coisas da idade - Alexa Cultural
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coisas da idade - Alexa Cultural
Coleção Plenitude - Volume II COISAS DA IDADE Ana P. Fraiman Edição Revista e Ampliada São Paulo - SP 2004 -1-1- © by Alexa Cultural Direção Geral Marcia Kling Editor Karel Langermans Capa K. Langer Editoração Eletrônica Alexa Cultural F256a Fraiman, Ana Coisas da idade / Ana P. Fraiman, São Paulo: Alexa Cultural, 2004 14x21 - 132p. ISBN - 85-98175-06-4 1. Terceira idade - 2. Psicologia - 3. Orientação - 4. Sexualidade - 5. Aposentadoria - 6. Menopausa e Climatério. - 100 Rua Dr. Diogo de Faria, 1202 São Paulo - SP - CEP: 04037-004 [email protected] -2- CDD SUMÁRIO AO LEITOR O MEU VELHO LIVRO FICOU NOVO PREFÁCIO 07 09 12 1 - SER VELHO E ENVELHECER Os diversos conceitos da idade Afinal, quem é velho? O drama social da velhice Um esboço da amarga condição de idoso Uma visão mais abangente da velhice Envelhecer, um processo natural de todo ser vivo As raízes do problema As estratégias de resistência Como alterar este rumo 14 14 15 17 18 19 20 21 23 24 2 - CRISES DA MEIIA IDADE Mulher: a redoescoberta da própria identidade Principais queixas femininas Tentando escapar da crise A grande transformação A chegada da menopausa Climatério e menopausa A família diante de uma nova muher O renascimento da mulher Gravidez inesperada Como superar os temores Outras motivações para a maternidade Mães jovens x mães maduras Gravidez após a menopausa Aposentadoria feminina Enfim, um tempo só para si Arrimo de família Homem: o grande balanço da vida As pressões que estão no ar Em foco, a vida profissional Quem são os aposentados Aposentar a aposentadoria! Hora de “pendurar as chuteiras” A dolorosa perda de status 25 25 26 28 29 31 31 37 38 38 39 40 40 41 42 44 44 45 45 46 47 48 50 51 -3- 3 - Em foco a vida conjugal Áreas de um relacionamento conjugal O casal de mais idade Volta ao lar Sair com a família é também sair com cada um em separado Tipos de convivência em família Passeios prazeirosos a todos Sair com a família é estar com eles Resgatando o valor pessoal O medo da doença e da velhice Coragem física Outras terapias Profissões Problemas comuns O significado de tudo isso Quando sobrevém a depressão A idade do lobo 53 53 54 55 56 57 57 58 59 59 60 64 64 65 66 68 69 4 - SEXUALIDADE: OS NOVOS DESAFIOS 71 Barreiras sexuais 71 Os grandes entraves não são de ordem sexual 72 As agressões sofridas nos asilos 73 Exemplos de abusos 74 Sexualidade feminina 75 A mulher idosa diante de seu corpo 75 Fantasias sexuais 76 O que elas aprenderam 77 A visão de si mesma 78 Agravantes sociais 78 Sexualidade masculina 79 Alterações observadas 80 Mudando para melhor 80 Erotismo aos 80 anos 81 Conceitos, antigos e atuais, sobre a atividade sexual 82 O atendimento ao idoso 82 O mito da velhice assexuada 83 Eros é mais forte do que a dor 84 Problemas médicos que interferem na sexualidade 85 Novas formas de prazer 86 Abordagem equivocada 87 -4- Atender ao erotismo Não é a alma, mas o corpo que dói Mesmo doente o corpo é erótico Para ajudar durante a crise Idosos que precisam da doença Tudo que celebra a vida Carinhos e carícias Mesmo ruim é muito bom Sonhos e devaneios 89 90 91 92 93 93 95 97 99 5 - VIOLÊNCIA E CO-DEPENDÊNCIA Violência urbana Lesões físicas Agressões médicas Violência familiar O estado também agride Violências que os idosos cometem Eles mesmos se alvejam Co-dependência: a culpa ocupa o lugar do amor O martírio da filha devotada O que há nos bastidores À caminho da cura 101 101 102 103 103 104 104 105 106 107 108 109 6 - A MORTE E O MORRER O silêncio persiste Entrando em contato com a morte Em luta pela vida As crenças vêm à tona A morte pede passagem As novas relações O desfecho 111 114 115 116 119 121 121 123 7 - PARA REFLETIR E SOBREVIVER À CRISE O valor dos programas preventivos nas empresas Realização e satisfação O tempo é agora 125 128 129 131 -5- -6- AO LEITOR Coisas da Idade, como título, surgiu fácil, espontâneo. Um dia, comentei que estava com vontade de publicar alguns escritos meus. - E sobre o que você escreve? Do que se trata? - Ah, sobre coisas da idade... E o livro foi batizado em clima leve e descontraído. Mas não foi assim que o escrevi. Alguns anos atrás, decidí colocar no papel as minhas descobertas, angústias e esperanças, retratando a vida que venho observando, curiosa, às vezes detectando um padrão. Às vezes, como se caleidoscópio fosse. Vi e ouvi muitos idosos, falei com diversas pessoas sobre o viver e o morrer. Encantei-me com a busca incansável pelo melhor. E me horrorizei com a acomodação, com a estagnação, o vazio, o desalento. Na minha própria vida me deparo com experiências de realização (em que tudo se torna belo, colorido, ágil e feliz) e de frustração (em que tudo se torna feio, sombrio, moroso e pesado). Essas experiências se alternam. É possível, porém, que a vida de uma pessoa ou de um grupo maior se oriente pela realização, mais do que pela frustração. Ou que ocorra o inverso, o que é preocupante. Chegamos, então, à conclusão de que a vida não tem sentido e que nada, nem ninguém, vale a pena. A somatória das aflições que sucessivas frustrações nos trazem é perigosa, pois convida a desistir, em qualquer idade. E, na idade mais avançada, são ainda poucos os que podem afirmar que envelhecer é ganhar, ao invés de perder. Este livro é um “não” às perdas evitáveis e à desistência, é um apelo para que, mesmo nos tempos mais difíceis, não se apague a chama da fé e da esperança. Um convite para que acreditemos mais em nós mesmos e na humanidade, especialmente numa época da vida em que tudo parece voltar-se contra nós. Outrora conhecida como “idade crítica”, a meia-idade é um tempo em que se colhem frutos. É também um tempo de plantio para que outros frutos sejam colhidos pelas novas gerações. O que se apresenta é ainda mais trabalho, quando já se sonhava -7- descansar. Se nos furtarmos a esse trabalho, ao exercício pleno de nossa capacidade de ser, inevitavelmente nos tornaremos velhos precoces, cheios de maus hábitos, rancor e autopiedade. Não é assim que eu quero envelhecer; não é assim que as coisas devem acontecer. E se não for na meia-idade o tempo de se viver, então quando será? Não resta escolha. Muito pouco nos estimula e anima às portas da velhice. Nós é que temos que criar condições para bem vivê-la, se quisermos chegar lá. Ninguém vai fazer este trabalho por nós. Uma vez chegada à maturidade, ele brota de vez e permanece ou se deteriora no silêncio e na falta de generatividade e ação. Coisas da Idade fala, pois, dos impasses críticos dessa idade conturbada e ameaçada, já não mais ingênua, embora ainda não totalmente consciente e suficientemente preparada para que a velhice possa vir a ser um tempo de sabedoria e realização, não um culto à frustração. Dignidade, integridade, respeito e amor são os eixos em torno dos quais fui tecendo minhas considerações. Elas estão longe de abranger a totalidade de temas que o título Coisas da Idade suscita. Este livro é apenas um dos retratos que se pode tirar e revelar da grande questão “ser velho e envelhecer”. Foi escrito para ser lido por adultos de qualquer idade e jovens interessados em viver melhor, além de viver mais. Dirige-se, também, a educadores e agentes sociais, líderes e dirigentes empresariais empenhados em trabalhar pela construção de uma sociedade que promova o viver prazeroso e condigno, pleno de realização e sabedoria existencial, da infância a mais extrema velhice. Coisas da Idade é para ser lido, criticado e discutido nas escolas, associações e famílias, não como verdade única, mas como uma contribuição advinda de estudos e experiências pessoais, no meu intenso desejo de viver bem, junto aos que me são mais queridos. E, como idealista que sou, não me basta uma boa vida para mim e para meus próximos. Quero o mundo todo em festa e em paz, desde já. Ana Perwin Fraiman -8- O MEU VELHO LIVRO FICOU NOVO Sinto prazer e excitação ao reapresentá-lo. E não poderia ser diferente. Em sua primeira edição, em 1988, haviam algumas verdades que não se sustentam mais. Como, por exemplo, o fato de mulheres na menopausa, naquele tempo, não poderem gerar seus próprios filhos. De novo , interferimos naquilo que era da indiscutível natureza humana e alteramos, não a natureza, mas o conhecimento que dela temos. Hoje, a mulher mais velha não precisa abrir mão de seus anseios de maternidade, o que requer novas considerações morais e éticas. Havia, também, naquela edição, uma omissão. Quando se falava em aposentadoria, não se abordava a questão feminina: a mulher só figurava como esposa, não como profissional. É que bem poucas se aposentavam nas empresas e, fruto deste meu trabalho de campo, eu mesma pouco sabia. Foram necessários alguns anos de experiência e observação para que pudesse formular meus próprios juízos, que agora coloco em pauta para discussão. Além de a mulher ganhar mais espaço, como natural decorrência do nosso desenvolvimento sóciocultural, outro tema que acrescentei é o da violência. Merece, também destaque a questão das relações de co-dependência, que têm sido alvo de interesse por parte de profissionais da comunicação e das ciências humanas. Estas relações são sustentadas pela dor, culpa e vergonha, que tanto humilham nossos corações e nos violentam em nosso caminho rumo à liberdade, roubando-nos espontaneidade, energia, afeição e capacidade de inovação. Enquanto não nos curamos da codependência, arriscamo-nos a uma vida mal vivida e, certamente, a uma velhice infantilizada. Outras mudanças, aqui e ali, foram introduzidas nesta nova edição, de modo que os leitores haverão de reconhecer os mesmos princípios, mas, com certeza, ficarão surpresos com novas passagens. Algumas pessoas irão apreciar muito as transformações. Os capítulos foram condensados, reestruturados e recombinados. -9- Acho que se tornaram um pouco menos poéticos. Contudo, o que se perdeu em poesia, ganhou-se em atualização. Não que uma coisa compense a outra. Foi apenas uma opção. E para isso contei com a inteligência arguta e a cooperação sensível de Cristina Nabuco, colega e amiga. Não menos estimulante foi o interesse de Rosely Boschini, minha editora, em atualizar o conteúdo e sua apresentação. A bem da ciência e à luz dos novos tempos, mudanças são mais do que inevitáveis. São desejáveis e devem ser igualmente celebradas e compartilhadas, mesmo quando também se gostava do jeito anterior. Afinal, meu livro fez o que propõe a seus leitores: ganhou nova feição, se transformou, rejuvenesceu. Lutar por uma vida digna, agora e sempre A gente não para mesmo! Novas idéias surgem, novas situações. O conhecimento requer que a gente reveja crenças, atitudes e relacionamentos. O mundo mudou, então, muita coisa nova precisa ser dita. Os velhos problemas passam a ter outras soluções, mais atualizadas, mais ágeis, e, possivelmente, melhores. Por isso, o Coisas da Idade se reapresenta aos leitores cheio de novidades. Acontece um novo olhar, um detalhe que passara desapercebido... Isso quer dizer que continuamos estudando e compartilhando nossas descobertas. Assim, surge esta edição revista e atualizada, agora com o apoio e entusiasmo de Karel Langermans, seu editor. E me sinto muito feliz com isso. Afinal, de que servem os dizeres, se não para gerar maiores e mais profundos saberes? Quero dizer, também, que continuo intrigada com a grande questão do envelhecimento. As novas descobertas científicas, as mudanças que a sociedade está vivendo, a perspectiva de viver em um mundo onde, daqui a quarenta ou cinqüenta anos, o número de pessoas idosas será o mesmo ou ainda maior, que o número de jovens e crianças, esse conjunto de desafios faz com que o meu interesse pela qualidade da vida humana se renove. Fico, realmente, inconformada por haver ainda, tanta gente que não se deu conta de que precisa mudar seu modo de enxergar as coisas e que, mudar não é fácil. Requer trabalho, dedicação e muita reflexão. Espero contribuir para que isso aconteça, pois estou totalmente convencida de que, aquilo que todos precisamos saber para fazer escolhas inteligentes e sensatas quanto ao nosso - 10 - futuro, ainda não foi plenamente divulgado. Tomara o Coisas da Idade continue cumprindo a sua parte, levando seus ensinamentos àqueles que desejam se conhecer, se respeitar e, como se diz, levar – hoje e sempre – uma vida digna e não deixar para lutar por isso só quando envelhecer. Ana Perwin Fraiman - 11 - PREFÁCIO Nas sociedades pré-industriais, os idosos chegaram a ocupar papéis importantes. Detentores do poder econômico, usufruíram de um considerável respeito, que lhes garantiu posições de conselheiros do grupo familiar, guardiões dos valores morais, juízes e muitas outras funções socialmente reconhecidas. Pode-se considerar que, nessa época, a velhice não era apenas um tempo de vida. Pelo contrário, era um valor caracterizado pela experiência, determinando, inclusive, grande ascendência moral sobre os grupos jovens das sociedades. A perda de status dos idosos está diretamente relacionada com o desenvolvimento e a característica de priorizar a produção como o grande, senão o maior, valor humano. É a mística de que valemos mais pelo que produzimos do que pelo que, efetivamente, somos. Dessa concepção resulta a tendência de que os homens velhos e, economicamente inativos, sejam considerados, socialmente, mortos e banidos das esferas de poder. O tempo do envelhecimento tem sido um dos períodos mais difíceis do ciclo da vida humana, em razão de todo o processo de perdas que exige, de cada um, grande esforço de adaptação a condições pouco favoráveis. Entretanto, apesar do reconhecimento de todas as dificuldades, os idosos constituem um grupo que recebe menos atenção da sociedade, o que torna o envelhecimento uma espécie de deserto improdutivo, no qual nem as ilusões florescem. Escrever é uma arte, uma técnica, um esforço de concentração. Escrever sobre a velhice é um ato de coragem, pois lança um desafio de consciência à moral social, que tanto hostiliza e rejeita esse tempo de vida. Com toda a certeza, essa é a maior tônica de Ana Perwin Fraiman, com seu trabalho Coisas da Idade. Uma leitura gostosa, repleta de informações precisas, advindas da prática profissional interessada e consciente. Não há, neste livro, um capítulo menos interessante, mesmo quando aborda os temas - 12 - mais usuais da gerontologia. A qualidade é uniforme e, cada palavra se propõe a criticar os estereótipos mais comuns sobre a velhice, interpretando-a, humanisticamente, na mais ampla e elevada concepção. Conheço Ana há alguns anos. De certa forma, acompanhei o nascer de seu interesse pela Gerontologia Social e o seu próprio desenvolvimento profissional. Inúmeras vezes, estivemos juntos em diversos eventos e sempre me surpreendeu a sua capacidade de inovar suas intervenções, tornando-as atrativas. A personalidade de Ana é algo muito particular. Por trás de um jeito suave, está uma mulher que sabe ser agressiva na busca de seus ideais. Por trás de sua costumeira irreverência, está o seu “Eu” sério e comedido. Na história de Ana estava faltando este livro, como uma contribuição à reflexão de todos nós, amantes da Gerontologia e lutadores da causa social da velhice em nosso país. Estou certo de que Coisas da Idade será o primeiro trabalho, pois o reconhecimento deste texto haverá de estimula-la a outros escritos. É o que desejamos. Marcelo Antonio Salgado. Assistente social e gerontólogo. - 13 - Capítulo 1 SER VELHO E ENVELHECER O senso comum entende o velho como aquele que tem muitos anos de idade e uma grande experiência acumulada, que o diferencia dos outros. Ser velho não é uma abstração, porém uma condição visível, aparente e que determina, de certo modo, as possibilidades de ação e inter-relacionamento social. O envelhecer não é somente um “momento” na vida de um indivíduo, mas um “processo” extremamente complexo e pouco conhecido, com implicações tanto para quem o vivencia, como para a sociedade que o suporta ou assiste a ele. A idade é uma das duas grandes variáveis que regulam o comportamento social e as relações entre indivíduos e grupos, em todas as sociedades. A outra variável, o sexo, é inerente à pessoa, como também o seu tempo de vida. Contudo, a idade é uma conceituação, uma dimensão subjacente à agência social. Ela conglomera e torna homogêneas grandes classes de indivíduos, submetendoos às normas sociais que, não apenas não os beneficiam, como também estigmatizam e até os prejudicam, por desconsiderar as diferenças individuais. Os diversos conceitos de idade Não existe apenas um, mas vários conceitos de idade. A idade cronológica é uma medida abstrata, criada principalmente em função de práticas administrativas. Foi na França, no século XVI, que a idade cronológica e o estado civil foram recenseados pela primeira vez, para que se pudesse diferenciar entre os que poderiam ou não portar armas. Anteriormente, as pessoas eram identificadas pelo nome, pelo local de moradia e pela ocupação. Embora a idade cronológica seja objetivamente mensurável, é a que menos caracteriza as condições individuais. A idade biológica não está relacionada necessariamente à - 14 - cronológica. Temos que considerar que, para uma mesma idade cronológica existem diferenças entre pessoas. Quem exerce trabalhos desgastantes envelhece antes. Além disso, uma mesma pessoa tem várias idades interagindo, a cada momento, no seu organismo. A audição, a visão, a circulação, todos os nossos órgãos e sistemas amadurecem em estágios distintos da vida. O sistema nervoso, por exemplo, desenvolve-se e atinge o ápice em tenra idade; depois, qualquer lesão nos neurônios representa uma perda até pouco tempo tida como irrecuperável. Daí podermos afirmar que passamos a envelhecer tão logo nascemos. A idade social, determinada por regras e expectativas sociais, categoriza as pessoas em termos dos direitos e deveres que têm como cidadãos, atribuindo tarefas a ser desempenhadas, mais ou menos relacionadas às idades cronológica e biológica. Assim, para uma mesma pessoa, as possibilidades de ação mudam em função de seu tempo de vida auferido em “idade”. Em nosso meio, a criança deve começar o primeiro grau até os 7 anos, o adolescente pode votar e dirigir automóvel aos 18 anos, o jovem tem permissão de se casar sem autorização dos pais aos 21 anos. Na indústria o indivíduo de 40 anos já está esbarrando no teto máximo de admissão e antes dos 65 anos deverá se aposentar. As pessoas que se desviam das normas esperadas nas idades previstas são consideradas “problemáticas”. A idade existencial é a menos levada em consideração para fins sociais, econômicos e administrativos dentro do nosso sistema de política social. Refere-se à somatória de experiências pessoais e de relacionamentos, da riqueza vivenciada, refletida e acumulada ao longo dos anos. Por si só, a idade cronológica de um indivíduo nada nos revela sobre a sua existência, personalidade, intelectualidade, produtividade, energia vital. A pessoa é muito mais do que a simples expressão de suas atuais condições físicas e de saúde, uma vez que a dimensão mental e experiencial também age e se modifica a cada instante. Afinal, quem é velho? A ONU, em 1982, arbitrou a idade de 60 anos para categorizar a pessoa na qualidade de idoso, ou da Terceira Idade, para que a partir daí medidas administrativas sejam tomadas e executadas. Esta preocupação vem se acentuando nas últimas décadas devido a um aumento daqueles indivíduos considerados “idosos” na - 15 - população em geral. Este fenômeno é, também, conhecido como Aged Boom e representa uma explosão demográfica que se iniciou no pós-guerra, com o Baby Boom, cujos Baby Booners, nascidos entre 1945 e 1955, agora se tornaram os Aged Booners. A partir do ano 2000, o contingente populacional de pessoas entre 60 e 65 anos é de cerca de 560 milhões ou mais. Os dados apontam para um envelhecimento global das sociedades, em especial nos países do chamado Terceiro Mundo. Os principais responsáveis por este envelhecimento foram as conquistas científicas e políticas, sobretudo da área médica e de educação, que hoje dispõem de diversos recursos para ampliar o tempo de vida das pessoas. Dentro desse grande contingente populacional, é preciso distinguir aqueles que ainda não são idosos, mas se encontram em fase de transição. Já cumpriram vários de seus papéis familiares e sociais, tais como educação dos filhos, trabalho e acúmulo de bens, porém agora estão diante de um impasse: ceder às pressões sociais, abdicar das atividades exercidas até então, o que lhes provoca grande sensação de derrota, vazio e desvalorização de si mesmos, ou lutar pelo seu direito pessoal e intransferível de permanecer ativos, optando por novas formas de ação e participação, eleição de novos valores e referenciais. Portanto, dentro da Terceira Idade há, pelo menos, dois subgrupos que reclamam cuidados e atenção: o dos jovens-velhos (ou pré-velhos), que vivem esse impasse, e o dos velhos-velhos, que por razões especialmente biológicas não podem mais exercer o papel de membros produtivos na sociedade. No primeiro subgrupo, há que se considerar a situação das mulheres em geral, que, por força da maternidade e desamparo social, alienam-se do desempenho de outros papéis, intelectuais, profissionais, políticos e sociais, concentrando seus esforços numa tarefa monótona – a dos afazeres domésticos – e numa tarefa temporária - a dos cuidados com os filhos. Desse modo, acabam se descentrando de si mesmas, o que promove a sua condição posterior de insatisfação e alienação, pelo desconhecimento de si e de suas capacidades. Quanto ao segundo subgrupo, também havemos de distinguir entre o velho e o senil. No último há um estado avançado de deterioração de suas capacidades. Já o primeiro, é “obrigado” a manter só para si a sua força de produção, ainda não bem aquilatada e canalizada socialmente, pois é levado a se afastar de seus - 16 - interesses para ceder lugar aos mais jovens. Há que se discernir, pois, as diferentes dinâmicas, necessidades e recursos das chamadas terceira, quarta e quinta idades: 60, 80 e a partir dos 100 anos, respectivamente. O drama social da velhice Já dizia Marx que um negro tem sempre a pele negra, em qualquer situação, mas ele só será escravo sob determinadas condições sócio-econômicas! Da mesma forma, podemos parafrasear e dizer que uma pessoa tem 60 anos em qualquer situação, mas ela só será considerada velha sob determinadas condições sócio-econômicas. Em nossa sociedade, a velhice difere de outras categorias etárias, basicamente, no que se refere a: inúmeras perdas de relacionamentos afetivos (por afastamento ou morte); profundas modificações familiares (com a ausência dos próprios pais, quiçá do cônjuge, e o surgimento de novas famílias constituídas pelos filhos); dificuldades quanto ao mercado de trabalho ou opção por uma segunda carreira, especialmente sob um sistema coercitivo de aposentadoria e subempregos; batalha contínua contra doenças crônicas e debilidades orgânicas; proximidade da morte, ameaça à sexualidade, à inteligência e à integridade. Diante desse quadro, o envelhecimento da sociedade, devido ao aumento da população idosa, aliado à baixa taxa de natalidade, deve criar uma situação nova, para qual ainda não estamos – sequer de longe – preparados. Tudo leva a crer que haverá um agravamento da situação social geral e, em especial daquela faixa de pessoas acima dos 60 anos! Nota-se uma tendência de participação feminina maior em meio à população idosa, uma vez que as mulheres vivem por volta de seis a oito anos mais que os maridos, e se casam com homens em média seis a oito anos mais velhos, o que resulta, freqüentemen-te, numa viuvez de cerca de dez a vinte anos. A maioria dessas mulheres não tem profissão, depende economicamente dos parceiros ou dos filhos e apresenta um estado de saúde muitas vezes precário, o que vem a exigir dos sistemas previdenciários e assistenciais, bem como das famílias encargos redobrados. O adulto sofre diretamente a tremenda pressão de arcar com os ônus sociais e familiares dessa anomalia, que é a “falta de ocupação e rendimentos” a que estão expostos seus filhos já nem mais tão jovens e seus pais, precocemente envelhecidos. Os jovens só vão encontrar seu primeiro emprego aos 25 anos, aproximadamente, - 17 - porque a exigência de especialização de conhecimentos prolonga o tempo de preparo para o ingresso no mercado de trabalho. Os mais velhos são, simplesmente, descartados do mercado em idades cada vez mais precoces, desativados ainda em plena capacidade e potencial de produção. A esperança de vida para o homem brasileiro subiu de cerca de 41 anos, em 1939, para 58 anos em 1972 e, atualmente, é de mais ou menos 67 anos nos grandes centros urbanos. É preciso salientar que não é toda a população que se beneficia com as conquistas. Ao falarmos em “esperança de vida” estamos falando em “médias”. Vale a pena lembrar que essas “médias” encobrem diferenças regionais, culturais e sociais, entre outras. No Cone Sul, há regiões em que a expectativa média de vida, ao nascer, já ultrapassa a marca dos 80 anos, enquanto em algumas regiões do Norte e Nordeste brasileiro ela ainda não chega aos 45 anos! Seria “utópico pensar em acrescentar mais anos ao tempo de vida, quando ainda não se consegue promover a boa qualidade de vida”, como tanto preconizou a sua grande defensora, a doutora Ana Aslan. Atualmente, o que se verifica na velhice reflete uma caricatura das diferentes condições sociais. Estamos autorizados, pois, a considerar a problemática do envelhecimento como uma problemática social que se inicia na infância carente e culmina na velhice abandonada. Não é, pois, de estranhar que o homem, biologicamente programado para viver até os 120 anos, tenha a sua vida ceifada a um ou dois terços do caminho. E que ele se conforme, achando que “depois dos 60, cada ano a mais de vida seja um grande lucro”. Um esboço da amarga condição do idoso Se dentro da perspectiva econômica gradativamente diminui o percentual de cidadãos ativos em relação àqueles desocupados, e todos os sistemas que produzem a política social têm por base a contribuição feita pela população ativa, é óbvio que estamos diante de um colapso. Individualmente, isto se reflete na acirrada competitividade pelo mercado de trabalho, na dificuldade em manter o mesmo padrão de vida, especialmente depois da aposentadoria, no aumento de doenças incapacitantes, na viuvez feminina cada vez mais prolongada, com todos os problemas de relacionamento humano daí decorrentes. Se dentro da perspectiva social os velhos são coagidos ao isolamento, dado que toda a estrutura da nossa sociedade orbita em - 18 - torno da população jovem (trabalho, lazer, locomoção, educação, moradia e espaços vários), é de se esperar que o envelhecimento conduza as pessoas a uma situação de degradação altamente aversiva e indesejada. Se dentro da perspectiva familiar três ou até mesmo quatro gerações convivem em uma mesma residência, numa época em que toda a estrutura econômico-social quase obriga à constituição da família nuclear, é óbvio que os conflitos entre gerações sejam exacerbados e que as famílias se sintam despreparadas para dar apoio aos seus velhos. E a tendência, em 20 anos, é a de famílias de cinco gerações habitando em uma mesma moradia. Se dentro da perspectiva de saúde as consultas a médicos e hospitalizações aumentam de duas a três vezes em relação às idades mais jovens, é de se esperar que a velhice se torne cada vez mais doentia. Não há condições econômicas, de seguridade ou assistenciais, nem de tratamento curativo, quanto mais de promover atendimento preventivo! É esse o quadro impressionante, já no presente, que se esboça cada vez mais assustador para o futuro. Estudiosos de todas as áreas estão sendo levados a repensar o significado do envelhecimento, enquanto fenômeno humano e social e, especialmente, no que diz respeito à ética e à moral. Uma visão mais abrangente da velhice Inicialmente, a velhice a chamou a atenção pelas características biológicas da questão, daí o termo “Geriatria”, campo de estudos que se concentra nos aspectos patológicos e patogênicos do envelhecimento e sua prevenção. Já o termo “Gerontologia”, que surgiu posteriormente, vem do grego geron, que significa “velho, velhice”. A Gerontologia é uma macrociência que estuda o envelhecimento em seus múltiplos aspectos biopsicossociais, enfocando tanto grupos de idades, quanto as fases ou ciclos do desenvolvimento humano. Trata-se de uma proposição bem mais abrangente e integradora. Convergem para a Gerontologia estudiosos de várias áreas que se inter-relacionam necessariamente, pois é impraticável pensar numa atuação eficiente junto ao velho sem levar em conta todo o seu universo social, histórico, econômico e cultural. Obviamente, as ciências médicas e biológicas têm uma grande cota de participação, uma vez que seus estudos sobre envelhecimento celular, hormonal, de órgãos e sistemas estão bastante avançados. As ciências paramédicas, por sua vez, colaboram com o desenvolvimento de - 19 - próteses e outros recursos, de utilização prática, que possibilitam a resolução de alguns problemas cotidianos. A arquitetura pode auxiliar, tornando o ambiente mais adequado à população idosa, facilitando, por exemplo, sua locomoção através de projeção de rampas para cadeiras de rodas. As ciências sociais e psicológicas começam agora a desenvolver um corpo teórico e prático em face da problemática do envelhecimento. Diferentes disciplinas como economia, etnologia, bem como a comunicação, as artes, filosofia, educação, literatura, também podem contribuir, à sua maneira, para que se entendam melhor as condições vivenciais das pessoas idosas e para que se organize um corpo de conhecimento aplicado aos problemas da velhice e do envelhecimento. A Gerontologia configura-se, portanto, como uma ciência multidisciplinar e, predominantemente, orientada para o social. Ela se propõe a rever aspectos que se referem, também, a situações familiares e satisfação vivencial, além de problemas de aposentadoria, habitação e institucionalização. Envelhecer: um processo natural de todo ser vivo Assim encarada, a velhice é parte do desenvolvimento humano integral e não uma predestinação ao fim. É o resultado dinâmico de um processo global de uma vida, durante a qual o indivíduo se modifica incessantemente. As mudanças que um ser humano experimenta em qualquer idade podem ser lentas ou abruptas, conscientes ou inconscientes, culturais, históricas, sociais, psicológicas ou biológicas. Quando conscientizadas, requerem dele um confronto, um diálogo entre a sua situação vivencial presente e a anterior, além de uma nova visão de futuro. No caso do velho, as perdas físicas e afetivas são sofridas com maior intensidade e numa freqüência maior do que em qualquer outra idade. A angústia, o medo do novo, o desejo de manter a situação antiga, já conhecida, o estigma da morte iminente e outros mitos povoam a mente do velho e o conduzem a um estado de maior insegurança. A negação é um dos resultados desse confronto, tanto quanto a entrega total e depressiva, que restringe ainda mais o seu horizonte de vida. Contribui para isso a falta da dimensão poética e espiritual da vida. Cada pessoa, como ser único e especial, desenvolve o seu próprio processo de envelhecimento. Antes de encararmos o envelhecer como uma situação globalizante e homogeneizante, é preciso ter em vista as diferentes expressões individuais. O - 20 - velho carrega, como parte inerente à sua condição, estereótipos e classificações pouco reveladoras da sua real condição. Temos a tendência de encará-lo como uma estrutura rígida de personalidade, frente à qual nos paralisamos e codificamos como “rabugento”, “difícil”, “intransigente”, “pouco receptivo”, “igual a uma criança”. Se assim fosse, só nos restariam duas alternativas: exercer a nossa tolerância ou a impaciência. Há uma conceituação amplamente difundida e aceita: a de que uma pessoa leva um terço de sua vida para nascer, crescer e se desenvolver e dois terços para envelhecer! Estudos feitos sobre a inteligência, a memória e outras funções mentais, até bem recentimente preconizaramque por volta dos 20 anos atingíamos o ápice do nosso desenvolvimento, para então se processar um declínio que resultaria na perda contínua e crescente das mesmas capacidades, até a morte. Alguns autores estenderam esse primeiro terço de vida até os 25 anos, ocasião em que a pessoa já se definiu, de forma geral, pelo exercício de alguma profissão ou outra tarefa vivencial. Em ambas as colocações ficou, porém, implícito que no restante da vida o indivíduo estaria “predestinado” a minar tudo aquilo que foi adquirido até então com muito esforço e energia de vida. Nossa proposta, aqui, é questionar esse processo de degradação e involução, que se instalaria tão precocemente. Afinal, temos exemplos vívidos e muito significativos de que é na idade mais madura que o indivíduo está realmente apto a contribuir para com a sociedade. Há muitos velhos afáveis, intelectualmente brilhantes, seguros e produtivos, cuja vitalidade e capacidade de compreensão nos desperta admiração e, quiçá, inveja. Donde, então, a involução ou a perda das capacidades mentais? As raízes do problema Ouvimos apelos dramáticos e talvez enganosos quando se levantam polêmicas caracterizando a problemática do velho como uma problemática pessoal de isolamento, lentidão, falta de capacidade de aprendizagem ou perda da sexualidade, desinteresse geral pela vida ou vontade de domínio e exercício de poder. O problema da velhice não é o isolamento, porque isolamento é o que se vê, também, em inúmeras outras situações sociais: na hospitalização, nas várias deficiências, nas prisões e nas instituições para menores carentes. Solidão que se encontra mesmo no seio das famílias e que se caracteriza por monólogos intermináveis, plenos de incompreensão e de ressentimentos mútuos, frutos do desencanto e do desestímulo, em qualquer idade. - 21 - O problema da velhice não é a lentidão dos gestos. Ter locomoção difícil só se torna um grande problema quando não se consegue atravessar ruas congestionadas por motoristas impacientes ou quando não se tem forças para esperar nas longas e demoradas filas ou correr para se defender de assaltos. É a agressividade do outro, a agilidade das inúmeras afrontas que os velhos recebem, que fazem crer que o seu ritmo biológico lentificado e até desvitalizado seja uma perda intransponível. Esta situação também agride as crianças, afoitas por participar do mundo adulto. O problema da velhice não é a dificuldade de aprender . Se o velho não aprende é porque foi, ao longo da vida, desestimulado a investir sua energia na busca de novos caminhos e soluções criativas. É o trabalho alienado e a pedagogia, tão somente orientada para os primeiros anos de vida, a educação instrumental e a educação meramente profissional, que vão tolhendo e inibindo os indivíduos quanto à expressão de suas verdadeiras capacidades e talentos. O desenvolvimento pessoal é frustrado na medida em que se impõe uma necessidade premente de ganhar a vida num molde de competição exaustiva. Quanto maior a especialização num dado campo, tanto mais potencialidades individuais deixarão de ser cultivadas e aperfeiçoadas. É menos oneroso para a empresa despedir seus funcionários mais idosos, em vez de reciclá-los. Assim, novos conhecimentos técnicos e científicos deixam de chegar ao trabalhador e só estão disponíveis ao estudante universitário, o que acentua a obsolescência natural e dá margem ao recrudescimento da velhice inculta e despreparada. Daí se agravarem os problemas de saúde geral, as somatizações provocadas por situações desgastantes ao longo da vida. As tensões chegam a um nível muitas vezes insuportável, quando o trabalhador adulto devota dois terços do seu dia ao trabalho, em detrimento do convívio familiar, social e ao lazer a que teria direito. Mas faltam-lhe dinheiro e energia para usufruir sequer dos domingos e feriados. Se possível fará horas extras ou um “bico” para cobrir as deficiências no orçamento. Ao término do salário ainda sobram muitos dias do mês. Chegar à velhice com saúde é privilégio de poucos. Por isso, ela é associada à doença e à degeneração. Ser velho, na nossa sociedade, é estar debilitado, não em decorrência de um processo natural de envelhecimento, mas por maus-tratos, alimentação inadequada e horários desorganizados, relacionamentos interrompidos ao longo do tempo... “daquele tempo” do qual os velhos se recordam - 22 - saudosos e suspirosos... As estratégias de resistência Aquele tempo do qual os velhos tanto falam seria mesmo tão melhor assim? Ou vemos nisso um fenômeno de idealização do ontém diante de um presente sombrio e um futuro ameaçador? Para se sentir valorizadas, as pessoas buscam, nas suas experiências passadas, algum fato ou situação que lhes reforce o sentimento de utilidade e de valor pessoal e social. Quanto mais adversas as condições do presente, tanto mais essas experiências positivas são reavivadas na memória e eliminadas aquelas lembranças que não coincidem com a auto-imagem de hoje. É a memória à serviço da preservação do “Eu”. Surgem, então, relatos intermináveis em que o “velho desgraçado” de hoje se apresenta como o “herói” de ontém. Longe de ser uma infantilização, é um mecanismo de defesa mobilizado frente às agressões a que vem sendo exposto e que podem se originar de seu próprio estado de saúde, da família ou do mundo social. Até mesmo idosos que vivem no seio da família, cercados de atenções e cuidados, muitas vezes apresentam um estado de inadaptação e vazio interior, que os próprios familiares e amigos não conseguem compreender. Neste caso é preciso discernir entre conviver e coabitar. Na coabitação, muitas vezes o diálogo entre jovens e velhos se limita a um risonho “Oi , vó!”, na chegada e a um “Tudo legal aí, vó?”, na saída. Filhos adultos se achegam aos seus velhos e, carinhosamente preocupados, iniciam a bateria de perguntas que se referem apenas à saúde deles: “Tomou o remédio hoje”?, “Está com frio?”, “Os intestinos funcionaram”? “Vai lá fora tomar um solzinho...”. Tais comunicações, impregnadas de boas intenções, podem ser acompanhadas de um rápido afago ou toques físicos apenas quando absolutamente indispensáveis. E acabam por dizer aos velhos que somente o corpo é importante. Daí, é por intermédio do corpo que eles começam a se manifestar, predominantemente através de mal-estares, dores, dificuldades respiratórias, cardíacas e de locomoção... É o que se chama “senilidade como estratégia” para aproximação e contato. Em todas as idades as pessoas recorrem às mais variadas manobras para atrair a atenção do outro e eliminar a sensação amarga de ser ignorado: crianças se jogam no chão fazendo birra; adolescentes aderem a modas e comportamentos contestatórios; - 23 - mulheres “vendem” o seu charme; homens “compram” amizades com dinheiro. É, de fato, atemorizador sobreviver por longos anos em uma sociedade que supervaloriza a qualidade do descartável, de forma que o valor maior se coloca na atitude de “usar e jogar fora” e não nas qualidades intrínsecas do objeto que se está usando. Nesse contexto, o homem-objeto durante a vida é um forte candidato ao posto de objeto descartável. Como alterar este rumo A atual tendência é de nos despirmos dos estereótipos sociais e culturais e “encararmos” o velho na sua integridade e com o devido respeito, e não uniformizá-lo de acordo com as nossas conveniências e rigidez de pensamento e aceitação, nele projetando todo o nosso medo de envelhecer. Podemos, então, considerar o envelhecimento como um processo no qual as capacidades e potencialidades de um indivíduo desabrocham e se realizam. Nesse contexto, ele adquire a sua maior expressão de individualidade, tal como uma árvore, cujo broto assemelha-se às de sua espécie e que, ao se desenvolver plenamente, destaca-se como diferente e única. Longe de ser sufocado, o medo que sentimos de envelhecer é um elemento a ser discutido por todos, profissionais e leigos, para que surjam outras possíveis soluções sociais. Pessoas e entidades públicas e privadas precisam ser confrontadas com seus preconceitos e tabus perante a velhice, reexaminando a grande questão do idoso: a atual impossibilidade de participação social ativa, ainda que com as limitações provenientes de perdas físicas e afetivas naturais do processo de viver, amadurecer, envelhecer e morrer. O problema da velhice é, pois, um problema de todos nós! Será muito interessante que a questão “será que ficaremos como nossos pais?” seja formulada, em breve, sem ansiedades ou assombros, mas com admiração: “Tomara sejamos como nossos pais!” São muito poucos, ainda, os filhos que anseiam por isso. Sofremos de gerontofobia e geronto-rejeição. Causas naturais? Não. Pura ignorância do processo de viver. - 24 - Capítulo 2 CRISES DA MEIA IDADE Mulher: a redescoberta da própria identidade Muitas mulheres adultas e maduras, a caminho da menopausa, encontram-se numa época crítica de suas vidas: seus companheiros ainda se mantêm profundamente envolvidos com a vida profissional, seus filhos já crescidos saem de casa ou adotam modos de ser muito diferentes daquele padrão tido por elas como “correto”. Sem uma ocupação própria definida e gratificante, exasperadas pelo peso do cetro de Rainha do lar, sentem-se ultrapassadas, desnecessárias e frustradas. Ressentidas pelo isolamento e marginalização em que se encontram, lotam consultórios médicos e de psicologia com a queixa moral: “Estou com a impressão de que nada do que fiz valeu a pena”. Os novos costumes, no que diz respeito à participação feminina no mercado de trabalho, à liberação sexual e à autoconscien-tização da mulher como ser político e social, ameaçam o seu sentimento de segurança e o seu quadro de valores. Há uma incongruência entre o que elas pensam, sentem e fazem, gerando alta e difusa ansiedade e, mesmo, somatizações dos seus conflitos. Tendo dedicado mais da metade de suas vidas ao desempenho de papéis (filha, esposa, mãe, dona de casa) que hoje se esvaziam ou se modificam, encontram-se num impasse: talvez, pela primeira vez, estão sendo solicitadas a se revelar como pessoas autônomas e produtivas. A própria maturidade e experiência adquiridas exercem pressões internas no sentido de uma autodefinição, uma reavaliação de seus desempenhos e capacidades. Estas pressões, somadas às externas, exigem mudanças difíceis e dolorosas, antes de poder causar alívio e revigorar as forças. É hora de falar, de ouvir, de perguntar. O nó na garganta, a opressão no peito, os pesadelos revelam que existe a palavra presa, pronta a se pronunciar. É hora de balancear a sua auto-imagem e o seu ideal. À princípio, as mulheres acreditam-se incapazes de realizar a sua independência. Estão, porém, tão-somente despreparadas. - 25 - É necessário que se promovam condições para que elas se expressem e encontrem novas soluções para os velhos problemas e para outros que ainda que ainda estão por vir. Que se façam novas perguntas, também. Uma das formas de fazer este balanço é através da participação em grupos de orientação, que têm como objetivos principais o desenvolvimento pessoal e a restauração do diálogo familiar. Além disso, auxiliam na prevenção à velhice marginalizada. Na minha experiência de consultório, tais grupos reúnem de seis a doze mulheres solteiras ou casadas, mães de família ou não, em encontros semanais de duas horas, para debater sobre temas que enfocam a mulher e seu contexto familiar, social e de interesse geral, como saúde, sexo, trabalho, política e economia, religião e misticismo, preconceitos e valores, velhice e morte. O ponto de partida para essas reflexões é a leitura de livros, autobiografias e artigos publicados em revistas. Cada participante é estimulada a exprimir abertamente suas dúvidas e reconhecer, em sua prática de vida, como essas questões estão sendo conduzidas. Fora isso, são aplicadas técnicas para o fortalecimento da autoconfiança, da auto-estima e do senso de humor. Os grupos são previstos para durar um semestre, embora os encontros possam se estender quando seus membros manifestam o desejo de aprofundar os temas. O planejamento das atividades é feito em módulos mensais (a cada mês são abordados dois ou três temas) de forma a permitir algum afastamento com possível retorno aos grupos, num mesmo semestre, sem perda ou comprometimento da participação global. Principais queixas femininas A dificuldade de “ser ouvidas” e se “fazer ouvir” pelos familiares é a queixa central, senão a principal, de dezenas de mulheres atendidas em grupos de orientação. Outra queixa bastante freqüente, já na fase dos 40 anos, é a perda da memória. Dizem, com expressão desgostosa e repulsa: “Minha memória anda tão fraca!”. Já não se trata mais daqueles pequenos esquecimentos, como ir ao quarto e não se lembrar do que foi buscar lá. Elas esquecem onde guardam documentos importantes, pedidos urgentes dos familiares, compromissos marcados. Nem sabem mais se já tomaram o remédio naquele dia. O marido se irrita. Os filhos fazem gozação: “A mãe está ficando velha”. E a própria mulher fica perplexa por não conseguir recordar o que acabou de ler. - 26 - Sua autoestima decai e a insegurança toma conta de seus atos. Daí a sentir-se incapaz, amedrontada, excluída e inferiorizada perante a família é somente um pulo. O médico a aconselha a não se preocupar: “Não é da idade, não. A senhora é muito jovem. O que a senhora tem a fazer é descansar... Tomar umas vitaminas...” Mas descansar, como? Numa hora parece que todos precisam dela, especialmente no café da manhã, no jantar, na saída para o colégio e nas festinhas. Noutra, ninguém lhe faz sequer companhia. Se o marido não está, nenhum dos filhos a convida para ir ao cinema. Ninguém abre mão dos seus programas. Contudo ela permanece em casa, “à disposição da família”, remoendo-se nos intervalos dos afazeres domésticos, invejando a atividade dos filhos, ou das conhecidas que trabalham fora e parecem estar com a cabeça sempre em dia. Melancólicas, estas mulheres sentem o tempo passar voando, que estão envelhecendo e que não resta muito a fazer. Acham que é tarde para voltar a estudar (e quem vai cuidar da casa?) e que lhes falta habilidade para começar a trabalhar (o que sabem fazer além de tomar conta da família e dar ordens para os empregados?). Lamentam o fato de terem aberto mão de seus talentos e vocações profissionais. Elas têm o dia todo ocupado: fazem ginástica, recebem os amigos em casa, levam os pais ao médico, ajudam a irmã cujo marido foi operado, visitam uma tia idosa, trabalham como voluntárias em instituições de caridade, eventualmente auxiliam os maridos nas empresas, sem direito à remuneração e desfrutam de intensa vida social ou cultural ao lado dos cônjuges, homens de sucesso profissional e financeiro. Ainda assim, não estão satisfeitas. Tudo isso parece-lhes uma mera forma de preencher o tempo. Querem realizar algo que dê um significado às suas vidas, embora não saibam exatamente o quê. Às vezes sentem-se capazes, porém tolhidas: “Eu tenho tanto a dar, mas ninguém quer receber” ou “Tenho a impressão de que dediquei a minha vida a uma causa errada: meu marido e meus filhos. “E eu? O que fazer agora? Sentar e esperar a vida passar?” A sua compreensão de mundo assume uma forma mais as-sertiva e reivindicativa, resvalando à rebeldia. Assustam-se, porém, com a intensidade de suas emoções. A maior parte das discussões em família termina em gritos e rancores. Dizem “não ser a mesma pessoa” dentro e fora da família, preferindo a de fora: mais descontraída, mais interessante, mais atraente. - 27 - Muitas, pela primeira vez em suas vidas, começam a questionar os papéis e as tarefas familiares. Sentem-se culpadas por agora pensar em si (“Será que vou virar daquelas velhas rabugentas e egoístas?”). Têm medo de mudar e prejudicar o casamento (“Será que essa minha nova forma vai nos separar ou nos aproximar?” “Se é para separar, prefiro deixar tudo como está. Afinal, passei tantos anos convivendo com isso!”). Tentando escapar da crise Algumas mulheres identificam-se muito com os pais de idade avançada. Envelhecem precocemente, adotando para si padrões de pensamento, sentimentos e comportamentos de uma “idosa”, o que se reflete em vida sedentária, falta de perspectivas futuras, apatia, corpo dolorido e quase nenhum desejo sexual. Boa parte vive alimentando relações de dependência. Inclusive quando assume o papel de protetora. Aparentemente, quem protege e toma as decisões é uma pessoa segura, amadurecida, autônoma. Mas a dependência se revela quando não se pode viver sem ter alguém de quem cuidar. Neste caso, a relação é descrita como “sufocante e pesada”. A pessoa exibe largamente sua capacidade de proteger e dificilmente consegue dizer “não”. Com isso, atrai para si uma boa dose de admiração... e irritação! A mulher dependente-protegida de seus pais pode tornar-se protetora de seus filhos. Quando eles crescem, há uma inversão, inclusive porque os jovens contestam a sua autoridade: ela passa a ser dependente-protetora de seus pais, a quem vê como fracos, solitários e incapazes e, ao mesmo tempo, quer ser protegida pelos filhos. Começa a acreditar que seus filhos é que estão certos, são capazes, são felizes, deixando de exercer sua autoridade sobre eles. Fica à mercê dos jovens, sem condições de se impor, tal como se comportava perante os próprios pais. Além disso, a mãe que envelhece precocemente evita entrar em atrito com as filhas adolescentes. A concorrência entre ambas fica atenuada, uma vez que ela se sente cada vez menos mulher. Os confrontos são vivenciados na periferia do relacionamento, através da marcação de horários, do controle de gastos de dinheiro, do modo de se vestir e proceder, do desempenho de papéis (mãe/filha), o que precipita a sensação de fracasso. Ou a mulher briga para preservar seu autoritarismo irrascível e ultrapassado ou - 28 - começa a pedir aos filhos que decidam por ela, abrindo mão da responsabilidade em conduzir a própria vida. As perturbações emocionais dessa natureza, a identificação precoce com a velhice e a negação de si como mulher, obscurecem sua atenção e concentração que, aliadas à falta de treino e estudo, fazem com que a mulher fique com uma sensação profunda de perda e cisão de si própria. A impressão de estar vivendo em outro mundo – que não se concilia com o tempo presente e não tem perspectiva de futuro - desmotiva mais ainda para novas realizações. Contudo, não existem esses dois mundos e, sim, duas imagens que a pessoa faz de si mesma e que não combinam entre si. Uma é a imagem ideal (de como ela acha que deveria ser, sentir, pensar e agir) e a outra é a imagem real. Em função dessa imagem ideal de si, perante a qual está sempre em desvantagem, a mulher cobra-se em demasia e age precipitadamente, sempre lutando com uma sensação de culpa e de estar devendo. É necessário, então, atualizar a imagem de si e vivenciar a frustração, o limite, a grande diferença entre a realidade vivenciada e o desejo sonhado, para que a mente funcione com estabilidade, com mais flexibilidade e eficiência. O tempo de ontém já se foi, nada pode modificá-lo. Quando muito, é possível re-significá-lo. E nunca é tarde para isso. Entretanto, manter imagens do passado, num irritante saudosismo do quanto-era-bom-antes, é negar-se ao tempo de agora. Também a ansiedade em relação ao futuro nos rouba esse tempo. A questão não é acrescentar tempo à vida, mas adicionar vida ao tempo. Fazer um exame de consciência e... acordar! A grande transformação Logo ao término do primeiro semestre dos encontros nos grupos de orientação, as participantes relatam mudanças significativas no âmbito familiar e maior eficiência nas comunicações. Dizem conseguir “fazer-se respeitar mais” pelos filhos, bem como “atrair mais a atenção” dos respectivos cônjuges. Passam a conversar com seus familiares a respeito de temas antes considerados “espinhosos”, como drogas, sexo e virgindade, fidelidade conjugal, submissão e autoritarismo, dependência afetiva e econômica, disciplina e cooperação. Há uma melhoria acentuada em sua auto-estima e segu- 29 - rança, bem como atenuam-se os desconfortos e as dores físicas anteriormente referidas. Os períodos menstruais de certa forma se normalizam e ocorre um alívio dos sintomas do climatério (irritabilidade, instabilidade emocional, fogachos e tremores, distúrbios do sono e do apetite, depressão). As que tentam com muita dificuldade seguir uma dieta de emagrecimento conseguem perder peso gradualmente sem recorrer à medicação reguladora de apetite. Diminui, também, sensivelmente, a ingestão de drogas ansiolíticas e antidepressivas. Grande número passa a freqüentar academias de ginástica, natação, ioga ou relaxamento. Em menos de um ano, algumas delas, insatisfeitas com o fato de serem economicamente dependentes, passam a trabalhar por conta própria. Habilidades anteriormente desqualificadas por elas próprias (costura, culinária, tricô, pintura, artesanato, tradução de textos) viram fonte de rendimentos considerados satisfatórios, inclusive pelos cônjuges. Poucas encontram trabalho remunerado, fora de suas casas, por meio período. Outras continuam a procurar. Nenhuma abandona as atividades caso trabalhe como voluntária. Passam a organizar melhor seu tempo, de forma a conciliar seus interesses. A melhoria em sua auto-estima e eficiência, no lar e no trabalho, se produz na ação concreta. As condições para uma auto-realização já estavam presentes desde que se propuseram a freqüentar os grupos. Então, não é o grupo de orientação que “faz a sua cabeça”, mas ele serve de apoio a novas atitudes já insinuadas. Esses grupos fortalecem a sua capacidade de decisão e empreendimento, propiciando meios de autoconscientização e atualização. Um verdadeiro resgate de seus potenciais. Os contornos de suas personalidades ficam mais nítidos e a família, seus filhos, cônjuge e pais deixam de ser os depositários de suas frustrações e ansiedades. Estando mais aptas a exercer o autocontrole, tornam-se menos controladoras e mais abertas ao diálogo: sentem-se mais capazes de ouvir críticas à sua pessoa e passam a exercer a visão crítica, ao invés de se queixar. Ganham em autonomia, serenidade, equilíbrio e liberdade. A mulher madura se afasta do caminho do amadurecimento e se perde na falta de espontaneidade da rede de papéis convencionais quando quer imprimir seu padrão a seus filhos ou corrigir o padrão de seus pais. Ao tomar a si a responsabilidade do seu destino, identificando e respeitando os seus limites e capacidades, a cada nova situação que se apresenta redescobre um significado em sua vida, ganhar prsonalidade própria e tornar-se mais prática. - 30 - Passa, então, a conviver com uma nova realidade, mais ciente de que , como diz a educadora Maud Mannoni: “Educar é dar voz ativa aos nossos filhos, tanto para ouvir o amor que eles nos dedicam, quanto o profundo ódio que sentem por nós”. A chegada da menopausa As primeiras falhas menstruais, anunciando a proximidade da menopausa, despertam na mulher sentimentos diversos. Ela pode ansiar a libertação que o cessar das menstruações lhe trará, ainda que isso organicamente corresponda a não mais gerar e, socialmente, signifique o ingresso na Terceira Idade, entre nós ainda tão desprestigiada e desalentadora. Sentimentos de perda e vazio interior, inquietude e nostalgia, associados a cólicas e náuseas, entre outros distúrbios físicos, sinalizam o luto por uma função que está prestes a cessar, a função ovariana, a capacidade de procriar. Quem sempre quis, mas nunca teve filhos poderá enfrentar a melancolia de um sonho que acabou, de um corpo que não corres-pondeu aos anseios de gravidez. Apesar das mudanças que ocorreram na sociedade, ainda hoje a mulher tem que ser mãe. A imagem fantasma da “tia” continua a persegui-la, ameaçando-a de não ser uma “pessoa completa”, caso não assuma a maternidade, quer tenha ela se casado ou não. Em caso de esterilidade, as pessoas primeiro acenam compreensivamente com a cabeça, para depois fazer uma cobrança implacável: “E vocês nunca pensaram em adotar?” A pressão é tanta que, ainda hoje as mulheres em torno dos 30 anos, ficam aflitas, buscando não só um companheiro, mas um pai para os filhos que querem ter “antes que seja tarde”. Estatísticas demonstram que cerca de 85% das mulheres têm filhos entre 19 e 31anos. A maioria das mães, ao atingir a meia-idade, volta a cogitar ter mais filhos – mesmo aquelas que optaram conscientemente por uma laqueadura. Olham sonhadoras para as gestantes que passam na rua, os carrinhos na praça. Pedem às outras mães para segurar os bebês, embora devolvam logo, com grande alívio. Também elas levam alguns meses para elaborar a despedida de sua fase procriativa. Climatério e menopausa É importante que se esclareça o significado de climatério e de menopausa. Não são, somente, as mulheres que empregam erro - 31 - neamente estes dois termos. Muitos profissionais ainda usam-nos, indiscriminadamente. O climatério é definido como um período que ocorre na vida de todas as mulheres e que começa (sem qualquer sintoma na maioria das vezes) perto dos 35 anos de idade e vai até os 55 anos, em média. Este período caracteriza-se por sinais e sintomas de intensidade variável, de acordo com cada mulher. As evidências mais comuns podem estar relacionadas com o ciclo menstrual: · ciclos que ficam mais curtos; · diminuição (ou, às vezes, aumento) da quantidade de sangue menstrual; · cólicas em pacientes que não as apresentavam antes, ou que desaparecem naquelas que sempre sofreram com este desagradável sintoma. Na esfera emocional surgem, muitas vezes, irritabilidade sem motivo aparente, tristeza, melancolia ou depressão. Não raras vezes, alterações do sono: insônia, sono não satisfatório, sono superficial. Geralmente, estes sintomas da esfera psíquica são melhor tolerados em pessoas que desempenham alguma atividade fora de casa (comerciantes, profissionais liberais, professoras, comerciárias, bancárias etc.). São pior tolerados e, por vezes, muito mais intensos, nas mulheres que não têm função fora do lar. Pior ainda para as que acumulam tripla jornada: trabalho fora de casa, trabalho doméstico e criação dos filhos, atenção ao marido e aos pais/ sogros de mais idade. Outros sintomas comuns do climatério são: · perda do interesse sexual; · dores de cabeça; · alterações digestivas; · alterações urinárias (dores e ardor ao urinar, micções mais freqüentes); · palpitações; · aumento de peso; · perda de pelos e cabelos etc. O aumento de peso merece uma reflexão especial. Na realidade não é a diminuição da produção hormonal que faz com que haja aumento de peso. A responsabilidade por esta alteração - quase - 32 - sempre desagradável e que agrava os demais sintomas já citados - está relacionada a duas situações reais: 1. Diminuição da atividade física. A partir dos 40/45 anos, mesmo ainda menstruando, (portanto, dentro do climatério), diminui bastante suas atividades físicas. Não sai de casa com tanta freqüência ou, quando sai, prefere fazê-lo de carro; se praticava algum esporte, ao ver-se no espelho um pouco mais gorda e abandona o esporte. 2. Ao sentir que está perdendo as formas entra em uma fase de passividade, de que “nada se pode fazer” e aí passa a alimentarse com todos os alimentos que sempre quis consumir, mas não o fazia pelo medo de engordar. Aos 40/45 anos, a mulher necessita ingerir metade das calorias de que necessitava há 20 anos atrás, aos 25 anos de idade, por exemplo. Nesta fase a mulher está exposta a um risco maior de enfermidades, tais como: · câncer de mamas; · câncer do corpo e do colo de útero; · doenças metabólicas (alterações do metabolismo das gorduras com acúmulo do LDL - colesterol no interior das artérias); · hipertensão arterial (pressão alta); · angina do peito; · infarto do miocárdio e, · alterações do metabolismo do açúcar (diabetes). À medida em que - ainda dentro do climatério - aproximase a data em que a última menstruação acontecerá, as alterações tornam-se mais evidentes, aumentando a irregularidade menstrual. A mulher pode ficar dois a três meses sem menstruar, ou menstruar mês sim, mês não, pois os níveis de hormônios circulantes no sangue sofrem oscilações que trazem alterações cada vez mais graves para todo o organismo. Surgem, agora: diminuição da lubrificação vaginal durante as relações sexuais, ardência para urinar, afrouxamento do assoalho vaginal; pode ocorrer, também, uma “queda da bexiga” para quem já teve partos vaginais com alterações do períneo, causando, às vezes, perda involuntária da urina ao rir, tossir, espirrar ou correr e pular. A diminuição dos níveis de hormônios ovarianos no sangue (principalmente o estrogênio) acaba por interferir, também, na qualidade dos ossos, que passam a perder cálcio. Caso a perda persista - 33 - e se acelere, poderá levar a uma doença chamada osteopo-rose. Dependendo do seu grau, pode causar fraturas graves na coluna, ossos da perna, bacia, tornando, às vezes, a paciente inválida, na sua maior gravidade. A maioria sente muitas dores e sofre limitações nas suas atividades. Entre os 45 e 55 anos em média, os ovários param de produzir os hormônios, mais especificamente os estrogênios, que são os principais nesta fase da vida da mulher. A mulher para de menstruar. Após 12 meses sem menstruar, dizemos que a mulher está com sua menopausa instalada. Portanto, a menopausa é definida como a última menstruação. Por volta dos 45 anos, quando ainda menstruando, podemos dizer que a paciente está em uma fase denominada péri-menopausa, ou seja, em “torno da menopausa”, ou ainda próximo da menopausa. O mesmo se ela tem 52 anos e acabou de entrar na menopausa. Ela continua na fase do climatério, porém já é considerada “menopausada”. Uma vez instalada a menopausa, com ausência (quase) total do estrógeno, todos os sintomas e sinais já relatados no período do climatério tendem a se agravar: aumenta o ressecamento da pele, há diminuição do chamado colágeno péri-orbicular (colágeno das maçãs do rosto, que existe em torno dos olhos e que é responsável pela harmonia das linhas do rosto feminino, conferindo à mulher graça, beleza e delicadeza de traços); a insônia se aprofunda; o comportamento se modifica: a mulher se torna dura, áspera, às vezes agressiva. Ao mesmo tempo, pode cair no choro sem motivo aparente. Fica deprimida, passa a ter medo de certas situações de que antes não tinha; surgem a tristeza e a melancolia, ao mesmo tempo irritabilidade e impaciência com os seus entes queridos. Vem a vontade de não mais freqüentar os locais que sempre gostou de freqüentar. As relações sexuais, além de indesejadas, quando ocorrem traduzem-se por sacrifícios, pois não há mais a lubrificação vaginal produzida pelos hormônios. A menopausa é uma ocorrência natural? Sim, é uma ocorrência própria da mulher. É um fenômeno natural, mas não “normal”, pois pode trazer muitas complicações que, para algumas mulheres, tornam-se “um verdadeiro inferno” quando não tratadas. Neste ponto surge um questionamento: devem os sintomas do climatério e da menopausa serem tratados? Hoje as mulheres participam da vida familiar de maneira mais ativa; ou trabalhando fora, ajudando na formação da receita financeira do lar, ou simplesmente querem viver, após os 40 anos, da maneira como viveram até - 34 - esta idade: belas, joviais, sentindo-se psiquicamente bem consigo mesmas e sexualmente bem com o seu companheiro, fazendo parte da evolução social do mundo. E como se consegue isto? Simplesmente, quando indicado, fazendo uma Terapêutica Hormanal de Reposição (THR). A THR visa substituir os ovários, administrando-se o mesmo hormônio que era antes fabricado por estes órgãos. E usar hormônios, não poderá produzir câncer? Não é forçar a natureza? Não vai aumentar o peso? Os hormônios sintetizados a serem administrados (sob forma de selos que são colocados aderidos à pele e trocados duas vezes por semana, sob forma de injeções ou sob forma de comprimidos) visam nada mais do que permitir que continue a existir no organismo, o estrogênio circulante. Ele é levado pelo sangue e serve aos órgãos que dele necessitam. É um estrógeno, fabricado em laboratório, que substitui aquele que parou de ser produzido pelos ovários. Porque, então, estes hormônios, em tudo semelhantes aos hormônios que eram produzidos pelos ovários, produziriam câncer? E os fitoterápicos? Para que não se venha receitar hormônios para mulheres que possam ser portadoras de um câncer inicial ou uma lesão précancerosa, é obrigatório que se realize um conjunto de exames, avaliando profundamente o colo do útero, o corpo do útero, as mamas, principalmente, além de se dosar no sangue as chamadas lipoproteínas (colesterol, triglicérides) e o açúcar, avaliando o funcionamento do fígado. Antes disso não se pode iniciar o tratamento hormonal em uma mulher, mesmo que totalmente sadia. Ainda que uma boa parte das mulheres seja muito beneficiada com a THR, nem todas as mulheres precisam fazê-lo. Aí entram os fitoterápicos. Tomar hormônio engorda? Há mulheres que dizem conhecer dezenas de amigas que, ao iniciar o uso dos hormônios, engordaram. Os hormônios, quando administrados nas doses adequadas (após avaliação em laboratório) e associados à alimentação recomendada para a mulher no climatérioe/ou na menopausa, e ainda praticando esportes (principalmente fazendo caminhadas diárias), exercem pouquíssima ou nenhuma influência no peso da paciente. De acordo com o Dr. João Fernando Góis1, médico gineAdaptado de texto do Dr. João Fernando Góis-Médico Gineclogista-Titular do Depto. de Climáterio do Clam Delegado da Sobrac. 1 - 35 - cologista, a mulher que já é menopausa há anos, se não tomar hormônios, se não adotar uma alimentação condizente com esta fase da vida, se não caminhar ao menos 6 km por dia, irá engordar progressivamente. E se passar a usar hormônio, mas não adotar uma alimentação adequada e não fizer caminhadas, igualmente, irá engordar. Outras perguntas são feitas com muita freqüência: a) A mulher no climatério, que ainda menstrua, deve continuar menstruando ao utilizar hormônios? Depende do desejo de cada paciente. Pode-se normalizar as taxas de hormônios no sangue sem provocar menstruação; b) Mulheres que não menstruam há anos, ao fazer uso de hormônios podem apresentar menstruação? Sim, podem, mas somente se desejarem. Se não desejarem, há como normalizar os níveis de hormônio no sangue sem provocar sangramento menstrual. c) Por quanto tempo a mulher deve fazer uso de hormônios? Segundo os maiores especialistas na área, a mulher deve usar hormônios femininos enquanto viver, pois os homens produzem nos testículos hormônios masculinos enquanto vivem. d) Como deve ser o acompanhamento da mulher que faz uso de hormônios? A cada seis meses pelo menos, a fim de verificar os resultados do tratamento e reavaliar se a dose do medicamento está sendo eficiente etc. Além da THR (em inglês) ou TRH (em português), há outras formas de tratar os transtornos do climatério e menopausa: através de medicações sistêmicas, nutrição adequada, medicina ortomolecular, homeopatia, acupuntura, psicoterapias, relaxamento, meditação etc. Além disso, hoje também se faz uso da fitoterapia, com excelentes resultados. Outro fator que beneficia, em muito, é uma vida social e cultural estimulante, além da estabilidade familiar e da esfera afetiva e sexual. Em resumo: O carinho, boas motivações para viver bem e o atendimento da mulher a partir dos 35 anos, acompanhando-a durante toda a sua vida, constitui-se na verdadeira medicina preventiva, pois a mulher sob os cuidados de bons médicos e outros profissionais da saúde, terá um menor risco de contrair doenças graves. E poderá comquistar uma qualidade de vida bem melhor, independente da sua idade. - 36 - A família diante de uma nova mulher “Você anda muito parada, tem que sair para o mundo, estudar, trabalhar. Você não viu a fulana, a beltrana, a sicrana? Elas é que estão certas!”, dizem o marido e os filhos, fazendo o “diagnóstico” do problema e já passando à “prescrição”. A família instiga a mãeesposa e toca os brios da mulher, que decide vencer a inércia e ficar repetindo, neuróticamente, seus esquemas de vida já ultrapassados. Daí ela parte para a luta. A família que se prepare, porque ela vai mudar e remoçar! E, por incrível que pareça, embora todos insistam para que a mulher faça a sua transformação pessoal, ninguém vai ajudar muito, não. O mesmo marido que a espicaçou, vai reclamar. Os mesmos filhos que a comparam às mães dos amigos, vão cobrar. Como a gerência doméstica continua a ser sua atribuição, eles vão reivindicar comida pronta na hora, roupa limpa e bem passada, casa em ordem, além de atenção, presença e dedicação. Vai ser cobrada em tudo aquilo que era abominado como algo que “qualquer um pode fazer”, mas que raramente faz de bom grado! E mesmo boas empregadas precisam ser orientadas e supervisionadas. As primeiras tentativas de “usar a própria cabeça” serão recebidas com ceticismo por todos e até pela mulher. Vai bater a vontade de voltar atrás, deixar tudo como estava. Mas, não adianta, uma vez iniciada a mudança, mudada está. Nada será como antes. A mulher brava, que surge a princípio, abre espaço para uma brava mulher, que constata que o mundo está aí para ser conquistado: o seu próprio mundo. O caminho é árduo. Requer determinação, disciplina e atenção. Porém, uma vez superada a ansiedade, a mulher aprende a aprender. Recupera, além da curiosidade, o prazer de competir... e a angústia de vencer. Para quem se via até pouco tempo atrás como perdedora, descobrir-se espirituosa, atraente, sensível e capaz de despertar inveja em quem sempre invejou ou admirou, mobiliza intensa angústia, o medo do novo. Recuperar a prontidão da memória significa não só “voltar a ser inteligente”, mas também recusar migalhas de afeto, atenção e oportunidades. Ter discernimento e ação, vontade de lutar e vencer. São novas emoções, nem sempre de prazer, porém ,de maior realismo e realização. O importante é sair da “redoma” sem perder a ilusão, com um quê de ambição e muito de alegria de viver. O renascimento da mulher - 37 - O climatério, prenunciando a morte da fertilidade, exige que a vivência da maternidade se desvincule de seus aspectos concretos (engravidar, ter e educar filhos) para atingir níveis cada vez mais simbólicos: entregar seus filhos para o mundo e se comprometer com esse mundo, como um ser verdadeiramente social e político. A mulher transpõe a capacidade de procriação, em direção à sua capacidade de criação. Transcende o seu útero em busca de sua definição de mulher, não mais calcada na repetição de um de seus ciclos orgânicos ou nos papéis filha-esposa-mãe. É possível que essa transição transcorra dentro de um clima de depressão suave, numa introversão temporária, quando a mulher mergulha para dentro de si própria, questionando seus valores mais profundos, para retornar depois mais cheia de ânimo, ciente do valor de si própria. São freqüentes, nesta fase, os sonhos em que se vê grávida ou em que suas filhas adolescentes engravidam, além de sonhos com crianças, suas ou dos outros, de quem ela deve cuidar. Crianças que nascem, crianças que morrem, é um novo “eu” que nasce, enquanto um “eu fértil” vai morrendo, um “eu” que demanda cuidados. Em busca de ser uma boa mãe de si própria, a mulher ressente-se da perda ou da ausência de sua mãe. Saudades agudas a acometem. Caso esse processo de renascimento não se complete, existe a possibilidade de adotar formas alternativas de exercer a maternidade: pressionar filhas e noras para lhe darem um neto e intrometerse demasiado na educação dele, superproteger filhos adultos. Ou transferir os cuidados maternais para os pais já idosos ou para o marido, preocupando-se excessivamente com a saúde deles. O relacionamento sexual com o marido-tornado-filho é psiquicamente insuportável e culposo. Para algumas, a idéia de arranjar um amante parece sedutora e podem vir a se apaixonar por um rapaz bem mais jovem. Gravidez inesperada A contracepção no climatério exige cuidados redobrados. Alguns métodos são desaconselhados nessa etapa: a combinação do fumo e das pílulas anticoncepcionais é perigosíssima. O DIU pode desencadear hemorragias severas e o uso da tabelinha pode resultar ineficiente. Diante disso, algumas mulheres, acabam por engravidar, mesmo sem querer. Essa gravidez tardia e inesperada, se levada adiante, altera drasticamente a dinâmica familiar. Os filhos crescidos vão querer opinar, sentindo-se no direito de incentivar ou criticar a mãe, sobre quem recai a responsabilidade, com forte - 38 - ambivalência: ela é considerada “muito burra” por não ter sabido evitar ou muito “corajosa” por ousar. Os conflitos da mulher da classe média se agravam, na medida em que ela é educada para ser avó e não mais mãe, ao ingressar na meia idade. Aparecem as culpas: não ter sabido evitar a gravidez, de estar rejeitando o bebê. E os medos de ter uma criança deficiente. Mulheres que, por motivos religiosos, não admitem o aborto rezam para que ele ocorra espontaneamente. Quando nasce o filho, a tendência será de superprotegê-lo, criando uma situação delicada para todos na casa, sobretudo para o recém-nascido. O quadro piora quando o marido não assume a sua cota de responsabilidade e se distancia, emocionalmente. Ela conhece, então, o desespero da solidão a dois. A ansiedade será seu estado constante durante e após a gestação, refletindo-se, muitas vezes, em cuidados exagerados para consigo e para com o bebê. Como superar os temores O panorama afetivo familiar e, mais especificamente, a qualidade do relacionamento conjugal são determinantes na solução dos conflitos relacionados à gravidez perto da menopausa. Uma providência que ajuda bastante é obter a maior quantidade possível de informações corretas sobre o andamento da gestação, seus riscos e os recursos existentes. Atualmente, a medicina e os cursos para gestantes, dos quais participa o casal, conseguem dar um excelente suporte à grávida mais velha, diminuindo os fatores de risco e complicações. A escolha de um bom médico é imprescindível. Evitar a companhia de pessoas mórbidas, contadoras de desgraças, é uma boa forma de se proteger. O casal pode trocar mais carinhos, praticar sexo, (desde que não haja risco envolvido), participar junto das consultas pré-natal, depois “esticar” para um programa a dois. Envolver os filhos crescidos na compra do enxoval e na decoração do quarto. Rir sempre que possível, pois o riso é o melhor “antídoto” contra a angústia. Mas se a angústia tomar conta, a mulher deve procurar uma orientação psicológica para essa fase. Muita mudança objetiva e subjetiva está para acontecer. Vale a pena dedicar um tempo para a reflexão. É possível, sim, que haja uma gravidez saudável, do ponto de vista clínico e psicológico, para a mulher mais velha. Outras motivações para a gravidez tardia - 39 - Algumas mulheres adiam a gravidez porque desejam se dedicar primeiro à carreira profissional. Outras engravidam ao se casar pela segunda ou terceira vez, para consolidar essa união. E há, ainda, mulheres para as quais os laços de dependência profundos criados pela maternidade, ajudam a solucionar ou contornar conflitos íntimos.É por isso que muitas, carentes de recursos econômicos, engravidam corajosamente. “Só” para ter alguém a quem amar e se dedicar, que lhes proporcione um sentido na vida. Quando a sua motivação básica é manter um relacionamento simbiótico de profunda dependência, a mulher engravida e sentese feliz, porque isso adia a sua tarefa vivencial de crescimento e de conquista da independência. (Além disso, também se acredita que a gravidez rejuvenesce a mulher!) Mãe de criança pequena raramente terá uma vivência autônoma. Algumas chegam perto de “enlouquecer”, desesperadas pela falta de privacidade e liberdade de ir e vir e pela interrupção do sono. Esse quadro é responsável por um dos mais altos índices de depressão e suicídio na população feminina. Pergunte a uma jovem mãe de dois ou três filhos qual seu maior sonho: “Entrar no banheiro sossegada ou conseguir fazer uma refeição completa sem ser interrompida por brigas, por um que chora de fome, por outro que fez xixi”. O fato é que a gravidez tardia não evita o processo psíquico de elaboração da despedida da fase procriativa, da aceitação da menopausa iminente e do que tudo isso representa para a mulher. Essa despedida de sua fertilidade biológica não ocorre, concomitantemente, aos seus processos psicológicos: muitas mulheres não se acreditam mais férteis, quando ainda o são, correndo o risco de engravidar; muitas se acreditam férteis, quando não são mais, tomando anticoncepcionais indevida e perigosamente. Mães jovens versus mães maduras Ainda que a gravidez seja desejável e socialmente valorizada para as mulheres jovens, elas não têm, de modo geral, maturidade suficiente para apreciar a grandeza da maternidade, a celebração da vida, nos seus aspectos profundos. Os filhos, mesmo os mais desejados, parecem um fardo, uma forma de ocupação de tempo, um estorvo ao seu relacionamento com o cônjuge, os amigos, o trabalho, os estudos. Já a mulher mais velha, que engravida sem com isso querer preencher um vazio existencial ou procurar na criança o seu próprio - 40 - rejuvenescimento e, sim, para se realizar como mãe, promove em si e na família uma experiência enriquecedora. Enquanto a gestante nova teme as dores do parto e as “deformidades físicas” que a maternidade acarreta, a gestante mais velha usufrui mais livremente da relação adulto-criança, ensejando a ambos a oportunidade de individualização e de crescimento. A jovem é imediatista e transita pelo universo das permanências. Quer ter logo todos os filhos e pensa que eles nunca vão crescer. A mulher mais madura, que já experimentou e integrou várias idades, tem a consciência da transitoriedade dos fatos humanos e convive em relativa segurança com o mundo das incertezas. Tem mais autonomia e paciência para educar os filhos e educar-se através deles, contemplando a todos com o saber de que tudo passa, as fases boas e ruins. Na sua maturidade psíquica, a mulher atinge a sabedoria e “saboreia” o milagre da vida. Não mais necessita do seu corpo, exclusivamente, para saber-se fértil, para provar capacidades. E se uma gravidez acontece, ela é vivenciada como mais uma grande realização e, não como um atestado de competência ou incompetência sua como mulher. Na maturidade, ela gera não simplesmente um filho, mas o amor, a sua consciência de ser potente, ainda que limitada, a sua fertilidade emocional, de idéias e de ações, arduamente conquistada. A gravidez tardia só acentua esse ganho. Gravidez após a menopausa Aquilo que há poucos anos era uma verdade incontestável, hoje não se sustenta mais: “A menopausa marca o início de um período em que a mulher não pode mais conceber e ter seus próprios filhos”. O avanço das técnicas de fertilização assistida alterou o marcapasso biológico da maternidade. Hoje, a mulher pode não apenas gerar filhos absolutamente saudáveis após a menopausa (com óvulos seus congelados ou de doadoras), como conceber uma criança de pai ignorado ou do marido morto, através da inseminação artificial de esperma armazenado em bancos de sêmen. Esses fatos introduzem uma novidade tão grande em nossos conhecimentos, que as nossas discussões tendem a ser moralistas e antagônicas: “Se Deus quisesse que a mulher engravidasse quando velha, não teria programado a menopausa”, afirmam os conservadores. “Se Deus não quisesse que a mulher pudesse ter - 41 - filhos mesmo depois de velha, não teria dado ao homem inteligência para se descobrir como se faz isso”, rebatem os inovadores. Continuamos com a pretensão de saber dos desígnios divinos, enquanto confirmamos, com argumentos aparentemente opostos, o ácido preconceito: mulher de 50 é velha! Discutimos direitos morais a respeito de a mulher de 50 ou 60 engravidar, mas não questionamos porque consideramos velha uma pessoa dessa idade. Mais do que a biologia, é a sociedade que determina hoje quem é apto ou não a procriar. É como se as leis morais se sobrepusessem à própria natureza. Tem sido assim com a questão sexual. Do ponto de vista da psique profunda, no entanto, o tempo é subjetivo e sempre atual. O Eu profundo não envelhece. Isso quer dizer que o desejo de realizar a maternidade é tão válido e sagrado na adolescência, como na meia-idade. Os conservadores gritam: “Melhor adotar uma criança faminta ou órfã”. Os corações dos casais retrucam: “Queremos nossos próprios filhos”. Há, então, um código moral distinto, que nega às mulheres mais velhas a legitimidade do seu desejo de procriar? A argumentação de que pessoas mais velhas não terão tempo de vida ou condição de ver crescer os filhos concebidos na meiaidade, deveria nos remeter a questões de justiça e bem-estar social, qualidade de vida e relações de afeto e, não simplesmente, criticar. A maturidade social crescente tem revisto as questões familiares, não só do ponto de vista da moral, mas principalmente da ética. Pela ética da liberdade, os laços afetivos tendem a se sustentar mais através dos cuidados mútuos e justiça do que pelos laços de sangue e prestígio. A família tende a se constituir pela escolha, para todas as gerações. É essa liberdade de escolha que sustenta, eticamente, os argumentos que validam o desejo feminino de realização pela maternidade, qualquer que seja sua idade ou condição. Aposentadoria feminina “Não vejo a hora de parar e me dedicar mais às coisas de que gosto. Vou fazer inglês e natação até o final do ano e, depois, vestibular! Sempre quis estudar História.” Cheia de vontades, é mais fácil para a mulher se aposentar do que para o homem. Existem, sim, as que se “acham” preparadas e se surpreendem depois com o vazio e a desorientação que as - 42 - acometem, com a sua falta de recursos pessoais. Essa síndrome é relativamente comum entre aqueles que se aposentam em cargos de chefia: tão capazes de organizar os negócios alheios, revelam uma tremenda incapacidade de administrar seus próprios sentimentos e organizar sua vida pessoal! Assim como os homens, mulheres também podem se arrepender e vir a implorar que a recontratem. Há os que dizem que “ficarão loucos”, se não voltarem para o trabalho. De modo geral, as mulheres aposentam-se de maneira menos traumática. Ao contrário dos homens, elas não se ressentem tanto da perda de status e de prestígio. Mesmo porque, a maioria não chega às esferas de decisão. São as mulheres das novas gerações que estão ascendendo na profissão. As mais velhas, que se aposentam agora, quando muito atingem o cargo de secretária executiva ou gerente de algum setor. Aposentam-se, pois, de serviços pouco estimulantes ou reconhecidos, ganhando uma remuneração quase sempre inferior à dos homens na mesma função. Na hora do desligamento, estão menos vulneráveis às questões de poder. A aposentadoria apresenta-se a elas como oportunidade de decidir mais e melhor sobre suas próprias vidas e buscar espaços em que sejam reconhecidas. O sentimento predominante é de alegria em relação à liberdade recém-conquistada. Muito mais do que os homens, estão preparadas para circular com desenvoltura pelo mundo das artes e dos estudos. Fazem amigos com facilidade. São mais hábeis em organizar encontros, festas e passeios, chamando amigos e vizinhos quando se sentem sós. Encontram o que fazer dentro de casa: muitas adoram cozinhar, ler um bom livro, arrumar armários ou até caminhar pela rua, coisas absolutamente simples, que não passam pela cabeça da maioria dos homens. Mesmo tendo trabalhado fora do lar, a mulher sempre manteve ativos os vínculos familiares e sociais. Nessa hora, dispõe de uma rede de apoio mais ampla e fortalecida do que os homens, cuja tônica tem sido a imersão completa no mundo do trabalho. Se essa rede não é suficiente para ajudá-la a superar a crise, procura terapia com muito mais facilidade. A questão financeira não a aterroriza tanto: sente-se menos humilhada em receber ajuda dos filhos ou em baixar seu padrão de vida, se necessário. - 43 - Enfim, um tempo só para si O cessar da dupla jornada somente beneficia a mulher, aliviando seu stress. Mesmo porque, sua jornada não se limita ao trabalho dentro e fora de casa. Há que se considerar, também, a educação dos filhos, a dedicação ao cônjuge e a atenção aos pais idosos. Além disso, cabe à mulher a tarefa de manter os vínculos sociais e de afeto com outras famílias, grupos de amigos e atividades de recreação ou culturais. Esse conjunto complexo de afazeres, que transforma seus anos de vida ativa numa verdadeira gincana diária, tende a se modificar para atendê-la em suas necessidades, quando chega à aposentadoria. Ela pode escolher entre trabalhar e estudar ou, simplesmente, descansar de tantas responsabilidades e horários rígidos. Pode conhecer, pela primeira vez na vida, o “tempo para si”. Os filhos, crescidos, já se formaram ou estão casados. O marido está menos agressivo ou ausente em relação aos primeiros anos. Se a convivência torna-se insuportável, pode optar pela separação ou, caso o marido colabore, tentar reanimar o casamento. Vale a pena registrar, contudo, que poucas mulheres que se projetaram bastante no trabalho e conquistaram sua independência pessoal e financeira permanecem casadas à época da aposentadoria. Nas suas palavras, é como se os maridos não tivessem “agüentado seu sucesso” . Quando se destacam numa carreira acadêmica ou nos espaços artísticos e intelectuais, os casamentos sobrevivem melhor ao êxito feminino. Arrimo de família Mulheres solteiras muitas vezes assumem o encargo de sustentar os pais idosos. “Porque não se casaram e não têm seus próprios filhos”, a família espera que sejam elas a contribuir com mais dinheiro nas situações de crise, a propiciar conforto aos pais e até a pagar os estudos dos sobrinhos. Ao se aposentar, seus familiares podem ter fortes expectativas de que elas assumam as lides domésticas e os encargos, não só financeiros, mas pessoais, relativos aos cuidados com saúde e hospitalização das crianças e dos mais velhos, “já que agora estão mais disponíveis”. Nesse caso, longe de encontrar mais respaldo famíliar, na aposentadoria a mulher pode se tornar alvo fácil da inveja dos outros. Sobretudo porque representou, durante todos aqueles anos de - 44 - trabalho, o ideal de mulher livre e independente. Tudo aquilo que as mulheres da família não puderam ou não conseguiram ser, tudo aquilo que os homens aprenderam a respeitar e temer. Caso se afaste dessa pesada trama famíliar, sofre o impacto da solidão e da ingratidão daqueles a quem se dedicou e por quem, na sua visão, se sacrificou. Existem, sim, aquelas famílias generosas, que acolhem com satisfação a mulher na sua volta ao lar. Então, ela pode “curtir” os amigos e familiares, cuidar da aparência, praticar esportes, viajar. Fazer tudo o que sempre desejou. Homem: o grande balanço da vida Muita turbulência enfrenta o homem, sobretudo o da classe média, da adolescência à meia-idade. Mas a agitação aumenta à medida que ele se aproxima da idade madura. Os problemas individuais e profissionais se conjugam a importantes mudanças biológicas, fisiológicas, afetivas, sócio-profissionais, interpessoais e familiares. Nessa idade, o homem dá-se conta de que não viu os filhos crescer, de que a esposa não é mais a menina com quem se casou... Questiona tudo e, em especial, seu sexo. A partir dos 40 anos, o declínio progressivo nas taxas de testosterona, o hormônio sexual masculino, não compromete a manutenção da função erótica, em relação à conduta sexual e à capacidade de reprodução. Mas o homem, que mal se concebe como pai de filhos grandes e vive a iminência de se tornar avô, começa a se perguntar se continuará a ser “homem”. Sendo assim, a crise da meia-idade masculina – e toda a vulnerabilidade emocional que ela provoca – está menos fundamentada num desequilíbrio fisiológico e, mais, na crença dessa eventualidade. As pressões que estão no ar Quando o homem tem aproximadamente 50 anos, seus filhos deixam a casa paterna para constituir a própria família, em busca de independência plena. A eventualidade de se tornar avô, aliada à ocorrência da menopausa da companheira, pressiona o homem a reconsiderar a sua imagem corporal e atualizá-la. A precariedade do mercado de trabalho no que concerne à - 45 - participação, oferta de empregos e remuneração ao homem mais velho, aposentado ou em vias de aposentadoria, desencadeia nele sentimentos de ansiedade e menos valia. Mesmo em se tratando de homens bem sucedidos em suas carreiras, o que lhes confere bens patrimoniais, influência e valorização, o medo do futuro (pessoal e profissional) e a necessidade de uma luta contínua pela manutenção do seu status constituem fatores desencadeantes de angústia. A ocorrência de um stress fisiológico (acidentes cardiovasculares, dores nas articulações, obesidade, diabetes, úlcera, entre outros) pode obrigá-lo a mudanças no seu estilo de vida. De sorte que a meia-idade é a fase em que se processa um “balanço” pessoal em termos de passado e futuro. É um tempo de rever quais expectativas foram realizadas e quais ainda poderão realizar-se. É a idade da desilusão. Esse balanço engloba, sobretudo, uma avaliação do seu desempenho profissional e um controle de seu equilíbrio afetivo e fisiológico, sob o medo da doença, do envelhecimento e da perda da potência sexual. Em foco, a vida profissional Por volta dos 50 anos, geralmente a carreira do homem atinge um certo platô. Ainda que em plena posse de suas capacidades, ele compreende que suas chances estão ficando cada vez mais restritas: terá que abrir mão de aspirações e da realização de suas ambições profissionais no tocante à remuneração, promoção ou mesmo à possibilidade de vir a se beneficiar dos avanços da tecno-logia. Se não foi por conta própria, a empresa raramente vai investir nele. Ao longo da vida profissional, somente alguns poucos poderão manter-se atualizados. Estudar e trabalhar ao mesmo tempo são tarefas praticamente incompatíveis na sociedade capitalista. O tempo trabalha contra o trabalhador. A concorrência com a geração mais jovem, menos bem remunerada, começa a incomodá-lo. A certeza ou a presunção de seu declínio profissional pode incitar o homem a investir suas últimas energias num trabalho ingrato, em detrimento de seu equilíbrio fisiológico. Ou, ao contrário, pode incentivá-lo a recuperar a sua intimidade afetiva e sexual, até então negligenciada. Para piorar o quadro, seu incontestável papel de provedor da família pode estar sendo colocado em xeque, com a ascensão - 46 - profissional da esposa e companheira, agora mais liberada das funções de mãe e estimulada a ingressar no mercado de trabalho. Além disso existe a recém conquistada independência dos filhos, que o destituem do seu papel patriarcal. Uma vez pressionado pelas condições sociais a necessitar da colaboração da mulher no plano financeiro (ou pior, dos filhos, vindo a depender economicamente deles, depois da aposentadoria), o homem pode sentir-se humilhado e questionar seu próprio valor, não só como trabalhador, mas como homem. Freqüentemente perde a confiança em si próprio, em seus meios de produtividade, o que inclui um questionamento quanto à própria sexualidade. É vítima frágil de uma disfunção sexual. E se o homem acredita que o sexo acaba com a idade, ele interpreta uma falha eretiva ocasional como prenúncio do fim. Aparecem sentimentos de rivalidade em relação à esposa, aos filhos, com quem compete velada ou abertamente, e a qualquer pessoa mais jovem do que ele. Então, pode ceder muito facilmente ao autoritarismo, seja submetendo-se a ele e deixando de lutar, seja rebelando-se e se tornando extremamente autoritário. Quem são os aposentados Não sabemos como se distribuem, mais exatamente e quais são as reais expectativas daqueles que se aposentam. Já pudemos, no entanto, detectar alguns grupos: I - Aqueles que se aposentam por falta de saúde e forças para continuar e não querem nem mais ouvir falar em trabalhar e ter obrigações. II - Aqueles que querem diminuir o ritmo e continuar trabalhando com menos stress. III - Aqueles que precisam continuar, querendo ou não, em função de filhos menores, dependentes, ainda estudando. IV - Aqueles que não admitem a idéia de parar, porque não sabem fazer outra coisa ou porque gostam mesmo de trabalhar V - Aqueles que agora, por escolha, vão se dedicar a algo através do que possam se realizar. VI - Aqueles que precisam parar para cuidar da família, especialmente de pai ou de mãe doente. O fato é que, a aposentadoria é fruto e raiz simultaneamen-te, da pobreza e da mobilidade social para níveis mais inferiores de prestígio e reconhecimento. Uma boa parte do sucesso na aposen- 47 - tadoria é creditado à formação de uma base econômica de três pernas, onde no futuro, os mais velhos possam se assentar: - Casa própria e apólices de seguro - Pensões (públicas ou privadas) e rendas alternativas - Seguridade social: benefícios previdenciários e assistenciais A quarta perna, pouco mencionada, é a preparação e o apoio para se viver só a partir da meia-idade. “Viver só” que não significa solidão, mas autonomia e independência, tanto financeira, quanto afetiva e emocional, mesmo quando se tem família, saúde e fontes de renda. Ainda que a carência econômica seja gritante, facilmente identificável e mensurável, outras formas de carência dificultam muito o envelhecer: a cultural, a educacional, a afetiva e a social. A viuvez feminina, por exemplo é crescente a partir dos 50 anos de idade perdurando, em média, por 15 a 25 anos, tempo esse em que a mulher fica à mercê da família, sem preparo e sem autonomia. A educação para “viver só” poderia auxiliar pessoas no enfrentamento de separações, viuvez, doença e várias outras formas de isolamento, visando, não a marginalização e a exclusão, mas a autonomia e a dignidade que só a liberdade confere. Falemos, pois, de uma educação para a liberdade. Liberdade que se apresenta a nós quando já cumpridos os anos de labuta, por ocasião do aposentar. Liberdade que tão poucos já sabem ou conseguem desfrutar. Aposentar a aposentadoria Para enfrentar a fase da aposentadoria, a pessoa deverá estar ciente de que, não importa quão competente seja, ou quão imprescindível se considera, já passou a ocupar os primeiros lugares da fila de demissão e, uma vez fora da empresa, estará se debatendo, não só com a competitividade e os dilemas do mundo do trabalho, mas com os desafios de toda uma nova situação de vida. É quando será, efetivamente, testado o seu Q.A. ou a sua capacidade de adaptação em situações adversas. E o que vem a ser esta capacidade? Trata-se, somente, da diferença entre o sucesso e o fracasso na aposentadoria. E isso não significa padrão de vida, mas qualidade. Inúmeras inteligências, brilhantes no meio empresarial, perdem-se nesta fase por falta de capacidade de adaptação ou baixo Q.A. - 48 - Sucesso na carreira ou nos negócios pressupõe o desenvolvimento e a aquisição de uma grande especialização de conhecimentos e atitudes. Se, por um lado isso garante um excelente desempenho no trabalho, ampliando a nossa visão e fortalecendo os processos de tomada de decisão, por outro conduz a uma espécie de cegueira quanto a outras oportunidades que desfilam a nossa frente quase todos os dias, oportunidades que não enxergamos por não estarmos nem habituados, nem motivados a busca-las. O fato é que, por mais bem sucedido que tenha sido um profissional em seu percurso, o mundo mudou e o perfil dos mais velhos e dos mais experientes, está distante daquele que se exige hoje. E a antiga formação profissional tem pouco ou nada a ver com o que se valoriza, atualmente, no mercado: juventude, flexibilidade, domínio de línguas e de novas técnicas, especialmente a informática, disposição para mudanças – inclusive de residência, além de outros deslocamentos, criatividade e aceitação inicial para “começar por baixo”. Agora, não só as competências profissionais estarão na berlinda, mas a personalidade e o próprio caráter. O networking, tão arduamente construído, depois de não mais do que seis meses fora de uma empresa, despenca. As novas consultorias já mencionam o netliving. As verdadeiras amizades que se estabeleceram ao longo da vida é que vão se importar com mais alguém. Os relacionamentos movidos por interesse profissional, alimentados em torno de um cargo ou posição, mostrar-se-ão absolutamente volúveis e descomprometidos. Essa perda de relacionamentos é um grande baque, para quem está na situação de “excluído” ou, pior ainda, “indesejável”. Uma coisa é ouvir e se divertir com as histórias dos outros, outra coisa é sentir na própria pele as longas horas passadas em casa, onde a presença do homem não é muito bem vinda, a não ser na qualidade do “Jaqui”, o conhecido e sempre disponível auxiliar (Já que você está aí, dá para você...?). Ou como um incômodo na vida da esposa e dos filhos (Mãe, agora esse homem vai ficar por aqui, pegando no pé da gente?!). Se mulher, com certeza o resto da família vai “cair de pau” em cima: Agora é a tua vez de ficar aí cuidando...! Você nunca ajudou com nada, a não ser com dinheiro! Após desligar-se da empresa, quando mudam as responsabilidades, quando são outros os desafios, é que a pessoa mais velha vai ver se está madura ou não para dar conta de tanta novidade! Seu positivismo, será autêntico? Conseguirá inovar e inovar-se? Estará disposta a aprender, a crescer e se aperfeiçoar ou vai acre- 49 - ditar que só sabe fazer aquilo que sempre fez e que já passou da idade, não vai mais mudar?! Esta é a hora de encarar os mais complexos e difíceis desafios. Somente a Escola da Vida é que terá ensinado e, não, um diploma de Master ou PhD em qualquer área. Ter saúde e disposição para recuperá-la e mantê-la, saber se relacionar com afeto e real interesse pelas pessoas e pelo vasto mundo ao redor, assumir a plena responsabilidade pelo seu futuro de mais uns vinte a trinta anos pela frente, abrir a cabeça e adquirir mais conhecimentos em muitas outras áreas, além da profissional, é tudo isso e muito mais que nos espera. As pessoas com baixo Q.A. - Quociente de Adaptabilidade a situações adversas, são as que desistem. Quantas você conhece que ficaram velhas antes da hora, pararam no tempo, como se diz? Deixam-se abater, ficam deprimidas e não procuram auxílio. Nem reconhecem que estão deprimidas. Seu nervosismo, sua irritabilidade, impaciência e desatenção passam a ser os traços marcantes de sua personalidade. Pessoas de baixo Q.A. não exploram todo o seu potencial. Acomodam-se no já conhecido de si mesmas. Sentem-se desamparadas, mas podem disfarçar seu desamparo ao ficar se metendo onde não são chamadas e querendo cuidar da vida dos outros. Adoecem mais facilmente e ficam confusas e perturbadas, perdidas nos problemas. Sentem-se humilhadas por precisar recomeçar, arquivam suas boas idéias e acampam no meio da viagem, sem explorar todo o espaço e o tempo que têm pela frente. Se isso é aposentar-se, então, que se aposente a aposentadoria! A alternativa é empreender uma nova jornada, onde o autoconhecimento, os principais valores de caráter e a atitude básica de solidariedade e cooperação é que vão ditar as regras do novo viver com dignidade, nessa fase em que já não se é mais jovem, mas a velhice ainda está bem longe de chegar! Aliás, para quem quer saber, essa questão de velhice não passa de uma tremenda invenção. Mas essa é uma outra história para se contar. Por enquanto, falemos de flexibilidade emocional e intelectual e, de firmeza de caráter, enquanto matéria prima da nossa capacidade de nos adaptar. Hora de “pendurar as chuteiras” Ainda que seja um direito conquistado, a aposentadoria é, por característica, desumana. Sonega aos indivíduos grande parcela - 50 - de seu valor social, apaga sua história e torna a todos engrenagens substituíveis no mundo da produção. Excluídos, banidos, despersonalizados, correm alto risco de adoecer e enlouquecer. Os homens, mais do que as mulheres, sentem muito rancor e mágoa. O fato de ser “encostado”, “congelado”, sub-aproveitado anos antes, sofrem discriminação na empresa e ser alvo de chacota nos últimos anos, abre uma profunda ferida em seu coração. O sentimento dominante nessa etapa é o vazio, silencioso e amargo, pela perda dos vínculos do trabalho. O que se lhes acena é o lazer, em substituição ao trabalho. Raríssimos são os aposentados que conseguem reverter valores e adotar o lazer como norma de vida, viver o presente, investir em si mesmo, exaltar o prazer de estar vivo, ter saúde e amigos, sem que tudo isso gire em torno do trabalho. Mesmo as pessoas que têm renda, ao se aposentar descobrem que não sabem mais, simplesmente, ser. Sabem estar, sabem fazer. Parar, saborear o tempo livre, tornou-se algo angustiante e desorientador. Ao aposentado-desocupado destinam-se socialmente dois grandes “papéis de velhos”: ser avô e ser doente. Se, na qualidade de avós, os velhos também têm autoridade não reconhecida, porque os filhos adultos não aceitam mais suas idéias e procedimentos “ultrapassados” e, se na qualidade de doentes, entram numa espécie de moratória de responsabilidades, é fácil entender o aumento de rabugice, intolerância, lentificação motora, desinteresse geral, fraqueza física e mental, falta de concentração e de memória, características que reforçam esses papéis. A dolorosa perda de status A aposentadoria altera o equilíbrio do homem, abalando aspectos importantes de sua vida. A perda do status manifesta-se em várias frentes: Status social: Enquanto alguns deixam um emprego e, simplesmente param de trabalhar, outros são profissionais de carreira, altamente identificados com a empresa, a ponto de ter com ela uma ligação afetiva profunda. Há os que têm relacionamentos de amizade dentro da empresa, ao passo que outros fazem questão de diferenciar o trabalho da vida particular e famíliar. É diferente a condição daquele que ocupa um cargo de grande reconhecimento social com relação àquele que pode ser “facilmente” substituído. Além disso, estar engajado no trabalho tem certas vantagens, como viagens, diárias remuneradas, almoços, deferências, prêmios, mas - 51 - também tem desvantagens, como horários, responsabilidades, preocupações, compromissos desagradáveis inevitáveis, competição. Status econômico: É a área em que costumam ocorrer as grandes perdas para a maioria dos trabalhadores. A tendência é uma queda no padrão de vida do aposentado e uma baixa qualidade de viver no cotidiano, justamente quando não têm mais direito a certos benefícios, como seguro-saúde e apoio sindical. Poucos são aqueles que conseguem incrementar a renda através de novas fontes e, mesmo esses têm que passar por um processo, de readap-tação quanto à possibilidade de usufruir de seus ganhos. Status famíliar: A “volta ao lar” depende, principalmente, da qualidade do relacionamento com o cônjuge e, em segundo lugar, com os filhos. Mesmo porque, a essa altura, muitos já saíram de casa. A família pode proporcionar uma boa e saudável acolhida ao recém-aposentado ou rejeitá-lo. Existe o mito de que “homem em casa atrapalha”. Além disso, ocorre com freqüência um descompasso entre as expectativas dele e as da esposa: ela pode estar ávida por fortalecer a sua ascendência sobre o marido, já que durante anos ele “esteve casado” com a empresa, relegando-a e aos filhos a um segundo plano. Ele pode estar ávido por usufruir a nova liberdade, já que por tanto tempo esteve submisso ao sistema de trabalho. Ela pode desejar a ajuda dele. Esse paralelismo entre o casal pode levar a mulher a perceber o marido como um intruso e o marido a considerá-la dominadora e intransigente. Agora, ambos irão dispor de mais tempo para conviver e, portanto, para notar falhas mútuas. Re-arranjos terão que ser feitos para que os dois possam aproveitar esse tempo para se reencontrar e se redescobrir como pessoas. - 52 - Caítulo 3 Em foco, a vida conjugaL É bastante claro que as mudanças havidas na vida profissional trarão repercussões na vida conjugal. Esforços, de ambos os lados, deverão ser empreendidos para conquistar uma nova harmonia, sem o quê a vida, como um todo, poderá tornar-se “infernal”. Muitas vezes um dos dois se queixa sem, contudo, deixar claro para o outro a que se refere e de que modo deseja ser mais apoiado. Reclamações e acusações do tipo: “Ah, esse aí não me ajuda em nada!” podem fazer sentido para ela. Ele vai se sentir perplexo e injustiçado: “Como, não?! Pois não sou eu que faço o supermercado para você não se cansar?” Pode ser que venha de volta: “Mas supermercado não vale nada. É só uma vez por mês. Estou falando de todos os dias. Nem lavar o seu copo você lava! E a cama, então, nem pensar que você, sequer, arrume o lençol!” Pior de tudo é que, em vez de sentarem-se para conversar, a “sessão de reclamação” acontece, em geral, na frente dos filhos e amigos do casal, gerando constrangimento para todos. As solicitações, longe de serem feitas com cuidado e atenção, surgem feito saraivadas: “Pegue a sua roupa e leve para o tanque!” ou “ Largue essa porcaria de louça e vem ficar aqui na sala, vem ver tevê aqui comigo!” Toda a rotina do casal, em vez de ser reconversada, acaba sendo torpedeada, sem chance de conciliação. O que é uma pequena gota de desatenção vira um dilúvio de amolações. Para auxiliar, porém, a compreensão das dinâmicas de um casamento podemos focalizar seis dimensões de responsabilidades compartilhadas. Se o casal negociar sobre a participação de cada qual, as chances de entender-se bem melhor e gerar uma rotina bem mais interessante para ambos, aumenta, sensivelmente. Áreas de um relacionamento conjugal 1. Executiva: aqui se define quem faz o quê, quem cuida do quê, limpa, leva e traz, quanto ganha, etc ( tudo que for funcional para o relacionamento, para manter e cuidar da casa e do bem - 53 - estar do casal e da família) 2. Companheirismo: é aquilo que se faz junto (supermercado, visitas, viagens, aulas de dança etc), por obrigação, por opção de fazer junto ou porque não se tem muita alternativa, por exemplo, quando o casal só tem um carro e precisa sair junto para o trabalho. 3. Camaradagem: companheirismo ou lazer é aquilo que se desfruta, junto ou em separado (leitura, caminhada, passatempo, brincadeira, aquilo que relaxa e descansa). 4. Maternagem e paternagem: são os sonhos, qualidades, habilidades no trato com os filhos, o desejo de tê-los e a capacidade de cuidar bem deles, prover suas necessidades, aquilo que desperta admiração e confiança em ter o outro como pai ou mãe dos próprios filhos. Nesta fase, os filhos podem vir a ser substituídos pelos netos e muitos homens que não viram os filhos crescer, podem se tornar excelentes avós. 5. Sexualidade: é a quantidade e a qualidade de prazer, satisfação e segurança que se desfruta no sexo, a confiança que se tem no parceiro, a criatividade etc 6. Intimidade: é a condição de se sentir aceito, querido e valorizado no relacionamento, poder ser si próprio, sem ter que ficar se explicando, justificando; é aquilo que permite que a pessoa sinta-se abrigada e protegida naquela relação. Se pelo menos duas destas áreas são insatisfatórias, pode-se dizer que o casamento vai mal, mais de quatro áreas comprometidas significa alto risco de separação depois da aposentadoria, pois a convivência tende a ir de mal a pior. Para isso, existem os serviços de aconselhamento conjugal, antes de se recorrer à separação e divórcio. O casal de mais idade A meia-idade é uma época de busca e de procura muito semelhante à crise da adolescência. Chamâmo-la “maturescência”. Conflitos com filhos adolescentes e adultos jovens podem se tornar especialmente agudos, na medida em que o aposentando não se reconheça em sua própria crise e passe a exigir dos jovens que eles resolvam de pronto seus problemas. Acresça-se a isso a vivência do climatério da esposa. Ambos em crise, ele por aposentadoria, ela por menopausa, tornam-se um casal em risco. Parte da auto-imagem e da auto-estima que o trabalhador tem é dada pela empresa e seus colegas. Ao se desvincular, ele - 54 - fica mais sujeito e vulnerável à apreciação que seus familiares têm dele, o que não é uma passagem fácil e pode acentuar a dependência entre o casal. Corre-se o risco de confundir dependência com companheirismo. Novos atritos conjugais podem emergir , se ambos não foram honestos, respeitosos e cuidadosos um para com o outro, firmando novas bases no relacionamento. Re-arranjos deverão ser feitos e explicitados, conforme o homem penetra no lar, área que por tantos anos esteve sob domínio da esposa. Até então, as diferenças entre as áreas de competência estavam acomodadas, e geralmente desta maneira: Esse paralelismo entre o casal pode resultar que a mulher perceba o marido como um intruso e o marido perceba a esposa como dominadora ou intransigente. Agora, ambos irão ter mais tempo para conviver e, portanto, para notar as falhas mútuas, mas também, (ufa!) poderão usufruir desse tempo para se reencontrar e se redescobrir como pessoas lutadoras, amadurecidas, interes Volta ao lar Um dos maiores anseios da aposentadoria é “conviver mais com a família”. Para obter êxito em mais este empreendimento, a pessoa precisa saber de algumas coisas. Estar “acessível” é diferente de estar “disponível”. Estar acessível significa dar chances de ser encontrado e, de algum modo procurar ouvir o que os familiares precisam: alguma ajuda, algum incentivo, algum elogio. Isso não precisa acontecer exatamente na hora em que se é buscado, mas eles têm que saber que seus chamados serão atendidos. É preciso demonstrar interesse, mesmo que não se possa estar presente. Isto gera um sentimento de proteção e a contrapartida de utilidade. Estar disponível significa estar presente, se não física, emocionalmente. De preferência, no exato momento em que se é procurado. Isto dá aos familiares um sentimento de conforto e segurança, - 55 - de ter com quem contar se necessário. Pais e cônjuges que trabalham fora, podem ter estado até agora, mais acessível que disponível. Ao se aposentar, se permanecer mais tempo em casa, com a expectativa de que todos, ou quase todos eles, estejam juntos, o recém-aposentado estará mais disponível que acessível. A famosa situação: você-está-lá-e-ninguém-te-dábola! Cuidado. Isto pode induzir uma sensação de não ser mais querido, útil ou necessário. A pessoa pode vir a se sentir muito carente e passar a exigir demais deles, em presença e afeto. É preciso verificar se realmente eles estão evitando a pessoa, falando ou fazendo grosserias, ignorando suas necessidades, ou se estão, simplesmente, ocupados com suas próprias coisas, desabituados à nova presença na casa. É preciso reconquistar o terreno, ter paciência, perseverança e não confundir a falta de hábito Todos precisam de um tempo para se adaptar à nova situação. Reclamar menos, observar mais e ofereçer presença e afeto, desinteressadamente. Sair com a família é também sair com cada um em separado. Uma das maiores alegrias é estar com a família toda reunida. Em torno de uma mesa, muita risada, comida gostosa. Ou abrindo presentes ao pé da árvore de Natal. Na praia, jogando bola e “fazendo farofa”. Cantando “parabéns a você”. São tantas as ocasiões em que cabe todo mundo! Inclusive ocasiões tristes, como o funeral de alguém querido, na ante-sala de um centro cirúrgico. Nessas horas, parece que a presença de cada um engrandece a força do grupo e aumenta a sensação de conforto. Mas...há outras ocasiões em que “todo mundo junto” não é uma boa solução. Talvez seja até a pior. Por exemplo: dar bronca em todos filhos ao mesmo tempo, quando só um deles é que fez a bagunça. Outra situação, não muito recomendável, é quando se vai tratar de algo íntimo de algum deles, ou mesmo dos pais, algo que os menores ainda não estão preparados para entender, nem os maiores estão preparados para compreender. Também há coisas que dizem respeito somente aos pais e a um dos filhos, não a todos. Há situações alegres, onde não cabem todos. Ao escolher - 56 - o traje de 15 anos da menina. Ou o terno de casamento do mais velho, a visita aos tios da mãe...à irmã (chata) do pai... Isso quer dizer que, conviver mais com a família compreende: a presença física e a sensibilidade atenta, para captar quando é hora de se aproximar e quando é hora de se afastar. E compreende também a auto-observação. Para não confundir a contribuição com o “se meter onde não foi chamado”. Tipos de convivência em família Há dois tipos de convivência: a primária, quando fazemos coisas juntos, estamos presentes, acrescentamos valor e conhecimento aos momentos vividos em comum. E a convivência secundária, quando, mesmo à distância, nos fazemos presentes, através de ajudar a cuidar de algo, dar uma palavra de estímulo, por e-mail ou telefone e, quando não permitimos que alguém agrida, ameace ou desqualifique um dos nossos. Há momentos excelentes para que todos compartilhem da mesma experiência. Não menos excelente é estar, também, um tempo com cada um em separado, curtindo a sua individualidade. Passeios muito prazerosos para todos. Satisfazer a todos não quer dizer satisfazer a todos na mesma medida. Um pode ficar “super feliz” e outro, relativamente indiferente, ou impaciente. Quando os filhos, já são crescidos, casados, têm seus próprios filhos, há - no mínimo - dois problemas : um é econômico, outro é operacional. Filhos estão sempre esperando que o pai “banque” tudo. Se o pai pagar, ‘ah, então tudo bem, vamos ao restaurante que ele indicou’. Mas quando os filhos também “põem a mão no bolso”, essa é a hora das discussões. Um quer isso, outro quer aquilo, um fica emburrado, outro vai embora. Perde-se muito tempo até conciliar os gostos e preferências. Se é que não se desiste do programa! Quando se tem filhos pequenos, até a adolescência, os pais se decidem. Na adolescência, quando começam a aparecer as individualidades e as vontades, conciliar os programas torna-se uma arte. E quando eles constituem seus próprios lares, quando chegam “os agregados”, respeitá-los, em seus temperamentos, é tarefa de gigante! Pior ainda se filhos e cunhados não se entendem e nem se suportam. Propor um passeio em comum é arriscar-se a ouvir solenes - 57 - desaforos. Muitas vezes pais mais velhos têm que se desdobrar, porque não conseguem colocar todos os filhos à mesma mesa. Isso não quer dizer que os pais “erraram” na educação, que a desavença familiar é o atestado de seu fracasso como pais. Mas que as desavenças familiares, a quantidade de inveja, ciúmes, intrigas, competição é alta demais, levando à desagregação e enfraquecimento dos vínculos e confiança mútua. Há problemas sérios de família, que podem precisar da ajuda de alguém de fora, ou mesmo, do auxílio de um profissional. Se o desentendimento é só entre o casal, um quer sair, o outro só quer ficar em casa, os filhos não têm que participar do (des)en-tendimento. Um conselho aqui, outro lá, sim, mas sem julgar nem tomar partido. Filhos não podem, nem devem, intervir como se fossem os donos da verdade ou juízes de um tribunal. Os filhos se afastam, quando os pais se dão mal. Ninguém gosta de estar perto de gente que não se entende, mesmo sendo os próprios pais. Concessões são necessárias, de parte à parte. Não estamos mais no tempo em que só uma parte cedia, enquanto a outra impunha a sua vontade. Agora, a palavra de ordem é respeito às individualidades e negociação de vontades. Sair com a família é estar com eles. Mais importante do que o programa planejado é estar junto. Há momentos em que se idealiza algo. Uma viagem, por exemplo. Uma viagem onde todos vão sair, fazer o que gostam, se divertir. Só que no dia marcado... o carro quebra! Ou vira o tempo, ou alguém adoece, envolve-se em outro compromisso e a pessoa sente-se sózinha, sobrando, quase idesejável, mal retribuída pelos seus “filhos ingratos”. Tem que procurar alternativas para as suas carências. Trabalho, para mergulhar nele e esquecer das dores? Não tem trabalho. Ocupação, com que se distrair? Nem sabe direito o que quer fazer... Alguém com quem conversar? Às vezes é difícil até com a própria esposa. Amigos? É mais difícil ainda ter que se abrir... De repente o homem se descobre sem muita habilidade para se relacionar. Sabe muito bem o que é se responsabilizar pela família, sustentar, comandar, zelar. O que ainda não sabe é compartilhar. Estar junto, simplesmente. Ouvir. Trocar idéias, ouvindo mais o que eles têm a dizer, do que aquilo que se desejaria escutar. - 58 - Está mais velho, mais experiente. Todos esperam que seja mais compreensivo e paciente. Que saiba decidir junto. Que saiba delegar. Há quem pense que delegar é perder controle e poder. Não. Delegar é fazer com que o outro desenvolva aptidões e o gosto de corresponder. Responsabilidades não se delegam. Tarefas, sim. Mas, aquilo que é resolvido em conjunto, é mais forte e poderoso que a própria lei. Isso é estar e sair com eles. Resgatando o valor pessoal É comum haver confusão entre valor pessoal e importância social. A importância social nos é conferida; logo, pode-nos ser tirada. Ao se aposentar, o homem perde em importância para a empresa, assim como a mãe deve aprender a “passar para o segundo plano na vida dos filhos crescidos”. Isto é perda de importância. Ora se tem, ora não. Mas o valor pessoal, ninguém dá, ninguém tira, Ao nascer, todos recebemos cotas iguais de valor pessoal a zelar. Trata-se do próprio valor da vida que se expressa no ser. Não se perde aquilo que se é. Sustentamos esses valores quando somos movidos por princípios supramorais, que vão além do desejo de recompensa e de punição, independentemente, portanto, de expectativas ou humores, sem nenhuma outra razão que não seja o poder de reconhecer, igualmente, o valor de cada indivíduo, sob qualquer condição. Se a nossa importância pode estar colocada no espaço das nossas relações com os homens, o nosso valor se insere no espaço daquilo que é sagrado. É por faltar tal conhecimento que muitas pessoas sofrem e se autodepreciam. A aposentadoria pouco ou nada tem a ver com a qualificação moral do indivíduo. O valor pessoal é a condição humana que recria a vida em qualquer espaço e sobrevive aos tempos. É o nosso legado. O medo da doença e da velhice Com o avançar da idade, há um declínio indiscutível da agilidade, da força física e, mesmo sexual, bem como modificações inevitáveis do esquema corporal. O “fantasma” das doenças crônicas acentua o medo do envelhecimento que, socialmente já tem sido tão negativamente reforçado. Exames preventivos não fazem parte do cotidiano do homem. Praticamente, ele só se dirige ao médico para um check-up quando sofre uma forte crise. Aí, vai carregado. Brinca com fogo, negligencia cuidados preventivos em relação ao - 59 - câncer da próstata, na sua crença de auto-invulnerabilidade. A saúde geral não o ocupa, só o preocupa. Por isso, não faz direito o que precisa: adotar medidas concretas de autocuidados. Ainda que mínimas, as mudanças físicas já não podem mais ser negadas e, às vezes, acentuam defesas neuróticas empregadas para manter um equilíbrio anterior, mesmo que precário. É possível que algumas dessas defesas, até então eficazes, percam a sua funcionalidade, desencadeando um desequilíbrio biopsíquico e algum tipo de surto neuróticos ou mesmo psicótico, na tentativa de preservação do seu “eu”: homens começam a tingir os cabelos e a ocultar a pelagem branca do peito, brigam com suas carecas e barrigas e afogam suas ansiedades em abusos gastronômicos, tabagismo e alcoolismo. Outra possibilidade é vir a se descuidar de si, envelhecendo precocemente ou não se tratando quando necessário, na crença de que jamais se envelhece aos olhos da companheira (paradoxalmente, ciúmes e inseguranças às vezes se manifestam com intensidade, desdizendo a própria crença). Esse desequilíbrio biopsíquico pode também atingir o trabalhador compulsivo e obsessivo, que espera ganhar, pelo seu rigor e consciência profissional, a estima do seu grupo, mesmo sem se atualizar e adotando uma postura rígida frente a inevitáveis mudanças ambientais e sociais. Sentir-se-á insultado se preterido por um rival mais jovem, apegando-se ao fato de este ser, tão somente, mais jovem, sem poder considerá-lo, talvez, mais capaz ou mais afortunado. É, enfim, o caso do homem cônscio de sua independência, que se propôs, como uma questão de honra, a jamais pedir ajuda aos outros e, com isso, tende a se afundar mais rapidamente, em silêncio, imerso em dolorosos sentimentos de solidão e incom-preensão. A doença crônica é um meio de solucionar e manter os conflitos: como doente, vê-se “obrigado” a aceitar cuidados, pois seu estado impediria o exercício pleno da autonomia. Coragem Física Pular uma poça d’água, subir os degraus da Pirâmide do Sol em Tulun, andar de bicicleta pelo bairro ou fazer uma excursão ecológica, tudo isso requer o que se chama de “coragem física”, ou seja, o uso do corpo num projeto de conquista do espaço, superando barreiras pessoais e convencionais de acomodação. Muito das fraquezas musculares, tremores, dores e limitações a - 60 - que se referem as pessoas de idade, estão relacionadas à falta de exercício desta coragem: uma ação física motivada por uma forte vontade que emana do coração e, por isso mesmo, uma ação física de caráter elevado, que enobrece e revitaliza. No “fica quieto, menino!”, no “essa criança me deixa louca, não tem parada!”, nas repreensões em família, sala de aula e, posteriormente, na quietude física exigida por inúmeras profissões, vamos apreendendo que “é melhor ficar parado”. Somente mais tarde, pagando o preço alto das dores e atrofias é que vamos reaprender a ativar o corpo e a curiosidade, sem o que encaramos a osteoporose, artrites, reumatismos, bursites, falta de tonicidade muscular e outras manifestações, como “coisas da idade”, “coisas de velho” ou “o preço que o tempo nos cobra”. A maioria não reaprende porque não acredita, porque se larga, porque fica à espera de um passe de mágica que lhes devolva, ao mínimo, a primeira das coragens físicas: a de andar! Com que freqüência ouvimos “não tenho nem coragem de sair às ruas...”? Há buracos, há barulho, há movimento, encontrões. As pessoas se conformam em sua confinação às poltronas-defronte-à-TV, e às suas camas, locais em que seus pés e pernas, suas mãos e braços, nuca e cabeça, e a própria mente, tornam-se cada vez mais “simbólicos” e menos experienciais. O corpo emudece e vai perdendo massa, vai perdendo peso. Vai perdendo força e vai perdendo vontade. Vai perdendo sensibilidade, vai ficando pequenino, tolhido, para caber inteirinho na poltrona, lugar preferencial da falta de coragem... A vontade não se faz presente. Só o nostálgico desejo de voltar a ter vontade, ser forte e valente. A inveja pode ir tomando conta também, a raiva dos que prosseguem, parecendo ir depressa demais. Pessoas nesta condição desenvolvem muita insegurança física, que se acentua em situações emocionalmente tensas. Ficam tão inseguras que acabam se batendo, tropeçando ou caindo, pisando em falso e escorregando na rua e, mesmo, dentro de casa. Os músculos estão flácidos, o equilíbrio vai ficando precário e a tensão no corpo é exagerada, principalmente nas cinturas pélvica e escapular: passinhos pequenos, pés encolhidos, joelhos duros e pescoço curto, ombros erguidos, cabeça projetada para frente. É como se houvesse um “gancho” interno, que elas se encarregam de vestir com suas carnes flácidas, gancho pronto para se dependurar nos outros que as acompanham. Pessoas demais têm esse problema! E para complicar ainda mais, ao invés de colocar um corrimão em seus corredores e es- 61 - cadas, introduzir reformas adequadas ou usar um aparelho onde se apoiar ao caminhar, fazem-no a duras penas para suas próprias costas e de seus acompanhantes, que é para não “enfeiar a decoração da casa”, remover tapetes e pisos escorregadios ou gastar “demais”. Como se médico, remédio e fisioterapia fosse barato. Os resultados são difíceis de quantificar, mas é sabido que duas semanas de cama ou somente um pé engessado já faz com que qualquer pessoa perca massa e tônus muscular e tenha que repensar o seu simples caminhar. E os que passam anos a fio assim?! É claro que existem traumatismos e doenças orgânicas que prejudicam a atividade física, genericamente ou de forma localizada. Porém, a maior parte delas, ainda que limitante, não é incapacitante. O que se observa é um pobre repertório de possibilidades de uso do próprio corpo e mesmo de aparelhos que facilitariam a vida de todos, preservando a independência e a autonomia da pessoa lesionada. Ou seja, se a pessoa não pode se abaixar, ao invés de usar uma extensão para poder pegar suas próprias roupas do chão, ela só se troca quando tem gente por perto para ajudar. Tais pessoas tanto podem chegar nessa situação porque têm alterações físicas, que vão provocando dores e paralisia progressiva, como podem vir a ter distúrbios orgânicos, exatamente porque não se movimentam bem e bastante desde pequenas. Aqui se localizam desde problemas digestivos, de sono e até articulares. E o medo de viver pode se tornar até maior do que o medo de morrer! De qualquer modo, muitos de nós nos habituamos ao sedentarismo, “pai” de muitos males da modernidade. O colesterol “bom”, por exemplo, só se mantém em índices adequados, protegendo a pessoa de problemas circulatórios e cardíacos, quando se executam exercícios físicos vigorosos. Ou seja, o coração precisa bater forte e mais acelerado, bem ritmado, para a mente “mandar” produzir o colesterol “bom”. Também a percussão dos calcanhares no chão, durante o caminhar, com a vibração que se irradia de baixo até a cabeça e por toda a ossatura, ajuda a fixar o cálcio, reduzindo a marcha de progressão da osteosporose. Caminhar com a maior parte possível do corpo desnuda, recebendo os raios de sol (sem exagerar, é claro), os pingos da chuva, ou a passagem da brisa pelo corpo, transmitem à pessoa uma gostosa sensação de liberdade, vigor e leveza. Pés descalços, firmemente plantados no chão, sustentando o próprio peso, olhar direto conquistando horizontes, suor escorren- 62 - do pelos seus sulcos preferenciais, talvez um pouco salgado ao paladar, corpo quente, são evidências de saúde e desembaraço. É importante re-aprender a se locomover olhando ao longe, pois ao contrário do que se pensa, olhar para os próprios pés complica e aumenta a insegurança. O ditado é “olhe por onde anda” e não para onde pisa! Posturas erradas podem causar insegurança e insegurança pode causar erros de julgamento e má postura física. Este círculo vicioso se completa quando a pessoa começa a deplorar a sua própria imagem no espelho! Porque-está-gorda, porque-está-magra, porque-está-flácida, porque-está-tudo-caído, porque-tem-ruga, porque-tem-mancha, porque-é-baixo, porque-é-grande (ufa!), é alimentar a auto-profecia em que “nada do que for feito vai adiantar”, já que o “defeito básico” não será sanado! E quem sabe, ficando quieto, o corpo se esquece de ser feio... A família pode, também, complementar esses enganos e mandar mensagens no sentido de que a pessoa “está velha mesmo e que não tem conserto”, sendo o seu corpo duro e rígido um atestado de seu caráter mal-formado! A família pode viver criticando um certo mal jeito (por exemplo, espalhar ciscos ao se alimentar, derrubar coisas ao passar, respingar molhos no peito...) em uma fase em que a própria pessoa está insegura consigo mesma, como ao adentrar a menopausa, ao se aposentar, num pós-operatório, numa viuvez recente, com medo de envelhecer. “Essas coisas” que ela sempre fez ou passou a fazer agora, começam a ser vistas como doentias e como atestados de seu “envelhecimento decrépito”! Como se todos os jovens fossem elegantes e graciosos, além de ágeis. Os fisiatras e outros profissionais relacionados recebem o paciente muito depois que o mau hábito está instalado. Limitações do corpo podem ser frutos de anos de imobilismo e não, somente, causa de uma velhice a ser mal aproveitada. O que acontece é que, subitamente as pessoas acordam para o valor de seu corpo e com medo horrível de uma velhice entravada, podem acabar descobrindo que, por falta de coragem física, sempre viveram no mundo das trevas: insegurança, inferioridade, timidez. Antes a dureza. Agora querem a luz, a fluidez da vida, um corpo forte e vigoroso, que anda, sente e fala. Um corpo que não fique só gemendo e estalando. É duro encarar o abandono a que relegamos nosso próprio corpo. A verdade não é dura. É dura, somente, para quem não quer enxergar. - 63 - Outras terapias Relaxamento, alongamento, danças, caminhadas, banhos de contraste, luz e vibração, acupuntura, tração, anti-inflamatórios, natação, florais, tudo isso visa o quê? Liberdade. Se a falta é de coragem física não adianta só falar. Tem que fazer. A visualização de si, numa postura positiva, ajuda a começar mas não basta imaginar. Precisa se mexer. E bem orientado. Não é “qualquer movimento”, mas a descoberta da harmonia e da inteligência física, uma nova consciência: a consciência do corpo, que é construída pelo movimento e pelos contrastes, suas oposições. Em grupos, aos pares e, se não houver jeito, sozinho, o importante é começar, inaugurar o dia com um bom espreguiçamento. Bocejar. Em voz alta. Não importa se a pessoa começa a soltar gases, ao se agachar. Tanto melhor! Os intestinos estarão sendo massageados! E com alimentação correta, as coisas tendem a melhorar. A busca é a do movimento espontâneo, de liberação. Observe um bebê em seu acordar. Faça como ele. Vale fazer caretas, espernear, se espremer. O que será que o seu corpo pede? Para ser alisado? Beliscado? Porém, por favor, não o espanque, nem o coloque de castigo só porque, de início, ele não fez o que você desejou. Faça movimentos na frente de um espelho, também. Brinque com a sua imagem. Olhe no fundo dos seus olhos e esqueça gorduras e pelancas. Veja o que você tem de bonito, particular e único ou engraçado. Conheça-se, sem pré-julgar. Você estará se re-conhecendo. Não se condene, sejam lá quantas oportunidades você precisar. O julgamento “mata” a liberdade. O valor do movimento não se reduz aos efeitos de aumentar a resistência, a força muscular ou, sequer, a saúde física! Ele age diretamente nas experiências emocionais de vida e morte: criança “viva” não tem parada! Velho “vivo”? Não para, também. Pode ir com mais vagar, porém, sempre vai. O sangue corre nas veias, o ar infla os pulmões, a vida prossegue nas mudanças. O que não se move não muda, não vive sua totalidade. Profissões Há profissões em que a coragem física é condição. É tão natural, que nem causam admiração. São profissões ligadas à natureza, às artes (cênicas, inclusive), aos esportes, à saúde. Muitas vezes requerem o uso da força, não como brutalidade que destrói, mas como energia de criação. Há que discernir, inclusive, entre o uso do - 64 - corpo com coragem e desembaraço e o abuso dos poderes físicos ou o seu culto ególatra. Há, também, aquelas pessoas que, não por profissão mas, por hobbie, acabam descobrindo no seu corpo “velho”, novas e ricas fontes de satisfação. São pessoas que começam a nadar depois dos setenta ou competem em maratonas de resistência. Retomam a dança como hábito ou descobrem a ioga e a respiração. Despertar a coragem física não requer nenhum ato heróico mas, antes, o prazer de realizar livre e independentemente, pequenas coisas que trazem significado ao cotidiano. Problemas Comuns Chegadas à meia-idade, a maioria das pessoas tem queixas em relação ao seu corpo e muitas são poliqueixosas. Brincando se diz que: nessa idade tudo dói e o que não dói, não funciona! Os movimentos ficam “travados”: os segmentos do corpo como que brecam a meio caminho, a cabeça não gira bem para os lados, os braços não esticam ou não levantam de todo, as pernas têm os tendões encurtados, a pessoa não consegue tocar o chão com a ponta dos dedos, mantendo as pernas esticadas, por exemplo. Podem queixar-se de: Dores e sensações esquisitas. Pontadas, queimações, agulhadas, formigamentos, cãibras, sensações de “borbulha-mento”, palpitações, calafrios, arrepios, coceiras, apertões, mais profundos ou mais superficiais são expressões do nosso corpo a serem compreendidas e, não, sintomas a serem suprimidos e anestesiados. Anestesia significa falta de estética, falta de sensação e percepção de beleza , ou seja, “não-corpo”, porque todo corpo é belo, na medida em que representa a vida materializada em forma de gente. Tremores e falta de força. Nas mãos, nos braços, pés e pernas. Cabeça decaída, pálpebras mal abertas, boca mole, fala arrastada. Às vezes por falta de tônus, às vezes por excesso de tensão, agravam-se sob situações altamente emocionais, provocadas por excesso de exigências da própria pessoa e/ou do seu ambiente físico-social. Quem é tratado como “bobo” ou como “doente”, acaba agindo como se assim fosse. Desse modo, não se deve transgredir, mas, persistir. Fazer do mesmo jeito não adianta, não insista. Persista, faça diferente. Mal-estares e vertigens:. Por antecipação, na hora ou depois, a - 65 - pessoa “sai de cena”, acaba dando trabalho. Sua perturbação emocional, ao invés de tomar a forma de uma ação frutífera, organizada, de recomposição, é exercida como um desequilíbrio generalizado do corpo. É uma reação que implica numa certa paralisação de si, muito provavelmente evocativa de uma sensação de impotência interior frente ao impacto emocional. Automatismos. A pessoa faz sempre as coisas da mesma maneira. Por exemplo: não presta atenção por onde caminha, se corta, se queima, se bate. É como se o mundo a estorvasse. Presta muito mais atenção ao que se passa consigo própria, do que ao seu redor. Não se lembra direito se tomou o remédio, se adoçou o café, se trancou a porta, se fechou a torneira do bico de gás e por aí afora. Tem que fazer as mesmas coisas várias vezes. A seqüência dos gestos é estereotipada e sente-se desconfortável com mudanças no seu ambiente físico e horários. O significado de tudo isso Estas pessoas podem se mover e fazer uso do seu corpo normalmente, desde que não pressionadas ou observadas. Suas dificuldades naturais dependem mais das suas relações com as outras pessoas e falta de desenvoltura frente a novos ambientes, que de doenças físicas, metabólicas ou neuronais. Realizam como que uma profecia de paralisação, muito relacionada ao medo de viver intensamente. Imaginam que vão encontrar dificuldades e desistem ainda antes de tentar. Sentem tanta ansiedade e esforçam-se de tal maneira para evitar erros, que não conseguem acertar. É normal haver uma certa lentificação dos gestos, no decorrer da idade. Menos força e mais resistência. Porém, adultos muito reprimidos emocionalmente podem acentuar suas dificuldades físicas, bem como adaptações e escolhas necessárias em função da idade. Há um abandono prematuro e um grande descaso em relação à saúde físico-mental. Falta de amor próprio e de respeito, acabam se traduzindo por inconsciência das reais necessidades, e o corpo pode ficar intoxicado por drogas, tensões ou insatisfações gerais. Para tratar disso tudo, primeiramente temos que esclarecer preconceitos em relação à idade, os mitos que acompanham o envelhecimento e romper o ciclo vicioso da falta de estimulação – insegurança. O profissional se concentra nas linguagens do corpo e ensina a pessoa a, também, ouví-las e procurar entendê-las, além de expressá-las. - 66 - Se necessário, em apoio ao trabalho de corpo, sugere-se um grupo de convivência ou de discussão, uma psicoterapia. Terapias de base corporal ou artísticas, têm muito sucesso. Técnicas de relaxamento e meditação facilitam o alcance do sucesso e de maior grau de liberdade e saúde a serem usufruídas. Por onde começa o tratamento? O que os profissionais fazem? Eles ouvem e observam. Se preciso, tocam o corpo da pessoa. O toque reconstrói o seu contorno, a discriminação entre o eu e o nãoeu corpóreo, necessária para ocupar o espaço. Eles mostram as tensões e como dissolvê-las, através de novas posturas. Ensinam a relaxar e incentivam a tentar novos gestos e movimentos. Em geral, conversam delicada e seguramente sobre problemas e possíveis soluções. Incentivam a pessoa a criar alternativas e usar o corpo como instrumento de pesquisa, que enriquece a consciência com informações relevantes e necessárias para o desenvolvimento pessoal mais pleno. Ensinam, também, a respirar de diferentes maneiras, fazendo com que a pessoa localize seu baricentro, seu próprio eixo e perceba quando está em equilíbrio ou desequilíbrio. Os bons profissionais brincam de acertar, incentivam a espontaneidade e a curiosidade, com vistas ao prazer de se superar, ajudam a vencer o temor do ridículo e da humilhação. Os profissionais não, somente, tratam. Eles têm que nos tratar bem. Seja qual for a especialidade, médicos, terapeutas, massagistas, personal trainnings, todos os bons profissionais fazem a gente se descobrir no “espaço” e estabelecer relações entre as partes e o todo do nosso corpo. Também, ajudam-na a se relacionar melhor com o ambiente. Sinalizam todos os nossos progressos. Permitem que a pessoa experimente por si mesma, criando muito e copiando pouco, respeitando o tempo de cada um. Bons profissionais são, também, criativos. Apresentam propostas variadas sobre um mesmo tema-trabalho. Elogiam com sinceridade e não escamoteiam a verdade. Não fazem falsas promessas, prometendo o que é possível e não alimentando falsas esperanças, nem vaidades. Seu trabalho é ético, além de estético; devagar e continuamente ouvindo e vendo cada qual, como alguém especial. Discutem dúvidas e percepções. Respondem a tudo que lhes for perguntado, mesmo se a resposta, no momento for “isso eu não sei, vou procurar me informar”. Eles sabem que a única medida - 67 - válida é pessoal e intransferível, por isso, só comparam a pessoa consigo mesma. Sugerem e são firmes; assumem o comando e colocam-se à serviço. Não fazem por nós o que podemos fazer sozinhos, no devido tempo e do nosso próprio jeito. Na dúvida sobre seus procedimentos, consultam os colegas. Observam o que a pessoa faz e o que isso significa para ela; respeitam seus valores. E têm paciência, bom humor e, também, muita coragem! Quando sobrevém a depressão Com a desvitalização e o declínio físico que acompanham o envelhecimento, as personalidades frágeis percebem as mudanças do mundo como uma ameaça à sua integridade: é um prelúdio, não ao ingresso em uma nova fase de vida, mas à velhice, entendida como decadência e, talvez, mesmo à morte. Daí a ocorrência de quadros depressivos: homens que se autodefinem como “trator” ou “tanque de guerra” com muito orgulho, ficam perplexos e perturbados ao entrar em contato com suas próprias emoções. Essas depressões podem ser mascaradas, na tentativa de evitar o declínio, através de comportamentos compensatórios. O homem pode iniciar uma superatividade profissional, como que para provar a si mesmo que nada foi perdido. Disso resulta um círculo vicioso: ele não agüenta mais trabalhar e continua só a trabalhar. Através de um mecanismo de projeção, pode atribuir a culpa pela perda da própria libido ã falta de charme e atratividade de sua companheira. Ou, ao contrário, desenvolver um ciúme mórbido frente a um rival real ou imaginário. Aqui, é fácil envolver-se num romance passional ou desenvolver a crença de que nenhuma mulher é digna do seu amor. Pode vir a acentuar comportamentos como voyeurlsmo, exibicionismo, sadomasoquismo. Tornar-se extremamente atraente e envolvente, embora neurotizado, seduzir a parceira e satisfazê-la plenamente, ao menos por um certo tempo e, subitamente, deixála, conservá-la, como um “brinquedinho” interessante, ou, quando admitir condutas mais lascivas, envolve a leitura pornográfica ou contemplações eróticas. Poderá buscar contatos furtivos com jovens muito inexperientes, além da triangulação amorosa e sexual. No outro extremo, há os que se negam até a prática da masturbação, evitando qualquer tipo de prazer erótico. Outra possibilidade é orientar sua libido para a perversão. - 68 - Neste período, certas funções vegetativas como apetite, sono, digestão e excreção, começam a ficar perturbadas e a chamar a atenção. Mudanças humorais, instabilidade emocional e preocupação com alimentação (inclusive anorexia), sudorese acentuada e ondas de calor súbito e intenso denunciam estados de grande perturbação emocional. Porém, é a promiscuidade sexual que constitui, sem contestação, o comportamento mais freqüente que visa mascarar uma depressão subjacente. A idade do lobo Maridos até então fiéis e, quando não, discretos, lançam-se abertamente a uma relação extraconjugal com mulheres mais jovens, sem se preocupar com sua esposa ou mesmo com sua carreira. A nossa própria sociedade sanciona positivamente essa “idade do lobo”, na crença de que o homem é polígamo por natureza e que o casamento empobrece e cerceia sua vida sexual e pessoal. Muitos deles dispõem de recursos econômicos para interpretar o “caçador galante”, cobrindo suas jovens conquistas de presentes. Por um certo tempo, e com um certo tipo de personalidade feminina, ainda imatura e um tanto submissa, esses homens podem vir a se sentir mais fortes e potentes que seus rivais mais jovens. Não escaparão, porém, à sensação de estar comprando amizade e amor através de suas posses e de seu status. O temor advirá com certa freqüência e de forma intensa, embora difusa, expresso em crises de somatização, angústia e insônia. O comportamento de hiperatividade sexual, adotado sobretudo por homens frustrados nesse plano, pode ser uma tentativa última e desesperada para manter uma relação conjugal, ou mesmo extraconjugal, ameaçada; pode ser uma forma de dissimular o vazio afetivo; ou pode ser uma tentativa de se provar a capacidade e aptidão ao prazer. Malgrado as aparências, essa conduta às vezes é uma forma de adaptação - ainda que temporária e satisfatória. Na hipótese de depressão mascarada, a incompreensão da esposa, e mesmo a separação desta, descompensa esses esforços e desarticula a personalidade do homem, levando-o ao desespero. Tudo isso agrava ainda mais o sentimento de solidão e autodesvalorização, e a própria depressão. Então, o homem pode buscar uma outra forma de compensação, através de doenças crônicas, de súbitas doenças psicogênicas, do consumo de tranqüilizantes ou euforizantes, do abuso do álcool e, eventualmente, do suicídio. A indicação é de um tratamento psicoterápico urgente. Vale a pena acrescentar que nem toda crise da meia-idade - 69 - culmina nesse quadro dramático, embora não seja uma tarefa simples. O importante é o homem saber que está em suas mãos transformar o futuro em um tempo a ser desfrutado ou num tempo a ser evitado. Como diz o poeta M. de Combi: “Em algum momento, em algum lugar, esse homem haverá de encontrar-se face a face consigo próprio e só dele dependerá fazer desse momento a mais amarga das horas ou seu momento melhor!” - 70 - Capítulo 4 SEXUALIDADE: OS NOVOS DESAFIOS Barreiras sexuais Fisgado pelo fascínio da ciência e da tecnologia, o homem civilizado começa a duvidar de suas próprias percepções e sensações. Ele não sabe mais “o que é”. Busca “o que deve ser”. Quer saber se está certo ir ao banheiro três vezes por semana, dormir oito horas por dia, fazer sexo por tantos minutos... Esse homem procura encarnar o ideal/irreal que se derrama sobre ele, de cima para baixo, autoritário e desumano. Quer empregar a técnica, ser sempre o melhor e persegue obter nota 10, aplicar o máximo que ele aprendeu. “Independência e eficiência” é o lema, que, aplicado à vida sexual, afasta o casal, dado que o sexo é sempre interdependente e novo. Ao longo de sua vida sexual adulta, o homem desaprende aquela qualidade lúdica da relação sexual, que começa com um olhar e termina com um profundo suspiro de satisfação muitas horas depois de começar. Ele entende o sexo como a penetração ou a manipulação direta dos genitais, tudo muito rapidinho, numa relação furtiva e silenciosa... que se realiza sob o chuveiro, para ser mais depressa; no escuro da noite, quando se luta contra o cansaço do dia; à hora do café da manhã, às pressas para aproveitar a ereção matinal, antes de correr para o trabalho e despachar os filhos para a escola. A brincadeira, o jogo de sedução e conquista, o prazer de se ver e de se mostrar, de prolongar a gostosa ansiedade da excitação sexual não fazem parte da rotina dos casais de hoje. Boa parte faz sexo sem intimidade e, com velocidade, quase sem se tocar. Passa vinte, trinta anos tal qual a criança pobre, de nariz encostado na vitrina de doces, sem poder provar. Casais atarefados, que se esqueceram de brincar entre si, que se dedicaram de corpo e alma a se preocupar (preocupação é uma das tônicas da vida adulta atual) definem-se como “bons de cama”: tão logo deitam, dormem! Desse modo, as principais barreiras da sexualidade na velhice são erigidas em razão da precariedade da nossa filosofia e ideologia - 71 - ao longo da “adultice”. São pura tolice e resultam de uma sociedade opressiva, que se afastou das necessidades mais prementes dos seres humanos: alimentação, saúde, moradia. Uma sociedade assoberbada de ideologias, especialmente de consumo e descartáveis e, muito carente de filosofia e sentido de vida, de busca de ser. O sexo, hoje, reduzido à busca do prazer, nos rouba a dimensão do envolvimento e do conhecimento. Quem não se envolve, não se desenvolve! E isso não significa, simplesmente, saber dar ou extrair prazer, tal como somos levados a crer e fazer. Os grandes entraves não são de ordem sexual A má qualidade de vida em geral é um dos maiores fatores impeditivos de uma plena realização sexual em qualquer idade. SexuaÍidade é meramente um recorte desse todo, muito abrangente, que diz respeito à vida em geral. Homens ainda jovens têm episódios de falhas eretivas e mulheres perdem o desejo, em virtude de preocupações com desemprego, salários baixos, frustrações profissionais e desgaste da saúde em longas jornadas de trabalho, horas perdidas no trânsito, entre outros fatores. A nossa política econômico-social despotencializa o ser humano. Acresce-se a tudo isso a maior barreira, em qualquer fase da vida, que é a falta de fé e o desamor. Sem amor, não há sexo. Há cópula. Por que tantos casais não fazem mais sexo na velhice? Melhor perguntar: eles ainda se amam? Encontram-se e permitemse o envelhecimento? Solteiros, descasados e viúvos: onde encontrar um par? E se encontrar, será que “fica bem” revelar-se ao outro, permitir-se amar com “esta idade”? Mas, que ninguém se engane: com retraimento, culpa ou vergonha, velhos e velhas fazem sexo, sim. Às escondidas, de formas insatisfatórias e até pervertidas, sempre que forem proibidos. Ou de maneira plena, quando não se submeterem às prescrições. A proibição não elimina o sexo, embora possa complicá-lo. E acaba até por levar as pessoas de volta aos bancos escolares para reaprender aquilo que nasceram sabendo, aquilo que a humanidade sempre soube, instintivamente: onde há saúde e amor, homens e mulheres se completam e se saboreiam com conhecimento mútuo e prazer. A maior barreira sexual é, em qualquer idade, a mordaça que se coloca na voz do coração. As agressões sofridas nos asilos - 72 - A sexualidade é de tal forma reprimida nos asilos que, se já não bastasse sua condição de asiladas, na maioria das instituições, elas sofrem, não só a discriminação da idade como, também, do sexo. Muito para apaziguar a consciência dos dirigentes e mesmo dos familiares, acredita-se que o velho ou a velha tenha “perdido o juízo”. Portanto, não tem mais capacidade de escolher seus companheiros. Obriga-se esse idoso a conviver, estreitamente, com outros que não são da sua escolha e dentro de um contexto que conduz à promiscuidade dos primeiros anos de vida: banheiros sem chave, quartos sem porta. Ao longo de suas vidas, esses velhos tiveram pouca ou nenhuma chance de conhecer o corpo nú do outro. Esta oportunidade vai surgir agora, quando o corpo já está deteriorado. Daí a auto-rejeição: “Puxa, se o outro está assim decaído, imagine como eu devo estar!” Se o sexo começa a acontecer indiscriminadarnente é um “Deus nos acuda”. Os filhos se preocupam, a equipe de atendimento não tem o mínimo preparo para lidar com a situação, os outros residentes se assanham e o fato íntimo logo se torna de domínio público. Embora entendida como atração e aproximação genital, a sexualidade é uma expressão muito mais ampla de afeto, carinho, contato, conhecimento e integração de pessoas. No entanto, o preconceito é tão disseminado que uma carícia fraterna e amorosa pode ser facilmente confundida com urna abordagem com intenção sexual. Muitas mulheres asiladas, no meio da noite, podem passar para a cama de uma companheira em busca de calor humano, porque os cobertores, às vezes, são muito leves para o frio que enfrentam ou porque estão amedrontadas, carentes e inseguras em virtude de um pesadelo e necessitam de aconchego. Esse tipo de contato entre duas mulheres ou dois homens é interpretado como homossexualidade e os envolvidos ficam estigmatizados e são alijados do grupo social. A busca do contato físico, também acontece em decorrência de inúmeras agressões que são feitas à identidade da pessoa asilada. Quando somos agredidos na nossa identidade, tendemos a recorrer às nossas defesas mais primitivas. Se nem isso nos for permitido, nos desorganizamos e voltamos a apresentar procedimentos, reflexos e comportamentos de nossa própria infância, fase em que a sexualidade é difusa e polimorfa. Então, não é que o velho ou a velha retorne à infância. Simplesmente, recorre àqueles primeiros padrões instalados, que já foram - 73 - eficientes uma vez. Na condição de asilados há uma complexidade de situações que solicitam ou superestimulam uma expressão de sexualidade primitiva e mal organizada, entendida como perversa na linguagem psicanalítica: exibicionismo, voyeurismo, mastur-bação compulsiva, auto-erotização e homossexualismo. As senhoras exibem os seios ou levantam as saias para os outros idosos, para a equipe de atendimento ou os visitantes; os senhores tiram as suas roupas e caminham pelados pelos corredores. Com isso, soltam um grito, que é um pedido de ajuda, que tem sido traduzido muito mais como uma agressão do velho aos outros, do que sua busca por socorro. Exemplos de abusos Se nas famílias o diálogo é truncado, nas instituições mais fechadas ele está, praticamente, ausente. Tenho presenciado abusos de várias ordens em asilos, mesmo por parte dos médicos, atendentes, assistentes sociais e psicólogos envolvidos. Seguramente, esses abusos não são cometidos com “más intenções”, mas por ignorância, inconsciência e irresponsabilidade. Recentemente, eu fazia uma visita a uma casa de repouso, reputada como uma das melhores de São Paulo. No alto da escadaria estava sentada uma senhora já bem idosa. Por uma questão de equilíbrio, ela mantinha as pernas abertas, com as coxas aparecendo. Sorria para mim, que era visitante. A atendente se adiantou, puxou sua saia por sobre os joelhos e alisou seus cabelos dizendo: “Vamos nos comportar como uma menina bem-educada, não é mesmo? Senão, o que essa moça vai pensar? Que a boneca é sem-vergonha! Imagine, ficar mostrando as calcinhas desse jeito! Que coisa feia!” E deu- lhe um beijo na nuca. O sorriso da velha murchou. Velha vira menina/ boneca/ sem-vergonha. Só quando há visitante? Suponho que para enfrentar esse tipo de desagravo só ficando mais e mais ausente... E a isso é dado o nome de “esclerose”. Em outra casa, o médico circulava entre as idosas, distribuindo beijos, elogios e insinuações: “Hum, mas você está muito linda, hoje! Está ganhando o concurso! Esta noite eu vou te levar para dançar!” E dizia para mim: “São todas minhas namoradas”. Cinco senhoras riam, faceiras, encostavam-se nele e se exibiam. Estavam todas assanhadas. E o médico acrescentou: “Quando eu venho aqui, elas se agitam todas. São umas graças. Pelo menos, elas se arrumam e têm o que fazer”. - 74 - Velha vira namorada/graça/objeto de exaltação do “ego” do médico? Suponho que elas, também, tenham seus sentimentos e não devam ser iludidas ou espicaçadas dessa maneira, especialmente quando a excitação não é aliviada, mas contornada via drogas e orações! Tenho dado supervisão a colegas recém-formadas, que começam a trabalhar em asilos e casas de repouso. O que mais ouço são observações do tipo: “Mas gente de idade tem desejo sexual?! Quer dizer que aquele senhor que veio me cantar sabia mesmo o que estava fazendo?!” A desinformação geral é de tal ordem que, mesmo os nossos universitários não têm o mínimo preparo para estar com pessoas (e muito menos com idosos) quando se revela a questão sexual. Tudo isso me faz crer que o silêncio com que se trata a sexualidade do velho só tenha a função de negá-lo enquanto pessoa e, afirmá-lo, enquanto doença e degradação. SEXUALIDADE FEMININA O namoro e o sexo são encantadores em qualquer idade. Despertam os mesmos sentimentos de plenitude e entusiasmo, os mesmos tipos de ansiedade e desejo de agradar. Cheia de graça e senso de importância, amando e sendo amada, a pessoa é fonte de irradiação de vida, de saúde, de prazer. Por isso, os idosos sentem-se rejuvenescer. A questão é: por que muitos deles não desfrutam essas experiências positivas? A maioria das mulheres mais velhas está relegada ao abandono, ao descuido com a saúde em geral ou com a vida. Para responder a esta pergunta, é preciso levar em conta que a sexualidade é uma vivência complexa, calcada em pelo menos cinco níveis: corpóreo, afetivo, cognitivo, representativo e social. A mulher idosa diante do seu corpo Relatos feitos por mulheres idosas demonstram que a relação delas com o seu corpo é feita, basicamente, em função da saúde ou, melhor, da falta dela. Uma série de perturbações são entendidas como impeditivas para o exercício da sexualidade: as patologias da coluna e das articulações (não dá para suportar os baques desfechados pelo companheiro durante o ato sexual), além de problemas cardíacos e metabólicos, como diabetes e hipertensão. Eventualmente, atribuem à medicação a sua baixa na libido. Cicatrizes, lesões ou mutilações também servem de pretexto - 75 - para o abandono da atividade sexual. As mudanças decorrentes do próprio envelhecimento, apesar de não alterarem as sensações básicas de prazer e desprazer através do sexo, são eleitas como “deformidades”, tolhendo ainda mais a expressividade da mulher. Não se concebe, por exemplo, que a flacidez seja um fenômeno natural do organismo. A perda de gordura localizada nos seios, nos quadris e nas nádegas é entendida como perda de feminilidade. Como o padrão de beleza física está aliado à juventude, essas mudanças naturais e previsíveis são vistas como abominações, abrindo verdadeiras feridas narcísicas, que levam à auto-rejeição. O lamento freqüente dessas mulheres é: “Quem vai me querer agora?” Afinal, os guias e almanaques sexuais mostram sempre casais jovens e bonitos. A própria ciência, até recentemente, anunciou o decréscimo do desejo com o passar da idade, de modo que a sexualidade ativa na terceira idade é considerada, em larga escala, surpreendente e anormal, quando não uma perversão do caráter ou um engano que o corpo comete ao atestar sua vivacidade via desejo sexual. Mudanças nessa ótica ainda são muito recente. Fantasias sexuais No plano afetivo, as mulheres mais velhas têm uma expressão muito empobrecida da sexualidade. Elas cultivam fantasias sexuais através da figura dos filhos que, para elas, apresentam todas as possibilidades de usufruir de uma vida sexual livre e ativa. Sendo assim, a satisfação da mulher idosa é vicariante, isto é, obtida através do que acontece com terceiros. Ao fantasiar a vida sexual da filha, da nora ou do filho jovem, ela dá vazão ao Eros sem sentir-se ameaçada. E, através de devaneios, pode revelar atração por um homem mais jovem, sem que isso implique uma agressão a sua formação moral. A mulher idosa não se concebe tendo relações sexuais com rapazes, o que lhe parece incestuoso. Nem por isso deixa de ser insinuante e sexual na sua relação com os netos, os médicos e os professores dos seus filhos. É comum ouvir, em plena consulta médica: “Ah, se eu tivesse vinte anos menos, o senhor não me escapava!” Ou, então: “Como o senhor é atraente! A sua esposa não tem ciúmes, não?” É óbvio que essa mulher expressa o seu desejo sexual não assumido. Pela palavra, então, a sexualidade é aberta e franca. Mas só pela palavra. Um número ainda reduzido de mulheres mais integradas e amadurecidas reconhece em si esse desejo, porém teme a rejeição, o - 76 - ridículo. Não se expõe e abdica da atividade sexual. Ou só procura parceiros de idade compatível ou mais velhos - o que é difícil de encontrar, devido à escassez de homens disponíveis nessa faixa etária. A mulher de idade é, por vezes, muito ambivalente na expressão e no exercício da sexualidade. Desempenha com desembaraço os jogos de sedução, contudo, dificilmente chega às vias de fato! Não lhe faltam argumentos para se justificar: “Sou velha para essas coisas”... “O que vão falar?” Ao mesmo tempo, ofende-se quando lhe é negada a sua sexualidade: “Será que meus netos pensam que quero companhia só para tomar chá e ir ao cinema?” É uma geração que vive num impasse. Uma das conseqüências disso é a exacerbação de suas defesas e somatizações. Seu corpo inflamado permanece adoecido. O que elas aprenderam “Após a menopausa, as mulheres não produzem mais estrógenos, hormônios responsáveis pela sua feminilidade.” Foi esta a informação que muitas receberam. A partir de uma falsa premissa, já que esses hormônios controlam o ciclo menstrual, mas não interferem no desejo, as mulheres concluem que a perda do desejo sexual é prevista e saudável. Além disso, são agredidas por termos médicos, como: “vagina senil, mucosa atrófica, prolapsos, lasseamentos”. Toda a linguagem médica é baseada no padrão jovem. Não existe uma terminologia específica para abordar essas decorrências naturais do envelhecimento. A própria literatura psicológica é absolutamente pobre a esse respeito. O mito da perda da atratividade sexual é confirmado nas estórias de prostituição. Acredita-se que “a prostituta velha não fatura e que a sua escalada é cada vez mais para baixo, não podendo nem mais escolher os clientes, tendo que aceitar qualquer um”. Uma das dificuldades dessa mulher é diferenciar um orgasmo de um ataque cardíaco do parceiro (e isso não é piada). Muitas se negam ao sexo por associá-lo cada vez mais com a morte, própria ou do outro. Masturbação, para elas, é coisa de jovem insatisfeita ou algo passível de culpa ou justificativa: “Ah, eu faço porque estou sem companheiro!”, não como fonte de auto-conhecimento e gratificação. Outras tantas nunca viram os próprios genitais, a não ser logo após o parto, para olhar os pontos, quando estavam inflamados ou deformados. Não tiveram nenhuma informação sobre seu corpo e - 77 - nunca viram a vagina de outra mulher. Se o marido lhes diz que são “largas”, acreditam. E não sabem o que eles querem que elas façam quando dizem “Mexe, mexe”. Ficam apavoradas! Também, não aprenderam a perguntar, a questionar a autoridade médica ou marital. E, acreditando-se deformadas pelos partos sofridos, têm como termo de comparação as figuras esculturais divulgadas pelos meios de comunicação. Leitura erótica ou pornográfica, eventualmente, é consumida, porém, às escondidas, sob culpa e vergonha. A sexualidade plena, amorosa e livre de pudores, a verdadeira entrega, para elas assemelha-se a algo asqueroso e “animal”, de que “não padecem”. Sexo vira romance. E só. A visão de si mesma No nível representativo, a mulher padece com o medo de envelhecer (gerontofobia) e com a não-aceitação dos sinais de envelhecimento em si ou no outro (geronto-rejeição). Ela se convence da sua perda de valor e não se concebe mais como um presente a ser oferecido numa relação, mas como um conjunto de erros a ser disfarçado. Conversar sobre dores torna-se a atividade mais prazerosa e envolvente, pois é através da dor e da doença que ela se nutre de carinhos e atenção, mesmo que os toques sejam feitos nas mãos, na cabeça, nos pés ou nos joelhos. O corpo inteiro vai inexistindo e sua representação vai se deteriorando, cada vez mais coberta por roupas, xales, meias. Ela se limita a cuidar das unhas, do corte de cabelo e, quando muito, passa nos lábios um batom de cor discreta. A mulher se apaga, prepara-se para desaparecer. Agravantes sociais No plano social, a situação é bastante grave, na medida em que há menos homens disponíveis nessa faixa etária. Os poucos encontrados, também, estão com a saúde comprometida, o que muitas vezes impede o exercício sexual ativo. Aqueles que se mantêm ainda saudáveis fazem suas escolhas, de preferência, entre mulheres mais jovens. Como se tudo isso não bastasse, há regras , morais e expectativas que deturpam os relacionamentos em função da idade e do sexo, inclusive nas famílias. Por exemplo: filha adulta, de mais idade, que mora com o pai viúvo é bem vista. Por outro lado, filho que mora com mãe viúva é um arranjo reprovado, considerado problemático. - 78 - Não é de se estranhar, portanto, que o abandono da atividade sexual pela mulher na terceira idade seja uma perda que provoque alívio. Nossa sexualidade feminina ainda não é integrada, bem vista e bem formada. Exceções existem, porém, e são admiradas. A atual geração de mulheres mais jovens seguramente irá mudar esse padrão. Oxalá venha a se realizar aquilo que tantas mulheres idosas aprenderam a temer: uma vida sexual “desregrada.” Porque o fato é que as “regrinhas e as regronas” que aí estão é que são imorais e tolhem a nossa afetividade, a nossa intimidade, a nossa integração. A sexualidade da mulher mais velha torna-se ainda mais controversa quando estão em jogo questões patrimoniais. Muitas vezes, os filhos não aceitam um novo casamento ou sequer o namoro da mãe idosa, viúva. Por quê? Porque essa senhora, erotizada pela nova relação, deixa de ser babá dos netos e de estar disponível como governanta da nora ou da filha. Vai querer gastar mais de seu dinheiro, que os filhos entenderam, até então, como herança, líquida e certa. E quem quer abrir mão de herança? Que sejam os velhos a perder! Às vezes, este é o motivo obscuro de uma internação. SEXUALIDADE MASCULINA Os inevitáveis declínios físicos que acompanham o processo de envelhecimento e as mudanças que ocorrem, naturalmente, no mecanismo de ereção podem se revelar traumáticos para o homem de meia-idade. Com a impressão de ter perdido o controle da sua função erótica, ele pode se entregar à “angústia de performance”, que é a maior responsável pela impotência de origem psicogênica. Mas, esse temor não se justifica. Um número cada vez maior de pesquisas tem contestado o mito da menopausa e da “andropausa” como demarcadores da perda da sexualidade feminina e masculina. Estudos comprovam que homens com mais de 80 anos, com boa saúde geral, são férteis e praticam o coito e a masturbação com relativa freqüência. O próprio termo “andropausa” é uma aberração do ponto de vista fisiológico. As modificações que se processam nessa etapa são perfeitamente compatíveis com a atividade sexual, seja no plano afetivo, seja no plano reprodutivo. No homem saudável, a capacidade de procriação não cessa até uma idade muito avançada. - 79 - Alterações observadas Comparando-se homens de 45 e 25 anos, constatou- se que, no plano fisiológico, o desejo sexual aparece com a mesma freqüência, porém, para os mais velhos, há uma demanda maior de tempo (alguns minutos mais) para que este desejo se concretize em ereção. As contrações uretrais menos intensas, bem como o menor volume de sêmen ejaculado, que decorrem do declínio das taxas hormonais, não interferem na obtenção do prazer sexual, agora muito mais centrado na relação como um todo e, menos, na genitália. Após a ejaculação, o homem mais velho demora mais tempo para responder a uma nova estimulação sexual, o que não ocorre com a mulher; mesmo na menopausa. Com ela, o problema pode ser o de ressecamento da mucosa vaginal, mas não é impeditivo de obter (multi) orgasmos ou vivenciar repetidas excitações em curto espaço de tempo. O período refratário - intervalo entre uma ereção e outra, após a ejaculação - é muitas vezes desconhecido e ignorado pelo jovem adolescente. Essas mudanças - demora na obtenção da ereção e prolongamento do período refratário após a ejaculação - podem ser fonte de preocupação para o idoso, uma vez que ele não responderá prontamente, como antes, às estimulações físicas ou psicológicas. Um programa simples de esclarecimento pode ter um efeito terapêutico na recuperação da autoconfiança e do amor-próprio, especialmente se o homem maduro continuar a se orientar pelo modelo de “macho-sedutor”, que deve conduzir a sua parceira ao orgasmo, sem nada receber em troca. O homem mais velho precisará aprender a aceitar estimulações mais prolongadas, por parte de sua companheira, que será requisitada para um papel sexual mais ativo e criativo. Essas estimulações, preferencialmente diretas, talvez precisem envolver uma reaprendizagem do casal, para que ambos conheçam as vantagens da sexualidade madura e possam dela usufruir, sem culpa nem inibições. Além disso, atualmente, já dispomos de medicações que atuam na função erétil, recuperando-a, satisfatóriamente Mudando para melhor É mais raro um homem de 50 anos sofrer de ejaculação precoce. O mesmo não se pode dizer dos mais jovens que, afoitos, perdem oportunidades de satisfazer suas companheiras e de apreciar todas as nuances do intercâmbio sexual, o que vêm a conseguir anos - 80 - mais tarde. O homem jovem é quase incapaz de fazer a diferenciação entre a ejaculação e a experiência profunda e autêntica do orgasmo. Mais egocêntrico, o jovem é levado a se satisfazer através do prazer genital localizado. Sua sexualidade é explosiva, imperiosa, impulsiva. Já o homem maduro tem maior possibilidade de encontrar um ponto de equilíbrio entre suas fantasias eróticas, suas reações sexuais e os componentes afetivos de uma relação. A sexualidade madura oferece muito mais nuances de ternura, de fantasia e de amor. A linguagem sexual é feita de experiência, nem tanto de instinto e repousa na aptidão de viver e compartilhar de momentos de intimidade profunda, através do gesto e da palavra. Nessa fase, é muito provável a experiência do “orgasmo seco”, ou seja, a exaltação do prazer numa relação, independentemente da ejaculação. Ejacular promove alívio fisiológico. Ter um orgasmo envolve realização e integração. A maioria dos casais conhece, por volta dos 50 anos de idade, pela primeira vez entre si, uma sexualidade realmente satisfatória, muitas vezes coincidindo com a fase em que seus filhos saem do lar. Uma nova lua-de-mel, um novo período de redescoberta e de encantamento em comum pode surgir, especialmente para aqueles casais que mantiveram seus laços afetivos e de compreensão mútua.E podemos dizer que esta nova intimidade é um dos antídoto contra a depressão. Erotismo aos 80 anos Escrever sobre erotismo é algo especial. Difícil, porque palavras não captam, nem traduzem bem o que é vivenciado em nível de mistério, feito com arte e gosto apurado, sutil e mágico. Fazem-no melhor o suspiro e o sorriso. Falar de erotismo com erotismo requer malícia cuidada. Requer saber tocar em coisas sérias, com uma pitada de diversão, chegar bem perto do sublime e, também do vulgar, posto que o erotismo é exigente, quente e vibrante, selvagem e indomável. Em primeiro lugar, libertemos Eros, impulso de vida, do reducionismo indevido que o atrelou tão-somente ao prazer e ao sexo. Vamos encontrá-lo, também, nas artes, na ciência e na religião. O profano e o sagrado se expressam diferentemente no e pelo Ser Erótico. Eros é impulso de vida: Criação, Natureza e Humanidade. - 81 - Conceitos antigos e atuais sobre a atividade sexual, Algumas fontes de conhecimento tentaram coibir o erotismo. Até pouco tempo atrás, dizia-se que a masturbação levava a um decréscimo da inteligência, alucinações noturnas e propensões suicidas ou homicidas (século XIX); que o tamanho do pênis é relevante em assuntos sexuais e procriativos. Envoltórios penianos e mesmo codpieces (século XIV) acentuavam a exibição vaidosa. Hoje em dia, os zulús (África do Sul) usam alumínio para envolver o pênis e, na Nova Guinê, filmes Kodak, pasta de dente... tudo preso e dependurado como ornamento em torno do pênis para aumentar o seu volume, real ou aparente. Dizia-se que a atividade sexual em excesso causava vários distúrbios, como: elefantíase, cegueira, gengivites, mau hálito, pernas fracas, embranquecimento dos cabelos e calvície (particularmente se fosse com um parceiro idoso). Ou, que tinha efeitos benéficos: boa terapêutica para certos tipos de epilépticos deprimidos e outros doentes mentais; que restabelecia a textura da pele e que relação sexual com uma mulher virgem curava a sífilis. Entre os abkhasianos, as relações sexuais regulares devem começar mais tarde e, lá, é freqüente a paternidade aos 100 anos. Segundo o Relatório Kinsey, 75% dos homens são potentes, isto é, possuem capacidade de manter relações sexuais com penetração peniana aos 70 anos e apenas 20% aos 80. O atendimento ao idoso Até hoje a medicina tem conceituado o envelhecimento através do “modelo de déficits”, sob forte inspiração da economia material. Os anos pesam, são difíceis de carregar... Enfatizam-se, sobremaneira, as limitações e perdas, entendidas como decorrentes do envelhecimento fisiológico: diminuição das acuidades visual e auditiva; diminuição da capacidade respiratória; redução da filtração glomerular; queda do metabolismo basal; menor capacidade de absorção alimentar; diminuição do tônus e da massa muscular e outras. Nesse modelo, consultar um médico equivale a anotar na coluna dos “débitos” um número cada vez maior de funções, cuja falência total é resgatada pela morte. Do mesmo teor é a conceituação psicanalítica que afirma que, ao término, vemos a vitória de Tanatos, o impulso de morte, sobrepujando Eros, o impulso de vida. Como resolução final do conflito entre vida e morte o homem, ser autofágico, consome-se até desaparecer. - 82 - No tocante à sexualidade do idoso, a ciência médica também se refere a perdas, tais como menor evidência da tumefação e aumento do corpo esponjoso do clitóris, no caso das mulheres; aumento do tempo necessário para obter uma ereção, no caso dos homens. Menciona, ainda, as inadequações sexuais mais freqüentes nas idades avançadas: na mulher, a dispareunia (pouca lubrificação vaginal), combatida com reposição hormonal; e, no homem, a impotência eretiva (psicogênica no jovem, organogênica no idoso), contra a qual se recomendam masturbação e auto-excitação através de leituras e filmes pornográficos. Isso, quando o idoso não leva uma reprimenda do médico: “Mas o que o senhor quer, nessa idade?! Esse quadro sombrio se traduz, popularmente, numa piada de mau gosto: o idoso pode fazer sexo quase todos os dias: quase segunda, quase terça, quase quarta, quase quinta... O mito da velhice assexuada Pouquíssimo se sabe das respostas sexuais em adultos idosos de ambos os sexos. Segundo Dave Capuzzi, que efetuou uma pesquisa na Itália, em 1982, há dificuldade em se obter respostas e depoimentos nessa faixa etária devido a tr\6es grandes tópicos: · Menor interesse dos pesquisadores e grande desconforto em abordar o tópico; · Dificuldades dos idosos em se abrir e se expressar claramente; · Resistência das famílias em permitir que seus idosos tomem parte nesses estudos. O estereótipo da velhice assexuada não tem hoje nenhum fundamento na realidade. O pesquisador Berezyn , afirmou: “Idosos que sempre foram vigorosos e que possuem interesses diversificados com prazer não apresentam retração da sua vida sexual”. Muitos outros autores compartilham esse ponto de vista: para Busse, Barnes, Silverman, Shy, e outros, “o comportamento e o desejo sexual têm forte correlação com a vida sexual anterior à velhice. A idade, como variável, tem um papel insignificante nas mudanças e na forma que o sexo assume nas idades avançadas”. Para ambos, homem e mulher, as mudanças são gradativas, não havendo nenhuma idade ou fase crítica. Ocorrem mais no campo da freqüência e do vigor, do que no modo e na qualidade do prazer. Havendo os sentimentos de ser querido, necessário, importante, havendo a capacidade de receber amor e afeição, o sexo só acaba quando tudo se acaba: na morte. - 83 - Eros é mais forte que a dor Internada em uma UTI em situação clínica gravíssima e instável, Deise, de 65 anos, nem de longe era uma paciente dócil. Reclamava, exigia cuidados aos gritos, berrava, arrancava do braço a agulha que levava o soro. Doente há muitos anos, era habitué de hospitais e de UTIs. Muitos médicos já a haviam desenganado em diferentes ocasiões. Passei a atendê-la no próprio leito, mesmo fora do horário de visita. Os médicos e as enfermeiras, sem saber como tratá-la, respiravam aliviados quando eu chegava. Depois de nossas conversas, ela se acalmava. Sua maior preocupação era deixar uma sobrinha solteira, a última sobrevivente da família: “O que vai ser da minha menina quando eu não estiver mais aqui? Quem vai cuidar dela? Quem vai orientá-la no bom caminho? Ela tem idade, mas é carente e descuidada como uma criança... não sabe se proteger”. Deise gostava de relembrar o passado. Dizia ter sido “muito mulher.” Aos 40 anos, já fumava, dirigia automóvel e sustentava quantos amantes quisesse. Ao falar de seus amores, seus olhos brilhavam. Na gravidade da sua doença prolongada estava muito, muito feia e abatida. Mas nessa hora sua feiúra desaparecia. Numa das visitas, Deise mal tinha forças para falar. Estava toda cheia de tubos, sondas, transfusões. Quando fui me despedir, ela segurou minha mão e insistiu para que eu ficasse mais um pouco: - “Eu quero que você veja o meu médico. Ai, que homem lindo! Que mãos, que dentes, que coxas!” sua voz era fraca e rouca. - “Gato assim, é?” - respondi. - “Então eu fico só pra ver.“ - “Que só pra ver?! Eu estou doente aqui na cama, já não valho mais nada. Não me arrependo de nada do que fiz. Só que agora não posso mais. Mas você é um mulherão. Já vi o fogo ardendo nos seus olhos. Vai, aproveita! Olha aí, ele vem vindo. Não conto nada pra ninguém mesmo. Vou levar para o túmulo!” Gargalhamos as duas. Mas Deise não sobreviveu dessa vez; faleceu poucos dias depois do nosso encontro. Algumas doenças, mesmo graves, não suprimem o impulso erótico. Limitam sua realização ou, até mesmo, o sublimam. Problemas médicos que interferem na sexualidade Em geral, a doença afeta o comportamento sexual, segundo Butler & Lewis (1975) e Hogan (1980), já que o corpo se envolve - 84 - em superar a crise e resta menor energia para brincadeiras sexuais. Mas, uma vez debelada a enfermidade, restauram-se o curso e a expressão da sexualidade. Há casos, porém, em que a patologia se toma crônica e essa condição pode gerar muita ansiedade com relação à vida sexual. Vejamos algumas delas. Doença cardíaca: Afeta três vezes mais homens do que mulheres entre os 45 e 64 anos. Após essa idade, as taxas de incidência entre os sexos são equalizadas. Na maior parte dos casos, não há por que suspender, nem temporariamente, a atividade sexual. Derrame: Apesar da crença bastante difundida, nenhum derrame acontece em decorrência da excitação e do exercício sexual. Se houver paralisia parcial, podem se adotar novas posições mais apropriadas e outras práticas sexuais. O problema é se há ou não interesse do(a) companheiro(a), desenvoltura e confiança suficientes para uma reaprendizagem. Diabetes: Suas vítimas são acometidas de impotência numa proporção de duas a cinco vezes maior se comparadas aos nãodiabéticos. No entanto, em muitos casos, o problema é reversível. Basta manter a doença sob controle. A ausência de tratamento pode acarretar impotência crônica. Nos diabéticos contraindica-se a prótese periana, em razão dos riscos da cirurgia, especialmente se forem descompensados . Artrite: Há evidências de que o sexo ajuda a minorar a dor, talvez em virtude da produção de cortisona pela glândula adrenal e, também, da atividade física envolvida. Desde que a insatisfação sexual pode aumentar o stress e este agrava a artrite, a sexualidade ativa e boa, aliada à fisioterapia, ao repouso e à aplicação de calor local, pode ajudar no tratamento e propiciar alívio da dor. Anemia: A perda de apetite e a dor de cabeça ocasionadas pela patologia podem minar o interesse e a energia voltados para a vida sexual. Dor nas costas: Bicos-de-papagaio, hérnias de disco, deslocamento de vértebras e osteoporose podem ser contornados com postura adequada e exercícios que fortaleçam a musculatura abdominal e de sustentação da coluna. A simples troca de posições (dando preferência pelas laterais) ou, com auxílio de travesseiros podem facilitar a obtenção de prazer e evitar a ocorrência da dor durante a relação sexual. Hérnia ingüinal: Eventualmente, pode haver estrangulamento durante a atividade sexual, acompanhado de dor intensa. A correção é cirúrgica e o sexo pode ser retomado assim que o paciente - 85 - se recupere. Mal de Parkinson: Tremores, lentidão, paralisia facial parcial, mudanças posturais e no caminhar, inexpressividade e depressão compõem o quadro dessa doença, que ataca o sistema nervoso central. Em fase avançada, também, pode causar impotência. Prostatite crônica: A dor no períneo (entre o escroto e o ânus) e na base do pênis após micção e ejaculação, provoca diminuição do desejo sexual. O tratamento inclui antibióticos, banhos quentes de assento e massagem (gentil) periódica da próstata. O interesse sexual retorna tão logo o desconforto e a dor regridam. Incontinência urinária: Acontece quando a pessoa dá risada, tosse, pula e mesmo durante a atividade sexual, podendo haver perda de controle do esfíncter. É comum em mulheres multíparas, injuriadas por partos malfeitos e com prolapso do útero e/ou bexiga. Às vezes há dor durante a relação sexual. A administração de estrógeno (por via oral ou aplicação local) pode corrigir o problema. Outros procedimentos adotados são exercícios e cirurgia (sobretudo no caso de prolapso do útero e do reto). Lasseamento excessivo da musculatura vaginal: Esta alteração é passível de correção através de cirurgia plástica. Alguns homens costumam agredir suas mulheres, prevalecendo-se do mito de que “todos os partos alargam demais a mulher” e de que “ela está molhada demais”, fato que impede que ele sinta a fricção no corpo do pênis. Vale a pena fazer um esclarecimento: há mulheres que ejaculam pela uretra, confundindo a emissão desse líquido, almiscarado e agridoce com perda urinária. Isso é causa de constrangimento, quando não de pânico. Novas formas de prazer A atividade sexual conhecida como carezza, abraço prolongado, pressão pélvica continuada, respiração boca à boca, enquanto há penetração do pênis na vagina, é indicada para quando se quer experimentar o erotismo sem a ejaculação masculina. A feminina ocorre em profusão. O prazer, o orgasmo, ocorre com os dois. A masturbação pode ser recomendada como fonte alternativa de prazer. Mas isso requer aceitação por parte do paciente, o que não é muito comum entre os idosos. Ainda menos aceitáveis por eles são os “apetrechos eróticos”, leituras e vídeos excitantes. Uma boa parcela, especialmente de mulheres, desconhece o nú frontal masculino e nunca admitiu a prática do sexo oral e/ou anal. Nem mesmo o sexo convencional de “luz acesa”. Vários homens de idade sentem-se degradados ao necessitar de - 86 - uma companheira mais ativa, exceto quando se trata de mulheres fáceis, a quem “não devem satisfação”. A imagem da santa-mãeesposa, assexuada, que “faz par” com o homem-provedor é uma das “benesses” de que o homem usufrui se e quando ele padece de disfunção sexual: em vez de admitir que não consegue, ele diz que é a coitada da mulher que não quer mais. “Ela nunca gostou muito”; “Ela sempre sentiu dores”; “Ela não é jeitosa”; “Ela é devota do lar, dos filhos”; “Ela não faz questão.” Sempre “ela”. A sua condescendência para com a esposa, libera o homem de entrar em contato com a falência do seu desempenho e rever a própria masculinidade. Então, tenta-se a velha solução, que é “buscar fora de casa o que a esposa não oferece”. Abordagem equivocada Fernando, um bancário aposentado de 74 anos, casado, procurou-me certa vez em meu consultório queixando-se de impotência (“ele não acorda”) e de insônia (“eu não durmo”). Durante algum tempo, mantivera contatos sexuais com uma amiga sua, massagista. Ele lhe fornecia cremes para uso profissional, ela retribuía massageando seus genitais. Os toques resultavam em ejaculação, o que lhe proporcionava intenso alívio. Esses encontros, porém, tinham sido interrompidos porque ela andava ocupada demais, o que o deixou muito frustrado e ansioso. Procurou um médico, que lhe receitou um calmante e o aconselhou a “não pensar mais nessas coisas”. Não funcionou. Fernando começou a freqüentar os cinemas pornôs do centro da cidade. Saía muito excitado. Tentava se aliviar através da masturbação, compulsivamente. Não conseguia ereção e parava. Resolveu, então, procurar ajuda quando ouviu falar, vagamente, em “terapia de abordagem corporal”. Sua imaginação foi a mil! Marcou hora. Trouxe ao consultório um pote de creme para me oferecer e, utilizando uma linguagem de baixo calão, que combinava com sua aparência desleixada, sugeriu que eu lhe fizesse a massagem. Diante da minha negativa, propôs que eu lhe mostrasse os seios (e permitisse que ele os tocasse). Achava que assim conseguiria se masturbar. Como eu continuei negando, pediu que eu lhe arranjasse uma mulher (uma terapeuta ou então uma amiga compreensiva) que fizesse isso por ele. Como terapeuta, fiz um esforço consciente, deliberado, para tratá-lo com respeito e não expulsá-lo do meu consultório. Na rua, não teria hesitado em soltar de volta um palavrão e virar-lhe as costas. - 87 - Fernando contou, então, que havia freqüentado grupos de idosos, anos antes e, que não havia arranjado parceira. “As mulheres lá não querem saber disso. Só querem dançar, passear, arranjar um homem que pague programas, cinema, presentes para elas”. De fato, a busca de parceria com intenção sexual é muito comum por parte dos homens. As mulheres freqüentam esses grupos motivadas pelas oportunidades de estabelecer amizades e de participar de atividades culturais, de turismo e lazer, outros objetivos, portanto. No caso deste senhor, não era de se admirar que ele não conseguisse sequer fazer amizades, nem mesmo entre homens. Com seus modos grosseiros e grotescos, a sua abordagem era extremamente direta e até ofensiva. Para atestar sua virilidade, Fernando dizia sempre ter sido “tão homem que, só de encostar na esposa já gozava”. O seu egocentrismo e o seu desejo imperioso eram a medida da sua masculinidade, que não admitia ser frustrada. E quanto mais frustrado ficava, mais desejo ele sentia. Seu problema não era sexual, mas transpessoal, afetivo. Sofria de rejeição e solidão. Fernando retomou ao consultório por muitas sessões. Durante quase dois meses nutriu a esperança de que eu mudasse de idéia e concordasse em ser “condescendente”, dando-lhe uma “mãozinha”. Eu dizia que lhe daria afeto através das palavras e do meu interesse e que nossos toques se limitariam a um aperto de mão no início e no fim das consultas. Ele aceitou as condições. Vinha pontual e regularmente, uma vez por semana. Eu rezava para que ele não viesse. Até que um dia trouxe uns folhetos antigos de cinema. Fiquei encantada! Fotos brilhantes, autografadas, dos artistas dos filmes, o nome da pianista que dava recitais nos intervalos. Recordei cenas da minha infância. A conversa tomou-se animada. Pedi a ele que me desse de presente um dos quatro folhetos que havia trazido. Fernando mostrou surpresa, pois nunca dera um presente para ninguém. E não imaginava que “um papel desses” podia ser dado de presente. Ficou feliz, quase pueril. A partir daí, as sessões ganharam novo impulso. Entusiasmado, ele passou a remexer no baú. Tinha coleções belíssimas de figurinhas, tampinhas, selos, santinhos, caixinhas de fósforos, embalagens de cigarro. O seu tesouro, porém, eram correspondências trocadas com altas personalidades do mundo político e econômico, civis e militares. Como líder sindical, há cinqüenta anos Fernando já reivindicava passe livre para os mais idosos, meia-entrada no - 88 - cinema, priorização de atendimentos ambulatoriais e domiciliares na área de saúde. Algumas de suas reivindicações foram obtidas bem recentemente. Outras ainda estão em discussão. Passei a admirá-lo, a aguardar sua chegada com afeto. Ele, por sua vez, começou a se arrumar melhor, adotou um linguajar bastante educado. Voltou a procurar grupos de convivência. Recuperou o sono. Sua ansiedade , tornou-se bastante suportável, mesmo sem medicação. Diminuiu as idas aos cinemas e as tentativas de masturbação, que eram compulsivas (cerca de quinze a de vinte tentativas diárias), reduziram-se drasticamente. Sentia vontade e frustração, porém, não mais aflição. Vez por outra, ainda me perguntava se eu não mudara de idéia. Deixou de ser inconveniente, mas não desistiu. Até que, após umas férias, nunca mais voltou ao consultório. Senti falta dele. Atender ao erotismo Não se deve confundir as coisas: o atendimento erótico não é, necessariamente, sexual. Eros se traduz aqui por vontade férrea em ajudar e ser ajudado. A superação dos preconceitos, a doação genuína, porém não ingênua, a piedade compassiva são os elementos eróticos necessários quando estamos frente a um ser humano que se tornou abjeto. Aqui, o amor incondicional não significa sujeição à abjeção, mas um exercício de disciplina e de limites, na profissão de fé. E isso nos traz uma imensa satisfação. O envolvimento sexual com um cliente/paciente é prática das mais perigosas, porque dilui as barreiras necessárias para o desempenho de papéis. Não se pode ser a mulher e a terapeuta de um mesmo homem. Aí impera o mundo dos desejos narcisistas e egocêntricos, em que se acredita que querer é poder e aquele que acredita nisso, passa a crer que pode tudo. O envolvimento sexual durante o tempo de uma terapia é, absolutamente contra-indicado, lesivo e contraproducente. Pode vir até a se caracterizar como abusivo. Gera no, mínimo, dor e confusão. O papel do terapeuta é ponderar, junto com o seu cliente, a articulação e a dinâmica entre o mundo do desejo (satisfação continuada do prazer) e o mundo da realidade (prazeres intermitentes e limitados). Para o cliente, a terapeuta é configurada como amiga ou figura assexuada. Ele precisa dessexualizar a figura da terapeuta para prosseguir gostando muito dela, confiando, partilhando intimidades, mas não assomado pelo desejo físico de posse, tão presente na atração sexual. - 89 - Para a terapeuta, o trabalho dirige-se ao Homem. Em se tratando de cliente idoso, é primordial que a relação deva ser erotizada, prazerosa, ágil e excitante. Temos que conseguir ver o homem, naquela pele enrugada e manchada, flácida, naquela postura encurvada, na sua voz trêmula e hesitante. Vendo e ouvindo o Homem, respondemos à sua vaidade e, assim, ele recria o seu brilho e a sua potencialidade. O mesmo é valido para a mulher. Concebendo nossos clientes como pessoas eróticas, portanto, como um seres desejáveis, podemos sintonizar sua suavidade, as nuances de suas emoções, a intensidade de seus sentimentos, a avalanche de suas aflições e de sua ferocidade. A pessoa erótica é suave e é feroz! Com prazer em ambos os casos. E pode, igualmente, nos rejeitar... como jovem, como velho, como homem ou mulher por inteiro. Não é a alma, mas o corpo que dói O corpo que não é tocado chora. Grita. Reclama. As dores são esse comunicado. A falta do toque físico, da carícia suave, do abraço faz minguar, irrita, deprime. Afagos nos braços, ombros, joelhos e topo da cabeça não satisfazem. O corpo pede mais. Precisamos ser vistos, examinados. Antes o toque médico do que nada! Precisamos ser apertados nos braços de alguém carinhoso, mesmo que para isso usemos de pretextos como fraqueza e medo. Precisamos ser excitados pelo riso, pela raiva, pela alegria, pela emoção mais profunda e autêntica, mesmo que seja a tristeza. O velho precisa ser provocado, ainda que esteja doente. Porque são pouquíssimas as doenças que incapacitam ou invalidam. A maioria somente os limita. Mesmo o coma é uma luta silenciosa do corpo em prol da vida. A dor é o grito de protesto do corpo aviltado, é o sinal de parada que reinvidica um viver melhor. Mudar. Ser. O corpo que dói é um corpo vivo que implora por Eros. Ele comunica: “Eu existo. Você me esqueçe, mas não acaba comigo”. E a mente se curva, nubilada, às exigências do corpo que vive, do corpo de um EROS desvairado. A dor reclama por um viver erotizado, pede consciência, luz. O idoso não precisa de medicação para calar essa voz do corpo, esse clamor. Ele precisa se restabelecer. Re-estabelecer. Marcar presença de novo. O corpo que dança e se exprime é um corpo erótico. Se não puder ser com a musica, fará contorcionismos de dor, embalado por gemidos.... - 90 - O corpo e a mente do idoso não precisam da nossa cautela, se isso não for pedido expressivamente. Assim como não há necessidade de gritar para o surdo, porque ele lê nos lábios e desdenha a nossa caricatura-berrante, também não temos que falar baixinho e andar “pisando em ovos” perante a velhice. O problema é que nos falta suporte teórico para lidar com essas questões. Um exemplo: quando fazia pesquisas, nos idos de 1990, praticamente não encontrei referência bibliográfica sobre sexualidade e erotismo sob o título Velhice ou envelhecimento, nem na biblioteca da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo, uma das maiores e mais conceituadas instituições de ensino universitário do país. O nosso saber gerontológico não se encontra disponível para a formação desses profissionais. Prazer, sexo e velhice parecem não combinar, ou até agora não foram alvo de interesse científico e de pesquisas acadêmicas. Seria um trinômio por demais banal? Mesmo doente, o corpo é erótico Quando ele “briga” em prol da vida, ocorre a crise a que chamamos de doença! A concepção tradicional de doença está ligada à derrota, às perdas, ao sofrimento. Na minha visão, o doente é alguém que acionou as melhores defesas a seu alcance para sobreviver, para preservar sua integridade psicofísica. É alguém que batalha, febrilmente, pela sua autopreservação. A doença pode ser vista, então, não como algo que degrada e debilita, mas como um ato heróico, auge do monento em que Eros se manifesta. Ato deflagrado à nossa revelia, pelo corpo, em sua sabedoria de regeneração. Afirmo: a doença é um modo altamente erotizado de nos defendermos de agentes agressores ao nosso bem-estar. De modo geral, as pessoas se crêem “possuídas” por uma doença (“Peguei um resfriado”) e não “responsáveis” por ela. Ser responsável não é ser culpado e sim, agente ativo de um processo de recuperação, em face de um trauma ou de uma agressão sofridos. Há pessoas que não “podem” ter paz de espírito, “precisam” viver em eterna luta. Não podem curar-se, por isso dedicam-se ao aperfeiçoamento de seus mal-estares físico-emocionais. Fazem alarde de sua dor. Conclamam familiares e amigos para assistir a sua batalha insana, como se quisessem dizer: “Viu, você não - 91 - pode me culpar, estou tentando!” São doentes contumazes, porque acalentam a crise, em vez de mudar as condições hostis de vivência pessoal. Obedientes, tomam todos os remédios que “o doutor mandou” até o ponto em que começam a sentir-se melhor. Contudo, não podem sarar. Caso estejam bem, haverão de pegar, nas próprias mãos, o controle de suas vidas. E isso eles não querem ou não sabem fazer. A doença vira, então, atividade. Há pessoas, porém, que suportam a dor em silêncio e dela extraem palavras e gestos de conforto para os outros. Diz o ditado: “Tem mais cuidado com a dor alheia quem também está ferido!” São experiências de solidariedade que muita gente só vai conhecer quando gravemente doente, com ou sem chances de se reformular. Há pacientes idosos que nunca foram tão gente e nunca viveram tão bem como no período em que estiveram doentes. Para ajudar durante a crise As seguintes crenças e estratégias costumam ser mais úteis no tratamento (erótico) dos doentes do que o exagero de medicação: · Mediante a incerteza, nada há de errado com a esperança. · O riso, fartamente distribuído, tem efeito imediato e contagiante na elevação do moral e do bem-estar. · A comunicação direta resgata o senso de importância da pessoa que está doente, lutando para sobreviver. · A linguagem musical é imediata na captação e compreensão do que queremos transmitir a um doente. · A raiva é mais positiva do que o tédio. · O prazer e a alegria estão na base do viver longevo. Do mesmo modo, o trabalho realizado por escolha e com convicção. · Somos o que somos e mais o reflexo das pessoas com quem vivemos. Parece óbvio, mas não é: ambientes saudáveis produzem menos doentes. Nas palavras do médico e cirurgião Bernie Siegel, autor do livro Amor; medicina e milagres: “Dê a si mesmo um tempo para saber do que precisa e você não precisará de uma doença”. Isso é altamente erótico. Idosos que precisam da doença Em geral, a doença serve como uma mensagem de mudança - 92 - que devemos aprender a decodiftcar, em vez de anular. Mensagem e meio, a doença introduz um marco no horizonte temporal e propicia algo que as pessoas não estão obtendo, como companhia, ocupação e atenção. Especialista no tratamento de pessoas com câncer, Carl Simonton afirma que “ficamos doentes por motivos nobres. É a forma que o organismo tem para nos dizer que as necessidades que sentimos - físicas e emocionais - não estão sendo atendidas e que, as preenchidas pela doença, são importantes”. A doença e a dor, como apelos eróticos dos nossos anciãos, são modos de eles estabelecerem relação e diálogo conosco, os “adultos sadios e normais”. Idosos doentes nos ocupam. Mas não se trata de “chantagem emocional”. Eles estão protestando pelo seu direito de viver com dignidade, satisfação e prazer. Se desempenhamos um papel na doença, também o desempenhamos na cura. Mesmo que não haja condições de curar o corpo, através do exercício da vontade consciente, eivada de amor-próprio, podemos alcançar a paz de espírito. Estar doente não é ser coitado. Espírito, inteligência, corpo é a tríade sobre a qual se assenta o viver. Paz de espírito, conhecimento, consciência ampliada pela vontade e pela escolha, a concretização material do que é o nosso corpo, são expressões indissolúveis do viver: Eros. Tudo o que celebra a vida Estamos habituados a reduzir o erótico ao sexual. Todavia, até aí não há nenhuma diferença, qualitativa ou quantitativa, no que diz respeito a Eros, com o passar da idade. Na obra de Carlos Drummond de Andrade, há uma poesia escrita em 1930, quando ele tinha 28 anos, chamada “Cabaré Mineiro”: A dançarina espanhola de Montes Claros dança e redança na sala mestiça. Cem olhos morenos estão despindo seu corpo gordo picado de mosquito. Tem um sinal de bala na coxa direita. O riso postiço de um dente de ouro, mas é linda, linda, gorda e satisfeita. Como rebola as nádegas amarelas! - 93 - Cem olhos brasileiros estão seguindo o balanço doce e mole de suas tetas... Aos 74 anos, Drummond escreveu “Sob o Chuveiro Amar”: Sob o chuveiro amar; sabão e beijos, ou na banheira amar; de águas vestidos, amor escorregante, foge, prende-se, torna a fugir; água nos olhos, bocas, dança, navegação, mergulho, chuva, essa espuma nos ventres, a brancura triangular do sexo - É água, esperma, é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte? E, finalmente, aos 81 anos, ele compôs “Em teu Crespo Jardim, Anêmonas Castanhas”: Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas detêm a mão ansiosa: Devagar. Cada pétala ou sépala seja lentamente acariciada, céu. E a vista pouse, beijo abstrato, antes do beijo ritual, na flora pubescente, amor. Tudo é sagrado. A reverência e a irreverência, a provocação e a entrega, corpo, alma, natureza, movimento. O sexo sagrado na sua causalidade. Sexo explícito. Excitado, provocado. Mulher ativa, exibindo-se para o homem cativo, fascinado. Aqui não se tem idade, só vivacidade. Há tanto EROS, tanto quando se fala no prazer de viver, como quando se defende a vida e se protesta veementemente contra práticas desumanas! A indignação também é erótica. Tudo o que celebra a vida e a sacramenta é erótico. Essa força de vida manifesta-se desde cedo. Na criatividade, no jogo lúdico, no sexo. Viver com prazer. Divertir-se com as charadas e imprevistos da vida, senso de justiça e harmonia. Ouvindo um ativo e bem-disposto senhor de 84 anos, entrevistei o renomado pintor mineiro Salvador Rodrigues Jr., premiado com quarenta medalhas de ouro em salões nacionais e internacionais, declarando-se um autêntico hedonista: “Só me dou com pessoas de quem eu gosto e que gostem das coisas de que eu gosto”. Fiquei maravilhada e - 94 - pensei: “Isso é que é sabedoria de viver!” Agora, olhemos para o nosso parceiro (ou parceira) de vida e imaginemos o nosso pânico se ele (ela) anunciasse: “De agora em diante, vou viver devotado ao prazer e à diversão” Camisa-de-força nele! O coitado enlouqueceu! Quando é que essa “loucura” se insere na faixa da normalidade? Teremos moratória para, a partir dos 80, vivermos a vida como uma deliciosa e louca aventura? Ah, prazer de viver!... Eros, sagrado e profano, é o que a vida tem a nos oferecer. Do começo ao fim... Dos 8 aos 80 anos. Fugir ao tédio, à banalidade. Ser humano: vulgar e divino. Sugiro “Paz e Amor”, em qualquer idade, receita essa que é grafada por Paulo Bonfim: Na hora da paz A paz na consciência Na hora do amor Em amor transformado Na hora do Adeus A Deus caminhando. Carinhos e carícias Quanto maior a vontade de conhecer, maior o impulso de olhar e tocar com cuidado. Passeamos o olhar por tudo aquilo que queremos possuir, com calor e intensidade, como que enxergando por dentro. É um “olhar de veludo”, envolvente. E tocamos, suavemente, buscando conhecer através dos sentidos, colocando o objeto querido dentro de nós mesmos. É assim que os amantes se acariciam. Tocam com os olhos, enxergam pelas mãos. Tudo muito precioso e fugidio, não uma busca sôfrega, mas um profundo e apaziguante encontro das almas. Entre amantes-amados um abraço significa tanto quanto sexo, emprestando segurança, confiança e aceitação, acolhendo o outro junto ao nosso corpo. Os gestos sensuais são lentos e, principalmente, naturais. Aliás, são sensuais exatamente porque são naturais. Não é “fazendo pose” que conquistamos alguém. A “pose” chama a atenção, a espontaneidade encanta. Não há nada mais atraente que um andar desembaraçado, um riso solto, frescor de banho recém-tomado, sem esforço para agradar. Pequenos gestos podem ter efeito de - 95 - uma “bomba”, na consciência e no querer do outro. A simplicidade, a graça de juventude, o charme da maturidade, estar de-bem-com-a-vida, é o que mais cativa numa relação, pois não nos ameaça. Deixa-nos à vontade para sermos quem somos. É natural abraçar um amigo, beijar as faces de uma criança, descansar a cabeça no ombro do namorado, voltar a deitar no colo da mãe. Precisamos ser vistos e tocados. A pior coisa é a indiferença. Ser tratado como se não existíssemos. Chega a ser enlouquecedor. Para chamar a atenção, crianças fazem birra, adolescentes ficam rebeldes, adultos se tornam agressivos chegando, algumas vezes, à violência. Os velhos podem ficar doentes ! Corpo que não é tocado, abraçado, como que deixa de existir. Ou, então, dói. O toque e, principalmente, a carícia, é o registro físico da nossa existência. Quando desejamos alguém é difícil suportar a distância física. O amor dos sentidos anseia por carícias sensuais. O amor-amigo requer menos carícias e mais carinho. Um afago, um olho-no-olho, mãos dadas ou, simplesmente, sentir o calor do corpo do outro. O carinho pode evoluir para a carícia sensual ou permanecer na leveza do agrado e do bem-querer. Acariciar o rosto de alguém, dar um beijo terno, se enroscar e ficar abraçadinho... São carícias de amizade. A linguagem dos gestos é muito rica e nem todos fomos bem “alfabetizados” nessa linguagem. Usamos o corpo para trabalhar, fazer filhos, buscar prazer. Muito pouco para nos comunicar e relacionar. Sem jeito, podemos tocar os outros de uma forma que eles não gostam. Adolescentes trocam tapas, encontrões, cotoveladas, uns nos outros, exatamente porque ainda são inexperientes e estão ansiosos com o novo despertar dos sentidos e as mudanças do seu corpo. Carinho numa colega, tudo bem. Entre rapazes? Nem pensar! Têm muitas dúvidas a seu próprio respeito e sobre sexo, para se arriscar. Vivem se tocando como se não o fizessem ou como se não fosse tão importante. Com a auto-confiança trazida pelo amadurecimento fica menos difícil para um homem expressar seu bem-querer por um amigo do mesmo sexo e trocar “aquele” abraço. Mulheres são mais fluentes nessa linguagem. Mexem nos cabelos umas das outras, conferem sua pele, se está macia com o novo creme. Afagam-se com naturalidade, numa troca de carinhos mútuos que encanta e, também, atrai um companheiro. Mais do que inteligente e bonita, o que o homem mais deseja é uma mulher carinhosa. Mais gestos e menos - 96 - palavras. Mais abraços e beijos e, menos conselhos ou palpites que não são solicitados. Mesmo a pessoa mais carinhosa pode, porém, nalgum momento, precisar recolher-se e não querer fazer nada. Fazer carinho é dar de si e nem sempre queremos ou temos o que oferecer. Algumas pessoas são pobres nesta linguagem. E outras detestam ser tocadas. Amam de longe. Nem todos aprendemos a “falar” com o nosso corpo. Nossos sentimentos ficam presos e nossas mãos se esquecem de acariciar, os olhos não conseguem mirar. A repressão dos afetos, a falta de carinho durante a criação têm um peso considerável nisto tudo. Mas, o mais importante é a pessoa desejar superar dificuldades e ser mais fluente nos gestos. Talvez não lhe faça tanta falta. Mas, se o companheiro, ou companheira, reclama, diz que você é insensível, distante, vale a pena desenvolver mais a linguagem do toque, carinhos e carícias, em vez de apostar tudo no momento sexual. Aqui vão algumas dicas: comece por beijar seus filhos. Faça um carinho na sua avó. Ou na sua mãe. Adote um cachorrinho. Sorria para seus colegas. Abrace apertado um amigo. Olhe nos olhos da pessoa amada. Principalmente, acaricie seu próprio rosto e seu próprio corpo, dizendo com alívio e alegria: “Ah, como eu gosto de você! Que bom te encontrar de novo!” Mesmo ruim, é muito bom Pergunta‑se muito: o idoso faz sexo? É importante fazer sexo? Sexo faz bem? Sexo acaba? Nota‑se, nestas indagações o primado da atividade: fazer, exercer, ter, praticar, perder, se interessar... Em tudo isso é como se a pessoa se olhasse a uma certa distância, desligada de si mesma e da própria experiência de vida: condicionada e facilitada pelo seu ser sensual. Acontece que não dá outra: ou se nasce menino, ou se nasce menina. Daí, ser um homem‑macho ou mulher‑fêmea, é uma outra história! Nossos somos sexo, a sua expressão, a sua resultante Perguntar se o idoso “faz” sexo é a mesma coisa que perguntar se ele come, respira, anda, dorme, pensa É um absurdo, mesmo porque essa coisa de “idoso” não existe, é mera (embora complexa) abstração. Melhor querer saber se “aquela” pessoa em especial “gosta” de ter nascido com o sexo que nasceu, se tem boas impressões - 97 - quando se vê ao espelho, se tem boas sensações quando toca e é tocada, em que partes do corpo aprecia o carinho e que tipo de carícia aprendeu ser a “correta” e “desejável”. Acontece que as pessoas são sexuais, quer tenham consciência disso ou não. Aprender que homem faz xixi de pé e mulher faz xixi sentada, é convenção social. Ficaríamos desnorteados se um homem se sentasse no sanitário para urinar (embora menininhos o façam até a idade dos dois ou três aninhos), como ficaríamos embaraçados com uma mulher que resolva fazê‑lo de pé, usando um “pips”. Mas quantas de nós de sejaríamos ter uma nova “mangueirinha” e poder usar uma garrafa, especialmente se em viagem ou no frio? Achar que “carregar peso”, “trocar lâmpada”, “portar arma” é coisa de homem e, que “mulheres são mais hábeis com crianças” também são convenções. Claro que existe a força da cultura, e normas tradicionais são tão poderosas que têm o efeito de nos fazer acreditar que o mundo sempre foi assim, que esse é o natural. Aliás, pela tradição, valores e crenças passam a ser tão “naturais” que nem são alvo de cogitação. Simplesmente, a gente não pensa, vive assim. O que se faz, portanto, decorre daquilo em que se crê. Em relação à sexualidade não é ver‑para‑crer, mas crer‑para‑fazer Se a pessoa “se sabe” sexual, os prazeres e as dores advindas dessa esfera de seu ser, são tão naturais que nem chamam a própria atenção. Ela aprecia o toque suave da camisa de seda ou o peso do cobertor, o correr da água do chuveiro em seu corpo (e da chuva, porque não?), a aspereza de um aperto de mão, o odor acre do suor, a doçura de uma bala, sem ficar se perguntando: será este um prazer erótico ou um treino para os meus perceptos sensuais? Ela simplesmente vive. Aprecia. Ou não gosta, rejeita. Suas rugas? Não a desmerecem. Sonhos e devaneios Quantas vezes temos sonhos eróticos e acordamos “molha das”? Muito mais vezes do que nos lembramos. Que pena não lembrar. Sonhar, então, que se faz sexo com alguém que não o “socialmente consentido”?! Que horror! Sonho de gente de idade tem que ser ascético. Pesadelo, também, vale. Mas, sonhar com o marido da vizinha?! Nesta idade, em que a pessoa já deveria ter superado suas paixões?! Imagine como você iria se escandalizar se a sua avó, (bem–velhinha, talvez bisavó) chegasse feliz para você, dizendo que teve um orgasmo à noite, ao sonhar que teve um encontro de amor com o comerciante da loja defronte!... Uau! Se ela - 98 - lhe contasse que sonhou “romances” bem platônicos, com o “Brad Pitt”, tudo bem, ele é um “impossível”, não é mesmo?! Agora, com o comerciante? Ela e aquele horroroso? Se for o avô, maravilhas! Potente ainda, não? Mas...a avó? Ah, sonhar... Se quando jovem a censura é brava, como será que ficam os sonhos dos velhos-bem‑velhos? E os devaneios? A senhora distinta vai ao consultório e paquera o médico. Para a sua neta. Quer apresentá‑los. Pergunta‑lhe se é casado, se está interessado. Seduz. Só que não percebe (e, se percebe, fica en cabulada) que é o desejo dela que se acendeu. A história aceitável é que cobiça para a neta. Só que se sente “tão bem” quando ele a toca, olha, examina, diz‑lhe estar bonita, perfumada e tudo o mais... (suspiros). Ele é tão “bom médico”! Um homem lindo, charmoso, viril. Para a neta. Ela é carta fora do baralho. Faz que é aos seus próprios olhos. Às vezes, como disse Fernando Pessoa, brinca de “poeta fingidor”: finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente... A moderna abordagem sexual das quatro fases do orgasmo e a teoria das zonas erógenas, dividiu o corpo humano em “quartos”, que nem carne de boi. Tipo, esta zona é erógena, esta zona é o que? Não erógena? Uma coisa que é definida pelo que não é?! Que estranho... Erótica é qualquer carícia feita pela pessoa que rida. Vale até mordiscar os dedos das mãos e dos pés. Dedos são zonas erógenas? Claro que são! Noutro dia eu estava pensando, altas divagações: quem sente muito tesão no lóbulo da orelha direita poderia transplantá‑lo para a aureola do seio esquerdo, “lá” onde não se sente nada? Daria para fazer seguro contra perdas na capacidade orgástica? Há relação entre o dinheiro que a pessoa ganha e o seu desejo de transar? Caso positivo, e parece que sim, qual o limite de tolerância para correr riscos? Ora, pensar nestas coisas é para quem “não tem o que fazer, é cuca fresca”. São especulações não–científicas. Cientifico é afirmar que: se a pessoa tiver saúde, se tiver companhia, se estiver no lugar certo/hora certa, se tiver vontade (e se Deus ajudar), então o sexo não acaba! E não se esqueça dos apetrechos! Sabe porque o sexo não acaba? Porque nós somos sexo, quer se saiba disso ou não. Aliás, penso até que é limitada esta classificação de homem‑macho/mulher-fêmea... Tem tanta mulher que se recusa a deixar de ser “mocinha”, tem tanta gente que não sabe direito o que é. Essas são questões que o avançar da idade - 99 - pode ou não resolver. Fazer sexo? Talvez se faça, talvez não. Os gostos, também, mudam. Os modos, as modas. Sobre o que falamos: Sexo? Amor? Amizade? Prazer físico? Alegria de viver? Liberdade? Quem de termina o que é importante? É politicamente, importante para a família? Para a nação? Para o médico? Para a pessoa? Importante e vital? Ou um supérfluo necessário? Faz bem? Fico aqui com um comentário de Dirceu: “Sexo, quando é bom é ótimo. E mesmo quando é ruim, ainda assim é muito bom.” Gosto não se discute. Faz bem quando se gosta. - 100 - Capítulo 4 VIOLÊNCIA E CO-DEPENDÊNCIA Não se deixe iludir. O velho nem sempre corresponde ao estigma de um ser frágil, carente e dependente (coitado!). Ele tanto pode ser alvo de vários tipos de violência, como ocupar o papel inverso, o de agressor. A violência é entendida, aqui, como ato intencional ou não, que cometemos e que resulta na perda da integridade psíquica e/ou física de alguém, de algo ou da própria natureza, em todos os seus reinos. Engloba, ainda, aquilo que fazemos “contra” alguém e que pode ou não resultar em lesão à integridade, seja porque a pessoa conseguiu desviar-se, neutralizar ou até revidar a agressão, seja porque outras contingências intervieram e, “por um triz”, a violência não se consumou. Assim, há que se levar também em conta os fatores subjetivos da violência, tanto na sua qualidade, como na sua quantidade. Dependendo da ótica e da perspectiva “pela qual um fato ou um fenômeno (o fato subjetivado) é visto, pode ser interpretado por algumas pessoas como violência, enquanto outras o qualificam como normal ou natural. O idoso pode se envolver, como vítima ou sujeito, em agressões óbvias ou em formas mais veladas de violência. É o caso, por exemplo, de um tipo de relacionamento altamente violento, que se sustenta na dor, na culpa e na vergonha: a co-dependência. Violência urbana A vida nas cidades gera um sem-número de agressões à pessoa. Os idosos são igualmente vitimados, não porque têm mais idade, mas por residir e transitar nos centros urbanos. Acidentes de trânsito, por exemplo, mutilam e levam à morte milhares deles: a surdez, os passos lentos, a distração e a degeneração mental, entre outros distúrbios, muitas vezes os impedem de perceber os carros que surgem “de repente” em baixa ou alta velocidade. - 101 - Outras vezes, acabam feridos devido às arrancadas súbitas dos coletivos, o que caracteriza violência gerada pela ausência da cidadania. Esta é uma das principais causas de queda na idade avançada. Lesões físicas Muita violência física decorre da falta de cidadania, da miséria e da excessiva densidade demográfica. Morando ao relento (mais sensíveis às variações do tempo), dormindo nas ruas, em valas ou em quartos sombrios, comendo mal e vivendo em estado de desnutrição e de desidratação são, também, vítimas frágeis de brigas em família e de agressões nas ruas, onde sofrem sacolejões, levam garrafadas, são atirados nas calçadas, viram alvo de tiroteios e assaltos. Segundo dados obtidos pelo Serviço de Documentação Médica, de janeiro a junho de 1992, do total dos atendimentos dispensados a idosos, mais da metade (51,6%) foi por ocorrências traumáticas e os restantes 48,4% foram casos clínicos. As principais causas dos traumas eram quedas, agressões, atropelamentos, colisões e danos causados por projéteis de arma de fogo, revelou o geriatra Paulo César A. Ferreira, então diretor administrativo do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, durante o congresso da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), realizado naquele ano. Devemos considerar que, nas condições de vida desses idosos, em muitos já estavam instaladas alterações que os fragilizavam, como modificações de postura e marcha, baixa acuidade auditiva e visual, déficits cardíacos e respiratórios, desnutrição e desidratação. No entanto, é preciso indagar: a velhice tem que ser mesmo doentia ou esta é uma violação do corpo e do espírito, que decorre de cegueira política e da miséria cultural e sócio-econômica em que submergem os idosos? Conforme dados fornecidos pelo Personal Financial Planning, de São Paulo, mais de 30% deles vivem em total penúria, dependentes da assistência social do Estado e da caridade nas ruas; mais outros 30 e tantos por cento vivem com renda familiar de até cinco salários mínimos. Outros quase 40% sobrevivem de suas aposentadorias, pensões e “bicos”. Somente 0,9% têm autonomia econômico-financeira quando chegam à casa dos 60 anos. E, mais recentemente, são as suas minguadas pensões que sustentam seus filhos desempregados ou com que pagam a educação escolar de seus netos. - 102 - Agressões médicas Prescrever drogas inadequadas, que mantêm a fármaco-dependência dos idosos ou cometer erros de diagnósticos e procedimentos, ainda acobertados, são algumas das violências que essa população suporta por parte dos médicos. Mas não as únicas. O profissional de saúde muitas vezes contribui para perpetuar e recriar preconceitos, quando não sabe ao certo do que se trata e encerra a questão determinando: “Tem de aprender a conviver com essa dor. Na sua idade é assim mesmo”. O velho também é agredido quando seu corpo é exposto, despudoradamente, para “estudos”, quando o médico excita o desejo de senhoras fragilizadas pelo asilamento, chamando-as de “minhas meninas”, “minhas namoradas” ou que tal. E mais: quando separa e impede o relacionamento entre homens e mulheres em asilos e congêneres, só porque “têm mais idade”, quando o que está em jogo é a incompetência da equipe em tratar questões de afeto e de sexualidade. Violência famíliar Os familiares podem ser coniventes com esse tipo de violência, por ignorância ou comodismo, permitindo que se mantenham os velhos drogados, alcoolizados, acamados e confinados, indevidamente. Ou, no outro extremo, oferecem a eles estímulos excessivos, obrigando-os a sair, “passear”, mesmo quando o que eles mais desejam é sossego. Presenciei uma senhora, filha amorosa, que sinceramente acreditava estar fazendo o melhor, ao exasperar-se, gritar e chacoalhar os ombros de sua velha mãe, durante uma festa de casamento, quando esta começou a resmungar, pedindo para ir embora: “Você pediu para vir, não foi?! Agora, vê se agüenta e não enche, que eu estou me divertindo. Pediu, agora fica!” Só que a festa havia começado às 21 horas (depois da cerimônía religiosa) e já passava da meia-noite. A velha não se locomovia só e não passou pela cabeça de ninguém da família levá-la para casa e, depois, voltar para a festa, assim como muitos casais agem com seus filhos pequenos. Outra família mantinha o seguinte esquema: de segunda a sexta, a velha senhora morava com a filha; aos sábados e domingos, alternadamente, ela morava com outros dois filhos e noras. Ao invés da família compartilhar e distribuír os esforços, tudo o que acontecia era que a velha e dependente senhora não tinha mais o seu próprio lugar. Haviam desfeito a sua casa e acolhiam-na “de - 103 - favor.” Apresentava surtos psicóticos agravados pelo fato de ter consciência de estar sendo “jogada” de um canto para outro e, no mais das vezes, não sentir-se bem recebida em nenhuma das casas. O pior é que os três filhos ainda esperavam que a mãe ficasse agradecida: “Não é verdade, mamãe, que você tem filhos que te cuidam e não te deixam só?” Nem reclamar, ela podia. Tiravam-lhe a razão. “Para que a sua casa? Para lhe dar trabalho, mãe?” , Espancamentos, gritarias, palavrões e castigos. É assim que algumas famílias tratam seus idosos. Com certeza, também se tratam desse mesmo modo. Não é porque são velhos. É porque a família é feroz e pouco continente. O Estado também agride Quando pouquíssimos acumulam demais, em detrimento de milhares de milhões a quem falta o básico (saúde, educação, moradia e alimentação), dissemina-se a idéia de que “o mundo é dos espertos”. Entra em cena a violência ideológica. É a lei da selva? Não. É a bestialidade humana, que permite que o Estado assassine crianças, detentos e negros, impunemente. O Estado violento, com suas práticas de suborno e corrupção, causa a degradação do homem e inviabiliza a evolução social. A fome das populações é o atestado sórdido da pobreza de espírito de que todos padecemos, vitimados. As ações criativas, de dignificação da vida e do homem, ocorrem isoladamente, à revelia de muitos governos e administrações. Contudo, o ganho de consciência é crescente. Muitos gestos de coragem brotam do desespero. É preciso confiar. É tempo de reviver. Ë o nosso tempo. Violências que os idosos cometem Discriminação e racismo fazem parte do repertório social de muitos idosos. Vários líderes, chefes de governo, homens públicos e em toda a esfera privada mostram-se totalitários, insinceros e cruéis, ainda que suas faces sejam perfumadas e seus sorrisos largos pareçam francos. Não são perigosos por serem idosos, mas porque, apesar da idade, ainda não aprenderam o que é ser gente. Ao se impor pela força e pelo dinheiro, conservam a insensatez, o egocentrismo típico das crianças. Viveram muito, sem jamais ter crescido de verdade. São os velhos tiranos. Não são poucas as famílias que padecem à mercê de uma pes- 104 - soa de idade. Personalidades rígidas e mórbidas, que se recusam a evoluir e se adaptar ao mundo moderno, aterrorizam seus familiares à exaustão. Desempenham, com maestria, scripts de bebedeira, desocupação, adoecimento e rancor à juventude. Pessoas arrogantes e insensíveis, que falam grosso ou se fazem de fraquinhas, criam laços de dependência intoleráveis. Agindo, ora como quem cuida, ora como quem é cuidado, o que mais conseguem instilar nos filhos é culpa, vergonha e medo por serem o que são. Os netos tentam reagir, às vezes, desacatando os idosos e viram alvos da ira dos avós, do desespero dos pais e da sua própria ignorância juvenil. A casa vira um inferno! Estes velhos são “visitados por obrigação” e acolhidos na residência porque “não há jeito”, não por serem quem são. Impera o respeito filial, ainda que muitos casamentos desfaleçam sob as dependências e medos em que vivem submersos. Eles mesmos se alvejam Há idosos que não gostam de “velhos”. São desagradáveis e grosseiros em grupos. Não porque têm idade. Mas porque não se dão com ninguém. Em grupos de convivência, são maledicentes e criticam tudo. Batem em companheiros de quarto, se estiverem internados. “Armam-se” com a bengala, xingam e ofendem. Agridem o cônjuge, sob as mais variadas alegações. Têm pavor da morte e do Dia do Julgamento. Têm pavor de gente, pavor de viver. Alguns se apresentam em estado de consciência alterada, em função de doenças cerebrais e mentais. Outros são doentes da própria alma. Falta-lhes amor. Não porque não o recebam, mas por não conseguir sentir mais. São filhas velhas maltratando as mães anciãs; são maridos velhos perseguindo netos moços por atribuírem a eles “casos obscuros” com a avó, só porque querem-se bem; são velhas irmãs ou amigas que se comprazem, destilando veneno, falando mal da vida alheia. O “ódio ao velho” tende a se voltar contra si próprio. A forma mais violenta e radical de demonstrá-lo é o suicídio. E a apatia, uma de suas formas correntes, é a face fria do desespero. O isolamento, verdadeiros confinamentos a que se impõem, os rancores e lutos que nunca se dissolvem, o mutismo e a inapetência a que se entregam, são modos variados de se auto-agredir e expressar sua intolerância para consigo mesmos e para com a própria vida. - 105 - Alimentam crenças negativas, do tipo “cabeça de velho não funciona”, “não fica bem na minha idade”, “a vida foi muito madrasta comigo”, “devia-se chegar a uma idade-limite, digamos 60 anos, e morrer”, “é difícil envelhecer”. E se destroem por atitudes e sentimentos nefastos de inveja, ira, culpa, vergonha, preguiça e gula, entre outros. Essas pessoas perderam a noção de sua própria luz e missão de vida: cuidar bem desse santuário que somos, do corpo que vestimos, do nascimento à morte. Desistiram de descobrir a verdade da vida eterna e perpetuála em sorrisos de bondade e olhares de amor. Não sabem mais respirar com alegria. Co-dependência: a culpa ocupa o lugar do amor Quando os filhos tornam-se pais de seus pais e, concomitantemente, os pais tornam-se filhos de seus filhos, ocorre uma perversa inversão de papéis. Perversa porque são relações que se estabelecem com base no medo, na angústia e na culpa. Esses sentimentos intoxicam o psiquismo e fazem da relação, não uma experiência de cuidados recíprocos e crescimento mútuo, mas uma prisão, um campo de disfarces, inverdades e agressões mútuas, às vezes veladas, outras, explosivas. Pessoas envolvidas em relacionamentos de co-dependência (outrora denominados “amor neurótico”) convivem com sentimentos de mágoa e injustiça, frustração e revolta. Parece que seus esforços adaptativos resultam sempre em vão. O que, de certo modo se justifica, pois em geral elas se atribuem responsabilidades e metas que não dependem exclusivamente dos seus esforços. Daí o fracasso dos seus objetivos. O co-dependente acredita poder, fazer e decidir pelo outro e traça seus planos sem consultá-lo. Insiste em que o outro consiga coisas que ele próprio nem ousa tentar. E vive preso nos seus sentimentos de frustração e impotência. A culpa, sempre estão presentes a culpa e o medo: de não estar - tomando as decisões certas, de estar exigindo demais ou dando de menos, de não estar à altura da complexidade dos acontecimentos, de se sentir controlador ou controlado, preso numa armadilha. Este é o universo mental dos co-dependentes. Cegos para a liberdade e o amor, odeiam e se tornam danosos em relação ao outro de quem propõem-se cuidar. Não sabem, de fato, fazer isso. Na co-dependência, o que ocorre é o exercício do poder, seus jogos e seus conflitos e, não, a prestação de assistência caracte- 106 - rística dos relacionamentos fundamentados no amor. Meu propósito não é, de forma alguma, negar cuidados aos que dele necessitam ou desmerecer os esforços de familiares e profissionais que os atendem. Mas atentar para o fato de que existe, sim, muito rancor e dominação nessas relações de posse e controle. O martírio da filha devotada Há filhas que fazem de suas mães idosas suas próprias filhas. Mandam e exigem obediência. Passam a decidir por elas. Ralham, gritam, punem. A angústia faz parte do seu cotidiano: “Não sei sair de casa, me divertir num fim de semana, deixando a mamãe sozinha em casa. Eu não agüentaria de culpa”. Uma situação tão corriqueira como esta delata a existência de um tipo de “cárcere famíliar”: a senhora mãe idosa é presa de medos irracionais e injustificados, a ponto de passar mal, quando a filha se afasta. Está paralisada pelo desejo de viver no colo de sua filha e, a partir desse colo, controlar a vida da família. É interessante notar que: · A idosa senhora “não se mexe” para fazer seu próprio círculo de amizades e interesses; · A filha se sente imbuída de deveres filiais e quase sempre tem um marido, com quem mantém uma relação que lembra mais a de mãe e filho, não de homem e mulher; · A filha racionara: “Se eu me mexer bastante, quem sabe a mamãe se anima”; Esta filha, por sua vez, também deseja que os outros se sacrifiquem pela coitada-da-avó e se “revolta” quando os jovens ou irmãos não aceitam essa imposição. Sente-se abandonada e traída. Aos poucos, vai se afastando de sua própria família e, pior, de suas próprias necessidades. A prioridade é o bem-estar da idosa senhora sua mãe. “Coitada, ela não vai durar muito mesmo.” Sua pressão sobe, engorda muito, tem taquicardias, hipersensibilidade emocional. Diagnóstico: Menopausa! Tudo menopausa! Esse é só o início de uma saga, que pode ser tanto da mulher como do filho homem. Há homens que impõem, obrigam suas esposas a convivências desastrosas com os pais deles, quando nada o justifica, a não ser o terror de dizer-lhes “não”. Alguns, na tentativa de se desvencilhar, rompem o vínculo com os pais e “sobra” para as esposas. Eles não toleram os velhos, mas manobram bem para que tudo pareça fácil para o restante da família. - 107 - O que começou como desvelo, agora se torna martírio: “Ah, se eu soubesse! Nunca teria trazido a mamãe para morar com a gente! É um transtorno, ela, para as crianças! Não agüento mais!” E a pessoa desconta o seu nervosismo onde dá, quase sempre explodindo na hora errada. Então, não se deve trazer os pais para morar conosco?! Nada disso. Sejam bem-vindos. O que não se deve é fazer das vontades e necessidades dos outros a prioridade do nosso viver. A não ser em situações de emergência e por tempo determinado. O que há nos bastidores Na verdade, o co-dependente sempre foi assim. Ele é como uma criança desamparada, que teve que se cuidar - emocionalmente - cedo demais. Na infância, é bem possível que um dos pais ou ambos tenham visto nesta criança a força que eles não tinham e lhes pediu, direta ou indiretamente, que assumisse o papel de protetora. Na sua inocência, acreditou que, se negasse esse amparo, a família inteira sofreria com sua omissão ou fraqueza. Mesmo que de início não o reconheçam, todos os co-dependentes tiveram que lidar com pais e/ou mães cruéis, indiferentes, fracos, violentos, perturbados e perturbadores, o que acarreta altíssimo custo emocional para um ser humano ainda frágil e imaturo. Eles aprenderam a negar seus sentimentos e percepções. Cresceram sabendo cuidar melhor dos outros do que de si mesmos. Na tentativa desesperada de preencher um vazio emocional muito profundo, de retificar antigos erros, de recuperar o amor e o tempo perdidos, o co-dependente se envolve em situações nas quais tem que “dar tudo de si” para pagar uma dívida, que nem sabe direito o tamanho ou como é. Ele não consegue ser feliz, enquanto os outros, a filha, o marido, a mãe, o irmão... não são felizes. Sem controle sobre sua vida, tenta controlar a vida dos outros. Para sair dessa situação-problema, um dos envolvidos deve desejar ardentemente, isso. Ou por desespero ou por compaixão. Daí, o passo seguinte é aprender a se separar do problema da pessoa e não se separar da pessoa que tem problema. Isso exige coragem, porque o desligamento emocional é um processo vagaroso que provoca muita dor. A busca da restauração do amor e da confiança em si, precisa de paciência, de orientação e de carinho. A pessoa terá que se haver com as dores do passado, suas raivas e temores. Terá que lutar para voltar-a-ser-si-mesma e aceitar limites de realidade. - 108 - De início, uma das primeiras restrições que surgem é o sentimento de culpa e a sensação de egoísmo. Depois, a revolta contra os limites impostos pela realidade. Co-dependente não sabe, de fato, respeitar e confiar na pessoa que ama e de quem cuida. Precisa acreditar que merece ser tratado com justiça, inclusive e, sobretudo, por essa pessoa. E, depois, o mais difícil e doloroso: precisa perder suas ilusões e aceitar o mundo e as pessoas como são. O mal do co-dependente é querer reescrever o seu passado, não à luz do presente, mas na perspectiva de seus sonhos românticos: o que poderia ter sido e não foi. Às vezes, só o desligamento emocional não resolve. Há necessidade de se afastar, fisicamente, ao menos por um certo tempo, da pessoa-problema. E, como nem todos conseguem, a morte de um ou outro pode ajudar, embora nem sempre resolva o problema emocional. Sentir ou pensar que a solução de liberdade plena só virá com a morte da outra pessoa é indício certo desse tipo de relacionamento, que pode e deve ser tratado. À caminho da cura Para estabelecer relações saudáveis, inclusive com a pessoaproblema, o co-dependente precisa aceitar todas as seguintes premissas: 1. Basear suas relações no amor e no reconhecimento de um Ser Supremo, generoso e verdadeiro, que olha por todos. 2. Enxergar esse amor em cada um. 3. Responsabilizar-se pelo seu sofrimento, ao fazer o necessário exame de consciência; olhar-se. 4. Conseguir perdoar-se em relação a tudo que um dia lhe causou vergonha, culpa, dor, raiva e ressentimento. 5. Reconhecer que o amor existe em abundância e que a sua falta é, somente, uma ilusão. A própria ignorância, também, é uma ilusão. 6. Saber que nada lhe falta e que nada deve, como um verdadeiro filho de Deus, cujo estado natural é a serenidade. 7. Respeitar suas capacidades heróicas positivas e usá-las para promover seu crescimento pessoal. 8. Praticar procedimentos que elevam o moral e a espiritualidade. - 109 - 9. Viver no momento presente, reconhecer e reparar males causados, sem sentimento de humilhação; a vida é a respiração “aqui-agora” e cada dia é um novo dia. 10. Nos relacionamentos, abrir-se para a intimidade, confiança, gentileza, alegria e gratidão. Assim feito, tanto as noites como os dias são celebrados. Cada um deles capaz de nos trazer oportunidades de descobrir quem somos e nos envolver em relacionamentos interdependentes, autônomos, livres, amorosos e saudáveis. - 110 - Capítulo 5 A MORTE E O MORRER* A morte e o ato de morrer não são meramente casuais, mas se coordenam em grande tema psicossocial, no qual todos vivemos inseridos. Destacamos no quadro abaixo alguns componentes desse sistema. - 111 - Nas palavras de Raimbault: “Não há sujeito da Morte, mas um sujeito da dor, da agonia, da passagem; um sujeito mutilado, sem domínio de si próprio”. O morto é posse do outro. A angústia da morte seria, então, a perda do Sujeito, para si e para os outros. O sistema de morte inclui: - 112 - Este sistema de morte é introjetado, desde a infância, através da experiência. Várias brincadeiras sobre a morte são praticadas em todas as idades. Os adultos divertem- se com piadas de humor negro. Na infância, brinca-se de jogos simbólicos grupais (vivo/ morto, duro/mole, estátua, queimada). Aprendem-se cantigas (Ó jardineira, porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu...). Ouvem-se histórias em que ocorrem, muitas vezes, mortes trágicas de personagens malignos ou mesmo bondosos, que viram anjos. No jogo lúdico, a criança busca o significado da vida e da morte, expressa a angústia humana e se fortalece na aquisição da simbologia. Embora não saiba conceituar e definir a morte, a criança a compreende, perfeitamente, em toda a sua complexidade. Nas sessões de ludoterapia, reproduz fielmente a dor, a perplexidade e a ambivalência do adulto perante a morte e o morrer. Desde cedo, são plantadas no espírito da criança as nossas contradições: · O vovô “viajou para longe” - quando morreu; · O papai “morreu” - quando o casal se separou; · A criança está “matando a mãe” com as suas malcriações; ou “a mamãe vai matá-la” por causa do xixi na cama. À propósito, o “eu te mato/você me mata” é um modus vivendi de comunicação em muitas famílias ditas bem ajustadas. A morte entra na casa de várias formas, inclusive nas suas modalidades mais violentas, pela televisão. O que a criança não vê e não ouve é a reparação, não tem o direito de viver o luto. Afastada do convívio com doentes e mantida longe dos defuntos, a ordem é não interromper sua rotina, levá-la para a escola, mandá-la brincar - 113 - com os amiguinhos. Como se reorganizar? Na adolescência, retomam os conflitos de vida e morte. O adolescente tem que elaborar várias mortes e suicídios simbólicos para poder crescer e amadurecer. Uma das fontes geradoras de conflitos nessa idade é a onipotência de que o jovem se reveste, a adoção de ídolos e verdades imortais. O seu amor é imortal (para sempre!), a sua saúde é inabalável. Ele tem que se acreditar todo- poderoso para começar a ingressar na vida adulta com determinação e coragem. A experiência de vida se incumbirá de fazê-lo baixar do Olimpo e vestir as vestes dos mortais. O silêncio persiste Chega-se à idade adulta, em que ainda continua sendo difícil, senão impossível, descrever a morte. Ela pode ser conceituada, simbolizada, conotada: · Culturalmente: pode haver pranto ou comemoração, inclusive sua negação; · Socialmente: pode ser conveniente, no caso de herança, por exemplo; ou inconveniente, quando se dá a perda de poderes políticos. Prefere-se que morra o pai em vez da mãe, porque se acredita que o rompimento do vínculo pai/filho é menos traumático do que o rompimento do vínculo mãe/filho; · Filosoficamente: pode ser o fim ou o começo; · Psicologicamente: pode ser conflitiva ou solucionante; · Religiosamente: pode ser salvação ou punição, reencarnação ou descanso final: A nossa sociedade prima por ser silente e evasiva nas questões de morte. Prefere lançar mão de eufemismos: “Enfim, descansou”... “Passou desta para melhor”...”Ele se foi”... “Agora está em paz”... “Nos abandonou”... “Dorme para sempre”... “Agora não sofre mais”... “Está com Deus”. Dizer “morrer” quase exige um sussurro e muito e pudor. Nas palavras de Phillippe Ariès, “a morte é o grande tabu que vem substituir o tabu do sexo. Antes, dizia-se , às criancinhas que elas tinham nascido de um repolho. Hoje, elas sabem como foram feitas e como nasceram. Em contrapartida, quando alguém morre, diz-se que está num lindo jardim de flores”. Na idade adulta cresce o senso de que o tempo pressiona as pessoas no dia-a-dia. O tempo, se por um lado ajuda a curar feridas, por outro a tudo devora e a todos consome. Instala-se a - 114 - angústia de ser mortal e repleto de muito mais possibilidades do que o percurso e a duração de uma vida permitem realizar. São sábias essas palavras: “Na juventude, quando a morte é longínqua, pessoas passam o tempo correndo; na velhice, preferem ir devagar, não se aproximar tão rápido do fim.” Paradoxalmente, a idéia da morte própria e do outro atenua a impulsividade e permite maior tempo para reflexão e tomada de decisão. A partir da meia-idade, com maior consciência do tempo, perda acentuada de vigor físico, aliadas à possibilidade de surgimento de doenças crônicas e falecimento de parentes e amigos, inclusive da mesma faixa etária, o ser humano entra em contato mais íntimo com a morte. Começa a fazer seu “balanço de vida” e a clarear seus conceitos e concepções sobre a vida e a morte. Essa clareza inclui o senso de vulnerabilidade e limitação, a que Pedro Nava tão bem se referiu ao dizer “a experiência é um farol que ilumina para trás”. Em outras palavras, estamos sempre inacabados e inexperientes para o futuro. Essa clareza da maturidade nos permite revelar toda a complexidade do nosso psiquismo, que é decodificada através dos sentimentos e das contradições desses sentimentos perante a própria morte ou a do outro, seja morte lenta ou súbita, agonizante ou tranqüila. Nós podemos vivenciá-la com tristeza, pesar, alívio, alegria, perplexidade, aceitação, raiva, temor, curiosidade... Nunca com impassividade ou indiferença. Entrando em contato com a morte Na meia-idade, a pessoa decide, intimamente, o seu estilo de envelhecer: se irá adotar uma nova causa e por ela viver ou se entregará os pontos e aguardará a morte chegar, desencadeando um envelhecimento precoce, de morte lenta e tardia. Durante essa crise, as pessoas podem ficar depressivas, temendo a noite, o silêncio, o escuro. Ambientes fechados assemelham-se a túmulos. Numa linha paranóica, podem temer que a morte sobrevenha ao longo do dia por meio de assaltos, acidentes de trânsito, incêndio. Sentem-se mais seguras em casa. Outras, por medo do sofrimento físico que pode anteceder a morte, entregam-se à hipocondria. Algumas desenvolvem quadros de pânico e sentem-se mais seguras com uma pessoa definida ao seu lado, preferindo dormir de luz acesa e janelas abertas. Neste caso, os sintomas são taquicardia, falta de ar, vertigens e desmaios, formigamentos no corpo, parali- 115 - sação, sudorese intensa e hipotermia. Na linha maníaco-obsessiva, há as que temem a morte por remorso e culpa, têm pavor da perda de controle e sentem-se mais seguras com pessoas conhecidas e autoritárias. Quem deseja a morte como libertação são os suicidas em potencial. Mais silentes e discretos, são capazes de planejar a própria morte. Preferem menos pessoas e pouco barulho ao seu redor. Ouvir a pessoa durante a crise, naquilo que ela tem a dizer sobre a morte e o morrer, sobre a ausência de significado em sua vida, é mais indicado do que dizer que “isso é bobagem, que ela ainda é jovem e não vai morrer”, ou medicá-la, entrando em conivência com suas dificuldades. Silenciar e evitar conversar sobre a morte também é calar sobre a dignidade da vida. Habitualmente, as fantasias de morte são o revestimento de importantes conflitos do viver. Elas tanto podem ser centradas no sujeito, como numa outra pessoa. Podem ser interativas - quando dois indivíduos dominam a morte, como acontece nos romances - ou multidirecionadas quando todos falecem em catástrofes, por exemplo. Além disso, tais fantasias implicam a cogitação da morte física ou da morte social, em que ocorrem reduções parciais ou completas da pessoa, em relação a si mesma (perder a confiança em alguém, separar-se de um amante, entrar na menopausa), a um grupo (ingressar no cárcere, convento ou asilo) ou a uma atividade (aposentadoria). A morte social é resultante de pressões externas ou da falta de apoio social. A elaboração dessas fantasias propicia a resolução da crise, permitindo o ingresso numa nova etapa vivencial. Terapias de apoio, numa linha analítica junguiana ou mesmo transpessoal, existencial, com bases místicas e de religiosidade ajudam, em curto espaço de tempo, a re-significar a vida e a re-equilibrar o horizonte temporal. A pessoa depara-se com um passado histórico muito longo e um futuro previsto muito curto. Ela precisa “aprender” a conviver melhor com seus novos ritmos lentificados, com a sua perda de vigor e beleza física e a escolher mais adequadamente suas atividades. Em luta pela vida Aos 54 anos, Romualdo, casado, pai de três filhos adolescentes, teve duas paradas cardíacas durante o cateterismo e foi ressuscitado. O exame localizou bloqueio nas coronárias e coágulos em artérias secundárias. - 116 - A indicação era uma cirurgia de ponte de safena, a ser realizada em poucos dias. Informada da gravidade do caso, sua esposa foi encarregada de “convencê-lo” a se submeter à operação. Internado numa unidade de terapia semi-intensiva, Romualdo mostrava-se agitado, calado, rebelde e agressivo. Não queria decidir-se quanto à cirurgia, insistindo em que os médicos não lhe informavam o que havia ocorrido com ele e quais eram as razões da operação. A equipe médica já lhe havia mostrado os resultados dos exames de sangue, das radiografias e explicado que havia sofrido arritmia e fibrilação cardíaca. Omitiram o fato de haver coágulo nas veias, além de obstrução na coronária. Na iminência de troca da equipe médica, estavam todos impacientes, irrascíveis. Fui convocada ao hospital pela esposa, minha cliente. Percebi logo que havia falhas na comunicação. Se o paciente insistia em perguntar “o que é que eu tive” é porque não sentia que lhe haviam respondido. Indaguei aos médicos se haviam explicado a ele a gravidade do seu estado: se não fizesse a operação, poderia morrer logo; se fizesse, poderia morrer na mesa de cirurgia ou sabe-se lá quando. A resposta foi: “Não, em nenhum momento se diz ao paciente que ele pode morrer antes, durante ou depois da cirurgia, porque isso pode deprimi-lo e retardar a recuperação”. Mas ele já estava deprimido! Daí sua irritação, mutismo e agressividade. Achei que o melhor era abrir o jogo com Romualdo. Sua esposa, aterrorizada, não tinha a menor condição de fazer isso. A equipe médica se recusava. Então, assumi a tarefa. Entrei no quarto dele, com sua esposa trêmula, porém, aparentemente serena ao meu lado. Ele já tinha ouvido falar de mim. Espantou-se ao ver-me ali, naquela noite. Já era tarde. - “Pois é, sua esposa me chamou, pois parece que tomou um baita susto, aí, com o seu peripaco” - disse eu. - “É, tá uma barra” - respondeu Romualdo. - “Eu tô aqui nessa cama opera/não opera e ninguém me diz o que é que eu tenho”. - “Eu falei pra Ana que já foi explicado tudo, várias vezes, mas que você parece não entender” - comentou a esposa. - “É claro que não”, rebateu o marido, um tanto bravo. - “O médico não fala comigo, eu não tenho o que falar com ele”. - “Bem, o que você acha que você teve?” - indaguei. - “Eu acho que morri”. - “Claro que você não morreu” - disse a esposa. - “Se não - 117 - você não estaria aqui.” - “Pois eu acho que ele morreu e foi ressuscitado” - afirmei. - “Arre, que alguém aqui está falando claro” - vibrou o doente. - “É isso que eu quero saber: se eu morri ou se eu não morri”. - “O que aconteceu lá dentro?” - perguntei. - “Fizeram exames” - adiantou a esposa. - “Eu morri duas vezes” - contou Romualdo. - “Da primeira, eu só senti o coração disparar, com muita dor. Daí começou um correcorre dos diabos. Interromperam o exame e começaram a me dar socos no peito. Desmaiei, mas logo voltei. Ainda doía muito. Dali há pouco, aconteceu tudo de novo. Só que a dor sumiu. Eu queria falar, mas não conseguia. Eu sabia que estava morrendo... Não pensei em mais nada, nem na minha esposa, nem nos meus filhos. Fui perdendo a visão, ficando distante... Senti muita paz. A última coisa que pensei foi “é, chegou a minha vez”. E, daí, ficou tudo escuro. Não vi e não senti mais nada. Quando acordei, estava na UTI. Então, eu morri ou não morri?” - “Morreu” - respondi. A esposa deu um gemido surdo e irrompeu em choro convulsivo. Abraçou o marido e implorou: - “Não morra, eu não quero que você morra. O que eu vou fazer sem você? E as crianças? É por isso que eu quero que você opere, para que não aconteça de novo: . - “Mas quem disse que eu quero morrer?” - disse Romualdo, afagando os cabelos da esposa. - “Pelo contrário, eu adoro viver! E, se para viver eu tiver de operar, parar de fumar e emagrecer, é isso que eu vou fazer. Saindo daqui eu vou me inscrever no “clube dos safenados do, sabe, quase todos os meus amigos têm safena. Não é tão grave assim... Pode falar com o cirurgião e marcar a operação. Mas por que eles não falaram comigo? “ - “É difícil falar de morte” - respondi. - “Mas foi a minha morte! “ - “Poucas pessoas falam disso. A gente tem medo que os pacientes se deprimam”. - “Bobagem! Deprime se não falar! Não é a vida da gente? Tem que falar”. Dirigindo-se à esposa, acrescentou: - “Não se preocupe, Bem. Eu vou passar por essa cirurgia, vou viver, vou me cuidar e vou estar bem. Vou fazer tudo que o doutor mandar, pois o interesse em ficar logo bom é meu!” Na saída, sua esposa me acompanhou ao elevador e mal - 118 - conseguia me agradecer. Eu também não conseguia quase falar. Sentia-me exausta, pesada. O frio da noite me reanimou. Respirei fundo e caí no choro. Havia presenciado uma das maiores proclamações da vontade de viver, até então. As crenças vêm à tona Em geral, o sistema de crenças de uma pessoa fica-lhe mais claro diante de um episódio traumático, que ameace a sua integridade física. É comum que a pessoa redecida seu destino e, superado o perigo, há fortes tendências a enfatizar a dimensão afetiva dos relacionamentos interpessoais. Tratando-se de um casal, o trauma incide em ambos: na pessoa como vítima direta da agressão, no cônjuge, como vítima passível de perda. Aliás, o medo da perda, geralmente perdura por muito mais tempo no cônjuge do que no próprio doente. Para quem está sob essa ameaça, a morte pode ter diversos significados: · Um grande eqüalizador social: todos morrem, ricos e pobres, jovens e velhos, homens e mulheres, pretos e brancos, o que, de certo modo, é consolador. · Uma grande validação da pessoa: confirma o status social do indivíduo, uma vez que este pode dispor de sua herança e planejar seus funerais com pompa ou discrição. · Um fator de união e reunião: com Deus, a Luz, a Força Cósmica e entes queridos já falecidos, o que atenua o medo da solidão. · Uma separação: sentida pelos que ficam como abandono ou traição. Desejar morrer é excluir-se do mundo, rejeitar o outro, condenar-se à solidão. Ser obrigado a morrer é ser excluído, castrado, privado do convívio, como afirmou Bernardo Slade, na peça teatral “O Tributo”, magistralmente interpretada por Paulo Autran: “Saber que se vai morrer é sentir a dor da perda. Perda! Quando morre um amigo, a gente sente a dor da perda de um amigo. Quando é a gente que morre, a gente sente a perda de todos os amigos”. · Impedimento, castração e/ou desestruturação: vítimas de doenças degenerativas dão-se conta da perda gradativa de sua integridade e de seus pontos de referência no corpo dolorido. Acentuam-se os sentimentos de imperfeição, além de rejeição. · Silêncio e ausência: segundo Raimbault, “o silêncio é a máscara da condição e da função do moribundo, criança ou adulto, - 119 - em relação ao desejo dos vivos. Todo diálogo autêntico mostra-se insustentável, ninguém se mostra capaz de ouvir o depoimento do condenado, ninguém pode responder-lhe. Ele está obrigado a um silêncio oficial que prefigura o silêncio da própria morte”. · Maldição da presentificação: não há futuro, apenas incertezas. A vivência emocional é a angústia da paralisação. Nada terá continuidade. · Solução final: é a visão de grupos que permitem e permitiram os campos de extermínio, a indústria da seca e da fome. · A última solução: como tentativa desesperada de resgate da honra e da integridade. Individualmente, para dar alívio ao sofrimento, no suicídio ou na eutanásia. Coletivamente, como preservação de valores sociais. Um exemplo foi episódio histórico de Massada. · Renascimento: permite transcender o corpo físico em direção a uma nova vida, ascender a um estado superior de ser. Em função dessas crenças, bem como da personalidade do indivíduo e do seu contexto sócio-econômico- cultural, observamos que, em face à ameaça de morte, são acionados diferentes mecanismos de defesa. Preparar-se para morrer é sempre um ato de vida. Quanto mais investirmos contra os mecanismos de defesa, por serem eles basicamente inconscientes, mais acirrados eles ficarão e mais distante se estará da fase de aceitação descrita por Kübler-Ross, como serena e consistente. Da negação à ira, à barganha, à depressão, as pessoas valem-se de todos os recursos que lhes permitam continuar a viver com dignidade. Por mais que encaremos a morte como solução, nossos processos mentais, conscientes e inconscientes, tentam contorná-la ou adiá-la, porque culturalmente aprendemos que a morte é o que há de pior. Mesmo sabendo que há feridas narcísicas mais graves, como invalidez, exclusão, solidão, exílio, loucura, é quase inevitável o surgimento da angústia perante a morte. Não, propriamente, por temor ao desconhecido, mas porque a vivência moribunda é desarticuladora para todos nós. A morte é aceita quando se esgotaram todas as fontes de esperança. Procurar um diagnóstico correto traduz a busca dessa esperança, a única arma eficaz contra a nossa impotência perante a morte. O prognóstico fatal agride e anula a esperança. - 120 - A morte pede passagem Como fenômeno, morrer é sempre um evento psicossocial, com dinâmicas próprias e papéis definidos ligados ao contexto de morte. O morrer começa de vários modos: · Quando os fatos são reconhecidos: a pessoa pode pressentir a sua morte; o médico, diagnosticar uma doença fatal; a família, notar que a pessoa assume status de moribundo; · Quando os fatos são comunicados, mesmo que essa comunicação oficial aconteça anos depois do fato; · Quando se aceitam e realizam os fatos: o morrer integra-se ao viver, agora um viver diferenciado. Pode ser conferida a extremaunção ao doente e temáticas como enterro, missa de sétimo dia e herança são introduzidas no cotidiano; · Quando nada mais pode ser feito para preservar a vida. Então, a vida continua, com mudanças em certos hábitos e condutas. Vale a pena, contudo, salientar que os prognósticos nem sempre são definitivos: a pessoa pode ser considerada doente terminal por uns médicos, mas não por outros ou por si próprio. De modo geral, é o reconhecimento da morte iminente que altera o tipo de atendimento dispensado. E, nesse caso, é necessário avaliar questões complicadas, como o custo do tratamento (para a família e para o hospital), liberação de certas rotinas (o paciente é transferido da UTI para o quarto ou do hospital para casa), remoção da medicação mantenedora da vida (eutanásia passiva). Pode-se cogitar, ainda, a hipótese de doação de órgãos. Outro ponto importante é o tipo de informação fornecida ao paciente. Visualmente, opta-se por omitir a gravidade do seu estado ou, então, o paciente é sedado. Há que se pensar, também, na responsabilidade do atendimento e cuidados prestados. Existem diferenças entre esses dois termos. O tratamento é paliativo e sintomático. O atendimento pode escapar das mãos da enfermagem e passar a ser de domínio maior dos familiares e acompanhantes. As novas relações Devido à complexidade do contexto psicossocial, com freqüência surgem distúrbios de comunicação e de sentendimentos. Instalamse novas tensões e conflitos. De modo geral, o médico e seu staff deseja que a família viva - 121 - normalmente e que não interfira no tratamento. Evitam temas alusivos à morte e ao pagamento dos honorários. Procedem dentro da maior racionalidade. A família ressente-se da separação e vive uma fase de desorganização. Deseja que o médico só intervenha quando solicitado ou, no extremo, que dê uma solução a qualquer custo. O paciente é, a um só tempo, vítima (que padece) e agressor (que inflige sofrimento à família). Cabe a ele evocar a morte e identificar sua causa, atribuir-lhe algum sentido. Cabe a ele sobreviver ou sucumbir ao horror da solidão. Afinal, ele já está só. Nesse interjogo paciente/família/médico podem surgir algumas composições: O doente e o médico sabem, a família não. É dada ao doente a escolha de como morrer e se aguça seu sentimento de solidão e exclusão. A família, ao tornar conhecimento prévio ou post-mortem, revolta-se contra o médico, exibe sentimentos de roubo e expoliação, além de sentir-se traída e rejeitada pelo doente. A família e o médico sabem, o doente não. O doente tem suas escolhas restringidas. Resvala facilmente para a rebeldia, exibe menor cooperação quanto ao tratamento, perde a confiança no médico. A família assume todas as responsabilidades, inclusive as culpas pelo insucesso e tende a criar maiores atritos e fazer cobranças entre seus membros. O médico se investe de maiores poderes, sofrendo muitas pressões por parte da família, o que prejudica sua relação com o doente. Todos sabem, mas fingem não saber. Ocorre um aumento da ansiedade e da artificialidade nas interações. O esforço exigido para suprimir a emocionalidade das relações é descomunal! Emergem jogos neuróticos e vazios. Há grande infelicidade geral. A farsa torna tudo mais irreal. Estranhos são mal vistos, já que a qualquer momento podem introduzir algumapalavra que todos querem evitar, para que a verdade não venha à tona. Todos sabem e compartilham. Embora se trate de uma vivência dramática, que suscita grande emotividade, é integradora e facilitadora da coesão. A solidão é atenuada e a morte, elaborada. O contato direto com a morte acentua os componentes da vida, da afeição e facilita a aceitação. O desfecho - 122 - Certeza e tempo são dimensões básicas dessas dinâmicas todas, o que auxilia na organização atual frente ao morrer e na reorganização posterior à morte. Decisões podem ser tomadas ou postergadas quando se sabe que o doente vai morrer mesmo, e se supõe, mais ou menos, quando. Quanto à certeza, todavia, é voz corrente que “enquanto há vida, há esperança” e que “milagres acontecem”. Quanto ao tempo, a doença terminal pode ter uma trajetória demorada, uma trajetória rápida e esperada ou uma trajetória rápida e inesperada. No caso da trajetória demorada, é preciso recorrer a serviços de custódia, introduzindo na dinâmica do morrer outros personagens como enfermeiras, assistentes de enfermagem, fisiatras. Em que pesem os sobressaltos no meio do caminho, as cenas mais dramáticas são mais raras. A morte é esperada e tida como inevitável. Muitas vezes, nessa fase, os doentes vêem-se valorizados como jamais o foram. Na trajetória rápida e esperada, o cenário costuma ser as salas de emergências e / ou UTIs. Um dos maiores fatores geradores de stress na equipe é o de cometer erros, sob pressão de tempo e emoções várias. Fica clara a percepção do valor social do paciente, o que poderá determinar serem ou não, empreendidos esforços na sua recuperação. Na trajetória rápida e inesperada, cria-se uma atmosfera de crise. Pode ocorrer com pacientes estabilizados, que estavam recebendo tratamento de rotina e é freqüente que os responsáveis por esses cuidados armem-se de defesas pessoais e sociais perante essa surpresa. Desconfianças e acusações são o pano de fundo na apuração das responsabilidades, sob pressão da equipe, de amigos e familiares. Enquanto na morte não há sujeito, o morrer está povoado deles e, culturalmente, seja nas famílias, seja nos consultórios e hospitais, não somos continentes dessa passagem, o que exacerba nossos mecanismos de defesa e a nossa ineficiência no tratar a morte e o morrer. É, em grande parte, devido a nossa inabilidade que traços de agitação, desconforto, ansiedade e depressão se instalam nos doentes. Esses traços podem vir a ser tratados com medicação, como se fossem sintomas da própria doença. Na preparação para o enfrentamento da morte e do morrer, - 123 - ficam mais claras as nossas atribuições e pode-se agir mais humanamente, a fim de aliviar as decorrências da privação sensorial, do isolamento emocional e, mesmo, da medicação e da nossa própria insegurança pessoal ou profissional frente ao paciente terminal. Atualmente, verificamos uma nova postura perante a questão, surgiram os grupos de discussão, e o reconhecimento de que o paciente terminal, a família e a equipe médica têm suas condições e necessidades particulares. Surgiram, também, novos espaços sociais destinados ao morrer, que utilizam os talentos de várias pessoas e profissionais para oferecer um sistema de cuidados. A prioridade é para os programas de cuidado-em-casa, com a participação da família, de modo a possibilitar o maximo de conforto ao doente, de acordo com o seu estilo de vida. Programas educativos, principalmente a partir das publicações dos trabalhos de Elizabeth Kübler-Ross, foram inseridos em algumas variedades de treinamento profissional, particularmente nas universidades. Por fim, há o encorajamento para estar ao lado de uma pessoa que morre, como mais uma lição de vida. Quando não se souber o que fazer, não há nada demais em sentir amor e nutrir esperança. *Baseado em estudo sobre a organização do sistema de morte em Death, Society & Human Experience, de Robert J. Kassenbaum. - 124 - Capítulo 6 PARA REFLETIR E SOBREVIVER À CRISE Longe de ser estável, a meia-idade é um período altamente conturbado por mudanças biológicas, fisiológicas, afetivas e sociais. Umas são previstas e estão ao alcance da decisão das pessoas. Outras são imprevistas e independem da vontade. Esta nova fase da vida exige que a pessoa se readapte, não só ao mundo social, como também à imagem que tem de si própria. De nada adianta tratar de problemas existenciais com ingestão de “pilulinhas milagrosas” (sejam hormônios, ansiolíticos, antidepressivos, vitaminas ou afrodisíacos) , fechando a questão em torno da temática orgânica da menopausa ou da impotência. Se está por cessar a sua função ovariana ou se a performance do pênis não condiz mais com a do tempo da juventude, cabe abrir novos horizontes e proceder ao seu renascimento como mulher e homem integral. Há uma tarefa vivencial a realizar. A tarefa é constituída busca de autenticidade. Anseia-se, também, por uma revalidação através do diálogo, forma maior de integrar e conferir dignidade à existência, em que a família se faz cena primordial. Dialogar é conhecer através da palavra, é revelarse ao outro, na sua essência e qualidade. É abrir mão do poder em direção ao acordo. A flexibilidade mental e emocional (para que ocorra o despertar de novos interesses e envolvimentos), a adoção de um “eu real” (já limitado, porém ainda muito potente) e o abandono das ilusões sobre si mesmo e sobre o mundo em geral demandam tempo, carinho, paciência, interesse e curiosidade por si próprio. Têm seus altos e baixos, despertam emoções por vezes altamente contraditórias. Nessas transformações é de se esperar que as pessoas se sintam mais sensíveis, instáveis, ansiosas e que revivam problemas já esquecidos ou suprimidos, que ressurjam desejos encobertos ou interesses abandonado. Para superar os desafios é necessário entrar em contato com a capacidade própria de enfrentar obstáculos e promover mudanças, através de um trabalho prévio de valorização pessoal. Muitas pessoas não usufruem de satisfação vivencial devido à mentalidade - 125 - consumista: ficam muito mais preocupadas com o que não têm do que satisfeitas com as conquistas que já fizeram. E, com certeza, a essa altura da vida, têm muitas vitórias a comemorar. É hora de fazer uma revisão autobiográfica, de traçar o seu perfil histórico, para que as pessoas descubram-se e percebam-se como “vencedoras”. E, então,tomem a decisão do rumo que será dado às suas vidas, calcadas em bases mais firmes e realistas, com sua auto-estima mais elevada. Nessa reflexão sobre si mesmas, haverão de perceber que, ao imaginar mudanças, as dificuldades supostas são quase sempre maiores do que as encontradas no desenrolar dos acontecimentos, devido ao temor às novidades. Desse modo, convido os leitores a traçar um gráfico que evoque várias qualidades de mudanças em torno de acontecimentos marcantes na sua vida. Acontecimentos marcantes · Mortes; · Acidentes pessoais; · Doenças próprias ou de familiares; · Mudanças ambientais: residência, escola, cidade etc.; · Mudanças sociais: amizade, grupo, namoro etc.; · Mudanças familiares: casamento, filhos, separação etc.; · Mudanças ocupacionais: emprego/desemprego, estudos, hobbies, interesses etc.; - 126 - · Experiências sexuais, místicas, políticas, etc.; · Mudanças econômico-financeiras: ganho/perda de dinheiro, bens, aquisição de casa própria, dívidas, etc.; · Mudanças pessoais: amor, paixão, traição, disputa, realização etc. 1. Tarefa: Assinale os acontecimentos marcantes de sua vida nas respectivas faixas etárias e reflita sobre cada um deles. Eleja um desses acontecimentos e examine-o em detalhes: · Que idade você tinha? · Como se sentiu diante daquela situação? · O que pensou a esse respeito? · Com quem conversou? · A que você se dedicou durante e depois disso? · A quem mais se ligou? De quem se desligou? · Quanto tempo durou? E os seus efeitos? · O que se alterou em você, nos seus, no ambiente? · O que não se alterou? · De que maneira que outras pessoas participaram? · Como se deu a solução ou como dar-se-á a solução? Se for o caso, acrescente outros dados que julgar importantes. 2. Compare: · O que você sentiu e pensou a esse respeito, na ocasiãocom o que sente e pensa agora? 3. O episódio é: · Apenas uma lembrança entre outras ou uma lembrança es- pecial, ainda emocionante? A forma gráfica ajuda as pessoas a evocar o seu percurso de vida em quantidade e, principalmente, em qualidade. São muitas as lembranças. Exemplos: Na primeira infância: Ingresso na escola; uma cirurgia; afastamento de um ou ambos os pais; ciúmes em face do nascimento de um irmãozinho. Na segunda infância: Mudança de escola; primeira comunhão; mudança de cidade; um acidente; uma viagem para um local distante;a separação de um amigo. - 127 - Na puberdade: A primeira menstruação; os sinais iniciais de sexualidade; rejeição dos amigos; o ingresso no ginasial (exame de admissão). Na adolescência: O primeiro amor; uma viagem; a primeira relação sexual; abandono da escola; morte de um famíliar querido; busca de emprego; fracasso (ou sucesso) no vestibular; serviço militar. Na fase do adulto jovem: Casamento; nascimento dos filhos; compra da casa própria; o primeiro carro; abandono da carreira; desligamento da casa paterna; mudança de cidade; desemprego; compromissos financeiros. Na fase do adulto maduro: Enfermidade grave de um famíliar; acidente próprio ou de um famíliar; morte de alguém próximo; perda de patrimônio; desilusão com a política e a economia. Agora, na velhice: O que você acha que pode(rá) acontecer com você até lá? Cada pessoa pode fazer uma longa lista dessas passagens e concluir que: - Superou as crises bem melhor do que pensava. - Idealizou tanto as mudanças que não pôde evitar a decepção, a frustração e o vazio. - Aquilo que pode lhe acontecer até os 80 anos ou mais, principalmente aquilo que sempre lhe trouxe satisfação e alegria, não vai mudar tanto assim. O valor dos programas preventivos nas empresas A elaboração em grupo dessas passagens, promove uma nova revelação de si. É freqüente, nos Programas de Preparação para a Aposentadoria e Pós-Carreira, que esta seja carregada de alto teor de emocionalidade, o que tem facilitado, aos companheiros de jornada, a descoberta das “pessoas” que existem sob a face do “trabalhador”. O respeito e a reverência com que uns e outros se enxergam ou se refletam a si mesmos, compartilham suas experiências publicamente, têm propiciado o fortalecimento de laços de amizade onde, anteriormente, só havia laços de coleguismo profissional e distanciamento. Agir ativamente, vivenciar a ansiedade pré-resolução, abrir-se para o diálogo e a busca de novos horizontes afetivos e intelectuais, tudo isso faz com que a pessoa exerça na íntegra suas capacidades de escolha e participação. - 128 - Neste processo de “fazer um balanço geral” da vida, é inevitável enfrentar momentos de profunda solidão e desamparo, além da nostalgia. Um discreto quadro de depressão pode se instalar, saudável enquanto um luto interior que acompanha qualquer perda e despedida, mesmo quando existe a perspectiva de algo melhor a caminho. Assim, chorar a perda, compartilhá-la com os amigos e a família cria novos espaços para outras conquistas e para o amor por si e pelos outros. É avaliando essas circunstâncias previamente, em larga extensão, e, pelo tempo que for necessário e buscando, ativamente, informações e novos apoios, que a pessoa pode encontrar, mais confortavelmente e em menor prazo, sua nova condição. Então, ela poderá: reativar interesses; retomar estudos interrompidos; dar vazão aos talentos relegados; usar da sua sabedoria e de habilidades físicas e mentais em sua capacidade máxima e com discernimento; reatar amizades; conhecer novos espaços, pessoas e atividades; gozar a vida com mais prazer e se cuidar. O nosso convite é para um recomeço, saber que as árvores que dão bons frutos também podem ser apedrejadas e que a felicidade talvez seja a noção de que a nossa vida não está se passando inutilmente, em que pesem as pedras que nos atiram ou naquelas que tropeçamos ao longo do viver. Ou resgatamos já, neste momento, o nosso valor como seres humanos e nos vemos, cada um, como pessoas importantes e vencedoras, que convivem com outras pessoas igualmente importantes e, assim, dizemos um “sim” a vida (que além de tudo é divertida e surpreendente), ou estaremos decretando a nossa própria sentença de morte-social. “Se querer é poder, mais vale poder querer, que querer poder! Realização e satisfação Há pessoas que confundem satisfação com realização pessoal. Relutam em se dizer realizadas, porque sempre há algo por fazer. E, de fato, sentimo-nos mais animados quando há um projeto pela frente. Por melhor que tenha sido o nosso desempenho e, até porque somos capazes e inteligentes, sempre queremos mais alguma coisa. A realização é a concretização de sonhos e a satisfação é o preenchimento da necessidade de auto-reconhecimento. Se não ocorre uma ou outra, a pessoa não se apropria de seus feitos, fica - 129 - vazia, como que desprovida de seus méritos e valores. Só vê o que ainda não conseguiu. Não percebe a riqueza das experiências das quais participa, das oportunidades que a sua busca desencadeia. A chave para sair desse poço fundo e escuro é um processo de longo termo, que não diz respeito somente à própria pessoa, mas aos esforços que ela faz para ajudar os outros. É por isso que sentimo-nos realizados quando nossos filhos se casam. Porque nosso sonho era o de fazer alguém feliz, vencer na vida! O mesmo quando olhamos em torno, em nossa empresa, quanto trabalho geramos para tanta gente. É a nossa contribuição ao bem estar coletivo. A grande diferença entre a realização e a satisfação é que a realização diz respeito ao cumprimento de propósitos e, a satisfação, à conquista de metas e objetivos. Os propósitos se expressam melhor na atitude de servir, de ajudar o outro a conseguir sucesso. As metas e objetivos se expressam na atitude de buscar algo para si. Não devemos, porém, imaginar que uma atitude é melhor que outra. Há contextos onde se deseja, ou se aplica, uma coisa ou outra. Até porque não se chega à realização sem provar da satisfação. Quando fracassamos num objetivo a sensação que temos é frustrante. Mas quando perdemos a noção da finalidade começamos a achar que viver é muito difícil ! Facilita quando, além de nós mesmos, encontramos razões excelentes para prosseguir. Por exemplo, pelos outros! Na maturidade, quando os filhos crescem, a família se transforma, os pais vão embora, o corpo reclama por mais cuidados e o trabalho, muitas vezes, nos é arrancado das mãos Temos que começar tudo de novo, rever as metas e propósitos de vida, é o que é e o que não é essencial. Como meta, pensar na aposentadoria. Seguro-saúde, equilíbrio financeiro, ocupação pessoal através de novo trabalho, ou do lazer, buscar meios de obter mais satisfação. Como finalidade ou propósito, preparar-se para crescer. Uma jornada diferenciada, menos rígida ou exclusivista, sem tanto estresse. É aqui que aprendemos que “dar espaço aos mais jovens” não é perder terreno, sair de linha, mas assumir a atitude desprendida de ajudá-los a seguir carreira, a alçar vôo. Instruí-los nas artes de uma profissão, confiar neles. Repassar o conhecimento adquirido, treiná-los e apoiá-los em suas próprias experiências, na continuação de novas famílias. - 130 - Isso é realização, grandeza de caráter. É não parar, mas ajudar a prosseguir. Não simplesmente ceder, mas tratar de continuar, buscar se realizar, maneira diferente, com mais experiência. A realização é um processo de longo termo, que não diz respeito somente à própria pessoa, mas aos esforços que ela faz para ajudar os outros. O tempo é agora Com certeza um dos indicativos da crise da maturescência é a sensação de premência com relação ao tempo. Num dado momento o horizonte temporal se estreita, gerando um sentimento de “não é mais para mim”; noutro momento o horizonte temporal se alarga: “É agora ou nunca mais!”. Já suficientemente experiente para saber de seu próprio valor, mas não tão vivida ainda, a pessoa começa a se embaralhar em seus próprios planos e expectativas, sem saber direito o que quer da vida. Tudo é questionável. As relações familiares ficam tensas. É muita transformação. Filhos crescidos e pais envelhecidos. Não raro passam a conviver, sob o mesmo teto, quatro gerações. Neste momento específico de sua vida, na passagem da maturidade para a meia idade, as perguntas mudam, face às respostas que já foram dadas. Um dia, lá atrás, alguém perguntou: “O que você quer ser quando crescer?” E riem de nós, quando respondíamos orgulhosos: “Guarda de trânsito”!, “Piloto de avião”!, “Quero ser aquele que manda”! Enfim, qualquer um de nós sonhou em ser artista, poderoso, habilidoso, bonito, capaz. E muitos chegamos perto. Outros foram além. Agora a pergunta é outra: o que você quer ser quando envelhecer? Tenho observado a “mania” que as pessoas têm de querer queimar etapa. Tudo para já! Mas, velhice? Para que apressar? Sabe, aquela urgência de mudança? Por não saber exatamente o que fazer, muita gente resolve simplesmente envelhecer. Larga mão das coisas, da saúde, da beleza, das atividades... - “O que você faz na vida? “ - “Sou aposentado. Faço nada”. Na verdade, aposentadoria define mais uma falta de - 131 - ocupação do que os interesses de uma pessoa. É uma condição mais previdenciária que ocupacional, porque se subentende que aposentado, hoje em dia, é inativo, desocupado. Então, é difícil entender aqueles que se definem mais pelo que não fazem do que por aquilo que são. O fato é que as pessoas, consciente ou inconscientemente, buscam ser iguais aos seus modelos de infância e juventude. Naquela época, há 40, 50 anos atrás, os de 60 eram mesmo velhos. Viviam como dependentes ou estavam doentes. Hoje, se formos seguir o mesmo caminho, vamos queimar etapa, porque os progressos do mundo nos permitem levar mais tempo para começar a envelhecer. Ou seja, é cada vez mais freqüente que se chegue inteiro e bem-disposto aos 80, e ainda com vontade de casar de novo ou pela primeira vez. Em outras palavras, não se passa mais tempo na condição de velhice, mas surge o fenômeno da meia idade, que empurrou o tempo de ficar velho umas boas décadas para frente. Os anos de vida que se acrescentaram não se inserem nem na infância, nem na senectude, mas idade adulta madura. É por isso que muitos não sabem o que fazer consigo nesse tempo. As sociedades não estão organizadas para fazer face a esse processo, de tanta gente já aposentada reivindicando respeito, valorização, ocupação. Gente capaz, com vontade de trabalhar, de contribuir, de participar. Gente que se olha no espelho e busca uma nova identidade. Gente que não está mais se conformando em sair da frente e dar espaço para os mais jovens. Gente que quer saber, sim: “E ‘nós? E agora?!” Gente que quer crescer na vida ao seu tempo e entende que o melhor tempo da vida é o que está à disposição, é o que se cria, é o que se aproveita. Agora e a cada nova hora. O tempo, ele próprio, passa a ter o seu valor. A maturidade nos traz esse conhecimento. “O que você quer ser quando envelhecer? “ Quer responder que já sabe, que já começou? Ou quer deixar para daqui um bom tempo, para com 80, 90 anos pode dizer: “Envelhecer? Sim, é uma boa hora para começar a pensar nisso!...” - 132 -