Revista de edição única que aborda a opção energética do

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Revista de edição única que aborda a opção energética do
Electra – As termelétricas de
Mato Grosso do Sul em publicação especial é um projeto experimental desenvolvido para obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social/Jornalismo
da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, realizado pelas
acadêmicas Daniela Rocha
Rodrigues, Keila Mesquita da Fonseca e Vivian de Castro Alves, sob
orientação do professor Doutor
Mauro César Silveira e co-orientação do professor José Márcio
Licerre.
Produção, reportagem, edição e
diagramação:
Daniela Rocha
Keila Mesquita
Vivian de Castro Alves
Foto capa: Vivian de Castro Alves
Colaboradores:
Projeto gráfico e capa - Gesiel
Rocha
Diagramação - Fábio Ferreira
Correspondência: Electra
Departamento de Comunicação
Social/Jornalismo (DJO/CCHS) –
Cidade Universitária, s/n CEP
79070 - 900
Campo Grande - MS
Fone: (067) 345-7600
Contato:[email protected]
As matérias aqui veiculadas não representam
necessariamente a opinião
da UFMS e seus dirigentes
Sumário
O lado escuro da crise
04
Como o governo federal criou um programa que salvou as
multinaciuonais de termelétricas e penalizou o cidadão brasileiro
Pioneira nas controvérsias
12
Entre o lago e as árvores
17
Na expectativa
20
Destino incerto
21
Toneladas tóxicas
24
Chuva ácida e aquecimento global são algumas das conseqüências do
grande volume de poluentes lançados pelas termelétricas
Perigo invisível
28
A queima de gás natural libera mercúrio, a substância mais tóxica para
o homem, além de gases que causam câncer e impotência sexual
Fora da lei
34
Jornalismo engajado
38
Alternativas
promissoras
41
Fontes renováveis garantem o abastecimento de energia com menor
índice de poluição
Artigo - Falta de caráter
46
Março/2003
Editorial
Fábio Ferreira
Às custas do povo
Março/2003
Desinformação e controvérsias. Foram esses os motivos que levaram à
produção da Electra, uma revista de edição única que aborda a opção
energética do governo de Mato Grosso do Sul, baseada na instalação de
termelétricas a gás natural boliviano.
Pior que a falta de informação, da qual é vítima o sul-mato-grossense,
é a informação manipulada pelas autoridades locais a favor de uma política de concessões, que beneficia grandes grupos econômicos e rende
aumento na arrecadação tributária do estado. Este foi o contexto dos projetos de implantação dessas usinas, sem qualquer discussão com a sociedade sobre as conseqüências negativas desse modelo. Pelo contrário. O
governo apenas promoveu propagandas institucionais, difundindo a idéia
de que esses investimentos tornariam o estado exportador de ‘energia
limpa’, além de atrair indústrias para a região.
Antes de chegar ao âmbito estadual, a questão passa pela crise no sistema energético brasileiro, que tem se tornado mais evidente a cada dia.
Essa situação é uma conseqüência da falta de planejamento no setor, ou
melhor, de um plano elaborado às pressas, que quase levou o país a um
colapso energético e penalizou os consumidores, os quais têm arcado com
aumentos obscenos nas tarifas de energia.
Diante dessa conjuntura, a construção de usinas termelétricas no estado, que exigem um alto investimento, emitem toneladas de poluentes e
geram energia mais cara que a produzida por
hidrelétricas, não convenceu como a solução que
traria desenvolvimento para a região.
Apesar da relevância do assunto, o governador José Orcírio Miranda dos Santos não concedeu entrevista à equipe de Electra. A solicitação
foi protocolada três meses antes do fechamento
da revista, na governadoria e, mesmo com insistentes tentativas posteriores, a assessoria de imprensa sequer respondeu aos apelos. Um silêncio
verdadeiramente comprometedor.
O lado escuro
da crise
Programa do governo federal elaborado para corrigir erros de
multinacionais é pago pelo consumidor
4
O Programa Prioritário de Termeletricidade encobriu detalhes fundamentais
para a compreensão dos motivos que levaram à sua efetivação. Com a crise do sistema elétrico ocorrido em 2001, o governo
federal estabeleceu uma política de emergência para suprir a demanda de energia.
As medidas estabelecidas, dentre elas, o racionamento e multas, caso o consumo máximo fosse ultrapassado, não eram simplesmente para evitar que o país entrasse em
um colapso do sistema elétrico, ou melhor,
o ‘black out’.
Apesar do discurso do poder público, remetendo a culpa da crise à população, que
teria gastado muita energia, essas medidas
pretendiam corrigir a omissão dos empre-
sários que compraram as estatais na época
das privatizações. Na verdade, os contratos
estabeleciam que, para elevar o aproveitamento do potencial das usinas hidrelétricas,
responsáveis por cerca de 90% da geração
de energia no Brasil, havia a urgência de
investimentos no setor elétrico, que não foram feitos. “A falta de planejamento do governo é demonstrada pelo fato de não saber
que a população fosse se adequar à campanha e baixar 25% do consumo, valor muito
além do esperado”, explica o professor de
Geociências do Campus de Aquidauana da
UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Paulino Eduardo Coelho. “Por isso
que, logo depois, houve um tarifaço, um incremento da tarifa de energia para compen-
Vivian de Castro Alves
O PPT tem como objetivo atender às necessidades do Brasil, tendo em vista que uma
termelétrica a gás natural pode ser construída e colocada em operação rapidamente
Março/2003
Revista Época
O Gasoduto Bolívia-Brasil foi apresentado à população brasileira, em 1998,
como um dos maiores avanços econômicos e tecnológicos dos últimos tempos.
Mas a história mostra que até agora ele
não passou de um grande desastre de
planejamento
sar as perdas havidas pelas empresas que adquiriram as estatais energéticas”.
Com os reservatórios das antigas hidrelétricas vazios, situação que poderia ser evitada se houvesse incremento no setor, somado
ao período de grande estiagem no país, algo
de imediato precisava ser feito. Nessa época, a Petrobras (Petróleo Brasileiro S/A), uma
das maiores estatais brasileiras e uma das
mais importantes empresas no mercado do
petróleo do mundo, pretendia expandir sua
área de abrangência à geração de energia
elétrica. “A Petrobras passou por uma reestruturação grande, foi criada uma diretoria de Gás e Energia exatamente pelo o que
representa ou o que vai representar o gás
natural na matriz energética do Brasil”,
afirma o senador Delcídio do Amaral (PT),
que ocupou essa diretoria no período entre
1999 a 2001.
Fadado ao fracasso
O senador lembra que a Petrobras já
tinha um programa modesto de termeletricidade usando gás natural basicamente
para atender o consumo próprio da empresa, que é de 700 MW/h, mais que o consumo em horários de pico de Mato Grosso do
Sul. A estatal já havia construído o Gasoduto
Bolívia-Brasil e, portanto, pretendia expandir o mercado de gás no Brasil. Essa conjuntura, aliada aos problemas com o abastecimento de energia que o país enfrentou, criou
a condição ideal para a implantação do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT).
Março/2003
“Já existia um interesse em terminar o projeto de gás natural e coincidiu também com
a falta de energia no país”, declara o senador. “O programa era para atender às necessidades do Brasil, tendo em vista que uma
termelétrica a gás natural pode ser rapidamente construída e colocada em operação”.
Assim, o PPT nasceu com uma previsão de
dez termelétricas movidas a gás natural a
serem instaladas pela Petrobras e por parceiros privados. Mais tarde, esse número aumentou quase cinco vezes, totalizando 49
usinas.
“Quem iria investir na geração de energia elétrica, a partir do gás externo, eram
empresas brasileiras consumidoras da energia produzida“, afirma o engenheiro e exprofessor das Universidades de Brasília, de
Campinas e Federal da Bahia, José Walter
Bautista Vidal. De acordo com o professor e
ex-secretário de Tecnologia Industrial do
Ministério da Industria e do Comércio, essas
empresas afastaram-se do negócio pelos preços ascendentes do gás em dólares e a variação das taxas de câmbio. “O negócio fracassou como tinha sido pensado”, sentencia
Bautista Vidal. “O que se fez depois foram
esquemas malucos em que envolveram a
Petrobras, que teve elevados prejuízos com
isso, cerca de 400 milhões de dólares no ano
passado, segundo informação dos jornais”.
Nem MS escapou
Mato Grosso do Sul exerceu um importante papel na concretização não só do Gaso-
5
duto, já que faz fronteira com a Bolívia. O
estado entrou compulsoriamente no Programa, devido à arbitrariedade do governo federal. O PPT estabelece a instalação de três
usinas em Mato Grosso do Sul: uma em Campo Grande, que já foi construída, outra em
Três Lagoas, já em fase de testes, e uma em
Corumbá, cuja empresa que iria construir
desistiu do projeto. “As outras duas que nós
estamos estudando, junto com parceiros e investidores privados e a Petrobras, são um meio
para ancorar o gasoduto lá para Brasília”,
prevê o senador, que foi secretário de infraestrutura e obras do estado, antes de se lan-
çar candidato ao senado em 2002.
Para propiciar a implantação do gasoduto
até o Distrito Federal, seria necessária a instalação de uma térmelétrica na região entre
os municípios de Coxim e Rio Verde. A outra
usina deve ser construída em Dourados, a
fim de ancorar o ramal que sairá de Campo
Grande em direção ao Paraná, para encontrar o Bolívia-Brasil no litoral deste estado.
Com muita luz no fim do túnel
A desestatização promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, enfraqueceu o sistema elétrico brasileiro. A Petrobras pagou um alto preço por esse pro-
O PPT prevê a implantação de 49
termelétricas, mas foi paralisado com
menos de 10% do total de projetos
concluídos
6
Fonte:
Nacional
( O N S )
de
Operador
Sistema
Março/2003
Vivian de Castro Alves
cesso e para viabilizar o mercado de gás das
empresas estrangeiras que possuíam as reservas na Bolívia, Argentina e Peru e não tinham para quem vender o produto. “Há longa data que as irmãs, grandes corporações
de petróleo, como a Shell, a British Petroleum, a Exxon, Repsol, Texaco, Chevron,
Total e seus agentes internos brasileiros pretendem impor esse absurdo ao Brasil”, opina Bautista Vidal. “Com o governo entreguista
de FHC as condições foram criadas, mas para
isso precisavam destruir o sistema hidrelétrico brasileiro, dos mais eficientes do mundo, o que quase conseguiram, não fosse o
desastre do ‘apagão’ de 2001”. A assessoria
de imprensa da Petrobrás informou que esse
momento é muito complicado para dar declarações oficiais, já que a empresa está em
um processo de transição e não cedeu informações sobre o assunto.
O projeto está paralisado, já que os reservatórios das hidrelétricas estão cheios novamente. Por enquanto, as termelétricas que
já foram instaladas estão operando bem
abaixo da capacidade máxima e apenas
para complementar a oferta de energia nos
horários de maior consumo. Fora isso, a desvalorização do real e a iminência de estourar uma guerra dos Estados Unidos (EUA)
contra o Iraque, sob o falso pretexto do
perigo das armas químicas, inviabiliza o investimento nessas usinas, já que o gás é
comprado em dólar e a energia é vendida
em reais. Além desses fatores, o setor de gás
e energia nos EUA, país origem de grande
parte das empresas investidoras, está em
crise. O total de endividamento das companhias atingiu US$ 477,6 bilhões em 2002,
segundo matéria publicada na Folha de São
Paulo em 18/02/03. As distribuidoras são
responsáveis por grande parte dessa dívida. Apenas as nove principais distribuidoras elétricas americanas, como a El Paso, que
pretende instalar uma usina em Mato Grosso do Sul, e a Duke Energy, que desistiu de
um empreendimento em Corumbá, acumulam um débito de US$ 116,5 bilhões.
A ministra Dilma Rousseff (PT) considera que o projeto de construção de 49 termelétricas no país só poderá ser retomado
depois que esse sistema elétrico for inteiramente remodelado. A posição da titular
da pasta de Minas e Energia foi exposta, de
forma clara, à jornalista Miriam Leitão, no
programa Espaço Aberto, exibido pelo canal de tv a cabo Globo News, no dia 6 de
fevereiro de 2003: “O projeto em si não é
ruim”, releva a ministra. “A forma como se
supôs, a partir da idéia de mais competitividade, é que sim. Até que provem o contrário, mais competitividade significa energia mais barata. E a termelétrica não é a
mais barata. Mesmo depois que foi resolvido o problema do pagamento do gás em
dólares, num valor razoável acordado entre as partes, o projeto não deslanchou. Afinal, a suposição de introduzir uma fonte
tecnologicamente menos eficiente e mais
cara (termelétricas) vai contra toda a lógica do sistema elétrico nacional”.
Poder de decisão
Para definir quais unidades gerarão energia, criou-se o Operador Nacional de Sistema (ONS). O órgão tem como base o melhor aproveitamento do sistema elétrico, visando o menor custo a
curto e médio prazo. Quando há bastante água nos reservatórios,
por exemplo, o Operador prioriza a geração nas hidrelétricas,
Rede de transmissão da Enersul (empresa
responsável pela comercialização de energia mas quando há seca, para não faltar energia, o sistema opta pela
geração das termelétricas.
no estado), que distribui a energia gerada
O operador avalia, também, as possibilidades e restrições da
pela usina William Arjona, em Campo Grande
rede de transmissão local. Alguns lugares têm tamanha limitação
de transmissão que não suporta trazer o volume de energia necessário para a região. É o caso de Mato Grosso
do Sul, que também tem pouca produção de energia.
Para reverter esse quadro, a Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil (Eletrosul), subsidiária do sistema Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S/A), pretende investir R$ 250 milhões na implantação de mais duas linhas de transmissão no estado com capacidade total de 500 MW. Agora resta a aprovação da Aneel para o início das obras. Apenas com a expansão da rede de transmissão local, desconsiderando
a geração termelétrica, Mato Grosso do Sul poderá dobrar o consumo atual de energia.
Março/2003
7
Keila Mesquita
Discurso
eleitoreiro
Senador e governador do estado
garantem mandatos defendendo
um projeto de termeletricidade
que já dá sinais de fracasso
“É preciso ter geração local de energia e um gás natural
barato para estimular o processo industrial”
Delcídio do Amaral, senador
A implantação de termelétricas no estado foi usada como plataforma de campa8 nha política de Delcídio do Amaral e do governador do estado José Orcírio Miranda dos
Santos, Zeca do PT, que se reelegeu no pleito de 2002. A promessa é de que uma maior
oferta de energia, chamada nas propagandas institucionais do governo de energia limpa, trará industrialização, desenvolvimento
e, conseqüentemente, a geração de novos
empregos. Outra razão para esses investimentos é o aumento na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), que seria cobrado, também,
sobre a geração de energia.
O senador Delcídio do Amaral lembra
que Mato Grosso do Sul é um estado importador de energia, sem a qual as indústrias
não podem se instalar, mas acrescenta que
somente isso não trará o progresso esperado. “Na verdade, existe um conjunto de medidas que tem que ser tomadas”, admite ele.
“É preciso ter geração local de energia e ter
um gás natural barato pra estimular o processo industrial. Esse estudo já está pronto e
também existe uma política fiscal montada
para alavancar esses empreendimentos”.
A disparidade entre as moedas americana e brasileira, porém, pode tornar os investimentos em termelétricas inviáveis, se
não houver grandes incentivos governamen-
tais. Isso paralisou o Programa Prioritário de
Termeletricidade. “Os interessados resolveram dar um tempo porque as regras eram
pouco claras e, conseqüentemente, esse pessoal não vai botar dinheiro numa coisa que
não tem retorno financeiro”, ressalta Delcídio do Amaral.
Assim, o governo federal decidiu sobretaxar a energia elétrica para viabilizar a expansão do mercado do gás natural no país.
A energia elétrica subiu no início deste ano
mais de 30%. “As tarifas energéticas e de
outros insumos combustíveis vem subindo,
não só por questões de câmbio e de mercado”, revela o professor Paulino Coelho. “É
também justamente para tentar colocar o gás
em um patamar competitivo. Ou põe um subsídio, que é uma prática econômica não recomendada, porque tira dinheiro de áreas
prioritárias para colocar em uma outra área,
ou então sobretarifa a forma mais barata de
geração de energia. É o que está sendo feito com a hidroeletricidade para tornar a
energia do gás mais competitiva”. O professor afirma que, com esse aumento, as
empresas que compraram as antigas estatais de energia estão lucrando ainda mais,
sob a alegação de que a economia foi tão
grande que elas ficaram sem dinheiro para
gerar energia e por isso teriam sido obrigadas a reajustar o preço.
Março/2003
Vivian de Castro Alves
Crítica feroz
Além de incoerente
com as vocações naturais
do estado, o modelo de
desenvovimento proposto
pelo governo é ultrapassado
“O modelo industrial não tem uma distribuição mais justa, mais correspondente aos esforços intelectuais ou físicos das pessoas envolvidas”
Paulino Coelho, professor da UFMS
As usinas termelétricas estão muito longe
de ser a solução para os problemas sócio-econômicos do Brasil. Isso porque foram conseqüência de um modelo imediatista, calcado
na imprudência. “A crítica não é as termelétricas, mas à qualquer panacéia de que essa
solução vai resolver os problemas do estado”,
afirma o professor do departamento de Geociências do Campus de Aquidauana da UFMS,
Paulino Eduardo Coelho.
A economia do mundo hoje está voltada
para a área de prestação de serviços. Segundo o professor, o setor industrial está deixando de ser vantajoso, pois hoje o mundo
privilegia o terceiro setor. “A maior prova
disso é o sudeste, onde apenas concentrouse riqueza e distribuiu-se miséria”, enfatiza
Coelho. “O modelo industrial não tem uma
distribuição mais justa, mais correspondente aos esforços intelectuais ou físicos das pessoas envolvidas”.
Essa concentração de renda resulta de
uma equação muito simples. Quem tem a
idéia de um produto industrial e elabora o
projeto dele fica com dois terços dos recursos
gerados, enquanto quem constrói fica com um
terço. É justamente nessa fase de manufatura
que se utiliza maior número de mão-de-obra.
É um modelo de concentração de renda
que vai contra os ideais do PT, partido do
Março/2003
governador José Orcírio Miranda dos Santos e do atual presidente da república Luís
Inácio Lula da Silva. A ideologia petista sempre apregoou a igualdade de direitos. O projeto das termelétricas e das indústrias atreladas a elas não só aumentará as diferenças
sociais, como também não terá o efeito de
desenvolvimento econômico que se tem divulgado, já que a maior parte das divisas irá
para as empresas estrangeiras.
Planejar é preciso
Antes de qualquer iniciativa de se implantar um sistema energético, é necessário fazer um estudo para definir quais as alternativas de geração de energia no estado, a vocação social e econômica, a demanda atual
e futura de eletricidade e qual a perspectiva sócio-econômica para o futuro. Mas, em
Mato Grosso do Sul, nenhuma análise dessas
teria sido feita, conforme denuncia o professor Coelho: “Existe, no país, uma carência muito grande de planejamento a longo
prazo que seja contextualizado dentro de
uma situação de desenvolvimento global.
Hoje, não se sabe qual é a disponibilidade
de matriz energética em cada município e
região do estado. Não existe um levantamento do potencial de Mato Grosso do Sul”.
Além disso, o projeto do governo do estado de construir um pólo gás-químico em
9
dual, principalmente durante a campanha
eleitoral de 2002, de que as termelétricas
gerarão mão-de-obra e desenvolverão o estado é, portanto, incoerente. A realidade das
indústrias atuais está bem longe de precisar
de muita mão-de-obra para entrar em operação. A produção industrial está cada vez
mais dependente dos recursos da informática. “A geração de postos de trabalho
é outra ilusão”, critica o professor Coelho.
“A indústria moderna não gera emprego. É
tudo automatizado”.
A usina William Arjona, em Campo
Grande, por exemplo, gerou cerca de 150
postos de trabalho na etapa de construção e
na fase de operação esse número foi reduzido para 11. Além disso, 90% desses traVivian de Castro Alves
balhadores vieram da região sul, principalmente de Santa Catarina, onde fica a sede
da Tractebel Energia, proprietária da usina. “Se aplicarmos a regra básica de que
cada emprego gera 3 indiretos, vamos gerar 36 empregos, o que vai injetar um grande nada na sociedade sul-mato-grossense”,
indigna-se Coelho.
Vivian de Castro Alves
Campo Grande ou Corumbá, atrelado à
energia produzida pelas termelétricas, conforme Coelho, seria prejudicial à região. O
professor chama a atenção para o alto preço
dos incentivos fiscais que as indústrias teriam, necessariamente, de receber: “Isso será
um grande crime se for feito, porque as indústrias vão ser de altíssimo consumo de
insumos (como recursos naturais), elevadíssima geração de resíduos e efluentes,
baixíssima ocupação de mão de obra e com
excessiva carga social na comunidade, porque tudo terá de ser dado para essas indústrias entrarem aqui”.
Outra questão importante, além da ausência de um planejamento bem fundamentado, é que o modelo industrial pretendido
pelo governo está ultrapassado, sem contar
que não é adequado a Mato Grosso do Sul.
“O estado não tem um parque industrial, e
não precisa ter, no conceito atual de desenvolvimento”, analisa o professor.
Seria outro mito dizer que a industrialização vai gerar novos postos de trabalho. A indústria moderna vem passando
por um processo de automação, com considerável diminuição da necessidade do
10 trabalho humano nas fábricas. “O homem,
pela tecnologia, domina a energia da natureza, permitindo superar de longe o trabalho muscular”, avalia o ex-secretário de
Tecnologia Industrial do Ministério da
Industria e do Comércio Bautista Vidal.
“Por isso, nas sociedades industrializadas,
o operário pode ser dispensado. Na visão
liberal, o operário passa a não ter mais
razão de existir”.
Empregos virtuais
O discurso propalado pelo governo esta-
A termelétrica William Arjona
emprega apenas onze pessoas,
a maioria proveniente
de Santa Catarina
Março/2003
Entramos pelo cano
Daniela Rocha
Contrato absurdo
de compra de gás natural
boliviano obriga o estado a
pagar dezesseis vezes a
mais o valor da quantidade
consumida
Keila Mesquita
O investimento em geração de energia
termelétrica é um empreendimento recente no país e que ganhou especial destaque
nos últimos quatro anos. Enquanto em países
como Estados Unidos, maior consumidor de
petróleo do mundo, e Canadá, há uma tendência de reduzir o consumo de gás natural, principal combustível das termelétricas,
o Brasil adotou uma política de incentivo ao
uso do produto, apesar de possuirmos 20%
da água potável do mundo.
Mato Grosso do Sul abraçou a causa e
pretende remodelar a matriz energética estadual, em função da oferta do combustível
boliviano, incentivando a produção de energia termelétrica à base de gás natural, ainda que a política do atual
“Para viabilizar o gás no estado governo federal sinalize que
e atingir o volume contratado
hidroeletricidade será o focom a Bolívia, a prioridade é
co das atenções da administermeletricidade mesmo”
tração. O senador Delcídio
do Amaral reconhece que
Delcídio do Amaral, senador
nossos recursos hídricos têm
muito potencial para gerar energia, mas acredita ser o projeto termelétrico fundamental para o sistema energético atual: “O gás é
o combustível do futuro”, prevê o senador.
Março/2003
“Para viabilizar o gás no estado e atingir o
volume contratado com a Bolívia e produzido na Bacia de Campos, a prioridade é termeletricidade mesmo. Não há dúvida”.
O estado compra, atualmente, mais de oito
milhões de metros cúbicos por dia de gás
natural boliviano. Essa quantidade é suficiente para abastecer mais de seis usinas de
cinco turbinas funcionando 24 horas por dia,
a uma potência de 200 MW/h, e ainda sobraria combustível para postos de abastecimento e pequenas indústrias. No entanto, o
consumo atual é de, aproximadamente, 500 11
mil m3/dia, ou melhor, menos de 10% do
que é comprado da Petrobras. A MSGÁS,
empresa que distribui o gás no estado, na
qual a Petrobras tem participação acionária
de 49% e o governo estadual 51%, quer atingir o maior número possível de clientes de
vários segmentos para reverter este quadro.
O gerente de engenharia da empresa,
Fernando Augusto dos Reis Lima não esclarece o que é feito com o gás que é pago e
não é consumido: “Existe um volume contratado com a Petrobras de oito milhões e
100 mil metros cúbicos por dia. Mas, do que
vai ser vendido, o que será feito é outra história. Isso é a dinâmica do mercado. Nós estamos tentando atrair as empresas. Agora,
tem essas crises de guerra, apagão, que deixa a situação indefinida”. Até o momento,
apenas uma indústria estadual consome o gás
natural, a Mabel Indústria de Alimentos, em
Três Lagoas. A distribuidora de gás pretende expandir e diversificar o mercado do
combustível. Há um contrato fechado em fevereiro deste ano para abastecer a UFMS e o
Hospital Universitário e há uma previsão para que até 2004 as residências e os estabelecimentos comerciais possam ser abastecidos
com gás natural encanado.
Pioneira nas controvérsias
A instalação da
termelétrica William Arjona
foi o pontapé inicial para
as discussões sobre os
problemas causados pelas
usinas no estado
Daniela Rocha
12
Março/2003
Março/2003
Magno Lemes
Um outro agravante seria a tecnologia
empregada no empreendimento. “Essa turbina da termelétrica William Arjona era sucata em El Salvador”, denuncia a pesquisadora. “Como sucata, a tecnologia de queima
é péssima e ultrapassada. Assim sendo, ela é
extremamente poluidora”. A professora participou do grupo de técnicos que prestaram
consultoria à Promotoria de Justiça do Meio
Ambiente da comarca de Campo Grande, que
movia o processo. Para exemplificar o que
representam 20 mil toneladas, um caminhão
grande é capaz de carregar 70 toneladas.
Entretanto, o gerente da William Arjona,
José Luiz Jansson Laydner, assegura que todas as turbinas possuem mais de 20 anos de
vida útil. Das cinco turbinas, cada uma com
potência de 40 MW, as duas primeiras foram compradas novas, e as outras três foram adquiridas já com uso de empresas de
outros países, como Chile e El Salvador. A
mais antiga foi comprada em 1989, mas, se
forem somadas as poucas horas de operação dessas turbinas, elas ainda têm boas possibilidades de uso, segundo Laydner: “Se
compararmos com os 25 anos de vida útil
que esse modelo tem, como as usadas têm
no máximo três ou quatro anos de vida gasta, pode-se dizer que todas elas são unidades novas”.
A professora Hess, no entanto, alerta que
a tecnologia atrasada implica em mais
poluentes perigosos lançados na atmosfera,
como o óxido nítrico
(NO). Esse gás preo“Essa turbina da termelétrica William
cupa por causa dos
Arjona era sucata em El Salvador”
efeitos sobre o orgaSônia Corina Hess, professora
nismo humano, podendo causar câncer e impotência sexual. Cada unidade emite
quatro toneladas por dia de óxidos de nitrogênio (NOx), que são o óxido nítrico mais o
dióxido de nitrogênio (NO 2 ), também
poluente. Conforme a química, se o equipamento de queima fosse melhor, a emissão
de óxidos de nitrogênio poderia ser reduzida em até 80%, mas a empresa não quer investir em equipamentos mais avançados.
Para Laydner, não há o que questionar.
As turbinas atendem aos níveis exigidos pela
legislação brasileira, pelos órgãos de meio
ambiente e pelas normas de saúde no trabalho, até com uma certa ‘folga’. Além disso, o
Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) não prevê índices de qualidade do ar
para óxido nítrico. “Podem existir usinas que
“As turbinas atendem aos níveis exigidos
pela legislação brasileira e pelos órgãos de
meio ambiente, até com uma certa folga”
José Laydner, gerente da William Arjona
têm mais, e que têm menos, mas essa aqui
está dentro da solução”.
De acordo com o gerente da usina, a tec- 13
nologia empregada estaria relacionada à finalidade do empreendimento. A William
Arjona foi concebida para fazer ‘corte de
ponta’, isto é, trabalhar em conjunto com as
fontes energéticas existentes, principalmente
no horário de maior consumo, entre as 18:00
e as 21:00 horas. É uma espécie de garantia para o fornecimento nos horários em que
aumenta a demanda e nos períodos de seca.
Em 2001, época do racionamento energético, todas as unidades estavam funcionando. Laydner esclarece que para essa finalidade, a solução tecnológica mais
indicada é instalar pequenas unidades com
potência menor, trabalhando em ciclo
aberto. O modelo de turbina a gás instalado na William Arjona é o mais vendido
no mundo, com 920 unidades comercializadas. “O carro mais avançado do
mundo é a Ferrari do Schumacher, mas
eu não vou comprar um carro desses para
ir ao supermercado”, compara Laydner.
Atualmente, como os reservatórios de água
das hidrelétricas estão cheios, diminuindo a
demanda por energia das térmicas, a William
Arjona está com apenas duas turbinas operando: uma em modo contínuo e outra apenas 17
horas por dia, entre as 7:00 e as 24:00 horas.
Pressões Políticas
A professora Sônia Hess
revela que apesar de todos
As usinas termelétricas produzem eletricidade a partir da queima
as questões levantadas pela
de
combustíveis.
Elas podem utilizar combustíveis fósseis, como o carcomunidade científica sovão
mineral,
petróleo
e derivados, e também o gás natural, que entre
bre a poluição ambiental e
esses
é
o
menos
poluente.
A usina movida a gás natural pode operar no
os possíveis problemas de
ciclo simples, quando os gases resultantes da queima são expelidos
saúde pública, a legislação
diretamente na atmosfera em altas temperaturas, ou no ciclo combibrasileira é ineficaz contra
nado, pelo qual a turbina a gás é acoplada a uma turbina a vapor. O
esse tipo de agente pocalor necessário para a caldeira da unidade a vapor é fornecido pelos
luidor. “É uma discussão
gases quentes da exaustão das turbinas a gás.
árdua e até agora não tivemos sucesso em forçar a
empresa a fazer alguma
endimento ainda em fase de instalação para
coisa”, lamenta. “A doutora Marigô se esa empresa Tractebel Energia.
forçou muito, mas ela sofreu muitas pressões políticas”, refere-se à promotora de JusA promotora revela que teve de arquivar
esse inquérito, uma vez que nenhum técnitiça do Meio Ambiente, Marigô Regina Bittar
co se prontificou a alertá-la sobre os riscos
Bezerra. No dia 11 de dezembro de 1998,
causados pela usina. “Somente agora, em
Bezerra instaurou inquérito contra a Enersul
(Empresa Energética de Mato Grosso do Sul
2002, após a usina estar implantada e com
várias turbinas funcionando, vieram técnicos
S/A), que estava construindo a usina na époda Universidade Federal para me alertar”,
ca. Mais tarde, a Enersul vendeu o empre-
14
MS Imagens
Turbinas em ciclo
Arjona: construção compulsória
A instalação da termelétrica William Arjona, a
primeira a utilizar gás natural boliviano no país, já
estava prevista em contrato há cerca de seis anos.
Em setembro de 1998, o governo federal privatizou
a Gerasul, uma estatal de geração de energia elétrica que atendia a Região Sul e Mato Grosso do Sul.
A Gerasul havia sido originada da cisão da estatal
Eletrosul, que foi dividida em uma empresa geradora e outra transmissora de energia. A empresa
Tractebel S/A ganhou o leilão da Gerasul, que passou a se chamar Tractebel Energia.
O edital do leilão previa que quem adquirisse
a estatal teria de construir uma usina termelétrica
com potência de 120 MW em Mato Grosso do Sul.
A determinação para a instalação veio do Plano
Decenal de Expansão do Setor Elétrico Brasileiro,
da Eletrobrás, que indicou a geração local como a
alternativa de menor custo para o sistema elétrico,
a fim de evitar os cortes de energia na região e
melhorar a qualidade do fornecimento.
A usina, que consumiu um investimento de R$
100 milhões, está localizada a 20 quilômetros de
Campo Grande, na saída para o município de
Sidrolândia, região Sul da cidade. O nome William
Arjona foi uma homenagem ao funcionário da
Gerasul, falecido no trágico acidente com o Fokker
da companhia aérea TAM, em São Paulo, em 1997.
A Tractebel S/A é o braço de energia do Grupo
Suez, que atua em 130 países e tem em torno de
90 mil empregados. O interesse da multinacional
pelo Brasil se deu com a abertura do setor elétrico
na década passada. A empresa já ganhou prêmios
da área ambiental, como o Troféu Fritz Muller, no
ano passado, por um trabalho de recuperação de
áreas degradadas relacionadas ao Complexo
Termelétrico Jorge Lacerda.
Março/2003
Daniela Rocha
Tubos que transportam o gás natural até as turbinas da termelétrica William Arjona
justifica-se. “O que eu podia fazer? Implodir
a termelétrica não poderia, então eu procurei minimizar os impactos causados pela
usina”.
Conforme a professora Hess, a comunidade científica do estado não se manifestou
antes porque não sabia das conseqüências da
operação de uma usina a gás, já que isso é
algo novo até no país. Embora não seja pesquisadora dessa área, ela se envolveu nas investigações sobre os efeitos da termelétrica,
porque não havia alguém nas discussões com
conhecimento em química. Em dezembro de
2001, Hess foi a uma audiência pública para
a qual foram chamados os representantes da
usina, então já de propriedade da Tractebel
Energia. “Durante essa audiência, eu percebi que havia muitas falhas na postura da
empresa, no nível de poluição que ela estava causando e no monitoramento da poluição, que era muito frágil e insuficiente”.
A investigação dos “danos causados ao
meio ambiente e ao consumidor em função
do processo de transformação do gás em
energia elétrica” , como é citado no processo, foi o objetivo do segundo inquérito civil
instaurado no dia 8 de janeiro de 2002, desta vez com a ajuda de técnicos. O próprio
Ministério Público foi o denunciante.
Embora a equipe da Electra tenha iniciado uma entrevista marcada com antecedência, e estivesse com todos os gravadores ligados, a promotora Marigô Bezerra, já usando o
microfone de lapela, recusou-se a falar mais
Março/2003
que isso sobre o processo. Ela limitou-se a informar que um cliente a esperava, e que não
teria tempo, pelos próximos dois meses, para
marcar um novo encontro, apesar de ter sido
comunicada de que muitas questões ainda 15
precisavam de esclarecimento.
Uma a menos
A Enersul (Empresa Energética de
Mato Grosso do Sul S/A), responsável
pela distribuição de energia no estado,
também entrou na onda do gás natural
para gerar energia elétrica. A empresa
tinha interesse em gerar 240 MW por
dia. O investimento, que custaria US$
140 milhões, foi excluído, em novembro
de 2002, do planejamento da Enersul.
Conforme ofício encaminhado à Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da
comarca de Campo Grande, a diretoria
de distribuição da empresa alegou
“inviabilidade comercial da energia gerada por termelétricas a curto e médio
prazos, devido a volatibilidade cambial,
além da redução do consumo de eletricidade ocorrida depois do racionamento em 2001, provocando sobra de energia, com a conseqüente elevação da oferta a preços reduzidos”. A desistência da
Enersul configura o insucesso do modelo
de sistema energético do estado, baseado na geração de energia proveniente
das termelétricas a gás natural.
Termo para inglês ver
à saúde pública, não há compensação
estabelecida.
O termo ainda estabelece que a empresa
faça um reflorestamento de apenas 100
metros no entorno da usina. Mas essa medida serve apenas para as questões visuais e
de acústica do ambiente, e não tem nenhuma relação com o seqüestro do gás carbônico
(CO2), emitido em grandes quantidades.
Tractebel Energia
O resultado do inquérito civil sobre a
termelétrica William Arjona foi o Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC), no qual a
Tractebel Energia se propõe a tomar uma série de medidas para controlar e amenizar os
impactos ambientais. No entanto, conforme a
professora Hess, nenhuma medida do TAC vai
realmente evitar a poluição que a usina está
causando. “Eles se propuseram a monitorar
melhor, a financiar alguns projetos como
compensação ambiental, mas em termos de
controle da poluição não estão fazendo absolutamente nada”, acusa, lembrando que não
podem ser punidos, porque não existe legislação nesse sentido.
Dentre as medidas do TAC, estão previstos os monitoramentos do clima, de possíveis descartes de resíduos, da qualidade
do ar e da água e também das emissões de
substâncias poluentes. A empresa também
deve participar da implementação de dois
projetos: o projeto Rede de Sementes do
Pantanal, da UFMS, e o de Planejamento e
16 Desenvolvimento Sustentável e Ambiental
do Bairro Nova Lima, em Campo Grande.
Esses dois projetos são medidas de compensações ambientais durante a fase de implantação. Já para a fase de operação, principalmente em relação aos danos causados
O Termo de Ajustamento de Conduta prevê monitoramento
mais eficiente da qualidade do ar e da água , mas não
estabelece ações efetivas para o controle da poluição
Termelétrica virtual
A quinta termelétrica a gás natural prevista para ser instalada no estado é de responsabilidade da El Paso Energy International
do Brasil, empresa norte-americana com sede
no Rio de Janeiro. A usina seria localizada na
bacia do córrego Gameleira, zona rural de
Campo Grande. Com um custo estimado em
R$ 400 milhões, ela operaria com uma potência de 277 MW e ciclo combinado, consumindo 1.200.000 m3 de gás natural por dia.
A El Paso tem a Licença Prévia desde novembro de 2002. O prazo para pedido da
Licença de Instalação já expirou e a empresa, que já enfrenta um inquérito civil
instaurado desde o início do ano passado
devido a impactos ambientais, principalmente nos lençóis freáticos, até agora não
construiu a usina.
Tudo ficou mais difícil depois que o vicepresidente Comercial e de Desenvolvimento de Negócios da El Paso, Eduardo Karrer,
divulgou que a empresa venderá sua participação no Gasoduto Bolívia-Brasil – a
multinacional tem 9,6% de participação na
Transportadora Brasileira do Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), companhia que opera o
duto. A informação foi divulgada pela Agência Estado, em 21/02/03. Conforme a matéria, Karrer nega que a desistência no
Gasbol esteja ligada à paralisia do mercado
brasileiro de gás. O vice-presidente da El
Paso, a qual passa por dificuldades nos Estados Unidos, ressalta que a multinacional quer
concentrar seus esforços na exploração e
produção de gás natural no Brasil, um segmento com maior potencial.
Março/2003
Entre o lago e as árvores
A Usina Termelétrica de Três Lagoas, cercada pelas
marcas da exploração econômica, sofreu sucessivos
atrasos no projeto e ainda não conseguiu operar
Vivian de Castro Alves
Um labirinto verde. Assim pode ser descrito o caminho percorrido para se chegar à
Usina Termelétrica de Três Lagoas. É preciso atravessar uma estrada de chão, costurada por uma cortina de milhares de pés de
eucaliptos, herança da compensação
ambiental feita devido à construção da represa da hidrelétrica Souza Dias, antiga
Jupiá, na divisa com São Paulo. O caminho
tem tantas voltas quanto a própria história
da termelétrica.
O gerente de projeto da usina, o engenheiro eletricista Joel Trindade Mariz Júnior,
informa que a construção deveria começar
em maio de 2001, mas a obra teve início
somente em fevereiro do ano passado, em
razão da demora na liberação da licença de
instalação, expedida pelo Ibama.
A Petrobras é a única proprietária do
empreendimento, que está em fase de testes
das turbinas. Essa etapa deveria ter começado em meados de setembro, porém sofreu
atraso devido à falta de odorização do gás
natural. Como o gás é inodoro, é necessário
misturá-lo a uma substância com cheiro forte
para tornar possível a detecção de eventuais
vazamentos. Os testes tiveram início no dia
dez de outubro de 2002 e perduram até hoje.
Março/2003
“Essa fase é um grande ponto de interrogação, você pode ou não detectar pequenos
problemas”, adverte o engenheiro. “Se houver algum problema, dependendo da complexidade, o teste pode se prolongar por
semanas ou meses”.
Essa interrogação teve a resposta em fevereiro deste ano, quando foi detectada
uma falha em uma turbina, causando preocupação aos três-lagoenses. No entanto,
Mariz garante que não há risco algum para
a população. Segundo o gerente, houve um
problema no sistema de resfriamento do óleo
lubrificante, que estava com a temperatura
um pouco acima do normal, mas a revisão
do sistema já foi solicitada ao fabricante, a
empresa General Eletric Energia e Produto, 17
subsidiária européia da norte-americana
General Eletric Company (GE). As turbinas,
cujo modelo foi lançado no mercado em
1995, são novas e de última tecnologia.
Combinação dos ciclos
Pelo cronograma inicial, a primeira turbina deveria começar a funcionar em dezembro de 2001. Com o atraso das obras, a
expectativa é de que a usina inicie a operação no ciclo simples (ver box na página 14)
em junho deste ano. Para gerar energia nesse
Vivian de Castro Alves
sistema, a térmica tem quatro turbinas já
instaladas, com potência de 60 MW cada,
que produzem energia através da queima
de gás natural, proveniente do Gasoduto
Bolívia-Brasil.
“O ciclo simples, que a gente chama de
Fase 1, foi uma forma que a Petrobras encon18 trou para disponibilizar uma maior quantidade de energia, de forma mais rápida, em função da carência energética que o país apresentava em 2000”, explica o engenheiro. “Havia uma pressão do governo para que a
Petrobras acelerasse o processo. O modo de
fazer isso foi instalar o ciclo simples primeiro
e, depois, o ciclo combinado”. Os equipamentos do ciclo combinado, que consistem em duas
turbinas a vapor, cada uma com potência de
80 MW, dentre outras máquinas, levam mais
tempo para serem instalados. Apesar do aumento na capacidade de geração de energia,
a implantação da segunda fase não implicará
em maior consumo de gás natural.
A crise no setor elétrico parece ter afetado os investimentos da Petrobras. O Correio
do Estado, na edição de 24 de dezembro de
2002, divulgou que a estatal pode deixar de
investir US$ 100 milhões na usina, destinados à implantação dos equipamentos que
completariam o ciclo combinado. Essa segunda etapa acrescentaria 110 MW à potência de 240 MW já instalada na etapa de
ciclo simples, totalizando 350 MW. Se for
mantido o projeto inicial com as duas etapas, o valor total do investimento será de US$
250 milhões. Apesar das notícias, Mariz afirma que a Petrobras não passou nenhuma
orientação sobre o corte.
Cuidados com o ambiente
Um dos pontos que suscitou maiores discussões com o Ibama, foi a utilização de água
do lago da usina hidrelétrica Souza Dias, a
antiga Jupiá, que fica a 600 metros da térmica. A água será utilizada na segunda fase
de operação, quando forem implantadas as
usinas a vapor, devendo ser devolvida ao lago
em altas temperaturas. O Ibama questionou
os impactos que esse descarte poderia causar. “Qualquer empreendimento que vai
consumir algum recurso sempre gera polêmica”, justifica Mariz.
Adicional por periculosidade
A usina já teve de enfrentar até uma greve. Conforme a edição do jornal Correio
do Estado, do dia seis de novembro de 2002, funcionários de uma empresa terceirizada,
a empreiteira Enesa, que trabalhavam na obra, fizeram uma paralisação em novembro para cobrar da empreiteira o pagamento de adicional porpericulosidade, já que
os riscos no local teriam aumentado com o início dos testes. O gerente, entretanto, diz
desconhecer a realização de uma greve, afirmando que houve apenas um descontentamento dos funcionários com a empresa subcontratada da Petrobras.
Março/2003
Vivian de Castro Alves
A usina conta com mecanismos de diminuição do impacto ambiental. Uma das principais tecnologias de controle da poluição
é o uso do sistema Dry-Low-NOx, que reduz as emissões dos óxidos de nitrogênio
(NOx). Além desse sistema, a Petrobras investiu em vários programas de gerenciamento, para controlar as emissões e
o descarte de poluentes, e de monitoramento, com o objetivo de avaliar os impactos da usina na fauna e no meio aquático, entre outras medidas.
Um dos principais projetos é o Programa
de Educação Ambiental, que, de acordo com
Mariz, visa conscientizar os funcionários da
usina e a comunidade da região da necessidade de se preservar o meio ambiente. O programa ofereceu um curso a 40 professores
da rede pública municipal de ensino, e distribuiu materiais educativos, como folders,
vídeos, jogos e revistas em quadrinhos, destinadas principalmente às escolas públicas.
Há também o Prade – Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, criado para
recuperar a vegetação que sofreu impacto
com a instalação da usina. Também está sendo restaurada a vegetação degradada pela
construção da hidrelétrica Souza Dias. As
áreas serão reflorestadas com espécies nativas da região, o que é importante para a recuperação do ecossistema.
“Havia uma pressão do governo para
que a Petrobras acelerasse o processo.
O modo de fazer isso foi instalar o ciclo
simples primeiro e, depois, o ciclo
combinado”
Joel Mariz, gerente da usina, referindo-se ao
fato de que a térmica funcionará, a princípio,
sem as turbinas a vapor
Dourados na rota do gasoduto
A instalação de um ramal para o gás boliviano de Campo Grande a Dourados, planejada
pela Petrobras, é uma proposta do governador
do estado José Orcírio Miranda dos Santos (PT)
que não foi cumprida no mandato anterior, mas
que ele pretende concretizar até 2006.
O ramal fornecerá gás à usina que será instalada no município, conforme os planos do governo estadual. Já existem estudos em curso, e
algumas áreas estão sendo selecionadas para
não atrapalhar a população. Mas há questões
que preocupam, como a localização, o acesso
à usina, a infra-estrutura, principalmente com
Março/2003
relação às redes de alta tensão, o sistema de irrigação da energia e a disponibilidade de água
para o ciclo combinado, que exige maior quantidade - cerca de 600 mil litros por dia.
Pesquisadores da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (UEMS), em Dourados, acreditam que o excedente de energia será interessante para a região, mas alertam para a necessidade de uma garantia de que realmente
existirão medidas compensatórias que atendam
as comunidades indígenas da área, porque fatalmente o ramal do gás terá de passar por algumas delas.
19
Vivian de Castro Alves
Na
Na expectativa
expectativa
Ansiosos
Ansiosos por
por um
um emprego,
emprego,
corumbaenses
corumbaenses esperam
esperam oo
desfecho
desfecho da
da ‘novela’
‘novela’ da
da
TermoCorumbá
TermoCorumbá
Corumbá deveria abrigar a primeira termelétrica à base do gás natural da Bolívia.
Porém, apesar de ser a unidade mais competitiva do Brasil, devido à proximidade com o
ramal boliviano, a TermoCorumbá não saiu
do papel. Há mais de quatro anos, os sócios (a
Petrobras e a empresa norte-americana Duke Energy) ensaiam instalá-la. A termelétrica
20 chegou a obter a Licença de Instalação, mas o
projeto parou na demarcação do terreno.
A construção da usina não foi efetivada
porque a Duke Energy, sócia majoritária, desistiu deste e de outros empreendimentos no
Brasil. A desistência foi marcada por boatos.
Um deles dizia que ela não se responsabilizaria pela remoção de mais de 2.000 moradores do bairro Nova Aliança, a menos de 400
metros do local onde seria instalada a usina.
Funcionários da Petrobras informaram que a
termelétrica não atingiria a população local.
Porém, o Ibama exigia a remoção das famílias para garantir segurança. A Duke alegava
ser essa responsabilidade do governo estadual. Assim, o licenciamento ficava cada vez
mais lento. Como conseqüência, o processo
sofreu a pressão de corumbaenses que, esperando por uma vaga de trabalho, realizaram
uma manifestação em frente à prefeitura cobrando a liberação da Licença de Instalação.
Desconhecimento
Assim como em outros lugares, a população de Corumbá pouco sabe sobre termelétricas. O senhor Jorge, morador há dois anos
do Bairro Nova Aliança, lamenta o descaso
dos interessados e o pouco acesso às informações, o que aumenta a angústia da espera. O
terreno foi recebido como pagamento de
Senhor Jorge:
“Gostaria de ter
mais informação
sobre essa
termelétrica”
impostos e teria de ser direcionado à indústria. Mas, depois do assentamento dos sem-tetos, houve a promessa de que o local seria um
lote social. Segundo os moradores, o processo
parou porque houve uma briga entre o governo e a prefeitura. O acordo definia que metade do terreno seria pólo industrial e metade
moradia, mas nunca foi colocado em prática.
O senador Delcídio do Amaral (PT) aponta outro motivo: “A Duke está com muitos problemas nos Estados Unidos por causa do fechamento da Enron. Como foi aberta uma investigação de todas as companhias de energia, várias empresas resolveram parar os projetos”. A empresa seria parceira no projeto
de outra usina, em Puerto Suarez, Bolívia, que
também não se concretizou.
Bem-me-quer, mal-me-quer
A TermoCorumbá, uma das três usinas previstas pelo PPT para o estado, segundo o senador, é fundamental para o desenvolvimento
da região porque o sistema de transmissão em
Corumbá já está esgotado, inviabilizando o
pólo mínero-siderúrgico previsto para o estado. A usina, além de maximizar o sistema,
atrairia outras indústrias. Ela seria uma das
mais competitivas porque não precisaria pagar a tarifa de transporte cobrada no
Gasoduto Bolívia-Brasil, já que receberia gás
de um ramal que sairia da Bolívia direto para
Corumbá.
A Petrobras ainda não encontrou outra
parceira para o projeto. Conforme Amaral,
existem propostas de empresas americanas e
européias que querem assumir a participação da Duke, mas até agora nenhum acordo
foi fechado.
Março/2003
Destino incerto
Apesar dos investimentos, laboratório para estudo do gás
ainda não é capaz de medir os aspectos positivos
e negativos deste combustível
Sete meses depois de inaugurado, o
Centro de Análise e Monitoramento Ambiental do Gás Natural (Gaslab), localizado
na Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul (UEMS), em Dourados, no sul do estado, ainda não possui estrutura necessária
para diagnosticar e monitorar os possíveis
efeitos causados pelo gás natural. De acordo com os pesquisadores do centro, não
existem indicadores específicos de impactos ambientais referentes ao gás. Por isso,
ainda é difícil julgar se a instalação de
termelétricas é boa ou ruim.
O coordenador do projeto de Avaliação
Ambiental Estratégica para o Gás Natural,
Mário Vito Comar, admite que não existe
equipamento que disponha de toda a tecnologia para afirmar se poluentes emitidos por
uma termelétrica podem influenciar na saúde humana. Mas ele não descarta essa possibilidade e conta que está sendo montado
um sistema de laboratórios para avaliar o
nível de ecotoxicologia, saber quais seriam
os organismos emitidos no ambiente e os
efeitos que eles poderiam causar. “Na
complexidade da vida atual não dá para
saber quais elementos que estão afetando a
população, mas sem dúvida isso é uma carga adicional”, afirma o coordenador, descartando a hipótese dos impactos serem
muito altos, caso a localização seja adequada e os procedimentos corretos.
A proposta do Gaslab, conforme Mário
Vito Comar, não é necessariamente defender o uso do gás e, sim, investigar e avaliar todos os efeitos dele através de um
monitoramento não só ambiental como
também demográfico e cultural, avaliando o desenvolvimento de seu impacto e sua
dinâmica, porque cada vez que se inova
em tecnologia, que muda a matriz
energética, todo o contexto socio-econômico é modificado. Por isso, ele acredita
que a pesquisa para averiguar transforma- 21
ções biológicas no ambiente ainda tem
muitos anos pela frente. “Ainda não existe
pesquisa específica para comprovar se um
impacto é devido ao gás natural ou a um
agrotóxico que já está no ambiente há
muito tempo”, exemplifica.
Keila Mesquita
Março/2003
Keila Mesquita
retar, sem dúvida, o desenvolvimento de outras áreas a partir da
“Os interesses
projeção do Centro”, imagina o
da Petrobras
pró-reitor de pesquisa e pós-granão são necessaduação da UEMS, Fábio dos Sanriamente os
tos Costa.
nossos”
Isenção Justificada
Apesar de o projeto ter sido
concretizado através de um financiamento concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a
estrutura atual do Gaslab só foi
possível devido a parcerias com a
Petrobras, MSGás e a TBG. Ainda
“Uma vez que exista o problema,
assim,
o
coordenador
do projeto garante que
não há duas posturas. A Petrobras
isso
não
muda
o
direcionamento
das pesquiterá que providenciar medidas
sas, nem mesmo pelo investimento da
corretivas urgentes para definir a
Petrobras, maior interessada na expansão do
situação”
mercado de gás natural no Brasil. “Os inteMário Vito Comar, coordenador
resses dela não são necessariamente os nosEm busca de um modelo
sos, mas nesse projeto estamos associados
Os pesquisadores do centro consideram
para que o gás natural seja conhecido como
que a maior contribuição do projeto será a
energético e usado de forma mais apropriada”, justifica Comar.
criação de um procedimento padrão que
permita apontar, através do Sistema de AvaO coordenador garante que os trabalhos
liação Ambiental Estratégica (SAAE) e de Anáestão sendo feitos com natureza investigativa
lise e Monitoramento Ambiental (Samagás), se
para a socialização do conhecimento. Segun22 o uso do gás natural é ou não indicado para do ele, se os resultados apontarem que a
determinadas regiões, apontando os prós e os
empresa não está atendendo aos padrões
contras. Essa projeção, segundo o pesquisaexigidos, o Gaslab não vai acobertar falhas.
dor Afrânio José Soriano Soares, tem seus de“Uma vez que exista o problema, não há duas
feitos, mas dá um direcionamento para que
posturas. Eles terão que providenciar medinão só os políticos e empresários, como tamdas corretivas urgentes para definir a situabém a população organizada, tomem decição”, afirma. Mas Comar deixa escapar que
sões, possam optar. “Nós não fazemos leis, a
a Petrobras estimulou esse trabalho porque,
gente pode sugerir, mas a decisão é sempre
na verdade, iria beneficiar também seus
da justiça”.
próprios procedimentos. O coordenador diz
Soares prevê que o modelo do procedique a empresa não tem interesse em ocultar
mento fique pronto em três meses. “Na veros resultados, pois está pesquisando justadade, ele nunca vai estar totalmente termimente para saber como melhorar o padrão
nado, porque cada vez que a gente dá um
de qualidade, tendo medidas para que posdetalhamento, descobre novos dados físicos,
sa intervir onde for necessário.
biológicos, etc, é incorporada uma nova técO pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação
nica e ele fica ainda melhor”, pondera.
da UEMS assegura que ela só aceitou essas
Os pesquisadores do Centro de Análise e
parcerias porque acredita e confia na intenMonitoramento têm a pretensão de patenteção do projeto. Segundo Costa, o principal obar o método e futuramente reconhecê-lo com
jetivo da instituição é dar respostas à sociedacertificação internacional, para que o emde. Isso significa que, se por algum motivo,
preendedor que venha a construir uma térhouver qualquer questionamento com relamica em qualquer lugar do país, usando o
ção ao gás natural, sem dúvida, os profissiomodelo desenvolvido pelo Gaslab, tenha a
nais da UEMS terão total liberdade para fagarantia de que estará fazendo o melhor prolar: “Eles querem que nós trabalhemos com
cedimento de construção possível. “A intennossa capacidade técnica para respaldá-los
ção é que ele se torne um centro de refeem cima de qualquer dificuldade que venha
rência a nível nacional, projetando o estado
a existir, e se nós detectarmos algo errado é
do ponto de vista cientifico, o que vai acarnossa obrigação informar”.
Março/2003
Trajetória
fugaz
Março/2003
Keila Mesquita
A partir da instalação do gasoduto Bolívia-Brasil, a Petrobras pediu que todos os setores interessados no uso desse combustível
enviassem propostas de desenvolvimento
tecnológico para melhorar a produção e o
consumo do gás natural. As propostas foram
encaminhadas ao Ministério da Ciência e
Tecnologia, através da FINEP (Financiadora
de Estudos e Projetos). Foram abertos dois
editais, um para projetos destinados à infraestrutura e outro para projetos que apresentassem metodologias para a avaliação
ambiental.
Cinco propostas encaminhadas pela UEMS
atenderam às exigências dos editais e foram
efetivadas em dois projetos. Um é o Centro de
Avaliação Ambiental Estratégica (Gaslab), que
engloba os laboratórios, os procedimentos e
as equipes, e o outro é o Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE), que trabalhará diretamente
com a questão sócio-ambiental, incluindo dinâmica populacional e a influência do
gasoduto e das termelétricas.
A Finep disponibilizou R$ 1 milhão para
o financiamento desses projetos, dos quais
no máximo 20% poderiam ser destinados à
infra-estrutura, incluindo a construção e os
equipamentos do Gaslab. Do total investido
para o desenvolvimento do AAE, 70% do
valor (mais de R$ 850 mil) vieram da
financiadora e os outros 30%, das parcerias
com a Petrobras, MSGÁS e TBG. No caso do
Centro de Análise e Monitoramento, R$ 130
mil foram usados na construção do prédio,
equipado com R$ 80 mil pagos pela Petrobras
e R$ 30 mil pela MSGÁS.
O Gaslab possui quatro laboratórios (propriedades físico-químicas da água, emissões
gasosas, ecologia e impactos sócio-econômicos) que poderão ser usados independente-
mente das pesquisas sobre o gás natural, que
é a de maior interesse. Já existem outras possibilidades: a prefeitura de Dourados, por
exemplo, pretende desenvolver pesquisas
sobre a qualidade da água e o IPLAN (Instituto de Planejamento), sobre padrões
ambientais. Além de trabalhar na área de
monitoramento e avaliação ambiental estratégica, cada um dos laboratórios poderá
prestar outros serviços, o que deve manter o
Centro funcionando, talvez até melhor equipado, podendo ter maior desempenho também para os alunos, para bolsas de estudo,
iniciação científica, mestrado e possivelmente doutorado.
Afrânio Soares, um dos pesquisadores do
Gaslab, diz que eles se propuseram a desenvolver projetos na área de monitoramento
ambiental do gás porque na UEMS a maio- 23
ria dos professores mestres e doutores trabalham com o meio ambiente. “De tecnologia do gás, automação, parte industrial, a
gente disse que não entendia. A universidade não tinha nem curso de física ou engenharia”, lembra. “A questão do gás podia
não ser especialidade de ninguém, mas a
ambiental era. Por isso decidimos parar outros projetos para nos dedicar a entender o
processo e poder informar a sociedade”.
Além de atender às pesquisas
de análise e monitoramento
do gás natural, os laboratórios poderão
prestar outros serviços, atraindo recursos para novos equipamentos
Toneladas
tóxicas
24
Graves problemas ambientais
são causados ou agravados por gases
expelidos pelas termelétricas, como
o aquecimento global e a chuva ácida
Março/2003
Daniela Rocha
Apenas os danos causados à saúde
humana, somados a uma certa
inviabilidade econômica, já seriam suficientes para, se não invalidar a proposta, pelo menos fazer com que as autoridades repensassem o projeto de instalação de usinas termelétricas em
Mato Grosso do Sul e no Brasil. Mas,
além desses fatores, os pesquisadores denunciam que a operação das usinas
aumentará brutalmente a emissão de
gases poluentes na atmosfera, gerando
graves problemas ambientais.
Os números da emissão de gás
carbônico, por exemplo, são altos. Conforme os cálculos do engenheiro florestal e doutorando em planejamento de
sistemas energéticos pela Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos
Roberto de Lima, a implantação de seis
termelétricas a gás natural no estado,
com potência total em torno de 1400
MW, como o governo anunciou, causaria a emissão de cerca de 3,93 milhões de toneladas de gás carbônico
Março/2003
(CO2) por ano, principal responsável
pelo efeito estufa ou aquecimento global da Terra, que está causando mudanças drásticas no clima.
Uma medida que mitigaria a emissão
de carbono seria o reflorestamento. De
acordo com o engenheiro, se forem levadas em consideração apenas as
termelétricas de Campo Grande (William
Arjona), de Três Lagoas e de Corumbá,
quando estiverem com todas as turbinas
funcionando, haverá uma emissão total
em torno de 1,72 milhão de toneladas
desse gás por ano. Lima explica que,
para compensar tais níveis de emissões,
são necessários, no mínimo, 52 mil hectares de reflorestamento. “É importante
frisar que para cada hectare de árvores
plantadas, existe a possibilidade de gerar até quatro empregos permanentes, o
que resulta em um potencial de 208 mil
postos de trabalho”, acrescenta. Ele lembra que o reflorestamento pode até anular as emissões de carbono, mas não terá
o mesmo efeito sob os demais poluentes.
25
Keila Mesquita
As termelétricas emitem gases formadores da chuva ácida, que
diminui a produtividade agrícola, trazendoprejuízos ambientais
e econômicos
Há opiniões contrárias. O gerente de meio
ambiente da Tractebel, José Lourival Magri,
por exemplo, afirma que o gás carbônico
não é um poluente. “Nós inspiramos oxigênio e expiramos gás carbônico”, explica.
“Esse gás não tem problema nenhum para a
saúde e meio ambiente”.
26 Além do gás carbônico, Lima cita diversas
outras substâncias que prejudicam toda a natureza de uma forma geral, como os compostos orgânicos voláteis, considerados
cancerígenos e genotóxicos, já que afetam o
material genético das células. Há também as
emissões de óxidos de enxofre e monóxido
de carbono, entre outras. “Tudo isto sendo
emitido por uma fonte com um grande potencial de emissões atmosféricas, tendo um
efeito maléfico sobre o meio ambiente”.
.As termelétricas que operam em ciclo
aberto (ver box na página 14) expelem os
gases resultantes da queima diretamente na
atmosfera, a temperaturas superiores a 540o
C. É o caso da William Arjona e da termelétrica
de Três Lagoas, quando estiver na primeira fase
de operação. Segundo a engenheira química
e professora do Departamento de Hidráulica
e Transporte da UFMS, Sônia Corina Hess, os
gases em altas temperaturas são um risco para
os pássaros que sobrevoam as redondezas. E
não é só isso. “A emissão contínua de gases
poluentes aquecidos é uma expressiva fonte
de problemas ambientais, como a possível alteração do clima da região onde a usina está
instalada”. Outro fator refere-se ao aproveitamento do gás. Essa eliminação de calor junto aos gases no ciclo aberto também repre-
senta a perda de um terço do potencial
energético da queima do combustível.
A chuva ácida é mais um problema. A
engenheira química esclarece que, quando o
óxido nítrico é lançado no ambiente, transforma-se em ácido nítrico, que volta da atmosfera na forma de chuva ácida. As usinas, dependendo da tecnologia, formam toneladas de
ácido nítrico por mês. Uma usina como a
Arjona gera 1200 toneladas dessa substância.
“Isso causa degradação
ambiental, diminui a produ- Todos os dias são emitidas tonetividade agrícola e causa ladas de gás carbônico e substânperda na fertilidade do solo. cias cancerígenas e genotóxicas,
É um problema seriíssimo”, que prejudicam todo o meio
avalia Hess. O geólogo e
professor do Departamento
de Geociências do campus de Aquidauana da
UFMS, Paulino Eduardo Coelho, acrescenta que
por causa dos ventos, a chuva ácida incidirá
também sobre o Pantanal.
Maus ventos o trazem
Os mesmos ventos que levam a chuva
ácida para a região do Pantanal também
carregam o mercúrio. Segundo o professor
Coelho, dependendo do sistema de funcionamento da usina, que pode ser ciclo aberto
ou ciclo combinado, o mercúrio expelido das
térmicas em altas temperaturas sofrerá um
resfriamento, e se precipitará da atmosfera
na região para onde o vento sopra. As usinas
de Campo Grande e de Três Lagoas estão situadas no leste e sudeste do estado. Como os
ventos sopram do sudeste para o noroeste,
o mercúrio será levado para o Pantanal,
onde já houve muita contaminação causaMarço/2003
da pelo garimpo de ouro. Além disso, há
uma usina que está prevista para ser instalada em Corumbá, que se localiza no
meio do Pantanal.
O mercúrio se acumula nos organismos de
toda cadeia alimentar, principalmente no topo,
posição em que estão classificados os grandes
pássaros e o homem, por
exemplo. O teor de merA sexta substância mais perigosa
conhecida, o mercúrio, presente no cúrio no gás natural varia conforme o local de
gás boliviano, será liberada na
atmosfera e incidirá principalmente onde o produto é retirado. “Mercúrio, cádmio,
sobre o Pantanal
chumbo, todos esses elementos são péssimos e são muito persistentes
no meio ambiente. Tudo isso tem no gás”, acusa o professor.
Grupo de Risco
Cada turbina da William Arjona deve emitir
3,15 gramas de mercúrio por ano, conforme
os cálculos do professor do Departamento de
Física da UFMS, Paulo Ricardo da Silva Rosa.
Mas, mesmo que o índice de mercúrio emitido anualmente seja baixo, para Coelho, ele se
torna preocupante quando se imagina que as
usinas operarão cerca de vinte anos.
Um aspecto importante é o grupo de risco.
É necessário conhecer qual o grupo da fauna
e da flora mais sensível ao poluente do lugar
onde será incidida a emissão. Além disso, é necessário fazer um estudo sobre a amamentação,
para verificar se esse metal pesado pode estar
presente no leite materno, e pesquisar como o
elemento se agregaria à cadeia alimentar humana, dentre outros estudos.
O professor explica que os ecossistemas
podem ser muito sensíveis às alterações
ambientais. Até pequenas variações de temperatura, de 1° C, por exemplo, são capazes de acabar com determinada população
da fauna ou da flora, quebrando uma cadeia dentro de um ecossistema. “Aí dizem
que algumas gramas de mercúrio não são
nada. Depende do que ele vai afetar, e de
qual a importância da sustância na cadeia
alimentar daquilo que ele afetar”.
Homem-ambiente
Ao se referir sobre a implantação das térmicas, Coelho argumenta que o problema não
é simplesmente o meio ambiente, mas a possibilidade dessas usinas acabarem com a qualidade de vida no estado. O professor defende que o principal elemento do meio ambiente é o homem, o que, segundo ele, muitos
esquecem. “Se esse cidadão não come, não
tem saúde, não tem segurança, como ele conseguirá se preocupar com o meio ambiente?”, indaga. “Se ele é tratado como lixo, como
pode distinguir que não deve jogar lixo na
rua?”. O meio ambiente deve ser visto, inclusive, como uma forma de sobrevivência.
Um exemplo disso seria a coleta de lixo nas
favelas, que pode gerar empregos para os
próprios moradores, ao mesmo tempo em que 27
contribui para a preservação da natureza.
Para o professor, faltaria aos empresários e
até aos profissionais da área, a visão do meio
ambiente como gerador de soluções. Mas,
hoje, isso já está evoluindo. “Há um tempo,
existia o ambientalista xiita e o empresário
tratorista”, diz. “A tendência é chegar a um
contexto de ajuste, a sustentabilidade”.
Daniela Rocha
Março/2003
Vivian Castro Alves
28
Perigo invisível
Os gases emitidos por uma termelétrica são incolores.
Mas, se houvesse uma cor ideal com que se pudesse
tingí-los, seria o vermelho, para indicar alerta
A saúde da população corre sérios
riscos com a instalação das usinas
termelétricas no estado. O alerta, que
vem da comunidade científica, justifica-se pelo plano do governo estadual de instalar seis termelétricas, que
gerarão energia através da queima de
gás natural boliviano, outra fonte de
graves preocupações.
A comprovação de existência de
mercúrio (Hg) no gás boliviano causou angústia na classe científica, mas
parece não ter sensibilizado as autoridades políticas, sanitárias e mesmo
judiciárias, que estão demorando a
tomar atitudes sobre o assunto. “Os
teores presentes no gás são baixos, mas
não deixam de ser preocupantes, uma
vez que este metal é extremamente
tóxico, e se acumula no organismo”,
declara a professora da UFMS e
engenheira química, Sônia Corina
Hess, pós-doutorada em química orgânica. “É mais um risco que temos
que enfrentar para não adoecermos”.
Uma vez exposto ao mercúrio, assim
como a outros metais pesados, o organismo dos seres vivos não é mais capaz de eliminá-lo.
Alguns dos problemas que esse elemento desencadeia são descritos pelo
médico otorrinolaringologista Milton
Nakao. “Ele pode causar problemas
neurológicos como paralisia, e até
morte, no caso de exposição à grandes quantidades”. Quando se trata de
mercúrio, uma ‘grande quantidade’
corresponde a volumes mínimos: apenas 0,3 a 0,4 grama de dicloreto de
mercúrio é o suficiente para matar um
Março/2003
homem adulto.
O mercúrio tem
dois tipos principais
de ação nociva ao orOs índices nos quais o mercúrio tem efeitos prejudiciais ao
ganismo humano. Eorganismo são pequenos, podendo ser medidos até em µg
xistem os efeitos ne(micrograma), que equivale ao grama elevado a 10-6. No sanfrotóxicos, que atingue, o nível de mercúrio associado a distúrbios é de 20-60 µg/
gem os rins, e os efei100mL; no cabelo, o nível é de 50 mg/g; nos eritrócitos, de 0,4
tos neurotóxicos, que
mg/g. A menor concentração tóxica de mercúrio, por inalaafetam o sistema nerção, capaz de determinar efeitos neurológicos, é de 169 µg/m³.
voso central. Além
A dose letal para um homem adulto é de apenas 0,3 a 0,4 gradesses danos, o merma de dicloreto de mercúrio. De todas as substâncias conhecidas,
cúrio provoca efeitos
o mercúrio é a sexta mais perigosa.
mutagênicos (alterações no DNA), perda de memória, deficiências nos órgãos sensoriais e alterações
mercúrio, quando a Promotoria de Justiça do
no metabolismo, o que o torna a substância
Meio Ambiente abriu, em janeiro de 2002,
mais tóxica para o homem e grandes anium inquérito para investigar os impactos
mais. Na cavidade oral, o mercúrio causa
causados pela usina William Arjona, em
gengivite, estomatite e salivação aumentada.
Campo Grande, os pesquisadores solicitaram
Também causa danos ao sistema respiratório.
ao Ministério Público que pedisse a análise
Tirando a prova
do gás para a empresa responsável pela
A queima de grandes volumes de gás
termelétrica, a Tractebel Energia.
natural pelas termelétricas, fornecido pelo
A análise examinou a presença de meGasoduto Bolívia-Brasil, foi um dos fatores
tais pesados, como o cádmio, chumbo, croque chamou a atenção dos pesquisadores.
mo, manganês e mercúrio, único elemento
Somente na termelétrica de Três Lagoas, cada
que a metodologia empregada foi capaz de 29
uma das quatro turbinas queimará 19.056
detectar. A quantidade mínima acusada foi
m³ de gás por hora quando estiver operande 0,036 µg/Nm³ (unidade que equivale a
do. Como existia a suspeita da existência de
um micrograma por cada metro cúbico nas
Perigo em pequenas doses
Vivian da Castro alves
“Os teores de mercúrio
presentes no gás são baixos,
mas não deixam de ser
preocupantes, uma vez que
esse metal é extremamente
tóxico e se acumula
no organismo”
Sônia Corina Hess,
engenheira química
Março/2003
condições normais de temperatura
e pressão). “O gás boliviano está, re- Óxido nítrico já ren deu Nobel
almente, contaminado com mercúrio em índices preocupantes, que
Há pouco tempo foi constatado que o óxido
estão acima dos limites de detecção
nítrico funciona como uma molécula de comudos aparelhos existentes para a anánicação entre as células. Em 1998, os pesquisalise”, ressalta um ofício de novemdores L. J. Ignarro, F. Murad e R. F. Furchgott fobro de 2002, informando sobre os
ram premiados com o Nobel de Fisiologia e Meimpactos das termelétricas, que foi
dicina, como uma forma de reconhecimento pela
qualidade do seu trabalho tratando do papel do
entregue ao procurador Geral de
óxido nítrico como molécula de sinalização no
Justiça do Ministério Público, Sérgio
sistema cardiovascular.
Luiz Morelli, e assinado pela professora Hess, pelo presidente do Centro de Tecnologia de Energia Limpa
(Cetel), Bruno Mangiapelo, e pelo jornalista
nor variação entre elas. O correto seria
Allison Ishy, da organização não-governacoletá-las ao longo de três a seis meses, senmental Ecologia e Ação (Ecoa).
do metade coletada em horários fixos e meSerá que ele é?
tade em horários aleatórios. Além disso, as
A análise do mercúrio levanta muitas susconcentrações variam ao longo da vida útil
peitas. “Estes laudos não esclarecem se o gás
dos poços de gás. Portanto, a análise para
natural analisado é, ou não, boliviano, pois
metais pesados deve ser feita periodicamennão fazem referências aos locais onde as
te, pois com a diminuição do volume de gás
amostras foram coletadas”, acusa o profesnos poços, pode ocorrer uma concentração
sor da Universidade Federal da Paraíba, Cardesses elementos químicos.
los Roberto de Lima, engenheiro florestal e
A ligação entre a análise e a Petrobrás é
doutorando em Planejamento de Sistemas
revelada no próprio laudo, cujo ofício que o
Energéticos pela Universidade de Campinas
encaminha à Promotoria de Justiça do Meio
30 (Unicamp).
Ambiente, datado de 14 de novembro do ano
A influência da Petrobras também torpassado, é assinado por Luiz Rodolfo Landim
naria o laudo um documento suspeito, como
Machado, na época diretor gerente do Gás
aponta o professor. A análise foi feita pela
Natural da Petrobras. O documento foi enCTQ Química, um laboratório de Santo
viado pela promotoria para avaliação ao InsAndré, São Paulo, a pedido do Centro de
tituto de Meio Ambiente Pantanal (Imap), o
Tecnologia do Gás (CTGÁS) de Natal, no Rio
órgão estadual responsável pelo meio ambiGrande do Norte. O CTGÁS seria ligado à
ente. Até meados de fevereiro deste ano, o
Petrobras, a importadora e comercializadora
instituto ainda não tinha analisado o laudo.
do gás boliviano, o que comprometeria a
Óxidos tóxicos
imparcialidade do documento. “As amostras
Uma substância cuja ação no organismo
analisadas poderiam ter sido coletadas em
humano ainda não é totalmente conhecida
poços ou gasodutos do próprio Rio Grande
pela ciência, mas que estudos já indicam que
do Norte, cujas reservas devem ser diferenprejudica a saúde, é o óxido nítrico (NO).
tes do gás boliviano”, especula Lima.
Os efeitos dessa molécula, com ação
A professora Sônia Hess também tem dúcancerígena, têm preocupado a população
vidas, e acredita que deveria ser realizada
e provocado muitas discussões entre empreuma contra-prova em um laboratório não
sas e comunidade científica.
vinculado à estatal. Ela conta que uma das
Apenas uma turbina, dependendo do
razões para a hipótese de presença de mermodelo, pode ser capaz de emitir quatro tocúrio no gás boliviano teria sido o relato de
neladas por dia de óxidos de nitrogênio
um técnico da Petrobras, do Rio Grande do
(NOx), que são o óxido nítrico mais o dióxido
Norte, cujo nome foi protegido, o qual asde nitrogênio (NO2). “Esses dados tornamsegurou que há bastante mercúrio no gás
se relevantes ao associá-los a estudos das áreda Bolívia.
as de medicina, toxicologia e farmacologia”,
Outra questão levantada pelo professor
alega a professora Hess. “Esses estudos têm
Lima é quanto à metodologia empregada.
revelado que o óxido nítrico, um radical liComo as amostras foram coletadas dentro
vre, está envolvido em diversas condições
de um curto espaço de tempo, há uma mepatológicas”.
Março/2003
Vivian da Castro alves
Hess fez um grande levantamento
na literatura médica, na qual constam mais de dois mil artigos científicos tratando do óxido nítrico, publicados nos últimos quatro anos. Dentre os efeitos prejudiciais desse gás, a
professora cita a impotência sexual
masculina e o câncer no colo de útero. Ela afirma que um homem exposto à concentração desse gás, dependendo das condições de saúde e de
vários outros fatores, realmente corre
o risco de ficar impotente.
Além disso, segundo a professora, a exposição ao óxido nítrico
causa diarréias em crianças e, a longo
prazo, diminui a resistência a enfermidades, tornando o indivíduo indefeso
contra doenças infecciosas como tuber“O óxido nítrico não é considerado gás
culose e hanseníase. “O óxido nítrico é um
tóxico em nehuma parte do mundo”
agente que destrói a saúde de um modo subversivo e, como regra, quando os problemas José Magri, gerente de meio ambiente da Arjona
são detectados, já ocasionaram danos graves”,
O gerente afirma que o óxido nítrico
alerta Hess.
faria mal em grandes quantidades. E comGuerra científica
para: “Se eu comer um boi durante um
Desde as audiências públicas sobre a
ano, vai fazer bem para a saúde, mas se
implantação da William Arjona que os reeu comer um boi em um dia, eu vou mor- 31
presentantes da empresa e os pesquisadores
rer”. Para ele, ainda não se pode afirmar
estão em conflito. O gerente da área de meio
com segurança que o gás faz mal a saúde.
ambiente da usina, o químico industrial José
“Se disserem que em ‘tais’ concentrações
Lourival Magri, ressalta que o óxido nítrico
o óxido nítrico causa impotência, câncer,
não é considerado gás tóxico em nenhuma
danos à saúde e ao meio ambiente, aí, sim,
parte do mundo. Nem as normas da Orgaé correto afirmar”. Magri lembra que o
nização Mundial de Saúde prevêem padrão
gás está presente, inclusive, na composide qualidade do ar para o gás. Pela legislação do Viagra.
ção brasileira, ele é considerado um produA ciência ainda não estabeleceu a conto com toxidez para ambientes fechados.
centração mínima do óxido nítrico que
As normas existentes relativas ao óxido
nítrico, de acordo com
Magri, são de saúde e segurança no trabalho,
que estabelecem uma
concentração máxima
Em novembro do ano passado, foi entregue à Procupara o gás no ambiente
radoria Geral de Justiça de Mato Grosso Sul um abaixoda empresa. Mas, segunassinado, solicitando às autoridades competentes provido a professora Hess,
dências para que sejam minimizados os impactos negatipesquisas indicam que
vos ao meio ambiente e à saúde humana, causados pela
em fábricas de ácido
instalação da usina William Arjona, em Campo Grande.
nítrico, por exemplo, uO documento, com 2.270 assinaturas organizado pelos
sado na fabricação de
professores da UFMS Bruno Mangiapelo e Sônia Hess e
adubo, onde há óxidos de
pelo jornalista Allison Ishy, exige, entre outras medidas,
nitrogênio na atmosfera,
o banimento do gás natural como combustível para uso
o nível de doenças entre
em edifícios onde haja circulação de pessoas.
os empregados é quase
28% maior do que em
outras indústrias.
Abaixo à poluição
Março/2003
causa prejuízos à saúde, porque a ação do
gás no organismo foi descoberta recentemente, e as pesquisas ainda não terminaram. As empresas asseguram que a concentração emitida pelas turbinas é pequena, já que o gás é disperso na atmosfera.
Hess lembra que no inverno, a concentração aumenta, e que o índice que causa
efeito no organismo é muito baixo. “Para
se ter uma idéia, na concentração de 1
ppm, o que equivale a um miligrama por
tonelada, o óxido nítrico é medicamento
para problema cardíaco”.
Há pesquisas que, por outro lado, procuram mostrar que o óxido nítrico faz bem
à saúde, sob as quais muitas empresas se
pautam, para contra-argumentar os cientistas que consideram a substância perigosa. Documentos assinados pela Universidade da Califórnia e pelo médico norteamericano Peter Dadano relatam que o
óxido nítrico é usado em medicamentos
para combater o câncer, diabetes, anorexia
e impotência sexual.
Como não se pode ainda estabelecer um
32
Livre no ar
Apesar da periculosidade dos metais
pesados, a legislação brasileira não prevê
índices de emissões atmosféricas para esses elementos, incluindo o mercúrio, em
instalações de geração de energia a partir
da queima de gás natural. Para esse metal
específico, há apenas índices para qualidade da água.
índice mínimo para garantir a saúde das
pessoas expostas ao óxido nítrico, a professora defende a criação de uma lei muito simples: somente será permitida a instalação de uma usina, se for empregada a
melhor tecnologia do mundo, a fim de evitar a poluição. Atualmente, existem sistemas de controle de emissão de óxidos de
nitrogênio, como o Dry Low Nox, que reduz de 30% a 40% o volume de óxidos de
nitrogênio expelido pelas térmelétricas,
mas nem todas as usinas possuem esse tipo
de dispositivo.
Disparada do câncer
O número de casos de câncer de pulmão
aumentou 25% entre 2000 e 2001, conforme revelou um levantamento da Secretaria
Estadual de Saúde sobre a evolução do câncer em Mato Grosso do Sul. Os casos de
morte por câncer de colo de útero também
tiveram um aumento considerável nos últimos anos. A doença causou a morte de três
mulheres em 1998, e de nove no ano seguinte. Mas, em 2000, foram registradas
53 mortes e no ano de 2001, esse número
saltou para 128.
O engenheiro florestal Carlos Roberto de
Lima alertou para o crescente número de
casos, segundo a professora Sônia Hess. Essa
explosão das estatísticas coincide com o início da operação da usina termelétrica
William Arjona em Campo Grande, em
1999, a qual emite grande quantidade de
óxido nítrico, um gás cancerígeno. “É claro
que qualquer pesquisador sério não vai dizer que a usina está causando câncer”, pondera a professora. “Para afirmar isso, seria
necessário um estudo epidemiológico”.
A Secretaria de Saúde alega que os casos
não aumentaram e, sim, que houve mais
precisão nas estatísticas, devido ao melhor
empenho no trabalho de notificação. Porém,
segundo Hess, a equipe responsável pelo levantamento confirmou a melhora na
metodologia, mas admitiu que de fato aumentou muito o número de casos de câncer
de colo e pulmão.
Para descobrir qual a verdadeira razão
para o aumento dos casos, bem como se ele
estaria relacionado aos gases da usina, representantes da comunidade científica pediram ao Conselho Estadual de Saúde, em
uma reunião no dia 13 de dezembro do ano
passado, que fosse feito um estudo completo
sobre os óbitos por câncer na capital. Esse
estudo epidemiológico será feito com a população que vive em torno da usina, para
verificar se estão ocorrendo danos à saúde.
O levantamento será financiado pela
Tractebel Energia, proprietária da usina.
Também ficou deliberado na reunião que
seja convocada uma audiência pública para
debater a política do gás natural, junto à Assembléia Legislativa.
Março/2003
Tractebel Energia
A má localização de fontes poluidoras, como usinas termelétricas, faz com que os ventos
levem os poluentes diretamente à população das cidades próximas. É o caso de Três Lagoas
Multiplicação dos venenos
As termelétricas a gás natural também
aumentarão a emissão de outros poluentes
prejudiciais à saúde, além dos óxidos de
nitrogênio, como hidrocarbonetos policíclicos e aromáticos (HPA’s), conforme o
engenheiro florestal e professor da
Universidade Federal da Paraíba, Carlos
Roberto de Lima.
Alguns desses hidrocarbonetos são
cancerígenos e genotóxicos, provocando alterações no DNA. “Tais substâncias não estão
relacionadas na legislação brasileira, mas
apenas a sua presença entre as emissões, independentemente dos seus níveis de emissões
ou concentrações no ar atmosférico, é suficiente para provocar danos à saúde das
pessoas”, declara o professor. Outros hidrocarbonetos causam irritação nos olhos, nariz
e pele. Essas substâncias e os óxidos de nitrogênio reagem na atmosfera formando um
conjunto de gases agressivos, dentre eles o
ozônio troposférico (O3), que, entre outros
problemas, causa lesão nos tecidos do corpo
humano.
Março/2003
O professor afirma ainda que os efeitos
maléficos dos poluentes são multiplicados
várias vezes devido à localização inadequada dos empreendimentos, relacionada a velocidade e direção dos ventos. Um exemplo
é a usina de Três Lagoas, que má localizada
em relação à malha urbana, exporá os cerca de 80 mil habitantes do município aos
danos causados pelas suas emissões atmosféricas. “Tudo indica que este fato tenha se
repetido em outras usinas termelétricas, devido à falta de infraestrutura material e humana nos órgãos de licenciamento
ambiental”.
As questões relativas aos problemas de
saúde pública, causados pelas emissões atmosféricas poluidoras das termelétricas, foram omitidas nos estudos de impactos
ambientais e, por conseqüência, das audiências públicas, conforme denuncia o
professor Carlos Lima. “Devemos provocar essas discussões. Pessoas terão menor
expectativas de vida, e o estado gastará
mais com saúde pública. Quem pagará
estas contas?”.
33
Daniela Rocha
Fora da lei
A termeletricidade à base de gás natural é impulsionada pelo governo,
mas não é prevista na legislação. Isso permite que os empreendedores
atuem à vontade, livres da fiscalização
Apesar de o Brasil ter uma das legislações mais avançadas e rigorosas do mundo,
ainda carece de lei específica para o gás natural, principal combustível das termelétricas. Com a oferta do produto boliviano nos últimos quatro anos, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) remodelou o processo de autorização para esses em34 preendimentos. “Houve uma ampla reestruturação, que vislumbrou a adoção de
critérios mais simplificados e a agilização da
emissão do ato”, conforme a Resolução
ANEEL nº 112, de 18 de maio de 1999.
Anunciou-se grandes incentivos a esses
investimentos, mas não concluiu-se a legislação. Ficaram grandes lacunas tanto no âmbito da regulamentação das obras, dos serviços, quanto da conseqüência da instalação,
principalmente no aspecto de qualidade
ambiental. Isso criou um clima desfavorável e incerto tanto para os investidores quanto
para a população brasileira.
O gerente de projeto da Usina Termelétrica da Petrobras, em Três Lagoas, Joel
Trindade, assim como outros empreendedores, reclama da falta de legislação específica para a utilização do gás natural e o controle das conseqüentes emissões de gases
poluentes. Ele acredita que isso atrapalha a
instalação do empreendimento. “Qualquer
homem que faça um empreendimento industrial de grande porte vai fazer impacto”, aponta. “O que nós temos que ter são
leis adequadas e critérios razoáveis que penalizem de uma maneira coerente o
empreendedor.
No Brasil, as leis relacionadas ao meio
ambiente são elaboradas pelo CONAMA
(Conselho Nacional de Meio Ambiente), que
é vinculado ao Ministério de Meio Ambiente.
O CONAMA fixa, entre outras medidas, a
obrigatoriedade do licenciamento ambiental
para atividades modificadoras do meio ambiente, como as destinadas à oferta de energia elétrica.
Além disso, o Conselho estabelece que os
estados devem formular sua própria legislação, mas a Secretaria de Meio Ambiente de
Mato Grosso do Sul não
fez isso. Paulo Roberto A- “A lei não impõe nenhuma dificulquino, gestor ambiental dade aos empreendedores, já que
do Instituto de Meio Am- nossos critérios não são rigorosos”
biente Pantanal (IMAP),
reconhece que a falta da Bruno Mangiapelo, professor da UFMS
lei específica para o estado dificulta o trabalho. Ele diz que para
compensar essa ausência, faz consultas na
Organização Mundial de Saúde (OMS),
nas resoluções do CONAMA e nos padrões
do Banco Mundial, que define os parâmetros aceitáveis para emissões de
poluentes.
Muitos cientistas questionam esse recurso porque os padrões do Banco Mundial
desconsideram o contexto brasileiro. “A lei
não impõe nenhuma dificuldade. Ela é frouxa e nossos critérios são muito pequenos. Assim, é simples para os empreendedores se
enquadrarem nela. E mesmo que a lei seja
boa, no Brasil tudo é interpretação. Então,
nunca se estuda o mérito”, avalia o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Bruno Mangiapelo.
Março/2003
Vivian de Castro Alves
Auto-fiscalização
Hoje, praticamente qualquer
empreendimento precisa de licenciamento ambiental. Porém, apesar
do caminho burocrático, o processo tem brechas, permitindo, por
exemplo, que o diagnóstico dos impactos que a termelétrica provocará e o monitoramento da operação
das usinas sejam feitos pelo próprio
empreendedor.
A fiscalização, fundamental em
casos tão peculiares como esses que
envolvem a qualidade ambiental e
a saúde da população, restringe-se
à análise de dados coletados por
uma equipe técnica contratada pelo empreendedor, o que facilita a manipulação de informações. “Tudo no processo de licenciamento é por conta do empreendedor”,
explica a coordenadora de licenciamento do
Ibama/MS, Elisabeth Arndt. “A fiscalização
só entra, nesses casos, quando o empreendedor não cumpre o estabelecido nas licenças.
Aí entra multa”. Na opinião da gerente de
controle ambiental do IMAP, Giselle Marques
de Carvalho, “a empresa tem mesmo que se
automonitorar e o governo só fiscalizar”.
A coordenadora do Ibama revela que não
há na unidade de Campo Grande uma equipe de licenciamento ambiental formada.
“Como as termelétricas começaram há bem
pouco tempo no Brasil, a gente tem que correr atrás, ir buscar conhecimento ou procurar outros profissionais porque a gente, como
órgão ambiental, tem prática do que pode
ocorrer sobre o solo, sobre a água, só que
tem especificidades de projeto, como produtos químicos, lançamentos de poluentes no
ar, que exigem conhecimento mais específico. Então, os engenheiros químicos são os
“A empresa tem mesmo que se
automonitorar e o governo só fiscalizar”
Giselle Marques, gerente do IMAP
que realmente entendem”. Apesar de haver
a previsão de seis termelétricas para o estado, o Ibama/MS não tem engenheiros quí- 35
micos, reflexo da precariedade das instituições públicas brasileiras. Os únicos profissionais dessa área estão em Brasília e são apenas dois.
Modelo de Estudo Furado
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA/
RIMA) - que detalha, entre outras exigências, as conseqüências ao meio ambiente e à
saúde humana com a instalação do empreendimento e as medidas compensatórias - é
elaborado por empresas de consultoria
ambiental, também contratadas pelo empreendedor. Arndt reconhece que apesar do Estudo ter o dever de ser isento, muitas vezes
ele tenta mascarar um pouco ou não dá a
devida importância ao impacto maior para
facilitar a instalação.
Quem licencia
Como as termelétricas são empreendimentos de grande porte, o licenciamento compete ao Ibama. Porém,
quando a usina não abrange um ou mais estados ou fronteira de países, o Instituto pode delegar a competência
de licenciamento para o órgão estadual, assumindo uma co-responsabilidade. Em Mato Grosso do Sul, esta
função cabe ao IMAP (Instituto de Meio Ambiente Pantanal), braço executivo da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Turismo (SEMACT). Além disso, todos os empreendimentos precisam ter a anuência do município
onde será instalado, garantindo que a atividade está de acordo com as leis e usos dos solos do local.
Março/2003
“O empresário não quer saber se vai ter um EIA/RIMA
que vai retratar fielmente os problemas que determinada
região tem e como resolvê-los. Ele quer saber se o projeto
será aprovado”
Paulino Coelho, geólogo
Vivian de Castro Alves
O geólogo e professor da UFMS, Paulino
Coelho, que já trabalhou tanto para empresas privadas quanto para órgãos públicos,
diz que os estudos são limitados: “Você faz
um projetinho de um ano e meio, no máximo, para dar um aval. O modelo de estudo
de impacto ambiental é totalmente furado.
O empresário não quer saber se vai ter um
EIA/RIMA que vai retratar fielmente os problemas que determinada região tem e como
resolvê-los. Ele quer saber se o projeto será
aprovado”. Coelho ressalta a importância
da pesquisa pura para definir os impactos
ambientais e afirma que é impossível ter
resultados confiá-veis e imediatos.
Os passos para a termelétrica
A licença ambiental é expedida por fases e
em todas elas há discussão e negociação das
diretrizes do processo. Primeiramente, a empresa entrega ao Ibama um documento no qual
consta as características do empreendimento
– tamanho, tipo, quantidade de resíduos –,
para subsidiar o Termo de Referência, que
36 norteará o Estudo de Impacto Ambiental – EIA.
O Estudo vem acompanhado do RIMA – Relatório de Impacto Ambiental, que fica disponível ao público.
A partir daí, a empresa tem 45 dias para
realizar uma audiência pública para debater o resultado do estudo com pesquisadores
e medir a receptividade da população. “Em
geral, o público quer (o empreendimento)
porque a empresa faz um trabalho de convencimento, diz que o projeto é a melhor coisa
para aquele lugar, apontando a geração de
mais empregos”, explica Arndt. O EIA deve
conter três alternativas locacionais. Das três,
deve ser escolhida a que afeta menos áreas
naturais.
O EIA/RIMA é submetido à análise do
Ibama e a aprovação é fundamental para a
obtenção da Licença Prévia (LP), que autoriza o local onde será instalado o empreendimento. Todas as análises de impacto são feitas nesse estágio. A partir da LP, o empreendedor passa a apresentar os projetos do investimento, os programas ambientais e é definida a compensação ambiental. “Todo empreendimento que causa impacto no meio
ambiente tem que destinar no mínimo 0,05
% do valor da obra para compensação
ambiental que é destinada ao Sistema Nacional de Unidade de Conservação”, esclarece
Arndt.
As usinas termelétricas são caracterizadas
sempre como atividades de grande ou excepcional porte e de alto potencial poluidor.
Os custos das licenças também são sempre
altos. O IMAP, por exemplo, classifica como
atividade de porte grande, os investimentos
entre 30 mil e 5 milhões UFERMS e excepcional aqueles acima de 5 milhões, o que corresponde a R$ 2.700 e R$ 45 milhões respectivamente. O valor da licença está diretamente
ligado ao alto potencial de poluição dessas
usinas. De acordo com a tabela classificatória
do IMAP, as licenças variam entre R$ 2.430 e
R$ 5.472, respectivamente.
Cumprida as exigências da LP, a empresa recebe a Licença de Instalação e pode começar a ser construída. Nessa fase, o empreendedor detalha e executa os projetos,
programas ambientais e as medidas compensatórias. Após concluir a montagem da
termelétrica, inicia-se uma fase de testes de
720 horas diretas para cada turbina da usina. Depois de aprovados os testes, é emitida
a Licença de Operação (LO) que permite a
comercialização da energia gerada. Mas o
processo continua: “O licenciamento não
acaba com a LO. Depois dela, o empreendedor tem, às vezes, prazo de cinco anos de
monitoramento. Eles continuam a coleta de
dados – nesse caso, medindo a emissão de
poluentes – que começou antes da operação, para ter os parâmetros”.
Março/2003
Vivian de Castro Alves
Controvérsia dos prazos
Uma das maiores queixas que os empreendedores têm do órgão licenciador são
os prazos. O processo de licenciamento leva
pelo menos um ano para ser concluído. “A
gente está tentando estabelecer prazos mínimos e prazos máximos para fazer essa análise, porque quando o empreendedor chega no
órgão ambiental, ele quer a licença pra ontem, mas as avaliações são demoradas”, afirma Elisabeth Arndt. Ela atribui o atraso de
muitas licenças ao não cumprimento, por parte do empreendedor, de algumas exigências
do órgão. Já os empreendedores culpam o órgão licenciador. O gerente
“O empreendedor, ainda hoje,
de projeto da Usina Terna maioria das vezes, não está
melétrica de Três Lagoas, por
muito preocupado com a
exemplo, acredita que a maiqualidade ambiental”
or dificuldade em conseguir
Elisabeth Arndt, coordenadora do Ibama as licenças está na falta de experiência do Ibama com
termelétricas a gás.
Com a crise do sistema elétrico, foi feita
uma medida provisória para diminuir os prazos do licenciamento e, ainda, simplificar os
Estudos de Impacto Ambiental. Arndt aponta
as mudanças em curso: “Agora estão fazendo
uma portaria que vai fixar melhor os prazos,
mas em geral eles não são muito definidos, já
que há muita complementação. Mas a coordenadora de licenciamento ressalta o comportamento do empresário: “O empreendedor também precisa cumprir o prazo dele,
não depende só do Ibama. Se eles entregarem tudo redondinho, o procedimento é mais
rápido, mas a coisa demora muito porque
sempre tem negociação. Eles acham que não
precisa fazer determinado reparo para melhorar a qualidade do ambiente ou acha que
37
determinado filtro é mais caro que outro e
não quer colocar. Há uma resistência à
melhoria porque eles querem fazer tudo com
o menor custo. O empreendedor, ainda hoje,
na maioria das vezes, não está muito preocupado com a qualidade ambiental”.
Joel Trindade justifica que “é impossível
fazer qualquer desenvolvimento que use recurso natural sem impacto”. Para ele, o empreendimento tem que ser feito com o menor
impacto possível. “O ideal é economicamente
inviável. O processo vai ficar tão caro que não
compensa fazer nada. Você não vai ter um custo
competitivo seja com o produto biscoito, seja
roupa, seja energia elétrica”, contesta.
Na contramão do Protocolo de Kyoto
Em 1998, o Brasil e vários outros países do mundo que participaram, no ano anterior, da reunião da Conferência das Partes, no Japão, firmaram o Protocolo de Kyoto, que estabelece a redução da emissão de gases que
provocam o efeito estufa, em no mínimo 5% em relação aos níveis de 1990. A redução deve ocorrer em vários
segmentos e de várias formas, dentre elas, reformando os setores de energia e transportes e promovendo o uso
de fontes energéticas renováveis. O Protocolo só entra em vigor depois que, pelo menos, 55 países da Convenção ratificarem o acordo, incluindo os desenvolvidos, que contabilizaram 55% das emissões totais de dióxido de
carbono naquele ano. Até agora, dos 84 países que participaram, apenas 34 confirmaram o comprometimento. O Brasil foi um deles. No entanto, o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que prevê a instalação
de 49 usinas termelétricas no país, coloca o país na contramão do Protocolo de Kyoto, tendo em vista a grande
quantidade de poluentes que elas lançarão na atmosfera.
Março/2003
Jornalismo engajado
Acordos com a Petrobras, despreparo e campanha eleitoral
são os fatores que levaram a imprensa a não abordar as
termelétricas com devido cuidado
Desde que se começou a falar em
termelétricas em Mato Grosso do Sul, o que se
viu, e infelizmente ainda se vê, é a desinformação da população sobre o assunto. A
imprensa, que poderia esclarecer as dúvidas
da comunidade, não conseguiu cumprir o seu
papel em vários momentos. E mais: muitas vezes acobertou acordos feitos entre empresas e
políticos, ludibriando a população.
O jornalista Hudson Corrêa, então editor de Cidades da Folha do Povo (hoje correspondente da Folha de São Paulo), revela que por um tempo a própria Petrobras patrocinou os principais jornais
do estado. “No começo o investimento era
alto. Se eles patrocinavam, quem falaria
mal das termelétricas?”.
Todos os veículos de comunicação deixaram a desejar em relação ao assunto.
38 Alguns até apresentavam o gás como uma
nova opção de energia, divugavam os estudos da pesquisadora Sônia Hess sobre
os possíveis impactos causados pelas usinas e as licenças ambientais. Mas pouco
foi dito sobre a real necessidade da instalação das térmicas no estado, a composição
do gás boliviano e a forma como todo o processo se efetivou.
A cobertura da mídia impressa da capital, por exemplo, ocorreu basicamente em
dois momentos distintos. Primeiro, na época
do apagão, quando de uma hora para outra,
as térmicas foram apresentadas para todo o
país como a solução para a falta de energia
elétrica. Depois, quando teve início a campanha eleitoral de 2002 e os dois principais
jornais impressos do estado partiram para a
disputa política, em lados opostos.
Hudson Corrêa admite que a mídia não
tratou a questão como deveria. “No começo, quando o assunto ainda estava ‘pipocando’, todo mundo quis falar de termelétricas,
mas faltava um pouco de informação para
os jornalistas conseguirem explicar às pessoas o que era a térmica movida a gás, por
exemplo”, lembra. Como o assunto era muito recente, na época, nem os pesquisadores
tinham informações precisas sobre as usi-
nas. Por outro lado, ainda hoje, muitos órgãos e empresas criticam a postura da imprensa por não terem sido procurados para
falar sobre o assunto.
O segundo momento foi quando começou
a campanha eleitoral no estado. Dois dos três
mais fortes candidatos ao senado tinham como
suplentes os donos dos dois principais jornais
de Mato Grosso do Sul. Antonio João, dono do
Correio do Estado, era suplente do candidato
petista Delcídio do
Amaral, e Gilmar LiDe uma hora para outra, as
ma, na época dono
térmicas foram apresentadas
do jornal Folha do
para todo o país como a solução
Povo, do candidato do
para a falta de energia elétrica
PST, Pedro Pedrossian.
As pesquisas indicavam que uma das
duas vagas já estava garantida pelo então
senador Ramez Tebet, deixando a disputa
ainda mais acirrada para os demais. Para
agravar a situação, o candidato Delcídio do
Amaral, que se afastou do cargo de secretário de infra-estrutura do estado para concorrer à vaga, começou a alcançar Pedro
Pedrossian, o segundo favorito nas pesquisas.
Tentando enfraquecer a candidatura de
Delcídio do Amaral, a Folha do Povo passou
a publicar reportagens questionando os resultados do projeto das termelétricas, que
ele encabeçava. No dia 22 de setembro de
Março/2003
2002, o jornal estampou a matéria intitulada
‘Projetos para o gás não saem do papel’, colocando em dúvida a execução das obras
previstas para Mato Grosso do Sul: “O diretor da Petrobras, Delcídio do Amaral, anunciou um suposto plano da empresa de construção da usina termelétrica no norte do estado. O complexo deveria girar em torno
de 250 MW a partir de processamento de
gás natural boliviano. (...) O projeto não prosperou, nem foi incluído no PPT (Programa
Prioritário de Termeletricidade)”.
Em contrapartida, o jornal Correio do
Estado publicava matérias que exaltavam
a figura do ex-secretário. Conforme Hudson
Corrêa, o jornal referia-se ao candidato
como o ‘grande pai das termelétricas’, que
vão gerar empregos e desenvolver o estado, o
mesmo discurso que o governador assumiu durante toda a campanha. Sendo que essas obras
e recursos, na verdade, nem são estaduais. Parte
é da Petrobras e parte da iniciativa privada.
“Todo jornal tem uma bandeira. A do
Correio era a do Delcídio”
Adilson Trindade, jornalista
A culpa pelas matérias tendenciosas
publicadas na Folha durante a campanha,
segundo Corrêa, não era do repórter porque
as pautas, nas editorias de economia e política, já vinham com direcionamento ‘de cima’.
Já Adilson Trindade, editor de Política do
Correio, sustenta que o jornal não favoreceu
a candidatura de Delcídio e também não
atacou Pedrossian. Mas Trindade admite que
o veículo preferia um deles: “Todo jornal
tem uma bandeira. A do Correio era a do
Delcídio, a do governador, porque a proposta deles é trazer coisas para o estado que
nós concordamos que são boas”.
O editorial do Correio do Estado de 20
de setembro de 2002 mostra a posição favorável do jornal à mudança do perfil
energético brasileiro: “De pouco adianta
fazer apontamentos críticos sobre as dificuldades atuais em se implementar
infraestrutura para dar vazão ao volume de gás contratado. (...) Abre-se espaço para colocar novamente em discussão a questão da diversificação da 39
matriz energética brasileira, na qual
o gasoduto Bolívia-Brasil surge como
opção viável, dependendo apenas de
ajustes que serão corrigidos com o
tempo. Mas não há dúvida de que o
produto será estrategicamente decisivo para o crescimento do estado”.
Os nós da imprensa
Em muitos veículos de comunicação, é freqüente
que os proprietários exijam a divulgação de determinadas matérias, com o objetivo de beneficiá-los,
em detrimento do interesse público.
O jornalista Hudson Corrêa conta que, eventualmente, quando isso acontece em sua editoria a matéria é feita de forma ‘burocrática’. “Se a gente for
pedir demissão toda vez que receber uma ordem
superior, não vai trabalhar em lugar nenhum. Mas
não precisa abraçar a causa. Agora se a iniciativa é
nossa, tem que fazer da melhor maneira”, afirma.
Ele lembra que esperou passar o primeiro turno
da eleição para divulgar reportagens sobre as
termelétricas que não tinham direcionamento comprometido, mas que, se fossem divulgadas durante a
campanha, poderiam parecer que sim.
Março/2003
Para Corrêa, o grande problema é que parte da
imprensa está ‘amarrada’ ao governo do estado, e
por isso não questiona determinados assuntos. A
parcela que não está, muitas vezes, deixa de levantar questões polêmicas para ficar em uma posição intermediária. Isto seria a autocensura de jornalistas que querem ficar bem com todo mundo.
Outra falha da imprensa é que certos assuntos não são totalmente esclarecidos e a mídia não
volta a abordá-los, dando a impressão de que as
matérias são feitas apenas quando há algum interesse. “A gente acaba se viciando com essa coisa
de ‘gancho’, isso é perigoso. Por que não resgatar questões mal resolvidas?”. Isso sem contar as
vezes em que a imprensa não acompanha o desdobramento dos fatos.
40
Para não dizer que
ninguém avisou
Se por um lado poucos jornais abordaram
a questão da instalação das termelétricas em
Mato Grosso do Sul, alguns veículos
especializados tentaram levar ao maior número
de pessoas informações pertinentes sobre o
assunto. O Ecologia em Notícias, boletim semanal com informações sócio-ambientais, distribuído por fax ou e-mail para a mídia local,
nacional e internacional, foi um deles. Ele é
desenvolvido por uma equipe de jornalistas da
Ecologia e Ação (ECOA) - uma organização não
governamental ligada a questões ambientais.
Segundo a editora da publicação, Yara
Medeiros, o boletim sempre procurou abordar o assunto, mas isso era feito de forma generalizada. Além disso, não se falava especificamente do estado ou da capital. Ela lembra
que eles começaram a abordar de forma mais
incisiva a problemática as termelétricas, depois que a engenheira química Sônia Hess enviou uma carta para a ONG, dizendo que a
usina William Arjona iria trazer muita poluição à região de Campo Grande.
Protesto
Reconhecendo a gravidade do problema,
o Ecologia em Notícias estimulou manifestações contra a instalação das termelétricas no
estado, chegando a lançar, em março do ano
passado, uma publicação exclusiva sobre o assunto denominada ‘edição especial de luto’.
Mas, conforme Medeiros, nem na época nem
depois os jornais demonstraram muito interesse
pelo assunto. “A gente sempre encaminhou
as matérias e os artigos sobre a poluição
das termelétricas para todos os veículos de
comunicação com a inten“Se não divulgavam matérias
ção de pautá-los, mas não
sobre
os impactos causados pelas
vimos retorno” lamenta.
“Se não divulgavam, de- termelétricas, deviam achar que
viam achar que a questão a questão não tinha relevância”
não tinha relevância”.
Yara Medeiros, jornalista
Na opinião da editora, a
imprensa de Campo Grande, e até a nacional, é falha em relação à questão ambiental.
“Você quase não vê editorias de meio ambiente nos jornais. Normalmente eles colocam as matérias na editoria de Cidades,
porque a maioria só aborda o assunto quando acontece algum desastre ou sai uma licença”.
Março/2003
Gesiel Rocha
Alternativas
promissoras
Vislumbrando o futuro esgotamento dos combustíveis fósseis, a tecnologia busca outras fontes de energia, baseadas nos recursos renováveis
Provavelmente, o século XXI não
deve ter apenas uma única fonte de
energia predominante, como ocorreu no século XIX com o carvão, e no XX com o petróleo. Isso porque em virtude do risco do
esgotamento das fontes exploradas atualmente, como os combustíveis derivados do petróleo, há uma necessidade e uma tendência de se buscar fontes renováveis, pouco
poluidoras e que sejam produzidas localmente.
Além das termelétricas, que têm custo alto e
representam
riscos à saúde e
“O gás natural nos foi imposto e
ao meio ambivocê pode ver que nos jornais é
ente, e das hicomo se não existisse nenhuma
drelétricas que
alternativa”
Bruno Mangiapelo, engenheiro eletricista
são responsáveis por cerca
de 90% da energia gerada no país, existem diversas fontes alternativas de energia disponíveis, mas que têm a necessidade de um maior
desenvolvimento tecnológico para que possam
ser economicamente rentáveis e, conseqüentemente, utilizadas em maior escala.
Março/2003
O senador Delcídio do Amaral (PT),
acredita que as fontes alternativas terão espaço, mas hoje isto é difícil. “É um negócio bonito, bacana de falar, mas que ainda não tem
escala para gerar energia num custo com
petitivo”. No Brasil, existem empresas investindo nas fontes alternativas, mas ainda não foi
criada uma tarifa adequada para que os investidores instalem projetos desse tipo. Na opinião do senador, conforme aumentar a escala,
aumentam os investimentos, a tecnologia e, assim, os caminhos se abrirão para a
implementação de projetos no país e no mundo.
Mesmo sem a regulamentação apropriada no país e um estudo do potencial das
fontes energéticas disponíveis no Estado, pesquisadores afirmam que há outras possibilidades para produção de energia. “O gás
natural nos foi imposto e você pode ver que
nos jornais é como se não existisse nenhuma alternativa”, aponta o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato rosso do Sul, Bruno Mangiapelo.
“Usando as nossas alternativas, tenho cer-
41
www.labsolar.ufsc.br
42
A luz do sol pode ser transformada
em energia através de placas
fotovoltaicas, mas ainda não existem mecanismos de armazená-la
Gesiel Rocha
teza que não haveria impacto
ambiental”.
Vocações
Em Mato Grosso do Sul, a
melhor perspectiva está na
biomassa, que é extremamente favorável. A biomassa florestal, por exemplo, além de ser
renovável e não emitir gás
carbônico – desde que a madeira não seja queimada –, possibilitaria maior oferta de energia elétrica que a demanda atual, gerando empregos
permanentes em maior número e benefícios ambientais,
quando comparada com as
usinas termelétricas a gás
natural. O potencial de comercialização da
biomassa florestal poderia ser ampliado, se
a plantação de árvores nas propriedades rurais superar os 20% mínimos.
O álcool, que pode ser obtido através da
O biodiesel, que pode ser produzido a partir da cana-deaçúcar, é uma opção de combustível mais limpo que o
óleo diesel
cana-de-açúcar, uma das principais produções do estado, é outra alternativa para
otimizar o sistema elétrico do Estado. Segundo Mangiapelo, o bagaço da cana tem uma
quantidade energética imensa. Existe, ainda, o biodiesel, que é produzido a partir da
cana, da soja e do milho, podendo substituir
o óleo diesel, combustível altamente
poluidor.
Além da biomassa, a energia solar e
as pequenas centrais hidrelétricas
(PCH’s) são fontes renováveis de energia promissoras no Estado. Mas conforme o físico Rogério Cezar de Cerqueira
Leite, apesar do sol ser uma fonte inesgotável, há ainda a dificuldade de acumular a energia proveniente dele e o
desenvolvimento tecnológico para uma
maior eficiência energética tem custo
elevado. O físico lembra que, exceto a
energia geotérmica e a nuclear, todas
as outras fontes disponíveis na terra vem
do sol, daí a importância de se investir
nessa opção.
As PCH’s representam uma grande
perspectiva para o desenvolvimento da
matriz energética estadual porque MS
tem muitos recursos hídricos. O professor Mangiapelo explica que as PCH’s não
Além da biomassa, a energia solar
e as
pequenas centrais hidrelétricas são
fontes renováveis de energia
promissoras no estado
Março/2003
A energia eólica é opção para Mato Grosso do Sul, mas não há
estudos que comprovem a viabilidade do investimento
www.terravista.pt
representam tantos riscos
ao meio ambiente, enquanto as grandes hidrelétricas podem interromper o curso do
rio, acabar com as quedas d’água e prejudicar
a reprodução dos peixes. “Só em PCH’s o estado tem um potencial
de 2.500 MW, o que
daria para alimentar o
estado seis vezes na
média de consumo que
é de 400 MW”, sugere o engenheiro.
A energia eólica e a geotérmica também
são apontadas por pesquisadores como opções
para Mato Grosso do Sul, mas ainda não existem estudos que comprovem a viabilidade
desses investimentos. “No estado só tem um
dado nacional, uma estimativa de alguns anos
atrás que diz que há algum potencial eólico
na beirinha sul e sudeste”, informa o geólogo
e professor da UFMS Paulino Coelho.
No caso da geotérmica, Coelho diz que
há locais no estado com demanda de energia muito baixa e que tem água quente. Nessas situações, segundo ele, haveria a possibilidade de aproveitar o calor vindo do interior da terra para gerar energia com custo
local baixo. De acordo com Mangiapelo a
energia geotérmica tem a vantagem de funcionar 24 horas. “A energia solar é ótima,
mas não funciona à noite, a geotérmica não
acaba nunca porque é um fogo eterno no
interior da terra que alimenta”, explica.
Os pesquisadores concordam que o caminho é usar os recursos disponíveis de
cada região e que não tenham tantos efeitos
negativos como o gás natural. A intenção não
é suprir todo o consumo e, sim, otimizar o
sistema elétrico de Mato Grosso do Sul com a
co-geração, equilibrando tipos diferentes de
geração de energia. Os resultados nem sempre serão imediatos, por isso, é preciso começar a plantar hoje para colher em alguns anos.
www.riosvivos.org.br
Panorama energético do Brasil
Fonte: MME / 14 junho 2002
Engenheiro ecológico
Com o objetivo de divulgar tecnologias para se produzir energia elétrica coerente com o meio ambiente, foi
criada, em Campo Grande, uma organização não-governamental, o CETEL – Centro de Tecnologia de Energia
Limpa. Segundo o engenheiro eletricista e presidente do Centro, Bruno Mangiapelo, hoje, o profissional que se
forma em engenharia elétrica além de aprender a gerar energia, deve se preocupar com o meio ambiente,
usando metodologias para que ele seja preservado.
Março/2003
43
Tipos de energias alternativas
Biomassa - Aproveitamento de resíduos florestais e de processos biológicos. Salvo
algumas exceções, não poluem e nem se esgotam. Pelo contrário, podem contribuir para
diminuir a poluição devido ao uso produtivo do lixo e de outros detritos.
Álcool - Usado tanto como combustível para automóveis, com a vantagem de ser
renovável e menos poluidor que a gasolina, como para a produção de energia elétrica.
No último caso, ainda não foi experimentado em grande escala. Pode ser extraído da
cana-de-açúcar, beterraba, cevada, eucalipto, entre outros.
Biogás - Gás natural produzido a partir da decomposição de matéria orgânica como
esterco, bagaço de vegetais, palha e lixo. Pode ser usado como combustível para fogões,
motores e até turbinas que produzem energia elétrica com economia e menor impacto
ambiental.
Lenha - Utilizada principalmente na indústria em substituição a derivados de petróleo. Atualmente, sua importância tem diminuído nos países industrializados por provocar
devastação das florestas.
Carvão vegetal - Pode ser utilizado como combustível em residências, usinas siderúrgicas e em usinas termelétricas, porém causa grande desmatamento.
Óleos vegetais - São extraídos da mamona, babaçu, soja, amendoim, etc. Podem ser
usados em motores do ciclo diesel, mas, por enquanto, não são uma alternativa economicamente viável.
44
Eólica - Obtida pela força dos ventos, pode ser um bom negócio no Brasil. É a única
que pode produzir energia em pequena escala a um custo baixo e com retorno razoável,
além de não poluir o meio ambiente.
Solar - Fonte energética não poluente e renovável, porém ainda não se sabe uma
maneira de aproveitá-la com baixo custo, nem como armazená-la. Pode ser obtida de
forma direta (fotovoltaica) e indireta (térmica).
Hidrogênio - Não é uma fonte primária de energia, já que precisa ser obtido a
partir de outro composto, como a água, por exemplo. Tem custo baixo, não é poluente e
pode ser usado para abastecer automóveis.
Geotérmica - Calor proveniente do interior do planeta. Em alguns países é usada
como aquecedor natural. No Brasil, não há muitas possibilidades de aproveitamento, a
não ser para banhos no próprio local, como em Caldas Novas, em Goiás.
Oceânica - Pode ser aproveitada em locais com grande diferença de nível entre a
maré baixa e maré alta. No Brasil é inviável, já que o país não possui essa variação.
Mineral - Carvão mineral, gás natural e xisto betuminoso são fontes de energia
proveniente das rochas, mas não são renováveis. Utilizadas geralmente para fornecer
calor para os altos fornos de indústrias siderúrgicas e eletricidade através de usinas
termelétricas ou ainda como combustível de automóveis.
Nuclear* - Energia obtida a partir da divisão do átomo, tendo como matéria-prima
minerais altamente radioativos. As usinas nucleares possuem altos custos de instalação e
tem duração média de 25 anos. Apresenta malefícios, como desenvolvimento tecnológico
para construção de armas nucleares, produção de lixo atômico e riscos de acidentes
como o da usina ucraniana de Chernobyl.
*Não considerada como fonte alternativa de energia por alguns pesquisadores
Março/2003
Banco de dados
Nem tudo o que é lixo
deve ser jogado fora
Além de aproveitar as 450 toneladas de lixo produzidas na
capital, a usina a partir de resíduos é menos poluidora que os
aterros sanitários e as termelétricas a gás natural
Ganhar com o que seria jogado fora é a
nova tendência do mercado. Um exemplo
disso é o projeto de implantação de uma
usina termelétrica em Campo Grande com
geração de energia a partir da combustão
do lixo urbano.
O projeto da Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico prevê inicialmente a geração de 12 MW por ano,
que serão destinados apenas às repartições públicas municipais e deve ser
viabilizado ainda neste semestre. A empresa que vencer o processo licitatório de
concorrência será instalada no terreno
onde hoje funciona o aterro sanitário.
O secretário Carlos Henrique Santos
Pereira afirma que a usina à base de lixo
é muito viável porque, além de aproveitar as 450 toneladas de lixo produzidas
diariamente na capital, é menos poluidora que os aterros sanitários e que as
termelétricas a gás natural. Segundo Santos Pereira, a usina não gasta muita água,
não gera compostos de oxigênio, nem provoca chuva ácida.
Em Dourados, empresários britânicos
também estão apostando no uso da
biomassa para a geração de energia. O
projeto prevê a instalação de uma usina
energética a partir do uso de dejetos de estabelecimentos agrícolas, como a ‘cama de
frango’. Os investidores apostam na matéria-prima produzida nos aviários da região sul do estado e no consumo de energia das principais agroindústrias da Grande Dourados.
Outro exemplo é a iniciativa do INEE
(Instituto Nacional de Eficiência Energética) que, com recursos das Nações Unidas, está desenvolvendo a utilização
energética de resíduos de madeira provenientes de serrarias e da indústria madeireira. O projeto pretende mostrar que
45
as indústrias podem transformar os resíduos de madeira em fonte de geração de
energia capaz de suprir a necessidade das
empresas. “Vamos apontar para o setor
as possibilidades da verdadeira exploração florestal sustentada, do manejo sustentável das florestas e a oportunidade
para a produção da própria energia
consumida”, afirma Osório de Brito, diretor do instituto.
Os resíduos de madeira não só podem
ser usados para abastecer termelétricas
brasileiras, como também para substituir
a lenha convencional utilizada em olarias
e indústrias cerâmicas, além de contribuir
com o meio ambiente e a saúde pública.
Derrota brasileira
Apesar do esforço de muitos pesquisadores em desenvolver projetos de energia alternativa, a proposta brasileira de aumentar para 10% o total de fontes renováveis
na matriz energética dos países até 2010 foi derrotada
na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
realizada em Joanesburgo, África do Sul, em agosto de
2002. A proposta foi reeditada, com as restrições dos
países árabes e dos Estados Unidos de não estabelecer
metas para energias renováveis, além de não definir
Março/2003
um período para que os países adotem fontes alternativas. O texto aprovado na Rio + 10 estabelece apenas
que os países promovam, com urgência, um aumento
substancial no uso de energias renováveis, reconhecendo o papel das metas regionais e nacionais voluntárias
onde existirem. Ou seja, se o Brasil decidir adotar metas, o cumprimento delas poderá até ser fiscalizado pela
Comissão Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, mas se não fizer não receberá punição.
Falta de caráter
Rogério César de Cerqueira Leite*
Sempre que há uma falha em um sistema qualquer, iniciamos a análise procurando determinar se a causa foi devida a um
defeito de fabricação ou erro humano.
Quando, em 2001, ficou evidente a necessidade de um imediato racionamento de energia elétrica para prevenir uma desastrosa e
eminente interrupção no fornecimento de
energia, o governo federal procurou desesperadamente esquivar-se de qualquer responsabilidade, eliminando a hipótese de falha humana. Restava, portanto, apenas encontrar um segmento do sistema de equipamentos que pudesse ser inculpado. Eis como
acabou sendo eleito São Pedro como bode
expiatório. “Foi a escassez de chuvas a responsável”, afirmaram políticos e técnicos do
governo, apesar de dados meteorológicos
mostrarem que não se tratava de uma estia46 gem maior que outras do passado.
A tese alternativa era de que a inovação
gerencial denominada “Mercado Atacadista de
Energia”(MAE) havia fracassado. O MAE era
uma espécie de Ceasa em que consumidores
comparam os preços da caixa de tomates e escolhem os fornecedores menos careiros. E o
único regulador é o mercado. Se funciona para
o Ceasa, deve funcionar para o MAE.
De acordo com este modelo, quando
houvesse escasseamento de energia, os preços subiriam e investimentos afluiriam, até
que a oferta fosse satisfatória e os preços
retrocedessem. Este mecanismo funciona
bem com tomates. O que esses brilhantes
planejadores não teriam levado em conta é
que no caso de escasseamento de tomates,
comemos rabanetes, mas para energia elétrica não há sucedâneo tão facilmente
encontrável.
Para as opções existentes, quanto menores os custos e tempo de retorno de capitais,
maiores os custos da energia e mais penoso
é para o consumidor. Assim, a única escolha
atraente para a iniciativa privada - a
termelétrica a gás – tinha custos de produção, que seriam o dobro do custo para novas
hidrelétricas e quatro vezes os custos da eletricidade vendida por Furnas e outras hidrelétricas já amortizadas. Além do mais, as reservas brasileiras de gás natural são exíguas
e as bolivianas, além de limitadas, fornecem
gás a preços determinados pelos do petróleo
no mercado internacional.
Tendo colocado suas esperanças em uma
solução fracassada, o Estado também se omitiu, interrompendo inclusive a construção de
varias hidrelétricas. Eis a melhor interpretação encontrada para o ‘apagão’, embora
não explique por que esta opção tão
esdrúxula tenha sido escolhida, em momento
tão critico e de maneira tão apressada e irresponsável.
Dentro das condicionantes, não teria sido
fácil outra solução, a menos que o Brasil
resolvesse desafiar o Fundo Monetário Internacional, que considera investimentos de
empresas estatais brasileiras despesas governamentais e as proíbe. Em 2001, o governo federal percebeu a inviabilidade do
esquema para o setor elétrico e o liquidou.
Houve, entretanto, um desperdício de bilhões de dólares, um aumento surpreendente das tarifas e quem saiu perdendo foi o
cidadão. Lucros foram remetidos para o
exterior por empresas endividadas, que foram socorridas pelo governo reiteradas vezes com aumentos das tarifas e empréstimos subsidiados pelo BNDES. Enfim, tudo
aquilo que compõe a razão ideológica da
privatização se transformou em lamentável obscenidade. O apagão não foi conseqüência de quebra de equipamento, nem
de falha humana (técnica), mas tão somente
da falta de vontade política de uns e da especulação mercantilista de outros. Em resumo, foi conseqüência de falta de caráter.
*Físico e professor emérito da Unicamp
Artigo retirado do livro ‘Energia para o
Brasil - um modelo de sobrevivência’
Março/2003

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