cisc sete princípios rejeitados sobre arte, terror e civilização
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cisc sete princípios rejeitados sobre arte, terror e civilização
CISC CENTRO INTERDISCIPLINAR DE SEMIÓTICA DA CULTURA E DA MÍDIA SETE PRINCÍPIOS REJEITADOS SOBRE ARTE, TERROR E CIVILIZAÇÃO Dietmar Kamper .5 de outubro 1936 – -28 outubro de 2001 Tradução: Nalu Fernandes 1 Dietmar Kamper (nascido em 1936) não vive mais. Seria um eufemismo dizer que este filósofo e antropólogo foi um homem extraordinário. Seus muitos amigos e admiradores vão confirmar isto. Kamper foi um professor de Sociologia na Freie Universität, em Berlim, e de Teoria da Mídia no Hochschule für Gestaltung, em Karlsruhe. Ele também foi o organizador e mentor de diversos congressos internacionais e interdisciplinares sobre temas como corpo, imagem, tempo e linguagem. Paralelamente às suas atividades, ele foi uma fonte significativa de apoio para este novo periódico, que publica diversos de seus artigos. Seus escritos revelam grande erudição e vôos audazes de imaginação. Em memória dele, Janus decidiu publicar uma tradução de seu último artigo, ‘Sieben abgewehrte Sätze über Kunst, Terror und Zivilisation’, escrito entre cinco e 17 de outubro de 2001 em sua amada Otzberg. O artigo investiga as tensões entre arte, terror e civilização em uma ampla perspectiva histórica, muito mais ampla do que as estreitas discussões resultantes de 11 de setembro. Tom Fecht é escultor e fotógrafo. Ele desenvolveu um estilo muito pessoal – freqüentemente em cooperação com arquitetos – que alguém poderia chamar de escultural. Junto com Dietmar Kamper ele assumiu dois projetos de livros: ‘Umzug ins Offene – Vier Versuche über den Raum’ (Springer Verlag, Vienna/New York, 2000). Para este trabalho in memoriam ele disponibilizou diversas fotografias que possuía do nosso amigo nos últimos dois anos. Em uma carta ao editor, Fecht escreveu: “As fotos externas foram tiradas no final de outubro de 2000, em uma mesa de arenito no jardim do Castelo de Otzberg, enquanto Dietmar estudava a natureza de uma folha amarela caída da árvore que os alemães chamam de Birke (que é o nome de seu amor, Birke Mersmann). Todas as fotos em estúdio foram tiradas no final de novembro de 2000 em meu estúdio em Berlin, nos dias em que Dietmar estava pensando bastante sobre a fita de Moebius enquanto terminava a segunda etapa do tratamento contra o câncer. Eu me encontrei pela manhã com Dietmar, a fita de Moebius em pessoa, e pedi a ele que girasse em seu próprio ritmo enquanto eu seguia sua dança usando tempos maiores de exposição fotográfica. Ao ver os resultados desta última sessão de fotos eu perdi toda a 2 minha coragem no momento em que vi o sétimo vulto de suas voltas; este foi o último presente dele para mim, como fotógrafo – era impossível continuar qualquer trabalho fotográfico com Dietmar depois disto. Eu denominei esta série de sete fotos – vamos dizer vultos – de ‘Planeta Kamper’, os movimentos básicos de sobe e desce de Dietmar planando: cada um de seus planetas.” 3 Associações Sete princípios rejeitados sobre arte, terror e civilização - Primeiro Perto do final do século XII, no ano de 1164, Rashid al-din Sinan, o conhecido “velho das montanhas”, o líder dos Assassinos, revelou ao seu guarda pessoal as palavras que seu mestre, Hassan i Sabbah II, literalmente bradou na fortaleza da montanha: durante uma ocasião festiva, o professor jogou de lado o Alcorão, que tinha estudado por anos, declarou o fim da lei e proclamou o reino milenar da liberdade. “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”. Este foi o mote, o indiscutível ponto de inflexão para a crítica da civilização, a primeira linha dos cânones de uma emergente confissão de fé para os irmãos e irmãs de espírito livre (como Greil Marcus tem escrito). A blasfêmia é uma bomba relógio do mal que conduz, rapidamente, a um distanciamento e discriminação de todo o mundo civilizado, convertendo os assassinos, inofensivos mascadores de haxixe, em verdadeiros assassinos – de fato, conhecidos mundialmente. Por outro lado, a proclamação do fim da lei resultou em outras incongruências comparáveis nas principais religiões, mesmo no Islã. Hassan i Sabbah II tinha todos aqueles decapitados que não poderiam ou não queriam seguir seu lema e, assim, transportou aqueles libertados das amarras da lei para prisões cujos muros são constituídos por imagens da liberdade. Nunca, desde o início do mundo, os homens estiveram tão coagidos e subjugados à crueldade de um paraíso vazio. - Segundo “Todas as culturas têm raízes sanguinolentas” (Heiner Müller). Na Era do Esquecimento, os massacres provocados pela cultura foram atribuídos a uma 4 atrocidade inicial que nunca existiu. A barbárie é uma parcela da modernidade e pertence ao apocalíptico “fim dos tempos”. Experiências sérias da genealogia foram capazes de provar que nenhuma “conquista da cultura” pôde ser obtida sem violência. Ao mesmo tempo, seguindo diretamente este começo violento, um silêncio e horror imobilizadores se espalharam e, somente, diminuíram, pouco a pouco, depois de décadas ou, até mesmo, de séculos. Bazon Brock criou um grupo de pesquisa denominado Arte + Guerra, Cultura + Estratégia, que estuda as parcas chances da civilização medidas frente aos traços sangrentos da cultura. A “theory of the forbidden state of emergency” que ele apregoa é mais interessante. Ela procura a “base de calibragem das atividades culturais na dimensão da omissão, do impedimento. Segundo ele, é uma questão de reavaliação uma vez que, decisivos em escrita histórica e em projeção política, também aqueles eventos não ocorreram porque alguém os impediu. A história do que não ocorreu, a história da omissão, da inatividade deve ser desenvolvida em contexto social, político e cultural” – (Folheto do grupo de pesquisa Cultura + Estratégia, outono de 2001). - Terceiro Pouco antes dos ataques ao Afeganistão, as imagens da destruição das estátuas de Buda perpetrada pelo Taliban foram compelidas a um condensado com a destruição do World Trade Center de forma que se poderia assumir que as duas imagens eram uma e a mesma. E, assim, a memória da possibilidade de um iconoclasmo criativo – o resíduo de uma contradição inquebrantável – foi destruída para sempre, apesar das maciças e, em parte, complexas reações de defesa, como por exemplo a reação do músico Karl-Heinz Stockhausen, ele mesmo que pertence ao mundo iluminado. Ele se referiu efusivamente à destruição das torres em Nova York como “o maior trabalho de arte que existe no cosmo inteiro” e admirou, particularmente, o planejamento envolvendo anos de concentração intelectual, a precisão da execução do plano e a completa falta de piedade em face dos envolvidos. Ele acrescenta: “Aquelas almas executaram em um único ato 5 o que nós não sonharíamos em fazer na música, o que pessoas praticam por dez anos, de forma insana, fanática para um concerto e, então, morrem – imagine o que aconteceu lá! Estas são pessoas que se centralizaram em uma performance e, então, cinco mil pessoas foram mortas – em um único momento! Isto eu não poderia fazer. Comparado a isto, nós não somos nada, somos apenas compositores. Alguns artistas também tentam ir além das fronteiras do imaginável e do possível com o objetivo de nos acordar de forma que nos abramos para outro mundo” (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 19 de setembro de 2001). Diante de frases como estas, pode-se perguntar se, depois de 11 de setembro de 2001, alguém ainda pode ser um artista. - Quarto Paul Virílio, recentemente, enredou frases que repetia em uma teoria preconizando que a arte da modernidade representa uma variante do terror – terror como somente apareceu, recentemente, em sua forma mais horripilante: destruição tão absurda quanto possível com tantas vítimas inconscientes quanto possível. Virílio: “Com um excesso ultrapassando outro, a adaptação ao choque das imagens e à falta de peso em suas palavras têm conduzido a uma transformação profunda e de longo alcance do theatrum mundi. A arte desumana contemporânea não é ousada, mais apropriadamente, adotou a audácia dos sórdidos e dos torturadores e a arrogância dos carrascos.” (cit. Peter Bexte, Frankfurter Rundschau, 15 de setembro de 2001) Em outras palavras: a arte não representa a pobreza do mundo e apela por uma vida melhor; ela é mais o motor do empobrecimento. Não é uma pequena lente de aumento da desgraça, mas é a própria profanação. Não é a vítima de um tratamento abusivo, não, ela própria trata com abuso. Com este julgamento, todas as posições que teriam levado ao “terceiro” (como foi o caso das admiráveis obras de Franz Kafka) não estão mais disponíveis. Dentro da rígida alternativa entre uma sociedade de vítimas e uma sociedade de massacre toda resistência está aniquilada. A arte como uma “saída 6 frente ao bando de assassinos” (Franz Kafka), agora, não é nada mais do que uma metáfora agonizante. - Quinto Mais atemorizador é o fato de que esse terror sem alternativa é refletido diante do “grande salvador do mundo”, e que, novamente, este salvador é forçado a refletirse na carranca do terrorismo. Há uma relação que faz das identidades, reciprocamente, espelhadas obrigatoriamente ligadas e, inteiramente, opacas e obscuras. A partir de então, existem somente duas visões de mundo que, uma vez ligadas uma a outra, dizem a mesma coisa – praticamente nada. Em virtude do fato de que criminosos podem rogar o status de vítima (segundo Bernd Ternes), um discurso pré-moderno é colocado em ação, um que já foi, fatalmente, empregado na Idade Média européia. Da retórica maniqueísta que vai de um extremo a outro, da manifestação do presidente Bush de que não há “neutralidade”, a conclusão inevitável é que isto é verdade. Razões semelhantes de Osama bin Laden quando ele prega como se estivesse em uma escola do Alcorão (Süddeutsche Zeitung). O que o terror conquistou é verdadeiramente desastroso: a divisão de todo o mundo em dois campos, o dos que acreditam e o dos que não acreditam. A lógica antiga de acusar reciprocamente o outro de Satã paralisa o entendimento e bloqueia toda forma de diálogo. Ao mesmo tempo, um tipo de esquecimento quase sem vestígios aparece impondo-nos repetições sem fim. - Sexto Isto se manifesta na longa e ativa dialética da salvação, cujos resultados estão, afinal, diametralmente opostos às intenções envolvidas. As estratégias dos salvadores têm, desde algum tempo, sido nada mais do que bem calculadas – em oposição à arte. Na intenção de salvar o mundo reside um excesso ainda maior e 7 desconhecido de destruição que se manifesta, particularmente, seguindo o modelo da convenção de Herança Mundial da Unesco – com o resultado absurdo de que o rótulo correspondente, simplesmente, indica que algo não é mais bem-sucedido. Nos bastidores, as coisas são transformadas em uma imagem de coisas. Elas perdem a sua corporeidade e materialidade e são transportadas para um universo eterno – que significa morto. E aqui não pode haver um simples retorno. A destruição é, e permanece, destruição, mas o mesmo é verdadeiro para a salvação. A impossibilidade de usar um terceiro termo nos deixa com uma alternativa entre destruição e destruição. O terror é o inimigo da civilização. A civilização é o inimigo da vida. Aqueles que querem viver hoje devem se virar contra a civilização que se vira contra o terror. Ainda, pela mesma evidência, eles não são sempre os partidários do terror. O terrorismo traz a morte para a civilização. A civilização traz a morte para a vida. E aqueles que desejam viver hoje sabem que nenhuma forma de terror trará vida de volta à vida. O curtocircuito indicado aqui corre em duas direções para o mesmo final: morte. A vida existe naquele terceiro excluído. O terceiro excluído pertence à pré-história da filosofia, da ciência e da arte. - Sétimo Ao invés disso, nos vamos à procura de conselhos de Hollywood. Parece como se as fantasias forjadas da cinematografia - particularmente dos filmes de catástrofe – fossem mais exatas do que os arquivos das agências de notícias e dos dados da imprensa. Durante todo o período de reflexão e comentário, houve uma tentativa de estabelecer uma regra sutil na imaginação humana em vez de fixar uma imagem de realidade. Poucos tornaram-se virtuosos da metáfora e das anástrofes, figuras que por si só sugerem a conclusão que o pensamento humano poderia tornar-se o mestre das palavras e imagens e, por isso, muitos estão preparados para lidar com o delírio inicial. Friedrich Kittler exemplificou este processo, recentemente, na obra-prima pela história mundial. Depois de Nietzsche e Foucault, nós lemos aqui: “Os velhos medos residem fundo em nossos ossos. 8 Superior, no comando, bin Laden interpõe-se frente às câmeras da imprensa. Há apenas alguns anos, jovens árabes, aparentemente, viajam em pé em um jipe para o norte do Paquistão, e lá – onde hoje as escolas do Alcorão estão se desenvolvendo – rodeados por tendas, lendas antigas e nuvens de poeira eles traduzem sua arte de meia idade tardia de caçar com falcões na alta tecnologia do presente. Os jipes agora substituíram os cavalos, os jatos alugados substituíram os camelos e somente o falcão domesticado e seu alvo, uma caça em ação predatória nômade no céu do deserto, permanecem inertes como estiveram no passado. Com freqüência, nós quase nos esquecemos de que os cruzados e os sarracenos cavalgaram os mesmos cavalos até que o ‘velho da montanha’ soltasse seus assassinos – mascadores de haxixe e assassinos em uma vez e ao mesmo tempo - em cima dos dois grupos”. (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 5 de outubro de 2001, “Para quem o deserto cresce: O novo terror e seus nômades”). A cor da cena: lápis-lazúli. Texto publicado em inglês na Revista Janus, in Memoriam, em outubro de 2002. 9