teologia e arte a terminante proibição da utilização de imagens nas

Transcrição

teologia e arte a terminante proibição da utilização de imagens nas
SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO
CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA
TEOLOGIA E ARTE
A TERMINANTE PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS
NAS IGREJAS PÓS-REFORMA
RIO DE JANEIRO
2008
2
TEOLOGIA E ARTE:
A TERMINANTE PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS
NAS IGREJAS PÓS-REFORMA
SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA DO SUL DO BRASIL
2008
3
TEOLOGIA E ARTE:
A TERMINANTE PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS
NAS IGREJAS PÓS-REFORMA
_______________________________________________
Autor: Hudson Pereira da Silva
_______________________________________________
Orientador de Conteúdo: Profa. Dra. Naara Lúcia de Albuquerque Luna
_______________________________________________
Orientadora de Forma: Profª. Maria Celeste de Castro Machado
Rio de Janeiro – 2008
4
Aos Mestres
Naara Lúcia de Albuquerque Luna
Maria Celeste de Castro Machado
Reconhecimento Especial
Ao pastor Carlos César Peff Novaes, escultor
de mensagens, garimpador de palavras e forte
referência na busca de diálogo entre Teologia
e Cultura
À Marília, mais do que esposa. Companheira,
amiga e parceira.
Ao meu filho Matheus que é a denúncia
constante da Graça de Deus sobre mim.
5
A Arte é necessária para que o homem se torne
capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a
arte também é necessária
em virtude da magia que lhe é inerente.
(ERNST FISCHER)
Sabemos que a música é odiada pelos diabos,
que a não podem suportar e, segundo a
Teologia, não há outra arte que se lhe possa
igualar. E tanto assim é, que a música pode,
como a Teologia, sossegar o ânimo e alegrá-lo.
Por isso, o diabo, causador de tristes cuidados
e pensamentos inquietos, foge tanto da música
como das palavras da Teologia.
(MARTINHO LUTERO)
Para fazer uma obra de arte não basta ter
talento, não basta ter força, é preciso também
viver
um grande amor.
(WOLFGANG AMADEUS MOZART)
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................7
2 O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL DO SÉCULO
XVI................................................................................................................15
2.1 O HUMANISMO E O NATURALISMO.......................................................15
2.2 O RENACIMENTO NA ITÁLIA...................................................................17
2.3 O RENACIMENTO NA ALEMANHA E NO RESTANTE DA
EUROPA......................................................................................................20
3 A INFLUÊNCIA DO CONCEITO DE IMAGEM SAGRADA........................23
3.1 ARTE E RELIGIÃO....................................................................................24
3.2 ÍDOLO OU IMAGEM?.................................................................................26
3.3 OS ICONOCLASTAS..................................................................................28
4 A REFORMA E AS ARTES NA ALEMANHA NO SÉCULO XVI E
XVII..............................................................................................................31
4.1 AS ARTES VISUAIS SE DESLOCAM.........................................................33
4.2 A PINTURA VOLTA SOB UM NOVO CONCEITO.....................................36
4.3 AS ARTES MUSICAIS SE DESENVOLVEM MAIS DO QUE AS ARTES
PLÁSTICAS.................................................................................................39
5 CONCLUSÃO ............................................................................................43
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................45
RESUMO.....................................................................................................46
7
1. INTRODUÇÃO
Teologia e Arte
O tema escolhido para esta pesquisa tem acompanhado as raízes da história
do ser humano e, em especial, de todo estudante de Teologia, ainda que esse não
se dê conta disso.
O ser humano pensa. Pensa para dentro de si, quando deseja responder suas
mais íntimas questões existenciais. Pensa também para fora de si, quando procura
encontrar sentido nos elementos da natureza. E ainda pensa para além de si,
quando se dedica a desvendar os misteriosos fenômenos que transcendem ao
palpável e ao inteligível. É para domar o transcendental e confortar a mente
especulativa e fértil que nós precisamos da Teologia e das Artes.
Entendemos ser imprescindível numa sociedade caracteristicamente pósmoderna, mergulhada que vive num mundo de imagens, e repleta de estímulos
sensitivos, desvendarmos a trajetória histórica de nossas igrejas no que diz respeito
às leituras artísticas, especialmente, nessa pesquisa, a pictórica.
Para a academia, o valor desse estudo se alicerça na interdisciplinaridade das
áreas selecionadas e na valorização do indivíduo como um ser multifacetado e ao
mesmo tempo integral.
Em virtude de ter uma área de abrangência tão grande, encontramos certa
dificuldade em delimitar o espaço a ser vasculhado academicamente. Isso porque,
em certo sentido, o tema se confunde com outras áreas do conhecimento humano.
Assim, depois de razoável esforço intelectual, selecionamos o período histórico
imediatamente posterior à Reforma Protestante, nos meados do século XVI. Com as
teses
sugeridas
por
Lutero
e,
mais
tarde
fundamentadas
por
Calvino,
implementando a não utilização das imagens através dos neo-iconoclastas nas
igrejas reformadas houve conseqüências para subjetivação do discurso religioso.
Neste trabalho, observamos o gradativo crescimento e investimento artístico
canalizado principalmente para área musical nas igrejas da Alemanha daquele
período.
O protestantismo, apesar do seu caráter de contestação do catolicismo e de
suas ocasionais tendências iconoclastas, também apresentou em sua fase inicial,
extraordinárias manifestações de arte religiosa que encontraram sua expressão
suprema na pintura. Alguns nomes famosos são os dos pintores alemães Albrecht
8
Dürer1, Lucas Cranach2 e Hans Holbein3, e o holandês Rembrandt van Rijn4. Este
último foi o grande artista do discipulado cristão diário, fora da Itália que era o centro
das artes. Rembrandt representa a vida de Jesus de um modo que atrai o
espectador para uma auto-identificação com o Cristo. Um exemplo é o seu “A ceia
em Emaús5”. Assim, esses artistas davam expressão às suas novas convicções,
“pregando” com a sua arte.
Durante os séculos, nas catacumbas, pequenas capelas ou grandiosas
catedrais, utilizando-se de murais, afrescos, mosaicos, vitrais, telas, marfim,
mármore, metal, tecido ou esculturas, o ser humano tem expressado as suas
convicções a respeito do ser divino e a sua devoção a Ele.
Pretendemos investigar o processo histórico que resultou na exploração
somente de um dos sentidos do ser humano – a audição – quando vivemos num
mundo onde a visão é supervalorizada e a imagem é dotada de enorme potencial
sedutor para comunicar e ensinar o evangelho.
Pretendemos investigar o processo pelo qual a expressividade artística,
durante a Reforma, teve que ser desviada do elemento visual para o sonoro. Haveria
uma relação entre banir imagens religiosas e estimular a ilusão, a contextualização e
a poesia dos textos canônicos?
Desejamos também verificar se a retirada das imagens das igrejas valorizou o
ser humano e ainda averiguar se existe relação entre a formação da burguesia e a
nova postura em relação às imagens.
Escolhemos esta proposta de pesquisa pela proximidade que temos com a
cadeira de artes visuais. Razoável conhecimento foi acrescentado na formação
acadêmica nesta área. Também catalogamos, ao longo do espaço de tempo
dedicado a este estudo, rico material de História da Arte que pode ser analisado em
paralelo com as informações colhidas nesse curso de Teologia, especialmente nas
matérias de História da Igreja, Filosofia e Antropologia.
Nossa intenção primária é fazer uma varredura do momento político-histórico
cruzando estas informações com a produção artística da época e do local indicados,
a fim de que esses subsídios emitam luz sobre o problema que se instalou com a
proibição da utilização das obras de arte nas igrejas da Reforma.
Gostaríamos muitíssimo de ter espaço para aprofundar o estudo das técnicas
e do êxodo de alguns outros artistas europeus influenciados pelas idéias
implantadas na Reforma. No entanto, este desvio de foco, ainda que enriqueça as
9
informações em torno do assunto, poderia nos seduzir a pender mais para o ramo
das artes plásticas do que para o da Teologia. Fica aberto, portanto, esse caminho,
entendendo que a pesquisa é deveras importante, mas pode, pela sua profundidade
e riqueza de elementos, desviarem nosso foco de estudo.
1. Albrecht Dürer (1471-1528).
Imperador Maximilianus (1518) por Dürer
10
2.
Lucas Cranach (1472-1553).
Martinho Lutero e sua esposa (1472-1553) por Lucas Cranach
3. Hans Holbein, o jovem (1497 – 1543).
Retrato de Henry VIII (1540) por Hans Holbein, o Jovem
11
4. Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669).
A Ceia em Emaús (1648) por Rembrandt.
2. O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL DO SÉCULO XVI
Neste capítulo procuramos descrever a fundamentação filosófica, as tensões
naturais de uma gradativa adaptação aos novos tempos e diferença de
implementação desses novos conceitos em cada grupo social.
O objetivo é reconstruir, ainda que de forma sintetizada, o ambiente e as
relações sociais que serviram de base para as mudanças tão difundidas desse que é
chamado de período do Renascimento cultural. Uma ebulição de descobertas, de
novos conhecimentos de adaptações e influências que, sem dúvida, estimulam o
surgimento de grandes ícones da história.
Procuramos separar para efeitos didáticos o Renascimento que ocorre na
Itália o grande centro do poder e o restante do antigo império que está de
pulverizando e estruturando no que virá a ser os países. Dedicarmos-nos a
12
investigar esse período nos capacita a ampliar os limites da curiosidade e
fundamentar a certeza de que cada período histórico tem em si mesmo uma
multifacetada riqueza de detalhes. Essas informações são tão ricas e tão múltiplas
que é imprescindível selecionar a área e a dimensão desse estudo monográfico a
fim de atingirmos o foco desta pesquisa.
A divisão de períodos históricos não são tão bem pontuados como os gráficos
de linha histórica apresentam. Não há como definir, mesmo numa leitura superficial,
que a partir de determinado episódio se inicia um novo período que dura até que
ocorre um novo momento. A História é o estudo da ação humana ao longo do tempo
e esta ação nunca é uni linear. É na superposição e conflitos de conceitos, nas
ações e questionamentos dessas práticas do dia a dia que são preservados alguns
valores, adaptados outros e apresentadas novas propostas de construção de
estruturas sociais. É exatamente nessa dialética e pluralidade que os períodos
históricos se desenvolvem.
A história passaria a ter um caráter muito místico se os 'acasos' não
desempenhassem nenhum papel. Como é natural, os acasos tomam parte
do curso geral do desenvolvimento e são compensados por outros acasos.
Mas a aceleração ou o retardamento do desenvolvimento dependem em
grau considerável, desses acasos, entre os quais figura o 'acaso' relativo ao
caráter dos homens que dirigem o movimento em sua fase inicial” (MARX e
ENGELS,1963, p.264)
Assim também acontece com o conceito de Renascença. Arnold Hauser, ao
tratar do assunto registra que:
Talvez seja preferível situar a linha divisória crucial entre a primeira e a
segunda metade da Idade Média, ou seja, no final do século XII, quando a
economia monetária é ressuscitada, novas cidades surgem e a moderna
classe média adquire pela primeira vez características que a distinguem;
seria inteiramente errado situá-la no século XV, no qual, é verdade, ocorreu
a realização de muitas coisas, mas absolutamente nada começou.
(HAUSER, 1995, p.273).
Segundo Hauser, podemos afirmar que foi o nominalismo medieval que
primeiro inspirou a nova direção do pensamento chamado Renascentista1.
São vários os pensadores, rotulados de medievais, que contribuem para a
construção do pensamento Renascentista. Santo Anselmo usa a lógica das escolas
1
“Nossa concepção naturalista científica de mundo é, por certo, em seus aspectos essenciais, uma
criação da Renascença, mas foi o nominalismo medieval que primeiro inspirou a nova concepção do
mundo tem origem”. (273)
13
filosóficas para o enfrentamento da especulação teológica no escolasticismo2. São
Tomás de Aquino faz a exposição sistemática da fé, apresentada em sua Suma
Teológica, fundamentada na filosofia aristotélica3 procurando através dessa
sistematização um diálogo com o pensamento científico.
O conhecimento geográfico medieval foi inflacionado de forma marcante em
função das descobertas de Colombo e de outros exploradores que ao
desenvolverem novas técnicas de navegação transformaram os oceanos nas novas
estradas do mundo.
Os horizontes também foram ampliados no campo político. O conceito
medieval de um estado universal dava dando lugar ao novo conceito de nação. Os
estados logo passaram a se organizar em bases nacionais.
Mesmo hoje, a Renascença ainda é celebrada por ambos os campos como
a grande guerra de libertação da Razão e como trunfo do individualismo, ao
passo que, na realidade, a idéia de “livre pesquisa” não foi uma realização
da Renascença, nem a idéia de personalidade absolutamente estranha à
Idade Média; o individualismo da Renascença era novo somente como
programa consciente, como uma arma e um grito de guerra, não como um
fenômeno em si. (HAUSER, 1995, p.275).
“Estas nações-estados, com poder central e governos fortes, servidas por
uma força militar e civil, eram nacionalistas, opondo-se ao domínio de um
governo religioso universal” (CAIRNS, 1995, p.222).
Estabeleceu-se o poder central dessas nações-estado que equipadas de uma
força militar e civil, eram nacionalistas e opunham-se ao domínio de um governo
religioso universal.
A descentralização feudal do mundo medieval foi paulatinamente sendo
substituída por uma Europa fundada sobre estados-nações centralizados.
A área econômica é também influenciada pela ebulição desses conceitos
filosóficos e de maneira muito direta pelas novas descobertas. Durante um longo
período da Idade Média, o grande legado estava na terra e o que se fazia dela,
sendo, portanto, o produto do solo, a base da riqueza. Com o ressurgimento das
cidades, a abertura de novos mercados e o potencial observado de novas matériasprimas surgidas das recentes descobertas, o comércio passou a ser a nova
2
O Escolasticismo ou Escolástica é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente
cristãos. Ela surgiu da necessidade de responder às questões da fé, ensinadas pela Igreja
3
São basicamente três fundamentos do sistema da filosofia aristotélica: observação fiel da natureza ,
rigor no método e unidade do conjunto.
14
referência econômica. Uma nova categoria social passa a ser observada. Em
conseqüência disso, a estrutura social se flexibiliza e, em contexto no qual a
expectativa era praticamente nula de ascensão social, surge a possibilidade de subir
de uma classe para outra. Isso poderia ocorrer quase que naturalmente pela força
dos negócios e da comercialização, formada especialmente por proprietários livres,
da pequena nobreza da cidade. Renascimento é, portanto, o rótulo desse rico e
vasto movimento de mudanças que tem início na Idade Média. Movimento esse, que
atingiu as camadas urbanas da Europa Ocidental, mais especificamente entre os
séculos XIV e XVI. Essa ebulição cultural caracterizou-se pela tentativa de fazer
ressurgir valores, propostos na cultura greco-romana
O movimento chamado Renascentista é um título dessa nova concepção de
vida adotada por uma parcela da sociedade extremamente interessada na
descentralização do poder e no questionamento de conceitos místicos impostos sem
a utilização da chamada lógica científica. A concepção de que Deus é o centro do
universo, teocentrismo, é gradativamente substituída pelo pensamento que
considera que tudo deve ser avaliado a partir do ser humano, antropocentrismo. E o
poder incondicional do clero, clericalismo, é substituído paulatinamente pelo
secularismo que é atitude de se afastar dos conceitos puramente religiosos.
Apesar de recuperar os valores da cultura clássica, o Renascimento não foi
uma mera reprodução. Embora tenha se utilizado dos mesmos conceitos, estes
foram aplicados de uma nova maneira a uma nova realidade. O homem é a medida
de todas as coisas4, mas o conceito de ser humano é diferente do que se entendia
na Grécia antiga.
Acentua-se igualmente o racionalismo, com a convicção de que tudo pode ser
explicado pela razão humana e pela ciência. Há recusa, portanto, em acreditar em
qualquer coisa que não tenha sido provada. Essa premissa estimula o
experimentalismo e a ciência tão defendidos na Renascença.
4
Protágoras de Abdera (Abdera, 480 a.C. - Sicília, 410 a.C.) foi quem cunhou a frase o homem é a
medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não
são.
15
2.1 O HUMANISMO E O NATURALISMO
O Humanismo5 se caracteriza pela produção literária no final da Idade Média e
início da Idade Moderna. Essa produção literária é marcada por uma nova visão que
o homem tem de Deus e de si mesmo. Essa nova visão é fruto de uma busca das
chamadas “belas artes”, em particular da literatura. Aliado a isso, uma forte mudança
estava ocorrendo no contexto social com o enfraquecimento da estrutura feudal –
nobres, clero e povo. É justamente nessa época que surge uma nova classe social
fundamentada nos valores do burgo6, a burguesia. Esses, assim rotulados,
burgueses, não se encaixavam nem na categoria de povo, nem dos nobres e nem,
muito menos, do clero. Com o surgimento dessa nova classe social foram
aparecendo as cidades e muitos homens que moravam no campo se transferiram
para os novos centros comerciais, como conseqüência do enfraquecimento do
regime feudal. Essa nova perspectiva social e econômica estimulou o surgimento de
novas leis, novos costumes, novas referências. Assim, gradativamente foram se
esvaziando o “status” e os títulos de nobreza adquiridos em função do “status”
econômico.
É também nesse período que surgem as Grandes Navegações. A invenção da
bússola7 deu segurança a essas expedições marítimas e incrementou o
desenvolvimento da indústria naval. Assim com o desenvolvimento do comércio e a
substituição da economia de subsistência, levando a agricultura a se tornar mais
intensiva e regular, estimulou-se o crescimento urbano, especialmente das cidades
portuárias e o florescimento de pequenas indústrias valorizando o Mercantilismo8 e
dando ainda mais força à nova burguesia.
Essas
novas
descobertas
unidas
ao
pensamento
humanista,
e
ao
desenvolvimento econômico acelerado trouxeram ao ser humano uma confiança em
sua capacidade, sua vontade de conhecer, de descobrir e dominar o mundo.
5
Humanismo é o nome que se dá à produção escrita histórica literária do final da Idade Média e
início da Moderna , ou seja , parte do século XV e início do XVI , mais precisamente , de 1434 a 1527
.
6
O termo Burgo remonta à Idade Média, em que era o nome dado a cidades que eram protegidas por
fortalezas. Dessa palavra procede o adjetivo "burguês", também usado como substantivo e que
designava o habitante do burgo.
7
A Bússola foi introduzida na Europa pelos árabes, e foi Flávio Gioia que introduziu também o
desenho da rosa-dos-ventos na bússola.
8
O Mercantilismo é uma etapa inicial do que vem a se consolidar como modo de produção capitalista.
A ênfase naquela fase é no aumento da circulação de mercadorias, isto é, no comércio.
16
Alguns desses humanistas eram diretamente ligados à igreja, outros eram
artistas ou historiadores independentes protegidos por mecenas9. Esses estudiosos
desempenharam um grande papel ao divulgarem de forma sistematizada os antigos
filósofos e historiadores, tendo como referência, especialmente, os clássicos da
Roma antiga e da Grécia. O conceito comum difundido era que o homem deveria ser
o senhor do seu próprio destino e, sobretudo o homem percebe-se capaz,
importante e agente. A doutrina do “livre arbítrio” passa a ter força e é vista como a
capacidade do ser humano decidir sobre sua própria existência e não mais ser
“controlado” pela Igreja. É o início de uma transferência conceitual de uma postura
religiosa e mística para uma posição mais próxima do racionalismo. Todo esse
desabrochar cultural e essa ebulição de novas idéias tiveram seu apogeu no
Renascimento. O Humanismo se apresenta como um veículo de transição entre
duas posturas uma mais espiritualista (teocêntrica) e outra mais terrena
(antropocêntrica).
O poder religioso começou a enfraquecer e o Teocentrismo começou
gradativamente a ceder espaço ao Antropocentrismo. O ser humano tomou o lugar
como centro de todas as coisas, antes ocupado por Deus. Ele se vê agora como um
indivíduo completo e não apenas como a “imagem e semelhança” de Deus. Os
artistas começaram a produzir suas obras musicais, poéticas e teatrais
fundamentadas nesses valores. Isso não significa que os conceitos religiosos
estavam acabando, mas o que ocorre é que eles deixam de ser o centro da
produção intelectual e artística. Além disso, os artistas passam a se aproximar mais
da ciência em seu exercício de fazer. Ao se aproximar mais de um diálogo com as
ciências exatas e mergulhar no domínio da perspectiva e da anatomia, a fim de
apreenderem e controlarem as reproduções feitas a ponto de idealizarem e
“divinizarem” suas obras os artistas estavam tornando concreto o desejo de
atingirem um “status” acima do ofício de artesãos. Esse interesse pelo conhecimento
clássico antigo estimula os pintores, escultores e arquitetos a buscarem inspiração
na arte rotulada de “pagã” da antiguidade.
H. W. Janson afirma que “os humanistas, por grande que fosse o seu
entusiasmo pela filosófica greco-romana, não se tornaram pagãos, antes se
9
Patrocinador generoso, protetor das letras, ciências e artes, ou dos artistas e sábios. (Dicionário
Aurélio)
17
esforçavam, de todos os modos, por harmonizar o legado dos pensadores antigos
com a mensagem do Cristianismo” (1977, p350).
A invenção da imprensa foi outra aliada na difusão dessas novas idéias de
resgate dos textos clássicos a ponto do grande volume de produção impressa serem
reedições de obras da antiguidade compostas em latim ou em grego. Em um
primeiro momento essas idéias estavam confinadas à aristocracia intelectual. Foi
somente com o advento da Reforma Protestante que a imprensa começou a ser
usada como um meio de comunicação com as massas para divulgar as idéias
teológicas e filosóficas nascidas nesse novo cenário.
O Naturalismo teve seu crescimento em várias áreas do conhecimento
humano. Nas artes plásticas ele diz respeito à representação realista da natureza.
Na Filosofia ela é uma “doutrina segundo a qual todo conjunto de fenômenos pode
ser reduzido, por um encadeamento mecânico, a fatos do mundo concreto material
sem a intervenção de nenhuma causa transcendente.” Como afirma Hauser, citando
Burckhardt10
ao
comentar
o
naturalismo
Renascentista
afirma:
o
fato
verdadeiramente notável a respeito da Renascença não era o artista ter se tornado
um observador da natureza, mas o de ter-se a obra de arte convertido num “estudo
da natureza”. (Burckhardt, apud Hauser, 1996, p. 274).
Arnold Hauser ainda afirma que “toda realidade se converteu num substrato de
uma experiência artística, e a própria vida numa obra de arte, na qual todo e
qualquer elemento era meramente um estímulo dos sentidos” (1994, p.284).
2.2 O RENASCIMENTO NA ITÁLIA
Florença, na Itália, é sem dúvida “o berço do Renascimento artístico”. O
orgulho patriótico e o apelo à grandeza implícitos na imagem de Florença como a
“Nova Atenas” é notório. Isso fruto de uma forte ameaça à independência do Estado
florentino promovida pelo Duque de Milão que tentava dominar toda Itália. Florença
venceu a batalha e proclamou-se a “defensora da liberdade contra a tirania sem
10
Jacob Burckhardt foi historiador e crítico de arte suíço. A partir de 1844 é professor de História
Geral e de História de Arte da Universidade de Basileia, posto que abandona entre 1855 e 1858 para
ensinar História de Arte na Escola Politécnica de Zurique e, em algumas épocas, para visitar a Itália.
18
freios”. Novamente os humanistas aparecem em cena, com escritos tais como
“Louvor da cidade de Florença”(1420-3) de Leonardo Bruni, Eles vieram pôr de novo
em foco o ideal de um renascimento clássico de uma república livre. E, como afirma
Janson “as artes foram tidas por essenciais para o ressurgimento da alma florentina”
(1977, p.379). Não foi por acaso que a primeira declaração explícita a reclamar para
as artes visuais a honra de serem incluídas entre as chamadas artes liberais se deu
justamente em Florença, através de Filipo Villani11 (c.1400). Era fundamental que
isso fosse feito, porque desde Platão as “artes liberais” eram compostas das
disciplinas relacionadas entre as necessárias à formação de um homem culto.
Fazem parte da relação de matérias científicas a Matemática, incluindo a teoria
musical, a Dialética, a Gramática, a Retórica e a Filosofia. As belas artes estavam
inseridas nos trabalhos manuais e lhes faltava uma base teórica, tornando-se assim
inferiores dentro desse conceito. Desde que o artista passou a ser incluído nesse clã
de intelectuais, tornou-se fundamental definir seu vocabulário artístico e as matérias
de seu estudo, agora elevado a categoria acadêmica.
Escultores como Donatello, Ghiberti, Andrés Del Verrocchio, e pintores como
Masaccio, Fra Angélico, Giovanni Bellini, além dos arquitetos Filippo Brunelleschi,
Michelozzo e Leone Battista Alberti, sem dúvida, prepararam o terreno para o áureo
período do Renascimento pleno da Itália. O trabalho deles e a fundamentação
humanista asseguraram ao artista a visão social de um gênio soberano, um
intelectual, um cientista experimentando a natureza e o domínio das técnicas de
representação e não apenas a de um artífice dedicado. O conceito plantado nessa
época foi extraído dos escritos do próprio Platão – “o espírito assenhorando-se do
poeta e levando-o a compor um delírio divino”.
A Itália vivia esse momento exuberante nas artes em função dos
extraordinários recursos financeiros. Justo Gonzáles registra que “os nobres e os
grandes burgueses tinham meios para suprir o custo de uma arte tão dedicada, não
para glória do céu, mas do mecenas, que custeava o empreendimento. A arte,
portanto, até então produzida quase exclusivamente para o ensino religioso e para a
glória de Deus, passou a se ocupar do esplendor humano.”(1978, p. 146).
Personagens com Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci, ilustram com muita
clareza e maestria essa busca do ideal renascentista do “homem universal”. Obras
11
Filippo Villani humanista florentino (1325-1405)
19
como a parte do afresco12 da Capela Sistina que retrata a criação do mundo,
produzidas por Miguel Ângelo, e esculturas como as de Moisés13 e David14 não
deixam dúvida do conceito de genialidade mascarada como inspiração divina que na
realidade enche de poder a idéia desse novo homem que domina a técnica da
representação e a ciência em prol do seu próprio desejo. Essa visão do ser humano
e da sua capacidade sem limites é encarnada e exemplificada na figura de Leonardo
da Vinci. “Poucas são as atividades humanas em que esse gênio da Renascença
não interveio ou tentou mostrar sua maestria”, diz Gonzáles. Leonardo pode ser
catalogado como pesquisador nas áreas que se relacionam à Matemática,
Engenharia, Botânica, Química, Anatomia, Escultura, Pintura entre outras. Sobre a
aglutinação entre arte e ciência em Leonardo da Vinci Janson, diz o seguinte:
Na idade avançada, Leonardo dedicou-se cada vez mais aos seus
interesses científicos. A arte e a ciência, recordemo-lo, foram unidas pela
primeira vez na descoberta feita por Brunelleschi, da perspectiva
sistemática; a obra de Leonardo representa o auge desta tendência. O
artista em seu entender, não só devia conhecer as regras da perspectiva,
mas também todas as leis da Natureza, sendo os olhos o instrumento
perfeito para adquirir tal conhecimento. (JANSON, 1977, P.422)
As artes produzidas obtinham prestígio e patrocínio junto aos mecenas. O
papa Julio II foi, como a maioria dos outros papas da época, um grande patrocinador
das artes. Foi durante seu pontificado que Miguel Ângelo terminou de pintar o teto
da Capela Sistina, e Rafael decorou o Vaticano com seus afrescos. Julio II se
ocupava também da guerra e de habilidade política. Ele, além de reorganizar a
guarda papal, assumiu o comando do exército lançando-se ao campo de batalha
com o propósito de conquistar a unidade italiana. Por fim, com sua morte em 1513,
recebeu o título de “O Terrível”. Seu sucessor foi igualmente um apaixonado pelas
artes, que procurou consolidar as conquistas de Julio II. João de Médicis, ou Leão X,
como decidiu ser nomeado, era filho de Lourenço, o Magnífico, de Florença. A
paixão pelas artes se sobrepôs a todo interesse religioso ou sacerdotal. Em nome da
realização de seu sonho de completar a Basílica de São Pedro estava disposto a
qualquer coisa.
12
Afresco é a técnica de pintura aplicada em paredes e tetos que consiste em pintar sobre camada
de revestimento recente, fresco, de nata de cal, gesso ou outro material apropriado ainda úmido, de
modo que possibilite o embebimento da tinta.
13
Miguel Ângelo. Moisés. 1513-5. Mármore: altura do corpo 2.35m. Pietro in Vincoli, Roma
14
Miguel Ângelo. Davi
20
2.3 O RENASCIMENTO NA ALEMANHA E NO RESTANTE DA EUROPA
As concepções estéticas Italianas de valorização da cultura greco-romana
começaram a atingir outros países europeus. Foi comum o conflito, também nas
artes, entre as tendências nacionais e as novas formas artísticas vindas da Itália.
Esse embate se cristalizou com a “nacionalização” das idéias italianas. Essa
releitura da proposta italiana pode ser observada através das artes. O que ocorre é
na realidade, o impacto do pensamento humanista. A emancipação da classe média
urbana acontece primeiro ali na Itália e se espalha por toda Europa. A livre
competição está em oposição clara ao ideal corporativista da Idade Média.
Na Alemanha, o nacionalismo toma força junto com o ambiente da Reforma.
Esse processo de nacionalização se afinou com a ideologia da Reforma, que
influenciou até a força tradicional encontrada na região. Numa Alemanha carente de
organização política o nacionalismo se estabeleceu com o fim de criar e intensificar
o poder do Estado. Nas expressões visuais Albercht Dürer, de origem húngara,
estudou na Itália e chegou a ser nomeado pintor oficial da corte de Maximiliano I da
Germânia. Vale pontuar o espírito humanista de Dürer e seus estudos nas áreas da
matemática, geografia, arquitetura e geometriase destaca como o primeiro artista
alemão produzir arte como uma representação fiel da realidade. Ele ficou conhecido
na história da pintura como retratista de personalidades políticas financeiras e
intelectuais da Inglaterra e dos países baixos. Dentre as figuras retratadas por Dürer
é bastante conhecido o de Erasmo de Rotterdam. Dürer considerava que “arte
deverá basear-se na ciência - em particular na matemática, como a mais exacta,
lógica e impressionantemente construtiva das ciências”15
Erasmo de Rotterdã16 encarnou a erudição humanista na Literatura. Encontrou
e publicou em 1505 as Adnotationes in Novum Testamentum (Notas sobre o Novo
Testamento) de Lorenzo Valla, começando assim a ciência da crítica dos textos
15
Albrecht Dürer, expressou as suas teorias da proporção no livro "The Four Books on Human
Proportions", publicado em 1528.
16
Desiderius Erasmus Roterodamus, conhecido como Erasmo de Rotterdam, teólogo e um
humanista holandês.
21
bíblicos. Sua grande obra foi Elogio da Loucura17.Quando esteve na Inglaterra,
preparou uma nova tradução do Novo Testamento para o latim e essa edição
publicada por Froben de Basiléia em 1516, foi a base da maioria dos estudos
científicos da Bíblia durante o período da Reforma.
A marca registrada dos artistas do norte da Europa era, sem dúvida, o incrível
talento para retratar a natureza nos mínimos detalhes. Hubert van Eyck e a nova
arte de pintar retratos.
Dentre os artistas relacionamos ainda Bosch, e Brugel. O primeiro foi autor de
imagens grotescas, meio humanas, meio animais denunciando que a sociedade
estava se corrompendo para o mal. Bruegel da região dos Flandres revela a visão
humanista e os ideais renascentistas de fragmentação política, retratando as
pequenas aldeias que ainda conservavam a estrutura medieval.
Na Suíça de Zwínglio, o humanismo e o sentido patriótico se transformaram
num programa de reforma religiosa, intelectual e política. Podemos observar a
construção ideológica de tamanha magnitude que o que estava ocorrendo na
Alemanha com Lutero era o mesmo vinha ocorrendo na Suíça com a mensagem de
Zwinglio. Este reformador também questionava o poder de Roma fundamentando-se
nas Escrituras. Mas, existia também uma grande diferença entre a proposta original
de Lutero e a de Zwinglio. O alemão propunha manter todas as práticas tradicionais
da igreja, exceto aquelas que divergissem das Escrituras, enquanto o suíço
sustentava a idéia que tudo que não fosse encontrado de forma explícita nas
escrituras deveria ser eliminado das práticas da Igreja. Exemplo disso era o discurso
de eliminar o uso de órgãos musicais na igreja pois se tratava de um instrumento
que não estava relacionado na Bíblia.
Observamos que os princípios do Renascimento floresceram também fora da
Itália e que esse movimento que se desenvolvia na busca da cientificidade se
espalhou por toda a Europa, ainda que ficassem marcadas as peculiaridades de
cada contexto em que esses princípios eram implantados. A busca de elementos
17
O Elogio da Loucura é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos
catalisadores da Reforma Protestante. O livro começa com um aspecto satírico dos abusos
supersticiosos da doutrina e das práticas corruptas da Igreja Católica Romana.
22
científicos estimulou os estudantes de teologia à leitura dos textos bíblicos sob o
prisma da investigação e a gradual separação entre o que era a tradição e o que se
apresentava texto bíblico.
5. Jan van Eyck (1395-1441)
O Casal Arnolfini, (1434) por Van Eyck
23
3. A INFLUÊNCIA DO CONCEITO DE IMAGEM SAGRADA
Entendemos que a busca de um conceito do que seria a imagem sagrada
durante o período imediatamente após o estopim da Reforma pode nos ajudar a
perceber as fontes e o interesse político desse conceito impregnado na estrutura
social. Para que essa busca ocorresse de forma sistematizada optamos pelo
caminho da definição etimológica dos termos que circulam em torno dessa chamada
imagem sagrada. Procuramos marcar a diferença entre arte sacra de arte religiosa e
ídolo de imagem. Igualmente desafiador é desvendar a raiz da readaptação de uma
postura avessa aos ícones. A trilha percorrida na busca da construção desse cenário
que envolvia o período da Reforma Protestante foi retornar ao grande cisma da
igreja ainda no período Bizantino, especificamente no início da chamada Idade
Média.
A definição etimológica da palavra imagem, ou representação visual de um
objeto tem raiz no latim imago, no grego antigo corresponde ao termo eidos, donde
surge o conceito de idéia. A imagem pode ser vista como uma projeção da mente ou
simplesmente uma valorização dos sentidos. O que se observa é que ao longo da
história esse conceito de imagem vai se adaptando à leitura que o ser humano faz
de seu contexto social, político ou religioso.
É necessário fazer distinção entre arte religiosa e arte sacra. Esse balizamento
se faz necessário porque a diferença não está ligada ao material, à técnica utilizada
ou a inspiração de cada uma delas. A arte sacra de acordo com Janson, é aquela
arte que segue uma temática religiosa e tem o destino litúrgico, isto é, aquela que se
ocupa com o culto, a vida ritualística dos fiéis. Já a arte religiosa é aquela que
denuncia a vida devocional do artista. A virtude da religião tende a produzir no ser
humano atitudes de submissão, fé, esperança e adoração. A arte religiosa se
subordina à religião. Toda arte sacra é necessariamente religiosa, mas nem toda
arte religiosa é sacra.
A Igreja se considerou sempre, com razão, como árbitro das
mesmas, discernindo, entre as obras dos artistas aquelas que
estavam de acordo com a fé, a piedade e as leis religiosas
tradicionais e que eram consideradas aptas para o uso sagrado
(Concílio Vaticano II, Const.. Sacrosanctum Concilium, 122)
24
A imagem sagrada está ligada à liturgia e por isso mesmo ela é subordinada
aos responsáveis eclesiásticos que cuidam da cerimônia. A imagem sagrada está
ligada ao poder e a normas eclesiásticas.
3.1 ARTE E RELIGIÃO
Desde os primórdios da história do ser humano a religião, a ciência e a arte
eram combinadas, fundidas numa forma primitiva de magia. O domínio do seu
entorno através da representação fez do artista um sábio. Assim também ocorre em
relação ao conceito do sagrado que diferencia o sacerdote do ser humano comum,
num saber metafísico.
Já vimos que foi especialmente no período da Renascença, que o artista
reconquista o status de cientista. Ao mesmo tempo devemos recordar que ainda
vigora durante esse período, com muita força, o conceito teocêntrico, sob o poder
inquestionável da igreja. A arte na Idade Média está a serviço da religião, enquanto
instituição é paulatinamente deslocada, na Renascença, para o indivíduo. Tanto arte
quanto religião surgem como reflexo da estrutura de uma sociedade. Arte e religião
estão
historicamente
condicionadas
ao
seu
tempo,
exercendo
sobre
os
observadores de seu tempo o fascínio como que se estivessem diante de um
espelho a refletir o que já se conhece.
toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em
consonância com as idéias e aspirações, as necessidades e as esperanças
de uma situação histórica peculiar (FISCHER, 1981, p.17)
Nesse período foi acentuada a importância do estudo da natureza e essa
busca estimulou o espírito de observação do ser humano. A idéia de que o ser
humano não estava apenas numa posição passiva em relação ao mundo, mas ele
era o agente, o catalisador das possibilidades nesse mundo. Foi mergulhado nesse
contexto que os artistas, agora cientistas, elaboram os cânones, o estudo da
proporção, a geometria, a iniciação nas pesquisas anatômicas e a cientificidade da
busca das cores. Não raro podemos observar o artista renascentista optando por se
intitular como cientista, e se utilizando das habilidades de seu ofício para aprofundar
25
seus estudos. Hauser inclusive afirma que a concepção científica da arte é iniciada
com Leon Battista Alberti. Ele é o primeiro a expressar a idéia de que a matemática
é a base comum entre a arte e as ciências. E Alberti afirma isto porque observa que
a teoria das proporções e perspectivas são matérias comuns tanto à matemática
quanto Às artes. “Todo desenvolvimento artístico passa a ser parte do processo total
de racionalização. O irracional deixa de causar qualquer impressão mais
profunda.”18
Mas, mesmo com toda a promoção que havia recebido como intelectuais, o
artista no início do Renascimento ainda era visto como gente do povo. Eles são
considerados como artesãos de um grau superior, e realmente suas origens sociais
não os fazem em nada diferentes dos pequenos burgueses. Eles recebem os nomes
das ocupações de seus pais, dos lugares onde nasceram, ou de seus mestres.
Basta observar os exemplos como Leonardo que carrega a origem de usa família.
Vindo de Vinci, por isso Leonardo da Vinci. Ou Dürer que é uma corruptela da
palavra alemã Tür que significa porta. Este era o sobrenome original do pai de
Dürer. O ateliê do artista, no começo da Renascença ainda preserva o espírito
comunitário da pequena oficina. É na busca de criar uma identidade e produzir uma
arte mais próxima da ciência que o individualismo humanista aparece através da
obra assinada. Vale pontuar que essa ascensão do artista ocorreu durante um longo
processo de consolidação dos novos valores e da aproximação dessa categoria
como os humanistas, especialmente os poetas.
O mecenato19 se tornou fundamental para o desenvolvimento da produção
intelectual e artística durante o Renascimento. Esse saber até então estava
exclusivamente vinculado a Igreja. Esse investimento nas artes e na ciência visava
ao crescimento do prestígio social desses mecenas e contribuía quase que
naturalmente, na divulgação de atividades de sua empresa ou na crescente
respeitabilidade de seu nome. Figuras ligadas especialmente à burguesia se
utilizavam desse artifício, mas alguns nobres e mesmo a Igreja, na figura do Papa
Júlio II podem ser relacionados entre os financiadores dessa produção intelectual
artística. A nova estrutura social sentia a pressão das altas taxas alfandegárias de
18
19
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura, p285.
O mecenato é a prática de proteção aos escritores e artistas.
26
um feudo para o outro, de um comércio crescente que se opunha a igreja que
proibia a usura e o lucro e ainda da exigência de impostos e dízimos.
As encomendas artísticas feitas pela classe média consistiam
principalmente, de início, em presentes para igrejas e mosteiros; somente
em meados do século foram encomendadas em maior quantidade obras
seculares e obras destinadas a fins particulares. (HAUSER,1995, p.309)
Esses presentes eram um método adotado para garantir fama eterna e tentar
apaziguar o conflito entre a devoção e o comércio. Essa mentalidade individualista
também contribuiu para alicerçar palavras como prestígio, poder, ciência no meio
eclesiástico. Hauser pontua que os humanistas e escritores foram acolhidos na
Cúria com escritores e secretários. Nicolau V (1447-1455) transformou a pequena
biblioteca pontifícia em uma grande coleção de manuscritos gregos e latinos. Iniciou
a reconstrução da Basílica de São Pedro, que tinha sofrido um grande incêndio. Pio
II (1468-1464) foi o elegante douto humanista e historiador. O Papa Sixto IV (14711484) decidiu transformar a monarquia papal em grande potência italiana. Mandou
construir a Capela Magna, que acabou levou seu nome, Sixtina, contratando os mais
proeminentes artistas de sua época. Julio II (1464-1471) contratou Bramante para o
primeiro projeto da Basílica de São Pedro e ainda Leão X (1513-1521) protegeu
ardentemente as artes.
3.2 ÍDOLO OU IMAGEM?
Usando a definição do dicionário Aurélio, imagem é um reflexo de algo real,
como diante de um espelho. Essa representação do real pode ser obtida por meio
de vários tipos de suporte, como papel no desenho, um mármore para uma escultura
ou ainda um retábulo20 de madeira para a gravura. Imagem é, portanto a reprodução
física de algo concreto ou de uma idéia.
Um ídolo é uma figura bi ou mesmo tridimensional que representa uma
divindade e que é objeto de adoração. Ídolo pode ainda ser encarnado em uma
pessoa. Imagem então não é o mesmo que ídolo.
20
Um retábulo é uma construção normalmente de madeira, mas pode ser encontrado de outro
material, com lavores, que fica por trás e/ou acima do altar e que, normalmente apresenta ou mais
painéis pintados.
27
Nesse trabalho focamos atenção nas imagens. Nas representações artísticas
sem o objetivo de ser objeto de adoração. Imagens muito mais próximas ao adorno,
à função didática e ao embelezamento do lugar onde estão inseridas.
Esta questão da diferença entre imagem e ídolo é amplamente discutida nos
ambientes eclesiásticos. A interpretação que é apresentada denuncia com facilidade
a linha doutrinária a que ela se subordina. A polêmica está na definição de imagem.
Todos concordam que a idolatria consiste em apontar que determinada divindade
está em uma imagem tridimensional, por exemplo: esta escultura substitui o próprio
Deus. Há fácil concordância na leitura de Habacuque 2.19: “Ai daquele que diz ao
pau: Acorda, e a pedra muda: Desperta”. O choque é encontrado na interpretação
do que venha a ser imagem.
O mesmo livro do Antigo Testamento, que proíbe que sejam feitas imagens,
orienta que esculturas de querubins de ouro, portanto imagens sejam colocadas
sobre a Arca da Aliança. Em vários textos observamos orientações quanto à
utilização de imagens como palmas, flores, leões e entalhes artísticos21.
Nesse contexto Renascentista em que a estrutura social era distanciada da
instrução e da leitura, e que as escolas estavam sob o domínio da igreja, o que se
proliferava normalmente eram analfabetos. Dentro dessa realidade as imagens
vistas pelos fieis, por dentro e por fora da igreja, é que transmitiam e repetiam as
lições da teologia cristã. A arte do fim da idade média está bem próxima da
propaganda e da educação. Essa produção de imagens não guardava em si mesma
nenhuma realidade concreta do cotidiano daquelas pessoas. A arte assumia uma
função didática, subordinada a uma política clerical, que apresentava uma
perspectiva escatológica e uma esperança de solução num mundo por vir. Assim
essas imagens serviam de inspiração e convite para a entrada num mundo espiritual
e perfeito e uma desilusão e desligamento da realidade que cercava aquela
sociedade.
As representações pictóricas anteriores ao período renascentista não
valorizavam a perspectiva o volume e a cor. De uma maneira geral além de usa
temática religiosa eram figuras assumidamente bidimensionais. Essas imagens eram
21
Ex 25, 17-22; 1Rs 6, 23-28; 1 Rs 6, 29s; Nm 21, 4-9; 1Rs 7, 23-26; 1 Rs 7, 28s
28
construídas com grandes blocos chapados conta o fundo, quase suprimindo a idéia
de espaço. Na última fase do período medieval surge o gótico, arte de raiz
germânica que influencia o restante da Europa. Janson registra que o Gótico
apresenta uma leveza e uma delicadeza, um reencontro com a técnica e a cor. A
rigidez inicial começa a ser quebrada e estimula à implementação popular desses
novos conceitos.
O Renascimento é um momento rico na proliferação de imagens. Se imagem é
um reflexo de algo real, se uma imagem procura ser o a representação como que
diante de um espelho, e a referência da produção deste período é o ser humano,
então o que vemos é o ser humano como o centro dessa expressão. O ser humano
é o centro de todas as coisas. O antropocentrismo é o conceito que fundamenta e
percorre a construção cultural daqueles tempos, imagem é um reflexo de algo real,
como diante de um espelho. Mesmo que o tema das pinturas esteja se
desprendendo dos ensinamentos apenas da igreja, ela vai se utilizar de cânones
humanos, de modelos humanos e de proporções mais próximas ao ser humano para
se comunicar com essa sociedade humanista. É natural que as pinturas tenham
causado tanto espanto e tanta admiração para classe em ascensão e também para
o clero. A busca de uma precisão fotográfica nas pinturas trazia os elementos
bíblicos para a realidade do dia a dia, dignificava ainda mais os conceitos
humanistas ao mesmo tempo em que incomodavam os mais radicais simpatizantes
da iconoclastia.
3.3 OS ICONOCLASTAS
Iconoclastia é a junção de duas palavras derivadas do grego eikon (ícone), e
klastein (quebrar). Ao longo da história é o nome assumido pela doutrina que se
opõem ao culto de ícones religiosos e outras obras, geralmente por motivos políticos
ou
hermenêuticos.
Esses
princípios
de
interpretação
são
firmados
fundamentalmente no texto de Êxodo 20. 4 e 5
Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há
em cima dos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor teu Deus,
29
Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira
geração daqueles que me aborrecem.
Mas, o princípio hermenêutico da interpretação oficial é selecionado em
consonância, ou pelo menos o mais próximo possível dos interesses definidos pelo
poder vigente.
Na opinião dos primeiros tempos da Idade Média, a arte seria supérflua se
todos pudessem ler e acompanhar uma cadeira abstrata de raciocínios; a
arte era vista originalmente como uma simples concessão feita às massas
ignorantes que tão facilmente são influenciadas por impressões dos
sentidos. (HAUSER, 1995, p.129)
São vários os movimentos do iconoclasmo ao longo da história da igreja. O
mais difundido deles foi o que ocorreu durante o Império Bizantino, quando a
produção e a disseminação e o culto das imagens foram proibidos. Nesse período
os adeptos da iconofilia e iconolatria foram perseguidos e executados, além de
terem suas obras queimadas em praça pública.
Hauser afirma que o iconolasmo não foi realmente um movimento inimigo da
arte. Esse movimento não perseguia a arte como tal, mas apenas um gênero
especial de arte. A luta se contornou apenas contra as imagens de conteúdo
religioso ligadas à liturgia. A destruição e perseguição iconosclasta era portanto
focada na arte sacra, e mesmo no período de maior perseguição a pintura
decorativa ainda era tolerada. O autor ainda continua desenvolvendo o raciocínio
provando que a campanha de perseguição tinha como pano de fundo não apenas as
questões ligadas à religiosidade, mas a força real era política.
O estilo bizantino só foi capaz de firmar-se onde havia a arte cristã, porque a
igreja Católica do Ocidente desejava chamar a si o poder que o imperador já
tinha em Bizâncio. O objetivo artístico era o mesmo em ambos os casos: essa
arte devia ser a expressão de uma autoridade absoluta, de grandeza sobrehumana e mística inacessibilidade. (HAUSER, 1995, p.135)
30
Clemente de Alexandria22, no segundo século, já sublinhava que o segundo
mandamento é dirigido contra as representações pictóricas de toda e qualquer
espécie e que esse é o critério da Igreja primitiva e dos patriarcas. No século III
Eusébio descrevia a representação pictórica de Cristo como idólatra e contrária às
Escrituras.
Durante o papado de Leão III o problema da proibição do culto às imagens
tomou força em função de pelo menos três frentes: Um lampejo do desejo de uma
“reforma”, através de um grupo rotulado de paulicianos que questionava o controle
sacramental da igreja a penetração militar dos árabes em áreas do antigo Império,
esses vitoriosos guerreiros que não tinham em sua religião o culto às imagens
naturalmente influenciavam os “modismos” em terras Bizantinas e finalmente a luta
que os imperadores estavam travando com o crescente poder do monasticismo.23
Os mosteiros converteram-se em locais de peregrinação aonde o povo acudia
com suas dúvidas, preocupações e pedidos, e também aonde levavam seus
presentes e oferendas. A maior atração dos mosteiros eram os ícones
milagrosos. Possuir uma imagem famosa de um santo tornou-se fonte
inexaurível de fama e de riqueza para um mosteiro. (HAUSER, 1995, p.142)
O iconoclasmo foi decretado como doutrina oficial pelo imperador Leão III, em
730. Essa atitude retirou dos mosteiros seus meios mais eficazes de propaganda. O
historiador Hauser afirma que Leão III tinha planos de fundar um poderoso exército,
mas os jovens estavam optando por uma vida monástica. Isso não apenas
enfraquecia a força militar, mas também a agricultura e o serviço civil. Reproduzindo
Hauser, o iconoclasmo não foi de modo nenhum um movimento puritano, platônico
ou dirigido conta a arte, mas se utilizou da arte para deslocar ou perpetuar o poder.
A aplicação tenaz ocorreu com Constantino V, Contantino VI e Leão V. A
polêmica foi tão acirrada que provocou a guerra civil que só terminou em 843 com a
restauração do culto aos ícones, em Constantinopla, na catedral de Santa Sofia. Os
bispos ortodoxos reagiram a favor das imagens até que o papa Gregório II condenou
a iconoclastia de Leão III. O imperador prosseguiu sua luta contra as imagens e
22
Tito Flávio Clemente, ou Clemente de Alexandria foi um, escritor grego, teólogo. Defensor da
rebelião contra a opressão, que levou ao conceito de guerra justa. Clemente é considerado o
fundador da escola de teologia de Alexandria.
23
Monasticismo é a prática da abdicação da vida em sociedade em prol da prática religiosa. Esses
indivíduos ascetas são classificados como monges, podem ser referidos como monásticos.
31
seus fabricantes. No Concílio Romano de 731, o Papa Gregório III condenou os
profanadores de imagens e confirmou seu culto.
A Reforma Protestante, sobretudo a de Calvino, representa uma nova ruptura
iconoclasta que combaterá a estética da imagem e a extensão do sacrilégio do culto
aos santos. O iconoclasmo novamente se ocupa das destruições de estátuas e dos
quadros. Este iconoclasmo, no meio protestante, no sentido de “destruição de
imagens”, diminui de intensidade com o culto às Escrituras e também à música
A posição de Lutero quanto às representações religiosas pode ser identificada
através de um trecho de uma carta intitulada: Outra vez os profetas divinos das
imagens e sacramentos diz:
É melhor que se pinte nas paredes, como Deus criou o mundo, como Noé
construiu a Arca, e outras belas histórias, do que quaisquer outras
mundanamente vulgares. Ah, quisera Deus que soubesse convencer os
senhores e ricos para que pintassem a Bíblia inteira por dentro e por fora
das casas, para que todos pudessem ver. Isso seria uma obra fielmente
24
cristã.
24
Obs.: Cit. por DREBES, In A educação na dimensão do Reino de Deus desvelada em obra pictórica
de Lucas Cranach, p.46. Dissertação inédita de Mestrado, São Leopoldo, EST, 2000.
32
4. A REFORMA E AS ARTES NA ALEMANHA NOS SÉCULOS XVI E XVII
A Reforma ocorreu, como já vimos, num momento de grande efervescência
artística, mesmo fora da Itália que era sem dúvida o maior centro cultural desse
período. O berço do Renascimento se fixou basicamente nas cidades italianas que
viviam do comércio. Cidades como Veneza, Pisa, Gênova e principalmente
Florença.
Figuras indiscutivelmente marcantes em toda história Ocidental como Leonardo
Da Vinci, Botticeli, Michelangelo Buonarroti e Rafael circulavam pela região da Itália
em alguns casos, no mesmo período. A arte, especialmente nessa época, podia ser
vista em quase todas as igrejas, edifícios públicos, praças e até mesmo nas casas
dos grandes burgueses.
Nosso desafio neste capítulo é desvendar a forma que os artistas vão encontrar
para adaptarem os antigos conceitos vindos da Itália diante da proposta das noventa
e cinco teses de Lutero afixadas na porta da igreja do Castelo de Wittenberg.
Após a Reforma, não só deixaram de existir quaisquer bons católicos que
não estivessem convencidos da corrupção da Igreja e da necessidade de
sua purificação, mas a influência das idéias originadas na Alemanha foi
muito mais profunda: as pessoas adquiriram consciência da perda da
natureza essencialmente espiritual, da qualidade transcendente e
intransigente da fé cristã, e sentiam um desejo insaciável de que essas
características fossem recuperadas. (HAUSER, 1995, p.384)
A igreja católica alemã era muito rica. Seus maiores domínios se localizavam as
margens do Reno e eram chamadas de “caminho do clero”, eram estes territórios
alemães que mais impostos rendiam à igreja. A igreja para o senso comum era
sempre associada a tudo que estivesse ligado ao feudalismo. Por isso, a burguesia
via a igreja como inimiga. Os anseios dessa burguesia eram por uma igreja que
cobrasse menos impostos, que gastasse menos e principalmente, que não
condenasse a prática de ganhar dinheiro.
Os pobres identificavam a igreja com o sistema que os oprimia: o feudalismo.
Isto porque ela representava mais um senhor feudal, a quem deviam muitos
impostos.
33
4.1 AS ARTES VISUAIS SE DESLOCAM
Num ambiente conturbado, repleto de conflitos e lutas a arte e a ciência da
Renascença ficam em segundo plano. As questões políticas e religiosas estavam
em evidência sob o prisma do humanismo. Ainda não há nesse primeiro momento
da Reforma resistência à utilização das obras de arte nem mesmo a arte sacra.
Tanto é assim que Lutero mantinha amizade com Lucas Cranach. Esse artista que
ficou conhecido como artista da Reforma, pinta o retrato de Lutero, de seus pais, da
esposa e dos primeiros reformadores da Alemanha como Filipe Melanchton. Além
disso, Cranach produziu várias cenas religiosas que ilustram a primeira edição do
Novo Testamento traduzido por Lutero em 1522.
As lutas religiosas e políticas poderiam ter tido conseqüências catastróficas
para a arte, mas, surpreendentemente, tal não aconteceu. É verdade que a
pintura nos Países Baixos do século XVI não igualou em brilho a do século
XV, nem produziu precursores do Renascimento comparáveis a Dürer e
Holbein. (JANSON, 1995, p.476)
6. Lucas Cranach (1472-1553)
Retrato de Melanchton por Lucas Cranach Lucas – Wittenberg
O deslocamento das artes, especialmente na Alemanha, vai ocorrendo na
direção da imprensa. Paulo Heirtlinger em seu livro Tipografia, tratando dos
primórdios da imprensa, afirma que a rápida reprodução de textos com tipos móveis
levados ao prelo foi um acelerador decisivo para a difusão das idéias do
34
Humanismo, da Renascença, e também do Protestantismo, ajudando a decretar o
fim do período chamado de Idade Média e do monopólio cultural da Igreja Católica.
Heirtlinger acrescenta que panfletos e bulas utilizados para a propaganda religiosa
foram os primeiros meios de comunicação de massas que saíram dos prelos de
Gutenberg e seus sócios. Essas bulas ajudaram a disceminar os princípios basilares
da Reforma como somente a escritura, somente Cristo, somente a graça, somente a
fé e gloria destinada somente a Deus. Mas logo apareceria a primeira obra-mestra
tipográfica, o primeiro livro impresso na Europa - A Bíblia. Uma série de outros livros
foi publicada como os textos de Tomás de Aquino, um manual de cirurgia, tratados
de Matemática e Geometria, além da Vulgata. Além de tudo isso, fortalecia-se o
ideal da independência financeira imposta por Roma e o patriotismo caracterizado
através da língua falada e agora também escrita. Todo povo poderia ler em sua
língua o texto que estimulou Lutero a enfrentar o poder papal.
Reprodução de uma página da Bíblia de 42 linhas, o primeiro livro europeu impresso por processo
industrial na oficina de Gutemberg. Este exemplar foi impresso a duas cores, negro e rubro, o que
não aconteceu com todos os exemplares (1534)
35
A aproximação das artes com a nova invenção – a imprensa de Gutemberg –
estimulou o espírito científico de artistas como Dürer a desenvolverem temas
geométricos e sua aplicação na construção não apenas de colunas, mas também de
letras. Polêmicas começaram a se apresentar quanto a utilização desta ou daquela
forma gráfica de desenho da letra.
Como registra Bettenson no livro Documentos da Igreja Cristã o enfrentamento
de Lutero e a segurança que ele demonstrou estavam firmados nos textos das
Escrituras.
E assim, pela misericórdia de Deus, peço a Vossa Majestade Imperial e a
Vossas ilustres senhorias, ou a qualquer um de qualquer posição, dar
testemunho, derrubar os meus erros, derrotá-los pelos escritos dos profetas
ou pelos Evangelhos, pois estarei inteiramente pronto, quando melhor
instruído, a retratar-me de qualquer erro, e eu serei o primeiro a atirar meus
escritos no fogo. (BETTENSON, 2001, p304)
O texto não apenas passou a ter valor para divulgar as informações
encontradas de obras antigas, mas também para propagar as novas idéias. As artes
visuais que apresentavam uma função didática e sustentavam a dependência do
poder da igreja na Idade média especialmente na região da Itália, na Alemanha vai
sendo conduzida à categoria de ilustração.
As próprias convicções de Dürer eram, no fundo, as do Humanismo Cristão,
e por essa via se tornou um dos primeiros e mais entusiásticos adeptos de
Martim Lutero, embora, tal como Grümewald, não deixasse de trabalhar
para clientes católicos. (Janson, p464.)
Avançadas técnicas de gravura começaram a ser desenvolvidas para reproduzir
iluminuras25 e ilustrações junto com as obras gráficas. As grandes obras de Dürer, o
maior expoente da arte renascentista na Alemanha, são ligadas à gravura e não a
pintura. As obras de Cranach mais respeitadas ilustram o Novo Testamento
traduzido por Lutero. A literatura toma a frente das artes plásticas em função da letra
escrita. As artes gráficas se oferecem como um meio de expansão, não apenas
literário, mas também artístico.
25
Iluminura era um tipo de desenho decorativo, frequentemente empreendido nas letras capitulares
que iniciam capítulos em determinados livros, especialmente os produzidos nos conventos e abadias
36
A gravura surge intimamente ligada à escrita, como forma de ilustração, na
tentativa de substituir as iluminuras que apareciam nos escritos medievais. A forma
característica da criação artística alemã foi à gravura sobre metal ou madeira. Dürer
teve um pai ourives, era apaixonado pela arte italiana, onde foi estudar e manteve
contato com Erasmo de Roterdã. Seu espírito humanista é denunciado pelo estudo
das ciências em inúmeros campos como a matemática, a geografia, a arquitetura, a
tipografia, a geometria e a fortificação.
7. Albrecht Dürer (1471-1528)
Melancolia - gravura, (1514) por Albrecht Dürer
4.2 A PINTURA VOLTA SOB UM NOVO CONCEITO
A gravura passa a influenciar os grandes artistas europeus dos séculos XV a
XVII com Rembrandt, Francisco Goya e Albrecht Dürer. A fama internacional desses
artistas, na época em que viveram, veio principalmente de suas gravuras, que eram
mais populares que suas pinturas.
37
Toda a questão técnica da tipografia, as discussões e pesquisas sobre a
apresentação do livro impresso não escravizaram a arte e muito menos anularam as
expressões do ser humano daquela época. Hauser diz que “a arte está longe de
tornar-se uma serva da ciência, no sentido em que era a “serva da teologia”26. Os
grandes artistas desse executavam trabalhos com a técnica da gravura e nem por
isso deixavam de pintar seus quadros à óleo.
Dentro desse cenário conturbado e rico em questionamentos, cenário em que
ricos comerciantes e banqueiros estimulavam o consumo e ao mesmo tempo
financiavam a produção de obras de arte e literatura o que observamos é a obra de
arte começar a refletir esse contexto dramático. Exatamente nesse período
encontramos a pintura de Bruegel registra cenas da vida cotidiana, retratando o
estilo de vida da classe burguesa em ascensão.
Bruegel foi apelidado de “camponês Bruegel”, e as pessoas caíram no erro
de imaginar que uma arte que retrata a vida de gente simples destina-se
também a pessoas simples, quando, na realidade, ocorre o oposto.
Usualmente, só as camadas da sociedade que pensam e sentem de modo
conservador buscam na arte uma imagem de seu próprio modo de vida, o
retrato de seu próprio ambiente social. (HAUSER, 1995, p412)
8. Bruegel (1525-1569)
O Cego guiando os cegos. 1568)
26
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura, p343.
38
Ao retratar a paisagem, o cenário, a maneira de viver dessa época os artistas
do renascimento são chamados de maneiristas27. Hauser registra que “o maneirismo
começa, portanto, como um protesto contra a arte da Renascença, e as pessoas da
época estão tão perfeitamente conscientes da ruptura que desse modo ocorre no
desenvolvimento da arte.”
O maneirismo está cronologicamente mais perto da Contra-Reforma, e o
austero enfoque espiritualista da época tridentina expressa-se mais
puramente no maneirismo do que no voluptuoso barroco. Mas o programa
artístico da Contra-Reforma, a propagação do catolicismo é realizada
primeiramente pelo barroco. (HAUSER, 1995, p.395)
É com a ascensão da burguesia e essa valorização do ser humano que surgem
os retratos, as cenas de família. Outro nítido deslocamento da arte a serviço da
igreja, mas é claro que produção pictórica de caráter religioso continua sendo
produzida, particularmente na Itália. Nos chamados Países Baixos o que prolifera é
a arte do retrato. A reprodução da figura humana não mais idealizado como ocorria
no período clássico, mas o retrato. A figura realista, a personificação, a
individualidade em sua expressão máxima.
Todos os temas seculares que tão largamente figuram na pintura holandesa
e flamenga do período barroco – paisagem, natureza-morta e genro (cenas
da vida diária) – foram definidos pela primeira vez entre 1500 e 1600. O
processo foi gradual e menos influenciado pelos talentos dos artistas que
pela necessidade de satisfazer o gosto popular, pois eram cada vez mais
raras as encomendas para as igrejas. O furor iconolástico dos protestantes
espantou-se largamente nestas regiões. (JANSON, 1995, p.476).
A pressão ideológica sofrida pelo artista dos locais dominados pela Reforma
Protestante, estimulou a arte da pintura a procurar outros temas uma nova visão do
mundo e do meio que o circulava. A necessidade de satisfazer os clientes cada vez
mais prósperos economicamente, sem agredir os conceitos implantados nos círculos
sociais, dessa área reformada, fez com que o tema das pinturas circulasse bem
distante do tema religioso que dominava a arte durante o período renascentista. A
27
O dicionário Aurélio define maneirismo como a tendência estética surgida no séc. XVI que se
caracteriza pela interpretação requintada da maneira de certos artistas do Renascimento, com ênfase
na movimentação estilizada das formas, na elegância, na dramaticidade, o que iria configurar uma
arte própria de uma minoria intelectual cortesã, marcada pelo individualismo. Ainda no séc. XVI, o
maneirismo já prenuncia o Barroco.
39
dramaticidade do barroco, o claro-escuro, é como afirma Hauser uma denuncia
desses contrastes sociais e ideológicos que procuram encontrar harmonia.
4.3 AS ARTES MUSICAIS SE DESENVOLVEM MAIS DO QUE AS ARTES
PLÁSTICAS
As manifestações artísticas estavam se acomodando à nova idéia de Igreja.
Hauser afirma que a arte da pintura “está sumamente interessada nos bens e
haveres do indivíduo, na família, na comunidade e na nação: aposentos e pátios, a
cidade e seus arredores, a paisagem local e os campos libertados e recuperados”.
A Reforma Protestante, como o próprio nome diz, não estava fundamentada
numa proposta de outra igreja, mas na reforma da igreja que já existia. Mas o
resultado dos questionamentos dos reformadores foi, na realidade, uma cisão.
Bettenson comenta que a Confissão de Augsburgo de 1530 surgiu como
resultado do colóquio de Marburgo em que Lutero tentou uma reunião de
reconciliação com Zwinglio. Quando a conferência falhou, Lutero elaborou quinze
artigos que foram transformados na Confissão de Augsburgo, escrita por Melachton.
Essa Confissão foi aceita pelos protestantes como uma declaração de fé que
compreendia que a Reforma não deveria exercer outra influência além da que
procede das Escrituras.
Na igreja de Roma as imagens sagradas voltaram a ter força, e força ainda
maior após o Concílio de Tento e a Contra-Reforma. A grande diferença litúrgica
residia na forma de interpretação do texto bíblico. É justamente dessa diferença que
vai brotar o marco do rito cúltico.
As novas igrejas estavam se “despindo” de imagens. A liturgia era centralizada
no estudo e na interpretação das Escrituras. Nesse contexto eclesiástico a música
tinha um papel significativo no pensamento de diversos reformadores. A música
substituía a função didática anteriormente ocupada pela pintura.
João Calvino, reformador no séc. XVI, nos deixou uma série de recomendações
a respeito da importância da música no culto, ao escrever o prefácio do primeiro
40
Saltério28 Genebrino, publicado em 1565. A música esteve próxima da educação e
fortaleciam a teologia reformada. Com a nova teologia surgia também uma nova
estética de adoração e esta nova forma irá marcar a música como instrumento de
propagação dos ideais da Reforma. Tanto Calvino como Lutero afinam nessa
direção de se utilizar da música para proclamação do evangelho e difundir os novos
conceitos doutrinários que revolucionaram o mundo do século XVI.
Figuras de expressão musical Barroca como Hendel pela igreja Anglicana e
Bach, pela igreja Luterana, são expoentes dessa “centralidade do culto” e afirmação
do individualismo não apenas do texto bíblico em sua própria língua como também
dos hinos.
Os matizes da pintura são transferidos para expressão musical com hinos
cantados pelo coro e vez por outra acompanhados por versos e a inserção de
participações de solistas e outros instrumentos. O que se via no deslocamento da
expressão pictórica final com Bruegel e a dramaticidade do Barroco, com o
envolvimento não apenas no clero vê-se agora na forma e no repertório musical.
Segundo o livro Obras Selecionadas de Martinho Lutero, em seu volume sobre a
educação, o povo deveria aprender as doutrinas bíblicas cantando melodias simples
relacionadas ao seu dia a dia. E essa estratégia foi extremamente importante para o
sucesso e popularização da Reforma. Numa carta escrita a Spalatinus, secretário de
Frederick I, o grande reformador apresenta seu projeto educacional: o “plano é
seguir o exemplo dos profetas e os pais antigos da igreja e compor salmos para as
pessoas no vernáculo... de forma que a Palavra de Deus também possa estar entre
as pessoas em forma de música”.
Martinho Lutero prefaciando ao hinário Wittenberguense de 1524 acentua bem
o valor que ele dava as artes, especialmente a música. Ele inicia este texto
fundamentando que “o próprio S. Paulo o institui em I Co 14[26] e ordena aos
colossenses que cantem com vontade ao Senhor hinos sacros e salmos.” Lutero
assume, neste prefácio, o trabalho que desenvolveu reunindo “alguns hinos sacros a
28
O saltério era um hinário contendo salmos em forma de poesia. Esses salmos haviam sido
musicados por Claude Goudimel a pedido de Calvino, porque ele queria que os salmos voltassem a
ser usados nos cultos.
41
fim de propagar e dar impulso ao santo Evangelho que ora voltou a brotar pela graça
de Deus” E ainda acrescenta:
Além disso, foram arranjados a quatro vozes por nenhuma outra razão
senão o meu desejo de que a juventude, a qual afinal de contas deve e
precisa ser educada na música e em outras artes dignas, tenha algo com
que se livre das canções de amor e dos cantos carnais para, em lugar
destes, aprender algo sadio, de modo que o bem seja assimilado com
vontade pelos jovens, como lhes compete. Também não sou da opinião de
que, pelo Evangelho, todas as artes devam ser massacradas e
29
desaparecer, como pretendem alguns pseudo-espirituais.
(LUTERO,
2000, P.481)
Ainda que houvesse divergências entre a forma de se utilizar a música entre a
posição de Lutero e Calvino, ambos se utilizaram dela. Calvino mantinha sua
posição mais ortodoxa e afirma ele nas “As institutas da religião cristão”, volume II,
que “As Escrituras nos dizem que todas as nossas obras são maculadas, e,
portanto, não podem suportar o escrutínio de Deus”. Talvez por isso, diz Carpeaux,
Calvino não utilizasse instrumentos para acompanhar o canto que deveria ser feito
“à capela”.30. Lutero desenvolveu particular apreço pela música desde a sua
infância. Em seu período de vida monástica conheceu e aprendeu o canto
gregoriano, além de tocar alaúde e ser compositor. Martim Lutero registraria em
carta de outubro de 1530 a Ludwig Senfl:
“Pois sabemos que os demônios odeiam e não suportam a música. Dou
minha opinião bem franca e não hesito em afirmar que, depois da teologia,
é a música que consegue uma coisa que no mais só a teologia proporciona:
um coração tranqüilo e alegre. Uma prova muito clara disto é que o diabo, o
causador de tristes preocupações e de tumultos perturbadores, foge do som
da música quase tanto como da palavra da teologia. É por isso que os
profetas de nenhuma arte se serviram como da música. Sua teologia eles
não a expressaram pela geometria, nem pela aritmética ou astronomia, mas
pela música, ligando, portanto, estreitamente teologia e música e dizendo a
verdade em salmos e hinos.” (CARPEAUX, 2001).
Essa inclinação para arte da música foi tão pontual para as igrejas reformadas,
especialmente para Lutero, que o próprio reformador empenhou-se para requisitar
que os compositores de língua alemã o ajudassem nessa tarefa. O envolvimento do
povo com o canto de hinos congregacionais era algo muito inovador e “enchiam o
29
Obs.: Obras selecionadas de Martinho Lutero, Sinodal, p 481 - Die Vorrade dês Wittenberg
Gesangbuches von 1524 – Vorrede Martini Luther, WA 35,474s. Tradução: Ilson Kayser.
30
Aurélio define como polifonia sem acompanhamento instrumental: coro a capela.
42
templo” criando um contraste com as paredes, agora limpas, dos templos da igreja
reformada.
43
CONCLUSÃO
O tema que selecionamos para este estudo se mostrou rico em minúcias e
detalhes
históricos.
Acumulamos
uma
visão
panorâmica
desse
período
imediatamente posterior a Reforma, e por isso mesmo, distanciada dos conflitos
inerentes à trama desse tecido social. Reconstruir a complexidade das relações de
poder,
da
convivência
com
novas
idéias,
das
novas
descobertas,
dos
questionamentos e das implantações práticas de teologias e filosofias propostas
anos a fio, é um exercício extraordinário para quem está tão distante dos elementos
que cercam determinada convivência social.
O ser humano que viveu no período da Reforma, das grandes descobertas
renascentistas é um cidadão, ainda que não desejasse impactado brutalmente pelos
conflitos e pela turbulência do momento. O humanismo e o naturalismo formam o
alicerce e referência de todas as relações daquele período. O Renascimento
floresceu sobre este solo do humanismo, antropocentrismo e naturalismo. O
deslocamento do foco central do teocentrismo para o antropocentrismo foi se
estabelecendo
gradualmente
e
se
propagando
infectar
os
representantes
sacerdotais.
O contexto histórico, político e social do século XVI, tanto na Itália – centro
intelectual do Renascimento – até todo restante da Europa são marcados por essa
efervescência científica, humanística que estimulam o questionamento da antiga
estrutura medieval. Estas interdisciplinaridades relacionadas à política, a filosofia e a
história desenham um indivíduo multifacetado, por isso mesmo chamado de
moderno. Este é o momento em que se estabelece a dicotomia entre o místico e o
científico, o plural e o individual o impessoal ao personalizado.
Diante do que foi exposto, surpreendemo-nos encontrar tantos Renascimentos
dentro do Renascimento. Princípios gerais que são pulverizados por todos os lados
da Europa, mas que têm cada um deles suas peculiaridades próprias.
O conceito de imagem sagrada se apresentou como um elo entre princípios
antigos da iconoclastia, muito anteriores ao período da Reforma, e as novas
resistências a expressão pictórica. A diferença que nos parecia inicialmente tênue
entre arte sacra e arte religiosa se houve muito mais abrangente e profunda do que
imaginávamos.
44
Sem dúvida, a investigação e a elaboração do capítulo quatro enriqueceram
muito a reconstrução do cenário que estávamos procurando reconstituir. O
deslocamento do foco das artes visuais para as artes gráficas se mostrou como um
tesouro de informações se abrindo. Neste momento tivemos que, fundamentados na
disciplina, foca bem o campo de estudo dessa pesquisa para não ampliarmos ainda
mais a abrangência do tema. Esta relação do desenho dos tipos móveis, sua
nomenclatura e a cientificidade das artes fora da Itália deixa aberto como um
caminho para uma nova pesquisa.
O retorno da pintura como retrato do ambiente e dos personagens pareceu
pontuar o raciocino e o princípio anteriormente estudado do antropocentrismo e do
humanismo ainda fundamentados somente na teoria. A concretização da idéia, ou
como diz Hauser “a arte como espelho da sociedade”.
Uma vez firmado o princípio da não utilização das artes nos templos das
igrejas reformadas, e não sem acirrada luta, as artes pareciam encontrar um epílogo
nos ambientes eclesiásticos da Reforma. Surpreende-nos descobrir a imediata
abertura e estímulos deixados para as músicas. Essa boa vontade para a utilização
da música como um elemento didático num primeiro momento, vai se aperfeiçoar até
as grandes obras musicais barrocas.
O Catolicismo mantém pintura sacra como sua expressão e identidade
enquanto a nova igreja reformada assume a música como elemento de educação e
envolvimento popular de seus adeptos.
O que nasceu de uma intenção de adaptação de novos conceitos – as 95
teses de Lutero - se revelou como um problema com a proibição da utilização das
obras de arte nas igrejas da Reforma e posteriormente uma identificação de cada
uma das partes distanciadas.
Finalmente, a utilização de reproduções de quadros, neste trabalho, elucidou a
riqueza dos ambientes e personagens, em alguns momentos estimulou curiosidade
e a investigação e ainda emoldurou o contexto do período tão rico na produção de
obras clássicas como a Renascença.
45
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS
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BESANÇON, Alain. A imagem proibida: uma história intelectual da iconoclastia. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
BETTENSON, Henri. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2001
BÍBLIA. Português. Tradução Ecumênica .Trad. Grupo Ecumênico do Brasil. São
Paulo: Edições Loyola e Paulinas, 2002.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã.
2ª ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1995.
CALVINO, João. As institutas ou tratado da religião cristã. São Paulo: Casa editora
Presbiteriana, S/C, 1985.
CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música. Rio de janeiro:
Ediouro. 2001.
CUNHA, Geraldo Antônio da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 2001
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 6 ed. Ver. Amp. Curitiba: Posigraf, 2004.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 9 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
FREDERICO, Denise Cordeiro de Souza. Cantos para o Culto Cristão. São Paulo:
Editora Sinodal. 1999.
GONZÁLEZ, Justo L. Vol6. Uma História Ilustrada do Cristianismo – A era dos
Reformadores. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1981.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes,
1995
HEITLINGER, Paulo. Tipografia – Origens, formas e uso das letras. Portugal:
Dinalivro, 1994.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas – Vol 7- Vida em comunidade. Editora
Sinodal, São Leopoldo e Concórdia Editora, Porto Alegre. 2000
ARTIGOS
DREBES, In A educação na dimensão do Reino de Deus desvelada em obra
pictórica de Lucas Cranach, p.46. Dissertação inédita de Mestrado, São Leopoldo,
EST, 2000.
46
Protestantismo em Revista - ISSN 1678 6408 - Ano IV - Número 02, mai-ago 2005.
Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano III - Número 03 - Abril de 2005.
7. RESUMO
Este trabalho circula em torno da investigação do contexto histórico, social e
político do momento em que se decide retirar as pinturas dos templos da igreja
reformada. Para atingir este objetivo a pesquisa reúne alguns dos princípios
norteadores
da
filosofia
humanista
e
dos
conceitos
renascentistas
que
caracterizaram a época em questão.
O que se revela ao longo do trabalho é a maneira progressiva como a
liderança da igreja protestante vai se inclinando para a área da música como suporte
didático e deixando a pintura, que era identificada como a propaganda da igreja
católica do período medieval.
Esta pesquisa também apresenta material ilustrativo – reprodução de obras de
arte do período estudado – que ajudam o leitor a percorrer e se familiarizar ao
caminho sugerido de desenvolvimento do ambiente estudado.