Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino

Transcrição

Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino
Relato de Caso
Metástases cutâneas de tumor
transmissível canino – Relato de caso
venéreo
Skin metastasis of canine transmissible venereal tumor – Case report
Ivan Felismino Charas dos Santos – Prof. Ass. Mestre, Docente de Cirurgia. Seção de Cirurgia. Departamento de Clínicas. Faculdade de Veterinária.
Universidade Eduardo Mondlane, Maputo. Moçambique. Doutorando em Cirurgia Veterinária (UNESP – Botucatu – São Paulo, Brasil). Email: ivansantos7@
hotmail.com
José Manuel da Mota Cardoso – Prof. Auxiliar, Docente de Cirurgia. Seção de Cirurgia. Departamento de Clínicas. Faculdade de Veterinária. Universidade
Eduardo Mondlane, Maputo. Moçambique.
Karen Cardoso de Oliveira – Médica Veterinária Autônoma.
Santos IFC, Cardoso JMM, Oliveira KC. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação; 2011; 9(31);
639-645.
Resumo
O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma patologia cosmopolita devido à sua fácil transmissão.
Também conhecido como Sarcoma de Sticker, tumor venéreo contagioso, granuloma venéreo, condiloma canino, linfossarcoma transmissível ou tumor de Sticker, o TVT tem um baixo potencial metastático, sendo por isso mais facilmente combatido.O objetivo do trabalho foi relatar o tratamento
bem sucedido de um caso de TVT com o quimioterápico sulfato de vincristina, em um canino do
sexo masculino de 1 ano de idade, que apresentava metástases cutâneas e lesões primárias na mucosa
prepucial e na glande. Este relato evidencia este tipo de metástase tumoral, cuja incidência é pouco
frequente, e as significativas variações do hemograma, como também a eficácia do tratamento com
sulfato de vincristina para as lesões extragenitais.
Palavras-chave: Tumor venéreo transmissível, pele, cão, metástases, sulfato de vincristina.
Abstract
Transmissible venereal tumor (TVT) is a worldwide pathology, due to its easy transmission. Also known as Sticker’s sarcoma, contagious venereal tumor, granuloma venereal, condyloma canine transmissible lymphosarcoma or Sticker’s tumor, the TVT has low metastatic potential and is therefore
more easily tackled. This work aims to report a successful treatment of TVT with vincristine sulfate,
in a male dog, aged one year, which showed TVT metastasis in the skin and additionally preputial
and gland lesions. Despite the low reported frequency, this report emphasizes the metastatic potential
of this type of tumor, significant hematological changes, and efficacy of treatment with vincristine
sulfate for extra genital lesions.
Keywords: Canine transmissible venereal tumor, dog, metastasis, vincristine sulfate.
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Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 639-645.
Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino – Relato de caso
Introdução
O TVT é uma doença com uma distribuição mundial, sendo mais frequente em países tropicais e subtropicais. Já foi
reportada na França, Irlanda, América do sul, Japão, China,
Indonésia, Porto Rico, Bahamas, sul dos E.U.A., sul da Europa, América Central e África. No Brasil, o TVT compreende
cerca de 20% das neoplasias que afetam os cães (1). A doença é mais comum em cães errantes, podendo afetar animais
domiciliados, especialmente aqueles que têm acesso livre à
rua ou que cruzem com animais portadores da doença. A
superpopulação, a má nutrição e as doenças concomitantes
predispõem o animal à doença, devido à fragilidade imunológica. O objetivo do relato de caso é relatar a manifestação
extragenital, cutânea, do tumor venéreo transmissível, e o
seu tratamento bem sucedido com sulfato de vincristina, em
um canino do sexo masculino de 1 ano de idade.
Revisão de Literatura
O tumor venéreo transmissível (TVT) canino é considerado como um tumor maligno sob o ponto de vista histológico
e benigno no seu comportamento clínico (1,2,3,4). Este tipo de
tumor difere dos outros, pois afeta células que são transplantadas por cascata, transmitindo-se de animal para animal,
principalmente por via venérea (1,3,4).Em relação à etiopatogenia, ainda há dúvidas e incógnitas no meio científico sobre
a etiologia do TVT (1). Muitos pesquisadores consideram a
possibilidade do TVT ser de origem viral ou histocítica (1,2,4).
Embora essa hipótese seja bastante aceita entre os profissionais da área, até hoje não há uma comprovação científica (1,5).
Segundo Boscos (2), o período de incubação do TVT varia entre dois a seis meses. As células neoplásicas apresentam uma
variação de cariótipo em relação às células caninas normais.
O número diplóide normal de cromossomas no cão é de 78,
enquanto as células do TVT apresentam entre 57 e 64 cromossomas. A redução no número de cromossomas em algumas
células é aceitável para dar origem a tumores transplantáveis
(1,3,4). Os cães infectados desenvolvem anticorpos contra o
tumor quando o mesmo está em desenvolvimento, porém,
alguns desses anticorpos são bloqueados por antígenos associados ao tumor, sugerindo que a expressão desse antígeno
possa ser um bloqueador da resposta imune sistêmica, o que
facilita o desenvolvimento do tumor (1,4). Os antígenos de
histocompatibilidade de classe I e II só são expressos quando
o tumor começa a regredir (1,4). Os cães tornam-se resistentes
a novas infecções após a regressão do tumor. Quando o animal é exposto a um novo tumor, este regride rapidamente,
em geral em aproximadamente nove dias, desaparecendo em
duas semanas. Estes novos tumores são rapidamente infiltrados por linfócitos, em sua maioria linfócito T, e o tumor inicia
um processo de degeneração (1,5). Postula-se que a apoptose ou morte celular programada esteja envolvida como
mecanismo alternativo de regressão do TVT (2,3,6). O TVT
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localiza-se principalmente na mucosa vulvar e vaginal nas
fêmeas e nos machos em toda extensão do pênis e na mucosa prepucial, embora a localização extragenital também seja
observada na pele, regiões subcutâneas, narinas, pavilhão
auditivo, baço, rim, linfonodos, fígado, pulmão, tonsilas, globo ocular, região perianal, faringe, encéfalo, ovários (3,5,7,8).
Como sintomatologia clínica, os animais lambem a genitália
externa, evidencia-se corrimento vaginal e prepucial sanguinolentos e com um odor anormal, assim como disúria, cistite,
prostatite e, quando o tumor aparece no prepúcio, fimose e
parafimose (7,9,10). Na pele as lesões são ulcerativas, distribuídas por todo o corpo, associadas na maioria das vezes a
um exsudado purulento (6,11).O diagnóstico é realizado pelo
exame físico, exame citológico e o histopatológico. O exame
citológico pode ser feito através de esfoliação ou aspiração
com uma agulha fina (11,12). Histologicamente, o tumor varia com seu estado de desenvolvimento ou de regressão. No
início do desenvolvimento, é composto por células ovais, arredondadas ou poliédricas, de limites indistintos, que se assemelham a células linfocitárias, e que podem medir entre 15
a 30 micras (13,14). Estão organizadas em forma de lâmina,
cachos ou, menos comumente, em forma de cordões (14). As
células possuem um núcleo grande hipercorado e acidófilo
em proporção ao seu tamanho total, contendo um nucléolo
único, bem definido e com muitos grânulos de cromatina. O
citoplasma apresenta-se limpo ou pouco manchado e basófilico (15,16,17). As células neoplásicas são semelhantes a células de tumores linfóides histiocíticos ou de mastócitos, sendo
maiores que as últimas (17).
No tratamento do TVT ficam preconizadas a cirurgia,
a quimioterapia e a radioterapia (18,19). A quimioterapia,
usando sulfato de vincristina ou sulfato de vimblastina, como
alternativo, é o tratamento mais usado atualmente, sendo efetiva em 90% a 95% dos casos (17,18). O TVT é susceptível a diversos agentes quimioterapêuticos, mas o sulfato de vincristina é o mais utilizado, isoladamente ou em associação (19,20).
A vincristina e a vimblastina atuam unindo-se à proteína
tubulina formando um inibidor da mitose, ao interferirem
com a separação cromossômica na metáfase. Estão indicadas, principalmente para o tratamento de neoplasmas linforeticulares, TVT e mastocitomas (9,16,19). A vincristina está
apresentada, comumente, como solução de 1mg/ml e deve
ser administrada, estritamente, por via endovenosa na dose
de 0,5 a 0,8mg/m2, uma vez por semana. Cinco a sete aplicações de sulfato de vincristina são geralmente suficientes para
o desaparecimento do TVT (21). Na maioria dos casos não há
recidivas. O sulfato de vincristina é bastante efetivo, exceto se
o tumor encontra-se alojado no olho ou no cérebro e nos casos
refratários. Em casos de resistência do tumor ao tratamento com sulfato de vincristina pode-se usar a doxorrubicina
(20,21). A adriamicina também é efetiva, na dose de 30mg/
m2, por via endovenosa, a cada três semanas, mas é menos
usada devido aos seus efeitos colaterais, que incluemfebre,
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Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino – Relato de caso
obstipação, irritação local e podendo evoluir para a ulceração
epitelial e trombocitopenia (19). A vincristina também possui
alguma toxicidade para os animais, como o efeito sobre os
glóbulos brancos (leucopenia), sobre os eritrócitos (anemia)
e redução sobre o número das plaquetas (trombocitopenia).
Pode ocasionar poliúria, disúria e neuropatia sensorial, assim
como febre e retenção fecal (20,21).
Relato de Caso
Foi atendido no Hospital Veterinário, um animal da espécie canina, domiciliado, macho inteiro, sem raça definida,
com 1 ano de idade, pesando 12,6kg. A queixa era de que
o cão possuía feridas na pele da região do pescoço e o pênis edemaciado há um mês. O relato do caso encontra-se em
conformidade com os princípios éticos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal e foi aprovado pela Comissão
de Ética da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
(FMVZ), UNESP, campus de Botucatu, SP com protocolo número 203/2011 - CEUA.O animal foi submetido a um exame
físico, no qual os sinais clínicos encontrados foram a presença
de lesões ulceradas, de aproximadamente 8cm de diâmetro
na região cervical e escapular esquerda e a incapacidade de
protrusão do pênis devido ao aumento de uma massa que
atingia a glande, e aparentemente o bulbo do pênis e prepúcio (Figuras 1A e B). Após a rotina laboratorial, foram coletadas três (3) amostras das lesões em locais diferentes, a saber,
do prepúcio, da glande e da pele (Figura 2), por swab para
citologia e por meio de biopsia para histopatologia, processadas na seção de Anatomia Patológica.A interpretação dos
resultados foi de forma descritiva.
B
Figura 1 - Metástases na pele, na região cervical e escapular esquerda,
demonstrando lesões ulcerativas de aproximadamente 8cm de diâmetro
(A), e incapacidade em exteriorizar o pênis (B), no momento da primeira
consulta (Arquivo pessoal do autor).
A
B
C
Figura 2 - Figura 2. Amostras das massas retiradas do prepúcio (A), glande
(B) e lesões cutâneas (C), para realização da histopatologia, no momento
da primeira consulta (Arquivo pessoal do autor).
O resultado do exame histopatológico evidenciou presença de células redondas ou ovóides com núcleo excêntrico,
relação núcleo – citoplasma aumentada, citoplasma discretamente basofílico e com vacúolos distintos e, ainda, presença
de figuras mitóticas, caracterizando TVT, em todas as amostras enviadas para a citologia e para a histopatologia (Figura
3).
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Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino – Relato de caso
Figura 3 - Fotomicrografia demonstrando a presença de células redondas
ou ovóides com núcleo excêntrico, relação núcleo – citoplasma aumentada,
citoplasma discretamente basofílico e com vacúolos distintos e presença de
figuras mitóticas, HE (40X) (Arquivo pessoal do autor).
A partir das lesões clínicas e resultados da citologia e histopatologia, foi firmado o diagnóstico de tumor venéreo transmissível (TVT) canino, com metástases cutâneas nas regiões
cervical e escapular esquerda, tendo-se, então, decidido pelo
tratamento quimioterápico semanal com sulfato de vincristina na dose de 0,5mg/m2, em solução de 0,9% Na Cl , por via
intravenosa. Antes de cada uma das sessões quimioterápicas
foram obtidas amostras de sangue com o objetivo de avaliar
as possíveis alterações do perfil hematológico. Durante todo
o tratamento, o animal foi pesado e a sua temperatura retal
foi aferida.
Na primeira semana, o tumor consistia numa massa, tipo
couve-flor na glande, bulbo do pênis e prepúcio. A coloração
era rosada e medindo3cm de diâmetro o que impossibilitava a protrusão do pênis. Na pele, as lesões apresentavam-se
ulceradas, medindo aproximadamente 8cm de diâmetro nas
regiões cervical e escapular esquerda, e com cor rosada. Na
segunda semana, o tumor mantinha as mesmas características na pele, mas era possível exteriorizar o pênis.
Na terceira semana, os tumores na glande, no bulbo do
pênis e no prepúcio apresentaram uma redução de 0,5cm,e
na pele cerca de 4cm do seu diâmetro original, mas a coloração manteve-se. Na quarta semana, o tumor no pênis tinha
reduzido de forma significativa, estabilizando neste momento em 0,5cm. Similarmente na pele, houve redução do tamanho tumoral para cerca de 4cm de diâmetro sendo observada
mudança na coloração para rosada esbranquiçada. Na quinta
semana, ainda permanecia o mesmo tamanho das formações
tumorais do pênis, mas na pele as lesões possuíam cerca de
1cm de diâmetro e com coloração esbranquiçada. Na sexta
semana, identificava-se uma pequena massa branco-amarelada com aproximadamente 0,1cm de diâmetro na glande e
pequena tumefação no prepúcio, as lesões de pele tinham desaparecido por completo (Figura 4).
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Figura 4 - Lesões cutâneas insignificantes, cinco semanas após o início do
tratamento (Arquivo pessoal do autor).
Na sétima semana a persistência do ponto branco-amarelado foi interpretada como provavelmente uma cicatriz e
optou-se por interromper o tratamento. Duas semanas após
o término do tratamento, o animal retornou ao hospital para
ser submetido à castração. Quatro meses depois do último
tratamento não foi possível observar qualquer reminiscência
tumoral ou cicatriz.
Os gráficos foram confeccionados utilizando-se o programa GraphPadPrism 5®.
Os valores dos eritrócitos, da hemoglobina, do hematócrito, do volume corpuscular médio (VCM), da hemoglobina
corpuscular média (HCM) apresentaram-se dentro dos padrões de referência antes e durante todo o tratamento.
Os valores dos leucócitos e dos linfócitos absolutos apresentaram-se aumentados no primeiro dia de tratamento, mas
durante o tratamento os mesmos diminuíram e apresentaram-se dentro dos padrões de referência (Figura 5).
Figura 5 - Resultados relativos à avaliação dos valores dos leucócitos e
dos linfócitos (22).
Os valores da concentração de hemoglobina corpuscular
média (CHCM) demonstraram um aumento no primeiro dia
de tratamento seguindo-se um decréscimo nos índices durante o tratamento, com estabilização na quarta semana, e a
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partir deste momento observando-se um aumento persistente até o final do tratamento (Figura 6).
A temperatura corpórea diminuiu a partir da primeira
semana de tratamento até a segunda semana, muito embora
tenha se mantido dentro dos valores de referência. A partir
da segunda semana da quimioterapia, houve um aumento da
temperatura corpórea até a quinta semana de tratamento e
com uma diminuição da temperatura no final do tratamento,
mas sempre dentro dos valores de referência (Figura 9)
Figura 6 - Resultados relativos à avaliação dos valores do volume
corpuscular médio (VCM), da hemoglobina corpuscular média (HCM) e da
concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) (22).
Os valores das plaquetas apresentaram-se aumentados
antes do início do tratamento, e logo após a primeira aplicação de vincristina houve uma diminuição dos índices, abaixo
dos valores de referência, até a quinta semana de tratamento.
Na sexta semana da quimioterapia, os valores das plaquetas
permaneceram dentro dos padrões de referência (Figura 7).
Figura 9 - Resultados relativos à avaliação dos valores da temperatura
corporal (22).
Em relação à evolução da redução do tamanho das lesões
cutâneas, ocorreu uma estabilização no tamanho das lesões
durante as duas primeiras semanas de tratamento, incluindo o primeiro dia de consulta (semana 0). Após a segunda
semana de tratamento houve uma diminuição no tamanho
das lesões com involução total das mesmas no final do tratamento (Figura 10).
Figura 7 - Resultados relativos à avaliação dos valores das plaquetas
(22).
Em relação aos valores do peso vivo, houve uma diminuição de peso durante a quimioterapia até a terceira semana de
tratamento, para em seguida aumentar até o final do tratamento (Figura 8).
Figura 8 - Resultados relativos à avaliação do peso vivo (22).
Figura 10 - Evolução da redução do tamanho das lesões cutâneas.
Discussão e Conclusão
Sendo o TVT uma doença transmitida principalmente
via contato sexual o animal foi submetido à castração após o
tratamento com o sulfato de vincristina, com a finalidade de
diminuir a propagação da doença. É conhecido que a ausência de sinais clínicos da doença, não exime o animal de ser
portador assintomático e continuar a propagação da doença
(1,23). Segundo Aprea et al. (1,4), os cães tornam-se resistentes a novas infecções após a regressão do tumor, mas quando
os mesmos são expostos a animais contagiados pode ocorrer a recontaminação. O tumor regride sem tratamento em
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Metástases cutâneas de tumor venéreo transmissível canino – Relato de caso
nove dias e desaparece em duas semanas, tempo suficiente
para ocorrer a contaminação para outros animais.Em relação
à lambedura constante da genitália externa, a incapacidade
de protrusão do pênis devido ao aumento de uma massa que
atingia a glande, bulbo do pênis e o prepúcio, foi compatível
com relatos dos sinais clínicos apresentados pela literatura
(7,10), inclusive as ulcerações da pele, associadas na maioria das vezes a um exsudado purulento (6,11). As metástases
cutâneas são provavelmente causadas por mordedura e arranhaduras, as quais facilitam a implantação de células tumorais. As metástases cutâneas são raras, afetando cerca de 1%
dos animais (11,25).
O diagnóstico laboratorial é importante, porque através
dele podem ser descartadas outras doenças que afetam a genitália externa e que possuem sintomatologia semelhante ao
TVT, como o mastocitoma, o histiocitoma, os linfomas malignos, assim como outras lesões granulomatosas não neoplásicas (24,25). O procedimento de diagnóstico definitivo do TVT
usado no relato de caso, a citologia e a biopsia, coincidiram
com o relatado por Dobson et al.(11,12), sendo a biopsia o
método de eleição para o descarte de outras neoplasias semelhantes referidas anteriormente como diagnóstico diferencial
(24). Após o diagnóstico de TVT com metástase cutânea foi
instituída a terapia com aplicações semanais de sulfato de
vincristina como único agente, por via intravenosa, na dose
recomendada por Gobello, Saratsis e Loar (20,21,24). As aplicações foram realizadas semanalmente, juntamente com um
laxativo a fim de prevenir a retenção fecal por vezes associada com a administração de quimioterápicos, principalmente
o sulfato de vincristina (21,24). O tratamento foi suspenso na
sétima semana porque o animal não apresentava sinais clínicos, porém, apresentava um ponto branco-amarelado na
pele, provavelmente uma cicatriz. Em uma pesquisa sobre os
receptores de estrógeno e progesterona no tecido vaginal em
cadelas acometidas por TVT, evidenciou-se que existe uma
maior expressão dos receptores de estrógeno no tecido vaginal no período de diestro, quando seria esperada uma menor expressão. Este resultado sugere que, de alguma forma,
o TVT promove mudanças no tecido vaginal que facilitam o
seu desenvolvimento (26). A castração é citada, como sendo
a possível alternativa para uma melhor resposta ao tratamento com um número mínimo de aplicações de quimioterápico
(2,13,15,18,24). Mas no presente relato de caso a castração só
foi realizada após o tratamento, com o intuito de evitar uma
imunossupressão.
No momento da apresentação para consulta, o exame hematológico revelou que os leucócitos e os linfócitos encontravam-se com valores acima dos padrões de referência, para
diminuir após a primeira aplicação de vincristina. Este aumento deveu-se à presença de infecção secundária causada
pelo TVT. Entretanto, os mesmos mostraram um ligeiro declínio entre a segunda e quarta semanas de tratamento, ainda
que tenham mantido sempre dentro dos valores de referência.
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Este declínio deveu-se à ação citostática da vincristina sobre o
compartimento de diferenciação das células precursoras envolvidas na linha dos neutrófilos (4).A ausência de anemia
do tipo normocítica normocrómica durante o tratamento com
a vincristina, observada no relato de caso é diferente de outros achados da literatura (20,21).Em relação aos valores das
plaquetas, elas mantiveram-se diminuídas durante o tratamento, voltando aos valores normais de referência na sexta
semana de tratamento, o que pode ter sido resultado de uma
supressão da medula óssea, causada pela administração da
vincristina (2). Estes resultados estão em concordância com
o relatado por Gobello e Saratsis (20,21), que mencionaram
uma diminuição de plaquetas durante o tratamento com sulfato de vincristina. Em relação ao peso vivo, ocorreu uma diminuição durante todo o tratamento, aumentando o peso no
final do tratamento, o que pode ter sido resultado da ação da
quimioterapia, pois a vincristina atua no centro da fome ao
nível do hipotálamo (6), inibindo a sensação de fome e consequentemente a diminuição do apetite. Por outro lado, durante todo o tratamento não se identificou quaisquer efeitos
secundários, embora a coprostasia, que ocorre durante o uso
da vincristina (20), tenha sido prevenida através da administração semanal de um laxativo osmótico. Deste relato de caso
pode-se concluir que a aplicação do sulfato de vincristina, a
dose utilizada e o período de tempo usado para o tratamento (seis semanas) do paciente deste caso resultaram na cura
do animal com regressão bem sucedida das lesões genitais e
extragenitais.A citologia e a histopatologia continuam sendo
exames complementares decisivos para o diagnóstico final.
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