Mel de Melada de Azinho

Transcrição

Mel de Melada de Azinho
Mel de Melada de Azinho
Joaquim Pífano
ADERAVIS
“Alentejo terra brava toda coberta de pão...”
Quem se passeie pelos campos e estradas de terra
batida no Alentejo, ao fim de uma tarde de Verão, ou é
um “apreciador” ou decerto irá estranhar a paisagem
inóspita.
A vegetação esparsa, as azinheiras com os “braços
abertos parecendo pedir clemência...”, já não sei
quem disse ou escreveu isto. Até os últimos raios
solares encontram “razões” para refulgirem em todas
as superfícies, multiplicando a luz alaranjada numa
atmosfera surreal.
Mas eu gosto...
Ainda assim, as abelhas conseguem retirar néctar
desta vegetação escanzelada e fantasmagórica durante
o Verão. Refiro-me à Melada de Azinho, um mel
escuro, mas de aroma e sabores muito agradáveis, que
lembram o dos frutos secos.
A. Gomez Pajuelo, em “A Análise Sensorial nas
Provas de Mel”, 1996, classifica-a nos chamados méis
escuros, juntamente com o mel de Ericaceas e o de
Castanheiro. Referindo que o seu aroma por via nasal
directa é característico e intenso, e por via retronasal
tem um aroma malteado: típico de méis não florais.
Refere ainda que quanto à cor apresenta um castanho
muito escuro, quase negro e uma cristalização rápida,
com cristais ligeiramente grossos.
Não querendo contradizer quem sabe mais que
eu do assunto, tinha (tenho?) a nítida sensação de a
Melada de Azinho ser muito difícil de cristalizar, ou
nem sequer o chegar a fazer, mas...
Já vi amostras de Melada, em zonas típicas de
Melada, com mais de dez anos e apresentando apenas
um precipitado no fundo da embalagem, mas nunca
cristalizada.
De qualquer forma, a obtenção de uma Melada dita
“pura” é quase obra do acaso. Durante o Verão, no
Alentejo, ocorrem diversos néctares em simultâneo e
que poderão mascarar as características daquele mel
consoante os locais, são eles o Girassol, o Cardo de
Abelha, as Silvas, o Poejo, o Tomilho, o Orégão e
algum Eucaliptus rostrata. Importa é que o resultado
final seja um mel de grande qualidade e sobretudo um
prazer para os sentidos.
Sempre que me refiro à Melada de Azinho,
ocorrem-me uma série de anedotas sobre os
Alentejanos. Lembram-se daquela em que para mudar
uma lâmpada são necessários dez Alentejanos? Um
para segurar a lâmpada e os outros nove para rodarem
a casa? Ou aquela sobre o que fazem dez Alentejanos
frente a um Lisboeta? Enfim...
Mel de Melada de Azinho
As abelhas alentejanas, tal como as pessoas do
Alentejo, também parecem fazer as suas tarefas de
uma forma muito própria, ou não precisassem elas
da intervenção de outro “bicho” para produzirem a
Melada de Azinho. Refiro-me a uns curiosos insectos
vulgarmente designados por “pulgões” ou “piolho”
dos vegetais, mais correctamente os Afídeos:
Segundo um manual de protecção de espécies
florestais, os Afídeos:
São insectos sugadores que se alimentam do
suco celular das plantas. Pertencem às ordens
Hemíptera e Homoptera. Os ataques destes insectos
em povoamentos adultos não se têm mostrado
significativos. Normalmente os predadores ajudam
a manter o equilíbrio. Os Afídeos e os insectos
de famílias afins causam necroses, morte e queda
prematura das folhas, mas, por enquanto, sem
impacte económico.
Neste manual, encontrei referências a seis espécies
da ordem Homoptera, sendo que apenas uma delas
produz melada, o Thelaxes suberi (Del Guercio)
- (Homoptera, Drepanosiphidae) e tem como
plantas hospedeiras o Sobreiro e a Azinheira. Pela
prolificidade de espécies e formas de Afídeos que
existem na Natureza, acredito que para a produção
da Melada de Azinho intervenham igualmente outras
espécies além da citada. De qualquer forma trata-se
de um assunto pouco documentado e por isso muito
difícil de obter informações.
As espécies de Afídeos mencionadas neste livro
foram extraídas das citações de Ilharco (1959).
Da “Enciclopédia Ilustrada de Apicultura”,
de Roger Morse e Ted Hooper, 1986, retirei que
os Afídeos se alimentam da seiva das plantas e
expelem grandes quantidades de melada (açúcares)
que se acumula sobre a folhagem. Essa melada é
posteriormente recolhida pelas abelhas e armazenada
como mel. A mesma fonte refere ainda que as razões
pelas quais os Afídeos procedem desta forma não é
muito conhecida, pensa-se que procuram na seiva
substâncias azotadas e sais minerais, expulsando
o excesso de açúcares de que obviamente a seiva
é constituída. A Melada contém cerca de 90% dos
açúcares e 50% das proteínas da seiva original, pelo
que o tubo digestivo do Afídeo deverá funcionar
como um filtro que retém grande parte das substâncias
azotadas, eliminando o açúcar em demasia.
Mel de Melada de Azinho
Temos então várias origens distintas para o
mel:
Os nectários florais: Onde a planta
“voluntariamente” disponibiliza néctar para as
abelhas mediarem o processo de polinização
Os nectários extra-florais: Onde as plantas,
“também voluntariamente” expulsam néctares por
razões fisiológicas, e que podem ser aproveitados
pelas abelhas, ex: Girassol.
Seivas sugadas e expulsas por Afídeos: Estas de
uma forma “involuntária”, pois trata-se de um parasita
das plantas que “rouba” o néctar.
Quem nunca deixou o carro estacionado “à
sombra da Azinheira”, ou de um Chorão ou outras
árvores, encontrando mais tarde o tejadilho e pára
brisas cobertos por uma substância pegajosa? Se
o estacionamento durar dias ou semanas, é uma
felicidade quando se ligam os limpa pára brisas e
verificamos que as borrachas se arrancam e ficam
coladas ao vidro... Quem nunca viu manchas de cor
escura sob a copa de certas árvores, de uma substância
que fica colada à sola dos sapatos?
Nos montados de Sobro e Azinho é muito fácil
identificar as árvores que albergam Afídeos produtores
de melada. Inicialmente observa-se nas ramadas mais
baixas, um aspecto gorduroso e brilhante, por causa
dos açúcares que caiem das partes mais altas (rebentos
e folhas jovens), onde se encontram os ditos insectos.
A vegetação sob a copa das árvores apresenta muitas
vezes este aspecto.
Mel de Melada de Azinho
Ao fim de um tempo, essa rama e a vegetação
coberta de melada ficam muito escuras, devido aos
fungos que crescem no açúcar.
Tudo isso é a Melada, “excrementos” açucarados
de milhares de pulgões que parasitam os raminhos e
folhas novas das árvores.
Outro dos sinais da existência de meladas é
quando a bolota ainda verde se apresenta fendida.
As populações rurais costumam dizer que a árvore
está com muito “viço”, e “rebenta pelas costuras” em
seiva, isto já sou eu que o digo...
Já assisti a documentários onde as formigas
“guardam” os Afídeos da copa de uma árvore, como
se de “gado” se tratasse. Protegem-nos do ataque de
predadores e transportam-nos para ramos e folhas
menos povoados, para que a produção de meladas
seja superior. Para receberem a recompensa, as
formigas estimulam a parte terminal dos pulgões com
as antenas e eles expelem uma gota açucarada.
As abelhas limitam-se a recolher a melada caída
sobre a folhagem das Azinheiras. Estes açúcares estão
muito desidratados, a sua colecta é difícil, pelo que as
abelhas só o fazem nas manhãs húmidas e enevoadas
do Verão, quando tal substância se encontra mais
liquefeita.
Infelizmente, a produção de mel de Melada é
muito imprevisível, apesar de expressiva nos anos em
que ocorre.
Mel de Melada de Azinho
A ocorrência deste mel poderá estar dependente
de:
• Das abelhas, como é óbvio.
• Ocorrência de outras florações mais ou menos
atractivas.
• Existência/quantidade/variedade das populações
de Afídeos.
• Condições climatéricas.
• Estado fisiológico da Azinheira?
• Etc...
A historieta do costume...
Andava eu a terminar o meu trabalho de fim de
curso, sobre a Regeneração Natural do Montado,
quando um dia resolvi contar à minha orientadora
de estágio o modo de obtenção do mel de melada.
Pormenorizadamente, descrevi todo o processo desde
a retirada da seiva pelo Afídeo, até à sua recolha e
armazenamento como mel pela abelha. Foi então que
ela, entre incrédula e escandalizada, me perguntou
se os apicultores andavam a disseminar pragas de
Afídeos pelas Azinheiras para produzirem tal tipo de
mel. Enquanto me ria, ia pensando que a ideia nem
era má de todo...

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