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Rodrigues Dr. (UFPE); Romilda Teodora Ens, Dr. (PUCPR); Ubiradir Mendes Pinto, Esp. (UTFPR).
Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 –
Curitiba, 1998 –
v.
ilust.
28cm.
Semestral
ISSN 1516-1234
Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica
Administração e Economia
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I.
FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.
CDD – 001
Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões
neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.
A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu.
Endereço para correspondência:
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4
Sumário
Organizações, relações de trabalho e informatização:
controle cronológico ou domínios de Kairos?
Jonas Cardoso
Summary
06
Organizations, labor relations and information technology:
chronological control or Kairos domains?
Jonas Cardoso
Governança corporativa: análise em uma cooperativa de
crédito rural com interação solidária
Gilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini
24
Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative
with partnership interaction
Gilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini
Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios
com população entre 50 e 100 mil habitantes
Abimael de Jesus Barros Costa, Deivid Bruno Araújo Leite,
Edmilson Soares Campos
42
Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with
populations between 50 and 100 thousand people
Abimael de Jesus Barros Costa
Deivid Bruno Araújo Leite, Edmilson Soares Campos
Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de
uma Instituição de Ensino Superior
Aleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia
Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho
62
Organizational values under the perspective of employees of
an Institution of Higher Education
Aleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia
Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho
As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no
campo da economia
Eduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira
80
The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about
economy
Eduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira
Economia ecológica, economia solidária e o pensamento
econômico de E. F. Schumacher
Lucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira
96
Ecological economy, economy solidarity, and E. F.
Schumacher’s economic thought
Lucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira
Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de
informação e comunicação: análise baseada no modelo
UTAUT
Fernando de Souza Meirelles, Luci Longo
110
Adoption of the strategic platform for information and
communication technology: analysis based on the UTAUT
model
Fernando de Souza Meirelles, Luci Longo
Método de estudo de caso como estratégia construtivista de
ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e
Contabilidade de Custos
Georgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake,
Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos
126
Case study method as constructivist teaching strategy:
proposed application courses in Management and Cost
Accounting
Georgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake,
Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos
Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os
clientes a comprar no comércio popular
Fernando César Lenzi
144
Attractiveness of popular trade: factors that motivate
customers to buy in popular trade
Fernando César Lenzi
Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento
estratégico no segmento gastronômico de Curitiba
Ricardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz
162
Originale Cucina – a strategic positioning case study in the
Curitiba’s gastronomic segment
Ricardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz
Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de
telefonia
Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista,
Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva
A distribuição espacial do emprego formal na produção
algodoeira e têxtil no Estado do Paraná no período
de 1997 a 2007
Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima,
Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel
FA E
Cen t ro
180
198
Customer value – market study of telephone operators
Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista,
Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva
The location of the employment in the cotton production and
textile industries in Paraná State the period 1997 to 2007
Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima,
Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel
U n i ver s i t ár i o
Apresentação
Prezados leitores,
Temos a alegria e a satisfação de disponibilizar à comunidade acadêmica e à
sociedade em geral mais uma edição inédita da Revista da FAE. Assim, esperamos
contribuir mais uma vez com as reflexões e o pensamento acadêmico, através dos
estudos compartilhados.
Por se tratar de uma publicação multidisciplinar, a elaboração deste volume contou
com autores representantes de várias áreas do conhecimento, cujos conteúdos serão
agora brevemente descritos.
Começamos a leitura com uma análise das transformações nas organizações a
partir da percepção do tempo, considerando a informação e as relações de trabalho.
Na sequência, um estudo sobre governança corporativa nas cooperativas de crédito
rural, com foco nas boas práticas de governança com a finalidade de cumprir com
as responsabilidades perante o quadro social. Ainda no campo da Administração, um
estudo sobre a importância dos portais de transparência fiscal, como instrumento de
informação para a sociedade, a partir de investigação em alguns municípios selecionados.
O quarto artigo desta edição analisa a percepção dos valores organizacionais sob a ótica
dos colaboradores em uma Instituição de Ensino Superior.
Permeando os estudos na área de Economia, apresentamos um artigo a respeito das
contribuições de John Stuart Mill para a evolução do pensamento econômico. Também,
um estudo sobre a visão econômica de E. F. Schumacher à luz da economia ecológica
e solidária.
Na sequência, um estudo sobre a adoção da tecnologia de informação em ambiente
universitário, com foco nos processos educacionais. Ainda voltando-se para o ambiente
educacional, contamos com um artigo que propõe a aplicação do método de estudo de
caso como estratégia de ensino.
Contemplando as contribuições na área de Marketing, encontraremos uma pesquisa
que identifica quais são os fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar
e comprar no comércio popular. Também, um estudo de caso sobre o reposicionamento
estratégico no segmento gastronômico de Curitiba. E, ainda, um estudo do mercado de
operadoras de telefonia, com foco no valor real do cliente.
Concluímos esta edição com uma análise do padrão de localização do emprego
formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil no Paraná.
Esperamos que a Revista da FAE atinja o seu propósito de difusão e compartilhamento de reflexões, ideias e pesquisas, como contribuição ao indivíduo e à sociedade.
Boa leitura!
Paz e Bem!
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
Organizações, relações de
trabalho e informatização: controle
cronológico ou domínios de Kairos?
Organizations, labor relations and information technology:
chronological control or Kairos domains?
Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos?
Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains?
Jonas Cardoso1
Resumo
Este artigo analisa as transformações nas organizações a partir da percepção
do tempo. A análise é realizada considerando a questão da informatização e
as relações de trabalho nas organizações. A partir de pesquisa bibliográfica,
foram analisados livros e artigos sobre o uso do tempo pelas organizações
e sua relação com a informatização e consequências para as relações
de trabalho. A partir dessa análise, percebe-se que o tempo tornou-se
estratégico para as organizações contemporâneas, que dele se apropria
quando da utilização do trabalho para realização do lucro. O avanço da
informatização funciona como um catalisador, aumentando o controle e o
tempo dedicado ao trabalho.
Palavras-chave: Relações de Trabalho. Organizações. Informatização. Tempo.
Abstract
This article analyzes the organizations changes that derive for time
perception. The point of departure is the advancement of information
technology and its consequences in labor relations. From literature, were
analyzed books and articles about the use of time for organizations, the
advancement of information technology and changes in labor relations.
This analysis pointed that a time perception has become strategic for
contemporary organizations, which utilizes time working and non work for
the realization of profit. The advance of information technology acts as a
catalyst, increasing control and time devoted to work.
Keywords: Labor Relations. Organizations. Information Technology. Time.
1
Doutor em Administração na UFRGS. Professor Adjunto do Departamento de Economia da
Universidade Federal de Rondônia. Tutor do Programa de Educação Tutorial do curso de Ciências
Econômicas. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014
7
Introdução
Na mitologia grega, Cronos é a perso-
A interação entre trabalho e tempo torna-
nificação do tempo, mas há também um outro
-se sinônimo de cumprimento de tarefas por metas,
deus, Kairos, que é o próprio tempo – enquanto
as quais independem do espaço e tempo em que
Cronos é comparado a uma medida de tempo
são cumpridas. O que importa é o prazo. Ficou
em intervalos mecânicos, Kairos está em todos os
para trás o tempo entendido na produção fordista,
tempos, presente em alguns momentos e distante
cujos trabalhadores se baseavam numa jornada
em outros (CZARNIAWSKA, 2001).
de trabalho fixa e com trabalhos repetitivos. Com
Até 1980, o tempo era abordado nos estudos das organizações como variável externa, passível de ser medido e independente dos processos
organizacionais. O tempo era determinado como
absoluto e linear. A partir de 1980, os estudos organizacionais foram influenciados sobremaneira
por áreas como Antropologia (CZARNIWASKA,
2009) e Sociologia (BURRELL, 2003; FOUCAULT,
1997; LEE; LIEBENAU, 1999), que levaram a uma
nova percepção sobre o tempo, que se transfor-
as novas tecnologias e estruturas organizacionais
baseadas em processos mais flexíveis, o tempo é
refém da velocidade ditada pela informatização
(GRISCI, 1999; 2008). Aliado a isso, conforme
destacado por Mello e Tonelli (2002), deve-se
levar em conta o estilo de gestão, que investe
cada vez mais em uma cultura organizacional que
se preocupa mais com resultados de curto prazo,
utilizando nessa nova visão de todo o tempo que
o trabalhador dispõe, seja no trabalho ou fora dele.
mou em um componente importante da cultura or-
Este artigo procura trazer elementos que
ganizacional. O tempo se tornou relativo do ponto
pontuem a forma como está configurada a orga-
de vista da teoria das organizações, portanto, pas-
nização contemporânea no que concerne às rela-
sível de ser relido conforme o momento, assumindo
ções de trabalho, ao aumento da informatização e
aspectos com diferentes significados em cada con-
a influência do tempo nos processos de produção.
texto (TONELLI, 2002; VERGARA; VIEIRA, 2005).
O ensaio é composto de cinco tópicos,
que além desta introdução e das considerações
finais, conta com o primeiro tópico que discute
Na mitologia grega,
Cronos é a personificação
do tempo, mas há também
um outro deus, Kairos, que é
o próprio tempo – enquanto
Cronos é comparado a uma
medida de tempo em intervalos
mecânicos, Kairos está em
todos os tempos, presente em
alguns momentos e distante
em outros.
a dinâmica temporal, o qual procura trazer elementos que auxiliem no entendimento do uso do
tempo e suas transformações, conforme o desenvolvimento das organizações. O tópico seguinte
relaciona organizações, tempo e relações de trabalho, analisando como estas foram influenciadas
conforme se processava o uso do tempo pelas
organizações. O terceiro tópico, além de abordar
organizações e tempo, traz outro elemento importante: a informatização.
O objetivo foi inserir na discussão as transformações na concepção do tempo por que passaram as organizações com o avanço tecnológico
da informatização e seus desdobramentos nas relações de trabalho.
8
1
Dinâmica Temporal e
Organizações
Na História, o tempo não pertence a ninguém (WIJK, 2006). O tempo sempre foi entendido
como possessão de Deus. Como Santo Agostinho
escreveu, tentando refutar o entendimento aristo-
Hassan (2003) observou que a cada perío-
télico, o segredo do tempo ficou inexplicável. O
do histórico há uma forma diferente de com-
raciocínio ficou embasado no seguinte argumento:
preensão do tempo. O conceito de tempo tem
apesar do movimento dos corpos astrais entre
um relacionamento próximo com as formas de
outros instrumentos relacionados com o tempo, ele
produção e reprodução da sociedade. Assim, o
não depende disso. Josué pediu para Deus parar
período pré-industrial foi caracterizado por ter uma
o sol para finalizar a batalha no mesmo dia, o sol
produção essencialmente artesanal feita em casa
parou, mas o tempo continuou.
e por usar suas próprias ferramentas, realizar seu
Contudo, o tempo não deve ser entendido
trabalho sem regularidade temporal, com taxa de
como um movimento de coisas, embora coisas se
produção e tempo de forma diferente, dependendo
movam no tempo (LE GOFF, 1960). O tempo era
do dia e das estações do ano.
percebido como alguma coisa pertencente a nada
Além disso, algumas culturas não se importavam muito com o fluxo do tempo. Gregos possuíam relógios de sol e de areia (dispostos, por
exemplo, em parlamentos para limitar o tempo de
fala), mas isso não era de uso comum (BAUMAN,
2001). Na verdade, como alguns pesquisadores
apresentam (CZARNIAWSKA, 2001), relógios de
sol e de areia foram usados por gregos não ne-
mais do que o domínio divino, alguma coisa independente do movimento regular das coisas, provavelmente um dos atributos de Deus. Consequentemente, como apontado por Adam (2001), na
Idade Média um dos principais argumentos contra
a usura foi que mercadores davam créditos e os
usurários tentavam vender uma mercadoria que
não pertencia a eles: o tempo.
cessariamente para medir o tempo, mas principal-
O monge Dominicano Etiene de Bourbon,
mente para representações cosmológicas, símbo-
na Tabula Exemplorum (LE GOFF, 1960), construiu
los do universo.
o argumento de que toda noção de crédito foi
Similarmente, na Idade Média, viajantes cau-
fundamentalmente má e corrupta, principalmente
por que resultava de negociação nos domínios de
saram agitação na China quando ofereceram relógios
Deus; contudo, mercadores e usurários ousaram o
como presente. Porém, os chineses não estavam
suficiente para prolongar o pagamento do débito
interessados na invenção em si, mas curiosos com
por dado preço, sendo condenados à maldição.
aquele brinquedo estranho e inútil (LE GOFF, 1960).
Com o passar dos séculos a percepção do
A ideia básica da medição exata do tempo pode ser
percebida como obsessão excêntrica.
tempo mudou. A mensuração e o controle exato
do tempo transformaram-se em domínios das
A Era Industrial inaugurou o tempo associado
organizações e, gradualmente, tornaram-se dessa-
com o ritmo das fábricas com uma produção marcada
cralizados. Por exemplo, segundo Le Goff (1960),
por situações de copresença e sincronização tem-
em 1355, o rei governador em Artois permitiu a
poral. Em consonância com essa compreensão do
construção de uma torre a fim de anunciar as horas
tempo, produção e serviços seguem um sistema
para os negócios e as transações, assim como
dominado pelas horas, minutos e segundos.
para regular a jornada de trabalho nas fábricas.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014
9
Rapidamente, a Igreja se rendeu à tradicional
volvimento histórico constante (ELIADE, 1992). O
ocupação – a mais exata torre de relógio laica
planejamento, baseado no tempo, abriu as portas
massivamente integrou a realidade social. Toda
para a burocracia e para internalização do controle
torre para ser reconhecida como tal deveria estar
organizacional (FOUCAULT, 1997).
junto a uma igreja e ter um prédio com relógio.
Ainda, mesmo no século XIX, segundo
De acordo com Bauman (2001), esse
Zerubavel (1993), trabalhadores se atentaram para a
processo de ganho de poder por meio da
falta de liberdade e se rebelaram ante a possibilidade
usurpação do controle sobre e por meio dos
de um longo confinamento e produção estável.
estabelecimentos de horários foi determinante
A presença era irregular, trabalhadores podiam
na transição da época pré-moderna para a
não comparecer no serviço por dias e receber
moderna. O controle simétrico dos movimentos
seu salário no final de cada semana conforme
foi substituído pelo controle simétrico opressivo
os
baseado em prazos “impessoais”. Não é apenas
capitalistas que procuraram mudar os hábitos dos
o tempo de controle que muda de localização
trabalhadores, tentando forçá-los a uma rotina
hierárquica, ele é transformado em processo
diária. A contenda entre trabalhadores e patrões
objetivado, relacionado com a maquinaria externa.
foi violenta e demorada, e somente após muitas
dias
trabalhados.
Foram
as
organizações
restrições severas, incluindo multas de até metade
do salário, é que foi obtida uma vitória parcial para
os patrões, que puderam, enfim, aplicar horários de
trabalho mais rígidos (ZERUBAVEL, 1993).
Segundo Morgan (1996), a luta em relação à
O relacionamento com o
linearização do tempo de trabalho foi o encontro da
tempo é, algumas vezes,
entre os gerentes até os dias de hoje. De forma al-
percebido como a base
metáfora máquina-organização, então expandida
guma, a ideia de fixar um horário de trabalho regular
foi “natural”, nem pertenceu à cultura monocrômica
em que se constitui a
por muito tempo (MORGAN, 1996). Embora essa
humanidade.
ciência organizacional, o abismo entre tempos de
questão seja pouco debatida no mainstream da
trabalho e de não trabalho tem aumentado a partir
da diferenciação entre os que obedecem e os que
mandam nos horários fixados, e como tal, é dado
pela definição que reforça a visão de tempo linear,
Mas essa mudança não aconteceu sem protestos, pois qualquer rebelião contra a marcação
10
escamoteando tempos definidos por prazos e metas cada vez mais complexos.
do tempo de trabalho estritamente linear era per-
Com a multiplicidade do tempo, a questão
seguida e sancionada com penalidades, variando
da linearidade é ainda muito mais filosófica e
de multas até sentença de morte (LE GOFF, 1960).
controversa (ADAM, 2001), especialmente nos
De fato, a Idade Média e seu crescimento orientado
estudos organizacionais, nos quais pode ser útil
para a produção teve seu auge no século XVII de
considerar o contexto histórico das mudanças
forma linear e percepção progressiva do desen-
discutidas. Antes de tudo, o relacionamento com
o tempo é, algumas vezes, percebido como a base
a restabelecer a época do “tempo físico real”,
em que se constitui a humanidade (ADAM, 2006).
entendido como medida de um relógio mecânico
Além disso, é importante também olhar as práticas
e promovido por gerentes e seus equivalentes
organizacionais na definição do tempo numa
desde a Idade Média. Para muitos trabalhadores,
análise retrospectiva.
a participação em uma organização é uma forma
A Revolução Industrial é marcadamente
o princípio para a inserção científica do tempo
nos modos de produção, ele se torna o principal
instrumento de controle utilizado para aumentar a produtividade dos trabalhadores. O tempo
de alcançar a imortalidade, para isso, deve aceitar
a obsessão terrestre por cronogramas, o qual só
parece natural se as pessoas são reduzidas a meros
agentes, elementos do sistema eterno ou produtos
do trabalho (PAGÈS et al., 1990).
de trabalho homogêneo, objetivo, mensurável
quantitativamente e mais preciso torna as tarefas mais padronizadas, resultando também na
2
padronização das relações sociais e hegemonização dos outros tempos (GASPARINI, 1996;
Organizações Produtivas,
Tempo e Relações de
Trabalho
HASSARD, 2001).
É a partir de 1970, porém, que uma nova
Embora o tempo tenha acelerado, o processo
organização do trabalho começa a se configurar, as
burocrático não sofreu grandes mudanças. Se
mudanças são consequências de transformações
por um lado há novos métodos persuasivos nas
nos cenários socioeconômicos e políticos, e tam-
relações de trabalho, por outro há a busca por
bém devido à expansão do setor tecnológico, prin-
padronizações ditadas pela aplicação de normas
cipalmente no que concerne ao uso intensivo da
e procedimentos visando a chamada qualidade
tecnologia da informação. A percepção do tem-
total (WOOD, 1995). Exemplifica-se pela busca
po passa por mudanças, tornando-se resposta à
da certificação ISO 9000, cujas normas rígidas
velocidade da informação, o tempo toma forma con-
implantadas possuem semelhança aos métodos
forme a demanda que, por sua vez, tem caráter de
de racionalização clássicos.
simultaneidade e instantaneidade (GIDDENS, 1991).
Para Vergara e Vieira (2005, p. 111),
as organizações globais transpuseram os limites de
tempo impostos pelas distâncias e pelas tecnologias
da informação disponíveis na era da industrialização
mecânica. A revolução da microeletrônica, a partir de
A ideia de que a vida está em constante
aceleração é muito recente. No ano de 1936,
Charlie Chaplin, em sua famosa comédia Tempos
Modernos, mostrou como o local de trabalho
podia se transformar num pesadelo na vida do
trabalhador. O objetivo do aumento do tempo de
1970, cuja rápida evolução chegou aos anos 90 como
trabalho não parece ser tão óbvio, se as pessoas
alta tecnologia, mudou as noções de tempo-espaço na
se mantêm trabalhando mais a produtividade
nova economia.
deveria ser muito alta, mesmo se todos os
esforços se tornassem menos intensivo, porém,
Bauman (2001) sugere que o intenso e
economicamente não é o caso (JACOBS; GERSON,
profundo contato com atores não humanos
2001), muitos trabalhadores enfrentam sérios
(computadores) contribui para a quebra da
desafios para atender as demandas advindas
linearidade temporal. De acordo com esse autor,
do trabalho e da família (OLTRAMARI; WEBER;
a utilização do tempo de um processador ajuda
GRISCI, 2009).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014
11
As organizações
pós-modernas precisaram
se adaptar ao novo
trabalhador, que se
apresenta não mais com
sua mão de obra material,
mas traz também todo um
aparato de conhecimento
de difícil mensuração
de seu valor.
Na visão de Vergara e Vieira (2005, p. 113),
a transição do sistema de produção fordista para o de
flexibilidade produtiva quebra a rigidez sistêmica das
estruturas organizacionais. A complexidade burocrática, vertical e densamente hierarquizada, vai cedendo lugar à movimentação dos fluxos de demandas e
decisões no sentido horizontal e mais desburocratizado das ações digitais.
Também mudou o relacionamento do trabalhador com a organização, agora ele aparentemente
não quer apenas um emprego, ele está em busca
de desafios e de reconhecimento, ele quer trabalhar
em uma organização que tenha objetivos e regras
claras, e não se importa de ser “explorado” desde
que seja “recompensado” por isso. As palavras
O que predomina é a percepção de que o
agravamento da demanda de tempo passa por
uma geral aceleração temporal (GIDDENS, 1991).
Jacobs e Gerson (1998) demonstraram que a
translação da percepção ocorre, em parte, devido
às mudanças na distribuição de trabalho dentro das
famílias (o provedor não é mais apenas o homem,
rendas compartilhadas são comuns, pais solteiros
formam uma parte significante da população etc.).
Para Lazzarato e Negri (2001), as organizações pós-modernas precisaram se adaptar ao
novo trabalhador, que se apresenta não mais com
sua mão de obra material, mas traz também todo
um aparato de conhecimento de difícil mensuração
de seu valor. Se na Modernidade os trabalhadores
eram apenas um componente na produção, agora
eles são a principal fonte de lucro das organizações.
A composição orgânica do capital se modificou, o
capitalista não precisa de mais máquinas para aumentar sua produtividade, o trabalhador já tem suas
12
entre aspas possuem significados que podem
ser explicados em parte por Pagès et al. (1990),
que analisam de forma clara a relação “maternal”
entre a organização e o trabalhador, a exploração
é reconhecida pelo trabalhador (angústia), mas ao
mesmo tempo ele se sente “feliz” de fazer parte de
um grupo seleto, que lhe “criou” desde o estágio e
lhe mostrou novos desafios e conquistas.
As funções assumidas, ainda segundo os estudos de Pagés et al. (2001), são dinâmicas, evitando-se, assim, relacionamentos que possam levar a uma
associação com objetivos de reivindicação. Aliás, o
esvaziamento dos movimentos reivindicatórios são
resultados de políticas que procuram se antecipar às
reivindicações. Além disso, há também a mudança
no padrão de cobrança de resultados. O trabalhador
passa a ter metas, independente de como irá cumpri-las, ou seja, o tempo dedicado ao trabalho não
possui mais amarras, o trabalhador está “livre” para
trabalhar no horário que quiser (SENNET, 1999).
“ferramentas” que, diferente da época pré-moder-
A principal função das organizações em-
na, não são utilizadas para a cristalização de valor
presariais ainda é maximizar o lucro, a burocracia
nas mercadorias unitariamente, mas são ferramen-
ainda permeia os processos, o que muda é a forma
tas potencializadas, que aliadas ao conhecimento e
de controle (FARIA, 2004). Para desempenhar
criatividade do trabalhador produz demanda base-
este papel, existem os executivos que buscam
ada no modismo e fidelização dos clientes.
estabelecer e executar as normas necessárias para o
novas competências por parte dos empregados. Para as
regulamento do comportamento dos trabalhadores
organizações globais a reestruturação foi um imperativo
e manutenção do lucro. Eles são responsáveis por
de produtividade e competitividade.
estabelecer a harmonia na organização, assegurando a produtividade e diluindo as tensões que
Para Virilio (1999), o avanço das TIs significa
venham interferir no processo, para isso, utilizam-
que o tempo tecnológico está, cada vez mais,
-se dos instrumentos de controle disponíveis
invadindo o tempo e espaço tanto na dimensão
(TRAGTENBERG, 1974; FARIA, 2004).
profissional como na vida particular, criando novos
A organização burocrática, na sua forma
clássica, centralizada, hierárquica e autoritária,
foi substituída pelo ideal da organização pós-
ritmos, experiências e modos de interação que estão
transformando a sociedade. Os exemplos dessa
nova configuração estão presentes de várias formas.
formatada
Por exemplo, o mito da contínua melhoria ba-
pela descentralização, utilização das tecnologias
seada em apenas um caminho e o desenvolvimento
de informação para formação de redes e pela
ou a metáfora do trabalho como forma de galgar no-
mediação, assim descrita por Pagès et al. (1990).
vos postos da carreira estão inseridos nessa forma
O trabalho é fruto da cooperação e as escalas
de pensamento. A crença em constante progresso
hierárquicas são camufladas pela decisão em
e a ideia do ciclo de vida da organização são resul-
equipes conforme as regras implícitas. Os conflitos
tados tangíveis desse processo. Além disso, a popu-
presentes na produção fordista dão lugar à
laridade dos conceitos, tal como gerenciamento de
harmonia total oriunda do papel da organização
tempo e produção just in time, mostram uma fixa-
dita pós-burocrática. Uma análise mais aprofun-
ção intensiva na percepção de tempo linear entre as
dada mostra a verdadeira face dessa nova confi-
organizações. Nesse sentido, torna-se muito claro
guração, a burocracia remodelou a hierarquia e
porque a pontualidade, atendimento e conformação
escamoteou os mecanismos utilizados no controle,
com horários são fatores tão importantes na avalia-
o trabalhador se encontra preso voluntariamente,
ção do desempenho dos trabalhadores.
moderna
(CLEGG;
HARDY,
1996),
sem possibilidade de se emancipar desta nova
gaiola de ferro (WEBER, 1999).
A ampliação dos mercados e a competição
aumentam as demandas de clientes ou consu-
Novas formas de controle operacionaliza-
midores voláteis, mas bem informados. Esse
das, por meio do aporte em tecnologia da infor-
contexto coloca o trabalho em primeiro lugar e
mação, são utilizadas para fortalecer os sistemas
aumenta carga sobre os trabalhadores. Além disso,
burocráticos de supervisão (REED, 1996), os
a flexibilidade imposta aumenta a responsabilidade
quais são desenvolvidos a partir da necessidade
e consequentemente aumenta o problema relativo
de possibilitar o acompanhamento do trabalha-
ao inchaço de horas despendidas no trabalho. A
dor, que agora tem mais controle sobre suas ativi-
intensificação da produção tornou-se um padrão
dades devido à aceleração dos processos de pro-
usual, resultando em pressão não somente no local
dução. A burocracia se adapta conforme as mais
de trabalho, como também no planejamento fora
diferentes circunstâncias.
dele (OLTRAMARI; WEBER; GRISCI, 2009). Para
Neste sentido, Vergara e Vieira (2005, p. 113)
destacam que,
Rev.
enfrentar a forte competição, muitas empresas
necessitam ser mais flexíveis, o que é feito com a
imposição de horários flexíveis e de delegação de
a tecnologia, então, passa a expressar-se nos novos formatos
maiores responsabilidades para os trabalhadores.
organizacionais, nos fluxos de tarefas e na exigência de
Nesse sentido, as empresas requerem mais e mais
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comprometimento de seus empregados, ao tempo
Já com os operários de fábricas, onde há cada
que os empregos tornam-se cada vez menos
vez mais pressão para maximizar a utilização
seguros (MALENFANT; FOUCHER, 2006).
de bens de capital, também relatam tempos de
O tempo de trabalho mais flexível surgiu
como a possibilidade de realizar um trabalho
com maior equilíbrio entre a vida e trabalho, em
detrimento do caso em que horas de trabalho são
fixas sem referência à realidade dos trabalhadores
consequentemente, fadiga extrema (RUBERY et
al., 2000). A necessidade de maior renda também
faz que com os trabalhadores alonguem seu
tempo de trabalho.
(WEBSTER, 2004). Blair e Wharton (2004) desco-
Profissionais de certas áreas têm aumentado
briram que mesmo quando os trabalhadores dizem
suas jornadas de trabalho com compromissos que
estar satisfeitos com a introdução do horário flexível,
fogem do seu horário de trabalho, como para
isso ainda não possibilita totalmente a recon-
atender clientes ou para concluir um trabalho em
ciliação entre as responsabilidades profissionais e
casa. Nesse caso, o processo de autoexploração
familiares. Mesmo quando os trabalhadores usam
(self-exploration) seja talvez mais atuante do
a jornada de trabalho flexível, eles não conse-
que a exploração externa. Isso transparece mais
guem aproveitar como deveriam devido às metas
claramente nos profissionais da área de TI, na
de produção e às regras informais no local de
qual eles possuem uma considerável autonomia
trabalho, que reduz essa flexibilidade. A cultura
quanto à jornada de trabalho e, ao mesmo tempo,
organizacional também deve ser levada em conta,
sentem pressão para cumprimento de metas, o
pois ela usualmente contribui para a valoração do
que Lehndorff (1997, p. 23) chama de “flexibilidade
comprometimento com o trabalho, disponibilidade
ativa por meio da auto-organização”.
e eficácia, características do trabalhador padrão
(PAGÈS et al., 1990).
Para Sennett (1999), o trabalho flexível no
ambiente da corporação capitalista corrói o caráter
As pessoas gastam mais e mais tempo com
pessoal e também as relações de confiança e de
o trabalho. Para os trabalhadores do conhecimento,
comprometimento que são necessárias na maioria
a expectativa temporal não é limitada à média de
das interações sociais. Estudos sobre a dinâmica
oito horas por dia, diferentemente dos demais
do emprego nas organizações contemporâneas
trabalhadores tradicionais, ela é muito maior.
na Europa, privada e pública, apontam para
Tempo de trabalho sem definição baseada em
problemas, como insegurança, estresse físico e
horários predeterminados são particularmente
mental,
observadas em certas ocupações e setores, por
e corrompido e relações sociais e familiares
exemplo, para funções gerenciais (OLTRAMARI;
fragmentadas (WEBSTER, 2004). Segundo Castel
WEBER; GRISCI, 2009) e profissões na área de
(1998), a mudança nas relações de trabalho trouxe
engenharia e tecnologia da informação (ADAM,
mais angústia para um número cada vez maior de
2006; WIJK, 2006; ZERUBAVEL, 1993).
trabalhadores, e está associada principalmente
Para esses profissionais, o problema é a
grande carga de trabalho devido à demanda dos
14
trabalho maiores do que o de não trabalho e,
relacionamento
pessoal
interrompido
com o medo de perder o emprego.
Trabalhadores
altamente
especializados
clientes. Porém, o problema também acontece em
são mais vulneráveis à crescente pressão por
outras áreas do trabalho como os profissionais que
performance e inovação na forma de tempo de
atuam no setor público, tais como professores,
trabalho excessivo, além disso, esses profissionais
profissionais da saúde e assistentes sociais.
encontram dificuldades em controlar o limite que
separa o trabalho da vida pessoal. Essa situação
e utilizar técnicas baseadas no taylorismo para au-
tem contribuído para o aumento do estresse na
mentar a produção, por isso a organização se utiliza
última década do século XX nos países da OCDE
da artimanha conhecida como gestão por objeti-
(ALASOINI, 2001).
vos, ou seja, são fixados objetivos que devem ser
Os aumentos da carga e da acumulação
de trabalho são apontados como as principais
razões para o aumento das horas trabalhadas,
principalmente naquelas áreas em que os trabalhadores não exercem qualquer controle sobre
o tempo (HOGARTH et al., 2000). Outra razão
para o aumento da jornada de trabalho informal
(não paga) é a necessidade de cumprir prazos, a
qual demonstra mais uma vez a falta de controle
do tempo por parte dos trabalhadores (HYMAN;
SUMMERS, 2004). Na pesquisa desenvolvida por
cumpridos pelos trabalhadores em determinado
período. O autor também afirma que as organizações procuram desenvolver estratégias como oferecer stock-options na tentativa de transformar
a relação assalariada em relação de associação. É
uma forma de demonstrar a importância da participação dos trabalhadores nos objetivos da empresa,
promovendo um maior comprometimento e, consequentemente, uma maior carga de trabalho. Nesse
sentido, Gorz (2005, p, 23) destaca que “a pessoa
deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela
deve se tornar, como força de trabalho, um capi-
Hogarth et al. (2000), os resultados mostraram
tal fixo que exige ser continuamente reproduzido,
que entre os trabalhadores em tempo integral, um
modernizado, alargado, valorizado.”
em cada nove trabalha até 60 horas semanais.
Castel (1998) destaca que neste novo conConforme Fracalanza (2003) e Dal Rosso
texto, o trabalho assalariado com tempo prede-
(1997), para uma dada tecnologia e duração da
terminado não pode ser mais considerado uma
jornada de trabalho há um grau de intensidade do
forma de integração, as organizações estão exigin-
trabalho considerado normal. Ocorre que quando o
do uma maior fidelidade e consequentemente
alongamento extensivo da jornada de trabalho pas-
maior disponibilidade no que tange à carga horária
sa a ser vedado pelo Estado, os trabalhadores são
dedicada ao trabalho. O emprego passa a ser visto
solicitados a trabalhar de forma mais intensiva, em
como a própria vida para uma grande massa de
um ritmo mais acelerado do que aquele socialmente
trabalhadores, e eles fazem uma simbiose entre
habitual, com o que o número de bens produzidos
sua vida e a organização, criando um forte laço
amplia-se para a mesma duração da jornada de
de dependência do viver para com o trabalho
trabalho. O processo de intensificação do trabalho
(GAULEJAC, 2007).
é resultante do aperfeiçoamento tecnológico, e o
trabalhador precisa desenvolver um novo ritmo de
produção. A tecnologia desloca o valor do trabalho
humano em direção a uma produção tecnológica
automatizada, o sujeito se torna um mero dispositivo que utiliza seu corpo a funcionalidades requeridas no sistema tecnológico (VIRILIO, 1999).
Como forma de resistência, muitos profissionais de setores que exigem produtos com alta
intensidade de conhecimento, como os produtores
de trabalho imaterial, estão tendo problemas com
seus superiores no que tange ao gerenciamento do
tempo (ADAM, 2006). O conflito entre executivos e
profissionais sobre prazos e mensuração da qualidade
Gorz (2005) contribui para o entendimento
do produto é bastante presente em muitos negócios
de como o processo de alongamento do tempo de
e campos (JACOBS; GERSON, 2001). Se horários são
trabalho toma forma: o autor defende que é cada
entendidos como a principal ferramenta simbólica
vez mais difícil mensurar o desempenho individual
(mais do que funcional) de controle, torna-se claro
Rev.
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por que os horários muitas vezes não são suficientes
de fato ser multivariada, o outro lado da moeda é
para atenderem prazos e metas estabelecidas de
o enfoque organizacional/gerencial que pode ser
cima pra baixo, mas que nem por isso deixam de
extremamente controlador. Nesse sentido,
ser seguidos. É também quase entendido o porquê
de os horários serem tão rejeitados. A dominação
gerencial ainda resiste, formal ou informalmente, em
muitas ocupações (PRASAD; PRASAD, 2000).
os procedimentos informatizados podem também se
tornar cruéis, imprimindo sobre os indivíduos formas
de controle menos visíveis e, portanto, de grande
caráter manipulador e coercitivo, a maior parte dessas
A literatura gerencial tradicional e sua visão
formas, sem dúvida, proporcionada pelas tecnologias da
sobre organizações trazem fortes conotações de
informação, ferramentas-chaves das realidades virtuais
linearidade (BURRELL, 2003). Esta é uma percepção
do mundo que reforça a hierarquia tradicional e
mantém a hegemonia do gerencialismo.
(VERGARA; VIEIRA, 2005, p. 113).
Com o enfraquecimento do modelo de
produção baseado nas premissas taylorista/fordista,
caracterizado, em grande parte, pelo equilíbrio entre
3
Organizações, Tempo e
Informatização
a intensificação do trabalho, produtividade e rentabilidade, fortalece-se o modelo baseado na produção
flexível que é singularizado pela dependência do trabalho vivo principalmente aos ditames da organização do trabalho, da comunicação e da integração.
Enquanto Cronos é o deus do tempo contínuo, Kairos é o deus do tempo oportuno. As organizações estão fadadas a se adaptar às circunstâncias, fruto das estripulias de Kairos, e ninguém
escapa a essas adaptações; quem comanda é
de um estilo industrial de produção clássico para
outro de flexibilidade produtiva”.
quem tem domínio sobre o capital, principalmente
Para Thompson (1998), a introdução de
o capital acumulado, que precisa achar meios de
novos meios de comunicação possibilitou novas
se reproduzir avidamente. Os trabalhadores se en-
formas de ação e interação, aliadas aos novos
contram como fantoches, que devem se adaptar,
tipos de relacionamentos sociais. Nesse sentido,
não devido a Kairos, mas devido à necessidade de
o avanço da informatização traz consigo tanto
atender o capital, que está à mercê das oportu-
novos objetos (ciberespaço, realidade virtual etc.)
nidades. A informatização aumenta a velocidade
como novos modos de percepção e representação
das transações e da quantidade de tarefas a serem
(geometria fractal, representações da realidade via
cumpridas, os prazos se tornam ferramentas de
computador etc.), que por si só requerem novos
controle simbólico. O tempo passa a ser relativo,
modos de pensamento e cognição (VIRILIO, 1999).
aleatório, fruto das condições dadas pela capacidade intelectual e uso da informatização.
16
Segundo Vergara e Vieira (2005, p. 113), “o
tempo é uma variável fundamental na mudança
A informatização e seu consequente espraiamento oferece novas configurações na vida pessoal
Na era da internet, as atividades rotineiras
e nas formas de produção. Para Virilio (1999), o
estão se tornando mais e mais multitarefa. Muitas
avanço das TIs significa que o tempo tecnológico
coisas são feitas simultaneamente, enviar um e-
está, cada vez mais, invadindo o tempo e espaço na
mail, participar de fóruns, bate-papos, tuitar e, oca-
dimensão profissional e na vida particular, criando
sionalmente, fazer um trabalho acadêmico. Porém,
novos ritmos, experiências e modos de interação
enquanto a tarefa diária no local de trabalho pode
que estão transformando a sociedade.
Castells (1999, p. 51) destaca que as novas
pela nova economia. Segundo Wijk (2006), a
tecnologias da informação são continuamente
informatização contribuiu para o fortalecimento
aperfeiçoadas devido ao seu uso generalizado, por
da estrutura temporal pela disponibilização da
isso o autor entende que “as novas tecnologias da
informação na infraestrutura. O acesso rápido à
informação não são simplesmente ferramentas a
informação auxilia na redução do tempo ocioso,
serem aplicadas, mas processos a serem desen-
aumentando o tempo de reação do sistema.
volvidos”. O avanço da TI permite uma aceleração
Também contribui para facilitar a coordenação
na troca e acesso de informações que antes es-
pelo fornecimento de uma plataforma sofisticada
tavam apenas em seu campo de abrangência. O
do sistema de controle.
autor conclui que a atual revolução tecnológica
não é devido à centralidade de conhecimento e
informação, mas da aplicação para a geração de
novos conhecimentos, resultando em um ciclo que
se realimenta cumulativamente pela inovação e
utilização (CASTELLS, 1999).
Nos modelos pós-fordistas predomina a flexibilidade organizacional, aliada ao avanço da TI, no
qual a abordagem gerencial passou a ser orientada
de forma diferenciada quanto ao que torna as organizações mais eficazes. Surge, dessa forma, um
enfoque orientado para o envolvimento, destacan-
A capacidade intelectual passa a ser uma
do a motivação intrínseca e a capacidade de au-
ferramenta essencial da força de trabalho aplicada
togerenciamento e controle dos trabalhadores e o
à produção. Segundo Srour (1998), a Revolução
entendimento de que as pessoas têm ideias impor-
Digital é responsável por mudanças nos aspectos
tantes sobre como os processos devem funcionar
relativos ao trabalho manual e repetitivo, como
(CALDWELL, 2005; BOWDITCH; BUONO, 2004).
também no trabalho profissional e qualificado,
A organização do trabalho passa por transforma-
responsável pela execução de rotinas padronizadas
ções; se antes era sustentada em cargos isolados,
e até no trabalho intelectual que lida com a
agora passa a ser feita em atividades baseadas em
concepção criativa. Dessa forma, “a qualificação
processos, com grupos multifuncionais responsabi-
do trabalho passa a ser generalizada, atingindo
lizando-se por segmentos ou por processos inteiros
todos os trabalhadores envolvidos em processos
e assumindo algumas funções de controle (REED,
informatizados” (SROUR, 1998, p. 19).
1996). Como resultado, há a descentralização do
No contexto atual de trabalho, para atingir
processo, a maior agregação do conhecimento dos
o pleno potencial de produtividade, o trabalhador
trabalhadores, o que viabiliza a participação em de-
deve ter certa autonomia. Uma condição que se
cisões técnicas e no gerenciamento (SROUR, 1998).
reconhece, portanto, é a de que “a tecnologia da
informação exige maior liberdade para trabalhadores
mais esclarecidos atingirem o pleno potencial da
produtividade prometida” (CASTELLS, 1999, p. 63).
Neste contexto, a hierarquia tradicional dá
lugar a estruturas mais equilibradas e horizontais e o papel gerencial será motivar o comprometimento e o envolvimento dos trabalhadores
Destaque-se que Rodrigues y Rodrigues
(FARIA, 2004), voltando-se mais para questões
(2002), quando caracteriza a vantagem compe-
relativas ao seu desenvolvimento, interação e
titiva, demonstra que o tempo é variável mais
cooperação, receptividade a mudanças e inova-
importante na organização produtiva atual. Tempo
ções. Os avanços em TIs possibilitaram a criação
o qual é fundamental para constante atualização
de redes entre organizações produtivas concor-
tecnológica, fruto das transformações impostas
rentes, que se aliam em caráter temporário para
Rev.
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fazer frente a alguma circunstância favorável às
do processo. “A comunicação e a cooperação são
partes (CASTELLS, 1999). O efeito conjunto des-
partes integrantes da natureza do trabalho” (GORZ,
sas trocas tem permitido melhor flexibilidade
2005, p. 17), que por meio de uma rede sincroniza-
para responder às demandas. Mas esse processo
se com os demais em tempo integral para tornar o
repercute nas características do trabalho.
resultado individual parte do coletivo. Esse processo
Em muitos mercados, as regras da com-
potencializa os resultados para a organização
petência têm evoluído no mesmo sentido em que
em detrimento do resultado para a vida social do
varia as vantagens competitivas. O tempo de reação
trabalhador, que perde a noção de tempo e de
às demandas precisa ser o mais rápido possível, as
espaço dedicado ao lazer e o tempo dedicado à
empresas vivem a necessidade contínua de inovação
realização das metas impostas pela organização.
(BARBOSA; ZILBER; TOLEDO, 2009). Essa nova
Como afirma Gorz (2005, p. 22), “doravante, não nos
configuração afeta a criatividade dos trabalhadores,
é mais possível saber a partir de quando estamos
os conhecimentos e a capacidade de se qualificar,
‘do lado de fora’ do trabalho que somos chamados
que se convertem em ativos estratégicos. O trabalho
mental substitui a força física e aumenta o valor
agregado, fortalecendo-se a completa utilização
do trabalho humano nas empresas. As relações de
trabalho passam a ser mais flexíveis, influenciadas
pela capacitação técnica, pelo nível de produtividade
controla e desenvolve meios de potencializar a
acumulação flexível, um desses meios é a submissão
da subjetividade social aos avanços da TI e de
comunicação, que dominam o cenário atual para um
e pela capacidade de agregar valor de cada
cenário que transgride o tempo de trabalho direto,
trabalhador (SROUR, 1998).
atingindo o tempo do viver social.
Para Gorz (2005), a informatização trouxe
nova valoração para as formas de saber como a
experiência, o discernimento, a capacidade de
coordenação, de auto-organização e de comunicação. Dal Rosso (2008) defende que essa
transição
traz
novas
implicações.
O
uso
de
tecnologias de informação como computadores
e telefones, fixos ou portáteis, que cada vez mais
trazem novas possibilidades de interação, tendem
a modificar o padrão dos tempos de trabalho e de
não trabalho. Como afirma Gorz (2005, p. 21), “o
computador aparece como o instrumento universal,
universalmente acessível, por meio do qual todos os
saberes e todas as atividades podem, em princípio,
ser partilhados.” Outra implicação explanada por Dal
Rosso (2008) refere-se à porosidade do trabalho,
18
a realizar”. Para Vasapollo (2003), a informatização
Neste sentido, Lazzarato e Negri (2001, p.
74) afirmam que
atividades ‘culturais, relacionais, informacionais, cognitivas, educativas, ambientais’ e o ‘tempo liberado de
trabalho’ que se tornam os ‘objetos’ e os ‘sujeitos’ das
novas relações de exploração e de acumulação que a
revolução da informação organiza.
A informatização resulta em maior ganho
de lucratividade e aumento da competitividade
das organizações produtivas, mas, por outro
lado, traz efeitos nefastos para os trabalhadores,
como a desumanização, os impactos psicológicos
(depressão, solidão), a redução do nível de
emprego, a ansiedade da informação, o estresse,
que diminui conforme a utilização de TIs. A gestão
as lesões por esforços repetitivos e a exclusão
baseada em um fluxo contínuo de informações
digital (TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004).
é consequência da informatização da indústria,
Em decorrência, encontram-se muitas reações
na qual o trabalhador deve estar atento para esse
contrárias à tecnologia, inclusive rejeição, seja
fluxo, tendo de assumir sua condição como sujeito
explícita ou não.
Considerações Finais
Ao trabalhador sobra cada vez menos tempo
de não trabalho, cada minuto é dedicado a resolver
ou criar, conforme a demanda da organização.
Este artigo teve como objetivo analisar o
comportamento organizacional com o avanço da
informatização, utilizando como elemento principal
o tempo.
O tempo organizacional está multifacetado, a
sobrevivência depende da destruição paulatina
do trabalhador, que sem tempo para viver, vira
autômato, refém do sistema informatizado.
As organizações passaram por transformações conforme a necessidade de sobrevivência e
de acumulação de capital. O tempo entra como
uma importante variável para mostrar a lógica de
reprodução e manutenção do sistema em que as
organizações se proliferam.
O trabalhador, enquanto instrumento utilizado na produção de valor, surge como apêndice,
refém dos prazos cada vez mais curtos para a
realização das tarefas. Cada segundo deve ser
dedicado ao trabalho, pois caso contrário não
haverá trabalho, ou seja, devido ao medo de
perder o emprego ou a promoção, o trabalhador
se dedica totalmente aos ditames do tempo
controlado pelas organizações.
A informatização acelerada a partir do
final do século XX foi fruto das necessidades de
adaptação às demandas de mercado. Sua utilização foi generalizada para todos os processos
organizacionais, tornando-se imprescindível para
a manutenção da competitividade. O tempo passa a ser mais acelerado, decisões são tomadas
instantaneamente e afetam todos os envolvidos que
•
Recebido em: 16/08/2012
•
Aprovado em: 01/07/2013
precisam se adaptar para sobreviver ao trabalho.
O tempo cronológico e linear é substituído
por momentos kairóticos, no qual há diversas
situações acontecendo e afetando o mesmo
evento o tempo todo. Não há mais uma divisão
clara de horários preestabelecidos entre trabalho
e não trabalho. As organizações atuam sem tempo
de descanso, é preciso vencer todas as etapas a
todo o momento.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014
19
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Governança corporativa: análise
em uma cooperativa de crédito
rural com interação solidária
v. 15, n. 2, p. 4 - 25, jul./dez. 2012
Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with
partnership interaction
Revista
d a
FAE
24
Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidária
Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interaction
Gilmar Ribeiro de Mello1
Silvania Pizzatto Schiavini2
Resumo
Este estudo tem como tema a Governança Corporativa nas cooperativas de crédito
rural, delimitado na atuação dos Conselhos Administrativos, Fiscal, Diretoria
Executiva e Colaboradores quanto ao desempenho de suas funções por meio das
boas práticas de Governança. Questiona se os diretores, colaboradores e conselheiros
fiscais, da Cresol Coronel Vivida, Paraná, detêm suficiente conhecimento sobre as
boas práticas de governança a fim de cumprir com suas responsabilidades perante
o quadro social e investiga o seu nível de conhecimento. A pesquisa foi feita com
vinte e três funcionários da cooperativa, com entrevistas individuais, em março
de 2012. Os resultados indicam um nível de conhecimento das funções a serem
desempenhadas em cada setor da cooperativa de 52,38%, por parte dos diretores;
de 51,00%, pelos conselheiros e de 38,93%, por parte dos funcionários.
Palavras-chave: Governança Corporativa. Conselho Administrativo. Cresol.
Abstract
This study is subject to Corporate Governance in rural credit cooperatives, bounded
in the performance of Boards of Directors, Fiscal Executive Directors and employees
regarding the performance of its functions through good governance practices.
Questions whether the directors, employees and Fiscal Council of Cresol Coronel
Vivida, Paraná, hold enough knowledge on good governance practices in order
to fulfill their responsibilities to the social context and investigates their level of
knowledge. Displays field research with twenty three employees of the cooperative,
with individual interviews in March 2012. The results indicate a level of knowledge of
the functions to be performed in each sector of the cooperative of 52.38% by the
directors; 51.00%, the counselors, and 38.93%, for the employees.
Keywords: Corporate Governance. Board. Cresol.
1
Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Professor Adjunto do Centro de Ciências Sociais Aplicadas
e do Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste, Campus de Francisco Beltrão. E-mail: [email protected].
2
Especialista em Gestão do Cooperativismo Solidário, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste,
Campus de Francisco Beltrão.
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
25
Introdução
Na história da sociedade, a economia sempre
Com um grande potencial na comercialização
configurou como seria a estrutura da sociedade,
de produtos e prestação de serviços, as cooperativas
seja feudal, manufatura ou o capitalismo, de base
de crédito rural atuam como agentes financeiros
de trocas ou de compra. Assim, entende-se que a
locais que buscam desenvolvimento sustentável e a
sociedade está sempre regida pela organização
permanência do agricultor no campo com qualidade
de base estrutural econômica e de relações
de vida e sustentabilidade financeira.
interpessoais (MARTINEZ FANDIÑO et al., 2007).
Nesse contexto, apresenta-se o tema Go-
O sistema financeiro é um dos segmentos
vernança Corporativa nas cooperativas de crédito
mais globalizados no mundo e as cooperativas
rural e, diante da necessidade de aprimorar o
de crédito fazem parte desse sistema capitalista,
conhecimento, o estudo é direcionado a um en-
em que a mais valia é meta principal para tantas
foque específico, seja a atuação dos Conselhos
instituições. Os sistemas de crédito com economia
Administrativos, Fiscal, Diretoria Executiva e Cola-
solidária fazem parte de um cenário nacional
boradores quanto ao desempenho de suas funções
desde 1980 e, atualmente, apresentam um acele-
por meio das boas práticas de governança.
rado crescimento devido a sua atuação social
diante das populações de menor poder aquisitivo,
empreendedores de pequeno porte e agricultores
familiares. Este último, objeto da pesquisa e que tem
como necessidade superar problemas de acesso
ao crédito, serviços bancários e microfinanças
(PRAXEDES, 2009).
A instituição de melhores práticas de Governança Corporativa pelo Instituto Brasileiro
Governança Corporativa (IBGC) e pelo Banco
Central do Brasil (BCB), objetiva proteger os
sócios das corporações dos malefícios que alguns
administradores podem causar, tais como a falta
de ética, a conivência e a irresponsabilidade.
Tendo como base este propósito, é questionado se os diretores, os funcionários e os conselheiros fiscais detêm suficiente conhecimento
Os sistemas de crédito
com economia solidária
apresentam um acelerado
crescimento devido a sua
atuação social diante das
populações de menor poder
aquisitivo, empreendedores
de pequeno porte e
agricultores familiares.
26
sobre as boas práticas de governança a fim de
cumprir com suas responsabilidades perante o
quadro social.
Buscando respostas a isso, este artigo pretende verificar o nível de conhecimento dos diretores,
funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa
sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal.
De modo específico, apresentam-se descrições sobre as funções dos setores da cooperativa
e investiga-se o conhecimento das mesmas por
parte dos funcionários.
1
Revisão de Literatura
1.1 Conceitos Sobre Governança Corporativa
O tema Governança Corporativa traz conceitos sobre o papel da Governança no interior das organizações, demonstrando que por meio de princípios e boas práticas é possível criar um ambiente participativo, descentralizado, com atuação horizontal, garantindo a viabilidade econômica e financeira da cooperativa.
Várias são as definições sobre o tema Go-vernança Corporativa. Segundo publicação do IBGC, entende-se que:
Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas,
envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle.
As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando
interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e
contribuindo para sua longevidade (IBGC, 2009, p. 19).
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2002, p. 1) define o termo como “o conjunto de práticas que tem
por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como
investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”.
Andrade (2007) conceitua as diversas dimensões da Governança Corporativa, sintetizando-as em 7 Ps,
conforme dados no QUADRO 1.
QUADRO 1 – Conceito das dimensões de governança corporativa
Ps
Dimensão
P1
Propriedade
P2
Princípios
P3
Propósitos
P4
Poder
P5
Processos
P6
Práticas
P7
Conceito
Refere-se à pulverização da propriedade e a proliferação de sociedades anônimas
negociadas em bolsas de valores.
Base da ética da governança, são universais e estão presentes nos códigos de
boas práticas.
Auxiliam a contribuir para o máximo retorno total dos investidores.
A estrutura de poder é definida pelos proprietários, separando em funções e
responsabilidades dos Conselhos e Executivos.
Perenidade
Definem relações funcionais entre Conselhos de Administração, Direção Executiva e
sistema de auditoria, homologando e monitorando as estratégias corporativas.
Referem-se à gestão do conflito de agência, riscos de desvio de conduta a idoneidade
dos gestores.
Define o que é a continuidade do negócio e sua permanência saudável na cadeia de
negócios.
FONTE: Andrade (2007)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
27
a ética (ethics), proporcionará ao investidor uma maior
1.2 Modelos de Governança Corporativa
segurança, a qual repercutirá na garantia de retornos
aos investimentos efetuados e uma menor percepção de
risco, tendo em vista que a incerteza atrelada ao investi-
Segundo Andrade (2007), a literatura acadêmica identifica quatro modelos de Governança
Corporativa:
—
—
—
—
mento figura-se menor.
Os sistemas de cooperativas de crédito
Cresol não são diferentes dos conceitos anterior-
modelo financeiro, focado no retorno
mente citados: também devem cumprir normas e
financeiro dos investidores;
segmentos elaborados pelo BC, onde os princípios
modelo dos públicos relevantes
basilares, como transparência, equidade e ética,
(stakeholders), que preconiza a res-
serão os principais pilares para se desenvolver as
ponsabilidade social;
melhores práticas de Governança. Contudo, deve-se
modelo político, cuja ênfase é a
pensar na construção de diretrizes de boas práti-
questão institucional;
cas de Governança para qualquer setor ou grupo
modelo de procuradoria, que valoriza
de organizações, observando suas características
o poder de os gerentes gerarem
próprias, nas suas forças e fraquezas, nas relações
valores tangíveis e intangíveis.
entre cooperados e diretores e funcionários.
Cada um desses modelos enfatiza com
maior rigor algumas características da Governança
Corporativa, sem, contudo, deixar de lado variáveis
destacadas nos outros. No caso deste estudo o
1.3 Governança Corporativa em
Cooperativas de Crédito
foco é no modelo dos públicos relevantes.
Segundo Steinberg (2003, p. 18 apud
Observando a crise ocorrida nos grandes
MACEDO; MELLO; TAVARES FILHO, 2006, p. 4),
mercados mundiais, verifica-se o agravamento
ao se referir à redução de riscos e aumento na
como consequência da fragilidade na construção de
transparência da gestão:
processos e procedimentos de análises e avaliações
É um engano imaginar que praticar boa governança
de riscos e a tomada de decisões. Também
implica quase somente acatar regulamentos. Governança
podem ser identificados fatores que mostram
tem tudo a ver também com qualidade da atitude e
problemas na condução da boa governança, como
escala de valores no mais puro sentido humano. Daí
pouca participação efetiva dos conselheiros no
alguns considerarem que a boa governança depende de
monitoramento da gestão financeira e demais ações.
alinhar o pensamento entre acionistas, controladores e
stakeholders.
A percepção deste quadro pelo Banco Central do Brasil promoveu a instituição do projeto
Além disso, afirmam Macedo, Mello e Tavares
Filho (2006, p. 4), que:
Governança Cooperativa, cujo objetivo foi “estimular e induzir as cooperativas de crédito brasileiras
a adotarem boas práticas de governança”, desen-
A governança corporativa, ao buscar atingir seus objetivos, tendo como princípios basilares: a transparência
(disclosure); a equidade (fairness); a prestação de contas
(accountability); o cumprimento das leis (compliance); e
28
volvendo-se paralelo ao incentivo acerca da temática governança aplicada ao campo corporativo
(VENTURA; FONTES FILHO; SOARES, 2009, p. 11).
Segundo Pinheiro (2008, p. 7), as cooperativas de crédito,
São instituições financeiras constituídas sob a forma de
sociedade cooperativa, tendo por objeto a prestação de
serviços financeiros aos associados, como concessão de
crédito, captação de depósitos à vista e a prazo, cheques,
prestação de serviços de cobrança, de custódia, de
recebimentos e pagamentos por conta de terceiros
sob convênio com instituições financeiras públicas e
privadas e de correspondente no País, além de outras
operações específicas e atribuições estabelecidas na
legislação em vigor.
Grande parte das cooperativas atuais foi constituída na década de 1990, em razão da estabilidade
vivida pela economia nacional e com o respaldo
Dar formação
cooperativista ao quadro
social contribui para preparar
futuros administradores
e conselheiros ficais
qualificados para planejar
corretamente, buscar o
autodesenvolvimento e
dar continuidade às ações
institucionais.
do marco legal. A redução nas taxas inflacionárias
e a queda das receitas com flutuação permitiu a
reestruturação do modelo de negócios das instituições bancárias, número de profissionais ideal,
dificuldade de convergências diante das diferentes
otimização da quantidade e localização geográfica
percepções e pontos de vista.
de seus pontos de atendimento, com abertura ampla
de espaço para crescimento das cooperativas de
crédito (SOARES; BALLIANA, 2009).
Soares e Balliana (2009, p. 28) indicam
a utilização das práticas de governança como
elemento de controle organizacional e a necessidade
Em sua atuação, no ano de 2006, o coope-
de que todos os atores envolvidos participem de
rativismo de crédito no Brasil respondia por 2,26%
modo efetivo na fiscalização e no acompanhamento
das operações de crédito realizadas no âmbito
dos atos de gestão dos dirigentes executivos. Os
da área bancária do Sistema Financeiro Nacional,
autores referem que, de janeiro de 2005 a março de
atendendo a mais de três milhões de pessoas
2008, “dos 38 processos administrativos punitivos
(PINHEIRO, 2008).
instaurados pelo Banco Central contra cooperativas
As instituições que compõem os sistemas
financeiros nacionais têm a recomendação do
de crédito, todos continham a ‘má gestão’ como
item de acusação”.
Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, órgão
Para tanto, a adoção de padrões de gover-
que congrega autoridades de supervisão bancária
nança corporativa pelas cooperativas de crédito
e presidentes dos bancos centrais de países
se torna primordial, considerando a perspectiva
desenvolvidos, de utilizar princípios essenciais para
de expansão deste setor no país e entendendo a
uma supervisão bancária eficaz (BRASIL, 2009).
complexidade das relações contratuais existentes
Além disso, a complexidade das relações
contratuais entre os agentes que compõe uma sociedade cooperativa, seja do quadro de associados, do Conselho de Administração, do Conselho
Fiscal ou do quadro de administradores, sugere a
Rev.
FA E ,
C uritiba,
neste ambiente institucional. Esses padrões de
governança viriam ao encontro das necessidades
de estabelecimento de regras e valores norteadores
das ações organizacionais, para minimizar o
efeito dos conflitos existentes entre os interesses
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
29
individuais – originários da atividade exercida
eficácia possível, garantindo a competitividade da
por cada cooperado (associado/cotista) – e os
organização e a segurança dos proprietários.
interesses da organização (OLIVEIRA, 2004).
A educação é peça chave nesse contexto, em
que dar formação cooperativista ao quadro social
contribui para preparar futuros administradores
1.4 Atribuições dos Conselhos Administrativo,
Fiscal e Diretoria Executiva
e conselheiros ficais qualificados para planejar
corretamente, buscar o autodesenvolvimento e
dar continuidade as ações institucionais. É de
suma importância a renovação dos membros dos
1.4.1 Funções do Conselho Administrativo
Conselhos de Administração e Fiscal estimulando
a criação de novas lideranças.
Definindo-se, primeiramente, o Conselho
Na FIG. 1, a seguir, pode-se observar como o
Administrativo, segundo o IBGC (2009, p. 29), trata-
Banco Central apresenta a estrutura de gestão nas
se do “Guardião do objeto social e do sistema de
cooperativas de crédito.
governança. É ele que decide os rumos do negócio,
conforme o melhor interesse da organização”.
FIGURA 1 – Governança das organizações
Ao Conselho de Administração é delegada a
missão de proteger e valorizar a organização, promovendo a otimização do retorno do investimento
no longo prazo e de equilibrar os anseios das partes interessadas, quais sejam, aqueles que detêm
ações ou quotas de determinada organização e
Conselho de
demais pessoas, entidades ou sistemas que afetam
Admistração
ou são afetados pelas atividades de determinada
organização (IBGC, 2009).
A competência do Conselho de Administração da Governança Corporativa é determinada
pelo conteúdo do art. 142, da Lei nº 6.404, de 15 de
Áreas funcionais
e operações
dezembro de 1976, na íntegra:
Art. 142. Compete ao Conselho de Administração:
I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia;
II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as
atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto;
III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer
30
Na FIG. 1, pode-se observar como a diretoria
tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar
executiva está interligando as estruturas operacionais
informações sobre contratos celebrados ou em via de
e administrativas. O corpo executivo é peça-chave;
celebração, e quaisquer outros atos;
ele implementa as ações que os cooperados
IV – convocar a assembleia-geral quando julgar conveni-
tomaram em assembleia com a maior eficiência e
ente, ou no caso do artigo 132;
V – manifestar-se sobre o relatório da administração e as
contas da diretoria;
VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos,
quando o estatuto assim o exigir;
e no mundo – Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Bank
for International Settlementes (BIS); o Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); e
VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a
emissão de ações ou de bônus de subscrição;
a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sobre
modelos e códigos de melhores práticas de gover-
VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a
alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de
ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros;
nança – com o objetivo de identificar tendências
em diferentes contextos, para servir de fundamento
para análise nas cooperativas.
IX – escolher e destituir os auditores independentes, se
De acordo com o Banco Central do Brasil, as
houver.
§ 1º Serão arquivadas no registro do comércio e
recomendações são as seguintes:
publicadas as atas das reuniões do Conselho de
—
Administração que contiverem deliberação destinada a
o IBGC recomenda que as atribuições
do presidente do conselho de adminis-
produzir efeitos perante terceiros. tração sejam diversas daquelas do ex-
§ 2º A escolha e a destituição do auditor independente
ecutivo principal, evitando a concen-
ficará sujeita a veto, devidamente fundamentado, dos
tração
conselheiros eleitos na forma do art. 141, § 4º, se houver
de
poder
em
prejuízo
da
supervisão adequada da gestão;
(BRASIL, 1976).
—
Citada pelo Banco Central (BRASIL, 2009,
a CVM recomenda que o Conselho de
Administração atue na proteção do
p. 44), a avaliação realizada por Hung (1998) sobre
patrimônio da companhia, buscando
quais papéis cabe ao Conselho de Administração
a consecução de seu objeto social e
desempenhar, sintetizando-os em seis papéis
oriente a Diretoria, de modo a maxi-
distintos: ligação, coordenação, controle, estra-
mizar o retorno do investimento e
tégia, conformidade e apoio.
agregando valor ao empreendimento;
Com base na avaliação e sugestões de Hung
—
(1998), Cornforth (2004) analisou os paradoxos
o BIS recomenda que o Conselho de
Administração aprove a estratégia geral do
da utilização desses papéis e seu desempenho
banco, supervisione a Diretoria Executiva
pelo Conselho de Administração na Governança
na implementação das estratégias e avalie
Corporativa, afirmando a presença de uma pers-
o desempenho da gestão;
pectiva democrática no papel e nas práticas de
tais conselhos, considerando que os seus membros
—
são eleitos pelos associados (BRASIL, 2009).
a OCDE recomenda que a Governança
Corporativa das sociedades assegure
a gestão estratégica da empresa, o
acompanhamento e a fiscalização efi-
1.4.2 Funções da Diretoria Executiva
cazes da gestão, via órgão de administração, bem como a responsabiliza diante da empresa e de seus acionistas.
Para explicitar as funções da diretoria
(BRASIL, 2009)
executiva, Brasil (2009, p. 50) informa sobre
a
convergência
a
qual
chegaram
estudos
realizados por diferentes organizações no Brasil
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A intenção comum é que Conselho de
Administração e Diretoria Executiva exerçam diferentes atribuições, cabendo-lhe composição e
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
31
funções específicas, a fim de minimizar conflitos de
Art. 163. Compete ao Conselho Fiscal:
interesse e que sejam atribuídas responsabilidades
I - fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos
singulares para a condução dos negócios corpo-
administradores e verificar o cumprimento dos seus
rativos (BRASIL, 2009).
deveres legais e estatutários (Redação dada pela Lei nº
Na Lei nº 6.404/1974, Seção IV, Deveres
10.303, de 2001);
e Responsabilidades, os artigos 153 a 158 com-
II - opinar sobre o relatório anual da administração, fa-
preendem as funções da Diretoria Executiva, des-
zendo constar do seu parecer às informações comple-
tacando-se dever de diligência; finalidade das
atribuições e desvio de poder; dever de lealdade;
mentares que julgar necessárias ou úteis à deliberação
da Assembleia Geral;
conflito de interesses; dever de informar; respon-
III - opinar sobre as propostas dos órgãos da adminis-
sabilidade dos administradores (BRASIL, 1976).
tração, a serem submetidas à Assembleia Geral, relativas
a modificação do capital social, emissão de debêntures
Segundo o IBGC (2009), compete ao
ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orça-
diretor-presidente garantir que sejam prestadas aos
mentos de capital, distribuição de dividendos, transfor-
stakeholders as informações de seu interesse, bem
mação, incorporação, fusão ou cisão;
como daquelas obrigatórias por lei ou regulamento,
IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos
tão logo estejam disponíveis. A comunicação deve
órgãos de administração e, se estes não tomarem as
primar pela clareza, prevalecendo a substância sobre
providências necessárias para a proteção dos interesses
a forma, mediante busca pela Diretoria de uma
da companhia, à Assembleia Geral, os erros, fraudes ou
linguagem acessível ao público-alvo em questão.
crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à
companhia (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001);
1.4.3 Funções do Conselho Fiscal
V - convocar a Assembleia Geral ordinária, se os órgãos
da administração retardarem por mais de 1 (um) mês essa
convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem
motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das as-
De acordo com Tosini e Bastos (2009), o
Conselho Fiscal é subordinado apenas à Assembleia
Geral e é totalmente independente do Conselho
Administrativo e Diretoria Executiva, não sendo um
órgão que se atém somente a assuntos de natureza
contábil, como balanços e demonstrações.
É função do Conselho Fiscal: “fiscalizar os
sembleias as matérias que considerarem necessárias;
VI - analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e
demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia;
VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício
social e sobre elas opinar;
VIII - exercer essas atribuições, durante a liquidação,
atos dos administradores e verificar o cumprimen-
tendo em vista as disposições especiais que a regulam
to de seus deveres legais e estatutários”. São com-
(BRASIL, 1976).
preendidos como atos dos administradores todos
os atos de gestão praticados pelo administrador,
Constam no Código das melhores práticas
delegação de autoridade e de qualquer emprega-
de Governança Corporativa os mesmos itens do
do da cooperativa (TOSINI; BASTOS, 2009, p. 163).
artigo citado, em que o Conselho Fiscal deve ser
As funções do Conselho Fiscal da Governança Corporativa constam na Lei nº 6.404/1976,
art. 163, com o seguinte teor:
32
visto como um controle independente para os
sócios com o propósito de agregar valor para
a organização, salientando que os conselheiros
fiscais possuem poder de atuação individual,
mesmo o órgão sendo colegiado (IBGC, 2009).
Quanto maior for o campo de fiscalização
do Conselho Fiscal, melhor atenderá às responsabilidades legais que lhe são impostas, que responde
em caso de má conduta, conforme disposto no Art.
A visão consiste em “Crescer juntamente
com nosso quadro social para que possamos
atender o maior número de famílias agricultoras, oferecendo crédito e acesso a serviços financeiros na busca do desenvolvimento social”
(CRESOL, 2012, p. 1).
1.070 do Código Civil: “As atribuições e poderes
Quanto aos valores, define-os na excelên-
conferidos pela lei ao Conselho Fiscal não podem
cia, ética, honestidade, transparência e responsa-
ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a res-
bilidade social. Seus princípios incluem a interação
ponsabilidade de seus membros obedece à regra
solidária, formação, capacitação e organização
que define a dos administradores” (BRASIL, 2002).
dos associados, descentralização das decisões,
crescimento horizontal, democratização e profissionalização do crédito, desenvolvimento social e
1.5 Cresol: Características e Evolução
As cooperativas foram criadas a partir do
sustentabilidade (CRESOL, 2012, p. 1).
1.5.1 Histórico da Cresol Coronel Vivida
Fundo de Crédito Rotativo (FCR), financiado pela
cooperação internacional (Misereor), na década de
A Cresol Coronel Vivida foi constituída em
1980 e início de 1990, no Sudoeste do Paraná, por
um conselho de entidades populares da região.
O Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito
Rural com Interação Solidária advém da luta
dos agricultores familiares por acesso ao crédito
e por uma vida digna e sustentável no campo.
27 de julho de 1997. Por meio de encontros, debates
coordenados pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais e a Secretaria Municipal de Agricultura,
alguns agricultores se reuniram para discutir a
criação de uma cooperativa de crédito.
Atua mediante estruturas descentralizadas, com
Somente após a aprovação do Banco Central,
forma de rede e unidades pequenas, articuladas
iniciou suas atividades em 2 de janeiro de 1998,
entre si e com a comunidade local e sob a forma
com 20 associados fundadores e destes já foram
de interação solidária, de modo que mesmo
escolhidos para representarem a primeira chapa do
sendo independentes e possuindo suas próprias
conselho de administração, que foram eleitos para os
regras de conduta, as cooperativas são solidárias
três primeiros anos, tendo como principal objetivo:
entre si, auxiliando-se mutuamente, com apoio
Propiciar, através da mutualidade, assistência financeira
financeiro, técnico e social, confirmando a ideia de
aos associados em suas necessidades pessoais e
responsabilidade compartilhada entre cooperados
atividades específicas, com finalidade de melhoria
e dirigentes, que devem acompanhar e ter controle
de condições de vida sua e de sua família e fomentar
sobre seu funcionamento (CRESOL, 2012).
a produção e a produtividade rural, bem como sua
circulação e industrialização (CRESOL, 2005, p. 1).
A Cresol define como missão “promover a
inclusão social da Agricultura Familiar por meio do
acesso ao crédito, da poupança e da apropriação do
conhecimento, visando o desenvolvimento local e a
sustentabilidade institucional” (CRESOL, 2012, p. 1).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Conforme o primeiro Regimento Interno,
redigido em 1998, para exercer cargo de administração na cooperativa é preciso ser agricultor
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
33
ou filho de agricultor, cumprir as normas estatu-
de Pato Branco e Mariópolis com 1.850 associados
tárias e regimentares. Ela será administrada por
no total, e um patrimônio de quatro milhões de reais.
um presidente, um vice-presidente, um secretário
e por três conselheiros, que poderão permanecer
durante três anos, sendo obrigatória a renovação
2
Metodologia
de no mínimo um terço de seus componentes a
cada eleição, não podendo ser parentes entre si
até segundo grau em linha direta ou colateral.
Segundo o Regimento Interno de 2008 da
cooperativa, Cap. IV, Art. 10 - A Cresol não terá
executivos contratados ou mandatários por procuração, sendo esta uma atribuição dos diretores
eleitos em assembleias, portanto, autorizados a
responder pela cooperativa dentro do que determina a lei, o estatuto e este regimento.
O Art. 11 - Os diretores executivos liberados
podem ser: o presidente, o vice-presidente, o secretário, ou outro membro eleito na assembleia
para compor o conselho de administração.
O Art. 12 - Cabe ao conselho de Administração
aprovar a liberação dos diretores executivos, bem
como definir detalhadamente um plano de metas e
responsabilidades de cada diretor executivo liberado.
Os primeiros dois mandatos do conselho de
administração foram eleitos por meio de chapas
pré-definidas, em 2003 foram escolhidos 20
nomes que se adequavam às exigências estatutárias e os mais votados, de ordem do maior para
o menor, preencheram os cargos de presidente,
vice-presidente, secretário e demais conselheiros.
De 2003 em diante, as chapas foram montadas
previamente por meio das pré-assembleias realizadas
nas comunidades do interior, pois a sucessão de cargos se faz necessária para a preparação dos membros que irão participar do conselho.
A atual presidente da cooperativa está no
cargo a dois mandatos, é formada no curso de
Bacharel em Administração Rural e Especialização
em Desenvolvimento Rural, administra a cooperativa de Coronel Vivida e os Postos de Atendimento
34
Como procedimento metodológico, definiu-se a pesquisa exploratória, que tem como objetivo,
“desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
ideias, tendo em vista a formulação de problemas
mais precisos ou hipóteses mais pesquisáveis para
estudos posteriores” (GIL, 1999, p. 43).
Com a sua realização, a pesquisa exploratória
permite ao pesquisador conhecer novas fontes
de informação, que podem ser encontradas por
meio de levantamento bibliográfico e entrevistas
com profissionais que atuam na área do estudo
(SANTOS, 2000).
Foi realizada pesquisa de campo junto aos
vinte e três funcionários da Cresol Coronel Vivida,
sendo 3 diretores, 9 conselheiros e 11 funcionários.
Como instrumento de coleta de dados foi
utilizado um questionário de perguntas fechadas
de múltipla escolha, extraídas da Lei nº 6.404/1976,
do BC (2009, p. 50) e do IBGC (2009), os quais
regulamentam
as
funções
dos
Conselhos
e
Diretoria Executiva, com coleta de dados realizada
em março de 2012. Os dados coletados foram
ordenados e processados e são apresentados em
forma de gráficos e tabelas, com consequente
interpretação dos resultados.
3
Apresentação e Análise
dos Resultados
Na TAB. 3, destacam-se as características
dos entrevistados quanto ao sexo, sendo 13 femininos e 10 masculinos.
TABELA 3 – Características dos entrevistados quanto
Quanto aos cargos dos entrevistados, são
ao sexo
citados na TAB. 1.
Sexo
TABELA 1 – Cargo dos entrevistados
Cargos
Quantidade
Feminino
13
Masculino
10
Quantidade
Diretor presidente
1
Diretor secretário
1
Vice-presidente
1
Conselheiros
9
Analista de crédito
4
Técnico agrícola
1
Caixa
3
Caixa de PAC
1
Caixa operacional
1
Analista de produtos e serviços
1
Com maior incidência para a faixa etária
entre 36 a 45 anos (11), seguida de 26 a 35 anos (6)
e dentre 18 e 25 anos (5).
TABELA 4 – Características dos entrevistados quanto à
faixa etária
Faixa Etária
Quantidade
De 18 a 25 anos
5
De 26 a 35 anos
6
De 36 a 45 anos
11
De 46 a 55 anos
1
O estado civil dos entrevistados é apresentado
em sua incidência na TAB. 5, sendo que a maioria
Conforme os dados da TAB. 1, são 3 os
cargos de direção, 9 os cargos de conselheiros e
dos entrevistados é casada, com 16 respostas; 5 são
solteiros; 2 não responderam à questão.
11 os cargos de funcionários, sendo que 4 deles
atuam como analistas de crédito, 1 técnico agrícola,
TABELA 5 – Características dos entrevistados quanto ao
3 caixas, 1 caixa de PAC, 1 caixa operacional e 1
estado civil
analista de produtos e serviços.
O tempo médio de atuação dos entrevistados é apresentado na TAB. 2.
TABELA 2 – Tempo médio de cargo dos entrevistados
Cargos
8,6
Conselheiros
5,2
Funcionários
3,5
FA E ,
Quantidade
Casado
16
Solteiro
5
Sem resposta
2
Tempo (média em anos)
Diretoria
Rev.
Estado civil
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
35
Quanto à formação (TAB. 6), a maioria dos entrevistados é graduada, embora ainda tenha um número
significativo de respostas citando o ensino médio; do total de entrevistas, 7 não responderam a questão.
TABELA 6 – Características dos entrevistados quanto à formação
Formação Escolar
Ensino Médio
Quantidade
6
Superior
7
Pós-graduado
3
Sem resposta
7
Das diversas funções elencadas no questionário, buscou-se saber dos entrevistados quais são as
competências de cada setor da cooperativa de crédito. Na apresentação dos resultados, relacionam-se as
funções específicas de cada setor e as incidências das respostas obtidas. Assim, para as funções do Conselho
Administrativo, os dados são mostrados na TAB. 7.
TABELA 7 – Respostas sobre a função do Conselho Administrativo
Respostas dos
diretores
Respostas dos
conselheiros
Respostas dos
funcionários
Autorizar a prestação de garantias a obrigações de terceiros. 2
7
3
Manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da
diretoria.
2
5
6
Proteger e valorizar a cooperativa.
3
8
8
Autorizar a alienação de bens do ativo não circulante.
1
6
1
Promover a otimização do retorno do investimento no longo
prazo.
1
4
1
Equilibrar os anseios das partes interessadas.
1
2
1
Escolher e destituir os auditores independentes.
0
3
3
Fixar a orientação geral dos negócios da cooperativa.
1
6
0
Fiscalizar a gestão dos diretores.
0
0
5
Eleger e destituir os diretores da cooperativa e fixar-lhes as
atribuições.
2
3
6
Examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da cooperativa.
0
4
3
Autorizar a constituição de ônus reais.
2
1
0
Deliberar, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição.
1
2
3
Manifestar-se previamente sobre atos ou contratos.
1
2
1
Convocar a assembleia geral quando conveniente.
1
2
7
Solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de
celebração.
2
2
2
Exercer os papéis de ligação, coordenação, controle, estratégia,
conformidade e apoio.
0
3
7
Total de respostas
20
60
57
Funções do Conselho Administrativo
36
Para a análise dos resultados, retoma-se o objetivo do estudo de verificar o nível de conhecimento dos
diretores, funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, dispostas no Art. 142 da Lei nº 6.404/1976 as funções do Conselho
Administrativo.
Dos diretores a questão recebeu 37 respostas assinaladas, sendo 20 respostas corretas e 17 respostas
incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 54,05%. Dos conselheiros a questão recebeu 132
respostas assinaladas, sendo 60 respostas corretas e 72 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 45,45%.
Dos funcionários a questão recebeu 128 respostas, sendo 57 respostas corretas e 71 incorretas, de modo que o
nível de conhecimento situa-se em 44,53%.
Para as funções da Diretoria Executiva, os dados obtidos são mostrados na TAB. 8.
TABELA 8 – Respostas sobre a função da Diretoria Executiva
Respostas dos
diretores
Respostas dos
conselheiros
Respostas dos
funcionários
Dever de diligência.
1
5
2
Dever de finalidade das atribuições.
2
7
7
Responsabilidade quanto ao desvio de poder.
0
3
5
Dever de lealdade.
1
8
4
Conflito de interesses.
2
1
2
Dever de informar.
2
8
5
Prestar informações obrigatórias por lei ou regulamento.
3
5
7
Responsabilidade dos administradores.
1
6
5
Prestar aos stakeholders as informações de seu interesse.
2
8
4
Total de respostas
14
51
41
Funções da Diretoria Executiva
Dos diretores a questão recebeu 36 respostas assinaladas, sendo 14 respostas corretas e 22 respostas
incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 38,89%. Dos conselheiros a questão recebeu
134 respostas assinaladas, sendo 51 respostas corretas e 83 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em
38,05%. Dos funcionários a questão recebeu 163 respostas sendo 41 respostas corretas e 122 incorretas, de
modo que o nível de conhecimento situa-se em 25,15%.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
37
Por fim, foi investigado o nível de conhecimento acerca das funções do Conselho Fiscal, com dados
coletados mostrados na TAB. 9.
TABELA 9 – Respostas sobre a função do Conselho Fiscal
Respostas
dos
diretores
Respostas
dos
conselheiros
Respostas
dos
funcionários
3
8
6
Denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem.
3
7
9
Opinar sobre as propostas dos órgãos da administração.
1
3
1
Fiscalizar os atos dos administradores.
3
8
11
1
6
5
3
7
2
1
5
3
3
6
8
Exercer atribuições, durante a liquidação.
1
3
0
Opinar sobre o relatório anual da administração.
1
8
6
1
5
4
21
66
55
Funções do Conselho Fiscal
Sugerir providências úteis à cooperativa quanto aos erros, fraudes e
crimes descobertos.
Verificar o cumprimento de deveres legais e estatutários dos
administradores.
Convocar a assembleia geral ordinária, na ocorrência de motivos
graves ou urgentes.
Analisar o balancete.
Examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre
elas opinar.
Analisar as demonstrações financeiras elaboradas periodicamente
pela cooperativa.
Total de respostas
Dos diretores a questão recebeu 32 respostas assinaladas, sendo 21 respostas corretas e 11 respostas incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 65,62%. Dos conselheiros a questão recebeu 131
respostas assinaladas, sendo 66 respostas corretas e 65 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 50,38%.
Dos funcionários a questão recebeu 102 respostas. sendo 55 respostas corretas e 47 incorretas, de modo que o
nível de conhecimento situa-se em 53,92%.
É possível identificar o nível de conhecimento de cada grupo de entrevistados, a partir do total de
respostas recebidas, mostrado no GRÁF. 1.
38
GRÁFICO 1 – Nível de conhecimento dos entrevistados
52,38%
Nível de conhecimento
Total de respostas
Respostas incorretas
Respostas corretas
51,00%
105
347
50
393
220
55
240
177
Diretores
38,93%
153
Conselheiros Funcionários
Analisando estes resultados, indica-se que o
diretores que possuem maior tempo de atuação
Sistema Cresol possui o Instituto de Formação do
dentro da cooperativa, dos quais apenas um possui
Cooperativismo Solidário (Infocos), de modo que
ensino superior e pós-graduação, evidenciando que
nos cursos de formação para diretores possam ser
a experiência no cargo contribui para o melhor co-
apresentados os dados coletados neste trabalho, e
nhecimento do assunto estudado.
seja aprofundado como conteúdo nos treinamentos
do Sistema, como também a sugestão a estes
conselheiros de retomarem seus estudos buscando
cursar o ensino superior.
É possível que durante os treinamentos realizados na admissão dos funcionários, a ênfase dos
conteúdos resida nas atividades operacionais que
a cooperativa realiza durante o seu exercício, de
Em uma visão geral, verifica-se que os entre-
forma que as indicações sobre as funções específi-
vistados conhecem de modo mais amplo as questões
cas de cada setor sejam um pouco negligenciadas
de gestão, como produtos e serviços, assuntos ope-
no cotidiano em detrimento das responsabilidades
racionais, contratações, Pronaf, Proagro e demais
do trabalho.
atividades. Quanto ao conhecimento das funções de
cada setor, por exemplo, os entrevistados não detêm
o mesmo conhecimento. Além disso, verificou-se
que os maiores percentuais apresentaram-se pelos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Apresentados os dados coletados na pesquisa
de campo e interpretados os seus resultados, tem-se
as considerações finais do estudo.
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
39
Considerações Finais
O presente estudo teve como objetivo
verificar o nível de conhecimento dos diretores,
funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa
sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal.
Ao longo do estudo foram descritas as funções de cada um destes setores da cooperativa de
acordo com o estabelecido na Lei nº 6.404/1976, a
qual regulamenta as funções de cada setor. Assim,
constata-se que o nível de conhecimento por parte
dos entrevistados deixa a desejar, porquanto são
funções regidas por Lei e, por isso, de conhecimento
acessível a todos os interessados.
De modo específico, é preciso que todos os
envolvidos com a Cresol aprimorem o conhecimento
sobre as funções atribuídas a cada setor, de modo a
dominar de modo adequado as responsabilidades
que assumem no exercício delas.
Sugere-se ao Infocos para que utilize o
tema pesquisado nos cursos de aperfeiçoamento
a diretores e funcionários, pois se julga de suma
importância o conhecimento das atribuições do
corpo diretivo da cooperativa.
Também, que seja disponibilizado um material específico contendo as funções de cada setor
a todos os funcionários, para que o conhecimento
fique mais acessível e, aos poucos, as funções individuais sejam inteiramente assimiladas.
Ressalva-se que não se tem a pretensão de
concluir definitivamente sobre o tema investigado,
porquanto sua relevância declina ao interesse para
a realização de novos estudos e pesquisas que
possam trazer outras informações e novos dados.
40
•
Recebido em: 04/01/2013
•
Aprovado em: 05/06/2013
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crédito. Brasília, BCB, 2009.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014
41
Portais de transparência fiscal:
uma crítica aos municípios com
população entre 50 e 100 mil
habitantes
Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations
between 50 and 100 thousand people
Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes
Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand people
Abimael de Jesus Barros Costa1
Deivid Bruno Araújo Leite2
Edmilson Soares Campos3
Resumo
O desejo da população de manter-se informada sobre as realizações do governo torna os instrumentos
de transparência fiscal meios completos para que essa expectativa seja satisfeita. Como os cidadãos
dispõem de recursos próprios que são administrados em seu favor por agentes governamentais, é
necessária ampla transparência na utilização desses recursos, de modo que o agente faça uso deles
sempre visando a uma situação ótima do ponto de vista do principal, a sociedade. A Teoria da Agência
foi utilizada como suporte teórico para a pesquisa e o objetivo principal da investigação foi ranquear os
portais de transparência dos municípios analisados. Este artigo, tendo como base a análise dos portais
de um grupo selecionado de municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, criou um ranking,
resultado da implementação de um índice para medir a transparência desses portais. Para tal análise,
foram escolhidos, de maneira amostral não probabilística, 28 municípios das cinco regiões brasileiras. Os
instrumentos de transparência fiscal mais divulgados são relatório resumido da execução orçamentária,
relatório de gestão fiscal e relatórios de execução da receita e despesa. A partir dos resultados podemos
inferir que o nível de transparência atual é divergente do ideal, pois poucos municípios observam as
exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, entre os que a observam, não há preocupação com
a qualidade da informação disponibilizada ao usuário.
Palavras-chave: Teoria da Agência. Transparência. Gestão Fiscal. Municípios.
Abstract
The desire of the population to keep informed about the achievements of the government makes the
instruments of fiscal transparency to complete this expectation is fulfilled means. As citizens have their
own resources that are administered on their behalf by government agents, wide transparency in the use
of these resources is necessary , so that the agent makes use of them always seeking a great situation
from the point of view of the main society. The Agency Theory was used as theoretical support for
the research and the main objective of the investigation was to rank the portals of transparency of the
municipalities analyzed. This article, based on the analysis of a selected portals of municipalities with
populations between 50 and 100 thousand group created a ranking result of the implementation of
an index to measure the transparency of these portals. For this analysis, were chosen, in non-probability
sampling manner, 28 municipalities in the five Brazilian regions. The instruments of fiscal transparency are
more widespread summarized report on budget execution, fiscal management report and progress reports
of income and expense. From the results we can conclude that the current level of transparency is diverging
from ideal, because few municipalities comply with the requirements of the Fiscal Responsibility Law (LRF),
and those who observe it, there is concern about the quality of information available to the user.
Keywords: Agency Theory. Transparency. Fiscal Management. Municipalities.
1
2
3
Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB, Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais.
E-mail: [email protected].
Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected].
Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB. Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais.
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014
43
Introdução
A administração pública voltada para o
cidadão é base do desmembramento da administração pública gerencial (COUTINHO, 2000).
Com esse fim, foram constituídos conjuntos de
instrumentos de gestão, fundados no contexto
democrático, que pretendem tornar a administração pública mais eficiente e voltada para o
cidadão (PEREIRA, 1999). Em um contexto mais
específico, a ação do governo nos municípios é
essencialmente via orçamento público, prestando
serviços variados e utilizando os recursos disponíveis de maneira otimizada para o usuário
(MEIRELLES, 1996). Conforme esse entendimento,
a boa administração pública deve emanar dos
dispositivos da Constituição Federal (1988), refe-
prazos são contados da data da publicação da Lei
Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009.
Neste trabalho, analisam-se, empiricamente, os níveis de transparência dos portais eletrônicos de um grupo de municípios, selecionados
a partir de amostragem dos munícipios citados
no art. 73-B, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101/2000), artigo incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009. O
propósito é destacar a frequência das formas utilizadas pelos municípios para divulgar as informações necessárias a que os princípios relativos à
governança coorporativa sejam satisfeitos. Assim,
este artigo pretende mostrar quais são os instru-
rentes à obrigatoriedade dos agentes públicos
mentos de transparência fiscal mais divulgados
prestarem contas dos seus atos à sociedade.
eletronicamente pelos municípios com população
entre 50 e 100 mil habitantes.
A Constituição Federal (1988), em seu artigo
30, inciso III, obriga os municípios a arrecadarem “os
O interesse pelo desenvolvimento do estu-
tributos de sua competência, bem como aplicar suas
do está relacionado ao constante crescimento
rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar
do acesso à internet pelos brasileiros (JAEGER,
contas e publicar balancetes nos prazos fixados
2005). Com custo menor e de acesso fácil, esse
em lei”. Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal
meio de comunicação deve ser utilizado pelo go-
(LRF), a partir da publicação da Lei Complementar
verno como forma de disponibilização de infor-
nº 131/2009, tornou obrigatória a publicação, em
mações relevantes para a sociedade (FANG, 2002).
tempo real, de informações pormenorizadas, em
A governança eletrônica aparece como forte ten-
meio eletrônico, por parte da administração pública
dência para inovar a maneira de a administração
brasileira, para assegurar a transparência das ações
pública trabalhar (GHOSH, 2005).
do Estado diante do cidadão.
44
Para que isso aconteça, é preciso que os
A Lei Complementar nº 131/2009 foi precisa
gestores evoluam na divulgação dos instrumen-
ao definir prazos para a implementação de portais
tos fiscais (BERTOT; JAEGER, 2008). Com a in-
de transparência, nos quais devem ser divulgados
serção desses dispositivos de transparência fis-
dados econômico-financeiros dos entes públi-
cal na LRF, fortalece-se o controle social, ou seja,
cos, bem como os relatórios necessários ao pleno
facilita-se à obtenção de informações relativas à
acompanhamento das contas públicas pela socie-
execução orçamentária e financeira. Ademais, a
dade. Foi delimitado o prazo de um ano para a
LRF apresenta o prazo de dois anos para que tais
União, os estados, o Distrito Federal e os muni-
gestores divulguem as informações financeiras de
cípios com mais de cem mil habitantes; o prazo
seus municípios em meios eletrônicos de amplo
de dois anos para os municípios que tenham entre
acesso. Considerando a data de sua publicação,
cinquenta mil e cem mil habitantes; e o prazo de
conclui-se que o prazo para esses municípios im-
quatro anos para os municípios que tenham até
plantarem suas ferramentas eletrônicas de divul-
cinquenta mil habitantes. Cabe ressaltar que esses
gação encontra-se encerrado. Esse fato justifica a
realização desta pesquisa que representa oportu-
outra para tomar decisões de gestão que afetam
nidade ímpar de verificação se o prazo estabele-
os retornos que serão obtidos por esta última.
cido pela LRF foi cumprido pelos municípios.
A Teoria da Agência se sustenta ao analisar
A pesquisa é ainda importante para a so-
o relacionamento dos membros de uma instituição,
ciedade no aspecto participativo. Os cidadãos
tendo em vista o fato de serem motivados por seus
terão conhecimento sobre o cumprimento da prin-
interesses pessoais. Está relacionada à existência
cipal lei de transparência em vigor no Brasil. O
de um contrato, em que o principal delega o
resultado dessa pesquisa enfatizará a adoção dos
agente para tomar decisões acerca da utilização
dispositivos legais por parte dos gestores públicos,
dos recursos em nome do principal (KASSAI;
além de convidar a população brasileira a fiscalizar
KASSAI; NOSSA, 2000).
e acompanhar o uso dos recursos por parte de
seu maior agente. Este artigo traz contribuição
fundamental aos profissionais que realizarão a
divulgação dos orçamentos nos portais eletrônicos
dos municípios.
Os administradores devem ter pleno conhecimento de suas atribuições, pois têm de estar
capacitados a administrar os recursos recolhidos
pela população (HITT, 1999). Entretanto, as estruturas de agência podem apresentar diversos
problemas econômicos e organizacionais. Um pro-
1
Teoria da Agência
blema de agência ocorre quando os objetivos dos
agentes e dos principais passam a não convergir
da maneira esperada pelos principais. A relação
O funcionamento das entidades brasileiras,
principal-agente pode levar ao oportunismo ad-
públicas e privadas, é semelhante em relação à
ministrativo, direcionamento os gestores a agir com
estrutura de utilização dos recursos de terceiros.
base em interesses de cunho pessoal (HITT, 1999).
As organizações modernas costumam funcionar
Assim, a Teoria da Agência passa a considerar
de maneira centralizadora, com pessoas dispostas
inexistente o agente perfeito ou a elaboração de
a investir seus recursos em fundos específicos, que
contratos completos, que não permitam desvio de
serão utilizados por um único gestor, tendo este a
conduta por parte dos agentes (MELLO, 2009).
atribuição de obter os melhores resultados possíveis
de acordo com a visão da população investidora.
É possível ainda estabelecer ligação entre as
esferas públicas e a Teoria da Agência, pois estão
É notável a existência da relação de agên-
satisfeitas as condições necessárias elencadas por
cia, que pode existir de maneira parecida entre
Slomski (1999): (I) O agente possui diversos com-
governo e sociedade, ou entre empresa e acionista,
portamentos a serem adotados; (II) A ação do
uma vez que, em ambos os casos, há um contrato
agente afeta os resultados para ambas as par-
sob o qual uma ou mais pessoas, denominadas
tes; e (III) A ação do agente dificilmente está
principais, engajam outras pessoas, agentes, para
sendo observada pelo principal, o que resulta em
desempenhar os serviços que envolvam delegação
assimetria informacional, que ocorre quando a
de decisão aos agentes (JENSEN; MECKLING,
capacidade de o principal monitorar o agente fica
1976). Ainda de acordo com Jensen e Meckling
interrompida por motivos conhecidos somente pelo
(1976), existe uma boa razão para se acreditar
agente, de acordo com Akdere e Azevedo (2006).
que o agente nem sempre agirá de acordo com
Segundo Mello (2009), assume-se que, com a exis-
os melhores interesses do principal. Essa estrutura
tência da assimetria informacional, a dificuldade
acontece sempre que uma das partes é admitida por
está em aceitar que o agente (gestor público)
Rev.
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45
de agência, já que estão envolvidas diretamente
A Teoria da Agência
relacionada ao Setor Público
em solucionar harmonicamente as diferenças entre
as partes envolvidas (HOPE, 2002). Baseando-se em Carvalho (2002), é possível concluir que
engloba a existência de
a Governança Corporativa é um conjunto de
contrato sob o qual a
processo decisório dentro de uma organização.
sociedade engaja o governo
da incidência dos problemas de agência aliada
para desempenhar funções,
princípios que impõem a maneira de realização do
Basicamente, são regras necessárias à diminuição
a uma boa política de divulgação de informação
sobre a execução dos recursos utilizados.
de modo a atingir o resultado
esperado pelos cidadãos.
O principal pode limitar a divergência de
interesses, estabelecendo incentivos ao agente,
como o reconhecimento de uma boa execução do
trabalho planejado. Todavia, é improvável que o
agente sempre se disponha a tomar decisões ótimas
do ponto de vista do principal. Logo, é necessário
tomará as decisões certas para atingir os interesses
do principal (sociedade) (SLOMSKI, 2009).
que a parte do principal fiscalize a gestão do
agente, para que não haja desvio de planejamento
na consecução das metas (EISENHARDT, 1989).
Assim, considerando as ideias de Slomski
(1999), tem-se que a Teoria da Agência relacionada
ao Setor Público engloba a existência de contrato
sob o qual a sociedade (principal) engaja o governo
(agente) para desempenhar funções, de modo
a atingir o resultado esperado pelos cidadãos
(principal). Como a relação entre sociedade e
governo envolve a aceitação de diversos contratos com alto grau de complexidade, faz-se necessária a elaboração de mecanismos capazes
de permitir ao cidadão acesso à fiscalização do
uso de recursos públicos por parte dos gestores
(SLOMSKI, 2003). Conclui-se, então, que a adoção
de medidas transparentes de gestão permite à
sociedade o acompanhamento mais detalhado
das realizações do Estado. A divulgação eficaz de
Os mecanismos de Governança Corporativa são capazes de reduzir drasticamente os conflitos de agência (GOSWANI, 2002). Entre eles, cabe
maior atenção para a ampla divulgação de relatórios e informações contábeis que possam traduzir
o desempenho obtido relativamente às atribuições
do agente (CABRI; FERRARI; LEONARDI, 2005).
Os princípios de Governança Corporativa exigem
que haja transparência em todo o processo decisório, assim como na avaliação dos objetivos conquistados (CHOUDRIE; GHINEA; WEERAKKODY,
2004). Dessa maneira, a sociedade será capaz de
estabelecer raciocínios críticos sobre os resultados
obtidos e sobre a gestão de seus recursos por parte
dos agentes.
informações é, portanto, essencial para garantir
que os cidadãos compreendam, de maneira mais
relevante, o desempenho dos gestores públicos
(MELLO, 2009; MOON, 2002).
46
2
Instrumentos de
Transparência Fiscal
As ações alinhadas à Governança Corporati-
A Lei de Responsabilidade Fiscal determina
va são soluções consideráveis para os problemas
que relatórios de gestão sejam disponibilizados ao
controle público, com o fim de que a arrecadação
à Lei de Diretrizes Orçamentárias funções de
e execução dos recursos públicos sejam avaliadas
planejamento operacional voltadas ao equilíbrio
pela população. A Lei de Responsabilidade Fiscal
entre receitas e despesas (SANTANA JUNIOR;
disponibilizou, em seu artigo 48, os instrumentos
LIBONATI; VASCONCELOS, 2009).
necessários à transparência dos atos da administração pública, entenda-se essa transparência
como ativa. A Controladoria Geral da União (CGU)
conceitua transparência ativa “como aquela que
a administração pública tem um custo para divulgar as informações e milhares de pessoas podem
acessar as informações disponibilizadas” (2012).
Os instrumentos exigidos são os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias, além
dos relatórios Resumidos da Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, inclusive as versões simplificadas desses instrumentos.
Seguindo as orientações impostas pela Lei
de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária
Anual deve estar atrelada à política econômico-financeira e à execução do planejamento de trabalho do governo, que deve ser prestada pelos
órgãos diretos e indiretos da Administração
(SANTANA JUNIOR; REIS, 2001). Giacomoni
(2005) afirma que a Lei Orçamentária Anual é
instrumento de curto prazo, que operacionaliza
os programas governamentais de médio prazo, os
quais são responsáveis por atingir o planejamento
imposto pelos planos nacionais, em que estão
O Plano Plurianual é uma lei de iniciativa do
definidas as metas, os objetivos e as políticas
Chefe do Poder Executivo e um instrumento de
básicas. Além disso, a Lei nº 4.320/1964 determina
ação do governo de médio prazo. Deve estabelecer,
que a organização da Lei Orçamentária Anual
de maneira regionalizada, as diretrizes, objetivos e
deve seguir orientações de orçamento-programa,
metas do governo para despesa de capital e para
definindo programas, subprogramas, projetos
as relativas aos programas de duração continuada
de execução da ação do governo por categorias
(ANDRADE, 2002). Tem sua utilidade para um
econômicas, por funções e por unidades orçamen-
período de quatro anos, a fim de que o governo
tárias (MILESKI, 2003).
execute seus projetos para a consecução dos
objetivos e metas fiscais. É importante destacar
que o plano plurianual é uma tendência das ações
do governo. Sendo assim, a Lei Orçamentária
Anual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias deverão
estar em consonância com as propostas oferecidas
pelo
Plano
Plurianual
(GATTRINGER,
2004;
O instrumento de
transparência fiscal
denominado Prestação de
GIACOMONI, 2005).
A Lei de Diretrizes Orçamentárias tem a
função de estabelecer metas e prioridades da
administração pública federal. Deve incluir despesas de capital e orientar a elaboração da Lei
Orçamentária Anual, contemplando os aspectos
da legislação tributária (CF, 1988, art. 165, § 2º).
De acordo com Silva (2004), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias é utilizada como instrumento de
planejamento operacional do governo, uma vez
Contas é um documento
em que o administrador
público demonstrará sua
situação organizacional
para a sociedade.
que a Lei de Responsabilidade Fiscal atribuiu
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47
O instrumento de transparência fiscal deno-
Se esses limites forem ultrapassados, a Lei de
minado Prestação de Contas é um documento
Responsabilidade Fiscal determina que medidas
em que o administrador público demonstrará sua
corretivas sejam tomadas imediatamente (CULAU;
situação organizacional para a sociedade. A pres-
FORTIS, 2006).
tação de contas realizada para a população deveria
ser a mesma informada pelos municípios aos
Tribunais de Contas, entretanto, os municípios divulgam apenas os aspectos que julgam relevantes
(CRUZ, 2006; SANTANA JUNIOR; LIBONATI;
VASCONCELOS, 2009).
A Lei de Responsabilidade Fiscal ainda
elenca duas modalidades de divulgação necessárias pelas entidades públicas: os Relatórios de
Execução da Receita e Despesa e os Relatórios
Relativos a Contratos e Convênios. Os Relatórios
de Execução da Receita e Despesa representa a
O Relatório Resumido de Execução Orça-
programação financeira e o cronograma de exe-
mentária tem de ser publicado até trinta dias
cução mensal de desembolso. Já os Relatórios
após o encerramento de cada bimestre, de
Relativos a Contratos e Convênios devem abranger
acordo com a Constituição Federal de 1988 (art.
detalhadamente as relações contratuais do Poder
165, § 3º) e deve abranger todos os Poderes da
Público com entidades privadas.
Administração Pública. Nesse sentido, o relatório
pretende demonstrar o comparativo de execução
das receitas de acordo com sua previsão. Segundo
Gattringer (2004), o Relatório Resumido de Execução Orçamentária deve ser publicado com
periodicidade, permitindo ao cidadão o controle,
o conhecimento, a análise e o acompanhamento
da execução orçamentária dos governos. Dessa
maneira, o cidadão tem a oportunidade de acompanhar, de modo transparente, a execução do
planejamento orçamentário do governo (SANTANA
JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009).
Da análise do art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe que os instrumentos
de transparência fiscal devem ser divulgados
também em versões simplificadas, percebe-se a
preocupação do legislador com a acessibilidade
da informação, ou seja, a redução das dificuldades
de entendimento por parte do cidadão. Nesse
sentido, a transparência de que fala a LRF é mais
do que simplesmente a publicidade dos dados
(GATTRINGER, 2004). A LRF determina que a
transparência deve ser assegurada, entre outras
maneiras, pelo incentivo à participação popular
O Relatório de Gestão Fiscal tem perio-
e realização de audiências públicas durante a
dicidade quadrimestral. Foi incluído pela Lei de
apreciação e elaboração de estratégias, da Lei de
Responsabilidade Fiscal, devendo ser emitido com
Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária
o intuito de fiscalizar todos que são dependentes
Anual (CULAU; FORTIS, 2006).
dos recursos do governo, no sentido de sempre
atingir o equilíbrio das contas públicas (SANTANA
JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). O
relatório deve abranger o comportamento da rea-
3
Procedimentos
Metodológicos
lização da receita e da execução da despesa, e o
detalhamento do alcance das metas e resultados,
48
como também o acompanhamento e evolução da
Neste artigo, foi utilizado o método indutivo,
dívida pública (GATTRINGER, 2004). O relatório
enfatizando-se a comprovação empírica do estudo,
deve conter, ainda, os níveis máximos de gastos
com procedimento de análise dos dados coletados
com pessoal, dívidas consolidada e mobiliária,
em amostragem investigativa acessando-se os
concessão de garantias e operações de crédito.
portais de transparência dos municípios.
O estudo pode ser considerado exploratório,
relação as suas respectivas regiões. Ou seja, um
já que mede os níveis de qualidade dos sites dos
estado de cada região brasileira foi selecionado,
municípios analisados quanto ao cumprimento das
sendo estes por obterem a nota mais baixa dentre
orientações dispostas pela Lei de Responsabilidade
os outros de suas respectivas regiões. Foi formada
Fiscal. As técnicas de observação foram essenciais
assim uma amostra de 28 municípios, sendo um
para o procedimento de coleta de dados, já que
do estado do Acre (Região Norte), três do estado
foi requerido exame detalhado das informações
do Piauí (Região Nordeste), quatro do estado
encontradas nos portais dos municípios. Foram
do Mato Grosso (Região Centro-Oeste), onze
utilizadas informações referentes à quantidade
do estado do Rio de Janeiro (Região Sudeste) e
de habitantes por município, tendo como fonte o
nove do estado de Santa Catarina (Região Sul).
censo demográfico do IBGE do ano de 2000.
Quanto ao tipo de amostragem, essa investigação
Foram identificados 299 municípios dentro
da faixa populacional de 50 e 100 mil habitantes.
Assim, para que os sites dos municípios fossem
analisados de maneira qualitativa, fez-se necessária
a delimitação de uma amostra dos municípios com
essa população. A seleção de amostragem envolveu
utiliza o não probabilístico, visto que a escolha dos
elementos da amostra foi realizada de forma não
aleatória, existindo um procedimento de seleção
dos elementos da população segundo critérios
preestabelecidos no referido ranking (CORRAR;
THEÓPHILO, 2008).
o trabalho desenvolvido por Biderman e Puttomatti,
O presente estudo, portanto, teve a cons-
pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, que
trução de um índice próprio de transparência, em
desenvolveram estudo para a Associação Contas
que os critérios utilizados para a avaliação dos sites
Abertas, (http://indicedetransparencia.com), que
de transparência dos municípios analisados foram
trata da criação de um índice que mede a transpa-
construídos com base no trabalho desenvolvido
rência aplicado aos sites de estados brasileiros.
por
De acordo com a metodologia abordada por
(2009), juntamente com o mencionado trabalho
Biderman e Puttomatti, o índice é calculado de
da Associação Contas Abertas. O índice foi com-
acordo com três considerações: (1) o conteúdo
posto com os critérios relativos à usabilidade dos
disponível no site, que corresponde a 60% do total;
sites, correspondendo a 30% do índice; com a
(2) a disponibilização de séries históricas, entre um
comprovação da divulgação dos instrumentos
e cinco anos, e a frequência da atualização, que
de transparência fiscal propostos pela Lei de
correspondem a 7% do total; (3) A usabilidade do
Responsabilidade Fiscal, correspondendo a 60%
portal, que representa 33% do total, em um total
do índice; e, por fim, com a constatação de séries
geral de 100%.
históricas dos dados e pela frequência de sua atuali-
Com base na criação do Índice de Transparência Estadual, pesquisadores da Associação
Contas Abertas desenvolveram um ranking, envolvendo todos os estados da Federação, ordenados
de acordo com a nota obtida por seu portal de
Santana
Junior,
Libonati
e
Vasconcelos
zação, correspondendo a 10% do índice (APÊNDICE
A). Os aspectos de pontuação utilizados para
a construção de cada categoria podem ser
encontrados nas descrições do QUADRO 1, bem
como no Apêndice A.
transparência. Assim, a amostragem escolhida
neste trabalho foi selecionada a partir do ranking
disponibilizado pela Associação Contas Abertas,
sendo escolhidos apenas os municípios dos estados que obtiveram as notas mais baixas em
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QUADRO 1 – Categorias de análise dos portais de transparência dos municípios
Categoria
Itens de Investigação
Pontos
O site do Portal apresenta a ferramenta de “Mapa do Sítio” ou “Busca” para facilitar a busca
30%
Aspectos do Portal
de informações por parte do usuário
O site apresenta glossário dos termos técnicos.
1
O glossário, se existir, facilita a compreensão das informações disponibilizadas
1
Há uma área com perguntas e respostas frequentes
1
O site do Portal divulga um e-mail ou formulário de contato institucional
1
O site do Portal divulga o contato com o Tribunal de Contas, o Ministério Público ou Câmara
10%
60%
Atualização
Frequência de
Instrumentos de Transparência Fiscal
Federal para incentivar denúncias
1
As informações apresentadas possibilitam interatividade (chat)
1
Existe possibilidade de download dos dados
1
Plano Plurianual
1
Lei de Diretrizes Orçamentárias
1
Lei de Orçamento Anual
1
Prestação de Contas
1
Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária
1
Relatório de Gestão Fiscal
1
Relatórios da Execução da Receita/Despesa
1
Relatórios Relativos a Contratos/Convênios
1
Dados em tempo real
1
Disponibilização de séries históricas de dados orçamentários e financeiros
1
Periodicidade de disponibilização de dados (diário, semanal, mensal e anual)
1
Total
19
FONTE: Bardin (2011); Geraldes (2006); Santana Júnior, Libonati e Vasconcelos (2009)
Assim, o total de pontos que os municípios
podem alcançar é 19, correspondendo à nota 10
no ranking de transparência municipal, a nota
máxima, conforme aplicação da fórmula elaborada
exclusivamente para este estudo:
50
1
IT =
ΣA1x3 + ΣA2x6 + ΣA3
7,5
Na fórmula, IT significa o índice de trans-
da Receita e Despesa). A técnica estatística de
parência obtido do município; A1 significa os
correlação é utilizada para analisar a relação entre
pontos obtidos no critério “Aspectos do Portal”;
as diversas variáveis existentes, ou seja, é uma
A2 significa os pontos obtidos no critério “Instru-
métrica que mede o relacionamento matemático de
mentos de Transparência Fiscal”; e A3 significa
duas variáveis. Os resultados obtidos podem indicar
os pontos obtidos no critério “Frequência de
correlação positiva, negativa ou nula. A correlação
Atualização”. Assim, a soma de pontos de cada
positiva apresenta uma relação direta entre as
critério multiplicado por seus respectivos pesos é
variáveis, enquanto a correlação negativa apresenta
dividida pelo número 7,5, a fim de criar uma escala
uma relação inversa. A correlação nula indica que
que obtenha como nota máxima o número 10.
as variáveis não estão relacionadas linearmente,
Para uma análise mais robusta dos dados
sendo o valor da correlação bastante próximo de
encontrados, pretende-se analisar a mediana dos
zero (CORRAR; THEÓPHILO, 2008). Desse modo,
índices de transparência encontrados, pois esta
poderá ser verificada a possibilidade de o cidadão
medida representa o valor situado de tal forma
conseguir relacionar o planejamento e a execução
no conjunto, que o separa em dois subconjuntos
por meio da análise dos instrumentos.
de mesmo número de elementos (CIENFUEGOS,
2005). Assim, será possível separar a metade da
4
amostra que teve desempenho superior da metade
da amostra que teve desempenho inferior. Seguindo
Portais de Transparência
Fiscal
a análise estatística, pretende-se analisar o desviopadrão das notas obtidas pelos municípios, uma vez
Seguindo as informações divulgadas pelo
que esta medida indica a dispersão dos elementos
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
em relação à média.
(IBGE), com base nos relatos emitidos previamente
Por fim, pretende-se analisar a correlação
entre
os
instrumentos
de
planejamento
ao Censo 2010, constata-se que o Brasil possui
(Lei
atualmente 5.565 municípios dispostos em cinco
Orçamentária Anual, Lei de Diretrizes Orçamentárias
regiões. Entre esses municípios, vinte e oito
e Plano Plurianual) e os instrumentos de gestão
foram selecionados para que seus portais fossem
(Relatórios Resumidos de Gestão Orçamentária,
analisados, conforme QUADRO 2.
Relatório de Gestão Fiscal e Relatórios de Execução
QUADRO 2 – Relação de municípios analisados
Região
Estado
Norte
Acre
Nordeste
Piauí
Centro-Oeste
Rev.
FA E ,
Município
Mato Grosso
C uritiba,
Continua
Nº
Portal Analisado
Cruzeiro do Sul
1
www.cruzeirodosul.ac.gov.br/transparencia
Floriano
2
www.floriano.pi.gov.br
Picos
3
www.picos.pi.gov.br
Piriri
4
www.piripiri.pi.gov.br/novo/
Barra do Garças
5
www.barradogarcas.com/2010
Cáceres
6
www.caceres.mt.gov.br
Sinop
7
www.sinop.mt.gov.br
Tangará da Serra
8
www.tangaradaserra.mt.gov.br
v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014
51
QUADRO 2 – Relação de municípios analisados
Região
Sudeste
Estado
Rio De
Janeiro
Município
Santa
Catarina
Nº
Portal Analisado
www.araruama.rj.gov.br/index.php/portal-da-
Araruama
9
Barra do Piraí
10
www.pmbp.rj.gov.br
Itaguaí
11
www.prefeituraitaguai.com.br
transparencia
Itaperuna
12
www.itaperuna.rj.gov.br
Japeri
13
www.japeri.rj.gov.br
Maricá
14
www.marica.rj.gov.br/transparencia/
São Pedro da Aldeia
15
www.cogemspa.com.br
Saquarema
16
www.transparencia.saquarema.rj.gov.br/pronimtb
Seropédica
17
Três Rios
Sul
Conclusão
18
www.seropedica.rj.gov.br
www.tresrios.rj.gov.br/v2007/n/info_
transparencia.php
Valença
19
www.valenca.rj.gov.br
Araranguá
20
www.ararangua.net/?acao=home
Balneário Camboriú
21
www.balneariocamboriu.sc.gov.br
Brusque
22
www.brusque.sc.gov.br/web/
Caçador
23
www.cacador.sc.gov.br/portal
Canoinhas
24
www.pmc.sc.gov.br
Concórdia
25
www.concordia.sc.gov.br
Rios do Sul
26
www.riodosul.sc.gov.br
São Bento do Sul
27
www.saobentodosul.sc.gov.br/novo
Tubarão
28
www.tubarao.sc.gov.br
FONTE: Os autores (2014)
Nas regiões Norte e Nordeste, foram ana-
Nas regiões Sul e Sudeste, foram analisados
lisados quatro municípios, pertencentes aos es-
vinte municípios, situados nos estados de Santa
tados do Acre e Piauí. Essas regiões mantêm,
Catarina e Rio de Janeiro. Juntas, essas regiões
juntas, 2.243 municípios, com aproximadamente
têm população estimada em 100 milhões de habi-
69 milhões de habitantes no total. A densidade
tantes, dividida em um total de 2.786 municípios.
demográfica é de 4,12 habitantes por quilômetro
Apesar de ocuparem território menor que o das
quadrado na região Norte, e de 34,15 habitantes
regiões Norte e Nordeste, apresentam população
por quilômetro quadrado na região Nordeste.
numericamente superior. Assim, a densidade de-
Na Região Centro-Oeste, foram analisados
mográfica da Região Sul é de 48,58 habitantes por
quatro municípios do estado do Mato Grosso.
quilômetro quadrado, e a densidade demográfica
Essa região possui 466 municípios, com o total
da Região Sudeste é de 86,92 habitantes por qui-
aproximado de 14 milhões de habitantes e densi-
lômetro quadrado.
dade demográfica na faixa de 8,75 habitantes por
quilômetro quadrado.
52
5
Análise dos Portais de Transparência Fiscal
Os portais de transparência fiscal dos 28 municípios analisados apresentam algumas falhas em comum
em relação à usabilidade. Por exemplo, conforme GRÁF. 1, em nenhum dos sites foi possível identificar
elementos como glossário de termos técnicos ou área em que estivessem postadas perguntas frequentes
feitas pelos usuários. Em nenhuma das páginas eletrônicas existe a possibilidade de conversação por meio de
chat e apenas 39,29% dos sites fornecem links de contato que incentivam denúncias de irregularidades, como
os links do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou da Câmara Federal.
GRÁFICO 1 – Aspectos do Portal
Campo de busca
Glossário
Glossário facilita entendimento
Perguntas frequentes
Contato institucuinal
Contato com MP Tribunal de Contas
Chat
Download de dados
0
20
40
60
80 100
FONTE: Os autores (2014)
Seguindo na análise do acesso aos portais pelos usuários, destacam-se os pontos positivos encontrados.
Por exemplo, a possibilidade de download dos dados disponíveis está presente em 60,71% dos sites, bem como
a divulgação de formulário de contato institucional e a presença de campo de busca que facilite a pesquisa no
percentual de 78,57% e 67,86% respectivamente, conforme disposições do GRAF. 1.
Nesse quesito da análise, cabe ressaltar o ponto negativo ao acesso ao portal de transparência do
município de Itaperuna/RJ. O site apresenta um link denominado “Contas Públicas”, entretanto, ao se acessar
o referido link, não é possível visualizar nenhuma informação, pois nenhuma das opções apresentadas funciona
corretamente. Cabe ressaltar também que o portal de transparência de Itaperuna recebeu destaque por ser um
dos três municípios a não somar nenhum ponto na análise dos portais, sendo considerado o pior na consolidação
do ranking dos municípios analisados. Os outros portais que não somaram pontos na análise foram os dos
municípios de Caçador e de Rio do Sul, ambos no estado de Santa Catarina, conforme TAB. 1.
A maior parte da composição do índice de transparência é dada pela divulgação dos instrumentos
de transparência fiscal citados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Na análise dos portais, nenhum dos
componentes deste quesito foi encontrado em percentual superior a 50% (GRÁF. 2). Por exemplo, em apenas
28,57% dos sites foi possível encontrar dados referentes ao Plano Plurianual e à Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O maior fator negativo do conjunto que representa a amostra do estudo é o fato de que não existe, em nenhum
dos portais analisados, divulgação do instrumento de transparência fiscal denominado Prestação de Contas.
Rev.
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v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014
53
O GRÁF. 2 aponta os percentuais de divulgação dos instrumentos de transparência fiscal pelos municípios.
GRÁFICO 2 – Instrumentos de transparência fiscal
Plano Plurianual
Lei de Diretrizes Orçamentárias
Lei de Orçamento Anual
Rel. Res. Execução Orçamentária
Relatório de Gestão Fiscal
Rel. Ex. da Receita/Despesa
Rel. Rel. a Contratos/Convênios
0
20
40
60
80
100
FONTE: Os autores (2014)
Nesse quesito de análise, é importante destacar que a porcentagem obtida pelos sites dos munícipios
foi bastante baixa. Os instrumentos denominados Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária, Relatórios
de Gestão Fiscal e Relatórios da Execução da Receita e Despesa são encontrados em apenas 42,86% dos
sites. A Lei Orçamentária Anual é apresentada em 32,14% dos portais, enquanto os Relatórios Relativos a
Contratos e Convênios são encontrados em 35,71%.
Os aspectos abordados nesse quesito são os portais de transparência dos municípios de Picos/PI, Piriri/
PI, Itaperuna/RJ, Saquarema/RJ, Seropédica/RJ, Valença/RJ, Caçador/SC e Rio do Sul/SC. Em todos eles não
há nenhuma divulgação de instrumentos de transparência fiscal (APÊNDICE A). Outro ponto importante
a destacar foi verificado no portal de transparência de Balneário Camboriú. Excluindo-se o instrumento
Prestação de Contas, este portal disponibiliza todos os outros instrumentos de transparência fiscal abordados
neste estudo e previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O portal de transparência de Balneário Camboriú
foi considerado pelo estudo o melhor dos portais, liderando o ranking proposto, conforme TAB. 1.
Quanto à frequência de atualização dos portais, nenhum dos municípios analisados disponibiliza suas
informações em tempo real (GRÁF. 3), contrariando o que define a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu
art. 48, parágrafo único, inciso II, em que são descritas maneiras de disponibilização dos dados financeiros do
Poder Público, quando estabelece a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em
tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público”.
GRÁFICO 3 – Frequência de atualização
Tempo Real
Séries Históricas
Periodicidade
0
FONTE: Os autores (2014)
54
20
40
60
80
100
Os outros componentes do quesito atingiram percentual próximo a 50%. Por exemplo, 46,43%
dos portais analisados disponibilizam séries históricas dos dados, considerando o mínimo de cinco anos
anteriores, ou seja, pelo menos a partir de 2007. Quanto à periodicidade de disponibilização dos dados,
diária, semanal, mensal ou anual, 57,14% dos municípios apresentam periodicidade correspondente a pelo
menos uma dessas frequências.
Entre os municípios que divulgam seus instrumentos de transparência fiscal, apenas dois não conseguiram
somar pontos neste quesito, Floriano/PI e São Pedro da Aldeia/RJ. Assim, de acordo com os critérios adotados
para a construção do índice de transparência e sua posterior aplicação aos sites dos municípios analisados, o
ranking de transparência adotado neste trabalho é disposto na TAB. 1.
TABELA 1 – Ranking geral dos municípios analisados
Clas.
Uf
Região
Município
Índice
Clas.
Uf
Região
Município
Índice
1º
SC
Sul
Balneário Camboriú
7,07
15º
SC
Sul
Brusque
3,33
2º
MT
Centro-Oeste
Tangará da Serra
6,67
16º
RJ
Sudeste
Araruama
3,20
3º
PI
Nordeste
Floriano
5,60
17º
AC
Norte
Cruzeiro do Sul
2,93
4º
MT
Centro-Oeste
Cáceres
5,47
18º
MT
Centro-Oeste
Barra do Garças
2,27
5º
SC
Sul
Tubarão
5,47
19º
RJ
Sudeste
Japeri
2,13
6º
MT
Centro-Oeste
Sinop
5,07
20º
RJ
Sudeste
Três Rios
1,73
7º
SC
Sul
Araranguá
5,07
21º
RJ
Sudeste
Valença
1,20
8º
RJ
Sudeste
Maricá
4,53
22º
PI
Nordeste
Picos
0,80
9º
SC
Sul
Concórdia
4,27
23º
PI
Nordeste
Piriri
0,80
10º
RJ
Sudeste
São Pedro da Aldeia
4,00
24º
RJ
Sudeste
Saquarema
0,80
11º
RJ
Sudeste
Itaguaí
3,87
25º
RJ
Sudeste
Seropédica
0,80
12
SC
Sul
Canoinhas
3,87
26º
RJ
Sudeste
Itaperuna
0,00
13º
SC
Sul
São Bento do Sul
3,87
27º
SC
Sul
Caçador
0,00
14º
RJ
Sudeste
Barra do Piraí
3,47
28º
SC
Sul
Rio do Sul
0,00
FONTE: Os autores (2014)
As notas obtidas pelos municípios estão bastante abaixo do esperado pelas atribuições da Lei de
Responsabilidade Fiscal. A mediana encontrada pelo estudo foi de 3,4, separando-se a metade da amostra com
resultados superiores da metade da amostra que apresenta resultados mais baixos, ou seja, entre os municípios
de Barra do Piraí/RJ e Brusque/SC. O desvio-padrão encontrado foi de 2,08, que simboliza a dispersão dos
valores em relação à média, que, no caso, é de 3,15. O desvio-padrão é alto quando comparado com a média,
esse fato comprova que existe grande diferença entre os níveis de transparência dos municípios.
No intuito de investigar a existência da relação entre a divulgação dos instrumentos de planejamento
e a divulgação de informações de gestão, foi utilizada a técnica estatística de correlação linear. O resultado
encontrado foi a correlação de 0,067, ou seja, valor bastante próximo de zero, o que significa que não existe
relação direta ou indireta entre a divulgação de instrumentos de planejamento e a divulgação de instrumentos
Rev.
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55
de gestão. De acordo com a métrica utilizada
municipais estão cumprindo apenas em parte suas
pelo estudo, não há padrão na divulgação de tais
obrigações legais, pois disponibilizam nos portais
instrumentos fiscais. Diante da amostra analisada,
de transparência de seus municípios apenas
é possível concluir que, na maioria dos municípios
alguns instrumentos de transparência fiscal. Não
que divulgam informações fiscais, pode ser que o
existe preocupação de que o usuário entenda os
cidadão tenha dificuldade em extrair conclusões
dados divulgados, ou seja, não há predisposição
significativas a respeito da comparação entre o
dos gestores em divulgar informações fiscais de
planejamento de governo e a gestão estatal.
maneira clara e conclusiva para a sociedade. É
possível perceber que nos portais faltam avaliações
de desemprenho, não havendo nenhum controle
Considerações Finais
superior capaz de avaliar e discutir tais questões
com os gestores dos sites.
O estudo realizado permite perceber que
os gestores municipais, na totalidade da amostra,
demonstram preocupação em manter disponível
um portal de transparência fiscal. Verifica-se
que o cumprimento da LRF não está sendo garantido na maioria dos municípios pesquisados.
A
qualidade
da
disponibilização
dos
dados
encontra-se comprometida, porque na maioria
dos municípios estudados existe baixo percentual
de transparência.
É possível afirmar que os usuários que não
estão habituados à linguagem técnica ou que
não têm conhecimento suficiente dos termos
empregados nos planos e leis orçamentárias não
conseguem chegar a conclusões completamente
acertadas quanto aos dados disponibilizados. Por
exemplo, o fato de não existir nenhum glossário
ou área de perguntas frequentes nos 28 sites
Este estudo sugere que os portais sejam
avaliados e que o feedback seja dado pelos principais na relação de agência, uma vez que são eles
os maiores beneficiários da disponibilização eficaz
das informações prestadas pelos municípios.
Cabe ressaltar ainda o papel da contabilidade
governamental como sistema de informações, de
modo a tornar possível a instauração de gestão
pública remodelada, participativa, acessível e que
assegure os melhores níveis de transparência
governamental.
A realização do trabalho foi limitada à análise de parte dos municípios com população na
faixa entre 50 e 100 mil habitantes. Diante disso,
podemos inferir que o resultado final do estudo
poderia ser diferente, caso fosse analisada toda a
população de municípios que se encaixam nesta
faixa populacional.
investigados evidencia a possível dificuldade de
Assim, torna-se necessário a realização de
análise de pessoas leigas no assunto. Acresça-
pesquisas futuras relacionadas aos assuntos tra-
se a isso o fato de que a disponibilização dos
tados. Além disso, considera-se relevante reaplicar
relatórios não está completa, conforme exige a
o estudo de modo a observar a evolução dos
LRF e alguns portais não divulgam nenhum dos
portais de transparência dos municípios, pois al-
instrumentos de transparência fiscal. Outro ponto
guns podem estar em fase de adaptação, já que a
que contraria a LRF é que nenhum dos municípios
obrigação legal é bastante recente.
divulga suas informações em tempo real. Quanto
a esse quesito, pode-se afirmar que os preceitos
estabelecidos em lei não estão sendo cumpridos.
É possível, pois, concluir que os gestores
56
•
Recebido em: 27/05/2013
•
Aprovado em: 01/07/2013
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60
2
3
4
5
6
7
8
PONTOS
30%
10%
100%
60%
Frequência de Atualização
1
AC
O site do portal apresenta a ferramenta “Mapa do Sítio” ou
“Busca” para facilitar a busca de informações doo usuário
1
1
1
1
1
0
1
1
1
O site apresenta glossário dos termos
1
0
0
0
0
0
0
0
0
O glossário, se existir, facilita a compreensão das
informações disponibilizadas
1
0
0
0
0
0
0
0
0
Há uma área com perguntas e respostas frequentes
1
0
0
0
0
0
0
0
0
O site portal divulga um e-mail ou formulário de contato
institucional
1
1
1
1
1
1
1
1
1
O site portal divulga o contato com o Tribunal de contas,
o Ministério Público ou Câmara Federeal para incentivar
denúncias
1
1
1
0
0
0
0
1
1
As informações apresentadas possibilitam interatividade
(chat)
1
0
0
0
0
0
0
0
0
Existe possibilidade de download de dados
1
0
1
0
0
0
1
1
1
Plano plurianual
1
0
1
0
0
0
1
1
1
Lei de diretrizes orçamentárias
1
0
1
0
0
0
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1
1
Lei do orçamento anual
1
0
1
0
0
0
1
1
1
Prestação de contas
1
0
0
0
0
0
0
0
0
Relatórios resumidos da execução orçamentária
1
1
1
0
0
1
1
0
1
Relatório de gestão fiscal
1
1
1
0
0
1
1
0
1
Relatórios de execução da receita/despesa
1
0
0
0
0
0
0
1
0
Relatórios de execução da contratos/onvênios
1
0
0
0
0
0
0
0
1
Dados em tempo real
1
0
0
0
0
0
0
0
0
Disponibilização de séries históricas de dados
orçamentários e fincanceiros
1
0
0
0
0
1
1
1
1
Periodicidade de disponibilização de dados (diário,
semanal e anual)
1
1
0
0
0
1
1
1
1
19
6
9
2
2
5
10
10
12
10
2,93
5,6
0,8
0,8
2,27
5,47
5,07
6,67
%
Total
Instrumentos de Tranparência
Aspectos do Portal
Categoria
Apêndice – A
ITENS DE INVESTIGAÇÃO
PI
MT
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
RJ
24
25
26
27
28
SC
0
0
0
1
1
1
0
1
1
0
1
1
1
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0
0
0
0
1
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
0
1
0
1
1
0
1
1
0
0
1
1
0
0
0
1
1
0
1
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2
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12
7
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8
0
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3,47
3,87
0
2,13
4,53
4
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0,8
1,73
1,2
5,07
7,07
3,33
0
3,87
4,27
0
3,87
5,47
Rev.
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v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014
61
Valores organizacionais sob a
ótica dos colaboradores de uma
Instituição de Ensino Superior
Organizational values under the perspective of employees of an
Institution of Higher Education
Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior
Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher Education
Aleksander Roncon1
Denise Del Prá Netto Machado2
Luciano Castro de Carvalho3
Marcia Regina Santiago Scarpin4
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a percepção dos valores organizacionais
sob a ótica dos colaboradores em uma instituição de ensino superior (IES).
Para tanto, foi realizada uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal,
com levantamento de dados primários, com a aplicação de questionário.
Os dados foram analisados por meio de médias e desvios padrões, além
da análise discriminante múltipla. Como principais resultados foi possível
identificar que o valor organizacional conformidade foi considerado o mais
importante pelos funcionários da IES, indicando respeito pelas regras e
normas da instituição e manutenção do status quo.
Palavras-chave: Valores Organizacionais. Valores Pessoais. Instituição de
Ensino Superior.
Abstract
The purpose of this paper is to analyze organizational values perception
from an employee’s outlook in a Higher Education Institution (HEI). Was
performed a quantitative, descriptive, transverse research with primary
data collection through survey application. Data was analyzed using means
and standard deviations, as well as multiple discriminant analysis. As main
results, was found compliance to be considered the most important
organizational value by HEI’s employees, indicating respect for rules and
regulations of the institution and maintenance of the status quo.
Keywords: Organizational Values. Personal Values. Higher Education Institution.
1
Mestre em Administração pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Coordenador do Curso
de Administração da Faculdade Arthur Thomas – Londrina/PR. E-mail: [email protected].
2
Pós-Doutorado em Administração (PPGA) – Universidade de Brasília (UnB), Doutora em
Administração - EAESP/FGV-SP, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Administração
– PPGAd - Universidade Regional de Blumenau – FURB. E-mail: [email protected].
3
Doutorando em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista FAPESP.
E-mail: [email protected].
4
Doutoranda em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista CAPES.
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
63
Introdução
Introdução
se esforçam para tentar realizar seus projetos corporativos, produzem e transmitem valores que se
transformam em elementos expressivos da cultura
Atualmente, experimenta-se um ambiente
organizacional. Conhecer esses valores significa ter
organizacional repleto de profundas e constantes
formas de acesso a aspectos subjetivos da vida or-
mudanças. Nesse cenário, para sobreviverem e
ganizacional, condicionadores da cultura.
se manterem competitivas, as organizações enfrentam desafios, como alterações do ambiente
de trabalho, novos modelos de estrutura, ou ainda,
práticas e políticas de gestão fundamentadas no
relacionamento interpessoal e no desenvolvimento
do potencial humano.
Portanto, compreender o modo como os
valores atribuem significado para o êxito organizacional tornou-se altamente relevante frente às
necessidades apresentadas pelo mundo contemporâneo (TAMAYO; GONDIM, 1996). Já que para
alcançar seus objetivos, as organizações precisam
Como resultado, inovações são geradas por
se constituir de pessoas capazes de reconhecer
grupos e implementadas de forma a se posicionar
estes valores, cumprir a missão organizacional,
diferentemente sobre velhos problemas, integrando
atingir sua visão e administrar seus recursos para
os colaboradores nas decisões organizacionais.
superar metas.
Estas ações deliberadas e aplicadas exigem estruturas descentralizadas, ágeis e flexíveis, com princípios e visões compartilhadas, para que assim os
objetivos propostos sejam alcançados.
Os valores apresentam-se como direcionadores nas decisões dos indivíduos, responsáveis
por definir o que é desejável entre todas as opções
disponíveis para determinado contexto. Eles for-
É da qualidade do capital humano, da capa-
necem um senso de direção comum a todos os
cidade de uma equipe em criar, inovar, acelerar, agir
empregados e um guia para o comportamento
primeiro e melhor, que surge a vantagem daquelas
humano
que conseguem manter seu espaço e seus valores
TAMAYO, 1998; SANTOS; ROSSO, 2004; TAMAYO;
em tempos de crise. À medida que as organizações
PORTO, 2005; PEREIRA, 2006). Tornando-se um
diário
(BILSKY;
SCHWARTZ,
1994;
poderoso instrumento para explicar o comportamento das organizações e seus membros. Diante
desse cenário, observa-se que os valores são
À medida que as
organizações se esforçam
para tentar realizar seus
projetos corporativos,
partes constituintes fundamentais na composição
da cultura organizacional e são reconhecidos por
meio da percepção que os colaboradores têm de
uma organização no momento em que o assumem
como elementos representativos dela.
Com isso, este estudo justifica-se pelo fato
produzem e transmitem
dos indivíduos constituírem o meio pelo qual se in-
valores que se transformam
nas decisões. Os valores percebidos e internaliza-
troduz a inteligência nos negócios e a racionalidade
em elementos expressivos da
dos pelos colaboradores de uma organização atri-
cultura organizacional.
determinadas situações, tornando-se indispensável
buem significado ao modo de agir das pessoas em
para a obtenção de êxito organizacional.
64
As organizações
Nesta perspectiva, este estudo tem como
objetivo analisar a percepção dos valores orga-
procuram selecionar
nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma
instituição de ensino superior (IES).
1
novos funcionários que
apresentam modelos
Referencial Teórico
mentais mais próximos
a seus valores, de
modo a facilitar sua
1.1 Valores
socialização.
Os
valores
são
considerados
um
dos
elementos constitutivos da cultura organizacional,
que por sua vez, representa um conjunto de
símbolos, cerimônias e mitos que transmitem os
valores e crenças subjacentes da organização
a seus colaboradores (OUCHI, 1982). Com base
nestes pressupostos, Schein (1984) desenvolveu
um esquema que analisa a cultura organizacional
por meio de seus componentes, explicando que
cada cultura se apresenta em três níveis distintos:
os artefatos, os valores compartilhados e os
pressupostos básicos.
Os valores são componentes fundamentais
da cultura organizacional, exercendo sobre ela uma
função de integração organizacional. Segundo
Schein (1987), eles formam o núcleo da cultura
e são percebidos facilmente pelos membros da
organização, que os reconhecem e os assumem
como característicos dela. O conceito de valores
surge das reflexões sobre os significados que
os valores pessoais apresentam no sentido de
pessoas se comunicam. Os valores pessoais são
representações cognitivas das necessidades dos
indivíduos, enquanto os valores organizacionais
representam as necessidades das organizações,
que orientam o funcionamento e a vida desta
(TAMAYO,
1998;
PEREIRA,
2006;
TEIXEIRA,
2008). Nesse sentido, os valores se tornam um
instrumento capaz de explicar o comportamento
das organizações e seus membros.
Como consequência, as organizações procuram selecionar novos funcionários que apresentam modelos mentais mais próximos a seus valores, de modo a facilitar sua socialização (O’REILLY
et al., 1991). Modelos mentais diferentes provocam,
inevitavelmente, percepções diferentes da organização, do comportamento e da forma como as
tarefas profissionais devem ser executadas (ROS;
GOUVEA, 2006).
direcionar o comportamento dos indivíduos, o
âmbito organizacional e suas respectivas culturas, e
revelam que o ser humano não é indiferente diante
1.2 A Teoria de Valores de Schwartz
da realidade em que vive (SCHWARTZ; BILSKY,
1987). Eles ainda atribuem significado à cultura
Na teoria de valores de Schwartz, os valores
existente em cada organização. São representações
pessoais encontram maior relação com os estudos
das metas humanas que coordenam seu com-
organizacionais, no sentido em que avança em
portamento, além de direcionar a forma como as
direção à hierarquia de valores (ROS; GOUVEA,
Rev.
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v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
65
2006) e busca identificar o significado do trabalho
na vida das pessoas, bem como o modo que este
as tradições. No outro eixo, a dimensão Autopromoção
versus Autotranscendência, mostra o conflito entre uma
orientação voltada para os interesses próprios em contraste
significado influência a prioridade dos valores
com uma orientação para considerar os interesses dos
culturais (SCHWARTZ, 1999).
outros, quer sejam indivíduos ou coletividades.
Um sistema de valores pode ser percebido
Schwartz (1999) propôs ainda uma teoria
por meio de uma estrutura bidimensional e bipolar,
composta por três dimensões bipolares: a natu-
contendo dez tipos motivacionais representados
reza das relações entre indivíduo e o grupo; o
por meio de uma apresentação gráfica circular
comportamento responsável que vise preservar a
que demonstra as diferenças e semelhanças entre
sociedade e a relação da humanidade ao mundo
os tipos motivacionais (SCHWARTZ, 1992). Ilustra-
natural e social. E, por sete tipos de valores pelos quais
-se esta estrutura por meio da FIG. 1.
as culturas possam ser comparadas: a harmonia, o
FIGURA 1 – Valores Pessoais: modelo teórico das relações entre os tipos motivacionais, tipos de
valores de ordem superior e dimensões de
valores bipolares
igualitarismo, a autonomia intelectual, a autonomia
efetiva, o domínio, hierarquia e o conservadorismo,
que definem a estrutura dos valores organizacionais
sob a ótica dos empregados.
Esse conjunto de postulados não implica
ia
Seg
uran
ça
em torno dessas três dimensões (ROS; GOUVEA,
2006). A FIG. 2 apresenta a estrutura teórica dos
sete tipos de valores.
FIGURA 2 – Estrutura teórica dos tipos de valores
er
d
Po
ism
ção
o
on
Tradição
nev
olê
Be
lação
Harmonia
Re
al
d
He
de
ida
m
or
nf
Co
iza
Abertura
minação
organizações, mas sim, que eles se organizam
Conservação
o
lism
rsa
ive
nc
Un
Autodet
er
Estimu
que os valores sejam os mesmos em todas as
FONTE: Schwartz (1992, adaptado)
Igualitarismo
Conservadorismo
A estrutura de valores de Schwartz (1992)
apresenta quatro grandes ordens, formando duas
dimensões conceituais básicas: abertura à mu-
Hierarquia
Domínio
dança versus conservação e autopromoção versus
autotranscendência, que representam as relações
de conflito entre os tipos motivacionais específicos
de valores.
Segundo Teixeira (2008, p. 82):
O eixo da dimensão Abertura à Mudança versus Conservação enfatiza o contraste entre a motivação para seguir
o interesse próprio em direções imprevistas e incertas,
66
FONTE: Schwartz (1999, adaptado)
A primeira dimensão refere-se à definição da
natureza das relações entre o indivíduo e o grupo.
Aborda a polaridade entre o valor “conservadorismo”, enfatiza aspectos culturais da manutenção da
posição social dentro da organização e a “autono-
com o desejo de manter o status quo e a segurança em
mia” representada pelas culturas. Nestas, as pes-
relacionamentos com o próximo, com as instituições e
soas são vistas como autônomas e encontram sen-
tido em sua individualidade. Este valor subdivide-se
explicam que a verdadeira realidade organizacional
em “autonomia intelectual”, e se refere à indepen-
não é objetiva, mas representada e construída.
dência das ideias e “autonomia efetiva”, que busca
Cada ator organizacional assume um papel ativo na
a independência individual e aspiração de experiên-
construção dessa realidade por meio de diversos
cias positivas (SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006).
esquemas interpretativos descritos na cultura de
Conforme Schwartz (1999) e Soares (2006),
uma organização.
garantir um comportamento responsável que
Schwartz (1999) considera a dimensão cul-
vise preservar a sociedade refere-se à segunda
tural de valores mais adequada, comparada à
dimensão, composta pelo valor “hierarquia”, que
dimensão individual, para o entendimento do sig-
trata da legitimação da distribuição desigual do
nificado do trabalho, visto que a primeira, por ser
poder, regras e recursos e pelo valor “igualitarismo”,
constituída pela sociedade ou grupo cultural, não
que visa à transcendência dos interesses próprios
sofre o impacto das diferenças de prioridade de
em prol do bem-estar dos outros.
valores pessoais (SOARES, 2006).
A terceira dimensão representa a relação
entre a humanidade e o mundo natural e social e é
dividido pelo valor “domínio”, enfatizando valores
pessoais como ambição, sucesso e ousadia e o valor
1.3 Abordagem Fundamentada em
Valores Pessoais
“harmonia” que identifica o ajuste harmônico com
o meio ambiente, com destaque para a integração
com a natureza e proteção ao meio ambiente
(SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006).
Os valores pessoais são considerados indicadores das motivações das pessoas, em que as
prioridades axiológicas dos membros da orga-
A análise das três dimensões bipolares e
nização podem determinar a quantidade de
seus respectivos valores possibilita a cada empre-
esforço individualmente despendido para realizar
gado identificar quais deles predominam em sua
um determinado comportamento, bem como a
organização, bem como, detectar diferenças entre
persistência em sua execução (OLIVEIRA; TAMAYO,
os valores internos e os de outras empresas
2004). Berger (2004) aponta que as regras de
(TAMAYO et al., 2000).
comportamento estabelecidas por meio de acordos
Os valores adotados pelas organizações
para referenciar suas práticas refletem o que seu
corpo diretivo realmente acredita ser a realidade de
sua organização, ou o que eles gostariam que as
entre as pessoas de um grupo, determinam as
situações sociais que produzem pressões com
a intenção de garantir que as pessoas deem as
respostas esperadas e adotadas pela sociedade.
partes interessadas acreditassem ser a organização
A organização hierárquica dos valores indi-
(KABANOFF; DALY, 2002). Considerando que as
ca o grau de preferência por determinados com-
prioridades dos valores culturais são compartilha-
portamentos, metas ou estratégias. Dessa forma,
das, os gestores das instituições podem selecionar
as prioridades axiológicas distinguem uma organi-
comportamentos socialmente adequados e justifi-
zação da outra, conforme a escala de importância
car suas escolhas comportamentais aos demais.
dos valores, atribuída pelo corpo funcional de cada
Essas considerações permitem estudar os
organização (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
valores organizacionais a partir da representação
A função dos valores é auxiliar na construção
mental dos empregados em relação ao sistema
de modelos que servem de orientação para as ne-
axiológico da empresa. Ros e Gouvea (2006)
cessidades humanas, abordadas tanto sob as formas
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Os indivíduos
transportam seus valores
pessoais para dentro das
organizações assim que
são contratados e os
valores organizacionais
são formados a
partir de seus valores
pessoais.
sobre pessoas, recursos e mercado; (iv) bem-estar:
valorização da satisfação dos empregados mediante
a qualidade de vida no trabalho; (v) tradição:
valorização dos costumes e práticas consagradas;
(vi) prestígio: valorização do prestígio organizacional
na sociedade, mediante a qualidade de produtos;
(vii) autonomia: valorização de desafios, a busca
de aperfeiçoamento constante, a curiosidade, a
variedade de experiências e a definição de objetivos
profissionais dos empregados; (viii) preocupação
com a coletividade: valorização do relacionamento
com pessoas que estão próximas da comunidade.
Sob o ponto de vista conceitual, os valores
pessoais e os organizacionais apresentam compo-
de expressar as necessidades humanas, tanto quan-
nentes motivacionais, cognitivos, hierárquicos e
to um guia padrão de atividades no sentido de solu-
sociais semelhantes (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004)
cionar conflitos e tomar decisões (SOARES, 2006).
e guiam a vida das pessoas e das organizações,
Eles criam comportamentos e atitudes semelhantes
cada qual sob seu respectivo valor.
entre os empregados que, associados ao funcionamento e missão da organização, auxiliam na cons-
2
trução de uma identidade organizacional.
Os indivíduos transportam seus valores
Procedimentos
Metodológicos
pessoais para dentro das organizações assim que
são contratados e os valores organizacionais são
formados a partir de seus valores pessoais. Existe,
entre
os valores pessoais e os valores organizacionais.
dos colaboradores em uma instituição de ensino
A coexistência cotidiana entre eles no ambiente
superior (IES). Para tanto, realizou-se a pesquisa
organizacional constituiu um elemento suficiente
quantitativa, descritiva, transversal, por meio de
para justificar que Oliveira e Tamayo (2004) utili-
levantamento de dados primários, com a aplicação
zassem o sistema motivacional de valores pessoais
de questionário. Richardson (1989) afirma que o
proposto por Schwartz (1992) e assim, construir
método quantitativo, como o próprio nome indica,
e validar uma escala de medida de valores
caracteriza-se pelo emprego da quantificação
organizacionais, o Inventário de Perfis de Valores
tanto nas modalidades de coleta de informações,
Organizacionais (IPVO), constituído pelos valores:
quanto no tratamento dessas, por meio de técnicas
(i) realização: a valorização da competência pa-
estatísticas, desde as mais simples, como percentual,
ra o alcance do sucesso da organização e dos
média, desvio-padrão, às mais complexas, como
empregados; (ii) conformidade: valorização do res-
análise discriminante, correlação canônica etc. Hair
peito às regras e modelos de comportamento no
Jr. et al. (2005) explicam que a pesquisa descritiva
ambiente de trabalho e no relacionamento com outras
têm seus planos estruturados e especificamente
organizações; (iii) domínio: valorização do poder,
criados para medir as características descritas em
tendo como meta a obtenção de status, controle
uma questão de pesquisa.
portanto,
68
O principal objetivo deste estudo foi analisar
a percepção dos valores organizacionais sob a ótica
uma
similaridade
motivacional
A técnica utilizada foi survey, com escala lirket de seis pontos, que se baseia no questionamento aos
participantes com perguntas fechadas. O instrumento de pesquisa utilizado foi o questionário, já consolidado,
elaborado e praticado por Oliveira e Tamayo (2004) e Tamayo et al. (2000), que deram origem ao Inventário
de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO).
Oliveira e Tamayo (2004) desenvolveram o IPVO em quatro etapas, que resultou em um dos questionários
utilizados por este estudo, contendo 48 itens em uma escala não numérica, distribuídos em oito fatores
(QUADRO 1).
QUADRO 1 – Fatores motivacionais do inventário de perfis de valores organizacionais
Fator/Valor
Aspectos
1
Realização
Competência e sucesso da organização e dos empregados.
2
Conformidade
Respeito às regras e modelos de comportamento no ambiente.
3
Domínio
Valorização do poder, status, controle sobre pessoas, recursos e mercado.
4
Bem-estar
Satisfação dos empregados mediante a qualidade de vida no trabalho.
5
Tradição
Valorização dos costumes e práticas consagradas.
6
Prestígio
Valorização do prestígio organizacional.
7
Autonomia
Desafios, aperfeiçoamento constante e curiosidade.
8
Preocupação com a coletividade
Valorização do relacionamento com pessoas.
FONTE: Tamayo (2004)
O objeto para a aplicação desta pesquisa
tionários, perfazendo uma amostra consolidada de
foi uma IES escolhida por seu tempo de existência,
respondentes de 88,60%, com erro amostral de 4%.
crescimento e representatividade na Região Norte
do Paraná. Suas atividades tiveram início em 2002,
com realização de cursos de Pós-Graduação Lato
Sensu inéditos na região. Em 2007 vieram os cur-
Em relação à análise dos dados, pode-se
afirmar que os recursos utilizados estão baseados na estatística multivariada e sua apresenta-
sos de graduação, e, em 2008, a consolidação do
ção foi disponibilizada em tabelas e textos des-
grupo com a construção de seu campus institucio-
critivos. Apresentou-se uma tabela com o perfil
nal. Atualmente a IES funciona com os cursos de
dos respondentes para melhor caracterização da
Graduação em Administração e Direito, com apro-
amostra estudada e analise das relações de pro-
ximadamente 1.000 discentes.
porcionalidade entre grupos (tempo de trabalho,
A amostra constitui-se de diretores, coorde-
cargos e gênero).
nadores, professores e colaboradores da IES. Dos
Dados descritivos foram apresentados das
70 colaboradores que compõem o quadro de fun-
percepções dos funcionários a respeito dos valo-
cionários da organização, 62 responderam os ques-
res organizacionais por meio das médias e des-
Rev.
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v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
69
vios -padrões, indicando maior ou menor percep-
Lambda e quanto menor o F-ANOVA (desejável
ção dos valores e a amplitude da divergência de
ser menor que 0,05), mais discriminante será a
percepções entre os funcionários.
variável (HAIR JR. et al., 2005).
A fim de verificar diferenças de percepções
Dentre as limitações da pesquisa, destaca-se
de valores, estabeleceram-se grupos de análises.
que foi aplicada em um grupo restrito de indivíduos,
Desta forma, foram criados grupos em relação
não sendo assim passível de generalizações; e sua
ao perfil dos respondentes, tais como tempo de
aplicação se deu em uma única IES, impossibilitando
trabalho (grupo 1: menos de 6 meses trabalho;
estender seus resultados para outras instituições.
grupo 2: mais de 6 meses de trabalho), cargos
(grupo 1: acadêmicos; grupo 2: diretor, coordenador;
3
grupo 3: administrativo; grupo 4: outros) e gênero
Análise de Dados
(grupo 1: feminino; grupo 2: masculino).
Foram verificadas as diferenças de percep-
Inicialmente, levantou-se a caracterização do
ções por teste de igualdade das médias, levando
perfil dos respondentes na organização pesquisada.
em consideração o coeficiente Wilks’ Lambda (es-
No total foram 62 funcionários, envolvendo cargos
tatística U) e o teste F-ANOVA. O coeficiente Wilks’
acadêmicos, administrativos, diretoria/coordenação
Lambda implica na análise univariados, neste caso
e outros. Verificou-se dentre os pesquisados que
cada um dos valores organizacionais, indicando a
58% são do gênero feminino e 42% do gênero
habilidade discriminante de cada um deles entre
masculino. Embora haja diferença de 16% entre
grupos. O teste F-ANOVA auxilia no entendimento
o número de homens e mulheres, não se pode
e análise do coeficiente Wilks’ Lambda por apre-
evidenciar tal discrepância na função acadêmica
sentar o nível de significância de cada variável, que
em que 51% são mulheres e 49% são homens.
pode indicar diferenças relevantes entre grupos.
Nos demais cargos há predominância feminina,
conforme TAB. 1.
Os critérios da interpretação destes testes
indicam que quanto menor o coeficiente Wilks’
TABELA 1 – Perfil dos respondentes
Cargos
Menos de 6 meses
Total
%
Fem
Masc
Fem
Masc
Fem
Masc
Total
F
M
Acadêmico
10
10
8
7
18
17
35
51
49
Administrativo
4
2
4
1
8
3
11
73
27
1
1
3
2
4
3
7
57
43
Outros
4
1
2
2
6
3
9
67
33
Subtotal
19
14
17
12
36
26
62
58
42
Diretor/
Coordenador
Total
33 (53%)
FONTE: Os autores (2012)
70
Mais de 6 meses
29 (47%)
62 (100%)
Destaca-se ainda que, no momento da pesquisa, grande número de funcionários (53%) ainda não havia
completado um semestre letivo de trabalho na instituição de ensino, sendo que 60% destes são professores
(acadêmicos). Desta forma, pode-se apresentar que a instituição de ensino pesquisada possui quadro de
funcionários que se divide homogeneamente em dois grupos: o primeiro com menos de 6 meses de trabalho
(grupo 1) e o outro com mais de 6 meses de trabalho (grupo 2).
Para alcançar o objetivo deste estudo, que é analisar a percepção dos valores organizacionais sob a
ótica dos colaboradores em uma IES, foram realizadas as médias dos respondentes, considerando a ferramenta
do IPVO de Oliveira e Tamayo (2004), apresentada na TAB. 2.
TABELA 2 - Média total da amostra por fator motivacional (IPVO) e dimensão de Schwartz
Fator motivacional (IPVO)
Dimensão de Schwartz (1992)
Média
Desvio Padrão
Conformidade
Conservação
3,93
1,22
Realização
Autopromoção
3,78
1,40
Preocupação com a coletividade (sociedade)
Autotranscendência
3,77
1,39
Prestígio
Autopromoção
3,52
1,27
Autonomia
Abertura
3,50
1,38
Domínio
Autopromoção
3,35
1,36
Tradição
Conservação
2,45
1,36
Bem-estar
Abertura
2,08
1,57
FONTE: Os autores (2012)
Conforme TAB. 3, a conformidade é o fator
análise das assertivas que compõem este fator, ob-
motivacional de maior importância para a amostra
serva-se que a maior similaridade encontrada pela
de funcionários da IES, com a maior média 3,93.
amostra de funcionários pesquisada está na honesti-
Este fator motivacional descreve o modo pelo qual
dade das pessoas em dizer a verdade como parte do
os indivíduos agem, considerando as expectativas
princípio da organização e o valor empregado ao re-
sociais e tendo como meta promover o status
lacionamento com seus stakeholders (SCHWARTZ,
quo. Ele se traduz em cortesia e boas maneiras
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
no trabalho e respeito às normas da instituição.
(SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
O fator motivacional prestígio, com média 3,52, aponta aspectos relativos à influência e
Com média geral de 3,78, o fator motivacional
prestígio da organização que, por meio do aperfei-
realização ficou com a segunda posição. Para este
çoamento constante, busca admiração, reconheci-
fator, o principal destaque está na valorização profis-
mento e respeito da sociedade pela qualidade de
sional dos funcionários que compõem a organização.
seus produtos e serviços prestados (SCHWARTZ,
Nesta dimensão, eles acreditam que é importante
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). O fator motiva-
ser competente, demonstrando suas habilidades
cional autonomia tem como meta oferecer desa-
e conhecimentos (SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA;
fios e variedade no trabalho, além de estimular a
TAMAYO, 2004). Próximo a este fator, ocupando a
criatividade e a inovação. Essa dimensão foi apre-
terceira posição, tem-se o da preocupação com a
sentada com média 3,50, o que demonstra que os
coletividade (sociedade) com média geral 3,77. Na
funcionários percebem um grau de abertura para
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
71
expor suas ideias e um incentivo quanto ao aper-
da organização, explicando o porquê deste fator
feiçoamento de suas competências (SCHWARTZ,
motivacional ter ficado em penúltimo lugar (TIDD;
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
BESSANT; PAVITT, 1997, p. 100; SCHWARTZ, 1999;
ROHAN, 2000; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
O fator motivacional domínio, com meta 3,35,
congrega itens relativos ao poder, cuja meta central
E finalmente o fator motivacional bem-estar
é a obtenção de status, controle sobre pessoas
que simboliza a compreensão, agradecimento, tole-
e recursos, bem como à busca de uma posição
rância e proteção do bem-estar de todas as pessoas
dominante no mercado (OLIVEIRA; TAMAYO,
e natureza. Seus valores são derivados das necessi-
2004). Ele também é associado à segurança dos
dades de sobrevivência dos grupos e indivíduos. O
negócios e ao estímulo dos clientes na aquisição de
bem-estar tem como meta promover a satisfação e a
novos produtos ou serviços, atribuindo um aspecto
qualidade de vida no trabalho. A média de 2,08, pode
de preocupação com o domínio do mercado.
estar relacionada ao fato da organização não possuir
Tem como meta obter lucros, ser competitivo e
implementada práticas destinadas a satisfação pes-
dominar o mercado, denotando importância para
soal de seus empregados, bem como projeto sociais
o sucesso organizacional e satisfação dos clientes
que contribuam para o seu bem-estar (SCHWARTZ,
(SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
Apresentado na forma de ritos, crenças e
Após essa primeira análise, buscou-se verificar
normas de comportamento, o fator motivacional
se a percepção dos valores organizacionais, medida
tradição geralmente ressalta a hierarquia e a
pelo inventário de Perfil dos Valores Organizacionais
aceitação de regras, que preservam práticas
(IPVO), possui comportamento heterogêneo entre
tradicionais e protegem a estabilidade, sua média
os grupos devido a diferença de tempo de trabalho
geral ficou em 2,45. Essa nota pode ser atribuída
entre eles (grupo 1 < 6 meses e grupo 2 > que 6
ao fato da instituição atuar há pouco no mercado.
meses). Para esta constatação, utilizou-se testes
Com isso, seus funcionários não vivenciaram
de igualdades das médias dos grupos, conforme a
momentos críticos, de transição, de inovação,
TAB. 3, os quais examinam a existência de diferenças
de celebração, entre outros, que fizessem com
de percepções entre grupos e verifica se estas
que internalizassem “o jeito de fazer as coisas”
diferenças são relevantes ao ponto de discriminá-los.
TABELA 3 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Tempo de trabalho
Fatores IPVO
Wilks' Lambda
df1
df2
F-ANOVA
1
REALIZAÇÃO
,966
2,099
1
60
,153
2
CONFORME
,997
,153
1
60
,697
3
DOMÍNIO
,986
,872
1
60
,354
4
BEM-ESTAR
,941
3,738
1
60
,058
5
TRADIÇÃO
,997
,161
1
60
,690
6
PRESTÍGIO
,984
,978
1
60
,327
7
AUTONOMIA
,995
,316
1
60
,576
8
COLETIVIDADE
,979
1,315
1
60
,256
FONTE: Dados da pesquisa (2012)
72
F
Os resultados apontaram por meio do Wilks’Lambda (estatística U) que as variáveis em estudo, caracterizadas pelas altas estatísticas (todas próximas a 1), possuem baixo ou nenhum valor discriminatório para
os grupos de funcionários, indicando que as variáveis possuem semelhanças de médias entre os grupos.
Para esta análise, estatísticas próximas a zero são desejadas para inferir poder discriminatório às variáveis.
Buscando auxiliar a interpretação e avaliação da estatística U, realizou-se o teste F-ANOVA, apresentando
o nível de significância de cada variável, em que valores menores que 0,05 indicam diferenças significantes entre
as médias dos grupos (MARIO, 2009). Sendo assim, constata-se que o teste F-ANOVA confirma os resultados
da estatística U, uma vez que as variáveis em estudo possuem níveis de significância maiores que 0,05, e, por sua
vez, aponta para a homogeneidade entre as médias dos grupos. Nesta análise, verifica-se que, embora a variável
bem-estar possua o menor nível de significância e a menor estatística U (0,941) dentre as variáveis analisadas,
evidencia-se que seus valores ainda são altos perante os valores desejados. Portanto, as percepções de valores,
operacionalizadas pelas variáveis do IPVO não apresentam diferenças significantes que possam identificar os
funcionários por tempo de trabalho.
Nessa mesma lógica de análise, verificou-se também se o cargo ocupado pelo funcionário pode influenciar na percepção dos valores organizacionais. Cada cargo foi considerado um grupo e esses foram codificados
por: Acadêmicos (grupo 1), Diretor/Coordenador (grupo 2), administrativo (grupo 3) e outros (grupo 4). Assim,
fez-se uso, de acordo com a análise anterior, da estatística U e do teste F-ANOVA, demonstrados na TAB. 4.
TABELA 4 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Cargos
Fatores IPVO
Wilks' Lambda
F
df1
df2
F-ANOVA
1
REALIZAÇÃO
,986
,280
3
58
,840
2
CONFORME
,957
,873
3
58
,460
3
DOMÍNIO
,932
1,403
3
58
,251
4
BEM-ESTAR
,895
2,261
3
58
,091
5
TRADIÇÃO
,989
,216
3
58
,885
6
PRESTÍGIO
,957
,868
3
58
,463
7
AUTONOMIA
,955
,913
3
58
,441
8
COLETIVIDADE
,975
,505
3
58
,680
FONTE: Dados da pesquisa (2012)
De forma semelhante à análise realizada com
o tempo de trabalho, o cargo ocupado também
apresenta altas estatísticas para Wilks’Lambda e altos valores de significância no teste F-ANOVA. Para
esta unidade de análise, a variável bem-estar também apresentou as menores estatísticas, mas não
o suficiente para exercer função discriminante. Em
suma, os testes comprovam a igualdade das médias dos grupos que, em termos práticos, refere-se à
ausência de diferenças significantes de percepções
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de valores organizacionais que possa caracterizar
os diferentes cargos ocupados pelos funcionários.
A última análise refere-se ao gênero dos
funcionários. As variáveis do IPVO foram analisadas a fim de identificar maiores ou menores
percepções de valores organizacionais entre o
gênero feminino (grupo1) e o gênero masculino
(grupo 2). Os testes das igualdades dos grupos
são apresentados na TAB. 5.
v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
73
TABELA 5 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Gênero
Fatores IPVO
Wilks' Lambda
F
df1
df2
F-ANOVA
1
REALIZAÇÃO
,900
6,677
1
60
,012
2
CONFORME
,993
,426
1
60
,516
3
DOMÍNIO
,941
3,772
1
60
,057
4
BEM-ESTAR
,894
7,090
1
60
,010
5
TRADIÇÃO
,999
,047
1
60
,829
6
PRESTÍGIO
,936
4,078
1
60
,048
7
AUTONOMIA
,924
4,914
1
60
,030
8
COLETIVIDADE
,891
7,369
1
60
,009
FONTE: Os autores (2012)
Diferente das análises anteriores, o teste
riáveis que tenham igualdade de médias refutadas
entre os grupos.
de igualdade das médias dos grupos possibilitou
identificar variáveis que podem ter poder discri-
Para complementar o processo de análise,
minante entre os gêneros. Verifica-se que todas as
apresentou-se uma matriz de correlação com as va-
variáveis possuem estatística U com valores eleva-
riáveis do IPVO, a fim de verificar possíveis casos de
dos e algumas com níveis de significância satisfa-
multicolinearidade e identificar variáveis que, mesmo
tórios (bem-estar, prestígio, autonomia e coletivi-
com bons níveis de significância, podem comprome-
dade), sendo assim, fazem-se necessárias análises
ter o método stepwise, e assim, deixar de compor a
complementares para que se possa identificar va-
função discriminante. Destacado na TAB. 6.
REALIZAÇÃO
CONFORME
DOMÍNIO
Autonomia
Prestígio
Tradição
Bem-estar
,669**
,141
,329**
BEM-ESTAR
,608**
,350**
,052
TRADIÇÃO
,358**
,446**
,161
,493**
PRESTÍGIO
,710**
,664**
,224
,437**
,490**
AUTONOMIA
,839**
,701**
,270*
,617**
,372**
,719**
COLETIVIDADE
,855**
,689**
,107
,659**
,383**
,693**
FONTE: Os autores (2012)
* Correlação é significante ao nível de 0,01.
** Correlação é significante ao nível de 0,05.
74
Domínio
Conforme
Realização
TABELA 6 – Matriz de correlação entre as variáveis do IPVO
,815**
Com base na matriz demonstrada na TAB. 6, percebe-se que sete das oito variáveis em estudo possuem
correlações significantes ao nível de 0,05, e que apenas a variável domínio possui comportamento diferenciado das
demais por apresentar correlações não significantes ao nível de 0,01 e 0,05. Desta forma, foi realizado o teste final
para verificação da quebra ou não da premissa da igualdade das médias dos grupos por meio do teste Box’s M.
TABELA 7 – Teste Box’s M
Box's M
4,223
Approx.
1,355
df1
3
df2
244605,745
Sig.
,255
F
FONTE: Os autores (2012)
Nesse teste (TAB. 7), pode-se constatar que as médias dos grupos das variáveis em estudo quebram a
premissa da igualdade de médias entre grupos por apresentar nível de significância de 0,255, ou seja, maior
do que o valor desejado de 0,05. Isso significa que existem variáveis com poder discriminante, uma vez que as
médias entre grupos (feminino e masculino) são diferentes. Sendo assim, por meio dos coeficientes da função
discriminante canônica, identificaram-se as variáveis que representam a desigualdade das médias dos grupos e
que representam diferenças de percepção de valores organizacionais entre os gêneros.
TABELA 8 – Função discriminante canônica e função discriminante linear de Fisher
Função
Gênero
1
Feminino
Masculino
Tolerância
,764
2,664
3,398
,958
DOMÍNIO
-,738
4,525
3,817
,958
(Constant)
-,378
-17,209
-17,646
COLETIVIDADE
FONTE: Os autores (2012)
A leitura da equação canônica, dada pela
As análises do coeficiente de Fisher (colunas
Função 1 na TAB. 8, indica que as variáveis coletivi-
Gênero) sugerem que as mulheres têm maior per-
dade e domínio compõem a função discriminante,
cepção no fator motivacional domínio, que pos-
caracterizadas por altos pesos com sinais invertidos,
suem prevalência no eixo autopromoção (FIG. 1),
dada a ausência de multicolinearidade entre elas.
indicando uma orientação voltada para valoriza-
A ausência da multicolinearidade afeta também o
ção do poder, com tendência sobre a competi-
poder de explicação das variáveis, já que ambas
tividade da organização e domínio de mercado.
não oferecem explicações redundantes quanto às
Os homens se destacam no fator motivacional
diferenças de percepções entre gêneros (0,958
coletividade (sociedade), enquadrando-se no eixo
constante na coluna Tolerância).
autotranscendência (FIG. 1), com preocupações
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
75
voltadas ao relacionamento com seus stakeholders. Com isso, são mais perceptivos aos tratamentos igualitários, justos e honestos, atentos à satisfação dos seus pares.
Para finalizar, buscou-se compreender a eficiência da discriminação entre homens e mulheres baseada na
análise da coletividade e domínio. Para isso, a Função 1 foi executada e seus resultados são apresentados na TAB. 9.
TABELA 9 – Classificação de gêneros
Gênero
Contagem
%
Predições
Feminino
Total
Masculino
Feminino
24
12
36
Masculino
7
19
26
Feminino
66,7
33,3
100,0
Masculino
26,9
73,1
100,0
FONTE: Os autores (2012)
De acordo com a TAB. 9, as variáveis coletividade e domínio possuem poder discriminante para o
gênero feminino em torno de 66,7%, enquanto para o gênero masculino 73,1%. De uma forma geral, pode-se
afirmar que a validade discriminante das variáveis em epígrafe é de 69,9%.
Considerações Finais
Como resultado, foi possível identificar que
o valor organizacional conformidade foi considerado o mais importante pelos funcionários da
As empresas buscam competitividade no
IES, indicando respeito pelas regras e normas da
mercado, desenvolvendo estratégias que as possi-
instituição e manutenção do status quo. Em seguida,
bilitem alcançarem seus objetivos. Porém, as metas
o valor realização, representando a percepção
organizacionais devem estar alinhadas aos seus va-
dos funcionários quanto à valorização de suas
lores, visto que os resultados obtidos terão grande
competências, habilidades e conhecimentos por
influência daqueles que executam as tarefas cotidi-
parte da empresa. Em terceiro lugar, destaca-se o
anas. Os valores organizacionais atuam como guias,
valor coletividade, demonstrando a preocupação
orientando o comportamento de pessoas e orga-
dos funcionários com o relacionamento de seus
nizações. Efetivamente, eles norteiam as ações de
stakeholders. O valor prestígio segue em quarto
cada indivíduo que integra uma instituição e, portan-
lugar, e representa a importância da empresa pelo
to, fazem parte do núcleo da cultura organizacional.
reconhecimento e respeito da sociedade pela
qualidade de seus serviços. No quinto lugar está o
76
Identificar quais valores organizacionais
valor autonomia, sugerindo abertura dos funcionários
norteiam as decisões dos funcionários de uma or-
em expor suas ideias e identificando a capacidade
ganização, pode ajudá-la a entender sua posição
da IES em promover um ambiente desafiador para
no mercado. Nesse sentido, este estudo teve por
se trabalhar. Em sexto lugar, encontra-se o valor
objetivo analisar a percepção dos valores orga-
domínio, mostrando que a liderança do mercado
nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma
não é percebida como primordial. O penúltimo lugar
instituição de ensino superior.
é representado pelo valor tradição, com pouca
representatividade devido aos poucos anos de
desempenhando o papel de “dominador” e a mulher
existência da organização, evidenciando uma cultura
atuando como “dominada”, o que demonstra que as
em formação. E por último, o valor bem-estar, com
relações de poder entre homens e mulheres, altera-
a menor média, comprovando não ser percebido
se também a configuração das relações sociais
pelos funcionários da IES questões relacionadas à
entre esses sujeitos no âmbito organizacional
qualidade de vida e projetos sociais.
(CAPPELLE, et al. 2004) Os resultados evidenciam
Os resultados demonstram que os valores
organizacionais da instituição pesquisada são
condizentes com o seu porte e tempo de existência.
Uma vez que a pouca idade da instituição não
lhe permite, ainda, possuir valores relacionados à
tradição, característica esta que leva tempo para
ser desenvolvida e internalizada pelos funcionários.
que este ambiente está em permanente modificação
nos hábitos e condições de vida, permeadas por
inovações tecnológicas e pelo desenvolvimento
sociocultural. E, por mais que se busque a igualdade
entre gêneros, é preciso considerar as diferenças
existentes e utilizá-las a favor da empresa, na busca
de melhores resultados.
Dominação, atributo este que inicialmente precisa
O tema deste estudo é amplo e relevante
passar pela estabilização no mercado em que
para o entendimento do cotidiano organizacional,
atuam. E por fim, o valor bem-estar que foi o último
cabe
na relação de importância, pois está relacionado
proporcionar resultados parecidos, bem como se
com a maturidade e o planejamento da instituição
seria interessante a realização de novos estudos
em atender esta que é uma demanda cada vez mais
aplicados em outras instituições privadas, públicas,
requerida pelos funcionários.
ou ainda, relacionando valores organizacionais
Além da classificação dos valores, foi realizada
indagar
se
novas
pesquisas
poderiam
entre instituições públicas e privadas.
análise discriminante múltipla com o objetivo de
Adotando as considerações de Tamayo (1998),
determinar a existência ou não de diferenças entre
em que os valores organizacionais correspondem
grupos no que se refere a percepção dos valores
aos valores percebidos como característicos de
organizacionais. Para os grupos “tempo de trabalho”
uma organização e que são importantes na própria
e “cargos” não houve diferenças entre os valores
construção da identidade de uma organização,
organizacionais. No entanto, entre o grupo “gênero”
cabe questionar se a forma como as organizações
ocorreu diferença entre os fatores motivacionais,
são reconhecidas no mercado podem ter relação
coletividade e domínio, evidenciando que mulheres
com os valores percebidos e praticados por seus
tendem para o valor domínio, indicando uma busca
colaboradores.
por prestígio, associado à sua posição na empresa e
propensão a controlar os diversos recursos existentes
na organização. Enquanto o homem enfatiza o
valor coletividade, sugerindo maior atenção no
relacionamento com seus stakeholders. Neste caso,
a preocupação é com o tratamento e treinamento
oferecido aos funcionários, e a boa convivência com
os clientes e os fornecedores.
que de forma polarizada, o que se tem é o homem
FA E ,
C uritiba,
um passo no sentido de mensurar a percepção dos
colaboradores em identificar os valores organizacionais compartilhados pela instituição pesquisada. Assim, entende-se que as organizações precisam empreender os maiores e melhores esforços no sentido
de identificar quais valores representam o comportamento de seus colaboradores e, consequentemente,
Este é um achado interessante, uma vez
Rev.
De qualquer modo, este trabalho representa
verificar de que maneira esses valores contribuem
para o êxito organizacional.
v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
77
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v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014
79
As contribuições e o pensamento
de John Stuart Mill no campo da
economia
The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy
As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia
The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy
Eduardo H. Martins L. Scoville1
Gilson Batista de Oliveira2
Resumo
O objetivo desse artigo é apresentar a contribuição de John Stuart Mill para a
evolução do pensamento econômico. Alguns aspectos teóricos levantados por
ele são incoerentes e contraditórios e outros extremamente intrigantes dentro
do debate econômico. Sobre Mill, pode-se dizer que poucos economistas
tiveram uma obra tão vasta e aberta para discussões realmente relevantes
para o progresso da Economia Política.
Palavras-chave: Economia política. Utilitarismo. Estado Estacionário.
Abstract
The aim of this paper is to present the contribution of John Stuart Mill to the
evolution of economic approach. Some theoretical issues raised by him are
inconsistent and contradictory and the extremely intriguing in the economic
debate. About Mill, one can say that few economists had a work so vast and
truly open for discussions relevant to the advancement of political economy.
Keywords: Political economy. Utilitarianism. Steady State.
1
Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor da FAE Centro
Universitário/Curitiba-PR. E-mail: [email protected].
2
Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor
da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014
81
Introdução
Presentemente, é percebido pela maioria
impôs desde os 5 anos de idade, contribuiu para
dos pesquisadores do pensamento econômico,
que a sua obra não se encerrasse em uma postura
que a maioria das formulações teóricas que
totalmente rígida em relação aos economistas
aparecem em “Uma investigação sobre as causas
clássicos e tampouco à Economia Política. Aos 12
da riqueza das nações” (1776), do célebre filósofo e
anos, Mill já possuía um grande conhecimento em
economista escocês, Adam Smith (1723-1790), não
história, lógica, filosofia clássica, poesia, álgebra
são inteiramente originárias do autor. Adam Smith
e geometria, além do total domínio do latim e do
abordou questões como a Teoria do Valor-Trabalho,
grego. A tutela de David Ricardo e as lições diárias
que já aparecera nos escritos de William Petty (1623-
de seu pai, que enfatizavam o pensamento de
-1687), ou do liberalismo econômico, das obras de
seu tutor, de T. R. Malthus (1766-1834) e Jeremy
seu grande mestre, David Hume (1711-1776), de forma
Bentham (1748-1832) despertaram o interesse pela
elegante, vigorosa e essencialmente acadêmica, por
economia e, principalmente, pelo utilitarismo do
meio de uma combinação dos métodos dedutivos
último autor. O aprendiz, diariamente, apresentava
e históricos indutivos. Smith organizou um ideário
resumos que, mais tarde, serviram de base para a
previamente elaborado, averiguou as fontes do
obra de seu pai, “Elementos de economia política”
crescimento econômico e ofereceu notáveis consi-
(1821), apesar dele não fazer menção à contribuição
derações pessoais. Mesmo assim, a sua obra mais
do filho.
conhecida não perdeu em qualidade, tornando-se
Até os 20 anos, Mill estava totalmente
um paradigma teórico no final do século XVIII e a
imerso na Economia Clássica e no utilitarismo
pedra angular da Economia Política.
Bentham3 Depois de uma grave depressão, revê
“Princípios de economia política” (1848),
suas considerações e crenças, e neste período
de John Stuart Mill (1806-1873), também não foi
as mais variadas áreas da atividade intelectual,
marcado pela integral originalidade das ideias
como a poesia romântica de William Wordsworth,
expostas. Todavia, a obra apresenta o principal do
alteraram muitas das suas antigas convicções.
corolário teórico da Economia Política Clássica, com
um importante pormenor: o autor não se limitou a
reproduzir os pressupostos clássicos. Mill, de forma
airosa e clara, expôs as principais ideias de Jean
Baptiste Say (1767-1832) e David Ricardo (17721823), revitalizando-as, completando-as, mas não
as vulgarizando de forma doutrinária. Apresentou
considerações que, em muitos casos, acabavam por
destoar de muitas das premissas básicas, como nos
casos da Teoria do Valor-Utilidade, da distribuição
da riqueza e do intervencionismo do Estado.
dos melhores relatores dos efeitos da Revolução
Industrial
sobre
a
população
pobre
inglesa,
descritos em obras como “Oliver Twist” (1837),
“Christmas Carol” (1843) e “Hard Times” (1854), e
o cartista inglês Thomas Carlyle (1795-1881), que
chamou a Economia Política de ciência lúgubre,
contribuíram também nas novas concepções de
Mill. Questões como o sufrágio universal, reformas
econômicas, o governo representativo, o voto
feminino, abolicionismo, dentre outros, passam
a permear as suas preocupações cotidianas. No
O ecletismo intelectual de Mill, um ponto
entanto, seria a jovem Harriet Taylor (1808-1858),
coincidente com Smith, vindo da educação que seu
quem Mill desposaria em 1853, a maior influência.
pai (o renomado economista James Mill, 1773-1836)
Segundo Mill (1986, p. 8), em sua autobiografia,
3
82
O romancista Charles Dickens (1812-1870), um
A convicção de Mill no utilitarismo de Bentham e na Teoria da População de Malthus era visível. Aos 17 anos, plenamente absorvido pela
Teoria da População de Malthus, Mill foi preso por distribuir panfletos defendendo o controle da natalidade e da contracepção.
publicada em 1873, Harriet Taylor “foi a autora do
obra “Princípios...”, acerca da separação da pro-
que há de melhor em minha obra”.
dução e a distribuição, pois as duas estavam inti-
Após 5 anos da publicação de “Sistema de
mamente ligadas.
lógica” (1843), trabalho influenciado pelo positivismo
John Stuart Mill permanece como uma
de Auguste Comte (1798-1857), Mill publica a sua
figura ímpar na Economia Política. A sua obra
contribuição máxima para a Economia, “Princípios
econômica vem à luz quando a Economia Clássica
de economia política”. Tal obra teria uma grande
(basicamente as ideias de David Ricardo) estavam
influência e se tornaria o livro-texto da cadeira de
sendo postas à prova. A materialização de algumas
Economia Política da maioria das universidades
ideias de Ricardo, tais como o lastro da libra com
inglesas na segunda metade do século XIX. Uma
o ouro, que levou a uma crise sem precedentes na
geração de economistas ingleses, notadamente
Inglaterra em meados do século XIX, por exemplo,
Alfred Marshall (1842-1924), foram extremamente
atirou os esquemas e os modelos interpretativos
influenciados pelas ideias contidas no livro. O
clássicos em uma vala de dúvidas e suspeitas. Mill,
historiador do pensamento econômico, HUNT (1981,
e possuía uma enorme capacidade, para tanto,
p. 202), chegou a afirmar corretamente que Mill foi
buscou recuperar as premissas dos seus mestres,
o precursor da escola neoclássica de Marshall.
mesmo que mais tarde chegasse a conclusões por
Sendo apontado por muitos como o filó-
vezes díspares deles.
sofo do liberalismo clássico e do utilitarismo, a
Mill apresentou influentes teorias como a
obra “Princípios de economia política” confirma
do valor, da distribuição, dos salários e do inter-
tal posição, Mill, por outro lado, se inclinava nas
vencionismo do Estado. O propósito da presente
ponderações de reformadores sociais como Henri
pesquisa é apresentar alguns aspectos de seus
Saint-Simon (1760-1825) e C. L. S. Sismondi (1773-
pensamentos na área econômica. Alguns são
1842), verificando as dificuldades no processo de
incoerentes e contraditórios e outros extremamente
distribuição da riqueza e o emprego do utilitarismo
intrigantes dentro do debate econômico. Poucos
como meio para fins estreitos, por exemplo.
Não considerava que o estado mínimo, a livre
concorrência na iniciativa privada e a propriedade
privada representassem o estágio mais evoluído da
economia. Acreditava que o sistema cooperativo
economistas – e o fato de também ser um filósofo
é cabal para tal constatação – tiveram uma obra
tão vasta e aberta para discussões realmente
relevantes para o progresso da Economia Política.
de produção seria o último estágio, se aproximando
muito do socialismo utópico. Estas questões foram
abordadas mais claramente em seus escritos de
ciência política tais como “O utilitarismo” (1863),
1
A Questão do Valor: um
Utilitarismo Revisto
“Sobre a liberdade” (1859), “Considerações sobre
o governo representativo” (1860).
Um discípulo de Bentham e Ricardo. Assim
Tal posicionamento fez com que Karl Marx
Mill se definia. Porém, o autor se afastou tanto de
(1818-1883), em suas obras “Contribuição para
alguns pressupostos básicos apontados pelos seus
a crítica da economia política” (1859) e “O capi-
mestres que acabou moldando uma concepção
tal” (1867), levasse a sério Mill como oponente
de valor que não recaia nem no utilitarismo de
intelectual. Mesmo assim, o filósofo/economista/
certa forma puro e tampouco na Teoria do Valor-
sociólogo alemão desferiu uma severa crítica a
-Trabalho.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
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O filósofo inglês Jeremy Bentham, no final do
Ao adotar parcialmente as suposições de
século XVIII, apresentou premissas que embasavam o
Bentham e verificar certas incoerências, Mill aporta
pensamento utilitarista. Primeiramente, afirmou que
em um utilitarismo diferente do daquele que sempre
todos os motivos humanos podem ser reduzidos à
professou, como o seu mestre. Inicialmente, aceita
busca incessante do prazer e de evitar a dor, baseada
que a riqueza provém da utilidade gerada pelo
única e exclusivamente no interesse próprio. Assim,
trabalho. Porém, afirma que o motivo maximizador
para Bentham, os dois princípios soberanos que a
da utilidade e a atuação unicamente em interesse
natureza depositou e que governam a humanidade
próprio seriam visíveis somente em indivíduos
eram a dor e o prazer. Destarte, estes princípios
cuja personalidade fosse modelada dentro de uma
determinarão a utilidade, que pode ser quantificada,
lógica de mercado puramente concorrencial –
tornando-se também a medida invariável do valor
capitalista, ou seja, o interesse próprio não é o único
de troca de qualquer objeto. Portanto, a utilidade é
elemento que condiciona as motivações humanas
a propriedade de um determinado bem de produzir
(HUNT, 1981, p. 204). A redução das motivações
algum benefício ou evitar danos (HUNT, 1981, p. 147).
humanas a interesses próprios que sempre buscam
Desta maneira, Bentham aponta para a
a maximização da utilidade servem unicamente
utilidade como medida invariável e quantificável,
apesar de utilizá-la basicamente na ética e moral.
Ao construir o conceito de homem econô-
O autor refutou a quantidade de trabalho como
mico, Mill apresenta um elemento fundamental
medida de valor, ao contrário das proposições de
para a construção dos modelos econômicos. A
Adam Smith, e criticou o exemplo da água e do
Economia Política deveria, segundo o autor, se
diamante4. O trabalho é realizado somente se há
voltar para as atividades puramente econômicas,
a promessa de produzir prazer ou de evitar a dor,
tornando alheia qualquer conduta que não seja
e normalmente é considerado penoso, gerando
aversão nos indivíduos. Portanto, as pessoas não
o concebem como uma medida que determina o
valor de bens ou ações (BENTHAM, 1984).
voltada para a acumulação material5. Isto é, deve-se
isolar os comportamentos puramente pecuniários,
orientados para a obtenção de riquezas, e dar
como certa a aversão ao trabalho. Assim, o homem
Todo indivíduo é único e possui o livre
econômico é um ser fictício, pois são abstraídos dele
arbítrio de seus próprios prazeres e dores,
todas as paixões e motivos humanos que não sejam
pressupôs Jeremy Bentham. Por isso é inconcebível
a procura incessante pela renda monetária e pela
a comparação de prazeres entre os indivíduos. Tal
reprodução de sua própria espécie6. A humanidade
pressuposto pode ser interpretado da seguinte
não se comporta necessariamente assim, mas
forma: se a quantidade de satisfação for a mesma,
tal padronização de comportamento facilita a
limpar uma janela seria igualmente prazeroso do
construção de modelos econômicos capazes de
que pintar quadros (HUNT, 1981, p. 203).
apresentar previsões de curto e longo prazo.
4
5
6
84
como artifício para a análise da Economia Política.
Bentham critica o exemplo do diamante e da água de Adam Smith, pois o filósofo escocês determina uma relação inversa entre valor de
uso e valor de troca. Maiores informações ver: Bentham (1984) e Smith (1986).
Neste ponto, deve-se ressaltar que Mill parte das concepções de David Ricardo sobre a análise da Economia Política. Ricardo verifica
que a análise da economia deveria recair na estrutura e não no indivíduo, pois a primeira condiciona o segundo. Ao construir um
comportamento padrão para trabalhadores, capitalistas e proprietários de terras, Ricardo acaba por moldar um modelo explicativo
utilizando as ações puramente econômicas. Este modelo abstrato buscava cunhar previsões e não tendências históricas inalteráveis. Tal
modelo influenciou muito Mill, que tentou salvá-lo após as inúmeras críticas feitas as previsões de Ricardo. Maiores detalhes ver Ricardo
(1982) e Meek (1971, p. 99).
Esta última consideração provém da aceitação de Mill à Teoria da População de Malthus, que buscou averiguar as causas e os efeitos do
crescimento demográfico desordenado. Para Malthus, a população crescia em progressão geométrica devido à ânsia de reprodução das
camadas menos favorecidas, que são desprovidas do que o autor denominou de contenção moral. Maiores detalhes ver Malthus (1996).
Como visto anteriormente, Bentham não
trabalho humano, e estes são os que realmente
comparava negativamente prazeres qualitativa-
importam para o crescimento da economia nacional.
mente diferentes. Contudo, Mill discorda des-
Portanto, o valor de troca é determinado pela
ta suposição e destaca a valoração moral de
quantidade de trabalho humano, tanto o aplicado
prazeres. Alguns prazeres são muito mais dese-
diretamente na confecção de uma mercadoria
jáveis e valiosos que outros, pois envolvem
como também o depositado nas máquinas e equi-
julgamentos morais. Ou seja, limpar uma janela
pamentos (RICARDO, 1982, p. 43-63).
possui um princípio moral menos elevado do que
pintar quadros. Portanto, pintar quadros é muito
mais desejado do que o de limpar uma janela,
independentemente da quantidade de prazer
envolvida. Segundo o historiador do pensamento
econômico Hunt (1981), tal posicionamento de
Mill o afasta dos princípios básicos do utilitarismo,
apesar de se declarar um utilitarista.
Ao verificar mercadorias com a mesma
quantidade de trabalho humano, mas com preços
diferentes, Ricardo, ao contrário de Smith, que
conseguiu somente visualizar a Teoria do Valor-Trabalho nas sociedades primitivas, constatou
que a medida trabalho não variava, mas sim os
preços, compostos por salários e lucros. O que
alterava a medida preço eram os lucros, que eram
O prazer, segundo este enfoque, não é o normativo
afetados pela quantidade, qualidade e durabilidade
final. Mill não tinha dúvida alguma de que era melhor ser
do capital fixo (máquinas, instalações e outros)
um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. Isto
(RICARDO, 1982, p. 43-63).
destrói por completo a base sobre a qual os economistas
utilitaristas construíram as suas economias normativas
Mill inicialmente afiança que o valor de uma
e procuraram mostrar a vantagem universal da troca.
mercadoria depende da quantidade de trabalho
[...] e apesar do fato de que o utilitarismo influenciou
necessário para a sua produção. Assegura também
significativamente suas ideias, ele não era, com certeza,
que os instrumentos de produção foram produzidos
um utilitarista convicto (HUNT, 1981, p. 204).
pelo trabalho e pelo capital, que podem ser medidos
por trabalho. Porém, logo adverte que o trabalho é
Mill também se afasta de seu outro mestre,
David Ricardo, no tocante da determinação do
valor. David Ricardo pressupunha que todo bem
possui uma utilidade, ou seja, um valor de uso.
Porém, a utilidade é um elemento condicionante
para o bem ser produzido. Assim, David Ricardo
proferiu que havendo utilidade, todo bem terá
seu valor de troca determinado pela escassez ou
pela quantidade de trabalho incorporado. Mas
Ricardo não se preocupou com bens escassos,
que ele exemplificou em vinhos e quadros raros,
por exemplo, pois estes não são reproduzíveis e
o mais importante elemento na determinação do
valor, mas não é o único (MILL, 1983, p. 50-59).
A quantidade de trabalho determinaria o valor
de um bem se as proporções de capital e trabalho
fossem idênticas em todas as indústrias. Neste
caso, os custos de produção de uma mercadoria
(somatório do preço do capital, do trabalho e da
terra) seriam equivalentes ao trabalho incorporado
em todos os elementos necessários à produção
(máquinas, prédios etc), porém, isso não acontecia
em todas as indústrias (MILL, 1983, p. 50-59).
seus valores de troca são altos devido à dificul-
Nesse ponto, há uma discordância com
dade em adquiri-los. Além disso, não afetam o
Ricardo, e Mill acaba determinando que o trabalho
processo de distribuição dos fatores de produção
não estava por trás do valor de troca. O valor não
e não contribuem para acumulação de capital,
é nada mais que o valor de troca ou preço relativo
que é essencial para o bem-estar do país. Bens
e que era inútil tentar verificar o trabalho como
reproduzíveis e, industrializados são fruto do
medida invariável (MILL, 1983b, p. 4). Além disso,
Rev.
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o processo de ajustamento do mercado causava
produtor disposto a custear tal bem, ele não será
variações tanto na renda quanto no preço relativo.
disponibilizado ao mercado (MILL, 1983b, p. 17-18).
O trabalho é o agente da produção de
utilidades. A utilidade expressa a aptidão de alguma
Conclui-se, portanto, que o custo de produção regulará a disponibilidade de bens no mercado7.
coisa em satisfazer as necessidades. Alguma coisa
Quando a produção de um artigo resulta do trabalho e
somente terá valor se for útil. Portanto, a utilidade
dos gastos feitos, seja o artigo suscetível de multiplicação
determinará o preço máximo que o indivíduo
ilimitada ou não, há um valor mínimo que representa a
estará disposto a pagar (MILL, 1983b, p. 9-10).
condição essencial para que ele seja permanentemente
Quanto à questão do custo de produção,
ele reaparece conjugado com a utilidade. No livro
produzido. O valor, em qualquer momento determinado,
é resultado da oferta e da procura, sendo isso sempre
necessário para criar um mercado para a oferta
Princípios..., o autor busca desvendar os elementos
existente. Entretanto, se tal valor não for suficiente
determinantes do valor de troca. Neste trabalho,
para compensar o custo de produção, e, além disso,
Mill apresenta a relação entre a oferta e a demanda
para assegurar o lucro normal que se espera, não se
com o valor e conclui: O valor de troca dependerá
continuará a produzir a mercadoria (MILL, 1983b, p. 17).
da utilidade e da dificuldade de aquisição de um
determinado bem.
Para que uma coisa tenha algum valor de troca, são
de produção e utilidade, obviamente se refere à es-
necessárias duas condições. A coisa deve ter alguma
fera da troca. O autor adota a Teoria de Preços e
utilidade, isto é (como já explicamos), deve servir para
afirma que o preço de mercado seria ajustado pela
alguma finalidade, atender algum desejo. Ninguém
oferta e pela demanda, mas este sempre se aproxi-
pagará um preço, ou se desfará de alguma coisa que
serve a algum de seus objetivos, para adquirir uma coisa
maria do preço natural8 - preços habitualmente
que não atenda a nenhuma de suas finalidades. Em
praticados (MILL, 1983b, p. 101). Tal processo de
segundo lugar, a coisa não deve ter somente alguma
ajuste faz com que a renda e os preços se modi-
utilidade, mas também deve haver alguma dificuldade
fiquem, mas impedem uma perene superprodução
para consegui-la (MILL, 1983b, p. 9).
de mercadorias. Neste ponto, há uma inversão feita
Ele retoma a questão dos bens reproduzíveis,
por Mill à “lei de Say”, pois o filósofo/economista in-
assim como Ricardo, e verifica que a dificuldade de
glês verificava que era possível uma superprodução
aquisição está intimamente ligada aos custos de
geral de mercadorias, porém chegou à conclusão
produção de um determinado bem. Se houver al-
que essa também seria temporária (MILL, 1983b,
guém disposto a cobrir os preços de custos, então
p. 107). No entanto, verificou também que toda
este bem será produzido. Não havendo nenhum
crise levava muitos à pauperização9.
7
8
9
86
A teoria do valor de Mill, baseada em custos
O economista inglês, Alfred Marshall, recorre a essa formulação de valor. Porém, o analisa por meio da combinação entre utilidade
marginal (o valor é determinado pela utilidade da unidade adicional consumida) e custos de produção. Maiores informações ver Silva
(1997, p. 149 – 156).
A teoria de preços referida é a de Adam Smith. Há dois preços: o natural (salários, lucros e renda da terra em seus níveis habituais) e o de
mercado (regulado pela oferta e demanda). Para Smith, o preço de mercado sempre se aproximaria do preço natural devido aos ajustes
naturais do mercado. Maiores informações em SMITH (1986 p. 47-52).
A lei de Say, que na verdade foi desenvolvida por James Mill, pai de John Stuart Mill, e não pelo economista francês Jean Baptiste Say, foi
derivada da Teoria de Preços de Adam Smith e tornou-se a pedra angular de toda a teoria clássica e neoclássica. Segundo a lei de Say, toda
oferta gera uma demanda de mesma magnitude a pleno emprego de fatores de produção. Tal lei também propunha que poderia haver
uma superprodução de mercadorias, mas esta não seria geral. As faltas e os excessos se cancelariam e a superprodução seria temporária.
Maiores informações ver Say (1986).
2
A Questão da Distribuição:
em Direção do Socialismo
da proporção existente entre a população e o capital.
Por população entende-se aqui somente o número de
trabalhadores, ou melhor , daqueles que trabalham como
assalariados, e por capital, somente o capital circulante, e
nem sequer este em sua totalidade dele, se não apenas
Ao verificar o processo de distribuição, os
a parte gasta no pagamento direto de mão-de-obra. A
salários e os lucros mereceram, por parte de Mill, uma
isso porém, deve-se acrescentar que todos os fundos que,
atenção muito especial. Voltando-se para a esfera
se forem capital, são pagos tais como os vencimentos
dos soldados, criados domésticos e todos os outros
da troca, Mill concluiu que os lucros eram gerados
trabalhadores improdutivos (MILL, 1983a, p. 287).
pela permuta de mercadorias e não na produção.
Seguindo a premissa do também economista inglês
A teoria dos fundos salariais de Mill
Nassau William Senior (1790-1864), concluiu que
tornou-o ainda mais notório. Curiosamente, o
o lucro é preço da abstinência, uma recompensa
autor acabou a repudiando muitos anos depois,
que o industrial deseja por deixar de consumir o
capital para o seu próprio uso e por permitir que
os trabalhadores o utilizem para gerarem utilidades
que os beneficiar. A taxa mínima ou natural do
lucro é aquela que remunera o risco, a abstinência,
o esforço e a habilidade de supervisionar do capitalista (MILL, 1983a, p. 333-334).
segundo Hunt (1981, p. 208). Mill acabou por
reverter a teoria, afirmando que os salários eram
determinados pelos lucros totais almejados pelos
capitalistas menos os que eles necessitavam para
a sua própria sobrevivência. Se o capitalista tiver
que pagar a mais pelo trabalho, a sua renda será
diminuída. Conclui-se, portanto que, os salários
Ao verificar os salários, Mill conclui, assim
como a maioria da escola clássica (Smith, Ricardo,
seriam determinados pela concorrência entre os
capitalistas e os trabalhadores.
Malthus e Sênior), que ele era determinado pela
divisão do fundo para o pagamento de salários
pelo número de trabalhadores que vão o dividir.
Porém, Mill não considerava o fundo salarial
como o capital total, como Smith defendia nem
o fundo de subsistência como arguiu Malthus ou
somente o capital circulante, posição defendida
A característica mais marcante da obra
Princípios... é a clara distinção que o autor faz dos
processos de produção e distribuição. A produção e
a distribuição são fenômenos totalmente díspares,
pois são regulados por princípios diferentes e por
isso deveriam ser analisados separadamente.
por Ricardo10. Mill apresentou outra definição
No início de sua obra Princípios..., Mill afir-
de fundo salarial: é apenas uma parte do capital
ma que as leis que regulam a produção não são
circulante empregada para a compra de mão-
as mesmas que regulam a distribuição. Segundo
de-obra direta. Portanto, os salários dependiam,
o autor, a produção de riquezas não provém de
sobretudo, da oferta e da procura de trabalho, ou
mais precisamente, da porção do capital constante
destinada
ao
pagamento
dos
trabalhadores
assalariados (trabalhadores produtivos geradores
de utilidades) e do número destes.
10
leis arbitrárias e sim de condições materiais de
produção. As condições físicas determinavam
as leis produtivas, supunha o autor. A poupança,
a disponibilidade de matéria-prima, avanço da
técnica e a divisão do trabalho, por exemplo,
[...] os salários dependem sobretudo da procura e da
regulam totalmente o processo produtivo de
oferta mão de obra, ou então, como se diz com frequência,
qualquer sociedade humana.
Para maiores informações ver: Smith (1986, p. 52-86) e Ricardo (1982, p. 81–89).
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C uritiba,
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87
Obviamente, a produção de riqueza e a extração dos
como a forma como é efetuada essa distribuição, através
meios de subsistência e prazer a partir das matérias-
de vários modos de conduta que a sociedade possa
-primas existentes no globo não constituem uma coisa
considerar oportuno adotar, constituem matéria de
arbitrária. Tudo isso tem as suas condições necessárias.
investigação científica, tanto quanto qualquer uma das
Destas, algumas são físicas, dependendo então das
leis físicas da natureza (MILL, 1983a, p.39).
propriedades da matéria, e da soma de conhecimento
sobre essas propriedades possuídas no lugar e no
A questão da distribuição tornou-se um
dos pontos em que Mill se afasta dramaticamente
momento específico (MILL, 1983a, p. 39).
de Malthus, Ricardo e Bentham, autores os quais
A produção depende de dois quesitos fun-
jurou ser discípulo. O processo de troca não é o
damentais: trabalho e objetos materiais que pos-
elemento determinante da distribuição de riqueza
sam ser transformados pela ação humana. A na-
e tampouco o mais justo, a troca simplesmente é
tureza disponibiliza a matéria e os meios de sua
mais um elemento utilizado em tal processo.
transformação e o homem simplesmente as organiza
e as movimenta (MILL, 1983a, p. 43-44). A essência
do trabalho humano, portanto, é a transformação
dos objetos. Dessa forma, os princípios reguladores
da produção provêm das leis naturais, fugindo
totalmente do controle e da intervenção dos
homens.
O processo de distribuição não é determinado pela simples troca no mercado, e a propriedade
privada e a sua distribuição não é natural. A propriedade, segundo o autor, é uma instituição humana e não
“sagrada”, como outros autores da Economia Política
proferiram. A propriedade fundiária, por exemplo, foi
instituída para facilitar as relações entre os indivíduos.
Desigualmente a produção, as leis de distribuição, na visão do autor, são concebidas por instituições humanas. Em cada sociedade os homens
estabelecem regras que determinam como a riqueza será distribuída, porém essas normas mudam
de acordo com a sociedade e com a história, elas
mudaram no passado e, provavelmente, mudarão
Mas quando ela não é conveniente, simplesmente se
torna injusta (MILL, 1983b, p. 203).
O direito à propriedade é justificado por Mill
apenas em dois casos: se houve trabalho do próprio
indivíduo para produzir ou se foi concedido de forma
espontânea (MILL, 1983b, p. 195). Porém, para o
autor, a propriedade privada dos meios de produção
no futuro.
não é fruto do comportamento abstêmio e frugal
Diversamente do que ocorre com as leis da produção,
as que regem a distribuição da mesma são em parte
de instituição humana, já que a maneira de se distribuir
a riqueza em qualquer sociedade específica depende
quanto os desprovidos de tais virtudes meramente
esbanjavam e perdiam tudo que possuíam (MILL,
ou nações tenham o poder de decidir que instituições
1983b, p. 194). Ao examinar a história da Europa
existirão,
determinar
ocidental, concluiu que a força e as leis arbitrárias dos
arbitrariamente como tais instituições funcionarão. As
homens ordenaram a distribuição da propriedade
não
tem
a
possibilidade
de
e as nações têm sobre a distribuição de riqueza, bem
88
acumularam por livre e espontânea iniciativa, en-
das leis ou usos nela vigentes. Ora, embora os governos
condições de que depende o poder que os governos
11
de pessoas moralmente virtuosas que, no passado,
privada (MILL, 1983b, p. 182)11.
Marx considerou Mill um oponente de respeito por tal constatação, pois o autor inglês verificou o processo histórico de formação da
propriedade da privada. Porém, Mill esteve muito longe de fazer uma análise mais acurada que Marx fez. Marx, ao verificar o processo
histórico de formação de classes e do capital, construiu o que ele denominou de “acumulação primitiva”. Maiores Informações ver: Marx
(1994, p. 828 – 882).
A propriedade privada, como instituição, não deveu sua
origem a nenhuma daquelas considerações de utilidade
parcela da população vivia luxuosamente sem
que militam pela manutenção dela, uma vez estabelecida.
qualquer ligação com a atividade produtiva,
Sabe-se bastante sobre épocas primitivas, tanto da
não era justa, necessária e tampouco eterna
história passada quanto de estados análogos à sociedade
duradoura nas relações sociais (MILL, 1983, p.
em nossos dias, para mostrar que os tribunais (que sempre
255). Criticava duramente o que ele definiu como
precedem leis) foram originalmente fundados, não para
determinar direitos, mas para reprimir a violência e dirimir
disputas (MILL, 1983b, p. 182).
teoria da dependência, em que o “estado das
coisas” é determinado para os pobres e não por
eles. Uma classe privilegiada (os ricos) conduziria
Além da força, o padrão de como a
autoritariamente os despojados e os refrearia
distribuição é feita, que varia de sociedade para
quando fosse necessário (MILL, 1983, p. 256).
sociedade, também gera inúmeras dificuldades
Porém, tal dependência não seria mais aceita
e foge do que seria do ponto de vista da moral
pelos trabalhadores, pois estes, por meio do que
e ética como sendo justo. O direito de posse
Mill definiu como aprimoramento intelectual,
de terras e propriedade afeta a distribuição de
buscarão o seu próprio destino, fundado na justiça
renda. Ao analisar a pobreza dos agricultores
e no autogoverno (MILL, 1983, p. 258).
irlandeses no século XIX, chegou à conclusão
que a forma como as terras foram distribuídas
determinou tal condição e não as leis naturais
(MILL, 1983, p. 203).
[...] os trabalhadores aceitarão ainda menos do que hoje
ser guiados e governados – e dirigidos para o caminho
que devem trilhar – pela simples autoridade e prestígio
dos superiores. Se atualmente os trabalhadores não tem
Avaliando a concentração de riquezas e
nenhum sentimento de deferência ou princípio religioso
dos meios de produção na sociedade capitalista,
de obediência que os mantenha mentalmente sujeitos a
Mill concluiu que uma classe composta por um
diminuto número de indivíduos não deveria
usufruir
com
exclusividade
as
benesses
da
riqueza produzida, enquanto a maioria estava
uma classe acima deles, muito menos o terão daqui em
diante. A teoria da dependência e da proteção será cada
vez mais intolerável para eles, e exigirão que sua conduta
e sua condição sejam basicamente governadas por eles
mesmos. Ao mesmo tempo, é perfeitamente possível que
condenada à pobreza. Em seguida faz uma dura
em muitos casos exijam a intervenção de legisladores
crítica à estrutura de classes “hereditárias” de sua
em seus problemas, bem como que a lei regulamente
época: empregadores que não fazem o trabalho
várias coisas que não lhes dizem respeito, aliás, muitas
necessário para a manutenção da vida humana
vezes baseadas em conceitos equívocos em relação a
e os empregados que trabalham (MILL, 1983b, p.
seus interesses. Mesmo que assim fosse, o que exigem é
255). Asseverou que a instituição da propriedade
que se atenda a vontade deles, ás suas próprias ideias e
privada acarretava em uma relação inversa entre
sugestões, e não a normas estabelecidas para eles, mas
trabalho e o produto do trabalho, ou seja, a
por outras pessoas. Coaduna-se perfeitamente com isso
propriedade privada garantiria que o produto do
o respeito que sentem pela superioridade de inteligência
trabalho fosse para quem praticamente nunca
trabalhou. A remuneração caminharia em direção
oposta ao aumento da dificuldade e da brusquidão
do trabalho (MILL, 1983, p. 201).
A divisão de classes não se manteria por
muito o tempo, acreditava Mill. Para ele a estrutura
de classes do capitalismo, onde uma pequena
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de qualquer assunto, daqueles que consideram bem
versados na matéria. Tal deferência está profundamente
enraizada na natureza humana; o que querem, porém, é
julgar eles próprios acerca das pessoas que merecem ou
não esse acatamento (MILL, 1983b, p. 259).
O estágio que a sociedade capitalista
havia atingido no século XIX não era o mais
elevado, segundo o autor. Ele tenderia a evoluir
v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014
89
para alguma forma de sociedade socialista, que
série de associações em Paris e, sobretudo as
considerava um estágio muito mais satisfatório e
inglesas (“Leeds Flour Mill’ e “Rochdale Society of
desejável. Todavia, o filósofo inglês acreditava que
Equitable Pioneers”), Mill sugere a experimentação
o socialismo somente seria possível se as pessoas
com as cooperativas, pois elas mostrariam a
atingissem um estado moral e ético satisfatório,
deficiência das relações capital e trabalho. Desta
o aprimoramento intelectual: educação, amor à
forma, a tendência é a relação capitalista e
independência e à liberdade do bom senso, que
trabalhador desaparecer com o tempo.
refletirá em condutas preventivas que permitirão o
decréscimo das taxas demográficas em relação ao
Todavia, a forma de associação que, se a humanidade
capital e emprego (MILL, 1983, p. 259). Além disso,
continuar a se aperfeiçoar, como se espera, não é aquela
todos que executam o serviço devem se identificar
com o espírito de prosperidade do empreendimento
e, principalmente, o de concorrência (MILL, 1983,
p. 277-278). Caso contrário, a luta individual e
concorrencial por riqueza será a única solução.
Tais considerações afastam Mill totalmente das
premissas comunistas e revolucionárias de Engels
que pode existir entre um capitalista, que funciona
como chefe, e trabalhadores destituídos de voz na
administração, mas sim a associação dos próprios
trabalhadores entre si, em termos de igualdade,
possuindo eles, coletivamente, a propriedade do capital
com o qual operam, e trabalhando sob o comando de
administradores eleitos e substituídos por eles mesmos
(MILL, 1983b, p. 266).
e Marx e parcialmente do reformismo social do
industrial Robert Owen (1771–1858) e do socialismo
utópico de Charles Fourier (1772–1837).
Em uma estrutura industrial capitalista, o
trabalhador é observado pelas vistas precavidas
do empregador e sua remuneração é baixa. Além
Concordo, portanto, com a concepção que os autores
socialistas têm sobre a forma que o mundo industrial
tende a assumir, á medida que o progresso avança
[...] Mas, ao mesmo tempo que concordo e solidarizo...
disso, o tipo de trabalho que executa não estimula
a sua produção. Em um sistema cooperativo há o
estímulo à produção, pois o espírito público reside
discordo totalmente da parte mais relevante e veemente
no trabalhador. A própria comunidade o cobra e
do seu ensinamento, a saber, das suas catilinária contra
vigia, e as distribuições das tarefas seriam mais
a concorrência. [...] É erro comum dos socialistas não
justas e adequadas às aptidões. Além disso, a
levarem em conta a indolência natural da humanidade,
produtividade global tenderia a aumentar (MILL,
a sua tendência à passividade, a permanecer escrava
1983, p. 276-278).
do hábito [...] Se deixarmos que a humanidade uma
vez atinja algum estado de existência que considere
Com
tolerável, o perigo a ser temido é que a partir daí ela
cooperativista, pode-se esperar grande aumento até
base
no
avanço
crescente
do
movimento
estagnará, não se empenhará no sentido de melhorar
da produtividade global do trabalho. As fontes desse
e, deixando enferrujar suas faculdades, perderá até sua
aumento são duas. Em primeiro lugar, reduzir-se-á a
energia necessária para preservá-lo de deterioramento.
dimensões menores a classe dos distribuidores, que
A concorrência pode não ser o melhor estímulo
não são os produtores mais simples da produção, e cujo
concebível, mas no momento é um estímulo necessário,
número exorbitante, muito mais do que os ganhos dos
e ninguém é capaz de prever o dia em que ela não será
capitalistas, representam a causa que explica por que tão
mais dispensável ao progresso (MILL, 1983b, p. 278-279).
grande da riqueza não atinge os produtores. [...] A outra
maneira de o sistema de cooperação tender, ainda mais
90
Todavia, de modo incisivo e coincidente
eficazmente, a aumentar a produtividade do trabalho
a Fourier, Mill profere à favor das cooperativas
consiste no grande estímulo dado ás energias produtivas,
produtivas. Verificando a prosperidade de uma
colocando os trabalhadores, como massa, em uma
relação tal com seu serviço, que faria com que o princípio
O governo deveria promover a caridade
e o interesse deles – já que atualmente isso não ocorre –
pública, porém caberia à caridade privada definir o
seja fazer o máximo possível e, e não o mínimo possível,
que é mais necessário e quem realmente necessita
em troca da remuneração que recebem. Dificilmente se
(MILL, 1986, p. 414). Todavia, o governo deveria
pode exagerar esse benefício substancial, que no entanto
reservar uma parte do orçamento para promover
não é nada em comparação com a revolução moral da
sociedade que o acompanharia: acura deste mal que é
a hostilidade constante entre o capital e o trabalho, a
transformação da vida humana, de um conflito de classes
colônias agrárias em terras comuns. Tais colônias
seriam ocupadas por famílias jovens pobres, e
que o resultado das terras sempre deveriam ser
que se batem por interesses opostos, em uma rivalidade
revertidos para as camadas carentes da população
amiga na busca de um bem comum a todos, a elevação da
(MILL, 1986, p. 414–418).
dignidade do trabalho, um novo sentimento de segurança
e de independência na classe trabalhadora, e a conversão
da ocupação diária de cada ser humano em uma escola
em que se aprende a solidariedade social e a inteligência
prática (MILL, 1983b, p. 276-277).
O governo deveria intervir para alterar os
efeitos maléficos do livre mercado capitalista, que
desembocava naturalmente em uma concentração
de renda sem precedentes. A maioria trabalhava
e pouco usufruía do produto de seu trabalho,
Outro ponto marcante na obra de Mill é a
estando condenada desde o seu nascimento
questão da intervenção do governo. Primeiramente
à pobreza, enquanto isso, uma minoria gozava
advoga a favor do princípio do laissez-faire,
de todas as vantagens da produção de riquezas
afirmando que deveria ser a prática geral (MILL,
sem ter o direito a elas, pois não foi fruto de seus
1983b, p. 401). Acredita que o protecionismo e
próprios esforços. Mill chegou a sugerir uma
as interferências nos contratos, por exemplo, são
mudança nos direitos de herança, estas deveriam
extremamente danosos à economia (MILL, 1983b,
instituir rigorosos limites aos direitos de sucessão
377-387). Contudo, adiante em “Princípios...”, o
causas mortis (MILL, 1983, p. 196-197).
autor aponta para a necessidade de intervenção
do governo, salientando que há aspectos bons e
A questão do monopólio é também revista por Mill. Alguns empreendimentos são tão
ruins na intervenção.
dispendiosos e necessitam tanto de capital que
Ele considerava inadmissível que o governo
poucos conseguem entrar em tais negócios. Tal
apenas atuasse na proteção das pessoas e suas
restrição permitiria uma taxa de lucro elevadíssima
propriedades. A sociedade, se achar que é prejudicial
ao bem comum, tem o direito de alterar qualquer
direito à propriedade e o estado deve a representar.
ou por conluio dos poucos capitalistas neste
negócio ou pela própria posição monopolista.
Para obter altas taxas de lucros, os preços fixados
A questão da pobreza é amplamente
pelo monopolista estariam acima do que os
discutida por Mill. A maioria da população pobre
consumidores estariam dispostos ou aptos a pagar.
não tem condições adequadas para julgar o que
Nesse caso, cabe a intervenção do governo para
seria melhor para o seu destino (MILL, 1986, p. 406).
que a formação dos monopólios não prejudique a
A interferência do governo na educação básica
comunidade (MILL, 1986, p. 409 - 410).
é justificada pelo autor, pois esta modificaria as
condutas e o julgamento dos pobres, tornado-se
melhores árbitros e percebendo o que seria melhor
para os seus interesses (MILL, 1986, p. 407-408).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014
91
3
O Estado Estacionário na
Visão de Mill
da prosperidade e a riqueza ficará em condição
estacionária. Isso se dará em condição na qual a taxa
de retorno esperada de cada unidade monetária
aplicada na concretização dos investimentos
Ao discutir a “Condição estacionária” da
produtivos apresente um valor mínimo13, com
economia, no capítulo VI do livro quarto dos
efeito nulo ao estímulo de acumular. Em relação
Princípios de Economia Política, Mill chama atenção
aos salários, acréscimos populacionais, e demais
para o estado de inércia, por que não dizer de
variáveis constantes, podem induzir a queda dos
estagnação, que caminha a economia capitalista.
salários reais e, por conseguinte, da qualidade de
A pergunta central desse polêmico capítulo paira
vida da classe trabalhadora. Isso, na visão de Mill,
sobre a condição final da humanidade quando
tende a levar a “uma interrupção na expansão da
cessar o progresso industrial, posto que “o aumento
produção e, por via de consequência, também no
da riqueza não é ilimitado; que ao final daquilo que
crescimento da população. Cessará o progresso
denominam condição progressista está a condição
econômico, mantendo-se certo equilíbrio: será os
estacionária [...]” (MILL, 1996, p.325).
‘estado estacionário’” (HUGON, 1984, p. 137).
John Stuart Mill deduz que cada passo a
Na interpretação dos economistas políticos
caminho do progresso, por que não dizer desen-
da velha escola14, conforme a denominação de
volvimento industrial, é um passo na direção da
Mill, esse estado estacionário combinado com o
inércia, do que ele chama de estado estacionário12.
aumento populacional conduziria a sociedade
Quando um país durante muito tempo possui uma
para uma situação de miséria. Por isso, assim como
produção grande, e uma renda líquida grande da qual
Malthus, propõe a adoção de medidas de controle
pode fazer poupanças, e quando, por conseguinte,
populacional.
durante muito tempo existiram os recursos para aumentar
anualmente muito o capital (na hipótese de o país não
Mesmo em uma condição de progresso do capital, em
dispor, como na América, de uma grande reserva de terra
países velhos [entenda desenvolvidos], é indispensável
fértil ainda não utilizada), uma das características de tal
um controle consciencioso ou prudente da população,
país é a taxa de lucro situada a uma distância pequena
para impedir que o aumento de habitantes supere o do
do mínimo, e portanto o país está a poucos passos da
capital, bem como impedir que se deteriore a condição
condição estacionária [...] (MILL, 1996, p. 310-311).
das classes que estão da sociedade. Onde não existe,
Mill chega a essa conclusão ao examinar a
tendência do lucro e dos salários nas sociedades
capitalistas. Se o lucro, a mola propulsora do
sistema, apresentar tendência de baixa, devido ao
progresso industrial e à concorrência crescente,
inerentes do capitalismo, haverá a eliminação
12
13
14
92
no povo, ou em alguma percentagem muito grande
dele, uma resistência resoluta a esse deterioramento –
uma determinação de preservar um padrão de conforto
estabelecido –, piora a condição da classe mais pobre,
mesmo em uma condição de progresso, até o ponto
mais baixo que ela consentir em suportar (MILL, 1996,
p. 326).
Conforme Bell (1976, p. 248), “estado estacionário significa o estado em que se encontra um país no qual aquela taxa atingiu o mínimo e
‘não pode ocorrer no momento qualquer aumento de capital’”.
Essa visão converge com o tratado por Ricardo em relação à tendência decrescente da taxa de lucro. Maiores detalhes ver Hugon (1984).
Mill se refere aos economistas da escola clássica que, na sua maioria, contribuíram para sua formação e inspiraram seu trabalho, tais como
Ricardo Smith e outros.
Ao
contrário
dos
demais
economistas
No
campo
da
economia,
Mill
tentava
políticos, Mill vê com bons olhos essa condição
apresentar a Economia Política como parte de
estacionária
países
Ciência Social completa e racional. Na definição
avançados, pois não lhe agradava a constante luta
dele Economia Política é “a ciência que esboça
entre as classes sociais.
as leis dos fenômenos sociais que surgem das
para
qual
caminha
os
Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido
operações combinadas da humanidade para a
por aqueles que pensam que o atropelar e pisar os
produção da riqueza, enquanto esses fenômenos
outros, o dar cotoveladas, e um andar sempre ao encalço
não são modificados pela busca qualquer de outro
do outro (características da vida social de hoje) são o
objetivo” (MILL apud BELL, 1976, p. 235).
destino mais desejável da espécie humana, quando
na realidade não são outra coisa senão os sintomas
É inegável que os trabalhos de John
desagradáveis de uma das fases do progresso industrial
Stuart Mill no campo da filosofia e da economia
(MILL, 1996, p. 327).
política são de grande significância para os
estudiosos contemporâneos. Mesmo que suas
Na visão de Mill, quando a economia atingir
contribuições econômicas originais não superem a
um estado estacionário a questão distributiva
de seus mestres, conforme aponta Bell (1976), seu
ganhará
maior
relevância15.
Questões
ligadas
ao aumento da produção são importantes nos
países atrasados. Nos países mais avançados,
cuja incidência da condição estacionária pode ser
atingida com certa facilidade, as instituições e os
agentes devem empreender esforços no sentido
de melhorar e elevar a sorte de todos16.
trabalho, Princípios de Economia Política, devido
ao refinamento teórico e sistematização de sua
exposição, torna-se por vários anos o livro didático
padrão para quem desejava estudar economia.
Trata-se de “uma síntese do melhor que havia
sobre Economia clássica, apresentado em arranjo
ordenado e científico e com garantia da inteireza”
(BELL, 1976, p. 232).
Considerações Finais
Mill é antes de qualquer coisa um visionário
que sonhava com um mundo melhor e mais
Graças às lições do pai, que o ensinou e o
instigou para o mundo do pensamento filosófico
e científico, Mill se apropriava de tudo aquilo que
considerava o melhor no campo intelectual de sua
justo para a sociedade. Na sua obra é premente
a preocupação com a distribuição dos frutos do
progresso, sem a qual não há sentido para a busca
desenfreada do crescimento econômico.
época para poder tecer suas próprias ideias, seus
próprios argumentos. Na concepção moderna ele
aplicava o método científico.
15
16
Mill chega a sugerir que o governo adote “um conjunto de legislação que favoreça a igualdade das fortunas, na medida em que isso for
conciliável com o justo direito do homem ou da mulher aos frutos, grandes ou pequenos, do seu próprio trabalho” (1996, p. 328).
Conforme Hugon (1984, p. 137), a noção de Mill de estado estacionário “ganha de novo, hoje, surpreendente atualidade. Assiste-se, com
efeito, em numerosos meios, a uma coordenação de crescimento econômico como finalidade e como ideal de vida, assim como a apologia
ao crescimento zero”.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014
93
Referências
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MALTHUS, T. R. Ensaio sobre o princípio da população. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os pensadores).
MARX, K. O capital. São Paulo: Bertrand Brasil, 1994. Livro I, v. 2.
MEEK, R. Economia e ideologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1971.
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94
MILL, J. S. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social. São Paulo:
Abril Cultural, 1983b. (Os pensadores). v. 2.
______. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social. São Paulo: Nova
Cultural, 1986. (Os pensadores). v. 3.
______. Princípios da economia política. São Paulo: Nova cultural, 1996, v. 2.
______. Utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2000.
RICARDO, D. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os pensadores).
SAY, J. B. Tratado de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986. (Os pensadores).
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Ática, 1997. v. 1, p. 149-156.
SMITH, A. Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1986.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014
•
Recebido em: 26/02/2013
•
Aprovado em: 26/06/2013
95
Economia ecológica, economia
solidária e o pensamento
econômico de E. F. Schumacher
Ecological economy, economy solidarity and E. F. Schumacher’s
economic thought
Economia ecológica, economia solidária e o pensamento econômico de E. F. Schumacher
Ecological economy, economy solidarity and E. F. Schumacher’s economic thought
Lucas Barbosa e Souza1
Rogério Ferreira Teixeira2
Resumo
O objetivo do presente ensaio é realizar uma abordagem sobre a visão econômica de
E. F. Schumacher à luz do pensamento da economia ecológica e da economia solidária.
Para tanto, serão apresentados alguns autores que exploram essas duas vertentes
do pensamento econômico, alguns pioneiros e outros que deram continuidade a
essa agenda de pesquisa, e em seguida será observada a perspectiva proposta por
Schumacher para a análise dos fenômenos econômicos. A busca principal será pelo
enfoque comparativo da visão do referido autor com os principais conceitos trabalhados
pela economia ecológica e pela economia solidária, realçando as semelhanças e ao
mesmo tempo salientando os aspectos originais, a contemporaneidade e o caráter
interdisciplinar do seu pensamento. A abordagem estará centrada, sobretudo, na obra
O negócio é ser pequeno: um estudo de economia que leva em conta as pessoas,
publicada por Schumacher em 1973, na sua primeira edição.
Palavras-chave: Economia Ecológica. Economia Solidária. Sustentabilidade.
Abstract
The aim of this paper is to conduct on the economic vision of E. F. Schumacher thought
in the light of ecological economics and the economy solidarity. To do so, we introduce
some authors that explore these two strands of economic thought, a few pioneers and
others who continued this research agenda, and then will be observed perspective
proposed by Schumacher for the analysis of economic phenomena. The main quest is
by comparing the sight of that author with the main exploreds concepts by ecological
economics and economy solidarity, highlightining the similarities and at the same time
showing the unique aspects, the contemporary and interdisciplinary character of his
thought. The approach will focus mainly in the book “Small is beautiful: a study of
economics that takes into account people”, published by Schumacher in 1973, in its
first edition.
Keywords: Ecological Economics. Economic solidarity. Sustainability.
1
Doutor em Geografia, Professor da Universidade Federal do Tocantins no Programa de Mestrado em Ciências
do Ambiente, no Programa de Mestrado em Geografia e no Curso de Geografia.
E-mail: [email protected].
2
Mestre em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins, Fundador e Gestor da Comunidade
Residencial Sustentável Ecológica Espiritual Morada da Paz – CoMPaz/RS.
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014
97
Introdução
E. F. Schumacher é um economista frequentemente esquecido quando se trata da realização
de estudos que se referem às searas da economia
ecológica e da economia solidária, o que é
inexplicável, dadas as suas preciosas contribuições
para o avanço da compreensão sobre as complexas
interações entre as sociedades humanas e o meio
ambiente.
Seu livro mais famoso é O negócio é ser
pequeno: um estudo da economia que leva em
conta as pessoas, publicado em 1973, a partir de
uma série de palestras e conferências realizadas
pelo autor em anos anteriores, em vários países,
A noção de riqueza na
economia solidária difere
da economia mercantil,
pois a primeira valoriza os
benefícios sociais gerados
pelo trabalho coletivo em
patamares mais elevados
do que a segunda.
sobre a temática anteriormente referida. Nesta
obra, o autor alerta para a necessidade de um uso
racional dos recursos disponíveis no planeta, dada
a finitude de uma parcela considerável destes e
de acordo com Pinto (2006). Este autor aponta
também para a urgência de novos métodos de
que o reaproveitamento de materiais e o uso de
produção e gestão.
fontes renováveis de energia são muito frequentes
Inicialmente, neste artigo serão abordados
aspectos teóricos da economia solidária e da
economia ecológica, para em seguida ser apresentado o pensamento econômico de Schumacher,
buscando-se as correlações existentes entre eles.
O objetivo principal do artigo será demonstrar
a atualidade do pensamento econômico de
Schumacher e sua possível aplicabilidade na resolução de questões sociais, ambientais e econômicas
contemporâneas.
em empreendimentos solidários. A economia solidária tem suas análises voltadas às áreas da gestão
social, processos autogestionários, redes solidárias
e empreendimentos solidários.
Razeto (1993, p. 40) esclarece conceituando
economia solidária como
uma formulação teórica de nível científico elaborada
a partir e para dar conta de conjuntos significativos
de experiências econômicas que compartilham alguns
traços constitutivos e essenciais de solidariedade,
mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que
1
Economia Solidária
Na economia solidária, dada a sua natureza
cooperativa, prevalece, na maioria das suas ações,
uma atitude de respeito que se traduz em ações
em prol do bem-estar social e da conservação
ambiental. As suas atividades orientam-se por
parâmetros distintos de empresas de mercado,
como a busca pelo lucro, pela produtividade e a
competição desenfreada com outras concorrentes,
98
definem uma racionalidade especial, diferente de outras
racionalidades econômicas.
França Filho (2007), adicionalmente, traz
contribuições muito significativas para a conceituação da economia solidária, esclarecendo ao
público que não tem familiaridade com a área.
O autor chama atenção para as questões relativas à sustentabilidade e à viabilidade dos
empreendimentos da economia popular e solidária, sendo necessária uma compreensão que
extrapole a lógica do mercado, baseada no lucro e
na competição. Por outro lado, a participação e o
além de espaços de produção (de bens, serviços,
engajamento coletivo nos projetos desenvolvidos
empregos), espaços de socialização, de reflexão e
devem ser considerados e valorizados.
ação política, considera Andion (2005).
A noção de riqueza na economia solidária
No Brasil, a partir do início do governo Lula,
difere da economia mercantil, pois a primeira
em 2003, houve a criação da Secretaria Nacional
valoriza os benefícios sociais gerados pelo trabalho
de Economia Solidária (Senaes), dirigida desde
coletivo em patamares mais elevados do que a
então pelo professor Paul Singer, fomentando e
segunda, conforme Pinto (2006).
articulando ações nesta área. A Senaes, de acordo
O conceito de economia solidária é rela-
com o Atlas da Economia Solidária no Brasil (2006),
tivamente recente no Brasil, e nessa área atuam
destaca quatro características importantes para
cooperativas e associações (formais e informais)
a economia solidária: cooperação, autogestão,
denominadas Empreendimentos Solidários (ES),
viabilidade econômica e solidariedade.
redes e fóruns de economia solidária, feiras de
Cançado e Cançado (2009) consideram
trocas solidárias, comércio justo e solidário, além
a autogestão, isto é, a autonomia do trabalhador
de Entidades de Apoio a Fomento (EAF), como
enquanto gestor do seu empreendimento, como
as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares (ITCPs) ligadas às universidades.
França Filho (2007, p. 172) explica que:
um traço essencial dos empreendedorismo social, embora não seja o único. O contrário da
autogestão é a heterogestão, modelo hegemônico
na sociedade capitalista, na qual a autonomia do
As práticas de economia popular e solidária no
Brasil ganharam em complexidade nos últimos anos,
afirmando-se como um campo de atores que inventam
alternativas econômicas e políticas inovadoras para a
trabalhador desaparece, em decorrência de uma
hierarquia burocrática e funcional institucionalizada
nas organizações.
resolução dos problemas cotidianos enfrentados em
A economia solidária tem procurado o
seus respectivos territórios, decorrentes dos processos
fortalecimento e a união de seus atores através de
de exclusão social.
Sobre os ES, França Filho (2007) afirma
que eles representam a forma predominante de
auto-organização socioeconômica. Existem ES em
diferentes segmentos, como bancos populares,
que trabalham com microcrédito, clubes de
trocas, associações de moradores e cooperativas
populares constituem a sua maioria.
Os ES atuam com intensidade no seio da
sociedade civil em diferentes países, promovendo
ações em áreas como educação, saúde, meio ambiente
e direitos humanos. São também reconhecidos
pela sua capacidade de geração de trabalho e pelo
impacto social das atividades que desempenham em
Autogestão é a
autonomia do trabalhador
enquanto gestor do seu
empreendimento, como
um traço essencial dos
empreendedorismo social.
nível local, expressando a mobilização dos cidadãos
para transformarem a realidade em que vivem. São
Rev.
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99
redes. Este tipo de organização reduz a dependência
Fernández Durán (2001, p. 25), que expõe sua
do sistema hegemônico por meio da troca e do
perspectiva sobre esta temática:
compartilhamento de produtos, saberes e serviços.
Neste sentido, Mance (2008, p. 1) considera que:
Todas as experiências de transformações alternativas da
sociedade a margem do mercado e da lógica patriarcal
As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas
dominante tem um grande valor como sementes e
em um sistema de produção onde não pode haver
pontos de referência do que pode chegar a ser uma
exploração
transformação
nem
dominação
dos
trabalhadores,
em
maior
escala.
A
reconstrução
com equilíbrio nos processos, com uso de insumos
das estruturas comunitárias, das novas áreas da
produzidos de forma ecologicamente correta, e com
comunidade, deve ser produzida principalmente a partir
partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e
do local. O local, que foi submetido e desarticulado pelo
formação de novas redes.
capitalismo global, é necessário em grande medida
restaurá-lo novamente (tradução nossa).
A economia solidária experimentou neste
início do século XXI um crescimento extraordinário
no Brasil e no mundo, em que os atores sociais, por
meio de um processo de autogestão democrática,
buscam com criatividade formas de inserção
social, política e econômica e de conservação
ambiental, construindo alternativas sustentáveis
frente à ordem hegemônica capitalista vigente.
Complementando sobre a economia solidária, Pinto (2006, p. 16) refere que:
Não se trata, portanto, apenas de se alcançar trabalho
e renda, por meio de saídas cooperativas. Assiste-se
também como possibilidade a emergência, a partir de
relações mediadas pelo trabalho associado, de novos
significados compartilhados, novas solidariedades, que
requalificam os sentidos do trabalho, da produção, do
consumo e das trocas. A realização desses vínculos
implica, também, na produção de novas identidades
pessoais, modos distintos de autopercepção.
Os ES privilegiam o desenvolvimento segundo a perspectiva local, promovendo a geração e a
circulação de renda, serviços e saberes junto aos
100
Segundo Tenório (2007), o desenvolvimento
local é uma abordagem que procura reforçar
a potencialidade do território mediante ações
endógenas, articuladas pelos seus diferentes atores
(sociedade civil, poder público e o mercado).
De acordo com o autor, o desenvolvimento
local pressupõe a reciprocidade, a cooperação
e a solidariedade em benefício do bem-estar
socioeconômico, político, cultural e ambiental
do local, podendo assumir três vertentes: (1)
econômica, guiada por parâmetros de mercado;
(2) social, orientada pela cooperação; e (3)
solidariedade ou híbrido, em que há orientação
econômica e cooperativa, estimulando o fomento
de capital social.
Para Baquero (2007), o capital social nasce
de interações cotidianas, não de legislações.
Promove a participação coletiva e o engajamento
das pessoas em projetos de desenvolvimento
comunitário e sustentável. Gera empoderamento
dos atores sociais, o que possibilita bem-estar e
qualidade de vida.
atores que estão envolvidos diretamente em seu
Conforme Vasconcelos (2007), a economia
contexto de atuação socioprodutiva, fomentando,
solidária desenvolve princípios e valores em seus
dessa forma, a sustentabilidade econômica e
movimentos, como a reciprocidade e a confiança que
ambiental de suas atividades. O desenvolvimento
acabam contribuindo na construção do capital social.
local tem sido pensado e discutido no meio
Pequenas ações solidárias dentro de um ES podem
acadêmico e possui muitos defensores, como
ser responsáveis pela construção de um grande
O desenvolvimento
local pressupõe a
reciprocidade, a cooperação
e a solidariedade em
benefício do bem-estar
socioeconômico, político,
cultural e ambiental
do local.
A economia ecológica apresenta inovações
significativas na forma de abordar as interações
do homem com o meio ambiente, propondo
estratégias que minimizem nossa alta produção
de entropia e garantam a sustentabilidade da vida,
conforme Mueller (2007).
Pela segunda lei da entropia, é impossível
um sistema fechado prosseguir seu crescimento
indefinidamente,
captando
energia
de
baixa
entropia e liberando resíduos de alta entropia no
ecossistema, pois há um limite para a absorção e
a reciclagem destes resíduos. Tal fato é ignorado
pela teoria econômica convencional (neoclássica).
Assim sendo, os impactos ambientais podem
acabar restringindo o crescimento econômico, na
capital social capaz de permitir o enfrentamento de
crises, pondera Vasconcelos (2007).
opinião de Cechin e Veiga (2009).
A economia ecológica preocupa-se com os
Assim, de acordo com os autores men-
processos de reciclagem de insumos e a minimiza-
cionados, percebe-se que a essência dos ES en-
ção de impactos ambientais3. Para Martinez-Alíer
contra-se pulsante na força coletiva dos processos
que desencadeiam, na integração dos sujeitos em
torno da unidade de princípios e na crença em
um projeto comunitário capaz de garantir aos
sujeitos que o impulsionam condições para uma
vida digna e ética.
2
A economia ecológica
Economia Ecológica
preocupa-se com os
processos de reciclagem
A partir da preocupação de alguns economistas com o meio ambiente e a sustentabilidade das
atividades humanas em longo prazo – como Nicolas
Georgescu-Roegen, Keneth Boulding e Herman
Daly –, a dimensão ambiental foi sendo incorporada
na construção dos modelos e teorias da ciência
de insumos e a
minimização de impactos
ambientais.
econômica, nascendo, então, a economia ecológica.
3
A Resolução nº 001 de 23 de janeiro de 1986 do Conama (Código Nacional de Meio Ambiente), em seu art. 1º define impacto ambiental como
“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades
sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”.
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101
(1998, p. 268), um dos precursores da economia
para uma mudança de paradigma, as sugestões do
ecológica, ela pode ser definida como
autor têm muitas limitações na sua exequibilidade,
uma economia que usa os recursos renováveis (água,
pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um
ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa
os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um
ritmo não superior ao de sua substituição por recursos
renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo).
Georgescu-Roegen (1971) aponta que os
principais postulados da economia ecológica
são a utilização de processos de reciclagem, a
minimização do uso de energia e de materiais,
a consideração do custo ambiental decorrente
de todo o processo de extração, produção e
consumo e a minimização da produção de dejetos
e da poluição. Segundo sua análise, a entropia
(aumento da desordem no sistema) coloca limites
para a expansão contínua das atividades, dada a
finitude dos recursos naturais do planeta.
O fundamento central da economia ecológica é a escala em que o sistema econômico
opera em relação ao ecossistema. Além de uma
escala ótima, o seu crescimento pode acarretar
mais prejuízos do que benefícios à humanidade, na
concepção de Cechin e Veiga (2009).
Daly (1984) propôs a economia do estado-estável, que consistiria em suprimir a obstinação
pelo crescimento econômico ilimitado. Em sua
opinião, um nível de crescimento com estabilidade
é necessário para gerenciar as relações econômicas minimizando a pressão antrópica sobre o meio
ambiente. A ênfase para a política econômica, segundo o autor, estaria deste momento em diante,
em gerenciar o estoque de recursos existentes e
não mais o fluxo econômico. Apesar de contribuir
4
102
sendo a principal delas quanto à determinação
do nível desejável para estabilizar o crescimento
econômico4. Como definir um nível de consenso
com tantas disparidades entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, por exemplo?
A grande questão que permanece sem
resposta ainda nos dias de hoje é qual seria a
“escala ótima” em que o volume de bens e serviços
produzidos pelo sistema econômico se tornará
compatível com a capacidade do planeta em
absorver os resíduos de alta entropia gerados. Não
é prudente acreditarmos, como alguns teóricos da
economia convencional, que poderemos substituir
produtos e serviços ambientais por recursos
tecnológicos para manter a curva exponencial de
crescimento econômico por tempo indeterminado,
considera Mueller (2007).
Martine (2007) propõe que uma estratégia
prática para minimizar impactos ambientais seria estudar a distribuição populacional em um
território, focando no seu uso sustentável de
acordo com os recursos disponíveis, a população,
o potencial econômico e o contexto atual de
desenvolvimento para atingir índices toleráveis
de crescimento econômico e social, embora isso
também se constitua em uma tarefa complexa.
A economia convencional (neoclássica) não
desconta dos índices de mensuração da riqueza
econômica como o PIB (Produto Interno Bruto) o
somatório das externalidades econômicas, como
propõe a economia ecológica, nem considera a
alocação inter-geracional de recursos não renováveis, sendo um indicador impreciso da realidade
Convém ressaltar que uma das premissas básicas do comportamento do consumidor, segundo a teoria microeconômica é a de que uma
quantidade maior de bens normais é sempre preferível, mesmo tratando-se de uma quantidade não significativa. Esse axioma também é
conhecido como o da não saciedade (PINDYCK; RUBINFELD, 2005).
econômica e ambiental de um país (MARTÍNEZ-
rigor em suas análises, uma vez que estes podem
ALÍER, 1998).
esconder
Tolmasquim (1998) caracteriza as externalidades como efeitos positivos ou negativos
resultantes da definição imprecisa do direito de
relações
ecologicamente
desiguais.
Ressalta que a economia ecológica advoga uma
participação política ativa dos ambientalistas, a
fim de pressionar a sociedade para que o meio
propriedade, de caráter incidental, involuntário,
ambiente receba a atenção adequada dos gestores
sem um controle direto sobre as fontes dos efeitos
públicos na elaboração de projetos e formulação
externos. A poluição atmosférica causada por uma
de políticas específicas para as suas demandas.
fábrica é um exemplo de externalidade (negativa,
neste caso), porque afeta o ar, que é um bem
público (pertencente à coletividade) e tem caráter
involuntário, já que a finalidade do dono da fábrica
é teoricamente a produção, e não a poluição.
M’Gonigle (1999) distingue duas correntes
M’Gonigle (1999) esclarece que a economia
ecológica aponta caminhos para a sustentabilidade
por meio de processos mais estáveis associados
com comunidades territoriais, que são formas
de organização participativa existentes dentro
de sistemas naturais. As comunidades, no seu
na economia ecológica: uma associada a uma
ponto
análise baseada em formalismos técnicos (de
uma base apropriada para a construção de
vertente econômica neoclássica), na qual o meio
políticas econômicas que garantam o êxito e
ambiente é analisado como mais um recurso para
a sustentabilidade de projetos em um amplo
finalidades econômicas, e outra de abordagem
horizonte de tempo, desde que seja observado um
mais ampla, que engloba um olhar profundo sobre
adequado planejamento territorial.
de
vista,
podem
constituir,
portanto,
os contextos institucionais, em que são analisadas
as interações da sociedade, da política, da cultura
Teixeira (2009) demonstra as possibilidades
e do meio ambiente com a ciência econômica. O
de integração entre comunidade, ética e economia
autor considera que elas não são excludentes, mas
ecológica, a partir da construção de redes soli-
acabam complementando-se.
dárias, práticas de autogestão, técnicas de reci-
Söderbaum (1999), por seu turno, complementa sobre a economia ecológica, afirmando que
seus recursos chaves são: (1) trabalhar para uma
clagem de resíduos e reaproveitamento de materiais, abordando a experiência da Comunidade
Sustentável Morada da Paz desde 2003.
sociedade sustentável com um senso ecológico, (2)
O planejamento territorial, de acordo com
prontidão para encaminhar as questões fundamentais
M’Gonigle (1999), envolve seleção de territórios
de quadros conceituais e de valores, (3) interação
restritos, socialização da riqueza produtiva do ter-
com acadêmicos de outras disciplinas e (4) observar
ritório, equalização de acesso à base de forças soci-
os imperativos essenciais da democracia. O autor
ais e econômicas e o fortalecimento de economias
refere ainda que a economia ecológica tem uma
territoriais através do reforço da autossuficiência e
natureza interdisciplinar, podendo interagir com
o desenvolvimento de mercados controlados re-
várias áreas do conhecimento.
gionalmente. O autor salienta ainda que o metabo-
Para Melo (2006), a análise dos fluxos físi-
lismo circular de estado-estável que está embutido
cos de energia e de materiais é um pressuposto
na comunidade social (com todos os processos ins-
importante da economia ecológica, além da con-
titucionais e culturais que isto implica) é a essência
sideração dos preços de mercado com o devido
do modelo territorial.
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C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014
103
3
O Pensamento Econômico
de Schumacher
muitos teóricos do desenvolvimento local, como
Tenório e Durán (2007).
O autor também critica a tendência de
A tentativa de analisar as interações entre a
economia e diferentes correntes espiritualistas não
é algo inédito. Muitos autores já buscaram esse
caminho no passado e na contemporaneidade.
Neste artigo, limitaremos-nos à análise de E.
F. Schumacher, buscando dialogar com outros
produção e advoga que pequenas unidades fabris,
em que os trabalhadores produzem em equipamentos que realcem o aspecto humano (criativo)
do trabalho, podem trazer viabilidade econômica e
eficiência técnica-produtiva.
economistas ecológicos e solidários na busca por
Schumacher (1983) critica a economia con-
opiniões compartilhadas quanto às possibilidades
vencional, de vertente neoclássica, que ignora os
para um novo sistema socioambiental.
custos ambientais (externalidades) do processo
E. F. Schumacher nasceu na Alemanha e
estudou na Inglaterra nos anos 1930, quando se
tornou discípulo de John Maynard Keynes, um
dos expoentes do pensamento macroeconômico.
Também
publicou
artigos
na
companhia
de
outros importantes economistas da época, entre
eles o polonês Kalecki. Auxiliou na reconstrução
da Alemanha no pós-guerra e realizou diversos
trabalhos de consultoria econômica, um deles na
Birmânia, em 1955, onde se inspirou para escrever sob
a economia na perspectiva budista. Propôs, assim,
uma base mais humanista para a ciência econômica.
Seu principal livro, O negócio é ser pequeno, um
estudo de economia que leva em conta as pessoas,
produtivo, operando dentro de uma lógica restrita que
considera apenas a questão de custo e benefício para
a alocação dos fatores e despreza a necessidade de
reciclagem e reutilização dos recursos. Assim, a visão
de Schumacher do sistema econômico aproxima-se
do modo de pensar dos fundadores da economia
ecológica, como Georgescu-Roegen, Martinez-Alíer
e Daly. Segundo a economia convencional, todos os
bens são tratados pelo mercado como mercadorias.
O autor considera que o mercado, ao atribuir preços
a bens e serviços, acaba retirando a sacralidade da
vida, uma vez que nada pode haver de sagrado em
alguma coisa precificada.
A
economia,
na
visão
de
Schumacher
de 1973, é o resultado da compilação de uma série de
(1983), encerra a análise de questões éticas (níveis de
palestras realizadas e artigos publicados na década
pobreza e riqueza, por exemplo), morais, ambientais,
de 1960 e início da década de 1970. Em duas obras
políticas, culturais e institucionais. Nessa perspectiva,
posteriores, aprofundou temas referidos no livro
a visão do autor é muito semelhante a de outros
inicial, como observaram Moraes e Serra (2005).
economistas heterodoxos referidos neste artigo,
Schumacher (1983) tece críticas severas ao
processo de globalização, afirmando que ele poderia
provocar o desarranjo de estruturas produtivas
locais. No seu ponto de vista, o caminho mais lógico para organizar o processo produtivo seria em
pequenas unidades, utilizando recursos disponíveis
no local (ou na região), tanto recursos naturais,
104
grandes unidades fabris como padrões para a
como Sen (1999), Söderbaum (1999), Cechin e Veiga
(2010) e Melo (2010). Percebe-se, dessa forma,
que a sua maneira de analisar o sistema econômico
leva em consideração aspectos interdisciplinares e o
pensamento complexo, que é exatamente o oposto da
visão reducionista-mecanicista de mundo difundida
por Descartes, Bacon e Hobbes, no século XIX.
como mão de obra. Isso geraria benefícios às
A ciência econômica, ao ser equiparada à
economias locais, em sua concepção. Nesse sentido,
física newtoniana na construção de suas teorias
seu pensamento aproxima-se do pensamento de
e modelos, tornou-se abstrata demais para a
compreensão da realidade dos fenômenos eco-
opinião de Schumacher (1983), é maçante e noci-
nômicos,
limitando-se.
vo espiritualmente ao trabalhador. Na visão da
Schumacher (1983) reflete que a economia está
dessa
forma
acabou
economia budista, segundo o autor, o trabalho deve
muito mais direcionada a analisar problemas de
conduzir à superação do ego, além de simplesmente
uma forma quantitativa do que aprofundar a
prover as necessidades básicas dos trabalhadores.
análise qualitativa. Em sua opinião, os pressupostos
econômicos, ao suprimirem as diferenças qualitativas, tornam estéreis as teorias econômicas. A
análise econômica (econométrica) não leva em
consideração se o crescimento é benéfico ou não.
Entretanto, o autor pondera que é mais fácil lidar
com variáveis quantitativas do que manipular
informações qualitativas.
Quanto ao mercado, Schumacher (1983)
acredita que ele é a institucionalização do individualismo e da não responsabilidade, numa postura
claramente crítica à sua lógica de funcionamento.
Nesse ponto, o autor compartilha a mesma opinião
de Polanyi (2000), para quem o mercado representa
apenas uma dentre tantas outras formas de interações econômicas existentes na sociedade. Em sua
Schumacher (1983) defende a construção de
obra, Polanyi (2000) aponta a domesticidade, na
uma ciência econômica sobre outras bases e valores,
qual predomina a produção para o autoconsumo, a
em que haja a consideração de diferenças qualitativas
reciprocidade, em que existe o processo de dar, rece-
entre bens e serviços pelo mercado. Para isso,
ber e retribuir os bens (fortalecendo os laços sociais,
lança a proposição de uma economia baseada em
dessa forma) e a troca, havendo uma organização
princípios e valores do budismo. Nessa perspectiva,
hierárquica que coordena a redistribuição dos frutos
faz uma série de considerações para uma verdadeira
do trabalho coletivo, como os mutirões, por exemplo.
reprogramação da economia, como o princípio da
subsistência correta, com a redução do consumo às
necessidades básicas, a eliminação dos supérfluos e,
consequentemente, a busca por uma forma de vida
com mais simplicidade, liberdade e criatividade, em
pequenas unidades. Na atualidade, esse modo de vida
proposto por Schumacher tem sido experimentado
em inúmeras ecovilas e comunidades sustentáveis
espalhadas pelo mundo, como Findhorn (Escócia),
A sabedoria, conforme Schumacher (1983),
leva à paz e à permanência. Hoje poderíamos
traduzir estes termos como sustentabilidade,
ou desenvolvimento sustentável, conceitos que
ainda não haviam se disseminado na época de
Schumacher. A antítese da sabedoria são os conflitos e os tensionamentos, para o autor. Em suas
palavras, Schumacher (1983, p. 32) complementa:
Lebensgarten (Alemanha), Cristal Waters (Austrália)
O cultivo e a expansão das necessidades é a antítese
e Morada da Paz (Brasil), como referem Santos Jr.
da sabedoria. É igualmente a antítese da liberdade e da
(2006), Dornelles (2008) e Teixeira (2009).
paz. Cada aumento de necessidades tende a agravar a
dependência de uma pessoa de forças externas sobre
Schumacher (1983) defende uma forma
as quais não pode exercer controle, e, portanto, agrava o
de gestão participativa nas organizações, em
medo existencial. Só com uma redução de necessidades
que os trabalhadores estejam engajados nos pro-
pode-se promover uma genuína redução naquelas tensões
cessos de tomadas de decisões e sintam-se satis-
que são as causas fundamentais da discórdia e da guerra.
feitos com aquilo que realizam. Nesse aspecto, o
pensamento do autor aproxima-se de Cançado
e Cançado (2009), França Filho (2007) e Pinto
(2006), que destacam a autogestão como traço
característico dos empreendimentos solidários.
O trabalho desenvolvido de forma mecânica, na
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O problema não é acumular riquezas, destaca Schumacher (1983), mas segundo ele, na visão
budista, o problema consiste no apego à riqueza,
que impede as pessoas de enxergarem além
dos seus próprios interesses, contribuindo para
v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014
105
a construção de um pensamento autocentrado.
Finalmente, Schumacher (1983) considera
Esse aspecto nefasto do mundo contemporâneo
a necessidade de um estudo da economia em
também é referido por Samten e Caruso Jr. (2004),
bases mais amplas (metaeconômicas), para que se
ao dialogarem sobre os problemas causados pela
alcancem discernimentos válidos na construção de
atitude autointeressada do ser humano na interação
políticas e projetos econômicos e que esses sejam
econômica e seu reflexo na degradação ambiental.
exitosos no alcance de suas metas e objetivos.
É preciso a sabedoria acumulada ao longo
da história, segundo Schumacher (1983), para o
Considerações Finais
ser humano continuar a trilhar o seu caminho de
evolução na Terra e esse caminho, segundo o au-
A economia ecológica e a economia solidária
tor, deve ser preferencialmente o caminho do meio,
são dois ramos recentes do pensamento econômi-
como idealiza a tradição budista.
Schumacher (1983) chegou a cunhar o termo
pontos em comum, como a preocupação com a
metaeconomia, o qual envolveria o estudo do
sustentabilidade ambiental nas atividades econômi-
homem em seu meio ambiente. Esse segmento da
cas. Tal fato tem fomentado o desenvolvimento de
economia teria como foco a inferência de metas e
novas pesquisas tanto empíricas quanto teóricas
objetivos a partir do estudo do homem, tendo como
utilizando essas duas áreas da ciência econômica.
metodologia a observação da natureza. Segundo o
autor, a dependência do homem (e da economia)
com relação à natureza é ignorada pela economia
convencional (neoclássica), assim como também
106
co, sendo que suas abordagens encontram muitos
Como foi possível verificar ao longo desse
ensaio, Schumacher apresenta opiniões que se
filiam tanto à economia ecológica como à econo-
constata a economia ecológica e seus principais
mia solidária. Talvez por esse motivo, qual seja a
teóricos. Schumacher (1983) pondera que a análise
abrangência de seus pontos de vista, e a dificuldade
econômica convencional atribui maior valor ao
em enquadrá-lo em alguma vertente de pensamen-
curto-prazo, não considerando os custos ambientais
to, ele tenha ficado à margem das próprias áreas
(externalidades) que geram distorções nas análises
heterodoxas da economia e carente de uma leitura
econômicas. Nesse ponto seu pensamento se
mais aprofundada e de maiores comentários na li-
correlaciona com a análise de Tolmasquim (1998).
teratura econômica corrente.
Schumacher (1983) afirma que toda a análise
Contudo, em um período de intensas crises
econômica desconsiderou a base (meio ambiente)
ambientais, sociais e econômicas, como vivencia-
em que se desenvolviam as atividades econômicas,
mos na atualidade, as quais demandam alterna-
porque no momento de sua formulação ela parecia
tivas sustentáveis e ações eficazes para os seus
inesgotável. A partir das provas de sua deterioração
enfrentamentos, a (re)leitura de Schumacher pode
ambiental, o autor reflete que as perspectivas e a
trazer inspirações interessantes aos cientistas que
metodologia econômica passam a ser contestáveis.
pesquisam sobre a sustentabilidade socioambi-
Capra (2006) demonstra ter sido profun-
ental na construção de projetos direcionados ao
damente influenciado por Schumacher quando
bem-estar e a qualidade de vida das populações.
se refere à necessidade do ser humano aprender
Nesse sentido, ressalta-se o caráter original, con-
com os processos naturais, além de também
temporâneo e interdisciplinar deste autor, cuja
defender a importância da economia buscar um
contribuição continua viva, conforme se buscou
perfil mais humanista.
demonstrar no presente artigo.
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014
•
Recebido em: 20/12/2012
•
Aprovado em: 04/06/2013
109
Adoção de plataforma estratégica
de tecnologia de informação e
comunicação: análise baseada no
modelo UTAUT
Adoption of the strategic platform for information and communication
technology: analysis based on the UTAUT model
Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUT
Adoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT model
Fernando de Souza Meirelles1
Luci Longo2
Resumo
Este artigo apresenta um estudo desenvolvido em ambiente universitário e tem como foco a adoção
de tecnologia de informação por parte do corpo docente da Instituição nos processos educacionais. A
pesquisa se justifica em razão da pouca informação sobre as dificuldades de aceitação e intenções de
uso por parte dos professores e foi baseada no modelo UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use
of Technology visando analisar o sistema e-learning para apoio de atividades educacional denominado
Moodle – Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). A metodologia adotada foi qualiquantitativa e dividida em duas etapas. A
primeira serviu como diagnóstico, constatando que a Universidade tem diferentes estágios de adoção de
tecnologia e que o Ensino a Distância (EAD), implantado há pouco menos de três anos, já atingiu 42,5%
dos alunos. Na segunda etapa, foi realizada uma survey encaminhada aos docentes cadastrados para
uso dos recursos do sistema de tecnologia de informação e comunicação destinada à educação (TIC)
dos três campi universitários, totalizando 650 professores, equivalente a 86,4% do total dos docentes,
para testar se os elementos apontados no modelo teórico são comprovados empiricamente para a
adoção das TIC. A apresentação dos resultados possibilitou evidenciar a abrangência da teoria utilizada,
apesar do baixo índice de participação dos professores na pesquisa, mostrando a necessidade de novas
pesquisas para aprofundar o estudo no ambiente acadêmico e de medidas para tornar mais efetivo o
uso das TICs educacionais.
Palavras-chave: Adoção de Tecnologia de Informação. Tecnologia de Informação e Comunicação destinada
à Educação (TIC). Modelo Unificado de Aceitação de Tecnologia. Aspectos Sociais da TI.
Abstract
This paper presents a study developed in a university environment and which is focused on the adoption of
information technology by the teaching staff institution in the educational process. The research is justified
because there is few information about the difficulties of acceptance and usage intentions of professors
and it was based on the UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology) in order to analyze
the e-learning system for support of educational activities called Moodle – Modular Object Oriented
Dynamic Learning Environment, of the Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). The
methodology was qualitative and quantitative and was divided into two stages. The first one was used as a
diagnosis, noting that the university has different stages of adoption of technology, and distance education
(e-learning), implanted just under three years, has reached 42.5% of students. In the second step, we
conducted a survey sent to teachers registered for use of system resources for Information Technology and
Communication to Education (ICT) of the three university campuses, a total of 650 teachers, representing
86.4% of all teachers; the survey research was conducted to test whether the elements highlighted in the
theoretical model are confirmed in empirical research of ITC adoption. The presentation of the results
allowed to highlight the scope of the theory used, despite the low level of teacher participation in research,
showing the need for further research to further study in the academic environment and measures to make
more effective use of ICT in education.
Keywords: Adoption of Information Technology. Information and Communication Technology for Education
(ICT). Unified Theory of Acceptance and Use of Technology (UTAUT). Social Aspects of IT.
1
2
Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Professor Titular da Escola de Administração
de Empresas de São Paulo (EAESP). E-mail: [email protected].
Doutora em administração pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Escola de Administração de Empresas de São Paulo,
Professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
111
Introdução
A TIC pode ser utilizada
A Tecnologia de Informação (TI) tem sido
abordada sob diferentes enfoques, destacando sua
importância no ambiente empresarial, sua contínua
evolução e seus impactos para os indivíduos e para a
sociedade. A educação é uma das áreas que merece
destaque. Os estudos relacionados à educação
e evolução da TI já era destacada por Dertouzos
(1997), enfatizando que a Tecnologia de Informação
e Comunicação (TIC) podia ajudar a melhorar o
aprendizado, graças a sua capacidade de tratar
certas restrições existentes, tais como o tempo e o
espaço, para seus participantes e componentes.
Com este estudo, foi possível acompanhar
a evolução da TIC junto à Instituição de Ensino
Superior estudada. Um dos pontos centrais da
investigação foi verificar o funcionamento do
Moodle, o sistema de e-learning da Universidade,
bem como seu efetivo uso por parte dos docentes.
O sistema Moodle foi implementado inicialmente para o Ensino a Distância (EAD), devido à
parceria da Universidade e o Governo Federal, no
Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Estes esforços alavancaram a infraestrutura de TI.
A plataforma Moodle foi disponibilizada também
aos docentes do ensino presencial. Decorridos
mais de dois anos, não estava claro a participação
dos docentes e quais os principais motivadores do
uso do sistema.
O objetivo desta pesquisa, portanto, foi
estudar a adoção e intenção do uso de tecnologia
de informação por professores nos processos
educacionais, utilizando o modelo unificado de
aceitação de TI, Unified Theory of Acceptance
and Use of Technology – UTAUT (VENKATESH;
MORRIS; DAVIS, 2003).
A metodologia procurou formas para compreender algumas questões, como por exemplo, se
o gênero, idade, experiência e voluntariedade no uso
presentes no modelo teórico UTAUT são diagnosticados na pesquisa empírica, interferindo na intenção
do indivíduo e também na frequência de uso.
O modelo de pesquisa adotado serviu de
base para orientar a pesquisa junto aos docentes
da Universidade Estadual do Centro Oeste do
112
no contexto educacional,
para apoiar atividades
administrativas, de
gestão educacional, de
aprendizagem, entre
outras.
Paraná, quanto à aceitação da plataforma Moodle
para o apoio às atividades educacionais da
Entidade dos cursos presenciais de Graduação e
Pós-Graduação.
1
Uso de Tecnologia de
Informação e Comunicação
1.1 Tecnologia da Informação e
Comunicação para Educação (TIC)
Damásio (2007) discorre sobre a utilização
da tecnologia no contexto educativo, e enfatiza que
o seu uso deve ser introduzido mediante reais necessidades dos sujeitos envolvidos e não somente
pelo fato de utilizar a tecnologia por ela mesma.
A TIC pode ser utilizada no contexto educacional, para apoiar atividades administrativas,
de gestão educacional, de aprendizagem, entre
outras. Nesta pesquisa, analisou-se a adoção
da TIC pelo corpo docente como ferramenta de
apoio às atividades de ensino e aprendizagem, ou
seja, como um sistema de gestão do aprendizado.
Este tipo de sistema agrega grande quantidade
de recursos que podem ser utilizados para
disponibilização de materiais tais como artigos e
vídeos, construção individual do conhecimento
por meio de tarefas, construção colaborativa de
conhecimento por wikis e fóruns de discussão,
comunicação entre professor-aluno e aluno-aluno
via mensagens, fóruns de notícias e fóruns de
discussão em geral e avaliação do aprendizado do
aluno com a utilização de testes eletrônicos.
Estas tecnologias podem ser utilizadas
tanto para ensinar o aluno determinado conteúdo, como para promover o desenvolvimento do
conhecimento e, neste contexto, o aprendizado
acontece pelo fato do indivíduo estar executando
determinada tarefa por intermédio da tecnologia
(VALENTE, 1993a).
Segundo Albertin (2010), estas tarefas podem ser pesquisa de dados, elaboração de textos,
resolução de diversos domínios do conhecimento
e representação desta resolução, controle de
processos em tempo real, comunicação e uso de
redes de computadores, entre outras.
O processo de aceitação
e efetiva adoção de
determinada tecnologia
é um ponto-chave para
o sucesso desta, seja um
sistema de informação, um
processo ou produto no
ambiente digital.
planejado (TCP); (5) Uma teoria combinada de TCP
e TAM (TAM2); (6) Modelo do uso do computador
pessoal (CP); (7) Difusão de inovações e (8) Teoria
social (cognitiva).
1.2 Adoção de Tecnologia
Visando compreender melhor a origem do
UTAUT, apresenta-se um dos modelos mais co-
A adoção de tecnologia tem sido foco
de pesquisa de muitos autores. Um dos artigos
mais conhecidos sobre o tema é de Venkatesh,
Morris, Davis e Davis (2003), que divulgaram o
modelo utilizado nesta pesquisa o Unified Theory
of Acceptance and Use of Technology (UTAUT),
cuja tradução é Teoria Unificada de Aceitação e
Uso da Tecnologia.
nhecidos que o antecedeu, o Modelo de Aceita-
Salienta Albertin (2010) que o processo
de aceitação e efetiva adoção de determinada
tecnologia é um ponto chave para o sucesso desta,
seja um sistema de informação, um processo ou
produto no ambiente digital (ALBERTIN, 2010).
ria livre de esforço (DAVIS, 1989).
A UTAUT é oriunda da consolidação das construções de oito modelos de pesquisas antecessoras:
(1) Teoria da ação racional (TRA); (2) Aceitação
do modelo de tecnologia (TAM); (3) Modelo
motivacional; (4) Teoria do comportamento
tativa de esforço, influência social e condições de
Rev.
FA E ,
C uritiba,
ção Tecnológica (TAM) – Technology Acceptance Model, que se refere ao momento quando os
usuários são apresentados a uma nova tecnologia, pois há fatores que influenciam na decisão de
usá-lo, quais sejam: percepção de utilidade e da
facilidade, ou seja, grau de percepção que uma
pessoa ao utilizar um determinado sistema, esta-
O UTAUT visa explicar também as intenções
do usuário para usar um sistema e comportamento posterior. A teoria sustenta as quatro principais
construções: expectativa de desempenho, a expecfacilidade. Além disso, os determinantes da intenção
de uso são os seguintes elementos: gênero, idade,
experiência e voluntariedade de uso (VENKATESH
et al., 2003).
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
113
O modelo UTAUT, na FIG. 1, foi validado com sucesso em um estudo longitudinal, obtendo 70% da
variação na intenção de uso.
FIGURA 1 – Modelo da Teoria Unificada de Aceitação da Tecnologia (UTAUT)
Expectativa de
Desempenho
Expectativa de
Esforço
Intenção de
Comportamento
Uso
de Uso
Influência
Social
Condições
Facilitadoras
Gênero
Idade
Experiência
Voluntariedade
no Uso
FONTE: Venkatesh et al. (2003)
2
Aspectos Metodológicos
2.1 Escolha da Empresa
A entidade escolhida para esta pesquisa é
uma das mais jovens Universidades do Estado do
Paraná, que surgiu da fusão de duas faculdades
dos municípios de Guarapuava e de Irati. A partir
do ano de 1997, depois de concluído seu processo
de reconhecimento, a Instituição iniciou seu
processo de expansão, implantando novos cursos
em diversas áreas do conhecimento. Atualmente,
conta com 59 ofertas de cursos.
114
Instalada na região central do estado, a
Unicentro conta com mais de cinquenta municípios
em sua região de abrangência, compreendendo
uma população de mais de 1 milhão de habitantes,
para os quais oferece uma variada gama de
serviços que propiciam maior desenvolvimento
regional. Conta com cursos de Formação Superior
de Graduação, Pós-Graduação e Ensino a Distância
(EAD), em parceria com o Governo Federal por
meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
No ano em que foi desenvolvida a pesquisa a
universidade tinha 9.108 acadêmicos no ensino
presencial e 3.874 no EAD.
O processo de consolidação da Instituição
vem
ocorrendo
pelo
reconhecimento
da
comunidade e dos órgãos oficiais encarregados
da gestão das políticas de Ensino Superior no país. Ressalta-se a implantação, no ano de 2006, dos quatro
primeiros programas de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade, os mestrados nas áreas de Química,
Engenharia Florestal, Agronomia e Biologia.
2.2 Modelo Conceitual de Pesquisa
Com o objetivo de compreender melhor o atual estágio de adoção de TI, pelos docentes, nas atividades
educacionais de Graduação e Pós-Graduação dos cursos presenciais na Unicentro, aplicamos o modelo UTAUT,
com algumas adaptações, conforme a FIG. 2.
FIGURA 2 – Modelo de Pesquisa baseado no UTAUT
Expectativa de
Desempenho
Plataforma
Moodle
Expectativa de
Esforço
Intenção de
Uso
(TIC para
suporte das
tarefas
educacionais)
Comportamento
de Uso
Influência
Social
Condições
Facilitadoras
Gênero
Idade
Experiência
Voluntariedade
no Uso
DOCENTES - ENSINO SUPERIOR
FONTE: Os autores (2011)
Esta abordagem possui apenas uma diferenciação em relação ao modelo original, ou seja, a proposição
ao modelo aponta que os elementos de gênero, idade, experiência e voluntariedade do uso podem interferir
na intenção do indivíduo e também na frequência da utilização do recurso tecnológico.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
115
2.3 População e Coleta de Informações
A pesquisa, para atender aos seus objetivos,
foi dividida em duas fases: (a) diagnóstico do uso de
TI pela Entidade (utilizando dados secundários dos
usuários ativos do Moodle) e (b) coleta de dados
junto aos docentes da entidade, por meio de uma
survey com questionário estruturado (opção digital
ou manual/físico), focado no objetivo da pesquisa.
Os professores dos três campi universitários
totalizam 752 indivíduos, entretanto, a pesquisa foi
encaminhada para aqueles que tinham seus cadastros junto ao sistema, totalizando 650 professores.
A Unicentro, no ano de 2009, iniciou um programa
de treinamento para os professores, apresentando
o Moodle, sendo que nesta ocasião os professores
foram orientados a fazer seus cadastros e acessos
para a utilização básica do sistema.
Para os testes, processamento dos dados
amostrais e validação do modelo proposto, utilizou-se o software MINITAB versão 15.
Optou-se pela técnica de análise discriminante devido à variável resposta de natureza
binária. Foi construído um modelo de Regressão
Logística para encontrar os motivadores do uso
do sistema. A análise discriminante assume a seguinte forma:
Z= f(X1, X2, ..., Xp)
Z= a0 + a1 X1 + a2 X2+...+ap Xp
Onde:
Z = escore discriminante
a = intercepto
Xi = variável independente i
Regra de Decisão (Zo: é o ponto de corte
para classificação dos grupos):
Dos questionários que retornaram, pouco
mais de 100, muitos estavam com informações incompletas, portanto, puderam ser aproveitados 56.
2.4 Procedimentos Adotados para Análise
dos Dados
O tipo de pesquisa foi qualiquantitativo para
alcançar a verificação empírica do assunto estudado. Para responder ao objetivo proposto e para uma
efetiva triangulação das informações foram utilizadas diversas técnicas para a coleta de dados (DUBÉ;
PARÉ, 2003; EISENHARDT, 1989; YIN, 2001).
Na fase de diagnóstico, adotou-se fazer
inicialmente a coleta junto ao site da Universidade,
bem como a análise de documentos e entrevistas
semiestruturadas com o Coordenador da TIC, cuja,
sua equipe atende os três campi. Paralelo a isto, foi
feito entrevista com a Coordenadora do Programa
de Ensino a Distância, para compreender a atual
situação do EAD. Por último, foram obtidas
também informações, junto aos Departamentos,
Financeiro, da Reitoria e dos Recursos Humanos.
116
Z > Z0 = G1 (usuários)
Z < Z0 = G2 (Não Usuários)
Para mensurar se o modelo ajusta-se aos
dados, foram feitos alguns testes de validação,
como o teste de Hosmer-Lemeshow. Também foi
analisada a significância do modelo e a hipótese
nula foi rejeitada: Ho: (b1=0, b2=0,.... bp = 0). As
variáveis mais ajustadas ao modelo, quanto ao uso
do sistema foram: Intenção e Frequência, sendo
G = 21,176, DF = 2, P-Value = 0,000.
3
Apresentação e Análise
dos Resultados
3.1 Descrição da Plataforma Moodle/
Unicentro
O Moodle – Modular Object-Oriented
Dynamic Learning Environment – é um ambiente
virtual de aprendizagem (AVA), também conhecido
O Moodle conjuga um
sistema de administração
de atividades educacionais
com um pacote de software
desenhado para ajudar os
educadores a obter alto
padrão de qualidade em
atividades educacionais
no ambiente on-line.
como LMS – Learning Management System, que
tem destaque no mercado digital, devido às suas
diversas possibilidades. Muitas instituições utilizam
essa ferramenta em cursos on-line, blended ou
como apoio a cursos presenciais, todas elas com
o intuito de dar suporte ao aluno por meio da
atuação de professores e/ou tutores (CTAE, 2011).
um pacote de software desenhado para ajudar os
educadores a obter alto padrão de qualidade em
atividades educacionais no ambiente on-line.
Este sistema gera informações e relatórios
referentes a sua utilização. Para evidenciar a adoção
dos usuários ativos, apresentam-se algumas
informações geradas para a Coordenação de TI da
Universidade. No que se refere à situação atual do
EAD, há 10 cursos em funcionamento, 3.874 alunos
e 550 tutores externos ligados ao programa.
Indicando o volume movimentado pelos
usuários, em números totais, houve 21.892 visitantes, 52.807 visitas, ou seja, 2,41 acessos por
visitantes. Mensurando o volume de informação, as
visitas equivalem a 54,21 GB ou 1076,3 KB por visita.
Verificando as informações do último trimestre de
2010, conforme a TAB. 1, é possível ter noção do
fluxo dos usuários do sistema e da utilização do
Moodle e o tempo médio destas.
TABELA 1 – Duração das visitas no Moodle
Tempo médio das
Número de
visitas
visitas
Por cento
0s-30s
8.376
15.8 %
30s-2min
7.844
14.8 %
2min-5min
7.827
14.8 %
5min-15min
9.303
17.6 %
15min-30min
5.650
10.6 %
6.231
11.7 %
7.440
14%
163
0.3 %
Tecnicamente, o Moodle é um software
de Open Source, o que significa que é livre para
carregar, usar, modificar e até mesmo distribuir (sob
a condição do GNU). Funciona sem necessidade de
modificação em Unix, Linux, Windows, Mac OS X,
Netware e em qualquer outro sistema que suporte
a linguagem PHP, podendo, portanto, ser incluído
na maioria dos provedores de hospedagem. Os
dados são armazenados em um único banco de
dados e de maneira mais eficiente com MySQL e
PostgreSQL, porém também pode ser utilizado
com Oracle, Access, Interbase, ODBC, entre outros.
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
O Moodle é um projeto de desenvolvimento
contínuo projetado para apoiar o sócio construtivismo educacional. Conjuga um sistema de
administração de atividades educacionais com
O GRÁF. 1 ilustra os Cursos Ativos de Ensino
a Distância (EAD) com maior participação no uso
da plataforma Moodle, desde a implantação do
sistema em 2009:
Rev.
FA E ,
C uritiba,
30min-1h
1h+
Desconhecido
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
117
GRÁFICO 1 – Uso do Moodle nos Programas de EAD
190, 000
152, 000
114,000
76,000
38,000
TICs - 2010
Imersão - 2010
TFL-2010
Hist Brasil I
Estado, Governo e Mercado
Inf. Aplicada
História da Arte
Sem Pesq.
Estado, Governo e Mercado - 10
Educação a Distância EAD
HISUBDID2010
Introdução à Informática - 10
Sociologia
Teoria da Administração
Int. à informatica - 2010
Psicologia Organizacional
Estado, Governo e Mercado
Introdução ao EAD
Int. à informática 2010
TCC- Gestão
0
Atividade
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
Analisando apenas um curso e as movimentações do EAD, tomando-se como exemplo
o curso de Gestão Escolar, que completou seu
ciclo na fase final de conclusão de curso, verificase a participação de três agentes (usuários do
sistema) que utiliza a nomenclatura distinta, conforme segue:
a) Estudantes – não há diferença de
nomenclatura;
b) Assistentes – que dão suporte aos
estudantes, denominados operadores
ou tutores;
c) Professor – também recebe a
denominação de tutor.
Destaca-se algumas características que são
inerentes à funcionalidade do EAD na entidade
118
estudada, os assistentes que dão suporte no dia
a dia e os professores são chamados de tutores.
A responsabilidade e organização do conteúdo
é atribuição do professor, assim como programa
da disciplina, material, exercício e atividades desenvolvidas, mas em geral o professor não está
permanentemente em contato virtual com o aluno
do EAD, pois a equipe de assitentes é que oferece
o suporte para estes alunos e também é o elo de
informação junto ao professor.
Verifica-se que em um semestre de atividades
aproximadamente, há picos de acessos dos
usuários de forma diferenciada. As participações
do estudante e do tutor assemelham-se às
demandas de um curso de orientação presencial.
GRÁFICO 2 – Acesso na disciplina TCC Gestão Escolar
21/08/24
25/11/21
01/03/19
04/06/16
08/09/13
Estudante
13/12/10
Moderador
Tutor
18/03/08
22/06/05
26/09/02
00/01/00
17/05/2010
17/06/2010
17/07/2010
17/08/2010
17/09/2010
17/10/2010
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
3.2 Análise e Validação do Modelo para a
Amostra Obtida na Pesquisa Uso do
Moodle-Unicentro
Alguns pontos da análise são destacados, conforme mostra a primeira parte da TAB. 2, com o resumo
da variável de saída (binária), sendo o uso da TIC, 1 para sim e 0 para não.
Do conjunto de variáveis previsoras (independentes) do modelo UTAUT, as variáveis SIDADE, EXPER,
destacadas na TAB. 2, possuem parâmetros não significantes para o modelo em 10%. Dessa forma, foram
retiradas estas variáveis para compor o modelo final.
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C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
119
TABELA 2 – Regressão logística: uso de TI x variáveis previsoras
Variável Dependente (Binária)
Valor
USO
Quant.
1
25
0
31
TOTAL
56
Intervalo de
Confiança
Previsores
Coef
Constante
SE Coef
Z
P
Relação de
Probalidade
Mínimo
95%
Máximo
- 7,670
2, 555
- 3,000
0,003
SIDADE
0,425
0,722
0,590
0,556
1,530
0,370
6,300
SGÊNERO
2,286
0,875
2,610
0,009
9,830
1,770
54,640
- 0,240
0,355
- 0,680
0,498
0,790
0,390
1,580
2,480
1,191
2,080
0,037
11,940
1,160
123,130
EXPER
INTENÇÃO
Log-Probalidade =
Teste (slopes = zero):
- 23,465
G= 30,058
DF = 5,0
P-Value = 0,000
FONTE: Os autores (2011)
No teste de significância, conforme TAB. 3, pelo valor de P, pode ser rejeitada a hipótese nula. Entretanto,
a estatística e o teste de Hosmer Lemeshow mostram que o modelo não se ajusta aos dados, mesmo com o
índice D de Somers mostrando uma concordância de 78%.
TABELA 3 – Testes estatísticos de ajustes e associação
Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit )
Método
Chi - Quadrado
DF
P
Pearson
74,7335
34
0,000
Deviance
39,6591
34
0,232
Hosmer-Lemeshow
8,4488
8
0,391
Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores
Número de Pares
Concordante
Discordante
Ties
Total
FONTE: Os autores (2011)
120
Percent
Medidas Resumo
688
88,8
D de Somers
0,78
83
10,7
Goodman-Kruskal Gamma
0,78
4
0,5
Kendall’s Tau-a
0,39
850
100
Na sequência, os cálculos foram processados novamente, considerando apenas as variáveis Intenção e
Frequência. Os resultados encontram-se na TAB. 4.
TABELA 4 – Regressão logística: uso x previsoras intenção e frequência
Intervalo de
Confiança
Previsores
Coef
SE Coef
Z
Relação de
P
Probalidade
Mínimo
95%
Máximo
Constante
- 3,39572
1,1833
-2,87
0,004
INTENÇÃO
2,64870
1,1292
2,35
0,019
14,14
1,55
129,28
1,09526
0,4893
2,24
0,025
2,99
1,15
7,80
FREQUÊNCIA
Log-Probalidade =
-27,906
Teste (slopes = zero):
G=21,176
DF = 2,0
P-Value = 0,000
Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit )
Método
Chi - Quadrado
DF
P
Pearson
26,522
5
0,00
Deviance
13,4358
5
0,02
20,9454
3
0,00
Hosmer-Lemeshow
Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores
Número de Pares
Percent
Medidas Resumo
Concordante
587
75,7
D de Somers
0,69
Discordante
50
6,5
Goodman-Kruskal Gamma
0,84
Ties
138
17,8
Kendall’s Tau-a
0,35
Total
775
100
FONTE: Os autores (2011)
Na TAB. 4, os testes estatísticos indicam um
bom nível de concordância quanto à associação
entre a Variável resposta “Z” e as variáveis previsoras (Intenção e Frequência).
O teste de significância, pelo valor de P
indica que a hipótese nula pode ser rejeitada, ou
seja, pelos menos um dos b é diferente de zero. O
modelo se ajusta aos dados pelo teste estatístico
de Hosmer Lemeshow e o teste D de Somers
mostra uma concordância de 69%.
Neste modelo (TAB. 4), todas as estimativas
dos parâmetros das variáveis são significantes em
0.10. O valor de P é zero. Dessa forma, a equação
da regressão logística para o escore do modelo é:
Z = -3,39572 + 2,64870*INTENÇÃO + 1,09526*FREQUÊNCIA
Indicando quanto aumenta “Z” a cada aumento de uma unidade de X. Então, o uso da TIC triplica para
cada aumento de uma unidade de intenção de uso e o aumento de frequência em uma unidade significa
aumento de “Z” em 1,09526.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
121
3.3 Outras Informações da Pesquisa
Os docentes envolvidos nos cursos de
ensino a distância são necessariamente usuários
do Moodle. Mas o interesse foi destinar a pesquisa
a todos os docentes que fazem parte do quadro
de professores ativos da entidade. Os resultados
dos questionários que retornaram e válidos,
envolvendo os usuários e não usuários, quanto ao
gênero são 39% mulheres e 61% homens.
O GRÁF. 3 evidencia a idade dos docentes
envolvidos na pesquisa, segundo o modelo UTAUT,
verifica-se que há uma predominância da faixa
etária dos 25 aos 40 anos com 57%.
TABELA 6 – Motivação para o uso
Motivador de Uso
Respondentes
Por expectativa melhoria de
desemprenho
Por expectativa melhoria de esforço
29%
4%
O tempo
experiência
é um
Por influência
dosde
colegas
(social) de docência
4%
dos
elementos
do modelo e nos resultados
não
Por condição
de facilidade
32%
houve
um grupo predominante.
Não responderam
32%
100%
FONTE: Autores (2011)
GRÁFICO 3 – Idade dos participantes
Mais de 60
anos 2%
Entre os usuários do sistema Moodle da
amostra, o que representa pouco menos da metade,
em relação à motivação de uso, destacam-se as
condições de facilidade 32% e expectativa de
melhoria de desempenho 29%. Outras informações
aparecem ainda na TAB. 6.
Até
25 anos 5%
0
e4
0
is d
Ma até 6
s
ano s 36%
ano
Mais de 25 anos até
40 anos 57%
FONTE: Os autores (2011)
Do total dos respondentes da pesquisa,
apenas 45% utilizam o Moodle, conforme apresentado na TAB. 5. Quanto à intenção de uso do
sistema, grande parte dos professores, que não
usam, afirmaram iniciar no próximo período letivo,
ou seja, ainda no ano de 2011, uma vez que a pesquisa
foi desenvolvida entre final de 2010 e início de 2011.
O tempo de experiência de docência é um
dos elementos do modelo e nos resultados não
houve um grupo predominante.
No GRÁF. 4, apresenta-se o tempo de experiência dos professores, representado em número
de anos de docência. Ocorre uma divisão bastante
semelhante em termos percentuais para os grupos,
sendo o grupo mais numeroso dos usuários do
instrumento de TIC foram professores com pouca
experiência (0-3 anos) e os professores que menos
utilizam do sistema Moodle são os docentes com
mais de 20 anos de experiência.
GRÁFICO 4 – Experiência dos docentes
Mais de 10 anos até
20 anos
24%
Mais de 20
anos 4%
0 até 3
anos 28%
TABELA 5 – Detalhamento dos usuários
Utilização do Moodle
Usam
(frequência do uso Mensal e Bimestral)
45%
Perspectiva
Respondentes
Intenção de uso em 2011
73%
Não têm intenção de usar
27%
FONTE: Autores (2011)
122
Respondentes
Mais de 6 anos até
10 anos 20%
FONTE: Os autores (2011)
Mais de 3 anos até
6 anos
24%
Estes dados parecem lógicos, também
evidenciam a utilidade do modelo teórico UTAUT,
na análise empírica para o mapeamento dos
usuários, visto que professores com maior tempo
de experiência utilizam menos o sistema Moodle
e de forma esporádica, já os professores com
menos tempo de docência utilizam o sistema com
mais frequência (diariamente, semanalmente ou
mensalmente de forma regular).
Conclusões
A Instituição de Ensino estudada teve
muitas mudanças, em pouco mais de uma década,
no seu processo de evolução da TI/TIC. Segundo
a entrevista com o Coordenador da TIC, o site
foi implementado no ano de 1997. Em 1999, deu-se início ao sistema de secretaria e em 2002 os
acadêmicos passaram a ter acesso para consultar
suas notas on-line. Também a partir do ano de 2002
foram disponibilizadas as grades de cursos e outras
informações sobre os Programas da Universidade.
Naquele ano iniciaram-se as inscrições para o
vestibular on-line. Atualmente possui inúmeros
cursos ofertados em parceria com a Universidade
Aberta do Brasil e utiliza a plataforma Moodle
para suporte destes cursos, bem como para as
atividades de ensino presenciais na Graduação,
Pós-Graduação e Extensão.
Esta pesquisa evidenciou a abrangência
do modelo UTAUT, confirmando sua validade
para explicar o uso e aceitação de tecnologia pelos docentes analisados. A variável ”Intenção de
Uso” de TI do modelo UTAUT recebe inúmeros
estímulos de variáveis relacionadas ao comportamento do indivíduo, consequentemente implicará em uso e frequência de uso da tecnologia
de informação disponível.
Portanto, o êxito está atrelado ao convencimento
da utilidade e de facilidade do uso. Estas questões
podem ser utilizadas para melhorar as ações por
parte da gestão e para aumentar a utilização das
plataformas de apoio à docência.
Uma das limitações da pesquisa foi o
baixo número de questionários que retornaram
com todas as questões respondidas, mas este
fator não impediu a evidenciação dos problemas
relacionados à aceitação e uso de tecnologia por
seus professores. No ambiente acadêmico atual, os
docentes enfrentam o desafio de adaptação aos
novos instrumentos de trabalho, uma vez que o
aluno, de modo geral, já tem bastante familiaridade
com a tecnologia disponível.
A busca acelerada por novas tecnologias
vem ocorrendo na maioria das Instituições de Ensino Superior no Brasil. A entidade estadual pública, não está isenta da pressão dos concorrentes,
como as instituições da iniciativa privada que investem fortemente em TIC e em melhoria da infraestrutura educacional.
É fundamental que novas pesquisas investiguem mais detalhadamente os docentes que
não utilizam a plataforma Moodle, ou outro sistema de apoio de ensino, a fim de mapear as
intenções de uso e, dessa forma, promover ações
direcionadoras para o corpo docente, visando
ampliar a compreensão dos instrumentos que são
disponibilizados, por meio de treinamentos, grupos
de usuários multiplicadores entre outras ações.
•
Recebido em:23/04/2012
•
Aprovado em: 04/06/2013
Quanto às implicações práticas, verifica-se que a aceitação de tecnologia de informação
somente ocorre quando da pré-disposição do
professor para uma determinada tecnologia,
o Moodle, no caso específico desta pesquisa.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
123
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014
125
Método de estudo de caso como
estratégia construtivista de ensino:
proposta de aplicação nos cursos
de Administração e Contabilidade
de Custos
Case study method as constructivist teaching strategy: proposed
application courses in Management and Cost Accounting
Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos
cursos de Administração e Contabilidade de Custos
Case study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in
Management and Cost Accounting
Georgia Fabiana da Silva1
Mariano Yoshitake2
Suely Morais de França3
Yumara Lúcia Vasconcelos4
Resumo
Este artigo objetiva apresentar uma proposta de aplicação do método de estudo de
caso, consagrado na área de pesquisa, como estratégia de ensino. A culminância
deste trabalho, a partir da pesquisa bibliográfica, foi a elaboração do protocolo
de estudo de caso. A abordagem do estudo de caso como estratégia didáticopedagógica tem referencial construtivista. A complementaridade das características
do método e as demandas da área de Administração o qualificam à condição de
estratégia de ensino. Os argumentos concatenados convergiram para a viabilidade
de aplicação do método como estratégia de ensino, mas aponta para a necessidade
de se repensar aspectos relacionados às condições de aplicação em razão das
limitações mapeadas nesse estudo.
Palavras-chave: Construtivismo. Estudo de Caso. Estratégia de Ensino. Método do
Caso. Pesquisa. Imersão.
Abstract
This article presents a proposal of application of case study method, enshrined in
research, as a teaching strategy. The culmination of this work, from the literature, was
the preparation of the case study protocol. The case study approach as didacticpedagogic strategy has the Constructive. The complementarity of the features of the
method and the demands of the Administration area qualify for the status of teaching
strategy. The arguments concatenated converged on the feasibility of applying the
method as a teaching strategy, but points to the need to rethink aspects related to the
conditions of application because of limitations in this study mapped.
Keywords: Constructivism. Case Study. A Teaching Strategy. Case Method. Search.
Immersion.
1
2
3
4
Egressa do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE.
E-mail: [email protected].
Mestre em Administração das Faculdades Alves Faria – ALFA. E-mail: [email protected].
Mestranda em Gestão e Tecnologia em Educação a Distância da Universidade Federal Rural de Pernambuco –
UFRPE. E-mail: [email protected].
Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Professora da Universidade Federal Rural de
Pernambuco - UFRPE. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
127
Introdução
O estudo de caso define-se como método de exploração de realidades, denominadas de
unidades-caso, apresentando cunho investigativo
(analítico). Sua operacionalização pode ser norteada
por uma ou mais provocações, as quais podem surgir ao longo da experiência de imersão, suscitando
novos recortes e análises. A proposta enunciada
neste trabalho destaca a importância do estudo de
caso e sua abordagem construtivista e o referencial
pedagógico adequado à aplicação didática da estratégia. O emprego do método como estratégia de
ensino, entretanto, não o faz perder sua identidade
A estratégia de estudo
de caso ressalta o valor
do ensino experiencial,
promovendo um
enquadramento social
importante, pois o ensino
não pode ser baseado
exclusivamente em
abstrações ou
considerações
ideais.
de investigação empírica (usualmente referenciada
nos trabalhos de pesquisa). O caso, como parte de
uma estratégia pedagógica, é tratado como culminância de um processo de vivência do aluno, que
realidade investigada ou situação-problema, mas
se envolve com a realidade investigada, interpre-
posteriormente a elaboração do estudo, o qual
tando-a, atribuindo significado e elaborando con-
viabilizará a sugestão de pontos para intervenção.
clusões a partir dessas observações (participação
As recomendações advindas dos estudos de caso
ativa do discente: da gênese do caso aos produtos
(nessa abordagem de aplicação) são, desta forma,
propriamente ditos, que correspondem à análise
produtos de convergência.
crítica e intervenção).
O estudo de caso como estratégia pedagógi[...] um caso é a descrição de uma situação administrativa
ca tem potencial de intervenção na realidade investi-
recente, comumente envolvendo uma decisão ou um
gada, visando dentre outros propósitos, desenvolver
problema. Ele normalmente é escrito sob o ponto
no discente a capacidade de análise (interpretação,
de vista daquele que está envolvido com a decisão e
julgamento), síntese e planejamento de intervenção
permite aos estudantes acompanhar os passos de quem
tomou a decisão e analisar o processo, decidindo se o
analisaria sob enfoques diferentes ou se enveredaria por
É a formação de pontes ou canais entre análise
outros caminhos no processo de tomada de decisão
e decisão (ou conclusão) que revela o referencial
(ERSKINE et al, apud CESAR, 2006, p. 10).
pedagógico subjacente à prática.
Na composição do case, nesse formato
de aplicação, o aluno é livre para formular seus
métodos de trabalho, aportar diferentes ferramentas
de análise e conteúdos. Essa plasticidade de
abordagem e liberdade de criação é que conferem
128
(função proativa).
O método, nesta proposta, exige que o fenômeno ou realidade seja recortado em dimensões
de análise para facilitar o processo de exploração.
Reclama-se que essas dimensões reflitam uma
plataforma teórica como base de sustentação.
identidade construtivista à prática. O discente
O tema reveste-se de inequívoca impor-
pode, ainda, assumir o propósito de intervir na
tância posto que a prática docente nas áreas de
Administração e Contabilidade ainda se ressente
método de estudo de caso (formato empregado
de uma abordagem pragmática, contextualizada e
nas atividades de pesquisa) à condição de estra-
inserida nas demandas de mercado. Vislumbra-se,
tégia de ensino.
nesta proposta, uma possibilidade real de aplicação
do método na consecução dessa lacuna.
Utilizou-se de pesquisa qualitativa que,
segundo Tozoni-Reis (2009), tem base o estudo
Acredita-se que o método, já consagrado em
de pontos de vistas, olhares e experiências
pesquisas, pode se apresentar eficaz como estraté-
vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa que, neste
gia de ensino (especialmente na Administração de
trabalho, foram os autores revisados, uma vez
Custos), se conduzida como resultado da imersão
que esta pesquisa tem natureza eminentemente
do aluno no ambiente profissional. Assim, este
bibliográfica. Exploraram-se, nas leituras dos
trabalho objetiva discutir o estudo de caso sob a
trabalhos revisados, alguns fundamentos que
perspectiva instrumental, facilitadora da aprendiza-
abonam a tese advogada neste trabalho, a qual
gem, culminando numa proposta de aplicação.
ressalta o valor do método de estudo de caso para
A estratégia de estudo de caso ressalta o
valor do ensino experiencial, promovendo um
enquadramento social importante. O ensino não
qualificação do processo ensino-aprendizagem.
O estudo foi desenvolvido conforme a seguinte sequência:
pode ser baseado exclusivamente em abstrações
ou considerações ideais. É importante que o aluno
1.
realizou-se a composição do eixo meto-
seja apresentado às limitações de sua realidade,
dológico (elementos estruturantes do
nível que é alcançado pela imersão em campo.
estudo);
Esta foi a principal justificativa à modelagem da
2.
estratégia apresentada.
procedeu-se à revisão de literatura, explorando-se as bases de dados Directory of
Dentro desse cenário, estabeleceu-se como
Open Access Journals (DOAJ) e SciELO
problematização deste estudo: o método de
Brazil (Scientific Electronic Library Online);
estudo de caso, à luz da orientação teórica construtivista, amplia suas possibilidades de aplicação
3.
entíficos, a partir do recorte definido,
como estratégia de ensino, pesquisa e extensão?
objetivando a concentração da abor-
Considerando o eixo de abordagem apresentado,
dagem em torno do eixo problemati-
a pesquisa enquadra-se como qualitativa, de na-
zante, iniciando-se em seguida o estudo
tureza exploratório-descritiva e propositiva.
sistemático do material selecionado
visando ao desenvolvimento da linha de
O objetivo geral é apresentar o método
argumentação.
de estudo de caso, a partir da orientação construtivista, como estratégia de ensino.
realizou-se a triagem de trabalhos ci-
4.
Após o levantamento citado, prosseguiu-
Os objetivos específicos são: identificar
se com a análise de conteúdo (técnica
experiências na elaboração de estudos de casos
aplicada ao exame acurado das obras
descritos nas obras revisadas, especialmente as
revisadas sob um olhar crítico e focado,
dificuldades encontradas; diferenciar o método
de modo a ensejar inferências dentro
de caso (estratégia de ensino) do estudo de
do recorte investigado.
caso (método de pesquisa); recolher e estruturar
argumentos necessários para a adaptação do
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
129
1
Fundamentos do Estudo
A aplicação do método enseja o esboço
de respostas a situações reais e complexas, por
meio de uma abordagem de ênfase aplicada na
Nesta seção serão apresentados os aspectos
conceituais atinentes ao estudo de caso, ressaltando
suas aplicações e alcance.
De acordo com o protocolo de pesquisas,
a revisão de literatura explorou as bases de dados
Directory of Open Access Journals (DOAJ) e SciELO
Brazil (Scientific Electronic Library Online).
avaliação dos problemas investigados. O método
pressupõe a decomposição de uma situação-problema em instâncias unitárias de análise.
Na própria conceituação de estudo de caso
– exame aprofundado e sistemático de uma instância – está implícita a necessidade de um contato estreito e prolongado do pesquisador com a situação
ou objeto pesquisado (ANDRÉ, 1984, p. 53).
Essa abordagem impõe contornos precisos
1.1 Estudos de Caso
aos trabalhos, direcionando a prática para ângulos
de leitura relevantes à exploração dos problemas e
Gil (2005, apud FAGUNDES 2009, p. 26)
conceitua estudo de caso como “[...] estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos,
de maneira que permita seu amplo e detalhado
conhecimento”. O método tem por objeto uma
ou mais unidades-caso, as quais podem ser uma
organização, um projeto, uma situação-problema,
encaminhamento de soluções. De fato, “mediante
um mergulho profundo e exaustivo em um
objeto delimitado, o Estudo de Caso possibilita
a penetração em uma realidade social, não
conseguida plenamente por um levantamento
amostral e avaliação exclusivamente quantitativa”
(MATIAS, 2008, p. 9).
um programa, decisões, um conjunto de processos,
Fagundes (2009) resume o processo em
uma perspectiva ou qualquer outro elemento de
duas etapas principais: escolha e definição da
análise (incluindo unidades sociais – um indivíduo,
unidade-caso e determinação do número de casos,
um grupo, uma comunidade, ou mesmo, um país).
que deve ser suficiente para alcance dos objetivos da
Seu enfoque é predominantemente descritivo.
pesquisa. Gil (2002, p. 137) estabelece as seguintes
Yin (2005) ressalta que o emprego do
etapas: formulação do problema; definição da
estudo de caso tem o potencial de contribuir para
unidade-caso; determinação do número de casos;
a compreensão dos fenômenos em nível individual,
elaboração do protocolo; coleta de dados; avaliação
característica que amplia seu alcance naquele
e análise de dados; e preparação do relatório.
raio (unidade-caso), em face da profundidade
Martins (2008a) ressalta a necessidade
na abordagem, orientação compartilhada por
de uma abordagem formal junto à unidade-caso
Fagundes (2009). A unidade-caso é a matéria-
para obtenção da autorização para acesso do
-prima e objeto delimitado de investigação. “Vale, no
pesquisador e do aporte de teorias explicativas
entanto, lembrar que a totalidade de qualquer objeto
(lastro teórico):
é uma construção mental, pois concretamente não
há limites, se não forem relacionados com o objeto
Um estudo de caso começa com a permissão para
de estudo da pesquisa no contexto em que será
realizá-lo e um plano incipiente – uma carta de intenções
investigada” (VENTURA, 2007, p. 384).
– que vai se delineando mais claramente à medida que
se desenvolve. Inicialmente, são enunciadas algumas
130
questões orientadoras e colocados pontos críticos que
serão melhor explicitados e reformulados à medida que
o estudo avança. Nesta primeira etapa são iniciadas
as reflexões e ações para a definição do escopo do
objeto do estudo, e enunciadas proposições – teses
O discente, na composição do caso sob tutoria do professor, ganha nessa iniciativa a possibilidade de identificar e analisar problemas reais, sob
diferentes perspectivas e recortes, ensejando pro-
– que compõem uma teoria preliminar sobre o caso,
fundidade à elaboração do conhecimento. Trata-se
sendo discutidas e defendidas ao longo do trabalho, na
de uma oportunidade singular para confrontar a
busca da construção de uma teoria que possa explicar
teoria: os estudos realizados contra os dados reve-
o fenômeno sob investigação (MARTINS, 2008a, p. 10).
lados por meio da investigação naquela instância
Vasconcelos (2012, p. 1) sugere o desenvolvimento dos trabalhos seguindo a trilha descrita:
Planejamento (definição de objetivos, formulação da
questão principal estruturante e aquelas de natureza
secundária, seleção de técnicas de coleta e de análise de
dados, desenho da sistemática de obtenção dos dados,
estabelecimento do perfil dos sujeitos de pesquisa e da
abordagem a ser adotada junto aos mesmos, organização
do processo de mapeamento de dados, dentre outros
da realidade. A segregação da realidade em instâncias estabelece foco e direcionamento, o que viabiliza a especialização na abordagem.
André (1984, p. 52) enfatiza que os estudos
de caso “é assim um “sistema delimitado”, algo
como uma instituição, um currículo, um grupo uma
pessoa, cada qual tratado como uma entidade
única, singular”. Uma mesma unidade-caso tem
o potencial de abrigar diferentes linhas de desen-
elementos metodológicos); escolha e definição da
volvimento, circunscritas em limites bem definidos.
unidade-caso (recorte); elaboração e formalização do
Significa que uma mesma situação-problema pode
protocolo de estudo; imersão na realidade investigada
ser avaliada sob perspectivas distintas, o que torna
para observação in loco; coleta de dados; organização dos
os casos sempre particulares.
dados obtidos; análise e discussão dos resultados, à luz
dos objetivos planejados e problematização formulada;
elaboração das conclusões, a partir do referencial teórico
e resultados obtidos.
Inexiste consenso na literatura do que seja realmente um estudo de caso. O que seria uma
análise profunda? Quais os parâmetros a serem
utilizados nessa análise? Essas são questões
Independente do roteiro adotado, o plane-
metodológicas fundamentais, porque a confia-
jamento do estudo assume posição de relevo, fa-
bilidade desses estudos depende do modus como
tor determinante para sua qualidade.
foi desenvolvido (juízo de validade), assim como
A prática do estudo de caso demanda o
aporte de pesquisadores docentes especializados
na área, com sensibilidade apurada o suficiente para
perceber as nuances da realidade investigada, ca-
sua contribuição, se assenta na análise crítica
empreendida. Os estudos de caso não devem se
restringir a narrativas, posto que é o componente
crítico que enseja um juízo de valor.
pacitados à transcrição fidedigna dessa percepção,
Apesar das diferenças identificadas nas defi-
e com afirmação aparentemente contraditória frente
nições, são elementos recorrentes nas seções dos tra-
à proposta deste trabalho. O estudo de caso como
balhos científicos que utilizam o método: estudo pro-
estratégia de ensino deve ser orquestrado pelo do-
fundo; análise de um fenômeno (evento) delimitado
cente experiente, todavia com a participação ativa
no tempo, espaço, área e/ou atividade; descrição de
do aluno (devidamente preparado) no processo de
uma unidade social e investigação empírica. A deter-
construção do conhecimento.
minação dos limites periféricos de um estudo de caso
Rev.
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C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
131
A exploração propiciada
pelo estudo de caso
culmina em descobertas e
teúdos principais e transversais no desenvolvimento de questões particulares, ao passo que valoriza
a interpretação pessoal (superando estatísticas, em
face da inserção do componente subjetivo).
O estudante, na observação in loco, é instado
ressignificação dos conteúdos
a interpretar aquela realidade, além de transcrevê-la,
principais e transversais no
desenvolvimento da habilidade de comunicação.
desenvolvimento de questões
particulares, ao passo que
valoriza a interpretação
pessoal.
o que implica ressaltar o potencial do método para
A generalização não constitui preocupação
dos atores na condução de um estudo de caso.
As conclusões advindas de seu desenvolvimento
decorrem de processos subjetivos e não de inferências estatísticas, como destaca André (1984).
Os estudos de caso entregam interpretações,
explicações, descrições, comparações, evidências
que contribuem para o esclarecimento de questões
justifica-se pela impossibilidade de o pesquisador
pendentes e provocações temáticas. Sua aplicação
analisar o fenômeno explorando sua totalidade.
representa um exercício preliminar ao processo de
Os estudos de caso, quando adotados como
estratégia de pesquisa, variam desde estudos
simples até àqueles complexos e abstratos. Nada
crítica, apurando o aporte das técnicas de gestão,
numa abordagem indutiva.
impede que tenham entre si pontos de semelhança,
Casos são relatos sobre situações por meio
o que importa é a particularidade da análise. É o
dos quais indivíduos ou grupos podem tomar
olhar do pesquisador e seu prisma que torna o
decisões ou solucionar problemas. Os casos
caso único (não neutralidade) (VENTURA, 2007).
em Administração são, portanto, descrições, de
Vasconcelos (2012) define o estudo de caso
como uma análise em perspectiva. Essa multiplicidade de focos temáticos confere ao método notável
potencial aplicativo e sinérgico, característica que
situações administrativas reais que envolvem algum tipo de problema para o qual se requer uma
solução
(ERSKINE;
LEENDERS;
MAUFFETTE-
LEENDERS, 1998 apud GIL, 2004, p.8).
permite ao aluno o livre arbítrio para escolhas das
São elementos de um estudo de caso como
trajetórias de busca pelo conhecimento; a articu-
estratégia de ensino: objetivo de aprendizado;
lação dos conteúdos apresentados em disciplinas
área e especialidade; proposições orientadoras
distintas (relação interdisciplinar); a conexão com a
do estudo; plataforma teórica de sustentação;
realidade empresarial; a criticidade na avaliação dos
unidade-caso e sua caracterização; descrições
problemas; além da obtenção de lastro para o pro-
(diário); coleta de dados (instrumentos e técnicas);
cesso decisório, considerando um universo maior
análise de dados e discussão.
de variáveis. Um único case pode ensejar ‘n’ abordagens inéditas e igualmente relevantes.
132
tomada de decisão, aguçando sua perspectiva
Ventura (2007, p. 384) tipifica os objetivos
dos estudos de caso numa pesquisa: conforme os
A exploração propiciada pelo estudo de caso
objetivos da investigação, o estudo de caso pode ser
culmina em descobertas e ressignificação dos con-
classificado como intrínseco ou particular, quando
procura compreender melhor um caso particular
A literatura aborda e ressalta o método de caso
em si, em seus aspectos intrínsecos; instrumental,
como estratégia de ensino exclusivamente e o estudo
ao contrário, quando se examina um caso para
de caso como método de pesquisa sem qualquer
se compreender melhor outra questão, algo mais
vislumbre de outra aplicação (GIL, 2009; MARTINS,
amplo, orientar estudos ou ser instrumento para
2007; RODRIGO, 2008; GIL, 2004; VENTURA, 2007;
pesquisas posteriores; e coletivo, quando estende o
FAGUNDES, 2009; IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA,
estudo a outros casos instrumentais conexos com o
CAMPOMAR, 2005; BOAVENTURA, 2004; CESAR,
objetivo de ampliar a compreensão ou a teorização
2006).
sobre um conjunto ainda maior de casos.
O estudo de caso é uma técnica de pesquisa
Entende-se que, quando aplicado como
qualitativa, que volta às atenções do pesquisador
estratégia de aprendizagem, o caráter particular e
para o diagnóstico de um “caso”. O método do caso,
instrumental são marcos distintivos dos objetivos
por sua vez, apresenta finalidades pedagógicas
dos estudos.
e serve, sobretudo, para ilustrar conceitos e
O valor pedagógico do estudo de caso
desenvolver habilidades nos estudantes, podendo
decorre da exploração da realidade, que é inves-
inclusive ser elaborado a partir de um estudo
tigado em profundidade, do estímulo ao debate,
de caso. A grosso modo, enquanto o estudo de
da compreensão do status dessa realidade, dos
caso refere-se à pesquisa científica, o método do
fatores determinantes e consequentes, bem como
caso refere-se ao ensino (IKEDA; VELUDO-DE-
de seu contexto, da identificação das rotinas e das
OLIVEIRA; CAMPOMAR, 2005, p. 142).
práticas da unidade-caso (apreensão das técnicas
utilizadas no mercado de trabalho).
De fato, o estudo de caso, nos moldes de
um método de pesquisa, não se confunde com
Os cases são exploratórios por natureza
estratégia de ensino (na orientação apresentada),
porque não resultam em generalizações, mas po-
posto que nesta última condição requer envolvi-
dem servir de embrião para trabalhos empíricos
mento e imersão integral na realidade investiga-
de maior alcance.
da ou explorada. Também não corresponde
Pode-se dizer que os estudos de caso têm
algumas características em comum: são descrições
complexas e holísticas de uma realidade, que envolvem um grande conjunto de dados; os dados
são obtidos basicamente por observação pessoal; o
estilo de relato é informal, narrativo e traz ilustrações,
ao método de caso, em que as situações reais
são apresentadas aos alunos para análise e discussões, sem flexibilidade de intervenção na
realidade ou mesmo, possibilidade de percepção
in loco. De fato, o método é implementado em
sala de aula.
alusões e metáforas; as comparações feitas são mais
O método do caso consiste em uma estra-
implícitas do que explicitas; os temas e hipóteses são
tégia educacional cujo intuito é levar os estudantes
importantes, mas são subordinados à compreensão
a refletirem sobre situações apresentadas no
do caso. Para Stake, citado por Denzin e Lincoln
caso, podendo envolver a tomada de decisões
(2001, p. 135 apud CESAR, 2006, p. 6), um estudo de
sobre o episódio estudado. O objetivo da técnica
caso é mais indicado para aumentar a compreensão
basicamente é apresentar um problema aos
de um fenômeno do que para delimitá-lo, é mais
alunos, fazendo com que o analisem e reflitam
idiossincrático do que pervasivo; e apesar de ser
sobre o assunto (IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA,
usado na construção de teorias, pode não ser o
CAMPOMAR, 2005, p. 142).
melhor método para isto.
Rev.
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133
Sobre o método de caso, Gil (2004, p. 8) destaca:
Os professores utilizam-nos para ensinar a complexidade dos mais diversos problemas na gestão das organizações. O que é plenamente justificado, pois o estudo de casos proporciona ao aluno muito mais do que
a memorização ou a compreensão dos fatos administrativos, mas permite que este se coloque no papel de
administrador numa autêntica situação de gestão. Com efeito, os casos possibilitam uma aproximação da
realidade muito maior do que as tradicionais aulas expositivas e leituras. Sem contar que sua eficácia tem sido
verificada em pesquisas no campo da Psicologia da Aprendizagem.
O QUADRO 1 apresenta uma análise comparativa dos métodos, considerando suas aplicações.
QUADRO 1 – Analogia entre os métodos
Características
Estudo de caso como método de pesquisa
Estudo de caso como
estratégia de ensino
Método do caso
Visa à descoberta, resposta às questões da
Objetiva o aprendizado e
pesquisa.
amadurecimento profissional, bem a avaliação de situações complexas
Investigam objetos bem específicos e delimitados,
como a compreensão da prática
contextualizados nas dimensões temporal e espacial. laboral.
Tem o propósito de preparar para
(perspectiva profissional) e tomada de
decisão a partir do quadro desenhado.
Níveis cognitivos explorados: análise, síntese e avaliação.
Ressaltam a interpretação contextualizada.
Métodos ecléticos quanto ao aporte de técnicas e instrumentos (de coleta e análise): entrevistas, questionários, observação
participante ou não, levantamento documental, análise de conteúdo, análise de discurso, dentre outras.
As evidencias são diversas: de documentos institucionais (relatórios, pareceres, cartas), anotações em diários a gravações e
fotografias.
O aluno tem autonomia no
processo de planejamento e
O aluno pesquisador é copartícipe do processo de
concepção do estudo. O docente
planejamento e concepção do estudo na maioria
tem o papel de orientar e mediar
das vezes, mas em alguns casos sua autonomia
o processo de comparação e
é relativizada pelas intervenções frequentes do
contraste de realidades
professor ou imposição de um modelo rígido.
(delimitação de papéis).
O protocolo advém do processo
de discussão e negociação.
Exige conhecimento profundo da unidade-caso, mas
não necessariamente, uma imersão completa.
O docente apresenta a descrição da
situação (retrato detalhado da realidade),
geralmente vivenciada por ele. O aluno
restringe-se a avaliação dos elementos
apresentados, orientados por questões
ou pontos estabelecidos pelo professor,
não obstante esse direcionamento seja
uma regra.
Pressupõe integração profunda
Não requer integração com a unidade-
com a unidade-caso. Imersão
-caso investigada.
completa naquela realidade
Muitas vezes, aspectos relevantes da
para observação sistemática e
unidade-caso não são contemplados nas
prolongada.
descrições.
Abriga diferentes perspectivas
Contempla múltiplas dimensões de analise,
de análise, delimitadas conforme
delimitadas conforme projeto.
protocolo e orientações
(diretrizes) do plano pedagógico.
Os casos podem ser avaliados por
diferentes pontos de vistas, conforme
plano de ensino.
Elevado rigor metodológico (exigência que confere respaldo ao trabalho).
Exigência de um quadro teórico como referencia para discussão das questões orientadoras do estudo.
Demanda por criatividade.
Plasticidade analítica em níveis distintos.
Uso de vocabulário científico.
FONTE: Os autores (2012)
134
Uso do vocabulário empresarial (coloquial) no retrato ou caracterização da
unidade-caso.
A revisão de literatura empreendida aponta
para a síntese de que os métodos de estudo de
As práticas didático-
caso em razão de suas características estruturais,
agregam valor à elaboração de conteúdo por
parte do discente, contribuindo significativamente
para seu desenvolvimento cognitivo.
-pedagógicas construtivistas
aguçam o discernimento do
discente no exercício das
1.2 Construtivismo como Referencial
Pedagógico dos Estudos de Caso
escolhas gerenciais, visto que
o construtivismo pressupõe
interação com o mundo,
O construtivismo apresenta uma abordagem
dialogicidade.
pedagógica que ressalta a importância do aprendente e sua relação com o mundo na elaboração do
conhecimento. Em razão de suas características, é
considerada emancipadora e libertadora. Discursos
ideológicos a parte, em Administração e Contabilidade, as orientações construtivistas convergem as
A abordagem construtivista se assenta na
demandas da prática do processo decisório no am-
orientação de que a aprendizagem significativa é
biente acadêmico, visto que desenvolve autonomia.
aquela que decorre da interação social. Nesse senti-
A autonomia é um pré-requisito fundamental ao
do, o processo ganha contornos de fenômeno social,
processo de tomada de decisão.
amplamente disseminado. A aprendizagem, compo-
O construtivismo convida o aluno a participar
ativa e criticamente do próprio aprendizado, por
meio de experimentações, imersão profissional,
nente fundamental da socialização, ressalta o papel
do indivíduo como sujeito do mundo, aprendente na
consecução das trocas sociais.
pesquisas de campo e em grupo. A expectativa
As práticas construtivistas contextualizam
dessas práticas é o desenvolvimento do indivíduo
os objetos de aprendizagem, inserindo o indivíduo
uno. A inserção planejada no mercado de trabalho
numa situação de instrução, sem apelo a tão dis-
e o estímulo a interações sociais proativas, próprias
seminada abordagem caricatural. O conhecimento
do estudo de caso potencializam essa formação.
codificado ou traduzido pelo professor corresponde
As práticas didático-pedagógicas construtivistas (e o estudo de caso pode ser considerada
uma delas) aguçam o discernimento do discente no
exercício das escolhas gerenciais (livre arbítrio). O
construtivismo pressupõe interação com o mundo,
dialogicidade presente na condução dos estudos
de caso. Segundo Sanchis e Mahfoud (2010, p. 20)
a uma janela do processo de elaboração. O contexto
histórico-cultural e o próprio conhecimento tácito
são uma fonte fecunda de dados a serem incorporados ao processo ensino-aprendizagem. A valorização do repertório de experiências, descrições,
explicações e significados constituem um marco do
referencial pedagógico.
“Uma ideia fundamental do construtivismo era não
Nesta orientação, os estudos de caso podem
considerar o conhecimento como a reprodução de
assumir diferentes formatos, sendo categorizados
uma realidade independente de quem a conhece”.
em exploratórios, descritivos e experimentais (tipo-
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
135
logia básica). Os estudos de cunho experimental são
ANDRÉ, 1984; YIN, 2005; MARTINS, 2008; BUFONI,
desenvolvidos com maior frequência nas ciências
2002; ALVES-MAZZOTTI, 2006); morosidade na
naturais, raros nas ciências humanas. A dificuldade na
realização, processo intenso, requerendo tempo
definição da tipologia reside na identificação e distin-
de
ção precisa dos estudos descritivos e exploratórios.
ANDRÉ, 1984; MARTINS, 2008b); dedicação parcial
Os estudos de caso descritivos podem
apresentar como propósitos a caracterização da
unidade-caso ou fenômeno a ela atrelado, determinação de sua natureza e condições, identificação dos pontos de vistas e perfil dos sujeitos de
pesquisa, dentre outros aspectos (ZAINAL, 2007).
campo
(RODRIGO,
2008;
CESAR,
2006;
dos estudantes dos cursos de Administração
(e Contabilidade), o que exige adaptações à
realidade, comprometendo o alcance da plenitude
dos benefícios advindos da aplicação do método,
características da realidade brasileira (ANDRÉ, 1984;
CESAR, 2006); pouca objetividade (CESAR, 2006);
pouco controle sobre as observações realizadas;
Os estudos de caso exploratórios têm
(BUFONI, 2002); falta de rigor metodológico. Sobre
finalidade de reconhecimento, visando alcançar
a questão, Yin (1984, p. 21 apud Zainal 2007, p. 5)
maior familiaridade com o tema, objeto do
destaca que “muitas vezes, o pesquisador do estudo
recorte. (ZAINAL, 2007). Esses estudos explicitam
de caso tem sido descuidado, permitindo leituras
abordagens, oferecem caminhos ou alternativas
equívocadas ou tendenciosas para influenciar o
para desenvolvimento do conteúdo à luz do
rumo dos resultados e conclusões”.
construto. Os estudos de caso experimentais visam,
em geral, testar condições ou variáveis atinentes ao
fenômeno-base do case. Cesar (2006, p. 4) destaca
que os “[...] casos também podem ser definidos
As restrições identificadas se esbarram na
análise da importância do preparo do pesquisador
para condução do estudo de caso.
temporariamente (eventos que ocorreram num
Entende-se que das limitações citadas, aquela
dado período), ou espacialmente (o estudo de um
que trata da impossibilidade de generalização é a
fenômeno que ocorre num dado local)”.
que a torna mais interessante em face da diversidade
Independente da tipologia do trabalho,
esse confronto com a realidade, próprio de sua
característica artesanal, incita mais que a um olhar
meramente apreciativo.
inerente às ciências sociais. A atipicidade de situações
é igualmente rica em significados, posto que viabiliza
a exploração daquilo que é singular no objeto
investigado. Os resultados obtidos nos estudos de
caso não encaminham à teorização, mas podem
atender a finalidades explanatórias ou causais, fazê-
1.3 Restrições ao Método Aplicado à
Atividade de Pesquisa
lo é incorrer em um erro, superestimando sua função
como método de pesquisa.
Qualquer generalização, sob esse ângulo
de análise, provém da teoria e não do exame
136
A utilização de estudos de caso tem sido
empreendido (YIN, 1994 apud ZAINAL, 2007).
ao longo dos tempos, alvo de relativo preconceito.
Sendo assim, os argumentos mais comuns dos
São apontadas como restrições do método:
críticos dos estudos de caso estão no risco de o
possibilidade de manipulação ou interferência do
investigador apresentar uma falsa certeza das suas
pesquisador (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006);
conclusões e fiar-se demais em falsas evidências.
dificuldades ou impossibilidade de generalização
Em decorrência disso, deixar de verificar a
(RODRIGO, 2008; CESAR, 2006; VENTURA, 2007;
fidedignidade dos dados, da categorização e da
análise realizada. A recomendação para eliminar o
lacionais, realizados junto a amostras assintóticas,
viés de estudo é elaborar um plano de estudo de
paradoxalmente também perdem significado por
caso que previna prováveis equívocos subjetivos
conta dos padrões de representatividade.
(VENTURA, 2007, p. 386).
O estudo de caso, aplicado em pesquisas,
2
Proposta de Aplicação
corresponde a um estudo em profundidade e
perspectiva, subjetivo por natureza, não subordinado a qualquer outro. A demanda temporal é
A prática do estudo de caso demanda pro-
consequência. Portanto, não implica a simplificação
tocolo e sistematização, bem como parâmetros de
de realidade complexas ou desconsideração de
validade, confiabilidade e desempenho. “[...] isto é,
sua subjetivação inerente. O que se discute como
indicadores de que os resultados, as afirmações das
restrição, no entendimento dos autores, deve ser
proposições – teses – e outras evidências, de fato,
considerado como traço inerente ao método.
revelaram o que se pretendia do estudo dentro do
Cesar (2006) ressalta a necessidade de se discutir o estudo de caso em três dimensões de análise:
natureza da experiência (como fenômeno investigado), natureza do conhecimento a ser elaborado e a
possibilidade de generalização do estudo.
Nesse trabalho, que considera a utilização do
domínio teórico e prático que circunscreveram o
Estudo de Caso” (MARTINS, 2008, p. 3).
São etapas do método, empregado como
estratégia de ensino:
DOCENTE
a)
Integração entre os conteúdos curricu-
método como estratégia de ensino, estabeleceram-
lares e experiências de mercado por
-se as seguintes perspectivas: aprendizado – quali-
meio de pesquisa de campo, fase que
dade da experiência – produtos e contribuições
compreende desde a identificação das
– desdobramentos do estudo. Almeja-se que o dis-
possibilidades de atuação e expertise
cente, sob tutoria/orientação especializada do do-
necessária para atuação ao reconhe-
cente, promova ou facilite a aprendizagem por meio
cimento das expectativas do público-
da imersão e entrega à experiência vivenciada.
-alvo (conteúdos de base e transversais).
É forçoso identificar previamente as neces-
b)
sidades de ensino-aprendizagem e a duração da
imersão. Entende-se que os estudos de caso são
longitudinais por natureza, característica que tem-
dos para a experiência.
c)
d)
tácito (carga de experiência dos atores) em explícito. A ênfase da estratégia está na elaboração do
estudo, nas intenções implícitas e explícitas subjacentes, aquisição e consolidação da experiência.
Orientação quanto à composição do
protocolo de estudo de caso.
DISCENTE
a)
Estudo sistematizado dos conteúdos
de base e aqueles transversais.
Entende-se que as restrições atribuídas ao
estudo de caso apresentadas se agigantam em
Planejamento relativo à aplicação da
estratégia.
poriza a validade de suas conclusões. A experiência
de composição do case converte o conhecimento
Seleção dos conteúdos pré-requisita-
b)
decorrência do desalinhamento entre procedi-
Composição do referencial teórico de suporte aos trabalhos (repertório técnico).
mentos e objetivos propostos. Os estudos popu-
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
137
c)
Planejamento do estudo à luz da
revisão
d)
realizada
e
orientação
f)
do
usado como fonte para aplicações do
método do caso, estratégia distinta
e escolha dos instrumentos de coleta).
desta descrita.
Imersão profissional. Observação e
Essas etapas integram o protocolo de estudo
de caso, definido como “[...] conjunto de códigos,
Tratamento dos dados obtidos, trian-
menções e procedimentos suficientes para replicar
gulação e sistematização.
o estudo ou aplicá-lo em outro caso que mantém
Análise e conclusões, por meio da
articulação entre conteúdo e prática
(confronto dirigido).
g)
Composição do caso, que poderá ser
docente (definição dos procedimentos
coleta de dados.
e)
h)
características semelhantes ao Estudo de Caso
original” (MARTINS, 2008, p. 9).
O uso do método como estratégia de en-
Apresentação dos resultados e obten-
sino independe do tipo de ensino, se presencial ou
ção de feedback.
a distância.
QUADRO 2 – Protocolo do estudo de caso
Protocolo de Estudo de Caso (Imersão Profissional)
Unidade-caso
Temática de exploração
Tipologia do estudo (exploratória, descritiva ou experimental)
Objetivos de aprendizado
Objetivo geral
Objetivos específicos
Referencial teórico de suporte
Questão estruturante (norteadora) - Principal e complementares
Técnicas de coleta
Procedimentos
Duração prevista
Duração real (tempo efetivo no campo)
Observações
Restrições da análise empreendida
Prognósticos
Resultados
Parâmetros de indexação
Análise de resultados
Conclusões
Avaliação da experiência
Recortes emergentes
Produtos do estudo de caso
FONTE: Os autores (2012)
138
O
protocolo,
tal
como
estruturado
no
recimento. O olhar descomprometido com vínculos
QUADRO 2, define o design do estudo e direciona
institucionais evita contaminações e influências na
o trabalho do discente, ensejando direcionamento
composição de interpretações, em geral decor-
às questões norteadoras do estudo, além de
rentes de vínculos laborais, crenças, valores cris-
corresponder a um exercício de planejamento e
talizados, impressões e juízos circunstanciais. Na
observação sistemática. Sua utilização orienta a
verdade, produz efeito contrário, amplia a lente de
imersão profissional, parametrizando a abordagem,
análise, incitando a reflexões variadas e não predi-
evitando que o produto do estudo de caso se limite a
tas sobre o objeto de estudo; especialmente sobre
um relato de fatos, desprovido de uma análise crítica,
aspectos de sua composição.
voltada para a descoberta ou inovação, movida pela
necessidade de compreender a realidade.
O discente parte de um repertório técnico
de base (adquirido em sala de aula), conhecimento
A sistematização de dados impõe critério
tácito, em direção à aquisição de novos elementos,
e organização, compreendendo todo o processo
suscitados pela vivência (conhecimento explícito).
de transcrição de relatos, observações e opiniões,
estruturados a partir de parâmetros predefinidos de
indexação, previsto no protocolo (MARTINS, 2008).
A aplicação do método tem o potencial de
ensejar ao aluno o desenvolvimento de capacidade
de resposta em diferentes situações de mercado,
Essas características credenciam o método
contribuindo efetivamente para o aprimoramento
à condição de estratégia de ensino na área de Ad-
do repertório profissional por meio de comparações
ministração sem desprestigiar o reconhecido mé-
e contraste.
todo do caso (ferramenta de aprendizagem amplamente empregada na capacitação de gestores),
entendimento compartilhado nesse trabalho.
O uso do método como estratégia de ensino
desloca o controle do processo ensino-aprendizagem
para o discente, forçando-o a planejar e elaborar sua
Ressalte-se que a estratégia de estudo
trilha de aprendizagem, conduzindo o docente à
de casos, tal como apresentada, não comporta
atuação como orientador e mediador de realidades.
protocolos rígidos, inflexíveis.
É nesse ponto que os reflexos da experiência diferem
O documento em questão é igualmente útil
daqueles produzidos pelo método do caso. Almeja-
à elaboração da carta de intenções, que dá start ao
-se que o caso seja um catalisador da construção e
diálogo com o mercado.
não exclusivamente de discussão.
Destaque-se que o estudo de caso não corresponde a uma atividade de supervisão ou inspeção, em razão do seu forte componente crítico
e construtivista, posto que assume função didática na condição de instrumento de aprendizagem,
Na atividade ou elaboração de casos empresariais o êxito da abordagem do estudo
[...] depende da perseverança, criatividade e raciocínio
crítico do investigador para construir descrições, interpretações, enfim, explicações originais que possibilitem
complementando a experiência em sala de aula.
a extração cuidadosa de conclusões e recomendações.
Trata-se de uma oportunidade à elaboração de as-
Nesse sentido, o pesquisador deve apresentar encadea-
sociações e dissociações intelectualmente embasa-
mentos de evidências e testes de triangulações de
das, edificando sentidos e significados.
dados que orientaram a busca de resultados alcançados
Esse contato mediado com a realidade pro-
(MARTINS, 2008, p. 3).
fissional tem o potencial de preparar o discente
São duas as categorias de informações em
para a experiência do estágio, facultando amadu-
um estudo de caso: aquelas de apoio argumentativo
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
139
e as de apoio secundário. As informações de apoio
relato de longas histórias, entrevistas e obtenção
argumentativo compõem o eixo que estrutura o tra-
de volumosos dados secundários.
balho de campo (construto), conferindo identidade
ao estudo.
São benefícios potenciais da aplicação do
método de estudo de caso como estratégia de
Um dos atributos fundamentais a um estudo
ensino: estabelecimento de vínculo entre a aca-
de caso é a existência de limites bem definidos,
demia e as organizações; promoção de inserção
à luz de um eixo de desenvolvimento teórico e
no mercado de trabalho, ensejando o mapeamen-
planejamento elaborado. A robustez analítica, lógi-
to de perfis e adequação dos conteúdos disci-
ca das conclusões e defesa das proposições sob o
plinares; desenvolvimento de funções cognitivas;
caso, com certeza, não lhe garante suficiência pela
estímulo à aquisição de relacionamentos interpes-
construção de uma teoria que consiga explicar o
soais fora do âmbito institucional (composição de
recorte da realidade explorado no estudo de caso
network) e negociação de ideias, bem como à tri-
(MARTINS, 2008, p. 4).
agem eficaz de conteúdo (prática seletiva) e co-
As informações de apoio secundário são
aquelas relevantes à contextualização ou mesmo à
caracterização da unidade-caso. Seu aporte deve
ser dosado para não ensejar a perda de foco.
laboração intelectual entre os pares; acomodação
de diferentes conteúdos curriculares simultaneamente na prática profissional, característica que o
credencia a condição de atividade interdisciplinar
(adaptabilidade) encurtamento do ciclo de vali-
São parâmetros de avaliação do estudo de
dade dos estudos, o que força sua recontextua-
caso, aplicado como estratégia de ensino: qualidade
lização, renovação e releitura (existência de um
das informações de apoio argumentativo; harmonia
prazo de validade, cuja identificação demanda
(equilíbrio) entre informações de apoio secundário
uma avaliação subjetiva). Gil (2004) destaca esse
e argumentativo; lógica na concatenação dos ar-
último item como restrição, todavia, entende-se
gumentos, conclusões e recomendações (encadea-
que a revisão continuada dos estudos decorre
mento de ideias e proposições); fundamento analíti-
da necessidade de acompanhar as tendências, a
co; rigor metodológico; completude; limites bem
evolução do próprio conhecimento.
definidos; estrutura do arranjo e experiência imersiva.
A convergência dos benefícios depende da
O desenvolvimento de um estudo de caso
preparação, disciplina de preparação, transparência
empresarial demanda imersão profissional, não se
na comunicação e feedback (FIG. 1), componentes
confundindo com a realização de poucas visitas,
presentes no processo de planejamento.
FIGURA 1 – Requisitos de sucesso da estratégia
—
Sensibilização sobre a
importância do estudo e do
rigor metodológico.
—
Planejamento.
—
Orientação sistemática.
—
Composição do lastro
teórico.
—
Observação.
—
Assistência do docente.
FONTE: Os autores (2012)
140
—
Acompanhamento.
—
Transparência.
—
Avaliação e comunicação do desempenho,
numa perspectiva proativa.
A eficácia da estratégia é função direta da
sistematização e dificuldades, colocando o aluno
qualidade do planejamento e protocolo do estu-
dentro do contexto onde o fenômeno analisado
do, do comprometimento, motivação, autonomia
acontece ou se expressa.
e predisposição do discente a aprendizagem, requerendo disciplina, iniciativa e dedicação. A reconfiguração do papel do professor nessa abordagem constitui fator crítico.
O arranjo metodológico de um estudo de
caso é complexo e encadeado, conduzido geralmente por questões do tipo “como” e “por que”
(este último, componente analítico). No intuito
O desenvolvimento de estudos de caso se es-
de responder a essas questões, a realidade é
barra em dificuldades ou restrições, especialmente o
preservada durante a análise, sem prescindir o
tempo demandado para sua elaboração e imersão
potencial de intervenção do discente.
propriamente dita, o que afronta a realidade brasileira, especialmente dos cursos noturnos. Essa característica não exime a academia do debate sobre as
condições adequadas à aplicação do método no
contexto local, contemplando em análise as limitações aplicativas. A contextualização metodológica é
A proposta resgata o potencial contributivo
do discente na construção de significados a
partir da conexão com a realidade de mercado. O
aluno não é um elemento passivo no processo de
aprendizagem.
importante, mas sem perder de vista os parâmetros
Os argumentos concatenados convergiram
de qualidade e demandas estruturais necessárias a
para a viabilidade de aplicação do método como
sua consecução, suscitando uma reflexão sobre o es-
estratégia de ensino, mas aponta para a neces-
tudo de caso nos moldes brasileiros.
sidade de se repensar aspectos relacionados às
condições de aplicação em razão das limitações
Considerações Finais
mapeadas nesse estudo.
Neste artigo foi apresentado o estudo
de caso como estratégia didático-pedagógica
com abordagem construtivista, na condição de
experiência de imersão. A complementaridade
das características do método e as demandas da
área de Administração o qualificam.
Advogou-se que o método de estudo de
caso pode ser utilizado como estratégia de ensino,
se conduzido como atividade de imersão orientada
por um docente, tende a ser eficaz aos propósitos
de aprendizagem. Acredita-se que o método de
estudo é mais efetivo do que aquele em que o
caso é apresentado ao aluno como produto.
•
Recebido em: 22/10/2012
•
Aprovado em: 01/07/2013
O estudo de caso como estratégia de
ensino viabiliza a vivência da coleta de dados, sua
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FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014
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Atratividade do comércio popular:
fatores que motivam os clientes a
comprar no comércio popular
Attractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy
in popular trade
Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os clientes a comprar no comércio popular
Attractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy in popular trade
Fernando César Lenzi1
Resumo
O comércio popular tem atraído cada vez mais multidões aos seus pontos de vendas. Mercadorias diferenciadas,
estoque cheio e preços baixos são alguns dos atrativos desse segmento de mercado. No entanto, a concorrência
entre as organizações do setor tem aumentado, assim como a concorrência do comércio popular com outros
canais de venda. Diante disso, é relevante descobrir o que leva o consumidor a tais práticas de compras.
O presente artigo tem como objetivo principal identificar quais são os fatores motivadores que levam
os consumidores a frequentar e comprar no comércio popular. Para a realização da pesquisa, utilizou-se o
método descritivo, realizando um questionário estruturado. A amostra foi de 352 pessoas que frequentam
comércio popular. Primeiramente, foi identificado o perfil dos respondentes. Em seguida, foram levantados os
hábitos de consumo com relação às compras em comércio popular e, na sequência, com relação aos canais
de venda alternativos. Foram verificados a frequência de visitas, o valor gasto em cada compra, os produtos
mais procurados e os fatores que influenciam na decisão de compra, sendo estes últimos identificados como
preço e variedade de produtos para o comércio popular, assim como a facilidade de pagamento e descontos
e promoções para os canais de venda alternativos. Entre os quatro produtos mais procurados, observou-se
que três deles são concomitantes aos dois locais mencionados. Enquanto o consumidor de comércio popular
busca preços mais vantajosos e variedade de produtos, o consumidor de locais alternativos procura formas de
pagamento facilitadas, descontos e promoções. A renda familiar mensal do consumidor influencia pouco, pois
se notou que quem possui renda maior prefere efetuar compras de menor valor.
Palavras-chave: Marketing. Comércio Popular. Comportamento do Consumidor.
Abstract
The popular trade has increasingly attracted crowds to their outlets. Differentiated goods, full stock and low
prices are some of the attractions of this market segment. However, competition between organizations in the
sector is increasing, as well as the popular trade competition with other sales channels. In this sense, it is important
to discover what leads consumers to these places. This study aimed to identify the main motivating factors that
lead consumers to attend and buy at popular trade. In order to carry out the research was used the descriptive
method, using a structured questionnaire. The sample comprised 352 people who attend popular trade. First, it
was identified the profile of the respondents. Then, consumer habits related to purchases in popular trade were
collected, following with regards to alternative sales channels. It was checked the frequency of visits, amount
spent on each purchase, the most sought after products and the factors that influence the buying decision, the
latter being identified as price and range of popular products for trade, and ease of payment and discounts and
promotions for alternative sales channels. It was observed that that among the four most popular products, three
are concomitants to the two places mentioned. While consumers trade popular search better prices and variety
of products, the consumer of alternative places search payment methods facilitated, discounts and promotions.
The monthly income of the consumer little influence because it was noticed that those who have higher incomes
prefer to make purchases of less value.
Keywords: Marketing. Popular Trade. Consumer Behavior.
1
Doutor em Administração pela FEA/USP. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Univali.
Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas da Univali. E-mail: [email protected].
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FAE,
Cu r it iba,
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Introdução
O consumo, em geral, configura o perfil
de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo
afora. Mercadorias de todas as espécies e a
iniciativa de consumir são características do
mercado moderno e não faltam meios de compra.
Em várias ocasiões, depara-se com anúncios e
comerciais incentivando essa tendência, e, cada
vez mais cedo e com mais frequência, as pessoas
estão aderindo à compra. Com a facilidade de
adquirir o produto e parcelar sem sair de casa,
a internet também se tornou uma concorrente e,
ao mesmo tempo, uma forte aliada das empresas.
A concorrência acirrada e a disputa para
conquistar, manter e vender o maior número
Oferecer produtos mais
baratos não gera uma
vantagem competitiva
para as empresas, é preciso
que haja uma estratégia
consistente, com uma
combinação adequada entre
o posicionamento da empresa
e seu mix de marketing para
atender ao público de baixa
renda.
de itens possíveis ao consumidor tem deixado
o mercado cada vez mais saturado, devido ao
acesso de novas empresas que surgem já visando
ao resultado desejado. A empresa que consegue
isoladamente o setor do comércio do estado de
acompanhar o mercado, conhecer tendências
Santa Catarina em quantidade de empresas e
e adaptar-se às inúmeras situações adversas
vínculos empregatícios, segundo dados do Sebrae/
poderá considerar-se uma empresa vitoriosa.
SC (2008), Santa Catarina possuía um total de
“Quem souber enxergar oportunidades em meio
374.629 empresas formalmente estabelecida. As
às dificuldades e conseguir tirar proveito delas,
microempresas representam 94% e as pequenas
estará pelo menos um passo a frente” (BRUNETTI;
empresas representam 5,1% dos estabelecimentos
BRANDALIZE, 2005, p. 96).
do Estado. Juntas, geram 892.208 empregos, o
Oferecer produtos mais baratos não gera
uma vantagem competitiva para as empresas, é
preciso que haja uma estratégia consistente, com
renda média de salários, em 2008, no estado de
Santa Catarina era de R$ 765,78.
uma combinação adequada entre o posicionamento
A importância das micro e pequenas empresas
da empresa e seu mix de marketing para atender
brasileiras (MPEs) para o desenvolvimento econômico
ao público de baixa renda. Ou seja, ao priorizarem
e geração de empregos não tem encontrado paralelo,
este segmento de mercado, as empresas adotam
no que tange à produção de teorias no campo da
um posicionamento que reflete nos preços, nos
estratégia, consideradas as limitações da capacidade
produtos, na promoção e no ponto de venda
de ação das MPME e das idiossincrasias de seus
(SPERS; WRIGHT, 2006).
líderes (FONTES; NUNES, 2010).
a
No segmento de comércio popular, que
preocupação com o desenvolvimento de pro-
naturalmente são pequenas empresas, é desafiante
dutos, pesquisas e hábitos de preferências e
se manter ativo e em contínuo crescimento diante da
comportamentos
evolução de opções de compras para o consumidor.
No
146
equivalente a 50,2% dos postos de trabalho. A
âmbito
empresarial,
regionais.
identifica-se
Assim,
analisando
Por isso, questionar como esse segmento de
comércio consegue competir com organizações
que realizam investimentos tanto no campo de
pesquisa, treinamento de pessoal, atendimento ao
cliente quanto no espaço físico da empresa, o que
parece relevante, pois empresas de médio e grande
porte também exploram este mercado.
Tendo em vista o contexto do comércio
popular e da ampliação do consumo de produtos
dessa natureza, o objetivo deste artigo é determinar quais os fatores motivadores que levam os
consumidores a frequentar e comprar no comércio
popular de pequeno porte.
No varejo, o consumidor
considera aspectos
como variedade,
qualidade, apresentação
e ambientação, na
avaliação dos custos, ele
leva em conta os preços
e as ofertas apresentadas
pela loja.
Este estudo contribui no sentido de trazer
à tona os motivos que estão relacionados à
motivação de compra por parte dos consumidores
Apesar de existirem dois tipos de varejo
do comércio popular, preenchendo uma lacuna de
(loja física e virtual), a loja física consegue chamar
investigação que leve a novas formas de gestão de
a atenção dos clientes e despertar maior desejo
pequenas empresas.
para efetuar a compra. A concorrência é uma
realidade que deve ser administrada para que dela
1
Fundamentação Teórica
se tirem os maiores e melhores proveitos possíveis
(STADLER, 2000).
O varejo, conforme conceituam Levy e Weitz
(2000, p. 27), “é um conjunto de atividades de
negócios que adiciona valor a produtos e serviços
1.1 Varejo
vendidos a consumidores para seu uso pessoal ou
familiar [...]”. Enquanto os atacadistas satisfazem
A loja de varejo como se conhece até
hoje, conforme explica Gonçalves (2005), foi
inventada no Japão ao final do século XVII. Pouco
as necessidades dos varejistas, estes direcionam
seus esforços para satisfazer as necessidades dos
consumidores finais.
depois, surgiu na Europa Ocidental baseada em
No varejo, ao avaliar os benefícios, Parente
três hipóteses: a compra oferecida ao cliente,
(2000) salienta que o consumidor considera
especialmente à dona de casa, oferecendo a única
aspectos como variedade, qualidade, apresentação
saída da rotina de cuidar das crianças, ir à igreja,
e ambientação, na avaliação dos custos, ele leva
cozinhar etc.; a tomada de decisão, uma forma
em conta os preços e as ofertas apresentadas pela
de conquistar o poder da escolha, algum tipo de
loja. O varejo deve ser sempre o mais acessível
poder; e oportunizar o acesso a outras pessoas e
possível ao seu público, buscando atrair o maior
outras fontes de informação.
número de clientes.
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147
No entendimento de Engel, Blackwell e
muito importante de diferenciação do varejo.
Miniard (1995), o ambiente de varejo também
A venda no varejo proporciona um aspecto de
influencia a busca do consumidor, uma vez que a
reforço dos vínculos com o cliente.
distância entre os varejistas concorrentes pode
determinar o número de lojas que os consumidores
visitam durante a tomada de decisão. Nesse sentido,
quanto maior a distância menos lojas são visitadas.
Há uma infinidade de lojas de pequeno
porte nas ruas centrais, nas galerias e nos shopping
centers, as quais possuem clientes exclusivos pela
utilização do produto. São lojas que não necessitam
de ponto comercial em zona específica, pois se
instalam em calçadas das ruas centrais, como
1.2 Comércio Popular
também em galerias ou shopping center. Possuem
público especial: aquele que compra o produto
Dentro do comércio varejista destacase o comércio popular, personalizado pelos
camelódromos.
Conforme
explica
para uso próprio ou para presentear alguém
(PAGNUSSAT, 2003).
Pagnussat
Spers e Wright (2006) sustentam que,
(2003, p. 93), o “camelódromo faz parte do
quanto às características do produto, os bens e
comércio varejista”. O autor argumenta ainda que
serviços são padronizados e simples, sendo que
há camelódromos que modificaram o comércio
a empresa não precisa de tantos esforços em
varejista, pela mudança do perfil de consumidor e
termos de amplitude da linha de produtos como
do público-alvo das lojas, as quais já não vendem
no caso de empresas que atuam junto às classes
como antigamente. Muitos itens que os camelôs
A e B, que apresentam uma maior variedade de
vendem são iguais aos das lojas nas proximidades.
produtos, com uma maior amplitude de suas
O camelódromo de Balneário Camboriú
(SC) é o mais organizado que existe no Sul do
País. As tendas (ou lojas) do camelódromo têm
linhas. Além de mais padronizados, as mercadorias
populares são mais simples, tendo pouco custo
em produto e processos.
qualidade e variedade de produtos maiores que
algumas lojas da cidade (PAGNUSSAT, 2003).
1.3 O Comportamento do Consumidor
A ideia do comércio popular é exatamente
incentivar o cliente a comprar, impressionar e
preencher a visão dos clientes com quantidade,
O campo do comportamento do consu-
oferecendo variedade de marcas, tipos e tamanhos,
midor estuda como as pessoas, os grupos e as
criando um conceito de potência. O segredo é
organizações
“encher” os olhos dos clientes.
descartam artigos, serviços, ideias ou experiências
Para os autores Spers e Wright (2006), a
ideia de que as empresas atuantes no mercado de
bens populares possuem um posicionamento de
preços baixos para a maioria de seus produtos em
relação aos concorrentes, considerada como um
importante fator de competitividade. O ambiente
148
selecionam,
compram,
usam
e
para satisfazer suas necessidades e desejos.
Estudar o cliente ajuda a melhorar ou lançar
produtos e serviços, determinar preços, projetar
canais, elaborar mensagens e desenvolver outras
atividades de marketing.
Assim,
analisar
o
comportamento
do
de compra, ou seja, a atmosfera do ponto de venda
consumidor tem por objetivo descobrir o que
é uma variável a ser gerenciada e um instrumento
cada um busca no mercado para satisfazer suas
necessidades. “Ser consumidor é ser humano. Ser
consumidor é alimentar-se, vestir-se, divertir-se... é
Se os consumidores são
viver” (KARSAKLIAN, 2000, p. 11).
diferentes uns dos outros,
Como todo cidadão tem comportamentos
distintos diante de cada situação, também apre-
são as suas diferenças
senta atitudes distintas diante de ofertas que estão
que vão determinar seus
a sua volta. No ato da compra de um produto
ou serviço existem influências que interferem
atos de compra e seus
na decisão no momento de sua aquisição. Se os
consumidores são diferentes uns dos outros, são
comportamentos em
as suas diferenças que vão determinar seus atos
de compra e seus comportamentos em relação as
relação às outras pessoas no
outras pessoas no mercado de consumo.
mercado de consumo.
Complementa Cobra (1997, p. 59) ao destacar que “cada consumidor reage de forma diferente sob estímulos iguais, e isso ocorre porque
cada um possui uma ‘caixa preta’ diferente”. Corroborando com o autor, Engel; Blackwell e Miniard
(1995) descrevem que se todos os seres humanos
fossem idênticos em suas preferências e comportamentos, não haveria necessidade de segmentação de mercado e todos os produtos seriam iguais.
Como as pessoas diferem em suas motivações,
necessidades e processos decisórios, o comportamento de compra também é distinto.
Os fatores sociais influenciam no comportamento do consumidor, uma vez que os grupos de
referência, a família, os amigos etc. têm forte poder
de apelo no momento de decisão da compra. Na
concepção trazida por Kotler e Armstrong (1993,
p. 83) afirma-se que “cada classe social apresenta
preferências distintas por produtos e marcas
levando em consideração o valor dos produtos”.
No tocante aos fatores econômicos, Kotler
(1999) salienta que uma população não constitui,
1.4 Fatores que Influenciam o
Comportamento do Consumidor
por si só, um mercado. É preciso haver pessoas
dispostas e capazes de comprar, sendo o poder
aquisitivo quase sempre distribuído desigualmente,
seja entre consumidores ou entre empresas
O consumidor é influenciado por vários
fatores que podem determinar o seu poder de
compra, como as classes sociais a que pertence, as
variáveis sociais, variáveis econômicas e culturais.
compradoras.
Segundo Cobra (1997, p. 62), “a noção essencial do comportamento do consumidor diz que ele
é influenciado pelas perspectivas econômicas”,
Para Karsaklian (2004, p. 321), “comprar já
ou seja, as mudanças no valor líquido (o que
traz satisfação, sentimento que é prolongado pelo
entra menos o que sai) é que influenciarão na
consumo do produto em si. Assim, a compra e o
predisposição de consumir, porque tais mudanças
consumo servirão de atividades que possibilitarão
modificam o estado de espírito das pessoas. “De
a experimentação de novas sensações”.
todas as variáveis do marketing mix, a decisão
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149
de preço é aquela que mais rapidamente afeta a
busca de modelos explicativos do comportamento
competitividade, o volume de vendas, as margens
de compra por impulso são recentes e requerem
e
questionamentos, aperfeiçoamentos e validações
a
lucratividade
das
empresas
varejistas.”
(PARENTE, 2000, p. 160).
empíricas.
De forma sucinta, Schiffman e Kanuk (1997)
Impulso é considerável uma necessidade
salientam que apesar da renda ser a muito tempo
forte, às vezes, irresistível, com a inclinação de
uma variável importante para diferenciar segmentos
agir sem deliberação ou planejamento. Hoch e
de mercado, essa indica apenas a capacidade ou
Loewenstein (1991 apud COSTA; LÁRAN, 2003)
incapacidade de se pagar por um produto.
explicam que a compra impulsiva trata do resultado
Tendo como base de estudo e pesquisa a
cidade de Itapema/SC, a caracterização de renda
da população foi avaliada segundo informações
da luta entre forças psicológicas dos desejos e
da força de vontade, ou seja, entre a vontade de
comprar e o autocontrole, prevalecendo o desejo.
do Sebrae/SC (2008), em R$ 907,15 (novecentos
Para Dias (2004), as compras planejadas
e sete reais e quinze centavos) segundo os valores
são realizadas por consumidores que saem de
médios dos salários pagos em 2008 no município.
suas casas tendo em mente o que vão adquirir.
A caracterização do porte empresarial de Itapema
No entanto, muitas mercadorias são compradas
é de 3.763 empresas formais que geram 8.681
impulsivamente e isso ocorre quando o indivíduo
empregos. Os fatores culturais envolvem um
é atingido por algum estímulo forte que o leva
complexo de valores, ideias e atitudes que permitem
a comprar no momento em que não resiste à
as pessoas comunicarem-se e avaliarem-se como
exposição do produto. “Uma pessoa motivada
membros da sociedade por meio dos fatores
está pronta para agir. Como ela realmente age
culturais, na forma de agir no mercado e na sua
é influenciado por sua percepção da situação”
interação com o ambiente (ENGEL; BLACKWEEL;
(KOTLER, 1998, p.173).
MINIARD, 2005).
Consumidores passeiam pela loja como uma
forma de entretenimento e prazer, vivenciando
1.5 Fatores que Motivam os Clientes
sentimentos
positivos
como
contentamento
(BABIN; DARDEN; GRIFFIN, 1994 apud COSTA;
LÁRAN, 2006). Estudos anteriores apontam que
Com
relação
aos
fatores
motivadores
dos clientes, Stadler (2000, p. 119) salienta que
“as pessoas, em geral, refletem uma motivação
equilibrada. Elas analisam uma oferta, a fim de se
mais compras não planejadas do que aqueles que
passeiam menos (JARBOE; MCDANIEL, 1987 apud
COSTA; LÁRAN, 2006).
satisfazerem com ela. Porém, também a examinam
Para Las Casas (1997), a força interna que
de uma forma a evitar situações desagradáveis
dirige o comportamento dos consumidores é a
que possam prejudicar sua situação [...]”.
motivação. Os indivíduos sentem-se motivados
Discordando com o autor acima, Costa
e Láran (2006) ressaltam a questão da compra
por impulso, argumentando que os esforços em
150
os indivíduos que “circulam” mais tendem a realizar
à compra, em grande parte impulsionada pela
proteção de si própria. Essa força interna que
leva as pessoas a comprarem produtos e serviços
poderá ser de ordem psicológica ou fisiológica.
1.6 Mix de Marketing
O preço básico é definido
A teoria dos quatro Ps – produto, preço,
pela equação: preço =
praça e promoção –, de Jerome McCarthy, precede
custo + lucro, mas também
significativa relevância nas ações do varejo popular. Esses quatro elementos interagem constante-
pode ser definido pela
mente na busca de resultados efetivos em cada
empresa (GONÇALVES, 2005).
concorrência que varia em
Para Kotler (1999), da mesma forma que
função da marca e no critério
os economistas usam os conceitos demanda e
de quanto o consumidor está
oferta para estrutura de análise, o profissional
de marketing sustenta o conceito dos quatro Ps
disposto a pagar.
como uma “caixa de ferramentas” para orientá-lo
no planejamento de marketing.
O primeiro “P” vem de produto. Nesse
sentido, ressalta Kotler (1999, p. 126), que “a base
de qualquer negócio é um produto ou serviço”. O
preços. O preço, diferentemente dos outros três
objetivo, nesse sentido, é oferecer algo de maneira
mix de marketing, tem o poder de gerar a receita.
diferente e melhor aos clientes.
As empresas tentam elevar seus preços até onde
A praça, segundo Gonçalves (2005), é a
o nível de diferenciação permite (KOTLER, 1999).
alma do varejo tradicional. Consumidores sempre
No entendimento de Pancrazio (2000), o preço
se agrupam onde há maior variedade de lojistas
básico é definido pela equação: preço = custo + lucro,
ofertando produtos. No mercado consumidor
mas também pode ser definido pela concorrência
há uma intensa batalha entre pequenos, médios
que varia em função da marca e no critério de quanto
e grandes varejistas. Para Kotler (1999), os
o consumidor está disposto a pagar.
consumidores, hoje, conseguem comprar produtos
a partir de sua própria casa, evitando transtornos,
como tirar o carro da garagem, enfrentar trânsito,
calor, chuva e filas em lojas. Em tais pontos de
venda, não há grandes investimentos em serviços
Promoção de vendas é o conjunto de métodos e formas utilizadas para aumentar a venda
de um produto ou serviço durante um período
determinado (LEGRAIN; MAGAIN, 1992).
diferenciados como no mercado de luxo e de alta
renda, nos quais a diferenciação é um importante
fator de competitividade. No varejo, as empresas
2
Metodologia
oferecem a seus clientes um atendimento básico
(SPERS, WRIGHT, 2006).
Para o desenvolvimento deste artigo, optou-
O terceiro “P” é o preço, que, para Gonçalves
-se por uma pesquisa descritiva, que, como salientam
(2005), geralmente é constituído baseando-se nos
Collis e Hussey (2005), é usada para identificar e
custos. No entanto, essa prática tem-se revelado
obter informações sobre as características de um
ineficiente quando se deseja competir, pois a
determinado problema ou questão.
concorrência está atenta e disposta a cortar seus
Rev.
FA E ,
C uritiba,
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151
Os
procedimentos
metodológicos
para
atrativos vistos pelos clientes neste segmento de
sustentar este estudo foram de abordagem
comércio. Além disso, o instrumento de pesquisa
quantitativa que, segundo Collis e Hussey (2005),
possibilitou investigar a percepção dos clientes em
tendem a produzir dados específicos e precisos,
relação ao comércio popular identificando qual
de confiabilidade considerada alta.
a atratividade que este segmento de comércio
Na abordagem da pesquisa utilizou-se o
questionário autopreenchível, buscando a opinião
desperta nos clientes e as principais características
destes consumidores.
do entrevistado em relação aos fatores expostos,
O levantamento de informações inclui fontes
demonstrando a sua interação com a decisão de
de dados primários, que, para Mattar (1996), são
compra.
aqueles que não foram coletados anteriormente,
O sujeito deste estudo abrange o público
frequentador do comércio popular de Itapema/
SC, constituindo uma amostra não probabilística e
estando ainda em posse dos pesquisados e que são
coletadas com o propósito de atender as necessidades específicas da pesquisa em andamento.
aleatória simples, pois pretende atingir da mesma
Ocorreu aplicação de pré-teste mediante
forma toda a população pesquisada, escolhendo
pesquisa aleatória, sendo readaptadas algumas
aleatoriamente
questões que haviam ficado confusas para o
os
respondentes
(LAKATOS;
MARKONI, 1992).
entendimento dos respondentes.
“A amostragem aleatória simples carac-
Após aplicado o questionário e coletados
teriza-se pelo fato de cada elemento da população
os dados, estes foram tabulados e lançados
ter probabilidade conhecida, diferente de zero,
no
idêntica a dos outros elementos, de ser selecionado
apresentados por meio de gráficos para facilitar a
para fazer parte da amostra” (MATTAR, 1996, p. 275).
compreensão das respostas.
programa
Excel,
cujos
resultados
foram
Com base no erro amostral tolerável esta-
Os fatores limitantes resumem-se ao preen-
belecido (5%), uma primeira aproximação para
chimento incompleto e/ou incorreto de alguns
o tamanho da amostra aleatória (n0) a ser reti-
questionários, acarretando realização de novas co-
rada pela equação N0= 1/ (E0)2 é de 352 pessoas,
letas. Ressalta-se também que um único local de
representando 11,73% da população que frequentam
coleta de dados também é um fator limitante, visto
mensalmente o camelódromo da Meia Praia nesta
a abrangência do tema comércio popular.
época do ano (setembro).
O instrumento de coleta de dados utilizado
no estudo foi um questionário estruturado com
3
Resultados
uma sequência de perguntas fechadas organizadas após a realização de pré-teste, tendo em
vista que o objetivo é extrair respostas confiáveis
da amostra escolhida e descobrir o que um grupo
3.1 Perfil dos Respondentes
selecionado de participante pensa ou sente
(COLLIS; HUSSEY, 2005).
152
Nesta etapa do estudo são apresentados
As perguntas foram elaboradas visando
os resultados obtidos após a realização da
obter informações sobre a qualidade do atendi-
pesquisa de campo e posterior análise. Aborda-se
mento, os motivos que levam a esta escolha e os
primeiramente o perfil do público participante da
pesquisa; em seguida, é feita uma análise do setor
dirigem-se ao mencionado local uma vez por mês,
de camelódromos e, por fim, uma análise dos canais
enquanto apenas 5% frequentam o comércio popular
de venda que concorrem com os camelódromos.
uma vez por semana e 3% dos respondentes nunca
No tocante ao perfil dos respondentes,
observa-se que a maioria da amostra pesquisada
de 352 frequentadores do comércio popular,
foi composta por integrantes do sexo feminino,
representando 64% do total, enquanto que os
frequentam o comércio popular. Ao frequentar o
comércio popular, 51% dos respondentes afirmam
que se dirigem direto à loja relacionada ao produto
desejado, enquanto 49% costumam passar por todas
as lojas na ocasião, a fim de conferir as novidades.
respondentes do sexo masculino totalizaram 36%.
Com relação ao valor gasto em cada compra,
Com relação à faixa etária, verifica-se que a amostra
verificou-se que 38% dos respondentes gastam entre
é composta predominantemente de jovens na faixa
R$ 51 e R$ 100 em cada compra realizada; enquanto
de 17 a 24 anos, representando 63% do total. Ainda,
37% gastam menos de R$ 50; 22% gastam entre R$
30% dos respondentes encontram-se na faixa de 25
101 e R$ 200; e apenas 3% dos respondentes gastam
a 34 anos; e 7%, de 35 a 50 anos. Verifica-se também
acima de R$ 200. O valor gasto geralmente é
que a maioria dos respondentes tem renda familiar
desembolsado em apenas uma loja, correspondendo
mensal média acima de R$ 3.001, representando
a 56% dos respondentes da pesquisa; enquanto 44%
48% do total da amostra; 23% possuem renda
gastam esse valor em várias lojas.
familiar de R$ 2.001 a R$ 3.000; 21%, de 1.001 a R$
2.000; e 8%, até R$ 1.000.
Traçando uma correlação entre a renda do
respondente e o valor gasto na compra, percebe-se que 56% dos que gastam menos de R$ 50 no
3.2 Compras em Comércio Popular
comércio popular possuem renda mensal familiar
acima de R$ 3.001. Entre os que gastam de R$ 51
a R$ 100, também predomina a renda acima de R$
Após a análise do perfil dos respondentes da
pesquisa, verificaram-se os aspectos relacionados
às compras realizadas em comércio popular pelo
público pesquisado, identificando frequência de
visitas, valor gasto em cada compra, os produtos
mais procurados e os fatores que influenciam nessa
decisão. Identificou-se que 69% dos respondentes
raramente costumam frequentar camelódromos.
3.001, porém com uma diminuição de percentual
para 46%. Na faixa de valor gasto entre R$ 101 e R$
200 há uma aproximação das rendas, sendo 36%
acima de R$ 3.001,00, 21% de R$ 2.001 a R$ 3.000,
29% de R$ 1.001 a R$ 2.000 e quem tem renda
familiar até R$ 1.000 representa 14%. Nos gastos
acima de R$ 200, a renda predominante passa a
ser de R$ 1.001 a R$ 2.000.
Esse número permite supor que a maioria apenas
Nesse sentido, denota-se que quem possui
desloca-se ao comércio popular quando sente
renda mensal familiar acima de R$ 3.001 costuma
necessidade de adquirir um produto que é mais
efetuar compras de menor valor, enquanto quem
facilmente encontrado neste local ou está disponível
possui renda na faixa de R$ 1.001 a R$ 2.000 gasta
apenas em comércio popular. Constatou-se que 23%
um valor maior, conforme gráfico a seguir.
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153
GRÁFICO 1 – Renda x valor gasto no comércio popular
29%
14%
Gasto acima de R$ 200,00
43%
Acima de R$ 3.001,00
14%
36%
R$ 2.001,00 a
R$ 3.00,00
21%
Gasto entre R$ 101,00 e R$ 200,00
29%
14%
Gasto entre R$ 51,00 e R$ 100,00
8%
19%
27%
Até R$ 1.00,00
56%
20%
16%
Gasto abaixo de R$ 50,00
R$ 1.001,00 a
R$ 2.00,00
46%
8%
No tocante aos produtos mais procurados, os respondentes priorizaram oito categorias. Eletrônicos e
acessórios para computadores constituem a categoria de produtos. O segundo produto mais visado são CDs
e DVDs. Cosméticos, maquiagem e perfumes representam o terceiro item em ordem de prioridade.
TABELA 1 – Produtos mais procurados no comércio popular
Produto
Eletrônicos e acessórios para computadores
Prioridade
Percentual de preferência
1
32,88%
CD e DVD
2
24,66%
Cosméticos, maquiagem, perfumes
3
16,44%
Bolsas, malas e mochilas
4
13,70%
Bijuterias
5
4,11%
Brinquedos
6
4,11%
Bebidas
7
2,74%
Roupas e calçados
8
1,37%
Por meio da correlação entre os produtos mais procurados no comércio popular e o gênero de quem
compra esses produtos, verifica-se que nos produtos eletrônicos e acessórios para computadores a distribuição
entre sexo masculino e feminino está bem equilibrada com 46% e 54%, respectivamente. O mesmo equilíbrio
ocorre com relação a CD e DVD, havendo 53% de compradores do sexo masculino e 47% do sexo feminino, sendo
o único produto com maioria masculina. Nos demais produtos, há predominância de determinado gênero, uma
vez que o produto pode ser mais direcionado para aquele público-alvo. Produtos como bolsas, malas e mochilas;
cosméticos, maquiagem e perfumes; bijuterias e brinquedos houve predominância do gênero feminino (89%).
Para os produtos bebidas, a totalidade é composta por homens, com renda familiar mensal superior a R$ 3.001,
que possuem o hábito de realizar compras em shoppings e lojas de grifes. Nos produtos roupas e calçados, a
totalidade dos compradores é composta por homens, os quais foram identificados com renda familiar mensal
entre R$ 1.001 a R$ 2.000, que costumam efetuar compras para toda a família em valores entre R$ 101 e R$ 200
e acima de R$ 200.
154
Considerando que os produtos mais procurados no comércio popular são eletrônicos e acessórios para
computador, importante detalhar o perfil de quem procura tais produtos. Nesse sentido, observa-se que 44%
dos respondentes que procuram os produtos mencionados anteriormente possuem renda familiar mensal
acima de R$ 3.001, e 26% possuem renda de R$ 2.001 a R$ 3.000. Quem possui renda familiar de R$ 1.001 a R$
2.000 representa 17%. Os respondentes com renda familiar até R$ 1.000 constituem 13%.
Com relação à faixa etária dos consumidores de eletrônicos e acessórios para computadores, verificase que 63% dos respondentes possuem de 17 a 24 anos de idade; 33% possuem de 25 a 34 anos; e apenas 4%
possuem de 35 a 50 anos.
Em resumo, o perfil predominante de quem procura eletrônicos e acessórios para computador no comércio
popular é constituído por mulheres, com idade de 17 a 24 anos e com renda familiar mensal acima de R$ 3.001.
Quando da identificação dos fatores que influenciam na decisão de compra do consumidor que
frequenta comércio popular, foi questionado ao público-alvo da pesquisa entre sete fatores se estes influenciam
muito, influenciam pouco, ou se não influenciam em sua decisão de compra. Verificou-se que o fator que mais
influencia é o preço do produto comercializado, tendo como resultado o seguinte: 66% dos respondentes
afirmaram que influencia muito, 32% que influencia pouco e apenas 3% afirmaram que o fator preço não
influencia. O segundo fator que gera mais influência sobre a decisão de compra é a variedade dos produtos,
seguida da disponibilidade de produtos similares aos originais. O fator que menos influencia na decisão de
compra, de acordo com os respondentes, é o público frequentador de comércio popular: 57% afirmaram que
tal fator não influencia; 29% que influencia pouco; e 13% afirmaram que influencia muito. O segundo fator que
menos influencia é o ambiente, observando--se, portanto, que o público pesquisado dirige--se ao comércio
popular apenas quando surge a necessidade de um produto disponível neste local.
GRÁFICO 2 – Fatores que influenciam na decisão de compras no comércio popular
FONTE: O autor (2012)
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155
3.3 Canais de Venda Alternativos
Nesta etapa são analisados os dados relativos aos canais de venda que são alternativos ao comércio
popular, os quais se configuram como concorrentes a este tipo de comércio. Questionou-se aos respondentes
qual outro local eles costumam frequentar. A maioria dos respondentes frequenta shoppings, representando
32% do total; enquanto 23% frequentam lojas de rua/avenida; 19% utilizam a internet; 12% frequentam
boutiques/lojas de grife; 9% visitam lojas de departamento; e 5% utilizam catálogos/vendedoras ambulantes
para realizar suas compras.
Identificados os locais/formas de compra mais utilizados pelos respondentes, parte-se para a
identificação dos produtos mais procurados nesses locais, listados na TAB. 2.
TABELA 2 – Produtos mais procurados em locais alternativos
Produto
Prioridade
Percentual de Preferência
Roupas e calçados
1
52,11%
Eletrônicos e acessórios para computadores
2
21,13%
Bolsas, malas e mochilas
3
12,68%
Cosméticos, maquiagem, perfumes
4
5,63%
CD e DVD
5
4,23%
Bijuterias
6
1,41%
Brinquedos
7
1,41%
Bebidas
8
1,41%
FONTE: O autor (2012)
Analisando a tabela, percebe-se que os pro-
mais procurados por mulheres (78%). A totalidade
dutos mais procurados em comércios alternativos
dos respondentes que procuram cosméticos, maqui-
são roupas e calçados, seguido de eletrônicos e
agem e perfumes em locais alternativos é do sexo
acessórios para computadores. O terceiro item mais
feminino. Houve também resultados inusitados, isto
procurado são bolsas, malas e mochilas. Cosméti-
é, 100% das pessoas do gênero masculino procuram
cos, maquiagem e perfumes são o quarto item mais
bijuterias e 100% do gênero feminino procuram bebi-
visado. Bijuterias, brinquedos e bebidas são os tipos
das; porém é um dado sem muita relevância devido
de produtos menos procurados nesses locais.
ao baixo índice de preferência apresentado anterior-
Ao se verificar o gênero predominante dos
156
mente na TAB. 2.
produtos em locais alternativos, denota-se que a
Roupas e calçados constituíram os produtos
maioria dos que procuram roupas e calçados são
mais procurados nos locais alternativos de compra.
do sexo feminino (76%). Com relação a eletrônicos
Com isso, é importante identificar o perfil predominante
e acessórios para computadores, o sexo masculino
de quem procura por esses produtos. Observa-se
constitui a maioria, representando 60% dos respon-
que quem possui renda familiar mensal de R$ 2.001
dentes, assim como bolsas, malas e mochilas são
a R$ 3.000 representa 44% dos respondentes que
procuram os produtos mencionados anteriormente;
Com relação aos fatores que influenciam
36% possuem renda familiar acima de R$ 3.001; e 21%
na decisão de compra quando os respondentes
de R$ 1.001 a R$ 2.000.
frequentam os locais mencionados, o fator que mais
Quanto à faixa etária dos consumidores
influencia é a forma de pagamento facilitado, a qual
que procuram roupas e calçados em locais
para 73% dos respondentes é fator que influencia
alternativos (shopping, lojas de grife, internet,
muito; 16% consideram que influencia pouco; e
lojas de departamento etc.), verifica-se que 67%
8% afirmaram que não influencia. Descontos e
possuem idade entre 17 e 24 anos; 27% possuem
promoções vêm em seguida como segundo fator de
entre 25 e 34 anos; e apenas 6% tem de 35 a 50
maior influência. Os fatores que menos influenciam
anos de idade. Em suma, percebe-se que o perfil
são o ambiente que envolve diversão/compras
predominante dos respondentes que procuram
passeio; 32% afirmaram que influencia muito; 45%
roupas e calçados em locais alternativos ao
comércio popular é composto de mulheres com
influencia pouco; e 22% que não influencia; além do
idade entre 17 e 24 anos, com renda familiar mensal
ambiente sofisticado, sendo considerado também
de R$ 2.001 a R$ 3.000.
um fator de pouca influência.
GRÁFICO 3 – Fatores de influência na decisão de compra em locais alternativos
Forma de pagamento
facilitado
73
70
Atendimento
personalizado
53
Ambiente sofisticado
45
40
33
32
35
31
31
Ambiente que envolve/
diversão/compras/passeio
30
26
22
22
16
Descontos e promoções
14
8
5
Influencia muito
Influencia pouco
Não influencia
3 3 1
1
3
4
Facilidade de compra sem
sair de casa
Não sei dizer/
não lembro
FONTE: O autor (2012)
Mediante a análise dos dados apresentados, pode-se traçar um comparativo entre os consumidores
de comércio popular e consumidores de locais alternativos. Enquanto os primeiros estão em busca de preço
baixo e ampla variedade de produtos, os segundos procuram formas de pagamento facilitadas e descontos
e promoções. Percebe-se, assim, que um preço atrativo é fator motivador para ambos os tipos de comércio.
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157
Comparando os produtos mais procurados
no comércio popular com os produtos mais
Considerações Finais
visados em locais alternativos, percebe-se que
entre os quatro produtos mais procurados, três
são comuns a dois pontos de venda: eletrônicos
e acessórios para computadores; cosméticos,
maquiagem, perfumes; e bolsas, malas e mochilas.
CDs e DVDs são mais procurados no comércio
popular, porém, os itens roupas e calçados são os
mais procurados nos locais alternativos.
O objetivo deste estudo foi identificar quais
os principais fatores motivadores que levam os
consumidores a frequentar e a comprar no comércio popular. Nesse sentido, foram identificados
quais são os produtos mais procurados pelos consumidores e os principais hábitos de consumo. Foi
ainda levantada a frequência de retorno às com-
Ressalta-se ainda que se verificou, por meio
pras por parte dos clientes do comércio popular;
da correlação da renda familiar mensal com as
além de identificada a média de valor gasto em
preferências de consumo, que consumidores de
cada compra.
maior poder aquisitivo costumam, proporcionalmente, realizar compras de menor valor, enquanto
os respondentes que possuem renda familiar um
pouco menor costumam gastar mais em suas visitas ao comércio popular.
Num primeiro momento, tratou-se da identificação dos produtos mais procurados pelos
consumidores e os principais hábitos de consumo,
cujos produtos mais visados na ocasião de uma
visita ao comércio popular são eletrônicos e jogos
Bolsas, malas e mochilas, que constituem
para computador. Os produtos menos procurados
o mix de produtos da organização em estudo,
são roupas e calçados. Com relação à quantidade
são o quarto item mais procurado no comércio
de itens e a diversidade dos segmentos comprados
popular e o terceiro item mais procurado em
em cada visita ao comércio, verificou-se que a
locais alternativos. Nesse sentido, ressalta-se a
maioria dos respondentes gasta o valor da compra
necessidade da empresa focar nos fatores que,
em apenas uma loja de comércio popular. Foi
de fato, influenciam o consumidor na decisão
realizada também uma análise dos locais/formas
de compra com relação ao comércio popular:
alternativas de compra.
preço e variedade dos produtos. Cabe salientar o
entendimento de Parente (2000, p. 160) de que
Na sequência, identificou-se que o público
“de todas as variáveis do marketing mix, a decisão
pesquisado raramente dirige-se ao comércio po-
de preço é aquela que mais rapidamente afeta a
pular, fazendo-o apenas quando surge a neces-
competitividade, o volume de vendas, as margens
sidade de se adquirir um produto que está associado
e a lucratividade das empresas varejistas”.
a estes locais, seja pela facilidade de encontrar ou
O estudo, de forma geral, acabou confirmando o entendimento empírico de que o con-
158
pela exclusividade de venda (quando o produto é
encontrado apenas no comércio popular).
sumidor que frequenta comércio popular está
Por último, abordou-se a identificação da
em busca de produtos baratos. Além disso, no
média de valor gasto em cada compra, perce-
comércio popular ele encontra uma variedade de
bendo-se que a maioria dos respondentes gasta
produtos que dificilmente encontra-se em outros
entre R$ 51 e R$ 100. Todavia, é importante ressaltar
canais, constituindo um fator de influência na
que boa parte dos respondentes gasta até R$ 50
decisão de compra tão importante quanto o preço.
em cada compra. Essa média de gasto corrobora
com o entendimento de que o consumidor de
distintos: enquanto o consumidor de comércio
comércio popular busca preços módicos.
popular busca preços mais vantajosos e variedade
Os resultados do estudo se mostraram
de grande relevância às empresas que atuam
ou pretendem atuar no comércio popular. Num
primeiro momento, ressalta-se a identificação dos
produtos mais procurados no comércio popular,
assim como em outros locais, o que permitiu
de produtos, o consumidor de locais alternativos
procura
formas
de
pagamento
facilitadas,
descontos e promoções. Ressalta-se, ainda, que
a renda familiar mensal do consumidor influencia
pouco, visto que quem possui renda maior prefere
efetuar compras de menor valor.
observar que entre os quatro produtos mais
Demonstradas as principais contribuições do
procurados, três são concomitantes aos dois locais
estudo, ressalta-se que futuros trabalhos poderão
mencionados. Destarte, é notável a competição
complementar
na preferência do consumidor em procurar no
no tocante à facilidade de pagamento como
comércio popular ou em locais alternativos os
motivador de compra em comércio popular, bem
produtos que ele necessita, muito embora os
como aos fatores de atratividade do camelódromo
fatores de influência na compra identificados sejam
de Itapema.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014
esta
pesquisa,
principalmente
•
Recebido em: 21/01/2013
•
Aprovado em: 19/06/2013
159
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FA E ,
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161
Originale Cucina – um estudo
de caso de posicionamento
estratégico no segmento
gastronômico de Curitiba
Originale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s
gastronomic segment
Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba
Originale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s gastronomic segment
Ricardo Teixeira Miranda 1
Richard Schwarz2
Resumo
O panorama da gastronomia no Brasil, do início do século XXI, está passando por profundas transformações.
O aumento de renda e o fortalecimento do poder de compra de classes que antes não possuíam acesso a
certas condições de consumo, aliados ao crescente incremento no empreendedorismo do segmento voltado
à alimentação, vêm se refletindo em uma expansão do setor e em um inevitável acirramento da concorrência.
Especificamente em Curitiba, certas regiões estão se tornando conhecidos polos gastronômicos, sendo um
deles localizado no bairro Cabral, onde se encontra a Originale Cucina e Pizzeria, presente no mercado
local há 12 anos. Para enfrentar este contexto de impactantes mudanças, a Originale optou por realizar um
completo reposicionamento estratégico de sua atuação e marca, buscando elevar seu patamar de qualidade
e atendimento, porém sem abdicar dos pontos críticos de sua essência, que garantiram sua longevidade. O
objetivo deste artigo é analisar, por meio de um estudo de caso, como este processo dinâmico vem ocorrendo
no empreendimento e quais suas formas, dificuldades e impactos, no sentido de agregar informações sobre
o peculiar setor de gastronomia curitibano, ao contrastar a atuação e evolução de um player tradicional e
estabelecido, em relação a um contexto de fortes mudanças em seu cenário competitivo de atuação.
Palavras-chave: Marketing. Empreendedorismo. Estratégia. Concorrência. Gastronomia. Curitiba.
Abstract
The food segment scenery in Brazil at the beginning of the XXI century is undergoing profound changes. The
growth of income and the strengthening of the purchasing power of classes that previously had no access
to certain conditions of consume, added to the raise in the entrepreneurship on the food segment have
reflected in an expansion of the sector and an unavoidable increase in competition. Specifically in Curitiba,
some regions are becoming known gastronomic poles, as the Cabral neighborhood, where Originale Cucina
and Pizzeria is located, for the last 12 years. To confront this strongly changing context, Originale has chosen to
conduct a complete strategic repositioning of its operations and brand, seeking to raise its level of quality and
service, but without sacrificing the essence of the critical points that ensured its longevity. The purpose of this
article is to examine through a case study how this dynamic process is occurring in the enterprise and which
forms, difficulties and impacts are, in order to gather information about the peculiar food sector in Curitiba,
by contrasting the performance and evolution of a traditional and established “player” against a backdrop of
major changes in its competitive landscape of business.
Keywords: Marketing. Entrepreneurship. Strategy. Competition. Food. Curitiba.
1
2
Mestre em Administração pela PUC-PR. Professor do ISAE/FGV da disciplina Geomarketing e professor auxiliar da
PUCPR no curso de Administração. E-mail: [email protected].
Mestre em Administração pela PUC-PR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação,
Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
163
Introdução
Na década de 2000, o Brasil passou por um
dos maiores processos de crescimento econômico
de sua história. Essa expansão proporcionou um
ambiente de estabilização econômica e ampliação
das condições de oferta de crédito e empregos, o
que, por sua vez, permitiu que 60 milhões de cidadãos, oriundos principalmente das classes C e D,
ampliassem seu acesso ao mercado de consumo.
De acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos),
cerca de 130 milhões de brasileiros compõem estas faixas, que contam com renda mensal entre 2 e
O aumento do poder de
consumo, relacionado em
grande parte ao aumento
da renda per capita, levou
os brasileiros, em geral,
a alterar também seus
hábitos alimentares.
4 salários mínimos. Para o Portal Alimentação Fora
do Lar (2013), além desse cenário, outros principais fatores de expansão do mercado de alimentação fora do domicílio são a falta de tempo para
preparação da comida em casa, a busca por maior
conveniência e a diminuição do número médio de
37%. Ou seja, a ampliação da classe média no país
teria um impacto direto no costume de comer fora
do domicílio (ABRASEL, 2012).
Apesar dos gastos com alimentação com-
habitantes por residência.
prometerem uma fatia menor da renda das famílias
1
Perfil Brasileiro do
Consumo de Alimentação
Fora do Domicílio
brasileiras, esses ainda representam uma grande
parcela do orçamento familiar, quase um quinto de
seu consumo total. De acordo com a Pesquisa de
Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, elaborada
em 1974/1975, as despesas com alimentos correspondiam a 33,9% dos gastos das famílias. Na
Segundo a ABRASEL (2012), o aumento do
última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF3)
poder de consumo, relacionado em grande parte ao
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
aumento da renda per capita, levou os brasileiros,
(IBGE), esse comprometimento recuou 14 pontos
em geral, a alterar também seus hábitos alimentares.
percentuais, totalizando 19,8% (IBGE, 2009), e
Houve, com isso, um aumento significativo na
grande parte destes gastos são realizados fora
demanda por serviços de alimentação fora do
do domicílio. Segundo o Portal Alimentação Fora
domicílio, sendo que, no Brasil, 31% das pessoas
do Lar (2013), mais de 25% das refeições no Brasil
consomem
semanalmente,
atualmente são consumidas fora de casa, sen-
percentual que deverá atingir 50% em 2020. A
do que, nos grandes centros urbanos, esse índice
classe com renda mensal de até R$ 400,00 gasta
chega a ultrapassar 33%. Ou seja, o potencial de
12% do valor com alimentação na rua, quando essa
crescimento desse mercado parece promissor
renda passa a ser de R$ 1.000,00 a R$ 1.200,00
quando comparado aos Estados Unidos, onde este
essa fatia também cresce, passa a 21%, e quando o
setor responde atualmente por mais de 60% das
trabalhador recebe mais de R$ 4.000,00 chega a
refeições das pessoas.
3
164
alimentos
na
rua
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) é uma pesquisa domiciliar que tem como principal objetivo a obtenção de informações
sobre a estrutura de orçamentos das famílias, ou seja, quanto ganham e qual a destinação de seu dinheiro.
Para o segmento de alimentação fora do
a cidade como a 4ª maior economia do Brasil (ver
domicílio, segundo Bezerra e Sichieri (2010), a
TAB. 1), apesar de ocupar apenas a 8ª colocação em
frequência de consumo brasileira foi de 35%, sendo
população, conforme demonstrado no GRÁF. 1. Em
maior na região Sudeste (38,8%), seguida da Sul
2010, a renda média dos responsáveis por domicílios
(34,8%) e menor na região Norte (28,1%). A frequência
curitibanos foi de aproximadamente R$ 7.904 por
foi maior entre os indivíduos de 20 a 40 anos (42%),
mês (TAB. 2), o que, comparado à renda média dos
do sexo masculino (39%), com maior nível de renda
domicílios brasileiros, chega a ultrapassar a renda
(52%) e maior escolaridade (61%). Os alimentos
nacional em 273%. Em relação à distribuição de
mais frequentemente consumidos fora do domicílio
renda segundo as classes sociais, observa-se que
foram: refrigerantes (12%), refeições (11,5%), doces
15,2% correspondem à classe A, 29% à classe B,
(9,5%), salgados fritos e assados (9,2%) e fast foods
18,4% à classe C, 25,3% à classe D e apenas 5,94%
(7,2%). Os pesquisadores também identificaram
pertencem à classe E.
maiores regularidades entre os indivíduos residentes
TABELA 1 - Ranking das 10 cidades com maior
em domicílios situados na área urbana, no município
participação no PIB Nacional
da capital e com menos de quatro moradores. Esses
aspectos, juntamente com a escolaridade, são
Capital
importantes marcadores do nível socioeconômico
Estado
2009
Ranking
Part. %
dos indivíduos, confirmando a importância da
São Paulo
SP
1º
12,02
renda como um dos principais determinantes do
Rio de Janeiro
RJ
2º
5,43
consumo de alimentos.
Brasília
DF
3º
4,06
Curitiba
PR
4º
1,41
1.1 Curitiba e o Setor de Alimentação Fora
do Domicílio
Curitiba vem se desenvolvendo em um
ritmo cada vez maior, fato demonstrado pelos
seus indicadores socioeconômicos que mostram
Belo Horizonte
MG
5º
1,38
Manaus
AM
6º
1,25
Porto Alegre
RS
7º
1,17
Duque de Caxias
RJ
8º
1,01
Garulhos
SP
9º
1,00
Osasco
SP
10º
0,98
FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)
GRÁFICO 1 - População das maiores cidades brasileiras (milhões)
12
11,24
10
8
6,32
6
4
2,68
2,56
2,45
2,38
2
1,8
1,75
1,54
1,41
0
São Paulo
Rio de
Janeiro
Salvador Brasília Fortaleza
Belo
Manaus
Horizonte
Curitiba
Recife
Porto
Alegre
FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
165
Em relação à renda dos bairros de Curitiba, vê-se na TAB. 2 que o bairro do Batel lidera o ranking com
um rendimento médio de R$ 10.340,00 e o Cabral, bairro onde se localiza a empresa foco deste estudo de
caso, apresenta-se como 3º colocado, com um valor médio 274% maior que a média do município.
TABELA 2 - Rendimento médio e mediano dos responsáveis por domicílios, por bairros – 2010
Medio5
Valor (R$)
Batel
Mediano6
Ranking
Valor (R$)
Ranking
10,340
1º
7,068
1º
Jardim Social
9,302
2º
6,058
2º
Cabral
7,904
3º
6,058
3º
Bigorrilho
7,659
4º
5,250
4º
Juvevê
6,937
5º
5,048
5º
Água Verde
6,730
6º
4,241
7º
Alto da Glória
6,590
7º
4,443
6º
Seminário
6,483
8º
4,039
8º
Hugo Lange
6,300
9º
4,039
9º
Mossungê
5,988
10º
2,264
26º
Curitiba
2,890
-
1,141
-
FONTE: IBGE (2000), IPPUC/Banco de Dados e Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)456
1.2 O Bairro Cabral
A denominação “Cabral” surgiu no século XIX. Segundo o
próprio historiador Ermelino de Leão, o nome do bairro é
uma homenagem à influente família Cabral, que residia na
O bairro, a 3,3 km de distância do Marco
onde se ergueu a pequena capela consagrada ao Bom
Zero do Centro de Curitiba, seguiu a mesma linha
Jesus, hoje conhecida como Igreja do Cabral. Os primeiros
de desenvolvimento do bairro Juvevê: a partir da
moradores chegaram no início do século XVIII, conseguindo
implantação da Estrutural Norte e dos eixos de
seus lotes de terra mediante concessão da Câmara de
transporte urbano na década de 70. Abrigando
Curitiba. Muitos desses sítios compõem hoje o Graciosa
um dos grandes terminais de transporte público
da cidade, o terminal Cabral, suas vias principais
atraem empreendimentos residenciais de porte,
comércio e serviços de todos os gêneros.
4
5
6
166
região e, em meados do século passado, doou o terreno
Country Club, alguns trechos da Av. João Gualberto, da
Anita Garibaldi e da Munhoz da Rocha (IPPUC, 2013).
O bairro Cabral, com 2,04 km de área total
(TAB. 3), possui uma população média de 13 mil
Estimativa para 2010 pela UTFPR, com base no IPCA.
Média ponderada é calculada através do quociente da soma dos produtos entre o ponto médio da classe de rendimento e o número de
observações desta classe pelo número total de observações.
Mediana é a realização que ocupa a posição central da série de observações quando estas estão ordenadas segundo suas grandezas.
pessoas. Seus moradores são bem servidos: há 370
que o setor de alimentação responde por 10,3%
pontos de comércio e outros 685 de serviços, três
deste total com 152 estabelecimentos de refeições
praças, além de supermercados e escolas; também
prontas para consumo no local. Devido à alta densi-
possui edifícios residenciais de bom padrão e
dade demográfica da região (TAB 4), o setor de ser-
muitas residências.
viços coloca-se como importante setor econômico.
TABELA 3 - Dados do bairro Cabral
TABELA 4 – Cabral: população, área e densidade
Área (Km )
demográfica
432
2
População Total
13, 060
Comércio
370
Insdústrias
Densidade
Total de
Habitantes
116
Serviços
Absoluto
685
Distância do bairro ao Centro (Marco Zero) (Km)
Cabral
3, 32
Hospitais
1
Jardinetes
3
Praças
2
Curitiba
Área
Demográfica
(Km2)
(hab/km2)
%
Valor (R$)
13,060
0,75%
2,04
6,402
1.751,907
100
432
4,054
A TAB. 5 traz dados referentes às classes
FONTE: Os autores (2013)
de rendimentos das famílias residentes no bairro
Dados do Instituto de Pesquisa e Planeja-
Cabral, demonstrando uma população com maior
mento Urbano de Curitiba (IPPUC, 2013) mostram
poder aquisitivo que a média do município, em
que o setor de alimentação possui 1.480 estabele-
que 31,26% ganham acima de 30 salários mínimos,
cimentos comerciais em atividade no bairro, sendo
contra 9,34% da média da cidade.
TABELA 5 - Famílias residentes, por classes de rendimento nominal familiar – 2000
Famílias residentes
Bairro Cabral
Até 0,50 salário mínimo
Curitiba
18
0,38%
1.183
0,24%
+ de 0,5 até 1 SM
28
0,59%
16.163
3,26%
+ De 1 até 2 SM
45
0,96%
38.223
7,72%
+ De 2 até 3 SM
7
0,15%
41.313
8,34%
Até 3 SM
98
2,08%
96.882
19,56%
+ de 3 até 5 SM
165
3,51%
83.015
16,76%
+ de 5 até 10 SM
515
10,94%
128.264
25,90
+ de 10 até 15 SM
496
10,54%
54.841
11,07%
+ de 15 até 20 SM
507
10,77%
34.642
6,99%
+ de 20 até 30 SM
564
11,98%
33.836
6,83%
+ de 30 SM
+ de 3 SM
Sem Rendimento
Totais
Rev.
FA E ,
C uritiba,
1.471
31,26%
46.277
9,34%
3.718
79,01%
380.875
76,90%
890
18,91%
17.553
3,54%
4.706
100,00%
495,310
100,00%
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
167
2
Fundamentação
Teórico-Empírica
Curitiba é uma cidade em que apenas 3% dos
moradores residem sozinhos e o padrão familiar
mais comum é o de um casal com dois filhos,
com uma valorização expressa da manutenção
da família, haja vista que o lazer preferido do
curitibano é passar seu tempo livre com a família
(RETRATO..., 2001). Desta forma, a identificação
dos hábitos alimentares é de grande valia para
entender um pouco mais sobre este consumidor,
A preocupação com a
alimentação é algo que
faz parte do cotidiano das
pessoas, que costumam
fazer, em geral, três refeições
por dia: café da manhã,
almoço e jantar, sendo
que a maioria não tem
o hábito de comer entre
essas refeições.
que mantém a tradição, mas, ao mesmo tempo,
encontra-se na vanguarda do desenvolvimento
econômico e cultural do país.
Segundo Strobel et al. (2005), cerca de
70% dos curitibanos têm o hábito de almoçar
em restaurantes pelo menos um final de semana
por mês, com destaque para 12% que frequentam
restaurantes todos os finais de semana (sábados
e domingos). Os restaurantes preferidos são as
churrascarias (56%) e os italianos (22%). Ainda,
conforme os estudiosos, a preocupação com a
alimentação é algo que faz parte do cotidiano
das pessoas, que costumam fazer, em geral, três
fora dessas aglomerações. Essas vantagens eram
derivadas da maior capacidade de inovação e das
economias geradas em equipamentos e mão de
obra. A partir daquele momento, as aglomerações
passaram a ser caracterizadas pelo grande fluxo
de conhecimento, intensa especialização de mão
de obra e existência de uma rede de indústrias
subsidiárias
e
de
maquinário
especializado
(MARSHALL, 1920).
refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar,
No século XX, Porter (1998) vai além e
sendo que a maioria não tem o hábito de comer
passa a apontar os benefícios das aglomerações,
entre essas refeições.
enfatizando o potencial de aumento da produtividade e a taxa de inovação das firmas nelas
instaladas, levando à expansão e à formação
2.1 Polos de Atividades: Conceitos e
Considerações
de novas empresas que reforçam a inovação
e ampliam o aglomerado (PORTER, 1998). Na
mesma obra, o autor definiu os aglomerados como
um agrupamento geograficamente concentrado
A
168
busca
pela
aproximação
geográfica
de empresas inter-relacionadas e instituições
entre empresas do mesmo ramo de atividade traz
correlatas numa determinada área, vinculadas
benefícios já bastante estudados desde o século
por elementos comuns e complementares, o
XIX. Quando Marshall (1920) estabeleceu a relação
autor incluiu ainda, em sua definição, empresas
entre aglomeração geográfica de empresas e
de produtos ou serviços finais, fornecedores
desempenho, observou que firmas concentradas
e empresas clientes na cadeia de produção,
desfrutavam de vantagens em relação àquelas
conforme o grau de sofisticação e profundidade
do aglomerado. No entanto, a importância de se
vantagens que se pode obter da aglomeração.
estudar a economia por meio deste enfoque é
Pode-se justificar o processo de desenvolvimento
devido ao fato de que os aglomerados se alinham
dos aglomerados por meio dos estudos de Porter
melhor com a natureza da competição e com as
(1998), que comenta ser mais facilmente previsível
fontes da vantagem competitiva. Assim, enquanto
seu desenvolvimento do que a determinação dos
Marshall enfatizava como principal benefício da
fatores do seu surgimento, pois se assemelha a uma
aglomeração o aumento da produtividade, Porter
reação em cadeia, induzida pela rivalidade saudável
acrescenta ainda a inovação e o crescimento al-
e das iniciativas empreendedoras. Ou seja, é
cançado
com-
importante compreender que o APL se desenvolve
partilhamento de infraestruturas e apoio institu-
dentro de um contexto dinâmico de cooperação
cional entre empresas dos aglomerados.
em contraste com a competição. Por exemplo, no
pelo
intercâmbio,
cooperação,
Imbuzeiro e Lustosa (2010) afirmam que
o diferencial competitivo é construído ao longo
de cadeias produtivas, que são integradas tanto
setorialmente como espacialmente e que podem
ser denominadas de diversas formas (arranjos
caso da Originale Cucina, ao mesmo tempo em que
um empreendimento se beneficia do movimento
de pessoas gerado pelos concorrentes vizinhos,
também se estabelece a luta pela conquista da
preferência destes potenciais clientes.
produtivos locais, clusters, aglomerados produtivos,
distritos industriais), porém expressando o mesmo
fenômeno. Para os autores, não há mais sentido em
2.2 Estratégias de Competição
se desvincular localidades de setores produtivos e
dividi-los, de forma estanque, em industrial, agrícola
e comercial. E que, apesar da globalização, não
existem evidências do declínio de identidades locais,
o que favoreceria o surgimento de novos polos.
O acirramento da concorrência e a competição por um espaço no mercado têm forçado
as organizações a definirem estratégias com
vistas a capacitarem-se para suportar, ou mesmo
Em Curitiba, verifica-se a consolidação de
superar, as novas e crescentes demandas do
várias aglomerações, a partir daqui denominadas
ambiente em que estão inseridas. Neste sentido,
Arranjos Produtivos Locais (APLs), como o co-
a essência da formulação estratégica consiste em
mércio de veículos na Avenida Mário Tourinho nos
enfrentar a competição em que, segundo Porter
bairros Batel e Campina do Siqueira e também na
(1998), cinco forças básicas compõem o estado
Avenida Marechal Floriano Peixoto, no bairro Vila
de competição em um setor. Neste estudo, dadas
Hauer; comércio de tecidos, no bairro Vila Hauer;
as características observadas na aglomeração
sapatos na Rua Teffé, no bairro Centro Cívico; móveis
onde se situa a Originale Cucina, serão focadas as
na Al. Dr. Carlos de Carvalho, no bairro Batel, entre
ameaças de novos entrantes e as manobras pelo
outros. Uma forte característica desses APLs, é o
posicionamento entre os atuais concorrentes.
surgimento deles por meio da casualidade, onde,
após a instalação das primeiras empresas comuns
ao setor, ocorre uma simples imitação da estratégia
das pioneiras pelas outras empresas, que vêm a se
instalarem nas proximidades. Diferentemente de
APLs, que são estimulados pelo poder público,
essa geração espontânea se dá em função das
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Devido ao seu relativo baixo custo de
instalação e exigência de capital, necessidade
de escala de produção mediana, fácil acesso a
fornecedores e canais de distribuição e facilidade
em se estabelecer estratégias de diferenciação
de produtos, o setor gastronômico apresentaria
uma fraca barreira a novos entrantes. Apenas
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
169
exigências legais, como alvarás, aprovação de
simultaneamente pelos seus concorrentes atuais
projetos pela prefeitura, corpo de bombeiros e
ou potenciais. Por ser facilmente duplicada, essa
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
não é uma vantagem competitiva sustentada,
são fatores operacionais dificultantes à entrada de
mas tão somente uma estratégia de imitação ou
novos concorrentes.
substituibilidade, pois concorrentes ou poten-
A disputa entre concorrentes, por meio de
campanhas publicitárias, competição por preços e
diferenciação por produtos e serviços é uniformi-
ciais entrantes podem programar as mesmas
estratégias, mas de uma maneira diferente ao
utilizar diferentes recursos.
zada mediante nivelamento entre os concorrentes,
Também, na abordagem das capacidades
verificado no aglomerado gastronômico do bairro
dinâmicas, cujos estudos conduzidos por Teece;
Cabral. A instalação de alguns restaurantes dife-
Pisano; Schuen (1997) indicam a replicabilidade
renciados, como o restaurante Madero Burger &
e imitabilidade de um processo organizacional,
Grill e a Pizzaria Mercearia Bresser, trouxe à região
somente serão comportados como vantagem
um novo padrão de cardápio e atendimento, até
competitiva se essas estiverem formadas por um
então predominantemente dominado por pizza-
conjunto de rotinas, capacidades e ativos com-
-rias, lanchonetes e serviços de entrega rápida.
plementares difíceis de imitar. Entende-se aqui
Dentro deste cenário, a vantagem com-
replicabilidade e imitabilidade como fenômenos
petitiva pela visão baseada em recursos examina
que determinam o quão rapidamente uma compe-
a ligação entre as características internas da
tência ou uma capacidade pode ser copiada pelos
empresa e seu desempenho (BARNEY, 1991).
competidores (TEECE; PISANO; SCHUEN, 1997).
Segundo esse pesquisador, a empresa apresenta
vantagem competitiva ao adotar uma estratégia de
criação de valor que não está sendo implementada
2.3 A Gastronomia Local em Curitiba
Curitiba caracteriza-se por apresentar duas
grandes concentrações de estabelecimentos de
A empresa apresenta
dor Franco (mais conhecida como “Avenida das
vantagem competitiva ao
Torres”), que interliga a cidade ao município de
adotar uma estratégia de
internacional Afonso Pena), onde se localizam di-
criação de valor que não
está sendo implementada
São José dos Pinhais (localização do aeroporto
versas churrascarias que servem rodízio de carnes
e também massas. Outra localidade gastronômica
de Curitiba é o famoso bairro de Santa Felicidade, que, por sua vez, concentra a culinária italia-
simultaneamente pelos
na. Além dessas duas rotas gastronômicas, preva-
seus concorrentes atuais ou
espalhados pela cidade, como as imediações da
potenciais.
170
alimentação: uma situada na Avenida Comenda-
lecem os pequenos e médios nichos culinários
Praça Espanha, os bairros Cabral, Juvevê e Batel, o
Largo da Ordem e a Avenida Batel, com seus bares,
e os shoppings centers, que, além de suas praças
em faturamento como em imagem) dentro deste
de alimentação, agora também oferecem espaços
contexto de uma forte concorrência e das mudanças
diferenciados e a presença de “grifes” gastronômi-
do cenário macroeconômico sobre os hábitos de
cas locais, tais como Madero, Bistrô do Victor e La
consumo alimentares da população curitibana,
Pasta Gialla, entre outras.
sempre tão tradicionalista, crítica e exigente.
2.4 O Bairro Cabral: um Novo
Polo Gastronômico?
2.5 Perfil do Empreendedor
Abrigo do foco deste estudo de caso, o
bairro Cabral vem apresentando um expressivo
crescimento no número de estabelecimentos deste
setor, o que levou os proprietários a reposicionarem
estrategicamente seu negócio de acordo com
as novas características da concorrência e dos
consumidores que frequentam a região, que passou
a atrair não apenas os moradores locais, mas
também clientes de outras localidades da cidade
e inclusive dos municípios-satélite que compõem
a região da grande Curitiba, tais como Colombo,
Almirante Tamandaré e Araucária, entre outros.
Exemplo claro deste crescimento é a diversificação
de casas que se estabeleceram no bairro tais como
Subway e Au Au (sanduíches), Mercearia Bresser
e Atolinni (pizzarias), Madero (hamburgueria),
Wikimaki e Saikoo (comida japonesa), Yogufast e
Freddo (iogurteria e sorveteria) etc.
Para
entender
a
evolução
do
desen-
volvimento da Originale Cucina e Pizzeria, é
necessário compreender um pouco da trajetória
do seu empreendedor, Luiz Ricardo Iwersen.
Após concluir seu Bacharelado em Administração
de Empresas em 1998, Iwersen começa a atuar
como Gerente de Negócios Corporativos em
uma instituição bancária em Curitiba, atendendo
o mercado de pequenas e médias empresas.
Por meio desta experiência, fez contatos com
empresários de diversos segmentos, como varejo,
automobilístico e farmacêutico. Em função do
porte dessas organizações, o profissional começa
a entender a dinâmica de um negócio deste porte,
muitas vezes regional e até familiar, principalmente
devido ao contato com os proprietários, o que lhe
proporciona uma visão geral dos empreendimentos.
Em função desse conhecimento, sai do banco
e começa a atuar na empresa de transportes de
Além disso, a abertura de diversos esta-
valores de sua família, trabalhando na transferência
belecimentos voltados à alimentação em bairros
de uma nova tecnologia norte-americana para
contíguos ao Cabral também influem na atração de
confecção de coletes à prova constituídos por
clientes para esta região da cidade, anteriormente
uma malha de kevlar trançado. Assim, iniciou um
não tão associada à gastronomia curitibana. Como
intercâmbio de informações com empresas dos
exemplo, pode-se citar também os bairros do Alto
Estados Unidos que resultou em uma estadia de
da XV, Alto da Glória e Juvevê, com casas como
um ano estudando na Universidade da Califórnia,
Beto Batata, Cantina do Délio, Baggio, Abaré,
em San Diego, para consolidar seu conhecimento
Vindouro,
Fornão,
do idioma inglês e também da cultura de negócios
Jacobina, Capitu, Paraguassu, Menina Zen e Cana
americana. Nesse período, é feita uma proposta
Benta, entre outros O principal desafio, então, para
de um grupo para a aquisição da empresa de sua
um player já estabelecido e posicionado na região, é
família, que é aceita. Ao retornar ao Brasil, Iwersen
como continuar sendo competitivo e crescer (tanto
é contatado por um possível parceiro para analisar
Rev.
Mangiare
FA E ,
Felice,
C uritiba,
Yoguland,
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em conjunto a viabilidade da abertura de um
novo empreendimento, desta vez no segmento de
alimentação.
2.6 Originale Cucina e Pizzeria: um Pouco
de História
3
Metodologia de
Pesquisa
3.1 Caracterização da Pesquisa
Pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a
A Originale Cucina e Pizzeria, citada a
descrição das características de determinada população
partir deste momento como somente Originale,
ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações
foi inaugurada em 2002 como uma nova unidade
entre variáveis. Algumas pesquisas descritivas vão além
da
Luiz
da simples identificação da existência de relações entre
Ricardo Iwersen e Mário Niclevicz, a partir de
as variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa
Pizzaria
Di
Piu,
pelos
empresários
uma análise geográfica de regiões com potencial
de absorver serviços de alimentação. O grupo
Di Piu já possuía duas outras unidades nas ruas
relação. Nesse caso, tem-se uma pesquisa descritiva
que se aproxima da explicativa. Há, porém, pesquisas
que, embora definidas como descritivas com base em
seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar
Padre Anchieta e Princesa Isabel, e procurava há
uma nova visão do problema, o que as aproxima das
mais de um ano um local para abrir uma unidade
pesquisas exploratórias (GIL, 2002, p. 42).
na região do Cabral, já antecipando o possível
forte potencial de consumo para alimentação do
bairro. Porém, não havia disponibilidade de bons
imóveis comerciais para aluguel ou compra. Nesta
época, os poucos e principais estabelecimentos
do
segmento
estabelecidos
na
região
eram
McDonald’s, Pizza Hut e Di Frango. O ponto que
finalmente surgiu e foi escolhido, se trata de uma
casa na Avenida Munhoz da Rocha, 665, tendo
como fortes diferenciais iniciais de atuação o
Este
estudo
caracteriza-se
como
uma
pesquisa qualitativa, cuja estratégia é de estudo
de caso único de natureza descritivo-analítica
(YIN, 2005). A proposta é investigar as estratégias
de reposicionamento de uma empresa do setor
gastronômico do bairro Cabral de Curitiba, para
fazer frente ao crescente incremento no empreendedorismo do segmento, à expansão do setor e ao
acirramento da concorrência.
ambiente discreto e introspectivo, a capacidade
original para atender 70 pessoas sentadas em
3.2 População e Amostra
quatro salas e possuir estacionamento interno
para cerca de 10 veículos. Em 2006, ocorre uma
172
divisão amigável da sociedade, apenas em função
A população seria, de modo geral, a totalidade
de divergências conceituais sobre a estratégia de
de restaurantes e casas voltadas para o segmento de
atuação do negócio, sendo que a partir daí Mário
alimentação da cidade de Curitiba. Para uma maior
Niclevicz prossegue com o nome e com as demais
delimitação, poderia se dizer que seria o grupo de
unidades Di Piu (que também ainda se encontram
restaurantes franco-italianos e pizzarias da cidade.
em atividade) e Luiz Iwersen fica com a direção
A amostra escolhida foi o restaurante Originale, que
da unidade Cabral, que é então rebatizada com o
possui uma única unidade, no bairro do Cabral. A
nome de Originale Cucina e Pizzeria.
amostra foi escolhida de forma não probabilística
e por meio do critério de conveniência, por possuir
folders, embalagens de viagem e o site da empresa.
o perfil ideal para a análise e por fornecer de forma
ampla e irrestrita o acesso às informações relativas à
sua atuação, mesmo aquelas consideradas de cunho
mais sigiloso e estratégico.
Finalizando as formas de coleta de dados,
chegou-se às entrevistas, que são, de acordo com
Gil (2009, p. 63), a mais importante técnica no
sentido de obter informações acerca do que os sujeitos da investigação sabem, acreditam, esperam,
imaginam, planejam, agem ou intencionam. Sendo
3.3 Coleta e Tratamento de Dados
bem conduzida, a entrevista pode até desvendar
aspectos inconscientes determinantes do compor-
Os dados para a elaboração do estudo foram
coletados por meio de três métodos complementares: observação, documentação e entrevista.
A observação, segundo Gil (2009, p. 72), no
tamento humano. No presente estudo, optou-se
por realizar duas entrevistas em profundidade e
semiestruturadas com o proprietário da empresa,
Luiz Ricardo Iwersen, com tempo total de cerca de
quatro horas de duração.
contexto do presente estudo, pode ser classificada
como espontânea, informal e não planificada, ao
se combinar os teores exploratório e descritivo do
tema. Este formato se mostra de grande utilidade
ao promover a aproximação dos pesquisadores
4
Análise: Reposicionamento
da Originale Cucina e
Pizzeria
com o fenômeno pesquisado, permitindo que
eles obtenham uma compreensão mais precisa
do problema e de suas implicações. Procurou-se
aqui se atentar aos sujeitos (quem e quais são os
participantes e como se relacionam entre si), ao
4.1 Reposicionamento Estratégico
cenário (onde tudo se situa e suas características)
e ao comportamento social (papéis e condutas
desempenhados). Esta observação aconteceu na
forma de visitas à Originale e ao acompanhamento
de seu funcionamento durante um período de
aproximadamente uma semana.
O reposicionamento estratégico da Originale, iniciado com a separação da sociedade do
Grupo Di Piu, em 2006, e que se encontra em andamento até o presente momento, envolveu basicamente os seguintes grandes itens relacionados
Já a análise de documentação foi de grande
à atuação do estabelecimento: comunicação, es-
importância para aumentar o grau de conhecimento
trutura, atendimento, cardápio e precificação, além
sobre
de outros diferenciais menores, que serão devida e
a
empresa,
seus
métodos,
processos,
estrutura, atuação e características, além da forma
especificamente abordados a seguir.
como se deu o seu efetivo reposicionamento e
quais foram seus impactos. A documentação da
Originale também ajudou na complementação das
4.2 Comunicação
informações obtidas mediante as outras formas
de coleta de dados, auxiliando a corroborar fatos
A reformulação da comunicação da Originale
e a suscitar novas ideias e conceitos no processo
teve origem a partir da própria constituição no novo
analítico. Os tipos de documentos analisados foram
nome. A opção por Originale para suceder Di Piu
cardápios, cartas de vinhos, anúncios publicitários,
deve-se a uma questão anterior de disputa do nome
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C uritiba,
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Di Piu e que havia feito o grupo começar a assinar
ir aonde originalmente pretendiam. Apesar disso,
suas casas como “Di Piu. La Originale”, para evitar
um dos focos de comunicação da casa é tornar seu
confusões associativas. Com a cisão societária, a
nome cada vez mais forte e reconhecido na região,
unidade Cabral adotou apenas o nome “Originale”,
como se verá a seguir.
que acabaria posteriormente sendo adaptado e
expandido para “Originale Cucina e Pizzeria”.
Com relação a essa concorrência, o aspecto
de polo gastronômico privilegia sobremaneira
Para manter a sinergia e essência do trabalho
a Originale, ao atrair clientes que tenderiam
de construção de marca e identidade que a Di Piu
originalmente a se dirigir a outras regiões como
já havia realizado no Cabral durante os quatro
Batel e Santa Felicidade e, ao mesmo tempo, o
anos de atuação, optou-se por conservar as cores
posicionamento da casa é não conflitar com esta
verde e vermelho na constituição da nova marca e
nova concorrência, o que será comentado em mais
na comunicação da nova casa Originale, de forma
detalhes no item “Cardápio e Precificação”.
que o apelo aos clientes tradicionais da casa fosse
mantido, ao mesmo tempo que apontava uma
nova direção em sua atuação.
Com relação à comunicação interna, foi reelaborada toda a parte visual de cardápios e uma
nova carta de vinhos, além de parcerias com fornecedores e demais empresas para apoio à produção
de embalagens de pizza e jogos americanos descartáveis das mesas. Buscou-se uma comunicação
mais leve, sutil e refinada, já que o principal público é um que espera passar momentos agradáveis
enquanto saboreia um bom prato e degusta uma
A internet também se mostrou um importante aspecto de ajuda ao reposicionamento da
Originale, por constituir um site refinado, direto e
agradável e com inovações, como a possibilidade
de se realizar o pedido on-line.
Por fim, a respeito da comunicação, é muito
interessante salientar que o principal veículo de
comunicação da Originale é a recomendação pessoal, o popular “boca a boca”, fato que ocorre até
pela limitação física imposta por dispor de apenas
uma unidade.
excelente bebida, por exemplo, casais das classes
A-, B e C+.
4.3 Estrutura
Já para a comunicação externa, iniciou-se
com anúncios em revistas regionais e nacionais
A estrutura física da Originale era inicialmente
especializadas em gastronomia e entretenimento,
constituída de 70 lugares (sentados) para aten-
além de anúncios com chamadas em rádios locais e
dimento em mesas dispostas em quatro salas. O
da colocação de backlight e sinalização exterior no
aumento da demanda e da busca por se jantar
imóvel. Ultimamente, o foco neste tipo de comuni-
fora de casa no novo polo gastronômico do Cabral
cação não tem sido muito forte, até porque os no-
impulsionou o investimento para a construção
vos e fortes concorrentes que chegaram ao bairro,
de uma nova sala com mais 20 lugares, para
tais como Madero e Bresser, tendem a investir pesa-
aproveitar o ganho em escala, além do aumento
damente em mídia, atraindo tal demanda de clien-
do ticket médio por cliente7. O salão (conjunto das
tes que, por vezes, não conseguem absorver e que
salas) é considerado como o “cartão de visitas” da
acabam conhecendo a Originale, por não poderem
Originale, sendo que quem conhece os produtos na
7
174
Total do faturamento com refeições e bebidas, dividido pela quantidade de clientes, mensal. Representa o gasto unitário médio de cada cliente.
casa acaba posteriormente também pedindo pelo
necessitando de praticamente uma nova equipe
delivery. A decoração foi realizada com paredes
de atendimento e uma de cozinha.
de vidro e placas decorativas de bebidas, criando
um clima simultaneamente intimista, acolhedor e
nostálgico. Uma parede viva (paisagismo vertical)
4.5 Cardápio e Precificação
foi elaborada junto à nova área (inspirada na
arquitetura do restaurante paulistano Kaa), para
trazer um toque de natureza, rusticidade e beleza
A Originale realizou seu reposicionamento
ao novo espaço. Aquecedores a gás e iluminação
neste aspecto ao migrar da posição de ser uma
incidental ajudaram a complementar a expansão.
simples provedora de fast food (basicamente pizzaria
Ambientações especiais também são planejadas
com entregas em domicílio) para rumar a ser um
e elaboradas pela casa em datas especiais, como
restaurante e cantina de teor franco-italiano. A origem
balões vermelhos em forma de coração no Dia dos
da Di Piu, que iniciou suas atividades anteriormente
Namorados, por exemplo.
ao governo do Presidente Lula, enxergava na
competição de preço um forte elemento de seu
posicionamento, apesar de não ter ofertado um preço
4.4 Atendimento
de entrada no mercado, e sim, ter tentado se colocar
como uma empresa de qualidade ligeiramente
superior aos demais concorrentes, focado em
O atendimento da Originale é dividido em
vários pontos de vendas e ganhos de escala. Essa
basicamente quatro canais diferentes: balcão
foi a principal razão da separação da sociedade e o
(para pedidos no local), delivery (entrega em
motor do reposicionamento da Originale, buscando
domicílio), salão (conjunto das quatro salas) e site.
se posicionar mais como restaurante, e com um
Balcão e delivery não tiveram grandes alterações
subsequente valor maior de ticket médio por cliente.
estruturais e de funcionamento em relação ao
O boom dos cursos de chef de cozinha e o interesse
início das atividades do restaurante, e as inovações
pelo tema gastronomia também funcionaram para
relativas ao site já foram comentadas. No canal
dar propulsão à busca deste objetivo. Surge uma
salão, além das mudanças físicas já citadas, há
visão de busca pela perenidade no exigente mercado
também a qualidade técnica dos garçons, pois eles
curitibano, ao se pretender seguir o modelo de casas
são estimulados a realizar cursos e treinamentos
altamente tradicionais da cidade como Scavollo,
de capacitação e desenvolvimento, como vinhos,
Pamphylia e Spaghetto, por meio da oferta da
águas especiais e barman, por exemplo.
maior qualidade pelo menor preço possível (melhor
Outro ponto forte de diferenciação da
Originale em relação à concorrência é o seu foco
na constituição de equipes qualificadas e com
longevidade, sendo que o pagamento de salários
acima da média de mercado atrai e retém bons
custo-benefício). Outro benchmark importante a ser
citado é o Restaurante Ráscal, de São Paulo, que
busca proporcionar a aproximação entre a cozinha
e o cliente para uma maior integração e satisfação
gastronômica.
profissionais, bastando citar que, atualmente, o
O cardápio evoluiu para abranger pratos tais
funcionário mais recente foi admitido há dois anos.
como carnes, aves e peixes, além de massas mais
O reposicionamento da Originale fez que a equipe
elaboradas do que as simples pizzas, lasanhas e
da casa aumentasse em 30%, principalmente
nhoques anteriormente ofertados. Foi estabelecida
devido ao almoço à la carte que foi instituído,
uma nova metodologia de busca de padronização e
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C uritiba,
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175
excelência dos pratos ofertados, e foram elaboradas
casa, a partir da adoção e oferta de vinhos espe-
pesquisas de satisfação do consumidor para apoiar
ciais nacionais. A ideia surgiu a partir de uma visi-
na consolidação deste processo. Outro ponto
ta dos proprietários a vinícolas da Serra Gaúcha,
decisivo para a escolha dessa oferta de pratos mais
onde constataram a altíssima qualidade de certos
elaborados foi pautada no fato da casa utilizar
produtores, cujos vinhos de tipo exportação são
garçons em vez de atendentes, que possuem mais
praticamente desconhecidos em Curitiba. Isto au-
técnica ao servir, o que poderia ser explorado ao se
xilia na criação de cultura gastronômica no clien-
buscar ofertar mais opções ao cliente Originale e,
te e no ganho de imagem da empresa, pois seria
simultaneamente, obter um maior ticket médio por
mais fácil e lucrativo apostar em vinhos chilenos e
cliente. O posicionamento mais elaborado também
argentinos populares, mas a Originale optou por
exigiu sacrifícios, como a extinção de panfletagens
até sacrificar parte de sua receita em nome do seu
locais e também de promoções antigas de pontos
posicionamento desejado. O fato de a expansão
cumulativos (para troca por pizzas ou refrigerantes
de cardápio também apresentar carnes, aves e
gratuitos) e de indicações de porteiros de prédios da
massas diferenciadas também auxiliou nesta con-
região, sendo que as únicas promoções que ocorrem
solidação do vinho nacional de qualidade como
são mais refinadas, como a de segunda-feira, com
diferencial de pioneirismo no segmento na cidade.
vinho à luz de velas (focando casais) e de terça-feira,
com pedido especial de pizza (uma gigante ou duas
Outro diferencial desenvolvido foi a criação
grandes) dando direito a uma sobremesa gratuita,
do cardápio vegan (completamente vegetariano,
visando fortalecer o movimento nestes dias. O fator
sem a utilização de nenhuma substância animal, tais
preço foi outro que se beneficiou da vinda dos novos
como ovos e leite), tendência de mercado em busca
concorrentes à região, uma vez que o alto nível deles
de vida mais saudável e da redução do consumo de
valorizou a importância do produto da Originale, que
carne. Os cinco pratos desenvolvidos neste sistema
pode ser considerado relativamente mais barato do
atraíram uma clientela específica de pessoas volta-
que os dos concorrentes como Bresser, Abaré, Baggio
das para o consumo vegetariano, e chegou a con-
e até mesmo da Di Piu, apesar de não apresentar
templar uma menção em uma conceituada revista
uma qualidade inferior a eles em termos de opções,
de gastronomia como referência nesta área, sendo
ingredientes e sabor. A inserção de pratos à la
o único restaurante franco-italiano a apresentar tal
carte se mostrou uma decisão acertada, já que hoje
tipo de opção para seus clientes na cidade.
responde por 30% do faturamento total da empresa,
contra 70% da pizzaria, que ainda permanece sendo
o carro-chefe do empreendimento.
Prosseguindo na busca de diferenciais criativos, a Originale também desenvolveu uma oferta de
diversas cervejas especiais, tais como Paulaner, Erdinger e Murphy’s, entre outras (mais uma tendência
4.6 Demais Diferenciais
atual do mercado gourmet) para harmonizar com
seus pratos, e está iniciando também a comercializa-
Um dos pilares da estratégia de reposicionamento da Originale está, de certa forma, pautada no seu próprio nome: a busca em ser original
para impressionar o seu cliente. Além dos pontos
176
ção de águas minerais premium, tais como San Pellegrino, Acqua Panna e Perrier, outra nova tendência.
Café expresso e biscoitos artesanais também são
ofertados aos clientes após as refeições.
já citados nos outros itens, certos aspectos tam-
E, finalizando o desenvolvimento de dife-
bém merecem ser destacados. O primeiro deles
renciais originais, no momento, está se institucio-
é a completa reelaboração da carta de vinhos da
nalizando a disponibilização para seu público de
um de drinks especiais como Manhattan, Sex On
nefícios de sua refinada concorrência, sem incorrer
The Beach etc., no lugar de bebidas tradicionais,
no erro de querer disputar posição, o que poderia ar-
também focando no aumento do valor médio con-
ranhar sua imagem e performance. Ao absorver a de-
sumido na casa.
manda não trabalhada por seus vizinhos, a Originale
também começa a criar novos clientes, atualmente
Considerações Finais,
Limitações e Recomendações
de todas as partes da grande Curitiba. E também
cria clientes cativos, ao prestar atenção a detalhes,
por exemplo, e trabalhar para desenvolver diferenciais únicos e criativos. A busca por um aumento do
O presente sucesso da Originale e sua longevidade em um mercado onde o índice de mortalidade de novas empresas é tão alto são indicativos
do acerto na sua política de reposicionamento. As
divergências de visões que originaram a separação
societária que implicou na criação da Originale refletem a primeira constatação e recomendação oriunda
do presente estudo: em certo momento, houve uma
ticket médio por cliente (em função de suas limitações físicas) impulsionou a imagem da empresa, ao
também demandar mudanças significativas em processos e produtos, assim a percepção dos clientes
acompanhou a evolução do novo posicionamento,
fato que, também a título de recomendação, poderia
se buscar comprovar via pesquisas.
bifurcação de caminhos empresariais, em que um
Ao investir cada vez menos em mídias
lado optou pelo posicionamento original mais volta-
tradicionais, a Originale parece estar na contramão
do à atuação como fast food e pizzaria, orientada
de seu principal objetivo no momento, que é tornar
ao atendimento de massa via delivery, com vistas ao
seu nome cada vez mais forte e reconhecido na
ganho em escala (Di Piu) e o outro lado, por sua vez,
região. Para isto, o que poderia ser uma boa opção
optou por desenvolver um novo posicionamento
seria a abertura de uma nova casa ou a criação de
mais elaborado, rumando para uma atuação mais diversificada, como um restaurante com mais opções
de pratos e com vistas a um ganho incremental sobre o consumo de cada cliente (Originale).
um sistema de franquias, por exemplo. Porém, ao
optar por permanecer como a empresa que capta
os clientes excedentes do polo que se desenvolveu
ao seu redor, além de contar com as indicações de
A recomendação aqui seria para novos es-
seus habitués, aumentar sua clientela não é difícil,
tudos que pudessem apontar os benefícios e as
ao ofertar bom preço, combinado a qualidade. A
desvantagens de cada opção dentro do mercado
visão da empresa é que o mercado é dinâmico,
curitibano, por exemplo, o que poderia resultar em
devendo-se acompanhá-lo, especialmente se já se
interessantes análises. Outro ponto conclusivo do
sabe qual é a posição pretendida no mesmo e se
estudo foi que a Originale soube muito bem admi-
deseja consolidá-la.
nistrar a questão da mudança proporcionada pela
economia nos últimos governos, bem como a ocor-
Fechando estas conclusões, vê-se como prin-
rida localmente em seu reduto de atuação, fazendo
cipal limitação deste estudo de caso a sua dificulda-
a casa focar em novos clientes de crescente poder
de de validação externa deste estudo de caso, em
aquisitivo, mas que valorizam seu dinheiro e estão
função das especificidades da empresa, do contexto
sempre em busca da melhor relação custo-benefício,
e do momento histórico, apesar de que as constata-
ao mesmo tempo em que, às vezes, não se sentem
ções e ideias aqui aventadas e discutidas possam ser
tão à vontade em estabelecimentos considerados
de grande utilidade para estabelecimentos similares
mais sofisticados.
em Curitiba ou outros lugares que também desejem
Desta maneira, a Originale busca obter os beRev.
FA E ,
C uritiba,
reorientar seu posicionamento estratégico.
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
177
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014
•
Recebido em: 04/04/2013
•
Aprovado em: 15/06/2013
179
Valor do cliente – estudo do
mercado de operadoras de
telefonia
Customer value – market study of telephone operators
Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de telefonia
Customer value – market study of telephone operators
Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli1
Paulo de Paula Baptista2
Richard Schwarz3
Wesley Vieira da Silva4
Resumo
Qual o valor real de um cliente? Apesar de existirem divergências com relação à própria conceituação
da expressão “valor do cliente”, o conhecimento de quanto cada um deles efetivamente vale para uma
empresa pode ser uma poderosa ferramenta na definição das estratégias empresariais. A relevante
importância social e o acelerado crescimento do segmento de telefonia celular no Brasil nos últimos
anos o elegem como importante campo de estudos para este tema. Para isto, o que se procurou neste
estudo foi investigar se haveria uma correlação estatística entre o aumento da base total de assinantes
de duas das maiores operadoras do país, Vivo e TIM, e seus respectivos valores acionários e de mercado,
no período compreendido entre 2006 e 2010. Também se procurou criar índices preditivos a partir
das possíveis correlações, através de cálculos de regressão linear. As correlações foram verificadas,
porém de forma intensa e positiva para a Vivo, enquanto que de forma mais suave e negativa para a
TIM, o que leva à conclusão de que efetivamente existe relação entre as variáveis, mas outros fatores
estratégicos também contribuem de forma significativa para aumentar o valor de uma operadora, além
do crescimento de sua base de clientes.
Palavras-chave: Marketing. Valor. Cliente. Telefonia Celular.
Abstract
What is the real value of a customer? Although there are even divergences about the real concept of
“customer value”, the knowledge of how much each one is worth for a company may be a powerful
tool in the definition of organization strategies. The relevant social importance and the fast growth
of the cellular telephony segment in Brazil during the last years elect it as the perfect field study for
this theme. For this, what this study wanted was to investigate if there would be a statistic correlation
between the raise of the total customer basis of two of the country´s largest operators, Vivo and TIM,
and their respective actions and market values, during the period comprehended between 2006 and
2010. It was also the intent here to try to create predictive indices from these possible correlations,
through linear regression analysis techniques. The correlations were verified, but in an intense and
positive form for Vivo, while in a negative and softer way for TIM, which leads to the conclusion that,
although there are effective relations between the variables, other strategic factors also contribute in a
significant way to raise the value of a telephony company, besides the growth of its base of customers.
Keywords: Marketing. Value. Customer. Mobile Telephony.
1
2
3
4
Doutora em Administração pela UFPR. Professora adjunta do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected].
Doutor em Administração pela USP. Professor adjunto do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected].
Mestre em Administração pela PUCPR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação,
Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected].
Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor titular do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected].
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FAE,
Cu r it iba,
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181
Introdução
Clancy e Shulman (1994) iniciam seu livro
para cada grupo de 100 habitantes), superando
Mitos do marketing que estão matando seus ne-
até mesmo os Estados Unidos (com 102 celulares
gócios com um divertido cartum em que um men-
para cada 100 habitantes), de acordo com os
digo, em um banco de praça, diz a outro que “ia
dados
muito bem – um bom escritório, carro da empre-
Intelligence (divulgados pelo portal especializado
sa, sala de refeições executiva – quando eles atre-
em telecomunicações IDG Now!), demonstrando
laram meu salário ao retorno que eu conseguiria
que o país é efetivamente um dos maiores (e mais
para o orçamento de marketing”. Os autores con-
desejados) mercados mundiais do setor.
cluem sua obra afirmando que mais da metade
dos gerentes indagados por pesquisas recentes
não acreditam que a maioria dos programas de
marketing produza retorno sobre investimentos.
Os motivos seriam a errada opção por mitos, palpites e esperanças, porque o marketing é muito
consultoria
internacional
Wireless
Tais fatos demonstram que esta ferrenha
competição apenas tenderá a se acirrar, pois as
operadoras agora terão que tirar clientes de suas
concorrentes, já que o mercado está se tornando
cada vez mais escasso e disputado.
mais ciência do que arte, existindo atualmente
Diferentemente de outras conceituações
cada vez mais dados e instrumentos que possibili-
que definem o valor do cliente como a soma
tam aumentar drasticamente a taxa de sucesso de
do que ele pode gastar com uma empresa, esta
uma empresa. E um dos mistérios relativos a este
análise procura relacionar diretamente, e de
sucesso seria: quanto realmente vale um cliente?
forma estatística, o quanto a entrada de um novo
Esta deve ser uma das perguntas mais importantes
cliente afeta o valor de mercado percebido desta
do marketing e, simultaneamente, também uma
empresa, bem como quais seriam as tendências
das mais difíceis de responder, pois este conhe-
estatísticas de crescimento ou redução das bases
cimento pode representar toda a diferença entre
de clientes e valores de mercado das principais
perdurar ou perecer para uma empresa. Mesmo
operadoras do país para os próximos períodos.
assim, as organizações operam com diferentes in-
Em busca destas respostas, foram analisadas as
dicadores, avaliações e índices, muitas vezes até
evoluções das bases de clientes e dos resultados
sem qualquer cientificidade ou critério racional,
na Bolsa de Valores e de valor de mercado das
tentando sempre estimar o potencial valor de um
operadoras Vivo e TIM, no período compreendido
cliente para sua operação, para poder estabelecer
entre 2006 e 2010.
suas estratégias.
182
da
Em termos teóricos, a mensuração é um dos
O mercado brasileiro de telefonia celular
grandes aliados dos administradores na moderna
constitui um excelente campo de estudos para
tomada de decisão. Farris et al. (2007) enfatizam
este tema. A forte competitividade, que se
que, provavelmente, nenhuma métrica é perfeita,
traduz na busca dos clientes, tem se acentuado
recomendando que os profissionais de marketing
cada vez mais a partir da formação de grandes
utilizem “painéis” de métricas combinadas, poden-
grupos de telecomunicações móveis, com bases
do visualizar de forma mais ampla as dinâmicas de
consolidadas de milhões de clientes. Além disso,
mercado e utilizando uma medição para verificar as
recentemente, o Brasil rompeu a barreira de 100%
outras, minimizando os possíveis erros cometidos e
de penetração de telefonia celular (mais de um
maximizando a precisão de seu conhecimento. Por-
aparelho celular por habitante, com 107 telefones
tanto, quanto mais apurada for a métrica com que
uma empresa consiga avaliar a representatividade
real de um cliente frente ao seu empreendimento,
mais confortável, segura e embasada tenderá a ser
a tomada de decisão de seus administradores.
Um dos maiores problemas em uma sociedade moderna
resulta do fato de que muitos dos conceitos que medem
o estado de assuntos importantes ou são conceitos inventados e longe da intuição ou são tratados por ferramentas
estatísticas complexas e igualmente discrepantes da intuição e do senso comum. (CASTRO, 2006, p. 118)
O aumento da base de
clientes é essencial para
o desenvolvimento das
operadoras por permitir o
aumento de suas receitas
totais e ganhos de escala
na manutenção de
Em termos práticos, o aumento da base de
suas bases.
clientes é essencial para o desenvolvimento das
operadoras por permitir o aumento de suas receitas
totais e ganhos de escala na manutenção de suas
bases (ao dividir os custos de atendimento, por
exemplo). Também por reforçar o apelo publicitário
e de comunicação, pois atua na percepção de
qualidade dos seus prospects e pode influenciá-
2004, sendo que, em 2009, 78,5% dos domicílios
los, ao divulgar quantas pessoas estão optando
possuíam aparelho celular, contra apenas 43,1%
pelos seus serviços, por exemplo. Acrescida a
com telefone fixo. Além disso, não podemos es-
estas possibilidades, a criação de um indicador
quecer o enorme benefício que o telefone celular
que relacionasse o quanto a entrada de um novo
pode representar às camadas menos favorecidas
cliente reflete diretamente no valor de mercado
da população, pois, em 2009, entre os domicílios
da empresa se mostra interessante por simplificar
com renda inferior a dez salários mínimos, 76,6%
e facilitar as análises gerenciais sobre o retorno de
possuíam telefone celular e somente 38,3%, te-
seus investimentos.
lefones fixos. Este fator se deve provavelmente
Constata-se também que a telefonia celular é extremamente importante para o Brasil por
ser a principal responsável pelo desenvolvimento
das telecomunicações na última década, principalmente em função da forte concorrência que
se estabeleceu no segmento. Em quinze anos de
à atratividade do sistema pré-pago da telefonia
celular para as famílias de menor renda, além dos
incomensuráveis benefícios agregados ao serviço como mobilidade, serviços de dados, internet
móvel e recursos dos aparelhos (fotografias, vídeo, música, music players etc.).
presença no Brasil, a partir do início da década de
Analisando o quadro competitivo das ope-
1990, o número de telefones celulares ultrapas-
radoras celulares no Brasil, fica ainda mais evidente
sou o de telefones fixos, representando uma das
a importância de se conhecer o valor de seu clien-
mais altas taxas de crescimento no mundo. Se-
te, em função da distribuição do marketshare no
gundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domi-
final de 2010, pois 99,7% (202.230.517 usuários)
cílios (IBGE – PNAD, 2009), divulgada no site es-
do mercado atual estavam em poder de apenas
pecializado Teleco, 31% dos domicílios brasileiros
quatro operadoras, e com uma distribuição relati-
possuíam telefone celular e 51% tinham telefone
vamente equilibrada: Vivo (29,7%), Claro (25,4%),
fixo em 2001. Este quadro se inverteu a partir de
TIM (25,2%) e Oi (19,4%), de acordo com os dados
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183
oficiais do site da Agência Nacional de Telecomu-
destas colocações, feitas por uma das maiores
nicações (Anatel). E com a penetração superando
referências mundiais no assunto, verifica-se que é
100%, todas disputam praticamente os mesmos
muito importante para a organização de sucesso
clientes (variando apenas em função de sua atu-
estabelecer parâmetros válidos para avaliar o valor
ação geográfica). Desta forma, em um cenário
de seu cliente.
que tende a se tornar cada vez mais competitivo
e difícil, quanto mais informações sobre o valor do
cliente se tiver em mãos, mais facilmente os gesto-
2
Valor do Cliente
res poderão tomar suas decisões estratégicas.
1
Organizações e Resultados
Rust, Zeithaml e Lemon (2001, p. 16) definem
valor do cliente de uma empresa como o total dos
valores de consumo do cliente ao longo de seu ciclo
de consumo, naquela empresa. Os autores pontuam
Segundo Kotler (2009), o marketing reali-
que este valor, embora não represente o valor
zado com qualidade demanda pesquisa cuidadosa
total da empresa (que também compreende seus
sobre a oportunidade no mercado e a preparação
de estimativas financeiras baseadas na estratégia
proposta que indiquem se os retornos atenderiam
os objetivos financeiros da empresa. O autor
aponta que os mercados se caracterizariam por
abundância de fornecedores e marcas, existindo
uma escassez de clientes, e não de produtos, e
afirma que, devido ao esforço de aquisição de
novos clientes, as empresas precisam analisar se
o Custo de Aquisição do Cliente (CAC), ou seja, o
investimento realizado para a conversão daquele
cliente será coberto pelos “Lucros no Ciclo de
Vida do Cliente” (LCVC), ou seja, o lucro total que
aquele mesmo cliente proporcionará à companhia.
Outro dado importante citado por Kotler, a partir
184
ativos físicos, suas competências e propriedade
intelectual), é o componente mais importante
do seu valor total. Isto ocorre porque os clientes
existentes são simplesmente a fonte mais certa e
confiável de receitas futuras e a administração de
seus valores é vital para a tomada de decisões,
podendo
resultar
em
significativa
vantagem
competitiva em seu segmento. Esta é uma era em
que profundas mudanças estão acontecendo, de
forma cada vez mais rápida e irreversível e com o
acelerado desenvolvimento tecnológico, produtos
vêm e vão, mas os clientes permanecem. Por
isso, a gerência está historicamente mudando seu
foco do valor de marca para o valor do cliente
de uma pesquisa do Technical Assistance Research
(RUST et al., 2001). Isto é importante também
Program (TARP), é que o custo incorrido para
para compreender o momento de crescimento
atrair um novo cliente é cinco vezes maior que o
econômico do Brasil, pois as classes econômicas
custo para manter um cliente fidelizado, e destaca
de menor poder aquisitivo estão tendo acesso a
que é necessário para as empresas estimar o custo
bens que, anteriormente, encontravam-se fora de
da perda dos clientes (KOTLER, 2009). O autor
seu alcance de consumo. E as empresas brasileiras
acredita que uma empresa não vale mais do que
terão que entender e se adaptar rapidamente a
o valor vitalício de seus clientes, e que o ideal do
esta nova realidade, especialmente aquelas de um
marketing é conhecer tão bem seu cliente-alvo
mercado tão dinâmico e competitivo quanto o
que as barreiras para sua conversão deixassem
das telecomunicações móveis, em que cada novo
de existir, a ponto de até se poder dispensar o
cliente é altamente valioso e, justamente por isso,
seu esforço de vendas (KOTLER, 2003). A partir
extremamente disputado.
QUADRO 1 – Tendências a longo prazo
FONTE: Rust et al. (2001)
Rust et al. (2001) estabelecem que, neste
momento de transição destas tendências, o valor
do cliente é dinâmico e para competir no futuro, as
3
Valor do Cliente versus
Valor para o Cliente
empresas precisam cada vez mais focar em seus
clientes, devendo, em conjunto, observar se seus
Day (2011) afirma que, de cadeias de valor
principais concorrentes também buscam fazer o
(fluxo de processos unilateral passando das
mesmo. Este mesmo raciocínio de que o foco das
empresas para os clientes), atualmente se passa
empresas deve passar do interno para o externo
a ciclos de valor (processo bilateral de reforço
é colocado por Day (2011), pois, em uma era tão
contínuo, com as empresas interagindo com os
turbulenta e competitiva, somente as organizações
clientes, definindo, desenvolvendo e entregando
com qualificações superiores para compreender,
valor e recebendo seus feedbacks, em uma
atrair e reter clientes poderão criar estratégias
construção contínua). Colocações como esta
para oferecer mais valor aos seus consumidores
e, desta maneira, alinhar-se com as mutáveis
exigências do mercado. O autor também assinala
que estas empresas são as capazes de identificar
e alimentar seus clientes valiosos e que não têm
ajudam a compreender a relação entre o valor do
cliente (o que ele representa para a empresa) e
o valor percebido pelo cliente (o que a empresa
representa para o cliente), conceitos distintos,
porém profundamente interligados e dependentes.
A empresa somente perdura se os clientes
medo de desencorajar os clientes que drenam
acreditarem na proposta de valor da mesma e
seus lucros, por sua inconstância e por ser caro
consumirem seus produtos e serviços em vez dos
demais atendê-los. Estas tendências vêm cada vez
da concorrência e eles (os clientes), por sua vez,
mais se confirmando, com o aumento do número
acabam se constituindo no principal valor (ativo)
de promoções diferenciadas pelas operadoras,
para a organização.
especialmente voltadas aos clientes de maior
Gale (1996) define valor do cliente como a
consumo de telefonia e serviços móveis agregados
qualidade percebida pelo mercado ajustada pelo
(os chamados heavy users), inclusive chegando a
preço relativo de seu produto, conceituação que
realizar ofertas de aparelhos celulares gratuitos,
se aproxima daquela do valor percebido pelo
desde que condicionados à permanência do cliente
cliente, de Day (2011). Esta distinção (e possível
na base da operadora por um determinado período.
confusão) também foi abordada por Leão e Mello
Rev.
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185
(2008), que enunciam três conceitos de valor
associados a clientes: o primeiro é relacionado
ao custo e benefício, ou seja, a diferença entre
os valores que o cliente obtém (benefícios
funcionais e subjetivos) comprando e usando
um produto e os custos (dinheiro, esforço, custo
físico ou psíquico) de que ele dispõe para obter
este produto. O segundo, relativo às métricas de
O marketing é
uma arte sutil, que
demanda sensibilidade
para avaliar sua
efetividade.
marketing, refere-se ao valor que um indivíduo
tem para uma organização, durante toda a sua
vida útil enquanto cliente. E o terceiro, baseado
na psicologia social, aborda o aspecto do valor
relativo à existência humana em suas relações
186
sociais, assumindo que as pessoas alcançam seus
O marketing é uma arte sutil, que demanda
valores pessoais por meio de ações específicas,
sensibilidade para avaliar sua efetividade. Clancy
dentre elas, o consumo. Os problemas relativos
e Shulman (1994) afirmam que não se dispõe de
à definição destes conceitos começam pela
instrumentos para se medir o marketing, como
própria terminologia adotada, na tradução dos
os que possuímos para medir a velocidade de
originais para a língua portuguesa. Em inglês,
um furacão ou a intensidade de um terremoto.
enquanto o segundo conceito é chamado de
Farris et al. (2007) dizem que o marketing, apesar
customer equity ou lifetime customer value, o
de sua importância, é uma das funções menos
primeiro e o terceiro são ambos chamados de
compreendidas e mensuráveis das empresas,
customer value. Se o primeiro conceito aparece
chegando a representar, somado aos custos da
agora como valor para o cliente (até mesmo nos
área de vendas, 10% ou mais dos orçamentos
manuais de marketing), é a vez de os outros dois
operacionais, em uma imensa quantidade de
serem apresentados com um mesmo nome: valor
organizações. Por isso, eles sugerem a utilização
do cliente. A terminologia de “valor do cliente”,
de diferentes formas de mensuração em conjunto,
relativa ao segundo conceito, surgiu na tradução
para aumentar a precisão e o conhecimento a
do livro de Rust, Zeitham e Lemon (2001). Por sua
respeito de seus mercados. Farris (2007, p. 164),
vez, a terminologia de “valor do cliente”, relativa
inclusive, define Valor de Duração do Cliente (VDC)
ao terceiro conceito, foi sugerida por Leão e Mello
como o “valor atual de fluxos de caixa futuros
(2008, p. 39), sob o argumento de “que se se
atribuídos ao relacionamento com o cliente”,
discutem os valores relativos aos próprios clientes,
alinhado com o conceito já anteriormente citado
então estes só podem ser do cliente”. Resumindo
de Kotler (2009), de Lucros no Ciclo de Vida do
e esclarecendo, temos as seguintes definições: (1)
Cliente (LCVC). Um dos principais usos do valor de
“Valor para o cliente” – valor(es) da empresa para
duração do cliente seria subsidiar decisões sobre
o cliente; (2) “Valor do cliente” – valor do cliente
a prospecção, segundo os autores, pois somente
para a empresa e (3) “Valor do cliente” – valores
com uma completa compreensão de como se
pessoais e íntimos do cliente. Cada definição
dará seu relacionamento financeiro com o cliente
tem sua área, momento e contexto próprios de
recém-adquirido é que a empresa poderá tomar
aplicação. O item abordado no presente estudo,
uma decisão embasada, econômica e realista
neste caso, refere-se então ao segundo conceito
quanto aos custos totais que serão necessários
apresentado por estes autores.
para promover sua aquisição.
4
Metodologia de Pesquisa
CRT) e a TIM (controlada pela italiana Telecom Itália
Móbile e composta pelas subsidiárias TIM Sul, TIM
Maxitel e TIM Nordeste). A população considerada
seria o conjunto de todas as operadoras celulares
4.1 Caracterização da Pesquisa
do Brasil até 2010, que são, além destas, a Claro
(controlada pelo grupo mexicano América Móvil
e composta pelas subsidiárias Americel, ATL, BCP
Apesar de este artigo demonstrar possíveis
pontos de relação com a pesquisa descritiva e
explicativa, trata-se de, fundamentalmente, de um
estudo exploratório (de acordo com seu objetivo)
e documental/não experimental (de acordo com a
Nordeste, Claro Digital e Tess), a Oi (controlada
pela portuguesa Portugal Telecom com outros
sócios e que agora engloba as antigas Telemar,
Brasil Telecom e Amazônia Celular) e as menores
CTBC, Sercomtel e Unicel (Aeiou).
sua coleta de dados), de teor quantitativo (na busca
Estas duas empresas (Vivo e TIM) foram
de representatividade estatística) e longitudinal
escolhidas por seu tamanho e relevância no país e
(de acordo com a classificação temporal). Também
no segmento, pois somadas representam mais de
apresentou uma pequena fase bibliográfica (apenas
55% do mercado, em termos de número atual de
para a sua contextualização e para a elaboração de
clientes. E a tendência de crescimento de todos estes
seu referencial teórico).
grandes players ainda deverá impactar e intensificar
As unidades de análise serão as operadoras
de telefonia celular do mercado brasileiro. Como
o seu valor de mercado também pode ser
influenciado por outras variáveis que não somente
o aumento de clientes, o foco do presente estudo
será apenas verificar se existe correlação estatística
especificamente
entre
a
variação/crescimento
destas duas variáveis. O método científico utilizado
para esta investigação será o hipotético-dedutivo,
definido por Lakatos e Marconi (2001, p. 106)
como aquele “que se inicia pela percepção de uma
lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula
hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva,
testa a predição da ocorrência de fenômenos
abrangidos pela hipótese”.
a absorção de operadoras menores pelas maiores.
Optou-se apenas por excluir as duas outras maiores
operadoras (Claro e Oi) do estudo por limitações
que serão descritas a seguir, e as operadoras
menores também não foram consideradas para a
análise, pois apresentam maiores flutuações em
suas bases, além de operarem em reduzidas áreas
geográficas e possuírem menor capacidade de
investimentos e impacto sobre o mercado como um
todo, o que muda (e muito) seu perfil de atuação.
Como a tendência das menores é que sejam
gradualmente absorvidas pelos grandes grupos em
função de sinergias e ganhos de escala, o que já foi
citado anteriormente, optou-se por focar o estudo
apenas nos grupos.
Como foi calculadamente selecionada, de
acordo com critérios previamente estabelecidos para
4.2 População e Amostra
a busca da otimização dos resultados esperados,
a classificação da amostra é não probabilística
e intencional (ou de seleção racional), que é
A amostra selecionada é composta por duas
definida, de acordo com Richardson (1999, p. 161),
das principais operadoras atuantes no Brasil: a Vivo
como aquela em que “os elementos que formam a
(controlada pela espanhola Telefónica e composta
amostra relacionam-se intencionalmente de acordo
pelas subsidiárias Telesp, Tele Sudeste, Tele Leste e
com certas características estabelecidas no plano
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v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
187
e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador”. A
sequência de operações que sugerem Lakatos e
hipótese, no caso, é a de que o aumento da base
Marconi (2001, p. 166): “seleção, codificação e ta-
de clientes de um grupo de telefonia aumentaria
bulação”, para a posterior análise e interpretação,
proporcionalmente o valor de sua ação.
cuja eficácia, segundo as autoras, é que “determinará o valor da pesquisa” (LAKATOS, MARCONI,
2001, p. 169). Utilizou-se de Coeficientes de Cor-
4.3 Coleta e Tratamento de Dados
relação, como o de Pearson (paramétrico) ou de
Spearman (não paramétrico), que, de acordo com
Vieira (2003), são medidas do grau de associação
A coleta de dados das bases históricas das
ou dependência entre duas variáveis.
operadoras foi efetuada via a fonte oficial governamental de informações sobre telecomunicações,
o site da Agência Nacional de Telecomunicações
4.4 Definição das Variáveis
(Anatel). A coleta de dados dos valores históricos
mensais das operadoras se deu via informações do
site oficial ligado ao mercado de ações da Bolsa de
Com base no referencial teórico buscou-
Valores de São Paulo, a Bovespa, extraídos por meio
se responder o seguinte questionamento: existe
da utilização da ferramenta eletrônica Economáti-
uma relação direta entre o crescimento da base
ca. Ambos os dados são considerados secundários,
de clientes de uma operadora de telefonia mó-
devido a sua prévia disponibilização nestas fontes.
vel e seu valor de mercado? A hipótese H0 (nula)
O seu tratamento estatístico e analítico foi então
era de que não existe uma correlação estatística
procedido com o auxílio da ferramenta de software
entre o crescimento da base de clientes de uma
SPSS 17.0, onde se determinou a melhor forma de
operadora de telefonia móvel e seus correspon-
se avaliar os dados. Também se utilizou as planilhas
dentes valores de mercado e acionário. A hipóte-
Excel, do Microsoft Office para auxiliar nos cálculos
se H1 era de que existe uma correlação estatística
e análises da hipótese proposta para este artigo. Fo-
entre o crescimento da base de clientes de uma
ram levantados os dados das variáveis relativos ao
operadora de telefonia móvel e seus correspon-
período de 5 anos compreendido entre os anos de
dentes valores de mercado e acionário. Caso H1
2006 e 2010, pois foi a partir de quando os mesmos
fosse comprovada, a intenção complementar do
começaram a ser compilados e divulgados oficial-
estudo seria a elaboração de índices de valores
mente pelo Governo Federal, e com a quantidade de
de clientes e de possíveis modelos preditivos de
dados acumulados em 60 meses de evolução já se
crescimento para as operadoras.
possuía volume e relevância para suportar aceitáveis
verificações estatísticas.
autor), “construtos são as abstrações que os cientistas
Em seguida, foram procedidas análises com
sociais consideram nas suas teorias. Para medir um
base na estatística descritiva, com a realização de
construto, precisamos primeiramente identificar uma
cálculos de correlação e regressão linear simples. A
variável que represente, de maneira mais concreta,
modalidade de análise foi a definida por Gil (2008,
abstração”. Partindo desta definição, os principais
p. 163) como bivariada, pois é o caso daquelas
elementos considerados no escopo deste projeto (e
pesquisas que, “mesmo sem definir relações de
que melhor representam estas abstrações) são:
dependência procuram verificar em que medida as
variáveis estão relacionadas entre si”. Após a coleta, os dados foram devidamente trabalhados, na
188
De acordo com Selltiz (1987, p. 1, grifo do
—
Construto: o valor do cliente das operadoras de telefonia celular.
—
—
Variável independente: o número de
segundo definição do site da Bovespa
clientes da base das operadoras.
(2011), seção de Perguntas Frequentes, 2 – Mercado de Ações, é “um título
Variáveis dependentes: o valor das
nominativo negociável que representa,
ações das operadoras na bolsa de
para quem a possui, uma fração do ca-
valores e o valor total de mercado da
pital social de uma empresa, significan-
operadora, segundo o Economática.
—
do que este indivíduo é um dos sócios”.
Variável interveniente: a influência do
—
tamanho da base de clientes no valor
Definição operacional: o valor das ações
utilizado para a consecução deste estu-
acionário (e no valor de mercado) da
do foram números (dados secundários)
operadora.
extraídos da Bovespa, sendo escolhidas
para análise as ações do tipo PN, deno-
4.4.1
minadas “Preferencial Nominal” e que
Base de clientes
priorizam o foco de seu proprietário no
retorno sobre o seu investimento.
—
Definição constitutiva: a base de clientes
é a soma do número total de assinantes
de uma operadora de telefonia móvel,
4.4.3 Valor de mercado
tanto de clientes de planos pós-pagos
como de pré-pagos. No caso de um
—
indivíduo possuir dois aparelhos celulares
cado de cada operadora é o valor total
ou chips de duas empresas, ele será
em reais estipulado para cada empre-
contado como dois clientes diferentes,
sa, em função de todos seus ativos,
um de cada operadora, pois cada cliente
operações e patrimônios.
equivale a uma linha de telefone móvel.
—
Definição constitutiva: o valor de mer-
—
Definição operacional: a base de clien-
Definição operacional: o valor de mercado das operadoras estudadas é a conso-
tes de cada operadora celular foi me-
lidação de seu total patrimonial, calcula-
dida através do número total de assi-
do e compilado pela área de Indicadores
nantes (dados secundários) extraídos
de Mercado do software Economática.
da fonte oficial do governo de informa-
Foi agregado à análise do valor da ação
ções sobre o setor, a Anatel.
de cada empresa no sentido de buscar
enriquecer as análises deste estudo.
4.4.2
Valor de ação
5
—
Definição constitutiva: o valor da ação é
Apresentação e Análise
de Dados
o valor de transação estipulado para as
cotas das operadoras estudadas e lançadas nas bolsas de valores, de acordo
com a regulamentação, leis e diretrizes
do mercado financeiro nacional. Ação,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A análise se inicia com os dados da
operadora Vivo. Após a obtenção da sequência
de 60 meses (5 anos) da evolução da base de
v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
189
clientes da operadora a partir do site da Anatel, extraiu-se também da base do Economática as suas ações de
classificação PN 4, com fechamento mensal na Bolsa de Valores de São Paulo. Também se procedeu a análise
de um dos Indicadores de Mercado do software Economática denominado “Valor de mercado” consolidado,
que será tratado neste artigo como “preço”, nas tabelas em que vier a constar. Ambos são medidos em
moeda nacional brasileira Real (R$), enquanto que a base de clientes é contabilizada pelo número total de
assinantes. De janeiro de 2006 a dezembro de 2010, o valor da ação PN4 da Vivo subiu de R$ 35,87 para R$
48,45, e o número de clientes subiu de 30.005.229 para 60.292.511, dobrando de tamanho e consolidando sua
posição como líder de mercado no Brasil. Isto resultou no seu valor de mercado total (“preço”) praticamente
quadruplicado (!) de R$ 6,98 bilhões para R$ 28,72 bilhões no mesmo período, segundo dados do Economática.
Analisou-se, então, a normalidade de ambas as curvas de dados para a determinação de utilização de testes
paramétricos ou não paramétricos, por meio do software estatístico SPSS Statistics 17.0.
TABELA 1 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora Vivo
Kolmogorov-Smirnova
Estatística
Clientes
DF
Shapiro-Wilk
Sig.
Estatística
DF
Sig.
,177
60
,000
,884
60
,000
Ação
,079
60
,200*
,979
60
,404
Preço
,181
60
,000
,921
60
,001
a. Correção de Significância Lilliefors
* Este é um limite inferior da significância real.
FONTE: Os autores (2011)
Analisando os resultados da TAB. 1, percebe-se que somente a sequência de dados relacionada
ao valor de “ações” teria uma distribuição normal, com nível de significância acima de 0,05 (0,2 e 0,404,
respectivamente), sendo as demais distribuições não normais. Dessa forma, optou-se por uma posterior
avaliação de teor não paramétrico, utilizando-se para isto o Coeficiente de Correlação de Spearman, conforme
se pode verificar na TAB. 2.
TABELA 2 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora Vivo
Clientes
Coeficiente de Correlação
Clientes
Sig. (bicaudal)
N
Coeficiente de Correlação
rho de
Spearman
Ação
Sig. (bicaudal)
N
Coeficiente de Correlação
Preço
Sig. (bicaudal)
N
** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal).
FONTE: Os autores (2011)
190
Ação
Preço
1,000
,745**
,629**
.
,000
,000
60
60
60
,745**
1,000
,890**
,000
.
,000
60
60
60
,629**
,890**
1,000
,000
,000
.
60
60
60
Estudando-se os resultados obtidos após o
de apresentar menor intensidade, com índice de
teste de Correlação de Spearman e expostos na
0,629, significando 62,9% de influência do aumento
TAB. 2, rejeita-se a hipótese nula de não correlação
do número de clientes sobre o crescimento do
e se percebe que existe correlação entre os dados
valor de mercado indicado da empresa.
devido ao valor calculado para os Sig. (todos
A partir destes resultados, e comprovada,
zero) para um nível de significância de 0,01. Desta
como se desejava, a correlação entre as variáveis,
forma, verifica-se que o nível de correlação entre
buscou-se então, por meio de um modelo de
o número de clientes e o valor da ação da Vivo é
regressão linear, estabelecer uma fórmula preditiva
positivo e intenso, com o valor de 0,745, ou seja,
integrada para a evolução da base de assinantes
74,5% de influência do crescimento do número de
e o crescimento do valor da ação da operadora
clientes sobre o aumento do valor final da ação.
Vivo. Procedendo-se a esta construção também
Também é positiva a correlação entre a base de
no software estatístico SPSS, chegou-se aos
assinantes e o valor patrimonial da empresa, apesar
resultados elencados na TAB. 3.
TABELA 3 – Resultado de Testes de Regressão Linear para Operadora Vivo
Coeficientes Não Padronizados
Modelo
B
Erro Padrão
11,471
2,888
5,377E-7
,000
(Constante)
1
Clientes
Coeficientes Padronizados
Beta
,717
T
Sig.
3,972
,000
7,823
,000
a. Variável Dependente: ação.
FONTE: Os autores (2011)
Utilizando os dados aqui obtidos, a fórmula preditiva integrada entre valor de ação e número de clientes
para a operadora Vivo se constitui, então, na seguinte:
Valor da Ação Vivo = 11,471 + 5,377E-7 x (Número de Clientes Vivo)
Aplicando a fórmula, é possível gerar interessantes visualizações: por exemplo, para chegar ao valor de
R$ 50,00 cada ação, a Vivo deveria amealhar 71.655.198 clientes, aproximadamente 19% a mais do que possuía
em dezembro de 2010. Também se calcularia que, ao atingir a marca de 100 milhões de clientes, sua ação
deveria estar cotada a R$ 65,24, sendo que, em dezembro de 2010, cada ação sua valia R$ 48,45, segundo a
Bovespa.
A fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) seria:
Valor do Preço Vivo = 3,229E9 + 326,254 x (Número de Clientes Vivo)
Usando a fórmula, verifica-se que, para chegar ao valor patrimonial total de R$ 30 bilhões, a Vivo
deveria atingir o total de 82.055.699 clientes. Também se calcula que, ao atingir a marca de 100 milhões de
clientes, seu valor patrimonial estimado seria aproximadamente de R$ 35.854.400.000.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
191
Com relação à operadora TIM, um fato de início já chama a atenção: diferentemente da Vivo, o valor da sua
ação PN TCSL 4 caiu no período investigado, apesar de sua base de clientes ter aumentado consideravelmente.
Em resumo, as ações desceram de R$ 7,00 a R$ 5,35, ao passo que o número total de clientes mais que dobrou,
passando de 20.512.073 a 51.027.625, representando 25,14% do total de usuários de celulares do país no final de
2010. Isso gera uma disputa, palmo a palmo, da vice-liderança nacional com a Claro, que possui, por sua vez,
51.637.685 clientes, 25,44% do total do Brasil, no mesmo período. Porém, segundo o indicador de mercado do
Economática, o seu valor de mercado total (“preço”) praticamente dobrou no intervalo estudado, de R$ 7,2
bilhões para R$ 14,7 bilhões. Procedendo-se, a seguir, com a análise da normalidade das curvas de dados para
a operadora TIM, tem-se como resultado os números que são apresentados na TAB. 4.
TABELA 4 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora TIM
Kolmogorov-Smirnova
Estatística
Shapiro-Wilk
DF
Sig.
Estatística
DF
Sig.
Clientes
,078
60
,200*
,970
60
,141
Ação
,074
60
,200*
,973
60
,215
Preço
,109
60
,073
,967
60
,103
a. Correção de Significância Lilliefors.
* Este é um limite inferior da significância real.
FONTE: Os autores (2011)
Observando os resultados da TAB. 4, percebe-se que todas as sequências de dados apresentam
distribuições normais, com níveis de significância acima de 0,05 (0,2; 0,2; 0,073; 0,141; 0,215 e 0,103). Optou-se,
então, por uma posterior avaliação de teor paramétrico, utilizando-se o Coeficiente de Correlação de Pearson,
conforme se pode verificar na TAB. 5.
TABELA 5 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora TIM
Correlações
Clientes
Correlação de Pearson
Clientes
Correlação de Pearson
Sig. bicaudal
N
Correlação de Pearson
Preço
Sig. bicaudal
N
** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal).
FONTE: Os autores (2011)
192
Preço
-,501**
-,382**
,000
,003
60
60
60
-,501**
1
,743**
1
Sig. bicaudal
N
Ação
Ação
,000
,000
60
60
60
-,382**
,743**
1
,003
,000
60
60
60
Estudando os resultados obtidos após o teste de Correlação de Pearson e expostos na TAB. 5, rejeita-se a
hipótese nula de não correlação e se verifica que, de fato, existe correlação entre os dados devido ao valor
calculado para os Sig. (zero e 0,003) para um nível de significância de 0,01. Dessa forma, verifica-se que o
nível de correlação entre o número de clientes e o valor da ação da TIM é, surpreendentemente, negativo e
de média intensidade, com o valor de -0,501, ou seja, 50,1% de influência do aumento do número de clientes
sobre o decréscimo do valor final da ação. Também é negativa a correlação entre a base de assinantes e o valor
patrimonial da empresa, apesar de apresentar menor intensidade, com índice de -0,382, significando 38,2,% de
influência do crescimento do número de clientes sobre a redução do valor de mercado indicado da empresa.
Verificada esta inesperada correlação negativa entre as variáveis, fez-se o exercício, através de um
modelo de regressão linear, de estabelecer uma fórmula preditiva integrada para o aumento da base de
assinantes e a redução (!) do valor da ação da operadora TIM, apenas para efeitos de análise. Procedendo-se
a esta experiência, chegou-se aos resultados exibidos na TAB. 6.
TABELA 6 – Resultado de testes de regressão linear para operadora TIM
Coeficientes Não Padronizados
Modelo
B
1
Erro Padrão
Clientes
T
Sig.
Beta
7,500
,587
-7,472E-8
,000
(Constant)
Coeficientes Padronizados
-,501
12,782
,000
-4,408
,000
a. Variável Dependente: ação.
FONTE: Os autores (2011)
A fórmula preditiva integrada entre o valor de ação e o número total de clientes para a operadora TIM
é a seguinte, então:
Valor da Ação TIM = 7,5 - 7,472E-8 x (Número de Clientes TIM)
Utilizando a fórmula, pode-se também realizar curiosos exercícios: por exemplo, ao amealhar 71.655.198
clientes (quantidade que a Vivo deveria ter para cada ação sua valer R$ 50,00, como simulado anteriormente),
a TIM teria o valor de cada ação cotado a R$ 2,15, quase vinte e cinco vezes menor. Também utilizando a
fórmula, calcula-se que, ao atingir a marca de 100.374.733 clientes, a ação da TIM valeria zero (!) reais.
Já a fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) da operadora é:
Valor do Preço TIM = 2,052E10 – 175,656 x (Número de Clientes TIM)
Por meio da fórmula, verifica-se, surpreendentemente, que quando a TIM atingisse a marca de 116.819.238
clientes, seu valor patrimonial estimado seria de zero (!) reais. Sabe-se que, tanto este valor, como o da ação
acima, de zero reais, não são factíveis, porém apenas uma tendência apontada pela correlação. Estudos mais
aprofundados devem ser feitos a partir destas constatações, como será visto no próximo item.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
193
Considerações Finais,
Limitações e Recomendações
como sugestões para possíveis futuros estudos
neste sentido, desde que se torne possível a
obtenção dos dados nos formatos necessários
para atingir tais objetivos.
Fica evidente a importância de se salientar
as
limitações
encontradas
no
decorrer
da
elaboração deste artigo. Inicialmente, este estudo
visava contemplar a análise dos quatro maiores
grupos de telefonia celular do Brasil, Vivo, TIM,
Claro e Oi, responsáveis por mais de 99% dos
clientes do país. A primeira dificuldade foi com a
obtenção dos dados relativos ao crescimento das
operadoras, contornada depois pela obtenção
deles por meio de uma profunda investigação
do site da Anatel, até se conseguir chegar a uma
determinada área de extração de informações
onde se mostrou possível gerar esta evolução para
o período desejado. Porém, outra limitação logo se
apresentou: a aglutinação dos dados da Oi Celular,
englobando as empresas Telemar e Brasil Telecom,
além da não adição dos valores da Amazônia
Celular (adquirida posteriormente) a este grupo;
e da Telemig Celular a Vivo (também adquirida
em seguida). Estes fatores foram corrigidos e
ajustados, de forma a não virem a prejudicar as
posteriores análises, mas então outra dificuldade se
apresentou: as ações de Brasil Telecom e Telemar
se apresentavam separadas na Bovespa, bem
como aglutinadas entre si, no caso da operação
móvel e da operação fixa de cada uma, conjugadas.
Como isto geraria uma distorção nesta análise, por
não englobar operações fixas, apenas as celulares,
optou-se por retirar a Oi da amostra considerada.
Fator semelhante ocorreu com a operadora Claro,
controlada pela América Móvil: suas ações, que
se encontram disponibilizadas apenas na Bolsa
de Valores de Nova York, contemplam operações
de diversos segmentos, incluindo telefonia fixa e
até mesmo negócios do setor de televisão, entre
outros, o que impossibilita a análise direta do
crescimento de seu valor apenas em função da
evolução da base de clientes da marca de telefonia
móvel Claro no Brasil. Desta forma, ficam ambas
194
As principais conclusões a que se chegou a
partir da realização deste estudo foram:
1 - Existe uma correlação entre valor da empresa e
aumento de sua base de clientes.
Apesar de não se desejar correr o risco de
uma possível generalização, e de somente duas
empresas terem sido aqui analisadas, verificou-se
que existe uma forte tendência de ligação entre o
valor da ação de uma empresa e o aumento de seu
número de clientes. Ou seja, não são meros fatores
isolados, aleatórios e independentes. O presente
fato deve ocorrer devido ao acompanhamento da
opinião pública e principalmente dos investidores
sobre o desempenho das operadoras e sua
subsequente busca pelos papéis daquelas que
se apresentam com os melhores prognósticos
de crescimento futuros. Isto ficou mais evidente
no caso da operadora Vivo, cujo crescimento
de base rendeu dividendos aos seus acionistas,
evidenciado a partir de uma forte correlação
estatística verificada. Porém, isto não ocorreu
simplesmente devido ao aumento do número de
seus clientes, mas de uma possível série de fatores
integrados. Mais pormenores sobre estes fatores
serão detalhados nos próximos itens conclusivos.
2 - A mera aquisição de clientes não é garantia de
valorização de uma operadora.
Mesmo parecendo contradizer a conclusão
anterior, não é o que acontece. Como se sabia
anteriormente, a partir do estudo da teoria
estatística, a correlação entre duas variáveis não
implica necessariamente em uma relação de
causalidade. Ou seja, apesar do consumidor ser
um ativo estratégico vital para o sucesso de uma
organização, o fato de uma empresa valer mais não
seria decorrente apenas do aumento de sua base
de clientes, pura e simplesmente. Por isso, verificou-se que, mesmo a base da operadora TIM tendo
crescido significativamente (cerca de duas vezes
e meia), o valor de suas ações caiu drasticamente
(quase um terço) no período analisado. E, mesmo
assim, continuou se apresentando um fator
correlacional entre ambas as variáveis, apesar
deste inesperado efeito invertido. Outro ponto
interessante é que, diferentemente da correlação
positiva constatada no caso das ações da Vivo,
que se mostrou forte (coeficiente de 0,745), a
correlação negativa das ações da TIM se apresentou
significativamente mais fraca (coeficiente de
-0,501). O valor de mercado da empresa, segundo o
indicador mercadológico do Economática, porém,
também dobrou, acompanhando relativamente
o grau de crescimento de sua base de clientes.
Estes fatos, surpreendentemente, também podem
ajudar a originar novos estudos quantitativos que
aprofundem a compreensão das razões entre este
relacionamento que se apresenta estatisticamente
real e efetivo, mesmo que de forma inversa ao que,
de início, esperava-se encontrar nesta pesquisa.
3 - A aquisição de clientes faz parte de uma estratégia integrada rumo ao sucesso.
Como visto aqui, a aquisição de clientes
apresentaria correlação com o valor de uma operadora celular, porém nem sempre de forma forte
e positiva. O que isto quer dizer é que a fórmula
de sucesso de uma operadora depende de diversos fatores, tais como suas estratégias de crescimento e fusão/aquisição, expansão para novos
mercados e desenvolvimento de públicos-alvo,
sinergias, comunicação, publicidade e alinhamentos internacionais, entre outros, que devem estar
plenamente integrados e concatenados sob um
mesmo “guarda-chuva” estratégico. Como no caso
da TIM, cujos problemas financeiros da Telecom
Italia em seu país de origem e suas incertezas sobre a manutenção das suas operações na América
Latina nos últimos anos podem ter afetado mais
o valor de suas ações do que seu intenso crescimento de base de clientes no Brasil. Conseguirá a
operadora reverter esta tendência? É possível, porque, apesar desta queda no valor no período, suas
ações parecem atualmente apontar uma tendência
de crescimento. E, no caso da Vivo, o fato de ter
efetivamente definido sua situação acionária entre
Portugal Telecom e Telefônica, além de apresentar
Rev.
FA E ,
C uritiba,
uma estratégia consistente e integrada para sua
atuação no Brasil (e também na América Latina),
da mesma forma impactou no aumento de seu valor acionário e na sua consolidação na liderança do
segmento, mesmo com o avanço considerável das
demais concorrentes. O futuro do mercado deste
segmento parece ser extremamente excitante em
termos de competição no Brasil.
4 - Novos estudos do tema se mostram necessários
e de possível (e relevante) interesse.
Como estas operadoras estudadas não apresentaram uma tendência uniforme de crescimento
e uma evolução combinada de clientes-valor, não
foi possível estabelecer um índice de crescimento conjunto ou um efetivo fator preditivo geral do
segmento, que pudesse ajudar a indicar tendências
mais amplas, gerais e impactantes, neste caso. Só foi
possível desenvolvê-los individualmente, por operadora, como foi aqui apresentado. Futuros novos
estudos no contexto do mercado móvel também
poderão ser efetuados a partir destas perspectivas,
como o estabelecimento de valores diferenciados
para clientes de planos pré e pós-pagos, ou formas
de se conquistar completamente para suas bases
clientes que também possuem celulares de empresas concorrentes, por exemplo. De qualquer forma,
ficam aqui as sugestões para possíveis novas pesquisas neste sentido, tanto para o segmento analisado de telecomunicações como para outros, que
possam ajudar a lançar novas luzes sobre a variação
do valor de uma empresa a partir do seu número de
clientes e também auxiliar a se medir efetivamente
o real “valor de um cliente” para a organização, de
forma simples e precisa, ao menos sob este prisma,
para fornecer melhores, mais assertivos e mais seguros subsídios para a tomada de decisão de seus
líderes e gestores.
v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
195
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014
•
Recebido em: 01/02/2013
•
Aprovado em: 12/06/2013
197
A distribuição espacial do emprego
formal na produção algodoeira
e têxtil no estado do Paraná no
período de 1997 a 2007
The location of the employment in the cotton production and textile
industries in Paraná state in the period 1997 to 2007
A distribuição espacial do emprego formal na produção algodoeira e têxtil no estado
do Paraná no período de 1997 a 2007
The location of the employment in the cotton production and textile industries in Paraná
state in the period 1997 to 2007
Jandir Ferrera de Lima1
Katia Fabiane Rodrigues2
Lucir Reinaldo Alves3
Ricardo Rippel4
Resumo
Este artigo analisa o padrão de localização do emprego formal no cultivo
do algodão e na indústria têxtil das mesorregiões do estado do Paraná, no
período de 1997 a 2007. Utilizaram-se métodos de análise regional para
estimar o padrão de localização dessas atividades produtivas. A análise
constatou que ocorreram transformações significativas na distribuição setorial
do emprego principalmente na produção de algodão, mudança que está
vinculada ao processo de reestruturação da agricultura, que caracterizou uma
nova localização geográfica dessa atividade.
Palavras-chave: Localização. Análise Regional. Economia Espacial.
Abstract
This paper examines the location pattern of formal employment in the
cultivation of cotton and textile industry in the region-meso of Paraná state in
Brazil, from 1997 to 2007. We used methods of regional analysis to estimate the
pattern of location of productive activities. The analysis found that there were
significant changes in the sector distribution of employment on the cotton
production, change that is bound linked to the restructuring of agriculture that
characterized a new geographic location of this activity.
Keywords: Regional. Analysis. Spatial Economics.
1
2
3
4
Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC). Pesquisador do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Professor da Pós-graduação
em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e
Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professor
Assistente do Colegiado de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio
e Desenvolvimento Regional (GEPEC) e do Grupo Dinâmicas Socioeconômicas Nacionais e
Regionais Comparadas (DISENREC). E-mail: [email protected] ou [email protected].
Doutor em Demografia pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor da Pós-graduação
em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e
Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014
199
Introdução
O estado do Paraná passou por transformações em sua estrutura produtiva no final da década de 1970, devido ao esgotamento da fronteira
agrícola e à modernização das atividades agropecuárias. Esse fenômeno deu início a um processo de reestruturação da base agrícola do estado,
com o fortalecimento da integração produtor-agroindústria em setores específicos. Destaca-se
também, nesse cenário, a migração de algumas
atividades agrícolas e a substituição de cultivos,
principalmente a permutação de culturas permanentes por temporárias.
Entre as culturas temporárias, o algodão
foi a mais significativa. Segundo Rolim (1997), a
A agricultura paranaense
passou a expandir suas
atividades por meio de
realocações dos recursos
produtivos entre as
culturas, preferencialmente
na expansão de área
daquelas com mercado
mais estáveis e mais
rentáveis.
produção algodoeira brasileira, que ao longo da
década de 1980 garantia a autossuficiência do
produto na faixa de 860 mil toneladas de pluma,
de permutação de culturas, quando se analisa a
foi reduzida pela metade na safra de 1994/1995. A
introdução da cultura da soja no espaço paranaense.
redução das alíquotas de importação da pluma e
Assim, impulsionada por esse processo e aliada ao
a fragilidade financeira do produtor rural em todas
programa Corredores da Exportação, entre outros
as regiões do Brasil estimularam essa tendência.
eventos, a soja ganha espaço na produção do estado
Para Traionotti et al. (2003), isso exigiu uma
do Paraná, tanto que nas últimas décadas aparece
intensa reestruturação da produção de algodão
como uma das principais atividades produtivas do
nacional, fato que a longo prazo levaria à crise da
estado, como demonstram os dados a seguir.
cotonicultura e sua migração para outras regiões.
Conforme a TAB. 1, houve um aumento
O estado do Paraná, que sustentava um dos
nominal de 1.356% na produção de soja no estado do
primeiros lugares no cultivo nacional de algodão,
Paraná, que passou de 456.710 toneladas em 1970
contou com um declínio de sua produção, que
para 3.264.946 toneladas em 1975, o equivalente
encontrou espaço para expansão da cultura no
a 25% da produção nacional. Diferentemente da
Centro-Oeste brasileiro, na segunda metade da
soja, o algodão diminuiu o montante produzido
década de 1990. Tal cenário revela um processo
depois de uma forte expansão na década de 1980.
TABELA 1 – Produção das principais lavouras no Paraná, em toneladas – 1970-1995
Lavouras
1970
1980
1985
1995
Algodão
399.123
272.923
452.490
846.682
267.433
Café
116.900
1.195.013
367.914
569.186
109.470
3.550.555
1.953.470
5.466.967
5.803.713
8.988.166
Soja
456.710
3.264.946
5.400.192
4.413.000
5.694.427
Trigo
268.246
443.600
1.350.276
2.639.225
1.033.689
Milho
FONTE: Censos Agropecuários – IBGE (1970-1995)
200
1975
Pela TAB. 1, observa-se que o produtor
paranaense mudou sua estrutura de cultivo,
focando as commodities com maior retorno.
1
Elementos Teóricos e
Metodológicos
Com isso, a agricultura paranaense passou a
expandir suas atividades por meio de realocações
dos
recursos
produtivos
entre
as
culturas,
preferencialmente na expansão de área daquelas
com mercado mais estáveis e mais rentáveis. Isso
gera mudanças nas explorações agrícolas, havendo
uma seleção de culturas em termos de vantagens
comparativas regionais, com isso, o impacto da
modernização
diferencia-se
regionalmente
e
conforme a conjuntura.
Da mesma forma que a produção de algodão, o setor têxtil também passou por turbulências, devido à política de inserção do Brasil no mercado internacional nos anos 1990. Isso representou
uma mudança importante nos setores nacional e
paranaense. E todos esses fatores corroboram as
mudanças no padrão de localização das atividades do setor têxtil no espaço geográfico paranaense. Como a produção de algodão e a indústria
têxtil, que usa a pluma como matéria-prima, são
empregadores significativos da força de trabalho,
essa análise procura compreender, por meio dos
Esta seção apresentará, além do ferramental
metodológico, que abordará medidas de análise
regional, breves conceitos das teorias de localização
industrial e agrícola, de forma a complementar os
métodos de localização regional.
Os fatores de produção estão distribuídos no
espaço, e a ciência econômica estuda esses fatores a partir de sua utilidade na geração de riquezas.
Nesse sentido, é importante analisar as mudanças
espaciais dos fatores de produção com as mudanças que ocorrem na localização das atividades
produtivas. Assim, a análise econômica espacial introduz a noção de espaço como uma tendência dinâmica do sistema produtivo. A economia espacial
estuda a localização das atividades econômicas, ou
seja, questiona os problemas relativos à concentração e dispersão das atividades e as semelhanças ou
diferenças dos padrões de distribuição geográfica
dessas atividades ao longo do tempo (PONSARD,
1988; FERRERA DE LIMA, 2003; CAROD, 2005).
métodos de análise regional, o comportamento
do emprego formal nesses setores produtivos e
como eles mudam espacialmente em intervalos de
tempo. Assim, o objetivo deste artigo é analisar a
localização do emprego formal da produção de algodão e da indústria têxtil no estado do Paraná.
Para isso, foram utilizados os métodos de análise
regional, pelas medidas de localização e associação geográfica, no período de 1997 a 2007.
Destarte, este artigo encontra-se dividido
em quatro seções, além desta introdução. Na seção seguinte, são abordados o referencial teórico,
os materiais e o método utilizado. Na terceira seção são apresentados os resultados e as discussões relacionadas ao padrão de localização das
atividades produtivas. As conclusões, na quarta
A localização das
atividades implica
a determinação de
preços, o dinamismo da
produção, a dispersão
dos postos de trabalho
e o desenvolvimento
econômico regional.
seção, sintetizam esta pesquisa.
Rev.
FA E ,
C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014
201
Dessa forma, o espaço é elemento fundamental para análise da concentração das atividades
produtivas e de regiões polarizadas. A localização
das atividades implica a determinação de preços, o
dinamismo da produção, a dispersão dos postos de
trabalho e o desenvolvimento econômico regional. A
natureza econômica do espaço é causa de todo um
conjunto de decisões que influencia a dinâmica do
sistema de produção (PONSARD, 1988).
A localização da produção dependerá dos
fatores locacionais: mercado consumidor, mão de
obra, disponibilidade de matérias-primas ou condições especiais para produção, como subsídios, incentivos ou acesso a recursos naturais. Os fatores
Os produtos agrícolas
chegam ao mercado
numa situação de
concorrência, de modo
que a produtividade, os
custos de transporte e a
procura determinam, em
conjunto, uma sucessão
no espaço das áreas
cultivadas.
locacionais são todos os fatores que influenciam na
escolha da localização de uma unidade produtiva,
eles são de natureza econômica e não econômica.
Se os produtos agrícolas in natura chegam
O primeiro grupo está relacionado ao lucro, o segun-
ao mercado numa posição mais próxima à
do está relacionado aos fatores que influem em sua
concorrência perfeita, o mesmo não ocorre com os
função utilidade, como, por exemplo, o clima e a vida
produtos oriundos de complexos agroindustriais,
social. Assim, o fator locacional constitui um ganho,
cujo perfil transita da concorrência imperfeita ao
uma redução de custos, que determinada atividade
oligopólio. O complexo agroindustrial é o conjunto
econômica obtém quando se localiza em determina-
formado pelos setores produtores de insumos e
do ponto no espaço (AZZONI, 1985; FERREIRA, 1989).
máquinas agrícolas, de transformação industrial
No que se refere à atividade agrícola, segun-
202
dos produtos agropecuários, de distribuição,
do Ferreira (1989), o fator principal do estudo das
de comercialização e também atingindo a área
áreas de abastecimento é a terra, pois a utilização
de financiamentos para custeio da produção. O
desse fator obriga essa atividade a se dispersar no
complexo industrial compreende a “explosão”
espaço geográfico, devido a elementos tecnoló-
da matéria-prima, que pode ser transformada
gicos e econômicos. A tecnologia é o uso da terra
em vários outros produtos finais, por meio dos
no processo produtivo. Já o elemento econômico
processos industriais e comerciais. Ou seja, o
é o preço da terra, cujo valor afeta a sua utilização,
complexo industrial está intimamente ligado às
e, além disso, inclui os custos de transporte. Desse
cadeias de produção, cada uma associada a um
modo, existem dois efeitos, um no sentido da disper-
produto. O surgimento do complexo agroindustrial
são relacionada à renda da terra e outro no sentido
moderno é o resultado da expansão do parque
da concentração da atividade agrícola, devido aos
industrial, que passa a buscar novos campos
custos, em particular dos transportes. Segundo Ma-
de atividades para aumentar seus lucros, e
tos (1998), os produtos agrícolas chegam ao merca-
da expansão da produção agrícola moderna,
do numa situação de concorrência, de modo que a
assumindo as mesmas características de outros
produtividade, os custos de transporte e a procura
ramos da produção industrial, com alto grau de
determinam, em conjunto, uma sucessão no espaço
concentração e cartelização (BATALHA, 1997;
das áreas cultivadas.
SORJ, 1986).
Nesse ambiente de ideias, as medidas de
de informações desagregadas em nível de setor e
localização fundamentam o estudo da dispersão
espaço, sua uniformidade para medir e comparar a
e da concentração das atividades produtivas no
distribuição das atividades e setores.
espaço geográfico. Mediante esse cenário, a seção
a seguir versará sobre as medidas de localização,
de modo a elucidar o objetivo desta pesquisa.
Os dados sobre o emprego formal foram
extraídos da base de dados on-line da Relação Anual
de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) para os ramos produtivos,
1.1
Os Indicadores do Padrão de Localização
do cultivo de algodão e da indústria têxtil. Os
períodos analisados foram 1997, 2000 e 2007. Como
o foco do estudo são as atividades algodoeiras, tanto
na produção quanto na transformação, elas foram
Para contemplar o escopo deste estudo, utilizaram-se as medidas de localização, pois permitem
o conhecimento do padrão de localização das
atividades produtivas de uma região. O ponto de
partida para o cálculo das medidas de localização
é uma matriz de informações setorial-espacial de
uma variável base. Neste estudo, utilizar-se-á o
emprego formal como variável base.
Segundo Haddad (1989), a variável emprego é
escolhida com frequência, haja vista a disponibilidade
desagregadas dos seus respectivos setores.
As medidas de localização escolhidas para a
análise foram o Quociente Locacional e o Coeficiente
de Associação Geográfica (Cagik). Essas medidas
são de natureza setorial e se preocupam com a
localização do emprego formal nos ramos produtivos
entre as regiões, além disso, elas identificam padrões
de concentração ou dispersão espacial do emprego.
Desse modo, para a estimativa dessas medidas, têm-se as seguintes equações:
Eij = Número de empregados no ramo prod. i da mesorregião j;
(1)
∑ Eij = Número de empregados no ramo prod. i de todas as mesorregiões;
(2)
j
∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. da mesorregião j;
(3)
i
∑∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. de todas as mesorregiões.
(4)
i j
Assim, a partir das equações 1, 2, 3 e 4, podem ser representadas, no QUADRO 1, as medidas de
localização e o seu padrão de análise.
Rev.
FA E ,
C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014
203
QUADRO 1 – Descrição das medidas de localização
Indicador
Equação
Interpretação dos Resultados
Eij / ∑ Eij
Quociente
QL =
Locacional (QL)
∑ Eij / ∑∑ Eij
i
Setor i
Coeficiente de
Associação
Geográfica (Cagik)
QL ≥ 1/Localização significativa
j
i j
0,50 ≤ QL ≤ 0,99/Localização média
QL ≤ 0,49/Localização fraca
Setor k

 
 
  E ij
  E ij

−
∑j   ∑ E   ∑ E  
ij
ij 

i
i
 

Cag ik = 
2
0,7745 ≤ (Cagik) = associação fraca
0,5162 ≤ (Cagik) ≤ 0,2582 = associação média
0,2581 ≤ (Cagik) ≤ 0,0001 = associação significativa
FONTE: Haddad (1989)
O Quociente Locacional (QL) compara
a participação percentual de uma região em
A seguir, os resultados e discussões formalizam as observações deste método.
determinado setor com a participação percentual
da mesma região no emprego total do conjunto da
economia, neste caso, o estado do Paraná. Caso
o valor do QL seja maior que a unidade, a região
detém importância no ramo produtivo, no contexto
2
O Padrão de Localização
do Emprego Formal na
Cotonicultura Paranaense
do estado. Ao contrário, se o QL for menor que a
unidade, então, o setor em questão possui pouca
importância no contexto estadual.
O Coeficiente de Associação Geográfica
(Cagik) compara as distribuições percentuais
de emprego de dois ramos produtivos entre as
regiões. Se os valores se aproximarem da unidade,
significa que a atividade produtiva não está
associada geograficamente com a outra atividade
produtiva. No entanto, se o valor do coeficiente
aproximar-se de 0 (zero), então os setores estão
distribuídos regionalmente da mesma forma,
ou seja, os padrões locacionais dos dois ramos
produtivos estão associados geograficamente.
204
Esta seção apresentará os resultados das
medidas de localização. Entretanto, primeiramente,
é interessante analisar a distribuição do emprego
formal entre os setores analisados para as
mesorregiões do Paraná. Nesse sentido, a TAB. 2
apresenta essa distribuição.
TABELA 2 – Distribuição percentual do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil nas mesorregiões do
Paraná de 1997, 2000 e 2007
Período
1997
Setores
2000
2007
Cultivo de Algodão %
1997
2000
2007
Indústria Têxtil %
Noroeste Paranaense
0.05
0.01
0.02
7.74
9.08
12.34
Centro Ocidental Paranaense
0.00
0.02
0.04
4.90
5.08
5.62
Norte Central Paranaense
0.00
0.00
0.02
6.02
7.02
7.47
Norte Pioneiro Paranaense
0.01
0.01
0.07
4.39
5.39
5.86
Centro Oriental Paranaense
0.00
0.00
0.09
1.79
1.51
0.99
0.01
0.00
0.03
1.49
2.40
3.44
Sudoeste Paranaense
0.00
0.00
0.04
6.75
7.54
8.27
Centro-Sul Paranaense
0.00
0.00
0.12
0.30
0.55
1.27
Sudeste Paranaense
0.00
0.00
0.07
0.78
0.76
1.14
Mesorregião Metropolitana de Curitiba
0.00
0.00
0.01
0.75
0.69
0.65
Estado do Paraná
0.00
0.00
0.03
2.59
3.03
3.55
Oeste Paranaense
FONTE: MTE-RAIS (2009)
Nota-se, mediante os dados da TAB. 2, que
Destarte, para além do aumento da parti-
a participação do cultivo de algodão foi crescente
cipação do setor de cultivo de algodão na con-
no estado do Paraná ao longo do tempo, mas,
centração do emprego formal, na maior parte das
nos anos de 1997 e 2000, não representava
mesorregiões, também houve um aumento da par-
significância no estoque de empregos formais
ticipação da indústria têxtil. Por exemplo: enquanto
e, no ano de 2007, esse percentual passou para
no Noroeste paranaense houve uma diminuição da
0,03%. Além disso, o setor ganhou participação
participação do setor de cultivo de algodão, o setor
na maioria das mesorregiões. A exceção foi a
da indústria têxtil mais do que compensou esse de-
mesorregião Noroeste paranaense, que tinha a
clínio. Assim, supõe-se que essa mesorregião está se
maior participação, de 0,05% em 1997, passou
especializando mais na industrialização do algodão
para 0,02% em 2007. Neste ano, a mesorregião
do que no plantio da matéria-prima.
que se destacou foi a Centro-Sul paranaense, que
Esses resultados ressaltam o fenômeno de
tinha um percentual de 0,12% de empregados
migração da cultura de algodão para outras regiões
formais nesse setor. Já a indústria têxtil teve
dentro ou fora do estado do Paraná. Para corroborar
maior concentração de emprego na mesorregião
essa colocação, a série histórica do GRAF. 1 demons-
Noroeste
região
tra a queda na participação na produção de algodão
apresentou um significativo aumento no emprego,
do estado do Paraná a partir da década de 1990, per-
passando dos 7,74% em 1997 para 12,34% em 2007.
durando com oscilações negativas.
Rev.
paranaense,
FA E ,
além
disso,
a
C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014
205
GRÁFICO 1 – Participação percentual das regiões geográficas na quantidade produzida de algodão – 1970-2006
70%
60%
50%
Norte
Nordeste
40%
Sudeste
Sul
30%
Centro-Oeste
Paraná
20%
10%
0%
FONTE: IBGE (2010)
O Paraná, a partir de 1980, detinha uma
Central e Nordeste do Brasil, onde predomina a
significativa participação na produção nacional
cotonicultura mais competitiva, mecanizada e
de algodão, contribuindo para o atendimento do
conduzida empresarialmente em grandes áreas.
consumo interno até meados dos anos de 1990.
Conforme mostra o GRAF. 1, as regiões Centro-
Somente no ano de 1985, o Paraná (que sempre
-Oeste e Nordeste foram responsáveis por 61% e
produziu quase 100% de toda a produção de
33%, respectivamente, da produção de algodão
algodão da Região Sul) produzia 39% de todo o
em 2006. Essa migração ocorreu principalmente
algodão nacional. Segundo o censo agropecuário
pelos seguintes fatores: declividade dos solos,
de 2006, essa produção era somente de 1%.
que permite a colheita mecânica, reduzindo
Uma hipótese para esse decréscimo é que está
gastos com mão de obra; maior regularidade
ocorrendo a substituição da produção de pluma
climática; e plantio em escala, propiciando maiores
por outras atividades agrícolas no estado.
investimentos nas lavouras e, consequentemente,
Nesse sentido, nota-se que houve um
declínio na produção. Esse declínio foi paralelo
206
melhor produtividade (BARBOSA; NOGUEIRA
JUNIOR, 2000; PARANÁ, 2003).
ao deslocamento do plantio das Regiões Sul e
Esse panorama evoluiu de modo acelerado
Sudeste (Paraná e São Paulo) para as regiões
e contribuiu para o agravamento da crise na
cotonicultura paranaense, refletindo em diversos municípios do interior do estado, pois as perdas com as
receitas municipais, a redução dos estabelecimentos rurais e a eliminação de postos de trabalhos nessa atividade
contribuíram para o êxodo rural e a deslocalização de postos de trabalho nas atividades urbanas. Além disso, a
cultura, por ser explorada por pequenos agricultores no Paraná e por ser a maior geradora de mão de obra, em
comparação com a soja e o milho, também desestimula a agricultura familiar. Assim, as opções por outras culturas
no estado desaceleraram a produção de tal maneira que se produziu somente 27% da demanda das fiações.
E todos esses fatores foram cruciais para que o estado do Paraná passasse de exportador para um
grande importador do produto. Observa-se que as mudanças ocorridas, devido à abertura comercial, foram
exigentes para alguns setores da economia, o que levou muitos setores à reestruturação. Esse processo
envolveu atividade produtiva têxtil, com ênfase maior na cotonicultura (GUILHERME; MICHELLON, 2004).
Assim, a TAB. 3 mostra o padrão de localização nos dois setores de estudos.
TABELA 3 – O padrão de localização (QL) do emprego formal em ramos produtivos selecionados nas mesorregiões do
Paraná – 1997-2007
Mesorregiões
Noroeste Paranaense
Centro Ocidental Paranaense
Cultivo de Algodão
1997
2000
13.29
Indústria Têxtil
2007
4.19
0.77
1997
2000
2.88
2007
3
3.48
-
11.17
1.59
1.89
1.68
1.58
Norte Central Paranaense
0.42
0.91
0.83
2.32
2.32
2.1
Norte Pioneiro Paranaense
3.38
9.06
2.81
1.69
1.78
1.65
-
0
3.39
0.69
0.5
0.28
1.77
0
0.96
0.58
0.79
0.97
Sudoeste Paranaense
-
0
1.52
2.6
2.49
2.33
Centro-Sul Paranaense
-
0
4.7
0.12
0.18
0.36
Centro Oriental Paranaense
Oeste Paranaense
Sudeste Paranaense
-
0
2.57
0.3
0.25
0.32
Metropolitana de Curitiba
-
0
0.24
0.29
0.23
0.18
FONTE: Os autores (2010)
Verifica-se que o segmento de cultivo de al-
dental, Norte Central, Norte Pioneiro e Sudoeste
godão demonstrou um significativo padrão de lo-
foram as únicas que apresentaram um padrão de
calização do emprego nas mesorregiões Noroeste
localização do emprego formal significativo para
paranaense em 1997 e no Centro Ocidental para-
esse setor. Destas, a mesorregião Noroeste para-
naense em 2000. Já em 2007, o QL apresentou
naense nos períodos analisados obteve os maio-
uma forte queda, e a localização mais expressiva
res valores de QL na indústria têxtil, revelando
ocorreu na mesorregião Centro-Sul paranaense.
que essa mesorregião concentra uma significativa
Por outro lado, é possível notar que a quantidade
parte do emprego formal nesse ramo de atividade.
de mesorregiões que apresentaram um QL signifi-
Nota-se também que a mesorregião metropolitana
cativo nesse setor aumentou.
de Curitiba apresentou a menor concentração de
Quando se analisa o setor da indústria têxtil,
não se observa nenhuma mudança mais significa-
emprego na indústria têxtil do estado, com valores
entre 0,29 e 0,18.
tiva nas mesorregiões. Nos três anos analisados, as
Dessa forma, a mesorregião Noroeste pa-
mesorregiões Noroeste paranaense, Centro Oci-
ranaense tem a indústria têxtil como um grupo-
Rev.
FA E ,
C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014
207
-chave da economia regional dessa localidade.
Essa mesorregião constitui um importante polo de
vestuário e confecções, concentra um dos maiores números de empresas e mão de obra ocupada
do estado do Paraná. As empresas contam com
cooperativas de vendas por atacado e associação
de shoppings atacadistas, como a da cidade de
Cianorte (Asamoda) (IPARDES, 2004).
O parque industrial do segmento do vestuário cresceu de 277 confecções, em 1995, para 763,
em 2002, com destaque para as empresas Be Eight, Morena Rosa, Lúcia Figueiredo Macksonn e For
Boys, de Cianorte; Cortez & Massambani, de Japurá;
Storti, de Altônia; Retook, de Umuarama; Noroeste
e Kollan, de Paraíso do Norte; Willitex, de Tamboara;
Paranacity, de Paranacity; e Sandy, de Paranavaí. A
A mesorregião Noroeste
paranaense tem a indústria
têxtil como um grupo-chave
da economia regional e
constitui um importante
polo de vestuário e
confecções, concentra um
dos maiores números de
empresas e mão de obra
ocupada do estado do
Paraná.
mesorregião ainda conta com 35 empresas no segmento de malharia, estamparia, texturização e têxteis diversos, 14 unidades industriais no segmento
de beneficiamento e fiação de algodão (INSTITUTO
PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔ-
tria têxtil. Segundo o Ipardes (2004), a indústria
têxtil não tem muito dinamismo nessa mesorregião,
que é caracterizada pelos complexos industriais ele-
MICO E SOCIAL, 2004).
Cabe ressaltar também que, em 2003, o
estado do Paraná já havia conquistado um lugar de
destaque na indústria da moda. Segundo Camara
tro-metal-mecânico, complexo químico, complexo
agroindustrial e madeireiro e outros complexos de
eletroeletrônicos e bebidas.
et al. (2006), o Estado se firmara como o segundo
maior polo industrial de confecção do país, sua
produção era estimada em 150 milhões de peças/
ano, com um faturamento anual de R$ 2,8 bilhões.
Já a mesorregião metropolitana de Curitiba
teve perda relativa de empregos formais na indús-
Nesse contexto, após abordagem dos resultados do QL, a seguir será realizada a análise dos
resultados do Coeficiente de Associação Geográfica. O QUADRO 2 apresenta as associações conforme resultados da pesquisa.
QUADRO 2 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil
no Paraná – 1997-2007
Ramos de Atividade
Cultivo do Algodão
1997
Cultivo do Algodão
Indústria Têxtil
FONTE: Os autores (2010)
Nota: níveis de associação geográfica:
Associação significativa
Associação média
208
2000
Indústria Têxtil
2007
1997
2000
2007
Esse coeficiente revela que, de modo geral, os ramos produtivos analisados tiveram forte associação
geográfica, ou seja, o emprego formal nessas atividades está distribuído regionalmente da mesma forma. As
exceções ocorreram no ano de 1997, quando os setores de cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram
Cagik médios.
Dessa forma, o cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram rotatividade no período, pois
Cagik passou de médio em 1997 para forte em 2000 e 2007, ou seja, os resultados para os últimos períodos
demonstram que o emprego formal nesses ramos produtivos está geograficamente associado. A TAB. 4, a
seguir, especifica esses resultados quando apresenta o Cagik para as mesorregiões.
TABELA 4 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil
para as mesorregiões do Paraná nos intervalos de 1997, 2000 e 2007
Mesorregiões
1997
2000
2007
Cultivo do algodão/
Indústria têxtil
Cultivo do algodão/
Indústria têxtil
Cultivo do algodão/
Indústria têxtil
Noroeste Paranaense
0.4914
0.062
0.1532
Centro Ocidental Paranaense
0.0461
0.2217
0.0001
Norte Central Paranaense
0.3544
0.2708
0.2479
Norte Pioneiro Paranaense
0.0686
0.2796
0.0441
Centro Oriental Paranaense
0.0391
0.0281
0.1826
Oeste Paranaense
0.1059
0.0722
0.0008
0.079
0.0745
0.0287
Centro-Sul Paranaense
0.0037
0.0057
0.1314
Sudeste Paranaense
0.0069
0.0061
0.0498
0.1368
0.1059
0.0227
Sudoeste Paranaense
Metropolitana de Curitiba
FONTE: Os autores (2010)
De acordo com os resultados da TAB. 4, no
apresentaram forte associação geográfica do
ano de 1997, somente as mesorregiões Noroeste
emprego formal nas atividades do cultivo do
e Norte Central obtiveram um Cagik médio para o
algodão e da indústria têxtil, e a mesorregião Centro
emprego formal nas atividades da produção de
Ocidental obteve a maior associação geográfica.
algodão e da indústria têxtil. As demais mesorregiões
Esses resultados apontam para hipótese de que a
representaram uma forte associação, sendo a mais
produção de algodão e a indústria têxtil passaram
expressiva na mesorregião Centro-Sul paranaense.
por um processo de distribuição espacial do
Já em 2000, associação média ocorreu nas
mesorregiões Norte Central e Norte Pioneiro e
associação forte novamente na mesorregião CentroSul. No período que sucede, todas as mesorregiões
Rev.
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emprego formal no estado ao longo do período.
Isso posto, cabe ressaltar que no ramo agrícola são visíveis diversas mudanças de localização.
Sobre isso, Souza e Santos (2009) apontam que
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determinadas culturas migraram do Paraná para
Essa atividade apresentou maior participação
outras regiões do país na década de 1990 a 2005.
na mesorregião Noroeste paranaense, destarte,
Essas culturas foram substituídas por outros culti-
essa mesorregião é caracterizada pelas facções e
vos, como é o caso do algodão, que diminuiu sig-
confecções, que tornam-na conhecida por fazer
nificativamente a produção no estado. Entretanto,
parte do corredor da moda da região Norte.
outras culturas, como a cana-de-açúcar, apresen-
Entretanto, de modo geral, em todas as mesorregiões
taram um crescimento substancial de área planta-
verificou-se um aumento da participação dessa
da e de produção no estado. Além disso, outras
atividade na concentração de emprego formal,
lavouras migraram e se concentraram em regiões
mostrando o espraiamento no espaço paranaense
específicas dentro do Paraná, como ocorreu com a
das indústrias têxteis.
Ao que se refere ao Cagik, com exceção para
do feijão e a do café.
o primeiro período, em que o índice apresentou
Conclusão
média associação regional, os demais períodos
apresentaram para os setores forte distribuição
regional. Para os ramos produtivos de cultivo do
O objetivo deste artigo foi analisar a locali-
algodão e a indústria têxtil, a associação geográfica
zação do emprego formal na produção de algodão
foi significativa. Entre essas atividades, a produção de
e na indústria têxtil no estado do Paraná e deter-
algodão, em virtude do processo de reestruturação
minar o desempenho setorial do emprego formal
que ocasionou a migração dessa cultura, apresentou
nessas atividades. O estudo abrangeu as mesorre-
uma
giões paranaenses em relação ao Paraná no perí-
relevante ao longo do período.
tendência
de
deslocamento
geográfico
odo de 1997 a 2007. Analisou-se, por meio de um
instrumental de análise regional, o desempenho
das 10 mesorregiões do estado.
Nesse sentido, os resultados para o QL
demonstraram mudanças na estrutura do emprego,
principalmente no ramo de produção de algodão.
Essa atividade apresentou mudanças geográficas
quanto à participação desse setor na economia
do estado. Ao longo do período, a participação
mudou da mesorregião Noroeste paranaense, em
1997, para Centro Ocidental paranaense, em 2000,
e em 2007 para o Centro-Sul paranaense.
Além disso, a produção de algodão decresceu significativamente no Paraná devido ao
processo de reestruturação da atividade, que teve
início na década de 1970 e intensificou-se com
abertura comercial da década de 1990, e, por fim,
registrando as menores safras em 2006. Nesse
sentido, essa atividade não possui relevância no
estado do Paraná como na década de 1980.
Já a indústria têxtil possui uma relevância
maior, no Paraná, que a produção de algodão.
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Recebido em: 25/04/2012
•
Aprovado em: 01/03/2013
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Orientações aos
Colaboradores da Revista da FAE
Histórico e Missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Educação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o
intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.
Por sua missão ser a de fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão
sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos
leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas.
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer
que seja sua origem ou situação societária, no processo de
sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos
ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências fundamentadas teoricamente e que contribuam
com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem
as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores,
especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os
trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de
aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar
do debate.
Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição.
Objetivo
Focos
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das
organizações no processo de desenvolvimento local.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus
leitores a compreender o papel das organizações no processo
de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas
atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das
organizações.
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos
que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem
sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e
discutam temas contemporâneos da gestão de negócios.
O principal requisito para publicação na Revista da
FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos
seguintes tópicos:
•
O tema tratado deve ser relevante e pertinente
ao contexto e ao momento e, preferencialmente,
pertencer à orientação editorial.
•
O referencial teórico-conceitual deve refletir o
estado da arte do conhecimento na área.
•
O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, com princípios de construção científica
do conhecimento.
•
A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou
para a prática administrativa.
Orientação Editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou
seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no
processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção
e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito
de discutir o processo de desenvolvimento da organização.
Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a
partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Economia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).
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Espera-se, também, que os artigos publicados na
Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
Escopo
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artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
referências bibliográficas completas deverão
ser apresentadas em ordem alfabética no final
do texto, de acordo com as normas da ABNT
(NBR-6023).
•
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem
propor novos modelos e interpretações para fenômenos
relevantes com relação à gestão de negócios e à interação
das organizações no desenvolvimento local.
Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologicamente bem fundamentadas, criteriosamente conduzida, e
adequadamente analisadas.
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ser numerados sequencialmente, apresentar
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