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O CLÁSSICO E O PÓS-MODERNO: ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA ARQUIVOLOGIA A PARTIR DO PENSAMENTO DE HILARY JENKINSON E TERRY
COOK
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt*
RESUMO
Na busca por respostas a problemas do contemporâneo, resultado de novas
formas de produção e utilização dos arquivos, a arquivologia reexamina os
fundamentos teóricos e práticos da disciplina. Frente a isso, as ideias de autores clássicos são constantemente revisitadas e muitas vezes consideradas
ultrapassadas e custodiais por um lado e, por outro, pioneiras e de vanguarda. Nesta perspectiva, este artigo busca refletir acerca de elementos que julgamos atribuir cientificidade ao campo dos arquivos encontrados no pensamento do britânico Hilary Jenkinson e do canadense Terry Cook, além de
analisar como as abordagens de Jenkinson são apropriadas por Cook.
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Palavras-chave: Arquivologia custodial. Arquivologia pós-moderna. Hilary
Jenkinson. Terry Cook.
__________________________
* Professora do Departamento de Ciência da Informação da UFF. E-mail: [email protected]
Informação Arquivística, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 42-59, jan./jun., 2014
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
teóricas e práticas para lidar com novas
1 INTRODUÇÃO
do Quebec/Canadá encontra-
va-se em uma crise sem precedentes.
Sofria consequências por não conseguir
lidar com as novas regras para o
gerenciamento de documentos de órgãos
públicos e as políticas para suas fases de
vida, estabelecidas por meio da Lei de
Acesso aos Documentos Públicos e Proteção de Informações Pessoais em 1982
e da Lei dos Arquivos em 1983.
Somavam-se
também
enfrentados
após
a
os
problemas
inserção
do
computador nas rotinas administrativas e
as preocupações com a organização do
XII
Congresso
Internacional
de
Arquivos, que aconteceria na cidade de
Montreal em 1992 (GARON, 2007). Na
verdade, o que essa associação estava
vivenciando era reflexo, também, de
novas demandas apresentadas à profissão com a introdução da informática e de
outros elementos sociais e tecnológicos
no cotidiano da sociedade, além da valorização da informação como produto. A
crise, aqui exemplificada a partir da associação dos canadenses, configurava-se
justamente por não considerarem ter, os
Nesse sentido, mesmo o século
XX representando para a arquivologia a
fase de afirmação e consolidação em
termos de Saber, seus últimos anos foram marcados pelo desenvolvimento
tecnológico a ponto de os arquivistas
repensarem o Fazer e o Saber para a
área, seu papel social e a própria profissão. Segundo o arquivista americano
Ridener (2009, p. 9), para quem a década
de 1980 representa o início de uma fase
de colapso para a arquivologia devido ao
novo mundo digital, as mudanças de
paradigmas vivenciadas pela área nesse
período acontecem a partir da crise na
profissão, ou seja, crises que exigem
tentativas, por parte dos profissionais
que a exercem, em alterar os paradigmas
dominantes para responder às perguntas
concebidas frente à realidade que se
apresenta.
As
dificuldades
em
se
trabalhar com situações novas usando
velhas teorias promovem concepções
diferentes de um problema e suas
possíveis soluções.
Diretamente relacionado a isso,
nos primeiros anos da década de 1990,
ao se questionar como a arquivologia
estava se comportando frente às novas
profissionais de arquivo, ferramentas
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Associação dos Arquivistas
Página
N
formas de Fazer que se anunciavam.
o final dos anos de 1980, a
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
realidades que se apresentavam, Luciana
descobertos,
revisitados,
ampliados,
Duranti anuncia a necessidade de um
adaptados ou até mesmo negados. Afi-
reexame para a área, afirmando que
nal, muitos dos movimentos que emergem atualmente no interior da arquivo-
a questão passa a ser se ele deve
ser feito dentro do antigo esquema
explicativo ou dentro de um esquema novo. Certamente, algumas
observações feitas a partir da nova
realidade colocaram em crise alguns dos pressupostos básicos
concernentes aos arquivos e arquivistas. Entretanto, rejeitar todos esses pressupostos nos levaria ao vazio. (...) o conhecimento tradicional pode ser transformado pela interação com as novas observações,
e suas aparentes contradições podem ser reconciliadas (DURANTI
1994, p. 50).
logia militam para que os fundamentos
da área se desloquem do que consideram
como abordagens tradicionais e custodiais – focadas nos documentos considerados históricos e em suporte físico, fundamentalmente produzidos no âmbito
governamental e cujo papel dos arquivistas se restringe a tratar destes documentos somente quando da chegada ao arquivo –, para perspectivas que se autopós-modernas
e
pós-
tas para as perguntas originadas no cam-
custodiais – ênfase na informação e no
po dos arquivos agita sobremaneira a sua
processo de produção documental: o
comunidade científica. Nunca tantas
arquivista atuando antes de o documento
reflexões foram elaboradas no âmbito
chegar ao arquivo, macroavaliação, do-
teórico como agora, tampouco divulga-
cumento de arquivo imaterializado, den-
das, discutidas e postas à prova. Assim,
tre outras perspectivas. Vale ressaltar
pode-se dizer que na arquivologia ainda
que não estamos considerando a perma-
vive-se o contemporâneo como um tem-
nência de dois paradigmas que se exclu-
po sujeito às mudanças sociais e tecno-
em, mas sim demonstrando, ainda que de
lógicas que fazem a área questionar seu
forma breve, a existência e disputa de
estatuto científico.
diferentes abordagens no interior do
Tais questionamentos são fun-
campo científico da arquivologia, muitas
damentais para a reflexão e desenvolvi-
vezes banalizadas na oposição custodial
mento da área, porém, o mais importante
x pós-moderna1.
e que não pode ficar à margem destes
enunciados é como seus princípios, teorias e funções estão inseridos nesta dis-
1
Ainda que existam outras abordagens, tais
como a da arquivística integrada e arquivologia
pós-custodial, por exemplo, neste trabalho vamos
cussão, como estão sendo pensados, re-
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denominam
Página
Desde então, a procura de respos-
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Nesta perspectiva, esse artigo
2 ARQUIVOLOGIA CLÁSSICA E O
pretende analisar alguns elementos por
PENSAMENTO DE HILARY JEN-
nós considerados tributários de cientifi-
KINSON
cidade à arquivologia encontrados no
pensamento do arquivista britânico Hilary Jenkinson (1882-1961) e do arquivista canadense Terry Cook (19472014). É importante ressaltar que não
temos por objetivo fazer uma revisão
bibliográfica, tampouco biográfica destes pensadores, mas sim analisar como
certos fundamentos da
arquivologia
apresentados por estes autores dão significados teóricos à area em questão, além
de refletir sobre como Cook reexamina
alguns destes elementos apresentados
Ao definirmos a arquivologia
Clássica, consideramos os esforços de
sua comunidade em consolidá-la como
área de saber em cujos pressupostos estavam baseados principalmente nos princípios da proveniência e da ordem original, bem como na ideia de organicidade.
As técnicas utilizadas no Fazer passam a
ser consideradas em perspectiva de conhecimento científico.
Em termos teóricos, trata-se do
período da centralização dos arquivos,
principalmente a partir dos arquivos
por Jenkinson.
A escolha em centralizar nossa
discussão em ambos os autores justificase por entendermos que as contribuições
do arquivista britânico inauguraram novos saberes para a arquivologia, ao passo
que Terry Cook, pensador e grande defensor de uma pós-modernidade para o
campo dos arquivos, é um dos principais
críticos das ideias de Jenkinson, considerando-as positivistas e de cunho custodi-
franceses no Arquivo Nacional, da sua
apresentação para os cidadãos como
consequência da Revolução Francesa,
bem como a ideia de arquivo como instituição e serviço, da publicação do Manual dos Holandeses (1898), da elaboração e disseminação de princípios, da
publicação de manuais como os de Hilary Jenkinson (1922), Eugenio Casanova (1928) e Adolf Brenneke (1953), e do
questões. Era fundamental, naquele moanalisar a arquivologia pós-moderna justamente
por Terry Cook ser importante teórico de tal
pensamento.
mento, refletir sobre as diferenças entre
o trabalho realizado em arquivos e bibliotecas, além de considerar o documento
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formação de viés técnico, dentre outras
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estabelecimento das primeiras escolas de
al.
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de arquivo em seu conjunto orgânico,
Originalmente intitulado A Ma-
seu valor probatório 2 e garantia de direi-
nual of Archive Administration Including
tos, além de potencial fonte para pesqui-
the Problems of War Archives and Ar-
sa histórica, como o objeto a partir do
chive Making, porém mais conhecido
qual se pensavam, de maneira prelimi-
como Manual de Administração de
nar, os princípios da disciplina e algumas
Arquivo, foi uma obra individual escrita
de suas funções, tendo por objetivo or-
pelo britânico Hilary Jenkinson a partir
ganizar, preservar e disponibilizar do-
de suas experiências profissionais junto
cumentos.
ao Public Record Office e seus conheci-
Já numa perspectiva temporal,
mentos sobre diplomática, paleografia e
podemos relacioná-la de fins do século
tratamento com documentos medievais.
XVIII até meados do século XX. Impor-
Concebida na Inglaterra no ano de 1922
tante ressaltar que essa classificação não
e revista em 1937, essa publicação está
pretende ser determinante de uma con-
inserida em um contexto reflexo da Re-
cepção linear da trajetória da arquivolo-
volução Industrial e imediatamente pos-
gia, mas sim uma opção metodológica e
terior ao final da Primeira Guerra Mun-
didática para abordar, a partir de contex-
dial, fatos que modificaram considera-
tos e fenômenos específicos, a constitui-
velmente as estruturas econômicas e
ção e desenvolvimento de uma área com
sociais na Europa deste período.
vistas a compreender algumas diferenças
No prefácio de seu manual (1922,
que se estabeleceram em relação a seu
p. xi), Jenkinson justifica que a intenção
estatuto científico, o que neste artigo
original da obra é falar sobre o tratamen-
será demonstrado a partir de reflexões
to de arquivos de guerra, mas como não
oriundas do pensamento de Terry Cook e
há publicação em língua inglesa sobre
Hilary Jenkinson.
organização e tratamento de arquivos,
decidiu por não reduzir a obra apenas ao
Manual dos Holandeses (1898) – traduzido para língua inglesa somente em
1940 – discorre mais sobre questões de
arranjo e descrição e que vai sugerir novos pontos de vista ao campo dos arqui-
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Quando relacionada a documento de arquivo, a
expressão “valor de prova” deve ser entendida
como a evidência de uma transação, de uma
atividade, o cumprimento de deveres. “Qualidade
pela qual os documentos de arquivo permitem
conhecer a origem, a estrutura, a competência
e/ou funcionamento da instituição que os produziu” (BELLOTTO; CAMARGO, 1996, p. 78).
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objetivo inicial. Afirma que o conhecido
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Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
vos, sendo o principal a ideia de custódia
lidades essenciais, apresenta quatro ca-
contínua. Atribui ainda a essa ideia de
racterísticas que lhe são inerentes: im-
preservação na custódia oficial como sua
parcialidade, autenticidade, naturalidade
principal contribuição para o que chama
e interdependência.
Durante a introdução (1922, p.
à razão de criação do documento e sua
2), Jenkinson aponta a história, tal como
capacidade em refletir de maneira fiel as
disciplina concebida até então, como
atividades de produção, ao passo que a
uma ciência bastante dependente dos
autenticidade condiciona-se aos proce-
arquivos. Assim, parte para definir o que
dimentos de custódia contínua para ga-
compreende como arquivos, sendo que a
rantia do valor de prova de tal atividade
primeira dificuldade esbarra na questão
de produção. A naturalidade também
da utilização de dois termos diferentes;
está atrelada à criação do documento,
records e archives. Refere-se a ambos
porém na perspectiva de resultado natu-
como sinônimos e justifica como sendo
ral da atividade, e por fim a interdepen-
mais apropriado o uso de archives por
dência, relacionada à participação e ao
ser o comumente usado por outras lín-
papel do documento no conjunto de do-
guas. Isto posto, passa a considerar ar-
cumentos de arquivos.
quivo como os documentos que forma-
Outra abordagem deste autor bri-
ram parte de uma transação oficial e fo-
tânico, bastante criticada principalmente
ram preservados para referência oficial,
por arquivistas contemporâneos, é quan-
servindo de prova/evidência da transa-
to às responsabilidades do arquivista.
ção. Argumenta que os arquivos não são
Para ele há duas, as primárias e as se-
elaborados para interesse ou para a in-
cundárias, sendo que em primeiro lugar
formação da posteridade, pois a qualida-
está a de tomar todas as precauções pos-
de essencial do documento de arquivo é
síveis para a manutenção e custódia dos
sua produção visando o caráter probató-
seus arquivos, exercendo o papel de
rio de uma ação, diferente da atribuição
exímio guardião da custódia contínua,
de sentido dada ao documento pelo his-
elemento ao qual atribui a salvaguarda
toriador. Além de considerar como do-
das qualidades essenciais. Em segundo
cumento de arquivo somente os que es-
lugar, é fornecer o melhor de sua capaci-
tão em papel, ao refletir sobre suas qua-
dade para as necessidades dos historia-
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A imparcialidade está relacionada
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de ciência dos arquivos.
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dores e outros pesquisadores. Ressalta
deveriam ser destruídos e que os arqui-
ainda que estas posições (primária e se-
vos “do futuro” deveriam ser avaliados
cundária) não podem ser invertidas e que
pela própria administração, devendo ser
cabe ao arquivista a conservação física e
encaminhado para custódia dos arquivos
mental dos documentos que estão nos
somente o que fosse importante de pre-
arquivos, independente do seu conteúdo.
servar para o futuro.
Além de discutir deveres e res-
Esse discurso sobre a avaliação
ponsabilidades para os arquivistas em
proposto por Jenkinson é bastante deli-
seu manual, Jenkinson também estabele-
cado. Ao pensarmos que os arquivos
ceu diferenças entre o que define como a
também têm como função manter a me-
verdade arquivística e a verdade históri-
mória e servir de testemunho, além de
ca, considerando esta como a verdade
permitir ao cidadão o exercício da cida-
representada pelo conteúdo do documen-
dania tendo acesso às informações regis-
to. Já por verdade arquivística entendia
tradas resultantes das atividades jurídico-
como aquela relacionada ao contexto de
administrativas governamentais, deixar
criação do documento, ou seja, aquela
um documento ser avaliado por quem o
que permite a permanência da imparcia-
produz pode favorecer a manutenção
lidade e da autenticidade. Para nós, essa
apenas do que o discurso dominante quer
diferenciação proposta por Jenkinson é
contar e da forma como quer contar. Por
significativa para considerarmos o esta-
isso, ainda que compreendamos a ideia
belecimento de uma ciência para o cam-
da avaliação de Jenkinson, pela necessi-
po dos arquivos, mesmo que o próprio
dade em assegurar tanto a imparcialidade
autor não tenha enxergado desta maneira
como o valor de prova do documento,
e afirmado como sua principal contribui-
talvez essa seja uma questão em sua obra
ção a ideia de custódia contínua.
a ser relativizada, ainda que analisada a
ainda problemáticas concernentes ao
Ao afirmar que a avaliação deve-
aumento da produção de documentos
ria ficar a cargo do produtor do docu-
pós-fim da Primeira Guerra Mundial,
mento e que a natureza da custódia é
sendo que por isso seria necessário pas-
fundamental para manter a autenticidade
sar a avaliá-los. Nesse sentido, acredita-
e assim o caráter probatório dos docu-
va que os arquivos “do passado” não
mentos de arquivo, o pensamento de
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partir de seu contexto de produção.
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A obra de Jenkinson abordou
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Jenkinson tem sido definido atualmente
de ao documento de arquivo. Definiu sua
como custodial. O canadense Terry Co-
concepção de fundo como archive group
ok, considerado um dos principais teóri-
e considerava tanto essa questão da cus-
cos contemporâneos e adepto da aborda-
tódia como a do arranjo como teorias da
gem arquivística funcional pós-moderna,
arquivologia. Segundo Ridener (2009, p.
é um grande crítico das ideias de Jenkin-
41), embora o manual de Jenkinson
son e do que considera como arquivística
tenha muitas orientações práticas, sua
tradicional, ou seja, aquela que define os
maior parte é dedicada às razões morais
documentos de arquivo como
e teóricas para manter arquivos, podendo
ser considerado, de fato, pioneiro ao
acumulações naturais, orgânicas,
inocentes, transparentes, que o arquivista preserva de modo imparcial, neutro e objetivo. Essa é a teoria arquivística clássica. No mundo anglófono, ela é representada
por Sir Hilary Jenkinson e seus
muitos discípulos. Essas afirmativas fundamentais da ciência arquivística tradicional, com suas dicotomias resultantes, são falsas. Na
verdade, da maneira como foram
articuladas, nunca foram completamente verdadeiras – mesmo no
caso dos arquivos públicos – dentro do contexto de seu próprio
tempo, e agora, no final do século
XX, são extremamente enganosas
(COOK, 1998, p. 132).
separar explicitamente a teoria da prática
Jenkinson escreveu seu manual
de prova dos documentos, bem como sua
quase um quarto de século após a publi-
definição de documento de arquivo en-
cação do Manual dos Holandeses, já se
quanto subproduto natural de atividades
referindo à arquivologia como uma ciên-
administrativas. Todavia, não devemos
cia, a archive science, e inserindo outros
desconsiderar sua importância na trajetó-
elementos na discussão do Fazer e do
ria da arquivologia, pois além de tê-la
Saber no campo dos arquivos. Imprimiu
afirmado como saber na Inglaterra da
na área a ideia do valor de prova do do-
década de 1920, suas ideias permitiram
cumento de arquivo, da imparcialidade
de tal forma a ampliação dos debates
em sua criação e a ideia da custódia ofi-
teóricos na área que ainda hoje são obje-
cial e contínua para garantir autenticida-
to de análise, crítica e referência.
e fazer recomendações relativas a uma
abordagem teórica para arquivos.
As questões postas pelo arquivista britânico suscitaram e continuam suscitando debates fervorosos no campo dos
arquivos, tais como o papel de guardião
de documentos pelo arquivista, a não
interferência deste profissional no processo de avaliação documental com vis-
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tas a manter a imparcialidade e o valor
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
centando que “as ideias realizadas a
3 TERRY COOK E A PERSPECTI-
qualquer momento sobre os arquivos são
VA PÓS-MODERNA
certamente reflexo das correntes da his-
Não desconsiderando as interferências
quivologia no contemporâneo, que de-
do contexto no campo dos arquivos, mas
nomina como mundo pós-moderno, Co-
seguindo a lógica de Cook, se a tendên-
ok (2001) coloca como obrigatório o
cia intelectual dominante em nosso tem-
reexame do Fazer e do Saber pelos
po é o pós-modernismo, necessariamente
membros de sua comunidade científica.
os arquivos serão assim afetados e por
Justifica essa necessidade por acreditar
isso os arquivistas devem se preocupar
que uma mudança de paradigmas está
em reformular a arquivologia para essa
em curso e que não haverá recuo no no-
nova realidade.
vo século. O discurso desse canadense
Antes de mostrar suas ideias para
acontece em plena virada do século XX
a arquivologia frente ao novo mundo que
para o XXI, onde as influências da tec-
se apresenta, Cook (2001) põe-se a ex-
nologia no campo dos arquivos já são
plicar sua concepção de ciência pós-
evidentes em seu país.
moderna. Para ele, os pós-modernos co-
Quando se refere ao novo século,
locam suas reflexões em campos contrá-
o mundo pós-moderno, o autor está cla-
rios dos modernos, criticando o que jul-
ramente inserindo seu discurso no campo
gam ser defendido por estes principal-
epistemológico, afirmando que querendo
mente no que está relacionado à noção
ou não temos que aceitar estarmos vi-
de verdade universal, de conhecimento
vendo no tempo da ciência pós-moderna
objetivo com base nos princípios do ra-
e que essas ideias já estão imbuídas em
cionalismo científico e de elevação do
muitas áreas do conhecimento, como a
método científico como validador do
história, a antropologia, dentre outras.
conhecimento produzido. Para o cana-
Baseia-se nas palavras de Terry Eastwo-
dense, essas noções dos modernos de-
od para afirmar que “é preciso entender
vem ser dispensadas como quimeras
o ambiente político, econômico, social e
(COOK, 2001). Avança em suas expli-
cultural de uma dada sociedade para
cações de que o pós-moderno contesta a
compreender os seus arquivos”, acres-
sabedoria convencional, tenta desnatura-
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Ao refletir sobre o papel da ar-
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tória intelectual” (COOK, 2001, p. 6).
teorias, conceitos e métodos, por exem-
natural, racional, e visando relacionar
plo, sejam revisitados, postos à prova,
essa concepção ao campo dos arquivos,
reformulados, modificados, reafirmados
vale-se da abordagem de historiador de
e adaptados. Porém, nesse sentido, al-
Jacques Le Goff para o qual “o docu-
gumas reflexões encontradas no pensa-
mento não é matéria-prima objetiva,
mento de Cook exigem análises mais
inocente, mas expressa o poder da socie-
detidas. A noção de verdade universal,
dade do passado (ou da atual) sobre a
de uma ciência absoluta e racional, são
memória e o futuro: documento é o que
consequências contextuais de importan-
fica”. O que vale para cada documento
tes momentos históricos pelos quais as
vale também, coletivamente, para os
sociedades passaram e que lhes trouxe-
arquivos (COOK, 1998, p. 140).
ram inúmeros avanços. Assim como o
Em nossa concepção, Cook en-
mundo sofre transformações e é dinâmi-
tende o pós-modernismo como um ele-
co, para utilizar elementos de caracteri-
mento natural do mundo contemporâneo
zação do mundo contemporâneo utiliza-
em cujos preceitos a arquivologia deve
dos por Cook, o pensamento científico
estar inserida, pois caso contrário estará
também o é. O processo é ininterrupto e
fora do que é aceito como vanguarda
o que foi construído não pode ser dis-
intelectual. Não temos dúvidas de que o
pensado como quimeras. Afinal, parte-se
mundo está constantemente em trans-
destas construções para pensar outras. A
formação, se reinventando, inovando, e
arquivologia não começa no mundo con-
que o contexto e as formas de produção
temporâneo e nem é melhor neste mun-
documental, bem como os próprios do-
do: ela está inserida no processo de de-
cumentos, fazem parte destas transfor-
senvolvimento que passou e passa. Além
mações. Entretanto, em um primeiro
disso, ao apropriar-se das palavras de Le
momento, o que parece ser uma apologia
Goff, Cook não contextualiza que a críti-
do canadense ao pós-modernismo nos
ca do historiador foi construída para ser
instiga a pensar que há uma tendência
contra a concepção positivista do docu-
pós-moderna e a arquivologia é obrigada
mento como fonte de verdade histórica.
a se inserir nisto.
Aqui é importante uma ressalva.
É importante e fundamental para
Considerando as diferenças conceituais e
o avanço do pensamento científico que
teóricas entre as verdades histórica e
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lizar o que a sociedade assume como
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Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
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arquivística, faz-se necessário esclarecer
buinte para a área do que a ideia de cus-
que não estamos defendendo que essa
tódia tal como o britânico havia propos-
verdade para os arquivos, a qual já apon-
to. Porém, remetendo-nos ao que esse
tamos inclusive como importante fun-
britânico define como verdade arquivís-
damentação teórica da arquivologia, de-
tica – relacionada ao contexto de criação,
va se manter cristalizada na definição
ou seja, à permanência da imparcialidade
jenkinsoniana promulgada no início da
e da autenticidade – para nós essa verda-
década de 1920, pois, além de entender-
de não é absoluta tampouco absoluta-
mos a construção do conhecimento cien-
mente fiel ao que se propõe. Entretanto,
tífico como inserida na dinâmica social e
à época de Jenkinson, a produção do
que está em constante processo de mu-
conhecimento científico, bem como do
danças, é certo que muitas das premissas
arquivístico, estava possivelmente inse-
elaboradas pelo arquivista britânico não
rido em premissas positivistas e isso não
se sustentam após o progresso da tecno-
invalida suas ideias. Localizar o discurso
logia documental3.
ao tempo em que foi elaborado é funda-
Nessa linha de pensamento, ao
conferirmos valor à ideia de verdade
mental para compreendê-lo e contextualizá-lo.
arquivística como fundamento, valemo-
Sob essa mesma ótica, o fato é
nos inicialmente das discussões elabora-
que as ideias de Cook corroboram hoje
das por Jenkinson de tal forma que che-
para nossas argumentações que revisitam
gamos a considerá-la muito mais contri-
essa concepção jenkinsoniana de verdade. Em novembro de 1997, Terry Cook
esteve no Brasil, mais especificamente
na cidade de São Paulo, para um seminário internacional sobre arquivos pessoais
que foi organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Decorrida sua
fala na sessão sobre o Fazer do arquivista, Heloísa Bellotto (1998) posteriormente produz um artigo comentando as ideias de Cook. Problematizando a viabili-
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Na trajetória da arquivologia, muitos fatores
vão se delineando e demandando novas reflexões. Um deles é pertinente ao desenvolvimento
tecnológico e seu reflexo nos suportes nos quais
as informações estão sendo registradas e nas
maneiras em que os documentos estão sendo
elaborados, o que Favier define como tecnologia
documental. Outro fator que transforma os dados
da arquivística é, naturalmente, o progresso da
tecnologia documental. Em um século, evoluiuse da pena à esferográfica, do copista à máquina
de escrever elétrica e daí às máquinas multicopiadoras, à fotocópia e à xerografia. O documento
único, antes regra, tornou-se exceção (FAVIER,
1979, p. 6).
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Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
dade de algumas propostas levantadas
sociedade é prenúncio de novas exigên-
pelo canadense, discute e valoriza a se-
cias impostas pela sociedade, como
guinte questão:
transparência governamental e construção de memória coletiva, por exemplo,
Na perspectiva dos ditos “arquivos
totais” canadenses, o autor mostra
que novas perspectivas têm sido
adotadas dentro dos arquivos públicos, traduzindo-se no fato de estarem os arquivistas atentando
mais para a governança do que para o governo. Por governança se
entende a trama, isto é, tudo o que
possa comprovar a interação entre
cidadão e Estado, o impacto do Estado na sociedade e as funções e
atividades da sociedade em si
mesma; por governo, compreendem se as estruturas sustentadoras
e a ação burocrática. A frase de
Cook é significativa: “A tarefa arquivística é preservar a evidência
documentada da governança da sociedade, não apenas da atividade
governante dos governos” (BELLOTTO, 1998, p. 204).
além de ser tarefa possível em termos de
Não inserindo a discussão no
lecer de maneira fiável as representações
âmbito classificatório ciência moderna x
desta governança, terá de valer-se cada
pós-moderna, o fato é que essa visão
vez mais de ferramentas teóricas e meto-
alcançada por Cook é reveladora de um
dológicas que extrapolem a linearidade e
novo olhar sobre a verdade para a nossa
a custódia contínua sugeridas para a ver-
área, e que está além da relação linear e
dade arquivística por Jenkinson. Agora,
horizontal entre produtor, documento e
o arquivista e as formas que adotou para
custódia para garantir a verdade arqui-
assegurar a verdade arquivística também
vística como defendeu Jenkinson. Tam-
participam do jogo do saber, pois
fazer inclusive devido às inovações tecnológicas e ao progresso tecnológico
documental.
Outra reflexão também é possível
a partir dessa ideia de governança levantada por Cook. Entendemos que ela nos
dá elementos para reafirmar a arquivologia como produtora de conhecimento
científico a partir do momento em que
percebemos, por meio desse discurso de
Cook, o papel de produtor de saber que
recai sob o arquivista. De modo a estabe-
pelo discurso da pós-modernidade, tampouco se trata de um confronto declarado contra os modernos. Os tempos hoje
são outros e garantir essa governança da
de uma perspectiva na qual a verdade estaria depositada no arquivo,
esperando ser acessada ou “descoberta”, passa-se a afirmar que o arquivo constitui a verdade que
guarda, assim como aquela que
omite. Antes, mais importante do
que o arquivo eram as fontes nele
reunidas. Nos últimos anos, embo-
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subjetividade do que se espera alcançar
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bém está além de uma relativização ou
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
ra esta leitura não esteja excluída,
o questionamento com relação à
estrutura por meio da qual as fontes são acumuladas e disponibilizadas ganhou visibilidade – o arquivo deixa de ser meio para a
consecução de um fim, ou seja,
deixa de ser visto, apenas, como
repositório de informações, para se
tornar, também, objeto de pesquisa
(HEYMANN, 2010, p. 114).
ativo próprio, agente na formação da
memória humana e organizacional.
Cook (1998) ainda estabelece que
nem o autor nem o contexto podem ser
separados da análise documental, pois
nada é neutro. Nada é imparcial. Nada é
representado, reapresentado, simboliza-
profissional dos arquivistas, as mudanças
do, significado, assinado, tem um propó-
de paradigmas apresentadas por Cook
sito definido. Nenhum texto é um ino-
novamente são elaboradas em forma de
cente mero subproduto da ação, como
crítica ao discurso de Jenkinson visto
alegou Jenkinson, mas sim um produto
que, segundo o canadense, o profissional
construído conscientemente, não existin-
contemporâneo, pós-moderno, deve afas-
do uma narrativa de uma série ou cole-
tar-se da identificação de guardião passi-
ção de registros, mas muitas narrativas,
vo de uma herança herdada para celebrar
muitas histórias, servindo aos propósitos
o seu papel de agente ativo na constru-
de muitos para muitos públicos, ao longo
ção da memória coletiva. Defende que a
do tempo e do espaço. Ao reiterar essa
postura do arquivista não deve ser a de
necessidade de mudança do documento
operar suas ferramentas teóricas e práti-
de arquivo de produto passivo (subpro-
cas apenas a partir do documento quando
duto) para agente ativo, Cook critica
da chegada ao arquivo, e sim analisar o
especificamente as qualidades essenciais
contexto por trás do texto, pois entende
definidas por Jenkinson para estes do-
que as relações de poder moldam o pa-
cumentos, bem como a ideia do britânico
trimônio documental. A partir disso co-
sobre estes serem subprodutos das ativi-
loca no centro de suas críticas o docu-
dades.
mento de arquivo, atribuindo que não
Também aponta outros termos
deve mais ser enxergado como algo está-
em que a mudança de paradigmas deve
tico e físico e sim como um conceito
acontecer. Além do documento de arqui-
dinâmico e virtual, deixando de ser um
vo e da prática profissional, refere-se ao
produto passivo das atividades humanas
contexto de produção documental, afir-
ou administrativas para ser considerado
mando que na condição pós-moderna ele
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Isto posto, relacionado à prática
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objetivo. Tudo é moldado, apresentado,
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
deixa de ser estático em relações de hie-
para as funções e os contextos em que
rarquia para assumir lugar dentro da
essas séries são produzidas, saindo do
perspectiva de que os processos de traba-
produto gravado para o processo de cria-
lho acontecem em rede e de maneiras
ção de documentos. Exemplo é sua pro-
horizontais, o que entedemos ser uma
posta para a avaliação, claramente crítica
reivindicação antiga – e não necessaria-
às ideias de Schellenberg e para a qual
mente pós-moderna – por parte de al-
atribui o nome de macroavaliação, o que
guns arquivistas, inclusive pelo arquivis-
define como atividade “(...) funcional-
ta australiano Peter Scott (1966) em seu
estrutural (...), enfatiza o valor arquivís-
sistema de séries.
tico da posição, local ou funcionalidade
Ao
aprofundar
suas
análises
da criação de documentos, em lugar do
quanto à necessidade de mudanças no
valor dos documentos por eles mesmos”
pensamento arquivístico, para nosso
(COOK, 1998, p. 136).
alento, Cook não coloca como único
Em nossa concepção, muitas das
fator determinante a condição social pós-
propostas apresentadas pelo arquivista
moderna4,
transformações
canadense são de grande pertinência e
significativas no que tange à concepção
significativas para os desafios vivencia-
dos arquivos como instituição. Afora
dos pela área. Todavia, julgamos não
isso, Cook (2001) faz outras sugestões
serem as polarizações custodial x pós-
de mudanças para a área e algumas bas-
moderna que trarão respostas aos percal-
tante focadas em revisitar os referenciais
ços vivenciados pela arquivologia na
teóricos e as funções da disciplina, que
contemporaneidade.
apontando
para ele devem fundamentalmente des-
Há diferentes compreensões sobre a condição
social pós-moderna, bem como de ciência pósmoderna, e não caberá a nós tratá-las neste texto.
Contudo, devemos esclarecer que nossa a crítica
ao discurso pós-moderno de Cook se estabelece
frente a sua retórica reducionista que polariza a
arquivologia entre as velhas teorias e aquelas que
devem ser criadas – as novas teorias –, por estarmos vivendo um novo mundo.
Não há dúvidas de que este período que denominamos de arquivologia
clássica foi bastante significativo para o
desenvolvimento da área. As ações de
centralização e acesso aos arquivos, iniciadas pela Revolução Francesa, até a
disseminação dos princípios da proveniência e da ordem original por meio do
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4
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Página
locar-se da análise de séries documentais
clássicos e tradicionais, muitas vezes
nhos para que procedimentos anteriores
revisitados e outras, negados, são de
realizados no Fazer dos arquivos fossem
suma importância para pensarmos como
questionados, como por exemplo a clas-
teorias e práticas se consolidaram e co-
sificação por assunto. Os clássicos inau-
mo servem e serviram de referência para
guram uma nova ordem ao documento,
outros manuais e para avanço da área.
da primazia do contexto frente ao conte-
Ao considerarmos as diferentes aborda-
údo e a equivalência entre fatos e ativi-
gens sistematizadas por meio destes ma-
dades, estabelecendo aí a essência do
nuais, podemos percebê-las como espe-
documento de arquivo, isto é, seu valor
cíficas às contingências jurídicas, admi-
probatório. Todavia, não podemos des-
nistrativas e históricas de cada país ou
considerar que esses arquivistas estabe-
região e que influenciam diretamente nas
leceram suas análises a partir do que
demandas práticas de organização e dis-
consideravam como arquivo, ou seja,
ponibilização dos documentos de arqui-
arquivo histórico, formado por fundos
vo. Para Cook (1998, p. 133) “todos es-
fechados nos quais a custódia era proce-
ses pioneiros da arquivística refletiram
dimento obrigatório para manutenção da
em seus trabalhos as correntes intelectu-
autenticidade dos documentos de arqui-
ais do século XIX e do início do século
vo.
XX”.
Os princípios, conceitos e teorias
Hilary Jenkinson pode ser consi-
da área foram sendo construídos pela
derado um dos expoentes da arquivolo-
experiência profissional destes arquivis-
gia clássica, principalmente por consoli-
tas com documentos públicos e que ti-
dar, por meio de seu manual, o Fazer e o
nham por objetivo organizá-los e dispo-
Saber dos arquivos sob o pilar do conhe-
nibilizá-los para a investigação histórica,
cimento científico. Essa construção se
tanto que, ainda hoje, utilizamos termos
deu pela disseminação de ideias advin-
e conceitos preconizados neste período,
das de suas próprias experiências, ideias
como descrição, arranjo e inventário,
essas que foram e são, sistematicamente,
quando nos referirmos aos documentos
revisitadas pela área.
históricos, atualmente definidos pela
Mais de setenta anos após a pu-
comunidade da área como permanentes.
blicação do manual de Jenkinson, Terry
Além disso, os manuais considerados
Cook rediscute, como vimos, muitas
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Manual dos Holandeses abriram cami-
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Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
ideias do autor britânico claramente com
nos apresenta mais questionamentos do
objetivo de desconstruí-las a partir de
que efetivamente respostas, sendo possí-
uma perspectiva que denomina como
vel percebermos que ambos contribuem
pós-moderna. A proposta elaborada pelo
para o desenvolvimento da arquivologia,
canadense é exemplo, junto com inúme-
ainda que em tempos e contextos dife-
ras outras, de novas abordagens que se
rentes.
apresentam para o campo dos arquivos
no presente.
Isto posto, as análises e reflexões
a partir do pensamento destes autores
THE CLASSIC AND THE POS-MODERN: SOME REFLECTIONS ABOUT THE
ARCHIVAL SCIENCE BASED ON THOUGHTS OF HILARY JENKINSON AND
TERRY COOK
ABSTRACT
Searching to answer contemporary problems that have resulted from new
ways of production and the use of files, the Archival Science re-examines
the theoretical fundamentals and practices of the study field. With that scenario, the ideas of classic authors are constantly revisited and many times
considered old fashioned and custodial by one side and, by the other, pioneer and avant-garde. Following that perspective, this document aims to reflect about the elements that we believe provide scientificism to the Archival field found in the thoughts of the British Hilary Jenkinson and the Canadian Terry Cook, and also to analyse how the approaches of Jenkinson are
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