Um Conto De Natal

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Um Conto De Natal
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Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por
dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível.
Introdução
Um conto de Natal (A Christmas Carol), do britânico Charles Dickens (1812-1870), está,
certamente, entre as histórias mais difundidas da literatura ocidental. O enredo nos traz a
figura de Scrooge, um rabugento homem de negócios de Londres, sovina e solitário, que não
demonstra um pingo de bons sentimentos e compaixão para com os outros. Não deixa que
ninguém rompa sua carapaça e preocupa-se apenas com seus lucros. No frio natalino, ele é
visitado pelo fantasma de Marley, seu sócio, morto há algum tempo. Esta visita muda a sua
vida. A história foi escrita entre outubro e novembro de 1843, para ser publicada em capítulos
de jornal, com ilustrações de John Leech, em dezembro do mesmo ano. O enredo é familiar a
todos: foi filmado várias vezes, televisionado, adaptado para o teatro, para crianças,
transformado em desenho animado e até em histórias em quadrinhos. Até mesmo a figura de
Scrooge teve descendentes, já que o nome original do Tio Patinhas, personagem de Walt
Disney, é Uncle Scrooge.
Se a história das aventuras natalinas de Scrooge é a mais conhecida de Dickens, também é
verdade que o escritor figura entre os romancistas mais conhecidos no mundo inteiro, e que, na
história da literatura ocidental, poucos autores gozaram em vida de tanto prestígio entre seus
leitores, seus conterrâneos e seus contemporâneos quanto ele.
Charles Dickens nasceu no período de regência georgiana, mas foi do período vitoriano
(1837-1901) que se tornou a mais alta e popular figura cultural. Em uma Inglaterra
militarmente forte, politicamente avançada e comercialmente potente, os reflexos da
Revolução Industrial penetravam no dia a dia das pessoas. Fábricas e manufaturas eram
incrementadas, assim como as exportações britânicas; a distância entre o interior e a capital
diminuía, graças às ferrovias que passaram a interligar o país; leis de livre-comércio
incentivavam o capitalismo nascente; a taxa de analfabetismo era cada vez mais baixa, e as
pessoas consumiam os inúmeros jornais que eram, afinal de contas, o principal e único meio
de comunicação de massa em um mundo que ainda não conhecia nem a televisão e nem o
rádio, e no qual a fotografia recém dava os primeiros passos.
A curiosidade por notícias a respeito de um mundo que se tornava cada vez mais rápido
certamente atraía os leitores para os diversos tipos de publicações jornalísticas existentes,
mas o crescimento da imprensa nessa época não se deve apenas a isto: o folhetim (formato no
qual foi originalmente publicado Um conto de Natal) teve papel fundamental na fixação deste
hábito de leitura. O livro era um artigo de luxo, que apenas cidadãos ricos podiam adquirir.
Mas o jornal era barato e trazia sempre um romance-folhetim (uma história publicada em
capítulos – geralmente semanais ou mensais – e às vezes ilustrada por desenhos). Antes,
falava-se sobre a vida de vizinhos ou de visitantes de pequenas cidades; aos poucos as
cidades foram crescendo e se foi dando preferência por falar sobre os personagens
folhetinescos e especular sobre o destino destes. E os personagens dos folhetins de Dickens
eram os preferidos entre os ingleses.
Para serem viáveis economicamente, os jornais precisavam vender muito, e uma maneira
de manter a vendagem alta era, em cada número, oferecer ao público um capítulo de uma
história apetitosa, com muitos acontecimentos, reviravoltas de enredo, casos de amor ou
mistério, atiçando sempre a curiosidade do leitor. Dickens tornou-se um mestre em compor
enredos tão bons e bem-escritos, tão repletos de personagens vivos e significativos dentro da
realidade vitoriana que prolongavam-se por meses, às vezes anos, em capítulos que, reunidos
em formato de livro, chegam a 600, 800 páginas.
A literatura de Dickens com certeza só obteve êxito na sua época porque bancários,
banqueiros, funcionários e donos de fábricas, magistrados, homens de negócio e donas de
casa, todos gostavam do modo como o escritor mostrava o mundo. Dickens celebrava, é certo,
as maravilhas do mundo moderno e do capitalismo nascente, das quais ele mesmo usufruiu
(pois, nascido em uma família miserável, galgou a carreira jornalística até tornar-se um rico
romancista, coisa só permitida pela elasticidade social moderna), mas nunca deixou de
apontar as chagas deste mesmo mundo.
Colocou-se sempre ao lado dos velhos, dos órfãos desamparados, das crianças
desumanamente empregadas na indústria, dos pais de família desempregados. Percebeu o
susto da família vitoriana com a realidade de uma Inglaterra possante, sim, mas também
mutante, antes mesmo que ela o fizesse. Em sua literatura, lamentou sobre a simplicidade e a
inocência perdidas e, de modo engajado e edificante – na melhor acepção do termo –, tentou
trazer à tona os melhores sentimentos das pessoas, sem nunca deixar de lado o entretenimento.
São estes conflitos modernos da vida real, de perda de valores ancestrais e familiares, de
degradação dos laços sociais, que Dickens resolve na literatura e, especificamente, em Um
conto de Natal, mas sem jamais manchar, ofender ou criticar abertamente as instituições
vitorianas. Tanto foi assim que famílias inteiras reuniam-se ao redor da mesa de jantar para
acompanhar as peripécias dos personagens, cada vez que um periódico trazia um novo
capítulo. Toda a obra de Dickens é um exercício de equilíbrio, realizado dentro dos estreitos
limites da denúncia social e do otimismo e moralismo vitorianos (como apontar falhas na
organização social do país mais rico e poderoso de então?). Dickens esteve entre os primeiros
a detectar os males da sociedade moderna, ainda mais partindo do coração da poderosa
Inglaterra vitoriana, e Scrooge, com sua ganância pelo lucro, é o seu símbolo maior para toda
a crueldade do capitalismo selvagem. Deste modo, onde ainda houver sentimentos de
solidariedade para com os excluídos, amor às reuniões familiares, vontade de congregação
entre as pessoas e estranheza frente às frias relações de comércio e trabalho, Um conto de
Natal continuará atual.
UM CONTO
DE NATAL
Capítulo I
O fantasma de Marley
Para começar a história, Marley estava morto. Não havia a menor dúvida quanto a isso. O
atestado foi assinado pelo escrivão, pelo sacerdote, pelo agente funerário e pelo encarregado
do enterro. Scrooge também assinou, e sua assinatura era sempre bem-vinda, tanto na Bolsa
quanto em qualquer outro lugar.
Sim, o velho Marley estava tão morto quanto uma pedra.
Veja bem: não quero dizer com isso que eu saiba, por experiência própria, como é estar
morto como uma pedra. Na verdade, se tivesse de fazer uma comparação, acho que não há
nada mais morto do que a lápide de um túmulo. Quem inventou esta antiga expressão foram os
nossos sábios antepassados, e não serei eu quem vai querer mudá-la,
senão, daqui a pouco, tudo estará de pernas para o ar. Deixe-me, portanto,
repetir com toda ênfase: Marley estava tão morto quanto uma pedra.
Scrooge sabia que ele estava morto? Claro que sabia. Como não iria
saber? Scrooge e ele foram sócios por não sei quantos anos. Scrooge era
seu único testamenteiro, além de ser também seu único administrador,
procurador, herdeiro, amigo e o único que chorou a sua morte. Apesar
disso, não ficou tão abalado a ponto de esquecer que era um homem de
negócios e, assim, fechou um belo negócio ainda no dia do funeral, tornando essa data
inesquecível.
Por falar no enterro de Marley, volto ao começo. Não há dúvida alguma de que Marley
estava morto. Isso precisa ficar bem claro, ou nada de espantoso sairá desta história. Se antes
do início da peça não estivéssemos totalmente convencidos de que o pai de Hamlet estava
morto, não haveria nada de estranho no fato de ele estar passeando à noite, sob o vento leste,
no alto de uma das torres de seu castelo, como qualquer senhor de meia-idade faz quando sai à
noitinha para tomar um pouco de ar fresco em um lugar qualquer onde sopre uma brisa
agradável – como no cemitério da catedral de Saint Paul, por exemplo. Isso dificilmente
provocaria o menor espanto à cabeça fraca de seu filho.
Scrooge nunca mandou apagar de seu escritório o nome do antigo sócio. E lá estava ele,
anos depois, gravado sobre a porta da firma: Scrooge & Marley. A firma era conhecida como
Scrooge & Marley. Às vezes, os novatos chamavam Scrooge de Scrooge e, outras vezes, de
Marley, mas ele atendia sempre, pois dava tudo no mesmo.
Scrooge era um tremendo pão-duro! Um velho sovina, avarento,
mesquinho, unha de fome e ganancioso! Duro e áspero como uma
pedra de amolar, não era possível arrancar dele a menor faísca de
generosidade. Era solitário e fechado como uma ostra. A sua frieza
congelou o seu rosto e encompridou ainda mais o seu nariz pontudo,
murchou suas bochechas e endureceu seu caminhar; deixou seus
olhos vermelhos, azulou seus lábios finos e tornou ferino o tom de
sua áspera voz. Uma camada de gelo cobria sua cabeça, suas
sobrancelhas e seu queixo áspero. Onde ia, levava consigo sua
frieza, que gelava o escritório nos dias mais quentes do ano e não
degelava nem um grau no Natal.
O frio e o calor tinham pouca influência sobre Scrooge. Calor algum podia aquecê-lo e
nem o vento de inverno esfriá-lo. Nenhum vento que soprasse era mais áspero que ele,
nenhuma neve que caísse era mais insistente e determinada em seus propósitos e nenhum
temporal podia ser mais desagradável. O tempo ruim não o impressionava. A chuva, a neve e
o granizo só tinham uma vantagem sobre ele: caíam com graça, e Scrooge não tinha graça
alguma.
Ninguém jamais o parou na rua para perguntar-lhe:
– Como vai, meu bom amigo? Quando aparece lá em casa?
Nenhum mendigo lhe pedia um xelim, nenhuma criança se aproximava para lhe perguntar
as horas, nenhum homem ou mulher lhe solicitou, uma única vez, informação sobre qualquer
coisa. Até os cachorros dos cegos pareciam conhecê-lo e, quando ele se aproximava,
arrastavam seus donos para dentro do primeiro portão ou pátio que aparecia, sacudindo o
rabo, como se dissessem:
– Meu caro patrão, é melhor não ter olhos do que ter olhos maus.
Mas Scrooge não estava nem aí! Ele até preferia que fosse assim; o que ele mais gostava
neste mundo era passar através da multidão sem precisar demonstrar qualquer simpatia
humana.
Certa vez – como fazia todos os dias, só que esse dia era véspera de Natal –, o velho
Scrooge estava trabalhando em seu escritório, todo atarefado. Era um dia frio, triste e
enevoado. Dava para ouvir as pessoas lá fora no beco, andando pra lá e pra cá, batendo com
as mãos no peito e sapateando com força no calçamento para se aquecer. Os relógios da
cidade recém haviam batido as três horas, mas já estava tudo completamente escuro. Aliás, o
dia todo não havia sido muito claro. Dentro das janelas dos escritórios vizinhos brilhavam
velas como manchas avermelhadas em um ar denso e marrom. A neblina infiltrava-se por
todas as frestas e buracos de fechadura, e era tão espessa lá fora que, apesar do beco ser
estreito, as casas do outro lado pareciam fantasmas. Ao ver aquela nuvem pesada baixando e
escurecendo tudo, qualquer um pensaria que a Natureza morava ali por perto, fabricava
cerveja sem parar e soltava todo aquele vapor.
A porta do escritório de Scrooge estava aberta, para que ele pudesse controlar o
empregado que logo adiante copiava cartas em um minúsculo cubículo, uma espécie de poço.
Na sala de Scrooge havia um foguinho aceso, mas o do seu empregado era tão minúsculo
que parecia feito de um único carvão. Entretanto, ele não podia reavivar este fogo porque
Scrooge guardava a caixa de carvão em seu escritório e já tinha avisado que, se ele ousasse
entrar lá com a pá, seria imediatamente demitido. Assim, o escrevente dava mais uma volta no
cachecol branco e tentava aquecer-se na chama da vela, objetivo que jamais alcançava.
– Feliz Natal, titio! Que Deus o abençoe! – exclamou a voz alegre do sobrinho de Scrooge,
tão repentinamente que parecia até ter chegado antes de seu dono.
– Bah! – disse Scrooge. – Que bobagem!
O jovem estava tão afogueado pela rápida caminhada em meio ao nevoeiro e à neve, que
todo ele brilhava. Seu rosto estava em brasa, seus olhos cintilavam e seu hálito soltava um
vapor.
– Bobagem o Natal, titio? – disse o sobrinho. – O senhor está brincando?
– Claro que não! – replicou Scrooge. – Que motivos você tem para estar feliz, sendo pobre
desse jeito?
– Se for por isso, que motivos tem o senhor para estar tão mal-humorado, que razões para
estar tão ranzinza, sendo rico desse jeito? – respondeu o sobrinho, alegremente.
Scrooge, sem encontrar resposta melhor, disse apenas:
– Ora! Que bobagem!
– Calma, titio, não se irrite por tão pouco.
– E como posso não me irritar, em um mundo cheio de imbecis? – exclamou o tio. – Ora,
Feliz Natal! Basta de Feliz Natal! O que é o Natal para você, senão a época de não ter
dinheiro para pagar sequer suas contas? A época de se dar conta de que está um ano mais
velho e nem uma hora mais rico; o momento para fazer um balanço nos livros de contabilidade
e ver que cada item, nestes doze últimos meses, só lhe trouxe prejuízo? Por mim – continuou
Scrooge, indignado –, cada idiota que saísse por aí desejando Feliz Natal deveria ser fervido,
misturado junto com seu bolo de Natal e enterrado com um galho de pinheirinho no coração,
isso sim!
– Titio...! – suplicou o sobrinho.
– Meu sobrinho! – respondeu o tio, acidamente. – Passe o Natal como bem entender e
deixe que eu passe o meu à minha maneira.
– Como, à sua maneira? O senhor não o passa de maneira alguma!
– Então me deixe em paz e tire dele um bom proveito. O mesmo proveito que sempre tirou!
– disse Scrooge.
– Muitas coisas boas me aconteceram sem que eu tirasse proveito algum, e o Natal é uma
delas – replicou o sobrinho. – Apesar de ser uma festa sagrada, não a vejo somente assim, mas
também como uma época muito agradável: uma época de gentileza, perdão, caridade e alegria.
A única que eu conheço, no longo calendário do ano, na qual homens e mulheres parecem
abrir de boa vontade seus corações fechados e pensar nas pessoas mais pobres como seus
legítimos companheiros na viagem para o túmulo, e não como uma raça estranha, viajando
para um outro lugar. Por isso, titio, embora o Natal nunca tenha colocado uma moeda de ouro
ou de prata no meu bolso, ainda acho que ele me fez – e fará, ainda – muito bem. E que Deus o
abençoe!
O empregado, sem se dar conta, aplaudiu lá do seu cubículo. Percebendo imediatamente a
gafe, começou a mexer no fogo – e acabou apagando o resto da chama que lhe aquecia.
– Se eu escutar mais um pio, você irá festejar o Natal no olho da rua! – xingou Scrooge.
Depois virou-se para o sobrinho e acrescentou – Você é realmente um orador extraordinário;
por que não se candidata ao Parlamento?
– Não se zangue, titio, deixe disso! Vamos, venha cear conosco, amanhã.
Scrooge disse que preferia mesmo era ir para o... Sim, é isso mesmo. Pronunciou a frase
toda e disse que preferia ir para o inferno, do que ir cear com eles.
– Mas por quê? – insistiu o sobrinho.
– Por que você se casou, afinal? – foi a resposta de Scrooge.
– Porque me apaixonei.
– Porque se apaixonou! – resmungou Scrooge, como se essa fosse a única coisa do mundo
ainda mais ridícula do que um Feliz Natal. – Tenha um bom dia!
– Um momento, titio! Você nunca me visitou antes de meu casamento. Por que agora usa
isso como desculpa para não vir?
– Tenha um bom dia! – repetiu Scrooge.
– Não quero nada que é seu, não estou lhe pedindo nada. Por que não podemos ser
amigos?
– Tenha um bom dia!
– Sinto muito, do fundo do coração, pela sua teimosia. Nunca nos desentendemos, ao
menos por minha culpa. Tentei uma aproximação por causa do Natal e por isso pretendo
manter até o final o meu bom humor natalino. Então, feliz Natal, titio!
– Tenha um bom dia!
– E feliz Ano-Novo!
– Tenha um bom dia!
Apesar de tudo, o sobrinho saiu do escritório sem uma palavra de raiva. Parou na porta da
rua para desejar boas-festas ao empregado, o qual, embora estivesse enregelado, foi mais
caloroso que Scrooge, retribuindo cordialmente os votos.
– É outro maluco...! – resmungou Scrooge, que tinha ouvido a conversa dos dois. –
Ganhando quinze xelins por semana, com mulher e filhos para sustentar, ainda vem falar em
feliz Natal... Vou acabar em um hospício!
O maluco de quem ele falara, ao abrir a porta para o sobrinho de Scrooge sair, tinha
deixado entrar outras duas pessoas. Eram dois cavalheiros de boa aparência que, agora,
aguardavam em pé no escritório de Scrooge, com as pastas e os chapéus na mão. Eles
seguravam livros e papéis e cumprimentaram-no com a cabeça.
– Scrooge & Marley, presumo – disse um deles, consultando sua lista. – Tenho o prazer de
falar com o senhor Scrooge ou com o senhor Marley?
– Marley morreu há sete anos – respondeu Scrooge. – Esta noite estão fazendo exatos sete
anos da sua morte.
– Sim, mas estamos certos de que a generosidade da firma permanece representada pelo
seu único sócio sobrevivente – disse o cavalheiro, entregando seu cartão de apresentação.
Ao ouvir a ameaçadora palavra “generosidade”, Scrooge amarrou a cara, balançou a
cabeça e devolveu o cartão de apresentação ao homem.
– Nesta época de festas, senhor Scrooge – disse um dos cavalheiros, pegando uma caneta
–, torna-se ainda mais urgente que façamos doações aos necessitados, os quais têm
sofrido muito ultimamente. Milhares de pessoas não têm
como satisfazer suas necessidades mínimas, e outras centenas
de milhares vivem sem o menor conforto.
– Mas não há prisões?
– Sim, muitas – disse o cavalheiro, largando a caneta.
– E as casas de trabalho forçado? – perguntou Scrooge. –
Ainda estão funcionando?
– Infelizmente estão – confirmou o homem. – Quem dera
pudesse dizer o contrário.
– As leis dos trabalhos forçados e contra os mendigos
ainda estão em vigor?
– A pleno vapor, senhor.
– Ah, levei um susto! Pelo jeito que o senhor falou eu
pensei que tivesse acontecido alguma coisa capaz de impedir o funcionamento dessas
instituições tão úteis. Fico feliz em saber que estão bem.
– Estamos tentando recolher fundos para dar algo de comer e beber para os pobres, e o
mínimo para que possam se aquecer, porque estamos convencidos de que essas instituições
têm muito pouco a dar para aliviar as necessidades da mente e do corpo dessa gente –
respondeu o cavalheiro. – Escolhemos esta época do ano porque, entre todas, é aquela na qual
a Necessidade mais se faz sentir duramente e a Abundância tem mais prazer em dividir. Qual
será a sua contribuição? Que quantia posso colocar em seu nome?
– Nenhuma.
– Prefere que o seu nome não apareça?
– Prefiro que me deixem em paz – falou Scrooge. – Já que os senhores querem saber o que
penso, eis minha resposta. Não festejo o Natal e não me dou ao luxo de alegrar vagabundos.
Contribuo para o sustento das instituições de que falei antes, e isto é o bastante. Quem estiver
passando necessidade, que procure por elas.
– Muitos não podem fazer isso, e outros preferem a morte.
– Que morram, então – disse Scrooge. – Ajudarão, ao menos, a evitar o excesso da
população. E além do mais, desculpem, mas estou me lixando para tudo isso.
– Pois não deveria – observou o cavalheiro.
– Isso não é da minha conta. Já é mais do que o suficiente que um homem se ocupe de seus
próprios negócios, sem atrapalhar os dos outros. Os meus ocupam todo o meu tempo. Boatarde, senhores!
Os dois cavalheiros, percebendo que seria inútil insistir, retiraram-se. Scrooge retomou
seu trabalho ainda mais satisfeito consigo mesmo e com um humor melhor do que nunca.
Enquanto isso, a neblina e a escuridão tinham ficado tão densas que algumas pessoas
surgiram com tochas, oferecendo-se para mostrar o caminho a quem estava a cavalo ou em
carruagens. A antiga torre de uma igreja, cujo velho sino espiava disfarçadamente para
Scrooge do alto de uma janela gótica, ficou invisível e deu as horas dentro das nuvens, com
vibrações trêmulas, como se lá no alto a sua cabeça gelada estivesse batendo os dentes. O frio
aumentava. Na esquina da rua principal, alguns operários que estavam consertando a
tubulação de gás acenderam um grande fogo em um fogareiro, e logo se reuniu uma pequena
multidão de homens e rapazes maltrapilhos em volta dele, esquentando as mãos e piscando os
olhos, deliciados. Na fonte pública abandonada, uma gota prestes a pingar congelou-se e virou
um pedaço solitário de gelo. O brilho das lojas iluminadas, com as vitrines decoradas com
ramos de pinheiro e cerejinhas, avermelhava os rostos pálidos dos que passavam. As
mercearias pareciam uma verdadeira festa, e era impossível acreditar que coisas tão fúteis
quanto a compra, a venda e a pechincha tivessem alguma coisa a ver com elas. O prefeito, em
sua poderosa prefeitura, dava ordens a seus cinquenta cozinheiros e empregados, para garantir
que o Natal fosse comemorado com toda a fartura que merecia a casa oficial. E até o alfaiate,
que havia sido multado por andar bêbado pelas ruas, preparava a massa para o bolo de Natal
em sua pequena casa, enquanto sua esposa magrela saía com o filhinho para comprar carne.
E cada vez mais névoa e frio! Um frio cortante, agudo, penetrante! Se o bom São Dunstan,
padroeiro dos ferreiros, tivesse salpicado o nariz do diabo com um pouco desse clima, em vez
de usar suas armas habituais, aí sim o satã urraria com toda sua força.
O dono de um minúsculo e jovem nariz, corroído pelo esfomeado frio como um osso roído
por um cão, parou na porta de Scrooge para alegrá-lo com um canto de Natal. Mas assim que
ouviu os primeiros sons:
Deus o abençoe, feliz cavalheiro!
Que nada o faça desesperar!
Scrooge agarrou a régua com tanta raiva que o garoto fugiu apavorado, deixando a porta
entregue à neblina e ao frio, bem mais acolhedores que o dono da casa.
Finalmente a hora de fechar o escritório soou. De má vontade, Scrooge desceu de seu alto
tamborete e avisou o ansioso escrevente em seu cubículo, que tratou logo de soprar a vela e
botar o chapéu na cabeça.
– Suponho que vá querer tirar uma folga amanhã, não é? – perguntou Scrooge.
– Se não for incomôdo...
– É incômodo e injusto – disse Scrooge. – Se eu quisesse descontar este dia do seu
salário, você acharia errado, não é?
O empregado sorriu amarelo.
– Mas acha certo que eu lhe pague um dia de salário sem que você trabalhe – continuou
Scrooge.
O empregado disse que isso acontecia somente uma vez por ano.
– Uma desculpa muito esfarrapada para meter a mão no bolso de um homem
a cada 25 de dezembro! – exclamou Scrooge, abotoando o casacão até o queixo.
– Mas não tem solução! Então trate de chegar bem cedo na manhã seguinte!
O empregado prometeu e Scrooge saiu para a rua, resmungando. Em um minuto o
escritório estava fechado, e o empregado, com as longas pontas do cachecol branco que lhe
iam até a cintura (pois não podia se dar ao luxo de ter um casacão), comemorou a véspera de
Natal deslizando vinte vezes num escorregador, em um parque, antes de ir correndo para casa
brincar de cabra-cega.
Scrooge comeu o seu triste jantar na não menos triste taberna de sempre e, depois de ler
todos os jornais e examinar a sua conta bancária, foi para casa dormir. Ele morava em um
lugar que tinha pertencido ao seu falecido sócio, uma série de quartos sombrios num prédio
muito estranho, esquecido no fundo de um pátio. Não se podia deixar de imaginar que o prédio
havia corrido para lá quando era um prédio-criança, brincando de esconde-esconde com os
outros, e acabou esquecendo o caminho de volta, ficando lá para sempre. Agora estava velho e
assustador, pois afora Scrooge, ninguém mais morava lá, e as outras peças serviam de
escritório. O pátio estava tão escuro que até mesmo Scrooge, que conhecia cada pedra dele, se
viu obrigado a tatear para achar o caminho. A bruma e o gelo se acumulavam de tal jeito sobre
o velho e negro portão do prédio, que parecia que o Gênio das Estações tinha sentado na
soleira da porta para ali fazer alguma fúnebre meditação.
A tranca da porta do prédio era muito grande. Scrooge a via
todos os dias, de manhã e à noite, desde que tinha se mudado
para lá. Ele era um homem totalmente sem imaginação, como
qualquer homem do centro financeiro de Londres, incluindose aqui os membros da municipalidade, os assessores e os
criados, o que não é pouca coisa. Naquele dia, ele lembrou
de Marley uma só vez, quando disse aos visitantes que o
sócio tinha morrido há sete anos. Por isso, achou estranho, ao
colocar a chave na fechadura, ter visto na tranca, sem que ela
tivesse passado por qualquer mudança nesse meio-tempo, não
uma tranca, mas o rosto de Marley.
Sim, o rosto de Marley. Ele não estava na escuridão,
como os outros objetos no pátio, mas iluminado por uma luz fraca, e chamava a atenção como
uma lagosta estragada em uma despensa escura. Não estava irritado nem colérico, mas olhava
para Scrooge do jeito que Marley costumava olhar, com uns óculos fantasmagóricos
levantados sobre uma fantasmagórica testa. Os cabelos se moviam de uma maneira estranha,
como se uma brisa ou uma baforada de ar quente soprasse neles, e os olhos, embora
estivessem arregalados, não se mexiam. Tudo isso e mais a sua cor pálida o tornavam
assustador. Mas o horror parecia não ter nada a ver com o rosto, agindo por conta própria e
sem fazer parte de sua expressão.
Scrooge viu tudo isso e a tranca voltou ao normal.
Seria mentira dizer que ele não se abalou, que não se deu conta de que, desde a infância,
não tinha uma sensação tão estranha. Mesmo assim, pôs a mão na chave novamente, girou-a
com decisão, entrou e acendeu a vela.
Na verdade, chegou a parar, em um momento de indecisão, antes de fechar a porta, e deu
uma olhada atrás dela, quase esperando ser aterrorizado pela visão de Marley. Porém não
havia nada atrás da porta, só os parafusos e as porcas que prendiam a tranca. Então ele gritou
“Xô! Xô!” e fechou a porta com um estrondo.
O som ecoou pela casa como um trovão. Cada quarto do andar de cima e cada barril da
adega, no porão, pareciam ter uma série de ecos particulares e isolados. Mas Scrooge não era
homem de se assustar com ecos. Trancou a porta, atravessou o corredor e subiu a escada
lentamente, segurando a vela.
A escada era tão larga que daria para carregar um caixão no sentido da largura, com a
cabeça apontando para a parede e os pés para o corrimão, e ainda sobrava espaço. Talvez
tenha sido por isso que, na semiescuridão, pareceu a Scrooge que um carro fúnebre subia na
sua frente. Meia dúzia de lampiões de gás na rua não eram suficientes para iluminar bem a
entrada, e por aí se vê como era grande a escuridão daquele lugar.
Mas Scrooge não ligou a mínima e continuou a subir. A escuridão era de graça, e Scrooge
gostava disso. Antes de fechar a pesada porta, deu uma olhada em todas as peças para ver se
estava tudo em ordem. A imagem do rosto ainda estava bem viva na sua memória, por isso fez
uma boa vistoria.
Sala de estar, quarto de dormir, despensa, tudo em ordem. Ninguém debaixo da mesa ou
do sofá. Uma chama fraca na lareira. Colher e prato à mão. Uma panela de sopa de aveia
(Scrooge estava com um princípio de resfriado) estava sobre o fogão. Ninguém debaixo da
cama, ninguém no armário, ninguém no camisolão pendurado em uma atitude suspeita contra a
parede. Tudo certo no depósito de lenha, como sempre. A grade enferrujada da lareira, um
velho par de sapatos, dois cestos de pesca, uma bacia em um tripé e um atiçador de brasas.
Satisfeito, fechou a porta e trancou-a com tranca dupla, coisa que não costumava fazer.
Prevenido contra qualquer surpresa, tirou a gravata, vestiu o chambre, calçou os chinelos e
sentou-se para tomar a sua sopa em frente ao fogo.
Era realmente um fogo fraco demais para uma noite fria como aquela. Foi preciso se sentar
bem perto, inclinar-se sobre ele, para poder tirar daquele punhadinho de brasas alguma
sensação de calor. A lareira era antiga, construída há muito tempo por algum mercador
holandês, toda enfeitada de azulejos e ilustrada com cenas da Bíblia. Havia diversas imagens
de Caim e Abel, as filhas do Faraó, a rainha de Sabá, anjos mensageiros descendo dos céus
em nuvens que pareciam feitas com plumas de colchão, Abraãos, Baltazares, apóstolos saindo
para o mar em pequenos barcos, centenas de figuras para distraí-lo. E, no entanto, o rosto de
Marley, morto há sete anos, surgia do nada, como o cajado do antigo profeta, eliminando todo
o resto. Se cada azulejo fosse liso e branco, e neles pudessem se formar as imagens
desconjuntadas dos pensamentos de Scrooge, haveria em cada um uma cópia da cabeça do
velho Marley.
– Que bobagem! – exclamou Scrooge, dando voltas pelo quarto.
Depois de andar de lá para cá por algum tempo, sentou-se de novo. Quando apoiou a
cabeça na poltrona, seus olhos viram casualmente uma velha campainha fora de uso que ficava
pendurada no quarto para se comunicar, por alguma razão que agora não lembrava, com
alguma peça no andar de cima. Foi com grande espanto e com um estranho e inexplicável
terror que Scrooge percebeu que a campainha começou a se agitar. A princípio tocou tão leve
que mal se podia ouvir, mas, de repente, começou a tocar com toda a força, junto com as
outras campainhas da casa.
Isso pode ter durado meio minuto, mas pareceu ter sido uma hora. As campainhas pararam
do mesmo modo como haviam começado: todas ao mesmo tempo. Em seguida, ouviu-se um
ruído áspero vindo do andar de baixo, como se alguém estivesse arrastando uma pesada
corrente sobre os barris da adega do comerciante de vinhos, no porão. Scrooge se lembrou de
ter ouvido falar que fantasmas em casas mal-assombradas costumam arrastar correntes.
Então a porta da adega se abriu com um ruído muito forte, e Scrooge escutou ruídos cada
vez mais altos no andar de baixo; eles subiam pelas escadas e vinham em direção à porta.
– Mais bobagens! – disse Scrooge. – Não vou acreditar nisso.
Mas ele mudou de cor quando o barulho passou através da pesada porta e entrou na peça,
bem diante de seus olhos. No mesmo instante, a chama quase apagada se acendeu, como se
quisesse gritar: “Eu o conheço, é o fantasma de Marley!”, e voltou a se apagar.
Era o mesmo rosto; exatamente o mesmo. Marley, com seu cabelo preso em um rabicho, o
mesmo colete, as mesmas calças justas e as botas de sempre. As borlas das roupas, o rabicho,
as abas do casaco e os cabelos no alto de sua cabeça estavam todos arrepiados. A longa
corrente que arrastava estava presa à sua cintura e se enrolava atrás dele como uma cauda.
Vendo-a mais de perto, Scrooge percebeu que era feita de cofrinhos, chaves, cadeados, livros
contábeis, escrituras e bolsas pesadas, tudo de ferro.
O corpo de Marley era transparente, e Scrooge podia ver através do colete os dois botões
nas costas do seu casaco. Várias vezes Scrooge tinha ouvido dizer que seu sócio era um
homem sem entranhas, mas até aquele momento não acreditara nisso.
E tampouco podia acreditar agora. Embora visse o Fantasma de Marley na sua frente;
embora sentisse a influência enregelante de seus olhos, frios como a morte, e reparasse até
mesmo na grossura do lenço amarrado em torno de seu queixo e de sua cabeça, que não havia
reparado antes, ainda assim não acreditava e lutava contra aquilo que os seus próprios olhos
mostravam.
– Então! – disse Scrooge, frio e mordaz como sempre. – O que quer de mim?
– Muita coisa – respondeu a voz, que era, sem dúvida nenhuma, de Marley.
– Quem é você?
– Pergunte quem eu era.
– Que seja: quem era você, então? – perguntou Scrooge, erguendo a voz. – Você é
estranho demais para um simples fantasma.
– Em vida, fui seu sócio Jacob Marley.
– Você pode... quer dizer, consegue se sentar? – perguntou Scrooge, com um olhar cheio
de dúvidas.
– Sim, posso.
– Sente-se, então.
Scrooge fez a pergunta pois não sabia se um fantasma tão transparente teria condições de
sentar-se em uma cadeira, e caso isso fosse impossível, poderia ocorrer a necessidade de uma
explicação embaraçosa. Mas o Fantasma sentou-se do outro lado da lareira, como se estivesse
habituado a fazer isso.
– Você não acredita em mim – observou o Fantasma.
– Claro que não.
– E que provas deseja de que eu existo, além daquelas que os seus olhos e ouvidos já lhe
deram?
– Não sei.
– Por que duvida de seus sentidos?
– Porque qualquer coisinha os afeta. Uma ligeira indisposição do estômago pode enganálos. Você pode ser a consequência de um pedaço de bife mal digerido, um grão de mostarda,
um naco de queijo ou um pedaço meio cru de batata.
Scrooge não tinha o hábito de fazer piadas e, do fundo do seu coração, naquele momento,
não estava com nenhuma vontade de fazer graça. A verdade é que ele tentava ser engraçado
para distrair a sua própria atenção e diminuir seu terror, já que a voz do Fantasma o
apavorava até a medula dos ossos.
Scrooge sentia que ficar ali sentado em silêncio, por alguns momentos, olhando para
aqueles olhos fixos e imóveis, lhe daria nos nervos. Além disso, havia algo de horrendo
envolvendo o espírito, que tornava infernal a atmosfera ao seu redor. Scrooge não podia sentir
isso, mas claramente era o que ocorria, porque o Fantasma estava completamente imóvel,
porém seus cabelos e suas roupas se agitavam como se estivesse soprando o vapor quente de
um forno sobre eles.
– Está vendo este palito? – perguntou Scrooge, tentando novamente desviar de si, ao
menos por um instante, o olhar petrificado da aparição.
– Estou – respondeu o espírito.
– Você não está olhando para ele – disse Scrooge.
– Não importa – respondeu o Fantasma. – Mesmo assim, estou vendo.
– Basta! – disse Scrooge. – Não vou engolir isso, nem passar o resto da minha vida sendo
perseguido por uma legião de diabinhos que eu mesmo criei. Bobagens! Tudo não passa de
uma grande bobagem!
O Fantasma, em resposta, deu um grito tão assustador e sacudiu as correntes com um som
tão apavorante, que Scrooge se agarrou com todas as forças à cadeira para não cair
desmaiado. Seu horror aumentou ainda mais quando o Fantasma retirou a atadura em volta do
queixo, como se estivesse quente demais para usá-la ali dentro, fazendo com que seu maxilar
inferior caísse até o peito.
Scrooge caiu de joelhos e exclamou, cobrindo o rosto com as mãos:
– Piedade! Por que veio me atormentar, cruel aparição?
– Homem de imaginação limitada – disse o espírito –, acredita agora em mim?
– Sim, sim, acredito! – exclamou Scrooge. – Como não acreditaria? Mas por que os
espíritos estão andando pela Terra? E por que vêm me visitar?
– Exige-se de todo homem que o espírito dentro dele visite os seus semelhantes, viajando
a lugares distantes. Mas se ele não fizer isso enquanto estiver vivo, terá de fazer depois da
morte. É obrigado – pobre dele! – a vagar pelo mundo e a ver acontecimentos dos quais não
pode mais participar, mas deveria ter participado quando ainda estava na Terra,
transformando-os em felicidade!
O Espírito deu outro grito pavoroso, sacudiu novamente a corrente e torceu suas mãos
fantasmagóricas.
– Você está acorrentado – disse Scrooge, tremendo. – Diga-me por quê.
– Carrego a corrente que fiz em vida – respondeu o Fantasma. – Fiz cada um destes elos,
metro por metro, e enrolei-os em volta da cintura, por minha livre vontade, e por livre vontade
arrasto-os por toda a parte. Olhe para esta corrente, não se parece com alguma que você
conhece?
Scrooge tremia cada vez mais.
– Ou você saberia o peso e o comprimento da corrente que você mesmo carrega? Há sete
Natais, ela era tão pesada e comprida como esta. Desde então você tem feito de tudo para
aumentá-la, e agora ela está pesadíssima!
Scrooge olhou ao redor, por toda a peça, esperando se ver rodeado por uma imensa
corrente de ferro. Mas não conseguiu ver coisa alguma.
– Jacob! – disse ele, implorando. – Velho Jacob Marley, me conte mais. Dê uma palavra
de consolo à minha pobre alma, Jacob!
– Não tenho nenhuma palavra de consolo para dar – respondeu o Espírito. – O consolo
vem de um outro lugar, Ebenezer Scrooge, e é dado por outros mensageiros a outros tipos de
homens. Não posso nem lhe dizer tudo o que gostaria. Tenho muito pouco tempo. Não posso
descansar, nem ficar aqui ou em lugar algum. Escute agora o que tenho para lhe dizer: meu
espírito nunca foi além de nosso escritório – ai de mim! –, nem nunca saiu dos limites estreitos
de nossa caixa registradora. Agora, longas viagens me esperam!
Scrooge tinha o costume de pôr as mãos nos bolsos das calças toda vez que estava
preocupado. E, enquanto pensava sobre o que o Espírito tinha dito, fez o mesmo gesto, mas
sem levantar os olhos ou ficar de pé.
– Você deve estar viajando muito devagar, Jacob – observou Scrooge, como quem está
tratando de negócios, ainda que em um tom mais humilde e respeitoso.
– Devagar?! – repetiu o Espírito.
– Sim... – murmurou Scrooge. – Morto há sete anos e viajando até agora?
– O tempo todo. Sem descanso nem paz, em um remorso sem-fim e torturante.
– E viaja depressa? – quis saber Scrooge.
– Nas asas do vento – respondeu o Espírito.
– Poderia ter percorrido uma boa distância nestes sete anos – disse Scrooge.
Ao ouvir isso, o Espírito deu outro grito e fez as correntes ressoarem de forma tão
pavorosa no silêncio da noite que a polícia teria toda a razão em acusá-lo de perturbar a
ordem pública.
– Oh, cativo, aprisionado e duplamente acorrentado... – gritou o Fantasma. – Sem saber
que séculos de trabalho incessante das criaturas imortais nesta Terra passarão para a
eternidade antes que todo o bem de que ela precisa se converta em realidade. Sem saber que
um espírito cristão e caridoso, agindo em sua pequena área, seja ela qual for, descobrirá que
sua vida mortal é curta demais para possibilidades tão grandes de aplicação. Sem saber que
não há remorso que pague as oportunidades perdidas da vida! No entanto, eu era assim!
Exatamente assim!
– Mas você sempre foi um excelente homem de negócios, Jacob! – gaguejou Scrooge,
tentando justificar a si mesmo com aquelas palavras.
– Negócios?! – gritou o Fantasma, torcendo novamente as mãos. – A busca da fraternidade
e do bem comum é que deveria ter sido o meu negócio. A caridade, a misericórdia, a
tolerância, a paciência, a bondade, tudo isso era parte do meu negócio e eu não sabia. Meus
assuntos financeiros eram apenas uma gota d’água no enorme oceano dos meus negócios!
Ele esticou os braços e ergueu suas correntes, como se elas fossem a causa de seu
inconsolável sofrimento, e depois deixou-as cair pesadamente ao chão.
– Nesta época do ano, meu sofrimento aumenta – disse o Fantasma. – Por que caminhei
entre as pessoas e não olhei para elas? Por que nunca ergui os olhos para ver a Estrela
Sagrada que conduziu os Reis Magos à manjedoura humilde? Como se não houvesse pobres
casebres para os quais aquela luz poderia ter me conduzido!
Scrooge ficou muito perturbado ouvindo a lamentação do Espírito e começou a tremer.
– Ouça! – exclamou o Fantasma. – Meu tempo está acabando.
– Está bem – disse Scrooge –, mas não seja muito duro comigo, Jacob! Não seja tão
exagerado, por favor!
– Não sei lhe explicar como foi que apareci aqui de uma forma que você pudesse me ver.
Estive sentado ao seu lado, por muitos e muitos dias, sem que você percebesse.
Não era agradável imaginar isso; Scrooge sentiu calafrios e enxugou a testa molhada de
suor.
– Esta não é a parte mais leve do meu castigo – prosseguiu o Fantasma. – Estou aqui, esta
noite, para lhe avisar que você ainda tem uma chance de escapar do meu terrível destino, uma
chance que consegui para você, Ebenezer.
– Você sempre foi um bom amigo para mim – disse Scrooge. – Muito obrigado.
– Três espíritos virão visitar você – disse o Fantasma.
Scrooge ficou quase da cor do Espírito.
– É esta a chance e a esperança de que você falou, Jacob? – perguntou, com a voz trêmula.
– Exatamente.
– Bem... então eu preferiria não ter chance alguma... – disse Scrooge.
– Sem a visita deles, não há esperanças de que você escape do caminho que eu estou
percorrendo. Espere o primeiro amanhã, quando os sinos baterem a primeira hora.
– Não poderiam vir todos juntos e acabarmos logo com isso, Jacob?
– Espere o segundo, na noite seguinte, à mesma hora. E o terceiro na outra, após a última
batida da meia-noite. Não espere me ver de novo, mas, para o seu próprio bem, não esqueça
do que aconteceu entre nós!
Após dizer isso, o Espírito pegou o lenço na mesa e o amarrou em volta da cabeça, como
antes. Scrooge percebeu isso pelo som que os dentes fizeram quando se uniram outra vez pela
bandagem. Só então ousou erguer a cabeça e olhar para o sobrenatural visitante, que
continuava parado à sua frente, em pé, com a corrente enrolada ao redor do corpo e a ponta
pendurada no braço.
O Fantasma andou lentamente para trás. Cada passo que dava, a janela se abria um pouco
mais, de modo que, quando a alcançou, ela já estava completamente aberta. Fez, então, um
sinal para que Scrooge se aproximasse, e ele obedeceu. Quando estavam a apenas dois passos
um do outro, o Fantasma de Marley levantou de novo a mão, avisando Scrooge para não se
aproximar mais. Scrooge parou, não tanto por obediência, mas por espanto e medo. Logo que
o Espírito ergueu a mão, surgiram ruídos confusos no ar. Eram sons estranhos de lamento e
pesar, gemidos cheios de sofrimento e remorso. Após escutá-los por alguns instantes, o
Fantasma juntou-se ao lamentoso cortejo e flutuou em direção à noite escura.
Scrooge correu até a janela e olhou para fora com desesperada curiosidade.
O ar estava cheio de espíritos que vagavam de um lado para o outro, irrequietos e
lamentando-se sem parar. Todos tinham correntes como as do Fantasma de Marley. Alguns
deles (talvez alguns políticos desonestos) estavam acorrentados juntos. Nenhum estava solto.
Scrooge reconheceu alguns antigos conhecidos. Havia um velho fantasma que ele conhecia
melhor, com seu colete branco e um enorme cofre de ferro preso ao tornozelo, que gemia
miseravelmente por não conseguir ajudar uma pobre mulher com uma criança, que berrava lá
embaixo, sob os degraus de uma entrada. Seu sofrimento, e de todos os outros, era querer fazer
o bem na Terra e não conseguir, por ter perdido esse poder para sempre.
Scrooge não saberia dizer se aquelas criaturas se dissolveram na névoa, ou se foi ela que
os envolveu. O fato é que elas desapareceram ao mesmo tempo, com suas vozes
fantasmagóricas, e a noite voltou ao normal, como quando ele chegara em casa.
Scrooge fechou a janela e examinou a porta por onde o Fantasma havia entrado. Estava
com a mesma tranca dupla, tal como ele a fechara, e o cadeado permanecia intocado. Tentou
dizer “Que bobagem!”, mas parou na primeira sílaba. E, fosse lá por que razão – pela emoção
que sentiu, pelo cansaço do dia, pela visão repentina que tivera do Mundo Invisível, pela
misteriosa conversa com o Fantasma, ou, ainda, pela hora –, sentiu que precisava de repouso.
Foi direto para a cama e, sem se despir, ferrou logo no sono.
Capítulo II
O primeiro dos três espíritos
Quando Scrooge acordou, estava tão escuro que, da cama, mal dava para
distinguir a janela transparente das paredes do quarto. Estava tentando
penetrar a escuridão com seus olhos de fuinha, quando o sino de uma
igreja próxima começou a bater. Ele prestou atenção para ver que horas
seriam.
Para seu grande espanto, o pesado sino pulou das seis para as sete, das
sete para as oito e assim foi até as doze, quando finalmente parou. Doze
badaladas! No entanto, já passava das duas quando ele tinha ido se deitar.
O relógio devia estar errado. Poderia ter caído gelo entre suas engrenagens. Doze badaladas!
Ele deu corda no seu próprio relógio, para que ele corrigisse o erro do outro. Seu
pequenino pulsar bateu rapidamente até as doze e depois parou.
– Impossível! – disse Scrooge. – Não posso ter dormido o dia inteiro e metade da noite
seguinte. É possível que tenha acontecido algo com o sol e que já seja meio-dia!
Como a ideia era muito absurda, Scrooge arrastou-se da cama e foi, às apalpadelas, até a
janela. Antes de poder enxergar qualquer coisa, foi obrigado a raspar a geada do vidro com a
manga da roupa e, mesmo assim, não adiantou muito. Só conseguiu ver que ainda havia muita
neblina e que estava muito frio. Não se ouvia o ruído das pessoas andando de um lado para
outro, nem o tumulto que certamente haveria se a noite tivesse engolido a luz do dia e tomado
posse do mundo. Sentiu um grande alívio, porque as promessas de pagamento de dívidas que
as pessoas tinham assinado para ele tinham datas, e perderiam seu valor se não fosse mais
possível contar os dias.
Scrooge voltou para a cama e pensou durante um longo tempo, sem encontrar uma
explicação. Quanto mais pensava, mais confuso ficava. E quanto mais tentava não pensar, mais
ainda pensava.
O Fantasma de Marley continuava a perturbá-lo intensamente. Cada vez que, depois de
muito pensar, dizia a si mesmo que tinha sonhado, sua mente dava um pulo, como uma grande
mola comprimida que salta e retorna à posição inicial, e lhe trazia o mesmo problema: “Foi
um sonho ou não?”.
Scrooge continuou deitado até que os sinos tocaram mais três quartos de hora; lembrou-se,
então, que o Fantasma tinha avisado que uma visita chegaria à uma hora. Decidiu ficar
acordado até que a hora chegasse. E já que a esta altura seria tão difícil alcançar o sono
quanto o paraíso, talvez essa tenha sido mesmo a sua melhor decisão.
Os últimos quinze minutos foram tão longos que mais de uma vez ele chegou a pensar que
havia cochilado, sem ouvir a batida do relógio. Mas, finalmente, as badaladas soaram
nitidamente.
– Dim! Dom!
– Meia-noite e quinze... – contou Scrooge.
– Dim! Dom!
– Meia hora... – disse Scrooge.
– Dim! Dom!
– Quinze para uma...
– Dim! Dom!
– Pronto! – exclamou, em triunfo. – A hora chegou, e nada aconteceu!
Falou cedo demais, pois a badalada que marcava a hora ainda não havia soado. Justo neste
instante, soou uma profunda, sombria, surda e melancólica batida. Em seguida, uma luz forte
iluminou o quarto, e as cortinas da cama foram puxadas.
As cortinas de sua cama foram puxadas, posso lhes garantir, por uma mão. Não as que
estavam aos seus pés, nem às suas costas, mas aquelas para as quais seu rosto estava virado.
Scrooge, erguendo-se abruptamente, viu-se cara a cara com o visitante do outro mundo; tão
perto dele quanto estou, em espírito, sobre o ombro de vocês, neste momento.
Era uma figura estranha, parecia uma criança; não, não era tão parecido com uma criança,
parecia mais um velho visto através de alguma lente sobrenatural; como se ele tivesse sido
afastado da lente até ficar do tamanho de uma criança. Os cabelos brancos, que desciam até os
ombros, denunciavam a sua idade, embora não tivesse uma ruga sequer na pele macia e
delicada. Os braços eram longos e musculosos, assim como as mãos, que pareciam ter uma
força extraordinária. As pernas e pés, muito delicados, estavam nus como os braços. Usava
uma túnica branquíssima e um reluzente cinto, que brilhava muito. Segurava na mão um ramo
verde e fresco de azevinho, e sua roupa, em estranha contradição com aquele símbolo do
inverno, estava enfeitada com flores de verão. O mais estranho de tudo era que, do alto da sua
cabeça, surgia um raio claro e brilhante de luz, que o tornava visível. Era por isso, sem
dúvida alguma, que ele usava como gorro, em suas aparições mais obscuras, um grande
apagador de lampiões que, nesse momento, segurava debaixo do braço.
Entretanto, não era esta qualidade a que mais impressionava Scrooge. Assim como seu
cinto faiscava e cintilava, ora aqui, ora ali – e o que era luz antes, no instante seguinte era
escuridão –, também a sua figura flutuava em uma contínua indefinição: ora era um ser com
apenas um braço, ora com uma única perna, ora com vinte pernas, ora um par de pernas sem
cabeça, ora uma cabeça sem corpo. E cada parte que se dissolvia na densa escuridão não
deixava vestígios. De repente, ele voltava a ser o mesmo, mais definido e claro do que antes.
– É você o espírito que me foi anunciado? – perguntou Scrooge.
– Sim, sou eu!
A voz era suave e gentil. Estranhamente baixa, como se, em vez de estar ao seu lado, o
Espírito estivesse muito longe.
;
– Quem, ou o que, é você?
– Sou o Fantasma dos Natais Passados.
– Natais muito antigos? – perguntou Scrooge, reparando na sua pequena altura.
– Não, de todos os seus Natais.
Scrooge não saberia dizer exatamente o porquê, mas sentiu uma curiosidade irresistível de
ver o Espírito com o gorro na cabeça. Pediu, então, à criatura, que o pusesse.
– Como?! – exclamou o Fantasma. – Deseja apagar tão cedo, com suas mãos terrenas, a luz
que irradio? Não lhe basta ser um daqueles que fabricaram com suas paixões este chapéu,
obrigando-me a enterrá-lo até os olhos por toda a eternidade?
Scrooge declarou respeitosamente não ter tido intenção de ofendê-lo, bem como não ter
consciência de que, em momento algum da sua vida, tivesse encapuzado a cabeça do Espírito.
Depois, criou coragem e perguntou o que ele buscava ali.
– Busco o seu bem – respondeu o Fantasma.
Scrooge agradeceu lisonjeado, mas não pôde deixar de pensar que uma noite bem-dormida
teria sido muito mais eficaz, neste caso. O Espírito deve ter escutado seus pensamentos, pois
disse logo em seguida:
– Ou melhor, a sua salvação. Portanto, atenção!
O Espírito estendeu sua mão forte, agarrou o braço de Scrooge, com gentileza, e disse:
– Levante-se e venha comigo!
Seria inútil para ele dizer que o tempo e a hora não eram muito próprios para passeios a
pé, nem que a cama estava quente e o termômetro estava muitos graus abaixo de zero; que
estava usando roupas leves, chinelos, camisolão e touca de dormir, ou, ainda, que acordara
resfriado. O aperto daquela mão, embora gentil como o de uma mão feminina, era irresistível.
Levantou-se, mas quando percebeu que o Fantasma o arrastava até a janela, agarrou suas
roupas e implorou:
– Sou um mortal e posso cair!
– Basta que eu toque aí – disse o Espírito, tocando seu coração –, e você se elevará bem
acima disso!
Enquanto dizia estas palavras, atravessou com ele a parede, e chegaram em uma estrada
em meio ao campo. A cidade tinha desaparecido sem deixar qualquer vestígio. Com ela
desapareceram, também, a escuridão e a neblina, e ficou um claro dia de inverno, com a neve
cobrindo o campo.
– Santo Deus! Cresci neste lugar! Passei aqui a minha infância! – exclamou Scrooge,
juntando as mãos ao olhar ao redor.
O Espírito olhou para ele com ternura. O velho ainda
sentia seu toque delicado, embora leve e instantâneo.
Ele percebeu mil odores que flutuavam no ar, cada um
ligado a mil pensamentos, esperanças, alegrias e afetos
esquecidos havia muito, muito tempo!
– Seus lábios estão tremendo – disse o Fantasma. –
E o que é isso em seu rosto?
Scrooge murmurou, com um tom diferente de voz,
que era uma espinha, e implorou ao Fantasma que o
levasse logo aonde pretendia.
– Você lembra o caminho? – perguntou o Espírito.
– Se lembro? Eu poderia andar por aqui de olhos
vendados!– exclamou Scrooge, exultante.
– Estranho que o tenha esquecido por tantos anos! –
observou o Fantasma. – Vamos em frente.
Enquanto caminhavam pela estrada, Scrooge ia reconhecendo cada portão, cada poste e
cada árvore, até que viram uma cidadezinha ao longe, com sua ponte, sua igreja e seu rio
sinuoso. Alguns pôneis de crinas compridas vinham trotando na direção deles, montados por
garotos que falavam aos gritos com outros garotos, que estavam em charretes e carroças
guiadas por camponeses. Todos estavam tão animados, e o campo aberto ficou tão repleto
desta agradável música, que a própria atmosfera cristalina e fria pareceu rir alegremente com
eles!
– São apenas sombras de coisas que não existem mais – explicou o Fantasma. – Elas não
percebem a nossa presença.
Os alegres viajantes se aproximaram e Scrooge os reconheceu um por um, chamando-os
pelo nome. Por que sentia uma alegria infinita ao vê-los? Por que seus olhos frios brilhavam e
seu coração dava pulos enquanto eles passavam? Por que sentiu tanto prazer ao escutar seus
gritos de “Feliz Natal!”, quando se separavam nas veredas e encruzilhadas, cada um a
caminho de sua casa? O que significava um Feliz Natal para Scrooge? Era algo tão distante
dele! O que ele ganharia com isso?
– A escola não está inteiramente deserta – disse o Fantasma. – Uma criança solitária,
esquecida pelos amigos, ainda está lá.
Scrooge disse que sabia quem era e soluçou.
Saíram da estrada, pegando um caminho que ele lembrava muito bem, e logo se
aproximaram de uma sombria casa de tijolos vermelhos, com uma pequena torre com um catavento em cima e um sino dependurado. Era uma casa grande, mas parecia em ruínas. Os
espaçosos aposentos eram pouco usados, as paredes estavam úmidas e cobertas de musgo, as
janelas estavam quebradas e os portões, enferrujados. As galinhas ciscavam e cacarejavam
pelos estábulos, e as cocheiras e os galpões estavam tomados pelo capim. Por dentro, a casa
também estava malcuidada. Ao entrarem no escuro corredor, observaram, pelas portas abertas
dos inúmeros aposentos, que eles estavam todos mal mobiliados, frios e desérticos. Havia um
cheiro de terra no ar, um gélido abandono que, de alguma forma, lembrava muitas noites frias
à luz de velas e muito pouco para se comer.
O Fantasma e Scrooge seguiram em frente, atravessaram o corredor em direção a uma
porta nos fundos da casa. A porta se abriu para um grande aposento, vazio e triste, ainda mais
triste devido às fileiras de bancos e carteiras muito humildes. Sentado em uma delas, um
menino lia, próximo de uma luz fraca. Scrooge sentou-se, também, e chorou ao se ver
miseravelmente abandonado, como sempre acontecia.
Não se ouvia nenhum eco perdido pela casa, nenhum guincho ou ruído de ratos correndo
por trás dos painéis, nenhuma gota semicongelada na fonte do melancólico pátio dos fundos,
nenhum suspiro entre os galhos sem folhas de um velho álamo, nem o indolente ranger da porta
de alguma despensa vazia, ou o crepitar do fogo em uma lareira. Tudo isso fez com que o
coração de Scrooge amolecesse, e suas lágrimas rolaram livremente.
O Espírito tocou seu braço e apontou para o seu sósia juvenil, concentrado em sua leitura.
Subitamente, surgiu na janela um homem vestido com roupas exóticas, inacreditavelmente real
e visível: ele ficou do lado de fora da janela, com um machado preso à cintura, segurando
pelas rédeas um burro carregado de lenha.
– Veja só, é Ali Babá! – exclamou Scrooge, extasiado. – Meu velho e bom Ali Babá! Sim,
é ele mesmo! Em um certo Natal, quando aquele solitário garoto foi deixado aqui, ele surgiu
pela primeira vez, exatamente como agora. Pobre garoto! E lá está Valentino, com Orson, seu
irmão turrão – sim, lá vão eles! Como é mesmo o nome daquele outro, que foi deixado só de
ceroulas, na Porta de Damasco? Não está vendo? E o cavalariço do sultão, que o gênio
pendurou de pernas para o ar! Bem feito para ele! Quem mandou querer casar com a princesa?
Se os colegas negociantes de Scrooge pudessem vê-lo assim, falando destes assuntos com
tanta seriedade, com uma voz que misturava o riso e o choro; se pudessem ver agora a
animação em seu rosto, ficariam realmente muito espantados.
– Lá está o papagaio! – exclamou Scrooge. – Com o corpo verde e o peito amarelo, e um
topete ao alto da cabeça que mais parece uma alface – sim, lá está ele! “Pobre Robinson
Crusoé!”, assim dizia a ave, logo que ele voltou de sua expedição ao redor da ilha. “Pobre
Robinson Crusoé, por onde andaste, ó Robinson Crusoé?” O náufrago achou que delirava, mas
não!, era só o papagaio, você sabe! E lá vai Sexta-feira, correndo para o riacho para salvar
sua vida! Irrááá! Vamos! Iú-húúúú!
De repente, porém, mudando subitamente de atitude, ao contrário do que costumava fazer,
começou a chorar, com pena de seu antigo eu.
– Pobre menino! Eu gostaria... – balbuciou, Scrooge, pondo a mão no bolso e dando uma
olhada em volta, após ter enxugado os olhos com a manga. – Mas agora é tarde demais.
– O que houve? – perguntou o Espírito.
– Não foi nada, esqueça. É que ontem à noite um garoto veio cantar uma canção de Natal
na minha porta. Eu gostaria de ter dado alguma coisa a ele, é só isso – disse Scrooge.
O Fantasma sorriu pensativamente e disse, fazendo um gesto com a mão:
– Quem sabe, no próximo Natal!
O garoto Scrooge foi crescendo, enquanto a sala se tornava mais suja e escura. Os painéis
das paredes empenaram, a pintura das janelas descascou, pedaços de reboco desprenderam-se
do teto, deixando à mostra as ripas nuas. Mas como tudo isso aconteceu, nem Scrooge nem nós
saberíamos dizer. Ele só sabia que tudo havia acontecido exatamente assim, que lá estava ele
novamente sozinho, enquanto os outros tinham ido festejar o Natal em suas casas.
Agora ele não lia, mas andava, desconsoladamente, de um lado para o outro. Scrooge
olhou para o Fantasma e, balançando a cabeça com um ar pesaroso, virou-se com ansiedade
para a porta.
Ela se abriu e uma menininha muito mais jovem que ele entrou correndo, jogou os braços
ao redor de seu pescoço e encheu-o de beijos.
– Meu querido irmão! Vim buscá-lo para irmos juntos para casa! – disse a menina,
batendo palmas e abrindo um largo sorriso. – Já para casa! Já para casa! Já para casa!
– Para casa, Fanny? – perguntou o menino.
– Claro! – disse a menina, radiante de alegria. – Lá ficaremos, felizes para sempre! Papai
anda tão dócil, nem parece o mesmo! Nossa casa, agora, parece o paraíso! Falou comigo com
tanta bondade, na hora de dormir, que eu criei coragem e perguntei se você já podia voltar
para casa. Ele disse que sim, que achava bom, e que viesse buscar você de carruagem. Logo
você será um homem – disse a menina, arregalando os olhos – e nunca mais vai precisar voltar
para cá. Mas, agora, vamos passar o Natal juntos, em casa. Será a coisa mais divertida do
mundo!
– Você está quase uma mocinha, Fanny! – exclamou o garoto.
Ela riu e bateu palmas novamente, tentando tocar a sua cabeça. Mas era tão pequena que
não alcançava, o que a fazia rir ainda mais, colocando-se na ponta dos pés para abraçá-lo.
Feliz, ele deixou que ela o levasse até a porta.
Uma voz terrível ecoou no vestíbulo:
– Tragam já as bagagens do senhor Scrooge!
O diretor da escola apareceu em pessoa, olhando o jovem Scrooge com uma
condescendência feroz, deixando-o atordoado com seu aperto de mão. Em seguida, levou os
dois até a sala mais velha e gelada que havia, onde até os mapas nas paredes e os globos
celeste e terrestre, perto da janela, pareciam congelados de frio. Ali, desencavou uma garrafa
de um vinho muito suave e fatias de um bolo muito pesado e ofereceu-os em pequenas porções
a cada um dos jovens. Ao mesmo tempo, mandou que uma empregada franzina oferecesse um
copo de “qualquer coisa” ao cocheiro, que agradeceu muito, dizendo que preferia não tomar
nada. A essa altura, o baú do jovem Scrooge já tinha sido amarrado no alto da carruagem, e as
crianças se despediram do diretor com imenso prazer. Subiram no veículo e passaram
alegremente pelo jardim, as rodas esmagando com força a neve e o gelo, que salpicavam de
branco as folhas escuras dos arbustos.
– Ela sempre foi uma criatura tão delicada que bastava uma brisa para derrubá-la – disse
o Fantasma. – Mas tinha um grande coração!
– Sem dúvida! – exclamou Scrooge. – Por Deus, você está certo, não vou negar!
– Ela morreu jovem – prosseguiu o Fantasma – e deixou uma criança.
– Um garoto – acrescentou Scrooge.
– Sim, o seu sobrinho – disse o Fantasma.
Scrooge ficou embaraçado e respondeu laconicamente:
– Pois é...
Apesar de recém terem deixado a escola, já estavam em uma rua movimentada nos
subúrbios de uma cidade, onde sombras de pedestres circulavam pelas ruas em meio a
sombras de carroças e de carruagens, com a mesma movimentação e tumulto de uma cidade
verdadeira. Pelas vitrinas enfeitadas das lojas, podia-se perceber claramente que aqui também
era Natal. Era noite, e as ruas estavam iluminadas.
O Fantasma parou à porta de uma determinada loja e perguntou a Scrooge se a reconhecia.
– Como não! – exclamou Scrooge. – Fui aprendiz, aqui!
Os dois entraram. Um velho com uma peruca de rabicho estava sentado atrás de uma
escrivaninha tão alta que, se tivesse mais alguns centímetros, bateria com a cabeça no teto.
Scrooge gritou, muito animado:
– Mas é o velho Fezziwig! Santo Deus! O velho Fezziwig, vivo outra vez!
O velho Fezziwig largou a caneta e olhou para o relógio, que marcava sete horas. Depois,
esfregou as mãos, ajeitou seu colete, deu uma risada que sacudiu o corpo todo, dos pés à
cabeça, e chamou com uma voz satisfeita, agradável, bonachona e jovial:
– Ei, vocês! Ebenezer! Dick!
Scrooge, jovem outra vez, entrou rapidamente, acompanhado de um colega aprendiz.
– Dick Wilkins, tenho certeza! – disse Scrooge ao Espírito. – Deus me proteja, é ele
mesmo! Gostava muito de mim... Pobre e querido Dick!
– Muito bem, rapaziada – disse Fezziwig –, chega de trabalho por hoje! É noite de Natal,
Dick! É Natal, Ebenezer! Vamos fechar a loja o mais rápido possível! – gritou o velho
Fezziwig, batendo palmas com força.
Ninguém acreditaria na rapidez com que os dois fizeram isso! Correram para a rua com as
grades – um, dois, três; colocaram-nas nos seus lugares – quatro, cinco, seis; trancaram e
chavearam tudo – sete, oito, nove; e voltaram antes que se pudesse contar até doze, ofegando
como cavalos de corrida.
– Iuuupiii! – gritou o velho Fezziwig, saltando de sua alta escrivaninha com espantosa
agilidade. – Agora arredem tudo, rapazes, para abrir um grande espaço aqui. Vamos, Dick! Ei,
Ebenezer!
Abrir um espaço! Não havia espaço algum que eles não pudessem abrir com o velho
Fezziwig observando-os. Em um minuto, estava tudo pronto. Arredaram todos os móveis,
como se nunca mais fossem utilizá-los. Varreram e lavaram o chão, dependuraram as luzes,
amontoaram a lenha sobre a lareira e, em um piscar de olhos, a loja virou um agradável,
quente e radiante salão de baile – tudo o que se poderia desejar em uma noite de inverno.
Logo em seguida, chegou um violinista, com suas partituras, instalou-se na imensa
escrivaninha, como se estivesse no comando de uma grande orquestra, e começou a afinar o
instrumento, que ressoava como o ronco de cinquenta estômagos reunidos. Neste instante, a
senhora Fezziwig entrou com seu sorriso farto. Entraram, também, as três senhoritas Fezziwig,
simpáticas e radiantes. Logo atrás, entraram seus seis jovens admiradores, cujos corações elas
partiam. Chegaram todos os empregados da casa, homens e mulheres. Chegou a criada, com o
primo padeiro; a cozinheira, com o amigo íntimo de seu irmão, o leiteiro; o rapaz que
trabalhava do outro lado da rua, cujo patrão, diziam, o deixava passar fome (ele tentava
esconder-se atrás de uma mocinha que trabalhava duas casas adiante e que costumava levar
puxões de orelha da sua patroa). Assim chegaram todos, um após o outro: alguns tímidos,
outros impertinentes; alguns bem-educados, outros desajeitados; alguns puxando, outros
empurrando – enfim, chegaram todos, de todos os modos.
Ali estavam vinte casais dançando de mãos dadas, abrindo e fechando a roda de um lado
ao outro do salão, abaixando-se no centro e levantando-se de novo – sempre rodopiando e
improvisando novos e calorosos arranjos. O casal da ponta, entretanto, acabava sempre
aparecendo no lugar errado, e aquele que lhe seguia repetia os mesmos erros, até que ninguém
mais se entendia! Diante disso, o velho Fezziwig bateu palmas para que a dança parasse,
gritando: “Muito bem! Muito bem!”
Enquanto isso, o violinista aproveitou para afundar o rosto afogueado em uma caneca de
cerveja destinada exatamente a este fim. Mas logo retomou sua tarefa, embora não houvesse
mais dançarinos, como se o outro músico, exausto, tivesse sido levado para casa em uma maca
e ele fosse um músico novo em folha, decidido a vencer o anterior ou morrer na tentativa.
Houve mais danças, mais brincadeiras, mais danças de novo, mais bolo, mais um grande
pedaço de assado frio, mais uma porção de cozido frio, mais um pastelão de carne e cerveja à
vontade. O momento mais importante da noite foi quando, depois do assado e do cozido, o
violinista (que era um artista danado de bom, acreditem, daqueles que conhecem seu trabalho
melhor do que ninguém) começou a tocar Sir Roger de Coverley. Então, o velho Fezziwig
levantou-se para ir dançar com a senhora Fezziwig. Eles eram o casal principal e dançavam
tão bem que lideraram a dança, e foram seguidos por vinte e quatro pares de dançarinos, gente
que não estava para brincadeira, gente que tinha ido lá para dançar, e não para pular.
Mas mesmo que houvesse o dobro de pares – ou quatro vezes mais –, ainda assim o velho
Fezziwig ganharia deles todos. Quanto à sua esposa, era digna de ser seu par, em todos os
sentidos. E se esse não é um elogio suficiente, me digam um melhor, e eu o utilizarei. Parecia
que jorrava luz dos pés dos Fezziwig, e eles brilhavam por todo o salão, feito duas luas;
ninguém era capaz de prever quando ou onde eles iriam surgir. Quando o velho Fezziwig e sua
esposa encerraram a dança, após haverem avançado e recuado, dado as mãos entre si, se
curvado e feito mesuras, serpenteado e costurado e, finalmente, se encaminhado para o seu
lugar, o velho Fezziwig deu um salto tão primoroso que pareceu ter dado uma piscadela com
as pernas, caindo de pé outra vez, sem o menor cambaleio.
Quando o relógio bateu onze horas, o baile acabou. O senhor e a senhora Fezziwig se
colocaram na saída, um de cada lado da porta, e se despediram de todos que partiam,
desejando um Feliz Natal. Quando só restaram os dois aprendizes, fizeram o mesmo com eles;
e enquanto as vozes alegres iam sumindo ao longe, os rapazes foram se deitar em suas camas,
atrás de um balcão do armazém.
Durante todo este tempo, Scrooge comportou-se como um homem que estava fora de seu
juízo. Seu coração e sua alma estavam presos àquela cena e ao seu antigo eu. Reconhecia tudo,
recordava de tudo, se deliciava com tudo e estava em um estranho estado de agitação. Só
lembrou do Fantasma quando os rostos brilhantes de Dick e de seu eu juvenil desapareceram,
e percebeu que o outro olhava para ele atentamente, e a luz sobre sua cabeça brilhava com
força.
– Uma coisa tão insignificante, afinal – disse o Fantasma –, e ainda assim estes tolos ficam
tão agradecidos.
– Insignificante?! – ecoou Scrooge.
O Espírito fez sinal para que prestasse atenção à conversa dos dois aprendizes, os quais se
derramavam em elogios a Fezziwig. Depois, disse:
– E não é insignificante? O velho só gastou umas poucas libras do seu perecível dinheiro,
três ou quatro no máximo. Acha que isso merece tanto elogio?
– Não se trata disso – disse Scrooge, ofendido pela crítica e falando, sem querer, como o
seu antigo eu, e não como o seu eu atual. – Não é nada disso, Fantasma. Ele tinha o poder de
nos tornar felizes ou infelizes, de fazer nosso trabalho suave ou opressivo, de torná-lo um
prazer ou uma tortura. Quero dizer que o poder dele estava em suas palavras e gestos, estava
em coisas tão vagas e insignificantes que seria impossível medir o seu valor. Mas e daí? A
felicidade que ele espalhou foi imensa e equivale ao gasto de uma grande fortuna.
Scrooge sentiu sobre si o olhar do Espírito e calou-se.
– O que houve? – perguntou o Fantasma.
– Nada, esqueça – respondeu Scrooge.
– Mas houve alguma coisa, não houve? – insistiu o Fantasma.
– Não, nada. Apenas gostaria de poder dizer agora uma ou duas palavras ao meu
empregado, só isso.
Enquanto dizia isso, seu antigo eu apagou a luz do lampião, e Scrooge e o Fantasma viramse novamente lá fora, um ao lado do outro.
– Meu tempo se esgota rapidamente – observou o Espírito. – Rápido!
Isso não foi dito a Scrooge, ou a nenhum ser visível, mas as palavras tiveram um efeito
imediato. Neste exato momento, Scrooge voltou a ver a si próprio. Agora estava mais velho,
um homem na flor da idade. Seu rosto ainda não tinha as linhas duras e rígidas que teria anos
depois, mas já começava a mostrar sinais de ansiedade e avareza. Havia um movimento
nervoso em seu olhar que denunciava o enraizamento
de uma paixão que, mais tarde, se transformaria em
uma imensa árvore, que iria projetar sobre ele a sua
sombra.
Ele não estava só; uma jovem loura e enlutada
estava sentada ao seu lado. Seus olhos, cheios de
lágrimas, refletiam a luz que vinha do Espírito dos
Natais Passados.
– Isso não importa – dizia ela, suavemente. – Para
você, nada importa. Um outro ídolo tomou o meu lugar;
e se, no futuro, ele puder tornar sua vida feliz e
agradável, como eu tentei fazer, não tenho motivos para
estar triste.
– Que ídolo? – perguntou ele.
– Um ídolo de ouro.
– Assim é o mundo! – disse ele. – Não há nada que
seja mais duro do que a pobreza, e, no entanto, não há
nada que ele condene mais prontamente do que a busca
da riqueza!
– Você se preocupa demais com o mundo – respondeu ela, docemente. – Todas as suas
esperanças se fundiram num único propósito: estar a salvo das sórdidas censuras do mundo.
Vi cair uma a uma as suas mais nobres aspirações, até que a paixão maior tomou conta de
você: o Lucro. Estou certa ou não?
– E daí? – retrucou ele. – Isso quer dizer, apenas, que fiquei mais sábio. Mas com você
continuo o mesmo.
Ela balançou a cabeça, negativamente.
– Mudei?
– Nosso acordo é antigo; foi feito numa época em que éramos pobres e não nos
importávamos com isso. Sabíamos que, na hora certa, poderíamos melhorar de vida, com
muito trabalho e muita paciência. Mas você mudou. Naquela época, você era um outro homem.
– Eu era um fedelho – disse ele, com impaciência.
– No fundo, você mesmo sabe que mudou. Mas eu continuo a mesma. Aquela que lhe
prometeu felicidade quando éramos um só coração, mas que está triste, agora que somos dois.
Não sei dizer quantas vezes me torturei, pensando nisso. O que importa dizer é que pensei
nisso e desejo liberar você do seu compromisso.
– Alguma vez eu pedi que você me liberasse?
– Com palavras, não. Nunca.
– E como, então?
– Você foi mudando, modificando seu espírito, dando outro rumo à sua vida, mudando os
seus objetivos, mudando em tudo aquilo que fazia meu amor ter algum valor ou significado
para você. Se não existisse este compromisso que há entre nós, diga-me, você olharia para
mim e tentaria ainda me conquistar? Oh, certamente não! – disse ela, suavemente, porém
olhando-o com firmeza.
Ele pareceu aceitar, contra a vontade, os argumentos dela. No entanto, disse ainda, em um
último esforço para se defender:
– Você é que pensa assim.
– Quem dera eu pudesse pensar de outra maneira – respondeu ela. – Deus sabe o quanto eu
gostaria! Quando cheguei a esta conclusão, vi o quanto ela era real e intransponível. Se você
estivesse livre, hoje, ontem ou amanhã, acha mesmo que escolheria uma moça pobre para
casar? – logo você, que avalia qualquer coisa pelo lucro? E se você conseguisse esquecer por
um momento o único princípio que orienta sua vida e escolhesse uma moça como eu, será que
não ia se arrepender em seguida? Acho que sim. Por isso estou lhe devolvendo a liberdade, de
coração leve, em respeito àquele que você foi um dia.
Ele ia dizer algo, mas a jovem virou para o outro lado e continuou:
– Talvez você sofra um pouco – e a lembrança do que passou me faz ter esperança de que
isso aconteça –, mas será por pouquíssimo tempo, e você mesmo vai querer esquecer esta
lembrança, aliviado, como quem acorda de um sonho inútil do qual terá sido muito bom
acordar. Seja muito feliz na vida que você escolheu!
E ela foi embora.
– Espírito! – exclamou Scrooge. – Não me mostre mais nada! Leve-me para casa. Por que
tem tanto prazer em me torturar?
– Só mais uma sombra! – exclamou o Fantasma.
– Não! Chega! – gritou Scrooge. – Não quero ver, não me mostre mais nada!
Mas o impiedoso Fantasma agarrou-o pelo braço e obrigou-o a ver o que surgiu em
seguida.
Agora estavam em um lugar e um cenário diferentes: um quarto, nem muito grande nem
muito bonito, mas confortável. Uma linda jovem estava sentada perto de uma lareira; era tão
parecida com a primeira, que Scrooge pensou ser a mesma, até reparar que ela tinha se
tornado uma agradável senhora, sentada em frente à sua filha. O barulho dentro do quarto
beirava o tumulto, porque havia mais crianças ali do que Scrooge poderia contar, pois ele
estava muito agitado. Ao contrário do rebanho daquele famoso poema, não era um bando de
crianças se comportando como uma só, mas cada uma se comportava como quarenta. O
resultado era uma confusão inacreditável, mas ninguém parecia se importar. Pelo contrário, a
mãe e a filha riam muito e pareciam muito felizes. Em seguida, a menina foi brincar com os
garotos, e foi atacada de maneira impiedosa pelos pequenos bandoleiros! Ah, o que eu não
daria para ser um deles! Só que eu não seria tão grosseiro – oh, isto não! Nem por todo ouro
do mundo eu teria puxado aquelas tranças douradas, nem teria arrancado aqueles sapatinhos
encantadores – Deus que me perdoe! – nem que minha vida corresse perigo. E eu jamais
seguraria na cintura dela, como fizeram aqueles valentes bandidinhos. E caso segurasse,
acharia justo ser castigado e ver meu braço entortar e nunca mais voltar ao normal. Em
compensação, eu teria adorado tocar os lábios dela e fazer perguntas para vê-la abri-los; e
olhar por cima das pestanas abaixadas, sem jamais fazê-la corar; e soltar seus cabelos e pegar
um pedacinho como se fosse um tesouro muito valioso. Em resumo, eu teria gostado muito de
ter a espontaneidade de uma criança e ao mesmo tempo ser adulto para saber o valor daquilo
tudo.
Nesse momento, alguém bateu na porta. Isso provocou uma correria e a menina do rosto
sorridente e vestido amarrotado foi carregada no centro de um grupo excitado e barulhento,
bem a tempo de abraçar o pai, que voltava para casa acompanhado de um carregador que o
ajudava a trazer os brinquedos e presentes de Natal. E os gritos e empurrões, e o ataque ao
carregador indefeso! Eles subiram em cadeiras para escalar o homem, enfiaram as mãos em
seus bolsos, pegaram os pacotes de papel pardo, puxaram a sua gravata, penduraram-se em
seu pescoço, deram socos nas suas costas e chutaram suas canelas, em uma incontrolável
demonstração de afeto! E os gritos de surpresa e alegria cada vez que abriam um pacote! E
quando alguém disse que o bebê tinha colocado a frigideira da boneca na boca, e que
provavelmente tinha engolido um peru de gesso que estava colado em um pratinho de madeira!
Foi um alívio descobrir que era um alarme falso! Que alegria, que gratidão, que prazer! – não
dava para descrever. Basta dizer que, pouco a pouco, as crianças e suas emoções foram
saindo da sala, subindo os degraus, um de cada vez, até o último andar, onde deitaram em suas
camas e dormiram.
Então Scrooge pôde ver com mais atenção quando o dono da casa e a mãe, com a filha
carinhosamente encostada nele, sentaram perto da lareira. E quando Scrooge imaginou que
uma criatura assim tão graciosa poderia tê-lo chamado de pai e ser a primavera no inverno
triste de sua vida, sentiu os olhos encherem de lágrimas.
– Belle, hoje à tarde vi um velho amigo seu – disse o marido, sorrindo para a mulher.
– Quem era?
– Adivinhe!
– Como posso saber? – disse ela, rindo com ele. – Oh, espere aí!... Era o senhor Scrooge?
– Exatamente. Passei em frente à janela de seu escritório e, como ainda não estava fechado
e havia uma vela acesa, não pude deixar de entrar. Ouvi dizer que o sócio dele está morrendo.
E Scrooge estava lá, sozinho. Completamente sozinho no mundo, acho.
– Espírito! – pediu Scrooge, com a voz cansada. – Tire-me já daqui.
– Eu lhe avisei que eram somente sombras de coisas que aconteceram – disse o Fantasma.
– Elas são o que são, não é minha culpa!
– Tire-me já daqui! – exclamou Scrooge. – Não suporto mais isso!
Olhou para o Fantasma e, ao ver que o rosto dele agora reunia, de uma forma estranha,
partes de todos os rostos que ele tinha visto, atracou-se com ele.
– Deixe-me em paz! Leve-me daqui! Pare de me atormentar!
Durante a luta – se é que se podia chamar aquilo de luta, porque o Fantasma não fazia
nenhuma resistência, pois não sentia nenhum golpe do seu adversário –, Scrooge percebeu que
a luz do Fantasma estava cada vez mais forte e brilhante. Então, achando que esta luz tinha
algo a ver com o poder que o espírito tinha sobre ele, agarrou o capuz-apagador e enterrou-o
na cabeça do Fantasma.
O Espírito desapareceu debaixo do capuz, mas, por mais que Scrooge usasse toda a sua
força, não conseguiu apagar a luz, que jorrava pelo chão sem parar.
Scrooge começou a se sentir exausto, tomado por uma sonolência irresistível, e, sabendo
que estava em seu próprio quarto, deu ainda um último aperto no capuz e depois deixou a mão
relaxar. Mal teve tempo de cambalear para a cama antes de cair em um sono profundo.
Capítulo III
O segundo dos três espíritos
Scrooge acordou no meio de um ronco impressionantemente alto, sentou na cama para
tentar colocar em ordem os seus pensamentos, e mal teve tempo de perceber que o relógio
acabara de bater uma hora. Sentiu que havia voltado à consciência no momento exato de se
encontrar com o segundo mensageiro que Jacob Marley lhe enviaria. Como sentia um frio
desagradável toda vez que imaginava qual das cortinas de sua cama o novo espírito iria abrir,
achou melhor ele mesmo abrir todas elas. Depois, encostou-se novamente na cabeceira da
cama, dando uma olhada ao redor, pois queria flagrar o fantasma no mesmo instante que
aparecesse, para não demonstrar surpresa ou nervosismo.
Cavalheiros experientes, que se orgulham de saber sempre como agir, costumam mostrar
sua enorme capacidade para a aventura ao se declararem preparados para enfrentar qualquer
coisa, desde um inocente cara ou coroa até um assassinato. Entre esses dois extremos, sem
dúvida, há um monte de possibilidades diferentes. Sem querer dizer que o senhor Scrooge tem
a coragem desses cavalheiros, peço-lhes, porém, que prestem atenção ao fato de que ele
estava pronto para enfrentar estranhas aparições, e que qualquer coisa, um bebê ou um
rinoceronte, seria incapaz de deixá-lo muito surpreso.
Mesmo se sentindo preparado para qualquer coisa, na verdade não estava preparado para
coisa nenhuma e, assim, quando o sino bateu uma hora e nada apareceu, ele começou a tremer.
Passaram cinco, dez, quinze minutos, e nada surgiu. Durante todo esse tempo, Scrooge ficou
deitado na cama, no centro de uma luz vermelha que tinha surgido desde que o relógio batera
uma hora; essa luz, mesmo sendo apenas uma luz, era mais assustadora do que uma dúzia de
fantasmas, porque Scrooge não sabia o que estava acontecendo e nem o que ia acontecer.
Além disso, ficou com medo de que pudesse ter se tornado um estranho caso de combustão
espontânea, sem nem ao menos saber disso. Finalmente começou a pensar – como você ou eu
teríamos feito, pois é sempre quem está de fora do perigo que sabe exatamente o que deve ser
feito e, também, sem dúvida, como se deve fazer. Finalmente, como eu dizia, começou a
pensar que a origem e o segredo daquela luz deveriam estar no quarto ao lado, de onde,
observando-se melhor, parecia vir todo o brilho.
Com essa ideia na cabeça, Scrooge se levantou e foi até a porta, arrastando os chinelos.
No momento em que sua mão segurou o trinco, uma voz estranha o chamou pelo nome e pediu
que ele entrasse. Scrooge obedeceu.
Era seu próprio quarto, não havia a menor dúvida, mas tinha sofrido uma transformação
surpreendente. As paredes e o teto estavam tão cobertos de vegetação que mais parecia um
bosque, com frutinhas coloridas brilhando por toda parte. As folhas verdes do azevinho e da
hera refletiam a luz, como se fossem cacos de espelho espalhados por todos os lados. Um fogo
potente ardia na lareira, tão forte como jamais aquela triste construção de pedra havia visto,
nem na época de Scrooge nem na de Marley, ou em inverno algum do passado. Empilhados no
chão, na forma de um trono, havia perus, gansos, caças, aves, pernis, grandes pedaços de
carne, leitões, longas tripas de linguiça, pastelões de carne, pudins de ameixa, barris de
ostras, castanhas assadas, maçãs vermelhas, laranjas suculentas, peras apetitosas, imensas
tortas natalinas e vaporosas poncheiras que perfumavam a peça com um cheiro delicioso. Um
alegre gigante estava sentado comodamente nesse trono, segurando uma tocha ardente em
forma de cone, bem alto, para poder iluminar Scrooge, que espiava tudo da porta.
– Vamos, entre homem! – exclamou o Fantasma. – Entre e venha me conhecer melhor!
Scrooge avançou timidamente, baixando a cabeça diante do Espírito. Não era mais o
Scrooge arrogante de antes e, apesar dos olhos do Fantasma serem claros e amigos, não teve
coragem de encará-los.
– Sou o Espírito do Natal Presente – disse. – Olhe para mim!
Scrooge olhou-o respeitosamente. O Fantasma vestia um roupão, ou manto, verde-escuro,
com acabamento de pele branca. Sua roupa era tão larga que deixava ver o robusto peito, sem
que ele se preocupasse em escondê-lo. Dava para ver seus pés debaixo das amplas dobras da
roupa, e eles também estavam nus. Na cabeça, ele tinha apenas uma coroa de azevinho,
salpicada aqui e ali por pedaços brilhantes de gelo. Os cabelos castanhos eram longos e livres
como seu sorridente rosto, seu olhar era cintilante, suas mãos abertas, sua voz jovial, seu
modo descontraído e seu aspecto radiante. Tinha uma velha bainha enferrujada presa na
cintura, mas sem nenhuma espada.
– Aposto que você nunca viu alguém parecido comigo! – exclamou o Fantasma.
– Nunca – respondeu Scrooge.
– Nunca andou com os membros jovens da minha família? Quero dizer (pois eu sou bem
jovem), com meus irmãos mais velhos, nascidos nos últimos anos?
– Acho que não – disse Scrooge. – Você tem muitos irmãos?
– Mais de mil e oitocentos – respondeu o Fantasma.
– Que monstruosa família para sustentar! – murmurou Scrooge.
O Espírito do Natal Presente ergueu-se.
– Espírito – disse Scrooge, submisso –, leve-me para onde quiser. Na noite passada, fui
levado à força e aprendi uma lição que começa agora a dar resultado. Se tem alguma coisa
para me ensinar esta noite, que eu tire dela algum proveito.
– Agarre a minha túnica!
Scrooge obedeceu e agarrou-a depressa.
O azevinho, as cerejas, a hera, os perus, os gansos, as caças, as aves, os pernis, os
leitõezinhos, as linguiças, as ostras, os pastéis, os pudins, as frutas e os ponches, tudo
desapareceu repentinamente. Do mesmo modo, desapareceram o quarto, a lareira, a luz
vermelha e a própria noite. Eles se viram nas ruas de uma cidade na manhã de Natal e, como
estava muito frio, as pessoas faziam uma espécie de música áspera, mas não muito
desagradável, quando varriam a neve das calçadas em frente das casas e dos telhados, para
alegria das crianças, que se deliciavam ao ver a neve cair do alto e corriam no meio dessas
pequenas nevascas artificiais.
As frentes das casas eram escuras, as janelas ainda mais, contrastando com o lençol
branco e liso sobre os telhados e com a neve suja do chão, marcada pelas rodas pesadas de
carroças e carruagens, que se cruzavam centenas de vezes nos encontros das ruas, abrindo
canais na espessa lama amarela e na água congelada, difíceis de seguir. O céu estava sombrio,
e as ruas estreitas estavam cobertas por uma forte neblina, meio úmida e meio congelada.
Partículas mais pesadas desciam do céu como se fosse uma chuva escura, como se todas as
chaminés da Grã-Bretanha tivessem combinado acenderem ao mesmo tempo. Não havia nada
de especialmente feliz no clima da cidade; no entanto, havia no ar uma alegria tão grande que
nem a luz mais clara de um dia de verão conseguiria provocar.
De fato, as pessoas que estavam limpando a neve dos telhados das casas pareciam muito
contentes. Chamavam umas às outras dos parapeitos das janelas e, de vez em quando,
jogavam-se bolas de neve, rindo muito quando acertavam, e mais ainda quando erravam. As
mercearias ainda estavam abertas, e as quitandas expunham
suas frutas com orgulho. Havia enormes cestas redondas,
cheias de castanhas, parecendo velhos cavalheiros bonachões
com seus coletes, que transbordavam para as ruas em sua
obesa opulência. Havia cebolas da Espanha, coradas,
bronzeadas e rechonchudas, resplandecendo em sua
abundância como frades espanhóis, enquanto piscavam
maliciosamente das prateleiras para as moças que passavam e
olhavam disfarçadamente para os visgos dependurados.
Havia peras e maçãs empilhadas em pirâmides altas e
floridas e cachos de uvas que os quitandeiros penduravam em
ganchos bem à vista para que pudessem encher gratuitamente
de água a boca dos que passavam pela rua. Havia pilhas de avelãs amarronzadas e cobertas de
musgo, com um cheiro que fazia lembrar antigas caminhadas pelos bosques, em que se
afundava até os tornozelos nas folhas secas. Havia pêssegos, gordos e maduros, empilhados
ao lado de limões e laranjas amarelados, os quais, assim suculentos e reunidos, pareciam
suplicar humildemente para que fossem levados logo em grandes sacolas para casa e comidos
após o jantar. Até mesmo os peixinhos dourados e prateados, colocados em um aquário, no
meio de todas essas frutas especiais – embora membros de uma raça sem graça e de
sangue-frio –, pareciam saber que algo de importante estava acontecendo. Todos arfavam de
lá para cá, em seu pequeno mundo, em uma excitação lenta e desapaixonada.
E as mercearias, então! Oh, as mercearias! Embora já estivessem quase fechadas, com uma
ou duas portas descidas, ainda assim, que magnífico espetáculo se podia ver entre as frestas!
Não era somente porque as balanças descendo sobre os balcões faziam um ruído alegre, ou
porque o barbante e o papel de embrulho se desenrolavam energicamente, ou porque as latas
eram equilibradas umas sobre as outras como em um truque de malabarismo, ou porque os
odores combinados do chá e do café eram tão agradáveis ao olfato, ou porque as passas eram
tantas e de tão boa qualidade, as amêndoas tão incrivelmente brancas, as cascas de canela tão
longas e retas, as outras especiarias tão deliciosas, as frutas cristalizadas tão bem cortadas e
polvilhadas de açúcar, capazes de fazer com que até o mais distraído dos transeuntes ficasse
desesperadamente faminto. E nem somente porque os figos eram úmidos e suculentos, as
ameixas francesas coravam em sua modéstia em suas caixas bem decoradas, e nem porque
tudo que estava em embalagens natalinas parecia ainda mais apetitoso. Mas os fregueses
estavam tão apressados e animados com as promessas daquele dia, que esbarravam uns nos
outros nas portas, enganchavam com força suas cestas, esqueciam-nas em cima do balcão e
depois voltavam às pressas para buscá-las, cometendo centenas de outros enganos
semelhantes, e tudo isso no melhor dos humores. E o merceeiro e seus empregados eram tão
cordiais que as lustrosas fivelas em forma de coração que prendiam seus aventais
simbolizavam perfeitamente os seus próprios corações, usados do lado de fora e expostos à
inspeção geral, para que qualquer um pudesse se servir deles.
Logo os sinos chamaram a boa gente para a igreja e a capela. E lá vieram todos pelas ruas,
com suas melhores roupas e seus melhores sorrisos. Uma grande multidão surgiu ao mesmo
tempo, vinda de inumeráveis vielas, becos e travessas anônimas, trazendo a ceia que ia ser
assada nos fornos dos padeiros. A visão dessa gente despertou bastante a atenção do
Fantasma, que parou junto com Scrooge perto da porta de uma padaria; depois, à medida que
elas iam passando, ele levantava a tampa das viandas e derramava em suas refeições um
pouco do incenso de sua tocha. Era uma tocha bem estranha, porque nas vezes em que algumas
pessoas discutiram, só por terem se esbarrado, ele lançou sobre elas algumas poucas gotas, e
o bom humor delas imediatamente voltou, a ponto de reconhecerem que era mesmo uma
vergonha brigar no dia de Natal. E era mesmo, Deus seja louvado!
Dali a pouco os sinos silenciaram e as padarias fecharam. Pairou no ar uma espécie de
alegre encantamento que vinha da fumaça que saía dos fornos. A fumaça quente derretia os
montes de neve no calçamento e nesses lugares era como se o próprio chão estivesse
cozinhando.
– Existe um sabor especial nesta sua tocha? – perguntou Scrooge.
– Sim, o meu próprio sabor.
– E serve para qualquer tipo de ceia oferecida neste dia?
– Desde que seja dada de coração, especialmente nas ceias dos mais pobres.
– Por que especialmente nas dos mais pobres?
– Porque são os que mais necessitam.
– Espírito – disse Scrooge, após pensar um pouco –, não entendo por que justamente você,
entre todos os seres que habitam os diversos mundos que nos cercam, deseja impedir que toda
essa gente pobre se divirta um pouco de modo inocente.
– Eu?! – exclamou o Espírito.
– Sim, você impede que jantem aos domingos, que é o único dia da semana no qual eles
realmente podem dizer que comem.
– Eu faço isso?! – repetiu o Espírito.
– Não foi você quem proibiu as padarias de abrirem aos domingos? – disse Scrooge. – O
resultado é o mesmo.
– Eu fiz isso?! – espantou-se o Espírito.
– Desculpe, se estou enganado, mas isso é feito em seu nome, ou em nome de alguém da
sua família – disse Scrooge.
– Há certas pessoas neste mundo que dizem que nos conhecem e cometem atos de paixão,
orgulho, maldade, ódio, inveja, hipocrisia e egoísmo em nosso nome; mas elas estão tão longe
de nós, que é como se nunca houvessem existido. Lembre-se disso e ponha a culpa nelas, e não
em nós.
Scrooge prometeu que assim faria, e seguiram adiante, invisíveis como antes, em direção
aos subúrbios da cidade.
Uma das qualidades especiais do Fantasma, que Scrooge tinha observado na padaria, era
que, apesar de sua gigantesca altura, ele era capaz de entrar com facilidade em qualquer lugar,
ficando sob um teto baixo com a mesma elegância que ficaria em um espaçoso salão.
Talvez pelo prazer que o Espírito sentia em exibir esse poder, ou por ser bom e generoso,
ou pela simpatia que sentia pelos pobres, o fato é que foi direto para a casa do empregado de
Scrooge, com o velho agarrado à sua roupa. Perto dali, parou para abençoar a casa de Bob
Cratchit com as gotas abençoadas de sua tocha. Imaginem!, o pobre, que ganhava uma ninharia
por semana, ter sua casinha de quatro peças abençoada pelo Espírito do Natal!
Naquele momento, a senhora Cratchit, a mulher de Bob, levantou-se com seu vestido
pobre, que já tinha sido virado pelo avesso e enfeitado com rendas – o que custa pouco mas
faz um belo efeito –, e estendeu a toalha sobre a mesa, ajudada por Belinda Cratchit, sua
segunda filha, que também estava vestida com rendas. Enquanto isso, o jovem Peter Cratchit
mergulhava o garfo em uma panela de batatas, ao mesmo tempo em que espichava até a boca
as pontas de um colarinho monstruoso (que o pai tinha emprestado para o filho e herdeiro, em
homenagem à data), orgulhoso por estar tão elegantemente vestido e louco para exibir seu traje
nos parques mais elegantes da cidade. Nesse instante, os dois menores, um garoto e uma
menina, entraram aos gritos, anunciando que, ao passar pela porta da padaria, haviam sentido
cheiro de frango assado, e estavam certos de que era o deles. Excitados, só de imaginar o
cheiro do recheio de sálvia e cebolas, começaram a dançar em volta da mesa, ao mesmo
tempo em que elogiavam a elegância de Peter (que não estava inflado de orgulho, embora seu
colarinho estivesse a ponto de sufocá-lo), o qual assoprou o fogo até fazer com que as batatas,
que antes estavam sossegadas, começassem a saltar loucamente dentro da panela, a fim de
escaparem dali e serem logo descascadas.
– Mas cadê o pai de vocês? – disse a senhora Cratchit. – E o irmão de vocês, o pequeno
Tim? E Martha? No Natal passado, a esta hora ela já tinha chegado.
– Aqui estou, mamãe! – disse uma garota, aparecendo em seguida.
– Martha chegou, mamãe! – gritaram ao mesmo tempo os dois
pequenos. – Viva! Martha, teremos um frango de verdade!
– Meu Deus, minha querida, por que chegou tão tarde? – disse a
senhora Cratchit, enchendo a filha de beijos ao mesmo tempo em que
a ajudava a tirar o xale e o gorro.
– Tivemos de trabalhar até tarde, ontem à noite – explicou a moça
–, e hoje de manhã tivemos de colocar tudo em ordem.
– Bem, o que importa é que você já está aqui – disse a senhora
Cratchit. – Sente-se junto ao fogo, minha querida, e se aqueça um
pouco.
– Não! Não! – gritaram os dois pequenos, que pareciam estar em
toda a parte. – Esconda-se, Martha, esconda-se!
Martha escondeu-se e seu pai, Bob, entrou com pelo menos um metro de cachecol, com
uma franja a esvoaçar diante de suas roupas puídas, mas remendadas e escovadas o bastante
para torná-lo apresentável. Nos ombros trazia o pequeno Tim – o pobrezinho! –, carregando
uma muleta e com as pernas presas em uma armação de ferro!
– Onde está Martha? – perguntou Bob, olhando em volta.
– Ela não poderá vir – disse a senhora Cratchit.
– Não?! – repetiu Bob, tomado por um súbito desânimo, pois desde a Igreja viera
brincando de cavalinho com Tim, chegando em casa aos pulos. – Não poderá vir? Justo no
feriado de Natal?
Martha não gostava de ver o pai decepcionado, mesmo que fosse apenas por brincadeira;
por isso surgiu repentinamente de trás do armário e correu para os seus braços, enquanto os
dois pequenos se apoderaram de Tim e levaram-no até a lavanderia, para que escutasse o
pudim borbulhar sobre a caldeira.
– Como o Tim se comportou? – perguntou a senhora Cratchit a Bob, depois de ter rido o
bastante da ingenuidade do marido, e deste ter abraçado sua filha até se cansar.
– Muito bem! – respondeu Bob. – Às vezes ele fica sentado sozinho durante muito tempo,
pensando as coisas mais estranhas que se possa imaginar. Ele me disse, por exemplo, quando
voltávamos para casa, que esperava que as pessoas na igreja tivessem reparado nele e na sua
deformidade, porque isso daria a elas o prazer de lembrar, no dia de Natal, daquele que fez o
aleijado andar novamente e o cego enxergar outra vez.
A voz de Bob tremia ao dizer isso e ficou ainda mais trêmula quando disse que Tim estava
cada vez mais forte e confiante.
Ouviu-se o ruído da muleta no assoalho e o pequeno Tim voltou antes que se dissesse mais
uma palavra, ajudado pelos irmãos, que o levaram até perto do fogo. Enquanto isso, Bob,
arregaçando as mangas – como se houvesse o risco, coitado, de que os punhos ficassem mais
estragados do que já estavam –, começou a preparar em uma jarra uma mistura de gim e limão,
que pôs sobre a lareira, após misturar bem, para ferver. O jovem Peter e os dois pequenos
agitados saíram para buscar o frango, voltando com ele em uma animada procissão.
Diante de toda aquela balbúrdia, poderia se pensar que frango
era a mais rara das aves, perto da qual um cisne negro era algo
comum. Mas, na verdade, naquela casa as coisas eram assim
mesmo. A senhora Cratchit começou a esquentar o molho que havia
preparado antes em uma panelinha. O jovem Peter amassou as
batatas com um entusiasmo inacreditável. A senhorita Belinda
temperou o molho de maçãs. Martha aqueceu os pratos. Bob
colocou Tim a seu lado, em um canto da mesa. Os dois pequenos
arrumaram as cadeiras para todos e, montando guarda em seus lugares, enfiaram as colheres
na boca, a fim de não gritarem muito antes que chegasse a vez de cada um se servir do frango.
Finalmente, trouxeram as travessas e fizeram a oração de graças. Depois houve um momento
de silêncio, em que a senhora Cratchit observou atentamente a faca de trinchar, preparando-se
para enterrá-la no peito da ave. E, quando isso aconteceu, todos sentiram sair de dentro do
frango o cheiro do recheio. Deu para ouvir os suspiros de prazer ao redor do pequeno
banquete, e até Tim, estimulado pelos gritos dos dois irmãozinhos, começou a bater na mesa
com o cabo da faca e a gritar também um fraco “Viva!”
Nunca houve um frango como aquele. Bob afirmou que jamais comera uma galinha tão bem
assada. Sua maciez, aroma, tamanho e baixo preço provocaram enorme admiração. Junto com
o molho de maçãs e as batatas, foi suficiente para satisfazer aquela família. Mais que isso –
como disse com orgulho a senhora Cratchit, ao ver um pedacinho de osso sobre o prato –, eles
nem conseguiram comer tudo! Estavam todos satisfeitos, principalmente os dois pequenos,
lambuzados de sálvia e cebola até as sobrancelhas. Enquanto os pratos eram retirados pela
jovem Belinda, a senhora Cratchit saiu da sala sozinha – mas ansiosa por ter testemunhas –
para ir à cozinha pegar o pudim.
E se ele não estivesse bem cozido? E se quebrasse ao sair da fôrma? E se alguém tivesse
saltado o muro e roubado a sobremesa enquanto estavam todos entretidos com o frango? Esta
possibilidade deixou os dois pequenos Cratchit brancos, imaginando horrores!
Eis que surgiu uma grande nuvem de vapor! Sim, lá estava o delicioso pudim fora da
fôrma, com um agradável cheiro de roupa lavada – era o cheiro do pano que o cobria. Uma
mistura de confeitaria, restaurante e lavanderia juntos: era justamente este o cheiro do pudim!
Em meio minuto a senhora Cratchit entrou – vermelha, com um sorriso de orgulho no rosto –,
trazendo o pudim, que mais parecia uma bola de canhão toda salpicada, firme e sólida,
flambado com um pouco de conhaque e enfeitado com um ramo de Natal.
Oh, que pudim maravilhoso! Bob Cratchit disse isso com toda a serenidade, garantindo
que este tinha sido o maior sucesso da senhora Cratchit desde o dia do casamento. Ela afirmou
que isso tirava um peso da sua consciência, porque estava em dúvida quanto à quantidade de
farinha que tinha usado. Todos disseram alguma coisa sobre o pudim, menos que ele era
pequeno demais para uma família tão grande. Na verdade, isso seria a maior ofensa, e
qualquer um deles teria ficado vermelho só de pensar algo parecido.
Finalmente, a ceia terminou: a toalha foi retirada, a cinza da lareira, varrida, e um novo
fogo foi aceso. Depois que a mistura da jarra foi provada e aprovada, as maçãs e laranjas
foram dispostas em cima da mesa e uma porção de castanhas foi colocada no fogo para assar.
Em seguida, toda a família reuniu-se ao redor da lareira, naquilo que Bob chamou de uma
roda, mas que era, de fato, só um semicírculo. Bob Cratchit apoiou o cotovelo sobre a
cristaleira, onde ficavam guardados todos os “cristais” da família: dois copos e uma caneca
sem asa. Bob serviu-se deles como se fossem de ouro, enchendo-os diante de olhares
radiantes, enquanto, no fogo, as castanhas crepitavam e rachavam ruidosamente. Então, ergueu
um brinde:
– Feliz Natal para todos nós, meus queridos! Que Deus nos abençoe!
A família inteira repetiu suas palavras, atrasando-se apenas o pequeno Tim, que exclamou
sozinho:
– Deus abençoe cada um de nós!
Ele estava sentado no banquinho ao lado do pai. Bob segurava suas mãozinhas pálidas, e
era evidente que amava aquela criança e que a queria ter sempre ao seu lado, temendo muito
que um dia a levassem embora.
– Espírito – disse Scrooge, com um interesse que nunca antes tinha sentido –, diga-me se o
pequeno Tim vai sobreviver.
– Vejo uma cadeira vazia no canto daquela lareira – disse o Fantasma – e uma muleta sem
dono guardada com muito carinho. Se estas sombras permanecerem inalteradas no futuro, a
criança morrerá.
– Não, não! – disse Scrooge. – Ah, não, Espírito bom! Prometa-me que ele será poupado!
– Se essas sombras permanecerem inalteradas no futuro – repetiu o Fantasma –, nenhum
outro ser de minha raça a encontrará aqui. Mas pouco importa. Se é para morrer, que morra
logo, assim diminui o excesso de população!
Scrooge baixou a cabeça ao ouvir suas próprias palavras repetidas pelo Fantasma e
sentiu-se cheio de arrependimento e remorso.
– Homem, se o seu coração for humano e não de pedra, esqueça essas palavras cheias de
maldade até descobrir o que é “excesso” e onde ele está. Você acha que vai decidir quem
deve viver e quem deve morrer? É possível que você mereça menos viver do que milhões de
seres iguais ao filho desse pobre homem. Santo Deus!, é insuportável ter que ouvir o inseto na
folha decidir que há vida demais entre seus irmãos esfomeados sobre o pó!
Scrooge ficou envergonhado com a crítica e, tremendo, baixou os olhos até o chão. Mas
logo ergueu-os de novo, quando ouviu seu nome ser pronunciado.
– Ao senhor Scrooge! – disse Bob. – Um brinde a você, pois sem você não teria havido
esta festa!
– A ele? – disse a senhora Cratchit, ficando vermelha. – Gostaria, isto sim, de vê-lo aqui
na minha frente e oferecer a ele um pouco do que tenho guardado no cardápio da minha
cabeça, e depois perguntar-lhe se gostou do banquete!
– Querida, olhe as crianças! – interrompeu Bob. – Estamos no Natal!
– Sei perfeitamente que estamos no Natal – respondeu ela – pois somente nesta data
poderíamos estar brindando à saúde de um homem tão detestável, mesquinho, duro e
insensível como o senhor Scrooge. Você sabe disso, Robert, sabe melhor do que ninguém, meu
pobre querido!
– Meu bem, hoje é Natal – respondeu Bob, suavemente.
– Que seja, então! Um brinde a ele e ao Natal, embora ele não mereça. Longa vida para
ele! Que tenha um feliz Natal e um feliz Ano-Novo! Estou certa de que será muito alegre e
muito feliz!
As crianças brindaram junto, mas aquele foi o primeiro momento em que seus corações
não bateram com emoção. Tim foi o último a beber, sem o menor entusiasmo. Scrooge era o
bicho-papão da família. A simples menção de seu nome foi o bastante para lançar uma sombra
sobre a festa, que levou cinco minutos para se desfazer.
Depois que ela se desfez, todos ficaram dez vezes mais alegres que antes, simplesmente
porque o assunto “Scrooge, o Maléfico” estava encerrado. Bob Cratchit disse que tinha um
emprego à vista para o jovem Peter, no qual, se desse certo, ele ganharia no mínimo cinco
xelins e meio por semana. Os dois pequenos Cratchit acharam muita graça da ideia de Peter
virar um homem de negócios, e o próprio Peter ficou olhando pensativamente para o fogo, de
dentro do seu colarinho, como se já estivesse programando os investimentos que faria quando
começasse a receber aquele espantoso salário. Martha, que era uma pobre aprendiz de
costureira, explicou-lhes o tipo de trabalho que fazia, quantas horas trabalhava por dia e como
ia ser gostoso poder ficar o dia todo do feriado em sua cama, sem precisar trabalhar. Também
disse que havia visto alguns dias antes uma condessa e um lorde, e que ele era “quase tão alto
quanto Peter”, o que fez Peter puxar seu colarinho para cima com tanta força que ninguém
podia ver sua cabeça. Enquanto isso, as castanhas e a jarra continuavam a passar de mão em
mão, até que o pequeno Tim começou a cantar, com uma vozinha melancólica e afinada, uma
canção que falava de uma criança viajando na neve.
Não havia, entretanto, nada de especial em tudo isso. Esta não era, por certo, uma família
de gente bonita: eles não estavam bem-vestidos, seus sapatos eram desconfortáveis, suas
roupas apertadas e, além disso, Peter conhecia muito bem uma loja de penhores. Mesmo
assim, estavam felizes e satisfeitos com o que tinham, e também uns com os outros,
desfrutando juntos aquela data. Quando a visão que Scrooge tinha deles começou a
desaparecer, eles pareciam cada vez mais felizes sob o borrifo brilhante da tocha do Espírito.
Scrooge não pôde desgrudar os olhos deles, especialmente do pequeno Tim, até que todos
sumiram completamente.
A esta altura, já era noite e nevava muito. Scrooge e o Espírito percorriam as ruas vendo o
brilho maravilhoso do fogo que ardia nas cozinhas, nas salas e nas outras peças das casas.
Aqui, a luz das velas mostrava os preparativos para um jantar íntimo, com pratos quentes
diante do fogo e cortinas vermelhas prontas para serem fechadas, deixando do lado de fora o
frio e a escuridão. Logo além, crianças de todas as idades, correndo na neve para dar as boasvindas às irmãs casadas, irmãos, primos e tios, cada um querendo ser o primeiro a abraçá-los.
Mais adiante, as sombras dos convidados que se moviam por trás de persianas abaixadas; e,
finalmente, um pouco mais longe, um grupo de belas jovens, de capuzes e botas de pele,
falando todas ao mesmo tempo, enquanto saltitavam em um passo alegre em direção a uma
casa vizinha – e ai do jovem solteiro que visse entrar assim aquelas jovens ruborizadas, que
conheciam bem seus encantos de feiticeiras.
Eram tantas as pessoas a caminho dessas festas, que daria para pensar que não havia
ninguém em casa para recebê-las quando chegassem a seu destino, embora, na verdade,
tivesse sempre uma alegre turma de convidados à sua espera, com um belo fogo queimando em
cada lareira. Ao mesmo tempo, o Fantasma abençoava-os, feliz, descobrindo o seu amplo
peito e espalmando suas gigantescas mãos, e assim flutuava, lançando sua luz e sua alegria
sobre tudo que estivesse ao seu alcance. Até o acendedor de lampiões – que ia um pouco
adiante, salpicando de pintinhas luminosas a escura rua – já estava em traje de festa, pois
também ia passar a noite em algum lugar, e riu alto quando o Espírito passou, sem desconfiar
que estava na companhia do Natal em pessoa!
Então, sem que o Fantasma avisasse, chegaram a um lugar desértico e sombrio, cheio de
sinistros montes de rochas, parecendo um cemitério de gigantes. A água espalhava-se por
tudo, ou melhor, se espalharia, se não estivesse congelada, e não havia vegetação alguma por
ali, a não ser musgo, limo e um capim duro. O sol poente, a oeste, tinha deixado um traço
vermelho e brilhante, que ficou espiando por um momento aquela desolação, feito um olho
grande e triste, e em seguida foi se apagando, cada vez mais rápido, até sumir na tristeza da
escuridão da noite.
– Que lugar é esse? – perguntou Scrooge.
– O local onde vivem os mineiros que trabalham nas profundezas
da terra – respondeu o Espírito. – Mas eles me conhecem, veja!
Uma luz brilhava, vinda da janela de uma cabana, e os dois
avançaram rapidamente em sua direção. Após atravessarem uma
parede de pedra e barro, encontraram uma animada turma que estava
reunida em volta de uma lareira acesa. Era um homem velhíssimo e
sua mulher, com seus filhos, e os filhos de seus filhos, e ainda outra
geração após esta, todos muito alegres em suas roupas de domingo. O
velho cantava para eles uma canção de Natal – que já era velha quando ele era criança –, com
uma voz que raras vezes ficava mais alta que o uivo do vento que soprava no deserto lá fora, e
todos cantavam juntos, de tempos em tempos, o refrão. Assim que os outros cantavam em coro,
a voz do velho ficava mais forte e sonora, mas logo que eles paravam, a força de sua voz
diminuía outra vez.
O Espírito não se demorou ali e, após fazer com que Scrooge segurasse firme em sua
túnica, deixou o descampado para trás, seguindo adiante. Para o mar?... Isso mesmo, para o
mar! Scrooge viu com horror o último pedaço de terra – uma assustadora cadeia de montanhas
– desaparecer atrás, enquanto seus ouvidos ensurdeciam-se com o ruído forte das ondas
rebentando dentro das cavernas que elas mesmas haviam escavado e agora tentavam destruir
com fúria.
A algumas léguas de distância da costa, num recife, havia um farol solitário, batido o ano
inteiro pela selvagem força das ondas. Pilhas de algas prendiam-se na parte de baixo, e aves
oceânicas – que pareciam filhas do vento, assim como as algas são filhas da água –
levantavam voo e desciam aos pés do farol, como faziam as ondas que os pássaros igualmente
tocavam.
Mesmo naquele lugar, os dois vigias que cuidavam do farol acenderam um fogo que
lançava um raio de luz sobre o mar furioso, através de um buraco feito na grossa parede de
pedra. Eles se deram as mãos calosas por cima da mesa rústica onde estavam sentados,
desejaram-se um Feliz Natal, brindando com suas canecas de grogue, enquanto o mais velho
deles, com o rosto tão enrugado e marcado pelo mau tempo que mais parecia a carranca de
algum navio, cantava uma canção que lembrava outra tempestade.
O Fantasma seguiu voando velozmente, ultrapassou o mar negro e agitado e foi sempre em
frente, até que aterrissaram em um navio distante de qualquer terra, como informou a Scrooge.
Eles pararam ao lado do timoneiro no leme, do vigia na gávea e dos oficiais de plantão, todos
vultos escuros e fantasmagóricos, cada qual colocado em seu posto. Cada um assoviava uma
canção de Natal, tinha um pensamento festivo, ou comentava com algum colega as boas
lembranças de algum Natal passado. Cada homem a bordo, acordado ou adormecido, bom ou
mau, tinha uma palavra gentil a dizer para os outros, participando de alguma forma das
festividades e se lembrando dos familiares que estavam distantes, mas que também estariam
pensando nele.
Scrooge escutava o uivo do vento e pensava no quanto era misteriosa esta sensação de
estar se movendo naquela triste escuridão e de ter abaixo de si um abismo desconhecido, cujas
profundezas eram tão secretas e impenetráveis quanto a morte, quando foi surpreendido por
uma boa gargalhada. Ficou ainda mais surpreso quando reconheceu a gargalhada do seu
próprio sobrinho. Viu que estavam agora em uma sala clara, seca e iluminada, e o sorridente
Espírito, ao lado, olhava para o seu sobrinho com um olhar de aprovação!
– Há! Há! Há! – ria o sobrinho de Scrooge. – Há! Há! Há!
Se você alguma vez já teve a oportunidade de conhecer um homem capaz de dar uma
gargalhada tão abençoada quanto a do sobrinho de Scrooge, tudo o que posso dizer é que
também gostaria de conhecê-lo. Apresente-me a ele, e passarei a ser, também, seu amigo.
Graças a alguma lei justa e compensatória desta vida, se por um lado a doença e a tristeza
são contagiosas, por outro, também não pode haver nada mais irresistivelmente contagioso do
que o bom humor e uma gostosa gargalhada.
Quando o sobrinho de Scrooge começou a rir daquele jeito, com as mãos na cintura,
balançando a cabeça, contorcendo o rosto e fazendo as mais estranhas caretas, sua esposa – e,
portanto, sobrinha de Scrooge – não se conteve e começou a rir junto. Seus amigos, ali
reunidos, também não deixaram por menos e caíram numa gargalhada incontrolável.
– Há! Há! Há! Foi exatamente isto o que ele disse: que o Natal era uma tolice, uma grande
tolice! – exclamou o sobrinho de Scrooge. – E o pior é que ele realmente pensa assim!
– Mais um motivo de vergonha para ele, Fred! – disse a sobrinha de Scrooge, indignada.
Benditas e sinceras mulheres, que dizem tudo como é de verdade.
Ela era uma moça bonita; na verdade, extremamente bonita. Seu rosto tinha duas covinhas,
um ar surpreso, e seus lábios eram suculentos, feitos para serem beijados – e não restam
dúvidas de que o eram, com muita frequência! Ela tinha pintinhas de vários tamanhos no
queixo, e todas se juntavam quando ela ria. Seus olhos radiantes eram os mais belos olhos que
jamais se viu. O conjunto era o que se poderia chamar de provocante, mas também muito
agradável. Sem dúvida alguma, muito agradável!
– Ele é um velho muito engraçado – disse o sobrinho de Scrooge –, essa é que é a
verdade, embora não tão simpático quanto poderia ser. Suas agressões acabam sempre
voltando contra si mesmo, e eu não tenho nada a dizer contra ele.
– Mas ele é tão rico, Fred! – disse a sobrinha de Scrooge. – Pelo menos foi o que você
sempre me disse.
– E daí, minha querida! – disse o sobrinho. – Sua riqueza não lhe serve para nada, nem
para fazer um bem qualquer a alguém. Sequer lhe serve para tornar a sua própria vida mais
confortável. Não tem nem mesmo a satisfação de pensar que um dia nós é que iremos desfrutar
de toda essa fortuna! Há! Há! Há!
– Não tenho a menor pena dele – disse a sobrinha, apoiada por suas irmãs e todas as
outras senhoras presentes.
– Pois eu tenho – disse o sobrinho. – Muita pena mesmo! Não poderia zangar-me com ele,
ainda que quisesse, pois é ele próprio, afinal, quem paga por todas as suas esquisitices. Por
exemplo, botou na cabeça que não gosta de nós, recusando-se a passar o Natal conosco. Qual
é a consequência disso? Ele deixou de saborear uma ceia, embora, é verdade, ela não tenha
sido lá essas coisas...
– Pois eu acho que ele perdeu uma excelente ceia – interrompeu a sobrinha.
Todos os outros concordaram e eram juízes que sabiam do que estavam falando, pois
recém tinham comido a ceia e agora estavam na mesa, perto da lareira, para a sobremesa.
– Ótimo, fico feliz em escutar isso! – disse o sobrinho. – Confesso que não acreditava
muito nestas jovens cozinheiras. O que você acha, Topper?
Topper estava visivelmente de olho em uma das irmãs da sobrinha de Scrooge e
aproveitou a ocasião para afirmar que um solteiro é um infeliz desconhecedor desses assuntos,
não tendo, portanto, direito algum a manifestar sua opinião.
Ao escutar isso, a irmã da sobrinha de Scrooge corou – a gorduchinha com o lenço de
renda, e não a outra, enfeitada com rosas.
– Continue, Fred! – insistiu a sobrinha de Scrooge, batendo palmas. – Topper nunca
termina o que começa a dizer! Ele é mesmo um sujeitinho irritante!
O sobrinho de Scrooge deu outra de suas gargalhadas contagiantes, e, embora a irmã
fofinha tentasse ficar séria, todo mundo riu junto com ele.
– Eu só ia dizer que, por causa de sua antipatia por nós e da sua recusa em participar de
nossa festa, ele perde momentos agradáveis que o ajudariam a ser menos raivoso. Também
perde uma companhia mais agradável do que a de seus solitários pensamentos, em seu velho e
mofado escritório ou naquele lugar empoeirado onde vive. Todos os anos, pretendo lhe dar
uma nova oportunidade de ficar conosco nesta data, quer ele queira, quer não, pois tenho pena
dele. Enquanto ele insistir em falar mal do Natal e não melhorar em nada a sua opinião,
estejam certos de que lá estarei junto a ele, de boa cara, ano após ano, para lhe dizer: “Então,
tio Scrooge, como tem passado?” E se isso servir para amolecer o coração dele, pelo menos
para que ele deixe de herança ao seu pobre empregado umas cinquenta libras, já terá valido o
esforço. E acho que ontem mesmo já o abalei.
Todos caíram na risada, pois não conseguiam imaginar o Scrooge abalado. Como eram
muito alegres e riam com facilidade de qualquer coisa, Fred encorajou-os ainda mais, fazendo
circular de novo a garrafa, alegremente.
Após o chá, cantaram um pouco, pois aquela era uma família muito musical, e todos
sabiam perfeitamente o que estavam fazendo quando começavam a cantar uma peça ou uma
canção – especialmente Topper, que sabia rugir sua voz de baixo como ninguém, sem que lhe
inchassem as grossas veias do pescoço ou que sua face ficasse vermelha. A sobrinha de
Scrooge tocava harpa, e tocou, dentre outras coisas, uma melodia – uma coisinha à toa, dessas
que a gente aprende a assoviar em dois minutos – que a criança que ia buscar Scrooge no
internato (como ainda há pouco o Espírito dos Natais Passados fez recordar) conhecia muito
bem. Enquanto tocavam a música, Scrooge lembrou todas as coisas que o Fantasma havia lhe
mostrado, e foi se enternecendo aos poucos. Pensou que, se tivesse tido a oportunidade de
escutar aquela canção há mais tempo, poderia ter cultivado com suas próprias mãos as
doçuras da vida, para sua própria felicidade, sem ter precisado da pá do sacristão que
enterrara Jacob Marley.
Eles não dedicaram a noite inteira à música, passaram em seguida aos jogos de prendas,
porque é bom ser criança de vez em quando, e nenhuma ocasião é melhor para isso do que
durante o Natal, quando o próprio e suavíssimo Salvador também vira uma criança. Antes de
tudo, brincaram – é claro! – de cabra-cega. E, para ser franco, eu não acredito que Topper
estivesse realmente cego, pois parecia enxergar até através das botas. Na minha opinião, tudo
aquilo foi combinação dele com o sobrinho de Scrooge, além da participação do Espírito do
Natal Presente. O jeito com que ele correu atrás da irmã fofinha de lenço rendado foi uma
verdadeira ofensa à credulidade humana: esbarrando nos atiçadores da lareira, tropeçando nas
cadeiras, trombando com o piano, enrolando-se todo nas cortinas – onde quer que ela fosse, lá
estava ele! Sabia sempre onde a gordinha estava, sem perseguir mais ninguém. Você podia até
tentar esbarrar nele de propósito, como fizeram alguns, que ele dava um jeito de desviar de
você, desafiando a sua inteligência ao fingir que tentara apanhá-lo, e imediatamente voltava a
deslizar na direção da irmã fofinha. Ela gritou várias vezes que aquilo não era justo. E não era
mesmo. Quando finalmente ele a alcançou e, apesar de todo o farfalhar de seu vestido de seda
e das suas rápidas fugidas, encurralou-a em um canto de onde não havia como fugir, ele
comportou-se de uma maneira realmente horrível. Fingiu que não tinha percebido que era ela
e, como se fosse obrigado a isto, começou a apalpar os seus cabelos; depois, para se
certificar, apertou ainda um anel que estava em seu dedo e um colar que estava em seu
pescoço. Foi vil e monstruoso! Com certeza foi isso que ela lhe disse quando os dois puderam
ter uma conversa particular atrás das cortinas, enquanto outro tomava o lugar dele.
A sobrinha de Scrooge não participou da brincadeira, ficou confortavelmente sentada em
uma poltrona no canto, com os pés em um banquinho. Scrooge e o Espírito estavam bem ao seu
lado. Mas ela foi perfeita na brincadeira das prendas, e todos admiraram a sua habilidade com
as letras do alfabeto e o seu desempenho no jogo de adivinha: derrotou facilmente as suas
irmãs – embora elas fossem bem espertas, como Topper poderia confirmar a vocês – para a
disfarçada alegria do sobrinho de Scrooge. Havia mais ou menos vinte pessoas na sala, jovens
e velhos, mas todos participaram dos jogos, inclusive o próprio Scrooge. Esquecido de que
ninguém podia escutá-lo, ele também gritou os seus palpites, que às vezes eram errados de
propósito, e outras vezes absolutamente corretos, pois ele tinha uma cabeça muito esperta,
quando queria passar a perna nos outros.
O Fantasma ficou muito satisfeito ao ver Scrooge assim tão animado e observava-o com
tanta simpatia que ele, como uma criança, pediu para ficar até que todos os convidados
tivessem ido embora. Mas o Espírito disse que não seria possível.
– Mas vai começar um novo jogo! – disse Scrooge. – Mais meia hora, Espírito, só mais
meia horinha!
O jogo chamava-se “Sim e Não”, e nele o sobrinho de Scrooge tinha que pensar em algo
que os outros deviam adivinhar, fazendo perguntas, e ele só podia responder sim ou não.
Os participantes fizeram uma chuva de perguntas e conseguiram descobrir que ele estava
pensando em um animal. Que era um animal desagradável e selvagem, um animal que às vezes
grunhia e rosnava e outras vezes falava, que vivia em Londres, andava pelas ruas, mas não
fazia parte de nenhum espetáculo, nem pertencia a ninguém. Não morava em um zoológico,
nem nunca tinha sido morto para ser vendido em um açougue; não era um cavalo, nem um
burro, nem um touro, nem um tigre, nem um cão, nem um porco, ou um gato ou um urso. Cada
vez que faziam uma nova pergunta, o sobrinho rolava de rir, tanto que a certa altura, começou
a sufocar, e foi obrigado a se levantar do sofá e sapatear no chão. Finalmente, a irmã fofinha
também teve um ataque como o dele e deu um berro:
– Já sei! Descobri o que é, Fred!
– O que é? – perguntou Fred.
– É o seu tio Scroooooge!
Ela acertou em cheio. Todos ficaram admirados, embora alguém tivesse reclamado que a
resposta à pergunta “é um urso?” devia ter sido “sim”, porque o não só serviu para desviar os
pensamentos do senhor Scrooge, se eles tivessem pensado nele.
– Mas vocês têm que concordar que ele nos divertiu tanto que seríamos mal-agradecidos
se não fizéssemos um brinde à sua saúde. Levantem as taças e repitam: à saúde do tio
Scrooge!
– Muito bem! À saúde do tio Scrooge! – gritaram todos.
– Um Feliz Natal e um Feliz Ano-Novo para o velho, de qualquer modo! – disse o
sobrinho de Scrooge. – Ele não quis aceitar meu brinde, mas mesmo assim aqui vai ele: ao tio
Scrooge!
A esta altura, o tio Scrooge já estava de coração tão leve e alegre que, se o Fantasma lhe
desse tempo, seria capaz de retribuir o brinde às pessoas à sua volta com um discurso que
ninguém ia poder ouvir. Mas tudo sumiu junto com as últimas palavras do sobrinho, e
recomeçaram a viagem.
Viram diversas coisas e foram muito longe, visitando muitas casas, sempre com um final
feliz. O Espírito parou ao lado da cama dos doentes, e eles ficaram contentes; parou ao lado
de homens que estavam em terras estrangeiras, e eles sentiram-se em casa; visitou homens que
estavam lutando, e eles renovaram as suas esperanças; aproximou-se dos pobres, e eles
sentiram-se ricos; nos albergues, hospitais e prisões – em cada lugar onde havia sofrimento,
onde a mesquinha autoridade dos homens não tinha batido a porta na cara do Espírito de
Natal, ele deixou sua benção, ao mesmo tempo ensinando a Scrooge a sua lição.
Foi uma noite longa, se é que foi uma única noite; Scrooge duvidava disso, já que o
feriado de Natal e Ano-Novo parecia ter acontecido no espaço de tempo em que estiveram
juntos. Outra coisa estranha foi que, enquanto Scrooge ficou igual, o Espírito, ao contrário,
ficou visivelmente mais velho. Scrooge notou essa mudança, mas preferiu não falar nada, até o
momento em que estavam saindo de uma festa infantil de Dia dos Reis, e ele percebeu, à luz
do dia, que os cabelos do Espírito estavam completamente brancos.
– A vida dos espíritos é tão curta assim? – perguntou Scrooge.
– A minha vida aqui neste planeta é muito curta – respondeu o Fantasma. – Acaba esta
noite.
– Esta noite? – exclamou Scrooge.
– Exatamente à meia-noite. Por isso, vamos, pois não temos muito tempo!
Os sinos bateram quinze para a meia-noite.
– Desculpe se minha pergunta lhe ofende, mas estou vendo algo estranho, que não faz parte
de seu corpo, saindo para fora de sua roupa. É um pé ou uma garra? – perguntou Scrooge,
olhando para a túnica do Espírito.
– Poderia ser mesmo uma garra, mas coberta de carne – respondeu o Fantasma, triste. –
Veja só.
Das dobras de sua túnica retirou, então, duas crianças esfarrapadas, repulsivas, medonhas
e miseráveis. Elas se ajoelharam aos seus pés, agarrando a bainha da sua roupa.
– Olhe, homem! Veja isto! – exclamou o Fantasma.
Era um garoto e uma menina amarelos, raquíticos, esfarrapados, mal-encarados,
esfomeados e quase desmaiando. Em vez da graça da infância ter desenhado os seus rostos,
colorindo com suas alegres tintas, a mão enrugada da velhice os destruiu, transformando-os
em pobres farrapos. Onde deveria haver anjos sentados em seus tronos, havia demônios com
olhares sinistros. Nenhuma alteração, degradação ou perversão humana nos mistérios e
maravilhas do universo poderia ter criado monstros tão horríveis e assustadores.
Scrooge deu um passo para trás, horrorizado. Ele ainda tentou dizer que eram belas
crianças, apesar de ter sido apresentado a elas daquele modo, mas as palavras recusaram-se a
sair de sua boca, e ele não conseguiu dizer uma mentira tão grande.
– São seus filhos, Espírito? – Scrooge conseguiu dizer.
– São os filhos do Homem – respondeu o Fantasma, olhando para elas. – Eles se prendem
a mim, porque têm medo dos pais. O menino é a Ignorância, e a menina, a Necessidade.
Cuidado com os dois, mas principalmente com o garoto, pois em sua testa estará sempre
escrita a palavra Perdição, a menos que alguém resolva apagá-la. Negue-a! – gritou o
Espírito, apontando para a cidade. – Não a aceite nunca. Se fingir que a aceita, por algum
motivo, mesmo pensando em seus próprios interesses, tornará as coisas ainda piores. E
aguarde, então, o castigo!
– Mas eles não têm para onde ir ou quem os ajude! – indignou-se Scrooge.
– Ora, mas não há prisões? – disse o Espírito a Scrooge, pela última vez, usando suas
próprias palavras. – Não há casas para trabalhos forçados?
Os sinos bateram a meia-noite.
Scrooge procurou pelo Fantasma, mas não o viu mais. E assim que a última badalada soou,
ele lembrou da profecia do velho Jacob Marley. Então, erguendo os olhos, viu um Fantasma
solene, todo encapuzado, que vinha em sua direção como uma névoa que desliza pelo chão.
Capítulo IV
O último dos espíritos
O Fantasma se aproximou devagar, sério e silencioso. Quando chegou mais perto, Scrooge
caiu de joelhos, pois o próprio ar em que se movia parecia misterioso e ameaçador. Ele
estava enrolado em uma roupa longa e preta que tapava a sua cabeça, seu rosto e seu corpo,
deixando à mostra somente uma mão estendida. Se não fosse isso, teria sido difícil vê-lo
naquela escuridão.
Quando ele se aproximou, Scrooge viu que era alto
e imponente e ficou apavorado. Nada mais pôde
descobrir, porque o Espírito não falou nem se moveu.
– Estou diante do Espírito dos Natais Futuros? –
perguntou Scrooge.
Ele não respondeu, apenas apontou para a frente
com a mão.
– Você vai me mostrar as sombras de coisas que
ainda não aconteceram, mas que vão acontecer no
futuro? É isso, Espírito? – prosseguiu Scrooge.
A parte de cima da roupa do Espírito se mexeu,
como se ele tivesse inclinado a cabeça, e esta foi sua
única resposta.
Mesmo já estando acostumado com a companhia
dos fantasmas, Scrooge ficou com tanto medo da figura silenciosa que sentiu as pernas
tremerem, e quando se preparou para segui-lo, descobriu que mal conseguia ficar em pé. O
Espírito esperou um momento, como se observasse Scrooge, dando-lhe um tempo para se
recuperar.
Scrooge sentiu-se ainda pior depois disso. Ele ficou aterrorizado com os dois olhos
fantasmagóricos que o observavam, por trás daquele capuz negro. Por mais que tentasse, só
conseguia ver uma mão descarnada e uma grande sombra parada na sua frente.
– Espírito do Futuro! – exclamou Scrooge. – Você me assusta mais do que qualquer outro
dos fantasmas que vi. Sei que você só quer me fazer o bem, e espero viver ainda para poder
me tornar um homem diferente do que fui até hoje. Estou pronto a acompanhá-lo e farei isso de
coração agradecido. Não deseja falar comigo?
Não houve resposta; a mão apenas apontou, outra vez, para a frente.
– Então me mostre o caminho! A noite está acabando, e o meu tempo é precioso. Vamos,
Espírito! – disse Scrooge.
O Fantasma se moveu da mesma maneira que fez quando chegou. Scrooge seguiu a sombra
de sua túnica e teve a sensação de que ela o levantou no ar e o transportou.
Mal entraram na cidade, Scrooge teve a impressão de que a cidade é que veio até eles e os
envolveu. Estavam bem no centro dela, perto da Bolsa, no meio dos homens de negócios que
corriam de lá para cá, fazendo tilintar o dinheiro em seus bolsos e conversando em grupos,
olhando a todo o instante para seus relógios e brincando distraidamente com seus grandes
sinetes de ouro, como Scrooge já estava acostumado a ver.
O Espírito parou ao lado de um desses pequenos grupos. Ao ver que sua mão apontava
para eles, Scrooge aproximou-se para escutar o que diziam.
– Não, não sei dizer os detalhes, só sei que ele morreu – dizia um sujeito gordo, com uma
papada monstruosa.
– Mas quando? – perguntou o outro.
– Parece que foi na noite passada.
– Mas o que houve com ele? Parecia que nunca ia morrer – perguntou um terceiro, tirando
uma pitada de rapé de uma caixa enorme.
– Deus é quem sabe... – disse o primeiro, bocejando.
– E para quem será que ele deixou o seu dinheiro? – perguntou
um cavalheiro de rosto vermelho com uma verruga pendurada na
ponta do nariz, que ele sacudia como o peru sacode a sua crista.
– Não sei. Imagino que tenha deixado para a firma. Para mim,
pelo menos, tenho a certeza que não foi – disse o homem do papo
enorme, com outro bocejo.
Esta piada foi recebida com risadas.
– Provavelmente será um enterro bem mixuruca – disse o mesmo
homem que tinha falado antes. – Aposto a minha cabeça, e
desconheço quem pretenda ir. Que tal formarmos um grupo para ir
até lá?
– Por mim tudo bem, desde que me paguem o almoço – disse o cavalheiro da verruga no
nariz. – Se preciso ir, que seja bem alimentado.
Outra gargalhada.
– Bem, parece que sou o mais desinteressado de todos – disse o que falou primeiro –, pois
não costumo usar luvas pretas e nem almoçar. Estou disposto a ir, se mais alguém vier comigo.
Pensando bem, talvez eu fosse seu maior amigo, porque sempre que cruzávamos um com o
outro parávamos para trocar algumas palavras. Até mais, cavalheiros.
O grupo se dissolveu, misturando-se com outros grupos. Scrooge conhecia todos e olhou
para o Espírito, querendo uma explicação.
O Fantasma deslizou em direção à outra rua e apontou para duas pessoas que recém
haviam se encontrado. Scrooge prestou atenção novamente, imaginando que ali encontraria
uma resposta.
Ele também conhecia os dois homens perfeitamente. Eram negociantes muito ricos e
importantes, e Scrooge sempre fizera o possível para ter boas relações com eles. Boas
relações de negócios, é claro.
– Olá, como vai? – perguntou o primeiro.
– Bem, e você? – respondeu o outro.
– Muito bem! Então, aquele velho pão-duro teve finalmente o que merecia, hein? – disse o
primeiro.
– Sim, eu soube. Mas que dia frio, hoje, não acha? – disse o segundo.
– Como sempre faz nesta época... Não vai aproveitar para patinar?
– Ah, não. Tenho muito o que fazer. Um bom dia!
E não disseram mais nenhuma palavra.
Scrooge primeiro ficou espantado com a importância que o Espírito dava a essas
conversas que pareciam tão normais. Mas tinha certeza de que elas deveriam ter algum sentido
oculto, e começou a matutar qual seria ele. Dificilmente teriam algo a ver com a morte de seu
velho sócio Jacob, porque ela pertencia ao Espírito dos Natais Passados, e este Espírito
cuidava do Futuro. E não conseguia lembrar de algum conhecido que pudesse ser a pessoa de
quem estavam falando. De qualquer modo, sabia que ali tinha alguma lição que serviria para o
seu bem no futuro. Por isso, Scrooge decidiu guardar na memória tudo o que tinha visto e
ouvido e, principalmente, observar bem a sua própria sombra, quando ela aparecesse, pois
esperava que seu jeito de se comportar no futuro lhe ajudasse a solucionar o enigma.
Olhou em volta, procurando-a por toda parte, mas um outro homem estava no local onde
ele, Scrooge, costumava ficar. Embora o relógio já tivesse marcado a hora em que ele
costumava estar no escritório, não viu nenhuma imagem sua na multidão que entrava no
saguão. Isso não o deixou muito surpreso, pois já tinha decidido mudar de vida, e o fato de
não estar ali podia significar que os seus planos tinham dado certo.
Silencioso e sombrio, o Fantasma permanecia ao seu lado com a mão estendida. Quando
Scrooge voltou de seus pensamentos, percebeu, pela direção da mão e pela posição do
Espírito, que seus olhos invisíveis estavam fixos nele. Sentiu um arrepio e ficou com uma
enorme sensação de frio.
Afastaram-se daquele ambiente agitado e foram para uma parte desconhecida da cidade,
onde Scrooge nunca tinha ido, mas sabia onde ficava e também a sua má fama. As ruas eram
imundas e estreitas, e as lojas e casas estavam em ruínas. As pessoas eram subnutridas,
embriagadas, maltrapilhas e feias. Vielas e portas vomitavam para as ruas apinhadas seus
restos imundos. O bairro todo cheirava a crime, imundície e miséria.
Nas profundezas desse lugar horrível, havia uma loja de teto baixo, protegida por um
frágil telhado, onde se vendiam ferro-velho, trapos, garrafas vazias, ossos e restos de sebos
dos açougues. Dentro dela, sobre o chão, havia pilhas de chaves enferrujadas, pregos,
ganchos, dobradiças, fichários, balanças, pesos e toda a espécie de ferro-velho. Objetos que
poucos teriam interesse em comprar escondiam-se em montanhas de farrapos, tonéis de sebo
estragado e ossos. Sentado no meio de suas mercadorias, ao lado de um fogareiro a carvão
feito de tijolos velhos, estava um homem grisalho, próximo dos setenta anos de idade, que se
protegia do vento gelado atrás dos restos bolorentos de uma cortina toda remendada,
pendurada em uma corda. Tranquilamente, como se estivesse em um luxuoso refúgio, ele
fumava cachimbo.
Bem na hora em que Scrooge e o Fantasma se aproximaram, entrou na loja uma mulher
carregando um pacote pesado. Logo atrás dela surgiu outra com um pacote parecido e mais um
homem com uma roupa preta desbotada, que ficou tão surpreso ao vê-las quanto elas ficaram
ao verem uma à outra. Após um momento de espanto, durante o qual o velho do cachimbo se
aproximou deles, os três caíram na gargalhada.
– Pode atender a faxineira em primeiro lugar! – exclamou a mulher que tinha chegado na
frente. – Depois, a lavadeira, e o homem da funerária fica por último. Mas que coincidência,
velho Joe! Nós três aqui, sem termos combinado nada!
– Não poderiam ter escolhido um local melhor –
disse o velho, tirando da boca o cachimbo. – Vamos,
passem logo para a sala de visitas; vocês já são de
casa. Esperem, enquanto eu fecho a porta da loja. Oh,
como range! Aposto que não há metal mais enferrujado
dentro desta loja inteira do que estas dobradiças! Nem
ossos mais velhos aqui dentro do que os meus. Há! Há!
Afinal, tudo aqui deve combinar e estar de acordo com
o que fazemos. Mas entrem, vamos!
Foram para a sala, que ficava atrás da cortina de
trapos. O velho atiçou o fogo com um pedaço de
corrimão, avivou a lamparina com o tubo do cachimbo e recolocou-o na boca.
Enquanto isso, a mulher que tinha falado jogou o pacote no chão e sentou-se de qualquer
jeito em um banquinho. Depois apoiou os cotovelos sobre os joelhos e ficou observando os
outros com um ar de desafio.
– Qual é o problema, senhora Dilber? – disse a outra mulher. – Todo mundo tem o direito
de pensar em si mesmo. Ele sempre foi assim.
– É verdade! – disse a lavadeira. – Ninguém pensou mais em si mesmo do que ele.
– Então por que está aí parada, criatura, me olhando com esta cara de espanto? Ninguém
aqui é santo! Não vamos começar a jogar pedras uns nos outros, não é?
– Claro que não! – disseram juntos a senhora Dilber e o homem. – Nem pensar!
– Muito bem, então! – disse a mulher. – Não se fala mais nisso! A quem, afinal, vão fazer
falta estas bugigangas? A um morto é que não...
– Certamente não! – disse a senhora Dilber, rindo.
– Se aquele maldito velho sovina queria guardar estas coisas para depois da morte, por
que não levou a vida de um jeito mais normal? Pelo menos teria tido alguém ao seu lado na
hora da morte, e não teria ficado sozinho na cama, naquela agonia, até se acabar! – continuou a
mulher .
– Você tem toda a razão! – disse a senhora Dilber. – Foi um castigo para ele.
– Eu gostaria que fosse um castigo um pouco maior – disse a mulher. – E teria sido, vocês
podem ter certeza, se eu tivesse tido tempo de pegar mais alguma coisa. Vamos com isso, Joe!
Abra logo este pacote e diga o quanto ele vale. Fale abertamente, pois eu não tenho medo de
ser a primeira, nem de que vejam o que eu peguei. Nós todos sabíamos muito bem que cada
um de nós ia pegar o que pudesse antes de vir para cá. Não é pecado nenhum. Abra o pacote,
Joe.
Mas a delicadeza de seus amigos não permitiu que fizesse isso. O homem de terno
desbotado se adiantou e mostrou o que tinha pegado. Não era muita coisa. Um ou dois
berloques, um estojo de lápis, um par de abotoaduras e um broche vagabundo. Todos os
objetos foram examinados e avaliados cuidadosamente por Joe, que anotava com um pedaço
de giz na parede o preço que pretendia pagar por cada peça, e somou tudo quando viu que não
havia mais nada.
– Isto é o que eu posso lhe pagar – disse Joe. – Nem que me
fervessem em uma panela eu pagaria mais. O próximo!
Era a vez da senhora Dilber. Lençóis e toalhas, umas roupas
amarrotadas, duas antiquadas colherinhas de chá, pinças de
açucareiro e algumas botas. Sua conta foi escrita a giz na parede, da
mesma forma.
– Sempre pago um pouquinho mais para as damas. É uma velha
fraqueza, que um dia ainda vai me arruinar – disse o velho Joe. –
Aqui está sua conta. E se você me pedir um xelim a mais, eu desisto de ser tão generoso e
baixo o valor.
– Agora abra a minha trouxa, Joe – disse a primeira mulher.
O velho ajoelhou-se para abri-la com mais facilidade e, depois de desatar vários nós,
puxou de dentro um grande e pesado rolo de um tecido escuro.
– O que é isso? Uma cortina de cama! – exclamou.
– Há! Há! Uma cortina de cama! – disse a mulher, rindo e cruzando os braços.
– Você quer dizer que arrancou as cortinas da cama dele? Vai dizer que tirou as cortinas
da cama dele, com argolas e tudo, enquanto ele estava lá, deitado e sem vida?
– Claro! Por que não? – respondeu a mulher.
– Você nasceu para ser rica. E certamente será – disse Joe.
– Não tenha dúvida de que não ficarei com as mãos paradas quando puder conseguir algo
com elas toda vez que cruzar com um sujeito como aquele – respondeu friamente a mulher. –
Ei, cuidado para não derramar azeite sobre os cobertores!
– Os cobertores dele?
– E de quem mais você pensava que fossem? – replicou a mulher. – Ele não vai pegar mais
nenhum resfriado sem eles, posso lhe garantir.
– Espero que não tenha morrido de algo contagioso, hein? – disse o velho Joe,
interrompendo seu trabalho e olhando para ela.
– Não se preocupe – respondeu a mulher. – Eu não arriscaria a minha pele por causa
destas coisas. Ah, está investigando a camisa? Pode olhar até os olhos doerem que não vai
encontrar nem um único remendo ou buraco. Era a sua melhor camisa, a mais fina de todas.
Eles a teriam desperdiçado, se não fosse por mim.
– Desperdiçado? Como assim? – perguntou o velho Joe.
– Colocariam a camisa nele para o enterro! – respondeu a mulher, com uma gargalhada. –
Sempre há um idiota para ter uma ideia dessas, mas eu a salvei antes. Se a chita não presta
para isso, então não presta para mais nada. Caiu como uma luva para aquele corpo. Ele não
poderia ficar mais feio.
Scrooge escutou este diálogo horrorizado. Enquanto todos estavam agrupados em torno
das suas coisas, sob a luz fraca da lamparina do velho, ele olhou para eles com ódio e
desgosto, como se estivesse diante de um bando de demônios obscenos, negociando seu
próprio cadáver.
– Há! Há! Há! – gargalhou ainda a mesma mulher quando o velho Joe, após pegar uma
bolsinha de flanela, começou a pagar a cada um ali mesmo, no chão. – E este é o fim de tudo!
Quando vivo, ele gostava de meter medo em todo mundo, mas agora, com a sua morte, quem
lucrou fomos nós!
– Espírito! – disse Scrooge, tremendo dos pés à cabeça. – Já entendi! Eu já entendi! O meu
fim poderá vir a ser igual ao desse desgraçado, se eu seguir com a vida que tenho tido!... Mas
meu Deus, o que é isso, agora?
Deu um passo para trás, aterrorizado, pois a cena havia mudado. Ele estava quase
encostado em uma cama, uma cama nua e sem cortinas, na qual, debaixo de um lençol rasgado,
havia alguma coisa que, mesmo em silêncio, já anunciava a sua terrível aparência.
O quarto estava escuro demais para que se pudesse ver alguma coisa, mas Scrooge olhou
ao redor, obedecendo a um impulso secreto, ansioso para saber a quem aquele quarto
pertencia. Uma luz fraca, vinda de fora, caía diretamente sobre a cama. Em cima dela,
despido, sozinho e abandonado, sem ninguém por perto para chorar ou velar por ele, estava o
cadáver de um homem.
Scrooge olhou para o Fantasma; sua mão apontava com firmeza para a cabeça do morto. A
coberta estava jogada por cima dele de um modo tão desleixado que bastaria um leve
movimento do dedo de Scrooge para descobrir o rosto. Mas ele não tinha força para erguer o
véu, tanto quanto não tinha poder para expulsar o Espírito do seu lado.
Oh, Morte fria, rígida e terrível, faz aqui o teu altar, enfeitado com todos os terrores que
estão sob o teu comando, pois este é o teu domínio! Quando um morto é amado, reverenciado
e honrado, tu não consegues tocar em um único fio de cabelo dele para alcançar teus perversos
objetivos, nem tornar odiosas as feições de alguém. Quando tu chegas, não importa que o
pulso e o coração não batam, nem que a mão esteja pesada e imóvel, mas que tenha sido
aberta, generosa e sincera, que o coração tenha sido corajoso, sincero e afetuoso, e que o
pulso tenha sido o de um homem. Podes golpear, Sombra, golpeia à vontade! E das feridas que
fizeres verás jorrar apenas as boas ações que semeiam no mundo a vida imortal!
Nenhuma voz disse estas palavras no ouvido de Scrooge, mas ele as ouviu na mesma hora
em que viu a cama. Pensou, então: se esse homem pudesse levantar-se agora, quais seriam
seus pensamentos? Avareza? Intransigência? Ambição exagerada? Tudo isso acabou por leválo, realmente, a um belo fim!
Agora ele estava na casa escura e vazia, sem um homem, mulher ou criança para lhe dizer:
“Ele foi tão bom para mim, uma vez!”, ou “Em retribuição às suas boas palavras, agora vou
cuidar dele”. Um gato arranhou a porta, enquanto se ouvia um ruído de ratos roendo atrás da
pedra da lareira. O que procuravam naquele quarto de morte e por que estavam tão irrequietos
e perturbados? Scrooge não conseguia entender.
– Espírito! Esse lugar é pavoroso. Acredite, quando sair daqui não esquecerei jamais a
lição que aprendi. Por favor, vamos embora!
Mas o dedo imóvel do Fantasma continuava a apontar para a cabeça do morto.
– Já entendi o que você quer! Eu faria isso, se pudesse. Mas não tenho coragem, Espírito!
Não tenho coragem! – respondeu Scrooge.
Novamente ele teve a impressão de estar sendo observado.
– Se houver alguém nesta cidade que sinta alguma emoção por causa da morte deste
homem – disse Scrooge, completamente agoniado –, mostre-me essa pessoa, eu lhe imploro!
O Fantasma abriu por um momento as dobras de sua roupa negra, como se fosse uma
grande asa, e quando a fechou novamente, apareceu um quarto iluminado pela luz do dia, onde
estavam uma mulher e seus filhos.
Ela aguardava alguém, com grande ansiedade, andando de um lado para o outro. Cada vez
que escutava um ruído na rua, sentia um sobressalto, corria para espiar na janela e olhava o
relógio. Às vezes tentava distrair-se com um bordado, mal conseguindo escutar as vozes das
crianças que brincavam.
Ao final dessa longa espera, ouviu alguém bater. Correu para a porta para receber o
marido, um homem jovem, mas com o rosto cansado e deprimido. Havia uma expressão
diferente nele, uma espécie de alívio que o envergonhava, e que ele tentava a custo não sentir.
Sentou-se para jantar na mesa que fora arrumada junto à lareira. Após um longo silêncio,
quando sua esposa perguntou, com uma voz tímida, o que havia de novo, ele ficou
envergonhado demais para responder.
– Boas ou más notícias? – ela perguntou, tentando ajudar.
– Más.
– Estamos completamente arruinados?
– Não, ainda há uma esperança, Caroline.
– Se ele tiver um pouco de piedade, eu acredito! – disse ela, assustada. – Se mantivermos
a esperança, pode acontecer um milagre, não é?
– Ele não está mais em condições de sentir piedade – disse o marido. – Ele está morto.
Embora o rosto dela demonstrasse que era uma criatura doce e paciente, nem por isso
deixou de sentir um imenso alívio em seu coração ao escutar essa notícia, e fez isso juntando
as mãos. Logo em seguida, porém, arrependeu-se, e pediu que Deus a perdoasse. Mas a
primeira emoção foi a verdadeira.
– Então era verdade o que aquela mulher meio bêbada me disse ontem quando tentei vê-lo
para pedir mais uma semana de prazo. Pensei que fosse uma desculpa para se livrar de mim.
Mas não, ele não só estava doente, como estava à beira da morte.
– Quem ficará encarregado de cobrar nossa dívida?
– Não sei. Antes disso daremos um jeito de arrumar o dinheiro. Mesmo que não
consigamos, será muito azar encontrarmos outro homem tão impiedoso. Esta noite, pelo
menos, poderemos dormir com o coração um pouco mais leve, Caroline!
E assim foi. Mesmo que quisessem negar, seus corações estavam mais leves. As crianças
reuniram-se em volta deles, com as faces radiantes, para escutar aquelas coisas das quais
entendiam tão pouco. Aquela casa tornara-se feliz por causa da morte de um homem! E o único
sentimento que o Fantasma pôde mostrar, provocado por aquele acontecimento, foi o de
alegria.
– Mostre-me algum sentimento de piedade ligado à morte daquele homem – pediu Scrooge
–, caso contrário, aquele quarto jamais vai sair de minha memória.
O Espírito o levou através de diversas ruas que ele já conhecia. Enquanto avançavam,
Scrooge olhava para todos os lados, procurando a si mesmo, mas não conseguia enxergar-se
em lugar algum. Entraram, finalmente, na pobre casa de Bob Cratchit, a mesma que ele tinha
visitado antes. A mãe e as crianças estavam sentadas em volta do fogo.
Havia silêncio; um grande silêncio. Até os dois pequenos e barulhentos Cratchit estavam
imóveis em um canto, feito estátuas, de olhos fixos em Peter, que segurava um livro. A mãe e
as filhas costuravam, mas em completo silêncio.
– “Então Ele pegou a criança e colocou-a entre eles.”
Onde Scrooge tinha ouvido essas palavras? Não havia sonhado. O rapaz devia ter lido em
voz alta enquanto ele e o Espírito se aproximavam. Por que tinha parado?
A mãe largou o bordado sobre a mesa e cobriu o rosto com as mãos.
– As cores estão fazendo mal aos meus olhos... – disse.
As cores? Pobrezinho do pequeno Tim!
– Logo estarão melhores – disse a mulher de Cratchit. – Faz mal forçar os olhos com esta
lamparina. E não quero, por nada neste mundo, que o pai de vocês me veja com os olhos neste
estado, quando voltar. Ele já deve estar quase chegando.
– Já está atrasado – respondeu Peter, fechando o livro. – Mas acho que ele tem andado um
pouco mais devagar nos últimos dias, mamãe.
Ficaram todos quietos, outra vez. De repente, porém, ela disse, em uma voz firme e alegre,
que só tremeu uma vez:
– Mas muitas vezes o vi andando rapidamente com... com o pequeno Tim sobre os ombros.
– Eu também! – gritou Peter. – Diversas vezes.
– Eu também! – exclamou outro.
Todos, afinal, tinham visto.
– Na verdade, ele era tão levezinho – disse ela de novo, voltando ao trabalho –, e seu pai
o amava tanto, que nem sentia o seu peso. Mas, vejam, ele está chegando!
Todos correram ao encontro de Bob, enrolado em seu cachecol – que era muito
necessário, coitado! O chá estava pronto, à sua espera, e todos se adiantaram para servi-lo.
Depois, os dois pequenos foram para o seu colo e repousaram a cabeça em seus ombros; um
de cada lado, encostaram seus rostinhos ao do pai, como se quisessem dizer: “Não fique
assim, papai, não se aflija tanto”.
Bob sentiu-se reconfortado e tentou ser agradável com toda a família. Olhou o trabalho em
cima da mesa e elogiou a rapidez e o cuidado da senhora Cratchit e das meninas.
– Do jeito que está indo, vão acabar antes do domingo – afirmou.
– Domingo! Então você foi hoje, Robert? – disse a esposa.
– Sim, minha querida – respondeu Bob. – Gostaria que você
também tivesse podido ir. Ia lhe fazer bem ver como aquele lugar é
tão verde. Mas você o verá. Prometi a ele que eu iria num domingo.
Meu filhinho, meu pobre filhinho!
E Bob caiu, afinal, no choro. Achou que se continuasse a segurar
as lágrimas por mais tempo, acabaria se sentindo ainda mais
distante do filho.
Saiu da sala e subiu para o quarto, que estava alegremente
iluminado e decorado para o Natal. Havia uma cadeira colocada ao
lado da criança, indicando que alguém recém estivera ali. O pobre
Bob sentou-se e, após pensar um pouco e se recompor, deu um beijo
naquele rostinho. Mais confortado, voltou para a sala com um ar sereno.
Reuniram-se ao redor do fogo e conversaram, enquanto as meninas e a mãe retomaram o
trabalho. Bob falou da extraordinária gentileza do sobrinho do senhor Scrooge, o qual, apesar
de tê-lo visto somente uma vez, percebeu que estava triste. “Bem, estou só um pouquinho
abatido, é verdade”, disse Bob, e ele lhe perguntou o que tinha acontecido.
– Expliquei tudo, então, porque ele é o cavalheiro mais amável do mundo. E ele me disse:
“Sinto muitíssimo, senhor Cratchit, pelo senhor e pela sua bondosa mulher”. Entretanto, até
agora não descobri como ele sabe disso.
– Sabe o quê, meu querido?
– Que você é uma mulher bondosa.
– Ora, todos sabem! – exclamou Peter.
– Muito bem observado, meu filho! Acho que todos sabem. Em seguida, ele me entregou o
seu cartão e disse: “Se eu puder lhe ser útil de alguma maneira, aqui está meu endereço. Por
favor, me procure”. Sabem, achei tudo tão bom não tanto pelo oferecimento que ele fez, mas
pelo seu jeito delicado. Parecia até que tinha conhecido o nosso pequeno Tim, e agora estava
sofrendo conosco.
– Estou certa de que é uma boa alma – disse a senhora Cratchit.
– Estaria ainda mais certa, querida, se tivesse visto e falado com ele. Eu não ficaria
surpreso se ele arranjasse um emprego melhor para o Peter.
– Escute só isso, Peter! – disse a senhora Cratchit.
– Se Peter arrumar um emprego melhor – disse uma das meninas –, poderá arranjar uma
esposa e ter a sua própria casa!
– Ora, deixe de besteira! – respondeu Peter, com um sorriso amarelo.
– É perfeitamente possível, qualquer dia destes – disse Bob. – Mas falta muito para que
isso aconteça, minha querida. O certo é que, haja o que houver, jamais nos esqueceremos de
nosso pequeno Tim e desta primeira separação que todos tivemos de enfrentar juntos.
– Nunca, papai! – gritaram todos.
– E eu também sei, meus queridos – continuou Bob –, que quando lembrarmos de como ele
era paciente e meigo, nunca deixaremos de gostar uns dos outros, nem permitiremos que a
lembrança do pequeno Tim se apague de nossos corações.
– Nunca, papai! – gritaram todos de novo.
– Isso me deixa muito feliz! – disse Bob. – Muito feliz!
A senhora Cratchit deu um beijo no esposo, as filhas e os dois pequenos também, e Peter
apertou a mão do pai. Espírito do pequeno Tim, tua infantil ternura vinha realmente de Deus!
– Algo me diz que a hora de nossa separação se aproxima. Sei disso, embora não possa
explicar a razão. Diga-me, que homem era aquele que vimos deitado e morto sobre a cama?
O Espírito dos Natais Futuros o guiou outra vez, como antes, para um tempo diferente. Não
percebia muita ordem nessas últimas visões, a não ser que todas eram no futuro e aconteciam
em escritórios e prédios comerciais, sem que ele pudesse se enxergar. Na verdade, o Espírito
não parava em lugar algum, seguindo sempre em frente, como se soubesse exatamente aonde
estava indo. Até que fez um sinal para que Scrooge esperasse um momento.
– Aqui nesta praça ficava o meu escritório – disse Scrooge. – Costumava trabalhar aqui há
muito tempo atrás. Mostre-me o que está reservado para mim no futuro!
O Fantasma parou, e sua mão apontou em outra direção.
– A firma fica logo ali – disse Scrooge. – Por que aponta para lá?
O dedo não mudou de direção.
Scrooge correu para a janela de seu escritório e olhou para dentro. Ainda era um
escritório, mas não mais o seu. Os móveis não eram os mesmos, e o homem na cadeira não era
ele. O Fantasma continuava a apontar para longe.
Scrooge acompanhou-o novamente, tentando descobrir por que tinham partido e para onde,
até que chegaram a um portão de ferro. Ele parou e deu uma olhada em torno para ver onde
estava.
Era um cemitério. Ali, então, em algum lugar debaixo da terra, estava o infeliz cujo nome
ele iria finalmente descobrir! Era um lugar impressionante: cercado de túmulos e tomado pelo
mato, com ervas daninhas que cresciam como em um jardim da Morte, infestado por sepulturas
e plantas gordas e insaciáveis. Um lugar verdadeiramente incrível!
O Espírito parou ao lado dos túmulos, apontando na direção de um deles. Scrooge seguiu
em frente, tremendo. O Fantasma estava igual, mas o medo fez com que Scrooge lhe desse um
novo significado.
– Antes que eu me aproxime da lápide para a qual você está apontando, responda uma
pergunta: essas são as sombras das coisas que vão acontecer ou daquelas que poderão
acontecer? – disse Scrooge.
O Fantasma continuou a inclinar seu dedo para a sepultura.
– Os caminhos humanos fazem prever seus próprios destinos. E todos aqueles que
continuam nesses caminhos, acabam por alcançá-los – disse Scrooge. – Mas se decidirem
mudar de caminho, esse destino também mudará. Diga-me que é isso o que pretende me
demonstrar!
O Espírito permaneceu imóvel.
Scrooge foi adiante, se arrastando e tremendo como antes. Seguindo a direção do dedo do
Espírito, leu, inscrito sobre a pedra da descuidada sepultura, seu próprio nome: EBENEZER
SCROOGE.
– Eu!? Sou eu, então, aquele homem morto na cama? – gritou, caindo de joelhos.
O Espírito desviou seu dedo do túmulo, em direção a Scrooge, e retornou outra vez para a
posição inicial.
– Ah, não, Espírito! Não! Não!
O dedo continuou apontando.
– Espírito! – gritou Scrooge, agarrando-se às suas roupas. – Ouça-me! Não sou mais o
mesmo homem de antes e nunca mais serei o mesmo depois do que aconteceu. Por que me
mostrou tudo isso, se não há mais nenhuma esperança para mim?
Pela primeira vez a mão pareceu vacilar.
– Gentil Espírito – prosseguiu Scrooge, prostrando-se ao chão –, sei que a sua bondade o
fará interceder a meu favor e que terá piedade de mim! Garanta-me que ainda posso mudar o
destino de todas estas sombras que você me mostrou, se tiver uma vida diferente!
A mão piedosa tremeu um pouco.
– Prometo venerar o Natal do fundo do meu coração e cultivar seu espírito durante o ano
inteiro. Viverei no Passado, no Presente e no Futuro. Os espíritos dos três estarão sempre
atuantes dentro de mim, e jamais esquecerei as lições que com eles aprendi. Por favor, digame que posso apagar o que está escrito nesta pedra!
Desesperado, Scrooge agarrou a mão fantasmagórica. Ela tentou libertar-se, mas Scrooge
suplicava, apertando-a com toda a força. Então o Espírito, com uma força ainda maior, o
repeliu.
Ao erguer suas mãos, em um último e desesperado pedido para mudar o seu destino, ele
viu que as roupas e o capuz do Fantasma começaram a mudar. Encolheram e se esvaziaram
aos poucos, até se transformarem em uma pequena coluna de sua cama.
Capítulo V
O fim de tudo
Isso mesmo! Era a coluna da sua cama: ele estava em sua cama e em seu próprio quarto. E
o melhor de tudo era que tinha o tempo inteiro pela frente para consertar os seus erros!
– Quero viver no Passado, no Presente e no Futuro! – repetiu Scrooge, pulando da cama. –
Os espíritos dos três viverão, de agora em diante, dentro de mim. Oh, Jacob Marley! Louvado
seja o Céu e o Natal por isso tudo! Digo isso de joelhos, meu velho Jacob, de joelhos!
Estava tão excitado e cheio de boas intenções, que sua voz enfraquecida mal conseguia
dizer o que sentia. Ele havia chorado violentamente em sua luta contra o Espírito e seu rosto
estava banhado de lágrimas.
– Oh, elas estão aqui, ainda não foram arrancadas! – gritou Scrooge, abraçando uma das
cortinas da cama. – Sim, ainda estão aqui, com argolas e tudo.
E eu também estou aqui. As sombras das coisas que
aconteceram já podem desaparecer.
Suas mãos apalpavam suas roupas, remexendo-as,
virando-as pelo avesso, jogando-as para o alto, trocando-as
de lugar, fazendo com elas todo tipo de extravagância.
– Nem sei o que faço! – exclamou ele, rindo e chorando
ao mesmo tempo, enrodilhado por suas meias compridas. –
Sinto-me leve como uma pluma, feliz como um anjo e alegre
feito um menino. Estou eufórico como um bêbado. Um feliz
Natal para todos! Um feliz Ano-Novo para o mundo inteiro!
Viva! Iiiiipi-hurra!
Esperneou até a sala e ali descansou um pouco, completamente sem fôlego.
– Ali está a panela da sopa! – exclamou Scrooge, recomeçando a pular novamente ao
redor da lareira. – Aquela é a porta por onde entrou o Fantasma de Jacob Marley! E aquele é
o canto onde sentou-se o Espírito do Natal Presente! E ali está a janela por onde eu vi os
espíritos passarem lá fora! Está tudo certo, é tudo verdade, tudo aconteceu mesmo! Há! Há!
Há!
Para um homem que não dava uma gargalhada há muitos anos, aquela foi uma esplêndida
gargalhada, uma ilustríssima gargalhada. A primeira de uma longa série de brilhantes
gargalhadas!
– Não sei que dia do mês é hoje – disse Scrooge. – Não sei quanto tempo passei com os
espíritos. Não sei de mais nada. Sou como um recém-nascido. Não faz mal, pouco importa.
Quero continuar a ser como um bebê. Êêê! Viva! Huurra!
Seu entusiasmo chegou ao auge quando ouviu os repiques de sinos mais esplêndidos que
seus ouvidos já tinham escutado: Blém-blém! Dim-dom! Clangue-clingue! D’lém-d’lém!
Magnífico, magnífico!
Correu para a janela, abriu-a e pôs a cabeça para fora. Nada de neblina, nem névoa.
Estava um dia claro, luminoso, alegre, estimulante e gelado. Um frio penetrante, que entrava
no sangue e dava vontade de dançar. Um sol dourado e um céu divino. Um vento doce e
refrescante. E os sinos a tocar alegremente. Magnífico! Magnífico!
– Que dia é hoje? – gritou Scrooge para baixo, para um menino bem-arrumado que talvez
tivesse parado só para observá-lo.
– Como? – perguntou o menino, espantado.
– Que dia é hoje, meu bom garoto? – disse Scrooge.
– Hoje?! – respondeu o menino. – Ora, hoje é dia de Natal!
– Dia de Natal! – disse Scrooge a si mesmo. – Então não perdi o Natal! Os espíritos
fizeram tudo em uma única noite. Sim, eles podem fazer as coisas como querem, é claro que
podem. Ei, rapaz!
– Sim? – respondeu o garoto.
– Você conhece aquele mercado da próxima rua, bem na esquina?
– Acho que sim.
– Rapaz esperto! Danado de esperto! Não sabe se eles já venderam aquele belo peru que
estava lá pendurado? Não o pequeno, mas o grandão!
– Aquele quase do meu tamanho?
– Que garoto esperto! É um prazer falar com gente esperta como você! Sim, esse mesmo,
meu garoto!
– Ele ainda está lá!
– É mesmo? Então vá lá e compre-o.
– Está brincando?
– Não, não – disse Scrooge –, falo sério. Vá lá, compre-o, e diga para passarem aqui que
eu vou dar o endereço onde deve ser entregue. Volte junto com o
entregador e lhe darei um xelim. E se voltar em menos de cinco
minutos, lhe darei meia coroa!
O garoto partiu rápido como uma bala. De fato, qualquer um que
disparasse um tiro com a metade da velocidade dele já poderia se
considerar bom de gatilho.
– Vou mandar que o entreguem na casa de Bob Cratchit! –
murmurou Scrooge, esfregando as mãos e dando uma risada
satisfeita. – Ele nunca saberá quem mandou o peru. Tem o dobro do
tamanho do pequeno Tim. Ninguém poderia imaginar uma
brincadeira tão boa!
A mão que escreveu o endereço não estava muito firme, mas ele deu um jeito de escrever.
Em seguida, desceu as escadas para esperar o entregador na porta da rua. Enquanto aguardava,
bateu com os olhos na tranca da porta.
– Vou adorar você até o fim da minha vida! – disse Scrooge, acariciando-a com a mão. –
E pensar que nunca havia reparado nela! Que rosto honesto ela tem! É uma bela tranca! Ah, lá
vem o peru! Ei, olá! Como vai? Feliz Natal!
Era um enorme peru! Não dava para acreditar que aquela ave um dia conseguira parar em
pé. Suas pernas teriam se partido em menos de um minuto, feito dois palitos de fósforo.
– Não vai dar para carregá-lo até a casa de Bob. Melhor tomar um táxi – disse Scrooge.
Disse isso, pagou o peru e o táxi e deu ainda uma gorjeta ao menino, sempre rindo. Riu
muito, gargalhou, até que perdeu o fôlego, e as lágrimas começaram a correr pelo seu rosto.
Fazer a barba não foi uma coisa fácil, pois sua mão ainda tremia muito; e fazer a barba é
uma coisa que exige atenção, mesmo quando a pessoa não está dançando. Mas, mesmo que
Scrooge tivesse cortado a ponta do nariz, teria colocado apenas um esparadrapo na ferida e
tudo continuaria muito bem.
Depois vestiu sua melhor roupa e tratou de ir para a rua. As pessoas estavam saindo de
suas casas naquele instante, exatamente como ele vira naquele dia com o Espírito do Natal
Presente. Caminhando com as mãos nas costas, Scrooge olhava para todos com um sorriso
alegre. Parecia tão irresistivelmente simpático que uns três ou quatro sujeitos bem-humorados
cumprimentaram-no ao passar por ele.
– Bom dia! Um feliz Natal para o senhor!
Como Scrooge disse mais tarde, aqueles foram os sons mais alegres que já escutara na
vida.
Não tinha ido muito longe quando deu de cara com o mesmo cavalheiro que, um dia antes,
entrara em seu escritório, perguntando: “A firma Scrooge & Marley, suponho”. Sentiu um
aperto no coração ao imaginar qual seria sua reação quando o visse. Mas ele sabia o rumo que
a conversa deveria tomar agora, por isso foi direto ao seu encontro.
– Meu caro senhor – disse Scrooge, apertando o passo e fazendo um cumprimento com as
duas mãos. – Como vai? Espero que tenha tido sorte no dia de ontem. O senhor é um homem
muito generoso. Um feliz Natal!
– Senhor Scrooge?
– Sim, este é meu nome, embora tema que ele não possa soar muito bem aos seus ouvidos.
Permita que lhe apresente as minhas desculpas. E, se tiver a bondade, com sua licença... – E
Scrooge sussurrou alguma coisa no ouvido do outro.
– Deus seja louvado, meu senhor! – exclamou o cavalheiro, quase sem fôlego. – O senhor
está falando sério, senhor Scrooge?
– Sim, senhor – disse Scrooge –, nem uma moeda a menos. Estou incluindo na doação
algumas contas atrasadas, sabe? Faria o favor de aceitar?
– Meu caro senhor – disse o outro, apertando-lhe a mão –, não sei nem o que dizer diante
de tanta generosi...
– Não, não diga nada – interrompeu Scrooge. – Basta que venha ao meu escritório. Posso
esperá-lo?
– Com toda a certeza! – disse o velho, e era óbvio que iria.
– Muito obrigado – disse Scrooge. – Que Deus o abençoe, sou mil vezes grato! Que Deus
o abençoe!
Entrou na igreja, caminhou pelas ruas, olhou as pessoas andando apressadas de lá para cá,
afagou a cabeça das crianças, conversou com mendigos, espiou para dentro das janelas das
casas e de suas cozinhas, e tudo isso lhe trouxe muita alegria. Nunca tinha imaginado que uma
simples caminhada pudesse lhe trazer tamanha felicidade. E, quando a tarde chegou, decidiu ir
fazer uma visita ao sobrinho.
Passou diante da casa uma dúzia de vezes antes de criar coragem para bater na porta.
Finalmente, bateu:
– O patrão está em casa, menina? – perguntou à empregada. Bela garota! Muito bonita!.
– Sim, senhor – ela respondeu.
– E onde ele está, minha querida?
– Na sala de jantar, junto com a patroa. Me acompanhe, por favor.
– Não é preciso, minha querida, eu sou o tio dele – disse, já com a mão na maçaneta. –
Deixe que eu vou sozinho.
Girou devagar a maçaneta e deu uma espiada pela porta entreaberta. O casal examinava
atentamente a mesa bem arrumada, como fazem os jovens anfitriões, sempre atentos para que
tudo corra bem.
– Fred! – chamou Scrooge.
Que susto tremendo levou a sua sobrinha! Scrooge lembrou-se de quando a vira sentada
em um canto, com os pés apoiados no banquinho, e lamentou tê-la assustado desta maneira.
– Valha-me Deus! – exclamou Fred. – Quem está aí?
– É seu tio Ebenezer, vim passar o Natal com vocês! Posso entrar, Fred?
– É claro que sim!
O sobrinho apertou tanto a sua mão, que só por um milagre não arrancou seu braço. Em
menos de cinco minutos, o velho já estava à vontade. Ninguém poderia tê-lo recebido com
mais amabilidade. A sobrinha recebeu-o do mesmo jeito, assim como Topper, sua irmã
fofinha, e todos os que chegaram mais tarde. Foi tudo maravilhoso: a festa, as brincadeiras, a
harmonia e a alegria, tudo verdadeiramente maravilhoso!
No dia seguinte, entretanto, Scrooge chegou bem cedo ao escritório, só para ter o gosto de
surpreender Bob. E se ele se atrasasse, tanto melhor, pois tinha algo já planejado.
O relógio bateu nove horas e nada de Bob chegar. Nove e quinze. Nada de Bob. Ele
chegou com exatos dezoito minutos de atraso! Scrooge estava sentado com a porta aberta, para
poder ver a chegada do empregado.
Ele tirou o chapéu e a manta, antes de entrar, e em um segundo já estava a postos no seu
lugar, rabiscando com pressa, como se estivesse tentando recuperar o tempo perdido.
– Olá! – disse Scrooge com seu costumeiro grunhido, imitando-o da melhor maneira
possível. – Isto são horas, então, de chegar ao serviço?
– Lamento muito, senhor – disse ele. – Perdi a hora, infelizmente...
– Ah, perdeu a hora? – repetiu Scrooge. – É, acho que perdeu mesmo. Venha até aqui, por
gentileza.
– Foi a primeira vez este ano, senhor Scrooge – suplicou Bob, ao deixar o seu cubículo. –
Isso não se repetirá. É que a festa de ontem estava muito divertida, senhor.
– Deixe que lhe diga uma coisa, meu rapaz! – disse Scrooge. – Não vou tolerar mais que
coisas desse tipo aconteçam outra vez. Por esta razão – continuou ele, pulando da cadeira e
dando um cutucão tão forte no peito de Bob que ele recuou de volta para o seu cubículo –,
aumentarei agora o seu salário!
Bob começou a tremer e se aproximou de uma régua. Por um instante,
pensou em acertar Scrooge com ela e correr para a rua em busca de
alguém que o ajudasse a meter o velho em uma camisa de força.
– Um Feliz Natal, Bob! – disse Scrooge, de um modo tão sincero que
afastou qualquer dúvida, enquanto dava tapinhas nas suas costas. – Um
Feliz Natal, meu bom companheiro, mais feliz do que todos os que lhe dei
estes anos todos! Vou lhe dar um aumento, sim, além de dar uma ajuda à
sua esforçada família! Falaremos sobre isso à noite, sentados diante de um
belo ponche natalino! Vamos, acenda logo o fogareiro e vá comprar mais
um balde repleto de carvão, Bob Cratchit!
Scrooge fez tudo isso e ainda muitíssimo mais. Para o pequenino Tim – que não morreu –
Scrooge acabou tornando-se um segundo pai. Também se tornou um bom amigo, um bom chefe
e um bom homem, o melhor que a cidade já conhecera ou que qualquer outra cidade poderia
ter conhecido.
Muita gente riu da sua mudança, mas ele deixou que rissem, pois tornara-se sábio o
bastante para entender que nunca algo de bom acontece neste mundo sem que alguém encontre
nisso motivo de riso e zombaria. Como sabia que essas pessoas permaneceriam cegas para a
bondade, preferiu vê-las enrugar os olhos em um sorriso de gozação do que vê-las
demonstrarem sua enfermidade de uma maneira menos atraente. Seu coração transbordava de
felicidade, e isso era o bastante.
Nunca mais Scrooge encontrou os espíritos, mas desde aquele dia passou a viver sob o
Princípio da Generosidade Total. E todos concordavam em dizer que ali estava um homem
que sabia celebrar o Natal e manter seu espírito vivo o ano todo – se é que algum homem
consegue isso. Que o mesmo possa ser dito de cada um de nós. E, como dizia o pequeno Tim,
que Deus abençoe cada um de nós!
FIM
Cronologia
7 de fevereiro de 1812 – Charles Dickens nasce na pequena cidade de Landport, perto de Portsmouth, no sudoeste
da Inglaterra. Seria o segundo filho de um total de oito crianças. Seu pai, John Dickens, era um funcionário do escritório
encarregado do pagamento da Marinha, em Portsmouth. Era incapaz de manter-se longe de dívidas. Na época em que
Charles nasceu, a Grã-Bretanha vivia o início de um período de regência: em 1811, o rei George III fora declarado
irremediavelmente louco, e seu filho, George IV, assumiria com plenos poderes apenas em 1820.
1817 – Já em dificuldades financeiras, a família Dickens muda-se para Chatham, também no sudoeste e igualmente
uma cidade portuária.
1822 – Aos dez anos, Charles já tivera contato com obras da literatura pícara e outros clássicos. Apenas
ocasionalmente frequentara uma escola privada, de modo que sua educação, até então, resume-se à biblioteca de seu pai.
“Daquela pequena peça vieram Roderick Random, Peregrine Pickle, Humphrey Clinker, Tom Jones, The Vicar of
Wakefield, Dom Quixote, Gil Blas e Robinson Crusoe, para fazer-me companhia. Eles mantiveram viva a minha fantasia
e a minha esperança de algo melhor, além daquela época e daquele lugar”, lembrou o autor.
1823 – John Dickens decide tentar a vida em Londres e leva a sua família para a cidade grande, mais especificamente
para o bairro de Camden Town. Lá, o pequeno Charles depara-se com os encantos e com as injustiças da sociedade
industrial e do capitalismo. Sua mãe, Elizabeth, decide abrir uma escola para meninas e põe as crianças (entre as quais
Charles) a distribuir panfletos na rua, anunciando a nova escola, naquilo que seria o primeiro “emprego” do futuro escritor.
1824 – No dia 5 de fevereiro, o pequeno Charles (então com 11 anos) começa a trabalhar em um curtume, dez horas
por dia: uma experiência traumatizante que o marcará pela vida inteira e que se fixará na sua memória como um abandono
por parte da família. John Dickens é encarcerado na prisão de Marshalsea por dívidas. Toda a família, com exceção de
Charles, junta-se a ele no cárcere (o episódio será romanceado mais tarde, em David Copperfield, quando o Sr. Micawber
é preso pela mesma razão e sua família acompanha-o à penitenciária). O pai de Dickens é solto três meses depois, em
função do recebimento de uma pequena herança. A Sra. Dickens quer que o filho continue trabalhando, mas o pai manda-o,
aos 12 anos, pela primeira vez a uma escola, onde seu desempenho é bom.
1827 – Aos 15 anos, começa a trabalhar como auxiliar em uma firma de advocacia. Impõe a si mesmo uma disciplina
de estudos que faltava-lhe por parte dos pais e, à noite, aprende taquigrafia.
1829 – Lançando mão de seu domínio taquigráfico – ferramenta importante para transcrever os debates e discursos do
Parlamento –, lança-se como repórter free-lance na Câmara dos Comuns. Ficaria conhecido pela rapidez com que
taquigrafava discursos.
1830 – Apaixona-se por Maria Beadnell, filha de um banqueiro.
1831 – Torna-se repórter encarregado da cobertura da Câmara dos Comuns no jornal The Sun. Sua carreira no
jornalismo solidifica-se.
1833 – O relacionamento com Maria Beadnell chega ao fim, provavelmente devido a pressões dos pais dela, que não
consideravam o jovem jornalista um bom partido para a filha.
1834 – Dickens inicia como repórter parlamentar no jornal Morning Chronicle. Começa a publicar, aos 21 anos de
idade, histórias cômicas com personagens caricaturais na Old Monthly Magazine e no Evening Chronicle, utilizando o
pseudônimo de Boz (em 1836, as histórias seriam compiladas em livro sob o título Sketches by Boz). Seu pai é novamente
preso por dívidas, e Charles intervém por ele.
1835 – Conhece Catherine Hogart, de quem fica noivo.
1836 – É convidado a escrever histórias cômicas e caricaturais que deveriam acompanhar os desenhos de um famoso
ilustrador, Seymour. Dickens, que precisava de dinheiro para se casar, aceita a oferta. O desenhista, entretanto, suicida-se
após a publicação do segundo número de The Pickwick Papers. Dickens faz, então, uma reformulação do projeto, que
acaba por tornar-se uma narrativa de vários episódios em encartes mensais, ilustrados por Hablot K. Browne, mais
conhecido como Phiz, que colaboraria muitas outras vezes com o escritor. O folhetim atinge um enorme sucesso e, aos 25
anos de idade, Dickens torna-se nacionalmente conhecido. A publicação de The Pickwick Papers continuaria até
novembro de 1837.
Casa-se com Catherine Hogart. Torna-se editor do periódico Bentley’s Mischellany e, em dezembro, publica a segunda
série de Sketches by Boz. Conhece John Forster, que se tornaria seu melhor amigo e seu biógrafo.
1837 – Tem início a Era Vitoriana, com a Rainha Vitória I subindo ao trono. A partir desta época, Dickens mergulha na
carreira de romancista ao mesmo tempo em que desempenha atividades jornalísticas. Mary, irmã de Catherine, morre, o que
abala profundamente o escritor. Nasce Charles, o primeiro de dez filhos do casal. Começa a publicação de Oliver Twist, no
Bentley’s Mischellany. Oliver foi o primeiro órfão carente de uma série de personagens do autor. A série continuaria até
1839.
1838 – Inicia a publicação de A vida e as aventuras de Nicholas Nickleby (Nicholas Nickleby), no mesmo
periódico. A história concentra-se no tema de predileção do autor: o modo de se criar crianças, repressão e punições
utilizadas.
1839 – Demite-se do cargo de editor da Bentley’s Mischellany.
1840 – Surge o periódico Master Humphrey’s Clock, onde Dickens publica, até fevereiro de 1841, A velha loja de
curiosidades (The Old Curiosity Shop).
1841 – Publica, no mesmo periódico, Barnaby Rudge, um romance histórico.
1842 – Viaja ao Canadá e aos Estados Unidos, onde conhece Longfellow, Washington Irving, Bryant e outras figuras
literárias da época. A hospitalidade com que foi recebido diminui à medida que ele se empenha em campanhas abolicionistas
e pró-leis internacionais de copyright (editores norte-americanos estavam fazendo edições piratas de suas obras).
1843 – De volta à Inglaterra, inicia a publicação de A vida e as aventuras de Martin Chuzzlewit (Martin
Chuzzlewit), onde aparecem críticas à sociedade norte-americana. A série vai até julho de 1844. Ainda em dezembro de
1843, publica Um Conto de Natal (A Christmas Carol), com ilustrações de John Leech. A repercussão positiva sela sua
fama e encoraja-o a escrever uma história de Natal para cada mês de dezembro. A compilação destas histórias em livro
seria conhecida como The Christmas Books.
1844 – Perto do Natal, publica Os sinos (The Chimes).
1844-1847 – Dickens e sua família fazem várias viagens, para a Itália, França e Suíça. As paisagens deste último país
continental tornar-se-iam, para o escritor, sinônimo de encontro harmonioso e romântico do homem consigo mesmo, tal
como para Rousseau; em David Copperfield, o personagem recolhe-se ao interior suíço para se recuperar da viuvez.
1845 – O escritor monta um grupo de teatro amador. Em dezembro, publica O gafanhoto na terra (The Cricket on
Earth), terceira história de Natal.
Torna-se o primeiro diretor do jornal The Daily News. Nele, publica Pictures from Italy, com impressões de viagem.
1847 – Ainda na Suíça, inicia Dombey e Filho (Dombey and Son), narrativa a partir da qual sua visão de mundo se
ensombrece, com críticas sociais mais radicais e humor cada vez menos terno e mais selvagem. A publicação do romance
perdura até abril de 1848. Em dezembro, publica The Battle of Life.
1848 – Escreve, dirige e atua em montagens teatrais e, em dezembro, publica O homem mal-assombrado (The
Haunted Man), última de suas histórias de Natal.
1849 – Escreve A vida de Nosso Senhor (The Life of our Lord), que permanecerá inédito até 1934. Inicia a
publicação de David Copperfield, em encartes mensais (que terminariam apenas em novembro de 1850). Dickens
escreveu que, de todos os seus livros, gostava mais deste. E que, como muitos pais, ele tinha um filho preferido, e seu nome
era David Copperfield.
1850 – Funda o semanário Household Words, do qual era editor.
1851 – Inicia a redação de Casa soturna (Bleak House), narrativa que mostra com crescente pessimismo o sistema
jurídico inglês.
1852 – O romance é publicado em encartes mensais, até setembro de 1853.
1853 – Viaja pela Itália e, ao voltar para a Inglaterra, passa a fazer leituras públicas de sua obra.
1854 – O romance Tempos difíceis (Hard Times) é editado semanalmente no periódico Household Words.
1855–1857 – Little Dorrit sai em encartes mensais. A heroína que dá nome à narrativa faz bicos durante o dia e à
noite volta para a prisão, onde seu pai está preso por dívidas.
1856 – Colabora em uma peça teatral, The Frozen Deep. Dickens compra uma propriedade chamada Gad’s Hill, que
ele admirara desde a juventude, nos arredores de Londres.
1857 – Durante o verão, a família Dickens recebe, em Gad’s Hill, a visita do escritor dinamarquês Hans Christian
Andersen, cujos contos de fadas Dickens muito admirava. A companhia teatral do escritor britânico encena The Frozen
Deep para a Rainha. Dickens envolve-se com Ellen Ternan, uma jovem atriz que se juntara à trupe.
1858 – Tem uma discussão pública com seu amigo e grande novelista W. M. Thackeray.[1] Separa-se de sua mulher,
Catherine, após um longo período de conflitos conjugais. A separação e o seu caso com Ellen geram um certo escândalo e
isolam-no de alguns de seus conhecidos e admiradores. Dickens intensifica as leituras públicas de sua obra, que duravam
horas a fio.
1859 – Funda o semanário All the Year Round, que ele mesmo editaria, até a sua morte. O primeiro capítulo de
História de duas cidades (A Tale of Two Cities) sai no primeiro número, e a publicação em folhetim do romance continua
até novembro. Nele, são abordados os terrores e sofrimentos da Revolução Francesa, e a narrativa aproxima-se do
romance histórico. O escritor muda-se para Gad’s Hill e passa por um período de retrospecção, no qual queima antigas
cartas e relê David Copperfield, sua obra mais autobiográfica, antes de iniciar a redação de um novo romance.
1861 – Publica em folhetins semanais o romance Grandes esperanças (Great Expectations), no jornal All the Year
Round. A obra é considerada por muitos a melhor narrativa do autor. Retoma as leituras públicas, que têm continuidade em
1862.
1863 – Faz leituras públicas em Paris, além de em Londres. Reconcilia-se com Thackeray antes da morte deste.
1864 – Nosso amigo em comum (Our Mutual Friend) sai em folhetins mensais, até novembro do ano seguinte. Tratase do último romance terminado pelo autor. Biógrafos e críticos atribuem o declínio da saúde de Dickens a trabalho em
demasia.
1865 – Um incidente abala o escritor, tanto física quanto psicologicamente: voltando de Paris, ele e Ellen Ternan tomam
parte em um acidente ferroviário, no qual várias pessoas ficaram feridas.
1866 – Dickens realiza leituras públicas em várias localidades da Escócia e da Inglaterra, com a saúde debilitada e
contrariando ordens médicas.
1867 – Mais leituras públicas na Irlanda e na Inglaterra. Embarca para uma série de leituras nos Estados Unidos, que
se prolongaria até 1868.
1868 – Novos encargos editoriais em All the Year Round enfraquecem-no mais ainda.
1869 – Novas leituras na Irlanda, Inglaterra e Escócia provocam-lhe um leve derrame. Outras leituras no interior foram
canceladas, mas Dickens inicia a publicação de O mistério de Edwin Drood (The Mystery of Edwin Drood), um romance
de mistério, que alguns críticos enxergam como um dos fundadores do gênero policial.
1870 – O autor faz suas últimas leituras públicas em Londres. No dia 8 de junho, sofre outro derrame, após um dia
trabalhando em O mistério de Edwin Drood, e morre no dia 9 de junho, em Gad’s Hill, aos 58 anos de idade. Um comboio
fúnebre especial transporta o corpo de Dickens até a Abadia de Westminster (local da coroação da realeza britânica), em
Londres, onde é enterrado no dia 14, no Poet’s corner, entre Shakespeare e o romancista inglês Henry Fielding. O último
capítulo do romance inacabado é publicado em setembro.
[1]Autor de O livro dos esnobes, publicado na Coleção L&PM POCKET.
Charles Dickens
(1812-1870)
Charles Dickens nasceu em 7 de fevereiro de 1812 na cidade de Landport, próximo a Portsmouth, no sudoeste da
Inglaterra. Segundo de oito filhos de John Dickens – funcionário burocrata da marinha – e Elizabeth, Charles, aos dez anos, já
entrara em contato com autores que influenciariam sua obra (Tobias Smollett, Henry Fielding, Daniel Defoe e Cervantes). Em
1823, a família se mudou para a capital, onde a sra. Dickens decidiu abrir uma escola para moças e pôs os filhos a distribuir
folhetos na rua – o primeiro trabalho infantil do futuro autor. Charles recebeu os primeiros anos de instrução formal, mas logo a
situação financeira da família se deteriorou. John Dickens foi preso por dívidas; o resto da família, sem ter opção, acompanhouo no cárcere, à exceção de Charles, que, aos doze anos, passara a trabalhar em um curtume. Após alguns meses, John Dickens
foi libertado, e Charles retomou os estudos durante um ano ou dois. As duras experiências da infância – o trabalho, as
condições precárias, a negligência dos adultos, o contato com o proletariado – forneceriam os temas fundamentais da sua
ficção, que denuncia aspectos sombrios da sociedade vitoriana.
Aos quinze anos Dickens começou como aprendiz em um escritório de advocacia. Aprendeu estenografia e passou a cobrir,
como repórter, os debates na Câmara dos Comuns; trabalhou também em vários jornais. Aos 21 anos, em 1833, começou a
publicar histórias cômicas em periódicos. Aos 24 tornou-se famoso pela série de textos humorísticos “The Pickwick Papers”.
Em 1836, casou-se com Catherine Hogarth, filha de um editor de jornal, com quem teve dez filhos. No ano seguinte, subiria ao
trono a rainha Vitória. Os valores da Era Vitoriana – bondade, vida em família, bonomia, orgulho, honestidade – estariam
sempre presentes na obra de Dickens.
Oliver Twist (1837) foi seu primeiro romance; nele o autor não mais meramente entretinha o público, mas também exercia
crítica social. Oliver foi o primeiro de uma longa e célebre linhagem de órfãos que marcariam a literatura dickensiana. Seguemse Nicholas Nickleby (1838), A velha loja de curiosidades (1840-1841), Barnaby Rudge (1841), Martin Chuzzlewit (1843),
além das histórias curtas Um conto de Natal e Os sinos (1843), e O gafanhoto na Terra (1845).
Em 1842, Dickens passou a realizar concorridas leituras públicas de seus livros, viajando pela Grã-Bretanha, Europa e até
para os Estados Unidos. Entre 1846 e 1848, o jornal Daily News (fundado por ele) publicou Dombey e filho. Sua literatura se
distancia então do picaresco e se aproxima do realismo das obras da maturidade. De 1848 em diante, se envolve com
montagens teatrais.
David Copperfield (1849-1850) inaugura a segunda fase da carreira do autor e é o primeiro de seus romances de
formação. Mais conhecido de seus livros, atingiu um sucesso extraordinário. Outro festejado romance do autor, Casa soturna
(1852-1853), critica o sistema jurídico inglês e evidencia um pessimismo crescente. Tempos difíceis (1854) coloca em primeiro
plano os problemas da Inglaterra industrial e vitoriana, e Little Dorrit (1855-1857) mostra um protagonista que vive em uma
prisão onde o pai está preso por dívidas. Em 1857, Dickens se envolve com uma jovem atriz, Ellen Ternam; no ano seguinte,
separa-se da esposa.
História de duas cidades (1859), romance histórico sobre o período da Revolução Francesa, sai em All the Year Round,
também fundado pelo autor. Grandes esperanças (1860-1861), como David Copperfield, segue a forma biográfica,
acompanhando o protagonista do nascimento à morte. Entre 1864-1865, é publicado Our Mutual Friend, seu 14o romance.
Dickens faleceu em 9 de junho de 1870, aos 58 anos. Sua fama e a de seus personagens já havia alcançado o mundo; sua
morte comoveu multidões. Foi enterrado na Abadia de Westminster, entre Shakespeare e Fielding. O mistério de Edwin Wood,
cuja publicação fora iniciada em 1870, permaneceu inacabado.
Texto de acordo com a nova ortografia.
Título original: A Christmas Carol
Tradução: Ademilson Franchini e Carmen Seganfredo
Capa: Ivan Pinheiro Machado sobre retrato de Charles Dickens por Daniel
Maclise, 1839. (Coleção Grange, Nova York.)
Ilustrações: Eduardo Oliveira
Revisão: Caroline Chang, Jó Saldanha, Renato Deitos e Caren Capaverde
D548h
Dickens, Charles, 1812-1870.
Um conto de Natal / Charles Dickens; tradução de Ademilson Franchini
e Carmen Seganfredo; ilustrações de Eduardo Oliveira. – Porto Alegre: L&PM, 2011.
il. – (Coleção L&PM POCKET; v. 339)
ISBN 978.85.254.2133-3
1.Ficção inglesa-romances.2.Ficção juvenil-romances. 3.Oliveira, Eduardo, il. I.Título. II.Série.
CDD J 823 028.5
CDU 820-3 087.5
Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329.
© da tradução, L&PM Editores, 2003
Todos os direitos desta edição reservados a L&PM Editores
Rua Comendador Coruja 314, loja 9 – Floresta – 90.220-180
Porto Alegre – RS – Brasil / Fone: 51.3225.5777 – Fax: 51.3221-5380
P EDIDOS & DEPTO. COMERCIAL: [email protected]
FALE CONOSCO: [email protected]
www.lpm.com.br
Sumário
Capítulo I - O fantasma de Marley
Capítulo II - O primeiro dos três espíritos
Capítulo III - O segundo dos três espíritos
Capítulo IV - O último dos espíritos
Capítulo V - O fim de tudo
Cronologia
Sobre o Autor

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