R - FAE

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Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 –
Curitiba, 1998 –
v.
ilust.
28cm.
Semestral
ISSN 1516-1234
Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica
Administração e Economia
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I.
FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.
CDD – 001
Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões
neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.
A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu.
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Sumário
Summary
Social transformation, democracy and corporate culture — the
portuguese case in the context of the european crisis
Elísio Estanque
Transformação social, democracia e cultura de empresa — o
caso português no contexto de crise europeia
Elísio Estanque
06
A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa
comercial: um estudo de caso
José G. Lupoli Junior
24
The strategic approach adapted by a small business: a case study
José G. Lupoli Junior
Mobilidade Sustentável como desafio do milênio
Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha
42
Sustainable Mobility as a millennium challenge
Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha
Qualidade e imagem na satisfação de clientes em
concessionárias
Ieda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo
52
Quality and image impact in consumer satisfaction in car
dealers
Ieda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo
Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre
o Ensino a Distância
Rogério Faé
68
Organizational Learning: a case study about
Distance Education
Rogério Faé
84
Analysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos
Ana Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania
Ribas Ulbricht
104
The North Costitutional Fund as a mediator for regional
development: a case study of the region of Belém do Pará
Jones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da
Silva Pereira
O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão
da qualidade
Patrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima
Rodrigues,
Beatriz Aibar Guzmán
126
The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management
Patrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima
Rodrigues,
Beatriz Aibar Guzmán
Retorno acionário e grau de alavancagem operacional:
evidências sob novas abordagens metodológicas
Paulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França
146
Stock return and the degree of operating leverage: new
evidence for contemporary association
Paulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França
A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos
fundos de ações brasileiros
Marcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira
162
The efficient markets hypothesis and the evaluation of the
performance of brazilian mutual funds
Marcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira
184
A financial view of youth today: how the generation Y deals
with money
Luiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos
Bortolocci Espejo
198
Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in
teachers
Divanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns
Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa
Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de
Extensão Universitária Chiquitos
Ana Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania
Ribas Ulbricht
Fundo Constitucional do Norte como mediador do
desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém
do Pará
Jones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da
Silva Pereira
Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com
recursos monetários
Luiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos
Bortolocci Espejo
Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais
em docentes
Divanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns
Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa
FA E
Cen t ro
U n i ver s i t ár i o
Apresentação
Prezados leitores
É com imensa satisfação e alegria que a FAE Centro Universitário disponibiliza para
toda a comunidade acadêmico-científica mais uma edição da Revista da FAE.
O prazer de finalizar e poder compartilhar com autores, pareceristas, colaboradores,
revisores, editores e leitores das temáticas e dos assuntos aqui apresentados é imensurável
e também está aliado ao sentimento de que, provavelmente, as contribuições expressas
em cada artigo possam promover melhorias e inovações no estado da arte.
Nesta edição, podemos refletir sobre questões abrangentes que se estendem
desde a transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português
no contexto de crise europeia —, até a mobilidade sustentável como desafio do milênio.
Permeando esses limites, encontramos temas específicos de gestão organizacional,
abordando o caso sobre uma pequena empresa comercial e como ela implantou
estratégias competitivas funcionais. Evidências sob novas abordagens metodológicas
da resposta do mercado ao grau de alavancagem operacional (GAO), a utilização do
balanced scorecard como ferramenta estratégica de gestão de qualidade, compreensão
de como a qualidade do serviço e a imagem de uma loja influenciam na satisfação do
cliente, em um estudo de caso em concessionárias.
Contemplando a preocupação e contribuições em relação à capacitação de
profissionais, encontraremos um relato sobre uma pesquisa de campo realizada com
integrantes do Projeto Chiquitos, cujo foco é o comportamento da criatividade em
relação a possíveis bloqueios no grupo pesquisado, seguido de um estudo de caso
sobre o ensino a distância, realizado em uma empresa de grande porte de ativos
financeiros, a fim de que os participantes pudessem experimentar novos métodos com
maior abrangência espacial do que estratégias tradicionais de formação.
Tomando-se um bloco mais diversificado de temas tratados e apresentados,
podemos ainda contar com um artigo que avalia, com base nas premissas da Hipótese de
Eficiência de Mercado (HEM), a performance dos fundos e ações brasileiros referenciados
ao Ibovespa, abrangendo o período de janeiro de 2000 a março de 2007, seguido de um
artigo que apresenta uma discussão sobre a contribuição do Fundo Constitucional do
Norte como mediador do desenvolvimento regional, o caso da mesorregião de Belém
do Pará.
Poderemos completar a leitura com dois artigos que fazem duas abordagens
relevantes para o contexto atual. A primeira, de ordem comportamental, destaca as
atitudes e percepções do jovem contemporâneo, a denominada Geração Y, em relação
à sua educação financeira no que tange às suas escolhas no momento das compras e
propensão aos investimentos dos recursos monetários. A segunda, por meio da uti­lização
do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases), complementada por técnicas de
reconhecimento de padrões, apresenta uma metodologia para avaliação de distúrbios
vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola localizada no
município de Curitiba-PR.
Diante de todos esses temas, espera-se que o leitor possa encontrar nesta edição
algumas respostas, elaborar novos questionamentos e até mesmo com­plementa­r seus
estudos e reflexões na esfera de sua vida profissional e pessoal.
Boa leitura!
Paz e Bem!
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
Transformação social,
democracia e cultura de
empresa — o caso português no
contexto de crise europeia
Social transformation, democracy and corporate culture — the
portuguese case in the context of the european crisis
Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no
contexto de crise europeia
Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case
in the context of the european crisis
Elísio Estanque1
Resumo
A temática da cultura de empresa na sociedade portuguesa serve de
ponto de partida, no presente texto, para uma reflexão mais abrangente
sobre a sociedade portuguesa e as tendências de transformação
socioecônomicas na Europa ao longo das últimas décadas. Uma das
linhas de preocupação prende-se com a necessidade de conjugar
a coesão da sociedade, a mudança e a inovação tecnológica. Por
outro lado, as condições de trabalho e os mecanismos de diálogo são
discutidos em articulação com a dimensão conflitual inerente à estrutura
do capitalismo moderno. Assim, o conflito, a negociação e a inovação
constituem ingredientes que terão de se conjugar no quadro de um
projeto de modernização que vise o equilíbrio e o bem-estar geral. O
caso da empresa Autoeuropa (do grupo Volkswagen) é abordado à luz
do paradigma ‘político-cultural’, apresentando-o como um exemplo que
tem conseguido conciliar o estímulo à produtividade com a defesa dos
valores democráticos e dos mecanismos de diálogo.
Palavras-chave: Cultura de Empresa. Crise. Autoeuropa. Trabalho. Negociação. Democracia.
Abstract
The discussion about corporate culture is the starting point for this
article, aiming a broader reflection on the Portuguese society and
the socioeconomic trends in Europe over the past decades. One first
line of concern is about the need to connect social cohesion, change
and technological innovation. Moreover, working conditions and
dialogue mechanisms are discussed in articulation with social and labor
conflicts in the overall structure of modern capitalism. Thus, conflict,
negotiation and innovation are ingredients that have to be combined
under a modernization project that aims at general welfare. The case
of Autoeuropa (Volkswagen Group) is discussed in the light of the
political-cultural paradigm, presenting it as an example that has been
able to reconcile the productivity stimulus with democratic values and
mechanisms for dialogue.
Keywords: Corporate Culture. Crisis. Autoeuropa. Labor. Negotiation.
Democracy.
Doutor em Sociologia (Universidade de Coimbra). Professor de Economia da universidade
de Coimbra. E-mail: [email protected]
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
7
Introdução
O presente texto procura contribuir para
uma reflexão ampla em torno do diálogo, da
mudança e da coesão social nas sociedades
abertas. Partindo de uma discussão sobre o sentido
das transformações recentes do capitalismo no
plano global, com enfoque especial no campo
laboral, nossa abordagem centra-se na mudança
organizacional e na realidade empresarial para,
nos tópicos finais, tratar o caso da empresa
Autoeuropa (do grupo Volkswagen), sediada em
Palmela (ao sul de Lisboa).
Muito embora qualquer um desses temas seja
familiar aos cientistas sociais, eles surgem de um
modo geral encaixados em especialidades distintas.
Tal situação, resultado da afirmação das disciplinas do
conhecimento em territórios fechados, é limitativa,
no sentido de que torna mais difícil empreender uma
reflexão interdisciplinar e sistemática sobre ‘o social’,
a importância do ‘contrato’, do conflito e do diálogo
na construção de um sistema que busca conciliar a
dinâmica com a coesão.
O objetivo desta pesquisa visa justamente
responder a essa limitação, ao mesmo tempo em
que procura analisar, sob diversos ângulos, aspetos
relevantes da sociedade portuguesa no contexto
europeu marcado pelo recente contexto de crise e
de austeridade.
1
Capitalismo Global,
Fragmentação e
Precariedade do Trabalho
Para uma compreensão aprofundada do
capitalismo global do século XXI, é importante
situar o tema numa perspetiva histórica mais
ampla e, ao mesmo tempo, no quadro do sistemamundo que lhe confere os seus principais traços
estruturais (WALLERSTEIN, 2004).
8
Numa primeira fase, importa referir a
emergência de um regime despótico de mercado
(BURAWOY, 1985), que vingou no período de
‘capitalismo selvagem’, suscitando res­postas e movi­
mentos sociais antissistémicos (WALLERSTEIN;
BALIBAR, 1991) com destaque para o movimento
operário e para as convulsões e movimentos repu­
blicanos, anarquistas e socialistas que assumiram
uma força decisiva na Europa na virada do século
XIX para o XX.
Entretanto, a consolidação de novas técnicas
e racionalidades burocráticas aplicadas à economia
conduziu ao aperfeiçoamento de um regime
disciplinar na produção, caracterizado pela rápida
acumulação e crescimento (modelo taylorista), o
que, apesar disso, não evitou a grande instabilidade
social e política — nomeadamente a Primeira Guerra
Mundial, a Revolução Bolchevique e, três décadas
depois, a Segunda Guerra Mundial — na primeira
metade do século XX. Só depois disso, já no Pós-Segunda Guerra Mundial, se afirmou um regime
hegemónico, coincidente com o advento do welfare
state, no qual a integração e o consentimento foram
objeto de uma negociação e compromissos sociais
realizados à sombra do fordismo e das políticas
sociais promovidas pelo Estado.
Finalmente, desde a década de 80 do
século passado, assistiu-se a uma nova virada,
de sentido liberal, mas agora numa escala global,
isso levou a que se falasse da emergência de uma
nova forma de despotismo: o despotismo global
ou despotismo hegemônico. Esse despotismo era
coincidente com as últimas décadas de hegemonia
neoliberal, em que a regulação se realizou a partir
das múltiplas conexões transnacionais dina­
mizadas pela globa­
lização e pelo capitalismo
financeiro, apoiados nas redes informáticas e nas
novas tecnologias da comunicação (BURAWOY,
1985; 2001; CASTELLS, 1999).
A secularização da
sociedade ao dessacralizar
o poder instituiu novas
formas de conflitualidade
em que as tensões, lutas
e alianças operaram sobre
os despojos da velha
sociedade pré-industrial,
impondo uma profunda
mudança ao longo dos
tempos.
muito particulares, que se prendem — como se
verá adiante — com os valores e a cultura de cada
empresa ou organização em concreto.
Com isso, pode-se afirmar que nos últimos
dois séculos se assistiu a uma disputa entre
modalidades ou regimes de regulação econômica.
No fundo, a secularização da sociedade ao
dessacralizar o poder instituiu novas formas de
conflitualidade em que as tensões, lutas e alianças
operaram sobre os despojos da velha sociedade
pré-industrial, impondo uma profunda mudança
ao longo dos tempos.
Ainda que em parte ficcionada, a ideia de Na­
ção enquanto comunidade imaginada (ANDERSON,
1991), por um lado, resistiu ao prin­cípio do mercado
e, por outro lado, foi decisiva para a emergência do
Estado social. Tal processo acabou por conduzir à
primazia do princípio do Estado sobre os princípios
do mercado e da comunidade, este último par­
ticipando na edificação do modelo hegemônico,
em especial após o triunfo e consolidação do
Estado-providência. Mas, como é sabido, a partir
da década de 1970, o mercantilismo se reergueu
e, desde então, é novamente o papel do Estado e
os seus programas sociais, assistenciais e solidários
que recuam em toda a linha.
Na linha de autores como Boaventura de
Sousa Santos (1994) e Karl Polanyi (1980), faz
sentido afirmar que a regulação dependeu sempre
do modo como se conjugaram os princípios da
comunidade, do mercado e do Estado2, bem
como da forma como tais tensões se inscreveram
na geometria do território e na organização das
sociedades. A dinâmica e os arranjos entre aqueles
princípios dependeram sempre da correlação de
forças e da capacidade estratégica dos setores
e grupos sociais em causa na disputa pela
hegemonia numa sociedade nacional particular.
É claro que ao situar a questão no plano mais
geral não nos esqueçamos que, no quotidiano
da atividade produtiva, os mecanismos negociais
e de diálogo se regem por códigos e condutas
2
Até final do século XIX, no Ocidente, foi o
princípio de mercado que se sobrepôs ao Estado
e à comunidade, mas esse princípio induziu —
principalmente devido ao papel da luta de classes
— um esforço de reconstrução do princípio da
comunidade, que se procurou estender à escala
nacional. O movimento operário e as ideologias
mais radicais que o contaminaram (em especial
o anarquismo e o marxismo) foram portadores
de uma linguagem e de um projeto político que,
de certo modo, transportaram um reforço da
comunidade ou, dito de outra maneira, projetaram
um discurso classista e ‘comunitarista’, que,
também, se inscrevia numa base nacional.
É o que vem ocorrendo na Europa, com as
políticas sociais e o Estado social (no seu conceito
mais universalista) a cederem o passo cada vez
mais à economia de mercado, sob a batuta da
globalização neoliberal e do capitalismo financeiro.
Os mercados, e os poderosíssimos interesses que
neles se escudam, cresceram de uma forma avas­
saladora, obrigando ao recuo do Estado e das
políticas sociais.
Santos (1994) refere-se a esses três princípios na sua articulação com os pilares da regulação e da emancipação.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
9
Trabalho, terra e
dinheiro, sendo parte do
sistema econômico, são
organizados pelo mercado,
mas não são mercadorias
já que nenhum deles foi
criado para venda.
Segundo Polanyi (1980), trabalho, terra
e dinheiro, sendo parte do sistema econômico,
são organizados pelo mercado, mas não são
mercadorias já que nenhum deles foi criado para
venda pelo que, de acordo com o referido autor, “a
descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como
mercadorias é inteiramente fictícia” (POLANYI,
1980, p. 85).
Sendo uma tendência antiga, que nos
remete ao final do século XVIII, não há dúvidas
que o recrudescimento recente do princípio do
mercado como ideologia dominante suscitou
algum paralelismo com o que aconteceu na
Europa há 200 anos, levando a economia de
mercado a ganhar ascendente sobre as atividades
produtivas de base comunitária e solidarista
(LAVILLE; ROUSTANG, 1999). Até certo ponto,
as sociedades europeias ameaçam regressar à
situação que já experimentaram no século XIX, isto
é, a uma sujeição generalizada às leis do mercado
e a um capitalismo selvagem com novas formas
de injustiça, de desregulação e de ‘barbárie’.
Os avanços do século XX recuperaram a forma
do contrato social, mas, nas últimas décadas,
assistimos, de novo, ao reforço em força dos
mercados, isto é, no plano dos direitos sociais e
laborais entramos num novo ciclo de retrocesso
civilizacional. De novo, as transações monetárias
e a especulação bolsista estão submetendo a
produção e a distribuição aos objetivos de rápida
10
acumulação lucrativa, perdendo-se a tradicional
função social das relações de troca, de dádiva e
de reciprocidade, o que, para diversos analistas, é
reflexo das contradições estruturais do capitalismo
global e das suas dinâmicas metabólicas (ANTUNES,
2008; ALVES, 2011).
O campo laboral foi, sem dúvida, aquele em
que os impactos desestruturadores da globalização
neoliberal têm sido mais intensos. As consequências
disso mostraram-se devastadoras para milhões de
trabalhadores de diversos continentes, sendo a
Europa o continente onde as alterações em curso
representaram flagrantes recuos em face das con­
quistas alcançadas ao longo de séculos. Como
resultado, os efeitos da globalização têm induzido
formas de trabalho cada vez mais violentas, num
quadro social marcado pela flexibilidade, ilegalidade,
subcontratação, desemprego, individualização e
precariedade dos assalariados. Assistiu-se a uma
progressiva redução de direitos laborais e sociais, e
ao aumento da insegurança e do risco, num processo
que se vem revelando devastador para a classe
trabalhadora e o sindicalismo, dando, inclusive,
lugar a modalidades de trabalho forçado, onde os
direitos humanos e a dignidade do trabalho são
sistematicamente desrespeitados (ANTUNES, 2006;
BECK, 2000; CASTEL, 1998, CASTELLS, 1999).
As tendências de restruturação produtiva,
de recomposição das relações de trabalho e o
metabolismo que vêm ocorrendo em nossas
sociedades, bem como os seus ciclos e oscilações
entre crises e dumping social, por um lado, e
euforia consumista e crescimento, por outro,
podem ser entendidos como situações inerentes
à própria estrutura do capitalismo moderno. Como
assinalou Ricardo Antunes,
houve uma diminuição da classe operária industrial
tradicional, mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das
formas diversas de trabalho parcial, precário, informal,
subcontratado, etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho. (ANTUNES, 1999, p. 209)
2
Mudança Organizacional e
Inovação Tecnológica
Durante décadas, as teorias organizacionais
privilegiaram a análise micro e, voluntariamente ou
não, seguiram uma concepção funcionalista que
tendia a olhar a vida da organização ou como mero
resultado de impactos exteriores, ou como sistemas
dotados de coerência própria, mas desligados do
mundo social mais vasto. Porém, tal perspectiva
é contrária a uma visão mais sociológica e
‘culturalista’ do papel das organizações e das em­
presas no sentido de considerá-las não apenas
como espaços de produção de bens e serviços, mas
sim enquanto sistemas sociais dotados de potencial
criativo, tanto no plano econômico como no plano
sociocultural e identitário (SAINSAULIEU, 1997).
No caso português, como sabemos, tudo
aconteceu mais tarde e de modo mais inconsistente,
quer na vida social em geral, quer no campo das
organizações e das empresas. Efetivamente, o
processo de industrialização tardia e a igualmente
tardia virada democrática, em 25 de abril de 1974,
deram lugar a um clima de fortes movimentos
sociais, ativismo sindical e lutas reivindicativas, cujo
impacto no quadro legal português foi de extrema
importância, desde logo na Constituição de 1976,
suportada por uma ideologia pró-socialista.
Apesar das diversas revisões constitucionais,
que mais tarde foram esvaziando essa carga
ideológica, as leis trabalhistas em Portugal perma­
neceram até recentemente muito favoráveis aos
interesses do trabalhador (embora, muitas vezes,
elas fossem subvertidas na prática diária da
vida das empresas). Seja como for, os traços de
fordismo que o sistema de emprego português
revelou, em especial nos setores da administração
pública e nas empresas administradas pelo Estado,
obedeceram largamente a essa influência, o que
favoreceu a resistência ao toyotismo e ajudou
ao adiamento da restruturação produtiva, da
terceirização e da fragmentação das formas e dos
processos de trabalho.
As particularidades já apontadas do
País obrigaram que as tendências econômicas
mais gerais ocorressem mais tarde e de forma
algo mitigada. Todavia, os mesmos processos
tiveram igualmente lugar no contexto português.
A estabilidade, a segurança no emprego, as
oportunidades de carreira etc., em suma, a afir­
mação de um ‘contrato social’ em que as condições
de trabalho e o direito laboral foram apoiados por
políticas assistenciais suportadas por um diálogo
social tripartit, permitiram a construção de um
‘compromisso de classe’ de que beneficiaram os
trabalhadores e as suas estruturas sindicais. O
sindicalismo cresceu ao longo dos anos 1970 e
1980, mas, ao mesmo tempo em que se expandia no
setor dos serviços, desligava-se das velhas bases
operárias, que nos anos ‘quentes’ da Revolução
de Abril (1974-1975) lhe serviram de motor. Bases
essas que, de resto — e em parte por pausa disso
—, entraram em declínio, fragmentaram-se cada
vez mais e perderam capacidade organizativa e
significado político3.
Ao longo da última década do século
XX, com a globalização e o pós-fordismo já em
marcha, muitas organizações e empresas ociden­
tais conseguiram conjugar o ‘enxugamento’ e a
opção por medidas de poupança nos custos de
pessoal com o estímulo à criação de culturas de
empresa mais flexíveis e informais, inspiradas no
exemplo japonês promovendo um novo sentido
ético, de respeito pelo trabalho, criando novos
valores, rituais, símbolos e ‘heróis’, tendentes a
reforçar os níveis de identificação com o ‘espírito
da casa’ e, desse modo, aumentar a produtividade
e a competitividade internacional.
É claro que a estratégia sistêmica obedeceu
sempre à procura de acumulação e de expansão
dos negócios. Porém, pode-se dizer que o modelo
Em particular, após 1989, com queda do muro de Berlim e a implosão do regime soviético, que havia servido de referente aos partidos e
movimentos operários.
3
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
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toyotista contém duas facetas distintas: de um
lado, a busca da ‘produção enxuta’, o outsourcing e
a fragmentação da força de trabalho; do outro, um
maior sentido de diálogo e, em especial, a criação
de um espírito de equipe com alguma autonomia
e liberdade para o trabalhador. Em outras palavras,
os modelos ‘puros’ não existem na prática. Isso
é, na realidade, o que se verifica é a conjugação
de lógicas distintas, especificamente, em alguns
países e empresas, o advento do toyotismo que
se apoiou incorporando traços do fordismo,
combinando flexibilidade com a defesa de direitos
do trabalho e a construção de consensos internos
como base no diálogo. Em todo o caso, sabe-se
que esse modelo teve maior impacto no contexto
dos EUA, enquanto na Europa, perante a maior
influência das estruturas sindicais e a presença
de barreiras de classe mais efetivas e culturas
de resistência mais estruturadas, conduziu a
resultados diferentes.
No que diz respeito a Portugal, os impactos do
desenvolvimento tecnológico no tecido produtivo
vêm a se defrontar, ao longo das últimas três
décadas, com as resistências de uma mentalidade
empresarial ainda marcadamente conservadora e
pouco qualificada, na qual se refletem as diferenças
de estatuto e as hierarquias de poder, aspetos muito
vincados na nossa sociedade, devido à tradição
tutelar4 muito presente na cultura portuguesa.
As mudanças democráticas, que num período
mais recente vieram a ser operadas, são ainda
dificilmente perceptíveis de forma generalizada
nas grandes organizações. Nas empresas de maio­
res dimensões, as políticas de gestão flexível, de
um modo geral, apenas têm tradução ao nível dos
quadros superiores e das estruturas de topo.
É preciso dar, no entanto, a devida impor­
tância a fatores, como a absorção pelo mer­
cado de emprego das gerações mais jovens e
qualificadas, cujas competências em educação evo­
luíram significativamente (FIGUEIREDO, 1999, p. 73).
Aliás, os resultados da crescente flexibilização e
recomposição do tecido produtivo têm se traduzido
não num processo incremental de modernização,
mas sim em novas segmentações nas quais
se desenham claras diferenças e dualismos na
geometria empresarial, e se pontifica ainda uma
grande dificuldade de renovação e de inovação,
quer no plano técnico quer no plano social.
Por vezes, a familiarização com as novas
tecnologias alimenta a insegurança e cava novas
divisões entre a força de trabalho, como acontece
com os programas de formação profissional em
áreas sujeitas à informatização, em que os setores
menos escolarizados e as camadas etárias menos
jovens apresentam grandes dificuldades. Até há
cerca de dez anos, a maior capacidade competitiva
foi protagonizada pela indústria tradicional (têxtil,
vestuário e calçado), que mantém em vigor modelos
de organização de cariz taylorista largamente
suportados pelo trabalho intensivo e pelos baixos
custos salariais, e foi nessa base que asseguraram
um volume significativo de exportações. Embora o
emprego tenha crescido significativamente nessas
indústrias até final do século passado, o esforço
competitivo em termos tecnológicos foi diminuto
e a inovação introduzida foi, sobretudo, em âmbito
de equipamentos e de design. Acresce que, nos
últimos dez anos, a concorrência dos países do
sul da Europa, em especial os asiáticos, estimulou
drasticamente a deslocalização das unidades pro­
dutivas, o que significou uma sucessão de falências
e encerramentos, fazendo aumentar, assim, o
desemprego de forma galopante (cuja média era,
no final do primeiro trimestre de 2012, de cerca de
15% em Portugal5, e com expectativas de subida nos
próximos anos).
À ancestral tutela da Igreja Católica e dos notáveis locais, que alimentaram o paroquialismo ao longo de séculos, juntou-se a longa
experiência do Estado Novo salazarista que, durante 48 anos, reforçou o seu centralismo numa (in)feliz conjugação entre despotismo e
paternalismo, contribuindo para alimentar a moral conservadora e patriarcal, bem como a prática autoritária e despótica. Assim, a dupla
vertente repressiva e ‘protetora’ consubstanciada no Estado e no seu ‘chefe’ todo-poderoso (Salazar) e legitimada pela hierarquia da Igreja,
a qual se converteu em doutrina oficial do regime, sendo inculcada em sucessivas gerações, por meio da Escola, da família e da atividade
religiosa. Uma ideologia montada ao longo de décadas não desaparece facilmente. Ela contribui para emprestar ao poder institucional
(e empresarial) uma aura de ‘sacralização’, funcionando como ideologia e, desse modo, naturalizando e reproduzindo todo o tipo de
caciquismos, abusos e dependências dos fracos perante os fortes e dos pobres perante os ricos.
5
Note-se que entre as camadas mais jovens (15-24 anos), que são também as mais qualificadas, o desemprego atingiu, já em 2012, o valor
recorde de 35%, sendo a terceira taxa mais elevada da UE, depois da Espanha e da Grécia.
4
12
O tecido industrial português
encontra-se bastante
disseminado em ambientes
ainda marcados pelo
universo rural, onde múltiplas
atividades econômicas
paralelas funcionam
como complemento dos
rendimentos salariais
dos trabalhadores.
O tecido industrial português encontra-se
bastante disseminado em ambientes ainda marcados
pelo universo rural, onde múltiplas atividades
econômicas paralelas — e redes informais de soli­
dariedade, da chamada ‘sociedade providência’, em
que as famílias e as suas economias de subsistência
respondem às necessidades sociais que o Estado
não consegue por si mesmo assegurar — funcionam
como complemento dos rendimentos salariais dos
trabalhadores. Por outro lado, o rápido crescimento
da administração pública, acompanhando os fortes
investimentos em educação, saúde, previdência
social e infraestruturas, que teve lugar nos anos
80 do século passado, contribuiu decisivamente
para a criação de um quadro legal bastante
protecionista dos direitos laborais, o que permitiu
erguer um mercado de trabalho de tipo fordista,
caracterizado pela estabilidade no emprego, pla­
neamento das carreiras, progressão salarial etc.
Muito embora tal modelo nunca tenha conseguido
consolidar-se nem generalizar-se no nosso país —
ao contrário de outros países europeus, como a
França, a Alemanha, ou os países nórdicos —, ele
ganhou expressão em alguns setores industriais,
como a metalomecânica, a indústria automóvel
e nas maiores empresas da indústria tradicional
Rev.
FA E ,
C uritiba,
(têxtil, vestuário e calçado, por exemplo). Contudo
foi, acima de tudo, no setor da administração
pública que o fordismo mais se expandiu, dando
lugar ao desenvolvimento de culturas burocráticas
e de cariz corporativo que resistiram enquanto
puderam, ao esforço de inovação e modernização
Com a entrada no século XXI e perante os
primeiros pronunciamentos da crise — nomea­
damente devido à abertura das fronteiras aos
produtos asiáticos e à intensificação da concor­
rência —, a situação no setor público serviu de
pretexto ao surgimento de um discurso político
(pretensamente ‘pragmático’) destinado a criar
uma divisão entre os setores menos protegidos
da força de trabalho (da indústria privada) e
os supostos ‘privilégios’ dos trabalhadores da
administração pública. Desse modo, colocava-se
em marcha a primeira tentativa de ‘nivelamento por
baixo’, visando uma reestruturação desqualificante
do funcionalismo público, impondo-lhe condições
de trabalho marcadas pela flexibilidade, mobi­
lidade, aposentadorias compulsivas, maior fa­
ci­
li­
dade de despedimento, estimulando a tercei­
riza­
ção, as parcerias público-privadas, os con­tratos de
tra­balho a termo certo, entre outros, numa palavra:
promovendo a precarização do trabalhador tam­
bém entre os servidores públicos, à semelhança do
que já acontecia no setor privado.
Como sabemos, essa recomposição das
condições de trabalho tem em sua gênese um
programa político mais geral, marcado à sombra
do modelo neoliberal, cujo desígnio principal tem
sido não apenas a liofilização e enxugamento
das empresas do setor privado, mas também o
desmantelamento do Estado social. Todavia, tal
processo, apesar de reforçar substancialmente a
margem de manobra dos empresários e gestores
perante os trabalhadores e os sindicatos, não se
traduziu, até agora, em estratégias sustentáveis
de modernização empresarial e inovação tec­
nológica. A suposta ‘rigidez’ do direito do trabalho
(considerado demasiado protecionista pelos
empresários) serviu apenas de argumento para
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
13
facilitar demissões e obrigar os trabalhadores
a se sujeitarem, sem resistência, aos interesses
de um patronato conservador e com fraco
sentido empresarial, impondo horários flexíveis, o
chamado ‘banco de horas’ (individual e grupal/da
equipe), a ‘polivalência’, o ‘ajustamento’ salarial, a
‘inadaptação’ como critério arbitrário justificativo
da demissão individual, a redução do custo das
indemnizações, entre outros. Essas tendências não
apenas significam a desvalorização do trabalho
e do salário, mas, na prática, traduzem-se na
destruição generalizada do direito do trabalho,
no desprezo pelos princípios do trabalho digno e
dos valores humanos (que vêm sendo invocados
pela OIT6), empurrando a Europa para a total
desregulação laboral, ou seja, para uma regressão à
‘barbárie’ típica do capitalismo selvagem do século
XIX. O contrato social está sendo unilateralmente
rasgado pelo poder do capitalismo financeiro, da
tecnocracia e do neoliberalismo, poderes que o eixo
Paris-Berlim vem corporizando com a anuência
da maioria dos países da UE, e de que o governo
português pretende ser o mais fiel seguidor7.
Ora, é nesse quadro que teremos de situar
a questão da cultura de empresa, um assunto que
é tanto mais importante quanto reflete, ao mesmo
tempo, as dinâmicas e os bloqueios do processo
produtivo – as tão exaltadas ‘produtividade’ e
‘competitividade’ das empresas — e os fatores
estruturais inerentes à sociedade e às estruturas
sociopolíticas do País. Vale a pena, por isso, dar
atenção à cultura, considerando, por um lado,
a natureza polissêmica da própria noção e, por
outro, as distintas concessões sobre a ‘cultura de
empresa’. Esse é o tópico que se segue.
3
Paradigmas da Cultura
de Empresa
A empresa, tal como o próprio trabalho,
sempre foram ao longo da História temas
controversos, marcados por intensos conflitos,
mas também por identidades e culturas de grupo,
coesas e fortes. Têm sido considerados tanto
espaços de opressão e exploração como campos de
oportunidade, de emancipação e reconhecimento
social para milhões de trabalhadores. Por fim, o
fato de termos em Portugal um tecido empresarial
essencialmente composto por pequenas e micro­
empresas, em que se pontificam lideranças e
dirigentes com baixas qualificações, é um motivo
acrescido para que diversas correntes de opinião
no campo acadêmico e na esfera pública em geral,
inclusive os sindicatos, dediquem pouca atenção
Organização Internacional do Trabalho
Na verdade, o curso dos acontecimentos, desde a ‘crise grega’, no início de 2010, vem-se agravando dia após dia, tornando as expectativas
cada vez mais sombrias quanto a uma solução para o problema das dívidas soberanas e da instabilidade financeira nos países da União
Europeia, sendo, cada vez mais, as vozes que admitem o iminente colapso da moeda única. Só muito tardiamente os países mais ricos, em
especial a Alemanha, admitiram que a crise não é apenas de alguns países periféricos (até há pouco considerados ‘ingovernáveis’, como
a Grécia e Portugal), mas sim uma crise estrutural da UE. As origens da crise europeia remetem para a criação do Euro como unidade
monetária comum — uma moeda forte, na sua origem, equiparada ao marco alemão — que favoreceu as economias mais fortes em
tecnologia e capital intensivo (que exportam, sobretudo, bens de consumo duradouro, como carros, equipamentos eletrônicos, maquinaria
pesada e sofisticada, etc.), mas prejudicou as economias mais frágeis, que, sem mais poder desvalorizar as moedas dessas economias,
perderam competitividade com a abertura das fronteiras aos produtos do sudeste asiático, levando ao encerramento de muitas empresas
industriais e ao aumento descontrolado do consumo e do endividamento das famílias, dos bancos nacionais e dos Estados (em benefício
do capitalismo especulativo e dos bancos privados mais ricos, sobretudo da França e da Alemanha). Na verdade, apesar de haver soluções
tecnicamente viáveis para a crise — as mais consistentes passam pela emissão de Euro-obrigações e coletivização das dívidas dos países
periféricos, por um papel mais ativo do Banco Central Europeu e pelo reforço e aceleração de um Estado Federal na UE, o que pressupõe
um complicado consenso político — as sucessivas cimeiras e reuniões do conselho europeu têm fracassado, porque o diretório francoalemão obriga a isso, desprezando os acordos, os anteriores tratados e princípios das próprias instituições da comunidade. E por que os
poderes instalados se mostram incapazes de liderar uma viragem promissora para a Europa, por que estão a ser esquecidos os velhos
valores do Iluminismo, a herança social-democrata e os princípios inspiradores do projeto europeu na sua origem (sob influência de Jean
Monnet e do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, em 1958), quer a moeda única quer a União Europeia ela
própria podem estar em vias de extinção. Adivinham-se, entretanto, novas e imprevisíveis viradas com a provável eleição de François
Hollande e o agravamento da crise financeira na Espanha e na Itália.
6
7
14
à importância da ‘cultura’ organizacional e sua
implicação nas boas práticas empresariais. Todavia,
a questão é complexa e não está — como, aliás, nun­
ca nada está — despida de significado e implica­
ções políticas. Há, pois, visões distintas acerca
dessa questão. Destaca-se, aqui, dois paradigmas
opostos e suas implicações sociopolíticas.
A noção de ‘cultura de empresa’ foi muito
discutida no Ocidente na sequência de uma
conjugação entre a linguagem gestionária e a
sensibilidade antropológica, nomeadamente por
que algumas empresas multinacionais apostaram
na importância da ‘cultura’ e da ‘identidade’
para encontrarem novos motivos de estímulo
e de satisfação da força de trabalho. A empresa
começou a ser olhada não apenas como um
espaço receptor das culturas envolventes, mas
também como um locus de produção de cultura
com impacto mais vasto.
O conceito de cultura como ‘programa
mental’, aplicado ao mundo empresarial, surgiu na
sequência de um estudo comparativo sobre a IBM,
que procurava mostrar a importância da adaptação
da estratégia empresarial ao ambiente cultural de
cada país ou região, na base de valores como o
individualismo, a masculinidade, à distância ao
poder e ao individualismo (HOFSTEDE, 1980).
Num quadro de euforia perante o sucesso
econômico japonês, nos anos 80 do século passado,
ganhou terreno a promoção de um modelo de
organização produtiva mais flexível, que ficou
conhecido por toyotismo, num momento de virada
paradigmática, como referido anteriormente, ou
seja, o modelo de produção flexível (ou produção
enxuta) que se expandiu com o fim (ou declínio)
do fordismo (ANTUNES, 2006; ALVES, 2011). O
termo ‘cultura’ foi então assimilado pelo mundo da
gestão num sentido antropológico: “a cultura como
conjunto de crenças, valores, símbolos, rituais e
práticas, que fornece aos grupos/comunidades
sociais o cimento para a sua identidade coletiva”
(SAINSAULIEU, 1997).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Cada organização ou grupo humano do­
tado de estabilidade torna-se uma realidade
única, funcionando — muito para além das regras
e hierarquias formais — na base de códigos,
comportamentos e gestos cujo simbolismo adquire
um sentido particular dentro do seu próprio
contexto. Do mesmo modo que as sociedades
tradicionais, as minorias étnicas, os grupos ex­
cluídos (no seio de uma sociedade mais vasta), e
as velhas aldeias rurais, também as empresas (tal
como organizações, associações, sindicatos, gru­
pos desportivos etc.) criam e consolidam as suas
‘teias de significado’ (GEERTZ, 1973), ou seja, a
sua cultura como base de uma coesão e sentido
co­le­tivo. Se não a possuem, lutam por cons­
truí-la.
Porque isso lhes traz a solidez necessária para
conjugar flexibilidade com coesão, mudança com
identificação e autoestima.
Essa foi a visão empresarial que prevaleceu
nos países anglo-saxônicos. Os gurus da gestão de
há 30 anos viram na ‘gestão pela cultura’ um possível
caminho para atingir ou consolidar a ‘excelência’,
apoiados num discurso apelativo que tentava
estimular a satisfação no trabalho e a identificação
com a empresa. Promoveram atividades de
lazer, competições desportivas com equipes
da empresa, incentivaram os rituais e os jogos
Cada organização ou
grupo humano dotado de
estabilidade torna-se uma
realidade única, funcionando
na base de códigos,
comportamentos e gestos
cujo simbolismo adquire um
sentido particular dentro do
seu próprio contexto.
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
15
internos, informais, criaram prêmios (monetários
e simbólicos), um quadro de honra etc., isto é,
uma paleta de ingredientes destinados a reforçar
a coesão, a identidade coletiva e o ‘orgulho’ dos
colaboradores. Cada trabalhador só tem a ganhar
‘vestindo a camiseta da empresa’ como se fosse a
sua família. Segundo essa perspectiva, havia que
conjugar duas dimensões: de um lado, indivíduos
identificados com o espírito da casa, predispostos
a investir no trabalho, esperando que resultassem
daí melhores recompensas e mais oportunidades
de carreira; de outro lado, o coletivo da empresa
como um todo, notado como campo harmonioso
e coeso, podendo sempre mobilizar os quadros e
colaboradores na sua dedicação individual e na
busca da perfeição para o conjunto.
Esse modelo foi objeto de amplas discussões
e de intensa crítica, quer por parte do campo
marxista, quer do paradigma político-cultural que
adiante veremos. Assim, essa corrente ‘culturalista’
funda-se numa concessão individualista e ignora a
importância dos mecanismos de poder nas relações
sociais e da estrutura das organizações como
fatores que estabelecem divisões e desigualdades
duráveis. Já nos anos 1930, no tempo de Elton
Mayo e da Escola de Relações Humanas, havia
se realçado a importância do ambiente social (e
físico) para a satisfação no trabalho.
Ao invés do taylorismo, apoiado nos rit­
mos alucinantes, na cronometragem e na hi­
per­
es­
pecialização, a gestão pela cultura esti­
mulou o trabalho em equipe, tentando criar um
corporativismo flexível, capaz de evitar a burocracia
e a rigidez do planeamento e das hierarquias
formais. Em suma, esse modelo tinha muito de
manipulação produtivista e pouco de democracia
laboral, muito embora em muitas empresas tenha
favorecido a satisfação no trabalho e o bem-estar. A contribuição para a coesão e o diálogo
social obrigava, porém, a outros requisitos nas
estratégias gestionárias.
16
Há outra corrente, de origem francófona,
que se oferece como alternativa à visão anterior
e que, ao nosso ver, nos traz uma perspectiva
mais dinâmica e, ao mesmo tempo, politicamente
mais progressista e ajustada às sociedades
europeias. Designadamente, em países como
Portugal, onde os antagonismos de poder, as
estruturas de classe e as desigualdades sociais
são bem marcantes e têm raízes profundas, um
requisito decisivo para compreendermos o real
é, sem dúvida, perspectivá-lo a partir da sua
matriz histórica e, ao mesmo tempo, atentar na
perenidade das estruturas sociais, amplamente
cimentadas em relações de desigualdade, de
poder e de interdependência. Assim, não faz
sentido olhar para as empresas como se elas se
esgotassem na pura racionalidade econômica, ou
como se fossem organizações monolíticas, em que
os seus membros se encontrassem atomizados e
em condições de igualdade uns perante os outros.
Sabemos, bem que, mesmo na escala micro,
as dissonâncias, as assimetrias de influência e as
relações de poder na tomada de decisões são uma
constante. Diversos estudos internacionais têm
mostrado não só a vulnerabilidade da economia
portuguesa e a intensidade das desigualdades
(inclusive salariais) entre a base e o topo da hie­
rar­
quia, mas também os elevados níveis de inse­
gurança e dependência subjetiva da nossa força
de trabalho. Então, ressalta uma situação óbvia,
em especial no atual quadro de austeridade: a
principal preocupação dos portugueses traduz-se
no sentimento de dependência/precariedade e na
angústia de perder o emprego (ou de não ingressar
sequer no mercado de trabalho). Por exemplo, um
estudo comparativo sobre o European Democratic
Index (SKIDMORE; BOUND, 2008) revelou que
as economias mais competitivas e avançadas
tecnologicamente são também as que reconhecem
mais direitos e liberdade de associação sindical
aos seus assalariados (como é o caso dos países
nórdicos). Ou seja, a democracia nas empresas
convive com maior satisfação, mais qualificação
e maior eficácia dos mecanismos de negociação
internos. Como resultado disso, a produtividade
aumenta e os ganhos empresariais beneficiam todas
as partes. Ao contrário, como também comprovou
o referido estudo, num país como Portugal, os
profundos défices democráticos na democracia
quotidiana são evidentes, designadamente na
esfera laboral, e ainda, no modo como isso se prende
com a escassa atividade associativa e sindical.
Em outras palavras, prevalece, na maioria das
empresas, um clima ‘despótico’ e uma mentalidade
patronal autoritária que não consegue entender a
importância do fator cultural e dos mecanismos
democráticos de participação na vida interna da
empresa. O caso da Autoeuropa é, como se verá
adiante, uma exceção a esse respeito.
Na verdade, o chamado ‘paradigma polí­
tico-cultural’ (promovido por autores como:
Michel Crozier, Alain Touraine, Serge Moscovici,
Renaud Sainsaulieu, Philipe Bernoux, entre ou­
tros) mostra-se bem mais ajustado a explicar a
natureza conflitual e complexa da realidade social
empresarial. A empresa é vista como uma espécie
de microssociedade, composta por indivíduos com
capacidade de iniciativa que buscam a realização
pessoal pelo trabalho e do reconhecimento que
ele pode conferir. Ao contrário das concepções
tradicionais, que tendem a considerar que o
trabalhador só produz se for sujeito a uma apertada
vigilância e controle (ou à velha lógica da cenoura
e do chicote), essa concepção pressupõe que o
indivíduo resiste à opressão e se dedica mais se se
sentir mais autônomo, recompensado, integrado e
reconhecido. Há sempre uma zona de autonomia
relativa e um jogo de estratégias (em geral implícitas)
dotadas de racionalidade, mas de uma racionalidade
‘emocional’, isto é, sempre dependente do grau de
identificação do trabalhador com o grupo e com a
empresa. Mesmo em ambientes de opressão, o ser
humano procura preservar a sua dignidade pessoal,
o seu espaço de liberdade mínimo. E para tal é,
muitas vezes, obrigado a esconder-se sob diversas
formas de dissimulação e de disfarce, inclusive no
local de trabalho.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Por outro lado, essa abordagem da vida
organizacional é a que melhor nos permite
compreender o papel do conflito e da negociação.
Com ela, poderemos sublinhar a importância da
participação e da construção de consensos na
vida da empresa. Uma vez que as contradições,
as diferenças e rivalidades identitárias (sejam elas
fundadas na categoria profissional, no estatuto, na
filiação ideológico-partidária, no sexo, na raça, na
idade, na língua, no tipo de vínculo/contrato laboral
ou noutra base qualquer), torna-se fundamental
assumir que numa empresa — sobretudo se pos­
suir uma dimensão média ou grande — existe diver­
sidade interna, a qual importa saber gerir para então
beneficiar a organização no seu todo.
Para tanto, é necessário que tais diferenças
se possam exprimir sob a forma de estruturas
democráticas de representação. Se a possibilidade
de associação do trabalhador não for assegurada
perde sentido falar em democracia ou em cidadania
laboral. No entanto, apesar desse ser um direito
constitucional, sabemos bem como em Portugal ele
tem sido sistematicamente pervertido no contexto
profissional, em especial nos setores mais expostos
a condições de trabalho precárias.
4 O Caso da “Autoeuropa —
Volkswagen”
Concluindo, gostaríamos de referir breve­
mente o caso da empresa Autoeuropa. Trata-se
de um exemplo bem ilustrativo da falácia de um
discurso patronal e governamental que pretende
‘naturalizar’ a ideia de que o atraso da economia
se deve à baixa produtividade do trabalho, ou
seja, como se os nossos problemas estruturais
tivessem como causa principal a ‘incompetência’
dos trabalhadores. Pelo contrário, são, sobretudo,
as condições tecnológicas e organizacionais de
um lado, e as estratégias de liderança (ou a falta
delas) de outro, sendo necessário equacionar para
se perceberem as razões do (in)sucesso.
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
17
Na verdade, essa unidade produtiva da
Volkswagen é uma das mais produtivas do grupo
em nível mundial. Os resultados produtivos de­
pen­
dem muito mais do enquadramento orga­
nizacional e da ‘cultura de empresa’ do que das
‘competências’ do trabalhador, consideradas no
abstrato. A mediatização permanente desse caso
fez com que a empresa se tornasse um espelho,
ou um barômetro, que exprime a relação de
forças, não apenas na perspectiva do clássico
antagonismo trabalho-capital, mas também
entre as estruturas de representação internas (a
Comissão de Trabalhadores) e o sindicalismo ‘de
classe’ setorial. Fonte de orgulho dos trabalhadores
e de admiração de muitos outros, ocupados em
empregos precários, degradantes e mal pagos,
para não falar dos desempregados, essa unidade
produtiva é bem o exemplo de uma empresa
viva, marcada por uma cultura de exigência e de
organização democrática do trabalho.
O sistema político-cultural em vigor nes­
sa fábrica deveria servir de exemplo, quer aos
nossos empresários (em geral avessos ao diálogo
e que desprezam o direito do trabalho), quer
aos dirigentes sindicais (em geral avessos a
uma efetiva democracia interna). Mas há aqui
ambiguidades difíceis de resolver. Por um lado,
a cultura de diálogo e de negociação coletiva,
parece exprimir o ambiente democrático interno
(onde vigora um acordo de empresa considerado
bastante avançado e flexível, mas cuja legalidade é
posta em causa pelos sindicatos), mas, por outro
lado, se anteciparam tendências, amplamente
favoráveis aos interesses empresariais, tais como
a flexibilidade de horários, a polivalência, os
estímulos salariais etc.
É de admitir que o triunfo de uma cultura
organizacional com essas características, caso
fosse exportável para outros ramos da indústria,
viesse a pôr em causa o modelo de sindicalismo
setorial que vigora em Portugal. Os atuais líderes
sindicais dificilmente aceitariam tal cenário, por
dois motivos: primeiro, porque isso seria o triunfo
de um neocorporativismo que abdicaria da velha
ambição de uma mobilização em larga escala da
18
classe trabalhadora (orientada para a mudança
estrutural da sociedade); segundo, porque seria
nesse caso a própria sustentabilidade sindical e
o protagonismo das suas lideranças que ficariam
em causa (sendo que muitos dos atuais dirigentes
ocupam esses lugares há décadas).
No entanto, o exemplo da Autoeuropa pode
vir a ganhar maior significado, sobretudo se a unidade
continuar a mostrar o sucesso econômico que tem
exibido até agora. Mesmo atendendo ao tecido
empresarial português, o qual é maioritariamente
com­
posto de pequenas e minúsculas empresas e
marcado por uma mentalidade resistente à inovação,
a força simbólica desse caso pode estender-se e
influenciar toda uma rede de empresas modernas,
desde logo a começar pelas unidades fabris loca­
lizadas na zona industrial de Palmela e as muitas
empresas que fabricam componentes e prestam
serviços ao grupo Volkswagen.
No modelo produtivo e sistema de relações
industriais vigentes nessa fábrica, merecem
realce tais aspectos: 1) os processos de mudança
incremental e negociada entre todas as partes; 2)
uma cultura de respeito pela dignidade do trabalho;
3) um efetivo entendimento do conceito de
liderança; 4) uma perspectiva que tende a conceber
a empresa em toda sua pluralidade, ou seja,
enquanto espaço de relações de interdependência
e onde o conflito é a contraparte da negociação;
5) uma valorização da identidade coletiva das
equipes e da importância dos incentivos; 6) uma
conjugação equilibrada entre as competências
técnica, gestionária e social; 7) a conjugação
entre flexibilidade e segurança/estabilidade como
elementos nucleares na dinâmica da empresa.
No que diz respeito aos trabalhadores
e à cultura operária, a prática democrática e a
permanente tensão, por um lado, entre uma lógica
de defesa das regalias materiais e de condições
de trabalho e remuneração; e, por outro lado,
uma lógica identitária e de resistência perante
à crescente pressão e poder do capital (quer na
empresa quer no plano mais geral da economia)
predisposta a estimular a consciência social e
o próprio protagonismo político do coletivo
operário e seus representantes, assumem-se como
dimensões estreitamente imbricadas.
Conclusão
Todavia, é também conhecida a dificuldade
em conciliar a luta sindical (setorial) mais geral com
a estrutura dirigente do comitê de fábrica. Essa
relação é hoje problemática na medida em que as
duas dinâmicas obedecem a orientações e vínculos
a forças partidárias distintas e, de algum modo
‘concorrenciais’: de um lado, o Partido Comunista
Português (o caso do sindicalismo da CGTP); e, do
outro, o Bloco de Esquerda (o qual é filiado e foi
deputado no Parlamento o principal líder do Comitê
de Empresa da Autoeuropa, António Chora). Caso
essas duas instâncias caminhem para uma maior
cooperação, isso poderia contribuir para um maior
equilíbrio entre democracia sindical/diálogo interno,
assegurado pela Comissão de Trabalhadores; e a
capacidade de enquadramento mais alargado e
sentido de luta social solidária, que os sindicados
podem proporcionar.
Sabemos hoje que o Estado social europeu
está ameaçado e ninguém espera que saia dessa
crise revitalizado. Quando muito, teremos uma
mo­dalidade mitigada do que existiu no passado,
mas mesmo isso não é garantido. A globalização,
a força devastadora do mercantilismo, os efeitos
fulminantes do neoliberalismo, a internacionalização
e a competitividade global tiveram um impacto
devastador sobre o sistema produtivo e o mundo
do trabalho em geral.
Um quadro bem distinto será o de uma
consumação do divórcio e aumento da rivalidade
entre essas duas orientações: ou o sindicalismo
do setor se torna mero instrumento de uma força
partidária, perdendo completamente o sentido
da realidade e da vida interna das empresas, ou
a Comissão de fábrica se torna mero ‘parceiro’
corporativista, despido de consciência política
e dependente de um sistema mais poderoso
imposto pela direção da empresa. Não é certo
que isso tenha de ocorrer, mas é um risco que se
pode tornar inevitável. A negociação sem conflito
é inócua; e o conflito sem negociação é ineficaz.
É entre esse jogo de poderes e de interesses
que podem ser estimulados, quer o êxito eco­
nômico da empresa, quer as potencialidades
transformadoras e emancipatórias da classe tra­
balhadora (ESTANQUE, 2007).
E, hoje, na Europa, continuamos a assistir
à perda de viabilidade de muitas políticas sociais,
designadamente, os sistemas públicos de pre­
vidência social, apoios ao desemprego, rendi­men­
to social de inserção, sistema de saúde e apo­
sentadoria (o que em Portugal se designa por
Segurança Social, garantida pelo Estado). Com
o fim da Guerra Fria, desfeita a ameaça de uma
‘alternativa’ ao capitalismo (o socialismo), abriu-se
uma nova oportunidade para uma desvalorização
ainda mais intensa do trabalho em benefício do
capital. Há, no entanto, outros aspetos a considerar.
As mais recentes tendências demográficas,
com o constante envelhecimento da população
e as previsões de agravamento nos países
europeus, irão, muito provavelmente, inviabilizar
a sustentabilidade financeira dos atuais sistemas
e políticas de solidariedade social8. Mas, se o
velho modelo laboral europeu (o fordismo) não é
recuperável, também é verdade que o capitalismo
financeiro, o paradigma neoliberal e monetarista e
a especulação bolsista — para além dos desastres
que está provocando nos países periféricos da UE,
entre os quais Portugal — parecem empurrar a
Europa para um bloqueio sistêmico prestes a fazer
implodir o projeto da Comunidade Europeia.
Hoje existe uma relação de um aposentado para cinco trabalhadores ativos, mas se calcula que em 2050 a relação será de um aposentado
para dois ativos.
8
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012
19
Nesse quadro, importa que as instituições
e os cidadãos em geral não desistam de
procurar soluções no quadro democrático, no
reconhecimento e reforço, quer dos mecanismos
institucionais quer dos direitos efetivos dos
cidadãos e da sociedade civil no seu conjunto. Sem
perder de vista o legado progressista e humanista
que a Europa construiu ao longo dos últimos três
séculos, espera-se que ainda haverá mais mundo
para além da austeridade asfixiante que se abate
sobre os portugueses e europeus. Durante nove
séculos já suportamos muitas crises e soubemos
sobreviver; também as ultrapassamos com maiores
ou menores sacrifícios.
Apesar de se prever mais desemprego
em 2012, mais pobreza, mais precariedade e
mais conflitualidade, importa admitir que isso é
condição essencial para uma resposta à crise que
muitas empresas, em especial as de referência,
como a Autoeuropa, resistam e se renovem para
se ultrapassar o atual bloqueio.
As unidades que sobreviverem a atual crise
podem até ficar mais fortes, e espera-se que este­
jam em consonância com um novo paradigma e com
um novo sistema produtivo, condição imprescindí­
vel para voltarmos a crescer, a criar emprego e a
criar oportunidades de trabalho (em condições
dignas) para as atuais e futuras gerações.
Mesmo sabendo que as grandes estruturas
empresariais, como a Autoeuropa, representam
uma ínfima percentagem do tecido empresarial
português — e que, portanto, é uma gota de
água num enorme oceano de micro e pequenas
empresas, onde vinga o improviso, a precariedade
e em muitos casos a prepotência patronal,
fatores que se têm expandido nos últimos anos
(ESTANQUE, 2000; 2009) —, continua a ser
prioritário desenhar uma estratégia de inovação
organizacional que faça jus aos princípios da
‘responsabilidade social’. Espera-se e deseja-se
que as dificuldades que estamos atravessando
hoje obriguem para que seja repensado e altera­
20
do processos e estratégias comprovadamente fa­
lhados, como é o caso da aposta no baixo custo do
trabalho, na submissão absoluta do trabalhador,
na facilitação dos despedimentos imposta sem
contrapartidas.
Perante essa desregulamentação forçada,
é urgente seguir as orientações da OIT, recuperar
e implementar o trabalho digno, estimular a es­
tabilidade e a motivação dos trabalhadores no
local de trabalho, promover a cidadania laboral
e a aposta no diálogo social, na negociação
permanente: não importa muito que a luta
sociolaboral seja conduzida por sindicatos ou
comissões de trabalhadores. Importa, sim, que os
protagonistas sejam suportados por estruturas
autônomas, democráticas e representativas. Isso
pode não ser suficiente, mas será, certamente,
uma condição necessária para que continuemos
a acreditar no progresso e no desenvolvimento
ao serviço do bem-estar dos povos e de uma
repartição da riqueza e das oportunidades mais
justa e equilibrada.
•
Recebido em: 19/12/2011
•
Aprovado em: 16/04/2012
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C uritiba,
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23
A abordagem estratégica
adaptada por uma pequena
empresa comercial: um estudo
de caso
The strategic approach adapted by a small business: a case study
A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa comercial: um
estudo de caso
The strategic approach adapted by a small business: a case study
José G. Lupoli Junior1
Resumo
Este texto apresenta o estudo de caso de uma pequena empresa
comercial que formulou e implantou estratégias competitivas e
funcionais, baseadas na concentração de seu sistema operacional
no desenvolvimento de atributos e capacidades que atendessem às
necessidades de um mercado-alvo definido. O intuito é descrever como
a estratégia e o planejamento estratégico podem fornecer as bases
teóricas necessárias para um esforço de formulação e de execução
prática de estratégias competitivas em pequenas organizações.
Palavras-chave: Estratégia Competitiva. Pequena Empresa. Segmentação de Mercado.
Abstract
This text presents the case study of a small business that has formulated
and implemented competitive and practical strategies based on focusing
its operating system on developing attributes and abilities which meet
the needs of a specific target-market. The aim is to describe how strategy
and planning may provide the essential theoretical foundation for the
elaboration and execution of competitive strategies in small businesses.
Keywords: Competitive Strategy. Small Business. Market Segmentation.
Professor Doutor do Departamento de Marketing da Universidade de São Paulo e das
Faculdades ALFA. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
25
Introdução
O tema estratégia desperta grande interesse
da produção acadêmica. Dentre essas, a pesquisa
por meio da técnica dos estudos de casos reais
costuma ser muito utilizada por autores da área.
A aplicação do estudo de caso em tra­
balhos acadêmicos baseia-se em amplas virtudes,
por exemplo: efetuar generalizações sobre uma
observação realizada, testar na prática gene­
ralizações teóricas, verificar a validade de uma
teoria, explorar exemplos das melhores práticas
em administração, entre outras (MATTAR, 1996).
Infelizmente, grande parte dos trabalhos acadêmicos
que exploram o método do caso utiliza exemplos
que retratam adaptações perfeitas dos modelos
teóricos em organizações, sem considerar que na
vida real a transposição perfeita de modelos ao dia
a dia das organizações é algo extremamente difícil.
Isso, porém, não pode ser visto como uma
desqualificação de todo o arcabouço teórico e
científico que trata sobre a gestão das empresas.
Pelo contrário, o suporte conceitual ainda não
encontrou concorrentes para a função de promover
a evolução técnica das organizações. Se há alguma
crítica, essa recai sobre a forma de como alguns
autores produzem seus trabalhos explorando as
exceções, ou pior, utilizando-se de uma intencional
miopia para transformar experiências reais,
complexas e penosas, em verdadeiros ‘passeios’
de implantação de modelos teóricos à realidade
das organizações.
Acrescenta-se, ainda, o fato de que muito da
atenção acadêmica é devotada para os problemas
gerenciais das grandes corporações, deixando
de lado as pequenas empresas que enfrentam
desafios quase insuperáveis para aplicar modelos
gerenciais teóricos ao seu dia a dia. Dentre os
motivos que podem concorrer para essa situação,
pode-se citar a dificuldade de acesso aos recursos
de toda ordem e ausência de conhecimento
técnico de executivos e de empreendedores.
26
O presente artigo pretende oferecer uma
pequena contribuição para minimizar esse estado
de coisas, tendo por objetivo apresentar um
estudo de observação que acompanhou o caso
de uma pequena organização comercial em um
processo de redefinição estratégica. Esse processo
baseou-se em uma abordagem de marketing
muito interessante para pequenos negócios, a
segmentação de mercado, voltada para as relações
business to business. Em suma, este trabalho
procura responder a seguinte pergunta: é possível
o arcabouço conceitual suportar um esforço
estratégico de uma pequena empresa comercial?
Para atingir o objetivo proposto, este tex­
to discute algumas referências teóricas sobre
o conceito de estratégia, segmentação e posi­
cionamento de mercado. Após, será apresen­
tado
alguns comentários sobre o método do estudo
de caso. Por fim, o caso é apresentado, incluindo
os seguintes pontos: a situação anterior da em­
presa, as mudanças realizadas e as dificuldades
enfrentadas pela organização, concluindo com
os principais resultados obtidos pelo processo
estratégico.
1
Estratégia e Pequenas
Empresas Comerciais
Moraes (1991) escreveu que o estado da
arte em estratégia é confuso, poise os conceitos
envolvidos são ambíguos, a literatura não é
uniforme, o argumento teórico não é testado e, ao
invés do acúmulo progressivo, a teoria tem sido
substituída com frequência.
Entre as diversas definições de estratégia,
Quinn, Mintzberg e James (1988) apresentam
uma interessante visão sobre o conceito. Para
esses autores, estratégia é a estrutura que
integra os objetivos, políticas e ações de uma
organização; uma boa estratégia ajuda a alocar
os recursos dentro de posturas viáveis, baseadas
nas competências, na antecipação de mudanças
externas, nos compradores e na concorrência. Em
outras palavras, Barney e Hesterly (2007) definem
estratégia como um conjunto de suposições e
hipóteses formalizadas sobre como a competição
em um setor tende a evoluir, e como essa evolução
pode ser explorada para se obter lucros.
De forma geral, autores estabelecem três dimensões hierárquicas no trato acadêmico da abordagem estratégica: os níveis corporativos, competitivos e o nível operacional ou funcional. Siqueira (1997)
Estratégia é a estrutura
que integra os objetivos,
políticas e ações de uma
organização; uma boa
estratégia ajuda a alocar
os recursos dentro de
posturas viáveis, baseadas
nas competências, na
antecipação de mudanças
externas, nos compradores
e na concorrência.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
descreve cada nível da seguinte maneira: estratégia
corporativa, estratégia compe­titiva e estratégia ope­
racional ou funcional.
Na estratégia coorporativa os administradores
precisam coordenar as múltiplas unidades de
negócios. O foco de uma estratégia corporativa são
as decisões acerca do escopo da empresa. Andrews
(1988) acrescenta que a estratégia corporativa é
um modelo de decisões em uma companhia que
determina e revela seus objetivos ou propósitos;
produz as principais políticas e planos para atingir
tais objetivos.
A estratégia competitiva é a estratégia de
negócios, visa estabelecer e manter uma vantagem
sobre os concorrentes, ou diferenciação aos olhos
de seu segmento de mercado-alvo; e a estratégia
operacional ou funcional se preocupa em alocar e
coordenar recursos e atividades do cotidiano aos
objetivos estratégicos da organização.
Whittington (2002) escreve que o conceito
de estratégia é constantemente confundido com
planejamento estratégico. O autor ainda afirma que
planejamento estratégico é uma ferramenta admi­
nistrativa com características prescritivas sobre
como se deve planejar e implantar a estratégia. En­
tre as características do planejamento estratégico
são: a confiança excessiva na capacidade dos
gerentes, o planejamento racional, a hierarquização
da formulação da estratégia de cima para bai­
xo, rigidez e, segundo Whittngton (2002), a pior
das características, a suposição de que as variá­veis
ambientais comportar-se-ão conforme o plane­
jamento rígido do gerente.
As limitações que cercam as pequenas e
microestruturas organizacionais sinalizam que há
grandes dificuldades para essas empresas atuarem
conforme as propostas prescritivas dos modelos
estratégicos tradicionais. Por isso, visões alternativas,
ou adaptações viáveis de propostas já consagradas,
precisam ser consideradas quando se pretende
abordar a pequena e média organização. A situação
parece se complicar ainda mais quando se aborda
as pequenas organizações comerciais. Talvez por
que, além de enfrentarem as dificuldades comuns
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
27
às pequenas empresas, essas companhias sejam
formadas por empreendedores que, em sua maioria,
não possuem formação técnica em administração e,
principalmente, na gestão estratégica de negócios.
O Relatório Executivo da pesquisa perió­
dica Empreendedorismo no Brasil, do ano de
2005, realizada pela Global Entrepreneurship
Monitor (GEM, 2006), retrata tal situação quando
descreve que:
——
O Brasil ocupa a 15ª posição no ranking
mundial no quesito empreendimento
por oportunidade e a 4ª posição no
quesito empreendimento por necessidade (GEM, 2006);
——
82,3% dos empreendedores iniciais
afirmam que nenhum de seus consu­
midores consideraria seu produto/
negócio novo (GEM, 2006);
——
Além de não oferecer inovação, a
maioria dos empreendedores atua em
ambientes de alta concorrência (GEM,
2006); e
——
Especialistas na área de Pequenas
Empresas apontam as deficiências de
educação e treinamento como uma
das principais dificuldades para o
sucesso do empreendedor no Brasil
(GEM, 2006).
Os quatro dados acima deixam claro que
ainda falta muito em termos de visão estratégica
de negócios para as pequenas organizações.
Embora os dados digam respeito aos pequenos
negócios de uma forma genérica, outra publicação
técnica, o Boletim Estatístico de Micro e Pequenas
Empresas (1º semestre de 2005) dá conta que o
comércio representa 52% das pequenas empresas
(SEBRAE, 2005).
28
1.1Aspectos Conceituais da Estratégia
Competitiva
Entre os três níveis da estratégia, Siqueira
(1997) observa que a estratégia competitiva é o
ponto fundamental para a unidade de negócios,
pois é o nível em que a empresa precisa buscar
uma resposta criativa à questão: como irá competir
dentro de cada um de seus negócios? Para res­
ponder a essa pergunta, a organização deve en­
tender como se diferenciará de seus concorrentes
em cada mercado-alvo e quais competências
diferenciadoras tentará atingir.
Na visão de Porter (1991), estratégia com­
petitiva é um conjunto de ações ofensivas para
criar uma posição defensável em uma indústria, e
para enfrentar, com sucesso, as cinco forças que
determinam a concorrência em um setor: entrada
de concorrentes, rivalidade entre os concorrentes
existentes, pressão de produtos e serviços subs­
titutos, poder de negociação dos compradores e
poder de negociação dos fornecedores.
Thomas (1978) argumenta que, no caso
específico de organizações prestadoras de serviços,
incluindo as empresas comerciais, administradores
pensam em estratégias em termos de orientação
para produtos, quando, na verdade, são requeridas
outras visões estratégicas. Isso porque o que deve
ser vendido é o serviço. Partindo desse princípio,
o autor escreve que várias questões precisam
ser respondidas por quem está pensando em
estratégia, a primeira é sobre o que é o negócio. No
caso do setor de serviços, a resposta é mais difícil
de encontrar em função do seu caráter abstrato. O
segundo grande problema é: como se defender dos
concorrentes? No caso dos serviços, uma pequena
companhia pode entrar na competição, reduzir
a economia de escala e reduzir a concentração
dos negócios. A última questão apresentada por
Thomas, 1978, diz respeito ao desenvolvimento
de novos serviços. Novas formas de se fazer as
coisas é um importante fator estratégico. A tarefa
de se introduzir serviços é diferente da introdução
de novos produtos. Serviço é abstrato, raramente
ocorrem inovações e as imitações são comuns.
1.1.1 Aspectos conceituais da estratégia
competitiva
A formulação da estratégia competitiva é um
exercício muito particular para cada organização,
em razão de sempre se relacionar com o ambiente
competitivo em que a empresa está inserida, suas
necessidades, seus objetivos, suas restrições e
potencialidades.
Reforçam a argumentação acima as críticas
de Mintzeberg (1994) ao Planejamento Estratégico
formal. Segundo o autor, o Planejamento Estra­tégico
modelado por Igor Ansoff não traz os resultados
esperados por executivos por vá­
rias razões,
entre elas, o autor destaca, e que normalmente
não está integrado entre os níveis da empresa,
o conjunto de decisões de cima para baixo na
hierarquia da organização, limitando a flexibilidade
e a adaptabilidade às situações imprevistas da
realidade da implementação das estratégias.
Aguilar (apud LORANGE, 1982) escreve que
a formulação estratégica de negócios é uma tarefa
difícil, em função de que as mudanças estratégicas
dependem do envolvimento de pessoas diferentes,
seja por idade, experiência ou posição hierárquica.
A formulação
estratégica de
negócios é uma tarefa
difícil, em função de
que as mudanças
estratégicas dependem
do envolvimento de
pessoas diferentes, seja
por idade, experiência
ou posição hierárquica.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A estratégia envolve duas grandes características: a
ideia e o compromisso. Se uma pessoa na empresa
tem a ideia da transformação, outra precisa se
comprometer e comprometer os recursos com
a ideia. A grande dificuldade está na inexistência
dessas condições.
Operacionalmente, muitos dos esforços
estratégicos coordenados pelos executivos or­
ga­
nizacionais são inspirados nas estruturas
de classificação dos tipos de estratégias com­
petitivas. As classificações orientam como
um conjunto de ações pode ser configurado e
estruturado para formar uma estratégia iden­
tificável e aplicável para determinados fins
(CONANT; SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993).
Segundo Porter (1991), são identificadas
três estratégias competitivas genéricas, usadas
isoladamente ou combinadas, para criar o que
o autor denomina de posição defensável em
ter­mos de lucratividade e de retorno sobre o
investimento, sendo: liderança no custo total —
tornou-se bastante comum nos anos 1970, devido à
popularização do conceito de curva de experiência
ou de aprendizagem. Essa estratégia consiste em
atingir a liderança no custo total em um setor
por meio de políticas funcionais orientadas para
esse objetivo básico. Estratégia de diferenciação
do produto/serviço: oferecido pela empresa com
a criação de algo que seja considerado único ou
raro no âmbito de toda a indústria. E estratégia
de enfoque: baseia-se na concentração em um
determinado grupo comprador, um segmento de
linha de produtos, ou um mercado geográfico. Essa
estratégia visa atender muito bem ao mercado-alvo,
e cada política funcional é desenvolvida levando
isso em conta.
No caso específico das pequenas empresas
comerciais, as opções estratégicas em termos de
tipologia são restritas. As limitações de recursos
impedem a consecução de economias de escala,
necessárias à estratégia de custo total, restando,
portanto, como escolhas viáveis à diferenciação
e ao enfoque em diferenciação. Reforçando essa
visão, Beisel (1993) recomenda que as empresas
comerciais devem buscar atuar de forma dife­
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
29
renciada de seus competidores. Segundo o autor,
a diferenciação é a única estratégia que preenche
um espaço não apenas de mercado, mas na mente
do comprador.
Com base nas opções estratégicas de em­
presas comerciais, Conant, Smart, Solano-Mendez
(1993) realizaram um estudo exploratório com uma
amostra de 600 pequenas empresas comerciais.
Nesse estudo, os autores identificaram dois
tipos estratégicos característicos para pequenas
organizações varejistas, denominados tipo comer­
ciante e especialista.
O comerciante é capaz de, simultaneamente,
desenvolver e enfatizar uma variedade de com­
portamentos estratégicos, possuindo diversas
competências distintas. Já o tipo especialista
possui maior foco em mercados específicos,
embora suas competências sejam restritas.
Comparando os dois tipos, os autores (CONANT;
SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993) argumentam
que o tipo comerciante possui capacidades que
permitem obter alto desempenho em termos
de: atendimento ao cliente, layout, apresentação
de produtos, consistência de atendimento e
treinamento de recursos humanos.
Kim e Mauborgne (1997) contrapõem-se
às proposições acima, criticando as formulações
estratégicas que almejam competidores. Para os
autores, a estratégica competitiva deve subjugar
os concorrentes, criando uma lógica estratégica
voltada para o valor a ser criado para o cliente.
Gordon (2004) compartilha com essa visão
ao argumentar que o excesso de atenção na
concorrência apenas faz a empresa apresentar
desempenho próximo a seus competidores, o
passo à frente está em usar as atuais tecnologias
para entender o cliente potencial e desenvolver
soluções inovadoras para tais necessidades.
Essa linha de pensamento estratégico é muito
oportuna para as pequenas empresas comerciais,
tendo em vista que tais organizações enfrentam a
concorrência em condições desiguais e inferiorizadas
em relação a grandes concorrentes do setor.
30
1.1.2Implementação de estratégias
competitivas
Quando a pesquisa direciona-se para
modelos de implementação de estratégias com­
petitivas, observa-se que a maioria dos autores
converge para propostas muito próximas entre si,
baseando-se em modelos prescritivos, tipificados
em passos sequenciais, que variam de cinco a
dez, próximos a ’receitas de bolo’. Como se pode
verificar em Porter (1991); Walker Jr. e Heyes
(citados por Siqueira, 1997); Linneman e Kennell
(1977); Kotler e Keller (2006); Gilbert e Strebel
(1988); Christensen, (1997); Mason, Mayer e Ezell,
(1988), entre outros.
Embora genéricos, os modelos apresentam
dificuldades para serem operacionalizados por
pequenas organizações comerciais. Como exemplo
dessas dificuldades pode-se citar: sugestões de
análises ambientais amplas que podem ser inócuas
para uma pequena loja que atua em um setor
geográfico restrito, ou que podem exigir muita
capacitação do corpo gerencial dessas organizações;
a pouca relevância que os modelos dão aos
processos de segmentação e de posicionamento
de mercado, estratégias de marketing fundamentais
para empresas comerciais de pequeno porte; o
enfoque prescritivo dos modelos genéricos, que
pode levar gerentes ao viés de tentar adaptar a
empresa ao modelo, e não o contrário; e a pouca
ênfase no estudo do cliente potencial.
Bossidy e Charan (2005) argumentam que
planos estratégicos, em sua maioria, falham não por
serem mal formulados, mas por serem mal executados. Os autores defendem que o maior desafio das
empresas é implementar o que foi planejado sem
dei­xar que as urgências das tarefas do dia a dia se
sobreponham às prioridades estratégicas. No contexto da execução, o primeiro passo a ser dado é
identificar o mercado-alvo da empresa, ou o segmento a ser atendido pela organização.
Com respeito à segmentação de mercado,
Aaker (1995) defende que o processo é a chave
para desenvolver vantagens competitivas sus­
tentáveis. Segmentação é definida por Engel,
Warshaw, Kinnear (1991; 1995) de duas maneiras:
a primeira, como o processo de dividir grandes e
heterogêneos mercados em menores seções de
pessoas ou negócios com similares necessidades
e/ou respostas para grupos de ofertas de mercado;
a segunda, como o processo desenvolvido para
produtos ou serviços que os tornam chamativos
para subgrupos específicos de um mercado total.
Para os interesses deste estudo, os aspectos
teóricos de maior relevância concentram-se na
segmentação de mercado organizacional, ou
segmentação industrial. Conforme se verá na
apresentação do caso, o direcionamento estratégico
da empresa foi voltado para relações comerciais
entre organizações, e não com consumidores.
Embora a maioria dos trabalhos na área discuta
profundamente a segmentação sob o ponto de
vista de mercado de consumo (características
e hábitos de pessoas), essas discussões não
atendem às necessidades de empresas que atuam
negociando com outras organizações. Segundo
Hlavacek e Ames (1986), uma das razões para isso
ocorrer é que a segmentação de consumidores
finais é facilmente identificada. Em contraste, a
segmentação industrial necessita se basear em
considerações econômicas, aplicações, uso e
necessidades concretas do cliente.
Para avaliar
diferentes segmentos
industriais, a empresa
deve examinar dois
fatores: a atratividade
global do segmento
e os recursos
disponíveis.
Kotler e Keller (2006) escrevem que, para
avaliar diferentes segmentos industriais, a empresa
deve examinar dois fatores: a atratividade global
do segmento, identificar se um segmento potencial
possui as características que o tornam atraente
e os recursos disponíveis; avaliar se faz sentido
investir recursos no segmento.
Sobre as bases de segmentação de clientes
institucionais, Grisi (1986, p. 74-92) sugere dois
critérios para basear um processo de segmentação.
Por benefícios: que identifica os benefícios
perseguidos pelo comprador, pressupondo a
existência de compradores que busquem conjuntos
similares de benefícios em suas demandas de
produtos e serviços. E por necessidades: que
postula que é impossível identificar benefícios
procurados se não puder defini-los em termos das
necessidades que os originam. Decorre dessas
definições que um segmento pode ser delimitado
como um grupo com necessidades comuns, cujas
reações ao benefício proporcionado pelo produto
ou serviço serão semelhantes.
Whitney (1996) propõe um método para
segmentar e avaliar clientes institucionais baseado
em dimensões como: importância estratégica,
significância e rentabilidade para a organização.
Segundo o autor, em cada uma das dimensões de
análise podem ser considerados diversos critérios,
conforme os interesses, potenciais e as restrições
da organização. Para a dimensão de importância e
significância estratégica, podem ser utilizados os
seguintes critérios de análise:
——
Necessidade do segmento X capacidade da organização (atual): avalia-se
a capacidade da empresa em recursos
e ativos é confrontada com a necessidade de cada segmento;
——
Capacidade da empresa X concorrência: avalia a possibilidade de atendimento em comparação com a concorrência;
——
Saúde do cliente atual: aqui se avalia o risco financeiro de cada grupo de clientes;
31
——
Saúde do cliente futura: estimam-se
as possibilidades futuras quanto ao
risco financeiro;
——
Crescimento de mercado: estima-se o
potencial de crescimento de cada grupo de clientes; e
——
Aprendizado para a empresa: o critério
dimensiona a possibilidade de aprendizado que cada segmento poderia
proporcionar se houvesse um esforço
deliberado em atendê-lo.
——
Participação nas receitas: o montante
de recursos com que o grupo de clientes contribui para o total de vendas
realizadas pela empresa;
——
Margem bruta de lucros: diferença
entre vendas e o custo da mercadoria vendida, identificando o grau de
descontos que cada segmento exige
para comprar;
Bossidy e Charan (2005) citam os se­
guintes fatores como causas que impedem
desenvolvimento de estratégias: desconhecimento
das capacidades das pessoas e da empresa; falta
de realismo; ausência de metas e prioridades
claras; baixo compromisso com o planejamento;
falta de investimentos em capacitação; e falta
de alinhamento entre recompensas funcionais e
objetivos estratégicos. Bock et al. (1999) escrevem
que, para evitar as deficiências, a empresa deve
ter consciência de que, tanto na formulação
como na execução das estratégias, precisa lidar
com questões que estão distantes da ‘certeza’ e
do ‘consenso’. O principal desafio é administrar a
incerteza predominante nos mercados e conseguir
harmonia entre os funcionários e a organização.
——
Segurança contra inadimplência: nível
de risco para possíveis não pagamentos;
2
A dimensão rentabilidade para a organização
pode ser explorada com os seguintes critérios:
——
Simplicidade de atendimento: estimativa de dificuldades para atender às necessidades dos clientes; e
——
Atraso de pagamentos das faturas: o
nível de risco apresentado pelos segmentos quanto aos atrasos de pagamento de compras efetuadas.
Como se pode observar, o modelo de
Whitney (1996) utiliza-se de conceitos de fácil
compreensão e operacionalização, o que o torna
uma ferramenta extremamente útil para pequenas
organizações que necessitam identificar e analisar
segmentos de mercado.
Não se pode, porém, perder de vista
que a segmentação de mercado comprador
apenas subsidia a formulação e a implementação
de estratégias competitivas, o processo de
32
implementação exige esforços muito mais inten­
sos, envolvendo departamentos e pessoas das di­
versas áreas da organização. As dificuldades nessa
fase da estratégia são reforçadas por Bock et al.
(1999), que argumentam que todas as empresas
desenvolvem estratégias, apesar disso, dados da
revista Fortune informam que apenas 25% das
estratégias planejadas são operacionalizadas.
Aspectos Metodológicos
da Pesquisa
Para maior segurança sobre a adequação
e a validade da técnica do estudo de caso para
este trabalho, é prudente aprofundar um pouco
mais nas argumentações e justificativas sobre o
emprego do método.
Gil (1988, p. 58) define o método do caso
como um estudo profundo e exaustivo de um ou
de poucos objetos, de maneira que permita o seu
amplo e detalhado conhecimento. Acrescenta
o autor que a maior utilidade do estudo de caso
é verificada nas pesquisas exploratórias. Possui,
ainda, outras vantagens que, segundo o autor,
seriam: a) Estímulo a novas descobertas — em
razão da menor formalidade, o pesquisador,
ao longo do seu processo, pode atentar para
novas descobertas; b) Ênfase na totalidade — no
estudo de caso, o pesquisador volta-se para a
multiplicidade de dimensões de um problema,
focalizando-o como um todo; c) Simplicidade dos
procedimentos — os procedimentos de coleta
e análise de dados no estudo de caso, quando
comparados com os exigidos por outros tipos de
delineamento, são bastante simples.
Sobre a aplicação do método, Mattar (1996,
p. 84) escreve que não há critérios para a escolha
de um caso para ser estudado. Entre os exemplos,
o autor cita as situações que reflitam mudanças
e, particularmente, mudanças abruptas. Nóbrega
(1999, p. 72) relaciona o método de estudo de
caso com o estudo da estratégia. Segundo o
autor, estratégia requer pensamento original. A
melhor maneira de estudar estratégia é estudando
sucessos e fracassos dos outros.
Em função das diversas argumentações
apresentadas, pode-se perceber a aplicabilidade
do método para este estudo. Uma pesquisa que
destaca, entre seus pontos fortes, a intenção de
oferecer uma descrição detalhada de um processo
de formulação e implementação estratégica, que
ofereça subsídios, não só para pesquisas mais
estruturadas, mas também como referência para
aplicações empíricas dos conceitos abordados.
3
O Caso
A empresa do estudo, denominada de Lati­
cínios Morato, foi acompanhada durante três anos
pelo pesquisador, período em que se desen­volveu o
processo estratégico.
Apresentando um rápido histórico, a
empresa foi fundada em 1974, como uma pequena
loja especializada no comércio de frios, laticínios,
conservas e especiarias, situada na cidade de
São Paulo. Após uma desastrada ampliação de
escopo, a empresa teve seu controle societário
transferido no início de 2000.
fi­citários, mantendo apenas as atividades rela­cio­
nadas ao varejo e ao setor de vendas por atacado.
A condição precária enfrentada pela
organização exigia aporte urgente de recursos
financeiros. Algo que, naquela situação, apenas
seria possível com o desenvolvimento da própria
empresa no curto prazo. Nesse contexto, o
termo desenvolvimento estava relacionado com
o aumento de lucratividade nas operações —
aumento sensível das receitas com o mínimo de
investimentos e de custos correntes.
As dificuldades não recomendavam inves­
timentos nas atividades varejistas, visto que essas
exigiriam dispêndio desproporcional de recursos
em infraestrutura de futuras lojas. No entanto,
a estrutura atacadista existente oferecia, ainda,
capacidade para crescimento.
Um dos grandes óbices enfrentados por
pequenas empresas que atuam no setor atacadista,
é que nessa atividade, de uma forma genérica,
a competição baseia-se nos atributos: custos e
preços – estratégia de custo total (Porter, 1991).
Incapaz de competir em tais bases, a empresa
procurou identificar segmentos de compradores
que apresentassem outras necessidades que não
preços baixos, o que permitiria à organização
estabelecer um nível de competição por
diferenciação com maiores margens.
O processo de análise baseou-se na carteira
de clientes da empresa. Até aquele momento,
as ações comerciais eram dispersas, não havia
uma concentração em compradores específicos,
clientes de diversos segmentos compunham o
universo comercial da organização, resultando
em negócios de oportunidade e vendas com
margens apertadas.
Os segmentos analisados foram: hotéis, restaurantes, pizzarias/padarias, franquias e pequenos varejos. O modelo de análise de segmentos de
Whitney (1996) foi utilizado para esse fim. Os graus
5 (alto), 3 (médio), e 1 (baixo) indicam a probabilidade de cada segmento contribuir para ocorrência
do critério em avaliação. Os resultados indicaram
o segmento de hotéis como o mais interessante
(TAB. 1).
Com base na análise situacional, os novos
con­troladores decidiram eliminar os negócios de­
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
33
TABELA 1 — Análise comparativa dos segmentos
Avaliação estratégica
Clientes atuais
Características
Padarias
1. Capac. x Neces.
Atual
Em P. x Conc. Atual
Saúde do Cliente
Atual
Futura
Cresc. Mercado
Aprendizado para a
Empresa
Cap. Atração Novos
Clientes
TOTAL DE PONTOS
Pizzarias
Franquias
Lojas
Hotéis
Restaurantes
3
3
3
3
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
3
3
5
1
1
1
1
5
3
1
1
5
1
5
3
1
1
5
1
5
3
1
1
5
1
5
3
9
9
23
11
27
19
Significância para uma futura estratégia
Classificação pela primeira análise
Rentabilidade
Participação nas
Receitas
Margem Bruta de
Lucro
Segurança quanto
à inadimplência
Simpl. de
Atendimento
Ausência Atraso de
Pagamento
TOTAL
Hotéis
Franquias
Restaurantes
Lojas
Padarias
Pizzarias
1
3
3
3
3
3
5
3
3
1
1
1
5
3
3
3
1
1
1
3
3
3
5
5
5
1
1
3
1
1
17
13
13
13
11
11
FONTE: O autor
Embora esse tipo de pesquisa possa apresentar vieses importantes, se comparado com um
estudo quantitativo, como risco de análises tendenciosas, amostra não representativa, assimetria de
informações etc., para as limitações de recursos,
comuns nas pequenas empresas, o modelo possibilitou que a organização empreendesse um traba­
lho menos empírico, com características técnicas
um pouco mais consistentes.
34
Após a primeira análise realizada, os exe­
cutivos da empresa perceberam a necessidade de
aprofundar seus conhecimentos sobre o segmento
eleito, principalmente com relação às expectativas,
anseios e necessidades não atendidas pelos respec­
tivos fornecedores. Novamente, as restrições de
recursos da empresa surgiram como limitadores
para pesquisas mais aprofundadas.
A solução para a deficiência de recursos
da empresa veio com a aplicação do conceito
denominado de ‘estudo de comprador líder’. Os
compradores líderes, segundo Aaker (1995), são
aqueles que mantêm um grau de exigência muito
acima da média das organizações pertencentes
ao segmento em estudo. Portanto, identificar e
compreender as necessidades e os anseios de um
comprador líder pode subsidiar uma organização a
se capacitar melhor para atender todo o segmento.
A pesquisa de campo foi empreendida junto
a um renomado hotel da cidade de São Paulo, por
meio de entrevistas com o responsável pela área
de compras de perecíveis e o responsável pelo
setor de alimentação do hotel, conhecido no meio
como ‘Chefe de Cozinha’.
A pesquisa identificou quatro deficiências
importantes na prestação de serviços dos
fornecedores tradicionais para o setor hoteleiro.
As principais reclamações foram: incapacidade
dos fornecedores em preencher os requerimentos
padronizados de compra de perecíveis; inflexi­
bilidade no atendimento de exceções e de
pedidos emergenciais; dificuldades em cumprir
compromissos de entrega, acordados com os
setores de compras; e alta variabilidade nos
resultados da prestação de serviços.
Com base nos dados obtidos no estudo,
os executivos da organização concluíram que
toda a ação estratégica deveria se concentrar em
capacitar a estrutura operacional da empresa para
atingir níveis de desempenho exigidos pelo setor
hoteleiro, superando as limitações observadas na
concorrência tradicional.
Inicia-se, então, a fase da planificação da
estratégia, assunto do próximo tópico.
3.1 Planejamento da Estratégia
prioritária. Tais preocupações fizeram com que a
empresa procurasse definir com clareza as áreas
de maior impacto para o sucesso da estratégia e
definir os perfis e as habilidades humanas que
permitiriam o desempenho planejado. Os níveis
funcionais considerados como de maior relevância,
sob o aspecto de recursos humanos, foram: equipe
de vendas, pessoal de recebimento e expedição,
equipe de transporte e entrega.
A primeira vista, pode parecer exagerada
a preocupação com o desempenho de pessoas
em níveis operacionais. No entanto, na prestação
de serviços, os clientes relacionam-se com os
funcionários de linha e não com diretores e
gerentes (LOVELOCK; WIRTZ, 2006). No caso
do comércio atacadista de alimentos, a relação
concreta com o cliente dá-se por meio dos
motoristas e entregadores, os demais contatos
são, na maioria, virtuais.
Para tanto, a organização efetuou a análise
das operações e das tarefas, que consistiu em definir
que tipos de comportamentos os empregados
deveriam exibir para desempenhar eficazmente as
funções de seus cargos. Os meios utilizados para
capacitar os envolvidos foram reuniões expositivas,
debates interativos, simulações de possíveis vendas,
simulações das rotinas de separação de produtos,
acondicionamento, carregamento de veículo e
entregas simuladas. Outra técnica de treinamento
bastante interessante, aplicada nessa fase, foi a
dramatização, principalmente para capacitar a
equipe de vendedores.
A dramatização difere-se da simulação, no
sentido de que, na primeira, são criados cenários
e as pessoas representam papéis estranhos à
organização, como os de clientes, fornecedores etc.
Na técnica da simulação, os treinandos simulam as
suas próprias atividades em situações próximas ao
seu dia a dia.
Após a definição dos objetivos estratégicos,
iniciou-se o processo de planejamento da estratégia.
Entre as áreas da empresa que deveriam sofrer
intervenções, a de recursos humanos foi considerada
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
35
3.2 Recursos Materiais
As questões relacionadas aos recursos
materiais, principalmente, a dotação de equi­
pamentos, representam um adicional de dificul­
dades de grande relevância para as pequenas
organizações que, normalmente, estão envoltas
com restrições financeiras e dificuldades de acesso
aos financiamentos de bens de capital.
A empresa em estudo não fugiu a essa
situação, obrigando-se a recorrer a financiamentos
custosos como: arrendamento mercantil (leasing),
compras parceladas (financiamentos oferecidos
por fornecedores) e à utilização de recursos pró­
prios dos sócios, expedientes comuns adotados
por empresas de pequeno porte.
Com o sistema informatizado implantado,
foi possível estabelecer as rotinas operacionais
da área de atacado. Para isso, a organização
integrou as pessoas da área comercial e das áreas
de suporte para que todos pudessem se envolver
e contribuir com a estruturação dos processos.
O procedimento possuiu como objetivo criar o
comprometimento dos envolvidos com o processo
estratégico em andamento.
De acordo com as premissas estratégicas,
considerou-se que para se atingir o desempenho
planejado, os seguintes processos foram consi­
derados fundamentais:
——
Vendas: o processo de comercialização
diferenciava clientes novos dos atuais.
A relação com os clientes atuais foi
baseada no sistema informatizado, que
alertava os dias de compras do cliente,
gerenciava e coordenava os setores
de estoque, expedição e faturamento
e entrega. No caso de clientes novos,
a participação das equipes era mais
intensa e, por isso, foram elaborados
procedimentos específicos de identificação do contato, apresentação dos
diferenciais da empresa, do processo
de expedição, da entrega e maior dedicação nas atividades de pós-venda,
com o intuito de treinar o cliente para
a correta percepção do valor entregue
pela empresa;
——
Gerenciamento e renovação de estoques: em razão das promessas ambiciosas de disponibilizar produtos que
pertencessem, ou não, ao portfólio da
empresa e a de responder prontamente
às necessidades emergenciais que as
organizações hoteleiras normalmente
incorrem, os processos relacionados à
renovação e gestão de estoques foram
considerados fundamentais para o
sucesso do esforço estratégico. No
Um interessante aspecto observado na
empresa em estudo foi que ela se preocupou em
adquirir os recursos materiais concomitantemente
com o recrutamento e seleção dos funcionários,
objetivando capacitar os novos funcionários já
com os novos meios materiais.
3.3 Processos Operacionais
O primeiro passo da empresa nesse sentido
foi o desenvolvimento de um sistema gerencial
informatizado que integrasse o processo de
compras, a gestão de estoques, o suporte a
vendas e gestão da carteira de clientes, antes de
qualquer outra iniciativa. Os programas disponíveis
no mercado, para tanto, ou possuíam preços
inacessíveis, ou não integravam todas as funções
conforme as expectativas da organização; por
esses motivos, a empresa decidiu desenvolver um
sistema informatizado próprio.
O processo de desenvolvimento e validação
do sistema foi muito desgastante e caro, mostrando
que alternativas como adquirir um software de
integração gerencial e, posteriormente, adaptá-lo
às necessidades específicas da organização poderia
ser mais eficiente.
36
entanto, a operacionalização desse
processo foi extremamente difícil e
penosa, percebeu-se, logo, que era impossível prometer a um segmento de
mercado a excelência de atendimento
e pronta resposta sem a segurança da
excelência no fornecimento. Para uma
grande empresa, há a possibilidade de
se prevenir contra tal dificuldade, por
intermédio de estoques elevados, mas
no caso específico da organização, objeto deste estudo, houve a necessidade
de optar por outro caminho, a capacitação e treinamento dos fornecedores.
É importante observar que nem todos os
procedimentos e ações descritos foram pensados
na fase de formulação e preparação do projeto
estratégico, muitos deles foram elaborados durante
o processo de implementação da estratégia. Por
esse motivo, o acompanhamento próximo pela
gerência do processo em implementação foi de
suma importância para a identificação dos óbices e
para adoção das correções necessárias ao sucesso
do esforço.
3.4
Principais Resultados
Ao final do primeiro ano de execução da
estratégia, os primeiros resultados começaram a
surgir com a conquista de importantes clientes.
Desde o início do processo, a organização
suspeitava que o desempenho alcançado para
atender às necessidades do cliente-alvo do hotel
poderia também atender as demandas de outros
tipos de clientes como: hospitais, restaurantes
sofisticados e os grandes clubes de lazer, modelos
que possuem alguma semelhança com os hotéis.
Diante disso, a equipe de vendas avançou sobre
tais organizações, consoante com o trabalho já
desenvolvido junto aos hotéis. Os resultados foram
bastante interessantes.
A tabela comparativa abaixo ilustra a varia­
ção da composição dos clientes pertencentes à
carteira da unidade de atacado, em sua totalidade
e em proporção aos segmentos de mercado de
interesse da organização, no início do esforço
estratégico e no período final de análise.
TABELA 2 — Composição da carteira de clientes por segmento de mercado
Composição da carteira de clientes
Ano
Hosp.
Padaria
Pizzaria
Lojas
Clubes
Hotéis
Rest.
Outros
TOTAL
2000
0
25
28
47
0
2
24
6
132
2003
17
6
13
35
18
54
33
26
202
FONTE: O autor
Pode-se observar que houve um aumento de clientes pertencentes aos segmentos de hospitais, clubes,
restaurantes. No caso dos clientes pertencentes ao grupo de hotéis e flats, o aumento foi considerável. O
esforço estratégico conseguiu promover ganhos consideráveis no número total de clientes da empresa. Essa
nova configuração da carteira também aumentou sensivelmente o faturamento geral da unidade de negócios.
Com o aumento das vendas, os lucros também apresentaram uma evolução importante no período
avaliado, crescendo a uma taxa de 34% do primeiro para o segundo ano e de 33,4% do segundo para o terceiro
ano de observação.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012
37
Conclusão
Como é possível verificar no texto, a organização, objeto do estudo utilizou diversos conceitos presentes na bibliografia sobre o tema da
estratégia. Mostrando claramente o quanto a abordagem conceitual e metodológica pode ser útil e
aplicada, não apenas para grandes organizações
de onde vêm os principais exemplos, mas também
para a pequena empresa.
Claro que por se tratar de um estudo qualitativo com apenas um exemplo, possíveis generali­
zações não cabem serem feitas aqui. No entanto,
o processo estratégico descrito neste estudo destaca ensinamentos acadêmicos que devem ser
considerados por aqueles que atuam em pequenas organizações.
Em primeiro lugar, o estudo confirma a
argumentação de diversos autores que alertam
para a diferença de complexidade entre as duas
principais fases de um processo estratégico: a
formulação e a implantação de estratégias. O
caso ilustra a necessidade do acompanhamento
constante da execução por parte das lideranças.
Também são perceptíveis as limitações do
planejamento em antecipar as situações reais, o
que exige dos estrategistas o acompanhamento
próximo da implantação do processo estratégico.
O caso mostrou na prática a emergência de
situações caracterizadas por Mintzeberg (1994)
como ‘estratégias não planejadas’, óbices que dificultam ou impendem a execução do planejamento
estratégico, exigindo a flexibilidade dos executores em adaptar e criar alternativas para atingir
os objetivos esperados. Nesse sentido, a falta de
recursos das pequenas empresas comerciais parece torná-las ainda mais sensíveis a esse tipo de
dificuldade.
Outro aspecto importante a ser destacado
relaciona-se com as características integrativas e
amplas de um processo estratégico. Pôde-se per­
ceber o quanto as inter-relações entre modelos de
marketing, como a segmentação e o posiciona­
mento de mercado, e as abordagens operacionais
devem ser íntimas, para aumentar as probabilidades
de sucesso de empreendimentos dessa monta.
38
Acrescenta-se, ainda, a importância dos
recursos humanos para o sucesso de um esforço
estratégico. O caso mostra que, para a or­
ganização em estudo, o sucesso dependeu do
desenvolvimento de dois atributos: o compro­
metimento e a capacitação das pessoas envol­
vidas no processo. Interessante destacar, também,
os caminhos seguidos pela organização para de­
senvolver tais atributos: o envolvimento das equi­
pes no planejamento e estruturação dos pro­
cessos, e a capacitação por meio de trei­namentos
simulados e encenados, técnicas pouco custosas e
acessíveis às pequenas empresas.
Como última observação sobre os ensinamentos gerenciais que este estudo proporciona, é
que ele próprio se mostra como um exemplo ilus­
trativo da realidade enfrentada pelas pequenas
empresas, inseridas em ambientes de competição
intensa, e das possibilidades que a abordagem
estratégica pode promover. Como parece ser comum em pequenos negócios, o interesse pela
abordagem estratégica da empresa estudada surgiu em decorrência das dificuldades enfrentadas
pela empresa, o que não parece ser a melhor alternativa. Tais opções limitam o alcance da abordagem estratégica ou podem torná-la inócua. Pode
ser um erro, portanto, pequenos empreendedores
abdicarem do pensamento estratégico no seu dia
a dia de negócios.
Para as preocupações acadêmicas, este trabalho pode contribuir como uma útil ferramenta
didática para o ensino da administração, uma área
que sofre muito com a limitação de subsídios empíricos dedicados à formação de gestores, principalmente para aqueles que estudam com o objetivo de
empreender ou dirigir pequenos negócios.
Por fim, cabe aqui propor à academia uma
atenção maior com a pequena e micro empresa,
que, apesar de suas estruturas mais simples,
carecem de fontes bibliográficas para apoiá-las
diante das grandes dificuldades que enfrentam no
atual ambiente competitivo.
•
Recebido em: 13/01/2012
•
Aprovado em: 02/05/2012
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C uritiba,
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41
Mobilidade Sustentável como
desafio do milênio
Sustainable Mobility as a millennium challenge
Mobilidade Sustentável como desafio do milênio
Sustainable Mobility as a millennium challenge
Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha1
Resumo
Com o crescimento dos principais centros urbanos e com o investimento
do governo na indústria automobilística, o cenário da mobilidade
urbana vem se modificando no decorrer dos anos. O atual modelo
adotado gera consequências negativas para a população como:
congestionamentos, aumento da poluição, aumento do tempo nos
deslocamentos, entre outros. Nesse sentido, é preciso reverter o atual
modelo, integrando conceitos de gestão urbanística, sustentabilidade
ambiental, e voltando-se para a inclusão social. Este artigo tem como
principal objetivo apresentar uma reflexão sobre a mobilidade nas
cidades contemporâneas, buscando contribuir com o debate sobre os
desafios do milênio e estimular a formação de cidadão que zelem pelas
atitudes e comportamentos sustentáveis. Para tanto, utilizamos como
instrumentos de pesquisa levantamentos em fontes bibliográficas.
A pesquisa identificou possíveis alternativas para a resolução dos
problemas de mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito
ao incentivo da diminuição das viagens motorizadas e investimentos no
transporte coletivo.
Palavras-chave: Mobilidade Urbana. Mobilidade Sustentável. Alterna­
tivas para Mobilidade Urbana.
Abstract
With the growth of major urban centers and the government’s investment
in the auto industry, urban mobility has been changing over the years. The
current situation generates negative consequences for the population
such as traffic jams, more pollution, more time spent commuting, etc.
Therefore, it is necessary to change this situation, incorporating concepts
of urban management, environmental sustainability and social inclusion.
This article aims to discuss mobility in contemporary cities, seeking
to contribute to the debate on the challenges of the millennium and
stimulate the formation of citizens who practice sustainable attitudes
and actions. The research was based on literature and it was possible
to identify alternative solutions for the problems of urban mobility,
especially with regard to reducing vehicle travel and investing in public
transport.
Keywords: Urban Mobility. Sustainable Mobility. Alternative Solutions
for Urban Mobility.
Pós-graduanda em Controladoria (FAE Centro Universitário).
E-mail: [email protected].
1
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FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012
43
Introdução
De acordo com dados do Ministério das
Cidades, até a metade do século XX, o Brasil era
um país de economia majoritariamente agrícola. A
partir da década de 1950, governos considerados
desenvolvimentistas assumiram o poder, e, com
isso, um processo de industrialização intenso
se iniciou, cujo principal efeito foi um acelerado
crescimento dos principais centros urbanos,
resultantes da população que migrou do campo
para a cidade em busca de oportunidades nesse
novo Brasil que se desenhava.
Os motores a explosão e a expansão do
transporte rodoviário motorizado sobre pneus
modificaram, de forma decisiva e irreversível, a
vida e os costumes nas cidades, reformularam os
conceitos de espaço e geraram um novo padrão
de mobilidade (BRASIL, 2007). Após longo perío­
do sem uma atuação sistemática do governo
federal no tratamento do transporte urbano, o
cenário que se construía da mobilidade no País
se tornava cada vez mais preocupante: grande
aumento da utilização dos transportes individuais
motorizados, sobrecarga do sistema viário das
cidades e suas consequências em termos de
É necessário reverter
o atual modelo
de mobilidade,
integrando conceitos
e instrumentos da
gestão urbanística,
sustentabilidade
ambiental e
voltando-se para a
inclusão social.
44
aumento de congestionamentos e deterioração
dos serviços de transporte coletivo (BRASIL, 2011).
A partir da década de 1990, as políticas
federais deixaram de tratar o transporte nas
cidades como uma questão eminentemente de
infraestrutura viária para tratá-lo como essencial
para as funções social e econômica dentro do
desenvolvimento urbano (BRASIL, 2011). Esse
momento exige uma mudança de paradigma: é
necessário reverter o atual modelo de mobilidade,
integrando conceitos e instrumentos da gestão
urbanística, sustentabilidade ambiental e voltando-se para a inclusão social (BRASIL, 2007).
Este artigo se propõe a apresentar uma
reflexão sobre a mobilidade nas cidades con­
temporâneas, buscando contribuir com o debate
proposto sobre os desafios do milênio e estimular
a formação de cidadãos que zelem pelas atitudes
e comportamentos sustentáveis. Assim, para uma
análise sobre a mobilidade como desafio no milênio,
serão analisadas cidades brasileiras contemporâneas,
após a década de 1950, período quando se inicia o
processo de urbanização no País.
Dessa forma, torna-se necessário, primei­
ramente, contextualizar por meio de uma breve
caracterização histórica a mobilidade e suas trans­­
­
formações ao longo das décadas. Além desta
­
introdução, a composição do modelo de mobilidade
adotado no Brasil está demonstrada no título 1. No
título 2, apresentam-se propostas para solução dos
atuais problemas de mobilidade verificados no Brasil
e, por fim, apresentam-se as considerações finais.
1
1.1Causas e Consequências dos
Problemas do Modelo de Mobilidade
Adotado no Brasil
Modelo de Mobilidade
Adotado no Brasil
A mobilidade se constitui de deslocamentos
cotidianos recorrentes, fruto da separação entre
lugar de trabalho e habitação, de movimentos
destinados às compras e ao lazer, entre outros
(BALBIM, 2004). Mobilidade sustentável, segundo
The World Business Council for Sustainable
Development (WBCSD), é: “atender às necessidades
da sociedade de se mover livremente, obter acesso,
se comunicar, comercializar e estabelecer relações
sem o sacrifício de valores humanos essenciais ou
ecológicos, hoje ou no futuro” (PRADO, 2008).
Um dos primeiros fatores que deve ser
levado em consideração quando da reflexão sobre a
mobilidade é o crescimento populacional, já que as
pessoas são apresentadas como sujeitos principais
dentro desse conceito. De acordo com o Censo 2010
(BRASIL, 2010), 84,35% da população (160.879.708
pessoas) vivia em situação urbana, enquanto
apenas 15,65% (29.852.986 pessoas), em situação
rural. Ainda, em 1º de agosto de 2010, 66,41% da
população (126.669.563 pessoas) habitava apenas
607 dos 5.565 municípios existentes.
A política de mobilidade verificada na quase
totalidade das cidades brasileiras tem representado
desperdício de tempo em congestionamentos crô­
nicos; elevada mortalidade, devido aos aciden­
tes
­
de trânsito; degradação das condições ambientais,
causando reduções nos índices de mobilidade e
acessibilidade (LIMA, 2008). Neste capítulo procura-se contextualizar as causas e as consequências
desses problemas no Brasil.
Comprova-se, com essas informações, a
tendência para o crescimento das grandes cidades
e, com isso, a concentração populacional, conforme
demonstrada na TAB. 1.
TABELA 1 — População nas grandes cidades brasileiras (2010 e 2000)
População de acordo
com Censo 2010
Município
População de acordo
com Censo 2000
Percentual de crescimento da pop. de 2000
para 2010, com base nos Censos Demog.
São Paulo - SP
11.244.369
10.434.252
7,76%
Rio de Janeiro - RJ
6.323.037
5.857.904
7,94%
Salvador - BA
2.676.606
2.443.107
9,56%
Brasília - DF
2.562.963
2.051.146
24,95%
Fortaleza - CE
2.447.409
2.141.402
14,29%
Belo Horizonte - MG
2.375.444
2.238.526
6,12%
Manaus - AM
1.802.525
1.405.835
28,22%
Curitiba - PR
1.746.896
1.587.315
10,05%
Recife - PE
1.536.934
1.422.905
8,01%
Porto Alegre - RS
1.409.939
1.360.590
3,63%
FONTE DE DADOS BRUTOS: Censo Demográfico 2000 e 2010 — IBGE
NOTA: O responsável pelos dados trabalhados é o autor desta pesquisa
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45
Outro importante fator a ser considerado é
o aumento do transporte individual em detrimento
da utilização do coletivo, verificado, principalmente,
por meio do aumento da frota de automóveis e
motos — em 2007, a frota circulante em cidades
com mais de 60 mil habitantes era de 20 milhões
de veículos, sendo 15,2 milhões de automóveis e
veículos comerciais leves (BRASIL, 2011).
De acordo com Vasconcellos, Carvalho e
Pereira (2011), os automóveis recebem até 90%
dos subsídios dados ao transporte de passageiros
do País, 12 vezes mais que o transporte público.
Nos últimos anos, os carros têm desfrutado de
redução da alíquota do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) pelo governo federal,
estacionamento gratuito em grande parte das
vias públicas, baixo preço do licenciamento e
do Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores — IPVA (BRASIL, 2011).
Além das políticas fiscais, o governo
também promoveu o encarecimento do preço do
diesel em relação ao da gasolina, a partir da quebra
do monopólio estatal sobre a exploração e a venda
de petróleo e derivados no fim da década passada,
o que vem estimulando o aumento de viagens
individuais. Podem-se citar, também, as políticas
de incentivo à produção de motocicletas na Zona
Franca de Manaus e a instalação de fábricas de
automóveis no País com grandes incentivos fiscais
(BRASIL, 2011)
As políticas voltadas ao estímulo do uso
do transporte individual, associadas às medidas
que acabam por encarecer o transporte público
coletivo, resultam no agravamento dos problemas
de mobilidade nos grandes centros, além de
também reforçar a exclusão social para aqueles
que não podem adquirir um veículo privado e
percebem que o transporte público vem perdendo
qualidade e ficando cada vez mais caro (BRASIL,
2011). De acordo com levantamento feito pela
Paraná Pesquisas, no início de 2011, para avaliação
do sistema de transporte de Curitiba, metade das
pessoas ouvidas apontaram a lotação como maior
46
problema do transporte coletivo. Em segundo
lugar, com 38%, está o tempo de espera alto
entre os ônibus; e, com 18%, está o alto preço da
passagem (AZEVEDO, 2011). Além disso, segundo
pesquisa apresentada pelo Ipea, os ônibus, que
transportam 90% dos passageiros do transporte
público nacional, apresentam velocidades muito
baixas, cerca de 30% inferiores às que seriam
praticadas com sistemas adequados de prioridade
na circulação (BRASIL, 2011).
Uma consequência básica de todos esses
fatores é o aumento dos congestionamentos
urbanos: segundo dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre
1992 e 2008, o tempo médio de deslocamento casa-trabalho da população, nas dez principais regiões
metropolitanas do Brasil, subiu aproximadamente
6%. O percentual de pessoas que gastam mais de
uma hora nesse mesmo deslocamento também
subiu: de 15,7% para quase 19% (BRASIL, 2011).
Outro efeito é o aumento da poluição
decorrente do uso crescente de combustíveis
fósseis, apesar dos avanços de controle de emissões
regulamentadas desde 1986 pelo Programa de
Controle de Poluição Veicular (Proncove). Além
disso, os automóveis consomem 68% da energia
total usada nos deslocamentos realizados nas
cidades com mais de 60 mil habitantes, cabendo
apenas 32% ao transporte coletivo (BRASIL, 2011).
Também, a falta de incentivo ao transporte
não motorizado contribui com os baixos índices
de mobilidade nas cidades modernas. Em uma
pesquisa apresentada no 14º Congresso Brasileiro
de Transporte e Trânsito — no ano de 2003, em
Vitória, a qual é citada pelo Ministério das Cidades
em seu Caderno de Referência para Elaboração
de Plano de Mobilidade Urbana de 2007 —, foi
possível verificar que, nas cidades selecionadas, o
principal problema enfrentado pelos ciclistas em
seus deslocamentos é a falta de ciclovia, a falta
de bicicletários seguros e chuveiros públicos para
troca de roupa (BRASIL, 2007).
O modelo de mobilidade adotado pelo
Brasil, de acordo com Gomide (2006), alimenta
um círculo vicioso: a oferta inadequada de
transporte coletivo estimula o uso do transporte
individual, o que ocasiona aumento dos níveis
de poluição e congestionamento. Estes, por sua
vez, absorvem cada vez mais recursos para a
ampliação e construção de vias. Igualmente, a falta
de planejamento e controle do desenvolvimento
das funções sociais das cidades provoca a
expansão urbana horizontal, o que gera o aumento
das distâncias a serem percorridas e os custos da
provisão dos serviços para as áreas periféricas,
onde a oferta se torna deficitária. Com isso,
percebe-se que os custos socioeconômicos para a
sociedade brasileira de tal modelo são inaceitáveis
para um país que se pretende justo e sustentável.
2
Propostas de Soluções
para Aprimoramento da
Mobilidade Urbana no Brasil
Com base na introdução e na primeira
parte deste artigo, constata-se que o estudo
aprofundado das condições de mobilidade é
fundamental para avaliar a qualidade de vida nas
cidades e identificar políticas privadas e públicas
que possam reduzir os problemas urbanos rela­
cionados a esse assunto, dando maior eficiência
na movimentação de indivíduos e mercadorias
(IPEA, 2011). Nesta parte, serão apresentadas
pro­postas de soluções para o aprimoramento do
modelo de mobilidade adotado no Brasil.
De acordo com Lincoln Paiva, idealizador
do projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável
(PRADO, 2009), para buscar alternativas para a
mobilidade, o primeiro passo é entender que esse
conceito envolve não apenas o setor de transportes,
mas também de trabalho, saúde, economia, finanças
e meio ambiente. Nesse sentido, Paiva cita que há
evidências no mundo de que os grandes centros
urbanos têm encontrado boas saídas para os
problemas relacionados à mobilidade. Um exemplo
disso é o CTR Board — Commute Trip Reduction
Board — aplicado em Washington.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O estado norte-americano possui 6 milhões
de habitantes, abrigando a sede de grandes
empresas e sofrendo as consequências de um
trânsito caótico. Diante desse cenário, o governo
decidiu trabalhar em parceria com a iniciativa
privada, de modo que as empresas começassem
a se sentir responsáveis pelos deslocamentos
de seus funcionários, não somente pela ida ao
trabalho e volta para casa, mas também pela
locomoção durante o dia para visitar clientes,
participar de reuniões e eventos fora da empresa
ou fazer entregas. A partir disso, criou-se um
departamento de mobilidade, que por meio de
recursos financeiros, incentivava as empresas a
fazerem o mapeamento dos deslocamentos de
cada empregado. Os dados coletados serviram
para que o governo tivesse o diagnóstico de como
as pessoas se locomoviam e quais eram as suas
necessidades. Com isso, foram aplicadas iniciativas
de home office, horários flexíveis de trabalho,
construção de ciclovias, viabilização de caronas
compartilhadas, aumento da frota de ônibus
em determinados locais e horários, entre outros.
O conjunto de medidas reduziu o tempo que as
pessoas ficavam paradas no trânsito, o estresse
da população e os gastos com combustível, e
ainda tornou o transporte público mais eficiente.
Três anos depois de implementado, mais de 1.100
empresas investiam nesse projeto, pois notaram os
ganhos econômicos que tinham com a iniciativa.
De acordo com entrevista concedida por
Horácio Augusto Figueira, consultor de engenharia
de tráfego e transportes, uma das soluções para o
problema da mobilidade é o investimento a curto
prazo pelo Poder Público no transporte de ônibus
e, a longo prazo, em metrôs e trens (CRUZ, 2011).
Para Kazuo Nakano, arquiteto urbanista
do Instituto Pólis, o estímulo para que as pessoas
deixem o carro em casa e optem pela utilização
do transporte público está primeiramente na
ampliação da oferta deste meio, fazendo com que
ele atinja todos os pontos da cidade (CRUZ, 2011).
Ainda segundo o autor, o transporte também
precisa ser frequente, confiável, confortável e estar
integrado com as demais redes e linhas. Outra
ideia defendida pelo arquiteto é a criação do
v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012
47
pedágio urbano, cobrado pelo uso do veículo que
circule, por exemplo, na área central das cidades
nos horários de pico. Porém, os pedágios podem
somente ser implantados após a conexão de todas
as regiões com o transporte coletivo e quando as
oportunidades de emprego migrarem do centro
para as áreas mais periféricas (CRUZ, 2011).
De acordo com entrevista concedida por
Lincoln Paiva, o transporte público não é, nem
pode ser a única solução para a mobilidade urbana
— se todas as pessoas passassem a utilizar ônibus
e metrôs, as cidades teriam um ônus enorme. Em
Londres, por exemplo, segundo Paiva, as pessoas
são incentivadas a andarem a pé e de bicicleta.
Ainda, a prefeitura recomendou às empresas que
adotassem a política de home office, resultando
em ação menos onerosa do que incrementar o
transporte público (PRADO, 2009). Em Paris,
segundo reportagem de Santos (2008), a cada
300 metros há uma estação de bicicletas pú­
blicas, onde é possível locá-las em uma estação
e deixá-las em outra.
Mesmo em países em desenvolvimento há
medidas nesse sentido. Bogotá, por exemplo, em
menos de seis anos, ganhou mais de 300 quilômetros
de ciclovias, equipadas com bicicletários. Além
disso, há também a integração do transporte
público com o estacionamento para bicicleta: ao
pagar a passagem de ônibus, o usuário recebe dois
adesivos com o mesmo número. Um deles é colado
na bicicleta, o outro fica de posse do usuário que
deve apresentá-lo na hora de retirar seu veículo
nos bicicletários instalados nos terminais de ônibus
(SANTOS, 2008).
De acordo com informações do Ministério das
Cidades (BRASIL, 2007), as seguintes soluções são
fundamentais para a melhora da mobilidade no País:
48
——
sistema de informações com a realização e divulgação de pesquisas sobre
mobilidade urbana;
——
implantação de corredores estrutu­
rais de transporte coletivo urbano que
priorizem a circulação do transporte
coletivo em relação ao individual, incluindo corredores exclusivos e de
transporte coletivo;
——
implantação de sistemas integrados de
transporte coletivo urbano;
——
apoio a projetos de sistemas de circulação não motorizados, priorizando
a sua integração com os sistemas de
transporte coletivo;
——
apoio a projetos de acessibilidade
para pessoas com restrição de mobilidade e deficiência;
——
diminuir a necessidade de viagens
motorizadas, descentralizando os serviços públicos, aproximando as oportunidades de trabalho e a oferta de
serviços nos locais de moradia;
——
priorizar o transporte público coletivo e desestimular o uso do transporte
individual.
As alternativas citadas aqui visam ao
aprimoramento das condições de mobilidade e
acessibilidade urbana da população, o que contribui
para a concretização das políticas sociais, pois levam
as pessoas à igualdade de oportunidades de acesso
às estruturas básicas das cidades.
Considerações Finais
O curso da história brasileira sempre se
encaixou em um processo maior da história
mundial, por exemplo, o Descobrimento do Brasil,
o Capitalismo Mercantil e a Independência do
Brasil, como decorrência dos estados absolutistas
europeus. Dessa forma, problemas vivenciados pelo
mundo fazem-se presentes também em território
brasileiro, permeados pelas particularidades cul­
turais do País.
Com isso, conclui-se que a política de mobilidade sustentável deve estar associada às diretrizes
do planejamento urbano, considerando principalmente a preocupação com a sustentabilidade dos
sistemas, a qualidade de vida da população, o acesso
à moradia, saúde e oportunidades de trabalho, gerando, assim, condições para o progresso das cidades e, consequentemente, da sociedade brasileira.
Dentro desse contexto, emerge o problema
da mobilidade das cidades contemporâneas, bra­
sileiras e estrangeiras, conforme apresentado
neste artigo. Diante da globalização e da apoteose
dos sistemas de comunicação, atualmente é
permitido um intercâmbio de informações com
uma efetividade jamais vivenciada na história
da humanidade. Dessa forma, respeitando-se
as especificidades da realidade brasileira, há
uma enorme probabilidade de que ações bem-sucedidas, favoráveis à mobilidade urbana em
cidades estrangeiras, ajam de forma semelhante
em território brasileiro.
Assim, deve haver uma especial atenção
por parte da sociedade brasileira em pesquisar e
reter ações internacionais de sucesso em prol da
mobilidade, como as previamente mencionadas
no trabalho de implantação de pedágio urbano e
incentivo ao transporte coletivo.
•
Recebido em: 08/12/2012
•
Aprovado em: 23/03/2012
A sociedade, atuando de forma conjunta
com os governos locais, deve agir no sentido de
adaptar essas medidas de sucesso para a realidade
brasileira, maximizando a eficiência das ações.
Nesse esforço conjunto, governo e sociedade
devem objetivar construir um modelo de mobilidade
urbana sustentável do ponto de vista econômico,
ambiental e social. A sustentabilidade traz um
conceito inovador para a mobilidade urbana:
“capacidade de fazer as viagens necessárias para a
realização de seus direitos básicos de cidadão, com
o menor gasto de energia possível e menor impacto
no meio ambiente, tornando-a ecologicamente
sustentável” (BOARETO, 2003, p. 49).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012
51
Qualidade e imagem na satisfação
de clientes em concessionárias
Quality and image impact in consumer satisfaction in car dealers
Qualidade e imagem na satisfação de clientes em concessionárias
Quality and image impact in consumer satisfaction in car dealers
Ieda Pelógia Martins Damian1
Edgard Monforte Merlo2
Resumo
A competição varejista está fazendo com que os serviços ocupem lugares
de destaque por agregarem valores aos consumidores e contribuírem com a
satisfação dos consumidores. Entender como a qualidade do serviço e a imagem
da loja influenciam na satisfação, a importância dos serviços automotivos e dos
relacionamentos entre os conceitos mencionados levou ao objetivo deste trabalho,
que foi analisar o papel da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação
dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. A pesquisa de
campo foi realizada mediante o envio de questionários por meio eletrônico a uma
base selecionada de consumidores de serviços automotivos em concessionárias. Os
resultados obtidos demonstraram que, além dos aspectos da qualidade do serviço,
os aspectos relacionados à imagem da loja desempenham um importante papel na
formação da satisfação dos consumidores desses serviços. Os elementos de imagem
que mais influenciaram na satisfação dos consumidores foram os relacionados ao
prazer de compra, imagem de loja e preços. Os elementos associados à qualidade
foram: receber o serviço esperado, percepção de alta qualidade no serviço e o
atendimento dos funcionários (empatia e respostas claras).
Palavras-chave: Qualidade. Imagem. Satisfação. Serviço. Concessionária.
Abstract
Competition in the retail sector has highlighted the importance of services in
creating value for customers and contributing for their satisfaction. The wish
to better understand how service quality and store image influence consumer
satisfaction, and the importance of auto services and the relationship between
the concepts mentioned previously has led to the aim of this article, which is to
analyze the role of service quality and store image in consumer satisfaction in
car dealers. The field study was conducted by sending survey questionnaires via
e-mail to a selected database of customers who use services in car dealers. The
results showed that, besides the aspects related to service quality, the aspects
related to store image also play an important role in the formation of consumer
satisfaction. The image elements which most influenced in consumer satisfaction
were the ones related to purchase pleasure, store image and pricing. The most
influential quality aspects were: receiving the expected service, perception of
high quality service and the employees’ attitude (empathy and clear answers).
Keywords: Quality. Image. Satisfaction. Auto Services. Car Dealer.
Doutoranda em Administração de Organizações pela FEA-RP/USP. Professora universitária com
experiência em Administração e Tecnologia da Informação, atuando nas seguintes áreas: administração de varejo, sistemas de informação, comércio e governo eletrônico. E-mail: ieda.martins@bol.
com.br.
2
Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2000). Professor associado da FEARP/
USP, com experiência na área de Administração, com ênfase em Planejamento e Comportamento do
consumidor. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
53
Introdução
O setor automotivo, de acordo com os
dados do Banco Nacional de Desenvolvimento
Social e Econômico (BNDES, 2008), desempenhou
um papel de grande importância na história recente
da indústria nacional, principalmente no início da
década de 1990, quando o setor foi emblemático no
processo de abertura comercial e modernização da
indústria; e em 1995, quando o governo anunciou
um conjunto de medidas e incentivos direcionados
ao segmento, o Regime Automotivo, iniciando-se
um ciclo de grandes investimentos para o setor.
O Brasil ocupa lugar de destaque no cenário
mundial quando se fala em setor automotivo:
está em ascensão tanto no ranking de maiores
mercados quanto no de maiores produtores de
veículos, configurando-se como um importante
player mundial. O desenvolvimento do mercado
automotivo brasileiro, acompanhado de incentivos
governamentais, fez com que mais pessoas
pudessem adquirir veículos.
Esse novo cenário despertou nas empresas
prestadoras de serviços automotivos o desejo de
trazer para suas carteiras de clientes esses novos
consumidores. Para tanto, é importante oferecer um
serviço que os deixem satisfeitos. A satisfação do
cliente em relação ao serviço que lhe foi oferecido
vem ocupando cada vez mais destaque tanto na
área empresarial quanto na área acadêmica.
Apesar de existir um grande número
de estudos que demonstram a importância da
satisfação dos consumidores, da qualidade do
serviço e da imagem da loja, poucos estudos
foram encontrados sobre a efetiva relação entre
esses conceitos e seu impacto sobre a satisfação
dos consumidores. A carência de estudos se torna
ainda maior quando se foca na área de serviços
em concessionárias de veículos, apesar de sua
importância tanto em âmbito nacional quanto
internacional. Essa escassez de pesquisas justificou
o propósito deste estudo, que foi o de avaliar o
papel da qualidade dos serviços e da imagem da
loja na satisfação de consumidores de serviços em
concessionárias de veículos.
Para que esse objetivo geral pudesse ser
alcançado, os seguintes objetivos específicos
54
O Brasil ocupa lugar de
destaque no cenário
mundial quando se fala
em setor automotivo:
está em ascensão tanto
no ranking de maiores
mercados quanto no de
maiores produtores de
veículos, configurandose como um importante
player mundial.
foram estabelecidos: (1) identificar os principais
elementos que interferem na satisfação dos
consumidores de serviços automotivos de con­
cessionárias; (2) avaliar a importância da imagem
na satisfação dos consumidores de ser­
viços
automotivos de concessionárias; e (3) mensurar
o papel da qualidade do serviço para a formação
da satisfação dos consumidores de serviços
automotivos.
Com o intuito de alcançar os objetivos
pro­
postos por este estudo, foi construído um
questio­
nário cujas afirmações foram adaptadas
às características específicas dessa investigação,
utilizando-se, para tanto, as pesquisas de autores,
como Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) no to­
cante à qualidade do serviço. No tocante aos atributos
da imagem, foram utilizados os conceitos de Samli,
Kelly e Hunt (1998) e Thompson e Chen (1998).
Os resultados obtidos com esta pesquisa
permitiram verificar qual foi a influência da qualidade
do serviço e da imagem da loja na satisfação dos
consumidores de serviços em concessionárias de
veículos. Os elementos da qualidade do serviço que
mais influenciaram na satisfação dos consumidores
foram os relacionados aos serviços de alta qualidade,
o atendimento dos funcionários, receber o serviço
esperado, atendimento rápido e entregar o serviço
no prazo prometido; e os da imagem da loja foram
prazer de compra, imagem de loja e preços.
Por meio desses resultados, esta pesquisa
pretende contribuir tanto para o setor varejista
como para os pesquisadores dessa área, uma vez
que esse assunto é de interesse crescente devido
aos benefícios diretos a ele associados. Além disso,
este estudo pretende contribuir para despertar o
interesse para uma área que carece de estudos.
1
Referencial Teórico
A fim de alcançar os objetivos propostos
e para possibilitar um aprofundamento posterior
da discussão deste estudo, foi realizado um
levantamento bibliográfico sobre os principais
conceitos utilizados na pesquisa: qualidade
em serviços, imagem da loja, satisfação dos
consumidores e varejo e serviços no setor
automotivo brasileiro, assim como analisar os
resultados já alcançados por outras pesquisas,
mesmo que não tenham sido realizadas no setor
varejista de serviços automotivos.
1.1 Qualidade em Serviços
do serviço. Essas diferenças são significativas e
causam impactos não apenas na avaliação da
qualidade do serviço, mas também na maneira
mais adequada de medir esse tipo de qualidade.
As pesquisas realizadas por Parasuraman,
Zeithaml e Berry (1985) indicaram que os con­
sumidores, basicamente, usam critérios similares
para avaliar a qualidade do serviço e, então,
esses critérios foram alocados em dez categorias
denominadas de determinantes da qualidade do
serviço, sendo elas: confiabilidade, responsabilidade,
acesso,
cortesia,
comunicação,
credibilidade,
segurança, entendimento/conheci­
mento do cliente
e tangibilidade.
As características específicas dos serviços
em relação aos produtos que podem dificultar a
sua medição, exigindo instrumentos específicos
para tal fim, foram relatadas por Jonhson, Tsiros
e Lancioni (1995): a intangibilidade dos serviços
pode causar dificuldades de medição e muitos
fatores afetam a percepção do indivíduo da
qualidade do serviço. Os autores relataram que
nas primeiras tentativas para medir a qualidade
de serviço utilizaram as medidas modeladas pelas
indústrias de produtos e, assim, acabaram focando
principalmente no resultado final, negligenciando,
dessa forma, os componentes dos serviços que
Em seu estudo sobre qualidade, Shewhart
(1931 apud CHEN; TING, 2002) sugeriu que a
qualidade poderia ser dividida em qualidade
objetiva e qualidade subjetiva: a primeira não
tem nenhuma relação com pessoas e sim com
o produto; já a segunda é a maneira pela qual
os consumidores percebem a primeira. Assim,
diferentes consumidores, complementaram Chen e
Ting (2002), não teriam necessariamente a mesma
percepção de qualidade subjetiva para os produtos
com as mesmas qualidades objetivas, o que mostra
que a qualidade está conectada com o consumidor.
Para que as empresas possam usufruir os
benefícios trazidos pela qualidade, é preciso levar
em consideração as diferenças entre produtos e
serviços que influenciam na avaliação de qualidade
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
Para que as empresas
possam usufruir os
benefícios trazidos pela
qualidade, é preciso
levar em consideração
as diferenças entre
produtos e serviços que
influenciam na avaliação
de qualidade do serviço.
55
possuem importantes parcelas sobre o resultado
final. A sugestão desses autores para a compreensão
do ponto de vista dos consumidores em relação ao
nível de qualidade foi considerar as percepções dos
serviços de entrada, os processos de serviço e as
percepções do serviço resultante.
Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000) e
Lovelock (2004) relataram que existe uma grande
dificuldade de medir a qualidade dos serviços que,
ao contrário de um produto com características
físicas que podem ser objetivamente mensuradas,
contêm muitas características psicológicas e que
frequentemente se estende além do encontro
imediato, porque têm um impacto sobre a qualidade
de vida futura de uma pessoa.
Apesar de todas as dificuldades relacionadas
à mensuração da qualidade do serviço, Zeithaml
(2000) reforçou a importância dessa medição,
uma vez que a qualidade do serviço pode levar a
uma série de importantes benefícios.
De acordo com o estudo realizado por
Cronin, Brady e Hult (2000), os consumidores
de serviços mostraram dar mais importância à
qualidade do serviço do que aos custos associados
com a sua aquisição. Corroborando essa visão,
Lovelock (2004) e Berry (2009) afirmaram que
para surpreender e entusiasmar os clientes a
qualidade deve estar acima do nível desejado, o
que se considera como qualidade superior.
Uma das ferramentas mais utilizadas para
mensurar a qualidade dos serviços é o SERVQUAL
que, segundo Tan e Pawitra (2001), pode ser
descrita como uma técnica de diagnóstico para
descobrir amplas áreas de forças e fracassos na
qualidade de serviço de uma organização.
Ladhari (2009) realizou um extenso trabalho
no qual revisou 20 anos (1988-2008) de pesquisas
sobre a escala SERVQUAL para medir a qualidade
do serviço, identificando e resumindo numerosas
críticas teóricas e empíricas da escala baseadas
em uma seleção de 30 aplicações, e concluiu que
essa ferramenta continua sendo um instrumento
útil para a pesquisa de qualidade de serviços —
esse aspecto também foi ressaltado por Finn e
Kayande (2004) e Grönroos (1998).
56
Corroborando com Ladhari (2009), Yan e
McLaren (2010) utilizaram o SERVQUAL para calcular a distância entre as expectativas dos clientes
e as percepções dos funcionários de uma concessionária de veículos e concluíram que essa ferramenta é um meio simples e barato de avaliação de
qualidade de serviços.
Uma alternativa à ferramenta discutida
acima foi proposta por Jonhson, Tsiros e Lancioni
(1995), que se basearam na teoria do sistema
para a criação do SERVQUAL ampliado, o qual
considera as percepções dos serviços de entrada,
dos processos de serviço e das percepções do
serviço resultante, levando em consideração as
características específicas dos serviços que os
fazem diferentes dos produtos e que afetam a
percepção de qualidade deles.
Para o questionário utilizado neste estudo,
foram considerados os aspectos que compõem o
SERVQUAL ampliado proposto por Jonhson, Tsiros
e Lancioni (1995), uma vez que o questionário
leva em consideração todas as etapas da teoria
de sistema descritas acima. Além das afirmações
contidas no SERVQUAL ampliado, outras foram
incluídas no questionário para que a influência da
imagem da loja na satisfação dos consumidores
pudesse ser avaliada.
1.2 Imagem da Loja
Uma das primeiras definições de imagem
que se tornou um marco foi a de Martineau
(1958 apud OLIVEIRA, 2006), em que a imagem
foi definida como um conjunto de associações,
significados e características da empresa.
Para o estudo em questão, foi utilizada a
definição de imagem dada por Bloemer e Ruyter
(1998), que a expressaram como uma função dos
atributos mais marcantes — avaliados e ponderados
uns contra os outros pelos seus consumidores —
de uma determinada loja.
Os benefícios relacionados à imagem
são muitos. Para Aaker (1998), a imagem cria
valor, contribuindo para a diferenciação e para
o posicionamento, além de criar um sentimento
positivo para a empresa ou para o produto,
gerando um incentivo à compra. Grönroos (1998)
incluiu a imagem em seu modelo de qualidade
percebida do serviço por acreditar que a imagem
de uma empresa funciona como um filtro que
influencia a percepção da qualidade, quer seja de
modo favorável, desfavorável ou neutro. Nessa
mesma linha, Ferrand e Vecchiatini (2002) também
afirmaram que os atributos simbólicos podem
influenciar mais fortemente na satisfação do que
os atributos funcionais.
Os conceitos de imagem aqui discutidos,
bem como os benefícios advindos dela podem
ser aplicados e usufruídos no âmbito varejo
e trazidos para a realidade do estudo em
questão, cujo universo diz respeito às lojas, mais
especificamente às concessionárias de veículos
que prestam serviços automotivos. Assim, se faz
necessário conceituar a imagem de uma loja, o que
para Wyckham (1969 apud SAMLI; KELLY; HUNT,
1998) é o somatório de todos os atributos que são
percebidos pelos consumidores a partir de suas
experiências com essa imagem.
Em relação aos atributos de loja ou carac­
terísticas que fazem parte da imagem global
da loja, Bloemer e Ruyter (1998) afirmaram que
vários autores têm distinguido diferentes atri­
butos e citaram importantes contribuições: (1)
Lindquist (1974) propôs nove elementos diferentes:
mercadoria, serviço, clientela, instalações físicas,
conforto, promoção, atmosfera da loja, institucional
e satisfação pós-transação; (2) Doyle e Fenwick
(1974) distinguiram cinco elementos: produto, preço,
sortimento, estilo e localização; e (3) Bearden (1977)
sugeriu as seguintes características: preço, qualidade
da mercadoria, sortimento, atmosfera, localização,
local de estacionamento e pessoal amigável.
A imagem da loja desempenha um papel
fundamental para o bom desempenho do setor
varejista. As principais ferramentas utilizadas
para medir a imagem são: escalas de avaliação,
técnicas abertas, escalas multidimensionais e
comparações de imagem. Nas escalas de ava­
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Os benefícios relacionados
à imagem são muitos.
A imagem cria valor,
contribuindo para a
diferenciação e para o
posicionamento, além
de criar um sentimento
positivo para a empresa ou
para o produto, gerando
um incentivo à compra.
liação é solicitado ao consumidor avaliar a ima­
gem da loja por meio de uma escala que pode
ser uma comparação numérica ou um diferencial
semântico ou ainda um posicionamento de escala
gráfico (MCGOLDRICK, 2000).
Além das adaptações realizadas na escala
SERVQUAL comentadas anteriormente, a técnica
de escalas de avaliação para mensuração da
imagem de uma loja foi a utilizada neste estudo
por ser a que mais se aproxima das demais
ferramentas que foram utilizadas para a medição
da qualidade dos serviços.
O propósito de elaborar afirmações rela­
cionadas à qualidade do serviço e à imagem da loja
foi poder avaliar a influência desses conceitos na
satisfação dos consumidores que se trata de um
assunto em crescente ascensão tanto por parte
dos acadêmicos quanto por parte dos gestores
de empresas.
1.3 Satisfação dos Consumidores
O conceito de satisfação de cliente foi
introduzido por Cardoso (1965 apud CHEN;
TING, 2002), e desde então tem tido diferentes
definições, umas relacionadas ao grau de realização
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
57
dos benefícios dos produtos que os consumidores
esperam, outras mais focadas na comparação de
recompensas dos resultados esperados com o
custo do investimento.
Conforme Matzler e Hinterhuber (1998) e
Levy e Weitz (2000), a satisfação expressa uma
preocupação crescente para muitas empresas
líderes no mundo todo e, cada vez mais, as empresas
têm utilizado cotações de satisfação como um
indicador de desempenho de produtos e serviços e
como um indicador do futuro da empresa.
A satisfação para Parker e Mathews (2001)
pode ser vista como o resultado de uma experiência
ou como um processo, e se complementa com outra
abordagem que se refere à satisfação como uma
atitude. As variáveis-chave que afetam a satisfação
do consumidor de acordo com a pesquisa desses
autores são: expectativas, desconformidades, de­
sempenho percebido e atitudes prioritárias.
Para Matsukuma e Hernandez (2007), a
formação da satisfação pode ser entendida por
meio de seus atributos e, assim, tomar decisões
estratégicas com maior segurança. Isso significa
que obter apenas a satisfação para cada um dos
atributos não é suficiente. É necessário identificar
a importância relativa de cada um dos atributos
para a satisfação. Do ponto de vista gerencial,
a implicação é clara: devem-se privilegiar os
atributos mais importantes em detrimento dos
menos importantes.
A contribuição dos autores é de grande
relevância para o desenvolvimento deste trabalho,
que busca avaliar os atributos da qualidade dos
serviços e da imagem da loja que influenciam a
satisfação dos consumidores de serviços auto­
motivos em concessionárias de veículos.
A importância e os benefícios relacionados
à satisfação dos consumidores também podem ser
notados pelas sugestões de McGoldrick (2000)
de avaliação do desempenho de marketing, feita
por meio de duas grandes categorias de análise:
uma que leva em consideração os indicadores
financeiros dos programas de marketing, e outra
que se preocupa com ações internas da empresa
58
voltadas à satisfação de seus consumidores com
a criação de indicadores para mensurar cada um
desses aspectos. Legitimando McGoldrick (2000),
Matsukuma e Hernandez (2007) afirmaram que
a satisfação é um índice que permite conhecer
os clientes e, em conjunto com outras análises,
indicar se o cliente é leal à empresa, se pretende
migrar para o concorrente, ou, ainda, se pretende
abandonar o mercado, além de afirmar que, se
bem utilizadas, as pesquisas de satisfação podem
auxiliar os profissionais de marketing a prever
situações de risco e tomar decisões para evitá-las
antes que aconteçam.
1.4
Varejo e Serviços no Setor
Automotivo Brasileiro
O varejo, de acordo com Parente (2000),
consiste em todas as atividades que englobam o
processo de venda de produtos e serviços para
atender a uma necessidade pessoal do con­
sumidor final.
Os serviços, segundo Vargo e Lusch
(2004), podem ser definidos como a aplicação
de competências especializadas por meio de
atos, processos e desempenhos para benefício de
outra ou da própria entidade. Em geral, ainda de
acordo com esses autores, os consumidores não
precisam somente de mercadorias, eles precisam
de serviços que satisfaçam as suas necessidades.
Em relação aos serviços, Torres Jr., Miyake
e Pereira (2006) realizaram um estudo no qual
demonstraram a importância do desenvolvimento
de serviços para as organizações e ressaltaram
que, apesar da relevância do tema, esse aspecto
ainda permanece como uma área pouco estudada
na literatura de gerenciamento de serviços.
Essa afirmação justifica este estudo, o qual,
ao pesquisar os elementos da qualidade do
serviço e da imagem da loja na satisfação dos
consumidores de concessionárias de veículos,
enfoca a área de serviços.
Reforçando o exposto acima, Berry (2009)
ressaltou que os serviços criam valor para os
No Brasil, as montadoras
optaram por seguir o
modelo convencional
americano de utilizar
empresários locais
para fazer a venda e
a assistência técnica
nos veículos por elas
fabricados.
clientes e valor superior, sendo a melhor maneira
de concorrer a qualquer momento e a única em
momentos de recessão. Um valor superior implica a
maximização dos benefícios e redução dos encargos
para os clientes. Superar as expectativas dos clientes
é a essência da qualidade do serviço. A avaliação
dos clientes da qualidade do serviço é uma avaliação
cumulativa, uma vez que cada nova experiência com
a organização combina com experiências passadas.
Mais especificamente, nos casos dos
serviços de assistência técnica oferecidos pelas
concessionárias, Pieritz (2003) relatou duas
situações distintas: (1) quando os serviços são em
garantia — nesse caso, pagos pela montadora,
o preço é determinado por ela mesma, sem a
participação da concessionária e o cliente é
apenas atendido pela concessionária; e (2) quando
os serviços são de manutenção, fora de garantia —
os preços são estabelecidos pela concessionária e
pagos pelo cliente que, nesse caso, é realmente um
cliente da concessionária.
De acordo com o grau de intensidade de
trabalho e o grau de interação e customização, os
serviços podem receber diferentes classificações.
Segundo Lambin (2000), as assistências técnicas
oferecidas pelas concessionárias podem ser
consideradas como lojas de serviços, porque as
interações e customizações são relativamente
baixas, mas com alta intensidade de trabalho.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Especificamente abordando a questão
dos serviços automotivos no Brasil, a Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Auto­
mo­
tores (Anfavea) afirmou que esse segmento
impulsionou o Brasil a mudar de patamar
econômico. De acordo com a Federação Nacional
da Distribuição de Veículos Automotores
(FENABRAVE, 2008), o crescimento recente do
setor se deu devido à continuidade das facilidades
de crédito, com diminuição da taxa de juros e,
principalmente, devido ao aumento dos prazos
de pagamento. Adicionalmente, foi mencionado
o elevado crescimento da massa real de renda e
do emprego, ocorrido nos últimos oito anos na
economia brasileira.
No Brasil, segundo Popadiuk e Meinert
(2007), as montadoras optaram por seguir o modelo
convencional americano de utilizar empresários
locais para fazer a venda e a assistência técnica
nos veículos por elas fabricados. Tais empresários
têm contratos de concessão com as montadoras,
obtendo a exclusividade da representação da
marca em um território predefinido, e assumem a
responsabilidade por fazer a venda dos veículos
novos, prestar serviços de assistência técnica e
fornecer peças originais de fábrica.
De acordo com Beber e Rossi (2006), as
concessionárias normalmente dispõem de boa
estrutura para prestação de serviços, sendo res­
ponsáveis pela execução dos trabalhos referentes às
garantias dos fabricantes para os produtos novos.
2
Método de Pesquisa
Na presente pesquisa — de caráter quan­
titativo e com amostragem por conveniência —,
os dados foram coletados mediante questionários
estruturados (questões fechadas) com afirmações
utilizando escala de Likert de cinco pontos envia­
dos por meio eletrônico para um banco de e-mails
selecionado a usuários de serviços automotivos em
concessionárias.
A utilização de questionários auto­
admi­
nistrados, de acordo com Cooper e Schindler
(2003), tornou-se muito comum na vida moderna,
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
59
uma vez que esse método permite ter contato com
respondentes inacessíveis de outra forma, pro­
porcionando uma maior cobertura geográfica sem
aumento de custos e com coleta de dados rápida.
A primeira parte do questionário foi construí­
da com o objetivo de caracterizar o entrevistado, a
partir de questões que permitiram classificá-lo por
faixa etária, sexo, estado e grau de escolaridade.
A segunda parte do questionário foi
composta por 25 afirmações que se propunham a
avaliar a influência da qualidade do serviço e da
imagem da loja na satisfação dos consumidores
de serviços automotivos em concessionárias.
Dentre essas afirmações, 13 estavam relacionadas
à qualidade do serviço, as quais estão descritas no
QUADRO 1, a seguir.
QUADRO 1 _ Afirmativas relacionadas à qualidade dos
atributos da imagem da loja na satisfação desses
consumidores. O QUADRO 2 traz as afirmações
relacionadas à qualidade dos serviços.
QUADRO 2 _ Afirmativas relacionadas à imagem da loja
Questão
Os produtos eram de boa qualidade
3
A empresa possuía boa localização
6
Os funcionários pareciam felizes com o
serviço
15
Os preços eram muito bons
16
As promoções eram muito boas
17
As opções de produtos eram muito boas
18
O ambiente da loja era agradável
19
Eu gostei de comprar nessa loja
20
Eu considero esta empresa muito
confiável
22
Eu considero que a imagem desta empresa é muito boa
24
A empresa ofereceu facilidades de pagamento
serviços
Questão
2
4
Afirmativas relacionadas à qualidade dos
serviços
A empresa possuía equipamentos
modernos
As instalações físicas eram visualmente
atraentes
5
Os funcionários foram gentis
7
Os funcionários responderam às
perguntas com clareza
8
Os funcionários prestaram atenção às
minhas necessidades
9
A empresa entregou os serviços no prazo
prometido
10
A empresa oferecia um horário de
atendimento adequado
11
Eu recebi o serviço que esperava
12
O serviço foi feito corretamente da
primeira vez
13
A empresa ofereceu um serviço confiável
14
O desempenho do serviço foi variável
21
Eu considero os serviços desta empresa
de alta qualidade
23
O atendimento foi rápido
FONTE: Os autores
Além das afirmações acima mencionadas, 11
foram elaboradas com a finalidade de verificar os
60
Afirmativas relacionadas à imagem da loja
1
FONTE: Os autores
A última afirmação que compunha essa
segunda parte do questionário dizia respeito à
avaliação geral da satisfação dos consumidores
em relação a esses serviços automotivos em
concessionárias.
Todas as 25 afirmações foram baseadas
em importantes estudos, dentro os quais se
deve destacar: Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995),
Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) e Bloemer
e Ruyter (1998). Realizou-se um pré-teste com
cerca de 60 questionários e identificadas as
perguntas que poderiam apresentar problemas de
compreensão; após o pré-teste, uma questão foi
identificada como ambígua, sendo retirada.
Como o objetivo do estudo foi verificar o papel
da qualidade do serviço e da imagem na satisfação
dos consumidores de serviços automotivos
em concessionárias, tomou-se o cuidado de
considerar apenas as respostas dos respondentes
que tivessem utilizado serviços automotivos em
concessionárias credenciadas pelos fabricantes. A
identificação de qual concessionária o consumidor
estaria analisando não era obrigatório, porque isso
não faria parte da análise, uma vez que a pesquisa
foi realizada em uma base nacional. A pesquisa foi
realizada no segundo semestre de 2009.
Foram obtidos 1346 questionários respon­
didos corretamente, que foram analisados por meio
de técnicas de regressão linear múltipla visando
identificar quais os elementos que apresentavam
maior influência na construção da satisfação
do consumidor. De acordo com Pallant (2001),
quando se utiliza do método de busca stepwise,
deve-se utilizar uma média de 40 casos para
cada variável independente. Considerando que as
análises estatísticas aqui desenvolvidas englobaram
24 variáveis independentes, seria necessário
ter, no mínimo, 960 questionários respondidos
corretamente. Esse número foi res­
peitado e
superado, uma vez que o estudo ana­lisa os dados
de número superior, conforme contabilizado acima.
3
Resultados e Conclusões
Primeiramente, foi realizada uma análise
descritiva da amostra com o objetivo de obter um
perfil e, então, foi utilizada a análise de regressão.
A análise de regressão múltipla é uma técnica
estatística que pode ser usada para analisar
a relação entre uma variável, denominada de
dependente, e uma ou mais variáveis, chamadas de
independentes ou preditoras (HAIR et al., 2005).
Do total de respostas válidas, 52% eram
mulheres e 48%, homens. Analisando o perfil da
amostra obtida, identificou-se que 29% possuíam
até 27 anos; 34,7% se situavam entre 28 e 38
anos; 22,1% possuíam entre 39 e 49 anos e 14,2%
possuíam mais de 50 anos. Com referência ao
estado de origem dos respondentes, grande parte
da amostra originou-se do estado de São Paulo
(70,7%). Os demais estados citados representaram
29,3% da amostra.
De acordo com a soma das notas de cada
afirmação contida no questionário, verificou-se
que das cinco afirmações que receberam as maio­
res pontuações (melhores avaliações pelos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
consumidores), duas diziam respeito à imagem
da loja e três estavam relacionadas à qualidade
do serviço. Esse aspecto ganha maior relevância
se considerado que o número de afirmações
relacionadas à imagem da loja é menor do que o
número de afirmações relacionadas à qualidade.
As afirmações relacionadas à imagem da
loja que receberam as maiores pontuações diziam
respeito à qualidade dos produtos e a localização
da concessionária de veículos. Em relação à
qualidade dos serviços, as afirmações mais bem
pontuadas estão relacionadas às concessionárias
possuírem equipamentos modernos, instalações
físicas atraentes e funcionários gentis.
Um aspecto a ser destacado foi no tocante ao
elemento preço, tanto na avaliação de promoções
quanto no aspecto preços: esses, conjuntamente,
obtiveram as piores avaliações. Diante dessas
pon­tuações, pode-se concluir que a imagem que
os consumidores possuem das concessionárias
de veículos em relação aos preços e promoções
não é boa e representa, assim, um aspecto im­
portante que deve ser avaliado e gerenciado pe­
los varejistas do setor.
A seguir, foi realizada uma análise de cor­
re­lação das 25 variáveis que, de acordo com
Stevenson (2001), tem por objetivo determinar a
força do relacionamento entre duas observações
emparelhadas.
Com base nos valores obtidos por meio da
análise de correlação, foi possível verificar que as
afirmações que apresentaram mais correlações
com a afirmação que representa a satisfação dos
consumidores foram as relacionadas com serviços
de alta qualidade e com o fato da empresa ser
muito confiável. Essa constatação é de suma
importância para este estudo, uma vez que a
partir dela é possível concluir que a qualidade
dos serviços e a imagem da loja podem ser
consideradas fatores diretamente relacionados
com a satisfação dos consumidores de serviços
em concessionárias de veículos.
Com a intenção de verificar qual a influência
da qualidade dos serviços e da imagem da
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
61
loja na satisfação dos consumidores de serviços
automotivos em concessionárias de veículos, o que
foi o objetivo principal deste estudo, realizou-se
uma análise de regressão multivariada, que, de
acordo com Stevenson (2001), tem como objetivo
estabelecer uma equação para predizer valores de
uma variável dependente para valores dados das
diversas variáveis independentes.
De acordo com os resultados obtidos pela
análise de regressão multivariada dos dados,
a satisfação dos consumidores de serviços
automotivos pode ser definida por meio da
seguinte equação:
SAT = 0,273 + 0,242SAQ +0,121GTC + 0,0964FRC +
0,094RSE + 0,0805PSB + 0,080ATR + 0,052EPP
Em que:
SAT = Satisfação Global
SAQ = Eu considero os serviços desta empresa de
alta qualidade
GTC = Eu gostei de comprar nessa loja
PBQ = Os produtos eram de boa qualidade
FRC = Os funcionários responderam às perguntas
com clareza
RSE = Eu recebi o serviço que esperava
PSB = Os preços eram muito bons
ATR = O atendimento foi rápido
EPP = A empresa entregou os serviços no prazo
prometido
Dados adicionais do modelo escolhido:
R = 0,821; R2 = 0,674 ; R2 ajustado = 0,668
*
* o valor de R2 ajustado pode ser considerado significativo,
principalmente se considerado que se trata de uma
aplicação voltada para ciências humanas.
Para a análise dos resultados obtidos,
considerou-se a coluna VIF, que, de acordo com
Cooper e Schindler (2003), mostra o índice de fator
de variância de inflação, a qual é uma medida de
outras variáveis independentes no coeficiente de
regressão. Valores de VIF iguais ou maiores do que
10 sugerem colinearidade ou multicolinearidade. No
caso específico deste estudo, todas as afirmações
62
analisadas apresentaram valores de VIF inferiores
a 10, indicando que não existem problemas de
colinearidade ou multicolinearidade.
Por meio da equação da satisfação dos
consumidores obtida pela análise de regressão
multivariada, foi possível verificar o que talvez seja
a maior contribuição deste estudo: a qualidade
dos serviços e a imagem da loja representam um
papel de extrema importância para a formação
da satisfação dos consumidores de serviços em
concessionárias de veículos.
De acordo com a equação obtida por meio
da regressão, a afirmação de maior relevância
está diretamente relacionada com o conceito de
qualidade percebida do serviço, que, de acordo
com Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985), significa
o resultado da comparação que o cliente faz do
serviço esperado com o serviço percebido. Ainda
de acordo com esses autores, quando o serviço
esperado é equivalente ao percebido, a qualidade
percebida é satisfatória. Assim, demonstra-se qual
a importância em receber o serviço esperado tem
sobre a formação da satisfação do consumidor.
Essa importância foi percebida nesta pesquisa,
uma vez que a afirmação que dizia respeito a
receber o serviço esperado também fez parte da
composição da equação da satisfação.
A segunda afirmação de maior represen­
tatividade relaciona-se à imagem da loja e vem ao
encontro das contribuições de Firat et al. (1997),
que reforçaram o crescimento da importância
do simbólico sobre o funcional e o material; de
Ferrand e Vecchiatini (2002), cujo estudo de­
monstrou que os atributos simbólicos, como a
imagem, influenciam mais fortemente a satisfação
do que os atributos funcionais; e de Moura, Gomes
e Moura (2005), cuja pesquisa concluiu que o
atributo ‘imagem’ tem uma influência significativa
sobre a sa­
tisfação quando comparada com os
atributos funcionais.
O papel do funcionário para a satisfação
dos consumidores de serviços automotivos tam­
bém demonstrou ser de grande importância. Esse
aspecto aparece discutido em vários autores,
como em Dotchin e Oakland (1994) que afirmaram
que o papel do empregado e sua conduta são
de grande importância devido à presença do
consumidor na produção do serviço.
Considerações Finais
A existência de bons preços está diretamente
relacionada com a satisfação dos consumidores
pesquisados. A grande representatividade do ele­
men­
to-preço pode ser verificada ao se constatar
que ele é citado como importante atributo de
imagem de loja por vários autores citados por
Bloemer e Ruyter (1998), conforme já demonstrado
neste trabalho.
A confirmação de que não somente os
aspectos diretamente ligados à qualidade, mas
tam­
bém os que sofrem influências de aspectos
intangíveis, como a imagem de uma empresa,
devem ser considerados na compreensão da
satisfação dos consumidores.
Outra afirmação importante na equação
da satisfação do consumidor foi a rapidez no
atendimento. A importância da rapidez no aten­
dimento foi relatada por Strombeck e Wakefield
(2008) e Khauaja (2007). O estudo realizado por
Strombeck e Wakefield (2008) demonstrou que esse
tipo de demora pode fazer com que o consumidor
não enxergue uma excelente prestação de serviço,
ainda que o serviço tenha um desempenho
excepcional. Khauaja (2007), afirmou que como em
uma concessionária de veículos o serviço é realizado
na hora, a rapidez torna-se um atributo importante.
Além da rapidez no atendimento, outra
afirmação relacionada à qualidade do serviço
e também à dimensão tempo foi considerada
possuir um importante papel na satisfação dos
consumidores: entregar o serviço no prazo pro­
metido, essa dimensão desempenha um papel
importante em relação à qualidade dos serviços. No
modelo de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985),
a qualidade do serviço é mensurada comparando
as expectativas com as percepções. O efeito do
tempo é incorporado à avaliação final do serviço
pelo impacto sobre a capacidade de resposta
e acesso. A análise do impacto da duração na
qualidade do serviço pela medição da diferença
entre as percepções e expectativas provavelmente
é a análise mais comum encontrada na literatura e
tem sido aperfeiçoada constantemente (BITRAN;
FERRER; OLIVEIRA, 2008).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Os resultados obtidos evidenciaram o
grande papel da qualidade percebida pelos
consumidores na obtenção da satisfação. Em
seguida, o papel relevante da imagem também
ficou claro, principalmente à obtenção de prazer
no processo de compra. Finalmente, aspectos
de gestão foram evidenciados mais diretamente
(produtos de boa qualidade, funcionários com
treinamento adequado).
O estudo realizado pôde comprovar uma
preocupação que guiou esta pesquisa, isto é,
evidenciar que a satisfação dos consumidores
não depende apenas do esforço da empresa em
atender aos aspectos da qualidade de um serviço,
mas também dos aspectos relacionados à imagem
juntamente com a percepção de qualidade se
mostraram os grandes fatores geradores da satis­
fação do consumidor.
As principais contribuições deste estudo
para área acadêmica estão relacionadas com a
necessidade de considerar os aspectos associados
à imagem de uma empresa conjuntamente às
variáveis de qualidade. Em relação à área gerencial,
é possível afirmar que este estudo ajudou a
destacar que os aspectos relacionados à imagem
da empresa devem receber os mesmos cuidados
de gestão como recebem os relacionados à
qualidade dos serviços prestados. Também fica
evidente a necessidade de a empresa prestadora
de serviços realizar com certa frequência trei­
namento/capacitação dos funcionários no to­
can­
te à qualidade, assim como dedicar uma
parcela importante de seu esforço com aspectos
associados com a imagem da empresa, como a
decisão de localização, de conjunto de produtos
ofertados, equipamentos utilizados, layout, área de
atendimento a clientes, entre outros.
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
63
Limitações e Sugestões para Trabalhos
Futuros
Uma limitação deste estudo se refere à amostra
da pesquisa que foi selecionada por conveniência
com a maioria de respostas pertencentes ao estado
de São Paulo (no total das respostas geradas). Esses
elementos, quando considerados conjuntamente,
restringem a capacidade de generalização dos
resultados obtidos.
Faz-se necessário ressaltar, também, que
o estudo foi orientado principalmente para a
satisfação de usuários de serviços automotivos de
concessionárias (rede credenciada).
A maioria dos estudos realizados na área de
qualidade ainda está relacionada principalmente
à área de produtos, aparecendo os serviços co­
64
mo elementos complementares. Nesse sentido,
considerando o importante papel que a área de
serviços vem desempenhando na economia mun­
dial, justifica-se que mais pesquisas na área de
qualidade de serviços sejam desenvolvidas.
Ainda que a imagem represente um
importante componente na formação da satisfação
dos consumidores de serviços, até o momento,
pouco se tem estudado essa relação que, então,
carece de mais trabalhos.
Os autores sugerem que o papel da
qualidade dos serviços e da imagem da loja na
satisfação, que neste estudo focou a área de
serviços automotivos, poderia ser replicado para
outros segmentos de varejo e serviços, para uma
maior avaliação do papel desempenhado por
elementos, como imagem e qualidade dos serviços
na satisfação do consumidor.
•
Recebido em: 23/09/2012
•
Aprovado em: 25/01/2012
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012
67
Aprendizagem Organizacional:
estudo de caso sobre o Ensino a
Distância
Organizational Learning: a case study about Distance Education
Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a Distância
Organizational Learning: a case study about Distance Education
Rogério Faé1
Resumo
O desafio da aprendizagem organizacional se impõe sempre que a resposta
a uma dada situação organizacional, percebida como dificultadora do
alcance dos objetivos, exija que os atores que irão participar da busca
de soluções construam uma representação compartilhada da situação.
Um desafio que para ser adequadamente enfrentado requer trocas
intersubjetivas com vista à construção de sentidos comuns. Assim, o
objetivo do presente artigo se direciona para a compreensão sobre a
dinâmica do processo de aprendizagem organizacional, a partir de estudo
de caso realizado em uma grande empresa de ativos financeiros, a qual
disponibilizou aos administradores e funcionários um curso a distância
com a finalidade de experimentar novos métodos com maior abrangência
espacial do que as estratégias ‘tradicionais’ de formação. O referencial
teórico utilizado para a análise dos achados da pesquisa de campo tem
por base o modelo experimental, orientado para o desenvolvimento de
competências gerenciais, idealizado por Ruas (2001).
Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional. Ensino a Distância.
Es­tu­do de Caso.
Abstract
The organizational learning occurs in a context where the people who
compose it find themselves in a problematic situation and, because
of that, are led to question and review their practices, building a
shared representation of the situation. In order to face such challenge
appropriately, those people must interact with each other and reach
a common ground of ideas. The objective of this article is to better
understand the organizational learning process based on a case study
involving a large finance enterprise which has offered its employees a
distance course aiming to try out new learning methods that are more
financially advantageous and far-reaching than the traditional methods.
The analysis was based on the experimental approach to the development
of management competences, as proposed by Ruas (2001).
Keywords: Organizational Learning. Distance Education. Case Study.
1 Doutor em Administração(UFRGS). Professor Adjunto na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Email: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
69
Introdução
A aprendizagem organizacional pode ser
vista como um processo no qual os indivíduos de
uma organização se deparam com um problema e,
a partir dele, passam a questionar e rever as suas
práticas. Tal reavaliação pode gerar alterações
na teoria em uso da organização — quando as
mudanças geradas visam à simples resolução do
problema —, ou na teoria esposada — quando
há uma revisão das crenças e/ou dos modelos
mentais subjacentes às práticas evidenciadas
(ARGYRIS; SCHÖN, 1996). Ruas e Antonello (2003)
ressaltam a natureza ‘processual’ da aprendizagem
organizacional e defendem que é preciso con­
textualizar a aprendizagem organizacional, já que
ela só passa a ter sentido para a administração
quando associada à mudança.
Uma das preocupações atuais no tema
aprendizagem organizacional tem sido com rela­
ção à forma como se dá o processo de apren­
dizagem, principalmente no que se refere aos
microprocessos de aprendizagem — referentes aos
diversos grupos/indivíduos existentes dentro da
organização —, em contraposição ao aprendizado
da organização como um todo (macroprocessos).
A partir da afirmação de que um maior
entendimento sobre os microprocessos pode
contribuir para a construção e proposição de
novas práticas que aperfeiçoem os processos de
aprendizagem nas organizações, Ruas e Antonello
(2003) utilizam categorias de análise, tais como
processos de grupos que contribuiriam para
reduzir as deficiências da literatura sobre a relação
entre aprendizagem individual e organizacional.
Os autores apontam, ainda, a necessidade de
novos estudos que aprofundem o conhecimento
teórico acerca do modo como efetivamente se dá
a aprendizagem organizacional.
O presente artigo, cujo foco é o processo de
aprendizagem organizacional em situações de ensino a distância — metodologia essa que vem sen­
do apresentada como eficiente meio de capaci­
ta­ção —, tem por objetivo a compreensão sobre
a dinâmica do processo de aprendizagem organizacional a partir de um estudo de caso realizado
em uma grande empresa de ativos financeiros, que
70
disponibilizou aos administradores e funcionários
analistas um curso a distância, denominado Curso
Objetivos e Metas Organizacionais (COMO).
Objetivando a experimentação de novos
méto­
dos que estimulassem a aprendizagem orga­
nizacional e visualizando a possibilidade de dissemi­
nação de conhecimentos tidos como relevantes
para os funcionários — de forma rápida, pulverizada
e menos onerosa que as formas tradicionais de
capacitação —, a empresa dá início a processos
de ensino a distância. Iniciativa percebida como
oportunidade de, por um lado, estudar o modo como
ocorre o processo de aprendizagem organizacional
em situações de ensino a distância e, por outro,
testar a proposta experimental orientada para o
desenvolvimento de competências gerenciais, suge­
rida por Ruas (2001).
O método utilizado foi o estudo de caso,
operacionalizado por meio de entrevistas com três
executivos da área coordenadora e formuladora do
programa COMO, e cinco entrevistas com alunos
participantes do processo de aprendizagem. O
roteiro da pesquisa seguiu a proposta experimental
orientada para o desenvolvimento de competências,
sugerida por Ruas (2001).
Assim, o texto inicia com uma apresentação
de algumas das óticas sob as quais é pensada
a aprendizagem organizacional, aborda o tema
com­­pe­tência, e apresenta, sucintamente, o ensino
a distância. Para, então, descrever o COMO, o
método de pesquisa, os resultados e, por fim, as
considerações finais.
1
Aprendizagem
Organizacional
O conceito de aprendizagem, quando
apli­­
cado ao ambiente organizacional, tem sido
diferenciado entre o processo de aprendizagem
em nível individual e em nível grupal. Níveis que
compõem a aprendizagem organizacional, a qual
indica orientação para a ação e que busca avaliar
a aplicação e funcionalidade dos processos de
aprendizagem na organização (TSANG, 1997).
Entretanto, tal conceito ainda está em construção e
tem dado origem a acirrado debate (RUAS, 2003).
embasadas numa visão sistêmica de mundo. Senge
(1998) sugere cinco disciplinas que facilitariam o
processo de aprendizagem generativo:
Antonello (2005) defende uma convergência
de definições na literatura em relação a três
componentes da aprendizagem organizacional: a)
é mais que a soma das aprendizagens individuais;
b) é uma forma de aprendizagem de ciclo duplo
ou meta-aprendizagem; e c) envolve processos
cognitivos e atividades organizacionais. A auto­
ra argumenta, ainda, que a aprendizagem orga­
nizacional engloba conhecimentos, habilidades e
atitudes em sua construção teórica.
a) domínio pessoal: embasa-se na cren­ça
de que as organizações apenas apren­
dem por meio das pessoas, sendo,
então, necessário proporcionar aos inte­
grantes da organização condições para
formarem uma visão pessoal sobre os
eventos, bem como a manutenção de
certa tensão que provoque o movimento
pessoal na busca de alternativas aos
problemas enfrentados;
Argyris (2005, p. 101) define como um
dos principais objetivos da aprendizagem or­
ga­ni­
zacional que os indivíduos aprendam a
“assumir responsabilidades ativas pelos próprios
comportamentos, desenvolver e compartilhar
informações de primeira qualidade sobre seu tra­
balho e fazer bom uso do empowerment genuíno
para moldar soluções duradouras para problemas
fundamentais”.
b) modelos mentais: podem ser iden­
tifi­
cados a valores, ideias ou imagens que
dão suporte à forma como interpretamos
o mundo, dos quais podemos ou não ter
consciência;
Cabe salientar que, para Argyris e Schön
(1996), o processo de aprendizagem pode ser
diferenciado entre ciclo simples — single loop
— e ciclo duplo — double loop. O ciclo simples
caracteriza-se pela aprendizagem em nível
instrumental, e a aprendizagem de ciclo duplo
discute a mudança em relação aos valores que
embasam determinadas práticas instrumentais.
Esses pesquisadores diferenciam, ainda, os termos
teoria esposada de teoria em uso, identificando
a primeira ao discurso corrente que justifica
nossas ações, e a segunda às nossas ações reais,
embasadas em valores e crenças. A aprendizagem
em ciclo duplo tem por objetivo alternar, ou pelo
menos tornar conhecida, a teoria em uso. Enquanto
a reavaliação da teoria em uso da organização
pode levar a uma revisão das crenças e/ou modelos
mentais subjacentes às práticas evidenciadas.
Na mesma direção, Senge (1997) define
duas formas de aprendizado: o adaptativo e o
generativo. O aprendizado adaptativo lida com a
adequação ao ambiente e o generativo valoriza
a criação, a inserção de novos valores e crenças,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
c)
visão compartilhada: trata da cons­tru­
ção de visões ou de objetivos comuns
a um determinado grupo, assim como
a definição de caminhos que serão
partilhados;
d) aprendizagem em equipe: é o processo
de aquisição coletiva de conhecimentos,
habilidades e atitudes que são coloca­
dos em prática e disseminados ao
macrossistema;
e)
visão sistêmica: refere-se à possibilida­
de de enxergar o todo sem abrir mão
das partes e da valorização das inter-relações microssistêmicas.
Se a aprendizagem organizacional está pre­
dominantemente preocupada com o processo de
aprendizagem, as organizações de aprendizagem,
por sua vez, têm a atenção focada no entendimento
da construção, da aplicação funcional e da avaliação
da contribuição da aprendizagem no contexto
organizacional (TSANG, 1997). Nessa perspectiva,
Garvin (1999), com base em referências associadas
aos programas de qualidade total, afirma que a
aprendizagem é um requisito indispensável para a
melhoria contínua.
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
71
Ao pensar a questão da aprendizagem,
Garvin (1999) define três fatores críticos a serem
considerados: a) definição do termo ‘organizações
que aprendem’ de maneira plausível, bem fun­
damentada e que seja conversível em ação e
facilmente aplicável; b) gestão, que se traduz em
orientações claras sobre aspectos práticos; e c)
mensuração, que está ligada à definição de ins­
trumentos que possam avaliar a velocidade e os
níveis de aprendizado da organização. O autor
aponta, ainda, que as organizações que aprendem
são hábeis em cinco atividades principais: a) solução
de problemas de maneira sistemática, que se embasa
na confiança em métodos estatísticos, insistência
em dados e utilização de ferramentas estatísticas
simples; b) experimentação, que é identificada com
a procura e a testagem de novos conhecimentos a
partir de métodos científicos e da solução de forma
sistemática dos problemas; c) aprendizado com as
próprias experiências, que se destina à análise dos
resultados organizacionais de maneira sistemática
e com o conhecimento de todos os envolvidos no
processo avaliado; d) aprendizado com outros, que
se refere à observação do ambiente externo com
vistas à identificação, adequação e incorporação de
práticas setoriais bem-sucedidas; e e) transferência
de conhecimentos, que se traduz na disseminação
do aprendizado com rapidez e eficiência por toda a
organização.
Paralelamente, Garvin (1999) identifica três
estágios de mensuração em relação ao aprendizado
organizacional:
(1) a fase cognitiva, em que são oferecidas novas ideias, objetivando a ampliação de conhecimentos, e o foco de avaliação se concentra
na profundidade da compreensão e nas atitudes, a partir da aplicação de questionários
e de entrevistas;
(2) a fase comportamental, que objetiva a
internalização de novas ideias e a alteração
do comportamento, na qual é acrescida
a observação do comportamento na
organização às formas de mensuração
previstas anteriormente;
72
(3) a fase de melhoria do desempenho,
na qual se espera obter maior eficiência e
eficácia no trabalho, por meio de melhorias
observadas nas etapas anteriores. Na
última etapa “a auditoria do aprendizado
efetivamente abrangente também mensura
o desempenho” (GARVIN, 1999, p. 76).
Os estudos acima referidos evidenciam
diferenças de percepção e abordagem entre
as distintas correntes que vêm tratando do
tema. Para Ruas e Antonello (2003), o conceito
de aprendizagem nas organizações ainda não
está completamente elaborado, razão pela qual
defendem a necessidade de uma abordagem
processual da aprendizagem organizacional.
2
Processo de Aprendizagem
Os processos de aprendizagem nas orga­
nizações são relevantes para as teorias de mudança
organizacional. Não só por reconhecerem a
tendência à mudança contínua nas organizações,
dada também a acirrada competição, bem
como por unirem diferentes níveis de análise,
do individual, grupal, ao organizacional (RUAS;
ANTONELLO, 2003).
As organizações
possuem uma tendência
à estabilização, e a
possibilidade de mudança
e de aprendizagem se
dá quando emergem
problemas que movimentam
os indivíduos, grupos ou
a organização como um
todo em busca de novos
momentos de estabilidade.
A compreensão da forma como se dá o
processo de aprendizagem tem sido uma das
preocupações atuais nos temas relacionados à
aprendizagem organizacional. Compreensão que,
segundo Prange (2001), corresponde ainda a uma
lacuna nos estudos do tema, principalmente no
que se refere aos microprocessos de aprendizagem
que ocorrem nos diversos grupos/indivíduos que
compõem a organização em contraposição ao
processo de aprendizado da organização como um
todo (macroprocessos). Um maior entendimento
sobre os microprocessos pode contribuir para a
construção e proposição de novas práticas que
aperfeiçoem os processos de aprendizagem nas
organizações (RUAS; ANTONELLO, 2003). Como
é normalmente aceito, as organizações possuem
uma tendência à estabilização, e a possibilidade
de mudança e de aprendizagem se dá quando
emergem problemas que movimentam os indiví­
duos, grupos ou a organização como um todo em
busca de novos momentos de estabilidade. (RUAS;
ANTONELLO, 2003).
Nesse sentido, a possibilidade do aprendiza­
do pode ser pensada por suas vias: 1) em resposta
a problemas que surjam na prática diária; ou 2)
por meio de questões de forma cognitiva que
provoquem um repensar. A diferença entre elas está
na forma como o processo é desencadeado: se pela
vivência prática ou pela reflexão teórica.
Conforme proposto por Kolb (1997), a
assimilação de teorias ou o exercício de novas
práticas, quando ocorrem, levará a um processo
cíclico em que um influenciará o outro, a partir
da observação e reflexão e do teste em novas
situações dos postulados formulados, conforme
demonstrado na FIG. 1:
FIGURA 1 — Ciclo de aprendizagem vivencial
Experiências concretas
Experiências concretas
Teste das
das implicações
implicações
Teste
dosdos
conceitos
em novas
conceitos
em
situações
novas
situações
Observação e reflexão
Observação e reflexão
Formação
de
Formação
de conceitos
conceitos
abstratos
abstratos
e e
generalizações
generalizações
FONTE: Kolb (1984)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Kolb (1997) define duas dimensões básicas
relativas ao processo de aprendizagem como
processos complementares e inseparáveis: a
experiência concreta de eventos e a conceituação
abstrata. O autor defende, por um lado, que a
possibilidade criativa é definida pela capacidade
de cada indivíduo em experimentar formas novas,
liberadas de conceitos abstratos anteriores, para
que na etapa seguinte possa haver a construção
de um sistema reflexivo interiorizado; por outro
lado, valoriza a abstração existente no processo de
aprendizagem, já que “[...] orientações altamente
ativas em relação a situações de aprendizagem
inibem a reflexão, impedindo, portanto, o desen­
volvimento de conceitos analíticos” (KOLB, 1997,
p. 324). O ciclo de Kolb permite verificar “[...] uma
constante sistematização da interação entre ação e
reflexão, experiências passadas e atuais num processo
de permanente feedback” (RUAS, 2001, p. 260).
Raelin (1997), por sua vez, busca entender o
processo individual de aprendizagem no trabalho
por meio da diferenciação entre conhecimento
e aprendizagem, principalmente a partir da in­
cor­poração da dinâmica entre conhecimento ex­
plícito e tácito ao referencial de Kolb, que pres­
supunha relação entre teoria e prática em relação à
aprendizagem. Esse autor aportou uma significativa
contribuição epistêmica ao propor o exame das
intersecções entre as dimensões do conhecimento
(tácito x explícito) e da aprendizagem (teoria x
prática) nos níveis coletivo e individual. Em relação
ao conhecimento, é considerado tácito aquele ad­
vindo da prática, normalmente informal, e explícito
o adquirido de maneira formal, normalmente por
meio de um processo de aprendizagem estruturado
em base lógica.
Partindo dos pressupostos acima, tanto
Kolb (1997) quanto Raelin (1997) definem estilos de
aprendizagem conforme a predominância de uma
ou outra dimensão em cada contexto, considerando
que a variação se dá na predominância, não sen­
do possível a existência de apenas uma das
dimensões.
Para Ruas e Antonello (2003), o conceito de
aprendizagem é entendido como a aquisição, por
parte do indivíduo, de determinadas características
que poderão ou não ser externalizadas, depen­
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
73
dendo das circunstâncias internas ao sujeito e das
características do ambiente, que tanto podem
facilitar a utilização dessas aquisições como
impedir seu aparecimento. No caso de interferência
do ambiente e da disposição para aplicação
da aprendizagem, devem ser consideradas as
competências adquiridas.
3Competências
Com base na ‘escola francesa’, que relaciona
o conceito de competência à Sociologia e à
economia do trabalho, as competências devem ser
entendidas a partir de três elementos fundamentais:
a) saber — conhecimentos adquiridos ou herdados
por meio da cultura e/ou práticas vigentes; b)
saber-fazer — habilidades desenvolvidas por
meio do exercício de uma determinada prática;
e c) saber ser/agir — atitude crítica em relação
às próprias ações, a partir da percepção e/
ou antecipação do impacto provocado (RUAS;
ANTONELLO, 2003). Segundo esses autores,
uma determinada competência pode ser expressa
por meio da integração e utilização equitativa
de conhecimento, habilidade e atitude ou, ao
contrário, exigir que um desses aspectos atue de
forma predominante.
A competência é vista
como um processo
de aprendizagem, no
qual determinados
conhecimentos,
habilidades e/ou
atitudes são colocados,
de forma conjunta ou
não, à disposição da
organização.
74
Em termos práticos, por exemplo, numa
reunião que tem por objetivo a discussão dos
pré-requisitos necessários à montagem de um
setor de telemarketing, ficarão em evidência
aqueles profissionais que tenham conhecimento
na área. Por outro lado, a forma de expressar esse
conhecimento (atitude) e a experiência anterior
(habilidade) estarão presentes no contexto e
poderão ser diferenciais na potencialização da
aprendizagem dos outros. Entretanto, sem pessoas
que tenham o conhecimento, a reunião perderia o
sentido. Nesse contexto, (i) algumas características
ligadas à noção de competência vincular-se-iam à
ação propriamente dita; (ii) estariam associadas
ao resultado da mobilização dos recursos; (iii)
ocorreriam em condições contextuais específicas;
(iv) tratariam daquilo que é esperado pelo estado
local e atual do trabalho (RUAS, 2003).
Com base em Ruas (2003), pode-se com­
preender que competência é vista como um
processo de aprendizagem, no qual determinados
conhecimentos, habilidades e/ou atitudes são
colocados, de forma conjunta ou não, à disposição
da organização. Tal competência será mais valo­
rizada se a organização necessitar resolver um
problema existente que, a partir de uma atitude
crítica, provoque o questionamento e revisão de
suas práticas. Essas situações podem abrir espaço
na organização para a introdução de inovações,
conforme defendido por Argyris e Schön (1996)
ao proporem os conceitos de teoria em uso e de
aprendizagem em ciclo duplo, que têm por objetivo
provocar uma revisão em relação às crenças e/ou
aos modelos mentais subjacentes.
É nesse contexto de desafio a inovações
contínuas que surgem os cursos de capacitação
a distância, apresentando-se como a opção do
momento para transferência de conhecimentos.
4 Ensino a Distância
Dado o ambiente empresarial, a proposta de
ensino a distância vem ganhando espaço no âmbito
organizacional, principalmente em organizações
com grande número de funcionários e/ou se esses
estão pulverizados em grande espaço territorial.
O ensino a distância possibilita
aos alunos a disponibilização
do conhecimento sem
interlocutores diretos
e fornece um grau de
liberdade maior em relação
às formas presenciais
de ensino estimulando,
assim, a criatividade
dos alunos.
Os defensores dos cursos de ensino a
distância apresentam como uma das principais
vantagens dessa modalidade de formação a
flexibilidade, na medida em que os discentes
podem assistir às aulas em horários convenientes
e sem necessidade de deslocamento. Facilidade
que tem incentivado a opção pelos meios virtuais,
tanto pelas empresas quanto por indivíduos que
têm dificuldade para frequentar cursos presenciais.
Beiler, Lage e Medeiros (2003) entendem que
o ensino a distância possibilita, ainda, aos alunos a
disponibilização do conhecimento sem interlocutores
diretos e fornece um grau de liberdade maior em
relação às formas presenciais de ensino estimulando,
assim, a criatividade dos alunos.
Senge (1998), por sua vez, propõe a abertura
de um espaço onde os vários grupos/equipes
entrem em consenso quanto às formas mais
efetivas de alcance dos objetivos a que se propõem.
Tal busca seria empreendida pela valorização dos
vários pontos de vista e da avaliação em relação
aos valores implícitos a determinadas práticas
existentes, principalmente quando esses valores
(ou modelos mentais) entram em choque com
as propostas explicitadas na organização. Esse
confronto levaria a uma conscientização, ao
menos parcial, dos modelos mentais praticados,
redefinindo rotas e valores organizacionais, sejam
eles grupais e/ou pessoais, em prol de novas
práticas que estejam mais harmonizadas com o
atual macrossistema.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Dessa forma, torna-se imprescindível que as
organizações que optarem pelo estilo de apren­
dizagem a distância, em ambiente virtual, desenvolvam estruturas de suporte para a aplicação dos
conhecimentos, pois no ambiente virtual não estão
contempladas as habilidades e/ou atitudes, características que são desenvolvidas e/ou aperfeiçoadas na prática e principalmente de forma relacional.
5
Curso Objetivos e Metas
Organizacionais (COMO)
O COMO surgiu pela necessidade de com­
preensão em relação ao alinhamento estra­
tégico da empresa, ou seja, para que as metas
estabelecidas pelo órgão central da organização
possam ser acompanhadas em apenas um sistema
e de forma efetiva. O curso é complementado por
outros treinamentos vinculados às estratégias da
organização, tais como cursos presenciais e de gestão
de equipes que visam à melhoria de processos.
O objetivo geral de aprendizagem do curso
é aplicar os conhecimentos do acordo de trabalho
— no qual são definidos os objetivos e metas dos
diversos funcionários e unidades — para analisar
e melhorar o desempenho das unidades de
negócios. O público-alvo são os administradores e
os funcionários em todos os segmentos da unidade
estratégica de negócios. A carga horária do curso
é de dez horas, com enfoque instrumental.
O objetivo específico do curso é provocar
nos treinandos: a) a compreensão dos conceitos de
objetivos e metas organizacionais; b) a identificação
das perspectivas do COMO e seus respectivos
indicadores; c) a compreensão de que a participação
de todos os funcionários é indispensável para o
atingimento das metas traçadas para a unidade
de negócios; e d) o reconhecimento em relação à
importância do acom­panhamento dos objetivos e
metas organizacionais.
O curso é oferecido por campanhas de
comunicação que apresentam seus objetivos e a
forma de aprendizagem. As unidades de negócios
indicam os participantes e o material é disponibilizado
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
75
via intranet, em formado PDF. As unidades de
negócios montam turmas para fazer o curso, que é
disponibilizado em módulos e no qual o treinando
tem duas horas diárias, na própria organização, para
efetuar o processo de aprendizagem. O treinamento
é do tipo autoinstrucional.
Utilizou-se a técnica de entrevista em
pro­fundidade junto a três executivos da área
coordenadora e formuladora do programa COMO
e cinco entrevistas com alunos participantes do
processo de aprendizagem. As entrevistas foram
realizadas de forma direta e semiestruturada
(GIL, 1999).
Para a consolidação das respostas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, uma vez
que os dados envolveram opiniões e expressões
subjetivas. Moraes (1999) sugere a codificação das
entrevistas e a inserção de descrições retiradas
diretamente dos depoimentos. Os entrevistados
são representados no texto pela letra (e) e pelo
número de identificação, sendo os de número 1, 2 e
3 os executivos e de 4 a 8 os alunos.
6 Método de Pesquisa
O método utilizado foi o estudo de caso que,
segundo Gil (1999, p. 72-73), é “[...] caracterizado
pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de
poucos objetos, de maneira a permitir o seu
conhecimento amplo e detalhado”. E, segundo
Yin (2001, p. 23), “... permite uma investigação
para se preservar as características holísticas e
significativas dos eventos da vida real”, sendo
utilizado com o objetivo exploratório, descritivo ou
explanatório.
O roteiro da pesquisa seguiu a proposta ex­
perimental orientada para o desenvolvimento de
competências, sugerida por Ruas (2001), ilustrada
na FIG. 2:
FIGURA 2 — Proposta de Desenvolvimento de Competências Gerenciais
Etapa de desenvolvimento de competências
Referências acerca das
competências
desejadas
Definição de práticas
gerenciais – veículos
do processo
Definição de conceitos
e sistemáticas de AO a
empregar no processo
Fonte: Ruas (2001)
76
de
Competências
Difusão de
Competência
Sistematização
de
Competências
(Fases
indivíduos)
Grupos e
desenvolvimento
Miniprojetos de
aplicação e exploração
de conteúdos
Relatórios, avaliações
e novas propostas
princípios, valores
Seleção/definição dos
temas e tipos de
conhecimentos e
habilidades
Homogeneização das decisões, conceitos e noções relacionados nesta etapa
Seleção dos membros
do grupo
Geração
conhecimentos, opiniões
Precondições
Atitudes, procedimentos e normas
Preparação
Segundo o autor, o modelo foi desenvolvido
com o objetivo de analisar: a) o impacto dos
programas de treinamento e formação sobre o
desenvolvimento de competências, e b) as difi­
culdades, no âmbito das organizações, de apropriar e
compartilhar as competências individuais e coletivas
significativas às empresas.
Assim direcionado, o modelo busca des­
crever três etapas para o alcance dos objetivos:
a) etapa de preparação, que se subdivide em
definição das precondições e seleção do grupo de
participantes, seleção/definição dos temas e tipos
de conhecimentos e habilidades, referências acerca
das competências desejadas, definição de práticas
gerenciais, e definição de conceitos e sistemática de
AO a empregar no processo; b) homogeneização
das decisões, conceitos e noções; e c) etapa de
desenvolvimento de competências, caracterizada por
um processo de geração/difusão de competências
(composta por grupos de desenvolvimento, minipro­
jetos de aplicação/exploração de conteúdos e
relatórios de avaliação ou novas propostas), e pela
sistematização de competências.
7Resultados
7.1 Etapa da Preparação
O processo de desenvolvimento do curso
COMO teve as diretrizes traçadas no departamento
central da organização, em virtude da necessidade de
transmitir conhecimento sobre o acompanhamento
da evolução do planejamento estratégico.
“Surgiu, pela prática da assinatura do
contrato de gestão [...] no momento de elaborar
o planejamento estratégico para o ano [seguinte]
[...]” (e2). “Em função de ter ocorrido muita
modificação no acordo de trabalho do ano
[seguinte] surgiam dúvidas e [os administradores]
queriam saber mais sobre o assunto e sugeriram
se podíamos ir [às unidades de negócios] fazer
apresentação [do acordo de trabalho] para os
funcionários” (e3).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
a)Definição das precondições e seleção do grupo
de participantes
As precondições e as atitudes necessárias
para participar do programa de aprendizagem
ficam mais evidentes no momento da “[...]
disponibilidade para aprender e para mudar sua
própria atitude diante dos desafios” (RUAS, 2001,
p. 256). O COMO credencia todos os funcionários
das unidades de negócios a fazer o curso, pois
se trata de assuntos ligados ao atingimento
das metas das unidades. Porém, a expectativa
inicial foi direcionar o curso, prioritariamente, aos
administradores.
“[Os administradores] são as pessoas que
fazem a análise propriamente dita dos indicadores do
acordo de trabalho. Então o foco nos [administradores]
foi mais forte, embora todos os funcionários pudessem
e possam fazer esse curso” (e1).
A seleção do grupo de participantes é
o momento de reunir “[...] pessoas de áreas de
atuação e formações diferentes, a fim de estimular
a diferenciação e as maneiras alternativas de
perceber e tratar as situações” (RUAS, 2001, p.
256). Os critérios de definição das equipes para
participar do COMO foram a necessidade de
treinamento para os funcionários e o desejo de
que todos conhecessem os objetivos e metas das
unidades de negócio.
“É definido pelo acordo de trabalho que
cada funcionário deve ter no mínimo [x] horas de
treinamento [...] por ser uma [unidade de negócio]
de número elevado de funcionários, são definidos
pelo [administrador] os cursos, de acordo com
a necessidade de cada funcionário. [...] o COMO
foi obrigatório para todos os [administradores] e
funcionários [...] prá conhecerem a expectativa [da
empresa], qual o produto, as metas que temos que
trabalhar para atingir o acordo de trabalho” (e4).
b)
Seleção/definição dos temas
conhecimentos e habilidades
e
tipos
de
Nesta seção trata-se de como ocorreu o
processo de seleção e definição dos conhecimentos,
habilidades e capacidades a serem desenvolvidos
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
77
a partir do curso e que serão priorizados como
recursos de competências a serem desenvolvidos.
Segundo Ruas (2001, p. 257), os recursos
para o desenvolvimento de competências podem
tomar formas de determinados tipos de habilidades,
ou seja, “[...] o desenvolvimento de competências
pode estar centrado em mudança de ‘postura’
perante clientes ou fornecedores ou a outras áreas
da empresa”. Nesse aspecto, segundo um dos
entrevistados, o curso foi desenhado de forma a
auxiliar na ampliação das habilidades negociais
dos administradores e funcionários, a partir de uma
análise das dificuldades enfrentadas pelo público a
ser atingido pelo COMO.
Os principais recursos para identificação das
deficiências foram informações coletadas junto aos
gerentes das unidades-fim e relatórios de resultado.
c) Referências acerca das competências desejadas
É o momento da definição das competências
a serem desenvolvidas. É a definição prévia, nas
diretrizes da montagem do curso, do que deveria
“[...] constar nos perfis de competências desejados,
a fim de nos permitir avaliar sua efetividade para a
organização”. (RUAS, 2001, p. 257). É a definição
do que se deseja com o curso.
“O que queríamos mesmo era que ele
[funcionário] acessasse o acordo [de trabalho]
da [unidade de negócio] dele e percebesse o
conteúdo que tem ali dentro, e entender o porquê
daquela meta. Como atingir aquela meta. Mudar
as atitudes. Onde ele está, onde a [unidade de
negócio] deve chegar. Quanto falta para chegar lá.
Quanto esforço eu ainda preciso. Eu trabalhando
nesse ritmo, eu vou conseguir atingir a meta do
acordo?” (e2)
“A gente bateu muito na questão assim,
quando se tu não conhece a regra do jogo é
mais difícil tu sair vencedor da partida, então
conhecendo a regra do jogo vai ficar mais fácil o
time vencer” (e3).
d) Definição de práticas gerenciais — veículos do
processo
É a definição das práticas gerenciais por
meio das quais se desenvolve o processo de de­
78
senvolvimento de competências, ou seja, são “[...]
os elementos concretos pelos quais desdobrar-se-á
o processo de desenvolvimento de competências,
aos quais denominamos Práticas Gerenciais, e que
estabelecem os necessários nexos com o ambiente
real das organizações [...]” (RUAS, 2001, p. 257).
“O curso teve como objetivo capacitar
as pessoas, funcionários de todos os níveis, de
administradores a analistas no uso adequado
do sistema de acompanhamento do acordo de
trabalho, mas mais do que isso no uso adequado
das informações do acordo de trabalho que é
vinculado ao planejamento estratégico” (e1).
e) Definição de conceitos e sistemática de AO a
empregar no processo
É a definição dos princípios do processo de
aprendizagem organizacional (AO). O processo
de aprendizagem, assumido no COMO, foi o
Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos princípios
estão vinculados ao processo de crescimento
e aprendizado pessoal, denominado por Senge
(1998) de Domínio Pessoal e ao Modelo de
Aprendizagem com Base no Trabalho (RAELIM,
1997), que transita entre o conhecimento tácito e
o explícito, do individual ao coletivo e do teórico
ao prático.
“O fazendo e aprendendo é um curso para
ser feito no local de trabalho, então normalmente
tem um [funcionário] que a gente chama de
multiplicador que é a pessoa preparada para
conduzir um ensino aprendizagem e que tenha um
domínio do conteúdo. Normalmente ele reúne um
grupo de pessoas pequeno, 4 ou 5 pessoas, prá
conduzir o curso durante um determinado tempo
no ambiente de trabalho. No caso [COMO], como a
idéia era fazer um processo mais amplo de acesso
ao curso e nós não tínhamos multiplicadores
suficientes em diversas unidades da [empresa], tá,
nós desenvolvemos uma versão nova do fazendo
e aprendendo, que a gente chamou de FAAP
auto instrucional. Quer dizer que o material que o
aluno teria em mãos seria suficiente para orientálo no sentido de conduzir o curso sozinho. [...] A
presença de um multiplicador foi dispensada, na
forma como nós montamos o curso” (e1).
“O que a gente sugere no curso que ele
[aprendiz] entre, acesse, nós damos o passo a
passo para ele entrar no acordo de trabalho [da
unidade de negócios] dele. Então ele vai fazendo
e aprendendo mesmo. Vai acessando sozinho, não
tem dificuldade, e ele acaba desvendando que
o acordo de trabalho não é aquele monstro que
parece pintado. É mais simples. Claro, é complexo,
mas a maneira como a gente apresenta essa
introdução, via fazendo e aprendendo ele percebe
que não é tão difícil assim de entender aquele
conteúdo” (e3).
7.2 Homogeneização das Decisões,
Conceitos e Noções Relacionados
nesta Etapa
“Trata-se da primeira atividade do grupo de
gestores que vai vivenciar a experiência: organizar,
homogeneizar e sistematizar as decisões, conceitos e
noções definidos na etapa anterior” (RUAS, 2001, p.
258). No referido curso, a homogeneização tratou-se
da etapa de validação dos conceitos definidos.
“Depois [de formulado o curso] houve uma
reunião dos administradores que vieram aqui
[órgão central] e assistiram o material e discutiram.
Depois a responsável pelo desenvolvimento
foi à [unidade de negócio] e repassou para os
funcionários de lá. E aí foi aprimorando aquele
conteúdo que já existia. Depois passamos aqui
para o pessoal de todas as gerências de mercado e
núcleos da [unidade central] para eles darem suas
ideias e contribuições” (e2).
“Ele foi sendo montado a muitas mãos, foi
sendo criado assim, ah isso aqui é interessante, ah,
no mercado pessoa física seria interessante [...] e
aí cada um foi contribuindo com a sua experiência,
com o seu dia a dia” (e3).
7.3 Etapa de Desenvolvimento de
Competências
Esta etapa se divide em três etapas: a)
geração de competências, fase em que o processo
Rev.
FA E ,
C uritiba,
é mais focado nos indivíduos; b) difusão de
competências, a ênfase está no compartilhamento e
difusão dos conhecimentos, habilidades e atitudes;
e c) sistematização de competências, quando
é o momento de agir, ou seja, as competências
assumem formas organizacionais (RUAS, 2001).
Segundo o autor, essas fases constituem um
recurso didático, pois na prática possuem forte
vínculo entre elas.
Na análise do COMO, observou-se que os
participantes do programa compartilharam o con­
teúdo no momento da aprendizagem, nas reu­
niões de trabalho e, ainda, de maneira informal ao
discutirem as metas estabelecidas pelo órgão central.
“Acho que em todas as reuniões de setores
sempre começam com acordo de trabalho.
Todos os [administradores] analisam o acordo de
trabalho antes de ir para as reuniões. Tem reuniões
semanais com todos os funcionários e é sempre
repassada a situação do acordo, o produto que
precisamos focar mais, o serviço, quais os produtos
que já estão com as metas cumpridas e sempre
trabalhando focado no acordo de trabalho” (e4).
“Nós discutimos as metas em reuniões
e extraformal, fora de reunião também, se for
necessário é discutida periodicamente, no mínimo
uma vez por semana” (e5).
“As metas passaram a ser mais discutida.
Quando a gente conversa com o pessoal aqui
sobre metas, a gente percebe que eles têm
conhecimento do que é esperado da [unidade de
negócio] e aí tá outro grande mérito [do curso],
na realidade as metas das [unidades de negócios]
passaram a ser as metas de todos e não a meta
que o [administrador] tem que apresentar. Acho
que essa é a grande valia do curso” (e6).
“As metas são discutidas pelos funcionários,
sempre, sempre. Nas reuniões com os [adminis­
tradores]. Três vezes por semana tem um comitê...
onde é discutido e depois é discutido nos setores
internos direcionados para cada segmento da
[unidade de negócio]. É discutido como atingir as
metas e as estratégias para produtos” (e7).
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
79
a) Processo de geração e difusão de competências
Processo focado nos indivíduos com ênfase
no compartilhamento e difusão dos conhecimentos,
habilidades e capacidades.
a.1) Grupos de desenvolvimento
Quanto aos grupos de desenvolvimento,
o curso proporciona experimentos, simulações e
debates em grupos ou subgrupos.
“Curso é individual. As metas são discutidas
dia a dia para o fechamento do mês e são discutidas
semanalmente em reuniões” (e8).
“O momento [da montagem do curso]
imaginávamos ter um multiplicador na [unidade de
negócios] que conhecesse o acordo de trabalho
e repasse o conteúdo, mas a gente chegou no
momento que percebemos que nós não íamos
ter esses disseminadores. O acordo de trabalho
para as pessoas parecia algo tão complexo e
tão impossível de conhecer a fundo que nós
encontramos uma certa resistência. Então nós
partimos para uma coisa assim, mais fazendo e
aprendendo” (e2).
a.2) Miniprojetos de aplicação e exploração de
conteúdos
Quanto aos miniprojetos de exploração
de competências, observou-se que após o curso
tanto os administradores quanto os funcionários
analistas aplicaram, em suas respectivas ativi­
dades, os conhecimentos explorados durante a
aprendizagem, ou seja, começaram a transitar o
conhecimento entre o saber (conhecimento) e o
saber fazer (habilidade) para saber agir (DIGUID;
BROWN, 2001).
“Todas as reuniões semanais de setores
são focadas no acordo de trabalho. Às vezes
[os funcionários] comentam, não tem como não
comentar até porque a meta tu entra na [empresa]
sempre existe, não só pelo acordo, mas também
através de [mensagens internas] que comunicam
as metas que estão sendo focadas, as estratégias,
dicas de estratégias para aqueles produtos, então...
diariamente tu tá conversando sobre as metas,
acordo de trabalho” (e4).
80
“Os funcionários com certeza estão con­
vivendo mais com o acordo de trabalho, visualizando
e gostando de enxergar o resultado também. É
normal a gente ver ... quando estão no cafezinho ou
outra coisa, batendo um papo e o assunto é meta
— como a gente tá como a gente pode ficar, enfim
resultados. [Esse interesse pela metas] despertou
mais depois do curso, porque em função do curso a
gente cria a cultura do acordo de trabalho. Mudança
de cultura prá focar mais o resultado” (e5).
a.3) Relatórios, avaliações e novas propostas
Quanto aos relatórios, avaliações e novas
propostas, o curso, que teve seu início em 2004,
não prevê relatórios de acompanhamento de
aprendizagem nem avaliação sistemática dos
aprendizes. No entanto, passaria por remodelagem
em função das observações recebidas para sua
melhoria.
“O que nós fazemos dentro do sistema de
avaliação do programa é avaliar o impacto no
trabalho. Em termos de impacto de aprendizagem
[...] nós temos tido relatos de pessoas que fizeram
o curso, até porque buscamos esse tipo de
informação. Está muito longe de ser uma avaliação
sistemática e dizer olha o curso gerou impacto no
trabalho” (e1).
“Fizemos várias alterações ao longo do
tempo [programa] adequando às alterações que
os eles [funcionários] davam. [...] Era um projeto
bem restrito que cresceu à medida que foi sendo
elaborado [...] foi um projeto que todo mundo
participou [...] foi alterando o formato dele ao
longo do tempo, ele não tinha esse formato quando
começou” (e3).
b) Sistematização de competências — atitudes,
procedimentos e normas, conhecimentos,
opiniões, princípios e valores
O curso proporciona ao aprendiz a
visualização
dos
documentos
estratégicos
organizacionais e faz uma ligação entre os
níveis mais complexos, que são os princípios da
organização — diretrizes estratégicas —, as regras
existentes, até chegar às atitudes organizacionais.
Houve uma preocupação na montagem do
curso com a vinculação entre os documentos
estratégicos da empresa para demonstrar o ato
contínuo dos objetivos organizacionais.
“[Buscou-se] no primeiro módulo do curso,
fazer essa vinculação, esse relacionamento, entre
estratégia, os documentos estratégicos [...] e o
acordo de trabalho que é o documento tangível
para ele, pois ali está a meta, os indicadores, os
diversos produtos e serviços e atividades que ele
precisa realizar [...] e fazer com que ele tenha a
consciência de que há essa relação” (e1).
Considerações Finais
O processo de aprendizagem assumido no
Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO)
foi o Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos
princípios estão vinculados aos modelos mentais
e ao desenvolvimento do pensamento sistêmico
(SENGE, 1998); ao modelo de aprendizagem
baseado no trabalho (RAELIM, 1997); e aos ciclos
de aprendizagem vivencial (KOLB, 1997).
Quanto aos modelos mentais e o desen­
volvimento do pensamento sistêmico, ob­ser­vou-se
que o elemento que apareceu mais fortemente,
entre as cinco disciplinas propostas por Senge
(1998), foi a do domínio pessoal, marcado pelo
processo de crescimento e aprendizado pessoal;
seguida pela visão compartilhada, quando todos os
funcionários se conectaram à condição de atingir
as metas estabelecidas e assumiram compro­
metimento mútuo com transferência de energia
para o atingimento dos objetivos.
Segundo Senge (1998), o ambiente or­
ga­nizacional torna-se vital para que os conhe­
cimentos
adquiridos
possam
efetivamente
ser aplicados na prática das organizações. O
autor defende a tese de que a organização que
aprende deverá, necessariamente, abrir espaço
para que as diferenças individuais surjam, sejam
trabalhadas e incorporadas de forma sistêmica ao
macroambiente.
das formas de conhecimento tácito e explícito, de
formas práticas e teóricas de aprendizagem, nos
níveis individual e coletivo. É a teoria junto com
a prática tornando a compreensão do aprendiz
melhor. O COMO seguiu o sugerido no modelo,
que é a interação entre o diálogo, o fazer e o
aprender. Observou-se, ainda, uma constante inte­
ração entre o conteúdo programático e a ação dos
aprendizes, da formulação dos conceitos abs­tratos
à experiência concreta.
Sobre o processo de aprendizagem nas or­
ga­nizações, é possível pensar, à luz do referencial
de Kolb (1997) e Raelim (1997), que o conhecimento
teórico/conceitual ao ser disponibilizado poderá ser
testado e readequado ao contexto no qual o aprendiz
está inserido, o que poderá gerar novas práticas,
que observadas e refletidas se transformariam em
novos conhecimentos e práticas a serem difundidos
pela organização. Dessa forma, estaria criado um
círculo virtuoso que levaria à incorporação sis­
têmica dos conhecimentos adquiridos, gerando,
em consequência, aprendizagem nos vários níveis
e, principalmente, poderia, em situações favoráveis,
ter por consequência o desenvolvimento da orga­
nização como um todo.
Finalmente, observou-se com a implantação
do COMO que ocorreu desenvolvimento de com­
petências e mudança cultural nas unidades de
negócios, no que diz respeito ao acordo de trabalho
e à vinculação dos objetivos e metas organizacionais
ao planejamento estratégico. Evidenciando-se, as­
sim, a importância da disseminação da informação
como fator potencial de desacomodação em
relação à unidade de aprendizagem e que, nesse
sentido, tem sido valorizada ao longo do tempo,
principalmente por empresas com grande número
de funcionários e/ou grande dispersão territorial.
Assim, práticas de ensino a distância possibilitam
a difusão da informação e do conhecimento
a um grande número de pessoas e em prazos
relativamente curtos e com custos menores.
Quanto ao modelo de aprendizagem basea­
da no trabalho, observou-se que houve com­binação
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
•
Recebido em: 08/11/2012
•
Aprovado em: 23/03/2012
81
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012
83
Análise dos fatores de
bloqueio à criatividade
no Projeto de Extensão
Universitária Chiquitos
Analysis of factors of creativity block in the
Project Chiquitos
Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária
Chiquitos
Analysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos
Ana Santos1
Fabiano Goldacker2
Silvia R.P. de Quevedo3
Vania Ribas Ulbricht4
Resumo
Este trabalho apresenta uma pesquisa de campo realizada com integrantes
do Projeto Chiquitos, o qual resulta da parceria entre a Universidad Técnica
Particular de Loja (Equador) e a Universidad Católica Boliviana San Pablo —
Chiquitos (Bolívia), com foco na criatividade e no conhecimento. Utilizando
como instrumento de pesquisa um questionário, buscou-se detectar se entre
o grupo de pesquisadores houve algum tipo predominante de bloqueio
à criatividade. A pesquisa foi censitária e os resultados apontaram a não
existência de um tipo predominante de bloqueio à criatividade no grupo.
Palavras-chave: Criatividade. Bloqueios. Conhecimento.
Abstract
This paper presents a field research project involving members of the
Chiquitos Project, which results from the partnership between the
Universidad Técnica Particular de Loja (Ecuador) and the Universidad
Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (Bolivia), focusing the areas of
creativity and knowledge. A questionnaire was used for detecting whether
there was a predominant type of creativity block in the researched group. It
was a survey research and its results showed that there is no predominant
type of creativity block in that group.
Keywords: Creativity. Blocks. Knowledge.
Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa
Catarina. E-mail: [email protected].
2
Mestrando em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: [email protected].
3
Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa
Catarina. E-mail: [email protected].
4
Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
85
Introdução
Alcançar altos níveis de produtividade tem
sido cada vez mais importante para as organizações
corporativas, pois a competitividade a qual estão
submetidas adquiriu um caráter irreversivelmente
global na atualidade. No caso das empresas,
Nonaka e Takeuchi (1997) apontam o potencial
da criatividade e do conhecimento como fonte
de vantagem competitiva; porém, não apenas no
mundo corporativo, esses elementos estão na base
de uma organização que funciona, embora nem
sempre evidentes. Os autores reconhecem que toda
organização acaba criando novo conhecimento
e destacam o fato de que na maior parte das
ocorrências esse processo acontece de modo
“acidental, inesperado e, portanto, imprevisível”
(NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 142).
Assim, características inerentes ao proces­
so criativo se fazem necessárias à gestão de
conhecimento, pois, embora nem toda ideia criativa
conduza à inovação, é certo afirmar, como De Masi
(2000), que a inovação requer o novo, aplicabilidade
e valor agregado. Por isso, o ato de mapear os
elementos inibidores da criatividade torna-se um
importante exercício para o desenvolvimento de
vantagens competitivas às organizações como
um todo, e, em particular, aos projetos ou demais
iniciativas, individuais ou coletivas. À medida que
tais bloqueadores são identificados, torna-se
possível eliminá-los para a possibilidade de inovar-se. Extirpar fatores bloqueadores da criatividade
permite desencadear melhorias com a finalidade
de atuar sobre os pontos fracos e ameaças
relacionadas à determinada ideia ou projeto.
Este artigo busca respostas para a veri­
ficação de eventuais fatores de bloqueio à
criatividade, observados no Projeto Chiquitos, que
acontece por meio de parceria entre a Universidad
Técnica Particular de Loja (UTPL), do Equador;
e a Universidad Católica Boliviana San Pablo —
Chiquitos (UCBCh), Bolívia. Implantado em 2001, o
projeto beneficia a comunidade de San Ignacio de
Velasco, na Bolívia, por meio de pesquisas aplicadas
às necessidades locais, como melhoria das técnicas
de processos agroindustriais, criação do banco de
conservação de sementes, implantação de sis­
temas agrários pastoris, entre outras medidas.
86
1
A Criatividade e a Gestão
do Conhecimento
Na sequência, são apresentados alguns aspec­
tos que compõem a base teórica desta pesquisa.
1.1 O Conhecimento
O conhecimento é fonte de vantagem
competitiva para qualquer organização, mas para
que seja efetivamente uma vantagem, torna-se
estratégico desenvolver meios, a fim de que o
conhecimento seja criado, incorporado e utilizado.
Demo (2002, p. 30-31) estabelece uma
estreita ligação desse termo com a criatividade e
inovação, uma vez que “conhecimento só ‘conhece’
se for questionador e inovador.”
Boisot (1995, apud CHOO, 2003) buscou
construir uma tipologia, classificando ‘conhecimento’
em quatro grupos distintos:
a)
Público: é codificado e divulgável. Pode
ser encontrado estruturado e registrado
em livros, boletins de pesquisa e outras
fontes formais e informais. No entanto,
o conhecimento público, lentamente,
entrelaça-se num denso tecido de fatos,
tornando-se difícil de modificar algum
contexto. Ou seja, adquire inércia.
b) De senso comum: também é dissemina­
do, mas muito menos codificado. É
o conhecimento adquirido ao longo
da vida, por meio de experiências
pessoais, e tidas como comprováveis.
Kerlinger (1980) classifica esse tipo de
conhecimento como algo guiado pela
experiência prática e observação.
c) Pessoal: nasce da experiência própria,
não acessível aos outros, tornando-o
mais difícil de articular. Sua disseminação
requer que experiências concretas sejam
partilhadas entre os indivíduos.
O que distingue o
conhecimento de outros
ativos é que ele pode
ser compartilhado e, ao
mesmo tempo, retido
pelos indivíduos.
d)
Privado: é o conhecimento desenvolvido
e codificado por conta própria dos
indivíduos, a fim de dar sentido a
determinadas situações. Embora seja
divulgável e codificado, pode não fazer
sentido a algumas pessoas, porque
a sua importância está limitada às
necessidades de quem o criou.
A partir de tal reflexão, é possível vislumbrar
que o conhecimento adquire validade à medida
que estiver próximo da ação, ou seja, a partir
do momento em que passe a viabilizar ações à
inovação e à geração de ativos que agreguem
valor. O que distingue o conhecimento de outros
ativos é que ele pode ser compartilhado e, ao
mesmo tempo, retido pelos indivíduos.
Santana (2005, p. 385) destaca que “para
ser considerado, o conhecimento individual deve ser
pertinente para a realização das atividades a que a
organização se dedica e ser percebido como tal por
cada objetivo que atinge”. Outra maneira de utilizar o
conhecimento como fonte de valor é a sua capacidade
de fazer frente às incertezas, especialmente tra­tando-se
de sistemas mais fragilizados.
Nonaka (2008, p. 39) observa, por exemplo,
que “em uma economia onde a única certeza é a
incerteza, a fonte certa de vantagem competitiva
duradoura é o conhecimento”. Sua dinamicidade,
pois ele não é estático, pode torná-lo complexo.
A esse respeito Leite, Bornia e Coelho (2004,
p. 28) explicam que uma organização convive
com uma “permanente busca de flexibilidade, o
que lhe confere um aumento da complexidade,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
caracterizada, por sua vez, pelo aspecto da
incerteza, da imprevisibilidade e da variabilidade”.
1.1.1 Conhecimento tácito e conhecimento
explícito
Takeuchi e Nonaka (2008) afirmam que o
conhecimento é formado por dois componentes
dicotômicos e aparentemente opostos: o co­
nhecimento explícito e o tácito. Segundo esses
autores, “o conhecimento não é explícito ou tácito;
é tanto explícito quanto tácito. O conhecimento
é inerentemente paradoxal, pois é formado do
que aparenta serem dois opostos.” (TAKEUCHI;
NONAKA, 2008, p. 20), uma vez que está baseado
no conhecimento pessoal e formal.
Uma definição desses dois tipos de conceito
foi feita por Choo (2003, p. 189):
a)
Conhecimento tácito: é o conhecimento
implícito usado pelos membros da
organização para realizar o seu tra­
balho. É o conhecimento pessoal, não
codificado e difícil de divulgar. É difícil
de verbalizar por ser expresso por
habilidades baseadas na ação, não po­
dendo ser reduzido a regras e receitas.
É aprendido durante longos períodos
de experiência e de execução de uma
tarefa. É vital para uma organização,
que só aprende e inova se estimular, de
algum modo, o conhecimento tácito de
seus membros;
b) Conhecimento explícito: pode ser ex­
pres­so formalmente com a utili­za­ção de
um sistema de símbolos, podendo ser
facilmente comunicado ou difundido
(NONAKA, TAKEUCHI, 1997). Embora
todas as organizações trabalhem com
procedimentos-padrão, cada orga­
ni­
zação deve desenvolver seu próprio
repertório de rotinas, baseado em sua
experiência (CHOO, 2003).
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
87
Um dos grandes desafios para as orga­
ni­
zações criadoras de conhecimento é a transformação
do conhecimento tácito em explícito, uma vez
que o primeiro é de difícil expressão. Takeuchi e
Nonaka (2008, p. 19) atribuem essa dificuldade ao
fato de considerarem que o conhecimento tácito
“está profundamente enraizado nas ações e na
experiência corporal do indivíduo, assim como nos
ideais, valores ou emoções que ele incorpora.”
Dessa forma, quando o conhecimento tácito
existe de modo abundante, mas não está codificado,
é provável que as pessoas e as organizações tenham
dificuldades em se comunicar com clareza no
intuito de gerar conhecimento. Além disso, Takeuchi
e Nonaka (2008) sustentam que a ênfase isolada
no conhecimento tácito pode ser perigosa, pois se
abre à possibilidade de adaptação excessiva aos
sucessos ou modelos passados, constituindo-se em
uma ameaça à inovação. Polanyi (1983) lembra que
o conhecimento tácito é composto pela percepção
do indivíduo. O alto grau de subjetividade e
intangibilidade desse tipo de conhecimento dificulta
sua transformação de tácito em explícito.
Segundo Stacey (2001), o conhecimento dos
indivíduos, que surge de maneira principalmente
tácita, traz consigo alguns problemas:
a) pessoas que detêm o conhecimento
podem deixar a organização ou grupo
levando-o consigo. É interessante que
o conhecimento tácito seja trans­
formado em explícito;
b) pessoas relutam em compartilhar o
conhecimento que possuem.
Como a base de todo o conhecimento é o
tácito, é importante que se encontrem maneiras
de codificá-lo, a fim de permitir que esse tipo de
conhecimento torne-se explícito, ou seja, que possa
ser transmitido às pessoas de forma sistemática.
Nesse sentido, Davenport e Prusak (1998, p. 117)
estabelecem uma ligação entre o conhecimento
tácito e a questão tecnológica, uma vez que “quanto
mais tácito for o conhecimento, mais tecnologia
deverá ser usada para possibilitar às pessoas com­
partilhar aquele conhecimento diretamente”.
88
Um dos grandes
desafios para as
organizações criadoras
de conhecimento é
a transformação do
conhecimento tácito em
explícito, uma vez que
o primeiro é de difícil
expressão.
1.2 Criatividade
A criatividade passou a ser foco recente de
pesquisas acadêmicas com objetivo de explicar e
até sistematizar o pensamento criativo. Vanzin e
Ulbricht (2010, p. 29) afirmam que a criatividade
“tem sido estudada intensamente segundo
diferentes óticas, especialmente dentro da
interdisciplinaridade, em função da importância que
o mercado tem atribuído à inovação tecnológica.”
Uma consideração importante sobre o sur­
gimento das ideias que lideram o processo criativo é
o fato de elas aparecerem livre e espontaneamente
(TEIXEIRA, 1998). Para Teixeira (1998, p. 61), “a
ideia criativa surge quando deixamos que outro
eu processe livremente todas as informações que
arquivamos em nosso cérebro.” Com essa liberdade,
as informações colhidas do ambiente, misturadas às
ideias surgidas de forma espontânea, passam a gerar
uma condição altamente propícia à criatividade.
Barreto (1998) concorda que a criatividade
seja oriunda de pressupostos ambientais, mas avalia
que aspectos psicológicos internos e externos
ao indivíduo são fatores não menos importantes
para a gestão da criatividade. Segundo o autor, a
criatividade está antes ligada a um pensamento
mais primário, infantil e rudimentar do que um
pensamento teórico, ou seja, a criatividade consiste
em um dado psicobiológico da personalidade que
não depende de inteligência. “A verdadeira escola
para o inventor é sua cabeça, aliada a sua vontade”,
acrescenta Martins (1997, p. 63).
Barreto (1998) agrupa o que chama de
ingredientes da criatividade em uma sigla: BIP, que
significa ‘bom-humor’, ‘irreverência’ e ‘pressão’.
Ou seja, conforme o autor, somente é capaz de
ter ideias quem está ‘de bem consigo mesmo’;
quem tem ‘jogo de cintura’ e, ao mesmo tempo,
conserva um ceticismo, sendo um pouco mais
passivo e, por fim, quem suporta bem a pressão
exercida por uma liderança, ou sabe liderar uma
busca pela valorização e motivação de pessoas.
Porém, embora a criatividade seja um
exercício ao alcance de todos, alguns fatores
podem bloquear o processo criativo. Ramos
e Ramos (2010, p. 240) citam a padronização
e a burocratização excessivas como fatores
inibidores da criatividade, pois “sempre existiram
pressões sociais para que as pessoas atuem de
forma padronizada”.
1.2.1 Bloqueios à criatividade
As pessoas nascem com muitas habilidades
criativas, mas, para Ayan (2001), a maioria dessas
pessoas começa a limitar suas capacidades de
busca por criatividade a partir dos primeiros anos
de vida, quando começam a surgir os bloqueios à
criatividade. Da mesma forma, é comum que no
nosso dia a dia se tenha contato com diversas ideias
que surgem por meio das interações feitas com o
ambiente, tais como a leitura, as viagens, a conversa
com outras pessoas. Contudo, Martins (1997, p. 72)
sustenta que “nem sempre aproveitamos essas
situações, e assim, aos poucos, abafamos o espírito
criador que nos dá aquele impulso e faz as ideias
aflorarem em nossa consciência”.
De acordo com a designação de Siqueira
(2011), os bloqueios à criatividade são classificados
em cinco grupos principais, relacionados a seguir:
Segundo Weschler (1998, p. 121), “a
sociedade pune ou exclui o indivíduo
que é diferente. [...] O indivíduo que
diverge das normas da sociedade
incomoda, quebra as estruturas”.
b) Ambientais ou organizacionais: para
Silva e Rodrigues (2007, apud RAMOS;
RAMOS, 2010), podem ser relacionados
alguns fatores organizacionais que
servem como bloqueio à criatividade,
tais como a estrutura organizacional,
as características da chefia, as relações
interpessoais, a cultura organizacional,
a falta de recursos tecnológicos ou
materiais, as características das tarefas,
as influências político-administrativas,
volume de serviço, falta de treinamento,
salários e benefícios.
c) Intelectuais e de comunicação: para
falar com alguém, precisa-se conhecer
um pouco a forma dessa pessoa de
perceber o mundo e cativá-la baseado
em seus próprios conceitos de vida.
(TEIXEIRA, 1998, p. 29).
d) Emocionais: são barreiras que se trans­
formam em um grande impe­
dimen­
to à criatividade. Jones (1993 apud
WESCHLER, 1998) relaciona al­
guns
blo­queios emocionais, como medo do
A ideia criativa
surge quando
deixamos que
outro eu processe
livremente todas as
informações que
arquivamos em
nosso cérebro
a) Culturais: os bloqueios ao pensamento
e ao comportamento criativo advêm,
em primeiro lugar, da própria sociedade.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
89
fracasso, de brincar, de perder o con­
trole, de exercer influência, medo do
desconhecido, miopia de recursos, receio
da frustração, imaginação empo­brecida.
e)
2
De percepção: a falta de percepção está
diretamente ligada “à incapacidade de
resolver problemas criativamente”, co­
mo observa Wechsler (1998, p. 123).
Projeto de Extensão
Universitária Chiquitos
O Projeto Chiquitos é financiado pela cola­
boração entre duas universidades: a Universidad
Técnica Particular de Loja (UTPL), responsável pela
locomoção dos pesquisadores, e a Universidad
Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (UCBCh),
responsável pela hospedagem, alimentação e
imprevistos dos participantes do projeto. Lançado
em 2001, até junho de 2010 o projeto já havia
consolidado a participação de 58 estudantes
universitários e jovens recém-formados.
O projeto beneficia a comunidade de San
Ignacio de Velasco — Santa Cruz —, Bolívia, por
meio de pesquisas aplicadas para necessidades
locais. São desenvolvidas atividades, como
instalação de internet, criação de modalidade
de estudo a distância, planta de elaboração e
processamento de produtos lácteos e de carne,
melhora das técnicas de processos agroindustriais,
criação do banco de conservação de sementes,
implementação de sistemas agrários pastoris, entre
outras. Ao retornar ao Equador, os participantes
levam novos conhecimentos explícitos e tácitos
adquiridos na prática das atividades do projeto. O
processo é esquematizado na FIG. 1.
FIGURA 1 — Processos do Projeto Chiquitos
FONTE: Os autores
Os participantes do projeto, na maioria, profissionais recém-formados no Equador, são enviados pela
UTPL e mantidos pela UCB na localidade de Chiquitos pelo período de um ano. Ali, desenvolvem atividades e
pesquisas voltadas aos problemas da região. Assim, o projeto está integrado à sociedade, buscando atender
às necessidades práticas. Entre os participantes há criação de conhecimento.
Ao retornarem ao Equador, os integrantes do projeto deixam conhecimentos práticos para a região de
Chiquitos e levam novos conhecimentos, com a finalidade de aplicá-los em sua realidade de vida e trabalho.
Esse processo depende de um ambiente próprio que incentive a colaboração, o compartilhamento e criação
de conhecimento, visto que os participantes são voluntários.
90
3
Método de Pesquisa
Este trabalho parte das conclusões obtidas
por Santos, Galdo e Machado (2010), a partir da
pesquisa realizada no Projeto Chiquitos, na qual foi
evidenciado que há a conversão de conhecimento
tácito em explícito e criação de conhecimento.
Nota-se que há um ambiente propício à criação
do conhecimento. Na percepção dos participantes,
houve um ambiente de interação e valores com­
partilhados, conversão de conhecimentos explícitos
e tácitos e criação de conhecimento, evidenciando a
importância do ambiente para o compartilhamento
e criação do conhecimento.
Tendo por base essa mesma pesquisa, sentiu-se a necessidade de se identificar a existência ou
não de bloqueios à criatividade, buscando rela­
cioná-los aos grupos explicados no item 2.2.1. Dessa
maneira, foi desenvolvido um instrumento de coleta
de dados (questionário) que buscou fazer uma
relação direta entre as perguntas com os tipos de
bloqueio à criatividade. O instrumento de coleta de
dados foi desenvolvido dessa forma para que se
torne possível identificar qual o tipo predominante
de bloqueio à criatividade no Projeto Chiquitos. O
QUADRO 1 resume as questões aplicadas e a sua
relação com os tipos de bloqueio à criatividade.
QUADRO 1 — Tipos de bloqueio à criatividade x perguntas do questionário
Tipos de bloqueio à
Perguntas
criatividade
a) Nesse projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para resolver problemas?
b) As pessoas desse projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de funcionamento
tanto em nível laboral como de convivência?
c) Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho nesse projeto?
Culturais
a) O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita?
b) O ambiente de trabalho é agradável?
c) O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias?
d).O grupo resolve os problemas em conjunto?
e) Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema?
f) No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais?
g) Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto?
h) Seu chefe imediato valoriza sua experiência profissional?
Ambientais ou
organizacionais
Intelectuais ou de
comunicação
a) Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso à informação necessária?
b) Você se sente seguro para iniciar um projeto novo?
c) Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em especialistas,
mesmo que o acesso a eles não seja fácil?
d) Você acredita que os problemas na execução dos projetos têm mais de uma solução?
e) Você busca soluções aos problemas em conjunto com seus companheiros de trabalho?
f) Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas?
g) Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou atividade ao
grupo?
Emocionais
a) Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto?
b) Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo?
c) Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo?
d) Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança de que na
próxima vez o resultado será positivo?
e) Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais?
f) Sabe diferenciar realidade e o que é fantasia?
De percepção
a) As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no seu contexto?
b) Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras?
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
91
Assim, esta pesquisa tem uma abordagem quantitativa, diante do tratamento estatístico dado às
respostas do questionário. Quanto à pesquisa quantitativa, Lima (2004, p. 26) lembra que ela “corresponde a
uma abordagem do fenômeno investigado envolvendo a realização de uma pesquisa de campo, na qual a coleta
de dados é feita por meio de aplicação de questionário e/ou formulário junto à população alvo da pesquisa”.
4 Apresentação e
Discussão dos Resultados
Para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi utilizado um instrumento de coleta de dados na forma de
questionário aplicado por censo. Cooper e Schindler (2003) consideram que o censo é adequado quando o
universo é pequeno. O universo total é de 30 participantes e o questionário foi respondido por 22 pessoas.
As questões presentes no questionário foram agrupadas em torno dos cinco tipos de bloqueio à
criatividade, conforme exposto no QUADRO 1. Assim, no que diz respeito às perguntas relacionadas aos
bloqueios culturais, a pesquisa apresentou os seguintes dados:
TABELA 1 e GRÁFICO 1 — Pergunta 1: Neste projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para
resolver problemas?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
2
9%
Quase nunca
5
23%
Às vezes
11
50%
Sempre
4
18%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Observa-se que quase 70% dos pesquisados afirmam que as novas ideias sugeridas são frequentemente
incorporadas como parte do conjunto de soluções para resolver problemas, muito embora uma parte
considerável dos integrantes pesquisados afirme que essas novas ideias quase nunca são utilizadas.
TABELA 2 e GRÁFICO 2 — Pergunta 2: As pessoas deste projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de
funcionamento tanto em nível laboral como de convivência?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
5
Quase nunca
7
32%
Às vezes
9
41%
Sempre
6
27%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
92
Com relação à pergunta 2, apesar de as respostas demonstrarem que um terço dos pesquisados
afirmam ‘quase nunca’ há abertura para as mudanças das normas e regras, a maior parte afirma estar aberta,
eventualmente, às mudanças nas regras ou normas de funcionamento.
TABELA 3 — Pergunta 3: Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho neste projeto?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0
Quase nunca
0
0
Às vezes
0
0
Sempre
22
100%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
A pergunta 3 mostra que todos os entrevistados afirmaram ser flexíveis à mudança de atividades
durante a execução do projeto.
No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios ambientais ou organizacionais, a pesquisa
apresentou os seguintes dados:
TABELA 4 e GRÁFICO 3 — Pergunta 4: O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0
Quase nunca
0
0
Às vezes
0
41%
Sempre
13
59%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Nota-se que os entrevistados afirmam haver segurança para a realização dos trabalhos necessários, o
que permite que os pesquisados conduzam suas pesquisas com plenas condições de concentração exclusiva
nos seus objetivos.
TABELA 5 e GRÁFICO 4 — Pergunta 5: O ambiente de trabalho é agradável?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
Quase
nunca
Às vezes
0
0
3
14%
11
50%
Sempre
8
36%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
93
Os resultados da pergunta 5 demonstram que grande parte dos entrevistados asseguram que o
ambiente de trabalho é agradável à realização dos trabalhos, sendo, também, um item favorável à atuação
dos pesquisadores.
TABELA 6 e GRÁFICO 5 — Pergunta 6: O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
4
18%
Quase nunca
4
18%
Às vezes
6
27%
Sempre
8
37%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Apesar da maior parte dos entrevistados mostrarem que o líder do projeto apoia e incorpora as
ideias sugeridas, pouco mais de um terço dos entrevistados afirma o contrário, o que pode acarretar numa
desmotivação dos pesquisadores do Projeto Chiquitos em participar com sugestões ao projeto.
TABELA 7 e GRÁFICO 6 — Pergunta 7: O grupo resolve os problemas em conjunto?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
1
5%
Quase nunca
4
18%
Às vezes
11
50%
Sempre
6
27%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
As respostas à pergunta 7 mostram que a maior parte dos entrevistados concorda que há um trabalho
em conjunto para a resolução dos problemas, o que se configura em um aspecto positivo do trabalho, pelo fato
de que a interação entre os participantes do Projeto Chiquitos pode resultar em melhores ideias e resoluções
dos problemas ocorridos.
TABELA 8 e GRÁFICO 7 — Pergunta 8: Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
8
37%
Sempre
14
63%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
94
Observa-se que todos os pesquisados confirmam ser frequente o fato de pedir ajuda aos companheiros
na resolução de problemas. Essa resposta vai ao encontro do que foi evidenciado na pergunta 7, em que a maior
parte dos entrevistados afirma que os problemas são resolvidos em conjunto.
TABELA 9 e GRÁFICO 8 — Pergunta 9: No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
7
32%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
7
32%
Sempre
8
36%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
As respostas à pergunta 9 chamam atenção pelo fato de um terço dos pesquisados afirmar que não
há espaço para a realização de outras atividades no Projeto Chiquitos, a não ser as laborais, ou seja, não há
espaço para ideias que não estejam diretamente relacionadas aos objetivos da pesquisa.
TABELA 10 e GRÁFICO 9 — Pergunta 10: Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
2
9%
Quase nunca
3
14%
Às vezes
13
59%
Sempre
4
18%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Essas respostas evidenciam que a maior parte dos entrevistados mostra que há pressão por parte dos
líderes do Projeto Chiquitos para com os resultados da pesquisa. Se analisarmos essas respostas em conjunto
com as respostas à pergunta 9, há indícios de um grande nível de cobrança sobre os pesquisadores do projeto.
TABELA 11 e GRÁFICO 10 — Pergunta 11: Seu chefe imediato valoriza a sua experiência profissional?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
2
9%
Quase nunca
3
14%
Às vezes
7
32%
Sempre
10
45%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
95
Nota-se que, embora exista uma pressão do líder para com os resultados do projeto, há também apoio às
ideias e experiências dos participantes. Pelo fato do ambiente de trabalho ser agradável, há uma cooperação
muito grande entre os integrantes do projeto, o que torna possível concluir que os fatores ambientais ou
organizacionais exercem um bloqueio muito fraco à criatividade no Projeto Chiquitos.
No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios intelectuais ou de comunicação, a pesquisa
apresentou os seguintes dados:
TABELA 12 e GRÁFICO 11 — Pergunta 12: Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso às informações
necessárias?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
1
5%
Quase nunca
5
23%
Às vezes
12
54%
Sempre
4
18%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
As respostas à pergunta 12 mostram que a maior parte dos entrevistados consegue fácil acesso às
informações necessárias ao início de uma nova atividade, o que se configura em um importante aspecto para
toda e qualquer pesquisa, pois quanto mais facilitado o início de novas atividades, melhores poderão ser os
resultados da pesquisa.
TABELA 13 e GRÁFICO 12 — Pergunta 13: Você se sente seguro para iniciar um projeto novo?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
1
5%
Às vezes
4
18%
Sempre
17
77%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Essas respostas evidenciam que a quase totalidade dos entrevistados demonstra segurança para
iniciar novos projetos, o que vai ao encontro das respostas relativas à pergunta anterior. Isso permite concluir
que a facilidade de acesso às informações necessárias à execução de novos projetos dá mais segurança aos
pesquisadores do Projeto Chiquitos para iniciarem um novo projeto.
96
TABELA 14 e GRÁFICO 13 — Pergunta 14: Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em
especialistas, mesmo que o acesso a eles não seja fácil?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
6
27%
Sempre
16
73%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
As respostas à pergunta 14 mostram que os participantes do Projeto Chiquitos dedicam-se muito à
execução dos projetos, desde o seu início, pois os pesquisadores buscam apoio junto a especialistas para o
início de novos projetos.
TABELA 15 e GRÁFICO 14 — Pergunta 15: Você acredita que os problemas que surgem na execução dos projetos têm mais
de uma solução?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
5
23%
Sempre
17
77%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Observa-se que as respostas à pergunta 15 evidenciam o otimismo dos pesquisadores do Projeto
Chiquitos em relação às alternativas possíveis à solução de problemas.
TABELA 16 e GRÁFICO 15 — Pergunta 16: Você busca solução para os problemas em conjunto com seus companheiros de
trabalho?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
12
54%
Sempre
10
46%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
97
As respostas à pergunta 16 mostram que há uma interação importante entre os pesquisadores do
Projeto Chiquitos. Se analisarmos essa resposta em conjunto com as respostas à pergunta 15, pode-se inferir
que é essa interação que permite que surjam mais soluções para os problemas existentes.
TABELA 17 e GRÁFICO 16 — Pergunta 17: Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
1
5%
Às vezes
6
27%
Sempre
15
68%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Nas respostas à pergunta 17, pode-se observar que os entrevistados garantem que com frequência
buscam nos líderes do projeto as sugestões necessárias para resolver os problemas.
TABELA 18 e GRÁFICO 17— Pergunta 18: Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou
atividade ao grupo?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
2
9%
Às vezes
4
18%
Sempre
16
73%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Pode-se perceber que os participantes do Projeto Chiquitos são dotados de uma considerável
capacidade de cooperação e interação na busca da solução de problemas. Nota-se que a maior parte dos
participantes mostra-se segura com o início de novos projetos, ou ainda com a execução dos projetos que
estão em andamento. Percebe-se que o interesse pela busca das informações, ainda que elas não sejam de
fácil acesso, permite afirmar que não há bloqueios à criatividade do tipo intelectual ou de comunicação.
No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios emocionais, a pesquisa apresentou os
seguintes dados:
98
TABELA 19 e GRÁFICO 18 — Pergunta 19: Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
3
14%
Sempre
19
86%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
As respostas para essa questão mostram que os entrevistados costumam pôr em prática com muita
frequência suas novas ideias para melhorar os resultados de um projeto. A resposta de questão vai ao
encontro de outras perguntas, evidenciando que há abertura para dar e implantar as sugestões necessárias ao
desenvolvimento do projeto.
TABELA 20 e GRÁFICO 19 — Pergunta 20: Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
13
59%
Quase nunca
3
14%
Às vezes
6
27%
Sempre
0
0%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Mais de dois terços dos entrevistados não abrem mão de se manifestar, ainda que possam considerar
que suas opiniões sejam entendidas como descabidas. Isso mostra que o ambiente no Projeto Chiquitos é
favorável às técnicas de estímulo à criatividade.
TABELA 21 e GRÁFICO 20 — Pergunta 21: Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
8
36%
Quase nunca
6
27%
Às vezes
7
32%
Sempre
1
5%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
99
É possível observar que a maioria dos entrevistados não se considera como a única pessoa apta a resolver
os problemas, muito embora um terço dos entrevistados manifeste que esse pensamento eventualmente
surge diante de um problema no trabalho.
TABELA 22 e GRÁFICO 21 — Pergunta 22: Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança
de que na próxima vez o resultado será positivo?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
1
5%
Às vezes
6
27%
Sempre
15
68%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Os resultados dessa pergunta evidenciam que os participantes do Projeto Chiquitos são otimistas
quanto aos resultados das sugestões implantadas, pois mais de dois terços dos pesquisados afirmam sempre
esperar melhores resultados quando há implantação de novas tentativas para a resolução dos problemas.
TABELA 23 e GRÁFICO 22 — Pergunta 23: Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
1
5%
Às vezes
8
36%
Sempre
13
59%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Quase todos os entrevistados mostraram que frequentemente têm noção de suas limitações pessoais e
profissionais ao iniciar uma tarefa, o que pode ser encarado como um aspecto positivo se considerarmos que
essa noção os impele a buscar apoio e informações com os líderes e/ou pessoas mais experientes.
TABELA 24 e GRÁFICO 23 — Pergunta 24: Sabe diferenciar a realidade do que é só fantasia?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
1
5%
Sempre
21
95%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
100
A análise das questões relacionadas aos bloqueios emocionais demonstra que os participantes do Projeto
Chiquitos buscam adotar novas ideias ou tentam executar ideias já testadas na expectativa de encontrar as
soluções esperadas. Bem como a maioria dos entrevistados busca contribuir com o grupo, reconhecendo suas
limitações. Assim, não se considera que esses fatores consistam em bloqueios à criatividade.
No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios de percepção, a pesquisa apresentou os
seguintes dados:
TABELA 25 e GRÁFICO 24 — Pergunta 25: As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no
seu contexto?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
1
5%
Às vezes
4
18%
Sempre
17
77%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
Ao responder que quase sempre as soluções apontadas são de possível implantação, os pesquisados
confirmam o fato de que entendem os problemas ocorridos, sugerindo soluções coerentes para resolvê-los.
TABELA 26 e GRÁFICO 25 — Pergunta 26: Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras?
Alternativas
Quantidade
Percentual
Nunca
0
0%
Quase nunca
0
0%
Às vezes
6
27%
Sempre
16
73%
TOTAL
22
100%
FONTE: Os autores
A análise das questões relacionadas aos bloqueios de percepção evidencia que os participantes do
Projeto Chiquitos não apresentam dificuldades em contextualizar os desafios que surgem, permitindo que
as soluções se realizem. Da mesma maneira, percebe-se que essas soluções são expressas de forma clara e
objetiva aos demais participantes. Com base nisso, não se considera que existam fatores de percepção que
consistem em bloqueios à criatividade.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
101
Considerações Finais
A pesquisa realizada com os integrantes
do Projeto Chiquitos buscou identificar os
tipos de bloqueio à criatividade, possivelmente
presentes nesse grupo. A partir da percepção
dos participantes, verifica-se a existência de um
ambiente com elementos de pressão e cobrança,
mas que são plenamente gerenciáveis por meio da
cooperação e interação.
Ademais, como coloca Barreto (1998), a
pressão também é um elemento que impulsiona a
criatividade. Há um reconhecimento das limitações
dos integrantes do grupo, o que é compensado pela
predisposição das pessoas em buscar as informações
e conhecimentos necessários à execução dos projetos.
­
Essas evidências demonstram que há um
ambiente, ou um Ba, na visão de Nonaka e Takeushi
(1997), favorável à criatividade, não havendo
evidências concretas de bloqueios no Projeto
Chiquitos. Levando em conta a premissa do projeto,
de que os conhecimentos práticos adquiridos
e desenvolvidos em grupo sejam favoráveis ao
desenvolvimento da região de Chiquitos, pode-se
afirmar que a inexistência de bloqueios à criatividade
permite aos pesquisadores explorar ao máximo seu
potencial criativo, a fim de buscar as inovações
necessárias ao desenvolvimento da região.
102
O processo criativo permite às organizações
que seu crescimento seja sustentado por meio da
geração de ideias e do desenvolvimento da capacidade de inovação. Isso possibilita aos integrantes
desenvolverem cada vez mais competências importantes ao desenvolvimento pessoal e profissional, o
que acaba promovendo o crescimento da organização em que estão inseridos.
É o que se observa no Projeto Chiquitos
a partir da pesquisa realizada, uma vez que
os participantes procuram, de forma ampla e
integrada, envolver-se com a comunidade na busca
de soluções para os problemas que se apresentam.
A flexibilidade na mudança de atividades entre os
membros do grupo sugere grande versatilidade,
uma abertura a novas ideias e modos diferentes de
viver, não havendo obstáculos de ordem cultural,
principalmente, à criatividade. O fato resulta em
ganhos aos parceiros do projeto, tanto em relação
às duas universidades que efetivam o convênio
como no que diz respeito à população da pequena
cidade boliviana onde ele acontece.
•
Recebido em: 12/09/2011
•
Aprovado em: 13/10/2011
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012
103
Fundo Constitucional do Norte
como mediador do desenvolvimento
regional: o caso da mesorregião de
Belém do Pará
The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a
case study of the region of Belém do Pará
Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da
mesorregião de Belém do Pará
The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region
of Belém do Pará
Jones Nogueira Barros1
Isabel Cristina dos Santos2
Raquel da Silva Pereira3
Resumo
Este artigo visa discutir a contribuição do Fundo Constitucional do Norte (FNO) ao
desenvolvimento da mesorregião de Belém do Pará. Idealmente, o desenvolvimento
de uma região deve gerar prosperidade às localidades do entorno, visando reduzir
desigualdades sociais. Para tanto, é necessário o concurso de diferentes atores, com
diferentes extensões de força. Há que se combinar o crescimento socioeconômico
das localidades ao uso ecorresponsável dos recursos, bem como incluir a valorização
do acervo natural e cultural que caracterizam a identidade da região. Este artigo foi
desenvolvido a partir de uma pesquisa de caráter descritivo e os dados foram obtidos
mediante pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados do estudo indicam que,
embora tenha sido uma fonte recorrente de financiamento das atividades econômicas
regionais, o FNO, após 20 anos de sua implantação, não gerou patamares superiores
de desenvolvimento regional. No que tange ao uso sustentável dos recursos naturais,
mesmo após duas décadas de debate, observa-se que em uma das duas microrregiões
estudadas, a sustentabilidade ambiental manteve-se ruim. Na região de maior volume
de empréstimos, o desenvolvimento sustentável alcançou apenas o nível médio.
Podemos verificar que não será em uma geração que o progresso econômico e social
será alcançado na região, o que é compreensível face às disparidades históricas do
desenvolvimento regional brasileiro e desigualdades sociais.
Palavras-chave: Fundo Constitucional do Norte. Desenvolvimento Regional. Desenvolvimento Sustentável.
Abstract
This article aims to discuss the contribution o the North Constitutional Fund (NCF)
to the regional development of the area of Belém do Pará. Ideally, the economic
development of a region must generate progress to its surrounding cities, aiming to
reduce social inequalities. To accomplish this, it is necessary to associate different
actors with different strength extensions, combining socioeconomic growth to the
sustainable usage of natural resources, as well as value the natural and cultural assets
that characterize the identity of the region. This article was developed based on a
descriptive research, using documentary and bibliographic data collection techniques.
The results pointed out that, despite the fact that the NCF has been the main source
for funding economic activities in the region, twenty years after its implementation, its
resources have not been sufficient to generate higher levels of regional development. In
relation to the sustainable usage of natural resources, even after two decades of debate,
in one of the two micro regions studied environmental sustainability remained at a low
level of development. In the region of higher loan volume, sustainable development has
reached only an average level. Therefore, it is possible to conclude that in the Northern
region, particularly the region researched for this study, the aimed economic and social
progress will not be reached during the period of one generation due to the historical
Brazilian regional development disparities and social inequalities.
Keywords: North Constitutional Fund. Regional Development. Sustainable Development.
Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional na Universidade de Taubaté (UNITAU-SP).
E-mail: [email protected].
Pós-Doutora em Gestão da Inovação Tecnológica e Economia da Inovação (ITA, São José dos Campos).
Professora-pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Municipal de
São Caetano do Sul. E-mail: [email protected].
3
Doutora em Ciências Sociais (PUC-SP). Coordenadora e Pesquisadora no Programa de Pós-graduação em
Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 104 - 125, jul./dez. 2012
105
Introdução
Desde o Congresso Mundial sobre o Meio
Ambiente, ocorrido no Rio de Janeiro em 1992,
a região Amazônica tem canalizado a atenção
da mídia global pela sua biodiversidade, única
no mundo, bem como pelas riquezas minerais
conhecidas e, mais recentemente, pela debatida
influência da Floresta Amazônica no equilíbrio
climático do Planeta.
Em meio ao debate sobre a sustentabilidade
planetária, teorias convergem para a preservação de
biosferas relevantes ao clima para o desenvolvimento
sustentável, economia solidária e do trabalho coope­
rativo, zoneamento territorial, desenvolvimento local
e reservas ambientais. Em suma, os debates ali­
nham-se em torno da necessidade de preservação
do espaço socioambiental. Contraditoriamente, as
políticas de desenvolvimento criadas para a Amazônia
são, quase sempre, planejadas a partir do objetivo
econômico, não refletindo, necessariamente, os as­
pectos conclamados sobre a relação entre o de­
senvolvimento social sustentado, com preservação
das características do meio ambiente.
O fator econômico tem sido determinante.
Em função dele, as ações de desenvolvimento
locais são planejadas na expectativa de que os
reflexos sociais, como o progresso social, sejam
decorrências naturais inexoráveis. Embora o pro­
cesso de industrialização seja um mecanismo
eficiente de geração de riquezas, ele é, ao mesmo
tempo, um meio eficaz de exaustão de recursos
naturais e de degradação ambiental, tanto mais
frágeis sejam os controles sobre as atividades e,
nem sempre, o processo é inclusivo ou democrático.
As disparidades regionais são cada vez mais
evidentes no Brasil, na medida em que são objetos
de discussão e pesquisa, são justificadas pela
ausência de planejamento por parte dos estados
ou regiões e de políticas de incentivo ou fomento
ao empreendedor a partir de suas especificidades
e potencialidades produtivas. Os fundos de
fomentos, como os gerenciados em países da
Europa, são recursos de suma importância para
incentivar o crescimento econômico com foco no
desenvolvimento local, especialmente em regiões
periféricas, em razão da ausência ou insuficiência
106
de recursos próprios do pequeno e médio
empreendedor.
Essa leitura da situação estabelece o ques­
tionamento que este artigo ambiciona debater: os
Fundos Constitucionais, criados no Brasil, como o
Fundo Constitucional do Norte (FNO), contribuem
para minimizar os gargalos do desenvolvimento
local? A resposta a essa questão exige análise
dos recursos concedidos vis-à-vis aos resultados
obtidos pela atividade empreendedora local, be­
neficiada pelo acesso aos recursos financeitos do
FNO, expressos nos dados socioeconômicos das
localidades.
O objetivo deste artigo é discutir a con­
tribuição do Fundo Constitucional do Norte como
mediador do desenvolvimento regional, tomando
por referência a análise dos recursos concedidos,
ao longo de 20 anos de operação do Fundo, na
mesorregião de Belém do Pará.
1
Revisão da Literatura
O referencial teórico apresentado reflete a
síntese dos autores pesquisados que, embora não
se tenha pretendido exaurir as opções de debate,
oferece uma perspectiva contemporânea sobre
a questão do desenvolvimento local e regional,
bem como a triangulação desses dois níveis de
desenvolvimento com a questão da sustentabilidade
socioambiental, entendida, neste texto, como uma
forma de se buscar o desenvolvimento sustentável,
envolvendo as dimensões econômica, social e
ambiental propostas por Elkington (2001).
1.1 Desenvolvimento Local
Sen (2000) evidencia o desenvolvimento
como um ganho de cidadania à medida que haja
crescimento econômico, permitindo ao indivíduo
experimentar, e exercer, um conjunto de liberdades
substantivas e instrumentais, o qual o autor
categoriza e explica como: 1) liberdades políticas;
2) facilidades econômicas; 3) oportunidades so­
ciais; 4) garantias de transparência; e 5) segurança
protetora. A existência desse conjunto de liber­
dades propicia um aumento da autonomia e
capacidade de escolha dos indivíduos.
Segundo Sen (2000), o desenvolvimento
é gerador de liberdade humana e não pode
ser identificado meramente a partir dos dados
quantitativos acerca dos aspectos econômicos. Para
o autor, o desenvolvimento requer remoção das
O desenvolvimento
local vai muito além de
questões econômicas, ele
precisa estar associado ao
bem-estar da sociedade,
com sua realidade e
possibilidade de um
futuro melhor.
principais fontes de privação de liberdade: pobreza
e tirania, carência de oportunidades econômicas e
destituição social sistemática, negligência dos serviços
públicos e intolerância ou interferência excessiva de
Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18).
Sen (2000) evidencia a íntima relação entre
desenvolvimento e liberdade, observando que a
pobreza e a carência de oportunidades econômicas
se dão, também, pela falta de planejamento local,
que gera dependência em relação aos outros
espaços produtivos, impossibilitando a melhoria de
qualidade de vida pela geração de emprego e renda.
Para Santos (2005), a complexidade territo­
rial e urbana do Brasil aprofunda as diferenças
entre suas regiões, o que contribui para que ocorra
um desenvolvimento desigual, com oportunidades
desiguais de crescimento.
Sen (2000) e Santos (2005) comungam
que o desenvolvimento, pelo qual passam tanto
A complexidade territorial
e urbana do Brasil
aprofunda as diferenças
entre suas regiões, o que
contribui para que ocorra
um desenvolvimento
desigual, com
oportunidades desiguais
de crescimento.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
o espaço urbano quanto o rural, não pode
negligenciar as necessidades sociais locais com
a supremacia dos aspectos econômicos. O
desenvolvimento local vai muito além de ques­
tões econômicas, ele precisa estar associado
ao bem-estar da sociedade, com sua realidade
e possibilidade de um futuro melhor; o que para
Santos (2005, p. 130) “é formado pelo conjunto
de oportunidades e vontades”, complementando
que “alcançar intelectualmente o futuro não é
questão estatística, nem simples arranjo de dados
empíricos, mas questão de método.” O Plano de
Desenvolvimento Local oferece o método.
Dowbor (2008) destaca a necessidade de
uma Política Nacional de Apoio ao Desenvolvi­
mento Local, que deve ser inovadora e capaz de
induzir o desenvolvimento nacional a partir do
território, devendo ser assumida pela União, pelos
Estados e Municípios, sem viés centralizador,
dis­pensando grandes orçamentos e estruturas
burocráticas.
No desenvolvimento local planejado, a
mudança se efetiva no decorrer do tempo e na
razão direta do envolvimento dos atores locais e
regionais. E esse processo não pode ser pensado
fora das necessidades locais e dos atores sociais,
privilegiando apenas o interesse econômico.
Ele deve inserir a dimensão social presente na
localidade e promover a interação entre economia
e sociedade que, gradualmente, estabeleça o
progresso social almejado. Contudo, a lógica
que envolve os estudos sobre desenvolvimento
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
107
planejado, no que diz respeito à região amazônica,
carece de um grande número de particularizações
e esclarecimentos.
Ab’Saber (1989, p. 5) considera que qualquer
estudo sobre a Amazônia exige o entendimento
amplo e integrado do “complexo natural da região,
incluindo o conhecimento da natureza dos seus
contrastes internos. Envolve uma metodologia
ecodesenvolvimentista para as questões básicas
de utilização dos espaços físicos e ecológicos”,
o que inclui o debate sobre a preservação dos
espaços e recursos naturais.
Segundo Ab’Saber (1989), é preciso conhecer
a região amazônica para então descrevê-la, bem
como o seu curso provável de desenvolvimento.
Ainda para o autor (1989, p. 5), para compreender
a região, ao nível propositivo, deve ser feito um
“cruzamento dos conhecimentos sobre os fatos
fisiográficos e ecológicos com os fatos da conjuntura
econômica, demográfica e social da região”. Um
pouco mais além desse conjunto de informações,
é necessário avaliar “o papel que as cidades e a
rede urbana preexistente podem desempenhar nos
processos de desenvolvimento incentivado”.
Para o pequeno e médio empreendedor
do setor primário da economia, é importante a
adoção de uma política de desenvolvimento que
oportunize o seu acesso aos diversos mecanismos
de apoio, a exemplo do que ocorre com as em­
presas de grande porte, inclusive os grandes
produtores rurais. Esses, segundo Dowbor (2008),
conseguem apoio financeiro não somente para
atividade principal, a de produção, mas também
a abertura de mercados no exterior, fomento
para a renovação da tecnologia utilizada. Para os
pequenos produtores, “existem iniciativas pontuais,
mas nada que possa se comparar, nada que possa
ser qualificado, efetivamente, como uma verdadeira
política nacional de apoio ao desenvolvimento
local” (DOWBOR, 2008, p. 7).
Pensar o desenvolvimento local é criar
condições para que as organizações empresariais,
de qualquer porte, possam fortalecer e competir
no mercado e, assim, contribuir para o crescimento
108
social. Todavia, os mecanismos de apoio citados
estão, principalmente, disponíveis às grandes or­
ganizações. Portanto, um efeito desencadeado do
apoio concedido às grandes empresas, deveria pri­
vilegiar o estabelecimento de parcerias, com pe­
quenos e médios empreendedores locais, crian­do
um efeito de espiral do desenvolvimento. A parceria
entre as organizações e os atores locais contribui
para o crescimento da atividade produtiva e da
economia local, haja vista o desenvolvimento de uma
região ser possível a partir da adoção de uma política
participativa de desenvolvimento local planejada.
De acordo com Dowbor (2008), os entraves
ao desenvolvimento local no País apontam para a
solução dos seguintes problemas: financiamento
e comercialização; tecnologia; desenvolvimento
institucional; informação; comunicação; educação
e capacitação; trabalho, emprego e renda; e sus­
tentabilidade ambiental. Além desses, os efeitos
derivados dos fomentos poderiam ser melhor ava­
liados se houvesse uma base de dados consistente
sobre a aplicação dos recursos. Ao longo deste
artigo, será possível constatar que a precária, e
difusa, oferta de dados é, em si, um grande obstáculo
à avaliação dos benefícios dos fundos de fomento.
O desenvolvimento corresponde às ações
centradas na oferta de serviços e na garantia
de direitos humanos básicos para as pessoas,
na distribuição democrática dos benefícios do
progresso técnico, científico, econômico e financeiro,
cuja participação ativa das pessoas é um elemento
essencial para a construção do progresso social.
O desenvolvimento resulta da governabilidade
democrática e participativa (VIDAL, 2007).
Pensar em desenvolvimento regional significa
lidar com a diversidade territorial, estabelecer
estratégias de envolvimento dos atores que produzem
essa diversidade. Assim, o desenvolvimento regi­
onal demandaria, a priori, a formação de lideranças
comunitárias locais, com capacidade para com­
preender e discutir os principais aspectos da
temática do desenvolvimento sustentável (ARRAIS,
2007). O desenvolvimento fomenta novas forças
produtivas e a instauração de novas relações de
produção, promovendo um processo sustentável de
Um projeto de
desenvolvimento é
intrinsecamente um projeto
pela paz, uma vez que
o desenvolvimento se
estabelece sobre os vários
níveis da sociedade, visando
reduzir os contrastes locais
entre pobreza absoluta e
riqueza absoluta.
crescimento econômico que preserve a natureza
e redistribua os frutos do crescimento aos que se
encontram marginalizados da produção social e da
fruição dos resultados dessa produção (SINGER,
2004). O desenvolvimento local não pode ser
mais uma ação do Estado sobre uma dada região
sem que haja o engajamento dos diversos atores
da sociedade. Muito menos é concebível a adoção
de modelos que privilegiem apenas o crescimento
econômico e a acumulação de riquezas, de modo
concentrado (FURTADO, 2008).
Um projeto de desenvolvimento é intrin­
secamente um projeto pela paz, uma vez que o
desenvolvimento se estabelece sobre os vários
níveis da sociedade, visando reduzir os contrastes
locais entre pobreza absoluta e riqueza absoluta. O
que abriga, especialmente nas periferias, um esforço
de estabelecer relações produtivas pautadas pelo
respeito à cidadania e ao desenvolvimento pleno
dos indivíduos e da sociedade local.
O desenvolvimento local resulta dos
investimentos feitos tanto pelos agentes públicos
quanto pelos agentes privados, sendo que esses
últimos desempenham um papel efetivo na
distribuição das riquezas geradas pelo trabalho.
Esse efeito gerador de riquezas pode ser observado
em diversos países, nos quais foram adotadas
políticas de desenvolvimento local, pautadas por
intensos investimentos na produção industrial.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O caso chinês é emblemático. Orientado para
o crescimento econômico, baseado na formação
de indústrias, o governo chinês criou a Zona
Econômica Especial (ZEE), responsável pela difusão
de tecnologia e capacitação organizacional, o que
conferiu ao país capacidade para desenvolvimento
tecnológico local. Posteriormente, em razão da
formação das bases para crescente autonomia
tecnológica, a ZEE foi transformada em Zona de
Desenvolvimento Tecnológico (ETDZ), que esti­
mulou a entrada de investimentos estrangeiros e
promoveu o crescimento industrial. O território
chinês dividiu-se em três grandes regiões: a cos­
teira, que acolheria o modelo industrial; a central,
responsável pela produção agrícola e energética; e
a oeste, responsável pela produção pecuária e de
mineração. Em todas elas, buscou-se fomentar a
capacidade de produção (CEDEPLAR, 2010).
A utilização dos espaços geográficos para
fins economicamente planejados, sua ocupação e
exploração, além da criação de infraestrutura para o
escoamento da produção, são fatores importantes
para que o desenvolvimento regional ocorra. A
integração regional favorece e cria oportunidades
de abertura de novos mercados. Além disso, a
reorganização econômica mundial tem exigido
dos Estados a adoção de medidas políticas que
estimulem o desenvolvimento regional, com a
indução das localidades de entorno à formação
A utilização dos espaços
geográficos para fins
economicamente
planejados, sua ocupação e
exploração, além da criação
de infraestrutura para o
escoamento da produção,
são fatores importantes
para que o desenvolvimento
regional ocorra.
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
109
de competências complementares, formando o
ciclo virtuoso do progresso, expandindo-se sobre
o nível da atividade econômica local e regional.
O desenvolvimento regional deve apro­
priar-se dos aspectos valiosos da configuração
geopo­
lítica nacional. Pré-condições do desen­
volvimento, como instalação de infraestrutura
viária, portuária, de comunicação, oferta de energia,
devem ser providas como parte de um processo de
desenvolvimento integrado, visando o escoamento
da produção industrial e acesso ao comércio e aos
serviços, públicos e privados, oferecidos na região.
Observa-se que as políticas de desen­
volvi­
mento regional, pautadas na atividade in­
dus­trial,
quando acompanhados de iniciativas educacionais,
sobretudo com a oferta de mão de obra tecnicamente
qualificada, são indutoras de crescimento econômico
e, por consequência, de progresso técnico e, ao
longo do tempo, tecnológico.
Nas relações cooperativas, i.e, quando há
coordenação entre o Governo, as Instituições
de Ensino Superior (IES) e as empresas locais, o
progresso alcançado tem o conhecimento técnico e
tecno­lógico na sua base. Essa forma de aliança tem
se revelado um forte indutor de desenvolvimento
nas localidades, muitas das quais lograram atingir
reconhecimento como um polo econômico relevan­
te ao setor desenvolvido. Tem-se como certo que
o mesmo tipo de parceria é um recurso positivo
também na atividade primária.
Pesquisa apresentada por Santos et al. (2009)
descreveu a formação do aglomerado econômico
em torno do Instituto Nacional de Telecomunicações
(Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, sul de Minas,
cujas origens remontam a instalação da Escola
Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa,
em 1959. Desde seu início, a escola ofereceu mão de
obra qualificada para o setor de serviços e para o
empreendedorismo local. Vários técnicos formados
abriram o seu pequeno negócio e prosperaram
em um ambiente cooperativo, criando as bases
dos Sistemas Locais de Produção compreendidos,
principalmente, pela indústria de bens e serviços
na área de Telecomunicações e Tecnologia da
Informação, o que trouxe reconhecimento à região
designada como o Vale da Eletrônica.
110
Outro estudo, conduzido por Santos e
Amato Neto (2009), revelou a inversão do perfil da
sociedade — de rural para urbana — gradualmente
ocorrida na cidade São José dos Campos, a
partir da instalação do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica, nos anos 1950, por decorrência
da instalação das primeiras empresas de base
tecnológica da região.
Naturalmente, é importante relativizar os
exemplos citados em razão de fatores geográficos.
No caso de Santa Rita do Sapucaí, a distância dos
centros econômicos foi um fator de propulsão
da atividade no setor técnico e tecnológico
para a gradual mudança do perfil econômico da
cidade. Ao contrário de São José dos Campos,
que a proximidade com os centros econômicos
já estabelecidos nos arredores da capital paulista
permitiu à cidade apropriar-se do transbordamento
industrial, sendo essa proximidade um fator de
atratividade para a chegada das indústrias.
Contudo, é fato que o apoio governamental,
associado à instalação de escolas ou centros de
formação de mão de obra qualificada e a existência
de atividades industriais, em um processo coor­
denado, conduz a algum tipo de crescimento e
gera, ao longo do tempo, desenvolvimento so­
cioeconômico. Das experiências mundiais recen­
tes, infere-se que o desenvolvimento regional é
uma função derivada da ação coordenada entre
diferentes agentes que visam estabelecer progresso
socioeconômico, orientado para uso intensivo das
competências regionais.
1.2Modelo Brasileiro de Desenvolvimento
Local e Regional
A intensa competição entre países é um
aspecto relevante nos modelos de desenvolvimento
estudados. Em comum com a China, Espanha,
França e Estados Unidos, o Brasil apresenta grande
diversidade regional, embora essa diversidade
esteja sujeita a polarizações críticas na geração e
distribuição de renda resultantes da concentração da
atividade econômica pautada pelo modelo industrial,
e pela desconsideração das potencialidades re­
gi­
onais periféricas de desenvolvimento com cres­
cimento econômico e social, em outros setores
econômicos de produção limpa.
O governo brasileiro criou na Constituição
Federal de 1988 os Fundos Constitucionais do
Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), com o objetivo de possibilitar o
desenvolvimento regional. Os recursos desses
Fundos Constitucionais são oriundos de 0,6%
do produto da arrecadação do imposto sobre
a renda e proventos de qualquer natureza, e do
imposto sobre produtos industrializados. Eles
são destinados ao financiamento de atividades
econômicas, de modo a proporcionar o cres­
ci­
mento econômico com desenvolvimento.
De modo análogo aos programas de
desenvolvimento regional dos países supracitados,
o Fundo Constitucional do Norte (FNO), objeto
desta pesquisa, destina-se ao desenvolvimento
do Norte do País, com a ampliação das atividades
econômicas, geração de emprego e renda, inserção
de novos produtos e melhoria de qualidade de
vida da população.
O modelo de desenvolvimento regional
no Brasil foi fortemente apoiado em políticas de
inves­timento em ações de caráter assistencialista.
Com isso, ao longo das décadas, essa abordagem
tem reforçado as desigualdades regionais, econô­
micas e sociais (IANNI, 2004), ao mesmo tempo
em que contribui para a concentração de riqueza
e crescimento industrial nas áreas de interesse
político, não necessariamente econômico ou social.
De acordo com Bandeira (2004), o modelo
de desenvolvimento regional até então adotado
começou a sofrer desgaste em função dos re­
sultados insatisfatórios. Alternativas vêm sendo
geradas no campo das políticas regionais, no
sentido de promover a competitividade por meio
da mobilização do potencial endógeno das áreas
menos desenvolvidas.
O Programa de Desenvolvimento Integrado
e Sustentável de Mesorregiões Diferenciadas, do
Ministério da Integração, por exemplo, propõe um
modelo de desenvolvimento pautado nos atores
locais. Assim, o modelo de desenvolvimento regi­
onal, ao considerar as bases sociais, possibilita
Rev.
FA E ,
C uritiba,
estabelecer um Plano de Desenvolvimento Local
que efetivamente promova o seu crescimento com
a valorização de suas peculiaridades e do modo de
vida e ao espaço regional (DINIZ; LEMOS, 2005). As
condições locais devem ser determinantes para o
planejamento regional e precisam ser consideradas,
de modo que os objetivos estabelecidos nas
localidades sejam alcançados. Uma vez alcançados
esses objetivos, a capacidade local de empreender
deve ser geradora de novos conhecimentos, o que,
na soma do esforço das localidades envolvidas,
tornará a região mais produtiva, inovadora, com
condições de ser competitiva interna e exter­
namente sem, contudo, colocar em risco os recur­
sos e o ambiente natural de cada uma.
1.3 Sustentabilidade
Há uma estreita relação entre o desen­
volvimento regional e a sustentabilidade ambi­
ental, tornando-se necessário que as discussões
sejam permeadas por ambos os temas em razão
do alto custo social envolvido quando as ações
relacionadas ao desenvolvimento regional são
desconectadas de suas consequências sobre o
ambiente natural.
Almeida (2007, p. 129) explica que “a
verdadeira sustentabilidade é subversiva. Sub­
verte a ordem estabelecida ao sacudir con­ceitos
arraigados, redefinir hierarquias e trazer para frente
do palco temas e personagens antes relegados
aos bastidores.” O autor ainda acrescenta que a
“liberalização do comércio e as privatizações do
setor de infraestrutura nas últimas décadas do
século XX transferiram uma gigantesca parcela do
poder político, econômico e estratégico do Estado
para as empresas”, quase que estabelecendo uma
nova forma de governança em um “mundo de
poder tripolar” regido pelo governo, empresas e
sociedade civil organizada.
Um movimento inverso articula-se por
meio das empresas e do Estado, especialmente
nas regiões mais pobres do mundo, em liberar a
explo­ração de suas riquezas regionais em favor de
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
111
grandes grupos empresariais, sem adequada ên­fa­
se ao desenvolvimento das sociedades locais, o que
contribui para o acirramento das diferenças regio­
nais. Uma ação socialmente inclusiva é imprescin­­
dível para a recuperação das potencialidades
regionais que, em geral, são exploradas até o quase
esgotamento de suas riquezas. Trata-se de uma
equa­ção difícil de ser resolvida.
Sachs (1993, p. 35) afirma que o “crescimento
quantitativo ilimitado da produção material não
pode ser sustentado para sempre dada a finitude
da espaçonave Terra”. Portanto, se efetivamente
desejarmos evitar o “inevitável esgotamento do
‘capital natural’, tanto como fonte de recursos
como sumidouro de resíduos, o processamento de
energia e de materiais deverá ser reduzido”.
Uma combinação de esforços acom­
panhada de um projeto de futuro, que insira
a sociedade local na sua elaboração, poderá
resultar em ações de desenvolvimento e cres­ci­
mento econômico-social que respeitem a trans­
parência dos resultados, mantendo um plano de
intervenção ambiental acionável sempre que a
sustentabilidade ambiental esteja em risco.
Casaroto Filho e Pires (2001, p. 20) ava­
li­am que a economia mundial aponta para
­
três gran­
des vetores: “a globalização, [...]; a
regionalização, [...] e a descentralização, pois
cada região necessita de flexibilidade para
arranjar seus fatores e tor­nar-se competitiva”.
A integração dos mercados globais tem contribuído para uma nova delimitação dos territórios.
A capacidade produtiva e a especialização regional,
combinada com uma política de descentralização,
gerariam conhecimento especializado e, em grau
compatível com a sua especialização, as capaci­
dades regionais geradoras de vantagens competitivas sustentáveis.
Casaroto Filho e Pires (2001) citam o caso
da região de Emília Romagna, na Itália, como
modelo de desenvolvimento regional. Nesse caso,
as pequenas empresas da região associaram-se
para beneficiar-se da escala da marca regional, da
produção e de tecnologia, da escala da logística
e da vocação da região para serem competitivas
e lograr sucesso. Ainda que comparações nem
112
sempre sejam perfeitamente alinháveis, o fato
é que a região italiana de Emilia Romagna
oferece aos países na linha do desenvolvimento
uma perspectiva de que é possível atingir o
desenvolvimento de uma região de modo
integrado. E, com isso, oferecer à sociedade
um efetivo aumento na geração de empregos
e na renda, melhoria na qualidade de vida e
sustentabilidade das localidades envolvidas.
Um dos maiores desafios dos países da
América Latina é lidar com a intensa desigualdade
social e deterioração do meio ambiente, que
concentra parte substancial da renda em dez das
famílias mais ricas. No Brasil, a situação parece
ser mais crítica, pois a renda per capita dos 10%
mais ricos é, pelo menos, 32 vezes mais elevada
do que a renda de 40% dos mais pobres. A menor
diferença de renda entre classes latino-americanas
estão no Uruguai e na Costa Rica, países nos quais,
no mesmo grupo de análise, a diferença é de,
respectivamente, 8,8 e 12,6 vezes a renda dos 40%
mais pobres (DOWBOR, 2007).
A partir das questões levantadas, infere-se
que o caso brasileiro requer uma atenção especial.
O Brasil ainda apresenta uma forte concentração
de renda em poder de uma pequena parcela da
população, caracterizando desigualdades sociais
com efeitos, também, na degradação ambiental,
uma vez que essa riqueza resulta da exploração
dos bens naturais. Esse é o caso bastante peculiar
da região amazônica e de todo o norte do País.
1.4 A Região Amazônica
A região norte do Brasil compreende
uma área de quase 3,87 milhões de quilômetros
quadrados, com 8,3% da população brasileira — ou
em torno de 15,9 milhões de habitantes —, e apre­
senta densidade demográfica de 3,77 habitantes/
km2 (IBGE, 2010). Essa região é formada pelos
estados do Pará, Acre, Amazonas, Rondônia,
Roraima, Amapá e Tocantins, e, historicamente,
passou por várias políticas de indução do cres­
cimento, mas que nem sempre promoveram o
desenvolvimento.
De acordo com os estudos de Buarque,
Lopes e Rosa (1995), até o final da década de
1960, o comportamento econômico e espacial
da região Norte acompanhou as diferentes flu­
tuações do ciclo da borracha, principal fator da
dinamização e atração populacional.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a re­
gi­
ão experimentou o último estágio da expan­
são cíclica do látex e da borracha, voltada
fundamentalmente para a exportação aos paí­
ses aliados. O ciclo da borracha se esgotou
definitivamente ao final da Guerra, depois de
reanimação decorrente do conflito pelo controle
estratégico da produção mundial do látex. A
economia regional sofreu uma prolongada esta­
gnação e relativo isolamento econômico, em
consequência da reorganização do mercado
internacional do látex, marcada pela concorrência
dos países asiáticos e pela mudança tecnológica
tida com o desenvolvimento de substitutos da
borracha natural. Apesar da expansão geral da
demanda, decorrente do desenvolvimento da in­
dústria automobilística mundial, a Amazônia não
teve condições tecnológicas e locacionais para
acompanhar a concorrência.
As diferentes frentes de ocupação eco­
nômica e humana da região Norte tinham duas
motivações: a) interesse geopolítico de controle
e domínio nacional das extensas fronteiras e das
riquezas regionais; e b) atratividade e potencial
econômico dos recursos naturais. Essas seriam as
justificativas para o governo brasileiro empreender
a ocupação do território amazônico, com interesse
especial na proteção, e exploração nacional, dos
recursos naturais.
Em relação à ocupação e à exploração da
região amazônica nas décadas de 1950 a 1980,
Buarque, Lopes e Rosa (1995) afirmam que a
intervenção pública estruturada e abrangente na
região amazônica se iniciou, efetivamente, no final
do primeiro governo de Vargas. A região ganhou
um corpo institucional e formal após a Segunda
Guerra Mundial, com a Constituição de 1945, que
definiu o Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), correspondente a 3% das
Rev.
FA E ,
C uritiba,
rendas tributárias da União, estados e municípios,
para ser investidos na região.
Com a Constituição Brasileira de 1953, foi
criada a SPVEA, órgão de desenvolvimento regional
anterior à Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste. Contudo, os instrumentos e políticas
instaladas pela SPVEA foram modestos para a
dimensão do espaço amazônico e os mecanismos
constitucionais não funcionaram conforme o pre­
visto. A construção das rodovias Belém-Brasília
e Acre-Brasília propiciou um enlace da região,
contornando a hileia Amazônia oriental com o
centro da economia brasileira. A combinação
das teses geopolíticas com a proposta desen­
volvimentista dos militares conferiu à Amazônia
destaque muito especial: a ocupação do território
nacional e o aproveitamento das grandes riquezas
concentradas nas vastas extensões do espaço
regional amazônico.
Na virada da década de 1960 foram criados
os instrumentos de implantação da Zona Franca de
Manaus e ampliados, para a região, os mecanismos
e incentivos fiscais e financeiros já existentes no
Nordeste. Surgiu, então, a Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), da re­
de­finição do Plano de Valorização Econômica
da Amazônia (SPVEA), e foi criado o Banco
da Amazônia S.A. (Basa), ambos baseados na
experiência do Nordeste brasileiro, e que passaram
a gerenciar os incentivos fiscais e financeiros, mais
tarde, inseridos no Fundo de Investimento da
Amazônia (Finam).
No início da década de 1970, foi criado
o Programa de Integração Nacional (PIN), do
qual derivou o primeiro programa de crédito
formalmente conduzido pelo governo, o Programa
de Redistribuição de Terras e Agroindústria do
Norte (Proterra). Esse programa tinha o objetivo
de facilitar a compra da terra e, assim, melhorar
as condições de trabalho rural e incentivar a
agroindústria na Amazônia e no Nordeste, tor­
nando possível redimensionar a estratégia de
desenvolvimento regional, como meio de correção
da pobreza. Contudo, os resultados obtidos não
foram expressivos (MAHAR, 1978).
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
113
Entre 1975 e 1987, o governo criou o Pro­
grama de Polos Agropecuários e Agrominerais da
Amazônia (Polamazônia), investindo em infraes­
trutura básica para 15 polos de crescimento e para
a integração do Norte às demais regiões do Brasil,
com a abertura de rodovias. No entanto, mais uma
vez, os resultados alcançados foram frustrados,
em razão dos conflitos agrários e ambientais que
ainda marcam a região.
8,75% a 14% ao ano, para as operações relativas
aos setores industrial, agroindustrial, turístico, de
infraestrutura, comercial e de serviços. Essas taxas
de juros são reduzidas em 15%, como um bônus
de adimplência, para pagamentos até a data do
respectivo vencimento. O prazo dos empréstimos
é de até 12 anos, incluindo três anos de carência.
Trata-se, portanto, de uma importante fonte de
fomento, gerida pelo Banco da Amazônia S.A.
A partir de 1980, a região recebeu novos
investimentos para grandes projetos, espe­
cial­
mente na área da mineração, como o Programa
Grande Carajás (PGC), que demandou a cons­
trução de obras de infraestrutura para sua
implantação, o que causou sérios problemas de
ordem social e ambiental.
A associação entre os financiamentos
contratados e os indicadores socioeconômicos
poderá oferecer indícios acerca do progresso
social e econômico nas localidades investigadas.
Buarque, Lopes e Rosa (1995) consideram
que o Programa de Integração Nacional (PIN) e
o Polamazônia criaram as bases para redefinição
do espaço regional. Em grande medida, a
integração fragmentada da região Norte resultou
dos investimentos realizados, diferenciando a
ocupação regional, criando os grandes eixos de
crescimento. De acordo com Varela (2001), os
investimentos diretos realizados pelo governo e
os induzidos pela iniciativa privada possibilitaram
crescimento horizontal da economia regional.
Esse crescimento não foi acompanhado de um
desenvolvimento com oferta de emprego, renda
e equidade social, tampouco possibilitou a região
a tornar-se competitiva com relação às demais.
Permaneceram, assim, as disparidades existentes.
Finalmente, a Constituição Federal de
1988 instituiria os Fundos Constitucionais de Fi­
nan­
ciamento do Norte (FNO), Centro-Oeste
(FCO) e Nordeste (FNE) para fomento das micro,
pequenas, médias e grandes empresas que
empreendam atividades nos setores mineral, in­
dustrial, agroindustrial, turístico, de infraestrutura,
comercial e de serviços, nos estados da região
Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia,
Roraima e Tocantins.
O FNO oferece crédito a taxas de juros
que variam, em função do porte do mutuário, de
114
1.5 Modelos de Desenvolvimento Local
A ideia da criação de indicadores de
sustentabilidade surgiu no evento denominado Eco
92. A proposta era definir padrões sustentáveis de
desenvolvimento e indicadores que permitissem
analisar as várias dimensões da sustentabilidade,
ou seja, ambiental, econômica, social, ética e
cultural (CAMPOS; RIBEIRO; SOUZA, 2008).
O QUADRO 1 apresenta uma síntese dos
modelos de análise de sustentabilidade.
QUADRO 1 — Síntese dos modelos de sustentabilidade
Índice / Dimensões / Indicadores
Dificuldades / Limitações
Aplicação
Pegada Ecológica
Utiliza vários tipos de espaços (áreas
construídas, agrícola, pastagens,
oceanos, florestas) e de consumo,
como energia, habitação, bens e
serviços, alimentação, transporte.
Os dados utilizados nem sempre
estão disponíveis em bancos de
dados, especialmente em estudos de
localidades.
Estudos do impacto do homem sobre
o meio ambiente. Tem sido usado
em teste de simulação de Pegada
Humana.
Índice de Sustentabilidade
Ambiental — ESI
Difícil de aplicar. Exige enorme
quantidade de dados primários para
que sejam obtidas as variáveis e os
indicadores.
É um índice robusto e laborioso de
calcular. Difícil interpretação.
Utiliza o critério de energia e um
fator de conversão chamado de
transformidade. Demanda muitos
cálculos e os dados nem sempre são
disponíveis.
Em estudos sobre uso de energia e
impactos ambientais, para produção
agrícola. Considerado de difícil
interpretação.
Pouco conhecido, limita-se a três
dimensões, embora considere
indicadores como IDH.
Atende ao planejamento de políticas
públicas. Tido como de difícil análise.
Embora global, possui limitações de
uso em localidades que não possuem
Banco de Dados Socioeconômicos.
Políticas públicas e planos de
responsabilidade socioambiental.
Permite a análise completa das
dimensões e indicadores, inclusive os
tratados pelo IDH.
Os dados são disponíveis junto aos
órgãos de pesquisa, porém, em longos
intervalos de tempo.
Em estudos de planejamento de
políticas públicas e privadas. Uso
global. Fácil aplicação e análise.
Congrega quatro componentes; 21
indicadores e 76 variáveis.
lndicadores de Desempenho
Energético — EMPis
Para ser calculado leva em os aspectos
considerados na produção: energia,
matéria, dinheiro e informação.
Índice de Desenvolvimento
Sustentável — ISD
Usa as dimensões social, econômica e
ecológica, calculadas por seis índices
globais.
Dashboard
Usa quatro dimensões (econômica,
social, ambiental e institucional) e 57
indicadores.
Índice de Desenvolvimento Humano
— IDH
Analisa três aspectos: educação,
renda e longevidade.
FONTE: Adaptado de WWF (2010); Dias (2002); Campos (2008); Zgurovsky (2007); Siche et al. (2007) Benetti (2006); Fukuda-Parr et al.
(2000, apud SCARPIN, 2006); Environmental Sustainability Index: Benchmarking National Environmental Stewardship (2005)
Pelas características descritas de cada
índice e ferramentas de análise mais utilizadas e
facilidade de acesso, a análise dos resultados será
complementada pelo uso do índice Dashboard,
disponível na rede mundial de computadores
como sistema livre, pelos motivos expostos no
tópico a seguir.
contratados do FNO, detalhadamente apurados
e, neste caso, concedidos no período de 1989 a
2008, logra-se obter conclusões amplas sobre
o fenômeno estudado que, aqui, refere-se ao
desenvolvimento regional.
Dada a natureza do objeto e do fenômeno
estudado, optou-se pelo tipo de pesquisa des­
critiva, uma vez que este tipo de pesquisa per­
2Metodologia
mite relacionar as características específicas de
uma determinada população ou fenômeno, e es­
O método de pesquisa aplicado a este
trabalho segue a lógica empírico-indutiva, uma
vez que, por meio do levantamento particular,
cujo objeto de estudo são os financiamentos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
ta­belecer as relações entre as variáveis que com­
põem o objeto de estudo.
Assim,
buscou-se
delinear
os
recortes
de análise por porte de empresas e atividade
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
115
econômica dos empreendimentos que contrataram
financiamentos do FNO, associando os indicadores
socioeconômicos dos municípios, estabelecendo
uma avaliação longitudinal, pelo período estudado
— de 1989 a 2008 —, o que permitiu descrever
os efeitos do Fundo Constitucional do Norte
no desenvolvimento social e econômico da
mesorregião estudada.
2.1 Problema de Pesquisa
Este estudo foi dirigido para obter resposta
ao seguinte problema de pesquisa: os fundos
constitucionais criados no Brasil, como o FNO,
contribuem para minimizar os gargalos do
desenvolvimento local?
Para responder ao problema de pesquisa,
foram analisados diversos relatórios de domínio
público acerca do FNO disponíveis no Banco da
Amazônia; e dados do Ministério da Integração
Nacional; do IBGE; da Conferência Nacional dos
Municípios (CNM); do IPEA e da Secretaria de
Planejamento Orçamento e Finanças (Sepof) do
Estado do Pará.
2.2 Tratamento dos Dados
Os dados foram analisados sob a ótica
histórico-documental, à luz dos fatos históricos.
Não houve interferência dos pesquisadores, uma
vez que o objetivo era o de analisar um fenômeno
(RICHARDSON, 2008; GODOI; BANDEIRA-DEMELO; SILVA, 2010).
Os dados obtidos dos municípios estudados
foram agrupados nas respectivas microrregiões que
compõem a mesorregião de Belém, no Pará. Assim
dispostos, no fito de tornarem-se informações
inteligíveis, os dados foram tratados com base
em fórmulas de cálculos simples, para obtenção
dos valores relativos aos montantes contratados
anualmente, e para o cálculo das variações de
índices socioeconômicos, em cada município e
116
cada região — municípios que compõem a região
de Belém e de Castanhal, possibilitando a análise
do resultado da mesorregião, de acordo com o
período estudado.
A análise do Índice de Sustentabilidade na
região foi baseada no Painel Dashboard, pois atende
as recomendações da ONU e do IBGE, e permite
avaliar as dimensões ambiental, social, econômica
e institucional. Foram utilizados 30 indicadores,
em razão da limitação de dados existentes dos
municípios que constituem a mesorregião de
Belém. Estudos anteriores, de outras regiões, como
de Benetti (2006) que utilizou 28 indicadores, e de
Campos (2008) que usou 31, validam esse intervalo
de indicadores como aceitável.
Foi pesquisada a evolução na contratação
do FNO por programas oferecidos e porte de
tomadores, considerando os pequenos, médios e
grandes empreendedores que receberam fomento
no período entre 1989 e 2008.
3
Resultados Obtidos
A mesorregião objeto de estudo está carac­
terizada pelos dados apresentados na TAB. 1,
que apresenta os municípios e seus respectivos
in­dicadores socioeconômicos.
TABELA 1 — Área, população e IDH dos municípios da mesorregião de Belém
Indice de Desenvolvimento Humano - IDH
Área
(Km2)
Crescimento Populacional
1980
1991
2000
2005
2007
Educação
2000
1991
2000
(a)
(b)
(a)
(b)
0,871
Ananindeua
185
var % b/a
65.878
88.151
393.569
482.171
0,913
484.278
5%
0,771
Barcarena
1310
20.015
45.946
63.268
74.120
0,870
84.566
13%
0,883
Belem
1065
933.280
1.244.689
1.280.641
1.405.871
0,928
1.408.847
5%
0,791
Marituba
103
0
0
74.429
97.254
0,880
93.416
11%
0,761
S. Barbara
278
0
0
11.378
13.018
0,847
13.730
11%
0,782
Benevides
188
22.315
68.465
35.546
44.216
0,875
43.272
12%
0,615
Bujarú
1005
25.992
14.117
21.032
25.364
0,761
22.485
24%
0,768
Castanhal
1029
65.246
102.071
134.496
154.811
0,854
152.144
11%
0,750
Sta. Izabel
718
24.044
33.329
43.227
50.543
0,855
51.762
14%
0,684
Sto. Antonio
538
11.460
17.128
19.835
21.531
0,831
24.814
21%
0,629
Inhangapi
471
7.333
6.668
7.681
8.316
Longevidade
1991
0,757
9.592
20%
0,683
15%
0,709
13%
0,710
7%
0,612
11%
0,604
10%
0,575
15%
0,673
9%
0,652
17%
0,652
12%
0,600
22%
0,696
5%
Renda
1991 (a)
Municipal
2000
1991
2000
(b)
(a)
(b)
0,645
0,647
0,767
0%
0,606
0,635
0,800
5%
0,708
0,732
0,758
3%
0,544
0,581
0,679
7%
0,491
0,546
0,664
11%
0,501
0,595
0,664
19%
0,508
0,483
0,732
-5%
0,596
0,622
0,761
4%
0,569
0,576
0,732
1%
0,496
0,518
0,732
4%
0,490
0,546
0,732
11%
0,733
7%
0,695
11%
0,767
5%
0,649
10%
0,619
11%
0,619
15%
0,599
10%
0,673
11%
0,657
10%
0,593
17%
0,605
12%
0,782
0,768
0,806
0,713
0,686
0,711
0,659
0,746
0,721
0,694
0,678
FONTE: IBGE (2010); CNM (2010)
Na TAB. 1, é possível examinar que a população da mesorregião de Belém, de 1991 a 2007, cresceu
47,41% em relação ao ano de 1991, em que se observa a implantação e uso inicial dos recursos do FNO, no
ano de 2007. Em particular, no período de 2000 a 2007, o crescimento populacional verificado foi de 14,57%,
evidenciando a atratividade da região sobre outras localidades do estado.
Outro dado que suporta a afirmação do aumento de atratividade e justifica o crescimento populacional
da mesorregião é o aumento das receitas do município, em grande parte resultantes da geração de valor
adicionado. A TAB. 2 mostra essa variação.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
117
TABELA 2 — Receitas geradas nos municípios da mesorregião
Receitas do Município
2000 (a)
Ananindeua
2005
Variação
2007 (b)
b/a
R$ 74.694.898
R$ 141.515.827
R$ 211.623.695
2,83
R$ 28.463.014
R$ 102.216.724
R$ 131.086.826
4,61
R$ 461.259.970.
R$ 884.651.373
R$ 1.218.800.122
2,64
Marituba
R$ 8.870.978
nh
R$ 67.599.369
7,62
S. Barbara
R$ 4.152.008
R$ 5.103.583
nh
Indisponível
Benevides
R$ 7.636.778
R$ 17.630.845
nh
Indisponível
Bujarú
R$ 5.327.990
R$ 14.275.960
R$ 19.673.421
3,69
Castanhal
R$ 25.905.373
nh
R$ 108.314.473
4,18
Sta. Izabel
R$ 12.184.801
R$ 22.676.835
R$32.315.204
2,65
Sto. Antonio
R$ 7.897.373
R$ 14.077.843
nh
Indisponível
R$ 2.559.294
nh
R$ 6.428.369
2,51
Var. % b/a
Barcarena
Belem
Inhangapi
FONTE: IBGE (2010); CNM (2010)
No período entre 1989 e 2008, a aplicação de recursos do FNO, na mesorregião de Belém, representou
um montante de R$ 1.423.631.253,00, distribuídos em 12.644 contratos de crédito, nas atividades associadas à
agricultura e pecuária e indústria. Desse total de operações realizadas e do montante investido pelo FNO na
mesorregião em questão, 11.324 operações foram destinadas ao setor da agricultura e pecuária, correspondendo
13,46% dos recursos do FNO.
Para a indústria, foram destinados 86,54% dos recursos, ou seja, torno de R$ 1.232 bilhões, em 1.320
operações. O valor médio das operações de financiamento para o setor agropecuário foi de R$ 16.921,65
contra R$ 933.341,28 da indústria. A TAB. 3 apresenta os valores concedidos por porte das empresas
tomadoras de recursos:
118
TABELA 3 — Distribuição dos recursos do FNO, entre 1989 e 2008, por porte de empresa
Financiamentos concedidos pelo FNO nas atividades agricultura e indústria (1989 - 2008) na Mesoregião de Belém
Municípios
Cooperativa
PRONAF
Mini e Micro
Pequeno
Médio
Grande
Total
% Total
Ananindeua
R$ 0
R$ 1.500
R$ 6.587.345
R$ 169.764.278
R$44.597.973
R$93.036.477
R$ 313.987.573
22,06%
Barcarena
R$ 0
R$ 142.177
R$ 2.916.314
R$ 4.584.753
R$ 3.589.153
R$ 105.258.243
R$ 116.490.640
8,18%
R$ 2.149.000
R$ 106.500
R$ 44.436.318
R$ 74.223.016
R$156.333.863
R$ 498.579.295
R$ 775.827.992
54,50
R$ 0
R$ 39.500
R$ 364.055
R$ 790.330
R$15.662.540
R$ 14.852.791
R$31.709.216
2,23%
Sta. Bárbara
R$ 364.936
R$ 322.500
R$ 143.322
R$ 420.713
R$2.985.900
R$ 2.186.886
R$6.424.257
0,45%
Benevides
R$ 479.270
R$ 28.500
R$ 1.662.102
R$ 2.632.874
R$ 4.015.342
R$ 14.931.202
R$23.749.290
1,67%
R$ 0
R$ 0
R$ 1.833.112
R$ 459.107
R$ 824.297
R$ 85.800
R$3.202.316
0,22%
Castanhal
R$ 3.513.541
R$ 22.750
R$ 20.374.921
R$ 10.143.823
R$28.604.794
R$ 38.767.673
R$ 101.427.227
7,12%
Sta Izabel
R$ 0
R$ 593.660
R$ 5.292.728
R$ 5.636.809
R$ 7.016.461
R$ 9.390.714
R$27.930.372
1,96%
Sto. Antonio
R$ 0
R$ 16.500
R$ 5.560.250
R$ 5.255.834
R$ 1.829.624
R$ 200.003
R$ 12.862.211
0,90%
Inhangapi
R$ 0
R$ 25.500
R$ 4.643.083
R$ 1.286.792
R$ 2.139.059
R$ 1.925.725
R$10.020.159
0,70%
R$ 6.506.747
R$ 1.298.812
R$ 93.813.550
R$ 275.198.329
R$267.599.006
R$ 779.214.809
R$1.423.631.253
100%
0,46%
0,09%
6,59%
19,33%
18,80%
54,73%
100%
Belém
Marituba
Bujarú
Total
% Total
FONTE: BASA (2009)
A análise das operações e valores evidencia uma forte concentração dos volumes de empréstimos
concedidos na cidade de Belém (54,50% do total), para as atividades industriais de grande porte, com 54,73%
dos recursos financiados. Seria de se esperar que houvesse uma correlação entre o aumento do emprego
formal na mesorregião e essa concentração de recursos.
A região Norte ainda é fortemente orientada para a atividade agropecuária de pequeno porte, fortemente
baseada na unidade familiar como recurso produtivo. Contudo, à medida que se observa a empresa de grande
porte como grande tomadora de recursos, em volume de financiamento, seria de esperar, mencionando
novamente, que a maior concentração de novos empregos ou mesmo de variação da taxa de emprego se
desse na indústria de grande porte. A TAB. 4 apresenta o balanço de empregos gerados.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
119
TABELA 4 — Empregos formais gerados na mesorregião de Belém, de 1989 a 2008
Ano / Setor
Agropecuário
Indústria
Serviços
Subtotal
%
1989
2.964
61.061
40.593
106.607
4,47
1990
3.002
55.149
36.292
96.433
4,04
1991
3.695
49.449
34.793
89.928
3,77
1992
2.739
45.100
33.978
83.809
3,51
1993
3.742
44.449
37.591
87.775
3,68
1994
6.525
43.998
37.787
90.304
3,79
1995
6.105
40.167
41.945
90.212
3,78
1996
6.943
40.042
45.129
94.110
3,95
1997
5.600
69.156
46.916
123.669
5,18
1998
4.520
42.433
50.281
99.232
4,16
1999
5.117
42.917
53.393
103.426
4,34
2000
4.702
46.760
57.368
110.830
4,65
2001
5.338
50.972
61.603
119.914
5,03
2002
4.966
50.738
68.634
126.340
5,3
2003
4.877
50.217
76.095
133.192
5158
2004
5.486
58.018
86.313
151.821
6136
2005
5.485
59.916
94.567
161.973
6,79
2006
6.456
65.262
101.792
175.516
7,36
2007
7.376
69.454
69.454
148.291
6,22
2008
7.125
70.059
112.680
191.872
8,04
FONTE: IBGE (2009)
O quantitativo de empregos formais criados
na mesorregião nos setores da agropecuária,
indústria e serviços refletem os investimentos nos
municípios que compõem essa mesorregião.
No detalhamento, por município, observou-se
que aqueles que mais recursos receberam do Fundo
foram os que mais geraram empregos formais. O
que pode ser considerado inexato enquanto valor
absoluto, porém, destaca-se em termos relativos,
pois a indústria tende a gerar maior número de
registros em Carteira do Trabalho do que os setores
120
de serviços e o agropecuário. De qualquer forma
é relevante, pois as atividades agropecuárias e
industriais contribuem para, gradualmente, remodelar
o tradicional perfil da região emblematicamente
cunhado extração mineral, que há muito marca a
região como sendo essencialmente exportadora de
commodities primárias.
Outra expectativa com relação ao aumento
da atividade econômica, independentemente do
setor seria uns aumentos nos indicadores do desen­
volvimento econômico-social apontado — PIB per
microrregiões, com destaque para os municípios que
mais recursos investidos obtiveram: Ananindeua,
Barcarena, Belém, Marituba e Castanhal. Porém,
os dados não permitem afirmar que esse
desenvolvimento garante sustentabilidade.
capita e IDH — em relação aos demais municípios
da mesorregião. Contudo, os investimentos do
FNO foram aplicados em períodos alternados
de maior e menor valor, fator que pode ter sido
consequência de diversos fatores como: maior
rigidez orçamentária, inadimplência, plano de
investimentos com prioridades em outras áreas do
estado ou região e a crise econômica mundial.
O QUADRO 2 apresenta a avaliação do Índice
de Desenvolvimento Sustentável (IDS), elaborada
segundo a técnica e indicadores previstos no
Dashboard, para as duas microrregiões que
perfazem o estudo de campo.
Os resultados apontaram para o crescimento
do PIB per capita e IDH dos municípios das duas
QUADRO 2 — Apuração do IDS das microrregiões inseridas na mesorregião de Belém
Microrregião
Dimensão
Pontuação
Classificação
Natureza
446
Médio
Econômica
457
Médio
Social
519
Médio
Institucional
519
Médio
IDS
468
Médio
Belém
Natureza
395
Ruim
Econômica
487
Médio
Social
500,6
Médio
Institucional
485
Médio
IDS
452
Médio
Castanhal
Coloração
FONTE: Os autores
Considerações Finais
O presente trabalho procurou contribuir para
o debate do Fundo Constitucional do Norte (FNO)
como mediador do desenvolvimento da mesorregião
de Belém, no Pará, região Norte do País.
A pesquisa verificou que o planejamento
e os investimentos das atividades agropecuárias
e agroindústrias na mesorregião de Belém deve­
riam ocorrer simultaneamente em ambas as mi­
crorregiões: Belém e Castanhal.
As operações e investimentos feitos pelo
FNO apresentam oportunidades de melhoria no
sentido de potencializar a vocação dos municípios
para a produção especializada com estímulo à
inovação e verticalização da produção.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Observou-se a necessidade de o FNO focar
melhor suas ações de modo que atendam o objetivo
a que ele foi criado, priorizando os municípios e
segmentos cujo processo de produção induza o
crescimento com desenvolvimento econômico e
social da localidade de maneira sustentável, com
maior crescimento do PIB per capita e IDH.
A análise de sustentabilidade na mesorregião
de Belém pelo método Dashboard possibilitou
constatar que ele é viável para a mensuração da
sustentabilidade local.
Os resultados da pesquisa comparados às
teorias de Sen (2000), de Elkington (2001) e de
Dowbor (2008) confirmam que o planejamento
das políticas públicas ou privadas, a exemplo da
aplicação de recursos públicos, deve contemplar
a análise de sustentabilidade local para garantir
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
121
uma melhor aplicação dos recursos e um desen­
volvimento mais justo que leve à liberdade.
O IDS Médio da mesorregião deve ser um
alerta para os gestores públicos e a sociedade civil
organizada: torna-se necessário planejar ações
mais eficazes de controle e análise frequentes
de mobilização social em defesa de uma ruptura
com velhas práticas do uso da terra, visando
o surgimento de novas formas de garantir a
sobrevivência sustentável.
A ausência de um Banco de Dados So­
cioeconômicos dos municípios da mesorregião foi
um fator de grande limitação da análise e, futura­
mente, impactará na dificuldade de analisar os
efeitos das melhorias que, por ventura, possam ser
promovidas.
Conclui-se que, em 20 anos de existência,
os investimentos do FNO contribuíram com o
crescimento dos municípios da mesorregião de
Belém, mas não maximizaram esse crescimento
em virtude da concentração dos recursos em
alguns municípios, setor e porte, gerando um
desenvolvimento desigual na região.
Sugere-se que o Basa, por meio do FNO,
priorize investimentos nos empreendimentos
122
de minimicro e pequeno porte, bem como de
cooperativas, planeje e invista simultaneamente
nos setores da agropecuária e agroindústria, com
estímulo à verticalização da produção, geração de
empregos, trabalho e renda, contribuindo para o
desenvolvimento econômico e social sustentável.
Uma limitação deste estudo refere-se à
dificuldade de coletar informações que estão
distribuídas em diferentes agentes institucionais. A
falta de um método de monitoramento sistemático
da evolução desdobrada dos investimentos é,
talvez, a causa da dificuldade mencionada.
Novas pesquisas podem ser feitas a partir
desta, especialmente aquelas que combinem a
pesquisa documental e a pesquisa de campo,
mediante a condução de entrevistas, que possa
mensurar a percepção dos sujeitos quanto ao nível
de progresso atingido, pois a liberdade substantiva
perpassa a análise subjetiva, especialmente em
regiões periféricas.
Recomenda-se que, no futuro, sejam con­
duzidas análises comparativas entre regiões, para
que se possa avaliar se há, ou não, similaridade
com resultados decorrentes do acesso de fundos
constitucionais em outras regiões do País.
•
Recebido em: 06/02/2012
•
Aprovado em: 02/05/2012
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C uritiba,
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012
125
O Balanced Scorecard como
ferramenta estratégica de gestão
da qualidade
The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management
O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidade
The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management
Patrícia Rodrigues Quesado1
Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues2
Beatriz Aibar Guzmán3
Resumo
A melhoria do desempenho organizacional tem sido um dos principais
objetivos das organizações. A procura da racionalização na gestão dos
recursos e a necessidade de melhorar a qualidade dos produtos e serviços
prestados motivaram a aplicação nas organizações públicas e privadas
da ferramenta de Contabilidade de Gestão Balanced Scorecard (BSC)
e do modelo de excelência EFQM (European Foundation for Quality
Management). O EFQM e o BSC são dois modelos de gestão amplamente
aceitos na gestão empresarial atual para alcançar a inovação, a aprendizagem
e a melhoria contínua. Assim, este artigo tem como objetivo proporcionar
algumas ideias acerca da importância do desenvolvimento de programas de
gestão da qualidade total (TQM), destacando as principais características,
as semelhanças e as diferenças entre os modelos BSC e EFQM, bem como
apresentar um modelo de integração das duas filosofias de gestão.
Palavras-chave: Balanced Scorecard. Contabilidade de Gestão. TQM. EFQM.
Abstract
Improving organizational performance has been one of the main objectives
of organizations. The search for rational management of resources and the
need to improve the quality of products and services led to the application
in private and public organizations of the management accounting tool
Balanced Scorecard (BSC) and the EFQM Excellence Model (European
Foundation for Quality Management). The EFQM and the BSC are two widely
accepted models of management in the current business management to
achieve innovation, learning and continuous improvement. Thus, this article
aims to provide some ideas about the importance of developing programs
of total quality management (TQM), highlighting key features, similarities
and differences between the BSC and EFQM models, and presenting a
model of integration of the two management philosophies.
Keywords: Balanced Scorecard (BSC). Accounting Management. Total Quality
Management (TQM). European Foundation for Quality Management (EFQM).
Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela
(Espanha). Professora Titular da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da
Universidade de Santiago de Compostela (USC), Espanha. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Ciências Empresariais, Universidade do Minho (Portugal). Professora Associada da Escola
de Economia e Gestão da Universidade do Minho (UM), Portugal. E-mail: [email protected].
3
Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela
(Espanha). Professora Adjunta da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado
e do Ave (IPCA), Portugal. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
127
Introdução
Desde muito tempo que uma das preo­
cupações fundamentais das empresas prende-se com a produção de produtos e prestação de
serviços com qualidade, desenvolvendo esforços
para melhorar a qualidade, bem como identificar
e desenvolver sistemas de gestão da qualidade,
como forma de obter clientes satisfeitos e leais, com
reflexos em seus resultados. Essas preocupações
são, atualmente, mais evidentes frente ao contexto
de globalização e de grande competitividade em
que nos encontramos. Todos esses elementos são
fundamentais na determinação da estratégia mais
adequada às necessidades da organização e do
ambiente organizacional e no planejamento das
ações a ser desenvolvidas. Assim, podemos dispor
de uma ferramenta permanentemente atualizada
e amplamente reconhecida e validada no mundo
empresarial.
1
Dentre os diferentes sistemas de avaliação
do desempenho desenvolvidos, mereceu especial
destaque na literatura o modelo de excelência EFQM e
o BSC, desenhado para possibilitar, respectivamente,
a autoavaliação e a medida e melhoria dos proces­sos
de negócio. O EFQM, à semelhança do BSC, registou
um grande desenvolvimento e divulgação nos
últimos anos, sendo aplicado por todas as empresas
europeias, excelentes no sentido de possibilitar uma
avaliação do desempenho próxima da estratégia e
uma visão de longo prazo.
Como objetivos específicos pretende-se
evidenciar a relação entre o BSC e os princípios
da gestão da qualidade, destacando quais as
principais características, as semelhanças e dife­
renças entre os modelos BSC e EFQM, assim
como as reestruturações realizadas a partir das
perspectivas propostas por Kaplan e Norton (1996),
apresentando um modelo de integração das duas
filosofias de gestão.
O presente artigo tem como objetivo pro­
porcionar algumas ideias acerca da importância e
características do BSC na gestão da qualidade. De
acordo com esse objetivo, estruturamos o trabalho
da seguinte forma: inicialmente se expõe brevemente
alguns aspectos teóricos relativos às características
do BSC e aos princípios de gestão da qualidade
total, analisando as reestruturações a serem rea­
lizadas em relação às perspectivas propostas por
Kaplan e Norton (1996). Posteriormente, realiza-se
uma comparação entre os modelos EFQM e BSC,
destacando as principais semelhanças e diferenças
entre eles. Com essa base, apresentamos um modelo
de integração do EFQM e do BSC. Finalmente,
apresentamos as considerações finais resultantes da
adoção desses modelos.
128
Objetivos, Justificativa e
Metolodogia
1.1 Objetivo Geral
O presente artigo caracteriza-se por um
estudo exploratório que tem por objetivo principal
proporcionar algumas ideias acerca da importância
do desenvolvimento de programas de gestão
da qualidade total (TQM) e a sua relação com a
ferramenta de Contabilidade de Gestão BSC.
1.2 Objetivos Específicos
1.3 Justificativa e Metodologia
As empresas necessitam programar no­
vos
sistemas de medidas de desempenho que possibilitem o alinhamento das medidas às estratégias,
complementando os tradicionais indicadores financeiros com indicadores de natureza não financeira.
Entre os referidos sistemas, destacamos o
BSC dado o seu reconhecimento, seja no âmbito
acadêmico, ou no âmbito empresarial, como uma
poderosa ferramenta de gestão. Igualmente, a
gestão da qualidade passou a ser considerada
um aspecto crítico para garantir a sobrevivência
organizacional. Dessa forma, o BSC e a gestão da
qualidade (em particular o modelo de excelência
O BSC e a gestão da
qualidade (em particular
o modelo de excelência
EFQM) aparecem no
panorama empresarial
como poderosas
ferramentas para enfrentar
a forte concorrência,
resultante das grandes
mudanças registadas na
economia mundial.
Para responder a essas questões, fez-se
uma investigação qualitativa a partir da realização
de uma revisão exclusivamente bibliográfica de
trabalhos anteriores realizados sobre o assunto.
Não pretendemos desenvolver um novo modelo
ou uma nova teoria, mas recorrer à literatura
existente a respeito dessa temática, de forma a
resumir, explorar, analisar e ajudar na compreensão
dessas questões, proporcionando um olhar crítico
sobre elas, de forma a suscitar pesquisas e novas
perspectivas teóricas.
2O BSC e a Total Quality
Management (TQM)
2.1O BSC e os Princípios da Gestão da
Qualidade Total
EFQM) aparecem no panorama empresarial como
poderosas ferramentas para enfrentar a forte
concorrência, resultante das grandes mudanças
registadas na economia mundial.
Tal indagação colocou em destaque o seguinte problema: estarão as empresas acompa­
nhando essa evolução? Isto é, estarão as empresas
cientes da necessidade de utilizar essas ferramentas no âmbito do seu processo de gestão?
Com o intuito de responder a essa questão,
esboçam-se outras questões passíveis de abordagem:
(1)
Qual a relação entre o BSC e os prin­
cípios da gestão da qualidade total?
(2) Quais as principais características,
se­melhanças e diferenças entre os
modelos BSC e EFQM?
(3)
Quais as reestruturações a serem re­a­
lizadas ao nível das perspectivas pro­
No atual ambiente competitivo, a qualidade
é um fator-chave para o êxito e sobrevivência das
organizações. Assim, a TQM assumiu um papel
crucial ao destacar a importância da integração
de indicadores ou medidas não financeiras nos
sistemas de Contabilidade de Gestão, tendo como
objetivo a melhoria contínua da satisfação dos
clientes internos e externos, procurando que o
produto e serviço resultem otimamente adequados
às suas necessidades. Além disso, o compromisso
da gestão de topo, a relação com a concorrência,
a cultura organizacional, a melhoria dos processos
e a inovação são fatores-chave inerentes à filosofia
da qualidade (SHOLIHIN; LAKSMI, 2009; MODELL,
2009; AL-OMIRI; ALMOATAZ, 2008; JOVANOVIC;
VUJOVIC; KRIVOKAPIC, 2008; HOQUE, 2003;
SOLANO et al., 2003; KANJI; SÁ, 20014; VAIVIO,
1999; MARTÍNEZ; ZARDOYA, 1999; MCADAM;
O’NEILL, 1999; HOQUE; ALAM, 1999).
postas por Kaplan e Norton (1996)?
(4)
É possível integrar o BSC e o modelo
EFQM?
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Esses autores integraram os princípios da TQM no BSC,
denominando o seu modelo por Kanji’s Business Scorecard.
4
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
129
Autores como Hoque (2003), Hoque e Alam
(1999), McAdam e O’Neill (1999), Chenhall (1997)
e Johnson (1994) defendem que as organizações
devem desenvolver os seus programas de TQM
juntamente com sistemas de avaliação e gestão
do desempenho.
Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam
(1999), o BSC é um seguimento natural dos
princípios da TQM, possibilitando a vinculação
de suas práticas com a estratégia organizacional.
Assim, se a organização pretende a melhoria
contínua do seu desempenho, ela deverá conjugar
essas duas metodologias, identificando indicadores
financeiros e não financeiros adequados para
motivar os empregados na realização dos re­
sultados desejados e favorecendo o feedback das
áreas que podem ser melhoradas.
Nesse sentido, McAdam e O’Neill (1999)
referem que tanto o BSC como a TQM defendem
a vinculação da estratégia com os objetivos do
negócio; no entanto, o BSC representa mais um
meio para medir a estratégia do que para decidir
com respeito a ela. Os dois modelos consideram
que a compreensão e satisfação do cliente são
aspectos vitais, entretanto, o BSC não indica como
novos clientes e mercados devem ser identificados.
O BSC e a TQM também requerem a compreensão
e participação do pessoal em todos os níveis,
contudo, certos objetivos podem tornar-se
bastante fragmentados nos níveis mais baixos,
tornando demasiada ténue a compreensão do
scorecard corporativo. Por outro lado, tanto o BSC
como a TQM advogam a implicação e consistência
da gestão de topo, apesar de o BSC não incorporar
nenhum modelo de liderança. Finalmente, ambos
os modelos consideram a organização como um
conjunto de processos, no entanto, na opinião
dos autores citados, a organização deve ser vista
como uma mistura de funções e processos.
Marín e Ruiz-Olalla (2006) defendem que
as empresas que finalizam processos de gestão da
qualidade total devem utilizar o BSC na valorização
de seus intangíveis. Para os autores, tanto a TQM
como o BSC perseguem um objetivo comum:
são modelos estratégicos de criação de valor a
130
partir de ativos intangíveis e intelectuais, que
visam à melhoria contínua mediante o controle
e avaliação da satisfação dos clientes. Além disso,
as áreas-chave de êxito empresarial, definidas
no BSC, refletem os fatores críticos de controle
na TQM, e, portanto, o BSC permitirá alinhar a
estratégia com os intangíveis implicados na TQM.
Russo (2009) chama a atenção para o fato
de ser frequente as empresas que conjugam o
BSC com o Sistema de Certificação da Qualidade,
uma vez que existem vários aspectos comuns,
sobretudo o desenvolvimento formal (explícito) da
estratégia, a gestão dos processos internos e das
relações com os clientes. Como assinala o autor,
as empresas que exibem uma Certificação de
Qualidade adotam, em princípio, comportamentos
de gestão mais racionais, iniciativas para melhorar
a qualidade, orientações mais articuladas entre a
estratégia existente e as atividades desenvolvidas,
alguma formalização das áreas funcionais e dos
seus procedimentos, assim como uma gestão mais
eficiente dos processos internos. Não obstante,
refere que o BSC concentra-se no delineamento
e na prossecução de uma estratégia única, capaz
de diferenciar a empresa da concorrência e de
acrescentar valor, e não propriamente na otimização
de processos e na redução de custos, segundo
metodologias padronizadas. Assim, para Andersen,
Lawrie e Shulver (2000), enquanto os Sistemas de
Qualidade visam à padronização de estratégias,
modelos e relações de causalidade, idênticos para
todas as empresas, o aspecto fundamental do BSC
é a implementação de uma estratégia, processos e
relações de causa-efeito únicas.
Face ao exposto, é possível constatar que
a contribuição do BSC para a consecução da
filosofia da TQM é muito positiva, na medida em
que (MARÍN; RUIZ-OLALLA, 2006):
•
Facilita a implementação da estratégia
criada a partir dos intangíveis, relacio­
nados com a gestão da qualidade, e o
seu controle;
•
Contribui para a criação de valor a
partir dos fatores críticos de êxito, à
medida que alinha com a estratégia
os intangíveis ligados à TQM;
•
Facilita a medição dos intangíveis liga­
dos à TQM, assim como da estratégia
empresarial, a partir da definição
de um conjunto de indicadores de
controle eficientes na gestão dos
fatores-chave de êxito empresarial;
•
Orienta a empresa para a melhoria
contínua no tempo, possibilitando a
vinculação entre a estratégia baseada
na qualidade e as ações a curto prazo;
•
Complementa o tradicional sistema de
gestão orçamental, ao facilitar o processo de tomada de decisão, destacando
os aspectos onde a em­presa deve concentrar os seus es­forços, em concreto,
os seus recursos humanos e financeiros
(orçamento operacional) para concluir
iniciativas centradas tanto no alcance
de objetivos táticos como na satisfação
dos clientes como objetivo prioritário
na gestão da qualidade. Assim, vincula a estratégia de longo prazo com o
planejamento e controle orçamental de
iniciativas de curto prazo.
2.2 As Perspectivas do BSC e as
Atividades-Chave da Gestão da
Qualidade Total
Hannula, Kulmala e Suomala (1999)
consideram que o BSC é um conceito mais amplo
que abarca a TQM, uma vez que enquanto a TQM
se centra nos clientes e nos processos internos,
não enfatizando de forma explícita a perspectiva
financeira e de aprendizagem e crescimento, o BSC
inclui todas essas dimensões. Além disso, a TQM
fornece um conjunto de instrumentos concretos
para aumentar a satisfação dos clientes e o
desempenho global da organização (abordagem
estática), enquanto o BSC requer uma compreensão
dos fatores críticos de êxito e dos processos da
organização, funcionando como um marco de
planejamento estratégico (abordagem dinâmica).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A TQM fornece um conjunto
de instrumentos concretos
para aumentar a satisfação
dos clientes e o desempenho
global da organização,
enquanto o BSC requer uma
compreensão dos fatores
críticos de êxito e dos
processos da organização,
funcionando como um
marco de planejamento
estratégico.
Para os autores, a TQM é a filosofia da
qualidade e o BSC é das relações de causa-efeito.
Nesse âmbito, de acordo com Kaplan e Norton
(2001), as operações da perspectiva interna do
BSC podem refletir as iniciativas para melhorar
a qualidade, capacidade de resposta e eficiência
dos processos internos, no sentido de ampliar
os princípios da TQM ao processo de inovação
e às relações com os clientes. Não obstante, o
BSC supõe mais que a projeção dos princípios da
TQM, reforçando a efetividade e tornando mais
estratégicos os seus programas como resultado da
identificação e do estabelecimento de prioridades
em relação àqueles processos internos nos quais
as melhorias sejam mais críticas e vitais para o
êxito estratégico, ou seja, identifica as áreas nas
quais a melhoria dos processos deve-se centrar.
Assim, a interação das perspectivas do BSC com
a TQM permite “forçar os gestores a explicar
a relação que une a melhoria dos processos
operacionais com os grandes resultados para
clientes e accionistas […], e a articular como
traduzirão as melhorias da qualidade em mais
receitas, menos activos, menos pessoal e menos
gastos” (KAPLAN; NORTON, 2001, p. 407-408).
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
131
Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam (1999), a TQM não considera a satisfação dos empregados
no processo de melhoria contínua e a sua contribuição para a identificação dos processos com mais impacto
nos resultados. Aspecto que é completado pelo BSC, em concreto, a partir da perspectiva de aprendizagem
e crescimento. Assim, será possível sincronizar a estratégia, visão, operações e recursos humanos e finalizar
um processo de melhoria contínua. Nesse sentido, de acordo com Oteo, Pérez e Silva (2002, p. 11), “quando
as organizações decidem por uma abordagem de mudança orientada ao desenvolvimento de um projecto de
TQM, de redesenho de processos ou de empowerment dos seus empregados, precisa-se de um instrumento
que possibilite uma visão integrada dos objectivos estratégicos”. Para os autores, nesse contexto de inovação
organizacional, o BSC refletirá os esforços e resultados da organização, ajudando por meio de uma linguagem
comum a definir, comunicar e avaliar os objetivos e prioridades, tanto aos gestores como aos empregados.
No QUADRO 1, apresentamos a inter-relação entre as atividades-chave da TQM e as perspectivas do BSC.
QUADRO 1 — Combinação do BSC com a TQM
Atividades-chave da TQM
Perspectivas do BSC
Implicação dos executivos e habilidades de gestão
Aprendizagem e CrescimentoProcessos Internos
Relações com clientes
ClientesFinanceira (Shareholders)
Relações com fornecedores
Processos Internos
Benchmarking
Processos InternosFinanceira (Shareholders)
Formação e competências do pessoal
Aprendizagem e Crescimento
Cultura ‘aberta’, menos burocracia e delegação de poderes
ClientesAprendizagem e Crescimento
Desenvolvimento de programas de qualidade (cultura de
zero defeitos)
Melhoria dos processos internos de negócio e inovação
fabril
Processos InternosClientes
Processos InternosFinanceira (Shareholders)
FONTE: Adaptado de HOQUE (2003)
3O BSC e o Modelo de
Excelência da European
Foundation for Quality
Management (EFQM)
3.1 O Modelo de Excelência da EFQM
Com o objetivo de promover a excelência
sustentável nas organizações europeias, aju­­
dan­do-as a melhorar o desempenho, a EFQM, em
conjunto com outras organizações, desenvolveu,
em 1991, o Modelo de Excelência da EFQM como
Results; Approach; Deployment; Assessment; Review.
5
132
fundamento do Prêmio Europeu de Qualidade,
cujo objetivo é premiar aquelas empresas que
conseguiram alcançar a excelência empresarial com
recurso à gestão da qualidade total. Esse modelo
foi introduzido como uma ferramenta preliminar
para a avaliação e melhoria das organizações,
possibilitando o alcance de vantagens sustentáveis.
Além disso, proporciona às organizações uma
linguagem de gestão e ferramentas comuns,
facilitando a partilha de ‘boas práticas’ entre
organizações de diferentes setores em toda a
Europa e se apoia num esquema lógico de melhora
contínua, conhecido por RADAR5, que estabelece
o que uma organização necessita realizar para
alcançar a excelência, em particular os resultados
que se pretendem alcançar e a forma como se
pode alcançá-los (LAMOTTE; CARTER, 2000;
ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000).
O Modelo Europeu de
Excelência não só apoia
os gestores a incrementar
o processo de tomada de
decisão e as capacidades
de liderança, como também
destaca aquelas áreas
onde se devem concentrar
os esforços de mudança
de forma a maximizar a
satisfação dos distintos
stakeholders.
Para
Lascelles
e
Peacock
(apud
WONGRASSAMEE; GARDINER; SIMMONS, 2003),
o Modelo Europeu de Excelência não só apoia os
gestores a incrementar o processo de tomada
de decisão e as capacidades de liderança, como
também des­
taca aquelas áreas onde se devem
concentrar os esforços de mudança de forma a
maximizar a sa­tisfação dos distintos stakeholders.
De acordo com Trullenque e Liquete (2002,
p. 29), o modelo proporciona orientações e não
soluções. Assim, trata-se de
um modelo descritivo e global de avaliação e apren­
dizagem da excelência na gestão […], que recolhe
através de uma estrutura lógica tanto o conjunto de
fatores que afetam a gestão das organizações como as
identificação dos pontos fortes e fracos (suscetíveis
de afetar negativamente a qualidade) e das áreas
que terão que ser melhoradas, possibilitando
um processo contínuo na procura da excelência
empresarial e do benchmarking e incrementando
o desenvolvimento de reuniões na busca de
soluções para os problemas. Segundo Oteo, Pérez
e Silva (2002, p. 9), o modelo de excelência da
EFQM, imerso na filosofia da TQM, “constitui um
marco de referência para a gestão da empresa,
fomentando desde uma visão global uma cultura
de inovação, tanto no sistema organizacional como
nos processos directivos e gestores”.
3.2Critérios e Subcritérios do Modelo de
Excelência da EFQM
Na essência do modelo EFQM está um
conjunto de procedimentos orientados por um
catálogo de critérios gerais e subcritérios individuais,
que possibilitam a avaliação e verificação dos re­
sul­tados da empresa, no sentido de uma gestão
total da qualidade — não se centra apenas na
qualidade do produto, mas em todas as áreas da
empresa (MORA; VILLAREJO, 2006; HORVÁTH &
PARTNERS, 2003).
O EFQM é constituído por nove elementos ou
critérios, segundo o princípio de causa-efeito entre
facilitadores e resultados, cuja ponderação contribui
para a obtenção de um nível de qualidade excelente
(MCADAM, 2000; LAMOTTE; CARTER, 2000).
Wongrassamee, Gardiner, Simmons (2003) e Alvarez
(1998) resumem tais critérios da seguinte forma:
•
Liderança: a postura, implicação e
compromisso dos gestores e diretores
frente à melhoria da qualidade;
•
Gestão do pessoal: até que ponto
os empregados estão motivados e
formados no processo de melhoria
contínua na procura da excelência
empresarial;
relações que estes têm entre si, com o fim de as orientar
para a excelência.
Para Membrado (2002) e Martínez e
Zardoya (1999), esse modelo de gestão (e não
de qualidade) supõe muito mais, permitindo a
introdução da inovação e melhoria contínua pela
autoavaliação6 das empresas, possibilitando a
Entendida como o exame global, sistemático e regular das actividades e dos resultados de uma organização frente a um modelo de
excelência.
6
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
133
•
Política e estratégia: como os objeti­
vos de qualidade estão planejados e
como serão objeto de controle. Como
a organização implementa sua visão
e missão por meio dos conceitos de
qualidade total e melhoria contínua;
•
Recursos: como serão otimizados (por
exemplo, pelo benchmarking);
•
Processos: como a organização de­se­
nha, gera e melhora as suas atividades
e processos para satisfazer os clientes
e outros stakeholders;
•
Satisfação do pessoal: como os níveis
de motivação e integração estão sen­
do analisados;
•
Satisfação do cliente: qual o grau de
satisfação e de lealdade dos clientes
e como se mede;
•
Impacto social: aspectos relacio­
na­dos com o meio ambiente e a
responsabilidade social. Como a or­
ga­nização satisfaz as necessidades
e expectativas da sociedade local,
nacional e internacional;
•
Resultados do negócio: benefícios,
rentabilidade e suas tendências.
O modelo representado na FIG. 1 distingue
entre agentes facilitadores, que inclui aqueles
critérios que a organização pode manejar e que
se ocupam ‘do que fazer’, refletindo como a
organização atua (direção; política e estratégia;
orientação dos trabalhadores; recursos e processos),
e a área dos resultados, que inclui aqueles critérios
que a empresa pretende alcançar e que se ocupam
‘do que se conseguiu’ (satisfação dos clientes;
satisfação dos trabalhadores; responsabilidade
e imagem social e resultados do negócio). Esses
critérios podem ser utilizados em conjunto ou de
forma independente para avaliar o progresso da
organização no alcance das metas de qualidade
(MCADAM, 2000). Assim, os agentes facilitadores
mostram como se alcançaram os resultados,
enquanto os resultados são os critérios que indicam
tanto o que conseguiu a empresa como o que está
a conseguir (CABAL; ARELLANO, 2001).
De acordo com o modelo, os resultados nos
clientes, nas pessoas e na sociedade, conseguem-se pela liderança que, por meio de uns processos
estabelecidos, conduz uma política e estratégia,
motive umas pessoas, e serve de uns recursos e
alianças, levando, finalmente, à excelência nos
resultados-chave da organização (MEMBRADO,
2002; SALGUEIRO, 2001).
FIGURA 1 — O modelo de excelência da EFQM
Liderança
(100)
Políticas
(80)
Estratégia
Resultados
(90) de
Pessoas
Pessoas
(90)
Resultados
de (200)
Clientes
Recursos
(90)
Alianças
Agentes Facilitadores
FONTE: Adaptado de Salgueiro (2001)
134
Processos
(140)
Impacto
(60) na
Sociedade
Resultados
Resultados
(150)
3.3 Comparação dos Modelos EFQM e BSC
O BSC e o EFQM, embora sejam modelos ou
instrumentos de gestão originados em contextos
distintos e que utilizam processos diferentes na
medição e gestão do desempenho organizacional,
são ferramentas complementares amplamente
difundidas e adotadas nos últimos anos que
utilizam medidas de desempenho para conduzir a
organização até a melhoria contínua, destacando
as carências no desempenho das equipes de gestão
(JALALIYOON;
TAHERDOOST;
ZAMANI,
2011;
DROR, 2008; SHULVER; LAWRIE, 2007; HORVÁTH
& PARTNERS, 2003; TRULLENQUE; LIQUETE,
2002; ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000;
LAMOTTE; CARTNER, 2000). Assim, vislumbra-se a possibilidade de sua integração no sentido
de permitir uma gestão da qualidade, tornando
mais compreensível a estratégia organizacional
e facilitando o processo de tomada de decisão.
Como tal, é possível melhorar o conhecimento
sobre os aspectos-chave que conduzem a um
bom desempenho organizacional.
Para Membrado (2002), tanto o BSC,
pela “realimentação” que vai permitir melhorar
a estratégia e o seu desdobramento, como o
EFQM, por meio da autoavaliação, são excelentes
ferramentas para melhorar a gestão e os resultados
das organizações. O EFQM e o BSC ajudam a
compreender aspectos estratégicos, como a
missão e visão organizacional e seus impactos
sobre a sociedade, levando os participantes a
assumir como seus os objetivos organizacionais e
a participar no processo de desenvolvimento da
estratégia (pelas informações e sugestões). Além
disso, permitem vincular os aspectos estratégicos
com atividades de melhoria contínua das
operações organizacionais, concentrando-se nas
necessidades dos clientes e no desenvolvimento
de sistemas sofisticados para sua medição. Assim,
o BSC não é um substituto do EFQM, na medida
em que satisfazem necessidades diferentes. O
EFQM é um método de ajuda para a melhoria
contínua ou global da organização, mas não é uma
ferramenta de gestão.
As principais funções e características des­
ses modelos encontram-se resumidas no QUADRO
2, abaixo.
QUADRO 2 — Comparação entre o BSC e o EFQM
BSC
EFQM
Objetivo
Determinação e seguimento dos objetivos
estratégicos (controle); fomento do
discurso estratégico.
Análise do statu quo; eliminação dos
pontos fracos; aspiração ao prémio
europeu de qualidade.
Conteúdos
Os poucos, mas decisivos, objetivos
por meio dos quais se pretende manter
perante a concorrência (princípio da
abordagem para a determinação de
pontos-chave).
Ampla análise de todas as prestações
da empresa, tanto se se trata de fatores
básicos ou de procuras de prestações no
sentido da estratégia (princípio global da
avaliação das prestações).
Referência com a estratégia
Muito marcada.
Mais escassa.
Responsabilidade (num caso
normal)
Desenvolvimento; planejamento da
empresa; controle.
Gestor da qualidade.
Aplicação
Fixação duradoura na comunicação, no
planejamento, no sistema de relatórios, no
consenso sobre objetivos etc.
Análise ad hoc, por exemplo, em círculos
Kaizen, garantia da execução de ações
relevantes para a qualidade.
Filosofia
Gestão estratégica: remarcar com força
as nossas características de diferenciação,
manutenção de standards sensatos para
as demais.
Ser constantemente melhores em tudo o
que fazemos.
FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
135
3.3.1 Semelhanças entre os modelos
EFQM e BSC
À primeira vista, podemos ter a impressão
que o EFQM e o BSC são dois modelos con­
traditórios que podem levar à duplicação de
trabalhos, uma vez que o EFQM fomenta um
pensamento multidimensional, baseado em pers­
pectivas e indicadores, exigindo ações estratégicas.
Na realidade, existem princípios básicos comuns e
diferenças nos dois modelos.
Quanto às semelhanças, ambos os modelos
perseguem um mesmo fim e compartilham uma
mesma filosofia respeito à gestão (aspirações e
conceitos similares), ou seja, dotar a organização
de um conjunto de ferramentas e de informações
que facilitem uma adequada gestão e tomada
de decisão, promovendo uma ampla melhoria no
rendimento empresarial (HORVÁTH & PARTNERS,
2003; LAMOTTE; CARTNER, 2000).
Como referem Andersen, Lawrie e Shulver
(2000), ambas as metodologias foram desenhadas
para permitir à equipe de gestão a identificação de
um número limitado de medidas de desempenho,
informando sobre o desempenho para cada área
de responsabilidade. Efetivamente, os modelos que
partilham características são sistemas de medição;
favorecem o diálogo acerca da melhoria do de­
sem­penho e a mudança e a ação; estabelecem
relações de causa-efeito; possibilitam a revisão, a
aprendizagem e o feedback; e o seu êxito a longo
prazo depende da implicação de pessoas-chave
para a organização (LAMOTTE; CARTNER, 2000).
Cabal e Arellano (2001) acrescentam a
esses princípios a flexibilidade de adaptação de
ambos os modelos às necessidades concretas de
cada organização. Consideram que atendendo à
informação obtida pelo processo de autoavaliação, e
tendo sempre presente a estratégia organizacional,
é possível o estabelecimento de medidas de
ação, cujos efeitos poderão ser seguidos com
recurso ao BSC, no qual também serão incluídas
variáveis críticas sobre a organização e o ambiente
organizacional.
136
Martínez (2000) destaca que, embora o BSC
distinga resultados econômicos (que asseguram
lucros a curto prazo) de resultados não econômicos
(que garantem a sobrevivência a longo prazo),
e o EFQM distingue critérios de resultados (o
que conseguimos) de critérios agentes (como o
fazemos), tal divisão é, conceitualmente e em termos
práticos, idêntica. Assim, “os resultados actuais
podem ser bons, mas é a nossa forma de obtê-los
(resultados não económicos, agentes facilitadores),
o que nos pode assegurar a sobrevivência no futuro
[…]” (MARTÍNEZ, 2000, p. 208).
Em resumo, segundo Wongrassamee,
Gardiner e Simmons (2003) os dois modelos
contêm distintos objetivos-chave centrados em
áreas específicas, no entanto, estão vinculados
a sistemas de prêmios e incentivos (embora
só o BSC sugira que o sistema de incentivos
deve estar vinculado às medidas estratégicas
do desempenho), que implicam a seleção de
um conjunto de medidas adequadas, não se
estabelecem metas específicas para os diferentes
níveis de desempenho, não se referem a métodos
explícitos para uma implementação bem-sucedida,
deixando liberdade aos gestores para selecionar as
suas próprias medidas, proporcionam uma visão
clara do processo de gestão e colocam a ênfase na
melhoria do desempenho a longo prazo.
Trullenque e Liquete (2002) resumem os
princípios básicos comuns aos dois modelos ao
seguinte:
•
Orientação para os resultados: equi­
líbrio e satisfação de todos os grupos
de interesse importantes para a
organização;
•
Orientação
para
o
cliente:
as
percepções e comportamentos dos
clientes, na cadeia de criação de valor,
são fundamentais para determinar a
qualidade do produto/serviço;
•
Gestão por processos: a informação
proporcionada
pelas
percepções
de todos os grupos de interesse é
essencial na gestão das atividades, as
quais devem estar organizadas por
processos;
A combinação do BSC
com o EFQM possibilita
um diálogo profundo
sobre o desempenho
desde a estratégia até as
operações e os processos
de qualidade; no entanto,
cada abordagem tem
uma história distinta, um
desenvolvimento diferente
e proporciona resultados e
benefícios distintos.
•
Desenvolvimento e implicação das pessoas: centrar a atenção na partilha de
valores e na criação de uma cultura de
confiança em que as responsabilidades
assumidas por cada um fomentam o
nível de compromisso de todos;
•
Aprendizagem e melhoria contínua:
visa à adaptação constante às alte­
rações registadas no ambiente que
rodeia a empresa, fomentando-se na
aprendizagem e melhoria contínua dos
processos.
3.3.2 Diferenças entre os modelos
EFQM e BSC
No que respeita às diferenças entre os
modelos, enquanto o EFQM é um instrumento
de diagnóstico e autoavaliação, o BSC é um
instrumento de controle. O primeiro modelo,
segundo Horvárth & Partners (2003, p. 416417) “procura uma verificação ampla, regular e
sistemática de actividades e de resultados de
uma empresa através de um modelo excelente
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de orientação à qualidade […], o que se pretende
é conseguir melhorias em todas as áreas da
empresa”; o segundo modelo pretende “iniciar
e executar alterações maiores para incrementar
a efectividade da empresa. Isto é, indica-se a
direcção na que deve mover-se a empresa.”
Nesse sentido, Andersen, Lawrie e Shulver
(2000) entendem que o BSC constitui uma melhor
base para o desenvolvimento de um instrumento
para a gestão estratégica de uma organização.
Assim, as principais diferenças entre as duas
metodologias respeitam ao processo de desenho,
ou seja, à forma como as medidas transmitidas
são selecionadas e ao processo de gestão, isto é, à
forma como a ferramenta é integrada no processo
de gestão da organização.
No que concerne ao primeiro aspecto, o
processo de desenho do BSC é mais complexo
e dinâmico, já que favorece uma ênfase clara nas
estratégias específicas adotadas pela organização,
descrevendo e refletindo como e por que um
conjunto de iniciativas possibilita o alcance dos
objetivos estratégicos específicos da organização,
articulando uma visão estratégica partilhada e
identificando as áreas-chave e prioritárias de
desempenho que necessitam ser acompanhadas
pela equipe de gestão (implicando toda a
organização no alcance dos objetivos estratégicos).
Nesse processo, recorre-se com frequência aos
mapas estratégicos. Por outra lado, o desenho do
EFQM implica um processo mais simples, estático
e standard, baseado em prioridades estratégicas
genéricas, uniformes e preestabelecidas para
todas as organizações, facilitando o processo de
desenho e o benchmarking dos resultados entre
distintas organizações.
Quanto ao segundo aspecto, o EFQM
funciona mais como uma ferramenta de diagnóstico
de processos genéricos, não indicando as melhores
iniciativas a serem desenvolvidas para equilibrar
meios e fins. Por sua vez, o BSC possibilita a
vinculação contínua das atividades e dos recursos
à estratégia e planejamento do negócio. Desse
modo, o EFQM necessita do BSC para alinhar a
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
137
visão, missão e estratégia da organização, e o BSC
necessita do EFQM para avaliar até que ponto a
organização o utiliza adequadamente.
Nas palavras de Lamotte e Carter (2000),
a combinação do BSC com o EFQM possibilita
um diálogo profundo sobre o desempenho desde
a estratégia até as operações e os processos de
qualidade; no entanto, cada abordagem tem uma
história distinta, um desenvolvimento diferente
e proporciona resultados e benefícios distintos.
Assim, o BSC não tem como primeiro objetivo
a qualidade, mas é desenhado para comunicar
e estabelecer o desempenho estratégico, asse­
gu­
rando a implementação da estratégia e com­
provando sua validade por meio de um pro­ces­so de
aprendizagem contínuo; enquanto o EFQM colo­ca
a ênfase na adoção de boas práticas e processos
em todas as atividades de gestão da organização,
evi­denciando as áreas que a organização necessita
melhorar significativamente, as que trabalham
adequadamente e as áreas que superam os
benchmarks ideais. Todavia, não possibilita uma
percepção das áreas prioritárias ou de que
melhorias terão maior impacto no desempenho e,
por conseguinte, nos resultados. É precisamente
nesse contexto que o BSC atua, proporcionando a
identificação de áreas prioritárias de atuação e de
imputação de recursos, completando o processo
de autoavaliação ine­rente ao EFQM.
Para Wongrassamee, Gardiner e Simmons
(2003), o EFQM baseia-se nos princípios da TQM,
enquanto o BSC enfatiza o alinhamento da estratégia com medidas de desempenho, sendo diferentes os métodos no que diz respeito ao processo de
feedback e à maior flexibilidade do BSC, na sua aplicação em áreas específicas ou funções organizacionais, comparativamente ao EFQM.
No QUADRO 3, resumem-se os principais
pontos fortes e fracos das duas metodologias.
QUADRO 3 — Pontos fortes e fracos do BSC e do EFQM como conceito de controle
BSC
Pontos fortes
Tem várias dimensões; seguimento
consequente da execução da estratégia;
concretização dos objetivos estratégicos
e decisivos frente à concorrência para o
controle da empresa; dispõe de relações de
causa-efeito dos objetivos como ajuda para
o controle; é um processo de comunicação
interdisciplinar e que abarca todas as
hierarquias; cria “cascatas” nos níveis de
hierarquia até ao BSC pessoal.
Tem várias dimensões; é um princípio
universal; está formado por uma
hierarquia de critérios; é quantificável
(determinação do índice); contém
“categorias de facilitadores”; possibilita
o benchmarking; é útil para a reflexão
pessoal; reforça a coincidência com a
qualidade.
Pontos fracos
Não representa uma substituição para
a determinação da estratégia, não é
essencialmente um instrumento de análise
(exceção: correlações); existem poucos
standards para a determinação dos objetivos;
é muito difícil comparar os conteúdos com
outras empresas porque pretende criar
(conscientemente) soluções individuais e
não standards para os sectores; não existe
um processo fortemente formalizado para
a aplicação; não dispõe de diretrizes para
a qualidade, para a estrutura do BSC nem
para a implementação, assim como para o
funcionamento da empresa.
Não existe estabelecimento de
prioridades, não existem relações;
os critérios não são específicos para
empresas, não existe possibilidade de
diferenciação; não é um instrumento
estratégico de controle (determinação
sistemática e seguimento de
objetivos), portanto, não é adequado
para a implementação da estratégia;
não é apropriado para a comunicação
no seio de toda a empresa; tendência
para a burocracia.
FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003)
138
EFQM
3.4 Os Critérios e Subcritérios do
EFQM e as Perspectivas do BSC
e financeiros e 9b — indicadores-chave
de economia e finanças;
Martínez (2000) e Martínez e Zardoya
(1999) referem que o EFQM nos indica que a
satisfação dos clientes, do pessoal e o impacto
na sociedade deriva de um processo de liderança
capaz de conduzir a estratégia e o planejamento,
a gestão do pessoal e dos recursos e os sistemas
de qualidade e processos atingindo a excelência
nos resultados financeiros e não financeiros da
empresa. Embora esses autores não procurassem
estabelecer uma relação entre esse modelo e
o BSC, em nossa opinião podemos facilmente
retratar a filosofia inerente ao BSC, em particular
às suas perspectivas, nessas palavras. Assim,
pelo EFQM podemos descobrir indicadores para
essas perspectivas. Nesse sentido, Membrado
(2002) efetuou um estudo no qual compara as
perspectivas do BSC com os critérios e subcritérios
do EFQM, procurando destacar as semelhanças
entre esses dois modelos. As principais conclusões
do estudo podem resumir-se ao seguinte:
•
A relação entre a perspectiva financeira
encontra-se refletida nos subcritérios:
4b — gestão dos recursos econômicos e
financeiros; 9a — resultados econômicos
•
Verificou-se uma coincidência entre
a perspectiva dos clientes e os
subcritérios: 1c — implicação dos líderes
com os clientes7; 2a — necessidades e
expectativas atuais e futuras dos grupos
de interesse; 5e — gestão e melhoria das
relações com os clientes e critério 6 —
resultados com os clientes;
•
A perspectiva dos processos internos
está representada nos subcritérios: 2d —
desdobramento da estratégia através de
um esquema de processos-chave e 9b
— indicadores chave relacionados com
processos e no critério 5 — processos
(com os respectivos subcritérios);
•
Finalmente, identificou-se a perspectiva
de aprendizagem e crescimento nos
critérios: 3 — pessoas; 4 — alianças e
recursos e 7 — resultados com o pessoal
e no subcritério 9b — indicadores-chave.
Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003)
também efetuaram uma comparação entre os
critérios do EFQM e as perspectivas do BSC,
conforme se pode verificar no QUADRO 4:
QUADRO 4 — Os critérios do EFQM e as perspectivas do BSC
Perspectivas BSC
Critérios EFQM
Financeira
Resultados do
negócio
Clientes
Satisfação dos
clientes Impacto na
sociedade
Interna
Aprendizagem e
Crescimento
Recursos Processos
Liderança Política e
Resultados não
estratégia Gestão do
financeiros do
pessoal Satisfação do
negócio
pessoal
FONTE: Adaptado de Wongrassamee; Gardiner; Simmons (2003)
O primeiro critério do EFQM é a liderança, considerado um elemento impulsor do modelo. De forma semelhante, o BSC considera a
liderança e o compromisso da gestão de topo como um fator determinante do êxito organizacional. Implícito nos dois modelos, está a
consideração de que os gestores deverão despender um considerável tempo em todo o processo (MCADAM, 2000).
7
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
139
A área da gestão da qualidade pode ser uma maneira de fornecer medidas mais relevantes em termos
das perspectivas de clientes e de aprendizagem e crescimento, de fato, para medir a satisfação dos clientes
e empregados (LAGROSEN, 2001). Para Trullenque e Liquete (2002) a construção de um mapa estratégico
possibilita uma visão mais explícita da integração dos critérios e subcritérios próprios do modelo EFQM nas
distintas perspectivas do BSC (FIG. 2).
Clientes
Financeira
FIGURA 2 — Integração dos critérios e subcritérios do modelo EFQM no mapa estratégico
Crescimento
Rendibilidade
Investimento
Clientes (segmentação e
proposição de valor ao
cliente)
Risco
Sociedade (proposição de
valor à sociedade)
EFQM
Informação e
conhecimento
Tecnologia
Edifícios,
equipamentos
e materiais
Recursos
econômicos e
financeiros
Informação e
conhecimento
Pessoas
Gestão de
relações com
a sociedade
Tecnologia
Edifícios,
equipas e
materiais
Recursos
económicos e
financeiros
Alianças
Pessoas
Liderança
Gestão de
relações com
clientes
Operações
Alianças
Desenho e
desenvolvimento
de produtos e
serviços
Liderança
Capacidades
& Recursos
Processos
BSC
FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002)
3.5 Modelo de Integração do EFQM
e do BSC
O projeto de desenvolvimento de um
modelo integrando o EFQM e o BSC foi liderado
pela empresa de consultoria Strategy & Focus, em
colaboração com o Clube de Gestão da Qualidade
(representante da EFQM). A utilização conjunta
desses modelos, tanto em organizações públicas
como privadas, permite maximizar as forças
e minimizar as debilidades resultantes de sua
utilização isolada (JOHNSON, 2003)8.
O EFQM permite que os gestores com­
preendam os princípios das organizações excelentes
e os princípios de causalidade subjacentes no BSC,
melhorando a atenção aos clientes e ao pessoal,
colocando a ênfase nos processos internos a serem
geridos a partir de uma liderança efetiva. Por outro
lado, o BSC define e clarifica a estratégia para que
todos a compreendam e se centrem no desempenho
futuro. Nesse sentido, a ausência de uma direção
estratégica no modelo EFQM é compensada pelo
modelo BSC.
O autor apresenta os casos das empresas Siemens Communications; Swedish Customs; Northern Ireland Electricity e Royal Sun Alliance,
que utilizaram as duas metodologias em conjunto.
8
140
Nos últimos anos, desenvolveu-se uma
investigação a respeito da integração do EFQM
com o BSC. Assim, por exemplo, Cabal e Arellano
(2001) e Andersen, Savi e Lawrie (2004a, 2004b)
realizaram uma pesquisa para avaliar as possíveis
vantagens que podem resultar da aplicação
combinada do EFQM e do BSC. Malmi (2001)
obteve evidência empírica de que as empresas
finlandesas utilizam o BSC como uma ferramenta
que permite gerir os programas de qualidade,
facilitando a obtenção de prêmios de qualidade.
O estudo de McAdam e O’Neill (1999), na empresa
Northern Ireland Electricity, destaca a limitação
do EFQM como uma abordagem estratégica,
demasiado burocrática e complicada para que os
empregados compreendessem as prioridades da
organização. Desse modo, a introdução do BSC
possibilitou a identificação dos temas estratégicos
e favoreceu uma melhor comunicação das
prioridades estratégicas aos níveis mais baixos da
hierarquia organizacional. Não obstante, o EFQM
realçou as atividades a ser alteradas para finalizar
a estratégia, e o processo de autoavaliação
permitiu analisar o progresso em relação aos
temas estratégicos.
Em 2000, Martínez (2000) analisou a
metodologia de trabalho conjunto entre o EFQM
e o BSC, considerando que a integração entre
esses modelos se pode fazer de duas formas: a
partir do EFQM e integrar o BSC, ou vice-versa.
Embora considerando que as duas alternativas são
válidas para alcançar a melhoria contínua, o autor
optou pela primeira forma, uma vez que o EFQM
se caracteriza por ser “um sistema de gestão
integral, que alcança todos os âmbitos da empresa
e que exige o compromisso de todo o pessoal,
e que em princípio parece um modelo mais
facilmente assimilável e assumível” (MARTÍNEZ,
2000, p. 208). O autor ainda defende que antes
de se implementar o BSC, deve-se efetuar uma
autoavaliação da empresa, a qual deve ser
apoiada pelo modelo EFQM, que dará os primeiros
passos no sentido de comprometer o pessoal da
organização nesse processo, cuja satisfação é
fundamental na obtenção da qualidade.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Segundo Cabal e Arellano (2001), dispor de
um BSC que concentre a estratégia adotada e as
áreas de melhoria é extremamente útil, ao alertar
para a linha de atuação seguida pela empresa e
para a sua coerência com a estratégia. Desse modo,
Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003, p. 21)
consideram que a integração é crucial na medida
em que o EFQM apenas indica as áreas que devem
ser examinadas, mas “não fornece sugestões sobre
que estratégias ou planos devem ser adoptados
para promover a melhoria contínua”.
Para Horváth & Partners (2003), a apli­
cação desses conceitos deverá atender a dife­
rentes tipos de integração, em concreto, à in­
te­
gração por processos (é importante que a
au­toavaliação inerente ao EFQM se produza antes
da determinação da estratégia e da elaboração
do BSC); à integração organizacional (inter-rela­
ção entre as equipes de trabalho); à integração
instrumental (relatórios, indicadores e bases de
dados comuns) e à integração de conteúdos (de­
fi­
nição clara de pontos de interseção, de rela­
ções input/output, aproveitamento de pessoal,
perspectivas e indicadores na obtenção de
sinergias). Em relação a esse último aspecto, o BSC
tem em conta, durante a seleção dos objetivos
mais importantes da empresa, todos aqueles temas
estratégicos que vão surgindo ao longo da autoavaliação
da EFQM […], definindo o resultado final da autoavaliação
no modelo EFQM como indicador no BSC. (HORVÁTH &
PARTNERS, 2003: 419)
Assim, evita-se que pequenas medidas
individuais sejam solucionadas sem se transferir
para o sistema estratégico do BSC. Frente ao
exposto, facilmente se comprova que existe um
conjunto de contribuições do EFQM e do BSC para
um modelo integrado, segundo o QUADRO 5.
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
141
QUADRO 5 — Contribuições do EFQM e do BSC para um modelo integrado
EFQM
BSC
Potenciação da liderança como elemento
fundamental de orientação e coesão organizacional.
Ferramentas avançadas de implementação e gestão estratégica.
Cultura de inovação na gestão e partilha de
conhecimentos dentro da organização.
Abordagem de desdobramento estratégico na organização a
partir de uma arquitetura estratégica definida.
Desenvolvimento de alianças baseadas na confiança,
Integração de estratégia, medição, estabelecimento de metas e ação.
o conhecimento partilhado e a integração.
Responsabilidade social, adotando-se uma
abordagem ética de compromisso social com uma
abordagem a longo prazo.
Sistemas de estabelecimento de prioridades estratégicas, de
medidas, ações e recursos.
Orientações estratégicas de toda a organização por meio da
participação e do seguimento participativo e integrado de todos
os elementos de gestão.
FONTE: Elaboração própria, a partir de Trullenque e Liquete (2002)
De acordo com Trullenque e Liquete (2002, p.
32), a integração desses modelos permite “a criação
de um único modelo de gestão que integre os
conceitos de excelência na gestão com a necessária
orientação estratégica que deve alinhar toda a
organização numa única direcção cujo objectivo
é a liderança na criação de valor”. Nas palavras
dos autores, permite “transformar a estratégia em
acção excelente”. Nesse sentido, permite passar
de uma visão descritiva e global (característica do
EFQM) para uma visão prescritiva e centrada capaz
de orientar os recursos organizacionais na mesma
direção, conduzindo ao cumprimento da missão e à
realização dos objetivos.
paulatina e equilibrada, devendo centrar-se sobre
aspectos como a detecção e tratamento de barreiras
à mudança, comunicação e formação, já que leva a
uma alteração cultural para a excelência. Com efeito,
as organizações que já tinham implantado o BSC,
ao integrá-lo com o EFQM, iniciam um processo de
reflexão sobre o seu conteúdo, orientação, gestão e
implementação da estratégia, capaz de evolucionar
versões iniciais do BSC baseadas em indicadores até
um modelo de gestão mais avançado. Além disso,
para as organizações que ainda não implantaram
o EFQM e o BSC, o modelo integrado oferece
uma resposta global, estrategicamente centrada e
orientada à melhoria do seu modelo de gestão.
Portanto, recomenda-se que a imple­
men­
tação de um modelo integrado deva ser gradual,
Os elementos básicos do modelo integrado
EFQM e BSC apresentam-se na figura seguinte.
FIGURA 3 — Elementos básicos do modelo integrado
EFQM e BSC
Marco Estratégico
Seguimento
Integrado
Realimentação
Alinhamento
Alinhamento
económico e
pessoal
Mapas
estratégicos
Estratégia
Alinhamento
organizacional
Modelo
EFQM & BSC
Operações
Indicadores
Valor sustentável
Iniciativas
FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002)
142
Metas
Considerações Finais
Num mercado globalizado, em que as
empresas enfrentam um ambiente cada vez
mais competitivo, com mais desafios e com uma
sociedade procurando a excelência econômica, a
procura da qualidade como vantagem competitiva
é crucial para oferecer à empresa um contributo
valioso na sua gestão. Desse modo, a qualidade é
uma variável estratégica que as organizações não
podem ignorar. Por outro lado, a evidência empírica
obtida nos trabalhos desenvolvidos por Kaplan e
Norton demonstrou que o BSC se desmarca dos
sistemas tradicionais de avaliação e controle dos
resultados, considerando-se o alinhamento entre os
indicadores de gestão e a estratégia da organização
como uma das chaves do êxito na sua implantação.
Em termos gerais, no decorrer da revisão
de literatura efetuada, observamos que existe uma
perfeita coerência entre o BSC e os princípios
de gestão da qualidade total. Assim, a TQM e o
BSC são filosofias amplamente discutidas não
apenas no mundo acadêmico, como também no
mundo dos negócios, em organizações públicas
e privadas, com metas e objetivos similares para
a melhoria do desempenho da organização
(HANNULA; KULMALA; SUOMALA, 1999). Não
obstante, distintos autores salientam que o BSC é
um conceito mais amplo que a TQM ao completar
a dimensão de clientes e de processos internos
que a caracterizam, com perspectivas financeira,
de aprendizagem e de crescimento.
Por um lado, foi possível constatar que o
modelo EFQM partilha os fundamentos da TQM, isto
é, a orientação ao cliente, as relações de associação
com os fornecedores, o desenvolvimento e
vinculação das pessoas, a melhoria contínua e a
inovação, a liderança e a coerência nos objetivos
estratégicos e a avaliação dos resultados. Por
outro, existe uma estreita relação entre o EFQM
e o BSC no âmbito da satisfação e compreensão
das necessidades dos clientes (o BSC tem uma
perspectiva de clientes e o EFQM tem critérios
relacionados com os resultados dos clientes), assim
como pela participação dos empregados (refletida
na perspectiva de aprendizagem e crescimento do
BSC e no processo de autoavaliação e nos critérios
de resultados do EFQM).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Apesar de algumas diferenças significativas,
ambos os instrumentos foram desenvolvidos
desde os conceitos análogos, proporcionando
uma visão geral do desempenho organizacional
e superando um conjunto de limitações dos
tradicionais sistemas de medição do desempenho.
Como afirmam Marín e Ruiz-Olalla (2006, p.
100), a criação de valor, a longo prazo, no âmbito
empresarial, pode-se gerir a partir de modelos
estratégicos como a TQM e o BSC, “contribuindo
para melhorar o estilo de gestão da empresa […],
ambos participam num objetivo comum: alcançar
a satisfação dos clientes da empresa, o que implica
melhorar continuamente”.
Não obstante, ambos os modelos reque­
rem capacidades e experiência em diferentes
funções, envolvendo alguns elementos formais e,
em consequência, alguma burocracia, o que pode
difi­
cultar a sua implementação nas pequenas e
médias empresas. Além disso, o EFQM e o BSC
atribuem particular importância à perspectiva dos
processos de negócio e à necessidade de esta­
belecimento de um conjunto de passos para a sua
definição, gestão e melhoria (MCADAM, 2000).
Assim, à semelhança de Cabal e Arellano (2001),
entendemos que a integração entre o EFQM e
o BSC é importante porque podemos utilizar o
EFQM para determinar os pontos fortes, os pontos fracos e as áreas de melhoria e o BSC para reunir num único documento todos os indicadores
capazes de determinar o grau de execução das
medidas que se decidiu adotar e se produzem os
resultados desejados.
Em suma, o importante é que a organização
tenha conhecimento da razão para utilizar
esses modelos e que seja capaz de gerir o seu
desenvolvimento e implementação adequadamente,
procurando relacionar as perspectivas do BSC com
os critérios e subcritérios identificados no EFQM
(LAMOTTE; CARTER, 2000).
v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012
•
Recebido em: 09/03/2012
•
Aprovado em: 04/04/2012
143
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Retorno acionário e grau de
alavancagem operacional:
evidências sob novas abordagens
metodológicas
Stock return and degree of operating leverage: new evidences under
new methodologics subjects
Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens
metodológicas
Stock return and the degree of operating leverage: new evidence for contemporary association
Paulo Roberto Barbosa Lustosa1
José Antonio de França2
Resumo
Este artigo avança sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para
apresentar novas evidências da resposta do mercado ao Grau de Alavancagem
Operacional – GAO. O GAO foi calculado empiricamente como a relação entre a
margem de contribuição e o lucro operacional, sendo aquela obtida por uma regressão
do custo do produto vendido contra a receita operacional líquida. Além disso, foram
adicionados novos modelos relacionando o retorno trimestral de mercado com o
GAO tanto no sentido contemporâneo, em um mesmo trimestre, como defasado em
um trimestre. Os retornos foram considerados em termos normais, isto é, o próprio
retorno divulgado, como em condições não esperadas, ou anormais, o que levou à
definição de um modelo para a antecipação do retorno pelo mercado. Considerando
a relativa estabilidade do GAO, utilizou-se modelos naïve, do tipo random walk,
para o cálculo do GAO e do retorno não esperados. Os resultados indicam que: (i)
o GAO médio mostrou-se relativamente elevado, sinalizando possível ociosidade
das firmas no período amostral; (ii) o crescimento trimestral médio da receita das
firmas, no mesmo período, foi relativamente pequeno; (iii) como consequência de (i)
e (ii), houve relação significativa e inversa entre o retorno normal contemporâneo e
o GAO defasado de um trimestre, bem como do retorno anormal com o GAO não
esperado também defasado; e (iv) houve relação significativa e direta entre o retorno
contemporâneo de t e o GAO não esperado do próprio trimestre.
Palavras-chave: Grau de Alavancagem Operacional (GAO). Retorno não Esperado.
GAO e Ociosidade.
Abstract
This article elaborates on the study of Dantas, Medeiros and Lustosa (2006) to present
new evidence of market response to the Degree of Operating Leverage (DOL). The
DOL was calculated empirically as the relationship between the contribution margin
and the operating profit, the former being obtained by a regression of the cost of the
product sold against net operating revenues. In addition, new models have been added
relating the quarterly market return with the DOL in both contemporary (in the same
quarter) and outdated (throughout a quarter) terms. The returns were considered
both in normal terms, that is, the return itself, and as expected or abnormal, which
led to the definition of a model for the anticipation of the return from the market.
Considering the relative stability of the DOL, naïve models such as ‘random walk’ were
used for calculating the DOL and unexpected returns. The results indicate that: (i) the
average DOL proved to be relatively high, signaling possible idleness of companies in
the sample period; (ii) the quarterly average revenue growth of the companies was
relatively small in the same period; (iii) as a result of (i) and (ii), there was a significant
inverted relationship between the normal contemporary return and the DOL from a
previous quarter, as well as the abnormal return with the unexpected outdated DOL;
and (iv) there was a direct and significant relation between the contemporary return
of t and the unexpected DOL of the same quarter.
Keywords: Degree of Operating Leverage (DOL). Unexpected Return. DOL and
Idleness.
Doutor em Ciências Contábeis (USP), Professor Titular da Universidade de Brasília.
E-mail: [email protected]
2
Doutor em Ciências Contábeis (UNB), Professor Adjunto da Universidade de Brasília.
E-mail: [email protected]
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
147
Introdução
Esta pesquisa se inspira no estudo de
Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para verificar se
há relação contemporânea, no mercado de capitais
brasileiro, entre o comportamento das ações e a
alavancagem operacional de empresas do segmento
de manufatura. Quando a alavancagem operacional
é utilizada em estudos empíricos na área contábil, o
pesquisador geralmente faz uma série de escolhas
relacionadas com a definição e mensuração desse
conceito, pois as demonstrações financeiras
publicadas não segregam a estrutura de custos da
empresa de modo a permitir a quantificação direta
do grau de alavancagem operacional pela relação
entre a margem de contribuição e o lucro.
A alavancagem operacional representa
o efeito multiplicador das vendas no lucro, um
con­
cei­
to que está bastante documentado nos
livros-texto de contabilidade gerencial, como em
Garrison e Noreen (2001). A extensão dessa alavancagem, causada pelo nível de investimentos
em ativos fixos, é representada pelo Grau de Alavancagem Operacional (GAO), definido pela relação entre a margem de contribuição e o lucro, um
número adimensional que traduz o tamanho do
efeito ala­vanca ou a sensibilidade do lucro às variações da venda. Assim, para um dado nível de vendas, se esta variar de x, um GAO igual a k implicará
a multiplicação do lucro, para cima ou para baixo,
por kx, conforme as vendas cresçam ou diminuam.
O desafio, nos estudos empíricos sobre
esse tema, é como medir o GAO a partir das
demonstrações financeiras publicadas. Dantas,
Medeiros e Lustosa (2006) utilizaram o modelo
originalmente formulado por Mandelker e Rhee
(1984), no qual o GAO é aproximado pelo
coeficiente angular do lucro numa regressão
logarítmica do lucro operacional com a receita
de vendas. Esse modelo tem uma racionalidade
interessante, pois o coeficiente da receita líquida
que resulta da regressão é a variação marginal do
lucro para cada unidade de variação da receita, em
linha com o conceito de alavancagem operacional.
Conquanto a abordagem de Mandelker
e Rhee (1984) seja a mais utilizada para a
mensuração empírica do GAO, sendo exemplos
148
adicionais Darrat e Mukherjee (1995) e Griffin e
Dugan (2003), esta pesquisa inova ao mensurar
o GAO de forma diferente em uma amostra de
empresas industriais. Primeiro, o custo variável
unitário de cada empresa-trimestre é obtido pelo
coeficiente angular da receita líquida, por meio de
uma regressão linear do custo do produto vendido
contra a receita líquida de vendas. Em seguida,
esse estimador é multiplicado pela receita líquida
da empresa em cada trimestre, obtendo-se, assim,
uma aproximação do seu custo variável total de
produção, que adicionado à despesa variável de
vendas, divulgado nas demonstrações financeiras,
resulta no custo variável total. Com isso, se apura
a margem de contribuição e, na sequência, o
GAO. A fundamentação desse modelo, e sua
formulação matemática, serão apresentadas na
seção de metodologia.
Assim, o objetivo deste artigo é avançar
sobre a pesquisa de Dantas, Medeiros e Lustosa
(2006) buscando identificar as relações entre o
comportamento das ações e o GAO sob novos
enfoques metodológicos, que abrangerão: (i)
inovação na mensuração empírica da alavancagem
operacional; (ii) amostra restrita a empresas
industriais; e (iii) teste da associação contemporânea
do retorno com o GAO, pois a natureza
relativamente estável da capacidade instalada, em
bases trimestrais, fornece fundamentos teóricos
para testes não defasados e com os valores reais
dessas duas variáveis. Mesmo assim, serão rodados
testes adicionais com valores não esperados, com
projeção dos valores esperados por um modelo
naïve, a fim de se estabelecer um diálogo, em bases
comparáveis, com o trabalho de Dantas, Medeiros e
Lutosa (2006).
Este trabalho contribui para vitalizar o
debate empírico das pesquisas sobre alavancagem
operacional, ainda bastante incipiente no Brasil.
Além disso, abre uma avenida para a continuidade
dessa linha de pesquisa em bases condicionais,
com o exame da reação do mercado à alavancagem
operacional sob controle das vendas, uma vez
que o efeito alavanca é bom quando as vendas
crescem, mas é ruim se as vendas decrescem.
Na continuidade deste artigo, a próxima
parte apresenta os fundamentos teóricos da
alavancagem operacional e revê pesquisas
relacionadas ao tema. A terceira parte detalha o
desenho metodológico da pesquisa. O capítulo
quatro analisa os resultados, e a última parte
apresenta os marcos conclusivos do trabalho.
1
Fundamentos Teóricos e
Revisão da Literatura
Discussões em torno da utilidade do GAO,
em estudos empíricos, embora ainda relativamente
poucos, visam descobrir se as oscilações do GAO
sinalizam mudanças de comportamento do mercado
em relação ao valor das ações das empresas, como em
Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), que estudaram
a reação do mercado às oscilações do GAO. Nesse
estudo, os autores calcularam o GAO utilizando o
modelo sustentado em logaritmo natural concebido
por Mandelker e Rhee (1984), descrito como lnLOj,t=
aj+bj lnROL + ɛj,j , onde ln = logarítmo natural; LO =
lucro operacional; ROL = receita operacional líquida;
j = empresa; e t = período. Adicionalmente, Dantas,
Medeiros e Lustosa (2006) calcularam o GAO não
esperado, denominado GAONE, descrito como
GAONEj,t = GAOj,t – Ej,t(GAOj,t ). A conclusão desse
estudo sinalizou que o GAO é estatisticamente
relevante para explicar o comportamento do re­
torno das ações.
A conclusão do estudo de Dantas, Medeiros
e Lustosa (2006) está de acordo com o estudo
efetuado por Jorgensen et al. (2009), no qual
investigaram o efeito do crescimento das vendas
sustentado na utilização da capacidade produtiva.
Nesse estudo, os autores observaram que o
comportamento das vendas em empresa com
utilização plena da capacidade instalada é inverso
ao comportamento da margem de lucro, pois as
vendas crescem nessa condição pressionando
os custos e, em consequência, a margem de
lucro se reduz sinalizando a necessidade de mais
investimento. Para a obtenção dessa confirmação,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A alavancagem operacional
se relaciona com o
comportamento do lucro
no curso da capacidade
instalada geradora de
custo fixo, por meio da
maximização do volume de
vendas, considerando que
o volume de produção é
adequado à planta fabril
alavancagem operacional
pode ser entendida como
a ampliação de um período
curto de incerteza de lucro
relativo à incerteza das
vendas.
os autores fizeram o controle de variáveis como
despesa de capital e margem de lucro, e ainda
consideraram que se as empresas divulgassem o
nível de utilização de sua capacidade produtiva
isso poderia ser relevante para o valor de mercado
de suas ações.
Para medir a margem de lucro, os autores
utilizaram a seguinte modelo:
PMi,t = αi,t + βi∆Salesi,t-1 + γiTCUi,t-1 + δi∆Salesi,t-1TCUi,t-1 + ɛi,t,
onde PM = margem de lucro; ∆Sales = variação de
vendas; TCU = capacidade de utilização; ɛ = termo
de erro; e i = empresa; e t = período.
De fato, Jorgensen et al (2009) corroboram
que a alavancagem operacional se relaciona com o
comportamento do lucro no curso da capacidade
instalada geradora de custo fixo, por meio da
maximização do volume de vendas, considerando
que o volume de produção é adequado à planta
fabril. Nesse sentido, conforme observa O’brien e
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
149
Vanderheiden (1987), a alavancagem operacional
também pode ser entendida como a ampliação
de um período curto de incerteza de lucro relativo
à incerteza das vendas. Os autores sugerem o
cálculo do GAO por meio do modelo DOL = {[Xt /
E(Xt )] – 1}/{[St /E(St)]-1}, onde DOL = grau de
alavanca­gem operacional; X = lucro operacional
do período; S = vendas do período; E = valor
esperado; e t = período.
Ocorre que o pesquisador deve observar
que o GAO, em relação à empresa, é uma variável
endógena, e nessa condição absorve os efeitos das
políticas, práticas e modelos contábeis utilizadas
no reconhecimento e valoração de ativos, receitas
e despesas que impactam a mensuração do lucro
(MAYO, 2009). Por ser o GAO uma função de
variáveis como lucro (π), margem de contribuição
(λ) e custo fixo (k), GAO = ƒ(π, λ, k), e o lucro
ser impactado pelo viés das políticas, práticas
e modelos contábeis de cada empresa, o GAO
também está exposto a esse viés.
A discussão sobre políticas, práticas e
modelos contábeis transcende décadas, como em
Kiger e Williams (1977) que, ao darem continuidade
ao estudo de Paton e Littleton (1940), exploram
o conceito emergente da apresentação do
lucro e mostram as divergências conceituais de
mensuração, confrontando os métodos all-inclusive
e current-operating-performance. O primeiro mé­
to­do considera que toda transação que provoque
mudança no capital dos proprietários deve ser
reconhecida no resultado do exercício, enquanto
o segundo exclui da apuração do resultado tran­
sações não relacionadas com o período corrente e
itens extraordinários, tratando-os diretamente no
patrimônio líquido.
Essas discussões relativas à mensuração
do GAO orbitam em torno do conceito de
Ponto de Equilíbrio Operacional que, no viés da
Contabilidade, leva em consideração a linearidade
dos custos e receitas. Nessa visão, à medida
que o desempenho da empresa se aproxima do
Ponto de Equilíbrio Operacional, tanto pela direita
quanto pela esquerda, o lucro tende a zero, e a
relação entre a Margem de Contribuição e a soma
150
de Custo e Despesas Fixas Totais tende a 1, em
função da igualdade de custos e receitas como em
Horngren, Sundem e Stratton (1996, p. 44).
A segregação dos custos em fixo e
variável, necessários para obtenção do GAO e
requerida para determinar o Ponto de Equilíbrio
Operacional, é normalmente difícil de ser feita por
meio de informação externa da Demonstração
do Resultado e, em razão disso, é comum definir
o GAO como uma medida de elasticidade da
mudança de percentagem nos lucros antes de
juros e tributos (EBIT), para uma dada mudança na
demanda unitária, como em Lord (1998) e Dugan e
Shriver (1992).
Na parte empírica, as pesquisas sobre a
Alavancagem Operacional têm sido dedicadas
ao desempenho e comportado metodologias
distintas de mensuração, como em Huo e Kwansa
(1994), que estudaram os efeitos do risco de
empresas que exploram atividades de restaurante
e hotel nos Estados Unidos, no período de recessão
ocorrido em 1990 e 1991, concluindo que o risco
dos restaurantes se apresentou maior do que o
risco dos hotéis.
Para esse estudo, modelaram o GAO como
DOL = S - VC / S - VC – FC, onde DOL = Grau de
Alavancagem Operacional; S = vendas; VC = custo
variável; FC = custo fixo.
Ainda no segmento empírico, Li e Li (2004)
investigaram a existência de efeito portfolio da
alavancagem microeconômica nas firmas listadas
na bolsa chinesa em 2001 e 2002, utilizando a
modelagem
, onde EBIT é o lucro antes
de juros e tributos diretos sobre o lucro e F é a
despesa operacional fixa. Os autores concluíram
que a Alavancagem em seus domínios operacional
e financeiro pode contribuir para balancear o risco
sistemático.
Concluindo, pode-se inferir que, em termos
cartesianos, quando o desempenho da empresa
se aproxima do ponto de equilíbrio operacional
pelo lado esquerdo, o GAO tende a menos infinito,
em função da redução do prejuízo. Quando essa
aproximação ocorre pelo lado direito, o GAO tende
a mais infinito, em função da redução do lucro.
Logo, o GAO varia de menos infinito a mais infinito
(-∞ ≤ GAO ≤ + ∞), com a restrição de não poder
assumir o nível zero. Essa restrição caracteriza a
função GAO como descontínua no ponto em que
a Margem de Contribuição se iguala aos Custos e
Despesas Fixas e, em consequência disso, nesse
ponto a função não é derivável.
2Metodologia
2.1 Modelo Geral
Nas pesquisas empíricas que relacionam
informações contábeis com o comportamento das
ações no mercado de capitais, uma premissa comum,
derivada da Hipótese de Eficiência do Mercado,
é a de que o mercado antecipa as informações
contábeis antes delas serem divulgadas. O pilar
central do modelo de mensuração contábil – de
confrontar o custo expirado dos ativos com a
receita realizada – contribui para esse processo,
pois torna as informações contábeis mais estáveis
e previsíveis, favorecendo a antecipação delas nos
preços nas datas de fechamento dos balanços,
com ajustes posteriores ao longo do período que
antecede a divulgação. Por essa razão, a maioria
das pesquisas empíricas que analisam a reação do
mercado às informações contábeis é modelada
na forma Ʋ=Xβ+ ɛ, onde: Ʋ é um vetor coluna de
retornos anormais, ou retornos não esperados,
com m linhas, para a ação de cada empresa; X é
uma matriz m x k (m linhas e k colunas) de valores
não esperados das variáveis contábeis para
cada empresa; β é um vetor coluna com k linhas,
que representa os estimadores, ou coeficientes
de respostas das variáveis independentes,
empiricamente obtidos ao se rodar a regressão
linear; e ɛ é um vetor coluna de erros residuais,
com m linhas, também empiricamente gerado.
Contudo, a natureza da alavancagem
operacional abre possibilidade teórica para um
Rev.
FA E ,
C uritiba,
novo tipo de modelagem, em que a relação
contemporânea do comportamento das ações com
essa variável não se dê em termos de valores não
esperados, mas pelo próprio valor real, na data do
fechamento do balanço, entre o retorno e o GAO
de cada empresa. Quando o estudo é conduzido
para períodos curtos de tempo, no caso desta
pesquisa, trimestrais, é possível imaginar que o
mercado só reagiria às informações de capacidade
instalada quando essas se alterassem com novos
investimentos em ativos fixos, ou alienação deles.
Nessas condições, o que estaria produzindo a
alteração do GAO seria o nível de produção, pois
esse é definido pelo uso da capacidade instalada.
Dessa forma, é possível que os preços reajam a
essa informação concomitante à produção e por
isso o seguinte modelo será testado:
ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t
(1),
onde:
ri,t = retorno normal da empresa i, ao fim do
trimestre t;
GAOi,t = Grau de Alavancagem Operacional
da empresa i, ao fim do trimestre t;
β0 e β1 = estimadores da regressão,
respectivamente, o coeficiente linear e angular da
reta de regressão r = f(GAO);
ɛi,t = erro residual de estimação, da empresa
i, ao fim do trimestre t. Assume-se ɛ ≈ N(0; σ2).
Mas, como há a possibilidade de o mer­
cado antecipar-se à informação da produção e,
por extensão, do GAO, será rodado também o
seguinte modelo:
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t(2),
onde:
Ʋi,t = retorno anormal (ou não esperado) da
empresa i, ao fim do trimestre t;
=
Grau
de
Alavancagem
GAONEi,t
Operacional Não Esperado da empresa i, ao fim
do trimestre t;
Demais parâmetros como na equação (1).
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
151
2.2 Obtenção das Variáveis
Retorno da Ação – Na equação (1), o retorno
normal, ri,t, da ação i ao fim do trimestre t, será
obtido assumindo capitalização contínua dos
preços, conforme equação (3) a seguir:
ri,t=ln (
)=ln(pi,t) — ln(pi,t-1)(3),
onde, ln é o operador de logaritmo natural; e pi,t
e pi,t-1 são, respectivamente, o preço da ação da
empresa i no fim do trimestre corrente, t, e do
trimestre anterior, t-1.
Na equação (2), o retorno anormal (ou não
esperado) da empresa i, ao fim de cada trimestre
t, Ʋi,t, é a diferença entre o retorno real, ri,t, e o que
fora antecipado, no trimestre anterior, t-1, para o
retorno em t, Et-1(ri,t), isto é:
Períodos trimestrais
de observação e a
premissa de eficiência do
mercado, que impede a
possibilidade de ganhos
anormais continuados, são
fundamentos razoáveis
para justificar que um
bom preditor do retorno
para o trimestre corrente
é o retorno verificado no
trimestre anterior.
Ʋi,t=ri,t — Et-1 (ri,t)(4)
Uma escolha importante do pesquisador,
quando ele trabalha com retornos anormais, é qual
será o modelo para projetar os retornos esperados,
Et-1(ri,t). Dantas, Medeiros e Lustosa (2006)
utilizaram em sua pesquisa o modelo de mercado
(market model). Neste trabalho, utilizaremos um
modelo naïve.
Períodos trimestrais de observação e a
premissa de eficiência do mercado, que impede a
possibilidade de ganhos anormais continuados, são
fundamentos razoáveis para justificar que um bom
preditor do retorno para o trimestre corrente é o
retorno verificado no trimestre anterior. O caráter
parcimonioso dessa especificação tem a vantagem
de livrar o pesquisador da discricionariedade da
escolha de uma janela de estimação e periodicidade
dos retornos para rodar o modelo de mercado.
Assim:
Et—1 (rt)=ri,t-1→Ʋi,t= ri,t—ri,t-1(5)
Grau
de
Alavancagem
Operacional
(GAO) – A especificação mais comum para
obter empiricamente o GAO é regredir o lucro
operacional (LO) contra a receita líquida de
vendas (RL).
152
Esse modelo parece ter sido formulado
originalmente por Mandelker e Rhee (1984) e,
desde então, vem sendo utilizado por outros
pesquisadores, sendo exemplos Gahlon e Gentry
(1986), Huffman (1989), Chung (1989), Dugan e
Shriver (1992), Darrat e Mukherjee (1995), e Griffin
e Dugan (2003).
No Brasil, Dantas, Medeiros e Lustosa (2006)
reproduziram essa mesma especificação, em série
temporal para cada empresa, com uma janela
de estimação fixa em quantidade de trimestres,
mas móvel ao longo da janela de projeção, com
abandono do último trimestre da série de estimação
à medida que novos trimestres eram incorporados.
Isso resultou em novos estimadores β1 para
cada trimestre, por empresa, um refinamento
metodológico que contribuiu para uma maior
acurácia do GAO trimestral empiricamente obtido,
no caso, o próprio coeficiente de resposta β1.
Matematicamente:
ln(LOi,t)=β0i,t+β1i,t ln(RLi,t)+φi,t.
Nesta pesquisa, inova-se na apuração
empírica do GAO, com a seguinte especificação:
CPVi,t=β0i,t+β1i,tRLi,t +φi,t(6),
2.3 Hipótese da Pesquisa
onde:
CPVi,t = custo do produto vendido, da
empresa i, no trimestre t;
RLi,t = receita líquida de vendas, da empresa
i, no trimestre t;
β0 e β1 = estimadores da regressão,
respectivamente, o coeficiente linear e angular da
reta de regressão CPV = f(RL);
φi,t = erro residual de estimação, da empresa
i, no trimestre t. Assume-se φ ≈ N(0; σ2).
A equação (6) permite extrair, de dentro
do custo do produto vendido, o custo variável
unitário médio trimestral da empresa, representado
pelo coeficiente β1. Quando esse coeficiente é
multiplicado pela receita líquida (RL) da empresa
em cada trimestre, obtém-se a parcela do custo
variável de produção que está dentro do custo
do produto vendido, que uma vez adicionada à
despesa variável de vendas (DV), fornecida pelas
demonstrações financeiras, resulta no custo variável
total (CVT). Assim:
CVTi,t = β1i,t RLi,t + DVi,t(7)
O GAO de cada trimestre da empresa é sua
margem de contribuição, mensurada pela receita
líquida (RL) menos o custo variável total (CVT),
obtido como mostrado em (7), dividida pelo lucro
operacional (LO), isto é:
GAOi,t=
RLi,t—CVTi,t
LOi,t
(8)
Obtidas as variáveis pela sequência de
equações (3) a (8), são rodadas as regressões
(1) e (2). Na linha das argumentações aqui
desenvolvidas, espera-se que o mercado reaja à
informação contemporânea do GAO tanto no seu
valor real, como mostrado em (1), quanto na sua
formulação não esperada, como mostrado em (2).
Além disso, para estabelecer um diálogo com o
trabalho de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),
as equações (1) e (2) também serão testadas com
a variável independente defasada de um período
trimestral:
ri,t=β_0+β_1 GAOi,t-1+εi,t(9)
e
Rev.
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t(10)
FA E ,
C uritiba,
Espera-se, pelos argumentos aqui coloca­
dos, que haja associação significativa entre o
GAO e o retorno da ação, tanto em termos con­
temporâneos, como observado em (1) e (2), como
quando a variável GAO estiver defasada de um
período trimestral, como observado em (9) e
(10). Contudo, não é possível antecipar o sinal do
coeficiente de resposta, pois, para isso, a resposta
do mercado ao GAO terá que ser analisada em
conjunto com o comportamento das vendas da
empresa, uma análise que deve ser continuada em
futuras pesquisas.
Assim, a hipótese central desta pesquisa,
formulada de modo alternativo, é:
H1: β1 =/= 0
2.4 Amostra
A amostra total compreende dados finan­
ceiros trimestrais de empresas do segmento de
manufatura, de 1996 a 2008, num total de 52
trimestres. O banco de dados para a realização
desta pesquisa cobre o período do 1T00 ao 4T08,
com o período de 1T96 ao 1T00 utilizado como
janela inicial de estimação. Foi utilizada uma janela
móvel de 17 trimestres fixos: a inicial do 1o trimestre
de 1996 ao 1o trimestre de 2000, e as seguintes
abandonando-se o último trimestre da janela e
incluindo-se o trimestre seguinte até o último
trimestre de 2008, para estimar os custos variáveis
totais por meio das equações (6) e (7) descritas na
metodologia. O período de 17 trimestres fixos para
a estimação empírica dos custos variáveis totais
foi escolhido após a plotagem em um gráfico
cartesiano das variáveis CPV e RL indicar que
rupturas importantes da tendência de linearidade
ocorriam, em média, a cada quatro anos.
Todos os dados, contábeis e de mercado,
foram extraídos da base de dados da consultoria
Economática. Os dados estão expressos em moeda
de 31/12/2008. A amostra inicial totalizou 226
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
153
empresas. O primeiro critério de seleção considerou
apenas as empresas que apresentassem dados
contínuos de receitas e custos, o que reduziu
a amostra para 165 empresas. Após rodadas
regressões para obtenção empírica do GAO, por
meio das equações (6), (7) e (8), foram eliminadas
as empresas com GAO menor do que 1, pois para
essas situações o lucro é menor do que zero, o
que distorce a informação do GAO. Com isso, a
amostra final resultou em 94 empresas.
3Resultados
No processo de obtenção empírica do custo
variável total, para fins de cálculo da margem de
contribuição e do GAO trimestral, foram rodadas
5.940 regressões envolvendo as 165 empresas
que resultaram após o primeiro critério de
seleção. Feitas as eliminações dos GAO menores
do que 1, restaram 1.940 observações trimestrais
para as 94 empresas da amostra final. Os dados
foram organizados em painel e as regressões
especificadas nas equações (1), (2), (9) e (10)
foram rodadas sem efeitos, no modo pooled data,
e com efeitos fixos.
apresenta escalado pelo Ativo Operacional Médio,
3.1 Estatísticas Descritivas
A tabela 1, a seguir, mostra as estatísticas
descritivas das principais variáveis utilizadas nesta
pesquisa. O lucro operacional (LO), que aqui se
e a Variação da Receita Líquida de Vendas (∆RLV),
são variáveis primárias obtidas diretamente das
demonstrações financeiras. As demais variáveis da
tabela são secundárias, obtidas a partir de cálculos
sobre as variáveis primárias. Outras variáveis
primárias, como o custo do produto vendido
(CPV) e as despesas variáveis de venda (DV) foram
omitidas da tabela, mas se encontram presente,
indiretamente, nas variáveis GAO e GAONE.
TABELA 1 — Estatísticas descritivas das principais variáveis da pesquisa
Ʋ
r
GAO
GAONE
2,186
∆RLV
0,044
0,000
Mediana
0,023
0,008
5,590
-0,020
0,031
0,027
Máximo
1,661
2,888
94,260
83,240
0,749
5,098
Mínimo
-1,742
-2,405
1,010
-824,270
-1,989
-3,384
Desvio-Padrão
0,267
0,357
11,577
31,619
0,062
5,627
1903
1903
1903
1903
1903
1903
N
9,178
LO
Média
0,037
0,072
FONTE: Os autores
Sendo que r = retorno (real, normal) trimestral
da ação, calculado por capitalização contínua (r =
ln(pt/pt-1); Ʋ = retorno anormal da ação, calculado
pela diferença entre o retorno real e o esperado para
cada trimestre. Adotado modelo naive, Ʋ = rt – rt-1;
GAO = Grau de Alavancagem Operacional, apurado
pela divisão da margem de contribuição de cada
empresa (obtida empiricamente) pelo seu lucro
operacional divulgado; GAONE = GAO trimestral
não esperado, obtido pela diferença entre o GAO
do trimestre corrente e o GAO do trimestre anterior,
sob a premissa de que um preditor aceitável
154
para o GAO do trimestre t é o GAO verificado
no trimestre anterior; ∆RLV = variação da receita
líquida de vendas, medida pela diferença relativa
entre a receita do trimestre atual e a do trimestre
anterior (∆RLV = (RLVt – RLVt-1)/RLVt-1 ; LO = lucro
operacional, escalado pelo ativo operacional médio.
O retorno médio trimestral para as em­
presas da amostra final, no período 2000 a 2008,
foi de 4,4%, mas houve grandes oscilações, com
o máximo retorno atingindo níveis de 166,1%, e
o mínimo, uma perda de 174,2% no trimestre.
Tamanha amplitude entre valores extremos explica
a elevada dispersão em torno da média, verificada
pelo desvio-padrão de 26,7%, aproximadamente
seis vezes maior do que a média. O retorno
trimestral mediano, de 2,3%, ligeiramente menor
do que a média, mostra uma leve assimetria à
direita na distribuição de frequências do retorno,
indicando uma quase normalidade da distribuição.
A elevada dispersão dos retornos propagou-se para os retornos anormais (ou retornos não
esperados), Ʋ, pois também apresentou extremos
positivo e negativo bastante elevados e um
desvio-padrão de 35,7%, quase 400 vezes maior
do que a média trimestral dos retornos anormais,
que, com três casas decimais, apresenta-se com
valor zero. Aqui, devido ao processo utilizado para
obtenção dos retornos anormais, como primeira
diferença entre o retorno do trimestre t e o retorno
do trimestre t-1, houve uma inversão na assimetria,
pois como a média é menor do que a mediana,
embora essa diferença seja de pouca magnitude,
constata-se uma leve assimetria à esquerda,
mas que também não contraria a premissa de
normalidade da distribuição de frequências, para
fins das operações de regressão linear.
O GAO médio trimestral, de 9,178 vezes,
revela, numa primeira aproximação, que as
empresas da amostra apresentaram-se no período
amostral com ociosidade importante, embora
isso deva ser explicado pela presença de grandes
valores extremos, já que a mediana, de 5,590, pouco
acima da metade da média, revela uma distribuição
de frequências assimétrica à direita, mas com
concentração de valores no intervalo entre 1
(exclusive) e 6. A média está bastante influenciada
pelo valor extremo de 94,26, e por alguns outros
poucos outliers de elevada magnitude, responsáveis
também pelo desvio-padrão um pouco maior do
que a média, mas preferiu-se mantê-los na amostra
para não influenciar artificialmente os resultados.
É importante observar que se os valores extremos
à direita fossem retirados da amostra, a média se
aproximaria mais da mediana, e o desvio-padrão
seria reduzido, revelando que no período de 2000 a
2008 as empresas da amostra apresentaram-se com
ociosidade média moderada, com concentração
em torno de 5 ou 6.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
De fato, não se deveria esperar grandes
oscilações no GAO, pois a alteração deste, sob
padrões de custos e receitas operacionais mais
ou menos estáveis, se daria apenas quando a
empresa fizesse novos investimentos importantes
em ativos fixos, e, apoiado nessa premissa, este
estudo adotou o modelo naïve, random walk
para apurar o GAO não esperado (GAONE) como
primeira diferença (GAOt menos GAOt-1) dos
GAOs trimestrais, mesma abordagem utilizada
por Dantas, Medeiros e Lustosa (2006). E o lucro
operacional (LO), síntese das receitas e despesas
operacionais, aqui apresentado escalado pelos
ativos operacionais médios, o que lhe confere um
significado de retorno sobre os investimentos em
ativos operacionais (ROI), confirma um processo
de relativa estabilidade, posto que sua média
é praticamente igual a mediana (3,7% e 3,1%,
respectivamente), com um desvio-padrão de
aproximadamente duas vezes a média.
A amplitude do ROI, no entanto, é bastante
considerável, observando-se que houve empresas
que apresentaram um ROI máximo de 74,9% no
trimestre, e outra com retorno trimestral negativo
sobre o investimento de 198,9%. Todavia, o expurgo
dos valores negativos de GAO da amostra fez com
que os retornos operacionais negativos dos ativos
não se propagasse para as medidas empíricas
do GAO. Isso evidencia que o alto desvio-padrão
da medida do GAO deriva dos outliers positivos
elevados que se decidiu por manter na amostra.
Assim, a interpretação das estatísticas des­
critivas da variável GAO não esperado (GAONE),
uma vez que obtidas pela diferença simples entre
os GAOs trimestrais, é similar à que foi feita para o
GAO, por isso não será aqui repetida.
Por fim, as estatísticas descritivas da variável
Variação da Receita Líquida sobre Vendas (∆RLV)
revelam algumas características interessantes sobre o comportamento das vendas das empresas
da amostra.
Em primeiro lugar, a média e a mediana
dessa variável são positivas (0,072 e 0,027, respectivamente), indicando uma assimetria importante à
direita na distribuição de frequências dessa variável.
O desvio-padrão 5,627 é 78,15 vezes maior do que
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
155
a média, mostrando uma grande dispersão nos valores dessa variável, como pode ser constatado também pela
grande amplitude entre os valores extremos, mínimo de -3,384, e máximo de 5,098. Por outro lado, a mediana
4,5% menor do que a média (0,072 – 0,027), em valores absolutos, revela uma maior quantidade de quedas nas
vendas de um trimestre para o outro, mas tais quedas não foram capazes de prevalecer sobre os aumentos trimestrais de receitas da série, provavelmente de valores absolutos maiores do que os da receita, já que o efeito
final foi um aumento médio trimestral de 7,2% nas receitas das empresas da amostra.
A seguir, na TAB. 2, é apresentada a matriz de correlações de Pearson das variáveis que serão testadas
por meio das equações (1), (2), (9) e (10), com o objetivo de obter-se insights sobre os prováveis resultados
dos testes.
Em relação à TAB. 1, foram acrescentadas as variáveis GAOt-1 e GAONEt-1, objeto dos testes especificados
nas equações (9) e (10), e suprimidas as variáveis LO e RLV por não interessar diretamente aos testes.
3.2 Matriz de Correlações de Pearson
TABELA 2 — Matriz de correlações de Pearson das variáveis das equações (1), (2), (9) e (10)
r
r
Ʋ
Ʋ
GAOt
GAOt-1
GAONEt
0,6636
1
GAOt
-0,0253
0,0247
1
GAOt-1
-0,0762
-0,0367
0,3312
1
GAONEt
GAONEt-1
GAONEt-1
1
0,0440
0,0531
0,5782
-0,5784
1
-0,0460
-0,0681
0,0629
0,5781
-0,4455
1
FONTE: Os autores
Como esperado, existe alta correlação
(aproximadamente 58%) contemporânea entre
o GAO e o GAONE do trimestre corrente, uma
vez que o GAONE, pelo modelo o adotado neste
estudo, deriva diretamente do GAO, sendo aquele
a primeira diferença deste. Por essa mesma razão,
a correlação do GAO defasado em um trimestre,
GAOt-1, com o grau de alavancagem operacional
não esperado do trimestre corrente (GAONEt), tem
o mesmo valor da correlação do GAOt x GAONEt,
mas com o sinal trocado (-58%).
A razoável correlação positiva, de 33,12%, do
GAO do trimestre corrente (GAOt) com o GAO do
trimestre anterior (GAOt-1), confirma a expectativa
de que a medida do GAO é relativamente estável
trimestre a trimestre, posto que alterações
importantes nessa medida, para além daquelas
que decorressem das flutuações das vendas e
melhorias na eficiência de produção, demandaria
investimentos em ativos fixos, decisões que
156
ocorrem em prazos bem mais longos do que a
periodicidade trimestral da série. O resultado da
correlação GAOt x GAOt-1, de 33,12%, indica que um
terço do GAO do trimestre anterior persiste para
o período corrente. Não é um número desprezível,
quando se pondera que, numa série em painel,
como a realizada neste estudo, os investimentos
das empresas em ativos fixos, mesmo que não
recorrentes no curto prazo, podem ocorrer em
diferentes trimestres entre as empresas da série.
Infere-se, portanto, que a persistência do GAO
para uma empresa tomada individualmente deve
ser significativamente superior à que foi revelada
para a amostra de empresas deste trabalho. Este
é um ponto que merece ser explorado em futuras
pesquisas empíricas.
A correlação elevada entre os retornos
correntes, normal e anormal ou não esperado, r e
Ʋ, de 66,36%, decorre do método adotado para o
cálculo do retorno não esperado como primeira
diferença dos retornos normais. Conquanto seja positiva, com magnitude de 5,31%, a correlação contemporânea
entre o retorno não esperado, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado, GAONEt, é interessante
observar que as correlações entre o retorno normal, r, e o grau de alavancagem operacional, contemporâneo
(GAOt) ou defasado (GAOt-1), embora de baixa magnitude, são negativas: -2,53% e -7,62%, respectivamente.
Também é negativa, com magnitude um pouco maior que essas duas anteriores, a correlação entre o
retorno não esperado do trimestre corrente, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado do trimestre
anterior, GAONEt-1: -6,81%. Talvez essas correlações negativas decorram de o mercado estar penalizando as
empresas por apresentarem-se, no período amostral, simultaneamente ociosas e com baixo crescimento das
receitas, conforme descrito no capítulo anterior. Resta verificar se essas correlações de sinal negativo entre o
retorno e o GAO são significativamente associadas.
3.3 Testes Estatísticos de Significância
TABELA 3 — Testes estatísticos da relação trimestral entre retorno de mercado e o grau de alavancagem operacional,
normal e inesperado, em momentos contemporâneo e defasado de 1 trimestre
Eq.
Especificação
R2ajust
1
ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t
0,0001
Inclin. (β)
-0,0006
Stat t
Stat F
DW
Obs.
-1,1049
1,2208
1903
2
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t
0,0023
0,0014
2,3195(**)
5,3801
1903
9
ri,t=β0+β1 GAOi,t-1+εi,t
0,0053
-0,0018
-3,3333(***)
11,1109
1903
10
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t
0,0041
-0,0018
-2,9770(***)
8,8625
1903
(**) significativo a 5%;
(***) significativo a 1%.
FONTE: Os autores
Como esperado, é negativo o estimador do coeficiente angular (β= inclinação da reta de regressão)
em três dos quatro modelos lineares especificados para testes contra o retorno de mercado. Isso significa
que o mercado penalizou, na média, de certo modo, as empresas da amostra, por apresentarem-se abaixo do
ponto de eficiência produtiva máxima, já que se encontravam alavancadas operacionalmente (GAO médio de
12,43, considerando outliers; e em torno de 6 se os outliers fossem excluídos), mas com uma situação de baixo
crescimento trimestral da receita (conforme TAB. 1, média de 7,2%, e mediana de 2,7%).
No modelo 1, o estimador β, apesar de negativo, sinalizando relação contemporânea inversa do retorno
com o GAO, não se mostrou estatisticamente significativo (stat t = -1,1049). Mas nos modelos 9 e 10, essa
relação foi significativa a 1%, em um teste uni-caudal, indicando que não se pode rejeitar a hipótese alternativa
H1 apresentada, de que β1 é realmente diferente de zero. Além disso, os modelos 2, 9 e 10 mostraram-se
significativos como um todo, conforme indica as respectivas estatísticas F, todas significativas a 1%. Por outro
lado, na regressão 1, do mesmo modo que não foi significativo o coeficiente de resposta, o modelo como um
todo também se mostrou insignificante.
Uma vez que esta pesquisa se propôs a avançar sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),
os resultados e características de cada estudo serão agora sumariados no QUADRO 1, a seguir:
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
157
QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006)
continua
Elemento
Dantas et al (2006)
Esta Pesquisa
Efeito
O GAO trimestral foi obtido
O GAO trimestral foi obtido
empiricamente usando o
tradicional modelo de Mandelker
Obtenção do
GAO
e Rhee (1984), no qual o GAO é
o coeficiente bj na regressão do
Lucro Operacional (LO) contra
a Receita Operacional Líquida
(ROL): ln(LOjt) = aj + bjlnROLjt
+ ejt
dividindo-se a margem de
contribuição pelo lucro
operacional. Os custos variáveis
por unidade de receita, para
o cálculo da margem de
contribuição, foram obtidos
empiricamente em uma
regressão do Custo do Produto
Vendido (CPV) contra a Receita
Operacional (Líquida).:
Para melhorar o ajuste, a
regressão CPV = f(ROL) desta
pesquisa foi rodada com um
período móvel de estimação
de 17 trimestres fixos, em que
o acréscimo de cada novo
trimestre do período amostral
era acompanhado do abandono
do trimestre inicial da série.
CPVi,t=β0i,t+β 1i,tROLi,t+φi,t
O random walk para retornos
Obtenção do
retorno não
esperado (RNE
ou Ʋ)
Utilizado o market model,
Utilizado o naïve model (random
trimestrais pode ser um
conforme Soares, Rostagno e
walk), em que o retorno não
procedimento mais frágil do que
Soares (2002), para a estimação
esperado é a diferença simples
o modelo de mercado, mas o
dos retornos esperados, a partir
entre o retorno de t e retorno
objetivo da pesquisa é também
do qual foi obtido o RNE pela
de t-1, assume-se, nesse modelo,
verificar se os resultados obtidos
diferença entre o retorno real e o
que o retorno de t-1 é um bom
por Dantas, Medeiros e Lustosa
retorno esperado.
estimador do retorno de t.
(2006) se mantém sob novas
escolhas metodológicas.
Obtenção
Modelo naïve, do tipo random
do GAO não
walk, em que o GAONE é a
esperado
diferença entre o GAO de t e o
(GAONE)
GAO de t-1.
Mesmo modelo utilizado na
pesquisa de Dantas, Medeiros e
Lustosa (2006), ressalvado que
o GAO foi calculado de modo
Diferente apenas no que diz
respeito ao cálculo do GAO.
diferente nos dois estudos.
ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t
ri,t=β0+β1 GAOi,t-1+εi,t
Modelos para
RNEijt = αij + βij (GAONEij, t–1 )
Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t
teste
+ εij, t
(*)
(*) semelhante ao modelo
utilizado por Dantas et al
(2006).
158
Três novos modelos foram
adicionados nos testes desta
pesquisa.
QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006)
conclusão
Elemento
Dantas et al (2006)
Esta Pesquisa
Efeito
Apresentadas as estatísticas
descritivas e matriz de
correlações das variáveis, que
Estatísticas
revelaram importantes aspectos
descritivas
e matriz de
correlações
dos dados. O GAO médio indica
Não apresentadas no artigo.
ociosidade, que, contrastado
com o baixo crescimento médio
entre as
da receita trimestral, pode
variáveis
explicar a predominância de
Merecem destaque as
correlações negativas entre
o retorno e o GAO, que pode
ser devida a uma condição de
elevada ociosidade com baixo
crescimento da receita.
relação inversa entre o retorno
e o GAO.
Resultados apresentados
referem-se a regressões rodadas
Verificado significância
estatística e direta, a 1%, em
Resultado dos
testes
painéis sem efeitos, com efeitos
fixos e com efeitos aleatórios. Os
resultados se mantiveram para
amostras com e sem a inclusão
de outliers.
apenas em painéis sem efeitos
(pooled data). Os resultados
se mantiveram (embora não
apresentados no trabalho)
para painéis com efeitos.
Resultados de três das quatro
especificações econométricas se
mostraram significativos, dois a
1% com associação inversa, e um
a 5%, com associação direta.
A associação inversa nas
especificações 1, 9 e 10, embora
a 1 não seja significativa, pode
ter resultado da combinação
preocupante entre GAO
elevado e baixo crescimento
da receita, durante o período
amostral. Esse é um ponto que
merece ser investigado com
mais profundidade em futuras
pesquisas.
FONTE: Os autores
Marcos Conclusivos
posição
outubro/2011,
por
pesquisadores
de
todo o mundo. No Brasil, contudo, afora o citado
estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),
O tema alavancagem operacional é objeto
as pesquisas sobre esse tema têm sido residuais.
de interesse em muitas pesquisas no exterior,
Justifica-se, portanto, avançar nessa área, como
sendo exemplos apenas de estudos mais recentes:
fez este estudo.
Jorgensen et al (2009); Li e Li (2004); Griffin e
Dugan (2003).
O ponto central desta pesquisa foi verificar
se os resultados obtidos no estudo de Dantas,
Para ilustrar essa afirmação, registre-se que
Medeiros e Lustosa (2006) se mantinham com a
o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),
mudança de alguns procedimentos metodológicos
transcrito para a língua inglesa e disponibilizado
relacionados: (i) com uma nova abordagem para o
no repositório SSRN – Social Science Research
cálculo empírico do GAO; (ii) com a substituição do
Network –, teve mais de 800 downloads na versão
tradicional modelo de mercado (market model) por
completa, e mais de 4,4 mil vezes o abstract,
um simples processo random walk para o cálculo
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
159
dos retornos não esperados trimestrais; e (iii) com
a investigação da associação contemporânea do
retorno simples de t com o GAO de t, sem se deixar,
contudo, de observar a associação defasada de
um trimestre (retorno de t com o GAO de t-1) e
o comportamento dos retornos não observados
com o GAO não esperado de t e t-1, este último
exatamente como feito no estudo de Dantas,
Medeiros e Lustosa (2006).
com significância menor (5%), em linha com os
Na análise dos resultados desta pesquisa,
contudo, ocorreu uma situação curiosa, que levou
a uma constatação que não fazia parte do objetivo
inicial, um processo que na literatura estrangeira
é conhecido como serendipity: mirar uma coisa
e descobrir outra. As estatísticas descritivas
revelaram que, na média, as empresas da
amostra apresentaram um grau de alavancagem
operacional trimestral relativamente elevado, da
ordem de 12 com a presença de outliers e em torno
de 6 a 8 sem a presença dos outliers.
alta (baixa) variação positiva da receita tendem a
Ao mesmo tempo, o crescimento médio da
receita, no mesmo período foi da ordem de 7,2%
no trimestre, ou 2,34% ao mês. Essa combinação
de ociosidade, revelada pelo GAO elevado, com
baixo crescimento da receita, permitiu antecipar
que o mercado poderia penalizar o desempenho
das empresas, o que veio a ser constatado pela
correlação negativa predominante entre os
retornos, normais e anormais, com o GAO, normal
e não esperado, de magnitude suficiente para
descartar um processo meramente aleatório,
conforme evidenciado pelos testes estatísticos,
em que se verificou uma associação inversa
e significativa, no nível de 1%, entre o retorno
normal do trimestre corrente t com o GAO do
trimestre anterior, t-1, bem como entre o retorno
anormal ou não esperado de t com o GAO não
esperado do trimestre anterior, t-1. Da mesma
forma, foi negativa a associação entre o retorno
normal de t com o GAO do mesmo trimestre, t,
embora o respectivo teste não tenha apresentado
significância estatística. Ressalve-se, contudo,
que a associação contemporânea entre o retorno
não esperado de t com o GAO não esperado do
mesmo trimestre, t, mostrou-se positiva, embora
160
resultados encontrados por Dantas, Medeiros e
Lustosa (2006).
Tais resultados abrem oportunidades para
novas pesquisas de associação entre retorno e
GAO, com controle da variação da receita, pois
se espera que haja uma relação inversa entre o
nível de GAO com o comportamento da receita.
Assim, empresas com baixo (alto) GAO, mas com
apresentar desempenho menor (maior).
•
Recebido em: 01/11/2011
•
Aprovado em: 07/03/2012
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012
161
A hipótese de eficiência de
mercado e a performance dos
fundos de ações brasileiros
The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance
of brazilian mutual funds
A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros
The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian
mutual funds
Marcus Vinicius de Oliveira e Silva1
Marcos Roberto Gois de Oliveira2
Resumo
Este trabalho teve como objetivo avaliar a performance dos fundos de
ações brasileiros referenciados ao Ibovespa, abrangendo o período de
janeiro de 2000 a março de 2007. Essa avaliação foi feita pela ótica do
investidor, tendo como referência as premissas da Hipótese de Eficiência de
Mercado (HEM). Os resultados apontaram que os fundos passivos tiveram
desempenho inferior ao Ibovespa, enquanto os fundos ativos conseguiram
rendimentos próximos ao Ibovespa. Os resultados dos fundos passivos
e ativos apresentaram desempenho próximo ao que seria esperado,
de acordo com a HEM, quando considerados os custos envolvidos. Ao
mesmo tempo, os fundos ativos alavancados apresentaram rendimentos
notadamente superiores ao do Ibovespa, ficando em desacordo ao que se
poderia esperar pela HEM e pelos níveis de risco apresentados.
Palavras-chave: Mercado Eficiente. Séries Temporais. Testes de Hipótese.
Avaliação de Performance de Fundos de Ações.
Abstract
This work aims to evaluate the performance of the Brazilian mutual funds
referenced by the Ibovespa index, in the period from January 2000 to
March 2007. This evaluation was made from the investor’s perspective and
had as reference the premises of the Efficient Markets Hypothesis (EMH).
The results show that the passively managed mutual funds underperformed
in relation to the Ibovespa index, while the actively managed mutual funds
performed similarly to the Ibovespa index. The results of the passively as
well as the actively managed mutual funds performed close to what should
be expected by the EMH, when costs were taken into consideration. During
the same period, leverage actively managed funds had a performance
clearly superior to the Ibovespa index, which is not compatible with the
EMH, when their risk level is taken into account.
Keywords: Efficient Markets. Time Series Analysis. Hypothesis Testing.
Mutual Funds Performance Evaluation.
Mestre em Economia (UFPE). E-mail: [email protected].
Doutor em economia (UFPE). Professor da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
163
Introdução
A Hipótese de Eficiência de Mercado
(HEM) é um dos fundamentos da Moderna Teoria
de Finanças. Elton et al (2004) afirmam que a
HEM supõe que os preços dos títulos refletem
integralmente as informações disponíveis. Bodie,
Kane e Marcus (2000) comentam que, de fato,
se os movimentos nos preços das ações fossem
previsíveis, seria uma evidência contundente
da ineficiência do mercado acionário, porque a
habilidade de prever preços indicaria que todas as
informações disponíveis não estariam embutidas
nos preços das ações.
As premissas que dão sustentação à hipótese
têm motivado muitos e intensos debates. Nesse
sentido, afirma Damodaran (2001, p. 201) que:
a eficiência do mercado foi testada em centenas de
estudos ao longo das últimas três décadas. As evidências
destes estudos têm sido às vezes contraditórias, pois
os pesquisadores examinaram as mesmas questões de
várias formas diferentes, utilizando diferentes técnicas
A partir de pesquisa bibliográfica, foram
encontrados alguns trabalhos que avaliam a
performance dos gestores de fundos de ações
no Brasil, tais como Minardi (2001), Fonseca et
al. (2007), Gonzalez e Matsumoto (2005), Varga
(1999), Souza et al (1997) e Securato, Oliveira e
Castro Junior (2004). Não foram encontrados
trabalhos de avaliação de fundos brasileiros que
tenham usado o modelo desenvolvido por Jensen
(1967) e testes de hipótese.
Assim, entende-se ser de interesse, uma
avaliação dos gestores dos fundos de ações utilizando um período mais recente, que abrange a
estabilização da economia e um maior desenvolvimento do mercado de ações brasileiro.
Neste trabalho procurou-se verificar, sob
a ótica de um investidor, a validade da HEM nos
fundos de ações brasileiros. Essa análise foi baseada
no modelo desenvolvido por Jensen (1967),
considerado na literatura um dos primeiros e dos
mais utilizados modelos de avaliação de carteiras,
o qual será, de forma resumida, apresentado aqui.
estatísticas e períodos de tempo para seus testes. O
pêndulo da opinião de consenso tem se movimentado
entre a visão de que os mercados são, em sua grande
maioria, eficientes e, a visão de que há ineficiência
1 Referencial Teórico
significante nos mercados financeiros.
A maioria dos estudos empíricos confirma,
ou pelo menos não conseguem refutar, a HEM.
Entretanto, diversos estudos têm apresentado
resultados que contradizem as premissas da HEM.
As causas desses resultados contraditórios têm
sido chamadas de ‘anomalias’.
Dadas as diferentes características dos ativos
e das carteiras de ativos, os testes de verificação
da existência da HEM necessitam de um modelo
de precificação do objeto da análise que leve em
conta as características de risco, ocorrendo, então,
a chamada hipótese conjunta, o que configura uma
dificuldade adicional. Isso decorre de que eventuais
discrepâncias entre o previsto e o realizado podem
ser decorrentes da inexistência de eficiência em
relação ao ativo analisado, ou ser resultante de um
modelo de precificação inadequado, ou ainda, pelas
duas razões.
164
1.1A Hipótese de Eficiência de
Mercado – HEM
De acordo com Fama (1970), o mercado de
capitais tem o objetivo fundamental de possibilitar
a alocação eficiente dos capitais de uma economia.
Essa alocação de capitais será tão mais eficiente
quanto melhor os preços retratarem os valores das
diversas alternativas de investimento. Para Fama
(1970), o mercado de capitais ideal seria aquele
em que os preços fornecessem informações
adequadas para a melhor alocação dos recursos,
ou seja, onde as empresas pudessem tomar
as decisões de produção e investimento e os
investidores pudessem escolher entre as ações
das empresas, considerando que os preços, em
Mercado de capitais tem
o objetivo fundamental
de possibilitar a alocação
eficiente dos capitais
de uma economia,
tal alocação será tão
mais eficiente quanto
melhor os preços
retratarem os valores das
diversas alternativas de
investimento.
qualquer tempo, refletiriam todas as informações
disponíveis. Um mercado com essas características
seria considerado eficiente.
Em relação aos mercados acionários, a
abordagem tradicional de estudo tem se baseado na
HEM. Segundo essa hipótese, os preços das ações
oscilariam constantemente, de forma aleatória, em
torno do valor intrínseco dessas ações. Tendo por
base os trabalhos de Samuelson (1965), Fama (1965)
e Roberts (1967), Fama (1970) apresenta uma revisão
da teoria e de evidências da HEM, classificando-a,
sob o aspecto informacional, em três formas: fraca,
semiforte e forte.
Como dito, a HEM não invalida a existência
de distorções localizadas, de sub ou sobre reações
a novas informações. O que a HEM considera é que
não é possível a um analista a utilização rotineira
de distorções de mercado que lhe possibilitem
ganhos extraordinários.
Segundo Damodaran (2001), as definições
de eficiência de mercado têm de ser específicas,
não apenas com relação ao mercado que está
sendo considerado, mas também quanto ao grupo
de investidores compreendido. O autor também
afirma que é improvável que todos os mercados
sejam eficientes para todos os investidores, mas é
Rev.
FA E ,
C uritiba,
factível que um mercado específico, seja eficiente
com respeito ao investidor médio.
1.2 Modelo Básico de Formação de Preços
de Ativos
Segundo Bruni e Famá (1999), em 1958,
James Tobin ressaltou a importância do ativo livre
de risco no processo de escolha do investidor. A
taxa de juros deveria representar um prêmio pelo
risco corrido e não apenas uma recompensa pelo
não consumo. Dependendo do grau de aversão ao
risco de um investidor, este poderia dividir seus
investimentos, aplicando-os no ativo livre de risco
e/ou num conjunto otimizado de ativos com risco,
de acordo com Markowitz (1952).
Dimson e Mussavian (1998) comentam que
com o desenvolvimento do modelo de precificação de ativos por Treynor (1961) e Sharp (1964),
ficou claro que o CAPM poderia fornecer um
benchmark para análises de performance. O primeiro desses estudos foi um artigo de Treynor,
em 1965, seguido de um artigo de Sharp, em 1966.
Essas pesquisas levaram ao desenvolvimento de
modelos que visam descrever e predizer a estrutura de correlação entre ativos. A técnica mais
utilizada pressupõe que a variação entre ações é
devida a uma única influência.
Elton et al. (2004) afirmam que a observação
do comportamento dos preços das ações, sugerindo
que um dos motivos pelos quais os retornos dos
ativos são correlacionados poderia ser uma resposta
comum a variações do mercado, e que uma medida
útil dessa correlação poderia ser obtida ao se
relacionar o retorno de uma ação ao retorno de um
índice do mercado de ações.
Assim, o retorno de uma ação poderia ser
escrito do seguinte modo:
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
Ri = ai + β i . R m
(1)
165
onde:
a­i
é o componente do retorno do título
i que é independente do desempenho
do mercado, em si mesma uma variável
aleatória;
Rm é a taxa de retorno do índice de
mercado;
β­i é o parâmetro que mede a variação
esperada de Ri dada uma variação de Rm.
Representado por α­i, o valor esperado de a­i e
ei, o componente aleatório de a­­i, a equação (1) pode
ser escrita como:
Ri = α i + β i . R m + ei
(2)
Lembrando que Rm e ei são variáveis
aleatórias, Elton et al. (2004) afirmam que é
conveniente que os ei sejam não correlacionados
com os Rm, o que significa que a capacidade da
equação (2) de descrever o retorno de qualquer
título independe de qual é o retorno do mercado.
σe.i e σm são, respectivamente, os desvios padrão
de ei .e Rm.
A equação de qualquer ponto sobre a linha
de mercado de capitais será dada por:
R i = R F + β i .(R m − R F )
(3)
que é a forma mais frequente de ser escrito o
CAPM, onde:
RF rendimento do ativo livre de risco,
que é a remuneração recebida pelo
investidor, pelo tempo de ‘aluguel’ dos
seus recursos;
β i .(R m − R F ) é a remuneração pelo
risco do investimento.
Relly e Brown (2003, p. 240) comentam
que, embora o desenvolvimento do modelo de
precificação de ativos em geral seja atribuído a
William Sharp, tendo inclusive sido concedido
a ele o Prêmio Nobel, Lintner e Mossin3 desenvolveram teorias similares independentemente.
Por essa razão, esse modelo é ocasionalmente
chamado de modelo de precificação de ativos de
Sharp-Lintner-Mossin.
2 Metodologia
2.1 Fundos de Ações Considerados
Neste trabalho, as informações sobre os
fundos de ações foram fornecidas pela empresa
PR&A Financial Products, que as obteve pelo
sistema SI-ANBID. Foram utilizados os rendimentos
mensais correspondentes ao período de janeiro de
2000 a março de 2007 (portanto, 87 meses).
Tendo por base o estabelecido na literatura
sobre os estudos de avaliação de carteiras de
investimentos, bem como sobre a análise de
regressão linear, considerou-se que os rendimentos
mensais para o período considerado, apresentam
um número de amostras suficiente para a análise.
Foram utilizados, neste estudo, os fundos
de ações que atendiam aos requisitos:
——
existência em todo o período de análise
(jan/2000 a mar/2007). Essa restrição
permite que os resultados possam ser
melhor comparados, além de aumentar
a segurança das conclusões, pela
quantidade de observações (meses)
utilizadas;
——
que no início do período de análise
(jan/2000) o fundo já tivesse um
LINTNER, Jonh. Security Prices, Risk and Maximal Gains from Diversification, Journal of Finance 20, n. 4 (December 1965), 587-615; MOSSIN,
J. Equilibrium in a Capital Asset Market, Econometrica 34, n. 4 (October 1966), 768-783.
3
166
patrimônio superior a R$ 1 milhão. Isso
se dá em virtude de que, às vezes, são
abertos fundos para alguma utilização
específica, e enquanto essa utilização
não acontece, o fundo fica com
um pequeno valor de patrimônio e
possivelmente com uma administração
atípica, não representando, assim, os
fundos do mercado4;
——
que fosse referenciado ao Ibovespa.
Na análise que será feita por meio
de regressões, será utilizado o
rendimento de um fundo de mercado
como referência, para o qual será
considerado como proxy o Ibovespa.
Assim,
considerou-se
que
seria
adequada a utilização apenas dos
fundos referenciados ao Ibovespa.
A Associação Nacional dos Bancos de
Investimento (Anbid) classifica os fundos de ações
referenciados ao Ibovespa em três grupos, com as
seguintes definições: fundos passivos referenciados
ao Ibovespa; fundos ativos referenciados ao
Ibovespa; e fundos ativos alavancados referenciados
ao Ibovespa.
Em consequência dos requisitos descritos
anteriormente e da classificação da Anbid, foram
utilizados, neste trabalho, fundos, conforme apresentado a seguir:
QUADRO 1 _ Número de fundos do mercado e utilizados
Quantidade de Fundos
Existentes
no mercado
Com histórico
no período
Utilizados
no estudo
Passivo
31
16
15
Ativo
96
46
41
Ativo com alavancagem
59
19
18
Tipo de fundo
FONTE: Elaboração própria com base em informações da Anbid
2.2 Análise de Regressão
Em relação a essa expressão, surgem duas questões:
Para a análise de regressão, foram con­
siderados os rendimentos mensais dos fundos se­
le­cionados, bem como do Ibovespa.
No estudo, feito com base no modelo de
Jensen (1967) e utilizando análise de regressão, é
utilizada a expressão apresentada a seguir:
Fundot − RFt = α + β .( R Mt − RFt )
——
Qual é a melhor carteira de mercado
(RMt)a ser utilizada?
——
Qual a melhor carteira livre de risco
(RFt) a ser utilizada?
——
Qual o risco dos fundos analisados (β)?
(4)
Esses fundos são chamados, às vezes, de ‘fundos de prateleira’.
4
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
167
O Ibovespa, é composto
pelas ações mais
negociadas, cada uma
delas na proporção
de sua negociação no
quadrimestre anterior,
e não na proporção
do seu valor de
mercado.
A Carteira de Mercado considerada no
modelo CAPM e no modelo desenvolvido por
Jensen (1967), conforme Relly e Brown (2003)
e Elton et al. (2004), deveria ser composta por
todos os ativos existentes, cada um considerado
na proporção do seu valor de mercado. Como essa
carteira não pode ser observada, como afirmou Roll
(1977); e segundo Damodaran (2001), foi utilizado
como proxy o rendimento do Ibovespa, índice da
carteira teórica da Bovespa (Bolsa de Valores de
São Paulo).
Um aspecto negativo da utilização do
Ibovespa como proxy do índice da Carteira de
Mercado, é que pela definição dessa Carteira de
Mercado em equilíbrio, ela é composta por todos
os ativos com risco, cada um deles na proporção
do seu valor de mercado. O Ibovespa, por sua vez,
é composto pelas ações mais negociadas, cada
uma delas na proporção de sua negociação no
quadrimestre anterior (e não na proporção do seu
valor de mercado). Esse fato, conforme afirmam
Sanvicente e Mellagi Filho (1996), pode provocar um
viés de especificação. Em relação à Carteira Livre
de Risco surge a questão sobre qual é o índice que
melhor representaria o rendimento dela, podendo
ser consideradas, por exemplo, a variação da Taxa
Selic; da Caderneta de Poupança; e zero.
168
Procurou-se na realização deste trabalho
verificar o efeito da utilização de cada uma das
três alternativas de ativo livre de risco discutida.
Por fim, realizou-se a análise de risco. Para tal,
considerou-se o risco sistemático mensurado pelo
β na Equação 4. Tendo como referência o β da
carteira de mercado igual a 1, caso esse seja menor
do que 1, trata-se de um fundo com características
conservadoras, caso maior que 1, fundo agressivo.
2.3 Testes de Hipótese
No caso específico deste trabalho, con­
siderando que o teste será bi-caudal, que a amostra
possui 87 elementos (número de meses das séries
de rendimentos), e considerando ainda o nível de
significância de 5% para a soma das duas regiões
de rejeição.
Considerando a existência da HEM, os
gestores dos fundos de ações não deveriam obter
rendimentos diferentes dos obtidos pelo índice
de mercado. Assim, com essa consideração, o α
para a população de rendimentos de cada fundo
de ações deve ser nulo (a reta da regressão passa
pela origem).
Em consequência, o teste de hipótese para
o α, deve ser:
H0 : α = 0
H1 : α ≠ 0
De forma semelhante, de acordo com a
HEM, para o teste de hipótese do β tem-se:
H0 : β = 1
H1 : β ≠ 1
3Resultados
3.1 Resultados para Fundos Passivos Referenciados ao Ibovespa
Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de
risco, são apresentados na TAB. 1 a seguir:
TABELA 1 _ Avaliação de fundos passivos referenciados ao Ibovespa - RF = Poupança
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Código do
Fundo
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
Rentabilidade
Período
Mensal
IBV = 168,0
IBV = 1,93
Comparação com
o índice - num. de
semanas
F > IBV
F < IBV
P_IBV_1
-1,017
-9,665
0,000
S
0,988
0,133
-0,087
N
10,25
0,12
13
74
P_IBV_2
-0,259
-2,378
0,020
S
1,003
0,014
0,197
N
120,06
1,38
32
55
P_IBV_3
-0,385
-1,773
0,080
N
0,881
0,027
-4,350
S
86,36
0,99
36
51
P_IBV_4
-0,131
-1,405
0,164
N
1,005
0,012
0,431
N
153,08
1,76
35
52
111,62
1,28
28
59
116,48
1,34
27
60
116,52
1,34
28
59
P_IBV_5
P_IBV_6
-0,244
-2,477
0,015
S
1,009
0,012
0,753
N
P_IBV_7
P_IBV_8
-0,051
-0,490
0,626
N
0,981
0,013
-1,469
N
165,46
1,90
41
46
P_IBV_9
-0,172
-1,860
0,066
N
0,970
0,012
-2,585
S
136,30
1,57
33
54
60
P_IBV_10
-0,291
-3,218
0,002
S
0,982
0,011
-1,613
N
107,53
1,24
27
P_IBV_11
-0,204
-2,263
0,026
S
1,000
0,011
0,003
N
133,98
1,54
30
57
P_IBV_12
-0,119
-1,326
0,188
N
1,001
0,011
0,054
N
151,87
1,75
32
55
P_IBV_13
-0,197
-2,176
0,032
S
0,983
0,011
-1,520
N
137,66
1,58
31
56
137,75
1,58
29
58
P_IBV_15
-0,102
-1,100
0,275
N
1,007
0,012
0,632
N
144,86
1,67
36
51
MÉDIA
-0,264
0,984
121,99
1,40
31
56
MEDIANA
-0,200
0,994
133,98
1,54
31
56
P_IBV_14
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
169
Nessa Tabela, pode ser observado que para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa:
——
o valor médio para o intercepto foi de -0,264. Como visto anteriormente, o modelo utilizado
considera que se os fundos tivessem um comportamento semelhante à Carteira de Mercado, o
seu valor médio deveria ser nulo. Nesse caso, dos 12 fundos analisados, para seis deles o valor
do intercepto foi negativo de modo estatisticamente significante a 5%. Ao mesmo tempo, para
outros seis fundos, embora os interceptos calculados tenham sido também negativos, não foram
diferentes de zero de forma estatisticamente significativa;
——
apenas dois fundos tiveram o β significativamente menor que 1, os demais foram igualdade estatís­
tica ao Ibovespa;
——
o rendimento médio no período foi de 121,99%, enquanto a correspondente variação acumulada
do Ibovespa foi de 168%;
——
nenhum fundo teve rendimento acumulado no período, superior ao Ibovespa;
——
em média, os fundos tiveram rendimentos superiores ao Ibovespa em 31 meses, enquanto durante
56 meses, em média, os rendimentos foram inferiores.
Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, quando foi variado o ativo livre de risco estão
apresentados em resumo a seguir.
TABELA 2 _ Resumo dos resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa
Tipo do Ativo
Quantidade
Livre de Risco
Total
Quantidade
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
utilizada
nos Testes
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0
α<0
H0
α>0
Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0
β<1
H0
β>1
RF + SELIC
15
12
8
4
0
2
10
0
RF = POUPANÇA
15
12
6
6
0
2
10
0
RF = 0
15
12
7
5
0
2
10
0
FONTE: Os autores
Essa tabela mostra que:
——
em nenhum teste de hipótese para o intercepto (α), a hipótese nula foi rejeitada por ser
significativamente maior que zero, tendo ocorrido em diversos casos dela ser rejeitada por ser
menor que zero;
——
o número de casos em que a hipótese nula foi rejeitada, sendo α menor que zero (21), foi maior que
o número de casos em que a hipótese nula não foi rejeitada (15);
——
a não rejeição da hipótese nula do risco em 10 dos 12 fundos demonstra que os gestores dos
fundos estavam acompanhando o Ibovespa em relação ao risco.
Tendo por base as premissas da HEM, observa-se que esses fundos, em média, apresentaram resultados
inferiores aos que poderiam ser esperados, demonstrando incapacidade dos gestores em obter resultados
semelhantes ao Ibovespa.
170
Os fundos passivos têm por meta um
rendimento semelhante a do índice ao qual são
referenciados. Esses fundos chamados ‘passivos’,
de fato poderiam se chamar de algo como ‘pouco
ativos’. No caso particular dos fundos referenciados
ao Ibovespa, isso decorre do seguinte:
——
A carteira teórica da Bovespa, utilizada
para a definição do índice Bovespa,
é redefinida a cada quadrimestre, no
período de setembro a dezembro de
2007, composta por 63 ações, cada
uma delas com uma participação
definida em função da sua negociação
nos 12 meses anteriores;
——
Não é considerada nenhuma despesa
de administração nessa carteira teórica,
bem como os ajustes que são feitos a
cada quatro meses, são realizados sem
que sejam considerados os custos de
transação;
——
——
Esses fundos, embora sejam classificados
como passivos e tenham por meta um
rendimento semelhante ao do Ibovespa,
em geral, possuem uma variedade de
ações bem menor do que a daquela
carteira teórica. Assim, se a carteira
teórica Ibovespa atualmente possui 63
ações, é razoável esperar que um fundo
passivo referenciado ao Ibovespa não
possua mais que 20 daquelas 63 ações;
Esse menor número de ações decorre
da baixa liquidez das ações com menor
participação naquele índice, bem
como do fato de que o gestor deve
procurar compensar, a partir da aposta
no rendimento futuro de um ou mais
papéis, ou pela aplicação em derivativos,
a redução de rendimento decorrente
dos custos de transação e da taxa
administrativa cobrada;
——
Os gestores dos fundos também
precisam manter parte do patrimônio
em aplicações de renda fixa ou em
depósitos à vista, visando fazer face às
aplicações e resgates, o que também
pode prejudicar o rendimento do fundo.
Em defesa dos administradores dos fundos
passivos referenciados ao Ibovespa, pode-se
argumentar que as premissas da definição da
HEM estabelecem que não devem existir custos de
transação, nem para a obtenção de informações.
Esse fato, que é verdadeiro para o cálculo do
Ibovespa, não ocorre com os fundos de mercado.
Nesse aspecto, o ideal seria fazer uma verificação
a partir da simulação das regressões e testes de
hipótese, sem considerar os custos existentes nos
fundos passivos. Ocorre que não são disponíveis
todos os custos incorridos por esses fundos.
Assim, simplificadamente, buscou-se uma
avaliação da consideração dos custos, repetindo
as análises de regressão e testes de hipótese, com
outro índice correspondente à Carteira de Mercado,
representado pelo Ibovespa descontado de despesas
correspondentes a 1,5%5 ao ano, visando representar
o que poderia ser a taxa de administração e as
despesas necessárias à adequação da carteira, que
é feita a cada quatro meses.
O cálculo do efeito desse custo de 1,5%
anual foi feito considerando que:
RB - rendimento bruto;
RL - rendimento líquido;
PBF - patrimônio bruto final;
PLF - patrimônio líquido final;
Pi - patrimônio inicial;
TA - taxa de administração (mensal) =
12
tx.anual
Estimou-se que 1% ao ano poderia ser uma taxa de administração razoável para um fundo passivo com essas características, e que 0,5%
ao ano seria o equivalente aos custos necessários para a adequação da carteira a cada quatro meses, conforme é feito na carteira teórica
da Bovespa.
5
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
171
O rendimento de um mês será dado por:
RL =
PL F
Pi
−1
(5)
Tem-se também que:
PBF = Pi . (1 + RB)
(6)
PLF = PBF . (1 - TA)
e
(7)
Substituindo (43) em (44) e, posteriormente, em (42), tem-se:
PLF = (1 + RB)(1 - TA) - 1
(8)
Os resultados dessa verificação, com um Ibovespa a 1,5% a.a. de despesas, estão apresentados a seguir:
TABELA 3 _ Resultado dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com o rendimento do Ibovespa reduzido por uma
taxa de 1,5% a.a.
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Código do
Fundo
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
Comparação com
o índice - num. de
semanas
Período
Mensal
IBV = 140,6
IBV = 1,62
F > IBV
F < IBV
P_IBV_1
-0,894
-8,501
0,000
S
0,990
0,013
-0,781
N
10,25
0,12
16
71
P_IBV_2
-0,133
-1,226
0,224
N
1,004
0,014
0,287
N
120,06
1,38
38
49
P_IBV_3
-0,275
-1,267
0,209
N
0,882
0,027
-4,305
S
86,36
0,99
39
48
P_IBV_4
-0,006
0,059
0,953
N
1,006
0,012
0,538
N
153,08
1,76
43
44
111,62
1,28
32
55
116,48
1,34
33
54
116,52
1,34
32
55
P_IBV_5
P_IBV_6
-0,117
-0,194
0,236
N
1,011
0,012
0,854
N
P_IBV_7
P_IBV_8
0,072
0,702
0,485
N
0,982
0,013
-1,372
N
165,46
1,90
48
39
P_IBV_9
-0,050
-0,546
0,586
N
0,971
0,012
-2,478
S
136,30
1,57
40
47
P_IBV_10
-0,168
-1,861
0,066
N
0,983
0,011
-1,503
N
107,53
1,24
33
54
P_IBV_11
0,079
-0,874
0,385
N
1,001
0,011
0,113
N
133,98
1,54
33
54
P_IBV_12
0,007
0,074
0,941
N
1,002
0,011
0,166
N
151,87
1,75
41
46
P_IBV_13
-0,074
-0,818
0,416
N
0,984
0,011
-1,410
N
137,66
1,58
42
45
137,75
1,58
40
47
144,86
1,67
42
45
P_IBV_14
P_IBV_15
0,024
MÉDIA
-0,128
0,985
121,99
1,40
37
50
MEDIANA
-0,062
0,995
133,98
1,54
39
48
FONTE: Os autores
172
Rentabilidade
0,264
0,793
N
1,009
0,012
0,739
N
Observa-se, que:
——
o valor médio dos interceptos, ainda é negativo;
——
alguns fundos (4) tiveram rendimentos acumulados no período, superiores ao índice (Ibovespa
descontado de 1,5% a.a.);
——
alguns fundos (4) apresentam intercepto positivo, embora nenhum deles de forma estatisti­
camente significante;
——
o rendimento acumulado do índice (140,6%) ainda foi maior que a média dos rendimentos dos
fundos (121,99%).
TABELA 4 _ Comparação dos testes de hipótese para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa – Ibovespa com e
sem a consideração de despesas.
Teste de Hipótese para o α
Teste de Hipótese para o β
Quantidade
Total
Quantidade
utilizada
nos Testes
Sem despesas
15
12
7
5
0
2
10
0
Com despesas
1,5% a.a.
15
12
1
11
0
2
10
0
Consideração
sobre o
Ibovespa
H0: α = 0
H0: β = 1
Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0
α<0
H0
α>0
Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0
β<1
H0
β>1
FONTE: Os autores
Na TAB. 4, pode-se observar que a consideração das despesas de 1,5% ao ano, para o Ibovespa, levou a
redução dos casos em que a hipótese nula para o intercepto foi rejeitada, por ser o α significativamente menor
que zero, que passou de 7 para 1 apenas. Apesar disso, continuou sem ocorrer nenhum caso em que a hipótese
nula foi rejeitada, por ser o α significativamente maior que zero.
TABELA 5 _ Comparação de outros resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa — Ibovespa com e sem a
consideração de despesas
Consideração
sobre o
Ibovespa
Sem despesas
Com despesas
1,5% a.a.
Valores médios
Rentabilidade
Quantidade
utilizada
nos Testes
α
β
rentabilidade
acumulada
acumulada
15
12
-0,264
0,984
122,0
15
12
-0,128
0,985
122,0
Quantidade
Total
Número de meses
F > IBV
F < IBV
168,0
31
56
140,6
37
50
Ibovespa
FONTE: Os autores
Na tabela acima, comparando-se os dois casos, observa-se que mesmo considerando o Ibovespa com
uma redução de rendimento equivalente a despesas de 1,5% ao ano, ainda assim, os fundos passivos, em
média, tiveram um desempenho inferior ao índice. O fato de incluir as despesas não teve impacto significante
nos riscos medidos pelo β (TAB. 4).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
173
3.2 Resultados para Fundos Ativos Referenciados ao Ibovespa
Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de risco,
são apresentados na tabela a seguir:
TABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança
Código do
Fundo
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
Comparação com
o índice - num. de
semanas
Período
Mensal
IBV = 168,0
IBV = 1,93
F > IBV
F < IBV
AT_IBV_1
0,109
0,700
0,486
N
0,959
0,020
-2,077
S
222,00
2,55
48
39
AT_IBV_2
0,143
0,937
0,352
N
0,959
0,019
-2,152
S
199,65
2,29
48
39
AT_IBV_3
-0,244
-1,277
0,205
N
0,962
0,024
-1,581
N
114,18
1,31
36
51
AT_IBV_4
0,100
0,569
0,571
N
0,970
0,024
-1,245
N
190,86
2,19
44
43
AT_IBV_5
-0,458
-2,441
0,017
S
0,951
0,024
-2,081
S
77,82
0,89
31
56
AT_IBV_6
0,218
0,651
0,517
N
0,844
0,042
-3,684
S
205,49
2,36
46
41
AT_IBV_7
-0,220
-1,339
0,184
N
0,997
0,021
-0,166
N
133,24
1,53
37
50
AT_IBV_8
-0,329
-2,220
0,029
S
0,977
0,019
-1,211
N
100,12
1,15
36
51
AT_IBV_9
-0,086
-0,407
0,685
N
0,896
0,027
-3,915
S
142,00
1,63
38
49
281,33
3,23
53
34
AT_IBV_10
AT_IBV_11
-0,304
-1,196
0,235
N
1,025
0,032
0,789
N
100,87
1,16
44
43
AT_IBV_12
-0,517
-3,383
0,001
S
0,922
0,019
-4,064
S
68,77
0,79
30
57
AT_IBV_13
-0,005
-0,028
0,978
N
0,903
0,020
-4,766
S
145,94
1,68
39
48
AT_IBV_14
0,032
0,216
0,830
N
0,950
0,019
-2,661
S
172,06
1,98
48
39
AT_IBV_15
-0,376
-2,719
0,008
S
0,972
0,017
-1,628
N
113,10
1,30
33
54
AT_IBV_16
-0,260
-1,654
0,102
N
0,978
0,020
-1,110
N
136,46
1,57
38
49
AT_IBV_17
0,419
1,683
0,096
N
0,925
0,031
-2,383
S
272,34
3,13
53
34
AT_IBV_18
0,367
1,479
0,143
N
0,880
0,031
-3,825
S
253,97
2,92
54
33
AT_IBV_19
1,087
4,278
0,000
S
0,854
0,032
-4,557
S
555,50
6,39
54
33
AT_IBV_20
0,383
1,669
0,099
N
0,862
0,029
-4,773
S
259,34
2,98
44
43
AT_IBV_21
549,40
6,31
45
42
AT_IBV_22
382,85
4,40
47
40
AT_IBV_23
0,108
1,041
0,301
N
0,984
0,013
-1,256
N
AT_IBV_24
192,63
2,21
47
40
327,77
3,77
49
38
AT_IBV_25
0,383
2,605
0,011
S
0,972
0,018
-1,500
N
269,20
3,09
50
37
AT_IBV_26
0,266
1,681
0,096
N
0,975
0,020
-1,283
N
251,54
2,89
48
39
326,19
3,75
49
38
260,37
2,99
49
38
79,47
0,91
39
48
AT_IBV_27
AT_IBV_28
AT_IBV_29
174
continua
Rentabilidade
0,378
1,903
0,060
N
0,860
0,025
-5,592
S
TABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Código do
Fundo
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
conclusão
Rentabilidade
Comparação com
o índice - num. de
semanas
Período
Mensal
IBV = 168,0
IBV = 1,93
F > IBV
F < IBV
AT_IBV_30
0,249
1,574
0,119
N
0,983
0,020
-0,853
N
266,91
3,07
50
37
AT_IBV_31
0,399
2,135
0,036
S
0,876
0,024
-5,288
S
268,22
3,08
48
39
178,85
2,06
42
45
AT_IBV_32
AT_IBV_33
-0,095
-0,605
0,547
N
0,980
0,020
-1,036
N
172,63
1,98
43
44
AT_IBV_34
0,214
1,298
0,198
N
0,965
0,021
-1,692
N
218,34
2,51
50
37
AT_IBV_35
-0,052
-0,317
0,752
N
0,947
0,021
-2,546
S
165,90
1,91
42
45
AT_IBV_36
-0,162
-0,508
0,613
N
0,769
0,040
-5,767
S
116,56
1,34
43
44
303,86
3,49
49
38
AT_IBV_38
0,048
0,235
0,815
N
0,964
0,025
-1,427
N
174,36
2,00
44
43
AT_IBV_39
0,219
1,364
0,176
N
0,935
0,020
-3,233
S
178,60
2,05
48
39
124,08
1,43
39
48
239,01
2,75
47
40
AT_IBV_37
AT_IBV_40
AT_IBV_41
0,279
1,893
0,062
N
1,025
0,019
1,328
N
MÉDIA
0,072
0,938
214,43
2,46
44
43
MEDIANA
0,104
0,959
192,63
2,21
46
41
FONTE: Os autores
A TAB. 6 apresenta para os fundos ativos referenciados ao Ibovespa estudados:
——
o valor médio para o intercepto (α) foi de 0,072;
——
o valor médio do (β) foi de 0,938;
——
a média dos rendimentos acumulados no período foi de 214,43%, portanto superior aos 168%
obtidos pelo Ibovespa;
——
tiveram em média rendimentos superiores ao Ibovespa em 44 meses, enquanto em 43 meses, em
média, os rendimentos foram inferiores.
Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, quando variado o ativo livre de risco, são
apresentados a seguir:
TABELA 7 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa
Tipo do Ativo
Quantidade
Livre de Risco
Total
Quantidade
Teste de Hipótese para o α
Teste de Hipótese para o β
H0: α = 0
utilizada
H0: β = 1
nos Testes
Rejeita H0
α<0
Não Rejeita
H0
Rejeita H0
α>0
Rejeita H0
β<1
Não Rejeita
H0
Rejeita H0
β>1
RF = SELIC
41
32
4
25
3
17
15
0
RF = POUPANÇA
41
32
4
25
3
17
15
0
RF = 0
41
32
4
25
3
17
15
0
FONTE: Os autores
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
175
Nessa Tabela, pode-se observar que os fundos ativos referenciados ao Ibovespa apresentaram,
aproximadamente, os mesmos números de testes em que a hipótese nula foi rejeitada, por ser o α
significativamente maior ou menor que zero, sendo que, na maioria dos casos, a hipótese nula (α = 0) não
pôde ser rejeitada.
Os resultados obtidos para o conjunto dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa ficaram muito
próximos do que se poderia esperar de acordo com as premissas da HEM, visto que:
——
o α médio ficou próximo a zero;
——
o número de testes em que “H0” foi rejeitada foi aproximadamente igual para α > 0 e também α <
0. Como já comentado, a HEM não nega a possibilidade de ocorrerem casos com α > 0 e α < 0. A
HEM diz apenas que essas probabilidades devem ser semelhantes e fruto do acaso;
——
alguns fundos (um pouco mais de 50%) conseguiram um risco menor que a carteira teórica dos
fundos ativos;
——
as médias dos números de meses com rendimentos superiores e inferiores ao Ibovespa foram
semelhantes (44 e 43).
3.3 Resultados para Fundos Ativos Alavancados e Referenciados ao Ibovespa
Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo
livre de risco, são apresentados na tabela a seguir:
TABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa
Código do
Fundo
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
AT_A_IBV_1
Comparação com
o índice - num. de
semanas
Período
Mensal
IBV = 168,0
IBV = 1,93
F > IBV
F < IBV
186,96
2,15
47
40
AT_A_IBV_2
0,520
2,703
0,008
S
0,938
0,024
-2,569
S
311,50
3,58
53
34
AT_A_IBV_3
0,590
3,006
0,004
S
0,970
0,025
-1,219
N
369,21
4,24
57
30
AT_A_IBV_4
0,243
0,820
0,415
N
0,925
0,037
-2,016
S
295,76
3,40
52
35
AT_A_IBV_5
0,727
1,859
0,067
N
0,776
0,049
-4,554
S
360,49
4,14
45
42
AT_A_IBV_6
0,615
2,219
0,029
S
0,980
0,035
-0,586
N
349,07
4,53
54
33
AT_A_IBV_7
0,709
2,404
0,018
S
0,953
0,037
-1,265
N
374,65
4,31
52
35
199,31
2,29
42
45
130,12
1,50
40
47
AT_A_IBV_8
AT_A_IBV_9
176
continua
Rentabilidade
-0,110
-0,770
0,444
N
1,005
0,018
0,300
N
TABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa
Teste de Hipótese para o α
H0: α = 0
Código do
Fundo
Intercepto
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Prob
> 0,05
Rejeita H0
Teste de Hipótese para o β
H0: β = 1
Valor
Desvio
Padrão
Estatística t
-1,9884
< valor <
1,9884
Rejeita H0
conclusão
Rentabilidade
Comparação com
o índice - num. de
semanas
Período
Mensal
IBV = 168,0
IBV = 1,93
F > IBV
F < IBV
AT_A_IBV_10
-0,165
-0,877
0,383
N
1,019
0,024
0,821
N
147,01
1,69
42
45
AT_A_IBV_11
1,070
2,862
0,005
S
0,980
0,048
-0,426
N
448,81
5,16
55
32
AT_A_IBV_12
1,296
3,242
0,002
S
0,779
0,050
-4,398
S
646,10
7,43
50
37
209,02
2,40
45
42
AT_A_IBV_13
AT_A_IBV_14
0,512
2,391
0,019
S
0,935
0,027
-2,431
S
307,03
3,53
51
36
AT_A_IBV_15
0,375
1,517
0,133
N
0,909
0,031
-2,968
S
316,57
3,64
48
39
AT_A_IBV_16
0,262
1,475
0,144
N
0,950
0,022
-2,262
S
252,18
2,90
45
42
AT_A_IBV_17
-0,016
-0,087
0,931
N
0,975
0,023
-1,112
N
161,10
1,85
43
44
AT_A_IBV_18
0,243
0,892
0,375
N
0,970
0,035
-0,852
N
259,23
2,98
51
36
MÉDIA
0,458
0,937
298,28
3,43
48
39
MEDIANA
0,512
0,953
301,40
3,46
49
38
FONTE: Os autores
A TAB. 8 mostra que para os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa:
Rev.
——
o valor médio do intercepto α foi de 0,458, ou seja, bem superior a zero;
——
o β médio foi de 0,937;
——
a média dos rendimentos acumulados no período foi de 298,28%, em comparação aos 168%
obtidos pelo Ibovespa;
——
em média, num maior número de meses (48) obtiveram rendimentos superiores ao Ibovespa,
tendo obtido rendimentos inferiores, em média, em 39 meses.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
177
Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, quando variado, o ativo livre de
risco é apresentado a seguir:
TABELA 9 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa
Tipo do Ativo
Quantidade
Livre de Risco
Total
Teste de Hipótese para o α
Quantidade
Teste de Hipótese para o β
H0: α = 0
utilizada
H0: β = 1
nos Testes
Rejeita H0
α<0
Não Rejeita
H0
Rejeita H0
α>0
Rejeita H0
β<1
Não Rejeita
H0
Rejeita H0
β>1
RF = SELIC
18
15
0
8
7
7
8
0
RF = POUPANÇA
18
15
0
8
7
7
8
0
RF = 0
18
14
0
6
8
6
8
0
FONTE: Os autores
Ao contrário dos fundos passivos, os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa não tiveram
nenhum caso em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o intercepto (α) significativamente menor que zero,
e diversos casos em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o α significativamente maior que zero.
No tocante aos riscos, os fundos alavancados tiveram um aumento do risco de forma marginal em
relação aos fundos ativos, uma vez que um pouco menos da metade dos fundos tiveram um β inferior a 1.
3.4 Avaliação do Risco dos Fundos
Visando uma comparação dos níveis de risco dos diversos fundos, representados pelos respectivos
betas, esses índices foram calculados de acordo com a expressão:
βj=
cov(R j , R m )
σ 2 (R m )
(9)
Não foram utilizados os betas calculados pelas regressões, visto que:
178
——
em diversos casos, para ser obtida a distribuição normal dos resíduos, foram utilizadas variáveis dummy,
que tinha como consequência desconsiderar um ou dois pontos extremos das séries de dados;
——
a expressão utilizada nas regressões, como apresentado na equação (4), não era exatamente a
do CAPM.
O resumo desses valores calculados é apresentado a seguir:
TABELA 10 _ Comparação dos cálculos dos betas para cada tipo de fundo
Cálculo dos betas
Tipo de fundo
Média
Mediana
Desvio-Padrão
Passivo
0,974
0,977
0,031
Ativo
0,916
0,939
0,067
Ativo alavancado
0,932
0,936
0,071
FONTE: Os autores
A TAB. 10 mostra que as médias e as medianas dos β não indicam que os fundos mais agressivos
correram maior risco. Apenas os desvios padrão dos β apresentaram valores proporcionais ao que seria
esperado para os riscos corridos pelos fundos. Por outra forma de avaliar o risco corrido pelos fundos, a seguir
são apresentados os valores médios dos desvios padrão e das variâncias do Ibovespa e dos três tipos de fundos.
TABELA 11 _ Comparação dos desvios-padrão e variâncias dos fundos
Descrição
Desvio Padrão
Variância
(média)
(média)
Ibovespa
7,97
63,5
Fundos Passivos
7,93
62,9
Fundos Ativos
7,52
57,7
Fundos Ativos Alavancados
8,00
64,3
FONTE: Os autores
A TAB. 11 também não mostra que os fundos que se propõem a ser mais agressivos, de
fato, apresentaram maior risco. Existe uma discussão no mercado financeiro, em relação aos
fundos de ações, sobre qual a melhor opção de
investimento, se fundos passivos ou ativos. Alguns analistas acham que existem vantagens em
ser feitas aplicações em fundos ativos ou ativos
alavan­ca­dos. Outros, que esses fundos não são
boas opções, visto que a eventual diferença de
rendimentos não é suficiente para compensar o
risco adicional envolvido.
Em relação a essa discussão, e levando em
conta os valores apresentados nas Tabelas 10 e
11, fica claro ter sido mais vantajosa a aplicação
em fundos mais agressivos. Esses resultados não
devem ser considerados como podendo dar um
Rev.
FA E ,
C uritiba,
final à discussão, pelas restrições de período de
análise e conjunto de fundos analisados. Também
pode ter contribuído para esses resultados o bom
desempenho do Ibovespa nos últimos anos.
3.5Limitações dos Resultados Obtidos
pela Análise de Regressões
A avaliação dos gestores dos fundos
de ações, pela análise de regressões de séries
temporais, utilizando o modelo desenvolvido por
Jensen (1967), realizada neste trabalho, possui
limitações, tais como:
——
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
viés de sobrevivência: foram estu­
dados fundos que existiam em todo
o período de análise, de janeiro de
179
2000 a março de 2007. Assim, a não
consideração dos fundos que deixaram
de existir no período acarreta numa
distorção que aumenta os resultados
obtidos pelos administradores;
——
——
——
180
viés de especificação: como a car­teira
de mercado é definida como sendo
composta por todos os ativos com
risco cada um deles participando na
proporção de seu valor de mercado,
e como, diferentemente, cada ativo
que compõe o Ibovespa tem uma
participação proporcional a sua nego­
ciação no período anterior, esse fato
pode contribuir para incorreções nos
resultados;
o modelo de índice único: o modelo
desenvolvido por Jensen (1967), base­
ou-se no modelo de índice único
CAPM. A exemplo da grande discussão
existente entre os que defendem e os
que refutam a HEM, também existe
um debate acalorado entre os que
defendem e os que criticam o método
CAPM. A simplicidade do método CAPM
é, ao mesmo tempo, razão de defesa
da sua utilização por uns, e crítica por
outros. Assim, tendo em vista a grande
dificuldade enfrentada pela análise de
eficiência de mercado, decorrente da
hipótese conjunta, pode-se questionar
o modelo de índice único baseado no β,
em favor de outros modelos;
modelo com índice constante: outra
característica do modelo CAPM básico,
é a consideração de que o β é constante
em todo o período de análise. As
rápidas mudanças nos mercados de
ações podem não ser avaliadas ade­
quadamente ao ser utilizado um modelo
com índice constante.
Conclusões
Este trabalho buscou avaliar os gestores dos
fundos de ações referenciados ao Ibovespa, sob
a ótica do investidor, no período compreendido
entre os meses de janeiro de 2000 a março de
2007, verificando como se comportavam, tendo
como referência premissas da HEM. Assim, pelos
comentários anteriores, que se baseiam em
uma grande quantidade de estudos empíricos, é
importante salientar que as conclusões não podem
ser generalizadas.
Por tudo o que já foi comentado, fica claro
que a avaliação dos fundos de ações, sob a ótica da
HEM, não deve ter apenas rigor matemático, sendo
aconselhável serem feitas também avaliações
qualitativas e comparativas. Das três análises reali­
zadas (fundo passivo, ativo e alavancado), duas
corroboraram a HEM e uma a refutou.
Feitas todas essas ressalvas, considera-se
que os resultados obtidos pelas análises de regressão de séries temporais, utilizando testes de
hipótese e o modelo de avaliação de carteiras desenvolvido por Jensen (1967), mostraram para os
fundos e períodos analisados, que:
——
os fundos passivos referenciados
ao Ibovespa tiveram, em média, um
desempenho inferior ao índice de mer­
cado utilizado — que foi o Ibovespa
—, corroborando, dessa forma, com
a Hipótese de Eficiência de Mercado.
Esse fato significa que os gestores, por
meio de sua atuação, não conseguiram
compensar os custos administrativos e
de transação incorridos pelos fundos.
Ressalta-se que nenhum fundo passivo
apresentou rendimento superior ao
mercado (medida pelo valor do in­
ter­­cepto da reta de regressão), de
forma estatisticamente significante.
Mesmo quando foi considerado como
rendimento da Carteira de Mercado,
um índice fictício resultante de ser
descontado dos rendimentos do
Ibovespa, o equivalente a uma taxa de
administração de 1,5% ao ano, os fundos
passivos apresentaram resultados infe­
riores ao índice e, portanto, compatíveis
com a HEM. Em resumo, esses gestores
não conseguiram fornecer aos clientes
os rendimentos que tinham por meta;
——
——
Rev.
os fundos ativos referenciados ao
Ibovespa apresentaram, em média, um
desempenho próximo, ou até melhor,
ao que seria esperado pelas considerações da HEM. Nesse caso, mesmo com
os custos de administração e de transações, a maioria dos fundos obteve resultados semelhantes ao mercado e o
número de fundos, cujos rendimentos
foram superiores ao mercado, foi pró­
ximo ao número dos que obtiveram
rendimentos inferiores ao mercado, ambos de forma estatisticamente significante, considerando-se os valores dos
interceptos. Assim, se na análise não
fossem considerados os custos de administração e das transações, os resultados seriam um pouco superiores ao
que se esperaria de acordo com a HEM.
Vê-se que a meta de bater o Ibovespa
foi parcialmente atingida;
Quando são analisados os riscos associados
a cada tipo de fundo, conforme apresentado nas
TAB. 10 e TAB. 11, observa-se que não há mudança
significativa nos níveis de risco entre os diversos
tipos de fundos, variando apenas a dispersão
desses valores. Considera-se que esse fato pode
decorrer de uma ou mais das seguintes razões:
——
os gestores dos fundos ativos e ativos
alavancados conseguiram compensar
os riscos assumidos por meio de outras
operações de proteção;
——
os betas, calculados a partir dos rendimentos mensais, não conseguiram traduzir o eventual maior risco assumido;
——
no período analisado, não ocorreram
eventos de desvalorização dos ativos,
como seria possível pelas operações de
maior risco.
os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa apresentaram,
em média, rendimentos notadamente
superiores aos obtidos pelo Ibovespa,
caracterizando, para esses fundos e no
período analisado, um comportamento
não compatível com a HEM. Diversos
fundos tiveram um rendimento superior
ao Ibovespa (valor do intercepto) de
forma estatisticamente significante,
enquanto nenhum apresentou um
rendimento inferior ao Ibovespa de
forma estatisticamente significante,
apesar das despesas administrativas
e de transação. Nesse caso, pode-se
considerar que os gestores conseguiram
atingir a meta de bater o Ibovespa.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
•
Recebido em: 22/08/2011
•
Aprovado em: 23/04/2012
181
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012
183
Um olhar sobre o jovem atual:
como a Geração Y lida com
recursos monetários
A financial view of youth today: how the generation Y deals with money
Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com recursos monetários
A financial view of youth today: how the generation Y deals with money
Luiz Carlos Augusto de Carvalho1
Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo2
Resumo
Este trabalho versa sobre o comportamento financeiro do jovem atual,
classificado como geração Y — composta por pessoas nascidas após
1980. O estudo teve por objetivo identificar traços do comportamento
financeiro do jovem contemporâneo, mais precisamente os aspectos de
consumo, poupança e doação. Dessa forma, elaborou-se um levantamento
bibliográfico sobre educação financeira e sobre os grupos geracionais
formados ao longo do século XX. No que tange à metodologia utilizada,
essa investigação pode ser caracterizada como descritiva, quantitativa e
survey. Foram entrevistados 180 estudantes dos cursos de pós-graduação
em finanças de uma universidade pública do estado do Paraná. Os
resultados mostraram que essas pessoas que possuem interesse por
educação financeira buscam qualidade ao comprar um produto de uso
habitual, têm práticas conservadoras relacionadas aos investimentos e
têm por hábito realizar doações.
Palavras-chave: Finanças Pessoais. Educação Financeira. Geração Y.
Abstract
This paper discusses the financial behavior of young people today, who
are referred to as generation Y - people who were born after 1980. This
study aimed at identifying characteristics of the financial behavior of
contemporary young people, especially in relation to consumption,
saving and donating. Therefore, it involved researching literature
about financial education and generation groups which were formed
throughout the 20th century. Regarding the methodology, this research
can be characterized as descriptive, quantitative and survey. The
participants were 180 students of finance postgraduate courses from
a public university from Paraná. The results showed that those young
people who have an interest in financial education look for quality
when buying a usual product, have conservative attitudes in relation to
investments and have the habit of making donations.
Keywords: Personal Finance. Financial Education. Generation Y.
Especialista em Finanças e Contabilidade (UFPR). E-mail: [email protected].
Doutora em Controladoria e Contabilidade (FEA-USP). Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Contabilidade da UFPR. E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
185
Introdução
Introdução
O comportamento dos jovens modernos
é resultado de uma sociedade globalizada,
competitiva e tecnológica. A ‘Geração Y’, como
é conhecida, caracteriza-se pela facilidade e
interesse por inovações tecnológicas, necessidade
de estabelecer relacionamentos — especialmente
por meio de redes sociais online, qualificação
elevada, facilidade de compreensão de outras
línguas e um enorme desejo de aproveitar a vida
(ROBBINS, 2005; LANCASTER, STILLMAN, 2005;
LOMBARDIA, STEIN, PIN, 2008; KHOURY, 2009;
OLIVEIRA, 2010). A origem da denominação dessa
geração como ‘Y’ se deve ao fato da influência que
a extinta União Soviética exercia sobre os países
comunistas. Isto é, definia-se a letra inicial dos
nomes das crianças nascidas naquele período. Na
década de 1980, escolheu-se a letra Y, o que deu
origem ao termo Geração Y (OLIVEIRA, 2010).
Com a chegada
da Geração Y ao
mercado de trabalho
e, consequentemente,
aos postos de
liderança, cada vez
mais os rumos da
sociedade podem
ser influenciados
pelos ideais dessas
pessoas.
De modo geral, cada geração é resultado
de seu contexto social e histórico, possuindo seus
próprios conjuntos de valores, comportamentos
e atitudes. Com a chegada da Geração Y ao
mercado de trabalho e, consequentemente, aos
postos de liderança, cada vez mais os rumos da
sociedade podem ser influenciados pelos ideais
dessas pessoas. Assim, entender esse grupo social
186
é fundamental, não apenas para compreensão
das mudanças pelas quais as sociedades passam,
mas também para que organizações e governos
possam atender adequadamente os anseios e
expectativas dessa geração.
Portanto, com o objetivo de contribuir com
esse propósito, a pesquisa em questão busca
compreender como uma parcela dessa população
se comporta em relação ao dinheiro. Para Claudino,
Nunes e Silva (2009), a exploração acadêmica
do tema deve ser incentivada não apenas para
despertar o interesse por educação financeira
como também para estimular a criação de novos
estudos do gênero. Logo, este trabalho dará ênfase
ao estudo do comportamento financeiro da Geração
Y, focando em dois fundamentos: o desenvolvi­
mento da educação financeira e o entendimento de
como esse grupo de pessoas de comportamento
pe­
culiar lida com o dinheiro. Adicionalmente, o
estudo pode contribuir para o entendimento de
suas características de forma a possibilitar o apri­
moramento da educação financeira.
Levando em conta o contexto apresentado
sobre finanças pessoais e grupo citado, a questão
que se pretende investigar é a seguinte: como
a Geração Y lida com o dinheiro em relação ao
consumo, poupança e doação?
Existem indícios de que parte da população
brasileira tem dificuldades em administrar suas
finanças (SOUSA; TORRALVO, 2004). Aliado a
isso, o crédito farto e a própria tecnologia facilitam
o acesso da população aos produtos financeiros,
e, diante de tantas opções, o consumidor pode
acabar sendo impulsivo no ato da compra.
Assim, muitas vezes, esse comportamento pode
levar ao endividamento pessoal, acarretando
na desestruturação de muitas famílias e vidas
(CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009).
Se ao atingir pessoas experientes, as
dívidas se tornam um grave problema, quando
alcança os mais novos, que em geral possuem
menor maturidade e capacidade financeira, elas
provocam sérias consequências. Fato é que esse
mal tem atingido os jovens, principalmente por
que as instituições financeiras, visando fidelizar
Os jovens
contemporâneos têm
carac­terísticas totalmente
diferentes das demais
ge­rações, especialmente
por terem sido marcados
pelo acesso mais fácil
e interação com a
tecnologia.
desde cedo os clientes, vêm desenvolvendo
produtos voltados a adolescentes e universitários.
Essas pessoas, em sua maioria, não tiveram
instrução adequada para lidar com cartões ou
limites de créditos durante os anos de escola.
Isso é resultado da lacuna existente no ensino
básico tradicional que, de forma geral, não aborda
economia doméstica em seus currículos.
Os jovens contemporâneos têm carac­
terísticas totalmente diferentes das demais ge­
rações, especialmente por terem sido marcados
pelo acesso mais fácil e interação com a tecnologia.
Eles são capazes de realizar diversas atividades
simultaneamente e que estejam interligadas à
tecnologia, por exemplo: assistir à TV e ouvir
música enquanto acessam a vários sites ao mesmo
tempo, conversam com os amigos no MSN e enviar
SMS pelo celular. (OLIVEIRA, 2010). Exemplos
como esses são comuns na maioria dos lares e
empresas do Brasil que possuem jovens em seu
cotidiano. Segundo pesquisa realizada pelo grupo
DMRH/Cia. de Talentos (2010), publicada na HSM
Management, a geração dos nascidos após 1980
- denominada de Y, deseja independência para
decidir os rumos de sua carreira, ter agenda flexível,
modificar as regras, serem ouvidos, ter acessos à
tecnologia avançada e a ampla rede de contato,
além de crescer rapidamente na empresa (CIA DE
TALENTOS, 2010).
Pelo exposto, a carência de educação
financeira no País, somada à ascensão de uma
nova parcela de consumidores com características
Rev.
FA E ,
C uritiba,
diferentes das tradicionais — torna relevante não
só o estudo de finanças pessoais, bem como o
desenvolvimento de produtos financeiros para
esse público de forma responsável.
Sendo assim, visando preencher lacunas exis­
tentes sobre finanças pessoais aplicadas à Geração Y,
esse trabalho procura evidenciar aspectos obscuros
sobre o assunto, buscando um conhecimento mais
profundo da forma como essas pessoas lidam com
o seu dinheiro, mais precisamente no que aos jovens
da cidade de Curitiba.
Este trabalho será apresentado em 05
(cinco) seções. Nesta primeira, apresentar-se-á o
assunto a ser estudado, bem como informações
sobre a pesquisa. Na segunda será apresentada
uma revisão da literatura referente aos dois
principais assuntos em estudo: finanças pessoais
e Geração Y. Na terceira parte serão expostos os
procedimentos metodológicos que nortearão a
condução da pesquisa a ser realizada. Finalmente, as
duas seções seguintes versarão, respectivamente,
sobre a análise e interpretação dos dados e sobre
as conclusões e recomendações.
1
Referencial Teórico-empírico
Após a estabilização econômica advinda
com o Plano Real, o brasileiro passou a viver uma
nova realidade, pois o período hiperinflacionário,
que resultava em remarcações de preços diários,
tinham ficado para trás. O brasileiro não estava
acostumado a adotar comportamentos financeiros
adequados, talvez devido à inexistência do
aprendizado de educação financeira no ensino
formal (SOUSA; TORRALVO, 2004).
1.1 Educação Financeira no Brasil
A educação financeira no Brasil ainda é
pouco desenvolvida. O sistema escolar nacional
prepara os jovens para se tornarem bons operários,
pois reforça paradigmas da era industrial na qual
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
187
Para gerir adequadamente
os recursos financeiros,
as pessoas deveriam
possuir habilidade de
lidar com um grande
número de informações,
pois uma população
educada financeiramente
garante para si um futuro
equilibrado por meio de
seus investimentos.
havia uma grande necessidade de trabalhadores
(EBERLE, 2009). Assim como o ensino tradicional,
a literatura sobre educação financeira é pouco
explorada no Brasil. De forma geral, as universidades
ainda exploram pouco o assunto, e, via de regra,
limitam-se a oferecer disciplinas isoladas dentro
de algum curso de graduação ou em MBAs com
ênfase em gestão de investimentos (SOUSA;
TORRALVO, 2004). Também são raros os artigos
acadêmicos cujo foco principal trate de finanças
pessoais. Geralmente, o tema acaba sendo citado
como coadjuvante de outro em destaque.
Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009),
para gerir adequadamente os recursos financeiros,
as pessoas deveriam possuir habilidade de lidar
com um grande número de informações, pois uma
população educada financeiramente — aquela
que sabe interpretar índices, praticar o consumo
consciente e elaborar um planejamento — garante
para si um futuro equilibrado por meio de seus
investimentos. Outra atitude necessária é a elabo­
ração de um planejamento financeiro pessoal.
Em muitos casos a inadimplência ocorre não por
escassez de recursos, mas simplesmente pela falta
de um planejamento adequado, porque a maior parte
dos brasileiros ainda não aprendeu a pensar a longo
prazo e acaba administrando seus rendimentos na
base do improviso.
188
Sousa e Torralvo (2004) afirmam que pelo
planejamento financeiro pessoal pode-se definir
objetivos e tomar decisões eficientes. Depois de
realizado o planejamento pessoal de médio e longo
prazo é necessário elaborar um planejamento de
curto prazo: o orçamento pessoal. Um orçamento
nada mais é do que tomar decisões sobre o destino
das receitas auferidas em um determinado período
de acordo com algum tipo de diretriz.
Um orçamento bem elaborado deve prever
alguma quantidade de recursos para formação de
uma reserva financeira. No Brasil, grande parte da
população destina suas economias para produtos
bancários de baixo risco, como a poupança. Porém,
quem tem algum conhecimento na área financeira
sabe que essa aplicação tem retornos muito baixos
a longo prazo e, não raro, acaba perdendo até para
inflação (SOUSA; TORRALVO, 2004).
Consequentemente, conhecer os diversos
tipos de aplicações financeiras (investimentos) é
importante para escolha daquela que melhor atende
às expectativas do agente em relação ao risco,
prazo e retorno esperado. Os custos envolvidos
nas aquisições das aplicações também devem ser
objetos de análise por parte do investidor, para que
as despesas envolvidas nas transações, como taxas
e tributos, não prejudiquem a rentabilidade do título.
Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009)
poupar não é apenas deixar de consumir agora para
consumir no futuro, mas é obter a remuneração
adequada no presente a fim de atingir a importância
desejada no futuro para que se possibilite a conquista
de seus sonhos. Outro fator a considerar na hora
de realizar uma aplicação é o tempo de resgate
do investimento. Poucos indivíduos compreendem
que para formação de poupança de longo prazo
o mais indicado é a renda variável. Por outro lado,
quando o horizonte para regate for menor, o ideal
para garantir o principal — seria aplicar em renda
fixa (HALFELD, 2001).
Quando o indivíduo consegue elaborar um
planejamento e formar uma reserva de capital, ele
consegue reduzir seu risco de ficar inadimplente.
O endividamento pessoal traz consequências que
muitas vezes vai além do indivíduo, por exemplo,
Poupar não é apenas
deixar de consumir agora
para consumir no futuro,
mas é obter a remuneração
adequada no presente a
fim de atingir a importância
desejada no futuro
para que se possibilite
a conquista de seus
sonhos.
comprometendo a família. Dependendo do caso
o problema pode se estender do devedor para
o trabalho e amigos próximos. Além disso, uma
situação de inadimplência pode levar as pessoas
a contrair novos empréstimos, normalmente com
juros mais elevados, complicando ainda mais a
situação. À medida que a dívida aumenta o indivíduo
tende a perder o controle da situação e, muitas
vezes, essa situação leva-o ao superendividamento
ou falência (CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009).
Os fatores que provocam o endividamento
são os mais variados. Em algumas situações ele é
oriundo de causas alheias à vontade do indivíduo,
por exemplo uma doença pessoal, perda do
emprego ou óbito na família. Entretanto, percebe-se que algumas vezes esse problema também
atinge indivíduos que possuem um bom padrão
de vida e que não sofreram a influência de fatores
externos. Nesses casos, o endividamento pode ser
originário de maus hábitos de consumo.
Nesse sentido, deve-se ressaltar que o
modelo consumista presente na sociedade atual e
a facilidade de acesso ao crédito são fatores que
contribuem para o endividamento dos indivíduos.
Ainda, as campanhas de marketing, cada vez mais
influentes, e a valorização da imagem pessoal —
na qual aparência vale mais que a essência —,
estimula os indivíduos a elevar seu nível de vida
além de suas possibilidades, conforme ilustra a
FiG. 1 (DAYTON, 2002).
FIGURA 1 — Modelo consumista atual
FONTE: DAYTON (2002)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
189
1.2 As Gerações do Século XX
O envelhecimento da população mundial
proporcionado pelos avanços da Medicina fez
com que pelo menos quatro gerações diferentes
convivam ou colidam diariamente no globo.
Essas pessoas foram influenciadas pela época
em que nasceram e pelo contexto histórico em
que cresceram os quais refletem em sua visão de
mundo. Conge (1998) afirma que “As gerações
são frutos de fatos históricos que influenciam
profundamente os valores e a visão de mundo de
seus membros.”
Apesar de existirem certas variações sobre
a denominação e início de algumas delas, a maioria
dos artigos internacionais citados nos estudos
brasileiros classificam as gerações do século XX
em: Tradicionalistas ou Veteranos (antes 1945),
Baby Boomers (1945-1960), Geração X (19601980), Geração Y (1980-1995) e Geração Z (1995
em diante). Não existe uma data certa que define
o início de cada geração, mas há certo consenso
sobre elas, mesmo porque a divisão serve apenas
para efeito de estudo, pois busca identificar ca­
racterísticas predominantes no comportamento dos
indivíduos nascidos em certa época. Isso significa
que poderá haver pessoas que pela faixa etária
sejam classificadas em um grupo geracional cujas
características pessoais sejam diferentes da sua
(ROBBINS, 2005; LANCASTER; STILLMAN, 2005;
LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009;
OLIVEIRA, 2010; ORSI; GALENI; MEIRA, 2010).
estilo de liderança que caracteriza a geração, ou
seja: assuma o comando e faça o correto! Essas
pessoas se sentem confortáveis com hierarquias e
cumprimento de normas.
Para Robbins (2005), os Veteranos foram
influenciados pela Grande Depressão, Segunda
Guerra e pela construção do Muro de Berlin.
Atualmente, são formados pelas pessoas que
possuem mais de 65 anos. Tendem a valorizar
a segurança familiar e uma vida confortável. As
características principais desse grupo são: o grande
respeito a figuras de autoridades, a lealdade a suas
empresas, o trabalho árduo e o conformismo.
1.2.2
Os Baby Boomers
Os Baby-Boomers, literalmente explosão
de bebês, são formados pelas pessoas que hoje
têm entre 45 e 65 anos. Foram influenciados pelos
Beatles, pela Guerra do Vietnã e pelo movimento dos
direitos civis nos EUA. Compartilham o otimismo
do fim da década de 1960, preocupam--se com
a família e com o autodesenvolvimento, tendem
a permanecer muito tempo no mesmo emprego,
onde trabalham duro e nutrem certa desconfiança
da liderança. Seus principais valores são a busca
pelo sucesso, realização, ambição e lealdade à
carreira (KHOURY, 2009; ROBBINS, 2005).
1.2.3
A Geração X
1.2.1Veteranos
Como citado anteriormente, as deno­
mi­
nações das gerações variam entre os estudiosos
do tema. Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira
(2010), denominam essa geração de tradicionais.
Esses possuem como características: ser diligente
no trabalho, respeitar às regras e às autoridades, ter
disciplina, honra e sacrifício.
No trabalho de Khoury (2009), essa geração
foi batizada de geração Schwarzkopf. Segundo
o autor, em homenagem ao general americano
Norman Schwarzkopf. O militar possuía um
190
A terceira geração do século passado é a ‘X’.
Segundo Oliveira (2010), essas pessoas nascidas
após 1960 cresceram num mundo conturbado
por guerras (Vietnã, Guerra Fria), crises e
revoluções. Sua denominação vem do ativista
americano Malcom X, que lutava pelos direitos
sociais dos negros nos EUA, assassinado em 1965.
Movimentos estudantis e de hippies floresceram
nessa época, buscando contrariar tudo o que
fosse convencional. Assim, a Geração X foi forçada
a crescer num mundo mais instável. Ela assistiu à
separação dos pais, o que gerou vários conflitos
para essas pessoas. Essa instabilidade, fruto da
realidade social da época, acabou formando um
grupo mais individualista e cético (OLIVEIRA,
2010; KHOURY, 2009).
1.2.4
A Geração Z
O grupo de pessoas mais novo na
sociedade moderna é a Geração Z. Segundo Orsi,
Galeni e Meira (2010), essa geração é formada por
pessoas de idade na faixa dos 17 anos, atualmente
cursando o Ensino Médio, nascida na era digital,
as quais passam horas conectadas na internet,
especialmente, utilizando-se de várias mídias
sociais. Portanto, são os adolescentes atuais,
pessoas que estão em fase de formação, alguns
deles ingressando no mercado de trabalho.
1.2.5
A Geração Y
Quando os jovens na faixa dos 20 anos
começaram a chegar às organizações no início do
século XXI, os gestores começaram a perceber que
algo estava mudando no ambiente de trabalho.
Pela primeira vez, pessoas de quatro gerações
diferentes passavam a conviver no ambiente
empresarial. Influenciados pelo contexto social em
que cresceram, cada geração carregava consigo
visões de mundo diferentes.
Agora, Veteranos, Baby Boomers, Geração
X e Geração Y estavam juntos na mesma arena.
Dessa forma, estava montado o palco para os
conflitos, pois se duas gerações dentro de uma
mesma casa já produzem desentendimento de
sobra, quatro dentro de uma empresa são uma
bomba relógio (ROBBINS, 2005; LANCASTER;
STILLMAN, 2005; LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008;
KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010).
impaciência e superficialidade serem sempre citadas
como características, os comportamentos mais
marcantes desses jovens é a necessidade constante
de feedback, a busca pela ampliação dos seus
relacionamentos, o gosto por padrões informais e a
individualidade como expressão própria.
Segundo Khoury (2009), a Geração Y é
formada, sobretudo, por jovens otimistas, am­
biciosos e que desejam ‘fazer a diferença’. Eles têm
elevada autoestima e autoconfiança, gostam de
expressar suas opiniões, preocupam-se em construir
uma sociedade mais tolerante, valorizam a educação
formal e o trabalho em equipe. Para Carneiro (2010),
as principais características dos jovens dessa gera­
ção é o predomínio da comunicação virtual, o
espírito empreendedor e a inovação, a criatividade,
o engajamento e a facilidade de expressão. Por outro
lado, precisa de orientação constante, apresentando
traços de imaturidade e acomodação.
Os jovens atuais possuem problemas
em reconhecer a hierarquia, pois em seus lares
tiveram forte participação nas decisões familiares.
Seus pais da Geração X buscaram uma educação
participativa, e em alguns lares o grau de igualdade
é tão alto que é normal os filhos se referirem aos
pais pelo primeiro nome.
Esse
comportamento
acaba
sendo
transferido para as empresas, onde os ‘Ys’
veem seus chefes como ‘iguais’. Além disso, por
possuírem boa formação e domínio da tecnologia,
podem acabar tendo mais habilidades que
seus líderes, os quais, só serão respeitados caso
tenham competência, ou seja, algo a ensinar. No
entanto, eles esperam que a gestão contribua para
seu crescimento a partir de feedback constante
(LANCASTER; STILLMAN, 2005; LOMBARDIA;
STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA,
2010; CARNEIRO, 2010).
Sobre a Geração Y, Oliveira (2010) afirma
que, apesar das características atribuídas à esses
jovens, é necessário se aprofundar no estudo deles
para que se evite qualquer estereótipo. Apesar da
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FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
191
2Metodologia
Referente à metodologia utilizada, a inves­
tigação pode ser caracterizada como descritiva,
quantitativa e survey. Segundo Freitas et al. (2000,
p. 105), “a pesquisa survey pode ser descrita
como a obtenção de dados ou informações
sobre características, ações ou opiniões de um
determinado grupo de pessoas, indicados como
representantes de uma população-alvo, por meio de
um instrumento de pesquisa”. Complementarmente,
também será verificado o interesse desses jovens
por temas relacionados às finanças pessoais.
Para isso, desenvolveu-se um questionário, o qual
foi aplicado com alunos da Pós-Graduação do
Departamento de Contabilidade da UFPR.
Como o objetivo deste estudo é aprofundar
o conhecimento do comportamento financeiro da
Geração Y, ou seja, de modo geral, uma grande
parte dos jovens atuais definiu-se como população
a ser estudada, os alunos das turmas dos cursos
de Pós- Graduação lato sensu ofertados pelo
Departamento de Contabilidade (DECONT) da
Universidade Federal do Paraná — UFPR.
Essa decisão baseia-se no fato de haver nas
turmas de pós-graduação uma grande concentração
de jovens e, por conseguinte, a probabilidade de
encontrar integrantes da geração retrocitada era
significativa. Por isso, a amostra é não probabilística,
por conveniência e intencional. Assim, contando
com a colaboração dos coordenadores de cada
curso, foi realizada a aplicação dos questionários
nos intervalos das aulas entre os dias 17 de junho a 02
de julho de 2011, nas seguintes turmas: duas turmas
do curso de Especialização em Contabilidade e
Finanças (40,3% dos entrevistados), duas turmas
do curso de Especialização em Controladoria
(26,7% dos entrevistados), uma turma do curso de
Especialização em Gestão de Negócios (17% dos
entrevistados) e uma turma do curso de MBA em
Auditoria Integral (15,9% dos entrevistados). No
total, foram aplicados 180 questionários, havendo
apenas quatro que foram descartados por mau
preenchimento.
192
O questionário aplicado tinha o objetivo
de encontrar parâmetros para entender o
comportamento financeiro da Geração Y. Ele foi
estruturado em cinco blocos, a saber: bloco 1 —
educação financeira; bloco 2 — poupança; bloco 3
— doação; bloco 4 — consumo; e bloco 5 — perfil.
Em seguida, foi realizada a tabulação e tratamento
de dados utilizando os recursos do aplicativo
Microsoft Excel®.
3
Análise e Interpretação
dos Dados
Nesta seção é apresentada e discutida a
análise dos dados coletados buscando identificar
o comportamento do integrante da Geração Y em
relação ao consumo, poupança e doação.
3.1 Perfil dos Entrevistados
Conforme mencionado anteriormente, foram
entrevistados 180 alunos dos cursos de especialização
ofertados pelo DECONT. Em seguida, foi realizada
uma seleção visando identificar os integrantes
da Geração Y. Para isso, consideraram-se como
parâmetro as idades indicadas pelos respondentes,
sendo descartados os questionários daqueles que
tinham mais de 31 anos até 02 de julho de 2011, data
final da realização das entrevistas. Assim, foram
analisadas as respostas de 132 entrevistados. Mais
detalhes quanto ao perfil dos entrevistados podem
ser consultados na TAB. 1, a seguir.
TABELA 1
_
Características dos entrevistados
Indicador
Freqüência
Percentual
Sexo
Feminino
Masculino
69
63
52,27%
47,72%
Solteiro
Casado
Divorciados
Outros
86
41
01
04
65,15%
31,06%
0,75%
3,03%
Até 02 sm
Entre 02 e 04 sm
Entre 04 e 10 sm
Entre 10 e 20 sm
Acima de 20 sm
03
33
62
27
06
2,27%
25,00%
46,97%
20,45%
4,54%
Sim
126
95,45%
Não
06
4,54%
Estado Civil
Renda Familiar
Trabalha
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
3.2 Estatística Descritiva
Com relação à Educação Financeira, quando
perguntados se haviam participado de eventos
de finanças pessoais, a maioria dos entrevistados
(73%) afirmaram já haver participado de eventos
relacionado às finanças (Palestra, Encontros,
Workshops, etc.). Houve ainda um número signi­
ficativo de entrevistados (26%) que ainda não
haviam participado de eventos do gênero, mas
possuíam o desejo de participar. Esses dados
estão detalhados no GRÁF. 1.
GRÁFICO 1 _ Participação em eventos
1%
26%
33%
40%
Sim, mais de 3 eventos
Sim, até 02 eventos
Não, mas tenho interesse
Não, nem tenho interesse
Também foi perguntado se o tema ‘finan­
ças’ era conversado em família, observa-se que
um pouco mais da metade (54%) afirma ter
participado de discussão sobre finanças em seus
lares. Da amostra selecionada, 90% afirmaram ter
o costume de conversar sobre investimentos ou
finanças pessoais com amigos e parentes.
Quanto ao hábito de realizar um orçamento
ou planejamento financeiro, 74 entrevistados, ou 55%,
afirmaram que faziam algum tipo de planejamento
financeiro. No entanto, eles nem sempre conseguem
cumpri-lo. Outros 34% afirmaram realizar algum
planejamento e conseguem cumpri-lo.
Sobre hábitos de poupança, quando per­
guntados se possuíam algum tipo de inves­timento,
a maioria (72%) afirmou ter algum tipo de reserva
financeira, conforme o GRÁF. 2.
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
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193
GRÁFICO 2 _ Posse de investimentos
de realizar doações, independente de campanhas
ou solicitações, contra 20% que as fazem quando
se inicia alguma campanha. No entanto, 30%
afirmaram que raramente faziam doações. Quando
perguntados se realizavam algum tipo de serviço
voluntário, a maioria (83%) respondeu que não
praticavam nenhum tipo de voluntariado, conforme
GRÁF. 4 abaixo.
28%
72%
SIM
GRÁFICO 4 _ Trabalho voluntário
NÃO
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
Aos que possuíam algum tipo de investimento,
foi perguntado quais tipos de aplicações possuíam.
Conforme o GRÁF. 3, a caderneta de poupança, com
48%, foi indicada como principal aplicação escolhida
pelos jovens. Em seguida, aparecem a previdência
privada (21%) e o CDB (16%). A renda variável é a
opção escolhida de uma pequena parcela dos
entrevistados (8%). Índice idêntico foi alcançado
pelas aplicações em títulos de capitalização, os
quais, tecnicamente, não são investimentos, porém
são considerados como tal pelos leigos.
Dos pesquisados que não possuíam ne­
nhum tipo de poupança, a maior parte (65%)
disse que o salário ainda é muito baixo, e devido a
isso nunca sobrava dinheiro para investir. Outros
21% afirmaram não ter poupança, pois estavam
endividados.
GRÁFICO 3 _ Onde aplicam os recursos
50%
48%
40%
30%
16%
20%
21%
8%
8%
10%
0%
Poupança
Título Cap
CDB
Previdência
Renda
variável
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
Em relação ao interesse pela renda variável e,
consequentemente pelo risco, 66% afirmaram estar
interessado nessa modalidade de investimento.
Dessa porcentagem, 23% têm interesse em
aumentar sua rentabilidade no curto prazo, e 43%
a desejam para formar patrimônio de longo prazo.
Com relação especificamente a doações,
na questão introdutória, foi perguntado aos
participantes se tinham o costume de realizá-las
a pessoas ou instituições. A análise dos resultados
mostrou que 45% dos entrevistados têm o hábito
194
17%
83%
SIM
NÃO
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
Sobre hábitos de consumo, perguntou-se
aos entrevistados sobre a elaboração de lista
de compras numa ida ao supermercado. No que
tange aos resultados desse questionamento,
observou-se que 38% fazem uma lista de
compra, mas não realizam pesquisas. Por outro
lado, 33% afirmaram não fazer nenhum tipo de
lista de compras. Outros 12% apenas compram
após fazerem listas de compras, pesquisas de
preços e de promoções. Há ainda 11% que fazem
listas de compras, mas não a seguem e acabam
comprando por impulso. Apenas 6% afirmaram
cumprir rigorosamente a lista que elaboram.
Também foi perguntado aos participantes
como realizavam o pagamento de um artigo
de valor mais elevado. Conforme o GRÁF. 5, os
resultados indicaram que 50,4%, realizam pesquisa
de preços e compram parcelado no cartão ou
no crediário. Outros 44,4% fazem pesquisa, mas
economizam para comprar à vista.
GRÁFICO 5 _ Comportamento no pagamento
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
50,4%
44,4%
5,3%
0
Economiza Faz lista e Parcelado Parcelado
(a vista) pesquisas (pesquisa)
(sem
pesquisa)
FONTE: Dados da pesquisa (2011)
0
Compra
sem
planejar
Questionados sobre o critério de escolha na
compra de um produto habitual, a maioria (84%)
apontou a qualidade do produto como critério de
escolha; há ainda 8% que decidem com base no preço;
e outros 7% que decidem pela marca do produto.
Considerações Finais
Este estudo procurou compreender o
comportamento financeiro da Geração Y. Conforme
proposto, investigaram-se as atitudes do público-alvo
em relação aos seus comportamentos de consumo,
poupança e doação. Com objetivo complementar,
também se verificou o interesse desses jovens por
temas relacionados às finanças pessoais.
Os resultados mostraram que o interesse
por temas relacionados às finanças pessoais é
considerável, pois a maior parte dos entrevistados
participou de eventos e costumam conversar
sobre o assunto. Dessa forma, vislumbra-se a
possibilidade de explorar o interesse por finanças,
aliada à facilidade de interação com a tecnologia
e internet, para estimular a educação financeira
e desenvolver produtos específicos para essas
pessoas por meio de sites, blogs, redes sociais,
jogos online, dentre outras ferramentas do gênero.
Os bons resultados do binômio serviço-tecnologia
foram verificados no estudo de Pereira, Andrade e
Faria (2011), o qual identificou uma propensão da
Geração Y na utilização de serviços online, como o
da Nota Fiscal Paulista — NFP.
mas não desejam se comprometer diretamente no
auxílio ao próximo pelo voluntariado. Isso pode ser
devido ao perfil da amostra a qual foi formada por
profissionais da área de negócios, portanto, mais
individualistas.
Relativo ao comportamento de consumo,
quando desejam adquirir um produto de maior valor,
a maioria procura fazer pesquisa de preços, optando,
em seguida, pelo parcelamento ou pagamento
à vista, respectivamente. Diariamente, os jovens
tendem a comprar produtos pela qualidade.
Deve-se ressaltar que esses resultados não
podem ser generalizados para toda a Geração
Y, nem se pretende esgotar o estudo sobre o
tema, mesmo porque existem limitações devido à
metodologia utilizada, tamanho e perfil da amostra.
Futuras pesquisas podem buscar verificar aspectos
desses jovens que possibilitem o desenvolvimento
de produtos financeiros, aspectos relacionados à
exposição ao risco na decisão de investimento,
bem como seu comportamento financeiro sob a
ótica ds Finanças Comportamentais.
No que tange aos hábitos de poupança, a
maioria possui alguma reserva financeira. No entanto,
de modo geral, esses jovens investem seus recursos
em aplicações de baixo risco, como a poupança.
Contudo, verificou-se o interesse pelo mercado de
ações, mas a falta de conhecimento desse mercado
parece inibir o investimento. Aparentemente, eles
possuem um entendimento limitado sobre o tema,
talvez resultado da superficialidade na utilização de
informação. Esse fato corrobora com os trabalhos
de Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira (2010),
nos quais afirmam que os ‘Y’ fazem análises pouco
sólidas, devido ao excesso de informações as quais
estão expostos.
•
Recebido em: 03/02/2012
•
Aprovado em: 29/02/2012
Também foi verificado que os integrantes
da amostra apresentam tendência à generosidade,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
195
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012
197
Reconhecimento de
padrões na avaliação
de distúrbios vocais em
docentes
Pattern recognition in the evaluation of vocal
disorders in teachers
Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentes
Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachers
Divanete Maria Bitdinger de Oliveira1
Maria Teresinha Arns Steiner2
Deise Maria Bertholdi Costa3
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma metodologia para a avaliação de
distúrbios vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola
localizada no município de Curitiba (PR). Para tanto, foram analisados registros
históricos de cem docentes, cada um deles com dez informações (atributos), bem
como suas respectivas classificações (sugestão para: aumentar, diminuir ou manter
a carga horária, visando à saúde e ao bem-estar desses profissionais). Com a
utilização do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases, ou Descoberta de
Conhecimento em Bases de Dados), primeiramente, os atributos foram codificados
e, em seguida, na etapa de Data Mining (ou Mineração de Dados), foram utilizadas
duas técnicas para o Reconhecimento de Padrões. Essas técnicas, Redes Neurais
Artificiais (RNAs) e da Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF), tiveram
as suas acurácias comparadas apresentando 91,35% e 72,12%, respectivamente.
Dessa forma, a especialista (fonoaudióloga da escola) terá um respaldo adicional,
a partir das RNAs, para o problema aqui analisado, e para o diagnóstico quanto à
classificação de novos padrões (docentes).
Palavras-chave: Processo KDD. Mineração de Dados. Redes Neurais Artificiais.
Função Discriminante Linear de Fisher.
Abstract
The goal of this paper is to present a methodology for evaluating the severity of
vocal disorders in teachers, based on data from a school located in the city of
Curitiba (PR). The research was based on the analysis of historical data about 100
teachers, considering ten attributes for each of them and also their respective
classification (as suggested: to increase, to reduce or to maintain to workload,
aiming to improve the teachers’ health and wellbeing). By using the Knowledge
Discovery in Databases (KDD) process, firstly the attributes were codified and
then, in the stage of Data Mining, two pattern recognition techniques were used.
Those techniques _ Artificial Neural Networks (ANNs) and the Fisher Linear
Discriminant Function (FLDF) _ had their accuracy levels compared, presenting
91.35% and 72.12% respectively. Therefore, the expert will have additional support,
by using ANNs for the problem under analysis, for diagnosing and classifying new
patterns (in teachers).
Keywords: KDD Process. Data Mining. Artificial Neural Networks. Fisher Linear
Discriminant Function.
Mestre em Métodos Numéricos em Engenharia pela UFPR. E-mail: [email protected].
Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Pós-doutorado no ITA. Professora Associada da UFPR
(1978-2010). Professora da PUC-PR no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e
Sistemas (PPGEPS). E-mails: [email protected]; [email protected].
3
Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Professora da UFPR do Departamento de Expressão
Gráfica e Programas de Pós-Graduação em Métodos Numéricos em Engenharia (PPGMNE) e de
Engenharia de Produção (PPGEP). E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
199
Introdução
A saúde pode ser entendida como o estado
dinâmico de equilíbrio entre os seres humanos e
seu meio físico, biológico e social, compatível com
as atividades funcionais. A saúde no trabalho, de
forma análoga, é um estado de equilíbrio entre o
trabalhador e os meios de produção com os quais
ele interage (PACHECO et al., 2005).
Segundo Rua et al. (2010), são muitos os
trabalhos que exigem ritmo acelerado — horas extras
não remuneradas, pressão hierárquica, instabilidade
no emprego, uso excessivo da voz, dentre outros
—, provocando fadiga, sofrimento mental, estresse,
desmotivação, anulando a capacidade de raciocínio
e de criatividade do trabalhador.
A voz é um importante instrumento de
comunicação e, para os docentes, ocupa lugar
de destaque, já que influencia na relação entre
professor e alunos. Segundo Jardim (2006), várias
pesquisas têm mostrado prevalência de disfonia
em professores. Esses resultados reforçam a
necessidade de melhorias nas condições ambientais
e organizacionais das escolas, além da análise de
fatores externos.
A voz é um
importante
instrumento de
comunicação e, para
os docentes, ocupa
lugar de destaque,
já que influencia
na relação entre
professor e alunos.
200
Existem muitos fatores de risco para a voz
aos quais os docentes estão suscetíveis, e dentre
esses riscos se podem destacar os seguintes: a
não hidratação do organismo e falar em ambientes
secos e empoeirados; falar com ataques vocais
bruscos; tossir excessivamente ou pigarrear; falar
em ambientes ruidosos ou abertos (competição
vocal); utilizar tom grave ou agudo demais; falar
excessivamente durante quadros gripais ou crises
alérgicas; dentre outros.
Assim, a orientação preventiva, sob super­
visão médica e fonoaudiológica, torna-se fator
imprescindível para a saúde vocal dos docentes.
Além disso, as atividades mais indicadas para
quem utiliza a voz profissionalmente são: a natação,
caminhadas, ginástica sem impacto, exercícios de
alongamento e ioga, ou seja, atividades em que não
há nenhuma movimentação violenta que causaria
tensão muscular nas regiões do pescoço, ombro,
tórax e costas.
O objetivo principal desse trabalho é en­
contrar uma técnica capaz de classificar o grau de
distúrbio vocal de um docente com a maior precisão
possível, a partir de dados coletados de docentes
preliminarmente classificados. Desse modo, terse-á um respaldo adicional ao diagnóstico da
especialista na área, no caso, de uma fonoaudióloga,
em cumprir para com o interesse da escola de
prevenir e/ou detectar precocemente possíveis
disfonias em seus docentes.
Buscando alcançar esse objetivo, foram
utilizadas duas técnicas bastante consagradas na
literatura, as Redes Neurais Artificiais (RNAs) e
a Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF),
com a intenção de comparar seus resultados
verificando qual delas oferece o menor percentual
de erros, ou seja, a que apresenta o melhor
desempenho em realizar tal classificação.
1
Aspectos Gerais sobre a
Fonaudiologia
O objetivo da fonoaudiologia é a manutenção
ou o retorno a uma função vocal normal, e, para isso,
todas as causas devem ser analisadas. Segundo
Behlau e Pontes (1995), a voz é produzida na
laringe que, por sua vez, é constituída por pregas
vocais; assim, ao inspirar, o ar entra nos pulmões
e as pregas vocais se afastam, e ao expirar, o ar
sai dos pulmões e, passando pela laringe, causa
a vibração das pregas vocais. Nesse momento,
é produzido um som de pequena intensidade
que é amplificado nas cavidades de ressonância
(laringe, faringe, boca e nariz) e se transforma em
diversos sons da fala por meio dos movimentos
dos órgãos miofuncionais (boca, língua, lábios,
bochechas, mandíbula, dentes e palato). Assim
sendo, para que o som seja produzido com boa
qualidade, há necessidade da integridade dos
sistemas respiratório e digestivo, assim como de
toda musculatura envolvente neste processo.
Além desses aspectos, a carga afetiva
também influencia na alteração da voz, sendo
assim, cada pessoa possui uma qualidade vocal
individual e, portanto, algumas pessoas são mais
suscetíveis às disfonias do que outras. A voz é
adquirida e vai se formando conforme nosso
crescimento físico e emocional.
A carga afetiva
também influencia na
alteração da voz, sendo
assim, cada pessoa
possui uma qualidade
vocal individual e,
portanto, algumas
pessoas são mais
suscetíveis às disfonias
do que outras.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Segundo Pinho (1997), muitos utilizam
a voz de forma inadequada em sua profissão,
podendo danificar os tecidos da laringe e produzir
um distúrbio vocal. Por isso, orientações sobre o
mecanismo de produção da voz, noções de higiene
bucal e técnica vocal são indispensáveis para auxiliar
esses profissionais na manutenção da qualidade da
própria voz.
Dessa forma, é importante determinar o
comportamento vocal do professor, as situações
de abuso vocal e os possíveis agentes prejudiciais
à voz, assim como a influência de fatores
psicológicos e de estresse, pois todos esses dados
são importantes para a orientação e o tratamento
das alterações vocais.
2
Coleta de Dados
Os dados utilizados para o desenvolvimento
deste trabalho foram obtidos junto a uma
instituição de ensino da cidade de Curitiba (PR),
cuja fonoaudióloga forneceu os critérios de cem
docentes, já avaliados e, consequentemente, já
classificados. O objetivo da escola é de, a partir
da análise dos dados de cada docente, determinar
o seu grau de distúrbio, podendo sugerir a carga
horária que lhe será mais adequada.
No QUADRO 1, apresentado mais abaixo,
têm-se os dez critérios e suas respectivas variáveis
utilizados pela escola para a classificação da
gravidade de distúrbios vocais de seus docentes.
A pontuação contida na terceira coluna desse
quadro, definida pela fonoaudióloga da escola,
varia de zero (menor impacto sobre a voz) até
7 (maior impacto). A forma atual utilizada pela
fonoaudióloga para a classificação do distúrbio
vocal do docente, apresentada no QUADRO 2, é de
acordo com a soma acumulada pela pontuação.
A fim de se tentar obter um desempenho
mais apurado das técnicas utilizadas (RNAs e
FDLF), os critérios contidos no QUADRO 1 foram
tratados de duas formas. Na primeira, os dez
critérios definem as ‘entradas’ para as técnicas,
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
201
cujos valores variam de 0 a 7; na segunda, as
variáveis são, primeiramente, transformadas
em coordenadas binárias que formaram, então,
as ‘entradas’ para as técnicas, conforme dados
ilustrativos de um exemplo contidos na quarta
coluna do QUADRO 1. Assim, se o docente possui
‘tempo de docência’ (critério 8) ‘de até 5 anos ou
acima de 20 anos’, ele terá uma pontuação igual
a ‘2’ como entrada para o primeiro caso; já para o
segundo caso, ele terá uma entrada igual a ‘1’.
——
da mesma forma, com apenas uma
saída pertencente ao intervalo (0;
1), mas com diferente interpretação.
Nesse caso, a saída contida no intervalo de (0; 0,5) indicará que o docente
se enquadra em um dos quatro grupos,
e a saída contida no intervalo de [0,5;
1) se enquadra nos demais três grupos.
Nesse caso, ambas as técnicas deverão
ser aplicadas quatro vezes, uma para
cada grupo de classificação. Posteriormente, ao se testar um novo padrão,
este deverá ser testado quatro vezes
(uma vez para cada grupo) e pertencerá ao grupo que fornecer o maior
valor (o mais próximo de ‘1’);
——
análoga ao caso 2 anterior, mas com
duas saídas. Nesse caso, a saída (1; 0)
indicará que o docente se enquadra
em um dos quatro grupos e a saída (0;
1), que se enquadra nos demais três
grupos;
——
com quatro saídas. Nesse último caso,
os padrões pertencentes ao grupo 1
deverão ter uma saída do tipo (1; 0; 0;
0); ao grupo 2 (0; 1; 0; 0); ao grupo 3
(0; 0; 1; 0); e ao grupo 4 (0; 0; 0; 1).
Já com relação às saídas (‘valores
desejados’ ou grupos ou classes, na aplicação de
ambas as técnicas, RNAs e FDLF), apresentadas
no QUADRO 2, trabalhou-se de diversas formas,
visando o melhor desempenho possível.
Tais formas estão detalhadas a seguir:
——
apenas uma saída pertencente ao intervalo (0; 1). Nesse caso, os padrões
pertencentes ao grupo 1 (caso leve)
deverão ter uma saída pertencente ao
intervalo (0; 0,25); ao grupo 2 (caso
leve a moderado), saída no intervalo
[0,25; 0,5); ao grupo 3 (caso moderado), saída no intervalo [0,5; 0,75); e ao
grupo 4 (caso grave), saída no intervalo [0,75; 1);
QUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola
Critério
1. Fatores de risco
Variáveis
1. Ausentes
2. RGE / ou suspeita de RGE
3. Atopia / ou suspeita de atopia
4. Tabagismo
2. Medidas de Prevenção:
5. Cumpre os 2
aquecimento vocal e ingestão 6. Cumpre só 1
de água
7. Cumpre nenhum
3. Fonoterapia
202
8. Não necessita / Alta fonoterápica
9. Realiza regularmente
10. Interrupção / Realiza irregularmente
11. Não realiza, apesar da indicação
Pontuação para
as variáveis
continua
Variáveis com
codificação
binária
0
0
3
1
3
1
3
0
0
0
1
1
2
0
0
0
1
1
3
0
5
0
QUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola
Critério
conclusão
Pontuação para
Variáveis
as variáveis
Variáveis com
codificação
binária
12. Ausentes
13. Não associados a patologia
14. Associados a patologia
0
1
4. Sintomas vocais
3
0
5
0
0
0
5. Patologia
15. Ausente
16. Adquirida
17. Congênita
3
1
5
0
18. Não necessita
0
1
19. Indicada, mas não realizada
20. Realizada há menos de um ano
21. Realizada há mais de um ano
4
0
3
0
2
0
22. até 25 horas/aula
23. de 26 a 35 h/a
24. de 36 a 45 h/a
25. de 46 a 55 h/a
Acima de 55 h/a
1
0
2
1
4
0
5
0
7
0
6. Cirurgia
7.
Carga
horária
total
atual
(semanal)
26. Até 5 anos ou acima de 20
FONTE:
Adaptado
dos Balanços Sociais
8. Tempo
de docência
27. 6 a 19 anos
9. Outra profissão da voz — não
docente (exemplo: cantor)
10. Uso de microfonedocência
2
1
1
0
0
1
Uso profissional da voz esporádico
1
0
Uso profissional da voz freqüente
4
0
28. Sim
0
1
29. Não
1
0
Não
FONTE: Dados da Pesquisa
QUADRO 2 _ Pontuação utilizada pela escola (classificação atual)
Pontuação
Classificação
Sugestão de Carga Horária
0 a 10
Caso leve
Aumentar até 10 h/a
11 a 15
Caso leve a moderado
Aumentar até 5 h/a
16 a 25
Caso moderado
Manter carga horária
26 ou mais
Caso grave
Reduzir carga horária
FONTE: Dados da Pesquisa
3Metodologia
Com a finalidade de analisar, discriminar
e classificar esses dados, utilizou-se o processo
KDD (Konowledge Discovery in Databases, ou
seja, Descoberta de Conhecimento em Bases
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de Dados) que, segundo Fayyad et al. (1996), é
composto de cinco etapas: seleção dos dados;
pré-processamento e limpeza dos dados;
transformação dos dados; mineração de dados
(Data Mining ou reconhecimento de padrões —
principal etapa do processo KDD); interpretação e
avaliação dos resultados, conforme FIG. 1.
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
203
FIGURA 1 — Etapas do Processo KDD
FONTE: Fayyad et al. (1996)
204
com o objetivo de se utilizar, a técnica com melhor
acurácia para a classificação de novos padrões.
Segundo Lemos, Steiner e Nievola (2005),
o processo de KDD começa com o entendimento
do domínio da aplicação e dos objetivos finais a
serem atingidos. A partir dessa etapa, os dados são
selecionados de acordo com os critérios definidos;
na etapa de pré-processamento ou limpeza dos
dados, são removidas as informações julgadas
desnecessárias. Os dados pré-processados devem,
ainda, passar por uma transformação que os
armazena adequadamente, facilitando o uso das
técnicas de Data Mining. Para o presente trabalho,
as três primeiras etapas do processo KDD foram
detalhadas na seção 3 anterior, em que já se
realizou a seleção e a limpeza dos dados, assim
com a sua codificação (binária).
4 Redes Neurais Artificiais
(RNAs)
Após essas etapas, chega-se à fase de
Data Mining, que começa com a escolha das
ferramentas (algoritmos) a serem utilizadas, essa
escolha depende fundamentalmente do objetivo
do processo de KDD: classificação, agrupamento,
associação ou outras dos padrões. Essas
ferramentas deverão procurar por padrões no
comportamento dos dados.
Baseado nos estudos do cérebro, nas ideias
de redes de neurônios e nos modelos dos neurônios,
foram propostas as estruturas de redes neurais
ou redes de neurônios artificiais. No entanto, uma
RNA pode ter centenas ou milhares de unidades de
processamento, enquanto o cérebro de um mamífero
possui bilhões de neurônios (OLIVEIRA, 2002).
Como o presente trabalho objetiva a
classificação de padrões, na etapa de Data
Mining foram utilizadas duas técnicas, conforme
já comentado: a FDLF e as RNAs. Essas duas
técnicas tiveram seus desempenhos comparados,
Segundo Tonsig (2000), as primeiras infor­
mações sobre neurocomputação surgiram em 1943,
em artigos do neurofisiologista Warren McCulloch,
do Instituto Tecnológico de Massachusetts, e do
matemático Walter Pitts, da Universidade de Illinois.
Ao final do processo, o sistema de Data
Mining gera um relatório das descobertas, o qual será
interpretado pelos analistas, no caso, a fonoaudióloga
da escola. Após essa interpretação, encontra-se
conhecimento. Vale salientar que a utilização de tais
técnicas objetiva fornecer um respaldo adicional aos
especialistas das mais diversas áreas, detentores de
toda a experiência e intuição.
Ambos fizeram uma analogia entre células nervosas vivas e o processo eletrônico, simulando o comportamento do
neurônio natural, no qual o neurônio possuía apenas uma saída, a qual era uma função da soma de valor de suas
diversas entradas, conforme ilustrado na FIG. 2.
FIGURA 2 — Neurônio Artificial projetado por MCCulloch e Pitts
FONTE: Tonsig (2000)
Na FIG. 2, o vetor x representa um conjunto
de p entradas, que multiplicado por um vetor
peso w nos fornece o produto p = x w, aplicado
aos canais de entrada do neurônio. A função
de ativação, F(x), que produz o sinal de saída y
do neurônio (binária ou contínua), é dada pela
expressão (1):
sendo que o parâmetro
é o bias ou vício,
que aumenta o número de graus de liberdade
disponíveis no modelo, permitindo que a RNA tenha
maior capacidade de se ajustar ao conhecimento a
ela fornecido.
Todo o conhecimento de uma RNA está
armazenado nas sinapses que são os pesos
atribuídos às conexões entre os neurônios.
Segundo Tatibana e Kaetsu (2009), de 50% a
90% do total de padrões deve ser separado para
o treinamento da RNA, escolhidos aleatoriamente
para que a rede realmente ‘aprenda’ as regras. O
restante dos dados apenas é apresentado à RNA
na fase de testes, a fim de averiguar a capacidade
de generalização da rede, ou seja, o quanto a rede,
de fato, ‘aprendeu’.
Ainda segundo Tatibana e Kaetsu (2009),
existem seis passos necessários para o desen­
volvimento de aplicações utilizando RNAs. Os dois
primeiros passos do processo para o treinamento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de RNAs são, conforme já comentado, a coleta de
dados relativos ao problema e a separação desses
dados em um conjunto de treinamento e outro de
testes.
O terceiro passo é a definição da confi­
guração da rede, que pode ser dividida em três
etapas: seleção do paradigma neural apropriado à
aplicação, determinação da topologia da rede a ser
utilizada — o número de camadas e o número de
unidades em cada camada — e a determinação de
parâmetros do algoritmo de treinamento e funções
de ativação. Esse passo tem grande impacto no
desempenho do sistema resultante.
O quarto passo é o treinamento da rede.
Nessa fase serão ajustados os pesos das conexões,
nas quais, geralmente, os valores iniciais são
números aleatórios uniformemente distribuídos,
em um intervalo definido. Uma escolha adequada
dos valores iniciais dos pesos da rede pode diminuir
o tempo necessário para o treinamento; por outro
lado, a escolha errada desses pesos pode levar a
uma saturação prematura.
O treinamento deve ser interrompido quando
a rede apresentar uma capacidade apropriada
de generalização e quando a taxa de erro for
suficientemente pequena, ou seja, menor que um
erro admissível. Assim, deve-se encontrar um ponto
ótimo de parada com erro mínimo e capacidade de
generalização máxima.
O quinto passo é o teste da rede, sendo
que o desempenho é uma boa indicação do
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
205
desempenho real. Durante essa fase, o conjunto de
teste é utilizado para determinar o desempenho
da rede com padrões que não foram utilizados
durante o treinamento. Finalmente, com a rede
treinada e avaliada (testada), pode-se integrá-la a
um sistema do ambiente operacional da aplicação.
Esse é o sexto passo: integração.
São muitos os modelos de RNAs, dentre os
quais se pode citar: o Perceptron, Redes Lineares
e Redes de Múltiplas Camadas, que são as mais
comuns; e outras, como Redes de Base Radial,
Redes Recorrentes, Redes de Hopfield, Redes de
Kohonen e Redes Construtivas. O modelo que
foi utilizado nesse trabalho foi o das Redes de
Múltiplas Camadas.
As Redes de Múltiplas Camadas, ou também
chamadas de Redes Feed-Forward (alimentadas
para a frente), formam um sistema artificial composto
de células elementares — neurônios — organizadas
em camadas sucessivas que são conectadas entre
si. Essas redes foram criadas generalizando a regra
de aprendizagem de Windrow-Hoff para redes
de múltiplas camadas e funções de transferência
diferenciáveis não lineares, podendo ser treinadas
com o algoritmo de treinamento back-propagation,
dividido em duas fases: as propagações forward
e backward, cujos vetores de entrada e saída
são usados para treinar a rede até que ela possa
aproximar uma função que classifique os vetores de
entrada de maneira apropriada.
Essas redes frequentemente usam função
de transferência sigmoidal, que gera saídas no
intervalo (0, 1) para entradas variando no intervalo
e, em geral, possuem três camadas:
a de entrada, cujos padrões são apresentados à
rede; a intermediária ou oculta, na qual é realizado
o processamento; e a de saída, que apresenta
os valores de saídas da rede. Cada uma dessas
camadas é totalmente conectada à camada
seguinte e à anterior. O sinal que chega à camada de
entrada se propaga, camada a camada, até a saída.
Os valores de saída para cada um dos padrões são
comparados com os valores desejados para os
padrões e o erro E é calculado. Com base no valor
do erro, os pesos da rede são ajustados.
Dessa forma, os parâmetros que caracterizam
uma rede multicamada são os seguintes: número de
camadas, número de neurônios por camada, escolha
dos valores iniciais para as conexões (pesos), tipo
206
de funções de ativação dos neurônios e valores
iniciais aos parâmetros
(taxa de momento) e
(taxa de aprendizagem), assim como a forma de
ajuste desses dois parâmetros.
A propriedade mais importante das RNAs é
a habilidade de aprender a partir de seu ambiente
e, com isso, melhorar seu desempenho. Modelos
de RNAs podem lidar com dados imprecisos e
situações não totalmente definidas. Uma rede
treinada tem a habilidade de generalizar quando é
apresentada a entradas que não estavam presentes
nos dados já conhecidos por ela.
5
Função Discriminante
Lçinear de Fisher (FDLF)
O método estatístico abordado nesse
trabalho, a FDLF, pode ser apresentado da se­
guinte forma: dadas duas populações de obser­
vações multivariadas com certa dimensão n, a
ideia de Fisher foi transformar essas observações
mul­
tivariadas em observações univariadas, tal que
estejam separadas tanto quanto possível. Devem-se
determinar variáveis que melhor discriminem esses
grupos, utilizando essas variáveis para criar funções
discriminantes que serão utilizadas para alocar
novos indivíduos, objetos ou observações no grupo
mais adequado (a função discriminante otimiza a
alocação de novos padrões). Outro fator importante
é que esse método é de fácil cálculo, pois utiliza a
combinação linear das observações multivariadas
para criar as observações univariadas.
Segundo Johnson e Wichern (1998), foi
Ronald A. Fisher que introduziu a terminologia
‘discriminar’ e ‘classificar’ no primeiro tratamento
moderno dos problemas de separação de conjuntos
na década de 1930. O objetivo básico do método
de Fisher é separar populações, além de também
poder ser usado com o propósito de classificar.
Esse método pode ser usado tanto para duas
populações quanto para diversas populações.
6Resultados
De cada docente (padrão), foram obtidas
dez informações (critérios) contidas no QUADRO 1
e, a partir delas, 33 variáveis (2ª coluna do QUADRO
1). Dentre os cem docentes, nenhum apresentou o
critério 9 (outra profissão da voz — não docente),
nem o critério 7 (acima de 55 h/a), sendo então
retirados. Assim, têm-se nove critérios e 29 variáveis.
Os algoritmos (RNAs e FDLF) foram
programados no MATLAB e, em ambas as
técnicas utilizou-se o procedimento de avaliação
holdout, que separa dois terços dos dados para
o treinamento das técnicas e um terço para os
testes das técnicas. Além disso, a amostragem foi
estratificada, assegurando que cada grupo seria
representado de forma proporcional nos dois
conjuntos de dados (treinamento e teste).
Ao mesmo tempo, com a finalidade de
avaliar as técnicas utilizadas, calculou-se a Taxa
Aparente de Erro (APER) para cada um dos
resultados apresentados. Segundo Mendes, Fiúza
e Steiner (2010), essa taxa é definida como sendo
a fração das observações no treinamento amostral
referente ao reconhecimento errôneo pela função
obtida, e deve ser interpretada como a proporção
de observações classificadas incorretamente. Essa
taxa é calculada pela Matriz de Confusão que
apresenta a situação real das observações nos
grupos comparando-a com o reconhecimento
apresentado pelo modelo encontrado.
uma saída, duas saídas e quatro saídas (conforme
já explicitado anteriormente) e, a camada oculta
com número de neurônios variando de zero a 20
neurônios, tendo-se, assim, quatro testes (testes
de I a IV no QUADRO 3, a seguir).
O treinamento da FDLF foi feito de forma
semelhante. Nesse caso, foram desenvolvidos dois
programas, um para o caso de duas amostras
(dois grupos a serem discriminados), e outro para
mais de três amostras (utilizado para o caso de
discriminação dos quatro grupos). Então, foram
realizados dois testes (testes V e VI no QUADRO
3). Em ambas as técnicas, os melhores resultados
foram encontrados no caso de se ter dois grupos a
serem discriminados, conforme se pode observar
no teste IV para as RNAs e teste VI para a FDLF,
no QUADRO 3. Esse quadro mostra os melhores
resultados de todos os treinamentos realizados,
especificando a topologia, as classes, o número de
neurônios nas camadas de entrada, escondida e de
saída, e o percentual de acerto em cada simulação.
Para o treinamento das RNAs, utilizou-se o
algoritmo back-propagation e foram desenvolvidas
oito redes, alterando o número de neurônios
das camadas de entrada, escondida e de saída.
Serviu-se apenas de uma camada escondida, pois,
segundo o Teorema de Kolmogorov (KRÖSE; VAN
DER SMAGT, 1993), uma RNA com apenas uma
camada oculta pode calcular uma função arbitrária
qualquer a partir dos dados fornecidos.
Foram utilizados dois tipos de entradas:
nove entradas, referente aos nove critérios e 29
entradas, que se referem às variáveis; redes de
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
207
QUADRO 3 _ Melhores resultados obtidos através das duas técnicas utilizadas
Técnica
Teste
Classes
I
29
II
III
III
RNAs
III
III
IV
IV
9
1; 2; 3; 4
1; 2; 3; 4
1 e 2; 3; 4
2 e 1; 3; 4
3 e 1; 2; 4
4 e 1; 2; 3
1 e 2; 3; 4
2 e 1; 3; 4
3 e 1; 2; 4
4 e 1; 2; 3
IV
V
FDLF
VI
VI
9
29
29
9
29
9
9
IV
VI
Entrada
1; 2; 3; 4
1 e 2; 3; 4
2 e 1; 3; 4
3 e 1; 2; 4
4 e 1; 2; 3
VI
Neurônios
Oculta
6
16
16
12
7, 9, 15
0
0
5
12
Saída
% de
Acertos
1
75
4
60,71
1
96,15
1
88,46
1
57,69
1
92,31
2
100
2
96,15
2
80,77
9 e 29
4, 10, 11, 13,
18, 19
2
88,46
9
-
4
57,14
9
-
2
84,62
9
-
2
53,85
9
-
2
69,23
9
-
2
80,77
FONTE: As autoras
Conclusão
Como se pôde observar no QUADRO
3, as RNAs e a FDLF apresentaram um melhor
desempenho nos testes IV e VI, respectivamente,
ou seja, ao se ter dois conjuntos a serem discri­
minados. Conforme já mencionado, esses dois testes
foram realizados em quatro etapas: I) sepa­rou-se
os padrões em dois grupos (um grupo contendo
os padrões da 1ª classe — caso leve —, e o outro
contendo os padrões das demais três classes, 2ª, 3ª e
4ª classes); II)separou-se novamente os padrões em
dois grupos (um contendo os padrões da 2ª classe
— caso leve a moderado —, e o outro contendo os
padrões das demais três classes: 1ª, 3ª e 4ª classes).
E, assim, procedeu-se para as outras duas etapas.
Para cada uma dessas quatro situações do
teste IV (RNAs; melhores resultados dentre as duas
técnicas abordadas), os pesos foram devidamente
registrados. Assim, ao se apresentar um novo
padrão (docente), com as suas respectivas 29
208
variáveis devidamente codificadas, teremos de
avaliar cada uma dessas quatro situações para esse
docente, verificando em qual delas o seu percentual
será maior. Tal situação, que fornece o maior
percentual, será, então, a classe desse novo padrão.
A acurácia média será de 91,35%, obtido pela média
das acurácias do teste IV do QUADRO 3.
Como esses resultados do QUADRO 3
foram satisfatórios, conclui-se que as técnicas aqui
apresentadas podem ser utilizadas com segurança
pela fonoaudióloga da escola, auxiliando-a na
classificação dos docentes quanto aos distúrbios
vocais. Assim, tem-se um respaldo adicional quanto à
decisão/sugestão se os docentes poderão aumentar,
manter ou diminuir sua carga horária de trabalho.
Pode-se tornar este estudo, em um trabalho
futuro, mais abrangente, realizando a avaliação dos
riscos do uso da voz na ação profissional como um
todo, não somente para o âmbito da docência.
•
Recebido em: 07/01/2012
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Aprovado em: 16/04/2012
Referêcias
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012
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Orientações aos
Colaboradores da Revista da FAE
Rev.
FA E ,
Curitiba,
v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012
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Histórico e Missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Educação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o
intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.
Pela sua missão ser a de fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão
sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos
leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas.
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer
que seja sua origem ou situação societária, no processo de
sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos
ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências fundamentadas teoricamente e que contribuam
com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem
as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores,
especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os
trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de
aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar
do debate.
Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição.
Objetivo
Focos
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das
organizações no processo de desenvolvimento local.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus
leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de
temas atuais e relevantes para definição estratégica e ope­
racional das organizações.
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos
que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem
sobre o papel das organizações no desenvolvimento local
e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de
negócios.
O principal requisito para publicação na Revista da
FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos
seguintes tópicos:
•
O tema tratado deve ser relevante e pertinente
ao contexto e ao momento e, preferencialmente,
pertencer à orientação editorial.
•
O referencial teórico-conceitual deve refletir o
estado da arte do conhecimento na área.
•
O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, com princípios de construção científica
do conhecimento.
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A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou
para a prática administrativa.
Orientação Editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou
seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no
processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção
e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito
de discutir o processo de desenvolvimento da organização.
Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a
partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Economia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).
212
Espera-se, também, que os artigos publicados na
Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
Escopo
A Revista da FAE tem interesse na publicação de
artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
referências bibliográficas completas deverão
ser apresentadas em ordem alfabética no final
do texto, de acordo com as normas da ABNT
(NBR-6023).
•
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem
propor novos modelos e interpretações para fenômenos
relevantes com relação à gestão de negócios e à interação
das organizações no desenvolvimento local.
Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologicamente, bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas,
e adequadamente analisadas.
Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem
ser numerados sequencialmente, apresentar
título e fonte, bem como ser referenciados no
corpo do artigo.
Permuta
A Revista da FAE faz permuta com as principais
faculdades e universidades do País.
Notas para Colaboradores
Assinatura
A Revista da FAE está aberta a colaborações
do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e
perspectivas é incentivada.
Podem ser publicados artigos de desenvolvimento
teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil
a 8 mil palavras).
A aceitação e publicação dos textos implicam a
transferência de direitos do autor para a Revista. Não são
pagos direitos autorais.
Periodicidade: Anual
Valor: R$ 65,00
•
Para assinar, favor entrar em contato pelo
telefone (41) 2105-4093 ou [email protected].
Envio de Artigos
Os textos enviados para publicação são apreciados
por pareceristas pelo sistema blind review.
Os artigos deverão ser encaminhados para o
Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes
características:
•
Rev.
Na folha de rosto deverão constar o título
do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s)
autor(es), acompanhado(s) de um breve currículo, relatando experiência profissional e/ou
acadêmica, endereço, números do telefone e
do fax e e-mail.
•
A primeira página do artigo deve conter o título (máximo de dez palavras), o resumo em
português (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave (máximo de cinco), assim como
os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title,
abstract, keywords).
•
A formatação do artigo deve ser: tamanho A4,
editor de texto Word for Windows, margens 2,5
cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e
espaçamento 1,5 linha.
•
As referências bibliográficas devem ser citadas
no corpo do texto pelo sistema autor-data. As
FA E ,
Curitiba,
Os artigos deverão ser encaminhados para:
FAE Centro Universitário
Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135
80230-080 Curitiba/PR
E-mail: [email protected]
Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195
Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012
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