preocupação, visto que elas tendem a brincar junto ao solo e levar resíduos à boca (MAZOTO et al., 2011). Segundo dados do IBGE, o ERJ possui no total 1.332 aglomerados subnormais com um mais de 2 milhões de pessoas vivendo neles. Oitenta por cento (1.038) dos aglomerados subnormais do Estado estão localizados na RM do Estado, com uma população total de 1.703.322 (85% do total do Estado). A cidade do Rio de Janeiro é a campeã em número de aglomerados subnormais com um total de 763 (aproximadamente 57% do total do Estado). No entanto, quando observa-se o total da população residente é o município de Japeri (27,4%) quem leva o primeiro lugar (IBGE, 2010). O termo aglomerados subnormais, segundo denominação do IBGE, refere-se ao conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por aus ncia de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - Irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou; - Car ncia de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Sua existência está relacionada à forte especulação imobiliária e fundiária e ao decorrente espraiamento territorial do tecido urbano, à carencia de infraestrutura de todos os tipos e à periferização da população (IBGE, 2010). Pode-se afirmar, portanto, que uma população que reside em aglomerados subnormais experimenta múltiplas vulnerabilidades, devido à falta de infraestrutura pública e qualidade das habitações. O mesmo acontece com os domicílios sem sanitários, água e coleta de lixo, também potencializadores da vulnerabilidade do local e da população de Japeri (ADGER et al., 2004). A densidade de residentes por domicílio é um indicador muito utilizado nos estudos de vulnerabilidade social nos países europeus, especialmente no SFVI desenvolvido pelo FHRC da Inglaterra, onde foi desenvolvida parte da pesquisa. Segundo esses estudos, esse indicador indica a deterioração das condições de vida da população e o consequente aumento da vulnerabilidade. Na lógica proposta, esse indicador está diretamente associado com a estrutura ou arranjo familiar no 201 que diz respeito ao número de membros residentes no mesmo domicílio. Uma família com um grande número de membros (pai, mãe, filhos mais agregados) aumentaria a vulnerabilidade pela necessidade de um maior volume de recursos para o sustento e, muitas vezes, necessidade diluição dos recursos disponíveis. Algumas evidências apontam para um menor rendimento para famílias mais numerosas, mostrando uma associação direta entre estrutura familiar e renda (DESCHAMPS, 2004; MORROW, 1999; TAPSELL et al., 2002). No entanto, esse indicador pode ser contraditorio, uma vez que uma família pode possuir, por exemplo, 5 membros e uma renda familiar compatível com a estrutura familiar que possui e uma vida confortável. No entanto, considerando os estudos apontados, a alta densidade de residentes por domicílio do município de Japeri pode ser considerada um dos fatores determinantes da vulnerabilidade local. O desemprego é um indicador de vulnerabilidade, uma vez que ele tem ligação direta com o status econômico e social do indivíduo ou população, visto que o emprego é a principal fonte de geração de renda. Dessa forma, um indivíduo desempregado encontra-se desprovido de renda e recursos para mobilizar frente à uma situação de emergência, tanto para se preparar para ela (habitação mais segura, etc.), quanto para responder e se recuperar após a sua ocorrência, tornando-se vulnerável. Além disso, o local de trabalho configura uma importante rede de contatos e informações que podem ser determinantes em um desastre (FEKETE, 2010; DESCHAMPS, 2008; TAPSELL et al., 2002). Considerando tudo isso, pode-se afirmar que o fato do município de Japeri possuir umas das mais altas taxas de desemprego de todo o Estado, contribui para a alta vulnerabilidade social encontrada na pesquisa. O município de São Francisco de Itabapoana, por sua vez, 7 0 maior IVS do Estado, a maior taxa de analfabetismo e o maior percentual de indivíduos com baixa renda de todo o ERJ. Como exposto anteriormente, a escolaridade está intimamente relacionada com o status socioeconomico do indivíduo, visto que mais anos de estudo favorecem a obtenção de um emprego melhor. Um emprego estável provê recursos e ativos para mobilização frente à uma emergência, favorecendo a preparação, a resposta e a recuperação. Além disso, como tendem a ganhar menos, os indivíduos com menos escolaridade tendem a viver em casas menos seguras (sem manutenção adequada) e em áreas de risco. Possuem também menor representatividade política, ficando alheios ao processo de gestão 202 do risco de desastres local. Somado a isso, um indivíduo mais esclarecido, possui uma maior/melhor percepção dos riscos, favorecendo uma resposta mais efetiva é favorecida, reduzindo ou até eliminando os riscos existentes ou iminentes. (THOMAS et al., 2006; ADGER, 2004). Dessa forma, esses indicadores explicariam, em boa parte, a alta vulnerabilidade apresentada pelo município de São Francisco do Itabapoana. Segundo uma pesquisa do Programa de Desenvolvimento para as Nações Unidas 11% dos indivíduos expostos a perigos naturais vivem em países classificados como países de “baixo desenvolvimento humano”. Esses mesmos países computam mais de 53% do total de mortes causadas por desastres naturais. Países pobres não são somente mais expostos a perigos naturais como também são mais vulneráveis a eles do que os países mais ricos. O 80 no ranking do IVS é o município de Trajano de Moraes, localizado na Região Serrana. Ele apresenta, dentre os indicadores estudados, o maior percentual de indivíduos com necessidades especiais do ERJ e o terceiro maior percentual de idosos dependentes. Indivíduos com necessidades especiais possuem uma saúde fragilizada, além de algum tipo de incapacidade física, mental ou social, sendo incapazes de se autoproteger. Dessa forma, constituem um grupo especialmente vulnerável a situações de desastres (THOMAS et al., 2006). Os idosos são, reconhecidamente, um grupo vulnerável devido às limitações de diversas ordens que podem possuir. Essa condição de vulnerabilidade pode ser agravada quando tornam-se incapazes de prover recursos suficientes para suprir as necessidades básicas inerentes à sua sobrevivência, vindo a depender de terceiros. Isso pode causar uma diluição dos recursos disponíveis, tornando a família/comunidade mais vulnerável. Somado a isso, são excluídos da representação política e de qualquer atividade social, especialmente às relacionadas ao processo de tomada de decisões para a gestão do risco de desastres. Pode-se concluir, portanto, que os municípios no topo do ranking dos maiores IVS do ERJ são aqueles que apresentam os piores indicadores de desvantagem social do Estado, o que inclui um contingente populacional composto por grupos especialmente vulneráveis, o que corrobora com o conceito de vulnerabilidade escolhido para o estudo. 203 Vale ressaltar também que a RM concentra os 5 (cinco) municípios com os maiores IVS do ERJ. Como visto anteriormente, a RM do ERJ é composta por 21 municípios, conforme ilustrado na figura 15 (CEPERJ, 2013). A figura 19 ilustra a RM do ERJ. Figura 19. A Região Metropolitana do ERJ - 2014 Fonte: Reproduzido de http://www.ceperj.rj.gov.br/ceep/info_territorios/RMRJ2013.pdf A RM do ERJ teve origem com o processo de desenvolvimento econômico vigente no período pós Guerra (segunda metade do século XX). Esse modelo surgiu com o declínio do modelo agrário-exportador e monocultor, o esgotamento das fronteiras agrícolas e modernização do processo de produção. Além disso, favorecida pela regulamentação do trabalho urbano (leis trabalhistas), incentivo à industrialização, construção da infraestrutura industrial, entre outras medidas adotadas pelo governo a partir da década de 30, a população rural viu-se “empurrada” para as cidades em busca de melhores condições de vida e oportunidades promovidas pelas indústrias instaladas lá. Como consequência desse 204 fluxo migratório viu-se o esvaziamento do campo e “inchaço” das cidades, fenômeno vivenciado em todo o país (OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009; DESCHAMPS, 2004). O gráfico 7 apresenta a população do ERJ por situação de domicílio, evidenciando o fluxo migratório vivenciado em todo estado. Gráfico 7. ERJ: População residente por situação de domicílio – 1960 a 2010 Fonte: IBGE – Censos demográficos. O ERJ é um dos estados brasileiros com a maior taxa de urbanização apresentando quase 97% da população total residindo na área urbana. Dessa forma, com o crescimento exponencial da população urbana no Estado, a RM do ERJ, assim como o ocorrido com regiões metropolitanas do país, surgiu como resultado da disseminação da capital (ou sede) em direção à periferia do Estado, incorporando pequenas cidades vizinhas com vocação agrícola (OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009; DESCHAMPS, 2004). Segundo a visão de OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009: 205 “O fluxo migratório com destino aos grandes centros urbanos retratou o aprofundamento do processo de industrialização e a manutenção de uma estrutura fundiária obsoleta que expulsava os trabalhadores do campo para as cidades, mesmo que estas não dispusessem de oportunidades de emprego suficientes para absorvê-los.” (p.129) Diante deste contexto, a cidade do Rio de Janeiro como metrópole localizada na Região Sudeste, foi um dos destinos preferenciais de investimentos e do processo de migração em massa ocorrido nesse período. Além disso, a interdependência industrial dos grandes aglomerados urbanos causada pelo modelo de produção predominantemente de bens de consumo duráveis, reforçou a tendência de concentração industrial em grandes aglomerados urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo (OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009). É importante destacar que os imigrantes que se dirigiram ao ERJ eram provenientes, principalmente, da Região Nordeste e tiveram como destino as áreas menos atraentes da cidade, usualmente sujeitas à enchentes (OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009). O gráfico 8 apresenta o percentual da população urbana total do ERJ que reside em 2 (duas) regiões: RM (núcleo e periferia) e interior. Gráfico 8 . O processo de urbanização no ERJ 206 Fon te: IBGE – Censos demográficos A RM do ERJ foi a região que apresentou o fluxo migratório mais intenso quando comparada às outras regiões do Estado (83,5% de variação relativa) no período de 2000 a 2010, sendo que a maior parte dos imigrantes preferiram os grandes centros (núcleo da RM) às regiões periféricas da RM. O gráfico abaixo apresenta a concentração populacional nas regiões administrativas do ERJ no censo de 2010. Gráfico 9. Concentração populacional (%) por região administrativa do ERJ. 207 Fonte: IBGE, Censo 2010. Observa-se que a RM do ERJ é a região com maior concentração populacional do Estado (74,2% do total), conquistando o posto de segunda RM mais populosa do país com 12.116.616 habitantes no ano de 2014 (5,98% da população total do país), atrás apenas da RM do Estado de São Paulo que possui 20.935.204 habitantes (10,32% da população total) (IBGE, 2014). O gráfico 10 apresenta as taxas de crescimento populacional no ERJ no período de 2000 a 2010 por regiões politico-administrativas. Gráfico 10. Taxa de crescimento populacional no ERJ no período de 2000 a 2010 por regiões 208 Fonte: Reproduzido de OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011 (p.5) O ERJ apresentou uma taxa de crescimento populacional de 1,06 no período, enquanto que as regiões das Baixadas Litorâneas e do Norte Fluminense apresentaram taxas de 3,98 e 2,05, respectivamente. A RM do Estado, por sua vez, foi a quarta no ranking com um crescimento populacional na ordem de 0,86 (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011). Observando a taxa de crescimento populacional da RM dividida em núcleo e periferia, vê-se que a periferia apresentou um crescimento um pouco superior (0,98) ao das regiões mais centrais (0,76), fenômeno denominado de periferização ou favelização (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011). O fenômeno de periferização ou favelização vivenciado pela RM do ERJ pode ser explicado pelo crescimento desordenado e sem planejamento das cidades. Se por um lado a vinda de trabalhadores de outras regiões e estados do país impulsionou o processo de industrialização e urbanização do ERJ e, especialmente, da RM do Estado, por outro lado culminou com o colapso do sistema habitacional e esgotamento das fronteiras urbanas das grandes metrópoles. As leis de mercado impuseram o encarecimento das moradias nas regiões centrais devido à especulação imobiliária. Dessa forma, a alternativa encontrada pela população foi o 209 deslocamento para as periferias das grandes cidades, onde os terrenos ainda não parecem tão atrativos para o Mercado (áreas de risco como planícies de inundação e encostas de morros), causando a chamada vulnerabilidade demográfica ou fenômeno de “apartheid social”, dentre outros problemas (GRONSTEIN, 2001; DESCHAMPS, 2004; COUTINHO et al., 2015). Segundo, GRONSTEIN (2001): “O padrão de urbanização brasileiro imprimiu s metrópoles pelo menos duas fortes características associadas ao modo predominante de “fazer cidade”: apresentam componentes de “insustentabilidade” vinculados aos processos de expansão e transformação urbana e proporcionam baixa qualidade de vida a parcelas significativas da população. Esse padrão cria um espaço dual: de um lado, a cidade formal, que concentra os investimentos públicos e, de outro, seu contraponto absoluto, a cidade informal, que cresce exponencialmente na ilegalidade urbana, sem atributos de urbanidade exacerbando as diferenças socioambientais.”(p. 3) No entanto, na “cidade informal”, predominam os assentamentos populares (favelas, cortiços e outros) com ocupação desordenada e insustentável do espaço. Essa realidade combina-se com as condições precárias de vida urbana e geram os problemas socioambientais e situações de risco que, por sua vez, podem desencadear consequências negativas para o território e para a saúde pública como, por exemplo, os desastres naturais. Ou seja, pode-se dizer que esse modelo de urbanização insustentável e desorganizado gerou, à médio e longo prazos, problemas secundários, mas não menos importantes, como falta de infraestrutura básica e serviços (água e esgoto), favelização, agravamento do quadro de exclusão social, moradias de baixa qualidade localizadas em áreas de risco (encostas de rios e morros), práticas ambientais predatórias (desmatamentos e poluição de rios e mananciais, por exemplo), violência, dentre outros, que aumentam ainda mais a vulnerabilidade do local e da população, dentre outros perigos, aos desastres naturais como as inundações (GRONSTEIN, 2001; OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2011; DESCHAMPS, 2004; COUTINHO et al., 2015). Soma-se a esse fato o modelo de desenvolvimento econômico adotado que leva à uma acumulação desigual das riquezas entre a população, gerando 210 iniquidades sociais acentuadas (GRONSTEIN, 2001; DESCHAMPS, 2004; OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009). Segundo DESCHAMPS (2004): “Se, por um lado, as regiões metropolitanas são espaço concentrados de riqueza, em parte, frutos do período desenvolvimentista, por outro lado também aí se concentra a extrema pobreza, formando a síntese da desigualdade social.” (p.31). MARICATO (1996) afirmou: “A segregação ambiental não é somente uma das faces mais importantes da exclusão social, mas parte ativa e importante dela. À dificuldade de acesso aos serviços e infra- estrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menores oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menores oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.” (p.56). Em The Production of Space, Henri Lefebvre notou que o "espaço (social) é um produto (social)" (1991). Ou seja, a distribuição do espaço é fruto das relações sociais e as reproduz. Dessa forma, as favelas (ou aglomerados subnormais) são produto de lutas históricas de poder (LEFEBVRE, 1991). Os mais favorecidos vencerão sempre essas lutas e desfrutarão dos melhores espaços para morar, viver, divertir-se e criar seus filhos, enquanto os menos favorecidos deverão se contentar com os espaços menos cobiçados e, portanto, menos valorizados da cidade. E esse “apartheid” geográfico concretiza um escopo de outras exclusões vivenciadas por eles: moradia, emprego, saúde, educação e representação política (VARGAS, 2005). Pode-se afirmar, portanto, que o problema não foi a velocidade de avanço da urbanização no ERJ, mas sim a forma como ela se deu: sem qualquer planejamento, 211 organização ou sustentabilidade. Quando fala-se em sustentabilidade, pensa-se em uma gama de fatores que vão desde a disponibilidade de insumos para a população residente (água, por exemplo) até a destinação e tratamento dados ao lixo e ao esgoto e a mobilidade da população no espaço urbano (disponibilidade e qualidade do transporte público). Dessa forma, esse padrão periférico e insustentável de urbanização potencializa as vulnerabilidades do local e da população, expondo-as à riscos de naturezas diversas como, por exemplo, às inundações, fenômenos recorrentes no Estado (GRONSTEIN, 2001). 6.2. Inundações: Exposição (Ocorrências e Afetados) X IVS No período de 2000 a 2013 o ERJ registrou 189 ocorrências de inundações. Essas ocorrências foram, basicamente, de 2 (dois) tipos: inundações urbanas (chamadas “urban floods”), causadas por problemas no sistema de drenagem, principalmente gerados por uma urbanização caótica, e que não são capazes de escoar o volume de água produzido pelas chuvas; inundações fluviais (chamadas “river floods”) ocasionadas pelo transbordamento de rios cuja vazão excede o volume normal por não ser capaz de absorver o montante de água oriundo das chuvas. Das 189 inundações registradas no país no período estudado, 109 (57,7%) foram inundações do tipo fluviais e 80 (42,3%) foram do tipo urbanas. Dessa forma, pode-se concluir que, as inundações ocorridas no ERJ no período de 2000 a 2013 foram, predominantemente, do tipo fluviais, tendo sido o maior número de ocorrências desse tipo de inundação registrado na Região Noroeste Fluminense. Sessenta e cinco municípios (70,6%) do Estado do Rio de Janeiro registraram ocorrências de inundações no período de 2000 a 2013. O município de Bom Jesus de Itabapoana, localizado na Região Noroeste do Estado, foi o campeão de registros de inundações no período com um total de 11 ocorrências (predominantemente inundações do tipo fluviais). No entanto, é importante destacar que os municípios com o maior número de ocorrências de desastres provocados por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 não foram aqueles com o maior IVS. Tentando compreender esse fato, a tabela 12 apresenta os 10 municípios com maior registro de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores. 212 213 Tabela 12. Municípios com maior registro de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores Indicadores/Municípios % mulheres % não brancos % crianças e jovens % > 60 anos % em aglomer. Subnormais Densidade populacional Densidade de residentes/domicílio % indiv. Necessidades especiais Taxa de analfabetismo % indiv. Baixa renda Razão de renda Taxa de desemprego % idosos dependentes % s/sanitários, água e coleta de lixo Fonte: B.J. Itabapoana 51,4 46,2 29,6 14,8 6,5 Duque de Caxias 51,9 64,7 32,8 10,2 15,3 Aperibé Barra Mansa Cambuci C. dos Goytacazes Cardoso Moreira Laje do Muriaé Macuco Miracema 50,8 29,3 27,1 14,8 15,4 51,7 48,7 28,9 12,3 10,8 50 41,4 26,6 16,9 12,1 51,8 51,4 31,7 12 12,5 50,2 43,1 28,8 16,2 4,9 49,8 63,2 30,9 14 9,9 52 52,8 31,7 13,9 6,7 51,4 59,1 31 14,4 15,8 0 2,4 1,8 10,3 1,1 2,1 0,3 4 0 3 0,1 7 0 3,5 0 4,4 0 4,9 0 5,1 25,4 25,8 24,3 23,5 20,8 23,5 27,4 25,3 26,8 24,2 10 46,3 19,8 8,9 10,9 5,9 4,8 46,7 18,2 10,7 14,7 9,5 10,6 43,1 12 4,1 13,2 21,6 4,2 32,6 13,3 8,4 10,5 4,2 13,6 48,2 13,1 7,4 10,2 1,6 6,8 53,6 26 10,1 12,8 12,6 13,9 55 13 8,2 13,1 0,1 14,1 57,8 12,8 10,6 10,8 0 8,9 51,3 17,3 8,3 15,2 10,8 10,6 44,1 14,8 9,7 15,4 0 IBGE, 2010. 214 Bom Jesus do Itabapoana, o município com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período estudado é o 590 IVS do ERJ. No entanto, apresenta um alto contingente populacional composto por mulheres, indivíduos não brancos, crianças e jovens, idosos, indivíduos com necessidades especiais, indivíduos com baixa renda e idosos dependentes, além de altas razão de renda, taxa de analfabetismo e desemprego. Dessa forma, seus indicadores explicitam uma situação de desvantagem ou vulnerabilidade social, especialmente pela presença massiva de grupos vulneráveis, o que pode, juntamente com outros fatores, explicar o maior número de registros de ocorrências de inundações do ERJ no município de Bom Jesus do Itabapoana. O município de Duque de Caxias, localizado na RM do ERJ, região com alta vulnerabilidade social, é o 260 no ranking dos IVS do Estado. No entanto, foi o 20 no número de ocorrências de inundações no período de 2000 a 2013 com um total de 6 eventos registrados. Isso pode ser explicado pelo fato do município apresentar um alto percentual de indivíduos pertencentes à grupos especialmente vulneráveis, como é o caso de mulheres, crianças e jovens. Além disso, Duque de Caxias é o 50 município do ERJ em número de indivíduos não brancos que constituem, como visto anteriormente, um importante grupo vulnerável no âmbito dos desastres por sofrerem marginalizações de diversas ordens. Somado a isso, o município apresenta uma das piores taxas de desemprego e densidade de residentes por domicílio do Estado. Aperibé, o 30 município em número de ocorrências de inundações no período, contabilizou 5 eventos. Apesar de ser o 290 no ranking do IVS, sua vulnerabilidade social é expressa, principalmente, pelo alto percentual de residência sem sanitários, água e coleta de lixo (21,6%), o maior dentre os 10 municípios do ranking de ocorrências de inundações e um dos maiores de todo o Estado. Como visto anteriormente, esse indicador ambiental reflete as condições de vida da população que afetam, principalmente, a saúde, tornando-os mais vulneráveis a riscos de todas as naturezas. O município de Cambuci, o 50 em registro de ocorrências no Estado, é o 170 no ranking do IVS. Sua vulnerabilidade social pode ser explicada, especialmente, 215 pelo alto percentual de idosos na sua população total. Recordando, os idosos são um grupo especialmente vulnerável devido às múltiplas limitações impostas pela idade. Essas limitações geram complicações em suas condições de vida em situações de normalidade, o que tende a se agravar ainda mais em situações de emergência como é o caso de um desastre. O 60 município no ranking do número de ocorrências de inundações registradas é Campos dos Goytacazes, localizado na Região Norte Fluminense, é o 810 maior IVS do Estado (baixa vulnerabilidade social). No entanto, o município apresenta o 40 maior indicador de razão de renda de todo o ERJ. Conforme já discutido, a desigualdade social é um importante fator determinante da vulnerabilidade social do local. Cardoso Moreira é o 70 município de número de ocorrências de inundações no Estado e o 230 IVS. A alta vulnerabilidade social de Cardoso Moreira é expressa, principalmente, pelo alto percentual de indivíduos com necessidades especiais (110 maior do município). Como já sabido, esses indivíduos compõem um grupos vulnerável e requem um olhar especial no processo de gestão do risco de desastres. O 80 município em número de ocorrência de inundações do Estado é Laje do Muriaé. Ele apresenta vulnerabilidade social média com alta taxa de analfabetismo (6a maior do Estado) e um alto percentual de indivíduos com baixa renda (8 0 maior percentual do Estado). A escolaridade e a renda da população favorecem medidas preventivas, de resposta e recuperação frente à situações de desastre. Miracema, o 100 no ranking de ocorrências de inundações, possui baixa vulnerabilidade social (730 no ranking). No entanto, o município apresenta alto percentual de indivíduos residindo em aglomerados subnormais (18 0 percentual do Estado), o que impacta diretamente nas condições de vida e, consequentemente, na saúde da população, tornando-as mais vulneráveis. Além disso, apresenta percentual de idosos dependentes (100 do Estado), o que implica diretamente nos recursos disponíveis para mobilização em uma situação de emergência. Dessa forma, pode-se concluir que, apesar dos municípios com maior número de ocorrência de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 216 2013 não serem aqueles como maior vulnerabilidade social (IVS) do Estado, eles apresentam condições específicas de vulnerabilidade que explicariam, em partes, a ocorrência dos desastres provocados por inundações. Ainda com o objetivo de analisar a ocorrência de inundações no ERJ no período de 2000 a 2010, a discussão se voltará agora para a população afetada por inundações no período. A pergunta é: os municípios com o maior percentual da população total afetada são aqueles com o maior IVS, ou seja, aqueles mais vulneráveis do ponto de vista social? Para subsidiar a discussão, a tabela 13 apresenta os municípios com maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores. 217 Tabela 13. Municípios com maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 e seus indicadores. Indicadores/Municípios Carapebus Sumidouro Paraty Paty do Alferes 51,3 55,4 32,2 12,8 17,5 Tanguá Itaocara Niterói Quissamã 49,4 50 33,9 9,5 13,1 Laje do Muriaé 49,8 63,2 30,9 14 9,9 50,2 68,4 32,3 11 17,7 51,1 31,8 26,3 16,8 10,9 53,4 36,4 23,4 17,3 10,7 50,3 66,1 33,1 11,7 5,6 Eng. Paulo de Frontin 51,2 50,1 27,1 14 15 % mulheres % não brancos % crianças e jovens % > 60 anos % em aglomerados subnormais Densidade populacional Densidade de residentes/domicílio % indiv.com necessidades especiais Taxa de analfabetismo % indiv. baixa renda Razão de renda Taxa de desemprego % idosos dependentes % s/ sanitários, água e coleta de lixo 49,1 63,3 31,1 11,8 14,8 48,6 31,5 30,7 10,6 18,6 0 0 0 0 0 0 0 3,7 0 0 3,8 3,4 6,4 4,4 4 8,4 2,4 3,6 4,7 2,9 27,3 24,8 23,6 25,3 23,8 23,2 31,1 21,9 28,5 24,5 7 35,4 11,6 12,1 11,2 35,3 14,7 53,5 13,3 1,4 10,3 5,2 7,8 37,8 20,1 4,5 11,5 23 14,1 57,8 12,8 10,6 10,8 0 13 56,9 19,6 6 14,7 6,2 8,6 60,4 17,4 10,4 11 15,6 10,9 43,7 14,9 7,2 13,2 0,2 2,3 19,9 32,8 6,2 15,6 6,3 8,9 47,1 16,7 11,4 9,4 32,5 5,9 43,9 13,5 12,8 10,1 8,5 218 O município de Carapebus, localizado na Região Norte Fluminense, foi o com o maior percentual da população afetada por desastres provocados por inundações no ERJ. Eles apresenta o 300 IVS do Estado, sendo o município como o quinto pior indicador de disponibilidade de água, esgoto e coleta de lixo do Estado (mais de 35% da população total não possui), um indicador ambiental que explicaria a vulnerabilidade através dos impactos que pode causar à saúde da população. Mais de 60% da população total do município é de indivíduos não brancos, normalmente marginalizado, inclusive no processo de gestão de riscos de desastres. O município possui também alto percentual de crianças na população total (mais de 30%), grupo considerado vulnerável pela sua incapacidade de se autoproteger, necessitando de atenção especial. A taxa de desemprego local é de 12%, valor alto comparando-se aos outros municípios do Estado. Somado a isso, aproximadamente 15% da população total do município reside em aglomerados subnormais, outra variável importante no âmbito da vulnerabilidade social, visto que essas áreas são consideradas de risco e não contam com uma infraestrutra adequada para atender às necessidades de vida e saúde da população. O município possui também mais de 27% da população total composta por indivíduos com necessidades especiais de diversas ordens, o que restringe a capacidade destes de produzir e gerar recursos e, especialmente, de se defenderem e se protegerem frente à uma situação adversa. Ainda pensando nos grupos especialmente vulneráveis, assim como em todo o Estado, as mulheres representam quase 50% do total da população. No caso dos outros 9 municípios do ranking, o alto percentual de afetados por inundações no período analisado também pode ser explicado pelos indicadores de desvantagem social, especialmente pela forte presença de grupos vulneráveis como: crianças, idosos, pobres, indivíduos não brancos e com necessidades especiais, situação que denota vulnerabilidade social. O município de Niterói, único que aparece concomitantemente no ranking dos maiores IVS e no de maior percentual da população total afetada, aparece em 80 lugar no ranking de afetados. Apresentando o maior IVS do ERJ, o município teve 1 evento registrado no período de 2000 a 2013 com aproximadamente 48% da população total afetada. Isso pode ser explicado, dentre outras coisas, devido à muito alta vulnerabilidade social apresentada pelo município. 219 Pode-se concluir portanto que, indicadores sociais como o percentual de indivíduos pobres, disponibilidade de água, esgoto e coleta de lixo, taxa de desemprego, indivíduos em aglomerados subnormais e a forte presença de grupos especialmente vulneráveis como as minorias (raça), mulheres, crianças e indivíduos com necessidades especiais compõem o cenário de vulnerabilidade social dos municípios citados e podem explicar o alto percentual de população afetada apresentado por eles. 6.3. Inundações: Exposição (Ocorrências e Afetados) X CR Como visto anteriormente, o risco de inundações é o resultado do produto do perigo (evento natural ou ameaça) pela vulnerabilidade do local ou população dividido pela sua CR. Segundo a UNISDR (2009), esses riscos podem ser reduzidos e evitados por meio de uma gestão eficiente da terra e dos recursos ambientais. Para isso é importante o planejamento e execução de medidas de prevenção ou minimização de desastres. No item 5.2 analisamos as inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 (ocorrências e afetados) à luz do seu IVS, ou seja, da sua vulnerabilidade social. Considerando que os municípios potencialmente mais expostos, ou seja, com o maior número de ocorrências de desastres provocados por inundações e maior percentual da população afetada no período analisado, não são, necessariamente, aqueles que apresentam a maior vulnerabilidade sociombiental e, reconhecendo que a CR é um fator determinante do processo, nesse item visa-se analisar a exposição dos municípios do ERJ à inundações no período de 2000 a 2013 à luz da CR (vulnerabilidade institucional) do local. Dessa forma, o objetivo é entender porquê os desastres provocados por inundações ocorrem e o que fazer para reduzir os seus impactos e danos na população do ERJ. A redução do impacto das emergências e desastres em saúde é uma das funções especiais da Saúde Pública. Para isso, uma das ações primordias é o desenvolvimento de políticas, o planejamento e a realização de ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e reabilitação para reduzir o impacto dos desastres sobre a Saúde Pública (FREITAS et al., 2014). 220 O processo de gestão de risco de desastres refere-se ao processo social que visa a previsão, redução e controle permanente dos fatores de risco de desastres na sociedade em consonância e integrada às pautas de desenvolvimento humano, econômico, ambiental e territorial sustentáveis. Para tal, ele abarca formas de intervenção variadas que vão desde medidas estruturais como a construção de instrumentos concretos para controle e redução dos riscos como, por exemplo, diques, até medidas não estruturais como a implementação de políticas públicas voltadas, por exemplo, para a organização do uso e ocupação do sol, dentre outros. Diante deste contexto, o processo de gestão do risco de desastres pode ser corretivo ou prospectivo. A gestão do risco corretiva visa a redução dos fatores de risco existentes como, por exemplo, casas construídas em áreas de risco. A gestão do risco prospectiva, por sua vez, visa garantir que os riscos não se consolidem no território, mediante intervenção prévia. Um bom exemplo da gestão prospectiva pode ser a lei de zoneamento ou uso e ocupação do solo que visa evitar uma ocupação desordenada do espaço que poderá gerar riscos futuros. Pode-se afirmar que a gestão prospectiva pode ser realizada através de ações voltadas para um desenvolvimento sustentável (NARVÁEZ et al., 2009). A gestão do risco de desastres é composto por 3 (três) etapas, a saber: redução do risco, manejo do desastre e recuperação. Essas etapas, por sua vez, segundo NARVÁEZ et al. (2009), abarcam subprocessos: a etapa de redução do risco, por exemplo, é composta pela prevenção, mitigação e preparação; o manejo do desastre por alerta e resposta e a etapa de recuperação contém a reabilitação e a reconstrução. A figura 20 apresenta o processo de gestão do risco de desastres com suas etapas e subprocessos. 221 Figura 20. O processo de gestão do risco de desastres Fo nte: Adaptado de NARVÁEZ et al., 2009. A resposta é parte integrante da etapa de Manejo do Desastre. Assim, quanto maior ou melhor a CR do local ou população, melhor o manejo do desastre, o que poderá reduzir os impactos dos danos causados (NARVÁEZ et al., 2009). A CR refere-se à capacidade ou habilidade de um indivíduo, grupo ou local para responder de forma imediata às novas condições impostas pelos impactos causados pelo evento perigoso. Caso ela seja deficiente ou inexistente, trata-se de uma vulnerabilidade institucional, como visto anteriormente e, pode, portanto, ser compreendida como um componente da vulnerabilidade. No Brasil, os desastres estão fortemente associados à ação antrópica, ou seja, são desastres socioambientais (produzidos socialmente). No entanto, as ações voltadas para a etapa de redução do risco de desastres naturais ainda são incipientes. Estamos acostumados, basicamente, a agir somente quando o desastre já ocorreu (etapa de manejo do desastre) com medidas voltadas para solucionar os problemas causados por ele. No entanto, pouco se faz para evitar que ele ocorra e cause tantos transtornos (COUTINHO et al., 2015). 222 O gráfico 11 apresenta os gastos do governo brasileiro com ações de Defesa Civil para prevenção e resposta a desastres naturais no período de 2006 ao 1 0 semestre de 2010. Gráfico 11. Gastos com prevenção e resposta a desastres naturais no Brasil no período de 2006 a 2010 * 0 2010: apenas dados do 1 semestre Fonte: Reproduzido e adaptado de Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 2010. Os dados mostram que os gastos com ações de resposta a desastres naturais no Brasil representam, em média, 80-90% do total de recursos gastos com ações de Defesa Civil no país, enquanto 10-20% são gastos com prevenção. Gastos esses que poderiam, na maioria das vezes, ser evitados ou minimizados com planejamento e maior investimento em ações de prevenção (CNM, 2010). Segundo a publicação Perfil dos Municípios Brasileiros do ano de 2013, do total de 5.570 municípios brasileiros, 1840 (33%) possuem algum instrumento de gerenciamento de risco de desastres decorrentes de inundações. E no ERJ, qual a situação? A tabela abaixo apresenta a situação atual do ERJ quanto à disponibilidade de instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações. É importante ressaltar que esses instrumentos foram escolhidos 223 considerando-se, principalmente, que as inundações no Brasil são fruto da utilização do solo para atividades antrópicas, sem qualquer preocupação com a harmonia entre o desenvolvimento econômico e social e as questões ambientais, ou seja, com a sustentabilidade (COUTINHO et al., 2015; IBGE, 2013). Tabela 14. Situação atual do ERJ quanto aos instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações INSTRUMENTO DE GERENCIAMENTO DE RISCOS DE % DOS MUNICÍPIOS INUNDAÇÕES QUE POSSUEM 87% Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo – existência 55,4% Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações 28,3% Lei específica para prevenção de enchentes e inundações 64,1% Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) 69,5% Mapeamento de áreas de risco de enchentes ou inundações 47,8% Cadastro de riscos 83,7% Plano de contingência- enchentes e inundações 31,5% Sistema de alerta antecipado de desastres 97,8% Coordenação Municipal de Defesa Civil 37% NUDEC 68,5% Elaboração da Agenda 21 local Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013 Diante do cenário apresentado, faz-se necessário destacar que apenas 28,3% possuem legislação específica para prevenção de enchentes e inundações, 47,8% possuem cadastro de riscos, 31,5% sistema de alerta antecipado de desastres e 37% somente possuem NUDEC. Esses números explicitam que, apesar do caráter cíclico das ocorrências de inundações no ERJ, os instrumentos de gerenciamento de riscos ainda possuem baixa especificidade no que tange ao tipo de evento. Além disso eles corroboram com a realidade voltada para “apagar inc ndios” vigente no Brasil, carente de ações efetivas e abrangentes para aumentar a resiliência do local e da sua população e promover uma cultura de prevenção. Isso justificaria, por exemplo, os altos valores gastos em ações de resposta a desastres naturais no país. Esses instrumentos quando implementados e efetivos podem aumentar a CR do local reduzindo os impactos causados por desastres provocados 224 por inundações. Indo mais adiante, para fins de análise da CR à inundações de cada um dos 92 municípios do ERJ, utilizou-se as informações a respeito da presença ou não dos instrumentos de gerenciamento de risco de inundações para o cálculo de escores de CR para os municípios do Estado. O quadro 14 apresenta o ranking dos 10 municípios do ERJ com melhor/maior CR à inundações no ERJ. Quadro 14. Ranking CR à inundações dos municípios do ERJ. MUNICÍPIO 1 Três Rios 20 Angra dos Reis 30 Bom Jardim 40 Campos dos Goytacazes 50 Macaé 60 Rio de Janeiro 70 São João de Meriti 80 Teresópolis 90 Volta Redonda 100Arraial do Cabo 0 REGIÃO Centro-Sul Fluminense Costa Verde Serrana Norte Fluminense Norte Fluminense Metropolitana Metropolitana Serrana Médio Paraíba Baixadas Litorâneas Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013 Assim, pode-se afirmar que, dentre dos 10 municípios com maior CR do ERJ, 2 (20%) estão localizados na Região Metropolitana, 2 (20%) estão localizados na Região Norte Fluminense, 2 (20%) na Região Serrana, 1 (10%) na Região CentroSul Fluminense, 1 (10%) na Região da Costa Verde, 1 (10%) na Região do Médio Paraíba e 1 (10%) na Região das Baixadas Litorâneas. O quadro abaixo apresenta a CR dos municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013 com as informações acerca da presença ou não dos instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações. 225 Quadro 15. CR à inundações dos municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2013. MUNICÍPIOS COM O MAIOR NÚMERO DE OCORRÊNCIAS DE INUNDAÇÕES INSTRUMENTOS DE GERENCIAMENTO DE RISCOS DE INUNDAÇÕES Bom Jesus do Itabapoana Duque de Caxias Aperibé Barra Mansa Cambuci Sim Recusa* Sim Sim Não Sim Não Não Recusa Sim Sim Não Sim NA Não Recusa Não Não Não Não Não Recusa Não Sim Não Mapeamento de áreas de risco de enchentes ou inundações Sim Recusa Sim Sim Cadastro de riscos Sim Recusa Não Plano de contingênciaenchentes e inundações Sim Recusa Sistema de alerta antecipado de desastres Sim Coordenação Defesa Civil Sim Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo – existência Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações Lei específica para prevenção de enchentes e inundações Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) Municipal de Campos dos Cardoso Goytacazes Moreira Laje do Muriaé Macuco Miracema Sim Sim NA Não NA NA NA Não NA Sim NA NA Não NA Sim Sim Não Sim Sim Não Sim Não Não Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Recusa Sim Não Não Sim Não Sim Não Sim Recusa Sim Sim Sim Sim Não NA Sim Sim Não 226 NUDEC Não Recusa Não Não Não Sim Sim NA Não Sim Elaboração da Agenda 21 Não Recusa Não * Recusa = o município recusou-se a responder à pesquisa. Sim Não Sim Sim Não Sim Sim * NA = não se aplica Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. 227 O município de Bom Jesus de Itabapoana, com o maior número de ocorrências de inundações registradas no período analisado, não possui uma boa CR a inundações (é o 300 município no ranking). Ele não possui Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações, Lei específica para prevenção de enchentes e inundações, Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), NUDEC e elaboração da Agenda 21 Local. O Plano Diretor é o instrumento responsável por definir a destinação do território do município. Ou seja, ele trata da organização da ocupação do território, considerando que, segundo SCHWEIGERT (2006), deve visar: “o bem-estar coletivo de todos os habitants do município, seja ela residência, comércio, área pública, área para equipamentos coletivos.” (p. 5) Segundo VILLAÇA (2005) o Plano Diretor abarca, portanto, “….os problemas fundamentais do município, levando em conta questões relacionadas à habitação, educação, saúde, saneamento, transportes, poluição do ar e das águas, inundações, além, é claro, de questões relacionadas ao social e econômico do local.” (p.08) Dessa forma, considerando o processo de crescimento populacional acelerado vigente no país no período da industrialização (década de 30), um processo cuidadoso de organização da ocupação do espaço nas cidades fez-se fundamental para conciliar o desenvolvimento econômico e social de um município com a preservação e proteção ambiental e com a qualidade de vida para a população. Assim, o objetivo é desfrutar de um município sustentável, longe dos fatores de risco de desastres. Segundo COUTINHO et al. (2015), a forma de ocupação do espaço urbano pode causar impactos severos, tornando-se fundamental orientar o processo de expansão urbana, além de garantir uma infraestrutura básica e a preservação 228 ambiental. Dessa forma, o Plano Diretor deve incluir no seu escopo de informações um levantamento das áreas de risco, drenagem urbana e diretrizes para a regularização de assentamentos urbanos irregulars. Daí a importância do Plano Diretor no processo de gestão de riscos de desastres e, principalmente, a importância dele contemplar a prevenção de enchentes e inundações no seu escopo de ações. Um processo de urbanização planejado e organizado poderá minimizar os riscos de inundações, impedindo que as áreas de risco do local sejam ocupadas. A Lei específica para prevenção de enchentes e inundações, por sua vez, ainda é um instrumento pouco utilizado no ERJ. A sua existência no município propicia bases legais para o processo de gestão dos riscos de inundações, sustentando as ações de prevenção, preparação, resposta e recuperação. No entanto, como visto anteriormente, somente 28% dos municípios do ERJ o possuem. O PMRR é um instrumento de planejamento para a elaboração do diagnóstico dos riscos de desastre. Ele contempla informações acerca dos riscos e ameaças do local que irão subsidir o Poder Público Municipal na implementação de ações estruturais e não-estruturais para a redução de risco de desastre. Dessa forma, ter um PMRR permite ao município uma melhor preparação e resposta local às inundações. A formação dos Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDECs) é uma estratégia que visa aumentar a resiliência das comunidades a desastres naturais. Eles fazem parte da Política Nacional de Defesa Civil, tendo disso aprovados pelo Conselho Nacional de Defesa Civil (CONDEC). A sua importância foi comprovada nas inundações ocorridas no verão de 2012 quando a atuação dos NUDECs salvou inúmeras vidas nos municípios de Petrópolis e Nova Friburgo. Dessa forma, o NUDEC faz-se importante nas etapas de prevenção e preparação para a resposta auxiliando no levantamento de informações acerca de riscos, ameaças e vulnerabilidades (que poderão subsidiar a elaboração do PMRR), além de identificar grupos vulneráveis na comunidade. Isso se dá, principalmente, devido ao conhecimento do território e da população residente que os agentes comunitários detém. Outro papel importante é na sensibilização e conscientização da população, aumentando ou aprimorando a sua percepção dos riscos e a resiliência local. Dessa forma a existência de NUDECs no município é um importante instrumento que pode 229 prevenir a ocorrência de inundações e/ou ajudar no aprimoramento da resposta a elas. A Agenda 21 é um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis. Para isso, são conciliadas ações de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Ela foi um dos principais resultados da Conferência Eco-92 realizada na cidade do Rio de Janeiro. Deve ser fruto de uma construção conjunta do governo e população locais com o objetivo de uma mudança de paradigma para um desenvolvimento voltado para a qualidade do crescimento e não da quantidade, repensando o planejamento das cidades contemporâneas. Dentre suas ações prioritárias estão: a inclusão social (com o acesso de toda a população à educação, saúde e distribuição de renda); sustentabilidade urbana e rural, a preservação dos recursos naturais e minerais e a ética política para o planejamento rumo ao desenvolvimento sustentável. Outra ação importante é o planejamento de sistemas de produção e consumo sustentáveis contra a cultura do desperdício. Dessa forma, seriam minimizados ou eliminados 3 (três) dos mais importantes fatores de risco para a ocorrência de desastres: degradação ambiental, iniquidades sociais e urbanização desordenada. Ou seja, reduziria-se o risco da ocorrência de inundações e de seus impactos no município por meio de um desenvolvimento sustentável. Diante deste contexto, pode-se afirmar que o município de Bom Jesus de Itabapoana, apesar de possuir alguns outros importantes instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações, é ainda carente em outros fundamentais para o processo de planejamento e organização do espaço urbano que minimizariam os fatores de risco de inundações. Isso poderia explicar o grande número de ocorrências de inundações no local no período analisado, o maior do ERJ. No entanto, é importante ressaltar que, dos 5.570 municípios do Brasil, somente 960 (17%) possuem um Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações. Com relação à lei específica para prevenção de enchentes e inundações, somente 144 (2,5%) dos 5.570 municípios possuem (IBGE, 2013). Pode-se observar, portanto, que esses instrumentos de planejamento, apesar de fundamentais no processo de gestão de riscos de inundações, possuem ainda pouca capilaridade no país. O quadro 16 uma análise quantitativa dos instrumentos de gerenciamento de 230 riscos de inundações ausentes nos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no período de 2000 a 2010. Quadro 16. CR dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no período de 2000 a 2010 – instrumentos ausentes 30% não possuem Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo – existência 30% não possuem Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações 60% não possuem Lei específica para prevenção de enchentes e inundações 40% não possuem PMRR 20% não possuem Mapeamento de áreas de risco de enchentes ou inundações 40% não possuem cadastro de riscos 30% não possuem Plano de contingência- enchentes e inundações 30% não possuem Sistema de alerta antecipado de desastres 40% não possuem NUDEC 30% não possuem Elaboração da Agenda 21 Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. Dos 10 municípios do ERJ com maior número de ocorrências de inundações 60% não possuem lei específica para prevenção de enchentes e inundações, 40% não possuem NUDEC e 40% não possuem cadastro de riscos. Como visto anteriormente, a lei específica para prevenção de enchentes e inundações e a existência de NUDEC no município são um dos instrumentos-chave para a prevenção desse tipo de evento. O cadastro de riscos, por sua vez, permite que os riscos sejam previamente identificados para que se permita uma antecipação frente os eventos futuros. Dessa forma, ele subsidiará a elaboração de ações e políticas públicas de prevenção e resposta, podendo minimizar os impactos das inundações no local e na população. Pode-se concluir, portanto, que os 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ não possuem importantes instrumentos de planejamento e preparação para a resposta, o que poderia explicar o grande número de eventos sofridos. A baixa CR, associada à vulnerabilidade social, Esse resultado corrobora com os dados sobre recursos investidos em preparação e resposta mostrados anteriormente no gráfico 12. Ou seja, ainda é incipiente a cultura de prevenção no país, evidente tanto no quantitativo de recursos disponibilizados pelo 231 governo quanto nos instrumentos para redução dos riscos desenvolvidos pelas autoridades locais. Realidade também vivenciada nos municípios do ERJ mais acometidos por inundações e que pode causar importantes impactos para a população. Do ponto de vista da população afetada (indivíduos potencialmente expostos), o quadro 17 apresenta, de forma qualitativa, a CR dos 10 municípios que sofreram os danos humanos mais significativos no ERJ no período de 2000 a 2013. 232 Quadro 17. CR à inundações dos municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. MUNICÍPIOS COM O MAIOR % POPULAÇÃO TOTAL AFETADA POR INUNDAÇÕES INSTRUMENTOS DE GERENCIAMENTO DE RISCOS DE INUNDAÇÕES Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo – existência Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações Lei específica para prevenção de enchentes e inundações Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) Mapeamento de áreas de risco de enchentes ou inundações Cadastro de riscos Plano de contingênciaenchentes e inundações Sistema de alerta antecipado de desastres Coordenação Municipal Defesa Civil NUDEC Elaboração da Agenda 21 * NA = não se aplica Fonte: de Dados Carapebus Sumidouro Paraty Sim Sim Sim Laje do Muriaé Paty do Alferes Tanguá Itaocara Niterói Quissamã Eng. Paulo de Frontin Sim Sim Sim Sim Sim Não Não NA NA Não NA Sim NA NA Não Sim NA NA NA Sim NA Não NA NA Não Não NA NA NA Não NA Não NA NA Sim Não NA Sim Não Não Sim NA Sim NA NA Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Não NA NA Sim Não NA NA NA NA Sim Não Não Sim Não Não Não Sim NA Não NA NA Não Não Sim Não Sim NA NA Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Não Sim NA Não NA Sim Não Sim Não Não Sim Sim Não Sim Não Sim do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. 233 O município de Carapebus, número 1 no ranking dos municípios com maior percentual de população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013, 500 no ranking de maior número de ocorrências e 210 no ranking da CR, não possui Sistema de alerta antecipado de desastres, um instrumento importante na prevenção dos desastres e na minimização dos seus impactos, visto que permitirá ações preventivas (principalmente evacuação das áreas de risco) por parte da população exposta. Esse sistema têm se mostrado muito eficiente, especialmente na Região Serrana do ERJ, salvando vidas e reduzindo os impactos das inundações. A Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro possui o Sistema de Alerta e Alarme por Sirenes no qual sirenes foram implementadas em áreas de risco do Estado que tocam quando há previsão de chuvas fortes e possibilidade de deslizamentos de terra para alertar a população. Além disso, outro sistema de alerta muito utilizado e que vêm mostrando bons resultados é o Sistema de Alerta e Alarme Comunitário que utiliza mensagens de texto (SMS) para enviar alertas à população, agentes e líderes comunitários, além de agentes públicos, sobre a possibilidade de chuva moderada ou forte na cidade. Dessa forma, a população tem como agir preventivamente e reduz-se substancialmente os impactos desse tipo de evento. Somado a isso, Carapebus é um município com 13.359 habitantes e, portanto, segundo a legislação não é obrigatória a elaboração do Plano Diretor (obrigatório para municípios acima de 20 mil habitantes), o que inviabiliza um planejamento e ordenação adequada da ocupação do espaço urbano. Dessa forma, a ausência desses importantes instrumentos de gestão de riscos de inundações poderia justificar o alto percentual da população total afetada por inundações no período analisado (quase 80%). É importante destacar também que o município de Niterói, o com maior IVS do ERJ, aparece no ranking como 80 município com o maior percentual da população total afetada por inundações no Estado no período estudado (aproximadamente 50% da população total), apesar de ter sido o 580 em número de ocorrências registradas. Isso pode ser explicado pela combinação de uma alta vulnerabilidade social da sua população com uma alta vulnerabilidade institucional do município (CR), visto que Niterói apresenta carência dos principais instrumentos de gestão de riscos de inundações analisados no presente estudo. 234 O quadro 18, por sua vez, traz uma análise quantitativa da CR dos 10 municípios com o maior percentual da população afetada por inundações no ERJ período de 2000 a 2010. Quadro 18. CR dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ período de 2000 a 2010 – instrumentos de gerenciamento de riscos ausentes 20% não possuem Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo – existência 20% não possuem Plano Diretor que contemple a prevenção de enchentes e inundações 30% não possuem Lei específica para prevenção de enchentes e inundações 30% não possuem PMRR 30% não possuem Mapeamento de áreas de risco de enchentes ou inundações 20% não possuem cadastro de riscos 40% não possuem Plano de contingência- enchentes e inundações 60% não possuem Sistema de alerta antecipado de desastres 50% não possuem NUDEC 10% não possuem Elaboração da Agenda 21 Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. Seis dentre os 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no período de 2000 a 2013 não possuem Sistema de alerta antecipado de desastres. O sistema de alerta preventivo de desastres têm se mostrado um instrumento de suma importância no processo de gestão de riscos de desastres. Através da transmissão rápida de informações é possível, por exemplo, evacua uma população em situação de risco e salvar inúmeras vidas. A experiência do Sistema de Alerta de Sirenes implementado pela Defesa Civil da cidade do Rio de Janeiro têm se mostrado exitosa, poupando a população dos danos causados pelas inundações. Cinco dentre os 10 não possuem NUDEC. Esses 2 (dois) instrumentos são fundamentais para a preparação frente à uma inundação, visto que permitem que a população e as autoridades envolvidas adotem ações preventivas frente ao evento, reduzindo assim seus impactos no local. O NUDEC, como visto anteriormente, tem papel fundamental na etapa de prevenção, especialmente no que diz respeito à fase de alerta. No Estado do Rio de Janeiro os Agentes Comunitários são um dos 235 receptores das mensagens de texto com alertas de possibilidades de chuvas moderadas a fortes e responsáveis por divulgar essas informações em sua comunidade, especialmente aos grupos vulneráveis, visto que eles conhecem bem o território e a população residente. Dessa forma, é possível reduzir os danos, especialmente os humanos, no local atingido por uma inundação. Somado a isso, 4 dentre os 10 municípios com maior percentual da população total afetada não possuem Plano de Contingência para enchentes e inundações. Esse Plano tem como objetivo nortear a atuação dos órgãos públicos envolvidos com as ações de resposta à inundações. Dessa forma, serão organizados os atores envolvidos e seus papéis no enfrentamento desse tipo de evento. Diante da ocorrência de uma inundação, por exemplo, instituições ou órgãos que atuam na resposta a eventos adversos (Corpo de Bombeiros, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, dentre outros) serão acionados. Caso o evento seja de pequeno porte, a resposta utilizará os recursos locais e o Plano de Contingência Municipal será acionado. Caso o evento exceda a capacidade de resposta do município, a Defesa Civil acionará o Estado e assim por diante. Uma resposta organizada é mais eficaz e proporciona uma redução dos impactos causados. Diante deste contexto, é possível afirmar que os 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações, além das condições de vulnerabilidade social anteriormente discutidas, são carentes de instrumentos fundamentais para a prevenção, preparação e resposta frente às situações de inundações, o que poderia explicar os grandes danos humanos observados nesses locais. Outro indicador importante da CR é a cobertura populacional da Estratégia da Saúde da Família (ESF) local. A ESF, estratégia prioritária de organização da Atenção Básica no país, têm sido reconhecida como protagonista no processo de gestão de riscos de desastres, especialmente no que tange às ações de prevenção: levantamento de informações acerca do território e da comunidade (riscos, ameaças, principais vulnerabilidades, grupos vulneráveis, dentre outros); ações de educação em saúde e sensibilização e conscientização acerca dos riscos presentes no local que contribuirão para o aprimoramento da percepção de risco da população; avaliação permanente de áreas de risco já mapeadas. Na fase de resposta ao evento, a equipe da ESF local, caso não tenha sido atingida pela inundação, poderá 236 servir como suporte atuando como base de avaliação e estabilização das vítimas, além de armazenar insumos de saúde (vacinas, medicamentos). Em muitos casos, a ESF local prestará os primeiros atendimentos às vítimas. Como possui amplo conhecimento da população residente, poderá também fornecer dados sobre a população atingida, além da situação do território. Além disso, durante e após o evento pode auxiliar a Vigilância em Saúde na orientação da população e planejamento de ações preventivas de riscos futuros. Dessa forma, pode-se afirmar que a ESF possui papel-chave em todo o processo de gestão de riscos de desastres, atuando em todas as suas fases. Diante deste contexto, uma boa cobertura populacional da ESF pode ser um indicador positivo para a CR local, ou seja, pode garantir uma melhor prevenção e resposta frente às inundações, atuando como mais uma aliada no enfrentamento das mesmas. A ESF está presente em todos os 92 municípios do ERJ. No entanto, a cobertura populacional varia muito e ainda há municípios com cobertura populacional de ESF de 0% (2% do total) (BRASIL, 2015). A tabela 15 apresenta os dados da cobertura da ESF dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000-2013. Tabela 15. Cobertura populacional da ESF dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000-2013 MUNICÍPIO COBERTURA POPULACIONAL ESF (%) Bom Jesus do Itabapoana 96,7 Duque de Caxias 25 Aperibé 100 Barra Mansa 65,5 Cambuci 0 Campos dos Goytacazes 0 Cardoso Moreira 100 Laje do Muriaé 100 Macuco 64,7 Miracema 77,2 Fonte: Dados SIAB – BRASIL (2015) 237 É possível observar que, dentre os municípios com o maior registro de ocorrências de inundações no ERJ no período analisado, 2 (20%) possuem 0% de cobertura populacional de ESF e 1 (10%) possui 25%. A baixa cobertura da ESF pode ser um dos fatores que, em conjunto com a ausência de instrumentos de gerenciamento de riscos de inundações, pode justificar o alto número de inundações registradas nos 10 municípios listados. A tabela 16 apresenta os dados da cobertura da ESF dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000-2013. Tabela 16. Cobertura populacional da ESF dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000-2013 MUNICÍPIO COBERTURA POPULACIONAL ESF (%) Carapebus 98,4 Sumidouro 100 Paraty 62,3 Laje do Muriaé 100 Paty do Alferes 100 Tanguá 76,8 Itaocara 60,3 Niterói 60,3 Quissamã 100 Engenheiro Paulo de Frontin 100 Fonte: Dados SIAB – BRASIL (2015). Observa-se pela tabela acima que, apesar do alto percentual da população afetada, os municípios possuem, de uma maneira geral, uma cobertura populacional de ESF que varia de razoável (60,3%) a excelente (100%), o que significa que essa variável não seria útil para justificar a exposição observada no local. De qualquer forma, apesar de cobrir uma boa parcela da população, há a possibilidade dos profissionais da ESF não se reconhecerem dentro do processo de gestão de riscos de desastres, não incluindo em seu escopo de ações àquelas voltadas à prevenção e redução de riscos. 238 Cientes de que a temática ainda é recente no âmbito da Atenção Básica, é necessária uma capacitação para que os profissionais da ESF se conscientizem acerca do seu importante papel e possam amplicar o seu escopo de ações. Outro fator importante a se considerar na análise da CR a inundações de um município é a sua classe de tamanho ou porte populacional. Observa-se que quanto maior o porte populacional do município, maior a sua CR. Considerando que, aproximadamente, 25% dos municípios do Brasil possuem entre 10.001 e 20.000 habitantes. O ERJ, por sua vez, possui aproximadamente 30% do total de municípios entre 20.001 a 50.000 habitantes, ou seja, entre pequeno e médio portes (gráfico 12). Gráfico 12. Municípios do ERJ por classe de tamanho Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. O gráfico abaixo apresenta os municípios segundo classe de tamanho ou porte populacional com instrumentos de gerenciamento de riscos de desastres decorrentes de inundações (Gráfico 13). 239 Gráfico 13. Municípios do Brasil com instrumentos de gerenciamento de riscos de desastres decorrentes de inundações por classe de tamanho do município. Fonte: Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros – IBGE, 2013. Dessa forma, pode-se concluir que quanto menor o município, menor a disponibilidade de instrumentos de gerenciamento de riscos de desastres decorrentes de inundações ele possui. Ou seja, a CR dos municípios brasileiros é diretamente proporcional ao seu porte populacional. A tabela 17 apresenta a classe de tamanho dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. Tabela 17. Classe de tamanho dos 10 municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 MUNICÍPIO POPULAÇÃO TOTAL CLASSE DE TAMANHO (n0 de habitantes) Bom Jesus do Itabapoana 35.411 20.001 a 50.000 Duque de Caxias 855.048 > 500.000 Aperibé 10.213 10.001 a 20.000 Barra Mansa 177.813 100.001 a 500.000 Cambuci 14.827 10.001 a 20.000 Campos dos Goytacazes 463.731 100.001 a 500.000 Cardoso Moreira 12.600 10.001 a 20.000 Laje do Muriaé 7.487 5.000 a 10.000 Macuco 5.269 5.000 a 10.000 Miracema 26.843 20.001 a 50.000 Dados: Censo Demográfico – IBGE, 2010. 240 Segundo os dados apresentados acima, 30% dos municípios com o maior número de ocorrências de inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2010 pertencem à classe de tamanho de 10.001 a 20.000 habitantes; 20% pertencem à classe de 5.000 a 10.000 habitantes; 20% à de 20.001 a 50.000 habitantes; 20% à 100.001 a 500.000 e 10% à classe maior de 500.000 habitantes. Dessa forma, pode-se afirmar que os municípios com o maior número de ocorrências inundações registradas no ERJ no período de 2000 a 2010 possuem entre 10.000 a 50.000 habitantes, ou seja, são municípios de pequeno porte populacional. Como visto anteriormente, a CR dos municípios é diretamente proporcional ao seu tamanho ou porte populacional. Assim, em consonância com os dados apresentados no gráfico 13, a classe de tamanho dos municípios com o maior número de ocorrências de inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 ajudaria a explicar o grande número de eventos registrados à luz da sua CR. A tabela 18, por sua vez, apresenta a classe de tamanho dos 10 municípios com o maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013. Tabela 18. Classe de tamanho dos 10 municípios maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013 MUNICÍPIO POPULAÇÃO TOTAL CLASSE DE TAMANHO Carapebus Sumidouro Paraty Laje do Muriaé Paty do Alferes Tanguá Itaocara Niterói Quissamã Engenheiro Paulo de Frontin 13.359 14.900 37.533 7.487 26.359 30.732 22.899 487.562 20.242 13.237 (n0 de habitantes) 10.001 a 20.000 10.001 a 20.000 20.001 a 50.000 5.000 a 10.000 20.001 a 50.000 20.001 a 50.000 20.001 a 50.000 100.001 a 500.00 20.001 a 50.000 10.001 a 20.000 Dados: Censo Demográfico – IBGE, 2010. Dentre os 10 municípios com maior percentual da população total afetada por inundações no ERJ no período de 2000 a 2013, 5 estão na classe de tamanho 20.001 a 50.000, ou seja, são municípios com pequeno porte populacional. Em consonância com os dados apresentados no gráfico 14, quanto menor o município, 241 menor a sua CR, podendo explicar, em conjunto com a vulnerabilidade, o alto percentual da população afetada por inundações no local no período estudado. 242 CAPÍTULO 7 – CONCLUSÃO Como visto anteriormente, todo o planeta têm experimentado, nos últimos anos, o aumento na frequência e na intensidade dos desastres naturais. Como consequência disso, a sociedade moderna têm sofrido mais com os impactos desses eventos, fazendo com que o assunto seja destaque constante na mídia de todo o mundo, especialmente motivado pelas inúmeras perdas de ordem econômica, material e humana. No entanto, analisando com cautela as estatísticas de desastres, não é difícil observar que os impactos dos perigos naturais não são igualmente distribuídos no mundo. Alguns países, regiões e áreas, bem como as populações, são mais vulneráveis do que outros devido à uma infinidade de fatores, tais como: localização geográfica, clima, geologia e sua capacidade institucional de lidar com condições extremas. Dessa forma, pode-se afirmar que os países em desenvolvimento são particularmente afetados pelos desastres naturais, visto que, tendem a possuir capacidades humana, institucional e financeira mais limitadas para se prevenir, antecipar, responder e recuperar-se frente aos seus efeitos. Além disso, fatores sociais, econômicos e ambientais presentes no local contribuem para o aumento da vulnerabilidade e, concomitantemente, para a redução da habilidade da população para se preparar, lidar e recuperar-se frente à uma situação de desastre. Os problemas ambientais urbanos vivenciados pelas cidades brasileiras atualmente não são problemas novos. No entanto, o destaque que a sociedade têm dado à eles nos tempos modernos deve-se, principalmente, ao aumento da frequência e magnitude dos desastres naturais nos últimos anos e à conscientização da população como um todo de que eles poderiam ser evitados. Pode-se afirmar, portanto, que os principais problemas ambientais que a civilização do século XXI enfrenta são oriundos do modelo de desenvolvimento econômico adotado no país. Modelo esse que gera concentração de riquezas e o colapso do sistema habitacional causado pelo fluxo migratório intenso com um processo de urbanização desordenado e sem qualquer planejamento. As consequências são cidades e populações vulneráveis, incapazes de gerir os riscos aos que estão potencialmente expostas. Diante deste contexto, considerando que os desastres naturais nos países em desenvolvimento são, essencialmente, desastres socioambientais e assumindo que 243 não há a possibilidade de exercermos qualquer controle sobre os eventos naturais (a não ser através da predição), afirma-se que a solução possível para reduzir a ocorrência de desastres e os seus impactos é a gestão dos seus riscos, processo que inclui, dentre outras ações, a redução da vulnerabilidade do local e da sua população (mitigação), bem como o fortalecimento das capacidades de respostas. Assim, o presente estudo visou analisar a vulnerabilidade social dos 92 municípios do ERJ, assim como a exposição (ocorrências registradas e percentual da população total afetada) de sua população à inundações no período de 2000 a 2013, buscando entender quais os municípios são mais vulneráveis a inundações no Estado, onde e porquê ocorreram as inundações e onde estão os mais afetados por tais eventos. Os resultados do estudo mostraram que, os municípios mais vulneráveis do ponto de vista social não foram os mais expostos à desastres provocados por inundações no período de 2000 a 2013. No entanto, os municípios que apresentaram maior exposição a esses eventos, apresentaram características de vulnerabilidade social e uma capacidade de resposta (vulnerabilidade institucional) deficiente. Além da forte presença de grupos especialmente vulneráveis, os municípios mais expostos mostraram-se carentes de instrumentos fundamentais para a prevenção, preparação e resposta frente às situações de inundações como, por exemplo, Plano de Contingência para inundações e enchentes e Sistema de Alerta Preventivo para desastres, o que poderia explicar os danos humanos observados nesses locais. Vale destacar o fato do município de Niterói, um dos municípios com melhores indicadores sociais do Brasil, apresentar o maior IVS dentre os 92 municípios do ERJ, ou seja, é o município com maior vulnerabilidade social do Estado. Isso pode ser explicado, principalmente, pelo indicador de Razão de Renda, o 20 maior do Estado, corroborando com as teorias que apontam a pobreza como um componente da vulnerabilidade e as desigualdades sociais como um fator de risco para desastres naturais. Dessa forma, a redução das iniquidades e da pobreza é o centro da discussão acerca da redução do risco de desastres, além de ser 1 dos 8 Objetivos do Desenvolvimento do Milênio propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) até o ano de 2015: erradicação da fome e da miséria. Somado a isso, há de se considerer que políticas voltadas para questões de justiça ambiental e uma política habitacional séria e voltada para os interesses dessa camada da população, 244 além de leis que proíbam a ocupação de áreas de risco, seriam soluções viáveis para a redução dos riscos de desastres no local. Uma outra estratégia importante são as políticas de redistribuição de renda implementadas nos últimos anos no país que têm mostrado resultados significantes na erradicação da miséria e na melhoria das condições de vida das populações mais vulneráveis, especialmente nas regiões mais pobres do país. Considerando que os desastres naturais no Brasil possuem causas antrópicas, uma gestão de riscos prospectiva com um olhar mais cauteloso voltado para um desenvolvimento sustentável pode ser também um bom caminho. O uso racional de tecnologias, a gestão adequada do lixo, um consumo mais consciente, o uso de energia limpa e renovável, melhoria na gestão dos recursos naturais, dentre outros, podem aprimorar a relação homem e meio ambiente e, dentre outros inúmeros benefícios para a humanidade, reduzir os fatores de risco para a ocorrência de desastres naturais. Esse tema vêm sendo exaustivamente discutido atualmente, sendo destaque nas agendas dos países. No entanto, nos países em desenvolvimento, ainda observa-se o divórcio entre o discurso e a prática, prevalecendo a cultura de resposta frente à prevenção. Uma boa avaliação da vulnerabilidade social, atenta ao papel crucial das desigualdades socias e às especificidades territoriais, pode ser um importante passo em direção à definição de estratégias de prevenção, resposta e mitigação dos riscos de inundações no Estado. Além disso, faz-se necessário o aumento da disponibilidade de mecanismos regulatórios, como leis, normas e fiscalização voltadas para ações de proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, dentre outras. No entanto, como observado no estudo, esses instrumentos ainda não fazem parte das rotinas dos municípios e não estão dentre as prioridades dos gestores, o que dificulta a antecipação frente ao evento, que poderia levar à uma melhor resposta e à redução dos impactos causados por uma inundação. Dessa forma, a promoção da cultura de prevenção é um obstáculo ainda a ser vencido em todo o país, apesar de alguns avanços já conquistados. O envolvimento direto da comunidade no processo de gestão dos riscos de desastres também é uma peça-chave para o sucesso, especialmente no que tange à prevenção. No entanto, a vulnerabilidade gera condições de de vida precárias e desiguais que limitam as capacidades de avanço na educação e na participação da comunidade. Dessa forma, o aumento da resiliência da população e da sua 245 percepção de risco pode ser obtida como resultado de estratégias para a redução da vulnerabilidade social e da educação ambiental. Uma comunidade que conhece e respeita o próprio território, suas particularidades e seus riscos é uma comunidade mais resiliente e pode auxiliar na capilarização das ações de educação ambiental no local e contribuir para a aumento da CR local. A cidade do Rio de Janeiro já possui algumas experiências exitosas nesse contexto contando com o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde que orientam e auxiliam a comunidade e a Defesa Civil na prevenção de desastres naturais em diferentes locais da cidade, revelando-se peça fundamental do processo. O aprimoramento e fortalecimento da Atenção Básica também é uma estratégia fundamental para um processo de gestão dos riscos dos desastres efetiva e exitosa, reduzindo as ocorrências e os danos causados pelos eventos. Um entrave no processo de gestão dos riscos de desastres é a pouca ou nenhuma articulação entre os setores no que tange à sua atuação. Os atores precisam se reconhecer dentro do processo e reconhecer possíveis parcerias, sejam elas inter ou intrainstitucionais, visando o aprimoramento da CR do seu município. Além disso, a falta de mecanismos regulatórios (leis, normas e fiscalização específicas para inundações) funciona como um importante agente catalisador de ações. Além disso, pode-se citar também os problemas com corrupção vivenciados nos diversos municípios atingidos por desastres naturais e que evidenciam a vulnerabilidade institucional do local. Isso dificulta e até impede as ações de resposta e recuperação, visto que os recursos disponibilizados pelo governo com esse fim não chegam ao seu destino como deveriam. A burocracia é também um fator importante que potencializa a vulnerabilidade institucional e aprofunda os problemas vivenciados após um desastre, atrasando e/ou impedindo o desenvolvimento de ações fundamentais para uma resposta eficaz e redução dos danos em locais atingidos por desastres. No entanto, é importante ressaltar que a intensificação nas ações voltadas para a prevenção e redução dos riscos não anula a necessidade de investimentos constantes também no aprimoramento dos mecanismos de resposta já existentes e instalação dos que não estão disponíveis como, por exemplo, sistemas de alerta preventivos, dentre outros. O processo de gestão dos riscos de inundações deve ser desenvolvido em sua totalidade, perpassando por todas as suas fases e 246 subprocessos. Para isso são necessárias vontade política e uma governança que olhe tantos para os riscos presentes, quanto para os riscos futuros. Pode-se concluir que a hipótese do estudo foi confirmada, visto que existe uma relação entre os principais indicadores sociais, econômicos, ambientais e de acesso a serviços e infraestrutura e os impactos das inundações no ERJ, ainda que não possam ser tratados de modo linear e homogêneo. Ou seja, a vulnerabilidade social foi um fator determinante na exposição dos municípios do ERJ à inundações no período de 2000 a 2013. A pesquisa visa gerar subídios para a elaboração de políticas públicas voltadas para a gestão dos riscos de desastres e melhorias das condições de vida das populações mais vulneráveis no Estado, incluindo na agenda política estratégias-chave para a redução dos riscos de desastre no local, objetivo do Marco de Sendai, assinado no Japão em março do presente ano e componente central do desenvolvimento sustentável. Sem um processo de gestão dos riscos de desastres efetivo, o desenvolvimento não será sustentável. No entanto, faz-se importante destacar também as limitações do estudo. Dentre elas podemos citar como principais: a falta de um sistema de informação integrado e com dados confiáveis sobre desastres naturais no Brasil; a subnotificação de desastres naturais que ainda é um entrave no processo de gestão dos riscos de desastres no país; a falta de consenso na literatura acerca do conceito de vulnerabilidade; a falta de consenso na literatura acerca dos indicadores a serem utilizados na avaliação/mensuração da vulnerabilidade social; a falta de um método unificado para o cálculo da vulnerabilidade social gerando a necessidade de adaptação de métodos já existentes à realidade local baseadas na experiência e nos conhecimentos da pesquisadora, o que traz o fator subjetividade e pode levar à sub ou superestimação de alguns aspectos; a ainda escassa disponibilidade de dados acerca do processo de gestão dos riscos de desastres naturais no país. Outro aspecto que não pode ser ignorado é a falta de consenso acerca dos prós e contras do uso de indicadores para a elaboração de índices. Os indices têm sido amplamente usados como um conjunto de dados que visam explorar as diferenças e mudanças de uma determinada característica/situação a ser avaliada. A sua popularidade está na simplificação das medidas a serem avaliadas. No entanto, muitos autores acreditam que a simplificação que eles promovem pode gerar, por outro lado, a perda de informações importantes para o estudo. Dessa forma, 247 dificultariam o seu entendimento e a intervenção no momento correto. Além disso, não são consideradas medidas imparciais. Além disso, existe o risco dos “falsos positivos”. Segundo MORSE (2004), como os índices são elaborados por seres humanos, eles podem ser “pegos” ou manipulados pela pressão popular e seus resultados podem incluir posições, pensamentos e desejos dos seus elaboradores. Dessa forma deveriam ser utilizados apenas para análises iniciais do fenômeno a ser estudado. Diante deste contexto, aponta-se como fundamental em pesquisas futuras a combinação de diferentes métodos de avaliação/mensuração da vulnerabilidade social como instrumento de validação do IVS calculado aqui. Além disso, a combinação de análises estatísticas como a análise fatorial, por exemplo, pode ser útil para auxiliar no processo de escolha dos indicadores a serem utilizados na elaboração do índice de vulnerabilidade, excluindo-se o peso da subjetividade; recursos como determinar pesos para os indicadores, dentre outros. Outro instrumento útil seria a utilização também de métodos qualitativos para a investigação de aspectos importantes inerentes ao processo de gestão dos riscos de desastres no local do estudo, especialmente àqueles ligados à percepção de risco da população local. A combinação de diferentes fontes de dados também pode ser importante para a validação dos dados da pesquisa, visto a não disponibilidade de um sistema de informações de desastres integrado e único no país. 248 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAYA, S.W.; MANDERE, N.; EWALD, G. Floods and health in Gambella region, Ethiopia: a qualitative assessment of the strengths and weakness of coping mechanisms. Global Health Action, v. 2, 2009. ABRAMOVAY, A. et al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para as políticas públicas. Brasília, DF: UNESCO, BID. 2002. 192p. ADGER, W.N. Social vulnerability to climate change and extremes in coastal Vietnam. World Development, v.27, n.2, p.249-269, 1999. ADGER, W.N. Vulnerability. Global Environmental Change, v.16, n.3, p.268-281, 2006. ADGER, W.N., et al. New indicators of vulnerability and adaptive capacity:Tyndall Centre for Climate Change Research - Final Report. United Kingdom: University of East Anglia. 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