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Cultura, Educação e
Linguagem: leituras &
Expressões:
25 a 28 de maio de 2010
m
II Seminário de Educação e Linguagem
L
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3p
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@RB
ISSN 2179-6831
ANAIS
Organização de
Francis Paulina Lopes da Silva
Amédis Germano dos Santos
UNEC
2010
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CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Dr. Amédis Germano de Souza
Prof. Dr. Eduardo Vítor Miranda Carrão
Profa. Dra. Francis Paulina Lopes da Silva
Prof. Dr. Hélio Soares do Amaral
Prof. Dr. Geraldo Ribeiro de Sá
Profa. Dra. Maria José Ladeira Garcia
Profa. Dra. Maria Lúcia Jannuzzi Machado
Profa. Dra. Maria Madalena Silva de Assunção
Profa. Dra. Maria Bellini
Prof. Dr. Nelson de Sena Filho
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APRESENTAÇÃO
A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A
educação é possível para o homem, porque este é
inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição.
A educação, portanto, implica uma busca realizada por um
sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua
própria educação.
Paulo Freire
O Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguagem do Centro Universitário
de Caratinga realizou, em maio de 2010, o II Seminário em Educação e Linguagem, uma
oportunidade de discussões trandisciplinares sobre o tema “Cultura, Educação e
Linguagem: Leituras & Expressões”. Nesta data, também aconteceu a Semana Acadêmica
de Ciências Humanas e Letras. O evento contou com conferências, palestras e mesas
temáticas, com apresentação de comunicações de trabalhos e debates, promovendo o
intercâmbio entre pesquisadores, professores e alunos da instituição e região, bem como
divulgação da produção científica do Mestrado em Educação e Linguagem e dos cursos de
Graduação, principalmente, da área de Ciências Humanas e Sociais do UNEC.
Esta quarta obra, integrando a série “LINGUAGEM, EDUCAÇÃO E CULTURA”,
organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguagem, reúne textos
apresentados no evento, sobre o tema Cultura, Educação e Linguagem: Leituras &
Expressões. O Seminário, em sua segunda edição, veio comprovar o crescente interesse da
comunidade acadêmica, ao colocar em evidência o tema, tão discutido pela Academia.
Doutores, Mestres e Graduandos se empenharam, nesses dias de intercâmbio acadêmico e
cultural, num único objetivo: mostrar que é necessário e possível, pela pesquisa, tornar as
Instituições de Ensino Superior um espaço humano e interativo, em que se construam
saberes voltados para a busca de novas perspectivas, novos olhares críticos, envolvendo a
Cultura, a Educação e a Linguagem.
Destaca-se, nesta publicação, o sucesso de um projeto do Programa de PósGraduação do UNEC, de disseminar e incentivar a produção acadêmica em Caratinga e
região comprovado pela expressiva adesão de tantos pesquisadores, que trazem, para além
da Academia, temas tão importantes e de interesse para a sociedade contemporânea.
Assim estes Anais reúnem Cultura, Educação e Linguagem: leituras & expressões
dos que acreditam na Educação, que, segundo Paulo Freire, “é uma resposta da finitude da
infinitude” e propõem novas possibilidades de construção do conhecimento, em favor da
qualidade de vida, da valorização das identidades.
Graças à pronta resposta dos docentes e discentes pesquisadores e ao apoio da
Administração desta Instituição de Ensino, tornou-se possível mais esta publicação em
formato digital, esperando que outras iniciativas mais possam ser realizadas em favor da
democratização do saber.
Francis Paulina Lopes da Silva
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AGRADECIMENTO
Aos autores e a todos que colaboraram nesta edição,
pelo trabalho em equipe,
levando à frente um Projeto comum...
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CULTURA, EDUCAÇÃO E LINGUAGEM: LEITURAS & EXPRESSÕES
II SEMINÁRIO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Semana Acadêmica de Ciências Humanas e Letras
Caratinga, 25 a 28 de maio de 2010
SUMÁRIO
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO DO SÉCULO XXI: TAREFA DESAFIADORA A SER GERIDA
Alessandra Alves De Souza Nery (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado (UNEC)
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: UMA ANÁLISE CENTRADA NO PERÍODO PÓS-LDB
Ana Lúcia Pena (UNEC)
Heloisa Raimunda Herneck (UFV)
O OLHAR CRÍTICO DE LOBATO EM A CHAVE DO TAMANHO E EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA
Ângela Rosa de Sousa (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL COMO SUBSÍDIO PARA A MELHORIA DA
DOCENTE
Cláudia Cardoso da Cruz Gomes
Maria Lúcia Jannuzzi Machado
PRÁTICA
A CULTURA E A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTOS DE UMA EDUCAÇÃO INTEGRADA EM
CUBA
Conceição Clarete Xavier (UFMG)
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O ENSINO DE CARTOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS
Daniela Martins Cunha (UNEC)
Romerito Valeriano da Silva (CEFET-MG)
ENSINO DA LÍNGUA MATERNA NAS ESCOLAS: O DESAFIO DE ALFABETIZAR E LETRAR,
RESPEITANDO AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Eleonora Emilio de Sá (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
EDUCAÇÃO PELA CONVERSÃO (RESENHA)
Geraldo Ribeiro de Sá (UNEC)
A FORMAÇÃO DO LEITOR INFANTIL DO SÉCULO XXI
Gilsane da Silva Teixeira Alves (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
O UNIVERSO LÍRICO DE VINICIUS DE MORAES
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Graciane Pereira da Silva (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
Marcelo Pereira Souto (UNEC)
TEXTO, T.I.C. E LINGUAGEM
Helena Cristina Abib Miranda Marques (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
Maria José Ladeira Garcia (UNEC)
Eduardo Vítor Miranda Carrão (UNEC)
DESAFIOS NO ENSINO DA LÍNGUA ESTANGEIRA (Conferência)
Ilma de Castro Barros e Salgado (FMG/UERJ)
INCLUSÃO DIGITAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM DESAFIO PARA O ENSINO
SUPERIOR
Inês Aparecida de Sousa Azevedo (UNEC)
Eduardo Vitor de Miranda Carrão (UNEC)
A CIDADANIA: DA POLIS À INTERNET
Jaider Rodrigues Gonçalves (UNEC)
Hélio Soares do Amaral (UNEC)
LINGUAGEM CULTURAL E IMAGEM EM “A MENOR MULHER DO MUNDO”, DE CLARICE
LISPECTOR
José Geraldo Batista (UNEC)
SURDEZ, EDUCAÇÃO, INCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE DIREITO
Juliano Sepe Lima Costa (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado (UNEC)
OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO: ANÁLISE DOS VALORES CAPITALISTAS PRESENTE NA OBRA
Lívia Gomes de Freitas (UNEC)
Tuanny Aparecida de Souza (UNEC)
Cláudia Cardoso da Cruz Gomes (UNEC)
A LINGUAGEM DA SÍNDROME DE DOWN - LEITURA E SIMBOLISMO
Magda Cristina Assis Costa (UNEC)
Maria Madalena Silva de Assunção (UNEC)
MÉTODOS E ABORDAGENS DE ENSINO DE L. I.: ADEQUAÇÃO À REALIDADE ESCOLA MARIA
Andréia Silva Leles Rocha (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
A CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS EM INÍCIO
DE CARREIRA
Maria Claret de Faria Cimini (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado (UNEC)
UMA ANÁLISE DA COMPETÊNCIA E PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ENFERMEIRO DOCENTE
Maria Isabel Carvalho Barreto (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado (UNEC)
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OS RETORNADOS EM AS NAUS, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Maria José Ladeira Garcia (UNEC / FIC-Cataguases)
A FORMAÇÃO CONTINUADA DO GESTOR ESCOLAR
Marilza Aparecida de Araújo (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado (UNEC)
Geraldo Ribeiro de Sá (UNEC)
A METÁFORA COMO RECURSO COGNITIVO PARA A INTERPRETAÇÃO DA LINGUAGEM DA
TERAPIA COMUNITÁRIA
Marlene Rodrigues Gomes da Silva (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
Amédis Germano dos Santos (UNEC)
ANÁLISE DO PERFIL PROFISSIONAL DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR NA MODALIDADE
EAD: UM ESTUDO DE CASO
Náuplia Maria Lopes (UNEC)
Eduardo Vítor Miranda Carrão (UNEC)
A HISTÓRIA ORAL DO CENTRO DOS ESTUDANTES DE CARATINGA: PERCURSO DE UMA
PESQUISA (Relato)
Renata Marques Cordeiro (UNEC)
Joice Meire Rodrigues (UNEC)
LETRAS DE CANÇÕES DE ATAULFO ALVES: TEMAS QUE ALCANÇARAM A IMORTALIDADE
Rilza Rodrigues Toledo (UNIPAC)
LITERATURA INFANTIL É COISA SÉRIA: MARILENE GODINHO NO MUNDO ENCANTADO DA
CRIANÇA
Rodrigo Xavier da Silva (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
ESTÁ NO AR A TELEVISÃO NO BRASIL – PODER E INFLUÊNCIA
Rosemary Aparecida Gomes da Silva (UNEC)
Hélio Soares do Amaral (UNEC)
POR QUE (NÃO) DIZER SIM À TV? O LIVRO NOSSO DE CADA DIA
Sandra Cristina de Medeiros (PUC)
O USO POPULAR DE PLANTAS MEDICINAIS: TRADIÇÃO SEMPRE NOVA
Sheila Maria Cupertino Gomes (UNEC)
Maria de Lourdes Cupertino Gomes (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva (UNEC)
EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDE NO FUTSAL FEMININO VALADARENSE
Silméia Martins Moreira (UNEC)
Hélio Soares do Amaral (UNEC)
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INSTITUIÇÃO ESCOLAR: ESPAÇO DE EXPRESSÃO CULTURAL ATRAVÉS DOS DISCURSOS
Simone Aparecida de Sousa (UNEC)
Amédis Germano Dos Santos (UNEC)
A LITERATURA COMO FONTE HISTÓRICA: ANÁLISE DA FORMAÇÃO DA ELITE E DAS
PRIMEIRAS FAVELAS BRASILEIRAS A PARTIR DE O CORTIÇO, DE ALUÍSIO AZEVEDO
Tuanny Aparecida de Souza (UNEC)
Lívia Gomes de Freitas (UNEC)
Cláudia Cardoso Cruz Gomes (UNEC)
TIC E APRENDIZAGEM COLABORATIVA: PARADIGMAS POSSÍVEIS NA SOCIEDADE EM REDE
Vânia Lúcia de Oliveira (UNEC)
Eduardo Vítor Miranda Carrão (UNEC)
A LINGUAGEM DA MÍDIA E A LÍNGUA PORTUGUESA
Walter Zavatário (UNEC)
Amédis Germano dos Santos (UNEC)
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PROFESSOR UNIVERSITÁRIO DO SÉCULO XXI:
TAREFA DESAFIADORA A SER GERIDA
Alessandra Alves de Souza Nery * (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado ** (UNEC)
Maria Bellini *** (UNEC)
Introdução
O processo de desenvolvimento profissional dos docentes no paradigma da
reflexividade necessita conjugar saber e ação, teoria e prática, ensino e pesquisa, de
maneira inseparável no contexto social e político, para transformar e significar a
(re)construção do conhecimento nos espaços universitários. Ou seja, o professor-educador
necessita, por questões culturais e pela grande penetração da mídia eletrônica e das novas
tecnologias da informação e comunicação, estar constantemente buscando formas de
atualizar e de criar novos hábitos de pesquisa, de leitura, de desafios para que seu
testemunho seja compatível e estimulante com o espaço de ensino-aprendizagem da sala de
aula:
Ao enfatizarmos a questão da pesquisa da prática da sala de aula, na qual se
realiza uma ação autoreflexiva, propusemos a relação e diálogo com outros
campos de conhecimento, porque o ensino não se resolve com um único olhar:
exige constantes balanços críticos dos conhecimentos produzidos no seu campo
(as técnicas, os métodos, as teorias), para deles se apropriar (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2010, p.204).
Nesse contexto, analisa-se uma prática centralizada na reprodução de conteúdos
com um grande desejo de aprendizagem por parte do docente, mas uma enorme distância
do envolvimento dos discentes, elemento essencial no processo do saber.
Vejamos as questões levantadas e analisadas por Silva (2003) sobre a realidade
social. O mundo moderno apresenta, a cada dia, novos problemas e oportunidades que
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga.
E-mail: [email protected].
**
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Coorientadora. E-mail: [email protected].
***
Doutora em Curriculum, Teaching and Educational Policy pela Michigan State University, Estados
Unidos. Professora titular do Mestrado em Educação e Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga.
Orientadora acadêmica. E-mail: [email protected].
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exigem novas maneiras de pensar, atentando para as atuais exigências do mercado de
trabalho em que as empresas sofrem profundas transformações a espaços de tempo cada
vez menores. Isso exige flexibilidade e adaptabilidade às novas regras. Consequentemente,
o conhecimento fica obsoleto muito rapidamente, havendo novas necessidades em um
curto espaço de tempo. “Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das
competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão
obsoletas no fim de sua carreira" (LÉVY, 1999, 157).
Freire (2007, p. 39) nos convoca a lançar um olhar mais analítico sobre a formação
dos educadores, devendo cada um ter consciência sobre o saber necessário à prática
pedagógica e uma dinâmica eficaz. Contudo, este estudo analítico-descritivo visa
identificar e analisar a formação inicial e as habilidades didáticas dos docentes praticadas
no cotidiano da instituição:
A natureza do trabalho docente requer um continuado processo de formação dos
sujeitos sociais historicamente envolvidos com a ação pedagógica, sendo
indispensável o desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas
pedagógicas e metodológicas na busca de uma qualidade social da educação
(BRASIL, 2004, p. 18).
A política de formação de professores, desde a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), perpassando pelas legislações complementares
referentes às diretrizes curriculares para a formação de professores, vem sendo amplamente
discutida, questionada e refutada, em nível nacional, pelas diversas associações científicas
que agregam profissionais da Educação. O novo paradigma de formação docente do ensino
superior pretende que os profissionais estejam aptos para exercer seu papel de educadores
e colaborem para transformar as instituições de ensino que realmente qualifiquem seus
futuros profissionais, no que concerne aos mecanismos de organização, gestão, projetos e
propostas pedagógicas:
O desafio, então, que se propõe é o de colaborar no processo de passagem de
professores que se percebem como ex-alunos da universidade para o ver-se como
professor nessa instituição. Isso é, o desafio de construir a sua identidade de
professor universitário, para o que os saberes da experiência não bastam
(PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 78).
Romper com pensamentos, ações e valores adquiridos por décadas, exige
flexibilidade e desejo de mudança. A educação percorreu desde 1500 por vários momentos
como: a escola tradicional, a escola nova (1932), a escola tecnicista (1964), a escola crítica
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(1983) e atualmente, a escola tecnológica, em que o conhecimento exige uma constante e
instantânea busca.
As transformações da última década foram muito profundas e, apesar terem sido
dominadas pela mercadorização da educação superior, não se reduzem a isso.
Envolveram transformações nos processos de conhecimento e na
contextualização social do conhecimento. Em face disso, não se pode enfrentar o
novo contrapondo-lhe o que existiu antes. (SANTOS, 2004, p.61)
O docente necessita, nessa constante busca de conhecimento, enveredar-se para
alternativas de formação continuada, como: pesquisas, cursos de extensão, soluções de
problemas de forma colaborativa e participativa, deixando sua resistência e saindo da
posição de defesa. No Ensino Superior privado, percebe-se certo interesse dos professores
iniciantes de buscar e desenvolver as habilidades necessárias para a docência mediadora da
aprendizagem, enquanto professores com mais tempo de serviço encontram dificuldade em
admitir algumas deficiências graves na mediação do conhecimento.
Morin (2001) contribui para que essa transformação seja vivenciada, ao sugerir a
teoria da complexidade, que tem como eixo principal a incerteza. Sendo assim, o professor
deve agir como mediador do conhecimento, provocador do pensamento complexo,
centrado na aprendizagem, considerando o aluno como sujeito reflexivo, capaz de aprender
a aprender, capaz de solucionar problemas, acessar conhecimentos, consciente de sua
incompletude. Também o conteúdo, pesquisado e criticado, deve priorizar um ensino de
qualidade. A metodologia deverá resultar da pesquisa e diferentes métodos, com atenção
especial para as novas tecnologias. A avaliação formativa e processual deve ser realizada
como meio de aprendizagem. E a escola deve ser ética e competente.
Do docente exige-se coragem, pois ninguém avança tendo um pensamento linear e
simplista. Ele precisa situar-se, autoconhecer-se, pensar e organizar seu pensamento,
porque a transformação extrapola seu ser pois, para que haja qualquer mudança
educacional, esta deve ser originada pela reforma do pensamento do professor. Morin
(2001) afirma a necessidade de integrar os erros nas concepções, refletir sobre eles, para
que o conhecimento avance. Portanto, sugere a reformulação curricular, em busca da
superação dos problemas cotidianos, para que os docentes das Instituições de Ensino
Superior sejam disseminadores de novos saberes:
São hoje muitas as competências desejadas, que assentam num conjunto de
capacidades. Valoriza-se a curiosidade intelectual, a capacidade de utilizar e
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recriar o conhecimento, de questionar e indagar, de ter um pensamento próprio,
de desenvolver mecanismos de auto-aprendizagem (ALARCÃO, 2003, p. 24).
Atualmente, vivenciam-se vários desafios nas instituições de Ensino Superior, mas
é evidente que o primeiro passo precisa ser a formação continuada e uma reformulação do
pensamento crítico do docente, para que, consequentemente, possa haver uma ação
dinâmica e motivadora na sala de aula:
A ação do docente do Ensino Superior requer respeito aos saberes do discente,
reflexão crítica sobre a prática, corporeificação das palavras pelo exemplo,
aceitação da re-reformulação do pensamento, pesquisa, criticidade... ou seja,
constante renovação. O cerne do pensamento é distinguir, mas não separar
(MORIM, 2001, p. 78).
Entretanto, o docente precisa ter uma prática transdisciplinar, para que não haja
espaço para conceitos fechados e pensamentos estanques. Deve levar seus discentes a
pensarem numa perspectiva global e facilitadora da aprendizagem, direcionando-os, como
futuros profissionais,às práticas conscientes de suas funções.
Uma nova docência universitária
Utilizar métodos ativos no Ensino Superior é possível, mas para isso é necessário
que o professor rompa com os paradigmas de uma educação tradicional e desperte para um
novo pensar, buscando conhecer-se, refletir, repensar, avaliar sua práxis e propiciar uma
aprendizagem interativa. Quando o docente está seguro de si mesmo, consegue buscar,
junto aos alunos, os desejos e objetivos a serem alcançados. Assim haverá maior interesse
e motivação para a aprendizagem.
Becker (1992) afirma que conhecer é transformar o objeto e transformar a si
mesmo; portanto, o discente se torna capaz de construir suas idéias, estruturas,
pensamentos e transformá-las em ação. A instituição de Ensino Superior tem uma meta a
cumprir, mas, muitas vezes, esquece a real necessidade do futuro profissional e o docente
(especialista) tende a repetir teorias desconectadas de ação que o levem a construir novos
conhecimentos.
Segundo Lukesi (1985), a didática, como uma forma de ação humana – a ação do
ensino – não poderia, evidentemente, fugir ao esquema racional de agir. O autor sugere,
portanto, os elementos necessários para o desenvolvimento da prática: planejamento –
entendido como ato político, que será dinâmico e constante, pois estará afeito de uma
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constante tomada de decisão; execução da ação planejada – que se manifesta como uma
verdadeira práxis, em que prática e teoria serão dois elementos do mesmo processo. É um
conhecimento nascido dos fatos e não só dos livros. A avaliação da ação executada é
fundamental, manifesta-se pelo julgamento qualitativo da ação que deve estar em função
do aprimoramento desta mesma ação. Exige o uso da categoria da totalidade e não um
reducionismo focalista. Exige uma tomada de decisão e não um posicionamento de
indiferença, diante do objeto que está sendo ajuizado. A atividade docente é uma atividade
psicossocial que se desenvolve em contextos espaciais, temporais, sociais, organizativos,
com valor educativo e em cada circunstância tem aspectos singulares e únicos (cf.
ALARCÃO, 2003, p. 63).
Torna-se importante romper com uma pedagogia entendida como reprodutora do
atual sistema social, para uma pedagogia focada no ser humano, enquanto ser político,
utilizando-se de uma relação democrática. Para tanto, evidencia-se a possibilidade de uma
ação metodológica ativa no ensino da graduação, desde que o docente esteja disposto a
organizar seus pensamentos e a planejar em consonância com o discente, incentivando-o a
construir seus conhecimentos, relacionando a teoria à prática, construindo e reconstruindo
de forma prazerosa a aprendizagem.
A didática na formação de professores, segundo Candau (1987), ocupa um lugar de
destaque, porque inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o
tratamento sistemático do ´que fazer` educativo, da prática pedagógica. Assim, a autora
explica que a didática se ocupa da busca do conhecimento necessário à compreensão da
prática pedagógica e da elaboração de formas de intervenção adequadas, de modo que
realmente ocorra e se viabilize a aprendizagem, no processo de ensino e aprendizagem,
atingindo a maior parte da sociedade.
O professor, estando consciente da necessidade de se conhecer os estudos sobre as
práticas pedagógicas que melhor se adaptem ao cotidiano da sala de aula, dedica-se a
desenvolver suas habilidades docentes, tanto para mediar o conhecimento trabalhado,
quanto para ter a sensibilidade de percepção na atenção aos alunos com maiores
dificuldades de compreensão e discernimento. Este consegue, em sua docência, adquirir
competências que trarão ao ensino, principalmente no Ensino Superior, melhoraria na
qualidade e na motivação dos alunos, futuros profissionais.
Docentes das áreas de Ciências Gerenciais, assim como nas de Saúde e Exatas
muitas vezes pensam ser desnecessário um desenvolvimento das habilidades didáticas,
porque ainda não têm a consciência de que não só é preciso ter conhecimento de área, mas
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também ter sensibilidade para mediar o saber entre seus discentes. Julgamos que essa
problemática só pode ser compreendida se for repensada e consequentemente, trabalhada
nas instituições de Ensino Superior. Para isso, precisam levar em consideração o contexto
educacional, político, econômico e social em que se situam.
Muitos docentes não têm uma formação pedagógica (sobre as Ciências da
Educação, a Didática…) ou mesmo uma inserção no campo das Ciências Humanas e
Sociais que sirva de repertório e fundamente o exercício do ensinar, que seja um
instrumento de compreensão de sua própria tarefa como educador (CUNHA, 2001).
O conceito de carreira é bastante importante para tais discussões. Compreende-se
que, no processo temporal de vida profissional de longa duração, qual estão presentes
dimensões identitárias e dimensões de socialização profissional, além de fases e mudanças:
Embora a literatura reconheça que a aprendizagem pela experiência tenha força
na construção de práticas pedagógicas, pouco se conhece até o momento, sobre
tal processo. O genérico ‘aprender pela experiência’ pode mascarar questões
importantes relativas ao desenvolvimento profissional [...] (MIZUKAMI, 2000,
p. 141).
Baseado nos princípios de Freire (2007, p. 26), todo educador necessita de saberes
comuns tais como: saber dosar a relação teoria/prática, criar possibilidades para o (a) aluno
(a) produzir ou construir conhecimentos, ao invés de simplesmente transferir os mesmos,
reconhecer que ao ensinar se está aprendendo e não desenvolvendo um ensino de "depósito
bancário", em que apenas se injetam conhecimentos acríticos nos alunos.
Formas de ação no Ensino Superior
A metodologia dialética rompe com uma postura educacional autoritária e permite
através do diálogo, da clareza das normas e dos objetivos a serem alcançados, que o
discente seja o sujeito da atividade.
A mola mestra da metodologia dialética é a contradição, partindo do pressuposto
em que todos trazem conhecimentos anteriores. O discente é o objeto principal na relação
da aprendizagem. Determina-se que, mesmo trabalhando com adultos na Graduação é
necessário que haja esclarecimento da metodologia, da avaliação e da importância dos
conteúdos para se alcançar o alvo.
Para que a ação do professor no ensino de Graduação seja dialética, este deve agir
como mediador do conhecimento em que o novo seja construído a cada momento, pela
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superação do conhecimento anterior, numa espiral helicoidal ascendente e não uma simples
repetição, como um círculo vicioso.
Na sala de aula a interação professor/aluno visa à articulação entre: realidade objetivo – mediação tendo em vista à motivação, a reflexão, a mudança de atitude, o
envolvimento num clima de harmonia, onde a avaliação seja um processo cotidiano de
interrelações.
Possivelmente vigora, ainda hoje, a perspectiva de que o saber específico, o
domínio do conteúdo, é o que garante ou instrumentaliza o professor para o exercício de
ensinar. Alguns professores vão se tornando professores pela experiência; resultado de um
processo de socialização que se vale, por um lado, da intuição, das rotinas de outros
professores e das construções feitas por eles mesmos (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002,
p. 36, apoiando-se BENEDITO, 1995). Mas quais são esses saberes, estratégias, rotinas,
construídos, apropriados pelos professores universitários, na experiência, dos quais eles
têm se valido diante dos entraves que aparecem quando do exercício da docência? Será que
as bases para ensinar se sustentam, apenas, pelos saberes apreendidos no exercício
profissional?
A definição dos elementos da teoria didática, fundamentais e essenciais a uma
construção da relação entre professor, aluno e conhecimento na Educação
Superior, estará diretamente ligada ao levantamento das necessidades do grupo
em questão, podendo variar de equipe para equipe de trabalho. A vivência
desses elementos já ocorre na sala de aula, e a análise dos dados dessa realidade
construirá o confronto da teoria com a prática (PIMENTA; ANASTASIOU,
2010, p.110-111).
Evidencia-se que a ação dialética possibilita uma aprendizagem organizada e nessa
relação, o critério que se estabelece na busca do conhecimento é a significação, a ação –
reflexão – ação, a pesquisa, a ligação entre passado e realidade, a criatividade, o contexto e
a noção do todo; trata-se do surgimento da apreciação crítica da realidade e da relação
professor e aluno.
A meta a ser desenvolvida na graduação é uma docência mediadora e consciente,
atenta a realidade, transformadora, para que seja gerado um clima motivacional em que
aprender seja palpável, desejado e, conseguir essa motivação é possibilitar um ambiente de
interação, de troca de experiências, de harmonia, de confiança...
Freire (2007, p. 29) adverte sobre a necessidade de superação do conhecimento
através do exercício da pesquisa, para poder saber o que ainda não sabe e comunicar as
novidades aos discentes. Anuncia-se, portanto, a solidariedade enquanto compromisso
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histórico do ser humano, como uma das formas de promoção e instauração da ética
universal.
Para a fenomenologia, primeiramente colocam-se as idéias básicas que se pretende
apresentar para em seguida tratar de esclarecê-las. A pesquisa qualitativa com fundamentos
fenomenológicos coleta, primeiramente, os dados, que servem para elaborar o que se
denomina “teoria de base”, conjunto de conceitos, princípios, significados, que se elevam
de baixo para cima.
Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa estão fundamentados pela
proposta inserida no contexto da abordagem qualitativa, pois envolve dados e informações
mensuráveis e dados descritivos sobre pessoas e processos de interação relativa ao tema
proposto.
Como superação da metodologia tradicional, a metodologia dialética orienta que o
docente desenvolva habilidades que mobilizem a todos para o conhecimento, para que o
construam gradativamente e sejam capazes de elaborar a síntese do conhecimento
adquirido. Entretanto, o objeto deve ser encarado como desafio e o educador deve
colaborar com o educando na decifração, na construção da representação mental do objeto
em estudo a partir do movimento do pensamento que vai do abstrato ao concreto.
Considerações finais
A profissão docente no século XXI oferece desafios que ora assustam, ora
instigam. O ato educativo não é um fazer matemático, com resultados seguros, mas um
fazer artesanal, com inúmeras incertezas. a função do professor é o de mediador, quando
há uma situação de aprendizagem, contribuindo para que ocorra um ensino centrado na
descoberta, na pesquisa, na análise, no interesse dos acadêmicos, tendo presente seu
cotidiano.
A prática docente no Ensino Superior está numa fase de transição, demonstrando
que não é mais possível continuar culpando outras pessoas pelos fracassos decorrentes de
um exercício docente improvisado. É difícil aceitar argumentos que centram os insucessos
da tarefa de ensinar na instituição de Ensino Superior, no aluno, quando, no mínimo, é
fruto de um trabalho unilateral, ou seja, situado no passar conteúdo, ao invés de
caracterizado pela ênfase na autonomia, na liberdade e na criatividade, como pressupostos
para a construção do conhecimento universitário.
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A docência do Ensino Superior que hoje queremos, necessitamos, é uma prática
que se preocupa com a transformação, e não mais com a conservação; repensa o processo
metodológico de ensinar e aprender na sala de aula. As Instituições de Ensino Superior
existem em função de seus alunos e cabe aos professores refletirem se realmente respeitam
os alunos em relação ao acesso ao conhecimento, considerando quem são eles, de onde
vieram, em que contexto vivem e o que almejam aprender por meio da Graduação.
A prática docente necessita de conhecimentos e práticas que ultrapassem o
tablado de sua especialidade. Os professores contribuem com seus saberes, seus valores e
suas experiências nessa complexa tarefa de melhorar a qualidade do ensino. Sendo assim,
sua prática não deve ser baseada apenas na racionalidade metodológica, mas sim, na sua
consciência de ampliar seus conhecimentos, em especial os pedagógicos, que facilitam
suas ações cotidianas com as produções teóricas, contextualizando-as com um saber
expressivo na sala de aula.
Entretanto, faz-se necessário o desenvolvimento de algumas competências
fundamentais para o exercício da prática pedagógica, como o comprometimento,
flexibilidade, disciplina e a aprendizagem contínua de novas habilidades didáticas tais
como: ação interpessoal para a eficácia da prática, gestão participativa com a instituição e
seus alunos, contribuição para a qualidade de sua autonomia por meio de dinâmicas de
grupo, resolução de problemas, recursos tecnológicos para a interação nas aulas, a
aprendizagem colaborativa, sendo capaz de se situar como gerenciador do conhecimento.
Referências
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 6 ed. São Paulo: 2008.
ANTUNES, Celso. Professores e professauros. 2 ed. Petrópolis RJ: Vozes, 2007.
AMARAL, Ana Lúcia (org.). Formação de professores: políticas e debates. São Paulo:
Papirus, 2002.
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21
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL:
UMA ANÁLISE CENTRADA NO PERÍODO PÓS-LDB
Ana Lúcia Pena (UNEC) *
Heloísa Raimunda Herneck (UFV) **
Introdução
Dentro do universo do ensino superior, que se constitui complexo e
multidimensional, que se entrecruzam dimensões administrativas, políticas, pedagógicas,
mercadológicas, ideológicas, dar-se-á foco nesse artigo a universidade. A universidade
enquanto instituição política e historicamente constituída.
Assim, um olhar sobre esta instituição. Segundo Zabalza (2004, p.10) os eixos que
mais influenciam o funcionamento das instituições de ensino superior são exatamente a
legislação e os recursos financeiros que sustentam o seu funcionamento.
O objetivo deste estudo é analisar os impactos das políticas públicas educacionais
implementadas no período pós LDB para o ensino superior, enquanto instituição, inserida
em um contexto sócio histórico legalmente constituído. Ao tratá-la historicamente inserida,
o olhar volta-se para a capitalização dessa instituição que perde o foco do ensino e passa a
valorizar o saber mercantilizado, o saber que atende as necessidades trabalhistas do tempo
vigente.
Para tanto, faz-se a construção de um referencial teórico que, subsidiado por dados
do INEP, apontam as tendências desse novo tempo de universidade pós LDB. Mostram os
caminhos e rumos delineados hoje para as instituições de ensino superior, definindo os
impactos e possibilidades para este ramo que virou negócio rentável.
Uma análise quantitativa porque como dados, há a possibilidade dos números e dos
resultados que retratam e moldam a evolução e história do ensino superior. Uma análise
qualitativa porque dados também dizem. Dados também permitem uma leitura plural e
significativa da sociedade. Permitem uma subjetividade no entendimento dos mesmos
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga - UNEC. Professora de
Português na Faculdade Pitágoras. Coordenadora de Escola Municipal.
E-mail: [email protected].
**
Doutora em Metodologia de Ensino, pela Universidade Federal de São Carlos – UFSC. Professora do
Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected].
22
dentro do contexto social e histórico. Reproduzem, em sua planilha de informação, as
ideologias dominantes e as possibilidades desenhadas pelas políticas públicas. No campo
figurativo, leituras de leis e dados que moldam o ensino superior. No campo temático, as
ideologias e impactos que leis e dados carregam.
É com esse olhar que se constrói esse trabalho. Estudos que visam a possibilidade
de contribuir para um crescimento da realidade social.
Mundo contemporâneo: mudanças e reflexos no ensino superior
A análise dada aqui foca o ensino superior a partir da implantação da Lei nº 9394 /
96. Neste contexto, a evolução da educação superior passa a ter lugar entre as políticas
educacionais. Alguns pontos da referida lei merecem destaque, pois assim fundamentarão
este estudo:
Art. 43º. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
Art. 46º. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o
credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados,
sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.
Já se delineiam nesta década os novos paradigmas para o ensino superior e as
arbitrariedades que a própria lei cria dentro do cenário educacional como será mostrado
nas explanações que se seguem. Uma definição diferente do ponto de vista organizacional,
de democratização e permanência dos alunos, de plano de carreira do professorado, de
regime de trabalho entre instituição pública e privada.
Mostra ainda
As instituições privadas aproveitaram-se com grandes vantagens da situação de
crise do setor público: captaram para si a demanda reprimida na população de
classe média para a formação superior, desfrutaram com excepcional senso de
oportunidade das facilidades oferecidas por governos e pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE), que, “mediante uma regulação pseudoliberalizadora",
autorizaram a criação de inúmeras novas instituições... (MANCEBO, 2008, p.
64).
23
Em conformidade com a fala da autora, analisa-se o panorama de crescimento das
instituições comprovadas nos quadros construídos a partir de dados do INEP.
Tabela 1: Evolução do Número de Instituições, Cursos, Matrículas e Concluintes na
Graduação Presencial - Brasil 1993-2007
Ano
Instituições
Cursos
Matrículas
Concluintes
1993
873
5.280
439.801
240.269
1994
851
5.562
463.240
245.887
1995
894
6.252
510.377
254.401
1996
922
6.644
513.842
260.224
1997
900
6.132
573.900
274.384
1998
973
6.950
651.353
300.761
1999
1.097
8.878
787.638
324.734
2000
1.180
10.585
897.557
352.305
2001
1.391
12.155
1.036.690
395.988
2002
1.637
14.399
1.205.140
466.260
2003
1.859
16.453
1.262.954
528.223
2004
2005
2.013
2.165
18.644
20.407
4.163.733
4.453.156
626.617
717.858
2006
2.270
22.101
4.676.646
736.829
2007
2.281
23.488
4.880.381
756.799
2008
2.252
24.719
5.080.056
800.318
Fonte: Fonte: Inep/MEC/Seec. Censo do Ensino Superior. Brasil. Brasília: MEC/Inep, 2000-2008.
Disponível em <. http//.www.inep.gov.br/>
2500
2000
2000
2001
2002
1500
2003
1000
2004
2005
500
2006
2007
0
Públicas
Privadas
2008
Figura 1: Evolução do Número de Instituições de Educação Superior Públicas e Privadas no Brasil
2000-2008
24
Fonte: Inep/MEC/Seec. Censo do Ensino Superior. Brasil. Brasília: MEC/Inep, 2000-2008.
Disponível em <. http//.www.inep.gov.br/>
Cada vez mais instituições superiores abrem as portas. Um desafio do mundo
contemporâneo para o ensino superior: a expansão. O número de graduandos iniciando o
curso é a cada ano maior. São dados para comemorar. É um país crescendo, com o povo
melhorando o nível educacional. É um ganho social.
Mas também são dados preocupantes, em razão dos motivos seguintes: primeiro: “É
fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu principalmente pelo setor
privado, que hoje representa 90% das instituições” (MANCEBO, 2008, p. 44).
Doravante, a expansão do ensino não viabiliza a democratização pelo setor público.
Antes, encoraja ações no setor privado, tirando do Estado cada vez mais a responsabilidade
pelo ensino. Haja vista o programa PROUNI que oferece às instituições que aderirem a ele,
isenção de alguns tributos. Este programa, institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de
janeiro de 2005, tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais
em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de
educação superior. As IES, que aderirem ao PROUNI, têm desconto em seus tributos e elas
não precisam de nenhuma política de permanência do aluno para manter seus privilégios.
Não se nega aqui a perspectiva do acesso. Questiona-se a falta de políticas para
permanência do aluno. Nesse viés, o foco deixa de ser o aluno e seu aprendizado. É o
crescimento do setor privado, a capitalização que na prática acaba ganhando vulto
nacional. É a mercantilização da educação, pois facilita e promove a inclusão do aluno,
entretanto não assegura a sua permanência.
Nos últimos anos é que a política de crescimento das Universidades Federais vem
tomando corpo, mas muito timidamente. Instituído em 2007, o REUNI (Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) nasce com o
objetivo de “congregar esforços para a consolidação de uma política nacional de expansão
da educação superior pública...” (PDI) afinal o objetivo desse programa é
Criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior,
no nível de graduação, para o aumento da qualidade dos cursos e pelo melhor
aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas
universidades federais (Idem).
Segundo: O número de matrículas não corresponde ao número de concluintes,
conforme análise da tabela 1. Nesse cenário de avanço social, observa-se o quadro da
25
evasão escolar. Há um número cada vez maior de alunos entrando no ensino superior, e um
número cada vez maior de alunos evadidos, pois a terminalidade não corresponde ao
ingresso. Essa informação é alarmante não só pela dimensão, como também pela exclusão
social embutida. Conforme Araújo & Luzio (2005) “Essa é uma das principais medidas do
fracasso escolar no Brasil.”
Outro dado preocupante dessa informação do Araújo e Luzio são as razões dessa
evasão. Algumas estão situadas no âmbito da realidade educacional, outras, nas famílias
(em condições sociais, culturais e econômicas). As reformas educacionais promovidas no
cenário educacional brasileiro se pautam em políticas de equidade social, mais uma
tendência na educação, em nome da era da globalização e da tecnologia. Mais desafio para
o ensino superior: democratização, acesso. Políticas educacionais de democratização do
ensino são colocadas em vigor: FIÉS, PROUNI e de acordo com o MEC o FIES é uma
“[...] iniciativa do Governo Brasileiro, é mais um passo importante para a democratização
do acesso à educação de qualidade, a fim de propiciar ao maior número possível de
estudantes a permanência e a conclusão do ensino superior”
Assim, o Governo cumpre o seu papel em democratizar o ensino, facilitando o
acesso dos cidadãos ao ensino superior e, ainda, molda a expansão do ensino. Sustenta
assim um crescimento vertical dentro do mercado do ensino privado, enquanto na
educação pública este crescimento se faz tímido.
Dentro desse crescimento vertical na rede privada, destaca-se mais uma tendência
contemporânea, ou seja, percebe-se uma abertura da lei 9394/96, em seu 43º artigo, ao
preceituar que uma das finalidades da educação superior é “III incentivar o trabalho de
pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e
da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do
meio em que vive”.
Incentivar, termo empregado na lei, é na prática uma leitura de desobrigação com a
pesquisa. Dentro das instituições particulares há uma não focalização da pesquisa como
uma referência do ensino superior. Fato também percebido com os professores que atuam
no Ensino Superior Particular, participantes desta pesquisa. Estes são aqui identificados
como PB (Professor de biologia), PE (professor de exatas) e PH (professor de humanas).
Os mesmos professores, quando perguntados sobre a contribuição com a profissão ou com
a área de especialização na qual eles se incluem do ponto de vista da pesquisa, respondem:
26
[...] minha contribuição principal está focada na formação humana, mais
democrática e menos capitalista. [...] eu pretendo transladar-me para o ensino
público federal por causa disso porque lá eles [...] trabalham com a pesquisa. E a
rede particular de ensino, principalmente a faculdade que eu trabalho, ela
preocupa muito com ensino, ela não está preocupada com a pesquisa e a pesquisa
é importante para o desenvolvimento da ciência, a cura de doenças, ou seja, são
coisas que vão ajudar o ser humano em geral. Então a questão de ajudar ao ser
humano não se restringe aquela aula onde o professor fica ensinando e o aluno é
um mero aprendiz. A pesquisa é importante (PE).
Professor precisa de tempo para estudar, pesquisar e discutir e ser remunerado
para tal. Minha contribuição é o trabalho com seminários em sala no sentido
documental e pesquisas de campo (PH).
Abrir maiores oportunidades para o incentivo e a realização de pesquisas (PB).
Nestas respostas é possível a percepção de uma política cultural. A percepção da
materialização de uma ação implementada hoje nas IES que expressa em si o devir
histórico e, ao mesmo tempo, percebe-se o ressoar delas em tempos futuros. Para
compreender essa análise, basta lembrar Hall (1997, p. 25):
Os significados não permanecem intactos em sua passagem pela representação,
mudando e se adaptando conforme o contexto, as circunstâncias históricas e o
uso que deles se faz, adiando sempre o seu encontro com a verdade absoluta, o
que equivale a dizer que o significado está sendo sempre negociado e inflectido
nas práticas sociais para ressoar em novas situações.
O governo, através das políticas públicas, vem privilegiando a democratização, o
acesso e a expansão, mas não estabelece na mesma proporção as diretrizes de um ensino de
qualidade, de um estudo científico pautado na construção do conhecimento, formando
cidadãos realmente reflexivos, capazes de fazer uma doação efetiva à sociedade. Mas
apoia-se em um ensino de transmissão de conhecimento, sem a priori, investir nesse
ensino. Forma cidadãos que vão atender ao mercado de trabalho, ou seja, mão-de-obra não
qualificada.
Dentro do processo de democratização e acesso, mais uma tendência que se reflete
na educação superior. Promove, não só para as instituições privadas a democratização do
acesso, mas também nas públicas, institucionalizando a oferta dos programas de cotas, o
programa Incluir. Ações como essas promovem a eliminação de barreiras pedagógicas em
prol do desenvolvimento de uma política de equidade.
Entretanto, no interior das instituições nem sempre se promovem condições reais de
estruturação para receber, acolher e responder às transformações sociais de produção e
desenvolvimento. O que, na prática, é mais um desafio a ser vencido. Garantir acesso,
27
democratização, mas principalmente permanência do aluno que ingressa no ensino
superior. De acordo com Oliveira (2004, p. 1130):
Essa nova regulação repercute diretamente na composição, estrutura e gestão das
redes públicas de ensino. Trazem medidas que alteram a configuração das redes
nos seus aspectos físicos e organizacionais e que têm se assentado nos conceitos
de produtividade, eficácia, excelência e eficiência, importando, mais uma vez,
das teorias administrativas as orientações para o campo pedagógico.
Na lei nº 9394/96, em seu artigo 2º, assegura-se a educação como dever, mas
imbuída aí esses conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência. Este é mais
um desafio da educação superior na atualidade:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
E assim, mais uma tendência da educação: preparar o indivíduo para o exercício
pleno da cidadania, mas qualificar para o trabalho. Preparar para o mercado. Reproduzir,
enquanto escola, os critérios de uma política capitalista centrada em produtividade, ou seja,
“transformação do ensino em si em mercadoria” (MOROSINI, 2008, p. 221).
Por causa disso, uma nova tendência que se percebe é a mudança no perfil dos
alunos. Afinal, há um novo grupo adentrando às universidades e que refletem o processo
de transformação social que privilegia a competição, a busca por aperfeiçoamento, o desejo
de atender ao mercado. Segundo Zabalza (2004, p. 28) “incorporação à universidade de
novos grupos de estudantes adultos com formações prévias diversas e com objetivos de
formação claramente diferenciados.”
Neste novo paradigma educacional, nasce mais uma forte tendência para o ensino
superior na contemporaneidade: formação dos professores que “deve atender, sobretudo, às
demandas postas pelo mercado.” como também dimensionadas pelas políticas públicas
(Ibidem, p.224) e, por isso,
[...] os órgãos governamentais brasileiros evidenciam a necessidade de
adequação do trabalho docente às novas exigências profissionais advindas das
inovações tecnológicas e da conseqüente mudança do mundo do trabalho
apregoado pelos princípios de flexibilidade e eficiência (MALANCHEN;
VIEIRA).
28
Assim, discute-se a formação desse profissional sob perspectivas históricas,
políticas e ideológicas. Nesse contexto de mercantilização da educação, está o professor.
Com um mercado de trabalho ampliado, gerando mais vagas, mais professores buscam
formação. Fica exposto nessa possibilidade que se abre: o professor é desvalorizado em seu
fazer profissional. Esses profissionais refletem a realidade nacional com relação ao docente
universitário e sua condição trabalhista: um quadro de busca por formação, constante
adaptação ao mercado e uma luta pela firmação da sua identidade enquanto classe,
coletividade.
Para os professores participantes da pesquisa a resposta à pergunta o que é ser
professor na atualidade, obtiveram-se as seguintes respostas: “um espaço que combina
prestígio social com a contradição da busca pela remuneração e precarização das condições
de trabalho” (PH). Para PB “ser professor universitário na atualidade significa contínuo
aprimoramento, versatilidade e contextualização dos temas trabalhados.” E, por fim,
É estar aberto a “dar a cara a tapa” para os alunos mandarem no sistema exigindo
e fazendo ameaças, onde o professor pra não perder emprego se sente
pressionado a dar provas cada vez mais fáceis, em dupla e com consulta. Isto tem
acarretado uma aberração no nível educacional, principalmente da falta de
compromisso de alguns professores (PE).
E, a imagem para descrever o professor universitário na atualidade, respondem:
“uma corda bamba com um professor equilibrista” (PH); “seria algo totalmente atualizado
e com a presença constante da informática como ferramenta de trabalho” (PB) e
Não tenho boas imagens infelizmente. Vejo que o magistério superior
principalmente na rede particular está repleto de pessoas que não estão
preocupadas com a busca de novos conhecimentos, uma vez que estas pessoas
preocupam mais com o jeitinho brasileiro de “puxar saco” pra garantir o seu
elevado número de aulas na instituição. As vezes nos deparamos com ótimos
profissionais que são excelentes mas que perdem o seu emprego por “algum
indicado” que não tem a mesma qualificação. A instituição de ensino deveria ser
um lugar onde o respeito ao ser humano fosse referência e muitas vezes não o é.
O ambiente escolar virou um jogo de troca de favores e isto tem feito o nível
educacional do Brasil ser um dos piores em relação a outros países (PE).
Desafios ideológicos que circunscrevem a profissionalização do professor:
atualização,
negociação,
versatilidade,
precarização
das
condições
trabalhistas,
performatividade.
Considerações finais
29
A universidade, local de ensino, de trânsito do saber, vem sofrendo um crescimento
pautado pelas políticas neoliberais e de globalização que assolam as políticas internas
dessas instituições. O questionamento que se faz é: expansão, acesso e democratização da
forma como se desenha no ensino, com o fenômeno da massificação, são realmente um
meio de redefinição da cultura de inclusão no país? Realizar uma política de equidade
social, pautada em democratização, mas que na verdade subsidia uma política de
privatização do ensino, desobrigando o Governo do seu papel de gestor e provedor pode
ser legal, mas é moral? Como pode o professor prestar um serviço, oferecendo um ensino
de qualidade, se ele mesmo tem se achado no meio de condições trabalhistas complexas?
Como permear a construção da identidade do professor se este se encontra desintegrado da
sua imagem em busca de sobrevivência? Como falar de educação como direito que visa a
formação humana se esta encontra-se em um contexto de mercantilização? Para lembrar
Marx, como as características sociais da educação encobertas pela mercadoria podem se
fazer inclusivas?
Espera-se que, neste cenário capitalista, a construção do ensino superior no Brasil
possa se fazer no caminho da humanização do capital humano que se encontra no interior
dessa instituição chamada ensino superior. A estrutura desconfigurada apresentada pela
educação superior impacta na organização social, evidenciando nefralgias e feridas de
exclusão, quer seja social, tecnológica, cultural e até mesmo humana; promovendo
transformações que por grande tempo se fará sentir dentro da sociedade. Percebem-se, nas
análises feitas pelos professores, as possibilidades e os entraves que acometem nesse
momento histórico social o ensino superior.
Transformações na legislação que molda o ensino superior já começam a mostrar
timidamente mudanças. Mas pelo menos novos horizontes podem surgir nessa tomada de
decisões acerca do ensino superior.
Portanto, que este estudo possa levantar questões e confrontar ideologias e ideais
daqueles que de alguma forma se encontram embutidos nas roldanas da educação,
imbuídos de leis e políticas públicas que privilegiem a inclusão, principalmente do
professor; para que este possa, no exercício da sua cidadania, promover a formação de
homens justos, fraternos e militantes de uma política cujo capital evidenciado seja o
humano.
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ZABALZA, Miguel A.; trad. ROSA, Ernani. O ensino universitário: seu cenário e seus
protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.
32
O OLHAR CRÍTICO DE LOBATO EM A CHAVE DO TAMANHO E
EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA
Ângela Rosa de Sousa *
Francis Paulina Lopes da Silva **
Introdução
No dia dezoito de abril de 1882, nascia em Taubaté, São Paulo, um menino que
iria se tornar um dos maiores escritores do nosso país, filho de José Bento Marcondes
Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato. O menino recebeu o nome de José Renato
Monteiro Lobato, mas com uma personalidade forte que já demonstrava, mudou o seu
nome para José Bento Monteiro Lobato para poder usar a bengala do pai que tinha gravada
as iniciais J.B.M.L.
Monteiro Lobato foi um homem à frente do seu tempo e soube fazer, de maneira
sutil, críticas sociais, culturais e políticas, através de seus personagens. Em muitas de suas
obras críticas e de ficção infantil e juvenil, o autor sempre retoma a ideia de retirar a
“literatura”, o “falar difícil”, a “literatice” de seus textos. O escritor justifica o fato de que
seu leitor seria uma criança cujo cérebro ainda não estaria “envenenado” como o dos
adultos.
O autor faleceu em 4 de julho de 1948, deixando-nos seu espírito jovem e sua
coragem continuará viva no coração de cada criança, registrada na magia das páginas de
sua obra ficcional.
Neste estudo são apresentadas conclusões da pesquisa realizada no Projeto do
PIBIC, destacando o olhar crítico e pedagógico desse escritor, configurando-se, em sua
obra, particularmente, em A chave do tamanho, cujos aspectos textuais são aqui analisados,
como uma antecipação de ideias posteriormente postuladas por Paulo Freire, em sua
Pedagogia da Autonomia.
*
Graduada no curso de Letras/Inglês do Centro Universitário de Caratinga (2010). Bolsista de iniciação
científica da FAPEMIG.
**
Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem do Centro Universitário de Caratinga.. Doutora
em Ciência da Literatura (UFRJ). Mestre em Letras – Teoria Literária, pela UFJF. Orientadora Acadêmica.
33
Lobato foi uma criança diferente dos outros garotos de sua época. Vivia em meio
aos livros e com olhar crítico, enxergava muito além da janela de seu quarto, revelando
uma mente cheia de imaginação e vontade de progresso. Seu espaço preferido era a
biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro em Taubaté, onde passava horas
folhando revistas ilustradas e aventurando-se nos clássicos da literatura. Lobato reavivava
suas lembranças dos tempos de menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância.
E assim inspirado, lançou a primeira versão de A menina do narizinho arrebitado,
narrando as aventuras de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e a inseparável boneca de pano,
Emília, além da negra tia Anastácia nem de conviver com a população interiorana, seus
costumes e suas crenças. A partir daí Lobato realiza sua vocação de comunicador
incomparável na fecunda produção de obras para o público infanto-juvenil.
Um novo olhar para o mundo infantil
Este escritor percebeu que só através dos jovens seria possível apressar a
modificação do mundo. No cenário do sítio da dona Benta fazia transcorrer o Brasil de
seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação. E o fez
opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura, embora
com a mesma psicologia. Para Lobato a criança é um ser onde a imaginação predomina em
absoluto, e o meio de interessá-la é falar-lhe na imaginação.
Lobato falava não para elas, mas como elas e no lugar delas. Por isso com a sua
maneira de expressar, o aprendizado virava brincadeira séria e as lições escolares mais
difíceis ficavam claras e acessíveis. Lobato misturava sonho e realidade de maneira a
conquistar seus pequenos fãs, que imediatamente passavam a dividir com ele o universo
em que tudo era possível. Lobato recebia centenas de cartas enviadas por crianças de todas
as idades e de todos os cantos do País. Recebia diversas cartas e, com todo carinho e afeto
a seus interlocutores mirins, respondia a todas.
A ficção lobatiana diverte e motiva o leitor infanto-juvenil, ao mesmo tempo em
que instrui, comunica uma visão crítica da realidade a partir do universo do discurso.
Lobato leva a criança a sério e em suas obras sempre discute temas sociais, como as
guerras, a ciência e política, utilizando palavras simples e acessíveis ao mundo infantil,
facilitando a compreensão e sua adequação à vivência dos pequenos leitores.
O autor se serve da fantasia para conduzir o leitor a ver criticamente o real,
evitando permanecer no esquema de transmissão de conhecimentos. Assim se revela,
34
criativamente, em Lobato, a vocação de educador, de que fala Paulo Freire, no seu livro
Pedagogia da autonomia:
É preciso, sobre tudo, e aí vem um desses saberes necessários e
indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência
formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se
convença definitivamente de que o ensinar não é “transferir conhecimentos”,
mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE,
1996, p. 22).
Paulo Freire deixa claro que o educador não deve se limitar a “transferir
conhecimentos”, não criando possibilidades para o desenvolvimento do aluno. Essa era,
também, a grande preocupação de Lobato: aliar conhecimento ao espírito crítico, através
do prazer da leitura de seus textos, realizando o ideal do formador, conforme diz Paulo
Freire:
Se, na experiência da minha formação, que deve ser permanente, começo por
aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que
ele é o sujeito que me forma, e eu o objeto por ele formado, me considero um
paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que
sabe e que são a mim transferidos (FREIRE, 1996, p. 22).
Em seu estilo direto, mas original, com espírito crítico, Lobato respeitava as
tradições culturais da história da humanidade e fazendo com que sua obra tenha
continuação, atualidade abra espaço e crie caminhos para que seus leitores produzam um
novo saber a partir da mensagem que ele comunica. Ele não considerava o texto literário
apenas como transmissor de conhecimentos, pois poderiam ser esquecidas as funções
pedagógicas, entre as quais a de desenvolver o potencial criativo dos leitores, quando se
atinge o mundo da imaginação. O autor consegue, através de suas obras, criar um universo
em que a fantasia e o real se encontram, sem prejudicar seu estilo simples e de fácil
comunicação.
Monteiro Lobato lutava por suas ideias, formando uma consciência crítica sobre os
problemas que afetavam a sociedade brasileira. Ele se relacionava de maneira simples e
comunicativa com seu leitor infantil, quando abordava valores éticos, políticos,
econômicos, morais... Não se iludia com a questão de que o progresso é inevitável e
encontrava na natureza e nas ações humanas a questão causadora dos problemas sociais,
apontando seu ponto de vista idealista, de que só poderá existir mudança no
comportamento humano quando a ascensão do homem se der através da difusão da
35
educação e do conhecimento. Ele acreditava que somente o conhecimento da realidade
poderia modificar a visão moral de mundo para seus leitores. Assim, em suas obras
destinadas ao público infantil ele não manipula o leitor infanto-juvenil, por exemplo,
fazendo o bem sempre vencer no final, mas procurou prepará-los para a vida, pois, no
final, é preciso saber lidar com a possibilidade de o mal vencer o bem.
O discurso pedagógico em A chave do tamanho
A chave do tamanho pode ser considerada como um panfleto contra a guerra. Seu
autor era um intelectual engajado nas lutas de seu tempo. Pela reação de Dona Benta,
sensibilizada ao saber notícias da guerra, ele apresenta seu ponto de vista de que qualquer
aspecto dos conflitos dizia respeito a todos, como no seguinte fragmento do texto:
A humanidade forma um corpo só. Cada país é um membro deste corpo, como
cada dedo, cada unha, cada braço ou perna faz parte do nosso corpo. Uma bomba
que cai numa casa de Londres e mata uma vovó de lá, como eu, ou fere uma
netinha, como você, ou deixa aleijado um Pedrinho de lá, me dói tanto como se
caísse aqui. É uma perversidade tão monstruosa, isso de bombardear inocentes,
que tenho medo de não suportar por muito tempo o horror desta guerra. Vem-me
vontade de morrer. Desde que a imensa desgraça começou não faço outra coisa
senão pensar no sofrimento de tantos milhões de inocentes (LOBATO, 1990, p.
8).
A fala de Dona Benta sugere no leitor o sentimento de solidariedade universal, por
sua preocupação com o terrorismo da II Guerra (1939-1945) 1, que afetava todo o mundo.
Nesse diálogo de Dona Benta com seus netos, vemos o discurso pedagógico do autor,
trazendo noções de Geografia, História, dando uma aula de conhecimentos gerais. Dona
Benta se assusta com a realidade que o mundo estava vivenciando e quando sua neta tenta
acalmá-la, falando que a guerra estava acontecendo longe do Brasil e ela não precisava se
preocupar, ela tenta convencer a menina de que devemos também nos preocupar com
nossos irmãos que estão longe: toda a humanidade sofre as consequências de uma guerra.
Como nos preocupamos com cada membro do nosso corpo, assim também nos
preocupemos com nossos irmãos.
1
A Segunda Guerra Mundial, na primeira metade do século XX, envolveu as forças armadas de mais de
setenta países, opondo os Aliados (Grã-Bretanha, França, União Soviética, Estados Unidos e China, dentre
outros) às Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). A guerra começou em 01/09/1939, com a invasão da
Polônia pela Alemanha e subsequentes declarações de guerra da França e Grã-Bretanha, prolongando-se até
2/09/1945. Em estado de guerra total, mobilizou mais de 100 milhões de militares, causando a morte de,
aproximadamente, setenta milhões de pessoas (cerca de 2% da população mundial da época), a maioria das
quais, civis. Foi o maior e mais sangrento conflito de toda a história da Humanidade (Fonte: Wikipedia).
36
Em sua obra, A chave do tamanho, Monteiro Lobato dá uma aula de semântica da
língua portuguesa, através do discurso da boneca de pano, Emília. Ela chega a questionar
sempre Dona Benta, com inteligência:
– Por que é que se diz pôr do sol? Que é que o sol põe? Algum ovo?
– O sol não põe nada sua bobinha o sol põe-se a si mesmo.
– Então ele é o ovo de si mesmo! Que graça!
– Pôr do sol é um modo de dizer, você bem sabe que o sol não se põe nunca; a
terra e os outros planetas é que se movem ao redor dele (LOBATO, 1990, p.11).
Dona Benta explica para Emília que não se contenta com o tal de “pôr”. Para ela
“pôr” sempre foi colocar alguma coisa em certo lugar, como a galinha põe o ovo no ninho,
o Visconde põe a cartola na cabeça, Pedrinho põe o dedo no nariz. Com ironia e
curiosidade, ela contesta: “–Mas o sol não põe cartola na cabeça e nem tem o péssimo
costume de tirar ouro do nariz. Diz Emília” (LOBATO, 1990, p. 11).
O autor desperta, com sutileza, no pequeno leitor, o interesse pelo discurso
literário, aproveitando o espírito inquieto e curioso da boneca Emília. Ela também não se
contenta com algumas estranhezas no discurso dos poetas. Cita um trecho do poema
“Navio negreiro”, de Castro Alves: “Andrada! Arranca esse pendão dos ares! Colombo!
Fecha porta dos seus mares!” (LOBATO, 1990, p. 8) e argumenta que o poeta mente, com
seus absurdos. É impossível ordenar a Andrada, que já morreu arrancar uma bandeira dos
ares e ainda é impossível mandar Colombo, que nunca teve mares, fechar a porta do mar,
que nem tem porta... O escritor vai formando a consciência literária nos leitores, através da
explicação de Dona Benta, que esclarece a Emília que esses são modos de dizer, aos quais
chamamos de “imagens poéticas” que Castro Alves utiliza em seus versos, para dar mais
beleza aos poemas.
Os textos de Monteiro Lobato estimulam, no leitor infantil, um processo de
aquisição dos vários níveis do conhecimento: gramatical, linguístico, estético-cultural,
dentre tantos, despertando-lhe a consciência crítica. Transmitem opiniões e conceitos a
partir da leitura em confronto com a realidade.
Em A chave do tamanho, são tratados temas sérios, universais, como a guerra,
como no seguinte fragmento, em que a boneca de pano se preocupa com os trágicos rumos
que o desastre da guerra causa na humanidade:
Na noite daquele dia em sua caminha de paina ela perdeu o sono. Quem entrasse
em sua cabeça leria um pensamento assim: “Essa guerra já está durando de mais
se eu não fizer qualquer coisa os famosos bombardeios aéreos continuam e vão
37
passando de cidade em cidade e acabam chegando até aqui” (LOBATO, 1990, p.
09).
A contextualização da política mundial também conduz à leitura crítica da
História, trazendo um discurso solidário e questionador, que registra os temores de toda a
humanidade, com os absurdos da Guerra que então acontecia.
Outro aspecto, também enfocado no livro A chave do tamanho é a confissão do
ponto de vista de seu autor, ao revelar, na declaração do Visconde, a admiração de Dona
Benta pela figura política do ex Presidente dos Estados Unidos:
Ao entrar no jardim da Casa Branca, o Visconde lembrou-se do presidente
Lincoln, do qual havia herdado a cartola. Dona Benta era a maior admiradora
desse homem. Dizia sempre: “Depois de Jesus Cristo o ente que eu mais venero
é Abraão Lincoln” (LOBATO, 1990, p. 79).
Ao declarar a simpatia de Dona Benta pelo décimo sexto presidente dos Estados
Unidos, Abraham Lincoln (1809-1865), Lobato, que atacava com veemência a política
colonizadora dos EUA, para com os países considerados do terceiro mundo, como o Brasil,
defende o espírito humano e democrático de Lincoln, que soube preservar a unidade
política do país durante a guerra da Secessão (1861-1865). Esse presidente defendia os
valores éticos e muitos de seus discursos e escritos são um depoimento clássico sobre os
ideais e objetivos democráticos.
Também se destaca, nos escritos de Lobato, o seu vocabulário, simples e direto,
tratando de temas relacionados ao cotidiano, facilitando, assim, a compreensão e
adequação da mensagem transmitida à realidade vivida pelo leitor. Recorre ao imaginário
para conduzir a percepção e análise crítica do real, evitando permanecer no esquema de
transmissão de conhecimentos.
Essa postura também nos remete a Paulo Freire, no livro Pedagogia da
Autonomia: “Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista
gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo - relativo. Verbo que pede um objeto
direto - alguma coisa - e um objeto indireto - a alguém” (FREIRE, 1996, p. 23). Deixa
claro que ensinar é mais do que um verbo transitivo-relativo. Para ele, ensinar não existe
sem aprender e vice-versa. E a partir dessa concepção de ensino, ao longo dos tempos, vem
sendo possível trabalhar diferentes maneiras e métodos de ensino. Lobato não deixa de
lado a maneira educadora e crítica de expor suas ideias, com seu estilo direto e original,
fazendo com que sua obra tenha atualidade e praticidade na vida do leitor.
38
O discurso pedagógico em Emília no país da gramática
O Sítio do Picapau Amarelo, na obra Emília no país da gramática, de acordo com
Lajolo
e
Zilberman
metamorfoseia-se
numa
escola
paralela,
reforçando
o
descontentamento do escritor pela instituição tradicional do ensino brasileiro da época.
Lobato trata de substituir esse modelo educacional, dando um arranjo diferente, ao mesmo
tempo tradicional e moderno,
[...] sendo o seu modelo tradicional a escola grega, conforme a filosofia helênica
a divulgou, deveria ser um sistema de ensino que evolui através do diálogo, sem
soluções pré-fabricadas ou conclusões previstas por antecipação. Além disso,
não supõe um espaço predeterminado, fixo, previamente e classificado como sala
de aula. O espaço dessa escola lobatiana muda segundo as oportunidades,
podendo ser tanto a sala principal da sede o sitio (LAJOLO e ZILBERMAN,
2002, p. 76).
Dona Benta está sempre atenta ao que se passa no mundo e com sua cultura
invejável, não se escandaliza com a tecnologia, embora renegue as conseqüências desta
que considera nefasta.
Em Emília no País da Gramática, a gramática é transformada em país, no qual os
personagens do Sítio, guiados por Quindim, o paquiderme gramático, vão conhecer os
principais aspectos da gramática do Português: alfabeto, fonética, sintaxe, morfologia,
pontuação, ortografia, inclusive, percorrendo cidades relacionadas à etimologia da língua,
como: Portugália, onde moravam as palavras da língua portuguesa; Anglópolis, a cidade
das palavras inglesas; Galópolis, a cidade das palavras espanholas entre outras.
Tudo começa com Dona Benta ensinando gramática a Pedrinho que não se contenta
em passar as férias estudando: – “Maçada vovó. Basta que eu tenha que lidar com essa
caceteação lá na escola. As férias que venho passar aqui é para brinquedo. Não, não e não”.
(LOBATO, 2008, p.14). Mesmo vendo a falta de motivação de Pedrinho, Dona Benta não
descansa até conseguir explicar gramática a ele. Dona Benta era uma senhora muito sábia
e, com o tempo, Pedrinho se apaixonou com as aulas e todos os dias ia sentar-se diante de
Dona Benta para ouvir as explicações de gramática.
– Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática até virava
brincadeira. Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições
que ninguém entende. Ditongos, fonemas, gerúndio...
[...]
Emília, num sopro, sugere:
39
– Pedrinho – disse ela um dia depois de terminada a lição – por que em vez de
estarmos aqui a ouvir falar de gramática, não havemos de ir passear no País da
Gramática? (LOBATO, 2008, p. 14).
Em cenas como esta, Lobato não poupa as críticas à abordagem tradicional da
língua, em muitas escolas mais de 74 anos depois. Ele encara o ensino de português como
o momento em que, mais do que ser apresentado a conceitos e nomenclaturas
descontextualizadas dos textos em que os exemplos gramaticais foram retirados, vivenciase o conhecimento, num divertido passeio.
Através de toda a Emília no País da Gramática, nota-se essa fusão de palavras e
coisas. Ao explicar à Dona Etimologia que o Quindim é africano, Emília lhe pergunta: “A
senhora conhece a África? E Dona Etimologia: Sim, é uma palavra de origem latina, ou
melhor, puramente latina, porque não mudou”. (LOBATO, 2008, p. 34).
Lobato desejava criar uma literatura infantil destinada às crianças. Deixa claro seu
desejo de produzir uma literatura infantil, nascida de sua preocupação pela formação dos
próprios filhos. Em toda sua obra percebe-se a sua dedicação ao público infantil, a quem o
autor se dirige, sem recorrer o tom ingênuo de tantas obras a eles destinadas. A esse
respeito, sempre manifestou um interesse pedagógico, até mesmo nas duras críticas que fez
às traduções de obras estrangeiras destinadas à infância, nas declarações de que faltavam
livros infantis brasileiros que atendessem as necessidades das crianças leitoras.
Monteiro Lobato pretendia lançar livros para as crianças, dando à língua nacional
mais leveza e graça, defendendo uma linguagem desliteraturalizada – sem os eruditismos
da literatura tradicional. E faz, realmente, de sua obra ficcional destinada às crianças um
laboratório de Literatura Infanto-Juvenil.
Em alguns capítulos de Emília no país da gramática, Lobato recorre à etimologia
para explicar a mudança dos termos do latim para o português e vice-versa. Embora seja
utilizado frequentemente as regras gramaticais, Lobato, através dos personagens do Sítio,
não perde a oportunidade de criticar a fala dos gramáticos e filólogos: “Os senhores
gramáticos são uns sujeitos amigos de nomenclaturas rebarbativas, dessas que deixam as
crianças velhas antes do tempo” (LOBATO, 2008, p. 20). Também em outras passagens
ele dá o seu parecer sobre os gramáticos: “A cidade da língua costumava ser visitada
apenas por uns velhos carrancas, chamados filólogos, ou então por gramáticos e
dicionaristas, gente que ganha a vida mexericando com as palavras...” (LOBATO, 2008, p.
59). Em sua obra Emília no país da gramática, o autor deixa claro que há certos
gramáticos que querem fazer a língua parar num certo ponto e acham que é erro dizermos
40
de modo diferente do que diziam os clássicos, com isso podemos perceber como Lobato
era preocupado com a língua portuguesa.
COUTO (1991), em O que é português brasileiro, cita dois conceitos de norma
lingüística, segundo os quais, norma seria: “como se diz” ou “como se deveria dizer”.
Porém a norma que o sistema de ensino (os professores, a escola, os gramáticos...) tentam
impor é a segunda, devido ao fato de as pessoas não falarem, nem escreverem de acordo
com o que a norma prescreve. Essa gramática é chamada de “gramática normativa”.
Alguns autores demonstram posições diferentes em relação ao estudo da gramática
normativa. CASTILHO (1998) na obra A língua falada no ensino de Português, vê a
gramática como o lugar da reflexão, dos debates e questionamentos, onde as análises
levam a promover a ordenação de dados da língua escrita e falada:
Insisto em que a gramática não é o lugar das certezas absolutas, e em classe não
devemos transferir nossa capacidade de reflexão para o autor de uma gramática
por melhor que ela seja. É de todo o inútil passar para os alunos o “pacote
gramatical”, o famoso “ponto” de gramática, cujo efeito prático será,
infelizmente, afastar os educadores da reflexão (CASTILHO, 1998, p. 22).
O narrador de Emília no País da Gramática revela seu lado apaixonado pela
Gramática Histórica, fazendo despertar no leitor a curiosidade pelas origens da Língua
Portuguesa. A obsessão da boneca de pano, Narizinho e Pedrinho em buscar um sentido
atual nas palavras é tal, que Narizinho começa uma discussão com a Senhora Etimologia a
respeito da escrita e significados de algumas palavras que teimavam em seguir a antiga
Ortografia Etimológica:
– E a senhora, que é? Perguntou-lhe.
– Sou a palavra Ogano.
– Ogano? O que quer dizer isso?
– Nem queira saber menina! Sou uma palavra que já perdeu até a memória da
vida passada. Apenas me lembro que vim do latim Hoc Anno, que significa Este
Ano. Entrei nesta cidade quando só havia uns começos de rua; os homens desse
tempo usavam-me para dizer Este Ano. Depois fui sendo esquecida, e hoje
ninguém se lembra de mim. A senhora Bofé é mais feliz; os escrevedores de
romances históricos ainda a chamam de longe em longe. Mas a mim ninguém,
absolutamente ninguém, me chama. Já sou mais que Arcaísmo; sou
simplesmente uma palavra morta. (LOBATO, 2008, p. 23).
41
A língua, com o decorrer dos tempos, evolui e sofre uma série de adaptações ao
meio, assim como a sociedade. No Português, temos muitas palavras que nasceram com a
língua. Continuação do latim vulgar e do romance lusitano. De acordo com Hildo H. do
Couto, a língua portuguesa apresenta três fases históricas: o português dos trovadores
medievais, o do século XV – época dos grandes descobrimentos – e o atual. À medida que
vão surgindo novas realidades, novos produtos, a língua portuguesa acompanha esse ritmo
e se inova: “Cada inovação no modo de produção e distribuição dos bens de que a
sociedade necessita, corresponde uma inovação na língua” (COUTO, p. 19, 1991).
Algumas palavras se tornaram arcaicas, mortas e enterradas devido ao desuso pelos
falantes da língua. É a lição de Lobato, no fragmento de texto citado, em que Narizinho –
assim como tantos leitores, até adultos, do texto lobatiano – ao ignorar o significado da
palavra “Ogano”, aprendeu sua origem do latim Hoc Anno, e pelas tantas evoluções, devido
ao uso linguístico através da História, preservou o sentido original, “este ano”, embora o
vocábulo só tenha, atualmente, resquícios da pronúncia original.
Estas, entre tantas outras lições de cultura geral e gramática do Português, são
habilmente lançadas, como sementes do saber, no texto lobatiano, unindo o prazer da
leitura à curiosidade de percorrer o mundo imaginário, reunindo ficção e realidade.
Considerações finais
Escritos para o público infanto-juvenil, os livros A chave do tamanho e Emília no
país da gramática, de Monteiro Lobato, reúnem interessantes e complexas leituras críticas
às ações humanas em sociedade, reunindo tradição e modernidade. Assim, por seus
personagens, o autor se posiciona tanto na denúncia à violência da guerra e à exploração do
homem pelo homem, quanto no questionamento da própria língua portuguesa, propondo
nova forma de ensino de gramática, mais adequado à realidade cultural brasileira.
Monteiro Lobato percebeu que só através das crianças e dos jovens seria possível
apressar a modificação do mundo. No cenário do sítio da dona Benta fazia transcorrer o
Brasil de seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação. E
o fez, opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura,
embora com a mesma psicologia. Para o escritor e educador Lobato, a criança é um ser no
qual a imaginação predomina em absoluto e o meio de interessá-la é falar-lhe na
imaginação. Ele escrevia para as crianças de forma admirável, levando em conta a
42
capacidade infanto-juvenil de assimilar um saber de forma crítica e idealizada, devendo,
pois, ser respeitada em sua psicologia e sensibilidade próprias.
A chave do tamanho pode ser considerada um panfleto contra a guerra. Lobato
era um intelectual engajado nas lutas de seu tempo e tenta, através da boneca de pano e dos
meninos, dar um fim em todo o conflito da Segunda Guerra Mundial. Em Emília no País
da Gramática, a gramática é transformada em um país, em cujas cidades os personagens
do Sítio, guiados por Quindim, o paquiderme gramático, vão fazendo um passeio agradável
e proveitoso, aprendendo de forma criativa, as principais noções gramaticais do Português.
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25 de abril, junto ao programa de pós-graduação em Estudos Literários, da Faculdade de
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MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil, 2. ed São Paulo:Sumus, 1979.
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial. (Acesso em 15/02/2010).
–
44
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL COMO SUBSÍDIO PARA A MELHORIA DA
PRÁTICA DOCENTE
Cláudia Cardoso da Cruz Gomes 2
Maria Lúcia Jannuzzi Machado 3
Em consonância com as diretrizes implantadas a partir da década de 90, definindo
novas propostas de organização de sistemas públicos, com outras formas de financiamento,
envolvendo agências internacionais e nacionais do campo econômico como Banco
Mundial (BM), Organização Mundial do Comércio – OMC e outros, foram implantadas
reformas e políticas de educação direcionando as instituições para novos objetivos e
prioridades, visando a atender os interesses e demandas do mercado flobalizado, de
inspiração neo-liberal.
A avaliação das instituições educacionais se tornou prioritária e objeto de
investigação, sendo por vezes interpretada como um instrumento de regulação e controle
do Estado e também considerada como positiva quando fornece ao Estado elementos que
indicam a qualidade do ensino ministrado, as diferentes formas de seu funcionamento e as
inúmeras possibilidades de sua atuação.
Nesse contexto a avaliação institucional tem funcionado como medida reguladora
do processo de transferência de funções, sem que o Estado perca a capacidade de controle
sobre as políticas estratégicas.
No Brasil, em relação à Educação Superior, a avaliação tem sido considerada como
um instrumento para conferir a classificação institucional. Na última década, essa
tendência se expandiu e em 14 de abril de 2004, pela Lei 10.861, foi instituído o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), bem como a Comissão Nacional
de Avaliação da Educação Superior (CONAES), em consonância com a Lei 9.394/96, com
o objetivo de assegurar o processo de avaliação das Instituições de Educação Superior
2
Mestre em Educação e Linguagem do UNEC. [email protected].
3
Doutora em Educação pela UFRJ, Professora titular do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem
do Centro Universitário de Caratinga. [email protected]
45
(IES) no Brasil, no que se refere aos cursos de graduação e ao desempenho acadêmico dos
alunos.
Assim, com todo o aparato jurídico necessário, surgiu o novo sistema:
Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das
instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho
acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Art. 6º Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação e vinculada ao
Gabinete do Ministro de Estado, a Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior – CONAES- órgão colegiado de coordenação e supervisão do SINAES.
(Lei Federal n.º 10.861, de 14 de abril de 2004 nº 72 Brasília-DF, Seção 1,
quinta-feira, 15 de abril de 2004).
O documento que orienta a criação do SINAES afirma que o Estado supervisiona e
regula a Educação Superior, para efeito de planejamento e garantia de qualidade do
sistema:
[...] cabe estabelecer clara e democraticamente a sua política e, para viabilizá-la,
os seus aparatos normativos de controle, fiscalização supervisão, bem como os
meios para implementá-los; Seu papel não se limita à regulação no sentido do
controle burocrático e ordenamento; compete-lhe também avaliar a educação
superior de modo a fornecer elementos para a reflexão e propiciar melhores
condições de desenvolvimento. Cabe aos organismos de governo e às instituições
educativas elaborar diagnósticos gerais sobre a qualidade, a relevância social e
científica, a eqüidade, a democratização do acesso, o desenvolvimento da
produção científica, artística e tecnológica, a formação segundo critérios do
trabalho e da cidadania, etc., no âmbito da educação superior
(BRASIL/MEC/INEP, 2004, p. 87).
Desta forma considera-se que a proposta desenvolvida pelo SINAES tem como
finalidade uma avaliação interna permanente, construtiva e formativa que envolve toda a
comunidade acadêmica 4 que, ao participar do processo como sujeito, torna-se
comprometida com a busca constante e sistemática da melhoria da qualidade de seu
funcionamento.
Neste sentido, a finalidade essencial da avaliação é considerada pelo SINAES como
processo que:
• Ultrapassa a simples preocupação com desempenhos ou rendimentos
estudantis, buscando os significados mais amplos da formação profissional.
4
“Comunidade acadêmica” expressão que engloba o corpo docente, discente e técnico-administrativo das IES.
46
• Explicita a responsabilidade social da educação superior, especialmente quanto
ao avanço da ciência, à formação da cidadania e ao aprofundamento dos valores
democráticos.
• Supera meras verificações e mensurações, destacando os significados das
atividades institucionais, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também
quanto aos impactos sociais, econômicos, culturais e políticos.
• Aprofunda a idéia da responsabilidade social no desenvolvimento da IES,
operando como processo de construção, com participação acadêmica e social, e
não como instrumento de checagem e cobrança individual.
• Valoriza a solidariedade e a cooperação e não a competitividade e o sucesso
individual (BRASIL, MEC, CONAES, 2004, p. 8).
Depois de instituído o SINAES, com seu propósito e finalidades, a avaliação
institucional assumiu um caráter obrigatório e necessário para a IES, principalmente no
que se refere às IES privadas, embora o sistema também envolva as instituições públicas.
O SINAES, desta forma, é o organismo funcional responsável pela formulação de
políticas e (diretrizes para a ação), consequentemente, de estratégias (formas de ação) e dos
instrumentos para a melhoria da educação, articulando e integrando para tanto os objetivos,
metodologias, práticas, agentes da comunidade acadêmica e governo.
A legislação atual institui a avaliação como um dos instrumentos para melhorar e
sustentar a qualidade dos sistemas de Educação Superior. Neste sentido, as avaliações
interna e externa se constituem como elementos fundamentais para a formulação de
diretrizes para as políticas públicas da Educação Superior e também para a gestão das
instituições de ensino.
O SINAES, instituído pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, foi criado pelo
MEC com o objetivo de:
[...] promover a melhoria da qualidade da Educação Superior, a orientação da
expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional, da
sua efetividade acadêmica e social e, especialmente, do aprofundamento dos
compromissos e responsabilidades sociais (MEC, p. 2, 2009).
No contexto da proposta do MEC para a aplicação do SINAES, são utilizadas
três modalidades de instrumentos de avaliação com aplicação em momentos distintos. São
elas:
1. Avaliação das Instituições de Educação Superior (AVALIES) – é o centro de
referência e articulação do sistema de avaliação que se desenvolve em duas
etapas principais:
a) auto-avaliação – coordenada pela Comissão Própria de Avaliação (CPA) de
cada IES, a partir de 1º de setembro de 2004;
b) avaliação externa – realizada por comissões designadas pelo INEP, segundo
diretrizes estabelecidas pela CONAES.
47
2. Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) – avalia os cursos de graduação
por meio de instrumentos e procedimentos que incluem visitas in loco de
comissões externas. A periodicidade desta avaliação depende diretamente do
processo de reconhecimento e renovação de reconhecimento a que os cursos
estão sujeitos.
3. Avaliação do Desempenho do Estudante (ENADE) – aplica-se aos estudantes
do final do primeiro e do último ano do curso, estando prevista a utilização de
procedimentos amostrais. Anualmente o Ministério da Educação, com base em
indicação da CONAES, definirá as áreas que participarão do ENADE.
Embora já preconizado pela legislação em vigor, as propostas do SINAES, para
a sua efetiva institucionalização, dependerão de significativas alterações nas
concepções avaliativas, ou seja, os instrumentos em vigor, que sejam
considerados válidos, devem ser preservados e aperfeiçoados, porém, integrados
a uma outra lógica que seja capaz de construir um sistema nacional de avaliação
da educação superior, articulando regulação e avaliação educativa. O enfoque a
ser adotado considera Avaliação Institucional, não como um fim em si, mas
como parte de um conjunto de políticas públicas, no campo da educação superior
(COMISSÃO ESPECIAL DE AVALIAÇÃO, 2003, p. 16).
A avaliação das Instituições de Educação Superior (AVALIES), de acordo com o
que preconiza o SINAES, divide-se em duas etapas:
•
avaliação interna ou autoavaliação, que abrange todas as dimensões
estabelecidas pelo SINAES, que também deve contar com a participação de toda a
comunidade acadêmica, incluindo alunos egressos, representantes de instituições
parceiras e integrantes da sociedade civil.
•
avaliação externa que ocorre através das avaliações coordenadas
prlo INEP/MEC , tais como: avaliação institucional, avaliação das condiçoes de
oferta dos cursos superiores, avaliação da CAPES e do ENADE.
A autoavaliação institucional pode ser definida como uma avaliação diagnóstica e
formativa, que procura identificar na situação atual, das instituições, os pontos críticos, os
pontos fortes, as ameaças e as oportunidades detectadas através da Comissão Própria de
Avaliação (CPA) elemento obrigatório para todas as instituições de ensino superior do
País.
De acordo com o disposto no art.11 da Lei 10.861/04, cada instituição deve
constituir sua CPA com as funções de coordenar e articular o seu processo interno de
avaliação e disponibilizar informações. Todas as CPA precisam ser cadastradas no INEP,
como a primeira etapa de uma interlocução sistemática e produtiva com vistas à efetiva
implementação do SINAES.
Em sua composição a CPA deve contar com a participação de representantes de
todos os segmentos da comunidade acadêmica, bem como da sociedade civil que serão
responsáveis entre outras atividades pela confecção dos relatórios nos quais se apresentam
os resultados do processo de autoavaliação.
48
A elaboração do projeto de avaliação/SINAES compreende a definição de
objetivos, estratégias, metodologia, recursos e calendário das ações avaliativas que farão
parte do planejamento das ações da CPA. É importante que o calendário contemple os
prazos para execução das ações principais e datas de eventos (reuniões, seminários etc.),
observando igualmente os prazos estabelecidos pela Portaria n.º2051/04, que regulamenta
o SINAES. O planejamento, depois de discutido, deve levar em conta as experiências
avaliativas anteriores tanto internas como externas.
No processo de auto-avaliação, a sensibilização é um elemento considerado de
extrema importância, pois busca o envolvimento da comunidade acadêmica na construção
da proposta avaliativa por meio da realização de reuniões, palestras, seminários, entre
outros. A sensibilização deve estar presente tanto nos momentos iniciais quanto na
continuidade das ações avaliativas, pois sempre haverá sujeitos novos iniciando sua
participação no processo: sejam estudantes, sejam membros do corpo docente ou técnicoadministrativo.
No que se refere ao desenvolvimento da auto-avaliação é fundamental assegurar a
coerência entre as ações planejadas e as metodologias adotadas, a articulação entre os
participantes e a observância dos prazos estabelecidos. Essa etapa consiste na
concretização das atividades planejadas: reuniões de debates e de sensibilização, bem
como a sistematização das ideias que surgiram dessas reuniões, realização de seminários
para apresentar e discutir o processo de avaliação, definição de grupos de trabalhos,
construção de instrumentos de coleta de dados, aplicação desses instrumentos, a análise e
sua interpretação, que culminará na elaboração dos relatórios.
O relatório final de avaliação interna deve expressar o resultado do processo de
discussão, de análise e interpretação dos dados advindos, principalmente, do processo de
auto-avaliação. É preciso que ele seja capaz de incorporar, quando estiverem disponíveis,
os resultados da avaliação de cursos e de desempenho de estudantes.
Os destinatários do relatório são os membros da comunidade acadêmica, os
avaliadores externos e a sociedade. Considerando a diversidade de leitores, aos quais se
destinam o relatório, torna-se fundamental que sua elaboração seja clara, permitindo a
comunicação das informações e o caráter analítico e interpretativo dos resultados obtidos.
É necessário que o relatório também apresente sugestões de ações de natureza
administrativa, política, pedagógica e técnico-científica, a serem implementadas.
Como parte do processo de autoavaliação, é necessária a divulgação, como
continuidade do processo de avaliação interna e deve oportunizar a apresentação pública e
49
a discussão dos resultados alcançados nas etapas anteriores. Para tanto, podem ser
utilizados diversos meios, tais como: reuniões, documentos informativos (impressos e
eletrônicos), seminários e outros. A divulgação deve propiciar, ainda, oportunidades para
que as ações concretas oriundas dos resultados do processo avaliativo sejam tornadas
públicas à comunidade interna.
Ao final do desenvolvimento da autoavaliação, para que esta seja de verdade
considerada como um processo cíclico é necessário uma reflexão sobre a mesma,
objetivando sua continuidade.
Essa comissão tem por objetivo avaliar a IES de forma autônoma, apresentando seu
relatório de avaliação para o dirigente institucional e para o INEP, possibilitando que a
Instituição aperfeiçoe seu processo interno, no que diz respeito às dez dimensões
estabelecidas pelo SINAES, a saber:
Dimensão 1: A Missão e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI).
Dimensão 2: A política para o ensino (graduação e pós-graduação), a pesquisa, a
extensão e as respectivas normas de operacionalização, incluídos os
procedimentos para estímulo à produção acadêmica, para as bolsas de pesquisa,
de monitoria e demais modalidades.
Dimensão 3: A responsabilidade social da instituição, considerada especialmente
no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao
desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória
cultural, da produção artística e do patrimônio cultural.
Dimensão 4: A comunicação com a sociedade.
Dimensão 5: As políticas de pessoal, de carreiras do corpo docente e corpo
técnicoadministrativo, seu aperfeiçoamento, seu desenvolvimento profissional e
suas condições de trabalho.
Dimensão 6: Organização e gestão da instituição, especialmente o
funcionamento e representatividade dos colegiados, sua independência e
autonomia na relação com a mantenedora, e a participação dos segmentos da
comunidade universitária nos processos decisórios.
Dimensão 7: Infraestrutura física, especialmente a de ensino e de pesquisa,
biblioteca, recursos de informação e comunicação.
Dimensão 8: Planejamento e avaliação, especialmente em relação aos processos,
resultados e eficácia da auto-avaliação institucional.
Dimensão 9: Políticas de atendimento aos discentes.
Dimensão 10: Sustentabilidade financeira, tendo em vista o significado social da
continuidade dos compromissos na oferta da educação superior (MEC
PORTARIA N º - 300, DE 30 DE JANEIRO DE 2006).
Identificadas as fragilidades e as potencialidades da instituição nas dez dimensões
previstas em lei, a auto-avaliação é um importante instrumento para a tomada de decisão e
dele resultará um relatório abrangente e detalhado, contendo análises, críticas e sugestões
que serão de grande importância para o desenvolvimento institucional.
Desta forma, a autoavaliação é um processo através do qual a instituição analisa
internamente o que é e o que objetiva ser, como ela se organiza, administra e age,
50
buscando sistematizar tais informações com objetivo de analisá-las e interpretá-las na
intenção de perceber equívocos e omissões a fim de que estes sejam evitados no futuro
(CONAES, 2004, p. 20).
Como eixo central, a autoavaliação tem dois objetivos: 1) avaliar a instituição em
sua totalidade permitindo analisar a coerência entre a missão e as políticas institucionais
visando ao desenvolvimento e melhoria da qualidade da instituição; 2) Gerar nos membros
da comunidade acadêmica uma autoconsciência das qualidades, dos problemas e dos
desafios do presente e do futuro, objetivando estabelecer formas institucionalizadas para a
sua realização (CONAES, 2004, p.20).
A autoavaliação, percebida como um processo diagnóstico, cíclico e criativo,
permitirá a análise das prioridades estabelecidas pela IES através do Projeto Político
Institucional.
A cultura da autoavaliação será construída através de um processo permanente, por
meio do qual a instituição adquire informações sobre sua própria realidade, com o qual a
comunidade acadêmica deve se identificar e ser comprometida.
A adequada implementação da CPA exige algumas condições fundamentais, dentre
elas uma equipe de coordenação engajada para planejar e organizar as atividades,
mantendo a comunidade acadêmica interessada e envolvida no processo, apoio e
compromisso explícitos dos dirigentes das IES, coleta e processamento de informações
válidas e confiáveis que permitirão uma correta análise e interpretação das dimensões
indagadas na autoavaliação que possibilitarão o uso dos resultados no planejamento de
ações para superar as dificuldades e o aprimoramento da instituição.
Independente do tipo de avaliação e da função que ela pode desempenhar
certamente ela é um instrumento para um processo contínuo de planejamento e
aperfeiçoamento do desempenho acadêmico. Nesse sentido a avaliação institucional tornase relevante e indispensável para qualquer instituição de ensino que pretenda se
desenvolver qualitativamente.
Os problemas relacionados ao processo de avaliação institucional têm trazido à
tona uma série de discussões como, por exemplo, de que forma e o que se avalia na
instituição e em que esta avaliação influencia na melhoria da qualidade do ensino. Nestes
termos, este estudo pretende trazer uma contribuição, não só sobre Avaliação Institucional,
mas, também de fazer uma articulação entre avaliação institucional e melhoria da
qualidade do ensino.
51
O objetivo final desta pesquisa é analisar as possíveis contribuições da Avaliação
Institucional Interna, previstas no SINAES, em especial do Centro Universitário de
Caratinga – UNEC, para a melhoria da prática docente nos vários cursos de graduação
ministrados na Instituição, propondo possíveis ajustes em seus instrumentos de coleta de
dados com vistas a um melhor aproveitamento das informações obtidas.
A pesquisa tem, ainda, como objetivos intermediários historiar a passagem do
UNEC do Sistema Estadual para a jurisdição do Sistema Federal de Educação e suas
consequências, bem como analisar as conquistas e dificuldades encontradas na avaliação
institucional anterior à pesquisa e discutir estratégias capazes de estimular a melhoria da
prática docente a partir dos resultados da avaliação institucional interna.
As questões levantadas para atingir os objetivos intermediários e caminhar em
direção ao objetivo final foram:
a- Existia na Instituição, anterior ao SINAES, a cultura da avaliação da atuação
docente?
b- Alunos e professores conhecem as atuais políticas de avaliação institucional
adotadas pela Instituição?
c- Professores e alunos julgam que a avaliação institucional poderá contribuir
para a melhoria da prática docente?
d- O processo de avaliação institucional desenvolvido após a migração do
Sistema Estadual para o Sistema Federal de Ensino poderá ter resultados
positivos sobre a prática docente?
Como forma de se obter dados suficientes para responder as questões do problema
pesquisado, também foi realizada uma revisão bibliográfica acerca das possíveis
contribuições da Avaliação Institucional para a prática docente.
Utilizando como fontes os documentos norteadores do funcionamento da IES
selecionada e questionário aplicado a 119 discentes e nove docentes o que corresponde a
20% de alunos e professores dos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Ciências
Econômicas, Ciências da Religião, Pedagogia, História, Geografia, Letras da Unidade
Acadêmica I do Centro Universitário no qual a pesquisa foi realizada, esperou-se detectar
as possíveis contribuições dos resultados para a avaliação institucional e o aperfeiçoamento
do ensino ministrado.
A pesquisa foi ainda documental, possibilitando a análise de diretrizes oficiais e
internas que nortearam a aplicação do SINAES, e o julgamento dos efeitos do sistema
sobre o trabalho docente.
52
Desta forma, este estudo foi elaborado a partir de algumas subdivisões, obedecendo
à seguinte estrutura. Após as considerações iniciais, no segundo capítulo, com base em
pesquisa bibliográfica, o trabalho objetivou organizar um referencial teórico de base para
analisar a trajetória da avaliação institucional no Brasil e sua importância para o contexto
das IES, através de uma historiografia da avaliação da Educação Superior no Brasil.
No terceiro capítulo foi apresentada a relação entre avaliação e planejamento como
subsídio para a melhoria da prática docente e qualidade do ensino nas IES, enfocando a
importância do Plano de Desenvolvimento Institucional, do Projeto Pedagógico
Institucional, do Projeto Pedagógico de Curso, bem como a importância do currículo e sua
relação com a melhoria da prática docente nas IES.
No quarto capítulo analisou-se a relação existente entre a avaliação institucional e a
prática docente, diferenciando-a da prática pedagógica, bem como o SINAES e a avaliação
interna das IES, culminando em uma abordagem da CPA relacionando sua atuação com o
desenvolvimento da prática docente nas IES.
No quinto capítulo foi apresentado um histórico da avaliação institucional do
UNEC, a partir de 1998, e o seu processo de migração, em 2008, para o Sistema Federal de
Educação e o pleno atendimento aos critérios estabelecidos pelo SINAES. Analisaram-se,
ainda, os relatórios enviados ao MEC, a partir de 2004.
No sexto capítulo foram tecidas considerações sobre a pesquisa de campo realizada,
descrevendo a metodologia utilizada e os resultados obtidos, articulando-os com o
referencial teórico.
Concluindo o estudo, são apresentadas considerações finais articuladas ao
referencial teórico embasados em uma proposta de avaliação com objetivo de subsidiar o
aperfeiçoamento da prática docente.
Referências
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RISTOFF, D. I. (Org.). Universidade desconstruída: avaliação institucional e resistência.
Florianópolis: Insular, 2000, p. 37-58.
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C.; DIAS SOBRINHO, J. (Org.). Avaliação institucional: teoria e experiências. São Paulo:
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híbrida. Avaliação. Campinas, v. 9, n. 4, p. 67-97, dez. 2004.
53
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Of.
Circ.
033/2005-CONAES/GM/MEC.
Disponível
em:
<www.mec.gov.br/conaes> Acesso em: 15 ago. 2009.
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Lei 2.026/93, Brasília: MEC.
______. Comissão especial de avaliação. Brasília: MEC, 2003.
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DIAS SOBRINHO, J. Avaliação da educação superior. Petrópolis: Vozes, 2000.
______. Universidade e avaliação: entre a ética e o mercado. Florianópolis: Insular,
2002a.
______. Prefácio. In: PAULA, M. de F. de. A modernização da universidade e a
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______. Avaliação: políticas educacionais e reformas da educação superior. São Paulo:
Cortez, 2003.
SINAES, in Revista da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior, v. l, 9 – nº
1, março de 2004, p. 20.
54
A CULTURA E A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTOS
DE UMA EDUCAÇÃO INTEGRADA EM CUBA 5
Conceição Clarete Xavier – UFMG 6
Introdução
Gostaria de iniciar agradecendo a Coordenação do Mestrado em Educação e
Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga, que nos oportunizaram este encontro,
especialmente a Profa. Dra. Francis e ao amigo Prof. Dr. Antônio Magalhães.
Apresento uma reflexão sobre uma produção de conhecimentos na perspectiva da
Complexidade e da Transdisciplinaridade. Ela tem como referência uma experiência
informal de vivência da música em Cuba, durante uma missão de estudos na Universidade
de Holguin a qual, originou-se em meus estudos de pós - doutorado realizado através de
um convênio de Cooperação Internacional 7 entre a Universidade de Holguin / Cuba e a
Faculdade de Educação / NEPPCOM / UFMG. 8
Procuramos destacar aspectos voltados para uma Educação Integrada e
especialmente aqui, os elementos de musicalidade foram compreendidos enquanto aspectos
sócio-culturais, construtores de relações de aprendizagem e de produção de conhecimentos.
Buscamos ancoragem epistemológica nas questões colocadas pelo Pensamento
Complexo, pela perspectiva da transdisciplinaridade e por estudos e pesquisas
desenvolvidas pelo pesquisador e psicólogo russo L. Vygotsky. A partir dessa experiência,
apontamos elementos de uma proposta pedagógica voltada para uma Educação Integral
situada na escola.
Nessa experiência singular vivenciada no país do Caribe, a música tornou-se
elemento de aproximação com as pessoas com quem encontrávamos nas mais diversas
situações. Fui acompanhada pelo fotógrafo Renato Travalha, que além da função de
auxiliar de pesquisa é músico, violonista e estudioso da cultura popular. Através dele a
música foi importante elemento de ligação para que se efetivasse a nossa busca inicial de
pesquisar aspectos da cultura daquele povo. A cultura é aqui entendida enquanto inserida
5
Conferência proferida na abertura do II Seminário em Educação e Linguagem, promovido pelo Mestrado
em Educação e Linguagem do Centro Universitário de Caratinga, em 25/05/2010.
6
Profa. Adjunto/UFMG.
7
Financiamento CAPES – Coordenação de apoio Educação Superior.
8
NEPPCOM- Núcleo de Estudos e Pesquisas do Pensamento Complexo. [email protected].
55
num processo dinâmico onde acontece concomitantemente a uma elaboração do coletivo,
um produto de construção social. Ou seja, ela é produto acabado e ao mesmo tempo,
processo de construção social.
Sobre a Complexidade e a Transdisciplinaridade
A Complexidade não deve ser compreendida como sinônimo de complicado,
conforme um pensamento mais geral, mas sim como algo que deve ser tecido em um
conjunto onde o todo reflete as partes e estas não sobrevivem independente desse todo que
absolutamente não é simples somatória das partes. Ela integra ciência e arte, cultura e
linguagem, razão e emoção, avançando além da dialética e incorporando o pensamento
dialógico. Nessa perspectiva o homem está inscrito na ordem do biológico, simboliza,
possui uma linguagem e um imaginário.
Para atingirmos tal patamar de compreensão em nossas pesquisas e estudos, uma
visão transdisciplinar torna-se fundamental e aponta para a integralidade dos diversos
fenômenos.
A Transdisciplinaridade pode apontar caminhos profícuos para se refletir sobre as
questões relativas a uma educação integrada e, mais ainda gerar novo tipo de conhecimento
que vai além de propostas multi ou interdisciplinares. Diante das novas demandas
colocadas pela ciência que se torna híbrida entre o especialista e o generalista a lógica
transdisciplinar é indispensável. Segundo Paula (2008, p.12):
[...] a transdisciplinaridade,como o prefixo latino trans indica, diz respeito ao que
está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e
além de toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo presente, do
qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. A palavra
transdisciplinar, foi introduzida em 1970 por Jean Piaget. A pesquisa
transdisciplinar, sendo radicalmente distinta da pesquisa disciplinar,é ao mesmo
tempo complementar. A pesquisa transdisciplinar diz respeito, no máximo, a um
só e mesmo nível de realidade; aliás, na maioria dos casos, ela se refere apenas a
fragmentos de um único e mesmo nível de realidade. Em compensação, a
transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica engendrada pela ação de vários
níveis de realidade ao mesmo tempo. A descoberta desta dinâmica passa
necessariamente pelo conhecimento disciplinar.
Assim, a transdisciplinaridade permite uma abertura de trabalho entre e além das
disciplinas. É a partir da interação de professores e conteúdos que nos será possibilitada a
apreensão de um conhecimento de forma mais ampla.
56
Entretanto, constata-se um grande desconhecimento por parte dos educadores, do
real sentido da produção de conhecimento transdisciplinar. Esse fato gera a ausência de
desenvolvimento de projetos que possam buscar as possibilidades de produção de
conhecimento transdisciplinar em todos os níveis de ensino.
Brandão (2008) apresenta-nos a diferença entre o multi, o inter e o transdisciplinar
afirmando que a abordagem de um tema ou problema por vários discursos disciplinares
sem que esses se toquem, interajam ou contaminem-se caracteriza a multi ou
pluridisciplinaridade. Não há esforço para produzir diálogos e interação nem
transformações internas nos campos epistemológicos presentes. Nessa perspectiva segundo
Zabala (citado por Brandão), os conteúdos escolares apresentam-se por matérias
independentes uma das outras, sem que estabeleçam relações entre elas.
A interdisciplinaridade caracteriza-se pela integração de alguns conceitos e
métodos oriundos dos diferentes campos disciplinares sem que haja uma mudança
estrutural interna a cada campo de saber e nem um contágio ou deformação deles
(BRANDÃO, 2008).
Já a transdisciplinaridade,conforme afirmamos acima, ultrapassa as disciplinas e
incluem as transferência dos métodos de uma disciplina a outra por meio de três graus:
a- grau de aplicação, exemplo: transferência de métodos da física nuclear para
novos tratamentos do câncer.
b- grau epistemológico, exemplo: Piaget ao criar o centro de Epistemologia
Genética gera conhecimentos transferindo os métodos da lógica formal para o
campo da Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento.
c- Grau de geração de novas disciplinas, exemplo: a aplicação da matemática ao
campo da física gerando a física ou a matemática.
Dessa forma, o desafio de buscar a vivência do pensamento complexo e da
transdisciplinaridade implicam que se invista de uma atitude corajosa diante das exigências
de uma academia povoada de um pensamento conservador e fechado para inovações,
contrariando mesmo o sentido de universalidade que deveria estar presente no pensamento
de uma universidade.
Pensamento complexo, cultura e transdisciplinaridade em Cuba
Para Edgard Morin, não se separa o sujeito que pensa da coisa pensada; assim,
reformar a educação inclui transformar o educador e todo o pensamento educacional; isso
57
só se daria através de projetos pilotos, pois são eles os gérmens da transformação do todo.
Vou agora relatar um pouco desses aspectos teóricos vivenciados em Cuba.
Em nossos primeiros dias na ilha, na cidade de Havana, buscamos inteirar-nos dos
ritmos cubanos freqüentando diferentes espaços da região de Havana Velha, onde
concentra – se grande parte da manifestação cultural do país. Lá, reduto de prédios antigos,
num cenário inimaginável, onde se visualiza os já famosos varais repletos de peças de
vestuário bailando ao vento, encontramos bares e galerias de arte exibindo os mais diversos
estilos de musicas e artes plásticas. Todo esse cenário é recheado por uma multidão de
turistas perplexos, diante de cenário tão inusitado. Nesse emaranhado, o músico brasileiro
buscava selecionar os autênticos ritmos do Caribe, diferenciando-os de outros tipos de
músicas produzidas com finalidades comercial e/ou turística, especialmente “montada”
para atender um viajante que simplesmente busca diversão, sem um sentido de
aprofundamento nos autênticos aspectos culturais e históricos do povo cubano.
No Hotel Universitário Turacade, na cidade de Holguin, onde residíamos,
aconteciam encontros informais para cantarmos acompanhados pelo violão de Renato.
Essa “cantoria” era compartilhada com os outros hóspedes do hotel com os quais tínhamos
uma característica comum: eram estudantes, pesquisadores e professores
latino –
americanos. Os funcionários do hotel, todos cubanos, também participavam dos encontros.
Nesses momentos, juntavam se às nossas vozes as dos colombianos, guatemaltecos,
venezuelanos e cubanos, em lindas canções das mais diversas nacionalidades. Além disso,
nesse espaço também trocávamos conhecimentos culturais, literários, linguísticos e
musicais.
Ressaltamos a forma através da qual tentamos nos aproximar da cultura musical
cubana: inicialmente, andávamos pelas ruas, ruelas e becos de Havana Velha pesquisando
em bares e restaurantes o grupo que mais nos parecia apresentar-se autêntico relativamente
à tradição musical cubana em meio ao grande leque de ofertas de artistas ávidos pela
atenção dos turistas. Renato ouvia a todos atentamente, com profundo interesse e respeito.
Após esse primeiro momento, escolhíamos grupos guiados por nossa sensibilidade, tendo
como parâmetro o fator autenticidade/ fidelidade à cultura cubana. Permanecíamos no bar
escolhido e nos deixávamos envolver pela arte do grupo. Nesses momentos,
demonstrávamos profundo interesse pela música cubana nos inteirando das letras e ritmos
dos boleros, salsas e rumbas, geralmente cantados por trios maravilhosos portadores de
uma incrível harmonia.
58
Após essa primeira aproximação, quando já era possível algum diálogo, nos
intervalos de descanso dos músicos, nos apresentávamos e, por vezes, oferecíamos como
cartão de visita algum trecho e/ou conhecimento relativo à música brasileira, muito
apreciada por esses artistas, quase todos com formação universitária. Eles solicitavam que
Renato tocasse especialmente Samba e Bossa Nova, no que eram, na medida do possível,
atendidos pelo brasileiro. Os cubanos, muito encantados com os ritmos do samba e da
bossa nova sempre os solicitavam e, com atenção voltada especialmente ao ritmo tentavam
aprender a cadência bonita do samba além de solicitarem candidamente que os
ensinássemos a bailar La Samba! Promovíamos nesses momentos uma respeitosa
Negociação Cultural! 9
Outros momentos de Negociação Cultural aconteceram quando convidados a
residências de evangélicos entoamos em espanhol, hinos de louvor junto a seguidores da
Igreja Batista, nascente em Holguin. O mesmo se deu ao visitarmos o Centro Espírita
Kardecista em Camagüey, quando fizemos o acompanhamento e cantamos, junto com as
crianças, canções comuns ao Brasil e Cuba além de outras músicas cubanas. Aprendíamos
sobre a pronúncia correta da língua espanhola no país, tínhamos informações sobre crenças
religiosas nascentes e outras já estabilizadas entre o povo, a história da religião em Cuba e
sobre os ritos dos cultos.
A propósito de uma conclusão....
Nossa vivência em Cuba se deu além de situações de ensino/ aprendizagem, pois na
maioria das vezes tal processo se restringe apenas aos aspectos cognitivos. Nossa vivência
caracteriza-se enquanto uma experiência no sentido dado por Larrosa (2001)
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que
se passa ou o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,
porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. [...] A informação não é
experiência. Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter
lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter
visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos,
que temos mais infamação sobre alguma coisa; mas também podemos dizer que
nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos nada
nos sucedeu ou aconteceu (p. 21).
9
Ao criar essa categoria busco exprimir as trocas que presenciei nos momentos em que os dois povos irmãos
trocavam solidariamente aspectos de suas respectivas culturas com a intenção de aprimorar conhecimentos.
59
Em Cuba, vivemos uma experiência em seu sentido profundo. Lá fizemos a
interrupção fundamental apontada por Larrosa para a realização da experiência: paramos
pra pensar, olhar, escutar, olhar mais devagar; paramos para sentir, demoramo-nos nos
detalhes, suspendemos a opinião, o juízo, o automatismo da ação, cultivamos a atenção,
abrimos os olhos e os ouvidos para estarmos atentos ao que nos acontecia, escutamos aos
outros, cultivamos a arte do encontro, calamos muito, tivemos paciência e demos -nos
tempo e espaço. Enfim, nos tornamos sujeitos da experiência.
Mas o sujeito da experiência não é o sujeito da informação, da opinião, do
julgamento. É como diz Larrosa (2001), ele é como um território de passagem, algo como
uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns
efeitos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios.
Educamos-nos coletivamente e nesse movimento aconteceram profundas
transformações em nós, brasileiros e, conforme constatamos depois, em nossos
interlocutores cubanos.
E o que poderemos importar daqui para a sala de aula?
Acredito que certas conclusões da autora passariam mais pela sua subjetividade,
então deixemos que fale a subjetividade de quem me escuta; entretanto, não me resta
dúvida do destaque sobre a enorme importância do respeito pela cultura do nosso aluno em
classe, do seu modo específico de perceber o mundo, sua lógica de raciocínio, suas formas
de aprendizagem, guias de nossas estratégias de ensino...
Referências bibliográficas
BRANDÃO, C.. A transdisciplinaridade e os desafios contemporâneos. Belo Horizonte:
UFMG, IEAT, 2008.
LAROSSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de
Educação. ANPED, 2001.
PAULA, João Antônio (Org.). A transdisciplinaridade e os desafios contemporâneos. Belo
Horizonte: Editora UFMG, IEAT, 2008.
60
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O ENSINO DE CARTOGRAFIA
NAS SÉRIES INICIAIS
Daniela Martins Cunha * (UNEC e FAFISM)
Romerito Valeriano da Silva ** (CEFET-MG)
Introdução
A Cartografia faz parte da História do homem, pois desde o princípio, através de
símbolos deixados, inicialmente, em cavernas e mais tarde em placas de argila,
pergaminho e papel, eles demarcaram seu espaço e indicaram a localização de caminhos,
comida, dentre outros. Da placa de argila utilizada pelos Babilônios, antes mesmo de
Cristo, aos dias atuais, nos quais predominam as modernas tecnologias e, primordialmente,
o uso de computadores e satélites, é inegável a importância da Cartografia como
instrumento de auxilio na compreensão e no ensino de Geografia:
Durante o 20º Congresso Internacional de Geografia, realizado em Londres em
1964, a Associação Cartográfica Internacional adotou a seguinte definição de
Cartografia: “Conjunto de estudos e operações cientificas, artísticas e técnicas,
baseado nos resultados de observações diretas ou de analise de documentação,
com vistas à elaboração e preparação de cartas, planos e outras formas de
expressão, bem como sua utilização (DUARTE, 2002, p. 15).
Para Castrogiovanni,
Cartografia é o conjunto de estudos e operações lógico-matemáticas, técnicas e
artísticas que, a partir de documentos e dados, intervém na construção de mapas,
cartas, plantas e outras formas de representação, bem como no seu emprego pelo
homem. Assim, a cartografia é uma ciência, uma arte e uma técnica (2000, p.
38).
Por estes conceitos observa-se que ao mesmo tempo em que a Cartografia é ciência
e técnica, ela também é arte. Ela é a ciência que, por intermédio da arte, representada por
*
Professora e coordenadora do curso de Geografia do Centro Universitário de Caratinga (UNEC). Professora
do curso de Geografia da Faculdade de F.C.L. Santa Marcelina (FAFISM). Mestre em Extensão Rural pela
UFV; especialista em Estudos Ambientais pela PUC-MG; e graduada em Geografia pela FUNEC.
[email protected].
**
Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Mestre em Meio
Ambiente e Sustentabilidade pelo UNEC; especialista em Estudos ambientais pela PUC-MG; especialista em
Geografia Política e Econômica pela FUNEC; especialista em práticas modernas de Gestão Educacional; e
graduado em Geografia pela FUNEC.
61
meio do emprego da estética e do uso correto de cores e símbolos, permite o estudo do
processo de apropriação, construção e reconstrução do espaço geográfico por meio de uma
linguagem própria. Este processo de construção e análise é resultado da influência que o
homem exerce sobre o meio. Deste fato decorre a afirmativa de Duarte (2002) o qual diz
que a Cartografia é o produto cultural de cada povo. Lacoste (1988) por sua vez, apresenta
o aspecto geopolítico dos mapas, ou seja, o mapa como um instrumento de dominação
espacial e poder a serviço do Estado.
Seja qual for o conceito e os fins empregados ao uso dos mapas, a Cartografia já
não pode ser mais tratada apenas como um recurso para o ensino de Geografia, pois ela se
trata de um instrumento auxiliar. Os mapas têm linguagem e símbolos próprios que
simplificam a realidade e apresentam um espaço de interação do homem com o meio
político, econômico, social, cultural, físico, dentre outros:
O estudo da linguagem cartográfica tem cada vez mais reafirmado sua
importância, desde o inicio da escolaridade. Contribui não apenas para que os
alunos venham a compreender e utilizar uma ferramenta básica da Geografia, os
mapas, como também para desenvolver capacidades relativas à representação do
espaço (PCN, 2001, p. 118).
A partir do entendimento e constatação da importância da Cartografia como um
instrumento de ensino da Geografia, busca-se, como objetivo principal deste trabalho,
apresentar de forma descritiva as interfaces existentes entre o ensino de Cartografia e a
importância da mediação pedagógica utilizada por docentes neste processo de ensino
aprendizagem. O trabalho se fundamenta em uma pesquisa bibliográfica de importantes
obras que tratam da temática. Na sessão seguinte será apresentada a importância do
desenvolvimento cognitivo no processo de aquisição dos conhecimentos espaciais e,
consequentemente, cartográficos.
Cartografia e desenvolvimento cognitivo
O domínio e a apreensão dos conhecimentos cartográficos perpassam por um
processo de evolução, no qual são desenvolvidas as capacidades da criança se relacionar e
compreender o espaço de seu entorno. Deste modo, um adolescente, um jovem ou um
adulto que saiba representar o espaço e tenha habilidades para se orientar e localizar foi,
sem dúvida, uma criança que passou por todas as etapas do desenvolvimento cognitivo.
62
Para Castrogiovanni (2000, p. 22) “a evolução da forma de apreensão do espaço
pela criança segue três etapas essenciais: a etapa do espaço vivido, a do espaço percebido e
a do espaço concebido”. Conforme este autor o espaço vivido é o espaço do “aqui”, é o
espaço físico em que a criança se insere. Quando ela começa a se locomover, através do
movimento descobre o espaço do “ali” e do “lá” e, por conseguinte, começa a analisar o
espaço também através da observação, sendo esta a etapa do espaço percebido. Já o espaço
concebido é o espaço do abstrato, pois a criança passa do conhecimento espacial corporal
para o formado pelos sentidos, ou seja, pela reflexão (CASTROGIOVANNI, 2000).
Nota-se, assim, que a construção de noção de espaço é fundamental para a
compreensão e o desenvolvimento cartográfico. Piaget e Inhelder (1993) distinguem três
etapas de relações espaciais: as topológicas, as projetivas e as euclidianas. Nas relações
topológicas a criança desenvolve a percepção e a manipulação das relações de vizinhança,
separação, ordem ou sucessão, envolvimento ou fechamento, continuidade ou continuo
(CASTROGIOVANNI, 2000). Entre 3 ou 4 anos de idade, as crianças começam a
expressar as relações topológicas mais elementares, como vizinhança e separação. Entre 5
e 7 anos, as relações topológicas recebem maior manifestação, pois a criança é capaz de
desenhar tudo o que ver e as relações projetivas e euclidianas começam a se manifestar
(MATIAS, 2006).
As relações projetivas e euclidianas referem-se, respectivamente, à capacidade da
criança de transferir seu ponto de vista para outras referências e à capacidade de situar os
objetos uns em relação aos outros. O desenvolvimento dessas relações, segundo
Castrogiovanni (2000), ocorre de forma simultânea:
A construção da projetividade apresenta-se em três fases possíveis de serem
avaliadas: na primeira, a criança consegue, usando as relações projetivas, dar a
posição de objetos a partir do seu ponto de vista (5-8 anos), a seguir, a partir do
ponto de vista do outro colocado a sua frente (8-11 anos) e, depois, colocando-se
no lugar dos objetos distintos, quando solicitado a situá-los entre eles (12 anos)
(CASTROGIOVANNI, 2000, p. 19).
Com o desenvolvimento das relações projetivas e euclidianas o espaço percebido já
não precisa mais passar pela experimentação física, pois a criança já é capaz de lembrar o
percurso que faz de sua casa à escola. E, na última fase, por volta de 12 anos, o aluno já é
capaz de raciocinar sobre uma área retratada no mapa sem nunca tê-la visto.
Pela relevância do exposto até o momento, percebe-se que a leitura de mapas ou a
alfabetização cartográfica implica em estágios de desenvolvimento da criança no qual a
63
figura mediadora do professor é essencial, pois se trata de um processo de educação e não
simplesmente de uma metodologia a ser empregada no ensino da Geografia. Deste fato
decorre a importância de se analisar quais as mediações pedagógicas que o professor pode
utilizar para que esta aprendizagem se torne uma educação que desenvolva competências e
habilidades cartográficas.
Cartografia e mediação pedagógica
O saber que o aluno traz, para a grande maioria dos educadores, é o ponto de
partida do desenvolvimento do ensino aprendizagem. O professor, informado pelo
conhecimento acerca do aluno, busca alcançar objetivos lançando mão das estratégias e
procedimentos facilitadores da aprendizagem (KIMURA, 2008/2009). Conforme Kimura
(2008/2009, p. 40) o “saber prévio é instrumento para o dialogo de interlocutores”, assim
no processo ensino aprendizagem é preciso estabelecer uma ponte no qual sejam
valorizados os conhecimentos de ambos os lados.
“Ao observar o processo de ensinar e aprender, nota-se que existem aspectos
importantes na construção do conhecimento, tais como os aspectos sociológicos,
psicológicos, filosóficos e pedagógicos que devem ser considerados na aprendizagem”
(PERRENOUD apud MATIAS, 2006, p. 257). Na mediação do processo ensino
aprendizagem o professor deve levar em consideração não apenas os aspectos cognitivos,
os quais são essenciais para a aquisição de conceitos espaciais, como também o meio
social, econômico, cultural e afetivo no qual aquele aluno está inserido, independente da
serie ou grau de ensino em que ele esteja:
Entre o sujeito aprendiz e a aquisição de habilidades e competências existe uma
mediação, que pode ser realizada por outro individuo e com o auxilio de recursos
didáticos. Aquelas constituem, por sua vez um conjunto de processos
desencadeados para fins de aprendizagem, despertando sistemas complexos de
pensamento, através de atividades dinâmicas e reflexivas sobre o processo
estabelecido (MATIAS, 2006, p. 257).
Masetto (2000) entende por mediação pedagógica a atitude e o comportamento do
professor, que é um facilitador, incentivador ou motivador da aprendizagem. Para ele o
professor também deve ser “uma 'ponte rolante' que ativamente colabora para que o
aprendiz chegue aos seus objetivos” (MASETTO, 2000, p. 144). E, neste contexto,
apresenta como as principais características da mediação pedagógica:
64
[...] dialogar permanentemente de acordo com o que acontece no momento;
trocar experiências; debater dúvidas, questões ou problemas; apresentar
perguntas orientadoras; orientar nas carências e dificuldades técnicas ou de
conhecimento quando o aprendiz não consegui encaminhá-las sozinho; garantir a
dinâmica do processo de aprendizagem; propor situações-problema e desafios;
desencadear e incentivar reflexões; criar intercâmbio entre a aprendizagem e a
sociedade real onde nos encontramos, nos mais diferentes aspectos; colaborar
para estabelecer conexões entre o conhecimento adquirido e novos conceitos;
fazer a ponte com outras situações análogas; colocar o aprendiz frente a frente
com questões éticas, sociais, profissionais por vezes conflitivas; colaborar para
desenvolver critica com relação à quantidade e à validade das informações
obtidas; cooperar para que o aprendiz use e comande as novas tecnologias para
suas aprendizagens e não seja comandado por elas ou por quem as tenha
programado; colaborar para que se aprenda a comunicar conhecimentos seja por
meio de meios convencionais, seja por meio de novas tecnologias (MASETTO,
2000, p. 145-146).
No caso da Cartografia, o professor pode, por meio de brincadeiras, exercícios
rítmicos e psicomotores fazer com que a criança aprenda a percorrer, delimitar ou
organizar o seu espaço de vivência de acordo com suas necessidades e interesses:
Na alfabetização espacial, faz-se necessário que a criança tome consciência do
espaço ocupado por seu corpo. A escolarização deve ajudá-lo a orientar-se no
espaço. A delimitação dos objetos e a posição relativa que ocupam é
indispensável nos estudos espaciais. A alfabetização geográfica requer o trabalho
com a esquematização espacial a partir do corpo, lidando com os intervalos
através de referencias não apenas obtidas pela observação, mas já com recursos
do euclidianismo (lógico-matemático) (CASTROGIOVANNI, 2000, p. 22 e 23).
Além disso, deve-se considerar que:
Ensinar é um processo social (inserido em cada cultura, com suas normas,
tradições e leis), mas também é um processo profundamente pessoal: cada um de
nós desenvolve um estilo, seu caminho, dentro do que está previsto pela maioria.
A sociedade ensina. As instituições aprendem e ensinam. Os professores
aprendem e ensinam. Sua personalidade e sua competência ajudam mais ou
menos. Ensinar depende também de o aluno querer aprende e estar apto a
aprender em determinado nível (depende da maturidade, da motivação e da
competência adquiridas) (MORAN, 2000, p. 13).
Todos esses processos especificados acima por Moran, remetem-nos a pensar em
um processo de ensino das temáticas relacionadas à Cartografia, e mais especificamente à
compreensão das relações da criança com o espaço de seu entorno, sob uma ótica global,
compreendida por suas funções e importância, através de uma sala de aula aberta às
discussões, no qual a principal meta a ser alcançada é a socialização do conhecimento
produzido pelos alunos.
65
Considerações Finais
Para Vygotsky (1988) o professor é o principal mediador do processo de
aprendizagem. O professor tem a função de tornar o não conhecido, ou o que não é
totalmente conhecido, no conhecido. Deve transformar os conceitos cotidianos em
conceitos científicos. Dentro desta perspectiva de ensino, o professor já não pode mais
trabalhar a Cartografia pela lógica da reprodução de mapas.
O mapa é um instrumento, é um meio de comunicação e de informação que precisa
ser interpretado e decodificado. Por meio dele é possível compreender as questões políticas
e estratégicas do espaço mundial, identificar ideologias e pensar criticamente o espaço.
Finalmente percebe-se que é necessário ao professor definir suas metodologias de
acordo com a turma em que leciona, introduzindo técnicas que inspirem uma
aprendizagem critica e valorativa. E que não se podem considerar apenas as velhas ou as
novas tecnologias como única forma de mediação pedagógica. É necessário saber o
que/qual recurso utilizar e como utilizar no processo de tornar a Cartografia uma
aprendizagem cotidiana.
Referências Bibliográficas
CASTROGIOVANNI, Antônio C. (Org.). Ensino de geografia: práticas e textualizações
no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000.
DUARTE, Paulo A. fundamentos de cartografia. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2002.
KIMURA, Shoko. Romper o círculo da espiral. Boletim Geográfico, Maringá, v. 26/27, n.
1, p. 39-46. 2008/2009.
LACOSTE, Yves. A Geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra.
Campinas: Papirus, 1988.
MASETTO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José M.;
MASETTO, Marcos T; BEHRENS, Marilda A. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
MATIAS, V. R. da Silva. As relações entre Geografia, mediação pedagógica e
desenvolvimento cognitivo: contribuições para a prática de ensino em Geografia.
Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 17, n. 24, p. 250-264, fev. 2006. Disponível em:
<www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html>. Acesso em: 29 abr. 2010.
66
MORAN, José M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e
telemáticas. In: MORAN, José M.; MASETTO, Marcos T; BEHRENS, Marilda A. Novas
tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000.
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A representação do espaço na criança. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1993.
VYGOTSKY, Lev. S. Linguagem e desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:
Ícone/Edusp, 1988.
67
ENSINO DA LÍNGUA MATERNA NAS ESCOLAS: O DESAFIO DE
ALFABETIZAR E LETRAR RESPEITANDO AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Eleonora Emilio de Sá * (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva ** (UNEC)
Introdução
Muitos professores a cada dia se deparam com uma grande dificuldade de motivar
seus alunos para o ensino da língua materna. Eis um grande desafio – o de “ensinar
português” – a língua que estes alunos já falam. Muitas vezes, confunde-se ensino de
língua materna com o de gramática. Desde a alfabetização, é necessário que os professores,
assumam uma postura criativa e atenta à realidade do aluno. Alguns esperam transmitir
tudo o que aprenderam na universidade e, de repente, logo percebem que a realidade
linguística de cada um é diferente. Esta comunicação propõe, assim, uma reflexão sobre
aspectos relacionados a essa diversidade cultural e linguística, conforme o uso de cada
falante.
A língua e o seu uso
A língua é um sistema centrado na interação verbal, através de discursos falados ou
escritos, constituídos por palavras e por regras que as combinam em unidades portadoras
de sentido, comum a todos os membros de uma sociedade.
Sem dúvida a língua é o mais importante de todos os códigos utilizados pelo ser
humano para expressar suas idéias, mas esse sistema depende da interlocução – uma ação
linguística entre sujeitos. Ela se modifica e evolui com o tempo e às vezes se torna difícil
estabelecer uma distinção clara entre língua padrão e língua popular, pois vários elementos
de uma acabam sendo assimilados pela outra. Além disso, tanto do ponto de vista da
*
Graduada em letras do Centro Universitário de Caratinga (2010). Bolsista de Iniciação Científica da
FAPEMIG./ UNEC. – email: [email protected].
**
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Orientadora Acadêmica. Endereço eletrônico:
[email protected].
68
sintaxe, quanto do léxico e da fonologia, há estruturas comuns que pertencem às duas
formas de linguagem, já que se trata de uma única língua.
O uso da língua deve ser valorizado em diferentes situações, com sua diversidade
de funções e variedade de estilos no modo de falar, mas para que isso aconteça é
importante que o trabalho em sala de aula se organize em torno do seu uso e que leve os
alunos a refletir sobre as diferentes possibilidades de seu uso na sociedade. No Brasil,
apesar de se ter somente o português como língua materna, existem vários dialetos ainda
desconhecidos e desconsiderados na prática escolar. Muitos professores ao contrário, estão
mais preocupados em transmitir conceitos mecanizados que não possibilitam outras
concepções da língua; oferecem apenas regras prontas que os alunos só precisam
memorizar. Segundo Marcos Bagno, esse é um mito:
[...] muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira
diversidade do português falado no Brasil, a escola tende a impor sua norma
linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160 milhões de
brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua
situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc. (BAGNO, 2004, p.
15).
Seria importante, então, que o professor desenvolvesse não só as práticas de leitura
e escrita, mas também a de fala e escuta compreensiva em situações públicas e não há
melhor lugar para se iniciar essa prática que a própria sala de aula que é também um
ambiente público.
Explorando a variação linguística em sala de aula
Antes de começar algumas práticas de ensino da língua o professor tem que se dar
conta de que ele não irá ensiná-la aos alunos, mesmo porque todos já sabem a sua língua,
apenas a utilizam de modos diferentes. Carlos Cagliari observa a esse respeito que:
[...] qualquer criança que ingressa na escola aprendeu a falar e a entender a
linguagem sem necessitar de treinamentos específicos ou de prontidão para isso.
Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes
para facilitar o aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer
exercícios de discriminação auditiva para aprender a reconhecer a fala ou para
falar. Ela simplesmente se encontrou no meio de pessoas que falavam e aprendeu
(CAGLIARI, 2005, p.17).
Muitos professores ignorando as variações no modo de falar excluem
automaticamente o aluno que usa a língua adquirida em sua comunidade ou no âmbito
69
familiar como se ele já não existisse no nosso meio e que não há variações no modo de
falar. Para Bagno,
[...] o reconhecimento de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental em
nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma
linguistica ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma “língua
estrangeira” para o aluno proveniente de ambientes sociais onde a norma
linguística empregada no quotidiano é uma variedade português não-padrão”
(BAGNO, 2004 p. 18)
Cagliari orienta a esse respeito que “o professor de português deve ensinar aos
alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o
comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos lingüísticos, nas mais
variadas situações de suas vidas” (CAGLIARI, 2005).
O primeiro passo para se iniciar um aluno, seria valorizando seus hábitos culturais,
fazendo com que ele adquira habilidades que seus pais desconhecem. O professor então
deve começar pela explorando a conversação para ter acesso ao conhecimento linguístico
da linguagem que ele adquiriu em família que é a própria identidade desse aluno. A escola
deve aceitar a variedade linguística de cada um, informando o seu uso adequado para cada
tipo de situação para poder inserir esse indivíduo numa sociedade democrática. Observa
Ataliba Castilho que:
[...] num caso e outro, os recortes lingüísticos recolhidos devem ilustrar as
variedades sócio-culturais da Língua Portuguesa, sem discriminações da fala
vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. A escola é o primeiro contacto do
cidadão com o Estado, e seria bom que ela não se assemelhasse a um “bicho
estranho”, a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o
tempo o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade
linguística, e será assim iniciando no padrão culto, caso já não tenha o trazido de
casa (CASTILHO, 1998 p. 21).
Dessa forma, o aluno saberá que não é tão excluído, como muitas vezes se sente ao
ingressar na escola, ao estabelecer contato com pessoas de diferentes meios que o seu.
Segundo Cagliari,
[...] para o aluno, o respeito às variedades lingüísticas significa muitas vezes a
compreensão do seu mundo e dos outros. Um aluno na escola não pode chegar à
conclusão de que seus pais são “burros” porque falam errado, não pode achar que
as pessoas de sua comunidade são incapazes porque falam errado, não têm valor
porque falam errado, ao passo que a cultura só está com quem fala o dialetopadrão, que a lógica do raciocínio só pode ser expressa nessa variedade
linguística, que o bom, belo e perfeito só pode ser expresso através das “palavras
bonitas” do dialeto-padrão. Esses preconceitos, de tanto serem ensinados geração
após geração estão profundamente enraizados na sociedade, na escola, em tudo.
70
Mas isso deve ser mudado. Se os alunos aprenderem a verdade linguística das
variantes, geração após geração, a sociedade mudará seu modo de encarar esse
fenômeno e passará a ter um comportamento social mais adequado com relação
às diferenças sociais (CAGLIARI, 2005, p. 85).
Como se pode ver, trabalhar as variações linguísticas é muito importante, pois faz
com que os alunos, principalmente os de séries iniciais não se sentem excluídos pelo seu
modo de falar ou expressar. Alem disso, há também outros pontos que o professor, devem
se preocupar quanto ao ensino da língua: em alfabetizar letrando.
Alfabetização e letramento
Em linhas gerais “alfabetização” significa na leitura, a capacidade de decodificar os
sinais gráficos, transformando-os em sons, e, na escrita, a capacidade de decodificar os
sons da fala transformando-os em sinais gráficos, em poucas palavras é a aprendizagem da
escrita e da leitura. Assim, alfabetização, etimologicamente, não deixa de ter o significado
de apropriação do alfabeto, do ensino de habilidades de codificar a língua oral em língua
escrita que é a de escrever e de decodificar a língua escrita em oral que é a de ler. Mas
saber ler e escrever ainda não é suficiente; é preciso letrar.
O termo “letramento” surgiu na metade dos anos de 1980, no discurso de
especialistas das Ciências Linguísticas e da Educação, que na língua inglesa significa
literacy. Na prática, letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e
escrever, bem como o resultado de usar essas habilidades e práticas sociais. É um estado
ou condição que um grupo social adquire como consequência de ter se apropriado da
língua escrita e de ter se inserido num mundo organizado diferentemente. Portanto, pode-se
dizer que letramento é a cultura escrita.
Para Zilberman,
[...] o letramento é um processo que se inicia antes mesmo de a criança aprender
a ler, supondo a convivência com universo de sinais escritos e sendo precedido
pelo domínio da oralidade. Outros fatores associam-se ao processo de
letramento, já que a convivência com a escrita começa no âmbito da família e
intensifica-se na escola, quando o mundo do livro é introduzido à infância
(ZILBERMAN, 2007, p. 246).
A alfabetização é um processo indispensável para possibilitar o aluno a ler e
escrever com autonomia e o letramento pode ser entendido como um processo que a
criança passa quando inicia o seu convívio com os diferentes tipos de escrita da sociedade
71
(placas, rótulos, jornais, revistas, etc.) que com o passar do tempo aumenta a possibilidade
de sua participação em práticas sociais. Alfabetização e letramento são processos
diferentes, mas cada um com suas especificidades, ou seja, um processo complementa o
outro e são indispensáveis. De acordo com Magda Soares,
Alfabetizado é aquele individuo que sabe ler e escrever; já o individuo letrado, o
individuo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e
escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a
escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita
(SOARES, 1998, p. 22).
Segundo a autora (1998), alfabetização e letramento se completam, sendo que
"alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar
significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita". O ato de letrar é
obrigação de todos os professores, pois em cada área do conhecimento tem uma linguagem
específica tanto no campo da informação, dos conceitos e dos princípios.
Por que alfabetizar letrando?
É importante destacar que o professor não deve escolher entre alfabetizar e letrar e
nem trabalhar esses dois processos em forma de sequência, ou seja, que primeiro se deve
alfabetizar para depois letrar, ou que para se estar letrado seria necessário estar
alfabetizado. A ideia é alfabetizar letrando, ambos devem acontecer juntos. Nas palavras
de Cancinila Janzkovski Cardoso,
alfabetização e letramento, gradativamente, estão sendo entendidos como dois
processos interdependentes, complementares, cada qual com especificidade
própria. A mudança na compreensão do processo de alfabetização colocou,
portanto, os usos sociais da escrita, materializados em textos, no centro das
atividades de ensino. O desafio que se coloca hoje para a prática alfabetizadora é
alfabetizar letrando (...). Assim, os processos de alfabetização e letramento
escolares envolvem, fundamentalmente, a apropriação e o uso competente da
leitura e da escrita de textos variados, com significado e relevância social
(CARDOSO, 2007, p. 38).
Alfabetização e letramento são conceitos que muitas das vezes são confundidos ou
sobrepostos, é importante então distingui-los e ao mesmo tempo aproximá-los: a distinção
é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem
ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, é
necessária a aproximação porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e
72
específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também
este é dependente daquele.
Se considerar então que os alfabetizandos vivem em uma sociedade, em que a
língua escrita está de maneira visível nas atividades do dia-a-dia, com certeza ao terem
contato com textos escritos poderão formular hipóteses sobre a sua utilidade e seu
funcionamento. Se o professor excluir o aluno dessa vivência, podem de alguma forma
reduzir e tornar artificial o objeto de aprendizagem que é a escrita, fazendo com que os
mesmos desenvolvam concepções inadequadas e disposições negativas desse objeto ou
também, deixar de explorar o conhecimento extra-escolar dos alunos pode significar que
ele possa perder oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais, ricas e
importantes para a sua integração na sociedade e o exercício na cidadania.
Para o aluno estar inserido no mundo do letramento, ele deve estar envolvido em
práticas de leitura e escrita, ou seja, convivendo com essas situações passa atuar
verdadeiramente como sujeito, compartilhando suas ideias e pensamentos, concordando ou
não com os argumentos do autor, produzindo sentido em relação ao texto mostrando que
realmente tem opinião própria. Ferreiro tem suas concepções sobre essas práticas:
[...] através das interações adulto-adulto, adulto-criança e crianças entre si,
criam-se as condições para a inteligibilidade dos símbolos. A experiência com
leitores de textos informa sobre a possibilidade de interpretação dos mesmos,
sobre as exigências desta interpretação e sobre as ações pertinentes,
convencionais estabelecidas. Aqueles que conhecem a função social da escrita
dão-lhe forma explicita e existência objetiva através de ações inter-individuais. A
criança se vê continuamente envolvida como agente e observador, no mundo
“letrado” (FERREIRO, 2001, p. 59).
Todos vivem em uma cultura escrita que está totalmente ligada ao mundo letrado,
pois bem ou mal praticam atos que dependem da escrita como tomar um ônibus, pagar
contas, tomar remédio, etc. Estar ativamente inserido na cultura escrita significa ter
comportamentos letrados, atitudes e disposições frente ao mundo da escrita, inclusive o
gosto pela leitura, saberes específicos relacionados à leitura e a escrita que possibilitam
aproveitar de todos os benefícios oferecidos pelas mesmas. Compreender o mundo da
escrita é um fator que possibilita o progresso da alfabetização do aluno como uma
consequência da aprendizagem da língua escrita na escola, ou seja, é um processo a ser
trabalhado desde os primeiros momentos da alfabetização, com isso se promove
simultaneamente à alfabetização e o letramento. Para Mortatti,
73
[...] leitura e escrita são processos distintos que envolvem diferentes habilidades
e conhecimentos, bem como diferentes processos de ensino e aprendizagem, e
podem ser compreendidos em uma dimensão individual e em uma dimensão
social. Trata-se de numerosos conjuntos de habilidades de conhecimentos
linguísticos e psicológicos, variados e radicalmente diferentes entre si, como
formas de uso também diferenciadas e relação a uma diversidade de materiais
escritos (MORTATTI, 2004, p. 100).
O ato de letrar não é só de responsabilidade do professor de língua portuguesa ou
dessa área, mas de todos os educadores que trabalham com leitura e escrita, ou seja,
professores de Geografia, Matemática, História ou Ciências. O professor de Geografia, por
exemplo, ensina seus alunos a ler mapas e assim, cada professor é responsável pelo
letramento em sua área. Letrar quem não tem o que ler nem o que escrever somente não
adianta nada. É preciso dar todas as possibilidades de letramento. Isso é importante,
inclusive, para a criação do sentimento de cidadania nos alunos.
O trabalho com textos em sala de aula é muito importante no ato de ensinar a ler e
escrever, desde que trabalhado mais cedo, podendo trabalhar a leitura reflexiva, levando
textos que realmente são interessantes para os alunos. Como se sabe, alfabetizar não é
apenas codificar e decodificar, mas sim saber usar e refletir, questionar códigos e
particularmente usá-los no cotidiano, mas para que isso aconteça, é necessário um amplo e
profundo trabalho e de longo prazo para que esses objetivos sejam alcançados: A
participação com crianças em práticas de letramento, por exemplo, fazendo leituras e
escritas com função social, utilizar textos significativos ou que circulam em sociedade,
enfim, utilizar de várias práticas que despertam o interesse de cada um que constitui
desafios e são prazerosos de ler e construir sentidos.
Como já foi dito anteriormente, alfabetizar letrando é preciso, mas não se deve
dispensar o ato da leitura independente de série, idade ou disciplina, pois a maioria das
atividades exercidas por qualquer indivíduo dentro ou fora da sala de aula requer leitura
como diz Cagliari (2005), “a leitura é uma extensão da escola a vida das pessoas. A
maioria do que se deve aprender na vida terá de ser seguido através da leitura fora da
escola. A leitura é uma herança maior do que qualquer diploma”.
Considerações finais
Embora seja evidente a importância do tema abordado, esta comunicação pretendeu
destacar aspectos essenciais para a prática escolar. Outro tema fundamental também
tratado nesse artigo é o da necessidade da parceria entre alfabetizar e letrar, praticar leitura
74
e compreensão do texto possibilitando ao aluno uma visão crítica parcerias que hoje são
fundamentais, pois numa sociedade. Para que essas atividades possam ser trabalhadas na
escola o professor deve procurar sempre estimular a leitura de formas variadas fazendo
assim com que o aluno seja inserido na sociedade sendo um formador, ou até mesmo um
transformador de opiniões.
Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico.29º ed. São Paulo: Loyola, 2004.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 10ª ed. São Paulo: scipione, 2005.
CARDOSO, Cancinila Janzkovski. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças.
In: SCHOLZE, Lia, ROSING, Tania M. K(org). Teorias e práticas de letramento. Brasília:
INEP/MEC, 2007.
CASTILLO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de português. 2ª ed. São Paulo:
contexto, 1998.
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: 24 ed. Cortez Editora 2001.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo. 41ª ed.Cortez. 2001.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e Letramento. São Paulo: Unesp, 2004.
RIBEIRO, V. M. (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
SOARES, Magda. Jornal do Brasil - 26/11/2000. Entrevista por ELIANE
______. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
______. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Ed. Autentica, 1998.
ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil e introdução à leitura. In: SCHOLZE, Lia,
ROSING, Tania M. K(org). Teorias e práticas de letramento. Brasília: INEP/MEC, 2007.
75
EDUCAÇÃO PELA CONVERSÃO (RESENHA)
Geraldo Ribeiro de Sá * (UNEC)
Um exemplo de processo altamente complexo de educação informal e extraescolar, desenvolvido através da conversão religiosa, encontra-se belamente descrito no
trabalho de conclusão do Curso de Mestrado, publicado em livro, sob o título de O
Bandido que virou pregador, de autoria de Mariana Côrtes, da Editora HUCITEC, em São
Paulo, 2007, contendo 353 páginas. Esta obra acha-se dividida pela autora em três partes
fundamentais. Na primeira, apresenta-se uma síntese descritiva de algumas conexões de
sentido detectadas pela escritora, nas igrejas protestantes tradicionais e nas mais jovens,
sobretudo, entre as formadas pelas comunidades pentecostais, destacando-se os conceitos
de violência e modernidade, religião e racionalidade, conversão e crime, entre muitos
outros. Nesse momento de reflexão sobre o quadro teórico da dissertação, pertinente ao
tema em estudo, recupera-se a contribuição de autores considerados clássicos pelos
estudiosos das ciências sociais, como K. Marx, M. Weber e É. Durkheim, bem como de
alguns contemporâneos como M. Foucault, J. Habermas, P. Bourdieu, M. S. de Carvalho
Franco, J. Souza, M. I. Pereira de Queiroz, e F. Pierucci, dentre muitos outros.
Todo esse instrumental teórico está utilizado com muita competência e habilidade,
com o objetivo de se compreender como se processa a conversão, ou seja, a mudança do
modo de vida de bandidos altamente violentos, dedicados à prática de seqüestros,
homicídios, estupros, tráficos, roubos a mão armada e outras formas de violência, para a
maneira de viver do religioso. Conversão tão profunda a ponto de alguns desses
malfeitores transformarem-se não só em crentes, mas também em lideranças no ofício de
provocar novas conversões, isto é, em pastores e mais do que isso, em missionários,
pregadores itinerantes, altamente disputados pelas comunidades evangélicas. O prestígio
de muitos dos recém-convertidos é tão grande que muitos entre eles produzem não só
pregações, palestras e conferências, mas também CDs, fitas cassetes e DVDs, livros e
folhetos com as respectivas fotografias, com o propósito, principalmente, de narrar,
testemunhar, afirmar e confirmar seu processo de conversão.
Na segunda parte do livro, são descritos destaques do processo de conversão
através de narrativas a respeito das experiências religiosas dos convertidos, ou seja, como a
vivência intensiva da religião traz, para os recém convertidos, mudanças na visão de
mundo, tipo e ritmo de vida, longe do mal e imersas no bem. Discorrendo, além disso, a
respeito da presença, muito concreta, do bem, representado por Jesus, e do mal,
caracterizado pelo Diabo, no cotidiano dos crentes e nas celebrações das igrejas
pentecostais. Os bandidos, outrora possessos pelo Demônio, são agora possuídos e
escolhidos por Jesus, com o propósito de proclamar a palavra de Deus, provocar novas
conversões e intensificar a fé nos já convertidos, multiplicando, destarte, o alcance da
palavra de Deus e o número de novos crentes.
Chega-se, assim, à terceira parte do livro, talvez a mais interessante para o não
especialista em ciências sociais, onde é descrito com muita habilidade o processo de
construção, delimitação e ampliação do mercado religioso para o bandido que virou
pregador, incluindo os múltiplos meios de produção do material de trabalho e divulgação
de suas atividades missionárias. Nada mais atraente no pentecostalismo do que o
*
Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP e aposentado pela UFJF. Atualmente é professor do Mestrado em
Educação e Linguagem, no Centro Universitário de Caratinga – UNEC – e da Faculdade Estácio de Sá, de
Juiz de Fora, MG.
76
testemunho, sobretudo, ao vivo da conversão ou da transformação do extremo mal em
sumo bem, personificado no bandido de outrora e no pregador de agora.
Destaca-se, ainda, nessa última parte do livro, a descrição da complexa e difícil
delimitação das fronteiras entre o mal de outrora e o bem de agora, ou seja, a questão da
limiaridade, isto é, do desprezo pelos circuitos do modo de vida delinqüente, e da adesão à
nova vida, à maneira de pensar, sentir e agir de pregadores da palavra divina e de
testemunho do poder do Espírito Santo. Esses pregadores abandonaram o mundo do mal,
conforme afirmam e testemunham, para viver e difundir os tesouros do mundo do bem.
Desistiram de praticar o mal e aderiram integralmente à feitura do bem através, sobretudo,
da pregação, comprovadamente eficaz na produção e multiplicação de incontáveis
conversões novas.
Apesar de missionários e pertencerem à elite da Igreja Pentecostal, eles são exbandidos. Essa condição de ex, de quem já foi, mas deixou de ser, mantém esses
pregadores entre limites movediços e fluidos, correndo sempre o risco de se invadir a um
ou a outro campo, real ou imaginário do bem ou do mal, de forma racional ou irracional,
esperada ou súbita, total ou parcial. Aliás, um dos dramas dos pregadores desse perfil
consiste em perceber a fluidez desses limites. Eles sentem e sabem que são pregadores,
mas também ex-bandidos, e os ex são, e sempre serão ex. Trata-se, portanto, de uma
questão muito complicada, porque essa fluidez de limites pode vir à tona e ser percebida a
qualquer momento, quando menos se espera.
A autora do livro registrou, muito bem, um exemplo dessa situação de fluidez de
limites, durante uma pregação. O pregador estava falando a uma platéia numerosa e atenta
às suas inspiradas palavras, quando de repente entra alguém, que era do mal, mas
aparentemente disposto a ouvir a pregação. De repente esse intruso começa a fazer
barulho, a perturbar o momento sagrado, falando e andando em hora indevida. Esse
estranho não se adapta ao meio, não se acomoda, não aceita a advertência de alguns dos
presentes, não se entrosa com os demais ouvintes. E o que faz o pregador? Ele não
consegue conter-se, perde a paciência e o controle. Desce do púlpito, vai até ao intruso e
inoportuno, aplica-lhe com toda a força um “telefone”, ou seja, ele bate com força,
simultaneamente, com as duas mãos em ambos os ouvidos do estranho perturbador. Usa,
nesse momento, contra o intruso, aquela violência própria do mundo do crime e do
universo da cadeia. O pregador toma consciência da natureza e das consequências da
atitude assumida contra o intruso, perante a platéia formada pelos irmãos, pede desculpa
aos presentes e acrescenta de imediato uma justificativa. Apliquei-lhe um “telefone” e ele
caiu desmaiado, aí eu fiquei muito apertado. Achei que ele tivesse morrido. Lembrei-me,
subitamente, dessa técnica, a técnica do “telefone”, aprendida com os colegas do
submundo delinqüente e do convívio no cárcere. O pregador sofre uma crise de choro
decorrente da recaída, pede perdão a Jesus e retoma a pregação com nova alma e novo
pulso.
Durante o incidente provocado pelo intruso, conforme se constata, fluiu de forma
repentina na mente do ex-bandido, mas agora pregador, a velha e tradicional maneira de se
de fazer justiça com as próprias mãos, incluindo a violência física. A difícil delimitação de
fronteiras entre o bem e o mal, a vida passada e a atual, o não ser e o ser, pode vir à tona, a
qualquer momento, no cotidiano do bandido que virou pregador. Esse drama, para alguns
ex-bandidos, se resolve, às vezes, com o abandono da vida de pregador e o retorno ao
mundo do crime, mas para muitos outros, a quase totalidade talvez, a solução do dilema
encontra-se na imersão cada vez mais profunda no universo da vida de missionário
pregador.
77
A FORMAÇÃO DO LEITOR INFANTIL DO SÉCULO XXI
Gilsane da Silva Teixeira Alves *
Francis Paulina Lopes da Silva **
Introdução
Na formação do sujeito leitor, é preciso despertar na criança o gosto pela leitura,
como um caminho prazeroso e eficaz, para se estabelecer a interlocução com o mundo.
Nesse longo processo, embora o professor seja o principal mediador, toda a escola deve
envolver-se, buscando atingir o objetivo comum.
Em meio às mudanças deste terceiro milênio, apesar das constantes inovações
tecnológicas em favor da Educação, muitos professores que trabalham com o leitor infantil,
constatam a falta de interesse e encantamento pela leitura. Nesta fase, em que os
adolescentes se defrontam com tantas mudanças em sua própria estrutura física, psíquica,
emocional, as facilidades e inovações oferecidas pelas Tecnologias de Informação e
Comunicação do mundo contemporâneo impõem à escola novos desafios, como o de
conciliar o novo com a tradição.
Nesse novo modelo de escola pretendido, questionam-se as práticas pedagógicas da
escola tradicional e se teme inovar, para atender às expectativas desse novo perfil de aluno.
Esse é um desafio para escola, chamada a formar a criança para ler a realidade, no contexto
atual, despertando-lhe o interesse e a prática da leitura.
A interação família e escola
Muitos atribuem a responsabilidade de formar leitores apenas aos professores e se
esquecem da importância da atuação de toda a comunidade educativa neste sentido. A
escola, enquanto instituição educacional, seja da rede pública ou particular de ensino,
*
Mestre em Educação e Linguagem, no Centro Universitário de Caratinga_ UNEC. Professora da Escola
“Professor Jairo Grossi”em Caratinga. (033) 3315-2402. Graduada em Letras/Inglês, no Centro Universitário
de Caratinga e-mail_gilsane,[email protected] / [email protected].
**
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Orientadora Acadêmica. Endereço eletrônico:
[email protected].
78
desempenha papel relevante na formação de leitores, dando incentivo e subsídios, em todos
os aspectos necessários, reunindo nesse objetivo os professores, alunos, pais e a
comunidade, em geral, como observa Ana Maria Machado:
Sem dúvida cabe à escola estimular a leitura. O peso da escola é muito maior
aqui do que nos países mais desenvolvidos, onde as pessoas leem mais. Como
ainda não somos uma sociedade leitora, não podemos esperar que o exemplo
venha de casa. Ou acabaremos condenando as futuras gerações a também não ler.
A escola tem de entrar para quebrar esse ciclo vicioso, criando em seu espaço um
ambiente leitor. O mestre tem de dar o exemplo e despertar a curiosidade dos
jovens (MACHADO, 2001, p. 22).
A autora chama a atenção para a necessidade de se formar uma sociedade leitora.
Sem o exemplo da casa, a criança, em geral, cresce sem aprender o hábito da leitura entre
os pais. Devido a este fato, atribui-se maior responsabilidade às escolas. Enquanto nos
países mais desenvolvidos a população lê mais, no Brasil é bem reduzido, ainda, o número
de pessoas que gostam e têm prazer pelo hábito da leitura.
Dados oficiais do (INEP) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, relatam a precariedade da educação brasileira em meio a tantas mudanças
tecnológicas. De acordo com o (SAEB) Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica, avaliação atribuída aos alunos de 5o ano do ensino fundamental, constatam que as
crianças se encontram em atraso escolar. De acordo com artigo dos autores Carlos
Henrique Araújo e Nildo Luzio divulgado no site do (INEP):
Para entender como o Saeb é capaz de nos ajudar a superar os desafios
educacionais hoje, é preciso entender um pouco mais sobre a avaliação
educacional no Brasil. A qualidade do conteúdo aprendido nas escolas é verificada
por meio de avaliações para medir as competências e as habilidades desenvolvidas
pelos alunos. O processo guarda semelhanças ao que os professores fazem para
avaliar se seus alunos aprenderam ou não uma determinada matéria. O Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apresenta testes de habilidades e
competências, construídos por especialistas de cada área, e utiliza as mais
avançadas técnicas estatísticas para diagnosticar o nível educacional de
determinadas séries (ARAÚJO, LUZIO, 2004, p. 9).
O objetivo do (SAEB) não é avaliar diretamente apenas o aluno, individualmente,
mas todo o sistema educacional em um conjunto, pois estes resultados vêm através de
respostas dadas aos questionários entregues aos diretores professores, turmas e escolas,
relacionando aos fatores da educação escolar. De acordo com os autores citados acima,
79
A partir desse diagnóstico do panorama nacional, podemos concluir que a
qualidade da educação do Brasil está aquém do esperado. É verdade que a
ampliação da rede oferece desafios à manutenção de padrões de qualidade, pois
incorpora à escola estudantes que estavam fora do sistema e com níveis de
proficiência mais baixos, além de desvantagens em termos socioeconômicos. Se
o país melhorou em relação ao atendimento da população em idade escolar
(acesso), ele também não pode perder de vista a qualidade da escola oferecida à
população. Se os avanços quantitativos do sistema educacional não se traduziram
em melhorias qualitativas e nem soluções para problemas de fluxo, a melhoria da
qualidade tende a carrear correções do fluxo e outras vantagens quantitativas. Só
a ampliação das vagas em função da menor necessidade de turmas para
repetentes já é um fator positivo desse processo. É exatamente na melhoria
qualitativa que reside, hoje, o maior desafio, também, do ensino médio, por
exigências de qualificação do mercado de trabalho, pelas demandas sociais, pelo
acesso ao ensino superior público e pela reflexão sobre cotas, dentre outros
motivos, mas, o mais importante, por traduzir-se em um direito e em um
compromisso com a cidadania (ARAÚJO, LUZIO, 2004, p. 9).
Os problemas socioeconômicos das famílias contribuem para o baixo rendimento
dos alunos em aprendizagem escolar. Quanto menor é o poder aquisitivo dos pais, menor o
desempenho das crianças, pois o nível baixo de escolaridade das famílias dificulta o
acompanhamento de seus filhos nas tarefas escolares ou outras atividades relacionadas à
escola.
A ingerência otimizadora da família, como agente estimulador da criança,
acompanhando o desenvolvimento integral, contribui para expandir e enriquecer seus
conhecimentos. O envolvimento dos pais com o desenvolvimento dos filhos é fundamental
na formação de sujeitos leitores, de cidadãos críticos, capazes de conquistar seu lugar na
sociedade.
Segundo Waldeck Carneiro da Silva,
As crianças são ao mesmo tempo, filhos e estudantes. Por isso, a escola e família
se constituem nas duas instituições mais importantes por agirem
simultaneamente em busca de um objetivo comum, a boa aprendizagem das
crianças. A tarefa de educar é bem complexa, e qualquer ação das entidades
educativas por mais bem intencionadas que sejam, podem tornar-se sem efeito se
não houver acompanhamento da família.
Pelas leis naturais, os pais são responsáveis por criar seus filhos e por orientá-los
em todas as atividades cotidianas. Com relação às atividades escolares, não é
diferente, uma vez que a criança passa menos de 20% do seu tempo na escola,
enquanto o restante passa com a família. Daí torna-se imprescindível uma
participação ativa dos pais e da família, de modo geral, no acompanhamento e na
resolução das tarefas escolares. A escola nunca educará sozinha, de modo que a
responsabilidade educacional da família jamais cessará (SILVA, 1995, p. 4).
Assim, o liame entre pais e filhos não se limita a uma corriqueira relação afetiva,
ocasionada por vínculos sanguíneos. Essa coesão seria, mormente, regida pela consciência
da responsabilidade e dedicação dos pais para com os filhos e estes últimos, pela
80
subordinação, gratidão e respeito, ocasionando um elo que deverá acompanhá-los por toda
sua existência.
A escola como ambiente de leitura
Em meio à massa informacional que vem invadindo a sociedade, pelo acelerado
acesso aos meios eletrônicos de informação e comunicação, é preciso que família e escola
orientem a criança para uma leitura de qualidade, que lhes eduque para uma postura
consciente e ética, diante do mundo que os rodeia. Os textos adequados ao público infantil
devem ser educativos, contribuindo para o crescimento da criança, criando condições de
estímulo e consciência de leitor crítico. Para Cosson, “o bom leitor é aquele que agencia
com os textos os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é um concerto de muitas
vozes e nunca um monólogo. Por isso, o ato físico de ler pode até ser solitário, mas nunca
deixa de ser solidário” (2006, p. 27).
E para que se tenha um bom leitor, é preciso conscientizar familiares e profissionais
da educação a verem crítica e enfaticamente o processo de formação do leitor, desde o
berço, intensificando sua formação a partir de conhecimentos básicos e histórias de vida
trazidas de casa e contadas pelas próprias crianças. Esta é uma estratégia bastante
interessante e até agradável, por parte da família e do professor, de promover a integração
família e escola, nesse processo.
Cosson ainda caracteriza a leitura como um ato solitário e solidário:
No sentido que lemos apenas com os nossos olhos, a leitura é, de fato, um ato
solitário, mas a interpretação é um ato solidário. O trocadilho tem por objetivo
mostrar que no ato da leitura está envolvido bem mais do que o movimento
individual dos olhos. Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o
leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os
sentidos são resultados de compartilhamentos de visões do mundo entre os
homens no tempo e no espaço (2006, p. 27).
Na ação educativa, portanto, é preciso fazer da escola um ambiente escolar-familiar
que propicie aos alunos o bem-estar, o amor aos professores e a toda a comunidade
educativa, estimulando-lhes a consciência de cidadania. Entretanto, muitas vezes, a própria
maneira como se trabalha a leitura, que podem distanciar, muito mais do que aproximar o
aluno de uma pratica voltada para a vida cotidiana, como observa Possenti:
81
[...] um outro sintoma de que ler é considerado um mal, uma praga, é que,
mesmo quando se trabalha a favor da leitura, em programas destinados a
treinamento de professores, argumentando em favor da necessidade e da
importância de ler, ocorre de se proporem condições extremamente distintas para
a leitura em relação às outras atividades escolares: salas especiais, espaços e
decoração especiais. Como se ler fosse uma espécie de esporte, que exigisse
roupas e espaços específicos. Tudo para que se pense que ler não é trabalhar, não
é estudar. Como se leitura pudesse ser mais ou menos do que trabalho, mas não
fosse trabalho... (1994, p. 29).
O professor deve estar atento para que a prática da leitura, mesmo fora da sala de
aula, mantenha-se integrada entre as atividades escolares. Assim o aluno irá assimilar o
sentido do hábito da ler como parte natural do processo ensino-aprendizagem, mesmo que
este lhe seja apresentado de maneira prazerosa e diferente de outras práticas do cotidiano
escolar.
Na formação do sujeito leitor, podem-se inovar os suportes pedagógicos, podem
mudar a forma de se incentivar à leitura; mas o texto e o leitor não deixam de existir e,
como prevê Chartier, “o mais provável para as próximas décadas é a coexistência de
modos de inscrição e de comunicação dos textos: a escrita manuscrita, a publicação
impressa, a textualidade eletrônica” (2002, p. 107). Esse é um trabalho a ser empreendido
em parceria, entre família e escola.
É na família que se deveria se iniciar a experiência de leitura da criança, no
discernimento da fala dos que a rodeiam, já desde os primeiros dias de vida, sendo ela
capaz de reconhecer, pela verbalização do tom de voz, o sentimento que lhe está sendo
transmitido.
A família não deve omitir-se em relação a seu papel primordial na educação dos
filhos e cabe à escola, ao professor, buscar estratégias para envolver também os pais na
tarefa de incentivar a criança ao hábito da leitura.
Ruth Rocha chama atenção para a importância de ambiente favorável à leitura, na
formação desse hábito:
A criança que gosta de ler está nas casas nas quais se preza a cultura, na escola
na qual se valoriza o professor, recebendo o aprendizado que ensina ser a leitura
maravilhosa e, onde, conseqüentemente, se têm livros, muitos livros. Na casa
onde os pais lêem, as crianças têm acesso ao livro e é mais fácil que gostem de
ler (ROCHA, 1999, p. 18).
A família é, pois, o ambiente privilegiado para que se desperte na criança o
interesse pela leitura. Observa Ângela Balça que: “[...] sem o auxílio dos pais, são poucas
82
as probabilidades de se desenvolver na criança uma atitude favorável em relação à leitura”
(2009, p. 2).
Todavia, grande maioria das famílias brasileiras não tem o hábito da leitura, devido
às precárias condições sócio-econômicas e culturais. A situação ainda é mais precária
quando, em plena era das Tecnologias da Informação e Comunicação, os pais ainda não
são alfabetizados ou não têm consciência da importância do acesso ao saber, pela
convivência com o texto, antes de ingressarem na escola.
Nesse sentido, Ana Maria Machado enfatiza o importante papel mediador da
escola: “Sem dúvida cabe à escola estimular a leitura. O peso da escola é muito maior aqui
do que nos países mais desenvolvidos, onde as pessoas lêem mais...” (2001, p. 22).
Para Antoine Compagnon a leitura se liga diretamente com a empatia, projeção,
identificação do leitor e que o livro controla muito pouco o seu leitor, pois este, ao ler,
compreende mais a si mesmo do que ao próprio livro. O autor também dá ênfase à
liberdade para que o próprio leitor determine medidas de liberdade interpretativa
(COMPAGNON, 1999, p. 142-158).
Assim, é de suma importância atentar para a influência do contexto sociocultural e
econômico que hoje envolve a realidade educacional. Família e escola devem integrar-se,
como um todo, nesse processo de leituração, aqui destacando o Ensino Infantil.
De acordo com Friederich Litto (2001), os ambientes de aprendizagem e de
trabalho devem oferecer apoio tecnológico de todos os tipos, de maneira a permitir formas
de aquisição de conhecimentos mais ricos e eficazes do que as formas tradicionais.
Como menciona Ruth Rocha, escritora paulista de livros infantis, é mais fácil uma
criança gostar de ler, quando os pais têm o hábito da leitura, pois seu contato com o livro
começa mais cedo e, gradativamente, ela vai se inserindo no mundo maravilhoso da
leitura; na escola, onde se aplaude o professor que transmite ao aluno a importância da
leitura, através do exemplo e do incentivo. Rocha deixa claro que somente através do
interesse e integração dos pais, dos professores e da escola conseguirão cultivar nas
crianças o gosto pela leitura (Cf. ROCHA, 1999, p. 19).
Nesse contexto, é fundamental a atuação do professor, como leitor ativo, crítico e
criativo, pois, na maioria das vezes, o aluno o vê como modelo, a ser imitado. Já por essa
influência, o docente transfere involuntariamente para o discente o hábito de ler
assiduamente e o prazer pela leitura.
Uma estratégia mais acessível, que pode ajudar o professor a despertar no aluno o
prazer da leitura é a utilização da biblioteca. Este é um espaço ideal para suscitar-lhe o
83
interesse e a curiosidade em consultar livros diferentes, trocar ideias, nos intervalos, sobre
determinada obra ou autor, com seus colegas.
A função da biblioteca escolar ultrapassa os muros das escolas, não devendo se
restringir apenas a uma finalidade especificamente acadêmica, mas visando alcançar toda a
sociedade. E um dos maiores estímulos que a escola pode oferecer para incentivar a
formação de leitores é ter na instituição educacional uma biblioteca diversificada, com uma
variedade de obras sobre assuntos diversos, que satisfaça a todos os gêneros e todas as
idades.
Considerações finais
O leitor contemporâneo tem à sua disposição uma diversidade de canais de
comunicação cada vez mais eficientes e acessíveis, graças aos avanços tecnológicos. Essa é
uma realidade desafiadora, que demanda dos educadores uma capacidade de adaptar-se às
mudanças, de maneira a possibilitar aos educandos interagir criticamente com o mundo e a
sociedade em que estão inseridos.
Ainda maior é o desafio, quando se trata de formar o pequeno leitor do século XXI,
para que este seja formado para pensar criticamente, de maneira a utilizar e decodificar os
diferentes textos, interagindo com os diferentes meios, do livro impresso, ao texto digital.
A criança deve ser orientada para uma leitura prazerosa e interessante, para que possa
utilizar-se dos meios tradicionais ou das novas tecnologias, com ética e competência para
ler o mundo e se confrontar com a realidade, como sujeito leitor.
Um dos objetivos do ensino de Língua Portuguesa, mesmo diante das dificuldades
no processo educacional, é fazer com que a leitura esteja mais presente na vida cotidiana
dos sujeitos-leitores, aliando-se às dinâmicas do mundo moderno contemporâneo, nas
práticas escolares quanto nas atividades sociais.
Frequentemente se atribui ao professor de Língua Portuguesa toda a habilidade e
responsabilidade pelas aulas de leitura e escrita dos alunos, o que dificulta a compreensão
dos textos que circulam na escola. Cada contexto de leitura é tão importante, bem como a
construção de seu sentido e por isso não é possível que a escola se limite a formar leitores
somente nos textos destinados às aulas de Português. Sem um esforço conjunto, orientado
para a interdisciplinaridade, envolvendo escola e família, o aluno sairá do ensino
fundamental sem uma preparação para ler, compreender os textos e interagir com o mundo.
84
O aluno não deve ser conduzido a apenas transitar pela informação. Ele deve saber
transformar as informações em seu próprio conhecimento, através de procedimentos
adequados de aprendizagem. Assim, cabe à escola estar atenta e assumir seu papel de
educar as novas gerações para bem utilizarem as novas mídias, numa aprendizagem virtual
que já se impõe, dominando o cenário futuro da atual sociedade globalizada.
Referências
AMARAL, Sergio Ferreira do. As novas tecnologias e as mudanças nos padrões de
percepção da realidade. In: SILVA, Ezequiel Theodoro da (Coord.). A leitura nos oceanos
da internet. São Paulo: Cortez, 2003.p. 107-114.
ARAÚJO, Carlos Henrique; LUZIO, Nildo. Para superar o fracasso escolar. Disponível
em:
<http://www.inep.gov.br/imprensa/entrevistas/para_superar_fracasso_escolar.htm>.
Acesso em 23 jun. 2010.
BALÇA, Ângela. O papel da família na formação de leitores. Abril de 2000. Disponível
em <http://www.portaldacrianca.com.pt/artigosa> Acesso em: 9 set. 2009.
CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: UNESP, 2002.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. Cleonice
Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte. Ed.UFMG, 1999.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática.São Paulo: Contexto, 2006.
DEMO, Pedro. O porvir: desafios da linguagem do século XXI. Curitiba: Ibpex, 2007.
LITTO, F. Indicadores de uma escola moderna... um checklist. Disponível em:
<http://www.conteudoescola.com.br/site/content/view/104/42/1/6/ >. Acesso em: 28 mar.
2001.
MACHADO, Ana Maria. A leitura deve dar prazer. Revista Nova Escola. São Paulo, n.
145 (XVI): 21-23, set/2001.
POSSENTI, Sírio. Pragas da Leitura. Série Idéias n.13. São Paulo: FDE, 1994. p.27-33.
Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias _13_p027-033c.pdf>.
Acesso em: 10 dez. 2009.
ROCHA, Ruth. O livro infantil e a formação do leitor. Petrópolis, TJ: Vozes, 1995. Belo
Horizonte: Mazza, 1999.
SILVA, Waldeck Carneiro da. Miséria da biblioteca escolar. São Paulo: Cortez, 1995.
85
O UNIVERSO LÍRICO DE VINICIUS DE MORAES
Graciane Pereira da Silva *
Francis Paulina Lopes da Silva **
Marcelo Pereira Souto ***
São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher...
Vinicius de Moraes
Introdução
O popular poeta carioca, Vinicius de Moraes (1913-1980), deixou extensa obra
literária, inclusive, criando um estilo próprio de criação poética, ao reunir erudito e
popular, poesia e canção, literatura e música. Poetizou sobre uma variada temática,
entretanto, o “poetinha” se celebrizou pela sua maneira romântica e elegante de referir-se à
musa-mulher, em seus tantos perfis e por seu jeito boêmio e apaixonado, que conquistou
admiradores no Brasil e no mundo.
Em 10 fevereiro de 2010, o Jornal O Globo publicou a reportagem “Câmara aprova
promoção de Vinicius de Moraes, morto em 1980, a Ministro de Primeira Classe do
Itamaraty”, em homenagem por sua atuação como Ministro das Relações Exteriores e
como forma de reparação pela sua demissão, ao ser cassado em 1969, pela Ditadura
Militar. Essa e tantas outras manifestações do povo brasileiro e de tantas entidades ligadas
à cultura, arte e identidade nacionais revelam o legado de Vinicius legado poético,
filosófico-cultural.
Em sua produção poética, Vinicius soube reinventar a língua, em cada poema.
Sempre atento para a importância da língua, compreendeu que ser poeta é devolver ao
signo linguístico a sua carga expressiva máxima. E ele o faz com paixão, impregnando
*
Graduada doCurso de Letras/Espanhol do Centro Universitário de Caratinga (2010). Bolsista de Iniciação
Científica da FAPEMIG.
**
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Mestre em Letras – Teoria Literária,
(UFJF). Orientadora Acadêmica.
***
Professor do Centro Universitário de Caratinga. Mestre em Estudos Linguísticos (UFMG). Co-orientador
Acadêmico.
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seus versos de sentimento, memória, fantasia, em confissões íntimas, mas sem não se
restringir a um idealismo subjetivista. Seu universo lírico vai além, dando à palavra o ritmo
da vida, crítica, filosófica e muitas vezes, ironicamente, tornando sua obra única e
inesquecível.
A obra de Vinicius de Moraes reúne a exaltação da beleza, em suas várias
manifestações e o feminino, dando forma ao erotismo. Músico, boêmio, diplomata e
amante das mulheres, o poeta contribuiu extraordinariamente para a cultura brasileira e
marcou gerações e se tornou conhecido como o “poeta da paixão”, como lembra José
Castello (1994), dentre outros críticos.
Em sua trajetória o poeta deixa claro que nada mais é que um desdobramento da
emoção do poeta. Ao longo da obra viniciana, deparamo-nos com suas táticas de
reinvenção da língua e conciliando com arte tradição e invenção, tornou-se um dos maiores
poetas nacionais, desde a década de 1950.
Tendo declamado e cantado o amor de uma forma jamais vista, o poeta teve uma
vida conturbada, por encontros e desencontros do homem com suas emoções desenfreadas.
Os muitos casamentos, os inúmeros amigos, a boemia, sua abnegação, seu romantismo,
seus diminutivos carinhosos, seu desprezo pela gravata e por toda solenidade contrastavam
com a posição de diplomata, que iniciou em 1943.
Vinicius foi um homem deslumbrado pela vida e pelas mulheres, fazendo delas a
sua fonte de sua inspiração. Escritor da emoção, da sedução, despertou curiosidade, por seu
jeito próprio de retratar a figura feminina, na exaltação do erotismo e do desejo, tão
expressivos em sua obra poética. Muitos de seus poemas tornaram-se famosos, como letras
de canções, em parceria com músicos nacionais, valorizando e divulgando a música e a
cultura brasileiras, inclusive, fora do país.
O messianismo poético: amor e morte, na poesia inicial
Na obra do poeta da paixão, a tematização da mulher se multiplica por diferentes
olhares. A elas, consagrou grande parte de sua obra valorizando e exaltando-as.
Já no Modernismo brasileiro da década de 1930, já era notável a presença de
grandes poetas brasileiros com Murilo Mendes, Jorge de Lima e Cecília Meireles, que
atuavam no meio literário. Durante essa época, o jovem poeta Vinicius fez grandes amigos
87
como Octávio de Faria e Augusto Frederico Schmidt, que o apoiaram e com os quais ele se
identificou, nos versos iniciais, impregnados de religiosidade.
Os seus versos eram, então, longos, revestidos da forma narrativa, alternando
louvações e súplicas, em poemas que assumem o sentido litúrgico do texto bíblico, pela
voz de um eu poético lírico que figura como um ser iluminado, alguém que busca
recompor tempo místico e que enuncia como se estivesse orando, como no poema “Senhor,
eu não sou digno”:
Para que cantarei nas montanhas sem eco
As minhas louvações?
A tristeza de não poder atingir o infinito
Embargará de lágrimas a minha voz.
Para que entoarei o salmo harmonioso
Se tenho na alma um de-profundis?
Minha voz jamais será clara como a voz das crianças
Minha voz tem as inflexões dos brados de martírio
Minha voz enrouqueceu no desespero...
Para que cantarei
Se em vez de belos cânticos serenos
A solidão escutará gemidos?
Antes ir. Ir pelas montanhas sem eco
Pelas montanhas sem caminho
Onde a voz fraca não irá.
Antes ir - e abafar as louvações no peito
Ir vazio de cantos pela vida
Ir pelas montanhas sem eco e sem caminho, pelo silêncio
Como o silêncio que caminha... (MORAES, 1993 p. 37).
No verso “Senhor, eu não sou digno”, o eu poético dialoga com o texto bíblico,
lembrando as palavras do centurião diz a Jesus: “Senhor eu não sou digno de que entreis
em minha casa, mas dizei uma palavra e meu servo será salvo” (Mt 8, 8). O poeta não se
considera digno de entoar suas louvações, porque tem o coração triste, amargurado. Está
“vazio de cantos pela vida”.
Ainda no poema citado, há outra referência bíblica no verso “Se tenho na alma um
de-profundis?”. Trata-se de trecho do Salmo conhecido como De profundis: “Das
profundezas eu clamor a ti, Javé” (Sl 130, 1), em que o salmista desabafa com Deus, em
sua angústia. Também o eu poético clama pela misericórdia divina, num discurso
metalinguístico, sente-se “vazio de canto”, incapaz de cantar um “canto sereno”.
A estrutura do poema assemelha-se à dos Salmos bíblicos, prevalecendo a
interrogação, o silêncio, sobre o vigor da fala humana.
Outro poema composto na primeira fase poética de Vinicius de Moraes também é
marcado pelo verso livre e longo, metalinguístico:
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O Poeta
A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um conjunto de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão da beleza.
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.
Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos inatingíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida (MORAES, 1992, p. 32).
Em “A vida do poeta tem um ritmo diferente” [...], “E a sua alma é uma parcela do
infinito distante”, revela-se a ideia romântica do messianismo do poeta, em tom
acentuadamente religioso. O poeta, “Que vai, pisando a terra e olhando o céu/ Preso pelos
extremos inatingíveis”, tem uma missão a cumprir, a custo do “sofrimento que lhe clareia a
visão da beleza”.
Em sua primeira fase, os versos de Vinicius se pautavam pela linguagem abstrata e
alegórica, de elevação espiritual mística. Dessa fase é seu primeiro livro, Caminho para a
Distância, no qual se manifesta uma preocupação religiosa e angústia diante do mundo ,
revelando também um conflito entre o sensualismo e o sentimento religioso.
O amor, muitas vezes, é tido como um elemento negativo que o liga ao mundo
terreno, impedindo a libertação do espírito. O livro guarda um tom adolescente e as
imagens não têm a força de sua obra posterior. Trata-se de uma obra imatura, como disse o
próprio poeta “Esse livro é muito imaturo, é um poeta nos seus mais belos verdes anos
tentando encontrar sua fórmula”.
Em sua poesia inicial, a mulher está envolta em misticismo, como no poema
“Ausência”: “Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são
doces”. O poeta prefere a morte, pois a sedução da amada é vista como pecado, e apesar de
desejá-la profundamente, ele não pode possuir esse amor que o consome. “Porque nada te
poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto”, mas ainda assim o envolve
de vida e luminosodade: “No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a
vida...” (MORAES, 1992, p.16)
Esse tom de eterno apaixonado, porém, nunca deixará a poesia futura de Vinícius,
que não ficou livre do idealismo romântico nascido em sua fase religiosa. O preocupante
desejo de união ao eterno se refletiu mais tarde no lirismo amoroso, na indagação de um
amor ideal ou da mulher ideal ou no êxtase pelo que não se cansa e que permanece até no
instante mais passageiro ou na mais breve das paixões.
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A morte, em Vinicius, é tema constante em sua poesia, apresentada como a
consoladora que dará o grande descanso ao poeta. E a figura feminina é representada, na
poesia inicial, como tentação, pela carne, pecado e culpa.
Sua obra apresenta um estilo diversificado, de grande força criadora, a quem
Manuel Bandeira se referiu da seguinte forma: “Ele tem o fôlego dos românticos, a
espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes as
sutilezas barrocas)” e finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o
esplendido cinismo dos modernos.
Poeta espiritualista desenvolveu uma poesia intimista e reflexiva, de profunda
sensibilidade feminina, reforçando a tendência de sua geração. Contudo, a sua obra trilha
caminhos próprios, caminha cada vez mais para uma percepção material da vida, do amor e
da mulher. Partindo de uma poesia religiosa e idealizante, chega a ser um dos poetas mais
sensuais de nossa literatura.
O poeta da paixão e do amor sensual
No Brasil, na década de 1940, época em que os sonetos eram considerado
ultrapassados e já se ouviam falar tão pouco deles, na segunda fase do Modernismo
Vinicius trouxe de volta esse estilo, com maestria, em seu livro Cinco Elegias. Nesse livro
persistem temas como a luta contra o próprio desejo da carne. O tema amoroso, sempre
presente, traduz-se pela busca da mulher amada. A endência do poeta à transgressão já se
delneia nesse período: há um novo tom, nova linguagem, inclusive, comparada com a
tradição camoniana e shakespeareana.
Vinicius entrelaça, em seus sonetos, a arte e cotidiano e se torna símbolo de
liberdade, paixão, beleza e erotismo, em seus grandes temas: paixão, mulher e morte, em
versos cheios de ritmo e sensualidade, como, por exemplo, no “Soneto da devoção”:
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica em meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
(...)
Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela! (MORAES, 1992, p.93).
Nesse poema, significativo de uma outra tematização do feminino: “Essa mulher
que se arremessa fria”, “Me arrebata e me beija”, o poeta se deixa levar pelos desejos e
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instintos, o ato sexual já não é visto como pecado e sim, como contentamento, “Versos,
votos de amor e nomes feios”, o desejo arde em seu peito, ele deixa sair seus desejos mais
secretos e animalescos.” Essa mulher é um mundo - uma cadela”, ao mesmo tempo que a
vê como algo primordial em sua vida, ela representa um objeto de desejos e realizações.
Aqui se sugere a relação carnal entre o homem e a mulher, sem marca de arrependimento.
Vinicius, assim, poetiza, tanto o amor e de forma sensual, em linguagem mais
simples, verso livre, direto e dinâmico, quanto o amor à mulher idealizada, como no
“Poema dos Olhos da Amada”:
Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São doces mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus... (MORAES, 1992, P.221)
Em “Que olhos os teus”, “São cais noturnos”, “Cheios de adeus”, o poeta já se volta
para os olhos da amada, janela de sua alma, que dificilmente engana e faz enxergar o
invisível. O jogo com o claro/escuro, na primeira estrofe, sugere o tom de mistério, suave
ternura do amante apaixonado.
Em geral, nos poemas de Vinicius, o amor e a mulher andam juntos: “Foi antes de
tudo um apaixonado-e a paixão sabemos desde os gregos é o terreno do indomável”
(CASTELLO, 1994, p.11).
Sempre cercado pelas mulheres, fossem elas mães, namoradas, noivas, esposas e
amantes, louras ou morenas, o poeta soube atingi-las, valorizá-las e fazer dessa criação
divina, bela e perfeita, sua grande paixão. Tocava bem o violão, era dançarino e nunca lhe
faltavam garotas nem amigos.
Vinicius casou-se nove vezes, mas as tantas separações não extinguiram a
sinceridade de seus sentimentos pelas mulheres com quem se relacionou. Todas
influenciaram seu sentimento amoroso. Confessava que cada uma revelou-lhe uma face de
sua percepção amorosa, como amantes, noivas, namoradas, esposas mães e, afinal, em
quem seu ser inquieto repousou.
Depois das mulheres, o uísque era a maior paixão do poeta. A bebida, que tantas
vezes o relaxou, abrindo-lhe a consciência para dissertar sobre cenas do cotidiano ou
construir densas reflexões sobre a existência, foi a mesma que o destruiu aos 67 anos.
91
Vinicius dizia “que só gostava do mundo depois da segunda dose, a bebida lhe Dara um “a
mais” sem o qual o mundo parecia fútil e desinteressante” (CASTELLO, 1994, p.15).
Dominava linguagem culta, sedutora e misteriosa e talvez fossem essas qualidades
que o aproximassem tanto das mulheres. Vinicius, com sua poesia, explorava os mistérios
do universo feminino, rompendo com padrões pré-determinados, que definiam a mulher a
partir de papéis, como ocupações domésticas e o cuidado dos filhos e do marido. Ele as
olhava como símbolo própria feminilidade, destacando-lhes características como
espontaneidade, pureza, sensualidade e doçura.
Ao escrever sobre as mulheres Vinicius arriscou-se a recriá-la sob diversos ângulos,
desde a mulher subordinada, artifício de desejo, até aquela endeusada, de forma quase
metafísica das ricas ás mais pobres, das cultas ás analfabetas, das livres às escravas. Para
Vinicius de Moraes, não importava a classe social, mas que a mulher fosse essencialmente
valorizada e reconhecida, como observamos no “Poema para todas as mulheres”:
No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feche teus braços para a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
(MORAES, 1992, p. 94)
Em “No teu branco seio eu choro”, “Minhas lágrimas descem pelo teu ventre” temse o olhar para a mulher, mais que objeto de desejo, como o porto seguro, onde o amante
pode depositar toda sua confiança; ela sendo, inclusive, presença consoladora: “Oh, não
feche teus braços para a minha tristeza não”.
Perfis femininos em Vinicius de Moraes
Por toda a obra de Vinicius, a tematização da mulher se desdobra em inúmeros
perfis, alguns dentre os quais aqui serão lembrados.
A imagem da mulher-filha, no poema “Balada do Cavalão”, traduz-se em uma
delicada expressão do amor paterno, revelando a experiência do pai e poeta, que chora a
morte de uma filha:
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Susana deixou minha alma
Numa grande confusão
Seu berço ficou vazio
No morro do Cavalão:
Pequena estrela da tarde.
Ah, gosto da minha vida
Sangue da minha paixão!
Levou o anjo o outro anjo
Da saudade de seu pai
Susana foi de avião
Com quinze dias de idade
Batendo todos os recordes!
[...]
Susana nasceu morena
E é Mello Moraes também:
É minha filha pequena
Tão boa de querer bem (MORAES, 1992, p. 100)
A balada é um canto de saudade, dedicado à filha, o anjo, que lhe foi levada do
morro do Cavalão por outro anjo a Morte. Revela o orgulho de ser pai, em: “E é Mello
Moraes também” e “É minha filha pequena”, que se frustra, com a perda da pequena
Susana, que deixa um vazio na vida do poeta: “Balança, rede, balança....”
A figura da mulher-mãe, no seu poema intitulado “Mãe”, é uma bela declaração de
amor que brinca com as letras do vocábulo “mãe”, traduzindo delicadeza e admiração pela
maternidade, que inspira respeito, bênção, dor e amor infinito:
Mãe... vocábulo perfeito
Mais belo nunca se viu
Nas letras impõe respeito
Mas abençoa no til.
Mãe... uma só consoante
Unida a duas vogais.
A imagem da dor constante
No espelho do amor demais.
Mãe... três letras somente
Porém, que infinitamente
Singular substantivo
Que nunca se vai esquecer
Por quem se pode morrer
E a quem se deve estar vivo... (MORAES, Apud CASTELLO, 1994. p. 79)
“Mãe...vocábulo perfeito”, “Nas letras impõe respeito” palavra sublime que em
apenas três letras significa tanto, “Singular substantivo”, é única superior, aquela dedicada
e atenciosa, superior a todas ouras que tenha conhecido. Ela é porto seguro em que pode
depositar suas angústias, medos e fragilidades.
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No “Poema para todas as mulheres”:
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes,
[dai-me o cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha, quero o colo de Nossa Senhora!
(MORAES, 1992, p.94)
Em “Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha, quero o colo de Nossa Senhora”,
traduz-se o discurso quase infantil dos desejos da criança, pelo aconchego do colo materno.
O poeta tenta fugir dos riscos oferecidos pela mulher fatal, devoradora, pronta a consumilo de prazer, ansioso por abrigar-se n o colo de sua mãe terrena e da mãe celeste, idealizada
pelas crenças religiosas.
Já mulher fatal é tematizada no célebre poema “Receita de Mulher”:
As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental.
É preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios. (MORAES, 1992, p. 227-228)
Vinicius racionaliza, materializando a descrição da beleza feminina nos seguintes
versos “beleza é fundamental”. Entretanto, nunca deixa de fora o olhar idealizador: “É
preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso”, mesmo que exija detalhes físicos de
uma mulher sensual: “Com olhos e nádegas”, “boca fresca”, “extremidades magras”.
“cintura semovente”... Para Vinicius, a mulher nem precisava falar nada, apenas um olhar
ou um gesto, pois toda sua sensualidade já estava visível. “Gravíssimo é, porém o
problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes,
indispensável”. Nesse poema, a mulher bela é colocada no mais alto pedestal: dedicada e
idealizada ao mesmo tempo objeto de desejo, não só carnal, mas também estético.
94
Vinicius não é o único a poetizar a mulher, capaz de despertar um misto de prazer
erótico e estético. Assim também o faz Carlos Drummond de Andrade, no poema “Mulher
andando nua pela casa”.
Mulher andando nua pela casa
envolve a gente de tamanha paz.
Não é nudez datada, provocante.
É um andar vestida de nudez,
Inocência de irmã e copo d’água.
O corpo nem sequer é percebido
pelo ritmo que o leva.
Transitam curvas em estado de pureza,
dando este nome à vida: castidade.
Pêlos que fascinavam não perturbavam.
Seios, nádegas (tácito armistício)
repousam de guerra. Também eu repouso (ANDRADE, 1993, p. 54-55).
Em “Mulher andando nua pela casa”/ “envolve a gente de tamanha paz”, o poeta
como que radiografa a sensualidade a nudez e a beleza feminina nesse poema, com clareza
podemos perceber elementos carnavalizados ao mesmo tempo em que ousadia e inocência
se encontram.
Em sua obra, Vinicius dá asas ao erotismo, inventando uma poética corporal
própria, pura fantasia e a mulher, com seu discurso de veemência e beleza, uma mulher
disfarçada em delicadeza, lirismo e sedução.
No poema “A Volta da Mulher Morena”, o eu poético vê com pavor inquieto a
mulher-fatal, de olhos, lábios e peitos da “Mulher Morena” envolventes, a ponto de lhe
tirar a poesia da alma:
A Volta da Mulher Morena
Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando da noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos (MORAES, 1992, p. 21-22).
Ao pedir: “Meus “amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena”, o poeta
pede que ceguem não a si, mas à mulher fatal que o envolve em desejo e lhe tira o sono. O
exagero do discurso lírico do poeta da paixão traduz, nas entrelinhas, a sua forte atração
pelas mulheres, que marcou a sua trajetória amorosa.
95
A mulher-deusa, em Vinicius, percorre toda sua obra, em constante idealização da
mulher, adorada e venerada, cada uma à sua maneira, independente de raça, classe social:
“Vinícius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão” – afirmou
Carlos Drummond de Andrade. Ele foi capaz de transformar a mulher demônio em deusa,
santificando-a até mesmo sendo ela sua fonte de inspiração e perdição, o que pode ser
observado no poema “A busca da mulher amada (II)”, Vinícius a torna mulher equiparada
a Deus, princípio e fim de tudo:
A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
[...]
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
(MORAES, 1992, p. 224-225)
A temática social: poesia solidária
Em outros poemas, Vinicius revela uma postura comprometida com a sociedade,
contra a injustiça, a violência e aliciação política, preocupando-se com o ser humano e os
problemas de seu tempo.
Contemporâneo à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o eu poético clama pela
paz mundial, mas sem abandonar a temática amorosa, no poema “A Rosa de Hiroshima”:
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada (MORAES, 1992, p. 196).
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Em versos como “Pensem nas crianças mudas telepáticas”, “Pensem nas meninas
cegas inexatas”, “Pensem nas mulheres rotas alternadas”, o eu poético se faz eco da
humanidade, apelo à consciência das consequências trágicas da guerra, dos horrores que,
“Da rosa de Hiroshima”, a bomba atômica, afetaram tantas vidas, como um memorial da
própria crueldade na relação entre os seres humanos...
A alusão à primeira bomba atômica, lançada, em 6 de agosto de 1945, pelos
Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, atingindo brutalmente, no Japão, as cidades
de Hiroshima e Nagazaki, no poema é metaforizada pelo signo “rosa”, que já no título do
poema, sugere um duplo olhar e sentir a guerra. A rosa, flor de referência pela beleza e
perfume, um inofensível símbolo do amor e do bem, aqui espelha a bomba atômica, que,
em forma de flor, nuvem de cogumelo, abateu-se terrível e ameaçadora sobre Hiroshima,
deixando mais de 250 mil pessoas mortas ou feridas. Assim o poeta, registra a sua
indignação: “Estúpida e inválida/ A rosa com cirrose/ A antirrosa atômica/ Sem cor sem
perfume”, protestando contra toda a estupidez humana, que trouxe tanta tragédia e tristeza
para o Japão e toda a humanidade.
O poema se traduz em apelo: “Pensem”, um grito de dor solidária, revolta e
apreensão, diante da situação arrasadora, testemunhada por todo o mundo em pânico, pelas
consequências da guerra que atingiu a tantos inocentes: “crianças/ Mudas telepáticas/ [...]
meninas/ Cegas inexatas/ [...] mulheres/ Rotas alteradas”. O poeta, que sempre revelou
especial carinho pelo universo feminino, pelas crianças, clama: “Pensem nas feridas/ Como
rosas cálidas”, chamando atenção para o outro sentido, poético, terno, da “rosa”,
metaforizando os frágeis humanos, principalmente, crianças e mulheres.
Vinicius faz outro apelo a sociedade no poema “Operário em construção”:
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
muitas outras seguirão.
97
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia (MORAES, 1992, p. 242).
O poema se faz uma apologia ao trabalho operariado, ao mesmo tempo que
denuncia a exploração do trabalho humano, a opressão e o desnível social, que escraviza e
lhe tira a dignidade.
O operário personifica o trabalhador assalariado, cujo trabalho vale muito mais que
o que produz – é sua missão fazer as casas lhe brotarem da mão. Num um canto triste, o eu
poético se solidariza com a dor e decepção do operário em construção, que subia com as
casas que construía, mas também sofria com a consciência de que era explorado. Assim, o
verso é trabalhado estética e criticamente, despertando no leitor/ ouvinte a consciência da
necessidade de mudança social.
Vinicius e a Bossa Nova
Como se não bastasse todo o seu sucesso na poesia, Vinicius inova mais uma vez,
trazendo seu verso para a Música Popular Brasileira, como coadjuvante na riação de um
dos mais importantes movimentos musicais brasileiros, a Bossa Nova, há mais de 50 anos,
uma das maiores contribuições para a música popular contemporânea.
A Bossa Nova foi uma das grande revoluções da música brasileira de qualidade e
abriu portas para a MPB, fazendo com que em 1958, o Brasil se projetasse no mundo, além
da fama de País do futebol. A partir dessa data, a música brasileira quebraria a fronteira e
transformaria para sempre a história da música.
A palavra “Bossa” nada mais era que uma gíria muito usada na época; para se
expressar uma maneira, um jeito especial de alguém, dizia-se que ela tinha “bossa”.
A parceria entre Vinicius de Moraes e Tom Jobim não poderia ter sido mais
fecunda. No samba “Chega de Saudade”, apresentado pela primeira vez em 1958, quando a
dupla já era notável. Tocado por João Gilberto, o samba misturava as raízes do do ritmo
nacional com o improviso e a modernidade do jazz norte-americano. O resultado foi um
dos mais deliciosos ritmos da Música Popular Brasileira, reconhecido no mundo inteiro: o
cantar baixinho (à Vinicius) do texto bem pronunciado o tom coloquial fizera a fusão
perfeita.
98
Nas letras, a presença dominante dos versos de Vinícius de Moraes garantiu ao
movimento significativa qualidade lírica, como o sucesso internacional alcançado pela
canção “Garota de Ipanema”, cuja letra era de Vinicius e a melodia, de Antônio Carlos
Jobim.
Vinicius de Moraes foi cantor e compositor de extensa obra poética: escreveu mais
de 400 poemas, fez crônicas, peças de teatro, críticas de cinema e sua atuação e genialidade
poética é indiscutível. “Para Vinicius poesia não é uma arte que se ergue sobre conceitos e
sim pela emoção’’(CASTELLO, 1994, p 13).
Considerações Finais
O estudo da vida e obra de Vinicius de Moraes possibilitou melhor conhecimento
deste artista carioca, poeta significativo da modernidade, que pautou sua e obra por uma
maneira própria de agir e pensar bem expressivos de seu temperamento otimista e
apaixonado.
Neste texto, foram apresentadas apenas algumas conclusões da pesquisa sobre o
autor e sua obra, ainda em desenvolvimento. Muitos outros aspectos deverão ser abordados
neste Projeto, como a participação de Vinicius de Moraes na MPB e a presença da cultura
e identidade brasileiras em sua poética, inclusive a repercussão e herança de seu
pensamento e ação na mídia contemporânea.
Pela arte literária, aliado amor, desejo e crítica social, a imaginação criadora, em
seus sonetos, torna-se registro da realidade. Vinicius, que mesmo em sua fase inicial, mais
religiosa, priorizava a temática da mulher amada, em toda a sua poesia faz de sua lírica um
canto de valorização da figura feminina e a exaltação do erotismo e desejos, muito
expressivos por toda sua obra. Mas também, atento à realidade sociocultural e política,
defende, em seu verso crítico e solidário, a dignidade e o respeito a cada ser humano. Sua
poética de crítica social, como na denúncia à guerra brutal, ou na denúncia às injustiças
sociais e à discriminações de classes revelam o quanto o poeta, que, em sua alma de artista,
também foi apaixonado defensor dos direitos humanos, a ponto de ter sido perseguido e
cassado, em seu cargo diplomático, pelo regime da ditadura militar no Brasil.
O poeta da paixão, em seu universo lírico, encontro espaço para disseminar sua
maneira revolucionária de pensar, seu espírito crítico, aberto à beleza interior e exterior das
pessoas, seu amor apaixonado às mulheres, à arte, enfim, à vida que palpita em tudo, até
mesmo na dor e na saudade.
99
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Mulher andando nua pela casa. In. ___. O amor
natural. 11. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 54-55.
CASTELLO, José: O poeta da paixão, São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
COUTINHO, Afrânio. Gênero lírico. In: ___. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1976. p. 59-71.
MORAES, Vinicius de. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
______. Poesia completa e prosa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1986.
MOISÉS, Carlos Felipe. Vinícius de Moraes: seleção de textos, notas, estudos biográfico,
histórico e crítico e exercícios. São Paulo: Abril Educação, 1980. p. 1-33.
FERREIRA, Paulo Rodrigues. Poemas, sonetos e baladas, Vinicius de Moraes.
Comentários. 27-03-2009. Disponível em: <http://orgialiteraria.com/?p=200> Acesso em
03/04/2010.
Reabilitação no Itamaraty. Câmara aprova promoção de Vinicius de Moraes, morto em
1980, a Ministro de Primeira Classe. O Globo / País. 10/02/2010. Disponível em
<http://www.viniciusdemoraes.com.br/Reabilitacao /reabilitacao.html.> Acesso em 02-042010.
100
TEXTO, TIC E LINGUAGEM
Helena Cristina Abib Miranda Marques *
Francis Paulina Lopes da Silva **
Maria José Ladeira Garcia ***
Eduardo Vítor Miranda Carrão ****
Introdução
No presente artigo, o hipertexto é tomado como objeto de observação e
questionamentos, pois surgiu revolucionando os mecanismos de produção e recepção dos
textos impressos, constituindo-se em uma nova forma de interação verbal. É nessa
interação que surgem e permanecem os movimentos da verdadeira essência da
comunicação humana, através do par locutor-ouvinte, condição necessária e intrínseca da
linguagem humana. Sobre a interação verbal, Bakhtin afirma que:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de
formas linguisticas nem pela enunciação 10 monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui
assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2002, p. 123).
A tecnologia, sem dúvida, é um forte elemento estruturante, principalmente depois
do século XVII, quando a ciência e a técnica associaram-se. As técnicas, tanto as antigas
quanto as mais modernas, fazem parte da cultura, dos valores dos indivíduos. Assim, a
interlocução com o que a tecnologia produz constitui parte do letramento de um indivíduo.
Sendo assim, a interface homem-máquina necessita de recursos mais sofisticados e
*
Mestre em Educação e Linguagem do Centro Universitário de Caratinga – MG. Endereço eletrônico:
[email protected].
**
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Coorientadora. Endereço eletrônico:
[email protected].
***
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Orientadora. Endereço eletrônico:
[email protected].
****
Professor Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professor do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutor em Educação (Universidade do Minho – Portugal). Endereço eletrônico:
[email protected].
10
“Enunciação” é a objetivação da atividade mental (BAKHTIN, 2002, p. 125).
101
velozes, pois essa interlocução não é mais ditada por características anatômicas, e alguns
grupos de pessoas fazem a técnica que transforma a sociedade e condiciona o pensamento
humano. Dessa maneira, segundo Lévy: “A história das tecnologias intelectuais
condiciona, sem no entanto determiná-la, a do pensamento” (LÉVY, 1993, p. 19).
A tecnologia é parte do momento histórico que se vive hoje e a consciência
histórica dos homens exige também sua inserção crítica na história de transformação do
mundo, assumindo o seu papel de sujeitos, que, segundo Paulo Freire, “fazem e refazem o
mundo. Exige que os homens criem sua existência com o material que a vida lhes
oferece...” (FREIRE, 1980, p. 26).
A dificuldade de aproveitamento das novas tecnologias como recurso auxiliar no
processo de aquisição da linguagem em sala de aula tem suscitado constantes preocupações
de educadores. Por exemplo, nas aulas de Língua Portuguesa e no próprio processo ensinoaprendizagem as tecnologias, embora sejam instrumentos auxiliares de extrema
importância, ainda vêm sendo pouco utilizadas.
Antes da escrita, os interlocutores – o falante e o ouvinte – tinham que estar em um
mesmo tempo e num mesmo espaço. A comunicação exigia o deslocamento do falante ou
do ouvinte. A escrita realizou uma das maiores façanhas da História: fixou o discurso e
proporcionou, assim, o distanciamento temporal e espacial desses interlocutores no
processo de comunicação. A fala, então, foi fixada em um suporte que, a partir daí, podia
ser transportado e arquivado. A escrita permitiu o arquivo das informações – da fala, mais
precisamente. O texto escrito tornou-se, então, o arquivo que transporta a comunicação,
permitindo que ela ocorresse, independente do tempo e do espaço real, por parte dos
interlocutores. Assim surgiu o hipertexto. O feito grandioso da escrita é, portanto, a
virtualização da fala. O texto escrito, seja qual for sua modalidade, é sempre virtual, pois o
leitor tem a oportunidade de interferir nele. Não há, assim, nenhuma diferença estrutural
para ele, pois, quando se abre um livro ou a tela do computador, um texto pode ser
atualizado pela leitura e pela interpretação, por meio do diálogo instaurado nesse processo.
Sobre o diálogo estabelecido, no sentido amplo ou não, simplesmente, como um ato
de fala, uma comunicação face a face, Bakhtin afirma que:
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento
da comunicação verbal. Ele é o objeto de discussões ativas sob a forma de
diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para
ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso
interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se
encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas,
102
resenhas, que exercem influências sobre os trabalhos posteriores, etc) [...]
Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma
discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,
refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura
apoio, etc. (BAKHTIN, 2002, p. 123).
Com o surgimento do hipertexto, as pessoas lidam com outras temporalidades e
espacialidades; não precisam mais do espaço geométrico, antes, permeador do texto, pois
,a partir de sua simulação na tela do monitor, é possível ler, escrever, sob o
condicionamento de novas estratégias de leitura, de diálogos. As expectativas em torno do
interlocutor virtual são maiores e desafiadoras. E maiores são, também, as possibilidades
de aprendizagem da Língua Portuguesa.
O hipertexto é subversivo. Hoje, quem direciona o conhecimento não é mais o
professor, antes detentor de todo o saber e nem a escola, com seus currículos ultrapassados
e inadequados à aprendizagem no contexto contemporâneo, mas o aluno, curioso, criativo
e à espera de um professor, também sensível e aberto ao novo, ou muito mais, criativo que
ele.
Há, sem dúvida, inúmeros desafios a serem superados quanto à utilização das TIC
nas escolas de Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Entretanto, é importante salientar
que, embora tais desafios ainda sejam substanciais, é preciso investigar com mais atenção
as inúmeras possibilidades de se relacionar Educação às Tecnologias. O ensino da Língua
Portuguesa depende de novos olhares para as inúmeras possibilidades que esse valioso
suporte textual oferece à Educação. É necessário buscar novos parâmetros que possibilitem
encontrar novos sentidos, novos leitores, novos saberes. Dentre esses novos modelos, que
interessam à formação de leitores contemporâneos, os gêneros textuais, merecem especial
atenção.
Gêneros textuais: a linguagem e seus movimentos
A constituição histórica dos gêneros textuais e a relação dos novos gêneros do
discurso condicionados pelas novas tecnologias apresentam-se, na modernidade, como um
desafio para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa. Interessam, mais precisamente,
no que diz respeito ao manuseio de diversos textos em sala de aula, privilegiando-se os
aspectos plurissignificativos da linguagem, em função da interação social.
Os gêneros, segundo Bakhtin, podem ser considerados como instrumentos:
103
[...] que fundem a possibilidade de comunicação. Trata-se de formas
relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em situações habituais,
entidades culturais intermediárias que permitem estabilizar os elementos
formais e rituais das práticas de linguagem. Os locutores sempre
reconhecem um evento comunicativo, uma prática de linguagem
(BAKHTIN, 2002).
A aprendizagem de uma língua acontece entre as atividades de linguagem e, dessa
forma, o gênero torna-se um grande instrumento de aprendizagem, pois fornece um suporte
para as atividades em situações concretas de comunicação.
Assim, a situação concreta de interação verbal leva em consideração um conjunto
de coerções dadas pela própria situação concreta de comunicação: quem fala, sobre o que
fala, com quem fala e com qual finalidade. Esses elementos condicionam as escolhas do
locutor que faz uso do gênero mais adequado àquela situação.
O avanço da ciência é que tem permitido ao ser humano avançar em diferentes
aspectos da vida. Não é diferente com a ciência linguística, pois a sociedade encontra-se
em transformação constante. Assim se produzem novas exigências e se requerem novas
competências e capacidades para a interação desse sujeito nesse mundo. O discurso é
responsável pelos efeitos de sentido entre os interlocutores no ato de comunicação. Dessa
forma, o texto está em funcionamento e a linguagem em movimento, pois, como observa
Orlandi, “ao saber como o texto funciona, espero que o aluno-leitor possa ler não apenas
como o professor lê, mas se construir como sujeito de sua leitura” (2002, p. 213).
É importante levar em conta que, quando se ensina Língua Portuguesa na
perspectiva discursiva, o objeto de ensino de Língua Portuguesa é o gênero textual: as
formas através das quais os discursos circulam na sociedade. Essas formas são ações
marcadas por condições sociais e históricas, o que sugere que os gêneros são ações sóciodiscursivas de agir sobre o mundo. É a linguagem transformada em práticas.
Nos últimos anos, deslocou-se a orientação de como ensinar Língua Portuguesa: em
lugar de se partir de unidades menores que compõem o sistema da língua, como
tradicionalmente se fez, a orientação era partir de uma unidade real de comunicação: o
texto. Essa concepção conduziu a uma diversidade de textos, mas não a uma diversidade de
gêneros, consideradas as situações de interlocução. O texto foi tomado como objeto e não
como discurso. Ao se levar em consideração que nenhum enunciado se constrói no vazio,
conclui-se que ele é fruto de uma situação comunicativa específica e, por isso, apresenta
características inusitadas e diferenciadas. Talvez esse seja o motivo mais significativo que
envolva o trabalho com a leitura e a escrita nas escolas hoje. Nenhum indivíduo sente-se
104
motivado a escrever no e para o vazio, sem obter uma resposta sobre o que escreveu, ao
realizar uma “tentativa” de interlocução.
O objetivo de se ensinar, então, a Língua Portuguesa, através da concepção de
Língua como discurso, é colocar a linguagem em funcionamento e atribuir a ela um
movimento nas esferas sociais, através das várias modalidades textuais existentes.
Tradicionalmente, os gêneros são classificados como: descritivo, narrativo e dissertativo.
A aula de Língua Portuguesa deve colaborar para que o aluno aprenda e use o
discurso como evento que pode mudar a própria vida, cabendo à escola desenvolver a
capacidade discursiva do aluno para leitura, escrita e produção oral em diferentes gêneros.
A linguagem do hipertexto, produtora de sentido: novo suporte de leitura e escrita
Pierre Lévy assim explica o hipertexto:
É um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras,
páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras,
documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens
de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós,
mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de
modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um
percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível.
Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira (LÉVY, 1993.
p. 33).
Os modos de enunciação no meio digital mostram uma grande diversidade de
gêneros textuais. Sem dúvida, a interação mediada pela tecnologia faz prevalecer o
diálogo, a comunicação, a troca de mensagem e proporciona grandes possibilidades de
agir, interferir e construir, em tempo real, em meio a esses “nós ligados por conexões”, de
que trata Lévy. O tempo e o espaço são reelaborados pelos interlocutores imediatos no ato
comunicativo.
A quebra da linearidade é uma característica da disponibilização de todo o
hipertexto e atua diretamente nos graus de liberdade do leitor, através dos vários recursos
de interatividade, facilitadores de novas formas de construção textual. Segundo Marcuschi,
essa organização textual:
[...] não depende de um eixo central que sustenta um conjunto
hierarquicamente organizado de informações secundárias, exige que o
leitor faça escolhas e também determine tanto a ordem de acesso aos
diferentes segmentos disponibilizados no hipertexto, quanto o eixo
105
coesivo que confere um sentido global ao texto lido. Como os segmentos
anteriormente acessados tornam-se co-textos para os segmentos
posteriormente lidos, é difícil para o autor de um hipertexto prever a gama
de possíveis sentidos que podem ser construídos durante a leitura
(MARCUSCHI, 2005, p. 17).
Os múltiplos sentidos permitidos pela estrutura hipertextual tornam-se ainda mais
relevantes nos ambientes de hipermídia, nos quais a hipertextualidade, possibilidade de
formas de hipertexto carregada por sons, textos verbais, imagem, movimentos, cores, faz
ultrapassar as possibilidades interpretativas dos gêneros tradicionais.
Os gêneros textuais emergentes, definidos assim por Marcuschi (2005) são: E-mail,
chat em aberto, Chat reservado, Chat ICI (agendado), Chat em salas privadas, Entrevistas
com convidados, E-mail educacional (aula por e-mail, Aula Chat (aulas virtuais, Vídeoconferência interativa, Lista de discussão, Endereço eletrônico, Blog, em contrapartida com
os gêneros já existentes, citados anteriormente.
Cada gênero “emergente” deve ser analisado de forma particular em suas
especificidades. Levantando questionamentos a respeito da linguística textual moderna, é
preciso considerar, primeiramente que a linguística tal como está definida hoje não dá
conta de especificar, arrolar, identificar, nomear os “possíveis” gêneros textuais existentes
hoje. E a questão tempo/ espaço? Os meios eletrônicos não atingem a estrutura da língua,
mas atingem o aspecto nuclear do uso, pela manifestação do sentido através do TEXTO,
agindo diretamente nos mecanismos de produção e recepção dos mesmos.
Considerações finais
Entender a hipertextualidade dessa forma é admitir que a soma dos hipertextos é
sempre maior que o todo, pois a auto-organização faz emergirem sentidos, ressaltando a
diversidade como uma de suas características. Como já preconizava Bush (1945), as ideias
humanas se manifestam por conexões criadas pelas mentes e colocam em movimento
ideias, elaborando novas culturas, novos pensamentos e novas formas de lidar com o texto,
e, consequentemente, novas formas de ensinar no processo de leitura e escrita dos novos
leitores na contemporaneidade. Assim, o fim de um processo hipertextual da escritura
torna-se o estado inicial para outro processo hipertextual, o da leitura.
No conjunto de fatores que devem ser levados em conta no ensino da Língua
Portuguesa, ressaltam as tecnologias que surgem e continuarão surgindo, fazendo emergir
gêneros textuais diversos, vinculados às novas experiências dos indivíduos. Cabe reiterar
106
aqui a relevante importância de se tomar para estudo os gêneros textuais como forma de
revisão dos conceitos tradicionais sobre o funcionamento da língua, repensando-se as
relações existentes entre a oralidade e a escrita. É importante refletir sobre as práticas de
socialização da língua pelas novas tecnologias, no que toca ao desenvolvimento dos
conhecimentos da língua, pelos alunos, direcionando-os à construção de modelos textuais
interativos mais maleáveis, em sua ação linguística.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 213p.
GOZZI, Marcelo Pupim; MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. A mediação pedagógica
no processo de formação da comunidade virtual de prática do curso de governo eletrônico
da FUNDAP. In: As TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) no processo de
ensinar e aprender e na formação docente. IX Congresso Estadual Paulista sobre
Formação de Educadores – 2007. UNESP - Universidade Estadual Paulista - Pro-reitoria
de
Graduação.
Disponível
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http://www.unesp.br/prograd/ix%20cepfe/Arquivos%202007/14Rapdf.pdf >. Acesso em
21 maio 2009.
KOCH, I. G. V. A construção de sentidos no hipertexto: demandas lingüísticas e
cognitivas. In: 1º Encontro Nacional sobre Hipertexto, 1, 2005, Recife. Disponível
emwww.ufpe.br/hipertexto2005/TRABALHOS/Ingedore.htm, Acesso em 30 de maio de
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LÉVY, Pierre. Educação e cybercultura: a nova relação com o saber. Disponível em
<http://empresa.portoweb.com.br/pierrelevy/educaecyber.html>. Acesso em 15/06/2009.
______. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática.Rio
de Janeiro: Editora 34, 1995.
______. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MARCUSCHI, L A.; XAVIER, A. C. Hipertextos e gêneros digitais. São Paulo: Lucerna,
2005
NASCIMENTO, M.; OLIVEIRA, M. A. Texto e hipertexto: referência e rede no
processamento discursivo. In: NEGRI, L.; FOLTRAN, M.; OLIVEIRA, R.P. (Orgs.).
Sentido e significação; em torno da obra de Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. p.
285-303.
ORLANDI Eni Pulccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.
Campinas: Pontes, 1996.
107
PRIMO, Alex. Ferramentas de interação em ambientes educacionais mediados por
computador. Disponível em <http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/ferramentas_interacao.pdf>.
Acesso em 06/06/2009.
TODOROV, T. Os gêneros do discurso.São Paulo: Martins Fontes, 1980.
108
DESAFIOS NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Ilma de Castro Barros e Salgado * (Faculdade Metodista Granbery)
O tema proposto para a presente reflexão – DESAFIOS NO ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA 11 – conduz-nos, de imediato, à questão relacionada a mudanças. Mudar
metodologias já arraigadas requer desafios a serem enfrentados e superados,
principalmente pelo professor que deixa de ocupar o papel de "condutor" do processo
ensino-aprendizagem para, parafraseando Z. Bauman (1997), ser o "arrivista" do mesmo,
ou seja, aquele que a ele chegou primeiro e não o seu detentor. Este tem sido um dos
grandes desafios no ensino da língua estrangeira: o papel do professor.
Em tempo de cada vez mais avançada tecnologia, o ensino da língua estrangeira
também precisa ser um processo ativo, prazeroso, em que seja desenvolvido um programa
ativo, prazeroso. Nesse sentido, encontramos em Prabhu (1987) a afirmação de que os
alunos aprendem melhor em um ambiente que favoreça questões que levem à interação
entre informação, motivação e crítica.
Todo professor tem um programa a ser desenvolvido, não se pode negar esse
aspecto. Porém, a metodologia da interação deve ser o fio condutor desde a preparação do
mesmo. Assim, deixar de lado uma metodologia pré-existente e trabalhar numa concepção
interacionista que inclui a presença do "aprendiz" é um desafio.
Karl Marx já dizia: "para cada um de acordo com suas habilidades; para cada um de
acordo com suas necessidades". Transpondo a afirmação marxista para o tema em questão,
esbarramos no ponto básico: quais as reais necessidades do "aprendiz" de uma língua
estrangeira? Segundo Hutchinson e Waters (1990), algumas considerações devem ser
preliminarmente feitas:
1. Quem são os alunos?
Idade,sexo/
Qual a finalidade do estudo da língua estrangeira (por estar na grade curricular,
por obrigação imposta pelos pais, para trabalho, por prazer, para prestar algum
exame seletivo, por status)?
*
Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora Titular de
Língua Inglesa da Faculdade Metodista Granbery. Email: [email protected]
11
Conferência apresentada no II Seminário em Educação e Linguagem, realizado pelo Centro Universitário
de Caratinga, em 25-28/05/2010.
109
Qual o seu conhecimento prévio da mesma?
2. Quanto tempo durará o curso?
A partir das respostas a essas questões se dá início ao processo interativo (professor
x aluno x aprendizagem) e a consequente escolha do material a ser utilizado. Dessa forma,
será permitida a aprendizagem com sentido da língua estrangeira, a internalização do
conteúdo, pois, segundo Vygotsky, "palavras sem significado são apenas um som vazio"
(Apud FREITAS, 1995, p. 23).
Esse emprego de uma metodologia que busca o alcance da real necessidade do
aluno em aprender uma língua estrangeira teve sua origem a partir de convergentes
tendências que fizeram emergir um fenômeno que tem crescido tanto em sua própria
contextualização lingüística como se estendido a outras línguas: a metodologia do ESP –
English for Specific Purposes (Inglês para objetivos específicos). Vejamos, em linhas
gerais, essas tendências.
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, devido ao poder econômico
dos Estados Unidos, o Inglês se transformou na língua internacional da tecnologia, do
comércio, tornando indispensável o desenvolvimento da habilidade de leitura de manuais
de instrução, de livros técnicos, somente disponíveis na referida língua.
No final dos anos 60 e início dos anos 70, assistiu-se à revolução linguística que
deixava de enfocar as regras do uso da língua – a gramática- e buscava as descobertas das
formas de linguagem necessárias, de fato, em uma situação real. Dessa forma, no período
em questão, registrou-se a expansão da pesquisa no que tangia à natureza das particulares
variedades da língua inglesa (Inglês para estudos médicos, tecnológicos, econômicos, etc.).
Outro aspecto, que contribuiu para uma especificidade do estudo da língua inglesa,
ocorreu no início da década de 70, com a chamada Crise do Petróleo. O Inglês, língua dos
países ricos em petróleo, passou a ser a língua comercial, deixando de ser a língua dos
"professores" para se tornar o veículo dos desejos, necessidades e demandas financeiras.
Em se tratando do ensino da língua materna, não se pode apontar para a
especificidade em determinada habilidade. O desenvolvimento das quatro habilidades –
ouvir, falar, ler e escrever – é imprescindível. No entanto, no que tange ao ensino de uma
língua estrangeira, a experiência vem mostrando que a aplicabilidade simultânea das quatro
habilidades, sobretudo em nível de Ensino Fundamental, Médio e Superior, é uma falácia,
tendo em vista o grande número de alunos na sala de aula, a limitação de recursos
audiovisuais, a marcante diferença de pré-conhecimento linguístico dos alunos,
principalmente a nível de Ensino Superior, dentre outros fatores.
110
Em razão disso, a habilidade da leitura é a que vem sendo mais explorada para
atender às reais necessidades dos alunos. E foi para atender a essa demanda que a PUC-SP
e algumas Instituições Federais de Ensino implantaram no Brasil, em 1980, a metodologia
do ESP, criando o pioneiro Projeto Nacional de Inglês Instrumental em universidades
brasileiras, cuja metodologia se estendeu para outras línguas estrangeiras.
O arcabouço teórico que integra essa concepção significativa da leitura encontra
eco em pesquisadores de diversas áreas, tais como: a Linguística, a Educação e Psicologia,
dentre outras. Dessa forma, a leitura de N. Chomsky (1998), S. Krashen (1981), J. Piaget
(1972), M. Bakhtin (1981, 1985 e 1986), L. S. Vygotsky (1984, 1988 e 2001) e Paulo
Freire (1983 e 1983a) tornou-se proeminente na busca de uma reformulação pedagógica do
Ensino de Língua Inglesa. A leitura de parte da vasta obra dos teóricos supracitados
referenda o papel da aprendizagem significativa dentro da abordagem que valorize as
potências individuais compartilhadas em um contexto social que possibilite a interpretação
das interpretações. De acordo com Burges, é preciso “reconhecer que a interpretação não é
síntese, mas um processo permanente. As interpretações das interpretações mudam”
(BURGES, 1994, p. 42).
Nesse sentido, deparamo-nos com mais um desafio: "pesquisar estudos e
procedimentos que possibilitem uma aprendizagem de leitura com sentido, onde cada
aprendiz possa encontrar o seu próprio aprender e a aplicabilidade do aprendido"
(SALGADO, 2009, p. 13).
A referida conduta me leva à hipótese de que a interação histórico-cultural
estimuladora de situações de questões a debater e problemas a resolver influencia, de
maneira determinante, o desenvolvimento interno da habilidade de leitura significativa em
Língua Inglesa bem como desperta o interesse pelo desenvolvimento das demais
habilidades. Minha hipótese encontra respaldo em Germain, que, ao apresentar o papel da
psicologia social genética no ensino de uma Língua Estrangeira (L2), afirma não se poder
reduzir a interação social a “fatores externos que evoluem paralelamente às estruturas
cognitivas” (GERMAIN, 1996, p. 98), mas promover o conflito sócio-cognitivo que, de
fato, produza a elaboração cognitiva. Segundo Germain,
[...] a afirmação social é considerada capaz de produzir desenvolvimento
cognitivo, não por simples imitação dos que cercam o indivíduo, mas sim através
do confronto de respostas. Os conflitos sócio-cognitivos são concebidos como
elementos que podem dar a partida para uma elaboração cognitiva (GERMAIN,
1996, p. 98).
111
Os referenciais defendidos por teóricos da psicologia social genética têm sua raiz
no que Vygotsky intuíra: um processo interpessoal se transforma em um processo
intrapessoal. Wertsch e Smolka transcrevem este princípio fundamental da abordagem de
Vygotsky: “a dimensão social da consciência é primordial no tempo e de fato. A dimensão
individual da consciência é derivada e secundária” (WERTSCH; SMOLKA, 1994, p. 121).
Defendo, pois, o trabalho do re-significado da aprendizagem, ou seja, uma
metodologia que possibilite aos alunos estabelecerem relações entre os conhecimentos que
já possuem sobre determinado assunto e os novos de que vão se apropriando, usando, para
tanto, recursos próprios de que dispõem bem como a mediação interativa professor –
alunos/alunos-alunos. Esse somatório lhes permite modificarem seu conhecimento anterior,
ampliando-o de forma significativa.
Essa interação social põe em movimento os processos internos, permitindo que se
forme o elo entre o conhecimento que o aluno já possui do assunto a ser discutido e os
novos conhecimentos a serem adquiridos. Uma vez mais ficam claras as interações que os
psicolingüistas chamam de input (aquilo que o aluno traz para o texto) e intake (aquilo que
o aluno aprende). Dessa forma, em minha experiência com o ensino de língua estrangeira
em Inglês e Italiano, tenho buscado a concepção interacionista que compreende a mediação
entre os mecanismos internos, próprios dos alunos, e as atividades externas, facilitadas
pelo professor. Não me interessa a visão tradicional monológica do “conhecimento
declarativo”, que trata o conhecimento como algo que deva ser consumido.
É importante, portanto, considerar que o emprego dessa concepção interacionista
que permite o entrelaçamento do conhecimento prévio do assunto – trazido pelos alunos –
com novas informações sobre o mesmo –, resultantes da troca de informações durante a
leitura do texto –, bem como a aplicabilidade do aprendido possam tornar a aprendizagem
da leitura um processo prazeroso e, conseqüentemente, despertar no aluno o desejo de
desenvolver as demais habilidades – ouvir, falar e escrever.
Acredito que podemos transpor para a Língua Inglesa o que Smolka (1997) propõe
no processo de alfabetização, trabalhando com o aluno a partir do seu conhecimento prévio
e, assim, construir com ele (grifos nossos) o processo da aprendizagem da leitura
significativa (SMOLKA, 1988).
Finalmente, um duplo desafio: ao professor, que, sem a obstinada preocupação com
o produto final, atinja a metacognição, qual seja, o momento em que os alunos aprendam a
monitorar, a partir da conscientização das diversas estratégias, sua própria compreensão,
aplicando as estratégias apropriadas e necessárias que darão sentido ao texto. Ao aluno, a
112
dedicação e a disciplina que o levem a atingir, sem ansiedade, o objetivo de frequentar um
curso de língua estrangeira bem como o exercício de uma leitura crítica. Esses elementos
solidificarão o contínuo "processo pensante", indispensável à aprendizagem da língua
escolhida.
Referências bibliográficas:
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University of Texas Press, 1981.
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Hucitec, 1986.
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Gama. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1997.
CHOMSKY, N. Reflexões sobre a linguagem. Lisboa: Edições 70, 1975.
_____. Linguagem e mente: pensamentos atuais sobre antigos problemas. Brasília: UnB,
1998.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 5. ed. São
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FREITAS, M. Tereza A. Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e Educação: um intertexto. 2. ed.
Campinas: Papirus, 1995.
GERMAIN, C. As interações sociais em aulas de uma segunda língua ou idioma
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Vygotsky e Piaget: perspectivas social e construtivista- Escolas russa e ocidental. Porto
Alegre: Artes Médicas: 1996.
HUTCHINSON, Tom; WATERS, Alan. English for Specific Purposes. C.U.P.,1990.
KRASHEN, S. Principles and practice in second language acquisition. New York:
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PIAGET, J. To understand is to invent. New York : The Viking Press, 1972.
PRABHU, N. Second language pedagogy. Oxford: Oxford University Press, 1987.
113
SALGADO, Ilma de Castro Barros e. Inglês Instrumental: uma redefinição pedagógica da
Língua Inglesa. Juiz de Fora: Editar, 2009.
SMOLKA, A . L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo
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SMOLKA,
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______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A.. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone/EDUSP., 1988.
WERTSCH, J. V.; SMOLKA, A . L. B. Continuando o diálogo: Vygostky, Bakhtin e
Lotman. In: DANIELS, H. (Org.). Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos.
Campinas: Papirus, 1994.
***
Currículo resumido: Ilma de Castro Barros e Salgado
Doutorado em Literatura Comparada- UERJ.
Curso de Formação em Inglês Instrumental em Plymouth – Inglaterra, através de Bolsa concedida pelo
Conselho Britânico
Professora (aposentada) – UFJF e responsável pela implantação, na referida Instituição a nível de Graduação
e Extensão da Metodologia de Inglês Instrumental
Professora da Faculdade Metodista Granbery de Inglês Instrumental, Língua Portuguesa e Metodologia
Científica.
Autora de:
Pedro Nava: mulheres reveladas e veladas. Juiz de Fora: Editar, 1997.
Memórias de Pedro Nava:genealogia feminina. Juiz de Fora: Clio- Editora da UFJF, 2004.
Juiz de Fora nas Memórias de Pedro Nava: uma meta-ficção histórica. Juiz de Fora: Editar, 2005..
Abrindo o baú: memórias de duas irmãs. Juiz de Fora: Editar, 2007.
Formas inter-comunicacionais em Pedro Nava: o signo verbal e o pictórico. Tese de Doutorado defendida na
UERJ, 2008.
Inglês Instrumental: uma redefinição pedagógica da Língua Inglesa. Juiz de Fora: Editar, 2009.
Diversos artigos sobre Literatura Comparada e Língua Inglesa publicados em Anais de Congressos e
Periódicos.
114
INCLUSÃO DIGITAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
UM DESAFIO PARA O ENSINO SUPERIOR
Inês Aparecida de Sousa Azevedo *
Eduardo Vitor de Miranda Carrão **
Como aluna do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem pelo Centro
Universitário de Caratinga – UNEC, desenvolvi minha pesquisa na área de Inclusão digital
do professor, com o objetivo de compreender a relação entre inclusão digital do professor e
a inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas escolas. Procurei
investigar como esse processo acontece, diante das dificuldades pessoais e sistêmicas
enfrentadas pelos professores como a falta de infra-estrutura das escolas, falta de suporte
técnico e pedagógico, a resistência ao novo, o medo de ser substituído pelas máquinas,
sobrecarga de trabalho, entre outras.
O interesse pelo tema surgiu a partir de minha experiência como professora no
curso de Pedagogia – UNEC, ao vivenciar a inserção de duas disciplinas no currículo dos
cursos, contemplando a formação dos alunos, futuros professores, para o uso das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no cotidiano escolar.
As disciplinas “Noções Básicas de Informática” e “Recursos Tecnológicos na
Educação” acontecem logo no primeiro período do curso e enfocam o estudo do
computador, seus componentes básicos, funcionamento, Hardware (processadores,
memória principal, dispositivos de entrada e saída, redes de computadores); Software
(categorias, sistemas operacionais, navegadores para a Web, criando páginas para internet).
A segunda disciplina acontece no segundo período, e aborda os Recursos Tecnológicos e
sua relação com a aprendizagem, educação, cultura e desenvolvimento das pessoas e da
sociedade, em bases éticas. A utilização das novas Tecnologias de Informação e
Comunicação – TIC, no processo de ensino e aprendizagem; enfoque teórico-prático bem
como as implicações pedagógicas e sociais. Elaboração e aplicação de projetos
*
Professora do Centro Universitário de Caratinga – UNEC. Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro
Universitário de Caratinga – UNEC. Endereço eletrônico: [email protected].
**
Professor do Centro Universitário de Caratinga, no curso de Mestrado em Educação e Linguagem. Doutor
em Educação - Universidade do Minho – Portugal. Endereço eletrônico: [email protected].
115
educacionais utilizando os recursos tecnológicos como meio para desenvolvê-los.
Elaboração e aplicações de recursos audiovisuais em situações de ensino-aprendizagem.
A inserção dessas disciplinas no currículo de formação de professores representa
um diferencial. Resta saber se o fato de cursar essas disciplinas torna o aluno apto para o
desenvolvimento de práticas educativas, mediadas pelo uso das TIC, e se encontram um
ambiente favorável para esse trabalho nas escolas em que atuam como professores.
Para verificar tais questões, elegi como sujeitos de pesquisa cinquenta alunos que
cursaram as disciplinas citadas e que atuam como docentes em escolas públicas, no
município de Caratinga – MG. Eles responderam a um questionário que foca o modo como
se relacionam com a cultura digital, os modos de interação mediados pelas TIC, as
condições de acesso e produção de informação disponíveis nas escolas onde trabalham, a
utilização didática do computador e a contribuição das disciplinas “Noções Básicas de
Informática” e “Recursos Tecnológicos em Educação” para a prática docente desses
professores.
Um número considerável de professores utiliza algum recurso tecnológico em sala
de aula. Nos dados analisados, 35% dos envolvidos relataram trabalhos desenvolvidos com
o auxílio de meios como DVD, máquina digital, TV e computador. Os demais desfilaram
justificativas para a ausência das TIC no cotidiano da sala de aula, como laboratório de
informática fechado pelo diretor, por causa de falta de cuidado dos alunos, DVD roubado
da escola, TV com tubo queimado, escola sem servidor de internet, número de
computadores insuficientes para atender aos alunos e falta de apoio técnico.
Das justificativas dadas pelos professores sobre não frequentarem o laboratório de
informática, nem todas procedem. Em um movimento exploratório para coleta de dados da
investigação em andamento, ao visitar duas escolas da rede pública de ensino, no
município de Caratinga – MG, escolas onde esses professores atuam, constatei que existe
um discurso que dissimula a verdade. Encontrei uma escola, da rede pública localizada em
bairro de periferia da cidade, com quatro data-show novos, guardados em caixa, porque os
professores não usam, com medo de estragarem e terem que pagar, por não saberem
instalar ou por não julgarem um recurso relevante para suas aulas. Esses equipamentos
foram adquiridos pela gestão atual da escola, à custa de campanhas, festas comemorativas,
que reverteram a renda para a montagem de uma sala multimídia.
Computadores de algumas escolas, cedidos por programas governamentais ou
ONG, ficam embalados, empoeirados, por falta de interesse, iniciativa e preparo dos
professores para lidarem com esses equipamentos.
116
A respeito do papel do professor nesse novo contexto tecnológico, 85% admite que
cabe ao professor de hoje saber gerenciar as informações de diversas fontes, recebidas pelo
aluno, e transformá-las em conhecimento.
Em relação à contribuição das disciplinas “Noções Básicas de Informática” e
“Recursos Tecnológicos”, 15% dos professores investigados afirmaram que gostariam de
aprender mais sobre o uso didático das TIC nessas aulas. Os demais afirmaram que
aprenderam um pouco que os auxilia na sala de aula e até parabenizaram a iniciativa da
instituição em inserir as disciplinas nos cursos de licenciatura.
Dentre os professores investigados, 10% afirmaram ter dificuldade em desenvolver
atividade educativa com o apoio do computador, em especial se envolver internet. E 25%
não levam seus alunos no laboratório de informática, porque os alunos ficam dispersos,
não querem aprender o que está planejado, acessam MSN, Orkut e fica difícil controlar.
A falta de sensibilidade em relação aos interesses dos alunos, o respeito às
diferenças individuais, tanto em relação às aptidões como ao tempo de maturidade é
manifestado em alguns questionários colhidos. Zaballa (1998) defende um ensino baseado
nos “centros de interesse”. Esse educador parte do princípio de que às pessoas interessa
satisfazer as próprias necessidades e que a alavanca eficaz de toda aprendizagem é o
interesse. O aluno é o ponto de partida desse método. O respeito à sua personalidade, às
diferenças individuais são cruciais para o sucesso desse processo educativo.
O computador tornou-se um poderoso instrumento gerador de centros de interesse
em nossos alunos. As necessidades de comunicação, lazer, entretenimento, são satisfeitas
diante da telinha, conectados à rede de amigos, conhecidos e desconhecidos. O professor
que nega essa realidade está abandonando uma oportunidade preciosa de atuação nas zonas
de interesse dos seus alunos. Além de ser um momento importante para orientar, gerenciar
a forma como utilizam esse meio, com que frequência, acessando o quê e com quem.
Essas evidências esclarecem questões relativas aos meios, aos recursos que se usa
para educar. E o meio por si só é incapaz de realizar uma ação de natureza educativa. O
quadro branco, ou negro de nada adianta sem o registro das ideias de uma aula. Os
computadores podem chegar até as escolas, mas sem o efetivo envolvimento do professor
para a melhoria da qualidade do ensino, de nada adiantarão.
Não se trata de um aparato para enfeitar as aulas. O computador, aliado à internet, é
um poderoso instrumento de construção da aprendizagem mediada, interativa. Não quer
dizer que, simplesmente, a sua presença, garantirá um ensino de qualidade. Pelo contrário,
117
a aparente modernidade pode mascarar um ensino tradicional, preso na recepção e
memorização de informações.
O resultado dos questionários respondidos pelos alunos do curso de Pedagogia e
Normal Superior deixou vir à tona outra questão importante em relação à experiência com
as TIC no contexto escolar: as atitudes ambíguas. De um lado, estão aqueles que acreditam
na tecnologia como meio que garantirá melhoria na qualidade da educação, e de outro,
aqueles que resistem ao novo, chegando ao ponto de negar a existência das TIC, por medo
de serem substituídos. Neste sentido, Libâneo (2002) afirma que os professores evitam as
tecnologias por não saberem como usá-las adequadamente, por não saberem como avaliar
as novas formas de aprendizagem provenientes desse uso e algumas vezes, por falta de
apoio dos colegas.
Na visão de Valente (2003, s./p.), muitos educadores não sabem o que fazer com os
recursos que a informática oferece e a origem desse problema pode está na formação
inicial desses profissionais.
Essas atitudes extremas em relação às TIC são definidas por Bento Silva (1998)
como tecnofobia e tecnolatria. O autor argumenta que essa controvérsia em relação à
integração das novas tecnologias é comum a todas as instituições sociais que têm a
comunicação como função principal, inclusive a escola. São questões que não surgiram
apenas no tempo atual, mas envolvem um assunto que se fixa na dinâmica sociocultural,
sempre que aparece uma nova invenção.
Estas posições antagônicas sobre a inserção das TIC no contexto educativo causam
prejuízos na organização curricular. A posição tecnófoba é responsável pela desadaptação
da escola e resistência dos professores aos novos media e à cultura tecnológica. Já a
posição tecnólatra, excessivamente entusiasmada, confunde a razão ao afirmar que
estamos perante máquinas pensantes, definidoras do pensamento humano. E mais ainda,
quando atribuem à tecnologia uma virtude particular que garante a modernização do
sistema educativo e a renovação dos métodos pedagógicos.
Sem reflexão para o uso das TIC por parte dos professores, corremos o risco de
assistir ao emprego de novas tecnologias para uma velha pedagogia. Utilizar as TIC sem
flexibilidade de pensamento e disposição para mudanças é condenar a prática à mesmice
da escola tradicional.
Se compreendermos que a ideia de inclusão digital do professor é fator
preponderante para a subsistência desse profissional na sociedade atual, então
compreendemos a necessidade de toda uma mudança na estrutura escolar, especialmente
118
na formação docente, refletindo novas formas de ensinar e aprender (SAMPAIO; LEITE,
1999).
O grande desafio que se coloca ao sistema educacional é a compreensão dessas
tecnologias para o estabelecimento de possibilidades de criação de conhecimento, ao invés
de reprodução, apenas. E um grande investimento na formação docente, para que não se
caia na tentação de considerar as TIC como redentoras da educação e nem instrumentos
maléficos,
com
efeitos
destrutivos
sobre
a
educação,
sobre
os
costumes,
descaracterizadores da cultura.
Referências
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Paulo: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências
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MORGAN, L. H.; FRAZER, J. G.; TYLOR, E. B. Trad. Maria Lúcia de Oliveira.
Evolucionismo Cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
RANGEL, Alexandre M. O Brasil precisa é de inclusão social. IBASE. Disponível
em:<http://www.ibase.org.br/pubibase/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm>.Acesso em: 2 abril.
2008.
SAMPAIO, M. N. e LEITE, Lígia Silva. Alfabetização tecnológica do professor.
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2007. Disponível em Cultura Digital. (/www.mec.gov.br/seed).
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inicial de professores: Análise de uma experiência. In: FERNANDES, M. ET al. (Orgs.).
O particular e o global no virar do milénio: Actas V Congresso da Sociedade Portuguesa
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VALENTE, J. Armando. Computadores e conhecimento: repensando a educação.
Campinas: UNICAMP/NIED, 1998, p. 1-53.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
1998.
119
A CIDADANIA: DA POLIS À INTERNET
Jaider Rodrigues Gonçalves * (UNEC)
Hélio Soares do Amaral ** (UNEC)
Cidadania na Antiguidade
A origem da cidadania remonta à cidade de Atenas, na antiga Grécia, onde
alcançou o apogeu no séc. V antes da nossa era. Nessa democracia, o cidadão tinha o
direito e o dever de participar da assembleia pública a fim de decidir os destinos da
comunidade, ou seja, da polis. Nascia, aí, um modelo de cidadania, fundamentado na
liberdade e na igualdade. A responsabilidade jurídica e administrativa pelos negócios
públicos passava por uma assembleia dos cidadãos, onde tudo era decidido pela persuasão
e não pela violência (CHAUÍ, 2002, p. 371).
Excluídos dessa assembleia estavam as mulheres, crianças, estrangeiros e escravos,
de tal modo que o conjunto dos cidadãos era pequeno em comparação ao resto da
população. No auge de Atenas, com 400 mil habitantes, cerca de 80 mil eram cidadãos.
Entre todos os outros aspectos socioeconômicos que vieram a desembocar nesta sociedade
sui generis, Maria Beatriz Florenzano, citando Finley, afirma que a “tenacidade das
pequenas comunidades independentes só pode ser explicada como um hábito resultante de
uma enraizada ética convicção ética a respeito de ‘viver junto’ na cidade”
(FLORENZANO, 1994, p. 24).
Guerras fratricidas levaram a Grécia ao declínio. Sucedeu-lhe Roma que
desenvolveu um tipo de cidadania baseado em leis civis cujo modelo foi copiado e
adaptado à realidade de inúmeras nações ocidentais. Marilena Chauí acrescenta o fato de
os romanos terem participado com os gregos da criação da política, ou seja, da ta politika,
que são os negócios públicos dirigidos pelo cidadão. Assim como civitas é a tradução
latina de polis, res publica é a tradução latina para ta politika: os negócios públicos
dirigidos pelo populus romanus, que eram os patrícios ou cidadãos livres e iguais nascidos
*
Jaider Rodrigues Gonçalves é Mestre em Educação pelo Centro Universitário de Caratinga. Email:
[email protected].
**
Professor Titular do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem do Centro Universitário de
Caratinga. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Orientador acadêmico. E-mail:
[email protected].
120
no solo de Roma (CHAUÍ, 2002, p. 371). Segundo Florenzano, “em Roma, o poder nunca
se deslocou da aristocracia, nem na República ou no Império” (FLORENZANO, 1994, p.
56).
Dalmo de Abreu Dallari afirma que a grande divisão social entre os romanos era
entre os patrícios, que se supunham membros de famílias cujos ascendentes eram tidos
como fundadores de Roma, e os plebeus, pessoas comuns sem acesso a todos os cargos
políticos. Surgiram, posteriormente, categorias intermediárias permitindo aos plebeus o
acesso a cargos mais importantes. Os romanos livres eram cidadãos, possuíam o direito de
cidadania, entretanto, só os cidadãos ativos tinham o direito de participar dos cargos mais
altos da administração pública (DALLARI, 2001, p. 10).
Roma pode ser considerada uma República basicamente por estar submetida às leis
escritas e impessoais, o solo romano era uma res publica – coisa pública – e o governo
administrava os fundos públicos (CHAUÍ, 1995, p. 385). Esse tipo de relacionamento com
o poder veio a sucumbir com o esfacelamento do império romano, ficando o mundo
ocidental sem um governo central. Esse espaço de poder possibilitou a ascensão da Igreja
Católica Romana num período histórico denominado de Idade Média, no qual vigorou o
Feudalismo, sistema de produção basicamente agrícola numa sociedade dividida em
Estamentos: o clero, a nobreza e os servos.
Na sociedade feudal, o poder estava nas mãos de poucos, a grande maioria vivia
subjugada e sem direitos. A ausência de Estado produziu um tipo de sociedade onde não
havia a presença da cidadania, conforme concepção grega ou romana. Para isso, haveria a
necessidade de um ideal de igualdade entre os indivíduos, bem como a existência de um
espaço público, onde as propostas seriam debatidas e deliberadas. Na Grécia antiga, esse
espaço era a assembleia, e, em Roma, o Senado. Na Europa dessa época, isso de modo
algum aconteceu.
O Renascimento
No final da Idade Média surge um borbulhar de novas ideias, uma volta aos autores
clássicos e o retorno da racionalidade grega com a consequente valorização da ciência. A
esse novo tempo chamou-se Renascimento, movimento filosófico, artístico e social que
surgiu na Itália, na segunda metade do século XIV, tendo, em seguida, se espalhado por
outros países da Europa.
121
Grandes mudanças se estabeleceram, nesse período, no plano do conhecimento e
também no plano político-econômico. As instituições de Florença, carro-chefe do
Renascimento, estimularam a valorização do indivíduo e patrocinaram as grandes
descobertas marítimas, o que, no dizer de Carlos Zeron, citando Jules Michelet,
“conduziram à descoberta do homem” (ZERON, 2003, p. 111). Entretanto, ainda, de
acordo com Zeron, a exclusão política era notória, ao se referir aos cargos públicos.
O despertamento provocado pelo Renascimento quebrou o monopólio da igreja
católica em questões religiosas permitindo a ascensão da burguesia. Isto provocou um
desejo de liberdade que floresceu nas revoluções do século XVII, e XVIII. O
Renascimento foi um período de transição, produzindo um campo propício para as teorias
liberais que deram sustentação ao nascimento do Estado Moderno.
Clássicos do pensamento cidadão
As teorias liberais têm alicerce em Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John
Locke e Jean-Jacques Rousseau em relação à natureza do Estado por eles concebido.
Nicolau Maquiavel era de Florença, península itálica, região de pequenos Estados
independentes, culturas, regimes políticos e desenvolvimento econômico variados. Sua
obra de maior destaque, “O Príncipe”, data de 1512. Sua preocupação nesta obra é o
Estado real, aquele que existe, e não um Estado idealizado. “O problema central de sua
análise política é descobrir como pode ser resolvido o inevitável ciclo de estabilidade e
caos; como fazer reinar a ordem, como instaurar um Estado estável” (SADECK, 2008, p.
18). Maquiavel é o fundador da ciência política, porém, nas suas obras, o sentido moderno
de cidadania está ausente.
Thomas Hobbes entende o Estado como um mal necessário, voltado basicamente
para manter a ordem (FERREIRA, 1993, p. 33). O pensamento de Hobbes consolidou o
princípio de criação do Estado moderno, que, nesse sentido, se apresenta como uma
autoridade final. Para ele, esse poder deveria ser exercido pelo monarca, o qual
concentraria em si todo o poder, inclusive a finalidade básica do Estado que, a seu modo
de ver, é a segurança, o que, para Comparato, implica uma contradição à concepção de
Estado (COMPARATO, 1987, p. 34).
Para John Locke, o Estado existe a partir do contrato social, o qual nasce no
momento em que os indivíduos, de forma consciente, entregam ao soberano ou à
autoridade delegada, por voto censitário, o poder para governar, criando leis que vão
122
interferir na sua liberdade natural e na posse de seus bens. Nesse caso, os governantes
passam a ter como finalidade a preservação do direito natural de propriedade. É quando
surge o Estado-Absolutista Monárquico Inglês, fruto de uma aliança entre o rei e a
burguesia e uma das primeiras formas do Estado Moderno.
Jean Jacques Rousseau, assim como Tomas Hobbes e John Locke, é contratualista12
isto é, filósofo que afirma que os homens, vivendo numa situação de desorganização no
estado de natureza, fizeram um pacto entre si, o que deu origem à Sociedade ou ao Estado.
O pacto social torna os homens iguais. Para Rousseau, a desigualdade social existente tem
sua origem na propriedade; a invenção da propriedade dá início à falência moral do
indivíduo e a sua degeneração (FERREIRA, 1993, p. 138). Rousseau, como Maquiavel,
Hobbes, Locke, foi fundamental para a criação do Estado moderno, que veio após muito
sofrimento durante as “revoluções burguesas”.
Revoluções burguesas
Três são as revoluções modernas importantes para a evolução do conceito de
cidadania: a Revolução Inglesa (1640), a Revolução Americana (1776) e a Revolução
Francesa (1789). Com elas veio a ascensão da burguesia e a consequente queda do Antigo
Regime, produzindo assim um novo tipo de cidadania, a cidadania liberal.
A Revolução Inglesa foi de 1640 a 1688 e deu origem ao primeiro país capitalista
do mundo, a Grã Bretanha. Esse movimento, que produziu a troca do poder estatal da
monarquia absoluta para uma burguesia nascente, abriu caminho para um novo modo de
produção, o modo de produção capitalista.
Marco Mondaini afirma o caráter excludente da cidadania liberal inglesa que
prestigiava os proprietários em detrimento dos despossuídos, aos quais eram vedados
direitos políticos. Mesmo assim, não deixou de ser um avanço para a época.
Nos Estados Unidos, por sua vez, a luta pela independência em 1776, com fortes
influências do pensamento de Locke, é que vai consolidar o liberalismo naquele país e, de
fato, foi uma guerra de independência contra uma metrópole, a Inglaterra. A cidadania que
12
O homem em estado de natureza, conforme Rousseau, possuía um organismo basicamente perfeito e
sentidos aguçados, era pacífico e piedoso, não se angustiava porque não possuía ambições, não era moral
nem imoral, apenas amoral.
123
é produzida na esteira dessa postura é liberal e, consequentemente, uma cidadania que
visava beneficiar o mesmo grupo que liderou o movimento de Independência.
A última das três grandes revoluções contra as monarquias absolutas foi a
Revolução Francesa. Os ideais da Revolução Francesa podem ser sintetizados pela busca
dos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, sendo, estas as palavras de ordem dos
que se revoltaram e a levaram adiante. Essa Revolução produziu a célebre Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão que, por causa de seu caráter circunstancial, implicou em
grandes e importantes limitações.
O socialismo utópico e o socialismo científico
A noção de utopia aqui abordada refere-se à concepção de socialismo, conforme
pretendida por filósofos como Proudhom, e o científico, conforme as ideias de Karl Marx e
expressas no texto da Comuna de Paris em 1871 13. Pedro Demo resume assim a proposta
da Comuna de Paris:
[...] o Estado é apenas tolerado, em “poucas, mas importantes funções”, que
deveriam ser controladas pela classe trabalhadora. Os funcionários públicos são
severamente censurados como parasitas e aproveitadores, numa alusão que não
está longe de reclamações reiteradas feitas hoje em dia. Ao mesmo tempo, fazia
proposições consideradas atualmente inadequadas ou parcialmente
questionáveis, como a extinção da polícia em troca de uma milícia popular, a
retirada da escola do jugo da Igreja e do Estado, exigindo a eleição dos
professores, bem como a redução do Estado a funções mínimas que nunca
ficaram claras e a tendência a fazer coincidir a sociedade como um todo com o
proletariado (DEMO, 1995, p. 11).
O socialismo utópico e o científico foram sucedidos historicamente pela versão
dada por Lênin na Revolução Russa em 1917. O termo marxismo é usado aqui para
expressar um grande número de ideias políticas e filosóficas cujos autores alegam ter em
Karl Marx sua origem. José Arthur Giannotti alega que, para Marx, a luta de classe é que
movimentava a história e cabia ao conjunto dos trabalhadores mudar a estrutura social
vigente (GIANNOTTI, 1978, p. XII).
13
A Comuna de Paris foi um movimento revolucionário de curta duração, 71 dias, 18 de março a 28 de maio
de 1871. Foi a primeira experiência de governo proletário. Consistiu na tentativa de tomada de poder pelas
forças revolucionárias contra o governo de Louis Adolf Thiers que estava dominado pelas forças
prussuianas e insistia na desmilitarização da Guarda Nacional. Durante o curto período de sua existência, a
Comuna, governada pelos Deputados do Povo, impôs leis como a abolição do trabalho noturno, redução da
jornada de trabalho, concessão de pensão para viúvas e órfãos e a separação entre Igreja e Estado.
124
Depois da II Guerra Mundial o marxismo começou a ser entendido de maneira
menos radical, cabendo até questionamentos por parte de seus seguidores. Sem perder o
seu valor histórico é visto hoje como um pensamento clássico, um referencial que aceita
variadas leituras.
Enquanto Karl Marx desenvolvia suas ideias de uma sociedade em que tudo seria
comum, Augusto Comte criou o Positivismo, no qual entende que a organização da
sociedade passa primeiramente pela reforma intelectual do homem. Seria necessário criar
novos hábitos de pensar que deveriam se coadunar com o estado das ciências de seu tempo.
Essa mudança possibilitaria a reforma das instituições.
Comte propõe o uso do mesmo método de compreensão das ciências naturais para
as ciências sociais. Sua ênfase com o social deveu-se ao fato de ter vivido numa época de
crise social e política na França, o que aponta a sua preocupação com a criação de uma
ciência social capaz de prevenir a desagregação social (SANTOS FILHO, 2009, p. 19).
Abreviadamente, é possível dizer que o pano de fundo propiciador do surgimento
do Positivismo está estreitamente relacionado ao declínio do poder da Igreja Católica, ao
crescimento científico que proporcionou o desenvolvimento industrial, ao otimismo quanto
ao progresso, ao confronto ideológico que ainda havia entre o Absolutismo e ao
Liberalismo, o desejo de segurança, visto que este foi um período de grande instabilidade
na França pós Revolução.
Revolução Industrial e a atitude contemporânea
A Revolução Industrial nasceu na Inglaterra na esteira da Revolução Inglesa do séc.
XVII, a qual produziu as condições básicas para sua existência e eclosão em fins do século
XVIII. Foi também uma mudança profunda no modo de produção caracterizado pela
passagem da manufatura à indústria mecânica movida a carvão e a vapor, produção
industrial em larga escala e direcionada para o mercado mundial.
A atividade mercantilista desenvolvida pela Inglaterra, as descobertas e explorações
de novos continentes aliados ao desenvolvimento científico fizeram com que os artesãos
viessem a cair num processo de perda de espaço e desvalorização sem precedentes, tendo
que, obrigatoriamente, migrarem para as cidades. A partir daí, é aberto caminho para o
avanço das forças produtivas características do séc. XVIII.
É nesse contexto que se consolida a concepção de cidadania na modernidade,
reivindicando a liberdade e a igualdade numa frontal oposição ao Estado Absolutista, o
125
qual persistia em manter características próprias do Antigo Regime, prevalecente na Idade
Média. O traço marcante dessa oposição, herança das Revoluções Inglesa e Francesa,
foram os direitos civis, que afirmavam a liberdade individual contra o despotismo
absolutista. Esses direitos civis se coadunavam exatamente com as pretensões burguesas
que queriam, além do individualismo, liberdade e igualdade. Esses direitos, bem como
todos os direitos humanos, são resultados de conquista, que demandaram anos de luta, de
forma alguma são direitos naturais, conforme propugnado por Locke, mas “são direitos
históricos, surgidos na Idade Moderna a partir das lutas contra o Estado absoluto”
(BOBBIO, 1992, p. 11). Dessa forma, é possível afirmar que a relação entre direitos e
cidadania encontra-se fundada na questão de valores que se destacam no seio de uma
comunidade e que são elementares para a construção da relação entre os indivíduos e o
Estado.
Fato extremamente importante na compreensão da cidadania contemporânea é a
atuação dos meios de comunicação. Surge daí a necessidade de uma análise no mais
destacado instrumento de globalização da atualidade, a Internet, e procurar compreender
sua relação com a cidadania.
Internet e cidadania
A Internet surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos, com objetivos militares,
entretanto num espaço de 20 anos já estava sendo usada no meio acadêmico (VILCHES,
1997, p. 77). Oferecia uma real possibilidade de participação popular e o consequente
fortalecimento da democracia. O espaço e o tempo seriam superados facilitando assim a
participação política, a qualidade e o estoque de informações on line, a dinamização das
relações. A Internet quebra o elo da comunicação “um para um” em prol da comunicação
“todos para todos”. Referindo-se a toda esta revolução tecnológica, Margaret S. Archer cita
Alvin Toffler para quem a “Terceira Onda”, resultado da união da computação e as
telecomunicações, é um resultado “maior, mais profundo e mais importante do que a
revolução industrial [...] o momento atual representa nada mais do que o segundo grande
divisor na história humana” (ARCHER, 1999, p. 121).
Toda esta euforia em relação ao Ciberespaço não se deu completamente. A Internet
tem sido um dos instrumentos usados pelo capital para incrementar um mundo globalizado,
o que tem modificado o conceito de cidadania. Ser cidadão é ser livre, o que, no contexto
atual, significa estar inserido nas relações de interdependência com os demais. (Surgem, a
126
partir daí, os direitos universais de acesso que garantem a inclusão do cidadão neste mundo
globalizado.).
Para Pierre Lévy, a cybercultura, cultura gerada pelo uso do cyberespaço, local
onde se estabelece o uso da Internet, é sem limites, por isso mesmo, não cabe a ela o
conceito de totalidade e, ainda, as consequências sociais são desiguais e produtoras de
conflito (LEVY, 2010).
Para Armand Mattelart, a integração das economias e dos sistemas de comunicação
conduz ao surgimento de novas disparidades entre países ou regiões, e entre grupos sociais
(MATTELART, 2000, p. 149). No dizer de Giuseppe Cocco, o Estado nacional é atingido
em sua soberania. Citando Fiori ele diz que “a globalização caracteriza-se por um processo
de financeirização que não diminui o papel do Estado, mas apenas dissolve sua soberania”
(COCCO, 2002, p. 42).
Com essa afirmação concorda Marco Antônio Fernandes Frade, ao afirmar que a
Internet é, hoje, “um canal de comunicação que privilegia a utilização da informação para
reafirmar a vocação consumista de todos os que acessam a rede”. Ainda segundo ele é
preciso levar em conta que “sua ampliação para todas as esferas da vida do cidadão o faz
participar, ainda que, involuntariamente, da hegemonia do capital, que se agravou com o
acirramento dos processos de globalização impostos ao mundo contemporâneo” (FRADE,
2002, p. 97).
Mattelart afirma também que, desde os primeiros tempos, a técnica de comunicação
a distância ficou consagrada como sinal da nova democracia (MATTELART, 2000, p. 19).
Com respeito à Internet, é possível dizer que os limites de suas possibilidades democráticas
estão, também, na sua condição de acesso, isso porque grande parte da população mundial
encontra-se ainda excluída da chamada era digital. É necessário reafirmar que a
interdependência criada entre povos e nações produziu uma base comum de valores e
direitos universais o que aponta para uma cidadania transnacional, contudo uma cidadania
neoliberal com todas as mazelas que lhe são características.
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129
LINGUAGEM CULTURAL E IMAGEM EM “A MENOR MULHER DO
MUNDO”, DE CLARICE LISPECTOR
José Geraldo Batista * (UNEC)
Ao se fazer a leitura de “A menor mulher do mundo”, de Clarice Lispector, ressalta
ao leitor, já pelo título e início do conto, a curiosidade em saber a história e o desfecho
daquela pequena africana. Porém as expectativas do leitor são frustradas e, com o passar da
leitura, na estrutura profunda do texto, parece ao leitor atento que vários outros subcontos
estão sendo contados dentro da revelação de “A menor mulher do mundo”. Isto se dá pela
mudança de cenário que ocorre, constantemente, provocando a sensação de uma mudança
de quadro fílmico.
De uma maneira geral, pretende-se revelar que, através da leitura atenta do referido
conto de Clarice Lispector, descobre-se que a narrativa apresenta duas falas que são faces
da mesma moeda, e que, às vezes, o leitor não consegue diferenciar a voz narradora
autoral. Estas duas vozes entrecortadas e cruzadas discutem e fazem muitas observações
sobre cultura, já que o tema do conto é sugestivo nesta questão. Para isso, o personagem
explorador, Marcel Pretre, representa várias entidades culturais e cumpre um papel de
etnógrafo da história.
O apelo imagético, ao se fazer a leitura, é um pouco óbvio, já que, devido à
impressão de estar diante de vários pequenos contos, o leitor percebe uma mudança de
cenário cada vez que o narrador onisciente e onipresente invade um novo núcleo para
narrar as impressões em relação à Pequena Flor, a menor mulher do mundo e personagem
da narrativa superficial. Assim o apelo imagético torna-se evidente e, para respaldar
teoricamente, serão nossas bases Collares, Scharf, Dubois, dentre outros. Para as
discussões acerca de cultura, o embasamento teórico será feito com aval da escrita de
Geertz, Eagleton e Gnerre.
Pretende-se discutir, então, o olhar de antropólogo da autora Clarice Lispector. Este
olhar aparece, em seu conto “A menor mulher do mundo”, travestido na voz do eu
narrativo do texto. Também pretende-se demonstrar o apelo imagético provocado pelo
*
Professor do Centro Universitário de Caratinga – UNEC e Doutorando em Estudos literários pela
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – [email protected].
130
conto de Clarice Lispector. Tudo isso, através da sequência narrativa do enredo do texto
em questão, sem descurar de outras características culturais. Pretende-se ainda discutir as
figuras de linguagem que são utilizadas no texto bem como os paradoxos que aparecem ao
longo da narrativa.
O vocabulário de um poeta, muitas vezes, mostra o grau de seu refinamento. Não
precisa ser rebuscado, mas apenas simples como o clássico. Porém a escolha vocabular, na
maioria das vezes, deixa transparecer a cultura de quem fala: suas preferências, medos,
complexos, preconceitos, cinismos e deboches que, muitas vezes nas mãos e boca de quem
os utiliza, podem adquirir polissemias. Desta maneira, pode-se inferir que a forma de dizer
é tão importante quanto o próprio dizer a coisa. Nas palavras de Schopenhauer, 14 “um livro
nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor” (SCHOPENHAUER,
2005, p.63). Segundo este pensador alemão, “o valor desses pensamentos se encontra ou na
matéria, portanto naquilo sobre o que ele pensou, ou na forma, isto é, na elaboração da
matéria, portanto naquilo que ele pensou sobre aquela matéria” (SCHOPENHAUER, 2005,
p. 63). Aproximando o excerto acima do mundo ampliado da Literatura, pode-se esclarecer
que o referido livro representa as palavras pronunciadas por alguém, sejam elas na escrita
ou na fala.
Aproximando ainda mais, pode-se exemplificar, através da escrita da autora
brasileira Clarice Lispector, que utilizava as palavras para expressar as inquietações
íntimas e coletivas. Considerando a forma, os textos de Clarice podem dizer mais do que
simplesmente parece. A escolha vocabular, as observações nas entrelinhas dos textos
conduzem o leitor atento a refletir e desvendar enigmas presentes nas trilhas textuais do
conto. Atente-se para o seguinte trecho:
Nas Profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel, caçador e
homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez
surpreendente. Mais surpreso, pois ficou ao ser informado de que menor povo
ainda existia além de florestas e distâncias. Então mais fundo ele foi
(LISPECTOR, 1995, p.87).
No referido conto, já em seu início, encontra-se a palavra “profundeza” que já
apresenta uma manifestação cultural, considerando que ocidentalmente falando,
“profundezas” é algo infernal, desconhecido. Esta presença cultural pode ser observada em
todo o conto de Lispector. No mesmo trecho, há pouco citado, aparece o termo
“equatorial” que, ocidentalmente falando, é outra marca cultural, pois o olhar para os
14
Arthur Schopenhauer (1788-1860), pensador alemão defensor veemente da cultura erudita.
131
povos abaixo da Linha do Equador é um olhar diferenciado em relação aos povos do
Centro – Europa e Estados Unidos, por exemplo. Assim Clarice utiliza uma demarcação
precisa e exata para um povo muito pequeno, no qual se encontra a menor mulher do
mundo. Para compor toda a visão cultural de uma escritora ocidental, a palavra
“explorador” aparece para completar o episódio de um povo periférico sendo
descoberto/explorado por um povo de centro, no caso, no conto, o explorador está
representado pelo francês Marcel Pretre.
No mesmo trecho inicial, a definição do explorador Marcel Pretre é muito
instigante para um leitor que faz uma leitura esgotadora de possibilidades, já que, ao se
fazer a leitura do conto de Clarice Lispector, o leitor depara-se com um enredo que induz a
um traço antropológico e etnográfico. Ele, segundo a voz narradora do texto, é um caçador
e um homem do mundo. Talvez Clarice quisesse abrir uma reflexão acerca dessa
apropriação do mundo. A postura de Cidadão do mundo, tomada por um indivíduo ou povo
da suposta periferia, não é aceita com tanta facilidade; seria uma passagem que chamaria
muito a atenção de um leitor atento que estivesse sintonizado com os padrões préestabelecidos e conservadores.
Ainda no mesmo trecho, a palavra “tribo”, em lugar de povo, reforça a descoberta,
por acaso, pelo explorador francês, tendo em vista que ele “topou com uma tribo de
pigmeus”. A palavra “pequenez” aparece de uma maneira que, diante da surpresa do
explorador, o leitor pára para refletir sobre os poucos significados que ela tem. Soa como
alerta de Lispector para a insignificância de um povo africano em relação aos povos
europeus; é como se Clarice quisesse dizer da indiferença dos europeus em relação aos
povos das florestas africanas. A visão cultural dos povos de centro em relação aos outros
fica muito evidente no conto de Clarice. A curiosidade dos exploradores transforma a
cultura dos povos explorados em exótica, e isso estimula a busca “além de florestas e
distâncias” e, assim, o explorador “mais fundo ele foi”.
Clarice, em “A menor mulher do mundo”, pela análise que se tem feito até aqui,
parece guiar o leitor para uma reflexão acerca de cultura; ela coloca uma situação de
choque e confronto culturais. A escritora (poetisa/pensadora) dá sinais de percepção do
mundo exterior no qual está inserida. Ela demonstra, através da escrita do conto, questionar
os modelos convencionais de cultura dominante, e, de acordo com Eagleton (2005),
[...] se a ciência da Antropologia marca o ponto em que o Ocidente começa a
converter outras sociedades em legítimos objetos de estudo, o verdadeiro sinal de
crise política é quando ele sente a necessidade de fazer isso consigo mesmo, pois
132
existem selvagens também dentro da sociedade ocidental, criaturas enigmáticas,
semi-inteligíveis, guiadas por paixões ferozes e dadas a comportamento rebelde;
e também esses precisarão tornar-se objetos de conhecimento disciplinado. O
positivismo, a primeira escola autoconscientemente “científica” da sociologia,
revela as leis evolucionárias pelas quais a sociedade industrial está se tornando
inexoravelmente mais corporativa, leis que um proletariado indisciplinado
precisa reconhecer como não mais violáveis do que as forças que movem as
ondas. Um pouco mais tarde, será parte da tarefa da antropologia conspirar
contra a “maciça ilusão perceptual pela qual um imperialismo nascente
engendrou ‘selvagens’, congelando-os conceitualmente na sua alteridade
subumana, mesmo enquanto destruía suas formações sociais e os liquidava
fisicamente” (EAGLETON, 2005, p. 43-44).
Nesse ínterim, o explorador, enquanto explora as outras culturas, busca soluções
para os problemas em si mesmo. Ele fica surpreso ao se deparar com algo que até então era
desconhecido de sua cultura: um povo minúsculo vivendo no meio de feras das florestas
equatoriais da África. O conto de Lispector, coadunando com o pensamento de Eagleton
(2005), deixa transparecer que, na cultura do explorador, também há seres de natureza
estranha vivendo no meio de feras invisíveis nas “florestas” das cidades. Destarte, no
enredo de “A menor mulher do mundo”, afloram alguns elementos que são discutidos entre
a literatura e as demais áreas do saber humano: confronto entre culturas; contato com o
diferente; choque entre o “eu” e o “outro”.
Os conteúdos acima mencionados são trabalhados no conto de um modo particular,
literário, que é uma característica da escrita de Clarice Lispector. O modo peculiar
caracteriza-se pelo fato de o texto surpreender o leitor. Isto acontece devido à frustração
provocada pelo tema no leitor, decepcionando suas expectativas. A impressão que se tem é
que duas histórias estão sendo contadas. Primeiramente, pode-se imaginar que se trata
apenas da oposição entre o explorador e o explorado, o grande e o pequeno, o certo e o
errado, o preconceito e a aceitação; porém, em uma análise mais aprofundada, além das
aparências, o leitor não encontra a confirmação para as hipóteses mencionadas. É
exatamente nesse ponto que suas expectativas são frustradas, pois se depara com a
relativização dos fatos e do comportamento dos personagens, isto porque, em sua essência,
eles não podem ser resumidos apenas a uma característica. Não se trata de escolha, mas de
compreender a complexidade. O personagem explorador, no conto de Clarice, cumpre
vários papéis ao mesmo tempo, e um deles é o de etnógrafo. Nas palavras de Geertz
(1989),
[...] o que o etnógrafo enfrenta, de fato – a não ser quando (como deve fazer,
naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados – é
uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas
133
sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas,
irregulares e inexplicáveis, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro
apreender e depois apresentar (GEERTZ, 1989, p. 07).
Com base em Geertz, então, pode-se dizer que o estado de relativização encontrado
no conto de Lispector ratifica a postura de não atribuição de uma única característica aos
personagens, já que eles encontram-se diante da complexidade, não se tratando apenas de
escolha e soluções, mas sim de compreensão, assimilação e experiência/vivência.
A voz narradora do conto de Clarice aparece por todo o texto tecendo comentários
que, muitas vezes, o leitor impressiona-se pelo fato de esta voz confundir-se com a própria
fala de Clarice.
Os comentários desta voz narradora adquirem um tom conselheiro,
filosófico/metafísico e, por isso, a temática das observações torna-se universal, intimista e
coletiva em se tratando das questões do ser. Logo no segundo parágrafo, encontra-se o
seguinte:
No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo. E –
como uma caixa dentro de uma caixa, dentro de uma caixa – entre os menores
pigmeus do mundo estava o menor dos menores pigmeus do mundo, obedecendo
talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria
(LISPECTOR, 1995, p. 87).
A palavra “central” está adjetivando o Congo de forma sutil. Em relação à
disposição de importância de mercado no cenário mundial atual, sabe-se que a importância
do Congo é muito pequena, como a Pequena Flor, personagem de suma importância em “A
menor mulher do mundo”. Contudo, Lispector deu um jeito de empregar a palavra
“Central” ao se referir ao Congo, um país periférico, cheio de florestas habitadas por feras
e povos indígenas. Quanto à metáfora da “caixa dentro da caixa”, a voz narrativa do conto
talvez quisesse chamar a atenção para as redes e teias culturais, um evento en-cadeia
vários outros; com esta figura, a exemplificação do macro e micro fez-se presente no
enredo, trazendo à tona a ideia de que nada é insignificante, por menor que seja um
acontecimento; em algum momento, seus efeitos serão surtidos. Por menor que seja o ser,
tem seu valor, pois seu comportamento e visão de mundo diferente são questões culturais.
Com os comentários salpicados no enredo, Clarice, através da voz narradora do
conto, aparece em sua própria narrativa; ela se faz presente como etnóloga, aquela que
cuida da construção teórica da ideologia apresentada, em suas observações entre os
episódios narrados, reflete e provoca reflexão no leitor: reflexões acerca do imutável, da
cultura, da diversidade e dos eus. E quanto a estes temas, pode-se buscar respaldo em
134
Eagleton (2005):
O que a cultura faz, então, é destilar nossa humanidade comum a partir de nossos
eus políticos sectários, resgatando dos sentidos o espírito, arrebatando do
temporal o imutável, e arrancando da diversidade a unidade. Ela designa uma
espécie de autodivisão assim como uma autocura pela qual nossos eus rebeldes e
terrestres não são abolidos, mas refinados valendo-se de dentro por uma espécie
mais ideal de humanidade (EAGLETON, 2005, p. 18).
Partindo desta premissa, pode-se verificar que as colocações de Eagleton também
são constantes na construção da escrita de Clarice Lispector, pelo menos é o que se observa
em “A menor mulher do mundo”, “obedecendo talvez à necessidade que às vezes a
Natureza tem de exceder a si própria” (LISPECTOR, 1995, p. 87). O personagem Marcel
Pretre cumpre, no conto, o papel de explorador e etnógrafo ao mesmo tempo. Ele é o
antropólogo que, depois do trabalho de campo, divulgou seus registros para que os demais
soubessem da existência da Pequena Flor. Marcel, em suas andanças pelas florestas da
África, descobre os menores pigmeus e descobre-se também, já que “os antropólogos não
estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias” (GEERTZ,
1989, p. 16).
Ainda em relação aos comentários salpicados no texto, confundidos entre o eu
narrador e o eu autor, eles trazem uma característica muito peculiar ao conto de Clarice.
Este detalhe faz do conto uma espécie de relatório etnográfico narrado por terceiro. O
terceiro é a voz narradora do conto que se confunde com a voz da autora. Tudo isso
permite uma menção à tipologia ensaio, pois é com ele que a narrativa de Lispector parece.
Isto não acontece por acaso, pois nas palavras de Clifford Geertz,
[...] é por essa razão, entre outras, que o ensaio, seja de trinta páginas ou
trezentas, parece o gênero natural no qual apresentar as interpretações culturais e
as teorias que a sustentam e porque, se alguém procura tratados sistemáticos na
área, logo se desaponta, principalmente se encontra algum. Mesmo artigos de
inventário são raros aqui e, de qualquer forma, apenas de interesse bibliográfico
(GEERTZ, 1989, p. 18).
Portanto, o conto de Clarice Lispector ganha dimensões de importância não só pelo
tema que diz, mas também pela forma como se diz. Nele várias figuras de linguagem
aparecem como estratégia ou recurso enunciativo, começando pelo nome dado à menor
mulher dos likoualas: Pequena Flor. Este nome, dado pelo explorador Pretre, é uma
metáfora de interferência do etnógrafo no campo de registro. A cultura do caçador não
permitia que algo existente não tivesse nome, e, “sentindo necessidade imediata de ordem,
135
e dar nome ao que existe, apelidou-a de Pequena Flor” (LISPECTOR, 1995, p. 88).
Vale também ressaltar que o ato de nomear e o de escolher os nomes são uma
questão de linguagem e sempre deixa aflorar características culturais dos indivíduos e
comunidades. Na narrativa, depois de se aprofundar na floresta do Congo Central, como
diz o texto, o explorador se vê diante da menor mulher do mundo. O trecho diz assim:
“Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais
preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros,
madura, negra, calada” (LISPECTOR, 1995, p. 88). De novo encontra-se uma palavra que
muito pode dizer no texto de Clarice. O termo “calada” não faz muita falta na narrativa, se
se considerar apenas o desenrolar do enredo. Porém a palavra está lá, colocada pela autora.
Inicialmente o olhar curioso pelo tamanho da Pequena Flor não deixa muito espaço para o
interesse em saber se ela fala ou não. Mas a escritora do texto fez questão de colocar a
palavra lá, fez uma escolha consciente por ela. Então a informação dada pela palavra
“calada” significa muito para um leitor atento, que está buscando informação na estrutura
profunda do conto de Clarice.
Como já foi dito anteriormente, a escrita de Clarice apresenta um questionamento
que parte das inquietações intimistas e vai tomando proporções coletivas. Então o fato de
Pequena Flor ser/estar calada pode significar a representação de mulher calada, mulher
negra calada, mulher negra africana calada, mulher negra africana indígena calada e assim
por diante. O termo calada também pode ser polissêmico e significar: mulher em silêncio,
mulher que foi silenciada, mulher que fala pouco, mulher que não tem “voz” e etc. Isto
demonstra o diapasão da escritora com as questões culturais e sociais, visto que “a
linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”
(GNERRE, 1994, p. 22). Aqui se encontra um assunto que pode ser polemizado em outra
ocasião: tanto na cultura dos likoualas, quanto na cultura do explorador a mulher é sempre
“calada”? O texto estaria, antropologicamente, induzindo o leitor a perceber que há traços
semelhantes entre as culturas? E quanto à posição da escritora em relação a essa
semelhança ressaltada no conto, ela aceitaria passivamente ou lutaria por mudança? Como
foi dito, inicialmente, as respostas não estão no texto, os relativismos emergem-se, são as
frustrações das expectativas do leitor.
Assim, espera-se que tenha ficado evidente que Clarice Lispector, em seu conto,
deixa aflorar seu lado antropólogo da Literatura. Embora alguns estudiosos cheguem a
afirmar que ela seja uma escritora intimista, vale dizer também que o fato de apresentar
vestígios de questionamentos culturais só engrandece sua obra, mesmo porque,
136
[...] olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia,
ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais
da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionanalizadas;
é mergulhar no meio delas (GEERTZ, 1989, p. 21).
Desta maneira, pretende-se demonstrar uma leitura do conto de Clarice por um viés
no qual o analista torna-se seu etnógrafo sem a pretensão de esgotar sua interpretação, pois
“a análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é mais desafiante, quanto mais
profunda, menos completa” (GEERTZ, 1989, p. 20). Faz-se mister dizer que “os textos
antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão”
(GEERTZ, 1989, p. 11), porém, o texto que, aqui, está sendo analisado, trata de Literatura,
privilegiando a todos que queiram comprovar por leitura própria as discussões
apresentadas até aqui.
Outro aspecto interessante, em “A menor mulher do mundo”, é seu apelo
imagético. A narrativa vai expondo as impressões de várias famílias ao saberem da
existência da Pequena Flor. A cada mudança de cenário, isto é, a cada nova casa que o eu
narrador onipresente invade para narrar as opiniões em relação à Pequena Flor, há um corte
que é um recurso, cuja funcionalidade permite acrescentar, de forma coerente, diversas
versões do mesmo fato. Antes vale chamar a atenção para o nome do explorador, a que
acrescentando um acento circunflexo tem-se prêtre que, em francês, significa padre. Isto já
é um prenúncio imagético no inicio do conto, pois compõe a relação semiótica da
Literatura com o apelo visual. O Marcel Pretre representa, ao mesmo tempo, dois
elementos marcantes no curso histórico dos povos neolatinos. Ele cria na mente do leitor
atento e com bagagem de leitura histórica, a imagem do explorador e do catequizador,
ambos pelos tempos do descobrimento do chamado Novo Mundo.
Para dar respaldo teórico ao que foi dito no parágrafo anterior, em relação aos links
históricos sócio-culturais, que são abertos, quando da leitura do conto de Clarice Lispector,
pode-se lançar mão, mais uma vez, das palavras de Geertz (1989) quando ele diz:
[...] o ponto global da abordagem semiótica da cultura é, como já disse, auxiliarnos a ganhar acesso ao mundo conceptual no qual vivem os nossos sujeitos, de
forma a podermos, num sentido um tanto mais amplo, conversar com eles. A
tensão entre o obstáculo dessa necessidade de penetrar num universo nãofamiliar de ação simbólica e as exigências do avanço técnico na teoria da cultura,
entre a necessidade de apreender e a necessidade de analisar, é, em
conseqüência, tanto necessariamente grande como basicamente irremovível.
Com efeito, quanto mais longe vai o desenvolvimento teórico, mais profunda se
torna a tensão (GEERTZ, 1989, p. 17).
137
A tensão referida pelo teórico acima reforça, para os pensantes da cultura, que um
trabalho, mesmo que não seja antropológico, sempre terá uma descrição densa 15 e um teor
de complexidade, pois o seu intérprete (escritor/autor/etnógrafo) nunca consegue se
desvencilhar por inteiro dos costumes e normas da sociedade na qual está inserido;
portanto, as marcas culturais sempre serão encontradas nos trabalhos das diversas épocas,
tendo em vista que o primeiro olhar cultural é o do escritor; e com Clarice Lispector não
foi diferente.
Quanto às figuras de linguagem utilizadas no texto de “A menor mulher do
mundo”, além da metáfora que dá nome à personagem, Pequena Flor, outras são
importantes de ser ressaltadas. No trecho a seguir observa-se uma sinestesia:
É que a menor mulher do mundo estava rindo.
Estava rindo, quente, quente. Pequena Flor estava gozando a vida. A própria
coisa rara estava tendo a inefável sensação de ainda não ter sido comida
(LISPECTOR, 1995, p. 93-94).
A sinestesia ocorreu em “estava rindo, quente, quente”. Mas o que chama mais a
atenção é que, ao ser observada pelo explorador, Pequena Flor ri, simplesmente ri. E “foi
neste instante que o explorador, pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir
curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar”
(LISPECTOR, 1995, p. 93). Assim, como pode ser observado nas próprias palavras da voz
narradora do conto, esperava-se outra atitude de Marcel Pretre, porém, diante do diferente,
ele fica constrangido; de novo o enredo explora a questão do choque de comportamento e
costumes. Vale ainda dizer que uma outra figura de linguagem ocorre, aqui, na observação
do eu narrador: um polissíndeto em relação ao uso do termo “ou”.
O fato de Pequena Flor se sentir bem por não ter sido devorada pelos Bantos,
também revela um outro costume, que é a prática do canibalismo por algumas
comunidades africanas. Uma outra figura de linguagem constante na narrativa é o uso de
paradoxo. Talvez a escolha desta figura tenha um valor maior, considerando a narrativa
tratar-se de um tema cultural e por isso cai bem mostrar as oposições e contrastes também
dentro da própria linguagem. Alguns paradoxos podem ser enumerados aqui. Na edição 16
da narrativa analisada neste trabalho, eles aparecem assim: “perversa ternura” (p. 90). /
15
Cf. GEERTZ (1989)
LISPECTOR, Clarice. A menor mulher do mundo. In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1995. pp. 87-96
16
138
“quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho” (p. 90). / “bondade perigosa”
(p. 90). / “... a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs /.../ E considerou a
cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz.
Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que
mataremos por amor. /.../ orgulho inconfortável” (p. 91). / “... dentro de sua pequenez,
grande escuridão pusera-se em movimento” (p. 94). / “refinamentos cruéis” (p. 95).
Quanto aos cortes e mudanças de cenário que provocam imagens fotográficas no
leitor, estas ocorrências dão uma sequência narrativa ao conto. Com esse recurso, pode-se
observar que, além dos sentimentos iniciais do explorador em relação à menor mulher, a
cada vez que muda o cenário, um novo sentimento em relação à Pequena Flor é revelado.
Nota-se que a cada mudança de cenário é como se o leitor estivesse passando um álbum de
retrato ou acelerando os quadros ou cenas de um filme; portanto, o apelo imagético é muito
grande.
Antes de relatar os sentimentos diferentes que as pessoas tiveram em relação à
Pequena Flor, através das mudanças de cenário, é imperioso dizer que isso foi possível
porque o Explorador/etnógrafo publicou uma foto da indígena. Houve um papel importante
por parte da mídia na divulgação da descoberta, e de acordo com Collares (2008),
[...] a tradição contemporânea ocidental delegava ao historiador a legitimação do
acontecimento. O historiador Pierre Nora afirma que cabe agora à mídia este
papel em que somente por intermédio dela é que o fato se concretiza
(COLLARES, 2008, p. 11).
Coadunando com a citação acima, é plausível complementar que o personagem
Marcel Pretre utilizou um recurso mais atualizado, a fotografia, para registrar e provar seu
contato, mas, para eficiência na divulgação, não se pode negar que teve a contribuição da
mídia. Depois do conhecimento do público, resta saber se a cultura dos likoualas vai
continuar intacta, pois, de acordo com Scharf (2005), a divulgação e a reprodução põem
em risco a novidade; segundo ele,
[…] ahora, la fotografía, junto con el arte y la naturaleza, es fuente permanente
de arte. Pero, gracias a la irreprimible maquinaria de la reproduccíon, las
imágenes no tardan en perder la magia de la novedad y en convertirse en cosa
vista y manida. De aquí se deriva un cierto menosprecio por lo habitual. Todos
los niños de escuela saben cómo es la superficie de Marte, y ahora quieren ver la
de Urano. El apetito de lo insólito se vuelve parte de un ciclo periódico de
estímulo y saciedade (SCHARF, 2005, p. 341).
Como pôde ser observado, tendo Scharf, como respaldo teórico, a descoberta e
139
divulgação da tribo dos likoualas podem prejudicar os costumes deles, haja vista a
curiosidade provocada nas pessoas de obterem mais informações, contatos etc. O que é
certo é que “A fotografia de Pequena Flor foi publicada no suplemento colorido dos jornais
de domingo, onde coube em tamanho natural” (LISPECTOR, 1995, p. 89). No texto não há
nenhuma passagem que demonstre a preocupação em preservá-los, apenas diz que eles
poderiam ser em número bem maior se não servissem de alimento aos Bantos: “Sua raça
de gente está aos poucos sendo exterminada. Poucos exemplares humanos restam dessa
espécie que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado” (LISPECTOR, 1995,
p. 88). O explorador/etnógrafo, de posse de material de pesquisa mais avançado,
fotografou, registrou a imagem de Pequena Flor; se fosse em ocasiões antigas, teria que
usar a arte do desenho, como diz Porto Alegre (2004), “Goethe e Humboldt pertenciam a
uma geração do filósofo Herder, que dizia: ‘É necessário percorrer o mundo com o lápis na
mão para conhecê-lo’ ” (PORTO ALEGRE, 2004, p. 86).
O que se pode dizer é que, consoante a teoria do ato de fotografar desenvolvida por
Dubois (1994), Marcel Pretre, ao fotografar a Pequena Flor, realiza um ritual de passagem;
ela para a sua cultura e ele para a dela. Também realiza um recorte ao escolher a foto da
pequena mulher para ser publicada, pois consoante Dubois,
[...] o ato fotográfico implica portanto não apenas um gesto de corte na
continuidade do real, mas também a idéia de uma passagem, de uma
transposição irredutível. Ao cortar, o ato fotográfico faz passar para o outro lado
(da fatia); de um tempo evolutivo a um tempo petrificado, do instante à
perpetuação, do movimento à imobilidade, do mundo dos vivos ao reino dos
mortos, da luz às trevas, da carne à pedra (DUBOIS, 1994, p.168).
Assim, o explorador colaborou com a sobrevida da comunidade da Pequena Flor,
mas também contribui para que ela pereça. A voz narradora do conto enfatiza que a
Pequena Flor é calada, como já foi discutido no primeiro capítulo, e, então ria, “era um riso
como somente quem não fala ri” (LISPECTOR, 1995, p. 94). De acordo com o texto, há
ausência de uma linguagem mais falante, “os likoualas usam poucos nomes, chamam as
coisas por gestos e sons animais” (LISPECTOR, 1995, p. 89). Desta forma o leitor supõe
que eles também sejam ágrafos e de acordo com Maresca (2005),
[...] notemos que o álbum de fotografia apresenta a característica marcante –
certamente ainda mais aos olhos das populações sem escrita – de ser um livro
que se pode consultar sem ler. Aqui, ainda, a forma como as fotografias vêm a
ser publicadas entra facilmente em ressonância com a cultura oral dos indígenas,
que não pode mais ignorar as potencialidades de transmissão oferecidas pelos
livros, sem para isso chegar a se apropriar das capacidades de expressão contidas
140
na escrita (MARESCA, 2005, p. 135).
Com esse pensamento de Maresca (2005), pode-se inferir que o álbum de retrato
poderia ser a forma de contato entre as duas culturas: a do explorador com a dos likoualas.
Seria o contato por imagens. O fato de os likoualas serem ágrafos amplia, inclusive, a
valorização da fala, já que “para Saussure, a palavra falada tem prioridade sobre a palavra
escrita, que é somente a ‘imagem’ da primeira” (GNERRE, 1994, p. 68-69).
A participação do personagem Marcel Pretre no enredo é de um etnógrafo e, ao
divulgar a foto da Pequena Flor, as pessoas que a viam ficavam imaginado como era sua
vida e o que fariam se a tivessem por perto. Isto porque “a ficção é, por outro lado, um
componente fundamental do filme etnográfico” (MARESCA, 2005, p.159), no caso do
conto de Lispector, a foto cumpriu o papel do filme.
Retomando a questão das mudanças de cenários que dão uma sequência narrativa
ao conto, podem-se enumerar as principais. Há de se atentar ao apelo fílmico e fotográfico
(imagético) que as passagens apresentam. Em um apartamento, uma mulher, ao ver a foto
da Pequena Flor, sente aflição (p. 89). 17 Em outro apartamento, segundo a voz narradora
do conto, uma senhora sente uma perversa ternura, ao se deparar com a pequenez da
mulher africana (p. 90). Em uma outra casa, uma menina de cinco anos, fica espantada,
vendo o retrato e ouvindo os comentários (p. 90). Em outra casa, uma moça noiva tem um
êxtase de piedade, e aí abre um diálogo com a mãe, cuja opinião é que a africana aparenta,
na foto, estar triste, mas que não é tristeza humana, trata-se de tristeza de bicho (p. 90).
Nesta última passagem, é como se abrisse um pequeno conto dentro de outro conto,
inclusive o apelo fílmico é mais acirrado, devido ao diálogo. O mesmo acontecendo em
outra passagem, quando em outra casa, um menino esperto tem a idéia de fazer da Pequena
Flor um brinquedo. Naquele instante, a mãe vê a crueldade do filho e passa a se lembrar de
uma outra história que uma cozinheira lhe contara, anteriormente (p. 91). Nesta última
mudança de cenário, o apelo cinematográfico ainda é maior, pois como na passagem
anterior, além de passar a impressão de ser um conto dentro de outro conto, dentro do
segundo ainda há um fluxo de memória realizado pela mãe do garoto.
Em uma outra casa, a família chega a medir com fita métrica o que seria o tamanho
da africana, e deixam transparecer o desejo de possuí-la; nesta passagem o diálogo é longo,
o que aguça a imaginação do leitor para a ocorrência da cena (p. 92-93). E, para encerrar,
17
As páginas citadas, com relação às ocorrências, correspondem a LISPECTOR, Clarice. A menor mulher
do mundo. In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. pp. 87-96
141
em outro lugar, “declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão –, pois
olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz” (LISPECTOR, 1995, p. 96). Como
foram ressaltadas no início deste trabalho, as frustrações das expectativas do leitor é uma
constante no referido conto de Clarice Lispector. Encerra-se, então, com uma delas: sem
sentimentos unânimes em relação à Pequena Flor.
De tudo que foi discutido neste trabalho, é importante ressaltar que não houve um
esgotamento de análise do conto, nem se pretendia isso; seria assumir um compromisso
muito dispendioso. Outros aspectos ainda são muito rentáveis para a escrita e outros nem
foram mencionados. Em vez disso, espera-se que a discussão cultural no conto de Clarice
tenha ficado bem clara. Outros aspectos também são de suma importância que tenham
ficado esclarecidos: o apelo imagético do conto, devido à mudança constante de cenário, a
fusão da voz narradora do texto com a voz da autora e a questão das figuras de linguagem
que aparecem ao longo do texto.
Vale considerar que a impressão que se deu é que o conto de Clarice deixa muitas
arestas para que o leitor participe de forma ativa. O que se chamou de frustrações das
expectativas do leitor pode muito bem ser os espaços que ficam para a reflexão e
imaginação do leitor; do contrário, seria algo pronto e não arte como é a Literatura de
Clarice Lispector.
Referência bibliográfica
COLLARES, Gabriel. Imagem digital e manipulação: a contribuição de Walter Benjamin
para a era da reprodutibilidade de verossimilhanças. In. Walter Benjamin: imagens. Carlos
Pernisa Júnior; Fernando Fábio Fiorese Furtado; Nilson Assunção Alvarenga (Orgs.). Rio
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DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Trad. Marina Appenzller.
Campinas, SP: Papirus, 1994. (Coleção ofício de arte e forma), 363 p.
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. Trad. Sandra Castello Branco & Cezar Mortari.
São Paulo: Editora UNESP, 2005. 205 p.
GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 115 p.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 215 p.
LISPECTOR, Clarice. A menor mulher do mundo. In: Laços de Família. 28 ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 87-96.
MARESCA, Sylvain. Olhares cruzados: ensaio comparativo entre as abordagens
142
fotográfica e etnográfica. In. SAMAIN, Etienne (Org.). O fotográfico. 2 ed. São Paulo:
Hucitec, 2005. p. 129-160.
PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. Reflexões sobre iconografia etnográfica: por uma
hermenêutica visual. In. FELDMAN-BIANCO, Bela; MOREIRA LEITE, Miriam L.
(Orgs). Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. 3 ed.
Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 75-112.
SCHARF, Aaron. Arte y fotografia. Versión espanhola de Jesús Pardo de Santayana.
Madrid: Alianza Editorial, 2005. 419 p.
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Süssekind. Porto Alegre:
L&PM, 2008. 176 p.
José Geraldo Batista é Graduado em Letras Português e Letras Inglês pelo Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora – CES/JF. Ele é especialista em Estudos Literários, mestre em teoria da Literatura e doutorando em
Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Atualmente é professor do Centro
Universitário de Caratinga – UNEC. Seus contatos são: (33) 3329 4537 e [email protected].
143
SURDEZ, EDUCAÇÃO, INCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE DIREITO 18.
Juliano Sepe Lima Costa *
Maria Lúcia Jannuzzi Machado **
Introdução
O termo incluir tem um sentido amplo e complexo, principalmente quando a
realidade do excluído está muito distante do objeto de equiparação. Neste sentido,
buscamos evidenciar os mecanismos oficiais que procuram minimizar as desigualdades
vivenciadas pelos deficientes auditivos, mais especificamente no âmbito da educação
escolar.
A definição de inclusão trazida à tona pelo Dicionário Aurélio (1993), nos remete à
ideia de: compreender, abranger, inserir, introduzir, estar incluído ou compreendido; fazer
parte. Visando à completude do conceito de inclusão, vários documentos internacionais e
nacionais propõem a implementação da exclusão de qualquer modalidade de desigualdade,
garantindo a todos igualdade de direitos.
Através dos diversos documentos publicados, percebemos a longa trajetória
percorrida até os dias atuais, na tentativa de garantir, a todos, direitos fundamentais,
visando assegurar-lhes uma vida digna. Partindo desta premissa, a existência humana passa
a ser tutelada por direitos e garantias fundamentais, sem os quais não há que se falar em
dignidade humana, nisto inclui valores como a vida e a liberdade.
Discussão
Internacionalmente o paradigma da inclusão foi debatido na ceara das reuniões da
Organização das Nações Unidas (ONU), inicialmente em 1948, mesmo que de forma
18
Este Artigo é parte integrante da pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação e
Linguagem do UNEC, Caratinga – MG, pelo mestre Juliano Sepe Lima Costa, sob orientação da Profª. Drª
Maria Lúcia Jannuzzi Machado.
*
Mestre do Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguagem do UNEC, Caratinga – MG. Graduado
em Direito, pós-graduado, Gestor Educacional da parceira do UNEC e do Curso Praetorium em Caratinga
– MG. [email protected]. (33) 3321 5181.
**
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Orientadora. E-mail: [email protected].
144
indireta, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos 19, preconizando, em seu artigo
primeiro que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Contudo, só em 1975, com a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, da
ONU 20, que a questão concernente às diferenças veio à tona, reforçando o discurso de
dignidade humana para todos, nisto incluiu-se a educação, como se pode comprovar com o
disposto no item 6 da Declaração: “As pessoas com deficiência têm direito a [....] educação
[...] e outros serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e
habilidades e que acelerem o processo de sua integração social”. A ONU proclamou o ano
de 1981 como Ano Internacional das Pessoas Deficientes, cujo tema foi “Participação
Plena e Igualdade”, tal iniciativa marcou, objetivamente, a defesa de direitos aos
deficientes.
A sensibilização em prol da inclusão ganhou espaço inclusive junto a Organização
Internacional do Trabalho – OIT – que, na Convenção 159 21 indicou a igualdade de
oportunidades como caminho a ser trilhado, citando o Documento denominado Convenção
sobre Reabilitação Profissional e Emprego para Pessoas Deficientes.
Outro documento de suma importância no que tange aos assuntos concernentes a
Inclusão é a Declaração de Salamanca 22 – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área
das Necessidades Educativas Especiais, datado de 10 de julho de 2004, que remete ao
documento da ONU denominado: Normas para Equiparação de Oportunidades para
Pessoas com Deficiências 23, de 1993. O texto determina que os Estados assegurem que a
educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional, e
19
- Declaração Universal dos Direitos Humanos. Resolução ONU n.º 217 A (III), de 10 de dezembro de
1948.
20
- Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes.Versa sobre os direitos das pessoas com qualquer
tipo de deficiência. Resolução ONU n.º 3.447, de 09 de dezembro de 1975.
21
- Convenção OIT n.º 159, de 20 de junho de 1983. Trata sobre Reabilitação Profissional e Emprego de
pessoas deficientes. Estabelece princípios e ações para as políticas nacionais de reabilitação profissional e de
emprego de pessoas com deficiência. Brasil ratificou: Decreto n.º 129, de 22 de maio de 1991.
22
- Declaração de Salamanca, de 10 de julho de 1994. Sobre princípios, política e prática em educação
especial. Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento das Nações
Unidas. Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências, o qual demanda
que os Estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema
educacional.
Notando com satisfação um incremento no envolvimento de governos, grupos de advocacia, comunidades e
pais, e em particular de organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à
educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se encontram desprovidas; e
reconhecendo como evidência para tal envolvimento a participação ativa do alto nível de representantes e de
vários governos, agências especializadas, e organizações inter-governamentais naquela Conferência Mundial.
23
- Normas para Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência da ONU n.º 48/96, de
20 de dezembro de 1993. Regras gerais sobre Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de
Deficiência. Estabelece as medidas de implementação da igualdade de participação em acessibilidade,
educação, emprego, renda, seguro social, etc.
145
reafirma o compromisso para com a Educação para todos, destacando a inclusão do aluno
deficiente e a necessidade de que as escolas inclusivas ofereçam um ambiente favorável à
aquisição de igualdade de oportunidades e participação total.
Vale destacar, também, a Carta para o Terceiro Milênio 24, documento internacional
de 1999, aprovada pela Assembléia Governativa da Rehabilitation International, em
Londres, Grã-Bretanha, que estabeleceu medidas protetivas dos direitos dos portadores de
deficiências e que ressaltou a igualdade e a inclusão. Em seu ultimo parágrafo a carta
ressalta que, no terceiro milênio, a meta de todas as nações precisa ser a de evoluírem para
“sociedades que protejam os direitos das pessoas com deficiência mediante apoio ao pleno
empoderamento e inclusão delas em todos os aspectos da vida”.
Outro documento internacional importante é a Convenção da Guatemala25, de 28 de
maio de 1999 - Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência que, em seu bojo, informa-nos
acerca de direitos, inclusive o de não ser submetido à discriminação, garantindo aos
deficientes os mesmos direitos e liberdades fundamentais de todos, já que dignidade e
igualdade são inerentes a todo ser humano.
Ainda em 1999 podemos citar a Declaração de Washington 26, que defende como
princípio de Vida Independente: educação inclusiva e igualitária. Dissemina a promoção
de: “Políticas públicas e uma ampla legislação sobre Direito das Pessoas com Deficiência
em cada país a fim de criarmos um ambiente mundial que propicie Vida Independente,
educação inclusiva [...]”.
A Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão27, aprovada em 05 de junho
de 2001 pelo Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva”, reforça do discurso em favor
da dignidade e dos direitos humanos, trazendo explicitamente que: “o acesso igualitário a
todos os espaços da vida é um pré-requisito para os direitos humanos universais e
liberdades fundamentais das pessoas. O esforço rumo a uma sociedade inclusiva para todos
é a essência do desenvolvimento social sustentável”. O referido documento internacional
24
- Carta para o Terceiro Milênio, de 09 de setembro de 1999. Assembléia Governativa da Rehabilitation
International, em Londres, Grã-Bretanha. Estabelece medidas para proteger os direitos das pessoas com
deficiência mediante o apoio ao pleno empoderamento e inclusão em todos os aspectos da vida.
25
- Decreto nº 3.956/01 - (Convenção da Guatemala, de 28 de maio de 1999) Promulga a Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência.
26
- Declaração de Washington. Realizada de 21 a 25 de setembro de 1999, em Washington, DC, EUA.
Perspectivas globais sobre Vida Independente para o Próximo Milênio.
27
- Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão - aprovada em 5 de junho de 2001 pelo
Congresso Internacional "Sociedade Inclusiva", realizado em Montreal, Quebec, Canadá.
146
enfatiza a questão da inclusão como sendo benéfica para toda a sociedade e como
compromisso de todos.
Por fim, podemos ainda, citar mais três declarações internacionais muito relevantes
no contexto de inclusão, que são: a Declaração de Caracas 28, Declaração de Sapporo 29 e a
Declaração de Madri 30, todas de 2002.
Já em sede nacional, o tema inclusão e educação especial é tratado em várias leis,
decretos, portarias, resoluções, pareceres, etc. Como marco inicial começaremos pela Lei
Maior Nacional que é a Constituição Federal de 1988 31, que é expressa em enfatizar que é
dever do Estado garantir atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, in verbis os artigos 205, 206 e 208:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia
de:
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade.
(grifos nossos).
No intuito de garantir o disposto na Constituição Federal, várias Leis foram
promulgadas, cada uma tratando de uma especificidade, contudo, todas tratando do mesmo
tema. Exemplo disso é a Lei nº 7853/89 32, que foi criada para dar apoio às pessoas
portadoras de deficiência e favorecer a integração e visa assegurar às pessoas portadoras de
28
- Declaração de Caracas. Primeira Conferência da Rede Ibero-Americana de Organizações NãoGovernamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunida em Caracas, entre os dias 14 e 18 de
outubro de 2002, declara 2004 como o Ano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias almejando a
vigência efetiva das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência e o
cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência.
29
- Declaração de Sapporo. Aprovada no dia 18 de outubro de 2002 por 3.000 pessoas, em sua maioria com
deficiência, representando 109 países, por ocasião da 6ª Assembléia Mundial da Disabled Peoples’
International - DPI, realizada em Sapporo, Japão. Uma convocação da DPI para pessoas com deficiência de
todo o mundo para a proteção dos direitos humanos.
30
- Declaração de Madri. A não-discriminação e a ação afirmativa resultam em inclusão social. Aprovada
em Madri, Espanha, em 23 de março de 2002, no Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência,
comemorando a proclamação de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência.
31
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.
32
- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 7.853, de 24 de outubro de
1989.
147
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos a educação,
como se pode observar abaixo:
Art. 2º. [...]
Parágrafo Único. [...], as seguintes medidas:
I – na área da educação:
a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade
educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a
supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e
exigências de diplomação próprios;
b) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial em
estabelecimentos públicos de ensino;
c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimentos
públicos de ensino;
d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial em nível préescolar e escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam
internados, por prazo igual ou superior a um (um) ano, educandos portadores de
deficiência;
e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos
demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsa de estudo;
f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e
particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem ao
sistema regular de ensino.
Em 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA 33, relevante
instrumento de defesa às crianças e adolescentes, cujo texto é claro ao citar à questão
concernente a educação especial:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando o pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho assegurando-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino.
Outro passo importante foi dado via Lei 9394/96 34, que diz respeito às diretrizes e
bases da educação nacional - LDBN, que reservou seu capítulo V para a educação especial,
vejamos:
CAPITULO V
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Art. 58 . Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola
regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.
33
34
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.
148
§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não
for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular.
§3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na
faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
Art. 59 . Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades
especiais:
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos,
para atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências,
e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os
superdotados;
III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida
em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 60 . Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de
caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com
atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro
pelo Poder público.
Parágrafo único. O poder Público adotará, como alternativa preferencial, a
ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria
rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições
previstas neste artigo.
É importante mencionarmos acerca do Plano Nacional de Educação, que em seu
capítulo 8 trata da Educação Especial, onde fica claro a necessidade de uma educação
especial para os deficientes. “As escolas especiais devem ser enfatizadas quando as
necessidades dos alunos assim o indicarem” e especificamente sobre surdez explicita:
“Implantar, em cinco anos, e generalizar em dez anos, o ensino da Língua Brasileira de
Sinais para os alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal
da unidade escolar...”, complementando, assim, o disposto em Leis anteriores e reforçando
o discurso a favor da educação especial.
No que tange à surdez, grande conquista foi revelada com a promulgação da Lei
10.436/02 35, que regulamentou a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, “Art. 1º É
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais Libras e outros recursos de expressão a ela associados”, sendo considerada, assim, uma
segunda língua nacional. Quanto à educação, a lei supra citada foi incisiva ao prescrever
em seu artigo 4º o seguinte:
35
- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24 de abril de
2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências.
149
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus
níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como
parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, conforme
legislação vigente.
No Brasil, podemos citar ainda vários decretos 36, portarias 37, resoluções 38, aviso 39,
entre outros, que visam de alguma forma destinar aos deficientes tratamento especial face
às suas peculiaridades, pois só tratando os desiguais de forma desigual é que poderemos
alcançar a plena justiça, pois tratar diferentes de forma igual é acentuar a exclusão de
muitos, nesta linha de pensamento que a inclusão é bem destacada nas legislações,
demonstrando a latente necessidade de uma educação especial destinada aos que precisam,
visando a atender a especificidades de cada tipo de deficiência.
Considerações finais
36
Decreto Nº 186/08 - Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007; Decreto Nº 6.094/07 - Dispõe
sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação; Decreto Nº 6.215/07 institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência – CGPD; Decreto Nº 6.214/07
- Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência;
Decreto Nº 6.571/08 - Dispõe sobre o atendimento educacional especializado; Decreto Nº 5.626/05 Regulamenta a Lei 10.436 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS; Decreto Nº 2.208/97 Regulamenta Lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação especial; Decreto Nº 3.298/99 Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras previdências; Decreto Nº
914/93 - Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; Decreto Nº 2.264/97 Regulamenta a Lei nº 9.424/96; Decreto Nº 3.076/99 - Cria o CONADE; Decreto Nº 3.691/00 Regulamenta a Lei nº 8.899/96; Decreto Nº 3.952/01 - Conselho Nacional de Combate à Discriminação;
Decreto Nº 5.296/04 - Regulamenta as Leis n° 10.048 e 10.098 com ênfase na Promoção de Acessibilidade;
Decreto Nº 3.956/01 - (Convenção da Guatemala) Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.
37
- Portaria nº 976/06 - Critérios de acessibilidade os eventos do MEC; Portaria nº 1.793/94 - Dispõe sobre
a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem
com portadores de necessidades especiais e dá outras providências; Portaria nº 3.284/03 - Dispõe sobre
requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e
de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições; Portaria nº 319/99 - Institui no Ministério
da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Especial/SEESP a Comissão Brasileira do Braille, de
caráter permanente; Portaria nº 8/01 – Estágios.
38
Resolução CNE/CP nº 1/02 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores;
Resolução CNE/CEB nº 2/01 - Normal 0 21 Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica; Resolução CNE/CP nº 2/02 - Institui a duração e a carga horária de cursos; Resolução nº
02/81 - Prazo de conclusão do curso de graduação; Resolução nº 05/87 - Altera a redação do Art. 1º da
Resolução nº 2/81.
39
- Aviso Circular nº 277/96 - Dirigido aos Reitores das IES solicitando a execução adequada de uma
política educacional dirigida aos portadores de necessidades especiais.
150
Neste breve trabalho, pretendeu-se congregar as mais diversas garantias destinadas
aos deficientes previstas em documentos oficiais ou legislações, tudo isto para evidenciar o
quanto o tema é relevante e merece atenção diferenciada. A inclusão hoje é um direito
estabelecido, e visa à concretização do ideal de igualdade, além da defesa do princípio
maior que é a dignidade da pessoa humana.O respeito à diversidade é o reconhecimento de
que todos somos seres humanos dotados de particularidades que merecem ser respeitadas,
pois não há uma pessoa melhor do que a outra, visto que a legislação é clara ao explicitar
que todos são iguais perante a lei, no sentido de equiparação do gênero, sem, contudo, se
esquecer que para equiparar necessita observar as diferenças, não para privilegiar um ou
outro, mas, para simplesmente colocar todos em um mesmo patamar de oportunidade de
realização, ou seja, de garantir a dignidade humana.
Assim, durante o tempo, percebemos o acréscimo das garantias aos deficientes em
geral, fruto da conscientização da necessidade de se efetivar a inclusão e estirpar toda
forma de exclusão. Diante do exposto, a garantia destinada ao surdo, especificadamente,
nada mais é do que garantia a algo que lhe é intrínseco e de pleno direito, ou seja, a vida
com dignidade, nisto incluindo o respeito à peculiaridades e, portanto, o direito de acesso à
educação escolar especial de acordo com as suas necessidades.
Referências
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4.024, de 20 de dezembro de 1961.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB
5.692, de 11 de agosto de 1971.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial,
1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 7.853, de 24
de outubro de 1989.
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necessidades básicas de aprendizagem. UNESCO, Jomtiem/Tailândia, 1990.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente no Brasil. Lei n. 8.069, de 13 de julho de
1990.
BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas
especiais. Brasília: UNESCO, 1994.
151
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de
Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de diretrizes e bases da educação nacional, LDB
9.394, de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Nº 3.298, de
20 de dezembro de 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº 10.048, de 08
de novembro de 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº 10.098, de 19
de dezembro de 2000.
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para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação Especial MEC/SEESP, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei Nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o
Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
BRASIL. Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência. Guatemala: 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24
de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras
providências.
BRASIL.Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB
9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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20 de dezembro de 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº 10.048, de 08
de novembro de 2000.
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de dezembro de 2000.
BRASIL. Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência. Guatemala: 2001.
152
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24
de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras
providências.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Documento
subsidiário à política de inclusão. Brasília: SEESP, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Documento
subsidiário à política de inclusão. Brasília: SEESP, 2007.
MEC/SEESP. Estratégias e orientações pedagógicas para a educação de crianças com
necessidades educacionais especiais. Dificuldades de comunicação e sinalização: Surdez.
Educação Infantil. Brasília: MEC/SEESP, 2002.
BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à educação:
subsídios para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais.
Brasília: MEC/SEESP, 2006.
MEC/SEESP. Diretrizes nacionais para a educação
básica/Secretária de Educação Especial. Brasília, 2001.
especial
na
educação
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, FERREIRA, Marina Baird, et al. Mini
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, 2006.
153
OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO: ANÁLISE DOS VALORES
CAPITALISTAS PRESENTE NA OBRA
Lívia Gomes de Freitas *
Tuanny Aparecida de Souza **
Cláudia Cardoso da Cruz Gomes ***
Maria Lúcia Jannuzzi Machado ****
Introdução
Segundo o Dicionário de conceitos históricos, o capitalismo segundo seus conflitos
são definido sob a visão Marxista como:
Marx acreditava ainda que o modo de produção capitalista criava um conflito
irremediável entre as principais classes desse tipo de sociedade: o proletariado e
a burguesia. Para ele, o Capitalismo, assentado nessa imensa contradição
capital/trabalho, tenderia a gerar conflitos [...] (MACIEL; SILVA, 2005, p.45).
A sociedade capitalista busca o lucro e por conseqüência dissemina a divisão de
classes, onde uma dada população tem mais acesso ao capital financeiro que outros. Os
pilares capitalistas são sustentados pela perspectiva do ter, que significa acesso aos bens
materiais, porém o acesso pleno a estes bens materiais é restrito apenas a uma determinada
classe, como Marx deixa claro nas linhas seguintes:
A luta pela existência aparece na sociedade humana sob a forma de guerra de
classe entre si, e guerra de indivíduos entre eles próprios no seio da classe
dominante, guerras suscitadas por interesses materiais. A guerra das classes
criadas pelas relações econômicas das diversas épocas, é a que domina todo o
movimento histórico e explica as diferentes fases da civilização (MARX, 1998,
p. 29).
A obra literária Olhai os Lírios do Campo é escrita em 1938, por Érico Veríssimo,
livro em prosa que representa o movimento literário do Modernismo em sua segunda fase.
O modernismo é caracterizado, pelo enfoque dos problemas sociais e políticos enfrentados
*
Graduanda em Geografia, pelo Centro universitário de Caratinga, e-mail:
[email protected].
**
Graduanda em História, pelo Centro Universitário de Caratinga, e-mail: [email protected].
***
Mestre em Educação e Linguagem pelo Centro Universitário de Caratinga. Orientadora. E-email:
cdareligiã[email protected].
****
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Orientadora. E-mail: [email protected].
154
pela sociedade no momento histórico da década de 1930 e 1940. O modernismo na sua
segunda fase representa as seguintes temáticas: regionalismo e o surgimento do romance
urbano e psicológico, facilmente percebido em: “Olhai o Lírios do Campo”.
A narrativa se divide em duas partes com 12 capítulos em cada, sendo a primeira o
cruzamento de dois níveis temporais: o presente e o passado. Na segunda parte, porém,
Eugênio personagem principal da obra se arrepende de algumas de suas atitudes e relembra
fatos vividos com Olívia, através da leitura de cartas escritas por ela destinadas a ele.
Em Olhai os Lírios do Campo, os personagens vivenciam a realidade do modo de
vida capitalista, através deles torna-se presente a importância que estes dão ao acesso aos
produtos e a tudo que o dinheiro pode comprar. Alguns dos personagens serão relatados
posteriormente, para que possamos exemplificar a situação de análise de valores
capitalistas presente na obra.
Breve histórico
A primeira fase do Capitalismo é iniciada com o chamado mercantilismo. No
entanto, nota-se que em períodos anteriores ao do mercantilismo já é notório o início de
características capitalistas: a troca de mercadorias por moedas para obtenção de lucros, a
propriedade privada, dentre outras.
Na Idade Média período compreendido entre o século V ao século VX, época em
que a sociedade era rigidamente hierarquizada e marcada pela fé em Deus e pelo controle
da Igreja Católica, o poder político era descentralizado, estava nas mãos de inúmeros
senhores de terra.
Nesse período, muitos cristãos peregrinavam ao local que Jesus Cristo fez suas
pregações cidades como: Jerusalém, Belém, Nazaré dentre outras, são localidades
considerados sagrados para os cristãos. Em conseqüência da expansão dos povos turcos
que são mulçumanos, no século XI na região de Jerusalém, teve início a perseguição aos
cristãos que visitavam a Terra Santa.
Graças ao conflito religioso territorial o Papa Urbano II, convocou expedições de
retomada da Terra Santa chamada de cruzadas (sendo a cruz um símbolo do catolicismo).
Ao todo foram realizadas oito Cruzadas, durante duzentos anos. Em 1096 conseguiu-se
expulsar de grande parte da Terra Santa os turcos e fundar o reino de Jerusalém.
155
As cruzadas promoveram também, grandes transformações na Europa, como a
reabertura do Mediterrâneo à navegação e o comércio europeu, possibilitando o
restabelecimento do comércio entre o ocidente e o oriente.
A população medieval ocidental européia era predominantemente rural. A
movimentação das Cruzadas fez com que aumentassem as rotas comerciais, dentro e fora
da Europa pelo Mar Mediterrâneo. A intensidade comercial desenvolveu as cidades.
Os mercadores não eram pessoas ligadas à posse das terras e nem religiosos. À
medida que o comércio se expandia, formavam-se vilas e cidades, por motivo de
segurança, os mercadores se concentravam em zonas fortificadas, cercada de muralhas,
denominada burgo. Nos burgos, além de mercadores existiam, artesãos, sapateiros,
carpinteiros, ferreiros, esses moradores se chamavam burgueses. Burgueses são aqueles
que detêm a propriedade dos meios de produção, enquanto o proletariado é a camada da
sociedade que vende sua força de trabalho para o burguês.
Observa-se, no cenário europeu da Idade Média a retomada da influência do capital
na sociedade, a obtenção do lucro através da venda de mercadorias, a propriedade privada
a necessidade do dinheiro, uma vez que anteriormente, ainda na Idade Média a troca de
mercadorias que prevalecia, posteriormente era a troca de mercadorias pelo dinheiro.
Foi em meados do século XV a meados do século XVIII que se deu o
mercantilismo, seu objetivo era fortalecer ao Estado e a burguesia na fase de transição do
feudalismo para o capitalismo através das práticas econômicas de acumulação de capital. O
mercantilismo é denominado a primeira fase do capitalismo como já foi dito anteriormente,
por ser considerado um período de transição do feudalismo para o capitalismo e por estar
no início da Idade Moderna (século XV ao século XVIII).
A segunda fase do capitalismo começa com a Revolução Industrial na Inglaterra no
século XVIII, dando início a Idade Contemporânea. A Revolução Industrial marcou a
substituição do trabalho artesanal pelo trabalho fabril, a utilização da máquina a vapor e do
carvão como fonte de energia.
Capitalismo Financeiro: após a segunda guerra, algumas empresas começaram a
exportar meios de produção por causa da alta concorrência e do crescimento da indústria.
O livro Capitalismo Negro apresenta o início do capitalismo como forma de
produção dominante nas seguintes linhas:
Foi ao longo do século XIX que o capitalismo apoiado no trabalho assalariado se
tornou o modo de produção dominante, primeiro na Europa Ocidental e nos
156
Estados Unidos, depois no resto do mundo, através de formas de dominação
diretas (a colonização) ou indiretas (PERRAULT, 2005, p. 25).
Desde os primórdios do capitalismo, um fato notório é a exploração do trabalhador
assalariado, um objeto burguês de obtenção de lucros capitais. A distinção entre burguesia
e proletariado, sendo o primeiro proprietário dos meios de produção e o segundo o
trabalhador que vende sua força de trabalho.
Mais uma vez, trechos do livro Capitalismo Negro são citados para a distinção
entre as duas classes do capitalismo: burguesia e proletariado:
O dominado era, é certo, explorado, e muitas vezes das formas mais brutais, mas
a exploração era “justificada”, pelo menos ideologicamente, por uma certa
reciprocidade: dever de proteção por parte do dominador, até mesmo de
assistência, frequentemente sob uma máscara patriarcal. Com o capitalismo as
relações sociais tomam um caráter cada vez mais abstrato, anônimo. E, por isso
mesmo desumanizado (PERRAULT, 2005, p. 26).
Eugênio
Eugênio é um personagem marcado pelo sentimento de inferioridade, desde menino
se sente inferior em relação aos colegas por sua situação de pobreza. Assim, sente-se
Eugênio: humilhado pelo sistema capitalista, sistema este segregacionista e discriminador
onde o ser humano é qualificado de acordo com sua riqueza material, riqueza essa que
Eugênio não possui. Demo relata o capitalismo como difusor da segregação:
O capitalismo representa uma das classes mais discriminatórias. Sua superação,
todavia não inaugura o fim das desigualdades, mas introduz outras formas
possivelmente mais aceitáveis, ou seja, mais democráticas. Democracia, por sua
vez, não extermina o fenômeno do poder, apenas tenta “domesticá-lo” (DEMO,
2007, p. 9).
Érico Veríssimo trata o sentimento de inferioridade de Eugênio nas seguintes
linhas:
– Éh, rapaz! – gritou.[...]
– Segura este cachorro.[...]
O cachorro pulava e latia desesperadamente, puxando a corrente e
esforçando-se por seguir o dono. Eugênio olhava para o animal com ar estúpido,
o coração a bater-lhe com mais força, o rosto afogueado. Tudo aquilo se passara
com tanta rapidez, que ele não tivera a menor hesitação: obedecera. Era uma
vergonha, um desaforo... [...].
[...] Ele e o cachorro – as duas figuras centrais do mundo naquele momento. O
cachorro era mais bonito, mais bem cuidado e mais feliz que ele. Eugênio
157
Fontes, menos que um cachorro! Gente pobre: vida de cachorro. [...]
(VERISSÍMO, 1997, p. 37).
A influência do capitalismo se faz presente a todo o momento na estória de
Eugênio, quando pensa na casa de seus pais, se remete a uma urbanização segregativa feita
de uma forma que privilegia a burguesia em detrimento as classes com menor poder
aquisitivo. Notam-se as diferentes facetas do ambiente urbano nas seguintes linhas, onde
Eugênio reflete sobre sua condição econômica e a de seu colega Alcebíades:
[...] Eugênio se imaginava doutor e rico, dono duma residência como aquela.
Esquecia o pai a mãe, o Dr. Seixas os gorilas do submundo... O ambiente em
que se encontrava era de tal modo sutil e delicado que não permitia o
florescimento de recordações sombrias. Como Alcebíades devia ser feliz!... [...].
(VERÍSSIMO, 1997, p. 54)
[...] Assim rápida como surgira, a luz misteriosa se apagava e Eugênio sentia de
novo a realidade, na carne nos ossos no sangue. Comparava a casa de
Alcebíades com a sua. [...] Voltava da contemplação de algum quadro de arte
para encontrar Ernesto recendendo a cachaça e o pai a escarrar e a gemer.
Odiava a humildade. [...] (VERÍSSIMO, 1997, p.61-62)
Essa desigualdade refletida no urbano é explicada no livro Brasil Urbano,
explicando esse contraste urbano:
O que primeiro vem a mente quando se pensa em “Brasil urbano”, é, pois o
enorme contraste entre ricos e pobres. Esse é, antes de qualquer outra coisa, um
fenômeno bastante visual e visível. “O Brasil Urbano”, é principalmente, uma
paisagem de exclusão social, com sua geografia própria tendo sido estabelecida
ao longo dos cinco séculos do passado colonial, imperial e republicano. Isso se
refere aos processos de desigualdade regional e fragmentação urbana, quase
sempre estruturadas por mercados de terras excludentes e direitos de propriedade
individualistas. Iniquidade é, assim, uma qualidade das grandes cidades
brasileiras – e a esse propósito, também das cidades menores – estejam elas nas
regiões mais ricas do sul ou nas mais pobres do norte (FERNANDES,
VALENÇA, 2004, p.17).
Para Eugênio, a única forma de sair de seu estado de pobreza e de infelicidade era
investir em seus estudos. Somente Eugênio formou-se em medicina, título que obteve com
grande esforço e sacrifício. Seu irmão não pôde concluir seus estudos como fez Eugênio,
pois a família não possuía renda para que os dois filhos estudassem.
Eugênio casa-se com Eunice, com este feito busca a felicidade tão almejada, pois
para Eugênio só o dinheiro traz tal estado de espírito. Por ser uma mulher rica e fina,
Eugênio vê em Eunice sua capacidade de através de seu status na sociedade conseguir o
prestígio por ele desejado.
158
Casa-se com Eunice Cintra, mas é por Olívia que nutre um sentimento de afeto e de
amor.
– Eu não gosto dela, Olívia. O que te escrevi é pura verdade. Só penso no meu
futuro, na minha carreira. Não me disseste um dia que fé é tudo? Pois tenho fé na
minha carreira, preciso me livrar da idéia horrorosa de que a vida é simplesmente
esta luta sem recompensa...este...esta miséria...este ramerrão sem graça. Eu sinto
que posso realizar alguma coisa. Tu sabes como tem sido a minha vida até hoje
(VERÍSSIMO, 1997, p.132).
No decorrer de seu casamento de sua rotina, Eugênio não vive aquilo que outrora
tanto desejou apesar de conseguir certo prestígio na sociedade porto alegrense, possuía um
bom emprego, capital para comprar aquilo que barganhava, mas, não era feliz. Somente o
capital financeiro não lhe trazia satisfação pessoal.
Olívia teve uma filha com Eugênio, fato que mencionara a ele algum tempo depois
que ela nascera. Sabendo da existência de uma filha sua, Eugênio começa a repensar seus
conceitos de felicidade.
Tempos depois é informado da doença de Olívia, quando chega ao seu encontro no
hospital, ela já está morta, outro fato crucial para que Eugênio repense sua vida e caminhe
para uma mudança.
Eugênio separa-se, enfim, de Eunice e começa a dedicar-se ao cuidado da vida do
outro, do menos favorecido através de sua profissão. Deste modo senti-se melhor e começa
a enterrar os fantasmas de seu passado pobre, em que se sentia tão inferiorizado em relação
aos que muitos bens materiais possuíam:
Antigamente só pensava em mim mesmo. Vivia como cego. Foi Olívia quem me
fez enxergar claro. Ela me fez ver que a felicidade não é o sucesso, o conforto.
Uma simples frase me deixou pensando: Considerai os lírios do campo. Eles não
semeiam, nem tecem e no entanto nem Salomão em toda a sua glória se cobriu
como um deles (VERÍSSIMO, 1997, p. 281).
Eunice Cintra
Eunice Cintra, filha do industrial Vicente Cintra, pertencente à elite porto alegrense,
moça de gênio forte que sempre fala o que pensa. È exemplo dos valores capitalistas
incutidos na obra. Torna-se claro o valor que esta dá ao dinheiro, e como ela tenta
manipular os que estão a sua volta em um trecho de seu primeiro contato com Eugênio,
personagem principal da obra, com quem ela se casa posteriormente:
159
-- Suicídio? -- perguntou Eugênio, que se havia aboletado no banco da frente.
-- Acidente. – A voz do enfermeiro veio do fundo do carro. – Com o abridor de
latas. É na casa do tal Cintra.
-- Gente da família?
-- Qual nada! A criada. Não vê que esses ricaços vão-se dar ao trabalho de andar
abrindo lata... (p.112).
-- Olhe aqui... -- gritou a moça.
Eugênio voltou-se mecanicamente. A jovem estendia-lhe a mão branca: entre o
indicador e o anular havia uma cédula nova de cinquenta mil-réis
cuidadosamente dobrada.
-- Tome -- disse ela com maldade. – Reparta com seu amigo.
Uma nuvem escureceu os olhos de Eugênio. E toda a sua raiva explodiu, cega:
-- Vão pro inferno – gritou ele – a senhora, o seu dinheiro, Freud e toda a sua
raça! (VERÍSSIMO, 1997, p.119).
Eunice se mostra como um individuo de classe, individuo de classe para Marx é
aquele que é produto da burguesia, reflexo da classe dominante em um determinado
período histórico, caracterizado pelas condições de vida do individuo. Na obra Ideologia
Alemã, Marx deixa claro o que para ele e individuo de classe:
Essa contingência apenas é engendrada e desenvolvida pela concorrência e pela
luta dos indivíduos entre si. Assim, na imaginação, os indivíduos parecem ser
mais livres sob a dominação da burguesia do que antes, porque suas condições
de vida parecem acidentais; mas, na realidade não são livres, pois, estão mais
submetidas ao poder das coisas” . (Marx, 1987,120)
Vicente Cintra
Eugênio caracteriza o sogro como: “[...] O velho Cintra gostava de fazer o papel do
gentleman repousado e paternal [...] (1997, p. 127). Cintra um homem de negócios,
figurava como o homem capitalista, com muitos negócios e bens capitais, uma das
características dos valores capitalista de concentração de riquezas. “(...) Os dinheiros do
velho Cintra. Fiação e Tecidos Cintra, Companhia Arrozeira Cintra e Cia., Companhia
Imobiliária Cintra...” (1997, p. 24).
O capitalismo como forma de monopólio da classe dominante se torna explicito em
Olhai os Lírios do Campo. Catani conceitua o monopólio e a ampliação do poder:
O monopólio, visto implicar uma concentração de poder dentro do sistema
capitalista, resulta num controle político muito mais forte e estreito sobre a
sociedade e a política do governo. Dessa maneira o Estado acaba por exprimir
não exclusivamente os interesses do capitalismo e do conjunto da classe
capitalista, mas os interesses dos grupos monopolistas dominantes do
capitalismo, favorecendo os interesses dos últimos, mesmo que seja à custa de
outros setores capitalistas (CATANI, 1980, p.73/74)
160
Em relatos de Érico Veríssimo sobre um acidente ocorrido em uma das fábricas de
Cintra, pode-se observar o valor que este industrial dá a seu capital e que não faz o mesmo
com seu contingente de operários:
– Podem tocar de novo as máquinas – disse o gerente – não podemos ficar
parados. Tempo É ouro.
Ouro... Por que era que os homens não se esqueciam nunca do ouro? Ouro lhe
lembrava outra palavra: sangue. Tempo também era sangue. Ouro se fazia com
sangue (VERÍSSIMO, 1997, p. 157).
Filipe Lobo
Filipe Lobo, um grande construtor civil, transformou seu sonho de criança em
realidade, sonhava em construir um grande monumento a este monumento deu o nome de
megatério. É exemplo dos valores e desejos capitalista de progredir de acumular riquezas e
de se destacar sobre os indícios de divisão de classes, manifestada pela urbanística do
local. Como se pode notar em:
—Mas qual! Imagine a imponência dum arranha-céu de trinta andares subindo
acima dessas miseráveis casas do tempo do Onça. É qualquer coisa de
formidável, é mais que um edifício, é uma verdadeira cidade, um m-o-n-u-m-en-t-o (VERÍSSIMO,1938, p.140).
Nota-se, portanto, a forma com que Filipe trata seu monumento civil, como dá total
importância ao seu empreendimento em relação às coisas e as pessoas ao seu entorno. Em
passagens do livro observa-se que sua filha se sente menosprezada pelo pai e reconhece a
importância que este atribui ao megatério: “—Que é que a gente vai fazer? Papai gosta
mais do “Megatério” do que de mim.”(1997, p.142)
Nem a morte da filha abala este homem, Filipe inaugura seu monumento mesmo
com a ausência de Dora, Eugênio lê nota no jornal sobre a inauguração do “megatério:”
Eugênio dobrou o jornal, pensando em Dora. Era cruel que ela estivesse morta num dia tão
lindo como aquele (VERÍSSIMO,1997, p.319).
Considerações finais
Através dos personagens de “olhai os Lírios do Campo” foi possível constatar a
manifestação do capitalismo, a forma como a ideologia do sistema capitalista leva as
pessoas a acreditarem numa possível ascensão social através da acumulação de capital,
segundo Marx, citado por Michael Lowy “Ideologia é um conceito pejorativo, um conceito
crítico que implica ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é
161
invertida e as idéias aparecem como motor da vida real” (p. 12) o livro enfatiza, portanto,
que estes, os personagens dão valor ao ter, manipulados pelos ideais impostos pelo
capitalismo. Partindo da concepção de capitalismo para a geografia, história e a sociologia
atrelada à literatura de Érico Veríssimo.
O personagem principal da obra: Eugênio manifesta ao longo do livro sua vontade
de prosperar financeiramente, por ter nascido em um ambiente humilde com grandes
dificuldades financeiras, buscou nos estudos sua oportunidade de crescer economicamente,
posteriormente busca em seu casamento com Eunice Cintra sua grande chance de
prosperar. Mas não encontra nestes valores a felicidade que esperava, ao repensar seus
valores de felicidade, onde compreende que o dinheiro apenas, não é suficiente para trazer
a felicidade que esperava.
Outros personagens aqui citados como: Vicente Cintra, Eunice Cintra e Filipe,
pertencentes à burguesia porto-alegrense são exemplos da divisão de classes existente no
capitalismo que são retratadas na obra literária Olhai os Lírios do Campo, burguesia essa
que em passagens do livro citadas neste artigo demonstram que dão valor ao capital,
muitas vezes acima de qualquer coisa.
Referências bibliográficas:
CATANI, Afrânio. O que é capitalismo. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DEMO, Pedro. Política social educação e cidadania. 10. ed. Campinas: Papirus, 1994.
FERNANDES, Edésio; VALENÇA, Márcio. Brasil urbano. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia crítica: alternativas de mudança. 43. ed. Porto Alegre:
Mundo jovem, 1998.
MARX, Kalr; ENGELS, Friedrichi. A ideologia alemã. 13. ed. São Paulo: Expresso
popular,1987.
MARX, Karl. O capital.4. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1971.
SILVA, Kalina; SILVA, Maciel. Dicionário de conceitos históricos. 2 .ed. São Paulo:
Contexto, 2006.
VERÍSSIMO, Erico. Olhaí os lírios do campo. 74. ed. São Paulo: Globo, 1997.
162
A LINGUAGEM DA SÍNDROME DE DOWN - LEITURA E SIMBOLISMOS
Magda Cristina Assis Costa * (UNEC)
Maria Madalena Silva de Assunção ** (UNEC)
Introdução
A Síndrome de Down remete a significações que permeiam pelos processos da
Linguagem e que possibilitam o entendimento sobre o aprendizado da Leitura na criança
Portadora de necessidades Especiais. Tal questão viabiliza a reflexão da subjetividade e a
expressão da fala, da leitura e da escrita, ou seja, as marcas paralinguisticas e suas
interpretações. As considerações trazidas por Piaget e Vigotsky reforçam essas
considerações sobre pensamento e significações, pois Piaget (1994) aponta a perspectiva
naturalista e enfatiza o modo como os conceitos primitivos geram conceitos complexos,
enquanto Vigotsky (1997) esclarece que a interpretação poderia derivar da coordenação
dos conceitos, pensar e significar, que produziriam o pensamento.
O ato de ler, ouvir textos que são lidos, escrever e mesmo falar sobre textos, levam
as crianças a aprenderem e a reconhecerem pistas que indicarão uma associação futura, a
partir de acumulação de evidências críticas e percepção de símbolos subjacentes à leitura.
A criança com Síndrome de Down segue os passos normais de desenvolvimento, apesar de
certo atraso. Cada vez mais, se entende que o meio e a criança não podem ser vistos como
unidades isoladas, nem estáticas. Nesta interação se faz necessário o intermédio do faz-deconta na infância dessa criança, seria então uma forma de interpretar um texto, assim como
o reconhecimento de uma figura, ou seja, brincadeiras e interação para promover
aprendizagens.
Na comunicação com crianças portadoras de Síndrome de Down, que ainda não
desenvolveram a linguagem (bebês e crianças até 3 anos), faz-se necessário interligar ao
*
Psicóloga, Mestre em Educação e Linguagem - UNEC, Pós Graduada em Psicologia da Educação e
Psicopedagogia, Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Caratinga - UNEC.
[email protected]. (33) 33215181.
**
Professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMINAS;
professora do Mestrado em Educação da Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações – UNINCOR;
professora colaboradora do Mestrado em Educação do Centro Universitário de Caratinga – UNEC.
Psicóloga, Mestranda em Educação e Linguagem - UNEC, Pós Graduada em Psicologia da Educação e
Psicopedagogia, Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Caratinga - UNEC.
[email protected].
163
uso da fala significações como uso de sinais (imagens e gestos), que podem reduzir as
dificuldades de comunicação encontradas por essas crianças posteriormente, melhorando o
padrão da fala e o conteúdo da linguagem. Neste sentido, pode-se apontar que o sujeito se
apropria da linguagem no interior de um movimento social, permitindo integração e uma
abolição da exclusão.
Partindo desses pressupostos podemos articular a Educação Inclusiva como
possibilidade integradora e não exclusora. Segundo Pereira (1980), integrar é um processo,
um fenômeno complexo que vai muito além de colocar ou manter excepcionais em classes
regulares, ou seja, seria um acolhimento que atinge todos os aspectos do processo
educacional. Tal processo educacional viabiliza a inclusão não só no âmbito escolar, mas
abre possibilidades para novos conceitos sociais e políticos.
A Síndrome e suas possibilidades
Tudo que não invento é falso.
Manoel de Barros
John Langdon Down (1866), médico inglês, através de suas pesquisas relacionadas
à Síndrome de Down trouxe relatos que sustentam nossas observações relacionadas às
particularidades da criança Down. Dentre elas aponta que a Síndrome de Down seria um
retorno a um tipo racial mais primitivo com certa aparência oriental. Down então criou o
termo “Mongolismo” e intitulou-o inadequadamente de “idiotia Mongolóide”, essa
denominação de “mongolismo” foi excluída da revista Lancet, em 1964, das publicações
da OMS em 1965 e do Index Medicus, em 1975.
Hoje este termo é considerado arcaico, passando a usar-se o termo “Síndrome de
Down” que faz parte do grupo de acefalopatias não progressivas, segundo Léfevre (1981) a
criança tenderá ao desenvolvimento porque o seu sistema nervoso central continua a
amadurecer com o decorrer do tempo, embora de forma mais lenta do que numa criança
desprovida da Síndrome.
O fato de não haver uma progressividade em algumas características consideradas
inibidoras no desenvolvimento da Criança Down, possibilita intervenções relacionadas
também ao meio familiar, considerado o principal protagonista na vida da criança, anterior
a vínculos como o início da idade escolar. Exemplo disso encontramos na memorização,
nesta observamos que a criança Down aprende certas tarefas, mas não dispõe de um
164
mecanismo de estruturas mentais para os assimilar; então, desde bem cedo deve orientá-la
por imagens (situação concreta) e não por conceitos (situação abstrata). Essas crianças
podem possuir uma boa memória relacionada ao conhecimento elementar em tarefas
simples, mas em termos de intervenção ativa e espontânea para organização do material a
memorizar, revelam-se menos capazes que as crianças não acometidas pela Síndrome.
Revela-se então que a memória auditiva de curto-prazo é mais breve, o que dificulta
o acompanhamento de instruções faladas, especialmente se elas envolvem múltiplas
informações ou ordens/orientações consecutivas. Essa dificuldade pode, entretanto, ser
minimizada se essas instruções forem acompanhadas por gestos ou figuras que se refiram
às instruções dadas. Observamos então, que as expressões da criança Down apontam
desajuste em relação à compreensão, ou seja, em termos de desenvolvimento as crianças
com Síndrome de Down evoluem através de padrões e seqüências similares às que
caracterizam a população dita normal. No entanto, estas crianças necessitam de mais tempo
e, de oportunidades de exploração para poderem da forma mais adequada se
desenvolverem.
Linguagem, Leitura e suas possibilidades
Não pode haver ausência de boca nas palavras:
nenhuma frase desamparada do ser que a revelou.
Manoel de Barros
Nas crianças com Síndrome de Down, as dificuldades ao nível da linguagem
assumem formas e graus diversos, o que originam questões que envolvem a comunicação.
As perspectivas de compreensão e de intervenção nos processos de desenvolvimento
cognitivo dos portadores de Síndrome de Down impulsionam a qualidade da aprendizagem
desses. Há muitas pesquisas destacando a forte ligação entre a leitura e o desenvolvimento
da linguagem em crianças com Síndrome de Down sendo este um aspecto em que muitas
destas crianças podem se desenvolver bem, pois como a palavra escrita faz com que a
linguagem se torne visual, os textos impressos superam a dificuldade do aprendizado pela
audição.
Neste sentido como relatado anteriormente, por apresentarem habilidades de
processamento e de memória visual mais desenvolvida do que aquelas referentes às
capacidades de processamento e memória auditivas, as crianças com Síndrome de Down se
beneficiarão de recursos de aprendizagem que utilizem suporte visual para trabalhar as
165
informações. Foreman e Crews (1998) partem do princípio de que as crianças portadoras
de Síndrome de Down compreendem mais do que conseguem expressar, sendo assim,
esclarecem que no aprendizado de leitura e escrita deve ser utilizado predominantemente
atividades visuais e gestuais apoiadas.
Neste processo, a fala está apoiada em sinais e símbolos gráficos, acrescenta-se a
essa comunicação instruções e informações. A clareza e a descrição evitarão o excesso e
auxiliarão na composição de um todo compreensivo mais amplo, proporcionando a
simbolização de códigos e padrões lingüísticos cotidianamente usados na linguagem
falada. Dentre esses fatores que facilitam o aprendizado, as pesquisas apontam forte
reconhecimento visual, ou seja, habilidade visual de aprendizado que se relaciona à:
habilidade de aprender e usar sinais; habilidade para aprender e usar a palavra escrita;
imitação de comportamento e atitudes de interação.
Em contrapartida, alguns fatores inibem o aprendizado e o desenvolvimento da
Criança Down, investigações apontam que dentre eles: o desenvolvimento tardio de
habilidades motoras tanto finas quanto grossa, a dificuldades de audição e visão,
dificuldade no discurso e na linguagem, o déficit de memória auditiva recente, a
capacidade de concentração mais curta, dificuldade com a consolidação e retenção de
conteúdo, pensamento abstrato e raciocínio, e por fim a dificuldade em seguir seqüências.
Em relação ao atraso na aquisição da linguagem observa-se vocabulário mais reduzido o
que acarreta a um conhecimento geral menor, dificultador do aprendizado da linguagem
social.
Relacionando tais fatores aos aspectos físicos observamos que a combinação de ter
uma boca menor e músculos e língua mais fraco tornam a formação das palavras mais
difícil, o que acentua com frases maiores. A conseqüência disso é que a criança ganha
menos experiência de linguagem que lhe dê oportunidade de aprender novas palavras e
formas de comunicação verbal. Porém a dificuldade de aprender regras gramaticais
contrapõe-se a habilidade para aprender vocabulário novo mais facilmente.
Para que o desenvolvimento não seja comprometido por tais questões são
realizadas estratégias como: pedir para a criança repetir instruções dadas; evitar
vocabulário ambíguo; reforçar a fala com expressões faciais, gestos e sinais; reforçar
instruções faladas com instruções impressas, usar também imagens, diagramas, símbolos e
material concreto. Além da revisão para assegurar que coisas aprendidas anteriormente não
ficaram esquecidas com a assimilação de novas, promovendo possibilidades geradoras de
uma linguagem na Síndrome de Down.
166
A leitura pode, portanto ser usada para o acesso ao entendimento e para melhora
das habilidades de fala e linguagem. Porém é importante compreender que na Síndrome de
Down para o aprendizado da mesma se faz necessário utilizar o método de apresentar a
palavra completa. Isso, é claro, pode gerar diante da exigência de que o método fônico seja
utilizado na alfabetização. Usar fonemas para decodificar palavras pode ser mais difícil
para a criança Down pequena, pois ele envolve habilidades como audição apurada e
discriminação de sons, assim como estar apto a resolver problemas. Porém uma noção
básica do método fonético pode ser adquirida por muitas crianças com Síndrome de Down
e isso deve ser introduzido enquanto elas estão construindo seu vocabulário visual.
Considerações Finais
Aonde eu não estou
as palavras me acham.
Manoel de Barros
Em meio a uma forma de educação assistencialista, oferecida historicamente à
criança com Síndrome de Down, surgem atualmente novas possibilidades que desafiam,
mas que possibilitam novos caminhos de inclusão e valorização da mesma. O estigma da
doença e da incapacidade rompe e emerge experiências educacionais que oferecem uma
forma diferenciada, não exclusora. O conhecimento da Síndrome faz com que a atuação
não seja pela via do desconhecimento, o que seria gerador de preconceitos e romperia com
o desenvolvimento da criança Down, que como as ditas normais apreendem sua linguagem
e sua forma de comunicação, porém através da particularidade de sua leitura do mundo.
Desta forma, rompe-se com a figura enferma e com as modulações de padrões,
pois cada sujeito possui o tempo subjetivo de adquirir e elaborar a Linguagem, que permite
a interlocução com o mundo, independente de aspectos cognitivos, lingüísticos, e sócioemocionais. Sentidos e significados são gerados pelas nossas experiências, e com a
desconstrução de normalidade surge o conhecimento que destitui o preconceito e emerge a
aceitação. Compreendemos então que a escrita, a leitura e a linguagem permeiam pela
Síndrome a seu modo e passa por interpretações em uma rede de interações que
possibilitam gerar significantes sociais e emocionais.
Referências
167
BARROS, Manoel de. Livro do nada. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
PIAGET, Jean. A perspectiva de Jean Piaget Lino de Macedo. São Paulo: FDE, 1994.
Série Ideias n. 2.
PUESCHEL, Siegfried M. Síndrome de Down: guia para educadores. 6. ed. São Paulo:
Papirus, 2002.
MARTINS. João Carlos. Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula:
reconhecer e desvendar o mundo. São Paulo: FDE, 1997. Série Idéias n. 28.
168
MÉTODOS E ABORDAGENS DE ENSINO DE L. I.:
ADEQUAÇÃO À REALIDADE ESCOLAR 40
Maria Andréia Silva Leles Rocha * (UNEC)
Francis Paulina Lopes da Silva ** (UNEC)
Introdução
A necessidade de ensinar efetivamente uma segunda língua vem provocando
inquietações ao profissional de língua estrangeira, numa busca constante pelo “melhor
método”, aquele que da melhor forma poderá atender às expectativas do educando, em
cada realidade escolar.
Este processo de ensino-aprendizagem permite ao educador e ao educando a
reconstrução de conceitos e valores social, político e cultural, é muito mais do que apenas
decodificar códigos, letras. Segundo Celani, nesse processo, “há muito mais envolvido que
mera prestação de serviços” (2006, p. 27).
Neste contexto, apropria-se de conhecimentos e conceitos sobre a diversidade
cultural do mundo. Desta forma, é preciso uma busca de estratégias que possibilitem ao
educando uma aprendizagem autêntica, com uma participação ativa, posicionando-se
diante do que está sendo aprendido.
Métodos e abordagens de ensino de L. I.: adequação à realidade escolar
A palavra método vem do grego méthodos, uma palavra composta por meta, que
denota sucessão, ordenação e hódos, que significa via, caminho. De acordo com Lino
Rampazzo, a palavra método se refere "a um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas,
a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência, ou para um
determinado fim" (2002, p. 13). Percebe-se então que o método é um caminho necessário,
40
Este artigo faz parte da dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga – MG .
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga.
Endereço eletrônico: [email protected].
**
Doutora em Letras – Ciência da Literatura: Teoria Literária, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professora titular do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem do Centro Universitário de
Caratinga – UNEC. Orientadora acadêmica. Endereço eletrônico: [email protected].
169
um trajeto linear a ser seguido, para alcançar os objetivos estabelecidos, ou seja, para a
obtenção de um fim.
É preciso considerar também que, em diferentes ciências, como na Biologia,
Sociologia, Filosofia, dentre outras, o conceito de método sofre alterações devido a
natureza de cada uma delas e aos seus objetos e objetivos de estudo. O foco destacado aqui
é o ensino de Língua Inglesa, contextualizado nas concepções de método na área
pedagógica.
As técnicas supõem os recursos, as estratégias, as atividades práticas de sala de
aula, para que o método atinja a sua realização concreta no contexto pedagógico. Para
Richards e Rogers (1986), as técnicas estão inseridas no procedimento, o método é uma
combinação entre a abordagem, os desenhos e os procedimentos, nos quais se referem ás
práticas, aos comportamentos e estratégias didáticas que possibilitam a execução prática e
real de um método.
A inexistência do método perfeito provoca inquietações nos estudiosos sobre o
tema, manifestando-se, então, uma tendência ao ecletismo, que possibilita ao educador
escolhas metodológicas coerentes com as características e necessidades de seu contexto
pedagógico. De acordo com Larsen-Freeman (2003) e Brown (2001), o método eclético
deve conduzir a uma prática coerente e plural no ensino de uma língua, em que grande
variedade de atividades possa ser empregada, de forma a facilitar, acelerar ou otimizar o
processo de ensino.
É importante também salientar a diferença entre aquisição e aprendizagem de
língua estrangeira. A aquisição é um processo de assimilação natural, intuitivo,
subconsciente, fruto de interação de situações reais de convívio humano, em que o
aprendiz participa como o sujeito ativo (cf. SHUTZ, 2006).
Por outro lado, a aprendizagem pode ser compreendida como um processo em que
o indivíduo recebe informações, transforma-as em conhecimento e registra-o na memória.
É o que ocorre na sala de aula: o aluno aprende a língua inconscientemente, e raramente
está inserido em situações reais em que a língua estrangeira é usada. Observa-se então, que
a sociedade, a cultura, a realidade do aprendiz está bem distante do ambiente na qual a
língua estrangeira está inserida.
Richard Ellis (1992) lembra que a aquisição de uma segunda língua não é um
fenômeno uniforme e nem previsível.
Então, conhecendo as possibilidades, é possível que o educador de língua
estrangeira adquira uma postura reflexiva, autocrítica, que possa compreender as reais
170
necessidades de seus alunos.
A adequação do método à realidade é um fator fundamental para se aprender uma
língua estrangeira e é função do professor delinear o que será ensinado, como, para quê e
para quem.
A partir dessa reflexão, faz-se necessário analisar qual dos métodos ou abordagens
pode ser integrado ao trabalho, quais procedimentos didáticos, que filosofia e princípios
norteiam esta metodologia, traçando um caminho entre a teoria e a prática, juntamente com
a realidade do ambiente escolar.
De acordo com Ellis (1992), não há garantias de que os princípios metodológicos
utilizados pelo professor serão adequados às reais necessidades do aluno. Daí a
necessidade de se considerarem as estratégias de aprendizagem utilizadas pelo aluno –
como ele emprega os dados de língua disponíveis e a razão porque ele aprende deste modo
–, uma vez que a metodologia empregada pelo professor não determina e nem modifica o
estilo de aprendizagem do aluno.
A seguir, são citados alguns métodos e abordagens de ensino de língua estrangeira
e suas principais características:
Método Gramática e Tradução
Surgiu com o interesse pelas culturas grega e latina na época do Renascimento e
conhecido como método dedutivo, mas por não possuir uma fundamentação teórica de
aprendizagem de línguas, não foi contemplado como um método. Segundo Prator e CelceMurcia (1979, p. 3), as principais características dessa abordagem são as seguintes:
- as aulas são ministradas na língua materna dos alunos e há pouco uso ativo da
língua estrangeira;
- o vocabulário é apreendido através de uma lista de palavras totalmente
descontextualizadas;
- são dadas explicações e análises detalhadas de minúcias da gramática;
- os alunos já fazem leitura de textos clássicos a partir dos estágios iniciais de
aprendizagem;
- dá-se pouca atenção ao conteúdo dos textos, pois eles servem principalmente de
exercício de análise gramatical;
- pouca ou nenhuma atenção é dispensada à pronúncia.
Nesta abordagem é notável que o professor não precisa se esforçar muito, pois não
171
passa de uma mera correção de exercícios gramaticais e memorização de um vocabulário
totalmente descontextualizado.
Método Direto
A característica fundamental deste método é que a língua estrangeira se aprende
através dela, não usa a língua materna. A tradução do significado ocorre através de gestos,
mímicas, gravuras. Propicia ao aluno a habilidade de pensar na própria língua que está
sendo estudada. A conversação e discussão utilizadas nesse método não contam com
explicitação de regras gramaticais.
Segundo Richards e Rogers (1986, p. 9-10) as características principais são as
seguintes:
- as aulas são ministradas exclusivamente na língua estrangeira apreendida;
- a gramática é ensinada indutivamente;
- ensina-se principalmente a fala e a compreensão oral;
- o vocabulário concreto é ensinado por meio de objetos, demonstração e desenhos
e o abstrato era ensinado por meio de associações de idéias;
- a pronúncia e o uso da gramática devem ser corretos.
Este método contempla as quatro habilidades comunicativas: ouvir, falar, ler e
escrever, mas enfatiza a habilidade oral. Requer professores que dominam a oralidade da
língua juntamente com as outras habilidades, e é uma abordagem que necessita de
investimento alto pela falta de materiais disponíveis.
Método da Leitura
O principal objetivo aqui é o desenvolvimento da habilidade de leitura. Também
predomina a importância da aquisição de vocabulário, razão por que prioriza atividades
escritas, principalmente questionários baseados em textos.
Suas principais características são:
- a gramática é ensinada para a compreensão da leitura;
- a linguagem oral é pouco utilizada; desenvolve apenas a leitura e a compreensão
de texto;
- é utilizada a tradução para a língua materna;
- o professor não precisa dominar a fluência na língua aprendida.
172
Método Audiolingual
A prática é o ponto fundamental deste método: para aprender a língua é necessário
praticá-la. O aluno aprende a habilidade escrita depois dominar a habilidade oral. Tem
como meta principal propiciar a comunicação e a interação. As características
fundamentais são:
- prioriza a habilidade de ouvir, falar e em seguida ler e finalmente escrever na
língua estrangeira;
- apresenta-se o conteúdo novo sob a forma de diálogo;
- a mímica, a memorização e a repetição são utilizadas frequentemente neste
processo de aprendizagem;
- as estruturas gramaticais são aprendidas numa determinada sequência, uma de
cada vez;
- há pouca explicação gramatical;
- apresenta vocabulário controlado e limitado;
- utilizam-se fitas gravadas, laboratório de línguas e material visual;
- apresenta uso controlado da língua materna do aluno;
- valoriza o aspecto cultural da língua aprendida.
Método Funcional ou Comunicativo
A aprendizagem é centrada no aluno, valorizando as técnicas utilizadas em sala de
aula e também os conteúdos delimitados. O professor tem a função de orientador,
motivando os alunos para uma participação ativa. Em geral, as habilidades são trabalhadas
de forma integrada, ou uma de cada vez se for necessário. As principais características são:
- valoriza a participação e sugestões por parte dos alunos;
- utiliza a língua estrangeira em situações reais do aluno;
- o material é baseado no aluno, destacando o uso natural da língua;
- incentiva a participação ativa do aluno, motivando-o para realizar dramatizações,
teatros.
Abordagem Sociointeracionista
173
Esta abordagem adotada pelo PCN pode surgir como uma metodologia
sociocultural ou comunicativa e tem como objetivo defender a competência linguística
através da comunicação, da troca de experiências e por meio da relação do convívio entre
os alunos. Utiliza-se de variados gêneros textuais e propicia situações reais, condicionadas
ao uso da segunda língua.
Competência Comunicativa
Este
termo
reúne
o
conjunto
inteiro
de
conhecimentos:
linguísticos,
sociolinguísticos, estratégicos e discursivos. Segundo Douglas Brown, a competência
comunicativa "é uma das competências que o indíviduo possui e que o possibilita emitir e
interpretar mensagens e negociar seus significados, interpessoalmente, em contextos
específicos” (1994, p. 227).
Ao discursar sobre essa competência, Vera Lúcia Harabagi Hanna (2001, p. 38)
destaca quatro dimensões desenvolvidas a partir da teoria de Henry Widdowson,
completada pela análise Merril Swain (1985):
- Competência gramatical: implica no domínio do código linguístico da língua alvo
habilitando ao aluno reconhecer as características lexicais, morfológicas,
sintáticas e fonológicas da língua alvo e manipulá-las para formar palavras e
períodos.
- Competência sociolinguística: relacionadas ao conhecimento das regras
socioculturais, que norteiam o uso da língua, compreensão do contexto social no
qual a língua é usada, permite o julgamento da adequação do uso da língua às
diversas situações.
- Competência discursiva: diz respeito à conexão de uma série de orações e frases
com a finalidade de formar um todo significativo. Este conhecimento deve ser
compartilhado pelo falante/ escritor e ouvinte/leitor.
- Competência estratégica: são estratégias de enfrentamento que devem ser usadas
para compensar qualquer imperfeição no conhecimento das regras.
Conhecer as principais características de cada método, o fracasso e o sucesso de
cada um possibilita ao profissional desta área, um embasamento, para vislumbrar
mudanças e uma consciência crítica, na busca de uma prática eficaz de ensino, que possa
adequar-se à sua realidade.
Não se pode focar em aspectos únicos e específicos para a aprendizagem de uma
174
segunda língua. Trata-se de um processo complexo que exige uma diversidade de métodos.
Vários métodos considerados arcaicos ainda são utilizados por professores de
língua estrangeira. Essa realidade sugere a falta de interesse em buscar inovações que
facilitem o ensino-aprendizagem da Língua Inglesa.
Ao adequar o método à realidade escolar, é necessário que se considerem os fatores
social, cultural, político e econômico que estão inseridos neste processo de ensinoaprendizagem. A aprendizagem de uma Língua Estrangeira possibilita ao aprendiz a
concretização de que há outras identidades diferentes da sua e que também devem ser
respeitadas. Considerando também que cada sujeito tem suas crenças, hábitos, atitudes,
próprias de um ambiente familiar diferente, cada um é o resultado da cultura na qual está
inserido. Portanto, não se deve impor a cultura de outro país à sua própria, mas ao adquirir
conhecimento, o aluno deverá contrastar o diferente com a sua realidade cultural.
A falta de recursos didáticos, de profissionais capacitados, a evasão dos alunos são
aspectos que contribuem para uma aprendizagem ineficiente. Contudo, as condições de
ensino: os procedimentos didáticos, os materiais e os recursos disponíveis influenciam para
alcançar os objetivos educacionais.
Ao selecionar os recursos didáticos faz-se necessário considerar os conhecimentos
prévios dos alunos, os interesses e habilidades de cada um.
Para que haja aprendizagem satisfatória, é necessário construir uma prática
pedagógica que seja capaz de aglomerar a diversidade, os interesses, as habilidades e
competências dos alunos. O fator principal para a construção do conhecimento é a
participação crítica e ativa dos indíviduos, pois esta permite a interação entre aluno e
professor, aluno e aluno, O professor torna-se mediador do conhecimento, deixando de ser
o único controlador das ações.
Neste sentido, Vygotsky esclarece que “a cultura, as interações sociais têm um
papel importante nesse processo e ao professor cabe o papel de potencializar as
capacidades de aprendizagem dos alunos” (1984, p. 97).
Na teoria sócio-interacionista de Vygotsky, a característica principal é a idéia de
que o homem é um ser biológico, social e que faz parte de um processo histórico cultural.
Desta forma, a aprendizagem acontece através da interação entre os sujeitos e também com
os objetos mediadores.
Enfocando aqui o ensino de Língua Inglesa, cabe ressaltar que o educador deve
ensinar, com o objetivo de que seus alunos adquiram as habilidades e competências
necessárias para a sua formação integral, capacitando-o para integrar neste mundo
175
globalizado, compreendendo também a diversidade, respeitando as diferenças de cada
sujeito. Esses fatores são indispensáveis para associar ao método que vai nortear o trabalho
educacional.
Da teoria à prática...
Na perspectiva de encontrar uma estratégia de ensino mais adequada à realidade
escolar, capaz de proporcionar aos aprendizes uma aprendizagem eficiente na Língua
Inglesa, a pesquisadora desenvolveu atividades no ano de 2009, envolvendo alguns dos
métodos ou abordagens acima referidos, em uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental,
de uma escola pública da cidade de Coronel Fabriciano, MG.
O trabalho foi realizadas junto a uma turma composta por 32 alunos, 18 meninas e
14 meninos, na faixa etária de 14 a 15 anos. As atividades foram desenvolvidas durante
seis aulas de Língua Inglesa, com duração de 50 minutos.
A pesquisadora, juntamente com a professora regente da turma, desenvolveu três
atividades diversas, com duração de duas aulas de 50 minutos para cada uma, abordando
um método ou abordagem diferente daqueles mais usados nesta escola. As atividades se
desenvolveram da seguinte forma:
1ª aula - Método Gramática e Tradução:
-
Tradução de texto usando dicionário de inglês/português;
-
Explicação do tempo verbal que se encontra no texto;
2ª aula - Método Direto:
- Exposição de gravuras
- Questões sobre as gravuras expostas (ask and answer)
- Respostas curtas (short answers)
3ª aula - Abordagem Sociointeracionista:
-
Apresentação da gravura referente ao texto;
-
Discussão;
-
Leitura do texto;
-
Questões sobre o texto.
Após as atividades desenvolvidas, solicitou-se que os alunos descrevessem um
parágrafo identificando qual atividade foi motivadora e significativa e possibilitou um
aprendizado satisfatório.
As atividades que abordaram o método gramática/tradução e o método direto
176
permitiram ao aluno adquirir apenas informações, não houve uma interação com situações
reais, onde o aluno participa ativamente. Portanto, não possibilitaram a aquisição de
conhecimentos.
O fator principal para a construção do conhecimento é a participação crítica e ativa
do indíviduo, pois esta permite uma interação entre aluno e professor, aluno e aluno, O
professor torna-se mediador do conhecimento, deixa de ser o único controlador das ações.
Este processo de construção ocorreu durante o desenvolvimento das atividades baseadas na
abordagem sociointeracionista, promovendo então, o conhecimento.
Considerações finais
As atividades propostas em uma turma de Ensino Fundamental, mediante uma
abordagem sociointeracionista foram descritas pelos alunos como a melhor forma para
uma aprendizagem significativa, por trabalhar com variados gêneros textuais e propiciar
situações reais condicionadas ao uso da segunda língua.
Ao se adequar o método à realidade escolar, faz-se necessário considerar os fatores
socioculturais, políticos e econômicos, que envolvem esse processo de ensinoaprendizagem. A aprendizagem de uma língua estrangeira possibilita ao aprendiz o
conhecimento de que há outras identidades diferentes da sua e que devem ser respeitadas.
Considerando-se também, que cada sujeito tem suas crenças, hábitos, atitudes, pertencentes
a um ambiente familiar diferente, cada um é o resultado da cultura na qual está inserido.
Assim, sem se impor a cultura de outro país, o objetivo desse ensino-aprendizagem é
proporcionar a aquisição de novos conhecimentos e contrastar o diferente com a própria
realidade cultural do educando.
Percebe-se, então, que não existe o método perfeito, cabe ao profissional da
educação repensar as práticas educacionais, reformular objetivos, renovar compromissos,
atualizar os métodos que lhe for conveniente, pois cada vez mais, aumenta a busca
constante por uma educação de qualidade como instrumento de desenvolvimento social.
Enfim, é importante ressaltar que a postura ideal do educador deve sempre partir de
uma reflexão sobre que tipo de aluno ele quer formar, que tipo de sociedade ele almeja.
Ainda, no contexto atual, deve estar atento às possibilidades de conduzir o ensino de
Língua Inglesa mediado pelas novas tecnologias e adequar outros recursos didáticos neste
processo de aprendizagem. Uma educação de qualidade é a condição necessária para a
construção de uma sociedade mais politizada e solidária, amenizando as desigualdades
177
sociais.
Referências
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais /
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BROWN, H. D. Teachinh by principles: an interactive approach to language pedagogy.
New Jersey: Prentice Hall, 1994.
CELANI, M. A. A. Ensino de línguas estrangeiras: ocupação ou profissão. In: LEFFA, V.
J. O professor de línguas: construindo a profissão. Pelotas: Educat, 2006.
ELLIS, R. Second language acquisition. Oxford: OUP, 2000.
LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and principles in language teaching. New York.
OUT, 2000.
PRATOR, C. H.& CELCE-MURCIA, M., An Outline of Language Teaching Approaches.
IN: M. Celce-Murcia & L. McIntosh, (Ed.), Teaching English as a Second or Foreign
Language. New York: Newbury House. 1979.
RAMPAZZO, L. Metodologia científica: para alunos dos cursos de graduação e pósgraduação. São Paulo: Loyola, 2002.
RICHARDS, J. C.; RODGERS, T. Approaches and methods in language ieaching.
Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
178
A CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS EM INÍCIO DE CARREIRA 41
Maria Claret de Faria Cimini * (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado ** (UNEC)
Introdução
Autores como Tardif (2002), Nóvoa (2002), Fontana (2000), García (1999), Dias e
Sousa (1999), Huberman (1995) e Moita (1992), discutem o início da carreira docente
como uma fase quer requer atenção especial das escolas de forma a oferecer aos
professores iniciantes uma rede de apoio capaz de minimizar o “choque com o real” e
promover as descobertas para a construção da prática docente numa perspectiva de
trabalho em equipe e partilhada.
A pesquisa desenvolvida ao longo da dissertação de mestrado, foi realizada com 40
professoras alfabetizadoras em início de carreira, que atuavam na rede estadual de ensino
de Minas Gerais, em escolas pertencentes à área de atuação da Superintendência Regional
de Educação de Caratinga (SRE/Caratinga). Deste total 37 (trinta e sete) professoras
responderam a um questionário aberto e 3 (três) professoras participaram de entrevistas
semi-estruturadas. Realizamos observação participante na sala de aula das professoras
entrevistadas. As entrevistas aconteceram na própria escola, utilizando o horário das aulas
especializadas. Foram realizadas, em média, oito horas (8 h) de contato entre a entrevista e
a observação.
Sempre que transcrevemos as “falas” (tomando-se tanto o registro retirado do
questionário aberto ou a fala propriamente das professoras entrevistadas) o fizemos
utilizando o apóstrofo para marcar seu início e término, usando a mesma tipologia de letra
do texto da dissertação (tamanho da fonte 10), com o objetivo de distingui-las das citações.
Enfatizamos que em muitas escolas, ao distribuirmos ou recolhermos os questionários, foi
41
Este artigo faz parte da dissertação de mestrado da autora, defendida em 14.05.2010.
Mestre em Educação e Linguagem, pelo PPGEL do Centro Universitário de Caratinga. Professora do
UNEC; Especialista da Educação Básica na E. E. “Menino Jesus de Praga”. E-mail: [email protected].
**
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Orientadora. E-mail: [email protected].
*
179
possível conversarmos diretamente com as professoras alfabetizadoras em início de
carreira, tornando ainda mais viva as suas vozes.
Os registros transcritos do questionário aberto, respondido por trinta e sete
professoras, foram analisados trazendo à tona o que era mais significativo e/ou presente,
sem identificar individualmente cada professora o que dificultaria a leitura e poderia tornála cansativa. Esta identificação aconteceu apenas na transcrição das falas das três
professoras que foram entrevistadas.
A referência às professoras entrevistadas aconteceu utilizando nomes fictícios - Ana
(1º ano do Ciclo de Alfabetização/4 anos de exercício): 44 anos, casada, mãe, morena,
elegante, gostava de conversar olhando nos olhos do interlocutor; Beatriz (2º ano do Ciclo
de Alfabetização/5 anos de exercício): 28 anos, casada, mãe, pele clara, cabelos loiros,
pequenina, jeito de menina e um sorriso tímido; Carla (3º ano do Ciclo de Alfabetização/
1° ano de exercício): 26 anos, casada, cabelos e pele claros, falante e extrovertida.
Após as entrevistas realizamos uma aproximação com a prática docente destas três
professoras conhecendo mais de perto os materiais didáticos de apoio utilizados no seu
planejamento e no desenvolvimento das aulas, observando um pouco da rotina de sua sala,
analisando os cadernos dos alunos para identificar as atividades trabalhadas, os textos
oferecidos, além de buscar pistas para identificar a organização do tempo e do espaço.
A pesquisa aconteceu entre junho de 2008 e dezembro de 2009 e teve como foco as
professoras que se encontravam nas duas primeiras fases dos “ciclos de vida profissional”
descritas por Huberman (1995) compreendendo o intervalo de um a seis anos de carreira (1
a 6 anos). Essa definição se deu por considerar que as especificidades características dessas
fases permitiriam uma aproximação com a professora alfabetizadora, no início de sua vida
profissional, onde acontecem inúmeras situações que lhe são sobremaneira novas e
desafiadoras, exigindo uma atitude de busca e investimento maior na aplicação dos
conhecimentos construídos na formação inicial, na busca pela formação em serviço, na
troca de experiências, na experimentação teoria-prática.
A fase de entrada e tateamento (1 a 3 anos) é marcada pela dualidade
descobertas/choque com o real. Mesmo que os professores apresentem uma diversidade
nas motivações que os levem a entrar na carreira, este início da carreira docente apresentase muito semelhante para todos quanto aos desafios colocados pelas situações de sala de
aula. Huberman usa o termo sobrevivência para caracterizar essa fase evidenciando o
confronto inicial vivido pelo professor ao se deparar com a complexidade da situação
profissional. Os ideais construídos (de aluno, de sala de aula, de colegas, de escola,
180
condução do processo de trabalho, da elaboração de atividades, entre outros) enfrentam a
realidade do cotidiano da sala de aula e o professor iniciante tem dificuldade em lidar com
todas as interfaces de seu trabalho a um só tempo e com competência. Tudo isto “traduz o
que se chama vulgarmente o choque com o real” (HUBERMAN, 1995, p. 39).
Por outro lado, existem as descobertas. Estas estão ligadas ao entusiasmo inicial
que tem o professor ao vivenciar um sentimento de certa pertença profissional que, apesar
de todas as dificuldades, parece viver também o sentimento de ter a sua sala de aula, os
seus alunos, fazer o seu plano de aula. São as primeiras experiências com a profissão
docente que vão despontando. Huberman destaca que esses dois aspectos, sobrevivência e
descoberta, acontecem paralelamente, mas observa que “é o segundo aspecto que permite
aguentar o primeiro” (1995, p.39).
O que se pode depreender é que nos três primeiros anos de carreira, na fase de
entrada ou tateamento, a exploração do trabalho docente é marcada por choques e
descobertas, que se dão de forma “sistemática ou aleatória, fácil ou problemática,
concludente ou enganadora” (ibidem, p. 39). Seria muito importante que esse período de
descobertas fosse alavancado positivamente, desde o primeiro momento em que o
professor iniciante chega á escola, para que se configurasse como sistemático, fácil e
concludente.
A fase de estabilização (4 a 6 anos) é percebida como o período de consolidação de
um repertório pedagógico, tomada de responsabilidade e comprometimento definitivo. A
identidade profissional fica afirmada e a escolha, que inicialmente poderia ter sido mais
por uma determinação objetiva (necessidade de trabalhar, acesso mais fácil ao curso de
licenciatura, trabalho que permita conciliar o papel de mãe e esposa, entre outras), passa a
ser mais subjetiva. Há, portanto, um comprometimento mais definitivo com a profissão.
Huberman (1995) nos fala de um reconhecimento em que “num dado momento, as pessoas
passam a ser professores, quer aos seus olhos, quer aos olhos dos outros, sem
necessariamente ter que ser por toda vida [...]” (p.40).
Nesta fase acontece no e com o sujeito um sentimento mais forte de pertença
profissional e uma percepção de independência quanto ao direcionamento do seu trabalho.
Perante os colegas de profissão o professor fala de afirmação e sente-se mais emancipado
para tomar decisões. “Neste sentido, estabilizar significa acentuar o seu grau de liberdade,
as suas prerrogativas, o seu modo próprio de funcionamento” (HUBERMAN, 1995, p.40).
A abordagem qualitativa prevaleceu na pesquisa por oferecer uma visão ampla do
cotidiano escolar e dos sujeitos da investigação, considerando que:
181
[...] a abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado
com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma
pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso
objeto de estudo. [...] O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor
compreender o comportamento e experiência humanos. Tentam compreender o
processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever em que
consistem estes mesmos significados (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49; 70).
As fases da carreira docente percebidas nas professoras alfabetizadoras em início de
carreira possibilitaram a compreensão de que não existe apenas o tempo cronológico como
responsável para a passagem de uma para outra fase. Desde o início da carreira docente,
com a entrada da professora no ambiente escolar, as diversas condições de exercício da
profissão parecem marcar essa trajetória.
As professoras alfabetizadoras consideravam que depois do segundo ano da carreira
docente as questões que se relacionavam ao seu trabalho na sala de aula iam se tornando
menos difíceis. Identificavam o crescimento desta competência do saber e do saber-fazer
ao desenvolvimento profissional que se dava principalmente quando o ambiente de
trabalho da escola era um ambiente cooperativo.
Discussão
A expressiva maioria das professoras que participaram da pesquisa declarou ter
recebido o apoio de colegas de trabalho mais experientes, considerando este apoio como
vital para o desenvolvimento profissional no início de carreira. Partindo dos estudos de
Huling-Austin (1990) García argumenta que:
Os professores principiantes que durante o seu primeiro ano de trabalho como
docentes contam com a colaboração de um professor mentor apresentam atitudes
e percepções relativamente ao ensino significativamente mais saudáveis que os
outros que não dispõem desta possibilidade de apoio pessoal (GARCÍA, 1999, p.
121).
O apoio recebido da direção da escola e do pedagogo foi menos citado na pesquisa
que realizamos. Três das professoras que responderam ao questionário disseram não ter
recebido nenhuma forma de apoio. Destas, duas trabalhavam em escolas localizadas na
zona rural em que normalmente não encontramos a figura do diretor ou pedagogo. Nestas
escolas muitas vezes a própria professora atua como coordenadora e periodicamente
pedagogas da SRE fazem visitas às escolas.
182
A maior parte das professoras, quase a totalidade, manifestou a necessidade de um
acompanhamento mais sistemático da supervisora. Esclareceram que não se tratava de que
ela visitasse a sala de aula, ou que as atendesse apenas quando solicitassem ou ainda que
desenvolvesse a tarefa de verificar os planos e os diários, mas que de fato lhes oferecesse
suporte na elaboração de atividades, organização da rotina diária e no planejamento dos
conteúdos/disciplinas. “Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência,
interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações” (MOITA, 1992, p.115).
Encontramos num comentário de Beatriz uma provocação aos pedagogos e a
transcrevemos aqui:
‘Hoje trabalho também em outra escola com o mesmo ano de escolaridade (2º ano). Vejo como é
diferente quando há a ausência de um acompanhamento como o que estou vivendo nessa outra escola que
assumi esse ano. [...] Muitas vezes falta ao pedagogo uma segurança para orientar a professora. A gente entra
para a sala de aula e fica ali sozinha, sem ninguém para dividir as conquistas e os problemas, sem saber se
está certo ou errado o que estamos fazendo. Ainda bem que hoje me sinto mais preparada... Porque quando
comecei minha carreira comecei numa escola em que esse acompanhamento acontecia... Aqui é tudo tão
diferente [...]’ (Beatriz).
Seu desabafo não foi o único, outras vozes pareceram ecoar essa questão:
‘Em algumas escolas, no início mesmo de minha atuação, quase não tive apoio, pelo contrário, era
excluída. Em outras, tive apoio dos demais professores e da equipe pedagógica. Isto faz toda a diferença’.
‘Já trabalhei em escolas que não tive apoio algum. Me deu vontade de desistir[...]’.
‘Gostaria de ter o acompanhamento da pedagoga para elaborar atividades e para aprender a
trabalhar com os recursos pedagógicos que encontramos, assim como os jogos’.
‘Esperava encontrar mais apoio da supervisora na escola. Muitas vezes só criticam e nunca
elogiam’.
‘Esperava a presença mais direta do pedagogo [...] ela só vai a minha sala quando a chamo [...]
apóia assim... Quando vou atrás ela me aconselha... (Grifo para marcar o tom diferente na voz da professora).
Na escola onde esse acompanhamento da equipe pedagógica era declarado pelas
professoras como mais presente parecia gerar-lhes um sentimento de segurança:
‘Recebo todo apoio necessário tanto da parte pedagógica quando administrativa [...] O que percebo é
que precisava existir mais tempo disponível para grupos de estudo com a equipe pedagógica, com as colegas
de trabalho. [...] Aqui na escola trocamos muito as atividades que elaboramos, conversamos, sempre que
possível umas com as outras, principalmente as que atuam no mesmo ano de escolaridade [...] Temos quatro
salas de 2º ano’. (Professora que havia desistido do magistério por não ter encontrado apoio nas primeiras
experiências da docência).
Diversos relatos sobre o apoio recebido de uma colega com maior tempo de serviço
como professora alfabetizadora se manifestaram:
‘Somos três professoras que trabalhamos com o 1º ano. Uma delas tem muita experiência com a
alfabetização. É dinâmica... Fico impressionada com o pique que ela tem, sempre inovando. Ela me orienta
sempre que pode, mas sabe como é... Cada uma tem sua sala e precisa dar conta dela e o tempo para sentar
junto não acontece frequentemente. As necessidades de cada sala também são muito diferentes. Cada
professora acaba trabalhando mais de acordo com essa realidade’ (Ana).
183
‘O apoio que mais recebo vem dos colegas que são mais experientes. Gostaria de receber mais
suporte do pedagogo’.
‘Nos primeiros tempos a muito que aprender com as colegas’ (Carla).
As professoras em início de carreira demonstraram valorizar sobremaneira a
experiência das colegas com maior tempo de serviço. Declararam aprender muito com elas.
“A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua,
nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador
e de formando” (NÓVOA, 2002. p. 39).
Como desconsiderar a importância das trocas de saberes para o desenvolvimento
das professoras iniciantes? Como não compreender as aprendizagens que podem acontecer
a partir da prática de observar colegas mais experientes, planejar em grupo ou receber a
orientação dos colegas e pedagogo?
‘Se fosse uma escola em que eu fosse a única a trabalhar com o 2º ano, certamente eu teria mais
dificuldade. [...] Uma colega logo no primeiro dia me ofereceu o caderno de um dos seus alunos para eu ver
como ela organizava e registrava os conteúdos trabalhados [...] Inúmeras vezes traziam atividades
organizadas para reproduzir e me mostravam para saber se era adequada para minha turma [...] A supervisora
olhava os cadernos dos meus alunos e me orientava sobre o que eu deveria trabalhar mais, o que estava sem
trabalhar, o que eu precisava fazer diferente. Este acompanhamento acontece até hoje - apesar de ser menos
frequentemente e de não necessitar de tantas intervenções como no início’(Risos) (Beatriz/4 anos de
carreira).
O sentimento de autonomia e de emancipação aqui expresso, no que diz respeito à
competência docente da professora Beatriz, tendia a deixá-la sentir-se mais segura,
confortável e confiante para tomar as decisões referentes à dinâmica de sala de aula. Para
Huberman (1995) esse sentimento contribui para o enfrentamento de situações complexas
e inesperadas pelo professor iniciante e ainda que ele não enfrente todas as situações, atua
de forma mais eficaz. “A confiança cresce, o sentimento de ter encontrado um estilo
próprio de ensino, apostas a médio prazo, uma maior flexibilidade na gestão da turma,
relativização dos insucessos” (p. 41), tudo isso pode ser observado na fala da professora
Beatriz.
Com um maior domínio do plano pedagógico, o professor tem aliado ao sentimento
de segurança, um sentimento de descontração, leveza, bom humor, prazer. Essa
espontaneidade reflete até mesmo no ‘controle’ da sala de aula. “Em consonância com
isso, a autoridade torna-se mais ‘natural’; pessoas situam melhor os limites do que é tolerar
e fazem respeitar melhor esses limites, com mais segurança e espontaneidade”.
(HUBERMAN, 1995, p. 41).
184
Quando Beatriz declarou que recebeu de uma colega no primeiro dia de trabalho o
caderno de um dos alunos para observar o planejamento e a organização dos conteúdos;
quando outras professoras falaram sobre como admiravam e procuravam imitar o trabalho
de colegas que eram mais experientes; quando declararam que agiam de forma semelhante
à de suas primeiras professoras ou professores da graduação ao realizarem o trabalho na
sala de aula, sobressaiu a idéia da imitação. Imitação de um saber, de um saber-fazer, de
um saber-ser.
Dias e Sousa (1999) discute que a imitação muitas vezes é mal vista no cenário
educacional, mas que para Vygotsky a imitação é uma estratégia mediadora da
aprendizagem e promotora do desenvolvimento humano. “Para imitar, é necessário possuir
os meios para passar de algo que já se conhece para algo novo” (VYGOTSKY, 1991a, p.
89, citado por DIAS; SOUSA, 1999, p. 131). Portanto, trata-se aqui de uma imitação
reflexiva, que não é sinônimo de reprodução mecânica, ao contrário, exige reconstrução
individual. A autora traz ainda a contribuição de Shöon (1997) ao considerar que o
professor reflexivo tem na imitação um importante instrumento para o seu
desenvolvimento profissional:
De facto, a imitação é mais do que uma mímica mecânica; é uma forma de
actividade criativa. [...] Quando vos imito, tento construir o que entendo como
essencial nas vossas acções e testar a minha construção ao desempenhar eu
próprio a ação (SHÖON, 1997, p.90, citado por DIAS; SOUSA, 1999, p.132).
Há, portanto, uma manifestação da imitação criativa e reflexiva nos escritos de
Vygotsky (1991a) e Shöon (1997), percebida por Dias e Sousa e também nesta pesquisa no
contato com as professoras alfabetizadoras em início de carreira.
Uma das professoras entrevistadas fez questão de dizer que se sentiu acolhida e que
‘desde o início sabia que estava no lugar certo’, referindo-se à escola onde atuava.
Explicitou que considerava ter recebido o apoio de que necessitava no início de sua
carreira:
‘[...] Planejamos juntas: as professoras e a equipe pedagógica. Cada sala vai adaptando de acordo
com a realidade dos seus alunos e as capacidades trabalhadas no bimestre. [...] Nunca fazemos uma
avaliação, sozinha: o grupo de professoras organiza e a supervisora acompanha, sugerindo e intervindo. Até
na hora de registrar os conceitos no diário e passar para o boletim sentamos antes e discutimos com a
supervisora. Assim nos sentimos mais seguras. Em uma escola onde isto não acontece toda a
responsabilidade é exclusiva do professor’ (Beatriz).
185
Uma prática da escola que também identificou como um apoio à professora
iniciante foi a do conselho de classe 42:
‘Sempre no meado do bimestre todas as professoras do 2º ano se reúnem com a equipe pedagógica e
com a direção para o Conselho de Classe. Apresentamos um perfil geral da sala e tratamos de situações
específicas da nossa sala de aula. Além de pensarmos coletivamente em estratégias para estas situações
tomamos decisões que vão desde agendar encontro com as famílias, organizar um reforço escolar para o
aluno até solicitar avaliação da supervisora de alguma dificuldade de aprendizagem diagnosticada que não
estamos conseguindo resolver em sala. Isto não acontece na outra escola’ (Beatriz/atua em duas escolas
diferentes).
Em outro relato, Beatriz conta do primeiro dia de trabalho em que ficou um longo
tempo conversando com a supervisora antes de ir para a sala de aula. A professora recebeu
informações sobre a organização da escola, desde a forma como orientavam o trabalho
com o livro didático e os registros nos cadernos dos alunos, até sobre a forma como
compreendiam que deveria se estabelecer a relação entre professor/aluno e o
professor/famílias dos alunos.
Recebeu da supervisora uma orientação por escrito de todas as normas da escola e
de aspectos da proposta pedagógica que tinham relação direta com a sua prática docente na
sala de aula. Ela deveria fazer uma leitura cuidadosa do documento e no dia seguinte
apresentar suas dúvidas. Beatriz declarou a ansiedade experienciada no dia. Segundo ela, a
orientação era extensa, cheia de detalhes:
‘Confesso que a princípio pensei que não daria conta. Toda a organização da escola estava ali...
Logo percebi que foi a melhor coisa... Evitou muitos erros... Facilitou o planejamento... Eu sabia, por
exemplo, que só não devia dar tarefa na sexta-feira e que precisava cuidar para que o número não fosse
excessivo, que precisava datar diariamente as aulas nas diferentes disciplinas, que precisava registrar no
caderno a página do livro didático quando estivesse trabalhando com ele... Isto ajuda a quem tá começando,
evita que toda hora alguém venha falar que você tá fazendo alguma coisa errada. Se não for falado como
pode ser cobrado?’ (Beatriz).
García (1999) indica a necessidade dos materiais de apoio, escritos, informando
sobre as condições de trabalho e as normas da escola. Estas orientações tendem a
minimizar as dúvidas do professor quanto à organização da escola e, em contrapartida,
deixam-no mais seguro e são componentes importantes de serem incluídos nos programas
de apoio das escolas.
Fontana evidencia que “[...] o ser professora não está pronto em nós quando
começamos a trabalhar[...]”. Em suas análises a autora coloca o caráter de incompletude
desta formação: “Pensando bem, não está pronta nunca [...]”. É neste noviciado que a
professora iniciante precisa de forma mais freqüente e presente do apoio e do
42
Tipo de reunião que envolve professores, pedagogo e diretor para discutir questões referentes ao processo
de ensino e aprendizagem vivenciado no cotidiano da sala de aula pelos professores.
186
acompanhamento das outras pessoas da escola. A ausência deste apoio (o que eu não vivo
me constitui) pode tornar a vida da professora “delirante e solitária”, seja nas descobertas
iluminadas ou no acaso, por ignorar o que precisaria para conduzir seu trabalho. E
completa sobre a escola: “Embora ela seja uma instituição social destinada ao ensino, não
encontramos dentro dela quem nos ensine no próprio trabalho” (FONTANA, 2000, p. 109).
Considerações finais
Esta faceta da iniciação profissional das professoras principiantes conduziu à
reflexão sobre o papel da escola como espaço de apoio ao professor. García (1999)
explicita sobre a necessidade de um apoio sistemático aos professores iniciantes
possibilitando a sua integração na profissão, facilitando seu desenvolvimento de forma a
reforçar sua autonomia profissional.
As protagonistas da pesquisa deixaram clara a necessidade de uma rede de apoio ao
professor iniciante. A estimulação e o apoio recebido no contexto escolar parecem ser
fortes influenciadores no processo de desenvolvimento das professoras. Por isso muitas
vezes, é “que os professores principiantes se diferenciam entre si em função dos contextos
em que ensinam” (GARCÍA, 1999, p.113).
A pesquisa revelou que uma assessoria à professora alfabetizadora, viabilizada por
uma rede de apoio, seria uma importante ação a ser desenvolvida nas escolas, numa
perspectiva sistemática e efetivamente qualitativa. Essa rede de apoio poderia contar com a
participação: de outras professoras que atuam com a alfabetização e que já tenham mais
experiência com essas classes; do pedagogo possibilitando encontros e acompanhamento
frequente à professora, orientando-a sobre questões específicas da organização escolar, da
proposta pedagógica e sobre o planejamento de trabalho com os conteúdos específicos da
alfabetização; do diretor investindo no acolhimento e inserção da professora na cultura e
no clima organizacional da escola.
Como forma de otimizar o trabalho dessa rede de apoio alguns autores (GÁRCIA,
1999; DIAS; SOUSA, 1999) sugerem a construção de um projeto de desenvolvimento
profissional permanente que tenha a escola como espaço privilegiado e as professoras
como protagonistas em sua construção e execução. As professoras indicaram que as
reuniões na escola seriam o espaço/tempo ideal para a implantação de um projeto desta
natureza, mas declararam que seria necessário um planejamento mais cuidadoso das
reuniões, estabelecendo objetivos claros e garantindo um melhor aproveitamento do tempo.
187
Ressaltaram a reunião do módulo 2 43, que exige o cumprimento semanal de duas horas,
como uma destas possibilidades, mas indicaram que o tempo ainda não podia ser
considerado como suficiente e muito menos como o ideal.
O apoio recebido das colegas de trabalho foi uma das ações consideradas pelas
professoras iniciantes como a que mais acontece nas escolas e que favoreceu sua entrada
na carreira. O reconhecimento dedicado às colegas com maior tempo de serviço, e por elas
consideradas como mais experientes, pareceu evidente. Esse grupo, ainda que a escola
muitas vezes não o reconheça, insere a professora iniciante no “sistema normativo informal
da escola” (o que devem fazer; cuidados que precisam tomar; que tipo de roupa usar, etc.)
e exerce forte influência sobre sua prática (TARDIF, 2002, p.83). Não seria promotor do
desenvolvimento profissional um cuidado da escola para que acontecesse uma socialização
positiva entre as professoras iniciantes e as mais experientes? Oportunizando horários para
que pudessem planejar em dupla, trocar experiências; identificar práticas de sucesso que
poderiam ser compartilhadas? Acaso esta prática não poderia reverter-se favoravelmente
para o sucesso de toda escola?
Foi possível observar que, quando a professora em início de carreira encontrava, já
em sua entrada, um ambiente favorável à formação continuada, mais precocemente ela
conseguia superar o choque inicial e vivia com maior leveza a fase de descobertas.
Concordamos assim com Tardif (2002) ao afirmar que:
[...] os saberes da história de vida e os saberes do trabalho construído nos
primeiros anos da prática profissional assumem todo o seu sentido, pois formam,
justamente, o alicerce das rotinas de ação e são, ao mesmo tempo, os
fundamentos da personalidade do trabalhador (p.102).
A falta de um apoio e um acompanhamento pedagógico pareceu ser uma das
maiores causas do sentimento de frustração da professora iniciante evidenciando os
aspectos da sobrevivência sobre os aspectos da descoberta. Há uma tendência em favorecer
a construção da prática docente da professora quando acontece a acolhida, o apoio, o
trabalho em equipe, uma proposta pedagógica clara, o acompanhamento, a permanência na
escola, a permanência com o mesmo ano de escolaridade, a prática do planejamento. Ou,
43
O Artigo 13 do Estatuto do Magistério estabelece como atribuições específicas de Professor, “o exercício
concomitante dos seguintes módulos de trabalho: módulo 1: regência efetiva de atividades, área de estudo
ou disciplina; módulo 2: elaboração de programas e planos de trabalho, controle e avaliação do
rendimento escolar, recuperação dos alunos, reuniões, auto-aperfeiçoamento, pesquisa educacional e
cooperação, no âmbito da escola, para aprimoramento tanto do processo ensino-aprendizagem, como
da ação educacional e participação ativa na vida comunitária da escola” (MINAS GERAIS, 2000).
(Grifos nossos).
188
contrariamente, dificultando sua inserção e seu trabalho quando essas condições ficam
ausentes no ambiente escolar. Julgamos não haver, portanto, uma divisão linear e natural
da carreira em fases distintas. Os saberes do professor devem “ser compreendidos numa
relação direta com as condições que estruturam seu trabalho” (TARDIF, 2002, p. 217).
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189
UMA ANÁLISE DA COMPETÊNCIA E PRÁTICA PEDAGÓGICA DO
ENFERMEIRO DOCENTE 44
Maria Isabel Carvalho Barreto * (UNEC)
Dra. Maria Lúcia Jannuzzi Machado ** (UNEC)
Introdução
Atualmente, no Ensino Superior de Graduação, várias questões de caráter
educacional vêm sendo repensadas. A prática pedagógica e a competência docente são
algumas delas, em virtude da preocupação anunciada por vários autores com a qualidade
do ensino e da formação dos futuros profissionais, tais como: Pinhel; Kurcgant (2007),
Rodrigues; Mendes Sobrinho (2007); Madeira; Lima (2007); Madeira; Faria e Casagrande
(2004); Rodrigues; Zagonel e Mantovani (2007); Luchese; Barros (2006); Pimentel; Mota
Kimura (2007) e Guariente; Berbel (2000).
Nesse contexto, é importante destacar que a educação é a base essencial e
indispensável na formação do ser humano, cujas qualidades e competência moldarão seu
caráter e formação e as instituições de ensino são de fato responsáveis pela educação
oferecida aos seus alunos, visto que o corpo docente nele inserido é o maior responsável
por tal situação, visando a formação de profissionais competentes e promissores.
Como enfermeira e docente de uma instituição privada de Ensino Superior,
compreendemos que o ensino é um desafio que exige além do compromisso e da
responsabilidade, práticas pedagógicas, tendo em vista oferecer melhores condições de
aprendizagem aos alunos que estão em processo de formação.
Frente a isto, realizamos pesquisas em busca de respostas a alguns
questionamentos: Que competências profissionais os enfermeiros docentes pesquisados
possuem? Que tipo de ensino eles estão oferecendo? Como os atuais enfermeiros docentes
têm procurado se aperfeiçoar pedagogicamente?
44
Este artigo faz parte da pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação e
Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga – MG (UNEC).
*
Mestre em Educação e Linguagem, do PPGEL, do UNEC. Professora do Curso de Enfermagem do Centro
Universitário de Caratinga. E-mail: [email protected].
**
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Orientadora. E-mail: [email protected].
190
Buscando-se conhecer a formação, atuação e competência que os enfermeiros
possuem, uma vez inseridos no processo educacional, o presente artigo tem como objetivo
divulgar o andamento da pesquisa destinada à elaboração de uma dissertação de Mestrado
que busca avaliar a competência e a prática pedagógica do enfermeiro docente e faz uma
breve revisão de literatura procurando reforçar o embasamento teórico sobre o assunto
estudado.
Discussão
Reportando-se ao Ensino Superior da Enfermagem, percebe-se que este vem
passando por diversas transformações nos últimos tempos, uma vez que seu modelo de
formação sempre foi centrado em princípios biomédicos e tecnicistas, resultando na
mecanização do ensino e do aprendizado conforme denunciam Rodrigues, Zagonel e
Mantovani (2007) e Scherer e Carvalho (2006). Por isso adequações às atuais realidades
curriculares e metodológicas se fazem necessárias, como defendem: Faria; Casagrande (
2004); Rodrigues e Mendes Sobrinho (2007); Madeira e Lima (2007); Rodrigues, Zagonel
e Mantovani (2007).
Entretanto, com a instituição das recentes Diretrizes Curriculares, esse contexto
visa à mudança, pois aponta para uma educação de Enfermagem voltada para a formação
de profissionais críticos e reflexivos, comprometidos com a realidade vivenciada, somada
ao espírito pesquisador (BRASIL, 2001).
Dessa forma, procura-se desenvolver competências gerais e habilidades específicas,
que incluem entre outros, administração, a resolução de problemas e desafios, a promoção
à saúde e a liderança. Contudo, o desenvolvimento dessas competências não deve se
restringir somente ao papel a ser desempenhado, mas ser colocada em prática pelo aluno –
futuro educador em saúde – nas práticas vivenciadas em seu cotidiano de estudo e trabalho.
Orienta ainda, a formação de cidadãos competentes e compromissados, capazes de
associar seus conhecimentos na resolução dos constantes desafios impostos pela sociedade,
tornando-se instigados a serem verdadeiros agentes de mudanças, como destacam Saupe e
Alves (2000);Fernandes et al. (2005) e Guariente e Berbel (2000) entre outros autores que
se dedicam ao estudo da preparação de docentes para o Ensino Superior de Enfermagem.
Para que tais mudanças se concretizem, a qualidade do ensino se torna alvo de
reflexão, visto que os professores precisam estar capacitados para uma prática docente de
191
qualidade e que esteja em consonância com as novas perspectivas na educação em
Enfermagem, como registram Pimentel, Mota e Kimura (2007).
Igualmente, o professor deve ser mediador do pensamento crítico propiciando,
relações de trocas com os alunos e não apenas transmitindo seus conhecimentos
(RODRIGUES; ZAGONEL; MANTOVANI, 2007). Rodrigues e Mendes Sobrinho (2007)
sustentam, ainda, a necessidade da participação efetiva do profissional enfermeiro neste
processo, estimulando o aluno a refletir sobre seu aprendizado. Confirmando, Scherer,
Scherer e Carvalho (2006) expõem que a comunicação professor e aluno é a base desse
processo de ensino, onde trocas são necessárias estimulando nos alunos a busca do saber,
desenvolvendo suas habilidades e atitudes.
A concepção sustentada de que somente o professor é detentor do conhecimento, há
muito tempo caiu por terra, subsidiada por estudos realizados por especialistas da área da
educação, o que comprova que o docente deve permitir ao aluno, construir e transformar os
conhecimentos adquiridos.
O preparo para a docência, formação dos professores e seus saberes docentes, tem
levantado uma marcante polêmica discutida após as avaliações realizadas pelo Ministério
da Educação (ALVES, 2007; ZIBETTI; SOUZA, 2007), pois a deficiência em tal área é
apontada como um dos principais fatores que comprometem a qualidade da formação
superior dos profissionais (FARIA; CASAGRANDE, 2004).
Pela própria experiência observada na prática cotidiana é evidente por grande parte
dos profissionais docentes, o interesse maior em cursos de especialização voltados para a
área específica em que atuam, deixando como segunda opção (quando a escolhem), as
áreas relacionadas à formação pedagógica.
É claro que o aperfeiçoamento em sua área de formação é de grande relevância para
sua atuação profissional específica, além de possibilitar a atualização de conhecimentos
para a atuação no mercado de trabalho, porém é necessário lembrarmos que ao atuar na
vida acadêmica, nos tornamos educadores, com participação efetiva na formação de
futuros profissionais.
Esta relevante reflexão apóia-se no fato de que o desempenho na área pedagógica é
umas das competências dominantes para a formação do enfermeiro docente, levando-se em
consideração a árdua tarefa educacional, como afirmam: Lucchese e Barros (2006)
Rodrigues e Mendes Sobrinho (2007); Berbel (2000) e Madeira e Lima (2007).
Contraditoriamente a isto, até recentemente a formação pedagógica era fator
isolado, sem grandes questionamentos, pois como comprova Rodrigues e Mendes Sobrinho
192
(2007), as Universidades exigiam dos candidatos apenas competência no exercício de sua
profissão e o bacharelado, sem qualquer exigência de formação na área pedagógica.
Corroborando com os autores acima, Pimentel, Mota e Kimura (2007) e Faria e
Casagrande (2004) afirmam ainda que apesar de muitos mestres e doutores serem grandes
conhecedores da área da pesquisa, os mesmos possuem pouca capacitação para as
exigências da educação superior.Alguns profissionais banalizam a docência, pois possuem
a concepção de que para ensinar é necessário apenas estudar o assunto referente à
disciplina que lecionam e repassá-la ao aluno em sala de aula. Mas, ao contrário do que se
pensa, são necessárias metodologias e práticas pedagógicas para o ato de ensinar, pois a
educação é um fio tênue entre apenas transmitir e o verdadeiro ensinar, pois fará a
diferença entre o discente que apenas arquiva o que aprendeu – ou pelo menos acha que
aprendeu – daquele que possui habilidade de transformar o ensino em aprendizado e
aplicá-lo em sua vida profissional e pessoal.
A abordagem sobre a prática docente reflexiva tem sido um assunto amplamente
discutido na literatura, o que é explicado pela sua fundamental relevância no cenário
educacional, como destacam em suas publicações na última década, os articulistas
consultados.. Esta prática tem sido vista como a essência no processo de formação de
professores o qual favorece a estes, o desenvolvimento do espírito reflexivo, possibilidade
de auto-análise e capacidade de interpretação de suas próprias atividades, tornando-os
reformuladores de suas próprias práticas, como destacam principalmente Faria e
Casagrande (2004) e Rodrigues e Nebdes Sobrinho (2007).
Evidencia-se que os saberes docentes estão em permanente transformação e que
somado à prática pedagógica, incidem positivamente na construção do professor de
profissão (MADEIRA; LIMA, 2007), mas que, para tal, é necessário que a capacitação
profissional seja um processo contínuo, norteando as competências docentes e contornando
novos caminhos pedagógicos (PINHEL; KURCGANT, 2007). Concluindo Silva e Camillo
(2007) defendem que é possível a realização de um Ensino Superior apoiado na
humanização e na interligação dos saberes.
Em complemento às falas desses últimos autores é possível, sim, a transformação
do ensino, onde ocorra uma interação entre os saberes docentes e discentes, cotejando o
ensino oferecido. Mas, para tal, é necessário, mormente por parte do professor, que
reconheça a necessidade de modificação de sua prática, que suas propostas educativas
precisam constantemente ser revistas, uma vez que a qualidade do ensino oferecido apóia-
193
se na prática de mudanças, num dinamismo constante, motivado pelas diferentes demandas
da sociedade ao exercício profissional.
Considerações finais
Ao final desse trabalho, cujo assunto não se esgota, podemos dizer que muitas
considerações ainda deverão ser feitas sobre a temática. Não existe uma receita mágica
para o ensino, pois caso houvesse, não seriam necessários inúmeros estudos referentes à
educação, cujo objetivo principal é analisar as práticas correntes dos atuais docentes, na
busca de um constante aprendizado e aprimoramento.
Apesar desse estudo se restringir à docência na Enfermagem, não há impedimentos
de sua aplicação em outras áreas profissionais, relembrando que o foco principal é a prática
e competência do docente do Ensino Superior. O que podemos observar em nossa
sociedade é a inserção cada vez maior de profissionais no campo educacional,
especialmente no Ensino Superior, o que se deu muitas vezes por convite, por tempo
ocioso, ou até mesmo para complementação de renda. Fato este que merece destaque e
constantemente é repensado pelos profissionais e estudiosos da área, pois muitos destes
docentes ao entrarem em sala de aula, nunca tiveram nenhum contato com a área
pedagógica e pensam que o cotidiano profissional, será suficiente para que ele se torne
“professor”.
Apesar da ocorrência de tal situação, não pretendemos desmerecer esses
profissionais ou desqualificá-los no exercício da docência, por não possuírem formação na
área pedagógica, até mesmo porque não nos cabe diretamente esse papel. O que aspiramos
é realçar o valor da docência no que diz respeito à sua seriedade, não permitindo que seja
encarada, como mera transmissão de conhecimentos..
Todas essas considerações não se dão por finalizadas, uma vez que a literatura é
vasta a respeito do assunto e necessita ser aprofundado cada dia mais, não somente por
especialistas educadores, mas principalmente por docentes que se interessam e atuam no
Ensino Superior.
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196
OS RETORNADOS EM AS NAUS DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Maria José Ladeira Garcia * (UNEC-FIC)
As naus aportavam vazias e partiam
cheias, convexas de gente e de caixotes
(ANTUNES, 1988, p. 53).
Lobo Antunes descreve, em As naus, a história de retorno à pátria dos habitantes
dos países africanos recém-independentes após a revolução de Lisboa. Os antigos colonos
e donos das províncias ultramarinas representam agora os derrotados e expulsos; são os
novos imigrantes do reyno.
Mas o Portugal que encontram não é o mesmo que deixaram há anos e nem esses
retornados são em sua totalidade, a gente anônima que “em número superior ao meio
milhão, desembarcou em Lisboa, no cais de Alcântara, ou fez o trajeto através da ponteaérea” (RAMOS, 2001, p. 2).
Além de falar da descolonização e do retorno, o romancista aborda também a
partida de navegadores e heróis de cinco séculos. Os tempos da partida e da chegada
ligam-se e misturam-se de um modo que estão sempre presentes no imaginário dos
retornados, transformados em personagens do romance.
A narrativa começa com Cabral, um dos grandes nomes do expansionismo
português, o responsável pelo achamento oficial do Brasil. É um dos retornados de África.
Chega a Lisboa empobrecido, acompanhado da mulher mulata e o miúdo que permanecem
anônimos durante a narrativa. Afirma “muito depressa, sem pensar” (ANTUNES, 1988, p.
4), ao funcionário da alfândega não possuir parentes na capital do reyno.
Seu destino, como de quase todos os retornados, é a “Residencial Apóstolo das
Índias, Largo de Santa Bárbara” (1988, p. 17) cujo proprietário é o próprio apóstolo, o
senhor Francisco Xavier, “indiano gordo de sandálias, [....] cercado de uma dúzia de
indianozinhos todos parecidos com ele, igualmente gordos e de sandálias, de tamanhos
diversos como a escala de teclas de um xilofone” (1988, p. 32).
*
Doutora em Letras – Ciência da Literatura, pela UFRJ. Professora do Programa de Mestrado em Educação e
Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga. Professora nas Faculdades Integradas de Cataguases,
desde 1979.
197
Manuel de Sousa de Sepúlveda é outro personagem histórico destacado na narrativa
de Lobo Antunes. Na verdade, esse ilustre português aparece em Os lusíadas no canto V,
estrofe 46, verso 1. Sobreviveu a um naufrágio em 1552 onde sua esposa Dona Leonor e os
filhos morreram de fome. Em consequência da tragédia, o marido enlouquece,
desaparecendo na selva.
Em As naus aparece no sétimo capítulo. É um homem de posses com propriedades
em Luanda, vivenda no Bairro de Alvalade, apartamento na Costa da Caparica. Morava em
Malanje (Angola). Viúvo, faz contrabando de diamantes e, às sextas-feiras, o amigo
inspetor da Pide ia a sua casa jantar “para lhe passar a camanga” (1988, p. 74). Assim que
a joia chegava ao primo lapidador do policial em Amesterdã, Sepúlveda recebia um cheque
da Holanda ou da Bélgica.
Numa manhã, o engraxador do café informa-o de que havia sucedido a revolução
em Lisboa: “o governo mudara, falava-se em dar a independência aos negros” (1988, p.
75). Manuel de Sousa “escutou a mesma conversa no barbeiro, no notário, na farmácia”
(1988, p. 76) e tendo aprendido a farejar no ar a ansiedade e o medo, vende por “tuta e
meia, ao dono de um restaurante chinês, a casa, o recheio dos armários e os vestidos da
esposa” (1988, p. 76) e, na semana seguinte, é visto na África do Sul tomando o avião para
Lisboa.
Ao penetrar em seu apartamento e acender o interruptor,
[...] deu com cinco ou seis colchões desdobrados no soalho, vultos cobertos por
lençóis de morgue, embalagens de conserva, garrafas de vinho e um homem em
camisola interior, de farripas desordenadas e erguer-se descalço do sofá numa
indignação proprietária. Mas o que é isto, o que é isto (1988, p. 82)?
A crítica ao processo revolucionário chega até a ser sarcástica no discurso irônico
do pobre miserável reclamando o seu direito à propriedade: “– Vocês já viram uma coisa
destas,caraças? Já viram uma coisa destas? Isto se não é invasão da intimidade alheia nesse
caso o que é” (ANTUNES, 1988, p.83)?
Sepúlveda diz que tem a escritura do local, mas um dos ocupantes fala:
Chegou agora de África, coitado, não vinha cá há séculos, explorava os
camaradas pretinhos, julga que a casa é dele. Isto pertence ao povo, amigo,
pertence à gloriosa vanguarda do proletariado, foi ocupada revolucionariamente,
percebe?, se for à Câmara encontra lá o meu nome como dono e gerente deste
centro de recuperação para doenças da espinha, e ainda o urso tem a lata de me
falar em escrituras (1988, p. 85).
198
A apropriação de expressões marxistas demonstra que o processo revolucionário
não foi levado a sério, porque, ao contrário, permite o oportunismo diante da situação de
miséria com que se defrontava o país. Depois de ser roubado pelos ocupantes de seu
apartamento, é enxotado e devolvido “aos degraus do rés-do-chão” (1988, p. 87), vai então
“dormir um bocadinho, [....] a esconder os tornozelos na areia. Assim como assim já não
tenho nada que me possam roubar” (1988, p. 88). Resta a Sepúlveda um cheque para
recomeçar a vida. Monta um bar, aluga uma casa e mais tarde compra a discoteca.
Subvertendo a real história, Sepúlveda consegue se enriquecer através de meios
ilícitos: “falsificava os coqueteiles acrescentando-lhes um terço de xarope de botica ou
uma medida de loção contra calvície do droguista vizinho” (1988, p. 124). Dá ao bar o
nome de Dona Leonor, em homenagem à esposa morta. O local é frequentado pelos vicereis da Índia, pelo padre Antônio Vieira, “sempre de cachecol [....] discursando os seus
sermões de ébrio, até tombar num sofá, entre duas negras” (1988, p. 124).
Sepúlveda continua a fazer acordos com Fernão Mendes Pinto e Francisco Xavier
sobre o recrutamento de mulatas para o seu estabelecimento e vai se enriquecendo,
chegando num único semestre tornar-se “dono dos bares de Areeiro, do Paço, da Rainha,
de Arroios e da Avenida Almirante Reis” (1988, p. 128). Empresta dinheiro a D. João de
Castro para urbanizar Goa, a Camões para editar Os lusíadas numa edição de bolso, “com
bailarinas nuas na capa” (1988, p. 129), a Tomás Antônio Gonzaga para a benfeitoria do
seu comércio de escravos.
No capítulo onze aparecem os personagens padre Vieira, Francisco Xavier, Fernão
Mendes Pinto descredibilizados, desmistificados por uma carnavalização que usa recursos
como o grotesco, o kitsch, o mau gosto para desnudar um Portugal decadente:
Às cinco e meia, quando a primeira claridade lutava com os candeeiros da rua e
os vice-reis, derrubando copos, discutiam a estratégia de Trafalgar, o padre
António Vieira, sempre de cachecol, expulso de todos os cabarés de Lixboa,
procedia a uma entrada imponente discursando os seus sermões de ébrio, até
tombar num sofá, entre duas negras, a guinchar as sentenças do profeta Elias
numa veemência missionária (1988, p. 124).
Não mais aguentando a exploração de Francisco Xavier, Cabral decide imigrar para
Paris, segundo orientação de Diogo Cão porque a mulher o abandonara para ser amante de
luxo do dono da discoteca em que trabalhava:
A mulata deixou de trabalhar, ocupada a folhear as páginas das revistas de moda
com o polegar aborrecido de quem depena malmequeres por desfastio. Recebia a
pedicura, a esteticista, o cabeleireiro, a mestra de Boas Maneiras & Cálculo
Integral na indiferença de sempre e que a sua fortuna tornava agora mais densa,
199
soprava as chamazinhas de aniversário do verniz fresco das unhas a olhar da
varanda a paisagem dos Olivais... (1988, p. 170),
o não pouco ilustre Manuel de Sousa de Sepúlveda. Cabral, sem dinheiro para o trajeto por
mar, vive da caridade dos salões paroquiais “onde se forneciam, em grandes mesas
bíblicas, refeições de batatas cozidas contra a promessa solene de conversões imediatas,
[....] e ele Juro...” (1988, p. 171).
Através do empregado da barbearia, Cabral conheceu os ciganos Federico Garcia
Lorca e o seu sócio Luís Buñuel com quem acerta a passagem para Paris. Vai buscar o
dinheiro com a mulher
[...] e surpreendeu-a de pernas e braços afastados, estendida numa espécie de
marquesa ginecológica [....] esmagada por um batalhão de técnicas de beleza que
se encarniçavam sobre os defeitos dos pés, os calos dos joelhos, as asperezas das
articulações, uma ruga imperdoável no ângulo da boca, o cabelo que era
necessário pentear em franjas negligentes, os ombros que deviam luzir de
palhetas doiradas, as lentes de contacto que enterneciam os olhos, os brincos de
diamante das orelhas...” (ANTUNES, 1988, p. 172-3).
Na fronteira, encontram-se com um destacamento militar, e uma sentinela informalhes que:
[...] o rei Filipe se reunira com os seus marechais na rulote do Estado-Maior a
combinar a invasão de Portugal, porque D. Sebastião, aquele pateta inútil de
sandálias e brinco na orelha, sempre a lamber uma mortalha de haxixe, tinha sido
esfaqueado num bairro de droga de Marrocos por roubar a um maricas inglês,
chamado Oscar Wilde, um saquinho de liamba (1988, p. 179).
O tom surrealista dessa cena bem como a participação de Lorca e Buñuel na
narrativa reforçam a ideia de uma realidade de dimensão onírica, de viés psicanalítico onde
os sonhos ganham as ruas, ao expor toda repressão ao desejo de viver plenamente o agora
da vida.
Ao estabelecer um sentido crítico em relação à falta de percepção histórica dos
governos lusitanos, pensa-se no continente africano onde se dará o fim do império nas
terras que foram “usadas” de forma mais violentamente exploradas, talvez seja esse um dos
motivos pelo qual Francisco Xavier protagonize mais de um capítulo no romance.
Na ficção de Lobo Antunes, a relação de Francisco Xavier com Fernão Mendes
Pinto
200
está bem presente. Foi em Moçambique, Lourenço Marques, hoje Maputo, que as
personagens se conheceram. Mendes Pinto era “o único branco do bairro” (1988, p. 100).
Vendia “bíblias, postais eróticos e gira-discos no porta a porta da cidade” (1988, p. 100).
Xavier torna-se sócio de Mendes Pinto no comércio dos evangelhos e casa-se com a
filha adolescente do amigo.
Só depois de seu retorno a Lisboa, Campolide, é que Xavier reencontra Fernão
Mendes Pinto que vive “agora de uma constelação de residenciais e de pensões para
fidalgos africanistas em desgraça” (1988, p. 103).
Fernão Mendes Pinto mostra-lhe, então, “o maço, já batido à máquina, das suas
viagens caudalosas (Qualquer dia entrego esta bodega toda a um editor)” (1988, p. 104) e
convida “o padroeiro de Setúbal a dirigir uma das sucursais do seu negócio” (1988, p.
104).
Francisco Xavier transfere, assim, para o local, os descendentes que tivera de
inúmeras mulheres e quatro dias depois informa a Fernão Mendes Pinto que “graças a meia
dúzia de promessas à Virgem Santíssima e aos pastorinhos de Fátima a Residencial
Apóstolo das Índias” (1988, p. 105) se encontra em condições “de receber os pecadores
dos trópicos que surgissem” (1988, p. 106).
O negócio, para ser lucrativo, depende também de “um futuro rebanho de tágides”
(1988, p. 105) o que facilmente conseguiu: “depois de amanhã quero pelo menos vinte e
cinco mulheres da vida a trabalhar lá em baixo” (1988, p. 106).
Percebe-se no fragmento:
Se fossem necessárias as provas, a certeza acabada de que Deus está comigo é
que mandei segunda-feira, embelezadas de lantejoilas e de xailes, trinta e oito
africanas para as discotecas da Avenida Almirante Reis e do Martim Moniz, sem
falar, ó servos do Senhor, nas que espalharam as ancas demoradas pelos jardins e
pátios da cidade, de Belém à Ajuda [....] e graças à bênção do Pai, um
desmesurado rebanho de convertidas à Fé ocupava todos os bairros de Lixboa...
(1988, p. 106),
o caráter profanador, a severa denúncia de hipocrisia de grande parte do discurso
catequizador da Igreja, porque é em nome dos Santos princípios que “essa instituição
permitiu a escravização e mesmo a prostituição “espiritual” de muitos de seus súditos
brancos e civilizados em nome da conquista, do lucro e do poder” (RODRIGUES, s.d., p.
3). Nota-se, portanto, uma crítica da posição da Igreja frente à própria guerra colonial.
Aconselhado por Fernão Mendes Pinto com quem, nas primeiras sextas-feiras de
cada mês, se reunia para acertarem a escrita e dividir as percentagens, volta a Moçambique
201
para buscar a esposa e encontra uma pessoa profundamente envelhecida: “Perdera as coxas
e os rins majestosos de outrora, e arbustos de pelos grisalhos floriam-lhe nas pernas”
(ANTUNES, 1988, p. 109). Decepcionado, leva a mulher para “trabalhar de puta em
Lixboa, informou ele a escorrer água suja das abas do casaco” (1988, p. 110).
O casal anônimo, vindo da Guiné, que aparece no quinto e no décimo segundo
capítulos metaforiza a situação dos colonos portugueses em África, sentindo toda
repercussão do processo confuso das independências africanas:
A violência das explosões dos morteiros, das bazookas e dos canhões sem recuo
estremecia as lagunas de Bissau, sobrepondo-se aos relâmpagos de março. À
noite grupos de colonos de pistola percorriam as travessas amedrontando as
sombras, as negras apequenavam-se nas cubatas calando os filhos com os peitos
cochos, e eles nunca mais se sentaram aos domingos, inchados de desejo
reprimido, no banco da praceta das palmeiras... (1988, p. 51).
A fuga em massa dos portugueses e seus descendentes das colônias africanas vai
estimular as disputas das forças guerrilheiras locais, o que não contribui para o ideal
democrático defendido pelo exército revolucionário em Lisboa.
Pode-se considerar o casal de velhos como metáfora do povo anônimo português
que fora para a África em busca de melhor vida, mas a sua trajetória revela o fracasso de
tal ilusão, pois os retornados chegavam mais pobres do que quando partiram.
O casal é instalado junto com outras pessoas, num hotel, onde
[...] uma voz de garagem ou de despenhadeiro do tamanho dos
bombardeamentos e dos temporais de Bissau, informou com ferocidade, damas e
cavalheiros, informou com pompa, senhoras e senhores, que se encontravam no
Hotel Ritz por pura benevolência paternal das autoridades revolucionárias
preocupadas em zelar pelo conforto e tranquilidade dos seus filhos até o Estado
democrático, nascido com a ajuda da parteira mão castrense, do ventre putrefato
do totalitarismo fascista que durante tantos decénios nos garroteou e oprimiu,
conseguir casas ou pré-fabricados [....] para as vítimas da ditadura felizmente
extinta, e que em nome, camaradas, da luta de classes e da construção do
socialismo dirigida pela vanguarda política do exército, passariam a ser punidos
com a forca, a decepação da mão esquerda, a extração das vísceras pelas costas
ou o degredo em Macau, os intoleráveis abusos de assar sardinhas nos lavatórios,
engasgar os ralos com tornozelos de faisão, cozinhar refogados e fritos nas
cerâmicas dos chuveiros, vender as torneiras, [....] assim como servir-se das
cortinas estampadas do hotel, repito, servir-se das cortinas estampadas do hotel
para blusas e adornos (1988, p. 61-2, grifo nosso).
Esse discurso proferido com chavões marxistas é bastante irônico e cruel conforme
as expressões grifadas. Denuncia, então, a decadência total em que se encontravam os
retornados de África.
202
Os idosos acabam destruindo suas vidas: ele prefere sua solidão em Lisboa, em “um
quartinho da Cruz Quebrada” (1988, p. 142) onde também se aliena de tudo.
As recordações de Vasco da Gama sobre a partida para as Índias são descritas como
se fossem a “verdadeira” versão da História:
E lembrou-se de quando o chamaram ao Paço, lhe entregaram uma frota e o
mandaram à Índia, oferecendo-lhe, para o ajudar, um maço de mapas de
continentes inventados, pilhas de relatórios mentirosos de viajantes pedestres e
um capuchinho de cilício e terço em punho, investido da tarefa específica de
benzer os moribundos (1988, p. 113).
Lembrou-se ainda
[...] do Restelo de manhã, à hora da partida dos veleiros, da corte instalada num
palanque com um toldo de franjas para o ver a largar, das aias [....] dos bispos
paramentados a oiro, do núncio apostólico e dos seus óculos escuros de mafioso
taciturno, das decotadas embaixatrizes de países longínquos, do mercado a
assistir, suspenso, ao levantar das âncoras, [....] dos corvos [....] do povo, a
acenar bandeirinhas verdes e encarnadas, da velha que me atirou uma bênção
angulosa de profeta... (1988, p. 113).
A referência desse evento é sempre Os lusíadas, porém reconfigurado em ironia ao
mostrar a divisão social existente. Resta ao povo o papel de pobres ingênuos que nada
ganharam com a audaciosa expansão, pois não representam o nacionalismo glorioso.
Entre a história e a ficção, enfim, “o conde entrou na vila como os mortos nos
sonhos” (1988, p. 114). Através de um humor corrosivo, o sobrinho, “de jaquetão de
fazenda da Covilhã e pérola lacrimosa na gravata” (1988, p. 115) pede-lhe para “não
desprestigiar a família exibindo nas ruas de Vila Franca as suíças de neptuno vetusto”
(1988, p. 115). Vasco da Gama não se ofende, porque sabe que nem o parvo do rei julgava
que voltasse. Constata-se, assim, que o empreendimento expansionista não foi feito de
forma racional.
Uma passagem temporal interessante ocorre quando Vasco da Gama encontra o rei
porque fazia quarenta e dois anos que não falava ao monarca, época em que “o mosteiro
dos Jerônimos, concluído há decênios, transformara-se de imediato num monumento
arcaico votado aos casamentos dos domingos e à patética celebração de glórias defuntas”
(1988, p. 117).
A decadência atinge o passado glorioso lusitano, porque as “tágides a quem as
hérnias da coluna mal consentiam nadar catavam-se de conchas perto do aparato da
Petroquímica e do seu odor de tripas amoniacais” (1988, p. 120). Assim, sem as musas, as
inspiradoras das epopeias, Vasco da Gama não tem como narrar as suas aventuras vividas
203
em Angola ao rei, porque as tágides vão desaparecendo uma após a outra, à medida que ia
querendo narrar:
Preparava-me para contar ao rei os meus anos de África, o embarque da tropa, os
guerrilheiros que chegavam do interior para ocupar Loanda. Falar-lhe do ventre
gorduroso da baía, das nuvens de pássaros brancos de janeiro, do cheiro das
mulatas às quatro da manhã, Senhor, que se as tivesse provado não se esquecia
mais, e das súbitas auroras de milagre dos trópicos [....] quando a alteza se
levantou para trazer uma tábua de andaime abandonado e os tijolos que
sobejavam da muralha de um porto da guarda (1988, p. 121).
Percebe-se que o que o rei deseja realmente é dedicar-se a uma partida de sueca
com Vasco da Gama: “– Mostra aí o baralho, disse ele. Sempre quero ver se continuas a
fazer batota na sueca” (1988, p. 122), porque pouco adianta contar qualquer coisa. Há,
então, uma crítica à desatenção dos reis com os problemas do país que, a seu tempo, não
resolveram, postergando para o futuro, as crises que vivenciam os naufragados do presente.
Como pagamento dos serviços prestados à pátria, o parlamento deu a Vasco da
Gama condições de viver no bairro econômico da Madre de Deus, a Chelas, além de uma
medalha e um diploma.
As visitas do rei D. Manuel se faziam por “um Ford antiquíssimo, ferrugento e
descartável” (1988, p.183). Acenava a Vasco da Gama com o cetro ordenando-lhe que
descesse para irem passear “Marginal fora, a discutir o Oriente num rebolar coxo de bielas,
envoltos em rolos de fumo escuro de motor” (1988, p. 183). Em um desses passeios é
preso por um policial porque a documentação do carro estava incompleta, além de faltar
espelhos retrovisores, pisca-pisca e roda sobressalente. Na cela ao lado da sua, estava o
judeu António José da Silva, que se entretinha a jogar a batalha naval com Vasco da Gama,
enquanto:
[...] esperava a visita soturna dos frades da Inquisição, de cabeças cobertas por
capuzes em bico e grandes crucifixos no peito que o visitavam a horas
desencontradas, arrastando sandálias, a fim de lhe prepararem a alma para a
fogueira do Rossio (ANTUNES, 1988, p. 188).
Após quarenta e oito horas, o conde e o rei saem da cela sem um mínimo de higiene
e dignidade e são levados para o Tribunal de Polícia para julgamento a que o povo curioso
e desempregado assiste:
[...] o pobre povo de Lixboa, Senhor, o que em mil quatrocentos e noventa e oito
se amontoou na praia de Restelo para me ver partir, aquelas caras sérias lavradas
pelo desengano da desgraça, aqueles olhos sem esperança, aquela roupa gasta, o
povo que não esperava nada de Vós ou de mim por não esperar nada de ninguém
nem de milagre algum... (1988, p. 188).
204
Percebe-se, nesse fragmento, uma desesperança que contradiz as lembranças de
Gama sobre a sua viagem às Índias.
Vasco da Gama e D. Manuel são levados para um hospício o que leva a refletir que,
“talvez, só mesmo os loucos para acreditarem em Vascos e Reis” (RODRIGUES, s.d., p.
7), numa época em que nem a pátria os conhece mais. Então se questiona que não há lugar
para o futuro em um presente onde o passado é o mais poderoso dos tempos.
Outro personagem relevante é Diogo Cão cuja trajetória inicialmente se faz por
meio da sua convivência com Camões no Residencial Apóstolo das Índias, no capítulo
sexto. Sua história ocorre em dois capítulos: treze e dezessete. Na realidade, trata-se do
navegador que alargou os conhecimentos portugueses sobre a África. .
Na narrativa antuniana, esse desbravador, cheio de coragem, aparece como
beberrão “nos bares do Rossio” (ANTUNES, 1988, p. 150), arrumando confusões, no
bairro de prostituição, procurando uma tágide por quem se apaixonara. Enviado pelo
monarca para Angola, com o objetivo de se esquecer de Diogo Cão, na verdade, se deverá
também se esquecer das tágides, as musas inspiradoras dos poemas gloriosos, porque não
há mais o que contar, pois a África é renegada, e os retornados não são bem-vindos.
Diogo Cão, no romance de Lobo Antunes, viveu em “Loanda doze anos, sete meses
e vinte e nove dias” (ANTUNES, 1988, p. 151) onde era motivo de chacota ao narrar
embriagado as suas aventuras náuticas. Só uma velha é que cuidava daquele “vergonhoso
despojo de almirante quase afogado nos seus próprios pigarros a cheirar a ausência de
sabonete e à urina incontinente dos ébrios senis” (idem, 1988, p. 152). Percebe-se, nessa
passagem, “a expressão da humanidade profundamente fragilizada daquele que seria um
dos grandes heróis portugueses” (RODRIGUES, s.d., p. 8).
Aparece no romance uma galeria de personagens que marcaram o imaginário
passadista português como “o aio Edgar Moniz e os seus filhos de baraço ao pescoço,
Santo António que sermoneava atuns, o cronista Fernão Lopes tomando apontamentos em
caderninhos de argolas” (ANTUNES, 1988, p. 215). Almeida Garrett, polígrafo e político e
D. Fuas Roupinho pedindo dinheiro emprestado.
O maior cantor da epopeia portuguesa é o segundo personagem a aparecer no
romance: “Era uma vez um homem de nome Luís a quem faltava a vista esquerda” (1988,
p. 19). O pai morrera durante a guerra colonial pouco antes de embarcar de volta para
Portugal e traz consigo o corpo do pai. Durante a viagem faz amizade com Vasco da Gama
e Miguel de Cervantes também retornados. O primeiro é amante de biscas e suecas e o
205
maneta espanhol vendia cautelas em Moçambique, sempre a escrever em folhas soltas de
agenda um romance intitulado Quixote.
Gama passa a Camões o endereço em que residirá em Vila Franca, e o poeta
decora-o porque “não conhecia ninguém em Portugal” (1988, p. 21).
No início do oitavo capítulo “à segunda ou terceira semana e após muitas naus”
(idem, 1988, p. 89), Camões ainda está no cais de Alcântara procurando um meio de
realizar o enterro do pai. Pensa fazê-lo à noite e caminha com “o pai debaixo do braço”
(ANTUNES, 1988, p. 91). Chega à estação Santa Apolônia onde pega a caneta e o caderno
de um funcionário e começa “a primeira oitava heroica do poema” (1988, p. 97).
No capítulo quatorze, Camões continua escrevendo oitava, “sem interromper as
rimas” (idem, 1988, p. 157) e conhece Garcia da Orta que, no romance, é “um fulano
amargo, de meia-idade, radioamador que morava no Bairro Alto com a esposa, cinco
descendentes e o sogro inválido” (1988, p. 157).
O homem de nome Luís vai “moendo episódios heroicos, parando a tomar notas nas
retrosarias iluminadas, até desembocar na praça da minha estátua, mãe, com centenas de
pombos adormecidos nas varandas em atitudes de loiça e cães que alçavam a pata no
pedestal da minha glória” (1988, p. 166).
O épico avista, então, “um cortejo de tochas e de risos de pagens” (1988, p. 166). É
D. Sebastião que surge em um cavalo, “rodeado de validos, arcebispos e privados, vestido
de uma armadura de bronze e de um elmo de plumas, e desapareceu para as bandas do
pelourinho da Câmara, seguido pelo espanto dos policiais e dos guardas-nocturnos, a
caminho de Alcácer Quibir” (1988, p. 166).
Camões é o protagonista do final da narrativa. Vive em um hospital para
tuberculoso que o governo escolheu para ser o alojamento dos retornados. Apesar de não
ser tuberculoso, Camões é obrigado a usar um roupão de moribundo. Como a tuberculose é
uma doença da miséria nada mais crítico do que a imagem de tuberculoso guardando o
futuro do país.
Conclui-se que, com a derrota de Alcácer-Quibir, houve a perda da independência e
surgiu o mito; a derrota na guerra colonial levou à queda da ditadura, mas o processo
revolucionário não passou de ilusão: ainda está por se cumprir.
Lobo Antunes propõe, portanto, a queda dos mitos através principalmente da
humanização dos heróis, levada a seu rebaixamento. Assim, o trágico dá lugar ao riso
porque não existe mais nada para ser esperado, senão a ousadia de humanizar o passado,
206
dessacralizar os heróis e desacreditar com humor em todas as verdades históricas que não
desconfiem de si mesma
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***
207
Biografia
Doutora em Letras – Ciência da Literatura, pela UFRJ. Professora do Programa de Mestrado em
Educação e Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga. Professora nas Faculdades Integradas de
Cataguases desde 1979.
Coordenou o Departamento de Letras das Faculdades Integradas de Cataguases de 1992 até 2005. Tem
Especialização em Teoria da Literatura pela UFRJ; Especialização em Linguística e Teoria da Literatura
pela UFV; Especialização em Literatura comparada pela UFJF; Mestrado em Letras pela UFJF. Tem
trabalhos publicados pela Revista Mythos, das Faculdades Integradas de Cataguases, pela Revista
eletrônica Garrafa, da UFRJ. É membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes.
E-mail: [email protected]
Telefone: (32) 3441- 3558.
208
A FORMAÇÃO CONTINUADA DO GESTOR ESCOLAR
Marilza Aparecida de Araújo *
Geraldo Ribeiro de Sá **
Maria Lúcia Jannuzzi Machado ***
Introdução
Atualmente, fala-se muito sobre a Gestão nas Escolas Públicas, principalmente
naquelas pertencentes ao Sistema Municipal de Ensino. Surge, daí, o interesse em saber
quem são os gestores que estão à frente dessas escolas e como acontece sua formação,
desde a inicial, até sua atualização durante a caminhada na educação.
Torna-se necessário abordar questões referentes à formação do professor, visto que
o gestor, geralmente passa pela experiência como professor, em alguns casos, vice-diretor
e, depois diretor de escolas.
Pensa-se que o gestor, hoje, está em busca de uma escola eficaz, na qual ele age
como líder capaz de estabelecer prioridades, avaliar programas, organizar o trabalho de
todos como: professores, funcionários, alunos e comunidade para desenvolverem as ações
educativas. Julia Priolli (2008, p.6) declara que:
O diretor é a figura central para promover esse ganho de qualidade de que a
educação brasileira tanto necessita. Ele deve, cotidianamente, dar conta de
diferentes “gestões”: do espaço, dos recursos financeiros, de questões legais, da
interação com a comunidade do entorno e com a Secretaria de Educação e das
relações interpessoais (com funcionários, professores, famílias).
Assim, o diretor terá que trabalhar de forma a aperfeiçoar seus conhecimentos
cotidianamente pois, para que seus resultados sejam positivos, é necessário que, além de
promover sua atualização, ele seja um incentivador para seu grupo.
Almeida e Alonso (2007, p. 32) afirmam:
A condição fundamental para o desenvolvimento organizacional é a “gestão do
conhecimento”, como é conhecido hoje esse processo nas organizações
*
Mestre em Educação e Linguagem do Centro Universitário de Caratinga /UNEC.
Doutor em Ciências Sociais: área de concentração Sociologia Política (PUC/SP). Professor do Programa de
Mestrado em Educação e Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga. Orientador Acadêmico.
***
Doutora em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro
Universitário de Caratinga. Coorientadora. E-mail: [email protected].
**
209
modernas, já que é assim que as pessoas aprendem e se desenvolvem, ao mesmo
tempo que propiciam o desenvolvimento organizacional, ou melhor, essa é a
característica fundamental da organização que aprende.
Com base na análise dos autores citados, é possível extrair o perfil do gestor
escolar, necessário para as escolas que se preocupam com a mudança. Ele tem o papel
fundamental de proporcionar as condições necessárias para que educadores e educandos
construam seus conhecimentos ao longo da vida. É o gestor, também, que deve abrir
espaços e ampliar a participação dos diferentes segmentos da comunidade, por meio da
gestão participativa, possibilitando a inovação de suas práticas na vivência das situações
construídas coletivamente como: encontros de educadores, reuniões com a comunidade
escolar, palestras, seminários e outras práticas que levem à construção do conhecimento
por meio da interação do grupo.
A busca por novos caminhos deve ser o norte do trabalho do educador, pois não é
possível dissociar a prática de um contínuo estudo e autoaperfeiçoamento. Necessário se
faz, também, rever a prática, pois assim se inclui no fazer educacional o olhar-se para
dentro de si mesmo, analisando sua experiência adquirida enquanto educador.
Assim, o profissional da educação, de modo geral, deve assumir-se como
pesquisador que busca aperfeiçoar seus conhecimentos e que cresce com a troca de
experiências com o grupo de trabalho e com os educandos com os quais compartilha o seu
dia-a-dia.
Como dizia o grande Mestre: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si
mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1981, p. 79 ).
A formação continuada do gestor escolar
Pensar a formação do gestor escolar é pensar como ocorre a formação do professor,
pois sabe-se que ele é, antes professor, depois administrador, que passa por uma formação
inicial, depois a continuada. Esta formação tem sido preocupação das autoridades
educacionais, por entenderem que, devido às constantes mudanças na sociedade atual, os
seres humanos são influenciados pelas transformações resultantes da globalização, do
desenvolvimento da tecnologia em geral e das tecnologias da informação e comunicação,
nas diversas áreas e que acontecem de forma complexa.
Segundo Nóvoa (1991), a formação do professor constitui-se num “eixo estratégico
fundamental” (p. 68) de desenvolvimento de homens e organizações. O tema suscita,
210
ainda, muita interrogação, constituindo-se, em vasto campo de pesquisa, pois é uma área
da pedagogia que tem sido relativamente pouco estudada.
Pertinente se faz citar algumas terminologias usadas pelos recursos humanos na
temática da formação continuada de profissionais da educação. Algumas são mais comuns:
reciclagem, aperfeiçoamento, treinamento, atualização, capacitação, educação permanente,
educação continuada e formação continuada. Todas expressam uma forma de crescimento
e, independente da que for usada, o educador estará sendo beneficiado quando participa de
um desses processos de construção do conhecimento.
Com as ações de formação continuada, a escola se torna um ambiente de
aprendizagem não só para os alunos, mas para todos que a compõem e o gestor deve ser o
incentivador do mesmo, para que o grupo se sinta estimulado, queira buscar novos
conhecimentos e utilizar novas estratégias de trabalho.
A competência do gestor escolar ganha atenção especial e se torna um grande
desafio para os sistemas de ensino diante da oferta insuficiente de formação inicial. São
incitados a promoverem cursos de capacitação para estes profissionais. Para Lück (2000), a
maioria desses cursos promovidos por órgãos centrais tem seus programas pautados em
generalizações, apresenta um distanciamento entre teoria e prática ao focalizar conteúdos
formais em detrimento do desenvolvimento de habilidades (o saber fazer) e enfoca o
indivíduo, desconsiderando a necessidade de desenvolvimento do trabalho em equipe.
Com este diagnóstico, destaca-se a necessidade de os sistemas de ensino “adotarem
uma política de formação continuada de gestores, de modo a estabelecer unidade e
direcionamento aos seus programas e cursos” (LÜCK, 2000, p.32).
Em um contexto de autonomia, é fundamental que o gestor tenha competência e
seja capacitado especificamente para a função que exerce. E, para isso, não basta que seja
apenas um bom professor, precisa possuir ferramentas executivas, adquiridas por meio de
uma formação específica que possibilite o uso dos recursos humanos, materiais,
tecnológicos e financeiros disponíveis.
A inserção das novas tecnologias na gestão escolar é fundamental, uma vez que
“hoje é necessário que cada escola mostre sua cara para a sociedade, que diga o que está
fazendo, os projetos que desenvolve, a filosofia pedagógica que segue, as atribuíções e
responsabilidades de cada um dentro da escola” (MORAN, 2003, p. 3).
Julgamos que o diálogo e a problematização são atividades fundamentais na prática
dos gestores de ensino, propulsoras de participação coletiva e consciente nas mudanças da
211
educação e de um fazer efetivo em busca da qualidade de ensino. Dessa forma, é
imprescindível a existência de:
[...] profissionais comprometidos com a causa educacional brasileira que, além
de sólidos conhecimentos sobre administração e supervisão, estejam abertos
para as descobertas, isto é, longe de se apresentarem prontos e acabados,
tenham uma atitude de busca permanente (QUAGLIO, 2000, p. 57).
Segundo Abreu (2004) “o gestor desempenha um papel fundamental na elaboração
e articulação desse processo formativo. Compete a ele estimular e facilitar a participação
dos professores em cursos cujos temas sejam do interesse da comunidade educativa” (p.
105).
Assim, aqueles que trabalham com educação têm necessidade de ampliar seus
conhecimentos, compartilhar novas concepções, atualizar seus projetos como forma de dar
conta da hercúlea tarefa que cabe aos educadores, numa sociedade em que se exige cada
vez mais especializações e onde a escola é o ponto principal de onde brotam estas
informações.
De acordo com Paro (2001) “é a escola o local onde se institui o saber
sistematicamente organizado e historicamente produzido” (2001, p. 72).
Sendo assim, a formação continuada, contribui para a reflexão e o aperfeiçoamento
do trabalho realizado na escola, ao mesmo tempo em que se coloca como um importante
momento para discutir e socializar as questões que envolvem a realidade em que a escola
está inserida e poder buscar soluções conjuntas para os conflitos surgidos.
Considerações finais
Diante deste estudo, conclui-se que, hoje não é mais possível ao gestor organizar
seu trabalho sem a busca de novas experiências e uma constante atualização no decorrer de
sua carreira.
A escola atual requer administração direcionada à gestão democrática, onde todos
os envolvidos participam nas decisões e assumem responsabilidades a elas inerentes.
Portanto, a gestão democrática é um processo de coordenação das estratégias de ação para
alcançar os objetivos definidos e requer liderança centrada na competência, legitimidade e
credibilidade. Cabe ao gestor exercer seu papel dentro da democracia. Seu trabalho é
garantir a coletividade dos envolvidos, que são: equipe diretiva, funcionários, professores,
estudantes, pais e comunidade.
212
A participação da comunidade local na gestão da escola é algo fundamental para
unir o grupo e todos envolvidos para a tomada de decisões nos projetos.
A Escola requer gestor que exerça o poder da liderança sobre seus colegas,
influenciando suas atitudes e, principalmente, idealizando, compartilhando e realizando
metas em comum, fazendo com que os membros do grupo alcancem os objetivos
propostos. A motivação e a empatia demonstradas pelo gestor, contagiam a equipe de
trabalho e fazem com que o grupo abrace a idéia e queira partilhar de seus projetos
construídos.
Referências
ABREU, M. V. de. Progestão: como desenvolver a gestão dos servidores na escola?
Módulo VII. Brasília: CONSED,2001. Reimpressão: São Paulo, 2004.
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de; ALONSO, Myrtes. Tecnologia na formação
e na gestão escolar. São Paulo: Avercamp, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
LÜCK, H. Perspectivas da gestão escolar e implicações quanto à formação de seus
gestores. Em Aberto. Brasília, v. 17, n. 72, p.11-33, fev./jul. 2000.
MORAN. José M. Gestão Inovadora da Escola com Tecnologias. In: VIEIRA, Alexandre
(Org.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo, Avercamp, 2003.
NÓVOA, Antônio (Coord.). As organizações escolares em análise. 2. ed. Lisboa: Dom
Quixote, 1991.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 2001.
QUALGLIO, P. Administração, supervisão, organização e funcionamento da educação
brasileira. In: MACHADO, Lourdes M. e MAIA, Graziela Z. Abdian (Org.).
Administração e supervisão escolar. Questões para o novo milênio. São Paulo: Pioneira,
2000.
PRIOLLI, Julia. In Nova Escola. Fundação Victor Civita. São Paulo: Abril, Edição
especial, ago. 2008.
213
A METÁFORA COMO RECURSO COGNITIVO PARA A INTERPRETAÇÃO DA
LINGUAGEM DA TERAPIA COMUNITÁRIA
Marlene Rodrigues Gomes da Silva *
Francis Paulina Lopes da Silva **
Amédis Germano dos Santos ***
Introdução
Este trabalho tem o objetivo de analisar os fundamentos cognitivos da leitura,
utilizando um contexto da prática da primeira autora, que consiste na atividade
denominada Terapia Comunitária. A partir de um texto, de linguagem figurativa,
construiu-se um espaço de conversação que possibilitou acompanhar o movimento interno
de seus participantes e na expressão verbal de cada um foi possível perceber a presença da
metáfora.
Ao considerar que a metáfora constitui um elemento de linguagem de comunicação
afetiva, com as funções estética, cognitiva e persuasiva, surge a indagação: ela se
constituiria em um recurso cognitivo para a interpretação de uma leitura?
Neste trabalho buscou-se refletir e esclarecer essa questão que se mostra relevante
para enriquecer a prática dos profissionais que utilizam este método como atividade.
Segundo seu fundador, Adalberto Barreto, na Terapia Comunitária, o remédio é a palavra.
Fundamentado na Semiótica, de Charles S. Peirce, quando a palavra se transforma em
termo, ela “é um signo que deixa seu objeto e a fortiori seu Interpretante, ser aquilo que
pode ser” (PEIRCE, 2008, p. 29). É a partir desse conceito que se apresenta neste trabalho,
uma reflexão sobre o termo metafórico, como o signo; uma vez que o signo será o
elemento principal de qualquer ato de ler e, consequentemente, de leitura.
Pode-se considerar que o método de levantamento de dados foi o de observação
participante, dado que a pesquisadora atuou no processo de desenvolvimento da atividade.
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga – UNEC. Graduanda em
Psicologia, pela Faculdade Pitágoras. Coordenadora e Facilitadora do Curso de Terapia Comunitária, pelo
MISC Minas-Ipatinga, como extensão da Universidade Federal do Ceará. E-mail:
[email protected]
**
Professora da Disciplina Fundamentos Cognitivos da Leitura, Coordenadora do Mestrado em Educação e
Linguagem, do Centro Universitário de Caratinga – UNEC.
***
Professor de Antropologia e Sociologia da UNEC, Graduado em Ciências Políticas pela FESP-SP, PósGraduado em Geografia Física e Análise Ambiental pela UFMG/UNEC, Mestre em História da Ciência
pela PUC-SP e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor Mestrado Acadêmico em
Educação e Linguagem, do UNEC. Orientador Acadêmico. E-mail: [email protected].
214
Foi também utilizado o método exploratório e descritivo, durante o levantamento da
fundamentação teórica, para responder o problema de pesquisa.
A metáfora e seu poder persuasivo
O termo “metáfora” provém do vocábulo grego metaphora que significa ‘transferir,
transportar ou deslocar para’. As primeiras referências sobre a metáfora estão em
Aristóteles, que a define como “a transferência ou a transposição para uma coisa do nome
de outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou da espécie de uma
para o gênero de outra ou por analogia” (ARISTÓTELES, 1964, p. 304).
A metáfora, em Aristóteles, pertence ao domínio da retórica, que foi, antes de tudo,
uma técnica da eloquência, cujo alcance é o de gerar persuasão. Pertence também ao
domínio da poética, arte de compor poemas, que visam à purificação das paixões do terror
e da piedade. Assim, segundo Ricoeur, a metáfora abrange cada um desses domínios:
Ela pode, quanto à estrutura, consistir apenas em uma única operação de
transferência do sentido das palavras, mas, quanto à função, ela dá continuidade
aos destinos distintos da eloqüência e da tragédia; há portanto, uma única
estrutura da metáfora, mas duas funções: uma função retórica e uma
poética.(RICOEUR,2005, p.23)
Ricoeur ressalta que Aristóteles vincula suas considerações sobre o valor instrutivo
da metáfora ao uso da retórica, sobretudo à reflexão sobre a elegância e a vivacidade de
expressão. Além disso, atribui a essa mesma virtude de elegância, a superioridade da
metáfora sobre a comparação dizendo: “mais sintética e mais breve que comparação a
metáfora surpreende e dá uma instrução rápida, e é nessa estratégia que a surpresa,
acrescida à dissimulação, desempenha um papel decisivo” (RICOEUR, 2005, p. 60). Este
autor destaca, ainda, que, para Aristóteles, a metáfora “faz imagem, (...) põe sob os olhos”
(cf. 2005, p. 60).
Este aspecto da metáfora, como explica, Cançado, geralmente é encontrado em
teorias formais da linguagem, conhecido como abordagem clássica e nesta perspectiva ela
é considerada como um recurso para obter determinados efeitos de sentido, como a forma
mais importante de linguagem figurativa, presente com maior ênfase na linguagem literária
e poética (cf. 2005, p.100).
Existem muitas explicações de como as metáforas funcionam e segundo Cançado, a
idéia mais comum é que “a metáfora é uma comparação, na qual há uma identificação de
215
semelhança e transferência dessas semelhanças de um conceito para o outro” (2005, p. 99).
Assim, as metáforas permitem estruturar conceitos a partir de outros conceitos mais
básicos e concretos. Esse processo foi desenvolvido pelo ser humano por causa da
experiência direta com o mundo que é proporcionado pelo corpo através dos sentidos.
Ricoeur questiona: “se a metáfora consiste em falar de uma coisa nos termos de
outra, não consistirá também em perceber, pensar ou sentir, a propósito de uma coisa em
relação a outra?” (2005, p. 134)
A afirmação de Lakoff e Johnson de que “a metáfora está infiltrada na vida
cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação” (2002, 45),
parece abrir uma nova perspectiva, por considerarem que o sistema conceitual ordinário do
ser humano, em termos do qual estão estruturados o pensamento e a ação, é definido
metaforicamente, ou seja, os conceitos que governam o pensamento estruturam o que se
percebe, a maneira como se comporta no mundo e o modo como se relaciona com outras
pessoas. “Tal sistema conceptual desempenha, portanto, um papel central na definição de
nossa realidade cotidiana” (2002, p. 46).
Para Hayakawa, “no longo período de tempo em que a metáfora foi considerada
‘enfeites’ do discurso, negligenciaram-se o sentido psicológico desse recurso
comunicativo” (1977, p. 135). Este autor esclarece que a mente tem a tendência de
presumir que os fatos, capazes de criar as mesmas reações, são idênticos entre si. Se, por
exemplo, uma pessoa passa por uma perda, uma decepção, uma situação de abandono ou
de se “afundar”, diz-se “estar no fundo do poço”. Nesse caso, para os sentidos daquele que
observa ou vive a situação, o fundo do poço e situação de perda, ou decepção, ou abandono
vivenciado pela pessoa é idêntico entre si.
Analisando um outro exemplo, citado por Hayakawa: se as suaves brisas da
primavera e as mãos delicadas de lindas meninas proporcionam as mesmas agradáveis
sensações, diz-se: “As delicadas mãos da primavera” (1977, p.135). Para este autor, este é
o processo básico pelo qual se chega à metáfora.
Afirma, ainda, que estas figuras de linguagem são expressões diretas de avaliação,
que ocorrem fatalmente quando se têm fortes sentimentos a exprimir, “constituindo um
elemento de linguagem de comunicação afetiva”. Este autor esclarece que as metáforas
“são encontradas, portanto, em grande número, no linguajar primitivo, na linguagem do
povo ou das pessoas incultas, na linguagem das crianças, na gíria profissional dos
elementos de teatro, na gíria dos salteadores e na gíria dos que participam de outras
ocupações semelhantes” (1977, p. 136).
216
No linguajar primitivo, como citado acima, a metáfora parece mais visível,
enquanto é mais difícil percebê-la, embora esteja presente, na linguagem mais elaborada e
até mesmo na linguagem científica. Como afirmam Lakoff e Johnson, “é bem mais difícil
ver que há algo encoberto pela metáfora, ou até mesmo perceber a própria existência da
metáfora”(2002,p. 55).
Observando o que foi estudado até aqui, pode-se inferir que a metáfora constitui um
recurso que favorece a percepção do ser humano, em suas interações com o mundo
externo. Charaudeau e Maingueneau atribuem à metáfora três funções principais, a saber:
uma função estética, uma função cognitiva e uma função persuasiva (cf. 2008, p. 330).
A função estética da metáfora, segundo estes autores, emana de sua saliência, de
sua força imagética e de seus efeitos de concretização: “a metáfora vem dar um corpo
concreto a uma impressão difícil de exprimir” (BACHELAR, 2000, p. 79). Esta função
concerne, sobretudo, aos enunciados literários: “Sertão não é malino nem caridoso, mano
oh mano!: – ele tira ou dá, ou agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo”
(ROSA, 2006, p. 521).
A função cognitiva, ainda, segundo Charaudeau e Maingueneau, “tem um forte
rendimento heurístico, no sentido de que ela permite explicar analogicamente um domínio
novo ou pouco definido por um domínio conhecido” (2008, p. 330). A força conceitual da
metáfora foi salientada em vários tipos de discurso: filosóficos; científicos; pedagógicos ou
simplesmente cotidiano: “ganhar tempo”, segundo a matriz “TEMPO É DINHEIRO”
(LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 50).
A função persuasiva da metáfora se deve ao fato de fornecer uma analogia
condensada e um julgamento de valor concentrado. Como afirmam Charaudeau e
Maingueneau, ela adormece a vigilância do espírito, transferindo analogicamente um valor
decisivo ligado ao termo metafórico para a proposição que se quer que seja aceita. Estes
autores ressaltam que quanto mais a metáfora se apóia em um acordo preliminar e mais ela
parece ser obvia, mais seus efeitos manipuladores são importantes (cf. 2008, p. 331).
No campo da Semiótica, Santaella, afirma que:
[...] para Peirce, a metáfora é o terceiro tipo de hipoícone ou signo icônico. Por
isso mesmo, metáforas exibem uma espécie de terceiro nível de iconicidade. No
primeiro nível, o da imagem, os hipoícones representam seus objetos por
similaridade na aparência, quer dizer, por meio de similaridades qualitativas. No
segundo, o do diagrama, os hipoícones representam seus objetos devido a uma
similaridade estrutural entre as relações dos seus elementos e aquelas do objeto.
No terceiro nível, as metáforas são definidas como signos que representam o
caráter representativo de um representamen [signo] por representarem um
paralelismo com algo mais (2005, p. 304).
217
À luz desses conceitos, pode-se concluir que a metáfora surge no instante em que
um termo oriundo de um dos sentidos é transferido para outro, deixando de lado outros
atributos. Parece que, nesse instante, a persuasão e a dissimulação são alcançadas.
A metáfora está no movimento que traz da mente o sentimento até o termo que foi
escolhido dentro da cultura de quem fala e sua eficácia está em encontrar um ambiente que
partilhe da mesma cultura. A metáfora é, assim, resultante da seguinte operação mental:
um termo contém um conceito que não está “visível” e este conceito invisível é captado
por outro termo que revela a invisibilidade do primeiro conceito.
Sendo o termo metafórico a representação material da metáfora, passa-se a estudálo à luz da teoria peirceana, como recurso cognitivo para a interpretação de uma leitura.
O termo metafórico como recurso cognitivo para a interpreta-ção de uma leitura
Peirce afirma que “um termo é um signo que deixa seu objeto, e a fortiori seu
Interpretante, ser aquilo que ele pode ser” (2008, p. 29). Neste aspecto ele designa um
conceito que deve ser delimitado dentro de um campo específico, ou seja, é necessário
delimitar sua extensão como a menor unidade de representação desse conceito. Assim, o
termo metafórico, sendo a representação material da metáfora, constitui-se de uma palavra
ou grupo de palavras usadas com um sentido figurado, em que toma um termo que tem
sentido próprio e emprega-o por analogia em outro.
Para a teoria lógico-linguística da metáfora, segundo Ricoeur, o termo metafórico
resultado de generalizações metafóricas se torna o nome do portador de um atributo geral e
pode, assim, ser aplicado a todos os objetos que possuam a qualidade geral expressa (cf.
2005, p. 167). Por exemplo, na afirmação “José é um bambu”, abstraíram-se os atributos:
“fino e comprido”, pertencente ao bambu, que foram transferidos para um ser humano
chamado José, onde o termo metafórico é “bambu”.
Diante do exposto, pode-se inferir que o termo metafórico constitui um recurso
cognitivo para a interpretação de uma leitura?
Como auxílio para o desenvolvimento de uma idéia, considera-se necessário
conceituar os termos “recurso” e “cognitivo”. O termo “recurso”, segundo Guimarães,
significa o “meio de vencer uma dificuldade ou embaraço; expediente; auxilio; amparo”
218
(1965, p. 909). Contém a ideia de, no desenvolvimento de um curso 45, haver a necessidade
de tirar um embaraço. Por exemplo: Ela faz o curso de pós-graduação strictus sensu e
utilizou o recurso áudio-visual para apresentar o projeto de pesquisa do curso.
No termo “cognitivo”, o sufixo “-ivo” propõe a idéia de “ação, referência, modo de
ser” (CUNHA, 1984, p. 117). Então, cognitivo passa a ser: modo de conhecer, referente ao
conhecer ou modo de ser conhecido.
Entre outros recursos cognitivos para a interpretação de uma leitura, destacam-se a
compreensão e a reflexão:
A compreensão, quando se refere à leitura, implica a criação de uma representação
mental coerente do texto, como afirma Gabriel, destacando que compreender um texto
implica formar uma estrutura mental que representa o significado e a mensagem do texto.
Deve-se pensar em um processo continuo que leve em conta o nível de leitor, seu
conhecimento prévio sobre o assunto do texto e de seu contexto, o objetivo da leitura, o
conhecimento do código escrito (cf. 2005, p. 211).
A autora destaca ainda, que para garantir a compreensão torna-se necessário que o
leitor tenha uma atitude ativa de colaboração para a construção da estrutura, para que seja
capaz de fazer inferências, identificar distorções e, ainda, aprender com a leitura. Nesse
sentido, Ramos e Pagotti, destacam a importância em se ver e pensar o mundo natural e
social percebendo sua alteridade e intertextualidade, significando-os a partir da
confrontação das lógicas e dos discursos que vêm sustentando ou promovendo versões de
realidade:
[...] a compreensão das contínuas transformações do mundo contemporâneo
exige mobilização de estruturas lógicas em arranjos e rearranjos constantes.
Assim, para viver – e atuar ativamente – em um mundo em rede, hipertextual,
num contexto compartilhado, o pensamento operatório é fundamental. Apenas
um nível mais elaborado de pensamento possibilita ao indivíduo a compreensão
da intertextualidade da própria vida e o torna capaz de, considerando a
alteridade, assumir a responsabilidade de tecer a sua rede/história (2008, p. 24).
Com essa compreensão tornam-se mais elaboradas as estruturas resultantes das
leituras do cotidiano, possibilitando uma atitude de reflexão.
A reflexão tem uma dimensão de revisão e criação, em suas formas de raciocínio
sobre as variáveis de um problema ou fato a ser pensado ou lido, a atitude crítica decorrerá
também desse atributo mental característico que é a atividade reflexiva. Esta atividade
45
- O termo “curso” revela a ideia de levar a um determinado fim.
219
reflexiva possibilita entender o sentido da afirmação de Becker (2008, p. 72), sobre o
conhecimento:
O conhecimento não é uma cópia da realidade. Para conhecer um objeto, para
conhecer um acontecimento não é simplesmente olhar e fazer uma cópia mental,
ou imagem, do mesmo. Para conhecer um objeto é necessário agir sobre ele.
Conhecer é modificar, transformar o objeto, e compreender o processo dessa
transformação e, consequentemente, compreender o modo como o objeto é
construído.
O conhecimento, “não sendo uma cópia da realidade”, como é que ele se torna
criativo?
Quando se toma o termo metafórico como recurso para interpretação de uma
leitura, parece adequado analisá-lo à luz das categorias peirceanas.
Santaella afirma em sua pesquisa sobre as matrizes da linguagem e pensamento,
que “depois de décadas do mais apurado esforço intelectual, Peirce conclui que tudo que a
nossa mente é capaz de aprender, tudo que aparece à consciência, assim o faz numa
gradação de três e não mais do que três elementos formais: (1) qualidade de sentimento, (2)
ação e reação e (3) mediação” (2005, p.15). Esta autora afirma ainda, que “esses elementos
formais são os filamentos mais gerais, abstratos e universais de todo o universo” (2005, p.
15) e que Peirce buscou esvaziá-los de qualquer conteúdo material e reduzi-los à sua
natureza puramente lógica. Esses elementos são chamados de Categorias e que são
designadas de (1) primeiridade, (2) secundidade e (3) terceiridade.
A primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, seu
frescor, originalidade irrepetível e liberdade; a secundidade é aquilo que dá à experiência o
seu caráter factual, de luta e confronto e a terceiridade corresponde à camada da
inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o
mundo. Baseada em Peirce, Santaella, afirma que a primeiridade consiste na presença de
imagens diretamente à consciência, sem uma consciência propriamente dita. Trata-se de
uma consciência imediata tal qual é. Nenhuma outra coisa senão a pura materialidade de
sentir (cf. 2000, p. 76).
A secundidade já redunda num conflito. Não é, o não analisável da primeiridade,
mas necessita dela para existir. É o mundo do pensamento, no entanto, sem a mediação dos
signos. É o campo da existência cotidiana, a qualidade da consciência reagindo ante o
mundo, em relação dialética; uma relação dual.
220
A terceiridade é o nível simbólico, no qual o ser humano representa e interpreta o
mundo. Não tem o caráter passivo do primeiro mas, unido com o segundo, acrescenta um
fator cognitivo a interpretação gerada pela consciência do que foi percebido.
Com base nessas reflexões que segue uma análise das metáforas encontradas na
linguagem dos participantes da Terapia Comunitária. Esta se propõe criar um espaço que
privilegia a expressão do sistema simbólico, inerente à condição humano, ao mesmo tempo
em que possibilita a reflexão e, dessa forma, o exercício da leitura.
A terapia comunitária como espaço para o exercíco da leitura
Adalberto Barreto, fundador da Terapia Comunitária, ressalta que, no contexto de
uma Roda de Terapia Comunitária 46, o remédio é a palavra e como afirma Piaget, “cada
palavra designa, um conceito, que constitui sua significação” (2003, p. 70). E na Terapia
Comunitária, a palavra como signo é a forma verbal que, juntamente com a forma gestual,
visual, musical, corporal, etc., constitui uma linguagem manifesta por meios dos signos
criados pelas possibilidades materiais e cognitivas dos seres que os utilizam e produz o
efeito de: “criar, gradualmente, uma nova consciência social” (BARRETO, 2008, p. 35),
pelo fato de que cada participante tem vez e voz, sente-se co-participante da construção de
seu contexto.
E, qual é a função da leitura, senão o de possibilitar o surgimento do sujeito,
cidadão e co-construtor de sua história, seu contexto?
Analisando fenomenologicamente, poder-se ia dizer que, por necessidade ou
carência, um ser humano se dispõe a ler, com o sentido de decodificar o signo. Este ato se
realiza por indução, feita por um sistema estabelecido culturalmente, como afirma Orlandi
(2001, p. 210): “[...] o leitor vai se formando no decorrer de sua existência, em suas
experiências de interação com o universo natural, cultural e social em que vive”. A
disposição para ler tem um propósito que envolve interesse, afeto e pressupõe já saber algo
que o leitor deseja confirmar ou ampliar. A leitura é, assim, o ato de acrescentar
significado ao signo, uma vez que o signo será o elemento principal de qualquer ato de ler
e, consequentemente, de leitura.
46
- Procedimento da Terapia Comunitária, que consiste em um ato terapêutico de grupo, o qual se realiza,
geralmente em espaço que permita aos participantes se acomodarem em forma circular, propiciando que
todos partilhem suas experiências num mesmo nível hierárquico. Usam-se dinâmicas na fase de acolhimento.
Pode-se cantar, contar histórias, citar um verso, um provérbio ou contar piadas, durante qualquer uma das
partes da roda, contextualizado com o tema escolhido, geralmente dentre uma situação-problema proposta
pelos participantes.
221
O espaço de uma Roda de Terapia Comunitária vem, de certa forma, fomentar estes
elementos que favorecem o desenvolvimento do potencial de seus participantes para a
leitura. Utilizando os pressupostos apresentados pelo criador do método, para suscitar uma
forma de leitura e considerando a proposta de Orlandi para o exercício da leitura, busca-se
encontrar um ponto que favoreça entender o que é comum para os dois autores e que possa
constituir-se em benefício, tanto para os usuários, como para os profissionais que utilizam
esse método.
O método da Terapia Comunitária e a proposta de Orlandi para o exercício da
leitura
A Terapia Comunitária, “constitui um espaço de promoção de encontros
interpessoais e intercomunitários, com o objetivo de valorizar as histórias de vida dos
participantes e assim, favorecer a ampliação da percepção dos problemas e possibilidades
de esclarecimento, a partir de suas próprias competências” (BARRETO, 2008, p. 33).
Barreto esclarece, ainda, que este procedimento não se define como um processo
psicoterapêutico e sim como um ato terapêutico de grupo, que pode ser realizado com
qualquer número de pessoas e de qualquer nível socioeconômico. A Terapia Comunitária,
com local e horário definidos, e com um procedimento técnico protocolado, desenvolve-se
em seis partes, a saber:
(1) Acolhimento;
(2) Levantamento do tema;
(3) Contextualização;
(4) Problematização;
(5) Rituais de agregação e conotação positiva;
(6)Apreciação da conduta dos terapeutas e impacto da Terapia Comunitária 47
(BARRETO, 2008, p. 64).
A Terapia Comunitária é também conhecida por Roda de Terapia Comunitária.
Justifica-se esta expressão pelo fato de os participantes se disporem no espaço físico em
forma de roda, além de o procedimento ter como base de sustentação o estimulo para a
construção de vínculos solidários e promoção de vida, onde a interação acontece num
mesmo nível hierárquico, hipoteticamente. O processo terapêutico é do grupo, onde todos,
inclusive os facilitadores se colocam como aprendizes. A partir da “troca de experiência
47
- Na etapa (6) só participam os Terapeutas Comunitários que atuaram como facilitadores naquela Roda de
Terapia Comunitária.
222
emergem as mais variadas soluções, até mesmo contraditórias” (BARRETO, 2008, p. 288).
Este autor ressalta que a riqueza do grupo reside nas diversas formas de ler a mesma
realidade, evidenciando que cada um percebe algo que o outro desconhecia. “Cada um é
rico naquilo em que o outro é pobre” (BARRETO, 2008, p. 287)
Cada pessoa tem seu processo de aprendizagem e o método de ensino, ou melhor,
de ensinagem 48 deve apenas servir para lhe propiciar condições para que a aprendizagem
da leitura se desenvolva. Para Orlandi, na relação leitor/texto/autor, “o método não deve se
sobrepor (sufocar) ao processo, mas se articular com ele” (2001, p. 212). Esta autora
esclarece que, na observação deste princípio, a leitura é produzida e estas produções se
diversificam em relação às diferenças de classe social, às diferenças ideológicas, de
história pessoal e de grupo.
Na Terapia Comunitária, estimulam-se as falas sem se impor leituras. O Terapeuta
Comunitário como facilitador e participante da roda, deve suscitar questionamentos
capazes de proporcionar uma nova leitura da realidade, do sofrimento exposto ao grupo e
levar o protagonista a descobrir novas estratégias de solução (cf. 2008, p. 287). Assim,
parece coincidir, o método da Terapia Comunitária e a proposta de Orlandi, para o
exercício da leitura, que afirma ainda: “o estabelecimento das condições de produção de
leitura pretende ser uma forma de se operar com a diferença sem absorvê-la” (ORLANDI,
2001, p. 212).
Com a finalidade de demonstração desse pressuposto, passa-se ao relato do que
ocorreu numa Roda de Terapia Comunitária, em que a pesquisadora fez parte da equipe.
Relato de uma roda de terapia comunitária
Esta Roda de Terapia Comunitária foi realizada com um grupo de mulheres que se
encontra em tratamento da dependência química, em regime de internato. Neste espaço, a
pesquisadora atua na equipe que realiza este trabalho há, aproximadamente, um ano.
A parte (1), o Aquecimento, foi conduzida, por um Terapeuta Comunitário, em
forma de conversação dialógica 49, seguindo o protocolo: as boas vindas, a celebração dos
48
“A ensinagem é [...] ensinar com a emoção e com a razão” (POLITY, 2002, p. 29). A autora esclarece que
ensinagem é basicamente relacional, pressupondo interação. Além do processo emocional, implícito no ato
de ensinar, ela refere-se a uma comunicação interativa em que os estados de intersubjetividade podem tornarse significativos.
49
A conversação dialógica diz respeito a conversas em que os participantes se envolvem uns com os outros
(em voz alta) e com eles mesmos (em silêncio), em uma indagação mútua ou compartilhada; reagindo
223
aniversários, os objetivos da Terapia Comunitária, as “regras” que favorecem a condução
do trabalho do grupo, a dinâmica de aquecimento e a apresentação do Terapeuta
Comunitário, que conduziu as demais partes.
Na parte (2) da Roda de terapia Comunitária, para o Levantamento do Tema, o
Terapeuta motivou o grupo a participar do processo, utilizando um provérbio: “quando a
boca cala, os órgãos falam, quando a boca fala os órgãos saram”. (BARRETO, 2008, p.
66), esclarecendo que, quando a boca cala os órgãos falam com dor, inchaço, mal estar e
utilizou como estratégia, a leitura do texto, transcrito abaixo:
Certa vez uma grande enchente fez transbordar os rios de certa região e muitas
pessoas, levadas pela água buscavam se salvar. Uma senhora que não sabia
nadar, se agarrou em uma espécie de tronco que boiava. Um indivíduo que
estava a salvo na margem alta do rio teve uma outra visão da mesma situação.
Viu que o tronco no qual aquela senhora se achava salva, apoiada, era uma
grande cobra sucuri, que também tentava se salvar da correnteza. O que faz
então? Alertar àquela senhora que sua segurança, o “tronco” no qual se agarrava
para não morrer afogada, era uma serpente, que se não estivesse também se
salvando poderia matá-la? O ribeirinho, sabiamente, viu que alertá-la do outro
perigo não percebido só faria piorar a situação. O medo da serpente poderia
fazê-la soltar-se da sua segurança do tronco e morrer afogada. Ele então
orientou a senhora da seguinte maneira: “A senhora está vendo aquela árvore a
sua frente? Pois bem, quando chegar perto dela deixe a sua bananeira
confortável e busque apoio naquele galho seco”. A senhora seguiu a orientação,
livrou-se da falsa segurança e quando já estava segura, apoiada por um galho
sólido, pode descobrir que a bananeira era uma serpente (BARRETO, 2008, p.
289).
Depois da leitura, cada participante passou a expressar o seu entendimento, o que
mais lhe chamou a atenção no texto lido. Seguem transcritos abaixo, dentre outros, uma
síntese da abstração dos participantes:
1. “A sabedoria do ‘Ribeirinho’ 50 ajudou a senhora, a se salvar”
2. “Seguir as instruções foi importante”
3. “Aceitar a orientação do outro pode salvar uma vida”
4. “A serenidade, no modo de comunicar uma orientação, favorece o entendimento do
outro”
5. “É preciso sabedoria para orientar”
6. “Ressalta a presença de ‘espírito’ do ‘Ribeirinho’, diante da situação”
7. “Diante de uma situação dessas, penso em correr”
conjuntamente, isto é, comentando, examinando, questionando, considerando, refletindo, concordando,
observando, à medida que falam das questões colocadas.(ANDERSON, 2009, p. 42)
50
“Ribeirinho” – termo metafórico utilizado para representar um ser humano que vivia na região onde
ocorreu a inundação, citada no texto.
224
8. “Admira-me a coragem do ‘Ribeirinho’”
9. “A confiabilidade favorece a aceitação para seguir a orientação do outro”
10. Uma participante fez a analogia: “A enchente são os problemas que colaboraram
para desestruturar minha vida; a cobra é a droga, falsa solução que usei para aplacar
minha angústia e o tronco é Deus, que tem sido meu amparo, no tratamento”.
Orlandi considera que toda leitura tem sua história e propõe como possível e
razoável na compreensão do texto, “levar em conta a história de leituras do texto e a
história de leituras do leitor” (2001, p.213). Neste exercício de leitura, a fala de cada
participante parece evidenciar este aspecto. Chama atenção, também, a construção da
resposta, que se resume basicamente por frases, estruturadas metaforicamente.
Em seguida, por um processo de identificação e votação, o grupo escolheu como
tema daquela Roda, a proposta da participante 3: “aceitar a orientação do outro pode salvar
uma vida”.
Na parte (3), ao Contextualizar junto à participante que levantou a questão, pôde-se
perceber em sua fala, a resistência em ouvir seus familiares nas diversas questões de sua
vida, inclusive, admitiu a sua teimosia, em considerar que daria conta de vencer sozinha a
dependência química – usuária de cocaína e crack, além da bebida – “eu não aceitava o
tratamento”. Ela afirmou também “eu não aceitava minha família e não aceitava muitas
outras questões de minha vida”. O que se pode inferir é que sua leitura do texto ouvido,
esta baseada em fatos concretos de seu cotidiano, confirmando-se as considerações de
Orlandi.
Na parte (4), a Problematização foi conduzida a partir do Mote51: Qual foi a
“enchente” que me arrastou para a droga e o que aconteceu quando aceitou o tratamento?
O tempo permitiu que cinco pessoas relatassem sua história, das quais se destacam alguns
fragmentos:
Participante 1: “O que me arrastou para a droga (bebida) foram as perdas e decepções e o
que me fez decidir pelo tratamento foi um tombo que me fez quebrar a cara” [referindo-se
a ter se machucado muito com o queda que levou, em uma ocasião de embriaguez. Por
amor aos filhos, decidiu vir para o tratamento. Pensou:] “depois eu encurto o tempo”, [ou
seja, voltar para casa antes do tempo previsto para o tratamento. No final, concluiu:] “Sinto
que foi a decisão certa, aqui eu descobri um novo sentido para minha vida, vou ficar até
51
O mote é uma pergunta-chave que vai permitir a reflexão do grupo durante a terapia. Segundo
Barreto(2008, p.80) “ele promoverá a reflexão coletiva capaz de trazer à tona os elementos fundamentais que
permitem a cada um rever seus esquemas mentais, seus preconceitos e reconstruir a realidade”
225
completar os nove meses; tive oportunidade de visitar minha família, há uns quinze dias, e
pude colocar em prática, o diálogo com meus filhos. Agradeço a essa Terapia
Comunitária”
Participante 2: “Tudo começou muito cedo. Eu tinha 5 anos quando perdi minha mãe e fui
morar com minha avó. Até aí, presenciei diversas brigas de meus pais. A última vez foi
quando minha mãe estava grávida e meu pai a espancou. Eu vi tudo. Dois dias depois ela
foi para o hospital, ganhou meu irmão que faleceu e logo depois ela também faleceu.
Primeiro, eu fumava, depois comecei a beber, dos 12 aos 20 anos, usei também, cocaína e,
depois, crack. Quando aceitei o tratamento, participando das atividades e das Rodas de
Terapia Comunitária descobri que amo de meu pai. Pela primeira vez eu parei para pensar
na vida. Parece que nasceu em mim uma vontade de fazer algo por mim”.
Participante 3: “Eu me arrastei para a droga (bebida e outras) quando saí p’ro mundo, aos
13 anos”, [neste caso, referindo-se ao fato de ter deixado a casa dos pais e ir buscar
recursos para sobreviver, já que chegou a passar fome, muitas vezes]. “O tratamento
despertou em mim a fé, descobri força em mim”.
Participante 4: “o que me levou para a droga foi ir na ‘onda’ do outro”. [Em referência ao
tratamento disse que tudo mudou].
Participante 5: “Só sei que estava no fundo do poço, não via saída. Decidi pelo tratamento,
quando não tinha mais nenhuma expectativa”. “Aqui eu encontrei amigos, na Roda de
Terapia eu posso falar e sou compreendida. Já descobri muitas qualidades em mim”
Nesta perspectiva, uma Roda de Terapia Comunitária torna-se espaço para a prática
da conversação dialógica. A conversação dialógica consiste em um diálogo onde ambos os
participantes se beneficiam. Grandesso ressalta que, para que a conversação dialógica seja
terapêutica, novos significados devem emergir, reescrevendo a experiência vivida a partir
de novos marcos de sentido (cf. 2002, p.245). Shotter considera que: “viver é participar em
diálogo: fazer questões, prestar atenção, responder, concordar, (...) envolver a pessoa como
um todo: seus olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com todo seu corpo e atos” (1994, p. 62).
Na parte (5) da Roda de Terapia Comunitária, primeiro, tem-se o Ritual de
Agregação: formou-se uma roda, onde os participantes se apoiaram no ombro do
companheiro e cantaram: “Tô balançando mas não vou cair, mas não vou cair ... Tô
balançando na terapia, tô balançando mas não vou cair”. O terapeuta comentou: “Este é um
pouco o movimento da vida, a gente vai para um lado e quando pensa que vai cair para a
direita, o da esquerda puxa. Puxa mais e o da direita diz, tá na hora de voltar. E, assim, a
gente vai saindo da rigidez das nossas idéias, das nossas convicções, pois toda convicção é
226
uma ‘prisão’ e se deixo a ‘prisão’ a vida passa a ser uma caminhada mais suave e não
necessita de ‘muletas’, como drogas, posição de ‘vítima’, enfermidade”.
Segundo, tem-se a Conotação Positiva, onde a Terapeuta dirigiu a palavra à pessoa
que propôs o tema escolhido: “Fulano, queria ressaltar a sua coragem em revelar para o
grupo fatos muitos significativos de sua vida e dizer que, apesar da droga ter provocado
tanto sofrimento para você e sua família, foi ela que te possibilitou descobrir que ‘aceitar’
constitui um passo importante do cotidiano. Lembrando que aceitar não significa que você
vai se agarrar à situação ou submeter-se àquilo que te chega. Por exemplo, aceitar a si
mesma, no sentido em que propõe Branden, é estar a seu favor e aceitar o outro te dá
recurso para colocá-lo no lugar que cabe a ele, enquanto ser humano (cf. 1997, p. 124).
Você aceitou se cuidar e agora pode definir como aceitar cada um dos “seus”: como pai e
mãe, como irmão, como amigo, como companheiro ou mesmo aceitar que não quer manter
esses vínculos”. “Ouvindo a história de cada, eu pude refletir que para solução de um
mesmo desafio, que é vencer a dependência da droga, cada um encontrou uma saída. O que
eu levo é que se a pessoa percebe melhor, seus recursos internos, ela tem a chance de
encontrar mais rápido uma saída”.
A partir dessa fala, o terapeuta dirigiu ao grupo a seguinte pergunta: “o que aprendi
e o que estou levando deste encontro de hoje”? Após a expressão daqueles que desejaram,
terminou-se com uma música. Os participantes com sentimento de empoderamento e
solidariedade, trocaram abraços entre si.
Pelo relato feito, vê-se que os participantes da Roda de Terapia Comunitária estão
envolvidos com experiências diretas no cotidiano, com foco na sobrevivência básica e suas
expressões tendem a ser mais concretas. As metáforas são apresentadas pelos termos, em
frases curtas. A comunicação se dá porque as imagens simbólicas evocadas são
amplamente conhecidas e usadas.
Seguem abaixo alguns exemplos:
•
“O que me arrastou para a droga (bebida) foram as perdas e as decepções e o que
me fez decidir pelo tratamento foi um tombo que me fez quebrar a cara”;
•
“Tudo começou muito cedo”;
•
“Eu me arrastei para a droga (bebida e outras) quando saí p’ro mundo, aos 13
anos”;
•
“O que me levou para a droga foi ir na onda do outro”;
•
“Só sei que estava no fundo do poço”
227
•
“quando a boca cala, os órgãos falam, quando a boca fala os órgãos saram”
A metáfora, representada pelos termos metafóricos constitui um recurso da
linguagem das pessoas da Terapia Comunitária; tanto os participantes, quanto os
terapeutas. Sua característica consiste em construir e transmitir conceitos complexos, na
tentativa de tornar visível uma idéia ou sentimento e também estruturar conceitos a partir
de outros conceitos mais básicos e concretos. Este fato vai fortalecendo os vínculos de
convivência e confiança, o que faz expandir o canal de comunicação entre as pessoas, neste
caso elas estão mais livre para deixar revelar-se, favorecendo a interpretação de uma
leitura.
Considerações finais
Na sua função persuasiva, a metáfora, pelo fato de fornecer uma analogia
condensada e um julgamento de valor concentrado, ela adormece a vigilância do espírito,
transfere, assim, analogicamente um valor decisivo ligado ao termo metafórico para a
proposição que se quer que seja aceita. Os participantes da Roda de Terapia Comunitária,
geralmente, vêm de um contexto de exclusão e necessitam criar estratégias para sua fala
chegar até o outro e comunicar fortes sentimentos; daí o recurso às frases curtas e
figurativas. Esse fato evidencia o que foi ressaltado no texto, de que, quanto mais a
metáfora se apoia em um acordo preliminar e mais ela parece ser obvia, mais seus efeitos
de comunicação são atingidos.
O que se pôde observar, também, é que as falas das pessoas da Terapia
Comunitária, tanto dos participantes quanto dos terapeutas, estão incluídas nas categorias
fenomenológicas peirceanas. Quando o participante é motivado, pelo terapeuta, a falar,
trazendo a experiência do cotidiano concreto e dos seus sentimentos, tem-se a primeiridade
peirceana; quando sua fala faz ressonância e provoca o grupo, que também fala do mesmo
tema proposto, de forma até contraditória, tem-se a secundidade; e dentro do protocolo da
Terapia Comunitária, mais especificamente na “Conotação Positiva”, onde cada um dos
participantes e terapeutas apresenta a sua síntese, tem-se a terceiridade.
Em diversos outros aspectos podem-se perceber essas mesmas categorias. A
Terapia Comunitária constitui, assim, à luz da semiótica, um representamen que se torna
signo, e este, por sua vez, torna-se significante para aqueles que dela participam.
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230
ANÁLISE ACERCA DO PERFIL PROFISSIONAL DO PROFESSOR DE ENSINO
SUPERIOR NA MODALIDADE EAD: UM ESTUDO DE CASO
Náuplia Maria Lopes * (UNEC)
Eduardo Vítor Miranda Carrão ** (UNEC)
Maria Lúcia Jannuzzi Machado *** (UNEC)
Considerando que os professores produzem saberes específicos ao seu próprio
trabalho e são capazes de deliberar sobre suas próprias práticas, conforme afirmam Lynn
Alves e Cristiane Nova (2003), e corroboram com essa idéia Demo (2002 - 2009) e Freire
(1986), entre outros, pode-se constatar que esses profissionais na prática do ensino a
distância, também constroem seus saberes para tal, visto que, não se tem literatura
suficientemente completa para a apropriação desse modelo de ensino, posto que, a
Educação a Distância (EAD) vem sendo construída no momento, paralelamente ao seu
crescimento e desenvolvimento atuais.
Em sendo, pretende-se com este Artigo, comunicar os resultados obtidos na pesquisa
concluída para o Mestrado em Educação e Linguagem de Caratinga, a saber, a análise do
perfil profissional do professor de Ensino Superior, que atua nos cursos de EAD, a partir de
um estudo dos seus agentes, principalmente, os professores que fazem parte desse processo
educacional, em uma instituição privada de Minas Gerais, tanto no seu perfil teórico quanto
no perfil da práxis.
A Educação a Distância (EAD) vem crescendo em todo o mundo e especialmente no
Brasil, nesse início de século XXI.
Esse crescimento exige mão de obra qualificada, o que vem se tornando um
problema para a educação, posto que os profissionais que atuam nesta modalidade tiveram
sua formação, principalmente, para atuar na educação presencial. O que fazem é adaptar
esse conhecimento e prática à EAD, porém, as inovações que esta traz, necessitam que se
pense em uma nova formação e perspectiva para o profissional de educação, que atenda a
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguagem do Centro
Universitário de Caratinga. E-mail: [email protected].
**
Professor Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professor do Mestrado em Educação e Linguagem
UNEC. Doutor em Educação (Universidade do Minho – Portugal). Orientador.
E-mail: [email protected].
***
em Educação (UFRJ). Professora Titular do Mestrado em Educação e Linguagem, Centro Universitário de
Caratinga. Orientadora. E-mail: [email protected].
231
este novo modelo diferenciado, não obstante, ainda pouco estudado nos meios acadêmicos
devido a sua contemporaneidade.
As dificuldades de atuação e de adequação dos professores na EAD ficam
evidenciadas para a pesquisadora, que atua como professora e tutora nessa modalidade em
uma instituição de Ensino Superior. Assim, na vivência diária, presencia a necessidade de
análise e construção do perfil desse profissional, bem como, as angústias que permeiam a
falta de um norte estabelecido academicamente e que contemple os novos paradigmas
necessários à contemporânea demanda educacional e pedagógica.
Partiu-se da hipótese de que há uma dicotomia entre a formação e a atuação
pregressa na educação presencial, por parte desse profissional e sua atuação na EAD, bem
como, o não embricamento entre a formação e a atuação profissional pregressa desse
profissional, com as necessidades, habilidades e requisitos que essa modalidade EAD exige.
Edgar Morin, (2002) adverte para a importância do conhecimento pertinente e
analisado sob a ótica planetária, ressaltando que é necessário conhecer os problemas-chave,
as informações-chave relativas ao mundo, sob pena de imperfeição cognitiva e aponta ainda
para o fato de que, quando este conhecimento advém de um contexto atual de qualquer
conhecimento político, econômico, antropológico ou ecológico ele se torna o próprio
mundo.
Deve-se também considerar que a legislação brasileira já iguala os certificados e
diplomas obtidos em quaisquer níveis da educação presencial ao da EAD. As bases legais
para a modalidade de educação a distância foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9394 de 1996), o que por si só já justifica
amplamente o debate e a análise sobre a formação do profissional de educação para atuar na
EAD.
232
Além disso, existe uma expectativa muito grande em torno da EAD, nos meios
acadêmicos e na grande mídia, principalmente no que tange ao Ensino Superior. Inúmeros
programas e cursos de aperfeiçoamento profissional são hoje criados e ministrados pelo
MEC, através da sua Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), e também por
secretarias estaduais e municipais e, é notável o esforço das instituições federais de ensino
superior em ampliar a oferta de vagas para a EAD.
Estas ações e programas visam a promover o desenvolvimento e a incorporação das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e das técnicas de educação à distância aos
métodos didático-pedagógicos convencionais. Além disso, a SEED incentiva a pesquisa e o
desenvolvimento, voltados para a construção de novos conceitos e práticas nas instituições
públicas brasileiras, desenvolvendo vários programas e projetos (BRASIL, 2009).
A relação entre as TIC e a EAD também é expressa no sexto capítulo do Plano
Nacional de Educação (PNE) do Ministério da Educação (2000), intitulado “Educação a
distância e tecnologias educacionais”, onde se lê que a regulamentação constante da Lei de
Diretrizes e Bases seria o reconhecimento da construção de um novo paradigma de
educação a distância (BARRETO, 2003). O PNE sugere, assim, um modelo cooperativo
entre os sistemas presenciais e não presenciais, de forma que a EAD deixe de ser apenas
uma modalidade supletiva ao ensino presencial.
A perspectiva da área mostra que a EAD, apoiada pelas TIC, vem se desenvolvendo
e sendo foco de intensas pesquisas e que, de uma modalidade marginal, durante o século
XX, passa a ter amplas perspectivas num futuro próximo.
Porém, Moran (2009) ressalta que a educação será cada vez mais complexa, porque
a sociedade vai se tornando mais complicada, rica e exigente em todos os campos. Afirma
ainda que a educação será mais complexa porque, cada vez mais, sai do espaço físico da
sala de aula para muitos espaços presenciais e virtuais; porque tende a modificar a figura
do professor como centro da informação para que incorpore novos papéis como os de
mediador, de facilitador, de gestor, de mobilizador.
A educação deve ser vista como condição efetivamente necessária para o
desenvolvimento da sociedade brasileira e, as facilidades tecnológicas proporcionadas pelas
TIC potencializam a EAD como ferramenta fundamental neste desenvolvimento,
possibilitando a inclusão de populações e regiões que jamais foram alcançadas pelo sistema
educacional formal, e alcança o que não foi possível na EAD tradicional, por via postal:
contato mais estreito entre alunos, professores e a instituição, para todos e em todos os
233
lugares. A EAD é, portanto, uma oportunidade que surge possibilitando a essa população
alcançar níveis educacionais compatíveis a um parâmetro de primeiro mundo.
Belloni (2005) ressalta que as TIC oferecem possibilidades inéditas de interação
mediatizada (professor/aluno; estudante/estudante) e de interatividade com materiais de
boa qualidade e grande variedade. Por sua vez, Pipitone, Raffo e Silva (2003-04) afirmam
que a Internet abre possibilidade para uma comunicação interativa a distância entre alunos
e professores e dos alunos entre si. Marco Silva (2004) e Primo (2007) abordam a EAD e
as contribuições do potencial de interatividade das TIC para concretizar a interação entre
pessoas (aluno-aluno e professor-aluno), como potenciais objetos de aprendizagem. Esse
novo paradigma leva ao princípio da aprendizagem significativa permitida pelo advento da
sociedade em rede (CASTELLS, 2003). É neste sentido, que a EAD do século XXI estreita
o contato e a interação entre professores e alunos o que significa um novo paradigma a ser
desvelado.
Barreto (2003) destaca que com os recursos da EAD seria possível atender a um
número maior de alunos, com a vantagem adicional de uma formação docente mais
flexível e de acordo com o mundo globalizado. Evidentemente não se deve considerar a
EAD com um caráter salvacionista na formação de alunos e professores e na educação em
geral: esta não pode ser entendida como, necessariamente, sinônimo de custos menores,
principalmente quando se insere no programa o acompanhamento de tutores.
Neste sentido, a introdução das TIC conjugadas à EAD nos países
subdesenvolvidos vem sendo acompanhada de um discurso que busca responder aos
interesses de organismos internacionais, em especial o Banco Mundial, e a redução das
TIC na educação a simples ferramentas de EAD, atreladas a propostas de certificação em
larga escala, a redução do tempo de formação profissional e ao aligeiramento do processo
de formação. É necessário, portanto, uma apropriação crítica das TIC aliada a uma política
de formação profissional alargada numa perspectiva de mudança educacional.
Sendo assim, a EAD é entendida como uma modalidade de educação flexível que
possibilita segundo Todorov (1993-94), a oportunidade de estudo para sujeitos que
possuem dificuldade de se adequar aos locais e horários do ensino presencial.
É importante reconhecer, a partir dessa concepção, a importância da EAD, em países
com as características do Brasil.
A metodologia utilizada para esta investigação partiu de situações reais da dinâmica
comunicativa, da análise documental, dos cenários naturais de trabalho e ensino para a
averiguação acerca da consistência das hipóteses. Nesse sentido, utilizou-se da prerrogativa
234
de Lakatos e Marconi (2009), ao sugerirem que o pesquisador deve ser criativo e utilizar de
todas as possíveis metodologias e até criando novas, caso necessário se faça, para obtenção
dos resultados esperados e idôneos.
Em sendo, utiliza-se para efeito uma metodologia ampla, aliando sempre ao
tratamento do tipo qualitativo, aplicado a um estudo de caso, inserido nos paradigmas da
investigação objetivista, cognitivista e contextual.
Há que se salientar, também, a não pretensão em generalizar os resultados obtidos,
haja vista serem constituídos da observação de uma Instituição e de seus agentes, não
havendo comparação com outras realidades. Nesse aspecto, Bogdan e Biklen (1994),
afirmam que,
Alguns investigadores não pensam na questão da generalização em termos
convencionais. Estão mais interessados em estabelecer afirmações universais
sobre processos sociais gerais do que considerações relativas aos pontos comuns
de contextos semelhantes como turmas. Neste caso, a ideia é a de que o
comportamento humano não é aleatório ou idiossincrático. Deste modo, a
preocupação central não é a de se os resultados são suscetíveis de generalização,
mas sim a de que outros contextos e sujeitos a eles podem ser generalizados (p.
91).
Para que se atingissem os objetivos acima relatados, fez-se a seleção do instrumental
metodológico a ser utilizado, partindo da análise da problemática em torno da qual
centraliza-se a presente pesquisa, sendo, também, analisados os fatores relacionados à ela
que, conforme as orientações de Marconi e Lakatos (2008, p.17), são “a natureza dos
fenômenos, o objeto da pesquisa, os recursos financeiros, a equipe humana e outros
elementos que possam surgir no campo da investigação”.
Em sendo, atentou-se para a busca e construção dos métodos e técnicas mais
adequados à obtenção dos resultados esperados com a investigação e a confirmação das
hipóteses aventadas, bem como, para a melhor condução da pesquisa.
Entendendo ser fundamental que a amostra represente a população a ser pesquisada,
ou seja, os agentes do processo que se deseja realizar comprovadamente, através da
pesquisa científica qualitativa e observando-se que existem dois tipos de amostragem, a
saber, a probalística e a não-probalística, especificou-se que esta deveria ser qualitativa com
base em uma amostragem probalística, que pressupõem a utilização de uma listagem de
todos os agentes que compõem a população, o universo (base da amostra) e, a partir desse
ponto, selecionou-se aqueles que foram componentes diretos da pesquisa.
235
Portanto, foi decidido que os sujeitos seriam escolhidos entre os cursos de baixa e
alta demanda e nas diversas áreas de conhecimento, homens e mulheres de diversos pólos
de atuação da Instituição, em que a pesquisadora atua como professora e tutora,
privilegiando assim, toda a gama de profissionais atuantes na mesma.
Porém, para a amostra, foram escolhidos 30 professores, sendo os 10 professores
titulares e mais 20 professores assistentes, residentes no Estado de Minas Gerais, devido à
conveniência da aproximação física, necessária para a realização das entrevistas.
Após escolhido o local e os sujeitos, partiu-se então para a organização e elaboração
do instrumental de pesquisa, contando com o suporte teórico e científico de Amaral (1999),
Marconi e Lakatos (2008), Mattar Neto (2005) entre outros, com a preparação de um dossiê
contendo toda a documentação necessária: fichários das pessoas a serem utilizadas durante
a pesquisa, fichário da documentação a ser estudada e analisada, material didático utilizado
na instituição pesquisada, currículos Lattes dos agentes, diplomas e certificados de
comprovação, compondo uma massa de dados para análise.
Para tanto, fez-se o arquivamento de resumos de livros, recortes de jornais e
periódicos, pastas digitalizadas contendo artigos, teses, dissertações, ensaios, resenhas e
capítulos de livros sobre o problema e o tema da dissertação, compondo assim a base da
construção do quadro teórico.
Juntamente com a Revisão da Literatura e confecção dos capítulos teóricos, iniciouse a construção e utilização dos instrumentos de coleta dos dados para a pesquisa, através
da observação dos fatos e fenômenos, haja vista, ser a pesquisadora, funcionária da
instituição pesquisada, agente desse processo e, portanto, parte do universo da pesquisa.
Formulou-se, então, um plano de pesquisa sistemático, com registros e verificações
constantes, onde se utilizou de uma observação participante, cujo objetivo foi a construção
dos instrumentos da pesquisa, no Instituto em questão. Essa observação realizou-se no
“Setor Pedagógico”, na sala dos professores, nos encontros acadêmicos e nos seminários
letivos por ser, a pesquisadora, partícipe do grupo. A observação foi individual, com todas
as suas vantagens e restrições, tendo as inferências e distorções analisadas pelo orientador e
por uma colega de trabalho.
De acordo com Velho (1986), o risco existe sempre que um pesquisador lida com
indivíduos próximos, às vezes conhecidos, com os quais compartilha preocupações, valores,
gostos, concepções. No entanto, assinala que, quando se decide tomar sua própria sociedade
como objeto de pesquisa, é preciso sempre ter em mente que sua subjetividade precisa ser
“incorporada ao processo de conhecimento desencadeado” (p. 16), o que não significa abrir
236
mão do compromisso com a obtenção de um conhecimento mais ou menos objetivo, mas
buscar as formas mais adequadas de lidar com o objeto de pesquisa.
Em sendo, após a observação elaborou-se os instrumentos da coleta documental
pautada em uma documentação direta e indireta. Na direta, que consiste no levantamento de
dados no próprio local onde os fenômenos ocorrem, esses dados amostrais foram obtidos
através de um estudo de caso utilizando da observação direta intensiva (entrevistas) e
extensiva (preenchimento de questionários e formulários). Na indireta ou fontes
secundárias, que tratam do levantamento das referências pertinentes à área, foi feita a
revisão bibliográfica da literatura pertinente, conforme relatado acima, bem como, a análise
de documentos pessoais e profissionais dos agentes, tais como: currículos Lattes, Diplomas
e Certificados. Fez-se, também, a análise da Metodologia pedagógica aplicada pela
instituição, das ferramentas e do Material Didático utilizado.
Após essa trajetória de estudos, pesquisas e análises, é possível concluir, ao
percorrer o histórico da EAD e analisar este modelo de ensino que, apesar de ser uma
modalidade existente desde o início do século XX, no Brasil a mesma não tem sido
reconhecida como uma modalidade de ensino formal e nem recebido a devida atenção do
sistema educacional brasileiro. Esta postura a diferencia do restante do mundo onde ela é
aplicada, diante do respeito com que se apresenta, pelas inúmeras e importantes
Universidades que a utilizam.
Contudo, verifica-se neste estudo que as possibilidades de sucesso no Brasil são
visíveis dependendo de maior dedicação e investimentos em políticas públicas, bem como,
das instituições que oferecem essa modalidade, no que tange à busca da qualidade de seus
serviços educacionais.
Nesse sentido, é preciso preparar os professores, capacitá-los e aprimorar suas
técnicas e metodologias para as tecnologias emergentes que instauram novos paradigmas.
A SEED/MEC ainda não traçou um planejamento de formação que subsidiasse os docentes
para o trabalho pedagógico em EAD. O Programa de Formação Continuada Mídias na
Educação não foi elaborado com essa intenção.
Portanto, para o sucesso de políticas públicas que visam ao lançamento de
programas inovadores de EAD é preciso que as propostas estejam em consonância com as
reais necessidades do público-alvo, que elas sejam pensadas a partir desses anseios e com
os usuários finais. Ademais, devem ser acessíveis a eles e, sobretudo, prepará-los para o
uso. Caso contrário, o que se verá, mais uma vez, são programas bem-intencionados que
237
não cumprem seus objetivos precípuos, não atendendo ao seu público-alvo e o desperdício
de tempo e de recursos, privados e públicos. A médio e longo prazos, o prejuízo maior, no
caso da Educação, é produzir exclusão digital e, por vezes, exclusão social.
É também, conclusão final desse estudo que falta formação dos professores para a
atuação na EAD, por parte das instituições que a oferecem, sendo um dos fatores principais
o desconhecimento de teorias pedagógicas aplicáveis a esse modelo, principalmente,
nesses tempos de TIC e Cibercultura e, consequentemente, dos resultados indesejáveis que
se obtém nesse processo, ficando a busca da qualidade aquém do necessário, deixando
evidente a urgência de mecanismos para avaliar estas instituições e a urgente necessidade
de cursos formais, ou dentro da graduação ou de pós-graduação, voltados para a formação
do professor de EAD, bem como, estudos e aprofundamento tanto da atuação deste
professor quanto das práticas pedagógicas.
A análise indica a veracidade das hipóteses aventadas de início, quando se questiona
a dicotomia entre a formação e a atuação dos agentes da EAD, na instituição de ensino
analisada, assim como a latente necessidade de criação de um curso nessa modalidade,
para formar profissionais que possam, efetivamente, atuar na mesma. Nesse sentido os
professores, da instituição, não apresentam formação específica e não tem histórico de
atuação na EAD, aprendendo na prática essa função.
Assim sendo e à luz dessas informações, observa-se então, que há um distanciamento
entre as ações das instituições que ofertam essa modalidade de ensino e o conceito de
competitividade, definido pela conferência da UNESCO. Ao considerar a competitividade
como uma posição estratégica que proporciona um diferencial em relação às outras
instituições, tendo como referência a pertinência, entendida como a prestação de serviço, a
qualidade do docente, da pesquisa e da extensão e a internacionalização, fica claro a
dificuldade para buscar a integração deste tripé.
Quanto à internacionalização o critério fundamental deve concentrar-se na formação
de um quadro de docentes com qualidade acadêmica e científica reconhecida para
possibilitar um intercâmbio equilibrado e sustentável.
Não obstante, existe um grupo que internaliza a EAD e a necessidade de se aplicar
uma teoria pedagógica que possa trazer resultados positivos, no que tange à qualidade do
ensino e da aprendizagem, a saber, o Construtivismo, que é uma possibilidade oferecida
pelas TIC dentro da Cibercultura, onde, a interação e a interatividade necessárias para essa
modalidade de ensino existem e podem ser utilizadas, colocando o Construtivismo como a
melhor teoria e metodologia pedagógica a ser aplicada nesta modalidade e na instituição
238
pesquisada, devendo, portanto, ser feita uma revisão de todo o material disponibilizado aos
alunos, atentando para que, a sua confecção e produção, seja realizada por profissionais
que conhecem, atuam e acreditam na EAD e em todas as suas possibilidades.
Conscientes de que não existem respostas prontas e acabadas, procurou-se respeitar
e analisar cuidadosamente as respostas obtidas. Não pretendendo esgotar os estudos sobre
a EAD, suas possibilidades e seus agentes, procurou-se, na medida do possível, fazer uma
análise cautelosa apoiada na literatura citada, sem a pretensão de apontar soluções para a
prática ideal nessa modalidade.
Julga-se que seria, no mínimo, incoerente listar uma série de aspectos negativos que
se constituem em implicações no processo de aplicação dessa modalidade. Todavia não foi
esse nosso intuito.
Cabe destacar que os resultados analisados mostram que muitas das situações que
indicam mudanças na realidade da EAD, pois observa-se que apesar de se reproduzirem
concepções de ensino e aprendizagem ainda aquém do desejável para se constituir um
ensino a distância realmente de qualidade, existe a preocupação por parte dos professores
com o sucesso da EAD e da Educação em geral e que mudanças nas práticas de ensino
requerem a compreensão, pelo professor e pelas instituições, de que os diversos modelos de
ensino e aprendizagem implicam abordagens diferenciadas.
Mudar, muitas vezes, é um processo penoso, já que procedimentos e atitudes
tradicionais e inadequadas para o tempo em que se vive se encontram profundamente
enraizados nos professores e nas instituições. No entanto, cabe aos professores confiarem
nesse modelo, apesar dos inúmeros obstáculos, que é possível realizar as mudanças
necessárias e alcançar a qualidade e respeitabilidade que essa modalidade exige.
Espera-se, com a disseminação de seus resultados, provocar a desestabilização de
acepções cristalizadas, assim como para subsidiar discussões em torno da temática
abordada, contribuindo de certa maneira para a melhoria da qualidade da EAD.
Referências
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239
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VELHO, G. Subjetividade e sociedade: uma experiência de geração. Rio de Janeiro: Zahar,
1986.
241
A HISTÓRIA ORAL DO CENTRO DOS ESTUDANTES DE CARATINGA:
PERCURSO DE UMA PESQUISA (RELATO)
Renata Marques Cordeiro * (UNEC)
Joice Meire Rodrigues ** (UNEC)
Jornais antigos revelaram a possibilidade de se ter o Centro dos Estudantes de
Caratinga e sua atuação política durante o regime militar, como tema para o trabalho de
conclusão de curso. No entanto, uma vez constatado que atas e fotografias da entidade
haviam desaparecido no início da década de 1980, a falta de fontes históricas apresentavase como entrave à pesquisa que se seguiria. É verdade que os jornais se constituíam como
fontes consideráveis. Contudo, sozinhos, eles não proporcionariam mais que a transcrição
da voz dos vencedores, se adotarmos aqui a terminologia benjaminiana.
Tendo em vista que a história de um ‘movimento’ estudantil em Caratinga exigia a
utilização de fontes ainda não consagradas, o aproveitamento da história oral mostrou ser a
metodologia mais adequada. Na utilização de entrevistas como fontes históricas, porém,
tem-se a ampliação da abordagem temporal, uma vez que o entrevistado fará emergir em
seu discurso o passado que, revestido de presente, cria a esperança de redenção do futuro 52.
Tal consideração implica que a problemática da pesquisa se desloque do tema para a fonte.
Ou seja, a preocupação se alterará de ‘como se deu a atuação política estudantil em
Caratinga’ para ‘qual a memória dos estudantes que atuaram na política estudantil em
Caratinga’ durante o regime militar.
Tem-se ainda o fato de que “muito do que é verbalizado ou integrado à oralidade, como
gesto, lágrima, riso, silêncios, pausas, interjeições ou mesmo as expressões faciais – [...] -, pode
53
integrar os discursos” . Sendo assim, o pesquisador confrontar-se-á com a dificuldade ética
expressa em: como textualizar impressões significativas que não estão necessariamente
contidas na verbalização do entrevistado? Trata-se de questão possível de resolução que,
contudo, gera a necessidade de um respaldo teórico que sustente cuidadosa análise.
*
Bacharel em Turismo pela FATUR/DOCTUM (2005) e Graduanda em História pela UNEC (2010).
Professora do Centro Universitário de Caratinga. Coordenadora do Curso de História.
52
LÖWY, Michel. Walter Benjamin: aviso de incêndio - uma leitura das teses. In: ___. Sobre o conceito de
história. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 48.
53
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer como pensar. São Paulo:
Contexto, 2007, p.13.
**
242
LETRAS DE CANÇÕES DE ATAULFO ALVES:
TEMAS QUE ALCANÇARAM A IMORTALIDADE
Rilza Rodrigues Toledo (UNIPAC VRB/UBÁ) *
Introdução
Na literatura, os mitos históricos encontram no passado o locus genuíno da sua
substância, uma vez que a história evapora-se, mas permanece a letra, às quais os
intelectuais brasileiros se dirigem a fim de resgatar as nossas raízes. Esse tem sido o
objetivo de muitos estudiosos em busca de uma explicação para personalidades e obras que
ainda se mantêm no anonimato, embora tenham contribuído para o crescimento do país.
Neste caso, inclui-se Ataulfo Alves com suas composições que falam de temas do seu
cotidiano como: a saudade da infância, a presença marcante de musas/ mulheres, a terra de
origem e reflexões retiradas de provérbios, verdadeiros ensinamentos de momentos vividos
em lugares que marcaram sua trajetória: Miraí, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasil,
permeadas de sentimentalismo ímpar, desse artista, cujas canções que não só se tornaram
inesquecíveis, mas alcançaram a imortalidade.
Ataulfo Alves soube, de modo particular, registrar em cada composição, o
sentimento íntimo, com toda mineirice que lhe fora então peculiar, mesmo tendo partido de
Minas Gerais há tantos anos. Naturalizou-se carioca, mas conservou o espírito mineiro,
retratando-o em suas composições; algumas, de puro saudosismo, outras alcançam a
altitude das boas expressões literárias, mas todas igualmente importantes para a análise
literária.
Ataulfo: samba com sotaque mineiro
Através da letra de canção associada à melodia, o compositor - poeta manifesta o
seu gosto estético, inaugurando um novo estilo de fazer samba. Com seu jeito manso e sua
tranquilidade mineira, ele emprestou cores diferentes à música autêntica que brotava dos
*
Rilza Rodrigues TOLEDO - Mestre em Letras, área de concentração: Literatura Brasileira, do Centro de
Ensino Superior de Juiz de Fora. Professora de Língua Portuguesa da UNIPAC - Campus IV de Visconde
do Rio Branco e Campus II - Ubá. Professora de Língua Portuguesa da Rede de Ensino Pública Estadual e
Municipal e do Colégio Equipe VRB.
243
morros e dos subúrbios cariocas, na década de 1930. A história de Ataulfo Alves é mais
que o relato simples de um artista de grande talento e capacidade criativa. É também a
trajetória de um filósofo popular, verdadeiro mestre em criar provérbios que atravessaram
gerações. Assim, pode-se comprovar em sua composição “Diga-me com quem andas” em
parceria com Waldir Ferreira, em 1965, em que se percebe a habilidade de Ataulfo para
compor músicas simples, mas com um grande poder de reflexão, nos versos “Diga-me com
quem andas/ Te direi quem és” e afirma “Falo francamente sem rodeio/ O homem é
produto de seu meio”. O homem é essencialmente social e influenciável, daí possibilidades
de mudanças em seu comportamento e em sua vida. Sobre o provérbio como recurso
pedagogizante, Muniz Sodré assim se manifesta:
Nas sociedades tradicionais, onde se incluem as culturas africanas, o provérbio
constitui um recurso pedagógico, um meio permanente de iniciação à sabedoria
dos ancestrais e da sociabilidade do grupo. Esse instrumento educativo se forja
na experiência, provada na vida real (SODRÉ,1998, p. 44).
O objeto de conhecimento do provérbio é a própria relação social - o
relacionamento do homem com seus pares e com a natureza. Não é que a letra do samba de
Ataulfo se pautasse necessariamente por provérbios conhecidos ou de forma acabada, mas
antes, pelo modo de significação proverbial: a constante chamada à atenção para valores
essenciais da comunidade de origem e o ato pedagógico aplicado a situações concretas da
vida social. Isto se verifica, também, em outra letra, “O Homem e o Cão” de sua autoria
em parceria com Arthur Vargas Júnior, em 1968. No desabafo do eu poético, nota-se a
decepção em relação à falsidade de um amigo por ele recebido e bem tratado em sua casa
e, no final do encontro, demonstrando certo aborrecimento com as atitudes do amigo,
registradas na canção, nos versos que: “Há homem que não merece/ A comida do Sultão/
Por isso quando falo/ No fundo tenho razão/ Quanto mais conheço o homem/ Mais eu
gosto do meu cão” (ALVES, 2006).
A aceitação pela sociedade global de um ritmo originário de camadas populacionais
socialmente excluídas, neste caso o samba, implicava também a criação de formas
diferentes de apropriação e uso do ritmo que dera origem a vários cantos e danças, estes
trazidos por escravos bantos que, ao lado de outras modalidades, obtiveram grande êxito
no Rio de Janeiro. E Ataulfo, descendente de bantos, soube demonstrar seu talento e
revelou habilidade e acessibilidade para trabalhar com outros profissionais.
244
Infância de Ataulfo e Drummond: a saudade dos extremos de minas.
A releitura da letra da canção “Meus tempos de criança”, de Ataulfo Alves e do
poema “Infância” de Carlos Drummond de Andrade sugere uma identidade na forma de
ambos expressarem o mesmo sentimento – a saudade da infância, um de Miraí, outro de
Itabira, polos extremos de Minas, ambos reveladores da mineiridade, da identidade
nacional, através da saudade em flash-back.
Os poetas dividiram o mesmo tempo e o mesmo espaço. Ataulfo, negro de corpo
franzino, deixou a terra natal de trem de ferro e foi para o Rio de Janeiro. Conciliando
atividades de prático de farmácia, manipulava pílulas e harmonizava notas, tornando-se o
Ministro do Samba.
Drummond, também franzino, deixou Itabira e partiu num trem de ferro, para a
cidade grande. Formou-se em Farmácia, em Belo Horizonte, sem se interessar pela
profissão. Não se adaptando à vida de Fazendeiro, passou, em 1934, a residir no Rio de
Janeiro, exercendo atividades burocráticas, chegando a Ministro da Educação e Saúde
Pública; entretanto, mais se sobressaiu como poeta, sempre revisitado pelo espírito
mineiro.
Os dois compositores alcançam a glória e, na atualidade, dividem as menções
honrosas. Em Miraí, na Rua Lacerda Werneck, S/N, foi inaugurado em 27 de agosto 2007,
o Memorial Ataulfo Alves, uma homenagem ao cantor e compositor que ganhou
notoriedade em todo o país como o General do Samba, uma realização cultural da CFLCL
(Companhia Força e Luz Cataguases Leopoldina). E em homenagem a Drummond,
inaugurou-se o Memorial Carlos Drummond de Andrade no Pico do Amor, em Itabira, em
31 de outubro de 1998.
“Meus tempos de criança” é uma das várias produções famosas do cantor e
compositor, Ataulfo Alves, que se tornou figura universal. Ao mesmo tempo em que em
Ataulfo, o tema saudade da infância está presente, no poema “Infância” de Drummond,
desperta a curiosidade do leitor, instiga a se fazer uma análise comparativa, buscando, pela
ótica da literatura, resgatar sentimentos e lembranças desses artistas mineiros, que sendo
universais, tornaram-se figuras imortais na poesia e na música brasileiras.
Drummond vivia num tempo de jardins e manhãs, na pacata e silente cidade de
Itabira onde quase nada acontecia, mas era marcante a voz sacramental do relógio da
matriz, assim como em “Meus tempos de criança”, quanto em “Infância”, destacam-se
temas do dia-a-dia rememorado: a saudade da infância, a terra natal, os amigos, perfis de
245
mulheres, além de outras presenças marcantes, delimitando-se a recorrência temática no
período compreendido entre as décadas de 40 a 60, em diálogo com a Literatura Brasileira.
Carlos Drummond de Andrade criou, sem dúvida, um universo poético fascinante e
belo. Seu olhar a tudo absorvia, fosse o conhecimento sistemático que lhe propunham, ou
as brincadeiras de criança que o aturdiam, mas o menino itabirano carregava em seu peito
algo que talvez fosse o hábito de sofrer que era a sensação que nunca experimentara e a
vontade de amar. Um único contato com sua poesia é o suficiente para se apaixonar por
ela.
Drummond e Ataulfo se identificam culturalmente, comprovando-se o que a esse
respeito observa Stuart Hall: “não importa quão diferentes seus membros possam ser em
termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade
cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional”
(HALL, 2006, p. 59).
Ataulfo Alves é um nome fundamental na história da Música Popular Brasileira,
enquanto Drummond o é na Literatura Brasileira.
O samba de Ataulfo é diferente do samba dos outros compositores. Assim observa
Abdala Jr.: “existem diferenças que nos aproximam através de traços multíplices de nosso
comunitário cultural” (ABDALA JÚNIOR, 2006, p. 23) e essas estão presentes na
produção musical de Ataulfo, caracterizando-o como melancólico e de cadência arrastada.
Ter como meta o próprio caminho, descobrir a forma peculiar de fazer as canções
revelando-se na e para a Literatura, foi uma escolha de Ataulfo. Cantou as saudades da
infância, explorou o espaço mineiro do jeito malemolente e desconfiado, consolidando a
paixão pelo samba e pelas musas inspiradoras, buscou as potencialidades da própria língua
e de sua cultura, preservou sua maneira de dar o recado ao povo brasileiro. Traduziu em
versos o que poderia constituir suas saudades e sua própria identidade, o que também é se
observa em Drummond (1902-1987), no poema “Infância”. Segundo Francis Silva, “a
busca do eterno retorno do tempo vivido, sugere um re-sentir, um re-pensar, um
confrontar-se com as referências iniciais, numa constante busca da identidade” (SILVA,
2005, p. 25). A seguir, cita-se o poema na íntegra:
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
246
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé (ANDRADE, 2004, p. 67).
Nesses versos, Drummond evoca uma experiência infantil na ilha da leitura,
revelando as cenas do ambiente rural, silencioso, resguardado na memória e que se
externam pela sensibilidade imagética da visão, olfato, audição e paladar. Aquele tempo
vivido outrora e tão presente no campo da memória, é reconstruído poeticamente, pelas
impressões que marcaram sua infância. Aqui, segundo Francis Silva, “a família para o
menino é uma referência afetuosa, formando um todo harmônico no quadro da infância que
o poeta pinta em flash-back” (SILVA, 2005, p. 28), o que também se observa em Ataulfo.
Ataulfo Alves, na cidadezinha de Miraí, rememora o tempo perdido e em tom de
certa melancolia declara: “Eu daria tudo que tivesse/ para voltar ao tempo de criança/ Eu
não sei pra que que a gente cresce...” nos versos de “Meus tempos de criança”.
Nesses versos, pode-se dizer, citando Maria Arminda do Nascimento Arruda, que:
“Na recuperação da infância, percebe-se a fuga em relação às circunstâncias existenciais,
nota-se o descontentamento frente ao vivido, entrevê-se o aparecimento do bálsamo das
lembranças” (2000, p. 202). Nota-se uma fusão das lembranças de sua infância no interior
de Minas Gerais a sonhos embalados nas rodas de samba do Estácio, no Rio de Janeiro,
resultando esse samba diferente, o que marca a pluralidade cultural, já que “a cultura
brasileira se alimenta produtivamente de pedaços de muitas culturas” (Cf. Ibidem).
Drummond, além de re-viver o ambiente harmonioso da zona rural, deixa clara uma
forma de isolamento do menino permeada na história de Daniel Defoe 54. A partir da
54
Daniel Defoe (1660-1731 Londres) foi um escritor e jornalista inglês, famoso com o seu romance Robinson
Crusoé, nascido como Daniel Foe. Escritor muito prolífico, apesar da sua vida turbulenta. Na famosa obra,
ele narra as vicissitudes do jovem Robinson, que após embarcar contra a vontade dos seus pais, corre
diversas aventuras até naufragar e chegar a uma ilha deserta, onde permanece durante vinte e oito anos. Os
ensinamentos morais deste relato, de extraordinária amenidade, são a confiança na providência divina e a
247
experiência vivenciada na viagem do imaginário pelo texto alheio, aliada ao seu contexto
de menino, junto à comprida história de Robinson Crusoé, a história irá evidenciar, mais
tarde, para o poeta - adulto, na constatação da beleza de sua história, de sua identidade.
Ataulfo como toda criança, recorda fatos que marcaram sua infância como jogos e
brincadeiras, travessuras, jogo de botões sobre a calçada; lembra sua fase escolar, a famosa
“professorinha” que lhe “ensinou o beabá”. E ainda, como todo adolescente e sonhador,
fantasiando esses sonhos, ele cita o seu primeiro amor: “Mariazinha /Meu primeiro amor,
onde andará?”(ALVES, 2006).
Acostumado a trabalhar, Ataulfo encontrava, na música, uma forma de distração,
além de utilizá-la ironicamente, em suas brincadeiras e críticas sociais, e numa das quais se
recordara muitos anos depois, no samba “Meus Tempos de Criança”, que será marcante,
pois além de revisitar um momento tão significativo de sua trajetória, torna-se ainda
referência em sua produção na maturidade.
Essa realidade também se verifica na vida e na poética de Drummond. Ambos
revelam, nos versos, flagrantes singulares, compartilhados, cada um a seu modo, em Miraí
e em Itabira, buscando restaurar o passado, no presente, com a simplicidade das cenas de
um tempo e um espaço, resguardados em suas memórias.
Ambos os poetas, embora mineiros, revelam a partir dos extremos ao mesmo tempo
do interior mineiro, o eterno retorno às origens – vida e poesia se fundem, especularmente,
no resgate do ambiente da meninice, transfigurando a realidade do adulto, pela magia
verbal.
A presença da musa/mulher no samba de Ataulfo Alves
No discurso literário, nas canções e em tantas outras formas de arte, a mulher se
tornou matéria de composições, resultando, num convívio sutil e mágico com o artista, as
imagens do feminino.
A constante presença da temática feminina, aqui será analisada em algumas
composições de Ataulfo Alves, em suas múltiplas maneiras de ler a mulher de seu tempo.
A tendência descomprometida permitiu a Ataulfo Alves, da forma que lhe era peculiar,
necessidade
de
defender
a
própria
integridade.
http://www.vidaslusofonas.pt/daniel_defoe.htm Acesso em jun. 2007.
Disponivel
em:
248
compor canções que inseriram em suas histórias e enredos as múltiplas faces de
musas/mulheres protagonistas do grande cenário sócio-cultural do Brasil de seu tempo.
Embora estejam presentes perfis diferenciados da mulher, uma delas simboliza o
primeiro amor e funciona como um eco de sentimentos e de referência da própria vida.
Mariazinha é a figura da musa/ mulher amada cantada e decantada na literatura; na arte que
permeia toda a obra, está sempre sendo lembrada. É um ponto de partida e ao mesmo
tempo de chegada, uma referência em sua trajetória.
A figura feminina, em geral, na lírica de todos os tempos, está associada ao
sofrimento por amor, exigido pelo amante, a postura submissa, lembrando a vassalagem
amorosa medieval. Em “Atire a Primeira Pedra”, em parceria com Mário Lago, o eu
poético dialoga com o discurso bíblico de Jesus com a mulher adúltera:
Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito dessa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor
Eu sei que vão censurar
O meu proceder
Eu sei, mulher,
Que você mesma vai dizer
Que eu voltei pra me humilhar
É, mas não faz mal
Você pode até sorrir
Perdão foi feito pra gente pedir (ALVES, 2006).
O eu poético, inspirado por um contexto cultural predominantemente machista, ao
falar de sofrimento por amor, chega a considerá-lo humilhação, assim como o ato de
perdoar, em: “Que eu voltei pra me humilhar” e “Perdão foi feito pra gente pedir”.
Admitindo ser chamado de covarde por não carregar ou calar no peito a dor do amor não
correspondido, prevê a censura por seu comportamento, e ainda convoca o outro, a atirar a
pedra quem nunca sofreu por amor, inclusive, num diálogo intertextual com o seguinte
episódio narrado na Bíblia:
Então os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em
adultério; puseram-na no meio e disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi
surpreendida em flagrante delito de adultério. Ora Moisés na lei mandou-nos
apedrejar tais mulheres. Que dizes tu, pois? Diziam isto para o tentar, a fim de o
poderem acusar. Porém Jesus, inclinando-se, pôs-se a escrever com o dedo na
terra. Continuando, porém a interrogá-lo, levantou-se e disse-lhes: o que de vós
está sem pecado, seja o primeiro que lhe atire a pedra. E tornando a inclinar-se,
escrevia na terra. Mas eles, ouvindo isto, foram-se retirando, um após outro,
começando pelos mais velhos (Jo 8, 3-9 a).
249
Da mesma forma que Jesus convocou escribas e fariseus a atirar a pedra na mulher
adúltera, já que nunca erraram, nessa composição, o eu poético declara seu amor e convoca
a atirar a pedra quem nunca sofreu a dor do amor.
A figura feminina aparece ainda atrelada aos discursos fomentados pela estética do
Romantismo, revelando características de submissão, pureza, beleza, domesticidade, a
mulher que é a base da família, uma Amélia. De outra parte, na mesma formação
discursiva, inscreve-se a “coita” de amor: “Ai que saudades da Amélia”. Ao mesmo tempo
em que é afirmada a posição da “Amélia”, mulher do lar, doméstica e domesticada, está
presente a mulher que é exatamente seu antagonismo, mulher da “orgia”, do “samba”, a
“prostituta de luxo”, a “mulher motivo de chacota pública”, a “que abandona o lar”.
Essa nova mulher será evidenciada em sua composição em parceria com Mário
Lago em 1942: “Ai que saudades da Amélia” uma característica evidente de que há uma
mulher egocêntrica, consumista e outra, verdadeira mulher, submissa e conformada:
“Nunca vi fazer tanta exigência/ Nem fazer o que você me faz/ Você não sabe o que é
consciência/ Não vê que eu sou um pobre rapaz / Você só pensa em luxo e riqueza/ Tudo o
que você vê você quer/ Ai, meu Deus, que saudades da Amélia / Aquilo sim é que era
mulher” [...] (ALVES, 2006).
Essa imagem da Amélia, evocada com saudade, representa o conceito de mulher
ideal, aquela capaz de conviver com o amado, incondicionalmente, compartilhando
alegrias e tristezas, até a condição de miséria e fome, com sua simplicidade e sabedoria,
sabia compartilhar: “Às vezes passava fome ao meu lado/ E achava bonito não ter o que
comer/ Mas quando me via contrariado/ Dizia: meu filho, o que se há de fazer?”
Tal composição foi um grande sucesso no Carnaval de 1942 e na atualidade está
presente nas antologias de música popular brasileira, graças ao valor artístico, talvez
também pela polêmica figura da mulher que evoca: a da mulher conformada com o
destino, a Amélia, que, mesmo na miséria, vivia conformada e feliz, síntese de um modo
de comportar-se, que a expansão das ideias feministas e a própria independência pessoal e
profissional das mulheres viriam, depois, a condenar.
Entretanto, a letra de “Ai que Saudades da Amélia” apresenta ainda uma visão da
mulher como aquela capaz de compreensão e tolerância, e não apenas do tão condenado
conformismo, que a faz mobilizar os modos de comportamento ditados pelo afeto e pela
solidariedade. Em geral, Amélia ficou como símbolo, não da mulher compreensiva, amiga,
solidária da letra da música, mas da mulher dominada, humilhada, explorada, graças a
leituras equivocadas, porque unilaterais, esquecendo o sentido plural do texto poético. Já a
250
figura negativa da mulher, a quem se dirige o discurso do amante, esse parece traduzir o
perfil da mulher fatal, que se opõe à mulher de verdade, “Amélia”, mas também um outro,
representante de novo ideário feminista.
Nesse tipo de construção da figura feminina, observa-se que está em evidência uma
outra mulher que deseja independência, vaidosa e que se preocupa com o próprio bemestar e reivindica o equilíbrio das funções do lar. Nos últimos versos, “Ai, meu Deus, que
saudades da Amélia/ Aquilo, sim é que era mulher”, notam-se pistas do antigo lugar
ocupado pela mulher, que deixou saudades e, naquele momento, tornou-se uma lembrança
boa, firme, reconhecida.
Há, dessa forma, as imagens de mulher inscritas na letra da canção “Ai que
saudades da Amélia”, oscilando entre dois polos: aquela que, sob o jugo da família, é pura,
fiel, submissa ao marido após o casamento e cumpridora dos afazeres domésticos; e outra,
da mulher que busca o prazer, seja pelo luxo, seja pela liberdade, pelos novos desejos e
exigências.
Nesse sentido, “Ai que saudades da Amélia” é atravessada por interdiscursos que
colaboram na sua heterogeneidade constitutiva. Existem várias Amélias; duas ideologias
antagônicas se materializam: a mulher do passado, nomeada “Amélia”, “mulher de
verdade”, “dotada de razão”; e outra: a mulher do presente, à procura do prazer de viver,
tendo sua conduta dotada de emoção, ela “não tem consciência”. Ali, a mulher está se
deslocando de lugar naquela sociedade, à posição de resistência que ocupa o homem: sente
saudades de uma mulher que sofria sem reclamar, ao contrário, apaziguava o que poderia
ser fonte de conflito, quando se compara com a mulher inserida na sociedade consumista
da pós-modernidade: “Às vezes passava fome ao meu lado/ e achava bonito não ter o que
comer/ e quando me via contrariado/ dizia: meu filho, o que se há de fazer” (ALVES,
2006).
Nessa inversão forçada dos papéis, no relacionamento homem/mulher, observa-se
que o homem se esforça por manter o anterior controle sobre a mulher.
Por volta de 1950, Ataulfo compôs “Vida da Minha Vida”, na qual o “poeta
sonhador” se declara à musa:
Minha musa inspiradora
Minha noite de luar
Agradeço ao Criador
Que me fez um sonhador
Pra melhor te exaltar
251
Rima rica do meu verso
Minha canção preferida
Melodia do meu samba
Vida da minha própria vida
Estrela que brilha mais
Que uma constelação
Nestas noites de verão
Ilumina os dias meus, minha querida
Vida da minha própria vida
Rima rica do meu verso [...] (ALVES, 2006).
A tendência constante à referência à musa, nesses versos de Ataulfo, se realiza em
versos metapoéticos numa declaração romântica e platônica de amor à amada e ao samba.
Em outra canção de Ataulfo, composta em 1956, “Mulata Assanhada”, tem-se a
referência e reverência à mulher, já agora, pelo adjetivo “assanhada” enfatizando a
identidade feminina pela sensualidade e malícia da mulata, em sua maneira graciosa e
envolvente:
Ai, mulata assanhada
Que passa com graça
Fazendo pirraça (bis)
Fingindo inocente
Tirando o sossego da gente
Ai, mulata se eu pudesse
E se meu dinheiro desse
Eu te dava sem pensar
Essa terra, este céu, este mar
E ela finge que não sabe
Que tem feitiço no olhar
Ai, mulata assanhada (...)
Ai, meu Deus, que bom seria
Se voltasse a escravidão
Eu pegava a escurinha
Prendia no meu coração
E depois a pretoria
É quem resolvia a questão (ALVES, 2006).
Lembrando traços da identidade e cultura brasileira, o poeta refere-se, bem
humorado, à História do Brasil, lembrando o contexto da escravidão, mas dando-lhe, não o
sentido lamentável e doloroso dessa fase que manchou a História nacional. Na valorização
da mulher negra, sedutora, em sua malícia, o eu poético dela se valeria apenas para prendêla no seu coração. Mais uma vez, a conotação poética da valorização da negra, mulata,
como referência maior da mulher brasileira.
Ainda sobre a temática da mulher em Ataulfo, em “Na cadência do samba”
composta em 1962, há a referência do malandro, sambista, apaixonado por todas as
mulheres, a defesa da honra pessoal e também a declaração de amor ao batuque do samba:
252
Sei que vou morrer, não sei o dia
Levarei saudades da Maria
Sei que vou morrer, não sei a hora
Levarei saudades da Aurora
Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita do samba
O meu nome não se vai jogar na lama
Diz o dito popular
Morre o homem fica a fama
Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita do samba (ALVES, 2006).
Há também letras em que o eu poético retrata situações marcadamente intimistas,
narrando sempre o drama existencial entre a mulher e seu parceiro. Suas personagens
femininas são flagradas num determinado momento de sua trajetória, como em “Oh! Seu
Oscar”, composta em parceria com Wilson Batista, que apresenta o perfil da mulher que se
despoja das máscaras sociais num autêntico processo de individualização:
Cheguei cansado em casa do trabalho
Logo a vizinha me chamou:
Oh! seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que a sua mulher foi embora
E um bilhete deixou
Meu Deus, que horror
O bilhete dizia:
Não posso mais, eu quero é viver na orgia!
Fiz tudo para ver seu bem-estar
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão: ela é da orgia (ALVES, 2006).
Há algumas situações em que, ainda retomando a postura machista e moralista, o
compositor brinca com a rima, num diálogo metamusical, relacionando os perfis femininos
de suas composições com os de seus parceiros rítmicos como João Bento, Batista, Castilho,
Carlinhos, justificando que não deixa Dagmar sambar, mediante nenhuma hipótese: Nem
que chova canivete, Odete/ Nem se o sol refrigerar, Guiomar/ Nem que o cinco vire sete,
Arlete/ Eu não deixo Dagmar sambar/ Sei que sou um ciumento, João Bento/ Sei que sou
um egoísta, Batista/ Mas não vou dar grão de milho, Castilho / Pra criação do vizinho,
Carlinhos (ALVES, 2006).
253
A presença da mulher amada é muito comum nas canções de Ataulfo, merecendo
destaque a “Mariazinha”, metaforizada na canção “Meus tempos de criança” que
permaneceu na memória de Ataulfo, como um amor platônico, efêmero, saudosista.
Ao rememorar o tempo perdido, o cantor e compositor questiona o inevitável: “Eu
não sei pra que que a gente cresce...” nos versos de “Meus tempos de criança”: Eu daria
tudo que tivesse/ Pra voltar aos tempos de criança/ Eu não sei pra que que a gente cresce/
Se não sai da gente essa lembrança [...] (ALVES, 2006).
Assim se compõe um universo feminino marcado por comportamentos antagônicos,
desvendando segredos e magias pela harmonia entre os versos populares e as notas
musicais que criaram um estilo próprio da MPB e revelam momentos significativos de
encontros, da memória dos encantos das gerais de Minas, do aprendizado da vida no Rio
de Janeiro, levando a cultura e a arte nacionais do Brasil para o mundo.
A essência da mineiridade
Ataulfo Alves integra a constelação dos principais compositores nacionais surgidos
nos anos 30, uma geração fundamental para a formação do que depois veio a ser a moderna
MPB. Na letra de “Faz como eu”, ele revela seus anseios, angústias e sofrimentos e, em
diálogo, convida alguém a fazer como ele, esquecer o sofrimento e cantar já que o mundo
não é capaz de compreender tanto sofrimento, o que ele revela nos versos: “Há uma
lágrima sentida/ Que em teus olhos se escondeu/ Deixa a lágrima escondida/ E vem cantar
como eu” [...] “Pois o mundo não entende/ Tua mágoa, tua dor”.
Ataulfo Alves se distingue por uma marca muito pessoal, inconfundível, com que
timbrou seus sambas. Cada letra possui uma cadência arrastada, particularmente pausada
em comparação com os sambas dos seus colegas de geração. Esse andamento lento e
lamentoso, essa espécie de atraso rítmico se deveram à mescla do samba com a toada
mineira, por ele apreendida, memorizada desde a infância.
Às vezes nostálgicos, os sambas de Ataulfo têm esse componente marcante, como
ele mesmo admitia ter guardado sem saber, na memória, cantigas e toadas da roça que o
influenciaram até na hora de compor.
Ataulfo Alves compôs, principalmente, sambas. Raramente deixou esse gênero para
se enveredar pelos caminhos de outros ritmos. Apenas a valsa e a toada foram,
eventualmente, visitadas por ele. O termo "samba" foi amplamente utilizado em suas letras,
254
a começar pelos próprios títulos das composições, ou no contexto, o que se pode verificar
em algumas letras, como “Vassalo do samba” de sua autoria, em 1933, em “Tentei fazer
um samba/ Diferente do que eu faço/ Confesso minha gente/ Saí fora do compasso”
(ALVES, 2006 ).
Nas letras, sob variadas formas, ele abordou, sobretudo, o tema das relações
amorosas, na maioria das vezes, de uma perspectiva francamente masculina.
Ataulfo foi compositor de sambas alegres, celebrativos, além de ter cantado a
negritude e registrado alguns sambas-exaltação como em “Vida da minha vida” composto
por ele em 1949, em que exalta a musa inspiradora que faz dele um sonhador nos versos:
“Minha musa inspiradora/ Minha noite de luar/ Agradeço ao Criador/ Que me fez um
sonhador/ Pra melhor te exaltar”.
Os textos de suas canções são, em geral, curtos e caprichados, não raro metrificados
e normalmente constituídos somente de duas partes. O emprego de expressões e ditados
populares, feito com propriedade poética, tipifica essas letras, que costumam ser fechadas
com frases ditas em tom filosófico. Ataulfo pode ser considerado um compositor
atemporal. Ao compor “O mundo não se acabou” em 1957, Ataulfo parecia prever o que
iria acontecer com o avanço tecnológico, as grandes ameaças que rondam o dia-a-dia,
principalmente nas grandes cidades, assim como o Rio de Janeiro em que a violência tem
sido a vilã, a causa de tantas fatalidades decorrentes da desigualdade social, do abandono
de menores, da miséria: “Meninos de rua, delírios de ruína” e do niilismo a que o ser
humano está exposto “Levamos uma vida que não nos leva a nada”. Isso pode ser
comprovado nos versos: “Nas grandes cidades, no pequeno dia-a-dia/ O medo nos leva
tudo” ao mesmo tempo que se quer privar da violência, constroem-se muros e grades
“Então erguemos muros” e torna-se um prisioneiro de seu semelhante. Com sua
simplicidade e ao mesmo tempo com sua sabedoria, soube retratar em versos, há mais de
50 anos, uma situação que se vive atualmente, no contexto pessoal, principalmente nas
grandes cidades, e isso Ataulfo cantou com sabedoria e lucidez .
Mesmo distante de Minas Gerais, em tais letras de canções, o imaginário de Minas
contribui, significativamente, para re-criar e re-viver momentos marcantes pela memória
musical. Revela, em versos, profundo apego às suas origens, à terra natal, Miraí, onde
estão as marcas que confirmam a direção de seu olhar e seus sentimentos e feitos da
infância, registrados, nessa e em outras canções das quais ecoam palavras que evocam
sentimentos, vivências, emoções de Minas para o mundo.
255
Considerações finais
Na história da Música Popular Brasileira, Ataulfo Alves é um nome fundamental. O
segredo do sucesso está na sua capacidade de construir canções essencialmente cariocas,
mas que também resguardavam marcas de toda a sua mineirice.
Os melhores momentos de sua vida foram vividos em Miraí, Minas Gerais, e ele
recordando a infância, a professorinha e a mulher amada, retrata-os em “Meus tempos de
criança”. A experiência vivida em sua cidade natal está evidente pelas marcas deixadas
pela professora e pela “Mariazinha”, cuja emotividade e saudosismo revelam o sentimento
natural. A mulher-protagonista continua presa à obra, no momento em que o poeta/cantor e
compositor, carecendo de revelar sentimentos mais profundos, descreve-a de várias
formas. Compõe-se um universo feminino marcado pela beleza, delicadeza, humildade,
aceitação ao mesmo tempo, contrapondo à insensatez, ao assanhamento, ao jogo, ao trágico
e ao grotesco que se articulam para desvelar as regras, desvendando segredos e magias pela
harmonia de notas musicais que consagram os encontros, encantos em sua dimensão de
Minas a caminho da universalidade.
Ataulfo sempre revelou sabedoria na administração da própria carreira, por ser
sagaz como observador da vida. Ajustou-se, assim, aos padrões vigentes no gosto popular
e, intuitivamente, sem perda de autenticidade em suas criações.
Em 20 de abril de 1969, calou-se o mestre para a eternidade, mas em suas letras e
melodias nota-se o eco de suas toadas, evocando a saudade da infância, das musas/
mulheres, das reflexões constantes nas letras cantadas – o samba – que é símbolo de
identidade nacional, imortalizando, assim, a sua imagem.
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256
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TÁVOLA, Artur da. Ataulfo Alves - discurso pronunciado na tribuna do Senado Federal.
Brasília: Distrito Federal, 1999.
______. Ataulfo Alves. Disponível em:
<http://www.arturdatavola.com/Senado/ESCRITOR/Livros/AtaulfoAlves%20novo.htm>.
Acesso em: 02 set. 2006.
257
LITERATURA INFANTIL É COISA SÉRIA:
MARILENE GODINHO NO MUNDO ENCANTADO DA CRIANÇA
Rodrigo Xavier da Silva *
Francis Paulina Lopes da Silva **
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Carlos Drummond de Andrade
Introdução
Nesta comunicação, são apresentados alguns resultados das pesquisas de Iniciação
Científica do UNEC, sobre a trajetória literária de Marilene Godinho, autora caratinguese,
destacando duas de suas obras destinadas ao público infantil: Boneca de pano, publicado
em 1980 e Miudinho, publicado em 1991.
O estudo em desenvolvimento tem por objetivo discutir sobre a contribuição da
literatura infantil para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança, bem
como analisar o discurso literário da escritora Marilene Godinho. Ao longo dos anos, cada
vez mais, os educadores se conscientizam da necessidade da formação de um indivíduo
crítico, responsável e atuante na sociedade. Isso porque se vive em um mundo onde as
trocas sociais acontecem rapidamente, seja através da leitura, da escrita, da linguagem oral,
visual ou virtual. A literatura infantil tem um papel fundamental nesse processo de
aquisição de conhecimentos, ao mesmo tempo que proporciona lazer, cultura e a interação
necessária ao ato de ler.
Inicialmente, será feita uma breve abordagem sobre a importância da Literatura
Infantil e Juvenil para o imaginário das crianças, levantando-se discussões sobre papel
Literatura na formação do indivíduo e da sociedade. Em seguida, serão destacados alguns
aspectos da obra de Marilene Godinho, que reúnem, em seu discurso ficcional, o prazer do
texto e a formação para a vida do leitor infanto-juvenil.
*
Graduado em Letras/Espanhol, pelo Centro Universitário de Caratinga (2011). Bolsista de Iniciação
Científica da FAPEMIG/UNEC.
**
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professora do Mestrado em Educação e
Linguagem UNEC. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Orientadora Acadêmica. Endereço eletrônico:
[email protected].
258
Uma viagem pelo mundo infanto-juvenil
Nos dias de hoje, cada vez mais os críticos literários e estudiosos em educação se
ocupam em discutir a Literatura Infantil, reconhecendo a sua importância para a formação
das crianças, dos adolescentes e até para adultos. A crescente produção, divulgação e
procura de obras nesse gênero comprova que ouvir histórias é um acontecimento tão
prazeroso que desperta o interesse das pessoas de todas as idades. Se os adultos apreciam
ouvir uma boa história, um “bom causo”, a criança é capaz de gostar e se interessar ainda
mais por elas, em sua tendência a dar asas à imaginação. A narrativa faz parte da vida da
criança desde quando bebê, através da voz amada, dos acalantos e das canções de ninar,
que mais tarde vão dando lugar às cantigas de roda, a narrativas curtas sobre realidades ao
seu pequeno mundo: crianças, animais, natureza... As crianças bem pequenas, já
demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo, sentindo medo ou
imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a formação da criança que
ela conviva com muitas histórias, já desde a mais tenra idade.
Segundo Therezinha Farah,
A literatura inclui, entre várias atividades, a leitura recreativa, porém, a
habilidade para apreciar a literatura não será adquirida acasionalmente ou
rapidamente: desde os seus primeiros passos na escola primária a criança deverá
ser auxiliada pela atividade literária, que constitui sem dúvida nenhuma,
instrumento valioso nas mãos de um hábil professor (FARAH, [s.d.], p. 11).
O que se entende por Literatura Infantil e Juvenil? O que faz com que uma
sociedade se interesse pela literatura?
De acordo com Ferreira, “literatura é a arte de compor trabalhos artísticos em prosa
ou verso, conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época” (2001, p. 461).
A representação ou apresentação da realidade, explorando-se a plurissignificação
das palavras, sugere um sentido novo para o leitor que, através da linguagem ficcional,
simbólica e poética, vê o mundo com outros olhos, que lhe proporcionam asas para voar no
reino do impossível, do maravilhoso, pelo imaginário cultural de um povo. Com prazer,
apreendem-se outros saberes, outros mundos, de forma descontraída, despertando o leitor
para olhar criticamente a si mesmo e ao mundo.
Muitos autores, como Lajolo e Cereja, vêm estudando esse processo de formação
dos educadores em função do ensino-aprendizagem infantil, pela literatura. Lajolo afirma
259
que numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza em
decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura infantil assume, desde
o começo a condição de mercadoria (cf. 2002, p. 18). É, pois, necessário que o educador
esteja atento a essa realidade, para não deixar escapar, já nos mais tenros anos da criança, a
oportunidade de fazer da arte da escrita literária uma forma de educar para a vida.
O primeiro contato da criança com um texto, em geral é realizado oralmente,
quando o pai, a mãe, os avós ou outra pessoa lhe conta os mais diversos tipos de histórias.
É comum que ela lhes peça que alguém lhe conte uma história. Muitas vezes, ela
demonstra preferir, nessa fase, histórias relacionadas à sua vida. A criança adora ouvir
como foi que ela nasceu, ou fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família.
À medida que cresce, já é capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da história
que mais lhe agrada. É nesta fase, que as histórias vão tornando-se aos poucos mais
extensas, mais detalhadas.
Os pais, assim, já devem começar, com seus filhos a incentivar para o contato com
a Literatura, desde novos, porque o mundo atual lhes oferece várias alternativas, como o
computador, vídeo games e outros. As crianças estão deixando de ler e perdendo a chance
de apreciar o mundo imaginário nos livros, para ficar com um mundo virtual. Nos dias de
hoje ao chegar a escolas podemos observar a grande dificuldade de leitura de raciocínio, a
defasagem dos alunos na oralidade e na escrita, na produção de textos e a falta de interesse
pela leitura.
O vínculo entre Literatura e escola começa pelo objetivo de habituar a criança à
leitura, pelo o contato agradável com o texto impresso. Isso a ajuda a entender a si e ao
mundo que a rodeia de uma forma mais agradável consciente, e estimulando-a à leitura
crítica.
Após a entrada para a escola, a criança se depara com um mundo diferente daquele
em que vivia é precisa de especial atenção. Pais e professores devem saber lidar com esta
situação, ajudando-a a encontrar respostas para as suas indagações.
O professor pode mostrar à criança, através da Literatura Infantil, que situações
problemáticas não só acontecem com ela e nas histórias, também é possível encontrar-se e
se identificar com a vida de algum personagem.
Essa capacidade de educar contando histórias é um dom, uma característica que faz
da escritora Marilene Godinho um importante referencial para a formação das crianças.
Marilene Godinho: trajetória literária
260
Marilene Godinho nasceu em Caratinga no dia 26 de agosto de 1941. Cursou o
Primário, Ginasial, Normal e Científico Estudou no Colégio Nossa Senhora do Carmo de
Caratinga, Minas Gerais. Iniciou curso superior de Pedagogia na Faculdade Santa Úrsula,
no Rio de Janeiro, mas não chegou a concluir. Em 2006, concluiu o curso de
Letras/Francês no Centro universitário de Caratinga.
Em 1978 lançou seu primeiro livro O balão azul, que foi o seu ponto de partida
para tantos outros, lançados, como Boneca de pano (1980), Lua de rapadura (1990),
Miudinho (1991), Quem ama com fé (1992), Irmão sol Irmã lua (1995), Nas águas de meu
pai (1996), Hora anda hora para (1997), Gorducha (1997), Gaguinho (1998), É da Roça
(1999), Menino Ama Menino (2000), O Galo que não Sabia Cantar (1987), Filha quer mãe
não que (2001), Passarim (2001), Foguete no Picadeiro(2002), A grande Festa (2003), No
Reino das Águas(2004), Cada Letra um Aventura (2005), Deste Amigo não me Livro
(2006).
Godinho pertence à Academia Feminina Mineira de Letras e à Academia
Caratinguense de Letras e recebeu o Prêmio Nacional Cora Coralina, na Bahia, como
representante de Caratinga.
Ao escrever livros, procura temas que resgatam as nossas origens, como nas
constantes referências a paisagens rurais, sítios, animais domésticos... Resgata valores,
culturais como folguedos da infância, como a boneca de pano, jogar peteca, pular corda,
nadar, nos lagos. Assim, seus escritos trazem um mundo novo, cheio de diversões e
novidades para as crianças, hoje, com a invasão dos eletro-eletrônicos, tão afastadas dessas
simples brincadeiras, lembrando como era boa e sadia a vida de antigamente. E como é
hoje tudo artificial, industrializado e controlado pela sociedade consumista, ao sugerir um
retorno ao passado, Marilene mostra, em suas histórias para as crianças o outro lado
simples da vida, de forma delicada e amorosa.
Seus livros direcionam-se, geralmente, ao público infanto-juvenil. A autora também
realiza várias atividades intelectuais e artísticas em Caratinga, onde colabora para estímulo
de leitura, educação e desenvolvimento das crianças, buscando formar uma sociedade de
pequenos leitores.
Uma contadora de histórias – lições de vida
261
Marilene Godinho, em seu livro Boneca de pano, trabalha de forma bem simples
com temas que acontecem no dia-a-dia da criança. Utiliza, além da diversão, a imaginação
que ajuda a educar a criança. Ela tenta voltar ao passado, mostrando para as crianças como
eram as coisas antigamente, como no livro Boneca de pano. Mostra como começaram as
bonecas, antigamente, até chegar aos dias de hoje.
Os livros dessa autora trazem lições profundas e nacionalistas para as crianças,
através de histórias de heróis e aventuras. Desde seu primeiro livro infantil, Marilene
Godinho busca inserir, em suas obras, elementos que ajudam no processo da educação da
criança. Esses contatos despertam na criança o desejo de sempre mais voltar a ler o texto
escrito, facilitando o processo de alfabetização. A possibilidade de que essa experiência
sensorial ocorra será tanto maior, quanto mais frequente for o contato do aluno com o
livro.
Assim, com relação à leitura e à literatura infantil, pais e professores devem
explorar a função educacional e recreativa do texto literário. Ficção e poesia devem ser
selecionados por análise criteriosa dos vários livros infantis, visando ao desenvolvimento
do lúdico, ao domínio da linguagem e à visão crítica. Devem ser trabalhados projetos que
incentivem a leitura em sala de aula e em outros ambientes, utilizando-se as histórias
infantis como caminho para o ensino multidisciplinar.
Miudinho mostra a história ingênua de um cachorrinho que não era satisfeito nem
com ele próprio, porque se achava feio, enquanto achava bonitos todos os que viviam ao
seu redor, como o pavão, os patos, gansos. Enfim, por efeito mágico, ao fazer um pedido,
numa viagem de trem, consegue se transformar e se encanta ao surpreender-se com seu
rabo e pelos lindos.
Depois, Miudinho, convencido de sua beleza, torna-se egoísta, esquecendo-se de
seus amigos e os vê feios, distantes. Entretanto, não fica satisfeito com isso, ao retornar a
viagem de trem, arrepende-se e pede novamente que tudo volte a ser como antes, pois vê
que a felicidade não está na beleza, mas na maneira como se vê a beleza.
Assim, em seu livro Miudinho, Marilene Godinho aproveita a história de um
cachorrinho, para tratar coisas sérias da dia-a-dia ela mostra as diferenças entre cada um
como um valor, educando para a auto-aceitação e o respeito ao próximo.
A autora explora, pela arte da palavra poética, o imaginário infantil, levando seu
pequeno leitor a viajar das páginas do livro, à própria realidade pessoal e encontrar, assim,
repostas para suas questões existenciais.
262
Considerações finais
Desenvolver o interesse e o hábito pela leitura é um processo constante, que
começa muito cedo, em casa, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira.
Dentre os vários fatores que influenciam o interesse pela leitura, o primeiro e,
talvez o mais importante, é a criação de um ambiente literário, para que a criança, em casa
ou na escola, encontre condições para melhor usufruir da riqueza textual. A criança que
ouve histórias desde cedo, que tem contato direto com livros e que é estimulada nesse
sentido, terá um desenvolvimento favorável ao seu vocabulário, bem como a prontidão
para a leitura.
Assim, as condições necessárias ao desenvolvimento de hábitos positivos de leitura
incluem oportunidades para ler de todas as formas possíveis. Frequentar livrarias, feiras de
livros e bibliotecas é excelente sugestão para formar o hábito de leitura.
No mundo atual, tão invadido pelas Tecnologias de Informação e Comunicação, em
que todas as informações ou notícias, músicas, jogos, filmes, podem ser acessados por emails, CD’s e DVD’s e pelas outras mídias, o lugar do livro parece ter sido esquecido. Há
muitos que consideram o livro é coisa do passado, que na era da digitalização, da Internet,
ele não tem muito sentido. Mas quem conhece a importância da literatura na vida de uma
pessoa, quem sabe o poder que tem uma história bem contada e os benefícios que uma
simples história pode proporcionar, com certeza haverá de dizer que não há tecnologia no
mundo que substitua o prazer de tocar as páginas de um livro e encontrar nelas um mundo
repleto de encantamento.
Marilene Godinho é uma incansável artista da palavra e pesquisadora do mundo
infantil, por considerar que literatura é coisa séria, é vida e em seu dinamismo, deve ir ao
mundo da criança, tomar parte dele, unindo o prazer ao saber.
Através da pesquisa realizada pode-se concluir que a Literatura Infantil e Juvenil
deve ser um ponto de partida imprescidível para auxiliar no desenvolvimento da criança.
Percebe-se que esta é, sem dúvida uma proposta enriquecedora do conhecimento, pois a
partir da arte do discurso literário, é possível contribuir de forma mais ampla para
desenvolver a leitura, escrita, a fala e mais, a arte de viver e conviver.
Conclui-se que, na verdade, uma boa leitura de livros infantis proporciona o prazer
e o saber, não só para os pequenos leitores, mas para todos aqueles que também se ainda
encontra se e identifica pela magia da palavra, nas páginas que se abrem para o mundo
imaginário, como uma forma prazerosa de se reler a própria vida.
263
A educação da criança para o convívio com o texto literário, como o de Marilene
Godinho, torna mais prazeroso e mais crítico o seu convívio em sociedade.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1989.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura. São Paulo: Saraiva, 2005.
CULLER, Jonathan. Teoria literária. São Paulo: Copyright, 1999.
FARAH, Terezinha, J. Franco. Prática da literatura infantil na escola primária. São
Paulo: IBEP, [s.d.].
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio - minidicionário da língua
portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira história e
histórias. 6. ed. São Paulo: Ática, 2004.
264
ESTÁ NO AR A TELEVISÃO NO BRASIL – PODER E INFLUÊNCIA.
Rosemary Aparecida Gomes Da Silva * (UNEC)
Hélio Soares do Amaral ** (UNEC)
Foi aberta a fonte – para o bem ou para o mal
Em três de abril de 1950 a televisão no Brasil tem sua pré-estréia com Frei José
Mojica, padre cantor mexicano. A apresentação é transmitida como show experimental no
saguão dos Diários Associados, em São Paulo. No dia 18 de setembro de 1951 acontece a
grande inauguração. Surge a TV Tupi em São Paulo com o logotipo de um indiozinho com
antenas de TV na cabeça substituindo as penas. A primeira imagem a aparecer foi a de uma
menina de cinco anos de idade, Sônia Maria Dorce. Vestida como uma indiazinha, com um
cocar e peninhas na cabeça dizendo: “Está no ar a TV no Brasil”. Assim foi aberto um
poderoso manancial de comunicação, informação e entretenimento.
Naquele tempo se buscava oferecer ao público uma grade de programas divertidos,
educativos e culturais. Mas pouco a pouco a oferta ao publico foi mudando. Como
qualquer tecnologia, a TV não deveria ganhar vida própria e devorar o ser humano, mas o
que aconteceu foi mais ou menos isso. Quem faz uso deve ter voz ativa, de escolha, e de
defesa. Hoje a TV educa, mas a questão é o tipo de educação. Em muitos lares não há mais
o horário de almoço ou jantar com todos os integrantes da família à mesa para estarem
comendo juntos e falar sobre seu dia. O costume atual é comer em frente à TV. Os próprios
pais mais atarefados se utilizam da TV para que ela “cuide” dos pequenos. Já que em
frente a ela há silêncio e atenção total.
Todos gostam da televisão. A TV é uma das, se não a principal, fonte de
entretenimento da população brasileira. Pessoas de todos os segmentos da sociedade e de
toda faixa etária se sentam diante da TV em busca de relaxamento e diversão. Ela atrai e
enfeitiça crianças, jovens e adultos. Influencia a maneira de vestir, de se alimentar, de agir.
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga – MG (UNEC). Professora da
Escola Professor Jairo Grossi e CCAA. . E-mail: <[email protected]>.
**
Professor Professor Titular do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem do Centro Universitário
de Caratinga. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Orientador Acadêmico. E-mail:
<[email protected]>.
265
Em frente à TV, as pessoas às vezes se esquecem de si mesmas, de suas vidas,
problemas e conflitos diários para viverem outras vidas que passam na tela. A vida
acontece lá fora, mas parece mais interessante a vida das pessoas dos reality shows. Todos
perseguindo seus quinze minutos de fama. E tudo vai girando em torno dos acontecimentos
televisivos, que são mostrados sem de verdade distinguir o real do fantasioso. A fama e os
famosos são perseguidos. Tudo e todos que aparecem na tela ficam em evidência. Como o
que aconteceu quando estavam julgando o caso da família Nardoni. A população
acompanhava o caso pela TV. Ninguém que não estivesse participando das audiências
tinha acesso aos autos do processo. Porém, vários cidadãos comuns, de prontidão em frente
ao fórum, tinham suas opiniões, de acordo com o que viam na TV. E lá faziam seus
protestos a favor ou contra o casal. Na maioria das reportagens a TV tendia a ser contra o
casal, assim também a população julgou, aguardando a condenação que aconteceu.
De nada serve o controle remoto
Desde que começaram os estudos sobre a influência que essa mídia de massa
exerce sobre as pessoas, tem se concluído que as maiores vítimas são as crianças e
adolescentes. Primeiro porque a televisão é o veículo de comunicação a que elas mais têm
acesso. Segundo porque os menores com seus valores e personalidades ainda em formação
são facilmente influenciáveis. E, como se sabe, na TV cenas de qualquer conteúdo são
mostradas naturalmente, como se tudo fosse banal. E o telespectador, de maneira passiva,
fica entregue à programação das emissoras. Assiste ao que tem para assistir. E não adianta
usar o controle remoto e mudar de canal, pois a diversificação de atrações nas emissoras é
mínima ou nenhuma. Os concessionários são detentores de todo poder na busca da
audiência. A população não tem voz ativa na hora de opinar sobre o que entra em seus
próprios lares. Programas de humor duvidoso e apelativo, cenas de baixaria, bate-bocas
como temas centrais e cenas de sexo, tudo de não conveniente num horário em que os
menores ainda estão acordados. Com a afirmativa de que o Ibope diz que o publico está
gostando, servem de tudo como se tudo fosse muito bom. Assim a televisão acaba tendo o
poder de moldar as mentes e atitudes dos jovens que são expostos a várias horas diárias aos
seus conteúdos.
Várias pesquisas científicas têm revelado dados sobre os distúrbios que muitas
horas de TV podem causar no desenvolvimento de uma criança ou jovem. Gomide e Pinski
no trabalho Adolescência e Drogas, analisa um relatório publicado em 1985 pela American
266
Psychological Association (APA) 55. Relatam os efeitos de filmes violentos nas crianças e
jovens, entre os quais apontam três principais:
¾
¾
¾
Eles tornam os espectadores menos sensíveis a dor e ao sofrimento dos
outros. Ver programas com violência faz com que crianças e adolescentes
sejam menos solidários e mais distantes, e, ainda, tolerantes à agressão. Na
medida em que a agressão é vista como uma solução para os conflitos, ela é
fortemente reforçada;
Filmes violentos fazem as pessoas sentirem-se mais amedrontadas em relação
ao mundo ao seu redor. A APA relata que os programas infantis têm, em
média, vinte cenas violentas a cada hora. Assim, a criança que assiste tevê em
excesso pode vir a considerar o mundo um lugar demasiadamente perigoso
de se viver;
Os programas de tevê violentos incentivam comportamentos agressivos.
Crianças e adolescentes que assistem a filmes violentos tendem a bater mais
em seus companheiros, desobedecer a regras e deixar tarefas inacabadas,
assim como estão menos dispostos a esperar do que as crianças que não
assistem a tais programas.
A escritora Isabel Portugal, em sua obra TV é capaz de re-programar o cérebro,
numa pesquisa mais recente, faz revelações sobre os efeitos da TV em crianças com menos
de três anos de idade:
[...] televisão também é capaz de afectar a capacidade de atenção de crianças de
apenas 1 ano. Descobriu-se que, assistir à televisão antes dos 3 anos de idade
aumenta as possibilidades de as crianças desenvolverem problemas de atenção e
concentração aos 7 anos de idade, afirma Dimitri Christakis (2004) médico e
professor, da Universidade de Washington, em Seattle. No estudo, especialistas
estimam que de 4% a 12% das crianças americanas, sofrem de desordem de
deficit de atenção, associada à hiperactividade.
Cada ser humano nasce com uma predisposição genética. Mas o ambiente em que a
criança é educada e se desenvolve, e/ou as experiências que o ser humano vive na mais
tenra idade, são grandes influências na formação cerebral. Na mesma pesquisa Isabel fala
também sobre qual a importância da idade:
Estudos feitos com animais, revelaram que a arquitectura do cérebro muda de
acordo com o tipo de estímulo visual a que eles foram submetidos refere
Christakis... Frederick Zimmerman (2004), da Universidade de Washington em
Seattle, um dos autores da investigação, refere que é impossível estabelecer um
nível "seguro" de TV para crianças entre 1 e 3 anos; cada hora representa um
risco adicional, sendo possível dizer, que não há nível seguro, já que há um risco
pequeno mas crescente". (...) A idade é importante porque marca o
desenvolvimento contínuo do cérebro, disse o estudo...Nos EUA, o transtorno do
déficit de atenção atinge entre 3 e 5% das crianças. As suas características são:
_ A capacidade reduzida de concentração;
55
American Psychological Association (APA) é uma organização profissional e científica que representa a
psicologia nos Estados Unidos da América.
267
_ A dificuldade de organização;
_ O comportamento impulsivo.
Crianças até aos 3 anos de idade que assistem à televisão em excesso, têm
mais probabilidade de desenvolver problemas de concentração quando chegam à
idade escolar, por volta dos 7 anos. Esta é a conclusão de um estudo publicado
na edição de Abril da revista norte-americana especializada
em pediatria Pediatrics. O estudo sugere que a TV pode super estimular o
cérebro em desenvolvimento. Por cada hora em frente da TV por dia, dois grupos
de crianças, com idades variando de 1 a 3 anos, tiveram 10% de aumento no
risco de ter problemas aos 7 anos.
A reação
Diante de tais divulgações científicas, as reações dos telespectadores começaram a
aparecer. Os pais devem saber como criar seus filhos, mas devem ser os profissionais da
televisão os responsáveis por organizar as programações de maneira adequada, com
horários adequados. Até a programação direcionada para adultos, se mostra comprometida
com relação à qualidade. A sociedade parece estar percebendo que a TV é um patrimônio
social e, portanto todos têm direito de exigir uma melhor escolha da programação que vai
ao ar. Ninguém deve ser obrigado a aceitar puramente a busca dos lucros por parte dos
concessionários. Em enquetes e denúncias realizadas na internet, destacam-se aqui as
opiniões de alguns telespectadores:
Programa Denunciado: Pânico na TV - Pelo amor de Deus, ninguém aguenta
mais tanta baixaria!!!! Além de muita pornografia e humilhação de pessoas, esse
lixo de pânico na tv só incentiva o bullying nas escolas, quando irão tirar essa
aberração da tv brasileira? As pessoas de bem agradecem...por: Ster, São Paulo.
Programa Denunciado: Bronca pesada- violência escancarada e desrepeito a
familia,nudez,palavras de baixo calão. por: C arlos, Pernambuco.
<http://www.eticanatv.org.br/index.php?sec=3&cat=8&pg=5> Acessado em:
18/04/2010.
Um problema apontado por especialistas sobre os reality shows, é que a
audiência desse tipo de programa tem aumentado entre as crianças. É o que
destaca a jornalista Eula Cabral que atua em políticas públicas para a
Comunicação e Novas Mídias. “O pior de tudo é que a audiência deste programa
aumentou entre crianças de dez, onze anos de idade. Qual o fascínio que este
jogo tem? Um grupo de jovens confinados em uma casa e obrigados a eliminar
outro concorrente em troca de muita grana? Dinheiro este que pai nenhum
ganha”, diz.
<http://ocanal.wordpress.com/2010/05/07/big-brother-brasil-e-lider-emreclamacoes-no-17%C2%BA-ranking-da-baixaria-na-tv/>
Acessado
em:
07/05/2010.
Em consequência da pressão pública, o Ministério da Justiça se viu na obrigação de
dar alguma satisfação. No livro de Laurindo Filho A TV sob controle, há trechos que falam
268
sobre estas mudanças iniciais. Elas não agradam em nada às emissoras que tentam revidar
alegando que o tempo da ditadura estaria de volta:
A violência sem explicações, os apelos à sexualidade precoce, tudo vira
espetáculo. E qualquer voz que peça pelo menos um pouco mais de cuidado com
as nossas crianças é taxada de censura. Como no caso da recente portaria do
Ministério da justiça que obriga as emissoras de televisão a exibirem o horário e
a faixa etária permitida para a exibição do programas.
A decisão tem como referência uma pesquisa realizada no Brasil com
financiamento da Unesco. A maioria dos entrevistados (68%) entende que a
televisão influencia na formação de crianças e jovens. Trinta por cento acreditam
que a televisão ajuda na educação e 41% dizem que ela atrapalha. Desses, 42%
apontam como principal problema o fato de “atrapalhar o horário dos estudos e
fazer com que não queiram estudar”. Entre os programas considerados
inadequados, 52% dizem que são as novelas, 51% os filmes e 34% os programas
policiais.
A fase qualitativa da pesquisa mostrou forte rejeição a programas que
incentivam a apresentação de imitadoras de Xuxa e Carla Perez, assim como
aqueles que se utilizam de “meninos imitando Michael Jackson”. Foi revelada
uma grande preocupação com essa forma de estímulo à sensualização pecoce e
pedofilia.
Diante desses e de outros dados alarmantes, a simples classificação dos
programas por faixa etária ainda pode ser considerada um passo tímido na busca
de uma melhor qualidade para a televisão brasileira. Mas, de qualquer forma,
devemos reconhecer que só o fato de o poder público se mostrar sensibilizado
com o assunto é um alerta aos concessionários de televisão de que para tudo há
limites (novembro de 2000).
Exigir uma programação de qualidade não é censura. Todo povo necessita saber da
realidade política de seu país e as denúncias de corrupção têm que ser feitas. Isso sim deve
ser explícito para todos, numa tentativa mínima de levar o povo a refletir mais, e se
informar mais no momento de eleger seus representantes políticos. Não é censura
questionar a forma e o horário de exibição dos programas apelativos apresentados em
busca puramente de geração de lucros.
Nas escolas também há influência da televisão. Nelas os alunos se encontram e
falam sobre os programas que assistiram no dia anterior. O mesmo faz o corpo docente nos
intervalos nas salas dos professores. Há que se abrir os debates dentro das salas de aulas. É
certo que trabalhos neste sentido já têm sido feitos, tanto em escolas como por instituições
conscientes e responsáveis. Isto ainda é muito pouco.
As emissoras reagem sempre. Em nove de julho de 2008, no novo projeto de lei
5921/01, do deputado Luiz Carlos Hauly, foram feitas varias restrições à publicidade de
produtos infantis. Acontece que a TV é movida e sustentada financeiramente por
anunciantes poderosos interessados no consumo infantil. Eis a questão. Não é como a BBC
de Londres, considerada de melhor qualidade no mundo, onde os telespectadores
269
contribuem financeiramente e têm voz ativa nas opiniões sobre a programação. Por isso, a
TV brasileira tem muito poder que lhe é conferida por anunciantes abonados.
A seguir, cenas dos próximos capítulos...
Fica em aberto então um grande espaço para pesquisas e estudos sobre uma
reformulação da qualidade da tevê pública no Brasil. E com certeza será preciso também
uma reformulação das políticas publicas direcionadas a este assunto.
Não é proposta deste texto que a TV comercial passe a apresentar programas sem
graça ou apresentadores sisudos. Há que se encontrar um meio termo nas apresentações.
Um programa educativo também pode ser atraente. Sugere-se que nas escolas as
disciplinas abram espaço para a discussão com os alunos sobre o que é assistido em casa
com o objetivo de treinar o senso crítico. Em casa, os pais também devem abrir diálogo
franco com seus filhos e discutir os programas e repassar valores como honestidade,
verdade e outros.
Um grande exemplo de uma TV de qualidade é a TV Cultura. Eis um trecho do
livro de Laurindo Filho sobre ela:
A TV Cultura, apesar de todos os percalços desses seus 30 anos de vida, já
conquistou um lugarzinho no coração dos telespectadores. Em qualquer
pesquisa de opinião ela é citada como exemplo de qualidade. E, quando tem
algum dinheiro, faz programas capazes de incomodar a audiência das emissoras
comerciais. Há alguns anos, a faixa infantil do final da tarde chegou a dar 12
pontos de audiência, levando o SBT a melhorar a programação naquele horário.
Com recursos vindos do aluguel das concessões públicas exploradas pelas
emissoras comerciais, a TV Cultura pode mudar para melhor não só a própria
programação como a de toda a televisão brasileira (novembro de 1999).
A televisão é um aparelho de comunicação que não deve ser condenado sem
menos. Não precisa ser tida como um monstro a ser exterminado. Porém para tudo há
limite. Tudo em excesso é prejudicial. A elaboração de horários determinados para
exibição dos programas já é um passo. A TV tem o poder de divertir e entristecer, informar
e desinformar, acalmar e inquietar, tranqüilizar e desesperar. Há que se canalizar todo esse
poder que tem a TV. Que seja uma programação cada vez mais qualitativa, isto é, para o
bem!
Referências
270
Centro Cultural de São Paulo. Exposição virtual TV Brasil Ano 50.
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/tvano50/dec50.htm> Acessado em 14 mai. 2010.
FILHO, Laurindo Lalo Leal. A melhor TV do mundo. O modelo britânico de televisão. São
Paulo: Summus editorial, 1997.
FILHO, Laurindo Lalo Leal. A TV sob controle. A resposta da sociedade ao poder da
televisão. São Paulo: Summus editorial, 2006.
GOMIDE, P. I.C.G; PINSKY, I. A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência.
In: PINSKY, I e BESSA, M.A (Orgs). Adolescência e Drogas. São Paulo:
Contexto, 2004.
LOUREIRO, Robson; FONTE, Sandra Soares Della. Indústria cultural e educação. Em
“tempos pós-modernos”.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Banco de Dados sobre a televisão
brasileira. TV Pesquisa. <http://www.tv-pesquisa.com.puc-rio.br/> Acessado em 14 mai.
2010.
PORTUGAL, Isabel. TV é capaz de re-programar o cérebro. Revista Forum on-line,
Sintra-Portugal. p. 14-19, jul.2005. Disponível em:
< http://www.profsintra.org/site/publicacoes/forumonline/1/tv.pdf>. Acesso em: 10 mai.
2010.
TAVARES, Marcos. A linguagem televisiva na sala de aula. A constituição das
identidades de crianças de duas escolas do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Multifoco, 2009.
271
POR QUE (NÃO) DIZER SIM À TV? O LIVRO NOSSO DE CADA DIA
Sandra Cristina de Medeiros * (PUC-Rio)
Nas complexas discussões sobre a TV, o telespectador mirim torna-se alvo de
grandes preocupações, no que se refere à formação ou à ampliação de seu repertório
sociocultural.
Num tempo histórico em que inovações de toda natureza se impõem de forma
assustadora, cujo resultado encontra sua origem nos processos de globalização, formamos
uma sociedade cada dia mais envolvida numa rede complexa e des-localizada de práticas,
de manifestações e de produtos culturais. Deparamo-nos com a possibilidade de termos,
desde a tenra idade, acesso a um nível intenso de informações, sejam elas banais ou não,
através do mais diversos suportes de difusão da cultura como o rádio, a TV, o jornal, a
internet e tantos outros.
Neste contexto, a TV, justamente por ser uma realidade extremamente capaz de
transformar nossa experiência como sujeitos sociais, passa a se constituir como uma
inquietação preocupante para pais, professores, psicólogos e pesquisadores de várias áreas,
os quais apresentam uma infinidade de opiniões não uniformes e nem sempre tecidas por
sólidos argumentos.
Em muitos artigos, encontramos discussões que, categoricamente, afirmam ser a
TV um veículo asfixiador, alienante. Em contrapartida, há também outras abordagens de
defesa, que descartam sua exorcização.
Incluindo-se na lista das críticas que abominam a TV, Raquel Soifer (1991), para
dar consistência à sua argumentação, utiliza dois processos psíquicos da teoria
psicanalítica: a identificação projetiva e a catarse. Segundo a autora, o efeito desses
processos pode ser comparado ao do sonho. No estado de identificação, à medida que
aguçamos as sensações do ver e do ouvir, inibimos outros sentidos, o que torna fácil nos
transportarmos para o universo transmitido na tela. Assim, somos, de imediato, induzidos a
pensar que ali estamos. Nesta projeção do mesmo, mecanicamente, conseguimos aliviar
*
Doutora em Estudos Literários, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail:
[email protected].
272
nossas emoções e tensões, seja nas cenas de violência ou nas cenas de demasiado
romantismo.
Todavia, a psicanalista diz residir aí um problema, pois, no momento do sonho, o
organismo se encarrega de nos proteger, garantindo a continuidade ou não do repouso,
enquanto que, diante da imagem da tela, tudo nos invade acordados, sem termos essa
segurança.
Para Soifer, é inegável o poder sedutor da TV. Diante dela, ficamos inertes,
fascinados pela velocidade e pelo bombardeio das imagens. E essa prostração permite que
a criança atinja o estado de regressão. Devido a rapidez das imagens superpostas, os
pequenos acabam não tendo tempo para assimilar de forma consciente o que veem. Logo, o
‘exercício do ver’ torna-se uma atividade apática, contemplativa e sem nenhum poder de
intervenção.
Diante dessas afirmações, a psicanalista afirma ainda que o veículo não seria
adequado para crianças cuja faixa etária compreenda até 5 anos de idade, pois elas ainda
não conseguem distinguir o que é ou não real. Quanto às crianças de 5 a 6 anos, o ato de
assistir à TV deveria ser ocasional, devido tais crianças estarem desenvolvendo sua
capacidade de aprendizagem.
Posição discordante apresenta Elza Dias Pacheco (1998), coordenadora das
pesquisas do laboratório de Pesquisa em “Infância, Imaginário e Comunicação” (LAPIC),
ao mencionar que as imagens desse audiovisual não exercem total domínio sobre a criança,
pois, semelhante ao adulto, ela vê os programas e, concomitantemente, faz outras
atividades. Os pequenos sabem diferenciar o real do ficcional, pois do mesmo modo que
não ingerem comidinhas feitas de barro, mato, também não reproduzem o que toma
conhecimento na tela, adverte a autora.
A indignação com referência à inserção maléfica do meio televisivo no contexto
infantil também se evidencia no discurso de Waldemar W. Setzer. Em sua análise, ele
argumenta ser impossível dotar a TV de uma proposta educativa e de entretenimento sadio
em função da precária tecnologia do aparelho. Ao transmitir imagens de baixa definição,
os produtores chegam a explorar, de forma inescrupulosa, tal deficiência em busca dos
altos índices de audiência. Na versão do referido professor, o uso indiscriminado do
sentimentalismo e, sobretudo, da violência acabam por viciar a mente do telespectador,
que, refugiado, diante das apelativas cenas televisivas, vê excitada sua sensibilidade
emotiva. Assim, Setzer (Apud LIMA, s.d., p. 7), argumenta:
273
De certa maneira, a TV necessita transmitir violência. Cenas violentas
simplesmente são as mais bem transmitidas, pois os telespectadores estão
normalmente em estado de sonolência, semi-hipnótico, como já foi demonstrado
por pesquisas neurofisiológicas [...] e uma das maneiras de atrair atenção é
mudar constantemente as imagens. Outra, já que o telespectador está fisicamente
abafado, é apelar para os sentimentos, daí as novelas e dramalhões, e também as
cenas excitantes (esportes rápidos) e a violência.
O estudioso menciona também que o veículo, por estar nas mãos de produtores
mercenários, deseja, sobretudo, vender audiência para anunciantes e não programas. Logo
em seguida, cita que, em 1999, metade dos 11 bilhões de dólares destinados aos gastos
com propagandas no Brasil foram investidos em TV. Para ele, os pais deveriam reconhecer
que este audiovisual apenas condiciona, já que não propõe o diálogo, a participação ativa
— fatores essenciais do princípio educativo. Portanto, o melhor seria jogá-la fora, “não se
deve dá-la aos amigos ou talvez para os inimigos ou, no máximo, mantê-la trancada.”
(SETZER Apud LIMA, s.d., p. 7).
Contudo, Jesús Martín-Barbero, ao analisar a cumplicidade entre mídia e medos na
Venezuela, afirma que a sedução das imagens televisivas não se configura a partir do que a
tela veicula, pois as pessoas, em seus lares, estão em busca, na verdade, de refúgio e
isolamento. Na concepção do teórico, esta condição de exílio, estaria, dentre outras causas,
no crescimento da delinqüência, da perda da identidade e do sentido de pertença de
referenciais apoiados na memória coletiva. De forma irônica, esclarece Martín-Barbero
(2001, p. 40): “se a televisão atrai é porque a rua expulsa, é dos medos que vivem as
mídias.”
Assim, a TV, com toda sua capacidade de articulação técnica, superposição
simétrica de imagens, bem como o seu diálogo com uma série de linguagens (oral, sonora,
escrita), acaba sendo a janela para exploração das emoções e das sensações desse homem
que se sente pressionado pelos novos desafios impostos por um mundo a todo vapor.
Com base nas afirmações de Martín-Barbero, diríamos que o conteúdo transmitido
na tela não seria o vilão sedutor, já que estar diante da TV passa a significar, nesta
realidade de isolamento e desestabilidade do próprio eu, uma importante estratégia de
sobrevivência, constituída, assim, pela comodidade e conforto. Por ser a única condição
que resta a esse homem, telespectador, torna-se inviável uma análise crítica da
programação, a qual, independente de sua qualidade artística e técnica, será, portanto, bemvinda.
Com relação ao tratamento abusivo do tema violência, novamente recorremos aos
relatos de Elza Dias Pacheco (1998). A partir de estudos realizados pelo LAPIC, a referida
274
pesquisadora constatou que, mesmo neste aspecto, a criança ao identificar-se com os
personagens dos desenhos animados, inteligentemente, consegue elaborar conceitos
relacionados a bem e mal, à presença e ausência, à verdade e mentira e tantos outros
atributos, podendo, inclusive, beneficiar-se com as atitudes dos heróis.
A respeito dessa polêmica, observamos que muitos estudiosos esquecem de
questionar se a violência estaria, de fato, na mídia ou na sociedade. Não é mediante o gosto
do consumidor que toda e qualquer produção cultural, neste caso a televisiva, constrói-se e
ganha sentido? Neste sentido, é válida a opinião de Arlindo Machado (2005, p. 12):
“televisão é e será aquilo que nós fizermos dela.”
Estes e outros questionamentos são levantados na pesquisa realizada por Márcia
Perencin Tondato (2007), a qual chega à conclusão de que somos uma sociedade midiática
dependente da TV, e toda a transmissão dessa tecnologia da comunicação nada mais faz do
que se pautar nos acontecimentos do entorno sociocultural.
Para Elza Dias, a TV não deve ser a única responsável pela desvirtualização dos
padrões de comportamentos e formação intelectual acrítica do consumidor infantil. Na
concepção da pesquisadora, essa problemática tem fortes raízes no próprio seio familiar.
Em seguida, ela menciona sobre o papel importante também da escola, que, diante da nova
era eletrônica e globalizada, deve e pode, em seus espaços, pôr em prática a narrativa das
novelas, os programas de auditório, e tantos outros da preferência das crianças. Ao trazer
com seriedade, para os bancos escolares, o universo da TV, teríamos, então, o que Tânia
M. Esperon Porto (1994) nomeia de “escolas paralelas”.
Neste sentido, Martín-Barbero (2001) dirá que uma das causas da TV apresentar
uma programação de baixa qualidade, residiria no fato de que a própria instituição escola
insiste em, desde longos séculos, confinar a imagem no gueto da marginalização cultural.
Tal sistema busca controlá-la a todo custo, tê-la como mera ilustração do texto escrito,
quando não se apropriando dela para outros fins, como, por exemplo, exposição de
legendas.
Dessa forma, Elza Dias Pacheco, assim como uma série de estudiosos, acredita que
podemos dizer sim à TV, pois ao lado da banalidade e da barbárie, há vida inteligente e
criativa nesse audiovisual, tanto nos canais abertos quanto nos fechados.
No que diz respeito à qualidade dos programas televisivos, será que este conceito
poderia ser averiguado somente pela análise do conteúdo, neste caso a violência?
Sara Pereira (2005) dirá que há todo um conjunto de critérios que possibilitam
identificar e avaliar (ou promover) uma programação televisiva de qualidade para o
275
público mais jovem. Ao reconhecer que o conceito “qualidade” apresenta dificuldade em
sua definição e as formas de atingi-lo, a pesquisadora expõe várias reflexões na intenção de
minimizar a subjetividade encontrada no conceito.
Nas abordagens teóricas, alguns críticos asseguram que a qualidade na TV pode ser
alcançada a partir de uma programação vertical e horizontal heterogênea, com programas
diversos e gêneros distintos. Outros como K. Rosengren já defendem que o referido
conceito é relacional, pois não se priva a uma série de elementos fixos. Segundo C.
Lasagni e G. Richeri (Apud PEREIRA, 2005), o que às vezes é considerado um programa
de qualidade num certo contexto social pode ser menos, ou não ser, num contexto
diferente.
Contrária aos argumentos de Setzer, Sara Pereira (2005, p. 5) alega que recorrer
apenas ao critério ‘violência’ para avaliar a qualidade seria enquadrar-se
[...] com frequência numa visão proteccionista de infância, supondo que uma
programação de qualidade deve ser correctiva dos gostos das crianças. Estas
parecem gostar de programas que, do ponto de vista do adulto, são supostamente
‘maus’ para elas.
Para ratificar sua explicação, a autora cita, D. Buckingham que afirma
ironicamente: “desta perspectiva, não é só a televisão que precisa de regulação, mas
também as crianças (e os seus pais).” (BUCKINGHAM apud PEREIRA, 2005).
Nessa visão unilateral, esquece-se a questão da diversidade, da identidade
cultural e a da regulamentação da TV para crianças, as quais são discussões importantes na
caracterização da qualidade.
Ao criticar a insensatez da expressão ‘televisão de qualidade’ (quality television),
Arlindo Machado (2005, p. 13), em “A televisão levado a sério”, esclarece que:
A expressão televisão de qualidade nem sempre é utilizada no mesmo sentido
por todos. Para alguns, ela pode estar servindo apenas de rótulo para designar
uma televisão meramente pedagógica, segundo o modelo das televisões estatais
oficialmente encarregadas da educação infanto-juvenil, enquanto para as forças
mais conservadoras ela pode estar servindo também de bandeira para a defesa de
valores moralistas na televisão.
Mais adiante, conclui Machado (2005, p. 23):
É verdade que a discussão sobre a qualidade em televisão está longe de ser
matéria de consenso. De uma forma geral, os intelectuais de formação mais
tradicional resistem à tentação de vislumbrar um alcance estético em produtos de
massa, fabricados em escala mundial.
276
Dessa forma, as abordagens sobre a qualidade televisiva, cujo tópico envolva TV e
criança, não devem se restringir apenas à análise conteudista, como bem lembrou Marshall
Mcluhan (2003), mas considere diversos fatores, dentre eles a produção, a difusão, agentes
profissionais, a regulamentação e a recepção.
Ao descartar qualquer possibilidade de caracterização negativa ou positiva da
presença televisiva na esfera social, o filósofo Walter Benjamim (1984), ressalta que toda
produção cultural voltada para o público infantil representa um diálogo silencioso entre as
gerações, no qual uma geração propõe a outra, próxima, visões de mundo, de linguagens,
de valores, de sentimentos etc.
Sendo assim, não se diferenciam programas ditos educativos dos de entretenimento,
pois tudo que se veicula no espaço da TV visa a educar, estética e politicamente.
Ainda, no artigo “Superligados na TV” (2004), de Daniel Castro encontramos a
opinião de Beth Carmona, presidenta da emisora educativa TVE. Embora não deixe de
considerar o veículo televisivo como castrador de conhecimentos e gerador de neuroses
(medo, violência), ela alega que a culpa estaria na política educacional. Tal condição, vale
notar, é resultado da não implementação de uma eficaz proposta pedagógica do sistema
educativo desde as séries iniciais que, além da transmissão de conteúdos básicos, deveria
incluir, também, atrativas atividades lúdicas. Tais práticas teriam a missão de tornar o
espaço escolar em um lugar acolhedor e agradável, onde é possível brincar e aprender a
viver socialmente.
Ainda que se valha de uma interpretação hiperbolizada, a TV fala da vida, do
presente, dos problemas afetivos, enquanto que a fala da escola está muito distante do
universo da criança, apresentando-se intelectualizada, logo, monótona.
Neste sentido, Tânia Porto (1994) dirá que as instituições de ensino ainda se
constituem por uma postura conservadora e, na sua organização diversa, tanto a escola
pública quanto a particular acabam se definindo como espaço de reprodução do que em
espaço de produção cultural. A pesquisadora ainda argumenta que o fracasso escolar não
seria resultante apenas da não integração do aluno à escola, mas, sobretudo, da
incompatibilidade da estrutura e organização da própria escola com a realidade dinâmica
de uma sociedade midiática. Não há como negar que o conhecimento está disponível em
diversas formas e meios de divulgação cultural, logo, os estudantes de hoje precisam se
alfabetizados na linguagem imagética e, de forma consciente, utilizá-la para o bem social.
277
José Manuel Moran (2007), ao escrever sobre os desafios da televisão e do vídeo à
escola, comenta sobre a persistente concepção no sistema educacional de que esse meio de
comunicação apenas se restringe a entreter, a escola a educar. O equívoco alcança tal
dimensão, que não só a TV, mas as várias tecnologias audiovisuais e telemáticas são vistas
com reservas e desprezo, limitadas a servirem de mera ilustração na transmissão de
determinado conteúdo ou atividade prática. De forma crítica, Moran (2007, p. 10) comenta
que:
Nós educadores fazemos pequenas adaptações, damos um verniz de modernidade
nas nossas aulas, mas fundamentalmente continuamos prendendo os alunos pela
força e os mantemos confinados em espaços barulhentos, sufocantes, apertados e
fazendo atividades pouco atraentes. Quem educa quem a longo prazo?
Na urgência de transformar e inovar esse cenário, isto é, reconhecer a importância
de trazer para o espaço de sala de aula experiências dos meios de comunicação, Moran
afirma que tais tecnologias disponibilizam sofisticadas formas multidimensionais de
comunicação sensorial, racional, emocional, e, consequentemente, facilitam a interação
com o público. Para ele, colocar em prática essa particularidade seria um procedimento
importante para que a escola alcançasse a verdadeira meta de educar. Assim, esclarece
Moran (2007, p. 2):
A TV fala do ‘sentimento’, – o que você sentiu’, não o que você conheceu. [...]
Isso nos dá pistas para começar na sala de aula pelo sensorial, pelo afetivo, pelo
que toca o aluno antes de falar das idéias, de conceitos e teorias. Partir do
concreto para o abstrato, do imediato para o mediato, da ação para a reflexão, da
produção para a teorização.
A este respeito, ressaltamos ainda que a inserção das novas tecnologias da
comunicação nos bancos escolares eliminaria o fascínio tecnicista e, assim, passaríamos a
reconhecer tais recursos como necessidade de democratização do saber e do exercício da
cidadania. Mas, não basta apenas à escola dispor de modernos equipamentos. É preciso que
o educador se mobilize e tenha domínio sobre o uso de tais tecnologias, se não toda essa
modernidade se reduzirá a simples meios de informação.
Para Grácia Lopes Lima (2008), a formação das pessoas não depende
exclusivamente da família e da instituição escolar, por isso é de suma importância que se
reconheça o papel dos meios de comunicação de massa nessa aquisição. Para tanto, é
necessário que todos os segmentos escolares oportunizem, cada vez mais, a prática de uma
278
proposta educativa pautada na concepção de ‘Educomunicação’, termo utilizado pela
pesquisadora.
Outra análise de relevância, também evidenciada no artigo de Daniel Castro
(2004), é o argumento de Rodrigo Toni, diretor-geral do Instituto Ipsos. Embora 57% das
crianças e adolescentes brasileiros assistam à tevê pelo menos três horas por dia, essa
porcentagem não permite assegurar com precisão o fundamento de que o veículo contribui
para a defasagem da leitura livresca e para o menosprezo das atividades lúdicas. Segundo o
diretor, o que existe de fato é um descomprometimento por parte dos pais, ‘vilões’, e do
ambiente escolar com relação ao universo da leitura.
Ainda, no mesmo artigo, de semelhante opinião, Lídia Aratangy, psicológa
especializada em famílias, ressalta que se os pais são bons leitores, os filhos também o
serão. Assim, recomenda Aratangy (Apud CASTRO, 2004, p. 3) que “os pais assistam à
TV junto dos filhos, para transformá-los de esponjas em filtros”.
Neste sentido, enquanto a escola ou sistema de ensino não querem enxergar a
profunda reestruturação presente no cenário das linguagens, com a explosão das
tecnologias audiovisuais e telemáticas, eles permanecerão fadados ao fracasso.
Não podemos negar, hoje, a inserção de uma série de dispositivos impressos ou
eletrônicos que resguardam, classificam, difundem e circulam uma infinidade de saberes,
prontamente a serviço de uma demanda social.
Portanto, nesta descentralização ou des-localização do conhecimento produzido,
o livro não pode ser mais visto como o único método de ampliação cultural utilizado nas
instituições educacionais. Precisamos reconhecer a pluralidade de modalidades de escrita
em circulação no contexto social e seu papel significativo na formação de cidadãos, os
quais devem interagir de forma eficiente com as várias linguagens, gêneros e formatos dos
veículos de comunicação, desde os mais antigos, como o jornal, aos mais modernos, como
os noticiários de televisão, os videoclipes e os hipertextos.
É nesta democratização do conhecimento que a escola encontrará instrumentos
para oferecer uma aprendizagem significativa capaz de transformar qualitativamente o
tecido social, bem como utilizar e nutrir-se de forma consciente dos recursos tecnológicos
de comunicação.
Embora o conceito de TV, exceto as resistências de alguns segmentos, se
constitua por novas abordagens ao longo de seus 50 anos, o veículo ainda ressente de
mobilizações sociais para que tenha a devida importância. Isso justifica a postura da crítica
em acusá-la de fomentadora de valores pouco louváveis e comportamentos adultocêntricos.
279
Uma mídia que, mediante a banalização das imagens e os propósitos dos formatos, acaba
por construir um mundo homogêneo, linear, ausente de diferenças e de contradições na
prática cotidiana, bem como se propõe a elevar o consumo e adensar o isolamento.
Ao tratar dessas considerações, poderíamos afirmar que as TVs são regidas
exclusivamente por esta filosofia? Ou que todos nós somos fascinados, hipnotizados por
ela, desconsiderando, assim, a nossa experiência com os jogos de videogame, com as
produções de cinema, com os clips em vídeos, com a diversidade de atividades disponíveis
no computador como correio eletrônico, blogs, sites de pesquisa e bate-papo. Não seria,
talvez, mais prudente direcionarmos também o questionamento a outros suportes culturais?
Além da TV, os livros didáticos, revistas ou jornais não são produtos culturais que também
nos alienam?
Se de fato a crítica tem aí seu papel fundamental, é preciso que, em suas análises,
faça distinção entre TV de canal aberto e fechado, considerando os vários aspectos
definidores da qualidade dos programas veiculados, para então, apresentar argumentos
consistentes, seja no intuito de difamar ou admirar. Desconsiderar essa complexidade por
que passa a mídia televisiva é, no mínimo, apresentar uma crítica míope, nula de qualquer
olhar questionador.
Muitos são os fatores que interferem e contribuem para a nossa formação ética,
moral, profissional e cultural. E nesta construção, assistir à TV é apenas um deles e, por ser
tão presente no cotidiano de milhares de pessoas, é fundamental que tal prática esteja na
pauta das discussões que envolvem a dinâmica sociocultural brasileira.
Portanto, acompanhar a velocidade das mudanças balizadas, hoje, no sistema
televisivo torna-se um desafio para todos. Desde a invenção do controle remoto até a
inserção das TVs a cabo e as dimensões interativas, que conjugam informática e linguagem
audiovisual, a TV se mostra revolucionária e busca dar provas de que é possível atingir o
conceito de qualidade, sobretudo no universo infantil.
Todo esse percurso pode ser constatado desde os primeiros anos de
funcionamento do veículo (1950), que, embora vivenciasse toda a escassez de recursos
financeiros e pessoal qualificado, buscou pautar-se numa programação de qualidade
estética e educativa 56. Em meio ao caráter empírico da televisão naqueles idos, todos os
programas demandavam entrosamento e versatilidade de toda a equipe, como afirma Fábio
56
Na tese: “O reino do faz-de-conta na e da TV. O teleteatro infantil de Jotta Barroso”, defendida em
19/05/2010, tivemos como objetivo inventariar a programação infantil do teleteatro nas emissoras
inauguradas até 1960, período em que a TV transmitia programas ao vivo e caracterizava-se pelos processos
experimentais de produção e veiculação das imagens.
280
Sabag: “Nós não tínhamos muita noção do que fazíamos, porque estávamos fazendo uma
coisa inteiramente nova, que não sabíamos o que era. Estávamos inventando a televisão.”
(SABAG, MIS, RJ).
Neste contexto, podemos citar os teleteatros infantis que começaram a ser
televisionados a partir de 1951, na TV Tupi (1950), de São Paulo. Os pioneiros na projeção
desta forma artística foram Júlio Gouveia 57 e Tatiana Belinky 58, diretores do grupo TESP.
Admirados pela literatura infantil de Monteiro Lobato, esses artistas adaptaram quase todo
o seu acervo, transmitido no programa O Sítio do Pica-pau Amarelo (1952-1965). Anterior
a esta atração, lançaram o programa Fábulas Animadas (1952-1953), no qual foram
transmitidos textos de origem popular, como fábulas e contos de fadas. Além de várias
novelas infantis como Polyanna, Heidi, O Pequeno Lord, transmitidas em 1956, o grupo
encenou, no programa Teatro da Juventude (1953-1964), textos da literatura clássica e
popular, especialmente, os das versões europeias, e ainda originais de Tatiana Belinky,
baseados, por exemplo, em notícias de jornal, biografias de pessoas brasileiras ou
episódios bíblicos. Para o casal, o veículo era o espaço de mediação entre o educativo e o
recreativo, logo era preciso transmitir as narrativas inteligentes e fundadoras do repertório
cultural, seja ele estrangeiro ou nacional. Propositalmente, a intenção era despertar o prazer
pela pesquisa em livros e a leitura, além de estimular o processo imaginativo da criança.
Em horários diferentes, os teatros Façamos Hoje os Homens de Amanhã (19571958) e Cine Trol (1958-1959), de Francisco Dorce (1911-1983), também ganharam
imagens televisivas. Embora não tenha alcançado expressividade de audiência em
emissoras pioneiras da cidade de São Paulo, como a TV Paulista (1952) e a TV Record
(1953), o teleteatro para criança não deixou de fazer parte da história da programação
destas estações.
Outro teleteatro que fez parte da infância e adolescência de muitos
telespectadores foi o Teatrinho Trol (1956-1966), veiculado pela TV Tupi carioca. Sob a
direção de Fábio Sabag (1931-2008), integrante do TBC que somaria grande experiência
57
Depois de se formar em Medicina, tendo se especializado em psico-drama, Júlio Gouveia funda, em 1948,
o Teatro Escola de São Paulo (TESP), um grupo de teatro amador. Concomitantemente, passa a dirigir o
Teatro do SESC e, depois, o Teatro de amadores, do Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), mais
conhecido como Casa do Povo. Nesses anos, torna-se também membro da American Educacional Teatre
Association (AETA), do Instituto Internacional de Teatro da UNESCO e vice-presidente do Instituto
Brasileiro de Teatro Educacional.
58
A partir das atividades do TESP, Tatiana Belinky torna-se autora de contos e livros infantis, roteirista de
TV, tradutora nas línguas alemão e russo e, nos últimos anos, escreve também na seção crítica de arte
literária e teatral em jornais paulistanos como Folha de São Paulo e O Estadão.
281
como ator, produtor e diretor no teatro e na televisão do Rio de Janeiro e São Paulo, esse
teleteatro perdurou na transmissão por 10 anos, contando com um excelente elenco que
atuava também no teleteatro Grande Teatro Tupi.
Embora o teleteatro perca seu glamour no espaço televisivo, por volta de 1960,
muitos teleteatros, sobretudo os infantis, ainda permaneceram no ar. Além de São Paulo e
Rio de Janeiro, em 1956, Belo Horizonte recebe mais um componente que seria parceiro
dos Diários e Associados: a TV Itacolomi, canal 4. Embora houvesse uma preocupação por
parte de seus dirigentes com o caráter comercial, não menos enfático foi configurar
programas de predominância artística e educativa num veículo que se constituía também à
base da experimentação.
De 60 a 64, nos estúdios da TV Itacolomi, Jotta Barroso (1921-2006), ator,
locutor e produtor de programas artísticos, produziu seu teleteatro para o público infantil, o
qual acompanhava todas as histórias. Assim como a televisão brasileira, nos primeiros
anos, levou ao ar um teleteatro pautado numa literatura canônica, o teleteatro infantil de
Jotta Barroso não seguira percurso diferente, pois é possível constatar que todas as suas
encenações incluíram não apenas textos da literatura universal, mas também da brasileira.
Pela magia da ficção dos teleteatros Histórias do Arco da Velha, Histórias que Vovó
Contava, Teatro da Carochinha, os quais chegaram a ser transmitidos entre 1960 a 1964,
implicitamente, um repertório de crenças, valores ético-morais foram construídos.
Portanto, se voltarmos à história da TV brasileira, entre os anos 50 a 65, veremos
que essa mídia moveu esforços para que uma série de experiências, originárias, sobretudo,
do rádio, ganhassem a tela. Nesse período, podemos dizer a TV foi levada a sério,
incluindo o gênero infantil. Embora não estivesse imune às dificuldades próprias de
qualquer invenção, ela buscou se constituir por um padrão de qualidade artística e
educativa que, anos mais tarde, em virtude da tão cobiçada audiência, deixou de ser a
prioridade em muitas das emissoras existentes.
Ainda que os críticos de TV, em sua grande maioria, desacreditem, é possível
encontrarmos novos canais e programas preocupados em levar o melhor para o seu
telespectador, sobretudo para o mirim. Cada vez mais, reconhece-se que há a necessidade
da TV pautar-se em projetos que estão na contramão da banalidade, do consumismo, da
erotização precoce, da violência.
Nas abordagens sobre adequação entre horários e programas, algumas emissoras
oferecem opções, até pouco tempo, inexistentes. Na esteira do Castelo Ra Tim Bum
(1988) e TV Colosso (1993-1996), chega às telas, sobretudo da TV paga, uma série de
282
novos programas educativos e não proibidos para menores. Além das versões atualizadas
do Sítio do Pica-pau Amarelo, na TV pública, outros programas, como Vila Sésamo
(1969), retornam à telinha. Nesse universo de bonecos falantes, até mesmo crianças de 1
ano podem se deliciar com as imagens coloridas de programas como Bebê Mais (1997),
por exemplo.
Segundo, a coordenadora dos Projetos Rádio e Vídeo-escola (GENS), Grácia
Lopes Lima, no artigo “Criança e TV”, novas propostas de intervenção entre sistema
educacional e comunicativo estão sendo realizadas em diversas partes do país. Além dessa
realidade ser a pauta na discussão teórica acadêmica, como acontece no Núcleo de
Comunicação e Educação da ECA/USP, a pesquisadora cita várias outras iniciativas.
Dentre elas, estão: TV Sala de aula (Belo Horizonte/MG) e TV Escola (Baixada
Fluminense/RJ), TVs Comunitárias em que as atividades transcorrem nos espaços públicos
e escolas; Rede Mocoronga de Comunicação Popular (Santarém/PA), dirigida pelos
irmãos Eugênio e Caetano Scannavino, os quais há quinze anos atuam junto a comunidades
da região Norte do Brasil; Oficina de vídeo do Projeto "Cala-boca já morreu!" (São
Paulo/SP), desenvolvido pelo GENS, Serviços Educacionais que propõe, desde 1995, a
educação pelos meios de comunicação, oferecendo oficinas de rádio, vídeo, jornal e
internet para crianças e adolescentes; Organização não governamental TVER (São
Paulo/SP), que, através da internet, promove vários debates entre seus integrantes e os
internautas.
Diante dessas constatações, não há mais como ignorarmos o fato de que os meios
audiovisuais podem ser também agentes educadores, assegurando-se como um paradigma
de intervenção social.
Considerações Finais
A televisão penetrou tão profundamente na vida política das nações,
especularizou de tal forma o corpo social, que nada mais lhe pode ser ‘exterior’,
pois tudo o que acontece de alguma forma pressupõe a sua mediação, acontece
portanto para a tevê. Aquilo que não passa pela mídia eletrônica torna-se
estranho ao conhecimento e à sensibilidade do homem contemporâneo. Não se
diz mais que a televisão ‘fala’ das coisas que acontecem; agora ela “fala”
exatamente porque as coisas acontecem nela.
Arlindo Machado.
283
A partir dessas abordagens, podemos verificar que os modelos tradicionais de
educação não atendem mais às exigências de uma civilização que se desenvolve e deseja
estar totalmente conectada à cultura tecnológica. Dentre os vários quesitos ou concepções
que corroborariam para sanar esse fracasso do sistema educativo na conjuntura social,
estaria uma metodologia pautada na filosofia de educar com novas tecnologias. Desafio
este que, até o momento, não encontrou respostas senão superficiais.
Como a TV tornou-se parte essencial na construção da subjetividade humana, não
há por que ignorarmos sua presença. Se considerarmos o telespectador infantil, veremos
que cada vez mais a referida mídia passa a se caracterizar como a grande babá eletrônica
deste público.
Logo, resta-nos conhecer a gramática do veículo para, então, podermos
questionar e exigir uma programação mais rica em sua proposta de entretenimento,
educação e informação. Neste contexto, precisamos considerar também que a TV pública e
a TV por assinatura, na contramão da banalidade de conteúdos e do baixo custo para
alcançar índices alarmantes de audiência, mostram que é possível fazer uma TV de
qualidade, sobretudo para os pequenos.
Assim, dentre uma infinidade de análise que abordam questões complexas como
a qualidade dos programas infantis, a adequação ao horário e ao público, apresentamos,
neste estudo, uma pequena parcela. Apocalípticas ou não, todas acreditam na urgência de
se viabilizar mais pesquisas e discussões sobre este assunto nos diversos segmentos
responsáveis pela formação da criança e do adolescente.
Ainda que uma série de obstáculos, desde recursos financeiros, tecnológicos à
produção crítica, emperre tal propósito, faz-se urgente oportunizarmos a integração entre
educação e os suportes tecnológicos da comunicação, sobretudo a TV, para então
desenvolvermos com excelência o “exercício do ver” 59. Neste diálogo, todos nós só temos
a agradecer.
Referências bibliográficas
BENJAMIM, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, e a educação. São Paulo,
Summus, 1984.
59
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p. 93-99.
285
O USO POPULAR DE PLANTAS MEDICINAIS: TRADIÇÃO SEMPRE NOVA
Sheila Maria Cupertino Gomes *
Maria de Lourdes Cupertino Gomes **
Francis Paulina Lopes da Silva ***
Introdução
Desde a antiguidade, o ser humano busca meios de propiciar a cura, ou melhorar o
convívio com suas enfermidades, sendo as plantas um dos primeiros recursos utilizados
para este fim.
Neste contexto, Veiga Júnior e colaboradores afirmam que: “A utilização de plantas
com fins medicinais, para tratamento, cura e prevenção de doenças, é uma das mais antigas
formas de prática medicinal da humanidade” (2005, p. 519). De acordo com Garcia: “As
plantas têm sido utilizadas pela humanidade como medicamentos desde os primórdios”
(1995, p. 497). Finalmente, Korolkovas & Burckhalter (1988, p. 39), afirmam que a saúde
é uma das necessidades básicas do homem e tem sido sua constante preocupação.
Segundo Barata, “Os fitomedicamentos 60 têm sido usados pelo homem desde o
início de sua história” (2005, p. 5). Assim, o conhecimento sobre o uso de plantas pela
população incorporou-se ao cotidiano de muitos povos, passando a integrar parte de sua
cultura, e este, através do fenômeno da oralidade, pode ser transferido através de diferentes
gerações. Ainda neste âmbito, Oliveira e Araújo afirmam que “A fitoterapia simboliza um
dos aspectos importantes da cultura de um povo, sendo utilizada e difundida pelas
populações ao longo de várias gerações” (2007, p. 99).
Trata-se de um conhecimento mantido, principalmente, por meio da tradição oral e
envolve escassa informação comprovada sobre os efeitos benéficos e maléficos de plantas
medicinais (cf. OLIVEIRA; ARAUJO, 2007, p. 94).
No Brasil, o conhecimento popular quanto ao uso de plantas usadas como
medicinais sofreu grande influência da cultura africana e principalmente do povo indígena
*
Graduada em Farmácia Generalista, pelo Centro Universitário de Caratinga, MG.
Graduada em Letras / Espanhol, pelo Centro Universitário de Caratinga, MG.
***
Professora Titular do Centro Universitário de Caratinga, no Mestrado em Educação e Linguagem UNEC e
no Curso de Letras. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ). Orientadora acadêmica.
60
Fitomedicamentos ou fitofármacos são medicamentos feitos de partes de plantas cujos princípios ativos
não foram purificados, como chás, extratos e tinturas.
**
286
(cf. MAIOLI-AZEVEDO; FONSECA-KRUEL, 2007, p. 263). Santos e colaboradores
ressaltam que muitas plantas medicinais, fazem parte dos ritos afro-brasileiros, e “têm
poderes mágicos” (1995, p. 221):
Em um país como o Brasil, com imensa extensão geográfica, em espaços de
grandes diversidades e peculiaridades e, em diferentes circunstâncias e com
diversas concepções, opiniões e valores sobre a medicina popular, usa-se
conjunto de técnicas, conhecimentos e práticas, que são incorporadas e
respeitadas no cotidiano, cristalizadas nos hábitos, nas tradições e nos costumes
(SANTOS et al., 1995, p. 221).
Por isso, segundo Souza e Felfili, o estudo etnobotânico 61 deve considerar o
contexto social e cultural nos quais estes usos são inseridos (cf. SOUZA; FELFILI, 2006,
p. 136), pois o conhecimento folclórico e a cultura popular ainda mostram-se ativos nas
sociedades modernas (cf. FARIA et al., 2004). Maioli-Azevedo e Fonseca-Kruel destacam
a importância dos estudos etnobotânicos no Brasil, uma vez que seu território abriga uma
das floras mais ricas do mundo, da qual 99% são desconhecidas quimicamente. Contudo, a
maior carência encontra-se nos estudos voltados ao nível de conhecimento, a crença e os
tipos de tratamentos caseiros usados pelas populações (2007, p. 263).
Segundo Garcia, “mais de 70% dos medicamentos derivados de plantas foram
desenvolvidos com base no conhecimento folclórico [...]. A Organização Mundial da
Saúde – OMS estima que 80% da população deste planeta, de algum modo, utiliza plantas
medicinais como medicamentos” (GARCIA, 1995, p. 497).
Conforme Souza e Felfili “O Brasil detém a maior diversidade biológica do mundo,
contando com uma rica flora, despertando interesses de comunidades científicas
internacionais para o estudo, conservação e utilização racional destes recursos” (2006, p.
153).
Por isso, é preciso que a ciência dê maior atenção ao conhecimento popular,
valorizando o uso de plantas medicinais e identificando nestas inúmeras soluções
terapêuticas.
Finalmente, é preciso conhecer fatores que influenciam direta ou indiretamente na
saúde e na qualidade de vida da população e sua relação no processo saúde-doença, dando
61
“O estudo etnobotânico consiste na avaliação da interação humana com todos os aspectos do meio
ambiente, através de levantamentos nas comunidades tradicionais sobre a utilização das plantas na
farmacopéia caseira e na economia doméstica”. Pode ser definida como o estudo das sociedades humanas, e
todos os tipos de inter-relações: ecológicas, evolucionárias e simbólicas; reconhecendo a dinâmica natural
das relações entre o ser humano e as plantas (MAIOLI-AZEVEDO, & FONSECA-KRUEL, 2007; (SOUZA;
FELFILI, 2006).
287
ênfase especialmente à análise das práticas populares. Assim, o uso de plantas no combate
ou prevenção de doenças se constituirá em estratégia importante e segura para a promoção
e manutenção da saúde dos indivíduos (cf. OLIVEIRA; ARAÚJO, 2007, p. 99).
Implicações culturais das plantas e sua influência no processo saúde-doença
Diferentes autores salientam as implicações das plantas no aspecto histórico, além
das concepções populares no processo saúde-doença. Segundo Faria e colaboradores as
primeiras sociedades recorreram à natureza com intuito de alimentar-se; em busca da cura
de seus males; além de “afastar espíritos malignos que, na sua concepção, habitavam no
interior dos homens e animais” (2004, p. 287).
À medida que estes povos se tornaram mais aptos em suprir suas necessidades
diárias, estabeleceram-se papéis sociais específicos para os membros das comunidades,
destacando-se o papel do curandeiro, que desenvolveu um arsenal de substâncias secretas
guardadas com zelo, transmitindo-as apenas a determinados grupos bem preparados (cf.
FRANÇA et al., 2008, p.202):
Nas mãos dos feiticeiros ou pajés, considerados intermediários entre os
homens e os deuses por suas capacidades especiais (...) colocava-se a
tarefa de curar os doentes, unindo-se, deste modo, magia e religião ao
saber empírico das práticas de saúde, a exemplo do emprego de plantas
medicinais. Com isso, eles adquiriram conhecimento e essa experiência
foi sendo transmitida através dos tempos (FARIA et al., 2004, p. 287).
Já na Idade Média, a saúde foi discutida no âmbito da religião e da ética.
Acreditava-se ainda, que as doenças eram consequências do pecado, ou pela ação de maus
espíritos, e que para eliminá-los, o corpo do paciente deveria ser submetido ao desconforto
e sofrimento 62 (cf. FARIA et al., 2004, p. 288; KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988,
p. 39). Apesar dessas e outras técnicas carregadas de superstições, a base do tratamento
consistia em drogas de origem animal e vegetal.
Desconhecendo a etiologia das doenças, ou a maneira pela qual atuavam as drogas
e procurando estabelecer uma relação entre ambas, Paracelso e outros estudiosos adotaram
a doutrina da assinatura, segundo a qual Deus indicara qual o agente medicinal adequado
62
Acreditavam que o espírito mau, causador da patologia, não suportaria os maus tratos, e abandonaria o
corpo do paciente, que seria curado (KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988, p. 39).
288
para o tratamento do órgão afetado ou dos sintomas de certa doença conferindo-lhe um
“sinal”, na forma de uma semelhança 63 daquele agente com este órgão ou sintomas (cf.
KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988, p. 40). Tal doutrina contribuiu no
desenvolvimento do arsenal terapêutico, pois observaram que alguns compostos realmente
levariam a cura de determinadas patologias.
Nos séculos XVI e XVII deu-se inicio a um novo paradigma 64, segundo o qual a
ciência foi reduzida a fenômenos matemáticos e quantificáveis e os processos de cura
deixaram de ser vistos apenas com enfoque espiritual e místico. Essa visão permaneceu na
Idade Contemporânea, sendo a saúde considerada apenas como a ausência de doenças (cf.
FARIA et al., 2004, p. 288). Já atualmente, considera-se a saúde como o pleno estado de
bem-estar físico, mental e social (cf. KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988, p. 39).
Visando tal objetivo, cabe aos profissionais de saúde tratar integralmente todos os
indivíduos, conhecendo os principais fatores que influenciem na saúde, com ênfase nas
práticas populares relacionadas à medicina e aos tratamentos alternativos.
Plantas medicinais no cenário contemporâneo
Atualmente, o uso e o comércio de plantas vêm sendo estimulados pela necessidade
de uma crescente população que busca uma maior diversidade e quantidade de plantas para
serem utilizadas no cuidado da saúde 65 e também aplicadas em tradições religiosas (cf.
MAIOLI-AZEVEDO & FONSECA-KRUEL, 2007, p. 263).
Tal contexto tem levado ao desenvolvimento de novos sistemas terapêuticos,
denominados comumente como “medicinas alternativas”
66
, onde são inseridas medicinas
63
Os talos da hepática, cuja forma é semelhante ao fígado, seriam úteis no tratamento de doenças hepáticas;
o açafrão e a celidônia, por terem cor amarela, curariam a hicterícia (KOROLKOVAS; BURCKHALTER,
1988, p. 39).
64
Este teve como ponto de partida a Revolução Científica, destacando-se Copérnico, Kepler, Descartes e
Newton (cf. FARIA et al., 2004, p. 288).
65
Segundo os autores, tal fato ocorre devido à vigente carência de recursos dos órgãos públicos de saúde e
incessantes aumentos de preços nos medicamentos alopáticos, bem como dos efeitos colaterais apresentados
por alguns destes medicamentos (MAIOLI-AZEVEDO; FONSECA-KRUEL, 2007, p. 264).
66 O crescimento dessas “medicinas alternativas” tem-se verificado tanto em países conhecidos como do
Primeiro Mundo, como nos ditos do Terceiro Mundo, a partir, basicamente, da segunda metade dos anos 70,
conhecendo um auge na década de 80 (LUZ, 2005, p. 146).
289
tradicionais das culturas nacionais, além de medicinas tradicionais provindas do Oriente, e
a medicina homeopática (cf. LUZ, 2005, p. 146).
Segundo Luz (2005, p. 146), o termo “medicina alternativa” foi originalmente
enunciado pela OMS em 1962, definindo uma prática tecnologicamente despojada de
medicina, aliada a um conjunto de saberes médicos tradicionais:
Foi proposta como “alternativa” à medicina contemporânea especializante e
tecnocientífica, no intuito de resolver os problemas de adoecimento de grandes
grupos populacionais desprovidos de atenção médica no mundo. Posteriormente,
passou a designar práticas terapêuticas diversas da medicina científica,
geralmente adversas a essa medicina. Atualmente o termo se reveste de grande
polissemia, designando qualquer forma de cura que não seja propriamente
biomédica (LUZ, 2005, p. 146).
Segundo Garcia, o valor dos produtos naturais das plantas medicinais para a
sociedade e para a economia do Estado é incalculável (1995, p. 498). As plantas
medicinais apresentam ainda um grande potencial terapêutico e econômico, visado
especialmente pela indústria farmacêutica que realiza a prospecção de novos produtos (cf.
MAIOLI-AZEVEDO; FONSECA-KRUEL, 2007, p. 264; TREVISAN et al., 2008). Neste
âmbito, segundo Garcia, as plantas continuam sendo importantes no descobrimento de
novas drogas, fornecendo princípios ativos, medicamentos semi-sintéticos ou sintéticos
baseados em compostos secundários 67 de plantas (1995, p. 497).
Neste sentido, segundo França e colaboradores, “Percebe-se, na atualidade, o
interesse governamental e profissional em associar o avanço tecnológico ao conhecimento
popular e ao desenvolvimento sustentável visando a uma política de assistência em saúde
eficaz, abrangente, humanizada e independente da tecnologia farmacêutica” (FRANÇA et
al., 2008, p. 202)
Contudo, tem-se observado uma crescente expansão dos serviços da medicina em
favor das camadas menos favorecidas. Ocorre ainda, grande deslocamento de pessoas para
regiões urbanas. Estes e outros fatores têm colocado em risco o conhecimento popular
sobre inúmeras plantas, acumulado há várias gerações (cf. PINTO et al., 2006).
A situação é ainda agravada pelo fato de que a pesquisa cientifica sobre o uso
popular de plantas é recente e consequentemente, pouco documentado, aliada à forma
delicada como este conhecimento é mantido, através da tradição oral. Tais condições
67
Os compostos secundários são produzidos e secretados por células após processos bioquímicos envolvendo
compostos químicos primários da planta. Estes compostos possuem distintas funções ecológicas na planta,
como alelopatia, ação atrativa ou repelente a organismos (HEPP et al., 2009).
290
“ameaçam, além de um acervo de conhecimentos empíricos, um patrimônio genético de
valor inestimável para as futuras gerações” (PINTO et al., 2006).
Felizmente, segundo C. Filho e Yunes, “Nos últimos anos tem-se verificado um
grande avanço científico envolvendo os estudos químicos e farmacológicos de plantas
medicinais que visam obter novos compostos com propriedades terapêuticas” (1998, p.
99), o que pode ser observado pelo aumento de trabalhos publicados nesta área.
Finalmente, é preciso ressaltar que a investigação do conhecimento popular pode
representar uma maneira eficiente na obtenção de novos fármacos, já que os métodos
tradicionais são lentos e geralmente onerosos (C. FILHO; YUNES, 1998).
O conhecimento popular pode orientar não apenas a indicação de cada planta, mas
também, as partes mais utilizadas no tratamento das patologias: Geralmente, a constituição
química varia em relação às distintas partes da planta: podem-se estudar primeiramente as
partes já empregadas na medicina popular (C. FILHO; YUNES, 1998, p. 100).
Uma experiência eficaz da “medicina alternativa”
Realizou-se uma pesquisa junto a um movimento popular que atua na periferia do
município de Caratinga, onde se verificou que grande parte da população é atendida pelo
método designado como “medicina alternativa”, que assiste gratuitamente os indivíduos
das camadas com menor poder aquisitivo.
A responsável pela avaliação EAF se mostrou extremamente favorável à realização
da pesquisa, com intuito de propiciar divulgação das técnicas realizadas. Esta foi
esclarecida sobre todos os aspectos e etapas realizadas.
Com intuito de verificar o método utilizado, as pesquisadoras participaram da
sessão, recebendo o diagnóstico e a prescrição das plantas medicinais, através de avaliação
bioenergética.
O método diagnóstico, as indicações e a posologia são verificados através de um
pêndulo. Acredita-se que este é um instrumento para detectar energias positivas ou
negativas, reproduzindo respostas que se encontram no subconsciente de quem pergunta.
As informações são passadas por meio de vibrações, sendo amplificadas pelo pêndulo 68,
68 Além de ser utilizado na Medicina Alternativa, como diagnóstico, psicologia, homeopatia, florais, o
pêndulo é também utilizado popularmente em várias outras áreas, como na agricultura, para detectar
qualidade das sementes e da terra; Na Engenharia e Arquitetura, para assegurar a qualidade do terreno; Na
Geologia: para auxiliar na descoberta de minérios.
291
que é sustentado pela mão direita da examinadora, sobre a palma da mão direita da
paciente, que deve se concentrar e, inclusive, não pode cruzar as pernas.
Durante a análise não se deve questionar, interferir ou exercer excessivamente
atividade mental, que podem, segundo a examinadora, induzir os resultados.
A bioenergética é essencial na análise de vários processos químicos que decorrem
na célula e de suas implicações fisiológicas, principalmente em relação ao modo como
esses se relacionam no estado de equilíbrio do organismo:
O estudo da bioenergética permite entender como a capacidade para realizar
trabalho está dependente da conversão sucessiva, de uma em outra forma de
energias. Com efeito, a fisiologia do trabalho muscular e do exercício é,
basicamente, uma questão de conversão de energia química em energia mecânica
[...] resultando em ação muscular e produção de força (SANTOS, [s.d.], p.2).
Segundo EAF, inúmeras plantas são utilizadas no tratamento dos pacientes,
principalmente no combate às verminoses, comumente diagnosticadas na população
atendida. Tal informação encontra ressonância com Neves e Massara, que constataram a
contaminação do solo em diferentes áreas comunitárias deste município, inclusive, no local
pesquisado (cf., NEVES; MASSARA, 2009).
O nome popular das principais plantas indicadas no combate as verminoses são:
Santa Maria, eucalipto, carqueja, folha do mamão, melão de São Caetano, acerola,
maracujá, arruda, romã, carambola, cipó mil homens, e guiné.
Diferentes autores reconhecem a erva de Santa Maria como uma das principais
plantas usadas no combate à verminose (cf. JARDIM, 2006; JOLY, 2002, p. 274;
MEDEIROS et al., 2004; PINTO et al., 2006; SANTOS; CORRÊA, 2006), apresentando
ainda outras indicações na medicina popular 69.
A arruda também é conhecida pela sua atividade vermífuga, sendo também usada
no combate às varizes e a flebite (cf. BRASILEIRO et al., 2008, p. 634). Finalmente, Ruiz
e colaboradores ressaltam a eficácia da carqueja no combate às verminoses (RUIZ, et al.,
2008, p. 296).
69 A erva de santa maria é também utilizada contra sífilis e sarampo (JARDIM, 2006); como antipirético,
fungicida, (SANTOS; CORRÊA, 2006) antibiótico, expectorante (SOUZA; FELFILI, 2006), anti-reumática
(MARTINS et al., 2007), inseticida (TAVARES; VENDRAMIM, 2005) febrífugo, antiespasmódico, tônico,
auxiliar da digestão (COSTA; TAVARES, 2006), na cicatrização de feridas (MEDEIROS et al., 2004;
SANTOS; CORRÊA, 2006); e no combate à problemas hepáticos, bronquite, tuberculose e hematomas
(COSTA; TAVARES, 2006).
292
As demais plantas citadas por EAF, apresentam atividade antiparasitária pouco
explorada na literatura:
O eucalipto é citado, principalmente, pela sua ação eficaz no aparelho respiratório
(TORRES et al., 2005, p. 377). O mesmo ocorre com a acerola, na cura de afecções
pulmonares (FRANÇA et al., 2008).
As folhas de mamão 70 são indicadas no combate à diarréia, dores estomacais, e
problemas digestivos (cf. BRASILEIRO et al., 2008, p.634). O melão de São Caetano é
citado como analgésico e antitérmico (cf. BRASILEIRO et al., 2008, p. 634).
Brasileiro e colaboradores ressaltam que a romã é utilizada no combate às infecções
de garganta, a carambola, no combate à hipertensão e o guiné, por sua atividade analgésica
(cf. BRASILEIRO et al., 2008, p. 634). Finalmente, segundo RAMOS e colaboradores, o
maracujá é usado na medicina popular principalmente no tratamento da ansiedade, insônia
e irritabilidade (RAMOS et al., 2007, p. 593).
Segundo EAF, as folhas das plantas são, em geral, preparadas na forma de chás.
Raízes e sementes também são utilizadas, embora com menor frequência. O chá não pode
ser levado à geladeira, e deve ser ingerido em, no máximo, 12 horas. A posologia não deve
exceder a três doses ao dia, sendo que a primeira deve ser ingerida antes do café da manhã.
Ainda, conforme EAF, a colheita correta das plantas é essencial. Deve-se verificar,
inclusive, a lua e as condições climáticas: “A minguante é melhor... plantas como a
carqueja e a babosa são tóxicas na lua Nova”.
Segundo EAF, os efeitos tóxicos ocorrem quando são utilizadas plantas em
excesso. Segundo Veiga Júnior e colaboradores, “A toxicidade de plantas medicinais é um
problema sério de saúde pública” (2005, p. 519), pois esta pode ser considerada trivial,
quando comparada a dos medicamentos usados nos tratamentos convencionais, o que é um
grande equívoco, pois os efeitos adversos, possíveis adulterações e toxicidade das plantas
medicinais ocorrem comumente.
França e colaboradores ressaltam que “Há uma tendência à generalização do uso de
plantas medicinais por se entender que tudo que é natural não é tóxico nem faz mal à
saúde” (2008, p. 206). Tal informação mostra-se equivocada, pois inúmeras plantas são
dotadas de grande teor de toxicidade.
70
Mamão é também utilizado no tratamento da gripe (flor), combate à verrugas (látex do fruto), combate à
prisão de ventre (fruto maduro), e tratamento da bronquite (flor) (MEDEIROS et al., 2004).
293
EAF também relatou que é indispensável manter um regime alimentar, evitando
carnes e leite, associados à educação alimentar: “Qualidade de vida não é só remédio, é
mudança de hábitos”.
Finalmente, é preciso ressaltar que, embora essa prática da medicina popular ainda
não tenha comprovação cientifica, o diagnóstico que as pesquisadoras receberam estava em
concordância com os exames laboratoriais, e que o tratamento mostrou-se eficaz.
Considerações finais
As plantas medicinais têm sido utilizadas pelo homem desde os primórdios, como
fonte de cura, tratamento e prevenção de inúmeros males. Assim, o saber empírico das
práticas de saúde, aliado às crenças religiosas foram passados através das gerações,
incorporando-se ao cotidiano de muitos povos, recebendo conotações culturais, folclóricas
e místicas.
Deste modo, através a tradição transmitida pela oralidade, o conhecimento e o uso
de plantas puderam ser difundidos e ampliados, fazendo com que, atualmente, a fitoterapia,
simbolize um dos aspectos importantes da cultura de um povo.
As narrativas cotidianas são conseqüência da cultura popular, por meio dos quais
fatos comuns podem adquirir novas conotações, geralmente repletos de mitos e fantasias.
A cultura de um povo é conseqüência de suas experiências, pela transmissão de suas
impressões e experiências, criando, inclusive, extraordinárias fontes literárias.
A transmissão da cultura através da oralidade permite à adaptação a realidade de
cada narrador, pois este é extremamente flexível, modificando-se conforme o momento
cultural e as características de cada sociedade, e da imaginação criadora do narrador.
A literatura popular oferece uma linguagem coloquial, simples, transitiva e
transparente. É produto coletivo, resultante da criatividade de inúmeras gerações, que
alimentam e mantém acesa a chama da criatividade e da imaginação dos povos.
Desta maneira, a literatura popular evolui naturalmente ao lado da própria história
do homem, através de contos e histórias contados pelos mais velhos, que promovem o
desenvolvimento de mentes mais férteis, criativas e repletas de imaginação. Tal fenômeno
é capaz de transmitir inúmeros conhecimentos, sobremaneira aqueles relacionados ao bem
estar dos indivíduos, à exemplo dos diferentes empregos das plantas medicinais.
Nos dias atuais, o uso e o comércio de plantas têm sido estimulados pela
necessidade de uma crescente população que busca uma maior diversidade e quantidade de
plantas para serem utilizadas no cuidado da saúde, devido, entre outros motivos, a carência
294
de recursos e a grande demanda dos órgãos públicos de saúde. Tal contexto tem levado ao
desenvolvimento de novos sistemas terapêuticos, denominados comumente como
“medicinas alternativas”.
Apesar de escassa comprovação e pesquisa científica, o método tem alcançado uma
parcela cada vez mais significativa da população. Os procedimentos são cercados de rituais
e de inúmeras significações, que demonstram o forte aspecto místico e cultural desta
técnica.
É preciso que se dê mais ênfase e ocorra maior valorização deste método, pois é um
importante meio de ampliação dos serviços de saúde às camadas menos favorecidas, sendo
também um importante ambiente de valorização cultural e folclórico de nossa região.
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2010.
297
EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
NO FUTSAL FEMININO VALADARENSE71
Silméia Martins Moreira * (UNEC)
Hélio Soares do Amaral ** (UNEC)
O objetivo deste estudo é evidenciar a estrutura e a funcionalidade do Programa
Meninas com Brilho nos Olhos – Futsal Feminino Valadarense, responsável por alçar um
grupo de jovens a um lugar de excelência no esporte nacional. Para isto, faz a análise do
discurso da Ata da Assembléia do Conselho Municipal de Esportes e Lazer de Governador
Valadares, reunido em Assembléia Extraordinária no dia 8 de dezembro de 2009 e do
relatório da sessão solene da Rede de Apoio do Futsal feminino de Governador Valadares,
ocorrida no dia 17 de maio de 2010, para evidenciar
a interdiscursividade entre a
educação, a cultura e a sociedade no Programa Meninas com Brilho nos Olhos – Futsal
Feminino Valadarense.
Para desenvolver o tema, o referencial teórico é a obra de Eni Pulcinelli Orlandi
(2003) que, confrontada com a linguagem de conselheiros e apoiadores reforça o foco da
interdiscursividade expresso nos termos Leituras e Expressões. Três variáveis serão
consideradas: 1) a percepção dos apoiadores e conselheiros quanto a importância do futsal
feminino valadarense. 2) as esperanças em relação a uma iniciativa vencedora e 3) as
contradições. Orlandi (2003) orienta que ao proceder a AD de um determinado texto é
preciso considerar os aspectos sócios históricos e as condições de produção do texto em
análise buscando compreender o sujeito, a situação e a memória.
Começando pela situação, torna-se pertinente apresentar o Futsal feminino. A
evolução deste projeto teve inicio dia 18 de novembro de 1998 por iniciativa do empresário
Sr. Guilherme Frossard Filho. Parafraseando uma partida de futsal, o primeiro tempo era
configurado apenas como um sonho pessoal do Sr. Frossard, mas ao ser partilhado
71
Este texto faz parte da dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguagem,
do Centro Universitário de Caratinga – MG (UNEC), Futsal Feminino Valadarense _ Vitória para além da
quadras
*
Mestre em Educaçãoe Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga.. E-mail:
[email protected].
**
Professor Titular do Programa de Mestrado em Educação e Linguagem do Centro Universitário de
Caratinga. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. E-mail: [email protected].
298
socialmente, recebeu apoio de um grupo de amigos e instituições públicas e privadas que
se tornaram parceiros em prol de seu desenvolvimento e sustentabilidade.
Como fruto do trabalho de preparação das atletas, a equipe de Futsal Feminino
Valadarense começou a crescer em número de atletas e em excelência de resultados,
passando a obter vitórias sucessivas e imprimindo novas demandas o que originou a
fundação da Associação Esportiva Figueira – em 02 de junho de 2005, no município de
Governador Valadares. A inspiração inicial do trabalho foi investir na modalidade de futsal
feminino acompanhando a iniciativa do Sr. Guilherme Frossard Filho, primeiro presidente
da. A AEF, uma sociedade civil, sem fins lucrativos que tem como finalidade:
Defender os interesses do esporte valadarense em geral, bem como o direito dos
associados da categoria; Promover e divulgar por todos os meios e a sua
disposição, a formação de equipes e atletas em diversas modalidades do esporte
especializado. Todas as escolinhas terão no mínimo 20% de trabalho social ou
seja gratuito,.Realizar congressos, cursos, torneios e eventos para promover e
incentivar a prática esportiva e a evolução do esporte.Manter convenio com
entidades, fundações, iniciativa privada, seja pessoa física ou jurídica e órgãos
não governamentais, verbas, patrocínios ou materiais em geral para as equipes ou
escolinhas (Estatuto da A.E.F. Cap.1 Art.2º, p. 1, 2005).
Com a criação da AEF, o futsal feminino valadarense inaugura um segundo tempo,
porque uma das primeiras iniciativas do presidente desta associação esportiva foi a
implantação de um programa esportivo social de ações exclusivas para o desenvolvimento
desta modalidade esportiva. Segundo Frossard foi o brilho que ele vê nos olhos das
meninas a cada vitória alcançada que inspirou a nome do Programa Meninas Com Brilho
nos Olhos.
Esta segunda fase ocorreu entre os anos de 2005 e 2008. Laureada de glórias a
equipe campeã da Taça Brasil 2005 deu entrada na cidade em cima do caminhão do corpo
de bombeiros por iniciativa do então secretario de esportes Sr.Gilsom Terra. Durante o ano
de 2008, o futsal feminino atendeu cerca de 200 atletas, oriundas de diversos bairros da
cidade, com diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos, sendo que a maioria é de
baixa renda e vive em condições de vulnerabilidade social.
O ano de 2009 foi um ano de mudanças políticas municipais e os atores sociais que
representam as autarquias publicas municipais também são outros. Diante disto, os
diretores do futsal feminino buscaram estabelecer parcerias com eles, na esperança de que
o futsal feminino fosse compreendido como um projeto de estado e não como um projeto
de governo.
299
Nem sempre as parcerias foram bem sucedidas e o ano de 2009 foi marcado por
dificuldades. Um destaque foi a alteração na forma de apoio da Secretaria Municipal de
Cultura Esportes e Lazer – SMCEL. Há 10 anos, a SMCEL faz parte da rede de apoio ao
futsal feminino e uma de suas principais frentes de ação era a cessão do Ginásio Coberto
da Praça de Esporte Municipal no horário entre 17 e 21 horas para treinos diários e
preparação das atletas. Em maio de 2009 este horário foi alterado para após as 22 horas.
Este horário ficou incompatível com as necessidades de treino e preparação das atletas e
também com o perfil do publico atendido pelo futsal feminino.
Isto motivou os diretores e apoiadores do futsal feminino a solicitarem o apoio do
Conselho Municipal de Esporte de Governador Valadares, com vistas ao reconhecimento
da relevância social do projeto do futsal feminino como uma das justificativas para reaver a
disponibilização de horários adequados do ginásio coberto da praça de esportes municipal
para treino e preparação das atletas.
No dia 08 de dezembro de 2009 os membros do Conselho Municipal de Cultura
Esportes e Lazer de Governador Valadares se reuniram em Assembleia Geral
Extraordinária.
A pauta da reunião foi composta de dois assuntos aparentemente
diferentes, mas que em sua essência tinham o mesmo objetivo. Primeiramente, um grupo
de mulheres representantes da Associação de Moradores do Bairro Cardo, solicitou do
Conselho Municipal de Esportes uma declaração de funcionamento para cadastrarem a
referida entidade na Coordenação Geral de Convênios – SINCOV, um sistema de
convenio com o Governo Federal . Não foram registradas na ata quais as respostas ou
orientações as representantes da entidade receberam.
Aparentemente, o objetivo das representantes da Associação de Moradores do
Bairro Cardo é diferente dos objetivos dos representantes do Futsal Feminino valadarense,
mas uma Análise Discurso de seus representantes indica que ambos os projetos pedem
ajuda para continuarem a existir. Seus representantes os apresentam informando que eles
existem, estão vivos e funcionando apesar das dificuldades, È como se os projetos
dissessem: “vejam todos, nós existimos, estamos vivos e não queremos morrer, nos ajudem
a continuar vivos e produtivos”.
A ata em análise registra a participação dos representantes do futsal feminino
valadarense e cita a fala de algumas pessoas:
O Sr. Guilherme Frossard Filho “falou sobre a história do futsal feminino de
nossa cidade e expôs as dificuldades e problemas enfrentados. Sendo que o futsal
feminino vai muito além do que a pratica esportiva.E um projeto social e tem
300
como meta oferecer estudo às participantes do projeto contando hoje com mais
de 30 meninas estudando com bolsa. Fez um desabafo dos dez anos do futsal
feminino em nossa cidade.
Continuando a apresentação do projeto do futsal feminino o Sr. Munir e a Srª.
Silméia, técnica e psicóloga do esporte, ambos voluntários da equipe, falaram sobre os
benefícios do futsal feminino no âmbito social,da importância de haver acordos que sejam
bons para todos e da inviabilidade de desenvolver um projeto esportivo de rendimento sem
investimento
O Sr. Guilherme Frossard, sujeito do discurso em destaque, é um empresário que
desde o ano de1998 buscou o desenvolvimento do futsal feminino valadarense. Como foi
dito tudo começou como um sonho dele. Depois vieram as parcerias que sustentaram o
projeto. Entre os participantes desta rede de apoio destaca-se a Prefeitura Municipal de
Governador Valadares, através da SMCEL – Secretaria Municipal de Cultura Esporte e
Lazer. A Situação na qual ocorre a reunião extraordinária encontra-se marcada por
sucessivas dificuldades enfrentadas pelo futsal feminino para as quais seus representantes
pedem ajuda em prol da sustentabilidade do projeto.
Uma das dificuldades em destaque foi a redução significativa dos horários
disponibilizados para os treinos, ocorrida em maio de 2009, no ginásio coberto da Praça de
Esportes Municipal. Então, a equipe se viu, mais uma vez, diante da necessidade de
realização dos treinos em quadras emprestadas conforme disponibilidade de outras
agremiações. Outra dificuldade enfrentada foi a demissão do técnico da equipe Sr. Munir
Saygli, naquela mesma ocasião em vésperas de uma competição nacional. O Sr. Munir
Saygli trabalhava como técnico desta equipe desde o mês de novembro de ano de 2004.
No início ele atuou como profissional voluntário, sendo
depois foi contratado pela
Secretaria Municipal de Cultura Esporte e Lazer como mais uma ação de apoio desta
secretaria ao futsal feminino.
Para melhor compreensão da situação que ocasiona a presença e participação do
futsal feminino em uma reunião extraordinária do Conselho Municipal de Esporte –
C.M.E, é necessário recorrer à Memória que arquiva dados não explícitos no documento
em análise, de acordo com os parâmetros da AD. Durante a reunião extraordinária os
representantes do futsal feminino solicitaram a seção de espaço e disponibilização de
horários adequados para treinos das atletas na praça de esportes municipal. Este pedido foi
feito porque durante 10 anos a principal frente de ação da parceria entre a SMCEL e o
Futsal feminino foi a cessão do espaço do Ginásio Coberto da Praça Municipal de Esportes
301
no horário entre as 17 e 21 horas. A praça de esportes se transformou em espaçoreferência.
Em maio de 2009 os horários disponibilizados não eram compatíveis com a
necessidade de uma equipe que representa a cidade em âmbito regional, estadual e
nacional. Além de que as atletas das categorias de base, por serem crianças e adolescentes,
não podem treinar à noite depois das 22 horas, horário que Sr. Vilson, gerente da praça de
esportes municipal, dispôs sob alegação que a quadra precisa ser utilizada também por
outras pessoas.
Outra frente de ação da SMCEL nos anos anteriores foi o pagamento periódico de
taxas da Federação de Futsal Feminino e também viabilização de transporte para as atletas
participarem de competições. Enquanto participe desta reunião a pesquisadora registrou a
abstenção verbal do gerente da praça de esportes municipal quanto à redução da
disponibilidade de horários para treino e preparação da equipe de futsal feminino. Naquele
momento, porém, a Srª Samírames ressaltou o trabalho sério que é feito com o futsal
feminino e frisou que atualmente não vê tantos atletas utilizando o ginásio para
treinamento e sim para jogarem uma “peladinha”.
Eis as palavras da Senhora Semírames, Mirane Costa Fabri anotadas para a elaboração
desta pesquisa:
Eu conheço o trabalho do futsal, todas as meninas têm dedicação total e um
trabalho sério. Eu vi La na Praça de Esportes, não tendo nada, gente à toa e as
meninas sem treinar. Esse ano só tem isso, funcionários jogando bola e o esporte
sem ter espaço lá.
Atendendo a um preceito de Orlandi (2003) orientando para que os sujeitos dos
discursos, analisados sejam identificados, a pesquisadora buscou informações sobre quem
é a Srª Semírames e qual a sua relação com o contexto desportivo valadarense. As
informações sobre a mesma foram fornecidas pelo Sr. Guilherme Frossard, que assim a
apresenta:
Simirinha é membro da família "Fabri", na minha opinião, a que mais contribuiu
para os esportes valadarense pois todos seja mãe ou pai e os filhos sempre
representaram nossa Valadares em todos modalidades nas quadras, piscinas e
pistas com muito sucesso sendo todos atletas de alto nível no vôlei, atletismo,
natação, handebol e basquete, hoje ela é alem de membro da associação municipal
de vôlei, oficial de arbitragem das federações mineiras de vôlei e basquete alem de
ser membro do conselho municipal de esportes e desportiva sempre atuante e que
briga pelos esportes valadarense.
302
Em resposta ás solicitações do futsal feminino, consta em ata o seguinte:
O Sr. Antonio Fernandes, Secretário Municipal, comentou que no início do ano
foi realizado um levantamento das necessidades do município em reformas e
construções de quadra,ginásio e campos de futebol e ainda, projetos para
aproveitar os espaços públicos para pratica esportiva. Disse que a SMCEL está
se estruturando para captar recursos junto aos governos estaduais e federais.
Prosseguindo com sua fala ele disse: Temos que verificar uma forma de ajudar
os esportes fazendo convênios. Justificou a não contratação do técnico Munir
Saygli,que é residente em Caratinga,uma vez que o município não pode contratar
alguém que esteja morando em outro município para exercer cargo aqui. E o que
podemos fazer é liberar o ginásio para treinos e competições, sendo essa também
a ajuda do município. Lembrou também que a secretaria tem recursos razoáveis,
tem espaços, mas não temos condições. Há muita boa vontade deste governo de
mandar recurso de encaminhar projetos. Em relação ao futsal feminino, o
município não pode ficar nessa situação, não podemos ficar individualizando.
As anotações da pesquisadora registram o discurso do Secretário de Esportes:
Quando novo, ouvia sempre que a prefeitura não ajuda em nada. É histórico isto
em Valadares,a falta de incentivo no esporte. A SMCEL tem recursos razoáveis,
temos espaços mas não temos condições. Há uma boa vontade desse governo em
mandar recursos, de encaminhar projetos. Em relação ao Futsal Feminino, o
município não pode ficar nessa situação, não podemos ficar individualizando.
Temos que ter uma forma de firmar convênio de parceria.
UNIVALE/MUNICIPIO/ PREFEITURA. Não podemos ficar brincando de
administrar. O caso da Praça de Esportes precisamos sentar e resolver essa
situação.
A ata registra o discurso de um dos conselheiros que assume uma atitude de
mediação:
O Sr.Idélcio, Educador físico sugeriu que o Sr. Guilherme apresentasse o projeto
do futsal para o CME para que o conselho tenha mais um instrumento para
poder intervir junto à prefeitura.O mesmo se ofereceu para ser o mediador do
conselho nesse processo.
Um dos convidados presente à reunião se levantou para expressar seu depoimento,
conforme se lê na Ata:
O Sr. Jorge, convidado, disse da importância do esporte e que essa dificuldade
financeira para o esporte se arrasta por longos anos e que estamos correndo o
risco de perder nossos jovens para o trafico de drogas e que o poder publico tem
que ter mais que força de vontade para que isto aconteça. “ a cidade que não da
chance para suas crianças é morta”.
303
O Sr. Jorge é atleta de muito destaque em nossa cidade na sua época nas
modalidades de basquete e handebol representando nossa Valadares em muitas conquistas,
hoje alem de assessor de do vereador Marcos (Chiquinho) é membro atuante em muitos
trabalhos com nossa juventude através da igreja católica. Em seu discurso ele resgata a
memória de tempos idos do esporte valadarense para explicar que a situação atual é
cultural e vem se repetindo reflete o modo como o esporte valadarense vem trazendo um
padrão de pouco investimento no desenvolvimento esportivo.
As anotações da pesquisadora acrescentam ao discurso do Senhor Jorge : temos
que achar um jeito da CDL participar conosco. Pois há muito má vontade de todos, temos
que esquecer os partidos e as desavenças e nos unirmos pelo bem de todos.
O Sr.Carlos Tébit, conselheiro municipal de esportes e presidente da Associação
Recreativa Filadélfia manteve-se reflexivo durante todo o tempo. A ata registra apenas
uma frase dele: temos que rever realmente e fazer algo, pois as coisas estão difíceis para
todos.
No entanto, as anotações da pesquisadora registraram o seguinte teor de sua fala:
Largamos tudo para nos dedicarmos ao esporte, então esperamos que Valadares
comece uma nova etapa; ,sabemos que a verba é difícil, mas vamos ter nova
postura e eu estou à disposição para tudo,com o Filadélfia à disposição, com
quadras, ginásios e outras coisas. Temos que representar Valadares bem.
Uma contribuição importante foi o discurso da Srª Donita Meire Dias, de Educação
Física. Ela comentou que uma forma de ajudar aos atletas seria a regulamentação da Lei de
Incentivo ao Esporte em âmbito municipal. Ao final da reunião, foi distribuído um modelo
de contrato para utilização dos espaços da praça de esporte por terceiros.
A sessão solene da Rede de Apoio do Futsal feminino de Governador Valadares,
ocorrida no dia 17 de maio de 2010, teve como objetivo entregar à Prefeita Municipal Elisa
Costa o troféu recém conquistado na primeira etapa do JIMI realizado no período de 30 de
abril a 5 de maio em Ipatinga, no Vale do Aço. O discurso de abertura foi realizado por
Gracielle Martha Schueng. A mesma é atleta e preparadora física da equipe:
Esta é uma noite de muita alegria para nossas meninas de ouro, esta macarronada é
símbolo do reconhecimento de cada um que se faz presente, a trajetória de todo
trabalho e dedicação das atletas para representar nossa cidade, universidade e
estado por todo brasil. em especial, parabenizamos as nossas atletas de ouro,
comissão técnica e coordenação deste projeto, em serem representantes do nosso
estado em uma das competições estaduais mais importante do Brasil – os Jogos
Abertos Brasileiros – JAB’S, onde reúnem os melhores atletas de nosso brasil. e na
304
oportunidade parabenizamos também a toda equipe por mais um título na primeira
etapa nos Jogos Do Interior De Minas – JIMI. Contamos hoje com a presença de
parceiros fundadores do nosso projeto, parceiros que reconheceram nosso trabalho
ao longo dessa caminhada de 11 anos, e parceiros que ainda farão parte desta
grande família futsal feminino. com o intuito de que todos conheçam um pouco do
nosso trabalho, passaremos uma breve apresentação do nosso projeto.
Fotos gentilmente cedidas por Gracielle Martha Schueng,. Atleta e
preparadora física do futsal feminino Valadarense.
Este projeto nasceu no ano de 1998, tendo o senhor Guilherme Frossard Filho
como seu grande idealizador. Éramos ainda bem pequenos, sem força, sem
raízes, sem historia; sabíamos o quanto seria difícil o início do trabalho, e
conquistar parceiros para ele não seria uma tarefa fácil, pois acreditar em algo
que ainda não é concreto, que ainda não tem identidade, sem passado, sem
precedentes não é algo muito fácil. o projeto era algo ainda muito novo,
diferente, e que causaria impacto e questionamentos de toda a comunidade. mas
como todo início de trabalho, o nosso não foi diferente, muitas lutas e barreiras
foram travadas nessa trajetória, mas ano a ano ganhávamos experiência,
conhecimentos, força e cada vez mais aguçava em cada um, participante dessa
historia, o desejo de vencer e mostrar que poderíamos fazer a diferença. “sonho
que se sonha só, é apenas um sonho, mas sonho que se sonha junto se torna
realidade” (Raul Seixas). O ano de 2005 foi marcante para o projeto, pois
conquistamos títulos em todas as esferas, municipais, estaduais e nacionais.
Aquele ano foi a base para construirmos mais degraus de nossa trajetória, que
pode a partir de então, dar passos mais largos, agregar mais parceiros e mostrar a
todo Brasil um futsal feminino, guerreiro e não mais, apenas parte de um sonho,
mas realidade. Momentos maravilhosos estes, mas enquanto achávamos que o
difícil seria chegar ali no topo, estávamos enganados, pois aquele momento
marcava o início de mais uma etapa, que era ainda mais difícil, que e a de
permanecer no pódio. Esta é muito árdua e depende do empenho e envolvimento
de todos nós. Apesar de termos ainda muitas dificuldades em nosso caminho,
não deixamos de sonhar. Queremos sempre mais e sempre o melhor. Vitórias e
mais vitorias.... e as nossas meninas mostram porque são reconhecidas como
“meninas de ouro” e derrubam gigantes a cada manhã para honrar essa
identidade, a qual lhes foram dadas. e seguem... confiantes e seguras dos seus
objetivos. Hoje o futsal feminino representa o alicerce para muitas meninas e a
garantia de cidadania e alegria para cada membro dessa família por ser realidade.
Agradecemos a todos por serem parte dessa família e especialmente a estes
parceiros que fazem com que o nosso projeto continue...
305
A mesa foi composta por representantes da prefeitura, da Universidade Vale do Rio
Doce e de outros apoiadores do futsal feminino. O Sr. Paulinho Costa iniciou seu discurso
agradecendo ao Esporte, por todas as suas conquistas,
Eu sou quem sou hoje graças ao esporte, se eu tenho o 3º grau foi porque a
minha vida esportiva me abriu as portas se eu fui vereador em Governador
Valadares também agradeço a minha vida de atleta que me abriu portas .
Paulinho já foi vereador e candidato a vice-prefeito nas ultimas eleições
municipais, em Governador Valadares. Trata-se de pessoa comprometida com o esporte
valadarense e sempre apoiou o futsal feminino valadarense de diversas formas uma delas
era a cessão da perua da Câmara dos Vereadores para transportar as atletas
para
participarem de competições. Em seu discurso ele pede ajuda ao atual vereador,
Chiquinho, que também compôs a mesa, para que se comprometa, na atual gestão, a
desenvolver políticas públicas de incentivo ao esporte.
O Professor João Batista, Coordenador do Curso de Educação Física da UNIVALE,
esteve presente representando a Magnífica Reitora Ana Angélica. Ele também discursou
discurso dizendo que o esporte o ajudou a conquistar o nível superior de ensino. Fez um
agradecimento às famílias das atletas, por confiarem no projeto do futsal feminino
permitindo que suas filhas participem. Tendo chegado ao pódio, disse ele, a preocupação
do atleta é com a permanência no pódio. E isto é mais difícil.
A Srª Samis Secretária de Educação, ao tomar a palavra, faz o seguinte discurso:
Atletas, vocês são o grande orgulho da comunidade valadarense, desejo cada vez
mais que vocês queridas atletas sejam vencedoras. Porque Vencer não significa
ter apenas vitórias, às vezes a vitória é o processo que se desenrola para chegar
ao pódio, é a perda de uma vitória. Às vezes seu troféu não é o 1º lugar, mas é
vencer os seus próprios limites, o limite do medo, o achar que não é capaz de
vencer na vida. A vitória do esporte é a vitoria de ideais, são complementos. Para
ser esportista tem que ser gente, e gente tem que ter honradez, lealdade e respeito
ao processo do outro. A nossa vitória é realizada em pé de igualdade do outro. A
vitória é alcançada quando vocês buscam além do pódio do esporte, e encontram
a cultura e esporte de vidas cidadãs do município, promover o nome da nossa
cidade. Vocês representam parte da história da cidade. Construir a bela história
que vocês estão construindo só pode trazer orgulho. A crença e a realização de
vocês fazem com que os outros acreditem que também podem. As fotos da
formatura dão a certeza que primeiro vocês acreditaram em vocês, e isto é uma
referencia positiva. Amanha vocês vão sair para uma nova competição nacional,
mas não carreguem o fardo de terem que vencer sempre, é muito peso para
pessoas tão valorosas, corajosas, às vezes a derrota também ensina, faz parte da
construção das idéias. A contribuição da Secretaria da Educação tem sido uma
306
parcela mínima, mas queremos fazer mais. Boa viagem e apoio no pódio e fora
dele.
O Vereador Chiquinho, também iniciou seu discurso, traçando elogios ao Esporte
pelo desenvolvimento do seu projeto de vida. Eu sou – enfatizou – o projeto do Esporte;
tudo que consegui na caminhada da minha vida foi através do Esporte. Na adolescência
foi atleta de futsal masculino sob a coordenação do Sr. Guilherme Frossard, a quem ele se
refere como o nosso pai do Futsal:
O futsal feminino é o orgulho da nossa cidade no estado e no país e queremos
que ele alcance reconhecimento internacional. Nós estamos na Câmara de
Vereadores fazendo um trabalho de buscar apoio para ter um esporte que resgate
a cidadania. Dois projetos estão em tramitação: 1) bolsa atleta municipal e 2 )
instituição da ginástica laboral nas empresas de Governador Valadares. No final
do ano de 2009, nossas atletas deixaram de participar de uma competição em São
Paulo, por falta de sessão da van da Câmara de Vereadores. A burocracia
inviabilizou o empréstimo a van. E preciso apoio porque este projeto já é
realidade, nós já temos atletas formadas e atuando como professoras de educação
física.
Também compôs a mesa o Meritíssimo Juiz de Direito Marcelo Cândido:
O futsal feminino representa um grande orgulho para nossa cidade, lamento que
as coisas pairem nas relações de amizade. Para prosperar eu acho que
Governador Valadares precisa de mais humildade para que os gestores políticos
não atrapalhem o desenvolvimento do esporte, há pouca organização. Tem
material humano. Qualquer modalidade esportiva desenvolvida como é feito o
trabalho do futsal feminino tem condição de ser vitorioso. É preciso chamar
Valadares para fazer o esporte crescer independente do partido político.
O Sr. Fábio Brasileiro, Chefe do Gabinete da Prefeita Municipal Elisa Costa veio
representá-la. Em seu discurso, faz menção à lembrança que tem dos primeiros passos do
futsal feminino valadarense, porque na ocasião ele ocupava o cargo e função de Secretário
de Cultura:
É muito bom ver agora as atletas de hoje entregando o troféu por conquista do
titulo de campeãs da primeira etapa do JIMI 2010 e também indo para Cuiabá ,
disputarem uma competição nacional. Vocês são mesmo de ouro. O Guilherme e
os demais parceiros aqui presentes sabem não se funciona com uma mão só, se
as partes não fizerem cada uma a sua parte. A qualidade do trabalho
desenvolvido no futsal pode avançar para outras modalidades. Há dificuldades na
infra- estrutura nas áreas urbanas e rural, é preciso resolver a questão legal.,
precisamos avançar na manutenção da lei do incentivo ao esporte.
307
Observa-se, nestas considerações finais, que a ênfase na análise do discurso (AD)
permitiu delinear algo sobre a percepção dos conselheiros e apoiadores sobre o impacto
social do futsal feminino valadarense evidenciando esperanças e contradições em relação a
medidas de sustentabilidade deste programa.
A linguagem de conselheiros demonstra contradições em relação a uma iniciativa
vencedora e indica a necessidade de políticas publicas de incentivo ao Esporte, meta que
este texto tem como essencial. Pois que o discurso dos apoiadores evidencia a
funcionalidade do uso do potencial educativo do Esporte para o desenvolvimento das
atletas, o reconhecimento da necessidade da presença ativa da rede de apoio para viabilizar
estrutura adequada ao desenvolvimento e sustentabilidade deste programa.
Apesar das dificuldades, o programa teve êxito significativo. É provado que
programas como este, envolvendo esporte de rendimento, estão aptos a desenvolver as
potencialidades de todos os participantes, podendo servir de modelo para iniciativas
similares em Governador Valadares e, também, em outras cidades do Brasil. Pelo seu
sucesso, pelo brilho nos olhos das atletas, esse programa está sendo batizado pelo seu
fundador, Guilherme Frossard, como Meninas com Brilho nos Olhos.
Referências:
ASSOCIAÇAO ATLÉTICA FIGUEIRA. Salão Nobre da Associação Recreativa
Filadélfia. Relatório da sessão Solene realizada no dia 17 de maio de 2010.
CONSELHO MUNICIPAL DE ESPORTES E LAZER DE GOVERNADOR
VALADARES. Prédio da Secretaria Municipal de Cultura Esportes e Lazer. 3º andar. Sala
de reuniões. Ata da Reunião Extraordinária realizada no dia 08 de dezembro de2009. p. 2728.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas:
Pontes, 2003.
308
INSTITUIÇÃO ESCOLAR: ESPAÇO DE EXPRESSÃO CULTURAL
ATRAVÉS DOS DISCURSOS.
Simone Aparecida de Sousa *
Amédis Germano dos Santos **
Introdução:
A instituição escolar trabalha o processo ensino-aprendizagem muito além que
conteúdos programáticos, cria normas de convivência escolar, transportadas para a
convivência social, as quais nos acompanham por toda sociedade.
Vários autores têm discutido sobre a forma como a escola cultua certos valores,
incutindo-os nos educandos e educadores, sendo esses transmitidos através dos discursos
ditos e silenciados nas instituições. Pretendemos analisar como a Análise do Discurso
auxilia-nos a perceber as ideologias veiculadas nas culturas explícitas e negadas no espaço
escolar, além de, auxiliados pelas ideias de Michel Foucault, discutir a importância para a
cultura dominante de se continuar formando “corpos dóceis” nas instituições escolares.
A noção do controle do corpo, implicando em domínio das ideias, iniciou-se pelo
modelo do panóptico, seguida pela divisão das funções dentro do universo escolar, de
acordo com o modelo de divisão do trabalho implantado pelo capitalismo. Assim, evitou-se
que um indivíduo construísse o todo, tornou fragmentado o ser humano, impedindo-o de
perceber-se capaz de provocar as rupturas necessárias às mudanças. A escola, pela da
valorização da cultura dos diferentes universos que a constitui, poderá dar um novo
sentido a sua função numa sociedade de massas, como o Brasil.
Desenvolvimento:
Althusser mostra a instituição escolar como sistema capitalista de reprodução da
qualificação da força de trabalho. A escola, segundo Althusser, ensina alguns elementos da
chamada cultura científica ou literária, utilizados nos mais diversos campos de reprodução,
*
Mestre em Educação e Linguagem – UNEC- Caratinga. E-mail: [email protected].
Professor de Antropologia e Sociologia da UNEC, Graduado em Ciências Políticas pela FESP-SP, PósGraduado em Geografia Física e Análise Ambiental pela UFMG/UNEC, Mestre em História da Ciência pela
PUC-SP e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor Mestrado Acadêmico em Educação
e Linguagem, do UNEC. E-mail: [email protected].
**
309
tais como: ler, escrever e contar. A importância dada a essas habilidades deve-se a essas
serem necessárias ao sistema neoliberal para constituição de mão de obra necessária ao
sistema.
Assim, o privilégio de atividades mecanizadas e técnicas possibilita ao sistema ter
um sujeito capaz de desenvolver ações práticas no mercado de trabalho, ao mesmo tempo,
a omissão no trabalho com habilidades e competências que possibilitem o raciocínio crítico
impede esses sujeitos de se rebelarem contra o sistema.
Dessa forma, a escola, funcionando como importante Aparelho Ideológico do
Estado (AIE), fomenta um modelo econômico e social que constitui a história brasileira,
dede a chegada dos jesuítas. Repete o sistema social de dominantes e dominados 72.
Mas, por outro lado, e ao mesmo tempo em que ensina estas técnicas e
estes conhecimentos, a Escola ensina também as “regras” dos bons
costumes, isto é, o comportamento que todo o agente da divisão de trabalho
deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras de
moral, da consciência cívica e profissional, o que significa exatamente
regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho, pelas regras de
ordem estabelecida pela dominação de classe. Ensina também a “bem
falar”, a “redigir bem”, o que significa exatamente (para os futuros
capitalistas e para os seus servidores) a “mandar bem”, isto é, (solução
ideal) a “falar bem” aos operários, etc.(ALTHUSSER, 1985, p. 21).
O professor pronuncia um discurso que não é seu, uma vez que, atualmente, é
oriundo das camadas populares, representa os interesses do Estado, vende sua força
de trabalho. Com a proletarização do trabalho docente, esse não constrói sua prática
pedagógica, executa ações verticalizadas, transmitindo a cultura da elite, mesmo
sendo o professor oriundo das massas.
O sujeito aluno não tem sua cultura respeitada, uma vez que precisa vir para a
escola socializar-se, tornar-se cidadão dentro dos moldes do Estado, o que é conseguido
com o auxílio das ideologias dos discursos pronunciados pelas autoridades competentes.
Uma das primeiras tarefas da escola é ajudar o aluno a falar a língua “culta”, que
significa falar de acordo com a variação da elite. Ele também deve aprender a comportar-se
segundo as normas da cultura dominante, inculcação que é feita através da forma como a
instituição escolar se organiza, seguindo o modelo do panóptico apresentado por Foucault:
72
Essa divisão social entre dominantes e dominados baseia-se nas idéias de Marx, sendo dominados
aqueles desprovidos dos meios de produção. Atualmente, os desprovidos dos meios de produção tem,
também, suas culturas e idéias negadas, pois na sociedade atual vivemos o período das relações nas quais
idéia e cultura dão concretude ao poder.
310
O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro,
uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna
do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando
toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite
que a luz atravesse a cela de lado a lado.Basta então colocar um vigia na
torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado,
um operário ou um escolar (FOUCAUT, 2003, p.1665-166).
Dentro do modelo do panóptico a vigilância constante é assegurada e assim, as
escolas têm como estrutura física o pátio, bem ao centro, as salas com carteiras
enfileiradas, os alunos uniformizados, um regime de horários, planos curriculares, diários
para registro de presença, dos conteúdos trabalhados. Tudo rigidamente vigiado por
instâncias hierárquicas superiores. A escola funciona como importante forma de controle
de todos os envolvidos. É importante perceber que:
Em primeiro lugar dizer que a disciplina fabrica corpus dócil não significa
dizer que ela fabrica corpus obediente. Falar em corpos dóceis é falar em
corpos maleáveis e moldáveis: mas não se trata ai de uma modelagem
imposta, feita a força. Ao contrário, o que é notável no poder disciplinar é ele
“atua” ao nível dos corpos e dos saberes, do que resultam formas particulares
tanto de estar no mundo no eixo corporal, quanto de cada um conhecer o
mundo e nele se situar no eixo dos saberes. Daí advém duas conseqüências
muito importantes e que dão tanto no eixo corporal quanto no eixo dos
saberes. A primeira conseqüência pensando também disciplinarmente, cada
um vê a disciplinaridade do e sobre o próprio corpo não apenas como algo
necessário, mas como uma necessidade necessariamente natural. A segunda
conseqüência: a disciplina funciona como uma matriz de fundo que permite a
inteligibilidade, a comunicação e a convivência total na sociedade, mesmo
que não sejamos todos igualmente disciplinados, todos compreendemos ou
devemos compreender o que é ser ou como se deve ser disciplinado (NETO,
2005, p. 85).
Os envolvidos no processo ensino-aprendizagem não percebem como todas as
situações tidas como necessidade de manutenção da ordem possibilitam a consolidação de
“verdades” que não são, de fato, necessidades daquele grupo que as executa. Nesse sistema
a escola ensina aos envolvidos que o sistema de disciplina é necessário ao bem da
sociedade.
Formar pessoas que são facilmente manobradas, dentro da necessidade da classe
dominante, mesmo aparentando atender aos interesses das classes desprivilegiadas é o que
tem caracterizado o sistema de ensino no Brasil. A escola pública brasileira privilegia a
cultura e o sistema de dominação das elites, desde a sua formação.
Exatamente essa função é que fez com que o Estado investisse e invista para que as
massas frequentem a escola; o controle cultural possibilita a manutenção do modelo de
311
estratificação social. É importante para a elite que as camadas populares frequentem as
instituições escolares para que se enquadrem dentro das necessidades da ordem vigente:
Essa racionalização do aparelho educativo permitiu escolarizar maciçamente
todas as crianças de 6 a 16 (até 18) anos e aumentar, de década em década,
os índices de escolarização pré-obrigatória e pós-obrigatória. Ela aplica à
formação dos indivíduos certos princípios da produção industrial,
principalmente: Uma divisão vertical do trabalho dos professores, de acordo
com a qual os alunos passam de grau em grau, mudando de professores a
cada ano ou a cada dois anos; uma divisão horizontal do trabalho, que
fragmenta cada grupo seguindo o mesmo programa em tantas classes
confiadas a tantos professores (ou a grupos de professores ensinando
disciplinas complementares) (PERRENOUD, 2000, p.101).
A importância de se assegurar à classe dominante a cultura transmitida deve-se ao
fato de que ´cultura` significa ´poder`, no universo social. Poder que transforma alguns
homens superiores a outros, detentores de meio de produção e com condições de
promulgar verdades tidas como absolutas.
O homem sempre viveu imerso nas relações de poder, sendo essas as
possibilitadoras de uma relação, na qual alguns mandam e outros conformam-se em
obedecer. A cultura é uma das teias das relações de poder e assim, torna-se necessário
negar às classes populares uma cultura própria:
Se o homem jamais viveu senão em sociedade e é o poder elemento constitutivo
de toda forma de organização social, não se pode imaginar que o homem tenha
algum dia vivido sem a sombra do poder. O poder sempre existiu entre os
homens. Não existe na história qualquer forma de organização social que não se
tenha dividido em dois grupos: o dos que mandam e o dos que obedecem, líderes
e seguidores, governantes e governados. A tarefa de controlar a atividade dos
membros do grupo sempre coube a um indivíduo ou a uma reunião de
indivíduos, aos detentores do poder. Na base do poder está essa distinção entre
dominados e dominadores (CHALITA, 1999, p.23).
Uma vez que a cultura das classes populares constitui a história dessas, a escola a
nega, ridicularizando os saberes populares, transformando-os em folclore. Muchail chama
atenção para a incorporação desses processos de negação da cultura, ao se transformar a
escola num espaço de reprodução de saberes “qualificados” como verdadeiros:
Mas é preciso não se iludir: o poder que legisla, regulamenta e controla
não está exclusivamente centralizado num saber elaborado no exterior da
instituição escolar, nela se exercendo de fora para dentro e de cima para
baixo. Ao contrário, na medida mesma em que professores e alunos nos
312
limitamos a cumprir as normas, a assimilar o saber "qualificado",
trazemos para dentro das próprias relações pedagógicas os mesmos
mecanismos e os mesmos efeitos de exercício do poder. É quando a escola
não pode ser um lugar onde se pensa para ser o lugar onde se reproduz o
conhecimento instituído. É quando as relações entre professor e estudante
reproduzem a relação do sujeito que "possui" o saber com um-"objeto” de
educação (MUCHAIL, 2004, p. 57).
A instituição escolar deveria ser o espaço da discussão, da reformulação, de novos
significados, no qual a relação entre os envolvidos fosse de igualdade, professores e alunos
como aprendizes, construtores de novas formas de relação na sociedade. Mas tanto nas
escolas como nas academias a relação entre os sujeitos da aprendizagem é verticalizado,
como nas relações sociais contra as quais as escolas deveriam trabalhar.
Nessa perspectiva, identificar a educação como possibilidade do educando
ascender-se socialmente constitui uma falácia no sentido que, através do sistema atual de
ensino, as camadas populares de ensino continuarão na perspectiva de dominados.
Alguns educandos poderão, isoladamente, transportar-se para o lado dos
dominantes, mas constituirão exceções à regra, pois a escola pública atual condiciona o
educando a manter-se na sua posição social.
A escola poderá deixar de ser um aparelho reprodutor da cultura da
dominação quando assumir sua função de mediadora das construções e relações que o
indivíduo pode estabelecer com o mundo, desmistificando a rigidez de papéis,
desconstruindo as verdades absolutas
Os atores do processo ensino-aprendizagem não podem continuar
silenciados; devem estabelecer as várias posições possíveis ao sujeito, nas diversas e
diferentes ocasiões, discutindo a importância da diversidade cultural e a riqueza que
essa constitui, aceitando e aprendendo com o diferente, sem deixar-se acomodar em
uma forma.
A linguagem é o instrumento que as camadas populares possuem para
trabalhar novas relações sociais, ou seja, novas relações de poder. Professores e
alunos precisam posicionar-se de forma diferente, e assim as mudanças serão
possíveis.
O professor precisa sair da posição de proletariado e assumir a
intelectualidade necessária, para que novas posturas metodológicas aconteçam nas
salas de aula. Esse professor intelectualizado deve partir de sua prática e pesquisar
novas metodologias, ao mesmo tempo, aplicando-as novamente em sua prática,
observando e racionalizando os resultados, de forma a alcançar outros mais
313
condizentes com a necessidade da classe de que ele mesmo é parte. Implantar a
cultura das massas numa educação para as classes populares é função do educador da
escola pública atual:
Ora, o que esses intelectuais descobriram depois da recente arremetida é que
as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente,
claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muitíssimo bem. Mas
existe um sistema de poder que barra, interdita, invalida esse discurso e esse
saber. Poder que não está apenas nas instâncias superiores da censura, mas
que se enterra muito profundamente, muito sutilmente em toda a rede da
sociedade. Eles próprios, intelectuais, fazem parte desse sistema de poder; a
idéia de que eles são os agentes da “consciência” e do discurso faz, ela
mesma, parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de se
posicionar “um pouco a frente e um pouco ao lado” para dizer a verdade
muda de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder ali onde ele é, ao
mesmo tempo, o objeto e o instrumento disso: na ordem do “saber”, da
“verdade”, da “consciência”, do “discurso” (FOUCAULT, 2006, p. 39).
Implantar novas relações entre sujeito e linguagem possibilita a modificação
das posições que o sujeito ocupa no universo social; possibilita aos dominados serem
participantes em seu processo de autonomia. As classes populares não necessitam de
salvadores, mas sim de uma educação que os ajude a serem seus próprios libertadores:
Se pensarmos a relação do sujeito com a linguagem enquanto parte de sua
relação com o mundo, em termos sociais e políticos, uma nova perspectiva
nos permite então compreender um segundo momento teórico: nesse passo,
o estabelecimento (e o deslocamento) do estatuto do sujeito corresponde ao
estabelecimento (e o deslocamento) das formas de individualização do
sujeito em relação ao Estado (cf. os trabalhos de M. Foucault) (ORLANDI,
2001, p. 106).
A escola deve aproveitar os momentos nos quais o educando se encontra nela
inserido, para discutir a relatividade das relações, as várias posições que um mesmo
sujeito pode desempenhar dentro do universo social. Deve mostrar, ainda que como
convenções humanas, as realidades podem e devem ser modificadas, atendendo às
necessidades do ser humano.
Nesse novo posicionamento, todas as relações podem ser modificadas, todas as
culturas valorizadas, sendo o ser humano respeitado dentro de suas diferenças e nas
várias culturas.
Considerações finais:
314
A escola, em geral, pode se constituir como importante aparelho de controle
social, sendo esse manifestado nas formas como a cultura é trabalhada nesse
universo. O aluno, muitas vezes, tem sua cultura desrespeitada para que o modelo de
dominantes e dominados continue consolidado em nossa sociedade. Partindo do
princípio de que apenas um modelo cultural é válido, as classes populares aceitam a
condição de servilismo na qual estão subjugadas.
Trabalhar a cultura do aluno, considerando-a como requisito de sua
aprendizagem é uma importante possibilidade de mudança no processo pedagógico,
para que a escola alcance os objetivos das classes populares que hoje nela circulam.
Uma educação para as massas acontecerá quando a cultura dessas estiver presente
nas práticas escolares, envolvendo educadores e alunos.
Educandos e educadores deverão trabalhar para que esse novo processo seja
instaurado, a cultura das classes populares seja valorizada, incluída no processo de
aprendizagem, para que esses se reconheçam nas práticas escolares, façam da escola
um espaço de construção de conhecimentos e possibilidade de mudanças.
Referências:
AUTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. Trad. de Wálter José
Evangelista e Maria Lúcia Viveiros de Castro. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
CHALITA, Gabriel. O poder. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
FOUCAULT, M. L’Archéologie du Savoir. Paris: Gallimard, 1969.
______. L’ordre du discourse. Paris: Gallimard, 1971.
______.Microfísica do poder. 18. ed. Rio de Janeiro:Graal, 1979.
______. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. (Org): Manoel
Barros de Motta. 2. ed. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2006
______. Estratégia poder-saber. Manoel Barros de Motta. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006.
MUCHAIL, Salma Tannus. Foucault, simplesmente. São Paulo: Loyola, 2004.
NETO, Alfredo Veiga. Foucault e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo: Brasiliense, 1984.
315
______. Discurso e texto: Formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001.
______. Discurso e leitura. 6. ed. São Paulo: Cortez/ Campinas:UNICAMP, 2001.
______. (Org.). A leitura e os leitores. 2. ed. Campinas: Pontes, 2003.
______.(Org.). Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade
nacional. Campinas: Pontes, 2003.
______. Cidade dos sentidos. Campinas: Pontes, 2004.
PERREENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Trad. de Jussara
Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
316
A LITERATURA COMO FONTE HISTÓRICA: ANÁLISE DA FORMAÇÃO DA
ELITE E DAS PRIMEIRAS FAVELAS BRASILEIRAS A PARTIR DE O
CORTIÇO, DE ALUÍSIO AZEVEDO
Tuanny Aparecida de Souza * (UNEC)
Lívia Gomes de Freitas ** (UNEC)
Cláudia Cardoso da Cruz Gomes (Orientadora) *** (UNEC
Literatura como fonte histórica: rompimento com o Positivismo
A história é uma ciência que busca a compreensão do passado e para isso, sempre se
embasou na análise de fontes que pudessem descrever como se deram os fatos, como foi
construída a sociedade, como foram formadas as organizações políticas e econômicas,
entre outras análises.
Contudo, no século XIX, os autores positivistas acreditavam que, para que os
discursos históricos fossem considerados verdadeiros, era necessária a sua comprovação
através de documentos. Tais documentos, em sua maioria, sempre foram emitidos pelos
grupos dominadores, assim impossibilitando a compreensão da história vista a partir do
povo (SHARPE, 1992, p. 41), vista e escrita pelos grupos dominados. Essa característica
da historiografia, conhecida como Positivismo foi, finalmente, deixada de lado com os
questionamentos de autores que não acreditam na imparcialidade do historiador, como
Lynn Hunt, que diz que:
Os documentos que descrevem ações simbólicas no passado não são textos
inocentes e transparentes; foram escritos por autores com diferentes intenções e
estratégias, e os historiadores da cultura devem criar suas próprias estratégias
para lê-los. Os historiadores sempre foram críticos com relação a seus
documentos – e nisso residem os fundamentos do método histórico (1992, p. 18).
O documento deixa, então, de ser utilizado como única fonte de pesquisa histórica
e, a partir desse momento, tornam-se possíveis outros tipos de análise a partir de objetos
*
Graduanda em História, pelo Centro Universitário de Caratinga. E-mail: [email protected].
Graduanda em Geografia, pelo Centro universitário de Caratinga. E-mail:
[email protected].
***
Professora do Centro Universitário de Caratinga. Mestre em Educação e Linguagem pelo Centro
Universitário de Caratinga. Orientadora. E- mail: cdareligiã[email protected].
**
317
contemporâneos ao momento histórico estudado: diários, construções, depoimentos orais e
também obras literárias.
Essa nova história nos permite conhecer períodos históricos a partir do olhar de
pessoas que descrevem os fatos através de obras literárias como é o caso do romance O
Cortiço, de Aluisio Azevedo, que o presente artigo pretende analisar.
Consequências sociais das transformações econômicas do Brasil do fim do século XIX
No fim do século XIX o Brasil estava passando pelos últimos anos do sistema
imperial, o segundo reinado, sob o governo de Dom Pedro II. O polo econômico brasileiro
deixava de ser o Nordeste e se transferia para o Centro-Sul devido à expansão cafeeira. O
café tornava-se o principal produto do país:
O avanço da produção cafeeira e sua importância para o comércio exterior do
Brasil podem ser medidos por um simples dado. No decênio 1821-1830, o café
correspondia a 18% do valor das exportações brasileiras; no decênio 1881-1890,
passara a corresponder a 61%. (FAUSTO, 2002, p. 103).
Essa produção crescente e o lucro obtido com a exportação foram responsáveis por
gerar capital para o investimento em indústrias, “em função do café, aparelharam-se
portos, criaram-se novos mecanismos de crédito, empregos, revolucionaram-se os
transportes” (FAUSTO, 2002, p. 103). Segundo esse autor, o crescimento industrial fez
com que a urbanização se intensificasse: “esboçavam-se assim, nas áreas dinâmicas do
país, mudanças para uma modernização capitalista; ou seja, nasciam as primeiras tentativas
para se criar um mercado de trabalho” (2002, p. 108). Na referida obra, em meio à
narrativa, Aluisio Azevedo descreve a chegada das indústrias e as consequentes mudanças
na vida da sociedade:
O zunzum chegava ao seu apogeu. A fábrica de massas italianas, ali mesmo da
vizinhança, começou a trabalhar, engrossando o barulho com o seu arfar
monótono de máquina a vapor. As corridas até a venda reproduziam-se,
transformando num verminar constante de formigueiro assanhado (AZEVEDO,
1890, p. 13).
O cenário urbano identificado no livro O Cortiço toma forma. O número de pessoas
que deixam o campo para tentar a vida nos centros urbanos, como o Rio de Janeiro,
intensifica-se. Ao chegar às cidades, os indivíduoses não encontram condições de vida e
moradia favoráveis. Por falta de opção, a população é obrigada a morar nos cortiços,
318
amontoados de casebres que não ofereciam a menor estrutura básica para residência de um
ser humano:
[...] a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se mal, porém
muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia. Subiam os aluguéis, as
propriedades dobravam de valor [...] as casinhas do cortiço, à proporção que se
atamancavam, enchiam-se logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem.
Havia grande avidez em alugá-las [...] (AZEVEDO, 1990, p. 20).
A mão-de-obra escrava já não era a alternativa mais viável para se utilizar nas
lavouras de café e nos centros urbanos. Os movimentos abolicionistas eram crescentes e
instigavam a procura de uma solução que substituísse os trabalhadores em regime de
escravidão: “a acumulação de capitais se deu numa fase da vida do país que era clara a
necessidade de buscar alternativas para substituir a força de trabalho escrava” (FAUSTO,
2002, p. 111). Aos poucos, a escravidão dos negros ia sendo substituída pelo trabalho de
imigrantes. Foram elaboradas leis favoráveis à abolição da escravatura, como a Lei
Euzébio de Queiroz, que proibia o tráfico de escravos; a Lei do Ventre Livre, que dava
liberdade aos escravos nascidos a partir de sua promulgação; a Lei dos sexagenários, que
dava liberdade aos escravos com mais de sessenta anos. E por fim, foi promulgada a lei
Áurea, que proibia a escravidão. As relações de escravidão e a concessão de alforrias
foram abordadas na obra, como podemos perceber no seguinte trecho, em que Bertoleza
trabalhava para João Romão, sonhando comprar sua alforria:
[...] Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de
Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes
na cidade. Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem
afreguesada do bairro. De manha vendia angu, e a noite peixe frito e iscas fígado;
pagava de jornal a seu dono vinte – mil réis por mês, e, apesar disso, tinham de
parte quase o necessário para a alforria (AZEVEDO, 1890, p. 13).
A chegada dos imigrantes também é retratada na obra, na trajetória dos personagens
Jerônimo e Piedade; O autor dá ênfase, na narrativa, ao processo de miscigenação ocorrido
no país, ao tratar do abrasileiramento de Jerônimo que, aos poucos, vai se adaptando à
cultura e aos costumes do país. Esse abrasileiramento vai acontecendo por sua relação
íntima com Rita Baiana, representação da sensualidade da mulher brasileira na obra, e na
mudança de seus hábitos europeus, que outrora jamais deixaria de lado:
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de
aldeão português: Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio
e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de
319
estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos
reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: A aguardente de
cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu À broa; a carne-seca e o
feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a
pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a acorda
e o e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos,
pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve a mineira destronou a couve a
portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e desde que o café encheu a casa com
seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não
tardou a fumar também com os amigos (AZEVEDO, 1890, p. 67).
As descrições feitas por Aluisio Azevedo mostram a rotina vivida pelas pessoas que
residiam em um cortiço:
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo não os olhos, mas a
sua infinidade de janelas alinhadas... daí a pouco, em volta das bicas era um
zunzum crescente. Uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após
outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio da água que escorria da
altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já
prender a saias... (AZEVEDO, 1890, p. 67).
Mais do que descrever a rotina de um cortiço, o autor descreve as relações que se
estabelecem entre as classes que vão se firmando no decorrer da obra. Os personagens
representam o surgimento de uma burguesia, a nova elite, como observa Fernandes: “a
situação brasileira do fim do império e do começo da república, continham somente os
germes dessa dominação” (FERNANDES, 1975, p. 203). Surgia uma classe média urbana
ainda inexpressiva diante de um país com sua economia agrária, mas que ao longo do
tempo iria desempenhar papel significativo na transformação do cenário econômico do
Brasil.
João Romão, personagem principal da obra, passa por um processo de ascensão
social. No inicio da narrativa, ele era somente empregado de uma venda e, com a
exploração do trabalho escravo, furtos e sonegação de dívidas, enriqueceu. Conseguiu
aumentar seu cortiço, construindo casinhas que aos poucos iam sendo alugadas e rendiam
dinheiro: “Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos,
todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação:
aumentar os bens” (AZEVEDO, 1890, p. 19)
Para ser aceito pela elite, não bastava que João Romão tivesse dinheiro; era
necessário também ser bem relacionado, o que bom casamento lhe possibilitaria. Então
planejou casar-se com a filha de Miranda, um burguês residente no sobrado vizinho do
cortiço. E já ao final da obra, ele passeia pelos cafés cariocas, com ar de superioridade
como se sua prosperidade não fosse derivada da exploração de mão-de-obra e até mesmo
320
de roubos feitos por ele e pela mulher escrava com quem vivia antes de casar-se e que ele
abandonara para se ingressar na sociedade burguesa.
Esses cortiços, construídos de forma inadequada, multiplicavam-se, desde então, no
centro do Rio de Janeiro e a crescente modernização os julgava imundos e responsáveis
por disseminação de doenças, além de desqualificar esteticamente a paisagem do Rio.
Sendo assim, deveriam ser eliminados, como narra Monteiro, no
[...] Século 19 o então prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro determinou uma
"mega-operação de limpeza", ordenando a demolição de todas as moradias que
não respeitavam as regras de higiene estabelecidas. O alvo principal eram os
cortiços do Centro. O maior deles se chamava exatamente Cabeça-de-Porco. Para
os governantes, não passava de um foco de doenças. Para as quase 4 mil pessoas
que moravam lá, era a única opção barata de habitação no Centro (MONTEIRO,
2004).
Esse movimento de desapropriação foi o grande responsável pela favelização,
segundo Mário Sérgio Brum:
[...] o conceito de favelização é utilizado como o processo onde uma área que
surge como parte da cidade formal, por razões diversas, passa a figurar no
imaginário local e/ou das áreas vizinhas como favela e mesmo a ser objeto de
ações do governo tipicamente voltadas para as favelas.
Tal aconteceu na cidade do Rio de Janeiro; todas as pessoas que viviam no centro e
habitavam os cortiços não tiveram outra opção a não ser migrar para as áreas periféricas
que deram origem as primeiras favelas cariocas, cedendo lugar à nova elite urbana recém
surgida no Brasil. Essa elitização vai se concretizando aos poucos, no país, como ocorrera
na Europa, conforme Israel Roberto Barnabé assim analisa:
O termo ‘elite’ começou a ser empregado no século XVII (especificamente na
França) designando produtos de qualidade excepcional, a ‘nata’ das mercadorias
oferecidas à venda. Por volta do século XVIII, seu uso ampliou-se, incluindo a
idéia de distinção em outros contextos, inclusive no social, denotando assim
pessoas e grupos sociais superiores. O termo difundiu-se a partir de 1930 através
das teorias sociológicas das elites, principalmente aquelas dos autores do final do
século XIX e início do XX, tidos como os ‘pais’ da teoria das elites, sendo eles
os italianos Vilfredo Pareto (1848- 1923) e Gaetano Mosca (1858-1941) e, num
segundo mas não menos importante lugar, o alemão Robert Michels (18761936). Segundo Pareto, haveria em todas as esferas, em todas as áreas de ação
humana, indivíduos que se destacam dos demais por seus dons, por suas
qualidades superiores. Eles compõem uma minoria do restante da população uma elite.
321
Devido ao estilo documental intensamente realista-naturalista, O Cortiço consegue
retratar o Brasil do fim do segundo reinado de forma surpreendente, porque desmascara a
burguesia, principalmente a portuguesa que se sustentava através do controle sobre os
negros, mulatos e brancos que formavam a classe inferiorizada do país. Assim, a narrativa
conduz o leitor à conscientização do que Marx e Engels já analisavam sobre a exploração
burguesa, causadora da dependência dos pobres aos que detêm o poder:
A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Ela criou cidades
enormes, aumentou o número da população urbana, em face da rural, em alta
escala e, assim, arrancou do idiotismo da vida rural uma parcela significativa da
população. Da mesma forma como torna o campo dependente da cidade, ela
torna os países bárbaros e semibárbaros dependentes dos civilizados, os povos
agrários dependentes dos povos burgueses, o Oriente dependente do Ocidente
(MARX; ENGELS, 1998).
Representação naturalista do contexto histórico brasileiro através de O Cortiço:
Considerações finais
A obra de Aluisio Azevedo é uma das principais obras naturalistas de que se tem
notícias, pela forma crítica com que ele descreve as massas, o gueto. Ele retrata os vários
tipos sociais do final do século XIX: o burguês, a escrava, a mulata, o imigrante, através
dos personagens descritos pelo narrador sempre na terceira pessoa. Assim, o autor levam o
leitor a compreender de forma bastante clara e aberta, como propõe o Naturalismo, a
influência que o meio exercia sobre os indivíduos.
A obra denuncia também as leis abolicionistas, que na realidade, não passaram de
uma ilusão e não impediram a opressão ao negro, mesmo após a Independência a até os
dias de hoje.
A análise de obras literárias tão significativas, como a de Aluísio Azevedo é, sem
dúvida, uma ferramenta importante para o trabalho da nova historiografia que busca
compreender o olhar da massa sobre os acontecimentos históricos e considerar o ponto de
vista daqueles que viram a história por outro ângulo.
Referências
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 21 ed. São Paulo: Ática, 1990. (Texto Integral cotejado
com a edição original, Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1890.)
322
BARNABÉ, Israel Roberto. Elite, Classe social e poder local (Mestre em Sociologia Pela
FCL
UNESP
–
Araraquara).
Disponível
em
http://seer.fclar.unesp.br/index.php/estudos/article/view/384/278. Acesso em 19 de maio de
2010, às 14h39min.
BRUM, Mario Sérgio. "Cidade ou favela? Visões sobre a favela a partir de depoimentos
de moradores no conjunto habitacional da cidade alta." Disponível em
http://www.fiocruz.br/ehosudeste/templates/htm/viiencontro/textosIntegra/MarioSergioBru
m.pdf. Acesso 19 de maio de 2010 às 13h37min.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil.1 ed. São Paulo; edusp, 2002.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Dossiê manifesto comunista: Manifesto do Partido
Comunista. Estud. av. vol.12 no.34 São Paulo Sept./Dec. 1998. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141998000300002&script=sci_arttext&tlng=
en. Acesso em 19 de maio de 2010 às 14h13min.
MONTEIRO
Marcelo.
O
avô
das
favelas.
Disponível
em
http://www.favelatemmemoria.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=63&tpl
=printerview&sid=4. Acesso em 18 de março de 2010 às 14h48min.
SHARPE, Jim. A História Vista de Baixo. In: BURKE, Peter (Org.) A escrita da história
novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: EdUSP, 1992.
FERNANDES, Florestan. Revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. Rio de janeiro: Zahar, 1975.
323
TIC E APRENDIZAGEM COLABORATIVA:
PARADIGMAS POSSÍVEIS NA SOCIEDADE EM
REDE.
Vânia Lúcia de Oliveira * (UNEC)
Eduardo Vítor Carrão ** (UNEC)
Um princípio de conversa.
A discussão sobre “aprendizagem colaborativa” vem pautando inúmeros encontros
e congressos de educação pelo Brasil e outros países, que consolidam a necessidade de
discutir, propor e ampliar a temática sobre tal tema. No presente artigo, buscar-se-á uma
descrição breve sobre aprendizagem colaborativa, como novos paradigmas que vão se
estruturando na modalidade de aprender e ensinar, que já não é tão somente presencial e
face a face.
Discutimos, neste artigo, a maneira como educação a distância vem se
consolidando, não no sentido tradicional do termo, de um ensino formal a distância, mas
como uma possibilidade de comunicação e colaboração entre os aprendentes. E como essa
mesma forma de educação faz uso de uma aprendizagem que é pessoal e socializada,
também abordaremos sobre os atores que se envolvem nesse contexto. Primeiramente,
trataremos da definição de aprendizagem colaborativa e, numa segunda etapa, das
principais ferramentas utilizadas nos ambientes virtuais. Dessa forma, esperamos
contribuir para que os leitores de qualquer área de conhecimento sintam-se mais à vontade
e inteirados do assunto para prosseguir suas leituras e observações.
Não é nosso objetivo esgotar a proposta de discussão sobre o tema, mas tecer
algumas considerações que levem a refletir como essa modalidade de ensino que permeia,
na atualidade, as diversas maneiras de adquirir uma educação formal ou informal.
Apresentando a aprendizagem colaborativa.
*
Mestre em Educação e Linguagem, pelo Centro Universitário de Caratinga). e-mail: [email protected].
Professor Titular do Centro Universitário de Caratinga. Professor do Mestrado em Educação e Linguagem
UNEC. Doutor em Educação (Universidade do Minho – Portugal). Orientador Acadêmico.
E-mail: [email protected].
**
324
A aprendizagem colaborativa pode ser definida como um conjunto de técnicas e
métodos de aprendizagem a serem utilizados num grupo estruturado. Trata-se de um
conjunto de estratégias que visam ao desenvolvimento de competências, que vão de uma
aprendizagem pessoal, passando por uma aprendizagem também social, sendo cada
elemento do grupo responsável pela sua própria aprendizagem e pela dos outros.
De maneira geral, pode-se dizer que a aprendizagem colaborativa envolve
professores e estudantes trabalhando conjuntamente como parte de um esforço cooperativo
na compreensão de determinado assunto ou na realização de determinada tarefa
(WALKER, 1997). Portanto, para que a aprendizagem colaborativa aconteça, ela pode se
efetivar através das redes ou então na sala de aula presencial. TEXEIRA (2005), afirma
que a função básica da aprendizagem em rede é dar suporte ao estabelecimento de relações
comunicacionais
e
colaborativas
entre
os
elementos
envolvidos
no
processo
comunicacional. Para apresentarmos o conceito de rede de uma maneira simples,
busquemos a definição feita por CASTELLS (1999, p. 498), “rede é um conjunto de nós
interconectados”. Esse conjunto, que é flexível e maleável, oferece uma ferramenta de
grande utilidade, capaz de responder a complexidade das sociedades contemporâneas sob o
paradigma informacional. Sendo assim, as Tecnologias de Informação e Comunicação
permitem a “penetrabilidade em todas as esferas da atividade humana” CASTELLS (1999,
p. 24). Com isso, a inserção das TIC na sala de aula, presencial ou virtual, traz mudanças
ao ensino e à aprendizagem, possibilitando a produção de um novo modo de
conhecimento. Sendo assim, é possível entender que os ambientes interativos, mediados
pelas TIC, representam universos de possibilidades para a construção de aprendizagens
colaborativas. São espaços onde os participantes podem agenciar inúmeros eventos que
acontecem e agenciar eventos significa pensar na grandeza do jogo – aprender, ou seja, na
idéia que permeia o jogo e criar novos discursos, argumentações, resistências, ações,
linguagens, enfim, dinamizar um movimento e transformá-lo em intensidade
(HETKOWSKI, 2007).
A partir da década de 1990, com o advento da Web, inseridos em um novo contexto
em que as TIC possibilitam a construção e o compartilhamento de saberes. Esses,
denominados por PRETTO e PINTO (2006, p. 25) como “capacidades cognitivas
expandidas”, permitem desenvolver práticas de aprendizagem capazes de se tornarem
alicerces de novas relações com o saber. Assim, o uso do computador em rede online
possibilita a produção colaborativa, compartilhada e socializada, tanto de informação,
quanto de conhecimento, permitindo a interlocução entre seus usuários. SILVA (2003, p.
325
3), em sintonia com essa mesma ideia do uso das mídias digitais como potencializadora de
um novo paradigma educacional/comunicacional, defende que estamos passando do
esquema “um - todos” às redes interagentes que se configuram como “todos-todos” e como
“faça-você-mesmo”.
A educação mediada pelas TIC provoca mudanças específicas para professores e
alunos, pois requer uma formação voltada para aqueles que aprendem com e através do
mouse, não mais com o modelo de professor transmissor de saberes e conhecimentos, a
qual o educador Paulo Freire (2003) denominava de “Educação Bancária”. Ele dizia que a
educação não se faz de um para o outro, mas é um processo onde se constrói o saber
juntos, um com o outro. Nesse sentido, é preciso que o professor crie possibilidades para a
construção ou produção do próprio conhecimento pelo aluno.
Várias abordagens teóricas sobre educação apresentam críticas ao modelo baseado
na transmissão de informação. Entre elas, destaca-se o modelo sociointeracionista,
proposto por Vygotsky (1994, p. 112). Para esse filósofo educador, o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), reestrutura e ressignifica o papel do professor como
colaborador da aprendizagem. Para tanto, o professor se torna o mediador do processo de
aprendizagem. Corroborando com essa idéia, SILVA (2004, p. 12) afirma que na
aprendizagem mediada pelas TIC, o papel do professor é o de criar as possibilidades, a
ambiência, o contexto de dialógica, de colaboração e de, principalmente, interatividade.
Para Vygotsky, os princípios filosóficos construtivistas demonstram ser o
conhecimento é uma construção humana de significados que procura fazer sentido ao seu
mundo. Portanto, o conhecimento é construído paulatinamente, de maneira particularizada.
Essa ideia diferencia-se das concepções tradicionais de aprendizagem que admitem que o
conhecimento seja um objeto, e, portanto, pode ser transmitido do professor para o aluno.
Na perspectiva construtivista, a aprendizagem transmite experiências relacionadas ao uso
do conhecimento anterior, já existente, e, sobretudo, a construção de significados, as
interações que se estabelecem entre o diálogo do indivíduo consigo e com os interlocutores
são imprescindíveis para que a aprendizagem colaborativa aconteça.
É assim que se inserem, na busca de novos processos educacionais, as Tecnologias
de Informação e Comunicação. O ciberespaço, com suas inúmeras possibilidades de
conexão e interconexão adquire importância fundamental e merece destaque em qualquer
reflexão que venha a ser feita sobre a importância e as demandas para uma educação na
atualidade, uma vez que, estas já vêm sendo amplamente utilizadas em diversos setores da
cultura contemporânea. Lévy (2000, p. 92) afirma que esse é “um espaço de comunicação
326
aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”.
Corresponde, portanto, a um importante elemento constitutivo da base histórica sobre a
qual se desenvolve, que vem sendo conhecida como ‘sociedade da informação’. Nesse
novo paradigma, o sujeito constrói seu conhecimento através da interação com o meio
físico e social.
Panitz (1996), refletindo sobre a aprendizagem colaborativa, defende que essa
implica em um processo mais aberto, em que há interação entre os membros de um grupo
visando atingir um objetivo comum. Para ele, a aprendizagem cooperativa o controle da
situação está centrada da figura do professor.
Piaget (1982), teórico que pesquisou cientificamente o desenvolvimento da
inteligência humana, tinha a ação como palavra chave de sua teoria. Todo e qualquer
crescimento cognitivo só ocorre a partir de uma ação, concreta ou abstrata, do sujeito sobre
o objeto de seu conhecimento. Por consequência, a teoria construtivista de aprendizagem
baseada na Epistemologia Genética (PIAGET, 1990) tem este pressuposto como seu
fundamento estrutural, colocando a ação ou, mais especificamente, a interação, como
requisito fundamental para sua prática. Neste paradigma, o aluno transforma-se, de um
agente passivo de recepção dos conhecimentos repassados pelo professor, em um ser ativo,
responsável pelo próprio desenvolvimento. O professor deixa de ser o detentor e
repassador do conhecimento e se torna aquele que fomenta o desequilíbrio cognitivo do
aluno na busca de um reequilíbrio em nível cognitivo mais elevado e reestruturado de
maneira tal, que o que foi construído poderá ser acrescido de novas e contínuas
descobertas.
Na aprendizagem mediada por computador, o conhecimento é construído
conjuntamente, porque permite a interatividade. Assim, a aprendizagem é concebida como
Co-criação, na qual o aprendiz é partícipe e colaborador da aprendizagem. A interatividade
é o foco central dessa modalidade de aprendizagem.
PRIMO (2005), SILVA (2007), questionam a popularização e a banalidade que o
conceito “interatividade” assumiu nos últimos anos. Para esses autores, esta ocorre quando
duas disposições são respeitadas: a dialogicidade e a intervenção do usuário ou do receptor
no conteúdo da mensagem ou do programa. Essa intervenção permite selecionar, combinar,
permutar as informações, produzir outras narrativas possíveis. Para Alex Primo (2005), a
comunicação interpessoal do tipo “um-um” e “todos-todos” são à base do conceito e
definição sobre interatividade.
327
Nesse contexto de renovação dos processos educacionais é que se situam os debates
sobre o uso das novas tecnologias. Conceitos como saber flexível, aprendizagem
cooperativa, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, currículo integrado, redes de
aprendizagem e educação continuada e à distância começam a se fazer cada vez mais
presentes nos ambientes acadêmicos e políticos. Apontam para uma possível ruptura com
paradigmas estruturados e convergem para uma pluralidade paradigmática, em que se
estabeleça novo estilo de pedagogia que incorpore as novas tecnologias e favoreça, ao
mesmo tempo, os aprendizados individualizados e o aprendizado coletivo, em rede.
Para Jonassem (1996, p. 76), para que a aprendizagem seja significativa, através do
uso de novas tecnologias, é necessário que ela seja: “Ativa, Construtiva, Reflexiva,
Colaborativa, Intencional, Complexa, Contextual, Coloquial.” Essas características de
aprendizagem se interrelacionam, são interativas e ao mesmo tempo, interdependentes.
Nesse ambiente, as novas tecnologias adquirem importância, na medida em que permitem
a reconceitualização de projetos educacionais a distância, a partir da superação dos limites
à interatividade, impostos pelas tecnologias anteriores, como o rádio, a televisão e o vídeo,
pois concebem a operacionalização de projetos pedagógicos ancorados na abordagem
construtivista na base de sua fundamentação. Um profissional com alguns anos de
experiência em sala de aula é capaz de enumerar, em sua trajetória acadêmica, os diversos
recursos tecnológicos empregados no ensino-aprendizagem: dentre os quais as tradicionais
réguas de cálculos, o retroprojetor, ao projetor de slides, enfim, uma série de ferramentas
que foram importantes em sua época, mas que já não atendem às exigências deste novo
cenário pedagógico, contextualizado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação.
Ferramentas indispensáveis nos ambientes virtuais
A aprendizagem por meio de Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC),
principalmente em ambientes virtuais de aprendizagem, nos remete ao conceito de
interatividade, construído entre os diversos atores que se comunicam através destas
tecnologias. Traçando uma breve descrição das ferramentas utilizadas nesses ambientes,
apontaremos as possíveis interconexões realizadas para que a aprendizagem se efetive, em
meio à grande quantidade de ferramentas estão atualmente disponíveis, para a efetivação
da aprendizagem colaborativa.
Refletindo sobre esse contexto, Almeida (2003, p.05), afirma que: “Os ambientes
virtuais nos permitem integrar múltiplas mídias e recursos, apresentar informações de
328
maneira organizada, desenvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento,
elaborar e socializar produções tendo em vista atingir determinados objetivos.” É
necessário, porém, romper as tradicionais formas de aprendizagens e se apropriar de um
novo paradigma proposto pelas Tecnologias de Informação e Comunicação.
Ora, se aceitamos que na sociedade contemporânea, as tecnologias da informação e
comunicação, as mídias, de um modo geral, transformaram-se em grandes mediadores
sociais, pressupomos também, que essa tecnologia não atingiu a todos na mesma
intensidade. Sendo assim, abre-se para um novo cenário, em que novas e antigas
tecnologias se aliam à educação, como recursos indispensáveis para o processo de ensinoaprendizagem, mediado pelas TIC. Dessa maneira, citaremos as mais comuns ferramentas
utilizadas em Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), de modo a situar essas
ferramentas, como novos paradigmas virtuais de aprendizagem. As técnicas de interação
midiatizada criadas pelas redes telemáticas – Internet, tecnologia wirelles, e-mail, chat,
webs sites, listas e grupos de discussão – já fazem parte do nosso cotidiano – e representam
um enorme potencial para comunicação e aprendizagem a distância.
Entre as várias ferramentas utilizadas como sistemas de mensagem que suportam a
troca assíncrona, aquela feita em um tempo diferente para cada usuário e em locais
geograficamente distantes entre si, o correio eletrônico, as listas de interesses e de
discussões, mural, temos ainda, os fóruns, o portfólio, perfis, teleconferências, entre outras
ferramentas.
Aprendizagem colaborativa: perspectiva emergente das escolas?
De acordo com o Diário Oficial da União, (decreto nº 5.622, de 19/12/2005) a EaD
caracteriza-se como:
Modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos
de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de
informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo
atividades educativas em lugares ou tempos diversos.
Sendo assim, é necessário concentrar nossa definição na maneira como a Educação
a Distância pode se efetivar nas escolas brasileiras de modo a propiciar uma maior
329
gradação de autonomia nas atitudes dos alunos ante as informações e os conteúdos
curriculares, principalmente no diz respeito EaD dirigida à formação profissional.
Considerando as possíveis formas de elaborar estratégias que permitissem aos
alunos uma maior autonomia na educação à distância, Moran et AL. (2000, p.16) defendem
o principio de que somente podemos educar para a autonomia, para a liberdade, com
processos fundamentalmente participativos, interativos, libertadores, que respeitem as
diferenças, que incentivem que apóiem orientados por pessoas e organizações livres.
Nesse processo interativo que derruba a barreira de tempo e espaço, é relevante que
se desenvolva o potencial da autonomia tão discutida na pedagogia freireana. Esta defende
a idéia de o educando, apreender a realidade por meio de uma rede de colaboração, na qual
cada ser ajuda ao outro a se desenvolver, ao mesmo tempo em que ele próprio se
desenvolve, pois essa colaboração se efetiva na reciprocidade. Portanto, cabe aos
professores e alunos participar de um processo conjunto para facilitar uma aprendizagem
de forma criativa, dinâmica, autônoma, que tenha como essência o diálogo e a descoberta.
Assim, vão construindo uma ação pautada na autonomia e colaboratividade, de maneira
que as aprendizagens possam ser absorvidas por todo o grupo.
São vários os aspectos que podem ajudar o professor a ser um mediador pedagógico
na construção de ambientes colaborativos de aprendizagem (MORAN et al 2000)
elencaram as seguintes estratégias: estar mais voltado para a aprendizagem do aluno;
estabelecer relações de empatia; promover co-responsabilidade e parceria, criando clima de
mútuo respeito para com todos os participantes; abordar a construção do conhecimento
como o eixo da articulação da prática educativa; praticar a criatividade, como uma atitude
alerta para buscar, com o aluno, situações novas e inesperadas; ter disponibilidade para o
diálogo; considerar a subjetividade e a individualidade dos atores do processo educativo;
cuidar para que sua expressão e comunicação sempre estejam em condições de ajudar a
aprendizagem e incentivar o aprendiz, usando a linguagem excepcionalmente para
transmitir informações e mais comumente para dialogar, lançar perguntas orientadoras,
propor desafios, reflexões e situações problema.
Evidentemente que toda mudança envolve o adquirir novos conhecimentos. Daí as
dificuldades, pela inércia de muitos, ou ainda, por medo do novo prefere-se o tradicional. É
necessária muita ousadia para se criar um ambiente de aprendizagem que exige muito
aprendizado, antes de se realizar o que se pretende e deve ser feito. Além disso, deve-se
enfrentar a resistência daqueles que se sentem ameaçados pela ‘invasão’ das tecnologias
disponíveis.
330
Por fim, devemos enfatizar que nesse ambiente virtual de aprendizagem, o modelo
educacional deve estar voltado para o estímulo o compartilhamento de informações, de
maneira que a construção do conhecimento favoreça a interação entre os indivíduos e o
grupo. O fato de se utilizarem ferramentas tecnológicas e de interação não é suficiente para
garantir a qualidade da educação e, menos ainda, basta apenas construção de conhecimento
na modalidade de educação realizada a distância. Todavia, esses recursos permitem uma
troca de informações que possibilita a interação mais eficiente e comprometida com a
aprendizagem colaborativa. É necessário agregar valores educacionais aos atores
envolvidos a qualquer lugar e em qualquer hora, reformulando permanentemente o
conhecimento interativo, de modo a criar uma co-responsabilidade entre os pares, na tarefa
de elaborar uma aprendizagem dinâmica e menos burocrática. Cada colaborador deve ter
sempre em mente o desejo de acrescentar saberes além do visível, conduzindo sua ação a
uma aprendizagem multidimensional, permitindo assim, circunscrevê-la aos princípios da
reciprocidade ou, como defende Morin (2003, p. 44) “complexidade é uma rede constituída
de componentes heterogêneos, indissociáveis, que apresentam a relação paradoxal entre o
uno e o múltiplo.”
Considerações finais
Tanto professores e as Escolas de modo geral, estão diante do desafio que consiste
em conhecer e adotar novos paradigmas comunicacionais que perpassam pela
interatividade e, ao mesmo tempo, não invalidar o paradigma clássico que predomina na
grande maioria das escolas. È urgente criar no professor e nas escolas a disponibilidade a
aprender com esse movimento contemporâneo da tecnologia.
Nesse sentido, a sala de aula precisará ser reinventada, incrementando o uso das
tecnologias de informação e comunicação, bem como as novas experimentações, como a
co-autoria, as simulações e a bidirecionalidade. Assim, em outras palavras, a proposta não
é discutir um modismo tecnológico ou trabalhar, pesquisar e estudar no computador, é
expandir o pensar não-linear, utilizar os recursos que estão à nossa disposição,
compartilhar a realidade a cada empreitada virtual. Desse modo, as novas tecnologias de
comunicação e informação desempenham e subsidiam o sentido de um novo modo de
comunicação, propondo o fim do isolamento de mentalidades. Sendo assim, não há
barreiras físicas ou culturais; o que há são novos interesses e necessidades intrínsecas dos
envolvidos em compartilhar vivências, experiências pessoais ou coletivas.
331
Referências
ALMEIDA, Maria Elisa Bianconcini. Tecnologia e educação a distância: abordagens e
contribuições dos ambientes digitais e interativos de aprendizagem, ANPED, 2003.
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333
A LINGUAGEM DA MÍDIA E A LÍNGUA PORTUGUESA 73
Walter Zavatário * (UNEC)
Amédis Germano dos Santos ** (UNEC)
Cada vez mais a tecnologia está presente na vida das crianças, dos adolescentes,
dos jovens e dos adultos, quer seja para a comunicação, diversão ou como fonte de
pesquisa. As diversões muito comuns no passado, tais como jogar bola, soltar pipa,
brincadeiras com bolinhas de gude, jogar peteca, brincadeira de “esconde-esconde”, pular
corda e tantas outras já estão ficando no esquecimento, sendo substituídas pelo
computador. Essas brincadeiras e jogos dependiam de contato físico, o que proporcionava
o estabelecimento rápido e seguro de relacionamentos e novas amizades, as quais davam a
oportunidade de saírem à noite para um
passeio ou realizar visitas às casas dos amigos.
Com o lançamento dos videogames essas brincadeiras foram sendo substituídas
pela
diversão em ambiente fechado das residências dos pais ou em locais apropriados para esses
jogos, com participação individual ou restrita a duas pessoas. Com os brinquedos
eletrônicos e, principalmente, com a utilização cada vez maior do telefone celular, o
contato físico entre os participantes foi rapidamente sendo substituído.
Ana Paula
Previtale (2006) observa que “as crianças já não sabem mais falar de seus sentimentos,
suas aflições, seus desejos e nem fazem mais amizades, se escondem dentro de casa,
parece até que a tecnologia as satisfaz”.
Hoje, as crianças começaram a viver na era da modernização, onde não brincam
mais nas ruas, com os vizinhos, nos campos de grama ou parques, porque vivem
presas em quatro paredes, devido à violência. Elas ficam na frente da televisão,
no computador ou jogando vídeo-game a maior parte do dia e com isto, não
sabem brincar, não conversam com os pais, irmãos ou com os próprios vizinhos
do prédio, apenas sabem imitar gestos, falas de super-heróis brigando com os
monstros, demonstrando assim um comportamento agressivo e as meninas
querem ser adultas logo, pois se vestem como as modelos que aparecem na
73
Este artigo aborda alguns aspectos da nossa Dissertação de Mestrado em Educação e Linguagem.
Professor de Língua e Literatura Inglesa e Norte-americana no UNEC; Mestre em Educação e Linguagem
no UNEC. E-mail: [email protected].
**
Professor de Antropologia e Sociologia da UNEC, Graduado em Ciências Políticas pela FESP-SP, PósGraduado em Geografia Física e Análise Ambiental pela UFMG/UNEC, Mestre em História da Ciência pela
PUC-SP e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor Mestrado Acadêmico em Educação
e Linguagem, do UNEC. Orientador Acadêmico. E-mail: [email protected].
*
334
televisão, desde cedo sendo vaidosas e obrigando os pais a comprarem sempre as
roupas e sapatos da moda, desenvolvendo assim nelas o desejo de sempre
consumir e gastar em excesso (PREVITALE, 2006).
Nos dias atuais a maior parte das crianças, dos adolescentes e dos jovens prefere
ficar em suas casas ou em uma Lan House 74, divertindo-se com os jogos eletrônicos, com
os sites de relacionamentos virtuais, como Orkut, Facebook e MSN, substituindo as
ligações telefônicas demoradas, com as contas mensais cada vez maiores, acompanhadas
das reclamações dos pais. Além disso, os contatos e as trocas de mensagens escritas pelo
telefone celular ou pelo
MSN custam pouco, são realizadas rapidamente e em silêncio, não correndo o risco de
serem
surpreendidos por alguém escutando a conversa numa extensão ou mesmo nas
proximidades.
Quanto ao desvirtuamento da língua portuguesa pela mídia, Walter Rossignoli
(2007)
aponta que “as gramáticas afirmam que se separa o adjunto adverbial quando tem certa
extensão e está deslocado do final do período. Quando são antepostos ou intercalados, os
adjuntos adverbais devem ser obrigatoriamente separados por vírgulas".
Entretanto, segundo os exemplos de Rossignoli (2007) a tendência da língua da
mídia é bem diferente, como nos exemplos seguintes, extraídos da Folha de São Paulo e da
Revista Veja: “Cinco meses antes ela dera à luz seu primeiro filho”. (Veja); “Em Pirapora
as romarias não são novidade”. (Folha de S. Paulo); “A cada semana a lista mudava um
pouco”. (Veja); “Em pouco mais de dez meses ele leu alguns livros...” (Veja). Assim,
Rossignoli (2007) apresenta sua conclusão sobre o assunto:
Observe o leitor que os adjuntos têm certa extensão, estão deslocados para o
início do período e não foram virgulados. O que fazer? Corrigir Veja e Folha ?
Penso que não. Trata-se de uma tendência da língua midiática escrita que
encontrará ressonância nas descrições gramaticais do futuro. É esperar para ver!
(ROSSIGNOLI, 2007).
74
Significa Local Area Network, ou seja, rede local de computadores. Trata-se de um estabelecimento
comercial onde as pessoas pagam para utilizar um computador com acesso à Internet e a uma rede local, com
acesso à informação rápida pela rede e entretenimento por meio dos jogos em rede ou online.
335
Segundo Luiz Carlos Schwindt 75 (1996) a Linguística, que estuda a linguagem
cientificamente, reconhece que não existe isomorfismo perfeito entre fala e escrita. A razão
disso é que, do ponto de vista científico, a fala tem prioridade sobre a escrita. Observa,
também, que John Lyons (1981) apresenta quatro prioridades da língua falada sobre a
língua escrita: histórica, estrutural, funcional e biológica e conclui que “a partir dessas
prioridades podemos afirmar com segurança que a fala não é instrumento da escrita, mas,
ao contrário, a escrita foi criada com o objetivo de codificação da fala” (LYONS (1981).
Quanto à mídia escrita nota-se que ela tem exercido grande influência nas escolas
atualmente, devido à inserção de fragmentos do discurso jornalístico nos livros didáticos
em detrimento de outros gêneros.
Graça Caldas 76 (2006) discute a qualidade da narrativa jornalística e os riscos que
ela encerra se não houver uma leitura crítica da mídia, assim como defende a necessidade
de um trabalho integrado entre educadores e jornalistas, para a real compreensão do
processo de produção da imprensa, construção da linguagem e da linha editorial dos
veículos de comunicação:
Não são poucas as falhas presentes nas estruturas narrativas da imprensa. Além
dos problemas de conteúdo, da falta de contextualização da informação, pecam,
em grande parte, pela pobreza vocabular, pela imprecisão lingüística, pela falta
de lógica e de clareza na exposição das idéias. Como a velocidade é parte
integrante do processo de captação da informação e de sua produção,
principalmente nos jornais diários, sejam eles impressos ou on-line, as estruturas
narrativas da imprensa carregam consigo todos os problemas decorrentes da
impossibilidade prática de revisão estilística e de conteúdo (CALDAS, 2006).
Conforme exposto, Caldas (2006) conclui que a utilização da mídia na escola é o
primeiro passo para a leitura do mundo, não se limitando à leitura de jornais, revistas ou
dos veículos eletrônicos, mas por meio da construção de suas próprias narrativas, pela
aquisição do pensamento crítico. Questiona-se, também, o fato de que os adolescentes e os
jovens estão adquirindo mais conhecimento por meio da televisão e da Internet do que de
seus pais e professores, além da falta de leitura, revelando um baixíssimo nível de
compreensão, interpretação e reflexão por parte da maioria dos alunos do Ensino
Fundamental e Médio em todo o país.
75
Em “A teoria da variação e o suposto caos da língua falada”. La Salle. Revista Educação, Ciência e
Cultura, v.1 n.2, p.77 a 87. Primavera, 1996.
76
Em seu artigo “Mídia, escola e leitura crítica do mundo”. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 117-130,
jan./abr. 2006.
336
Segundo Pedro Demo 77 (2008) os maiores desafios que professores e alunos
enfrentam, envolvendo a linguagem da mídia moderna, a chamada linguagem do século
XXI é que a escola está distante desses desafios e os alunos não gostam muito da escola e
se desenvolvem
hoje de uma maneira diferente, achando que aprendem melhor na Internet, onde os alunos
trocam informações entre si, o que é bem diferente do que acontece na escola. “Estamos
encalhados no processo do ler, escrever e contar. Na escola, a criança escreve porque tem
que copiar do quadro. Na Internet, escreve porque quer interagir com o mundo” (DEMO,
2008).
Demo (2008) considera que a escola precisa mudar para acompanhar o ritmo dos
alunos, não que a escola esteja em risco de extinção, mas nós temos que restaurar a escola
para ela se situar nas habilidades do século XXI que aparecem em casa, no computador, na
Internet, na Lan House, mas não aparecem na escola, porque ela continua usando a
linguagem de Gutenberg, de 600 anos atrás. “Essa grande mudança começa com o
professor, pois é a figura fundamental. Não há como substituir o professor. Ele é a
tecnologia das tecnologias, e deve se portar como tal” (DEMO, 2008).
No que diz respeito à influência do “Internetês” Demo (2008) esclarece que
existem as línguas concorrentes, sendo mesmo impossível imaginar a existência de uma
única língua mundial. A unificação das sociedades se realiza pela interatividade, pelos
interesses comuns e não pela língua que falam. E a Internet procede dessa maneira,
utilizando a língua inglesa, porém admite a tradução em todas as línguas do mundo, de
todas as culturas.
Eu não acho errado que a criança que usa a Internet invente sua maneira de falar.
No fundo, a gramática rígida também é apenas uma maneira de falar. A questão é
que pensamos que o português gramaticalmente correto é o único aceitável, e
isso é bobagem. Não existe uma única maneira de falar, existem várias. Mas com
a liberdade da Internet as pessoas cometem abusos. As crianças, às vezes, sequer
aprendem bem o português porque só ficam falando o Internetês. Acho que eles
devem usar cada linguagem, isso no ambiente certo – e isso implica também
aprender bem o português correto (DEMO, 2008).
77
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). PhD em Sociologia pela
Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e Pós-Doutor pela University of California at Los Angeles
(UCLA), possui 76 livros publicados, envolvendo Sociologia e Educação.
337
Olavo de Carvalho 78 (2001) explica que não existe uma língua comum a todo o
mundo,
porém, existem as línguas de determinadas sociedades, famílias, grupos diversos e de
regiões diferentes, onde são realizadas as codificações, as abreviaturas e a síntese das
palavras e ex-pressões empregadas pelos diferentes grupos. “Uma dessas codificações é a
linguagem da mídia. Ela procede mediante redução estatística e estabelecimento de giros
padronizados que, pela repetição, adquirem funcionalidade automática” (CARVALHO,
2001). Com a popularização da Internet na década de 1990 os hábitos de escrita e da
comunicação mundial sofreram profundas transformações, especialmente com o
surgimento do e-mail, das salas virtuais, dos instrumentos de comunicação instantânea
como o ICQ e o MSN, dotadas de recursos de áudio, vídeo, além da forma escrita.
Ultimamente, surgiram os Blogs e as redes de relacionamento social como o Orkut,
Facebook, as quais também aderiram à comunicação instantânea de forma escrita, além do
Skype que se tornou um dos maiores e melhores instrumentos de comunicação escrita, com
áudio e vídeo, realizando contatos telefônicos fixos ou móveis, nacionais e internacionais,
com custo reduzido e com elevado índice de qualidade e rapidez.
Como resultado dessa tecnologia surge uma nova forma de escrita abreviada – o
“Internetês”, criada pelos usuários dos recursos e das ferramentas de comunicação,
consolidando-se por todo o mundo. Popularmente conhecido como MSN, é no Brasil que o
programa denominado Windows Live Messenger tem sua maior base de usuários mundial.
Muitos pais, educadores e estudiosos da língua consideram o “Internetês” como um
inimigo que está prestes a corromper e a dominar completamente a língua portuguesa e a
transformar-se em linguagem padrão.
No entanto, outros compreendem que os jovens e mesmo os adultos que receberam
ou que estão recebendo uma formação educacional de qualidade, voltada para o progresso
e o desenvolvimento das novas tecnologias da informação, aliada a uma boa formação da
língua portuguesa, não estarão sujeitos a cometer erros na elaboração de seus textos. “A
Web não tem culpa de nada. Pessoas com boa formação educacional sempre conseguirão
separar a linguagem coloquial da formal. Elas sabem dispensar os acentos e quando pingar
os “is” afirma Arlete Salvador 79 (2009).
78
Em seu artigo “Aprendendo a escrever”. O Globo, 03 fev.
<http://intervox.nce.ufrj.br/~edpaes/ap-esc.htm>. Acesso em: 14 jan. 2010.
2001.
Disponível
em:
338
Segundo João Luís de Almeida Machado 80 (2009) no caso de adultos já terminaram
os
seus cursos, portanto, com capacidade de produzirem seus textos e com maturidade
suficiente para empregar a linguagem coloquial e a linguagem formal adequadamente.
Entretanto, no que diz respeito aos adolescentes e jovens em formação escolar, o mesmo
não acontece.
No que se refere às novas gerações, ainda em formação, é grande a confusão que
se estabelece entre a norma culta da língua portuguesa e a linguagem coloquial
da Web. Isso se explica ao levarmos em conta a exposição demasiada dessa
garotada à Internet e os baixos índices de leitura auferidos no país (MACHADO,
2009).
Para Adalton Ozaki 81 (2009) como bom conhecedor dessa nova geração de jovens
chamada de “Geração Alt + Tab” (referência ao comando do teclado que permite ao
usuário de computador gerenciar várias tarefas simultaneamente) os jovens hoje são
considerados impacientes, pois escrevem um e-mail, baixam vídeo, ouvem música MP3,
conversam no MSN com dois ou mais contatos, visitam o Orkut e ainda escrevem no Word
(programa de textos).
Raquel Nogueira 82 (2009) não considera o fenômeno linguístico como uma
mudança para pior, mas chama a atenção para o contexto em que é empregada, salientando
que essa linguagem dos jovens deve ser restrita à comunicação e às mensagens realizadas
pelos jovens na Internet. “Assim como uma tribo, com suas próprias gírias e seu próprio
modo de falar que a identifica, o mesmo se dá com o “Internetês”, que é usado apenas no
espaço que lhe cabe, isto é, na Internet e nos torpedos SMS” (NOGUEIRA, 2009). Assim,
a grande responsabilidade de orientação sobre os diversos níveis e contextos para a
utilização da linguagem cabe aos professores:
79
Jornalista, autora de “A arte de escrever bem”. Fonte: MURANO, Edgard. “A maturidade do internetês”.
Revista Língua Portuguesa. Ano 3, n. 40, Fev. 2009.
80
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Editor do portal
Planeta Educação. Fonte: MURANO, Edgard. “A maturidade do internetês”. Revista Língua Portuguesa.
Ano 3, n. 40, Fev. 2009.
81
Professor, Coordenador dos Cursos de Graduação da Faculdade de Informática e Administração Paulista
(Fiap). Fonte: MURANO, Edgard. “A maturidade do internetês”. Revista Língua Portuguesa. Ano 3, n. 40,
Fev. 2009.
82
Professora de Língua Portuguesa do Colégio Módulo, em São Paulo. Fonte: MURANO, Edgard. “A
maturidade do internetês”. Revista Língua Portuguesa. Ano 3, n. 40, p. 26, Fev. 2009.
339
Mas onde e quando se deve usar o internetês, cabe ao professor orientar seus
alunos e mostrar que existem vários níveis de linguagem, vários contextos de uso
e vários níveis de formalidade na comunicação. O aluno pode expressar-se
utilizando abreviações, neologismos, caricaturas e até não usando acentos, mas
fora desse ambiente virtual, em outras situações escritas, isso não é bem aceito
ainda. ...a língua é viva e dinâmica, sendo que toda mudança que acontece é
produzida pela fala, pelos usuários da língua, o que pode demorar a acontecer
mas, com certeza, acontecerá. “Assim como aconteceu com “vossa mercê”, que
virou “você” e que se transformou em “cê”, quem sabe o “Internetês” não seja
um precursor de outras mudanças na grafia das palavras, já que ninguém falaria
“vc” em vez de “você” ou “cê” (NOGUEIRA, 2009).
Segundo Edgard Murano (2009) o “Internetês” acelerou e ampliou a comunicação
mundial, criando vários neologismos e expressões que já fazem parte da linguagem
popular, tais como “postar” uma mensagem ou, até mesmo, uma carta nos serviços de
correios da cidade. A expressão “deletar” (no inglês “delete”) significando cancelar,
anular, já pode ser encontrada até na música popular brasileira.
Outra expressão muito empregada ultimamente, por influência da Internet é
“printar”, significando imprimir. Surgiram, também, trocadilhos utilizados pelos usuários
da Internet, cujas expressões, ao mesmo tempo em que são estrangeirismos, caíram
rapidamente no gosto popular e são amplamente empregadas, como “googlar”, querendo
dizer que vai fazer uma pesquisa no site de busca Google e “orkuticídio”, significando a
realização de sua própria exclusão de seu perfil da rede do Orkut.
Murano (2009) adverte quanto ao uso do “Internetês” e a atenção e a importância
que os pais, professores e educadores devem dar à continuidade da produção de textos
pelos jovens internautas em qualquer situação que se encontrem:
Já que o avanço tecnológico é um processo irreversível, assim como as marcas
que o progresso vai deixando na linguagem, é necessário admitir essas
aquisições como expressões legítimas, sem nunca perder a chance de usar a
forma culta da língua portuguesa quando for necessário. Também cabe a pais,
professores e educadores orientar seus alunos para que tal interesse reverta-se em
produção escrita, não importando se os textos produzidos forem à tinta ou
digitados no computador (MURANO, 2009).
Bruno Dallari 83 (2005) afirma que “quem teme pelo futuro do idioma pode se
acalmar: “segundo especialistas, “Internetês”, como acne, é fase. Há quem aponte,
inclusive, benesses. A Internet reabilitou a escrita, a qual estava em desuso pelos jovens
“(DALLARI, 2005).
83
Professor de Linguística da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Fonte: “Naum tow
ntndndu nd” (Não estou entendendo nada). Revista Veja, p. 128, 25 Mai 2005.
340
Por meio da Internet houve um desenvolvimento acelerado do conhecimento em
todo o mundo, fazendo com que todos pudessem compartilhar suas experiências de uma
maneira cada vez mais rápida, ligando as pessoas localizadas nos locais mais longínquos
da terra. Como consequência dessa interação entre as diversas culturas, o homem passou a
ter a oportunidade de refletir sobre sua existência, seus usos e costumes e, até mesmo,
mudar o seu comportamento.
Segundo grande parte dos educadores, esse mito do “Internetês” como “um
monstro devorador de gramáticas e dicionários” já não existe mais. É dever das escolas
realizarem um trabalho crítico com os alunos, no que diz respeito às novas tecnologias da
comunicação, proporcionando a todos uma educação de qualidade.
As escolas precisam orientar seus alunos quanto ao uso adequado da linguagem
formal
e da linguagem coloquial, especificando quando e onde empregar tais linguagens,
incentivando a pesquisa orientada nos laboratórios de informática das próprias escolas,
interagindo no contexto social, preparando, assim, os jovens para os desafios de uma nova
sociedade em construção.
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342