Artigo da revista Viajar pelo mundo de outubro de 2013

Transcrição

Artigo da revista Viajar pelo mundo de outubro de 2013
Marrocos
Joias do
A riqueza cultural das cidades imperiais marroquinas é um
convite para uma jornada por Marrakech, Fez, Meknès e
Rabat, tesouros desse país muçulmano do norte da África
Foto: Shutterstock
Por Rosangela Arias e Tarcila Ferro
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Fotos: Rosangela Arias e Shutterstock
Marrocos
A mesquita
Koutoubia (acima)
é um dos ícones de
Marrakech. Com
um minarete que se
eleva a 70 metros
de altura, ela parece
um farol iluminando
a metrópole à
noite. Na medina
(pág ao lado) as
lojas de produtos
marroquinos são as
mais procuradas
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A
o levantar a taça de campeão
das Américas, o Clube Atlético Mineiro, o Galo, começou
a se preparar para a disputa
mais importante da sua história: o Mundial
de Clubes da Fifa. Pela primeira vez, o time
chega a essa competição que será realizada no Marrocos, país que também debuta
como sede do torneio. Os jogos se tornarão uma ótima oportunidade para colocar o
destino mais uma vez em pauta.
Digo mais uma vez porque em 2001 ele
foi amplamente retratado na novela global “O
Clone”, escrita por Glória Perez. A trama abusou de imagens feitas na Medina e nos souks
(mercados) de Fez, na inquieta praça Djemaa
el-Fna, em Marrakech, e na Mesquita Hassan
II de Casablanca. Aquém dos seus pontos mais
conhecidos, pensar no Marrocos é sonhar
com lenços esvoaçantes, pashminas delicadas,
diferentes especiarias, passeios no deserto,
mercados coloridos, palácios suntuosos, grandes mesquitas e receitas que chegam à mesa
perfumadas de açafrão e hortelã... O sonho
encontra alguns dissabores, é verdade, pela in-
sistência dos vendedores, dos falsos guias e do
trânsito maluco de centros como Marrakech –
mas nada disso tira o brilho da viagem.
De maioria muçulmana, o país é bem
light nesse aspecto para os turistas. As leis
religiosas não se aplicam aos visitantes com
relação ao consumo de bebidas alcoólicas,
que são liberadas nos hotéis e em alguns
restaurantes. Até quem quiser brincar com
a sorte pode aproveitar os cassinos em Casablanca e Marrakech, exclusivos para os estrangeiros. O país não impõe também usos
e costumes aos turistas – mas é de bom tom
ter atenção ao comprimento de bermudas e
saias e com os ombros à mostra, para evitar
olhares de reprovação em cidades menores
ou ter a entrada barrada em locais religiosos.
Outras dicas também podem fazer toda
a diferença durante a sua viagem. Tenha
em mente que qualquer compra no Marrocos exige boas doses de barganha. O preço
anunciado raramente é o real e chega a ser
80% maior em muitos casos. Não fique com
vergonha de negociar – só tenha atenção
para não cair na lábia dos vendedores!
Pergunte apenas se estiver interessado
no produto, assim você evita que o vendedor fique tentando te convencer a comprar
algo. Comece sempre a conversa com um
sorriso e, se não concordar com o valor, não
hesite em ir embora. Foi o que eu fiz. O
comerciante acabou cedendo e fechamos
no preço que eu tinha sugerido. A hora da
barganha nem sempre é fácil, pois muitos
não falam inglês, apenas árabe, a língua oficial, e francês, herança do período em que
o Marrocos foi um protetorado do país.
Tenha cuidado com as armadilhas ao escolher um guia. Há uma enxurrada de pseudoguias que oferecem seus serviços insistentemente. Contrate apenas os profissionais
credenciados e não tenha medo de denunciar os farsantes à polícia turística, presente
nas atrações das principais cidades. Por precaução, saí com tudo certo aqui do Brasil,
já com os receptivos contratados. Quem me
apresentou o país foi a Ask Morocco Travel.
Ficar de olho no calendário também é
importante. No mês do Ramadã, período
sagrado para os islâmicos, muitos pontos
turísticos e restaurantes ficam fechados. Ele
acontece no nono mês no calendário muçulmano e os religiosos ficam de jejum do
nascer ao pôr do sol. Atente-se ainda para as
estações do ano: entre julho e agosto, o calor
pode ser inclemente durante o verão, mas
nos demais meses é bem mais agradável.
Mais um detalhe: as estradas são boas e
a viagem entre as cidades é tranquila. Com
tudo anotado, nossa jornada começa rumo
ao quarteto fantástico pelas cidades imperiais marroquinas: Marrakech, Fez, Meknès
e Rabat, com um chorinho em Casablanca.
Rabat
Fez
Casablanca
Meknès
Marrakech
Marrakech:
o centro de tudo
Emoldurando a cidade, as montanhas do
Alto Atlas servem como pano de fundo para a
metrópole mais badalada do país. Não à toa, o
estilista Yves Saint-Laurent passava temporadas em sua casa na cidade. O que empolgava
Yves e ainda anima os turistas? Provavelmente a mistura entre tradição, exotismo e a vibrante vida noturna que Marrakech tem.
Cercada por muralhas ocre-avermelhadas,
com 16 quilômetros de extensão, a medina
abriga milhares de moradores. As muralhas
que a cercam, do século 12, mudam de tonalidade de acordo com a intensidade do sol. Por
isso, programe-se para ver o pôr do sol perto da
Bab Agnaou, uma das oito portas de entrada.
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Marrocos
Fora as barraquinhas, há muitos restaurantes nas imediações da praça. Um jantar
típico com direto a show de encantadores
de serpentes, músicos Gnaoua (descendentes de escravos) e dançarinas marroquinas
pode ser saboreado no restaurante Palais
Arabe, situado na praça. O forte é a autêntica comida do país, como os famosos
tajines, que são preparados em versões de
carne, frango, legumes ou peixe.
Se à noite a praça é quase um circo, durante o dia ela é tranquila e serve como um
ponto de passagem para os souks. Na parte
coberta do mercado, há boa oferta de frutas
secas e artigos de cestaria. Na veia central, a
rua Smarine, as vielas são tomadas por vendedores de tecidos, tapetes e antiguidades.
Mais à frente surgem os comerciantes de
couros e das tradicionais babouches (chinelos), e o mercado se perde em ruelas destinadas aos carpinteiros e ferreiros.
Para comprar temperos e ervas, a loja
Herboniste du Paradis é repleta de opções.
Cardamomo, noz-moscada, menta e gengibre
ajudam a perfumar o ambiente. Imperdível
é a junção de 35 especiarias que podem ser
usadas em receitas elaboradas para diferentes tipos de carnes e verduras. Ainda há uma
vasta lista de ervas para tratar problemas de
fígado, de pele, asma, sinusite e outros males. Ali é um ótimo lugar para comprar também a famosa água de rosas do Marrocos e
produtos à base de óleo de Argan.
E por falar em óleo de Argan, o produto
merece um parêntese, já que ganhou o mundo
como um verdadeiro elixir da beleza. Apesar
da moda recente, ele é usado há séculos pelas
mulheres marroquinas. É no país que cresce
a árvore Argania spinosa, cujos frutos são ricos em ácidos graxos e vitamina E. Esses dois
compostos garantem pele e cabelos brilhantes
e sedosos. O Argan tornou-se fonte de renda
para muitas famílias do país, que trabalham
nas cooperativas que produzem o óleo.
Nos encontros e desencontros que um passeio por esse longo mercado proporciona, o turista se depara com outros pontos de interesse.
Um deles é a Medersa Benj Youssef. Merdesas
são escolas de teologia islâmica, e esta, em especial, é considerada a mais grandiosa do país.
Construída no século 12 para atender a 900
alunos, a escola corânica tem um amplo pátio ladeado por duas fileiras de pilares com um
tanque central. Os espaços são decorados com
mosaicos Zellij (feitos com cacos coloridos de
cerâmica dispostos em padrões geométricos),
estuque e entalhes de cedro.
Aproveite o mesmo bilhete usado para
entrar na medersa para ir até o Museu de
Marrakech. Aberto em um palácio, a obra é
um exemplo clássico do estilo árabe-mouro.
Ele é encabeçado por uma galeria de arte
contemporânea e um espaço para coleções
privadas de arte islâmica e marroquina.
Onipresente no skyline da cidade, a mesquita Koutoubia ergue-se acima da medina
e rivaliza com a Praça Djemaa el-Fna na disputa do título de cartão-postal mais famoso
de Marrakech. Com um minarete que se
eleva a 70 metros de altura, ela parece um
farol iluminando a metrópole à noite. A entrada é vetada para não-muçulmanos, mas
os visitantes podem descansar nos tranquilos jardins de Koutoubia, com palmeiras e
oliveiras, que fica ao sul da mesquita.
Fotos: Flickr/bube09, Rosangela Arias e Shutterstock
Nesta página, Fonte
do Jardim Majorelle
e encantador de
serpentes na Praça
DJemaa el-Fna, em
Marrakech. Na página
ao lado, três clássicos
marroquinos: as
especiarias dão mais
sabor à culinária local;
o autêntico Tajine
é um dos pratos
mais conhecidos e a
confecção de tapetes
é tradicional no país
E é ao anoitecer que a Praça Djemaa el-Fna, o coração da medina de Marrakech,
fica ainda mais instigante. Lugar certo para
encontrar figuras pitorescas como acrobatas,
encantadores de serpentes, contadores de
histórias, músicos e até videntes, são eles que
dão vida à praça. Há um ditado que diz que
tudo acontece em Djemaa el-Fna. E não deixa de ser verdade. Além de servir de palco a
céu aberto para os artistas de rua, ela também
é um enorme restaurante, com muitas barraquinhas que preparam iguarias nada convencionais, como sopa de caramujo, miolos de
ovelha e linguado frito. Tudo é feito na hora.
Mas andar por ali requer algumas dicas
e cuidados. O ideal é levar dirhrams trocados para dar aos artistas, principalmente se
quiser tirar fotos. Eles podem ser bem rudes se não ganharem nada. Alguns malandros costumam abordar turistas mais desavisados e tentam extorquir dinheiro – nesse
caso, contate a polícia turística. Fique de
olho também nas tatuagens de henna que
são feitas por ali, pois alguns produtos podem causar irritação na pele.
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Marrocos
O curtume de Fez ( acima) é o lugar mais mal cheiroso do mundo, mesmo
assim, o passeio vale muito a pena. Artesão da loja L’art du Bronze
(abaixo) trabalhando em uma peça à vista dos turistas
E jardim em Marrakech é coisa séria.
Desde a fundação da cidade, áreas floridas e
verdes sempre foram prioridades dos sultões
que a governaram. Destaque para o Palmeraie, uma verdadeira floresta de palmeiras que
chegou a ter 150 mil árvores. Hoje, o espaço é
bem reduzido, mas ainda assim é gostoso andar por ali. Outro que vale a pena visitar é o
Jardim Majorelle, que foi um dos mais belos
da região. Depois de passar por um período
de abandono, foi comprado e restaurado pelo
estilista Yves Saint-Laurent, cujas cinzas estão
depositadas lá. No Majorelle também funciona o Museu Berbere, que apresenta uma rica
coleção de joias, vestimentas, ferramentas e
armas desse povo guerreiro que vive no norte africano há mais de 10 mil anos. O termo
“berbere” vem de “bárbaro”, modo como os
romanos e gregos se referiam a outras civilizações. Há tribos isoladas morando nas regiões
de deserto e de montanhas que ainda preservam muitas tradições milenares. Reconhecendo a importância da história berbere para
o país, o rei Mohammed VI criou um instituto
para difundir essa cultura.
Marrakech é uma cidade multifacetada
e repleta de atrações, mas em dezembro ela
será também a capital do futebol mundial.
Para os atleticanos que acompanharão os jogos de perto, o Estádio de Marrakech, a 15
quilômetros do aeroporto internacional, será
o ponto mais aguardado da visita à cidade...
Fotos: Rosangela Arias e Shutterstock
Fez:
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tradição milenar
528 quilômetros de Marrakesch
São, simplesmente, 9.500 vielas emaranhadas em um labirinto que parece não ter
saída. Assim é a medina Fez El-Bali, considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco
e tida como a mais antiga do mundo árabe.
Seu muro alto e imponente guarda uma sucessão de moradias, muitas lojinhas, os milenares
hammans (banhos públicos), mesquitas, fontes, medersas, fornos comunitários para assar
pães e seu mar de ruelas, algumas com apenas
50 cm de largura, capazes de dar um nó em
quem chega lá pela primeira vez.
A medina é a sensação de Fez, cidade localizada ao norte de Marrocos. Com quase
800 mesquitas, ela é a mais antiga das quatro cidades imperiais e detinha, até 1912,
o título de capital. A entrada principal para
a medina é pelo portão Bab Boujloud, que
traz estampado em sua fachada a cor azul
(símbolo da cidade). Na parte interna, o verde predomina, simbolizando o islamismo.
Ao passar por ele, os primeiros souks começam a se descortinar em uma profusão de
produtos. São roupas, cerâmicas, tapeçarias,
artigos em couro, babuches, especiarias,
doces feitos de tâmaras, instrumentos musicais, verduras, frutas... O suvenir que faz
muito sucesso por lá é a Mão de Fátima (filha preferida de Maomé), que está presente
em várias peças como pulseiras, chaveiros,
pingentes e muito mais. Os muçulmanos
acreditam que ela afasta o mau-olhado!
Os mercados se ramificam por atividade, mas por serem muito próximos uns aos
outros, acabam se confundindo. Assim, não
estranhe encontrar uma loja com coloridas
pashminas e delicados lenços ao lado de uma
banca com peças de carne de carneiro, ou
ainda galinhas e pombos. Enquanto você olha
para as lojas, não pode tirar os olhos da rua,
e é bom tomar cuidado para não esbarrar em
outros visitantes, nos moradores, bicicletas
ou ainda nos burros, os animais de carga que
sobem e descem carregando as mercadorias.
Entre tantas opções de lojas, a L’art du
Bronze revela-se imperdível. Hoje, ela é comandada pelo filho do artesão responsável
pelos detalhes em bronze que decoram as
emblemáticas Sete Portas do Palácio Real.
Vale a pena acompanhar o trabalho dos artesãos e ver de perto a confecção de pratos,
xícaras, jogos de chá completos (custam, em
média, US$ 150), além de pulseiras, caixas
decorativas e lindas luminárias. Apesar de ser
possível encontrar artigos em metal em outras
cidades, Fez é o melhor lugar para adquiri-los.
Já entre as diversas opções para comprar
tapeçarias, a Palais Quaraouiyine é uma boa
escolha. Aberto em um Riad (tipo tradicional
de residência marroquina), o espaço passou
por um minucioso restauro. A loja ganhou
mobiliário marroquino, uma suntuosa porta e
os tapetes se encarregam de incrementar a decoração. Todos os produtos são feitos à mão e
certificados. Basicamente, encontram-se peças
do tipo berbere, kilim (sem nós) e o marroquino. Um exemplar de lã de cordeiro, famoso por
sua maciez, tem preços a partir de US$ 250 (o
metro quadrado). Os viajantes que ficarem fascinados por alguma peça podem comprar, sem
receios, tapetes de qualquer tamanho, uma vez
que a loja despacha para o Brasil.
A variedade de produtos vendidos na medina ajudou a galgar a fama do lugar. Mas,
além do comércio, El-Bali tem o maior
As sete portas do
Palácio Real de
Fez representam
a monarquia e o
islamismo
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Fotos: Shutterstock
Ao anoitecer, a Praça
Djemaa el-Fna torna-se
o lugar mais pitoresco
de Marrakech
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Marrocos
Fotos: Shutterstock
A entrada principal
para a medina de
Fez é pelo portão
Bab Boujloud, que
traz estampado em
sua fachada a cor
azul (símbolo da
cidade) e a verde,
que simboliza o Islã
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curtume do mundo – que ainda leva o título de local mais mal cheiroso do planeta...
Quem tiver estômago forte e quiser chegar
próximo às valas, deve aceitar o raminho de
hortelã que é dado na entrada de algumas
lojas de couro que têm suas varandas voltadas para a área. A deliciosa folha ajuda
a aliviar o odor, que beira o insuportável.
O cheiro é tão forte e intenso que impede
a permanência no local por muito tempo.
Mas tente resistir – só assim para testemunhar o passo a passo da milenar produção
artesanal de artigos em couro.
Durante o tempo ali, o melhor é se concentrar na explicação para entender como o trabalho funciona. O processo divide-se em etapas
e começa com a pele sendo colocada em tanques de cal, segue para outro com excremento
de pombo (a parte mais fedorenta), depois vai
para a vala com trigo e passa para uma de ervas, até ser tingido e colocado para secar.
Nessas lojas ao redor do curtume, você
pode aproveitar para comprar bolsas a partir de US$ 50 (esse é o preço inicial, mas
sempre cai depois da pechincha), além de
cintos, casacos e muito mais. Também em
El-Bali está a Fonte Nejjarine, principal
ponto de coleta de água para os moradores
que vivem na Medina. Próximo, o forno coletivo para assar pães continua em uso, com
a mesma finalidade tantos séculos depois.
Imperdível também é ir até a Mesquita
al-Karaouine e à universidade de mesmo
nome, fundadas no ano de 859 por Fátima el-Fihriya, filha devota de um importante comerciante de Fez. Com a morte
do pai, ela usou a herança para erguer o
templo e uma instituição de ensino, que
posteriormente tornou-se um dos principais centros espirituais e educacionais
do mundo muçulmano. A universidade
al-Karaouine é considerada como a mais
antiga da história ainda em atividade!
O curioso é que, ao longo dos séculos, o
conjunto passou por sucessivas ampliações
e ganhou diferentes estilos arquitetônicos. A
mesquita, durante muito tempo, foi a maior
do Norte da África, com capacidade para 20
mil fiéis, até ser desbancada pela Hassan II,
construída em Casablanca. Infelizmente, o
interior fica vetado aos não-muçulmanos.
Outra construção imponente é a Medersa Bou Inania, erguida no século 14
pelo Sultão Abou Inan. O colégio teológico
é um dos únicos pontos religiosos na cidade abertos aos que não professam a fé islâmica. Paga-se apenas € 1 para entrar, com
acesso proibido à mesquita. A vista que se
tem do terraço permite contemplar a medina e a parte nova de Fez. Ao sair, não
deixe de dar uma espiada no relógio d’água
que fica defronte à medersa – ele desperta
olhares curiosos por marcar as horas com
muita precisão, mesmo sem nenhum grande recurso tecnológico.
Já em Fez el-Jedid, fora dos portões da
Medina, o passeio se concentra no Palácio
Real, que, apesar de ser fechado para visitas, é famoso por suas sete portas que levam
ao interior da morada da realeza. Feitas em
tamanhos diferentes, as sete portas representam os dias da semana e os sete níveis
da monarquia marroquina. Moldadas em
bronze, elas têm como detalhes pequenas
peças de cerâmica nas cores azul e verde.
Próximo dali fica o bairro judeu, Mellah,
que em árabe quer dizer sal – referência ao
produto que era considerado importante
moeda de troca na antiguidade. As construções destoam do estilo marroquino, apresentando nas fachadas balcões trabalhados
em ferro forjado. O bairro conservou suas
características originais, mesmo não tendo
mais judeus vivendo nele.
Já a área conhecida como Nova Fez,
Ville Nouvelle, foi idealizada pelos franceses e concentra uma boa oferta de bares e
restaurantes. Há amplas avenidas e gostosos bulevares com boutiques e cafés, que
dispõem suas mesinhas nas áreas abertas.
A principal via, Hassan II, é ladeada por
tamareiras e reúne uma bela fonte em seu
início. Já no final, é a Praça da Resistência
que atrai a atenção, pela escultura que representa um grande globo. À noite fica ainda mais bonita, com iluminação especial.
Na Praça Florence, são as exposições ao
ar livre de trabalhos de artistas locais que
fazem sucesso. Mais sobre a arte contemporânea marroquina pode ser conferido no
Complexo Cultural Al Houria, no boulevard Tarik Ibn Ziad, ao lado da Mesquita
Imam Malik. Há duas salas de exposições,
teatro, biblioteca e um restaurante.
O mercado de artesanato Ensemble
Artesanal vende os mesmos produtos da
medina, mas em lojas muito mais amplas
e organizadas. Dá para conferir também
os artesãos trabalhando e mostrando
todo o seu talento. A parte nova de Fez
nem sempre faz parte dos roteiros de turismo, mas vale a pena conhecê-la.
A produção de
arandelas, laternas e
lustres no Marrocos
remonta há séculos
e envolve gerações
de artesãos
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Marrocos
Meknès: parada histórica
Fotos: divulação e Shutterstock
Em Meknès, o Museu Dar Jamai (acima) fica em um palácio do século
19 e conta com um acervo rico de arte marroquina. Um conjunto
de portas monumentais (abaixo) marca a Praça el-Hedim
69 quilômetros de Fez
Meknès faz parte do quarteto de cidades
imperiais marroquinas. Fundada no século
10, ela é rodeada por uma muralha de 40
quilômetros, pontuada por ameias e torres.
A cidade tem uma história curiosa, marcada
por fases de glórias, com a construção de belos jardins e palácios, e de declínio, quando
sucumbiu à decadência e depois foi destruída pelo terremoto de 1755. A força desse
abalo foi tão grande que arrasou a cidade
de Lisboa, em Portugal, e ainda refletiu em
outros países europeus e no norte da África.
O momento áureo se deu no fim do século 17, sob o comando do sultão Moulay
Ismail, que declarou Meknés como capital
do império. Admirador do monarca francês
Luis XIV, ele deu um ar rococó, “à la Versailles”, à cidade. Nesse período surgiram os
jardins simétricos e os palácios. Esse lado ligado às artes é um contraponto ao governante cruel e bárbaro que Ismail foi; ele também
ficou conhecido por ter um harém com mais
de 500 mulheres, o que lhe rendeu o número estratosférico de 700 filhos.
O passado atribulado de Meknès pouco
lembra o que ela é hoje. Considerada Patrimônio Mundial pela Unesco desde 1996, a
cidade é provinciana, tranquila e tem como
pontos de admiração as portas monumentais na Praça el-Hedim. O portão principal,
Bab el-Mansour, mantém-se preservado
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Fotos: Flickr/Bernard_G
Marrocos
No mausoléu real,
em Rabat, estão
enterrados o rei
Mohammed V e
seus dois filhos.
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mesmo três séculos depois. Com 16 metros
de altura, ele impressiona não só pelo tamanho, mas pelo capricho dos detalhes, com
inscrições árabes e delicados mosaicos de
cerâmica, os zellijs. As colunas de mármore foram trazidas do sítio arqueológico de
Volubilis, a 33 quilômetros dali. Ele permanece fechado, por questões de conservação,
e a passagem é feita pelos portões laterais.
Outra testemunha dos tempos áureos é
o mausoléu da família real. Apenas o pátio
é aberto aos visitantes, que podem conferir
arcos cobertos de mosaicos, diversos salões e
uma fonte para ablução (usada pelos islâmicos para lavarem os pés antes de entrar no
templo). A suntuosa tumba de Ismail atrai
peregrinos do país inteiro, mas apenas mulçumanos podem chegar próximo ao sepulcro.
A dois quilômetros do mausoléu, o celeiro
imperial Heri es Souani é tido como um dos
melhores projetos de engenharia de Ismail.
Com pequenas janelas, paredes maciças e um
sistema inteligente de canais que mantinha a
água sempre fresca, o estábulo tinha capacidade para acomodar 12 mil cavalos.
Sem sair da Medina, o Museu Dar Jamai fica em um palácio do século 19 e conta com um acervo rico de arte marroquina
e exposição de cerâmicas tradicionais, joias
e belos tecidos. O museu também tem uma
coleção de tapetes antigos, representando
vários estilos de diferentes regiões do país.
Rabat:
a capital verde
145 quilômetros de Méknes
A capital administrativa do Marrocos é
a residência oficial do rei Mohammed VI, o
centro político do país e o endereço das embaixadas. É também conhecida como a “cidade dos jardins” – suas grandes avenidas
ladeadas por palmeiras, as praças floridas e os
parques garantem ainda mais espaços verdes.
Rabat tem como pontos a favor a proximidade com o litoral (apenas 60 quilômetros do Atlântico), a arquitetura colonial,
que ajuda a “decorar” a cidade, e ainda um
clima tranquilo e bem mais calmo do que
Marrakech e Casablanca.
A cidade tornou-se capital administrativa em 1912, ainda sob o protetorado francês e, mesmo depois da separação, manteve
essa condição. Nessa época construiu-se
Ville Nouvelle, área destinada aos bairros
residenciais. A avenida central dessa zona é
a Mohammed V, que ganhou palmeiras ao
seu redor, lojas, teatro e cinemas no tre87
Fotos: Shutterstock
Marrocos
Em Rabat, a Torre
de Hassam, com
seu minarete de
44 metros, e as
pilastras, que são os
únicos vestígios da
mesquita, figuram
entre as atrações
centrais da cidade.
Briouates (ao lado),
doces feito com
uma espécie de
massa folhada e mel
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cho que vai entre o palácio real e a medina.
Paralela a essa via, ainda podem ser vistos
portões da dinastia Almôadas, entre eles, o
Bab el Rouah, o mais suntuoso.
A área do Palácio Real compreende um
amplo espaço e reúne um complexo formado
por jardins, mesquita e as construções destinadas à monarquia. Mediante apresentação
do passaporte, os visitantes podem passear
pelas áreas abertas do conjunto, especialmente no belo jardim andaluz, com ciprestes
e tamareiras, concebido pelos franceses no
início do século 20. O palácio e a mesquita
não são abertos para visitação.
A capital tem sítios históricos importantes, como a mesquita inacabada com a
Torre de Hassam, cuja construção foi iniciada no século 12, com o objetivo de ser
o mais alto minarete do mundo. Com a
morte do seu idealizador, o sultão Yacoub
Al-Mansour, a obra estacionou nos 44
metros de altura. Ao redor, uma “floresta”
com 200 pilastras atesta o que restou da
mesquita de Hassam, que também veio
abaixo com o terremoto de 1755.
Pertinho da torre fica o mausoléu real,
construído na década de 70, e onde estão
enterrados o rei Mohammed V e seus dois
filhos. A obra em mármore branco foi idealizada no estilo marroquino, com detalhes
Zellij. A entrada no mausoléu se faz por
uma porta de ferro forjado, que se abre para
uma escadaria que leva à cúpula, sob a qual
se encontra o sarcófago de Mohammed V.
Programe-se também para ir à Kasbah des
Oudaïas – casbá eram as antigas aldeias fortificadas onde viviam os soldados. O kasbah é
predominantemente residencial e as ruas estreitas são apinhadas de casinhas caiadas de
branco. É um lugar tranquilo e pitoresco para
passear. Aproveite para ir ao Musée National
de Bijoux, que, dentro de um palácio do século
17, abriga uma bela coleção de joias marroquinas. Fique atento às mulheres que se oferecem
para fazer tatuagens de henna por ali. Elas pegam nas mãos das visitantes e começam a desenhar como quem não quer nada, e depois
acabam cobrando pelo “serviço”.
Uma nova área da cidade está em fase
de construção, às margens do Rio Bou Regreg, e pretende dar um novo brilho para as
noites “água com açúcar” de Rabat. Sem opções de atrações para curtir quando o sol vai
embora, ela ganhará um complexo de entretenimento formado por um amplo centro de
compras, restaurantes e cinema.
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Marrocos
Casablanca: muito além do filme
Foto: Shutterstock
Interior da
mesquista
Hassam II, a
maior do país,
com capacidade
para receber
25 mil fiéis
90
93 quilômetros de Rabat
Se você chega à cidade na expectativa
de encontrar a Casablanca de Humphrey
Bogart e Ingrid Bergman, não se decepcione, mas o filme foi inteiro rodado em
Hollywood. Fora as impressões deixadas
por esse grande sucesso do cinema, a cidade, que é a capital financeira do país,
apresenta-se como uma metrópole moderna em comparação às outras cidades
marroquinas, com muitos exemplares de
arquitetura Art Nouveau, Art Déco e amplos bulevares. Os cafés nas calçadas da
Place des Nations Unies, os restaurantes
com preços camaradas no Marché Central e o clima relax do Parc de la Ligue
Arabe, tomado por palmeiras e árvores
exóticas, são boas pedidas para sentir o
vento europeu que sopra por lá.
Essa atmosfera do velho mundo deriva
da influência francesa – afinal, foram eles
que construíram a cidade, tomando como
fonte de inspiração a charmosa Marselha,
situada na ensolarada Côte d´Azur. Com
quatro milhões de habitantes e concentrando 60% das indústrias do país, a capital é o endereço da gigantesca Mesquita
Hassan II, que reluz como um farol à noite, quando fica toda iluminada.
A ideia do rei Hassan II era construir uma
mesquita sobre as águas, o que explica o motivo da obra ter sido feita sobre um aterro. O
minarete de 200 metros é o mais alto do país
e a mesquita também leva o título de ser a
maior do Norte da África, com capacidade
para 25 mil fiéis. No pátio reservado para orações há uma área em que foi colocado piso de
vidro, revelando o oceano embaixo.
Por lá, mulheres de véu são coisa rara, e
os clubes de praia, em especial o Ain Diab,
fervem nos dias de verão. Um dos mais importantes portos do continente, Casa, como
é chamada, serve como porta de entrada também para muitos turistas que vêm de voos
com conexão na Europa. E para nós também,
principalmente a partir de dezembro, quando
está previsto o retorno das operações da Royal
Air Maroc, empresa aérea do Marrocos, que
retomará os voos diretos entre Casablanca e
São Paulo, após 21 anos de suspensão – assim, estaremos apenas a nove horas de distância desse destino mágico e instigante!
Rosangela Arias viajou a convite da Marrocos Tur com
o apoio da Ask Morocco Travel.