coisas da idade - Alexa Cultural

Transcrição

coisas da idade - Alexa Cultural
Coleção Plenitude - Volume II
COISAS DA IDADE
Ana P. Fraiman
Edição Revista e Ampliada
São Paulo - SP
2004
-1-1-
© by Alexa Cultural
Direção Geral
Marcia Kling
Editor
Karel Langermans
Capa
K. Langer
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural
F256a Fraiman, Ana
Coisas da idade / Ana P. Fraiman, São Paulo: Alexa Cultural,
2004
14x21 - 132p.
ISBN - 85-98175-06-4
1. Terceira idade - 2. Psicologia - 3. Orientação - 4. Sexualidade
- 5. Aposentadoria - 6. Menopausa e Climatério.
- 100
Rua Dr. Diogo de Faria, 1202
São Paulo - SP - CEP: 04037-004
[email protected]
-2-
CDD
SUMÁRIO
AO LEITOR
O MEU VELHO LIVRO FICOU NOVO
PREFÁCIO
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1 - SER VELHO E ENVELHECER
Os diversos conceitos da idade
Afinal, quem é velho?
O drama social da velhice Um esboço da amarga condição de idoso
Uma visão mais abangente da velhice
Envelhecer, um processo natural de todo ser vivo
As raízes do problema
As estratégias de resistência
Como alterar este rumo
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2 - CRISES DA MEIIA IDADE
Mulher: a redoescoberta da própria identidade
Principais queixas femininas Tentando escapar da crise
A grande transformação
A chegada da menopausa Climatério e menopausa
A família diante de uma nova muher
O renascimento da mulher Gravidez inesperada
Como superar os temores
Outras motivações para a maternidade
Mães jovens x mães maduras
Gravidez após a menopausa
Aposentadoria feminina
Enfim, um tempo só para si Arrimo de família
Homem: o grande balanço da vida
As pressões que estão no ar
Em foco, a vida profissional Quem são os aposentados
Aposentar a aposentadoria!
Hora de “pendurar as chuteiras”
A dolorosa perda de status
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3 - Em foco a vida conjugal
Áreas de um relacionamento conjugal
O casal de mais idade
Volta ao lar
Sair com a família é também sair
com cada um em separado
Tipos de convivência em família
Passeios prazeirosos a todos
Sair com a família é estar com eles Resgatando o valor pessoal
O medo da doença e da velhice
Coragem física
Outras terapias
Profissões
Problemas comuns
O significado de tudo isso Quando sobrevém a depressão
A idade do lobo
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4 - SEXUALIDADE: OS NOVOS DESAFIOS
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Barreiras sexuais
71
Os grandes entraves não são de ordem sexual
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As agressões sofridas nos asilos
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Exemplos de abusos
74
Sexualidade feminina
75
A mulher idosa diante de seu corpo 75
Fantasias sexuais
76
O que elas aprenderam
77
A visão de si mesma
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Agravantes sociais
78
Sexualidade masculina
79
Alterações observadas
80
Mudando para melhor
80
Erotismo aos 80 anos
81
Conceitos, antigos e atuais, sobre a
atividade sexual
82
O atendimento ao idoso
82
O mito da velhice assexuada
83
Eros é mais forte do que a dor
84
Problemas médicos que interferem na sexualidade 85
Novas formas de prazer
86
Abordagem equivocada
87
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Atender ao erotismo
Não é a alma, mas o corpo que dói Mesmo doente o corpo é erótico
Para ajudar durante a crise
Idosos que precisam da doença
Tudo que celebra a vida
Carinhos e carícias Mesmo ruim é muito bom
Sonhos e devaneios 89
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93
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5 - VIOLÊNCIA E CO-DEPENDÊNCIA
Violência urbana
Lesões físicas
Agressões médicas
Violência familiar
O estado também agride
Violências que os idosos cometem Eles mesmos se alvejam
Co-dependência: a culpa ocupa o lugar do amor
O martírio da filha devotada O que há nos bastidores
À caminho da cura 101
101
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103
103
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6 - A MORTE E O MORRER
O silêncio persiste
Entrando em contato com a morte
Em luta pela vida
As crenças vêm à tona
A morte pede passagem
As novas relações
O desfecho 111
114
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119
121
121
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7 - PARA REFLETIR E SOBREVIVER À CRISE
O valor dos programas preventivos nas empresas
Realização e satisfação
O tempo é agora
125
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AO LEITOR
Coisas da Idade, como título, surgiu fácil, espontâneo. Um
dia, comentei que estava com vontade de publicar alguns escritos
meus.
- E sobre o que você escreve? Do que se trata?
- Ah, sobre coisas da idade...
E o livro foi batizado em clima leve e descontraído. Mas não foi
assim que o escrevi. Alguns anos atrás, decidí colocar no papel as minhas descobertas, angústias e esperanças, retratando a vida que venho
observando, curiosa, às vezes detectando um padrão. Às vezes,
como se caleidoscópio fosse.
Vi e ouvi muitos idosos, falei com diversas pessoas sobre o viver
e o morrer. Encantei-me com a busca incansável pelo melhor. E
me horrorizei com a acomodação, com a estagnação, o vazio, o
desalento.
Na minha própria vida me deparo com experiências de realização (em que tudo se torna belo, colorido, ágil e feliz) e de frustração
(em que tudo se torna feio, sombrio, moroso e pesado). Essas
experiências se alternam. É possível, porém, que a vida de uma
pessoa ou de um grupo maior se oriente pela realização, mais do
que pela frustração. Ou que ocorra o inverso, o que é preocupante. Chegamos, então, à conclusão de que a vida não tem sentido e
que nada, nem ninguém, vale a pena. A somatória das aflições que sucessivas frustrações nos trazem
é perigosa, pois convida a desistir, em qualquer idade. E, na idade
mais avançada, são ainda poucos os que podem afirmar que envelhecer é ganhar, ao invés de perder.
Este livro é um “não” às perdas evitáveis e à desistência, é um
apelo para que, mesmo nos tempos mais difíceis, não se apague
a chama da fé e da esperança. Um convite para que acreditemos
mais em nós mesmos e na humanidade, especialmente numa época
da vida em que tudo parece voltar-se contra nós.
Outrora conhecida como “idade crítica”, a meia-idade é um
tempo em que se colhem frutos. É também um tempo de plantio
para que outros frutos sejam colhidos pelas novas gerações. O que se apresenta é ainda mais trabalho, quando já se sonhava
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descansar. Se nos furtarmos a esse trabalho, ao exercício pleno de
nossa capacidade de ser, inevitavelmente nos tornaremos velhos
precoces, cheios de maus hábitos, rancor e autopiedade.
Não é assim que eu quero envelhecer; não é assim que as
coisas devem acontecer. E se não for na meia-idade o tempo de
se viver, então quando será? Não resta escolha. Muito pouco nos
estimula e anima às portas da velhice. Nós é que temos que criar
condições para bem vivê-la, se quisermos chegar lá. Ninguém vai
fazer este trabalho por nós. Uma vez chegada à maturidade, ele
brota de vez e permanece ou se deteriora no silêncio e na falta de
generatividade e ação.
Coisas da Idade fala, pois, dos impasses críticos dessa idade
conturbada e ameaçada, já não mais ingênua, embora ainda não
totalmente consciente e suficientemente preparada para que a
velhice possa vir a ser um tempo de sabedoria e realização, não
um culto à frustração.
Dignidade, integridade, respeito e amor são os eixos em torno
dos quais fui tecendo minhas considerações. Elas estão longe de
abranger a totalidade de temas que o título Coisas da Idade suscita.
Este livro é apenas um dos retratos que se pode tirar e revelar da
grande questão “ser velho e envelhecer”.
Foi escrito para ser lido por adultos de qualquer idade e jovens
interessados em viver melhor, além de viver mais.
Dirige-se, também, a educadores e agentes sociais, líderes e
dirigentes empresariais empenhados em trabalhar pela construção
de uma sociedade que promova o viver prazeroso e condigno, pleno
de realização e sabedoria existencial, da infância a mais extrema
velhice.
Coisas da Idade é para ser lido, criticado e discutido nas escolas, associações e famílias, não como verdade única, mas como
uma contribuição advinda de estudos e experiências pessoais,
no meu intenso desejo de viver bem, junto aos que me são mais
queridos. E, como idealista que sou, não me basta uma boa vida para
mim e para meus próximos. Quero o mundo todo em festa e em
paz, desde já.
Ana Perwin Fraiman
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O MEU VELHO LIVRO FICOU NOVO
Sinto prazer e excitação ao reapresentá-lo.
E não poderia ser diferente. Em sua primeira edição, em
1988, haviam algumas verdades que não se sustentam mais. Como,
por exemplo, o fato de mulheres na menopausa, naquele tempo,
não poderem gerar seus próprios filhos. De novo , interferimos
naquilo que era da indiscutível natureza humana e alteramos, não
a natureza, mas o conhecimento que dela temos. Hoje, a mulher
mais velha não precisa abrir mão de seus anseios de maternidade,
o que requer novas considerações morais e éticas.
Havia, também, naquela edição, uma omissão. Quando se
falava em aposentadoria, não se abordava a questão feminina: a
mulher só figurava como esposa, não como profissional. É que bem
poucas se aposentavam nas empresas e, fruto deste meu trabalho
de campo, eu mesma pouco sabia. Foram necessários alguns anos
de experiência e observação para que pudesse formular meus
próprios juízos, que agora coloco em pauta para discussão.
Além de a mulher ganhar mais espaço, como natural decorrência
do nosso desenvolvimento sóciocultural, outro tema que acrescentei
é o da violência. Merece, também destaque a questão das relações de co-dependência, que têm sido alvo de interesse por parte
de profissionais da comunicação e das ciências humanas. Estas
relações são sustentadas pela dor, culpa e vergonha, que tanto
humilham nossos corações e nos violentam em nosso caminho
rumo à liberdade, roubando-nos espontaneidade, energia, afeição
e capacidade de inovação. Enquanto não nos curamos da codependência, arriscamo-nos a uma vida mal vivida e, certamente,
a uma velhice infantilizada.
Outras mudanças, aqui e ali, foram introduzidas nesta nova
edição, de modo que os leitores haverão de reconhecer os mesmos princípios, mas, com certeza, ficarão surpresos com novas
passagens.
Algumas pessoas irão apreciar muito as transformações. Os
capítulos foram condensados, reestruturados e recombinados. -9-
Acho que se tornaram um pouco menos poéticos. Contudo, o que
se perdeu em poesia, ganhou-se em atualização. Não que uma
coisa compense a outra. Foi apenas uma opção. E para isso contei com a inteligência arguta e a cooperação sensível de Cristina
Nabuco, colega e amiga. Não menos estimulante foi o interesse
de Rosely Boschini, minha editora, em atualizar o conteúdo e sua
apresentação.
A bem da ciência e à luz dos novos tempos, mudanças são
mais do que inevitáveis. São desejáveis e devem ser igualmente
celebradas e compartilhadas, mesmo quando também se gostava
do jeito anterior.
Afinal, meu livro fez o que propõe a seus leitores: ganhou nova
feição, se transformou, rejuvenesceu.
Lutar por uma vida digna, agora e sempre
A gente não para mesmo! Novas idéias surgem, novas situações. O conhecimento requer que a gente reveja crenças, atitudes
e relacionamentos. O mundo mudou, então, muita coisa nova
precisa ser dita.
Os velhos problemas passam a ter outras soluções, mais atualizadas, mais ágeis, e, possivelmente, melhores. Por isso, o Coisas
da Idade se reapresenta aos leitores cheio de novidades. Acontece
um novo olhar, um detalhe que passara desapercebido...
Isso quer dizer que continuamos estudando e compartilhando
nossas descobertas. Assim, surge esta edição revista e atualizada,
agora com o apoio e entusiasmo de Karel Langermans, seu editor.
E me sinto muito feliz com isso. Afinal, de que servem os dizeres,
se não para gerar maiores e mais profundos saberes?
Quero dizer, também, que continuo intrigada com a grande
questão do envelhecimento. As novas descobertas científicas, as
mudanças que a sociedade está vivendo, a perspectiva de viver em
um mundo onde, daqui a quarenta ou cinqüenta anos, o número
de pessoas idosas será o mesmo ou ainda maior, que o número de
jovens e crianças, esse conjunto de desafios faz com que o meu
interesse pela qualidade da vida humana se renove.
Fico, realmente, inconformada por haver ainda, tanta gente que
não se deu conta de que precisa mudar seu modo de enxergar
as coisas e que, mudar não é fácil. Requer trabalho, dedicação
e muita reflexão. Espero contribuir para que isso aconteça, pois
estou totalmente convencida de que, aquilo que todos precisamos
saber para fazer escolhas inteligentes e sensatas quanto ao nosso
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futuro, ainda não foi plenamente divulgado. Tomara o Coisas da Idade continue cumprindo a sua parte,
levando seus ensinamentos àqueles que desejam se conhecer, se
respeitar e, como se diz, levar – hoje e sempre – uma vida digna e
não deixar para lutar por isso só quando envelhecer.
Ana Perwin Fraiman
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PREFÁCIO
Nas sociedades pré-industriais, os idosos chegaram a ocupar
papéis importantes. Detentores do poder econômico, usufruíram
de um considerável respeito, que lhes garantiu posições de conselheiros do grupo familiar, guardiões dos valores morais, juízes e
muitas outras funções socialmente reconhecidas.
Pode-se considerar que, nessa época, a velhice não era apenas
um tempo de vida. Pelo contrário, era um valor caracterizado pela
experiência, determinando, inclusive, grande ascendência moral
sobre os grupos jovens das sociedades.
A perda de status dos idosos está diretamente relacionada com
o desenvolvimento e a característica de priorizar a produção como
o grande, senão o maior, valor humano. É a mística de que valemos
mais pelo que produzimos do que pelo que, efetivamente, somos.
Dessa concepção resulta a tendência de que os homens velhos e,
economicamente inativos, sejam considerados, socialmente, mortos
e banidos das esferas de poder.
O tempo do envelhecimento tem sido um dos períodos mais
difíceis do ciclo da vida humana, em razão de todo o processo de
perdas que exige, de cada um, grande esforço de adaptação a
condições pouco favoráveis.
Entretanto, apesar do reconhecimento de todas as dificuldades,
os idosos constituem um grupo que recebe menos atenção da
sociedade, o que torna o envelhecimento uma espécie de deserto
improdutivo, no qual nem as ilusões florescem.
Escrever é uma arte, uma técnica, um esforço de concentração. Escrever sobre a velhice é um ato de coragem, pois lança um
desafio de consciência à moral social, que tanto hostiliza e rejeita
esse tempo de vida.
Com toda a certeza, essa é a maior tônica de Ana Perwin Fraiman, com seu trabalho Coisas da Idade.
Uma leitura gostosa, repleta de informações precisas, advindas
da prática profissional interessada e consciente. Não há, neste livro,
um capítulo menos interessante, mesmo quando aborda os temas
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mais usuais da gerontologia.
A qualidade é uniforme e, cada palavra se propõe a criticar os
estereótipos mais comuns sobre a velhice, interpretando-a, humanisticamente, na mais ampla e elevada concepção.
Conheço Ana há alguns anos. De certa forma, acompanhei o
nascer de seu interesse pela Gerontologia Social e o seu próprio
desenvolvimento profissional. Inúmeras vezes, estivemos juntos
em diversos eventos e sempre me surpreendeu a sua capacidade
de inovar suas intervenções, tornando-as atrativas.
A personalidade de Ana é algo muito particular. Por trás de um
jeito suave, está uma mulher que sabe ser agressiva na busca de
seus ideais. Por trás de sua costumeira irreverência, está o seu “Eu”
sério e comedido. Na história de Ana estava faltando este livro, como
uma contribuição à reflexão de todos nós, amantes da Gerontologia
e lutadores da causa social da velhice em nosso país.
Estou certo de que Coisas da Idade será o primeiro trabalho,
pois o reconhecimento deste texto haverá de estimula-la a outros
escritos. É o que desejamos.
Marcelo Antonio Salgado.
Assistente social e gerontólogo.
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Capítulo 1
SER VELHO E ENVELHECER
O senso comum entende o velho como aquele que tem muitos
anos de idade e uma grande experiência acumulada, que o diferencia dos outros. Ser velho não é uma abstração, porém uma
condição visível, aparente e que determina, de certo modo, as
possibilidades de ação e inter-relacionamento social. O envelhecer não é somente um “momento” na vida de um indivíduo, mas
um “processo” extremamente complexo e pouco conhecido, com
implicações tanto para quem o vivencia, como para a sociedade
que o suporta ou assiste a ele.
A idade é uma das duas grandes variáveis que regulam o comportamento social e as relações entre indivíduos e grupos, em todas
as sociedades. A outra variável, o sexo, é inerente à pessoa, como
também o seu tempo de vida. Contudo, a idade é uma conceituação, uma dimensão subjacente à agência social. Ela conglomera
e torna homogêneas grandes classes de indivíduos, submetendoos às normas sociais que, não apenas não os beneficiam, como
também estigmatizam e até os prejudicam, por desconsiderar as
diferenças individuais.
Os diversos conceitos de idade
Não existe apenas um, mas vários conceitos de idade.
A idade cronológica é uma medida abstrata, criada principalmente em função de práticas administrativas. Foi na França, no
século XVI, que a idade cronológica e o estado civil foram recenseados pela primeira vez, para que se pudesse diferenciar entre
os que poderiam ou não portar armas. Anteriormente, as pessoas
eram identificadas pelo nome, pelo local de moradia e pela ocupação. Embora a idade cronológica seja objetivamente mensurável,
é a que menos caracteriza as condições individuais.
A idade biológica não está relacionada necessariamente à
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cronológica. Temos que considerar que, para uma mesma idade
cronológica existem diferenças entre pessoas. Quem exerce trabalhos desgastantes envelhece antes. Além disso, uma mesma
pessoa tem várias idades interagindo, a cada momento, no seu
organismo. A audição, a visão, a circulação, todos os nossos órgãos
e sistemas amadurecem em estágios distintos da vida. O sistema
nervoso, por exemplo, desenvolve-se e atinge o ápice em tenra
idade; depois, qualquer lesão nos neurônios representa uma perda
até pouco tempo tida como irrecuperável. Daí podermos afirmar
que passamos a envelhecer tão logo nascemos.
A idade social, determinada por regras e expectativas sociais,
categoriza as pessoas em termos dos direitos e deveres que têm
como cidadãos, atribuindo tarefas a ser desempenhadas, mais
ou menos relacionadas às idades cronológica e biológica. Assim,
para uma mesma pessoa, as possibilidades de ação mudam em
função de seu tempo de vida auferido em “idade”. Em nosso meio,
a criança deve começar o primeiro grau até os 7 anos, o adolescente pode votar e dirigir automóvel aos 18 anos, o jovem tem
permissão de se casar sem autorização dos pais aos 21 anos. Na
indústria o indivíduo de 40 anos já está esbarrando no teto máximo
de admissão e antes dos 65 anos deverá se aposentar. As pessoas
que se desviam das normas esperadas nas idades previstas são
consideradas “problemáticas”.
A idade existencial é a menos levada em consideração
para fins sociais, econômicos e administrativos dentro do nosso
sistema de política social. Refere-se à somatória de experiências
pessoais e de relacionamentos, da riqueza vivenciada, refletida e
acumulada ao longo dos anos.
Por si só, a idade cronológica de um indivíduo nada nos
revela sobre a sua existência, personalidade, intelectualidade, produtividade, energia vital. A pessoa é muito mais do que a simples
expressão de suas atuais condições físicas e de saúde, uma vez
que a dimensão mental e experiencial também age e se modifica
a cada instante.
Afinal, quem é velho?
A ONU, em 1982, arbitrou a idade de 60 anos para categorizar
a pessoa na qualidade de idoso, ou da Terceira Idade, para que a
partir daí medidas administrativas sejam tomadas e executadas.
Esta preocupação vem se acentuando nas últimas décadas devido a um aumento daqueles indivíduos considerados “idosos” na
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população em geral. Este fenômeno é, também, conhecido como
Aged Boom e representa uma explosão demográfica que se iniciou
no pós-guerra, com o Baby Boom, cujos Baby Booners, nascidos
entre 1945 e 1955, agora se tornaram os Aged Booners.
A partir do ano 2000, o contingente populacional de pessoas entre 60 e 65 anos é de cerca de 560 milhões ou mais. Os
dados apontam para um envelhecimento global das sociedades,
em especial nos países do chamado Terceiro Mundo. Os principais
responsáveis por este envelhecimento foram as conquistas científicas e políticas, sobretudo da área médica e de educação, que
hoje dispõem de diversos recursos para ampliar o tempo de vida
das pessoas.
Dentro desse grande contingente populacional, é preciso
distinguir aqueles que ainda não são idosos, mas se encontram em
fase de transição. Já cumpriram vários de seus papéis familiares
e sociais, tais como educação dos filhos, trabalho e acúmulo de
bens, porém agora estão diante de um impasse: ceder às pressões
sociais, abdicar das atividades exercidas até então, o que lhes
provoca grande sensação de derrota, vazio e desvalorização de si
mesmos, ou lutar pelo seu direito pessoal e intransferível de permanecer ativos, optando por novas formas de ação e participação,
eleição de novos valores e referenciais.
Portanto, dentro da Terceira Idade há, pelo menos, dois
subgrupos que reclamam cuidados e atenção: o dos jovens-velhos
(ou pré-velhos), que vivem esse impasse, e o dos velhos-velhos,
que por razões especialmente biológicas não podem mais exercer
o papel de membros produtivos na sociedade.
No primeiro subgrupo, há que se considerar a situação das
mulheres em geral, que, por força da maternidade e desamparo
social, alienam-se do desempenho de outros papéis, intelectuais,
profissionais, políticos e sociais, concentrando seus esforços numa
tarefa monótona – a dos afazeres domésticos – e numa tarefa
temporária - a dos cuidados com os filhos. Desse modo, acabam
se descentrando de si mesmas, o que promove a sua condição
posterior de insatisfação e alienação, pelo desconhecimento de si
e de suas capacidades.
Quanto ao segundo subgrupo, também havemos de distinguir entre o velho e o senil. No último há um estado avançado de
deterioração de suas capacidades. Já o primeiro, é “obrigado” a
manter só para si a sua força de produção, ainda não bem aquilatada e canalizada socialmente, pois é levado a se afastar de seus
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interesses para ceder lugar aos mais jovens. Há que se discernir,
pois, as diferentes dinâmicas, necessidades e recursos das chamadas terceira, quarta e quinta idades: 60, 80 e a partir dos 100
anos, respectivamente.
O drama social da velhice
Já dizia Marx que um negro tem sempre a pele negra, em
qualquer situação, mas ele só será escravo sob determinadas
condições sócio-econômicas! Da mesma forma, podemos parafrasear e dizer que uma pessoa tem 60 anos em qualquer situação,
mas ela só será considerada velha sob determinadas condições
sócio-econômicas.
Em nossa sociedade, a velhice difere de outras categorias
etárias, basicamente, no que se refere a: inúmeras perdas de
relacionamentos afetivos (por afastamento ou morte); profundas
modificações familiares (com a ausência dos próprios pais, quiçá
do cônjuge, e o surgimento de novas famílias constituídas pelos
filhos); dificuldades quanto ao mercado de trabalho ou opção por
uma segunda carreira, especialmente sob um sistema coercitivo
de aposentadoria e subempregos; batalha contínua contra doenças
crônicas e debilidades orgânicas; proximidade da morte, ameaça
à sexualidade, à inteligência e à integridade.
Diante desse quadro, o envelhecimento da sociedade, devido
ao aumento da população idosa, aliado à baixa taxa de natalidade, deve criar uma situação nova, para qual ainda não estamos
– sequer de longe – preparados. Tudo leva a crer que haverá um
agravamento da situação social geral e, em especial daquela faixa
de pessoas acima dos 60 anos!
Nota-se uma tendência de participação feminina maior em meio
à população idosa, uma vez que as mulheres vivem por volta de
seis a oito anos mais que os maridos, e se casam com homens em
média seis a oito anos mais velhos, o que resulta, freqüentemen-te,
numa viuvez de cerca de dez a vinte anos. A maioria dessas mulheres não tem profissão, depende economicamente dos parceiros ou
dos filhos e apresenta um estado de saúde muitas vezes precário,
o que vem a exigir dos sistemas previdenciários e assistenciais,
bem como das famílias encargos redobrados.
O adulto sofre diretamente a tremenda pressão de arcar com os
ônus sociais e familiares dessa anomalia, que é a “falta de ocupação
e rendimentos” a que estão expostos seus filhos já nem mais tão
jovens e seus pais, precocemente envelhecidos. Os jovens só vão
encontrar seu primeiro emprego aos 25 anos, aproximadamente,
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porque a exigência de especialização de conhecimentos prolonga
o tempo de preparo para o ingresso no mercado de trabalho. Os
mais velhos são, simplesmente, descartados do mercado em idades
cada vez mais precoces, desativados ainda em plena capacidade
e potencial de produção.
A esperança de vida para o homem brasileiro subiu de cerca
de 41 anos, em 1939, para 58 anos em 1972 e, atualmente, é de
mais ou menos 67 anos nos grandes centros urbanos. É preciso
salientar que não é toda a população que se beneficia com as
conquistas. Ao falarmos em “esperança de vida” estamos falando
em “médias”. Vale a pena lembrar que essas “médias” encobrem
diferenças regionais, culturais e sociais, entre outras. No Cone Sul, há regiões em que a expectativa média de vida,
ao nascer, já ultrapassa a marca dos 80 anos, enquanto em algumas regiões do Norte e Nordeste brasileiro ela ainda não chega
aos 45 anos! Seria “utópico pensar em acrescentar mais anos ao
tempo de vida, quando ainda não se consegue promover a boa
qualidade de vida”, como tanto preconizou a sua grande defensora,
a doutora Ana Aslan.
Atualmente, o que se verifica na velhice reflete uma caricatura
das diferentes condições sociais. Estamos autorizados, pois, a considerar a problemática do envelhecimento como uma problemática
social que se inicia na infância carente e culmina na velhice abandonada. Não é, pois, de estranhar que o homem, biologicamente
programado para viver até os 120 anos, tenha a sua vida ceifada a
um ou dois terços do caminho. E que ele se conforme, achando que
“depois dos 60, cada ano a mais de vida seja um grande lucro”.
Um esboço da amarga condição do idoso
Se dentro da perspectiva econômica gradativamente diminui
o percentual de cidadãos ativos em relação àqueles desocupados,
e todos os sistemas que produzem a política social têm por base a
contribuição feita pela população ativa, é óbvio que estamos diante
de um colapso. Individualmente, isto se reflete na acirrada competitividade pelo mercado de trabalho, na dificuldade em manter o
mesmo padrão de vida, especialmente depois da aposentadoria,
no aumento de doenças incapacitantes, na viuvez feminina cada
vez mais prolongada, com todos os problemas de relacionamento
humano daí decorrentes.
Se dentro da perspectiva social os velhos são coagidos ao
isolamento, dado que toda a estrutura da nossa sociedade orbita em
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torno da população jovem (trabalho, lazer, locomoção, educação,
moradia e espaços vários), é de se esperar que o envelhecimento
conduza as pessoas a uma situação de degradação altamente
aversiva e indesejada.
Se dentro da perspectiva familiar três ou até mesmo quatro
gerações convivem em uma mesma residência, numa época em
que toda a estrutura econômico-social quase obriga à constituição
da família nuclear, é óbvio que os conflitos entre gerações sejam
exacerbados e que as famílias se sintam despreparadas para dar
apoio aos seus velhos. E a tendência, em 20 anos, é a de famílias
de cinco gerações habitando em uma mesma moradia.
Se dentro da perspectiva de saúde as consultas a médicos
e hospitalizações aumentam de duas a três vezes em relação às
idades mais jovens, é de se esperar que a velhice se torne cada
vez mais doentia. Não há condições econômicas, de seguridade ou
assistenciais, nem de tratamento curativo, quanto mais de promover
atendimento preventivo!
É esse o quadro impressionante, já no presente, que se esboça
cada vez mais assustador para o futuro. Estudiosos de todas as
áreas estão sendo levados a repensar o significado do envelhecimento, enquanto fenômeno humano e social e, especialmente, no
que diz respeito à ética e à moral.
Uma visão mais abrangente da velhice
Inicialmente, a velhice a chamou a atenção pelas características
biológicas da questão, daí o termo “Geriatria”, campo de estudos
que se concentra nos aspectos patológicos e patogênicos do envelhecimento e sua prevenção. Já o termo “Gerontologia”, que surgiu
posteriormente, vem do grego geron, que significa “velho, velhice”. A
Gerontologia é uma macrociência que estuda o envelhecimento em
seus múltiplos aspectos biopsicossociais, enfocando tanto grupos
de idades, quanto as fases ou ciclos do desenvolvimento humano. Trata-se de uma proposição bem mais abrangente e integradora.
Convergem para a Gerontologia estudiosos de várias áreas que
se inter-relacionam necessariamente, pois é impraticável pensar
numa atuação eficiente junto ao velho sem levar em conta todo o
seu universo social, histórico, econômico e cultural. Obviamente, as
ciências médicas e biológicas têm uma grande cota de participação,
uma vez que seus estudos sobre envelhecimento celular, hormonal, de órgãos e sistemas estão bastante avançados. As ciências
paramédicas, por sua vez, colaboram com o desenvolvimento de
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próteses e outros recursos, de utilização prática, que possibilitam
a resolução de alguns problemas cotidianos. A arquitetura pode
auxiliar, tornando o ambiente mais adequado à população idosa,
facilitando, por exemplo, sua locomoção através de projeção de
rampas para cadeiras de rodas. As ciências sociais e psicológicas
começam agora a desenvolver um corpo teórico e prático em face
da problemática do envelhecimento. Diferentes disciplinas como
economia, etnologia, bem como a comunicação, as artes, filosofia,
educação, literatura, também podem contribuir, à sua maneira, para
que se entendam melhor as condições vivenciais das pessoas
idosas e para que se organize um corpo de conhecimento aplicado
aos problemas da velhice e do envelhecimento.
A Gerontologia configura-se, portanto, como uma ciência
multidisciplinar e, predominantemente, orientada para o social. Ela
se propõe a rever aspectos que se referem, também, a situações
familiares e satisfação vivencial, além de problemas de aposentadoria, habitação e institucionalização.
Envelhecer: um processo natural de todo ser vivo
Assim encarada, a velhice é parte do desenvolvimento humano
integral e não uma predestinação ao fim. É o resultado dinâmico
de um processo global de uma vida, durante a qual o indivíduo
se modifica incessantemente. As mudanças que um ser humano
experimenta em qualquer idade podem ser lentas ou abruptas,
conscientes ou inconscientes, culturais, históricas, sociais, psicológicas ou biológicas. Quando conscientizadas, requerem dele um
confronto, um diálogo entre a sua situação vivencial presente e a
anterior, além de uma nova visão de futuro.
No caso do velho, as perdas físicas e afetivas são sofridas com
maior intensidade e numa freqüência maior do que em qualquer
outra idade. A angústia, o medo do novo, o desejo de manter a
situação antiga, já conhecida, o estigma da morte iminente e outros
mitos povoam a mente do velho e o conduzem a um estado de maior
insegurança. A negação é um dos resultados desse confronto, tanto
quanto a entrega total e depressiva, que restringe ainda mais o seu
horizonte de vida. Contribui para isso a falta da dimensão poética
e espiritual da vida.
Cada pessoa, como ser único e especial, desenvolve o seu
próprio processo de envelhecimento. Antes de encararmos o
envelhecer como uma situação globalizante e homogeneizante,
é preciso ter em vista as diferentes expressões individuais. O
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velho carrega, como parte inerente à sua condição, estereótipos
e classificações pouco reveladoras da sua real condição. Temos a
tendência de encará-lo como uma estrutura rígida de personalidade, frente à qual nos paralisamos e codificamos como “rabugento”,
“difícil”, “intransigente”, “pouco receptivo”, “igual a uma criança”. Se
assim fosse, só nos restariam duas alternativas: exercer a nossa
tolerância ou a impaciência.
Há uma conceituação amplamente difundida e aceita: a de que
uma pessoa leva um terço de sua vida para nascer, crescer e se
desenvolver e dois terços para envelhecer! Estudos feitos sobre a
inteligência, a memória e outras funções mentais, até bem recentimente preconizaramque por volta dos 20 anos atingíamos o ápice
do nosso desenvolvimento, para então se processar um declínio que
resultaria na perda contínua e crescente das mesmas capacidades,
até a morte. Alguns autores estenderam esse primeiro terço de vida
até os 25 anos, ocasião em que a pessoa já se definiu, de forma
geral, pelo exercício de alguma profissão ou outra tarefa vivencial. Em ambas as colocações ficou, porém, implícito que no restante
da vida o indivíduo estaria “predestinado” a minar tudo aquilo que
foi adquirido até então com muito esforço e energia de vida.
Nossa proposta, aqui, é questionar esse processo de degradação e involução, que se instalaria tão precocemente. Afinal, temos
exemplos vívidos e muito significativos de que é na idade mais
madura que o indivíduo está realmente apto a contribuir para com
a sociedade. Há muitos velhos afáveis, intelectualmente brilhantes,
seguros e produtivos, cuja vitalidade e capacidade de compreensão
nos desperta admiração e, quiçá, inveja. Donde, então, a involução
ou a perda das capacidades mentais?
As raízes do problema
Ouvimos apelos dramáticos e talvez enganosos quando se
levantam polêmicas caracterizando a problemática do velho como
uma problemática pessoal de isolamento, lentidão, falta de capacidade de aprendizagem ou perda da sexualidade, desinteresse geral
pela vida ou vontade de domínio e exercício de poder.
O problema da velhice não é o isolamento, porque isolamento
é o que se vê, também, em inúmeras outras situações sociais: na
hospitalização, nas várias deficiências, nas prisões e nas instituições para menores carentes. Solidão que se encontra mesmo no
seio das famílias e que se caracteriza por monólogos intermináveis,
plenos de incompreensão e de ressentimentos mútuos, frutos do
desencanto e do desestímulo, em qualquer idade.
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O problema da velhice não é a lentidão dos gestos. Ter locomoção difícil só se torna um grande problema quando não se consegue atravessar ruas congestionadas por motoristas impacientes
ou quando não se tem forças para esperar nas longas e demoradas
filas ou correr para se defender de assaltos. É a agressividade do
outro, a agilidade das inúmeras afrontas que os velhos recebem,
que fazem crer que o seu ritmo biológico lentificado e até desvitalizado seja uma perda intransponível. Esta situação também agride
as crianças, afoitas por participar do mundo adulto.
O problema da velhice não é a dificuldade de aprender . Se
o velho não aprende é porque foi, ao longo da vida, desestimulado
a investir sua energia na busca de novos caminhos e soluções
criativas. É o trabalho alienado e a pedagogia, tão somente orientada para os primeiros anos de vida, a educação instrumental e a
educação meramente profissional, que vão tolhendo e inibindo os
indivíduos quanto à expressão de suas verdadeiras capacidades
e talentos. O desenvolvimento pessoal é frustrado na medida em
que se impõe uma necessidade premente de ganhar a vida num
molde de competição exaustiva. Quanto maior a especialização
num dado campo, tanto mais potencialidades individuais deixarão
de ser cultivadas e aperfeiçoadas.
É menos oneroso para a empresa despedir seus funcionários
mais idosos, em vez de reciclá-los. Assim, novos conhecimentos
técnicos e científicos deixam de chegar ao trabalhador e só estão
disponíveis ao estudante universitário, o que acentua a obsolescência natural e dá margem ao recrudescimento da velhice inculta
e despreparada.
Daí se agravarem os problemas de saúde geral, as somatizações provocadas por situações desgastantes ao longo da vida.
As tensões chegam a um nível muitas vezes insuportável, quando
o trabalhador adulto devota dois terços do seu dia ao trabalho, em
detrimento do convívio familiar, social e ao lazer a que teria direito.
Mas faltam-lhe dinheiro e energia para usufruir sequer dos domingos
e feriados. Se possível fará horas extras ou um “bico” para cobrir
as deficiências no orçamento. Ao término do salário ainda sobram
muitos dias do mês.
Chegar à velhice com saúde é privilégio de poucos. Por isso,
ela é associada à doença e à degeneração. Ser velho, na nossa
sociedade, é estar debilitado, não em decorrência de um processo
natural de envelhecimento, mas por maus-tratos, alimentação inadequada e horários desorganizados, relacionamentos interrompidos
ao longo do tempo... “daquele tempo” do qual os velhos se recordam
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saudosos e suspirosos...
As estratégias de resistência
Aquele tempo do qual os velhos tanto falam seria mesmo tão
melhor assim? Ou vemos nisso um fenômeno de idealização do
ontém diante de um presente sombrio e um futuro ameaçador? Para
se sentir valorizadas, as pessoas buscam, nas suas experiências
passadas, algum fato ou situação que lhes reforce o sentimento
de utilidade e de valor pessoal e social. Quanto mais adversas as
condições do presente, tanto mais essas experiências positivas são
reavivadas na memória e eliminadas aquelas lembranças que não
coincidem com a auto-imagem de hoje. É a memória à serviço da
preservação do “Eu”.
Surgem, então, relatos intermináveis em que o “velho desgraçado” de hoje se apresenta como o “herói” de ontém. Longe de
ser uma infantilização, é um mecanismo de defesa mobilizado frente
às agressões a que vem sendo exposto e que podem se originar
de seu próprio estado de saúde, da família ou do mundo social.
Até mesmo idosos que vivem no seio da família, cercados
de atenções e cuidados, muitas vezes apresentam um estado de
inadaptação e vazio interior, que os próprios familiares e amigos
não conseguem compreender. Neste caso é preciso discernir entre
conviver e coabitar. Na coabitação, muitas vezes o diálogo entre
jovens e velhos se limita a um risonho “Oi , vó!”, na chegada e a
um “Tudo legal aí, vó?”, na saída. Filhos adultos se achegam aos seus velhos e, carinhosamente preocupados, iniciam a bateria de
perguntas que se referem apenas à saúde deles: “Tomou o remédio
hoje”?, “Está com frio?”, “Os intestinos funcionaram”? “Vai lá fora
tomar um solzinho...”.
Tais comunicações, impregnadas de boas intenções, podem
ser acompanhadas de um rápido afago ou toques físicos apenas
quando absolutamente indispensáveis. E acabam por dizer aos
velhos que somente o corpo é importante. Daí, é por intermédio
do corpo que eles começam a se manifestar, predominantemente
através de mal-estares, dores, dificuldades respiratórias, cardíacas
e de locomoção... É o que se chama “senilidade como estratégia”
para aproximação e contato.
Em todas as idades as pessoas recorrem às mais variadas
manobras para atrair a atenção do outro e eliminar a sensação
amarga de ser ignorado: crianças se jogam no chão fazendo birra;
adolescentes aderem a modas e comportamentos contestatórios;
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mulheres “vendem” o seu charme; homens “compram” amizades
com dinheiro.
É, de fato, atemorizador sobreviver por longos anos em uma
sociedade que supervaloriza a qualidade do descartável, de forma
que o valor maior se coloca na atitude de “usar e jogar fora” e não
nas qualidades intrínsecas do objeto que se está usando. Nesse
contexto, o homem-objeto durante a vida é um forte candidato ao
posto de objeto descartável.
Como alterar este rumo
A atual tendência é de nos despirmos dos estereótipos sociais e
culturais e “encararmos” o velho na sua integridade e com o devido
respeito, e não uniformizá-lo de acordo com as nossas conveniências e rigidez de pensamento e aceitação, nele projetando todo o
nosso medo de envelhecer. Podemos, então, considerar o envelhecimento como um
processo no qual as capacidades e potencialidades de um indivíduo desabrocham e se realizam. Nesse contexto, ele adquire a
sua maior expressão de individualidade, tal como uma árvore, cujo
broto assemelha-se às de sua espécie e que, ao se desenvolver
plenamente, destaca-se como diferente e única.
Longe de ser sufocado, o medo que sentimos de envelhecer
é um elemento a ser discutido por todos, profissionais e leigos, para
que surjam outras possíveis soluções sociais. Pessoas e entidades
públicas e privadas precisam ser confrontadas com seus preconceitos e tabus perante a velhice, reexaminando a grande questão
do idoso: a atual impossibilidade de participação social ativa, ainda
que com as limitações provenientes de perdas físicas e afetivas
naturais do processo de viver, amadurecer, envelhecer e morrer. O problema da velhice é, pois, um problema de todos nós!
Será muito interessante que a questão “será que ficaremos
como nossos pais?” seja formulada, em breve, sem ansiedades ou
assombros, mas com admiração: “Tomara sejamos como nossos
pais!” São muito poucos, ainda, os filhos que anseiam por isso. Sofremos de gerontofobia e geronto-rejeição. Causas naturais?
Não. Pura ignorância do processo de viver.
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Capítulo 2
CRISES DA MEIA IDADE
Mulher: a redescoberta da própria identidade
Muitas mulheres adultas e maduras, a caminho da menopausa, encontram-se numa época crítica de suas vidas: seus
companheiros ainda se mantêm profundamente envolvidos com a
vida profissional, seus filhos já crescidos saem de casa ou adotam
modos de ser muito diferentes daquele padrão tido por elas como
“correto”. Sem uma ocupação própria definida e gratificante, exasperadas pelo peso do cetro de Rainha do lar, sentem-se ultrapassadas, desnecessárias e frustradas. Ressentidas pelo isolamento e
marginalização em que se encontram, lotam consultórios médicos
e de psicologia com a queixa moral: “Estou com a impressão de
que nada do que fiz valeu a pena”.
Os novos costumes, no que diz respeito à participação
feminina no mercado de trabalho, à liberação sexual e à autoconscien-tização da mulher como ser político e social, ameaçam o
seu sentimento de segurança e o seu quadro de valores. Há uma
incongruência entre o que elas pensam, sentem e fazem, gerando
alta e difusa ansiedade e, mesmo, somatizações dos seus conflitos.
Tendo dedicado mais da metade de suas vidas ao desempenho de papéis (filha, esposa, mãe, dona de casa) que hoje se
esvaziam ou se modificam, encontram-se num impasse: talvez, pela
primeira vez, estão sendo solicitadas a se revelar como pessoas
autônomas e produtivas.
A própria maturidade e experiência adquiridas exercem
pressões internas no sentido de uma autodefinição, uma reavaliação
de seus desempenhos e capacidades. Estas pressões, somadas
às externas, exigem mudanças difíceis e dolorosas, antes de poder
causar alívio e revigorar as forças. É hora de falar, de ouvir, de
perguntar. O nó na garganta, a opressão no peito, os pesadelos
revelam que existe a palavra presa, pronta a se pronunciar. É hora
de balancear a sua auto-imagem e o seu ideal.
À princípio, as mulheres acreditam-se incapazes de realizar
a sua independência. Estão, porém, tão-somente despreparadas.
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É necessário que se promovam condições para que elas se expressem e encontrem novas soluções para os velhos problemas
e para outros que ainda que ainda estão por vir. Que se façam
novas perguntas, também. Uma das formas de fazer este balanço
é através da participação em grupos de orientação, que têm como
objetivos principais o desenvolvimento pessoal e a restauração
do diálogo familiar. Além disso, auxiliam na prevenção à velhice
marginalizada.
Na minha experiência de consultório, tais grupos reúnem de
seis a doze mulheres solteiras ou casadas, mães de família ou não,
em encontros semanais de duas horas, para debater sobre temas
que enfocam a mulher e seu contexto familiar, social e de interesse
geral, como saúde, sexo, trabalho, política e economia, religião e
misticismo, preconceitos e valores, velhice e morte. O ponto de
partida para essas reflexões é a leitura de livros, autobiografias e
artigos publicados em revistas. Cada participante é estimulada a
exprimir abertamente suas dúvidas e reconhecer, em sua prática
de vida, como essas questões estão sendo conduzidas. Fora isso,
são aplicadas técnicas para o fortalecimento da autoconfiança, da
auto-estima e do senso de humor.
Os grupos são previstos para durar um semestre, embora os
encontros possam se estender quando seus membros manifestam
o desejo de aprofundar os temas. O planejamento das atividades
é feito em módulos mensais (a cada mês são abordados dois ou
três temas) de forma a permitir algum afastamento com possível
retorno aos grupos, num mesmo semestre, sem perda ou comprometimento da participação global.
Principais queixas femininas
A dificuldade de “ser ouvidas” e se “fazer ouvir” pelos familiares
é a queixa central, senão a principal, de dezenas de mulheres atendidas em grupos de orientação. Outra queixa bastante freqüente, já
na fase dos 40 anos, é a perda da memória. Dizem, com expressão
desgostosa e repulsa: “Minha memória anda tão fraca!”.
Já não se trata mais daqueles pequenos esquecimentos,
como ir ao quarto e não se lembrar do que foi buscar lá. Elas esquecem onde guardam documentos importantes, pedidos urgentes
dos familiares, compromissos marcados. Nem sabem mais se já
tomaram o remédio naquele dia. O marido se irrita. Os filhos fazem gozação: “A mãe está ficando velha”. E a própria mulher fica
perplexa por não conseguir recordar o que acabou de ler.
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Sua autoestima decai e a insegurança toma conta de seus
atos. Daí a sentir-se incapaz, amedrontada, excluída e inferiorizada
perante a família é somente um pulo. O médico a aconselha a não se
preocupar: “Não é da idade, não. A senhora é muito jovem. O que
a senhora tem a fazer é descansar... Tomar umas vitaminas...”
Mas descansar, como? Numa hora parece que todos precisam dela, especialmente no café da manhã, no jantar, na saída
para o colégio e nas festinhas. Noutra, ninguém lhe faz sequer companhia. Se o marido não está, nenhum dos filhos a convida para
ir ao cinema. Ninguém abre mão dos seus programas. Contudo
ela permanece em casa, “à disposição da família”, remoendo-se
nos intervalos dos afazeres domésticos, invejando a atividade dos
filhos, ou das conhecidas que trabalham fora e parecem estar com
a cabeça sempre em dia.
Melancólicas, estas mulheres sentem o tempo passar
voando, que estão envelhecendo e que não resta muito a fazer. Acham que é tarde para voltar a estudar (e quem vai cuidar da
casa?) e que lhes falta habilidade para começar a trabalhar (o que
sabem fazer além de tomar conta da família e dar ordens para os
empregados?). Lamentam o fato de terem aberto mão de seus
talentos e vocações profissionais.
Elas têm o dia todo ocupado: fazem ginástica, recebem os
amigos em casa, levam os pais ao médico, ajudam a irmã cujo marido foi operado, visitam uma tia idosa, trabalham como voluntárias
em instituições de caridade, eventualmente auxiliam os maridos
nas empresas, sem direito à remuneração e desfrutam de intensa
vida social ou cultural ao lado dos cônjuges, homens de sucesso
profissional e financeiro.
Ainda assim, não estão satisfeitas. Tudo isso parece-lhes
uma mera forma de preencher o tempo. Querem realizar algo que
dê um significado às suas vidas, embora não saibam exatamente
o quê. Às vezes sentem-se capazes, porém tolhidas: “Eu tenho
tanto a dar, mas ninguém quer receber” ou “Tenho a impressão
de que dediquei a minha vida a uma causa errada: meu marido e
meus filhos. “E eu? O que fazer agora? Sentar e esperar a vida
passar?”
A sua compreensão de mundo assume uma forma mais
as-sertiva e reivindicativa, resvalando à rebeldia. Assustam-se,
porém, com a intensidade de suas emoções. A maior parte das
discussões em família termina em gritos e rancores. Dizem “não
ser a mesma pessoa” dentro e fora da família, preferindo a de fora:
mais descontraída, mais interessante, mais atraente.
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Muitas, pela primeira vez em suas vidas, começam a questionar os papéis e as tarefas familiares. Sentem-se culpadas por
agora pensar em si (“Será que vou virar daquelas velhas rabugentas
e egoístas?”). Têm medo de mudar e prejudicar o casamento (“Será
que essa minha nova forma vai nos separar ou nos aproximar?” “Se é para separar, prefiro deixar tudo como está. Afinal, passei
tantos anos convivendo com isso!”).
Tentando escapar da crise
Algumas mulheres identificam-se muito com os pais de idade
avançada. Envelhecem precocemente, adotando para si padrões
de pensamento, sentimentos e comportamentos de uma “idosa”,
o que se reflete em vida sedentária, falta de perspectivas futuras,
apatia, corpo dolorido e quase nenhum desejo sexual.
Boa parte vive alimentando relações de dependência. Inclusive quando assume o papel de protetora. Aparentemente, quem
protege e toma as decisões é uma pessoa segura, amadurecida,
autônoma. Mas a dependência se revela quando não se pode viver
sem ter alguém de quem cuidar. Neste caso, a relação é descrita
como “sufocante e pesada”.
A pessoa exibe largamente sua capacidade de proteger e dificilmente consegue dizer “não”. Com isso, atrai para si uma boa
dose de admiração... e irritação!
A mulher dependente-protegida de seus pais pode tornar-se
protetora de seus filhos. Quando eles crescem, há uma inversão,
inclusive porque os jovens contestam a sua autoridade: ela passa
a ser dependente-protetora de seus pais, a quem vê como fracos,
solitários e incapazes e, ao mesmo tempo, quer ser protegida pelos
filhos. Começa a acreditar que seus filhos é que estão certos, são capazes, são felizes, deixando de exercer sua autoridade sobre eles. Fica à mercê dos jovens, sem condições de se impor, tal como se
comportava perante os próprios pais.
Além disso, a mãe que envelhece precocemente evita entrar
em atrito com as filhas adolescentes. A concorrência entre ambas
fica atenuada, uma vez que ela se sente cada vez menos mulher. Os confrontos são vivenciados na periferia do relacionamento,
através da marcação de horários, do controle de gastos de dinheiro, do modo de se vestir e proceder, do desempenho de papéis
(mãe/filha), o que precipita a sensação de fracasso. Ou a mulher
briga para preservar seu autoritarismo irrascível e ultrapassado ou
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começa a pedir aos filhos que decidam por ela, abrindo mão da
responsabilidade em conduzir a própria vida.
As perturbações emocionais dessa natureza, a identificação
precoce com a velhice e a negação de si como mulher, obscurecem
sua atenção e concentração que, aliadas à falta de treino e estudo,
fazem com que a mulher fique com uma sensação profunda de
perda e cisão de si própria.
A impressão de estar vivendo em outro mundo – que não
se concilia com o tempo presente e não tem perspectiva de futuro
- desmotiva mais ainda para novas realizações. Contudo, não
existem esses dois mundos e, sim, duas imagens que a pessoa
faz de si mesma e que não combinam entre si. Uma é a imagem
ideal (de como ela acha que deveria ser, sentir, pensar e agir) e a
outra é a imagem real.
Em função dessa imagem ideal de si, perante a qual está
sempre em desvantagem, a mulher cobra-se em demasia e age
precipitadamente, sempre lutando com uma sensação de culpa e
de estar devendo.
É necessário, então, atualizar a imagem de si e vivenciar a
frustração, o limite, a grande diferença entre a realidade vivenciada
e o desejo sonhado, para que a mente funcione com estabilidade,
com mais flexibilidade e eficiência. O tempo de ontém já se foi,
nada pode modificá-lo. Quando muito, é possível re-significá-lo. E nunca é tarde para isso.
Entretanto, manter imagens do passado, num irritante saudosismo do quanto-era-bom-antes, é negar-se ao tempo de agora. Também a ansiedade em relação ao futuro nos rouba esse tempo. A questão não é acrescentar tempo à vida, mas adicionar vida ao
tempo. Fazer um exame de consciência e... acordar!
A grande transformação
Logo ao término do primeiro semestre dos encontros nos grupos de orientação, as participantes relatam mudanças significativas
no âmbito familiar e maior eficiência nas comunicações. Dizem
conseguir “fazer-se respeitar mais” pelos filhos, bem como “atrair
mais a atenção” dos respectivos cônjuges. Passam a conversar
com seus familiares a respeito de temas antes considerados “espinhosos”, como drogas, sexo e virgindade, fidelidade conjugal,
submissão e autoritarismo, dependência afetiva e econômica,
disciplina e cooperação.
Há uma melhoria acentuada em sua auto-estima e segu- 29 -
rança, bem como atenuam-se os desconfortos e as dores físicas
anteriormente referidas. Os períodos menstruais de certa forma se
normalizam e ocorre um alívio dos sintomas do climatério (irritabilidade, instabilidade emocional, fogachos e tremores, distúrbios do
sono e do apetite, depressão). As que tentam com muita dificuldade seguir uma dieta de emagrecimento conseguem perder peso
gradualmente sem recorrer à medicação reguladora de apetite.
Diminui, também, sensivelmente, a ingestão de drogas ansiolíticas
e antidepressivas. Grande número passa a freqüentar academias
de ginástica, natação, ioga ou relaxamento.
Em menos de um ano, algumas delas, insatisfeitas com o
fato de serem economicamente dependentes, passam a trabalhar
por conta própria. Habilidades anteriormente desqualificadas por
elas próprias (costura, culinária, tricô, pintura, artesanato, tradução
de textos) viram fonte de rendimentos considerados satisfatórios,
inclusive pelos cônjuges. Poucas encontram trabalho remunerado,
fora de suas casas, por meio período. Outras continuam a procurar.
Nenhuma abandona as atividades caso trabalhe como voluntária.
Passam a organizar melhor seu tempo, de forma a conciliar seus
interesses.
A melhoria em sua auto-estima e eficiência, no lar e no
trabalho, se produz na ação concreta. As condições para uma
auto-realização já estavam presentes desde que se propuseram
a freqüentar os grupos. Então, não é o grupo de orientação que
“faz a sua cabeça”, mas ele serve de apoio a novas atitudes já insinuadas. Esses grupos fortalecem a sua capacidade de decisão
e empreendimento, propiciando meios de autoconscientização e
atualização. Um verdadeiro resgate de seus potenciais.
Os contornos de suas personalidades ficam mais nítidos e
a família, seus filhos, cônjuge e pais deixam de ser os depositários
de suas frustrações e ansiedades. Estando mais aptas a exercer
o autocontrole, tornam-se menos controladoras e mais abertas ao
diálogo: sentem-se mais capazes de ouvir críticas à sua pessoa e
passam a exercer a visão crítica, ao invés de se queixar. Ganham
em autonomia, serenidade, equilíbrio e liberdade.
A mulher madura se afasta do caminho do amadurecimento
e se perde na falta de espontaneidade da rede de papéis convencionais quando quer imprimir seu padrão a seus filhos ou corrigir
o padrão de seus pais. Ao tomar a si a responsabilidade do seu
destino, identificando e respeitando os seus limites e capacidades,
a cada nova situação que se apresenta redescobre um significado
em sua vida, ganhar prsonalidade própria e tornar-se mais prática. - 30 -
Passa, então, a conviver com uma nova realidade, mais ciente de
que , como diz a educadora Maud Mannoni: “Educar é dar voz ativa
aos nossos filhos, tanto para ouvir o amor que eles nos dedicam,
quanto o profundo ódio que sentem por nós”.
A chegada da menopausa
As primeiras falhas menstruais, anunciando a proximidade da
menopausa, despertam na mulher sentimentos diversos. Ela pode
ansiar a libertação que o cessar das menstruações lhe trará, ainda
que isso organicamente corresponda a não mais gerar e, socialmente, signifique o ingresso na Terceira Idade, entre nós ainda tão
desprestigiada e desalentadora.
Sentimentos de perda e vazio interior, inquietude e nostalgia,
associados a cólicas e náuseas, entre outros distúrbios físicos, sinalizam o luto por uma função que está prestes a cessar, a função
ovariana, a capacidade de procriar.
Quem sempre quis, mas nunca teve filhos poderá enfrentar a
melancolia de um sonho que acabou, de um corpo que não corres-pondeu aos anseios de gravidez. Apesar das mudanças que
ocorreram na sociedade, ainda hoje a mulher tem que ser mãe. A
imagem fantasma da “tia” continua a persegui-la, ameaçando-a de
não ser uma “pessoa completa”, caso não assuma a maternidade,
quer tenha ela se casado ou não.
Em caso de esterilidade, as pessoas primeiro acenam compreensivamente com a cabeça, para depois fazer uma cobrança implacável: “E vocês nunca pensaram em adotar?” A pressão é tanta
que, ainda hoje as mulheres em torno dos 30 anos, ficam aflitas,
buscando não só um companheiro, mas um pai para os filhos que
querem ter “antes que seja tarde”. Estatísticas demonstram que
cerca de 85% das mulheres têm filhos entre 19 e 31anos.
A maioria das mães, ao atingir a meia-idade, volta a cogitar
ter mais filhos – mesmo aquelas que optaram conscientemente
por uma laqueadura. Olham sonhadoras para as gestantes que
passam na rua, os carrinhos na praça. Pedem às outras mães
para segurar os bebês, embora devolvam logo, com grande alívio.
Também elas levam alguns meses para elaborar a despedida de
sua fase procriativa.
Climatério e menopausa
É importante que se esclareça o significado de climatério e de
menopausa. Não são, somente, as mulheres que empregam erro
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neamente estes dois termos. Muitos profissionais ainda usam-nos,
indiscriminadamente.
O climatério é definido como um período que ocorre na vida
de todas as mulheres e que começa (sem qualquer sintoma na
maioria das vezes) perto dos 35 anos de idade e vai até os 55
anos, em média. Este período caracteriza-se por sinais e sintomas
de intensidade variável, de acordo com cada mulher.
As evidências mais comuns podem estar relacionadas com
o ciclo menstrual:
· ciclos que ficam mais curtos;
· diminuição (ou, às vezes, aumento) da quantidade de sangue menstrual;
· cólicas em pacientes que não as apresentavam antes, ou
que desaparecem naquelas que sempre sofreram com este desagradável sintoma.
Na esfera emocional surgem, muitas vezes, irritabilidade
sem motivo aparente, tristeza, melancolia ou depressão. Não raras
vezes, alterações do sono: insônia, sono não satisfatório, sono
superficial.
Geralmente, estes sintomas da esfera psíquica são melhor
tolerados em pessoas que desempenham alguma atividade fora de
casa (comerciantes, profissionais liberais, professoras, comerciárias, bancárias etc.). São pior tolerados e, por vezes, muito mais
intensos, nas mulheres que não têm função fora do lar. Pior ainda
para as que acumulam tripla jornada: trabalho fora de casa, trabalho doméstico e criação dos filhos, atenção ao marido e aos pais/
sogros de mais idade.
Outros sintomas comuns do climatério são:
· perda do interesse sexual;
· dores de cabeça;
· alterações digestivas;
· alterações urinárias (dores e ardor ao urinar, micções mais
freqüentes);
· palpitações;
· aumento de peso;
· perda de pelos e cabelos etc.
O aumento de peso merece uma reflexão especial. Na realidade não é a diminuição da produção hormonal que faz com que haja
aumento de peso. A responsabilidade por esta alteração - quase
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sempre desagradável e que agrava os demais sintomas já citados
- está relacionada a duas situações reais:
1. Diminuição da atividade física. A partir dos 40/45 anos,
mesmo ainda menstruando, (portanto, dentro do climatério), diminui
bastante suas atividades físicas. Não sai de casa com tanta freqüência ou, quando sai, prefere fazê-lo de carro; se praticava algum
esporte, ao ver-se no espelho um pouco mais gorda e abandona
o esporte.
2. Ao sentir que está perdendo as formas entra em uma fase de
passividade, de que “nada se pode fazer” e aí passa a alimentarse com todos os alimentos que sempre quis consumir, mas não o
fazia pelo medo de engordar.
Aos 40/45 anos, a mulher necessita ingerir metade das calorias de que necessitava há 20 anos atrás, aos 25 anos de idade,
por exemplo.
Nesta fase a mulher está exposta a um risco maior de enfermidades, tais como:
· câncer de mamas;
· câncer do corpo e do colo de útero;
· doenças metabólicas (alterações do metabolismo das gorduras com acúmulo do LDL - colesterol no interior das artérias);
· hipertensão arterial (pressão alta);
· angina do peito;
· infarto do miocárdio e,
· alterações do metabolismo do açúcar (diabetes).
À medida em que - ainda dentro do climatério - aproximase a data em que a última menstruação acontecerá, as alterações
tornam-se mais evidentes, aumentando a irregularidade menstrual.
A mulher pode ficar dois a três meses sem menstruar, ou menstruar
mês sim, mês não, pois os níveis de hormônios circulantes no sangue sofrem oscilações que trazem alterações cada vez mais graves
para todo o organismo. Surgem, agora: diminuição da lubrificação
vaginal durante as relações sexuais, ardência para urinar, afrouxamento do assoalho vaginal; pode ocorrer, também, uma “queda
da bexiga” para quem já teve partos vaginais com alterações do
períneo, causando, às vezes, perda involuntária da urina ao rir,
tossir, espirrar ou correr e pular.
A diminuição dos níveis de hormônios ovarianos no sangue
(principalmente o estrogênio) acaba por interferir, também, na qualidade dos ossos, que passam a perder cálcio. Caso a perda persista
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e se acelere, poderá levar a uma doença chamada osteopo-rose.
Dependendo do seu grau, pode causar fraturas graves na coluna,
ossos da perna, bacia, tornando, às vezes, a paciente inválida, na
sua maior gravidade. A maioria sente muitas dores e sofre limitações
nas suas atividades.
Entre os 45 e 55 anos em média, os ovários param de
produzir os hormônios, mais especificamente os estrogênios, que
são os principais nesta fase da vida da mulher. A mulher para de
menstruar. Após 12 meses sem menstruar, dizemos que a mulher
está com sua menopausa instalada. Portanto, a menopausa
é definida como a última menstruação. Por volta dos 45 anos,
quando ainda menstruando, podemos dizer que a paciente está
em uma fase denominada péri-menopausa, ou seja, em “torno da
menopausa”, ou ainda próximo da menopausa. O mesmo se ela
tem 52 anos e acabou de entrar na menopausa. Ela continua na
fase do climatério, porém já é considerada “menopausada”.
Uma vez instalada a menopausa, com ausência (quase) total
do estrógeno, todos os sintomas e sinais já relatados no período do
climatério tendem a se agravar: aumenta o ressecamento da pele,
há diminuição do chamado colágeno péri-orbicular (colágeno das
maçãs do rosto, que existe em torno dos olhos e que é responsável
pela harmonia das linhas do rosto feminino, conferindo à mulher
graça, beleza e delicadeza de traços); a insônia se aprofunda; o
comportamento se modifica: a mulher se torna dura, áspera, às
vezes agressiva. Ao mesmo tempo, pode cair no choro sem motivo
aparente. Fica deprimida, passa a ter medo de certas situações de
que antes não tinha; surgem a tristeza e a melancolia, ao mesmo
tempo irritabilidade e impaciência com os seus entes queridos. Vem
a vontade de não mais freqüentar os locais que sempre gostou
de freqüentar. As relações sexuais, além de indesejadas, quando
ocorrem traduzem-se por sacrifícios, pois não há mais a lubrificação
vaginal produzida pelos hormônios.
A menopausa é uma ocorrência natural? Sim, é uma
ocorrência própria da mulher. É um fenômeno natural, mas não
“normal”, pois pode trazer muitas complicações que, para algumas mulheres, tornam-se “um verdadeiro inferno” quando não
tratadas.
Neste ponto surge um questionamento: devem os sintomas
do climatério e da menopausa serem tratados? Hoje as mulheres
participam da vida familiar de maneira mais ativa; ou trabalhando
fora, ajudando na formação da receita financeira do lar, ou simplesmente querem viver, após os 40 anos, da maneira como viveram até
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esta idade: belas, joviais, sentindo-se psiquicamente bem consigo
mesmas e sexualmente bem com o seu companheiro, fazendo
parte da evolução social do mundo.
E como se consegue isto? Simplesmente, quando indicado,
fazendo uma Terapêutica Hormanal de Reposição (THR). A THR
visa substituir os ovários, administrando-se o mesmo hormônio
que era antes fabricado por estes órgãos. E usar hormônios, não
poderá produzir câncer? Não é forçar a natureza? Não vai aumentar
o peso?
Os hormônios sintetizados a serem administrados (sob
forma de selos que são colocados aderidos à pele e trocados duas
vezes por semana, sob forma de injeções ou sob forma de comprimidos) visam nada mais do que permitir que continue a existir
no organismo, o estrogênio circulante. Ele é levado pelo sangue e
serve aos órgãos que dele necessitam. É um estrógeno, fabricado
em laboratório, que substitui aquele que parou de ser produzido
pelos ovários.
Porque, então, estes hormônios, em tudo semelhantes aos
hormônios que eram produzidos pelos ovários, produziriam câncer?
E os fitoterápicos?
Para que não se venha receitar hormônios para mulheres
que possam ser portadoras de um câncer inicial ou uma lesão précancerosa, é obrigatório que se realize um conjunto de exames,
avaliando profundamente o colo do útero, o corpo do útero, as
mamas, principalmente, além de se dosar no sangue as chamadas
lipoproteínas (colesterol, triglicérides) e o açúcar, avaliando o funcionamento do fígado. Antes disso não se pode iniciar o tratamento
hormonal em uma mulher, mesmo que totalmente sadia. Ainda que
uma boa parte das mulheres seja muito beneficiada com a THR, nem
todas as mulheres precisam fazê-lo. Aí entram os fitoterápicos.
Tomar hormônio engorda? Há mulheres que dizem conhecer
dezenas de amigas que, ao iniciar o uso dos hormônios, engordaram. Os hormônios, quando administrados nas doses adequadas
(após avaliação em laboratório) e associados à alimentação
recomendada para a mulher no climatérioe/ou na menopausa, e
ainda praticando esportes (principalmente fazendo caminhadas
diárias), exercem pouquíssima ou nenhuma influência no peso da
paciente.
De acordo com o Dr. João Fernando Góis1, médico gineAdaptado de texto do Dr. João Fernando Góis-Médico Gineclogista-Titular do Depto. de Climáterio do
Clam Delegado da Sobrac.
1
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cologista, a mulher que já é menopausa há anos, se não tomar
hormônios, se não adotar uma alimentação condizente com esta
fase da vida, se não caminhar ao menos 6 km por dia, irá engordar
progressivamente. E se passar a usar hormônio, mas não adotar
uma alimentação adequada e não fizer caminhadas, igualmente,
irá engordar.
Outras perguntas são feitas com muita freqüência:
a) A mulher no climatério, que ainda menstrua, deve continuar
menstruando ao utilizar hormônios?
Depende do desejo de cada paciente. Pode-se normalizar as
taxas de hormônios no sangue sem provocar menstruação;
b) Mulheres que não menstruam há anos, ao fazer uso de hormônios podem apresentar menstruação?
Sim, podem, mas somente se desejarem. Se não desejarem, há
como normalizar os níveis de hormônio no sangue sem provocar
sangramento menstrual.
c) Por quanto tempo a mulher deve fazer uso de hormônios?
Segundo os maiores especialistas na área, a mulher deve usar
hormônios femininos enquanto viver, pois os homens produzem nos
testículos hormônios masculinos enquanto vivem.
d) Como deve ser o acompanhamento da mulher que faz uso
de hormônios?
A cada seis meses pelo menos, a fim de verificar os resultados
do tratamento e reavaliar se a dose do medicamento está sendo
eficiente etc.
Além da THR (em inglês) ou TRH (em português), há outras
formas de tratar os transtornos do climatério e menopausa: através
de medicações sistêmicas, nutrição adequada, medicina ortomolecular, homeopatia, acupuntura, psicoterapias, relaxamento,
meditação etc. Além disso, hoje também se faz uso da fitoterapia,
com excelentes resultados. Outro fator que beneficia, em muito, é
uma vida social e cultural estimulante, além da estabilidade familiar
e da esfera afetiva e sexual.
Em resumo: O carinho, boas motivações para viver bem e
o atendimento da mulher a partir dos 35 anos, acompanhando-a
durante toda a sua vida, constitui-se na verdadeira medicina preventiva, pois a mulher sob os cuidados de bons médicos e outros
profissionais da saúde, terá um menor risco de contrair doenças
graves. E poderá comquistar uma qualidade de vida bem melhor,
independente da sua idade.
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A família diante de uma nova mulher
“Você anda muito parada, tem que sair para o mundo, estudar,
trabalhar. Você não viu a fulana, a beltrana, a sicrana? Elas é que
estão certas!”, dizem o marido e os filhos, fazendo o “diagnóstico”
do problema e já passando à “prescrição”. A família instiga a mãeesposa e toca os brios da mulher, que decide vencer a inércia e
ficar repetindo, neuróticamente, seus esquemas de vida já ultrapassados. Daí ela parte para a luta.
A família que se prepare, porque ela vai mudar e remoçar! E,
por incrível que pareça, embora todos insistam para que a mulher
faça a sua transformação pessoal, ninguém vai ajudar muito, não.
O mesmo marido que a espicaçou, vai reclamar. Os mesmos filhos
que a comparam às mães dos amigos, vão cobrar. Como a gerência doméstica continua a ser sua atribuição, eles
vão reivindicar comida pronta na hora, roupa limpa e bem passada,
casa em ordem, além de atenção, presença e dedicação. Vai ser
cobrada em tudo aquilo que era abominado como algo que “qualquer
um pode fazer”, mas que raramente faz de bom grado! E mesmo
boas empregadas precisam ser orientadas e supervisionadas.
As primeiras tentativas de “usar a própria cabeça” serão recebidas com ceticismo por todos e até pela mulher. Vai bater a vontade
de voltar atrás, deixar tudo como estava. Mas, não adianta, uma
vez iniciada a mudança, mudada está. Nada será como antes.
A mulher brava, que surge a princípio, abre espaço para uma
brava mulher, que constata que o mundo está aí para ser conquistado: o seu próprio mundo.
O caminho é árduo. Requer determinação, disciplina e atenção. Porém, uma vez superada a ansiedade, a mulher aprende a
aprender. Recupera, além da curiosidade, o prazer de competir...
e a angústia de vencer. Para quem se via até pouco tempo atrás
como perdedora, descobrir-se espirituosa, atraente, sensível e
capaz de despertar inveja em quem sempre invejou ou admirou,
mobiliza intensa angústia, o medo do novo.
Recuperar a prontidão da memória significa não só “voltar a
ser inteligente”, mas também recusar migalhas de afeto, atenção
e oportunidades. Ter discernimento e ação, vontade de lutar e vencer. São novas emoções, nem sempre de prazer, porém ,de maior
realismo e realização. O importante é sair da “redoma” sem perder
a ilusão, com um quê de ambição e muito de alegria de viver.
O renascimento da mulher
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O climatério, prenunciando a morte da fertilidade, exige que a
vivência da maternidade se desvincule de seus aspectos concretos
(engravidar, ter e educar filhos) para atingir níveis cada vez mais
simbólicos: entregar seus filhos para o mundo e se comprometer
com esse mundo, como um ser verdadeiramente social e político.
A mulher transpõe a capacidade de procriação, em direção à sua
capacidade de criação. Transcende o seu útero em busca de sua
definição de mulher, não mais calcada na repetição de um de seus
ciclos orgânicos ou nos papéis filha-esposa-mãe.
É possível que essa transição transcorra dentro de um clima de
depressão suave, numa introversão temporária, quando a mulher
mergulha para dentro de si própria, questionando seus valores
mais profundos, para retornar depois mais cheia de ânimo, ciente
do valor de si própria. São freqüentes, nesta fase, os sonhos em
que se vê grávida ou em que suas filhas adolescentes engravidam,
além de sonhos com crianças, suas ou dos outros, de quem ela
deve cuidar. Crianças que nascem, crianças que morrem, é um
novo “eu” que nasce, enquanto um “eu fértil” vai morrendo, um
“eu” que demanda cuidados. Em busca de ser uma boa mãe de
si própria, a mulher ressente-se da perda ou da ausência de sua
mãe. Saudades agudas a acometem.
Caso esse processo de renascimento não se complete, existe a
possibilidade de adotar formas alternativas de exercer a maternidade: pressionar filhas e noras para lhe darem um neto e intrometerse demasiado na educação dele, superproteger filhos adultos. Ou
transferir os cuidados maternais para os pais já idosos ou para o
marido, preocupando-se excessivamente com a saúde deles. O
relacionamento sexual com o marido-tornado-filho é psiquicamente insuportável e culposo. Para algumas, a idéia de arranjar um
amante parece sedutora e podem vir a se apaixonar por um rapaz
bem mais jovem.
Gravidez inesperada
A contracepção no climatério exige cuidados redobrados. Alguns métodos são desaconselhados nessa etapa: a combinação
do fumo e das pílulas anticoncepcionais é perigosíssima. O DIU
pode desencadear hemorragias severas e o uso da tabelinha pode
resultar ineficiente. Diante disso, algumas mulheres, acabam por
engravidar, mesmo sem querer. Essa gravidez tardia e inesperada,
se levada adiante, altera drasticamente a dinâmica familiar. Os filhos
crescidos vão querer opinar, sentindo-se no direito de incentivar
ou criticar a mãe, sobre quem recai a responsabilidade, com forte
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ambivalência: ela é considerada “muito burra” por não ter sabido
evitar ou muito “corajosa” por ousar.
Os conflitos da mulher da classe média se agravam, na medida
em que ela é educada para ser avó e não mais mãe, ao ingressar na
meia idade. Aparecem as culpas: não ter sabido evitar a gravidez, de
estar rejeitando o bebê. E os medos de ter uma criança deficiente. Mulheres que, por motivos religiosos, não admitem o aborto rezam
para que ele ocorra espontaneamente. Quando nasce o filho, a
tendência será de superprotegê-lo, criando uma situação delicada
para todos na casa, sobretudo para o recém-nascido.
O quadro piora quando o marido não assume a sua cota de
responsabilidade e se distancia, emocionalmente. Ela conhece,
então, o desespero da solidão a dois. A ansiedade será seu estado
constante durante e após a gestação, refletindo-se, muitas vezes,
em cuidados exagerados para consigo e para com o bebê.
Como superar os temores
O panorama afetivo familiar e, mais especificamente, a qualidade do relacionamento conjugal são determinantes na solução dos
conflitos relacionados à gravidez perto da menopausa. Uma providência que ajuda bastante é obter a maior quantidade possível de
informações corretas sobre o andamento da gestação, seus riscos
e os recursos existentes. Atualmente, a medicina e os cursos para
gestantes, dos quais participa o casal, conseguem dar um excelente suporte à grávida mais velha, diminuindo os fatores de risco
e complicações. A escolha de um bom médico é imprescindível.
Evitar a companhia de pessoas mórbidas, contadoras de desgraças, é uma boa forma de se proteger. O casal pode trocar mais
carinhos, praticar sexo, (desde que não haja risco envolvido),
participar junto das consultas pré-natal, depois “esticar” para um
programa a dois. Envolver os filhos crescidos na compra do enxoval e na decoração do quarto. Rir sempre que possível, pois o riso é o
melhor “antídoto” contra a angústia.
Mas se a angústia tomar conta, a mulher deve procurar uma
orientação psicológica para essa fase. Muita mudança objetiva e
subjetiva está para acontecer. Vale a pena dedicar um tempo para a reflexão. É possível, sim, que haja uma gravidez saudável, do
ponto de vista clínico e psicológico, para a mulher mais velha.
Outras motivações para a gravidez tardia
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Algumas mulheres adiam a gravidez porque desejam se dedicar
primeiro à carreira profissional. Outras engravidam ao se casar pela
segunda ou terceira vez, para consolidar essa união. E há, ainda,
mulheres para as quais os laços de dependência profundos criados pela maternidade, ajudam a solucionar ou contornar conflitos
íntimos.É por isso que muitas, carentes de recursos econômicos,
engravidam corajosamente. “Só” para ter alguém a quem amar e
se dedicar, que lhes proporcione um sentido na vida.
Quando a sua motivação básica é manter um relacionamento
simbiótico de profunda dependência, a mulher engravida e sentese feliz, porque isso adia a sua tarefa vivencial de crescimento e
de conquista da independência. (Além disso, também se acredita
que a gravidez rejuvenesce a mulher!)
Mãe de criança pequena raramente terá uma vivência autônoma. Algumas chegam perto de “enlouquecer”, desesperadas pela
falta de privacidade e liberdade de ir e vir e pela interrupção do
sono. Esse quadro é responsável por um dos mais altos índices
de depressão e suicídio na população feminina. Pergunte a uma
jovem mãe de dois ou três filhos qual seu maior sonho: “Entrar no
banheiro sossegada ou conseguir fazer uma refeição completa
sem ser interrompida por brigas, por um que chora de fome, por
outro que fez xixi”.
O fato é que a gravidez tardia não evita o processo psíquico
de elaboração da despedida da fase procriativa, da aceitação da
menopausa iminente e do que tudo isso representa para a mulher. Essa despedida de sua fertilidade biológica não ocorre, concomitantemente, aos seus processos psicológicos: muitas mulheres
não se acreditam mais férteis, quando ainda o são, correndo o risco
de engravidar; muitas se acreditam férteis, quando não são mais,
tomando anticoncepcionais indevida e perigosamente.
Mães jovens versus mães maduras
Ainda que a gravidez seja desejável e socialmente valorizada
para as mulheres jovens, elas não têm, de modo geral, maturidade
suficiente para apreciar a grandeza da maternidade, a celebração
da vida, nos seus aspectos profundos. Os filhos, mesmo os mais
desejados, parecem um fardo, uma forma de ocupação de tempo,
um estorvo ao seu relacionamento com o cônjuge, os amigos, o
trabalho, os estudos.
Já a mulher mais velha, que engravida sem com isso querer
preencher um vazio existencial ou procurar na criança o seu próprio
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rejuvenescimento e, sim, para se realizar como mãe, promove em
si e na família uma experiência enriquecedora.
Enquanto a gestante nova teme as dores do parto e as “deformidades físicas” que a maternidade acarreta, a gestante mais
velha usufrui mais livremente da relação adulto-criança, ensejando
a ambos a oportunidade de individualização e de crescimento.
A jovem é imediatista e transita pelo universo das permanências.
Quer ter logo todos os filhos e pensa que eles nunca vão crescer. A
mulher mais madura, que já experimentou e integrou várias idades,
tem a consciência da transitoriedade dos fatos humanos e convive
em relativa segurança com o mundo das incertezas. Tem mais
autonomia e paciência para educar os filhos e educar-se através
deles, contemplando a todos com o saber de que tudo passa, as
fases boas e ruins.
Na sua maturidade psíquica, a mulher atinge a sabedoria e
“saboreia” o milagre da vida. Não mais necessita do seu corpo,
exclusivamente, para saber-se fértil, para provar capacidades. E
se uma gravidez acontece, ela é vivenciada como mais uma grande
realização e, não como um atestado de competência ou incompetência sua como mulher. Na maturidade, ela gera não simplesmente um filho, mas o
amor, a sua consciência de ser potente, ainda que limitada, a sua
fertilidade emocional, de idéias e de ações, arduamente conquistada. A gravidez tardia só acentua esse ganho.
Gravidez após a menopausa
Aquilo que há poucos anos era uma verdade incontestável, hoje
não se sustenta mais: “A menopausa marca o início de um período em que a mulher não pode mais conceber e ter seus próprios
filhos”. O avanço das técnicas de fertilização assistida alterou o
marcapasso biológico da maternidade. Hoje, a mulher pode não apenas gerar filhos absolutamente
saudáveis após a menopausa (com óvulos seus congelados ou
de doadoras), como conceber uma criança de pai ignorado ou do
marido morto, através da inseminação artificial de esperma armazenado em bancos de sêmen.
Esses fatos introduzem uma novidade tão grande em nossos
conhecimentos, que as nossas discussões tendem a ser moralistas e antagônicas: “Se Deus quisesse que a mulher engravidasse
quando velha, não teria programado a menopausa”, afirmam os
conservadores. “Se Deus não quisesse que a mulher pudesse ter
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filhos mesmo depois de velha, não teria dado ao homem inteligência
para se descobrir como se faz isso”, rebatem os inovadores. Continuamos com a pretensão de saber dos desígnios divinos,
enquanto confirmamos, com argumentos aparentemente opostos, o
ácido preconceito: mulher de 50 é velha! Discutimos direitos morais
a respeito de a mulher de 50 ou 60 engravidar, mas não questionamos porque consideramos velha uma pessoa dessa idade.
Mais do que a biologia, é a sociedade que determina hoje quem é
apto ou não a procriar. É como se as leis morais se sobrepusessem
à própria natureza. Tem sido assim com a questão sexual.
Do ponto de vista da psique profunda, no entanto, o tempo é
subjetivo e sempre atual. O Eu profundo não envelhece. Isso quer
dizer que o desejo de realizar a maternidade é tão válido e sagrado
na adolescência, como na meia-idade.
Os conservadores gritam: “Melhor adotar uma criança faminta ou
órfã”. Os corações dos casais retrucam: “Queremos nossos próprios
filhos”. Há, então, um código moral distinto, que nega às mulheres
mais velhas a legitimidade do seu desejo de procriar?
A argumentação de que pessoas mais velhas não terão tempo
de vida ou condição de ver crescer os filhos concebidos na meiaidade, deveria nos remeter a questões de justiça e bem-estar
social, qualidade de vida e relações de afeto e, não simplesmente,
criticar.
A maturidade social crescente tem revisto as questões familiares, não só do ponto de vista da moral, mas principalmente da ética. Pela ética da liberdade, os laços afetivos tendem a se sustentar
mais através dos cuidados mútuos e justiça do que pelos laços de
sangue e prestígio. A família tende a se constituir pela escolha,
para todas as gerações.
É essa liberdade de escolha que sustenta, eticamente, os
argumentos que validam o desejo feminino de realização pela maternidade, qualquer que seja sua idade ou condição.
Aposentadoria feminina
“Não vejo a hora de parar e me dedicar mais às coisas de que
gosto. Vou fazer inglês e natação até o final do ano e, depois,
vestibular! Sempre quis estudar História.”
Cheia de vontades, é mais fácil para a mulher se aposentar do
que para o homem. Existem, sim, as que se “acham” preparadas
e se surpreendem depois com o vazio e a desorientação que as
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acometem, com a sua falta de recursos pessoais. Essa síndrome é relativamente comum entre aqueles que se
aposentam em cargos de chefia: tão capazes de organizar os negócios alheios, revelam uma tremenda incapacidade de administrar
seus próprios sentimentos e organizar sua vida pessoal! Assim
como os homens, mulheres também podem se arrepender e vir a
implorar que a recontratem. Há os que dizem que “ficarão loucos”,
se não voltarem para o trabalho.
De modo geral, as mulheres aposentam-se de maneira menos
traumática. Ao contrário dos homens, elas não se ressentem tanto
da perda de status e de prestígio. Mesmo porque, a maioria não
chega às esferas de decisão. São as mulheres das novas gerações que estão ascendendo na profissão. As mais velhas, que se
aposentam agora, quando muito atingem o cargo de secretária
executiva ou gerente de algum setor.
Aposentam-se, pois, de serviços pouco estimulantes ou reconhecidos, ganhando uma remuneração quase sempre inferior à
dos homens na mesma função. Na hora do desligamento, estão
menos vulneráveis às questões de poder. A aposentadoria apresenta-se a elas como oportunidade de
decidir mais e melhor sobre suas próprias vidas e buscar espaços
em que sejam reconhecidas. O sentimento predominante é de
alegria em relação à liberdade recém-conquistada.
Muito mais do que os homens, estão preparadas para circular
com desenvoltura pelo mundo das artes e dos estudos. Fazem
amigos com facilidade. São mais hábeis em organizar encontros,
festas e passeios, chamando amigos e vizinhos quando se sentem sós. Encontram o que fazer dentro de casa: muitas adoram
cozinhar, ler um bom livro, arrumar armários ou até caminhar pela
rua, coisas absolutamente simples, que não passam pela cabeça
da maioria dos homens.
Mesmo tendo trabalhado fora do lar, a mulher sempre manteve
ativos os vínculos familiares e sociais. Nessa hora, dispõe de uma
rede de apoio mais ampla e fortalecida do que os homens, cuja
tônica tem sido a imersão completa no mundo do trabalho. Se essa
rede não é suficiente para ajudá-la a superar a crise, procura terapia
com muito mais facilidade. A questão financeira não a aterroriza
tanto: sente-se menos humilhada em receber ajuda dos filhos ou
em baixar seu padrão de vida, se necessário.
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Enfim, um tempo só para si
O cessar da dupla jornada somente beneficia a mulher, aliviando
seu stress. Mesmo porque, sua jornada não se limita ao trabalho
dentro e fora de casa. Há que se considerar, também, a educação
dos filhos, a dedicação ao cônjuge e a atenção aos pais idosos. Além disso, cabe à mulher a tarefa de manter os vínculos sociais
e de afeto com outras famílias, grupos de amigos e atividades de
recreação ou culturais.
Esse conjunto complexo de afazeres, que transforma seus anos
de vida ativa numa verdadeira gincana diária, tende a se modificar
para atendê-la em suas necessidades, quando chega à aposentadoria. Ela pode escolher entre trabalhar e estudar ou, simplesmente,
descansar de tantas responsabilidades e horários rígidos. Pode conhecer, pela primeira vez na vida, o “tempo para si”. Os
filhos, crescidos, já se formaram ou estão casados. O marido está
menos agressivo ou ausente em relação aos primeiros anos. Se a
convivência torna-se insuportável, pode optar pela separação ou,
caso o marido colabore, tentar reanimar o casamento.
Vale a pena registrar, contudo, que poucas mulheres que se
projetaram bastante no trabalho e conquistaram sua independência
pessoal e financeira permanecem casadas à época da aposentadoria. Nas suas palavras, é como se os maridos não tivessem
“agüentado seu sucesso” . Quando se destacam numa carreira
acadêmica ou nos espaços artísticos e intelectuais, os casamentos
sobrevivem melhor ao êxito feminino.
Arrimo de família
Mulheres solteiras muitas vezes assumem o encargo de sustentar os pais idosos. “Porque não se casaram e não têm seus
próprios filhos”, a família espera que sejam elas a contribuir com
mais dinheiro nas situações de crise, a propiciar conforto aos pais
e até a pagar os estudos dos sobrinhos.
Ao se aposentar, seus familiares podem ter fortes expectativas
de que elas assumam as lides domésticas e os encargos, não só
financeiros, mas pessoais, relativos aos cuidados com saúde e
hospitalização das crianças e dos mais velhos, “já que agora estão
mais disponíveis”.
Nesse caso, longe de encontrar mais respaldo famíliar, na aposentadoria a mulher pode se tornar alvo fácil da inveja dos outros. Sobretudo porque representou, durante todos aqueles anos de
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trabalho, o ideal de mulher livre e independente. Tudo aquilo que
as mulheres da família não puderam ou não conseguiram ser, tudo
aquilo que os homens aprenderam a respeitar e temer.
Caso se afaste dessa pesada trama famíliar, sofre o impacto da
solidão e da ingratidão daqueles a quem se dedicou e por quem,
na sua visão, se sacrificou.
Existem, sim, aquelas famílias generosas, que acolhem com
satisfação a mulher na sua volta ao lar. Então, ela pode “curtir” os
amigos e familiares, cuidar da aparência, praticar esportes, viajar. Fazer tudo o que sempre desejou.
Homem: o grande balanço da vida
Muita turbulência enfrenta o homem, sobretudo o da classe
média, da adolescência à meia-idade. Mas a agitação aumenta à
medida que ele se aproxima da idade madura.
Os problemas individuais e profissionais se conjugam a importantes mudanças biológicas, fisiológicas, afetivas, sócio-profissionais, interpessoais e familiares. Nessa idade, o homem dá-se conta de que não viu os filhos
crescer, de que a esposa não é mais a menina com quem se casou... Questiona tudo e, em especial, seu sexo.
A partir dos 40 anos, o declínio progressivo nas taxas de
testosterona, o hormônio sexual masculino, não compromete a
manutenção da função erótica, em relação à conduta sexual e à
capacidade de reprodução. Mas o homem, que mal se concebe
como pai de filhos grandes e vive a iminência de se tornar avô,
começa a se perguntar se continuará a ser “homem”. Sendo assim, a crise da meia-idade masculina – e toda a
vulnerabilidade emocional que ela provoca – está menos fundamentada num desequilíbrio fisiológico e, mais, na crença dessa
eventualidade.
As pressões que estão no ar
Quando o homem tem aproximadamente 50 anos, seus filhos
deixam a casa paterna para constituir a própria família, em busca
de independência plena.
A eventualidade de se tornar avô, aliada à ocorrência da menopausa da companheira, pressiona o homem a reconsiderar a sua
imagem corporal e atualizá-la.
A precariedade do mercado de trabalho no que concerne à
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participação, oferta de empregos e remuneração ao homem mais
velho, aposentado ou em vias de aposentadoria, desencadeia nele
sentimentos de ansiedade e menos valia.
Mesmo em se tratando de homens bem sucedidos em suas
carreiras, o que lhes confere bens patrimoniais, influência e valorização, o medo do futuro (pessoal e profissional) e a necessidade
de uma luta contínua pela manutenção do seu status constituem
fatores desencadeantes de angústia.
A ocorrência de um stress fisiológico (acidentes cardiovasculares, dores nas articulações, obesidade, diabetes, úlcera, entre
outros) pode obrigá-lo a mudanças no seu estilo de vida.
De sorte que a meia-idade é a fase em que se processa um
“balanço” pessoal em termos de passado e futuro. É um tempo de
rever quais expectativas foram realizadas e quais ainda poderão
realizar-se. É a idade da desilusão.
Esse balanço engloba, sobretudo, uma avaliação do seu desempenho profissional e um controle de seu equilíbrio afetivo e
fisiológico, sob o medo da doença, do envelhecimento e da perda
da potência sexual.
Em foco, a vida profissional
Por volta dos 50 anos, geralmente a carreira do homem atinge
um certo platô. Ainda que em plena posse de suas capacidades,
ele compreende que suas chances estão ficando cada vez mais
restritas: terá que abrir mão de aspirações e da realização de
suas ambições profissionais no tocante à remuneração, promoção
ou mesmo à possibilidade de vir a se beneficiar dos avanços da
tecno-logia. Se não foi por conta própria, a empresa raramente vai
investir nele.
Ao longo da vida profissional, somente alguns poucos poderão
manter-se atualizados. Estudar e trabalhar ao mesmo tempo são
tarefas praticamente incompatíveis na sociedade capitalista. O
tempo trabalha contra o trabalhador. A concorrência com a geração
mais jovem, menos bem remunerada, começa a incomodá-lo.
A certeza ou a presunção de seu declínio profissional pode incitar o homem a investir suas últimas energias num trabalho ingrato,
em detrimento de seu equilíbrio fisiológico. Ou, ao contrário, pode
incentivá-lo a recuperar a sua intimidade afetiva e sexual, até então
negligenciada.
Para piorar o quadro, seu incontestável papel de provedor da
família pode estar sendo colocado em xeque, com a ascensão
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profissional da esposa e companheira, agora mais liberada das
funções de mãe e estimulada a ingressar no mercado de trabalho.
Além disso existe a recém conquistada independência dos filhos,
que o destituem do seu papel patriarcal.
Uma vez pressionado pelas condições sociais a necessitar da
colaboração da mulher no plano financeiro (ou pior, dos filhos, vindo
a depender economicamente deles, depois da aposentadoria), o
homem pode sentir-se humilhado e questionar seu próprio valor,
não só como trabalhador, mas como homem.
Freqüentemente perde a confiança em si próprio, em seus
meios de produtividade, o que inclui um questionamento quanto à
própria sexualidade. É vítima frágil de uma disfunção sexual. E
se o homem acredita que o sexo acaba com a idade, ele interpreta
uma falha eretiva ocasional como prenúncio do fim.
Aparecem sentimentos de rivalidade em relação à esposa, aos
filhos, com quem compete velada ou abertamente, e a qualquer
pessoa mais jovem do que ele. Então, pode ceder muito facilmente
ao autoritarismo, seja submetendo-se a ele e deixando de lutar, seja
rebelando-se e se tornando extremamente autoritário.
Quem são os aposentados
Não sabemos como se distribuem, mais exatamente e quais são
as reais expectativas daqueles que se aposentam. Já pudemos, no
entanto, detectar alguns grupos:
I - Aqueles que se aposentam por falta de saúde e forças para
continuar e não querem nem mais ouvir falar em trabalhar e ter
obrigações.
II - Aqueles que querem diminuir o ritmo e continuar trabalhando
com menos stress.
III - Aqueles que precisam continuar, querendo ou não, em função de filhos menores, dependentes, ainda estudando.
IV - Aqueles que não admitem a idéia de parar, porque não
sabem fazer outra coisa ou porque gostam mesmo de trabalhar
V - Aqueles que agora, por escolha, vão se dedicar a algo através
do que possam se realizar.
VI - Aqueles que precisam parar para cuidar da família, especialmente de pai ou de mãe doente.
O fato é que, a aposentadoria é fruto e raiz simultaneamen-te,
da pobreza e da mobilidade social para níveis mais inferiores de
prestígio e reconhecimento. Uma boa parte do sucesso na aposen- 47 -
tadoria é creditado à formação de uma base econômica de três
pernas, onde no futuro, os mais velhos possam se assentar:
- Casa própria e apólices de seguro
- Pensões (públicas ou privadas) e rendas alternativas
- Seguridade social: benefícios previdenciários e assistenciais
A quarta perna, pouco mencionada, é a preparação e o apoio
para se viver só a partir da meia-idade. “Viver só” que não significa
solidão, mas autonomia e independência, tanto financeira, quanto
afetiva e emocional, mesmo quando se tem família, saúde e fontes
de renda.
Ainda que a carência econômica seja gritante, facilmente identificável e mensurável, outras formas de carência dificultam muito
o envelhecer: a cultural, a educacional, a afetiva e a social. A viuvez feminina, por exemplo é crescente a partir dos 50
anos de idade perdurando, em média, por 15 a 25 anos, tempo
esse em que a mulher fica à mercê da família, sem preparo e sem
autonomia.
A educação para “viver só” poderia auxiliar pessoas no enfrentamento de separações, viuvez, doença e várias outras formas de
isolamento, visando, não a marginalização e a exclusão, mas a
autonomia e a dignidade que só a liberdade confere.
Falemos, pois, de uma educação para a liberdade. Liberdade
que se apresenta a nós quando já cumpridos os anos de labuta,
por ocasião do aposentar. Liberdade que tão poucos já sabem ou
conseguem desfrutar.
Aposentar a aposentadoria
Para enfrentar a fase da aposentadoria, a pessoa deverá estar
ciente de que, não importa quão competente seja, ou quão imprescindível se considera, já passou a ocupar os primeiros lugares da
fila de demissão e, uma vez fora da empresa, estará se debatendo,
não só com a competitividade e os dilemas do mundo do trabalho,
mas com os desafios de toda uma nova situação de vida.
É quando será, efetivamente, testado o seu Q.A. ou a sua capacidade de adaptação em situações adversas. E o que vem a
ser esta capacidade?
Trata-se, somente, da diferença entre o sucesso e o fracasso na
aposentadoria. E isso não significa padrão de vida, mas qualidade.
Inúmeras inteligências, brilhantes no meio empresarial, perdem-se
nesta fase por falta de capacidade de adaptação ou baixo Q.A.
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Sucesso na carreira ou nos negócios pressupõe o desenvolvimento e a aquisição de uma grande especialização de conhecimentos e atitudes. Se, por um lado isso garante um excelente
desempenho no trabalho, ampliando a nossa visão e fortalecendo os
processos de tomada de decisão, por outro conduz a uma espécie
de cegueira quanto a outras oportunidades que desfilam a nossa
frente quase todos os dias, oportunidades que não enxergamos por
não estarmos nem habituados, nem motivados a busca-las.
O fato é que, por mais bem sucedido que tenha sido um profissional em seu percurso, o mundo mudou e o perfil dos mais velhos
e dos mais experientes, está distante daquele que se exige hoje.
E a antiga formação profissional tem pouco ou nada a ver com o
que se valoriza, atualmente, no mercado: juventude, flexibilidade,
domínio de línguas e de novas técnicas, especialmente a informática, disposição para mudanças – inclusive de residência, além de
outros deslocamentos, criatividade e aceitação inicial para “começar
por baixo”.
Agora, não só as competências profissionais estarão na berlinda, mas a personalidade e o próprio caráter. O networking, tão
arduamente construído, depois de não mais do que seis meses
fora de uma empresa, despenca.
As novas consultorias já mencionam o netliving. As verdadeiras
amizades que se estabeleceram ao longo da vida é que vão se
importar com mais alguém. Os relacionamentos movidos por interesse profissional, alimentados em torno de um cargo ou posição,
mostrar-se-ão absolutamente volúveis e descomprometidos.
Essa perda de relacionamentos é um grande baque, para quem
está na situação de “excluído” ou, pior ainda, “indesejável”. Uma
coisa é ouvir e se divertir com as histórias dos outros, outra coisa
é sentir na própria pele as longas horas passadas em casa, onde a
presença do homem não é muito bem vinda, a não ser na qualidade
do “Jaqui”, o conhecido e sempre disponível auxiliar (Já que você
está aí, dá para você...?). Ou como um incômodo na vida da esposa
e dos filhos (Mãe, agora esse homem vai ficar por aqui, pegando no
pé da gente?!). Se mulher, com certeza o resto da família vai “cair
de pau” em cima: Agora é a tua vez de ficar aí cuidando...! Você
nunca ajudou com nada, a não ser com dinheiro!
Após desligar-se da empresa, quando mudam as responsabilidades, quando são outros os desafios, é que a pessoa mais velha
vai ver se está madura ou não para dar conta de tanta novidade!
Seu positivismo, será autêntico? Conseguirá inovar e inovar-se?
Estará disposta a aprender, a crescer e se aperfeiçoar ou vai acre- 49 -
ditar que só sabe fazer aquilo que sempre fez e que já passou da
idade, não vai mais mudar?!
Esta é a hora de encarar os mais complexos e difíceis desafios.
Somente a Escola da Vida é que terá ensinado e, não, um diploma de Master ou PhD em qualquer área. Ter saúde e disposição
para recuperá-la e mantê-la, saber se relacionar com afeto e real
interesse pelas pessoas e pelo vasto mundo ao redor, assumir a
plena responsabilidade pelo seu futuro de mais uns vinte a trinta
anos pela frente, abrir a cabeça e adquirir mais conhecimentos em
muitas outras áreas, além da profissional, é tudo isso e muito mais
que nos espera.
As pessoas com baixo Q.A. - Quociente de Adaptabilidade a
situações adversas, são as que desistem. Quantas você conhece
que ficaram velhas antes da hora, pararam no tempo, como se diz?
Deixam-se abater, ficam deprimidas e não procuram auxílio. Nem
reconhecem que estão deprimidas. Seu nervosismo, sua irritabilidade, impaciência e desatenção passam a ser os traços marcantes
de sua personalidade.
Pessoas de baixo Q.A. não exploram todo o seu potencial.
Acomodam-se no já conhecido de si mesmas. Sentem-se desamparadas, mas podem disfarçar seu desamparo ao ficar se metendo
onde não são chamadas e querendo cuidar da vida dos outros.
Adoecem mais facilmente e ficam confusas e perturbadas, perdidas
nos problemas. Sentem-se humilhadas por precisar recomeçar,
arquivam suas boas idéias e acampam no meio da viagem, sem
explorar todo o espaço e o tempo que têm pela frente.
Se isso é aposentar-se, então, que se aposente a aposentadoria! A alternativa é empreender uma nova jornada, onde o autoconhecimento, os principais valores de caráter e a atitude básica de
solidariedade e cooperação é que vão ditar as regras do novo viver
com dignidade, nessa fase em que já não se é mais jovem, mas a
velhice ainda está bem longe de chegar!
Aliás, para quem quer saber, essa questão de velhice não
passa de uma tremenda invenção. Mas essa é uma outra história
para se contar. Por enquanto, falemos de flexibilidade emocional
e intelectual e, de firmeza de caráter, enquanto matéria prima da
nossa capacidade de nos adaptar.
Hora de “pendurar as chuteiras”
Ainda que seja um direito conquistado, a aposentadoria é, por
característica, desumana. Sonega aos indivíduos grande parcela
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de seu valor social, apaga sua história e torna a todos engrenagens
substituíveis no mundo da produção. Excluídos, banidos, despersonalizados, correm alto risco de adoecer e enlouquecer.
Os homens, mais do que as mulheres, sentem muito rancor e
mágoa. O fato de ser “encostado”, “congelado”, sub-aproveitado
anos antes, sofrem discriminação na empresa e ser alvo de chacota
nos últimos anos, abre uma profunda ferida em seu coração.
O sentimento dominante nessa etapa é o vazio, silencioso e
amargo, pela perda dos vínculos do trabalho. O que se lhes acena
é o lazer, em substituição ao trabalho. Raríssimos são os aposentados que conseguem reverter valores e adotar o lazer como norma
de vida, viver o presente, investir em si mesmo, exaltar o prazer
de estar vivo, ter saúde e amigos, sem que tudo isso gire em torno
do trabalho. Mesmo as pessoas que têm renda, ao se aposentar
descobrem que não sabem mais, simplesmente, ser. Sabem estar,
sabem fazer. Parar, saborear o tempo livre, tornou-se algo angustiante e desorientador.
Ao aposentado-desocupado destinam-se socialmente dois grandes “papéis de velhos”: ser avô e ser doente. Se, na qualidade de
avós, os velhos também têm autoridade não reconhecida, porque
os filhos adultos não aceitam mais suas idéias e procedimentos
“ultrapassados” e, se na qualidade de doentes, entram numa espécie de moratória de responsabilidades, é fácil entender o aumento
de rabugice, intolerância, lentificação motora, desinteresse geral,
fraqueza física e mental, falta de concentração e de memória, características que reforçam esses papéis.
A dolorosa perda de status
A aposentadoria altera o equilíbrio do homem, abalando aspectos importantes de sua vida. A perda do status manifesta-se
em várias frentes:
Status social: Enquanto alguns deixam um emprego e, simplesmente param de trabalhar, outros são profissionais de carreira,
altamente identificados com a empresa, a ponto de ter com ela
uma ligação afetiva profunda. Há os que têm relacionamentos de
amizade dentro da empresa, ao passo que outros fazem questão
de diferenciar o trabalho da vida particular e famíliar. É diferente a
condição daquele que ocupa um cargo de grande reconhecimento
social com relação àquele que pode ser “facilmente” substituído.
Além disso, estar engajado no trabalho tem certas vantagens, como
viagens, diárias remuneradas, almoços, deferências, prêmios, mas
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também tem desvantagens, como horários, responsabilidades,
preocupações, compromissos desagradáveis inevitáveis, competição.
Status econômico: É a área em que costumam ocorrer as
grandes perdas para a maioria dos trabalhadores. A tendência é uma
queda no padrão de vida do aposentado e uma baixa qualidade de
viver no cotidiano, justamente quando não têm mais direito a certos
benefícios, como seguro-saúde e apoio sindical. Poucos são aqueles que conseguem incrementar a renda através de novas fontes e,
mesmo esses têm que passar por um processo, de readap-tação
quanto à possibilidade de usufruir de seus ganhos.
Status famíliar: A “volta ao lar” depende, principalmente, da
qualidade do relacionamento com o cônjuge e, em segundo lugar,
com os filhos. Mesmo porque, a essa altura, muitos já saíram de
casa. A família pode proporcionar uma boa e saudável acolhida ao
recém-aposentado ou rejeitá-lo. Existe o mito de que “homem em
casa atrapalha”. Além disso, ocorre com freqüência um descompasso entre as expectativas dele e as da esposa: ela pode estar
ávida por fortalecer a sua ascendência sobre o marido, já que durante anos ele “esteve casado” com a empresa, relegando-a e aos
filhos a um segundo plano. Ele pode estar ávido por usufruir a nova
liberdade, já que por tanto tempo esteve submisso ao sistema de
trabalho. Ela pode desejar a ajuda dele. Esse paralelismo entre o
casal pode levar a mulher a perceber o marido como um intruso e
o marido a considerá-la dominadora e intransigente. Agora, ambos
irão dispor de mais tempo para conviver e, portanto, para notar
falhas mútuas. Re-arranjos terão que ser feitos para que os dois
possam aproveitar esse tempo para se reencontrar e se redescobrir
como pessoas.
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Caítulo 3
Em foco, a vida conjugaL
É bastante claro que as mudanças havidas na vida profissional trarão repercussões na vida conjugal. Esforços, de ambos os lados,
deverão ser empreendidos para conquistar uma nova harmonia,
sem o quê a vida, como um todo, poderá tornar-se “infernal”.
Muitas vezes um dos dois se queixa sem, contudo, deixar
claro para o outro a que se refere e de que modo deseja ser mais
apoiado. Reclamações e acusações do tipo: “Ah, esse aí não me
ajuda em nada!” podem fazer sentido para ela. Ele vai se sentir
perplexo e injustiçado: “Como, não?! Pois não sou eu que faço o
supermercado para você não se cansar?” Pode ser que venha de
volta: “Mas supermercado não vale nada. É só uma vez por mês.
Estou falando de todos os dias. Nem lavar o seu copo você lava! E
a cama, então, nem pensar que você, sequer, arrume o lençol!”
Pior de tudo é que, em vez de sentarem-se para conversar, a
“sessão de reclamação” acontece, em geral, na frente dos filhos
e amigos do casal, gerando constrangimento para todos. As solicitações, longe de serem feitas com cuidado e atenção, surgem
feito saraivadas: “Pegue a sua roupa e leve para o tanque!” ou “
Largue essa porcaria de louça e vem ficar aqui na sala, vem ver
tevê aqui comigo!”
Toda a rotina do casal, em vez de ser reconversada, acaba sendo torpedeada, sem chance de conciliação. O que é uma pequena
gota de desatenção vira um dilúvio de amolações.
Para auxiliar, porém, a compreensão das dinâmicas de um casamento podemos focalizar seis dimensões de responsabilidades
compartilhadas. Se o casal negociar sobre a participação de cada
qual, as chances de entender-se bem melhor e gerar uma rotina bem mais interessante para ambos, aumenta, sensivelmente.
Áreas de um relacionamento conjugal
1. Executiva: aqui se define quem faz o quê, quem cuida do
quê, limpa, leva e traz, quanto ganha, etc ( tudo que for funcional
para o relacionamento, para manter e cuidar da casa e do bem
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estar do casal e da família)
2. Companheirismo: é aquilo que se faz junto (supermercado,
visitas, viagens, aulas de dança etc), por obrigação, por opção de
fazer junto ou porque não se tem muita alternativa, por exemplo,
quando o casal só tem um carro e precisa sair junto para o trabalho.
3. Camaradagem: companheirismo ou lazer é aquilo que se
desfruta, junto ou em separado (leitura, caminhada, passatempo,
brincadeira, aquilo que relaxa e descansa).
4. Maternagem e paternagem: são os sonhos, qualidades,
habilidades no trato com os filhos, o desejo de tê-los e a capacidade de cuidar bem deles, prover suas necessidades, aquilo que
desperta admiração e confiança em ter o outro como pai ou mãe
dos próprios filhos. Nesta fase, os filhos podem vir a ser substituídos pelos netos e muitos homens que não viram os filhos crescer,
podem se tornar excelentes avós.
5. Sexualidade: é a quantidade e a qualidade de prazer, satisfação e segurança que se desfruta no sexo, a confiança que se
tem no parceiro, a criatividade etc
6. Intimidade: é a condição de se sentir aceito, querido e
valorizado no relacionamento, poder ser si próprio, sem ter que
ficar se explicando, justificando; é aquilo que permite que a pessoa
sinta-se abrigada e protegida naquela relação.
Se pelo menos duas destas áreas são insatisfatórias, pode-se
dizer que o casamento vai mal, mais de quatro áreas comprometidas
significa alto risco de separação depois da aposentadoria, pois a
convivência tende a ir de mal a pior. Para isso, existem os serviços
de aconselhamento conjugal, antes de se recorrer à separação e
divórcio.
O casal de mais idade
A meia-idade é uma época de busca e de procura muito semelhante à crise da adolescência. Chamâmo-la “maturescência”.
Conflitos com filhos adolescentes e adultos jovens podem se tornar
especialmente agudos, na medida em que o aposentando não se
reconheça em sua própria crise e passe a exigir dos jovens que eles
resolvam de pronto seus problemas. Acresça-se a isso a vivência
do climatério da esposa. Ambos em crise, ele por aposentadoria,
ela por menopausa, tornam-se um casal em risco.
Parte da auto-imagem e da auto-estima que o trabalhador
tem é dada pela empresa e seus colegas. Ao se desvincular, ele
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fica mais sujeito e vulnerável à apreciação que seus familiares têm
dele, o que não é uma passagem fácil e pode acentuar a dependência entre o casal. Corre-se o risco de confundir dependência
com companheirismo. Novos atritos conjugais podem emergir ,
se ambos não foram honestos, respeitosos e cuidadosos um para
com o outro, firmando novas bases no relacionamento.
Re-arranjos deverão ser feitos e explicitados, conforme o homem
penetra no lar, área que por tantos anos esteve sob domínio da
esposa. Até então, as diferenças entre as áreas de competência
estavam acomodadas, e geralmente desta maneira:
Esse paralelismo entre o casal pode resultar que a mulher
perceba o marido como um intruso e o marido perceba a esposa
como dominadora ou intransigente. Agora, ambos irão ter mais
tempo para conviver e, portanto, para notar as falhas mútuas, mas
também, (ufa!) poderão usufruir desse tempo para se reencontrar
e se redescobrir como pessoas lutadoras, amadurecidas, interes
Volta ao lar
Um dos maiores anseios da aposentadoria é “conviver mais com
a família”. Para obter êxito em mais este empreendimento, a pessoa
precisa saber de algumas coisas. Estar “acessível” é diferente de
estar “disponível”.
Estar acessível significa dar chances de ser encontrado e, de
algum modo procurar ouvir o que os familiares precisam: alguma
ajuda, algum incentivo, algum elogio. Isso não precisa acontecer
exatamente na hora em que se é buscado, mas eles têm que saber que seus chamados serão atendidos. É preciso demonstrar
interesse, mesmo que não se possa estar presente. Isto gera um
sentimento de proteção e a contrapartida de utilidade.
Estar disponível significa estar presente, se não física, emocionalmente. De preferência, no exato momento em que se é procurado. Isto dá aos familiares um sentimento de conforto e segurança,
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de ter com quem contar se necessário.
Pais e cônjuges que trabalham fora, podem ter estado até agora,
mais acessível que disponível. Ao se aposentar, se permanecer mais
tempo em casa, com a expectativa de que todos, ou quase todos
eles, estejam juntos, o recém-aposentado estará mais disponível
que acessível. A famosa situação: você-está-lá-e-ninguém-te-dábola!
Cuidado. Isto pode induzir uma sensação de não ser mais querido, útil ou necessário. A pessoa pode vir a se sentir muito carente
e passar a exigir demais deles, em presença e afeto.
É preciso verificar se realmente eles estão evitando a pessoa,
falando ou fazendo grosserias, ignorando suas necessidades, ou se
estão, simplesmente, ocupados com suas próprias coisas, desabituados à nova presença na casa. É preciso reconquistar o terreno,
ter paciência, perseverança e não confundir a falta de hábito
Todos precisam de um tempo para se adaptar à nova situação.
Reclamar menos, observar mais e ofereçer presença e afeto, desinteressadamente.
Sair com a família é também sair com cada um em
separado.
Uma das maiores alegrias é estar com a família toda reunida.
Em torno de uma mesa, muita risada, comida gostosa. Ou abrindo
presentes ao pé da árvore de Natal. Na praia, jogando bola e “fazendo farofa”. Cantando “parabéns a você”.
São tantas as ocasiões em que cabe todo mundo! Inclusive
ocasiões tristes, como o funeral de alguém querido, na ante-sala
de um centro cirúrgico. Nessas horas, parece que a presença de
cada um engrandece a força do grupo e aumenta a sensação de
conforto. Mas...há outras ocasiões em que “todo mundo junto” não
é uma boa solução. Talvez seja até a pior. Por exemplo: dar bronca
em todos filhos ao mesmo tempo, quando só um deles é que fez a
bagunça.
Outra situação, não muito recomendável, é quando se vai
tratar de algo íntimo de algum deles, ou mesmo dos pais, algo que
os menores ainda não estão preparados para entender, nem os
maiores estão preparados para compreender. Também há coisas
que dizem respeito somente aos pais e a um dos filhos, não a todos.
Há situações alegres, onde não cabem todos. Ao escolher
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o traje de 15 anos da menina. Ou o terno de casamento do mais
velho, a visita aos tios da mãe...à irmã (chata) do pai...
Isso quer dizer que, conviver mais com a família compreende: a presença física e a sensibilidade atenta, para captar
quando é hora de se aproximar e quando é hora de se afastar.
E compreende também a auto-observação. Para não confundir a
contribuição com o “se meter onde não foi chamado”.
Tipos de convivência em família
Há dois tipos de convivência: a primária, quando fazemos
coisas juntos, estamos presentes, acrescentamos valor e conhecimento aos momentos vividos em comum.
E a convivência secundária, quando, mesmo à distância, nos
fazemos presentes, através de ajudar a cuidar de algo, dar uma palavra de estímulo, por e-mail ou telefone e, quando não permitimos
que alguém agrida, ameace ou desqualifique um dos nossos.
Há momentos excelentes para que todos compartilhem da
mesma experiência. Não menos excelente é estar, também, um
tempo com cada um em separado, curtindo a sua individualidade.
Passeios muito prazerosos para todos.
Satisfazer a todos não quer dizer satisfazer a todos na mesma
medida. Um pode ficar “super feliz” e outro, relativamente indiferente, ou impaciente. Quando os filhos, já são crescidos, casados,
têm seus próprios filhos, há - no mínimo - dois problemas : um é
econômico, outro é operacional. Filhos estão sempre esperando que
o pai “banque” tudo. Se o pai pagar, ‘ah, então tudo bem, vamos ao
restaurante que ele indicou’. Mas quando os filhos também “põem
a mão no bolso”, essa é a hora das discussões. Um quer isso,
outro quer aquilo, um fica emburrado, outro vai embora. Perde-se
muito tempo até conciliar os gostos e preferências. Se é que não
se desiste do programa!
Quando se tem filhos pequenos, até a adolescência, os pais
se decidem. Na adolescência, quando começam a aparecer as
individualidades e as vontades, conciliar os programas torna-se
uma arte. E quando eles constituem seus próprios lares, quando chegam “os agregados”, respeitá-los, em seus temperamentos, é
tarefa de gigante!
Pior ainda se filhos e cunhados não se entendem e nem se suportam. Propor um passeio em comum é arriscar-se a ouvir solenes
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desaforos. Muitas vezes pais mais velhos têm que se desdobrar,
porque não conseguem colocar todos os filhos à mesma mesa.
Isso não quer dizer que os pais “erraram” na educação, que a
desavença familiar é o atestado de seu fracasso como pais. Mas
que as desavenças familiares, a quantidade de inveja, ciúmes,
intrigas, competição é alta demais, levando à desagregação e
enfraquecimento dos vínculos e confiança mútua.
Há problemas sérios de família, que podem precisar da ajuda de
alguém de fora, ou mesmo, do auxílio de um profissional. Se o desentendimento é só entre o casal, um quer sair, o outro só quer ficar
em casa, os filhos não têm que participar do (des)en-tendimento.
Um conselho aqui, outro lá, sim, mas sem julgar nem tomar partido.
Filhos não podem, nem devem, intervir como se fossem os donos
da verdade ou juízes de um tribunal.
Os filhos se afastam, quando os pais se dão mal. Ninguém
gosta de estar perto de gente que não se entende, mesmo sendo
os próprios pais.
Concessões são necessárias, de parte à parte. Não estamos
mais no tempo em que só uma parte cedia, enquanto a outra
impunha a sua vontade. Agora, a palavra de ordem é respeito às
individualidades e negociação de vontades.
Sair com a família é estar com eles.
Mais importante do que o programa planejado é estar junto.
Há momentos em que se idealiza algo. Uma viagem, por
exemplo. Uma viagem onde todos vão sair, fazer o que gostam, se
divertir. Só que no dia marcado... o carro quebra! Ou vira o tempo,
ou alguém adoece, envolve-se em outro compromisso e a pessoa
sente-se sózinha, sobrando, quase idesejável, mal retribuída pelos
seus “filhos ingratos”. Tem que procurar alternativas para as suas
carências.
Trabalho, para mergulhar nele e esquecer das dores? Não
tem trabalho. Ocupação, com que se distrair? Nem sabe direito o
que quer fazer... Alguém com quem conversar? Às vezes é difícil
até com a própria esposa. Amigos? É mais difícil ainda ter que se
abrir...
De repente o homem se descobre sem muita habilidade para se
relacionar. Sabe muito bem o que é se responsabilizar pela família,
sustentar, comandar, zelar. O que ainda não sabe é compartilhar.
Estar junto, simplesmente. Ouvir. Trocar idéias, ouvindo mais o que
eles têm a dizer, do que aquilo que se desejaria escutar.
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Está mais velho, mais experiente. Todos esperam que seja mais
compreensivo e paciente. Que saiba decidir junto. Que saiba delegar. Há quem pense que delegar é perder controle e poder. Não.
Delegar é fazer com que o outro desenvolva aptidões e o gosto
de corresponder. Responsabilidades não se delegam. Tarefas, sim. Mas, aquilo que é resolvido em conjunto, é mais forte e poderoso
que a própria lei. Isso é estar e sair com eles.
Resgatando o valor pessoal
É comum haver confusão entre valor pessoal e importância social. A importância social nos é conferida; logo, pode-nos ser tirada.
Ao se aposentar, o homem perde em importância para a empresa,
assim como a mãe deve aprender a “passar para o segundo plano
na vida dos filhos crescidos”. Isto é perda de importância. Ora se
tem, ora não.
Mas o valor pessoal, ninguém dá, ninguém tira, Ao nascer, todos recebemos cotas iguais de valor pessoal a zelar. Trata-se do
próprio valor da vida que se expressa no ser. Não se perde aquilo
que se é.
Sustentamos esses valores quando somos movidos por princípios supramorais, que vão além do desejo de recompensa e de
punição, independentemente, portanto, de expectativas ou humores, sem nenhuma outra razão que não seja o poder de reconhecer,
igualmente, o valor de cada indivíduo, sob qualquer condição.
Se a nossa importância pode estar colocada no espaço das
nossas relações com os homens, o nosso valor se insere no espaço
daquilo que é sagrado. É por faltar tal conhecimento que muitas
pessoas sofrem e se autodepreciam.
A aposentadoria pouco ou nada tem a ver com a qualificação
moral do indivíduo. O valor pessoal é a condição humana que
recria a vida em qualquer espaço e sobrevive aos tempos. É o
nosso legado.
O medo da doença e da velhice
Com o avançar da idade, há um declínio indiscutível da agilidade, da força física e, mesmo sexual, bem como modificações inevitáveis do esquema corporal. O “fantasma” das doenças crônicas
acentua o medo do envelhecimento que, socialmente já tem sido
tão negativamente reforçado. Exames preventivos não fazem parte
do cotidiano do homem. Praticamente, ele só se dirige ao médico
para um check-up quando sofre uma forte crise. Aí, vai carregado.
Brinca com fogo, negligencia cuidados preventivos em relação ao
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câncer da próstata, na sua crença de auto-invulnerabilidade. A
saúde geral não o ocupa, só o preocupa. Por isso, não faz direito
o que precisa: adotar medidas concretas de autocuidados.
Ainda que mínimas, as mudanças físicas já não podem mais ser
negadas e, às vezes, acentuam defesas neuróticas empregadas
para manter um equilíbrio anterior, mesmo que precário. É possível que algumas dessas defesas, até então eficazes, percam a
sua funcionalidade, desencadeando um desequilíbrio biopsíquico
e algum tipo de surto neuróticos ou mesmo psicótico, na tentativa
de preservação do seu “eu”: homens começam a tingir os cabelos
e a ocultar a pelagem branca do peito, brigam com suas carecas
e barrigas e afogam suas ansiedades em abusos gastronômicos,
tabagismo e alcoolismo.
Outra possibilidade é vir a se descuidar de si, envelhecendo
precocemente ou não se tratando quando necessário, na crença
de que jamais se envelhece aos olhos da companheira (paradoxalmente, ciúmes e inseguranças às vezes se manifestam com
intensidade, desdizendo a própria crença).
Esse desequilíbrio biopsíquico pode também atingir o trabalhador compulsivo e obsessivo, que espera ganhar, pelo seu rigor
e consciência profissional, a estima do seu grupo, mesmo sem se
atualizar e adotando uma postura rígida frente a inevitáveis mudanças ambientais e sociais. Sentir-se-á insultado se preterido por um
rival mais jovem, apegando-se ao fato de este ser, tão somente,
mais jovem, sem poder considerá-lo, talvez, mais capaz ou mais
afortunado.
É, enfim, o caso do homem cônscio de sua independência, que
se propôs, como uma questão de honra, a jamais pedir ajuda aos
outros e, com isso, tende a se afundar mais rapidamente, em silêncio, imerso em dolorosos sentimentos de solidão e incom-preensão.
A doença crônica é um meio de solucionar e manter os conflitos:
como doente, vê-se “obrigado” a aceitar cuidados, pois seu estado
impediria o exercício pleno da autonomia.
Coragem Física
Pular uma poça d’água, subir os degraus da Pirâmide do Sol
em Tulun, andar de bicicleta pelo bairro ou fazer uma excursão
ecológica, tudo isso requer o que se chama de “coragem física”, ou
seja, o uso do corpo num projeto de conquista do espaço, superando
barreiras pessoais e convencionais de acomodação.
Muito das fraquezas musculares, tremores, dores e limitações a
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que se referem as pessoas de idade, estão relacionadas à falta de
exercício desta coragem: uma ação física motivada por uma forte
vontade que emana do coração e, por isso mesmo, uma ação física
de caráter elevado, que enobrece e revitaliza.
No “fica quieto, menino!”, no “essa criança me deixa louca, não
tem parada!”, nas repreensões em família, sala de aula e, posteriormente, na quietude física exigida por inúmeras profissões, vamos
apreendendo que “é melhor ficar parado”. Somente mais tarde,
pagando o preço alto das dores e atrofias é que vamos reaprender
a ativar o corpo e a curiosidade, sem o que encaramos a osteoporose, artrites, reumatismos, bursites, falta de tonicidade muscular
e outras manifestações, como “coisas da idade”, “coisas de velho”
ou “o preço que o tempo nos cobra”.
A maioria não reaprende porque não acredita, porque se larga,
porque fica à espera de um passe de mágica que lhes devolva,
ao mínimo, a primeira das coragens físicas: a de andar! Com que
freqüência ouvimos “não tenho nem coragem de sair às ruas...”?
Há buracos, há barulho, há movimento, encontrões. As pessoas
se conformam em sua confinação às poltronas-defronte-à-TV, e
às suas camas, locais em que seus pés e pernas, suas mãos e
braços, nuca e cabeça, e a própria mente, tornam-se cada vez
mais “simbólicos” e menos experienciais. O corpo emudece e vai
perdendo massa, vai perdendo peso. Vai perdendo força e vai perdendo vontade. Vai perdendo sensibilidade, vai ficando pequenino,
tolhido, para caber inteirinho na poltrona, lugar preferencial da
falta de coragem... A vontade não se faz presente. Só o nostálgico
desejo de voltar a ter vontade, ser forte e valente. A inveja pode ir
tomando conta também, a raiva dos que prosseguem, parecendo
ir depressa demais.
Pessoas nesta condição desenvolvem muita insegurança física,
que se acentua em situações emocionalmente tensas. Ficam tão
inseguras que acabam se batendo, tropeçando ou caindo, pisando
em falso e escorregando na rua e, mesmo, dentro de casa.
Os músculos estão flácidos, o equilíbrio vai ficando precário e a
tensão no corpo é exagerada, principalmente nas cinturas pélvica
e escapular: passinhos pequenos, pés encolhidos, joelhos duros e
pescoço curto, ombros erguidos, cabeça projetada para frente. É
como se houvesse um “gancho” interno, que elas se encarregam de
vestir com suas carnes flácidas, gancho pronto para se dependurar
nos outros que as acompanham.
Pessoas demais têm esse problema! E para complicar ainda
mais, ao invés de colocar um corrimão em seus corredores e es- 61 -
cadas, introduzir reformas adequadas ou usar um aparelho onde
se apoiar ao caminhar, fazem-no a duras penas para suas próprias
costas e de seus acompanhantes, que é para não “enfeiar a decoração da casa”, remover tapetes e pisos escorregadios ou gastar
“demais”. Como se médico, remédio e fisioterapia fosse barato.
Os resultados são difíceis de quantificar, mas é sabido que duas
semanas de cama ou somente um pé engessado já faz com que
qualquer pessoa perca massa e tônus muscular e tenha que repensar o seu simples caminhar. E os que passam anos a fio assim?!
É claro que existem traumatismos e doenças orgânicas que
prejudicam a atividade física, genericamente ou de forma localizada. Porém, a maior parte delas, ainda que limitante, não é incapacitante.
O que se observa é um pobre repertório de possibilidades de
uso do próprio corpo e mesmo de aparelhos que facilitariam a vida
de todos, preservando a independência e a autonomia da pessoa
lesionada. Ou seja, se a pessoa não pode se abaixar, ao invés de
usar uma extensão para poder pegar suas próprias roupas do chão,
ela só se troca quando tem gente por perto para ajudar.
Tais pessoas tanto podem chegar nessa situação porque têm alterações físicas, que vão provocando dores e paralisia progressiva,
como podem vir a ter distúrbios orgânicos, exatamente porque não
se movimentam bem e bastante desde pequenas. Aqui se localizam
desde problemas digestivos, de sono e até articulares. E o medo
de viver pode se tornar até maior do que o medo de morrer!
De qualquer modo, muitos de nós nos habituamos ao sedentarismo, “pai” de muitos males da modernidade. O colesterol “bom”,
por exemplo, só se mantém em índices adequados, protegendo a
pessoa de problemas circulatórios e cardíacos, quando se executam
exercícios físicos vigorosos. Ou seja, o coração precisa bater forte
e mais acelerado, bem ritmado, para a mente “mandar” produzir o
colesterol “bom”. Também a percussão dos calcanhares no chão,
durante o caminhar, com a vibração que se irradia de baixo até a
cabeça e por toda a ossatura, ajuda a fixar o cálcio, reduzindo a
marcha de progressão da osteosporose. Caminhar com a maior
parte possível do corpo desnuda, recebendo os raios de sol (sem
exagerar, é claro), os pingos da chuva, ou a passagem da brisa pelo
corpo, transmitem à pessoa uma gostosa sensação de liberdade,
vigor e leveza.
Pés descalços, firmemente plantados no chão, sustentando o
próprio peso, olhar direto conquistando horizontes, suor escorren- 62 -
do pelos seus sulcos preferenciais, talvez um pouco salgado ao
paladar, corpo quente, são evidências de saúde e desembaraço.
É importante re-aprender a se locomover olhando ao longe, pois
ao contrário do que se pensa, olhar para os próprios pés complica
e aumenta a insegurança. O ditado é “olhe por onde anda” e não
para onde pisa!
Posturas erradas podem causar insegurança e insegurança
pode causar erros de julgamento e má postura física. Este círculo
vicioso se completa quando a pessoa começa a deplorar a sua
própria imagem no espelho! Porque-está-gorda, porque-está-magra,
porque-está-flácida, porque-está-tudo-caído, porque-tem-ruga,
porque-tem-mancha, porque-é-baixo, porque-é-grande (ufa!), é
alimentar a auto-profecia em que “nada do que for feito vai adiantar”,
já que o “defeito básico” não será sanado! E quem sabe, ficando
quieto, o corpo se esquece de ser feio...
A família pode, também, complementar esses enganos e mandar
mensagens no sentido de que a pessoa “está velha mesmo e que
não tem conserto”, sendo o seu corpo duro e rígido um atestado de
seu caráter mal-formado! A família pode viver criticando um certo
mal jeito (por exemplo, espalhar ciscos ao se alimentar, derrubar
coisas ao passar, respingar molhos no peito...) em uma fase em que
a própria pessoa está insegura consigo mesma, como ao adentrar
a menopausa, ao se aposentar, num pós-operatório, numa viuvez
recente, com medo de envelhecer. “Essas coisas” que ela sempre
fez ou passou a fazer agora, começam a ser vistas como doentias e
como atestados de seu “envelhecimento decrépito”! Como se todos
os jovens fossem elegantes e graciosos, além de ágeis.
Os fisiatras e outros profissionais relacionados recebem o paciente muito depois que o mau hábito está instalado. Limitações
do corpo podem ser frutos de anos de imobilismo e não, somente,
causa de uma velhice a ser mal aproveitada.
O que acontece é que, subitamente as pessoas acordam para o
valor de seu corpo e com medo horrível de uma velhice entravada,
podem acabar descobrindo que, por falta de coragem física, sempre
viveram no mundo das trevas: insegurança, inferioridade, timidez.
Antes a dureza. Agora querem a luz, a fluidez da vida, um corpo
forte e vigoroso, que anda, sente e fala. Um corpo que não fique
só gemendo e estalando.
É duro encarar o abandono a que relegamos nosso próprio
corpo. A verdade não é dura. É dura, somente, para quem não
quer enxergar.
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Outras terapias
Relaxamento, alongamento, danças, caminhadas, banhos de
contraste, luz e vibração, acupuntura, tração, anti-inflamatórios,
natação, florais, tudo isso visa o quê? Liberdade. Se a falta é de
coragem física não adianta só falar. Tem que fazer.
A visualização de si, numa postura positiva, ajuda a começar
mas não basta imaginar. Precisa se mexer. E bem orientado. Não
é “qualquer movimento”, mas a descoberta da harmonia e da inteligência física, uma nova consciência: a consciência do corpo, que
é construída pelo movimento e pelos contrastes, suas oposições.
Em grupos, aos pares e, se não houver jeito, sozinho, o importante é começar, inaugurar o dia com um bom espreguiçamento.
Bocejar. Em voz alta. Não importa se a pessoa começa a soltar
gases, ao se agachar. Tanto melhor! Os intestinos estarão sendo
massageados! E com alimentação correta, as coisas tendem a
melhorar. A busca é a do movimento espontâneo, de liberação.
Observe um bebê em seu acordar. Faça como ele. Vale fazer
caretas, espernear, se espremer. O que será que o seu corpo pede?
Para ser alisado? Beliscado? Porém, por favor, não o espanque,
nem o coloque de castigo só porque, de início, ele não fez o que
você desejou.
Faça movimentos na frente de um espelho, também. Brinque
com a sua imagem. Olhe no fundo dos seus olhos e esqueça
gorduras e pelancas. Veja o que você tem de bonito, particular e
único ou engraçado. Conheça-se, sem pré-julgar. Você estará se
re-conhecendo. Não se condene, sejam lá quantas oportunidades
você precisar. O julgamento “mata” a liberdade.
O valor do movimento não se reduz aos efeitos de aumentar
a resistência, a força muscular ou, sequer, a saúde física! Ele age
diretamente nas experiências emocionais de vida e morte: criança
“viva” não tem parada! Velho “vivo”? Não para, também. Pode ir
com mais vagar, porém, sempre vai. O sangue corre nas veias, o
ar infla os pulmões, a vida prossegue nas mudanças. O que não
se move não muda, não vive sua totalidade.
Profissões
Há profissões em que a coragem física é condição. É tão natural,
que nem causam admiração. São profissões ligadas à natureza,
às artes (cênicas, inclusive), aos esportes, à saúde. Muitas vezes
requerem o uso da força, não como brutalidade que destrói, mas
como energia de criação. Há que discernir, inclusive, entre o uso do
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corpo com coragem e desembaraço e o abuso dos poderes físicos
ou o seu culto ególatra.
Há, também, aquelas pessoas que, não por profissão mas, por
hobbie, acabam descobrindo no seu corpo “velho”, novas e ricas
fontes de satisfação. São pessoas que começam a nadar depois
dos setenta ou competem em maratonas de resistência. Retomam
a dança como hábito ou descobrem a ioga e a respiração.
Despertar a coragem física não requer nenhum ato heróico mas,
antes, o prazer de realizar livre e independentemente, pequenas
coisas que trazem significado ao cotidiano.
Problemas Comuns
Chegadas à meia-idade, a maioria das pessoas tem queixas em
relação ao seu corpo e muitas são poliqueixosas. Brincando se diz
que: nessa idade tudo dói e o que não dói, não funciona!
Os movimentos ficam “travados”: os segmentos do corpo como
que brecam a meio caminho, a cabeça não gira bem para os lados,
os braços não esticam ou não levantam de todo, as pernas têm
os tendões encurtados, a pessoa não consegue tocar o chão com
a ponta dos dedos, mantendo as pernas esticadas, por exemplo.
Podem queixar-se de:
Dores e sensações esquisitas. Pontadas, queimações, agulhadas, formigamentos, cãibras, sensações de “borbulha-mento”,
palpitações, calafrios, arrepios, coceiras, apertões, mais profundos
ou mais superficiais são expressões do nosso corpo a serem compreendidas e, não, sintomas a serem suprimidos e anestesiados.
Anestesia significa falta de estética, falta de sensação e percepção
de beleza , ou seja, “não-corpo”, porque todo corpo é belo, na medida em que representa a vida materializada em forma de gente.
Tremores e falta de força. Nas mãos, nos braços, pés e pernas.
Cabeça decaída, pálpebras mal abertas, boca mole, fala arrastada. Às vezes por falta de tônus, às vezes por excesso de tensão,
agravam-se sob situações altamente emocionais, provocadas por
excesso de exigências da própria pessoa e/ou do seu ambiente
físico-social. Quem é tratado como “bobo” ou como “doente”, acaba
agindo como se assim fosse. Desse modo, não se deve transgredir, mas, persistir. Fazer do mesmo jeito não adianta, não insista.
Persista, faça diferente.
Mal-estares e vertigens:. Por antecipação, na hora ou depois, a
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pessoa “sai de cena”, acaba dando trabalho. Sua perturbação emocional, ao invés de tomar a forma de uma ação frutífera, organizada,
de recomposição, é exercida como um desequilíbrio generalizado
do corpo. É uma reação que implica numa certa paralisação de si,
muito provavelmente evocativa de uma sensação de impotência
interior frente ao impacto emocional.
Automatismos. A pessoa faz sempre as coisas da mesma
maneira. Por exemplo: não presta atenção por onde caminha, se
corta, se queima, se bate. É como se o mundo a estorvasse. Presta
muito mais atenção ao que se passa consigo própria, do que ao
seu redor. Não se lembra direito se tomou o remédio, se adoçou o
café, se trancou a porta, se fechou a torneira do bico de gás e por
aí afora. Tem que fazer as mesmas coisas várias vezes. A seqüência dos gestos é estereotipada e sente-se desconfortável com
mudanças no seu ambiente físico e horários.
O significado de tudo isso
Estas pessoas podem se mover e fazer uso do seu corpo normalmente, desde que não pressionadas ou observadas. Suas dificuldades naturais dependem mais das suas relações com as outras
pessoas e falta de desenvoltura frente a novos ambientes, que de
doenças físicas, metabólicas ou neuronais. Realizam como que
uma profecia de paralisação, muito relacionada ao medo de viver
intensamente. Imaginam que vão encontrar dificuldades e desistem
ainda antes de tentar. Sentem tanta ansiedade e esforçam-se de
tal maneira para evitar erros, que não conseguem acertar.
É normal haver uma certa lentificação dos gestos, no decorrer
da idade. Menos força e mais resistência. Porém, adultos muito
reprimidos emocionalmente podem acentuar suas dificuldades
físicas, bem como adaptações e escolhas necessárias em função
da idade. Há um abandono prematuro e um grande descaso em
relação à saúde físico-mental. Falta de amor próprio e de respeito,
acabam se traduzindo por inconsciência das reais necessidades, e
o corpo pode ficar intoxicado por drogas, tensões ou insatisfações
gerais.
Para tratar disso tudo, primeiramente temos que esclarecer
preconceitos em relação à idade, os mitos que acompanham o
envelhecimento e romper o ciclo vicioso da falta de estimulação –
insegurança. O profissional se concentra nas linguagens do corpo
e ensina a pessoa a, também, ouví-las e procurar entendê-las,
além de expressá-las.
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Se necessário, em apoio ao trabalho de corpo, sugere-se um
grupo de convivência ou de discussão, uma psicoterapia. Terapias
de base corporal ou artísticas, têm muito sucesso. Técnicas de relaxamento e meditação facilitam o alcance do sucesso e de maior
grau de liberdade e saúde a serem usufruídas.
Por onde começa o tratamento? O que os profissionais fazem?
Eles ouvem e observam. Se preciso, tocam o corpo da pessoa. O
toque reconstrói o seu contorno, a discriminação entre o eu e o nãoeu corpóreo, necessária para ocupar o espaço. Eles mostram as
tensões e como dissolvê-las, através de novas posturas. Ensinam
a relaxar e incentivam a tentar novos gestos e movimentos.
Em geral, conversam delicada e seguramente sobre problemas
e possíveis soluções. Incentivam a pessoa a criar alternativas e usar
o corpo como instrumento de pesquisa, que enriquece a consciência
com informações relevantes e necessárias para o desenvolvimento
pessoal mais pleno.
Ensinam, também, a respirar de diferentes maneiras, fazendo
com que a pessoa localize seu baricentro, seu próprio eixo e perceba quando está em equilíbrio ou desequilíbrio.
Os bons profissionais brincam de acertar, incentivam a espontaneidade e a curiosidade, com vistas ao prazer de se superar,
ajudam a vencer o temor do ridículo e da humilhação.
Os profissionais não, somente, tratam. Eles têm que nos tratar
bem. Seja qual for a especialidade, médicos, terapeutas, massagistas, personal trainnings, todos os bons profissionais fazem a gente
se descobrir no “espaço” e estabelecer relações entre as partes e
o todo do nosso corpo. Também, ajudam-na a se relacionar melhor
com o ambiente.
Sinalizam todos os nossos progressos. Permitem que a pessoa
experimente por si mesma, criando muito e copiando pouco, respeitando o tempo de cada um.
Bons profissionais são, também, criativos. Apresentam propostas variadas sobre um mesmo tema-trabalho.
Elogiam com
sinceridade e não escamoteiam a verdade. Não fazem falsas promessas, prometendo o que é possível e não alimentando falsas
esperanças, nem vaidades. Seu trabalho é ético, além de estético;
devagar e continuamente ouvindo e vendo cada qual, como alguém
especial.
Discutem dúvidas e percepções. Respondem a tudo que lhes
for perguntado, mesmo se a resposta, no momento for “isso eu não
sei, vou procurar me informar”. Eles sabem que a única medida
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válida é pessoal e intransferível, por isso, só comparam a pessoa
consigo mesma.
Sugerem e são firmes; assumem o comando e colocam-se à
serviço. Não fazem por nós o que podemos fazer sozinhos, no
devido tempo e do nosso próprio jeito.
Na dúvida sobre seus procedimentos, consultam os colegas.
Observam o que a pessoa faz e o que isso significa para ela;
respeitam seus valores. E têm paciência, bom humor e, também,
muita coragem!
Quando sobrevém a depressão
Com a desvitalização e o declínio físico que acompanham o
envelhecimento, as personalidades frágeis percebem as mudanças
do mundo como uma ameaça à sua integridade: é um prelúdio, não
ao ingresso em uma nova fase de vida, mas à velhice, entendida
como decadência e, talvez, mesmo à morte. Daí a ocorrência de
quadros depressivos: homens que se autodefinem como “trator” ou
“tanque de guerra” com muito orgulho, ficam perplexos e perturbados ao entrar em contato com suas próprias emoções.
Essas depressões podem ser mascaradas, na tentativa de evitar
o declínio, através de comportamentos compensatórios. O homem
pode iniciar uma superatividade profissional, como que para provar
a si mesmo que nada foi perdido. Disso resulta um círculo vicioso:
ele não agüenta mais trabalhar e continua só a trabalhar.
Através de um mecanismo de projeção, pode atribuir a culpa
pela perda da própria libido ã falta de charme e atratividade de sua
companheira. Ou, ao contrário, desenvolver um ciúme mórbido
frente a um rival real ou imaginário. Aqui, é fácil envolver-se num
romance passional ou desenvolver a crença de que nenhuma mulher é digna do seu amor.
Pode vir a acentuar comportamentos como voyeurlsmo, exibicionismo, sadomasoquismo. Tornar-se extremamente atraente e
envolvente, embora neurotizado, seduzir a parceira e satisfazê-la
plenamente, ao menos por um certo tempo e, subitamente, deixála, conservá-la, como um “brinquedinho” interessante, ou, quando
admitir condutas mais lascivas, envolve a leitura pornográfica ou
contemplações eróticas. Poderá buscar contatos furtivos com jovens
muito inexperientes, além da triangulação amorosa e sexual. No
outro extremo, há os que se negam até a prática da masturbação,
evitando qualquer tipo de prazer erótico. Outra possibilidade é
orientar sua libido para a perversão.
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Neste período, certas funções vegetativas como apetite, sono,
digestão e excreção, começam a ficar perturbadas e a chamar a
atenção. Mudanças humorais, instabilidade emocional e preocupação com alimentação (inclusive anorexia), sudorese acentuada
e ondas de calor súbito e intenso denunciam estados de grande
perturbação emocional. Porém, é a promiscuidade sexual que
constitui, sem contestação, o comportamento mais freqüente que
visa mascarar uma depressão subjacente.
A idade do lobo
Maridos até então fiéis e, quando não, discretos, lançam-se
abertamente a uma relação extraconjugal com mulheres mais
jovens, sem se preocupar com sua esposa ou mesmo com sua
carreira. A nossa própria sociedade sanciona positivamente essa
“idade do lobo”, na crença de que o homem é polígamo por natureza
e que o casamento empobrece e cerceia sua vida sexual e pessoal.
Muitos deles dispõem de recursos econômicos para interpretar o
“caçador galante”, cobrindo suas jovens conquistas de presentes.
Por um certo tempo, e com um certo tipo de personalidade feminina, ainda imatura e um tanto submissa, esses homens podem
vir a se sentir mais fortes e potentes que seus rivais mais jovens.
Não escaparão, porém, à sensação de estar comprando amizade
e amor através de suas posses e de seu status. O temor advirá
com certa freqüência e de forma intensa, embora difusa, expresso
em crises de somatização, angústia e insônia.
O comportamento de hiperatividade sexual, adotado sobretudo
por homens frustrados nesse plano, pode ser uma tentativa última
e desesperada para manter uma relação conjugal, ou mesmo extraconjugal, ameaçada; pode ser uma forma de dissimular o vazio
afetivo; ou pode ser uma tentativa de se provar a capacidade e
aptidão ao prazer. Malgrado as aparências, essa conduta às vezes
é uma forma de adaptação - ainda que temporária e satisfatória.
Na hipótese de depressão mascarada, a incompreensão da
esposa, e mesmo a separação desta, descompensa esses esforços
e desarticula a personalidade do homem, levando-o ao desespero.
Tudo isso agrava ainda mais o sentimento de solidão e autodesvalorização, e a própria depressão. Então, o homem pode buscar
uma outra forma de compensação, através de doenças crônicas,
de súbitas doenças psicogênicas, do consumo de tranqüilizantes
ou euforizantes, do abuso do álcool e, eventualmente, do suicídio.
A indicação é de um tratamento psicoterápico urgente.
Vale a pena acrescentar que nem toda crise da meia-idade
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culmina nesse quadro dramático, embora não seja uma tarefa
simples. O importante é o homem saber que está em suas mãos
transformar o futuro em um tempo a ser desfrutado ou num tempo
a ser evitado.
Como diz o poeta M. de Combi: “Em algum momento, em algum
lugar, esse homem haverá de encontrar-se face a face consigo
próprio e só dele dependerá fazer desse momento a mais amarga
das horas ou seu momento melhor!”
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Capítulo 4
SEXUALIDADE: OS NOVOS DESAFIOS
Barreiras sexuais
Fisgado pelo fascínio da ciência e da tecnologia, o homem civilizado começa a duvidar de suas próprias percepções e sensações.
Ele não sabe mais “o que é”. Busca “o que deve ser”. Quer saber se
está certo ir ao banheiro três vezes por semana, dormir oito horas
por dia, fazer sexo por tantos minutos...
Esse homem procura encarnar o ideal/irreal que se derrama
sobre ele, de cima para baixo, autoritário e desumano. Quer empregar a técnica, ser sempre o melhor e persegue obter nota 10,
aplicar o máximo que ele aprendeu. “Independência e eficiência”
é o lema, que, aplicado à vida sexual, afasta o casal, dado que o
sexo é sempre interdependente e novo.
Ao longo de sua vida sexual adulta, o homem desaprende
aquela qualidade lúdica da relação sexual, que começa com um
olhar e termina com um profundo suspiro de satisfação muitas horas
depois de começar. Ele entende o sexo como a penetração ou a
manipulação direta dos genitais, tudo muito rapidinho, numa relação furtiva e silenciosa... que se realiza sob o chuveiro, para ser mais
depressa; no escuro da noite, quando se luta contra o cansaço do
dia; à hora do café da manhã, às pressas para aproveitar a ereção
matinal, antes de correr para o trabalho e despachar os filhos para
a escola.
A brincadeira, o jogo de sedução e conquista, o prazer de se ver
e de se mostrar, de prolongar a gostosa ansiedade da excitação
sexual não fazem parte da rotina dos casais de hoje. Boa parte faz
sexo sem intimidade e, com velocidade, quase sem se tocar. Passa
vinte, trinta anos tal qual a criança pobre, de nariz encostado na
vitrina de doces, sem poder provar.
Casais atarefados, que se esqueceram de brincar entre si, que
se dedicaram de corpo e alma a se preocupar (preocupação é uma
das tônicas da vida adulta atual) definem-se como “bons de cama”:
tão logo deitam, dormem!
Desse modo, as principais barreiras da sexualidade na velhice
são erigidas em razão da precariedade da nossa filosofia e ideologia
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ao longo da “adultice”. São pura tolice e resultam de uma sociedade opressiva, que se afastou das necessidades mais prementes
dos seres humanos: alimentação, saúde, moradia. Uma sociedade
assoberbada de ideologias, especialmente de consumo e descartáveis e, muito carente de filosofia e sentido de vida, de busca de ser.
O sexo, hoje, reduzido à busca do prazer, nos rouba a dimensão
do envolvimento e do conhecimento. Quem não se envolve, não
se desenvolve! E isso não significa, simplesmente, saber dar ou
extrair prazer, tal como somos levados a crer e fazer.
Os grandes entraves não são de ordem sexual
A má qualidade de vida em geral é um dos maiores fatores
impeditivos de uma plena realização sexual em qualquer idade.
SexuaÍidade é meramente um recorte desse todo, muito abrangente, que diz respeito à vida em geral. Homens ainda jovens têm
episódios de falhas eretivas e mulheres perdem o desejo, em virtude
de preocupações com desemprego, salários baixos, frustrações
profissionais e desgaste da saúde em longas jornadas de trabalho,
horas perdidas no trânsito, entre outros fatores. A nossa política
econômico-social despotencializa o ser humano.
Acresce-se a tudo isso a maior barreira, em qualquer fase da
vida, que é a falta de fé e o desamor. Sem amor, não há sexo. Há
cópula. Por que tantos casais não fazem mais sexo na velhice?
Melhor perguntar: eles ainda se amam? Encontram-se e permitemse o envelhecimento?
Solteiros, descasados e viúvos: onde encontrar um par? E se
encontrar, será que “fica bem” revelar-se ao outro, permitir-se amar
com “esta idade”? Mas, que ninguém se engane: com retraimento,
culpa ou vergonha, velhos e velhas fazem sexo, sim. Às escondidas, de formas insatisfatórias e até pervertidas, sempre que forem
proibidos. Ou de maneira plena, quando não se submeterem às
prescrições.
A proibição não elimina o sexo, embora possa complicá-lo. E
acaba até por levar as pessoas de volta aos bancos escolares para
reaprender aquilo que nasceram sabendo, aquilo que a humanidade
sempre soube, instintivamente: onde há saúde e amor, homens e
mulheres se completam e se saboreiam com conhecimento mútuo
e prazer.
A maior barreira sexual é, em qualquer idade, a mordaça que
se coloca na voz do coração.
As agressões sofridas nos asilos
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A sexualidade é de tal forma reprimida nos asilos que, se já não
bastasse sua condição de asiladas, na maioria das instituições,
elas sofrem, não só a discriminação da idade como, também, do
sexo.
Muito para apaziguar a consciência dos dirigentes e mesmo
dos familiares, acredita-se que o velho ou a velha tenha “perdido o
juízo”. Portanto, não tem mais capacidade de escolher seus companheiros. Obriga-se esse idoso a conviver, estreitamente, com outros
que não são da sua escolha e dentro de um contexto que conduz à
promiscuidade dos primeiros anos de vida: banheiros sem chave,
quartos sem porta. Ao longo de suas vidas, esses velhos tiveram
pouca ou nenhuma chance de conhecer o corpo nú do outro. Esta
oportunidade vai surgir agora, quando o corpo já está deteriorado.
Daí a auto-rejeição: “Puxa, se o outro está assim decaído, imagine
como eu devo estar!”
Se o sexo começa a acontecer indiscriminadarnente é um “Deus
nos acuda”. Os filhos se preocupam, a equipe de atendimento
não tem o mínimo preparo para lidar com a situação, os outros
residentes se assanham e o fato íntimo logo se torna de domínio
público.
Embora entendida como atração e aproximação genital, a sexualidade é uma expressão muito mais ampla de afeto, carinho, contato,
conhecimento e integração de pessoas. No entanto, o preconceito
é tão disseminado que uma carícia fraterna e amorosa pode ser
facilmente confundida com urna abordagem com intenção sexual.
Muitas mulheres asiladas, no meio da noite, podem passar para
a cama de uma companheira em busca de calor humano, porque
os cobertores, às vezes, são muito leves para o frio que enfrentam
ou porque estão amedrontadas, carentes e inseguras em virtude
de um pesadelo e necessitam de aconchego. Esse tipo de contato
entre duas mulheres ou dois homens é interpretado como homossexualidade e os envolvidos ficam estigmatizados e são alijados
do grupo social.
A busca do contato físico, também acontece em decorrência de
inúmeras agressões que são feitas à identidade da pessoa asilada.
Quando somos agredidos na nossa identidade, tendemos a recorrer
às nossas defesas mais primitivas. Se nem isso nos for permitido,
nos desorganizamos e voltamos a apresentar procedimentos, reflexos e comportamentos de nossa própria infância, fase em que a
sexualidade é difusa e polimorfa.
Então, não é que o velho ou a velha retorne à infância. Simplesmente, recorre àqueles primeiros padrões instalados, que já foram
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eficientes uma vez. Na condição de asilados há uma complexidade
de situações que solicitam ou superestimulam uma expressão de
sexualidade primitiva e mal organizada, entendida como perversa na
linguagem psicanalítica: exibicionismo, voyeurismo, mastur-bação
compulsiva, auto-erotização e homossexualismo. As senhoras exibem os seios ou levantam as saias para os outros idosos, para a
equipe de atendimento ou os visitantes; os senhores tiram as suas
roupas e caminham pelados pelos corredores. Com isso, soltam
um grito, que é um pedido de ajuda, que tem sido traduzido muito
mais como uma agressão do velho aos outros, do que sua busca
por socorro.
Exemplos de abusos
Se nas famílias o diálogo é truncado, nas instituições mais fechadas ele está, praticamente, ausente. Tenho presenciado abusos
de várias ordens em asilos, mesmo por parte dos médicos, atendentes, assistentes sociais e psicólogos envolvidos. Seguramente,
esses abusos não são cometidos com “más intenções”, mas por
ignorância, inconsciência e irresponsabilidade.
Recentemente, eu fazia uma visita a uma casa de repouso, reputada como uma das melhores de São Paulo. No alto da escadaria
estava sentada uma senhora já bem idosa. Por uma questão de
equilíbrio, ela mantinha as pernas abertas, com as coxas aparecendo. Sorria para mim, que era visitante. A atendente se adiantou,
puxou sua saia por sobre os joelhos e alisou seus cabelos dizendo:
“Vamos nos comportar como uma menina bem-educada, não é
mesmo? Senão, o que essa moça vai pensar? Que a boneca é
sem-vergonha! Imagine, ficar mostrando as calcinhas desse jeito!
Que coisa feia!” E deu- lhe um beijo na nuca. O sorriso da velha
murchou.
Velha vira menina/ boneca/ sem-vergonha. Só quando há visitante? Suponho que para enfrentar esse tipo de desagravo só ficando
mais e mais ausente... E a isso é dado o nome de “esclerose”.
Em outra casa, o médico circulava entre as idosas, distribuindo
beijos, elogios e insinuações: “Hum, mas você está muito linda, hoje!
Está ganhando o concurso! Esta noite eu vou te levar para dançar!”
E dizia para mim: “São todas minhas namoradas”. Cinco senhoras
riam, faceiras, encostavam-se nele e se exibiam. Estavam todas
assanhadas. E o médico acrescentou: “Quando eu venho aqui, elas
se agitam todas. São umas graças. Pelo menos, elas se arrumam
e têm o que fazer”.
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Velha vira namorada/graça/objeto de exaltação do “ego” do
médico? Suponho que elas, também, tenham seus sentimentos
e não devam ser iludidas ou espicaçadas dessa maneira, especialmente quando a excitação não é aliviada, mas contornada via
drogas e orações!
Tenho dado supervisão a colegas recém-formadas, que começam a trabalhar em asilos e casas de repouso. O que mais ouço
são observações do tipo: “Mas gente de idade tem desejo sexual?!
Quer dizer que aquele senhor que veio me cantar sabia mesmo o
que estava fazendo?!”
A desinformação geral é de tal ordem que, mesmo os nossos
universitários não têm o mínimo preparo para estar com pessoas (e
muito menos com idosos) quando se revela a questão sexual. Tudo
isso me faz crer que o silêncio com que se trata a sexualidade do
velho só tenha a função de negá-lo enquanto pessoa e, afirmá-lo,
enquanto doença e degradação.
SEXUALIDADE FEMININA
O namoro e o sexo são encantadores em qualquer idade.
Despertam os mesmos sentimentos de plenitude e entusiasmo, os
mesmos tipos de ansiedade e desejo de agradar. Cheia de graça
e senso de importância, amando e sendo amada, a pessoa é fonte de irradiação de vida, de saúde, de prazer. Por isso, os idosos
sentem-se rejuvenescer.
A questão é: por que muitos deles não desfrutam essas experiências positivas? A maioria das mulheres mais velhas está relegada
ao abandono, ao descuido com a saúde em geral ou com a vida.
Para responder a esta pergunta, é preciso levar em conta que a
sexualidade é uma vivência complexa, calcada em pelo menos cinco
níveis: corpóreo, afetivo, cognitivo, representativo e social.
A mulher idosa diante do seu corpo
Relatos feitos por mulheres idosas demonstram que a relação
delas com o seu corpo é feita, basicamente, em função da saúde
ou, melhor, da falta dela. Uma série de perturbações são entendidas
como impeditivas para o exercício da sexualidade: as patologias
da coluna e das articulações (não dá para suportar os baques
desfechados pelo companheiro durante o ato sexual), além de
problemas cardíacos e metabólicos, como diabetes e hipertensão.
Eventualmente, atribuem à medicação a sua baixa na libido.
Cicatrizes, lesões ou mutilações também servem de pretexto
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para o abandono da atividade sexual. As mudanças decorrentes
do próprio envelhecimento, apesar de não alterarem as sensações
básicas de prazer e desprazer através do sexo, são eleitas como
“deformidades”, tolhendo ainda mais a expressividade da mulher.
Não se concebe, por exemplo, que a flacidez seja um fenômeno
natural do organismo. A perda de gordura localizada nos seios, nos
quadris e nas nádegas é entendida como perda de feminilidade.
Como o padrão de beleza física está aliado à juventude, essas mudanças naturais e previsíveis são vistas como abominações, abrindo
verdadeiras feridas narcísicas, que levam à auto-rejeição.
O lamento freqüente dessas mulheres é: “Quem vai me querer
agora?” Afinal, os guias e almanaques sexuais mostram sempre
casais jovens e bonitos. A própria ciência, até recentemente, anunciou o decréscimo do desejo com o passar da idade, de modo que a
sexualidade ativa na terceira idade é considerada, em larga escala,
surpreendente e anormal, quando não uma perversão do caráter
ou um engano que o corpo comete ao atestar sua vivacidade via
desejo sexual. Mudanças nessa ótica ainda são muito recente.
Fantasias sexuais
No plano afetivo, as mulheres mais velhas têm uma expressão
muito empobrecida da sexualidade. Elas cultivam fantasias sexuais
através da figura dos filhos que, para elas, apresentam todas as
possibilidades de usufruir de uma vida sexual livre e ativa. Sendo
assim, a satisfação da mulher idosa é vicariante, isto é, obtida através do que acontece com terceiros. Ao fantasiar a vida sexual da
filha, da nora ou do filho jovem, ela dá vazão ao Eros sem sentir-se
ameaçada. E, através de devaneios, pode revelar atração por um
homem mais jovem, sem que isso implique uma agressão a sua
formação moral.
A mulher idosa não se concebe tendo relações sexuais com
rapazes, o que lhe parece incestuoso. Nem por isso deixa de ser
insinuante e sexual na sua relação com os netos, os médicos e
os professores dos seus filhos. É comum ouvir, em plena consulta
médica: “Ah, se eu tivesse vinte anos menos, o senhor não me
escapava!” Ou, então: “Como o senhor é atraente! A sua esposa
não tem ciúmes, não?” É óbvio que essa mulher expressa o seu
desejo sexual não assumido. Pela palavra, então, a sexualidade é
aberta e franca. Mas só pela palavra.
Um número ainda reduzido de mulheres mais integradas e amadurecidas reconhece em si esse desejo, porém teme a rejeição, o
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ridículo. Não se expõe e abdica da atividade sexual. Ou só procura
parceiros de idade compatível ou mais velhos - o que é difícil de
encontrar, devido à escassez de homens disponíveis nessa faixa
etária. A mulher de idade é, por vezes, muito ambivalente na expressão e no exercício da sexualidade. Desempenha com desembaraço
os jogos de sedução, contudo, dificilmente chega às vias de fato!
Não lhe faltam argumentos para se justificar: “Sou velha para essas
coisas”... “O que vão falar?” Ao mesmo tempo, ofende-se quando
lhe é negada a sua sexualidade: “Será que meus netos pensam
que quero companhia só para tomar chá e ir ao cinema?”
É uma geração que vive num impasse. Uma das conseqüências
disso é a exacerbação de suas defesas e somatizações. Seu corpo
inflamado permanece adoecido.
O que elas aprenderam
“Após a menopausa, as mulheres não produzem mais estrógenos, hormônios responsáveis pela sua feminilidade.” Foi esta a
informação que muitas receberam. A partir de uma falsa premissa,
já que esses hormônios controlam o ciclo menstrual, mas não interferem no desejo, as mulheres concluem que a perda do desejo
sexual é prevista e saudável.
Além disso, são agredidas por termos médicos, como: “vagina
senil, mucosa atrófica, prolapsos, lasseamentos”. Toda a linguagem
médica é baseada no padrão jovem. Não existe uma terminologia
específica para abordar essas decorrências naturais do envelhecimento. A própria literatura psicológica é absolutamente pobre a
esse respeito.
O mito da perda da atratividade sexual é confirmado nas estórias
de prostituição. Acredita-se que “a prostituta velha não fatura e que
a sua escalada é cada vez mais para baixo, não podendo nem mais
escolher os clientes, tendo que aceitar qualquer um”.
Uma das dificuldades dessa mulher é diferenciar um orgasmo
de um ataque cardíaco do parceiro (e isso não é piada). Muitas se
negam ao sexo por associá-lo cada vez mais com a morte, própria
ou do outro.
Masturbação, para elas, é coisa de jovem insatisfeita ou algo
passível de culpa ou justificativa: “Ah, eu faço porque estou sem
companheiro!”, não como fonte de auto-conhecimento e gratificação. Outras tantas nunca viram os próprios genitais, a não ser logo
após o parto, para olhar os pontos, quando estavam inflamados ou
deformados. Não tiveram nenhuma informação sobre seu corpo e
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nunca viram a vagina de outra mulher. Se o marido lhes diz que
são “largas”, acreditam. E não sabem o que eles querem que elas
façam quando dizem “Mexe, mexe”. Ficam apavoradas!
Também, não aprenderam a perguntar, a questionar a autoridade médica ou marital. E, acreditando-se deformadas pelos partos
sofridos, têm como termo de comparação as figuras esculturais
divulgadas pelos meios de comunicação. Leitura erótica ou pornográfica, eventualmente, é consumida, porém, às escondidas, sob
culpa e vergonha. A sexualidade plena, amorosa e livre de pudores,
a verdadeira entrega, para elas assemelha-se a algo asqueroso e
“animal”, de que “não padecem”. Sexo vira romance. E só.
A visão de si mesma
No nível representativo, a mulher padece com o medo de envelhecer (gerontofobia) e com a não-aceitação dos sinais de envelhecimento em si ou no outro (geronto-rejeição). Ela se convence
da sua perda de valor e não se concebe mais como um presente
a ser oferecido numa relação, mas como um conjunto de erros a
ser disfarçado.
Conversar sobre dores torna-se a atividade mais prazerosa e
envolvente, pois é através da dor e da doença que ela se nutre de
carinhos e atenção, mesmo que os toques sejam feitos nas mãos,
na cabeça, nos pés ou nos joelhos. O corpo inteiro vai inexistindo e
sua representação vai se deteriorando, cada vez mais coberta por
roupas, xales, meias. Ela se limita a cuidar das unhas, do corte de
cabelo e, quando muito, passa nos lábios um batom de cor discreta.
A mulher se apaga, prepara-se para desaparecer.
Agravantes sociais
No plano social, a situação é bastante grave, na medida em
que há menos homens disponíveis nessa faixa etária. Os poucos
encontrados, também, estão com a saúde comprometida, o que
muitas vezes impede o exercício sexual ativo. Aqueles que se
mantêm ainda saudáveis fazem suas escolhas, de preferência,
entre mulheres mais jovens.
Como se tudo isso não bastasse, há regras , morais e expectativas que deturpam os relacionamentos em função da idade e
do sexo, inclusive nas famílias. Por exemplo: filha adulta, de mais
idade, que mora com o pai viúvo é bem vista. Por outro lado, filho
que mora com mãe viúva é um arranjo reprovado, considerado
problemático.
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Não é de se estranhar, portanto, que o abandono da atividade
sexual pela mulher na terceira idade seja uma perda que provoque
alívio. Nossa sexualidade feminina ainda não é integrada, bem vista
e bem formada. Exceções existem, porém, e são admiradas.
A atual geração de mulheres mais jovens seguramente irá mudar
esse padrão. Oxalá venha a se realizar aquilo que tantas mulheres
idosas aprenderam a temer: uma vida sexual “desregrada.” Porque
o fato é que as “regrinhas e as regronas” que aí estão é que são
imorais e tolhem a nossa afetividade, a nossa intimidade, a nossa
integração.
A sexualidade da mulher mais velha torna-se ainda mais controversa quando estão em jogo questões patrimoniais. Muitas vezes,
os filhos não aceitam um novo casamento ou sequer o namoro da
mãe idosa, viúva. Por quê? Porque essa senhora, erotizada pela
nova relação, deixa de ser babá dos netos e de estar disponível
como governanta da nora ou da filha. Vai querer gastar mais de seu
dinheiro, que os filhos entenderam, até então, como herança, líquida
e certa. E quem quer abrir mão de herança? Que sejam os velhos
a perder! Às vezes, este é o motivo obscuro de uma internação.
SEXUALIDADE MASCULINA
Os inevitáveis declínios físicos que acompanham o processo
de envelhecimento e as mudanças que ocorrem, naturalmente, no
mecanismo de ereção podem se revelar traumáticos para o homem
de meia-idade. Com a impressão de ter perdido o controle da sua
função erótica, ele pode se entregar à “angústia de performance”,
que é a maior responsável pela impotência de origem psicogênica.
Mas, esse temor não se justifica. Um número cada vez maior de
pesquisas tem contestado o mito da menopausa e da “andropausa”
como demarcadores da perda da sexualidade feminina e masculina.
Estudos comprovam que homens com mais de 80 anos, com boa
saúde geral, são férteis e praticam o coito e a masturbação com
relativa freqüência. O próprio termo “andropausa” é uma aberração
do ponto de vista fisiológico.
As modificações que se processam nessa etapa são perfeitamente compatíveis com a atividade sexual, seja no plano afetivo,
seja no plano reprodutivo. No homem saudável, a capacidade de
procriação não cessa até uma idade muito avançada.
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Alterações observadas
Comparando-se homens de 45 e 25 anos, constatou- se que,
no plano fisiológico, o desejo sexual aparece com a mesma freqüência, porém, para os mais velhos, há uma demanda maior de
tempo (alguns minutos mais) para que este desejo se concretize
em ereção.
As contrações uretrais menos intensas, bem como o menor volume de sêmen ejaculado, que decorrem do declínio das taxas hormonais, não interferem na obtenção do prazer sexual, agora muito
mais centrado na relação como um todo e, menos, na genitália.
Após a ejaculação, o homem mais velho demora mais tempo
para responder a uma nova estimulação sexual, o que não ocorre
com a mulher; mesmo na menopausa. Com ela, o problema pode
ser o de ressecamento da mucosa vaginal, mas não é impeditivo
de obter (multi) orgasmos ou vivenciar repetidas excitações em
curto espaço de tempo. O período refratário - intervalo entre uma
ereção e outra, após a ejaculação - é muitas vezes desconhecido
e ignorado pelo jovem adolescente.
Essas mudanças - demora na obtenção da ereção e prolongamento do período refratário após a ejaculação - podem ser fonte de
preocupação para o idoso, uma vez que ele não responderá prontamente, como antes, às estimulações físicas ou psicológicas.
Um programa simples de esclarecimento pode ter um efeito
terapêutico na recuperação da autoconfiança e do amor-próprio,
especialmente se o homem maduro continuar a se orientar pelo
modelo de “macho-sedutor”, que deve conduzir a sua parceira
ao orgasmo, sem nada receber em troca. O homem mais velho
precisará aprender a aceitar estimulações mais prolongadas, por
parte de sua companheira, que será requisitada para um papel
sexual mais ativo e criativo. Essas estimulações, preferencialmente
diretas, talvez precisem envolver uma reaprendizagem do casal,
para que ambos conheçam as vantagens da sexualidade madura
e possam dela usufruir, sem culpa nem inibições. Além disso, atualmente, já dispomos de medicações que atuam na função erétil,
recuperando-a, satisfatóriamente
Mudando para melhor
É mais raro um homem de 50 anos sofrer de ejaculação precoce.
O mesmo não se pode dizer dos mais jovens que, afoitos, perdem
oportunidades de satisfazer suas companheiras e de apreciar todas
as nuances do intercâmbio sexual, o que vêm a conseguir anos
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mais tarde.
O homem jovem é quase incapaz de fazer a diferenciação entre
a ejaculação e a experiência profunda e autêntica do orgasmo. Mais
egocêntrico, o jovem é levado a se satisfazer através do prazer genital localizado. Sua sexualidade é explosiva, imperiosa, impulsiva.
Já o homem maduro tem maior possibilidade de encontrar um ponto
de equilíbrio entre suas fantasias eróticas, suas reações sexuais e
os componentes afetivos de uma relação.
A sexualidade madura oferece muito mais nuances de ternura,
de fantasia e de amor. A linguagem sexual é feita de experiência,
nem tanto de instinto e repousa na aptidão de viver e compartilhar
de momentos de intimidade profunda, através do gesto e da palavra.
Nessa fase, é muito provável a experiência do “orgasmo seco”, ou
seja, a exaltação do prazer numa relação, independentemente da
ejaculação. Ejacular promove alívio fisiológico. Ter um orgasmo
envolve realização e integração.
A maioria dos casais conhece, por volta dos 50 anos de idade,
pela primeira vez entre si, uma sexualidade realmente satisfatória,
muitas vezes coincidindo com a fase em que seus filhos saem do
lar. Uma nova lua-de-mel, um novo período de redescoberta e de
encantamento em comum pode surgir, especialmente para aqueles casais que mantiveram seus laços afetivos e de compreensão
mútua.E podemos dizer que esta nova intimidade é um dos antídoto
contra a depressão.
Erotismo aos 80 anos
Escrever sobre erotismo é algo especial. Difícil, porque palavras
não captam, nem traduzem bem o que é vivenciado em nível de
mistério, feito com arte e gosto apurado, sutil e mágico. Fazem-no
melhor o suspiro e o sorriso.
Falar de erotismo com erotismo requer malícia cuidada. Requer
saber tocar em coisas sérias, com uma pitada de diversão, chegar
bem perto do sublime e, também do vulgar, posto que o erotismo
é exigente, quente e vibrante, selvagem e indomável.
Em primeiro lugar, libertemos Eros, impulso de vida, do reducionismo indevido que o atrelou tão-somente ao prazer e ao sexo.
Vamos encontrá-lo, também, nas artes, na ciência e na religião. O
profano e o sagrado se expressam diferentemente no e pelo Ser
Erótico. Eros é impulso de vida: Criação, Natureza e Humanidade.
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Conceitos antigos e atuais sobre a atividade sexual,
Algumas fontes de conhecimento tentaram coibir o erotismo.
Até pouco tempo atrás, dizia-se que a masturbação levava a um
decréscimo da inteligência, alucinações noturnas e propensões
suicidas ou homicidas (século XIX); que o tamanho do pênis é
relevante em assuntos sexuais e procriativos. Envoltórios penianos
e mesmo codpieces (século XIV) acentuavam a exibição vaidosa.
Hoje em dia, os zulús (África do Sul) usam alumínio para envolver o
pênis e, na Nova Guinê, filmes Kodak, pasta de dente... tudo preso
e dependurado como ornamento em torno do pênis para aumentar
o seu volume, real ou aparente.
Dizia-se que a atividade sexual em excesso causava vários distúrbios, como: elefantíase, cegueira, gengivites, mau hálito, pernas
fracas, embranquecimento dos cabelos e calvície (particularmente
se fosse com um parceiro idoso). Ou, que tinha efeitos benéficos:
boa terapêutica para certos tipos de epilépticos deprimidos e outros
doentes mentais; que restabelecia a textura da pele e que relação
sexual com uma mulher virgem curava a sífilis.
Entre os abkhasianos, as relações sexuais regulares devem
começar mais tarde e, lá, é freqüente a paternidade aos 100 anos.
Segundo o Relatório Kinsey, 75% dos homens são potentes, isto é,
possuem capacidade de manter relações sexuais com penetração
peniana aos 70 anos e apenas 20% aos 80.
O atendimento ao idoso
Até hoje a medicina tem conceituado o envelhecimento através
do “modelo de déficits”, sob forte inspiração da economia material.
Os anos pesam, são difíceis de carregar...
Enfatizam-se, sobremaneira, as limitações e perdas, entendidas
como decorrentes do envelhecimento fisiológico: diminuição das
acuidades visual e auditiva; diminuição da capacidade respiratória; redução da filtração glomerular; queda do metabolismo basal;
menor capacidade de absorção alimentar; diminuição do tônus e
da massa muscular e outras.
Nesse modelo, consultar um médico equivale a anotar na coluna
dos “débitos” um número cada vez maior de funções, cuja falência
total é resgatada pela morte. Do mesmo teor é a conceituação psicanalítica que afirma que, ao término, vemos a vitória de Tanatos,
o impulso de morte, sobrepujando Eros, o impulso de vida. Como
resolução final do conflito entre vida e morte o homem, ser autofágico, consome-se até desaparecer.
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No tocante à sexualidade do idoso, a ciência médica também se
refere a perdas, tais como menor evidência da tumefação e aumento
do corpo esponjoso do clitóris, no caso das mulheres; aumento do
tempo necessário para obter uma ereção, no caso dos homens.
Menciona, ainda, as inadequações sexuais mais freqüentes nas
idades avançadas: na mulher, a dispareunia (pouca lubrificação
vaginal), combatida com reposição hormonal; e, no homem, a impotência eretiva (psicogênica no jovem, organogênica no idoso), contra
a qual se recomendam masturbação e auto-excitação através de
leituras e filmes pornográficos. Isso, quando o idoso não leva uma
reprimenda do médico: “Mas o que o senhor quer, nessa idade?!
Esse quadro sombrio se traduz, popularmente, numa piada de
mau gosto: o idoso pode fazer sexo quase todos os dias: quase
segunda, quase terça, quase quarta, quase quinta...
O mito da velhice assexuada
Pouquíssimo se sabe das respostas sexuais em adultos idosos
de ambos os sexos. Segundo Dave Capuzzi, que efetuou uma
pesquisa na Itália, em 1982, há dificuldade em se obter respostas
e depoimentos nessa faixa etária devido a tr\6es grandes tópicos:
· Menor interesse dos pesquisadores e grande desconforto
em abordar o tópico;
· Dificuldades dos idosos em se abrir e se expressar claramente;
· Resistência das famílias em permitir que seus idosos tomem
parte nesses estudos.
O estereótipo da velhice assexuada não tem hoje nenhum fundamento na realidade. O pesquisador Berezyn , afirmou: “Idosos que
sempre foram vigorosos e que possuem interesses diversificados
com prazer não apresentam retração da sua vida sexual”. Muitos
outros autores compartilham esse ponto de vista: para Busse,
Barnes, Silverman, Shy, e outros, “o comportamento e o desejo
sexual têm forte correlação com a vida sexual anterior à velhice. A
idade, como variável, tem um papel insignificante nas mudanças e
na forma que o sexo assume nas idades avançadas”.
Para ambos, homem e mulher, as mudanças são gradativas, não
havendo nenhuma idade ou fase crítica. Ocorrem mais no campo
da freqüência e do vigor, do que no modo e na qualidade do prazer.
Havendo os sentimentos de ser querido, necessário, importante,
havendo a capacidade de receber amor e afeição, o sexo só acaba
quando tudo se acaba: na morte.
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Eros é mais forte que a dor
Internada em uma UTI em situação clínica gravíssima e instável,
Deise, de 65 anos, nem de longe era uma paciente dócil. Reclamava, exigia cuidados aos gritos, berrava, arrancava do braço a
agulha que levava o soro. Doente há muitos anos, era habitué de
hospitais e de UTIs. Muitos médicos já a haviam desenganado em
diferentes ocasiões.
Passei a atendê-la no próprio leito, mesmo fora do horário de
visita. Os médicos e as enfermeiras, sem saber como tratá-la, respiravam aliviados quando eu chegava. Depois de nossas conversas,
ela se acalmava. Sua maior preocupação era deixar uma sobrinha
solteira, a última sobrevivente da família: “O que vai ser da minha
menina quando eu não estiver mais aqui? Quem vai cuidar dela?
Quem vai orientá-la no bom caminho? Ela tem idade, mas é carente
e descuidada como uma criança... não sabe se proteger”.
Deise gostava de relembrar o passado. Dizia ter sido “muito
mulher.” Aos 40 anos, já fumava, dirigia automóvel e sustentava
quantos amantes quisesse. Ao falar de seus amores, seus olhos
brilhavam. Na gravidade da sua doença prolongada estava muito,
muito feia e abatida. Mas nessa hora sua feiúra desaparecia.
Numa das visitas, Deise mal tinha forças para falar. Estava
toda cheia de tubos, sondas, transfusões. Quando fui me despedir, ela segurou minha mão e insistiu para que eu ficasse mais um
pouco:
- “Eu quero que você veja o meu médico. Ai, que homem lindo!
Que mãos, que dentes, que coxas!” sua voz era fraca e rouca.
- “Gato assim, é?” - respondi. - “Então eu fico só pra ver.“
- “Que só pra ver?! Eu estou doente aqui na cama, já não valho
mais nada. Não me arrependo de nada do que fiz. Só que agora
não posso mais. Mas você é um mulherão. Já vi o fogo ardendo
nos seus olhos. Vai, aproveita! Olha aí, ele vem vindo. Não conto
nada pra ninguém mesmo. Vou levar para o túmulo!”
Gargalhamos as duas. Mas Deise não sobreviveu dessa vez;
faleceu poucos dias depois do nosso encontro. Algumas doenças,
mesmo graves, não suprimem o impulso erótico. Limitam sua realização ou, até mesmo, o sublimam.
Problemas médicos que interferem na sexualidade
Em geral, a doença afeta o comportamento sexual, segundo
Butler & Lewis (1975) e Hogan (1980), já que o corpo se envolve
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em superar a crise e resta menor energia para brincadeiras sexuais.
Mas, uma vez debelada a enfermidade, restauram-se o curso e a
expressão da sexualidade. Há casos, porém, em que a patologia
se toma crônica e essa condição pode gerar muita ansiedade com
relação à vida sexual. Vejamos algumas delas.
Doença cardíaca: Afeta três vezes mais homens do que mulheres entre os 45 e 64 anos. Após essa idade, as taxas de incidência
entre os sexos são equalizadas. Na maior parte dos casos, não há
por que suspender, nem temporariamente, a atividade sexual.
Derrame: Apesar da crença bastante difundida, nenhum derrame acontece em decorrência da excitação e do exercício sexual.
Se houver paralisia parcial, podem se adotar novas posições mais
apropriadas e outras práticas sexuais. O problema é se há ou não
interesse do(a) companheiro(a), desenvoltura e confiança suficientes para uma reaprendizagem.
Diabetes: Suas vítimas são acometidas de impotência numa
proporção de duas a cinco vezes maior se comparadas aos nãodiabéticos. No entanto, em muitos casos, o problema é reversível.
Basta manter a doença sob controle. A ausência de tratamento
pode acarretar impotência crônica. Nos diabéticos contraindica-se
a prótese periana, em razão dos riscos da cirurgia, especialmente
se forem descompensados .
Artrite: Há evidências de que o sexo ajuda a minorar a dor,
talvez em virtude da produção de cortisona pela glândula adrenal
e, também, da atividade física envolvida. Desde que a insatisfação
sexual pode aumentar o stress e este agrava a artrite, a sexualidade
ativa e boa, aliada à fisioterapia, ao repouso e à aplicação de calor
local, pode ajudar no tratamento e propiciar alívio da dor.
Anemia: A perda de apetite e a dor de cabeça ocasionadas
pela patologia podem minar o interesse e a energia voltados para
a vida sexual.
Dor nas costas: Bicos-de-papagaio, hérnias de disco, deslocamento de vértebras e osteoporose podem ser contornados com
postura adequada e exercícios que fortaleçam a musculatura abdominal e de sustentação da coluna. A simples troca de posições
(dando preferência pelas laterais) ou, com auxílio de travesseiros
podem facilitar a obtenção de prazer e evitar a ocorrência da dor
durante a relação sexual.
Hérnia ingüinal: Eventualmente, pode haver estrangulamento
durante a atividade sexual, acompanhado de dor intensa. A correção é cirúrgica e o sexo pode ser retomado assim que o paciente
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se recupere.
Mal de Parkinson: Tremores, lentidão, paralisia facial parcial,
mudanças posturais e no caminhar, inexpressividade e depressão
compõem o quadro dessa doença, que ataca o sistema nervoso
central. Em fase avançada, também, pode causar impotência.
Prostatite crônica: A dor no períneo (entre o escroto e o ânus)
e na base do pênis após micção e ejaculação, provoca diminuição
do desejo sexual. O tratamento inclui antibióticos, banhos quentes
de assento e massagem (gentil) periódica da próstata. O interesse
sexual retorna tão logo o desconforto e a dor regridam.
Incontinência urinária: Acontece quando a pessoa dá risada,
tosse, pula e mesmo durante a atividade sexual, podendo haver
perda de controle do esfíncter. É comum em mulheres multíparas,
injuriadas por partos malfeitos e com prolapso do útero e/ou bexiga. Às vezes há dor durante a relação sexual. A administração de
estrógeno (por via oral ou aplicação local) pode corrigir o problema.
Outros procedimentos adotados são exercícios e cirurgia (sobretudo
no caso de prolapso do útero e do reto).
Lasseamento excessivo da musculatura vaginal: Esta alteração é passível de correção através de cirurgia plástica. Alguns
homens costumam agredir suas mulheres, prevalecendo-se do
mito de que “todos os partos alargam demais a mulher” e de que
“ela está molhada demais”, fato que impede que ele sinta a fricção no corpo do pênis. Vale a pena fazer um esclarecimento: há
mulheres que ejaculam pela uretra, confundindo a emissão desse
líquido, almiscarado e agridoce com perda urinária. Isso é causa
de constrangimento, quando não de pânico.
Novas formas de prazer
A atividade sexual conhecida como carezza, abraço prolongado,
pressão pélvica continuada, respiração boca à boca, enquanto há
penetração do pênis na vagina, é indicada para quando se quer
experimentar o erotismo sem a ejaculação masculina. A feminina
ocorre em profusão. O prazer, o orgasmo, ocorre com os dois.
A masturbação pode ser recomendada como fonte alternativa
de prazer. Mas isso requer aceitação por parte do paciente, o que
não é muito comum entre os idosos. Ainda menos aceitáveis por
eles são os “apetrechos eróticos”, leituras e vídeos excitantes. Uma
boa parcela, especialmente de mulheres, desconhece o nú frontal
masculino e nunca admitiu a prática do sexo oral e/ou anal. Nem
mesmo o sexo convencional de “luz acesa”.
Vários homens de idade sentem-se degradados ao necessitar de
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uma companheira mais ativa, exceto quando se trata de mulheres
fáceis, a quem “não devem satisfação”. A imagem da santa-mãeesposa, assexuada, que “faz par” com o homem-provedor é uma
das “benesses” de que o homem usufrui se e quando ele padece
de disfunção sexual: em vez de admitir que não consegue, ele diz
que é a coitada da mulher que não quer mais. “Ela nunca gostou
muito”; “Ela sempre sentiu dores”; “Ela não é jeitosa”; “Ela é devota
do lar, dos filhos”; “Ela não faz questão.” Sempre “ela”.
A sua condescendência para com a esposa, libera o homem
de entrar em contato com a falência do seu desempenho e rever
a própria masculinidade. Então, tenta-se a velha solução, que é
“buscar fora de casa o que a esposa não oferece”.
Abordagem equivocada
Fernando, um bancário aposentado de 74 anos, casado, procurou-me certa vez em meu consultório queixando-se de impotência
(“ele não acorda”) e de insônia (“eu não durmo”). Durante algum
tempo, mantivera contatos sexuais com uma amiga sua, massagista. Ele lhe fornecia cremes para uso profissional, ela retribuía
massageando seus genitais. Os toques resultavam em ejaculação,
o que lhe proporcionava intenso alívio.
Esses encontros, porém, tinham sido interrompidos porque ela
andava ocupada demais, o que o deixou muito frustrado e ansioso.
Procurou um médico, que lhe receitou um calmante e o aconselhou
a “não pensar mais nessas coisas”. Não funcionou.
Fernando começou a freqüentar os cinemas pornôs do centro da
cidade. Saía muito excitado. Tentava se aliviar através da masturbação, compulsivamente. Não conseguia ereção e parava. Resolveu,
então, procurar ajuda quando ouviu falar, vagamente, em “terapia
de abordagem corporal”. Sua imaginação foi a mil! Marcou hora.
Trouxe ao consultório um pote de creme para me oferecer e,
utilizando uma linguagem de baixo calão, que combinava com sua
aparência desleixada, sugeriu que eu lhe fizesse a massagem.
Diante da minha negativa, propôs que eu lhe mostrasse os seios (e
permitisse que ele os tocasse). Achava que assim conseguiria se
masturbar. Como eu continuei negando, pediu que eu lhe arranjasse
uma mulher (uma terapeuta ou então uma amiga compreensiva)
que fizesse isso por ele. Como terapeuta, fiz um esforço consciente, deliberado, para tratá-lo com respeito e não expulsá-lo do
meu consultório. Na rua, não teria hesitado em soltar de volta um
palavrão e virar-lhe as costas.
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Fernando contou, então, que havia freqüentado grupos de idosos, anos antes e, que não havia arranjado parceira. “As mulheres
lá não querem saber disso. Só querem dançar, passear, arranjar um
homem que pague programas, cinema, presentes para elas”. De
fato, a busca de parceria com intenção sexual é muito comum por
parte dos homens. As mulheres freqüentam esses grupos motivadas
pelas oportunidades de estabelecer amizades e de participar de
atividades culturais, de turismo e lazer, outros objetivos, portanto.
No caso deste senhor, não era de se admirar que ele não conseguisse sequer fazer amizades, nem mesmo entre homens. Com
seus modos grosseiros e grotescos, a sua abordagem era extremamente direta e até ofensiva. Para atestar sua virilidade, Fernando
dizia sempre ter sido “tão homem que, só de encostar na esposa
já gozava”. O seu egocentrismo e o seu desejo imperioso eram a
medida da sua masculinidade, que não admitia ser frustrada. E
quanto mais frustrado ficava, mais desejo ele sentia.
Seu problema não era sexual, mas transpessoal, afetivo. Sofria
de rejeição e solidão. Fernando retomou ao consultório por muitas
sessões.
Durante quase dois meses nutriu a esperança de que eu mudasse de idéia e concordasse em ser “condescendente”, dando-lhe
uma “mãozinha”. Eu dizia que lhe daria afeto através das palavras
e do meu interesse e que nossos toques se limitariam a um aperto
de mão no início e no fim das consultas. Ele aceitou as condições.
Vinha pontual e regularmente, uma vez por semana. Eu rezava
para que ele não viesse.
Até que um dia trouxe uns folhetos antigos de cinema. Fiquei
encantada! Fotos brilhantes, autografadas, dos artistas dos filmes,
o nome da pianista que dava recitais nos intervalos. Recordei cenas
da minha infância. A conversa tomou-se animada. Pedi a ele que
me desse de presente um dos quatro folhetos que havia trazido.
Fernando mostrou surpresa, pois nunca dera um presente para
ninguém. E não imaginava que “um papel desses” podia ser dado
de presente. Ficou feliz, quase pueril.
A partir daí, as sessões ganharam novo impulso. Entusiasmado,
ele passou a remexer no baú. Tinha coleções belíssimas de figurinhas, tampinhas, selos, santinhos, caixinhas de fósforos, embalagens de cigarro. O seu tesouro, porém, eram correspondências
trocadas com altas personalidades do mundo político e econômico,
civis e militares. Como líder sindical, há cinqüenta anos Fernando
já reivindicava passe livre para os mais idosos, meia-entrada no
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cinema, priorização de atendimentos ambulatoriais e domiciliares
na área de saúde. Algumas de suas reivindicações foram obtidas
bem recentemente. Outras ainda estão em discussão.
Passei a admirá-lo, a aguardar sua chegada com afeto. Ele, por
sua vez, começou a se arrumar melhor, adotou um linguajar bastante educado. Voltou a procurar grupos de convivência. Recuperou
o sono. Sua ansiedade , tornou-se bastante suportável, mesmo
sem medicação. Diminuiu as idas aos cinemas e as tentativas de
masturbação, que eram compulsivas (cerca de quinze a de vinte
tentativas diárias), reduziram-se drasticamente. Sentia vontade e
frustração, porém, não mais aflição. Vez por outra, ainda me perguntava se eu não mudara de idéia. Deixou de ser inconveniente,
mas não desistiu. Até que, após umas férias, nunca mais voltou ao
consultório. Senti falta dele.
Atender ao erotismo
Não se deve confundir as coisas: o atendimento erótico não é,
necessariamente, sexual. Eros se traduz aqui por vontade férrea em
ajudar e ser ajudado. A superação dos preconceitos, a doação genuína, porém não ingênua, a piedade compassiva são os elementos
eróticos necessários quando estamos frente a um ser humano que
se tornou abjeto. Aqui, o amor incondicional não significa sujeição
à abjeção, mas um exercício de disciplina e de limites, na profissão
de fé. E isso nos traz uma imensa satisfação.
O envolvimento sexual com um cliente/paciente é prática das
mais perigosas, porque dilui as barreiras necessárias para o desempenho de papéis. Não se pode ser a mulher e a terapeuta de
um mesmo homem. Aí impera o mundo dos desejos narcisistas e
egocêntricos, em que se acredita que querer é poder e aquele que
acredita nisso, passa a crer que pode tudo.
O envolvimento sexual durante o tempo de uma terapia é, absolutamente contra-indicado, lesivo e contraproducente. Pode vir até a
se caracterizar como abusivo. Gera no, mínimo, dor e confusão.
O papel do terapeuta é ponderar, junto com o seu cliente, a
articulação e a dinâmica entre o mundo do desejo (satisfação continuada do prazer) e o mundo da realidade (prazeres intermitentes
e limitados). Para o cliente, a terapeuta é configurada como amiga
ou figura assexuada. Ele precisa dessexualizar a figura da terapeuta para prosseguir gostando muito dela, confiando, partilhando
intimidades, mas não assomado pelo desejo físico de posse, tão
presente na atração sexual.
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Para a terapeuta, o trabalho dirige-se ao Homem. Em se tratando de cliente idoso, é primordial que a relação deva ser erotizada,
prazerosa, ágil e excitante. Temos que conseguir ver o homem,
naquela pele enrugada e manchada, flácida, naquela postura encurvada, na sua voz trêmula e hesitante. Vendo e ouvindo o Homem,
respondemos à sua vaidade e, assim, ele recria o seu brilho e a
sua potencialidade. O mesmo é valido para a mulher.
Concebendo nossos clientes como pessoas eróticas, portanto,
como um seres desejáveis, podemos sintonizar sua suavidade, as
nuances de suas emoções, a intensidade de seus sentimentos, a
avalanche de suas aflições e de sua ferocidade. A pessoa erótica
é suave e é feroz! Com prazer em ambos os casos. E pode, igualmente, nos rejeitar... como jovem, como velho, como homem ou
mulher por inteiro.
Não é a alma, mas o corpo que dói
O corpo que não é tocado chora. Grita. Reclama. As dores
são esse comunicado. A falta do toque físico, da carícia suave, do
abraço faz minguar, irrita, deprime.
Afagos nos braços, ombros, joelhos e topo da cabeça não satisfazem. O corpo pede mais. Precisamos ser vistos, examinados.
Antes o toque médico do que nada! Precisamos ser apertados nos
braços de alguém carinhoso, mesmo que para isso usemos de pretextos como fraqueza e medo. Precisamos ser excitados pelo riso,
pela raiva, pela alegria, pela emoção mais profunda e autêntica,
mesmo que seja a tristeza.
O velho precisa ser provocado, ainda que esteja doente. Porque
são pouquíssimas as doenças que incapacitam ou invalidam. A
maioria somente os limita. Mesmo o coma é uma luta silenciosa do
corpo em prol da vida. A dor é o grito de protesto do corpo aviltado,
é o sinal de parada que reinvidica um viver melhor. Mudar. Ser.
O corpo que dói é um corpo vivo que implora por Eros. Ele
comunica: “Eu existo. Você me esqueçe, mas não acaba comigo”.
E a mente se curva, nubilada, às exigências do corpo que vive, do
corpo de um EROS desvairado. A dor reclama por um viver erotizado, pede consciência, luz.
O idoso não precisa de medicação para calar essa voz do corpo,
esse clamor. Ele precisa se restabelecer. Re-estabelecer. Marcar
presença de novo. O corpo que dança e se exprime é um corpo
erótico. Se não puder ser com a musica, fará contorcionismos de
dor, embalado por gemidos....
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O corpo e a mente do idoso não precisam da nossa cautela, se
isso não for pedido expressivamente. Assim como não há necessidade de gritar para o surdo, porque ele lê nos lábios e desdenha
a nossa caricatura-berrante, também não temos que falar baixinho
e andar “pisando em ovos” perante a velhice.
O problema é que nos falta suporte teórico para lidar com essas questões. Um exemplo: quando fazia pesquisas, nos idos de
1990, praticamente não encontrei referência bibliográfica sobre
sexualidade e erotismo sob o título Velhice ou envelhecimento,
nem na biblioteca da Faculdade de Psicologia da Universidade de
São Paulo, uma das maiores e mais conceituadas instituições de
ensino universitário do país. O nosso saber gerontológico não se
encontra disponível para a formação desses profissionais. Prazer,
sexo e velhice parecem não combinar, ou até agora não foram
alvo de interesse científico e de pesquisas acadêmicas. Seria um
trinômio por demais banal?
Mesmo doente, o corpo é erótico
Quando ele “briga” em prol da vida, ocorre a crise a que chamamos de doença! A concepção tradicional de doença está ligada
à derrota, às perdas, ao sofrimento.
Na minha visão, o doente é alguém que acionou as melhores
defesas a seu alcance para sobreviver, para preservar sua integridade psicofísica. É alguém que batalha, febrilmente, pela sua
autopreservação.
A doença pode ser vista, então, não como algo que degrada e
debilita, mas como um ato heróico, auge do monento em que Eros
se manifesta. Ato deflagrado à nossa revelia, pelo corpo, em sua
sabedoria de regeneração. Afirmo: a doença é um modo altamente
erotizado de nos defendermos de agentes agressores ao nosso
bem-estar.
De modo geral, as pessoas se crêem “possuídas” por uma
doença (“Peguei um resfriado”) e não “responsáveis” por ela. Ser
responsável não é ser culpado e sim, agente ativo de um processo de recuperação, em face de um trauma ou de uma agressão
sofridos.
Há pessoas que não “podem” ter paz de espírito, “precisam”
viver em eterna luta. Não podem curar-se, por isso dedicam-se ao
aperfeiçoamento de seus mal-estares físico-emocionais. Fazem
alarde de sua dor. Conclamam familiares e amigos para assistir
a sua batalha insana, como se quisessem dizer: “Viu, você não
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pode me culpar, estou tentando!” São doentes contumazes, porque acalentam a crise, em vez de mudar as condições hostis de
vivência pessoal. Obedientes, tomam todos os remédios que “o
doutor mandou” até o ponto em que começam a sentir-se melhor.
Contudo, não podem sarar. Caso estejam bem, haverão de pegar,
nas próprias mãos, o controle de suas vidas. E isso eles não querem
ou não sabem fazer. A doença vira, então, atividade.
Há pessoas, porém, que suportam a dor em silêncio e dela extraem palavras e gestos de conforto para os outros. Diz o ditado:
“Tem mais cuidado com a dor alheia quem também está ferido!”
São experiências de solidariedade que muita gente só vai conhecer
quando gravemente doente, com ou sem chances de se reformular.
Há pacientes idosos que nunca foram tão gente e nunca viveram
tão bem como no período em que estiveram doentes.
Para ajudar durante a crise
As seguintes crenças e estratégias costumam ser mais úteis
no tratamento (erótico) dos doentes do que o exagero de medicação:
· Mediante a incerteza, nada há de errado com a esperança.
· O riso, fartamente distribuído, tem efeito imediato e contagiante na elevação do moral e do bem-estar.
· A comunicação direta resgata o senso de importância da
pessoa que está doente, lutando para sobreviver.
· A linguagem musical é imediata na captação e compreensão
do que queremos transmitir a um doente.
· A raiva é mais positiva do que o tédio.
· O prazer e a alegria estão na base do viver longevo. Do
mesmo modo, o trabalho realizado por escolha e com convicção.
· Somos o que somos e mais o reflexo das pessoas com quem
vivemos. Parece óbvio, mas não é: ambientes saudáveis produzem
menos doentes.
Nas palavras do médico e cirurgião Bernie Siegel, autor do
livro Amor; medicina e milagres: “Dê a si mesmo um tempo para
saber do que precisa e você não precisará de uma doença”. Isso
é altamente erótico.
Idosos que precisam da doença
Em geral, a doença serve como uma mensagem de mudança
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que devemos aprender a decodiftcar, em vez de anular. Mensagem
e meio, a doença introduz um marco no horizonte temporal e propicia algo que as pessoas não estão obtendo, como companhia,
ocupação e atenção.
Especialista no tratamento de pessoas com câncer, Carl Simonton afirma que “ficamos doentes por motivos nobres. É a forma que
o organismo tem para nos dizer que as necessidades que sentimos - físicas e emocionais - não estão sendo atendidas e que, as
preenchidas pela doença, são importantes”.
A doença e a dor, como apelos eróticos dos nossos anciãos,
são modos de eles estabelecerem relação e diálogo conosco, os
“adultos sadios e normais”. Idosos doentes nos ocupam. Mas não
se trata de “chantagem emocional”. Eles estão protestando pelo
seu direito de viver com dignidade, satisfação e prazer.
Se desempenhamos um papel na doença, também o desempenhamos na cura. Mesmo que não haja condições de curar o
corpo, através do exercício da vontade consciente, eivada de
amor-próprio, podemos alcançar a paz de espírito. Estar doente
não é ser coitado.
Espírito, inteligência, corpo é a tríade sobre a qual se assenta
o viver. Paz de espírito, conhecimento, consciência ampliada pela
vontade e pela escolha, a concretização material do que é o nosso
corpo, são expressões indissolúveis do viver: Eros.
Tudo o que celebra a vida
Estamos habituados a reduzir o erótico ao sexual. Todavia, até
aí não há nenhuma diferença, qualitativa ou quantitativa, no que
diz respeito a Eros, com o passar da idade. Na obra de Carlos
Drummond de Andrade, há uma poesia escrita em 1930, quando
ele tinha 28 anos, chamada “Cabaré Mineiro”:
A dançarina espanhola de Montes Claros
dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Tem um sinal de bala na coxa direita.
O riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
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Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas tetas...
Aos 74 anos, Drummond escreveu “Sob o Chuveiro Amar”:
Sob o chuveiro amar; sabão e beijos,
ou na banheira amar; de águas vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir; água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo - É água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?
E, finalmente, aos 81 anos, ele compôs “Em teu Crespo Jardim,
Anêmonas Castanhas”:
Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas
detêm a mão ansiosa: Devagar.
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu. E a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor. Tudo é sagrado.
A reverência e a irreverência, a provocação e a entrega, corpo,
alma, natureza, movimento. O sexo sagrado na sua causalidade.
Sexo explícito. Excitado, provocado. Mulher ativa, exibindo-se
para o homem cativo, fascinado. Aqui não se tem idade, só vivacidade.
Há tanto EROS, tanto quando se fala no prazer de viver, como
quando se defende a vida e se protesta veementemente contra
práticas desumanas! A indignação também é erótica. Tudo o que
celebra a vida e a sacramenta é erótico.
Essa força de vida manifesta-se desde cedo. Na criatividade, no
jogo lúdico, no sexo. Viver com prazer. Divertir-se com as charadas e
imprevistos da vida, senso de justiça e harmonia. Ouvindo um ativo
e bem-disposto senhor de 84 anos, entrevistei o renomado pintor
mineiro Salvador Rodrigues Jr., premiado com quarenta medalhas
de ouro em salões nacionais e internacionais, declarando-se um
autêntico hedonista: “Só me dou com pessoas de quem eu gosto
e que gostem das coisas de que eu gosto”. Fiquei maravilhada e
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pensei: “Isso é que é sabedoria de viver!”
Agora, olhemos para o nosso parceiro (ou parceira) de vida e
imaginemos o nosso pânico se ele (ela) anunciasse: “De agora em
diante, vou viver devotado ao prazer e à diversão” Camisa-de-força
nele! O coitado enlouqueceu! Quando é que essa “loucura” se
insere na faixa da normalidade? Teremos moratória para, a partir
dos 80, vivermos a vida como uma deliciosa e louca aventura? Ah,
prazer de viver!...
Eros, sagrado e profano, é o que a vida tem a nos oferecer. Do
começo ao fim... Dos 8 aos 80 anos. Fugir ao tédio, à banalidade.
Ser humano: vulgar e divino. Sugiro “Paz e Amor”, em qualquer
idade, receita essa que é grafada por Paulo Bonfim:
Na hora da paz
A paz na consciência
Na hora do amor
Em amor transformado
Na hora do Adeus
A Deus caminhando.
Carinhos e carícias
Quanto maior a vontade de conhecer, maior o impulso de olhar
e tocar com cuidado.
Passeamos o olhar por tudo aquilo que queremos possuir,
com calor e intensidade, como que enxergando por dentro. É um
“olhar de veludo”, envolvente. E tocamos, suavemente, buscando
conhecer através dos sentidos, colocando o objeto querido dentro
de nós mesmos.
É assim que os amantes se acariciam. Tocam com os olhos,
enxergam pelas mãos. Tudo muito precioso e fugidio, não uma
busca sôfrega, mas um profundo e apaziguante encontro das
almas. Entre amantes-amados um abraço significa tanto quanto
sexo, emprestando segurança, confiança e aceitação, acolhendo
o outro junto ao nosso corpo.
Os gestos sensuais são lentos e, principalmente, naturais. Aliás, são sensuais exatamente porque são naturais. Não é “fazendo
pose” que conquistamos alguém. A “pose” chama a atenção, a
espontaneidade encanta. Não há nada mais atraente que um andar
desembaraçado, um riso solto, frescor de banho recém-tomado,
sem esforço para agradar. Pequenos gestos podem ter efeito de
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uma “bomba”, na consciência e no querer do outro.
A simplicidade, a graça de juventude, o charme da maturidade,
estar de-bem-com-a-vida, é o que mais cativa numa relação, pois
não nos ameaça. Deixa-nos à vontade para sermos quem somos. É
natural abraçar um amigo, beijar as faces de uma criança, descansar
a cabeça no ombro do namorado, voltar a deitar no colo da mãe.
Precisamos ser vistos e tocados. A pior coisa é a indiferença.
Ser tratado como se não existíssemos. Chega a ser enlouquecedor.
Para chamar a atenção, crianças fazem birra, adolescentes ficam
rebeldes, adultos se tornam agressivos chegando, algumas vezes,
à violência. Os velhos podem ficar doentes ! Corpo que não é tocado, abraçado, como que deixa de existir. Ou, então, dói. O toque e,
principalmente, a carícia, é o registro físico da nossa existência.
Quando desejamos alguém é difícil suportar a distância física.
O amor dos sentidos anseia por carícias sensuais. O amor-amigo
requer menos carícias e mais carinho. Um afago, um olho-no-olho,
mãos dadas ou, simplesmente, sentir o calor do corpo do outro.
O carinho pode evoluir para a carícia sensual ou permanecer
na leveza do agrado e do bem-querer. Acariciar o rosto de alguém,
dar um beijo terno, se enroscar e ficar abraçadinho... São carícias
de amizade.
A linguagem dos gestos é muito rica e nem todos fomos bem
“alfabetizados” nessa linguagem. Usamos o corpo para trabalhar,
fazer filhos, buscar prazer. Muito pouco para nos comunicar e
relacionar. Sem jeito, podemos tocar os outros de uma forma que
eles não gostam.
Adolescentes trocam tapas, encontrões, cotoveladas, uns nos
outros, exatamente porque ainda são inexperientes e estão ansiosos
com o novo despertar dos sentidos e as mudanças do seu corpo.
Carinho numa colega, tudo bem. Entre rapazes? Nem pensar! Têm
muitas dúvidas a seu próprio respeito e sobre sexo, para se arriscar.
Vivem se tocando como se não o fizessem ou como se não fosse
tão importante.
Com a auto-confiança trazida pelo amadurecimento fica menos
difícil para um homem expressar seu bem-querer por um amigo do
mesmo sexo e trocar “aquele” abraço. Mulheres são mais fluentes
nessa linguagem. Mexem nos cabelos umas das outras, conferem
sua pele, se está macia com o novo creme. Afagam-se com naturalidade, numa troca de carinhos mútuos que encanta e, também,
atrai um companheiro. Mais do que inteligente e bonita, o que o
homem mais deseja é uma mulher carinhosa. Mais gestos e menos
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palavras. Mais abraços e beijos e, menos conselhos ou palpites
que não são solicitados.
Mesmo a pessoa mais carinhosa pode, porém, nalgum momento, precisar recolher-se e não querer fazer nada. Fazer carinho é
dar de si e nem sempre queremos ou temos o que oferecer. Algumas pessoas são pobres nesta linguagem. E outras detestam ser
tocadas. Amam de longe.
Nem todos aprendemos a “falar” com o nosso corpo. Nossos
sentimentos ficam presos e nossas mãos se esquecem de acariciar,
os olhos não conseguem mirar. A repressão dos afetos, a falta de
carinho durante a criação têm um peso considerável nisto tudo.
Mas, o mais importante é a pessoa desejar superar dificuldades e
ser mais fluente nos gestos.
Talvez não lhe faça tanta falta. Mas, se o companheiro, ou
companheira, reclama, diz que você é insensível, distante, vale a
pena desenvolver mais a linguagem do toque, carinhos e carícias,
em vez de apostar tudo no momento sexual.
Aqui vão algumas dicas: comece por beijar seus filhos. Faça um
carinho na sua avó. Ou na sua mãe. Adote um cachorrinho. Sorria
para seus colegas. Abrace apertado um amigo. Olhe nos olhos da
pessoa amada. Principalmente, acaricie seu próprio rosto e seu
próprio corpo, dizendo com alívio e alegria: “Ah, como eu gosto de
você! Que bom te encontrar de novo!”
Mesmo ruim, é muito bom
Pergunta‑se muito: o idoso faz sexo? É importante fazer sexo?
Sexo faz bem? Sexo acaba?
Nota‑se, nestas in­dagações o primado da atividade: fazer, exercer, ter, pra­ticar, perder, se interessar... Em tudo isso é como se a
pessoa se olhasse a uma certa distância, des­ligada de si mesma e
da própria experiência de vida: con­dicionada e facili­tada pelo seu
ser sensual. Acontece que não dá outra: ou se nasce menino, ou
se nasce menina. Daí, ser um homem‑macho ou mulher‑fêmea, é
uma outra história! Nossos somos sexo, a sua expressão, a sua
resultante
Perguntar se o idoso “faz” sexo é a mesma coisa que perguntar
se ele come, respira, anda, dorme, pensa É um absurdo, mesmo
por­que essa coisa de “idoso” não existe, é mera (embora com­plexa)
abstração.
Melhor querer saber se “aquela” pessoa em especial “gosta”
de ter nascido com o sexo que nasceu, se tem boas impressões
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quando se vê ao espelho, se tem boas sensações quando to­ca e
é tocada, em que partes do corpo aprecia o carinho e que tipo de
carícia aprendeu ser a “cor­reta” e “desejável”.
Acontece que as pessoas são sexuais, quer tenham consciência
disso ou não. Aprender que ho­mem faz xixi de pé e mulher faz xixi
sentada, é convenção social.
Ficaríamos desnor­teados se um homem se sentasse no sa­nitário
para urinar (embora menininhos o façam até a idade dos dois ou
três aninhos), como ficaríamos em­baraçados com uma mulher que
resolva fazê‑lo de pé, usando um “pips”. Mas quantas de nós de­
sejaríamos ter uma nova “mangueirinha” e poder u­sar uma garrafa,
especialmente se em viagem ou no frio?
Achar que “car­regar peso”, “trocar lâmpada”, “portar arma” é
coisa de homem e, que “mulheres são mais há­beis com crianças”
também são con­venções. Claro que existe a força da cultura, e
normas tradicionais são tão poderosas que têm o efeito de nos fazer
a­creditar que o mundo sempre foi assim, que esse é o natural. Aliás,
pela tradição, valores e crenças passam a ser tão “naturais” que
nem são alvo de cogitação. Simples­mente, a gente não pensa, vive
assim. O que se faz, portanto, decorre daquilo em que se crê. Em
relação à sexualidade não é ver‑para‑crer, mas crer‑para‑fazer
Se a pessoa “se sabe” sexual, os prazeres e as dores advindas dessa esfera de seu ser, são tão naturais que nem chamam a
própria atenção. Ela aprecia o toque suave da camisa de seda ou
o peso do cobertor, o correr da água do chuveiro em seu corpo (e
da chuva, porque não?), a as­pereza de um aperto de mão, o odor
acre do suor, a doçura de uma bala, sem ficar se perguntando:
será este um prazer e­rótico ou um treino para os meus perceptos
sensuais? Ela simplesmente vive. Aprecia. Ou não gosta, rejeita.
Suas rugas? Não a des­merecem.
Sonhos e devaneios
Quantas vezes temos sonhos eróticos e acordamos “molha­
das”? Muito mais vezes do que nos lembramos. Que pena não
lembrar. So­nhar, então, que se faz sexo com alguém que não o
“social­mente consentido”?! Que horror! Sonho de gente de idade
tem que ser ascético. Pesadelo, também, va­le. Mas, sonhar com
o marido da vi­zinha?! Nesta idade, em que a pessoa já deveria ter
superado suas paixões?! Ima­gine como você iria se escandalizar
se a sua avó, (bem–ve­lhinha, talvez bisa­vó) chegasse feliz para
você, dizendo que teve um orgasmo à noite, ao sonhar que teve um
encontro de amor com o comerciante da loja defronte!... Uau! Se ela
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lhe contasse que sonhou “romances” bem platônicos, com o “Brad
Pitt”, tudo bem, ele é um “impossível”, não é mesmo?! Agora, com
o comerciante? Ela e aquele horroroso? Se for o avô, maravi­lhas!
Potente ainda, não? Mas...a avó?
Ah, sonhar... Se quando jovem a censura é brava, como será
que ficam os so­nhos dos velhos-­bem‑velhos? E os devaneios?
A senhora distinta vai ao consultório e pa­quera o médico. Pa­ra
a sua neta. Quer apresentá‑los. Per­gunta‑lhe se é ca­sado, se está
in­teressado. Seduz. Só que não percebe (e, se percebe, fica en­
cabulada) que é o desejo dela que se acendeu. A história aceitável
é que cobiça para a neta. Só que se sente “tão bem” quando ele a
toca, olha, examina, diz‑lhe estar bonita, perfumada e tudo o mais...
(suspiros). Ele é tão “bom mé­dico”! Um homem lindo, charmoso,
vi­ril. Para a neta. Ela é carta fora do baralho. Faz que é aos seus
próprios o­lhos. Às vezes, como disse Fernando Pessoa, brinca de
“poeta fingidor”: finge tão completamente, que chega a fingir que é
dor, a dor que deveras sente...
A moderna abor­dagem sexual das quatro fases do orgasmo e
a teoria das zonas eró­genas, dividiu o cor­po humano em “quartos”,
que nem carne de boi. Tipo, esta zona é erógena, esta zona é o
que? Não erógena? Uma coisa que é definida pelo que não é?!
Que es­tranho... Erótica é qualquer carícia fei­ta pela pessoa que­
rida. Vale até mordiscar os dedos das mãos e dos pés. Dedos são
zonas erógenas? Claro que são!
Noutro dia eu es­tava pensando, altas divagações: quem sente
muito tesão no lóbulo da orelha di­reita poderia trans­plantá‑lo para a
aureola do seio es­querdo, “lá” onde não se sente nada? Daria para
fazer seguro contra perdas na capacidade orgásti­ca? Há relação
entre o dinheiro que a pessoa ganha e o seu desejo de transar?
Caso positivo, e parece que sim, qual o limite de tolerância para
cor­rer riscos?
Ora, pensar nestas coisas é para quem “não tem o que fazer, é
cuca fres­ca”. São especulações não–científicas. Ci­entifico é afirmar
que: se a pessoa tiver saúde, se tiver companhia, se es­tiver no lugar
certo/hora certa, se tiver vontade (e se Deus ajudar), então o sexo
não acaba! E não se esqueça dos apetrechos!
Sabe porque o sexo não acaba? Porque nós somos sexo,
quer se saiba disso ou não. Aliás, penso até que é limitada esta
classificação de homem‑macho/mulher­-fêmea... Tem tanta mulher
que se recusa a deixar de ser “mocinha”, tem tanta gente que não
sabe direito o que é. Es­sas são questões que o avançar da idade
- 99 -
pode ou não resolver.
Fazer sexo? Talvez se faça, talvez não. Os gostos, também,
mudam. Os modos, as modas. So­bre o que falamos: Sexo? Amor?
Ami­zade? Prazer físico? Alegria de viver? Liberdade? Quem de­
termina o que é importante? É politi­camente, importante para a
família? Para a nação? Para o médico? Para a pes­soa? Importante
e vital? Ou um su­pérfluo necessário? Faz bem?
Fico aqui com um comentário de Dir­ceu: “Sexo, quando é bom
é ótimo. E mesmo quando é ruim, ainda assim é muito bom.” Gosto
não se discute. Faz bem quando se gosta.
- 100 -
Capítulo 4
VIOLÊNCIA E CO-DEPENDÊNCIA
Não se deixe iludir. O velho nem sempre corresponde ao estigma
de um ser frágil, carente e dependente (coitado!). Ele tanto pode
ser alvo de vários tipos de violência, como ocupar o papel inverso,
o de agressor.
A violência é entendida, aqui, como ato intencional ou não, que
cometemos e que resulta na perda da integridade psíquica e/ou
física de alguém, de algo ou da própria natureza, em todos os seus
reinos. Engloba, ainda, aquilo que fazemos “contra” alguém e que
pode ou não resultar em lesão à integridade, seja porque a pessoa
conseguiu desviar-se, neutralizar ou até revidar a agressão, seja
porque outras contingências intervieram e, “por um triz”, a violência
não se consumou.
Assim, há que se levar também em conta os fatores subjetivos
da violência, tanto na sua qualidade, como na sua quantidade.
Dependendo da ótica e da perspectiva “pela qual um fato ou um
fenômeno (o fato subjetivado) é visto, pode ser interpretado por
algumas pessoas como violência, enquanto outras o qualificam
como normal ou natural.
O idoso pode se envolver, como vítima ou sujeito, em agressões óbvias ou em formas mais veladas de violência. É o caso, por
exemplo, de um tipo de relacionamento altamente violento, que se
sustenta na dor, na culpa e na vergonha: a co-dependência.
Violência urbana
A vida nas cidades gera um sem-número de agressões à pessoa.
Os idosos são igualmente vitimados, não porque têm mais idade,
mas por residir e transitar nos centros urbanos.
Acidentes de trânsito, por exemplo, mutilam e levam à morte
milhares deles: a surdez, os passos lentos, a distração e a degeneração mental, entre outros distúrbios, muitas vezes os impedem
de perceber os carros que surgem “de repente” em baixa ou alta
velocidade.
- 101 -
Outras vezes, acabam feridos devido às arrancadas súbitas
dos coletivos, o que caracteriza violência gerada pela ausência da
cidadania. Esta é uma das principais causas de queda na idade
avançada.
Lesões físicas
Muita violência física decorre da falta de cidadania, da miséria
e da excessiva densidade demográfica. Morando ao relento (mais
sensíveis às variações do tempo), dormindo nas ruas, em valas
ou em quartos sombrios, comendo mal e vivendo em estado de
desnutrição e de desidratação são, também, vítimas frágeis de
brigas em família e de agressões nas ruas, onde sofrem sacolejões, levam garrafadas, são atirados nas calçadas, viram alvo de
tiroteios e assaltos.
Segundo dados obtidos pelo Serviço de Documentação Médica,
de janeiro a junho de 1992, do total dos atendimentos dispensados
a idosos, mais da metade (51,6%) foi por ocorrências traumáticas
e os restantes 48,4% foram casos clínicos. As principais causas
dos traumas eram quedas, agressões, atropelamentos, colisões e
danos causados por projéteis de arma de fogo, revelou o geriatra
Paulo César A. Ferreira, então diretor administrativo do Hospital
Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, durante o congresso
da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), realizado naquele ano. Devemos considerar que, nas condições de
vida desses idosos, em muitos já estavam instaladas alterações
que os fragilizavam, como modificações de postura e marcha,
baixa acuidade auditiva e visual, déficits cardíacos e respiratórios,
desnutrição e desidratação.
No entanto, é preciso indagar: a velhice tem que ser mesmo
doentia ou esta é uma violação do corpo e do espírito, que decorre
de cegueira política e da miséria cultural e sócio-econômica em que
submergem os idosos?
Conforme dados fornecidos pelo Personal Financial Planning,
de São Paulo, mais de 30% deles vivem em total penúria, dependentes da assistência social do Estado e da caridade nas ruas;
mais outros 30 e tantos por cento vivem com renda familiar de até
cinco salários mínimos. Outros quase 40% sobrevivem de suas
aposentadorias, pensões e “bicos”. Somente 0,9% têm autonomia
econômico-financeira quando chegam à casa dos 60 anos. E, mais
recentemente, são as suas minguadas pensões que sustentam seus
filhos desempregados ou com que pagam a educação escolar de
seus netos.
- 102 -
Agressões médicas
Prescrever drogas inadequadas, que mantêm a fármaco-dependência dos idosos ou cometer erros de diagnósticos e procedimentos, ainda acobertados, são algumas das violências que essa
população suporta por parte dos médicos. Mas não as únicas. O
profissional de saúde muitas vezes contribui para perpetuar e recriar
preconceitos, quando não sabe ao certo do que se trata e encerra
a questão determinando: “Tem de aprender a conviver com essa
dor. Na sua idade é assim mesmo”.
O velho também é agredido quando seu corpo é exposto, despudoradamente, para “estudos”, quando o médico excita o desejo
de senhoras fragilizadas pelo asilamento, chamando-as de “minhas
meninas”, “minhas namoradas” ou que tal. E mais: quando separa
e impede o relacionamento entre homens e mulheres em asilos e
congêneres, só porque “têm mais idade”, quando o que está em
jogo é a incompetência da equipe em tratar questões de afeto e
de sexualidade.
Violência famíliar
Os familiares podem ser coniventes com esse tipo de violência,
por ignorância ou comodismo, permitindo que se mantenham os
velhos drogados, alcoolizados, acamados e confinados, indevidamente. Ou, no outro extremo, oferecem a eles estímulos excessivos,
obrigando-os a sair, “passear”, mesmo quando o que eles mais
desejam é sossego.
Presenciei uma senhora, filha amorosa, que sinceramente acreditava estar fazendo o melhor, ao exasperar-se, gritar e chacoalhar
os ombros de sua velha mãe, durante uma festa de casamento,
quando esta começou a resmungar, pedindo para ir embora: “Você
pediu para vir, não foi?! Agora, vê se agüenta e não enche, que eu
estou me divertindo. Pediu, agora fica!” Só que a festa havia começado às 21 horas (depois da cerimônía religiosa) e já passava da
meia-noite. A velha não se locomovia só e não passou pela cabeça
de ninguém da família levá-la para casa e, depois, voltar para a festa, assim como muitos casais agem com seus filhos pequenos.
Outra família mantinha o seguinte esquema: de segunda a sexta, a velha senhora morava com a filha; aos sábados e domingos,
alternadamente, ela morava com outros dois filhos e noras. Ao
invés da família compartilhar e distribuír os esforços, tudo o que
acontecia era que a velha e dependente senhora não tinha mais o
seu próprio lugar. Haviam desfeito a sua casa e acolhiam-na “de
- 103 -
favor.” Apresentava surtos psicóticos agravados pelo fato de ter
consciência de estar sendo “jogada” de um canto para outro e, no
mais das vezes, não sentir-se bem recebida em nenhuma das casas. O pior é que os três filhos ainda esperavam que a mãe ficasse
agradecida: “Não é verdade, mamãe, que você tem filhos que te
cuidam e não te deixam só?” Nem reclamar, ela podia. Tiravam-lhe
a razão. “Para que a sua casa? Para lhe dar trabalho, mãe?” ,
Espancamentos, gritarias, palavrões e castigos. É assim que
algumas famílias tratam seus idosos. Com certeza, também se
tratam desse mesmo modo. Não é porque são velhos. É porque a
família é feroz e pouco continente.
O Estado também agride
Quando pouquíssimos acumulam demais, em detrimento de
milhares de milhões a quem falta o básico (saúde, educação, moradia e alimentação), dissemina-se a idéia de que “o mundo é dos
espertos”. Entra em cena a violência ideológica. É a lei da selva?
Não. É a bestialidade humana, que permite que o Estado assassine
crianças, detentos e negros, impunemente.
O Estado violento, com suas práticas de suborno e corrupção,
causa a degradação do homem e inviabiliza a evolução social. A
fome das populações é o atestado sórdido da pobreza de espírito
de que todos padecemos, vitimados.
As ações criativas, de dignificação da vida e do homem, ocorrem isoladamente, à revelia de muitos governos e administrações.
Contudo, o ganho de consciência é crescente. Muitos gestos de
coragem brotam do desespero. É preciso confiar. É tempo de reviver. Ë o nosso tempo.
Violências que os idosos cometem
Discriminação e racismo fazem parte do repertório social de
muitos idosos. Vários líderes, chefes de governo, homens públicos
e em toda a esfera privada mostram-se totalitários, insinceros e
cruéis, ainda que suas faces sejam perfumadas e seus sorrisos
largos pareçam francos.
Não são perigosos por serem idosos, mas porque, apesar da
idade, ainda não aprenderam o que é ser gente. Ao se impor pela
força e pelo dinheiro, conservam a insensatez, o egocentrismo típico
das crianças. Viveram muito, sem jamais ter crescido de verdade.
São os velhos tiranos.
Não são poucas as famílias que padecem à mercê de uma pes- 104 -
soa de idade. Personalidades rígidas e mórbidas, que se recusam a
evoluir e se adaptar ao mundo moderno, aterrorizam seus familiares
à exaustão. Desempenham, com maestria, scripts de bebedeira,
desocupação, adoecimento e rancor à juventude.
Pessoas arrogantes e insensíveis, que falam grosso ou se
fazem de fraquinhas, criam laços de dependência intoleráveis.
Agindo, ora como quem cuida, ora como quem é cuidado, o que
mais conseguem instilar nos filhos é culpa, vergonha e medo por
serem o que são. Os netos tentam reagir, às vezes, desacatando
os idosos e viram alvos da ira dos avós, do desespero dos pais e da
sua própria ignorância juvenil. A casa vira um inferno! Estes velhos
são “visitados por obrigação” e acolhidos na residência porque “não
há jeito”, não por serem quem são. Impera o respeito filial, ainda
que muitos casamentos desfaleçam sob as dependências e medos
em que vivem submersos.
Eles mesmos se alvejam
Há idosos que não gostam de “velhos”. São desagradáveis e
grosseiros em grupos. Não porque têm idade. Mas porque não se
dão com ninguém.
Em grupos de convivência, são maledicentes e criticam tudo.
Batem em companheiros de quarto, se estiverem internados.
“Armam-se” com a bengala, xingam e ofendem. Agridem o cônjuge,
sob as mais variadas alegações. Têm pavor da morte e do Dia do
Julgamento. Têm pavor de gente, pavor de viver.
Alguns se apresentam em estado de consciência alterada, em
função de doenças cerebrais e mentais. Outros são doentes da
própria alma. Falta-lhes amor. Não porque não o recebam, mas por
não conseguir sentir mais. São filhas velhas maltratando as mães
anciãs; são maridos velhos perseguindo netos moços por atribuírem
a eles “casos obscuros” com a avó, só porque querem-se bem; são
velhas irmãs ou amigas que se comprazem, destilando veneno,
falando mal da vida alheia.
O “ódio ao velho” tende a se voltar contra si próprio. A forma
mais violenta e radical de demonstrá-lo é o suicídio. E a apatia, uma
de suas formas correntes, é a face fria do desespero.
O isolamento, verdadeiros confinamentos a que se impõem,
os rancores e lutos que nunca se dissolvem, o mutismo e a inapetência a que se entregam, são modos variados de se auto-agredir
e expressar sua intolerância para consigo mesmos e para com a
própria vida.
- 105 -
Alimentam crenças negativas, do tipo “cabeça de velho não
funciona”, “não fica bem na minha idade”, “a vida foi muito madrasta
comigo”, “devia-se chegar a uma idade-limite, digamos 60 anos, e
morrer”, “é difícil envelhecer”. E se destroem por atitudes e sentimentos nefastos de inveja, ira, culpa, vergonha, preguiça e gula,
entre outros. Essas pessoas perderam a noção de sua própria luz
e missão de vida: cuidar bem desse santuário que somos, do corpo
que vestimos, do nascimento à morte.
Desistiram de descobrir a verdade da vida eterna e perpetuála em sorrisos de bondade e olhares de amor. Não sabem mais
respirar com alegria.
Co-dependência: a culpa ocupa o lugar do amor
Quando os filhos tornam-se pais de seus pais e, concomitantemente, os pais tornam-se filhos de seus filhos, ocorre uma perversa inversão de papéis. Perversa porque são relações que se
estabelecem com base no medo, na angústia e na culpa. Esses
sentimentos intoxicam o psiquismo e fazem da relação, não uma
experiência de cuidados recíprocos e crescimento mútuo, mas uma
prisão, um campo de disfarces, inverdades e agressões mútuas,
às vezes veladas, outras, explosivas.
Pessoas envolvidas em relacionamentos de co-dependência
(outrora denominados “amor neurótico”) convivem com sentimentos
de mágoa e injustiça, frustração e revolta. Parece que seus esforços adaptativos resultam sempre em vão. O que, de certo modo
se justifica, pois em geral elas se atribuem responsabilidades e
metas que não dependem exclusivamente dos seus esforços. Daí
o fracasso dos seus objetivos.
O co-dependente acredita poder, fazer e decidir pelo outro e
traça seus planos sem consultá-lo. Insiste em que o outro consiga
coisas que ele próprio nem ousa tentar. E vive preso nos seus
sentimentos de frustração e impotência.
A culpa, sempre estão presentes a culpa e o medo: de não estar
- tomando as decisões certas, de estar exigindo demais ou dando de
menos, de não estar à altura da complexidade dos acontecimentos,
de se sentir controlador ou controlado, preso numa armadilha. Este
é o universo mental dos co-dependentes. Cegos para a liberdade e
o amor, odeiam e se tornam danosos em relação ao outro de quem
propõem-se cuidar. Não sabem, de fato, fazer isso.
Na co-dependência, o que ocorre é o exercício do poder, seus
jogos e seus conflitos e, não, a prestação de assistência caracte- 106 -
rística dos relacionamentos fundamentados no amor.
Meu propósito não é, de forma alguma, negar cuidados aos que
dele necessitam ou desmerecer os esforços de familiares e profissionais que os atendem. Mas atentar para o fato de que existe, sim,
muito rancor e dominação nessas relações de posse e controle.
O martírio da filha devotada
Há filhas que fazem de suas mães idosas suas próprias filhas.
Mandam e exigem obediência. Passam a decidir por elas. Ralham,
gritam, punem. A angústia faz parte do seu cotidiano: “Não sei sair
de casa, me divertir num fim de semana, deixando a mamãe sozinha
em casa. Eu não agüentaria de culpa”.
Uma situação tão corriqueira como esta delata a existência
de um tipo de “cárcere famíliar”: a senhora mãe idosa é presa de
medos irracionais e injustificados, a ponto de passar mal, quando
a filha se afasta. Está paralisada pelo desejo de viver no colo de
sua filha e, a partir desse colo, controlar a vida da família.
É interessante notar que:
· A idosa senhora “não se mexe” para fazer seu próprio círculo
de amizades e interesses;
· A filha se sente imbuída de deveres filiais e quase sempre
tem um marido, com quem mantém uma relação que lembra mais
a de mãe e filho, não de homem e mulher;
· A filha racionara: “Se eu me mexer bastante, quem sabe a
mamãe se anima”;
Esta filha, por sua vez, também deseja que os outros se
sacrifiquem pela coitada-da-avó e se “revolta” quando os jovens
ou irmãos não aceitam essa imposição. Sente-se abandonada e
traída. Aos poucos, vai se afastando de sua própria família e, pior,
de suas próprias necessidades. A prioridade é o bem-estar da idosa
senhora sua mãe. “Coitada, ela não vai durar muito mesmo.” Sua
pressão sobe, engorda muito, tem taquicardias, hipersensibilidade
emocional. Diagnóstico: Menopausa! Tudo menopausa!
Esse é só o início de uma saga, que pode ser tanto da mulher
como do filho homem. Há homens que impõem, obrigam suas esposas a convivências desastrosas com os pais deles, quando nada
o justifica, a não ser o terror de dizer-lhes “não”. Alguns, na tentativa
de se desvencilhar, rompem o vínculo com os pais e “sobra” para
as esposas. Eles não toleram os velhos, mas manobram bem para
que tudo pareça fácil para o restante da família.
- 107 -
O que começou como desvelo, agora se torna martírio: “Ah,
se eu soubesse! Nunca teria trazido a mamãe para morar com a
gente! É um transtorno, ela, para as crianças! Não agüento mais!”
E a pessoa desconta o seu nervosismo onde dá, quase sempre
explodindo na hora errada.
Então, não se deve trazer os pais para morar conosco?! Nada
disso. Sejam bem-vindos. O que não se deve é fazer das vontades
e necessidades dos outros a prioridade do nosso viver. A não ser
em situações de emergência e por tempo determinado.
O que há nos bastidores
Na verdade, o co-dependente sempre foi assim. Ele é como uma
criança desamparada, que teve que se cuidar - emocionalmente
- cedo demais. Na infância, é bem possível que um dos pais ou
ambos tenham visto nesta criança a força que eles não tinham e
lhes pediu, direta ou indiretamente, que assumisse o papel de protetora. Na sua inocência, acreditou que, se negasse esse amparo,
a família inteira sofreria com sua omissão ou fraqueza.
Mesmo que de início não o reconheçam, todos os co-dependentes tiveram que lidar com pais e/ou mães cruéis, indiferentes, fracos,
violentos, perturbados e perturbadores, o que acarreta altíssimo
custo emocional para um ser humano ainda frágil e imaturo. Eles
aprenderam a negar seus sentimentos e percepções. Cresceram
sabendo cuidar melhor dos outros do que de si mesmos.
Na tentativa desesperada de preencher um vazio emocional
muito profundo, de retificar antigos erros, de recuperar o amor e
o tempo perdidos, o co-dependente se envolve em situações nas
quais tem que “dar tudo de si” para pagar uma dívida, que nem sabe
direito o tamanho ou como é. Ele não consegue ser feliz, enquanto
os outros, a filha, o marido, a mãe, o irmão... não são felizes. Sem
controle sobre sua vida, tenta controlar a vida dos outros.
Para sair dessa situação-problema, um dos envolvidos deve
desejar ardentemente, isso. Ou por desespero ou por compaixão.
Daí, o passo seguinte é aprender a se separar do problema da
pessoa e não se separar da pessoa que tem problema. Isso exige
coragem, porque o desligamento emocional é um processo vagaroso que provoca muita dor.
A busca da restauração do amor e da confiança em si, precisa
de paciência, de orientação e de carinho. A pessoa terá que se
haver com as dores do passado, suas raivas e temores. Terá que
lutar para voltar-a-ser-si-mesma e aceitar limites de realidade.
- 108 -
De início, uma das primeiras restrições que surgem é o sentimento de culpa e a sensação de egoísmo. Depois, a revolta contra
os limites impostos pela realidade. Co-dependente não sabe, de
fato, respeitar e confiar na pessoa que ama e de quem cuida. Precisa
acreditar que merece ser tratado com justiça, inclusive e, sobretudo,
por essa pessoa. E, depois, o mais difícil e doloroso: precisa perder
suas ilusões e aceitar o mundo e as pessoas como são. O mal do
co-dependente é querer reescrever o seu passado, não à luz do
presente, mas na perspectiva de seus sonhos românticos: o que
poderia ter sido e não foi.
Às vezes, só o desligamento emocional não resolve. Há necessidade de se afastar, fisicamente, ao menos por um certo tempo,
da pessoa-problema. E, como nem todos conseguem, a morte de
um ou outro pode ajudar, embora nem sempre resolva o problema
emocional.
Sentir ou pensar que a solução de liberdade plena só virá com a
morte da outra pessoa é indício certo desse tipo de relacionamento,
que pode e deve ser tratado.
À caminho da cura
Para estabelecer relações saudáveis, inclusive com a pessoaproblema, o co-dependente precisa aceitar todas as seguintes
premissas:
1. Basear suas relações no amor e no reconhecimento de um
Ser Supremo, generoso e verdadeiro, que olha por todos.
2. Enxergar esse amor em cada um.
3. Responsabilizar-se pelo seu sofrimento, ao fazer o necessário
exame de consciência; olhar-se.
4. Conseguir perdoar-se em relação a tudo que um dia lhe
causou vergonha, culpa, dor, raiva e ressentimento.
5. Reconhecer que o amor existe em abundância e que a sua
falta é, somente, uma ilusão. A própria ignorância, também, é uma
ilusão.
6. Saber que nada lhe falta e que nada deve, como um verdadeiro filho de Deus, cujo estado natural é a serenidade.
7. Respeitar suas capacidades heróicas positivas e usá-las para
promover seu crescimento pessoal.
8. Praticar procedimentos que elevam o moral e a espiritualidade.
- 109 -
9. Viver no momento presente, reconhecer e reparar males
causados, sem sentimento de humilhação; a vida é a respiração
“aqui-agora” e cada dia é um novo dia.
10. Nos relacionamentos, abrir-se para a intimidade, confiança,
gentileza, alegria e gratidão.
Assim feito, tanto as noites como os dias são celebrados. Cada
um deles capaz de nos trazer oportunidades de descobrir quem
somos e nos envolver em relacionamentos interdependentes, autônomos, livres, amorosos e saudáveis.
- 110 -
Capítulo 5
A MORTE E O MORRER*
A morte e o ato de morrer não são meramente casuais, mas
se coordenam em grande tema psicossocial, no qual todos vivemos
inseridos. Destacamos no quadro abaixo alguns componentes
desse sistema.
- 111 -
Nas palavras de Raimbault: “Não há sujeito da Morte, mas um
sujeito da dor, da agonia, da passagem; um sujeito mutilado, sem
domínio de si próprio”. O morto é posse do outro.
A angústia da morte seria, então, a perda do Sujeito, para si e
para os outros. O sistema de morte inclui:
- 112 -
Este sistema de morte é introjetado, desde a infância, através
da experiência. Várias brincadeiras sobre a morte são praticadas
em todas as idades. Os adultos divertem- se com piadas de humor
negro. Na infância, brinca-se de jogos simbólicos grupais (vivo/
morto, duro/mole, estátua, queimada). Aprendem-se cantigas (Ó
jardineira, porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois
morreu...). Ouvem-se histórias em que ocorrem, muitas vezes,
mortes trágicas de personagens malignos ou mesmo bondosos,
que viram anjos.
No jogo lúdico, a criança busca o significado da vida e da morte,
expressa a angústia humana e se fortalece na aquisição da simbologia. Embora não saiba conceituar e definir a morte, a criança
a compreende, perfeitamente, em toda a sua complexidade. Nas
sessões de ludoterapia, reproduz fielmente a dor, a perplexidade e
a ambivalência do adulto perante a morte e o morrer. Desde cedo,
são plantadas no espírito da criança as nossas contradições:
· O vovô “viajou para longe” - quando morreu;
· O papai “morreu” - quando o casal se separou;
· A criança está “matando a mãe” com as suas malcriações;
ou “a mamãe vai matá-la” por causa do xixi na cama.
À propósito, o “eu te mato/você me mata” é um modus vivendi
de comunicação em muitas famílias ditas bem ajustadas.
A morte entra na casa de várias formas, inclusive nas suas modalidades mais violentas, pela televisão. O que a criança não vê e
não ouve é a reparação, não tem o direito de viver o luto. Afastada
do convívio com doentes e mantida longe dos defuntos, a ordem é
não interromper sua rotina, levá-la para a escola, mandá-la brincar
- 113 -
com os amiguinhos. Como se reorganizar?
Na adolescência, retomam os conflitos de vida e morte. O adolescente tem que elaborar várias mortes e suicídios simbólicos para
poder crescer e amadurecer. Uma das fontes geradoras de conflitos
nessa idade é a onipotência de que o jovem se reveste, a adoção
de ídolos e verdades imortais. O seu amor é imortal (para sempre!),
a sua saúde é inabalável. Ele tem que se acreditar todo- poderoso para começar a ingressar na vida adulta com determinação e
coragem. A experiência de vida se incumbirá de fazê-lo baixar do
Olimpo e vestir as vestes dos mortais.
O silêncio persiste
Chega-se à idade adulta, em que ainda continua sendo difícil,
senão impossível, descrever a morte. Ela pode ser conceituada,
simbolizada, conotada:
· Culturalmente: pode haver pranto ou comemoração, inclusive sua negação;
· Socialmente: pode ser conveniente, no caso de herança,
por exemplo; ou inconveniente, quando se dá a perda de poderes
políticos. Prefere-se que morra o pai em vez da mãe, porque se
acredita que o rompimento do vínculo pai/filho é menos traumático
do que o rompimento do vínculo mãe/filho;
· Filosoficamente: pode ser o fim ou o começo;
· Psicologicamente: pode ser conflitiva ou solucionante;
· Religiosamente: pode ser salvação ou punição, reencarnação ou descanso final:
A nossa sociedade prima por ser silente e evasiva nas questões
de morte. Prefere lançar mão de eufemismos: “Enfim, descansou”...
“Passou desta para melhor”...”Ele se foi”... “Agora está em paz”...
“Nos abandonou”... “Dorme para sempre”... “Agora não sofre mais”...
“Está com Deus”.
Dizer “morrer” quase exige um sussurro e muito e pudor. Nas
palavras de Phillippe Ariès, “a morte é o grande tabu que vem
substituir o tabu do sexo. Antes, dizia-se , às criancinhas que elas
tinham nascido de um repolho. Hoje, elas sabem como foram feitas
e como nasceram. Em contrapartida, quando alguém morre, diz-se
que está num lindo jardim de flores”.
Na idade adulta cresce o senso de que o tempo pressiona
as pessoas no dia-a-dia. O tempo, se por um lado ajuda a curar
feridas, por outro a tudo devora e a todos consome. Instala-se a
- 114 -
angústia de ser mortal e repleto de muito mais possibilidades do
que o percurso e a duração de uma vida permitem realizar. São
sábias essas palavras: “Na juventude, quando a morte é longínqua,
pessoas passam o tempo correndo; na velhice, preferem ir devagar,
não se aproximar tão rápido do fim.”
Paradoxalmente, a idéia da morte própria e do outro atenua a
impulsividade e permite maior tempo para reflexão e tomada de
decisão.
A partir da meia-idade, com maior consciência do tempo, perda
acentuada de vigor físico, aliadas à possibilidade de surgimento de
doenças crônicas e falecimento de parentes e amigos, inclusive da
mesma faixa etária, o ser humano entra em contato mais íntimo
com a morte. Começa a fazer seu “balanço de vida” e a clarear
seus conceitos e concepções sobre a vida e a morte.
Essa clareza inclui o senso de vulnerabilidade e limitação, a que
Pedro Nava tão bem se referiu ao dizer “a experiência é um farol
que ilumina para trás”. Em outras palavras, estamos sempre inacabados e inexperientes para o futuro. Essa clareza da maturidade
nos permite revelar toda a complexidade do nosso psiquismo, que
é decodificada através dos sentimentos e das contradições desses
sentimentos perante a própria morte ou a do outro, seja morte lenta
ou súbita, agonizante ou tranqüila.
Nós podemos vivenciá-la com tristeza, pesar, alívio, alegria,
perplexidade, aceitação, raiva, temor, curiosidade... Nunca com
impassividade ou indiferença.
Entrando em contato com a morte
Na meia-idade, a pessoa decide, intimamente, o seu estilo de
envelhecer: se irá adotar uma nova causa e por ela viver ou se entregará os pontos e aguardará a morte chegar, desencadeando um
envelhecimento precoce, de morte lenta e tardia. Durante essa crise,
as pessoas podem ficar depressivas, temendo a noite, o silêncio, o
escuro. Ambientes fechados assemelham-se a túmulos.
Numa linha paranóica, podem temer que a morte sobrevenha ao
longo do dia por meio de assaltos, acidentes de trânsito, incêndio.
Sentem-se mais seguras em casa. Outras, por medo do sofrimento
físico que pode anteceder a morte, entregam-se à hipocondria. Algumas desenvolvem quadros de pânico e sentem-se mais seguras
com uma pessoa definida ao seu lado, preferindo dormir de luz
acesa e janelas abertas. Neste caso, os sintomas são taquicardia,
falta de ar, vertigens e desmaios, formigamentos no corpo, parali- 115 -
sação, sudorese intensa e hipotermia.
Na linha maníaco-obsessiva, há as que temem a morte por remorso e culpa, têm pavor da perda de controle e sentem-se mais
seguras com pessoas conhecidas e autoritárias. Quem deseja a
morte como libertação são os suicidas em potencial. Mais silentes
e discretos, são capazes de planejar a própria morte. Preferem
menos pessoas e pouco barulho ao seu redor.
Ouvir a pessoa durante a crise, naquilo que ela tem a dizer sobre
a morte e o morrer, sobre a ausência de significado em sua vida,
é mais indicado do que dizer que “isso é bobagem, que ela ainda
é jovem e não vai morrer”, ou medicá-la, entrando em conivência
com suas dificuldades.
Silenciar e evitar conversar sobre a morte também é calar sobre
a dignidade da vida. Habitualmente, as fantasias de morte são o
revestimento de importantes conflitos do viver.
Elas tanto podem ser centradas no sujeito, como numa outra
pessoa. Podem ser interativas - quando dois indivíduos dominam
a morte, como acontece nos romances - ou multidirecionadas quando todos falecem em catástrofes, por exemplo.
Além disso, tais fantasias implicam a cogitação da morte física
ou da morte social, em que ocorrem reduções parciais ou completas da pessoa, em relação a si mesma (perder a confiança em
alguém, separar-se de um amante, entrar na menopausa), a um
grupo (ingressar no cárcere, convento ou asilo) ou a uma atividade
(aposentadoria). A morte social é resultante de pressões externas
ou da falta de apoio social.
A elaboração dessas fantasias propicia a resolução da crise,
permitindo o ingresso numa nova etapa vivencial. Terapias de apoio,
numa linha analítica junguiana ou mesmo transpessoal, existencial,
com bases místicas e de religiosidade ajudam, em curto espaço de
tempo, a re-significar a vida e a re-equilibrar o horizonte temporal. A
pessoa depara-se com um passado histórico muito longo e um futuro
previsto muito curto. Ela precisa “aprender” a conviver melhor com
seus novos ritmos lentificados, com a sua perda de vigor e beleza
física e a escolher mais adequadamente suas atividades.
Em luta pela vida
Aos 54 anos, Romualdo, casado, pai de três filhos adolescentes,
teve duas paradas cardíacas durante o cateterismo e foi ressuscitado. O exame localizou bloqueio nas coronárias e coágulos em
artérias secundárias.
- 116 -
A indicação era uma cirurgia de ponte de safena, a ser realizada
em poucos dias. Informada da gravidade do caso, sua esposa foi
encarregada de “convencê-lo” a se submeter à operação.
Internado numa unidade de terapia semi-intensiva, Romualdo
mostrava-se agitado, calado, rebelde e agressivo. Não queria decidir-se quanto à cirurgia, insistindo em que os médicos não lhe
informavam o que havia ocorrido com ele e quais eram as razões da
operação. A equipe médica já lhe havia mostrado os resultados dos
exames de sangue, das radiografias e explicado que havia sofrido
arritmia e fibrilação cardíaca. Omitiram o fato de haver coágulo nas
veias, além de obstrução na coronária.
Na iminência de troca da equipe médica, estavam todos impacientes, irrascíveis. Fui convocada ao hospital pela esposa,
minha cliente. Percebi logo que havia falhas na comunicação. Se
o paciente insistia em perguntar “o que é que eu tive” é porque
não sentia que lhe haviam respondido. Indaguei aos médicos se
haviam explicado a ele a gravidade do seu estado: se não fizesse
a operação, poderia morrer logo; se fizesse, poderia morrer na
mesa de cirurgia ou sabe-se lá quando. A resposta foi: “Não, em
nenhum momento se diz ao paciente que ele pode morrer antes,
durante ou depois da cirurgia, porque isso pode deprimi-lo e retardar a recuperação”. Mas ele já estava deprimido! Daí sua irritação,
mutismo e agressividade.
Achei que o melhor era abrir o jogo com Romualdo. Sua esposa,
aterrorizada, não tinha a menor condição de fazer isso. A equipe
médica se recusava. Então, assumi a tarefa.
Entrei no quarto dele, com sua esposa trêmula, porém, aparentemente serena ao meu lado. Ele já tinha ouvido falar de mim.
Espantou-se ao ver-me ali, naquela noite. Já era tarde.
- “Pois é, sua esposa me chamou, pois parece que tomou um
baita susto, aí, com o seu peripaco” - disse eu.
- “É, tá uma barra” - respondeu Romualdo. - “Eu tô aqui nessa
cama opera/não opera e ninguém me diz o que é que eu tenho”.
- “Eu falei pra Ana que já foi explicado tudo, várias vezes, mas
que você parece não entender” - comentou a esposa.
- “É claro que não”, rebateu o marido, um tanto bravo. - “O médico não fala comigo, eu não tenho o que falar com ele”.
- “Bem, o que você acha que você teve?” - indaguei.
- “Eu acho que morri”.
- “Claro que você não morreu” - disse a esposa. - “Se não
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você não estaria aqui.”
- “Pois eu acho que ele morreu e foi ressuscitado” - afirmei.
- “Arre, que alguém aqui está falando claro” - vibrou o doente.
- “É isso que eu quero saber: se eu morri ou se eu não morri”.
- “O que aconteceu lá dentro?” - perguntei.
- “Fizeram exames” - adiantou a esposa.
- “Eu morri duas vezes” - contou Romualdo. - “Da primeira, eu
só senti o coração disparar, com muita dor. Daí começou um correcorre dos diabos. Interromperam o exame e começaram a me dar
socos no peito. Desmaiei, mas logo voltei. Ainda doía muito. Dali
há pouco, aconteceu tudo de novo. Só que a dor sumiu. Eu queria
falar, mas não conseguia. Eu sabia que estava morrendo... Não
pensei em mais nada, nem na minha esposa, nem nos meus filhos.
Fui perdendo a visão, ficando distante... Senti muita paz. A última
coisa que pensei foi “é, chegou a minha vez”. E, daí, ficou tudo
escuro. Não vi e não senti mais nada. Quando acordei, estava na
UTI. Então, eu morri ou não morri?”
- “Morreu” - respondi.
A esposa deu um gemido surdo e irrompeu em choro convulsivo.
Abraçou o marido e implorou:
- “Não morra, eu não quero que você morra. O que eu vou fazer
sem você? E as crianças? É por isso que eu quero que você opere,
para que não aconteça de novo: .
- “Mas quem disse que eu quero morrer?” - disse Romualdo,
afagando os cabelos da esposa. - “Pelo contrário, eu adoro viver!
E, se para viver eu tiver de operar, parar de fumar e emagrecer, é
isso que eu vou fazer. Saindo daqui eu vou me inscrever no “clube
dos safenados do, sabe, quase todos os meus amigos têm safena.
Não é tão grave assim... Pode falar com o cirurgião e marcar a
operação. Mas por que eles não falaram comigo? “
- “É difícil falar de morte” - respondi.
- “Mas foi a minha morte! “
- “Poucas pessoas falam disso. A gente tem medo que os
pacientes se deprimam”.
- “Bobagem! Deprime se não falar! Não é a vida da gente?
Tem que falar”. Dirigindo-se à esposa, acrescentou:
- “Não se preocupe, Bem. Eu vou passar por essa cirurgia,
vou viver, vou me cuidar e vou estar bem. Vou fazer tudo que o
doutor mandar, pois o interesse em ficar logo bom é meu!”
Na saída, sua esposa me acompanhou ao elevador e mal
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conseguia me agradecer. Eu também não conseguia quase falar.
Sentia-me exausta, pesada. O frio da noite me reanimou. Respirei
fundo e caí no choro. Havia presenciado uma das maiores proclamações da vontade de viver, até então.
As crenças vêm à tona
Em geral, o sistema de crenças de uma pessoa fica-lhe mais
claro diante de um episódio traumático, que ameace a sua integridade física. É comum que a pessoa redecida seu destino e, superado
o perigo, há fortes tendências a enfatizar a dimensão afetiva dos
relacionamentos interpessoais.
Tratando-se de um casal, o trauma incide em ambos: na pessoa
como vítima direta da agressão, no cônjuge, como vítima passível
de perda. Aliás, o medo da perda, geralmente perdura por muito
mais tempo no cônjuge do que no próprio doente.
Para quem está sob essa ameaça, a morte pode ter diversos
significados:
· Um grande eqüalizador social: todos morrem, ricos e
pobres, jovens e velhos, homens e mulheres, pretos e brancos, o
que, de certo modo, é consolador.
· Uma grande validação da pessoa: confirma o status social do indivíduo, uma vez que este pode dispor de sua herança e
planejar seus funerais com pompa ou discrição.
· Um fator de união e reunião: com Deus, a Luz, a Força
Cósmica e entes queridos já falecidos, o que atenua o medo da
solidão.
· Uma separação: sentida pelos que ficam como abandono
ou traição. Desejar morrer é excluir-se do mundo, rejeitar o outro,
condenar-se à solidão. Ser obrigado a morrer é ser excluído, castrado, privado do convívio, como afirmou Bernardo Slade, na peça
teatral “O Tributo”, magistralmente interpretada por Paulo Autran:
“Saber que se vai morrer é sentir a dor da perda. Perda! Quando
morre um amigo, a gente sente a dor da perda de um amigo. Quando
é a gente que morre, a gente sente a perda de todos os amigos”.
· Impedimento, castração e/ou desestruturação: vítimas
de doenças degenerativas dão-se conta da perda gradativa de
sua integridade e de seus pontos de referência no corpo dolorido.
Acentuam-se os sentimentos de imperfeição, além de rejeição.
· Silêncio e ausência: segundo Raimbault, “o silêncio é a
máscara da condição e da função do moribundo, criança ou adulto,
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em relação ao desejo dos vivos. Todo diálogo autêntico mostra-se
insustentável, ninguém se mostra capaz de ouvir o depoimento do
condenado, ninguém pode responder-lhe. Ele está obrigado a um
silêncio oficial que prefigura o silêncio da própria morte”.
· Maldição da presentificação: não há futuro, apenas incertezas. A vivência emocional é a angústia da paralisação. Nada terá
continuidade.
· Solução final: é a visão de grupos que permitem e permitiram os campos de extermínio, a indústria da seca e da fome.
· A última solução: como tentativa desesperada de resgate da honra e da integridade. Individualmente, para dar alívio
ao sofrimento, no suicídio ou na eutanásia. Coletivamente, como
preservação de valores sociais. Um exemplo foi episódio histórico
de Massada.
· Renascimento: permite transcender o corpo físico em
direção a uma nova vida, ascender a um estado superior de ser.
Em função dessas crenças, bem como da personalidade do
indivíduo e do seu contexto sócio-econômico- cultural, observamos que, em face à ameaça de morte, são acionados diferentes
mecanismos de defesa.
Preparar-se para morrer é sempre um ato de vida. Quanto mais
investirmos contra os mecanismos de defesa, por serem eles basicamente inconscientes, mais acirrados eles ficarão e mais distante
se estará da fase de aceitação descrita por Kübler-Ross, como
serena e consistente. Da negação à ira, à barganha, à depressão,
as pessoas valem-se de todos os recursos que lhes permitam
continuar a viver com dignidade.
Por mais que encaremos a morte como solução, nossos processos mentais, conscientes e inconscientes, tentam contorná-la
ou adiá-la, porque culturalmente aprendemos que a morte é o que
há de pior.
Mesmo sabendo que há feridas narcísicas mais graves, como
invalidez, exclusão, solidão, exílio, loucura, é quase inevitável o
surgimento da angústia perante a morte. Não, propriamente, por
temor ao desconhecido, mas porque a vivência moribunda é desarticuladora para todos nós.
A morte é aceita quando se esgotaram todas as fontes de esperança. Procurar um diagnóstico correto traduz a busca dessa
esperança, a única arma eficaz contra a nossa impotência perante
a morte. O prognóstico fatal agride e anula a esperança.
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A morte pede passagem
Como fenômeno, morrer é sempre um evento psicossocial, com
dinâmicas próprias e papéis definidos ligados ao contexto de morte.
O morrer começa de vários modos:
· Quando os fatos são reconhecidos: a pessoa pode pressentir a sua morte; o médico, diagnosticar uma doença fatal; a família,
notar que a pessoa assume status de moribundo;
· Quando os fatos são comunicados, mesmo que essa comunicação oficial aconteça anos depois do fato;
· Quando se aceitam e realizam os fatos: o morrer integra-se
ao viver, agora um viver diferenciado. Pode ser conferida a extremaunção ao doente e temáticas como enterro, missa de sétimo dia e
herança são introduzidas no cotidiano;
· Quando nada mais pode ser feito para preservar a vida.
Então, a vida continua, com mudanças em certos hábitos e condutas.
Vale a pena, contudo, salientar que os prognósticos nem sempre
são definitivos: a pessoa pode ser considerada doente terminal por
uns médicos, mas não por outros ou por si próprio.
De modo geral, é o reconhecimento da morte iminente que altera o tipo de atendimento dispensado. E, nesse caso, é necessário
avaliar questões complicadas, como o custo do tratamento (para a
família e para o hospital), liberação de certas rotinas (o paciente é
transferido da UTI para o quarto ou do hospital para casa), remoção
da medicação mantenedora da vida (eutanásia passiva). Pode-se
cogitar, ainda, a hipótese de doação de órgãos.
Outro ponto importante é o tipo de informação fornecida ao paciente. Visualmente, opta-se por omitir a gravidade do seu estado
ou, então, o paciente é sedado. Há que se pensar, também, na
responsabilidade do atendimento e cuidados prestados. Existem
diferenças entre esses dois termos. O tratamento é paliativo e sintomático. O atendimento pode escapar das mãos da enfermagem e
passar a ser de domínio maior dos familiares e acompanhantes.
As novas relações
Devido à complexidade do contexto psicossocial, com freqüência
surgem distúrbios de comunicação e de sentendimentos. Instalamse novas tensões e conflitos.
De modo geral, o médico e seu staff deseja que a família viva
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normalmente e que não interfira no tratamento. Evitam temas alusivos à morte e ao pagamento dos honorários. Procedem dentro
da maior racionalidade.
A família ressente-se da separação e vive uma fase de desorganização. Deseja que o médico só intervenha quando solicitado
ou, no extremo, que dê uma solução a qualquer custo.
O paciente é, a um só tempo, vítima (que padece) e agressor
(que inflige sofrimento à família). Cabe a ele evocar a morte e identificar sua causa, atribuir-lhe algum sentido. Cabe a ele sobreviver
ou sucumbir ao horror da solidão. Afinal, ele já está só.
Nesse interjogo paciente/família/médico podem surgir algumas
composições:
O doente e o médico sabem, a família não. É dada ao doente
a escolha de como morrer e se aguça seu sentimento de solidão e
exclusão. A família, ao tornar conhecimento prévio ou post-mortem,
revolta-se contra o médico, exibe sentimentos de roubo e expoliação, além de sentir-se traída e rejeitada pelo doente.
A família e o médico sabem, o doente não. O doente tem
suas escolhas restringidas. Resvala facilmente para a rebeldia,
exibe menor cooperação quanto ao tratamento, perde a confiança
no médico. A família assume todas as responsabilidades, inclusive
as culpas pelo insucesso e tende a criar maiores atritos e fazer
cobranças entre seus membros. O médico se investe de maiores
poderes, sofrendo muitas pressões por parte da família, o que
prejudica sua relação com o doente.
Todos sabem, mas fingem não saber. Ocorre um aumento da
ansiedade e da artificialidade nas interações. O esforço exigido para
suprimir a emocionalidade das relações é descomunal! Emergem
jogos neuróticos e vazios. Há grande infelicidade geral. A farsa
torna tudo mais irreal. Estranhos são mal vistos, já que a qualquer
momento podem introduzir algumapalavra que todos querem evitar,
para que a verdade não venha à tona.
Todos sabem e compartilham. Embora se trate de uma vivência dramática, que suscita grande emotividade, é integradora e
facilitadora da coesão. A solidão é atenuada e a morte, elaborada.
O contato direto com a morte acentua os componentes da vida, da
afeição e facilita a aceitação.
O desfecho
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Certeza e tempo são dimensões básicas dessas dinâmicas
todas, o que auxilia na organização atual frente ao morrer e na
reorganização posterior à morte. Decisões podem ser tomadas ou
postergadas quando se sabe que o doente vai morrer mesmo, e
se supõe, mais ou menos, quando.
Quanto à certeza, todavia, é voz corrente que “enquanto há
vida, há esperança” e que “milagres acontecem”.
Quanto ao tempo, a doença terminal pode ter uma trajetória
demorada, uma trajetória rápida e esperada ou uma trajetória rápida e inesperada.
No caso da trajetória demorada, é preciso recorrer a serviços
de custódia, introduzindo na dinâmica do morrer outros personagens como enfermeiras, assistentes de enfermagem, fisiatras. Em
que pesem os sobressaltos no meio do caminho, as cenas mais
dramáticas são mais raras. A morte é esperada e tida como inevitável. Muitas vezes, nessa fase, os doentes vêem-se valorizados
como jamais o foram.
Na trajetória rápida e esperada, o cenário costuma ser as salas
de emergências e / ou UTIs. Um dos maiores fatores geradores
de stress na equipe é o de cometer erros, sob pressão de tempo e
emoções várias. Fica clara a percepção do valor social do paciente,
o que poderá determinar serem ou não, empreendidos esforços na
sua recuperação.
Na trajetória rápida e inesperada, cria-se uma atmosfera de
crise. Pode ocorrer com pacientes estabilizados, que estavam recebendo tratamento de rotina e é freqüente que os responsáveis por
esses cuidados armem-se de defesas pessoais e sociais perante
essa surpresa. Desconfianças e acusações são o pano de fundo
na apuração das responsabilidades, sob pressão da equipe, de
amigos e familiares.
Enquanto na morte não há sujeito, o morrer está povoado deles
e, culturalmente, seja nas famílias, seja nos consultórios e hospitais,
não somos continentes dessa passagem, o que exacerba nossos
mecanismos de defesa e a nossa ineficiência no tratar a morte e
o morrer.
É, em grande parte, devido a nossa inabilidade que traços de
agitação, desconforto, ansiedade e depressão se instalam nos
doentes. Esses traços podem vir a ser tratados com medicação,
como se fossem sintomas da própria doença.
Na preparação para o enfrentamento da morte e do morrer,
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ficam mais claras as nossas atribuições e pode-se agir mais humanamente, a fim de aliviar as decorrências da privação sensorial, do
isolamento emocional e, mesmo, da medicação e da nossa própria
insegurança pessoal ou profissional frente ao paciente terminal.
Atualmente, verificamos uma nova postura perante a questão,
surgiram os grupos de discussão, e o reconhecimento de que o
paciente terminal, a família e a equipe médica têm suas condições
e necessidades particulares. Surgiram, também, novos espaços
sociais destinados ao morrer, que utilizam os talentos de várias
pessoas e profissionais para oferecer um sistema de cuidados. A
prioridade é para os programas de cuidado-em-casa, com a participação da família, de modo a possibilitar o maximo de conforto
ao doente, de acordo com o seu estilo de vida.
Programas educativos, principalmente a partir das publicações
dos trabalhos de Elizabeth Kübler-Ross, foram inseridos em algumas variedades de treinamento profissional, particularmente nas
universidades. Por fim, há o encorajamento para estar ao lado de
uma pessoa que morre, como mais uma lição de vida. Quando
não se souber o que fazer, não há nada demais em sentir amor e
nutrir esperança.
*Baseado em estudo sobre a organização do sistema de morte em Death, Society & Human Experience,
de Robert J. Kassenbaum.
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Capítulo 6
PARA REFLETIR E SOBREVIVER À CRISE
Longe de ser estável, a meia-idade é um período altamente
conturbado por mudanças biológicas, fisiológicas, afetivas e sociais.
Umas são previstas e estão ao alcance da decisão das pessoas.
Outras são imprevistas e independem da vontade. Esta nova fase
da vida exige que a pessoa se readapte, não só ao mundo social,
como também à imagem que tem de si própria.
De nada adianta tratar de problemas existenciais com ingestão
de “pilulinhas milagrosas” (sejam hormônios, ansiolíticos, antidepressivos, vitaminas ou afrodisíacos) , fechando a questão em torno
da temática orgânica da menopausa ou da impotência. Se está
por cessar a sua função ovariana ou se a performance do pênis
não condiz mais com a do tempo da juventude, cabe abrir novos
horizontes e proceder ao seu renascimento como mulher e homem
integral. Há uma tarefa vivencial a realizar.
A tarefa é constituída busca de autenticidade. Anseia-se,
também, por uma revalidação através do diálogo, forma maior de
integrar e conferir dignidade à existência, em que a família se faz
cena primordial. Dialogar é conhecer através da palavra, é revelarse ao outro, na sua essência e qualidade. É abrir mão do poder em
direção ao acordo.
A flexibilidade mental e emocional (para que ocorra o despertar
de novos interesses e envolvimentos), a adoção de um “eu real” (já
limitado, porém ainda muito potente) e o abandono das ilusões sobre
si mesmo e sobre o mundo em geral demandam tempo, carinho,
paciência, interesse e curiosidade por si próprio. Têm seus altos e
baixos, despertam emoções por vezes altamente contraditórias.
Nessas transformações é de se esperar que as pessoas se sintam mais sensíveis, instáveis, ansiosas e que revivam problemas
já esquecidos ou suprimidos, que ressurjam desejos encobertos
ou interesses abandonado.
Para superar os desafios é necessário entrar em contato com a
capacidade própria de enfrentar obstáculos e promover mudanças,
através de um trabalho prévio de valorização pessoal. Muitas pessoas não usufruem de satisfação vivencial devido à mentalidade
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consumista: ficam muito mais preocupadas com o que não têm do
que satisfeitas com as conquistas que já fizeram. E, com certeza,
a essa altura da vida, têm muitas vitórias a comemorar.
É hora de fazer uma revisão autobiográfica, de traçar o seu perfil
histórico, para que as pessoas descubram-se e percebam-se como
“vencedoras”. E, então,tomem a decisão do rumo que será dado
às suas vidas, calcadas em bases mais firmes e realistas, com sua
auto-estima mais elevada.
Nessa reflexão sobre si mesmas, haverão de perceber que, ao
imaginar mudanças, as dificuldades supostas são quase sempre
maiores do que as encontradas no desenrolar dos acontecimentos,
devido ao temor às novidades.
Desse modo, convido os leitores a traçar um gráfico que evoque várias qualidades de mudanças em torno de acontecimentos
marcantes na sua vida.
Acontecimentos marcantes
· Mortes;
· Acidentes pessoais;
· Doenças próprias ou de familiares;
· Mudanças ambientais: residência, escola, cidade etc.;
· Mudanças sociais: amizade, grupo, namoro etc.;
· Mudanças familiares: casamento, filhos, separação etc.;
· Mudanças ocupacionais: emprego/desemprego, estudos, hobbies, interesses etc.;
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· Experiências sexuais, místicas, políticas, etc.;
· Mudanças econômico-financeiras: ganho/perda de dinheiro,
bens, aquisição de casa própria, dívidas, etc.;
· Mudanças pessoais: amor, paixão, traição, disputa, realização etc.
1. Tarefa: Assinale os acontecimentos marcantes de sua vida
nas respectivas faixas etárias e reflita sobre cada um deles. Eleja
um desses acontecimentos e examine-o em detalhes:
· Que idade você tinha?
· Como se sentiu diante daquela situação?
· O que pensou a esse respeito?
· Com quem conversou?
· A que você se dedicou durante e depois disso?
· A quem mais se ligou? De quem se desligou?
· Quanto tempo durou? E os seus efeitos?
· O que se alterou em você, nos seus, no ambiente?
· O que não se alterou?
· De que maneira que outras pessoas participaram?
· Como se deu a solução ou como dar-se-á a solução?
Se for o caso, acrescente outros dados que julgar importantes.
2. Compare:
· O que você sentiu e pensou a esse respeito, na ocasiãocom o que sente e pensa agora?
3. O episódio é:
· Apenas uma lembrança entre outras ou uma lembrança
es-
pecial, ainda emocionante?
A forma gráfica ajuda as pessoas a evocar o seu percurso de
vida em quantidade e, principalmente, em qualidade. São muitas
as lembranças. Exemplos:
Na primeira infância: Ingresso na escola; uma cirurgia; afastamento de um ou ambos os pais; ciúmes em face do nascimento
de um irmãozinho.
Na segunda infância: Mudança de escola; primeira comunhão; mudança de cidade; um acidente; uma viagem para um local
distante;a separação de um amigo.
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Na puberdade: A primeira menstruação; os sinais iniciais de
sexualidade; rejeição dos amigos; o ingresso no ginasial (exame
de admissão).
Na adolescência: O primeiro amor; uma viagem; a primeira relação sexual; abandono da escola; morte de um famíliar
querido; busca de emprego; fracasso (ou sucesso) no vestibular;
serviço militar.
Na fase do adulto jovem: Casamento; nascimento dos filhos;
compra da casa própria; o primeiro carro; abandono da carreira; desligamento da casa paterna; mudança de cidade; desemprego;
compromissos financeiros.
Na fase do adulto maduro: Enfermidade grave de um famíliar;
acidente próprio ou de um famíliar; morte de alguém próximo; perda de patrimônio; desilusão com a política e a economia.
Agora, na velhice: O que você acha que pode(rá) acontecer
com você até lá?
Cada pessoa pode fazer uma longa lista dessas passagens e
concluir que:
- Superou as crises bem melhor do que pensava.
- Idealizou tanto as mudanças que não pôde evitar a decepção, a frustração e o vazio.
- Aquilo que pode lhe acontecer até os 80 anos ou mais, principalmente aquilo que sempre lhe trouxe satisfação e alegria, não
vai mudar tanto assim.
O valor dos programas preventivos nas empresas
A elaboração em grupo dessas passagens, promove uma nova
revelação de si. É freqüente, nos Programas de Preparação para
a Aposentadoria e Pós-Carreira, que esta seja carregada de alto
teor de emocionalidade, o que tem facilitado, aos companheiros
de jornada, a descoberta das “pessoas” que existem sob a face
do “trabalhador”. O respeito e a reverência com que uns e outros
se enxergam ou se refletam a si mesmos, compartilham suas experiências publicamente, têm propiciado o fortalecimento de laços
de amizade onde, anteriormente, só havia laços de coleguismo
profissional e distanciamento.
Agir ativamente, vivenciar a ansiedade pré-resolução, abrir-se
para o diálogo e a busca de novos horizontes afetivos e intelectuais,
tudo isso faz com que a pessoa exerça na íntegra suas capacidades
de escolha e participação.
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Neste processo de “fazer um balanço geral” da vida, é inevitável enfrentar momentos de profunda solidão e desamparo, além
da nostalgia. Um discreto quadro de depressão pode se instalar,
saudável enquanto um luto interior que acompanha qualquer perda
e despedida, mesmo quando existe a perspectiva de algo melhor
a caminho. Assim, chorar a perda, compartilhá-la com os amigos e
a família cria novos espaços para outras conquistas e para o amor
por si e pelos outros.
É avaliando essas circunstâncias previamente, em larga extensão, e, pelo tempo que for necessário e buscando, ativamente,
informações e novos apoios, que a pessoa pode encontrar, mais
confortavelmente e em menor prazo, sua nova condição. Então, ela
poderá: reativar interesses; retomar estudos interrompidos; dar vazão aos talentos relegados; usar da sua sabedoria e de habilidades
físicas e mentais em sua capacidade máxima e com discernimento;
reatar amizades; conhecer novos espaços, pessoas e atividades;
gozar a vida com mais prazer e se cuidar.
O nosso convite é para um recomeço, saber que as árvores que
dão bons frutos também podem ser apedrejadas e que a felicidade
talvez seja a noção de que a nossa vida não está se passando
inutilmente, em que pesem as pedras que nos atiram ou naquelas
que tropeçamos ao longo do viver.
Ou resgatamos já, neste momento, o nosso valor como seres
humanos e nos vemos, cada um, como pessoas importantes e vencedoras, que convivem com outras pessoas igualmente importantes
e, assim, dizemos um “sim” a vida (que além de tudo é divertida e
surpreendente), ou estaremos decretando a nossa própria sentença
de morte-social.
“Se querer é poder, mais vale poder querer, que querer poder!
Realização e satisfação
Há pessoas que confundem satisfação com realização pessoal.
Relutam em se dizer realizadas, porque sempre há algo por fazer. E, de fato, sentimo-nos mais animados quando há um projeto
pela frente. Por melhor que tenha sido o nosso desempenho e,
até porque somos capazes e inteligentes, sempre queremos mais
alguma coisa.
A realização é a concretização de sonhos e a satisfação é o
preenchimento da necessidade de auto-reconhecimento. Se não
ocorre uma ou outra, a pessoa não se apropria de seus feitos, fica
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vazia, como que desprovida de seus méritos e valores. Só vê o que
ainda não conseguiu. Não percebe a riqueza das experiências das
quais participa, das oportunidades que a sua busca desencadeia.
A chave para sair desse poço fundo e escuro é um processo
de longo termo, que não diz respeito somente à própria pessoa,
mas aos esforços que ela faz para ajudar os outros. É por isso que
sentimo-nos realizados quando nossos filhos se casam. Porque
nosso sonho era o de fazer alguém feliz, vencer na vida! O mesmo
quando olhamos em torno, em nossa empresa, quanto trabalho
geramos para tanta gente. É a nossa contribuição ao bem estar
coletivo.
A grande diferença entre a realização e a satisfação é que a
realização diz respeito ao cumprimento de propósitos e, a satisfação, à conquista de metas e objetivos.
Os propósitos se expressam melhor na atitude de servir, de
ajudar o outro a conseguir sucesso. As metas e objetivos se expressam na atitude de buscar algo para si. Não devemos, porém,
imaginar que uma atitude é melhor que outra. Há contextos onde se
deseja, ou se aplica, uma coisa ou outra. Até porque não se chega
à realização sem provar da satisfação.
Quando fracassamos num objetivo a sensação que temos é
frustrante. Mas quando perdemos a noção da finalidade começamos a achar que viver é muito difícil ! Facilita quando, além de nós
mesmos, encontramos razões excelentes para prosseguir. Por
exemplo, pelos outros!
Na maturidade, quando os filhos crescem, a família se transforma, os pais vão embora, o corpo reclama por mais cuidados e
o trabalho, muitas vezes, nos é arrancado das mãos Temos que
começar tudo de novo, rever as metas e propósitos de vida, é o
que é e o que não é essencial.
Como meta, pensar na aposentadoria. Seguro-saúde, equilíbrio
financeiro, ocupação pessoal através de novo trabalho, ou do lazer,
buscar meios de obter mais satisfação. Como finalidade ou propósito, preparar-se para crescer. Uma jornada diferenciada, menos
rígida ou exclusivista, sem tanto estresse.
É aqui que aprendemos que “dar espaço aos mais jovens” não
é perder terreno, sair de linha, mas assumir a atitude desprendida
de ajudá-los a seguir carreira, a alçar vôo. Instruí-los nas artes de
uma profissão, confiar neles. Repassar o conhecimento adquirido,
treiná-los e apoiá-los em suas próprias experiências, na continuação
de novas famílias.
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Isso é realização, grandeza de caráter. É não parar, mas ajudar
a prosseguir. Não simplesmente ceder, mas tratar de continuar,
buscar se realizar, maneira diferente, com mais experiência.
A realização é um processo de longo termo, que não diz respeito somente à própria pessoa, mas aos esforços que ela faz para
ajudar os outros.
O tempo é agora
Com certeza um dos indicativos da crise da maturescência é a
sensação de premência com relação ao tempo.
Num dado momento o horizonte temporal se estreita, gerando
um sentimento de “não é mais para mim”; noutro momento o horizonte temporal se alarga: “É agora ou nunca mais!”.
Já suficientemente experiente para saber de seu próprio
valor, mas não tão vivida ainda, a pessoa começa a se embaralhar
em seus próprios planos e expectativas, sem saber direito o que
quer da vida.
Tudo é questionável. As relações familiares ficam tensas.
É muita transformação. Filhos crescidos e pais envelhecidos. Não
raro passam a conviver, sob o mesmo teto, quatro gerações.
Neste momento específico de sua vida, na passagem
da maturidade para a meia idade, as perguntas mudam, face às
respostas que já foram dadas.
Um dia, lá atrás, alguém perguntou: “O que você quer ser
quando crescer?” E riem de nós, quando respondíamos orgulhosos:
“Guarda de trânsito”!, “Piloto de avião”!, “Quero ser aquele que
manda”!
Enfim, qualquer um de nós sonhou em ser artista, poderoso, habilidoso, bonito, capaz. E muitos chegamos perto. Outros
foram além. Agora a pergunta é outra: o que você quer ser quando
envelhecer?
Tenho observado a “mania” que as pessoas têm de querer
queimar etapa. Tudo para já! Mas, velhice? Para que apressar?
Sabe, aquela urgência de mudança? Por não saber exatamente o que fazer, muita gente resolve simplesmente envelhecer.
Larga mão das coisas, da saúde, da beleza, das atividades...
- “O que você faz na vida? “
- “Sou aposentado. Faço nada”.
Na verdade, aposentadoria define mais uma falta de
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ocupação do que os interesses de uma pessoa. É uma condição
mais previdenciária que ocupacional, porque se subentende que
aposentado, hoje em dia, é inativo, desocupado. Então, é difícil
entender aqueles que se definem mais pelo que não fazem do que
por aquilo que são.
O fato é que as pessoas, consciente ou inconscientemente,
buscam ser iguais aos seus modelos de infância e juventude. Naquela época, há 40, 50 anos atrás, os de 60 eram mesmo velhos.
Viviam como dependentes ou estavam doentes.
Hoje, se formos seguir o mesmo caminho, vamos queimar
etapa, porque os progressos do mundo nos permitem levar mais
tempo para começar a envelhecer. Ou seja, é cada vez mais freqüente que se chegue inteiro e bem-disposto aos 80, e ainda com
vontade de casar de novo ou pela primeira vez.
Em outras palavras, não se passa mais tempo na condição
de velhice, mas surge o fenômeno da meia idade, que empurrou o
tempo de ficar velho umas boas décadas para frente.
Os anos de vida que se acrescentaram não se inserem nem
na infância, nem na senectude, mas idade adulta madura. É por
isso que muitos não sabem o que fazer consigo nesse tempo.
As sociedades não estão organizadas para fazer face a esse
processo, de tanta gente já aposentada reivindicando respeito,
valorização, ocupação. Gente capaz, com vontade de trabalhar,
de contribuir, de participar.
Gente que se olha no espelho e busca uma nova identidade.
Gente que não está mais se conformando em sair da frente e dar
espaço para os mais jovens. Gente que quer saber, sim: “E ‘nós? E
agora?!” Gente que quer crescer na vida ao seu tempo e entende
que o melhor tempo da vida é o que está à disposição, é o que se
cria, é o que se aproveita. Agora e a cada nova hora.
O tempo, ele próprio, passa a ter o seu valor. A maturidade
nos traz esse conhecimento.
“O que você quer ser quando envelhecer? “
Quer responder que já sabe, que já começou? Ou quer deixar para daqui um bom tempo, para com 80, 90 anos pode dizer:
“Envelhecer? Sim, é uma boa hora para começar a pensar
nisso!...”
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